9215_0_tese Ricardo Moutinho

Transcrição

9215_0_tese Ricardo Moutinho
A RECONFIGURAÇÃO DAS ESTRUTURAS DE
PARTICIPAÇÃO EM UMA SALA DE AULA DE PFOL DE UMA
ESCOLA PRIMÁRIA EM MACAU: NEGOCIANDO REGRAS E
REDEFININDO PAPÉIS EM UM CONTEXTO DE
ENSINO/APRENDIZAGEM LUSO-CHINÊS
por
Ricardo Moutinho Rodrigues da Silva
Doutoramento em Linguística
2012
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
UNIVERSIDADE DE MACAU
A RECONFIGURAÇÃO DAS ESTRUTURAS DE
PARTICIPAÇÃO EM UMA SALA DE AULA DE PFOL DE UMA
ESCOLA PRIMÁRIA EM MACAU: NEGOCIANDO REGRAS E
REDEFININDO PAPÉIS EM UM CONTEXTO DE
ENSINO/APRENDIZAGEM LUSO-CHINÊS
por
Ricardo Moutinho Rodrigues da Silva
Supervisores: Professor Dr. Alan Norman Baxter
Professor Dr. Roberval Teixeira e Silva
Departamento de Português
Doutoramento em Linguística
2012
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
UNIVERSIDADE DE MACAU
Author’s right 2012 by
MOUTINHO RODRIGUES DA SILVA, Ricardo
Agradecimentos
Talvez fosse impossível citar, nestas curtas linhas, os nomes de todas as pessoas que, de
alguma forma, contribuiram para a realização deste trabalho. Porém, da mesma maneira,
seria impossível não citar os nomes destas que aparecem abaixo:
Renato Rodrigues da Silva, o meu pai, pela força e estímulo que às vezes me faltou e
pela educação que me forneceu. Agda Bastos Moutinho Rodrigues da Silva, minha mãe,
que deve estar muito feliz em saber que alcancei este feito em minha carreira. Neide
Vanzato da Silva, minha também mãe, pelas orações e palavras de motivação nas longas
conversas que temos ao telefone todos os dias. Renata Alves de Toledo, a minha esposa,
pelo carinho e paciência que teve comigo durante todos esses anos. Zélia Carvalho de
Abreu Toledo, pelo conforto que me passou nos momentos de aflição e, especialmente,
pela confiança que sempre teve em mim. Roberval Teixeira e Silva, meu orientador, por
ter me conduzido, durante esses três anos e meio, pelas veredas da Sociolinguística
Interacional e por ter sido um grande amigo nas horas difíceis. Alan Norman Baxter,
também meu orientador, por ter aberto as portas para mim na Universidade de Macau e
por ter me fornecido conselhos importantes durante essa minha caminhada. Nelson
Viana, meu orientador de mestrado, por ter sido o meu grande exemplo acadêmico no
qual me espelho até hoje. Kleber Aparecido da Silva, meu irmão acadêmico, pela longa
parceria que temos e pelos projetos que já elaboramos (e elaboraremos) juntos. José
Carlos Paes de Almeida Filho, pela honra que me deu em ter aceitado o convite de ser
membro de minha banca de doutorado e por ser sempre um grande exemplo para mim.
Carlos Gohn, pelo apoio e pela honra de tê-lo agora como colega na UM. Custódio
i
Cavaco Martins, pela amizade e pela parceria que tivemos trabalhando juntos no
Departamento de Português da UM. Yao Jing Ming, pela motivação e também pela
honra em tê-lo como membro de minha banca. Molly Lei (謝謝!), pela incansável busca
por textos e livros que não estavam disponíveis na biblioteca da UM. Não poderia
esquecer de Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco, pela amizade e pelos trabalhos que
desenvolvemos juntos aqui na UM. Maria Célia-Lima Hernanes, pelas valiosas
contribuições acadêmicas que ofereceu a este trabalho. Mário Rui Lima de Oliveira
Pinharanda Nunes, pela ajuda e dicas quanto ao formato final desta tese. Maria Antónia
Nicolau Espadinha, pela força e apoio que me forneceu nos momentos de angústia.
Todos os meus colegas do Departamento de Português, com os quais aprendi muito.
Irene Fernandes Abreu e Nuno Antunes, secretários do Departamento de Português, que
me auxiliaram no trâmite das documentações e nos problemas burocráticos. Rebbeca
Cristina Teixeira e Silva, pela gentileza em proporcionar um excelente trabalho no
tratamento final das imagens. Todos os participantes desta pesquisa, cujos nomes não
posso revelar por razões éticas, mas que, sem eles, este trabalho não seria possível. Os
alunos do curso de Licenciatura em Estudos Portugueses, assistentes do projeto de
pesquisa no qual se inclui este estudo, que realizaram um trabalho notável na tradução e
trancrição dos dados utilizados nesta tese. Um agradecimento especial à Malisa, o meu
cão, que me acorda todos os dias de manhã e que me faz pensar nos problemas e
encontrar as soluções nos longos passeios que damos juntos. Obrigado a todos! 謝謝!
ii
Resumo
No presente estudo, realizamos uma análise das estruturas de participação
presentes em uma sala de aula de Português para Falantes de Outras Línguas (PFOL) em
uma escola primária luso-chinesa de Macau. Com base em trabalhos como os de Susan
Philips (1972), Erving Goffman (1981a), Charles Goodwin (1981, 1984, 2004 e 2007),
Stephen C. Levinson (1988) e de Marjorie Harness Goodwin (1990 e 2004), discutimos
como os participantes (alunos e professora) da sala de aula em questão reorganizam o
espaço interativo por meio de ações que violam ou cobram as regras de conduta
estabelecidas durantes as aulas. A metodologia que utilizamos neste trabalho é de
natureza microetnográfica (Erickson 1996), o que permite interpretarmos os dados por
meio da análise momento-a-momento, identificando aspectos que reorganizam e
redefinem os conceitos, as identidades e os papéis que os participantes apresentam em
um nível macrossocial. Os resultados indicam que vários elementos de natureza verbal e
não-verbal presentes durante a interação, em um ambiente institucionalmente controlado
por um sujeito (a professora), influenciam na (re)construção das estruturas de
participação, modificando o piso conversacional, o discurso dos sujeitos e renegociando
os papéis que esses representam durante as atividades em sala de aula.
Palavras-chave: estrutura de participação, PFOL, renegociação de papéis,
discurso institucional da sala de aula.
iii
Abstract
This work focuses on the analysis of participation frameworks in a class of
Portuguese for Speakers of Other Languages (PSOL) at a primary school in Macau.
Based on scholars like Susan Philips, Erving Goffman, Charles Goodwin, Stephen C.
Levinson and Marjorie Harness Goodwin, we discuss how participants (pupils and
teacher) reorganize the interactive locus of the classroom through actions that violate or
validate the behavioral rules established during the lessons. Using an Ethnographic
Microanalysis (Erickson 1996), some moment-by-moment data are interpreted,
identifying aspects that reorganize and redefine concepts, identities and interactive roles
that participants play at a macrosociological level. The results indicate that many verbal
and nonverbal elements present during the interaction, in a teacher-controlled
environment, exercise influence upon the reconstitution of participation frameworks.
Those elements also reorganize the conversational floor, the discourse of the participants
and renegotiate the roles they play during the activities inside the classroom.
Keywords: participation framework, PSOL, classroom discourse.
iv
Índice
Agradecimentos ................................................................................................................ i
Resumo ............................................................................................................................iii
Abstract ........................................................................................................................... iv
Índice de Figuras ............................................................................................................ xi
List of Figures ...............................................................................................................xiii
Índice de Tabelas ........................................................................................................... xv
List of Tables ................................................................................................................ xvi
1– INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 1
1.1 - Participação ........................................................................................................... 1
1.2 - O português em Macau ......................................................................................... 3
1.3 - As escolas luso-chinesas ....................................................................................... 5
1.4 - Objetivos e pergunta de pesquisa.......................................................................... 7
1.5 – Organização da tese............................................................................................ 12
1.6 – Declaração de originalidade ............................................................................... 12
2 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .......................................................................... 14
2.1 - Sociolinguística Interacional............................................................................... 14
2.1.1 - Introdução .................................................................................................... 14
2.1.2 - As bases de Goffman ................................................................................... 16
2.1.2.1 - Representações .................................................................................................16
2.1.2.2 - Enquadre , alinhamento e footing .....................................................................19
2.1.3 - As contribuições de Gumperz ...................................................................... 23
2.2 – Discurso de sala de aula ..................................................................................... 28
2.2.1 - Discurso Institucional em Sala de Aula ....................................................... 29
2.2.2 – Piso Conversacional .................................................................................... 40
v
3 – ESTRUTURA DE PARTICIPAÇÃO ................................................................... 47
3.1 – Histórico e definição do termo ........................................................................... 47
3.1.1 - Philips (1972): Participant Structure .......................................................... 49
3.1.2 - Goffman (1981a): Production Format, Participation Status e Participation
Framework .............................................................................................................. 53
3.1.3 - C. Goodwin (1981): Participation Structure, Participation Framework
e
Participation Status ................................................................................................. 59
3.1.4 - C. Goodwin (1984): Participation Framework ........................................... 62
3.1.5 - Levinson (1988): Participation Roles ......................................................... 65
3.1.6 - M. H. Goodwin (1990): Participant Framework ........................................ 69
3.1.7 - C. Goodwin e M. H. Goodwin (2004): Participation Framework .............. 72
3.1.8 - C. Goodwin (2007): Participation Framework ........................................... 75
3.2 - Revisão Bibliográfica ......................................................................................... 79
3.2.1 - Trabalhos internacionalmente reconhecidos ................................................ 80
3.2.2 - Trabalhos publicados em língua portuguesa.............................................. 141
4 – FUNDAMENTAÇÃO METODOLÓGICA ....................................................... 165
4.1 - A Microanálise Etnográfica .............................................................................. 165
4.2 – Geração dos dados............................................................................................ 171
4.2.1 – O uso de vídeo como instrumento de coleta de dados .............................. 172
4.2.2 – O impacto do uso de vídeo em sala de aula .............................................. 174
4.2.3 – Transcrições .............................................................................................. 176
4.3 – Contexto da pesquisa........................................................................................ 180
4.4 - Participantes de pesquisa .................................................................................. 183
5 – RESULTADOS...................................................................................................... 186
5.1 - Subversão ao discurso institucional .................................................................. 187
vi
5.1.1 – Elementos não-verbais .............................................................................. 189
5.1.1.1 - Postural Corporal ............................................................................................189
5.1.1.2 – Gestos e elementos de cenário .......................................................................201
5.1.2 – Aspectos verbais........................................................................................ 212
5.1.2.1 – O que se deve e o que não se deve dizer ........................................................212
5.1.2.2 – Mudança na ordem discursiva........................................................................220
5.1.3 – Panorama da primeira parte dos resultados ............................................... 229
5.2 - Apropriação do discurso institucional .............................................................. 235
5.2.1 – Apropriação parcial ................................................................................... 237
5.2.2 – Apropriação total ....................................................................................... 246
5.2.3 – Panorama da segunda parte dos resultados ............................................... 271
6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 277
6.1 - Conclusões ........................................................................................................ 277
6.2 – Perspectivas para trabalhos futuros .................................................................. 287
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 289
ANEXO I (Entrevista com a Professora Participante da Pesquisa) ....................... 298
ANEXO II (Pedido para a geração de dados audiovisuais) .................................... 300
ANEXO III (Transcrição das aulas) ……………………………….disponível em CD
CV e pubicações do autor no âmbito dos estudos em Doutoramento .................... 301
AUTHOR’S CV: ......................................................................................................... 303
vii
Table of contents
Acknowledgments ............................................................................................................ i
Abstract ........................................................................................................................... iv
List of Figures ...............................................................................................................xiii
List of Tables ................................................................................................................ xvi
1– INTRODUCTION ...................................................................................................... 1
1.1 - Participation ..................................................................................................... 1
1.2 – The portuguese in Macau ................................................................................ 3
1.3 – The Luso-Chinese schools .............................................................................. 5
1.4 – Goals and research questions .......................................................................... 7
1.5 – Organization of the dissertation .................................................................... 12
1.6 - Statement of Originality……………………………………………………..12
2 – GENERAL THEORY............................................................................................. 14
2.1 – Interactional Sociolinguistics ........................................................................ 14
2.1.1 - Introduction .................................................................................................. 14
2.1.2 – Goffman’ s contributions ............................................................................ 16
2.1.2.1 - Representations.................................................................................................16
2.1.2.2 - Frame , alignment and footing ..........................................................................19
2.1.3 – Gumperz’s contributions ............................................................................. 23
2.2 – Classroom Discourse..................................................................................... 28
2.2.1 – Classroom Institutional Discourse .............................................................. 29
2.2.2 – Conversational Floor ................................................................................... 40
3 – PARTICIPATION FRAMEWORK...................................................................... 47
3.1 – Definitions ..................................................................................................... 47
viii
3.1.1 - Philips (1972): Participant Structure .......................................................... 49
3.1.2 - Goffman (1981a): Production Format, Participation Status and
Participation Framework ......................................................................................... 53
3.1.3 - C. Goodwin (1981): Participation Structure, Participation Framework
and
Participation Status ................................................................................................. 59
3.1.4 - C. Goodwin (1984): Participation Framework ........................................... 62
3.1.5 - Levinson (1988): Participation Roles ......................................................... 65
3.1.6 - M. H. Goodwin (1990): Participant Framework ........................................ 69
3.1.7 - C. Goodwin and M. H. Goodwin (2004): Participation Framework .......... 72
3.1.8 - C. Goodwin (2007): Participation Framework ........................................... 75
3.2 – State of Art .................................................................................................... 79
3.2.1 – Internationally Recognized Studies............................................................. 80
3.2.2 – Studies Published in Portuguese ............................................................... 141
4 – METHODOLOGY................................................................................................ 165
4.1 – Ethnographic Microanalysis........................................................................ 165
4.2 – Data Collection............................................................................................ 171
4.2.1 – Video recording as an instument for data collection ................................. 172
4.2.2 – The impact of video recordings inside the classroom ............................... 174
4.2.3 – Transcriptions ............................................................................................ 176
4.3 – Research Context ........................................................................................ 180
4.4 – Research Participants .................................................................................. 183
5 – RESULTS .............................................................................................................. 186
5.1 – Resistence to the institutional discourse ..................................................... 187
5.1.1 – Non-verbal Elements ................................................................................. 189
5.1.1.1 – Body Posture ..................................................................................................189
ix
5.1.1.2 – Gestures and scenery elements ......................................................................201
5.1.2 – Verbal Elements ........................................................................................ 212
5.1.2.1 – What they should or should not say ...............................................................212
5.1.2.2 – Changes in the order of discourse ..................................................................220
5.1.3 – Discussion ................................................................................................. 229
5.2 – Appropriation of institutional discourse ..................................................... 235
5.2.1 – Partial Appropriation................................................................................. 237
5.2.2 – Full Appropriation..................................................................................... 246
5.2.3 – Discussion ................................................................................................. 271
6 – CONCLUSIONS ................................................................................................... 277
6.1 – Main Conclusions ....................................................................................... 277
6.2 – Perspectives for Future Work...................................................................... 287
REFERENCES ............................................................................................................ 289
APPENDIX I (Interview with the Research Participant) ....................................... 298
APPENDIX II (Request for Data Collection) ........................................................... 300
APPENDIX III (Transcription of the classes)………………………available in CD
AUTHOR’S CV: ......................................................................................................... 303
x
Índice de Figuras
Figura 1: Disposição espacial dos equipamentos e objetos da Sala 1. Legenda: A –
carteira dos alunos; C – computador; E – porta de entrada; F – lousas fixas; G – rádio
CD player; J – janela; L – lixeira; M – lousa móvel; P – mesa da professora, Q – quadro
com trabalhos dos alunos; R – armários; T – tablado; V – monitor de vídeo. ............. 181
Figura 2: Disposição espacial dos equipamentos e objetos da Sala 2. Legenda: A –
carteira dos alunos; C – computador; E – porta de entrada; F – lousas fixas; G – rádio
CD player; J – janela; L – lixeira; M – lousa móvel; P – mesa da professora, Q – quadro
com trabalhos dos alunos; R – armários; T – tablado; V – monitor de vídeo. ............. 182
Figura 3: Disposição espacial dos equipamentos e objetos da Sala 3. Legenda: A –
carteira dos alunos; B – tela branca; C – computador; D – Aparelho datashow; E – porta
de entrada; G – rádio CD player; I – impressora; J – janela; L – lixeira; M – lousa
móvel; R – armários. ..................................................................................................... 183
Figura 4: Alunos realizando a atividade lúdica com a participação do pesquisador. .. 190
Figura 5: Alunos olhando atentamente para o monitor ao mesmo tempo que ouvem a
explicação da professora. .............................................................................................. 201
Figura 6: A professora faz um gesto na tentativa de simbolizar o adjetivo “gordo”.
Nesse momento, a estrutura de participação é reconfigurada. Os alunos, que estavam
olhando para a figura do cão no monitor, passam a encarar Roberta que insere o referido
gesto no espaço interativo. ............................................................................................ 206
xi
Figura 7: Um aluno acusa o seu colega de olhar para o seu teste. ............................... 245
Figura 8: Roberta chama a atenção do aluno que violou a regra ao mesmo tempo em
que afasta a sua mesa para longe da do seu colega. ...................................................... 245
Figura 9: Um aluno cumpre a tarefa, endereçando-se os seus colegas. O restante da sala
observa o seu desempenho, enquanto a professora acompanha-o de perto, auxiliando-o
em sua apresentação. ..................................................................................................... 247
Figura 10: Uma aluna, apropriando-se do discurso institucional, chama a atenção da
professora e aponta para o local onde a figura deveria ter sido afixada. Roberta segue as
suas instruções e o restante da sala atua como plateia (reconfiguração da estrutra de
participação). ................................................................................................................. 249
Figura 11: Um aluno folheia o livro que Roberta está segurando. Outros aprendentes
levantam a mão querendo também manusear o material. ............................................. 252
Figura 12: O item do teste em questão (exercício B). Nele, os alunos deviam ligar as
imagens dos objetos às frases correspondentes. ............................................................ 269
Figura 13: Um aluno chama a atenção de Roberta, apontando para os locais onde havia
cartazes
que
continham
respostas
do
teste……………………………………………………………………….…………...270
xii
List of Figures
Figure 1: Spatial arrengement of the objects and devices in Classroom 1. Legend: A –
students’ desks; C – computer; E – main door; F – balckboards; G – CD player; J –
window; L – litter bin; M – whiteboard; P – teacher’s desk, Q – bulletin board; R –
armários; T – teacher’s stage; V – TV monitor. ........................................................... 181
Figure 2: Spatial arrengement of the objects and devices in Classroom 2. Legend: A –
student’s deske; C – computer; E – main door; F – blackboards; G – CD player; J –
window; L – litter bin; M – whiteboard; P – whiteboard, Q – bulletion board; R –
archives; T – teacher’s desk; V – TV monitor. ............................................................. 182
Figure 3: Spatial arrengement of the objects and devices in Classroom 3. Legend: A –
student’s desk; B – white screen; C – computer; D – projector; E – main doord; G – CD
player; I – printer; J – window; L – litter bin; M – whiteboard; R – archives. ........... 183
Figure 4: Students in a playful activity with the resarcher asssiting them ................... 190
Figure 5: Students looking at the monitor and listening to the teacher’s explanation. 201
Figure 6: The teacher making gestures to explain the word “fat”. At this moment, the
participation framework is reorganized. The students start to stare at Roberta who places
the gesture in the interactive locus. ............................................................................... 206
Figure 7: A student says his colleague is looking at his exam..................................... 245
Figure 8: Roberta calls a student’s attention who violated one of the rules while she
moves his desk away from his colleague. ..................................................................... 245
xiii
Figure 9: A student is making a presentation, addressig the rest of the classroom. His
colleagues look at him while the teacher helps.. ........................................................... 247
Figure 10: A student calls the teacher’s attention and points to the place where the
picture should be fastened. Roberta follows his instructions and the rest of the classroom
plays an audicence role (reorganization of participation framework). ......................... 249
Figure 11: A student leafs through the book Roberta is holding. Other students rise their
hands mentioning they want to do the same. ................................................................ 252
Figure 12: The item in the exam (exercise B). The students should match the objects
with the corresponding sentences.................................................................................. 269
Figure 13: A student calls Roberta's attention, pointing to the places where there were
folders
on
which
answers
of
the
exam
were
written………………………………………………………………………………....270
xiv
Índice de Tabelas
Tabela 1: Principais características da visão de cada autor sobre o conceito de estrutura
de participação. ............................................................................................................... 77
Tabela 2: Convenções de Transcrição. ........................................................................ 177
Tabela 3: Elementos apresentados e discutidos na seção 4.1. ..................................... 230
Tabela 4: Elementos apresentados e discutidos na seção 4.2. ..................................... 272
xv
List of Tables
Table 1: The main ideas of each author about the concept of participation framework..
......................................................................................................................................... 77
Table 2: Transcriptons Conventions. ........................................................................... 177
Table 3: Elements presented and discussed in section 4.1. .......................................... 230
Table 4: Elements presented and discussed in seciton 4.2. .......................................... 272
xvi
1– INTRODUÇÃO
1.1 - Participação
A participação é um dos elementos-chave para o estabelecimento da interação.
A maneira como participamos aponta uma série de fatores que influenciam as ações
verbais e não-verbais durante um encontro social.
De acordo com a forma de participar de um sujeito, podemos identificar, por
exemplo, o seu grau de engajamento perante a fala de um outro participante,
mediante aspectos linguísticos (expressões de concordância, mudança de tópico,
elaboração de perguntas que mostrem interesse pelo que está sendo dito etc.) ou extra
e paralinguísticos (olhares, gestos, bocejos, tom de voz, entonação etc.). Podemos
também analisar como o interlocutor interpreta esses aspectos observados durante o
evento de fala, quando tenta ou não manter a atenção do sujeito com quem fala por
meio de chamadas de atenção (verbalizadas ou não). Essas chamadas de atenção
podem incluir um olhar fixo, um aceno com as mãos, um pedido de atenção
verbalizado, produções de som como um estalar de dedos ou uma batida na mesa etc.
Na sala de aula, que é o contexto analisado neste trabalho, o (a) professor(a)
utiliza quase sempre essas técnicas para tentar coordenar o comportamento dos
aprendentes a fim de que os mesmos se alinhem perante a atividade do momento. Por
isso, podemos afirmar que a forma de os alunos participarem influencia diretamente
a forma como o (a) professor(a) interage com seus aprendentes e vice-versa. Em
outras palavras, tanto o ensinante como o aprendente (re)negociam a todo o momento
seus papéis como participantes. Isso indica que mesmo em um ambiente escolar em
que a participação dos alunos seja compulsória e altamente controlada pelo(a)
1
professor(a), há momentos em que as regras são violadas pelos aprendentes, fazendo
com que os professores interrompam a aula e reorganizem a postura dos alunos para
que estes participem de acordo com as regras pré-estabelecidas.
Essa noção traz-nos a ideia de que interlocutores (falantes e ouvintes) não
devem ser vistos como entidades independentes, mas como sujeitos engajados em
um mesmo encontro social, afetando e sendo afetados a todo momento por suas
formas de participar. Essas formas podem redifinir os papéis, que não devem ser
entendidos como algo estático, mas em constante mudança e dependentes dos
diferentes posicionamentos que assumimos durante uma interação. Como afirma
Duranti (1997:314):
Participation as analytical dimension becomes a powerful instrument for the
study of the constitution of society, with its pre-established roles and statuses
and its routine negotiation of such roles and statuses through communication.
Uma vez que os interactantes estão constantemente renogociando papéis
durante um evento social, eles também necessariamente renegociam as suas maneiras
de participar, que estão associadas às suas ações. Por isso, estudar a participação por
meio da análise momento-a-momento de uma interação significa entender como
essas
ações
podem
ser
ferramentas
eficientes
para
apreender
o
engajamento/envolvimento de cada participante nas estruturas de desenvolvimento
de um encontro social (C. Goodwin 2000). A essas estruturas, damos o nome de
“estruturas de participação”, o objeto de estudo desta investigação.
Antes de iniciarmos uma discussão sobre os vários modelos que temos para
analisar estruturas de participação e as muitas definições que diversos teóricos
trazem sobre esse conceito, focamos agora o espaço geográfico em que se insere este
estudo (Macau) e, a seguir, apresentaremos o contexto em que os dados foram
coletados (as escolas Luso-Chinesas). Posteriormente, discutiremos a teoria geral
2
deste estudo, a Sociolinguística Interacional (SI), para podermos explicitar o tipo de
abordagem que utilizaremos neste trabalho, como também para discutirmos outros
elementos que nos ajudarão na análise dessas estruturas, como o discurso de sala de
aula e o piso conversacional.
1.2 - O português em Macau
Macau é um espaço multilinguístico e multicultural localizado no sudeste da
China. Desde a chegada dos navegadores portugueses no século XVI, o território
passou a ser o ponto de intersecção para trocas comerciais entre China e Portugal.
Porém, imigrantes provenientes de outros países asiáticos (Malásia, Tailândia e
Filipinas) também foram se instalando e ajudando no híbrido processo de formação
desse território. No final do século XIX (1887), assina-se o Tratado da Amizade e
Comércio Sino-Português. A partir desse ano, Macau passou a ser oficialmente
administrado pelos portugueses até 1999, quando o território passou a ser uma região
adminstrativa especial e novamente administrado pela República Popular da China.
No início da administração portuguesa, logo surgiu a necessidade de
comunicação e o aparecimento dos primeiros intérpretes. Esse processo de
conhecimento mútuo foi provocando todo um movimento de intercâmbio que girava
em torno dos negócios. Juntamente com esse movimento comercial, vem também um
movimento religioso com a chegada dos Jesuítas (Teixeira e Silva & Moutinho 2010).
Com a expulsão dos mesmos em 1762, a Língua Portuguesa que era ensinada pelos
religiosos passa a ficar a cargo do governo. Nesse mesmo período, é instituída uma
escola de instrução primária elementar para os chineses. Temos, então, a gênese do
que no futuro serão as duas grandes instituições de divulgação da Língua Portuguesa
3
em Macau: o Centro de Difusão da Língua Portuguesa e as Escolas Luso-Chinesas.
Essa última instituição constitui o contexto deste trabalho.
Embora houvesse aulas de português nas escolas, o idioma não era ensinado
como língua estrangeira e, visto que a maioria da população na região sempre foi de
etnia chinesa, isso provocaria uma imensa dificuldade em seu aprendizado. Mais
tarde, em 1960, é publicado o Despacho 33, que impõe o uso da língua portuguesa na
função pública. Esse fato, embora restrito a uma parcela muito pequena da população,
geraria a obrigatoriedade de se falar português para ingressar no serviço do governo,
o que provocou uma procura maior pela sua aprendizagem. Contudo, apenas no final
dessa década é que se manifesta mais explicitamente um início de reflexões sobre
aspectos específicos do ensino da língua portuguesa a falantes não-nativos (Grosso
2007). A partir dessa época, surge a necessidade de formação de professores para
ensinar português para falantes de chinês e de busca por especialistas nas duas
línguas (chinês e português) em razão do projeto de bilinguismo que o governo
passou a querer implantar. Esse movimento ganhou mais fôlego no início da década
de 1980 mediante às negociações para a reintegração do território à República
Popular da China que aconteceria em 1999.
Hoje, a situação oficial da língua portuguesa em Macau é definida pelo artigo
9º. da Lei Básica, que diz: “Além da Língua Chinesa, pode usar-se também a língua
portuguesa nos órgãos executivo, legislativos e judiciais da Região Administrativa
Especial de Macau, sendo também língua oficial”. Chamamos a atenção, nessa
citação, para o uso do verbo “poder”, o qual indica que o uso do português no
território é apenas opcional, sendo o chinês o único idioma obrigatório nos referidos
setores governamentais.
4
Além disso, embora haja duas línguas oficiais no território, não é essa a
realidade que podemos observar no cotidiano. Apenas uma parte muito pequena da
população fala português, o que aponta a falta de uma política de divulgação do
idioma. No âmbito pedagógico, há uma grave repercussão provocada pelo conflito
entre a lei e a realidade que é problemática: embora nas leis que regem o ensino, o
português seja considerado uma segunda língua (Decretos DL39/94/M, DL46/97/M e
DL54/96/M), o status do português em Macau é de língua estrangeira, pois, nas
escolas, quem aprende o idioma como língua não-materna praticamente não tem a
oportunidade de se comunicar nele fora da sala de aula. Portanto, na prática, o
português não é a segunda língua do território.
Nesse sentido, vamos expor, sucintamente, algumas características de um
conjunto de escolas do governo, responsáveis pelo ensino do português, as escolas
Luso-Chinesas.
1.3 - As escolas luso-chinesas
O contexto desta pesquisa é uma sala de aula de uma escola luso-chinesa
primária e de seção chinesa. A escola é situada perto da fronteira com a China
Continental. O português ensinado nessa instituição (como em todas as outras do
governo) é de variante europeia.
As escolas luso-chinesas oferecem o currículo regular de qualquer escola com
o diferencial de ensinar também a língua portuguesa em todos os anos. Atualmente,
há uma rede de seis escolas primárias, dois Jardins-de-infância, duas escolas
secundárias (uma regular e outra técnico-profissional) e uma escola especial.
5
Uma escola primária e uma secundária são subdivididas em duas seções: a
chinesa – com língua veicular chinesa, onde há o ensino de Português para Falantes
de Outras Línguas (PFOL) – e a portuguesa – com língua veicular portuguesa. Nelas,
também figuram outras línguas (consideradas estrangeiras): o mandarim e o inglês.
O Português é ensinado desde o Jardim-de-infância 3; o mandarim começa no
quarto ano e o inglês no quinto. Essa situação, todavia, vem mudando. Há uma
tendência a valorizar mais o inglês. Assim, há atividades extraclasses com a Língua
Inglesa antes do quinto ano e em algumas escolas, desde o primeiro ano.
Esse é um fator que interfere também na escolha da escola para os filhos.
Muitos pais preferem não colocar o filho em escolas Luso-Chinesas por acharem que,
em vez de português, os seus filhos deveriam aprender inglês desde o primeiro ano.
Há a ideia errônea de que o português tira o espaço para a aprendizagem de outras
línguas.
Essa concepção pode estar associada à falta de uma política eficiente de
divulgação da língua portuguesa no território. Considerando que as escolas lusochinesas poderiam ser uma das instituições que exerceriam essa função de divulgar o
idioma, vemos que essa possibilidade se torna inexequível diante do reduzido
número (onze, no total) dessas escolas em Macau. A RAEM tem hoje cerca de
550.000 habitantes (com cerca de 73.823 alunos matriculados em escolas públicas e
privadas de ensino infantil, primário, secundário, técnico-profissional e especial1) e,
por essa razão, as luso-chinesas (com cerca de apenas 3.000 estudantes) não têm
espaço suficiente para atenderem toda a demanda pelo ensino na região. As escolas
1
Dados obtidos no relatório anual (2009-2010) da educação regular em Macau, publicado no sítio
eletrônico da Direção dos Serviços da Educação e Juventude (DSEJ). Disponível em
http://www.dsej.gov.mo/~webdsej/www/statisti/2009/index-p.html. Acesso: 24/06/2011.
6
particulares, que totalizam oitenta unidades, com mais de 70.000 estudantes, portanto,
são as responsáveis pela maior parte da educação no território2.
Essas instituições recebem um apoio financeiro do governo caso incluam o
ensino de língua portuguesa em seu currículo. Porém, isso é apresentado apenas
como opção, não tendo essas escolas qualquer obrigatoriedade de oferecerem cursos
de PFOL em suas dependências. As que oferecem podem incluir o ensino da língua
portuguesa apenas a partir do quinto ano e, muitas vezes, somente como língua de
opção (podendo os alunos ainda fazerem a escolha pelo francês, espanhol ou alemão).
Esses fatos, indubitavelmente, tornam a complexa tarefa de se formar um território
bilingue em uma realidade cada vez mais distante.
1.4 - Objetivos e pergunta de pesquisa
Há estudos que abordam aspectos culturais sobre o ensino da língua
portuguesa em Macau (Ngai 1993, Gomes et al 1991, Teixeira 1982). Alguns deles
procuram retratar o percurso das políticas voltadas ao ensino da língua lusófona no
território (Grosso 2007, Rodrigues 2004 e 1998) sob um ponto de vista macro. Porém,
sentimos falta de um estudo que avance nas questões mais particulares em contexto
de sala de aula, onde as identidades e crenças dos participantes são a todo o momento
(re)negociadas.
Por essa razão, propomos um estudo de caráter microetnográfico para
aprofundarmos as questões menos salientes, mas que são de igual importância para
compreendermos melhor como se desenvolve o processo interativo em uma sala de
aula de PFOL no contexto multilinguístico de Macau.
2
Idem.
7
Conforme já mencionado na subseção 1.1 deste trabalho, partimos do
pressuposto de que a participação é um dos elementos-chave em uma interação e,
nela, podemos notar uma série de fatores que incidem na maneira como os sujeitos
interagem (elementos verbais, movimentos corporais, mudanças de enquadre, de
posicionamento, de cenário e a presença de outros elementos que chamam a atenção
dos participantes, como: figuras, desenhos, objetos etc.). Esses fatores constituem as
maneiras de se participar em sala de aula, estabelecendo estruturas de participação,
que é o tema central deste estudo.
Observar as estruturas de participação em um contexto de ensino pode
fornecer-nos uma melhor compreensão de como os aprendentes 3 e professores
conjuntamente constroem significados, como verbalmente e extralinguisticamente
sinalizam as suas decisões, as suas atitudes e as suas ações. Atentar a esses fatores é
de fundamental importância se quisermos contribuir para uma melhor organização do
espaço interativo dentro de sala de aula, permitindo uma participação mais ativa dos
aprendentes e, consequentemente, uma maior emancipação dos mesmos na línguaalvo.
Nesse sentido, consideramos que o aprendizado ou a aquisição de uma nova
língua não envolve apenas processos cognitivos, mas também é um produto de
interações sociais (Erickson 2006). Partimos do pressuposto de que o aprendizado
toma corpo (em outras palavras, torna-se visível) somente na interação entre sujeitos,
ou seja, trata-se de um processo situado, co-construído e distribuído entre os
3
De acordo com os pressupostos atuais da área de ensino/aprendizagem de línguas, o termo
“aprendente” tem ganhado destaque em detrimento dos mais comumentes usado “aluno(a)” ou
“estudante” por sugerir a ideia de que a aprendizagem não é apenas uma função, mas um processo
dinâmico que está em constante desenvolvimento. Assim, seguindo essa filosofia, consideramos a
possibilidade de o professor também ser um aprendente, a medida que esse está em constante prática,
obtendo mais experiência e conhecimento sobre a sua profissão a cada momento que interage com os
estudantes. Por isso, é importante, em certos momentos, o uso do termo “aluno(a)” para marcar o
papel institucional que certos participantes desempenham durante a interação em sala de aula, uma
vez que não estamos analisando a aprendizagem referente a aspectos curriculares, mas sim a sociais (a
forma de se participar) dentro da sala de aula.
8
participantes (Young & Miller 2004). Por isso, neste estudo, consideramos a
interação como um espaço fundamental para o desenvolvimento das práticas
humanas, sendo o aprendizado um dos resultados dessas práticas. Além disso,
defendemos a ideia de que os aprendentes são participantes ativos nesse processo,
por mais gerenciado que seja o controle da participação em um contexto de
ensino/aprendizagem.
Com base nesse ponto de vista, consideramos as ações dos sujeitos elementos
fundamentais de análise, uma vez que é por meio delas que esses demonstram quais
tarefas são capazes de realizar e que papéis podem assumir durante um encontro
social. Isso significa afirmar que, no contexto deste estudo, não estamos
necessariamente interessados no ganho linguístico do aprendente, mas sim em suas
maneiras de participar em sala de aula, que vão diretamente influenciar na
(re)organização do espaço interativo em questão e, consequentemente, em seu
próprio processo de aprendizagem.
Neste estudo, escolhemos focar a nossa análise na forma com que os alunos
lidam com as regras de conduta em sala de aula, mais especificamente, como eles
reconfiguram a estrutura de participação ao violarem ou cobrarem essas regras
durante diferentes atividades realizadas em sala. Essa escolha deu-se em razão de
estarmos observando um contexto de ensino de primeiro ano do grau primário
(primeiro ciclo). Nesse momento da vida escolar, os alunos deparam-se com imensas
transformações e, por isso, terão que (re)negociar a todo o momento as novas formas
(regras) de se participar em sala de aula, que são, pelo menos no caso dos alunos
participantes desta pesquisa, completamente diferentes daquelas a qual estavam
acostumados no jardim-da-infância. Ao (re)negociarem essas formas de participação
com a professora, os alunos estão também reorganizando o espaço interativo, ao
9
mesmo tempo que estão desenvolvendo estratégias sociais para reverterem situações
adversas a favor deles.
Por essa razão, procuramos responder à seguinte pergunta de pesquisa:
Como se processa a reconfiguração das estruturas de participação
em uma sala de aula de PFOL de uma escola primária Luso-Chinesa
em Macau?
Observar o processo da organização das estruturas de participação, dentre
outras coisas, significa:
- analisar os papéis (posicionamentos)4 que os sujeitos assumem em cada uma
dessas estruturas;
- estudar como esses papéis são (re)negociados e quais consequências trazem
para o encontro social;
- identificar elementos que podem ser decisivos para as tomadas de decisões
dos participantes presentes na interação em sala de aula;
- estudar como esses elementos são inseridos no espaço interativo e quais
efeitos causam na maneira de os sujeitos participarem dele;
- discutir o processar das ações dos sujeitos participantes no contexto de
ensino/aprendizagem.
Fica evidente, portanto, que o fenômeno estudado neste trabalho não está
relacionado somente a processos cognitivos que ocorrem nas mentes dos sujeitos,
4
O conceito de papéis precisa ser problematizado uma vez que como colocam Van Langenhove e
Harré (1999), não explicita o caráter dinâmico que os sujeitos adotam nas interações. Assim, seria
mais adequado utilizar o termo “posicionamentos” para marcar esse dinamismo que está mais em
sintonia com o nosso viés teórico. Contudo, também reconhecemos que em uma instituição como a
escola, certos tipos de ações são socialmente conferidas a certos sujeitos em particular, que têm a
obrigação de desempenhar determinadas funções. Quando nos referirmos ao termo “papel”, portanto,
estaremos referindo-nos a essas funções, mas sempre considerando que esses são elementos dinâmicos
que podem ser momentaneamente renegociáveis.
10
mas sim a elementos socialmente situados que são visíveis nas ações dos
participantes de uma interação. Observar um encontro social por meio de uma análise
momento-a-momento permite-nos tornar visível uma série de aspectos em interações
face-a-face (como os citados acima) que não seriam contemplados em um modelo
macroanalítico, pois esse teria como meta elucidar fatores sociais de ordem mais
geral.
Por essa razão, a microanálise etnográfica revela ser a metodologia mais
adequada para o estudo em questão, especialmente por desejarmos discutir a
renegociação de padrões socioculturais que frequentemente se apresentam como
estáveis, mas que, de fato, a todo o momento são modificados pelo dinâmico
processo de (re)organização do espaço interativo5.
Embora hierarquias sejam criadas e reforçadas por normas sociais e
institucionais (como as regras escolares), a microanálise etnográfica tem
demonstrado que os sujeitos contestam o poder um dos outros e entram em
competição por papéis de liderança em todo tipo de interação (Rampton 2006,
Candela 2005). Essa disputa é visível nas formas de os sujeitos participarem. Há
momentos em que é possível notar como os interactantes utilizam estratégias para
reconfigurarem a estrutura de participação e, assim, reorganizarem o espaço
interativo a seu favor.
Em nossa análise de dados, traremos para a discussão diversos momentos em
que os aprendentes e a professora renegociam as formas de participar em sala de aula.
Essas formas estão relacionadas a noções desenvolvidas por diversos teóricos da área
de SI, que serão apresentadas e discutidas nos capítulos seguintes.
5
Entraremos em detalhes sobre a escolha metodológica deste estudo na seção 3 desta tese.
11
1.5 – Organização da tese
Com o intuito de fornecer uma visão panorâmica dos capítulos deste trabalho,
apresentamos a sua estrutura base.
Esta tese está dividida em seis partes. Na primeira, discutimos o termo
“participação”, contextualizamos o espaço deste estudo e apresentamos o objetivo e a
pergunta de pesquisa. Na segunda, como já mencionamos, explicitaremos a teoria
geral (Sociolinguística Interacional), trazendo as principais contribuições de E.
Goffman e J. J. Gumperz. Além disso, teceremos algumas considerações sobre o que
entendemos por discurso de sala de aula e piso conversacional. Na terceira,
apresentaremos a teoria específica (Estruturas de Participação), propondo discussões
sobre trabalhos realizados por vários teóricos sobre o tema em questão que
contribuirão para o processo de análise dos dados desta investigação. Na quarta parte,
discutiremos a metodologia utilizada (microanálise etnográfica) para a interpretação
dos resultados e a sua importância em estudos que se propõem investigar aspectos
presentes em interações face-a-face. Na quinta parte, apresentaremos os resultados da
análise com base nos dados coletados em dezesseis aulas, gravadas em vídeo. Na
sexta e última parte, teceremos alguns comentários sobre esses resultados e sobre as
metas que atingimos neste estudo.
1.6 – Declaração de originalidade
O conteúdo desta tese é original e não foi previamente submetido a nenhuma
instituição de ensino superior para a obtenção do grau de doutor. Além disso,
afirmamos que o conteúdo deste estudo não apresenta material publicado ou escrito
por outro autor, exceto por aqueles que estão sendo citados no presente trabalho.
12
O presente trabalho deu origem a algumas publicações que são listadas a
seguir:
Artigos:
Teixeira e Silva, Roberval & Moutinho, Ricardo. (2010). O ensino de Língua
Portuguesa em Macau/China. Revista SIPLE 1.
Capítulos de livros:
Moutinho, Ricardo. 2010. A (re)construção das estruturas de participação em uma
sala de aula de PLE de uma escola primária em Macau. In A China, Macau e os
Países de Língua Portuguesa - XX Encontro da Associação das Universidades de
Língua Portuguesa, 193-203.
Teixeira e Silva, Roberval & Ricardo Moutinho Rodrigues da Silva. (2009). O que é
ser bom aluno? Reflexões sobre a construção da identidade de aprendentes chineses
em sala de aula de Português Língua Estrangeira. Anais do VI Congresso
Internacional da ABRALIN 1.
Apresentações em Conferências:
Moutinho, R. 2008. “The construction of Chinese primary students’ beliefs about
foreign language learning”. Calpiu – Cultural Linguistic Practices in the International
University, Roskilde, Denmark.
13
2 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 - Sociolinguística Interacional
2.1.1 - Introdução
A SI é uma área de estudo em que se focaliza a linguagem em interações face
a face. Em uma determinada interação social, estão presentes e indissociáveis
inúmeros fatores que têm fundamental importância para o sucesso ou insucesso em
um encontro entre dois ou mais falantes. Esses fatores podem ser de ordem
linguística, social e cultural. Segundo a definição dada por Schiffrin (1996:307),
“Interactional Sociolinguistics is a theoretical and methodological perspective on
language use that is based in linguistics, sociology, and anthropology”.
Nessa perpectiva, somente é possível uma análise contextualizando os
aspectos presentes nas interações em cada situação específica que eram, segundo
Goffman (1964), negligenciados pelos estudiosos da linguagem. Por isso, os sentidos
não podem ser alcançados apenas considerando a parte estrutural da língua, mas
também todos os fatores que constituem, criam, fundamentam e organizam o jogo
social.
Constantemente, vivenciamos diferentes situações de interação, quer seja
porque falamos com diferentes pessoas em diferentes lugares, porque nos utilizamos
de diferentes meios para nos comunicar ou porque estamos imersos em outra cultura.
Em algumas sociedades, pode haver uma preocupação ou necessidade de se falar
olhando para o interlocutor, em outras, pode não haver. Em determinadas situações,
falar alto pode ser sinônimo de falta de educação ou desrespeito, em outros casos,
pode ser a única maneira de se comunicar com alguém.
14
Em um encontro social, podem estar em jogo processos sociolinguísticos
inconscientes e automáticos de interpretação e inferência (Gumperz 1999). Por isso,
no âmbito dos estudos da Sociolinguística Interacional (Pereira 2002), consideram-se
as forças políticas e econômicas e os relacionamentos de poder (fatores de ordem
macrossocial), como também a construção de significado por meio da interação, no
nível local (fatores de ordem microssocial).
A importância de se analisar a fala em interação face a face está na
necessidade de se entender como na língua emergem e são interativamente
produzidos parâmetros socioculturais como gênero, etnia e classe. Segundo Pereira
(2002:09), “para entender questões de identidade e como são afetadas por divisões
sociais, políticas e étnicas, nós necessitamos avançar na percepção dos processos
comunicativos em que emergem”.
A SI traz uma série de possibilidades de estudos. Pereira (2002) destaca duas
tendências. Na primeira, busca-se compreender o que acontece nas interações face a
face, como os sujeitos negociam as informações e como os problemas aparecem na
comunicação, por exemplo. São estudados falantes de culturas diferentes
(cruzamento cultural) ou com papéis ou classes sociais distintas. Essa tendência está
preocupada com as interpretações que os interagentes fazem sobre o que está
acontecendo no “aqui e agora” (Goffman 1959) de um evento interativo.
Já na segunda, o foco volta-se para o discurso, procurando compreender
como as unidades linguísticas funcionam nas interações. São aspectos de interesse
desses estudos as relações discurso e gramática, os marcadores discursivos, o estudo
de narrativas e do estilo conversacional, o foco no tópico ou na estrutura de
participação, nas propriedades da língua oral e escrita, nas estratégias de
15
envolvimento (afetividade, modalização, repetição) e distanciamento, nas estratégias
de polidez e nas classes gramaticais por exemplo.
Acreditamos que a divisão elaborada por Pereira (2002) é muito útil para
auxiliar na classificação dos estudos na área da SI. Porém, não existe o impedimento
de que um estudo inserido em uma das tendências não possa ou não deva focar um
aspecto indicado na outra, uma vez que essas vertentes não são excludentes.
Em nosso trabalho, preocupamo-nos em compreender o que acontece em um
encontro social, um momento de interação face a face: a sala de aula (o que estaria
relacionado com a primeira tendência), focando na estrutura de participação (o que
estaria relacionado com a segunda). A nossa proposta é, através do estudo de um
aspecto, “estruturas de participação”, tentar entender o que acontece na sala de aula.
Gostaríamos de, antes de discutir mais aprofundadamente o foco de nosso
estudo, apresentar as contribuições dos dois autores-fundadores da SI: Erwing
Goffman e John J. Gumperz. Com base em suas contribuições, poderemos
fundamentar o presente estudo.
2.1.2 - As bases de Goffman
2.1.2.1 - Representações
Goffman (2008[1959]) sublinha que as interações são representações e, que
nelas, os sujeitos fornecem e buscam pistas, através das quais se torna possível a
construção de um encontro social. De acordo com as pistas obtidas e fornecidas, os
interagentes vão construindo diferentes perfis em razão de uma série de elementos
16
situacionais (o espaço, o tempo, o tipo de encontro, etc.) além do seu próprio
interlocutor.
Para as representações, os sujeitos fazem uso de um equipamento expressivo
a fim de definir a situação para seus interagentes. A esse equipamento, Goffman
(2008[1959]) dá o nome de fachada.
A fachada, segundo o autor, é constituída de três facetas: o cenário, a maneira
e a aparência. O cenário é o ambiente em que os participantes se encontram, que
contribui para a construção do personagem. Na sala de aula, por exemplo, o quadro,
o tablado, a disposição das carteiras ajudam os participantes a criarem um esquema,
que influencia a percepção dos mesmos no sentido de definirem aquele local como
sala de aula. A maneira pode ser o tom de voz, o modo de falar ou até mesmo a
posição física do sujeito durante a interação. Já a aparência tem relação com o
vestuário, artefatos (óculos, maquiagem, anéis, etc), a expressão facial, por exemplo.
Para sustentar a fachada, os sujeitos podem usar diferentes meios ou
“técnicas”:
a) realização dramática – que serve para acentuar ou confirmar fatos.
Um professor pode explicar algo com inteira convicção e ter sucesso
simplesmente por estar no papel de professor, mas não por estar
realmente certo daquilo;
b) idealização – que serve para fazer o interlocutor “acreditar” no papel
do ator. Um presidente de um país, por exemplo, dificilmente
participaria de um jantar oficial com os seus ministros vestindo
camiseta e bermuda, pois seu papel social seria completamente
desvalorizado;
17
c) manutenção do controle expressivo – que serve para os atores
transmitirem uma certa credibilidade sobre o papel que representam.
Meninas de um dormitório podem pedir para as amigas ligarem para
elas constantemente só para passarem a credibilidade de que são
populares;
d) representação falsa – que serve para um ator representar um papel
falso para a sua segurança ou benefício próprio. É comum, por
exemplo, vermos pessoas com muito dinheiro, vestindo-se de maneira
humilde para mostrarem que não possuem bens;
e) mistificação – que serve para impedir o público de ver o ator. A
intimidade pode gerar o desrespeito de um rei por parte de seu
soberano. Por isso, a nobreza jamais janta com seus súditos, mantendo
uma certa distância no convívio entre eles.
De acordo com os aspectos acima, podemos considerar as interações como
cenas em um teatro. Park (apud Goffman, 2008[1959]:27) acredita que “não é
provavelmente um mero acidente histórico que a palavra pessoa, em sua acepção
primeira, queira dizer máscara”.
Na sala de aula, por exemplo, professores e alunos criam fachada para a
representação desse encontro social. Analisar como os participantes utilizam e/ou
manipulam o cenário, as maneiras e as aparências pode ajudar a compreender o aqui
e o agora das aulas.
Talvez a razão de exibirmos uma fachada seja explicada pelo princípio de que
qualquer sujeito que possua certas características sociais espera que os outros
valorizem e o tratem de maneira adequada.
18
Exatamente por isso é que os sujeitos representam papéis, e portanto,
solicitam de maneira implícita (e/ou explícita) que seus interagentes respeitem a
impressão que querem sustentar6.
Outra importante contribuição de Goffman são os conceitos de enquadre,
alinhamento e footing. Com base neles podemos examinar melhor os papéis dos
sujeitos na interação, como eles são sinalizados e como os sujeitos posicionam-se
entre si face a face durante um encontro social.
2.1.2.2 - Enquadre , alinhamento e footing
Os três conceitos serão discutidos em conjunto por estarem interconectados.
Em uma interação, uma mudança de enquadre, por exemplo, necessariamente
acarreta uma mudança de alinhamento e de footing. Como já observou Wine (2008)
as definições podem parecer um pouco “escorregadias” quando analisadas de forma
independente, por isso, optamos por apresentá-los em uma única subseção.
O termo enquadre (frame), introduzido por Bateson (1972) e retomado por
Goffman (1974), pode ser pensado como “recipientes metafóricos” ou como
“equemas de conhecimento” (Tannen & Wallat 1987).
Enquadres podem ser pensados como delimitações no espaço e no tempo que
(re)organizam objetos ou elementos através de uma perspectiva física e psicológica.
Pensemos no exemplo de Sacks (1992) quando ele escreveu O bebê chorou e a
mamãe o pegou. Essas duas frases podem formar uma história em razão de nossas
noções de senso comum de causa e efeito em relações familiares. Essas noções
6
Essa ideia remete-nos ao conceito de face (Brown & Levinson 1987), que será discutido na seção 2.2
deste trabalho.
19
levam-nos a enquadrar as duas elocuções como se estivessem relacionadas de alguma
forma.
Nós fazemos isso, de acordo com Bateson (1972), porque as pessoas
interpretam as ações por meio da inclusão ou exclusão de possibilidades dentro de
um determinado contexto. Os enquadres, para Bateson, podem ser construídos e
renegociados de acordo com as ações dos interactantes, as quais auxiliam na
interpretação do que acontece no aqui e agora de cada interação. Essa primeira
noção de Bateson refere-se a enquadre como algo mais amplo, diferentemente de
Goffman (2008[1959], 1981) e Tannen & Wallat (1987), que o relacionam contexto,
respectivamente, com posicionamentos (footing) e com esquemas de conhecimento.
Como já mencionamos, o conceito de footing está relacionado ao de enquadre.
Em seu texto, Goffman (1981) não apresenta uma definição delimitada para o
conceito, mas como colocam Ribeiro & Garcez (2002:107, grifo dos autores), a
noção traz a ideia de que footing “representa o alinhamento, a postura, a posição, a
projeção do “eu” de um participante na sua relação com o outro, consigo próprio ou
com o discurso em construção”. Às vezes (re)construímos enquadres (reenquadrar ou
alterar essas relações cognitivas e sociais) em uma interação social por meio da
mudança de footing. Por isso, uma mudança no footing é o equivalente a engrenar
mudanças que afetam tarefas, harmonia, papéis sociais e alinhamentos interpessoais.
Wine (2008:02) afirma que:
A shift in footing can affect prior status and social distance arrangements
among interlocutors. Some shifts are momentary suspensions of social relations
that are later resumed (i.e, mini re-framings embedded within longer strips of
on-going action).
Um exemplo disso aparece no artigo de Goffman (1981) quando, no início,
relata uma situação ocorrida no Salão Oval da Casa Branca entre o presidente Nixon
20
e a jornalista Helen Thomas durante uma conferência de imprensa. Naquele
momento, o presidente altera o enquadre situacional e, ao abrigo de seu poder
institucional, força a repórter a passar da sua capacidade profissional para a sua
capacidade sexual e doméstica ao fazer um comentário sobre sua roupa e sobre as
preferências de seu marido. Em uma situação em que provavelmente um indivíduo
do sexo feminino esperaria ser reconhecido e respeitado somente como profissional,
a mudança de enquadre gera uma mudança de posicionamento (footing) tanto da
parte do presidente quanto da repórter, que leva a situação com bom humor.
Depois da brincadeira, todos os outros repórteres que estavam presentes riem e
se divertem com o ocorrido, o que prova que eles também mudaram de enquadre,
deixando o seu posicionamento formal para assumirem uma postura mais
descontraída.
Nesse caso, houve uma mudança de footing que provocou uma suspensão
momentânea do enquadre em que todos estavam naquele momento (uma conferência
de imprensa). Seguindo Levinson (1992), (Wine 2008:02) aponta que “some shifts
in footing have more enduring implications, transforming social relations, and
sometimes whole activities, into something else”.
Goffman (1981:128) chama a atenção para essas mudanças e afirma que “a
change in footing implies a change in the alignment we take up to ourselves and the
others present as expressed in the way we manage the production or reception of an
utterance.” É importante destacarmos que essa asserção de Goffman não é válida
somente para contextos mais formais como reuniões de negócios ou encontros
governamentais. Contextos educacionais, como a sala de aula, são tipos de interação
que também podem ser ambientes propícios para a constatação desse fenôemno
referente à mudança de footing.
21
Tannen & Wallat (1987) referem-se a enquadre como o sentido que os
participantes constroem acerca do que está sendo feito, ou seja, as expectativas que
os sujeitos têm sobre as potenciais ações que podem ser realizadas em um
determinado momento de um encontro social. Isso porque nós temos um esquema de
conhecimento social e culturalmente enraizado sobre que tipo de enquqdre se cria
com certos elementos (Wine, 2008).
Quanto ao alinhamento, podemos, segundo Wine (2008), levar em conta três
fatores. O primeiro fator é que o alinhamento é com frequência usado
simultaneamente com uma concordância (agreement). Por exemplo, quando
participantes de uma interação estão em sincronia um com o outro, estão em
alinhamento, seja emocional e/ou intelectual. O segundo fator é que a concordância
não significa consenso. Participantes podem estar emocionalmente alinhados, mas
não estão em concordância de ideias, ou vice-versa. O terceiro fator é sobre a
manutenção ou preservação da face. Quando algum participante quer evitar conflitos,
então, cria-se um acordo superficial com o interlocutor para que pelo menos algumas
metas na interação sejam atingidas. Para Wine (2008:03),
Some projections of alignment are really just ritualistic dance steps – a choreographed
tango we perform with a conversational partner we assume to be dissimulating on
some level as well, and one who may well be, by virtue of a greater power over us,
actually leading us… However, not all alignment is self-serving or feigned. Some
projections are heart-felt. While using language as a tool for deconstructing hidden
power relationships has real value when examining social problems, it is important to
remember that there is a great deal of power in solidarity, as well. Though perhaps
harder to quantify and not as sexy to discuss, when it comes to solving social
problems, it is often solidarity (true alignment) that brings about the greatest and most
enduring social change.
Quando dois participantes estão alinhados, seja completa ou superficialmente,
entendemos que esta concordância só foi possível por meio da inferência de algumas
pistas deixadas por eles durante o curso natural da fala.
22
Esses três conceitos, como já discutimos, estão associados e ajudam a construir
e interpretar os diversos movimentos das interações. Alunos e professores criam
diferentes enquadres em diferentes situações em sala de aula, assumem posturas e
alinham-se de acordo com os seus papéis e com as pistas deixadas pelo seu
interlocutor. Essas pistas serão o próximo tema a ser discutido em nosso trabalho,
com base nas observações de John J. Gumperz.
2.1.3 - As contribuições de Gumperz
Uma das contribuições mais importantes de John J. Gumperz, para o nosso
trabalho, está em seu artigo Contextualization Conventions publicado inicialmente
em 1982 no livro Discourse Strategies. Nesse artigo, o autor explica como pessoas
que usam um mesmo código linguístico podem utilizar diferentes modos de
contextualizar aquilo que dizem, produzindo, assim, diferentes mensagens e
significados.
O autor explica, em seu texto, o que entende por ‘convenções de
contextualização’. Segundo ele, essas convenções são pistas que utilizamos na
interação para fazer o nosso interlocutor inferir os nossos propósitos comunicativos.
Essas pistas podem ser de natureza linguística, paralinguística ou extralinguística. A
elas, ou autor dá o nome de ‘pistas de contextualização’ (contextualization cues).
As pistas de contextualização são traços que um participante sinaliza ao outro,
que por sua vez, interpreta de modo a saber qual é a atividade em que estão
engajados naquele momento. Como o próprio Gumperz afirma (1982:131, ênfase do
autor):
… constellations of surface features of message form are the means by which
speakers signal and listeners interpret what the activity is, how semantic content is to
23
be understood and how each sentence relates to what precedes or follows. These
features are referred to as contexturalizaiton cues.
Em uma sala de aula do segundo grau, por exemplo, o professor pode, antes de
iniciar a aula, entrar sorrindo na sala e ter uma conversa descontraída com os alunos
(perguntar como passaram o fim de semana ou as férias, se viajaram, contar alguma
piada etc.). Podemos notar que, nessa situação e com base no conhecimento da
tradição escolar que temos, os alunos vão inferir este contexto como: a aula ainda
não começou. Os alunos só puderam chegar a esta conclusão em razão das pistas
linguísticas e não-linguísticas deixadas pelo professor: perguntas sobre as férias,
sobre o fim de semana, apresentação de uma piada, o sorriso. Porém, depois de
alguns minutos de conversa, o professor abaixa a cabeça, olha para o relógio e para
de sorrir. Em seguida, dá a seguinte ordem: Muito bem, abram o livro na página 27.
Nesse momento, os alunos ficam quietos, alguns produzem uma expressão de
descontentamento, outros sussurram baixo com o colega. O fato é que, dessa vez, os
alunos já construíram um significado diferente do primeiro nesse processo interativo,
que era de descontração. As pistas deixadas pelo professor desta vez, sejam de ordem
não-linguística (abaixar a cabeça, olhar para o relógio e parar de sorrir), ou de ordem
linguística (Abram o livro na página 27), levam o aluno a compreender o que está se
passando naquele momento. A conclusão não pode ser outra, senão inferir o contexto
como: a aula começou.
É claro que nem sempre o interlocutor interpreta os sinais ou pistas de
contextualização da maneira que o locutor espera. O processo inferencial, para
Gumperz, é de natureza sugestiva e nunca assertiva. Ou seja, a interpretação do
ouvinte sobre aquilo que o falante deseja comunicar é baseado em pressuposições,
nunca em termos de valores absolutos (Pereira, 2002). Se a interpretação do
24
interlocutor for diferente da que o falante espera, poderá haver mal-entendidos ou
conflitos de várias espécies (dos mais leves aos de consequências mais graves). No
processo de inferência, a cultura tem um grande papel. Pessoas de culturas diferentes
podem não compartilhar as mesmas convenções comunicativas7. Como exemplifica
Pereira (2002:11),
As dificuldades tendem a surgir quando indivíduos de diferentes backgrounds
culturais se comunicam em público em eventos de fala como reuniões, entrevistas e
em outras situações de trabalho8
Olhar para o falante quando esse se dirige a nós parece ser uma prática
comum de respeito e atenção ou até mesmo uma técnica de nos elegermos como
interlocutores ratificados (Goffman 1981a). Porém, Philips (1972), ao comparar
alguns aspectos na ordenação da fala entre anglo-americanos e índios Warm Springs
de Oregon, EUA, observou que os falantes da comunidade indígena não olham
diretamente para os ouvintes durante muito tempo e os ouvintes, por sua vez,
tampouco o fazem. Por isso, a maneira de legitimar ou não a fala do outro não pode
ser feita da mesma maneira que ocorre entre os anglo-americanos. O controle
exercido pelo ouvinte, de se eleger um interlocutor ratificado, parece também não
existir apenas pelas técnicas de atração do olhar.
Contudo, não precisamos mais, no mundo atual, fazer comparações entre
sociedades tão distantes culturalmente para notarmos que diferentes valores culturais
estão em jogo no processo interacional. Conforme Pereira (2002:10) afirma:
As velhas formas de uma sociedade plural em que famílias viviam em comunidades
como ilhas isoladas, rodeadas por outras com similiridade étnica já não são típicas.
Em nossa vida diária, nos tornamos altamente dependentes de serviços públicos e da
cooperação de pessoas que podem não partilhar nossa cultura.
7
Ver Viana (2003). Sotaque Cultural: Uma proposta para a compreensão de traços culturais (re)velados na
interação em língua estrangeira, Tese de Doutorado, UFMG, Brasil.
8
Poderíamos incluir aqui também a sala de aula.
25
Gumperz (1982) sugere ainda que, até em contatos entre grupos que
costumamos identificar como partilhando a mesma cultura, há descompassos na
prática de convenções de contextualização.
As
contribuições
de
Gumperz
para
a
SI
são
importantes
para
compreendermos melhor como as pessoas compartilham o conhecimento gramatical
de uma língua ao mesmo tempo que contextualizam de maneira diferente o que é dito.
Portanto, a lingua é afetada por aspectos socioculturais. A maneira como nos
comportamos e nos expressamos em uma determinada língua está aberta a
influências externas (Schiffrin 1994). Por isso, para entendermos esses efeitos, é
necessária uma teoria geral da comunicação que integre o que sabemos sobre
gramática, cultura e convenções interativas em um único modelo analítico.
Levando em consideração essa ideia, é possível complementarmos o conceito
de competência comunicativa proposto por Hymes (1974). Segundo esse autor, a
competência comunicativa diz respeito ao conhecimento gramatical da língua e a
habilidade de saber como e quando usar certas elocuções apropriadamente,
dependendo do contexto em que se está inserido. Gumperz, por sua vez, inclui
também o conhecimento relacionado às convenções que os falantes devem ter para
criarem e sustentarem a cooperação conversacional. Isso significa que, para se
comunicar de maneira eficaz, é necessário ter em mente que os sujeitos têm as suas
próprias noções socialmente definidas sobre código e sistema gramatical. Falantes
são membros de grupos sociais, ou seja, a maneira com que eles se comunicam não
revelam somente o contexto em que estão inseridos, mas também fornecem pistas de
quem eles são e o que querem dizer.
Como coloca Pereira (2002:11),
26
Para Gumperz (1982b:1), a comunicação não pode ser estudada de forma isolada nem deve ser
vista apenas a partir de elementos esturuturais. A produção de sentenças em si não constitui
comunicação. A comunicação é uma atividade social que requer esforços coordenados de dois
ou mais indivíduos. Interpretações são cojuntamente negociadas por falantes e ouvintes;
julgamentos são confirmados ou modificados pelas reações que evocam um no outro.
Sendo assim, a competência gramatical não é suficiente para criarmos e
sustentarmos o envolvimento conversacional (Pereira, 2002). Para Gumperz (1982b),
a comunicação não é meramente estrutura, mas ação, avaliação e processo de tomada
de decisão. Por isso, em uma conversa, de acordo com Pereira 2002:150) “as
interpretações são ecologicamente condicionadas – na sua sequência, organização e
produção de ação e sentido”. Portanto, competência comunicativa para Gumperz
(1982b:23) é:
…more than the application of rules or norms for appropriate speech; it is the interactive
realization of communication within contexts that are themselves part of that communication. At
the level of sociocultural experience, there is selection of discourse strategies such that the
recognition of appropriate, or at least feasible, strategies acts as a frame for further interpretation
and action.
Já discutimos sobre o fato de contextualizarmos uma interação por meio de
pistas que dependem de nossa interpretação. Essa interpretação, por sua vez, está
ligada diretamente ao nosso conhecimento de mundo, que, além de ser automático, é
também reinterpretado na conversa. Porém, devemos levar em conta que cada
conversa tem uma característica situada, isto é, além de ser única, ela também é
dependente do contexto em que se insere. Isso explica o fato de certas palavras ou
expressões serem amplamente aceitas em contextos formais, mas não em contextos
informais. Nesse sentido, ser competente em uma língua significa conhecer como
agir nessa língua em diferentes contextos, tendo uma noção sobre vários aspectos
inerentes a cada situação.
Esses aspectos estão relacionados a como os sujeitos fazem uso do discurso,
como lidam com as regras sociais presentes naquela situação e como gerenciam os
27
turnos de fala. Na seção seguinte, apresentaremos alguns aspectos gerais sobre esses
pontos na parte destinada ao discurso de sala de aula.
2.2 – Discurso de sala de aula
O discurso de sala de aula (atualmente mais conhecido por Fala-em-interação
de sala de aula) apresenta uma estrutura organizacional diferente daquela presente na
conversa cotidiana. Essa primeira constatação foi reportada em um estudo de Mchoul
(1978). O autor comparou o sistema de alocação de turnos durante interações em sala
de aula com aquele descrito quatro anos antes por Sacks, Schegloff & Jefferson
(1974), que realizaram um estudo sobre o comportamento do piso conversacional em
interações informais de conversa cotidiana.
Goffman (2008[1959]) já tinha observado que, quando interagimos,
executamos certas ações verbais (incluímos aqui também as não-verbais) que
identificam em que tipo de enquadre estamos naquele momento (em uma aula, em
uma consulta médica, em uma palestra etc). Essas ações independem do cenário em
que estamos, pois como o próprio autor exemplifica, é possível que em um mesmo
cenário possa estar presente mais de um tipo de discurso, dependendo do que se diz e
como se diz naquele determinado momento. Isso prova que os sujeitos (re)constroem
contextos, independentemente de onde estão. Por isso, em uma sala de aula, é
possível termos momentos em que a fala seja institucional, ou seja, aquela praticada
com fins acadêmicos-pedagógicos ou uma fala mais “solta”, sem um sistema de
alocação de turnos rígido, mais semelhante àquela encontrada na fala cotidiana.
Para o nosso trabalho, trataremos da fala institucional, pois é ela que, em sua
maior parte, está presente nos dados coletados para este estudo. É importante
mencionar que, como se trata de uma sala de aula de primeiro ano do ensino
28
fundamental (primeiro ciclo), é natural que a professora priorize o discurso
institucional para, por meio da participação, orientar os alunos a esse novo tipo de
prática social que estará presente durante toda a vida escolar dos aprendentes.
