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A Bíblia / Introdução
EݑٮãÊÝ Ýƒ¦Ùƒ—ÊÝ1
CaracterísƟcas de escritos sagrados
Religiões distantes umas das outras têm noções semelhantes do que
sejam escritos sagrados. Isso fica especialmente evidente quando se faz
uma comparação dos Vedas com a Bíblia.
Os Vedas são textos arcaicos das religiões hinduístas, cujas partes mais
antigas datam do segundo milênio antes de Cristo. São venerados como
o “conhecimento eterno” (do sânscrito: veda) descoberto por videntes
de tempos antigos e protegido por sacerdotes. A noção de que a Bíblia é a
“palavra de Deus” é semelhante. Entretanto, de acordo com a narrativa
bíblica, a humanidade recebeu essa palavra no decorrer de um período
histórico muito longo. É por isso que, na Bíblia, não somente o “eterno” é
significativo; experiências históricas específicas guardam um peso próprio
no texto bíblico.
• São fruto de
revelação, e não de
reflexão.
• Eles se tornam vivos na
palavra ouvida.
• São textos transmitidos
com fidelidade.
• São mantidos
separados de outros
textos.
Na verdade, até hoje os Vedas devem ser
apenas ouvidos, decorados e memorizados
unicamente por brâmanes especialmente
treinados. Já a maneira adequada de ter um
encontro com a Bíblia é a ministração pública.
Nela, a Escritura Sagrada é lida em voz alta,
para que a “palavra de Deus” seja ouvida e se
torne novamente atual.
Antes dos Vedas em si, surgiram regras
destinadas a protegê-los contra modificações; já havia registros sobre a métrica e a
retórica, além de regras gramaticais, fonéticas
e etimológicas do sânscrito (desde o século
V a.C.). A memorização do texto original
da Bíblia, que deveria ser rigorosamente
1
[NR] Para facilitar a compreensão, é preciso estabelecer a diferença entre “escritos/
Escrituras Sagradas” (no plural, referindo-se de forma genérica a qualquer Ɵpo de texto
sagrado) e “Escritura Sagrada” (singular, que se refere especificamente à Bíblia).
8
A Bíblia / Introdução
EݑٮãÊÝ Ýƒ¦Ùƒ—ÊÝ1
CaracterísƟcas de escritos sagrados
Religiões distantes umas das outras têm noções semelhantes do que
sejam escritos sagrados. Isso fica especialmente evidente quando se faz
uma comparação dos Vedas com a Bíblia.
Os Vedas são textos arcaicos das religiões hinduístas, cujas partes mais
antigas datam do segundo milênio antes de Cristo. São venerados como
o “conhecimento eterno” (do sânscrito: veda) descoberto por videntes
de tempos antigos e protegido por sacerdotes. A noção de que a Bíblia é a
“palavra de Deus” é semelhante. Entretanto, de acordo com a narrativa
bíblica, a humanidade recebeu essa palavra no decorrer de um período
histórico muito longo. É por isso que, na Bíblia, não somente o “eterno” é
significativo; experiências históricas específicas guardam um peso próprio
no texto bíblico.
• São fruto de
revelação, e não de
reflexão.
• Eles se tornam vivos na
palavra ouvida.
• São textos transmitidos
com fidelidade.
• São mantidos
separados de outros
textos.
Na verdade, até hoje os Vedas devem ser
apenas ouvidos, decorados e memorizados
unicamente por brâmanes especialmente
treinados. Já a maneira adequada de ter um
encontro com a Bíblia é a ministração pública.
Nela, a Escritura Sagrada é lida em voz alta,
para que a “palavra de Deus” seja ouvida e se
torne novamente atual.
Antes dos Vedas em si, surgiram regras
destinadas a protegê-los contra modificações; já havia registros sobre a métrica e a
retórica, além de regras gramaticais, fonéticas
e etimológicas do sânscrito (desde o século
V a.C.). A memorização do texto original
da Bíblia, que deveria ser rigorosamente
[NR] Para facilitar a compreensão, é preciso estabelecer a diferença entre “escritos/
Escrituras Sagradas” (no plural, referindo-se de forma genérica a qualquer Ɵpo de texto
sagrado) e “Escritura Sagrada” (singular, que se refere especificamente à Bíblia).
1
8
A BÍBLIA
Surgem
textos
/ INTRODUÇÃO
1500
a.C.
São
reunidos
1000
a.C.
Tornam-se
centro de
uma
religião
500
a.C.
São
canonizados
a.C.
d.C.
São
importantes
por suas
palavras
corão
Bíblia
Livros de Mani
desaparecidos
no século XIV
500
d.C.
Epopeias de deuses
da Índia antiga
Tornam-se
modelos
para novos
textos
sagrados
Vedas
São
citados,
traduzidos
1000
d.C.
Permanecem até hoje como textos ou livros sagrados
A História dos textos sagrados
A Palavra de Deus se torna
acontecimento terreno
... para Israel
... na lei
... na história
... para Israel e os povos
... pelos profetas
... através de Cristo
Testemunhos disso são...
... escritos do povo de Israel
por judeus
... escritos de seus discípulos
Lidos e ouvidos
no culto a Deus
como Palavra
de Deus
B A Bíblia: Escritura Sagrada e testemunho de acontecimentos históricos
9
por cristãos
ATLAS
DA
BÍBLIA
observada, tornou-se um fator estabilizador e, frequentemente, também
reformador na história das religiões bíblicas.
Desde cedo, alguns textos dos Vedas foram parafraseados de forma
poética em versos de hinos ou poemas épicos sobre os deuses, mas
também questionados. Desde o século V a.C., fazia-se distinção entre
esses textos e os Vedas: os Vedas são considerados “ouvidos”, isto é,
não feitos por pessoas; outros textos sagrados eram “lembrados”, isto é,
cunhados pelo pensamento humano. Eles podiam ser remodelados e
citados no dia a dia. O texto da Bíblia também não pode mais ser modificado. Desde o século 2, empreenderam-se esforços para fixar um texto
unificado, além de estabelecer o “cânon” de livros bíblicos, separando-os
de outros escritos religiosos. Todavia, diferentemente dos Vedas, a Bíblia
deveria estar disponível a qualquer pessoa; por isso, desde o começo ela
passou a ser escrita e também traduzida.
Peculiaridades da Bíblia
Dois eventos são decisivos:
1. Depois da ruína de seu país em 587 a.C. os judeus deportados
passaram a depender quase que exclusivamente da tradição oral
e escrita para definir sua identidade. Com textos cuidadosamente
colecionados e adaptados à nova realidade, essa tradição era, para
os judeus dispersos, as marcas mais importantes da sua união.
