Setembro/Outubro 2012

Transcrição

Setembro/Outubro 2012
ISSN 0047-2077
Setembro/Outubro 2012
Volume 100
Número 4
Diabetes mellitus tipo 2
Novas perspectivas de tratamento
Betabloqueadores no
tratamento da hipertensão
arterial sistêmica
Distúrbios respiratórios
do sono
Rinossinusite
Transtornos de ansiedade
Como avaliar?
Hepatite aguda
A atualização médica
continuada
Editor: José Maria de Sousa e Melo
In memoriam
editorial
ISSN 0047-2077
U
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resguardados pela EPUC que, em qualquer situação, agirá como detentora dos mesmos.
Publicações do Grupo:
m dos graves problemas do setor médico de nosso país é
a manutenção do ensino continuado, pois envolve tempo,
disponibilidade e alto custo.
O médico comum, com uma formação adequada, deverá cursar
seis anos de graduação e no mínimo dois anos a mais para realizar
uma residência médica em clínica geral. Caso deseje se especializar, terá que somar aos oito anos mais dois a cinco anos, dependendo da área.
Longo curso, longa pós-graduação e a certeza de que deverá
manter-se atualizado através de cursos, jornadas e congressos. A
Medicina evolui de forma tão rápida que aquele que se forma pode
já estar desatualizado em muito que aprendeu em sua graduação.
Como manter-se atualizado, como participar de eventos, por vezes tão caros quanto distantes? São interrogações não respondidas
e pouco discutidas dentro dos órgãos responsáveis pela saúde no
país.
Um congresso nacional corresponde a uma semana sem trabalhar, gastos com transporte aéreo, hospedagem, inscrição e alimentação. Infelizmente, são poucas as instituições que estimulam e amparam tais investimentos.
Preocupados com o mercado de trabalho e necessitando atualizar-se, os médicos convivem com conflitos, tão sérios como aceitar
de terceiros o financiamento de suas carências.
Então, a ANVISA, nosso órgão de vigilância maior, estabelece
uma série de normas para que nosso médico não seja envolvido
pelos “lobos” da indústria farmacêutica ou pelos “leões” das seguradoras de saúde.
Não seria mais adequado instituir normas que estimulassem de
forma ética e independente o patrocínio, por órgãos do governo,
para que pudéssemos nos atualizar?
Não seria um ato de responsabilidade o estímulo ao ENSINO
CONTINUADO?
Como presidente de uma das mais importantes sociedades médicas do Brasil, sinto-me profundamente incomodado ao perceber
que muitos colegas distanciam-se progressivamente do conhecimento por falta de condições, por falta de apoio daqueles que tanto cobram sem a reflexão necessária do quanto oprimem e inibem
o saber.
Existem inúmeras formas de opressão, mas uma o médico não
pode sofrer: a impossibilidade de atualizar-se. Isto significa tolher
seu crescimento, inibir seus sonhos e impor-lhe o rótulo de mau
médico.
Com a sorte de ter participado da organização de mais de uma
centena de cursos, jornadas e congressos, sinto-me com a obrigação de alertar sobre a riqueza destes encontros, que nos despertam
a vontade de bem fazer e o estímulo para crescer.
Muitos se redimiram de anos de abandono e tristeza ao frequentarem um CONGRESSO, onde perceberam suas fraquezas, mas
também, e principalmente, os caminhos para corrigi-las.
Dr. José Galvão-Alves
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sumário
3
A atualização médica continuada
Dr. José Galvão-Alves
editorial
Conselho Científico
Presidente
José Galvão-Alves
7
Novas perspectivas de tratamento
medicamentoso do diabetes mellitus
artigos
Membros Honorários
Drs. João Roberto de Sá e Tiago Munhoz Vidotto
15
27
Amaury Coutinho (PE)
Affonso Berardinelli Tarantino (RJ)
Clementino Fraga Filho (RJ)
Mário Barreto Corrêa Lima (RJ)
Renato Dani (MG)
Desmitificando o uso de betabloqueadores no
tratamento da hipertensão arterial sistêmica
Dr. Marcelo Montera
Membros Titulares
Bahia
Zilton A. Andrade
Luis Guilherme Lyra
Distúrbios respiratórios do sono
Dr. Hisbello S. Campos
Brasília
Columbano Junqueira Neto
35
Transtornos de ansiedade — Terapia com
estimulação magnética transcraniana
Drs. Flávia Paes, Adriana Cardoso Silva, Antonio E. Nardi, Sergio Machado e José A. Crippa
Espírito Santo
Carlos Sandoval
41
Rinossinusite
Goiás
Celmo Celeno Porto
63
13
Dr. Jair de Carvalho e Castro
Minas Gerais
Julio Chebli
Hepatite aguda — Como avaliar?
Paraná
Miguel Riella
Sergio Bizinelli
Drs. Adávio de Oliveira e Silva, Raul Carlos Wahle, Evandro de Oliveira Souza, Verônica Desiree
Samudio Cardozo, Maria Elizabeth Calore Neiva, Flávia Costa Cardoso, Fábio Rosa Moraes e
Gerusa Máximo de Almeida
Panorama internacional
Pernambuco
José Roberto de Almeida
seções
Rio de Janeiro
Aderbal Sabrá
Azor José de Lima
Evandro Tinoco
Fábio Cuiabano
Gilberto Perez Cardoso
Jorge Alberto Costa e Silva
José Manoel Jansen
Marta C. Galvão
Mauro Geller
Henrique Sergio Moraes Coelho
Glaciomar Machado
Dra. Andréa F. Mendes
Imagem em medicina interna
58
Coordenação: Dra. Marta Carvalho Galvão
Rabdomiossarcoma do mediastino anterior
— um tumor comum em localização rara — A
propósito de um caso
Dras. Marta Carvalho Galvão e Carolina Souza Nogueira
São Paulo
4
73
Noticiário especial
74
Noticiário
Capital
Adib Jatene
Flair José Carrilho
José Eduardo Souza
José Osmar Medina Pestana
Nestor Schor
Sender Miszputen
Botucatu
Oswaldo Melo da Rocha
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Novas perspectivas de tratamento
medicamentoso do diabetes mellitus
endocrinologia
Novas perspectivas de tratamento medicamentoso do diabetes mellitus
João RobeRto de Sá
Supervisor do Programa de Residência Médica em Endocrinologia e Metabologia e assistente
doutor da Disciplina de Endocrinologia e Metabologia — Escola Paulista de Medicina.
tiago Munhoz Vidotto
Chefe de plantão da Disciplina de Medicina de Urgência e aluno do curso de pós-graduação da
Disciplina de Endocrinologia — Escola Paulista de Medicina.
Resumo
Summary
O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) apresenta alta prevalência, com aumento inclusive em crianças e adolescentes. A importância de um estrito controle glicêmico
pode ser comprovada com a redução das
complicações crônicas microvasculares. Já
em relação à redução da doença macrovascular, principal causa de mortalidade nestes
pacientes, são fundamentais o controle da
glicemia, bem como de outros fatores de
risco cardiovasculares, tais como hipertensão
arterial, dislipidemia, peso, e a manutenção
de hábitos saudáveis de vida. Temos vários
medicamentos para o tratamento do DM2,
sendo que a metformina é ainda a droga de
primeira escolha, devido ao seu baixo custo
e eficácia comprovada.
Type 2 diabetes mellitus (DM2) is highly
prevalent and is increasing even in children and adolescents. The importance of
strict glycemic control can be proven to reduce chronic microvascular complications.
Regarding the reduction of macrovascular
disease, the leading cause of mortality in
these patients, it is essential tight glycemic
control, as well as other cardiovascular risk
factors, such as arterial hypertension, dyslipidemia, weight control, and maintaining healthy lifestyles. We have a lot of drugs for the
treatment of DM2, and metformin is still the
drug of first choice due to its low cost and
proven effectiveness.
Introdução
Anti-hiperglicemiantes
O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) é uma
desordem metabólica, com aumento global
de sua prevalência, e cada vez mais frequente em crianças e adolescentes. A importância do bom controle glicêmico na prevenção
das complicações crônicas microvasculares
no DM2 foi demonstrada em vários estudos,
bem como a dificuldade de manutenção de
um controle aceitável. No estudo UKPDS,
menos de 50% dos pacientes apresentaram
A1c > 7% no seguimento em longo prazo.
Já os trabalhos que tentaram correlacionar
o impacto per se da glicemia na prevenção
da complicação macrovascular permanecem
controversos.
O objetivo desta revisão é apresentar as
drogas já estabelecidas e as mais recentes
para o tratamento do DM2.
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A metformina deve ser introduzida ao
diagnóstico, associada à dieta e a exercícios,
salvo contraindicações (1). Leva a até 1,5%
de queda na A1c e reduz em 20% a glicemia
de jejum. Não gera aumento de peso e, em
alguns casos, modesta redução. Pode ser associada com sucesso a todos os outros tratamentos para o DM2 (orais e insulina).
Seu mecanismo de ação ainda não está
totalmente compreendido, mas parece ocorrer através da ativação da enzima AMPK pela
proteína LKB1 (2). Assim, age principalmente
diminuindo a gliconeogênese hepática (3, 4).
Ainda através da ativação da AMPK, inibe a
via mTOR e pode suprimir a formação tumoral (5), assunto cada vez mais discutido. Os
efeitos colaterais mais comuns são os gas-
Unitermos: Diabetes
mellitus tipo 2;
antidiabéticos orais; novos
antidiabéticos orais.
Keywords: Type 2
diabetes mellitus; oral
antidiabetics; new oral
antidiabetic.
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Novas perspectivas de tratamento medicamentoso do diabetes mellitus
A evolução no tratamento
do DM2 nos últimos
anos foi marcante,
principalmente com o
advento das drogas do
grupo das incretinas.
Como primeira linha
permanece a indicação
da metformina.
trointestinais, que desaparecem em cerca de
90% após um mês de uso, e menos de 5%
dos pacientes necessitam abandonar o tratamento (1, 3). Variam desde um gosto metálico na boca a náuseas, cólicas e diarreia.
Pode diminuir a absorção de vitamina B12 em
10% a 30% e a de ácido fólico em tratamento de longo prazo (6).
O risco de acidose lática com a metformina é baixo, mas leva a alto índice de letalidade
(ao redor de 50%) (7). Assim, não se deve utilizar a droga na insuficiência renal moderada a
grave (clearance estimado < 30 a 45 ml/min),
em situações de instabilidade hemodinâmica,
exames que usam contrastes iodados, procedimentos cirúrgicos de grande porte, insuficiência hepática ou cardíaca graves, sepse,
desidratação e alcoolismo (1, 3, 8). Deve ser
suspensa 24 a 48 horas antes de se realizar
exames que utilizam contrastes iodados.
Recomenda-se iniciar essa medicação
em doses baixas, elevando-se a cada sete
dias, em doses divididas duas a três vezes ao
dia, às refeições (ver tabela). A dose máxima
é de 2.350mg. Em pacientes com clearance
estimado de 30 a 45ml/min, chega-se a até
1g ao dia, assim como em idosos (1, 8).
Inibidores da alfa-glicosidase
No Brasil dispomos da acarbose. Inibe
por competição a hidrólise de carboidratos
mais complexos pela alfa-amilase pancreática no lúmen intestinal e a hidrólise de oligo,
tri e dissacarídeos pelas alfa-glicosidases nos
enterócitos do delgado. Retardam a absorção
da glicose e diminuem a amplitude da excursão glicêmica pós-prandial (1, 9). Seus efeitos
colaterais são comumente gastrointestinais e
frequentes, como flatulência, dores e cólicas
abdominais, diarreia, podendo levar ao abandono do tratamento em até 50% dos casos
(10, 11). Preconiza-se iniciar o tratamento em
doses baixas, de 25mg, antes da maior refeição, elevando-se em 25mg a cada quatro
semanas, atingindo lentamente a dose terapêutica de 50mg às refeições (ver tabela). Na
dose máxima de 300mg/dia faz-se necessário
TABELA: Agentes anti-hiperglicemiantes e hipoglicemiantes orais
Anti-hiperglicemiantes
Nome genérico
Duração da
ação (h)
Dose (mín./máx.,
no de tomadas/dia)
Biguanidas
Metformina
1,5-4,9
500-2.550mg, 2x
Inibidores da
α-glucosidase
Acarbose
2
25-100mg a dose, 3x
< 60kg: 50mg, 3x
Miglitol
2
25-100mg a dose, 3x
Tiazolidinedionas
Pioglitazona
16-24
15-45mg, 1x
Sulfonilureias
Clorpropamida
24-72
250-325mg, 1x
Glibenclamida
18-24
5-20mg, 2x
Glipizida
16-24
10-40mg, 1x
Glicazida MR
24
30-60mg, 1x
Glimepirida
24
1-8mg, 1x
Nateglinida
2-4
60-120mg a dose, 3x
Repaglinida
1-3
1-4mg a dose, 3x
Sitagliptina
24
25-100mg, 1x
Vildagliptina
12-24
25-100mg, 1-2x
Saxagliptina
24
2,5-5mg, 1x
Linagliptina
24
5mg, 1x
Hipoglicemiantes orais
Classe
Meglitinidas
Incretinas
8
IDPP4
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Novas perspectivas de tratamento medicamentoso do diabetes mellitus
monitorar TGO e TGP a cada três meses no
primeiro ano de uso, e periodicamente depois
(13). Diminuem em 0,5% a 1% a A1c (10-12)
e, apesar de não serem hipoglicemiantes,
podem retardar o tratamento de eventual hipoglicemia se for utilizada sacarose via oral
(açúcar refinado); nesses casos deve-se tratar
a hipoglicemia com glicose pura. Apresentam
pequena absorção, 0,5% a 1,7%. São contraindicados em cirrose hepática, doenças
inflamatórias intestinais, ulcerações ou obstrução intestinal, creatinina superior a 2mg/dl e
sob aleitamento ou gestação (14).
Tiazolidinedionas (ou glitazonas)
Ativam os receptores nucleares PPAR-γ
(peroxisome proliferators-activated receptor
gama) e alteram a transcrição de vários genes que regulam o metabolismo de lipídios
e carboidratos, melhorando a sensibilidade à
insulina nos tecidos adiposo, muscular e hepático. Apenas a pioglitazona está disponível
no mercado (15). Reduz a A1c de 1% a 1,5%
e melhora o perfil lipêmico (1, 16). Inicia-se
o tratamento com 15mg e, se necessário,
aumenta-se após oito semanas (ver tabela).
A pioglitazona é metabolizada no fígado e
pode induzir moderadamente o CYP3A4 e
inibir o CYP2C8 e 2D6; pode então diminuir
os níveis de codeína e tramadol, e elevar os
de tamoxifeno e nebivolol, e interferir com
as várias drogas que são metabolizadas no
fígado no CYP3A4 (15). Pode causar insuficiência cardíaca congestiva, edema e ganho
de peso e, em longo prazo, fraturas. Logo,
é contraindicada em pacientes com insuficiência cardíaca moderada a grave (15, 17),
com elevação de enzimas hepáticas duas a
três vezes acima do limite superior do método (15), e em pacientes com risco de osteoporose (devendo-se monitorizar esses
parâmetros periodicamente) (15, 18). Quanto
ao ganho de peso, os estudos mostram que
este acontece mais pelo acúmulo de gordura
subcutânea, havendo diminuição da gordura
marrom, e pela retenção de água.
Hipoglicemiantes
Sulfonilureias
Cerca de 60% dos pacientes diabéticos
tipo 2 respondem bem às sulfonilureias (SUs),
sendo que a A1c cai em média 1,5% (1, 19).
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Se acrescentadas a tratamento prévio, p. ex.,
à metformina, devem diminuir a HbA1c em
média 1%. Há várias SUs no mercado e não
existe uma clara vantagem de umas sobre as
outras, salvo em situações específicas, como
insuficiência renal. As SUs agem nos canais
de ATP-potássio da célula beta pancreática,
aumentando a secreção de insulina (20). As
de segunda geração são mais específicas, e
interferem menos com canais de K-ATP no coração. Porém o risco de aumento de infartos
do miocárdio com o uso crônico dessas medicações é controverso na literatura (21-23). Em
pacientes idosos e com perda de função renal
ou hepática deve-se ter cuidado: as SUs de
primeira geração são proscritas, assim como a
glibenclamida (por ter metabólito de pura excreção renal e 70% de atividade em relação ao
sal original, além de alto índice de intoxicação
e hipoglicemias nos pacientes com clearance
estimado inferior a 50ml/min) (24, 25). A glimepirida é oxidada no fígado pelo CYP2C9
aos metabólitos M1 (que têm 33% de atividade) e M2, que são excretados na urina e nas
fezes, não sendo recomendada em pacientes
com clearance estimado inferior a 50ml/min
(26). As mais seguras nesses casos são a glipizida (porém com metabólito com 5%-10% de
atividade) (27) e a gliclazida (sem relatos de
metabólitos ativos) (28). Mesmo assim, deve-se iniciar com a dose mínima, titulando de
acordo com a resposta clínico-laboratorial.
Os efeitos colaterais mais comuns são hipoglicemia e aumento de peso. Podem acentuar os efeitos adversos e tóxicos do álcool.
Drogas como cimetidina, ranitidina, cloranfenicol, antidepressivos tricíclicos, fluconazol,
ácido acetilsalicílico e quinolonas, e nutrientes
como cromo e alho, podem acentuar o efeito hipoglicemiante das SUs. Podem ocorrer
alergias cruzadas entre as SUs e sulfonamidas,
diuréticos tiazídicos e de alça.
Metiglinidas
São a nateglinida e a repaglinida, voltadas para o tratamento da hiperglicemia pós-prandial. São rapidamente absorvidas, metabolizadas no fígado e devem ser prescritas
antes das refeições (ver tabela) (29, 30).
Seus efeitos colaterais mais comuns são
dor de cabeça, ganho de peso, diarreia,
tontura e hipoglicemias. A nateglinida é um
substrato maior dos CYPs 2C9 e 3A4, e tem
Pontos-chave:
> Os inibidores da
alfa-glicosidase retardam a
absorção da glicose;
> As tiazolidinedionas
melhoram a sensibilidade à
insulina;
> Cerca de 60% dos pacientes
diabéticos tipo 2 respondem
bem às sulfonilureias.
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Novas perspectivas de tratamento medicamentoso do diabetes mellitus
As incretinas são
peptídeos secretados
após alimentação que
promovem liberação
de insulina e redução
do glucagon, de forma
glicose-dependente,
sendo responsáveis por
até 70% da insulinemia
pós-prandial. A principal
incretina é o GLP-1,
que tem sua ação e
concentração reduzidas
no DM2.
metabólito de pura excreção renal, podendo levar à intoxicação e hipoglicemias em
pacientes com clearance inferior a 50ml/
min (31). A repaglinida não tem seu uso contraindicado por vários autores em pacientes
com insuficiência renal (32), porém há estudo
mostrando elevação significativa de sua concentração em pacientes com clearance de 20
a 40ml/min. Antibióticos macrolídeos (exceto a azitromicina) podem aumentar o efeito
da repaglinida. No entanto, como além da
metabolização pelo CYP3A4 a repaglinida
também é metabolizada pelo CYP2C8, a associação com genfibrozila é contraindicada
(alto risco de hipoglicemias) (31, 32).
Novas drogas e terapias
emergentes
Drogas com atuação no sistema incretina
Os êntero-hormônios, ou incretinas, são
peptídeos secretados após a alimentação
que promovem liberação de insulina e redução do glucagon, de forma glicose-dependente, sendo responsáveis por até 70% da
insulinemia pós-prandial. As duas principais
incretinas são o GLP-1 e o GIP (glucose-dependent insulinotropic peptide); apresentam
meia-vida curta, devido à inativação pela enzima DPP-4 (dipeptidil peptidase-4). O GLP-1
(glucagon-like peptide-1), que tem sua ação
e concentração reduzidas em diabéticos tipo 2,
é a principal incretina, e seu efeito agudo é
a liberação de insulina glicose-dependente,
seguida por aumento da biossíntese e da estimulação do gene de transcrição da insulina.
Leva ainda a aumento do tempo de esvaziamento gástrico, sensação de saciedade por
mecanismo central e redução da secreção
inapropriadamente elevada de glucagon,
que tem importância cada vez maior na fisiopatogenia da doença.
Agonistas do receptor do GLP-1
Exenatida
Polipeptídeo sintético, com 53% de homologia com o GLP-1 endógeno, aprovado
para o tratamento de pacientes com DM2
(33, 34). Sua aplicação é por via subcutânea, até uma hora antes do almoço ou café
da manhã e jantar. Sua absorção é rápida,
e cerca de 10 horas após a injeção ainda é
10
detectada na maioria dos pacientes. Pode
ser prescrita associada à metformina, sulfonilureia ou glitazona. A dose inicial é de 5mg,
duas vezes ao dia, e após um mês poderá ser
aumentada para 10mg duas vezes ao dia (34).
Provoca retardo no tempo de esvaziamento
gástrico e sensação de saciedade, que contribuem para a redução do peso, que ocorre
em aproximadamente 67% dos pacientes
tratados (35, 36). Os efeitos colaterais mais
frequentes são náusea e vômitos, que são
tempo e dose-dependentes, e responsáveis
por menos de 5% de desistência do tratamento pelos pacientes (36). O metabolismo
é por hidrólise renal e os pacientes com doença renal crônica avançada em geral não
toleram o medicamento (37).
Liraglutida
Análogo de GLP-1 modificado para ligar-se à albumina sérica de maneira não covalente, retardando sua degradação e permitindo o uso uma vez ao dia (38). A dose inicial
é de 0,6mg, subcutânea, inefetiva para controle glicêmico, mas reduz efeitos adversos,
principalmente gastrointestinais. Titulação
semanal e dose máxima de 1,8mg/dia (39).
É permitido seu uso como monoterapia ou
em associação a um ou mais antidiabéticos
orais (metformina, sulfonilureias ou glitazona), embora não seja considerada tratamento de primeira linha. Ainda não foi liberada a
associação com insulinas.
Apesar de metabolizada por peptidases
endógenas e de não apresentar excreção
renal, há pouca experiência em estágios moderados de insuficiência renal, e não deve
ser utilizada em estágios avançados (40-42).
Limitada informação na insuficiência hepática (41, 42). Leva à redução média da glicemia
de jejum entre 30 e 40mg/dl, pós-prandial
entre 32 e 50mg/dl, A1c entre 1% e 1,5% e
peso entre 1 e 3,4kg, com doses de 1,2 ou
1,8mg/dia. Pequena redução da pressão arterial sistólica e ausência de efeito sobre a
diastólica (43-48).
Os efeitos colaterais mais comuns são
gastrointestinais (náuseas, vômitos e diarreia), sendo a náusea o mais frequente, à
semelhança da exenatida. Há risco pequeno
de hipoglicemias, geralmente leves e quando associada a sulfonilureias (8%-27%) (43,
48). Como com todas as incretinas, orais
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Novas perspectivas de tratamento medicamentoso do diabetes mellitus
ou injetáveis, há possível relação causal
com pancreatite aguda, mas as informações
são insuficientes para confirmar ou excluir.
Considerar em casos de dor abdominal persistente e suspender seu uso (41, 42). Houve
aumento do risco de carcinoma medular de
tiroide em ratos e camundongos. Esses animais apresentam densidade de receptores
para GLP-1 entre 20 e 45 vezes maior do que
em humanos. Apesar de não confirmado em
estudos com humanos ou macacos, não é recomendada para pacientes com antecedente
pessoal ou familiar de carcinoma medular de
tiroide ou neoplasia endócrina múltipla 2A
ou 2B (41, 42).
Inibidores da DPP-4
Fármacos de uso oral que aumentam os
níveis de GLP-1 entre 1,8 e 3 vezes, devido
à inibição de sua degradação pela enzima
DPP-4 (49). Neutros em relação ao peso e
com baixo risco de hipoglicemia (50-52).
Atuam principalmente na glicemia pós-prandial, com menor efeito na glicemia de jejum.
Disponíveis em nosso país a sitagliptina e
a vildagliptina, saxagliptina e mais recentemente a linagliptina. Há poucos estudos
pareados (head-to-head) disponíveis, e informações de meta-análises sugerem eficácia
semelhante, redução de A1c inferior a 1% e
baixa ocorrência de efeitos colaterais. Podem
ser associados à metformina, a sulfonilureias
e glitazonas, mantendo sua efetividade (5052). Podem levar a pequeno aumento do
risco de IVAS, ITU e cefaleia. A monitorização de enzimas hepáticas se faz necessária
no primeiro ano, devido a relatos de hepatite aguda (53). Todas as gliptinas devem ter
a dose reduzida se houver redução do ritmo
de filtração glomerular (50-52). A exceção é
a linagliptina, que sofre excreção hepática, é
eliminada nas fezes praticamente inalterada
(84,7% da dose oral) e não necessita de ajuste de dose, mesmo quando há doença renal
crônica grau V (ClCr < 15ml/min) (51).
Análogo da amilina
Pramlintida
A amilina é polipeptídeo de 37 aminoácidos, cossecretado com a insulina, e que
provoca redução na liberação do glucagon e
retardo do esvaziamento gástrico (54). A pramJBM
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lintida é um análogo sintético da amilina, solúvel, que não se precipita e que tem propriedades farmacocinética e farmacodinâmica semelhantes à amilina nativa. Sua aplicação é subcutânea, antes das refeições, sendo
liberada pela FDA para DM1 e 2 (55). Os efeitos colaterais mais frequentes são náuseas e
hipoglicemias. Devido a seu pH diferente da
insulina, a mesma deve ser aplicada em injeções separadas.
Bromocriptina
A nova formulação de bromocriptina
apresenta rápida absorção e ação (56, 57).
Aumenta o tônus dopaminérgico central,
frequentemente reduzido em indivíduos resistentes à ação da insulina, com consequente inibição do tônus simpático do SNC (56,
58, 59). Reduz principalmente a glicemia
pós-prandial, através da supressão da produção hepática de glicose (58). Ainda não
é disponível no Brasil. Redução média da
HbA1c entre 0,5% e 0,7%, neutra no peso
e não predispõe à hipoglicemia (56, 60, 61).
Em estudo para avaliar sua segurança clínica
e cardiovascular, reduziu o risco relativo de
desfechos cardiovasculares em 40% (HR: 0,6
[IC 95%: 0,37-0,96]) (60). Os efeitos adversos
mais comuns são náuseas, fadiga, tontura,
constipação, diarreia e rinite — mais frequentes no início do tratamento e na titulação da
dose, tendem a desaparecer entre uma e
duas semanas (56, 60).
Colesevelam
Pertence à segunda geração de sequestradores de ácidos biliares, sendo a única
resina aprovada pela FDA como terapia adjuvante para o DM2 não controlado com metformina, sulfonilureia ou insulina. Seu efeito
no metabolismo da glicose ainda não está
elucidado; parece agir através do aumento
da colecistocinina (CCK), em ação adicional
a um atraso no esvaziamento gástrico (62).
Atua principalmente na glicemia pós-prandial e não causa hipoglicemia e nem ganho
de peso (63-66). Devido ao potencial aumento de triglicérides (2%-19%), deve ser evitado na hipertrigliceridemia grave (67). Pode
interferir na absorção de alguns medicamentos, sendo recomendado ingeri-los uma hora
antes ou quatro horas após o colesevelam.
Os efeitos colaterais mais comuns são gas-
Pontos-chave:
> Os inibidores da DPP-4
aumentam os níveis de GLP-1
entre 1,8 e 3 vezes;
> Estão disponíveis no país
a sitaglipina, vildagliptina,
saxagliptina e linagliptina;
> Todas as gliptinas devem
ter a dose reduzida se houver
redução do ritmo de filtração
glomerular.
11
Novas perspectivas de tratamento medicamentoso do diabetes mellitus
trointestinais, principalmente constipação,
em geral leve a moderada (63-66).
Conclusões
A evolução no tratamento do DM2 nos
últimos anos foi marcante, principalmente
com o advento das drogas do grupo das
incretinas. Como primeira linha permanece
a indicação da metformina. Entretanto, do
Endereço para
correspondência:
João Roberto de Sá
Centro de Diabetes
da Disciplina de
Endocrinologia e
Metabologia — Escola
Paulista de Medicina/
Unifesp
Rua Estado de Israel, 639
Vila Clementino
04022-001
São Paulo-SP
[email protected]
Referências
11. NATHAN, D.M.; BUSE, J.B. et al. — Medical management
of hyperglycemia in type 2 diabetes: A consensus algorithm
for the initiation and adjustment of therapy: A consensus
statement of the American Diabetes Association and the
European Association for the Study of Diabetes. Diabetes
Care, 32(1): 193-203, 2009.
12. SHAW, R.J.; LAMIA, K.A. et al. — The kinase LKB1 mediates glucose homeostasis in liver and therapeutic effects of
metformin. Science, 310: 1642, 2005.
13. BAILEY, C. — Biguanides and NIDDM. Diabetes Care,
15(6): 755-72, 1992.
14. DEFRONZO, R.A. & GOODMAN, A.M. — Efficacy of metformin in patients with non-insulin-dependent diabetes
mellitus. The Multicenter Metformin Study Group. N. Engl.
J. Med., 333(9): 541-9, 1995.
15. HIRSCH, H.A.; ILIOPOULOS, D. et al. — Metformin selectively targets cancer stem cells, and acts together with chemotherapy to block tumor growth and prolong remission.
Cancer Res., 69(19): 7507-11, 2009.
ponto de vista estritamente de controle glicêmico, o poder de redução da glicemia pela
insulina é maior, e esta deverá ser indicada
sempre que o paciente apresentar clínica de
catabolismo e altos níveis de glicemia e de
A1c. O controle glicêmico precisa ser considerado no contexto de redução do risco das
complicações crônicas vasculares e de segurança e eficácia para o paciente.
16. DE JAGER, J.; KOOY, A. et al. — Long term treatment with
metformin in patients with type 2 diabetes and risk of vitamin B-12 deficiency: Randomised placebo controlled trial.
BMJ, 340: c2181, 2010.
17. SALPETER, S.; GREYBER, E. et al. — Risk of fatal and nonfatal lactic acidosis with metformin use in type 2 diabetes
mellitus. Cochrane Database Syst. Rev., 1: CD002967,
2006.
18. TAHRANI, A.A.; VARUGHESE, G.I. et al. — Metformin,
heart failure, and lactic acidosis: Is metformin absolutely
contraindicated? BMJ, 335: 508, 2007.
19. SALVATORE, T. & GIUGLIANO, D. — Pharmacokineticpharmacodynamic relationships of acarbose. Clin.
Pharmacokinet., 30: 94-106, 1996.
10. VAN DE LAAR, F.A.; LUCASSEN, P.L. et al. — Alphaglucosidase inhibitors for type 2 diabetes mellitus.
Cochrane Database Syst. Rev., 2: CD003639, 2005.
Obs.: As 57 referências restantes que compõem este artigo se
encontram na Redação à disposição dos interessados.
Tema Central: Diagnóstico e terapêutica em Gastroenterologia
Coordenação científica: Prof. José Galvão-Alves
Convidados internacionais
Vicente Arroyo (Espanha) • Fernando Magro (Portugal)
Apoio
Santa Casa da Misericórdia do RJ
Federação Brasileira de Gastroenterologia
12
Sociedade de Gastroenterologia do RJ
Sociedade Brasileira de Clínica Médica do RJ
JBM
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SETEMBRO/OUTUBRO
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VOL. 100  No 4
panorama internacional
Profa. Dra. Andréa F. Mendes
prescrever colchicina, como primeira escolha. Os anti-inflamatórios não esteroidais e os corticosteroides permanecem
como opções nas crises agudas, leve e
moderadas.
Manejo da taquicardia
supraventricular
A evolução do diabetes ao longo
dos séculos
N. Engl. J. Med.
Em janeiro do ano corrente, o renomado periódico The New England
Journal of Medicine completou 200
anos de publicação ininterrupta. Desde
então, tem trazido em diversas de suas
edições semanais artigos que revisam a
evolução, ao longo desses dois séculos,
no conhecimento científico de doenças
comuns na prática diária, como doença arterial coronária e infarto agudo do
miocárdio, doenças infecciosas, asma
e neoplasias malignas. O mais recente
destes artigos (Polonsky, K.S. “The Past
200 Years in Diabetes”. N. Engl. J. Med.
2012; 367:1332-40) aborda os importantes avanços observados nesse ínterim,
no que diz respeito ao reconhecimento
dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos na gênese do diabetes mellitus e
nos avanços relacionados ao tratamento
da hiperglicemia e suas complicações.
Assim como no passado, a doença é
ainda um desafio para os médicos e se
associa a reduzida expectativa de vida.
Entretanto, a qualidade de vida melhorou drasticamente: com um variado arsenal terapêutico à disposição, hoje os
pacientes podem levar uma vida ativa
e produtiva por décadas após o diagnóstico. Nos dias atuais, talvez o maior
desafio seja a prevenção. De modo
oposto ao ocorrido no passado — quando a imensa maioria dos casos descritos
devia-se à deficiência insulínica —, os
novos casos se relacionam ao sobrepeso ou obesidade e decorrem de resistência insulínica e secreção deficiente
desse hormônio. A obesidade tem sido
descrita nas últimas décadas como uma
epidemia mundial, fazendo do DM tipo
JBM
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SETEMBRO/OUTUBRO
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VOL. 100  No 4
2 uma das condições clínicas mais frequentes e graves com que o médico
se depara em sua prática diária. Para o
futuro não há dúvida de que as modificações nos hábitos de vida desempenharão importante papel preventivo no
DM2; assim como o estudo genético, ao
permitir a identificação de vias e alvos
moleculares alternativos para a criação
de novas drogas. Avanços nos estudos
com células-troncos (transformando-se
em células betapancreáticas) são promissores para o manejo do DM1.
Diretrizes para o tratamento da
gota e hiperuricemia
Arthritis Care Res.
O American College of Rheumatology (ACR) publicou novas diretrizes
para o manejo da hiperuricemia e sua
principal complicação, a artrite gotosa
(Khanna, D. et al. “American College
of Rheumatology Guidelines for Management of Gout: Part 1 and 2”. Arthritis
Care Res. 2012; 64:1431-1461). Sobre a
conduta na hiperuricemia, hoje também
reconhecida como um marcador de risco cardiovascular, os autores destacam
que o objetivo principal do tratamento
deve ser manter os valores plasmáticos
de ácido úrico abaixo de 6mg/dl. Para
isso, os medicamentos de primeira escolha são o alopurinol e o febuxostat (esse
último ainda não comercializado no Brasil); a probenecida é descrita como segunda opção. A dose inicial de 100mg/
dia de alopurinol pode ser aumentada
progressivamente, conforme necessário, até o limite máximo de 800mg/dia.
Para os pacientes que desenvolvem
crise aguda de gota, além da terapia
redutora de ácido úrico recomenda-se
N. Engl. J. Med.
A partir da apresentação de um
caso clínico, onde se descreve paciente
do sexo feminino, 24 anos, que busca
atendimento no setor de emergência
referindo início abrupto de palpitações e
sensação de “coração acelerado”, Link,
M.S. aborda o manejo da taquicardia supraventricular (TSV), a exemplo de fibrilação e flutter atrial. O artigo “Evaluation
and Initial Treatment of Supraventricular
Tachycardia” (N. Engl. J. Med. 2012;
367:1438-48) descreve as principais formas de TSV, lembrando que se trata de
condições ameaçadoras à vida e que
requerem intervenção médica imediata.
O diagnóstico diferencial das TSVs deve
focar em características da resposta ventricular observadas ao eletrocardiograma (ECG) — amplitude e regularidade
do complexo QRS, frequência cardíaca,
por exemplo —, além da resposta à administração de adenosina, medicamento
que promove bloqueio do nodo atrioventricular e pode reverter alguns tipos
específicos de TSV (taquicardia reentrante nodal, por exemplo). De acordo com
as diretrizes para Suporte Avançado de
Vida em Cardiologia (ACLS2010), do
American College of Cardiology, o medicamento é a droga de escolha para o tratamento inicial das TSVs com QRS amplo
e ritmo regular. Destaca-se que a droga
deve ser administrada de modo cauteloso, sempre com o paciente devidamente
monitorado, tendo-se em mãos um desfibrilador. O artigo inclui ainda dois fluxogramas, que demonstram didaticamente
a conduta para diagnóstico diferencial e
tratamento das taquicardias de complexo QRS amplo ou estreito.
13
Desmitificando o uso de betabloqueadores no
tratamento da hipertensão arterial sistêmica
cardiologia
Desmitificando o uso de betabloqueadores no tratamento da hipertensão arterial sistêmica
Marcelo Montera
Doutor em Cardiologia pela USP. Professor de Cardiologia e Farmacologia. Coordenador do Centro
