Capítulo 3 Amazônia, o cenário onde a Guascor atua

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Capítulo 3 Amazônia, o cenário onde a Guascor atua
3
capítulo
Amazônia
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3
a
Amazônia
Árvore Samaúma, em Afuá (PA)
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O cenário
Guascor 10 anos
exuberante e complexo
onde a Guascor atua
(...) “Atrás do horizonte verde, uma camada
baixa de nuvens, do azul ao violeta,
depois o rosa. Fomos direto para a usina.
Subimos desde a margem do rio por uma
“parede” de aproximadamente 20 ou 30
metros, carregando nossas ferramentas.
Em nenhuma dessas cidades há automóveis
(que maravilha!). Tivemos problemas com
um grupo gerador, o que atrasou a nossa
programação. Saímos de Calãma às 13h50,
debaixo de chuva, que nos acompanhou
durante boa parte da viagem. Porém, o mais
interessante ainda estava por vir: subíamos
o rio, nos mantendo próximos à margem
para evitar a correnteza maior, quando
avistamos o que parecia ser mais um entre
tantos outros troncos de árvore que são
carregados pela correnteza, rio abaixo.
Ao aproximar a lancha um pouco mais,
para nosso espanto, vimos tratar-se de um
enorme jacaré. Ednilson, no reflexo, desviou
subitamente a lancha e a marola cobriu o
animal que desapareceu nas águas fundas
do rio Madeira. (...) Na selva, trabalha-se em
fase com a natureza. Levantamos junto com
o sol e começamos os trabalhos bem cedo, e
paramos quando o sol se põe. Valores como
cordialidade e solidariedade são a tônica do
ribeirinho.”
Trecho do diário de viagem de
Paulo Afonso Barbosa da Silveira
durante a implantação de usinas em Rondônia,
em janeiro de 2000.
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Amazônia
E
ssa breve descrição nos
permite imaginar apenas
um pedacinho de uma
região imensa e complexa
denominada Amazônia.
O texto reflete a adaptação do homem às
enormes forças da natureza. E grandiosidade
é o adjetivo que mais se aplica a esse
território, delimitado pela bacia hidrográfica
do Amazonas, que ocupa uma área de
7.050.000 km2, avançando sobre nove países
da América Latina: Brasil, Paraguai, Bolívia,
Amazônia vista do espaço
Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana
Francesa e Suriname.
das árvores, a uma altura de aproximadamente
50 metros acima do solo. A altura corresponde
Um pouco mais da metade dessa área, cerca
a um prédio de dez andares. No entanto, ali
de 3,8 milhões de km2, é brasileira, e se
não existe a linearidade dos edifícios das
estende pelos Estados do Acre, Amazonas,
metrópoles, nem sua densidade. As árvores
Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Pará,
gigantescas, parte delas seculares, entrelaçadas
Amapá, Maranhão e Tocantins. A região
por cipoais, já foram substituídas e por uma
amazônica, vista de cima, é como um tapete
vegetação mais rasteira, como resultado da ação
verde cobrindo a maior parte desta área. Essa
devastadora do homem. Mas no mapa, continua
cobertura não se estende sobre o chão. É uma
sendo a floresta tropical, a Floresta Equatorial
camada aérea, formada pelas copas frondosas
Amazônica, ou ainda, Hiléia Amazônica, por
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Pororoca: um espetáculo da natureza
A pororoca é um fenômeno natural que consiste
no encontro das águas do mar com as águas do
rio. Assim, quando marés ou correntes contrárias
se encontram, há uma súbita elevação das águas.
Isso acontece em várias partes do mundo, em
rios pouco profundos e influenciados pelas
marés. No Brasil, o fenômeno é mais intenso na
foz do rio Amazonas e nos rios do Amapá, como
o Araguari, que desemboca na ilha de Maracá.
Ali a poporoca se dá com maior intensidade
nos meses de janeiro a maio e já se tornou uma
atração turística. Com o impacto, as águas
correm rio adentro com uma velocidade de 15
km a 30 km por hora, e alcançam uma altura de
até 6 metros.