2. Com a destruição de Jerusalém no ano 70, os judeus perderam, pela
segunda vez, o lugar que era o ponto representativo e referencial
do povo. A partir de então, os escritos sagrados, incluindo novas
interpretações, passaram a ser o único centro e torá (“instrução”)
da vida judaica.
• Literatura nacional
se torna Escritura
Sagrada.
• Trata-se de uma
revelação em várias
partes.
A apresentação da Bíblia como palavra de
Deus se fundamenta em duas afirmações da
Escritura Sagrada de Israel:
1. Os profetas falam em nome de Deus;
2. As ordenanças de Israel são consideradas lei dada por Deus no Sinai. Por
isso, o NT frequentemente se refere à
Escritura Sagrada de Israel como “a lei
e os profetas”.
10
A BÍBLIA
/ INTRODUÇÃO
Os cristãos primitivos compartilhavam as escrituras sagradas com os
judeus. No século 2, adicionaram a elas o Novo Testamento, uma coleção
de seus próprios escritos. Ele testemunha de um entendimento ampliado
da revelação: em Jesus Cristo, a “palavra de Deus” entrou definitivamente
na história. A parte de sua Bíblia procedente do judaísmo tornou-se o
“antigo testamento” ou o “primeiro testamento” (2Co 3.14; Hb 9.15).
Por duas vezes, já na Antiguidade, houve homens que, tendo a Bíblia
como exemplo, fundaram religiões ao redor de um livro:
•
No século III, Mani chegou à conclusão de que deveria purificar os
ensinos de seus predecessores (Jesus, Buda, Zaratustra) e preservá-los contra novas falsificações por meio de registros escritos. Esses
livros, muito traduzidos, trouxeram sucesso missionário ao maniqueísmo (em aramaico: Mani chaija, “Mani vivo”), da Espanha à
China. Hoje, restam apenas fragmentos desses textos.
•
No século VII, Maomé considerou-se o último dos profetas depois
de Moisés e Jesus; ele anunciou o Corão como sendo a reprodução
literal de um original celeste que lhe fora permitido escutar. Por
isso, somente o Corão em árabe é considerado escrito sagrado.
Para o islamismo, religião e livro são inseparáveis; eles só reconhecem como legítimas outras religiões que também sejam “possuidoras da escritura”, principalmente o judaísmo e o cristianismo.
11
ATLAS
DA
BÍBLIA
H®ÝãÌÙ®ƒ —ƒ ÊÙ®¦›Ã —ƒ B°½®ƒ
Pré-história
Os vestígios mais antigos de Israel são aldeias do século XIII a.C. na
região montanhosa da Palestina.
Associações de clãs tinham colonizado novas regiões, e por isso
nomes de lugares e de tribos podem, por vezes, ser intercambiáveis na
Bíblia, como, p.ex., Belém e Efrata. Também alguns conceitos bíblicos
comprovam que os laços entre clãs permaneciam muito significativos.
Algumas imagens bíblicas, p.ex., apresentam Deus como o “parente”
forte, cujo dever é ajudar.
As tribos se formaram a partir de grupos de refugiados que se uniam
contra outros grupos que buscavam novas terras. No começo, essas
uniões eram temporárias e emergenciais, formando uma comunidade
que se chamou “povo de Javé” (mais precisamente “parentela de Javé”)
e “Israel”.
No século X a.C., incursões dos filisteus forçaram as tribos a se organizarem de forma mais permanente, reconhecendo a autoridade de um
rei. Somente então Israel passou a ter contato com a cultura do antigo
oriente, que já possuía escrita. Funcionários públicos e sacerdotes
tornaram-se portadores das tradições escritas.
Os profetas defenderam o ideal da “parentela de Javé” contra o
Estado. As compilações escritas de suas palavras só apareceram a partir
do momento em que já era possível prever o fim de Israel como nação.
A origem das compilações
O declínio dos reinos de Israel e Judá (respectivamente em 722 e 587
a.C.) impulsionou o registro escrito das tradições orais e a sua compilação. Os escritos desse povo, que desde então passou a viver disperso, se
tornaram sua pátria espiritual.
Provavelmente as tradições de Israel teriam se perdido de qualquer
forma, não tivessem os persas conquistado um grande império no qual
povos pequenos, como era o caso de Israel, podiam viver segundo suas
próprias leis. Em 515 a.C., o templo de Jerusalém foi reconstruído. Os
escritos sagrados dos judeus passaram a ser reunidos e guardados aqui.
12
A BÍBLIA
Século XII Novas
colônias
nas
montanhas
1000
Fundação
722
Queda
do reino
de Israel
587
Queda
do reino
de Judá
/ INTRODUÇÃO
Origem das
tradições:
Famílias
Oral
Clãs,
lugares
Sacerdotes
Tribos
Escrita
Profetas
Templos
Funcionários
Interrupção da tradição oral
A Pré-história da Bíblia no Israel antigo.
515
Consagração
do segundo
templo
398
Exposição
da lei em
Jerusalém
250
Florescimento
da diáspora
grega
168
a.C.
Rebelião dos
macabeus e
asmoneus
Escolas na
Babilônia
oferecem fundamentos para
a construção
Material para
Locais de
origem das
compilações
de textos
bíblicos
Diáspora
grega
Saduceus
Fariseus
70
d.C.
Templo em
Jerusalém
Destruição
do templo
Grupos
Messiânicos
Tradução
Essênios
Qumran
Decadência das instituições judaicas
Septuaginta
B História das compilações de textos bíblicos
desde
4a.C.
Revoltas
de judeus
30
d.C.
Crucificação
de Jesus
45
d.C.
Viagens de
Paulo
70
d.C.
Destruição
do Templo
115
e
135
d.C.
Revoltas de
judeus e
decadência
das instituições
judaicas
Escolas
na
Babilônia
Fariseus
Septuaginta
Grupos
messiânicos
Cristãosjudeus
Cristãosgentios
NT
Bíblia cristã
Bíblia judaica
AT
C O duplo caminho da história da origem da Bíblia
13
Locais de origem
das tradições
bíblicas
judaicas
e
cristãs
ATLAS
DA
BÍBLIA
Origem do cânon
Em 398 a.C., o sacerdote Esdras, encarregado pelos persas, levou para
Jerusalém um escrito proveniente das escolas judaicas na Babilônia e promulgou-o lá como sendo a “lei” dada por Deus a Israel. A narração deste
acontecimento (Neemias 8) é a narrativa da formação do judaísmo; ela
explica por que a escritura sagrada é, para o povo judeu, a torá, “instrução
de vida”.
Logo se manifestaram opiniões divergentes sobre quais livros pertenciam à Escritura Sagrada. A versão mais extensa é a tradução grega,
produzida no Egito a partir do século III a.C.
Seu nome, Septuaginta (latim: “setenta”), se explica por uma tradição:
72 tradutores chegaram à mesma redação, independentemente uns dos
outros. Isso teria sido visto como um sinal de que a tradução tinha sido
inspirada por Deus.