de Insuficiência Cardíaca do Hospital Pró-Cardíaco. Coordenador de Pesquisa Clínica do Hospital
Central do Exército.
Resumo
Summary
O uso de betabloqueadores (BBs) no tratamento da hipertensão arterial (HAS) tem sofrido diversas mitificações quanto ao seu real
benefício. Quatro principais pontos têm sido
divulgados como “verdades”: os BBs são
considerados pelas diretrizes como fármacos
de quarta linha; teriam uma ação hipotensora
fraca em relação aos outros fármacos; trariam
poucos benefícios na prática clínica sobre o
prognóstico evolutivo de pacientes com HAS;
e são de difícil manuseio, por apresentarem
uma série de paraefeitos. Os BBs apresentam
um importante papel no controle da HAS,
com benefícios clínicos bem demonstrados e
com paraefeitos facilmente evitáveis através
do conhecimento do seu comportamento farmacológico.
The use of beta-blockers (BBs) in the treatment of hypertension (HTN) has undergone
several mystification regarding its real benefit. Four main points have been disclosed
as “truths”: the BBs are considered as drugs
by the guidelines of the fourth line; would
have a weak hypotensive action in relation
to other drugs; would bring little benefit in
clinical practice on the prognostic evaluation
of patients with hypertension; and are difficult to handle because they present a series
of side-effects. BBs have an important role in
the control of hypertension, with clinical benefits demonstrated and well side-effects
easily preventable through knowledge of
their pharmacological behavior.
Introdução
diretrizes, feitas em apresentações realizadas
para o meio médico nos últimos 10 anos.
A primeira afirmativa sugere que os betabloqueadores vêm sendo considerados pelas
diretrizes como fármacos de quarta linha, e
não mais de primeira opção como anteriormente se preconizava. A segunda diz que, de
forma geral, o BB seria um fraco hipotensor,
com uma eficácia terapêutica menor no tratamento da HAS em relação a outros fármacos.
A terceira diz que o BB traria poucos benefícios na prática clínica sobre o prognóstico
evolutivo de pacientes com HAS, portanto
haveria pouco espaço para sua utilização. E,
por último, tem sido amplamente divulgado
que os betabloqueadores são de difícil manuseio, por apresentarem uma série de paraefeitos.
Em contraponto podemos observar que,
coincidentemente, todos os grandes novos
fármacos lançados nos últimos 10 anos, e
Este artigo traz uma reflexão sobre o
manuseio de fármacos no tratamento da
hipertensão arterial sistêmica (HAS), a partir de uma revisão aprofundada de estudos
apresentados nos últimos anos. O principal
objetivo é demonstrar, com total isenção,
quais os reais benefícios e limitações no uso
de betabloqueadores (BBs), comparados a
outros fármacos usados no tratamento da
HAS. Alguns critérios serão abordados, como
o conceito do uso desses medicamentos na
prática clínica, através de medicina baseada
em evidências, além de uma visão do comportamento clínico-farmacológico dos BBs.
Essa avaliação pretende questionar quatro importantes pontos divulgados como
verdades sobre o tratamento da hipertensão
arterial sistêmica e que, aqui, serão tratados
como “mitos”. São afirmativas oriundas de
análises incompletas de diversos estudos e
JBM
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SETEMBRO/OUTUBRO
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VOL. 100  No 4
Unitermos:
Betabloqueadores;
tratamento da hipertensão
arterial; AVC e diabetes.
Keywords: Betablockers; treatment of
hypertension; stroke and
diabetes.
15
Desmitificando o uso de betabloqueadores no tratamento da hipertensão arterial sistêmica
Apresentamos, aqui,
uma investigação sobre
a veracidade de todas
essas informações. Cada
aspecto envolvido será
analisado, um a um,
para desmitificar o uso
de betabloqueadores
no tratamento da
hipertensão arterial
sistêmica.
levados aos simpósios e encontros médicos,
estão principalmente relacionados ao sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA),
além de bastante divulgados pela indústria
farmacêutica como a única linha de tratamento com resultados positivos para a HAS.
Por sua vez, não é comum na prática clinica a dosagem de adrenalina ou noradrenalina para avaliação da atividade do sistema
simpático, com o objetivo de demonstrar a
relação deste com a gênese da hipertensão,
o que é mais fácil em relação ao S-RAA através da dosagem da renina sérica.
Apresentamos, aqui, uma investigação
sobre a veracidade de todas essas informações. Cada aspecto envolvido será analisado,
um a um, para desmitificar o uso de betabloqueadores no tratamento da hipertensão arterial sistêmica.
Primeiro ponto de desmitificação:
betabloqueadores são fármacos de
quarta linha
Para desmitificar a primeira afirmativa sobre os BBs, faremos uma revisão abrangente
das principais diretrizes que normatizam em
nível mundial o tratamento da hipertensão.
Vamos iniciar uma análise sobre o que dizem
as diretrizes quanto ao uso dos BBs no tratamento da HAS, em termos gerais, sem abordar subgrupos específicos de pacientes onde
o betabloqueador terá ou não benefício.
As principais diretrizes que normatizam o
tratamento da HAS são:
— British Medical Society Guideline (BMS-NICE
2011) (1).
— NICE Clinical Guideline 127
Hypertension:
Clinical management of primary hypertension
in adults. www.nice.org.uk/guidance/CG127.
— Joint National Committee (JNC 7 2003) (2).
— Chobanian, A.V.; Bakris, G.L. et al. and the
National High Blood Pressure Education Program Coordinating Committee. Hypertension, 42: 1206-52, 2003.
— Diretriz Brasileira de HAS da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC 2010) (3).
— European Society of Cardiology (ESC 2007) (4).
— American Heart Association (AHA 2007) (5).
— ACCACCF/AHA 2011 — Expert Consensus
Document on Hypertension in the Elderly (6).
— Canadian Cardiovascular Society (CCS 2010) (7).
16
British Medical Society Guideline
(BMS-NICE 2011)
A diretriz da British Medical Society Guideline (originalmente publicada em 2004) (8) teve
seu último sumário apresentado em agosto de
2011 pelo grupo do National Institute for Health
and Clinical Excellence (NICE). O fluxograma
do sumário coloca como primeira opção de
tratamento da HAS a utilização de inibidores da
enzima de conversão da angiotensina (IECAs),
ou bloqueadores dos receptores da angiotensina II (BRAs). Caso a combinação não seja eficaz,
é indicado o uso de antagonistas do canal de
cálcio. Como terceira alternativa, deve-se ministrar a combinação de diurético. O uso dos
BBs é preconizado como quarta opção, em
conjunto com outros fármacos.
Este fluxograma vem sendo apresentado
em muitos simpósios e congressos e, com
ele, justifica-se o primeiro mito de que os BBs
são considerados fármacos de quarta opção.
A pergunta é: isso é o que realmente diz o
documento?
Em primeiro lugar devemos reportar que
este documento é um sumário de atualização, 18a revisão, e não o documento original.
No texto do documento (e não no fluxograma), em realidade os BBs são citados como
primeira opção para pacientes jovens (principalmente jovens tolerantes a IECAs/BRAs),
mulheres jovens (porque não é teratogênico
e não interfere no desenvolvimento fetal) e,
ainda, para pacientes com hipertensão arterial hiperativa simpático-dependente.
Por que não são citados os pacientes que
usualmente estão indicados para o uso dos BBs
na HAS?
Este sumário, como citado no texto do
documento, não se aplica aos pacientes com:
diabetes mellitus (DM); doença arterial coronariana (DAC) crônica; pós-infarto do miocárdio; idade < 18 anos; grávidas; causas secundárias de HAS, entre elas nefropatias, apneia
obstrutiva do sono, tumores das glândulas
suprarrenais e estenose das artérias renais;
crise de HAS; HAS acelerada; fibrilação atrial
crônica.
Quem seriam os pacientes com perfil clínico nos
quais os BBs teriam plena indicação de uso?
É um equívoco se utilizar deste fluxograma como um guia para todos os subgrupos
de pacientes portadores de HAS. Ou seja, a
JBM
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Desmitificando o uso de betabloqueadores no tratamento da hipertensão arterial sistêmica
conclusão correta do sumário é que nos pacientes hipertensos com as situações clínicas
excluídas pelo documento os BBs são considerados como quarta opção de escolha na
terapêutica.
Quando nos reportamos ao documento
original, publicado em 2004, onde não houve restrições quanto aos tipos de pacientes
hipertensos, os BBs estão indicados como
primeira opção terapêutica nos pacientes
com insuficiência cardíaca sistólica e diastólica, doença coronariana e, com cautela, nos
diabéticos e portadores de asma brônquica.
Além disso, no documento original (como
também poderemos observar em todas as
outras diretrizes a seguir) é citado que os BBs
não são inferiores a nenhum outro fármaco
na redução da pressão arterial, e que caso o
paciente esteja com a pressão arterial controlada pelo betabloqueador, não há a menor
necessidade de suspendê-lo ou trocá-lo por
outro fármaco.
Joint National Committee (JNC 7 2003)
O JNC 7 de Hipertensão da American
Heart Association, publicado em 2003 no
Hypertension, é um documento de grande
importância não somente pelo seu conteúdo
abrangente, mas também por sua formatação ter sido utilizada em todas as diretrizes
subsequentes, na construção dos fluxogramas terapêuticos. O fluxograma terapêutico
do JNC 7 preconiza que no primeiro estágio
do tratamento da hipertensão não há preferência na escolha dos fármacos com relação
à eficácia na redução da pressão arterial. No
segundo estágio do tratamento também se
pode optar por várias formas de combinação
entre os fármacos mais utilizados, sem preferência entre eles. Ou seja, não há discriminação para o uso de betabloqueador, em
termos gerais, no tratamento da HAS.
Na presença de patologias associadas
à HAS (compelling indication) temos indicações específicas para o uso de cada
fármaco, independente de sua ação na redução da pressão arterial, mas para o controle da patologia associada. No caso dos
BBs, estes estão indicados nos pacientes
hipertensos que apresentem também insuficiência cardíaca (IC) sistólica ou diastólica,
doença arterial coronariana (DAC) aguda
ou crônica ou com fatores de alto risco de
JBM
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SETEMBRO/OUTUBRO
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VOL. 100  No 4
desenvolvimento de DAC e com diabetes
mellitus (DM) tipo II. Nestas situações clínicas os BBs têm benefício comprovado no
controle destas patologias e na redução de
suas comorbidades. O documento também
observa que os BBs podem ser utilizados
nas mulheres jovens, ou grávidas, tema que
será abordado mais adiante neste artigo,
quando falaremos sobre farmacocinética.
Sociedade Brasileira de Cardiologia
(SBC 2010)
A Diretriz Brasileira de Hipertensão da
SBC, publicada em 2010 nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, segue a mesma linha
do JNC 7. Em termos gerais, a diretriz preconiza que na primeira etapa da terapêutica,
como monoterapia, não há nenhuma diferença na escolha entre os fármacos para o
tratamento da HAS. Assim como na terapia
combinada, podemos associar os BBs a outros fármacos.
Pela diretriz, os BBs estão indicados
como primeira opção em várias situações
clínicas: nos pacientes com idade < 60 anos
de acordo com modelo fisiopatológico da
HAS; nos pacientes com idade > 60 anos que
apresentem associados: DAC, IC com disfunção diastólica, arritmias cardíacas, infarto do
miocárdio, IC com disfunção sistólica; HAS
secundária por hiperadrenergismo; insuficiência renal crônica (IRC); crianças e adolescentes; grávidas e lactantes.
Como podemos ver, os BBs são indicados para pacientes com menos de 60 anos
de acordo com o modelo fisiopatológico que
indique a associação da HAS com hiperadrenergismo. No caso de pacientes com modelo
hipoadrenérgico, como os pacientes negros
ou bradicárdicos, não é indicado o uso de
BBs.
Segundo a diretriz, os BBs também são
indicados em casos de pacientes idosos acima de 60 anos que apresentem, em associação com a hipertensão, diagnóstico de doença coronária, disfunção sistólica ou diastólica,
IC, arritmias cardíacas como fibrilação atrial
e taquicardias supraventriculares, com a função principal de controle destas patologias e
não na redução da pressão arterial.
Assim como também nos pacientes com
DAC (mesmo que pós-infarto), IRC, hipertensão arterial secundária ou hiperadrenergismo
Pontos-chave:
> Na presença de patologias
associadas à HAS (compelling
indication) temos indicações
específicas para o uso de cada
fármaco, independente de sua
ação na redução da pressão
arterial;
> BBs estão indicados para
hipertensos que também
apresentam IC, DAC e DH
tipo II;
> Nestas situações clínicas os
BBs têm benefício comprovado
no controle destas patologias
e na redução de suas
comorbidades.
17
Desmitificando o uso de betabloqueadores no tratamento da hipertensão arterial sistêmica
Com base na Diretriz
Brasileira, podemos
concluir que existem
vários perfis de pacientes
para os quais o uso do
BB é altamente indicado,
seja como redutor da
pressão arterial, seja
como coadjuvante de
outros fármacos na
prevenção de eventos
cardiovasculares.
— como estenose, artéria renal e doença
tireoidiana — todos necessitarão, obrigatoriamente, do uso de BBs, independente de
terem HAS ou não.
Os BBs também podem, e devem ser
usados em crianças e adolescentes. Isso porque a gênese da hipertensão na maioria destes pacientes decorre do hiperadrenergismo.
Também nesta diretriz, como no Joint 7, os
BBs também são indicados para o tratamento de HAS em grávidas e lactantes, assunto
sobre o qual discorreremos com mais detalhes no item que envolve farmacocinética.
Portanto, com base na Diretriz Brasileira,
podemos concluir que existem vários perfis de pacientes para os quais o uso do BB
é altamente indicado, seja como redutor da
pressão arterial, seja como coadjuvante de
outros fármacos na prevenção de eventos
cardiovasculares.
European Society of Cardiology (ESC 2007)
A diretriz da Sociedade Europeia de Cardiologia, publicada em 2007 no European
Heart Journal, segue o mesmo padrão das
diretrizes apresentadas anteriormente. Na
monoterapia, em termos gerais, não há diferença entre os fármacos para se iniciar o
tratamento da HAS. Da mesma forma, na
terapia combinada existem várias situações
possíveis para a utilização do BB, seja em associação com diuréticos, antagonistas do canal de cálcio, bloqueadores do receptor AT1
ou com a IECA.
Como revelado nas outras diretrizes, este
documento evidencia que os betabloqueadores devem estar presentes para um grupo
de pacientes já mencionados antes, como
doentes coronarianos, com IC, arritmias e grávidas. O que mostra, mais uma vez, que uma
extensa categoria de pacientes deve receber
os BBs associados ou não a outros fármacos,
com o objetivo de baixar a pressão mas, também, de prevenir eventos cardiovasculares.
American Heart Association 2007
Esta diretriz também mantém o raciocínio
das diretrizes anteriores. Os BBs são considerados terapia de primeira escolha nos pacientes com DAC crônica, angina instável,
IAM (com ou sem supra), IC (aguda ou crônica) ou diabetes tipo 2.
18
ACCACCF/AHA 2011 — Expert Consensus
Document on Hypertension in the Elderly
Este documento é de extrema importância para a compreensão dos pacientes idosos com HAS. O uso de BBs estaria indicado
como terapia coadjuvante nos idosos na presença de patologias associadas, como já definidas anteriormente pelas outras diretrizes.
Sendo acrescentada a indicação da presença
de aortopatias como ectasia ou aneurisma de
aorta, onde o uso de BBs demonstra impacto no prognóstico evolutivo. O documento
enfatiza que a prevalência destas comorbidades é muito frequente nos pacientes idosos hipertensos, portanto sendo frequente a
necessidade da associação dos BBs aos anti-hipertensivos. Na ausência destas comorbidades os fármacos de escolha seriam os
antagonistas do canal de cálcio, diuréticos,
IECAs ou BRAs para o controle da HAS, como
monoterapia ou terapêutica combinada.
Canadian Cardiovascular Society (CCS 2010)
Bem como as outras diretrizes, esta reafirma o uso de BBs como monoterapia ou terapia combinada em pessoas abaixo dos 60
anos — principalmente nos pacientes desse
grupo que apresentem IC sistólica ou diastólica, pós-infarto ou diabetes.
QUADRO 1: Conclusão quanto ao mito
de que as diretrizes suprimiram o uso
dos BBs no tratamento da HAS
• Em termos gerais, no tratamento da HAS
são equivalentes a todos os outros
anti-hipertensivos.
• Estão indicados como terapêutica
coadjuvante, em pacientes adultos e
idosos, na presença de comorbidades,
onde comprovadamente apresentam
benefícios na evolução prognóstica.
• Estão plenamente indicados em pacientes
jovens e em grávidas (dependendo do
tipo de BB).
• Estão indicados em todos os pacientes
onde a gênese da HAS esteja relacionada
ao aumento da atividade simpática.
Portanto, não é fato que as diretrizes releguem
a um papel sem importância o uso dos BBs no
controle da HAS e de suas comorbidades.
JBM
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Desmitificando o uso de betabloqueadores no tratamento da hipertensão arterial sistêmica
Segundo ponto de desmitificação:
os BBs são menos eficazes na
redução da pressão arterial
Inicialmente, a afirmação de que os BBs
são menos eficazes na redução da pressão arterial foi desmitificada na análise das diretrizes.
Ficou comprovado que, em termos gerais, não
há diferença no uso de betabloqueador no
tratamento da HAS frente a outros fármacos,
quando o objetivo é reduzir a pressão arterial.
Para melhor entendermos os benefícios dos
BBs, em comparação a outras linhas de tratamento, precisamos antes fazer uma análise do
ponto de vista geral e depois identificar que
tipo de paciente melhor responde aos BBs.
Análise do ponto de vista geral
Uma meta-análise de 42 estudos comparou a monoterapia com o uso de diuréticos,
BBs, IECAs ou antagonistas do canal de cálcio, em relação à capacidade de cada um na
redução da pressão arterial sistólica (PAS).
Foi demonstrado que não há diferença entre
eles na capacidade de redução da pressão
arterial sistólica. E quando se faz a terapêutica combinada entre qualquer um desses fármacos, também não é observada nenhuma
distinção, a não ser a melhor tendência do
BB na redução da PAS (9).
Também observamos que o atenolol
foi semelhante ao besilato de anlodipino
(ASCOT-BLA) e à losartana (LIFE) na redução da
pressão arterial, o que comprova a afirmativa
das diretrizes anteriormente citadas de que,
em termos gerais, os BBs têm a mesma ação
hipotensora que os outros fármacos (10, 11).
Que tipo de paciente responde melhor aos
betabloqueadores?
De uma análise geral passa-se, agora, à
particularização do uso de BBs no tratamento
da HAS. Para chegar à resposta de qual paciente melhor responde ao tratamento com
BBs é preciso seguir um fluxograma de raciocínio através de quatro questionamentos,
para se construir o racional do tratamento da
hipertensão que se aplica a qualquer fármaco a ser utilizado:
— Qual o modelo fisiopatológico da HAS?
— Qual o tipo de paciente?
— Qual o alvo terapêutico?
JBM
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SETEMBRO/OUTUBRO
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VOL. 100  No 4
— Qual o perfil farmacológico do BB que
melhor se adapta ao meu paciente?
Qual o modelo fisiopatológico de
hipertensão do paciente?
Basicamente devemos, inicialmente através de anamnese e exame clínico, estimar
se o modelo fisiopatológico da hipertensão
arterial do paciente é hiper-reninêmico + hiperadrenérgico, ou o contrário.
Uma vez definido que a HAS é simpático-dependente (SNS), se faz necessário a compreensão básica do funcionamento deste
sistema. O sistema nervoso simpático (SNS)
tem uma atuação central, chamada de pré-sináptica (cérebro e medula), e periférica,
pós-sináptica (órgãos efetores). No sistema
periférico temos β1 e 2-receptores e α1 e
2-receptores, que são ativados através da
noradrenalina liberada pela vesícula sináptica e pela ação da adrenalina circulante. Através da ativação simpática teremos atuações
na gênese da hipertensão arterial, em nível
periférico, através de vasoconstrição periférica (α1-2-R), modulação da vasodilatação
(β2-R), liberação da renina (β1-R) com ativação do SRAA e aumento do débito cardíaco
(β1-R). Em nível central, temos aumento do
drive simpático mediado por β estímulo e
a sua redução mediada através da ativação
dos α-R; portanto, podemos mediar centralmente o simpático através do bloqueio
do β-R ou através de agonista do α-R como
α-metildopa.
Todos os benefícios esperados em Cardiologia através dos BBs são fundamentalmente mediados pelo bloqueio do β1-R,
como mostra a Figura 1 (12). Observam-se,
em nível central, redução da liberação de
norepinefrina, redução da renina, redução da
remodelagem, vasodilatação mediada pelo
β2-R, melhora da função endotelial e estabilização da placa aterosclerótica, por redução
do estresse transmural e da inflamação.
No coração, a maioria dos benefícios clínicos, como melhora da função ventricular,
redução da mortalidade por IC e morte súbita, é mediada pelas ações na fisiopatologia pelo bloqueio do β1-R (12): bradicardia
sinusal; atraso na condução A-V; redução do
automatismo e excitabilidade; efeito agudo
inotrópico negativo; efeito crônico inotrópico positivo; redução da hipertrofia e fibrose;
Pontos-chave:
> A afirmação de que os
BBs são menos eficazes na
redução da pressão arterial foi
desmitificada na análise das
diretrizes;
> Não há diferença no uso de
betabloqueador no tratamento
da HAS frente a outros
fármacos, quando o objetivo é
reduzir a pressão arterial;
> É preciso fazer uma análise
do ponto de vista geral e
identificar que de paciente
melhor responde aos BBs.
19
Desmitificando o uso de betabloqueadores no tratamento da hipertensão arterial sistêmica
Bloqueio β1-R
x
x
SNC
• ReduzNE
x
x
Rin
Vascular
Coração
•Reduzrenina
• Bradicardia
• ReduzconduçãoA-V
• Melhoradasfunções
sistólica e diastólica
• Antirremodelagem
• Modulametabolismo
•
•
•
•
Vasodilatação
Melhoraendotelial
Coagulação
EstabilizaDAC
Figura 1: Ações na fisiologia em decorrência do bloqueio do β1-R.
redução da apoptose; redução do cálcio no
citosol; aumento do β1-R; melhora da função
do β1-R; melhora do metabolismo da glicose
e ácido graxo miocárdico; redução da ativação do SRAA tecidual.
Por sua vez, o bloqueio do β2-R (Figura 2) está associado ao desenvolvimento de
vários efeitos indesejáveis, em decorrência
deste receptor estar espalhado em vários
órgãos. Em nível do sistema nervoso central,
o bloqueio de β2-R resulta em redução do
drive simpático, diminuição da libido sexual,
induz à insônia, pesadelos, hipotensão postural e redução da ansiedade (o que pode
ser favorável, ou não). Na área vascular, o
bloqueio do β2-R limita a capacidade de
vasodilatação durante exercícios físicos, provocando cãibras e aumento da resistência
periférica ao exercício; ainda estimula a pressão de pulso central, interferindo no possível
benefício de menor incidência de acidentes
vasculares encefálicos. Reduz a capacidade
de ereção e favorece eventos de vasoes-
Bloqueio β2-R
Pontos-chave:
> Para que o BB tenha maior
eficácia clínica, é preciso que se
regionalize ao β1-R bloqueio;
> A ativação do β1-R promove
a liberação de renina;
> E também a ativação do
sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), que
favorece o drive simpático e a
liberação da norepinefrina na
vesícula.
20
pasmo periférico e coronariano. No pulmão
favorece o broncoespasmo. Altera o metabolismo, favorecendo a resistência periférica
à insulina por direcionar o estímulo simpático aos α1 e 2-receptores, reduz a resposta
hiperglicêmica no diabetes tipo 2, favorece
a redução do HDL-colesterol e o aumento
de triglicérides, e a fadiga muscular ao exercício, por sua ação vascular e por bloquear
a absorção do ácido graxo na musculatura
esquelética.
Portanto, se o betabloqueador não agregar as propriedades de bloqueio do β2-R
não terá a série de efeitos indesejáveis. Para
que o BB tenha maior eficácia clínica, é preciso que se regionalize ao β1-R bloqueio.
Outro aspecto é a interação entre o SNS
e o SRAA. A ativação do β1-R promove a liberação de renina e a ativação do sistema
renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), que
por sua vez favorece o drive simpático e a
liberação da norepinefrina na vesícula. Ou
seja, ambos os sistemas estão continuamen-
x
x
SNC
•
•
•
•
•
ReduzNE
Insônia
Disf.sexual
Pesadelos
Hipotensão
postural
• Reduz
ansiedade
Vascular
•
•
•
•
Vasoespasmo
Câimbras
FavoreceoAVC
AumentaPPC
x
x
Metabólico
Pulmonar
• Broncoespasmo
•
•
•
•
•
•
Fadigamuscular
Resist.insulina
ReduzHDL
AumentaTGL
FavoreceDM
Hiperpotassemia
Figura 2: Ações na fisiologia em decorrência do bloqueio do β2-R.
JBM
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SETEMBRO/OUTUBRO
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VOL. 100  No 4
Desmitificando o uso de betabloqueadores no tratamento da hipertensão arterial sistêmica
te interagindo. Usualmente, os pacientes que
respondem bem a IECAs e BRAs na redução
da pressão arterial, na prática clínica, costumam responder aos BBs. Também observamos um efeito sinérgico na melhora da remodelagem cardíaca e vascular e na redução de
eventos cardiovasculares. Assim, é incorreto
afirmar que podemos atuar de forma isolada
promovendo o bloqueio de um sistema sem
afetar o outro com a utilização de IECAs e
BRAs de forma diferenciada da ação dos BBs,
já que esses sistemas não trabalham isoladamente.
Que tipo de paciente responde aos BBs?
A hipertensão arterial sistêmica pode ser
separada em três modelos clínicos relacionados à ativação simpática (13):
Modelo 1: HAS sistólica do adulto jovem
(17-25 anos) — Nesses pacientes, o que domina é a hiperatividade simpática, por isso
precisam usar BBs; também respondem bem
a IECAs/BRAs que, como mostrado antes,
mantêm uma relação dependente.
Modelo 2: HAS diastólica do adulto (30-50
anos) — Aqui, existe uma gênese maior de
fatores determinantes da HAS relacionados
ao aumento da resistência vascular sistêmica
e do débito cardíaco. Podemos ter o aumento da ativação do SNS, ativação do SRAA,
aumento da vasorreatividade e nefroesclerose renal com HAS sódio-dependente. Neste
grupo de pacientes, de acordo com o modelo
fisiopatológico predominante, teremos HAS
diastólica ou sisto-diastólica, onde a definição
do melhor esquema terapêutico estará na dependência do modelo fisiopatológico.
Modelo 3: HAS sistólica do adulto e idoso
(> 55 anos) — Neste grupo o que domina é
o modelo hipoadrenérgico (75%) e apenas
25% desses pacientes são hiperadrenérgicos.
No conjunto predominante, embora sejam
hipoadrenérgicos, os pacientes apresentam
níveis elevados de norepinefrina circulante,
para compensar a denervação autonômica
progressiva no coração, que ocorre com o
envelhecimento. O indivíduo passa a ser mais
sensível ao BB, ocorrendo bradicardia e alargamento do intervalo PR com baixas doses.
JBM
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SETEMBRO/OUTUBRO
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VOL. 100  No 4
Estes pacientes, além de apresentarem o
modelo hipoadrenérgico, onde a HAS é sódio-sensível, também possuem uma aorta torácica aterosclerótica com calcificação, e consequente maior impedância ao esvaziamento
do ventrículo esquerdo e maior tendência a
elevações da pressão arterial sistólica. Dessa
forma, estes pacientes se beneficiam pouco
dos BBs para redução da pressão arterial,
sendo mais responsivos a antagonistas do
canal de cálcio, IECAs ou BRAs e diuréticos.
No entanto, no subgrupo de 25% de hiperadrenérgicos — que corresponde aos idosos
com taquicardia e ansiosos, por exemplo —
o uso de BBs é altamente recomendado.
Seguindo este raciocínio de modelos clínico-fisiopatológicos, há ainda uma série de
situações clínicas vinculadas à hiperatividade
simpática: obesidade, apneia do sono, insuficiência renal crônica, insuficiência cardíaca,
estresse físico e emocional e hipertensão arterial primária. Estes pacientes apresentam
frequência cardíaca mais elevada, hipertensão
arterial postural e reativa aos exercícios físicos.
Neste grupo de pacientes está indicado o uso
de BBs coadjuvante à terapêutica, para o tratamento da condição hiperadrenérgica.
Por outro lado, há aqueles pacientes com
condições clínicas que indicam a não ativação
do sistema simpático: raça negra, 75% dos idosos, portadores de hipotireoidismo e de HAS
diastólica do adulto. Estes pacientes se apresentam bradicárdicos e não possuem hipertensão arterial postural ou ao exercício físico.
É importante definir
o que se espera de
benefício terapêutico
com o uso do BB,
para que este não seja
excluído do tratamento,
pois ele poderá ter outro
papel que não a redução
da pressão arterial.
Qual o alvo terapêutico na HAS?
Há três alvos terapêuticos no tratamento
clínico da HAS: redução da pressão arterial,
órgão-proteção e endotélio-proteção. A indicação e o benefício esperados com o uso dos
fármacos poderão abranger os três alvos,
dois ou apenas um; portanto, eles poderão
estar associados a diferentes linhas de tratamento complementares. Na análise, é importante definir o que se espera de benefício
terapêutico com o uso do BB, para que este
não seja excluído do tratamento, pois ele poderá ter outro papel que não a redução da
pressão arterial.
Por exemplo, o uso do BB estará indicado como hipotensor nas situações clínicas de
hiperadrenergismo, como vimos no item anterior, podendo ou não agregar a função de
21
Desmitificando o uso de betabloqueadores no tratamento da hipertensão arterial sistêmica
QUADRO 2
Órgão-proteção
— Antirremodelagem cardíaca e
vascular
— Prevenção: IC, AVC, IAM
— Redução de morte: CVC,
morte súbita
— Redução de reinternação
— Melhora das funções sistólica
e diastólica
Ação anti-isquêmica
— Aumento do limiar isquêmico
— Melhora da angina
Atuação eletrofisiológica
— Bradicardia
— Reduz FA/flutter/ESVs/TV
— Reduz condução AV: melhora
de resposta ventricular
Endotélio-proteção
— Redução de eventos
isquêmicos e AVC
C. Venkata. Am. J. Cardiol., 106:
1819-25, 2010.
Efeitos mediados
— Bloqueio β1
— ASI : ON
— Liberação do β2
22
órgão-proteção, como anti-isquêmico, antirremodelagem ou antiarrítmico, dependendo
da presença das comorbidades associadas à
HAS. Como também no caso de pacientes
com HAS não dependente da hiperatividade
simpática, o BB não será usado com alvo de
redução da PA e, sim, para órgão-proteção e
endotélio-proteção, de acordo com a presença de comorbidades, enquanto que o controle da HAS será feito através da associação de
outro fármaco. Isto é fundamental para a não
exclusão do betabloqueador do tratamento,
caso ele não esteja indicado para a redução
da pressão arterial. Portanto, devemos julgar
sempre a presença de comorbidades. Podemos citar como exemplo um paciente idoso,
com HAS sistólica, dislipidêmico, com arritmias supraventriculares, com dispneia aos
esforços, onde o BB estaria indicado por sua
ação no controle das arritmias supraventriculares, na disfunção diastólica e na estabilização da placa aterosclerótica. Consequentemente, todos os pacientes que apresentem
comorbidades como DAC, SCA, pós-IAM, IC
sistólica ou diastólica, fibrilação atrial crônica, taquiarritmias supra e ventriculares, ectasia ou aneurisma de aorta ou cardiomiopatia
hipertrófica devem fazer uso de BBs como
coadjuvantes na terapêutica.
Com base no entendimento de farmacocinética, é possível definir benefícios x paraefeitos da ação dos BBs. Este conhecimento
é necessário para o melhor uso de qualquer
fármaco, seja ele diurético, IECA ou BRA. A
análise detalhada capaz de responder a esta
questão será feita mais adiante, no item que
envolve farmacologia.
Qual o perfil farmacológico do BB que
melhor se adapta ao meu paciente?
Este último questionamento para a construção do racional da terapêutica do paciente com HAS exige que o médico tenha algum
conhecimento da farmacologia do medicamento que será utilizado. Neste questionamento podemos incluir qualquer fármaco,
não só o BB. No caso deste, teremos que
definir se ele tem propriedades como seletividade, lipossolubilidade, atividade simpática intrínseca e atuação sobre o óxido nítrico,
para melhor indicação clínica de acordo com
o perfil clínico do paciente e consequente
menor incidência de paraefeitos.
Terceiro ponto de desmitificação:
os BBs têm pouco espaço na
prática clínica
Para analisar o espaço dos BBs na prática
clínica é preciso considerar seus impactos na
redução de eventos cardiovasculares e mortalidade.
Em uma meta-análise de 46 estudos,
onde foram analisados os benefícios na redução de eventos cardiovasculares, como AVC,
IC, DAC e morte cardiovascular e morte total, numa comparação entre diversos fármacos e BBs, na comparação de IECAs versus
a combinação de BB com diurético não se
observou diferença na eficácia da redução
de eventos entre ambas as formas de tratamento. Na comparação com os antagonistas
do canal de cálcio, o BB com diurético foi
ligeiramente inferior na redução de AVCs e
superior na redução de eventos coronarianos
(14). Numa nova análise publicada em 2003,
com 29 estudos e 169 mil pacientes, foram
demonstrados resultados semelhantes, com
a adição de que os BBs se mostraram significativamente superiores aos antagonistas de
cálcio na prevenção de IC (15).
Outra meta-análise, publicada em 2005,
demonstrou que o BB teve igual benefício
na redução de infarto, morte cardiovascular
e morte total em relação a outros fármacos
(16).
Quando avaliamos a eficácia terapêutica
em portadores de doença coronariana e hipertensão arterial, em uma meta-análise de
147 estudos, o BB demonstrou ser superior
em 30% aos outros fármacos na redução
da mortalidade nos pacientes com história
prévia de IAM ou DAC. Ou seja, em grupos
específicos onde se tem indicação mais precisa ao uso de BBs observamos uma redução
mais expressiva na mortalidade do que em
termos gerais (17).
Em relação ao benefício dos BBs na prevenção de AVC, observa-se uma redução
de 19%, quando comparados com placebo.
Quando estes são comparados a outros fármacos, como o besilato de anlodipino e a losartana, em termos gerais, os BBs se mostraram 18% a 20% menos eficazes na redução
do AVC (posteriormente, esta análise será
mais específica) (16).
JBM
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SETEMBRO/OUTUBRO

