Museus ao encontro dos públicos e das comunidades
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Museus ao encontro dos públicos e das comunidades
FICHA TÉCNICA Edição: Câmara Municipal de Caminha Coordenação: Dr. Sérgio Cadilha Capa: Dr. Sérgio Cadilha | BSdesign Concepção Gráfica: BSdesign Autores: Clara Camacho, Alice Semedo, Helena Santos, Carla Fernandes, Maria João Vasconcelo Tiragem: 500 exemplares Data/Local da Edição: Caminha, Dezembro de 2008 Depósito Legal: 286273/08 ISBN: 978-989-95920-1-8 ÍNDICE NOTA DE ABERTURA Presidente da Câmara Municipal de Caminha Júlia Paula Pires Costa 5 MUSEUS AO ENCONTRO DOS PÚBLICOS E DAS COMUNIDADES Perspectivas e experiências no quadro da Rede Portuguesa de Museus Clara Frayão Camacho 7 MUSEUS, EDUCAÇÃO E CIDADANIA Alice Semedo 23 41 PÚBLICOS E MUSEUS Helena Santos O MUSEU DO MAR REI D. CARLOS E A SUA RELAÇÃO COM A COMUNIDADE Resumo de um momento de viragem Carla Varela Fernandes 49 61 MUSEUS E PÚBLICOS LOCAIS Maria João Vasconcelos 3 Presidente da Câmara Municipal de Caminha Júlia Paula Pires Costa O museu deixou há muito de ser visto como um mero depósito de memórias e de recordações, onde se podia revisitar o passado; um passado que convidava quase à veneração, num ambiente de silêncio e de respeito. Quantos museus, instalados em palácios sumptuosos, estabeleciam com os visitantes uma relação fria, incómoda até. Visitava-se uma vez, ficava-se a conhecer e era tudo. Falar de Museu e Sociedade, nessa óptica, era falar de retratos de pessoas e de épocas, testemunhados na pintura, na escultura, nos documentos ou nos objectos que (n)esses espaços se exibiam. Hoje, falamos de Museu e Sociedade como duas partes integrantes de uma mesma realidade, como um edifício cultural dinâmico, marcado pela interacção e pelo diálogo. É essa a filosofia que está subjacente ao novo papel dos museus, consubstanciado nas múltiplas vertentes da Sociomuseologia. O nosso Museu é também um espaço de debate, que tem o seu expoente máximo na conferência “Museus e Sociedade”, cuja primeira edição levamos a cabo no ano passado e que agora está plasmada nesta edição: As Actas desse encontro, uma espécie de memória para o presente e para o futuro, dos valiosos contributos que aqui foram deixados. Presidente da Câmara Municipal de Caminha É nesse espírito que procuramos, de uma forma crescente, abrir o Museu Municipal de Caminha à sociedade, chamando grupos etários para o seu seio, programando actividades específicas. Começamos pelas crianças do jardim-infantil, queremos que se habituem a ver o Museu como um espaço que também é seu, um espaço aberto multidisciplinar, com propostas que se renovam ao longo das suas vidas e que por isso permanecerá como um lugar apelativo, onde sabem que poderão encontrar respostas ao longo da sua vida, escolar e civil, conquistando públicos que acompanharão o museu até ao final da sua vida. 5 Neste livro encontramos experiências, pistas de trabalho, saber de quem faz do mundo dos museus a sua vida e a sua paixão. É o tal ingrediente que faz a diferença. Basta rever as intervenções dos especialistas que, no ano passado, aceitaram o nosso convite e partilharam connosco todo um manancial de informação. Quero agradecer aos participantes da primeira edição da Conferência “Museus e Sociedade” e que reencontramos neste livro. São eles o Dr. João Alpuim, a Dra. Susana Tavares, o Prof. Carlos Antunes, o Dr. Joel Cleto e a Dra. Lurdes Rufino. Através deles, ficamos a conhecer melhor, também, as instituições a que se dedicam. Refiro-me ao Museu do Traje de Viana do Castelo, ao Museu do Caramulo, ao Aquamuseu de Vila Nova de Cerveira, à Rede de Museus de Matosinhos e ao Museu de Arte de Fão, em Esposende. Nomear estas pessoas e estes espaços incentivam-nos, por si só, a passar das primeiras páginas deste livro e a mergulhar nas ricas experiências que nos aguardam no seu interior. Que melhor convite poderíamos fazer? É com muita satisfação que a Câmara Municipal de Caminha lança esta edição no seu Museu Municipal, patrocinada pelo Banco BPI, a quem deixo desde já o meu agradecimento, na abertura de um evento que valida só por si todo o trabalho contido neste livro e que representou um novo desafio. A Câmara de Caminha, através do Pelouro da Cultura e do seu Museu Municipal, aceitou esse desafio e lançou a segunda edição da Conferência “Museus e Sociedade”. Quero, nesta breve reflexão, saudar a organização, os oradores e todos os participantes. O nosso Museu é um espaço aberto, é da sociedade, depende de todos nós e da nossa criatividade, da nossa visão. O debate é sempre bem-vindo. Ele está aqui, nas páginas que reflectem a primeira experiência da Conferência e está, a partir de 1 de Dezembro, no Auditório do Museu Municipal. 6 Museus ao encontro dos públicos e das comunidades Clara Frayão Camacho 7 Museus ao encontro dos públicos e das comunidades: perspectivas e experiências no quadro da Rede Portuguesa de Museus Clara Frayão Camacho (Subdirectora do Instituto dos Museus e da Conservação) O tema da conferência organizada pelo Museu Municipal de Caminha está na ordem do dia da Museologia ao longo dos últimos trinta anos e está também no cerne da mudança e das transformações que a instituição museológica atravessou e atravessa neste mesmo período de tempo. Esta problemática reveste-se de uma clara especificidade no nosso país, onde, na sequência da instauração da democracia em 1974, as enormes mudanças operadas na sociedade e nos museus levaram a alterações muito expressivas da instituição museológica. Nesta mudança de paradigma duas palavras-chave se destacam, abertura e alargamento, consubstanciadas na abertura dos museus à sociedade, no alargamento dos seus conteúdos patrimoniais, na extensão geográfica e territorial e na complexificação organizacional. MUSEUS AO ENCONTRO DOS PÚBLICOS E DAS COMUNIDADES A relação do museu com a sociedade, com as comunidades e o questionamento do exercício da sua função social constituíram o centro da crítica aos museus no final dos anos sessenta e início dos anos setenta do século XX e motivaram, como sabemos, movimentos de renovação da Museologia com expressão no plano internacional e no nosso País. Da reformulação do conceito de museu, operada pelo ICOM nos mesmos anos setenta, ao movimento da Nova Museologia, às experiências e práticas locais dos ecomuseus e dos denominados museus comunitários, ao progressivo reforço do papel da acção educativa dos museus, aos estudos de públicos, ao aumento generalizado do número de museus e do investimento público no sector museológico, longo foi o caminho percorrido. Neste caminho, pese embora a mudança de paradigma da instituição museu, progressivamente encarada como uma entidade, em que as vertentes cultural e social se posicionam inexoravelmente lado a lado, a actualidade do questionamento do papel do museu na sociedade, da relação do museu com os públicos, com as comunidades, em última (e primeira) instância com as pessoas mantém-se da maior actualidade. Não só se mantém actual esta questão, como deve, em meu entender, ser revisitada à luz das mudanças sociais entretanto ocorridas, ainda a decorrer no nosso mundo contemporâneo, e deve ser equacionada, com espírito de honestidade científica e profissional, no sentido da avaliação das práticas levadas a cabo pelos museus no domínio da difusão cultural e da inter-acção com a sociedade. 9 A progressiva abertura dos museus ao campo social é uma tendência iniciada nos anos setenta, que, no plano internacional, encontrou forte expressão nas correntes da Nova Museologia, mas também na Museologia anglo-saxónica, sendo em Portugal muito favorecida pela democratização cultural subsequente a 1974, em que importa salientar a intervenção das autarquias, no caso dos museus municipais portugueses, e, no caso dos museus nacionais, claramente assente em práticas educativas de “conquista” de novos e variados públicos. A este propósito uma palavra especial é devida ao papel dos museus autárquicos portugueses, muitos dos quais se posicionam hoje como entidades com intervenções múltiplas sobre o património cultural, não apenas o património móvel, tradicionalmente associado à responsabilidade de salvaguarda por parte da instituição “museu”, mas sobre a pluralidade patrimonial localizada no seu território administrativo de influência imediata, o concelho onde se situam. Tendo presente que, no campo dos museus públicos, a par dos museus dependentes da administração central - onde avultam os museus nacionais, sob tutela do Ministério da Cultura, erigidos em torno de acervos temáticos e disciplinares - e na inexistência do modelo de “museu de região”, são os museus autárquicos que evidenciam maior ligação ao território, facilmente se compreendem as relações que se foram estabelecendo entre estes museus, o património cultural dos respectivos concelhos e as populações que neles residem. Esta abertura externa da instituição museológica encontra eco interno no alargamento de conteúdos patrimoniais - tradicionalmente assentes no património móvel, de ordem artística, histórica, etnográfica e arqueológica - que, no âmbito de uma maior abertura disciplinar, passam a (re)valorizar o património industrial, científico, técnico, contemporâneo, e mais recentemente o virtual, o que tem ocasionado alterações sucessivas na definição de museu do ICOM. Como é sabido, ao longo das últimas décadas e em paralelo à evolução do conceito de museu, evoluiu enormemente o conceito de património cultural, alargando-se no tempo, no espaço e nos conteúdos (alargamento cronológico, geográfico e tipológico) para utilizar a matriz de Françoise Choay. Em tempos de “explosão do património”, de acordo com a expressão de Pierre Nora, em que os discursos, as instituições e as políticas foram invadidas por este termo, em tempos de patrimonialização, muitos museus posicionam-se progressivamente como actores relevantes na gestão desses patrimónios. 10 No plano geográfico, os museus extravasam as paredes dos edifícios onde estão instalados para alcançarem uma disseminação territorial que inclui designadamente os museus polinucleados, de grande sucesso em Portugal nas tutelas de dependência autárquica. Com efeito, a polinuclearidade dos museus autárquicos, que reflecte uma estrutura e uma organização territorial descentralizadas, longe de ser um fenómeno de moda, balizado por esses primeiros anos pós-democracia e pela influência das correntes da Nova Museologia, tornou-se antes uma tendência com expressão continuada até aos dias de hoje. Outros modelos de museus, como os museus de sítio, e mais recentemente as ramificações de grandes museus no âmbito da globalização, estão na ordem do dia e são sinais do alargamento geográfico, por vezes à escala planetária da instituição-museu. Voltando à questão central da conferência e ao tema desta comunicação “Museus ao encontro dos públicos e das comunidades”, começaria por acentuar que, sendo a vocação pública inerente à instituição museológica, esta não deixa de reflectir os contextos políticos, sociais e culturais das sociedades em que se inscreve. Nesta perspectiva, a ideia de democratização da cultura, uma ideia cara aos países ocidentais, tem orientado nos últimos anos as preocupações dos museus nas suas políticas face aos públicos. A este propósito, o conceito de museu definido na recente Lei Quadro dos Museus Portugueses é exemplar, ao afirmar que os objectivos da instituição museológica compreendem “facultar o acesso regular ao público e fomentar a democratização da cultura, a promoção da pessoa e o desenvolvimento da sociedade.” É nesta linha que vimos a assistir a diferentes acções que na sua maioria exprimem a mensagem de que o museu se esforça por ir “ao encontro do público”, restando-nos perguntar se o público também tem vindo ao encontro do museu. MUSEUS AO ENCONTRO DOS PÚBLICOS E DAS COMUNIDADES Em paralelo, os museus destacam-se hoje pela sua complexidade organizacional, enquanto instituições agregadoras de um conjunto de funções museológicas, com modelos de gestão próprios e muito variados, em função dos acervos, da dimensão e das características das respectivas tutelas. 11 De um modo geral, em termos funcionais, a mudança de atitude que se tem verificado nos museus a propósito da sua relação com a sociedade tem emanado preponderantemente da área educativa dos museus. O reforço do papel concedido à educação nos museus, baseado no entendimento dos próprios museus como centros de aprendizagem e de educação permanente, é uma noção que tem vindo progressivamente a expandir-se, não apenas entre os responsáveis e os profissionais dos museus mas também em muitos casos junto dos respectivos públicos. Podendo ser locais de aprendizagem informal para pessoas de todas idades, de todos os níveis escolares e de todo o tipo de interesses, os museus desenvolvem crescentemente actividades educativas que ultrapassam os serviços prestados às crianças e aos jovens integrados no sistema escolar. 