Na próxima subseção, discutiremos o que entendemos por Discurso
Institucional em Sala de Aula, trazendo trabalhos de teóricos que já abordaram o
assunto. Porém, antes de iniciarmos, lembramos que o Discurso Institucional em Sala
de Aula não é somente praticado pelo professor, mas também é a todo o momento
renegociado. Às vezes, o papel institucionalmente conferido ao participante mais
competente (o professor) de fazer uso do Discurso Institucional é até “usurpado”
(Bakhtin 1986) pelo aluno, que, como já mecionado na seção 1.3 deste trabalho,
contesta o poder do professor, utilizando estratégias para reorganizar o espaço
interativo (reorganizado a estrutura de participação) a seu favor. Mesmo em uma sala
de aula altamente hierarquizada e controlada pelo ensinante, esse fenômeno de
usurpar o papel do professor é possível de ser observado em situações de ruptura ao
sistema de alocação de turnos, caraceterizado pelo tipo de piso conversacional
imposto por esse par mais competente.
Por essa razão, discutiremos também o conceito de piso conversacional na
subseção seguinte à do Discurso Institucional em Sala de Aula para teorizarmos a
respeito de como os participantes (re)constroem uma interação e renegociam os seus
papéis durante o encontro social em sala de aula.
2.2.1 - Discurso Institucional em Sala de Aula
A sala de aula é um contexto em que o conhecimento é alcançado na interação.
Porém, reconhecemos que, nesse ambiente, há uma hierarquia socialmente aceita na
29
relação entre professores e alunos que confere aos primeiros o poder de se
apropriarem de um discurso institucional que orienta certas condições de
participação em sala de aula. Nesse sentido, em termos de perspectiva educacional, o
professor tem a possibilidade de propor a reflexão e a mudança ou manter o
tradicionalismo e a repetição – para considerar apenas duas possibilidades opostas.
Seja qual for a orientação ideológica, a viabilidade dos dois objetivos indicados
acima depende do sistema interativo, do esquema e da estrutura de participação que é
(re)construída na sala de aula.
Como em qualquer outra instituição, na escola, a interação é o lugar para
compartilhar informações, experiências, decisões, planejamentos e também para
estabelecer hierarquização, criando formas de controle verbal etc. (Cazden 1988). A
interação tem um papel central no processo de ensino/aprendizagem. A língua falada
é o meio pelo qual a maior parte do conhecimento é construído (nos debates, nas
perguntas dos alunos ou dos professores, na correção oral dos exercícios etc). É na
interação, também, que os participantes mostram suas identidades.
As salas de aula são espaços interativos, em que há maneiras compulsórias e
voluntárias de participação, dependendo da perspectiva presente no ambiente escolar.
E essa perspectiva nunca depende apenas do professor, mas de todos os participantes
da interação.
Para exemplificarmos, podemos citar o caso estudado por Philips (1972), em
que alguns professores não-indígenas, na reserva de Warm Springs, adequavam a
estrutura de participação das suas aulas para atender ao contexto sociocultural dos
alunos (permitiam períodos mais longos em que ficavam disponíveis para perguntas
individuais). Ao fazerem isso, os professores tornavam a participação em sala de aula
menos compulsória, não obrigando os aprendentes a fazerem perguntas na frente de
30
todos, momento em que se sentiam intimidados. Podemos afirmar, portanto, que os
alunos influenciaram os professores a alterar a maneira previamente estabelecida de
participar. Contudo, a decisão de tornar a participação mais voluntária na interação é
do professor, sujeito a quem tradicionalmente cabe ‘dar a palavra final’ sobre como
será estruturada a atividade. Por isso, podemos afirmar que, embora todos os
participantes em um contexto de sala de aula possam, de alguma forma, ‘propõem’
estruturas de participação, o professor tende a ser o responsável pela manutenção ou
(re)estruturação das mesmas.
Podemos focalizar dois tipos de papéis que o professor pode exercer no que
tange ao discurso institucional da sala de aula. O primeiro é o papel de facilitador ou
mediador de discursos que levam à construção do conhecimento. O segundo é o de
centralizador do discurso, pelo qual se pode atingir dois objetivos: o de centralizar
para orientar ou clarificar algum ponto, uma vez que se espera que o professor seja o
participante mais competente quanto ao assunto em questão; ou o de centralizar para
controlar, isto é, organizar a participação em sala de aula por meio de falas com
sequência previsível, tornando o contexto altamente hierarquizado. Segundo Garcez
(2006), Cazden (1988), Mehan (1982) e Sinclair & Coulthard (1975), a essa
sequência damos o nome de IRA (Iniciação – Resposta – Avaliação), assim
esquematizada:
1. Professor: Iniciação
2. Aluno: Resposta
3. Professor: Avaliação
Segundo Garcez (2006:68):
Essa sequência é canônica na fala-em-interação de sala de aula convencional em
quase todo o mundo. Dificilmente se observa uma aula sem ocorrências da sequência,
havendo mesmo salas de aula nas quais a interlocução entre alunos e professores se
dá predominantemente por encadeamento de sequências desse tipo.
31
Com isso, o turno de inciação do IRA geralmente é uma pergunta cuja resposta
já é conhecida por quem a faz, ou seja, essa pergunta não é de fato uma pergunta,
mas simplesmente uma oportunidade de o professor esperar uma resposta somente
para
satisfazer
requisitos
de
avaliação
pontual,
sem
qualquer
objetivo
sociointeracional. Por isso, Garcez (2006) define este tipo de pergunta como uma
pergunta insincera, ou seja, que não se justificaria na conversa cotidiana, pois seria
objeto de protesto. Segundo o autor (ibidem), “esse procedimento, comum na sala de
aula e mesmo definidor do fazer da sala de aula convencional, é raro na conversa
cotidiana”. Ainda de acordo com o mesmo autor (idem:68)
Interessantemente, na sala de aula, não apenas essas perguntas ocorrem e
recorrem, como também deixam de ser objeto de protesto. Em outras palavras,
os participantes concordam que o que estão fazendo juntos se faz mediante
uma organização interacional tal que se outorga a um certo particpante,
tipicamente aquele identificável como professor, o direito de fazer perguntas
insinceras, mais propriamente chamadas de perguntas de informação
conhecida, perguntas-teste, perguntas para demonstração, ou outros termos
que apontam para o caráter institucional do que se estão fazendo naquilo que
reconhecemos como sendo fala-em-interação de sala de aula.
Além de frequente, a correção é feita muitas vezes sem atraso, hesitação,
titubeio ou mitigação. Porém, na fala cotidiana, quando alguém corrige o seu
interlocutor, observa-se uma operação delicada e interacionalmente custosa, que em
geral ocorre com atraso, hesitação, titubeio, mitigação, ou com todos esses
fenômenos de uma só vez. Para Garcez (idem:69):
…a fala-em-interação de sala de aula marcada por recorrências de sequências
IRA pode muito bem estar a serviço de apresentar, testar e impor informações
e padrões de comportamento, atividades orientadas para metas-fim que
dificilmente parecem resultar na formação de cidadãos participativos e
críticos.
Uma das sérias consequências do padrão IRA pode ser o fato de o aluno ser
preparado para estar apenas na escola para o resto de sua vida, passando a falsa ideia
de que a escola apresenta um fim nela mesma, não preparando os aprendentes para
32
agirem no mundo. A frase fazer o que o professor quer pode ser muito positiva no
sentido canônico, mas na verdade, ela não traz a possibilidade de emancipação do
aprendente, a chance de ele se tornar cidadão crítico e participativo. Segundo Garcez
(ibidem), o padrão IRA simplesmente oferece um modo eficaz e econômico de se
fazer com que os alunos reproduzam conhecimento, “não exigindo necessariamente
engajamento dos participantes que produzem os turnos em segunda posição na
efetiva construção do conhecimento em pauta, ao menos não no sentido de torná-lo
seu”.
No sentido tradicional, o IRA, segundo o autor, poderia ser visto como um
desvio ético que Freire (1997) chama de transgressão. Porém, como Mehan (1985)
citado por Garcez (2006:127) afirma:
A onipresença de perguntas de informação já conhecida ao discurso
educacional é uma função da distribuição social de conhecimento entre os
professores e alunos; os professores sabem coisas que os estudantes não
sabem. É também uma função do papel do professor, professores são
responsáveis por julgar a qualidade do desempenho dos estudantes.
Levando isso em conta, há possibilidades de se iniciar uma correção nãotransgressiva, dando a chance para que o aprendente, como na fala cotidiana, produza
o reparo propriamente dito, procurando um substituto mais adequado para o que foi
apontado como problemático. Além disso, é importante mencionar que a forma não
necessariamente condiciona o conteúdo, pois a simples maneira de se dirigir aos
alunos não é suficiente para explicar alguns processos de renegociação discursiva
que podem se desenvolver durante a aula.
Esse fato explica porque Candela (1991) encontra momentos em que os alunos
reconfiguravam a estrutura de participação, deslocando a interação do terreno das
perguntas de sequência IRA para um local onde as soluções não eram conhecidas por
nenhum dos participantes. Esse fenômeno colocava alunos e professor em um nível
33
mais simétrico, pois ambas as partes deveriam juntos buscar as respostas,
contribuindo com o processo de construção do conhecimento.
Contudo, perguntas de sequência IRA não são a única forma que o professor
pode usar para controlar o sistema comunicacional da fala em sala de aula. Em
escolas secundárias na Escócia, Stubbs (1983) encontrou oito formas de fala
metacomunicativa em sala de aula, apresentadas na lista a seguir:
1 – Atrair ou chamar a atenção
2- Controlar a quantidade de fala
3 – Checar ou confirmar entendimento
4 – Resumir
5 – Definir
6 – Editar ou revisar
7 – Corrigir
8 – Especificar o tópico
Segundo Stubbs (op. cit.), não há nada demais nessa lista. O que é realmente
especial, segundo o autor, é que os alunos quase nunca usam nenhum dos itens acima,
e, quando usam, é sinal de que algo atípico aconteceu na sala de aula. Porém, o que
podemos notar em nos dados de Candela (2005, 1999 e 1991) e de Heras (1994), é
que os alunos quase sempre “usurpam” o papel institucionalmente conferido ao
professor e usam esses itens para reorganizarem o espaço interativo a favor deles.
Como já mencionamos na seção anterior, essas autoras analisaram vários momentos
em que alunos se apropriam do discurso institucional e questionam os professores,
que, por sua vez, ratificam a chamada de atenção ou a correção dos aprendentes. Os
professores, portanto, passam a atuar como alunos, renegociando os papéis e
modificando a dinâmica da interação.
Rampton (2006) também reporta resultados dessa natureza em seu estudo
sobre o discurso em sala de aula de uma escola localizada em uma área central de
Londres. Segundo o autor, há uma tendência, na sociedade atual, de se (re)negociar
34
regras, identidades ou qualquer outro aspecto sociocultural que antes parecia ser
estático9. A sala de aula pesquisada não foge desse novo fenômeno, uma vez que
Rampton encontrou vários exemplos de subversão, por parte dos alunos, às perguntas
de sequência IRA. Para ele, esse tipo de comportamento dos aprendentes pode ser
classificado como “exuberante” (exuberant), pois não se limita às regras impostas
pelo ensino baseado em valores tradicionais, em que o professor é a figura central
com o direito à palavra e o aluno, um mero recipiente de informações.
Outro elemento que geralmente podemos observar em uma sala de aula
comum é que, no discurso do professor, frequentemente aparecem atos de ameaça à
face do aluno. Os professores podem restringir a liberdade dos alunos e criticar os
seus comportamentos e seus trabalhos, frequentemente, em público. Segundo Cazden
(1988), uma forma de atenuar o efeito de tais atos é a utilização de várias estratégias
de polidez (Brown & Levinson 1987). Duas estratégias importantes expressam
intimidade (polidez positiva) ou consideração e respeito (polidez negativa). Ainda é
importante lembrar que, neste modelo, “positivo” e “negativo” são termos de
descrição, não de avaliação. É importante mencionar que a seriedade de qualquer ato,
tanto para o professor quanto para o aluno, depende de suas percepções de distância
social (D), poder relativo, (P), e de um grau (R) de imposição da ação do professor
em um momento particular.
9
Essa (re)negociação emerge, especialmente, nas interações face-a-face. É na conversa (normalmente
com uma grande variação de troca de turnos) que os sujeitos reconstroem o que é dito. Fairclough
(1992) chama esse fenômeno de “conversacionalização do discurso público” e enfatiza a importância
que tem sido dada à conversação nos útlimos tempos, sobretudo por esse tipo de interação ter
colonizado a mídia e, por consequência, ter influenciado vários tipos de discursos públicos,
profissionais e educacionais. Essa é uma das razões pelas quais o discurso centrado no professor tem
dado lugar a um discurso centrado na construção conjunta do conhecimento, com uma alocação de
turnos menos rígida. Nesse tipo de discurso, o aluno participa ativamente do seu próprio processo de
aprendizagem, tomando o turno do professor para fazer comentários ou perguntas que podem até, por
vezes, desafiar o poder institucionalmente conferido ao ensinante. Rampton (2006) chama a atenção
para essa mudança e sugere que os professores devem aprender a lidar com esse novo tipo de discurso
de sala de aula que emerge na sociedade pós-moderna.
35
Cazden (1988) explica essas três percepções e fornece exemplos de situações
ocorridas em sala de aula. Primeiramente, a autora discute o grau (R) de imposição
que enfatiza um aspecto particular no contexto social (em nosso caso, esse contexto
seria a sala de aula). Segundo Cazden (idem:164), o grau de imposição está
diretamente ligado a dois elementos: “a situação no momento da fala e os direitos e
obrigações dos participantes (professores e alunos) em qualquer atividade que esteja
em ocorrência.”
A autora cita um exemplo de Florio (apud Cazden 1988) que reportou algumas
diferenças, na sala de aula, na forma de fornecer diretrizes na fala de um professor de
sexta série. Entre dois momentos (período de trabalho e de lições mais formais de
estudos sociais), as diferenças puderam ser observadas no grau. As diretrizes durante
o período de trabalho (período em que os alunos estavam fazendo alguma atividade)
costumavam ser apelos de solidariedade em grupo com imperativos indiretos,
pedidos ou sugestões (“Vamos colocar as cadeiras em círculo”; “Não vamos
embaraçá-lo”, “Você pode desligar as luzes, por favor?”)10. Já no período formal de
aula, as diretrizes eram mais frequentes sob forma imperativa direta (“Pegue sua
tarefa”; Termine isso”)11.
Em seguida, a autora explica a percepção (P) que, para ela, refere-se a um
aspecto mais permanente do relacioamento entre os participantes – não senso de
poder absoluto, mas relativo como é percebido pelo falante, e como o professor
acredita ser percebido pelos alunos. Um estudo comparativo de Robert Hess (apud
Cazden 1988) entre a relação de poder relativo de professores e mães mostrou que
essa relação não difere muito em efeito, mas diferem significativamente em
caraterísticas de fala. Por exemplo, professores, dependendo da cultura em que
10
11
Cazden (1988:165)
Idem.
36
contexto de ensino está inserido, podem apresentar uma maior porcentagem de
questões, pedidos, e comandos indiretos, formas mais moderadas do que as das mães.
Por fim, a autora explica a percepção (D) (variação na distância social).
Segundo Cazden (1988), os professores são diferentes dos pais não somente em suas
percepções de autoridade (diferenças em P), mas também em suas maiores distâncias
sociais em contraste com a intimidade dos pais (diferenças em D). A autora cita
exemplos de menores distâncias entre professores e alunos em razão de aproximação
de grupo (comembership
-
por exemplo, professores têm mais intimidades com
alunos que já conheciam de séries anteriores) e de etnicidade (ethnicity – o exemplo
citado é de uma escola Amish na Pennsylvania, em que professores dão ordem com
imperativos diretos aos alunos e estes, por sua vez, não encaram isso como um ato
autoritário, mas sim como uma sugestão para cooperação comum).
A autora ainda analisa algumas aulas de uma escola bilíngue (anglo-mexicana)
em Chicago. Duas salas de aula de primeiro ano foram observadas (uma mais e outra
menos “tradicional”). Foram analisadas questões como carinho, respeito e
diminutivos na forma de endereçamento aos alunos. Segundo Cazden, essas formas
expressam polidez positiva e têm o papel de controlar os alunos em sala de aula. A
autora menciona que muitos pais mexicanos colocam seus filhos nesta escola
bilingue por terem a certeza de que seus filhos terão aulas com professores
mexicanos e, por isso, vão respeitá-los. Por essa razão, a autora afirma que as formas
de endereçamento (carinho, respeito, diminutivos, etc – polidez positiva), a
etinicidade e
também o código (língua espanhola) desempenham um papel
primordial para se manter controle em sala de aula. Muitos pais acham que
professores norte-americanos não manteriam o mesmo controle por falarem em
inglês, não porque os alunos não tenham competência na língua, mas porque a língua
37
inglesa seria a língua da sociedade dominante e coexistiria na sala de aula com
formas de polidez negativa. Um exemplo disso seria a maneira como o professor se
dirige aos alunos. Em inglês, essa maneira parece ser mais impessoal (Mr. Carlos, em
vez de Carlitos), podendo expressar referência à sociedade dominante de língua
inglesa da qual a escola é uma instituição e, portanto, faz parte dela, além de
fundamentar a autoridade do professor nas normas de comportamento social. No
entanto, o espanhol coexistiria com polidez positiva e serviria para fundamentar a
autoridade do professor não em normas da sociedade dominante, mas no respeito em
relação aos professores dentro da cultura hispânica.
No processo de negociação da sala de aula, o discurso do professor assume um
papel fundamental na delimitação de direitos e deveres dos alunos. Definindo o papel
dos alunos, o professor define também o seu papel e vai construindo identidades (a
sua e influenciando diretamente na de seus alunos) a cada interação escolar. Porém, o
discurso do professor não é o único responsável pelas ações dos interagentes em uma
sala de aula. Rampton (2006) e Candela (2005), conforme já mencionado nesta
subseção, observaram como certas ações dos aprendentes também têm um papel
decisivo para a reconfiguração de estruturas de participação. Nos trabalhos dos
autores, há momentos em que alunos “usurpam” o discurso normativo, geralmente
atribuído ao professor, para auxiliar e orientar outros alunos com dificuldade ou até
mesmo para avisar o professor de que algo está errado.
Pode-se afirmar, portanto, que muitas vezes os aprendentes podem dividir com
o professor a responsabilidade de realizar uma tarefa, construindo práticas
institucionais em co-autoria com o professor, definindo a estrutura social de
participação dentro da sala de aula (Erickson & Mohatt 1982). Contudo, Candela
(2005) deixa claro que esse fenômeno somente é possível se o professor incentivar a
38
participação dos aprendentes como sujeitos ativos na construção do saber. Em uma
sala de aula onde o discurso é centralizado pelo professor, tornando a participação
dos alunos um ato compulsório, dificilmente este fenômeno parece. De acordo com a
autora (idem:333)
This kind of students’ participation in co-authoring institutional practices and
usurping normative genres in a normal and traditional classroom is only
possible when teachers share with students a cultural attitude of interest in the
performance of academic tasks, asking them for their full participation in
classroom activities.
No entanto, não podemos nos esquecer que, em toda a interação, por mais
hirárquica que seja a relação entre os sujeitos, sempre há espaço para o improviso e a
renegociação (Erickson 1996). Portanto, mais uma vez voltamos a chamar a atenção
para a importância do discurso do aluno, por meio do qual, podemos observar como
o discurso institucional é desafiado, “usurpado” e também redefinido. O dinâmico
processo de interação permite negociações de papéis e nada pode ser considerado
estável até que se analise detalhadamente o que acontece no aqui e agora de um
encontro social.
Além disso, não podemos afirmar que somente o discurso em sala de aula é
decisivo para as reconfigurações das estruturas de participação. Aspectos não-verbais
e do cenário também podem estar em jogo e influenciarem na tomada de decisões e
na maneira de os sujeitos participarem em sala de aula. Isso porque um simples gesto,
postura, sussurrro, a referência a um objeto ou imagem, tanto quanto a fala (sendo
produzido pelo professor ou pelo aprendente), podem alterar toda a organização
interacional. Por essa razão, a nossa análise será baseada em todos esses elementos
que podem trazer novas relevâncias para a reorganização do espaço interativo.
Um outro elemento de igual importância em nossa análise para se melhor
compreender essa reorganização é o piso conversacional. Como já mencionado na
39
seção 2.2, esse conceito é fundamental para entendermos como os sujeitos
(re)constroem uma interação e renegociam os seus papéis durante o encontro social
em sala de aula. Na próxima subseção, discutiremos esse conceito.
2.2.2 – Piso Conversacional
Sacks, Schegloff & Jefferson (1974) afirmam que, durante uma conversa,
predominantemente, um sujeito fala por vez. Isso quer dizer que cada participante
tem um momento exclusivamente reservado para ele se expressar em uma
determinada interação. A esse momento, damos o nome de turno. A maneira com
que os falantes organizam o turno (basicamente quem fala e quando fala), chamamos
de piso conversacional. Há momentos em que os falantes selecionam quem fala,
pedindo explicitamente para um outro sujeito assumir o turno ou por meio da
“autosseleção”, que ocorre quando um participante se autosseleciona como falante e,
a partir de então, toma a palavra (ou seja, o turno da fala) para continuar a converesa.
Embora os autores tivessem insistido na regra geral de que “um sujeito fala
por vez”, consideravam também a possibilidade de falas sobrepostas, quando mais de
um interactante possa estar falando ao mesmo momento. Isso, sem dúvida, desafia a
regra citada anteriormente e evidencia que o conceito de piso conversacional é muito
mais complexo do que se imagina. Porém, de acordo com os mesmos autores, essas
ocorrências, embora comuns, são breves, não trazendo grandes alterações no fluxo
conversacional. É importante mencionar que Sacks, Schegloff & Jefferson
analisaram o comportamento do piso conversacional em interações informais de
conversa cotidiana (natural conversation) e que, por isso, os padrões encontrados no
estudo em questão poderiam não ser verdadeiros para outros contextos.
40
Na tentativa de testar esses padrões em um contexto distinto, a sala de aula,
Mchoul (1978) estudou o sistema de alocação de turnos em aulas de escolas
secundárias de Londres e de Camberra. O autor observou que o professor tinha um
papel de ‘diretor’ da interação, selecionando os turnos dos alunos e controlando o
tempo e fala de cada um deles. Para Mchoul, o sistema de alocação de turnos das
salas de aula analisadas era extremamente dependente do professor, sendo esse o
sujeito que escolhia quando e quanto um aluno devia falar. Falas sobrepostas à do
professor eram tratadas como uma violação à regra geral e, muito raramente, havia
autosseleção de turnos por parte dos aprendentes. Esse fato minimizava a
possibilidade de os alunos participarem ativamente na contrução e manutenção do
piso, que era sempre sustentado pelo professor.
Mchoul afirma que a fala do professor nos contextos pequisados era superior
a 80% do total de fala durante uma aula e que, por isso, alguns dos padrões
encontrados por Sacks, Schegloff & Jefferson, em contextos naturais de fala,
especialmente aquele referente à autosseleção não se aplicava à sala de aula. Uma
vez que apenas um participante tinha o direito de ter e manter a palavra, sendo raras
as vezes em que houvesse uma mudança de turnos, a regra da autosseleção era
praticamente substituída por outra, ou seja, aquela em que o professor é o único
participante que seleciona o próximo falante.
A regra de que “um sujeito fala por vez” foi observada por Mchoul durante
as aulas analisadas, uma vez que o professor tinha o poder de gerenciar os turnos dos
alunos, evitando, assim, falas sobrepostas às suas ou a possiblidade do aparecimento
de pisos conversacionais múltiplos (em que mais de um falante detém o turno,
originando diversas falas ao mesmo tempo). No entanto, devemos mencionar que
Mchoul observou contextos de ensino centrados em uma filosofia pedagógica
41
tradicional, em que os alunos são considerados apenas recipientes de informação e o
professor, o detentor do saber. Isso elimina a possibilidade de construção conjunta do
conhecimento, uma vez que os alunos não são considerados sujeitos ativos que
participam diretamente de seu aprendizado. Consequentemente, haverá pouca
participação verbal por parte dos alunos, que ficarão em silêncio esperando apenas
que o professor indique a vez de cada um falar.
Portanto, praticamente não foram observados, no trablaho de Mchoul,
momentos em que os alunos sentissem emancipados o suficiente para tomarem o
turno, nem momentos em que alunos interagissem entre si enquanto o professor
estivesse falando. Esse tipo de fenômeno é comum, por exemplo, em salas de aula
em que há atividades de grupo, o que possibilita o aparecimento de pisos
conversacionais múlitiplos, uma vez que vários grupos estão interagindo ao mesmo
tempo.
Edelsky
(1981),
em
seu
trabalho
sobre
reuniões
administrativas
departamentais de uma universidade, desenvolve o conceito de que o piso é
construído de maneira conjunta pelos vários participantes de um mesmo encontro
social. Nos dados desse trabalho, a autora encontrou inúmeros momentos em que
várias pessoas falavam ao mesmo tempo e, além disso, essas ocorrências não eram
simplesmente breves, como afirmaram Sacks, Schegloff & Jefferson (1974), mas tão
frequentes que Edelsky encontrava dificuldades em definir com quem estava o piso
em cada momento. Esse conceito é denominado pela autora como “collaboratively
developed floor”.
Com as contribuições anteriormente citadas, temos dois tipos de piso: um
individual, em que “um sujeito fala por vez” e outro “colaborativo”, em que o piso
fica potencialmente aberto para todos os participantes simultaneamente.
42
Porém, como Jones & Thornborrow (2004) defendem, o trabalho de Edelsky
não estava livre de problemas. Havia uma série de dados que não foi considerada no
estudo da autora por não se encaixar em nenhum dos dois tipos de piso já
mencionados. Esses dados referiam-se a mudanças rápidas de piso e a conversas
pararelas que originavam pisos sobrepostos, tornando a análise ainda mais complexa
e variável. Considerando que os dados deste nosso trabalho são coletados em sala de
aula (onde participam muitos sujeitos), a probabilidade de conversas paralelas e
mudanças rápidas de piso ocorrerem é muito alta, o que nos obriga a buscar um
modelo analítico que possa cobrir esses movimentos que não são levandos em conta
no conceito binário “individual” e “colaborativo”.
Foi exatamente o que observaram Shultz, Florio e Erickson (1982) que
analisaram interações em contexto escolar e familiar que envolviam crianças do grau
primário moradoras de um bairro de classe média-baixa localizado no subúrbrio de
Boston. Os autores descreveram padrões distintos aos de Sacks, Schegloff e Jefferson
e aos de Mchoul durante as aulas observadas. Como eles mesmos observaram
(1982:96, ênfase no original):
Talking while another person was talking did seem at some times in the lessons
to be interrupting and at those moments the teacher would invoke a “single
speaker at a time” classroom “official rule.” At other times in the lessons,
taking while others were talking seemed to be an acceptable way of listening.
No trabalho já mencionado de Jones & Thornborrow, também foram
encontrados outros tipos de piso durante a análise de seus dados coletados em
atividades de classe e em trabalhos de campo realizados por alunos do sexto ano de
uma escola britânica. Segundo os autores, há momentos em sala de aula em que o
piso pode ser mais restrito ou mais solto, dependendo da atividade realizada em
classe.
43
Na hora da chamada, por exemplo, os alunos devem responder à professora
somente quando ouvirem os seus nomes e com uma quantidade de fala bem limitada
(“aqui” ou “presente”). Por isso, o piso em questão pertence à professora, pois
mesmo que os alunos apropriem-se do turno rapidamente para responderem a
chamada, em seguida, ele volta para a professora, para que essa chame o próximo
aluno. Qualquer piso diferente desse que possa aparecer durante essa atividade
(como uma conversa paralela em que dois alunos estejam cochichando, por exemplo)
será tratado como um desvio ao piso padrão. Notamos aqui uma assimetria: a
professora detém o piso principal, podendo ser interrompida por um piso intruso, não
“adequado” ao momento.
Já durante atividades em grupo, haverá pisos sobrepostos e, ao contrário do
que possa parecer, mesmo estando em uma sala de aula, nesse momento, não há uma
assimetria, pois todos os grupos devem discutir entre os seus membros sem a
participação da professora, que fica em sua mesa apenas observando o andamento da
atividade. Nesse caso portanto, há o exemplo de um piso mais solto, em que
mudanças rápidas de turno vão aparecer, assemelhando-se ao que ocorre em uma
conversa fora da sala de aula, como no trabalho de campo dos alunos também
observado por Jones & Thornborrow.
Outro tipo de piso relatado no trabalho em questão é o incipiente. Isso
ocorre quando a sala está em silêncio, com os alunos realizando uma atividade de
leitura, por exemplo, e a professora fazendo algumas anotações em sua mesa.
Embora haja um piso principal, tanto os alunos quanto a professora estão abertos a
alguma interrupção, seja vinda de dentro (como a dúvida de algum aprendente ou
alguma explicação extra por parte da professora) ou de fora da classe (quando algum
outro professor ou aluno bate à porta para passar um recado ou entregar algo).
44
Há atividades em que mais de um piso é aceito. Esse fenômeno, como já
mencionamos, é chamado de pisos múltiplos. Quando a sala está engajada em uma
atividade individual, a professora e uma assistente passam de carteira em carteira
checando os trabalhos, podemos ter dois pisos acontecendo em um mesmo momento
com a professora e a assistente atendendo alunos diferentes.
Outro exemplo de piso muito comum em sala de aula e o qual vamos
mencionar muito frequentemente na análise de nossos dados é a mudança de
endereçamento. São vários os momentos em que os professores interrommpem e aula
e chamam a atenção de seus alunos, retornando, em seguida, ao piso principal.
Embora essas mudanças sejam rápidas, elas também reorganizam o espaço interativo
e trazem consequências ao modo de participar dos interactantes. O mesmo ocorre
quando professores e alunos tomam o turno de maneira conjunta para dizerem algo
em coro ou quando um aluno toma o turno do professor para completar uma frase
que o último deixou em aberto (como em atividades de “busca pela palavra12"). Esses
dois últimos tipos de piso também são analisados por Jones & Thornborrow e são
denominados “chorusing” e “utterance completions”.
Para os autores, o piso é um aspecto importante para se elucidar como os
participantes se engajam em uma interação e que está sempre relacionada aos limites
da atividade realizada no momento. Para nós, o piso parece ter uma definição um
pouco mais abrangente do que a de Jones & Thornborrow, uma vez que
consideramos aspectos não-verbais nas tomadas e nos desenvolvimentos de turno (C.
Goodwin 1981). Por isso, nem sempre a manutenção ou alteração do piso estarão
ligados ao que os participantes dizem, mas também aos gestos que produzem durante
o encontro social. Esse é o conceito de piso que pretendemos levar em conta em
12
Traremos mais detalhes sobre esse tipo de participação na seção 2.4.1 deste trabalho.
45
nossa interpretação de dados para nos auxiliar na análise do fenômeno em foco neste
trabalho: as estruturas de participação, tema do nosso próximo capítulo.
46
3 – ESTRUTURA DE PARTICIPAÇÃO
3.1 – Histórico e definição do termo
Neste capítulo, apresentaremos a evolução do conceito de estrutura de
participação, discutindo os trabalhos dos cinco principais teóricos que formam a base
para a sua elaboração: Susan Philips, Erwing Goffman, Stephen Levinson, Charles
Goodwin e Marjorie Harness Goodwin.
Apresentaremos, em ordem cronológica, as propostas desses autores em
alguns textos-chave 13 para compreendermos como o fenômeno (estruturas de
participação) tem sido estudado e (re)elaborado desde o início da década de 1970. A
discussão desses textos será apresentada separadamente da revisão bibliográfica por
considerarmos que esses trabalhos propõem modelos analíticos inéditos para o
estudo das estruturas de participação. Dessa forma, os outros trabalhos discutidos na
seção destinada à revisão bilbiográfica seguem, de alguma forma, esses modelos
elaborados nos estudos que vamos apresentar a partir de agora.
A ordem será a seguinte: Philips (2001 [1972]14), texto precursor no qual a
autora propõe um modelo com quatro tipos de variações de estruturas do participante;
Goffman (1981a), texto no qual o autor diferencia “estrutura de participação”,
“formato de produção” e “posições de participação”; C. Goodwin (1981 e 1984), nos
quais ele aponta a importância da inclusão de elementos não-verbais para analisar a
(re)configuração das estruturas de participação; Levinson (1988), em que o autor
13
Chamamos de “textos-chave” os textos que são considerados de fundamental relevância para formar a base
teórica deste trabalho. Deixamos claro que os outros textos produzidos por estes e outros teóricos sobre o
conceito “estrutura de participação” não deixam de ter as suas devidas importâncias para a elaboração teórica de
outros estudos que focam o mesmo conceito, como também não deixam de ser relevantes para complementar a
fundamentação teórica do presente trabalho.
14
A primeira versão deste texto data de 1972 publicada no livro Functions of Language in the Classroom, editado
por C. B. Cazden, V. P. John e D. Hymes. Porém, a versão com a qual trabalhamos data de 2001, publicada no
livro Linguistic Anthropology: a reader, organizado por A. Duranti.
47
rediscute as subcategorias de ouvinte e falante propostas por Goffman; M. H.
Goodwin (1990), em que a autora rediscute a noção de encaixamento para a análise
das estruturas de participação; C. Goodwin & M. H. Goodwin (2004), no qual os
autores
questionam o modelo analítico introduzido no texto de Goffman, e,
finalmente, C. Goodwin (2007), em que é analisado como as posturas corporais dos
sujeitos influenciam no processo de tomada de decisões pelos participantes.
Antes de apresentarmos esses trabalhos, é importante ressaltar que embora
hoje o termo “estrutura de participação” seja comumente empregado na literatura em
língua portuguesa, essa denominação nunca foi unânime entre os antropólogos e
sociolinguistas norte-americanos que iniciaram a discussão sobre esse tema. Philips
(1972), em seu trabalho pioneiro sobre as estruturas de participação em sala de aula
da aldeia indígena de Warm Springs, denominou de “participant structures” as
possíveis variações na organização estrutural das interações. Goffman (1981a), em
seu famoso texto Footing, chamou de “participation framework” a relação de todas
as pessoas no agrupamento com uma dada elocução. C. Goodwin (1981 e 1984),
embora também utilize o termo “participation framework”, critica a posição de
Goffman quanto ao modelo analítico proposto. Levinson (1988) utiliza o termo
“participation roles” (papéis de participação) para pormenorizar as subcategorias de
falante e ouvinte propostas por Goffman. Finalmente, M. H. Goodwin (1990) deu o
nome de “participant framework” às maneiras como os participantes alinham-se e
aos personagens que os mesmos representam durante uma conversa.
Passemos, agora, para a apresentação pormenorizada dos termos que cada
autor escolhe e quais as discussões propõe para o mesmo fenômeno.
48
3.1.1 - Philips (1972): Participant Structure
Philips (1972) trabalha com o conceito de estrutura de participação (ou
estrutura de participante15) para explicar a razão de crianças indígenas da reserva
Warm Springs não conseguirem participar vebalmente durante interações em sala de
aula na escola da cidade. A autora afirma que, nessa escola, as crianças têm
condições sociais de participação diferentes daquelas às quais estão acostumadas na
comunidade indígena. A diferença de condições sociais para o desempenho
comunicativo afeta o discurso cotidiano presente na sala de aula. Atentemos
primeiramente para a definição que a autora propõe e os tipos de estrutura de
participação que ela observa nas salas de aula.
Segundo a autora, dentro da estrutura básica de controle da interação pelo
professor, que é o tipo de organização mais tradicional da fala em sala de aula, há
muitas variações possíveis. A essas variações, Philips (1972) atribui o nome de
“participant structures”. Como ela mesma afirma (2001[1972]:333):
Teachers use different participant structures, or ways of arranging verbal
interactions with students, for communicating different types of educational
material, and providing variation in the presentation of the same material to hold
children’s attention.
Em seu estudo, Philips identifica quatro tipos de estruturas de participação
na sala de aula tradicional. A primeira refere-se à professora interagindo com todos
os alunos. Ela pode interagir com todos ao mesmo tempo ou com apenas um na
presença do restante. Os alunos podem responder em grupo ou individualmente
perante os demais. A fala dos alunos pode ser voluntária, quando eles se propõem a
responder, ou compulsória, quando a professora decide quem vai responder. Nessa
15
Embora seja essa a tradução direta do termo, o termo “estrutura de participação”, como já
mencionado anteriormente, é o que tem sido mais usado na literatura em língua portuguesa.
49
estrutura de participação, é sempre a professora quem controla os turnos de fala
durante a aula.
A segunda é a professora interagindo com apenas alguns alunos por vez.
Nesse contexto, a participação geralmente é compulsória e não voluntária, além de
ser individual e não em grupo. Espera-se que cada aluno participe verbalmente para
que a professora tenha a oportunidade de o avaliar. Durante essa seção de avaliação,
os outros alunos normalmente ficam trabalhando individualmente em suas carteiras,
realizando outras tarefas como leitura ou exerícios escritos.
A terceira é quando todos os alunos ficam em suas carteiras realizando
trabalhos de maneira independente, mas com a professora disponível para interagir
com eles, quando esses desejarem. Os alunos podem fazer isso levantando a mão ou
indo até a mesa da professora. Em qualquer um dos casos, a interação entre
professora e aluno(a) não ratificará os outros alunos como participantes, uma vez que
eles, provavelmente, não poderão ouvir o que está sendo dito.
A quarta e última refere-se ao trabalho em grupo. Os alunos são dividos em
pequenos grupos que eles mesmos orientam, embora sempre com uma supervisão
(mesmo que distante) da professora. Normalmente, os grupos têm um representante
oficial que assume o controle de quem vai falar e quando. Em outros contextos, esse
papel de “controlador da fala” seria da professora.
De acordo com as observações de Philips, na sala de aula indígena, os
professores permitem períodos mais longos em que estão disponíveis para dúvidas
individuais dos alunos (algo parecido com o terceiro tipo de estrutura de participação
descrito anteriormente), o que explicaria o mau rendimento dos alunos quando
deixam de frequentar a escola da reserva para passarem a frequentar a escola na
cidade. A falta ou a redução desse período em que a professora ficava disponível
50
para perguntas obrigou os alunos a terem que participar de uma outra forma, a qual
não estavam habituados.
Na reserva, a maioria dos professores, mesmo não sendo indígenas, sempre
fazia adaptações na estrutura de sua aula, tentando criar um ambiente mais próximo
ao padrão sociocultural de seus alunos. Porém, na escola da cidade, os alunos nãoindígenas eram a maioria e, por isso, os alunos indígenas eram os que precisavam se
adaptar a esse novo contexto. Segundo Philips (2001[1972]:336)
The consequences of this partial adaptation to Indian modes of communication
become apparent when the Indian students join the non-Indian students at the
junior and senior high school levels. Here, where the Indian students are
outnumbered five to one, there is no manipulation and selection of
communication settings to suit the inclinations of the Indians. Here the teachers
complain that the Indian students never talk in class, and never ask questions,
and everyone wonders why.
A autora (ibidem) ainda afirma que as adaptações propostas pelas
professoras em suas aulas na escola da reserva poderiam ter sérias consequências no
futuro:
The teachers who make theses adjustments, and not all do, are sensitive to the
inclinations of their students and want to teach them through means to which
they most readily adapt. However, by doing so they are avoiding teaching the
Indian children how to communicate in precisely the contexts in which they are
least able but most need to learn if they are to “do well in school”.
Porém, como a própria autora (ibidem) assenta em seguida, isso não quer
dizer que os professores não devam fazer tal adaptação, mas talvez se deva encontrar
um ponto de equilíbrio para que os alunos indígenas possam se adaptar a um novo
modo de participação na sala de aula.
It does not necessarily follow from this that these most creative teachers at the
grade school level should stop what they are doing. Perhaps it should be the
teachers at the junior and senior high school levels who make similar adaptations.
Which of these occurs (or possibly there are other alternatives) depends on the
goals the Indian community has for its youngsters…
51
Embora considere a possibilidade de professores, em escolas não-indígenas,
fazerem adaptações parecidas àquelas realizadas em escolas da reserva, Philips não
vê a necessidade de se reelaborar a estrutura de participação da sala de aula apenas
para atender a padrões culturais. Ela considera que, uma vez que os aprendentes em
geral vão normalmente frequentar escolas com padrões culturais diferenciados ao
longo de suas vidas, a capacidade de adaptação a esses padrões deve ser
desenvolvida nos níveis mais elementares da vida escolar do aluno.
Em seu texto, Philips (idem:333) define estrutura do participante como
“variations in the structure organization of the interaction”. Embora Philips seja a
primeira autora a se dar conta da importância desse fenômeno na sala de aula, a sua
definição aponta para uma ideia mais tradicional do conceito, pois focaliza apenas a
perspectiva do professor como o responsável pelo controle da interação. Todos os
outros fatores (os discursos dos outros sujeitos, elementos não-verbais, por exemplo)
que influenciam o decorrer da interação em sala de aula não são levados em conta, o
que traz como consequência uma análise mais limitada em relação aos estudos
posteriores realizados por outros teóricos. Porém, é necessário salientar que o
trabalho de Philips é o primeiro a chamar a atenção para os diferentes modos de se
participar em uma sala de aula e a observar algumas causas e consequências que
essas ações trazem para o desempenho escolar dos aprendentes. Esse estudo também
traz um mapeamento inicial das estruturas de participação indentificadas pela autora
durante as aulas observadas, o qual, posteriormente, será recuperado em outros
estudos de teóricos que tabalharam com o mesmo conceito (Erickson & Schultz 1977,
Au 1980, Erickson & Mohatt 1982, Erickson 1982).
52
3.1.2 - Goffman (1981a): Production Format, Participation Status e
Participation Framework
Nesta subseção, apresentaremos, na visão do autor, os conceitos de
“posições de participação”
16
(participation status), “formato de produção”
(production format) e “estrutura de participação” (participation framework). Esses
conceitos estão ligados à discussão do autor sobre os termos ‘falante’ (speaker) e
‘ouvinte’ (hearer). Goffman contribui para a evolução do conceito de estruturas de
participação por não centrar a sua análise em apenas um participante, como faz
Philips ao focar o professor como único sujeito capaz de reorganizar o espaço
interativo, mas problematizando os papéis dos participantes (falante e ouvinte) e
discutindo quais relações se estabelecem entre esses sujeitos durante uma interação.
Segundo Goffman (1981a:115):
for example, the terms “speaker” and “hearer” imply that sound alone is at issue,
when, in fact, it is obvious that sight is organizationally very significant too,
sometimes even touch.
As posições de participação, conforme o próprio nome indica, é a posição
do ouvinte em relação à fala. O falante está em uma posição de potencial
monitorador de seu ouvinte, das ações que espera que esse tome para participar de
um determinado evento de fala. Caso a posição do ouvinte não esteja de acordo com
aquilo que o falante espera, dá-se o ‘empecilho’ (hitch), que pode culminar com uma
mudança na estrutura de participação da conversa, podendo resultar em seu término.
Como podemos notar, as posições de participação são conceitos
relacionados apenas aos ouvintes, para os quais Goffman propõe termos mais
específicos: ‘ratificado’ ou ‘oficial’ (ratified ou official, que podem ser ‘endereçado’
16
Há outras traduções para esse termo, como “status de participação” (Lima 2009) e “arcabouço de
participação” (Joseph 2006). Porém, decidimos seguir o termo em português da versão publicada no
livro ‘Sociolinguística Interacional’, organizado por Ribeiro e Garcez (2002).
53
addressed ou ‘não-endereçado’ – non-addressed) e os ‘circunstantes’ (bystanders,
que podem ser ‘ouvintes por acaso’ – overhearing bystanders ou ‘intrometidos’ –
eavesdropping bystanders).
Os ouvintes (também chamados de participantes) oficiais ou ratificados são
aqueles que estão ‘sob permissão’ do falante para participarem de uma interação. O
falante, por sua vez, durante o encontro social, pode se dirigir a um ouvinte
específico, ou seja, o endereçado, deixando os outros de plateia, ou seja, os ouvintes
não-endereçados. É o caso de um passageiro sentado no banco da frente do táxi e
fazendo perguntas aos outros dois passageiros de trás. Nessa situação, além de
termos dois ouvintes endereçados, temos outro ouvinte não-endereçado, que é o
taxista.
Os circunstantes são aqueles que participam da interação no âmbito visual e
auditivo, mas não são ratificados. Esses podem se tornar ‘ouvintes por acaso’,
quando acompanham fragmentos da fala sem intenção ou ‘intrometidos’ quando
exploram, geralmente às escondidas, com alguma intenção, o acesso que descobrem
ter. É caso de alguém ouvir uma conversa sem querer, quando estiver passando, por
exemplo, pela sala de algum colega em reunião (ouvinte por acaso) ou ouvir uma
conversa de propósito, escondido atrás da porta (intrometido). Um ouvinte oficial
pode ser mais de uma pessoa (como no exemplo do táxi, citado anteriormente), e
essas pessoas podem estar divididas em ouvintes endereçados e não-endereçados ao
mesmo tempo.
Se há uma relação inerente entre ouvintes e posições de participação, o
mesmo, seguindo o que o autor propõe, podemos afirmar entre os falantes e o
formato de produção. Para Goffman, todo falante pode ter três papéis em uma
elocução. O ‘animador’ (animator), que é a máquina de falar, aquele que “anima” as
54
palavras, isto é, um corpo engajado numa atividade acústica com o papel de produzir
elocuções. Há também o ‘autor’ (author), que seleciona os sentimentos que são
expressos e as palavras nas quais eles são codificados. Há casos em que, em uma
elocução, pode haver mais de um autor (uma coatoria), quando esses sentimentos e
palavras são expressas de maneira conjunta (Duranti 1997). E, por fim, há também o
‘responsável’ (principal), aquele que está comprometido com o que as palavras
expressam, mesmo que este não esteja na atividade de fala em si.
Citemos um exemplo para ilustrar esses três papéis de falante: imaginemos
que um professor esteja proferindo uma palestra e, em um determinado momento,
resolve citar um poema escrito por Fernando Pessoa. O professor, sem dúvida, é o
‘animador’, pois é ele que dá voz a um texto. O autor sem dúvida é Fernando Pessoa,
por selecionar as palavras naquele poema, mas não somente ele. Temos aqui um
exemplo de coautoria, uma vez que embora o poema seja do escritor português,
também podemos dizer que o professor é o ‘autor’, pois seleciona o que diz – no caso
um poema - e como diz (os sentimentos que coloca nas palavras por meio de
entonações, gestos etc). Contudo, não podemos dizer que o professor é o
‘responsável’, pois não foi ele que escreveu o poema. Nesse caso, o ‘responsável’ é o
escritor Fernando Pessoa, isto é, aquele que, em termos legais, está envolvido com as
palavras ditas pelo professor.
Segundo Goffman, esses papéis do falante (animador, autor e responsável)
são condições que podem elucidar o ‘formato de produção’ de uma elocução. Isto é,
o formato de produção é inerente apenas ao falante. É a maneira com que ele (o
falante) expõe o que está sendo dito, não cabendo ao ouvinte qualquer participação
verbal neste nível.
55
Podemos notar, portanto, que a visão tradicional de falante-ouvinte parece
ser muito dicotômica (ou até mesmo rudimentar) para Goffman. Por isso, o autor
propõe subcategorizações para as noções consensuais de ouvinte (posições de
participação) e de falante (formato de produção). Quanto à primeira, Goffman ainda
faz uma ressalva. Para ele, posições de participação é a relação de qualquer um dos
participantes com o que é dito. Porém, a relação de todos os participantes (ouvintes
ou falantes) em relação a uma determinada elocução é denominado de “estruturas de
participação”. A questão importante nisso tudo, segundo o autor (idem:137, enfâse
minha):
… is that an utterance does not carve up the world beyond the speaker into
precisely two parts, recipients and non-recipients, but rather opens up an array of
structurally differentiated possibilities, establishing the participation framework
in which the speaker will be guiding his delivery.
Há, segundo o autor, espaços pré-determinados de fala que acarretam
diferentes estruturas de partipação. Eventos em que a fala que é organizacionalmente
central (monólogos teatrais, discurso político, etc) e outros, em que é vinculatória
(leilões, tribunas, processos judiciais, sessão de orientação, etc). O espaço da fala
organizacionalmente vinculatória pode estar mais direcionada àqueles que têm mais
comprometimento com o que está sendo falado e mais direito de serem ouvidos do
que geralmente acontece em entretenimentos de palco. Cada espaço de fala terá as
suas particularidades, ou seja, cada evento tem as suas características únicas de
organização da participação. Por isso, é demasiadamente vago afirmarmos que
haverá uma determinada estrutura de participação dependendo apenas de quem e de
quantos sujeitos estão interagindo. A forma de se participar é co-construída
situacionalmente e é dependente de diversos fatores que emergem durante a interação.
Segundo o autor (idem:140):
56
Whether one deals with podium events of the recreational congregational, or
binding kind, a participation framework specific to it will be found, and the
array of these will be different from, and additional to, the one generic to
conversation. The participation framework paradigmatic of two-person talk
doesn’t tell us very much about participation frameworks as such.
Por essa razão, pouco se pode saber sobre as estruturas de participação se
considerarmos os sujeitos apenas como ouvintes ou falantes. Em suma, Goffman
(idem:146) mostra que esses termos (ouvinte e falante) são inadequados, porque “the
first potentially concealing a complex differentiation of participation statuses, and the
second, complex questions of production format”. Consequentemente, teríamos uma
visão pouco abrangente das estruturas de participação. Duranti (1997:313-14)
reconhece essa contribuição de Goffman. Segundo ele:
The desconstruction of the pair speaker-hearer and its substitution with different
kinds of participant statuses and frameworks allow us to see patterns we couldn’t
see before. Participation as analytical dimension becomes a powerful instrument
for the study of the constitution of society, with its pre-established roles and
statuses and its routine negotiation of such roles and statuses through
communication.
Goffman, em seguida, discute a noção de encaixamento (embedment)17. Nas
palavras do autor (idem:147), quando as elocuções são ouvidas:
they are still heard as coming from an individual who not only animates the
words but is active in a particular social capacity, the words taking their
authority from this capacity.
É o caso do professor citando o poema de Fernando Pessoa, conforme
mencionamos anteriormente. Ao citar alguém, o falante encaixa a fala de outra
pessoa a sua própria fala, construindo, como já citamos, um processo de coautoria.
Porém, os sujeitos não encaixam apenas palavras, mas também ações e estruturas.
17
A propósito da noção de encaixamento, C. Goodwin (1984) e M. H. Goodwin (1990) trazem
exemplos concretos em que participantes utilizam situações encaixadas para alterar a estrutura de
participação da interação. Por essa razão, voltaremos a este tópico nas subseções 3.1.4 e 3.1.6 deste
trabalho, nas quais abordaremos as ideias dos autores em questão.
57
Formas de ação encaixada podem ser projeções lúdicas, o que parece ser o caso da
socialização linguística das crianças. Para Goffman (idem:150): “In introducing them
to words and utterances, we from the very beginning teach them to use talk in this
self-dissociated, fanciful way”.
Quanto às estruturas encaixadas, afirma Goffman (idem:153), “…linguistic
analysis hasn’t much prepared us for, namely, the sense in which participation
frameworks are subject to transformation”. Ainda de acordo com ele (idem:153):
For it turns out that, in something like the ethological sense, we quite routinely
ritualize participation frameworks; that is, we self-consciously transplant the
participation arrangement that is natural in one social situation into an
interactional environment in which it isn’t.
Percebermos nessa última citação, no entanto, uma visão sistêmica do autor
quanto a rearranjos de participação, tratando o conceito de estrutura de participação
como algo determinado que simplesmente podemos “transplantar” de um contexto ao
outro, mas não o reconfigurar. Essa visão, de acordo com alguns autores (C.
Goodwin & M. Goodwin 2004, Rae 2001, M. H. Goodwin 1990 e C. Goodwin 1984)
afasta o foco analítico do sujeito, deixando-o dependente somente do tipo de
interação.
Para Goffman, rearranjos de estruturas de participação são fenômenos
transcendentes, ou seja, saem de um espaço (ou contexto) para o outro, encaixandose, transplantando-se. Essa visão colabora para um modelo mais estático de análise
do espaço interativo, em que cada interação tem a sua estrutura de participação prédefinida, mas, mesmo assim, podendo sofrer influências de outros contextos.
Conforme afirma o autor (idem:155):
It is true, then, that the frameworks in which words are spoken pass far beyond
ordinary conversation. But it is just as true that these frameworks are brought
back into conversation, acted out in a setting which they initially transcended.
What nature divides, talk frivolously embeds, insets, and intermingles. As
58
dramatists can put any world on their stage, so we can enact any participation
framework and production format in our conversation.
O trabalho de Goffman representa um avanço para a análise das categorias
de falante e ouvinte e, consequentemente, para o estudo das reconfigurações das
estruturas de particiação. Contudo, o ponto mais criticado pelos teóricos C. Goodwin
e M. H. Goodwin é o fato de Goffman ter agrupado as subcategorias criadas para
falante e ouvinte em dois modelos (posições de participação e formatos de produção),
analisando-as separadamente. Isso, de acordo com os pressupostos de C. Goodwin e
M. H. Goodwin, faz com que essas duas categorias (falante e ouvinte) habitem
mundos opostos, trazendo sérias consequências para a análise de estruturas de
participação. Analisar as duas categorias de forma separada acaba por eliminar a
visão de estruturas de participação como um espaço comum, que é a todo o momento
cohabitado e reorganizado pelos participantes de uma interação.
As noções propostas pelo casal Goodwin trazem, portanto, novas formas de
análise do espaço interativo. É o que vamos começar a discutir a seguir.
3.1.3 - C. Goodwin (1981): Participation Structure, Participation
Framework e Participation Status
Nesse trabalho, C. Goodwin (1981) utiliza igualmente os termos
“participation structure” e “participation framework”. Além disso, o autor ainda
utiliza o termo “participation status” ou “posições de participação” (Goffman 1981a),
para diferenciar a posição que o ouvinte supostamente tem em relação ao falante em
uma interação social. Contudo, em seu texto, C. Goodwin (1981) já apresenta uma
análise que claramente coloca falante e ouvinte em uma posição mais simétrica. Essa
visão fica mais clara em seu trabalho posterior (C. Goodwin 1984), no estudo de M.
59
H. Goodwin (1990) e no texto de autoria conjunta (C. Goodwin e M. H. Goodwin
2004), em que os autores criticam a visão de Goffman por colocar falante e ouvinte
em pólos opostos.
No estudo em questão, C. Goodwin (1981) investiga como os participantes
sinalizam o engajamento (ou o reengajamento), a manutenção ou a finalização de
uma conversa. Embora o autor critique Goffman por não analisar os participantes
(falante e ouvinte) de maneira conjunta, ele ainda propõe que o fato de os mesmos
estarem copresentes é pouco para entendermos tudo o que se passa no jogo
interacional. Segundo o autor (1981:95 e 116):
…the fact that the participants are physically copresent is a constant. However,
the form that their presence to each other takes is not.
It is sometimes convenient to think of talk in conversation as being produced by
a speaker who addresses it to a hearer. However, (…), one finds a range of
participation structures within which the production of talk is possible. These
structures have consequences in detail of the organization of the talk, being
relevant to such basic issues as whether or not the talk of the moment is to be
treated as heard and sequentially implicative.
Participantes de uma interação não organizam suas falas de acordo apenas
com o papel de cada um (falante ou ouvinte) em uma conversa, mas também de
acordo com os sinais de engajamento que cada um deles produz. Esses sinais podem
ser constituídos de elementos verbais e não-verbais, como: interjeições, sussurros,
olhares, postura corporal, gestos etc. O fato de dois sujeitos estarem copresentes e
um deles falando não garante que realmente eles estejam interagindo. Para que isso
aconteça, é necessário mais do que a copresença. Isto é, se um deles estiver falando,
o outro deve estar sinalizando engajamento, em outras palavras, mostrando interesse
pelo que está sendo dito, ratificando-se como interlocutor. Isso significa que, para
60
participantes estarem engajados em uma determinada interação, é necessário haver
uma coparticipação.
Se essa coparticipação for quebrada por algum motivo, poderá ocorrer o
simples desfecho da interação, ou uma reestruturação da fala por parte de um desses
participantes para que o engajamento seja recuperado (reengajamento). Por essa
razão, dependendo de como os participantes demonstram interesse pela fala em
processo, a maneira como os mesmos participam da interação pode ser alterada,
provocando uma mudança na estrutura de participação. Considerando isso,
participantes estarão sempre atentos às ações do outro. Assim, é importante
mencionar que a interpretação dessas ações faz com que os participantes tomem
iniciativas no decorrer da fala. Como afirma o autor (idem:98): “…participants are
not only monitoring each other’s actions, but engaging in ongoing analysis of those
actions”.
Como já mencionado, C. Goodwin (idem:125) chama a atenção para os
movimentos corporais dos participantes através dos quais é possível sinalizar
(re)engajamento, manutenção ou finalização da interação: “The displays made by the
participants’ bodies also help shape the perceived meaningfulness of the events they
are engaged in”. Os sujeitos utilizam seus corpos e uma variedade de fenômenos
vocais para mostrarem o tipo de atenção que eles estão dando aos eventos do
momento e, reciprocamente, o tipo de orientação que eles esperam dos outros
participantes. Tais fenômenos não são apenas suscetíveis à fala (ou ao silêncio) em
progresso, mas também resultantes das estruturas correntes e das futuras
possibilidades, mostrando, por exemplo, que tipo de coparticipação é apropriada à
fala do momento, se uma elocução posterior à outra é relevante ou não, e se a fala
tem o envolvimento total dos interactantes.
61
O autor observa que durante o engajamento e a manutenção, os participantes,
em geral, mantêm os seus corpos próximos um do outro, o mesmo acontece quando
ambos desviam o olhar, em um processo que Goodwin chama de “withdrawing gaze”.
Nesse processo, embora as partes altas do corpo (cabeças, ombros etc.) não estejam
alinhadas, não há ainda uma distância física entre os sujeitos, o que possibilita a
ocorrência de um processo de reengajamento. Porém, no processo de finalização, os
corpos tendem a já estar distantes, havendo muito pouca possiblilidade de um
reengajamento ocorrer. Conforme o autor (idem:101):
Processes of reengagement do not operate in a vacuum, but rather build upon the
types of analyses participants are already engaged in during disengagement (for
example, monitoring of the possibility of reengagement) and the availability
they manifest to each other by the collaborative framework of orientation being
sustained by their lower bodies.
Podemos observar que processos de (re)engajamento, manutenção ou
finalização são organizados durante a interação e negociados pelos sujeitos em uma
interação. É pela coparticipação (ou colaboração) que os interactantes negociam as
suas falas e (re)constroem a estrutura de participação de um encontro social.
3.1.4 - C. Goodwin (1984): Participation Framework
Na mesma perspectiva do trabalho anteriormente discutido, C. Goodwin
(1984) analisa uma história contada à mesa na presença de quatro participantes. Ann
é a narradora que assume as posições de animadora, autora e, às vezes, também a de
responsável na história (Goffman 1981a). Beth é a ouvinte endereçada, John o nãoendereçado e Don, embora seja o personagem principal da história que está sendo
contada, também tem o papel de ouvinte não-endereçado.
62
C. Goodwin analisa como os ouvintes, endereçados ou não, participam do
contar da história. Os simples movimentos corporais como o olhar fixo, o levantar de
sobrancelhas, o desvio do olhar e a participação em outras atividades que acontecem
no mesmo cenário (servir comida, por exemplo) são elementos que contribuem para
tornar visíveis unidades estruturais (structure units, como o prefácio, clímax,
background ou parêntese de uma história) que os participantes usam como
característica constitutiva dos eventos em que estão engajados.
O autor também discute (conforme apresentamos em Goffman na subseção
3.1.2) a habilidade que os sujeitos têm de encaixarem (embed) uma fala dentro de um
segmento de uma história (como no clímax, por exemplo). Esse fenômeno de
encaixamento é recuperado no texto em questão e também por M. H. Goodwin
(1990), no texto em que a autora introduz o termo “estrutura do participante”
(participant framework)18. C. Goodwin discute esse fenômeno em sua análise para
provar que existem mais do que somente três segmentos (prefácio, background e
clímax) em uma história. Segundo o autor, quando se aproxima do clímax, Ann
introduz um parêntese no meio da história e encaixa uma fala de Don (que neste
momento assume o papel de responsável) para chamar mais a atenção dos outros
participantes), tal como C.Goodwin (1984:226) afirma:
The story thus contains not only preface, background, and climax sections but
also what may be called parenthesis, a section of background information
embedded (disjunctively) within the climax.
C. Goodwin também chama a atenção para a maneira como Ann encaixa a
fala de Don, o personagem principal da história. Ela introduz risos ao imitar Don
18
Apresentaremos as discussões de M. H. Goodwin sobre “encaixamento” e “estrutura do participante” na
próxima seção.
63
falando, o que pode ser um convite para que a plateia, ou seja, os outros participantes
que estão ouvindo a história, também possam rir do ocorrido (idem:227).
Laugh tokens are not simply comments by the speaker on the talk being
produced but rather, as has been noted by Jefferson (1974b and Jefferson
Sacks, and Schegloff forthcoming), may constitute invitations to laugh,
moves making relevant particular types of subsequent actions by a
recipient.
Outro ponto importante no texto de C. Goodwin é a maneira como os
sujeitos movimentam os seus corpos. Isso, segundo o autor, influencia no contar da
história. A narradora, Ann, utiliza várias expressões corporais. De acordo com o
autor (idem:229):
Ann’s telling is thus made visible not only in her talk but also in the way
in which she organizes her body and activities during the telling. With
these resources she is able to provide relevant displays about both her
alignment to the talk and its sequential organization.
Esse é um fator importante a ser observado também em nossos dados, uma
vez que os alunos sempre chamam a atenção da professora por meio de movimentos
corporais que às vezes resultam na reestruturação da fala por parte da mesma,
especialmente quando os aprendentes tomam uma postura não permitida, como virar
o corpo para trás ou retirar as suas mãos de cima da carteira. Essa ação não só
influencia a fala da professora, como também faz com que ela pare a aula para
corrigir a postura dos alunos, que por sua vez terão de adotar uma outra postura, isto
é, a “correta” para que sejam ratificados como ouvintes da fala da professora.
A participação não-verbal dos interactantes na história contada por Ann
também faz com que a narradora reorganize a sua fala. Por exemplo, quando Ann vai
entrar no clímax da história, Don move a sua cabeça para o lado dos ouvintes
endereçados e coloca a mão na boca, preparando-se para ouvir o desfecho, mas Ann
64
recua e entra em um parêntese, o que faz Don mover sua cabeça para o outro lado e
olhar para o concha de sopa que está sendo entregue a ele naquele momento.
Conforme afirma C. Goodwin (idem:243)
The actions of the participants during the telling of this story make
visible some of the interactive tasks such an activity engenders, as well
as the types of organization it makes relevant. For example, recipients to
the story are faced with the job not simply of listening to the events
being recounted but rather of distinguishing different subcomponents of
the talk in terms of the alternative possibilities for action they invoke.
Isso nos leva a crer que os participantes não estão apenas engajados em uma
fala em processo, mas também nas suas participações nessa fala. A maneira como os
sujeitos estruturam as suas participações é uma característica constitutiva dos eventos
nos quais eles estão presentes. Analisar essas estruturas é possível somente por meio
da observação detalhada das ações que os participantes desempenham no momento
em que a fala toma corpo.
3.1.5 - Levinson (1988): Participation Roles
Levinson (1988) discute o modelo proposto por Goffman (1981a) sobre
formato de produção e posições de participação. Para Levinson, esse modelo foi
muito importante para chamar a nossa atenção à necessidade de se criar
subcategorias para os papéis de falante e ouvinte, pois o modelo anterior elaborado
por Austin (1962) e, posteriormente, revisto por Searle (1969), não satisfazia
analiticamente a complexa relação entre os participantes em um evento social.
Contudo, embora Goffman tenha desenvolvido um modelo mais específico para cada
caso, os seus termos (ouvinte ratificado, endereçado e não-endereçado, não-ratificado,
intrometido ou por acaso – para a estrutura de participação - e animador, autor,
responsável – para o formato de produção) ainda não eram suficientes para se
65
analisar todos os papéis que os interactantes pudessem assumir. Segundo Levinson
(idem:166):
We could have speakers who speak for themselves versus those that speak for
absent others (spokesmen), addresses who are intended recipients, versus those
that are vehicles for a message to absent others (messengers), and third parties
who are present (audience) versus third parties who are absent (nonparticipants).
Portanto, há a necessidade de mais termos para se criar um modelo analítico
mais abrangente. Assim, seria possível satisfazer outros possíveis rearranjos
interacionais que possam ocorrer e definir os diferentes papéis que os participantes
possam vir a assumir durante, como denomina Levinson, um evento elocutivo
(utterance event). A esses papéis, o autor dá o nome de papéis de participação
(participation roles). Cada papel de participação teria uma função específica em um
evento elocutivo. Vamos apresentar algumas situações e alguns termos em seguida.
Iniciemos pelo que Goffman chama de posições de participação (ou seja, o
modelo que destaca as categorias de ouvinte). Por exemplo, imaginemos o caso de
um participante se direcionando a um interlocutor e fazendo um comentário sobre
uma terceira pessoa presente na interação. Esse interlocutor não é o real destinatário
da mensagem e sim apenas um intermediário (intermediary). Enquanto que a terceira
pessoa, que é a verdadeira destinatária, seria o alvo (goal) da mensagem.
Podemos imaginar também um chefe saindo de seu escritório e passando a
todos os seus empregados a seguinte mensagem: “O último a sair, por favor, feche a
porta”. Teríamos aqui uma série de interlocutores ratificados e endereçados (os
empregados presentes naquele momento). Porém, não podemos esquecer da
possiblidade de haver outros sujeitos que chegaram ao local depois de o chefe ter
dado esse aviso. Um desses sujeitos pode ser o último a sair e, consequentemente, ser
o alvo da mensagem deixada pelo chefe. Por essa razão, não podemos afirmar que
66
um receptor da mensagem seja necessariamente um participante no momento da
elocução, ele pode ser um não-participante (non-participant).
Uma outra possibilidade problemática para o modelo de Goffman seria um
locutor de rádio produzindo elocuções do tipo response cries (nos termos de
Levinson out-louds). Esse tipo de elocução acontece quando não temos nenhum
interlocutor como alvo da mensagem, isto é, trata-se de uma produção espontânea
que não direcionamos a ninguém em específico.
Um exemplo de out-loud no rádio é apresentado no texto de Levinson. Um
locutor liga para casa de um casal de ouvintes para cumprimentá-los pelo aniversário
de casamento. Porém, enquanto o telefone toca e ninguém atende, o locutor começa a
produzir out-louds do tipo “huh huh huh” e “hmm”, revelando estar impaciente na
espera que alguém atenda o telefone. Essas elocuções poderiam não ter interlocutores
se não fossem produzidas em um programa de rádio. Porém, como sabemos, o
interlocutor tem uma plateia de espectadores e, por isso, os out-louds,
pretencisoamente ou não, foram direcionados a ela. Isso mostra que também
podemos ter um interlocutor ou receptor em mente quando produzimos out-louds.
Segundo Levinson (idem: 206):
While we radio listeners, the overhearers, are waiting through the ringing of the
telephone, the compere is producing the sort of now-hopeless, now-hopeful
out-louds one might produce, or think, to oneself when no-one answers at the
other end. They are responses to the situation, tucked neatly between and
responsive to the ringings of the phone – in Goffman’s (1981b) terminology
responsive cries – and are not addressed or directed to anyone. Yet, in an
obvious way, they are essentially for the radio audience; not only do they fill an
awkward gap created by this broadcast format, they also serve to keep us
posted about how long the compere is likely to hang on.
Embora Goffman (1981b e 1981c) tenha tratado de situações parecidas em
seus textos Response Cries e Radio Talk, o autor não considera a junção desses dois
fenômenos em seu modelo de estrutura de participação.