O cânon hebraico dos livros bíblicos, aceito definitivamente até
hoje pelo judaísmo, se formou em Judá. No começo, eram os sacerdotes
do templo que cuidavam das escrituras sagradas. No entanto, quando a
família real dos asmoneus reivindicou para si o sumo sacerdócio (152 a.C.),
o que atentava contra as leis bíblicas, os essênios e os fariseus se separaram
do partido dos sacerdotes do templo, os saduceus, alegando que seriam
mais capazes do que estes para cuidar dos textos sagrados. Historicamente,
impõe-se a doutrina dos fariseus de que todos os judeus deveriam viver de
forma sacerdotal, por terem sido chamados a guardar a Escritura.
Formação de um cânon duplo
No ano 63 a.C., os romanos ocuparam Judá. Levantou-se uma rebelião
contra eles da parte de grupos messiânicos cujo entendimento das escrituras sagradas os levava a esperar por um novo rei de Judá: o Messias.
Roma pensava que a destruição do foco central do povo judeu – Jerusalém
e o templo – levaria à aniquilação definitiva deste povo (ano 70).
As várias correntes judaicas realmente desapareceram; mas o judaísmo
sobreviveu na forma ensinada pelos fariseus, segundo a qual o centro
da vida judaica está nas escrituras sagradas e nas ordenanças por elas
ensinadas. A interpretação farisaica das escrituras foi propagada pelos
rabinos (hebraico: “mestre”). No século III, eles estabeleceram definitivamente a abrangência e a estrutura da Bíblia judaica.
14
A BÍBLIA
/ INTRODUÇÃO
O grupo dos discípulos de Jesus, ao qual pertenciam representantes de várias correntes judaicas, entrementes dera origem a comunidades
cristãs, inicialmente dentro do judaísmo. Porém, já no fim do primeiro
século o cristianismo judaico havia perdido sua relevância; cristãos
gentios, que falavam grego, determinaram o desenvolvimento posterior
da igreja. Por isso, os conceitos dos cristãos de língua grega a respeito da
abrangência e da estrutura da Bíblia permaneceram vivos no cristianismo.
No século II, formou-se uma coletânea de escritos cristãos seguindo
esse modelo da Escritura Sagrada herdada do judaísmo; ela tornou-se
a segunda parte da Bíblia cristã, conhecida como “Novo Testamento”.
A primeira parte desta Bíblia se compõe dos escritos sagrados judaicos,
conservados integralmente pelo cristianismo na forma do “Antigo
Testamento”, ainda que algumas das regras lá apresentadas não sejam
praticadas pelos cristãos.
É tarefa da exegese bíblica cristã explicar como também esses textos
são Palavra de Deus para os cristãos.
15
ATLAS
DA
BÍBLIA
DÊÃ°Ä®Ê ›ÝãكĦ›®ÙÊ ›Ã ã›ÙÙƒÝ °½®‘ƒÝ
Com a passagem pela Palestina, a Ásia se abre para a África. Na
Antiguidade, povos, culturas e religiões se misturaram aqui principalmente devido à influência de impérios estrangeiros nessa área.
Isso influenciou de maneira decisiva a história de Israel, do judaísmo
primitivo e, com isso, também a história da formação da Bíblia. Na
verdade, o território onde a Bíblia se originou ficava numa região montanhosa mais remota, mas quando o Estado de Israel, ainda em seus
primórdios, se estabeleceu ali no século XIII a.C., havia também ali
cidades onde prevalecia a cultura mista de origem egípcia, principalmente em Jerusalém, que, quando conquistada por Davi (no ano 1000
a.C.), já contava mais de 800 anos de existência.
A partir do século XX a.C., o Egito, assegurou para si rotas comerciais
que passavam pela Palestina; a partir do século XV a.C., também passou a
empreender expedições militares contra invasores que vinham do norte,
como os hititas. A última intervenção do Egito na Palestina foi o estabelecimento dos filisteus na planície costeira no século XIII, quando estes
buscavam territórios na costa do Mediterrâneo.
Os reis nativos consideraram bem-vinda a proteção egípcia; mas,
para os agricultores livres de Israel, o “Egito” era o protótipo do poder
estatal escravizador. No entanto, quando as instituições estatais se
formaram em Israel a partir do século X a.C., eles acabaram se baseando
no Egito. Era inevitável que houvesse resistência, mas essa apenas gerou
a formação de um segundo estado paralelo ao reino de Judá, que reivindicou para si o nome de Israel. Durante muito tempo, o Egito continuou
a ser uma potência protetora para as pequenas cidades da Palestina; no
início do século VI a.C., p.ex., os reis de Judá buscaram ajuda egípcia
contra os ataques assírios e babilônios. No tema bíblico da “fuga para
Egito” aparece a noção de Egito como um estado de direito que protege
os ameaçados.
Por meio de uma política expansionista agressiva, a Assíria conquistou
hegemonia no Oriente Próximo. Com altos impostos e deportações sistemáticas, eliminou os fundamentos de existência dos povos subjugados.
Em 841 a.C., Israel pagou tributos pela primeira vez; em 722 a população
foi deportada; o território tornou-se província assíria; povos deportados
de outras regiões foram estabelecidos ali. Judá ainda persistiu durante
16
A BÍBLIA
0
250
500 km
Hititas
Desde
séc XX
a.C.
/ INTRODUÇÃO
Egito
Potências estrangeiras
na Palestina
Palestina
Egito
Desde
séc XIII
A Palestina na zona de influência do Egito
Assíria
Israel
Babilônia
930
Judá
B Israel e Judá conquistados pela Assíria e pela Babilônia
722
Assíria
Persas
587
539
Babilônia
C Judá, província periférica do império Persa
Pérsia
Selêucidas
330
Ptolomeus
Ptolomeus
Selêucidas
D Judá, possessão disputada pelos reinos helenísticos
Roma
141
63
a.C.
Partos
Romanos
135
d.C.
E Judeia, região de passagem de exércitos romanos
17
Dispersão
de Judá
F Linha cronológica
ATLAS
DA
BÍBLIA
mais de 100 anos, na maior parte do tempo como estado vassalo pagador
de tributos. Em 587 a.C., perdeu a liberdade política para a Babilônia
que, após um longo processo, venceu a Assíria, mas deu continuidade à
sua política. Diferentemente de outros povos cuja existência como nação
foi aniquilada, Israel não desapareceu da História. Isso se deveu principalmente à elite da população - profetas, sacerdotes, mestres – que atribuíram uma interpretação religiosa à catástrofe política, e também aos
persas, que devolveram muitas liberdades aos povos de seu império.