1 A esta tendência contemporânea, de origem anglo-saxónica , a do museu como recurso de aprendizagem e como instrumento de educação permanente, tendência que é transversal a todo o tipo de museus e a diferentes dependências tutelares, deve acrescentar-se o reforço da relação do museu com a comunidade onde se insere, tendência cujo desenvolvimento tem sido também muito forte nas últimas décadas, e cuja origem podemos relacionar, entre outras proveniências, com a museologia francófona. Esta última tendência, se é predominante nos museus dependentes de autarquias, não deixa também de manifestar-se em museus e palácios nacionais, por vezes de forma quase surpreendente, através de formas especiais de vizinhança e de promoção activa de iniciativas que envolvem a comunidade circundante do museu. Ambas as noções marcam hoje o debate em torno do papel dos museus enquanto entidades educativas, num sentido amplo e abrangente, e enquanto entidades sociais, que podem contribuir activamente, através das suas práticas, para a inclusão social. As duas noções implicam, aliás, a já referida mudança de paradigma da própria instituição museológica, centrada doravante na sociedade, sem esquecer, contudo, as suas funções essenciais de estudo, de documentação, de conservação e de divulgação dos bens culturais e dos patrimónios que lhe estão confiados. É esta alteração de paradigma que desloca também notoriamente a atenção das missões sociais e educativas dos museus, numa primeira fase quase exclusivamente centradas nos públicos escolares, e hoje cada vez mais voltadas para os indivíduos ao longo das diferentes etapas da sua vida. 1 - Consultar a este propósito: WEIL, Stephen, “Museums and communities: their changing relationship” in Domingues, Álvaro [et al.], org., A cultura em acção: impactos sociais e território, Porto, Afrontamento, 2003 12 Em minha opinião, a transformação dos museus para desenvolver políticas centradas nos públicos não deve, contudo, cingir-se à área do denominado “serviço educativo”, visto que tal propósito implica uma transformação mais profunda da instituição museológica e alterações ao nível da sua gestão, para poder constituir uma realidade segura e perene de mudança. Com efeito, o desenvolvimento de uma política voltada para os públicos e para a comunidade implica uma qualificação global do museu no sentido da melhoria das suas condições e do seu funcionamento, implica a oferta de novos serviços e a proposta de conjuntos muito diversificados de actividades. Todas estas transformações assentam na noção de abertura da instituição museológica e na noção de acesso. Como parece ser consensual, a porta por que se entra no museu é ainda demasiado estreita e por ela passam maioritariamente as crianças e os jovens integrados no sistema de ensino, ou então aqueles adultos que espontânea e voluntariamente se dirigem ao museu, individualmente ou em grupos organizados. Mas antes gostaria de perguntar: de que falamos quando falamos dos públicos do museu? Dos visitantes e utilizadores? Do público que o museu visa atingir, ou conquistar, numa estratégia cultural? Do público virtual consumidor dos produtos multimédia? Ou do público potencial, a que alguns chama de “não público”, preferindo nitidamente a expressão de público potencial? MUSEUS AO ENCONTRO DOS PÚBLICOS E DAS COMUNIDADES Hoje os museus que querem trabalhar de forma constante com os públicos, e que visam o alargamento e a diversificação dos mesmos, passam a tomar em linha de conta não apenas os seus “visitantes” e “utilizadores” – aqueles que são já frequentadores das exposições e de outros serviços que os museus ofereçam (bibliotecas, centros de documentação, acesso às reservas). Mas passam a tomar em consideração as pessoas, os grupos e as comunidades que não vêm de forma espontânea aos museus. Esta é, com efeito, a principal tendência que rege actualmente as preocupações de actuação de muitos dos nossos museus, de que adiante trarei alguns exemplos reportados à realidade portuguesa. 13 2 E de que falamos quando falamos de pessoas? Das pessoas que construíram e trabalham nos museus? Das administrações? Dos doadores e benfeitores? Dos investigadores e académicos? Dos criadores? Das pessoas das sociedades e das culturas que estão representadas nos museus? Dos residentes na vizinhança do museu que não são geralmente visitantes? O mesmo tipo de questões se poderiam colocar em relação a “comunidade”, termo tão caro à Nova Museologia e em particular à museologia francófona, que criou mesmo uma categoria de museus a que chamou “museus comunitários”. Serão as comunidades a que Hugues de Varine se refere nos textos dos anos setenta e oitenta idênticas às comunidades plurais e multiculturais do início do século XXI? A tentativa de clarificar esta problemática e de encontrar respostas para as questões precedentes é-nos dada em primeiro lugar pelos estudos de públicos que, entre outros adquiridos, nos ajudaram a consolidar a própria noção de “público”. Há trinta anos atrás, no curso de Museologia que ministrava na Sorbonne, GeorgesHenri Rivière perguntava: “O público aparece como uma massa confusa e desordenada, à imagem de um rebanho que vagueia no campo de um lado para o outro? Parece 3 necessário distinguir diferentes categorias para escapar a esta visão simplista.” Efectivamente, em vez de um público, temos públicos: múltiplos, segmentados, fragmentados e sectorizados. Nestes surgem, a título de exemplo, e sem qualquer tentativa de agrupamento ou ordenação: os estudantes, os jovens, os grupos, os turistas (nacionais e estrangeiros), os visitantes individuais ou em família, os reformados, os sectores profissionais, os desempregados, as pessoas portadoras de deficiência, os interessados, os profissionais de museu, os jornalistas, os professores, os amigos dos museus, os representantes das diferentes comunidades, os mecenas…, e a lista poderia continuar. 2 - Peço emprestadas as palavras de Hilde Hein, “The museum in transition – a philosophical perspective”, Washington, Smithsonian Institute, 2000. 3 - Cf. AAVV, La Muséologie selon Georges-Henri Rivière, Paris, Dunod, 1989. 14 Em cada museu a percepção e o conhecimento, ainda que empírico, dos seus públicos, a sua segmentação, distinção e caracterização são passos preparatórios de planos de acção, muitas vezes ancorados nas áreas educativas, mas não se esgotando nestas, em que produtos e serviços específicos são oferecidos pelo museu na tentativa de ir ao encontro dos interesses e das competências dos diferentes segmentos identificados. A assunção destas questões e a aplicação das tendências apontadas verificam-se em algumas das instituições museológicas portuguesas, não podendo, no entanto, afirmarse que estejam largamente disseminadas e que se reflictam generalizadamente nas práticas dos museus. Na verdade, alguns museus portugueses têm vindo a encarar os seus serviços educativos numa perspectiva abrangente, de modo a continuarem a tocar de maneira criativa as crianças e os jovens estudantes para quem o seu trabalho predominantemente se dirige e a visarem também, por exemplo, as famílias, os adultos (na sua diversidade), os idosos, os “excluídos sociais” e outros que não são utilizadores habituais dos serviços prestados pelos museus. Por vezes, esta atenção aos “novos” domínios da acção educativa tem sido estimulada e reforçada pela participação de alguns museus portugueses em projectos de parceria com outros museus europeus e pela posterior divulgação dos mesmos no nosso País. Em primeiro lugar apontamos algumas iniciativas, emanadas do plano da gestão do museu e com implicações no seu funcionamento global, como sejam a alteração e a extensão dos horários, a programação de exposições em que as pessoas das comunidades se sintam representadas e a programação de eventos especiais. 4 - A Rede Portuguesa de Museus é um sistema constituído pelos museus dependentes do Instituto dos Museus e da Conservação e das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e ainda por museus autárquicos e privados (associativos, fundações, Igreja), cujas candidaturas à adesão à RPM foram apreciadas positivamente, de acordo com um Regulamento onde são definidos os critérios, os quesitos e os parâmetros que definem o “museu”. MUSEUS AO ENCONTRO DOS PÚBLICOS E DAS COMUNIDADES No universo dos cento e vinte museus que actualmente integram a Rede Portuguesa de Museus,4 muitos deles desenvolvem actividades especificamente vocacionadas para adultos, com objectivos de aproximação aos seus públicos potenciais e de cativar o envolvimento de outros públicos, para além dos escolares, nas suas actividades. 15 Relativamente ao alargamento do horário, esta decisão da direcção do museu, e necessariamente subscrita pela administração da entidade de quem este depende, tem em vista multiplicar as possibilidades de acesso. Dois exemplos: - Museu de Faro (Municipal) – Alteração de há dois anos para cá de um horário do tipo “função pública”, de segunda a sábado, com encerramento do museu ao domingo para um horário diferenciado, um de verão e outro de Inverno, com maior extensão do primeiro e passando a abrir aos domingos, medida que teve repercussão no incremento dos ingressos no museu. Neste caso trata-se de uma medida com efeitos sobretudo nos grupos e turistas. - Museu Alberto Sampaio em Guimarães (IMC) – Abertura do museu à noite durante o Verão. Esta medida, iniciada também há cinco anos pela direcção do museu, tem tido um enorme sucesso de adesão do público, aqui não apenas de grupos de turistas mas também de pessoas da cidade de Guimarães que passaram a introduzir a visita ao museu na sua saída estival “depois de jantar”. Quanto à programação de exposições onde as pessoas se sintam representadas, estas podem assumir várias linhas de orientação. Em primeiro lugar a preparação de exposições baseadas no acervo do museu, sobretudo no caso de colecções etnográficas, industriais, técnicas e de história social, em que o património da comunidade onde o museu se insere é valorizado e difundido no sentido de aprofundar o conhecimento e o reconhecimento da mesma comunidade. Os exemplos desta estratégia de acção em museus locais poderiam multiplicar-se. Em segundo lugar, a preparação de exposições especificamente destinadas a envolver e a representar certos grupos da comunidade, cujo património não está representado no acervo do museu, como sucede com os imigrantes. 16 A atenção aos públicos que não são frequentadores habituais do museu passa também, por vezes, pela programação de acontecimentos especiais em que estes se sintam fortemente convidados e envolvidos a participar. Frequentemente são as actividades emanadas da área educativa que propiciam estes “eventos”, como veremos de seguida. Tomando então como universo de análise o conjunto dos museus que constituem actualmente a RPM, encontramos actividades em que o respectivo público-alvo pode ser sistematizado, a meu ver, em seis grupos diferentes, de acordo com as actividades desenvolvidas: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Público adulto Público interessado Grupos familiares Segmentos etários Grupos profissionais Públicos potenciais Públicos virtuais 1. Público adulto o Visitas temáticas às colecções dos museus oferecidas pela maioria dos museus; o Visitas temáticas aos recursos patrimoniais diversificados dos territórios onde os museus se inserem, como os percursos temáticos pedonais (“a pé pelo Seixal e Arrentela”, às intervenções arqueológicas: Quinta de S. Pedro) e em meios de transporte tradicionais como é o caso dos passeios em embarcações fluviais, (passeios de barco no Tejo), promovidos pelo Ecomuseu Municipal do Seixal. MUSEUS AO ENCONTRO DOS PÚBLICOS E DAS COMUNIDADES Actividades dirigidas globalmente ao público adulto, considerando-o como “um todo”, assentes em bens culturais conservados no museu ou em temas históricos e patrimoniais e incluindo frequentemente uma vertente lúdica na programação destas actividades. Podemos apontar como exemplos. 17 2. Público interessado Actividades dirigidas a públicos previamente sensibilizados, interessados e conhecedores de determinados assuntos e matérias abordados pelo museu ou presentes nas suas colecções. São manifestações culturais destinadas às elites culturais que compõem tradicionalmente o “público” do museu, designadamente a organização de acontecimentos para os membros do grupo de amigos. a. no Museu de Arqueologia e Numismática de Vila Real predominam as actividades de animação e de divulgação de aspectos relacionados com a História Local, mediante o bem sucedido programa de tertúlias História ao Café, em que são abordados temas muito variados da História e do Património locais. Usando certos objectos como pretexto museológico, este programa evoca as antigas tertúlias de tanta tradição nas terras da província e ocorrem quinzenalmente às 21 horas. Cada sessão é completada com uma ficha coleccionável e arquivável em pasta própria. b. no Museu de Arte Contemporânea de Serralves - programas específicos para “público conhecedor e interessado”, incluindo visitas guiadas (às exposições, aos espaços arquitectónicos e ao parque), oficinas, actividades culturais no auditório e oferta de “ produtos” específicos, como o cartão de amigo. 