67
Passemos, agora, para o que Goffman denomina de formato de produção (ou
seja, o modelo que destaca as categorias de falantes). Segundo Levinson, os três tipos
de falantes (animador, autor e responsável – para Levinson falante (speaker),
compositor (composer) e motivador (motivator), respectivamente) são insuficientes
para descrever o complexo processo de produção de elocuções. Para o autor, há
situações em que os falantes também podem ser porta-vozes (spokesmen), substitutos
(relayers), maquinadores (devisers), patrocinadores (sponsors) ou até mesmo
(co)autores-fantasmas presentes (ghostors e ghostees) e não-presentes (formulators).
Imaginemos um tribunal, em que o advogado de defesa, juntamente com o
seu cliente, elaboram um discurso um dia antes para ser proferido pelo acusado na
frente dos jurados, do juíz e da plateia. O advogado atua como um autor-fantasma
(ghostor) por ter elaborado o discurso juntamente com o seu cliente e por estar
presente no momento em que o discurso é proferido. O acusado atua como um
coautor-fantasma (ghostee) por estar proferindo um discurso que não foi totalmente
preparado por ele. Porém, quando o advogado estiver discursando em defesa de seu
cliente, ele atua como um patrocinador (sponsor) do acusado, ao mesmo tempo que
também pode atuar como um porta-voz (spokesman) ou um maquinador (deviser)
por estar formulando argumentos em favor de seu cliente.
Discursos desse tipo são comuns também em aparições públicas de chefe de
estados, por exemplo. Porém, nesse caso, podemos ter um autor-fantasma nãopresente (formulator) que tenha elaborado o discurso juntamente com o presidente
horas ou dias antes do referido discurso. Agora, imaginemos que o presidente não
pôde estar presente e envia um substituto (relayer) para proferir o seu discurso, que
no caso também poderia atuar como o seu porta-foz (spokesman). Poderíamos ter
68
aqui uma complexa relação entre substituto, porta-voz, e coautor-fantasmas em
apenas um evento elocutivo.
Todos esses termos não aparecem no modelo de Goffman e são de extrema
importância se quisermos explicitar o papel de cada um dos participantes na situação
mencionada acima. Contudo, parece que Levinson ainda insiste no modelo de
Goffman quando mantém separadas as categorias de falante e ouvinte em seu modelo.
Como já colocamos anteriormente, essa divisão ainda contribui para uma visão
tradicional da relação entre os diferentes papéis (ou posicionamentos) que os
participantes podem tomar durante um encontro social.
3.1.6 - M. H. Goodwin (1990): Participant Framework
M. H. Goodwin (1990) baseia-se na atividade como unidade básica de
análise em uma interação. Diferentemente do que vinha sendo feito no estudo da
antropologia, a autora defende que participantes de um mesmo grupo social
constroem diferentes estruturas de participação em um mesmo evento. Para a autora,
a análise de momento a momento de uma atividade torna visível práticas utilizadas
pelos sujeitos. Um exemplo disso está em sua análise de disputas verbais entre
meninos negros de um bairro de classe baixa nos EUA que utilizam histórias de
forma encaixada como recurso estratégico para caracterizar negativamente os seus
oponentes. No contexto analisado, um dos garotos, Chopper, em desvantagem em
relação ao seu rival, Tony (por estar brincando no quintal de sua casa, podendo ser
expulso quando Tony achasse necessário), começa a contar histórias que revelam
atos de covardia de seu rival na frente dos outros garotos, que passam a ser
posicionados por Chopper como plateia.
69
Essa habilidade do garoto em encaixar uma história para alterar o contexto
presente, o qual proporciona a Chopper uma plena desvantagem, possibilita a criação
de um outro contexto, dessa vez deixando Tony em desvantangem. Uma vez que o
cenário da história passa a não ser mais o mesmo do contexto presente, ou seja, o
quintal da casa de Tony, e sim a rua perto da casa dos garotos (local onde dois
meninos abordaram Tony pedindo-lhe dinheiro e esse, segundo Chopper, levantou a
mão como se fosse um assalto e disse “Eu não tenho dinheiro”), Chopper consegue
construir uma situação em que seu rival é taxado de covarde e, assim, trazer a plateia
para o seu lado, vencendo claramente a disputa. A essa estratégia discursiva de
encaixar uma história durante uma conversa, por exemplo, feito por um participante
para se alcançar algum objetivo em uma interação, M. H. Goodwin (1990) denomina
de “estrutura do participante” (participant framework).
É importante observar que a história encaixada por Chopper leva os outros
garotos a testemunharem o ato de covardia de Tony, o que acaba influenciando no
contexto presente da disputa, mais especificamente na maneira como os participantes
se alinham. Por isso, como explica M. H. Goodwin (1990:10):
Although conceptually distinct, in practice processes through which
participants are aligned toward each other and the way in which they are
depicted are frequently intertwined
Contudo, é importante ressaltar que Goodwin observou que o processo de
encaixamento de histórias não é feito somente quando a parte caracterizada (ou seja,
o personagem principal da história) está presente. Segundo a autora, as meninas do
mesmo bairro encaixam histórias falando de sua rival “pelas costas” (o famoso “hesaid-she-said accusation”). Esse processo também alinha os outros participantes
presentes como plateia e facilita a tarefa do narrador em alançar o objetivo desejado
durante a interação. Segundo a autora (idem:10)
70
Resources for positioning participants within an activity are not restricted to
processes of explicit description. For example, a he-said-she-said accusation,
by virtue of the way in which it selects a small subset of those present as
protagonists, thus also aligns those who were not explicitly depicted in a
specific way: as audience to the confrontation.
Em suma, Goodwin deixa claro que a organização das atividades fornece
uma série de recursos para caracterizar explicitamente quaisquer participantes ou
para situar aqueles presentes em relação aos outros de maneira relevante ao que
esteja acontecendo no momento.
A autora também se posiciona quanto à organização da interação na sala de
aula e na escola. Para ela (idem:12)
Whereas in the neighborhood children play with each other over extended
stretches of time, in the school talk with other children is largely limited to
lunchroom periods (Shuman 1986:5). Moreover, in the school setting children
commonly interact exclusively with children of the same age/gender group.
Isso evidencia que para se alcançar uma competência interacional em uma
língua-alvo de forma a levar os aprendentes a agir no mundo em diferentes situações
e com diferentes sujeitos, é preciso promover uma rica gama de experiências na
língua. O uso simples de diálogos (muitos deles pré-elaborados por professores ou
por elaboradores de materiais didáticos) somente dentro de sala de aula fornece
poucas oportunidades de os alunos compreenderem a organização da fala em
diferentes eventos interacionais. Como M. H. Goodwin afirma (idem:12):
On Maple Street, girls are provided experience with not only a mixedage group but also a cross-gender one. Such participation possibilities
are important in that they give girls and boys the opportunity to interact
in easeful relationships as friends rather than merely as potential
romantic partners (as reportedly occurs in white middle-class groups).
71
Se concordarmos com a ideia de psicolinguistas soviéticos, como Wertsch
(1980) e Leont’ev (1981), que enfatizam o papel da atividade como um fator crucial
no desenvolvimento psicológico do sujeito, somente a interação com o mundo e com
outros humanos pode fazer com que as pessoas desenvolvam um conhecimento de
realidade social. Essa visão nos faz questionar o papel dado à língua pelas teorias
mais tradicionais, que a veem como sistema ou instrumento e não como um elemento
constitutivo na produção da organização interativa.
Por essa razão, o trabalho de M. H. Goodwin é de fundamental importância
para analisarmos o comportamento dos participantes durante qualquer encontro
social. A estratégia de encaixamento utilizada pelos sujeitos que recaracterizam
outros personagens envolvidos na interação pode transformar contextos e
reconfigurar estruturas de participação. Além disso, o modelo de M. H. Goodwin não
analisa falante e ouvinte de maneira separada (como ocorre em Goffman e em
Levinson), mas posicionando ambos em um mesmo espaço, propondo uma visão
mais inclusiva dos participantes na (re)organizção do espaço interativo.
3.1.7 - C. Goodwin e M. H. Goodwin (2004): Participation Framework
Para os autores, o artigo de Goffman (1981a) Footing constitui o ponto de
partida para o estudo da participação. Contudo, de acordo com eles e como já
apontamos, há sérias limitações teóricas nas colocações de Goffman. Muitas delas
partem do fato de os falantes serem analisados em uma parte do artigo dentro de um
modelo (o de formato de produção e suas possibilidades de encaixamento) e os
outros participantes serem analisados em uma outra seção por um modelo distinto
(posições de participação).
72
Isso faz com que falantes e ouvintes habitem mundos separados, o que não
nos fornece recursos para analisarmos a participação de maneira dinâmica e
interativa. Além disso, de acordo com os autores, há uma evidente assimetria nas
estruturas analíticas usadas para descrever diferentes tipos de participantes: o falante
é dotado de uma rica capacidade linguística e cognitiva (responsável por construir a
ação), enquanto os outros participantes são cosiderados cognitivamente e
linguisticamente simples (ratificados, podendo ser endereçados ou não ou
circunstantes, podendo ser ouvintes por acaso ou intrometidos). Outra grande
consequência desse modelo de Goffman segundo Goodwin & Goodwin (2004) é que
somente o que ocorre no decorrer da fala é importante ou privilegiado. As formas de
participação por meio extralinguístico são menos focalizadas por Goffman.
Os autores propõem uma outra noção de participação, a de descrição e
análise de práticas por meio das quais tipos diferentes de participantes constroem a
ação conjuntamente, participando de maneiras estruturadas em eventos que
consituem estado de fala. Ou seja, participação é uma realização multiconstruída e
intrinsecamente situada.
Goodwin & Goodwin focam a organização de atividades situadas. Da
maneira que um(a) ouvinte posiciona o seu corpo, ele (ela) mostra seu entendimento
detalhado dos eventos em progresso. O ouvinte não apenas se ratifica, mas também
revela se o que o falante disse foi ou não relevante. Por esse ponto de vista, o ouvinte
como participante tem papéis interativos muito mais complexos do que aqueles
apresentados no modelo analítico de Goffman (1981a).
Por meio dessa visão, consideramos que a participação está engajada em
uma ação desdobrável (unfolding action), na qual participantes assumem papéis de
“falantes” ou “ouvintes” não categoricamente estáticos, mas sistematicamente
73
organizados através de uma variedade de práticas corporais (embodied practices). O
falante, por exemplo, pode avaliar um evento por meio de gestos corporais e/ou
prosódia, sinalizando ao ouvinte o que está para ser dito. O ouvinte, por sua vez,
pode juntar-se ao falante no processo de avaliação do evento, colaborando na
produção da ação.
Segundo os autores (2004:227):
... using the situated activities (here assessment) that participants are
constructing through states of talk provides a framework that enables the
analyst to investigate as integrated components of a single coherent process a
range of phenomena that are typically analyzed quite separately.
Ou seja (idem:227):
… many of the phenomena relevant to the study of participation as action will
be rendered invisible or lost if analysis focuses exclusively on the talk or texts
of speakers.
A fala, de acordo com os autores, é reflexiva no que se refere a ela própria,
porém a sua extensão inclui não apenas fenômenos no fluxo do discurso, mas
também os alinhamentos mútuos do falante, do ouvinte e da ação em termos nãoverbais. Um modelo, como o apresentado em Footing (Goffman, 1981a), que trata os
falantes e ouvintes isoladamente não fornece recursos analíticos necessários para
relatar tal reflexividade.
Como afirmam Goodwin & Goodwin (2004:235):
Goffman’s deconstruction of the speaker provides relevant and powerful
resources for describing analytically the different kinds of speakers (and other
actors) animated in a talk. However a framework that focuses only on the
speaker and her talk is seriously inadequate. A participation framework that
encompasses both a speaker and a hearer who are reflexively orienting toward
each other and the larger events in which they are engaged is absolutely central.
Segundo os autores, portanto, a crítica a Goffman situa-se em termos
analíticos. Eles reconhecem a grande contribuição do autor em propor um modelo
mais complexo em relação aos sujeitos envolvidos na interação. No entanto, para se
74
analisarem as estruturas de participação em um evento social, é necessário considerar
falantes e ouvintes como uma unidade complexa em uma mesma análise, além de
buscar um entendimento mais aprofundado das relações desses sujeitos com outros
eventos presentes durante a interação, como um objeto que chama a atenção dos
participantes, o espaço em que eles estão, as roupas que usam etc.
3.1.8 - C. Goodwin (2007): Participation Framework
O autor, nesse trabalho, foca sua análise na maneira com que os
participantes organizam suas posturas corporais, os quais estabelecem a atenção
visual e cognitiva dos mesmos, em uma interação face a face. Para C. Goodwin
(2007), a postura corporal dos participantes é fundamental para a construção de uma
estrutura de participação. Uma mudança nessa postura pode alterar completamente a
estrutura de participação de uma interação. Há casos em que um dos participantes
pode contestar uma certa estrutura imposta pelo outro durante um encontro social,
recusando-se em participar do mesmo.
É o caso de uma das interações analisada por C. Goodwin nesse trabalho.
Nela, um pai e sua filha de 11 anos estavam tentando resolver alguns exercícios de
matemática. A filha estava de cama e o pai foi ajudá-la a fazer sua tarefa. O pai
insistiu que a atividade deveria ser organizada com ambos prestando atenção ao
exercício de maneira que a estrutura de participação permitisse ao pai usar o lápis e o
papel para mostrar a sua filha as práticas adequadas para resolver os exercícios.
Contudo, a filha recusou-se a alterar sua postura corporal (e consequentemente
alterar a estrutura de participação) para que isso se tornasse possível, pedindo ao pai
que apenas lhe fornecesse as respostas. Nesse momento, o pai recusa-se a participar
75
da maneira que a filha determina e deixa o quarto. De acordo com Goodwin
(idem:67):
As something that organizes how participants shape their access to both each
other and the environment that is the focus of their work, this has a range of
consequences.
E mais adiante (idem:67)
Failure to assume such cooperative stances can lead to anger and attributions of
character that use as their point of departure how an actor treats others within
interactions.
Minutos depois, o pai retorna e convence a filha a dar-lhe o lápis e o papel
para que ele pudesse explicar a ela como fazer o exercício. Isso mostra que o pai
conseguiu rearranjar a estrutura de participação da maneira que ele desejava,
modificando a maneira de sua filha participar.
Exemplos como esse são comuns em sala de aula, nosso foco de pesquisa,
em que nem sempre a postura corporal dos alunos está de acordo com o que os
professores pensam ser correto ou impõem como tal. Quando isso acontece, é natural
observarmos professores chamando a atenção dos alunos na tentativa de reconstruir a
postura corporal dos mesmos e, consequentemente, reconfigurando a estrutura de
participação da sala de aula. Para Goodwin (idem:66), estrutura de participação é: “a
primordial locus for the constitution of human action, cognition and moral
alignment”.
Essa é a visão de estrutura de participação mais próxima da utilizada por nós
neste trabalho. Contudo, reconhecemos que as visões dos outros teóricos discutidas
nas seções anteriores são igualmente importantes para a análise dos dados coletados
para este estudo, pois, além de proporem novos modelos analíticos, complementando
76
e reelaborando os anteriores, também são básicos ao entendimento de como os
sujeitos participam de encontros sociais.
A seguir, apresentamos uma tabela contendo as informações mais
importantes sobre a visão de cada autor acerca do conceito de estrutura de
participação. Nessa tabela, incluímos o nome de cada autor, o ano da publicação do
trabalho, o termo utiizado pelo mesmo, a definição de estrutura de participação e a
principal característica do modelo proposto.
Tabela 1: Principais características da visão de cada autor sobre o conceito de estrutura de
participação.
Autor
Ano
Termo
usado
Philips
1972
participant
structure
Variações na estrutura
da organização da
interação (p.333)
Goffman
1981
participation
framework
A relação de todas as
pessoas com uma
elocução durante um
encontro social (p.137)
C.
1981
participation
framework
1984
participation
framework
Goodwin
C.
Goodwin
Denifição do conceito
Principais características do
modelo proposto
Análise centrada na atividade
em desenvolvimento na sala de
aula, que define quando e
como os sujeitos devem
participar.
Análise centrada nos
alinhamentos dos participantes
em relação àquilo o que é dito.
O modelo concetra-se ao que
acontece no fluxo da fala,
dando menos ênfase a aspectos
proxêmicos (gestos, postura
corporal etc). Analisa falante e
ouvinte de forma separada.
Maneiras de os
participantes
Análise centrada em como os
monitorarem as ações
sujeitos sinalizam engajamento
dos outros e engajaremem um interação. Considera
se na análise dessas
que aspectos linguísticos e nãoações, mesmo se houver
linguísticos têm igual
uma pequena falta de
relevância na análise.
orientação entre eles.
(p.98)
Maneiras como os
Análise centrada nos
participantes
movimentos corporais dos
organizam-se em
participantes e na maneira com
relação aos outros
que eles contribuem para
durante uma interação,
tornarem visíveis unidades
demonstrando as suas
estruturais de uma narrativa,
identidades e as
consideradas característica
maneiras de se
constitutiva dos eventos em
77
Levinson
1988
participant
roles
M. H.
Goodwin
1990
participant
framework
2004
participation
framework
2007
participation
framework
C.
Goodwin
& M. H.
Goodwin
C.
Goodwin
que esses participantes estão
orientarem em relação a
engajados.
um evento de fala.
(p.225)
Arranjos interacionais
que definem os
Decompõe o modelo de
diferentes papéis que os
Goffman, criando mais
particpantes podem vir
subgrupos às categorias de
a assumir durante um
falante e de ouvinte, mas ainda
evento elocutivo.
analisa-os de maneira separada.
(p.167)
Estratégia de encaixe de
Análise centrada na maneira
uma narrativa durante como os participantes alteram a
uma conversa para se
atividade conversacional,
alcançar algum objetivo
afetando diretamente o
em uma interação.
contexto em que estão
(p.10)
inseridos.
Consideram a participação
Práticas por meio da
como elemento engajado em
qual tipos diferentes de
uma ação desdobrável
participantes constroem
(unfolding action), na qual
participantes assumem papéis
a ação conjuntamente,
participando de
de “falantes” ou “ouvintes” não
maneiras estruturadas
categoricamente estáticos, mas
em eventos que
sistematicamente organizados
consituem estado de
através de uma variedade de
fala. (p.235)
práticas corporais (embodied
practices).
Um espaço primordial
Análise centrada na postura
para a constiuição da
corporal dos participantes e na
ação humana,
maneira como eles contestam
alinhamento cognitivo e uma estrutura imposta por um
moral. (p.66)
outro participante.
A nossa visão de estrutura de participação é baseada na ideia de espaço
interativo, que é (re)organizado por sujeitos, que influenciam e são influenciados por
vários elementos (re)negociados durante uma interação (ações, atitudes, discursos,
enquadres, papéis, posicionamentos, crenças, ideias etc.), que, por sua vez, são
dependentes do local onde esses sujeitos estão, com quem estão, por que estão etc.
Isso significa afirmar que qualquer alteração, seja ela verbal ou não, no fluxo
interacional, pode acarretar uma reconfiguração na estrutura de participação.
Exemplos disso são: movimentos corporais que indicam engajamento ou finalização
78
de uma interação, ratificação de novos interlocutores ou endereçamento de um em
particular, fornecimento de pistas para a manutenção ou mudança de turno etc.
3.2 - Revisão Bibliográfica
Nesta seção, discutiremos, em ordem cronológica, mais alguns trabalhos em
que o conceito de estrutura de participação foi estudado. A nossa intenção é
adicionar em nossa base teórica estudos importantes que, embora não apresentem
novos modelos analíticos sobre o conceito, colaboram para o entendimento e
interpretação desse fenômeno em diferentes contextos, incluindo o desse trabalho: a
sala de aula. . Devemos informar que, no entanto, não temos a intenção de relatar
todos os trabalhos em que o termo estrutura de participação foi estudado, mesmo
porque isso seria praticamente impossível, dado a vasta literatura na área da SI que
trata sobre o referido tema. Por isso, concentramo-nos em discutir estudos que
apresentam uma (re)definição da visão de estrutura de participação, criticando,
confirmando ou complementando as visões anteriores dos modelos analíticos que
usamos como referência na seção 3.1.
Esta seção será dividida em duas partes. Na primeira, apresentaremos e
discutiremos trabalhos considerados clássicos na área de SI e com reconhecimento
internacional, com publicações em revistas e em livros de grande circulação a nível
mundial (em sua maior parte, de língua inglesa). Na segunda parte, discutiremos os
trabalhos escritos em língua portuguesa, publicados em revistas e livros de grande
circulação pelo Brasil. A razão de tal separação é mostrar a necessidade de
descentralização e de diversificação de trabalhos publicados em língua portuguesa,
79
que estão concentrados apenas em algumas regiões do Brasil, não abrangendo outras
localidades, culturas e sociedades onde o português também está presente.
3.2.1 - Trabalhos internacionalmente reconhecidos
Iniciamos esta subseção com o trabalho de Erickson & Schultz (1977) que,
seguindo o modelo proposto por Philips (1972), apresentam-nos uma discussão sobre
estruturas de participação (participaiton structures) no contexto de sala de aula. Os
autores observaram que, em diferentes momentos de uma aula, há diferentes tipos de
estrutura de participação em jogo, como a hora da leitura, a hora da discussão em
grupo, a hora do intervalo etc. Esse fato é central para entendermos que estruturas de
paritcipação sofrem alteração não apenas em ocasiões sociais diferentes (como em
uma conversa entre amigos ou em uma participação de um evento formal, como uma
palestra), mas também dentro de uma mesma ocasião: como em uma aula. Isso nos
leva a crer que não é necessária a mudança de contexto para modificarmos a nossa
maneira de participar, mas sim uma mudança de situação (situational shifts) que é
causada pela reconfiguração das ações dos participantes. Como os autores (idem:6)
mesmos afirmam, estruturas de participação são “configurations of concerted action”.
Outro ponto importante no trabalho de Erickson e Schultz é a noção por parte
dos participantes quanto às mudanças de situação. Em seus dados, eles observaram
que alguns alunos do contexto analisado (um sala de aula de ensino primário) não
notavam quando a estrutura de participação tinha sido reconfigurada. Isso, como
poderemos observar em nossos próprios dados, era considerado como um
comportamento inadequado pelo professor e pelos outros alunos. Conforme revela os
autores (idem:7):
80
When children “miss” such situational shifts within an occasion,
especially the shifts from less instrumental to more instrumental activity
that can be glossed as “getting down to business,” they are sanctioned
for situationally inappropriate behavior by the teacher and by other
children.
Embora o trabalho de Erickson e Schultz seja muito importante para
verificarmos a possibilidade de variações nas estrutras de participação dentro de um
único evento social, abre também a possibilidade de discussão sobre como identificar
essas variações. No trabalho em questão, as estruturas de participação equiparam-se a
situações, que, ao nosso ver, fazem parte de um nível mais geral de organização
social. Há a necessidade de um olhar mais específico para se melhor definir e
identificar como são formadas e reconfiguradas essas estruturas.
Essa necessidade parece ser a preocupação de C. Goodwin (1979), que
realizou um estudo sobre a reconfiguração das estruturas de participação durante a
produção de uma sentença em uma conversa entre quatro sujeitos. No caso em
questão, o autor trabahou com o conceito cooperação entre falante e ouvinte na
construção de frases. Em qualquer conversa face a face, há junção entre a fala e o
movimento dos olhos do falante para ratificar o seu interlocutor. Porém, ao mesmo
tempo o interlocutor tem o direito de se ratificar ou não por meio do nível de atenção
que esse manifesta ao falante. Para C. Goodwin, se o interlocutor não corresponder
ao olhar que o falante lhe dirige, é pouco provável que esse continue o ratificando
como interlocutor de sua mensagem. Essa combinação verbal e não-verbal, portanto,
é essencial para que a estrutura de participação seja mantida, caso contrário, ela será
reconfigurada.
Em seu trabalho, C. Goodwin analisa um momento de uma interação em que
dois casais conversam a uma mesa de jantar. Um deles, John, diz a Don, o marido de
81
Ann, que tinha parado de fumar. A sentença analisada foi divida por C. Goodwin em
três partes conforme exibida a seguir.
Retirado de C. Goodwin (1979:98)
John: (1) I gave, I gave up smoking cigarettes::.=
Don: =Yea:h
John: (2) l-uh: one-one week ago t’da:y. (3) acshilly,
A informação contida na parte 1 da sentença é nova para Don e Ann, que não
viam John já há algum tempo. Porém, o mesmo não podemos dizer em relação à
esposa de John, Beth, que já sabia do ocorrido por conviver diariamente com sujeito
autor da mensagem. É interessante observar, portanto, que o falante em questão
procura um interlocutor para que o conteúdo de sua sentença seja interpretado como
novidade. Por isso, John dirige o seu olhar para Don, o que satisfaz o cumprimento
da regra 1, proposta por C. Goodwin (idem:99): The gaze of a speaker should locate
the party being gazed at as an addressee of his utterance. Ao dirigir o seu olhar para
Don, John está configurando uma estrutura de participação, que exige de seu
interlocutor uma manifestação de engajamento. Essa manifestação é realizada por
meio do olhar de Don a John e a produção da expressão “yeah” estabelecendo, assim,
o sinal de que o interlocutor cumpriu com as exigências da estrutura em questão e
que, por isso, foi possível mantê-la até o término da primeira parte da sentença.
Porém, após Don manifestar o seu engajamento, John continua a frase (parte
2 da sentença), mas, dessa vez, endereçando-se a Beth, sua esposa, para indicar que
tinha parado de fumar há uma semana. Embora o conteúdo da mensagem já fosse de
conhecimento de Beth, John dirige o olhar para sua esposa, segundo C. Goodwin,
provavelmente para confirmar o que disse, isto é, se realmente fazia uma semana que
ele tinha parado de fumar. Outra possibilidade, também segundo o autor, de o falante
82
ter procurado por um interlocutor que já conhece a informação seria para lembrar que
o fato ocorrido (ter parado de fumar) completa uma semana e, por isso, poderia ser
um motivo de celebração. Isso nos traz pelo menos mais duas razões pelas quais o
falante procura o seu interlocutor: cofirmação e recordação.
Portanto, com essa mudança de olhar, John reconfigura a estrutura de
participação e, a exemplo da obrigação imposta a Don no momento anterior, Beth
deve olhar para o seu marido no sentido de manifestar o seu engajamento. Contudo,
essa última ação não ocorre, pois Beth continua de cabeça baixa olhando para a
comida enquanto o seu marido tenta ratificá-la como sua interlocutora endereçada.
Com isso, John desiste de conseguir a atenção de Beth e tenta procurar um outro
interlocutor que possa “reconhecê-lo” como falante. Isso prova a segunda regra de C.
Goodwin (idem:106), de que “when a speaker gazes at a recipient he should make
eye contact with that recipient”. Caso isso não ocorra, não haverá engajamento e o
falante deve procurer um outro interlocutor que satisfassa essa regra.
Por isso, na falha de se encontrar um interlocutor pelo olhar, John, no final da
parte 2 da sentença, faz um prolongamento de vogal em “t’da:y” enquanto procura
por Ann, que ainda não tinha sido endereçada por ele. Esse prolongamento, segundo
C. Goodwin, é importante para que a nova interlocutora de John, Ann, tenha tempo
para dirigir o seu olhar a ele, para finalmente, John terminar a sentença na parte 3,
quando produz a palavra acshilly (actually). Conseguindo, portanto, um interlocutor,
John, mais uma vez, reconfigura a estrutura de participação e passa a endereçar Ann
que, ao final, reconhece-o como falante e permite, assim, que John termine a sua
sentença.
Todas essas reconfigurações das estruturas de participação durante a
produção de apenas uma frase, na procura de se ratificar novos interlocutores
83
endereçados, prova que a construção de uma sentença não é de responsabilidade
apenas do falante. O ouvinte é aquele que manifesta engajamento e perminte que o
emissor da mensagem verbal possa ser reconhecido como tal. Como C. Goodwin
(idem:112) afirma: “the sentence eventually produced emerges as the product of a
dynamic process of interaction between speaker and hearer as they mutually
construct the turn at talk”.
Isso pode explicar o porquê de muitas vezes o professor exigir que o aluno
olhe para ele enquanto expõe algum conteúdo verbal durante a aula. O não-olhar do
aprendente pode comprometer o papel do professor dentro da sala de aula,
reconfigurando uma das estruturas de participação clássicas descrita no modelo de
Philips (1972), a de que o professor interage com todos os alunos (ou apenas com um
por vez) por meio de uma exposição verbal. Se não houver o olhar por parte do
aprendente manifestando atenção ao que o professor diz, não poderá haver interação
e nem, consequentemente, esse tipo de estrutura de participação descrita por Philips.
Estruturas de participação como a descrita anteriormente são comuns em
contextos mais controlados pelo professor. É o caso do estudo de Au (1980), que
investigou como uma professora reconfigura a estrutura de participação da sala de
aula primária com o propósito de fazer crianças havaianas, supostamente silenciosas,
participarem verbalmente de uma aula de leitura. No texto, a autora discute o papel
da professora que conseguiu cumprir essa tarefa utilizando estratégias que criaram
eventos instrucionais culturalmente adequados para a participação dessas crianças de
minoria étnica. A aula observada fazia parte de um programa de educação básica
para uma comunidade de crianças de Honoululu, chamado de Kamehameha Early
Education Program (KEEP).
84
Embora, como acontece na maioria dos trabalhos em que se discute
participação em sala de aula, a professora fosse o sujeito que controlava a maioria
das ações naquele evento social, ela conseguia criar condições para que os alunos
tivessem mais confiança para se expressarem verbalmente. Segundo Au (idem:93):
…the kinds of factors affecting children’s verbal productivity are subject to
manipulation. It would not be beyond the capability of a willing teacher to
change her classroom in ways which would tend to increase academically
constructive verbal productivity by her students.
Percebemos, nesse estudo de Au, a
mesma visão que está presente no
trabalho de Philips (1972), que prioriza a figura do professor como manipulador das
(re)configurações na estrutura de participação na sala de aula. Esse sujeito é o único
responsável pelas mudanças na forma de se interagir, controlando os outros
participantes da maneira que melhor entender para, assim, criar um ambiente em que
os alunos possam ser mais ativos verbalmente.
Essa visão fica ainda mais clara na maneira em que Au classifica as
estruturas de participação durante a aula analisada. A autora explica que o grupo
observado era composto de vinte e quatro alunos. A professora, uma vez por dia,
formava um grupo em um canto da sala com quatro alunos enquanto os outros vinte
ficavam fazendo outras atividades. Ela, então, iniciava a sessão de leitura que era
consituída de três momentos. O primeiro, em que a professora, antes de iniciar a
leitura do texto, fazia uma exploração do título da história. O segundo, em que a
professora pedia para que os alunos lessem uma parte da história e depois contassem
aquilo que leram. E, finalmente, o terceiro, em que a professora tentava ligar a
história com as experiências de vida de seus alunos por meio de uma pequena
discussão em grupo.
85
Em todos os momentos descritos anteriormente era a professora que fazia o
papel de sujeito intermediador. Por meio olhares, gestos, perguntas ou comentários,
ela controlava os turnos dos alunos, ratificava interlocutores e reconfigurava as
estruturas de participação. Embora esteja claro que se trate de um ambiente de
participaçao compulsória, Au explica que essas aulas eram bem sucedidas, pois os
aprendentes que eram no início silenciosos nas aulas de leitura, passaram a falar mais
durante essa atividade. A autora (idem:94) propõe uma hipóstese para tal sucesso:
Many alternative explanations for the success of the KEEP reading program
have been suggested (e.g., Tharp et al, 1978; Gallimore and Au 1979). The
possibility considered here is that it is primarily attributable to the cultural
congruence of the reading lessons taught within the program.
A autora, analisando mais esquematicamente a sessão de leitura em questão,
indetificou nove tipos de estrutura de participação durante essa atividade. São elas:
Transitions - em que a professora modifica a participação dos alunos,
passando de uma tarefa para outra (por exemplo, de discussão em grupo à leitura
silenciosa do texto).
Chorus - trata-se do momento em que a professora faz uma pergunta de
resposta já conhecida pelos alunos e esses, por sua vez, devem responder em coro.
Single turns - em que um aprendente está falando com a professora. Se
qualquer outra criança os interromper, a professora pode pedir silêncio a ela e
continuar sua interação anterior.
Single/joint turns - esse tipo de estrutura de participação tem sempre um
aprendente como falante dominante, e um segundo aprendente que argumenta as
palavras que o primeiro disse a respeito da pergunta posta pela professora. O
86
segundo aprendente pode contradizer o primeiro, prorpor uma palavra (ou frase) que
esteja faltando, ou simplesmente fazer breves comentários.
Single/open turns - nesses casos, há um aprendente como falante dominante
que é apoiado em seu papel por dois ou três outros aprendentes. Fica claro quem tem
o piso conversacional, embora qualquer um possa fazer um breve comentário
enquanto o falante dominante expõe as suas ideias. A professora é quem ajuda o
falante dominante a manter o seu papel, embora não desencoraje outros que queiram
entrar na discussão.
Joint turns - é quando dois aprendentes contribuem com quantidades quase
iguais de turnos de fala, mesmo embora um aprendente possa ter sido indicado pela
professora como falante dominante.
Joint/open turns – essa estrutura de participação requer dois aprendentes
como falantes dominantes, como no joint turn, mas sempre há um comentário
fornecido pelo menos por mais um dos aprendentes.
Open turns – O critério para que haja open turns é haver, pelo menos, três
aprendentes que falam e que tenham um status parecido como falantes dominantes.
Esse tipo de situação mostra que crianças havainas não gostam de ser submetidas a
situações em que somente um falante esteja em evidência. Por isso, esse tipo de
estrutura de particpação é muito comum em interações com esses sujeitos, que
preferem dividir a responsabilidade do que é dito.
Damaged transitions – De acordo com as regras que governam a transição
(transition), somente a professora tem o direito de falar. Porém, há a possibilidade de
alguém interrompê-la sem ser repreendido por ela. Um exemplo disso é quando a
87
professora pede para que os alunos abram o livro na página 17. Nesse momento, um
aprendente diz: “Professora, a senhora ainda não nos entregou os livros”. Portanto,
esse tipo de estrutura de participação ocorre quando há circunstâncias atenuantes
(extenuating circumstances), que nada mais são que um entendimento comum de
eventos dependentes entre si, que só acontecem em uma sequência pré-definida e
conhecida por todos os participantes da interação.
No trabalho de Au, as estratégias de leitura utilizadas pela professora, bem
como as estruturas de participação que aparecem durante a atividade, parecem
contribuir para uma participação verbal dos aprendentes, que antes eram silenciosos
por não terem as aulas estruturadas de maneira consistente com os aspectos presentes
em suas culturas. Porém, analisando os nove tipos de estruturas de participação
identificados pela autora, percebemos que a professora, na verdade, não era a única a
propor novas formas de organização do espaço interativo. Os alunos, por vezes,
tinham uma certa autonomia para propor novas estruturas, sem a permissão expressa
da professora. Isso pode ocorrer especialmente durante o single/joint turns,
single/open turns e joint turns, joint/open turns e open turns.
Continuando com o foco na sala de aula, Ludwig (1981) observou como
alunos brancos e negros de uma escola de nível primário localizada em um bairro de
classe
média
dos
Estados
Unidos
utilizam
estratégias
improvisadas
de
metafraseamento. Essas estratégias, segundo a autora, consistem em reformular a
pergunta exposta pelo professor para que um outro aluno possa entendê-la ou em
fazer um comentário sobre uma avaliação ou um problema proposto pelo professor
em classe. As estratégias de metafraseamento geralmente apareciam como falas
sobrepostas à do professor e raramente eram ouvidas por todos os participantes
dentro da sala de aula. Tratavam-se de comentários endereçados apenas a um ou
88
poucos sujeitos que estavam próximos ao aprendente que fazia uso da estratégia e,
por isso, eram proferidos em voz baixa de modo que o professor, na maioria das
vezes, também não podia ouvir.
Ludwig identificiou que a participação na sala de aula observada era
organizada por quatro tipos de sequências interacionais, chamadas de: posing the
problem, feeling around, redirection e finding the problem. Essas sequências
configuravam a estrutura de participação e definiam como deveria ser a produção
verbal do sujeitos durante a aula. De acordo com a autora, na maior parte das vezes
em que um aluno utilizava a estratégia de metafraseamento, esse o fazia durante a
sequência interacional feeling around, pois era esse o momento que parecia ser o
mais adequado para os alunos exporem as suas observações sobre as perguntas do
professor e, consequentemente, sobre as expectativas do professor quanto às
respostas dos aprendentes. Por essa razão, era comum que, antes de responderem a
uma pergunta (que era feita pelo professor durante a sequência posing the problem),
os alunos discutissem entre si qual seria a melhor resposta ou se aquela resposta era a
esperada pelo professor.
Seja qual fosse a intenção da estratégia de metafraseamento, quando utilizada,
a mesma reconfigurava a estrutura de participação em sala de aula, pois os alunos
voltavam os seus olhares e os seus corpos aos colegas que estavam sentados próximo
a eles para discutirem sobre o que o professor havia dito. Temos, portanto, uma
mudança de foco, uma conversa encaixada em uma interação de sequência
tradicional entre professor e alunos, ora quebrada para que a técnica de
metafraseamento pudesse ser utilizada. Como afirma Ludwig (idem:210), “the use of
the strategy signified a break in the complementarity of teacher-student perspectives
on participation”.
89
A estratégia de metafraseamento, segundo as observações de Ludwig, eram
utilizadas tanto pelos aprendentes brancos quanto pelos negros durante a sequência
feeling around, indicando que os alunos compartilhavam o conhecimento sobre a
estrutra de participação da sala de aula, sabendo quando era permitido o uso dessa
estratégia.
O trabalho de Ludwig contribuiu para desvendar outros tipos de organizações
do comportamento verbal dentro de sala de aula e para se ter uma melhor
compreensão de como as estruturas de participação são reconfiguradas, seguindo
certos padrões considerados aceitáveis pelo professor. Porém, há ainda explícita a
mesma ideia presente em Philips (1972) e Erickson & Schultz (1977) de que o
professor é o único controlador desses padrões e a concepção de que são eles que
determinam o comportamento verbal de todos os participantes dentro de uma sala de
aula. Nesta seção, observaremos como essa concepção passa por mundanças ao
longo dos anos e como os modelos analíticos sobre estruturas de participação vão,
cada vez mais, colocando os alunos em um lugar mais ativo na reconfiguração dessas
estruturas.
Outro trabalho que também foca o controle do professor em sala de aula é o
de Erickson & Mohatt (1982), que estudaram a maneira de dois professores (um
indígnea e um não-indígena) exerceram autoridade sobre os alunos em uma escola
primária de uma reserva indígnea em Ontário, Canadá. Foi revelado que os dois
professores exercem a autoridade de maneira distinta em razão da estrutura de
participação que propõem durante as aulas. Enquanto a professora indígena atuava da
maneira que os alunos esperavam (não aguardando até que os aprendentes se
aprontassem para iniciar uma nova atividade e evitando fazer perguntas direcionadas
e correções em público), o professor não-indígena apresentava uma certa dificuldade
90
em organizar a sala de aula por não estar adaptado à maneira de participar de seus
alunos (que ficavam em silêncio na maior parte das vezes, evitando responder as
perguntas que o professor fazia à sala), uma vez que era obrigado a chamar atenção
dos aprendentes antes de iniciar a aula por notar que a sala ainda não estava “pronta”
e, frequentemente, expunha a face dos aprendentes, fazendo perguntas e correções
em público.
Segundo os autores, a origem dessas diferenças de estruturas de participação
pode estar associada a aspectos culturais, isto é, a maneira de viver na comunidade
indígena. Nesse trabalho, é citado o estudo de Philips (1972), no qual se conclui que
os adultos da comunidade Warms Springs (Oregon, EUA) não exercem controle
social de maneira explícita. Esse tipo de estrutura de particpação também não existe
na comunidade indígena estudada por Erickson e Mohatt, e como afirma os autores
(idem:140):
If the findings and interpretations reported by Philips and others generalize
beyond the Warms Springs community in Oregon to other North American
Indian communities and the schools they attend, this could explain the often
reported phenomenon of the “silent Indian child” in the classroom – the child
reacting to the cultural inappropriateness of non-Indian teachers’ questioning
and directing strategies by “dropping out” from interaction with the teacher…
Outro trabalho que também foca a identificação das diferenças entre as
influências de âmbito sociocultural e interacional nas reconfigurações das estruturas
de participação em sala de aula é o de Erickson (1982), que estudou as relações entre
a estrutura de tarefa acadêmica (academic task structure - ATS) e a estrutura de
participação social (social participation structure - SPS) em uma sala de aula de
nível primário. Segundo o autor, há momentos durante a interação em que alunos e
professores seguem a sequência lógica do conteúdo da lição (estrutura de tarefa
acadêmica) e há momentos em que esses participantes exercem seus direitos e
91
deveres como membros de um grupo social (estrutura de participação social). Um
exemplo retirado desse estudo de Erickson seria um aprendente cumprindo o seu
papel de ouvinte em uma sala de aula presenciando alguns de seus colegas repetirem
em voz alta uma sequência numérica que a professora escreveu no quadro. Porém,
mais tarde, esse mesmo aprendente chama a atenção dos outros participantes (alunos
e professora) batendo com o seu lápis na carteira, reclamando, dessa maneira, a sua
vez (direito) de participar.
Como podemos observar no primeiro momento do exemplo exposto acima, o
aprendente estava cumprindo uma estrutura de tarefa acadêmica e, no segundo
momento, improvisando de maneira a reconfigurar a estrutura de participação social,
influenciando, assim, na estrutura de tarefa acadêmica. Segundo o autor, mudanças
em uma dessas estruturas pode causar efeitos na outra. Como ele próprio afirma
(idem: 162)
Mistakes of academic content that are correct in social form (SPS) can also
cause trouble in the ATS, as in the case of a student providing a wrong answer
that violates the expectations of the teacher and other students as to the
logically sequential flow of ideas in the lesson, even though the answer is given
in the socially “right” time and does not distort the smooth rhythmic flow of
alternation between question and answer. Conversely, mistakes in terms of SPS
can damage the ATS, as in the case of a student giving the academically “right”
answer in the socially “wrong” time. Because of this, lessons are speech events
characterized by the presence of frequent cognitive and interactional troubles
and repair work.
É importante observarmos que, seguindo a interpretação de Erickson, a
interação em sala de aula não é constituída apenas de ações orquestradas, mas
também há espaço para improvisações que reconfiguram, a todo o momento, a
estrutura de participação. Quanto a esse conceito, o autor (idem:154-55) ainda traz
uma definição: “a participation structure can be thought of as the configuration of all
the roles of all the partners in an interactional event”. Esses papéis, sem dúvida, são
92
influenciados pelos modelos culturais impostos pela sociedade, mas durante a
interação, muitos desses papéis podem ser renegociados, fazendo com que a sala de
aula transforme-se em um microcosmo, onde certos aspectos que ali emergem não
são somente dependentes do mundo que os rodeia. Conforme postula Erickson
(idem:155):
The boundary between the encounter and the world outside it is not
impermeable; outside influence do impinge on it. But the action inside the
encounter takes on, to some extent, a life of its own. It is, in part at least,
immediately social. The place in which what ethnomethodologists term “local
production” is done; the action situated in its immediate locale.
Estudos como os de Erickson trazem novas perspectivas para se analisar
esturutras de participação em sala de aula, pois não consideram apenas os aspectos
de nível macrossocial na construção organizacional da fala do aluno ou do professor,
mas também a possibilidade de fatores que emergem dentro da prórpia interação
abrirem espaço para que novos eventos surjam. Esses eventos podem trazer novas
relevâncias para que, assim, novas estruturas de participação sejam configuradas.
Um outro exemplo de estudos dessa natureza é o de Mehan (1982), que
investigou a estrutura de eventos em uma sala de aula de nível primário e suas
consequênicas para o desempenho dos aprendentes. Para o autor, os eventos são
unidades interacionais, os quais são subvididos em fases, que, por sua vez, são
constituídas de sequências organizacionais. Na sala de aula observada por Mehan,
em um dia letivo comum, há eventos bem definidos, que configuram a estrutura de
participação de cada momento. Exemplos desses eventos são: as atividades em
círculo (em que os alunos participam de maneira conjunta, todos sentados no chão
em volta do professor, dividindo o foco de atenção entre o próprio professor e os
colegas), a lição (em que os aprendentes participam de maneira conjunta com o
restante da classe e com o foco de atenção somente no professor), o trabalho em
grupo (em que os alunos participam em cojunto com um número menor de colegas
93
em relação aos eventos descritos anteriormente, com o foco em seus livros didáticos
e sob a supervisão do professor) e o recesso.
Há, dentro de cada evento, diferentes momentos que sinalizam a sua abertura,
manutenção e fechamento. Esses momentos são chamados de fases. No evento de
atividades em círculo, há uma fase em que o professor chama os aprendentes para
formar o círculo, outra fase de preparação para iniciar a atividade, uma fase para os
alunos expressarem-se e outra para o professor expor os seus comentários.
Finalmente, há uma última fase de envolvimento de todos os participantes em uma
discrussão.
Da mesma maneira que há fases dentro de eventos, há certas sequências
dentro das fases que as constituem. Mehan chama-as de “sequências instrutivas de
três partes”, mais conhecidas como perguntas de sequência IRA (Garcez 2006,
Cazden 1988, Sacks, Schegloff & Jefferson 1974). De acordo com a pergunta do
professor e a respostas dos alunos, o tópico de discussão pode ser alterado e, com
isso, pode haver uma transição entre uma fase e outra. Essa transição também pode
afetar o evento, reconfigurando, assim, toda o sistema organizacional da aula e,
consequentemente, a forma dos sujeitos participarem dela.
Qualquer mudança que ocorre em um desses três níveis, portanto, pode
provocar também uma reconfiguração na estrutura de participação da sala de aula.
Esse estudo de Mehan, embora ainda siga os conceitos de Philips (1972) sobre as
identificações de estrutura de participação, é de muita importância, uma vez que não
reduz ao papel do professor a capacidade de produzir alterações na organização
interacional da sala de aula. Mesmo sendo o professor o controlador das interação,
pelo uso excessivo de perguntas de sequência IRA, o autor considera a participação
ativa dos alunos na elaboração das respostas e, assim, na co-construção de
94
sequências interativas, que podem modificar as fases e os eventos durante uma aula.
De acordo com Mehan (idem:80):
These studies also demonstrate that the organization of the classroom is not
unidimensional, with activity originating only from the teacher and flowing
toward the students (Dunkin and Biddle 1974: Ch. 12), but is multidimensional, with students and teacher jointly responsible for the flow of
activity. This “mutually constitutive” (Mehan and Wood 1975:211-221, 229)
view of classroom life recommends that future work give the same attention to
students’ contributions that has been given to teachers’ contributions by
approaching the classroom and other educational environments as reflexive,
interactional networks instead of one-directional causal systems.
Podemos afirmar que essa ideia de multidimensionalidade do espaço
interativo da sala de aula é a contribuição mais importante do trabalho de Mehan
para os dados de nosso estudo. Consideramos a necessidade de se observar que,
embora a participação em uma sala de aula seja compulsória, com o professor
atuando como o sujeito que faz as perguntas e avalia a todo o momento as respostas
dos alunos, há um espaço para a improvisação em que o aprendente possa participar
de maneira mais ativa, e por vezes até decisiva, das ações realizadas em classe.
O fato de os alunos participarem mais ou menos ativamente em sala de aula
pode estar ligado a motivos que extrapolam o contexto escolar. Philips (1972) provou
que há uma relação entre a maneira de se participar em casa e a maneira de se
participar na escola. Em seu estudo sobre os aprendentes indígenas, conforme já
discutido na seção anterior, a autora observou que alguns padrões na maneira de se
participar em casa não estavam presentes na escola, especialmente pelo fato de a
professora ser não-indígena. Isso influenciava negativamente no desempenho dos
alunos indígenas, que eram rotulados como maus aprendentes.
Outro estudo que foca essa relação entre as estruturas de participação
presentes no contexto familiar e escolar é o trabalho de Shultz, Florio e Erickson
(1982), que desenvolveram um estudo em que se analisou as diferentes maneiras de
95
crianças, provenientes de famílias Ítalo-Americanos, participarem de interações na
escola e em casa. Os participantes de pesquisa foram alunos do ensino primário de
uma escola localizada no subúrbio de Boston. Esses alunos eram acompanhados
pelos pesquisadores durante as aulas de matemática na escola onde estudavam e,
posteriormente, durante o jantar com os membros de suas famílias em suas
respectivas casas.
Primeiramente, os autores tentaram analisar interações por meio de
comparações entre atividades de fala nos dois contextos mencionados (na escola e
em casa). Um exemplo de atividade de fala presente nesses dois contextos era
“chamar a atenção de um interlocutor em particular” (atividade essa que acontece
frequentemente nas aulas e em conversas à mesa de jantar). Porém, ao iniciarem a
análise com base nesse princípio, Shultz, Florio & Erickson notaram que, embora
estivessem analisando a mesma atividade de fala, os eventos que ocorriam nesses
dois contextos eram diferentes, não sendo possível observar padrões interacionais
entre eles. Esse fato acontecia em razão de o piso conversacional ser organizado de
maneira distinta na escola e em casa. Enquanto que, durante as aulas, somente a
professora tinha o direito de chamar a atenção dos alunos, em casa, o pai, a mãe e até
o irmão mais velho, pareciam ter esse direito, o que provocava uma maior
possibilidade de haver falas sobrepostas durante essa atividade de fala realizada à
mesa de jantar.
Por essa razão, os autores decidiram não realizar as análises das interações de
acordo com as atividades de fala, mas sim de acordo com as estruturas de
participação. Para Shultz, Florio e Erickson (idem:94), estruturas de participação são
“patterns in the allocation of interactional rights and obligations among all the
members who were enacting a social occasion together”. Foi decidido analisar
96
eventos de fala durante as aulas de matemática em que os participantes tivessem os
direitos e deveres parecidos aos que tinham durante a hora do jantar. Essa relação
permitia encontrar alguns padrões interativos que pudessem categorizar cada evento
de fala em um tipo de estrutura de participação. Segundo a análise dos dados,
claramente embasada pelo modelo analítico de Philips (1972), quatro tipos de
estruturas de participação foram encontrados, sendo um dividido em dois subtipos.
Foram eles:
Tipo 1 – Nesse tipo, o piso conversacional é simples (uma pessoa fala por vez)
e somente alguns sujeitos presentes participam dele como falantes primários ou
ouvintes primários. Outros presentes participam minimamente como plateia e quase
não há falas sobrepostas. O falante primário deve endereçar as elocuções a um
pequeno grupo de sujeitos (que são, segundo os autores, os ouvintes primários) e
esses, por sua vez, devem ouvir apenas o que os falantes primários dizem e responder
a eles quando necessário. Os ouvintes secundários (o restante dos sujeitos presentes)
devem prestar atenção àquilo o que dito, mas não têm o direito de interromper a
interação.
Tipo 2 – Já no tipo 2, embora o pisco conversacional também seja simples,
todos os sujeitos participam dele. Há apenas um falante primário que endereça todos
os presentes. Há a possibilidade de encontrarmos alguma fala sobreposta nesse tipo
de estrutura de participação. O falante deve endereçar-se a todo o grupo ao mesmo
tempo que um ou mais sujeitos desse grupo demonstrem que o estão ratificando
como falante (com olhares, gestos ou pequenos murmúrios). Os ouvintes não devem
interromper o falante.
97
Tipo 3 – O piso conversacional também é simples nesse tipo, mas pode haver
várias falas sobrepostas. Os autores distinguiram duas subcategorias para essa
estrutura de participação. A primeira é o piso simples com níveis múltiplos. Isso
significa que, quando o falante primário endereça o grupo, há vários comentários
feitos por falantes secundários, mas esses não são ratificados pelo restante do grupo,
que continua a ouvir o que o falante primário diz. A segunda categoria é com o piso
conversacional interpolado, mas com nível simples. Isso ocorre quando o falante
primário faz comentários sobre a sua prórpia fala, mesmo sabendo que pode não ser
ratificado pelos ouvintes. Esses, por sua vez, podem fazer interrupções breves
quando o falante primário faz os seus comentários.
Tipo 4 – No tipo 4, o piso conversacional é múltiplo, com subgrupos de
falantes participando em conversações com tópicos distintos. Há muita fala
sobreposta dentro de vários pisos.
Esses quatro tipos de estruturas de participação encontrados por Shultz,
Florio e Erickson trazem-nos evidências da complexidade dos arranjos interacionais
renegociados por sujeitos em contextos diferentes (em casa e na escola). Porém,
devemos mencionar que o modelo utilizado pelos autores, que o desenvolveram com
base no de Philips (1972), ainda é limitado por não considerar outros rearranjos
possíveis na organização do espaço interativo. A definição do conceito de estrutura
de participação como padrões na alocação de direitos e obrigações dos participantes,
em nossa opinião, não cobre a característica dinâmica que um encontro social tem.
Enquanto os papéis dos sujeitos podem ser a todo o momento renegociados durante a
interação (renegociando, consequentemente, os seus direitos e obrigações), os
98
autores fornecem uma visão menos complexa desses movimentos, preferindo utilizar
um modelo baseado em características fixas para cada participante.
Além disso, o modelo em questão prioriza mais uns sujeitos do que outros.
Isso fica claro nas nomenclaturas utilizadas (falante primário, falante secundário,
ouvinte primário, ouvinte secundário). Essa ideia leva-nos a acreditar que alguns
sujeitos têm mais direitos do que outros para propor novas formas de participação.
Porém, o que notamos em trabalhos como os de Candela (2005, 1999 e 1991), C.
Goodwin (1986, 1984 e 1981), Heras (1994) e M. H. Goodwin (2006)19 é que todos
os sujeitos, institucionalmente mais o menos importantes, utilizam estratégias para
modificar o espaço interativo ao seu favor (esse ponto será discutido mais
detalhadamente na análise dos nossos dados).
É certo que devemos reconhecer a importância do trabalho de Shultz, Florio e
Erickson, especialmente pelas suas colaborações em desvendar a existência de outros
tipos de piso conversacional em sala de aula, diferentemente do modelo proposto por
Sacks, Schegloff e Jefferson (1974) que estudaram apenas contextos de fala
espontânea. Porém, o modelo proposto para a análise das estruturas de participação
merece algumas críticas por não considerar o dinamismo interativo dentro dos
contextos estudados, não considerando assim, a possibilidade de um maior
envolvimento por parte dos alunos (geralmente rotulados apenas como ouvintes ou
falantes secundários) no processo de reorganização do espaço interativo.
Essa hipótese de os alunos participarem mais ativamente desse processo, traznos a ideia de que nem sempre o professor, mesmo se baseando em uma metodologia
tradicional de ensino, tem todo o controle da interação. Há uma maneira de se
direcionar perguntas, mas não há como controlar a reação do aluno a essa pergunta.
19
Alguns desses estudos mencionados ainda serão discutidos nesta seção.
99
A resposta dos alunos vai depender de uma série de fatores sociais, que são
renegociados a todo momento durante uma interação. E o resultado dessa
renegociação nem sempre pode ser o esperado pelo professor. Por essa razão, é
necessário o uso de técnicas que “convidem” os participantes a agirem da maneira
considerada “adequada”. Um estudo que investigou essas técnicas foi o de Atkinson
(1984), que estudou como os falantes “pedem” aplausos da plateia durante eventos
de tribuna.
Os aplausos reconfiguram a estrutura de participação de um evento social,
pois modificam a maneira como os participantes interagem. Por meio do som
produzido pelo estalar das mãos, o falante fica “impedido” de falar por algum tempo,
passando o turno momentaneamente para o ouvinte. Socialmente, os aplausos podem
ter valores bem distintos. No caso de um discurso político, por exemplo, o falante
pode “convidar” a plateia a aplaudí-lo para que a sua exposição tenha um poder de
convencimento maior. Em uma entrega de prêmios, o apresentador pode utilizar essa
mesma técnica para atribuir mais importância ao prêmio, homenageando, dessa
maneira, o seu vencedor.
Atkinson observou que existem, pelo menos, duas maneiras de conduzir a
plateia ao aplauso. A primeira delas é o uso de sequências de fala reconhecida
socialmente como merecedoras de resposta por parte do público. Uma delas é a
nomeação. Quando o apresentador anuncia o nome de alguém que ganhou o prêmio,
é esperado que a plateia reaja com aplausos. Porém, ainda segundo Atinkson
(idem:379), há sempre uma pista fornecida pelo falante para que a plateia possa
reconhecer o momento de aplaudir.
In commending, thanking, or introducing someone to an audience, speakers
recurrently use a procedure that involves saying something about the person as
a preliminary to naming him or her.
100
No entanto, pode haver uma falha de reconhecimento por parte da plateia se o
procedimento preliminar a que se refere o autor não ocorrer. Quando isso acontece, a
plateia deve ser capaz de indentificar a origem do problema para inferir como deveria
ter respondido à fala do apresentador. Assim, quando o apresentador utilizar o
mesmo procedimento, a plateia poderá retornar com aplausos no momento exato.
A segunda maneira de conduzir a plateia ao aplauso está ligada ao ritmo
(tempo e parada) de uma fala em relação ao contéudo prévio ou subsequente.
Segundo Atkinson, essa sequência é chamada de “listas de três partes” (three part
lists). Um exemplo disso acontece quando um político começa a listar as ações que
pretende realizar em seu governo. Na altura em que alcança a terceira ação da lista,
sobe o tom de voz e faz uma pausa (muitas vezes acompanhada de gestos) para que o
público possa reconhecer o momento exato de aplaudir. Porém, também pode haver
momentos em que o falante, embora tenha completado o terceiro item da lista, dê
sinais de que ainda tem mais alguma coisa a dizer. Por isso, segundo autor
(idem:403), a técnica utilizada para fazer a plateia reconhecer o momento de aplaudir
também está intimamente ligada aos gestos de quem profere o discurso.
… hand and arm movements involved may be closely coordinated both with
the rhythm of the talk and with specific features of its sequential construction:
The beginning of each part of the contrast is gesturally marked by the raising of
a hand; each part is distinguished by the use of different gestures during the
course of its production; and completion of the second part is projected one
beat before its occurrence by a swoop of the arm that is much faster and more
extended than any of the preceding movements.
Essa noção de que linguagem verbal e não-verbal trabalham em cooperação
para a construção de uma ação e consequentemente para uma mudança de estrutura
de participação é de importância central para o presente estudo que desenvolvemos.
101
Em um contexto de ensino primário, parece ser o caso de que quando a sala
aplaude um colega em específico, essa ação não é, a priori, espontânea, mas sim
conduzida, durante os primeiros momentos, pelo professor, por meio de gestos
(como o próprio aplauso) e fala (do tipo: “Muito bem, vamos aplaudir!”) até que os
alunos a façam espontaneamente. A habilidade de reconhecer o momento exato de
aplaudir é construída socialmente por meio de orientações do professor. Quando essa
habilidade já é adquirida, o aplauso sai sem a necessidade de o professor impor a
ação, ou seja, a resposta da audiência passa a ser imediata.
Outro ponto importante no estudo da relação entre falante e sua plateia, é o de
C. Goodwin (1986a), que analisa como um falante define e seleciona os seus
interlocutores durante uma conversa. O autor discute a estrutura de participação de
uma conversa informal entre três casais (Pam e Curt, Gary e Carney, Mike e Phyllis)
durante piquenique na casa de um deles (Pam e Curt). Enquanto Mike conta uma luta
corporal que ocorreu entre dois pilotos durante uma corrida de automóveis, os
participantes reagem de maneira distinta ao seu relato, provocando mudanças à
maneira que Mike conta a história.
A certa altura, por exemplo, Mike faz menção ao fato que antecede o conflito,
descrevendo como um piloto tentou jogar o outro contra a parede. Nesse momento, o
narrador utiliza uma série de artifícios que define a sua plateia como essencialmente
masculina (por exemplo: o fato de estar descrevendo um evento em que os
personagens são do sexo masculino, fazendo coisas que, na cultura em questão,
quase somente homens fazem – como competirem em corridas automobilísticas e
provocar o seu oponente utilizando força física). Isso prova que o falante pode
definir a sua plateia, configurando a estrutura de participação da maneira que achar
102
mais conveninente. Isso acontece quando o falante escolhe o tópico do assunto e as
palavras que utiliza para se expressar. Para Goodwin (idem: 295):
When the story is examined in detail, it can be seen that in a number of
different ways his talk seems to be designed more for the men present than for
the women. First, not only are the characters in the story all male, but they are
doing things (for example racing cars and threatening each other with tire irons)
that males typically engage in, in the participants’ culture. Though the story
could be understood by any of those listening to Mike, properties of it – such as
the characters in it, the activities in which they are engaged, the themes that
motivate its drama, and the words selected to tell it – show that some of those
present (specifically the men) are a more appropriate audience of what it has to
offer than others.
Porém, as mulheres, que também são plateia, podem ou não se ratificarem
como interlocutoras. Phyllis, que, por ser a mulher do narrador, já conhece a história
que estava sendo contada, começa uma conversa paralela com Pam e Carney. Essas,
talvez por acharem que o fato também não lhes interessa muito, engajam-se na
conversa com Phyllis. Nesse caso, a plateia reconfigura a estrutura de participação,
pois deixa o narrador apenas com membros do gênero masculino, fato este que pode
ou não alterar o seu discurso na sua tarefa de relatar o fato ocorrido.
Porém, depois de algum tempo, uma delas, Carney, que começou a se
interessar pelas piadas que os interlocutores homens começaram a contar, senta-se
perto deles, mas com as costas viradas. Segundo C. Goodwin, isso indica que,
embora Carney esteja ouvindo o que eles diziam, a sua posição de participação era
claramente diferente das dos outros membros da plateia. Portanto, como afirma o
autor (idem: 284) “…rather than being a single homogeneous entity, an audience can
be internally diversified in ways that are relevant to the detailed organization of the
talk in progress”.
Isso também acontece na sala de aula. Os aprendentes, por serem uma
audiência diversificada, terão perspectivas distintas em relação uns aos outros e aos
103
diferentes momentos durante a aula. Em um momento, por exemplo, um aprendente
pode estar conversando paralelamente com outro enquanto o professor fala, outros
podem não estar atentos ao contéudo da aula e outros podem estar concentrados.
Porém, depois de algum tempo, o professor pode chamar a atenção dos que estavam
desengajados, reconfigurando a estrutura de participação e esses, por serem
repreendidos, podem voltar a desempenharem os seus papéis de “bons alunos”,
tornando-se atentos ao conteúdo da aula. A estrutura de participação reconfigura-se a
todo o momento em diferentes tipos de encontros sociais. Embora a sala de aula
tradicional seja um contexto mais hierárquico e, por isso, menos propenso à
articulação dinâmica da audiência, há evidência (Candela 1999, Candela 1991,
Mehan, 1982) de que a plateia, em tais eventos, também tenha um papel ativo na
constituição da fala e no rearranjo das estruturas de participação. Segundo C.
Goodwin (idem: 310):
Though diminished opportunities for visible response make it more difficult to
study the dynamic articulation of audience with performance in more stylized
settings, there is nonetheless some evidence that, at such events, the audience
plays a very active role in constituting what is to be made of the performance
they are witnessing.
Em um outro exemplo, no entanto, Mike descreve a maneira com que um dos
pilotos sai do carro e joga o seu capacete no chão, partindo para cima do outro piloto
com uma barra de ferro nas mãos. Nesse momento, Gary e Phyllis, dois dos membros
da audiência, interpretam a história de Mike como uma piada, fazendo comentários e
dando risadas que chamam a atenção dos outros participantes que também se
desengajam da conversa, desviando o assunto e rindo junto com os dois. Depois que
isso acontece, Mike tenta recuperar a sua plateia, discordando da interpretação que
Gary e Phyllis e tentando se ratificar novamente como narrador, porém sem sucesso.
Isso prova que um simples encaixe de uma risada ao longo de um relato é também
104
um convite para outros sujeitos rirem. Quando isso acontece, a plateia pode perder o
foco na história que estava sendo contada. Naquele momento, os participantes
desengajam-se antes mesmo de Mike atingir o clímax de seu relato. Como afirma o
autor (idem:300) “…by embedding laughter… Phyllis visibly treats events such as
these as laughables”.
Ao ver que sua plateia tinha sido reduzida a apenas um participante (Curt),
Mike muda o seu discurso, utilizando termos que somente Curt entenderia. Uma vez
que esse membro que sobrou da plateia também é um apreciador de automobilismo,
ele não necessita de explicações pormenorizadas para identificar os pilotos e as
equipes, diferentemente dos outros membros que também compunham a plateia
anteriormente. Nas palavras do autor (idem: 309):
In essence, the audience is reconstituted into a subset of its original members
not only through the actions of those who withdraw from it, but also by
congruent changes in the organizations of speaker’s talk.
Essa análise de C. Goodwin prova que a plateia também tem um papel
dinâmico e ativo na orientação da fala. Dependendo de como e de quem ela é
constituída, o narrador deve alterar o seu discurso e/ou usar novas estratégias para
atrair os seus ouvintes. Isso, consequentemente, causa reconfigurações das estruturas
de participação. Segundo o autor (idem:306):…an audience is not simply a collection
of passive listeners, but rather a dynamic entity that can actively influence the
interpretation that will be given a speaker’s talk.
Em uma conversa, é importante lembrar também que o sujeito membro de
uma plateia é capaz não somente de comentar o que ouve, mas também de se tornar
falante. Sendo assim, há uma troca de papéis: quem era plateia passa a ser falante e
vice-versa. Isso prova que há um dinamismo que, durante uma interação, provoca
105
uma alteração nos papéis dos sujetios, na constituição da plateia e no discurso dos
participantes. Como afirma o autor (idem:311):
On the one hand, the details of the talk of the moment are able to differentiate
those within the audience from each other is ways that are relevant to the tasks
they face as audience. Indeed the position of addressing a heterogeneous
audience, but also provides an arena and standing vis-à-vis each other. On the
other hand, through use of participation resources available to them, members
of the audience are able to not only interact with each other, but actively
influence the interpretation that will be made of the performance being
witnessed.
O foco na participação da plateia fica ainda mais evidente no trabalho
seguinte de C. Goodwin (1986b), em que se analisa como os participantes usam os
corpos de seus interlocutores como fontes de informação sobre a fala na qual eles
estão engajados. Para o autor, é bem provável que muitos movimentos corporais
(como os gestos, por exemplo) contribuam significamente para o entendimento da
fala ou de outros eventos em progresso. Porém, nem todos os gestos que os sujeitos
fazem durante um encontro social são relevantes para o que está sendo dito. E outros
que potencialmente sejam podem passar desapercebidos pelos participantes e, por
isso, não serem considerados elementos relevantes para a (re)construção de
significado e/ou para as (re)configurações das estruturas de participação. Na verdade,
um gesto somente pode ser considerado como tal quando esse tem um valor
interacional que é alcançado somente por meio do engajamento mútuo. Para o autor
(idem:30), “it would seem premature for an analyst to argue that a gesture is in some
particular way consequential for recipients if responses to it are not present”.
Goodwin, nesse seu trabalho, observa diversos tipos de interação em que os
sujeitos fazem usos de gestos para alcançarem diferentes objetivos. Há momentos em
que os falantes solicitam o olhar fixo de seus ouvintes para a produção de um gesto
que pode ser central para o entendimento da mensagem. Em outras situações, no
106
entanto, há gestos que não têm relevância com o que está sendo dito (chamados por
Goodwin de “self-grooms”), como é o caso de um falante coçar os olhos, por
exemplo. Porém, é interesante observar que, mesmo em casos como esse, o gesto
pode influenciar na interação, provocando um desvio de olhar por parte do ouvinte. É
o que Goodwin encontra em seus dados. Segundo o autor (idem:39-40):
The data just examined provide some demonstration that a specific property of
gesture – the fact that it can provide a point of visual focus relevant to the talk
in progress – is not only attended to by participants, but provides a resource for
the organization of their interaction.
Um desvio de olhar pode culminar em uma reconfiguração na estrutura de
participação (idem:42).
… in these data one finds not simply two turns in succession with speakership
being transferred, but rather strips of talk with separate participation structures
which are dismantled and reassembled as one unit ends and another begins.