VOL. 100  No 4
Desmitificando o uso de betabloqueadores no tratamento da hipertensão arterial sistêmica
Portanto, em termos gerais, os BBs apresentam um benefício clínico equivalente à
maioria dos fármacos anti-hipertensivos. Isso
porque, como demonstrado no Quadro 2,
sua ação é de órgão-proteção, anti-isquêmica, eletrofisiológica e de endotélio-proteção.
Essas quatro ações são mediadas pela atuação do bloqueio do β1-R; pelo fator de não
realização do bloqueio do β2-R; e, por vezes,
pela atuação do BB de liberação de óxido
nítrico (13).
Na prática clínica os BBs, por apresentarem benefício comprovado, estão indicados
para pacientes hipertensos com componente hiperadrenérgico na HAS e para aqueles
pacientes hipertensos que apresentam IC
aguda ou crônica sistólica ou diastólica, FAC,
DAC aguda ou crônica ou com alta probabilidade de desenvolver doença aterosclerótica,
DM tipo 2 e doenças de aorta.
a paraefeitos? Para responder corretamente
à questão é necessário analisar cinco aspectos importantes: a seletividade do BB sobre
o β1-R (pois vimos que o β2-R induz paraefeitos); a sua lipossolubilidade (se ele passa
ou não para o cérebro); se tem um comportamento de alfabloqueio; se tem propriedades
de ativação de óxido nítrico; se tem atuação
de ativação simpática intrínseca (ASI).
Como qualquer outro fármaco, o benefício clínico dos BBs está vinculado ao equilíbrio sobre o efeito terapêutico x efeito adverso. Para alcançar a harmonia entre o desejado e o indesejado é necessário conhecer
a farmacocinética do fármaco, para prever e
tratar as ações adversas.
Quando analisados de forma inespecífica, os BBs estão comumente associados a
uma série de paraefeitos, induzindo a uma
interpretação não realista de que são fármacos perigosos e de difícil manuseio. Mas
na realidade os paraefeitos são decorrentes
principalmente se o BB tiver propriedades de
bloqueio do β2-R e de lipossolubilidade, e
com menos frequência por bloqueio do α-R
e atuação do ON e ASI.
Por isso, é de fundamental importância
o entendimento das propriedades farmaco-
Quarto ponto de desmitificação: os
BBs apresentam frequentemente
paraefeitos
Para esclarecer esse item, há que ser feita
uma pergunta importante: todos os BBs têm a
mesma eficácia e comportamento em relação
TABELA 1: Eventos adversos dos BBs secundários às propriedades
farmacocinéticas
β1-B
β2-B
α ativ.
α-β
ON
ISA
Liposs.
Pontos-chave:
Broncoespasmo

DM

Disfunção sexual

Pesadelo/insônia


Fadiga muscular


AVC

Vasoconstrição




Bradicardia


Hipotensão





Redução da contratilidade


PCP


Morte súbita


JBM
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VOL. 100  No 4

> Em uma meta-análise de
147 estudos, o BB demonstrou
ser superior em 30% aos
outros fármacos na redução da
mortalidade nos pacientes com
história prévia de IAM ou DAC;
> Em grupos específicos onde
se tem indicação mais precisa
ao uso de BBs observamos uma
redução mais expressiva na
mortalidade do que em termos
gerais;
> Os BBs apresentam um
benefício clínico equivalente
à maioria dos fármacos
anti-hipertensivos.
23
Desmitificando o uso de betabloqueadores no tratamento da hipertensão arterial sistêmica
cinéticas dos BBs envolvendo a seletividade
e a lipossolubilidade.
Seletividade
O conceito de seletividade dos BBs foi
revisto em um consenso europeu de 2004,
indicando que nenhum BB é exclusivamente seletivo ou não seletivo e sim que todos
os BBs realizam bloqueio β1 e β2 e que a
propriedade de seletividade é dependente
da posologia do betabloqueador. Ou seja,
os BBs ditos de primeira geração e não seletivos são fármacos que em baixas doses já
realizam bloqueio β1 e β2; e os ditos seletivos têm a sua seletividade dependente da
posologia (18, 19).
• Metoprolol > 75mg: inicia a perda da seletividade.
• Bisoprolol > 20mg: perde seletividade.
• Atenolol > 100mg: perde 30% a 40% da seletividade.
• Nebivolol: a partir de 5mg inicia a perda da
seletividade.
Pontos-chave:
> A relação dos BBs com a
predisposição ao diabetes
está fortemente vinculada ao
bloqueio β2;
> O bloqueio β2 promove
a redução da sensibilidade
periférica à insulina;
> O bloqueio β2 também
reduz a reação de defesa à
hipoglicemia de liberação
pancreática de insulina.
24
A dose terapêutica do metoprolol para o
tratamento da HAS e IC é de 100-150mg, a
do atenolol para a HAS é de 100mg e a do
nebivolol fica entre 5 e 10 mg, ou seja, em
doses de não seletividade. Exceto o bisoprolol, que é o único entre os BBs seletivos que
na dose terapêutica de 10mg sustenta a seletividade. Isto justifica o desenvolvimento de
paraefeitos frequentemente observados com
estes betasseletivos, quando otimizadas as
posologias, em decorrência do bloqueio β2.
Os BBs têm sido relacionados ao favorecimento do desenvolvimento de DM e como
menos eficazes na redução do AVC, quando
utilizados no tratamento da HAS.
A relação dos BBs com a predisposição
ao diabetes está fortemente vinculada ao
bloqueio β2, que promove a redução da sensibilidade periférica à insulina por desviar a
ativação da adrenalina para os alfa-receptores periféricos. O bloqueio β2 também reduz
a reação de defesa à hipoglicemia de liberação pancreática de insulina e à mobilização
periférica de glicose (20).
Já a relação dos BBs com uma menor eficácia na prevenção do AVC decorre do bloqueio β2 que favorece o aumento da pressão
central de pulso em pacientes idosos, pela
perda da vasodilatação do β2-R associada
com a ativação alfa-R, que ocasionam um
aumento da resistência vascular periférica, e
consequente aumento da “onda de reflectância periférica sobre a aorta”, promovendo o
aumento da pressão do pulso central na aorta.
Nos estudos ASCOT-BPLAT e LIFE, o besilato de anlodipino e a losartana demonstraram a mesma capacidade de redução da PA
em longo prazo. Os resultados apresentados,
no entanto, demonstraram não haver superioridade de ambos os fármacos, em relação
ao atenolol, na incidência de IAM não fatal e
morte por IC no ASCOT-BPLAT, e IAM fatal e
não fatal e morte por IC no estudo LIFE. Em
ambos os estudos o atenolol foi inferior em
24% na prevenção de AVC, e os pacientes
apresentaram maior prevalência de DM tipo
II e hiperglicemia (10, 11, 20).
Vale ressaltar o porquê desses achados:
Em primeiro lugar, a população dos estudos foi de pacientes idosos (65% dos participantes da pesquisa eram idosos), com
hipertensão sistólica isolada e 30% tabagistas, sendo excluídos os portadores de DAC,
casos de pós-infarto do miocárdio, IC sistólica ou diastólica, portadores de AVC e fibrilação atrial. Portanto, a população de ambos
os estudos consistia de pacientes com perfil clínico e fisiológico de HAS, onde os BBs
apresentam sabidamente pouco benefício
terapêutico e usualmente não são indicados
como anti-hipertensivos. Neste grupo de pacientes com estas características o besilato
de anlodipino com perindopril e a losartana
estão plenamente indicados, por sua eficácia
anti-hipertensiva. Outro aspecto foi a posologia de 100mg de atenolol utilizada nos
estudos, que ocasiona ação de bloqueio do
β2-R, o que pode ter favorecido os achados
de menor prevenção de AVC e de maior incidência de DM, resistência à insulina, disfunção arterial periférica, disfunção erétil, extremidades frias e angina estável. Todos estes
eventos adversos têm relação com a ação de
bloqueio do β2-R em pacientes hipertensos.
Portanto, os resultados destes estudos
somente nos permitem concluir que em pacientes idosos portadores de HAS sistólica,
sem comorbidades como as excluídas pelos
estudos, o uso de BBs não é apropriado na
redução da pressão arterial, e ao serem utilizados em posologia não seletiva favorecem
o desenvolvimento de paraefeitos em decorrência ao bloqueio do β2-R.
JBM
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Desmitificando o uso de betabloqueadores no tratamento da hipertensão arterial sistêmica
Os BBs, quando utilizados com posologias seletivas em pacientes hipertensos com
DAC e diabetes, reduzem em 43% a ocorrência de infarto. Seguindo o mesmo raciocínio,
os BBs reduzem em até 20% o AVC, quando
comparados ao placebo (21).
Podemos observar que na meta-análise
que sugere o não uso de BBs, por serem inferiores aos outros fármacos na prevenção do
AVC, estes só se mostraram inferiores porque
foram incluídos os estudos ASCOT-BPLAT e
LIFE. Se retirarmos estes estudos, os resultados mostrarão que os BBs têm o mesmo nível de indicação que todos os outros fármacos na prevenção do AVC. Ou seja, os BBs,
quando utilizados com foco no bloqueio do
β1-R, em pacientes com modelo fisiopatológico e com comorbidades que se beneficiam
do bloqueio do sistema simpático, demonstraram a mesma eficácia dos outros fármacos
na redução da pressão arterial e são eficazes
na redução de IC e morte por DAC, sem favorecer o AVC e o DM (16).
Para enfatizar o conceito de que o uso de
BBs em uma dose de β1-R seletividade não
provoca aumento da pressão de pulso central,
observou-se que com o uso de bisoprolol em
dose terapêutica que não promova bloqueio
β2 houve redução da pressão central de pulso
e aumento da complacência da aorta.
O desenvolvimento de fadiga muscular
pode ocorrer em até 30% dos pacientes em
uso de BBs não seletivos. Isto se deve ao bloqueio β2, que reduz a musculatura esquelética e a vasodilatação ao exercício físico, além
de reduzir a taxa de entrada do ácido graxo,
promovendo a fadiga muscular.
Lipossolubilidade
Os BBs têm a propriedade de lipossolubilidade, que permite a estes ultrapassar a
barreira hematoencefálica e a barreira placentária, ser eliminados pelo leite materno e
ter metabolismo hepático.
Propriedade de lipossolubilidade dos betabloqueadores:
Propranolol
Carvedilol
Nebivolol
Metoprolol
Bisoprolol
Pindolol
Atenolol
Nadolol
Labetalol
Sotalol
Esmolol
Os BBs têm a
propriedade de
lipossolubilidade,
que permite a estes
ultrapassar a barreira
hematoencefálica e a
barreira placentária,
ser eliminados pelo
leite materno e ter
metabolismo hepático.
++++
++++
+++
+++
++
++
+
+
+
+
+
TABELA 2
Bisoprolol
Broncoespasmo
Carvedilol
Metoprolol
> 75mg
Atenolol
> 50mg
Nebivolol
> 5mg



DM



Disfunção sexual








Fadiga muscular




AVC
?


?
> 4 meses


?