3. Grupos familiares Actividades dirigidas especificamente a grupos familiares, envolvendo destinatários de diferentes gerações, seja num sentido amplo de família, envolvendo designadamente os avós, seja mais frequentemente no sentido de família nuclear. c. É exemplo deste tipo de actividades o programa “Famílias nos museus”, promovido pela Câmara Municipal do Porto com a participação de um conjunto significativo de museus da cidade, entre os quais o Museu Nacional Soares dos Reis, o Museu do Papel Moeda e o Museu dos Transportes e Comunicações. d. Outra actividade dirigida mais direccionadamente ao convívio inter-geracional é o “Dia dos Avós”, programa promovido anualmente pelo Museu de Arte Sacra e Etnologia de Fátima. 18 4. Segmentos etários Actividades dirigidas a segmentos etários específicos, pré-determinados pelos museus, sobretudo a idosos e a jovens. Neste tipo de actividades, em que o público-alvo é apontado de forma bastante precisa para determinadas faixas etárias podem ser citados, a título de exemplo: a. Museu Municipal de Santiago do Cacém - programa “Caminhos do Património” com sub-programas destinados a crianças, jovens, adultos e idosos. 5. Grupos profissionais Actividades dirigidas e envolvendo grupos profissionais b. Museu do Carro Eléctrico - 16 Massarelos projecto de recolha de história oral, baseado em experiências de vida e vivências mundanas de antigos funcionários da empresa portuense. Histórias que o Museu do Carro Eléctrico, em parceria com o Núcleo Português do Museu da Pessoa, procurou retratar e que se relacionam com momentos fundamentais da vida dos trabalhadores desta empresa. Estes “contadores de histórias”, ao longo das suas conversas, predispuseram-se a partilhar as suas relações de trabalho, o seu orgulho e a sua saída da vida activa. Ao valorizar a história e estórias de pessoas cujas experiências passaram pelos diversos serviços e espaços da empresa nasce a imagem de cada contador. MUSEUS AO ENCONTRO DOS PÚBLICOS E DAS COMUNIDADES a. No Museu do Papel, em Santa Maria da Feira, ateliers sobre o fabrico do papel com a participação e o envolvimento de antigos operários – essenciais na própria documentação das colecções e também na transmissão de saberes e na acção educativa. Outro programa “Conversas com merenda” também no Museu do Papel, destinado ao público mais idoso, designadamente às comunidades dos antigos operários e fabricantes de papel. 19 6. Públicos potenciais Finalmente, actividades dirigidas a presumíveis “excluídos” ou a “públicos potenciais”, que poderão ter dificuldades de acesso ao museu por barreiras derivadas dos diferentes códigos de comunicação em presença. Nestes programas encontramos dois tipos de público-alvo, pré-seleccionado em função das presumíveis dificuldades de acesso aos serviços oferecidos pelo museu: a. por um lado, as pessoas portadoras de deficiência, nomeadamente os invisuais e os deficientes auditivos i. Museu dos Biscainhos - Projecto para a Comunidade Invisual: Projecto SENTINDO: dinâmica junto dos invisuais: bio-dança, prática teatral, introdução a técnicas de relaxamento; Divulgação histórica e Museológica do Museu junto dos Invisuais e amblíopes; ii. O empenhamento do IPM nas questões do acesso levou à edição de um manual sobre esta questão, da promoção de acções de formação e do estabelecimento de protocolos com associações desta área. b. por outro lado, os imigrantes, cujo desconhecimento da língua portuguesa poderá acarretar obstáculos de natureza linguística na comunicação proporcionada pelo museu. i. No Museu do Carro Eléctrico do Porto, foi desenvolvido o projecto “Públicos periféricos”, tendo como público-alvo, por um lado, os invisuais e, por outro, os imigrantes de leste e por objectivos criar mecanismos para uma melhor comunicação entre o museu e estes públicos. Consta da edição de materiais de divulgação da exposição em braille e em cirílico, da criação de um circuito áudio (também em russo) e da contratação de um monitor para guiar algumas visitas em russo (com marcação prévia). Este projecto foi apoiado pelo PAQM da RPM. – salientar a atenção dada no programa de apoio a projectos educativos do PAQM a esta linha de trabalho. 20 ii. o “Programa de Ensino de Português - Segunda Língua a Timorenses, Africanos e Eslavos”, promovido pelo Museu do Trabalho Michel Giacometti, de Setúbal. As tardes interculturais no Museu do Trabalho decorreram durante 10 meses no último sábado de cada mês. Grupos de diferentes gerações, etnias, nacionalidades foram convidados a partilhar especialidades gastronómicas, manifestações artísticas, música. Este projecto foi também apoiado pelo PAQM da RPM. 7. Público virtual Assim, em consonância com os públicos que pretendem atingir com as iniciativas promovidas, os museus preparam programas específicos para alcançar o objectivo fulcral de estender e de alargar a sua intervenção socio-educativa. Esses programas passam dominantemente pela promoção de uma multiplicidade de acções, correspondentes à referida fragmentação de públicos, as quais têm repercussão final na oferta de diferentes produtos e serviços, e na produção de instrumentos novos e diversificados de comunicação, nomeadamente mediante o recurso a novas tecnologias. Voltando aos exemplos apresentados, da acção de museus tão distintos no âmbito do universo dos museus da RPM, que traços comuns e que tendências podemos encontrar? MUSEUS AO ENCONTRO DOS PÚBLICOS E DAS COMUNIDADES Na categorização dos diferentes públicos detectados nas iniciativas e acções dos museus da RPM, não poderia estará ausente uma referência aos esforços de alargamento do acesso através da criação de novos serviços e possibilidades de contacto com a informação e as imagens respeitantes ao património salvaguardado nos museus. O IMC está fortemente empenhado nesta linha de actuação, seja através da produção de sites sobre os seus museus, seja através do Matriznet. Ao público interessado, curioso, potencial, em suma, a qualquer das anteriores categorias, são concedidas possibilidades de acesso à informação sobre os bens culturais e sobre as ofertas e serviços dos museus. Também a RPM no seu site disponibiliza fichas de informação e caracterização dos 120 museus que a integram, no espírito de alargar a visibilidade dos museus, de atrair visitantes e de ajudar a transformar os públicos potenciais em públicos reais. A mais recente realização do IMC combinou, aliás, o alargamento da informação disponível no Matriznet com o convite à utilização da Internet no espaço físico do museu através dos pontos de banda larga. 21 Em primeiro lugar, quanto aos conteúdos, destacamos a abrangência, a amplitude e a pluralidade patrimonial: património móvel e imóvel, paisagístico. Tendo por base a consciência de uma noção de património disciplinarmente ampla e estendida ao território, os museus preparam intervenções que incidem, seja sobre os patrimónios dominantemente móveis sobre os quais recaem as suas responsabilidades de documentação, de conservação e de divulgação, seja sobre os patrimónios, dominantemente imóveis, mas também “naturais” ou paisagísticos, envolventes do museu e localizados no seu território de influência, seja ainda sobre os patrimónios multiculturais, de diferente raiz identitária, incluindo o património imaterial, representativos das diferentes comunidades. Em segundo lugar, quanto às actividades e às estratégias, salientamos a multiplicidade de actividades e de programas, a mediação e as parcerias. Quanto à mediação, termo que começa a invadir os discursos das ciências sociais e que substitui em muitos casos a animação cultural, tal como a conhecíamos a partir dos anos setenta, o que traz de novo este termo e o seu correspondente agente, o mediador? Como sublinha Hugues de Varine, é necessária uma mediação humana entre o património e as pessoas com finalidades de decifrar a mensagem, de ouvir as reacções e de valorizar as achegas de cada um. O mediador actua, no caso da educação patrimonial, entre a instituição / museu e o vasto público para quem o trabalho desta se dirige. O mediador é o medianeiro e o embaixador da “cultura” veiculada pelo museu e frequentemente focalizada no objecto e a comunidade em permanente mudança e focalizada nos indivíduos. A questão das parcerias é, como sabemos, também um termo na moda, e não apenas no campo dos museus. Quais as diferenças entre o estabelecimento de parcerias e as colaborações outras que eram efectuadas pelos museus? Sendo a parceria uma tentativa de formalização de projectos, julgamos que a passagem da colaboração (mais informal) à parceria (mais formal) marca uma evolução, em direcção a uma articulação explícita entre diferentes sistemas, entre os quais o museológico e, por exemplo, o sistema escolar. Esta articulação propicia a constituição de novos sistemas e de redes, cujos efeitos de sinergia põem em andamento novas dinâmicas, em que são basilares as noções de projecto, de negociação e de mediação. 22 Em terceiro lugar, quanto aos públicos, a tendência vai no sentido do alargamento dos públicos e da educação permanente, perspectiva de intervenção que procede tanto do campo da educação e dos respectivos conceitos de “educação permanente”, de “lifelong learning” ou de “educação de adultos”, como do próprio campo dos museus, cuja natureza educativa é – não o esqueçamos - inerente à própria instituição museológica. A educação de adultos é também encarada actualmente por organizações internacionais, como a Comissão Europeia, a OCDE e a UNESCO como objecto de programas de incremento no sentido de promover a igualdade de oportunidades no acesso a todo o tipo de formação. Ao longo deste ano e do ano passado aumentaram de forma muito expressiva os visitantes dos museus dependentes do Instituto dos Museus e da Conservação, antes IPM: mais 25% em 2006, mais 4% ao longo de 2007 face ao ano anterior. Este aumento, que advém sobretudo do público nacional e que naturalmente muito nos satisfaz, não deve, contudo, descansar-nos, enquanto responsáveis das nossas instituições, directores e técnicos de museus face ao papel do museu na sociedade. MUSEUS AO ENCONTRO DOS PÚBLICOS E DAS COMUNIDADES Tendo presente que a diversidade social se acentuou e que as sociedades se tornaram multiculturais, parece incontornável que os museus têm de responder às mudanças económicas e demográficas e que associem diferentes categorias sociais e diferentes comunidades aos projectos que levam a cabo. Apesar das emergentes tendências aqui realçadas e das políticas dirigidas aos públicos, parece não oferecer dúvidas que a entrada no museu se faz ainda por uma porta demasiado estreita e que o reforço do acesso físico e psicológico ao museu nos deve continuar a preocupar a todos. 