Poucas décadas depois da queda de Judá, os persas conquistaram
o grande, mas decadente, império babilônico. Eles permitiram a volta
dos judeus para sua terra natal, a reconstrução do templo de Jerusalém
e, finalmente, uma administração autônoma da província de Judá,
exercida pelos sacerdotes e anciãos, baseada nas leis bíblicas.
O domínio helenístico começou depois de Alexandre o Grande
destruir o império persa (a partir de 330 a.C.). Na divisão da herança de
Alexandre, a Palestina foi entregue a ptolomeus, que moravam no Egito.
Para os judeus, foi difícil suportar o fato de serem obrigados a pagar caro
aos novos dominadores pelo direito de morar na sua terra, uma vez a consideravam como a “herança” que Deus dera a Israel. Além disso, esses
impostos eram financiados por nativos ricos e depois recolhidos com
dureza, muitas vezes com o auxílio de forças militares.
Mas esse conflito só explodiu quando os selêucidas, que tinham
recebido a Ásia, se apoderaram da Palestina (198 a.C.). A intervenção
destes nas ordenanças religiosas e principalmente o apoio dado a eles
pela aristocracia sacerdotal judaica foram o estopim de uma revolta, em
168 a.C., surpreendentemente bem sucedida. A Judeia estava livre.
No entanto, a família judia dos asmoneus, que tinha iniciado a
revolta, exercia o poder de maneira não muito diferente dos dominadores helenistas, que eles haviam expulsado. O fim da liberdade em Judá
veio quando os asmoneus pediram a Roma que arbitrasse na disputa pelo
trono. Roma tomou o poder para si.
O maior interesse de Roma no controle de Judá estava relacionado à
defesa contra os partos (persas) do que à terra propriamente dita. Como
Roma não conseguiu impor seu domínio com ajuda de uma elite de
governo judaica que fosse reconhecida pela maioria dos judeus, o país
não chegou a uma estabilidade. Nem mesmo a destruição de Jerusalém
(ano 70) foi capaz de quebrar a resistência dos judeus. Por isso, depois de
18
A BÍBLIA
/ INTRODUÇÃO
sufocar novas rebeliões no ano 135, os romanos exterminaram também os
nomes de Jerusalém e Judá. Chamaram a colônia romana levantada sobre
as ruínas de Jerusalém de Aelia Capitolina, como o santuário de Júpiter
no Capitólio. Judá passou a ser chamada de Palestina, uma referência aos
filisteus, os piores inimigos de Israel nos tempos antigos.
19
ATLAS
DA
BÍBLIA
L°Ä¦çƒÝ —ƒ B°½®ƒ
Devido às línguas usadas em seus textos – hebraico, aramaico, grego –
a Bíblia se insere em um espaço cultural bastante abrangente.
O hebraico veterotestamentário apresenta-se bem homogêneo,
apesar do longo período de formação do AT. Isso se explica principalmente pelo fato de o hebraico ser uma língua bastante estável, uma vez
que o significado básico das palavras está quase sempre alicerçado em
três consoantes. Além disso, até a Idade Média os textos bíblicos eram
escritos apenas com consonantes.
Por isto, um texto hebraico do século XI a.C., encontrado em escavações, é relativamente fácil de compreender a partir do hebraico
bíblico.
Como as vogais não eram escritas e a pronúncia das consonantes era
variável, não se sabe como era pronunciado o hebraico bíblico:
•
Segundo Juízes 12.26, no antigo Israel na pronúncia do som sh
indicava a tribo de origem de uma pessoa.
•
No grego da Septuaginta, os nomes estão transliterados de maneira
diferente do hebraico moderno. Por exemplo, “Noach” soava,
naquele tempo, como “Noé”.
As línguas de povos vizinhos a Israel eram tão próximas ao hebraico
bíblico como dialetos:
•
A língua moabita é conhecida a partir de “Estela de Mesha de
Moabe, do séc. IX”,
•
As línguas edomita e amonita são conhecidas a partir de óstracos
(pedaços de cerâmica com inscrições) dos séculos IX a VI.
No antigo Israel, estes parentescos linguísticos eram bem conhecidos.
Em Isaías 19.18, p.ex., a língua de Israel é chamada “língua de Canaã”. Ela
só passou a ser chamada de “hebraico” no fim do século II a.C.
O cananeu é uma língua semítica ocidental como o hebraico, o moabita
ou o edomita. Na Antiguidade, os gregos a chamavam de fenício, e em
Roma, onde era conhecida por causa de Cartago, era chamada de púnico.
O dialeto cananeu falado posteriormente na terra de Israel é conhecido
a partir de palavras isoladas encontradas em cartas dos pequenos reis
cananeus ao faraó, escritas na língua diplomática da época, o babilônio.
20
A BÍBLIA
Tobias, Judite,
Macabeus, Sabedoria,
Eclesiástico, Baruque
Dt 2.4-7.28
Ed 4.8-6.12
Grego
Hebraico
aramaico
Antigo Testamento
A
/ INTRODUÇÃO
Novo Testamento
Línguas da Bíblia
Línguas
Indo-europeias
Línguas semíticas
do sul
babilônio
Orientais
assírio
Ocidentais
Por volta
de2000
do norte
1000
Língua comercial no império persa:
aramaico
Língua comercial
helenísticos: grego
nos reinos
hebraico
erudito
500
comercial nos islâmicos:
árabe
Línguas do mundo no contexto bíblico
21
grego
500
a.C.
d.C.
Língua
reinos
persa
aramaico
edomita
amonita
moabita
fenício
árabe
hebraico
ugarítico
1500
ATLAS
DA
BÍBLIA
Com a língua, Israel herdou também maneiras de pensar e expressar-se dos cananeus. A dimensão dessa herança é demonstrada em textos
achados na cidade de Ugarit, no norte de Canaã. Não poucas expressões
e figuras de linguagem da poesia bíblica já aparecem em hinos e poemas
épicos ugaríticos.
As línguas assírio-babilônicas são línguas semíticas orientais. Na
época do domínio da Assíria e da Babilônia, os funcionários governamentais de Israel tinham que lidar tão intensivamente com essas línguas que
os hábitos linguísticos das línguas semítico-orientais acabaram penetrando na literatura bíblica, principalmente no livro de Deuteronômio.
Na Bíblia, o aramaico, uma das línguas semíticas ocidentais aparentada com o hebraico, aparece em partes do livro de Esdras e Daniel assim
como em expressões isoladas no Novo Testamento. Enquanto o hebraico
se manteve como língua de um pequeno povo, o aramaico era internacionalmente conhecido durante vários séculos. Os primeiros a contribuir
para isso foram os assírios. Para eles, era mais fácil comunicar-se com
os povos miscigenados pelas deportações usando o aramaico, com sua
escrita alfabética confortável, do que utilizar o assírio, com sua complicada escrita cuneiforme. Já os persas abdicaram completamente de sua
língua indo-europeia no contato com os povos de línguas semitas de seu
império, o aramaico imperial passou a ser a língua internacional do Egito
à Índia; em Judá tornou-se até mesmo a língua da conversação cotidiana.