Pesadelo/insônia
Vasoconstrição
Bradicardia

Hipotensão

Redução da contratilidade

Aumento PCP
JBM
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25
Desmitificando o uso de betabloqueadores no tratamento da hipertensão arterial sistêmica
Endereço para
correspondência:
Marcelo Montera
Estrada do Joá, 200/301
Bl. 2 — São Conrado
22610-142
Rio de Janeiro-RJ
[email protected]
26
O propranolol, carvedilol, nebivolol e o
metoprolol são os BBs que mais apresentam
a propriedade de lipossolubilidade. Esses fármacos possuem alta taxa de metabolismo hepático, sendo necessária a administração duas
a três vezes ao dia. A propriedade de lipossolubilidade permite que o fármaco passe pela
barreira hematoencefálica e tenha ação no
sistema nervoso central, ocasionando efeitos
como insônia, pesadelo, diminuição da libido
sexual, hipotensão postural, tremores e bradicardia de origem central. No entanto, também podem diminuir a ansiedade e a HAS de
origem central. Estes também ultrapassam a
barreira placentária, podendo acometer o desenvolvimento fetal, e são eliminados no leite
materno, podendo betabloquear o lactente.
Portanto, devem ser evitados em gestantes e
mulheres em idade gestacional (22).
Os BBs hidrossolúveis, como o bisoprolol, atenolol e sotalol, são menos metabolizados no fígado e podem ser ministrados uma
vez ao dia. Apresentam menor atuação no
sistema nervoso central e menor capacidade
de ultrapassar a placenta ou de eliminação
pelo leite materno (12).
Para homens jovens, da mesma maneira,
o BB deve ser seletivo ou na dose de seletividade, de forma que não diminua a força
muscular, a potência sexual ou a ereção, e
que não tenha a ativação central que diminui
a libido sexual. Portanto, não é verdade afirmar que todos os BBs diminuem a libido, a
potência sexual e a força muscular.
Portanto, podemos resumir o desenvolvimento de paraefeitos dos BBs de acordo
com a capacidade destes em promover bloqueio β2 ou de atuar no sistema nervoso
central.
Agora, sim, à luz da farmacologia associada à revisão dos estudos, é possível concluir que os betabloqueadores têm um papel
muito bem estabelecido no tratamento da
hipertensão arterial sistêmica.
Podemos concluir que para a utilização
dos BBs no tratamento da HAS devemos definir o modelo fisiopatológico da hipertensão
e a presença de comorbidades, para estabelecermos o alvo terapêutico desejado (baixar pressão, órgão-proteção ou endotélio-proteção). E ao associarmos esta estratégia
ao conhecimento da farmacocinética sobre
seletividade dose-dependente e lipossolubilidade, poderemos definir o BB mais adequado para o tratamento da HAS, sendo que o
melhor betabloqueador em Cardiologia, em
termos gerais, é aquele com propriedades
de β1 seletivo e hidrossolúvel.
Referências
7. HACKAM, D.G.; KHAN, N.A. et al. — The 2010 Canadian
Hypertension Education Program recommendations for the
management of hypertension: Part 2 — Therapy. Can. J.
Cardiol., 26(5): 249-58, 2010.
8. WILLIAMS, A.B.; POULTER, N.R. et al. — Guidelines for
management of hypertension: Report of the fourth working
party of the British Hypertension Society, 2004 — BHS IV.
J. Hum. Hypert., 18: 139-85, 2004.
9. WALD, D.S.; LAW, M. et al. — Combination therapy versus
monotherapy in reducing blood pressure: Meta-analysis on
11,000 participants from 42 trials. Am. J. Med., 122(3): 290300, 2009.
10. DAHLÖF, B.; SEVER, P.S. et al. — Prevention of cardiovascular events with an antihypertensive regimen of amlodipine adding perindopril as required versus atenolol adding
bendroflumethiazide as required, in the Anglo-Scandinavian Cardiac Outcomes Trial-Blood Pressure Lowering Arm
(ASCOT-BPLA): A multicentre randomised controlled trial.
Lancet, 366: 895-906, 2005.
1. NICE CLINICAL GUIDELINE 127
HYPERTENSION —
Clinical management of primary hypertension in adults.
www.nice.org.uk/guidance/CG127.
2. CHOBANIAN, A.V.; BAKRIS, G.L. et al. and the National
High Blood Pressure Education Program Coordinating
Committee. Hypertension, 42: 1206-52, 2003.
3. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq. Bras. Cardiol.,
95(Supl. 1): 1-51, 2010.
4. THE TASK FORCE FOR THE MANAGEMENT OF ARTERIAL HYPERTENSION OF THE EUROPEAN SOCIETY OF
HYPERTENSION (ESH) AND OF THE EUROPEAN SOCIETY
OF CARDIOLOGY (ESC) — 2007 Guidelines for the management of arterial hypertension. European Heart Journal,
28: 1462-536, 2007.
5. ROSENDORFF, C.; BLACK, H.R. et al. — Treatment of
hypertension in the prevention and management of ischemic heart disease. A scientific statement from the American
Heart Association Council for High Blood Pressure Research
and the Councils on Clinical Cardiology and Epidemiology
and Prevention. Circulation, 115: 2761-88, 2007.
6. ACCF/AHA — 2011 Expert Consensus Document on
Hypertension in the Elderly. J. Am. Soc. Hypert., 5(4): 259352, 2011.
Obs.: As 12 referências restantes que compõem este artigo se
encontram na Redação à disposição dos interessados.
JBM
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SETEMBRO/OUTUBRO
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VOL. 100  No 4
Distúrbios respiratórios do sono
Hisbello s. Campos
Médico do Instituto Fernandes Figueira — FIOCRUZ, MS.
Resumo
Summary
Os distúrbios respiratórios do sono (DRSs)
são frequentes e incluem um grupo heterogêneo de alterações caracterizadas por pausas
anormais da respiração durante o sono. Os indivíduos com síndrome da apneia-hipopneia
obstrutiva do sono (SAHOS) geralmente não
estão conscientes desse problema e ficam sem
diagnóstico ou tratamento, apesar das graves
consequências que essa alteração pode causar. O diagnóstico da SAHOS compreende o
uso de questionários, exame físico e polissonografia. As opções terapêuticas incluem mudanças no estilo de vida, pressão positiva na
via aérea, cirurgia e aparelhos bucais.
Sleep-disordered breathing (SDB) is frequent and encompasses a heterogeneous
group of sleep-related disorders that are
characterized by abnormal pauses in breathing during sleep. Individuals with obstructive sleep apnea syndrome (OSAS) are often
unaware of their sleep disorder and remain
undiagnosed and untreated, despite the fact
that this can have severe consequences. The
diagnosis of OSAS involves use of screening
questionnaires, physical exam and an overnight polysomnography. Treatment options
include changes in lifestyle, positive airway
pressure, surgery, and dental appliances.
Introdução
me de apneia/hipopneia obstrutiva do sono
(SAHOS), têm alta prevalência entre os idosos, podendo apresentar-se sob formas atípicas e estar associados à maior frequência de
síndrome metabólica e seus componentes. A
SAHOS é considerada uma das causas secundárias mais frequentes de hipertensão arterial sistêmica (2). O emprego de pressão positiva contínua na via aérea superior (CPAP),
como forma de tratamento, reduz os níveis
de pressão arterial sistêmica e reverte parcialmente as anormalidades metabólicas (3).
A prevalência de depressão entre os portadores da SAHOS é alta e há indícios de associação entre os mecanismos determinantes.
A sobreposição de diversos sintomas comuns
aos dois problemas gera subdiagnóstico de
SAHOS em pacientes depressivos (4).
Estima-se que os DRSs comprometam
2% a 25% da população adulta (5), e que
também sejam frequentes entre crianças. Segundo informações dos pais, 4% a 11% das
crianças apresentam distúrbios respiratórios
durante o sono, sendo que o diagnóstico
médico só é feito em 1% a 4% das crianças
(6). Como os DRSs são frequentes, os médi-
O sono ocupa cerca de um terço da nossa vida. Uma noite mal dormida traz sérias
consequências para a saúde, segurança e
bem-estar. Habitualmente, uma noite ruim
de sono é seguida por um dia em que as
atividades ficam comprometidas e são prejudicadas por uma sonolência excessiva e por
problemas na concentração.
Os distúrbios do sono são frequentes, e a
proporção de pessoas com comprometimento das atividades diurnas é bastante significativa. Representam risco não apenas para
seus portadores, pela maior possibilidade
de acidentes no trabalho ou no trânsito, mas
para todos os demais, já que parte dos acidentes automobilísticos é causada por sono
ao volante (1).
Os distúrbios respiratórios durante o
sono estão entre os fatores que mais comumente comprometem o sono. Associam-se a
comorbidades importantes, como doenças
cardiovasculares e endócrinas; distúrbios
autonômicos; risco elevado de acidentes,
implicando em gastos elevados com saúde.
Esses distúrbios, particularmente a síndroJBM
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SETEMBRO/OUTUBRO
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VOL. 100  No 4
endocrinologia
Distúrbios respiratórios do sono
Unitermos: Distúrbios
do sono; apneia; doença
cardiovascular; alterações
neurológicas.
Keywords: Sleep
disorders; apnea;
cardiovascular and
neurological diseases.
27
Distúrbios respiratórios do sono
cos, de qualquer especialidade, deveriam
ter conhecimento das apresentações clínicas
e dos métodos diagnósticos/terapêuticos,
podendo, assim, identificar o problema.
Uma vez diagnosticado, o paciente deveria
ser encaminhado para centros específicos,
reduzindo os riscos não só para ele, como
também para a comunidade.
Neste artigo são apresentados alguns
aspectos clínicos e diagnósticos dos DRSs,
além de comentários sobre os métodos terapêuticos.
O sono
Pontos-chave:
> Durante o sono REM
ocorre hipotonia máxima da
musculatura esquelética;
> Nesse período, que
corresponde a 20%-25% do
sono total, acontece a maioria
dos sonhos;
> Durante o sono, as funções
fisiológicas acompanham
os ciclos, com diversas
repercussões sobre nossos
sistemas.
28
Passamos cerca de um terço da vida
dormindo. Apesar de o sono ser imaginado
como um período de repouso do nosso corpo, durante o qual recarregamos as baterias
para enfrentar um novo dia, ele está longe
disso. Ver o sono como um período de descanso pode ser considerado verdade para o
sistema muscular; mas é durante o sono que
o organismo realiza funções importantes,
como fortalecimento do sistema imune, secreção e liberação de hormônios (hormônio
do crescimento, insulina e outros), consolidação da memória, dentre outras.
Denomina-se eficiência do sono o tempo
total em que o indivíduo dorme com relação
ao tempo em que se manteve na cama para
o sono noturno. Uma eficiência de 100% é
rara; considera-se normal a partir de 85%. A
necessidade de sono é individual, mas varia
de acordo com a idade. O recém-nato dorme cerca de 80% do período de 24 horas,
intercalando a vigília de acordo com seu ciclo alimentar. No decorrer do primeiro ano,
o tempo de vigília aumenta durante o dia, o
mesmo acontecendo com o período de sono
sustentado durante a noite. Com a idade, o
período de sono diurno vai diminuindo. Na
adolescência, oito a 10 horas de sono são
suficientes; entre adultos, cinco a oito horas,
em média.
No dia a dia, alternamos vigília e sono.
Essa alternância modula as funções cerebrais
e orgânicas. Durante o sono são restauradas
as condições existentes no princípio da vigília anterior. Classicamente, o sono é dividido
em duas categorias: sono não REM (NREM),
dividido em quatro fases (estágios 1, 2, 3 e
4), e sono REM (rapid eyes movement), também chamado de sono paradoxal. Esses estágios são cíclicos e progridem do estágio 1
NREM ao sono REM. As etapas REM e NREM
alternam-se por quatro a seis ciclos, com 90 a
100 minutos cada. As etapas NREM duram
de 45 a 85 minutos e as REM, de cinco a
45 minutos. A identificação dos estágios do
sono pode ser feita por três parâmetros fisiológicos: eletroencefalograma (EEG), eletroculograma (EOG) e eletromiograma (EMG).
Normalmente, o sono se inicia pela etapa
de vigília (estágio 0), durante a qual ocorre
alto grau de atividade dos neurônios corticais, movimentos oculares aleatórios e acentuação do tono muscular. Essa etapa dura de
cinco a 15 minutos e é denominada latência
do sono. A seguir inicia-se o primeiro estágio
do sono (estágio I), que é a transição entre
vigília e sono. Nele, que representa 2% a 5%
do tempo total de sono, a melatonina é liberada, induzindo o sono, e o tono muscular
é reduzido. Inicia-se, então, o estágio II, que
corresponde a 45%-55% do tempo total. A
atividade dos neurônios corticais diminui, assim como os ritmos respiratório e cardíaco;
os músculos relaxam e cai a temperatura corporal. No estágio III (3%-8% do sono total)
os movimentos oculares são raros e o tono
muscular diminui progressivamente. Durante
o estágio IV (10%-15% do sono total) ocorre
o pico de liberação do hormônio do crescimento (GH) e da leptina; o cortisol começa
a ser liberado, até atingir seu pico no início
da manhã. Durante o sono REM ocorre hipotonia máxima da musculatura esquelética,
movimentação ocular, dos membros, dos
lábios, da língua, da cabeça e dos músculos
timpânicos. Nesse período, que corresponde
a 20%-25% do sono total, acontece a maioria
dos sonhos.
Durante o sono, as funções fisiológicas
acompanham os ciclos, com diversas repercussões sobre nossos sistemas. Por exemplo,
a conexão hipotálamo-hipófise rege a inter-relação entre o sistema endócrino e o sono,
fazendo com que hormônios sejam secretados em momentos específicos do sono. O
hormônio do crescimento (GH) é secretado
principalmente no estágio IV do sono NREM.
A renina está associada a ambas as etapas,
REM e NREM. A prolactina é secretada tanto
no sono diurno quanto noturno. O hormônio
estimulante da tireoide (TSH) atinge seu pico
no início do sono. O hormônio luteinizante
(LH) reduz sua secreção durante o sono REM.
JBM
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Distúrbios respiratórios do sono
Entretanto, há alguns hormônios, como a testosterona, o ACTH e o cortisol, cujas secreções não são influenciadas pelo sono.
O sistema respiratório também está sujeito a variações durante o sono. Na fase NREM
há hipo e hiperventilação do adormecimento
ao estágio II. Durante os estágios III e IV a
ventilação é regular. No sono REM a respiração passa a ser rápida e irregular, gerando
os episódios de apneia e de hipoventilação.
Distúrbios do sono
Dormir bem é essencial para estar em
boas condições físicas e mentais no dia seguinte. Passar uma noite e uma madrugada
em claro prejudica a coordenação motora e a
capacidade de raciocínio no dia seguinte. As
alterações do sono podem ser decorrentes
de causas externas e orgânicas. Como exemplos de causas externas podem-se citar os
trabalhos noturnos ou em turnos rotativos e
problemas com fusos horários entre viajantes
frequentes. Dentre as causas orgânicas destacam-se o ronco, a apneia, a insônia, a narcolepsia (sonolência diurna excessiva), o bruxismo (ranger de dentes) e a síndrome das
pernas inquietas. Algumas delas incomodam
mais quem dorme nas proximidades do que
quem tem o problema (ronco e bruxismo),
mas todas podem representar problemas
graves de saúde. Raramente, algumas das alterações acima motivam consultas médicas.
Por essa razão, dada a frequência dos DRSs
e sua associação com diversas morbidades,
a anamnese deve incluir perguntas sobre a
qualidade do sono e hipersonolência diurna.
O diagnóstico de DRS é baseado na anamnese, no exame físico e em testes de registro
do sono, nos quais a função cardiorrespiratória e movimentos torácicos, abdominais e de
membros são monitorados continuamente
durante uma noite, em laboratório especializado (polissonografia). Um instrumento útil
e validado para a pesquisa inicial é o questionário de Berlim (7) (ver Quadro). Dividido
em três categorias, ele indica a presença de
SAHOS se o resultado for positivo em duas
ou mais categorias. Nessa situação está indicada a realização de polissonografia.
A polissonografia (PSG) é realizada durante a noite, dura de seis a oito horas e
registra as ocorrências biofisiológicas que
acontecem durante o sono de forma gráfica
e em vídeo. A PSG permite o diagnóstico e
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a definição do grau do distúrbio, fornecendo informações sobre a atividade cerebral
(eletroencefalograma — EEG), a movimentação ocular (eletro-oculograma — EOG) e
sobre a atividade muscular (eletromiograma
— EMG) submentoniana e das pernas (em
situações particulares, outros grupamentos
musculares podem ser incluídos). Outros
parâmetros também podem ser registrados
durante o exame: fluxo aéreo nasal, esforços
respiratórios torácico e abdominal, oximetria,
pulso periférico, o ressonar, temperatura e
eletrocardiograma (ECG). A análise do sono
durante a PSG, visando identificar DRSs,
deve avaliar diferentes parâmetros, desde a
macroestrutura do sono até a microestrutura
(microdespertares, alterações focais ou paroxísticas, episódios de dessaturação, etc.). As
alterações também podem ser visualizadas
no vídeo.
A seguir são apresentadas definições e
descrições dos eventos respiratórios patológicos que podem ocorrer durante o sono (8).
O diagnóstico dos
distúrbios respiratórios
do sono é baseado na
anamnese, no exame
físico e em testes
de registro do sono,
nos quais a função
cardiorrespiratória
e movimentos
torácicos, abdominais
e de membros
são monitorados
continuamente
durante uma noite,
em laboratório
especializado
(polissonografia).
Ronco
Som resultante da vibração exagerada das
estruturas da garganta, gerada pela passagem
do ar quando a pessoa está dormindo. Tanto
pode ser causado por uma obstrução à passagem do ar pelo nariz e/ou boca como pela
flacidez dos tecidos da garganta. Dessa forma, causas de obstrução nasal (rinite, desvio
de septo) e/ou alterações nas dimensões do
palato ou da úvula podem provocar ronco. Do
mesmo modo, obesidade e uso de sedativos
para dormir, gerando flacidez nos tecidos da
garganta, podem gerar ronco. É mais frequente no gênero masculino e sua intensidade aumenta com o peso excessivo. Nos pacientes
com DRSs pode alcançar até 85dB.
Pausas respiratórias
Consequentes a paradas (apneia) ou a reduções (hipopneia) da passagem do ar pelas
vias aéreas superiores. Podem ocorrer inúmeras vezes durante o sono e ser acompanhadas por dessaturação de O2, culminando
com microdespertares.
Apneia — Cessação completa do fluxo oronasal durante 10 segundos ou mais.
Hipopneia — Redução de pelo menos 50%
do fluxo oronasal por 10 segundos ou mais,
29
Distúrbios respiratórios do sono
QUADRO: Questionário de Berlim
Categoria 1: POSITIVA se você somou
2 ou mais pontos
Categoria 2: POSITIVA se você somou
2 ou mais pontos
1. Seu peso mudou nos
últimos tempos?
a. Aumentou.
b. Diminuiu.
c. Não mudou.
7. Você se sente cansado ao
acordar?
a. Praticamente todo dia.
b. 3-4 vezes por semana.
c. 1-2 vezes por semana.
d. 1-2 vezes por mês.
e. Nunca ou praticamente nunca.
Pontuação
0
0
0
2. Você ronca?
a. Sim.
b. Não.
c. Não sei.
3. Seu ronco é:
a. Um pouco mais alto que respirando.
b. Tão alto quanto falando.
c. Mais alto que falando.
d. Muito alto, ouvido nos quartos
próximos.
1
0
0
0
0
1
1
4. Com que frequência você ronca?
a. Praticamente todos os dias.
b. 3-4 vezes por semana.
c. 1-2 vezes por semana.
d. 1-2 vezes por mês.
e. Nunca ou praticamente nunca.
1
1
0
0
0
5. O seu ronco incomoda outras
pessoas?
a. Sim.
b. Não.
1
0
6. Com que frequência seu(sua)
companheiro(a) notou que você
para de respirar quando dorme?
a. Praticamente todos os dias.
b. 3-4 vezes por semana.
c. 1-2 vezes por semana.
d. 1-2 vezes por mês.
e. Nunca ou praticamente nunca.
f. Não aplicável — o paciente dorme
sozinho.
1
1
0
0
0
0
Total
Pontuação
1
1
0
0
0
8. Você se sente cansado durante o dia?
a. Praticamente todo dia.
b. 3-4 vezes por semana.
c. 1-2 vezes por semana.
d. 1-2 vezes por mês.
e. Nunca ou praticamente nunca.
9. Você alguma vez dormiu enquanto
dirigia?
a. Não.
b. Não aplicável — o paciente
não dirige.
Se sim, quantas vezes isto ocorreu?
c. Praticamente todo dia.
d. 3-4 vezes por semana.
e. 1-2 vezes por semana.
f. 1-2 vezes por mês.
g. Nunca ou praticamente nunca.
1
1
0
0
0
0
0
1
1
0
0
0
Total
Categoria 3: POSITIVA se você somou
1 ponto ou IMC maior que 30
10. Você tem pressão alta?
a. Sim.
b. Não.
c. Não sei.
Pontuação
1
0
0
11. Calcule o seu índice de massa corporal
(IMC)
Seu peso em kg, com
uma casa decimal. P. ex.: 75,4.
Sua altura em metros, com duas
casas decimais. P. ex.: 1,75.
IMC = peso x altura2.
associada à diminuição de pelo menos 4% da
saturação arterial de oxigênio (SaO2 ).
Síndrome de apneia-hipopneia obstrutiva
do sono (SAHOS)
Caracterizada por episódios repetidos
de obstruções parciais ou totais das vias aéreas superiores (VASs) durante o sono, con30
Total
sequentes ao tono motor inadequado da
língua e/ou dos músculos dilatadores das
VASs. A SAHOS produz sintomas noturnos e
diurnos. Dentre os noturnos podem ocorrer
roncos, pausas respiratórias, sono agitado
com múltiplos despertares, noctúria e diurese. Como sintomas diurnos destacam-se
sonolência excessiva, cefaleia matinal, défiJBM
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SETEMBRO/OUTUBRO
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VOL. 100  No 4
Distúrbios respiratórios do sono
cits cognitivos, alterações de personalidade,
redução da libido, sintomas depressivos e
ansiedade. A SAHOS pode ser leve, moderada ou grave. Na leve observam-se ligeira
sonolência diurna, dessaturação discreta da
oxi-hemoglobina e baixo índice de distúrbios
respiratórios (IDR) (cinco a 15 eventos por
hora). Na SAHOS moderada a sonolência
diurna não é excessiva, assim como a dessaturação da oxi-hemoglobina e o IDR (15 a 30
eventos por hora), podendo haver arritmias
cardíacas. Na forma grave observam-se sonolência diurna excessiva, dessaturação grave da oxi-hemoglobina, IDR alto (mais de 30
eventos por hora) e sintomas de insuficiência
cardíaca ou coronariana. Os portadores das
formas moderadas e graves têm maior risco
de mortalidade em médio prazo.
Síndrome de resistência de vias aéreas
superiores (SRVAS)
Enquanto alguns autores consideram a
SRVAS uma entidade associada aos distúrbios respiratórios do sono, outros a consideram parte do espectro da SAHOS.
Despertar relacionado ao esforço
respiratório (“respiratory effort-related
arousals” — RERA)
Evento respiratório durante o sono que
não preenche os critérios de apneia ou hipopneia e deve ter duração mínima de 10
segundos. É um tipo de evento respiratório
anormal, contado em conjunto com apneias
e hipopneias para o diagnóstico da SRVAS.
Índice de apneia/hipopneia (IAH)
Frequência média de episódios de apneia e hipopneia por hora de sono. É preditor da gravidade do problema. Considera-se
normal uma frequência inferior a cinco eventos por hora.
Índice de RERA (IRD)
Frequência média de episódios de RERA
por hora de sono.
Diversos fatores estão implicados e interligados no desenvolvimento da SAHOS.
Os principais seriam a redução das forças de
expansão da musculatura dilatadora da faringe, a disfunção do músculo genioglosso e a
descoordenação entre a atividade muscular
inspiratória e o esforço respiratório. Outros
JBM
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SETEMBRO/OUTUBRO
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VOL. 100  No 4
possíveis coadjuvantes seriam quantidades
excessivas de tecido no palato mole, macroglossia, hipertrofia das amígdalas e mucosa
redundante na faringe, aumento do tecido
adiposo no pescoço e alterações na arquitetura das vias aéreas superiores.
Diagnóstico
A SAHOS é caracterizada por episódios
repetidos de obstruções parciais ou completas das vias aéreas superiores durante o
sono. Seu diagnóstico requer a demonstração objetiva de padrão respiratório anormal
durante o sono, através da medida do IAH
e do IRD.
Na suspeita clínica de SAHOS, a anamnese deve ser cuidadosa, devendo-se
buscar a presença de história familiar de
SAHOS e dados pessoais — uso de álcool
ou de relaxantes musculares, obesidade,
principalmente. A anamnese também deve
investigar a presença de sintomas diurnos
e noturnos. A sonolência é o sintoma diurno mais importante da SAHOS. É causada
pela fragmentação do sono resultante dos
despertares subsequentes às hipopneias
e apneias. Entretanto, como é um sintoma
frequente em diversas outras alterações
clínicas, seu valor preditivo diagnóstico é
pequeno. Outros sintomas diurnos incluem
cefaleias matutinas, depressão, apatia, dificuldade de concentração, perda da memória e redução da libido. Os sintomas noturnos mais frequentes e característicos são o
ronco e as pausas respiratórias (apneias). O
ronco está presente em aproximadamente
95% dos pacientes, mas, por ser comum
na população geral, seu valor diagnóstico é
pequeno. Na presença de SAHOS habitualmente há referência de que o ronco se tornou mais intenso e irregular, geralmente relacionado ao sobrepeso, consumo de álcool
ou de relaxantes musculares ou à menopausa, em mulheres. As apneias costumam ser
a causa mais frequente da consulta médica, já que frequentemente preocupam os
cônjuges. Esses costumam descrever a apneia como uma pausa respiratória que interrompe o ronco enquanto o paciente faz
esforço para respirar.
Despertares noturnos são menos frequentes e correspondem à percepção da
apneia. São fenômenos conscientes e acom-
Pontos-chave:
> A síndrome da
apneia-hipopneia obstrutiva do
sono (SAHOS) é caracterizada
por episódios repetidos
de obstruções parciais ou
completas das vias aéreas
durante o sono;
> Na suspeita clínica de
SAHOS, a anamnese deve ser
cuidadosa;
> A sonolência é o sintoma
diurno mais importante da
SAHOS.
31
Distúrbios respiratórios do sono
A gravidade da
síndrome da
apneia-hipopneia
obstrutiva do sono
direciona a escolha
dentre as diferentes
alternativas de
tratamento — desde
mudanças de hábitos,
uso de equipamentos
de pressão aérea
positiva contínua
durante o sono, até
cirurgias.
panhados por sensações rápidas e intensas
de dispneia, geralmente relacionados à hipertensão arterial, já que resultam de descargas simpáticas que elevam a pressão arterial
e a frequência cardíaca. Engasgo, diaforese,
noctúria, sono que não descansa e soniloquia
são outros sintomas noturnos que podem estar relacionados à SAHOS.
O exame físico deve avaliar o índice de
massa corporal (IMC), as vias aéreas superiores (passagem nasal, orofaringe, hipofaringe
e laringe) e os parâmetros cardiovasculares.
Pode ser útil um estudo radiológico para
identificar alterações anatômicas craniofaciais que predisponham SAHOS.
A PSG é o melhor exame complementar
para o diagnóstico da SAHOS. O registro
gráfico das etapas do sono, dos movimentos
respiratórios, do eletrocardiograma (ECG),
dos movimentos das pernas, do ronco, da
oximetria, do número de despertares, de
apneias e hipopneias permite estabelecer o
IAH. Para o diagnóstico da SAHOS devem
ser observados IAH igual ou maior que 5 por
hora de sono e saturação de oxigênio sanguíneo menor que 85%. De acordo com os
índices de IAH, a SAHOS é classificada em
leve, moderada ou grave.
• IAH < 15: Apneia leve — frequentemente
ocorrem sonolência diurna ou episódios
involuntários de sono durante atividades
que necessitam de pouca atenção, como
em salas de espera.
• IAH = 15-30: Apneia moderada — a sonolência pode comprometer atividades
profissionais.
• IAH > 30: Apneia grave — a sonolência ou
episódios de sono podem ocorrer em atividades com mais necessidade de atenção,
como durante conversas ou ao volante.
Tratamento
A gravidade da SAHOS direciona a escolha dentre as diferentes alternativas de tratamento. Essas vão desde mudanças de hábitos, uso de equipamentos de pressão aérea
positiva contínua (CPAP) durante o sono, emprego de aparelhos bucais que visam avançar
a mandíbula, reduzindo o risco de a língua
obstruir a passagem do ar, até cirurgias. Nos
casos mais graves, diferentes estratégias de
tratamento podem ser combinadas. Não há,
32
até o momento, alternativa farmacológica
efetiva para o tratamento da SAHOS.
Nas formas mais leves da SAHOS, a modificação da rotina de vida, inserindo hábitos
que facilitem a indução e a manutenção do
