notas sobre arte conceitual

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notas sobre arte conceitual
Considerações acerca da Arte Conceitual
Os anos 60 e 70 foram acompanhados de intensas transformações políticas e sociais na moderna cultura ocidental. O
mundo ocidental, ao que parece, toma a forma globalizante. Experimenta, em escala global, a experiência única de
manifestações culturais num intervalo do tempo abstrato cada vez mais reduzido. As distâncias do eixo Londres-Paris se
ampliam. Extendem-se não somente para Nova York que se transforma, até certo ponto, no mais importante polo
radiador de influência mundial, como do mesmo modo São Paulo, Rio de Janeiro e outras metrópoles do mundo
ocidental se aproximam dos principais movimentos provenientes desses centros de influência. Os acontecimentos
nascem nas mais distantes partes do planeta e se espalham numa velocidade antes nunca vista, acompanhando o ritmo
das tecnologias mais avançadas. O movimento da contracultura iniciado na Europa e Estados Unidos da América, “o
maio de 68” e os seus posteriores desdobramentos logo se fizeram perceber por aqui, sendo São Paulo e Rio de Janeiro
as cidades brasileiras onde o eco desses movimentos se mostrou imediatamente.
O grande desenvolvimento tecnológico das comunicações do período, impulsionado simultaneamente pela dinamização
dessas metrópoles, favoreceram o intercâmbio de idéias. O mundo, de fato, já não era mais o mesmo. As facilidades
proporcionadas pelas maravilhas das tecnologias e das comunicações aproximavam pessoas, grupos, cidades e
sociedades, as mais logínguas, num intervalo de tempo cada vez menor. O isolamento desde então se tornou um
imperativo de outros tempos pretéritos.
Se a marca dos anos 60 e 70 em termos tecnológicos, políticos e sociais foram de intensas transformações, igualmente
podemos afirmar na esfera da arte. E, no bojo destas transformações, desponta a arte conceitual em suas múltiplas
manifestações.
Houve, com a emergência da Arte Conceitual, em última instância, um deslocamento radical do conceito de arte e de
objeto artístico. Os meios tradicionais de expressão da arte são rejeitados e substituídos por meios diversos e inusitados
como o jornal, a revista, a publicidade, o correio, o telegrama, o catálogo, a fotografia, a fotocópia, o vídeo. Tudo se
converte em novos veículos para a expressão da arte e para o artista comunicar sua arte ao mundo, enfatizando
sobretudo a imagem reproduzível, e tendo a fotografia e o vídeo como elementos privilegiados. A intenção do artista
passa a ter a primazia sobre o ato de produção do objeto artístico. A linguagem e as idéias são a verdadeira essência da
arte, a experiência visual e o prazer sensorial são secundárias, irracionais. Os signos e as palavras adquirem também o
estatuto de obra artística, possibilitando daí o surgimento e desenvolvimento da Mail Art, que promove o intercâmbio de
idéias entre os artistas e alarga amplamente o consumo da arte para além das distâncias permitidas pelas barreiras
físicas da arte objetual.
A ordem era negar tudo o que remetesse ao objeto e à forma tradicional de exposição da obra de arte. O "ataque" às
instituições de legitimação da obra de arte, a utilização de suportes de qualidade ordinária, transitórios, impossibilitando
(ou melhor, dificultando) a venda da obra e o consumo por largo tempo, constituíram-se nos principais mandamentos que
nortearam as poéticas do período. O efêmero, o fugaz, o trasitório são as categorias eleitas pela nova ordem. O bronze e
o mármore são “desqualificados” e substituídos por outros elementos de natureza imaterial. O artista conceitual, através
das mais variadas linguagens e dos diferentes suportes e materiais questiona a eternização ou, antes, a realização de
uma obra acabada.
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O bronze e o mármore que num passado recente eram os suportes que na forma perfeita eternizavam o objeto artístico,
na arte conceitual são substituídos pela linguagem. Esta apoiada nas emergentes poéticas como o Happening, a
Performance, a Body Art, a Land Art, o Enviromnent Art constituíram os meios apropriados, ou melhor, mais utilizados
pelos artistas conceituais para a constituição e comunicação de sua arte. Já a fotocópia, o catálogo, a revista, a
fotografia e o vídeo tornaram-se os meios de registro dos códigos e sinais a serem comunicados para a posterioridade,
ou seja, transformaram-se nos meios de registro do processo, da elaboração de conteúdo e da realização da obra.
Com a arte conceitual a relação entre o público, o artista e o objeto artístico se desloca. Ao invés de privilegiar os
atributos estéticos desta relação as emergentes poéticas elegem os aspectos rituais como sendo também primordiais. O
artista e o público em intensidades diferentes, na radicalização dessa nova experiência da arte (ou desse novo conceito
de arte), inserem-se na obra. O processo, o rito, a interação é de igual, ou mais, interesse que o resultado estético. O
processo de criação não somente é desmistificado, dessacralizado como passa a ser parte constituinte desse novo
objeto artístico. A atuação do artista e o processo de criação foram incorporados na constituição da obra. Renuncia-se
assim as mais amplas e complexas relações entre a obra, a instituição que legitima e seu público. A partir daí a arte
expande sua atuação em direção a outros caminhos antes não trilhados. As dimensões dos territórios do invisível, do
raciocínio, da mente passam a ser valorizados e a representação tradicional da arte objetual passa a ser questionada.