23 Museus, educação e cidadania Alice Semedo 25 Museus, educação e cidadania Alice Semedo O papel dos museus na sociedade é o tema de reflexão proposto à partida por este colóquio. É um tema complexo que me agrada particularmente pois relaciona-se, penso eu, directamente com a missão de qualquer museu. Este conceito de missão é um dos conceitos-chave de que nos apropriamos da área do marketing e da gestão e que se relaciona com a declaração de princípios de um museu. Iniciarei pois esta intervenção com a apresentação do que se entendem serem as características deste conceito (ANDERSON 1998, 2004; KOTLER e KOTLER 1998; LORD 2000). Assim: • a missão deve reflectir o pensamento estratégico de um museu em relação ao papel apropriado para essa instituição; • esta declaração de princípios, revelará o a compreensão do museu acerca dos contextos nos quais existe o a relevância do papel que pretende assumir o as relações que estabeleceu com a comunidade; • e deverá ser, assumidamente, um instrumento de gestão e governância. As declarações de missão de um museu devem inspirar e transmitir a paixão do museu e comunicar, em última análise, a sua razão de ser: • porque fazemos o que fazemos (ex. como marcamos a diferença na sociedade) • o que fazemos (ex. estimular o pensamento criativo, promover a abertura… tolerância…) as missões são declarações de sentido abstractas, que apresentam sobretudo visões… MUSEUS, EDUCAÇÃO E CIDADANIA • para quem fazemos o que fazemos e como (ex. em parceria com…) 27 As visões que expressamos nestas missões nada mais são do que: • conceptualizações do futuro; • que exploram como a comunidade beneficiará se o museu tiver sucesso na sua implementação e na promulgação dos seus valores; • podem ser um instrumento crítico de liderança (quer internamente quer externamente, junto da comunidade) – apresentando visões em relação aquilo em que se transformará o museu. Dito isto, não há qualquer dúvida que a missões tais como aqui são caracterizadas, estão intimamente relacionadas com a dimensão social de qualquer museu e com o seu papel no espaço público. A importância extraordinária que as missões vêm assumindo na investigação e retórica actual acontece em contextos que interessa aqui também anotar: 1. Em primeiro lugar a nossa sociedade conhece uma rápida mudança conduzida por diversas forças que não podem deixar de afectar os museus e que fazem com que a sua posição e o seu valor já não seja por demais evidente. Alguns museus tentam responder a este desafio, contradizendo a tendência de se posicionarem como meros espectadores passivos – sem reagir, sem participar no debate público – propondo projectos inovadores que se têm revelado extremamente importantes para a re-invenção do sector e para a sua projecção social. Apesar de todas as dissonâncias, é no contexto de uma sociedade reflexiva que o sector museológico enceta o caminho de um constante e multifacetado auto-exame que começa, aliás, a desenhar-se como uma das características do projecto profissional actual. É pois neste contexto que os museus tendem a ver-se como artefactos sociais, (re)produzindo significados e, logo, necessitando de uma infindável circunspecção. Nesta viagem introspectiva, a retórica museológica parece concentrar-se cada vez mais em questões que se relacionam com a sua razão de ser. As missões assumem uma nova proeminência orientadas pela presença de um fim último, no sentido aristotélico, que é reconhecido como a verdadeira causa da acção humana, relegando para um segundo lugar (o que não quer dizer que seja secundário) outras causas possíveis que desempenham o papel de causas ou condições instrumentais. Ora estas causas finais relacionam-se, sobretudo, com a ideologia política e social da 28 instituição. Não quero aqui estabelecer nenhuma confusão com agendas políticas ainda que, como sabemos, a política cultural, e museológica em particular, é frequentemente utilizada para fins políticos. Política é aqui compreendida como a “coisa pública” e os museus são compreendidos como práticas-chave de representação da nossa cultura e, desde logo, assentes na esfera pública. 2. Em segundo lugar, a reflexividade que se estende aos museus e que se tem reflectido em projectos seminais, deve ser, ainda, articulada com factores internos tais como a crescente profissionalização do sector museológico em Portugal, a produção de um importante corpo de bibliografia (sobretudo a nível internacional) relacionada com os estudos de museus e, ainda, com o desenvolvimento de uma série de programas ligados sobretudo, entre nós, à Rede Portuguesa de Museus que têm provado ser vitais no aprofundamento desta reflexão. Estes programas objectivam o desenvolvimento de normas em relação não só à gestão de colecções mas também em relação à investigação, comunicação, etc., encorajando os museus a adoptá-las, assegurando algum apoio financeiro e oferecendo aconselhamento e apoio profissional. MUSEUS, EDUCAÇÃO E CIDADANIA Este ponto de vista defende a necessidade de os museus participarem em terrenos muitas vezes controversos de forma a poderem, verdadeiramente, ter uma abordagem holística da sociedade e da cultura e remeter para o passado uma abordagem puramente canibalesca da cultura e da sociedade (AMES, 1992); uma abordagem que despertaria uma consciência social centrada nas pessoas em detrimento de uma abordagem de mera devoção-a-objectos. Alguns autores vão ainda mais longe (AMES, 1992) argumentando que um bom museu dirige sempre a sua atenção para o que é difícil ou mesmo doloroso contemplar. Quer dizer, se os museus e as suas colecções querem ter um futuro verdadeiramente útil devem fazer parte da vanguarda de uma mudança positiva, proporcionando acções de liderança cultural. Este acordar das “belasadormecidas” para o que acontece fora das suas paredes é aparente em muito do discurso museológico actual. Recordo-me, por exemplo, de dois livros do âmbito da museologia que se referiam emocionadamente aos conflitos na Bosnia-Herzegovina (HUYSSEN, 1995; DUTTMANN et al, 1996) ou às discussões públicas suscitadas pela exposição “Enola Gay” nos Estados Unidos. Os museus tentam assumir-se como locais onde se examina, se explora o conhecimento, a memória e a história, recusando o papel de meros lugares de afirmação de autoridade cultural. 29 As questões que se relacionam com a sua proficiência parecem, então, começar a abandonar o campo prioritário das suas reflexões que, tendencialmente, passa a ocuparse de questões mais filosóficas indicando talvez um amadurecimento da própria profissão. Tendo desenvolvido uma enorme competência em relação às colecções e à sua preservação, quais os fins para que são utilizadas? Apesar de a resposta específica a esta questão poder variar de museu para museu a formulação do ICOM e da nossa Lei-Quadro sugere, porém, que todas devem ter em comum o primado da pessoa, o serviço à sociedade e seu desenvolvimento (ICOM 1974). Se este objectivo se encontra ausente e à luz destes princípios, uma instituição – qualquer que ela seja – não pode continuar a ser compreendida como um museu. A necessidade de afirmação da própria profissão leva, porém, a que esta abordagem seja muitas vezes alvo de desconfiança. Entre os elementos-chave necessários para definir uma profissão como distinta, encontrase a capacidade de identificar alguns aspectos do próprio trabalho como sendo únicos. Contudo, se é verdade que o que os museus fazem é o que os distingue de outras instituições culturais não é, necessariamente, o que os torna mais importantes. Como Weil (1990) demonstrou ironizando no exemplo brilhante e já clássico do "Museu Nacional do Palito”, onde todas as funções eram cumpridas eficientemente, esta abordagem meramente funcional do museu é por demais limitada e desinteressante. As funções não podem ser consideradas um fim em si mesmas. Funções e fins são na prática inseparáveis: funcionar sem um fim não tem qualquer sentido e nenhum fim pode ser cumprido sem a ajuda, o apoio, de actividades funcionais. Mas a abordagem funcional transforma as funções em meras tarefas sem sentido levadas a cabo por personagens de um qualquer pesadelo kafkiano. É a presença de uma causa final, no sentido aristotélico, que dá sentido ao que fazemos, atribuindo apenas o papel de causas instrumentais às funções. É pois de missões que falamos. 3. Este re-posicionamento e re-invenção dos museus em relação à sociedade deve ainda ser compreendido em relação à crescente exigência por parte de diferentes sectores em participar activamente na construção / produção destas práticas de significação, como os museus podem ser entendidos, pressionando-os para se responsabilizarem não só pelos recursos à sua guarda mas também pelos resultados conseguidos através desses recursos. Os museus são chamados a concentrarem-se mais em outcomes, impactos, em vez de inputs ou outputs (WEIL,1995). Os museus já não são meramente avaliados pelos seus recursos (ex. colecções) mas cada vez mais são avaliados pela utilização programática destes recursos. Esta necessidade de 30 avaliação de impactos relaciona-se também com os constrangimentos económicos das últimas décadas que têm promovido uma cultura de public accountability, de “prestação de contas publicamente” por parte de todos os sectores públicos. Actividades que eram vistas em completo isolamento, justificadas per se, são agora compreendidas em termos da sua contribuição relativamente a objectivos económicos e sociais propostos por / para uma comunidade. Embora o estudo, documentação e preservação sejam mais do que nunca, uma preocupação fundamental e condição básica para o desenvolvimento de qualquer projecto museológico, a atenção concentra-se cada vez mais noutros aspectos, expressando a sua ansiedade em demonstrar uma consciência social e talvez mesmo a amadurecimento da profissão. Em verdade, e perante as expectativas actuais em relação à educação ao longo da vida, a missão / valor da educação para a cidadania é um dos princípios muitas vezes proclamados por esta nova agenda. No entanto, apesar de a acção educativa dos museus fazer parte, constantemente, dos discursos e da retórica museológica esta é uma das áreas mais carenciadas não só de programas sustentados mas também de estudos sistemáticos, apoiados em leituras críticas e no desenvolvimento e aplicação de metodologias adequadas que permitam uma análise dos dados, devidamente fundamentada. Este tipo de estudos apoiaria, sem qualquer margem de dúvida, o desenvolvimento e implementação quer de políticas quer de práticas de educação relevantes, bem como a cultura profissional e de avaliação que queremos para o nosso sector. MUSEUS, EDUCAÇÃO E CIDADANIA É, então, nestes contextos que os museus se procuram re-inventar experimentando ou re-descobrindo outros territórios, procurando estabelecer-se como parceiros sociais e culturais que recusam posições de exclusividade e que se re-inventam como instituições receptivas e pró-activas ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento. O museu deixou de ser um território sagrado e intocável; tem sido tema central de discussão pública, discussão que tem conduzindo a uma extraordinária reflexão sobre os seus princípios e missões. Revêem-se princípios e missões e estabelecem-se novas agendas que envolvem agora questões de democratização, de cidadania e relevância. 31 O Relatório Nacional sobre o Desenvolvimento da Educação em Portugal apresenta uma visão estratégica para a educação que define como prioridade a formação de cidadãos competentes “pelo que é necessário assegurar uma educação conjugada e que consolide as finalidades do aprender a viver juntos, do aprender a estar, do aprender a conhecer, do aprender a fazer, do aprender a ser, do aprender a pensar e a aprofundar autonomamente os saberes e as competências” (2004:5). É nesta agenda que, implicitamente, os museus se revêem. Muito tem sido escrito acerca do papel educativo de museus e acerca do seu papel no desenvolvimento da comunidade, acessibilidades, etc., no entanto, tem sido menos enfatizado o seu papel como recurso credível de informação. De igual forma, cada vez mais se defende que os museus devem deixar de ser meros provedores de informação para agirem como facilitadores, oferecendo instrumentos que os visitantes possam utilizar para explicar as suas próprias ideias e chegar às suas próprias conclusões (vejam-se, por exemplo, HOOPER-GREENHILL 1992, 2000.; FALK, John H. e DIERKING 2000). Neste sentido, o museu torna-se um mediador de informação e conhecimento para ser utilizado pelos visitantes nos próprios termos. A ideia é, na verdade, que a educação, a aprendizagem em museus promova novos significados de cidadania – configurados em torno de identidades locais, comunitárias e sociais – constituindo-se como uma abordagem indispensável para repensar estratégias quer da função educativa do museu quer de cidadania activa. A ideia de um envolvimento criativo onde nos responsabilizamos não só por nós mesmos mas também pelos contextos em que vivemos, pelo futuro da nossa sociedade, da nossa cidade e do nosso planeta constitui-se agora como o cerne da visão da aprendizagem em museus. Neste sentido, os museus transformam-se em lugares de contacto, de questionamento e de confronto entre colecções e outros, espaço dialógico e de participação cívica por excelência. Lugares que procuram relevância nos diversos níveis da esfera pública, assumindo o micro-espaço público particular importância, pois é, essencialmente, este o nível que envolve a coordenação de comunicação e de espaços de participação cívica. 