sono, aliados a emagrecimento, quando indicado, pode ser efetiva. Assim, é importante
orientar o paciente a:
1. Dormir em decúbito lateral, com a cabeceira da cama discretamente elevada.
2. Evitar fumar, tomar bebidas alcoólicas e
calmantes.
3. Adotar horários regulares para deitar e
despertar.
4. Manter atividade física regular.
5. Não fazer grandes refeições no jantar.
6. Criar um ambiente propício ao sono no
quarto, com controle de luminosidade e
temperatura.
O emprego do CPAP costuma ser eficiente na maior parte das vezes, mas o desconforto gerado com o equipamento costuma
fazer com que a adesão seja baixa e o uso
irregular. O objetivo do CPAP é manter uma
pressão positiva e contínua dentro da boca,
evitando o colabamento da faringe e mantendo a passagem do ar permeável. Isso
pode ser feito através de máscaras nasais ou
orais. A pressão a ser instalada é definida durante a PSG, quando o aparelho é instalado.
Diversos graus de pressão são testados, buscando-se identificar o menor que mantenha
as vias aéreas superiores (VAS) pérvias.
Os aparelhos bucais costumam ser efetivos, quando bem indicados. O objetivo é projetar a mandíbula para frente, buscando evitar
que a língua deslize em direção à orofaringe e
obstrua a passagem do ar durante o sono. De
acordo com o grau de mobilidade permitido
para a mandíbula, esses aparelhos podem ser
fixos (fixam a mandíbula nos sentidos vertical
e horizontal), ajustáveis (restringem os movimentos laterais) ou dinâmicos (regulam a graduação do avanço, permitindo mobilidade à
mandíbula). São indicados no tratamento do
ronco e constituem alternativa efetiva ao tratamento com CPAP nas formas leves a moderadas de SAHOS. Podem ser úteis quando a
adesão ao CPAP for insuficiente.
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SETEMBRO/OUTUBRO
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VOL. 100  No 4
Distúrbios respiratórios do sono
Em determinadas situações, a abordagem
cirúrgica pode ajudar no tratamento. Inicialmente, a traqueostomia foi muito utilizada,
mas vem caindo em desuso com o desenvolvimento de alternativas cirúrgicas. Atualmente está indicada apenas para o tratamento da
SAHOS grave, sem obesidade e sem resposta
terapêutica às outras formas de tratamento.
Dentre as diferentes técnicas cirúrgicas que
podem ser empregadas, destacam-se:
1. Cirurgia de desobstrução nasal — Indicada quando a obstrução é consequente
ao desvio de septo, presença de pólipos,
hipertrofia de adenoide, alterações estruturais das conchas nasais e tumores.
2. Uvuloplastia (UVP) e uvulopalatofaringoplastia (UPFP) — Alternativas efetivas à
traqueostomia, indicadas para aqueles
com IMC < 28, IAH entre 5 e 30 e tecido
mucoso redundante.
3. Cirurgia ortognática — Indicada para pacientes retrognatas. É uma técnica cirúrgica na qual a mandíbula e/ou a maxila são
avançadas, aumentando o espaço posterior das VAS. Apresenta bons resultados
na SAHOS grave.
4. Osteotomia mandibular com avanço do
genioglosso — Indicada nos casos de
obstrução retrolingual ou de retrognatia
mandibular. O objetivo é ampliar o espaço aéreo retrolingual.
Referências
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— Work hours, life style, and sleep pathology. Prog. Brain
Res., 190: 169-88, 2011.
2. PEDROSA, R.P.; DRAGER, L.F. et al. — Obstructive sleep
apnea: The most common secondary cause of hypertension
associated with resistant hypertension. Hypertension, 58(5):
811-7, 2011.
3. SHARMA, S.K.; AGRAWAL, S. et al. — CPAP for the metabolic syndrome in patients with obstructive sleep apnea. N.
Engl. J. Med., 365(24): 2277-86, 2011.1
4. EJAZ, S.M.; KHAWAJA, I.S. et al. — Obstructive sleep apnea
and depression: A review. Innov. Clin. Neurosci., 8(8): 17-25,
2011.
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VOL. 100  No 4
5. Canalização da língua — Ainda sob avaliação, costuma ser indicada nos casos
de língua volumosa. Com o uso de laser,
retira-se tecido do dorso lingual, aumentando a passagem do ar.
Dependendo da situação, as diferentes
abordagens terapêuticas listadas podem ser
combinadas e/ou associadas a exercícios
fonoaudiológicos e às mudanças comportamentais comentadas anteriormente. Em
situações particulares, a amigdalectomia
pode ser associada ao tratamento. Os resultados do tratamento devem ser avaliados
periodicamente através de critérios clínicos
(redução/eliminação do ronco, melhora da
sonolência diurna) e laboratoriais (redução/
normalização do IAH, redução dos microdespertares, menor dessaturação da oxi-hemoglobina e ausência de arritmia cardíaca).
Idealmente, essa avaliação deve ser feita por
profissionais capacitados e costuma envolver
cirurgiões-dentistas.
Os distúrbios respiratórios do sono não
são raros ou inocentes. Geralmente associados a comorbidades significativas, são causa
importante de baixa qualidade de vida e de
acidentes potencialmente letais. Devem ser
pesquisados sempre que a anamnese indicar baixa concentração, sonolência excessiva diurna e ronco. A PSG é o padrão ouro
de diagnóstico e seu tratamento deve ficar a
cargo de profissionais capacitados.
5. VASU, T.S.; GREWAL, R. & DOGHRAMJI, K. — Obstructive
sleep apnea syndrome and perioperative complications: A
systematic review of the literature. J. Clin. Sleep Med., 8(2):
199-207, 2012.
6. LUMENG, J.C. & CHERVIN, R.D. — Epidemiology of pediatric obstructive sleep apnea. Proc. Am. Thorac. Soc., 5(2):
242-52, 2008.
7. SERTKUNIYOSHI, F.H.; ZELLMER, M.R. et al. — Diagnostic
accuracy of the Berlin Questionnaire in detecting sleepdisordered breathing in patients with a recent myocardial
infarction. Chest, 140(5): 1192-7, 2011.
8. LURIE, A. — Obstructive sleep apnea in adults: Epidemiology, clinical presentation, and treatment options. Adv. Cardiol., 46: 1-42, 2011.
Endereço para
correspondência:
Hisbello S. Campos
Rua do Catete, 311/
Sala 708 — Catete
22220-001
Rio de Janeiro-RJ
[email protected]
33
Terapia com estimulação magnética transcraniana
psiquiatria
Transtornos de ansiedade
Flávia Paes — adriana Cardoso silva — antonio e. nardi
Laboratório de Pânico e Respiração — Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(LABPR/UFRJ). Instituto Nacional de Medicina Translacional (INCT-TM).
sergio MaChado
Laboratório de Pânico e Respiração — Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (LABPR/UFRJ). Instituto Nacional de Medicina Translacional (INMT). Programa de
Quiropraxia — Universidade Central, Santiago, Chile. Instituto de Filosofia da Universidade Federal
de Uberlândia, MG. Neurociências na Atividade Física, Programa de Pós-graduação em Ciências da
Atividade Física — Universidade Salgado de Oliveira, Niterói, RJ.
José a. CriPPa
Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento (RNC) da Divisão de Psiquiatria
da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto — Universidade de São Paulo. Instituto Nacional de
Medicina Translacional (INCT-TM).
Resumo
Summary
Dentre os transtornos psiquiátricos, os
transtornos de ansiedade (TAs) são os mais
comuns, com prevalência em torno de 20%
na população e, portanto, provocam grande
prejuízo a pacientes e familiares. São vários
os subtipos de transtornos de ansiedade e
um diagnóstico correto se baseia em uma
avaliação clínica cuidadosa. No presente
artigo apresentamos os diagnósticos e os
achados mais recentes sobre o tratamento
com estimulação magnética transcraniana repetitiva (EMTr) para o transtorno de pânico,
transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno
de estresse pós-traumático e fobia social.
Among psychiatric disorders, anxiety disorders (ATs) are the most common, with a
prevalence of around 20% in the population
and with great harm to patients and families.
There are several subtypes of anxiety disorders and a correct diagnosis is based on a
careful clinical assessment. In this paper we
present the findings and the latest findings
about treatment with repetitive transcranial
magnetic stimulation (rTMS) for panic disorder, obsessive-compulsive disorder, post-traumatic stress and social phobia.
Introdução
A EMT foi utilizada inicialmente na Neurologia Clínica, onde os primeiros estudos
com EMT tiveram como objetivo investigar a
velocidade de condução nervosa e o potencial
evocado motor em patologias neurológicas,
como a esclerose múltipla. Dessa forma, um
rápido crescimento na realização de pesquisas sobre a aplicação clínica da EMT vem
sendo observado ao longo das duas últimas
décadas (3).
A estimulação magnética transcraniana
(EMT) foi desenvolvida, em 1985, pelo Dr.
Anthony Barker e seus colaboradores da Universidade de Sheffield, na Inglaterra. A EMT
é um método não invasivo, seguro e indolor
(1, 2), baseado na lei de Faraday de indução
eletromagnética, onde uma corrente elétrica
é induzida no tecido cortical através de um
campo magnético gerado por uma bobina
colocada sobre o escalpo, despolarizando ou
hiperpolarizando os neurônios.
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SETEMBRO/OUTUBRO
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Unitermos: Estimulação
magnética transcraniana;
transtorno de pânico; fobia
social; transtorno obsessivo-compulsivo; transtorno de
estresse pós-traumático.
Keywords: Transcranial
magnetic stimulation; panic
disorder; social phobia;
obsessive-compulsive
disorder; post-traumatic
stress.
35
Transtornos de ansiedade
Terapia com estimulação magnética transcraniana
A aplicação de EMTr
gera efeitos claros sobre
uma série de medidas de
função cerebral e vem se
tornando um importante
instrumento de
pesquisa no tratamento
neuropsiquiátrico, em
doenças como depressão
e esquizofrenia. Porém,
em transtornos de
ansiedade, nenhum
estudo foi realizado com
o intuito de investigá-la.
36
Dependendo dos parâmetros utilizados
na estimulação, a EMT é capaz de excitar ou
inibir circuitos cerebrais, permitindo assim
mapear funções cerebrais e a criar lesões
virtuais (4). Até o presente momento, já é
amplamente utilizada como uma ferramenta
de pesquisa para estudar mecanismos neurofisiológicos cerebrais, como a função motora,
visão, linguagem e também para o estudo da
fisiopatologia das doenças cerebrais, além de
ser uma potencial ferramenta terapêutica (3).
Quando é utilizado o modo de pulso único, é
possível verificar o potencial evocado motor
(PEM) (intensidade mínima para induzir um
movimento muscular), medida importante
para se criar o protocolo de tratamento. Já
no seu formato repetitivo, ou EMTr, esta pode
modular a excitabilidade cortical; no entanto,
isso dependerá da localização, intensidade e
frequência de pulsos magnéticos utilizados.
Frequências de até 1Hz são consideradas inibitórias, enquanto frequências acima de 1Hz
são consideradas excitatórias (2, 4).
Desde sua introdução, a EMTr apresentou um potencial terapêutico em algumas
doenças neuropsiquiátricas, como depressão
e esquizofrenia, porém em transtornos de
ansiedade, mais especificamente no TAS,
nenhum estudo foi realizado com o intuito de
investigá-lo. A aplicação de EMTr gera efeitos
claros sobre uma série de medidas de função
cerebral e vem se tornando um importante
instrumento de pesquisa no tratamento neuropsiquiátrico (4, 5). Com isso em mente, o
tratamento com a EMTr pode ser considerado
um tratamento de neuromodulação, devido ao seu foco nos circuitos neurais dos
transtornos. A EMTr muda a perspectiva de
tratamento, por alterar a neuroquímica na sinapse, alterando ou modulando a função dos
circuitos neurais no cérebro, que se acredita
estar desorganizada em certos transtornos (2).
No presente artigo focalizaremos o diagnóstico e o tratamento dos subtipos de transtornos
de ansiedade mais prevalentes e mais comumente encontrados na prática clínica. Porém,
antes de entrarmos no diagnóstico e tratamento
de cada transtorno, abordaremos os conceitos
físicos e neurofisiológicos sobre a EMT.
Diagnóstico e tratamento
com estimulação magnética
transcraniana em transtornos
de ansiedade
A ansiedade é uma emoção cujos componentes são psicológicos e fisiológicos,
fazendo parte do espectro normal das experiências humanas. A ansiedade é considerada patológica quando é desproporcional à
situação que a desencadeia, incapacitando
o sujeito para suas tarefas diárias. Os transtornos de ansiedade (TAs) são os transtornos
psiquiátricos mais frequentes na população
geral (2).
A primeira suposta evidência de uma
possível diminuição da ansiedade com o uso
da EMTr veio de estudos com pessoas saudáveis. Com base em um modelo de ansiedade
proposto por Heller et al. (6), no qual emoções
como a ansiedade estariam localizadas no
hemisfério direito e alegria e sensação de
felicidade no hemisfério esquerdo, os TAs estariam associados ao aumento de atividade no
hemisfério direito, particularmente no córtex
pré-frontal (CPF) direito.
Em especial, Van Honk et al. (7) e Schutter
et al. (8) realizaram uma série de experimentos
em indivíduos saudáveis e mostraram que a
aplicação de EMTr de baixa frequência no
córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL) direito
resulta numa diminuição dos comportamentos
relacionados à ansiedade, pois pode estar
relacionada a uma redução da atividade pré-frontal direita que pode normalizar o desequilíbrio inter-hemisférico nos transtornos de
ansiedade.
Com base nesses achados, foram realizados estudos para investigar os efeitos
específicos da EMTr de baixa frequência em
transtornos psiquiátricos. A hipótese é de que
a baixa frequência de EMTr pode ser eficaz,
em particular em transtornos neuropsiquiátricos, que estão associados com a hiperexcitabilidade cerebral e ativação comportamental
ou cognitiva (9).
Nesta seção focalizaremos os seguintes
transtornos de ansiedade: transtorno de
pânico (TP), fobia social (FS), transtorno
obsessivo-compulsivo (TOC), transtorno do
estresse pós-traumático (TEPT), assim como
seus diagnósticos e tratamentos com EMT.
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Transtornos de ansiedade
Terapia com estimulação magnética transcraniana
Transtorno de pânico (TP)
Diagnóstico
De acordo com o DSM-IV-TR (10), o TP
se caracteriza por ataques de pânico recorrentes e inesperados, de curta duração (10-15min), seguidos por pelo menos um mês de
preocupação persistente acerca de ter outro
ataque de pânico. Podem estar presentes os
seguintes sintomas: falta de ar, hiperventilação, palpitações, dor no peito, sudorese,
calafrios, náuseas, tremores, medo de morrer
ou de perder o controle, entorpecimento e
despersonalização.
O transtorno de pânico TP como categoria
nosológica distinta surgiu em 1980, no DSM-III. Os pacientes com TP queixam-se bastante
a respeito dos sintomas relacionados à falta de
ar, de respirar com dificuldade, de problemas
do trato gastrointestinal, entre outros. Outra
característica desse transtorno é a preocupação em ter novos ataques de pânico, o que
se denomina ansiedade antecipatória, fazendo
com que o paciente se automonitore, levando
a um estado crônico de ansiedade. Essa ansiedade antecipatória, consequentemente, faz
com que o paciente evite algumas situações, o
que ficou conhecido como esquiva fóbica (11-13). O diagnóstico do TP é realizado com base
em três síndromes clínicas: ataque de pânico,
ansiedade antecipatória e esquiva fóbica (11).
Na medida em que o paciente evita determinados locais, por temer desencadear um
novo ataque de pânico, ou por ser difícil de
escapar ou obter ajuda, começa a desenvolver
um novo sintoma denominado agorafobia,
que é definido pelo DSM-IV como “ansiedade
em estar em lugares onde obter ajuda pode
ser difícil ou constrangedor ou que a ajuda
pode não estar disponível na eventualidade
de um ataque de pânico” (14). Classifica-se o
TP em com ou sem agorafobia.
Em geral o ataque de pânico “surge do
nada” e ocorre nas tarefas cotidianas, sem que
haja nenhum estímulo desencadeador. Porém,
o ataque de pânico pode ser do tipo situacional, ocorrendo quando o sujeito se depara
com algumas situações que desencadeiam a
reação de ansiedade, tais como lugares fechados (p. ex., elevador), aglomerado de pessoas
(p. ex., num shopping cheio), entre outras. É
possível também que ocorram ataques de
pânico incompletos, nos quais o paciente
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VOL. 100  No 4
apresenta até três sintomas somatopsíquicos
durante a crise. Existem também ataques
de pânico que são precipitados em certos
contextos emocionais, como briga conjugal,
separação e reunião familiar (11, 13).
O TP pode ser subdividido em tipo respiratório e não respiratório, segundo suas
características clínicas e terapêuticas. Os
sintomas apresentados pelos pacientes com
o subtipo respiratório geralmente são dispneia
e sufocação, ao contrário do subtipo não respiratório, em que predominam os sintomas
gastrointestinais, cardíacos e vestibulares (11).
Tratamento com EMTr
Com relação ao TP, estudos de ressonância magnética funcional (RMf) têm demonstrado uma hiperexcitabilidade, particularmente
no hemisfério direito, envolvendo o CPFDL e
a amígdala (15, 16).
No único estudo duplo-cego placebo-controlado realizado até o momento no TP,
foi investigada a aplicação de 10 sessões de
EMTr de baixa frequência (1Hz; 110% do limiar
motor) sobre o CPFDL direito em 15 pacientes
com TPs resistentes ao tratamento com inibidores da recaptação da serotonina (ISRSs). Foi
observado que tanto o grupo de estimulação
real quanto o grupo placebo melhoraram
durante o período do estudo. Não houve
diferença entre os grupos de tratamento (17).
Provavelmente esses resultados se devem
a alguns fatores, como uma pequena amostra, o não uso da bobina placebo, a falta de
padronização no local da aplicação da estimulação e a falta de clareza dos circuitos que
envolvem tal transtorno, dificultando achados
mais coerentes.
Transtorno obsessivo-compulsivo
(TOC)
Diagnóstico
De acordo com o DSM-IV-TR (10), as principais características do TOC são as obsessões
e compulsões. Obsessões são ideias, pensamentos, impulsos ou imagens persistentes
que são vivenciados como intrusivos, ou seja,
“invadem a mente do sujeito”, fazendo com
que ele sofra. Esses pensamentos são involuntários e normalmente têm conteúdo preocupante ou de catástrofe, tais como desastre
Pontos-chave:
> O transtorno de pânico
pode ser subdividido em tipo
respiratório e não respiratório;
> Os sintomas apresentados
pelos pacientes com o subtipo
respiratório geralmente são
dispneia e sufocação;
> No subtipo não respiratório
predominam os sintomas
gastrointestinais, cardíacos e
vestibulares.
37
Transtornos de ansiedade
Terapia com estimulação magnética transcraniana
Um protocolo-base
para o uso de EMTr em
quadros psiquiátricos,
desenvolvido a partir
de orientações para o
tratamento da depressão
(primeiro transtorno
estudado de forma
aprofundada usando
a EMTr), sugere que a
estimulação seja realizada
semanalmente por
quatro dias consecutivos,
durante quatro semanas.
ou um imperativo de limpeza. Dessa forma,
ele passa a vigiar seus pensamentos e a evitar
que o conteúdo obsessivo apareça, muitas
vezes sem sucesso. O indivíduo com obsessões, em geral, tenta suprimi-las ou neutralizá-las com algum outro pensamento ou ação
(comportamento). Então, as compulsões são
comportamentos repetitivos (por ex., lavar
as mãos), também chamados de rituais ou
atos mentais (por ex., orar, contar), também
denominados compulsões encobertas ou
cognitivas, cujo objetivo é prevenir ou reduzir a ansiedade ou sofrimento. As obsessões
não geram prazer em si, mas um alívio nas
obsessões.
Há diversos tipos de obsessões e compulsões presentes no TOC: 1. compulsões de
limpeza (washers); 2. compulsões de verificação (checkers); 3. obsessões puras; 4. lentidão
obsessiva primária: consome bastante tempo
e consiste na necessidade de precisão rigorosa nas tarefas executadas (10, 11).
Tratamento com EMTr
Há diversas teorias a respeito do TOC,
porém nenhum esclarecimento definitivo a
respeito das possíveis causas do transtorno. O
TOC tem sido amplamente estudado quanto
à sua etiologia e possibilidades terapêuticas.
Considerando os circuitos cerebrais envolvidos no TOC, estudos de neuroimagem vêm
mostrando que são observadas anormalidades na atividade de estruturas corticais e
subcorticais, como gânglios da base, córtex
orbitofrontal (COF), área suplementar motora
(ASM), CPFDL e núcleo caudado. Além disso,
pesquisas com RMf correlacionam o TOC com
o nível de fluxo sanguíneo regional cerebral,
sugerindo que os sintomas são causados pela
redução da inibição da atividade de circuitos
córtico-subcorticais e hiperexcitabilidade do
córtex pré-frontal (CPF) (18, 19).
O estudo de Ruffini et al. (20) verificou que
a aplicação de EMTr de baixa frequência (1Hz)
no COF esquerdo por 10 minutos reduziu significativamente os sintomas de transtorno obsessivo-compulsivo por até 10 semanas após o
fim do tratamento, com redução gradativa até
12 semanas do término. Já o estudo de Mantovani et al. (21) seguiu este mesmo modelo,
verificando também que a aplicação de EMTr
de 1Hz na AMS bilateralmente por 20 minutos
reduzia, ao final de quatro semanas, em 25%
38
os sintomas de TOC, em comparação à diminuição de 12% do grupo de EMTr placebo. Aos
pacientes que não responderam ao placebo e à
EMTr foi dada a opção de mais quatro semanas
de tratamento. Após esse período adicional,
a taxa de resposta foi de 67% para a EMTr e
de 22% para a EMTr placebo, com média de
redução de sintomas de 50%. Os resultados
encontrados pelos estudos são de extrema
importância, pois o número de pacientes com
TOC refratários a medicação é significativo e
a EMTr seria uma ótima alternativa de tratamento. No entanto, esses dados devem ser
interpretados com cautela. Um protocolo-base
para o uso de EMTr em quadros psiquiátricos,
desenvolvido a partir de orientações para o
tratamento da depressão (primeiro transtorno
estudado de forma aprofundada usando a
EMTr), sugere que a estimulação seja realizada
semanalmente por quatro dias consecutivos,
durante quatro semanas. Levando isso em
conta, apenas o estudo de Mantovani seguiu
o protocolo de forma adequada.
Além disso, o circuito envolvido no TOC
não é exclusivamente cortical. Portanto, a
aplicação de EMTr promove uma despolarização dos neurônios corticais e atinge de
forma precisa as áreas-alvo escolhidas para
o tratamento com profundidade de até 2cm.
Possivelmente, esta profundidade não é
suficiente somente quando aplicada no CPF
para a modificação de circuitos subcorticais
anormais no TOC, apesar da existência de vias
transinápticas. Esses achados oferecem evidências suficientes para que sejam realizados
novos estudos controlados, a fim de verificar
o potencial terapêutico da aplicação da EMTr
com grandes amostras.
Transtorno de estresse
pós-traumático (TEPT)
Diagnóstico
De acordo com o DSM-IV-TR (10), o
TEPT caracteriza-se pela existência de um
evento traumático reconhecido como uma
ameaça à integridade física do indivíduo ou
de outros, e que tenha sido experimentado
direta ou indiretamente pela pessoa afetada,
provocando-lhe medo, angústia ou horror. O
indivíduo acometido pelo TEPT frequentemente sofre de reexperimentação repetida
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Transtornos de ansiedade
Terapia com estimulação magnética transcraniana
do evento, ou seja, pensamentos recorrentes
e intrusivos (flashback) e pesadelos. A insensibilidade afetiva, outro fator importante, pode
ser observada pela diminuição expressiva do
interesse em realizar atividades comuns ou
significativas, especialmente quando relacionadas ao evento traumático; por restrição
afetiva e incapacidade de amar. Além disso,
o indivíduo pode apresentar ativação psicomotora, como hiperatividade, irritabilidade,
distúrbios do sono e falta de concentração.
O TEPT, portanto, é diagnosticado se esses
sintomas persistirem por quatro semanas
após a ocorrência do trauma e se redundarem
em comprometimento social e ocupacional
significativos.
Tratamento com EMTr
Com relação ao TEPT, os estudos de RMf
têm demonstrado hiperexcitabilidade, particularmente no hemisfério direito, envolvendo
o CPF, mais especificamente o COF, o CPFDL
e regiões límbicas, o que sugere a associação
do TEPT com a hiperatividade da amígdala e
hipoatividade no CPF (22-25).
O estudo de Cohen et al. (26) observou
que a aplicação de EMTr de 10Hz sobre o
CPFDL direito por 20 minutos reduz os sintomas de revivência de memórias traumáticas e
evitação de situações que causem angústia,
quando comparada a 1Hz e placebo. De forma semelhante, Boggio et al. (27) verificaram
que aplicações de EMTr de 20Hz sobre o CPF
esquerdo e direito por 20 minutos levaram
a uma diminuição significativa dos sintomas
de TEPT. Outro fato importante: os efeitos
da aplicação de EMTr sobre o CPFDL direito
foram mais prolongados quando comparados
aos da aplicação sobre o esquerdo.
Fobia social (FS)
Diagnóstico
A fobia social (FS) é caracterizada por
uma ansiedade extrema em ocasiões em que
o sujeito se expõe à avaliação de terceiros,
levando-o, muitas vezes, à esquiva de tais situações, prejudicando sua vida seja no âmbito
social, seja no âmbito laboral (11).
Grande parte dos sujeitos que não apresentam FS descrevem uma ansiedade antecipatória, ou seja, um desconforto social, considerado normal, antes da exposição a situações
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em que estarão submetidos ao julgamento de
terceiros, como falar em público. No entanto,
os pacientes com tal diagnóstico apresentam
medo excessivo de que seu desempenho ou
contatos sociais sejam avaliados como inadequados, levando a um constrangimento e
posterior humilhação. Estas situações serão
extremamente ansiogênicas, resultando na
evitação constante de situações sociais. Quando exposto a tais situações de estresse social,
o paciente as suporta com extremo desgaste
e manifesta sintomas tais como palpitações,
tremor, sudorese e rubor facial, sintomas típicos de medo e ansiedade (28).
A FS pode ser classificada como generalizada e específica. A primeira é caracterizada
pelo surgimento de ansiedade antecipatória
em diversas situações da vida, como iniciar
uma conversa, conhecer pessoas novas, falar
com outras pessoas, em especial figuras de
autoridade. Já o subtipo específico ou circunscrito envolve uma ou duas situações sociais
de desempenho, como falar em público ou
iniciar uma paquera.
Normalmente a FS tem início na infância
ou adolescência. Seu início pode ser agudo,
após um evento estressante. O curso é crônico e pode durar toda a vida, caso não seja
tratada (29, 30).
Tratamento com EMTr
Com relação aos circuitos envolvidos,
ainda não há um consenso sobre as áreas
abrangidas. Porém, foi verificado, em recente revisão sistemática sobre estudos de
neuroimagem, que as áreas mais comumente ativadas são o córtex pré-frontal medial
(CPFm), o córtex insular e o córtex cingulado,
giro para-hipocampal e amígdala, com maior
frequência de ativação do CFM.
Até o presente momento somente um
estudo de caso foi realizado com FS e EMTr
(31). Nesse relato de caso, avaliamos os
efeitos da EMTr na sintomatologia de um
paciente do sexo masculino com FS circunscrita, refratário aos tratamentos oferecidos
(medicação com ISRSs e terapia cognitivo-comportamental), que apresentava queixas
de medo de escrever em público. O paciente
foi submetido a uma única sessão de EMTr
com frequência inibitória (1Hz) a 120% do
limiar motor (LM) durante 25 minutos (1.500
pulsos) sobre o CPFm direito.
Pontos-chave:
> Com relação ao
TEPT, os estudos de
RMf têm demonstrado
hiperexcitabilidade,
particularmente no hemisfério
direito;
> Envolve o CPF, mais
especificamente o COF, o
CPFDL e regiões límbicas;
> Isto sugere a associação do
TEPT com a hiperatividade da
amigdala e hipoatividade do
CPF.
39
Transtornos de ansiedade
Terapia com estimulação magnética transcraniana
Antes da sessão de EMTr, o paciente
apresentava nível moderado de ansiedade,
verificada pelo Beck Anxiety Inventory (BAI),