Actions that have the ability to disrupt a framework of mutual orientation thus
provide speakers with resources for dealing with structural issues that are
intrinsic to the organization of the turn-at-walk. Attention to such phenomena
permits us to describe the social organization of talk more precisely.
Porém, há situações em que o gesto, além de não ter relevância com o que é
dito, não é interpretado pelo ouvinte como um elemento crucial para qualquer
mudança de comportamento durante um encontro social. É o caso quando um gesto é
produzido fora do foco de atenção do ouvinte. Como afirma Goodwin (idem:43),
“However not all self-grooms disrupt mutual focus; many are simply disattended
while the talk in progress continues”.
Isso sugere que o local para onde os ouvintes olham, normalmente a região
que circunda a face do falante, pode ter uma importância interativa especial. Segundo
o autor (idem:45-46): … “not all parts of the body are treated as socially equivalent.
For example, the region around a person’s face appears to act as a locus for visible
107
action that is officially relevant to others”. Além disso, esses resultados obtidos no
estudo de Goodwin provam que a interpretação dos gestos produzidos pelos sujeitos
é mutualmente construída. Isso significa afirmar que um gesto somente faz sentido se
for visualizado pelo(s) ouvinte(s), não bastando que o falante o produza para que
esse tenha valor durante uma interação. Essa observação traz a importância de se
utilizar, como se faz no trabalho em questão, um modelo analítico em que se
considere falante e ouvinte sujeitos de igual relevância para o estudo de diversos
aspectos que surjam durante um encontro social.
Esse tipo de modelo analítico também é utilizado em um trabalho conjunto
de M. H. Goodwin & C. Goodwin (1986), no qual eles realizaram um estudo sobre a
estrutura de participação em interações de busca pela palavra (word search).
Segundo os autores, nessas interações, os sujeitos utilizam uma série de técnicas
verbais e não-verbais para enquadrarem os seus interlocutores na atividade de busca
pela palavra. Uma vez nessa atividade, os participantes passam a produzir
pertubações discursivas (por exemplo, “uh”, “uhmm”, “ahnn”) enquanto pensam na
palavra que desejam encontrar. Isso nos ajuda a observar que a estrutura de
participação é reconfigurada quando o falante inicia uma busca pela palavra, pois M.
H. Goodwin & C. Goodwin demonstram que o ouvinte, na mairoia das vezes,
também se envolve nessa busca, iniciando uma atividade em coparticipação com o
falante. A esse evento, os autores chamam de posição de coparticipação
(coparticipation status), que de acordo com os autores (idem:52):
demonstrates that searching for a word is not simply a cognitive process which
occurs inside a speaker’s head but rather is a visible activity that others can not
only recognize but can indeed participate in.
Porém, não é sempre que essa coparticipação é bem sucedida. Às vezes, o
ouvinte recusa-se a participar porque está fazendo outras atividades no momento em
108
que o falante solicita a sua participação na atividade de busca. Essa solicitação,
segundo os autores (ibidem), é sempre feita por uma combinação entre olhar, gestos
e elementos paralinguísticos:
We discover first, that as activities, word searches provide organization for a
wide range of vocal and nonvocal phenomena, including both stereotypic and
nonstereotypic gestures, and second, that participants attend to such
phenomena because they are part of the currency through which appropriate
coparticipation in the activity is displayed and negotiated.
Porém, quando o interlocutor não se envolve na busca, o falante pode
desistir de entrar no novo enquadre, retomando a estrutura de participação anterior.
Há momentos, no entanto, que o ouvinte entra no enquadre de busca, mas a sua
participação pode tornar-se indesejada em algumas situações. Isso acontece quando o
falante não busca a palavra proferida pelo interlocutor. Segundo os autores, parece
que há uma preferência para o falante encontrar a palavra, pois foi ele que iniciou a
busca.
Entretanto, é interessante observar que essa situação de preferência
dificilmente ocorre na sala de aula, uma vez que o professor (quem geralmente inicia
a busca pela palavra por meio de uma pergunta de sequência IRA) sugere que o
aluno, ou seja o interlocutor, encontre a palavra. Nesse caso, quem terá a preferência
será o ouvinte e não o falante, que, de fato, já conhece a resposta.
Nota-se, portanto, nos últimos trabalhos apresentados do casal Goodwin, a
importância de se destacar os ouvintes como coparticipantes ativos nas tomadas de
decisões que trazem novas relevâncias às estruturas de participação de um evento
social. Candela (1991) vai mais além nessa observação e investiga como alunos de
uma escola primária conseguem modificar o discurso do professor por meio de
diferentes técnicas, mesmo sendo a metodologia utilizada nas aulas de cunho
altamente tradicional.
109
A autora analisou a estrutura de participação em uma aula de ciências de uma
escola primária na Cidade do México. Constatou-se que o controle do professor
sobre a dinâmica das intervenções na aula ia estabelecendo uma “estrutura do
conhecimento”, que se destacava pelo acúmulo de perguntas de sequência IRA. Com
essa estrutura de participação, o aprendizado dava-se somente por meio da
transmissão de informações, sem a necessidade de que houvesse uma interação na
qual o conhecimento não fosse somente “entregue”, mas construído em conjunto por
aprendentes e professor.
No entanto, os dados de Candela revelaram que, embora a participação dos
alunos fosse delimitada pelo discurso do professor, esse ainda propiciava uma
construção argumentativa do conhecimento ao pedir que os aprendentes vinculassem
variáveis por meio de relações de causa-efeito e buscassem provas de suas respostas
por analogia. Mesmo com uma estrutura de participação fechada, a qual não permitia
uma participação mais voluntária por parte dos alunos, o professor propiciava uma
elaboração reflexiva e aberta do conhecimento. Para Candela, a ideia de que a forma
condiciona o conteúdo, conforme postulam trabalhos mais inicias sobre estrutura de
participação (Philips 1972 e Mehan 1979), não é suficiente para explicar algumas
dinâmicas que podem aparecer durante a aula, nem a relação dos alunos com o
conhecimento escolar. Como a própria autora afirma (idem:24), “la estructura de la
interacción controlada y dirigida por el docente coexiste con una relación
constructiva de los alumnos com el conocimiento”.
Além disso, Candela observou momentos em que os aprendentes
frequentemente questionavam as explicações do professor. Esse fato impulsionava
uma reconfiguração na estrutura de participação, uma vez que o professor via-se
obrigado a alterar o seu discurso e a começar a interagir com os alunos mais
110
abertamente, ouvindo as suas indagações e construíndo, de maneira conjunta, provas
para as suas explicações por meio de analogias. Isso é, embora muito do
conhecimento adquirido pelos alunos fosse alcançado por meio de formulações de
perguntas de sequência IRA, os alunos deslocavam a interação dos terrenos de
perguntas “fictícias” (ou insinceras, como afirma Garcez (2006)) para um terreno
onde as soluções não estavam dadas. Isso nos leva a crer que por mais que a
participação seja compulsória e o ambiente de uma sala de aula altamente controlado
pelo professor, há sempre a possibilidade de se alterar as expectativas do docente,
modificando a dinâmica da interação e contribuindo, assim, para novas formas de
construção do conhecimento.
Outro exemplo interessante de se modificar a dinâmica da interação foi
estudado por Jirotka, Luff & Gilbert (1991), que analisaram como é construído o
“feedback” em interações mediadas por computador, considerando o papel de cada
interactante na colaboração para a construção das estruturas de participação.
Abandonando o discurso simplista de que falante e ouvinte são entidades comuns e
que uma conversa é constituída apenas por uma troca de turnos entre dois sujeitos, os
autores provam que, mesmo em interações mediadas por computador, há muitos
eventos semelhantes a uma interação face-a-face. Os autores (idem:282) afirmam que:
It is too simplistic to view the interaction as switching between speaker and
hearer, with one participant responsible for providing ‘feedback’ to the other. It
is also necessary to decompose the nature of the roles of speaker and hearer in
a social encounter.
Por exemplo, foram encontrados momentos em que os participantes
ratificam e endereçam interlocutores, modificam papéis, intrometem-se em uma
conversa etc, mesmo quando não estão interagindo face-a-face. Esses dados estão de
acordo com os discutidos por M. H. Goodwin (1991), em que operadores utilizam
111
várias tipos de tecnologia para monitorar conversas e atividades, sem
necessariamente estarem copresentes.
Os aspectos não-verbais também são de extrema importância em interações
desse tipo. Embora não estejam em videoconferência, os sujeitos podem visualizar
um arquivo em comum que contenha uma foto ou uma figura enquanto interagem via
mensagens de texto ou recursos de áudio. Esse foi o caso do estudo em questão, no
qual foram analisadas interações mediadas por computador em que os interactantes
participavam de um jogo virtual que exigia dos mesmos observar mapas para
elaborarem estratégias. Portanto, esse elemento não-verbal (o mapa) era de extrema
importância para que o objetivo do jogo fosse alcançado. Os participantes iam
(re)construíndo ideias e cooperando para a elaboração de ações durante as interações
virtuais. Portanto, todo esse processo era construído em conjunto, o que nos faz
lembrar do conceito de coautoria, discutido nos trabalhos já apresentados
anteriormente, como os de Candela (1991), M. H. Goodwin e C. Goodwin (1986), C.
Goodwin (1986a e 1986b) e de Mehan (1982).
Um avanço no conceito de coparticipação foi o de M. H. Goodwin (1992),
que investigou como garotas afro-americanas de um bairro de classe média-baixa da
Filadélfia utilizavam estratégias de encaixamento. Essas garotas encaixavam a fala
de alguém não presente na interação para reforçarem os seus argumentos quando
confrontavam outras meninas que supostamente teriam falado mal delas “pelas
costas”. Como já mencionado, essas estratégias sempre envolviam uma terceira parte
não presente na interação. M. Goddwin chama essa estratégia de he-said-she-said.
Trata-se de um fato contado que envolve basicamente duas interlocutoras e uma
terceira garota que é caracterizada por ter instigado o confronto entre as duas partes
presentes.
112
O he-said-she-said tem uma estrutura bem definida com três momentos:
ofensa, instigação e confronto. Vamos a um exemplo: A garota 1 ofende a garota 2
(ofensa) na presença da garota 3. Essa conta para 2 o fato ocorrido (instigação). Por
sua vez, 2 confronta 1 sobre a ofensa (confronto).
Para M. Goddwin (idem:188), é importante observar como as garotas
sugerem estruturas de participação futuras quando instigam uma interlocutora:
One of the things that instigators do is tell stories about how they treated the
absent party in the past as a way of suggesting how their current addressee
should treat that party in the future.
Um outro ponto interessante no trabalho de M. Goodwin é quando as
garotas constroem histórias hipotéticas na tentativa de antecipar confrontos. Segundo
a autora (idem:190), “the confrontation event is a spectacle that the whole street
looks forward to”. Por isso, antes mesmo do confronto ocorrer, há tentativas de se
adivinhar como as duas partes (a ofensora e a ofendida) vão atuar quando se
encontrarem. De acordo com M. Goodwin (ibidem), nesse processo de se tentar
antecipar confrontos, há uma construção de uma história em coautoria:
In dramatizing what Kerry and Barbara would say to each other, Martha and
Bea together co-construct the story, citing personal insults, actions which
among girls rarely occur in someone’s presence. Considering the importance of
recipient’s co-participation, it would appear that the view of Goffman (and
Bakhtin) that a single speaker creates theater in everyday talk through the
animation of characters needs revision to include the intricate ways in which
speakers implicate others and work together with story to elaborate scenes.
Essa habilidade de co-construir uma história traz-nos uma outra ideia de
estrutura de participação diferente daquela do he-said-she-said, quando apenas uma
das partes constrói a história para instigar um futuro confronto entre a interlocutora e
a parte não-presente. Na co-construção, há a “permissão” para as duas interactantes
113
envolverem-se, participando em conjunto como autoras e encaixando histórias sobre
possíveis eventos futuros.
Por meio desse trabalho de M. H. Goodwin, também é possível notar uma
quebra de paradigma social, no qual mulheres eram vistas como detentoras de um
discurso mais passivo e não-comprometedor (Lakoff 1990). O que vemos no trabalho
de M. Goodwin é um fênomeno bem diverso, uma vez que as garotas do bairro de
classe média-baixa de Filadélfia mostram-se como agentes ativas na construção de
eventos relevantes na comunidade em que vivem.
Estudos realizados fora da sala de aula, como os de M. H. Goodwin são de
extrema importância para observarmos como não apenas mulheres, mas também
crianças podem reconstruir a todo o momento o ambiente em sua volta, sugeridno,
assim novas maneiras de participação. Hoyle (1993) traz-nos um exemplo dessa
natureza em um estudo, em que investigou estruturas de participação durante uma
interação lúdica entre dois garotos. Nessa atividade, eles imaginavam ser narradores
esportivos enquanto jogavam ping pong, basquetebol ou jogos de computador na
casa de um deles. A autora dividiu o seu estudo em duas partes. A primeira foi
durante a narração espontânea, quando os dois garotos dividiam os papéis de
narradores e jogadores naturalmente enquanto brincavam. A segunda foi a narração
compulsória, em que a autora pede para que apenas um deles assuma o papel de
narrador e o outro, de jogador.
Seguindo as considerações de Goffman (1981), Hoyle acredita que uma
mudança de enquadre (frame) leva necessariamente a uma mudança de
posicionamento (footing) e que as alterações nesse último são em grande parte
evidenciadas pelas reconfigurações na estrutura de participação (participation
framework).
114
Na primeira parte do trabalho, quando os garotos atuavam como narradores,
eles
posicionavam-se
perante
uma
plateia
imaginária
e
endereçavam-na
constantemente, além de referirem um ao outro pelo sobrenome, como os narradores
esportivos norte-americanos fazem. Porém, quando acontecia algum imprevisto
(reclamação sobre algum evento na partida), os garotos reconfiguravam a estrutura
de participação, eliminando a plateia e voltando a considerar a cena presente (a casa
de um dos amigos). Assim, o posicionamento imaginário (o do enquadre “narração”)
é deixado de lado por um momento para se encaixar o posicionamento literal (literal
footing), em que os garotos se encontravam antes de iniciarem a brincadeira. Quando
isso ocorria, os garotos dirigiam-se um ao outro utilizando apenas o primeiro nome,
como normalmente fazem dois conhecidos.
Já na segunda parte, quando um dos garotos tinha que narrar uma partida de
basquetebol pelo computador enquanto o outro jogava, percebeu-se que a estrutura
de participação raramente era modificada. Os dois participantes mantinham-se em
seus papéis e não encaixavam o posicionamento literal, permancendo apenas no
imaginário, pois havia menos imprevistos uma vez que, considerando o fato de que
não estavam jogando um contra o outro, não precisavam discutir entre si.
É interessante observar, no trabalho de Hoyle, como a necessidade de
participar acaba por modificar a estrutura de participação de um envento de fala.
Considerando o contexto de nosso estudo (sala de aula), dificilmente teremos
situações como as descritas na segunda parte do trabalho de Hoyle, uma vez que os
aprendentes e professores, por mais compulsória que seja a participação deles,
sempre necessitam modificar a maneira de participar. Para a autora, estrutura de
participação é a relação entre falante, o ouvinte e aquilo que está sendo dito.
115
Voltando o nosso foco novamente para a sala de aula, Heras (1994) analisou
os espaços interativos e, consequentemente, a organização das estruturas de
participação em uma sala de aula bilingue. A autora defende a ideia de que espaços
interativos são construídos por membros de um grupo que interagem em um local
particular, em momentos particulares, e com configurações particulares de
participação (por exemplo: atividade em grupo, em pares, individual etc). Embora
essa definição de espaços interacionais possa estar associada à que Philips (1972)
propôs sobre estruturas de participação, Heras considera a hipótese de multiplicidade.
Por isso, espaços interativos também podem coexistir, como vários grupos
trabalhando em uma única tarefa ao mesmo tempo, ou alunos interagindo com os
seus pares e simultaneamente participando de discussões com toda a sala. Como a
própria autora (ide:295) propõe:
… analysis of the interactional patterns reflected in the Presentations Event
showed that life in this classroom was not events of classroom life within and
across a range of interactional spaces: whole class, teacher-group, studentstudent, and so forth. In these spaces, members established the social practices
that defined membership in this class. Interactional spaces coexist and support
construction of particular types of positions and positionings.
Embora os espaços interativos influenciem na organização da participação em
sala de aula, os papéis dos alunos e professores são renegociados a todo o momento.
Podemos afirmar que há “posições” (positions) em uma escola, como professor,
alunos ou coordenador, que devem ser desempenhadas em um nível institucional.
Porém, há também “posicionamentos” (positionings) que são renegociados durante a
interação, modificando os papéis que antes pertenciam a certos sujeitos. Há
momentos em que um participante toma o papel do outro durante a interação.
Segundo Heras (idem:279):
116
In the face-to-face, moment-by-moment interactions among members,
particular opportunities for participation in classroom life are made possible.
As members interact, they assume or take up particular positionings vis-à-vis
others that define what it means to be teacher or student(s) within particular set
of interactions, with a particular group of actors, for a particular purpose and
task, in a particular time and space. For example, a student may take up the role
of teacher in a peer interaction or the teacher may hand over the role of teacher
to the student. In these instances, the student acts as teacher but does not hold
the institutional position of teacher. Thus, teacher and student positioning
within a classroom are interactionally defined roles and relationships.
Essa ideia de troca de papéis, que a autora nos apresenta, está de acordo com
o conceito apresentado por Candela (1991), já discutido nesta subseção. É comum
aprendentes apropriarem-se do discurso institucional, normalmente confiado ao
professor, co-construindo, assim, o processo de reconfiguração da participação da
sala de aula.
Em Schiffrin (1994), também é possível encontrar esse fenômeno da coconstrução de elocuções. A autora analisou as estruturas de participação durante uma
conversa entre amigos, mais especificamente em momentos em que um sujeito fala
por outro. Dessa conversa, participavam quatro sujeitos: um casal (Zelda e Henry), a
vizinha que morava ao lado (Irene) e a pesquisadora. A interação acontecia em uma
mesa de jantar e os participantes conversavam sobre diversos assuntos. Porém, em
um certo instante, o tema da interação passa a ser mais relacionado à Irene que, ao
recusar uma oferta feita por Henry (um pedaço de doce), passa a ser o centro das
atenções. A razão da recusa era o fato de Irene estar de dieta. Contudo, antes de ela
mesma poder justificar a sua recusa a Henry, a sua amiga Zelda “responde por ela”,
dizendo que Irene estava de dieta e, por isso, não podia comer o doce. Nesse instante,
Zelda, segundo a autora, atua como porta-voz (Levinson 1988) de Irene e ‘usurpa’ o
seu direito de responder por si, reconfigurando a estrutura de participação. Como
Irene e Zelda eram amigas, não houve qualquer crítica por parte de Irene quanto à
117
resposta fornecida por Zelda. Porém, em outras situações “falar pelo outro” nem
sempre pode ser interpretado como uma relação amistosa.
Por isso, Schiffrin chama a atenção para o dinamismo dos papéis que os
participantes assumem em uma interação. As relações entre os sujeitos e as maneiras
com que eles participam do encontro social podem sinalizar possíveis trocas de
papéis sem que o sujeito que tem o seu direito “invadido” reclame do sujeito que
“tenha se apropriado” de sua fala. A essas trocas de papéis, a autora chama de
alinhamento de participante (participant alignment). A possibilidade, portanto, de
um sujeito falar pelo outro é situada, isto é, depende dos aspectos da interação (mais
especificamente das elocuções produzidas pelos participantes) e não somente de
elementos sociais gerais. Levando isso em conta, a autora (idem:104) define
estruturas de participação como: “a set of positions that individuals within a
perceptual range of an utterance may take in relation to that utterance”.
Outro fator importante desse momento da interação é a oferta feita por Henry.
Ao perguntar a Irene se essa queria um pedaço de doce, ele realiza um ato de ameaça
à face negativa (Brown & Levinson 1987) de Irene, obrigando-a a revelar se ela quer
ou não o doce e porque. Irene, por sua vez, ao recusar a oferta feita por Henry,
também realiza um ato de ameaça a face (dessa vez, positiva) desse sujeito, pois não
aceita aquilo que Henry pensou que ela pudesse aceitar (o pedaço de doce). Isso
prova que o dinamismo interacional sempre coloca sujeitos em disputa e renegocia
papéis, podendo levar o tema do encontro social para outros caminhos. No caso em
questão, depois de Zelda ter respondido por Irene, o assunto passou a ser “dieta”,
tópico do qual Henry não participou verbalmente, ficando sem tomar o turno da fala
durante algum tempo.
118
Segundo Schiffrin, esse fato pode estar ligado à questão de gênero. Mulheres
tradicionalmente parecem dar mais importância à forma física do que os homens.
Porém, Schiffrin (idem:116) vai além desse explicação geral e oferece uma outra
razão por Henry não participar verbalmente do tópico “dieta”
There might still be another explanation for the women’s pursuit of the “diet”
topic – one that centers on the way they display (and create) gender identities
through the structuring of participation frameworks.
Por isso, além da ideia de que “mulheres geralmente preocupam-se mais com
a forma física do que os homens”, há também a opção de uma participante em
revelar ou não isso durante a interação. Para Zelda, dizer que a amiga estava de dieta
era uma maneira de “defendê-la”, mostrando compreensão e ajudando-a a explicar o
porquê da recusa da oferta. Essa “ajuda” de Zelda torna visível uma identidade de
gênero que surge nessa interação, reorganizando, assim, o espaço interativo. Zelda,
por ser mulher, entende a recusa da amiga e “fala por ela”, atuando como sua portavoz. Há momentos, porém, em que revelar que está de dieta pode não ser tão
vantajoso. Isso tudo depende das circunstâncias da interação. É por essa razão que
tanto aspectos de ordem macro quanto de ordem micro devem ser considerados na
análise das estruturas de participação.
Outro tópico interessante que surge na conversa é a família de Irene. A
pesquisadora pergunta a ela a quem Irene recorre quando tem algum problema. Essa
responde que, dependendo da situação, pode recorrer a uma amiga. A partir desse
momento, Henry começa a fazer julgamentos sobre a resposta de Irene, endereãndo
os seus comentários à pesquisadora. Em um deles, Henry diz que Irene deveria
recorrer aos filhos, pois esses, segundo ele, são pessoas excelentes. Essa situação
mostra que Henry reconfigura a estrutura de participação, deixando o alvo de sua
119
mensagem (Irene) de plateia, enquanto endereça a pesquisadora, a intermediária da
mensagem (Levinson 1988).
Falar de um sujeito presente para outro, segundo Schiffrin, diminui a
importância do primeiro perante o restante da plateia, pois ele se torna um ouvinte
não-endereçado, sem direito de resposta.
Em sala de aula, os dois fenômenos tratados no trabalho de Schiffrin (falar
pelo outro e falar do outro, na presença desse, para uma terceira pessoa) são muito
comuns, conforme observaremos na análise de nosssos dados. Não são raras as vezes
em que aprendentes apropriam-se do discurso da professora para chamar a atenção
de um colega ou em que acusam um aluno de fazer algo errado, relatando isso para a
professora na presença de seu colega. Embora o seu estudo seja realizado em um
contexto informal entre amigos, o trabalho de Schiffrin traz-nos uma grande
colaboração para também entendermos como os sujeitos, em sala de aula,
renegociam os seus papéis em relação a uma elocução produzida por um deles
durante uma atividade em classe.
Recuperando o espaço interacional em sala de aula bilingue, já discutido em
Heras (1994), Lerner (1995) estudou como atividades instrucionais estabelecem
oportunidades de participação. A autora foca dois processos: o primeiro é a maneira
como o sistema de troca de turnos produz diferentes oportunidades de participação
quando a professora faz alguma exposição oral. Há momentos em que a professora
enfatiza uma palavra no final de seu turno para que os aprendentes possam completar
a frase que foi iniciada por ela. Como afirma a autora (idem: 115):
How a turn at talk is designed, even in terms of the placement of a single word,
can shape the sort of work accomplished in that turn and therefore the
opportunities for participation that issue from it.
120
Além disso, há também a postura corporal da professora que indica a
participação dos alunos para completar a frase. Quando ela enfatiza a última palavra
de seu turno, volta o seu corpo e foca o seu olhar para cada um dos aprendentes
como se desse a oportunidade para eles completassem a frase que já tinha sido
inciada. Essa ênfase dada a palavra e a postura corporal da mesma produz um convite
para que os sujeitos possam reconhecer que a estrutura de participação naquele
momento foi reconfigurada.
O segundo processo analisado é durante uma atividade de interpretação
escrita de uma história. A sala de aula é dividida em vários grupos, configurando-se
uma nova estrutura de participação. No momento da elaboração da resposta
produzida por um grupo de aprendentes, os participantes podem produzir sequências
discursivas capazes de moldar a maneira e as oportunidades de contribuição para
construção daquela resposta. Nas palavras da autora (idem: 119):
Answering a story question can be organized as completing a turn at talk, thus
transforming the task from answering a question into one of utterance
completion. Or it can be accomplished conjointly as one participant writing
down a sentence, while others contribute elements to its production.
Lerner conclui que a organização das atividades em sequências de ações
formula diferentes tipos de participação. Segundo ela (idem: 128):
Each course of action shapes the opportunities to participate within it. And as
participants make relevant various opportunities to participate through their
actions, they thereby organize themselves.
Propor atividades que abram uma possibilidade maior de participação para os
alunos, sem dúvida, é uma das ações fundamentais que um professor deve realizar
em sala de aula. Um trabalho que também discute esse tipo iniciativa é o de
O’Connor & Michaels (1996), que investigaram a estrutura de participação durante
121
discussões em grupo em salas de aula do primeiro ano do ensino básico. Esse tipo de
interação, na qual a professora tinha um papel menos central, proporcionava aos
alunos a oportunidade de alinharem-se em relação aos outros colegas de turma e
também ao conteúdo proposto em sala de aula, ao mesmo tempo que se socializavam
por meio de maneiras particulares de falar e de pensar. Segundo as autoras, envolver
aprendentes de nível primário nesse tipo de atividade (discussão em grupo) é uma
tarefa complexa, pois a simples construção de um cenário propício para a discussão
(carteiras dispostas em círculo, por exemplo) não garante a participação dos alunos.
Conforme afirmam O’Connor e Michaels (idem:66)
Thus we see the successful teacher as doing more than simply making
discussion available for students. The complexity of this task probably explains
the relative rarity of productive classroom discussion as a site for intellectual
socialization in elementary school; it is rare even in many secondary and
college settings.
Ainda segundo as autoras (ibidem), “the teacher engaged in this language
socialization process thus has to orchestrate and integrate both the academic content
and the participation of students simultaneously”.
Nos dados analisados, as professoras faziam uso da técnica de revozeamento
para clarificar ou reformular uma ideia exposta por um aprendente. Essa técnica
modoficava os papéis dos participantes, reconfigurando a estrutura de participação da
atividade de fala. Quando repetiam a fala dos alunos, consequentemente, as
professoras proporcionavam uma maior voz (bigger voice, nos termos das autoras)
aos mesmos, pois as ideias dos aprendentes eram proferidas pelo pariticipante que
tinha um status hierarquicamente mais elevado na interação. De acordo com
O’Connor e Michaels (idem:71)
… the teachers we have worked with, play an active role in recasting and
reformulating students’ contributions in group discussions. Richards often
refers to this kind of move as an attempt to “give a bigger voice” to a student’s
122
contribution, serving to relay the utterance, originally directed at the teacher,
back to the entire group. In the process, the utterance is necessarily transformed
(simply by virtue of coming from the teacher, who has a privileged status); in
addition, it can be uttered more succinctly, loudly, completely, or in a different
register (Halliday, 1988) or social language (Bakhtin, 1986; Wertsch, 1991).
Moreover, through revoicing, students can be repositioned with respect to each
other and with respect to the content of the ideas at hand.
Usando os termos de Goffman, a professora “anima” a fala do aluno, que é o
“responsável” pela afirmação. Esse processo de encaixamento da fala do aprendente
à fala da professora modifica o papel do mesmo na interação que, por ser citado pela
ensinante, agora é visto como um elaborador de pressupostos. Sem dúvida, isso
reconfigura a estrutura do participante (M. H. Goodwin 1990) exsitente, pois a figura
do aluno passa a ser considerada importante para o desenvolvimento daquela
atividade de fala. Ainda segundo as autoras (idem:77)
By using the participant frameworks afforded by the revoicing sequence, the
teacher places one student in relation to other students as holders of positions.
In Goffman’s terms, the teacher animates the students as figures of a particular
kind: thinkers, hypothesizers, position holders.
Outro fator interessante no trabalho de O’Connor e Michaels é a
reformulação por parte da professora das contribuições expostas pelos aprendentes
por meio da técnica de revozeamento. Quando a professora tenta entender o que um
aluno quis dizer sobre a solução de um problema que foi colocado ao grupo, ela
elabora um argumento mais coerente do que aquele que o aluno tinha exposto
anteriormente. Ao concordar com a reformulação da professora, o aprendente acaba
levando o crédito pela versão reformulada, que é melhor elaborada do que a sua. Para
as autoras, isso também reconfigura a estrutura do participante, que agora é visto
como um elaborador de uma ideia mais complexa.
Podemos resumir os dados desse trabalho de O’Connor & Michaels nos
quatro pontos citados pelas autoras (idem:95)
123
1 – The teacher’s conversation move (utterance) creates a participant
framework.
2 – The participant framework has roles and responsibilities embedded in it,
and these roles articulate with those entailed by the larger speech activity.
3 – By directing the utterance to a student, the teacher fits the student into a
role given by the participant framework.
4 – By taking part in the participant framework embedded in the larger speech
activity, the student may incrementally gain access to the discourse practices
that are a vehicle for complex thinking and problem solving in groups.
Por meio da análise desse estudo, podemos compreender melhor as relações
entre as técnicas de revozeamento e as configurações de estruturas do participante.
As autoras focam a análise do trabalho no comportamento verbal dos sujeitos para
explicarem como o discurso dos aprendentes é encaixado no discurso da professora,
que o reelabora, tornando-o mais complexo. Dessa maneira, o aluno ganha um
crédito maior pela sua participação verbal, não somente por suas palavras terem sido
proferidas pela participante hierarquicamente mais importante, mas também por ter
sido reformulado de maneira mais clara e convincente.
Contudo, não devemos esquecer que o comportamento não-verbal também é
de importância fundamental para trazer novas relevâncias à participação dos sujeitos
em uma interação. Seguindo essa ideia, Duranti (1997) relata um estudo seu sobre os
rituais de saudação durante reuniões entre membros de uma tribo de nativos de
Samoa. Os resultados mostraram como a interpretação das palavras usadas nas
saudações são dependentes do desdobramento
dos movimentos corporais dos
participantes no local durante e após a chegada dos convidados às reuniões. Como
afirma Duranti (idem:323):
The audio visual data demonstrate that words used in the greetings are part of a
sequence of acts which include bodily movements and cannot be fully
understood without the reference to such movements.
124
O autor explica que a estrutura de participação no ritual de saudação em tais
encontros é verbalmente simples. O convidado espera que o anfitrião faça a saudação
e, em seguida, o primeiro responde a saudação. Porém, se analisarmos as posições e
os moviementos corporais dos suejtos durante este encontro social, chegaremos a
conclusão de que a estrutura de participação do ritual de saudação nessas reuniões é
bem complexa.
Para se entender melhor o estudo de Duranti, é necessário descrevermos
como são os inícios de cada reunião nessa tribo. Primeiro, quando um convidado
chega, ele se senta junto à porta da casa onde acontece a reunião. Essa casa pode ter a
forma oval ou retangular. Em um dos cantos desse local, estão chefes de tribo e, no
fundo, de frente para o convidado, estão os oradores. Contudo, cada participante
pode escolher ou ser convidado a ocupar uma posição distinta dependendo do tipo de
evento que estiver ocorrendo dentro da casa. Quando um chefe de tribo é o
convidado, por exemplo, o chefe anfitrião pode pedir para que ele se sente em um
dos cantos da casa e não na frente, junto à porta, onde se sentam os convidados
comuns. No entanto, o chefe convidado pode resistir a essa “gentileza”, e um bom
motivo para isso pode não estar associado a um ato de polidez ou de humildade por
parte do convidado. Uma posição mais privilegiada nessas reuniões não tem apenas
implicações sociais, mas também político-econômicas (quem se senta em um dos
lados da casa tem a obrigação de trazer oferendas de maior valor).
Estratégias como essa de recusa podem fazer com que os sujeitos
renegociem os seus papéis e suas condições de participação durante interações.
Porém, segundo Duranti (idem:330), esses eventos particulares não são exclusivos ao
tipo de encontro social por ele analisado:
125
The interplay of verbal, corporeal, and visual resources found in the Samoan
greetings should not be seen as unique, but as quite ordinary in any social
encounters where participants have access to both aural and visual information.
A importância de se analisar os movimentos corporais e aspectos nãoverbais ao se estudar estruturas de participação, como já mencionou C. Goodwin
(1981) é de central importância. Quando focamos a participação como nosso objeto
de estudo, o discurso torna-se, segundo Duranti (idem:329), “only one of the
semiotic resources used by social actors and leads us to take more seriously into
consideration the material resources and the visual information available in any
social encounter”.
Além disso, Duranti indica, em seu estudo, que há, no espaço interativo,
uma possibilidade de resistência às regras sociais, podendo quebrar as expectativas e
alterar formas de participação tradicionalmente aceitas. Ao recusar sentar-se em um
determinado local, o chefe convidado renegocia o que lhe é socialmente imposto e
reelabora o esquema da interação, colaborando, assim, para uma reconfiguração na
estrutura de participação.
Outro trabalho que também explora esse fenômeno, porém agora voltado para
o comportamento verbal, é o de Candela (1999), que, a exemplo de seu trabalho
anterior já discutido nesta subseção (Candela 1991), estudou a influência exercida
pelo discurso dos alunos em uma sala de aula primária também localizada na Cidade
do México. Constatou-se que os aprendentes apropriam-se de certas técnicas para
subverter as regras de troca de turnos impostas pelo professor, mais especificamente
por meio de seu discurso, caracterizado majoritariamente por perguntas de sequência
IRA. No momento em que o professor fazia uma pergunta, muitas vezes os
aprendentes não respondiam o esperado, por isso, o professor era obrigado a
reexplicar o seu ponto de vista, justicando a sua opinião para convencer os alunos de
126
que o seu raciocínio era o correto. Essa era uma forma que os aprendentes utilizavam
para contestar o poder institucional do professor e, assim, participarem mais
ativamente do processo de construção do conhecimento.
Segundo Candela, embora as hierarquias criadas e reforçadas por normas
sociais e padrões institucionais fossem claras na sala de aula observada, por meio do
método microanalítico era possível notar que os alunos competiam com o professor
por papéis de liderança durante uma interação verbal. Essa competitividade fazia
com que a estrutura de participação tradicional fosse quebrada, transformando-se em
uma outra, na qual os aprendentes tivessem um papel mais definitivo nas tomadas de
decisões e na organização de tomada de turnos.
Nesse estudo de Candela, observamos que a estrutura de organização de
turnos imposta pelo discurso do professor, como as perguntas de sequência IRA, não
é determinante para a definição da estrutura de participação de uma sala de aula. Por
isso, nenhum tipo de discurso, por mais altamente hierárquico que seja, tem o poder
de moldar a forma com que os sujeitos participam de uma interação. Conforme
afirma a autora (idem:151):
Therefore, even in IRE exchanges where the teacher is in the position of being
the questioner and the evaluator, one cannot be sure that the children’s ideas
will be inhibited, and that the teacher is in control of children’s knowledge.
Contudo, não podemos afirmar que não exista uma assimetria de poder dentro
da sala de aula. Porém, nos dizeres de Candela (idem:158):
…this asymmetry is continuously being negotiated, reinforced, manipulated or
even inverted rather than merely being imposed or denied. Even when the
teacher guides the classroom discourse the children are not subordinated to
him/her. I have assumed that power is not only coercion, but is rather the
competence to make other participants accept one’s own version and to orient
the discourse dynamics.
127
Os trabalhos de Duranti (1997) e esse de Candela indubitavelmente
questionam o determinismo social e psicológico, que não deixa espaço para as
escolhas humanas, impossibilitando, assim, uma análise que considere a
improvisação e a quebra de regras, que são tão decisivas (ou até mais decisivas)
quanto os valores socioculturais e institucionais presentes em uma comunidade.
Outro autor que segue essa mesma linha é Rae (2001), que estudou a
estrutura de participação durante sessões de atendimento em uma central de apoio
técnico e informático de uma universidade. Segundo o autor (idem:255), a ideia de
estrutura de participação segundo Goffman (1981), conforme já discutida na
subseção 3.1.2, “underemphasizes the importance of action; the design of conduct in
the light of, or to address or change, the relevancies and opportunities of the
moment”. Ou seja, Rae critica a visão sistêmica de estrutura de participação de
Goffman, que afasta o foco analítico do sujeito. Conforme ele postula (idem:273):
“The issue that I want to highlight is that construing participation frameworks as
systems seems to move the analytical focus away from participants’ ongoing
interpretive work and onto autonomous structures.”
No estudo em questão, Rae investiga interações entre dois sujeitos (professor
ou aluno e técnico de informática). O autor focou sua análise em dois momentos: a)
quando o técnico, durante o atendimento, fazia ligações para tirar alguma dúvida
com um colega seu e; b) quando o técnico, durante o atendimento, recebia ligações
de algum outro colega.
No primeiro momento, observou-se que o técnico sinalizava ao usuário a
necessidade de interromper a conversa para fazer uma ligação a um colega seu. Essa
sinalização era feita de duas formas: por meio de elementos verbais (um pedido ou
um aviso) e/ou não-verbais (movendo a cabeça ou o corpo todo para o lado do
128
aparelho). Isso provocava uma reconfiguração na estrutura de participação, uma vez
que após a sinalização e posterior interrupção da conversa, a simples copresença
física não garantia mais a interação entre usuário e técnico. Como consequência, os
seus corpos ficavam fisicamente mais distantes enquanto o técnico mantinha a
conversa com a terceira pessoa ao telefone. O autor enfatiza a importância de
considerarmos a postura corporal e social dos participantes em relação aos objetos
presentes no cenário, como também o significado das ações desses sujeitos em
relação ao contexto em que estão. Com base nessa visão, segundo Rae (idem:271),
“…what is available to the user is not merely a change in the advisor’s spatial
position, or his glancing toward the phone, but this initiation of a recognizable action
trajectory with its implications for the user’s participation”.
No segundo momento, observou-se que ao receber uma ligação no momento
da conversa, o toque do telefone chama a atenção dos participantes, provocando
também uma reorganização do espaço interativo. Mais uma vez, os seus corpos
distanciam-se e o técnico, que estava orientando o usuário por meio de algumas
anotações em uma folha que estava sobre a sua mesa, passa a encostar na cadeira e a
olhar para a tela do computador enquanto fala ao telefone com uma terceira pessoa. É
importante considerarmos que não é o simples fato de um ou outro evento (no caso, o
toque telefone) acontecer durante a conversa que a estrutura de participação foi
reconfigurada, mas como afirma o autor (idem:273), que agora concorda com a
proposta de Goffman (1981):
On the other hand, Goffman’s proposal that an utterance “opens up an array
of … possibilities” gets it right. In Extract 11, for example, the ringing phone
does not, in itself, change the participation framework, but rather sets up new
relevances to which participants may respond.
129
É, portanto, o valor social que os participantes dão a um objeto ou evento que
pode alterar de alguma forma o posicionamento desses sujeitos durante um encontro
social e, consequentemente, influenciar em suas ações. Na opinião do autor, a
simples posição espacial dos objetos parece não ser suficiente para que participantes
reestruturem as suas ações. Ainda segundo Rae (idem:271):
I am concerned with the visible relationship of a participant to a material object.
I consider this a social relationship and not, for example, a spatial relationship,
since it is not so much the spatial position of the object as it is the object’s
position in a recognizable course of action that seems to be relevant here
O que importa, portanto, é a decisão dos participantes em considerar ou não
relevante um objeto ou evento que, de alguma forma, passa a ocupar o espaço
interativo durante um encotro entre dois ou mais participantes.
Voltando ao contexto de ensino/aprendizagem, Kasper (2004) estudou as
estruturas de participação durante uma atividade de conversação para o aprendizado
de alemão. Nessa atividade, havia dois participantes: uma professora falante nativa
da língua alvo e uma aprendente do nível iniciante matriculada em um curso de
língua alemã em uma universidade norte-americana. A autora notou que, em
diferentes momentos da conversação, os papéis das interactantes eram renegociados
e, por vezes, trocados. A discussão inicia-se na língua alvo com a professora fazendo
uma série de perguntas à aprendente para iniciar a interação (“como você está?” “o
que você fez no fim de semana?” etc). Porém, em um certo momento, a aprendente
começa a tomar o turno para fazer perguntas à professora, que acaba por respondêlas, ratificando a aluna como sua interlocutora. Confiante, a aluna passa a ser o
sujeito que faz perguntas, propondo novos temas e, assim, assumindo o controle da
interação. Conforme Kasper observa, essa atividade se assemelha mais a uma
conversa real entre duas amigas do que a um evento de aprendizado de língua
130
estrangeira, pois dificilmente uma aluna teria a possibilidade de reconfigurar a
estrutura de participação da mesma forma em uma sala de aula.
No entanto, considerando o fato de que os papéis são elementos dinâmicos
durante um encontro social, logo a professora recupera o seu posicionamento original
e corrige a aluna em algumas oportunidades, depois que essa produz algumas
sentenças com erro de estrutura linguística. Em outros momentos, a própria aluna
inicia um turno de auto-reparo linguístico, quando essa nota que disse algo
gramaticalmente inadequado. Porém, Kasper observa que a aprendente realiza esse
movimento em inglês (a sua língua materna). A mudança de código parace ter um
papel fundamental para a reconfiguração da estrutura de participação nesse caso, pois
ao produzir uma elocução em inglês, a aprendente volta a se apresentar como aluna,
permitindo que a professora também volte a exercer o seu papel original,
completando a correção iniciada pela aprendente.
Contudo, mesmo depois de produzir uma elocução em inglês, a aprendente
sempre voltava a falar em alemão, continuando o tema proposto por ela dois ou três
turnos atrás. Os papéis, portanto, são mais uma vez renegociados e o espaço
interativo reorganizado, pois as duas participantes passam a conversar com duas
amigas, deixando de lado os papéis de aluna e professora, que poderão ser
recuperados a qualquer momento por uma das duas interactantes.
A exemplo de Rae (2001), Kasper mostra, em seu estudo, que o
posicionamento de cada participante não é uma categoria analítica imposta, mas sim
uma decisão em conjunto desses por meio de suas orientações durante a interação.
Esse é um ponto muito importante no trabalho da autora, que também será
considerado por nós na parte destinada à interpretação dos dados deste estudo.
Embora estejamos trabalhando com uma análise em sala de aula (diferentemente de
131
Kasper), não devemos esquecer que os sujeitos podem momentaneamente
transplantar um contexto de fora para dentro do universo interativo em que estão para,
assim, criar categorias de participação similares àquelas que encontraríamos em
eventos de fala mais espontâneos (como uma conversa entre amigos, por exemplo).
Outro trabalho que analisa a interação entre dois sujeitos (no caso, professor e
aluno) é o de Young & Miller (2004), que estudam a estrutura de participação em
sessões de orientação voltadas ao desenvolvimento da habilidade escrita da língua
inglesa. Os sujeitos que participam dessas seções são um estudante vietnamita
matriculado em uma universidade norte-americana e uma instrutora dessa mesma
instituição. As autoras observaram a organização sequencial dos atos que eram
regularmente produzidos pelos participantes, tais como: a maneira de sinalizar
abertura ou fechamento de um assunto, como os papéis (instrutora e aluno) eram
renegociados os papéis e como, por conta desses elementos, as estruturas de
participação eram reconfiguradas.
As sessões de orientação observadas foram quatro, no total. Durante o
primeiro encontro, observou-se que a participação do aluno era limitada, pois o
mesmo apenas reescrevia os trechos sugeridos pela instrutora e produzia elocuções
breves (do tipo “uhum”) apenas confirmando que estava seguindo o que a mesma
dizia. Porém, a partir do segundo encontro em diante, o aprendente começou a
desempenhar um papel mais ativo a medida que identificava os problemas em seu
texto com uma certa autonomia, fornecia sugestões para a resolução dos problemas e
escrevia as reviões sem esperar pela ordem da instrutora. Além disso, o
gerenciamento de turnos dos participantes mudou com a instrutora utilizando a
estratégia de busca pela palavra (M. H. Goodwin & C. Goodwin 1986), possibilando
que uma participação verbal mais frequente por parte do aprendente.
132
O comportamento não-verbal também indicou mudanças. Por exemplo após a
primeira reunião, o aluno demonstrou uma maior emancipação no processo de
revisão quando puxava o texto para sua direção para poder reescrever um trecho sem
esperar por um ato diretivo da instrutora. Young & Miller concluem que o
aprendente renegociou a sua maneira de participar durante os encontros, partindo de
uma participação periférica para outra mais completa, manifestando, assim, poder de
decisão e contribuições para o próprio processo de construção conjunta do
conhecimento.
Não podemos esquecer, no entanto, que, em uma interação com apenas dois
sujeitos, a possibilidade de emancipação do aprendente, considerando que o
professor colabore para isso, é muito maior. Não há a exposição do aluno em meio a
uma sala de aula com diversos colegas que o podem inibir de participar mais
ativiamente. Contudo, devemos admitir que há situações em que essa exposição não
parece ser um fator tão decisivo. Há estudos que já demonstraram isso (Candela 1991,
Heras 1994 e Candela 1999).
Outros dois exemplo também são relatados em Candela (2005) e em Rampton
(2006). No primeiro caso, a autora, novamente trabalhando com escolas primárias
localizadas na Cidade do México, investigou a participação discursiva de alunos de
duas salas de aula. Nesse estudo, foi observado como as ações verbais dos
aprendentes construíam, às vezes juntamente com as ações verbais do professor, o
discurso normativo dentro da sala de aula, definindo a estrutura de participação
social (Erickson & Shultz 1981) daquela interação. Segundo a autora, o discurso
normativo é aquele utilizado geralmente pelos professores para organizar e conduzir
as atividades acadêmicas e a maneira como os alunos devem participar na sala de
aula. No contexto em questão, os aprendentes frequentemente “usurpavam” esse
133
discurso, institucionalmente atribuído ao professor, para coordenarem atividades em
grupo das quais o professor não participava. No entanto, quando o professor
participava da atividade com os alunos, esses construíam juntamente com ele o
discurso normativo, lembrando todos os participantes do grupo (incluindo o
professor) das regras de conduta e de como proceder para realizar a atividade com o
grupo.
Por meio desses resultados, podemos admitir que os papéis dos sujeitos em
uma sala de aula são dinâmicos e renegociados a todo o momento durante a interação.
De acordo com Candela (idem: 323):
Although hierarchies are created and enforced by social norms and institutional
status, microanalysis shows that individuals do contest power and compete for
leadership roles in every verbal interaction (Diamond, 1996, p.11). In the same
sense it can be said that institutional practices in schools have some almost
fixed features associated with the social functions of the institution and others
that can be reconstructed in the day-to-day discursive interactions between
teachers and students in the classroom.
Outra conclusão a qual podemos chegar, analisando o trabalho de Candela, é
a de que o conceito de autoria (aquele discutido por Goffman (1981a)) é um processo
de colaboração entre diferentes sujeitos para a construção de uma fala. Isso significa
afirmar que, embora os participantes em uma sala de aula tenham papéis sociais bem
definidos, não há um tipo de ato de fala que pertença a apenas um deles, uma vez que
esses papéis podem renegociados ao tempo todo durante um encontro social.
Conforme afirma a autora (idem: 325):
Authorship is understood as a collective responsibility for the shape and
content of messages that shifts from individual speakers to particular types of
participants’ frameworks. In this form, messages are collaboratively
constructed and interpreted (Duranti, 1997, p.314). This distributed
responsibility of discourse production addresses the concept of co-authorship
(Duranti & Brenneis, 1986) as a widespread phenomenon.
134
Contudo, a autora (idem: 333) chama atenção para o fato de que esses
resultados somente são possíveis quando os professores permitem que os aprendentes
possam atuar como colaboradores na construção do conhecimento.
This kind of students’ participation in co-authoring institutional practices and
usurping normative genres in a normal and traditional classroom is only
possible when teachers share with students a cultural attitude of interest in the
performance of academic tasks, asking them for their full participation in
classroom activities.
A exemplo do trabalho de Rae (2001), anteriormente apresentado nesta
subseção, a participação verbal dos alunos parecem, a exemplo dos outros eventos
em uma interação, trazerem novas relevâncias para a alteração das formas de
participação, pois atuam na construção do discurso juntamente com a fala do
professor. Porém, não parece ser apenas a fala dos aprendentes em si que provoca
essa alteração, mas a atitude dos professores (e dos alunos) em considerarem essas
falas como eventos importantes que mereçam atenção. Em uma sala de aula em que
isso não ocorre, segundo Candela, a configuração da estrutura de participação social
por meio do discurso construído de maneira conjunta seria um dado mais difícil, ou
quase impossível, de ser observado.
Rampton (2006) também relata dados semelantes ao de Candela. O autor
observou o discurso em sala de aula de uma escola pública localizada em uma área
central de Londres. A maior parte das interações entre professor e alunos dava-se por
meio de perguntas de sequência IRA, o que indicava, a priori, o aparecimento de
uma estrutura de participação mais assimétrica, com o professor tendo sempre o
direito de fazer perguntas “insinceras”.
Porém, o que se obervou, foi uma subsversão, por parte dos alunos, a esse
tipo de estrutura de participação, a qual foi classificada pelo autor de participação
“exuberante”.
Os
aprendentes,
frequentemente,
inseriam-se
nos
espaços
135
tradiconalmente reservados ao professor, fazendo perguntas, chamando a atenção de
outros colegas ou, até mesmo, encaixando versos de canções em suas falas durante as
aulas. Essas ações provocavam um desvio à norma imposta pelo sistema educacional
tradicional, promovendo uma troca de papéis e uma reapropriação do discurso
institucional.
Esse
tipo
de
participação
causava,
consequentemente,
uma
reconfiguração na estrutura de participação.
É importante mencionar, no entanto, que situações como as apresentadas por
Candela (2005) e Rampton (2006), não acontecem somente em sala de aula. Em
relações familiares, por exemplo, também há uma co-construção de práticas
institucionais que redefinem papéis. Isso também causa uma reconfiguração nas
estutruturas de participação, mesmo considerando que, em uma interação entre
sujeitos membros de uma mesma família, a relação entre eles é assimétrica, sempre
envolvendo atos de controle.
É o que relata M. H. Goodwin (2006), que investigou interações em que pais
e filhos negociavam disputas resultantes de atos de fala diretivos. Segundo a autora,
o uso de diretivos por parte dos pais indica uma relação de assimetria em relação aos
filhos, que devem obedecer a ordem exposta sem questionamento. Porém, há
também formas de mitigação que minimizam o grau de coercitividade, como o tom
de voz, apelidos afetivos, risadas, interações não-verbais como beijos e massagem
nos ombros etc. Para M. H. Goodwin, negociações envolvendo atos de controle são
centrais para a organização da vida familiar, pois sinalizam uma série de padrões
sequenciais resultantes de vários fatores. Entre eles, a autora cita o tipo de diretivo
utilizado, a causa para o uso do mesmo, os movimentos causados pelo seu uso, a
formação da face dos participantes e os seus posicionamentos (footings), as suas
posturas ou os seus alinhamentos afetivos.
136
Os padrões sequenciais formados com base nesses fatores estabelecem o tipo
de interação que os interlocutores mantêm face a face, configurando, assim, uma
estrutura de participação. Portanto, por meio de sequências de atos diretivos durante
interações familiares, pais e filhos podem alinhar os seus corpos e as suas falas ao
evento em questão, ou, alernativamente, demonstrar ou falta de alinhamento,
desengajamento, ou protesto mediante diferentes maneiras de posicionar os seus
corpos e a sequência de suas falas.
Um exemplo que M. H. Goodwin relata no trabalho em questão é uma
sequência diretiva em que a mãe convoca as suas duas filhas para uma ação
(prepararem-se para sair). Depois de produzir o enunciado: “Vamos meninas, as suas
roupas já estão passadas”, as duas filhas continuam a brincar em frente ao
computador e respondem: “Temos que esperar”. Após a resposta, a mãe desliga o
monitor do computador e exige que as filhas se alinhem a ela, olhando em seus olhos.
Com esse movimento, a mãe configura a estrutura de participação desejada para
então produzir os diretivos: “Vamos! Escovem dos dentes, vistam-se, vamos!”. Esse
tipo de ação realizada pela mãe sinaliza que não há negociação e que as suas filhas
devem seguir as suas ordens.
Porém, não é sempre que isso ocorre. Mesmo havendo uma assimetria
socialmente construída entre pais e filhos, há momentos que esses últimos insistem
em negociar o ato diretivo produzido pelos primeiros. A autora chama esse
movimento de “bargaining”. Durante o bargaining, os pais também insistem em suas
ordens, produzindo o mesmo ato diretivo várias vezes. Esse fenômeno é denominado
“recycled sequences”. Durante essas situações, em que há uma resistência por parte
dos filhos em acatarem as ordens dos pais expressas pelos atos diretivos, é comum os
participantes não estarem alinhados. Esse fato talvez facilite o não cumprimento da
137
ordem, segundo M. H. Goodwin. Uma vez que não há um alinhamento (pais e filhos
estão distantes ou em cômodos diferentes da casa), há uma certa propensão por parte
dos filhos para negociar o ato diretivo, especialmente porque os sujeitos não têm uma
face formada (não estão frente a frente) e, portanto, a imagem do participante que
socialmente tem mais poder (no caso, o pai ou a mãe) não está fisicamente presente.
É o que ocorre em mais um dos exemplos do estudo de M. H. Goodwin, em
que o pai tenta várias vezes, sem sucesso, levar os seus filhos à mesa de jantar,
produzindo atos diretivos “Vamos comer, o jantar está na mesa!”. Porém, as crianças
continuam brincando e correndo pela casa, o que impossibilita um contato frente a
frente entre o pai e os filhos. Esses, por sua vez, resistem à ordem, o que causa um
jogo entre bargaining e recycled sequences até que o pai desiste e senta exausto na
poltrona da sala. Nesse exemplo relatado pela autora, há uma inversão de papéis. O
pai, que socialmente teria o direito de fazer com que a sua ordem fosse acatada, fica
silenciado, enquanto os filhos impõem a vontade deles por meio da técnica de
resitência (bargaining).
Nesse caso, a estrutura de participação foi mantida e o pai não conseguiu
reconfigurá-la a seu favor, o que impossibilitou que o seu ato diretivo tivesse o efeito
desejado. Por essa razão, M. H. Goodwin afirma que um ato diretivo não ocorre
isoladamente, mas sim juntamente com várias repetições até que seja acatado (ou
não). Segundo a autora (idem:524): “Following a request, when a refusal occurs, a
recycling of positions can occur with opposing sides arguing their respective points
of view”.
Recycling sequences e bargaining também ocorrem em sala de aula, porém
de uma maneira distinta. Uma vez que não há a possibilidade de professores e alunos
estarem em cômodos diferentes, a formação de face é uma exigência nesse tipo de
138
encontro social. Contudo, há outras formas de se renegociar papéis e de subverter
ordens, reconfigurando a estrutura de participação, como nos casos já relatados por
Rampton (2006), Candela (2005, 1999 e 1991) e Heras (1994). No trabalho de BjörkWillén (2008), podemos encotrar mais alguns exemplos nesse mesmo sentido.
A autora estudou a maneira de crianças em idade pré-escolar participarem de
atividades em uma escola com um sistema multilingue de ensino (sueco, inglês e
espanhol). Ela observou duas atividades dentre as várias que são constantemente
propostas pelas professoras durante o período escolar diário: a hora da rodinha
(sharing time) e o grupo de espanhol. Por meio da análise dos dados referentes à
atividade da rodinha, foi possível detectar momentos em que as instruções de
conteúdo linguístico (mais precisamente sobre língua espanhola), fornecidas pela
professora de sueco, passavam por um trabalho de reparo iniciado frequentemente
pelas crianças. A professora em questão, por sua vez, recorria à sua colega (a
professora de espanhol), que também participava da atividade, para recuperar o
controle da interação. Chamamos atenção para o fato de que, nesse estudo de BjörkWillén, também há registro de apropriação do papel institucionalmente conferido ao
professor por parte dos alunos.
Outro elemento que merece atenção no trabalho da autora é o fato de algumas
rotinas de participação serem quebradas pela professora de espanhol durante a
atividade de grupo em língua espanhola. A professora, que sempre costumava
fornecer um feedback positivo caso os alunos respondessem corretamente a uma de
suas perguntas, em um certo momento, começou a não ratificar os aprendentes que
respondiam às suas perguntas de forma correta. Isso provocou uma mudança de
estrutura de participação, fazendo com que as crianças respondessem às perguntas
em outras línguas (sueco, inglês ou francês) na tentativa de obterem o tão esperado
139
feedback positivo da professora. Nesse caso, é importante explicitarmos que uma
mudança de código também pode provocar uma reorganização no espaço interativo,
desviando o foco da interação e enquadrando os participantes em atividades com
objetivos diferentes dos que estavam previamente definidos.
Podemos mencionar que, em nossos dados, isso também ocorre, uma vez que
há duas línguas em jogo (o português e o cantonês), o que proporciona a
possibilidade de mudanças de código quando um aluno não entende uma pergunta
feita pela professora ou quando essa quer reforçar uma regra ou chamar a atenção
dos aprendentes. Mesmo que o português esteja sendo utilizado pelos participantes
durante a aula, essas ações anteriormente mencionadas são geralmente realizadas em
cantonês, a língua materna da professora e dos aprendentes.
Expomos, nesta subseção, uma revisão de alguns trabalhos que utilizaram o
conceito de estrutura de participação como foco de análise. Esses trabalhos, como já
mencionado, são de extrema importância para a interpretação de nossos dados, uma
vez que trazem visões complementares sobre o conceito e propõem discussões
relevantes acerca dos elementos propulsores para o aparecimeto do fenômeno em
questão: as reconfigurações das estruturas de participação. Na próxima subseção,
discutiremos mais alguns trabalhos, porém, dessa vez, publicados em língua
portuguesa. A nossa intenção é de alertar para a importância de se realizar mais
estudos que enfoquem o conceito de estrutura de participação em contextos mais
diversificados de interação em língua portuguesa.
140
3.2.2 - Trabalhos publicados em língua portuguesa
Nesta subseção, apresentaremos alguns trabalhos publicados em língua
portuguesa que utilizaram o conceito de estrutura de participação. O objetivo dessa
breve descrição é o de revelar a importância que tem tido esse conceito para a
comunidade acadêmica lusófona e o de tecer algumas considerações sobre a
necessidade de ampliação e de descentralização da publicação de trabalhos dessa
natureza no referido idioma.
Iniciamos por Bortoni & Lopes (1991), que investigaram as estruturas de
participação em duas aulas de quinto ano do grau primário em escolas da rede
pública de Brasília. As autoras focalizaram os modos de ouvir dos alunos, baseandose na ideia de organização conjunta da atenção dos participantes da atividade de
ensino. Os dados foram coletados em duas escolas de Brasília, uma localizada em um
bairro de classe baixa e outra, em uma residencial de classe média e alta. Um dos
fatos que chamou mais a atenção das autoras foi a dificuldade que tinha os
professores, das duas salas de aulas observadas, em se ratificarem como falantes
primários (aqueles que têm direito ao turno e centralizam o piso conversacional).
Segundo Bortoni & Lopes (idem:40),
Esta questão torna-se especialmente grave se considerarmos que, nossa
tradição escolar, as atividades são centradas no professor e a configuração
espacial nas salas bastante estática: o professor ocupando a mesa e o espaço
entre o quadro negro e as fileiras de carteiras, onde se acomodam os alunos.
A dificuldade do professor em manter o turno da fala ocorria em razão das
frequentes conversas ou outras atividades paralelas em que os alunos se inseriam
141
enquanto os professores tentavam engajar os aprendentes em apenas um único piso
conversacional (com apenas o professor falando e os alunos ouvindo atentamente e
participando verbalmente quando necessário). Segundo as autoras (idem:42), uma
possível explicação para tal acontecimento dá-se pelo fato de que:
Mudanças sociais que vêm ocorrendo na sociedade em geral nas últimas
décadas, resultantes em grande parte do processo de urbanização e da difusão
da mídia, parecem ter contribuido para a ruptura das normas vigentes no
sistema escolar tradicional herdado dos jesuítas, as quais definimam com
precisão os papéis sociais dos participantes. O que estamos persenciando é um
processo transitório, em que se perderam as normas tradicionais e ainda não se
consolidou uma realocação de dirreitos e obrigações entre professores e alunos.
Contudo, não são apenas aspectos de origem macro que se inserem no
processo interativo e causam mudanças de ordem social na sala de aula. Bortoni &
Lopes indetificaram que os materiais e as estratégias utilizadas pelo professores
durante as aulas, nas duas escolas observadas, provocam efeitos na organização da
atenção por parte dos alunos. Por exemplo, uso abusivo de textos didáticos que
servem como “guia” ou “roteiro” para as aulas podem ser nocivos para a organização
da atenção. Isso ocorre, de acordo com as autoras (idem:56), em razão de ser “mais
fácil e natural para os alunos interagirem oralmente com um interlocutor fisicamente
presente e ativo”, o que não acontece quando a aula é centrada apenas em textos
escritos. Nesse tipo de aula, é possível identificar atividades em que o autor do livro
é o falante primário ausente e o aluno, atuando apenas como o seu porta-voz
(Lenvinson 1988), tendo que, na maioria das vezes, repetir aquilo que o autor propõe
ao responder perguntas referentes ao texto.
Por isso, é necessário que o professor sempre oriente a leitura, convidando os
alunos a participarem das discussões antes, durante e depois da leitura dos textos,
para que possam, assim, participarem como colaboradores de seu próprio
aprendizado. Dessa maneira, estabelece-se um processo de coautoria (Goffman 1981),
142
com o autor do texto, professor e alunos participando de maneira conjunta na
construção do conhecimento.
Porém, para que isso seja bem sucedido, é necessário marcar bem as
mudanças na maneira de se participar. Os alunos devem saber identificar a transição
de uma estrutura de participação para outra (hora de leitra x hora da discussão). Por
isso, cabe aos professores utlizarem estratégias para que a reorganização do espaço
interativo seja bem sucedida. Nas duas salas de aula observadas, as autoras
concluíram que em uma delas, a escola localizada na área residencial de classe média
e alta, a professora utilizava, de maneira satisfatória, estratégias de contextualização
antes de iniciar a leitura do texto (o que não ocorria na escola localizada no bairro de
classe baixa). Por essa razão, embora nas duas escolas os professores encontravam
dificuldades em manter um piso conversacional único e centrado na figura do
ensinante, os alunos da escola localizada na área nobre da cidade conseguiam
identificar melhor as reconfigurações na estrutura de participação, fato esse que
proporcionava, segundo as autoras, a possibilidade de organização conjunta da
atenção em benefício da aprendizagem.
No estudo de Bortoni & Lopes, notamos a importância de alinharmos os
participantes em certas atividades para que esses possam identificar passagens de
uma estrutura de participação para outra. Porém, há casos em que um dos
participantes pode não querer se alinhar, recusando participar do encontro social.
Esse fenômeno é analisado no estudo de Quental (1991) que, com base no modelo de
Goffman (1981) para a análise das estruturas de participação, focalizou o
comportamento de um paciente durante uma seção terapêutica.
O paciente em questão (Bartolomeu) era o único do grupo (de três pacientes)
que recusava o tratamento, ficando em silêncio a maior parte do tempo enquanto
143
duas terapeutas tentavam trazê-lo para a interação, ratificando-o como interlocutor
várias vezes e cobrando uma reação verbal por parte do mesmo. Contudo,
Bartolomeu equivava-se de seu compromisso em participar da seção, redefinindo,
assim, o seu papel e não se ratificando como participante, fazendo com que a
estrutura de participação fosse constantemente reconfigurada pelas terapeutas na
tentativa de introduzi-lo na interação.
Em um certo momento, as terapeutas começam a confrontar o paciente por
meio de interpretações que essas fazem sobre o seu comportamento, mencionando
que era necessária a sua participação para que o seu tratamento fosse bem sucedido.
Em instantes como esse, as outras duas pacientes que também estavam na seção,
participavam como ouvintes não-endereçadas, perdendo o papel de potenciais
colaboradoras para a terapia de gupo e as terapeutas, como controladoras da
interação, colocando Bartolomeu em uma posição inferior, por estar sendo
confrontado. Configura-se, portanto, uma posição de assimetria, contrária à filosofia
do pacto terapêutico, que é a de um alinhamento em comum (simétrico) em relação a
algo (no caso, aos objetivos da terapia). De acordo com a autora (idem:108, ênfase e
parêntese no original):
De um lado temos um alinhamento paralelo das terapeutas e do paciente, que
pode-se considerar a posição básica, expliicita (overt) que define a relação
terapêutica… De outro, temos uma posição secundária, encoberta (covert) do
paciente, contrária à primeira, à qual corresponde uma posição de confronto
das terapeutas. Elas o confrontam com interpretações.
Os alinhamentos (simétricos ou não) determinam, segundo Quental
(idem:108), “aspectos importantes da estrutura de participação”, pois pacientes e
terapeutas dependem desses alinhamentos para estruturarem as suas falas e,
consequentente, organizarem o espaço interativo. O silêncio por parte de Bartolomeu
redefine a sua posição de participação (Goffman 1981), que, de acordo com a autora,
144
é um contexto importante para se definir a posição dos outros participantes. Para
Quental (idem:108) “…os papéis de falantes e ouvintes são simultâneos e
complementares. É neste sentido que, na conversa, somos todos contextos uns para
os outros”.
Esse conceito é importante para o nosso estudo uma vez que alunos também
podem redefinir os seus status como participantes, muitas vezes obrigando os
professores a reconfigurarem as estruturas de participação, mesmo considerando que
há uma relação assimétrica entre esses dois grupos de sujeitos. Isso, em vários
momentos, modifica as posições de participação do restante da sala, levando a uma
resstruturação de posicionamentos ou por vezes a uma renegociação de papéis.
Um estudo em que se analisa essa relação assimétrica entre professor e aluno
e a renegociação de papéis entre esses dois grupos de participantes é o de Moita
Lopes (1994), que investigou a constituição de padrões interacionais em aulas de
leitura de dois grupos de aprendentes do quinto ano primário, da rede pública do
município do Rio de Janeiro. O autor analisa esses padrões com base nas estruturas
de participação social (Schultz, Florio e Erickson 1982), ou seja, os direitos e
obrigações interacionais entre todos os membros envolvidos numa situação social.
O estudo revelou que os dois grupos observados apresentam padrões
interacionais diferentes: enquanto um obedece a um padrão interacional tradicional, o
outro quebra esse padrão, estabelecendo um maior grau de simetria entre a professora
e os alunos. O grupo que atende ao padrão interacional tradicional é formado por
alunos não-repetentes e que atendem a todas as orientações da professora,
participando verbalmente apenas quando requisitados. Já o grupo que quebra esse
paradigma é formado por alunos repetentes (mais velhos em relação aos alunos do
outro grupo, portanto) e que não mantêm o piso conversacional estabelecido pela
145
professora, podendo tomar a palavra a qualquer momento, originando, muitas vezes,
turnos sobrepostos ao da professora.
A maneira de participar do primeiro grupo corresponde àquele padrão
interacional mais típico de sala de aula, relatada também por Cazden (1988). Nele, as
estruturas de participação são, segundo Moita Lopes, controladas pela professora,
que distribui o turno aos alunos, que, por sua vez, solicitam a vez de participar
quando levantam a mão. Esse tipo de padrão interacional, sem dúvida, cria uma
assimetria entre os direitos e obrigações da professora e dos alunos. O acesso
conversacional é quase que totalmente limitado à professora, que também é o único
sujeito que tem o direito de reorganizar o espaço interativo.