A palavra vem do termo poroc-poroc que, no
dialeto indígena do baixo Amazonas significa
‘destruidor’. A pororoca ocorre durante todo o
ano, principalmente em época de lua cheia ou
nova.
A pororoca prenuncia a enchente. Alguns
minutos antes de chegar, há uma calmaria, um
momento de silêncio. As aves se aquietam e
até o vento parece parar de soprar. É ela que
se aproxima. Os caboclos que moram no local
percebem o que está por vir e procuram rápido
um lugar seguro para aportar.
A violência das águas é tão grandiosa quanto
a beleza do espetáculo que oferece. Sua força
chega a arrancar árvores e pedaços de terra
nas margens. O som provocado pela pororoca
é ensurdecedor e pode começar a ser ouvido
até com duas horas de antecedência ao estouro
das águas, que provoca uma sucessão de ondas
menores, os chamados “banzeiros”.
Várias teorias tentam explicar a causa da
pororoca. A mais aceita diz respeito à influência
das fases da lua sobre as águas.
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Amazônia
onde serpenteia o rio de maior extensão
Amazônia é também o nome dado ao bioma que
do mundo, o rio Amazonas, com 6.868
representa quase metade, 49,29%, do território
quilômetros de comprimento.
nacional e onde está contido um quinto de toda
a água doce disponível no planeta. A floresta
A sua nascente está localizada na
equatorial que abriga, por sua vez, corresponde
Cordilheira dos Andes, no Peru. E ele vai
a um terço das reservas florestais do globo.
desaguar no Oceano Atlântico, onde está
a Ilha de Marajó. Entre seus afluentes há
A bacia amazônica é um dos locais
outros rios importantes, como o Negro,
mais chuvosos do planeta. Os índices
Madeira, Xingu e
Tocantins. O volume de
pluviométricos ultrapassam
Bem no centro da bacia
os 2.000 mm (2 metros)
água do rio Amazonas
amazônica, uma área de seis
por ano, e podem chegar a
corresponde a 56 vezes
milhões de hectares, incluindo
10.000 mm (10 metros) em
ao do rio Nilo, o segundo
em extensão no mundo.
Em alguns trechos, o
Amazonas chega a ter
o Parque Nacional do Jaú, foi
considerada Patrimônio da
Humanidade pela UNESCO
algumas regiões. Durante
os meses chuvosos, de
dezembro a março, as
águas sobem em média 10
cerca de 50 quilômetros
metros, podendo atingir 18
de uma margem a outra,
metros em algumas áreas,
comportando a navegação de navios de
isolando cidades por vários meses. A planície
grande porte. A visão de quem contempla
amazônica, que fica submersa durante esse
uma das margens, portanto, é de sua
período, é também a maior floresta inundada
magnitude oceânica.
do mundo, e se estende por 700 mil km2.
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Como a diversidade é outro atributo
habitam. “Onde existe uma comunidade é
característico da região, coexistem ali vários
justamente onde a floresta está preservada.”
ecossistemas, como as campinas, as savanas
As comunidades locais respeitam a floresta
amazônicas, as matas de terra firme, áreas de
porque sabem que dependem dela para
várzea e as matas de igapós. E, ao contrário do
sobreviver.
que muitos imaginam, a maior porção de suas
florestas é seca, e não chega a ser alagada em
Eugênio explica que embora se possa
nenhum período do ano.
falar em uma cultura genérica da região,
Os povos da
floresta
Rios e florestas são os
ícones mais lembrados
da região, e é visando
a coletividade dos povos
Apesar de ser o maior Estado
brasileiro, o Amazonas possui a
menor densidade demográfica,
com menos de 10% da população
do país, ou seja,
sua proteção que
muitos órgãos do poder
7.652.500 habitantes
público e instituições
da Amazônia exige de
fato esse plural. “Não há
uma só Amazônia. São 23
diferentes eco-regiões,
cada uma com culturas
distintas. Há caboclos,
pescadores, coletores
de castanha, caçadores,
não governamentais têm empenhado seus
comunidades que exploram a extração
principais esforços. Porém o médico
vegetal, como o babaçu, comunidades que
infectologista paulista Eugênio Scannavino
sobrevivem do látex, entre outras. E onde
Netto, que dirige o CEAPS (Centro de
se pesca não há castanha, os coletores de
Estudos Avançados de Promoção Social e
castanha vivem numa região diferente
Ambiental), lembra que a maior riqueza da
daquela onde há caça – cada comunidade
Amazônia são os diferentes povos que a
possui seus próprios hábitos e cultura.