32 Esta é também uma excelente oportunidade para converter o debate acerca do papel social dos museus, partindo da esfera da igualdade e acessibilidades para nos concentrarmos na esfera da transformação social. Gostaria de, ainda que brevemente, olhar para as razões pelas quais esses valores básicos são importantes e também porque é que é difícil enraizarem-se em museus partindo de alguns princípios que passo a apresentar. • Ainda que as instituições museológicas modernas sejam relativamente recentes, a actividade de coleccionar e expor objectos culturais tem raízes longínquas. Acredito que os museus são mais importantes para a nossa sociedade que simples lugares de entretenimento ou de educação informal. Os museus, como curadores do nosso património, desempenham um papel de destaque na mediação do nosso passado. São veículos, instrumentos, muitas vezes de uma forma tácita, para transmitir mensagens culturais acerca da natureza e funcionamento da sociedade e de como nos relacionamos com os outros. • Por outro lado, os museus enfrentam, internamente, barreiras de aprendizagem difíceis de transpor. É difícil para os trabalhadores do conhecimento admitir que necessitam aprender com os seus visitantes. É um problema partilhado com outras profissões mas, no caso dos museus, existe, provavelmente, ainda menos justificação para o demonstrar. Muito do conhecimento museológico é canalizado para disciplinas bem estabelecidas que se desenvolveram historicamente para reflectir as categorias das colecções dos museus. Apesar dos nossos namoros com as teorias pós-estruturalistas e a influências das tecnologias digitais, a maioria das disciplinas tais como histórias de arte ou arqueologia, mantiveram a maior parte das fronteiras estabelecidas pelo anterior paradigma de conhecimento. Imaginar que esta abordagem para comunicar com os públicos diferenciados de hoje e facilitar o tipo de encontros transformadores que os museus deveriam promover, continua a ser actual é, no seu melhor, míope e, no seu pior, de um elitismo arrogante. Precisamos de ouvir e aprender com as nossas comunidades; precisamos de aprender o que é verdadeiramente importante para as pessoas e como reflectir acerca das nossas colecções e das nossas práticas de MUSEUS, EDUCAÇÃO E CIDADANIA • Os museus podem oferecer diálogos de encontro únicos e criativos através das culturas, grupos sociais, idades e outras fronteiras que tendem a bloquear a comunicação entre esferas. 33 coleccionar. Quando os objectos e ideias se libertam dos constrangimentos das disciplinas tradicionais, podem alcançar uma notável qualidade de paixão e poesia. • Sabemos, igualmente, que os museus devem contribuir para a agenda da inclusão social: os nossos posicionamentos pessoais, o nosso sentido de justiça, os nossos valores pessoais dizem-nos isso mesmo. A desigualdade social na sociedade moderna raramente significa, hoje em dia, uma opressão aberta. É reforçada através de processos invisíveis, culturalmente enraizados, muitas vezes por processos institucionais. Os museus não são diferentes. Colecções que omitem partes da vida de um artista ou que omitem determinadas características (como bem nos tem demonstrado Richard Sandell, entre outros autores, nos diversos trabalhos que tem publicado), podem contribuir para a invisibilidade de determinados sectores em museus (veja-se por exemplo SANDELL, 2002). Esta transformação e intervenção cultural deve ser caracterizada, como qualquer mudança efectiva, através da partilha de tomada de decisão, de transferências de poder e autoria, de acções de confiança e abertura, de reflexão contínua e vontade de arriscar. Talvez o papel social mais importante que os museus podem desempenhar na sociedade, seja a sua própria transformação em organizações auto-conscientes do seu potencial de mudar a sociedade e a vontade de o fazer. 34 MUSEUS, EDUCAÇÃO E CIDADANIA AMES, Michael – Cannibal Tours and Glass Boxes. Vancouver: UBC Press, 1992. ANDERSON, Gail (ed.) – Reinventing the Museum, Oxford: Altamira Press, 2004. Museum Mission Statements: Building a Distinct Identity, Resource Report, American Association of Museums, 2 edição, 1998. DUTTMANN et al, A. G. – The End(s) of the Museum. Barcelona: Fundació Antoni Tàpies, 1996. FALK, John H. e DIERKING, Lynn D. – Learning from Museums: Visitor Experiences and the Making of Meaning. Walnut Creek, CA: Altamira, 2000. HOOPER-GREENHILL, Eilean – Museums and the Shapping of Knowledge, Londres: Routledge, 1992. Museums and the Interpretation of Visual Culture, Londres e Nova Iorque: Routledge, 2000. HUYSSEN, Andreas – Twilight Memories. London: Routledge, 1995. KOTLER, N; KOTLER, P. – Museum Strategy and Marketing: Designing Missions, Building Audiences, Generating Revenue and Resources, Jossey-Bass, 1998. LORD, G. – The Manual of Museum Planning, AltaMira Press, 2 edição, 2000. MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, DA INOVAÇÃO E DO ENSINO SUPERIOR – Relatório Nacional Sobre o Desenvolvimento da Educação em Portugal – Ensino Superior, (Vol. II), 2004, http://www.ibe.unesco.org/International/ICE47/English/Natreps/reports/portugal_part _4.pdf. SANDELL, Richard (ed.) – Museums, Society, Inequality. London and New York: Routledge, 2002. WEIL, Stephen – Rethinking the Museum and Other Meditations. Washington: Smithsonian Institution Press, 1990. A Cabinet of Curiosities. Washington: Smithsonian Institution Press, 1995. 35 Públicos e Museus Helena Santos 37 38 Públicos e Museus. Considerações sobre alguns eixos de mudança Helena Santos* O objectivo central desta apresentação é defender a necessidade de conhecer sociologicamente os visitantes e (mas também os não visitantes) dos museus portugueses. Temos, em Portugal, uma tradição já importante no domínio das práticas culturais e dos estudos sobre públicos específicos, pesem embora, por um lado a ausência de sistematicidade e de regularidade na sua realização; por outro lado, a ausência de um estudo à escala nacional sobre as práticas culturais dos portugueses. É ainda de registar que se têm desenvolvido sistemas de registo de entradas em equipamentos e instituições, sobretudo segundo normativas públicas, que, no caso dos museus pertencentes à rede portuguesa, disponibilizam ao investigador elementos importantes e de duração suficientemente alongada sobre o volume e os movimentos das procuras museológicas. No entanto, a segmentação a que esses dados obedecem está longe de se ajustar a um conhecimento, ainda que genérico, dos visitantes, já que não recenseiam informações como a origem geográfica específica (por concelho, por exemplo, no caso nacional; por país, no caso dos estrangeiros), os intervalos etários (além das entradas de jovens e dos públicos escolares), e, naturalmente, menos ainda sobre os estatutos socioprofissionais ou os objectivos singulares das visitas (uma exposição em particular, ou a visita geral à instituição, por exemplo). * Socióloga, Faculdade de Economia do Porto e Cetac.media. PÚBLICOS E MUSEUS Os museus, na sua diversidade e hierarquização simbólica, permanecem instituições maiores do campo cultural, instituições de patrimonialização por excelência. Nesse sentido, e atendendo às transformações que as últimas décadas têm tornado visíveis nas relações entre os museus e os (seus) públicos – em particular, desenvolvendo as funções de comunicação e acompanhamento (os serviços educativos são o principal exemplo), assim como serviços diversos de lazer e consumo (lojas, restaurantes, espaços de deambulação...) –; atendendo a essas transformações, dizíamos, que vão muito para além das funções tradicionais de classificação, conservação e arquivo, seria de esperar que as instituições museais se interessassem por conhecer melhor os seus visitantes culturais. Para uma definição mais clara do seu âmbito, da sua posição num determinado "mercado" (simbólico e social), enfim: do seu desenho de acção estratégica (programação, serviços, recursos...) 39 Sabemos, pelos estudos sobre práticas culturais, em Portugal e noutros países, que as visitas aos museus são práticas socialmente selectivas, correlacionadas com o capital cultural: a maioria das populações raramente ou nunca entrou num museu; entre os mais jovens, essa ausência revela-se quando fora do enquadramento escolar (a relação com a escola é reconhecidamente um factor do aumento dos visitantes museais); os perfis dominantes dos frequentadores de museus associam habilitações escolares elevadas, qualificações socioprofissionais médias-altas e cumulatividade relativa com outros gostos culturais socialmente valorizados (eruditos, designadamente). A penetração das lógicas de espectacularidade nos museus, que tem feito de alguns eventos momentos de grande visibilidade no espaço público e de ritualização de procuras elevadas (designadamente algumas exposições de arte), terá vindo a introduzir frequências ocasionais, senão mesmo regulares, cujos efeitos ainda desconhecemos – mas que não esperamos que transformem, per si e de imediato, aqueles perfis tendenciais. É verdade que as fronteiras entre os níveis culturais se têm vindo a complexificar, senão a esbater, em especial alargando o conceito de arte a formas tradicionalmente consideradas menores (como a ilustração ou a banda desenhada) e a novos contextos de cruzamento e hibridização (desde as novas tecnologias às convocações de diversidades, como por exemplo, na dança, entre performatividade teatral, imagética ou cinemática). No caso dos museus e da sua função de patrimonialização por excelência, registe-se o alargamento e a diversificação de conteúdos e de géneros. Porém, não cremos que estes movimentos tenham efectivamente apagado barreiras de acesso e fronteiras simbólicas – estamos a pensar, concretamente, nos museus de artes visuais, que, aparentemente, vêm consolidando um estatuto poderoso na hierarquia museal, através de lógicas de competitividade que tendem a produzir uma maior concentração da oferta em grandes instituições, com elevado poder financeiro e fortes apostas em marketing; e em formatos de exposição espectaculares. Isto não significa, evidentemente, que uma parte da mediatização (visível na comunicação social), ao mesmo tempo que amplifica efeitos (e, por essa via, os reforça), não deixe de poder induzir procuras que, provavelmente, não teriam lugar sem ela. Seria importante, portanto, medir esses efeitos, e avaliar do seu equilíbrio e consistência estruturais. 40 Esses mecanismos, de longa duração, mas também de descoberta (por exemplo, através do contexto de uma primeira visita, que tanto pode constituir o princípio como o fim de um gosto), podem configurar uma enorme diversidade de ocasiões – e essas ocasiões estão em mudança. Quero com isto dizer que as relações modernas (pósmodernas, noutra terminologia) com a cultura, os seus segmentos e os seus "níveis", se vêm complexificando, numa espiral de transformações que os procedimentos teóricometodológicos das ciências sociais ainda não consolidaram. As novas tecnologias da comunicação e da informação são, evidentemente, uma referência incontornável, ao veicularam transformações de tempos e espaços, modos de vida, e, para o que nos ocupa, acima de tudo relações institucionais (com o Estado, a escola, o trabalho, a religião, a família, a arte, a ciência...). Os processos de socialização são hoje especialmente difusos, e os valores culturais potencialmente híbridos e eclécticos (profanos, para usar um conceito de P.-M. Menger, referindo-se ao questionamento das afinidades electivas entre oferta e procura). Numa época de "desconfiança institucional", para parafrasear Giddens, como se produzem e reproduzem os valores patrimoniais, em especial os PÚBLICOS E MUSEUS Conhecer os públicos permite também a aferição de representações e expectativas a partir dos lugares que os visitantes possibilitam, ao constituírem uma dimensão fundamental das articulações entre a instituição, o seu campo de referência e a sociedade. Entre outros elementos, trata-se de poder confrontar a procura efectiva com o que são os princípios e objectivos próprios dos museus, na sua generalidade e de acordo com seus os géneros específicos. A procuras efectivas não se medem apenas em volume e não existe uma relação directa entre o volume de praticantes e o gosto: muito público não significa, portanto, liquidamente, encontro de gostos; pouco público não significa directamente a recusa do (pelo menos grande) público. Por outro lado, não cuidar de conhecer os meandros dos encontros e desencontros (reais e potenciais) entre as instituições e os públicos implica deixar ao "mercado" (esquecendo que ele é lugar de trocas não apenas económicas, mas sociais e acima de tudo simbólicas) essa espécie de ilusão de livre-arbítrio, produzida, entre outros, por diversos intermediários (críticos e jornalistas; mas também os especialistas museais, entre outros). O "mercado", e, em particular, os públicos culturais, não se produzem da mesma maneira que os consumidores de bens e serviços tradicionais (embora o sejam também, na sua prática cultural). As acessibilidades culturais (de livre escolha, crítica, competente, na terminologia de Bourdieu) requerem outros mecanismos, menos imediatistas e menos obliteradores das possibilidades de escolha. 