Contudo, os padrões interacionais encontrados no segundo grupo não
correspondem aos identificados por Cazden, pois a professora não é a única
distribuidora do turno durante a aula, como também não e a única destinatária da fala
iniciada pelos alunos. Esses interagem entre si sobre tópicos diferentes dos propostos
pela professora. Fica evidente, portanto, a simetria criada entre professora e alunos
nesse segundo grupo. As estruturas de participação podem ser reconfiguradas pela
professora, mas também pelos alunos, que estabelecem interações paralelas, das
quais, segundo o esquema elaborado por Moita Lopes sobre a configuração de
participação desse grupo, muitas vezes a professora sequer faz parte.
O autor, após acompanhar os dois grupos durante oito meses e realizar
entrevistas com os alunos e a professora das duas turmas, chega a conclusão de que
embora o primeiro grupo mantenha um padrão interacional tradicional, participando
apenas quando a professora permite, é o que obtém mais sucesso na aprendizagem.
Para Moita Lopes, esse sucesso explica-se pelo fato de que, no primeiro grupo, o
aprendente era guiado por andaimes pelo par mais competente (o professor),
146
satisfazendo o que Vygostsky (1978) chama de “zona de desenvolvimento proximal”.
O segundo grupo, entretanto, não satisfazia esse requisito, resistindo a coparticipar
com a professora do processo de construção do conhecimento, estabelecendo, assim,
interações paralelas.
Esse trabalho de Moita Lopes traz-nos uma contribuição muito importante
acerca dos efeitos da reconfiguração das estruturas de participação e de padrões
interacionais em processos cognitivios desenvolvidos em contexto de sala de aula.
Outro estudo que também vai pelo mesmo sentido é o de Vieira-Abrahão (1997), em
que a autora analisa os estilos discursivos e as estruturas de participação presentes
na interação de uma sala de aula de língua inglesa.
A professora participante desse estudo estava, no momento em que os dados
foram coletados, envolvida em um processo de renovação pedagógica. A autora
afirma que a participante de pesquisa procurava estabelecer um certo grau de
simetria em relação aos alunos para que se desenvolvesse um clima afetivo em sala
de aula, favorecendo, assim, o processo de aprendizagem. Esse grau de simetria era
manifestado no discurso da professora, que ao utilizar expresssões de controle menos
diretas (como substantivos no diminutivo, verbos no futuro do préterito, formas
afetivas de tratamento etc) e maneiras não-coercivas de mediar a interação (como
respeitar o tempo par ao launo pensar atnes de oferecer qualquer resposta), mitigava
o poder que essa tinha como a controladora da interação e, assim, estimulava a
participação dos alunos. Contudo, nesse mesmo contexto em que desempenhava o
papel de facilitadora e motivadora, a professora manifestava posturas características
de uma abordagem tradicional de ensino (como controle dos tópicos e dos turnos, o
não envolvimento dos alunos em comunicação real na língua-alvo e o uso exagerado
de perguntas de sequência IRA).
147
Vieira-Abrahão observou vários tipos de estruturas de participação durante a
aula da professora em questão. Seguindo os modelos de Philips (1972), Goffman
(1981) e as postulações de Erickson e Shultz (1977), a autora identificou cinco
maneiras de organizar o espaço interativo, subdividindo a primeira e a terceira
maneiras em mais três e duas configurações respectivamente, em razão dos dados
que encontrou em seu corpus de análise. São elas:
Configuração Ia – a professora dirige a palavra à classe como um todo,
esperando que algum aluno voluntariamente candidate-se ao paple de falante.
Configuração Ib – a professora nomeia grupos de alunos específicos para
serem os seus interlocutres endereçados e potencias falantes, ratificando o restante da
turma como ouvintes não-endereçados.
Configuração Ic – a professora nomeia um aluno em particular para ser
ouvinte ou potencial falante. Os demais participam como plateia (ouvintes nãoenderaçados).
Configuração II – a professora fala enquanto os alunos ouvem sem
participarem verbalmente. Essa estrutura de participação é muito comum quando
professores fornecem instruções para a turma.
Configuração IIIa -
a professora fala enquanto alunos conversam
paralelamente, havendo sobreposições de turnos.
Configuração IIIb – a professora passa o turno para um aluno que, por não
saber a resposta, inicia uma outra interação com os seus colegas. O piso
148
conversacional anterior, em que a professora era a falante, fica suspenso, podendo ou
não ser recuperado posteriormente.
Configuração IV – a professor fala enquanto há várias conversas paralelaas
com subreposições de turnos. Nesse momento, a professora incumbe-se de restaurar
a Configuração I, retomando o controle da interação.
Configuração V – a professora dirige-se à sala, esperando que o grupo
responda em coro ou complete o enunciado da mesma. Essa configuração pode ser
associada à tecnica search for a word (C. Goodwin & M. H. Goodwin 1986).
O trabalho de Vieira-Abrahão traz-nos considerações importantes para
complementarmos o modelo descrito por Philips (1972), que considerava apenas
quatro configurações possívies de estruturas de participação em sala de aula. Esse
fato leva-nos a crer que há, em cada evento de sala de aula, a possibilidade de outras
configurações não descritas em trabalhos anteriores. Por essa razão, trabalhos que
abordem esses elementos presentes na organização do espaço interativo em sala de
aula são fundamentais para compreendermos como alunos e professores renegociam
ao tempo todo as formas de participar desse envontro social.
Saindo do contexto de ensino e entrando no midiático, Fávero, Andrade &
Aquino (1998) estudaram as propriedades identificadoras da correção enquanto
atividade de reformulação textual em entrevistas de programas de TV. Segundo as
autoras, a reformulação por parte do entrevistado às perguntas do entrevistador
provoca alterações na estrutura de participação, fazendo com que os participantes
troquem os papéis (quem era entrevistado passa a ser entrevistador) e utilizem
estratégias para que diminua a assimetria entre esses sujeitos. Assim, o entrevistado
149
pode escapar de perguntas “incômodas”, evitando “turbulências” durante o programa
e protegendo, dessa maneira, a sua imagem perante o público.
A preocupação com a auto-imagem perante a audiência, de acordo com as
autoras, leva à necessidade de correção por parte do entrevistado para reconduzir o
dito. Isso prova que as ocorrências de (re)composição do texto conversacional são
produto de uma organização local, uma vez que o falante pode fazer uso de
estratégias que reorganizem o espaço interativo ao seu favor, preservando, assim, a
sua face perante o público.
Outro trabalho que estudou a organização do espaço interativo em interações
televisivas foi o de Joseph (2006), que investigou as estruturas de participação
durante um talk show norte-americano chamado Oprah Winfrey Show. A autora
concentra-se na maneira com que Oprah (a apresentadora do programa) controla a
situação, enquadrando os seus convidados (um casal cuja filha pequena tinha
desaparecido e o presidente do centro de crianças desaparecidas) e a plateia em
estruturas de participação diferentes ao longo do programa. Para fazer isso, Oprah
utiliza-se de estratégias como tomada de turnos, backchannel (elocuções do tipo uh,
hun que indicam a atenção prestada ao interlocutor que tem um turno em curso) e a
sinalização de pistas de contextualização para a reorganização do espaço interativo.
Utilizando um modelo analítico baseado no de Philips (1972), Joseph
identificou quatro segmentos que apresentam estruturas de participação distintas. O
primeiro caracteriza-se por um diálogo entre Oprah e o casal, que atua em dueto. A
apresentadora faz uma pergunta e os outros dois sujeitos respondem em coro ou
complementando a resposta do outro quando um deles hesita em dizer algo. Oprah,
nesse primeiro momento, predomina como falante e exerce a sua postura de poder,
150
manipulando a situação. O restante dos sujeitos presentes (o presidente do centro de
crianças desaparecidas e a plateia) atuam como ouvintes não-endereçados.
O segundo segmento revela uma estrutura de participação bem distinta.
Oprah volta-se ao presidente do centro de crianças desaparecidas e questiona-o sobre
o sistema de segurança nacional. O casal, que antes atuava como ouvinte endereçado,
passa a autar como não-endereçado, tendo um poscionamento semelhante ao da
plateia presente no auditório.
O terceiro segmento inicia quando Oprah sinaliza uma pista de
contextualização, aproveitando o ‘gancho’ deixado pelo diálogo anterior sobre
sistemas de segurança. A apresentadora volta-se novamente ao casal para perguntar
se eles tinham alarme em casa. Nesse momento, Oprah ratifica o casal como ouvinte
endereçado e o restante dos convidados participam como ouvintes não-endereçados.
O quarto momento é caracterizado pela participação da plateia como falante
ou ouvinte primário. Primeiramente, a apresentadora interrompe um dos membros do
casal e faz uma pergunta para o seu auditório e, posteriormente, abre uma seção de
perguntas por parte de membros da plateia. Nesse instante, a apresentadora atua
como ouvinte não-endereçada, mas pode fazer comentários às perguntas de seu
auditório. O casal passa a atuar como ouvinte endereçado e o presidente do centro de
crianças desparecidas, ouvinte não-endereçado (ou seja, passa a participar como
plateia) sem o “direito” de fazer observações. O auditório passa a participar como
falante.
Joseph traz contribuições importantes ao analisar diversas estratégias que
falantes e ouvintes utilizam para obterem um bom desempenho durante uma
interação em um programa de TV. A apresentadora sempre consegue manter o
controle da interação, utilizando várias pistas de contextualização que enquadram os
151
seus convidados em diferentes estruturas de participação. Porém, os membros do
casal entrevistado por Oprah também utilizam estratégias para reorganizarem o
espaço interativo a seu favor, fazendo uso de duetos para demonstrar que concordam
entre si e que mantêm a mesma versão sobre o caso. Isso demonstra mais uma vez
que embora haja, em um encontro social, participantes institucionalmente com mais
direitos do que outros, os sujeitos procuram renegociar alguns aspectos presentes na
interação para atingir certos objetivos.
Voltando, agora ao contexto educacional, Schulz (2007) abordou a
construção da participação na fala-em-interação de sala de aula e em reuniões de
conselhos de classe participativos em uma escola municipal da cidade de Porto
Alegre, no sul do Brasil. A autora analisou aulas do primeiro e do segundo ciclos e
reuniões de conselho do segundo ciclo de ensino. Durante as observações, notou-se
que os aprendentes participavam de maneira ativa nas decisões em sala de aula,
colaborando no processo de construção do conhecimento. Além disso, a exemplo do
que é relatado em Ramton (2006) e em Candela (2005), os alunos também
“usurpam” o papel institucionalmente conferido à professora, tomando o turno de
fala e corrigindo-a em um momento específico. A professora, por sua vez, é sempre
aberta a movimentos desse tipo, aceitando as correções dos alunos e ratificando-os
como falantes sempre que esses resolvem fazer uso da palavra. Temos, nesse caso,
portanto, um gerenciamento da fala em sala de aula diferente do utilizado em
contextos mais tradicionais de ensino, em que o professor é quase o único sujeito
detentor da palavra e do saber, não permitindo, assim, que o aprendente participe de
maneira ativa de seu próprio processo de aprendizagem.
Os dados coletados por Schulz vão além da sala de aula, pois a autora
também realizou um estudo etnográfico sobre a escola, abordando a sua filosofia, a
152
sua história e o lugar que essa ocupa na sociedade em que está inserida. De acordo
com esses dados, Schulz constatou que a instituição em questão enxergava o
aprendizado como sinônimo de participação e que, por isso, sempre incluia os alunos
nas reuniões de conselho de classe para que esses pudeseem manifestar as suas
opiniões e fornecerem sugestões para, juntos (professores, coordenadores, diretores e
alunos) traçarem planos que visassem a melhoria do ensino na escola. Segundo a
autora, essas reuniões eram constituídas de dois momentos.
O primeiro momento consistia no pré-conselho de classe, em que a professora
referência da turma e os alunos discutiam o que estava bom e ruim em cada
disciplina, elaborando uma lista única em conjunto e cartazes em pequenos grupos.
Observa-se, nesse momento, a técnica de revozeamento, como já discutido no
trabalho de O’ Connor & Michaels (1996), quando a professora repetia a fala de
aluno em voz alta para que a toda a sala pudesse ouvir a sua opinião sobre as aulas.
O segundo momento era o conselho de classe propriamente dito, em que os
alunos participavam juntamente com todos os professores da turma e com a direção,
lendo a lista elaborada pela sala e fazendo comentários individuais sobre cada aula e
cada professor em específico. Nesse segundo momento, notou-se que os professores
eram abertos para as críticias, ao mesmo tempo que auxiliavam e incentivavam os
alunos a participarem do conselho para exporem as suas opiniões.
Schulz traz, portanto, um estudo constituído de dados de nível micro e
macroetnográfico, que nos auxilia a pensar na instituição escola como um espaço de
sujeitos que coparticipam para a construção de conhecimento e para a elaboração de
ações que contribuam para o sucesso de todos envolvidos no processo de
ensino/aprendizagem.
153
Essa mesma escola em que Shulz coletou os dados para a sua pesquisa
também foi o contexto analisado por Garcez & Melo (2007), que investigaram como
alunos recém-chegados ao pirmiero cilco de ensino organizavam-se no trabalho de
aprender a participar em eventos de sal de aula e em conselhos participativos. Os
autores tinham por objetivo analisarem como jovens estudantes tomavam o turno em
situações formais de fala-em-interação de sala de aula.
Por meio dos
resultados, os
autores
concluíram que os
alunos
autosselecionavam frequentemente durante as aulas e o conselho de classe
participativo, por vezes até sobrepondo a fala da professora e dos colegas. Contudo, a
professora, embora ratificasse a participação dos alunos sempre que esses se
autosselecionavam, orientava os aprendentes no sentido de respeitarem o turno do
outro (no caso, do colega ou da própria professora) para, depois, tomarem a palavra.
Os dados indicaram que os aprendentes conseguiram, com o tempo, adequarem-se a
esse sistema de alocação de turnos, aprendendo a participar de forma efetiva nos
eventos de sala de aula e do conselho de classe.
Ainda é importante mencionar que Garcez & Melo encotraram resultados
similares aos de Schulz (2007), Rampton (2006), Candela (2005, 1999 e 1991), de
Heras (1994) quanto à apropriação da fala institucionalmente conferida à professora
por parte dos alunos. Houve momentos, durante o conselho participativo de classe,
em que alunos tomavam o turno de fala para corrigirem os colegas, desempenhando
momenteneamente o papel de professores. As professoras presentes no conselho, por
sua vez, não interrompiam o aluno, respeitando o seu direito de se autosselecionar.
Segundo Garcez & Melo, isso aponta para um cuidado entre os participantes para os
direitos e deveres de todos com vistas à participação em sala de aula e no conselho
de classe.
154
Outro estudo que também aborda a colaboração entre sujeitos em um
contexto educacional é o de Bulla (2007), que estudou a construção interacional da
participação em atividades pedagógicas colaborativas em uma sala de aula de
português como língua estrangeira. A autora analisou excertos de aulas em que os
aprendentes realizavam uma atividade em grupo (de duas ou três pessoas) que
envolvia computadores conectados a Internet.. O objetivo da tarefa era a de elaborar
um jornal online para o público estrangeiro residente no Brasil.
Bulla observou a interação entre duas duplas, focando a maneira como os
membros dessas duplas organizavam a participação durante a atividade, mais
especificamente nos momentos de conflitos, ou seja, quando um dos participantes da
dupla não concordava com a visão de seu parceiro. Os resultados indicaram
estruturas de participação distintas nos dois contextos observados. Enquanto a
primeira dupla não conseguiu negociar as discordâncias, comprometendo, desse
modo, o resultado do trabalho em grupo, a segunda mostrou maior habilidade em
lidar com as divergências, contribuindo para a inclusão de ambos os participantes nas
tomadas de decisões. Bulla chama esse movimento de estruturas de participação
inclusivas, pois os sujeitos organizam um espaço colaborativo em que negociam os
seus focos de atenção, seus entendimentos e suas discordâncias. Assim, como afirma
a autora (idem:104, parêntese meu), “cada um dos interagentes da dupla (torna-se)
um participante legítimo, com direitos iguais de participação, cujas ações são
igualmente indispensáveis para a realização da atividade pedagógica”.
É importante mencionar que, nesse trabalho, Bulla não investiga interações
em que o professor está presente. Como observa uma atividade em grupo, as
estruturas de participação que se configuram durante a aula não requerem a presença
direta da figura do docente, sendo o piso conversacional mais “solto”, marcado pela
155
multiplicidade e sobreposição de falas. Isso nos lembra de um fato menos abordado
em estudos de aspectos relacionados a sala de aula: o professor não é o único sujeito
a propor novas maneiras de participar, como também, dependendo da organização do
espaço interativo, não é a figura central da sala de aula. Por essa razão, há a
possibilidade de se direcionar o foco de estudo para os outros participantes (os alunos)
que, ao tempo todo, renegociam diversos aspectos interativos tão ou, por vezes, até
mais decisivos do que aqueles que têm a participação direta do professor. Em nosso
estudo, também observamos essa autonomia dos aprendentes, especialmente quando
os mesmos apropriam-se do discurso institucional para chamar a atenção de um
colega, dispensando, dessa maneira, a presença docente.
Voltando para o contexto da mesma escola municipal de Porto Alegre em que
Schulz (2007) e Melo & Gacez (2007) realizaram os seus estudos, Conceição (2008)
investigou as estruturas de participação em uma aula de língua inglesa nessa mesma
instituição. A exemplo do trabalho de Schulz (2007), a autora também fez um estudo
etnográfico da escola em que se coletou os dados e também propôs uma metodologia
de pesquisa colaborativa, pois contou com as opiniões da professora da turma
durante o processo de análise de dados.
Conceição focou a sua análise na contrução conjunta do conhecimento em
duas atividades que ocorreram na mesma aula: uma atividade de revisão de tópicos
gramaticais e outra de discussão sobre temas da vida social contemporânea (mercado
de trabalho e sexualidade). Durante as duas atividades, foram encontradas estruturas
de participação distintas. Enquanto, durante a atividade de revisão, o encadeamento
de perguntas de sequência IRA era predominante, na atividade de discussão, o piso
conversacional era mais solto e os tipos de perguntas passaram a ser de caráter
exploratório.
156
A autora argumenta que se em um primeiro momento (durante a atividade de
revisão), a professora atuava como um participante mais competente, com direito de
fazer perguntas e exigir somente as respostas consideradas por ela corretas, em um
segundo momento, essa participante atua como um sujeito mediador, que também
pode aprender com a colaboração de outros sujeitos (os alunos), que faziam
perguntas, explanações e comentários durante a discussão. Conforme a própria
autora observa, a construção de conhecimento durante a primeira atividade era de
caráter reprodutivo (com os alunos reproduzindo aquilo que a professora havia
ensinado nas aulas anteriores) e, durante a segunda ativade, a construção dava-se de
modo emergente, pois no momento da discussão, as perguntas não tinham respostas
esperadas e a participação dos alunos era menos limitada.
No entanto, Conceição lembra que embora a participação dos alunos durante
a primeira atividade fosse altamente controlada pela professora, havia momentos de
ruptura em que os aprendentes questionavam as explicações dessa participante,
passando a ser eles os sujeitos que faziam as perguntas e a professora, aquela que
respondia. Havia, portanto, uma reconfiguração da estrutura de participação, marcada
especialmente, por uma alteração de papéis e por uma substituição de um tipo de
sequência discursiva predominante durante a fase de revisão de itens gramaticais (a
sequência IRA) por uma sequência menos canônica. Essa última mais semelhante à
sequência de um debate, em que os participantes expunham suas ideias em um piso
conversacional múltiplo e de falas sobrepostas, típica daquela observada na segunda
atividade, a discussão sobre tópicos da vida social contemporânea.
É importante mencionar que os dados do trablaho de Conceição corroboram
os de outras pesquisas (Melo & Garcez 2007, Schulz 2007, Rampton 2006, Candela
2005, 1999, Heras 1994 e Candela 1991). Isso também acontece com os dados deste
157
presente estudo, em que será possível observar, como mencionado anteriormente, um
fenômeno semelhante na reconfiguração das estruturas de participação. Outro ponto
importante para nós, no trabalho de Conceição, é o fato das estruturas de participação
serem observadas como dinâmicas. Isso significa que, em um momento de sequência
IRA, não havia qualquer garantia que esse tipo de fala seria mantida durante todo o
encontro, pois os aprendentes participavam ativamente das atividades, mesmo
quando a professora impunha um controle mais rígido da mesma. Como observado
pela autora (idem:92): “com isso, corrobora-se a premissa de que a fala-em-interação
de sala de aula não é formada por um conjunto único de práticas, mas constituída de
modo situado”.
Essa premissa torna-se ainda mais forte quando a autora observa uma
reconfiguração na estrutura de participação parecida durante a segunda atividade, que
era, em sua maior parte, constituída por perguntas de caráter exploratório e por uma
fala menos controlada, típica de uma discussão do dia-a-dia. Na análise, constatou-se
que, em alguns momentos durante a atividade de discussão, os alunos esperavam
avaliações de suas respostas, característica essa presente em interações encadeadas
por perguntas de sequência IRA. Portanto, mais uma vez, os dados apontam para
uma ruptura na organização do espaço interativo ocasionada pela ação dos
aprendentes. Essa constatação questiona a ideia de o professor ser o único sujeito
responsável por propor maneiras de participar em sala de aula (Philips 1972).
Partindo, agora, para o âmbito jurídico, Abritta, Ferreira & Ladeira (2008),
seguindo a linha de Shultz, Florio e Ercikson (1982), realizaram um estudo sobre a
estrutura de participação em duas audiências de conciliação. A primeira delas foi
realizada na Procuradoria de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON) e a outra,
em um Juizado Especial. O foco das autoras foi nos recursos interacionais do
158
mediador, aquele que deve excercer um certo controle durante a interação para que
reclamante e reclamado possam expor os seus argumentos, evitando sobreposiões de
fala e interações diretas entre as partes envolvidas. Dessa maneira, o medidador pode
evitar a intensificação do conflito e propor um acordo.
Observou-se que a mediadora do primeiro caso atuou como uma defensora
do reclamante e não como um ‘orquestradora’, participante que procura manter uma
certa imparcialidade durante a interação. Esse fato alterou a estrutura de participação,
pois o reclamado passou a não legitimar o papel da mediadora, fazendo uso de
sobreposições de fala e interrupções de relatos. Como as autoras (idem:182) afirmam
“estes fatos aumentam o grau de conflito entre reclamante e reclamado,
inviabilizando a realização de um acordo sem que se tivesse de recorrer a ameaças”.
Já no segundo caso, notou-se exatamente o contrário, pois o mediador atuou como
orquestrador, uma vez que exerceu controle sobre a estrutura de participação para a
mitigação do conflito e o alcance do acordo.
Observamos, no trablaho de Abritta, Ferreira & Ladeira que por vezes, as
alocações de direitos e deveres fogem dos padrões impostos pela sociedade e, a
exemplo do que ocorreu no primeiro caso, são reorganizados momento-a-momento
durante um encontro social.
Voltando novamente ao contexto educacional, Rosa (2008) investigou a
tomada de turno por parte de alunos do primeiro ano em aulas de língua inglesa de
uma escola privada da cidade de Porto Alegre. A escola em questão adotava um
sistema de educação bilingue e era bastante procurada em razão dessa sua política de
ensino. A autora analisou o sistema de alocação de turnos durante dois tipos de
atividade: a hora da rodinha (ou circle time) e a contação de histórias. Observou-se
que nas duas atividades, o sistema de alocação de turnos varia consideravelmente e,
159
por essa razão, diferentes estruturas de participação podem ser observadas nos dois
contextos mencionados.
A professora, durante a primeira atividade observada (a hora da rodinha)
tentava enquadrar os aprendentes em um único piso conversacional (o seu), não
aceitando facilmente sobreposições de falas por parte dos alunos e nem tentativas dos
mesmos em tomar o turno enquanto ela fornecia explicações. Essa organização
interacional era mantida pela professora, repreendendo os aprendentes que,
porventura, desrespeitassem essa regra. Quando era a vez dos alunos participarem,
era a professora quem selecionava os turnos para a execução de determinadas tarefas
durante a ativade em questão.
Porém, Rosa notou que, em certos momentos, a professora permitia uma
participação mais emancipada de seus alunos quando esses tentavam ajudar um
colega que tinha dificuldade de se expressar em inglês. Portanto, para “salvar um
colega em apuros”, os alunos tomavam o turno da fala, reconfigurando a estrutura de
participação e tendo a sua posição de falante ratificado pela professora e pelo restante
da sala. Outro ponto importante observado por Rosa, foi que, no decorrer da
atividade, uma aluna passa a imitar a prática de controle do piso conversacional
utilizada pela professora. Enquanto a professora expunha o conteúdo da atividade,
essa aluna repreende um colega que toma o turno em um momento considerado
inadequado. Esse fenômeno é muito importante para nós, pois também será discutido
na análise de dados deste trabalho. Trata-se da apropriação do discurso da professora,
muito comum em salas de aula de nível primário e secundário (Conceição 2008,
Schulz 2007, Rampton 2006, Candela 2005, 1999, Heras 1994 e Candela 1991).
Durante a atividade de contação de histórias, Rosa observou um sistema de
alocação de turnos diferente. A participação dos alunos é mais “livre”, pois esses
160
ficam à vontade para tomar o turno a qualquer momento. Os resultados desse tipo de
participação são caracterizados pelo frequente aparecimento de falas sobrepostas,
interrupções e até correção por parte dos aprendentes quanto ao posicionamento da
professora. Segundo a autora (idem:109):
…uma outra constatação da participação efetiva desses alunos é o fato de que
eles podem participar até mesmo para designar como a professora deve se
posicionar para contar a história, fazendo isso também sem que a atividade seja
interrompida.
Mais uma vez, portanto, é possível detectar a apropriação do discurso da
professora por parte dos aprendentes, que, dessa vez, corrigem-na quando acham
necessário. Isso, conforme citou Rosa, é uma constatação da participação efetiva dos
alunos em questão. Além disso, por permitir uma forma de participação mais
emancipada na atividade de contação de histórias, a professora também fornece aos
aprendentes uma oportunidade de desempenharem momentanemente o papel de
professor, dividindo, assim, a responsabilidade de controle da interação e
colaborando, consequentemente, para o próprio processo de aprendizagem.
Fenômenos como esses observados no trabalho de Rosa acontecem também
em interações virtuais. É o caso do estudo de Lima (2009), que analisa a estrutura de
participação em um fórum online de discussão de uma comunidade na rede social
orkut. O objetivo do fórum em questão era criar um espaço voltado à socialização de
experiências, dúvidas, dicas e técnicas de escrita em língua portuguesa, bem como
leituras, comentários e avaliações de textos postados pelos participantes. Como havia
um professor-moderador, esse era responsável pela organização do debate, mas sem
restringir a participação dos membros da comunidade. Segundo a autora, a
participação do moderador era de tornar a discussão mais dinâmica e rica em
contribuições, não controlando a quantidade e nem o conteúdo da fala dos outros
161
membros da comunidade online. Esse fato proporcionava a possibilidade de um
espaço em que a troca de papéis era frequente. Lima relatou situações em que os
participantes aproprivavam-se do papel de moderador para avaliar o texto dos outros
membros, sem isso ser censurado pelo sujeito a quem esse papel era socialmente
conferido.
Seguindo os modelos analíticos de Goffman (1981) e de Philips (1972) e o
conceito sobre estrutura de participação de Shultz, Florio e Erickson (1982), a autora,
embora não analise uma interação face a face, encontra mudanças de posicionamento
(footing) durante a discussão online e a presença de marcadores paralinguísticos
(como o uso de emoticons) nas postagens dos particpantes. Esses elementos acabam
por provocar alterações no quadro interacional e reconfigurações na estrutura de
participação.
É importante chamar a atenção, nesse trabalho de Lima, para os dados
encontrados em um contexto de interface serem parecidos com aqueles apresentados
por Rosa (2008), Conceição (2008), Schulz (2007), Garcez & Melo (2007), Rampton
(2006), Candela (2005, 1999 e 1991, 1999) e por Heras (1994), que analisaram
interações face a face em sala de aula. Em ambos os contextos mencionados
(interface e sala de aula) os sujeitos encarregados do “controle” da interação (o
professor ou o professor-mediador) contribuiam para uma participação mais ativa por
parte dos alunos ou dos outros membros da comunidade online. Esse fato,
indubtavelmente, facilitou o aparecimento do fenômeno da troca de papéis. Porém,
não podemos afirmar que esse mesmo fenômeno não possa ocorrer em contextos
hierarquicamente mais fechados, em que o professor controla constantemente a
participação dos alunos em sala de aula.
162
Outro trabalho que segue essa mesma linha (de troca de papéis), porém em
um contexto diferente (o de reuniões empresariais) é o de Matheus (2009), que
analisou as estruturas de participação em duas reuniões de trabalho entre membros
de uma empresa de marketing e de um shopping center, cliente da empresa em
questão. A autora observou a organização do espaço interativo com base no tópico e
no piso conversacional.
Durante as duas reuniões, notou-se que o tipo de interação do encontro
social em questão era informal com o piso predominantemente colaborativo. Não
havia um coordenador eleito pelo grupo para gerenciar os turnos, embora o
superintendente geral do shopping center fosse quem, mais constantemente,
introduzisse e retomasse tópicos, mostrando que a interação seguia um modelo de
atução com foco no cliente. É também importante mencionar que, durante a segunda
reunião, o papel do superintendente foi diminuído pela presença do diretor
operacional, figura institucionalmente superior à do superintendente. Essa
diminuição foi em razão da decisão final (a escolha da campanha vencedora para a
divulgação do shopping center) ter sido elaborada pelo diretor sem consulta prévia
aos outros membros de sua equipe. Contudo, mesmo com o seu papel diminuído,
antes da decisão ser proferida pelo diretor operacional, o superintendente conseguiu
renegociar os posicionamentos dos sujeitos presentes na segunda reunião,
continuando a ser o interactante que mais gerenciasse turnos e exercendo poder sobre
os tópicos.
O trabalho de Matheus, a exemplo de tantos já discutidos (Lima 2009, Rosa
2008, Schulz 2007, Garcez & Melo 2007, Rampton 2006, Candela 2005, 1999 e
1991, Heras 1994, dentre outros) prova a existência de troca de papéis durante uma
interação. Qualquer condição social, posição hierárquica ou status culturalmente ou
163
institucionalmente conferidos aos participantes de um encontro social podem ser
renegociados quando esses sujeitos assumem posicionamentos diferentes daqueles
que normalmente têm fora do contexto em que se encontram.
Nesta subseção, fizemos uma breve revisão bibliográfica sobre os trabalhos
publicados em língua portuguesa que utilizam o conceito de estrutura de participação
como foco de análise. Notamos que o estudos apresentados foram desenvolvidos em
universidades brasileiras e que o contexto de análise resumiu-se em interações entre
sujeitos provenientes de apenas alguns estados brasileiros (São Paulo, Rio de Janeiro
e Rio Grande do Sul) e do Distrito Federal. Esse fato mostra a necessidade de uma
descentralização dessas publicações, partindo do pressuposto que, para se tornar um
conceito amplamente divulgado e estudado em língua portuguesa, a estrutura de
participação deve ser analisada em diferentes contextos, culturas e sociedades
lusófonas. Este nosso trabalho talvez possa representar um início desse processo,
porém certamente haverá ainda um longo caminho a percorrer de modo a garantir a
continuidade de publicações em português de estudos dessa natureza nos contextos
mais variados possíveis.
164
4 – FUNDAMENTAÇÃO METODOLÓGICA
4.1 - A Microanálise Etnográfica
Este estudo assume o caráter microetnográfico, que tem por base em uma
visão qualitativa e interpretativista de análise. A Microanálise Etnográfica (ou a
Microetnografia) é uma perspectiva metodológica que teve início da década de 1970,
procurando investigar processos de influência social mútua entre participantes
envolvidos em interações face-a-face (Garcez 1997). Em estudos sob essa
perspectiva, procura-se entender como os sujeitos criam contexto uns para os outros
e como renegociam aspectos culturais de ordem mais geral (papéis, ideias, valores,
crenças, indentidades etc) presentes em uma esfera maior de organização social. Para
isso, a Microanálise Etnográfica (ME) faz uso de dados gravados em vídeo,
posteriormente transcritos para análise, na tentativa de captar elementos sutis que
podem provocar mudanças na maneira dos sujeitos participarem de uma interação,
(re)interpretando aquilo o que acontece em sua volta. Por isso, quando
desenvolvemos um trabalho, utlizando a ME como perspectiva metodológica,
estaremos antentos não somente a fenômenos verbais, mas a todos os elementos
semióticos que podem definir ou alterar o rumo da interação, incluindo a linguagem
não-verbal (gestos, olhares e movimentos), os aspectos do cenário onde o encontro
social acontece (objetos, imagens, vestuário etc) e o próprio local onde a interação
toma corpo (sala de aula, tribunal, casa, clube, bar, rua etc).
A ME é uma variante da Etnografia da Comunicação (Ethonography of
Communication) de Dell Hymes, John J. Gumperz e Muriel Saville-Troike,
desenvolvida predominantemente durante a década de 1960, porém ela também se
origina de, pelo menos, mais quatro correntes de estudos (Erickson 1992): a Análise
165
do Contexto (Context analysis) de Gregory Bateson e Margaret Mead, o
Interacionismo Simbólico (Symbolic Interactionism) de Erving Goffman, a Análise
da Conversação Etnometodológica (Ethnomethodological Conversation Analysis) de
Harvey Sacks, Emanuel Schegloff, Gail Jefferson e Harold Garfinkel e a Análise
Continental do Discurso (Continental Discourse Analysis) de Pierre Bourdieu,
Michel Foucault, Jürgen Habermas e Mikhail Bakhtin. Porém, quais as influências
dessas perspectivas metodológicas na constituição da Microanálise Etnográfica?
Iniciemos pela comparação entre a Microetnografia e a Etnografia da Comunicação.
Diferentemente do que vinha sendo feito em Etnografia propriamente dito,
em que se considerava analisável apenas segmentos de mensagens trocadas entre
participantes, a Etnografia da Comunicação (EC) conceitualiza a interação como um
fluxo contínuo de informação. Como vivemos em um mundo repleto de diferenças
(socioculturais, étnicas, linguísticas) entre os povos, é comum que cada grupo de
sujeitos apresente uma característica própria de interagir e, nesse fluxo contínuo de
informação, é possível observar alguns padrões que caracterizem sujeitos como
pertencentes a uma certa comunidade de fala (speech community). Por isso, na EC,
há a necessidade de se desenvolver e aplicar métodos que possam identificar esses
padrões comunicativos. Um deles é a observação-participante, em que o pesquisador
adentra o grupo social analisado e participa das atividades da comunidade ao mesmo
tempo que toma notas de campo e entrevista certos sujeitos a fim de complementar
os seus dados para posterior análise. Essa prática também é muito utilizada em
Microanálise Etnográfica e é um dos principais pontos de intersecção entre essa
perspectiva metodológica e a EC.
Porém, segundo Erickson & Mohatt (1982), o que diferencia a ME da EC é o
alcance de cada tipo de investigação. Segundo o autor (idem: 137):
166
While general ethnography attempts to describe the whole way of life of a
naturally bounded social group, microethnography focuses on particular
cultural scenes within key institutional settings.
De acordo com Erickson (1996), por meio de estudos de natureza
microetnográfica, observam-se interações de ocorrência natural e o pesquisador,
através do uso de vídeo, examina detalhadamente e repetidamente o que os sujeitos
fazem no momento real em que eles interagem. Para o autor, esse tipo de análise
detalhada é essencial uma vez que nem sempre podemos observar apectos que
surgem de maneira sutil ou com pouca frequência em um evento de fala.
Nesse contexto, a ME aproxima-se da Análise do Contexto (AC), em que
também se analisa aspectos mais específicos no fluxo da interação, proporcionando
uma observação precisa daquilo que acontece em um encontro social. Na AC, há a
preocupação com o comportamento verbal e não-verbal dos participantes para
solucionar problemas relacionados à terapia familiar (Erickson 1992). Por essa razão,
o uso de vídeo torna-se uma importante ferramenta de coleta de dados, o que facilita
a visualização dos fenômenos detectados durante a investigação. Contudo, por
limitar-se ao âmbito da clínica médica, a Análise do Contexto deixa de abordar
outros contextos relacionados a outras práticas sociais, como, por exemplo, a
conversa cotidiana.
Esse assunto é especificamente contemplado pela Análise da Conversa
Etnometodológica (ACE), em que se identifica aspectos situados de um evento de
fala. Essa perspectiva metodológica investiga os elementos menos salientes em
interações face a face em contextos naturais de fala (conversas informais entre
amigos, por exemplo). Embora a sua gênese concentre-se em interações de caráter
informal, há também registros de trabalhos em contextos mais específicos, como o de
Mchoul (1978), já discutido na subseção 2.2.2, em que o autor testa, no contexto de
167
sala de aula, algumas hipóteses de alocação de turnos da fala levantadas no estudo
pioneiro de Sacks, Schegloff & Jefferson (1974).
A colaboração da ACE foi decisiva para compreendermos melhor os
fenômenos que apareciam no fluxo da fala, como unidades de alocação de turnos de
fala, o funcionamento dos pares adjacentes, as técnicas de selecionamento de turnos
etc. Porém, vale lembrar que esses fenômenos não se reduzem a apenas elementos de
ordem linguística. Em um encontro social, um simples movimento corporal já pode
reorganizar toda uma estrutura interacional (Goodwin 1981). Portanto, não devemos
levar em conta apenas a linguagem verbal, pois o que está em jogo em uma interação
extrapola os limites da fala. Essa talvez seja uma limitação da ACE, pois os
elementos extralinguísticos não têm tanta relevância quantos os linguísticos na
análise dos dados.
Para a ME, no entanto, esses elementos devem ser levados em consideração,
pois os sujeitos também utilizam uma série de elementos não-verbais em uma
situação para alcançarem um determinado objetivo comunicacional. Para o
Interacionismo Simbólico (IS), esses elementos também são de suma importância.
Pesquisas realizadas sob essa perspectiva tomam como base os significados
particulares obtidos durante um encontro social. Essa perspectiva preocupa-se em
identificar quais sentidos que cada sujeito dá às suas próprias ações quando
constroem uma interação com duas ou mais pessoas. O IS traz-nos uma visão êmica
de análise, isto é, observar o que acontece na interação por meio da visão de cada
participante. Em outras palavras, a IS tenta identificar como os sujeitos agem em
relação a outros sujeitos e às coisas em sua volta. Por isso, aspectos corporais,
imagens, objetos e elementos de cenário são de extrema relevância quando se
desenvolve um estudo sob essa perspectiva metodológica.
168
Contudo, um ponto que diferencia o IS da ME parece ser o uso de vídeo
como ferramenta para a coleta de dados. Enquanto em ME, essa ferramenta é
indispensável, estudos em IS (como em Goffman 1981a) não apresentam
esse
recurso para a observação de elementos não-verbais. Esses aspectos geralmente são
analisados por meio de narrativas produzidas a partir de notas de campo elaboradas
pelo pesquisador.
Porém, se quisermos fornecer dados mais confiáveis, incluindo a linguagem
não-verbal como aspecto analisável na transcrição, o uso de vídeo faz-se necessário.
De acordo com Erickson & Mohatt (1982:137):
… microethnography attempts to specify the processes of face-to-face
interaction in the events by which the “outcomes” of those events are produced
(cf. Mehan 1978). Detailed analysis of audiovisual records of events is the
means by which the interaction processes are studied intensively.
Por vezes, esses processos interativos dos quais nos fala os autores podem ser
pouco perceptíveis em uma análise menos detalhista, mas eles podem ser decisivos
para a manutenção ou o desfecho da interação. Por essa razão, como afirma Erickson
(1996:284):
When someone seems not able to say something clearly, or persuasively, or
appropriately, it may not only be a matter of that individual’s linguistic or
communicative knowledge (competence) but of how that individual is being
influenced by others’ actions in the scene at that moment.
Uma vez que buscamos, neste estudo, observar como são (re)configuradas e
que mudanças provocam as estruturas de participação nas ações dos sujeitos no
momento em que estão em uma sala de aula, e, considerando que essas
169
(re)configurações e mudanças dão-se por meio de aspectos verbais e não-verbais, o
uso de vídeo torna-se ferramente indispensável para conduzirmos essa análise20.
Finalmente, falta abordarmos as influências da Análise Continental do
Discurso (ACD) nos estudos microetnográficos. Segundo Erickson (1996), a ACD
traz a importância das relações de poder entre os sujeitos, que colaboram para uma
assimetria observada em interações face-a-face. Essa assimetria pode causar várias
consequências no encontro social.
Em nosso contexto de pesquisa, por exemplo, a professora claramente usa a
sua figura institucional para manter o controle da sala de aula, criando, assim, uma
relação de assimetria em relação aos alunos. A consequência disso é uma sala de aula
com aprendentes pouco participativos no processo de ensino/aprendizado. Contudo, é
relevante lembrar que essa relação de poder não é estática, pois a todo o momento ela
é renegociada, como veremos na seção destinada à interpretação dos dados. Por essa
razão, as relações de poder não se estabelecem apenas em um nível macro de
organização social, mas também em nível micro, uma vez que são reinterpretadas
pelos sujeitos durante qualquer interação (seja ela de nível mais ou menos
hierárquico). Conforme afirma Erickson (1996:283):
The factors that happen in a given situation may be powerfully influenced by
general societal processes – the economy, the labor market, and the class
position of participants in the situation (race, ethnic, gender relations, etc), but
when we look very closely at what people actually do in situations, we realize
that there is some “wiggle room” there, some room for improvisation.
Isso significa afirmar que o que ocorre em uma interação é, em parte, uma
questão de enquadramento local (local framing). Porém, devemos lembrar que a ME
não relata apenas o que os sujeitos fazem em um momento particular, como se as
20
Trataremos mais especificamente sobre o uso de vídeo na pesquisa microetnográfica na seção 4.2.1
e 4.2.2 deste trabalho.
170
suas ações fossem produtos isolados do mundo. Essa perspectiva metodológica
também traz a necessidade de se olhar para os participantes como atores sociais que
transformam o mundo em sua volta, renegociando, a todo momento, aspectos
inerentes à própria cultura, história e sociedade. De acordo com Erickson (1992:222223):
Fundamentally, such analysis is not “micro” at all, but “macro” in its interests,
just as microbiology and DNA/RNA have fundamental importance in the study
of ecology Ethnographic microanalysis portrays immediate human interaction
as the collective activity of individuals in institutionalized relationships who, as
they enact daily life locally in recurrent ways, are both reproducing and
transforming their own histories and that of the larger society within which
they live.
A ME, portanto, divide com outras perspectivas metodológicas (a EC, AC,
ACE, o IS e a ACD) o objetivo de especificar e descrever processos gerais e locais
que produzem resultados em diversas esferas de organização social. Porém, em ME,
há uma preocupação maior em detalhar esses processos com o máximo de precisão
possível por meio de repetidas observações do que acontece no “aqui e agora” de
uma interação. Uma outra proposta da ME é a de testar cuidadosamente a validade
das caracterizações realizadas pela EC quanto aos fatores socioculturais dos
participantes presentes no contexto estudado.
Após apresentar um breve histórico e as principais caraterísticas da ME,
passemos, agora, para uma descrição dos dados utilizados neste estudo, explicitando
o conteúdo dos mesmos, as ferramentas de coleta e os procedimentos de análise.
4.2 – Geração dos dados
Os dados desta pesquisa foram coletados para um projeto desenvolvido no
Departamento de Português da Universidade de Macau, intitulado “O material
171
didático de Português como Língua Estrangeira e a Construção da Competência
Textual no Contexto das Escolas Luso-Chinesas”, coordenado pelo Prof. Dr.
Roberval Teixeira e Silva. Esse projeto conta com o apoio financeiro da instituição
onde é desenvolvido, além da permissão do próprio DESJ para a coleta de dados em
escolas públicas luso-chinesas no território. O objetivo principal do projeto é o de
desenvolver uma avaliação específica do ensino de PFOL nas escolas primárias lusochinesas que contemple desde o nível do jardim de infância até o sexto ano do grau
primário e levante os problemas identificados, fornecendo sujestões práticas e
possíveis.
Parte dos dados coletados para o projeto em questão foram utilizados para
este estudo. Eles consistem de 37 aulas gravadas 21 , utilizando um equipamento
audiovisual (uma câmera de vídeo que gera imagens em formato DVD), além de uma
entrevista22 realizada com a professora de língua portuguesa, de uma apostila e de
um relatório referente ao ensino de PFOL na escola, desenvolvido no âmbito do
próprio projeto. Foram realizadas, também, entrevistas informais com o coordenador
do projeto a fim de se obter mais informações sobre a filosofia de ensino da escola e
sobre as aulas de língua portuguesa em outros níveis de ensino, especialmente no
jardim da infância, em que os alunos eram expostos a uma dinâmcia de
ensino/aprendizagem diferente daquela observada no primeiro ano do ensino
primário.
4.2.1 – O uso de vídeo como instrumento de coleta de dados
21
22
O pedido de autorização para a geração dos dados está disponibilizado no Anexo II deste trabalho.
A entrevista está disponibilizada, na íntegra, no Anexo I deste trabalho.
172
A importância de se utilizar dados gravados em vídeo para posterior análise
está na possibilidade de se detectar detalhes que frequentemente passam
desapercebidos pela simples observação-participante. De acordo com Erickson
(2006:117):
fine grained information about the actual conduct of social interaction comes
best from making audiovisual recordings of it from which either detailed
transcriptions of the interaction can be prepared and analyzed or careful
moment-by-moment coding can be done.
Porém, deve-se levar em conta que um equipamento audiovisual vai nos
fornecer muito mais informações do que somos capazes de assimilar em uma
situação face a face. Por isso, Erickson (idem:178) sugere que “… the analyst must
develop strategies for focusing attention on some phenomena and disattending to
others across a series of successive moments in time, usually replaying the video
many times”. Essa estratégia de focar a atenção em fenômenos específicos vai,
certamente, desviar o nosso olhar a tantos outros que acontecem no mesmo momento.
Porém, não devemos esquecer de que o analista, ao selecionar um recorte para o seu
estudo, fatalmente limitará o seu olhar a um evento em particular, o que torna
impossível uma análise de tudo o que acontece durante uma interação.
A simples escolha de direcionar a câmera a uma certa ação e não a outra já
faz parte desse recorte do analista. Como Erickson (idem:177-178) afirma:
…a videotape is not a completely phenomenologically neutral document, for
the cameraperson shooting it has a point of view, and this is reflected on the
tape by the moments at which the camera is turned on and off and where it is
pointed in relation to the interaction it is recording.
Isso nos remete à forma de posicionar a câmera em sala de aula. Nos dados
de nosso estudo, foi decidido posicionar a câmera, na maior parte do tempo, em um
dos cantos da sala para que, assim, pudéssemos ter uma visão mais abrangente
173
possível da sala de aula. Dessa maneira, pudemos analisar o comportamento nãoverbal dos alunos, pois esses também estão, a todo o tempo, ativos (e interativos) na
cena mesmo quando a professora detém a palavra por um longo período de tempo.
Esse tipo de posiconamento do equipamento está de acordo com o que Erickson
(idem:178) sugere: “To place the camera halfway along the side of the room, with
the teacher and some of the students shown together in profile view is to emphasize
reciprocal relations between the teacher and the students”.
A posição da câmera era modificada apenas quando um evento em particular
exigia um detalhamento audiovisual (isso acontecia quando alunos interagiam entre
si em volume muito baixo ou quando a professora chamava atenção para uma
imagem, um objeto ou para um participante específico). Quando isso ocorria, era
necessário reposicionar o equipamento ou alterar o seu foco para captar o som e/ou a
imagem necessários para se ter um melhor registro daquilo que se passava no
momento.
4.2.2 – O impacto do uso de vídeo em sala de aula
Os dados audiovisuais foram coletados ao longo de um semestre (da primeira
à última aula do mencionado período letivo) com o consentimento da professora de
português. Aos alunos, foi explicado, da maneira mais simples possível, o porquê da
presença do pesquisador e da câmera na sala de aula. É importante mencionar que
essa presença, desde o primeiro dia de aula, ajudou no processo de ambientação.
Esse processo de ambientação, no entanto, não é somente em razão de os
alunos estarem sendo filmados e as suas ações sendo observadas. Conforme já
mencionado, quando saem do jardim-da-infância, esses aprendentes deparam-se com
174
uma dinâmica de ensino completamente distinta. O posicionamento físico das
carteiras já não é mais o mesmo (em vez de se sentarem juntos em pequenas mesas,
agora sentam-se individualmente em carteiras alinhadas em fileiras), o que
impossibilita o frequente trabalho em grupo, muito comum no jardim da infância.
Outra grande diferença que os alunos passam a ter que aceitar é a necessidade de se
pedir permissão. Durante as aulas do jardim da infância, os aprendentes não
precisavam pedir o conscentimento da professora para, por exemplo, levantarem-se
de suas cadeiras e pegar um material ou jogar um papel na lata de lixo. Essas ações
eram realizadas de maneira mais “natural”, enquanto que, no primeiro ano, os alunos
deviam pedir permissão para quase tudo que faziam espontaneamente durante o
período em que estava no jardim da infância.
Citamos esses exemplos para justificarmos que a presença do equipamento de
vídeo era apenas mais um elemento dentre os outros com os quais os aprendentes
deviam se acostumar. Por isso, não houve motivo para se ter uma preocupação
específica com a inclusão desse “novo” objeto em sala de aula, uma vez que tudo, de
alguma maneira, era considerado novidade para os alunos. Porém, sabemos que, no
início, o fato de os aprendentes estarem em uma situação nova ao mesmo tempo que
estão sendo filmados pode passar uma sensação de desconforto, sobretudo pelo fato
de poderem pensar que estão sendo monitorados e que, mais tarde, tudo o que
fizerem em sala de aula poderá ser cobrado no final do semestre. Contudo, devemos
mencionar que o convívio dos alunos com o pesquisador durante as aulas e na hora
dos intervalos, ajudou no processo de desmistificação desses anseios que puderam ter
afetado os aprendentes durante algum período de tempo. A prova disso está em
nossos dados. Se no início, os alunos olhavam demasiadamente para a câmera,
provavelmente preocupados com o que o pesquisador filmava, ao longo do semestre
175
letivo, já não demonstravam mais essa inquietação, uma vez que o pesquisador,
diversas vezes, passou a filmar aluno por aluno realizando atividades em suas
carteiras sem que esses realizassem movimentos de desaprovação ou de rejeição.
4.2.3 – Transcrições
Quando tivemos contato com as gravações, as 37 aulas já estavam transcritas.
Esse trabalho foi realizado por assistentes de pesquisas participantes do projeto no
qual este estudo está inserido. Os assistentes de pesquisas são alunos do terceiro e do
quarto anos da Licenciatura de Estudos Portugueses da Universidade de Macau.
Esses alunos têm o cantonês como língua materna e já apresentam um domínio
aceitável de português, uma vez que são capazes de realizar várias tarefas na línguaalvo, como traduzir trechos de fala do cantonês para o português (uma vez que já
participaram de cursos com essa finalidade). Essa última habilidade, sobretudo, foi a
razão de conferir a tarefa de transcrição aos assistentes em questão. Como há trechos,
durante as aulas, em que a professora e os alunos falam em cantonês, era necessário
que houvesse pessoas proficientes nessa língua com um bom domínio de português
(e já com uma certa noção de técnicas de tradução) para traduzir e transcrever esses
dados. Para isso, antes foi fornecido a esses assistentes um treinamento para que
esses pudessem se familiarizar com as convenções de transcrição e, somente após o
término desse treinamento, foi que os assistentes iniciaram o trabalho. Nos excertos
que apresentaremos no próximo capítulo, destinado à discussão dos resultados, os
momentos em que os participantes falam em cantonês aparecerão já traduzidos para
o português com fontes em negrito e em itálico. Como o português europeu é o mais
176
enfatizado no curso de PFOL em que os assistentes estão matriculados, os dados
traduzidos para o português aparecerão nessa variante.
As convenções utilizadas na transcrição são apresentadas na Tabela 2 logo a
seguir:
Tabela 2: Convenções de Transcrição23.
Símbolos
Especificação
Palavra
Palavra
((palavra))
“palavra”
PALAVRA
[Palavra
Fala em português
Fala em cantonês
Elementos não-verbais ou comentários do pesquisador
Fala cantada
Fala em voz alta
colchete simples, marcando o ponto de concomitância sobreposições de vozes (quando a concomitância de vozes se dá
apenas em um dado ponto, com apenas um dos falantes dando
continuidade à fala)
colchetes duplos no início do turno simultâneo (quando dois
falantes iniciam o mesmo turno juntos)
colchete abrindo e fechando o ponto da sobreposição, com
marcação nos segmentos sobrepostos - sobreposições localizadas
Fala incompreensível
pausas
descida leve, sinalizando final o enunciado
subida rápida, sinalizando uma interrogação
subida rápida, sinalizando exclamação
descida leve, sinalizando que mais fala virá
fragmentação de unidade entonacional antes da conclusão do
contorno entonacional projetado
obs: não é enunciado o final projetado da palavra
indicação de discurso direto após verbos dicendi
alongamento da vogal - duração maior do alongamento da vogal
silabação
reduplicação de letra ou sílaba
dúvidas, suposições, anotações do analista, observações sobre o
comportamento não verbal (riso, tosse, gestos, ruídos do meio
ambiente, dentre outros)
pausa preenchida, hesitação ou sinais de atenção
[[Palavra
[Palavra]
(???)
(1,5)
.
?
!
,
/
:
:: ou :::
----Repetições
(palavra)
eh, ah, oh, ih
hum, ahã
humhum
/.../
=
23
indicação de transcrição parcial ou de eliminação
dois enunciados relacionados, sem pausa na fala justaposta
Convenções feitas com base em: Marcuschi (1991) e Tannen (1984).
177
Embora já tivéssemos acesso às transcrições quando recebemos os dados
gravados em vídeo, optamos, primeiramente, por assistir a todas as aulas antes de
consultarmos os arquivos escritos, não necessitando, desse modo, interromper o
visionamento dos dados para acompanhar trechos de fala transcrita. Esse
procedimento está de acordo com o que Erickson (1992:217) propõe: “Using the
original footage, one starts by reviewing the whole event at regular speed, without
stopping at any point along the way”.
Após o primeiro visionamento, assistimos às aulas mais uma vez, tomando
nota de elementos que pudessem provocar mudanças na organização do espaço
interativo no contexto observado. Com as anotações já realizadas, procedemos a uma
seleção criteriosa, reassistindo a trechos relatados nas anotações e também
analisando o arquivo de transcrições em um terceiro visionamento, para decidirmos
quais aulas apresentavam dados relevantes para serem analisadas neste trabalho. Das
37 aulas que assistimos, selecionamos 18 para comporem o corpus deste estudo.
Dessas 18 aulas 24 , retiramos 38 excertos que foram analisados detalhadamente
durante um terceiro visionamento. Nesse visionamento, realizamos uma revisão das
transcrições e adicionamos descrições de elementos de natureza não-verbal, que
influenciavam, de algum modo, as ações dos participantes.
É importante mencionar, contudo, que esses elementos não-verbais
adicionados nas transcrições tratam-se de um recorte. Isso significa que adicionamos
apenas a descrição de aspectos de ordem extralinguística que têm relevância para a
nossa análise. Justificamos essa escolha pela razão de não se pretender sobrecarregar
a transcrição com elementos fora do escopo de nossa análise. Em um encontro social,
24
As aulas utilizadas para análise deste estudo foram as de número: 1, 3, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 19,
20, 21, 22, 23, 24, 25, 35. As transcrições completas dessas aulas estão disponíveis no Anexo III (em
CD) deste trabalho.
178
há inúmeros movimentos que acontecem ao mesmo tempo, ficando praticamente
impossível descrever todos eles em uma transcrição, por mais completa que seja.
Devemos lembrar, também, que isso não se limita aos aspectos de ordem não-verbal,
as falas também ocorrem sobrepostas umas as outras e um analista deve saber
selecionar os dados de interesse de acordo com o que pretende analisar.
Após um terceiro visionamento, houve repetidas análises dos trechos
selecionados, algumas delas com o pesquisador presente na ocasião da coleta dos
dados. Esses repetidos visionamentos foram necessários para se obter um
entendimento mais detalhado do comportamento organizacional dos eventos
interativos na sala de aula em questão para que, assim, pudéssemos agrupar os dados
em categorias que facilitassem a apresentação e a discussão dos mesmos. Além disso,
durante esses visionamentos, selecionamos algumas imagens para apresentá-las
como figuras na seção destinada a análise dos dados. Essas imagens ajudarão no
entendimento de algum movimento, postura corporal ou outros aspectos não-verbais
(objetos, figuras etc) presentes no evento analisado e mencionados durante a
transcrição. É importante mencionar que, para proteger a identidade dos participantes,
realizamos um tratamento prévio dessas imagens, ofuscando a região da face de cada
sujeito ou cobrindo a imagem de todo o seu corpo quando o participante aparece em
posição frontal à câmera.
Quantos aos excertos de transcrição que selecionamos para análise,
utilizamos o seguinte método para indentificá-los: primeiramente, aparecerá, antes da
apresentação de cada extrato de fala, a palavra “Excerto” seguida de um número (1, 2,
3 etc). Depois, mencionaremos a aula à qual corresponde esse excerto (Aula 1, Aula
2, Aula 3 etc.), a página em que esse excerto se encontra em nossos arquivos de
transcrição (p. 3, por exemplo) e, finalmente, o intervalo de linhas correspondentes
179
àquele excerto na página em questão (22-45, por exemplo). Apresentamos, a seguir,
um exemplo:
Excerto 1: Aula 3 (p.10) 12-31
Isso significa que o Excerto 1 é correspondente à transcrição da Aula 3, foi
retirado da página 10 do arquivo de transcrição da mencionada aula e incia-se na
linha 12 da referida página, extendendo-se até a 31. A veracidade dessa informação
poderá ser verificada no Anexo III deste trabalho (arquivo em CD), em que
disponibilizamos a transcrição completa de todas as aulas das quais retiramos algum
excerto para análise.
4.3 – Contexto da pesquisa
O contexto deste estudo é uma sala de aula de uma escola luso-chinesa de
Macau. Essa escola foi fundada no início da década de 1950 e, como já mencionado
na seção 1.2 deste trabalho, é localizada perto da fronteira entre Macau e a China
Continental. A língua de instrução da escola é o cantonês. Nas aulas de português,
embora a professora procure falar o máximo do tempo possível na língua-alvo, o
cantonês continua sendo a língua de interação entre os alunos e, na maioria dos casos,
entre a professora e os alunos também (especialmente quando é necessário fornecer
instruções sobre uma determinada atividade ou quando a professora chama a atenção
de algum aluno em particular).
Essa escola é uma instituição de ensino de período integral. As aulas do nível
primário começam às oito da manhã e terminam às quatro da tarde. As aulas de
português acontecem cinco vezes por semana, com duração de quarenta e cinco
minutos cada. Na maioria das vezes, as aulas são conduzidas na mesma sala em que
180
os alunos ficam com a professora referência da turma 25 (no caso, não-falante de
português). Essa sala, a qual chamamos de Sala 1, é equipada com três lousas (duas
fixas e outra móvel), um tablado, um monitor de vídeo, e um rádio CD player e
alguns armários, alinhados nas duas laterais da sala. Nesses armários, são guardados
materiais utlizados nas aulas (livros, canetas, lápis de cor, cola, tesouras, papéis etc).
Há também um quadro, localizado no fundo da sala, onde são fixados trabalhos
realizados pelos alunos em sala, durantes as aulas com a professora referência da
turma. A sala também possui um computador (tipo desktop) na mesa da professora e
um ar condicionado. As carteiras dos alunos seguem a posição convencional,
alinhadas em fileiras (no sentido vertical), cada uma delas separadas por um pequeno
corredor. No total, são vinte carteiras na sala de aula, divididas em cinco fileiras de
quatro carteiras cada. Observemos a Figura 1:
P
F
F
C
M
L
V
T
A
A
A
A
A
A
A
A
A
A
A
A
A
A
A
A
E
G
R
J
R
J
R
J
R
R
R
Q
Figura 1: Disposição espacial dos equipamentos e objetos da Sala 1. Legenda: A – carteira dos alunos;
C – computador; E – porta de entrada; F – lousas fixas; G – rádio CD player; J – janela; L – lixeira;
M – lousa móvel; P – mesa da professora, Q – quadro com trabalhos dos alunos; R – armários; T –
tablado; V – monitor de vídeo.
25
Os alunos passam a maior parte do tempo com a professora referência da turma. Somente quando há
aula de Língua Portuguesa ou de Educação Física é que a troca de professores.
181
Contudo, por vezes, as aulas são realizadas em uma sala específica para o
ensino de PFOL, a qual chamamos de Sala 2, em que as carteiras são agrupadas lado
a lado, o que facilita o trabalho em pares. Quando isso ocorre, a interação entre os
alunos (uma vez que passam a ficar mais próximos um dos outros) é muito comum.
Essa sala de aula é equipada com quase os mesmos aparelhos e objetos da sala
apresentada anteriormente, com exceção de ter mais cateiras (trinta, no total),
alinhadas em três fileiras (no sentido vertical) de cinco pares de carteiras cada. Outra
exceção é o quadro que apresenta os trabalhos dos alunos. Esse quadro contém
atividades que os aprendentes realizam somente nas aulas de PFOL, portanto, todos
eles estão em português. Observemos a Figura 2:
P
F
C
V
J
M
L
T
R
A
A
A
A
A
A
A
A
A
A
A
A
A
A
A
A
E
G
R
R
R
J
F
R
A
A
A
A
A
A
A
A
A
A
A
A
A
A
A
A
R
Q
Figura 2: Disposição espacial dos equipamentos e objetos da Sala 2. Legenda: A – carteira dos alunos;
C – computador; E – porta de entrada; F – lousas fixas; G – rádio CD player; J – janela; L – lixeira;
M – lousa móvel; P – mesa da professora, Q – quadro com trabalhos dos alunos; R – armários; T –
tablado; V – monitor de vídeo.
Em algumas aulas, as atividades são conduzidas no laboratório de línguas, o
qual chamamos de Sala 3, que tem uma disposição espacial um pouco diferente das
salas de aula convencionais. Nessa sala, os alunos sentam-se em carteiras agrupadas
uma ao lado da outra, com apenas dois corredores laterais por onde a professora ou
182
os alunos podem passar para se movimentarem dentro da sala em questão. Esse tipo
de disposição espacial facilita a interação entre os aprendentes (como ocorre também
no segundo caso apresentado na figura 2). Além disso, esse esquema de disposição
das carteiras é mais parecido com o qual os alunos estavam acostumados no jardimda-infância (onde sentavam em volta de mesas com vários colegas). A Sala 3 é
equipada com uma tela branca, localizada no centro da sala, um rádio CD player e
com um computador (do tipo laptop), conectado a um aparelho datashow, que
projeta imagens e vídeos para a tela branca e uma impressora. No total, são vinte e
três carteiras, agrupadas em cinco fileiras no sentido horizontal (três fileiras com
cinco carteiras e duas com quatro). Observemos a Figura 3:
B
E
M
R
A A A A
L
I
J
A A A A
A A A A A
C D A A A
G
A A A A A
R
Figura 3: Disposição espacial dos equipamentos e objetos da Sala 3.
Legenda: A – carteira dos alunos; B – tela branca; C – computador;
D – Aparelho datashow; E – porta de entrada; G – rádio CD player; I
– impressora; J – janela; L – lixeira; M – lousa móvel; R – armários.
4.4 - Participantes de pesquisa
Os participantes envolvidos nesta pesquisa consistem de vinte e três alunos,
uma professora e um pesquisador. Os alunos são, em sua maioria, de origem chinesa
183
e têm o cantonês como língua materna. Apenas uma aluna, identificada pelo nome de
Gabriela26, é de origem filipina e sua língua materna é o tagalo. Apesar disso, essa
aluna já aparenta ter o cantonês como língua segunda, uma vez que se comunica
nessa língua em seu dia-a-dia, interagindo com a professora e com os colegas e não
apresentando nenhuma dificuldade aparente nas atividades diárias em sala de aula.
Todos os alunos residem em Macau e têm por volta de seis anos de idade.
A professora de PFOL participante da pesquisa (identificada pelo nome de
Roberta) é de origem chinesa. Trata-se de uma jovem professora (de
aproximadamente trinta anos) que nasceu em Macau e tem o cantonês como sua
língua materna. Roberta graduou-se em um curso de Licenciatura em Estudos
Portugueses em uma importante universidade do território e já ensina PFOL há oito
anos, apresentando um bom domínio da língua-alvo. Ela sempre trabalhou na mesma
escola luso-chinesa em que os dados foram coletados. O horário semanal de Roberta
na escola em questão é de 36 horas, incluindo as aulas (24 horas), as atividades
extras27 (9 horas), as reuniões e os conselhos de classe (3 horas). Em razão de sua
agenda atribulada, sobra muito pouco tempo a Roberta para preparar as suas aulas e
checar os trabalhos que os alunos produzem em sala.
De acordo com a entrevista concedida por ela, a sua tarefa de ensinar PFOL
fica ainda mais difícil em razão do desinteresse por parte dos pais quanto ao
desempenho de seus filhos nas aulas de português. Em sua opinião, isso se explica
pelo fato de a disciplina de PFOL não ter muito peso no sistema de avaliação (apenas
um ponto, enquanto disciplinas como Chinês e Matemática têm dois). Considerando
a influência externa que os pais têm na educação dos filhos dentro da cultura chinesa,
26
Para proteger a identidade dos participantes de pesquisa, todos os nomes utilizados nos excertos
apresentados são fictícios.
27
Roberta participa do jornal da escola como colaboradora e tem um horário semanal em que fica
disponível para o atendimento a alunos e pais.
184
sempre deixando claro a necessidade de se ter boas notas na escola (Dahlin, Watkins
& Ekholm 2001), esse fato pode ter um papel substancial no futuro interesse das
crianças pela língua portuguesa.
O pesquisador participante da pesquisa é de origem brasileira e tem o
português como língua materna. Ele será identificado nos dados pelo nome de Rui. O
pesquisador tem uma participação ativa durante as aulas, uma vez que não se limita a
apenas operar a câmera. Como parte de suas funções no projeto (o qual foi
mencionado na seção 4.2) de que faz parte, Rui também prepara as aulas juntamente
com a professora em reuniões semanais e sempre tenta interagir com os alunos em
língua portuguesa dentro de sala de aula. Embora não seja falante de cantonês, Rui
vai desenvolvendo uma boa relação com os alunos durante o semestre letivo. Esse
fato colabora para a eliminação do estranhamento inicial por parte dos aprendentes
quanto a presença da figura de um pesquisador na sala de aula.
Após apresentarmos a perspectiva metodológica deste estudo, bem como
informações sobre o instrumento de coleta e a geração dos dados. Além disso,
fornecemos de uma descrição do contexto analisado e dos participantes de pesquisa,
de acordo com os dados que tínhamos das entrevistas (com a professora e com o
pesquisador) e do relatório sobre a escola. No capítulo seguinte, passaremos para a
apresentação e a discussão dos dados gravados em vídeo, analisando como a
estrutura de participação é a todo o momento reconfigurada por meio da violação e
apropriação do discurso institucional da sala de aula.
185
5 – RESULTADOS
Após uma análise prévia de nossos dados, observamos que a professora não
era a única responsável por propor novas maneiras de participar em sala de aula. O
conteúdo de nossas gravações mostrou também existir uma influência das ações dos
aprendentes na organização do espaço interativo da sala de aula. Além disso,
verificamos que essas ações, de uma maneira ou de outra, estão relacionadas a uma
reorganização discursiva e a uma mudança de papéis, que são a todo o momento
renegociados e reconstruídos por todos os participantes da interação. Não são raras as
vezes, por exemplo, em que a professora vê-se obrigada a se dirigir a um aluno ou a
um fato específico, alterando o conteúdo de sua fala ou até, por consequência disso,
perdendo momentaneamente o seu papel de docente.