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Existem, além disso, 174 nações indígenas,
brasileiras. Até hoje o peixe é essencial nas
que falam cerca de 120 línguas diferentes.
refeições e é servido de todas as formas.
Noventa por cento dos índios brasileiros
Caças consideradas exóticas em outros locais
estão no Norte do país e 51 tribos nunca
são rotineiras ali: tartaruga, jacaré, pato e
tiveram nenhum contato com o homem
marreco. O gosto por apimentar bastante a
branco. Por isso não se conhecem suas
comida permanece e veio dos índios, que não
características nem o seu tamanho exato;
conheciam o sal.
elas só foram avistadas de avião e estão em
locais isolados, de difícil
acesso.”
São justamente os povos
da floresta que ensinam ao
restante dos brasileiros e
Mitos e lendas, como o do
A variedade de frutas vai desde
boto, do Matinta Pereira
o guaraná, um dos símbolos da
(o saci da Amazônia) e do
brasilidade, até frutas menos
conhecidas, como a banana
ao mundo o valor do que
pacova
Boi de Parintins, resistem
ao tempo e são transmitidos
a cada geração. O uso do
Muiraquitã, amuleto de pedra
é produzido na Amazônia,
ajudando a preservá-la. “Esses povos aprenderam
muito com os índios e até hoje mantêm as
mais antigas tradições indígenas. São eles os
verdadeiros guardiões da floresta”, observa
Eugênio.
Pela culinária regional já se vê a preservação
cultural. É a mais indígena das cozinhas
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verde na forma de sapo, peixe ou tartaruga, é
cantos do país. Ornamentos produzidos a
outro costume ainda vivo, nas zonas rurais e
partir de cascas, madeiras e sementes – como
urbanas. Atribui-se a ele o poder da sorte.
a jarina, o marfim vegetal – resultam em anéis,
pulseiras, colares e brincos. Cada vez mais
O artesanato indígena, com suas cestas,
sofisticados, os adornos acabaram por receber
bolsas e utensílios domésticos feitos de fibras
o título de biojóias e são exportados para
vegetais e cerâmica, ganha os mais diferentes
diversos países.
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Sabor regional
...tambaqui. O tambaqui é um peixe amazônico
muito importante para a pesca regional e uma
das principais espécies da piscicultura brasileira.
Na cozinha da Amazônia tem...
...pirão. Associado no passado às refeições das
famílias humildes, o conhecido “pirão d’água”
...macaxeira. Mais conhecida em outras regiões
como mandioca, é uma raiz não tóxica que
pode ser consumida assada, cozida ou frita.
Também origina a farinha de mandioca, base
para inúmeros pratos.
é preparado apenas com água, farinha de
mandioca e sal.
...cupuaçu. Pertence à mesma família do
cacau. O cupuaçu é uma fonte primária de
alimento na Floresta Amazônica, tanto para as
...tucunaré. De escamas prateadas, tem porte
grande podendo chegar a 70 cm. Depois
do Pirarucu, é considerado o peixe mais
importante do rio Amazonas. Para saboreá-lo,
a sugestão é uma bela caldeirada.
populações indígenas quanto para os animais.
A polpa é usada no Brasil inteiro e no Peru para
fazer sucos, cremes de sorvete, geléia e tortas.
...murici. A fruta é também popularmente
conhecida por douradinha-falsa, mirici,
...pirarucu. É tido como o bacalhau da
Amazônia. Esse peixe de água doce chega a
atingir 3 metros de comprimento e até 250 kg.
muricizinho, orelha-de-burro e
orelha-de-veado (por causa do formato das
folhas).
Dizem por lá que, em outros tempos, ele foi
um índio malvado.
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...pupunha. Os frutos são freqüentemente
consumidos depois de cozidos em água e sal
ou na forma de farinha ou óleo comestíveis.