O hebraico permaneceu vivo apenas como língua acadêmica e
litúrgica. Atualmente se tornou a língua de uso corrente no Estado
de Israel, artificialmente renovada.
O aramaico foi também a língua materna de Jesus. No entanto, na
época de Jesus a língua da administração pública era, há muito tempo, o
grego.
O grego é a língua do Novo Testamento e de alguns livros judaicos
que os cristãos incorporaram à sua Escritura Sagrada (entre outros, o de
Tobias). Os semitismos do grego neotestamentário explicam-se apenas
em parte pelo fato de a língua materna de Jesus e seus discípulos ser o
aramaico. Bem maior foi a influência da Septuaginta, a tradução grega do
Antigo Testamento usada pelos judeus e que, para maioria dos cristãos
primitivos, era a Escritura Sagrada.
O Novo Testamento se distingue da alta literatura grega principalmente pelo uso de uma linguagem informal, já que por muito tempo
22
A BÍBLIA
/ INTRODUÇÃO
os cristãos não pensavam em produzir literatura escrita. Como o cristianismo se propagou inicialmente nas cidades, a linguagem informal
urbana tornou-se a língua do Novo Testamento. Nas cidades em torno do
mar Mediterrâneo, e até mesmo em Roma, a população, formada a partir
de várias comunidades linguísticas, se comunicava por meio do chamado
koinê (em grego: língua “comum”).
Este grego simplificado nasceu no exército com o qual Alexandre
avançou até a Índia, cujos integrantes eram provenientes de diferentes comunidades linguísticas. Os sucessores de Alexandre
tornaram essa a língua da corte. Os romanos usavam o koinê como
língua administrativa no leste de seu império.
No século II, quando houve um renascimento do grego clássico, o
grego do Novo Testamento e da Septuaginta dava a impressão de ser a
língua rude das classes inferiores; os gentios cultos escarneciam dela.
23
A BÍBLIA
Surgem
textos
/ INTRODUÇÃO
1500
a.C.
São
reunidos
1000
a.C.
Tornam-se
centro de
uma
religião
500
a.C.
São
canonizados
a.C.
d.C.
São
importantes
por suas
palavras
corão
Bíblia
Livros de Mani
desaparecidos
no século XIV
500
d.C.
Epopeias de deuses
da Índia antiga
Tornam-se
modelos
para novos
textos
sagrados
Vedas
São
citados,
traduzidos
1000
d.C.
Permanecem até hoje como textos ou livros sagrados
A História dos textos sagrados
A Palavra de Deus se torna
acontecimento terreno
... para Israel
... na lei
... na história
... para Israel e os povos
... pelos profetas
... através de Cristo
Testemunhos disso são...
... escritos de seus discípulos
... escritos do povo de Israel
por judeus
Lidos e ouvidos
no culto a Deus
como Palavra
de Deus
B A Bíblia: Escritura Sagrada e testemunho de acontecimentos históricos
9
por cristãos
ATLAS
DA
BÍBLIA
observada, tornou-se um fator estabilizador e, frequentemente, também
reformador na história das religiões bíblicas.
Desde cedo, alguns textos dos Vedas foram parafraseados de forma
poética em versos de hinos ou poemas épicos sobre os deuses, mas
também questionados. Desde o século V a.C., fazia-se distinção entre
esses textos e os Vedas: os Vedas são considerados “ouvidos”, isto é,
não feitos por pessoas; outros textos sagrados eram “lembrados”, isto é,
cunhados pelo pensamento humano. Eles podiam ser remodelados e
citados no dia a dia. O texto da Bíblia também não pode mais ser modificado. Desde o século 2, empreenderam-se esforços para fixar um texto
unificado, além de estabelecer o “cânon” de livros bíblicos, separando-os
de outros escritos religiosos. Todavia, diferentemente dos Vedas, a Bíblia
deveria estar disponível a qualquer pessoa; por isso, desde o começo ela
passou a ser escrita e também traduzida.
Peculiaridades da Bíblia
Dois eventos são decisivos:
1. Depois da ruína de seu país em 587 a.C. os judeus deportados
passaram a depender quase que exclusivamente da tradição oral
e escrita para definir sua identidade. Com textos cuidadosamente
colecionados e adaptados à nova realidade, essa tradição era, para
os judeus dispersos, as marcas mais importantes da sua união.
2. Com a destruição de Jerusalém no ano 70, os judeus perderam, pela
segunda vez, o lugar que era o ponto representativo e referencial
do povo. A partir de então, os escritos sagrados, incluindo novas
interpretações, passaram a ser o único centro e torá (“instrução”)
da vida judaica.
• Literatura nacional
se torna Escritura
Sagrada.
• Trata-se de uma
revelação em várias
partes.
A apresentação da Bíblia como palavra de
Deus se fundamenta em duas afirmações da
Escritura Sagrada de Israel:
1. Os profetas falam em nome de Deus;
2. As ordenanças de Israel são consideradas lei dada por Deus no Sinai. Por
isso, o NT frequentemente se refere à
Escritura Sagrada de Israel como “a lei
e os profetas”.
10
A BÍBLIA
/ INTRODUÇÃO
Os cristãos primitivos compartilhavam as escrituras sagradas com os
judeus. No século 2, adicionaram a elas o Novo Testamento, uma coleção
de seus próprios escritos. Ele testemunha de um entendimento ampliado
da revelação: em Jesus Cristo, a “palavra de Deus” entrou definitivamente
na história. A parte de sua Bíblia procedente do judaísmo tornou-se o
“antigo testamento” ou o “primeiro testamento” (2Co 3.14; Hb 9.15).
Por duas vezes, já na Antiguidade, houve homens que, tendo a Bíblia
como exemplo, fundaram religiões ao redor de um livro:
•
No século III, Mani chegou à conclusão de que deveria purificar os
ensinos de seus predecessores (Jesus, Buda, Zaratustra) e preservá-los contra novas falsificações por meio de registros escritos. Esses
livros, muito traduzidos, trouxeram sucesso missionário ao maniqueísmo (em aramaico: Mani chaija, “Mani vivo”), da Espanha à
China. Hoje, restam apenas fragmentos desses textos.
•
No século VII, Maomé considerou-se o último dos profetas depois
de Moisés e Jesus; ele anunciou o Corão como sendo a reprodução
literal de um original celeste que lhe fora permitido escutar. Por
isso, somente o Corão em árabe é considerado escrito sagrado.
Para o islamismo, religião e livro são inseparáveis; eles só reconhecem como legítimas outras religiões que também sejam “possuidoras da escritura”, principalmente o judaísmo e o cristianismo.