como, por exemplo, incapacidade para relaxar, nervosismo, medo do pior acontecer. Uma
semana após a sessão de EMTr o paciente
mostrou grande redução nos sintomas de
ansiedade em relação ao momento pré-tratamento. No que diz respeito ao desempenho de habilidades sociais, foi verificado,
através do Social Skills Inventory (SSI), que
o paciente mostrou uma leve redução no
momento pós-tratamento em relação ao momento pré-tratamento. Ele relatou melhora
em atividades como participar de conversas
e oferecer ajuda aos seus colegas. Portanto,
sugerimos que a EMT de baixa frequência
(1Hz), aplicada na região do CPFm (isto é,
responsável pelo regulamento emocional),
parece ter promovido uma reinterpretação
das situações relacionadas ao desempenho
de habilidades sociais e reduzido o nível de
ansiedade de uma forma mais controlada e
terapêutica. Durante o seguimento de dois
meses o paciente ainda apresentava um
baixo nível de ansiedade e desempenho de
habilidades sociais semelhantes em relação
ao momento pré-tratamento, no entanto,
com ligeiro aumento em relação ao momento
pós-tratamento. Entretanto, sem o uso de
EMTr placebo não há como generalizar os
resultados.
Referências
Endereço para
correspondência:
Sergio Machado
Instituto de Psiquiatria da
Universidade Federal do
Rio de Janeiro
Av. Venceslau Braz, 71
Botafogo
22290-140
Rio de Janeiro-RJ
[email protected]
40
11. BARKER, A.T.; JALINOUS, R. & FREESTON, I.L. — Non-invasive magnetic stimulation of human motor cortex. Lancet, 1:
1106-7, 1985.
12. PAES, F.; MACHADO, S. et al. — The value of repetitive
transcranial magnetic stimulation (rTMS) for the treatment
of anxiety disorders: An integrative review. CNS Neurol. Disord. Drug. Targets, 10: 610-20, 2011.
13. MACHADO, S.; BITTENCOURT, J. et al. — Therapeutic applications of repetitive transcranial magnetic stimulation in
clinical neurorehabilitation. Funct. Neurol., 23(3): 113-22,
2008.
14. HALLETT, M. — Transcranial magnetic stimulation: A primer.
Neuron, 55: 187-99, 2007.
15. ROSSINI, P.M. & ROSSI, S. — Transcranial magnetic stimulation: Diagnostic, therapeutic, and research potential. Neurology, 68: 484-8, 2007.
16. HELLER, W.; NITSCHKE, J.B. et al. — Patterns of regional brain activity differentiate types of anxiety. J. Abnorm.
Psychol., 106: 376-85, 1997.
Conclusão
Esses achados mostram resultados satisfatórios, porém, não conclusivos da eficácia da
EMTr como tratamento para os TAs. Embora
tenham sido observados resultados positivos,
os parâmetros de tratamento, como localização, frequência, intensidade e duração, foram
utilizados de forma assistemática, tornando
difícil a interpretação dos resultados e fornecendo pouca orientação sobre se tais parâmetros podem ser úteis para o tratamento dos
TAs. Além disso, o uso da bobina placebo é
importante na observação de diferenças entre
os grupos. Uma possível explicação para o
fato de apenas alguns estudos demonstrarem
resultados positivos da EMTr no tratamento
dos TAs é a natureza focal da estimulação,
com a probabilidade de apenas as camadas
superficiais corticais serem afetadas diretamente. Atualmente, utilizando-se a tecnologia
da EMT, é possível estimular diretamente
áreas corticais mais distantes, tais como OFC;
discute-se também a possibilidade de se
estimular indiretamente, através de ligações
transinápticas, áreas subcorticais, tais como o
hipocampo, a amígdala e o estriado, que têm
mais possibilidade de serem relevantes para
a patogênese dos TAs. Dessa forma, mais
estudos devem ser realizados para investigar
o papel da EMT no tratamento e na criação de
protocolos de tratamento mais eficazes para
os TAs. Portanto, avanços tecnológicos, como
a combinação entre as técnicas de neuroimagem e a EMT, são fundamentais.
17. VAN HONK, J.; SCHUTTER, D.J. et al. — 1 Hz rTMS over
the right prefrontal cortex reduces vigilant attention to unmasked but not to masked fearful faces. Biol. Psychiatry, 52:
312-7, 2002.
18. SCHUTTER, D.J.; VAN HONK, J. et al. — Effects of slow
rTMS at the right dorsolateral prefrontal cortex on EEG
asymmetry and mood. Neuroreport, 12: 445-7, 2001.
19. HOFFMAN, R.E. & CAVUS, I. — Slow transcranial magnetic
stimulation, long-term depotentiation, and brain hyperexcitability disorders. Am. J. Psychiatry, 159: 1093-102, 2002.
10. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA) — Diagnostic Statistical Manual of Mental Disorders. 3. ed., Washington, D.C., American Psychiatric Association, 2000.
Obs.: As 21 referências restantes que compõem este artigo se
encontram na Redação à disposição dos interessados.
JBM
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SETEMBRO/OUTUBRO
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VOL. 100  No 4
otorrinolaringologia
Rinossinusite
Rinossinusite
Jair de Carvalho e Castro
Chefe da 2a Enfermaria de Otorrinolaringologia da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro.
Professor adjunto da Faculdade de Medicina da UFRJ. Mestre em Otorrinolaringologia — UFRJ.
Doutor em Otorrinolaringologia — FMUSP.
Resumo
Summary
A rinossinusite (RS), uma das afecções
mais prevalentes das vias aéreas superiores,
caracteriza-se pela inflamação da mucosa do
nariz e cavidades paranasais. A classificação
das rinossinusites, decorrentes de processos
infecciosos virais, bacterianos e fúngicos,
vem sendo sistematicamente modificada nos
últimos anos, assim como os sinais, sintomas
e achados de exames a serem levados em
consideração para o diagnóstico. A rinossinusite aguda (RSA), infecciosa por natureza,
tem duração de menos de quatro semanas,
enquanto a rinossinusite crônica (RSC), com
duração de mais de 12 semanas, é considerada multifatorial. Evidências crescentes
na literatura mostram que a RSC representa
uma resposta imunológica e inflamatória do
hospedeiro em adição a uma infecção inicial.
O tratamento sintomático e o seguimento
compõem a estratégia inicial para pacientes
com sintomas leves.
Rhinosinusitis, one of the most prevalent
diseases of the upper airway, characterized
by inflammation of the nasal mucosa and
paranasal cavities. The classification of rhinosinusitis, due to infectious processes viral,
bacterial, fungal, has been systematically
modified in recent years, as well as the signs,
symptoms and findings of tests to be considered for the diagnosis. The acute rhinosinusitis, infectious in nature, lasts less than four
weeks, while chronic rhinosinusitis, lasting
more than 12 weeks is considered multifactorial. Mounting evidence in the literature show
that CSR represents an immune and inflammatory response of the host in addition to an
initial infection. Symptomatic treatment and
follow up the initial strategy for patients with
mild symptoms.
Introdução
Estima-se que o adulto tenha em média
dois a cinco resfriados por ano e a criança,
seis a 10. Entretanto, essa incidência é difícil
de estabelecer corretamente, pois a maioria
dos pacientes com gripes e resfriados não
procura assistência médica. Desses episódios virais, aproximadamente 0,5% a 10%
evoluem para infecções bacterianas, o que
denota a alta prevalência dessa afecção na
população geral.
O Brasil carece de estatísticas de prevalência e incidência relacionadas às RSs. Muita
controvérsia ainda existe sobre o tema RS,
principalmente no que diz respeito aos quadros crônicos. A rinossinusite aguda (RSA) é
infecciosa por natureza, enquanto a rinossinusite crônica (RSC) é considerada multifato-
A rinossinusite (RS) constitui-se em uma
das afecções mais prevalentes das vias aéreas superiores. É caracterizada pela inflamação da mucosa do nariz e cavidades paranasais. Seu diagnóstico é feito por uma grande
variedade de médicos, incluindo alergologistas, otorrinolaringologistas, pneumologistas,
pediatras, generalistas e diversos outros.
A RS decorre de processos infecciosos
virais, bacterianos, fúngicos, entre outros. O
termo RS, quando usado de forma isolada,
refere-se aos quadros infecciosos bacterianos. As demais doenças acompanham o
termo do fator causador. Daí utilizar-se a nomenclatura RS fúngica, RS alérgica, RS viral,
sendo esta a mais prevalente.
JBM
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SETEMBRO/OUTUBRO
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VOL. 100  No 4
Unitermos: Rinossinusite
aguda; rinossinusite
crônica; polipose nasal;
classificação.
Keywords: Acute
rhinosinusitis; chronic
rhinosinusitis; nasal
polyposis; classification.
41
Rinossinusite
Pontos-chave:
> As rinossinusites estão entre
as doenças mais comumente
diagnosticadas nos EUA,
afetando estimativamente 16%
da população adulta;
> São responsáveis por 15%
de todas as prescrições de
antibiótico naquele país;
> Os gastos diretos são
imensos, algo em torno de
5,8 bilhões de dólares por ano.
42
rial. Existem evidências crescentes de que a
RSC representa uma resposta imunológica
e inflamatória do hospedeiro em adição a
uma infecção inicial. A obstrução dos óstios
de drenagem dos seios paranasais parece
ter menos importância em sua fisiopatologia
que nos quadros agudos.
Outra grande dúvida permanece quanto
à patogênese da RSC associada à polipose
nasal (PN). Por que alguns pacientes com RS
desenvolvem pólipos e outros não? Serão
doenças diferentes? A RSC é uma doença
cujo tratamento melhor seria clínico ou cirúrgico? A RS, por ser multifatorial, é uma doença ou deveria mais apropriadamente ser
chamada de síndrome?
As rinossinusites estão entre as doenças
mais comumente diagnosticadas nos EUA,
afetando estimativamente 16% da população adulta, anualmente. Dados do National Health Interview Survey mostram que
as rinossinusites continuam fazendo parte
do Top 10 dos diagnósticos que levam os
pacientes ao consultório médico, e são responsáveis por 15% de todas as prescrições
de antibiótico naquele país. Por isso, é difundida a ideia de que todos nós seremos
acometidos por, ao menos, um episódio de
rinossinusite em algum momento da vida.
Os gastos diretos são imensos, algo em torno de 5,8 bilhões de dólares por ano.
A definição mais ampla de rinossinusite
é: inflamação sintomática dos seios paranasais e cavidade nasal. O termo rinossinusite
se impõe à denominação de sinusite porque a inflamação presente na mucosa dos
seios da face está, quase sempre, também
presente na mucosa nasal, pois ambas são
contínuas.
A RS também pode ser caracterizada por:
— Dois ou mais dos seguintes sintomas:
Obstrução nasal, rinorreia anterior ou
posterior, dor ou pressão facial, redução
ou perda do olfato.
— Um ou mais achados endoscópicos: Pólipos, secreção mucopurulenta drenando
do meato médio, edema obstrutivo da
mucosa no meato médio.
— E/ou alterações de mucosa do complexo
óstio-meatal (COM) ou cavidades paranasais visualizadas na tomografia computadorizada (TC).
A classificação das rinossinusites vem
sendo sistematicamente modificada nos últimos anos, assim como os sinais, sintomas e
achados de exames a serem levados em consideração para o diagnóstico.
A Task Force de 1997 classificou as rinossinusites baseando-se em sintomas e tempo
de doença. Em 2003, uma nova Task Force,
associada à American Academy of Otolarynology, incluiu o exame físico ao diagnóstico das rinossinusites crônicas, importando
agora, também, a presença de secreção purulenta, pólipos e alterações polipoides da
mucosa à endoscopia nasal ou à rinoscopia
anterior. Essa mesma diretriz sugere que os
achados tomográficos podem ser úteis para
confirmar o diagnóstico em pacientes sintomáticos, mas sem alterações ao exame físico.
Relacionou-se, também, seu diagnóstico
ao tempo de doença em:
— Aguda (menos de quatro semanas).
— Subaguda (entre quatro e 12 semanas).
— Crônica (mais de 12 semanas), incluindo-se aqui as situações especiais.
— RSAs recorrentes, em que ocorrem mais
de quatro episódios por ano, com cada
episódio durando entre 7-10 dias, havendo necessariamente ausência de sintomas entre os episódios.
— Exacerbações agudas das rinossinusites
crônicas.
A mais recente publicação sobre a classificação, o diagnóstico e o tratamento das
rinossinusites é o EPOS 2012 — European
Position Paper on Rhinosinusitis and Nasal
Polyps 2012.
Rinossinusites agudas
A principal causa das rinossinusites agudas é viral, e somente 0,5% a 2% dos pacientes desenvolvem rinossinusite aguda bacteriana, secundária à infecção viral. Contudo,
a maioria das rinossinusites bacterianas são
precedidas de doença sinusal/vias aéreas superiores.
Mais de 200 vírus são reconhecidos
como causadores de sintomas nasais em
resfriados comuns. Os mais frequentemente
encontrados são o rinovírus, o vírus sincicial
respiratório e os vírus influenza e parainfluenza.
JBM
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VOL. 100  No 4
Rinossinusite
Os principais patógenos responsáveis
pelas RSAs bacterianas são: Streptococcus
pneumoniae, Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis. Outras condições que
podem predispor a RSAs bacterianas seriam
fumaça de cigarro, desvios septais, concha
bullosa e alergias.
Três sintomas cardinais são considerados
como tendo alta sensibilidade e especificidade para a doença rinossinusal bacteriana,
sendo eles: rinorreia/descarga nasal purulenta, dor/pressão facial e obstrução nasal.
Sintomas secundários seriam anosmia, febre,
plenitude facial, tosse e dor de cabeça.
Para o EPOS 2012 a definição clínica de
RSA em adultos é:
— Inflamação da cavidade nasal e seios paranasais, caracterizada por dois ou mais
sintomas, um dos quais deve ser bloqueio nasal/obstrução/congestão nasal
ou descarga nasal (drip anterior ou posterior):
± dor/pressão facial;
± diminuição ou perda do olfato;
e tanto:
— Sinais endoscópicos de pólipos nasais
e/ou descarga nasal mucopurulenta,
principalmente pelo meato médio, e/ou
edema/obstrução mucosa, principalmente pelo meato médio;
e/ou:
— Alterações tomográficas: alterações da
mucosa do complexo óstio-meatal e/ou
seios da face.
A RSA é uma condição comum que muitas vezes é gerida pelos pacientes sem que
haja assistência médica. Normalmente melhora espontaneamente, ou com tratamento.
Quando o paciente procura assistência, ela
comumente é feita por médicos generalistas.
O diagnóstico é clínico e depende da presença e duração dos sintomas típicos, principalmente obstrução nasal, dor facial ou pressão e redução do olfato.
As RSAs geralmente ocorrem como uma
complicação de uma infecção viral de vias aéreas superiores (IVAS) com a persistência de
sintomas por mais de 10 dias, ou piora dos
sintomas após cinco dias. A persistência dos
sintomas por mais de 12 semanas direciona
mais ao diagnóstico de RSC do que de RSA.
JBM
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VOL. 100  No 4
A diferenciação de outras condições,
como IVASs virais, rinite alérgica, infecções
orodentárias e síndromes de algias facial,
pode ser realizada na maioria dos casos por
meios clínicos, embora possam ser necessárias investigações quando há dúvida diagnóstica. Complicações são raras, mas graves, e
todo médico generalista deve estar ciente dos
sintomas e sinais de alerta, como edema periorbitário e sintomas visuais, que necessitam
de avaliação especializada urgente.
Embora os antibióticos sejam comumente prescritos na prática clínica, os sintomas
da RSA se relacionam mais à inflamação e
disfunção dos mecanismos de drenagem do
seio e, portanto, na maioria dos casos os antibióticos não são necessários.
Estudos de imagem, estudos hematológicos e microbiológicos e endoscopia não
são rotineiramente necessários para o diagnóstico das RSAs, mas podem ser necessários em determinados contextos, tais como
estudos de pesquisa ou em pacientes de alto
risco.
Na sua maioria, as IVASs virais são autolimitadas, e as RSAs pós-virais não devem ser
diagnosticadas antes do 10o dia de duração,
ao menos que haja uma clara piora dos sintomas após o quinto dia.
As RSAs podem ser divididas teoricamente em virais (resfriados comuns), pós-virais e
bacterianas, e normalmente se apresentam
nessa ordem consecutiva. Contudo, as RSAs
virais, pós-virais e bacterianas demonstram
uma considerável sobreposição em seus mecanismos inflamatórios e em suas apresentações clínicas.
Infecções virais do nariz e seios paranasais induzem a múltiplas alterações, incluindo inflamação pós-viral, que eleva o risco de
infecção bacteriana. Essas mudanças incluem
lesão do epitélio e mecanismos de defesa
mecânicos, humorais e celulares.
Uma série de estudos tem tentado proporcionar aos médicos combinações de sinais e sintomas capazes de predizer uma doença mais grave, particularmente na previsão
de uma infecção bacteriana, consequentemente com maior probabilidade de uma boa
resposta aos antibióticos.
Em um estudo com pacientes de cuidados
primários com 15 anos ou mais, e com diagnóstico clínico de RSA que avaliou a correlação
Três sintomas
cardinais são
considerados como
tendo alta sensibilidade
e especificidade para
a doença rinossinusal
bacteriana, sendo eles:
rinorreia/descarga
nasal purulenta,
dor/pressão facial e
obstrução nasal.
43
Rinossinusite
Pontos-chave:
> A tomografia de seios da
face é o método de imagem
de escolha para confirmar a
extensão da patologia e avaliar
a anatomia;
> A TC serve para corroborar
a história clínica e o exame
endoscópico após, por exemplo,
o insucesso terapêutico;
> A RNM é o método de
escolha no estudo de casos de
massas, nas complicações de
doença sinusal inflamatória e na
doença sinusal que se estende
para o crânio e órbita.
44
de sintomas específicos com a presença de
nível líquido ou total opacidade de qualquer
seio na TC (como padrão ouro de sinusite),
Lindbaek relatou quatro fatores que têm uma
alta taxa de correlação, independentemente da associada à RSA. Estes foram rinorreia
purulenta, secreção purulenta no cavum, VHS
elevada (> 10) e double sickening.
Uma combinação de pelo menos três
dos quatro sintomas e sinais resultou em especificidade de 0,81 e em sensibilidade de
0,66 para RSA.
A rinoscopia anterior, embora isoladamente seja uma investigação muito limitada, deve ser sempre realizada, mesmo em
ambiente de cuidados primários, como parte da avaliação clínica dos casos suspeitos
de RSA. Ela pode revelar achados de apoio,
como inflamação nasal, edema da mucosa
e secreção nasal purulenta, e às vezes pode
revelar achados anteriormente não suspeitados, como pólipos, desvios septais ou
anormalidades anatômicas maiores. Atenção especial deve ser sempre voltada à região do meato médio.
A presença de febre > 38°C indica uma
doença mais grave, e está significativamente associada com cultura bacteriológica positiva, predominantemente S. pneumoniae
e H. influenzae.
Inspeção e palpação dos seios podem
revelar edema e sensibilidade, que são normalmente interpretados como indicadores
de uma doença mais grave, e a possível necessidade de antibióticos. Contudo, a sensibilidade e a especificidade destes sinais e
sintomas na identificação de RSAs bacterianas não estão estabelecidas.
A endoscopia nasal não está geralmente disponível na rotina de atendimentos primários, e não é necessária para o diagnóstico clínico de RSA, embora possa ser exigida
em contextos de pesquisa.
A endoscopia nasal pode ser utilizada
para visualizar a anatomia nasal e dos seios
e para fornecer amostras microbiológicas e
de biopsia. Vários estudos de microbiologia
(nível de evidência IIb) têm mostrado uma
correlação razoável entre as amostras retiradas do meato médio sob controle endoscópico e punção, que conduz à possibilidade
de confirmação microbiológica do patógeno e sua resposta ao tratamento.
Algumas autoridades recomendam que
o diagnóstico clínico de rinossinusite bacteriana aguda deve ser sempre confirmado
por endoscopia e cultura. Como muitos pacientes com sinais clínicos ou radiológicos de
RSA não têm microbiologia bacteriana positiva, e essa diretriz favorece o termo rinossinusite aguda pós-viral, e fortalece/apoia uma
terapia inicial anti-inflamatória e não anti-infecciosa, é discutível como este conselho é
válido, especialmente em locais onde o acesso à endoscopia é limitado.
O fato de as IVASs gerarem alterações
tomográficas indistinguíveis das rinossinusites faz com que a realização de exames de
imagem nas RSAs bacterianas tenha pouca
indicação, salvo em situações em que se
suspeita de complicações. Os estudos de
imagem não são necessários para o diagnóstico de rotina das RSAs, embora possam ser
necessários para confirmar o diagnóstico em
contextos de pesquisa. A tomografia computadorizada (TC) é atualmente o método de
imagem de escolha para o estudo das cavidades nasais.
A tomografia de seios da face é o método
de imagem de escolha para confirmar a extensão da patologia e avaliar a anatomia. No entanto, ela não deve ser considerada o primeiro passo no diagnóstico da doença, a menos
que haja sinais e sintomas graves e suspeita de
complicações, isso porque as IVASs geram alterações tomográficas indistinguíveis das rinossinusites. Assim, a TC serve para corroborar a
história clínica e o exame endoscópico após,
por exemplo, o insucesso terapêutico. A TC
pode ser considerada como primeira escolha
em casos de doença muito grave, em pacientes imunocomprometidos e quando existe suspeita de complicações.
Em comparação com a TC, a ressonância
nuclear magnética (RNM) dos seios da face
nos fornece melhor resolução de imagens
de tecidos moles, diferenciando melhor uma
obstrução benigna por secreção de um tumor, além de avaliar melhor as extensões intracranianas e orbitárias. Sendo assim, a RNM
é o método de escolha no estudo de casos
de massas, nas complicações de doença sinusal inflamatória e na doença sinusal que se
estende para o crânio e órbita.
Achados incidentais foram reportados
em digitalização em até um quinto da popuJBM
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SETEMBRO/OUTUBRO
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VOL. 100  No 4
Rinossinusite
lação normal, embora os dados mais recentes tenham sugerido que pessoas saudáveis
não deveriam ter achados anormais de seios
ao exame. Em crianças, nas quais radiografias simples são tecnicamente difíceis, varreduras dos seios são tecnicamente possíveis,
sendo a investigação de imagem de escolha,
mas igualmente são indicadas apenas se as
complicações forem suspeitadas ou se houver falta de resposta ao tratamento.
Testes laboratoriais e imunológicos podem ser úteis em pacientes que não melhoram com a terapia convencional e tratamentos cirúrgicos.
Uma gama de patologias, como doença de Wegener, síndrome de Churg-Strauss
e sarcoidose, podem ser causas de doença
rinossinusal recorrente. Pode ocorrer formação de crostas nasais, secundária a ressecamento da mucosa pela síndrome de Sjögren.
Testes de anti-HIV e de IgG devem também
ser considerados em paciente refratários.
A PCR é um biomarcador hematológico
gerado em infecção bacteriana. Seu uso tem
sido defendido nas IVASs como uma ajuda
para a identificação de infecção bacteriana,
contribuindo assim para limitar o uso desnecessário de antibióticos.
Estudos recentes sugeriram que nas RSAs
uma PCR baixa ou normal pode identificar
doentes com baixa probabilidade de infecção bacteriana que não necessitariam ou não
se beneficiariam com o uso de antibióticos,
e tratamentos guiados pelos resultados da
PCR têm sido associados com uma redução
no uso de antibióticos, sem qualquer comprometimento de resultados. Isto pode ser
considerado uma observação interessante,
mas preliminar, sendo necessária mais investigação antes que este ensaio possa ser recomendado como rotina para o diagnóstico da
RSA e no direcionamento da terapia. No entanto, os níveis de PCR são significativamente correlacionados com alterações de tomografia computadorizada, e uma PCR elevada
é preditiva de cultura bacteriana positiva na
punção do seio ou lavagem nasal.
Os marcadores de inflamação, tais como
a viscosidade do plasma e VHS, estão elevados nas RSAs e podem refletir a gravidade da
doença e indicar a necessidade de um tratamento mais agressivo, de modo semelhante
à PCR.
JBM
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Níveis de VHS estão correlacionados com
alterações de TC em RSAs, e uma VHS > 10
é indicativa do nível líquido no seio ou opacidade sinusal na TC. VHS elevada é preditiva
de cultura bacteriana positiva na punção ou
lavagem do seio.
A etiopatogenia e a fisiopatologia da RS
estão relacionadas a múltiplos fatores, que
podem ser locais ou sistêmicos. O conhecimento destes fatores é importante para o tratamento adequado e o controle da doença.
Qualquer fator que cause obstrução dos óstios sinusais (dificultando a drenagem e a oxigenação), disfunção do transporte mucociliar
(TMC) e deficiência imunológica do paciente,
resultando em crescimento de patógenos,
poderá ser predisponente para a instalação
de uma RS:
A etiopatogenia e a
fisiopatologia da RS estão
relacionadas a múltiplos
fatores, que podem ser
locais ou sistêmicos. O
conhecimento destes
fatores é importante para
o tratamento adequado e
o controle da doença. — Exposição a fatores ambientais: A exposição à poluição do ar, os irritantes
utilizados na preparação de produtos
farmacêuticos e durante a fotocópia e a
fumaça de incêndios florestais têm sido
associados com aumento na ocorrência
de sintomas de RSA.
— Fatores anatômicos: Fatores anatômicos,
incluindo as células de Haller, concha
média bolhosa, desvio de septo, atresia
coanal, pólipos nasais e hipoplasia de
seios, têm sido associados com a RSA.
Em pacientes com RSAs recorrentes, as
variações anatômicas acima descritas,
além de obstrução coanal por tecido
adenoideano ou fontes de infecções
odontogênicas, devem ser consideradas
como fatores associados.
— Alergia: O papel da alergia nas rinossinusites agudas é alvo de grandes debates,
com publicações contra e a favor de seu
papel predisponente da RSA. Savolainen
(64) relatou que 25% dos 224 pacientes
com sinusite maxilar aguda tinham alergia, verificada através de um questionário de alergia, teste cutâneo e esfregaços
nasais, com um adicional de 6,5% de
pacientes com provável alergia. No entanto, na comparação de pessoas com
e sem alergia, não foram encontradas
diferenças no número de episódios anteriores de RSA, ou bacteriológicas e radiológicas, o que sugere que a presença de
alergia talvez seja incidental.
45
Rinossinusite
Pontos-chave:
> O tratamento sintomático
e o seguimento compõem a
estratégia inicial para pacientes
com sintomas leves;
> O uso dos corticosteroides
intranasais, como o furoato de
fluticasona, em monoterapia
ou em terapia adjuvante aos
antibióticos orais mostrou-se
eficaz;
> A antibioticoterapia deve ser
reservada para pacientes com
febre alta ou dor facial intensa.
46
— Disfunção ciliar: A disfunção ciliar está relacionada tanto com a rinossinusite viral
quanto com a bacteriana (8). Isto inclui
tanto a perda dos cílios e células ciliadas
como uma interrupção do fluxo mucociliar normal. A função ciliar é prejudicada
durante as rinossinusites viral e bacteriana. A exposição à fumaça de cigarro e a
rinite alérgica prejudicam a função ciliar,
embora ainda sejam necessárias pesquisas para se compreender melhor esses
processos.
— Discinesia ciliar: Apresenta-se em situações em que os cílios são imóveis ou se
movimentam em um padrão que é incapaz de transportar o muco. A discinesia
está associada com sintomas crônicos
das vias aéreas superiores, incluindo descarga nasal (dor facial episódica e anosmia) e bronquiectasias.
— Fumo: Fumantes ativos com doença inflamatória alérgica ativa apresentam
aumento da suscetibilidade à RSA, em
comparação aos não fumantes também
portadores de alergia ativa. Isto sugere
que a exposição à fumaça do cigarro e a
inflamação da alergia são mediadas por
mecanismos diferentes e possivelmente
sinérgicos.
— Refluxo laringofaríngeo: Pouco se sabe
sobre a associação entre as RSAs e o
refluxo laringofaríngeo. Como revisado
por Pacheco et al., Galvan (104), estudos
epidemiológicos conduzidos entre 1997