Eles também podem ser matéria-prima para
a fabricação de compotas e geléias. A casca
(epicarpo) da pupunha pode ser vermelha,
amarela ou laranja, quando o fruto está
amadurecido, de acordo com a variedade
plantada dessa palmeira, que é também
cultivada para a produção de palmito.
...açaí. Esférico e pequeno, tem um caroço
duro, envolvido por uma polpa arroxeada.
Dessa polpa faz-se um suco muito energético.
“És a planta que alimenta
A paixão de nosso povo
E a tua fruta vai rolando
Abastando nossa casa
Tens o dom de seres muito
Onde muitos não têm nada
És muito mais que um fruto,
é sabor marajoara.”
(Sabor Açaí, música de Nilson Chaves
e Joãozinho Gomes)
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Na verdade, há coisas muito próprias da
Amazônia presentes no dia a dia do brasileiro
de outras regiões. Mas a maioria nem se dá
conta disso. “A farinha de mandioca vem da
Amazônia”, aponta Eugênio. “Assim como o
uso da rede, que é algo muito inteligente.”
“Mas se me perguntarem o que o homem da
Amazônia tem de realmente típico, qual é
sua contribuição cultural, eu diria que é sua
visão de mundo. Ele tem uma visão ambiental,
consegue enxergar que o ser humano faz
parte de algo maior que ele próprio. Não olha
apenas para si mesmo. Talvez por conviver de
perto com a grandiosidade da natureza, ele se
coloca do seu tamanho, de maneira humilde e
solidária. Ele tem o senso de pertencer a um
mundo muito maior que ele. Vê a floresta e se
percebe como parte integrante do planeta.”
O ouro negro
A história do látex também ajuda a
compreender melhor a região. O chamado “ouro
negro” começou a ser explorado no início do
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Soldados da borracha
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Amazônia
século 19, primeiramente de modo incipiente.
A atividade tornou-se intensa a partir de 1850,
quando o produto passou a ser comercializado
mundialmente. O auge desse ciclo se deu na
primeira década do século 20 e a borracha
ocupou o centro da economia brasileira.
O desenvolvimento das capitais, com a
construção de obras monumentais como o
Teatro Amazonas, foi notável. O modelo
europeu foi seguido na arquitetura, na moda,
na cultura e nos hábitos. Além de Manaus,
as cidades de Belém (PA) e Porto Velho
(RO) se modernizaram bastante nessa época.
Tipos de
colonização
Houve pelo menos três fases distintas na
colonização da Amazônia brasileira:
- Colonial - período em que os padres
jesuítas instalaram missões na região. O
objetivo principal era a catequização dos
índios;
- Ciclo da borracha - o desenvolvimento
industrial e do setor automotivo justificou
a ampla exploração dos seringais. O látex
brasileiro alcançou o mercado internacional e
conquistou bons preços. O declínio dessa era
veio com a concorrência da borracha asiática,
que havia sido introduzida no continente
pelos ingleses.
- Zona Franca de Manaus - criada na
década de 1950, foi mais uma iniciativa do
governo brasileiro com o objetivo de integrar
a região amazônica ao restante do território
nacional e resultou na construção de um
parque industrial em plena floresta.
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Entretanto, a riqueza tendia a se concentrar
de revitalizar a região. Manaus chegou a se
nas capitais e as localidades do interior não
tornar um dos maiores entrepostos aduaneiros
acompanharam o mesmo ritmo.
da América Latina. Como o regime militar
não permitia a importação de produtos, a Zona
A borracha foi responsável pelo maior
Franca funcionou como um grande shopping
movimento migratório brasileiro em direção à
center nacional. Com a progressiva abertura
Amazônia. Estima-se que nesse período cerca
do país para o mercado internacional e o
de 500 mil pessoas tenham se deslocado do
avanço da globalização, perdeu em parte sua
Nordeste em direção aos seringais amazonenses.
atratividade.
Depois que o látex brasileiro perdeu sua
importância no mercado mundial, ocorreu um
Durante o regime militar surgiram esforços
êxodo rural, com hordas de trabalhadores saindo
sistemáticos para integrar a Amazônia ao
dos seringais para se fixar nas cidades.
restante do país e estimular a sua ocupação.