41 museais? Como se produz e reproduz o poder das instituições, pressupondo, insisto, que os museus permanecem instituições maiores do campo cultural e da definição de património? O que significam a presença e a ausência de públicos – na sociedade, mas também nas próprias instituições? Esta questão é uma variante (não exactamente equivalente) da interrogação sobre qual o lugar dos públicos na estratégia e na acção das instituições museais: destinatários privilegiados ou secundários? instrumentos de valorização ou "certificação pela procura"? elementos neutros? cúmplices de uma visão específica e de um projecto?... Conhecer os públicos não esgota, finalmente, a relação entre oferta e procura. Identificar e avaliar a produção e reprodução de não-públicos deverá constituir tarefa tão importante como a que defendemos para os públicos – e, desde logo, não apenas porque aqueles constituem o potencial de alargamento "natural" destes. A problemática em torno da formação, fidelização e alargamento de públicos joga-se em diversos pressupostos de acção sobre os não públicos (no que toca à fidelização, também dos públicos): captação, mobilização, educação, motivação... – o que implica, noutro plano, acções como sedução, estetização, domesticação, disciplinarização... Na verdade, pensar os encontros e desencontros entre os dois planos de acção no desenvolvimento de gostos críticos (livres e eles próprios criativos, portanto, e não meramente reprodutores) implica questionar o conceito de acessibilidade(s). Acessibilidade é plural – social, cultural, física, enfim, simbólica – e define-se nas tessituras de mediação que as instituições e os agentes culturais sejam capazes de entretecer com o seu exterior. Promover dispositivos de abertura e acessibilidade(s) não significa, portanto (glosamos uma tese já enunciada), obliterar identidades, especialidades ou missões (no caso, sobretudo, das instituições públicas e das respectivas políticas) singulares, em função de utilidades externas – tantas vezes, hoje, medidas por volumes e segmentos de públicos, que assim se convertem em categorias das ideologias de consumo contemporâneas, pela própria acção dos especialistas que as denega(va)m. Uma parte fundamental da legitimidade social e cultural do que é património reside, justamente, num reconhecimento identitário e simbólico que está muito para além da sua concretização em visitas, frequências ou afinidades electivas. É neste sentido que conhecer os nãopúblicos pode devolver um importante conhecimento sobre a própria circulação dos valores patrimoniais e dos objectos, agentes e instituições que os definem. 42 Assim, os públicos (e os não públicos) constituem, seguramente, um problema social, e crescentemente um problema de "mercado" – a questão é que o mercado, em matéria de cultura especialmente, deve ser entendido em primeiro lugar como de trocas simbólicas... Exemplos de classificações, atributos, tipologias de públicos... exigente fidelizado fiel global grande habitué idoso ignorante infantil iniciático internacional juvenil local mediador mediático médio não-público novo ocasional participativo passivo pequeno popular potencial profano real refractado regional regular seleccionado toute-famílle turístico virtual voyeur vulgar ... PÚBLICOS E MUSEUS adulto aficcionado alvo artificial competente crítico culto curioso de massas de suportes ecléctico educado efectivo elitista esclarecido escolar especializado específico 43 O Museu do Mar Rei D. Carlos e a sua relação com a comunidade Carla Varela Fernandes O Museu do Mar Rei D. Carlos e a sua relação com a comunidade: resumo de um momento de viragem Carla Varela Fernandes 1. BREVES NOTAS HISTÓRICAS Fig. 1 - Museu do Mar Rei D. Carlos. Cascais. O Museu do Mar Rei D. Carlos e a sua relação com a comunidade Instalado no recinto da Parada de Cascais, o Museu do Mar Rei D. Carlos ocupa parte do antigo edifício do Sporting Club de Cascaes, fundado em 1879, por vontade do então Príncipe Carlos (futuro D. Carlos I). Assíduo frequentador deste espaço desportivo, durante os meses de veraneio, D. Carlos aqui promoveu e praticou vários desportos (nomeadamente lawn-tennis ou os primeiros jogos de futebol realizados em Portugal – 1888 -, entre outras modalidades desportivas). Durante várias décadas do século XX, o edifício, também conhecido por Clube da Parada, foi palco de muitos acontecimentos sociais, lugar de lazer e de divertimento. 47 Em 1976, as instalações do antigo Clube da Parada foram cedidas à Câmara Municipal de Cascais. As alterações socioeconómicas no concelho e uma maior tomada de consciência sobre os patrimónios materiais e imateriais em risco, nomeadamente os que se relacionavam com a comunidade piscatória de Cascais, assim como o desejo de promover a recolha e estudo de espécies marinhas abundantes ou ameaçadas, foram os principais motivos para que alguns técnicos da autarquia propusessem a constituição de um museu. Deu-se, assim, início à fase de preparação do Museu do Mar, que foi inaugurado em 7 de Junho de 1992. Em 1997 foi renomeado Museu do Mar Rei D. Carlos. Do edifício oitocentista, subsiste ainda a Sala Octogonal, espaço de entrada no universo museológico. As restantes salas correspondem a ampliações, com o objectivo de expor o crescente acervo, incorporado ao longo dos anos, bem como de aumentar o número de serviços vocacionados para o público (Biblioteca e Serviço de Educação), ou para o funcionamento interno (reservas museológicas, gabinete de conservação e restauro). Desde 1987, o museu é o único equipamento museológico cascalense que conta com um Grupo de Amigos, uma associação cívica, constituída por cidadãos interessados em promover e divulgar as acções do Museu do Mar Rei D. Carlos. O GAMM é membro efectivo da Federação dos Amigos dos Museus de Portugal (FAMP) e da World Federation Friends of Museums (WWFM). 48 2. O DESAFIO ACTUAL A existência em Cascais de um museu dedicado ao mar pareceu, no tempo em que foi pensado e instalado, bem como nos dias de hoje, uma opção plena de sentido. Vila virada para o mar e cujo desenvolvimento, tanto do ponto vista económico como urbanístico, desde os finais do século XIX se deve, essencialmente, à sua localização geográfica junto ao mar, não pode deixar de preservar as memórias da sua forte vocação marítima. Ele constitui, na comunidade em que se encontra inserido, um exemplo de defesa do conceito de “excepção cultural”, que é única e irrepetível. A História de Cascais e a sua identidade marítima fundem-se e são parcela intrínseca das vivências e de tudo o que o mar pode proporcionar, fazendo com que a existência desta unidade museológica se imponha junto do público, e de quem nele trabalha diariamente, como necessária e desejável. Em 2006, o Museu do Mar Rei D. Carlos registava, nas estatísticas da afluência de público dos Museus Municipais de Cascais, o mais elevado número de visitantes, sendo, a partir de Julho de 2008, superado pelo novo Farol-Museu de Santa Marta, outro equipamento museológico de vocação marítima. A simples análise destes dados, também confrontados com os números das estatísticas anuais de visitantes dos restantes museus municipais (de arte, história, etnografia e música), permite constatar, desde logo, que o tema mar, e tudo o que com ele se relaciona, exercem sobre o público um factor de atracção constante e independente das idades e estratos sociais. Era, também, em 2006, o museu de Cascais que dispunha de um Serviço de Educação mais activo, mais enraizado na interligação com as escolas do concelho, promovendo visitas guiadas temáticas e ateliers para o público infanto-juvenil, bem como workshops destinados a diferentes faixas etárias, e ainda conferências apresentadas por investigadores sobre assuntos relacionados com temas ou objectos presentes nas colecções do museu. Era, e é, um museu de forte ligação à comunidade local, especialmente ao público infantil que o visita dentro do calendário e das actividades escolares. O Museu do Mar Rei D. Carlos e a sua relação com a comunidade Por várias vezes, ao longo dos anos da sua existência algo atribulada, o museu esteve em vias de ser deslocalizado ou mesmo amputado no seu espaço. Por motivos vários, tal não aconteceu, tendo chegado aos nossos dias praticamente inalterado desde a sua abertura ao público em 1992. 49 Mas, uma primeira visita ao museu tornava claro que, não obstante o interesse das colecções e das acções aí desenvolvidas, este era o equipamento museológico mais carente de atenção por parte da tutela, verificando-se uma notória desactualização ao nível do seu discurso expositivo, tanto na forma como nos conteúdos. Esta situação proporcionava-nos a sensação de estarmos perante módulos expositivos concebidos entre os anos 70 e 80 do século XX, denotando falta de recursos, factores de inovação e outros que permitissem, no tempo em que realmente foram concebidos (1992-2002), a realização de núcleos expositivos que fossem espelho do seu tempo e de desejo de superar antigas fórmulas museológicas, e antigos conceitos. Havia, portanto, uma reflexão a ser feita a partir das seguintes premissas: 1. A dificuldade do Museu do Mar Rei D. Carlos em criar “novidade” e atrair novos públicos (para além do público escolar do concelho que, ano após ano, inclui este museu na sua rota de locais a visitar), devido à permanência anacrónica da apresentação das colecções junto do público contemporâneo, cada vez mais exigente e com mais hábitos de frequência de espaços museológicos. 2. O interesse que o tema Mar, por si só, suscita ao público em geral, como é prova o sucesso verificado no Oceanário de Lisboa, ou a manutenção ou criação de novos museus marítimos em Portugal. 2.1 Ponto de viragem: A partir de Novembro de 2006, tornou-se clara a necessidade de intervir neste espaço, quando, a inauguração de uma nova sala dedicada aos resultados da arqueologia subaquática, intitulada Cascais na Rota dos Naufrágios, acentuou o fosso conceptual e estético existente entre este espaço e esta exposição e as restantes salas do museu. Esta diferença motivou-nos a reflectir e a procurar encontrar as soluções para avançar, gradualmente, com a renovação das restantes salas, procedendo-se à revisão dos discursos, conteúdos e imagem. Fig. 2 – Aspecto de uma sala da sala Cascais na Rota dos Naufrágios. Nov. 2006 50 A realização em Cascais do Campeonato do Munda de Vela, em Julho de 2007, evento que trouxe à vila um significativo acréscimo de públicos de diferentes nacionalidades e faixas etárias, acabou por constituir o factor decisivo e acelerador para o processo de remodelação que se pretendia. Entre as diversas acções desenvolvidas pelo Departamento de Cultura da CMC para oferta cultural aos participantes do Campeonato, foi então decidida a realização de uma exposição temporária dedicada ao Rei D. Carlos e à sua pintura, tendo sido escolhido o Museu do Mar Rei D. Carlos para a sua apresentação. A ausência de uma área específica para exposições temporárias, com a dimensão suficiente para acolher este projecto, obrigou à utilização das áreas da Sala Octogonal e da Sala de Audiovisuais para o efeito. Fig. 3 Sala Octogonal antes de Junho de 2007 Fig. 4 Pormenor da Sala Octogonal durante a exposição Mar Obra artística do Rei D. Carlos O MUSEU DO MAR REI D. CARLOS E A SUA RELAÇÃO COM A COMUNIDADE A adaptação então realizada transformou significativamente o aspecto de ambos os espaços para a instalação da exposição que acabou por se intitular MAR! Obra artística do Rei D. Carlos (26 de Junho de 2007 a 28 de Outubro de 2007). 51 As alterações produzidas ao nível da cor, da luz e de toda a ambiência da sala, com recurso às novas tecnologias e a vitrinas adequadas às mais perfeitas condições de conservação e apresentação, tornaram este espaço expositivo muito atraente para o público e, uma vez mais, surgiu de imediato a preocupação com a ligação entre a Sala Octogonal e a sala dedicada à Comunidade Piscatória de Cascais, contíguas e sem qualquer barreira visual de separação. Foi possível, então, conjugar esforços e projectar a remodelação integral desta última sala, mantendo-se o mesmo conteúdo temático, mas revendo-se o tipo e número de peças a apresentar, as fotografias, os textos de sala (agora bilingues – português/inglês), bem como o layout geral da exposição. Fig. 5 e 6 - Aspectos da sala dedicada às memórias da comunidade piscatória de Cascais antes da renovação. Com grande empenho e sentido de missão por parte dos técnicos do museu1 , foi possível, num curtíssimo espaço de tempo, inaugurar a nova sala dedicada à comunidade piscatória cascalense, agora renomeada Gentes do Mar. Pescarias, no mesmo dia em que se inaugurou a exposição MAR! Obra Artística do Rei D. Carlos. Alguns aspectos foram completados posteriormente, nomeadamente a colocação de frames digitais para a apresentação de fotografias antigas da comunidade piscatória, bem como duas novas vitrinas para exposição de réplicas de embarcações tradicionais de pesca, ficando inteiramente concluída a 14 de Maio de 2008. As memórias materiais e imateriais das gentes do mar de Cascais ganharam, assim, novo enquadramento e maior destaque. 