11
ATLAS
DA
BÍBLIA
H®ÝãÌÙ®ƒ —ƒ ÊÙ®¦›Ã —ƒ B°½®ƒ
Pré-história
Os vestígios mais antigos de Israel são aldeias do século XIII a.C. na
região montanhosa da Palestina.
Associações de clãs tinham colonizado novas regiões, e por isso
nomes de lugares e de tribos podem, por vezes, ser intercambiáveis na
Bíblia, como, p.ex., Belém e Efrata. Também alguns conceitos bíblicos
comprovam que os laços entre clãs permaneciam muito significativos.
Algumas imagens bíblicas, p.ex., apresentam Deus como o “parente”
forte, cujo dever é ajudar.
As tribos se formaram a partir de grupos de refugiados que se uniam
contra outros grupos que buscavam novas terras. No começo, essas
uniões eram temporárias e emergenciais, formando uma comunidade
que se chamou “povo de Javé” (mais precisamente “parentela de Javé”)
e “Israel”.
No século X a.C., incursões dos filisteus forçaram as tribos a se organizarem de forma mais permanente, reconhecendo a autoridade de um
rei. Somente então Israel passou a ter contato com a cultura do antigo
oriente, que já possuía escrita. Funcionários públicos e sacerdotes
tornaram-se portadores das tradições escritas.
Os profetas defenderam o ideal da “parentela de Javé” contra o
Estado. As compilações escritas de suas palavras só apareceram a partir
do momento em que já era possível prever o fim de Israel como nação.
A origem das compilações
O declínio dos reinos de Israel e Judá (respectivamente em 722 e 587
a.C.) impulsionou o registro escrito das tradições orais e a sua compilação. Os escritos desse povo, que desde então passou a viver disperso, se
tornaram sua pátria espiritual.
Provavelmente as tradições de Israel teriam se perdido de qualquer
forma, não tivessem os persas conquistado um grande império no qual
povos pequenos, como era o caso de Israel, podiam viver segundo suas
próprias leis. Em 515 a.C., o templo de Jerusalém foi reconstruído. Os
escritos sagrados dos judeus passaram a ser reunidos e guardados aqui.
12
A BÍBLIA
Século XII Novas
colônias
nas
montanhas
1000
Fundação
722
Queda
do reino
de Israel
587
Queda
do reino
de Judá
Famílias
Clãs,
lugares
Oral
Sacerdotes
Tribos
/ INTRODUÇÃO
Origem das
tradições:
Escrita
Profetas
Templos
Funcionários
Interrupção da tradição oral
A Pré-história da Bíblia no Israel antigo.
515
Consagração
do segundo
templo
398
Exposição
da lei em
Jerusalém
250
Florescimento
da diáspora
grega
168
a.C.
Rebelião dos
macabeus e
asmoneus
70
d.C.
Escolas na
Babilônia
oferecem fundamentos para
a construção
Templo em
Jerusalém
Material para
Locais de
origem das
compilações
de textos
bíblicos
Diáspora
grega
Saduceus
Fariseus
Destruição
do templo
Grupos
Messiânicos
Tradução
Essênios
Qumran
Decadência das instituições judaicas
Septuaginta
B História das compilações de textos bíblicos
desde
4a.C.
Revoltas
de judeus
30
d.C.
Crucificação
de Jesus
45
d.C.
Viagens de
Paulo
70
d.C.
Destruição
do Templo
115
e
135
d.C.
Revoltas de
judeus e
decadência
das instituições
judaicas
Escolas
na
Babilônia
Fariseus
Septuaginta
Grupos
messiânicos
Cristãosjudeus
Cristãosgentios
NT
Bíblia cristã
Bíblia judaica
AT
C O duplo caminho da história da origem da Bíblia
13
Locais de origem
das tradições
bíblicas
judaicas
e
cristãs
ATLAS
DA
BÍBLIA
Origem do cânon
Em 398 a.C., o sacerdote Esdras, encarregado pelos persas, levou para
Jerusalém um escrito proveniente das escolas judaicas na Babilônia e promulgou-o lá como sendo a “lei” dada por Deus a Israel. A narração deste
acontecimento (Neemias 8) é a narrativa da formação do judaísmo; ela
explica por que a escritura sagrada é, para o povo judeu, a torá, “instrução
de vida”.
Logo se manifestaram opiniões divergentes sobre quais livros pertenciam à Escritura Sagrada. A versão mais extensa é a tradução grega,
produzida no Egito a partir do século III a.C.
Seu nome, Septuaginta (latim: “setenta”), se explica por uma tradição:
72 tradutores chegaram à mesma redação, independentemente uns dos
outros. Isso teria sido visto como um sinal de que a tradução tinha sido
inspirada por Deus.
O cânon hebraico dos livros bíblicos, aceito definitivamente até
hoje pelo judaísmo, se formou em Judá. No começo, eram os sacerdotes
do templo que cuidavam das escrituras sagradas. No entanto, quando a
família real dos asmoneus reivindicou para si o sumo sacerdócio (152 a.C.),
o que atentava contra as leis bíblicas, os essênios e os fariseus se separaram
do partido dos sacerdotes do templo, os saduceus, alegando que seriam
mais capazes do que estes para cuidar dos textos sagrados. Historicamente,
impõe-se a doutrina dos fariseus de que todos os judeus deveriam viver de
forma sacerdotal, por terem sido chamados a guardar a Escritura.
Formação de um cânon duplo
No ano 63 a.C., os romanos ocuparam Judá. Levantou-se uma rebelião
contra eles da parte de grupos messiânicos cujo entendimento das escrituras sagradas os levava a esperar por um novo rei de Judá: o Messias.
Roma pensava que a destruição do foco central do povo judeu – Jerusalém
e o templo – levaria à aniquilação definitiva deste povo (ano 70).
As várias correntes judaicas realmente desapareceram; mas o judaísmo
sobreviveu na forma ensinada pelos fariseus, segundo a qual o centro
da vida judaica está nas escrituras sagradas e nas ordenanças por elas
ensinadas. A interpretação farisaica das escrituras foi propagada pelos
rabinos (hebraico: “mestre”). No século III, eles estabeleceram definitivamente a abrangência e a estrutura da Bíblia judaica.
14
A BÍBLIA
/ INTRODUÇÃO
O grupo dos discípulos de Jesus, ao qual pertenciam representantes de várias correntes judaicas, entrementes dera origem a comunidades
cristãs, inicialmente dentro do judaísmo. Porém, já no fim do primeiro
século o cristianismo judaico havia perdido sua relevância; cristãos
gentios, que falavam grego, determinaram o desenvolvimento posterior
da igreja. Por isso, os conceitos dos cristãos de língua grega a respeito da
abrangência e da estrutura da Bíblia permaneceram vivos no cristianismo.