Esses processos de renegociação discursiva e troca de papéis podem trazer
novas relevâncias à interação, provocando o fenômeno em foco deste estudo: as
reconfigurações das estruturas de participação, que como já discutido no capítulo 2,
não é de responsabilidade apenas de um sujeito (no caso, o professor), mas de uma
ação conjunta de todos os participantes influenciada por elementos verbais e nãoverbais (fala, silêncio, gestos, olhares, objetos etc) que se fazem presentes durante
qualquer encontro social.
Nos dados deste trabalho, por exemplo, notamos haver duas ações por parte
dos aprendentes que podem provocar reconfigurações nas estruturas de participação
na sala de aula investigada: um de subversão ao discurso institucional e o outro, de
apropriação do mesmo. Portanto, para organizar e categorizar os dados deste trabalho,
dividimos este capítulo em duas seções. A primeira caracteriza-se pela subversão ou
renegociação, por parte dos alunos, às ordens impostas pelo discurso da professora.
186
Quando um aprendente não satisfaz os requisitos do ritual em sala de aula, há um
“empecilho” (Goffman 1981) que obriga a professora a reestruturar alguns elementos
discursivos e, consequentemente, a reconfigurar a estrutura de participação. A
segunda parte refere-se à apropriação por parte dos aprendentes desse discurso
institucional, que a professora inicialmente detém. Há vários momentos em que os
alunos “usurpam” (Bakhtin 1986) o papel da professora (e consequentemente o seu
discurso) para cobrar uma regra de um outro participante (às vezes, até mesmo da
própria professora), provocando uma alteração de posicionamentos. Isso leva a uma
quebra de expectativas e a uma reorganização dos espaços interativos, alterando,
também, as maneiras de se participar.
A seguir, apresentaremos esses resultados, discutindo-os com base no
arcabouço teórico apresentado nos capítulos 2 e 3.
5.1 - Subversão ao discurso institucional
Esta primeira parte, na qual discutiremos a “resistência” por parte dos
aprendentes às regras impostas pela professora, foi dividida em duas subcategorias,
cada uma subdividida em quatro subseções. A primeira destina-se ao nãocumprimento das regras relacionadas a elementos não-verbais. Na primeira subseção,
atentaremos à postura corporal dos apredentes, que, por vezes, é considerada
incorreta pela professora. Após notar que um aluno não se sentava correctamente
(com o corpo virado para a frente e com as mãos em cima da mesa), a aula era
interrompida por Roberta para que essa pudesse corrigir a postura do aprendente.
Isso provocava uma reconfiguração na estrutura de participação.
187
Na segunda subseção, discutimos aspectos da linguagem corporal (gestos) e
do cenário (objetos e imagens) que, após serem inseridos no espaço interativo,
trazem novas relevâncias ao jogo social, modificando a maneira de se participar
durante a atividade proposta em aula.
A segunda subcategoria desta primeira parte da análise dos dados está
relacionada aos elementos verbais. Na primeira subseção desta subcategoria,
discutiremos o que se espera e o que não se espera que os aprendentes digam em sala.
Como já mencionado na seção 1.3, as regras às quais esses alunos estavam
acostumados no jardim-da-infância eram diferentes das quais eles têm no primeiro
ano. Por isso, enquanto que, no jardim-da-infância, os alunos não precisavam pedir
permissão para fazer as coisas mais corriqueiras durante a aula (como jogar papel no
lixo, pegar algum material em outra mesa etc), no primeiro ano, “falhar” em fazer um
pedido de permissão para realizar essas ações é considerado, por parte da professora,
uma violação à regra. Quando Roberta notava tal violação, a aula era interrompida e
a estrutura de participação consequentemente reconfigurada. Por outro lado, havia
também momentos em que os alunos produziam uma fala “indesejada” pela
professora. Quando isso ocorre, quase sempre a aula era interrompida por Roberta,
quando essa notava tal violação, a professora interrompe a aula e reconfigura a
estrutura de participação, dirigindo-se ao aprendente que produziu a referida
elocução.
Na segunda subseção, identificaremos algumas situações nas quais a
professora vê-se obrigada a modificar o seu discurso para reelaborar uma pergunta,
alterando a forma de se endereçar à sala e, consequentemente, a maneira de se
participar na aula. Esse fenômeno ocorre quando um aprendente “resiste” em
cumprir alguma regra de conduta, como: responder às perguntas da professora, não
188
comer na sala de aula, não interagir paralelamente com um outro colega enquanto a
professora fala etc.
Antes de iniciarmos a análise, é importante mencionar que esses subgrupos
citados anteriormente foram criados apenas para facilitar a interpretação dos dados,
uma vez que não configuram divisões exatas quanto à natureza dos resultados
apresentados nesta seção. Isso significa que é possível aparecerem na primeira
subcategoria, elementos que também pertençam à segunda; ou vice e versa. É
importante não esquecermos do dinamismo com que os sujeitos reorganizam o
espaço interativo e com que renegociam, o tempo todo, as formas de se participar.
Por essa razão, é teorica e metodologicamente inadequado elaborar uma divisão
canônica que satisfaça cada subcategoria separadamente. Porém, devemos mencionar
que, mesmo sob essas circunstâncias, conseguimos encontrar alguns padrões para
esse agrupamento, conforme apresentaremos a seguir.
5.1.1 – Elementos não-verbais
5.1.1.1 - Postural Corporal
É natural, após a entrada dos aprendentes no primeiro ano do ensino
primário ou fundamental (primeiro ciclo), os professores estabelecerem algumas
regras de comportamento, configurando a postura que esperam dos seus alunos
quando esses participam das aulas. Essas regras, portanto, tornam-se condições de
participação, pois quando são violadas, o professor interrompe a aula e somente a
prossegue quando o aluno adota posturas consideradas adequadas.
Nos dados analisados, uma dessas condições de participação imposta por
Roberta desde o início do ano letivo é a postura corporal. Na maior parte do tempo,
189
os aprendentes devem ficar alinhados fisicamente de um modo predeterminado. O
comportamento não verbal é, portanto, fundamental nesses momentos. A professora,
em nosso primeiro exemplo, alinha todos os alunos em pares e inicia uma atividade
lúdica, em que todos devem se cumprimentar cantando. Os alunos devem repetir a
letra da canção (“Bom dia! Bom dia! Bom dia!”...) em pé, olhando para seus
parceiros. Em um momento específico da canção, todos se cumprimentam com um
aperto de mão, dizendo: “Como estás?” Em seguida, respondem: “Estou bem! Estou
muito bem!”, acenando com o polegar para cima. Finalmente, agradecem
respondendo “Obrigado(a)”, fazendo um gesto para baixo com a cabeça. Na Figura 4,
a seguir, é possível observar o momento em que os alunos, com a ajuda do
pesquisador, realizam a atividade. A professora estava na frente da sala e não aparece
na imagem.
Figura 4: Alunos realizando a atividade lúdica com a participação do pesquisador.
Após o término da atividade, a professora divide a sala em dois grupos
(meninos e meninas) e pede para que realizem a atividade novamente com os seus
pares na frente da sala, enquanto o restante dos alunos assiste em silêncio com as
mãos sobre a mesa (uma postura indicada pela professora desde a primeira aula).
190
Excerto 1: Aula 3 (p.13) 12-31
12.
13.
14.
15.
16.
17.
18.
19.
20.
21.
22.
23.
24.
25.
26.
27.
28.
29.
30
31.
Roberta
Roberta
Alunos
Alunos
Roberta
Alunos
Roberta
Alunos
Roberta
Rui
Roberta
Roberta
Roberta
Aluno
Roberta
Roberta
Giro! Vocês? Está bom!
O que temos de fazer agora?
Um!Dois!Três!
“Bom dia! Bom dia! Bom dia!Como estás?”
“Bom dia! Bom dia! Bom dia!Como estás?”
“Eu estou bem! Estou muito bem! Obrigada!Obrigada!”
((Palmas)) Tá bom!O que vão dizer?
Muito bem!
Muito bem!!
Muito bem!
(???) Sozinho? Só um? Com quem vai cantar?
(???)
Está bem, tá bem! Não fala agora! Agora não !
Sentem-se bem primeiro!Como é que eu vos disse para se sentar bem
ontem? Como é que têm de se sentar na aula de português?
As mãos! Ponham as mãos em cima de mesa! Sim.
Lok,Guarda! Guarda o lixo! ((referindo-se a um lenço de papel))
Guarda o... /
Guarda! Guarda!
Eu já tinha dito como têm de se sentar bem, pois não?!Como? Sim.
Como já discutimos na subseção 3.1.3 deste trabalho, C. Goodwin chama a
atenção para os movimentos corporais dos participantes através dos quais é possível
sinalizar (re)engajamento, manutenção ou finalização da interação. Os participantes
utilizam seus corpos e uma variedade de fenômenos vocais para mostrarem que
forma de atenção estão dando aos eventos do momento, e, reciprocamente, o tipo de
orientação que eles esperam dos outros participantes. No caso em questão, a
professora, depois de iniciar uma atividade em que todos os alunos tinham de repetir
uma canção, nota que alguns aprendentes não estão com a mão sobre a mesa. Isso é
imediatamente interpretado por ela como falta de engajamento na interação, uma vez
que Roberta interrompe a atividade para realinhar os alunos da maneira previamente
estabelecida como “correta” (linha 25).
A exemplo do caso apresentado na subseção 3.1.8, em que o pai
interrompeu a interação com a filha porque essa não quis se alinhar de acordo com a
exigência imposta por ele, no caso em questão, parece também haver aqui uma
191
condição para que a atividade continue. Isso provoca uma mudança na estrutura de
participação, uma vez que a professora dirige-se apenas aos alunos que não estavam
com as mãos em cima da mesa para tentar “corrigir” as suas posturas (“Sentem-se
bem primeiro”). Nesse momento, a professora endereça como interlocutores apenas
os aprendentes em questão, deixando de “plateia” ou ouvintes não-endereçados, o
restante da sala. Porém, pouco depois, Roberta volta-se ao restante da turma e
pergunta como os alunos devem se sentar (linhas 25-26). Essa mudança permite à
professora visualizar um aprendente, de quem ela já tinha chamado a atenção, que
estava com um lenço de papel na mão. Ela, imediatamente, dirige-se a esse
aprendente, pedindo-lhe duas vezes para guardar o lenço (linhas 28-31). Mais uma
vez, temos outra alteração na estrutura de participação. A professora, dessa vez,
endereça apenas um ouvinte e o restante da sala fica como ouvintes não-endereçados.
Como já observamos, Roberta teve que interromper a atividade daquele
momento para, então, reorganizar o espaço interativo. Isso indica que um simples
movimento (como tirar as mãos de cima da mesa ou pegar um lenço de papel) pode
ser razão suficiente para causar uma interepretação de desengajamento, que
provocará (pelo menos neste caso) uma mudança na maneira de a professora dirigirse aos alunos, reconfigurando, consequentemente, toda a estrutura de participação de
um encontro social.
Vamos a outro exemplo:
Excerto 2: Aula 1 (p.1) 8-39
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
Prof Ch
Alunos
Prof Ch
Alunos
Roberta
Roberta
Alunos
Roberta
Alunos
Bom, esta é a sua professora de português, professora!
((permanecem sentados)) Professora!
Ora, levantem-se! Quem não lembra que têm de se levantar !?
Professora!
Sentem-se, sentem-se! ((Faz um gesto para baixo com as mãos))
Bom dia!
Bom dia!
Meninos, eu chamo-me Roberta. ((Apontando para si))
[ROBERTA.
192
17.
18.
19.
20.
21.
22.
Roberta
Alunos
Prof Ch
Roberta
Aluno
Roberta
23.
24.
25.
26.
Alunos
Roberta
Roberta
Roberta
27.
28.
29.
30.
31.
32.
Alunos
Roberta
Roberta
Roberta
Roberta
Roberta
33.
34.
35.
36.
37.
38.
39.
Roberta
Roberta
Roberta
Roberta
Alunos
Roberta
Roberta
ROBERTA.
ROBERTA.
Bom, ponha-o para atrás!
Roberta. ((olhando para toda a sala))
Roberta. ((olhando para Roberta))
Vocês chamem-me Professora Roberta! ((olhando para o aluno e voltando o olhar
novamente para a sala))
[Pro-fe-sso-ra Ro-ber-ta.
Sim, muito bem!
Então, vamos fazer mais uma vez!
Levantem-se! Le-van-tem - se! ((Ergue os braços, sinalizando que os alunos devem se
levantar))
((Os alunos levantam-se.))
Assim. ((Deixa os braços colados ao corpo))
((A professora vai a arrumar as cadeiras e ensinar os alunos a como se sentar.))
Deve ser assim. De pé assim.(???)
Professora...!
Ah? Todos têm de ser direitinhos. Que foi?
((dirigindo-se a uma menina)) Levanta-te
(???)
Sim,muito bem.⁄(???)⁄ Mais uma vez, bom!
Já? Tá bom
Bom dia!
Bom dia! Professora Roberta.
[Professora Roberta.
Muito bom, sentem-se!
Nesse outro excerto, retirado da primeira aula, mais especificamente no
momento em que a professora referência da turma (Profa Ch) apresenta aos alunos a
professora de português, temos uma situação semelhante à anterior. A violação das
regras, nesse caso, também é uma questão de postura corporal. A professora da turma,
ao notar que todos permanecem sentados depois que ela apresenta Roberta, a
professora de português (linha 9), lembra os alunos de que esses devem se levantar
antes de cumprimentar um professor (linha 10). Temos, nesse exemplo, uma típica
mudança de estrutura de participação, provocada pelo não atendimento a uma regra
que, se quebrada, impede a continuação da interação.
Além disso, na maior parte do tempo desde as primeiras aulas, a professora
tenta falar em português com os alunos. Esse fato explica, parcialmente, o porquê da
professora utilizar linguagem corporal (linhas 12, 15 e 26) juntamente com sua fala,
uma vez que os aprendentes são de nível inicial. Porém, essa linguagem corporal tem
193
uma razão mais complexa do que o simples fato de os aprendentes não serem
proficientes em português. Para C. Goodwin (2007), a maneira como os interagentes
movimentam os seus corpos durante um encontro social indica vários fatores
relevantes. Quando a professora quer que os alunos adotem uma postura “correta”
para cumprimentá-la, a sua cabeça movimenta-se mais vezes para cima ou para os
lados a fim de checar se todos na sala estão seguindo as suas orientações.
Contudo, quando a professora nota que uma aluna não adotou a postura
previamente estabelecida (linha 32), a estrutura de participação é mais uma vez
reconfigurada. O seu corpo inclina-se em direção à aprendente e seu olhar mantem-se
fixo nela até que essa se levante como o restante do grupo. É interessante
observarmos que nenhuma palavra em cantonês foi necessária para chamar a atenção
da aluna que não se levantou. Apenas a mudança dos movimentos corporais por parte
da professora e a repetição da expressão “levante-se” em português foram o
suficiente para que a aprendente notasse que algo estava errado. Assim que a aluna se
levanta, a professora endereça todos os alunos novamente, reconstituindo a estrutura
de partipação anterior (linha 34).
É nítido, portanto, que em sala de aula temos momentos que pouco se
assemelham a estados naturais de fala. No excerto acima, os participantes parecem
terem de seguir um ritual, algo previamente elaborado que apresenta uma
importância maior do que o próprio contato pessoal, pois este não se desenvolve ao
menos que certos eventos não-linguísticos sejam cumpridos (note que a elocução
“Professora!”, linha 9, não foi o suficiente para satisfazer as regras do ritual). Em
uma conversa cotidiana, não se levantar ao cumprimentar alguém pode ser
interpretado como uma ação ofensiva ou grosseira, mas dificilmente seria uma
condição para que o cumprimento ocorresse.
194
A exigência de ter que se cumprir rituais não-linguísticos em certos
encontros sociais (em nosso caso, na sala de aula), faz com que os participantes
distanciem-se dos outros interagentes que têm o poder de estabelecer e cobrar certas
regras de conduta. Por essa razão, mesmo que haja fala durante esses encontros, ela
se torna previsível (até mesmo por serem trocas ritualizadas bastante caracterizadas,
ver linhas 9, 11, 13 e 14 do último excerto), assemelhando-se mais a
empreendimentos fisicos (e linguísticos) mutuamente coordenados 28 do que a
eventos de ocorrência natural da fala (Goffman 1981). Porém, é interessante
observarmos que mesmo estando em uma posição hierarquicamente inferior em
relação à professora (figura que dita as regras), os alunos subvertem certos esquemas
do ritual, provocando na maioria das vezes, uma interrupção na interação. É isso que
Goffman (idem) denomina “empecilho”. Esse assunto será
mais abordado nos
próximos exemplos.
A professora, no excerto seguinte retirado da aula 11, estava contando a
história da “Arca de Noé”29 para os aprendentes. O objetivo era trabalhar com os
nomes de animais em português. Por isso, após uma breve contextualização, parte da
qual é apresentada logo a seguir, a professora fixaria figuras de animais, uma a uma,
dentro da figura de um barco desenhado em uma folha de cartolina, colada em um
quadro no canto da sala. Conforme fosse fixando as figuras, a professora ia dizendo
os nomes dos animais em português.
28
Goffman (1981:142) dá o nome ‘empreendimentos físicos mutuamente coordenados’ (mutually
coordinated physical undertaking) a rituais frequentemente truncados em que tarefas nãoconversacionais estão sendo realizadas. Quaisquer palavras produzidas neste contexto são
simplesmente partes integrantes destes rituais e não atividades reais de fala.
29
De acordo com tradições religiosas, a “Arca de Noé” consiste em um grande navio construído por
Noé, a mando de Deus, para abrigar, além de si e sua família, um casal de cada espécie de animal da
Terra antes que viesse um imenso dilúvio que cairia sobre o planeta durante muitos dias. Esta história
é amplamente difundida em religiões ocidentais e orientais, sendo encontrada na Bíblia, no Alcorão e
em outras fontes.
195
No exemplo que segue, Roberta começa a contar a história, mas é
interrompida por um aluno que apresentava uma postura corporal considerada
inadequada por ela. Nesse momento, a professora reconfigura a estrutura de
participação, endereçando somente o aluno em questão. No momento seguinte, um
outro aluno levanta a mão para fazer um comentário (linha 36), mas é repreendido
por Roberta, que altera mais uma vez a estrutura de participação, endereçando, dessa
vez, apenas esse outro aluno, que também apresentava uma postura corporal
considera incorreta. A repreensão gera gargalhadas no restante da sala, que até
aquele momento, estava participando como ouvintes não-enderaçados.
Excerto 3: Aula 11 (p.1) 30-38
30.
31.
32.
33.
34.
35.
Roberta
Alunos.
Roberta
Roberta
Roberta
36.
37.
38.
Aluno
Roberta
Alunos
Deus, não é? Deus significa Deus, ele era muito alto, é quem
construía o barco, ok?
Sim.
Bem. Era uma vez... Era uma vez , era uma vez, em português
(???)
Ming! Lok!! Ora, se você não prestar atenção em mim, não temos tempo suficiente
para contar ((a história)), o Noé ainda não vai poder embarcar na próxima aula! Tá
bom?
Eu cá sabia!! ((com a mão levantada))
Levantou a mão por quê?
HAHAHA! ((rindo))
Observamos que, a partir da linha 30, todos os aprendentes atuavam como
ouvintes endereçados de Roberta. Porém, na linha 35, vemos como esta estrutura de
participação é modificada, com Roberta dirigindo-se a apenas um aluno para corrigir
a sua postura. Na linha 37, ocorre uma outra reconfiguração na estrutura de
participação, com a professora dirigindo-se a outro aluno em particular. Na linha 38,
os outros aprendentes, que até então participavam como ouvintes não-enderaçados,
ou seja, simplesmente ouvindo o que se passava durante a interação entre dois
participantes, passam a ter um papel mais ativo, emitindo sons de gargalhada.
Essa observação está de acordo com a interpretação de dados apresentados
por diversos autores em trabalhados já discutidos anteriormente (Rampton 2006,
196
Candela 1999, Candela 1991, C. Goodwin 1986a, Mehan 1982), nos quais se indica
que a plateia, por mais hierárquico que seja o evento social, também pode ter um
papel de coautoria no rearranjo dos espaços interativos. Portanto, mais uma vez a
estrutura de participação é reconfigurada, provando que nem sempre quem
“controla” a interação (no caso, a professora) tem o papel de propor ou modificar as
maneiras de participar.
No excerto 4 a seguir, observamos mais uma vez a quebra do ritual por um
aprendente que, ao continuar em pé depois de responder a uma pergunta da
professora, acaba influenciando na reconfiguração da estrutura de participação.
Excerto 4: Aula 11 (p.2) 6-21
6.
7.
8.
9.
10.
11.
Roberta
Aluno
Roberta
Alunos
Alunos
Roberta
12.
13.
14.
Alunos
Roberta
Roberta
15.
16.
17.
18.
19.
20.
Aluno
Roberta
Roberta
Roberta
Aluno
Roberta
21.
Aluno
Sim, sim sim, ANIMAIS... Por isso, por isso, Deus, Deus, mandou o Noé, NOÉ...
[Uma grande árvore!
...Para construir um barco.
[Um barco ...
[Um barco grande ...
Barco muito grande, GRANDE! ((abrindo os braços em sinal de ‘grande’)) O que é
grande?
[Um barco muito grande!
Sim, grande, BARCO, GRANDE... para um local.../
Agora ‘sua família’, percebem o significado? ‘ Família’, o que significa a palavra
‘família’?
Significa animais, animais
Animais?! Sim, obrigada. ((dirigindo-se ao aluno))
Animais, um casal de animal… ((dirigindo-se, agora, a todos os alunos novamente))
((dirigindo-se ao aluno novamente)) Muito bem obrigada, sente-se!
((o aluno senta-se))
((dirigindo-se a todos os alunos novamente)) E ‘ pai ’, ‘ mãe ’, ‘ irmão ’, ‘irmã ’? Que
significa ‘ pai ’e ‘ mãe ’, que significa?
Não sei…
Durante a contação da história, Roberta pedia para os aprendentes
traduzirem algumas palavras para o cantonês para checar entendimento, uma vez que
estava falando em português. Ao perguntar o que significava a palavra “família”
(linha 14), um aprendente levanta-se de sua carteira e responde que significava
“animais” (linha 15). Considerando o tema em discussão (a família de Noé), a
professora considera a resposta correta e agradece ao aluno (linha 16). Isso provoca
197
uma mudança na estrutura de participação, uma vez que Roberta endereça apenas o
aluno em questão, deixando o restante da sala de plateia. Porém, esse aluno continua
em pé quando Roberta decide retomar estrutura de participação anterior, que era a de
endereçar todos os alunos novamente para continuar a história (linha 17). Nesse
momento, percebendo que o aprendente não apresentou a postura corporal correta
para a continuação da atividade, a professora, mais uma vez, reconfigura a estrutura
de participação e novamente endereça apenas o aluno, pedindo para ele se sentar,
impondo essa condição para que a história continue (linha 18). Depois de o aluno
cumprir a condição (linha 19), Roberta continua a história, endereçando toda a sala
(linha 20). A professora, assim, consegue retomar a estrutura de participação na qual
estava antes de perguntar à sala o significado da palavra “família”.
No exemplo seguinte, retirado da aula 19, mais uma vez a professora vê-se
obrigada a interromper a aula para reorganizar a postura de um aluno que havia
violado as regras de conduta, reconfigurando, assim, a estrutura de participação.
Nesse exemplo, Roberta apontava algumas imagens no livro dos alunos para esses as
associarem às expressões “gosta de” e “não gosta de”, lidas por ela em voz alta. A
associação devia ser indicada pelo desenho de um smiley icon (☺ para “gosta de” ou
para “não gosta de”) ao lado da imagem.
Excerto 5: Aula 19 (p.8) 7-17
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
Roberta
Roberta
Roberta
Roberta
Roberta
Aluno
Roberta
Roberta
Aluno
‘Ler’, qual é a imagem de ler? Ler! O Nuno gosta de ler! Então,
onde deves desenhar?
Sim. Tá bom!
E... bem, na mesma linha: O Nuno/
Mesmo aluno, é o segundo menino outra vez, é o mesmo.
O Nuno NÃO/
((Está olhando para trás))
Sentem-se direito! Sentem-se direito! ((dirigindo-se apenas ao
aluno))
((voltando a se dirigir à sala)) E o Nuno não gosta de, não gosta
de... comer! Comer! Na mesma linha! Ele não gosta de COMER!
Comer!
198
Novamente, podemos notar uma mudança na organização do espaço
interativo: a professora interagindo com a sala interrompe a aula para se dirigir
somente a um aluno. Esse movimento reconfigura a estrutura de participação em
razão da subversão à regra “sentar-se olhando para frente” já estabelecido pela
professora desde as primeiras aulas. Observamos também que, embora Roberta
sempre corrija a postura dos aprendentes que não cumprem as regras, esses
continuam a violá-las durante as aulas. No próximo excerto, é possível verificar mais
um exemplo retirado da aula 22:
Excerto 6: Aula 22 (p.6) 1-10
1.
Aluna
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
Roberta
Aluna
Roberta
Roberta
Roberta
Roberta
Aluno
Roberta
Alunos
(???) resíduos da borracha. ((apontando um colega que está sentado
atrás))
Quê?
(???) os resíduos da borracha na mão dele.
Podes virar para trás durante o teste? ((endereçando a aluna))
Não faz isso outra vez, percebes?
Bom, vamos continuar. ((endereçando toda a sala novamente))
O terceiro, há a letra "a"
Al/
Al/
To.
Aproximadamente a partir da metade do ano letivo, os alunos começaram a
cobrar de seus colegas as regras impostas pelo discurso institucional. Por vezes,
faziam isso apropriando-se desse discurso (como poderemos observar na seção 4.2
deste estudo), outras vezes, avisando a professora de que algo estava errado e que ela
deveria interromper a aula para chamar a atenção de alguém (fenômeno que será
discutido na seção 4.1). Esse movimento, que reconfigura a estrutura de participação
da aula, acontece nas linhas 1 e 3, em que a aluna tenta, sem sucesso, fazer com que
a professora chame a atenção de seu colega que estava infringindo uma das regras:
“jogar o lixo fora”. Contudo, Roberta nota que, ao tentar acusar o colega, a
aprendente também comete uma infração à mesma regra mencionada no exemplo
199
anterior: “sentar-se olhando para frente”. Por isso, a estrutura de participação é, mais
uma vez, reconfigurada, com a professora interrompendo a aluna e inserindo um
outro elemento no espaço interativo (entre Roberta e a aluna): a regra de sentar-se
olhando para frente. É importante mencionar que, nesse caso, não houve quebra na
interação (como houve nos exemplos anteriores, quando a professora endereça
alguém em específico), mas a adição de dois elementos (duas regras: “jogar o lixo
fora” e “sentar-se olhando para frente”) que ganharam relevância e influenciaram na
reorganização do espaço interativo.
Podemos observar como as condições de participação vão sendo impostas
pela professora por meio das modificações na estrutura de participação. A sala de
aula vai se tornando um espaço cada vez mais ritualizado, onde a fala dá lugar a
empreendimentos fisicamente coordenados. Porém, há sempre a subversão por partes
dos alunos, que provoca o “empecilho”, reconfigurando a estrutura de participação
por meio da qual uma nova condição de participação será imposta. Esse ciclo pode
permanecer durante toda a aula, provando que dentro de cada ritual imposto, há
variações que provocam rupturas. Isso nos leva a crer que os sujeitos nem sempre
seguem as ações predeterminadas, uma vez que, por vezes, violam as regras e
renegociam a todo o momento as formas de participar durante o dinâmico processo
da interação.
Por esse motivo, não podemos concordar com a concepção tradicional de
estruturas de participação, na qual o professor é o único sujeito capaz de impô-las e
transformá-las (Philips 1971, Erickson e Schultz 1977, Au 1980), pois todos os
participantes de uma sala de aula contribuem, de alguma forma, para o rearranjo
dessas estruturas.
200
5.1.1.2 – Gestos e elementos de cenário
Outra postura que a professora espera de seus alunos é olhar fixo e atento
aos elementos de cenário (mais especificamente, objetos e imagens) para os quais ela
aponta e aos gestos (como já foi previamente abordado no excerto 1) que produz. A
professora, ao fazer isso, insere novos elementos no espaço interativo, obrigando os
aprendentes a mudarem a maneira de participar. No excerto seguinte, Roberta traz
relevância a um objeto na sala de aula que, até o momento, não tinha sido utilizado: o
monitor de vídeo. O monitor disponível na sala de aula em questão (Sala 2) tem
aproximadamente 25 polegadas e fica localizado próximo a um dos cantos da sala, ao
lado de uma das janelas30. Para conseguirem visualizá-lo, os alunos têm apenas que
fazer um pequeno movimento com os seus corpos para o lado esquerdo. A seguir,
apresentamos uma foto da sala de aula em questão para facilitar a localização do
aparelho e a posição dos sujeitos em relação a ele.
Figura 5: Alunos olhando atentamente para o monitor ao mesmo tempo que ouvem a explicação da
professora.
30
Ver Figura 2 na seção 4.3 deste trabalho.
201
O uso desse equipamento reorganiza todo o esquema interacional da aula.
Mesmo levando em conta que monitor não esteja em um local que, para ser utilizado,
exija uma grande redisposição do espaço físico, os papéis dos participantes sofrem
modificações. O professor, por exemplo, passa a não ter mais a atenção total de seus
alunos, dividindo-a com as imagens que são exibidas na tela do aparelho. Os alunos,
por sua vez, ora devem manter o olhar no professor, ora no aparelho. Essa troca
constante pode causar desentendimentos, deixando os aprendentes confusos por não
saberem para onde devem olhar. Por isso, é necessário que o professor indique essa
mudança bem claramante para que os aprendentes saibam para onde devem fixar as
suas atenções. O exemplo foi retirado da aula 12, na qual Roberta propôs, com o uso
do equipamento de vídeo, uma atividade de expansão vocabular relacionada à
história da Arca de Noé, que tinha sido apresentada na aula anterior.
Excerto 7: Aula 12 (p.3) 11-24
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
18.
19.
Roberta
Roberta
Roberta
Roberta
Aluno
Roberta
Roberta
Roberta
Roberta
20.
21.
22.
23.
24.
Roberta
Roberta
Roberta
Aluno
Roberta
Oh meninos, vamos olhar para a televisão.
Vamos olhar para/ para a televisão.
Não, não, não!
Vamos olhar, olhar, que significa “olhar”?
Olhar para a professora.
Sim, sim, olhar para a televisão, tá bom?
Quem é que está a fazer barulho?
Não façam barulho, silêncio! Tá bom?
Kuang Meng, Kuang Meng, mais perto. ((referindo-se à distancia entre o aluno
e o monitor))
Man Lok!
Vamos ver.
Ali.
Barco.
Sim, ali tem um/ barco. Barco.
Podemos verificar que no início do excerto (linhas 11-16), Roberta marca a
passagem de uma estrutura de participação a outra, tentando alinhar os aprendentes à
nova atividade (observar as imagens no monitor de vídeo). Porém, alguns alunos não
se alinham de maneira adequada, fazendo barulho enquanto a professora tenta iniciar
a atividade. Nesse momento (linha 19), Roberta nota que um aprendente (Kuang
202
Meng), não apresentava a postura corporal correta, pois estava muito longe da
televisão (monitor de vídeo). Isso faz com que a professora enderece Kuang Meng
para chamar a sua atenção, reconfigurando a estrutura de participação.
O fato de o monitor de vídeo ter sido um dos elementos responsáveis por
essa reconfiguração (juntamente com a postura “incorreta” do aluno e com a
chamada de atenção da professora), não garante que esse objeto seja, apenas por sua
função e presença no local da interação, um elemento que possa sempre acarretar
alterações desse tipo. Conforme já proposto por Rae (2001) e já discutido na seção
2.4 deste estudo, é a decisão dos participantes em considerar o objeto como algo
relevante que parece ser a causa de o mesmo ocupar um lugar no espaço interativo e
tornar-se um dos elementos que possa reconfigurar, juntamente com outros fatores,
as estruturas de participação de um evento social.
No próximo excerto, Roberta ainda sinaliza a importância de se olhar para a
tela do monitor, matendo a relevância desse objeto na interação.
Excerto 8: Aula 12 (p.4) 35-44
35.
36.
37.
38.
39.
40.
41.
42.
43.
44.
Roberta
Roberta
Alunos
Roberta
Roberta
Roberta
Alunos
Alunos
Roberta
Roberta
A mãe, a mãe.
Mãe.
Mãe.
E um filho, aqui.
Aqui, um filho e mais dois/ filhos aqui. ((apontando para a imagem no vídeo))
Um/dois/ três. ((vai ao encontro de um aluno que estava desatento))
[Um, dois, três.
Um, dois, três. ((volta a endereçar o restante da sala))
Sim, um, dois, três, aqui.
E agora, e agora, já está?
Pode-se notar a ratificação da importância de se olhar para o monitor pela
repetição, por parte da professora, da palavra “aqui” (linhas 38, 39 e 43) e pelo gesto
apontando para a imagem no vídeo (linha 39). Esse “dever” que os alunos são
obrigados a cumprir é uma condição para que a aula continue. Caso venha a ser
violado, a professora pode reorganizar o espaço interativo e reconfigurar a estrutura
203
de participação, endereçando o aprendente que não deu a devida relevância ao
aparelho (objeto) com o qual Roberta estava trabalhando naquele momento. É o que
de fato acontece na linha 40.
Após reconfigurar a estrutura de participação, a professora retoma a anterior
(linha 42), voltando a endereçar a classe toda. Esse movimento de violação e
cobrança de regras, como já mencionado, é mantido durante a maior parte da aula,
estabelecendo um processo contínuo de reorganização do espaço interativo e da
consequente reconfiguração das estruturas de participação.
Já no final da aula 42, Roberta, prestes a concluir as últimas instruções para
dar continuidade à atividade na aula seguinte, chama a atenção dos alunos para que
esses olhem exclusivamente para ela (desconsiderando o vídeo por alguns
momentos), para que essa possa finalizar a sua exposição. Contudo, os alunos ainda
continuam a fazer menção às imagens apresentadas no vídeo, ação essa que ainda
mantém a relevância desse equipamento no espaço interativo. Nesse momento,
Roberta reclama o seu papel naquele espaço, cobrando a atenção dos aprendentes e
reconfigurando a estrutura de participação. Observemos o trecho que segue, também
retirado da aula 12:
Excerto 9: Aula 12 (p.17) 54-57
54.
55.
56.
57.
Roberta
Aluno
Aluno
Roberta
Na próxima aula/
[O sapato caiu. ((dirigindo-se a um outro aluno))
[A seguir, o barco afundou. ((dirigindo-se ao aluno anterior))
Vocês não querem saber. Bom, vou parar.
Excerto 9: Aula 12 (p.18) 1-5 (continuação)
1.
2.
3.
4.
5.
Aluno
Aluno
Roberta
Roberta
Roberta
[Eu quero saber.
[Eu também.
Então, Shh! Shh!
Kuang Meng. Kuang Meng! Kuang Meng! Eu estou aqui.
Olha para mim. Aiii, vira-te.
204
No exemplo acima, dois alunos estavam apresentando desengajamento,
conversando paralelamente sobre as imagens que viram na tela do monitor (linhas 55
e 56). Percebendo que já não tinha o total controle da interação, Roberta ameaça
abondoná-la (linha 57) e, logo após, endereça um desses alunos (linha 4),
reconfigurando a estrutura de participação e pedindo para que ele (Kuang Meng)
olhasse para ela, corrgindo a sua postura corporal (linha 5).
Conforme já postulou C. Goodwin (1981), ao se deparar com um ouvinte
desatento, o falante sempre tenta reorganizar as suas ações, provocando até mesmo
reconfigurações na estrutura de participação (como é o caso), para tentar retomar a
atenção do outro sujeito. No caso acima, Roberta entra em uma “competição” pela
atenção de seus alunos com um monitor de vídeo. Isso prova que mesmo em um
ambiente em que a professora é o modelo a ser seguido, os aprendentes, podem
reverter essa regra, focando a sua atenção em outros elementos (no caso, as imagens
apresentadas na tela do monitor). Com o objetivo de recuperar o seu papel, a
professora tenta reoganizar o espaço interativo, reconfigurando a estrutura de
participação. Esse fato prova que o fenômeno em questão não acontece somente pela
influência das ações de um participante, mas de um conjunto de ações de todos os
sujeitos envolvidos.
No próximo trecho, retirado da aula 13, Roberta continua com a atividade
iniciada na aula anterior e, novamente, utiliza o monitor de vídeo para apresentar
algumas imagens de animais. Dessa vez, a professora inicia uma sequência de busca
pela palavra, conforme é possível observar a seguir.
Excerto 10: Aula 13 (p.3) 14-24
14.
15.
16.
17.
18.
Roberta
Alunos
Roberta
Alunos
Roberta
O cão... o cão aqui é/ ((anda até o centro da sala e abre os braços))
Gordo!
Gordo! ((abrindo os braços))
Gordo!
Façam o gesto comigo! Gordo! ((abrindo os braços))
205
19.
20.
Alunos
Roberta
21.
22.
23.
24.
Roberta
Alunos
Roberta
Alunos
Gordo::: ((uma aluna dorme durante a aula))
Quem está com a cabeça na mesa!? ((olhando para a aluna que estava
dormindo))
Gordo! ((olhando para a aluna que estava dormindo))
Gordo! ((todos fazendo o gesto junto com a professora))
E agora, quem é? Quem é?
Macaca!
De acordo com o trabalho de M. H. Goodwin & C. Goodwin (1986), já
discutido na seção 2.4 deste estudo, uma atividade de busca pela palavra envolve
diversos fatores que podem causar alteração na maneira de agir dos participantes
durante uma interação. Por essa razão, esse tipo de atividade não é apenas um
processo cognitivo que ocorre dentro das cabeças dos sujeitos, mas também
sociointerativo, uma vez que traz a possibilidade de inserção de aspectos visíveis que
os interactantes podem não apenas reconhecer, mas também participar deles.
No excerto acima, um desses aspectos é o gesto que Roberta faz para ajudar
os alunos a encontrarem a palavra que ela deseja: “gordo” (linha 14). A professora
abre os braços, conforme apresentado na figura a seguir, formando a figura de um
círculo para sinalizar a forma geométrica à qual esta palavra está associada (linhas 14
e 16), pedindo para que os aprendentes façam o mesmo (linha 18).
Figura 6: A professora faz um gesto na tentativa de simbolizar o adjetivo “gordo”. Nesse momento, a
estrutura de participação é reconfigurada. Os alunos, que estavam olhando para a figura do cão no
monitor, passam a encarar Roberta que insere o referido gesto no espaço interativo.
206
Temos aqui, portanto, um outro elemento relevante: o gesto (além da figura
da professora e da imagem na tela do monitor), que foi inserido no espaço interativo
e, por isso, acarreta uma reconfiguração na estrutura de participação (os alunos, nessa
nova estrutura, devem olhar para o gesto e reproduzi-lo).
Porém, após estabelecer como regra a participação de todos na reprodução
do gesto, uma aluna subverte a instrução da professora, não interagindo como o
restante da turma (linha 19). Nesse momento, Roberta mais uma vez reconfigura a
estrutura de participação, endereçando apenas essa aluna (linha 20), que passa a se
integrar ao grupo e a participar da atividade (linha 22).
A seguir, apresentamos um outro trecho, retirado da mesma aula, em que um
episódio parecido é relatado:
Excerto 11: Aula 13 (p.13) 49-57
49.
50.
51.
52.
53.
54.
55.
56.
57.
Roberta
Alunos
Roberta
Alunos
Rui
Alunos
Alunos
Roberta
Bom, meninos, adeus!
Adeus, professora Roberta!
E?
Professor Rui!
Adeus!
Adeus!!!
((Os alunos fazem muito barulho e começam a sair fora de ordem))
O que é que eu vos disse ?! Não sabem bem como formar fila? Todos se
sentem!
Excerto 11: Aula 13 (p.14) 1-6 (continuação)
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Roberta
Alunos
Roberta
Roberta
Roberta
Outra vez! Sentem-se, vocês não sabem bem como formar fila, não?!
Sentem-se!
((os alunos voltam para os seus lugares))
Outra vez! ((com um sinal, indicando para que os alunos saiam))
Man Hou!!
Sam, querem ficar aqui?
No excerto acima, os aprendentes subvertem a regra de “formar fila para
sair” (linha 55), obrigando Roberta a retomar o esquema interacional anterior (linhas
56 e 57), com todos os alunos sentados em suas carteiras novamente para chamar a
atenção da classe (linhas 1 e 2). Em seguida, a professora dá nova permissão para os
207
alunos sairem em fila, mas, dessa vez, apenas com a elocução “outra vez” e com um
gesto, utilizando o dedo indicador apontado em direção à porta (linha 4). Dois alunos,
no entanto, não estavam engajados na interação com a professora e, por isso, não
notaram as suas instruções. Nesse momento, Roberta reconfigura a estrutura de
participação, endereçando apenas os aprendentes em questão (linhas 5 e 6) para
colocá-los na fila (linha 6).
Observamos, nos últimos dois excertos acima, que os gestos podem ser
convites (ou ordens) para se participar de uma determinada maneira, uma vez que
não são somente aspectos socialmente reconhecidos por processos cognitivos, mas
também por estarem (a exemplo dos objetos e das imagens) fisicamente presentes
durante a interação e, assim, tornarem-se elementos relevantes para qualquer
alteração na organização do espaço interativo.
No próximo excerto, retirado da aula 17, apresentamos uma combinação de
dois objetos (o livro e o lápis) que juntos trazem relevâncias à regra estabelecida pela
professora no momento em que essa fornece aos alunos explicações sobre como
proceder durante a atividade proposta.
Excerto 12: Aula 17 (p.6) 9-13
9.
Roberta
10.
Roberta
11.
Roberta
12.
13.
Roberta
Roberta
((a professora prepara o CD)) Bom! Meninos! Todos abrem o livro na página
12! ((levanta o livro e mostra aos alunos))12! 12! Significa página 12. Bom!
Vamos ver, ((pergunta a um aluno)) Já está?
((verifica se os livros dos alunos estão abertos na página 12, passando de
carteira em carteira)) Põe o livro na mesa! ((dirigindo-se a um aluno em
específico))
((a professora continua a verificar os livros dos alunos)) Deixa-me ver. Na
página 12!
((dirige-se a alguns alunos)) Guardam os lápis! Não é preciso de lápis!
((dirige-se a um outro aluno)) Página 12! Não! Já página 14! Página 12. Aqui!
Está bom?
Roberta, nesse trecho, explicita duas regras para a atividade: abrir o livro na
página 12 (linha 9) e não usar o lápis (linha 12). Para verificar se os alunos
208
atenderam a primeira regra, Roberta reconfigura a estrutura de participação,
passando de carteira em carteira para constatar se todos os aprendentes tinham aberto
os seus livros na referida página (linha 10). Logo após, Roberta passa endereçar um
alunos por vez (linha 12), reconfigurando novamente a estrutura de participação, para
avisar que não era necessário o uso do lápis. Porém, um dos aprendentes viola essa
regra no trecho a seguir, fazendo com que a professora interrompa a aula para lhe
chamar a atenção.
Excerto 13: Aula 17 (p.6) 20-42
20.
21.
22.
23.
24.
25.
26.
27.
28.
29.
30.
31.
32.
33.
34.
35.
36.
37.
38.
Alunos
Roberta
CD
Roberta
Aluna
CD
Roberta
Aluno
Roberta
Aluno
Roberta
Alunos
Roberta
CD
Alunos
Aluno
Alunos
Roberta
Roberta
39.
40.
41.
Aluno
Roberta
Roberta
42.
Roberta
((os alunos conversam enquanto a professora prepara o CD))
Bom! Silêncio! Silêncio! ((a professora começa a apresentar o CD aos alunos))
“Vamos cantar.”
“Vamos cantar.” O que é que significa? O que é que signfica esta frase?
((a aluna que senta no primeiro lugar levanta a mão e responde)) Cantar!
“O que é que tu gostas de fazer?”
Bom! Lam Hou Sang, Qual é o significado desta frase?
Não gostas de fazer.
Gostas!
Não gostas!
Gostas!
Gostas!
Sim, gostas!
“O que é que tu gostas de fazer?”
“O que é que tu gostas de fazer?”
Faz o que quer fazer.
Não é este o significado!
Bom! Silêncio! Vamos ouvir o que o CD quer dizer?
Bom! O número 5, vamos ver o que é o número 5? ((dirige-se a um aluno))
Onde vais?
Vou pegar um lápis.
Não! Não precisa!
Eu vou dizer mais uma vez! Todos guardem todos os lápis! ((dirigindo-se à
sala novamente))
Não é preciso de lápis! Não vamos escrever nada! Vamos apontar o número
cinco. Aponta o número 5 na página 12.
Roberta inicia a atividade checando a compreensão dos alunos, pedindo para
que esses traduzissem algumas frases reproduzidas pelo referido CD (linhas 23 e 26).
Depois de quebrar a interação por alguns instantes para atender um aluno que tinha
fornecido uma resposta equivocada (linhas 27-32), reconfigurando, assim, a estrutura
de participação, Roberta volta a endereçar toda a sala, retomando a estrutura anterior.
209
Porém, a professora vê-se obrigada a, mais uma vez, interromper a aula por um dos
aprendentes ter insistido no uso do lápis (linha 41). Novamente, a estrutura de
participação é reconfigurada com Roberta endereçando somente o aprendente em
questão. Posteriormente, a professora volta a se dirigir à sala para reforçar a regra
“não usar o lápis”, que já tinha sido explicitada alguns turnos atrás. Nova
reconfiguração, portanto.
Nesse último trecho, como se pode observar, temos um complexo processo
de estabelecimento e retomada de três estruturas de participação: “interação entre os
participantes e o CD”, “interação entre professora e os aprendentes” e “interação
entre a professora e um aprendente”. Roberta é influenciada pelas ações dos alunos,
sendo obrigada a alterar essas três estruturas, quase sempre fazendo menção aos
objetos que estão sendo utilizados em sala.
É evidente a mudança de postura social e corporal dos participantes em
relação aos objetos no contexto analisado e também o significado das ações
realizadas por esses participantes (endereçamento de interlocutores, ratificação de
regras e resistência em cumpri-las) a respeito desses objetos no espaço interativo.
Portanto, o que está em jogo para os sujeitos não é apenas a presença do livro ou do
lápis, nem mesmo a posição espacial dos mesmos, mas também o valor que os
participantes colocam nesses objetos, que os fazem ser reconhecidos como elementos
que têm implicações na estrutura de participação da sala de aula em questão (Rae
2001).
No próximo excerto, temos um exemplo da relação entre as ações dos
sujeitos e o valor social de algumas imagens e figuras presentes no livro didático
utilizado. Como já explicado antiormente, na aula 14, os aprendentes foram
instruídos a fazerem um desenho que indicasse o que cada personagem do livro
210
gostava de fazer. Depois de ouvirem a frase proferida pela professora, os alunos
deviam desenhar a figura de um smiley icon (☺ ou ) ao lado da imagem que
representasse a atividade que o personagem gostava ou não de fazer.
Excerto 14: Aula 19 (p.7) 15-45
15.
16.
17.
Roberta
Roberta
18.
Aluno
19.
20.
21.
Roberta
Aluno
Roberta
22.
23.
24.
25.
26.
27.
28.
29.
30
31.
32.
33.
34.
35.
36.
37.
38.
39.
40.
41.
42.
43.
44.
45.
Alunos
Roberta
Alunos
Roberta
Roebrta
Alunos
Roberta
Roberta
Aluna
Roberta
Roberta
Roberta
Aluno
Roberta
Roberta
Roberta
Roberta
Aluno
Roberta
Roberta
Alunos
Bem, agora vou falar sobre a segunda criança, desenha então na
segunda linha!
Muito bom, e agora, segundo, segundo menino/ ((verificando o
livro de alguns alunos))
Professora! Dá uma olhada para minha! ((verifica rapidamente o
livro do aluno))
Eu vi, eu já vi! Muito bem, bem, tá bom?
Bem!
Bom, segunda linha. Ele chama-se Nuno! ((dirigindo-se
novamente à sala))
Nuno!
Nuno!
Nuno!
Ora, só desenha na segunda linha, viu?
O Nuno/
O Nuno!
O que é que o Nuno gosta de fazer? Vamos ouvir!
O Nuno gosta, gosta de/
Gosta!
Ler! Ler! Na segunda linha, ler! Qual é a imagem de ler, ponham
uma face de sorriso! Ler!
Qual é a imagem de ler? ((dirige-se a um aluno))
Ler, ler! O Nuno gosta de ler!
[ ler!
Ler!
De qual estou a falar e onde estás a desenhar?!
Segue minhas instruções! A segunda linha é para o segundo
menino e a terceira é para o terceiro! E estou agora a falar do
segundo menino!
Qual é a imagem de ler?
((aponta a imagem))
Pois é, desenha aqui ((ao lado da imagem)) na segunda linha!
Já está? ((volta a endereçar a sala))
Já está!
Notamos, nesse excerto, uma relação entre as imagens e as ações dos
participantes. Roberta, por ordenar que todos desenhassem a figura no local correto,
reconfigura diversas vezes a estrutura de participação (linhas 17, 18, 21, 33 e 44)
para verificar se tudo corria bem e, se necessário, fazer correções. Contudo, um aluno,
mesmo com a professora reforçando a explicação e dirigindo-se somente a ele (linha
211
33), não consegue cumprir a regra estabelecida por Roberta: “desenhar a figura no
local pré-estipulado”. Com isso, Roberta sublinha a importância de se observar
imagem que representa a ação “ler” (linha 41), pedindo para o aluno associá-la à
figura que deve ser desenhada ao lado da imagem (linha 43).
Temos, portanto, a inserção de dois elementos (uma imagem e uma figura)
no espaço interativo. Esses elementos passam a ser partes constituintes da interação e
passam a influenciar as ações dos sujeitos presentes no encontro social, tornando-se
aspectos indispensáveis para a manutenção ou subversão das condições de
participação.
Apesar de os aspectos não-verbais abordados até o momento (postura
corporal, objetos, imagens e gestos) influenciarem na reconfiguração das estruturas
de participação, fazendo parte do processo de estabelecimento e cobrança das regras
de conduta presentes no discurso institucional, há vários outros elementos verbais
que também aparecem nesse processo, trazendo novas relevâncias ao modo de se
participar durante a aula. Na próxima subseção, esses elmentos serão apresentados e
analisados.
5.1.2 – Aspectos verbais
5.1.2.1 – O que se deve e o que não se deve dizer
A necessidade de se pedir permissão antes de se levantar ou entrar na sala
também se configura como mais uma regra. Durantes as aulas, os aprendentes tinham
que pedir permissão para realizar algumas atividades corriqueiras como: ir ao
banheiro, jogar algo na lixeira ou entrar na sala. Esse pedido de permissão envolvia
dois tipos de empreendimento: um verbal (elaborar uma frase do tipo: Posso deitar o
212
lixo? ou Posso entrar?) e outro não-verbal (levantar a mão ou bater à porta). Na falta
de um desses elementos, ocorreria uma violação das regras e a professora
imediatamente agiria como no exemplo abaixo, alterando a estrutura de participação
e, assim, o seu discurso.
Excerto 15: Aula 1 (p. 7) 23-51
23.
24.
25.
26.
27.
28.
29.
30.
31
32.
33.
33.
34.
35.
36.
37.
38.
39.
40.
41.
42.
43.
44.
45.
46.
47.
48.
49.
50
51.
Roberta
Roberta
Roberta
Aluno
Roberta
Aluno
Roberta
Aluno
Roberta
Aluno
Roberta
Alunos
Roberta
Alunos
Roberta
Alunos
Roberta
Alunos
Roberta
Alunos
Roberta
Roberta
Roberta
Roberta
aluno
Roberta
Tá bom! Quem ainda não me disse?
Ah, tu! Como te chamas?
Eu... ⁄Ora, não tens de ficar envergonhado! ⁄Eu chamo-me...
[Eu chamo-me... ⁄(???)
(???)⁄Wong.⁄(???)
Professora, ((levanta a mão)) posso deitar lixo? ((Roberta não nota))
Bom, quem quer?
((O aluno pede para um colega, que está mais próximo da lata de lixo, deitar um papel
na lixeira))
Ah, ah, ah. É bom ajudar os outros, mas, podes sair do teu lugar à vontade? Vou
lhes dizer o que podem fazer nas aulas e o que não podem.
[Mas eu ainda não o deitei!
Tá? (???) quando quiserem deitar lixo, têm de levantar a mão para perguntar a
professora assim: Posso...
Posso...
Deitar...
Deitar...
Lixo?
Lixo?
‘Lixo’ chama-se lixo em português.
Lixo!
‘ Deitar lixo’ chama-se ‘ Deitar lixo’.
Deitar lixo...
Sim. ⁄(???)⁄Quando quer deitar lixo, mas não podem ir sem permissão nenhuma.
‘Professora, posso deitar lixo? Tá?
Bem, fala uma vez!
Como se diz?... Professora, e...como? Professora… Professora…
Posso...deitar...deitar...lixo...
(???)
Já percebeu? Bom.
Conforme a indicação, esse excerto foi retirado da primeira aula (realizada
na Sala 1), no momento em que a professora estabelecia o primeiro contato com os
alunos por meio de uma atividade em que passava de carteira em carteira e fazia a
seguinte pergunta: Como te chamas? (linha 24). Os alunos, por sua vez, deviam dizer
213
os seus nomes, completando uma frase pronta em português: Eu chamo-me… (linha
26). Assim, Roberta também aproveitava para identificar os seus nomes na lista.
Enquanto a professora trabalhava com cada aluno individualmente, o
restante da turma devia permanecer em silêncio. Contudo, a certa altura, um aluno
deseja jogar uma papel no lixo e, como antes estabelecido pela professora, levanta a
mão e pede permissão verbalmente (linha 28). Porém, a professora não ouve e
continua a atividade, perguntando quem queria ser o próximo (linha 29). Nesse
momento, o aluno passa o papel para um colega que está perto da lixeira e,
apontando com o dedo, pede para esse jogar o papel na lata de lixo (linhas 30-31). A
professora, ao se virar, depara com um aluno dirigindo-se ao canto da sala (local
onde estava a lixeira)31. Imediatamente, Roberta vai ao seu encontro e chama a sua
atenção (linhas 32-33), reconfigurando a estrutura de participação. Posteriormente,
esse fenômeno acontece mais uma vez (linhas 34-35), quando a professora endereça
toda a sala novamente para ensinar como pedir permissão para jogar o lixo em
português.
A alteração da estrutura de participação do envento em particular é
necessária para que Roberta reforce uma condição de participação anteriormente
conhecida pelos alunos (pedir permissão para jogar papel na lixeira). É interessante
ressaltar que essa alteração também está associada a um evento não-linguístico (um
aluno caminhando em direção a lixeira sem pedir permissão). Isso prova que muitas
vezes aspectos das duas naturezas (linguísticos e não-linguísticos) estão envolvidos
nas reorganização do espaço interativo. O mesmo ocorre no exemplo seguinte, em
que um aluno deve pedir permissão para entrar na sala.
31
Ver Figura 1 na seção 4.3 deste trabalho.
214
Excerto 16: Aula 1 (p. 10) 37-50
37
38
39.
40
41.
42.
43.
44.
45.
46.
47.
48.
49.
50
Roberta
Alunos
Roberta
Roberta
Aluno
Roberta
Alunos
Roberta
Aluno
Roberta
Roberta
Tá bom, tá bom. Toda a gente falou! Toda a gente falou! Conhecem os outros?
Conhecem?
Sim, conhecemos!!
Sim?! Então... Vocês nunca tinham vestido coletes ? Sim ou não?
(( Os alunos sinalizam negativamente com a cabeça))
Não?!
Nunca tinha vestido...
Vocês têm de vestir os coletes, mas vocês têm calor? Vocês têm calor? Têm calor?
Meninos, têm calor? Que significa calor?
Significa calor!
Certo! Vocês têm calor? Sim ou não? SIM ou NÃO?
Sim!
Sim. Bem, (???)⁄ ((O aluno volta à sala))
((dirigindo-se ao aluno)) Quando entrares na sala de aula na próxima vez, é melhor
bater primeiro a
Excerto 16: Aula 1 (p.11) 1-12 (continuação)
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
Roberta
Alunos
Aluno
Roberta
Roberta
Roberta
Alunos
Roberta
Alunos
Roberta
Roberta
Roberta
porta, sabes como? Tenta! Como bater a porta?
((Alguns batem na mesa para responder à professora))
Kok Kok....Bater à porta!
Sim, tenta bater a porta mais uma vez!
Sim, e a seguir? Como se diz ‘posso entrar?’ em português?
Posso entrar?
Posso entrar?
Posso entrar?
Entrar...
Entrar significa entrar, sabem?
Posso entrar?
Sim, podes! ((o aluno vai para o seu lugar))
Nesse excerto, a professora (linhas 37-39) finaliza a atividade de
apresentação exposta no início do Excerto 15 e, em seguida, começa a fornecer
informações sobre os uniformes dos alunos (linhas 40-48). Porém, quando um aluno,
que tinha pedido para ir ao banheiro, volta à sala (linha 49), Roberta nota que uma
das regras foi quebrada (“bater à porta antes de entrar na sala”). Imediatamente, a
estrutura de participação é alterada e o aprendente é repreendido e obrigado a refazer
a ação (entrar na sala) de maneira a, dessa vez, satisfazer a regra anteriormente
exposta (linhas 1-12).
É interessante observar que os outros alunos, depois de a professora chamar
a atenção do aprendente em questão, começaram a bater à mesa, imitando o som de
bater à porta (linha 2). Nesse momento, os alunos deixam de ser plateia para
215
tomarem o piso conversacional da interação por alguns instantes, utilizando
elementos não-linguísticos. Isso significa que, mais uma vez, há uma reconstrução na
estrutura de participação, passando de uma interação entre dois sujeitos para uma
entre vários. Em seguida (linha 3), a estrutura de participação anterior é reconstituída
e a interação volta a ser entre a professora e o aluno.
Portanto, outra vez, temos uma combinação de elementos de natureza verbal
e não-verbal na reconstrução da estrutura de partipação (a entrada de um aluno na
sala de aula sem bater à porta, o som produzido pelo restante da sala ao bater na
mesa e a exigência de se dizer a frase “posso entrar?”). A estrutura de participação é
mais uma vez alterada por alguém ter violado as regras, mas dessa vez com a plateia
tomando o piso conversacional para participar mais ativamente da interação.
No exemplo seguinte, temos uma situação semelhante que ocorreu durante a
décima e segunda aula. Embora, no contexto seguinte, o aluno em questão pareça ter
fixado a regra “bater à porta”, ainda viola o pedido de permissão. Esse fato faz com
que a estrutura de participação seja reconfigurada.
Excerto 17: Aula 12 (p.2) 52-58
52.
53.
54.
55.
56.
57.
58.
Roberta
Roberta
Roberta
Aluno
Roberta
Roberta
Aluno
O Noé/ O Noé/ O Noé faz o barco.
Faz o barco, Noé faz o barco, o que é barco?
O que é barco?
((bate à porta, querendo entrar))
Sim, entra. ((olhando para o aluno parado à porta))
Posso/ Posso/ ((esperando que o aluno complete a frase))
Posso entrar?
Excerto 17: Aula 12 (p.3) 1-5 (continuação)
1.
2.
3.
4.
5.
Roberta
Aluno
Roberta
Aluno
Tá bom.
Barco.
((volta o olhar para o restante da sala)) Sim, barco, e hoje nós vamos falar
novamente, outra vez sobre o Noé.
Andar no barquinho.
Ao bater à porta e chamar a atenção de Roberta (linha 55), que se dirigia à
sala naquele momento (linha 54), o aluno toma o piso conversacional e faz com que
216
a professora olhe para ele, reconfigurando a estrutura de participação. Porém,
Roberta nota que o aprendente cumpria apenas uma das regras de permissão (“bater à
porta antes de entar na sala”), ignorando a regra verbal (“pedir permissão para entrar
na sala”). Por essa razão, a professora ratifica essa última exigência, obrigando o
aluno a produzir a frase “Posso entrar?” (linha 58) por meio de uma sequência de
busca pela palavra (linha 57). Após o aluno satisfazer esse quesito, Roberta volta a se
dirigir à sala, retomando a estrutura de participação anterior.
Como mencionamos na subseção 4.1.1.1, na sala de aula, há a necessidade
de se cumprir certos rituais que levam os participantes a desempenharem papéis mais
específicos e, consequentemente, diferentes daqueles que desempenhariam em
situações fora do ambiente de ensino. Como pudemos observar o exemplo anterior, a
frase “Posso entrar?” proferida pelo aluno antes que esse pudesse entrar na sala faz
parte de um ritual que, se não cumprido, reorganiza todo o espaço interativo,
interrompendo a aula e influenciando na reconfiguração da estrutura de participação.
Contudo, os rituais da sala de aula não se caracterizam apenas por aquilo
que se deve dizer, mas também pelo o que não se deve dizer. Observemos o exemplo
que segue:
Excerto 18: Aula 12 (p.18) 38-47
38.
39.
40.
41.
42.
43.
44.
45.
46.
47.
Aluno
Aluno
Roberta
Aluna
Aluno
Roberta
Aluno
Roberta
Roberta
[Professora, professora.
[Como se diz “cão”?
Cão.
Professora, ele disse que eu era uma cadela que come cocô.
Eu quero dizer aquele/
((olhando para o aluno)) Não quero ouvir mais uma vez este tipo de palavra.
São palavras más.
[Professora.
Não quero ouvir mais uma vez, percebes? Não podes dizer! Percebes?
Tá bom? ((volta o olhar para a sala))
Logo no início do excerto (linhas 38-40), Roberta estava interagindo com
uma aprendente que lhe tinha feito uma pergunta. No entanto, logo após (linha 41),
217
essa interação é quebrada por uma aluna que relata o fato de um colega seu tê-la
ofendido. Essa movimentação reconfigura a estrutura de participação. Diante da
reclamação da aluna em questão, Roberta dirige-se ao aprendente que supostamente
ofendeu a sua colega. Nesse momento, há novamente outra reconfiguração na
estrutura de participação (linha 43).
É possível observar, ainda, que a palavra “cocô”, supostamente proferida
pelo aluno sob acusação de sua colega, foi um dos elementos responsáveis pela
reorganização do espaço interativo, uma vez que Roberta publicamente reprova essa
palavra, chamando a atenção do aluno que supostamente a proferiu com o restante da
sala atuando como plateia (linhas 43, 44 e 46). Porém, como já mencionamos a
respeito dos objetos, imagens e gestos (subseção 4.1.2), a palavra mencionada
somente teve esse papel propulsor pelo fato de lhe ser atribuída uma importância
social (no caso, negativa) por parte da aluna e da professora. Essa palavra não
acarretaria, portanto, qualquer mudança na ordem da interação caso ela passasse
desapercebida pelos sujeitos que a reprovam.
Outro elemento verbal que também apresenta um valor social negativo,
recebendo a reprovação da professora é a conversa paralela. Esse elemento abre uma
outra interação (geralmente entre dois aprendentes), passando a desafiar a regra
“ficar em silêncio”, fazendo a professora imediatamente reconfigurar a estrutura de
participação e, assim, reclamar e recuperar o seu papel de controladora da sala de
aula. É o que podemos observar no próximo trecho.
Excerto 19: Aula 20 (p.5) 35-50
35.
36.
37.
38.
39.
40.
Roberta
Alunos
Roberta
Aluno
Roberta
Tá bom, meninos, vocês têm lápis de cor alí. Ali. Então, quem não tem
vá buscar!
((conversas justapostas))
Silêncio! Um!
((dirigindo-se a um colega)) Então busca alí, eu também não tenho...
Dois!
218
41.
42.
43.
44.
45.
46.
47.
48.
Aluno
Roberta
Roberta
Alunos
Roberta
49.
50.
Aluno
Roberta
((respondendo ao seu colega)) EU NÃO TENHO TODAS AS CORES!
Três!
Que foi?
(???)
((dirige-se a um dos alunos que estava conversando com o seu colega))
Não tens lápis de cor, então só espera um momento, não disse que não
ia te ajudar! Mas não podes desobedecer às ordens!! Olha para os
outros alunos, nem todos eles têm os lápis de cor, eu não os estou a
ajudar?!
Sim.
Então podes te sentar direito? Puxa a mesa mais próximo!Não
Excerto 19: Aula 20 (p.6) 1-4 (continuação)
1.
2.
3.
4.
Roberta
Roberta
puxes à frente mas sim para atrás! Para atrás!
((dirige-se a sala novamente)) Então meninos, quem NÃO tem lápis
de cor põe a mão! ((erguendo o braço))
Quem NÃO (( com a gesto de ‘não’)) tem lápis de cor (( apontando
para o lápis de cor)) põe a mão! ((erguendo o braço))
Podemos observar que, depois de a professora ter ordenado silêncio (linha
38) por ter ouvido algumas conversas paralelas (linha 37), alguns alunos continuaram
a conversar. Isso obriga Roberta a reforçar a sua ordem (linha 40), por meio de uma
contagem, à qual os alunos já estavam acostumados. Porém, os aprendentes
continuam a subverter a ordem de Roberta, com um deles produzindo uma sentença
aos gritos (linha 41). Por essa razão, a professora, dessa vez, reconfigura a estrutura
de participação e passa a endereçar o aluno que gritou para chamar a atenção do
mesmo (linhas 45-48). Logo após, volta a endereçar o restante da sala, retomando a
estrutura anterior (linha 2).
O fato de termos Roberta como o sujeito que tem o papel de controlar a sala
de aula não significa que ela seja a única responsável por tomar todas as decisões.
Embora a professora seja a figura que, na maior parte das vezes, endereça outros
interlocutores, tomando o piso conversacional e reconfigurando as estruturas de
participação, os alunos também são responsáveis por influenciá-la nessas ações. Isso
significar afirmar que os aprendentes são sujeitos ativos e responsáveis pelas suas
219
decisões e não recipientes que simplesmente seguem ordens e absorvem informações
(Mehan 1982).
5.1.2.2 – Mudança na ordem discursiva
No caso dos professores, há características comuns em seus discursos que
os diferenciam de eventuais interactantes quando comparados com outros sujeitos em
contextos de fala além sala de aula. Essas características são: falar cerca de dois
terços do tempo, terem a permissão de interromper e o direito de não serem
interrompidos, e de iniciarem quase todas as interações, frequentemente com um
repertório de marcadores de limitação discursiva, como “agora”, “bem” ou “ora
bem” (Cazden 1988).
Contudo, uma forma perversiva no conteúdo da fala do professor é a
expressão de controle do comportamento e da fala. Como já exposto na subseção
2.2.1 deste nosso estudo, em escolas secundárias na Escócia, o linguista Michael
Stubbs (1983) encontrou oito formas de fala metacomunicativa – fala cuja função é
monitorar e controlar o sistema comunicacional da sala de aula. Essas formas são:
atrair ou chamar a atenção, controlar a quantidade de fala, checar ou confirmar
entendimento, resumir, definir, editar ou revisar, corrigir e, por fim, especificar o
tópico.
O professor, para fazer uso dessas formas de controle e monitoramento,
segue uma técnica bem padronizada no conteúdo de seus discursos. Trata-se de
perguntas de sequência IRA, conforme também já discutimos na subseção 2.2.1 deste
trabalho.
No excerto seguinte, a professora relembra o que os alunos aprenderam no
dia anterior por meio de perguntas de sequência IRA. Essa maneira de conduzir as
220
aulas resulta em algumas formas anteriormente citadas de controle e de
monitoramento do sistema comunicacional da sala de aula.
Excerto 20: Aula 3 (p.3) 1-15
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
Roberta
Aluno
Roberta
Aluno
Aluno
Roberta
Alunos
Roberta
Aluno
Roberta
Aluno
Aluno
Roberta
Aluno
Roberta
O que eu ensinei ontem?