É nos anos 60 com as noções de Performance e de Happening, no entanto, que essa nova experiência da arte ampliou
suas fronteiras, sendo os artistas plásticos os seus principais difusores. Pois com a Performance e mais ainda com o
Happening a interação entre o artista, o público e os meios materiais físico ou não, no espaço selecionado pelo artista,
não torna o público apenas parte da obra de arte, eleva-os também a categoria de seus criadores.
Tais poéticas ao incorporar o artista e o espectador como parte da obra de arte, aproximam-se da estrutura das Artes
Cênicas, especificamente o teatro. Mas trata-se de uma aproximação apenas em nível de composição da estrutura. A
relação da tríade (ator-espectador-texto) entre si pouco ou em nada se assemelha com o espaço do teatro. O limite entre
a ficção e o real, tão explorado pelo teatro na radicalização desses movimentos, como no Happening, se torna tênue; no
limite, tanto no Happening e na Performance o caráter ficcional é rompido.
O artista e o público não mais se relacionam de forma passiva na construção da obra artística. A "linha" divisória
palco/platéia entre ambos é suprimida proporcionando na construção da obra entre o espectador e o artista uma relação
direta, ritual, abolindo, em última estância, com a delimitação dessas fronteiras tão visível ainda no espaço teatral 1. A
imprevisibilidade, o inesperado, o improviso, a espontaneidade, mais no Happening e menos na Performance, separam,
estas, da cena ilusionista do teatro. Pois
"Quanto mais eu entro na personagem, mais "real" tento fazer essa personagem, mais reforço a
ficção e, portanto, a ilusão. Quanto mais me distancio, "representando" a personagem, e não
tentando vivê-lo, mais eu quebro com essa "ilusão cômica"".2
Joseph Beuys, um dos artistas mais significativos da época, realiza numa galeria de arte em Nova York, em 1974, sua
mais inusitada e conhecida obra artística: Coyote: I like America and America Likes me. A Performance inicia-se no
aeroporto John Kennedy com sua chegada da Alemanha. Do aeroporto ele é levado por uma ambulância, enrolado dos
pés a cabeça com feltro, para uma galeria de arte para conviver 7 dias com um coyote selvagem num cenário
constituido, dentro da galeria, de feltro, uma bengala, luvas, uma lanterna elétrica, um cobertor e vários exemplares do
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Wall Street Journal. A Performance consistia na interação Beuys, o coyote, os objetos e o público (este último separado
daqueles por uma cerca), onde o primeiro apresentava diariamente aqueles produtos culturais ao coyote.
Nesta Performance, no entanto, o que Beuys nos apresenta é uma coleção de objetos e signos em busca de sua
significação. Assim, a constituição desse objeto artístico é passivel de infinitas interpretações. As cores e os fios que
tecem as suas relações são inesgotáveis, estão sujeitas aos conteúdos culturais do espectador, portanto, nem sempre
compartilhados pelo artista. Tal obra de arte, neste sentido, não existe por si mesma fora de uma relação, carece pois do
espectador e também do enquadre institucional para a sua realização: "É uma máquina de significar"3. Eleva o
espectador da situação de contemplador passivo para uma condição de "contemplação ativa, uma participação
criadora".4 O espectador, em tais poéticas, não somente é "obrigado", ou melhor, é levado a dar significado aos objetos e
signos que compõem a obra, como também junto com o artista é parte da constituição da obra de arte. Sem um liame
entre o espectador e o artista é impossível a realização da obra de arte, pois ela também, às vezes, depende de ambos
para a sua composição.
Hoje o que fica dessa performance de Beuys e de outros artistas que realizaram suas obras no período, é seu registro
em vídeo, fotografia e outras mídias convencionais ou inusitadas, uma referência posterior, cujas características são
exteriores ao tempo da vivência.
Notas
A Performance e o Happening, à diferença do teatro, tem a característica de eventos, acontecimentos, são espetáculos
únicos, não se repetem o mesmo trabalho, ou quando se “repetem” são diferentes.
COHEN, Renato. Performance como linguagem. P.96\7.
PAZ, Octávio. Macel Duchamp ou o Castelo da Pureza. P.56.
4 Idem, p.56.
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Bibliografia
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BATTCOCK, Gregory. Idea como arte: documentos sobre el arte conceptual. Barcelona, Gili, 1977.
COHEN, Renato. Performance como linguagem. São Paulo, Perspeciva, 1989.
CURY, David. “Reverso Ser no contemporâneo (Arte conceitual, body art, land art)”. Gavea, nº 9, p.49-61.
DUBOIS, Phillippe. “Da verossimilhança ao índice” e “A arte é (tornou-se) fotográfica” in: O ato fotográfico e outros
ensaios. Campinas (SP), Papirus, 1994, p.25-56\253-307.
MARCHAN, S.,Fiz. Del arte objetual al arte de concepto las artes plasticas desde 1960. Madrid, 1972.
OSÓRIO, L.,C., de Almeida.”A estética romântica de Joseph Beuys”. Gavea, nº 9, p.5-13.
PAZ, Octávio. Marcel Duchamp ou o Castelo da Pureza. São Paulo, Perspectiva, 1977.
RESTANY, Pierre. Os novos realistas. São Paulo, Perspectiva, 1979.
STANGOS, Nikos. Conceitos da arte Moderna. Rio de Janeiro, Zahar, 1991.
Maurício Cândido Taveira
Av. Prof. Mello Moraes, 1235 BL.C Apto. 402
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Mestrando em Cinema – ECA\USP
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