No século II, formou-se uma coletânea de escritos cristãos seguindo
esse modelo da Escritura Sagrada herdada do judaísmo; ela tornou-se
a segunda parte da Bíblia cristã, conhecida como “Novo Testamento”.
A primeira parte desta Bíblia se compõe dos escritos sagrados judaicos,
conservados integralmente pelo cristianismo na forma do “Antigo
Testamento”, ainda que algumas das regras lá apresentadas não sejam
praticadas pelos cristãos.
É tarefa da exegese bíblica cristã explicar como também esses textos
são Palavra de Deus para os cristãos.
15
ATLAS
DA
BÍBLIA
DÊÃ°Ä®Ê ›ÝãكĦ›®ÙÊ ›Ã ã›ÙÙƒÝ °½®‘ƒÝ
Com a passagem pela Palestina, a Ásia se abre para a África. Na
Antiguidade, povos, culturas e religiões se misturaram aqui principalmente devido à influência de impérios estrangeiros nessa área.
Isso influenciou de maneira decisiva a história de Israel, do judaísmo
primitivo e, com isso, também a história da formação da Bíblia. Na
verdade, o território onde a Bíblia se originou ficava numa região montanhosa mais remota, mas quando o Estado de Israel, ainda em seus
primórdios, se estabeleceu ali no século XIII a.C., havia também ali
cidades onde prevalecia a cultura mista de origem egípcia, principalmente em Jerusalém, que, quando conquistada por Davi (no ano 1000
a.C.), já contava mais de 800 anos de existência.
A partir do século XX a.C., o Egito, assegurou para si rotas comerciais
que passavam pela Palestina; a partir do século XV a.C., também passou a
empreender expedições militares contra invasores que vinham do norte,
como os hititas. A última intervenção do Egito na Palestina foi o estabelecimento dos filisteus na planície costeira no século XIII, quando estes
buscavam territórios na costa do Mediterrâneo.
Os reis nativos consideraram bem-vinda a proteção egípcia; mas,
para os agricultores livres de Israel, o “Egito” era o protótipo do poder
estatal escravizador. No entanto, quando as instituições estatais se
formaram em Israel a partir do século X a.C., eles acabaram se baseando
no Egito. Era inevitável que houvesse resistência, mas essa apenas gerou
a formação de um segundo estado paralelo ao reino de Judá, que reivindicou para si o nome de Israel. Durante muito tempo, o Egito continuou
a ser uma potência protetora para as pequenas cidades da Palestina; no
início do século VI a.C., p.ex., os reis de Judá buscaram ajuda egípcia
contra os ataques assírios e babilônios. No tema bíblico da “fuga para
Egito” aparece a noção de Egito como um estado de direito que protege
os ameaçados.
Por meio de uma política expansionista agressiva, a Assíria conquistou
hegemonia no Oriente Próximo. Com altos impostos e deportações sistemáticas, eliminou os fundamentos de existência dos povos subjugados.
Em 841 a.C., Israel pagou tributos pela primeira vez; em 722 a população
foi deportada; o território tornou-se província assíria; povos deportados
de outras regiões foram estabelecidos ali. Judá ainda persistiu durante
16
A BÍBLIA
0
250
500 km
Hititas
Desde
séc XX
a.C.
/ INTRODUÇÃO
Egito
Potências estrangeiras
na Palestina
Palestina
Egito
Desde
séc XIII
A Palestina na zona de influência do Egito
Assíria
Israel
Babilônia
930
Judá
B Israel e Judá conquistados pela Assíria e pela Babilônia
722
Persas
Assíria
587
539
Babilônia
C Judá, província periférica do império Persa
Pérsia
Selêucidas
330
Ptolomeus
Ptolomeus
D Judá, possessão disputada pelos reinos helenísticos
Roma
Selêucidas
141
63
a.C.
Partos
Romanos
135
d.C.
E Judeia, região de passagem de exércitos romanos
17
Dispersão
de Judá
F Linha cronológica
ATLAS
DA
BÍBLIA
mais de 100 anos, na maior parte do tempo como estado vassalo pagador
de tributos. Em 587 a.C., perdeu a liberdade política para a Babilônia
que, após um longo processo, venceu a Assíria, mas deu continuidade à
sua política. Diferentemente de outros povos cuja existência como nação
foi aniquilada, Israel não desapareceu da História. Isso se deveu principalmente à elite da população - profetas, sacerdotes, mestres – que atribuíram uma interpretação religiosa à catástrofe política, e também aos
persas, que devolveram muitas liberdades aos povos de seu império.
Poucas décadas depois da queda de Judá, os persas conquistaram
o grande, mas decadente, império babilônico. Eles permitiram a volta
dos judeus para sua terra natal, a reconstrução do templo de Jerusalém
e, finalmente, uma administração autônoma da província de Judá,
exercida pelos sacerdotes e anciãos, baseada nas leis bíblicas.
O domínio helenístico começou depois de Alexandre o Grande
destruir o império persa (a partir de 330 a.C.). Na divisão da herança de
Alexandre, a Palestina foi entregue a ptolomeus, que moravam no Egito.
Para os judeus, foi difícil suportar o fato de serem obrigados a pagar caro
aos novos dominadores pelo direito de morar na sua terra, uma vez a consideravam como a “herança” que Deus dera a Israel. Além disso, esses
impostos eram financiados por nativos ricos e depois recolhidos com
dureza, muitas vezes com o auxílio de forças militares.
Mas esse conflito só explodiu quando os selêucidas, que tinham
recebido a Ásia, se apoderaram da Palestina (198 a.C.). A intervenção
destes nas ordenanças religiosas e principalmente o apoio dado a eles
pela aristocracia sacerdotal judaica foram o estopim de uma revolta, em
168 a.C., surpreendentemente bem sucedida. A Judeia estava livre.
No entanto, a família judia dos asmoneus, que tinha iniciado a
revolta, exercia o poder de maneira não muito diferente dos dominadores helenistas, que eles haviam expulsado. O fim da liberdade em Judá
veio quando os asmoneus pediram a Roma que arbitrasse na disputa pelo
trono. Roma tomou o poder para si.
O maior interesse de Roma no controle de Judá estava relacionado à
defesa contra os partos (persas) do que à terra propriamente dita. Como
Roma não conseguiu impor seu domínio com ajuda de uma elite de
governo judaica que fosse reconhecida pela maioria dos judeus, o país
não chegou a uma estabilidade. Nem mesmo a destruição de Jerusalém
(ano 70) foi capaz de quebrar a resistência dos judeus. Por isso, depois de
18
A BÍBLIA
/ INTRODUÇÃO
sufocar novas rebeliões no ano 135, os romanos exterminaram também os
nomes de Jerusalém e Judá. Chamaram a colônia romana levantada sobre
as ruínas de Jerusalém de Aelia Capitolina, como o santuário de Júpiter
no Capitólio. Judá passou a ser chamada de Palestina, uma referência aos
filisteus, os piores inimigos de Israel nos tempos antigos.