Um dos principais projetos empreendidos
O declínio deste ciclo foi conseqüência da
com esta meta foi a construção de grandes
iniciativa dos ingleses de levar para suas
rodovias. Como a Transamazônica (BR-230),
colônias, no sudeste asiático, sementes de
que atravessa o Pará e o Amazonas. Com
seringueira. A planta se adaptou muito bem
2.300 quilômetros, é a terceira mais longa do
ao outro continente e a concorrência derrubou
país. Não obstante sua extensão, um longo
os preços da borracha brasileira, que não
trecho não tem pavimentação e impossibilita
conseguiu competir com o produto asiático.
o tráfego durante o período chuvoso, que
vai de outubro a março. Sobrevive como um
A criação da Zona Franca de Manaus, nos anos
dos símbolos do abandono a que região é
1950, representou uma das muitas tentativas
freqüentemente submetida.
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A partir dos anos 1960 foram criadas, ainda,
empresas e instituições estatais para atrair o
capital nacional e estrangeiro. A função delas
era apoiar os negócios da iniciativa privada
naquelas paragens distantes. Deste modo se
As principais
ameaças
disseminaram em ritmo acelerado e em larga
O livro de ouro da Amazônia, de João Meirelles
escala a pecuária, a extração de minério e a
Filho, relaciona as dez maiores ameaças ao
exploração da madeira – até hoje os pilares da
futuro da região:
economia regional. E foi assim que se deu o
- a pecuária bovina extensiva
início ao desmatamento desenfreado.
- as plantações de soja
- a exploração madeireira predatória
Desde então a devastação segue um ciclo.
- o modelo fundiário adotado
Começa com os madeireiros irregulares.
- o narcotráfico e a guerrilha
Apropriando-se de terras públicas, eles abrem
- o tráfico de animais e plantas
estradas clandestinas e retiram as árvores de
- a caça predatória
valor comercial. Um levantamento feito pelo
- as grandes obras (hidrelétricas, hidrovias e
Ministério do Meio Ambiente indica que 80%
estradas)
da madeira que sai da região é proveniente
- o garimpo
de exploração criminosa. Uma mesma área
- a pesca predatória
é explorada durante aproximadamente cinco
anos. Quando a madeira se esgota, outra área
é invadida. Onde anteriormente se extraiu
madeira, são provocadas queimadas e no lugar
da antiga floresta surgem as pastagens para
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o gado e, cada vez mais, a cultura da soja,
partida para uma nova visão sobre a maior
atualmente responsável por dois terços da
floresta tropical do planeta. Desenvolvimento
destruição das matas.
sustentado, consciência ecológica,
preservação da biodiversidade, respeito às
Após cerca de 20 anos de sucessivas
culturas nativas são alguns dos conceitos
agressões ao meio ambiente, a situação da
que tiveram a sua semente plantada nas duas
Amazônia ganhou repercussão nacional e,
últimas décadas.
depois, internacional. Na esteira do processo
surgiram lideranças populares dispostas a
E hoje, como vive a
Amazônia?
defender as comunidades tradicionais e suas
A expansão das grandes fazendas de gado,
terras, como o seringueiro Chico Mendes. A
mineradoras e madeireiras não se reverteu
atuação dele e de tantos outros foi o ponto de
em melhores condições de vida para a
de democratização, na década de 1980
maioria da população. De acordo com o
Censo Demográfico de 2000, vivem na
região 20,3 milhões de pessoas, distribuídas
por 775 municípios, sendo que 68,9%
desse contingente está em zona urbana,
especialmente nas capitais. Enquanto estas
atingiram certo desenvolvimento, nas demais
cidades os problemas são muitos e começam
pela infra-estrutura básica.
Em praticamente todos os municípios, mais
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Madeira apreendida na Ilha de Marajó
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Amazônia
ser proporcional
à dificuldade de
acesso à localidade.
Quanto mais distante
da capital, menor a
presença dos serviços
públicos. Não é por
outro motivo que
muitos ainda morrem
na Amazônia em
decorrência de diarréia,
ocasionada por contato
Empate de seringueiros em Xapuri
com água contaminada.