e 2006 mostraram associações significativas entre DRGE e sinusite. No entanto,
em recente revisão sistemática, Flook e
Kumar mostraram apenas uma fraca associação entre o refluxo ácido, sintomas
nasais e RSA (105).
— Ansiedade e depressão: Ansiedade e
depressão foram significativamente associadas com RSA (106). Em um estudo
com 47.202 estudantes universitários,
com idades entre 18 e 24 anos, Adams
et al. (106) referiram que a prevalência
de doença infecciosa aguda, que inclui
bronquite, otite, sinusite e faringite estreptocócica, variou entre 8% e 29%, enquanto que a prevalência de ansiedade
e depressão variou entre 12% e 20%,
respectivamente. Ansiedade e depressão
estão associadas com a suscetibilidade à
RSA, embora os mecanismos subjacentes
não sejam claros.
A introdução do tratamento baseado em
evidências gerou um impacto importante
sobre a abordagem médica dos pacientes
com RSA. Provou-se claramente em muitos
estudos clínicos que a maioria dos casos de
RSA se resolve sem tratamento antibiótico. O
tratamento sintomático e o seguimento compõem a estratégia inicial para pacientes com
sintomas leves. O uso dos corticosteroides
intranasais, como o furoato de fluticasona,
em monoterapia ou em terapia adjuvante
aos antibióticos orais mostrou-se eficaz. Em
pacientes com RSAs graves os corticosteroides orais podem ser usados em curto prazo
para alívio de cefaleia, dor facial e outros sintomas agudos.
A antibioticoterapia deve ser reservada
para pacientes com febre alta ou dor facial
intensa (unilateral). Para o tratamento inicial
indica-se antibiótico de pequeno espectro,
direcionado aos patógenos mais prováveis
(Streptococcus pneumoniae e Haemophilus
influenzae), ao invés de agentes de amplo
espectro.
Embora os antibióticos para RSA devam
ser reservados para pacientes selecionados,
com probabilidade substancial de doença
bacteriana, o diagnóstico clínico preciso é
muitas vezes difícil. O tratamento antibiótico
de curto prazo teve eficácia comparável ao
de longo prazo. O encurtamento do tratamento pode levar a menos efeitos adversos,
maior adesão do paciente, menores taxas de
desenvolvimento de resistência bacteriana e
menor custo, particularmente em pacientes
sem doença grave e complicações.
Corticosteroides intranasais são recomendados para o tratamento das RSAs, tanto
na doença moderada em monoterapia como
na doença grave, adjuvante aos antibióticos
orais.
Recentemente foi publicado que o tratamento com corticosteroide tópico foi usado
como monoterapia e em comparação com
antibióticos. Neste estudo o furoato de mometasona (FM) foi usado e comparado com
amoxicilina e placebo em pacientes com
RSA. O FM (200mg, duas vezes por dia) foi
significativamente superior ao placebo e à
amoxicilina na melhora dos sintomas. UtilizaJBM
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SETEMBRO/OUTUBRO
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VOL. 100  No 4
Rinossinusite
do uma vez por dia, o FM foi também superior ao placebo, mas não à amoxicilina. Este
é o primeiro estudo a mostrar que os corticosteroides tópicos duas vezes por dia são
eficazes no tratamento da RSA como monoterapia, sendo mais eficazes do que a amoxicilina quando utilizados duas vezes por dia.
Os dados deste estudo são também apoiados por dois outros estudos com um projeto
similar. No entanto, em outro estudo, nem
antibióticos nem corticosteroides tópicos em
monoterapia, ou em combinação, foram eficazes na alteração da gravidade do sintoma
ou na duração das RSAs bacterianas.
Não houve relatos de eventos adversos
significativos, e não houve diferença significativa nas taxas de abandono de tratamento e nem nas taxas de recorrência, para os
dois grupos de tratamento. Serão necessários mais estudos clínicos randomizados para
análise da eficácia e do uso apropriado de
antibióticos e corticosteroides intranasais,
como monoterapia ou combinados, no tratamento da RSA com diferentes gravidades.
O resultado de uma análise Cochrane recente sugere que os corticosteroides por via
oral, como terapia adjuvante aos antibióticos
orais, são eficazes para alívio em curto prazo
dos sintomas (cefaleia, dor facial, descongestionamento nasal, etc.) em RSA (nível de evidência: Ia).
Os anti-histamínicos (AHs) são o tratamento padrão para as doenças alérgicas mediadas pela IgE, tais como rinite alérgica, em
que a histamina é um dos principais agentes
da reação alérgica.
A fisiopatologia da RSA indica uma infecção bacteriana secundária, devido à lesão
epitelial causada por infecção viral (gripe comum).
Não há qualquer indicação do uso de
anti-histamínicos (intranasal ou oral) no tratamento da RSA pós-viral, exceto na coexistência de rinite alérgica.
Os descongestionantes nasais são comumente usados no tratamento das RSAs, para
diminuir a congestão e com a intenção de
melhorar a ventilação e drenagem dos seios,
assim como melhorar os sintomas de obstrução nasal.
Estudos experimentais quanto ao efeito
dos descongestionantes tópicos na patência
do óstio e do complexo óstio-meatal por TC
JBM
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e RM confirmaram sua eficácia em reduzir a
congestão dos cornetos médios, inferiores
e mucosa infundibular, contudo, sem efeito
sobre as mucosas dos seios etmoidais e maxilares.
A irrigação nasal é um procedimento que
“enxágua” a cavidade nasal com água ou soluções salinas iso ou hipertônicas. A maioria
dos estudos mostra que as lavagens nasais
com solução isotônica ou hipertônica são benéficas no alívio dos sintomas.
A solução salina hipertônica é preferida
por alguns autores americanos no tratamento
da RSA, baseando-se em artigos que indicam
melhora no batimento mucociliar, medido
pelo teste da sacarina em voluntários sadios.
Os resultados mostraram que a irrigação
nasal com solução salina tem um efeito limitado nas RSAs em adultos (nível de evidência:
Ia). É eficaz em crianças com RSA em adição
ao tratamento padrão (nível de evidência: Ib)
e pode prevenir as infecções recorrentes (nível de evidência: IIb).
A vacinação não tem efeito direto no tratamento das RSAs. No entanto, a vacinação
infantil de rotina afetou a frequência e a bacteriologia da otite média aguda (OMA) e das
rinossinusites bacterianas agudas. Verificou-se que a imunização leva a um aumento da
capacidade de resistência do hospedeiro, diminuindo a incidência de doença respiratória
aguda e complicações devido à infecção. Em
outro estudo observou-se mudança significativa nos patógenos causadores de sinusite maxilar aguda em crianças de cinco anos
após a introdução da vacina pneumocócica
7-valente (PCV7), em comparação com os
cinco anos anteriores. Enquanto a percentagem de S. pneumoniae diminuiu 18%, a proporção de H. influenzae aumentou em 8%.
O papel da vitamina C (ácido ascórbico)
na prevenção e no tratamento do resfriado
comum tem sido motivo de controvérsias
durante muitos anos, mas ela é amplamente
comercializada e utilizada como agente preventivo e terapêutico.
Foi realizado um estudo Cochrane abrangendo 30 estudos, com 11.350 pacientes.
Observou-se falha da suplementação de vitamina C em reduzir a incidência de resfriados
na população normal. Isso indica que a profilaxia de rotina com megadoses não é racionalmente justificada. Mas a evidência sugere
A irrigação nasal é um
procedimento que
“enxágua” a cavidade
nasal com água ou
soluções salinas iso ou
hipertônicas. A maioria
dos estudos mostra que
as lavagens nasais com
solução isotônica ou
hipertônica são benéficas
no alívio dos sintomas. 47
Rinossinusite
que ela poderia ser justificada em pessoas
expostas a períodos curtos de exercício físico
severo ou a ambientes frios (nível de evidência: Ia; recomendação C).
Os mucolíticos são utilizados como adjuvantes ao tratamento com antibióticos e/ou
descongestionantes nas RSAs, com a finalidade de reduzir a viscosidade da secreção
do seio. Embora alguns fármacos tenham
demonstrado efeito mucolítico, seus benefícios não são claros, devido à falta de padronização das propriedades farmacodinâmicas
e farmacocinéticas, e também de estudos
duplo-cegos e placebo-controlados randomizados, para comprovar sua eficácia.
As RSAs podem ser divididas teoricamente em virais (resfriados comuns), pós-virais e
bacterianas, e normalmente se apresentam
nessa ordem consecutiva. Contudo, as RSAs
viral, pós-viral e bacteriana demonstram considerável sobreposição em seus mecanismos
inflamatórios e em suas apresentações clínicas. Infecções virais do nariz e seios paranasais induzem a múltiplas alterações, incluindo
inflamação pós-viral, que elevam o risco de
infecção bacteriana. Essas mudanças incluem
lesão do epitélio e mecanismos de defesa
mecânicos, humorais e celulares.
Rinossinusites crônicas
Pontos-chave:
> A rinossinusite crônica (RSC) é
um dos problemas de cuidados
com a saúde mais comuns;
> Tem grave impacto nas doenças das vias aéreas inferiores;
> A revisão da literatura atual
sobre RSC torna claro que
apresentar uma estimativa
precisa de sua prevalência
continua sendo arriscado.
48
A rinossinusite crônica (RSC) é um dos
problemas de cuidados com a saúde mais
comuns, com custos médicos diretos significativos e grave impacto nas doenças das
vias aéreas inferiores e nos resultados gerais
de saúde. Por ser uma doença multifatorial,
os fatores contribuintes podem ser diversos,
incluindo: diminuição da capacidade mucociliar, infecção (bacteriana), alergia, edema
da mucosa por outra razão ou, raramente,
obstruções físicas causadas por variações
morfológicas/anatômicas na cavidade nasal
ou seios paranasais.
Apesar da alta prevalência e significante
morbidez da rinossinusite crônica e pólipos
nasais, existem somente dados precisos limitados sobre a epidemiologia destas condições. Esta observação está principalmente
relacionada à falta de uma definição uniformemente aceita para a RSC. Além disso, o
critério de seleção de pacientes difere amplamente entre os estudos de epidemiologia, complicando a comparação dos estudos.
A insuficiência de dados epidemiológicos
precisos sobre RSC e pólipos nasais contrasta com as informações mais abundantes sobre microbiologia, diagnóstico e opções de
tratamento para estas condições. A revisão
da literatura atual sobre RSC torna claro que
apresentar uma estimativa precisa de sua
prevalência continua sendo arriscado, devido
à heterogeneidade do distúrbio e à imprecisão do diagnóstico geralmente usado nas
publicações.
A corroboração do diagnóstico definitivo
de RSC deve ser realizada com endoscopia
nasal ou TC. Uma vez que o diagnóstico de
rinossinusite crônica é primeiramente baseado nos sintomas, geralmente excluindo
disosmia, isto significa que ele é geralmente
superestimado. A maioria dos médicos de
cuidados primários não possui o treinamento
ou o equipamento para realizar endoscopia
nasal, o que também resulta em sobrediagnóstico.
Há ainda alguma controvérsia quanto
a classificar em um mesmo grupo as RSCs
com e sem polipose. Será a RSC com polipose (RSCcPN) um continuum da RSC sem
polipose (RSCsPN) ou seriam doenças diferentes? Histologicamente a PN mostra dano
epitelial frequente, membrana basal espessada, estroma edematoso e algumas vezes
fibrótico, com reduzido número de vasos e
glândulas. Há um infiltrado inflamatório com
predomínio de eosinófilos. A RSCsPN é caracterizada por espessamento da membrana
basal, hiperplasia de células globosas, edema subepitelial, fibrose e infiltrado mononuclear. Outra diferença entre essas doenças
encontra-se em nível molecular. A RSCsPN
possui uma polarização em direção aos linfócitos T-helper 1 (Th1), com elevados níveis
de interferon-γ (INF-γ) e fator transformador
de crescimento-β (TGF-β). Já os pólipos nasais possuem uma polarização Th2, com concentrações elevadas de interleucina-5 (IL-5) e
imunoglobulina E (IgE).
Com base na discussão anterior, a classificação proposta se assemelha àquela desenvolvida pelo Grupo de Trabalho em Rinite e
seu Impacto na Asma (ARIA) — rinossinusite
crônica/persistente: RSCsPN; RSCcPN.
Pólipos nasais e rinossinusite crônica são
geralmente considerados juntos, como uma
única doença, uma vez que parece impossíJBM
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SETEMBRO/OUTUBRO
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Rinossinusite
vel diferenciar claramente as duas entidades.
A polipose nasal (PN) é considerada um subgrupo da RSC. A questão continua sendo por
que o edema da mucosa se desenvolve em
pacientes com polipose e não em todos os
pacientes com rinossinusite.
Os pólipos nasais apresentam forte tendência a retornar após a cirurgia, mesmo
quando a aeração é melhorada. Isto pode refletir uma propriedade distinta da mucosa dos
pacientes com pólipo, que ainda precisa ser
identificada. Alguns estudos tentaram dividir
a rinossinusite crônica e os pólipos nasais com
base nos marcadores inflamatórios. Embora
estes estudos apontem para uma eosinofilia e
expressão da IL-5 mais pronunciadas nos pólipos nasais do que aquelas observadas nos
pacientes com rinossinusite crônica, estes estudos também indicam um continuum no qual
diferenças podem ser observadas nos finais
dos espectros, mas no momento nenhuma divisão clara pode ser feita.
Os pólipos nasais parecem estruturas semelhantes a uvas na cavidade nasal superior,
originando-se de dentro do complexo óstio-meatal. Consistem em tecido conectivo solto, edema, células inflamatórias e algumas
glândulas e capilares, e são cobertos com diversos tipos de epitélios, na maioria epitélio
pseudoestratificado respiratório com células
ciliadas e células caliciformes. Os eosinófilos
são as células inflamatórias mais comuns nos
pólipos nasais, mas os neutrófilos, mastócitos, células plasmáticas, linfócitos e monócitos também estão presentes, bem como fibroblastos. A IL-5 é a citocina predominante
na polipose nasal, refletindo a ativação e a
sobrevivência prolongada dos eosinófilos.
A razão de os pólipos se desenvolverem
em alguns pacientes e não em outros permanece desconhecida. Existe uma relação
definida nos pacientes com tríade de Samter:
asma, sensibilidade a NSAIDs e pólipos nasais. Entretanto, nem todos os pacientes com
sensibilidade a NSAIDs apresentam pólipos
nasais, e vice-versa. Na população geral, a
prevalência de pólipos nasais é de 4%. Em
pacientes com asma, uma prevalência de 7%
a 15% foi observada, considerando que, na
sensibilidade a NSAIDs, os pólipos nasais são
encontrados em 36% a 60% dos pacientes.
Já foi aceito que a alergia predispõe aos pólipos nasais, porque os sintomas de rinorreia
JBM
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SETEMBRO/OUTUBRO
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VOL. 100  No 4
aquosa e inchaço da mucosa estão presentes
nas duas doenças, e os eosinófilos são abundantes. Entretanto, os dados epidemiológicos
não apresentam evidência para esta relação:
pólipos são encontrados em 0,5% a 1,5% dos
pacientes com teste cutâneo por puntura positivo para alérgenos comuns (25, 26).
O principal diferencial entre os quadros
de RSA e RSC relaciona-se à duração dos
sintomas (mais de 12 semanas). Apesar de
a maioria dos sintomas encontrados nos pacientes com RSC ser muito semelhante aos
encontrados na RSA, existem algumas características distintas, que devem ser salientadas. Entretanto, é importante lembrar que
nos casos de agudização de quadros crônicos podemos encontrar os mesmos sintomas
dos quadros agudos.
Nas RSCs o achado de obstrução e congestão nasal é bem menos frequente. Quando presentes estão normalmente associadas
a outros fatores, como desvios septais, rinite
alérgica, etc.
A rinorreia tende a ocorrer em menor
quantidade nos casos crônicos, podendo ser
de característica aquosa, mucoide ou mucopurulenta. Pode ser evidente pela narina ou,
como é menos abundante, ser perceptível
apenas como drenagem retronasal.
A tosse é um sintoma comum, especialmente em crianças, e geralmente é improdutiva. Por vezes pode ser o único sintoma
presente em casos de RSC. Apresenta períodos de exacerbação à noite e está associada
à rinorreia retronasal que provoca inflamação
secundária da faringe. A tosse também pode
decorrer da liberação de mediadores inflamatórios na mucosa nasossinusal inflamada,
que estimulam a mucosa traqueobrônquica e
os reflexos nasopulmonares.
A dor facial é um sintoma pouco frequente nos quadros crônicos. Quando presente
sugere um episódio de reagudização.
Alterações olfatórias podem ocorrer,
principalmente pela presença de secreções
patológicas ou pela destruição do epitélio
olfatório devido ao quadro infeccioso prolongado.
Nos casos de RSC associada à polipose, os sintomas são muito semelhantes aos
casos sem esta associação. Porém, dependendo da quantidade de pólipos presentes
nas cavidades nasais, o sintoma de obstru-
A tosse é um
sintoma comum,
especialmente em
crianças, e geralmente é
improdutiva. Por vezes
pode ser o único sintoma
presente em casos de
RSC. Apresenta períodos
de exacerbação à noite e
está associada à rinorreia
retronasal que provoca
inflamação secundária
da faringe. 49
Rinossinusite
Pontos-chave:
> O diagnóstico e o manejo da
RS podem ser difíceis quando
baseados exclusivamente na
história clínica;
> Os dois métodos objetivos
de avaliação mais utilizados
pelo otorrinolaringologista são
a endoscopia nasal e a TC de
seios paranasais;
> O Rx simples é uma técnica
cada vez menos valorizada
pelos otorrinolaringologistas.
50
ção nasal pode ser exuberante. Além disso,
os pacientes com polipose etmoidal podem
apresentar congestão nasal e pressão facial
constantes.
Os quadros de polipose também costumam apresentar alto grau de desordens olfatórias, principalmente anosmia e hiposmia. Isto
ocorre porque os pólipos obstruem a passagem das substâncias odoríferas dissolvidas no
ar até as regiões de epitélio olfatório.
O diagnóstico e o manejo da RS podem
ser difíceis quando baseados exclusivamente
na história clínica. Deste modo, exames objetivos são cada vez mais necessários para
determinar com precisão a presença ou não
de RS. Os dois métodos objetivos de avaliação mais utilizados pelo otorrinolaringologista são a endoscopia nasal e a TC de seios
paranasais.
A rinoscopia é um exame que deve ser
realizado rotineiramente antes e após a aplicação de vasoconstritor tópico sobre a mucosa nasal. A rinoscopia anterior possibilita
definir o aspecto da mucosa nasal, especialmente ao nível da concha inferior e do septo
nasal, assim como a presença e o aspecto de
secreções no interior da cavidade nasal. O
exame não é adequado para avaliação minuciosa do meato médio e das regiões superiores e posteriores do nariz.
A endoscopia nasal permite examinar todas as porções da cavidade nasal e possibilita
a análise macroscópica detalhada da mucosa
nasal e sinusal, caso o paciente tenha sido
operado anteriormente. Ajuda a identificar
eritema, edema, pólipos, crostas, sinéquias,
cicatrizes, o aspecto do muco nasal e a presença de mucopus ou secreção francamente
purulenta em qualquer parte da cavidade nasal ou rinofaringe. Escores semiquantitativos
podem ser aplicados às alterações verificadas na endoscopia para o estadiamento, por
exemplo, da polipose. É um exame obrigatório na avaliação e tratamento de pacientes
com sintomas persistentes, recorrentes ou
crônicos. Além de auxiliar no diagnóstico, a
técnica permite a obtenção de material para
exames bacteriológicos de forma não invasiva. Contudo, é importante salientar que um
exame endoscópico normal não exclui RS.
Apesar de a RS poder ser diagnosticada
na maioria dos pacientes apenas pela história
clínica e pelo exame físico (endoscopia), pa-
cientes com doença persistente ou recorrente geralmente requerem exames de imagem.
O Rx simples é uma técnica cada vez menos valorizada pelos otorrinolaringologistas.
Nos casos agudos, o Rx simples é dispensável, visto que a história clínica e o exame
físico otorrinolaringológico são suficientes.
Quando solicitado, deve ser na posição ortostática. Nos casos recorrentes ou crônicos
não avalia adequadamente o meato médio,
o COM, o recesso frontal, o recesso esfenoetmoidal, assim como os dois terços superiores da cavidade nasal.
A tomografia computadorizada (TC) é
considerada hoje a técnica de imagem de escolha para a avaliação da RS. Está especialmente indicada nos casos de difícil resposta
ao tratamento clínico, nos casos recorrentes
ou crônicos, na vigência de complicações e
para o planejamento cirúrgico. Tradicionalmente, apenas cortes coronais e axiais são
solicitados. Com o desenvolvimento de tomógrafos de última geração multislice, reconstruções tridimensionais nos cortes coronal e axial permitem o estudo minucioso da
anatomia de todos os seios paranasais e suas
vias de drenagem, além da possibilidade de
visualização sagital.
Apesar de sua alta sensibilidade, a especificidade das alterações observadas na TC
e demais exames de imagem deve ser interpretada com cautela. Em muitos casos é difícil a diferenciação entre o espessamento de
mucosa, a presença de secreções e a presença de cicatrizes fibrosas, por exemplo. Outro
fator a ser considerado é que nem sempre se
observa correlação entre os achados tomográficos e os clínicos com os achados trans
e/ou pós-operatórios.
Apesar disto, a TC é hoje utilizada como
método padrão para o estadiamento da RS.
É importante ressaltar que o exame deve
ser solicitado, idealmente, fora das fases
agudas da doença (exceto em suspeita de
complicações).
A ressonância magnética (RM) fornece
importantes informações sobre a mucosa e
demais tecidos moles. É superior à TC em
demonstrar o alastramento dos processos
nasossinusais para além dos limites dos seios
paranasais, como as órbitas e o compartimento intracraniano. A técnica é sempre utilizada para o diagnóstico e estadiamento de
JBM
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VOL. 100  No 4
Rinossinusite
tumores e tem a capacidade de diferenciar
doença inflamatória infecciosa por bactérias
ou vírus de doença de origem fúngica.
Para a determinação da microbiologia da
RS e/ou sua resposta ao tratamento, as amostras de secreção sinusal devem obrigatoriamente ser coletadas sem a contaminação
da flora respiratória ou oral normal. A bacteriologia está indicada preferencialmente para
casos recorrentes ou crônicos ou ainda de
difícil resposta aos tratamentos mais convencionais (p. ex.: pacientes imunodeprimidos,
entre outros). As duas técnicas mais utilizadas
são a punção do seio maxilar e a endoscópica. A punção do seio maxilar permite a aspiração de secreções e pode ser realizada pela
fossa canina ou pelo meato inferior. A endoscopia nasal permite a colocação de um microswab no meato médio ou mesmo a coleta de
material por aspiração, sendo menos invasiva
e de menor morbidade que a punção. Uma
meta-análise recente mostrou acurácia de
87% para a cultura do meato médio assistida por endoscopia em relação à punção e
aspiração pela fossa canina para RS maxilar
aguda. A análise quantitativa é importante,
pois a probabilidade de o organismo revelado ser o agente responsável pela infecção
local e não simplesmente contaminação aumenta caso a densidade de bactérias seja
alta (maior ou igual a 103-104cfu/ml).
A presença de eosinófilos na secreção
nasal pode indicar a existência de alergia, enquanto que a de neutrófilos pode revelar processo infeccioso. Contudo, a citologia nasal
não é usualmente indicada para o diagnóstico
de RS e, isoladamente, não pode diagnosticar
rinite alérgica. O exame anatomopatológico,
entretanto, pode ser indicado para excluir a
presença de neoplasias, vasculites ou doenças autoimunes (granulomatose de Wegener,
poliarterite nodosa, policondrite recidivante) e
para o estudo de pólipos nasais.
Para a avaliação geral do clearance mucociliar são utilizados a sacarina ou radioisótopos. Apesar da avaliação por meio de
radioisótopos ser mais objetiva, o teste da
sacarina é o mais utilizado, em função de sua
simplicidade, segurança e baixo custo. Contudo, a observação de um teste da sacarina
alterado (> 30 minutos) não diferencia entre
disfunção ciliar primária ou secundária.
A avaliação da frequência do batimento ciliar com microscopia com contraste de
JBM
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fase ou por outras técnicas de cultura e a
avaliação da ultraestrutura ciliar por meio
de microscopia eletrônica de transmissão
ou de varredura também são utilizadas para
a definição mais detalhada da arquitetura e
função ciliar, e podem levar a diagnósticos
mais específicos, como o da discinesia ciliar
primária.
A rinomanometria (aferição do fluxo aéreo) e a rinometria acústica (aferição de área
e volume nasal) quantificam a magnitude do
sintoma obstrução nasal num determinado
momento, mas não contribuem para o diagnóstico de RS.
O olfato pode ser aferido de forma qualitativa e/ou quantitativa. Contudo, estes testes não são utilizados para o diagnóstico de
RS, mas sim para determinar a função olfativa
propriamente dita e acompanhar sua resposta aos tratamentos empregados, quer sejam
clínico e/ou cirúrgico. O teste mais popular
e utilizado, especialmente na América do
Norte, é o da Universidade da Pensilvânia,
chamado de university of Pennsylvania Smell
Identification Test — uPSIT (Sensonics, Inc.).
São placas impregnadas com odores diversos microencapsulados que o indivíduo em
teste raspa e cheira.
Uma lista de fatores se acredita estarem
etiologicamente relacionados à RSC.
Conforme pode ser concluído a partir da
seção sobre anatomia e fisiopatologia, a função ciliar desempenha um papel importante
no clearance dos seios e na prevenção da
inflamação crônica. A discinesia ciliar secundária é encontrada em pacientes com rinossinusite crônica e provavelmente é reversível,
embora a restauração leve algum tempo.
Conforme esperado em pacientes com síndrome de Kartagener e discinesia ciliar primária, a rinossinusite crônica é um problema
comum, e estes pacientes geralmente possuem um longo histórico de infecções respiratórias. Em pacientes com fibrose cística
(FC), a incapacidade dos cílios em transportar
o muco viscoso causa mau funcionamento ciliar e, consequentemente, rinossinusite crônica. Os pólipos nasais estão presentes em
cerca de 40% dos pacientes com FC. Estes
pólipos geralmente são mais neutrofílicos do
que eosinofílicos em natureza, mas podem
responder a esteroides, uma vez que esteroides inalados em pacientes com FC reduzem
a inflamação neutrofílica.
A presença de eosinófilos
na secreção nasal pode
indicar a existência
de alergia, enquanto
que a de neutrófilos
pode revelar processo
infeccioso. Contudo,
a citologia nasal não é
usualmente indicada
para o diagnóstico de
RS e, isoladamente, não
pode diagnosticar rinite
alérgica.
51
Rinossinusite
Pontos-chave:
> Entre os pacientes com
sensibilidade à aspirina,
36%-96% apresentam pólipos
nasais;
> Até 96% têm alterações
radiográficas afetando seus
seios paranasais;
> Os pacientes com
sensibilidade à aspirina, asma e
PN geralmente não são atópicos,
e a prevalência aumenta acima
dos 40 anos de idade.
52
É tentador especular que a inflamação
alérgica no nariz predispõe o indivíduo atópico a desenvolver RSC. Ambas as condições compartilham a mesma tendência de
prevalência crescente e são frequentemente
associadas. Entretanto, o papel da alergia na
RSC é questionado por outros estudos epidemiológicos, não demonstrando aumento
na incidência de rinossinusite infecciosa durante a estação de pólen em pacientes sensibilizados por pólen. Reunidos, os dados epidemiológicos demonstram uma prevalência
aumentada da rinite alérgica em pacientes
com RSC, mas o papel da alergia na RSC
permanece incerto.
Estudos radiológicos não são úteis para
esclarecer a correlação entre a alergia e a rinossinusite. Altas porcentagens de anormalidades na mucosa sinusal são encontradas em
imagens radiológicas de pacientes alérgicos,
por exemplo, 60% de incidência de anormalidades em varreduras por CT entre indivíduos