19
ATLAS
DA
BÍBLIA
L°Ä¦çƒÝ —ƒ B°½®ƒ
Devido às línguas usadas em seus textos – hebraico, aramaico, grego –
a Bíblia se insere em um espaço cultural bastante abrangente.
O hebraico veterotestamentário apresenta-se bem homogêneo,
apesar do longo período de formação do AT. Isso se explica principalmente pelo fato de o hebraico ser uma língua bastante estável, uma vez
que o significado básico das palavras está quase sempre alicerçado em
três consoantes. Além disso, até a Idade Média os textos bíblicos eram
escritos apenas com consonantes.
Por isto, um texto hebraico do século XI a.C., encontrado em escavações, é relativamente fácil de compreender a partir do hebraico
bíblico.
Como as vogais não eram escritas e a pronúncia das consonantes era
variável, não se sabe como era pronunciado o hebraico bíblico:
•
Segundo Juízes 12.26, no antigo Israel na pronúncia do som sh
indicava a tribo de origem de uma pessoa.
•
No grego da Septuaginta, os nomes estão transliterados de maneira
diferente do hebraico moderno. Por exemplo, “Noach” soava,
naquele tempo, como “Noé”.
As línguas de povos vizinhos a Israel eram tão próximas ao hebraico
bíblico como dialetos:
•
A língua moabita é conhecida a partir de “Estela de Mesha de
Moabe, do séc. IX”,
•
As línguas edomita e amonita são conhecidas a partir de óstracos
(pedaços de cerâmica com inscrições) dos séculos IX a VI.
No antigo Israel, estes parentescos linguísticos eram bem conhecidos.
Em Isaías 19.18, p.ex., a língua de Israel é chamada “língua de Canaã”. Ela
só passou a ser chamada de “hebraico” no fim do século II a.C.
O cananeu é uma língua semítica ocidental como o hebraico, o moabita
ou o edomita. Na Antiguidade, os gregos a chamavam de fenício, e em
Roma, onde era conhecida por causa de Cartago, era chamada de púnico.
O dialeto cananeu falado posteriormente na terra de Israel é conhecido
a partir de palavras isoladas encontradas em cartas dos pequenos reis
cananeus ao faraó, escritas na língua diplomática da época, o babilônio.
20
A BÍBLIA
Tobias, Judite,
Macabeus, Sabedoria,
Eclesiástico, Baruque
Dt 2.4-7.28
Ed 4.8-6.12
Hebraico
Grego
aramaico
Antigo Testamento
A
/ INTRODUÇÃO
Novo Testamento
Línguas da Bíblia
Línguas semíticas
Línguas
Indo-europeias
do sul
babilônio
Orientais
assírio
Ocidentais
Por volta
de2000
do norte
1000
Língua comercial no império persa:
aramaico
Língua comercial
helenísticos: grego
nos reinos
hebraico
erudito
500
comercial nos islâmicos:
árabe
Línguas do mundo no contexto bíblico
21
grego
500
a.C.
d.C.
Língua
reinos
persa
aramaico
edomita
amonita
moabita
fenício
árabe
hebraico
ugarítico
1500
ATLAS
DA
BÍBLIA
Com a língua, Israel herdou também maneiras de pensar e expressar-se dos cananeus. A dimensão dessa herança é demonstrada em textos
achados na cidade de Ugarit, no norte de Canaã. Não poucas expressões
e figuras de linguagem da poesia bíblica já aparecem em hinos e poemas
épicos ugaríticos.
As línguas assírio-babilônicas são línguas semíticas orientais. Na
época do domínio da Assíria e da Babilônia, os funcionários governamentais de Israel tinham que lidar tão intensivamente com essas línguas que
os hábitos linguísticos das línguas semítico-orientais acabaram penetrando na literatura bíblica, principalmente no livro de Deuteronômio.
Na Bíblia, o aramaico, uma das línguas semíticas ocidentais aparentada com o hebraico, aparece em partes do livro de Esdras e Daniel assim
como em expressões isoladas no Novo Testamento. Enquanto o hebraico
se manteve como língua de um pequeno povo, o aramaico era internacionalmente conhecido durante vários séculos. Os primeiros a contribuir
para isso foram os assírios. Para eles, era mais fácil comunicar-se com
os povos miscigenados pelas deportações usando o aramaico, com sua
escrita alfabética confortável, do que utilizar o assírio, com sua complicada escrita cuneiforme. Já os persas abdicaram completamente de sua
língua indo-europeia no contato com os povos de línguas semitas de seu
império, o aramaico imperial passou a ser a língua internacional do Egito
à Índia; em Judá tornou-se até mesmo a língua da conversação cotidiana.
O hebraico permaneceu vivo apenas como língua acadêmica e
litúrgica. Atualmente se tornou a língua de uso corrente no Estado
de Israel, artificialmente renovada.
O aramaico foi também a língua materna de Jesus. No entanto, na
época de Jesus a língua da administração pública era, há muito tempo, o
grego.
O grego é a língua do Novo Testamento e de alguns livros judaicos
que os cristãos incorporaram à sua Escritura Sagrada (entre outros, o de
Tobias). Os semitismos do grego neotestamentário explicam-se apenas
em parte pelo fato de a língua materna de Jesus e seus discípulos ser o
aramaico. Bem maior foi a influência da Septuaginta, a tradução grega do
Antigo Testamento usada pelos judeus e que, para maioria dos cristãos
primitivos, era a Escritura Sagrada.
O Novo Testamento se distingue da alta literatura grega principalmente pelo uso de uma linguagem informal, já que por muito tempo
22
A BÍBLIA
/ INTRODUÇÃO
os cristãos não pensavam em produzir literatura escrita. Como o cristianismo se propagou inicialmente nas cidades, a linguagem informal
urbana tornou-se a língua do Novo Testamento. Nas cidades em torno do
mar Mediterrâneo, e até mesmo em Roma, a população, formada a partir
de várias comunidades linguísticas, se comunicava por meio do chamado
koinê (em grego: língua “comum”).
Este grego simplificado nasceu no exército com o qual Alexandre
avançou até a Índia, cujos integrantes eram provenientes de diferentes comunidades linguísticas. Os sucessores de Alexandre
tornaram essa a língua da corte. Os romanos usavam o koinê como
língua administrativa no leste de seu império.
No século II, quando houve um renascimento do grego clássico, o
grego do Novo Testamento e da Septuaginta dava a impressão de ser a
língua rude das classes inferiores; os gentios cultos escarneciam dela.
23