Uma canção!
Qual foi aquela canção?
Canção...
[Bom dia, bom dia, bom dia...
Ora bem, como se canta? Um, dois, três!
Bom dia, bom dia, bom dia, bom dia, como estás?
Como estás? Que significa ‘como estás’?
Apertar as mãos!
Porque temos de apertar as mãos?
Apertar as mãos!
Apertar as mãos é um símbolo amigável!
'Como estás' significa...∕
∕
[Como estás!
Sim, significa como estás, não é?
Nesse trecho, por se tratar de uma das primeiras aulas (momento em que
alunos e professores não estabeleceram muito contato e, por isso, ainda não se
conhecem muito bem), é natural professores utilizarem a sequência IRA para avaliar
o desempenho dos aprendentes de maneira mais pontual, para que assim, possam
prosseguir com o conteúdo. Não é difícil, portanto, observarmos claramente algumas
formas de fala metacognitiva, como checar ou confirmar entendimento (linhas 1, 3, e
8); editar ou revisar (linha 6); definir (linha 12); corrigir (linha 15), além também
de resumir o conteúdo da aula anteiror (linhas 1-15).
Porém, há momentos em que o controle da fala pelo professor é quebrado,
modificando toda a estrutura de participação do encontro social. Na situação seguinte,
enquanto a professora mantinha o controle do discurso da sala por meio de perguntas
de sequência IRA, um evento não-linguístico impede que esse controle continue,
obrigando-a a alterar o seu discurso e, consequetemente, reorganizando o espaço
interativo.
221
No caso em questão, a aula é interrompida com a professora chamando a
atenção de um aluno que viola uma das regras de conduta (comer durante as aulas).
Enquanto a professora explica uma atividade, o aluno tira uma bala (ou rebuçado) do
bolso. Imediatamente, ele é obrigado a guardá-la. Porém, mais tarde, o aluno volta a
pegá-la e, dessa vez, coloca-a na boca. Após alguns minutos, a professora nota que o
aluno tem algo na boca e dirige-se a ele, reconfigurando a estrutura de participação.
Excerto 21: Aula 3 (p.6) 25-46.
25.
26.
27.
28.
29.
30.
31.
32.
33.
34.
35.
36.
37.
38.
39.
40.
41.
42.
43.
44.
45.
46.
Roberta
Onde está o rebuçado? Aquele de cor de laranja, onde está? Já comeste, não foi?
Roberta
Podemos comer nas aulas? Estás com muita fome agora?
Sabes que já violaste o regulamento das aulas? Deves ser castigado? Já acabaste
de comê-lo?
Já acabaste de comê-lo? Já acabaste de comê-lo?
Quem vem buscar-te depois das aulas?
A avó.
A avó. Tá bom, vou falar com ela!
Vais tentar mais uma vez?
((faz um gesto negativo com a cabeça))
Não vais! Então vais comer caso estejas com fome na próxima vez?
((faz um gesto negativo com a cabeça))
Eu não quero que o mesmo aconteça mais uma vez! Se não, não podes trazer
comida para a escola mesmo que estejas com fome, percebes?
Deita o lenço de papel na lata de lixo.
Meninos, podem comer nas aulas?
Não podemos!
Vão fazer isso?
Não vamos!
Não vão! Então, quem me prometeu, sentem-se bem e mostrem-me que é um bom
menino e uma boa menina!
Roberta
Roberta
Aluno
Roberta
Roberta
Aluno
Roberta
Aluno
Roberta
Roberta
Roberta
Alunos
Roberta
Alunos
Roberta
Como já mencionamos, esse excerto foi retirado das primeiras aulas do ano
letivo, momento em que a professora, além de frequentemente checar pontualmente o
desempenho dos aprendentes, aproveita para passar aos alunos as regras de
participação durante as aulas. Quase sempre, as regras são ditadas apenas em
cantonês, a língua materna da maioria dos aprendentes. Quando há alguma violação,
conforme podemos observar acima, é comum a professora dirigir-se aos alunos
também na língua materna dos mesmos.
222
No excerto em questão, há novamente o que Goffman (1981a) denomina
“empecilho”, conforme já mencionamos anteriormente na subseção 3.1.2. O aluno,
mesmo sabendo que comer durante as aulas não era permitido, tenta violar essa regra,
colocando um rebuçado cor de laranja na boca enquanto a professora explica a
próxima atividade. Quando a professora nota, a interação é mais uma vez
interrompida por ela, reconfigurando a estrutura de participação, agachando-se em
frente ao aluno e endereçando-o como seu único ouvinte, iniciando uma série de
perguntas (linhas 25-27; 34-39) de sequência Iniciação-Resposta-Avaliação (IRA)
(Garcez 2006, Cazden 1986, Mehan 1982) e algumas (linhas 28-31) de caráter
especulativo. A essas últimas, no entanto, é que gostaríamos de voltar a nossa
atenção agora.
Observamos que, somente durante o “empecilho”, é que a professora altera
o seu discurso e inicia, mesmo não abandonando as perguntas de sequência IRA,
questões exploratórias do tipo: Quem vem buscar-te depois das aulas? (linha 31).
Podemos notar que, em razão da violação de regras por parte do aluno (colocar um
rebuçado na boca), a estrutura de participação foi alterada e, com ela, variou-se o tipo
de perguntas que a professora fazia aos alunos. No momento em que se dá o
“empecilho”, a interação passa de um empreendimento físico mutuamente (e
linguisticamente) coordenado 32 para uma conversa semelhante à cotidiana, com
perguntas não-previsíveis por meios das quais os sujeitos buscam informações sobre
as quais não tinham conhecimento anteriormente. Essas, diferentemente de perguntas
de sequência IRA ou “insinceras”, como denomina Garcez (2006), fazem parte de
32
De acordo com Goffman (1981:142), somente quando algum empecilho acontece, é que o
empreendimento fisico mutuamente coordenado é quebrado e uma real troca verbal entre os
participantes torna-se possível. “…when a hitch occurs in what would otherwise have been the routine
interdigitation of their acts that a verbal interchange between them is most likely”.
223
uma interação menos ritualizada e, consequentemente, mais próximas de um evento
de ocorrência natural da fala. Há, portanto, uma alteração na ordem discursiva.
A professora, em seguida, elabora mais perguntas de sequência IRA, mas,
nesse momento, dirigindo-se à turma toda (linhas 41-46). Outra vez, a estrutura de
participação é modificada para passar o turno a todos os alunos que devem responder
em coro (linhas 42 e 43) aquilo que a professora espera.
É importante mencionar mais uma vez que, embora a estrutura de
participação na sala de aula observada seja compulsória (Philips 1972), os alunos
ainda participam (mesmo que não verbalmente) sem permissão expressa do sujeito
que supostamente detém o controle da interação. Esse fato indica que os participantes,
verbalmente atuantes ou não, renegociam a todo o momento as suas maneiras de
participar, reivindicando, interrompendo ou, como no caso em questão, violando as
regras impostas e, consequentemente, modificando o discurso da professora.
No próximo exemplo, uma situação parecida ocorre quando um aprendente
insiste em trabalhar em grupo durante uma atividade individual. Depois que Roberta
interrompe a aula para chamar a atenção do aluno (reconfigurando, desse modo, a
estrutura de participação), o seu discurso, ao retomar a estrutura de participação
anterior, passa de perguntas de sequência IRA para uma pergunta de caráter
especulativo.
Excerto 22: Aula 16 (p.6) 2-53
2
3
Roberta
Roberta
5
6
7
8
9
10
Roberta
Roberta
Roberta
Alunos
Roberta
Roberta
11
12
Roberta
Alunos
Vira a folha quando acabarem e não mostrem a ninguém
Disse ele ((referindo-se ao personagem que fala no exercício de áudio)), eu
sou magro, eu sou alto
Que número é eu sou magro eu sou alto?
((aponta uma imagem)) eu sou alto eu sou magro, que número será?
(4,0) Já sabem?
Sim!!
Olham meninos, não podem olhar os outros!!!
((dirigindo-se a um aluno)) Wong Chon Wai se não souberes como deves se
sentar, vais para fora!!!
((volta a endereçar o restante da sala)) Já está , sim?
Sim , já está !
224
13
14
15
16
17
18
19
20
21
Roberta
Alunos
Roberta
Alunos
Roberta
Alunos
Roberta
Vídeo
Roberta
22
23
24
Roberta
Roberta
Roberta
25
26
27
28
29
30
31
32
34
Roberta
Aluno
Roberta
Roberta
Alunos
Roberta
Roberta
Roberta
Roberta
35
36
38
39.
Roberta
Alunos
Roberta
Vídeo
Então vamos ler, leiam a segunda frase, tentem ler!!!
Eu sou alt...
//eu sou bai-xo
Eu sou baixo
A seguinte? Eu sou ma… GORDO!!!
//Eu sou ma…
/Gordo
Eu sou baixo, eu sou gordo
Então quem é? quem é baixo e gordo? ((referindo-se à figura projetada na
tela))
Eu sou baixo , eu sou gordo!!
Quero dizer aquele menino é gordo
(???) é gordo (???) então eu tenho que, eu tenho que, olhem meninos, vamos
ver!
De que número é este? ((apontando para a imagem projetada na tela))
É um
Um!?
Número um!?
Sim
Sim?!
Sim!
Sim muito bom , aquele menino é muito gordo , sim é número um.
((endereça um aluno que estava perguntando ao colega)) O que se passa? faz
sozinho!!!
Já está, oh, muito bem, já está? ((volta a endereçar o restante da sala))
Está!
Já está oh muito bem vamos continuar!!
Continuamos, vamos!!!
No trecho acima, Roberta estava tentando fazer com que os alunos
associassem algumas frases, nas quais se utilizavam adjetivos “baixo, gordo, alto e
magro” com algumas imagens de personagens projetados em uma tela no centro da
sala. Podemos verificar várias mudanças de estrutura de participação no excerto
apresentado. Temos Roberta apontando uma imagem, inserindo-a no espaço
interativo (linhas 6 e 25), endereçando alunos para corrigir a sua postura (linha 10) e
voltando a endereçar a sala para retomar a estrutura de participação inicial (linhas 11
e 35). A organização do espaço interativo passa, portanto, por várias fases: interação
entre a professora e os alunos; interação entre a professora, os alunos e a imagem;
interação entre professora e um aluno em específico e, finalmente, interação entre a
professora e os alunos novamente.
225
Podemos também notar que, na maioria dessas estruturas de participação,
Roberta utiliza perguntas de sequência IRA (linhas 5, 6, 7, 17, 21, 25, 27 e 28).
Apenas nos momentos em que a professora encontra um “empecilho” é que ela
modifica o seu discurso, fazendo perguntas de caráter especulativo.
Isso pode ser verificado na linha 7, momento no qual Roberta percebe que
os alunos têm dificuldades em responder (note o silêncio de quatro segundos antes da
pergunta de Roberta) a pergunta de Roberta. Essa pergunta (“Já sabem?”) trata-se de
uma pergunta de caráter especulativo, pois a professora ainda não tem resposta para
ela. Uma situação parecida ocorre no momento para o qual chamamos a atenção
nesse trecho. Na linha 34, notamos que a professora, ao chamar a atenção do aluno
que insistia em trabalhar em grupo, faz uma pergunta de sequência IRA para chamar
a sua atenção: “o que se passa?”. Consideramos essa uma pergunta “insincera” pelo
fato de Roberta já saber o que estava ocorrendo no momento em que questiona o
aluno, uma vez que a ação que o mesmo realizava estava em seu campo de visão
(pedir a resposta do exercício ao seu colega sentado atrás). Porém, quando a
professora volta a endereçar a sala, retomando a estrutura de participação anterior, a
pergunta que sucede não é de sequência IRA: “já está?” (linha 35). Há duas
possibilidades de interpretação para essa pergunta em nossa opinião. A primeira é
tentar reenquadrar a sala na atividade, que tinha sido interrompida quando Roberta
chamou a atenção do aluno. A professora, portanto, sinaliza que a atividade ia
recomeçar por meio da frase “já está?”, retomando, assim, a estrutura de participação
anterior. Outra possibilidade de interpretação é saber se os alunos já tinham
terminado de cumprir a tarefa (associar a imagem ao número correspondente ao
adjetivo “gordo”). Nesse caso Roberta estaria fazendo uma questão de caráter
especulativo, buscando uma informação. De qualquer maneira, em nenhum dos dois
226
casos a questão “já está?” seria considerada uma pergunta de sequência IRA, fato
que prova a mudança de discurso por parte da professora.
Contudo, não podemos esquecer que essa mudança no discurso da
professora não parte somente de uma decisão unidimensional. Ou seja, Roberta não
mudou o seu discurso somente porque desejou. Esse processo é influenciado pelas
ações dos alunos, que fazem com que Roberta modifique a maneira de se dirigir a
eles sempre quando deseja cobrar uma regra, recuperar o seu papel de controladora
da interação, buscar informações ou reenquadrar os alunos em uma atividade
proposta. Porém, há também outras razões para se modificar o discurso. Uma delas é
o tipo de respostas dos alunos.
Há momentos, na sala de aula, em que se espera uma ação verbal conjunta
dos alunos para se responder a uma determinada pergunta elaborada pela professora.
Quando a resposta de todos é exatamente a mesma, essa produção conjunta valoriza
o ato verbal em questão, caracterizando-o como aceitável e indiscutível. Porém,
quando os alunos não produzem a mesma resposta, apresentando, ao mesmo tempo,
uma discordância de ideias, temos uma quebra de expectativa. Por essa razão, quase
sempre a professora tenta reorganizar a pergunta, alterando o seu conteúdo e, por
vezes, o seu discurso.
No próximo trecho, temos um exemplo desse fenômeno. A professora
trabalhava com uma atividade de caracterização. Foi projetada na tela, localizada no
centro da sala de aula, uma figura de um monstro chamado Totó. O objetivo era
utilizar alguns vocábulos (em sua maioria adjetivos) aprendidos nas aulas anteriores.
Observemos o excerto a seguir.
Excerto 23: Aula 23 (p.4) 1-38
1.
2.
Alunos
Roberta
Não.
Não. Então é?
227
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
18.
19.
20.
21.
22.
23.
24.
25.
26.
27.
28.
29.
30.
31.
32.
33.
34.
35.
36.
37.
38.
Aluno
Aluno
Roberta
Aluno
Roberta
Aluna
Roberta
Aluno
Aluno
Roberta
Aluno
Roberta
Aluno
Roberta
Roberta
Aluno
Roberta
Aluno
Roberta
Leong Sok I
Roberta
Alunos
Alunos
Alunos
Roberta
Alunos
Alunos
Roberta
Alunos
Alunos
Roberta
Roberta
Roberta
Alunos
Roberta
Roberta
Gordo.
Baixo.
É baixo, e mais?
Gordo.
Gordo. Muito gordo?
Tem 3 mãos.
E é/ bonito?
Tem cinco pés também.
Feio.
A/
Feio.
A/
Feio.
Leong Sok I!
Feche o livro! Feche!
Feio.
Feche! Feche o livro!
Feio.
Leong Sok I, ele é bonito? ((dirigindo-se à aluna))
Sim.
O monstro é bonito? ((dirigindo-se novamente à sala))
Não. Não.
[Sim.
[Não.
Não?
[Sim.
[Não.
Feio?
[Sim.
[Não.
Quem acha que é bonito?
Ponham a mão.
Ah, tu achas que é bonito.
((alguns levantam a mão))
Tá bom, é simpático.
É engraçado.
A atividade começa com perguntas de sequência IRA (linhas 2 e 5), de
respostas já conhecidas por Roberta (o monstro é baixo e gordo). Porém, a partir da
linha 9, a professora inicia uma pergunta, cuja resposta não aparece de imediato. Os
alunos preferem fornecer outras características do monstro (linhas 8 e 10) sem
Roberta ter perguntado sobre elas. Provavelmente por essa razão, Roberta
reconfigura a estrutura de participação (linha 21) e insiste na pergunta feita na linha 9,
endereçando apenas uma aluna, provocando, assim, uma interação mais direta para
que a resposta fosse fornecida e, consequentemente, uma reconfiguração da estrutura
de participação.
228
Após a resposta da aluna, há uma ou reorganização do espaço interativo,
uma vez que Roberta não avalia a aprendente diretamente, ela prefere passar essa
responsabilidade de avaliar para a sala, refazendo a pergunta para os colegas de
Leong Sok I. Esse movimento reconfigura novamente a estrutura de participação,
voltando a endereçar toda a sala.
Porém, o que Roberta obtém como resposta é uma discordância de ideias
(linhas 25-32), obrigando-a a reformular a pergunta (linha 33), organizando um tipo
de votação (linha 34) para eleger o monstro bonito ou feio. Temos, portanto, uma
passagem de perguntas de sequência IRA para outras de caráter especulativo. No
final, com alguns alunos levantando a mão, a professora decide definir Totó como
simpático e engraçado (linhas 36-37).
Observamos, portanto, a participação dos alunos nas decisões em sala de
aula mais claramente nesse último exemplo, mostrando que a professora não é a
única responsável pela reorganização do espaço interativo e nem mesmo pela
mudança em seu próprio discurso.
5.1.3 – Panorama da primeira parte dos resultados
Analisando essa primeira parte dos resultados, é possível identificar uma
relação entre as ações dos aprendentes (caracterizadas especialmente pela subversão
às regras ditadas pelo discurso institucional, representado, até o momento, pela figura
da professora) e as reconfigurações das estruturas de participação. Em razão da
violação por parte dos alunos às regras que devem ser seguidas durante o ritual (a
aula), a professora vê-se na obrigação de cobrar a conduta considerada adequada
dentro daquele contexto, interrompendo a aula e, na maioria da vezes, reorganizando
o espaço interativo.
229
Esse fato indica a existência de um processo de cooperação no
estabelecimento de novas formas de participar em sala de aula. A professora não é a
única responsável por interromper a aula e reconfigurar a estrutura de participação,
uma vez que essa “resposta” depende de um estímulo provocado, na maior parte do
tempo, pelas ações dos aprendentes que, ao subverterem ou não as regras, vão
influenciar na decisão da professora de interromper ou não a aula.
Por meio dos excertos analisados nessa primeira parte, pudemos encontrar
algumas características nas ações subversivas por parte dos alunos que, juntamente
com a atitude de professora em resposta a esses estímulos, acarretam uma alteração
nas maneiras de se participar em sala de aula. Essas características são apresentadas
na Tabela 6. Nela, elencamos o número do excerto analisado, o tipo de regra cobrada
pela professora, a estrutura de participação que se configurava no espaço interativo
antes da violação à regra, como os alunos violaram a regra em questão e, finalmente,
a estrutura de participação que foi originada após a interrupção da aula por parte da
professora. Observemos essas descrições a seguir:
Tabela 3: Elementos apresentados e discutidos na seção 5.1.
Excerto
Regra
Estrutura de
Paricipação
Anterior
1
Sentar-se
corretamente
(virado para
frente com as
mãos sobre a
mesa).
Professora
dirigindo-se à
sala.
2
Levantar-se
para
cumprimentar a
professora.
Todos os
alunos da sala
dirigindo-se à
professora.
3
Olhar para a
professora
Professora
dirigindo-se à
Maneira de
Violação da
Regra
Estrutura de
Participação
Posterior
Professora
Um aluno
endereçando um
senta-se com as aluno, chamando-lhe a
mãos por baixo atenção. O restante da
da mesa.
sala participa como
plateia.
Professora
Alguns alunos
endereçando somente
não se
alguns alunos para
levantam ao
lhes cobrar a regra. O
cumprimentare
restante da sala
m a professora.
participa como plateia.
Um aluno
Professora
conversa com
endereçando somente
230
quando ela
estiver falando.
3
Não levantar a
mão quando a
professora não
abre espaço
para perguntas.
4
Sentar-se
depois de se
levantar para
responder a
uma pergunta.
5
6
7
8
Não olhar para
trás durante o
teste.
Não olhar para
trás durante o
teste.
Ficar perto do
monitor de
vídeo quando
esse
equipamento
estiver sendo
utilizado.
Olhar para o
monitor de
vídeo quando
esse
equipamento
sala.
Professora
dirigindo-se
somente a um
aluno,
chamando-lhe a
atenção. O
restante da sala
participa como
plateia.
Aluno
dirigindo-se à
professora. O
restante da sala
participa como
plateia.
Professora
dirigindo-se a
um aluno,
fornecendo-lhe
uma
explicação. O
restante da sala
participa como
plateia.
Aluna
dirigindo-se à
professora ao
mesmo tempo
que olha para
trás para acusar
um colega. O
restante da sala
participa como
plateia.
Professora
dirigindo-se à
sala e
apresentando
uma imagem o
monitor de
vídeo.
Professora
dirigindo-se à
sala e
apontando uma
imagem no
(e olha para)
um colega
sentado ao lado
um aluno para lhe
chamar a atenção. O
restante da sala
participa como plateia
Outro aluno
levanta a mão
quando a
professora
chama a
atenção de seu
colega.
Professora
endereçando somente
o aluno que levantou a
mão, chamando-lhe a
atenção. O restante da
sala participa como
plateia
O aluno não se
senta depois de
reponder à
pergunta.
Professora dirigindose ao aluno em
questão para lhe
chamar a atenção. O
restante da sala
participa como plateia.
Outro aluno
olha para trás
para conversar
com o seu
colega.
Professora
endereçando somente
o aluno que olhou para
trás. O restante da sala
continua a participar
como plateia.
Aluna olha
para trás para
acusar um
colega.
Professora dirigindose à aluna, cobrando a
postura considerada
correta. O restante da
sala continua a
participar como
plateia.
Aluno fica
muito distante
do monitor de
vídeo.
Professora dirigindose ao aluno para lhe
chamar a atenção. O
restante da sala
participa com plateia.
Aluno não olha
para a imagem
apresentada no
monitor.
Professora dirigindose ao aluno para lhe
chamar a atenção. O
restante da sala
participa como plateia.
231
9
10
11
12
12
13
13
estiver sendo
utilizado.
Manter o olhar
fixo na
professora
quando essa
fornece
instruções ou
informações.
monitor de
vídeo.
Professora
dirigindo-se à
sala para
Dois alunos
fornecer
conversando
informações
paralelamente.
sobre a aula
seguinte.
Professora
Seguir as
dirigindo-se à
Uma aluna
instruções da
sala, pedindo
deita a cabeça
professora,
aos alunos para
na mesa, não
reproduzindo os reproduzirem
seguindo as
gestos
os seus gestos e
instruções da
propostos por
associá-los a
professora.
ela.
palavras já
aprendidas.
Formar fila de
Professora
Alunos
maneira
dirige-se à sala
começam a sair
organizada ao
para se
da sala fora de
sair da sala no
despedir dos
ordem.
final da aula.
alunos.
Professora
Professora
Abrir o livro
dirige-se à sala
decide verificar
sempre que a
e pede para os
se os alunos
alunos abrirem
professora
atenderam à
mandar.
o livro na
sua instrução.
página 12.
Professora
passando de
Usar o lápis
Alguns
carteira em
apenas quando
aprendentes
carteira,
a professora
fazem uso do
verificando o
mandar.
lápis.
livro dos
alunos.
Professora faz
perguntas para
Responder às
os alunos de
Aluno responde
perguntas da
acordo com as à uma pergunta
professora de
frases
de maneira
maneira correta.
reproduzidas
equivocada.
pelo CD de
áudio.
Professora tenta
Usar o lápis
recuperar a
Aluno sai do
apenas quando
estrutura de
seu lugar para
a professora
participação
pegar um lápis.
mandar.
anteior (fazer
perguntas de
Professora dirgindo-se
aos dois alunos que
conversavam
paralelamente para
lhes chamar a atenção.
Professora dirige-se À
aluna que deitou a
cabeça na mesa para
lhe chamar a atenção.
O restante da sala
participa como plateia.
Professora pede para
todos os alunos
voltarem aos seus
lugares e formarem
fila novamente.
Professora passa de
carteira em carteira,
interagindo com cada
aluno individualmente
para enfatizar a
instrução.
Professora dirige-se a
esses aprendentes para
lhes chamar a atenção.
Professora dirige-se
apenas ao aluno que
respondeu à pergunta
de maneira
equivocada,
corrigindo-o. O
restante da sala
participa como plateia.
Professora dirige-se ao
aluno que se levantou
para lhe chamar a
atenção. O restante da
sala participa como
plateia.
232
13
14
15
acordo com as
frases
reproduzidas
pelo CD de
áudio).
Professora
dirige-se a um
aluno que se
Usar o lápis
levantou para
apenas quando
lhe chamar a
a professora
atenção. O
mandar.
restante da sala
participa como
plateia.
Professora
explica as
Seguir as
instruções de
instruções da
uma atividade
professora.
sobre
associação de
figuras.
Professora
dirigindo-se a
um aluno por
Pedir permissão
vezes, passando
para levantar e
de carteira em
jogar o lixo
carteira. O
fora.
restante da sala
participa como
plateia.
Professora
decide reforçar
a regra em
questão.
Professora dirige-se à
sala para enfatizar o
uso dispensável do
lápis naquele
momento.
Aluno não
segue as
instruções da
professora.
Professora dirige-se ao
aluno que não seguiu
as suas instruções para
lhe chamar a atenção.
O restante da sala
participa como plateia.
Aluno pede
para um colega
jogar um papel
na lixeira.
Professora dirigindose ao aluno que estava
passando o papel ao
colega. O restante da
sala participa como
plateia.
16
Bater à porta
antes de entrar
na sala.
Professora
dirigindo-se à
sala.
Aluno entra na
sala sem bater à
porta.
17
Pedir permissão
verbal antes de
entrar na sala.
Professora
dirigindo-se à
sala.
Aluno bate à
porta, entra na
sala, mas não
pede
permissão.
Não proferir
palavras de
baixo calão.
Aluna
dirigindo-se à
professora para
acusar um
colega.
Aluno
supostamente
teria proferido
um termo
considerado
chulo.
18
Professora dirigindose apenas ao aluno
para lhe chamar a
atenção. O restante da
sala participa como
plateia.
Professora dirigindose apenas ao aluno
para lhe chamar a
atenção. O restante da
sala participa como
plateia.
Professa difigindo-se
ao aluno que
supostamente proferiu
um termo chulo para
lhe chamar a atenção.
Professora dirigindose apenas ao aluno
para lhe chamar a
233
atenção. O restante da
sala participa como
plateia.
19
Não conversar
quando a
professora pedir
silêncio.
Professora
dirigindo-se a
um aluno que
estava
conversando
com o seu
colega. O
restante da sala
participa como
plateia.
21
Não comer
durante as aulas
Professora
dirigindo-se à
sala.
22
Responder às
perguntas da
professora
Professora
dirigindo-se à
sala.
22
Sentar-se
corretamente
(virado para
frente com as
mãos sobre a
mesa).
Professora
dirigindo-se à
sala.
Trabalhar
individualmente
quando a
professora
pede.
Professora
dirigindo-se a
um aluno por
vez. O restante
da sala
participa como
plateia.
22
23
Responder às
perguntas da
professora.
Professora
dirigindo-se à
sala.
23
Responder às
Professora
Alunos não
param de
conversar.
Professora dirigindose a um dos alunos
que estava
conversando para lhe
chamar a atenção. O
restante da sala
participa como plateia.
Professora dirigindose ao aluno que comia
Um aluno
durane a aula para lhe
coloca um doce
chamar a atenção. O
na boca.
restante da sala
participa como plateia.
Professora dirigindose aos alunos modifica
Os alunos
a pergunta, alterando o
fazem silêncio
seu discurso. Os
e não responde
aprendentes passam a
à pergunta da
ter que fornecer um
professora.
outro tipo de
informação.
Professora dirigindose ao aluno que
Aluno senta-se
apresentava postura
incorretamente
considerada incorreta
(com o corpo
para lhe chamar a
virado para
atenção. O restante da
trás)
sala participa como
plateia.
Professora dirigindoAluno tentando se ao aluno que quebra
intergarir com
a regra, chamando a
um outro
sua atenção. O restante
colega.
da sala participa como
plateia.
Alunos não
respondem à
perguna da
professora,
fornecendo
outro tipo de
informações.
Alunos
Professora dirigindose a uma aluna em
específico para fazer
com que essa responda
a sua pergunta. O
restante da sala
participa como plateia.
Professora dirigindo234
perguntas da
professora em
coro e sem
variações.
dirigindo-se à
sala.
respondem de
maneira
variada.
se à sala modifica a
pergunta, alterando o
seu discurso. Os
aprendentes passam a
ter que fornecer um
outro tipo de
informação.
É importante mencionar que nem sempre as violações às regras são
observadas apenas pela professora. Há momentos em que os alunos endereçam novos
interlocutores, inserem novos elementos na interação e, também, cobram as regras de
outros alunos (um exemplo no Excerto 5 já nos chamou a atenção para esse fato). As
estruturas de participação têm um dinamismo muito mais abrangente do que o
simples fato de se reconfigurarem somente quando a professora observa um
comportamento inadequado. Por essa razão, discutiremos mais um tipo de situação
em que o fenômeno analisado neste trabalho ocorre. Depois de verificarmos como os
aprendentes influenciam na reorganização do espaço interativo, resistindo às ordens
expressas pelo discurso institucional, veremos como eles tomam os turnos da
professora, apropriando-se desse discurso e, consequentemente, reconfigurando as
estruturas de participação.
5.2 - Apropriação do discurso institucional
Para iniciarmos esta seção, relembramos, mais uma vez, as oito formas de
fala metacognitiva encontradas por Stubbs (1983), que analisou o discurso do
professor em sala de aula: atrair ou chamar a atenção, controlar a quantidade de
fala, checar ou confirmar entendimento, resumir, definir, editar ou revisar, corrigir
e especificar o tópico.
235
No entanto, como já mencionado na subseção 2.2.1, de acordo com o
próprio Stubbs, não podemos afirmar que há algo de muito especial nessas formas
encontradas, uma vez que elas já eram esperadas por se tratarem de algo que os
professores fazem sempre em sala de aula. Porém, o que pretendemos mostrar, nesta
seção, é que essas formas não são apenas usadas pelos professores. Há momentos em
que os aprendentes se apropriam delas, renegociando os seus papéis e alterando a
organização da participação.
Durante a análise dos dados, verificamos que são utilizadas duas estratégias
de apropriação do discurso institucional. A primeira delas ocorre quando os alunos
contam com um estímulo ou ajuda da professora para realizar uma ação (chamar a
atenção de um colega, por exemplo) e a segunda, quando os alunos, já mais
confiantes, usurpam o papel institucionalmente conferido à Roberta para chamar a
atenção de, ou corrigir, algum participante daquele encontro social, incluindo a
própria professora.
A primeira estratégia utilizada para se apropriar do discurso institucional é
evidenciada nos momentos em que os alunos geralmente detectam algo de “errado”
na sala de aula (como a violação de alguma regra por parte de um colega) e relatam
esse fato à Roberta que, atuando como intermediária (Levinson 1988) dos alunos que
“denunciam” o colega (o alvo, nos termos de Levinson), chama a atenção do
aprendente que subverteu a ordem expressa durante as aulas pela professora.
Também há situações em que a professora detecta a subversão por parte de algum
aprendente durante a aula e, pedindo a colaboração dos outros alunos da sala, que
atuam como os seus patrocinadores (também nos termos de Levinson), faz com que
esses repitam a regra ao aprendente que a violou. Esse movimento permite aos
alunos apropriarem-se do discurso institucional por alguns instantes juntamente com
236
Roberta, criando uma situação de coautoria (Goffman 1981a) na ação de corrigir a
postura de um colega. Em nossa visão, esse fenômeno constitui-se, portanto, em uma
apropriação parcial do discurso institucional, uma vez que os aprendentes ainda
necessitam de uma ajuda ou um estímulo por parte da professora para realizar a ação
de chamar a atenção de um aprendente.
A segunda maneira de apropriação do discurso institucional ocorre quando
os alunos, já mais confiantes, “usurpam” o papel institucionalmente conferido à
Roberta para chamar a atenção de, ou corrigir, algum participante daquele encontro
social, incluindo a própria professora. Trata-se, portanto, de uma apropriação total do
discurso institucional, uma vez que os aprendentes já não precisam mais de um
intermediário para realizarem uma ação que, até agora, era de responsabilidade
apenas de Roberta.
Chamamos a atenção ainda para o fato de que alguns elementos analisados
durante a seção 4.1 ainda continuam presentes nos dados apresentados nesta segunda
parte dos resultados deste trabalho. Portanto, a postura corporal, os objetos, as
imagens, os gestos e os apectos verbais e as mudanças na ordem discursiva seguirão
fazendo parte da análise, contudo com o enfoque voltado ao aspecto que nos
propomos discutir nesta seção: a apropriação do discurso institucional.
5.2.1 – Apropriação parcial
No primeiro excerto referente à apropriação parcial do discurso institucional,
temos uma situação em que um aluno denuncia uma ofensa, que supostamente tenha
sido dirigida a ele, por parte de um colega seu enquanto conversavam paralelamente
durante a aula.
237
Excerto 24: Aula 12 (p.14) 19-34
19.
20.
21.
22.
23.
24.
25.
26.
27.
28.
29.
30.
31.
32.
33.
34.
Aluno
Roberta
Aluna
Roberta
Roberta
Aluno
Aluno
Aluno
Aluno
Aluno
Roberta
Roberta
Aluna
Aluna
Aluno
Roberta
Lung Suet I.
Eu sou a/
Eu sou a (???)
Ahn?!
Pata! Pata!
[Acho que o teu animal é muito bonito!
[deixa-me ver!
[Cheira mal.
[Faz muito barulho!
[O teu é muito grande.
Cala-se! Shh!
Meninos, meninos, olham para/
Professora!
Ele disse que eu estava muito gorda.
Eu só disse que (???)
Bom, chega! ((direcionando-se ao aluno))
Conforme já mencionado, na aula 12, Roberta tinha proposto uma atividade
em que os alunos deviam representar um animal que ia entrar na Arca de Noé.
Enquanto um dos alunos fazia a sua apresentação com a ajuda da professora (linhas
19-23),
alguns
aprendentes
iniciaram
conversas
paralelas
(linhas
24-28),
reorganizando o espaço interativo por alguns instantes. Em seguida, Roberta pede
silêncio (linha 29), tentando recuperar a estrutura de participação na qual estavam
antes (a atividade de apresentação), pedindo para os alunos olharem para frente
(linha 30). Contudo, antes mesmo de concluir a sua tentativa de trazer a sala de volta
à atividade, a professora é interrompida por uma aluna que acusa um colega seu de
supostamete tê-la ofendido (linhas 31-32).
Além de ter reconfigurado a estrutura de participação por ter tomado o turno
de Roberta e, assim, modificado o piso conversacional, a aprendente em questão
produziu uma elocução delatando um colega que tinha apresentado um
comportamento não aprovado por ela (tê-la chamado de “gorda”). A professora,
atuando como uma intermediária da aprendente, chama a atenção do aluno que a
ofendeu (linha 34). Esse movimento prova que a aluna foi a responsável (Goffman
238
1981a) pela ação de Roberta, tendo apropriado-se parcialmente do discurso
institucional, para atingir o seu alvo (o colega que supostamente a ofendeu). Esse
fenômeno também é relatdo em Schiffrin (1994), conforme já discutido na seção 2.4,
em que um sujeito fala do outro, utilizando uma terceira pessoa, no caso em questão
a professora, como intermediária.
Notamos, contudo, que a professora é uma participante indispensável para
realizar ações como essas, uma vez que a aluna ainda não tem a confiança (e nem a
ela é conferida a autoridade e a credibilidade) para usurpar completamente o papel
institucionalmente conferido à Roberta. Nesse excerto, é possível também identificar
a técnica he-said-she-said, utilizada pelas garotas afro-americanas de um bairro da
Filadélfia (M. Goodwin 1992 e 1990). Essa técnica tem como característica o uso do
encaixamento (M. Goodwin 1990) para reconfigurar a estrutura de participação. Esse
movimento tem três fases bem marcadas: ofensa, instigação e confronto. No excerto
em questão, a aluna encaixa o momento que suspostamente o seu colega a ofendeu e
instiga Roberta a confrontá-lo. Portanto, a figura da professora, o sujeito que tem o
poder de chamar a atenção dos alunos (e também confrontá-los), é fundamental nesse
tipo de reorganização do espaço interativo.
Observamos, no trecho anterior, que a professora é influenciada pela tomada
de turno por parte do aluno, que, apropriando-se parcialmente do discurso
institucional, “obriga” Roberta a realizar uma ação. No excerto seguinte, temos o
processo inverso: Roberta, ao notar que uma aprendente apresentou um
comportamente considerado inadequado (empurrar a mesa, produzindo barulho
enquanto a professora falava), encoraja a sala a se apropriar do discurso institucional
para dizer ao aluno como devia se comportar.
Excerto 25: Aula 12 (p.14) 6-16
239
6.
7.
8.
Roberta
Aluno
Roberta
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
Aluno
Roberta
Roberta
Alunos
Alunos
Roberta
Quem sabe? Sabes? ((direciona-se a um aluno))
É a minha vez! ((interrompendo a interação entre Roberta e o seu colega))
((direcionando ao aluno que a interrompeu)) O que queres dizer? Porque não
falaste antes?
((um outro aluno empurra a mesa, produzindo barulho))
((direcionando-se à sala novamente)) Não quero ouvir o som da empurrão de
mesa outra vez! Já vos disse que todos têm que se sentar bem na aula! Agora,
todos só se esparramam nas mesas, eu não vou dar aula!
Como devem pôr as mãos?
Direito!
Sentar direito!
Sim, não se esparramem na mesa!
Nesse exemplo, podemos notar várias reorganizações do espaço interativo.
A primeira delas ocorre logo na linha 7, quando Roberta é interrompida por um aluno
que reclama a sua vez de participar, reconfigurando a estrutura de participação.
Enquanto, reconfigurando a estrutura de participação, a professora chamava a
atenção desse, um outro aprendente (linha 9) empurra a mesa e produz um barulho
que interrompe Roberta novamente. Temos aqui mais uma reorganização do espaço
interativo, dessa vez, provocada por um elemento não-verbal (barulho de uma mesa
sendo arrastada). A professora passa a se dirigir (linhas 10-12) a toda a sala para
relembrar a regra estabelecida desde as primeiras aulas (“sentar-se bem durante a
aula”). Em seguida, Roberta, reconfigurando mais uma vez a estrutura de
participação, começa a fazer perguntas de sequência IRA para a sala (linhas 13-16),
obrigando, assim, os alunos a dizerem a maneira correta de se sentar (linhas 14-15).
Esse último movimento, embora seja arbitrário, permite que os aprendentes
explicitem regras, tarefa que, anteriormente, cabia somente à Roberta. Portanto,
temos, nessa situação, uma apropriação parcial do discurso institucional, com a
professora novamente sendo figura fundamental nesse processo de coautoria
(explicitar a regra a um aluno que a violou). Diferentemente da situação anterior,
nessa, temos a professora atuando como resposável pela ação. A sala, por sua vez,
atua como intermediária para que, assim, pudessem em conjunto (professora e alunos)
atingirem o alvo (o aprendente que empurrou a carteira) da mensagem.
240
Essa não é a única situação em que a professora permite aos alunos
“usurparem”, mesmo que parcialmente, a sua fala para ajudá-la na correção da
postura de um aprendente. No próximo excerto, temos um exemplo da mesma
natureza, porém, dessa vez, com Roberta encorajando os alunos a repetirem uma
ordem e um gesto de silêncio para chamar a atenção deles mesmos. Observe o trecho
a seguir:
Excerto 26: Aula 13 (p.8) 9-13
9
10
11
12
13
Roberta
Alunos
Roberta
Roberta
Alunos
Ok, tá bom, descansamos um bocadinho, sentem-se!
((fazem muito barulho))
Bom, então vamos ver mais uma vez!
SILÊNCIO! ((com o dedo na boca em sinal de silêncio))
SILÊNCIO! ((alunos repetem o gesto da professora))
É interessante observar como essa apropriação do discurso institucional
favorece Roberta em alguns casos. Nessa situação em particular, a professora permite
mais uma vez que os alunos “usurpem” momentaneamente o seu papel para pedir
silêncio e, assim, ajudá-la no controle da interação. O mais curioso é o fato de que os
alvos da mensagem (os alunos que faziam barulho) tratam-se também dos coautores
que, juntamente com Roberta, realizaram a ação de chamar a atenção da sala.
Temos aqui, portanto, um complexo processo de mudança de papéis. Após
reorganizar o espaço interativo (linha 10), os alunos fazem com que Roberta tente
recuperar a estrutura de participação anterior (todo os alunos em silêncio
descansando). Nesse momento, a professora, estrategicamente, encoraja os seus
alunos a se apropriarem do seu papel para chamar a atenção deles mesmos. É
importante mencionarmos que ainda não encontramos relatados na literatura
discussões sobre um fenômeno dessa natureza.
Professora e alunos, portanto, por vezes agem em cooperação (mesmo que
arbitrariamente) para atingir algum objetivo. Contudo, não podemos afimar que essa
241
parceria entre professoa e alunos é sempre bem sucedida. No próximo trecho, temos
uma situação em que os alunos não conseguem fazer com que Roberta seja a
intermediária na interação.
Excerto 27: Aula 22 (p.16) 1-14
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
Roberta
Aluno
Aluno
Roberta
Aluno
Roberta
Aluna
Roberta
Roberta
Aluna
Roberta
Ahhh,
((barulho))
Professora, Wong Chong Wai olhou para a minha prova agora mesmo.
Silêncio! Já escreveste?
Já escrevi. Ele olhou para a minha prova agora mesmo.
((dirigindo-se ao aluno que acusou o seu colega)) Sente-te bem. Sente-te bem.
Já acabei.
Aqui tem cinco letras maiúsculas e cinco minúscula. Como este "a"
minúscula fica quando muda para a forma maiúscula? Como este "a"
minúscula fica quando muda para a forma maiúscula?
Wong/ Quem está a falar?
Wong Chong Tat.
((escrevendo virada para a lousa)) Escreve lá. "a" minúscula, e como fica a
sua forma maiúscula? Escreve lá!
O trecho começa com uma chamada de atenção por parte de Roberta em
razão do barulho que os alunos faziam durante uma explicação sobre um item do
teste ao qual os aprendentes estavam sendo submetidos naquele momento. Logo na
linha 3, no entanto, um aluno, apropriando-se parcialmente do discurso institucional
e, consequentemente, reconfigurando a estrutura de participação, relata que um
colega seu acaba de ter violado uma das regras (“não olhar para o teste do colega”).
Porém, Roberta não ratifica o alvo da mensagem do aluno e pede silêncio (linha 4),
preferindo não chamar a atenção do aprendente que estava sendo acusado. Em vez
disso, a professora faz uma pergunta (Já escreveste?), indicando que a tarefa do
aluno em questão era somente a de obedecer as instruções e não usurpar o seu papel
de detectar quem estava subvertendo às regras.
Porém, o aluno insiste em delatar o seu colega e, respondendo à pergunta da
professora, novamente “usurpa” o papel conferido à Roberta, acusando o seu colega
mais uma vez (linha 5). A professora, por sua vez, continua a não ratificar a acusação
242
e, chamando a atenção do aluno, tenta enquadrar os alunos na explicação de um item
do teste, ação que tentava realizar desde a linha 1, quando tinha sido interrompida
pelos alunos que faziam barulho.
Contudo, uma aluna (linha 7) toma o turno de Roberta, tentando
reconfigurar novamente a estrutura de participação. Roberta não a ratifica e começa a
expor as instruções do item do teste (linhas 8-10). Logo em seguida (linha 11), é
interrompida por outro aluno (Wong Chong Tat), que conversava paralelamente com
um colega. Nesse momento, a professora, reorganizando mais uma vez o espaço
interativo, dirige-se a esse aluno para lhe chamar a atenção. Porém, em vez de fazer
isso diretamente, Roberta pergunta ao aluno quem estava conversando, na tentativa
de fazê-lo notar que ele era o sujeito que violava a regra (“fazer silêncio enquanto a
professora fala”) naquele momento e, portanto, o alvo da mensagem. No turno que
segue, ainda temos a mesma aluna que tinha interrompido Roberta na linha 7,
cofirmando que Wong Chong Tat era o aprendente responsável por ter sobreposto a
fala da professora. Mais uma vez, portanto, temos outra apropriação parcial do
discurso institucional (uma aluna detectando quem estava conversando paralelamente
na aula), porém, novamente, a não-ratificação de Roberta, que prefere virar o seu
corpo para a lousa e continuar a sua explicação, não atuando em coautoria com a
aluna (linhas 13-14).
Observamos, portanto, que a apropriação parcial do discurso institucional às
vezes pode não ter resultado esperado. No excerto em questão, houve três tentativas
frustradas por parte dos aprendentes em fazer com que Roberta realizasse uma ação
que eles apenas parcialmente conseguiam realizar. A professora procurava não se
deixar influenciar por essa tentativa de os alunos “usurparem” o seu papel, por isso,
243
sempre o reclamava de volta para si, retomando o turno da fala e não cedendo à
“pressão” dos aprendentes que delatavam os seus colegas.
Porém, como já pudemos constatar no excerto 24, há situações em que essa
apropriação parcial é bem sucedida. No trecho a seguir, após averiguar que um
colega olhava para o seu teste, um aprendente toma o turno e faz com que Roberta
reorganize o espaço interativo para corrigir o posicionamento do aluno que violou a
regra e também lhe chamar a atenção.
Excerto 28: Aula 35 (p.6) 1-10
1. Roberta
2. Aluno
3. Roberta
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
Aluno
Roberta
Alunos
Roberta
Alunos
Roberta
Aluno
Não faz barulho. Já fizemos aqui ((apontando para um item na folha do
aluno)). Esta resposta não está correcta.
[Professora Roberta. Ele olhou para o meu teste.
Vai ((passando a mão na cabeça do aluno)), malandro! ((empurrando a mesa
do aluno para longe da do colega)) Mais, mais... Já está?
Ainda não. Ainda não.
E agora, A, B, C....
[D.
Vamos ler. É a ...
Casa de banho.
Casa de banho.
É a casa de banho.
No início desse excerto, observamos que Roberta estava chamando a
atenção de um aprendente (linha 1) por esse estar produzindo barulho enquanto a
professora verificava as respostas dos alunos. Logo após (linha 2), um outro
aprendente, apropriando-se parcialmente do discurso institucional, acusa um colega
seu, sentado ao seu lado, de ter olhado para o seu teste. Essa reclamação por parte do
aprendente reconfigura a estrutura de participação. Na figura 7, é possível observar o
momento em que essa ação acontece.
244
Figura 7: Um aluno acusa o seu colega de olhar para o seu teste.
Esse movimento faz com que a professora se direcione até o aluno acusado,
atendendo o “apelo” feito pelo aprendente que o delatou, como é possivel observar
na Figura 8.
Figura 8: Roberta chama a atenção do aluno que violou a regra ao mesmo tempo em que afasta a sua
mesa para longe da do seu colega.
245
Após chamar a atenção e afastar a carteira do aluno que estava olhando para
o teste de seu colega, reorganizando, assim, o espaço interativo mais uma vez,
Roberta (linhas 5-10) recupera a estrutura de participação em que estava antes de
chamar a atenção do aluno na linha 1.
Temos nesse excerto, portanto, mais uma situação em que a apropriação, por
parte do aluno, do discurso institucional influencia na mudança de atitude por parte
da professora. Porém, devemos mencionar que essa apropriação ainda é parcial, pois
Roberta é o sujeito que decide se a apropriação por parte do aluno é ou não
pertinente para que, então, tome uma atitude de ignorá-la ou acatá-la, como foi no
caso em questão.
5.2.2 – Apropriação total
Na apropriação total do discurso institucional, os aprendentes mostram que
já adquiriram uma certa emancipação em relação à figura do professor, podendo
atuar em seu lugar, usurpando o papel institucionalmente conferido a ele e, assim,
reconfigurando a estrutura de participação.
No primeiro exemplo dessa natureza apresentado logo a seguir, a professora
tinha enquadrado os alunos em uma atividade de apresentação. Conforme já
mencionado, o tópico da aula 12 era uma continuação do assunto da aula anterior em
que Roberta tinha contado a história da Arca de Noé. Na atividade de apresentação
em questão, os alunos recebiam um chapéu com o formato de cada animal que ia
entrar na arca. Depois de colocarem o chapéu na cabeça, os aprendentes deviam ir
até a frente da sala, um a um, e dizerem a seguinte frase, endereçando o restante da
246
sala: Eu chamo-me (nome do aluno), eu sou o/a (nome do animal), conforme é
possível observar na Figura 9.
Figura 9: Um aluno cumpre a tarefa, endereçando-se aos seus colegas. O restante da sala observa o
seu desempenho, enquanto a professora acompanha de perto, auxiliando-o em sua apresentação.
Em seguida, a professora pegava uma figura correspondente ao animal que
os alunos iam apresentando e colava-a em um barco de cartolina fixado em uma tela
móvel no centro da sala, a qual é possível ser visualizada também na figura anterior.
Chamamos atenção, no excerto abaixo, para a ação de uma aluna (linha 5457), que toma o turno da professora e, apropriando-se do discurso insitucional,
chama a atenção de Roberta, reconfigurando a estrutura de participação.
Excerto 29: Aula 12 (p.9) 37-57
37.
38.
39.
40.
41.
42.
43.
44.
45.
46.
47.
Roberta
Roberta
Roberta
Roberta
Roberta
Aluno
Roberta
Roberta
Aluno
Roberta
Roberta
Os / Os animais que se comportarem bem podem entrar no barco.
Não faz mal, não se preocupe.
Bom, silêncio! ((dirigindo-se a um aluno))
Iao Man Lok!
Agora, é o/
[Tigrinho.
[Waaa, o/ o/ o quê?
Cão, tá bom?
[Vai morder-te.
Vamos ouvir. Desculpe!
Eu chamo-me Lam Man Lung, eu sou o cão.
247
48.
49.
Roberta
Aluno
50.
51.
52.
53.
54.
55.
56.
57.
Aluno
Roberta
Aluna
Roberta
Aluna
Aluna
Aluna
Aluna
Muito bom.
[Há um espaço no lado esquerdo do vovozinho. ((referindo-se à figura de
Noé))
[Ele morde.
[Cabe aqui. ((posicionando a figura do cão em um dos cantos do barco))
[Professora.
Aqui, está aqui.
[Não, não é.
[Há ainda espaço. ((levantando-se e apontando para o outro canto do barco))
[Do outro lado.
[Não, professora.
Excerto 29: Aula 12 (p.10) 1-5 (continuação)
1.
2.
Roberta
Aluna
3.
4.
5.
Roberta
Roberta
Roberta
Bom, shh!
Professora, há ainda espaço perto do vovozinho. ((referindo-se à
figura de Noé))
Ah, tá bom, obrigada.
((mudando a figura de lugar)) Aqui, tá bom, ao lado do Noé.
E agora.
Movimentos como esse da aluna em questão modifica os papéis dentro do
espaço interativo da sala de aula, passando momentaneamente o “direito” (Shultz,
Florio & Erickson 1982) que a professora institucionalmente tem de corrigir os
aprendentes para a aluna, que se apropria do turno de fala para relatar que Roberta
tinha cometido um engano. Ocorre, portanto, uma troca dos papéis de participação
(participation roles), como denomina Levinson (1988) ou dos alinhamentos dos
participantes, como denomina Schiffrin (1994), permitindo que a aluna fale pela
professora.
Quando a aluna nota que a professora podia ter colado a figura no canto
direito do barco de cartolina, ao lado da figura de Noé, a aprendente levanta-se e
toma o turno de Roberta, apontando para o local onde achava que a figura devia estar
(linha 55). Na Figura 10, é possível observar a imagem da aprendente realizando a
ação mencionada.
248
Figura 10: Uma aluna, apropriando-se do discurso institucional, chama a atenção da professora e
aponta para o local onde a figura deveria ter sido afixada. Roberta segue as suas instruções e o restante
da sala atua como plateia (reconfiguração da estrutra de participação).
Portanto, temos uma reconfiguração da estrutura de participação que se
originou em razão da ação de um sujeito (uma aluna) que institucionalmente não tem
o “direito” de chamar a atenção do outro (no caso, a professora) dentro daquele
espaço interativo. Por isso, a aluna “usurpa” o discurso tradicionalmente conferido a
Roberta para assim poder realizar a referida ação. Essa apropriação discursiva
acarreta uma troca de papéis, mostrando que mesmo em uma interação em que os
sujeitos são posicionados em um nível hierárquico pelos processos sociais gerais, há
ainda um espaço para improvisação (Erickson 1996), no qual se pode renegociar
regras, cobranças, comportamentos, maneiras de se participar etc.
É importante mencionar também que, na sala de aula analisada, a
apropriação total (e também a parcial) do discurso institucional não acontece logo
nos primeiros encontros. Podemos verificar o primeiro caso apenas na décima e
segunda aula (a exemplo do que ocorre também na seção 4.2.1), conforme é descrito
no excerto anterior. Isso talvez se deva à confiança que os alunos adquirem durante
um certo período de tempo. Depois que já conhecem as regras de conduta, sabendo o
249
que devem e o que não devem fazer durante as aulas, há uma possibilidade maior de
testemunharmos situações desse tipo (alunos participando de maneira mais ativa).
Contudo, não podemos tomar isso como regra, uma vez que, em cada contexto, esse
processo desenvolve-se de forma distinta.
Mesmo assim, não devemos esquecer que corrigr a professora diretamente,
como no caso em questão, não é uma tarefa interacional simples, porém devemos
também lembrar que outros estudos relatam situações parecidas, provando que esse
fenômeno é mais comum do que se imagina. Rampton (2006) e Candela (2005, 1999
e 1991), com já discutido na subseção 2.2.2, estudaram o processo de contestação do
poder do professor por parte dos alunos e constatou que a função institucional de
cada participante (professor ou aluno) dentro da sala de aula é redefinida e
reconstruída em um processo de negociação entre os sujeitos nesse contexto,
modificando a maneira de se participar.
Heras (1994), também já citada anteriormente, afirma que a escola fornece
uma definição estrutural e organizacional para os papéis dos alunos e dos professores,
mas também que contextos como a sala de aula são situacionalmente definidos pela
(e na) interação, provocando troca de papéis e reconfiguração nas formas de
participar. Lerner (1995), que investigou o sistema de troca de turnos em uma sala de
aula, considera que esse processo também produz diferentes oportunidades de
participação quando a professora faz uma exposição oral. Os aprendentes e
professores, portanto, não têm uma função estática que será seguida durante toda a
aula, pois agem dependentes dos eventos que se apresentam a eles durante aquele
encontro social, podendo inverter os papéis (como no caso em questão),
reconfigurando, assim, a estrutura de participação.
250
No próximo excerto, podemos observar um outro caso em que os alunos
participam de maneira mais ativa, tomando o turno da professora e reclamando a vez
de folhear um livro que Roberta usava para mostrar algumas figuras de animais para
a classe. A Figura 11, logo após o trecho a seguir, traz uma visualização que ajuda na
interpretação da situação.
Excerto 30: Aula 14 (p.6) 41-57
41.
42.
43.
44.
45.
46.
47.
48.
49.
50.
51.
52.
53.
54.
55.
56.
Aluno
Aluno
Aluno
Aluno
Roberta
Alunos
Roberta
Alunos
Roberta
Aluno
Roberta
Aluno
Roberta
Aluno
Roberta
Roberta
57.
Aluno
[Na próxima página tem quatro ratinhos.
[Quem?
[Arrrrr! ((imitando o som de cão))
[Au, au, au!
Quem é? ((mostrando o livro que está em sua mão para os alunos))
Cão.
Cão.
Cão. ((folheiam o livro))
O cão.
[Eu também quero folhear.
O cão.
[Eu também quero folhear.
É bonito?
[Eu também quero folhear.
É o cão.
Então, como é o cão? ((direcionando-se ao encontro do aprendente que queria
folhear o livro))
[Eu também quero folhear.
Excerto 30: Aula 14 (p.7) 1-9 (continuação)
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
Aluno
Aluno
Aluno
Aluno
Aluno
Aluno
Roberta
Aluno
Aluna
[Eu ainda não folheei.
[Eu ainda não folheei.
[Eu também quero folhear.
[Eu ainda não vejo.
[Eu ainda não toquei.
[Eu ainda não vejo.
Chega, chega, chega.
[Eu também quero folhear.
[Quero tocar.
251
Figura 11: Um aluno folheia o livro que Roberta está segurando. Outros aprendentes levantam a mão
querendo também manusear o material.
Temos uma situação um pouco diferente da apresentada no excerto 29, em
que a aluna corrige a professora. No trecho acima, temos vários alunos reclamando a
sua vez de participar (linhas 50, 52 e 54) dentro da estrutura de participação proposta
por Roberta (todos olharem a figura que ela mostrava em seu livro, podendo folheálo se quisessem). Quando a professora tenta reconfigurar a estrutura de participação
(linha 56), pedindo para que os alunos agora descrevessem o cão e não mais
simplesmente o observassem, um aluno (linha 57), retoma a estrutura anterior,
reclamando a sua vez de folhear o livro. A partir desse momento, alguns alunos
chamam a atenção de Roberta, dizendo que também não tinham folheado ou não
tocaado ainda no livro (linhas 1-6). A professora, finalmente, tenta impor a
reconfiguração da estrutura de participação (linha 7), mas sem sucesso, uma vez que
mais alunos mantinham a maneira de participar anterior (linhas 8 e 9).
O fato de alguns aprendentes terem tido a oportunidade de manusearem o
material que Roberta apresentava parece ter despertado uma vontade em todos os
alunos de participarem da mesma forma, criando uma regra: “se alguns alunos
252
manusearem um material, todos devem ter a oportunidade de manuseá-lo também”.
É importante mencionar que essa regra não foi criada pela professora, mas sim
imposta pelos aprendentes que “exigiam” o cumprimento da mesma, chamando a
atenção de Roberta.
Essa criação de regras por parte dos aprendentes que modifica a maneira de
se participar em aula, a exemplo da situação apresentada no excerto 26, tampouco
apresenta relato na literatura. Porém, esse fenômeno consiste em uma observação
importante por meio da qual é possível quebrar certos paradigmas, tais como: “as
regras são estabelecidas somente via discurso institucional” ou “professores,
coordenadores e diretores de ensino são os únicos a estipularem regras dentro da
escola”.
Na situação seguinte, temos outro exemplo de apropriação total do discurso
institucional, porém, agora, com uma aluna chamando a atenção de um colega. Essa
é a primeira vez em que a professora não participa da interação, pois estava
envolvida em outra atividade enquanto dois alunos conversavam paralelamente.
No próximo excerto, Roberta tinha proposto uma atividade de descrição
física para os alunos usarem alguns adjetivos já aprendidos nas aulas (magro, gordo,
alto, baixo, bonito, feio etc). Os aprendentes deviam se autodescrever em uma folha
de papel, fornecida pela professora. Antes de iniciar a atividade, Roberta passava de
carteira em carteira distribuido as folhas (de cor azul para os meninos e cor-de-rosa,
para as meninas). Para receberem o referido material, os alunos deviam produzir a
seguinte frase em português: Eu sou menino(a), para que, então, a professora
entregasse, a cada aprendente, a folha da cor correspondente.
Excerto 31: Aula 15 (p.7) 37-57
37.
38.
Roberta
Alunos
Bom, meninos têm a folha azul! Azul! Azul! Que significa?
Azul!
253
39.
40.
41.
42.
43.
44.
45.
46.
47.
48.
49..
50.
51.
52.
53.
54.
55.
56.
57.
Roberta
Aluna
Roberta
Roberta
Roberta
Roberta
Roberta
Alunas
Aluna
Roberta
Aluna
Roberta
Aluno
Roberta
Aluno
Roberta
Aluna
Roberta
Menino? ((dirigindo-se a uma aluna))
Não.
Não. ((volta a se dirigir à sala))
Menino, menino, menino... ((A professora está distribuindo os papéis aos
alunos))
Menina tem cor-de-rosa! Menina! ((entrega a folha para a aluna))
Bem, diz: ‘Eu sou menina!’, ‘Eu sou menina!’
Eu sou menina!
Eu sou menina!
Eu sou menina!
((entrega a folha a outra aluna)) E tu? ((dirigindo-se à próxima aluna))
Eu sou menina! ((entrega a folha a aluna))
((dirigindo-se a um aluno)) E tu? Eu sou meni/
[ Eu sou menino!
Ah, menino. ((entrega a folha ao aluno)) E tu? ((dirigindo-se a outro aluno))
Eu sou menino.
Ah, menino. ((entrega a folha)) E tu? ((dirigindo-se à próxima aprendente))
Sou menina!
Tá bom ((entrega a folha)), e tu? ((dirigindo-se a outra aluna))
Excerto 31: Aula 15 (p.8) 1-16 (continuação)
1.
2.
3.
4.
5.
Aluna
Roberta
Rui
Roberta
Roberta
6.
Roberta
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
Aluno
Roberta
Roberta
Menina.
Sim, menina. ((entrega a folha)) E tu?
Eu sou menino. Obrigado hahaha ((risadas))
((entrega a folha a Rui))
Ah, eu falta um menino! Aquele menino falta! ((apontando para uma mesa
que está vazia. Roberta pega de volta a folha de Rui e guarda para distribuir,
na aula seguinte, ao aluno ausente))
((dirigindo-se novamente à sala)) Bem, meninos, não conseguem ver bem
as palarvas, pois não ?
Eu consigo!
Conseguem?
Não faz mal, a professora agora vai dar a cada um uma lista com medidas.
Roberta
Alunos
Roberta
Alunos
Aluna
Aluno
Aluna
Vejam este papel se não souberem como escrever!
Não consigo ver bem!
Está dando para ver esta mais clara!
((conversas justapostas))
Eu quero escrever bonita.
Eu também quero escrever esta.
Mas tu não és menina!
Logo no ínício do trecho acima quando Roberta endereçava toda a sala
(linhas 37 e 38), podemos observar uma reconfiguração da estrutura de participação
(linha 39), com a professora dirigindo-se a uma aluna em específico para iniciar a
distribuição das folhas. Para alinhar os aprendentes nessa nova estrutura, Roberta faz
uma pergunta a essa aluna (“Menino?”). Depois da resposta negativa (linha 40), a
professora retoma a estrutura de participação anterior para explicar à sala que as
254
meninas terão as folhas cor-de-rosa (linhas 42-44). Ainda na linha 44, Roberta
reconfigura novamente a estrutura de participação e passa a distribuir as folhas a
cada aluno separadamente. Na linha 47, algumas alunas repetem a frase produzida
por Roberta (“Eu sou menina”), modificando o piso conversacional e tomando
momentaneamente o turno da professora (novamente, outra reconfiguração da
estrutura de participação). Em seguida, o turno volta à professora que passa, mais
uma vez, a dirigir-se a cada aluno especificamente para distribuir as folhas,
retomando a estrutura anterior.
É nítido, portanto, o dinamismo da passagem de uma estrutura de
participação a outra e a retomada da anterior na primeira parte do excerto. Isso
mostra que um simples movimento, uma mudança de interlocutor ou de ação pode
acarretar uma ruptura na interação, inciando-se uma nova organização naquele
espaço interativo.
Na segunda parte do excerto (linhas 1-17), observamos uma outra
reconfiguração na estrutura de participação (linha 6) depois que Roberta passa a se
dirigir novamente à sala para fornecer mais algumas instruções. Na linha 11, uma
nova reorganização do espaço interativo, dessa vez com Roberta chamando atenção
da sala para uma folha com “medidas” (estaturas) para ajudar os alunos a utilizarem
o adjetivo correto (baixo ou alto). Porém, em uma conversa paralela, uma aluna
dirige-se à sua colega (linha 15), dizendo que gostaria de escrever a palavra “bonita”.
Após a resposta da aluna (linha 16), ocorre o ponto que desejamos focar nesse
excerto: a apropriação do discurso institucional.
Com a estrutura de participação reconfigurada (dessa vez caracterizada por
uma interação entre um aluno e uma aluna), a aprendente chama a atenção de seu
colega (linha 17), lembrando-o que ele não pode escrever a palavra “bonita” por ser
255
menino. Essa apropriação do discurso da professora por parte da aluna não mostra
somente que a aprendente sabe a diferença de gêneros em português (bonito e bonita),
mas que essa é capaz de cobrar uma regra já estabelecida pela professora nas aulas
anteirores: “meninos dizem eu sou bonito e meninas, eu sou bonita”.
Seguindo Goffman (1981a) e Levinson (1988), a aluna envolve-se no
referido contexto em um processo de coautoria com a professora na produção da
elocução na linha 17. Já tendo conhecimento da regra ditada por Roberta em aulas
anteriores, a aluna baseia-se no conteúdo desse discurso para justificar por que o seu
colega não tem o direito de escrever a palavra “bonita”. A referida aluna atua,
portanto, nos termos de Levinson (1988), como uma patrocinadora (sponsor) de
Roberta, por apoiar e ajudar a professora no cumprimento da regra, e também como
porta-voz (spokesman) da mesma, por mencionar a regra ao aluno no momento de
“ausência” de Roberta. Esse momento em que uma aluna novamente fala pela
professora (Schiffrin 1994), também temos uma mudança no alinhamento dos
participantes, com a aprendente apropriando-se totalmente do papel de Roberta.
A próxima situação, relatada no trecho a seguir, é muito parecida com o
exemplo relatado nesse último excerto (um aluno atuando como patrocinador e portavoz da professora). Porém, agora, a apropriação do discurso institucional e a
consequente reconfiguração da estrutura de participação não ocorre em uma
interação paralela entre alunos, pois Roberta dessa vez participa como ouvinte
ratificado. Posteriormente, a professora atua também como maquinadora (deviser),
nos termos de Levinson, argumentando em favor do aluno que se apropriou do
discurso institucional para chamar a anteção de seu colega.
Observemos o próximo excerto. Nele, a professora tinha proposto uma
atividade de pintura, com todos os alunos trabalhando individualmente em suas
256
carteiras. Porém, um dos aprendentes subverte a regra (que é a de “não levantar da
carteira sem pedir permissão”) e reconfigura a estrutura de participação, indo ao
encontro de um colega seu, sentando no fundo da sala, para, assim, iniciar uma
interação.
Excerto 32: Aula 17 (p.4) 51-57
51.
52.
53.
54.
Aluno
Roberta
Alunos
Aluno
55.
56.
Roberta
Aluno
((senta no último lugar e começa a conversar com o aluno ao lado dele))
((dirige-se ao aluno que saiu de seu lugar, olhando fixamente para ele))
Pin-tar! Pin-tar! Pin-tar! ((dirigindo-se ao aluno que estava conversando))
((diz à professora)) ele está a falar mal de mim! ((apontando para o seu colega ao
seu lado))
Shh!! ((a professora continua a se dirigir ao aluno que saiu de seu lugar))
((olha para o colega de quem Roberta chamou a atenção)) Pin-tar.
Excerto 32: Aula 17 (p.5) 1 (continuação)
1.
Roberta
Pintar, está bem! Pintar. Se tu tiveres mais atenção na aula, vais saber muito
bem, não discutem com os colegas quando professora está a dar aula!
sabes? Podes fazer bem na aula! sabes? Pin-tar! Ele disse bem!
Pin-tar! Pin-tar! ((fazendo gestos de pintar com o lápis))
Após perceber que um aprendente havia infringido uma das regras (linha 51),
Roberta também reorganiza o espaço interacional (linha 52) para chamar a atenção
do aluno em questão. Porém, percebemos que o restante da sala, que geralmente
atuava como plateia, toma o piso conversacional (linha 53) e, dirigindo-se ao aluno
que violou a regra, apropria-se do discurso interacional e proferem repetidamente a
expressão “pintar!”, lembrando o seu colega das instruções da atividade. Nesse ponto,
podemos afirmar que todos passam a ter o papel de patrocinadores de Roberta, pois
apoiam a professora e a ajudam a chamar a atenção do colega.
Logo após, o aluno tenta justificar-se (linha 54), dizendo que o seu colega o
tinha ofendido. Porém, Roberta toma o turno (linha 55) e reforça a necessidade de se
fazer silêncio, reprovando a atitude do aprendente em questão. Nesse momento, um
outro aprendente repete novamente as instruções, produzindo a expressão “pintar!”