1 - Projecto de Fernanda Costa, com a coordenação de João Camacho, Responsável do Museu, e da signatária. 52 A ligação do Museu do Mar Rei D. Carlos com a comunidade piscatória, esta cada vez mais residual no panorama social local, foi, ao longo dos vários anos, muito positiva e interactiva. Não só os pescadores e peixeiras participam activamente em acções do Serviço de Educação, através de ateliers temáticos e da promoção de conversas entre os elementos da comunidade piscatória e o público, como constituem os principais doadores de acervo de carácter gráfico e etnográfico, muito contribuindo para o engrandecimento das colecções do museu. Por isso, as melhorias efectuadas na sala que lhe é dedicada não deixa de ser uma justa homenagem a esta comunidade que, ao longo do tempo, foi moldando a paisagem física e humana das zonas ribeirinhas do concelho. Nessa mesma data – 14 de Maio - (integrada na Semana dos Museus, a propósito do Dia Internacional dos Museus, 18 de Maio), inaugurou-se também a nova disposição e arranjo expositivo da Sala Octogonal, agora assumidamente como área de recepção e representativa dos vários núcleos expositivos do museu, a que esta sala dá acesso. Para tal, aproveitou-se parte das estruturas de revestimento parietal da exposição temporária dedicada ao rei D. Carlos I, que foram enriquecidas com obras de arte e vitrinas para exposição espécimes biológicos, réplicas de embarcações e fósseis, bem como um slide show dinâmico e com acompanhamento áudio (sons do fundo marinho e de cetáceos) dedicado à biodiversidade marinha de Cascais e, ainda, um pequeno núcleo sobre aspectos relacionados com a arqueologia subaquática, tendo-se seleccionado o tema do afundamento do pontão Pedro Nunes (ex-clipper Thermopylae) na baía de Cascais em 1907, e as acções em tornos das prospecções arqueológicas subaquáticas aí efectuadas. O MUSEU DO MAR REI D. CARLOS E A SUA RELAÇÃO COM A COMUNIDADE Fig. 7 e 8- Aspecto da sala dedicada à comunidade piscatória após Julho de 2007 (Gentes do Mar. Pescarias) 53 Fig. 9 - Vista parcial da Sala Octogonal, com a apresentação dos retratos de D. Luís I, rei marinheiro e apaixonado pelas coisas do mar, e de D. Carlos I, monarca e insigne oceanógrafo, ambos fundamentais para a estruturação da vila de Cascais, tal como a conhecemos – “Vila de reis e de pescadores” Também a Recepção do museu foi alvo de modernização e valorização, transformandose num espaço de Recepção/Loja, com novo balcão de atendimento e estruturas expositivas para apresentação das edições e do merchandising do museu, algo cada vez mais imprescindível às unidades museológicas, como forma de levar o “museu para fora do museu”. Por outro lado, e com vista à melhor captação dos públicos e de interagir com a comunidade local, a partir do Verão de 2008, todas as noites, os transeuntes que passem em frente à fachada do museu são surpreendidos com a projecção de um vídeo numa tela com a extensão de 12 metros, onde, de forma animada, se dão a conhecer múltiplos aspectos das colecções do museu. Fig. 10 - Duas das muitas imagens projectadas no exterior do museu. Fig. 11 Porque os museus devem responder às necessidades e aos apelos da sociedade actual, durante o ano de 2007 preparou-se o website do Museu do Mar (www.cmcascais.pt/museumar), permitindo, desta forma, o conhecimento sobre a sua existência e história, os seus serviços e as suas colecções, através da forma de pesquisa mais actual da sociedade global em que vivemos. Em constante actualização, constitui-se como ferramenta imprescindível de comunicação entre o museu e os públicos. 54 2.2 O processo em curso A necessária renovação dos discursos expositivos do museu não se encerra com as iniciativas já desenvolvidas e estão já previstas, para os anos de 2009 e 2010, a renovação de salas já existentes e a consignação de outros espaços a temas que até ao presente nunca foram abordados no museu. Este é, sem dúvida, um dos assuntos mais importantes e mais procurados pelo público que nos visita, e não pode deixar de ser uma missão do museu homenagear e divulgar as acções de um rei, cuja estada sazonal em Cascais, não só estão na origem das grandes transformações sociais e urbanísticas da vila (e do restante litoral do concelho), como a sua acção científica de vanguarda no âmbito dos estudos oceanográficos abriu caminho a um importante ramo da ciência que visa o estudo do mar, tendo sido no mar de Cascais que realizou algumas das mais importantes campanhas exploratórias. Foi, também, no Palácio Real da Cidadela de Cascais que D. Carlos instalou o primeiro laboratório de oceanografia do país. 2 - Projecto desenvolvido pela signatária e pelos técnicos do museu, João Camacho e Nuno Miranda. A realização desta exposição permanente implica a colaboração de instituições nacionais, como o Aquário Vasco da Gama e o Museu de Marinha (detentores de espólio biológico e gráfico das colecções do rei D. Carlos), através de uma criteriosa selecção de alguns espécimes marinhos recolhidos pelo rei durante as suas campanhas oceanográficas, que ficarão em depósito no Museu do Mar Rei D. Carlos. Também a colaboração de instituições estrangeiras, como os Museus de História Natural de Londres e de Paris ou o Museu Oceanográfico do Mónaco, através da cedência de reproduções de algumas fotografias antigas, dos exploradores oceanógrafos e das suas campanhas, permitirão a criação de um discurso expositivo abrangente, esclarecedor e cativante para o público. O MUSEU DO MAR REI D. CARLOS E A SUA RELAÇÃO COM A COMUNIDADE A propósito das Evocações do Centenário do Regicídio (1908-2008), ocorridas ao longo de todo o presente ano, preparou-se o guião expositivo com vista à renovação da sala de exposição permanente dedicada ao rei D. Carlos em Cascais, agora passando a ser este núcleo temático essencialmente incidente sobre o tema D. Carlos I e a Ciência Oceanográfica2. 55 Localizada entre a exposição Gentes do Mar. Pescarias e a exposição sobre a Rota dos Naufrágios, uma pequena sala, até agora pouco valorizada, quase entendida como área de passagem e sem fortes motivos de interesse que incentivem o público a parar e a observar o que aí se expõe, será instalada uma exposição permanente que aborda os temas ligados à história e aos meios técnicos e humanos envolvidos nas regatas e nas diferentes festas navais. Estes temas são também relevantes para o conhecimento e compreensão do contexto histórico de Cascais e do seu mar, palco de importantes regatas, pelo menos desde 1871 e, claro, da sua belíssima baía que foi, durante longos anos, lugar de diversas festas navais, concorridas e coloridas, juntando gentes dos vários estratos sociais. Não só o acervo fotográfico do museu permite reconstituir muito desses ambientes e memórias, como as colecções de instrumentos náuticos, réplicas de embarcações de recreio, assim como outro tipo de objectos e de documentos, dão corpo a um guião expositivo capaz de suscitar forte interesse. Fig. 12. Modelo de caíque de recreio. Está igualmente em curso a preparação de uma nova exposição permanente dedicada ao tema O Mar e a Evolução da Vida3 , destinada ao primeiro piso do museu, com o objectivo de ser inaugurada em meados de 2009, ano em que se comemoram os 200 anos do nascimento de Charles Darwin e os 150 anos da publicação da sua principal obra: A Evolução das Espécies. O Museu do Mar Rei D. Carlos, detentor de uma valiosa colecção de fósseis marinhos, junta-se às comemorações nacionais e internacionais, através deste contributo que será, a todo os níveis, relevante para a sua relação com a comunidade escolar concelhia e extra-concelhia, bem como com a comunidade científica, para além do público indiferenciado, a quem a personalidade e os contributos do Darwin não são matéria desconhecida ou destituída de interesse. Pelo contrário, suscitam curiosidade, ainda algum debate e, não poucas vezes, ainda alguma interessante controvérsia. 3 - Projecto desenvolvido pela signatária e pelos técnicos do museu, João Camacho, Nuno Miranda e Ana Pinto. Para a primeira fase de preparação da exposição, relativa à de selecção de largas dezenas de fósseis, contou-se com a preciosa colaboração de paleontólogos do Museu de História Natural de Lisboa, sob a coordenação de Liliana Povoas 56 A renovação da sala dedicada à Biodiversidade do Mar de Cascais, também já está em projecto4 e prevê-se estar concluída em meados de 2010, recorrendo-se, para tal, ao apoio e à colaboração de técnicos do Laboratório Marítimo da Guia, instituição sediada no concelho de Cascais, e com quem o museu tem um protocolo de colaboração, entre outras pessoas e instituições cujos conhecimentos e contributos sejam complementares das informações recolhidas e desenvolvidas pelos técnicos do museu. Nesta área expositiva, à semelhança do que já vem caracterizando as renovações realizadas nas salas atrás enumeradas e nas que se encontram em projecto, privilegiarse-ão os elementos de interactividade e os materiais multimédia para constituição de cenários e/ou conteúdos informativos de carácter pedagógico, bem como a exposição de espécimes naturais (conservados), mantendo-se, no entanto, o recurso à apresentação de réplicas, especialmente de alguns espécimes de grande porte e dimensão (cetáceos e grandes peixes). Fig. 13 – Vista parcial da actual sala sobre a biodiversidade marinha 4 - Projecto que será desenvolvido pelos técnicos do museu, em colaboração com investigadores de outras instituições, nomeadamente de alguns biólogos pertencentes ao Grupo de Amigos do Museu do Mar (GAMM). O MUSEU DO MAR REI D. CARLOS E A SUA RELAÇÃO COM A COMUNIDADE Numa pequena sala contígua, a colecção malacológica também terá notório destaque, tratada não apenas como exemplos variados de conchas, recolhidos em diferentes partes do Globo e ilustrativas de realidades marinhas diversas, mas também como exemplares de especial beleza que, ao serem expostos em conjunto, proporcionam um quadro de raro efeito cromático e formal. 57 2.3 Outros projectos de divulgação e aproximação à comunidade: O Serviço de Educação do museu tem vindo a desenvolver múltiplas e diversificadas actividades que visam prestar informação complementar aos programas escolares, através de uma aprendizagem não formal, mais lúdica e interactiva, mas igualmente rigorosa ao nível da informação que se transmite. Com a constante preocupação de inovar e de atrair o público infanto-juvenil, todos anos são lançados novos programas de visitas orientadas temáticas, ateliers, workshops, etc., realizados ou desenvolvidos pelos técnicos deste sector5 e, outras vezes, com recurso a colaborações exteriores, quer no que se refere a especialistas de cada área temática abordada no museu (biólogos, paleontólogos, historiadores,…), ou profissionais de cada sector, onde se inserem, por exemplo, os profissionais da pesca e do comércio de pescado, ou ainda, animadores e actores ou companhias de teatro amador ou profissional. Para que as muitas acções previstas possam ser do conhecimento do grande público, não só a programação é disponibilizada no website do museu, como agora se prevê a publicação, a partir de 2009, de uma brochura de carácter divulgativo, amplamente ilustrada e apelativa, com a programação anual, de distribuição gratuita, destinada às escolas e às famílias. Dando continuidade a uma das mais importantes iniciativas do Museu - a edição anual do Prémio do Mar Rei D. Carlos – que constitui um dos raríssimos prémios de investigação promovidos por museus ao nível nacional, o Museu do Mar Rei D. Carlos orgulha-se de o promover há 13 anos, ininterruptamente, procedendo, também, à publicação do trabalho vencedor, nas área científicas da Biologia Marinha e Oceanografia Biológica e da História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa, alternadamente. Esta iniciativa permite, entre outros benefícios, estreitar as relações do museu com a comunidade científica, gerando em torno de si múltiplos interesses e diálogos no âmbito das ciências e, sobretudo, posicionando-se no universo museológico nacional como produtor e promotor de conhecimento que ultrapassa largamente as fronteiras do museu. 5 - Uma palavra de sincero reconhecimento sobre o trabalho desenvolvido pelos técnicos do Serviço de Educação, Eugénia Alves (programação e orientação), Madalena Monteiro, Maria de Lurdes Faustino e Victor Ortiz, que a partir de pequenas soluções conseguem criar relevantes linhas programáticas e suscitar a adesão do públicos escolar, sénior e também das famílias.