A região concentra
da metade dos moradores não dispõe de
99% dos casos de
água potável, tratamento de esgoto e coleta
malária do país e é comum uma pessoa ter
de lixo. Estudos do IBGE apontam que
vários episódios da doença ao longo da vida.
60% dos domicílios urbanos do Norte não
contavam com saneamento básico adequado
No que se refere à energia elétrica, estima-se
até 2006, número seis vezes maior do que
que mais de 20% das residências não sejam
o do Sudeste. Na zona rural, calçamento,
atendidas. Estes moradores ficam privados,
moradia, transporte e segurança são
entre outras coisas, de iluminação nas ruas, de
precários ou inexistentes. Posto de saúde e
aparelhos eletroeletrônicos e de água potável,
escola, quase um luxo. A gravidade costuma
que depende de bombeamento elétrico.
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Guascor 10 anos
Nas grandes e médias cidades das regiões
assumem os custos adicionais, elevando
Norte e Nordeste que não estão no Sistema
o custo médio para acima da tarifa média
Interligado Nacional (SIN), o governo oferece
praticada pelas concessionárias. Portanto,
um subsídio para que as concessionárias
novas soluções precisam ser encontradas.
as atendam com Sistemas Isolados. Nesta
modalidade estão principalmente as usinas
Por um futuro sustentável
termelétricas, como as plantas da Guascor
A riqueza da Amazônia é proporcional aos
do Brasil. O subsídio é um mecanismo de
seus mistérios. Ainda não há, por exemplo,
compensação financeira, denominado Conta
um inventário completo da flora e da fauna
de Consumo de Combustíveis Fósseis (CCC),
regionais. Sabe-se que existem pelo menos
que permite uma tarifa ao consumidor final
dois grandes grupos de aves e de mamíferos
semelhante à tarifa de outros locais do país.
na floresta. Um vive nas porções alagadiças
e outro ocupa a mata de terra firme. E tem-se
Em boa parte das cidades menores e vilarejos,
como certo que a maior ameaça a essas matas
o fornecimento é realizado pela própria
e a todas as espécies que abrigam é a ocupação
comunidade ou pelo poder municipal local.
desordenada do próprio homem.
Normalmente os comunitários adquirem um
grupo gerador com recursos próprios ou da
Eugênio assegura, entretanto, que existem
prefeitura local.
inúmeras alternativas sustentáveis, algumas
já em curso. O extrativismo direcionado
Outra alternativa adotada pelas prefeituras é
à fabricação de remédios e de cosméticos
o sistema de quotas mensais de óleo diesel,
é uma realidade. A incrível variedade de
que é distribuído em comunidades isoladas.
frutas tem conquistado mercados cada vez
Ultrapassando essa quota, os moradores
mais longínquos e o açaí começa a ser
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Amazônia
comercializado mundialmente. A agrofloresta,
diferença na vida das comunidades. O
que combina técnicas da agricultura e de
próprio Eugênio é um poderoso agente
preservação ambiental, dá seus primeiros
de transformação. O médico conduz o
passos. Já são praticadas experiências de
Projeto Saúde e Alegria, que estimula
exploração racional da madeira, com a
atitudes simples, como melhorar os hábitos
proposição do descanso da floresta por um
de higiene ou oferecer cloro às famílias
período de 25 anos. O turismo, além de fonte
para tratar a água. Os resultados são
de renda, revela-se um aliado na preservação da
impressionantes – dizem respeito à redução
cultura local, divulgando para visitantes de todo
da desnutrição e da mortalidade infantil. Há
o mundo a exuberância da Amazônia. A cada
também iniciativas que envolvem o acesso à
dia são descobertas novas aplicações para uma
cultura e educação e a conscientização sobre
série de produtos nativos, como o carauá, fibra
o direito à cidadania, como as promovidas
vegetal empregada na indústria automobilística.
pela Associação Vaga Lume, parceira da
Guascor desde 2004. A questão, agora, é
Ações sociais e ambientais também vêm
conseguir proporcionar escala para essas
gradualmente se expandido e fazem muita
pequenas grandes soluções.
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Ilha de Marajó
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