257
(linha 56), atuando, a exemplo do que aconteceu na linha 53, como patrocinador de
Roberta. Essa, logo após, passa a ter o papel de maquinadora do aluno em questão
(linha 1), justificando a sua intervenção e apoiando-o na apropriação do discurso
institucional (“Pintar! Ele disse bem”).
É também importante notarmos que, no excerto anterior, a apropriação do
discurso institucional foi realizada em português (a língua-alvo) pela primeira vez.
Isso mostra uma certa confiança por parte dos alunos em usar a língua-alvo para
realizar tarefas (como chamar a atenção do colega, apropriando-se do discurso
conferido inicialmente à professora). Outro fato que também chama a atenção é, após
um certo período de tempo, os aprendentes começarem a se apropriar do discurso
institucional com mais frequência, algo que não ocorria durante as primeiras aulas33.
É possível observar isso no excerto seguinte, que também é retirado da aula 17 e
caracteriza-se por incluir aspectos presentes em três excertos já analisados nesta
seção.
Excerto 33: Aula 17 (p.6) 15-19
15.
Roberta
16.
17.
18.
19.
Aluno
Roberta
Aluno
Aluno
Vamos ver aqui! ((mostra o livro aos alunos))
Que palavras aprendemos hoje?
Quatro!
Cinco, seis, sete, oito!
Já aprendemos oito palavras!
Não! Só quatro palavras!
Observando o trecho acima, indentificamos uma ruptura na sequência IRA
inciada por Roberta na linha 15. Após a resposta de um aluno (linha 16) e a correção
por parte da professora (linha 17), um outro aprendente toma o turno (linha 18) para
apoiar a retificação de Roberta, apropriando-se do discurso institucional e
33
Rampton (2006:83) também observa a frequência, e até mesmo a agressividade, com que os alunos
apropriam-se do papel institucionalmente conferido ao professor para chamar a atenção de um colega:
“at Central High in the late 1990s, instead of being defensive about an interest in the lesson, pupils
were often quite aggressive trying to keep the lesson on track, making space for curriculum work by
challenging the unofficial activity of other pupils”
258
reconfigurando a estrutura de participação. Nesse momento, o aluno em questão atua
como patrocinador da professora, uma vez que defende publicamente a observação
que a mesma fez na linha 17.
Na linha 19, temos novamente uma outra reorganização do espaço interativo,
porém, dessa vez, com um outro aluno discordando da correção de Roberta e,
consequentemente, do ato de apoio de seu colega à fala da professora. A elocução
produzida na linha 19 também “usurpa”, portanto, o discurso institucionalmente
conferido à professora, reconfigurando, mais uma vez, a estrutura de participação.
Temos, nesse exemplo, uma junção de aspectos apresentados nos excertos
29, 31 e 32 em apenas dois “atos elocutórios” (Lenvinson 1988) produzidos na linha
18 e 19. Neles, observamos um aluno apoiando a fala da professora, atuando, assim,
como o seu patrocinador (aspecto presente nos excertos 31 e 32); e outro aluno
corrigindo a professora (fenômeno relatado no excerto 29) e o seu colega (fato
também explicitado no excerto 31).
Observamos, até o momento, que a apropriação do discurso institucional
pode ser utilizada como técnica para se alcançar diferentes objetivos, como: corrigir
a professora, chamar a atenção de um colega quanto ao cumprimento de alguma
regra, estabelecer novas regras de participação, reclamar a vez de participar etc.
Essas ações de se apropriar do discurso institucional parecem ter a função de
reorganizar o espaço interativo de maneira a beneficiar quem “usurpa” a fala
normalmente conferida à professora (com exceção aos ocorridos no excerto 26, em
que a professora encoraja os apredentes a se apropriarem de sua fala para chamarem
a atenção de si próprios, e no 27, em que os alunos não conseguem fazer com que a
professora atue como a intermediária para chamar a atenção do colega, o alvo da
mensagem).
259
Em outras palavras, o aluno que toma o turno para fazer uma observação
quanto a um equívoco cometido pela professora durante a aula ou quanto a uma
violação de regras por parte de um colega, por exemplo, mostra que está atento ao
que ocorre em sala, provando ser um bom aluno, capaz de ajudar a professora no que
for preciso para se garantir um bom andamento nas atividades realizadas naquele
ambiente de ensino. Porém, um evento ocorrido na vigésima e primeira aula mostra
que nem sempre quem se apropria do discurso institucional é necessariamente o
beneficiado. Observemos o excerto a seguir:
Excerto 34: Aula 21 (p.2) 8-21
8.
9.
10.
11.
12.
13.
Roberta
Aluno
Roberta
Aluno
14.
15.
16.
17.
18.
Alunos
Hou Lam
Aluna
Aluno
Roberta
19.
20.
21.
Aluno
Roberta
Aluno
Ora bem! Muitos meninos já acabaram ... acabaram... consigo ver, muito
bom! Mas, ainda, quatro meninos não conseguiram acabar. Quem é? ((olha
para as folhas dos alunos)), Hou Lam?
Ainda não acabaram de pintar!
((dirigindo-se a Hou Lam)) Tu tens lápis de cor? Que é lápis de cor?
((dirigindo-se à Roberta)) [ Ainda não acabou de pintar... ((referindo a
Hou Lam))
Lápis de cor! ((dirigindo-se a Hou Lam, traduzindo o que Roberta disse))
(???)
Eu já acabei!
E eu também!
Hou Lam, Chan Keung Ming, Chi Chon, Chong Wai! ((referindo-se aos
alunos que ainda não acabaram))
Mas eu também não acabei ainda!
Ah, é verdade? ((direcionando-se apenas ao aluno))
Não, não ainda!
Após o término do tempo estabelecido pela professora para os alunos
concluirem uma atividade de pintura, Roberta reconfigura a estrutura de participação
(linhas 8-10), olhando para as folhas dos alunos para descobrir os que ainda não
haviam acabado de cumprir a tarefa proposta. Quando se dirige especificamente ao
aluno Hou Lam (linha 10), Roberta mais uma vez reorganiza o espaço interativo, na
tentativa de buscar uma razão para o atraso do aprendente em questão (linha 12).
Observamos, logo após a pergunta de Roberta (linha 12), que alguns alunos
tentam ajudar o seu colega (linhas 13 e 14), argumentando com a professora (linha
260
13) e traduzindo a pergunta para que Hou Lam pudesse dar uma justificativa (linha
14). No entanto, dois alunos, tomando o turno de Hou Lam (linhas 16 e 17), preferem
enfatizar o fato de que eles já haviam terminado a atividade, demonstrando eficácia à
professora. Esse movimento reconfigura a estrutura de participação novamente, com
um aluno e uma aluna tomando o turno e chamando a atenção do restante da sala.
Essa reorganização do espaço interativo permite que Hou Lam saia do foco
de Roberta, que retoma o turno (linha 18) e cita os quatro aprendentes que não
haviam acabado. Porém, na linha seguinte, um aluno corrige a professora,
apropriando-se do discurso institucional para dizer que ele também não havia
terminado a atividade. Essa ação reconfigura a estrutura de participação e chama a
atenção da professora que se surpreende em saber que havia mais um aluno que
ainda não tinha cumprido a tarefa (linha 20).
A atitude do aluno em se identificar como mais um aprendente “atrasado”
na atividade sem dúvida não lhe confere uma avaliação positiva por parte da
professora (basta notar a reação de Roberta na linha 20), o que coloca em dúvida o
seu desempenho. Por isso, não podemos afirmar que, dessa vez, um aprendente
chama a atenção da professora para demonstrar empenho ou interesse, como foi
possível observar nos exemplos anteriores.
O que podemos verificar, nesse último excerto, é uma estratégia de defesa
por parte do aprendente contra a reprovação de Roberta, que tinha reagido
negativamente quanto ao fato de alguns alunos ainda não terem concluído a tarefa. O
aprendente, ao se identificar como “mais um aluno atrasado”, utiliza uma estratégia
na tentativa de “convencer” Roberta quanto ao fato de que era normal ainda haver
alunos que não conseguiram concluir a tarefa à tempo. Isso fica mais perceptível na
261
resposta do aluno produzida na linha 21 (Não, não ainda!), confirmando a suspeita
produzida pela reação negativa da professora na linha anterior.
Nesse excerto, portanto, a apropriação do discurso institucional por parte de
um aprendente desperta uma reação negativa na professora. No entanto, como já
pudemos observar nos excertos 24, 29 e também 30, os alunos também apresentam
reações negativas quanto à fala da professora, especialmente quando essa comete
algum equívoco. Quase sempre, essas reações de reprovação por parte dos
aprendentes provocam uma alteração de papéis, com os alunos apropriando-se do
discurso institucional para corrigirem Roberta. No trecho seguinte, temos mais um
exemplo dessa natureza.
Excerto 35: Aula 22 (p.17) 1-15
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
Alunos
Roberta
Alunos
Roberta
Alunos
Roberta
Aluna
Alunos
Roberta
Roberta
Alunos
Roberta
Roberta
Aluno
Roberta
Wong Hou Lam?!
Bom, Hou Lam.
O nome é U Hou Lam.
Bom, Hou Lam.
O nome é U Hou Lam.
Tá bom!
Ela disse "Bom, Hou Lam."
(???)
U Hou Lam! Deixa-me ver se ele sabe. Shh!
Olhos.
Olhos.
Onde estão?
Olhos, aponta.
Olhos. ((apontando para os seus olhos))
Ohhh!
No exemplo acima, há uma tomada de turno por parte dos alunos (linha 3)
para corrigir Roberta que tinha se equivocado ao proferir o nome de um aluno (linha
1). Com essa “chamada de atenção”, os alunos “usurpam” o discurso da professora e
reconfiguram a estrutura de participação. A professora aceita a correção (linha 6) e
os alunos passam, então, a discutir qual teria sido o equívoco de Roberta (linhas 7 e
8). Logo após, Roberta toma o turno (linha 9), mas, dessa vez, proferindo
262
corretamente o nome do aprendente (U Hou Lam) e, retomando a estrutura de
participação anterior, direciona-se ao aluno em questão para lhe fazer uma pergunta.
Como é possível observar no caso apresentado anteriormente, a professora
não tem qualquer reação negativa quanto à apropriação do discurso institucional por
parte dos alunos, uma vez que aceita a correção dos mesmos. Apesar desse
movimento parecer ser considerado “normal”, Roberta rapidamente retoma o seu
papel de professora na linha 9, pedindo silêncio e dirigindo-se novamente a U Hou
Lam para dar início a sequência IRA (linhas 10-12), ação que ia realizar antes de ser
interrompida pelos seus alunos.
A não-reprovação de Roberta quanto à apropriação do discurso institucional
por parte dos alunos, encoraja-os a tomar a mesma atitude mais vezes. Porém, parece
que a professora estabelece um limite, pois, no final, sempre reclama para si o seu
papel de detentora do controle da interação, retomando a estrutura de participação
que lhe favorece para continuar a ter um papel central durante a aula. É o que
podemos também observar no próximo excerto.
Nele, Roberta passava algumas folhas de teste para os alunos quando notou
que não havia impresso uma quantidade suficiente para todos. Nesse momento, a
estrutura de participação é reconfigurada e a professora dirige-se ao pesquisador,
que estava presente na sala, para dizer que tinha que imprimir mais testes. É
importante mencionar que essa aula estava sendo conduzida na Sala 334, ou seja, no
laboratório de línguas, onde há uma impressora disponível.
Excerto 36: Aula 24 (p.9) 25-43
25.
26.
27.
28.
34
Roberta
Rui
Alunos
Alunos
Falta uma, eu vou imprimir mais uma para mim, tá bom?
Tá bom.
[Essa é a tua. ((dirigindo-se ao colega que estava sem a folha))
((conversas justapostas))
Ver Figura 3 na seção 4.3 deste trabalho.
263
29.
30.
Aluno
Roberta
31.
32.
33.
34.
35.
Wong Chi
Chong
Aluno
Aluno
Aluno
Aluno
36.
37.
38.
Aluno
Alunos
Roberta
39.
40.
41.
42.
43.
Aluno
Aluno
Aluno
Alunos
Roberta
Professora, Wong Chi Chong não tem!
Eu sei que falta uma. ((vai ao computador, localizado na mesma sala, para dar
o comando de impressão))
[Esta é a minha
[É mesmo!
[Data. ((indicando ao seu colega a que deve colocar data na folha))
[Hah?!
((aponta para um item no teste e seu colega)) [Escolho esta, e tu? ((referindose às opções de resposta))
[((riso))
[((mais conversas paralelas)) (2min 35s)
Vamos escrever a data. ((escreve a data no computador que tem a imagem
projetada em uma tela na frente da sala))
/Data.
[Ditamos.
[Consigo ver a tua folha.
[((mais conversa))
Quem escreve com a boca? ((dirigindo-se à sala))
Conforme podemos observar na linha 27, a conversa entre Roberta e Rui
(linhas 25 e 26) embora não tivesse os alunos como interlocutores endereçados, esses
ainda estavam ratificados, uma vez que estavam presentes no momento e ouviram o
conteúdo do breve diálogo entre a professora e o pesquisador. Por essa razão, os
alunos comentam com Wong Chi Chong que a folha que estava faltando (aquela que
a professora ia imprimir) era, de fato, do aprendente em questão (linha 27). Nesse
momento, há outra reconfiguração na estrutura de participação, com vários
aprendentes dirigindo-se a um colega em específico (Wong Chi Chong), deixando o
restante da sala (incluindo Roberta e Rui) de plateia.
Logo após (linha 29), um aluno avisa a professora que o seu colega era o
único que ainda não tinha a folha do teste, fato esse que reorganiza mais uma vez o
espaço interativo, fazendo com que Roberta confirme a informação fornecida pelo
aprendente (linha 30). No turno seguinte (linha 31), Wong Chi Chong anuncia a
todos que a folha que falta é a dele. Nesse momento, o seu colega (linha 32), atuando
como o seu patrocinador, apoia-o em sua reinvidicação. Portanto, novamente, temos
uma outra reconfiguração da estrutura de participação, dessa vez com um aluno
264
(Wong Chi Chong) e um colega seu, atuando como seu patrocinador, dirigindo-se à
sala.
Enquanto a professora estava em frente ao computador dando o comando de
impressão (linha 30), iniciam-se algumas conversas paralelas, o que também
reorganiza uma vez mais o espaço interativo. Durante esse momento, um aluno
(linha 33) aponta para a folha de seu colega, indicando que esse devia escrever a data
no cabeçalho da página. Esse movimento constitui-se uma apropriação do discurso
institucional, uma vez que essa regra (“escrever a data no cabeçalho da página”) era
uma ação que Roberta sempre cobrava de seus alunos antes de iniciarem o teste. O
aluno “usurpa” a fala da professora, portanto, para se tornar o seu porta-voz, pois,
durante a sua “ausência” (uma vez que a interação era paralela e, por isso, Roberta
não atuava como participante ratificado), representa Roberta, cobrando uma regra de
seu colega.
Nesse caso, temos um aprendente apropriando-se do discurso institucional
para cobrar uma regra que vinha sido imposta pela professora desde o início do ano
letivo (observe Roberta explicitando essa regra na linha 38). Outro momento em que
ocorre um fenômeno da mesma natureza é durante uma outra interação paralela entre
dois aprendentes (linha 41). Nela, um aluno chama a atenção de seu colega para o
fato de que o teste desse estava no campo de visão de seu interlocutor. Nessa
situação, um aluno, mais uma vez na “ausência” da professora, apropria-se do
discurso institucional para cobrar uma outra regra (“não deixar o teste à vista”) de
um colega seu. Nesse caso, novamente o aprendente atua como porta-voz da
professora, “usurpando” o discurso conferido a ela para assegurar o cumprimento de
mais um requisito
265
Como já pudemos observar durante as primeiras aulas, era comum os
aprendentes violarem as regras e, assim, serem punidos, fazendo com que a
professora reconfigurasse a estrutura de participação para lhes chamar a atenção.
Porém, no excerto apresentado anteriormente, notamos como algumas dessas regras
já estão incorporadas na maneira de participar dos aprendentes, influenciando as suas
tomadas de atitude para, assim, apropriarem-se do discurso institucional e,
consequentemente, reorganizarem o espaço interativo.
O próximo excerto traz mais um exemplo nesse mesmo sentido. Depois do
término da aula, alguns alunos vão ao encontro de Rui, o pesquisador que coletava os
dados com uma câmera de vídeo. Nesse momento, uma aluna começa a brincar em
frente à câmera.
Excerto 37: Aula 25 (p.21) 28-43
28.
29.
30.
31.
32.
33.
34.
35.
36.
Roberta
Alunos
Rui
Aluno
Rui
Alunos
Roberta
Roberta
Alunos
37.
38.
39.
40.
41.
42.
43.
Aluna
Aluna
Aluno
Aluno
Rui
Rui
Rui
Adeus meninos!
[Adeus professora Roberta! Professor Rui!
[adeus meninos!
[adeus!
[até segunda-feira.
((conversas paralelas))
Na segunda-feira, vamos fazer uma ficha da (???)
[vamos fazer uma ficha, conteúdo é as partes do corpo.
((vão ao encontro de Rui, que estava em um dos cantos da sala, filmando a
aula))
Eu quero ver. ((referindo-se à câmera))
[eu quero ver. ((começa a brincar em frente à câmera))
[não brinca.
[não brinca.
[oh, está bem. Cuidado!
[cuidado!
[Ok, meninos, vamos lá! ((batendo palmas duas vezes, apontando a porta e
indicando para que os alunos deixassem a sala))
Imediatamente, após acabar a aula, os alunos iniciam conversas paralelas
(linha 33), reorganizando o espaço interativo. Roberta (linhas 34-35) ainda tenta
recuperar a estrutura de participação anterior, anunciando brevemente o conteúdo da
aula seguinte. No entanto, os alunos já estavam fora do enquadre aula e continuam a
conversar uns com os outros. Logo em seguida, alguns aprendentes, curiosos com o
266
equipamento que Rui sempre trazia às aulas, vão ao encontro do pequisador e
começam a interagir com ele. Uma aluna (linhas 37 e 38), na situação em questão,
começa a brincar (saltar e dançar) em frente a câmera. Nesse momento, um colega
seu, apropriando-se do discurso institucional, reconfigura a estrutura de participação,
chamando a atenção da aprendente (linhas 39 e 40) para que essa parasse de fazer
movimentos bruscos perto do equipamento. A ação do aprendente é apoiada por Rui
(linha 42), que, atuando como patrocinador do mesmo, indica que era necessário
cuidado enquanto brincavam em frente ao aparelho.
É importante observar como uma simples chamada de atenção, mesmo fora
do enquadre aula, reorganiza o espaço interativo. O aluno que se apropria do discurso
institucional para atuar como “autoridade” naquele momento, desvia a atenção da
aprendente que saltava e dançava em frente à câmera. Esse simples movimento é o
suficiente para reconfigurar a estrutura de participação.
Essa dinâmica troca de papéis possibilita o aparecimento de processos
interativos mais complexos, como aqueles definidos por C.Goodwin (1979). No caso
analisado, o aluno, ao produzir uma elocução, remodula toda a interação, pois traz
novas relevâncias (como o perigo de se brincar em frente à câmera) para que outros
sujeitos possam realizar outras ações, como desviarem a sua atenção e
interromperem o que estavam fazendo (no caso, a aluna que saltava e dançava em
frente ao aparelho) ou se manifestarem a favor do aluno que produziu a elocução (no
caso, Rui pedindo para que a aluna tivesse cuidado).
Outro fator importante, nesse último exemplo, é notar que a elocução
produzida pelo aprendente que chama a atenção de sua colega foi proferida em
cantonês, fato que torna possível o seu não-entendimento por parte do pesquisador.
Sem desejar entrar em detalhes sobre a razão que fez com que Rui apoiasse o aluno
267
em questão, o fato é que ele (seja pela elocução produzida pelo aluno ou pela ação da
aluna saltando e dançando em frente a câmera) atua (conscientemente ou não) como
o patrocinador do aprendente, mesmo podendo não ter entendido o que foi dito nas
linhas 39 e 4035.
Isso mostra que o fato de o sujeitos estarem falando em códigos diferentes
pode não ser um impedimento para que haja uma interação (com estabelecimento e
troca de papéis), pois o que está em jogo não são apenas elementos linguísticos, mas
também aspectos visíveis (como gestos, imagens, objetos etc) que compõem o
espaço interativo, trazendo significados para o encontro social.
Esses aspectos visíveis, portanto, ainda continuam a ter uma função decisiva
para a reorganização do espaço interativo, a exemplo do que constatamos nas seções
5.1.1.1 e 5.1.1.2. No último exemplo, os saltos e a dança da aula (movimentos
corporais) e a posição da câmera (objeto) próximo a aprendente foram o que levou o
aluno a chamar a atenção de sua colega, provocando uma alteração de papéis (o
aluno apropriando-se do discurso institucional) e a consequente reconfiguração da
estrutura de participação.
Esse fato é semelhante ao que ocorre no excerto seguinte, retirado da
vigésima e sexta aula. Nele, Roberta tentava enquadrar a sala em uma situação de
teste, explicando as instruções de um item da avaliação (exercício B). Esse item
consistia em ligar a imagem de alguns objetos às frases que os nomeassem, como é
possível observar na Figura 12 a seguir:
35
Note, também, que é possível os alunos não terem entendido a expressão “Cuidado!”, proferida por
Rui nas linhas 41 e 42. Porém, os gestos que o pesquisador faz na linha 43 (bater palmas e indicar a
porta da sala) é o suficiente para que os aprendentes entendam que o aluno que disse “Não brinca”
estava sendo apoiado por Rui naquele momento.
268
Figura 12: O item do teste em questão (exercício B). Nele, os alunos deviam ligar as imagens dos
objetos às frases correspondentes.
Porém, um aluno nota que havia alguns cartazes colados em diversos cantos
da sala com os nomes de vários objetos que estavam no item do teste em questão. Por
essa razão, o aprendente chama a atenção de Roberta, apropriando-se do discurso
institucional e, consequentemente, reconfigurando a estrutura de participação.
Excerto 38: Aula 35 (p.4) 29-46
29.
30.
31.
32.
33.
34.
35.
Roberta
Bom. Liga a primeira frase imediatamente. É o lápis e a caneta. Já está?
Alunos
Roberta
Aluno
Roberta
Aluno
36.
Roberta
37.
38.
39.
40.
41.
42.
43..
44..
45.
46.
Aluno
Roberta
Aluno
Alunos
Roberta
Alunos
Roberta
Já está.
É a primeira frase.....vão ligar a primeira frase..É o lápis..
[Professora Roberta.
...e a caneta.
[Professora, ((Roberta olha para o aluno)) tem algumas respostas coladas
na mesa e na porta.
((retirando os cartazes da mesa e da porta, porém continuando a explicar as
instruções do teste para a sala)) E você vai ligar...
Mais uma. ((referindo-se a mais um cartaz colado na porta))
((retirando o cartaz)) Tá bom? ((dirigindo-se ao aluno))
Mesa....
Mais uma.... [mais uma..
Tá bom? obrigada. ((retirando o cartaz da mesa))
Ali..ali. ((referindo-se a um cartaz colado no armário da sala))
Ali não é preciso. O cartaz do armário não é preciso. Não faz mal. Tá bom.
Vamos continuar. Não é preciso aquele. Tá bom. Número um, já está?
Alunos
Sim.
269
Observamos que a primeira tentativa do aprendente em tomar o turno (linha
33) não foi bem sucedida, pois Roberta ainda continua a endereçar a sala, terminando
de concluir a sua explicação inciada na linha 32. Porém, o aluno insiste em tomar o
turno (linha 35) e, finalmente, consegue a atenção da professora. Nesse momento, o
aprendente, apropriando-se do discurso institucional, chama a atenção de Roberta,
apontando para os cantos da sala onde havia cartazes fixados. É possível observar
esse momento na Figura 13 a seguir.
Figura 13: Um aluno chama a atenção de Roberta, apontando para os locais onde havia cartazes que
continham respostas do teste.
Após retirar os cartazes aos quais o aprendente se referia, Roberta ainda é
surpreendida pelo mesmo aluno (linhas 37 e 39), pedindo para que a professora
retirasse mais dois cartazes fixados na porta e na mesa. Esse movimento mantém a
estrutura de participação proposta pelo aluno na linha 35. Roberta, mesmo tentando
recuperar o seu papel de professora e continuar a aula, realinhando, assim, os alunos
novamente no enquadre teste e, consequentemente, recuperando a estrutura de
270
participação anterior, vê-se obrigada a continuar ratificando o aluno como falante e
atendendo às suas “ordens”.
O aprendente, portanto, continua usurpando o papel institucionalmente
conferido à Roberta e, na linha 40, é apoiado pelos seus colegas, que se junta a ele
para chamar a atenção da professora para o fato de haver mais um papel colado na
mesa (linha 39). Nesse momento, o restante dos alunos atua como patrocinador do
aprendente que frequentemente se apropriava do papel da professora.
No entanto, os alunos (linha 42), ao continuarem chamando a atenção de
Roberta para um outro cartaz fixado no armário da sala, não obtém o mesmo sucesso
de seu colega. Nesse instante, a professora, recuperando o seu papel institucional
(linhas 43-45), diz que não era preciso retirar o cartaz em questão, e, retomando a
estrutura de participação que propôs ao inciar as instruções do teste (linha 29),
realinha a sala no enquadre teste, contando com a aceitação dos alunos e o
consequente reposicionamento dos mesmos (linha 46).
5.2.3 – Panorama da segunda parte dos resultados
Na segunda parte dos resultados, observamos que o fenômeno da
apropriação do discurso institucional está dividida em dois tipos de processos: a
apropriação parcial e a total. Na interpretação dos dados, mostramos que esse
fenômeno está ligado às tomadas de turno, às trocas de papéis e às reconfigurações
da estrutura de participação. Como a apropriação do discurso institucional, como o
próprio termo propõe, está relacionada com elementos verbais (discursivos), outras
características do processo de reorganização do espaço intereativo aparecem,
especialmente as que fazem parte das categorias de falante nos modelos de Goffman
271
(1981), mais especificamente os conceitos pertencentes ao formato de produção
(animador, autor e responsável) e de Levinson (1988), que propõe um modelo mais
complexo em relação ao de Goffman, abordando categorias tais como: compositor,
motivador, porta-vozes, substitutos, maquinadores, patrocinadores etc.
No que tange às estratégias utilizadas pelos sujeitos presentes na sala de aula,
temos exemplos de encaixamento e das sequências he-said-she-said (M. Goodwin
1992 e 1990), que permitem aos participantes exercerem influências sobre os seus
interlocutores no processo de troca de papéis e da própria reconfiguração das
estruturas de participação.
Na tabela a seguir, elencamos os elementos mais importantes que discutimos
nesta subseção. Nele, estão listados o número de cada excerto, o tipo de apropriação
do discurso institucional (parcial ou total), a estrutura de participação anterior, na
qual os sujeitos estavam antes de sua reconfiguração, a maneira como os sujeitos
“usurparam” o discurso institucional e a estrutura de participação posterior, causada
por influência dessa apropriação.
Tabela 4: Elementos apresentados e discutidos na seção 5.2.
Estrutura de
Participação
Anterior
Maneira de
Apropriação
Parcial
Alunos
realizando uma
atividade de
apresentação.
Uma aluna dirigese à professora e
acusa o seu colega
de tê-la ofendido.
Parcial
A professora
chama a
atenção de um
aluno que
interrompeu a
aula.
Após um outro
aluno ter arrastado
a sua mesa, a
professora
encoraja a sala a se
apropriar do
discurso
institucional para
Tipo de
Excerto
Apropriação
24
25
Estrutura de
Participação
Posterior
A professora
dirige-se ao aluno
que supostamente
ofendeu a sua
colega e chamalhe a atenção.
Os alunos
explicitam a regra
em coro, dizendo
como devem se
sentar durante as
aulas.
272
26
27
27
28
29
30
Parcial
Parcial
Parcial
Parcial
Total
Total
Os alunos
conversavam
paralelamente.
dizer como devem
se sentar.
Roberta faz com
que os alunos
repitam a palavra
“silêncio”,
reproduzindo um
gesto com o dedo
na frente da boca.
Os alunos
trabalhavam
Uma aluna
individualmente
reclama para a
em suas
professora que um
carteiras,
colega seu olhou
respondendo a
para o seu teste.
itens de um
teste.
A professora,
depois de ser
interrompida
Uma aluna acusa o
por um
seu colega de estar
aprendente,
conversando.
pergunta-lhe
quem estava
conversando.
A professora
chamava a
atenção de um
aprendente que
estava fazendo
barulho.
A professora
colava figuras
de animais em
um barco de
cartolina fixado
em um tela
localizada na
frente da sala.
A professora
passava de
carteira em
carteira com um
livro na mão,
mostrando
figuras de
animais aos
alunos. Alguns
Os alunos passam
a ficar
descansando em
suas carterias em
silêncio.
A professora
dirige-se à aluna
que acusou o seu
colega e pede para
essa se sentar
direito.
A professora vira
o corpo para a
lousa e continua a
sua explicação.
Um outro aluno
acusa o seu colega
de ter olhado para
o seu teste.
A professora
direciona-se ao
aluno que olhou
para o teste do
colega, afastando
a sua carteira e
chamando-lhe a
atenção.
Uma aluna chama
a atenção da
professora,
indicando em que
local do barco de
cartolina a figura
devia ser colada.
A professora
dirige-se à aluna,
agradece a sua
participação e
muda a figura de
lugar.
Um aluno chama a
atenção da
professsora,
reclamando que
ainda não tinha
folheado o livro.
A professora volta
à carteira do
aluno, para que
esse pudesse
folhear o livro. O
restante da sala
passa a querer
mausear o
material também.
273
31
Total
32
Total
32
Total
33
Total
34
Total
35
Total
alunos
folheavam o
livro.
Um aluno
A sua colega,
conversa
apropriando-se do
paralelamente
A aluna passa a
discurso
atuar como
com a sua
institucional,
colega, dizendo
patrocinadora e
afirma que o aluno
que quer utilizar
porta-voz da
não pode usar a
a palavra
professora.
palavra “bonita”
“bonita” para se
porque é menino.
autodescrever.
A sala,
A sala, que antes
Dois alunos
apropriando-se do
atuava como
conversando
discurso
plateia, passa a
paralelamente, a
institucional,
tomar o turno e,
professora
repete as
assim, a modificar
chama-lhes a
instruções
o piso
atenção.
passadas pela
conversacional.
professora.
Um aprendente,
apropriando-se do
discurso
O aluno é
A professora
institucional,
chamando a
elogiado por
dirige-se a um dos
atenção de dois
Roberta, que
colegas que estava
alunos que
justifica a sua
conversando e
intervenção,
estavam
repete as
atuando como a
conversando
instruções de
paralelamente.
sua maquinadora.
Roberta, atuando
como o seu
patrocinador.
Um aluno
A professora passa
Outro aluno,
confirmando a
a ter
usurpando o papel
correção da
momentaneamente
de Roberta, corrije
professora
o papel de aluuna
o seu colega e,
acerca da
e, com o restante
consequentemente,
resposta de um
da sala, atuam
a professora.
aluno.
como plateia.
A professora
Um aluno,
lista para a sala
utilizando uma
A professora,
os nomes dos
estratégia de
surpreendida,
alunos que
defesa, corrige a
passa a se dirigir
ainda não
professora.
ao aluno que a
tinham
afirmando que ele
corrigiu.
terminado a
também não havia
atividade.
acabado.
A professora
Os alunos
A professora passa
dirige-se a um
corrigem a
a se dirigir à sala,
aprendente,
professora,
aceitando a
274
dizendo o seu
nome de forma
equivocada.
36
36
36
37
38
dizendo o nome de
forma correta.
correção.
Total
Professora
comenta com
Rui que devia
imprimir mais
uma folha de
teste.
Um aluno chama a
atenção de
Roberta, dizendo
que o seu colega
estava sem folha.
A professora
dirige-se ao aluno
que se apropriou
do discurso
institucional e
confirma a sua
observação.
Total
Professora em
frente ao
computador,
dando o
comando de
impressão.
Alguns alunos
conversavam
paralelamente.
Um aluno pede
para o seu colega
escrever a data no
cabeçalho de sua
página.
O aluno abordado
pelo seu colega
dirige-se a ele
com uma
expressão de
surpresa.
Total
A professora
fornecia aos
alunos algumas
instruções do
teste.
Um aluno dirigese ao seu colega,
dizendo que podia
ver o seu teste.
O aluno passa a
ser porta-voz da
professora,
atuando quando
essa não percebe
uma
“irregularidade”.
Total
Alguns alunos,
no final da aula,
vão ao encontro
de Rui, que
estava operado
uma câmera.
Uma aluna salta
e dança em
frente ao
equipamento.
Um aprendente diz
Rui apoia o
para a sua colega
aprendente,
não brinar em
atuando cmo o seu
frente a câmera.
patrocinador.
A professora
dava instruções
aos alunos
sobre o item de
um teste.
Um aluno chama a
atenção da
professora e
afirma que há
cartazes colados
em vários cantos
da sala que
continham
respostas do teste.
Total
A professora
dirige-se ao aluno
e, agradecendolhe, retira os
cartazes fixados
nos cantos da sala.
Conforme pudemos observar durante análise dos dados nesta segunda parte
dos resultados, os processos de apropriação parcial e total aconteceram somente
275
depois de um certo período de tempo (os primeiros exemplos aparecem a partir da
décima e segunda aula), provavelmente porque esse era o momento em que os
aprendentes já estavam mais familiarizados com o ambiente, com as regras de
conduta, com os colegas e com a professora. É necessário mencionar, contudo, que a
relação entre a apropriação parcial e total já não está ligada à tempo (observe que já
na décima e segunda aula, há exemplos dos dois tipos de apropriação), mas às
oportunidades que os aprendentes tinham em utilizar essas estratégias na tentativa de
obterem algo em benefício próprio, como: mostrar à professora e/ou aos colegas que
sabiam as regras, que estavam empenhados na atividade ou até mesmo para se
defenderem, acusarem alguém ou justificarem alguma falha.
Os resultados desse capítulo também nos permite esboçar algumas
conclusões gerais, além de podermos estabecer algumas comparações com outros
trabalhos que nos trazem importantes contribuições quanto ao objeto desse estudo
(estruturas de participação) e aos participantes nele envolvidos. No próximo capítulo,
portanto, concentraremos os nossos esforços nessas tarefas.
276
6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
6.1 - Conclusões
Analisamos situações em uma sala de aula de PFOL em que os participantes
(re)configuram a todo o momento as estruturas de participação para atingir variados
objetivos. Tanto os alunos quanto a professora reorganizavam o espaço interativo
influenciados por diversos fatores que também desempenhavam um papel importante
nas tomadas de decisões dos sujeitos no contexto analisado.
Nesse sentido, parece-nos que a definição do conceito proposta por Philips
(1972) e seguida por outros teóricos (Erickson e Shultz, 1977; Erickson & Mohatt,
1982) é limitada por considerar apenas o professor como o responsável por
mudanças nas maneiras de participar no espaço da sala de aula. Segundo o modelo
proposto por Philips, as quatro estruturas de participação relatadas em seu trabalho
estão associadas somente à atividade que o professor propõe. Por isso, nesse modelo,
a forma condiciona o conteúdo, não deixando espaços abertos para os partipantes
renegociarem os seus papéis e suas formas de participar. Por mais hierárquico que
possa ser o encontro social, há sempre rupturas (conversas paralelas, gestos, posturas
corporais etc) causadas por todos os sujeitos que dele participam, funcionando como
elementos propulsores de reconfigurações nas estruturas de participação.
Conforme o modelo proposto por Goffman (1981a), ouvintes e falantes são
responsáveis pela organização do espaço interativo. Não é apenas aquele que detém a
palavra que vai acarretar mudanças na ordem discursiva. Ouvintes ratificados estão a
todo o momento inflluenciando a maneira de o falante se expressar, seja pela postura
corporal, pelo olhar fixo ou afastado, pelos gestos ou pelos murmúrios que o
interlocutor produz enquanto ouve.
277
A respeito do papel de falante, é importante mencionar também que temos
sempre um “responsável” por detrás da fala de um sujeito que “anima” as palvras.
Esses dois (responsável e animador) vão desempenhar papéis de autores, por vezes
até participando em um processo de coautoria na elaboração de um ato elocutivo.
Não são raros os momentos em que a professora e os aprendentes envolvem-se nesse
processo, especialmente quando os alunos decidem apropriarem-se do discurso
institucional.
Contudo, não devemos esquecer que o discurso institucional, por natureza,
já envolve sujeitos em um processo de coautoria, mesmo quando os aprendentes não
participam dele. A professora, ao estabelecer as primeiras regras aos alunos no início
do ano letivo, já está atuando como porta-voz (ou animadora) de coordenadores e
diretores da escola, uma vez que a maioria dessas regras não é elaborada por ela, mas
por outros sujeitos que, hierarquicamente, ocupam posições mais elevadas naquela
instituição. É inegável, também, que tanto a professora quanto os coordenadores e
diretores são influenciados por elementos de ordem macrossocial, como a filosofia
de ensino do país em que vivem, das crenças presentes na sociedade em que se
encontram etc. Embora esses fatores de nível social geral não tenham feito parte do
foco desse estudo, não podemos ignorar a existência dos mesmos nos complexos
processos de coautoria em que os participantes de uma sala de aula estão sempre
envolvidos.
Para Levinson (1988), esses complexos processos de autoria trazem a
necessidade de se elaborar um modelo que possa cobrir todas as possibilidades de
papéis que os falantes desempenham em uma interação. Em nossos dados,
observamos que a professora e os alunos atuam como patrocinadores, porta-vozes,
intermediários e/ou maquinadores. Quando ouvem, alunos e professora podem
278
tornar-se o alvo da mensagem, mesmo quando a elocução não é diretamente
endereçada a um deles.
Essas categorias (de falante e de ouvinte) tanto no modelo de Goffman
quanto no de Levinson foram úteis para elucidarmos diversos papéis que os
participantes dinamicamente desempenhavam durante a aula, porém, como já
mencionamos, elas são limitadoras por analisar falantes e ouvintes separadamente.
Essa característica presente nos modelos de Goffman e de Levinson leva-nos a uma
análise menos complexa. Considerando que falantes e ouvintes ocupam lugares
diferentes (para não dizer opostos) na interação, torna-se difícil provar que os
mesmos realizam ações em conjunto para se alcançar objetivos. Foram diversas as
vezes que observamos Roberta encorajando os alunos a repetirem as suas ordens aos
outros colegas para que, juntos, pudesssem manter a ordem dentro da sala de aula.
Um modelo analítico que não considera que os sujeitos dividem o mesmo espaço
traz-nos a ideia errônea de que o jogo interacional é relativamente simples,
atribuindo menos importância aos diversos elementos (gestos, postura corporal,
estratégia de encaixamento, uso de imagens, figuras e objetos) gerados na
coparticipação dos interactantes envolvidos em um complexo processo de troca de
turnos e de papéis.
Conforme já mencionamos, esses elementos podem trazer novas relevâncias
para o encontro social, podendo reorganizar o espaço interativo. Por isso, fizemos
uso também do modelo de C. Goodwin (1981, 1984 e 2007), M. H. Goodwin (1990)
e C. Goodwin e M. H. Goodwin (2004), que levam em consideração a presença de
outros aspectos (além do conteúdo discursivo dos participantes) no espaço interativo.
Em vários excertos analisados, identificamos o uso de gestos e uma variedade de
elementos corporais (C. Goodwin, 1981) que sinalizavam engajamento e
279
desengajamento da interação entre a professora e alunos. Observamos, também, a
importância que têm os objetos, as figuras e as imagens (C. Goodwin & M. H.
Goodwin, 2004) na reorganização do espaço interativo, além das técnicas de
encaixamento (M. H. Goodwin, 1990) que os alunos usam ao usurparem o discurso
institucional e, assim, reconfigurarem a estrutura de participação.
A incorporação de todos esses elementos em um modelo analítico premitenos pensar em estruturas de participação como um espaço em que ações são
constituídas por sujeitos, que atuam em conjunto (coparticipando), fazendo uso de
uma gama de aspectos que fazem parte de um encontro social (fala, figuras,
movimentos corporais, barulho, cenário, objetos etc) para, assim, atingir objetivos e
construir significados. Porém, devemos levar em conta que o uso desses elementos
depende das tomadas de decisões por parte dos sujeitos. Um elemento por si só não
pode reconfigurar a estrutura de participação se pelo menos um dos sujeitos não o
trouxer para o jogo interacional. Portanto, não importa somente a configuração de
um cenário, a imposição de regras ou as condições de participação em um
determinado enquadre, mas também a decisão dos participantes em fazer uso desses
elementos durante um encontro social.
Neste estudo, propusemo-nos buscar uma melhor compreensão de como o
espaço interativo na sala de aula analisada era reorganizado pelos sujeitos nela
presentes, levando em consideração o maior número possível de fenômenos de
ordem microanalítica. A pergunta que norteou essa investigação e a qual passamos a
responder agora, conforme já mencionada na seção 1.3 deste trabalho, foi a seguinte:
280
Como se processa a reconfiguração das estruturas de participação em
uma sala de aula de PFOL em uma escola primária Luso-Chinesa em
Macau?
De acordo com a análise das primeiras aulas, observamos que a professora
exercia uma influência muito forte nas reconfigurações das estruturas de participação.
Essa participante era a responsável por chamar a atenção dos alunos, corrigi-los,
checar a compreensão dos mesmos, cobrar as regras etc. Por essa razão, quase
sempre era Roberta que propunha novas formas de participar. Porém, ela não
realizava essa ação individualmente. Os aprendentes também eram capazes de
exercer influência nas decisões de Roberta, mesmo atuando em papéis
hierarquicamente subordinados a ela.
Verificamos que a maneira mais frequente de os alunos exercerem essa
influência era por meio da subsversão ao discurso institucional, que era composto, na
maior parte das vezes, por regras impostas pela professora durantes as aulas. Havia
diferentes meios pelos quais os aprendentes violavam essas regras. A seguir,
relembraremos quais eram esses meios e como influenciavam na reorganização do
espaço interativo.
O primeiro deles era a postura corporal. A professora interrompia a aula
sempre que identificava um aluno com uma postura corporal considerada inadequada.
Essa ação fazia com que a professora passasse a endereçar somente o aprendente que
havia violado a regra, deixando o restante da sala de plateia. A estrutura de
participação, portanto, era reconfigurada.
Isso acontecia porque a presença (ou a falta) certos movimentos corporais
por parte dos aprendentes era interpretada por Roberta como sinais de
281
desengajamento da interação em sala de aula. Esses sinais podiam ser: maneira de se
sentar inadequada (os aprendentes deviam manter o corpo reto para frente e as mãos
em cima da mesa); não se levantar ao cumprimentar a professora; levantar a mão em
momento “indevido”; desviar o olhar da professora, não a ratificando como falante;
permanecer em pé depois de responder à uma pergunta; olhar para trás; não olhar
para as imagens e os objetos que a professora insere no espaço interativo (figuras
apresentadas no monitor de vídeo); não bater à porta antes de entrar na sala; comer
durante às aulas; e aproximar-se do colega na tentativa de realizar a atividade em
parceria quando essa é para ser realizada individualmente.
Observamos situações, portanto, em que a linguagem não-verbal era
decisiva nas mudanças interativas que ocorriam na sala de aula analisada. Porém, a
postura corporal não era o único meio pelo qual se podia subverter o discurso
institucional. Os aprendentes também faziam uso de elementos verbais para
influenciar na reorganização do espaço interativo, tais como: proferir palavras de
baixo calão; conversar com o colega quando a professora pede silêncio; permanecer
em silêncio quando a professora pede para responder a uma pergunta; e não
responder às perguntas da professora em coro e de maneira uniforme.
Em nossos dados, notamos o quanto os aprendentes interrompiam a aula,
mesmo isso não sendo permitido pela professora. Observamos também como a
professora reclamava o seu papel de controladora da interação, mesmo quando o
enquadre já tinha sido alterado. A respeito do fato de os aprendentes não
responderem exatamente o que Roberta esperava, notamos como a professora
mudava o seu discurso, fazendo perguntas de caráter exploratório, enquanto que a
atividade era checar compreensão dos alunos por meios de perguntas de sequência
IRA.
282
Contudo, após as dez primeiras aulas, constatamos que o papel da professora
começava a ser negociado na sala de aula observada. Os aprendentes começaram a
“usurpar” esse papel, apropriando-se do discurso institucional, o mesmo que eles
subvertiam ao longo de nossas primeiras observações. Essa ação também
reconfigurava as estruturas de participação, mudando o piso conversacional e
passando o turno da fala, que na maioria do tempo pertencia à Roberta, aos
aprendentes que, aos poucos, iam aprendendo a tomar posse da palavra.
Esse processo de apropriação da palavra, ou como vimos chamando até aqui,
do discurso institucional, deu-se de duas maneiras nos dados observados. A primeira
delas foi a apropriação parcial. Nesse tipo de apropriação, os aprendentes ainda eram
dependentes da figura da professora, usurpando o seu papel somente quando Roberta
aceitasse ou permitisse. Durante esses momentos, houve situações em que os alunos
acusavam os seus colegas para a professora na espera que essa atuasse como
intermediária, realizando a ação de chamar a atenção do aprendente que
supostamente tivesse violado uma regra. Em outros casos, Roberta era quem
encorajava os alunos a chamarem a atenção de um aprendente, atuando como os seus
patrocinadores. Nesses momentos, os alunos repetiam as palavras da professora ou
relembravam algumas regras previamente estabelecidas por ela mediante respostas à
perguntas de sequência IRA elaboradas por Roberta.
Nesse último tipo de apropriação parcial, chamamos a atenção para o
Excerto 18, em que a professora encoraja os alunos a atuarem como os seus
patrocinadores para chamarem a atenção de si próprios. Tal fato trata-se de um
exemplo que prova como o processo de troca de papéis dentro da sala de aula é
complexo, podendo apresentar desdobramentos pouco comuns se comparado aos que
ocorrem em situações de fala em contextos menos hierarquizados.
283
No entanto, mesmo tendo que respeitar a autoridade da professora, quando
tinham a oportunidade, observamos que os aprendentes se apropriavam do discurso
institucional de maneira total, não necessitando mais da figura de Roberta para atuar
como intermediária. Os alunos, portanto, eram os que realizavam toda a ação, desde
a indentificação de alguma “falha” por parte dos colegas ou da própria professora até
o ato de chamar a atenção do participante que havia cometido o suposto erro. Nos
exemplos apresentados durante a interpretação dos dados deste estudo, vierificamos
que os aprendentes, nessas situações, apresentavam um posicionamento de caráter
mais emancipatório, uma vez que já não dependiam mais da permissão ou aceitação
da professora para usurparem o seu papel e, assim, reorganizarem o espaço interativo.
Foi notável o desenvolvimento da capacidade social dos alunos em
dinamizar o processo de troca de papéis durante a aula. Em alguns momentos, os
aprendentes atuavam como porta-vozes de Roberta, cobrando uma regra de conduta
de um colega quando a professora não fazia parte da interação (Excertos 31, 33, 36 e
37). Em outros, os alunos colocavam a professora em posição de aluna, pois a
corrigiam quando notavam que ela tinha se equivocado em algum ponto (Excertos 29,
30, 33, 34, 35, 36 e 38). Também houve situações em que Roberta e os alunos
atuavam em conjunto para cobrarem regras de outros aprendentes (há duas
ocorrências dessa natureza relatadas no Excerto 32). Dentre os exemplos com os
quais trabalhamos, chamamos atenção para o apresentado no Excerto 30, em que os
alunos começam a cobrar de Roberta a oportunidade de folhear o livro. Essa
“exigência” de manusear o material pode ser interpretado como uma regra,
estabelecida pelos próprios alunos, o que demonstra como esses adquiriram uma
certa confiança em usurparem o papel institucionalmente conferido à professora.
284
Os dados, portanto, levam-nos à conclusão de que, embora o ambiente da
sala de aula fosse, a princípio, altamente controlado pela figura da professora, os
aprendentes sempre faziam uso de meios para inverter essa situação. Isso se fazia
evidente tanto durante as subversões às regras impostas por Roberta quanto na
apropriação do discurso institucional por parte dos alunos. Esses dados estão de
acordo com os encontrados por Rosa (2008), Conceição (2008), Garcez & Melo
(2007), Schulz (2007), Rampton (2006), Candela (1991, 1999 e 2005) e por Heras
(1994), que também verificaram alunos apropriando-se do discurso institucional e
questionando o professor em sala de aula. Porém, é importante mencionar que os
referidos autores coletaram dados de salas de aula em que os professores eram
abertos à intervenção do aprendente no processo de construção do conhecimento, o
que os levou a considerar que a apropriação do discurso institucional por parte dos
alunos somente era possível quando os professores dividiam com os aprendentes uma
atitude cultural durante a realização das tarefas acadêmicas, pedindo aos alunos que
participassem das atividades de classe.
Nos dados deste trabalho, no entanto, essa abertura não foi observada
durante as primeiras aulas. Mesmo assim, os alunos foram, aos poucos, conquistando
os seus espaços, fazendo uso da palavra para questionar Roberta. Não há dúvida de
que exista assimetria em qualquer sala de aula, porém a todo o momento ela é
renegociada, manipulada e até mesmo invertida (Candela 1999). Os dados deste
trabalho vão ao encontro dessa ideia e provam que “poder” não é um mecanismo de
coerção que a professora utiliza para controlar o discurso da sala de aula, mas uma
competência que todos os participantes podem usar quando estrategicamente
pretendem convencer os sujeitos a aceitarem as suas ideias, opniões, interpretações e
decisões, modificando o dinamismo discursivo do referido encontro social.
285
Os resultados deste estudo indicam, portanto, que os aprendentes em
questão (quase todos de etnia chinesa) não eram passivos, mas sujeitos que
renegociavam papéis, modificavam o piso conversacional, tomavam o turno da fala
para chamar a atenção da professora e dos colegas e, consequentemente,
influenciavam na reorganização do espaço interativo, propondo novas maneiras de se
participar em aula.
Embora este estudo tenha por objetivo analisar aspectos de ordem
microanalítica, é inegável o fato de os seus participantes estarem inseridos em uma
sociedade com certas especificidades socioculturais. Por isso, é importante ressaltar
que consideramos a possibilidade de os resultados deste trabalho servirem para
corroborar os de outros estudos, nos quais se abordem aspectos de ordem social geral.
Nesse sentido, gostaríamos de fazer referência aos trabalhos de Moutinho &
Pacheco 2010, Ho 2001 e 1999, Biggs & Watkins 1999, On 1999 e Cortazzi & Jin
1999, que também mostraram que a ideia comumente difundida no ocidente de que
aprendentes chineses são passivos está, no mínimo, equivocada. Os resultados
reportados nesses estudos sugerem que aprendentes chineses de nível secundário e
terceário, embora respeitassem a posição hierarquicamente elevada do professor,
sempre faziam uso de estratégias que os levassem a participar de uma maneira ativa,
tirando as suas dúvidas e fornecendo sugestões. Esses aprendentes sempre buscavam
oportunidades que lhes permitissem ter um canal aberto com o ensinante, mesmo que
para isso tivessem que estabelecer um contato mais informal com o mesmo fora da
sala de aula (Biggs & Watkins 1999 e On 1999).
Os dados de nosso estudo também provam que os alunos, embora fossem de
nível primário (diferentemente dos alunos participantes dos estudos mencionados
286
anteriormente, que são de nível secundário e terceário), sempre procuravam um
canal com a professora por onde pudessem expor as suas dúvidas e fornecerem
sugestões. Porém, observamos que esse processo desenrolava-se dentro da sala de
aula, em momentos de ruptura e reorganização do espaço interativo e não fora dela,
como reportaram os dois estudos anteriormente mencionados.
6.2 – Perspectivas para trabalhos futuros
Um dos nossos objetivos neste trabalho foi o de fornecer uma discussão que
possa favorecer a construção, por parte de nós professores e de outros profissionais
do ensino, da percepção de que elementos sutis que ocorrem em uma sala de aula
(muitas vezes até imperceptíveis aos nossos olhos) têm um papel fundamental no
resultado de nosso trabalho. Isso foi possível graças a metodologia utlizada neste
estudo: a microanálise etnográfica, que possibilitou uma análise minuciosa dos
aspectos recorrentes, porém menos susceptíveis a observação sem os equipamentos
de vídeo e os modelos analíticos utilizados para a coleta e para a interpretação dos
dados deste estudo. Consideramos, também, que os modelos analíticos desenvolvidos
por C. Goodwin (2007) e C. Goodwin & M. H. Goodwin (2004) mostraram-se
eficazes para a interpretação de dados coletados em sala de aula, contexto no qual
ainda não tinham sido testados.
Fazemos menção, portanto, à necessidade de se continuar a desenvolver
trabalhos que abordem aspectos semelhantes no contexto de ensino/aprendizagem de
PFOL (e de língua estrangeira em geral), pois os estudos que têm elementos
microanalíticos como enfoque podem fornecer uma melhor compreensão do que
ocorre em sala de aula, no momento em que os participantes estão interagindo. Essa
287
noção pode trazer importantes informações sobre a cultura de aprender de um
determinado grupo de sujeitos. Crianças, como é o caso deste estudo, são
socializadas em uma cultura de aprender no jardim-da-infância e nos primeiros anos
da escola, e, mais amplamente, nas tradições da comunidade ou da sociedade na qual
estão inseridas. Aquela primeira influência, porém, está profundamente presente em
muitos aprendentes e tem um efeito contínuo na escola secundária ou até mesmo na
universidade (Cortazzi & Jin 1999).
Por isso, saber como os aprendentes se comportam pode auxiliar-nos na
elaboração de ações mais efetivas a serem utilizadas no espaço interativo da sala de
aula para obtermos resultados mais promissores em nossa complexa tarefa de ensinar
línguas.
288
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ANEXO I (Entrevista com a Professora Participante da Pesquisa)
R = RUI
P = PROFESSORA (ROBERTA)
R: Vamos lá . são pergunatas bastante:: uh . algumas muito gerais .. a primeira pergunta é .
qual é a sua língua materna?
P: Hahan . língua chinesa.
R: É o Cantonês?
P: É o Cantonês.
R: Você fala outra língua . além do cantonês?
P: Falo português . um bocado de inglês e mandarim::
R: Mais ou menos inglês e mandarim?
P: Uhum.
R: Ok:: você . você nasceu em Macau?
P: Em Macau . sim.
R: Ok:: e qual é a sua formação? É:: o que você estudou para ser professora?
P: Estudei::
R: Você fez::
P: Ah:: Fiz um curso de formação:: complementar .. é: curso de formação dos professores …
para o ensino primário.
R: Pronto . lá na Universidade de Macau.
P: Sim . sim
R: Ok: há quanto tempo você está dando aulas? .. Mais ou menos.
P: Ahn:: este ano vou começar na … ah:: estou .. ahn:: sete ou oito.
R: Mais ou menos.
P: Mais ou menos.
R: Mais ou menos sete: anos .. e você sempre ensinou: português?
P: Sim.
R: Sempre.
P: Mas eu ahn:: mas eu … tenho experiência ahn:: de ensinar .. ahn:: informática . e
também .. ahn:: e também .. ciências.
R: Ciências .. também na escola?
P: Sim . é . aqui.
R: Aqui mesmo na Tamanini? Sempre trabalhou aqui?
P: Sim.
R: Ok:: .. muito bem . quantas aulas você tem . aqui na Tamanini . quantas horas você dá de
aula?
P: Este ano?
R: Mais ou menos.
P: Ahn:: eu tenho o horário … dezoito … vinte e um.
R: Vinte e um:: ah:: e no Hipódromo?
P: Hipódromo? quatro.
R: No hipódromo então mais quatro … então você dá vinte e cinco aulas?
P: Uhum . de fato devia ser vinte e quatro .. então na Tamanini vinte e aí quatro . quatro.
R: Quatro horas.
P: Sim.
R: Ou seja . você tem mais oito au(las) uhm:::
P: Aulas não letivas.
R: Então são quanto .. são doze?
P: Sim.
R: São trinta e seis . não é?
298
P: O total é trinta e seis.
R: Ok . além de dar aula . você faz outra atividade na escola? coordenção:: você faz alguma
coisa .. além de dar aula?
P: Ahn::
R: Ou só dá aula? porque às vezes o professor dá aula e também tem a coordenção de .. de ..
P: do jornal escolar.
R: Você tem isso.
P: Sim . cada um de nós temos que participar ah:: na colaboração do jornal escolar.
R: Ok … perguntas agora gerais . você conhece o projeto pedagógico da escola?
P: Ah . sim.
R: E você participou da: elaboração . da organização do projeto ou não?
P: Sim . ah:: porque eu acho que .. ah:: toda gente ou .. ou . cada um também tem que dar a
sua idéia .. para a escola organizar .. o projeto escolar .. sim.
R: Então
P: Sim . sim . todos fazem parte.
R: Fazem parte .. e esse projeto pedagógico desse ano:: qual é o assunto principal . mais ou
menos?
P: É:: ((risadas))
R: O objetivo do projeto pedagógico.
P: É:: ahn: ah … como . porque estão escritos em chinês . eu tenho que pensar para eu
traduzir ((risadas)).
R: Tá . é só uma idéia sobre o assunto .. de maneira geral . qual é o:
P: Para:: ensinar aos alunos .. nas áreas:: é:: nas várias . nas várias áreas . sobre . por
exemplo . o desenvolvimento .. ah:: sim . do aluno . e:: por exemplo .. para … temos
quatro … temos quatro . temas . ah … ah . difícil.
R: Não tem problema .. no caso da língua portuguesa .. qual é o objetivo dentro do projeto
pedagógico? ou não há nada específico?
P: É:: o projeto … é:: a mai(or) como se diz?
R: A maior parte?
P: Quando ahn:: o projeto escolar .. alguns temas tem a ver com o português e nós inserimos::
também a língua portuguesa . quando ah:: nada a ver com a língua portuguesa . nós ah:: só
fazemos em chinês .. ah:: sim?
R: Bom . tá bom .. ah . esqueci de per(guntar) . ah . não tem problema . é mais ou menos
isso .. é:: deixa eu voltar um pouquinho atrás . é:: onde é que você aprendeu português . você
aprendeu português por causa de parente . familiares . aprendeu:
P: Onde? Por que razão?
R: Não não não . onde você aprendeu português?
P: Na escola.
P: Você aprendeu todo o português na escola? Não foi em casa com (…)
R: Não não não.
P: Ah:: não tem nenhum familiar que fala português.
P: Não não não.
R: Ok .. você estudou em escola luso-chinesa?
P: Eu?
R: É.
P: Sim.
R: Ah::
299
ANEXO II (Pedido para a geração de dados audiovisuais)36
UNIVERSIDADE DE MACAU
FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
DEPARTAMENTO DE PORTUGUÊS
Projecto de investiação sobre: “O material didáctico de Português Língua
Estrangeira e a construção da competência textual no contexto das escolas
luso-chinesas”
Macau, 18 de Abril de 2007.
Exmo. Senhor Chefe do Departmento de Ensino da Região Adminstrativa
Especial de Macau,
Vimos por meio deste documento solicitar permissão para a geração de dados
audiovisuais com a participação de professores e alunos de uma escola Luso-Chinesa
do território. Os dados serão analisados no âmbito do projeto de investigação citado
acima, o qual é vinculado ao Departamento de Português da Universidade de Macau.
Garantimos, por meio deste documento, que a identidade de todos os
participantes serão mantidas no anonimato através do tratamento de imagens ou pelo
uso de pseudônimos. Os dados não serão disponibilizados para outros fins que não se
encaixem nos termos da referida investigação.
Com o melhores cumprimentos,
Roberval Teixeira e Silva
Coordenador do Projecto.
36
O pedido foi aprovado segundo o ofício 2725/DEPEP/2007.
300
CV e publicações do autor no âmbito dos estudos em Doutoramento
Curriculum Vitae (abreviado)
Dados pessoais:
Nome: Ricardo Moutinho Rodrigues da Silva
Data de Nascimento: 15 de janeiro, 1981
Naturalidade: Brasil
Nacionalidade: Brasileira
Email: [email protected]
Habilitações Acadêmicas
2008 – 2012 Doutorado em Linguística pelo Departamento de Português da
Universidade de Macau
2006 – Mestrado em Linguística pelo Departamento de Letras da Universidade
Federal de São Carlos/Brasil
2004 – Licenciatura em Letras pela Universidade Federal de São Carlos/Brasil
Experiência Profissional
2008 – presente: Professor Assistente Eventual (ensino de Português como Língua
Estrangeira, na Licenciatura de Direito em Língua Chinesa), Universidade de Macau
2002 – 2007: Instrutor (ensino de Português como Língua Estrangeira, para
estrangeiros residentes no Brasil), Universidade Federal de São Carlos
Projetos de Pesquisa:
Construction of Chinese primary students’ identities on second language acquisition
The importance of teacher’s discourse in classrooms of Portuguese as a Foreign
Language
Interactions in the Portuguese as a Foreign Language classroom and the building of
contextual competence the Macau context
Publicações
Artigos
Moutinho, Ricardo, Custódio C. Martins & Mário P. Nunes. (2011). O ensino de
português para fins jurídicos em Macau. Revista SIPLE 2.
301
Teixeira e Silva, Roberval & Ricardo Moutinho. (2010). O ensino de Língua
Portuguesa em Macau/China. Revista SIPLE 1.
Capítulos de Livro
Moutinho, R.; Almeida Filho, J. C. P. (2011). Aprender PLE na universidade. In:
J.C.P. Almeida Filho (org). Fundamentos de Abordagem e Formação de
Professores de PLE e Outras Línguas. Campinas: Pontes Editores. pp.65 a 79.
Almeida Filho, J C. P.; Moutinho, R. (2011). Sentidos de ensinar PLE no mundo. In:
J.C.P. Almeida Filho (org). Fundamentos de Abordagem e Formação de
Professores de PLE e Outras Línguas. Campinas: Pontes Editores. pp.39 a 50.
Moutinho, Ricardo & Nelson Viana. (2011). O efeito retroativo exercido pelo CelpeBras: considerações sobre os impactos provocados por um exame de proficiência de
natureza comunicativa. In Kleber A. da Silva (ed.), Crenças, Discurso e Linguagem,
vol. 2, 177-200. Campinas: Editora Pontes.
Moutinho, Ricardo. 2010. A (re)construção das estruturas de participação em uma
sala de aula de PLE de uma escola primária em Macau. In A China, Macau e os
Países de Língua Portuguesa - XX Encontro da Associação das Universidades de
Língua Portuguesa, 193-203.
Teixeira e Silva, Roberval & Ricardo Moutinho Rodrigues da Silva. (2009). O que é
ser bom aluno? Reflexões sobre a construção da identidade de aprendentes chineses
em sala de aula de Português Língua Estrangeira. Anais do VI Congresso
Internacional da ABRALIN 1.
Pacheco, Denise G. & Ricardo Moutinho. (2009). Conversar é preciso: Mesa de
conversação em português língua estrangeira como estratégia didática nas situações
de fricções culturais. Anais do VI Congresso Internacional da ABRALIN 2.
Apresentações em Congressos
Moutinho, R. 2011. “Como e por que ensinar PLE em um mundo globalizado?
Algumas considerações sobre as motivvações dos aprendentes e as competências dos
professores de PLE” I II CARPE, Universidade Federal de São Carlos, Brazil.
Moutinho, R. 2010. "Português para fins específicos: resultados de uma experiência
no ensino de PLE na área jurídica emMacau". I CARPE, Universidade Federal de
São Carlos, Brazil.
Moutinho, R. 2010 (with Denise Pacheco). "Conversation table as an environment
for (re)signification of subjectivity and identities in Portuguese as a Foreign
Language". University of Macau Linguistics Seminar, Macau, 24th February..
Moutinho, R. 2008. “The construction of Chinese primary students’ beliefs about
foreign language learning”. Calpiu – Cultural Linguistic Practices in the International
University, Roskilde, Denmark.
302
AUTHOR’S CV:
Curriculum Vitae
Personal Data:
Name: Ricardo Moutinho Rodrigues da Silva
Date of birth: January, 15th, 1981
Nationality: Brazilian
Email: [email protected]
Academic Qualifications
2008 – 2012 PhD in Linguistics at Department of Portuguese (University of Macau)
2006 – Master’s in Linguistics at Departamento de Letras da Universidade Federal
de São Carlos/Brasil
2004 – Bachelor’s in Languages and Literature at Universidade Federal de São
Carlos/Brazil
Professional Experience
2008 – present: Senior Instructor (teaching Portuguese as a Foreign Language for
Law students), University of Macau
2002 – 2007: Instructor (teaching Portuguese as a Foreign Language for foreign
students in Brazil), Universidade Federal de São Carlos
Research Projects:
Construction of Chinese primary students’ identities on second language acquisition
The importance of teacher’s discourse in classrooms of Portuguese as a Foreign
Language
Interactions in the Portuguese as a Foreign Language classroom and the building of
contextual competence the Macau context
Publications
Articles
Moutinho, Ricardo, Custódio C. Martins & Mário P. Nunes. (2011). O ensino de
português para fins jurídicos em Macau. Revista SIPLE 2.
303
Teixeira e Silva, Roberval & Ricardo Moutinho. (2010). O ensino de Língua
Portuguesa em Macau/China. Revista SIPLE 1.
Book Chapters
Moutinho, R.; Almeida Filho, J. C. P. (2011). Aprender PLE na universidade. In:
J.C.P. Almeida Filho (org). Fundamentos de Abordagem e Formação de
Professores de PLE e Outras Línguas. Campinas: Pontes Editores. 65-79
Almeida Filho, J C. P.; Moutinho, R. (2011). Sentidos de ensinar PLE no mundo. In:
J.C.P. Almeida Filho (org). Fundamentos de Abordagem e Formação de
Professores de PLE e Outras Línguas. Campinas: Pontes Editores. 39-50.
Moutinho, Ricardo & Nelson Viana. (2011). O efeito retroativo exercido pelo CelpeBras: considerações sobre os impactos provocados por um exame de proficiência de
natureza comunicativa. In Kleber A. da Silva (ed.), Crenças, Discurso e Linguagem,
vol. 2, 177-200. Campinas: Editora Pontes.
Moutinho, Ricardo. 2010. A (re)construção das estruturas de participação em uma
sala de aula de PLE de uma escola primária em Macau. In A China, Macau e os
Países de Língua Portuguesa - XX Encontro da Associação das Universidades de
Língua Portuguesa, 193-203.
Teixeira e Silva, Roberval & Ricardo Moutinho Rodrigues da Silva. (2009). O que é
ser bom aluno? Reflexões sobre a construção da identidade de aprendentes chineses
em sala de aula de Português Língua Estrangeira. Anais do VI Congresso
Internacional da ABRALIN 1.
Pacheco, Denise G. & Ricardo Moutinho. (2009). Conversar é preciso: Mesa de
conversação em português língua estrangeira como estratégia didática nas situações
de fricções culturais. Anais do VI Congresso Internacional da ABRALIN 2.
Conference Presentations
Moutinho, R. 2011. “Como e por que ensinar PLE em um mundo globalizado?
Algumas considerações sobre as motivvações dos aprendentes e as competências dos
professores de PLE” I II CARPE, Universidade Federal de São Carlos, Brazil.
Moutinho, R. 2010. "Português para fins específicos: resultados de uma experiência
no ensino de PLE na área jurídica em Macau". I CARPE, Universidade Federal de
São Carlos, Brazil.
Moutinho, R. 2010 (with Denise Pacheco). "Conversation table as an environment
for (re)signification of subjectivity and identities in Portuguese as a Foreign
Language". University of Macau Linguistics Seminar, Macau, 24th February..
304
Moutinho, R. 2008. “The construction of Chinese primary students’ beliefs about
foreign language learning”. Calpiu – Cultural Linguistic Practices in the International
University, Roskilde, Denmark.
305

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