+ 58 Com vista a valorizar e reforçar o interesse do Prémio do Mar Rei D. Carlos, decidiuse alterar as áreas científicas a que os interessados se podem candidatar, novidade que entra já em vigor no regulamento de 2009: Vida e Ambiente dos Oceanos e História Marítima (abrangendo todas as épocas históricas). Para além da edição do Prémio do Mar Rei D. Carlos, o museu prepara anualmente a edição de outros tipos de livros, brochuras ou folhetos, dirigidos a públicos de diferentes níveis de formação e diferentes idades, sendo de destacar a colecção de folhetos desdobráveis sobre três áreas distintas, mas complementares, todas sobre a realidade marítima e marinha de Cascais: Embarcações tradicionais; Espécies e Habitats. Publicase um número de cada série anualmente, em língua portuguesa e em língua inglesa, com ilustrações científicas, textos e design de Nuno Farinha e Fernando Correia, biólogos e ilustradores científicos. A linguagem quase informal, a elevada qualidade das ilustrações e o cuidado colocado na composição, na procura de soluções pedagógicas e didácticas, fazem com que estes folhetos se tornem atraentes para a generalidade dos visitantes do museu, e que se crie a expectativa da edição dos próximos três no ano seguinte (já no prelo os de 2009). O MUSEU DO MAR REI D. CARLOS E A SUA RELAÇÃO COM A COMUNIDADE Por outro lado, e com o objectivo de tornar as edições do prémio mais atraentes para a generalidade dos públicos, e não apenas para os investigadores e estudantes, a imagem gráfica e o formato dos livros também foram alvo de renovação e da nossa especial atenção, podendo ver-se o resultado já na edição do Prémio de 2006, com a publicação prevista para o primeiro semestre de 2009. 59 De forma paralela e complementar, inicia-se agora a publicação de brochuras temáticas, onde serão abordados e desenvolvidos os temas das exposições permanentes do museu, todas com o mesmo formato e número de páginas, a privilegiar a componente imagética, a fim de proporcionar a ideia de colecção. Fig. 14 Folheto da série Espécie Fig. 15 Folheto da série Habitats Fig. 16 Folheto da série Embarcações Tradicionais Porque a comunidade piscatória de Cascais não representa apenas um motivo de interesse para o museu, mas também para investigares exteriores à instituição, que aqui procuram obter informações (documentação escrita, imagens em diversos suportes, peças ou registos sonoros), bem como o apoio necessário à divulgação de resultados dos estudos desenvolvidos, a Câmara Municipal de Cascais, através do museu, associase à publicação de livros sobre diferentes temáticas, ora como apoiante, ora como responsável pela edição. É o caso da colecção que agora se inicia, da autoria de Luís Martins e Henrique Souto, cujo primeiro volume será editado nos primeiros meses do próximo ano. 6 - António Fialho, Jorge Freire, Augusto Salgado, Jean-Yves Blot e Cármen Soares. 60 Fig. 17 - Um das imagens que ilustram o livro Thermopylae. O Clipper mais Veloz do Mundo O MUSEU DO MAR REI D. CARLOS E A SUA RELAÇÃO COM A COMUNIDADE Também a área da arqueologia subaquática (em que o Museu do Mar Rei D. Carlos foi pioneiro em todo o país), dá à estampa um livro de interesse transnacional, associando estudos e textos de investigadores de diferentes instituições (Câmara Municipal de Cascais, Marinha Portuguesa, IGESPAR/DANS e Universidade de Coimbra)6 . Intitulase Thermopylae. O Clipper mais Veloz do Mundo, e versa sobre a história deste fascinante veleiro que cruzou os mares entre Londres e Xangai na segunda metade do século XIX, percorrendo, “a toda a vela”, a designada Rota do Chá, e vencendo competições de velocidade aos seus congéneres, nomeadamente ao famoso Cutty Sark, seu mais destacado rival. O afundamento do Pedro Nunes (ex-Thermopylae) ao largo de Cascais, fez deste “monstro sagrado” das embarcações à vela uma atracção maior para os mergulhadores e arqueólogos subaquáticos que o detectaram, e para os que actualmente promovem o seu estudo. O livro, que conta com belíssimas imagens, é uma edição bilingue (português/inglês) e um contributo maior para que o trabalho do Museu do Mar, no âmbito da investigação histórica e arqueológica, possa ser conhecido e divulgado para além das fronteiras portuguesas, prevendo-se ainda que esta obra possa ser incluída na política de permutas com bibliotecas e outras instituições estrangeiras. 61 Ao referirmos a questão das permutas de livros, implica que se aborde, necessariamente, a importante questão da Biblioteca/Centro de Documentação do Museu, altamente especializada em assuntos ligados ao mar, e que constitui um importante eixo de comunicação com as escolas, universidades, e com todos os públicos interessados nestas matérias. Actualmente encerrada, fruto do desgaste das condições físicas da sala em que se encontra instalada e da necessidade de modernizar os seus equipamentos e serviços, está prevista a reabertura para o final de 2009. Durante o tempo em que a Biblioteca se manteve inactiva, o museu não deixou de dar continuidade à aquisição dos periódicos que, há já longos anos, colecciona, nem de manter activo o serviço de permutas com instituições nacionais e estrangeiras. Aproveitou-se, ainda, para proceder à actualização da catalogação e tratamento do acervo bibliográfico e a sua inserção e disponibilização ao público através do sistema de consulta on-line das bibliotecas da Câmara – www.cm-cascais.pt/cascais/pacweb. Este amplo processo de modernização e de contínua procura de meios privilegiados de contacto com a comunidade em que o museu se insere, assim como a procura de transpor as barreiras sociais e culturais do universo estritamente local ou regional, são passos contínuos de um caminho longo que é preciso percorrer todos os dias, de forma segura e persistente. É também um caminho que não pode ser feito numa perspectiva algo “autista” ou de teimosia solitária, pois é um caminho de partilha, onde têm de ser conjugadas todas as experiências dos técnicos do museu, das chefias, dos colaboradores de outros departamentos e de colaboradores exteriores à instituição. 62 O MUSEU DO MAR REI D. CARLOS E A SUA RELAÇÃO COM A COMUNIDADE Impõe-se que assim seja, face aos desafios de um mundo em mudança e de uma realidade cada vez mais ambiciosa do ponto de vista da oferta cultural, onde o museu é, actualmente, apenas um dos sete equipamentos museológicos do concelho, três dos quais no designado Perímetro da Parada, local por excelência de oferta cultural, onde se contam, para além dos Museus Condes de Castro Guimarães, Farol-Museu de Santa Marta e Museu do Mar Rei D. Carlos, o Centro Cultural de Cascais, a Casa de Santa Maria, a Biblioteca Infantil e Juvenil (BIJ) e brevemente o Arquivo Histórico. Este conjunto encontra-se em vésperas de se engrandecer com a prevista abertura ao público, em Julho próximo, da Casa das Histórias e Desenhos Paula Rego, instalado em edifício de grande impacto na paisagem dos terrenos da Parada, a escassos dois metros de distância dos limites físicos do Museu do Mar Rei D. Carlos, pelo que não pode deixar de ser entendido como uma futura mais valia na partilha de públicos, mas também como um desafio à necessidade de actualização e modernização programática, com vista à captação do interesse dos visitantes. É, pois, um importante momento de viragem, de persistência e de reinvenção para o Museu do Mar Rei D. Carlos, para que continue a ser um importante factor e/ou contributo para o conhecimento e divulgação da realidade territorial e social em que está inserido, assim como um local de encontro e partilha de propostas científicas e de preocupações contemporâneas relevantes, como são exemplo as preocupações ambientais e todas as ameaças que a que o mar actualmente está sujeito. 63 Museus e públicos locais Maria João Vasconcelos 65 Museus e públicos locais Maria João Vasconcelos Ao analisar a ligação de um Museu com o público da localidade a que pertence, fazemolo quase sempre considerando este último exclusivamente como visitante. Tentarei alargar o leque das ligações das pessoas ao seu Museu, começando por considerar as várias perspectivas que podem estar na origem dessa ligação. Em várias épocas foi a ideia de retratar a história local que levou à criação de um museu em determinada localidade. Quando se trata de uma pequena povoação, foi frequentemente o Padre ou o Professor o promotor da iniciativa. Nestes casos, o maior ou menor envolvimento das pessoas no processo de retratar a realidade local, tem sido determinante para a vitalidade destes Museus. Muitas vezes, as dificuldades de manutenção acabam por não deixar o museu sobreviver ao seu impulsionador. Encontramos alguns destes museus em estado de decadência com as suas colecções de arqueologia e etnografia e mais recentemente alguns espólios de arqueologia industrial, muito mal conservadas, sem que isso provoque alguma movimentação para encontrar maneira de os preservar. Vemos que a ligação entre o Museu e o seu público não foi suficientemente forte para que este ultrapassasse a posição de visitante desagradado que não considera a possibilidade de repetir a visita. Em contrapartida, conhecemos casos em que as pessoas se mobilizam para que o Museu possa continuar a ser uma possibilidade de mostrar aos filhos, netos ou a quem vem de fora, uma de duas coisas: Por outro lado, os testemunhos de uma vida rude e dura, diferente da actual, que permitem valorizar as pequenas memórias já perdidas no espaço doméstico, e fazer as leituras, umas mais realistas, outras mais poéticas, de tempos e pessoas que se querem trazer ao convívio no presente. MUSEUS E PÚBLICOS LOCAIS Por um lado, os testemunhos de épocas passadas, em que aquela povoação teve uma importância política ou económica que não corresponde já à realidade actual, mas que justifica um orgulho presente na forma como as pessoas se relacionam ainda com a sua Terra. 67 A ideia do Eco-Museu de Georges Henri Rivière, influenciou, no último quartel do século XX, a realidade Portuguesa na forma como se procurou em diversas iniciativas que as pessoas se sentissem retratadas na realidade do museu. Muito poucas são, no entanto, as situações em que estas experiências perduraram. Por vezes é outra a origem da ideia de criar um Museu. A necessidade de preservar um património, seja ele monumental ou móvel, implica que se lhe dê um destino. Nessas situações, é frequente surgir a ideia de um museu, quer para guardar o património móvel, quer como utilização a dar ao imóvel. Acontece também, partir-se da colecção de um natural ou notável local ou de um espólio de um artista ou escritor doados ou legados com a condição de serem expostos. O sucesso destas situações depende da qualidade ou particularidade das colecções em causa ou da importância da personalidade evocada. Frequentemente nestes casos, a importância dos patrimónios ou das personalidades referidos ultrapassa a dimensão cultural local, podendo tornar-se num pólo de atracção para visitantes de fora, o que introduz mais um factor de interesse para a ligação a determinada parcela do público local. Falamos dos que lidam com as actividades económicas e projectos de desenvolvimento local. O Museu pode, nestes casos, ser considerado como uma mais valia e ter assim facilitada a justificação para os encargos necessários à sua manutenção. Ao reflectir sobre os públicos locais, temos tendência a considerar as realidades de localidades pequenas, mas a verdade é que todos os museus têm o seu público local. É frequente ouvirmos dizer que vamos aos Museus no estrangeiro e não conhecemos os que nos estão mais próximos. Penso que é uma realidade que se aplica aos que viajam em férias em programas organizados, e aos que têm hábitos culturais mais requintados e programam as suas férias tendo em conta os Museus das localidades que vão visitar. 68 Por certo, os nossos Museus funcionam para o público de outras localidades da mesma forma. É natural que as coisas que nos são muito familiares não nos chamem a atenção a não ser que algo de diferente se verifique. É aqui que as programações regulares e diversificadas, bem como os novos espaços e novas valências dos museus podem ter um papel importante. A pretexto de assistir a um concerto, ou mesmo de ir experimentar o restaurante do museu ou fazer as compras de Natal na sua loja, pode-se descobrir que aquilo que só se conhecia de fora, é tão ou mais interessante do que outros locais por onde já se passou. A possibilidade de usar os espaços do museu em ocasiões diversas - no caso dos mais pequenos, em ocasiões também divertidas - pode criar os laços necessários para que as pessoas se sintam, não só visitantes, mas também potenciais parceiros em situações específicas. MUSEUS E PÚBLICOS LOCAIS Estas situações poderão ir do Serviço de Voluntariado, à procura de novos Sócios para os Grupos de Amigos sem querer enumerar tantas outras possibilidades, e manter uma ligação afectiva e funcional com pessoas e grupos que fazem, evidentemente, parte do público local dos nossos museus. 69