com alergia à ambrosia (ragweed) durante
a estação. Entretanto, deve-se interpretar
estes dados com cuidado, considerando-se que altas porcentagens de descobertas
incidentais são encontradas em imagens radiológicas da mucosa sinusal de indivíduos
sem reclamações nasais, variando de 24,7%
a 49,2%; que o ciclo nasal normal induz alterações cíclicas no volume da mucosa nasal; e
que as anormalidades radiológicas não estão
relacionadas adequadamente aos sintomas
do paciente.
Evidências recentes sugerem que a inflamação alérgica nas vias aéreas superior e
inferior coexiste e deve ser observada como
um continuum da inflamação, com a inflamação em uma parte das vias aéreas influenciando sua correlata de longe. Os argumentos e as consequências desta declaração são
resumidos no documento ARIA. A rinossinusite e a asma também estão frequentemente
associadas nos mesmos pacientes, mas sua
inter-relação é compreendida de forma deficiente.
Entre os pacientes com sensibilidade à
aspirina, 36%-96% apresentam pólipos nasais e até 96% têm alterações radiográficas
afetando seus seios paranasais. Os pacientes
com sensibilidade à aspirina, asma e PN geralmente não são atópicos, e a prevalência
aumenta acima dos 40 anos de idade.
As crianças dos pacientes com asma, pólipos nasais e sensibilidade à aspirina apresentaram PN e rinossinusite com maior frequência do que as crianças dos controles. Em
relação aos fatores de hereditariedade, HLA
A1/B8 foi relatada como apresentando maior
incidência em pacientes com asma e sensibilidade à aspirina, embora Klossek et al. não
encontrassem diferenças entre os sexos em
10.033 pacientes estudados.
Entre as condições associadas com a disfunção do sistema imunológico, as imunodeficiências congênitas se manifestam com
sintomas logo no começo da vida. Entretanto, esta mesma disfunção pode ocorrer mais
tarde e se apresentar como RSC.
Durante a gravidez, ocorre congestão
nasal em aproximadamente um quinto das
mulheres. A patogênese deste distúrbio
permanece inexplicada, mas existem diversas teorias propostas. Além dos efeitos hormonais diretos do estrógeno, progesterona
e hormônio do crescimento placentário na
mucosa nasal, os efeitos hormonais indiretos, como alterações vasculares, podem estar envolvidos. Não está claro se a rinite na
gravidez predispõe o desenvolvimento da
sinusite. Em um pequeno estudo prospectivo, Sobol et al. relatam que 61% das grávidas
apresentaram congestão nasal durante o primeiro trimestre, considerando que somente
3% apresentavam sinusite. Uma porcentagem similar de não grávidas em um grupo-controle desenvolveu sinusite durante o
período do estudo. Também em um relatório
anterior, a incidência de sinusite na gravidez
foi apresentada como sendo bastante baixa,
isto é, 1,5%.
Certas variações anatômicas, tais como
concha bullosa, desvio do septo nasal e um
processo de uncinado deslocado, foram sugeridas como fatores de risco potenciais
para o desenvolvimento de RSC. Entretanto,
em alguns estudos onde foi feita esta afirmação comparou-se o espessamento mucoso incidental na TC com RSC, quando foi
demonstrado que o espessamento mucoso
incidental ocorre em aproximadamente um
terço de uma população assintomática. Entretanto, Bolger et al. não encontraram qualquer correlação entre a RSC e as variações
anatômicas ósseas no nariz. Holbrook et al.
também não encontraram correlação entre a
JBM
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Rinossinusite
opacificação sinusal, variações anatômicas e
pontuações de sintomas. Entretanto, deve-se mencionar aqui que nenhum estudo até
agora investigou se uma variação anatômica
em especial pode prejudicar a drenagem
do complexo óstio-meatal per se. Enquanto
alguns autores postularam que as variações
anatômicas dos seios paranasais podem
contribuir para a obstrução ostial, há vários
estudos que demonstram que a prevalência
das variações anatômicas não é mais comum
em pacientes com rinossinusite ou polipose
do que em uma população de controle. Uma
área onde a hipótese permanece é o efeito
de um septo desviado. Existem diversos estudos que demonstram ausência de correlação entre o desvio do septo e a prevalência
da RSC. Embora não exista um método reconhecido para definir objetivamente a extensão de um septo desviado, alguns estudos
encontraram um desvio de mais de 3mm a
partir da linha média, tornando-se mais prevalente na rinossinusite, enquanto outros
não o acharam. Juntos, não há qualquer
evidência para uma correlação causal entre
as variações anatômicas nasais em geral e
a incidência de RSC. Apesar da observação
de que as reclamações sinonasais são solucionadas após a cirurgia, isto não significa,
necessariamente, que a variação anatômica
está envolvida etiologicamente.
A RSC de origem dentária não deve ser
negligenciada ao se considerar a etiologia
da RSC. A obtenção de dados epidemiológicos precisos sobre a incidência de RSC de
origem dentária não é possível, uma vez que
a literatura é limitada a relatórios resumidos.
Embora seja frequentemente hipotetizado que a RSC evolui a partir da rinossinusite aguda, isto nunca foi comprovado. Além
disso, o papel da bactéria na RSC está longe
de ser claro. Diversos autores descreveram
a microbiologia dos seios e meatos médios.
Entretanto, se esses patógenos contribuem
e quais deles são contribuintes para a doença continua sendo um assunto de debate.
Bhattacharyya (2005) descobriu que as espécies anaeróbicas e aeróbicas podem ser
recuperadas a partir dos lados contralaterais
doente e não doente dos pacientes com rinossinusite crônica, apresentando dúvidas
sobre o papel etiológico da bactéria na RSC.
As anaeróbicas são mais prevalentes em inJBM
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VOL. 100  No 4
fecções secundárias a problemas dentários.
Arouja isolou aeróbios a partir de 86% das
amostras de meatos médios de pacientes
com RSC, considerando que os anaeróbios
foram isolados em 8%. Os microrganismos
mais frequentes foram Staphylococcus aureus (36%), Staphylococcus coagulase-negativo (20%) e Streptococcus pneumoniae
(17%). As culturas do meato médio e seio
maxilar apresentaram os mesmos patógenos
em 80% dos casos. Em indivíduos saudáveis,
o Staphylococcus coagulase-negativo (56%),
S. aureus (39%) e S. pneumoniae (9%) foram
os isolados mais frequentes.
Alguns autores sugerem que, conforme a
cronicidade se desenvolve, as espécies aeróbicas e facultativas são gradualmente substituídas por anaeróbicas. Esta alteração pode
resultar da pressão seletiva dos agentes antimicrobianos, que permite que os organismos
resistentes sobrevivam, e do desenvolvimento de condições apropriadas para o crescimento anaeróbico, que incluem a redução na
tensão do oxigênio e um aumento na acidez
dentro dos seios. Geralmente, a colonização
polimicrobiana é encontrada; a contribuição
para a doença de patógenos diferentes permanece incerta.
As enterotoxinas por Staphylococcus aureus foram envolvidas na rinossinusite crônica
com polipose, mas não na sem polipose. É
incerto se a infecção por estafilococos nestes pacientes é uma infecção secundária ou
a causa primária de sua patogênese. A diferença naqueles com ou sem polipose pode
ser se a IgE multiclonal for induzida, uma vez
que os dois grupos apresentam características eosinófilas.
Entre os fatores de risco da RSC, os fatores iatrogênicos não devem ser esquecidos,
uma vez que eles podem ser responsáveis
pela falha da cirurgia sinusal. O número crescente de mucoceles sinusais parece estar
relacionado ao aumento dos procedimentos
cirúrgicos sinusais endoscópicos. Em um grupo de 42 pacientes com mucocele, 11 foram
submetidos a uma cirurgia nos dois anos anteriores à apresentação. Outra razão para a
falha após a cirurgia pode ser a recirculação
do muco fora do óstio maxilar natural e de
volta através de uma antrostomia separada
criada cirurgicamente, resultando em risco
aumentado de infecção sinusal persistente.
A RSC de origem
dentária não deve ser
negligenciada ao se
considerar a etiologia
da RSC. A obtenção de
dados epidemiológicos
precisos sobre a
incidência de RSC de
origem dentária não é
possível, uma vez que
a literatura é limitada a
relatórios resumidos.
53
Rinossinusite
Pontos-chave:
> A utilização de antibióticos,
notadamente na RS, tem sido
objeto de revisões da literatura;
> Estudos comparativos entre
diversos antimicrobianos e a
amoxicilina têm demonstrado
a mesma eficácia;
> É significativamente mais
difícil avaliar a eficácia dos
antibióticos no tratamento da
RSC, comparada com a RSA.
54
A utilização de antibióticos, notadamente
na RS, tem sido objeto de revisões da literatura. Estudos comparativos entre diversos antimicrobianos e a amoxicilina têm demonstrado
a mesma eficácia. É significativamente mais
difícil avaliar a eficácia dos antibióticos no tratamento da RSC, comparada com a RSA, devido ao conflito de terminologias e definição do
quadro clínico da RSC na literatura.
Embora a etiologia exata da inflamação associada com a RSC permaneça incerta, a presença de bactéria no nariz e seios paranasais
tem sido bem documentada. Então, é possível
supor que a bactéria pode desempenhar um
papel direto ou indireto no desenvolvimento
ou perpetuação da RSC? Apesar desta questão não estar totalmente esclarecida, a antibioticoterapia tem sido a forma mais comum no
tratamento da RSC prescrito pelos médicos.
Trabalhos têm demonstrado a eficácia dos antibióticos no tratamento da RSC. Porém, é importante enfatizar que até o presente momento não existe na literatura nenhum estudo randomizado placebo-controlado sobre a eficácia
do antibiótico no tratamento da RSC.
Na RSC a terapêutica antimicrobiana é geralmente coadjuvante, devendo a cobertura
ser eficaz contra os microrganismos aeróbicos
acima considerados, além das bactérias anaeróbicas estritas. Considerando a maior prevalência de Staphylococcus aureus e Staphylococcus coagulase-negativos nos quadros crônicos e a associação possível com bactérias
anaeróbicas, a clindamicina ou a combinação
de amoxicilina com clavulanato de potássio
são uma boa opção terapêutica. A utilização
do metronidazol associado a uma cefalosporina de primeira geração (cefalexina) ou segunda geração (cefprozila, axetilcefuroxima,
cefaclor), ativas contra Staphylococcus aureus,
pode ser considerada. As fluoroquinolonas
respiratórias também podem ser utilizadas
na RSC. Na criança, pela maior probabilidade
da presença de Haemophilus influenzae resistente aos betalactâmicos e de pneumococos
com mutações na proteína receptora de penicilina, o uso de amoxicilina em doses usuais
(45mg/kg) deve ser evitado nos casos crônicos. A amoxicilina é dada geralmente em doses maiores (90mg/kg/dia) e preferencialmente associada aos inibidores de betalactamase.
O tempo de tratamento dependerá de
outras medidas terapêuticas, incluindo o tra-
tamento cirúrgico, mas podem ser utilizadas
três a seis semanas.
Em pacientes imunocomprometidos, particularmente os granulocitopênicos, em portadores da Sida e em pacientes com FC, a
possibilidade de infecções por bacilos Gram-negativos aeróbicos deve ser considerada,
especialmente a Pseudomonas aeruginosa.
A utilização de uma cefalosporina com atividade antipseudomonas, como a ceftazidima
(1-2g EV, com 8-12h), ou melhor, uma fluoroquinolona, como o ciprofloxacino (400mg,
com 12h), associada ou não a aminoglicosídeos, como a amicacina (15mg/kg/dia EV ou
IM, com 8h), na dependência da gravidade,
é uma excelente opção.
Nas infecções hospitalares por Staphylococcus aureus resistentes à oxacilina (0,5-2g,
com 4-6h), a vancomicina (40-60mg/kg/dia
EV, com 6h) deve ser considerada no esquema terapêutico.
O tratamento das RSs inclui medidas terapêuticas para diminuir a intensidade e a morbidade dos sintomas, que devem ser indicadas segundo as necessidades e as limitações
de cada paciente. Classicamente, em paralelo
à antibioticoterapia, são utilizados corticosteroides e/ou descongestionantes por curto
prazo, além da lavagem nasal. Outros medicamentos e condutas, que hoje têm menor nível
de evidência científica e grau de recomendação, continuam sendo investigados.
Os corticosteroides sistêmicos e tópicos
são muito úteis como coadjuvantes no tratamento das RSs, contribuindo para o sucesso
da antibioticoterapia, conforme evidencia a
literatura. A ação anti-inflamatória hormonal
dos corticosteroides promove a redução do
edema, a facilitação da drenagem e a manutenção da permeabilidade dos óstios, e assim
facilita a cura clínica das RSs. A corticoterapia
é especialmente útil quando existe RS associada à alergia, também na RS eosinofílica não
alérgica e na RSCcPN. A efetividade dos corticosteroides só encontra limite no extenso rol
de contraindicações e reações adversas, bem
conhecidas e constantes em bula.
A rinite alérgica é uma condição predisponente de todas as formas de RS. Os AHs
podem ser coadjuvantes no tratamento das
RSAs e RSCs com exacerbação de quadro
alérgico. Os AHs estão disponíveis em apresentação isolada ou associados com descongestionantes ou corticosteroides.
JBM
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SETEMBRO/OUTUBRO
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Rinossinusite
O aparelho mucociliar é o principal mecanismo de defesa inespecífica das vias aéreas
superiores, formando uma barreira a microrganismos e partículas.
A irrigação da mucosa nasal com solução
salina isotônica (0,9%) é uma medida clássica e segura, bastante útil na mobilização das
secreções e hidratação da mucosa, como tratamento coadjuvante e preventivo das doenças inflamatórias e infecciosas nasossinusais.
Já as soluções salinas hipertônicas (até 3%)
aumentam a frequência do batimento ciliar
e reduzem o edema da mucosa nasal, com
melhora do TMC e diminuição da obstrução
nasal. A lavagem nasal com solução salina é
indicada como terapia coadjuvante das rinopatias alérgicas, RSAs, como medida preventiva nas RSs intermitentes e RSCs e no pós-operatório das cirurgias nasossinusais.
Vários fatores influenciam o resultado da
cirurgia nasossinusal, como idade, extensão
e duração da doença, cirurgia prévia, presença ou não de polipose, doenças concomitantes (intolerância ao AAS, FC, alergia, asma) e
etiologias específicas (origem odontogênica,
doença autoimune, imunodeficiência). Os fatores cirúrgicos relevantes incluem o tipo de
acesso (externo ou endonasal), a técnica cirúrgica (funcional ou convencional), a extensão da intervenção cirúrgica, o tipo de visibilização e iluminação (fotóforo, endoscópio,
microscópio) e o instrumental utilizado. A
terapia medicamentosa pós-operatória também é considerada um fator que influencia
no resultado cirúrgico.
A TC é um exame de imagem mandatório na avaliação pré-operatória dos pacientes
com RSC, devendo obrigatoriamente estar
disponível na sala cirúrgica no intraoperatório. Entretanto, a indicação cirúrgica não
deverá estar baseada nos achados tomográficos, e sim na sua correlação com o quadro
clínico. A TC dos seios paranasais representa um verdadeiro mapa cirúrgico, guiando
e orientando o cirurgião com o objetivo de
tornar o procedimento mais seguro possível,
evitando as complicações.
O tipo e a extensão do acesso cirúrgico
não devem se basear apenas nos achados
da TC de seios paranasais, mas sim levar
em consideração a associação desses achados com o quadro clínico e achados endoscópicos.
JBM
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SETEMBRO/OUTUBRO
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VOL. 100  No 4
Embora todos os PNs sejam semelhantes
em aparência, os mesmos apresentam características clínicas e histológicas diferentes. Os
pólipos associados à RSC ainda são um grande desafio aos otorrinolaringologistas.
Dessa forma, o termo polipose nasossinusal é utilizado para indicar a presença de pólipos múltiplos e bilaterais, de consistência amolecida, podendo ser brilhantes, translúcidos,
pálidos, levemente acinzentados ou rosados
e pedunculados, geralmente com origem na
região do meato médio, podendo se expandir
para a cavidade nasal, nasofaringe, narinas e
seios paranasais, levando ao quadro de obstrução nasal e hiposmia. Trata-se de uma doença
crônica, de difícil tratamento, com altos índices
de recorrência. Alguns estudos mostram uma
taxa de recidiva em torno de 60% após dois
anos do procedimento cirúrgico.
Entre os objetivos do tratamento da polipose nasal estão a melhora dos sintomas
nasossinusais (obstrução nasal, congestão,
hiposmia, anosmia e hipersecreção), assim
como a redução do número de infecções e
recorrências e uma melhora dos sintomas
das vias aéreas inferiores, quando presentes.
O tratamento cirúrgico deve ser indicado
quando a queixa primária do paciente é a
obstrução nasal e/ou secreção nasal. Ragab
et al. observaram objetivamente, através da
rinometria, uma melhora no fluxo nasal de
pacientes submetidos à cirurgia, em relação
aos submetidos ao tratamento clínico.
As técnicas cirúrgicas vão desde a remoção exclusiva dos pólipos nasais (polipectomia simples) até a extração dos pólipos associados com a esfenoetmoidectomia radical,
como descritas em capítulo específico. Dessa
forma, de acordo com o estadiamento da doença, determinado procedimento cirúrgico
será realizado. Em alguns casos, a combinação de técnicas externas, como a esfenoetmoidectomia externa, a cirurgia osteoplástica do seio frontal ou mesmo a sinusectomia
maxilar via externa, pode ser associada à
esfenoetmoidectomia intranasal e/ou sinusotomia frontal intranasal.
A recorrência da polipose nasossinusal
é alta, podendo ocorrer em até 60% dos
pacientes em dois anos de pós-operatório.
Dessa forma, mesmo com a utilização de
medicação após o procedimento cirúrgico, a
cirurgia revisional pode ser necessária.
A TC é um exame de
imagem mandatório
na avaliação
pré-operatória
dos pacientes com
RSC, devendo
obrigatoriamente
estar disponível na
sala cirúrgica no
intraoperatório.
Entretanto, a indicação
cirúrgica não deverá
estar baseada nos
achados tomográficos,
e sim na sua correlação
com o quadro clínico.
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Rinossinusite
Referências
Endereço para
correspondência:
Jair de Carvalho e Castro
Rua Visconde de Pirajá, 351/
Sala 405 — Ipanema
22410-906
Rio de Janeiro-RJ
56
1. BHATT, N.J. — Endoscopic sinus surgery. New Horizons Singulair Publishing Group, Inc., San Diego, London.
2. European Position Paper on Rhinosinusitis and Nasal Polyps
2012. Rhinology Supplement, 23: 1-299, 2012.
3. Acute & chronic sinusitis. In: Current Diagnosis & Treatment in
Otolaryngology — Head & Neck Surgery. 3. ed. Chapter 15.
4. VALERA, F.C.P.; NAKANISHI, M. & FERNANDES, A.M. — Polipose nasossinusal. In: ABORL (org.) — Tratado de Otorrinolaringologia. 2. ed., São Paulo, Editora Roca, 2011. p. 111-20.
5. LEITE, M.G.J.; LESSA, R. & VALERA, F.C.P. — Embriologia nasal e sinusal. In: ABORL (org.) — Tratado de Otorrinolaringologia. 2. ed., São Paulo, Editora Roca, 2011. p. 607-13.
6. AUGUSTO, A.G.L.B.S.; CAMPOS, C.A.H. et al. — Histologia
e fisiologia da mucosa nasossinusal e olfação. In: Tratado de
Otorrinolaringologia e Cirurgia Cervicofacial. 2. ed., São Paulo, Editora Roca, 2011. p. 641-61.
7. GUIMARÃES, R.E.S. & BECKER, H.M.G. — Rinossinusite crônica. In: Tratado de Otorrinolaringologia. São Paulo, Editora
Roca, 2002. p. 32-8. 8. Diretrizes Brasileiras de Rinossinusites. Revista Brasileira de
Otorrinolaringologia, 74 (2, supl.): mar./abr., 2008.
JBM
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SETEMBRO/OUTUBRO
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imagem em medicina interna
Coordenação:
Marta Carvalho Galvão
Marta Carvalho Galvão
Professora de Radiologia da Fundação
Técnico-Educacional Souza Marques —
FTESM. Professora mestre responsável
do Curso de Radiologia da UniFOA
— Universidade da Fundação Osvaldo
Aranha. Professora da UGF —
Universidade Gama Filho. Radiologista
do Hospital Federal da Lagoa, RJ.
Carolina Souza noGueira
Residente em Radiologia (R2) do
Hospital Federal da Lagoa, RJ.
Rabdomiossarcomas são tumores
de linhagem mesenquimal, sendo os
lipomas os mais comuns no mediastino.
Os mesodermas são responsáveis
pela origem do tecido conectivo distribuído pelo corpo, incluindo pericárdio,
pleura, endotélio de vasos sanguíneos,
músculos liso e estriado, osso, cartilagem
e sinóvia. Consequentemente, os sarcomas se desenvolvem em uma variedade
de sítios anatômicos.
Mais de 50% das massas mediastinais
nos adultos são do mediastino anterior.
Os mais frequentes diagnósticos são o
timoma, linfoma, teratoma e tumores
benignos da tireoide. Sessenta por cento
dos casos são malignos nesta topografia.
Os achados clínicos e radiológicos apenas não permitem frequentemente um
diagnóstico definitivo, necessitando-se
do diagnóstico histológico para se iniciar
o tratamento.
O mediastino anterior contém o timo,
a artéria e veia mamárias internas, os gânglios e quantidades variáveis de gordura.
Dois terços das lesões mediastinais
nos adultos são benignas; no entanto, a
incidência de malignidade é mais elevada
no mediastino anterior (59%) do que no
mediastino médio (25%) e no posterior
(16%).
O timoma é o mais frequente dos
tumores do mediastino anterior (50%), e
40% dos pacientes apresentam síndrome
paraneoplásica como a miastenia gravis
58
Rabdomiossarcoma do
mediastino anterior — um tumor
comum em localização rara
A propósito de um caso
(mais frequente em mulheres), aplasia de
glóbulos vermelhos, hipogamaglobulinemia, lúpus eritematoso ou síndrome de
Cushing. Por outro lado, 10% a 15% dos
pacientes com miastenia têm timoma.
A idade é outro fator preditivo de
malignidade. Os linfomas e os tumores
germinativos incidem mais entre a se-
gunda e a quarta década, enquanto que
os timomas são mais frequentes entre a
quinta e a sétima década.
A presença de sintomas é mais
sugestiva de malignidade em 85%
dos casos, enquanto que apenas 46%
dos casos de tumores benignos têm
sintomas.
Diagnóstico diferencial das massas do mediastino anterior
Timo
Tumores germinativos
Tecido linfático
Tireoide
Tecido gorduroso
Hiperplasia tímica
Timolipoma
Cisto tímico
Timoma
Carcinoma tímico
Carcinoide tímico
Teratoma maduro
Teratoma imaturo
Seminomatoso
Não seminomatoso
Seminoma
Carcinoma de células embrionárias
Teratocarcinoma
Coriocarcinoma
Tumor do saco vitelino
Infecções granulomatosas
Granulomas não infecciosos
Linfoma de Hodgkin
Linfoma não Hodgkin
Tuberculose, infecções fúngicas
Sarcoidose
Linfomas de células B
Linfoma linfoblástico
Bócio mergulhante
Carcinoma folicular
Carcinoma papilar
Carcinoma medular
Tecido adiposo
Lipoma
Lipossarcoma
Tecido vascular
Vasos
Hemangioma
Hemangioendotelioma epitelioide
Angiossarcoma
Hemangiopericitoma
Linfangioma
Tecido muscular
Músculo
Leiomioma
Liomiossarcoma
Rabdomioma
Rabdomiossarcoma
Tecido fibroso
Fibroma
Fibrossarcoma
Histiocitoma fibroso maligno
Tumor desmoide
Osso/cartilagem
Osteossarcoma
Condrossarcoma
Tecido fibroso
Tecido ósseo/cartilaginoso
JBM
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Rabdomiossarcoma do mediastino anterior — um tumor comum em localização rara
A propósito de um caso
Os sintomas mais comuns nas massas
mediastinais são tosse (60%), dor torácica (30%), febre (20%) e dispneia (16%).
Estes sintomas podem relacionar-se à
invasão ou compressão local, podendo
determinar disfagia, quilotórax, paralisia
diafragmática e/ou das cordas vocais ou
síndrome de veia cava superior.
O rabdomiossarcoma do mediastino
é raro e há poucos relatos na literatura,
principalmente na sua forma embrionária.
São tumores altamente agressivos, que
devem ser distinguidos da forma germinativa, teratomas ou carcinomas com
componente focal rabdomioblástico.
O rabdomiossarcoma embrionário
geralmente se manifesta na primeira
década da vida, sendo mais comum na
cabeça e pescoço, região paratesticular
e retroperitônio.
O rabdomiossarcoma de células fusiformes (caso apresentado) é uma variante
rara do rabdomiossarcoma embrionário e
ocorre principalmente no trato urogenital
e na órbita. Acomete o sexo masculino
seis vezes mais. O tamanho do tumor na
apresentação inicial é um dos mais importantes determinantes do prognóstico.
Nos casos relatados na literatura
havia predomínio do lado esquerdo, e
áreas de necrose e hemorragia aparentes,
tal qual aconteceu com este paciente
relatado aqui. Em uma série de quatro
casos, três evoluíram rapidamente para
óbito e do quarto paciente perdeu-se o
acompanhamento. Apenas um caso era
da forma embrionária.
Rabdomiossarcomas mediastinais
primários não associados a células germinativas, teratomatosas ou com componentes epiteliais são extremamente
raros, como neste caso. Uma teoria é que
cresçam a partir do timo, que tem habilidade em se diferenciar em tecido mioide.
Estes tumores tendem a crescer no
mediastino anterior de adultos jovens
e geralmente são grandes massas, com
invasão local no momento do diagnóstico. Seu comportamento biológico
é agressivo, com rápida recorrência e
disseminação, mesmo após a ressecção.
A natureza mioblástica do tumor
é avalizada pela imunocoloração com
actina, que é um marcador mioepitelial,
e pela desmina, que é um marcador de
células musculares.
Síndromes sistêmicas secundárias à massa do mediastino anterior
Tumor
Síndrome
Timoma
Miastenia, aplasia de células vermelhas, hipogamaglobulinemia,
doença de Hipple, megaesôfago, miocardite
Bócio tireoidiano
Tireotoxicose
Adenoma paratireoidiano
Hipercalcemia
Linfoma
Relato do caso
J.B.S., sexo masculino, 19 anos, brasileiro, estudante, natural do Rio de Janeiro e
morador do município de Japeri. Hipertenso, com queixas de dispneia e disfagia com
piora progressiva em cinco meses. Realizou ambulatorialmente ultrassonografia
da região cervical, que evidenciou massa
expansiva mediastinal e supraclavicular
e linfonodos cervicais. Foi internado no
Hospital Federal da Lagoa, já apresentando
síndrome de veia cava superior, com fácies
pletórica e circulação colateral, cianose de
extremidades e períodos intermitentes
de franca dispneia e disfagia. Durante a
internação foi realizada tomografia computadorizada de tórax, que evidenciou a
lesão expansiva e infiltrante em mediastino
e região supraclavicular, com compressão
extrínseca e desvio de traqueia e esôfago
para a direita e linfonodos axilares. Foram
realizadas biopsias, tanto da massa mediastinal quanto dos linfonodos axilares,
porém todos os histopatológicos foram
inconclusivos. Suspeitando-se de linfoma
durante toda a investigação, após 10 dias
de internação no Hospital da Lagoa foi
transferido para o Instituto Nacional do
Câncer, para elucidação diagnóstica e
tratamento, onde obteve o diagnóstico de
sarcoma, evoluindo para óbito.
Febre de origem indeterminada
Linfoma de Hodgkin
Dor induzida pelo álcool
Tumores germinativos
Ginecomastia
Laudo histopatológico
Extensa massa heterogênea cervicotorácica
(mediastino anterior), com componente
necrótico condicionando desvio das
estruturas vasculares e da traqueia
ântero-lateralmente à direita, com invasão
das estruturas adjacentes.
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Rabdomiossarcoma do mediastino anterior — um tumor comum em localização rara
A propósito de um caso
Anterosuperior
mediastinum
Middle
mediastinum
Posterior
mediastinum
Radiografia
Em cinza: mediastino anterior.
Referências
1. SUSTER, S.; MORAN, C.A. & KOSS, M.N. — Rhabdomyosarcomas of the anterior mediastinum: Report of
four cases unassociated with germ cell, teratomatous, or
thymic carcinomatous components. Hum Pathol., 25(4):
349-56, 1994.
2. PANASUK, D.B.; BAUER, T.L. et al. — Common malignancies with uncommon sites of presentation. Case 1:
Anterior mediastinal rhabdomyosarcoma. J. Clin. Oncol., 21: 4455-6, 2003.
3. WHITTEN, C.R.; KHAN, S. et al. — A diagnostic approach
to mediastinal abnormalities. RadioGraphics, 27:
657-71, 2007.
4. QUINT, L.E. — Imaging of anterior mediastinal masses.
Cancer Imaging, 7: S56-S62, 2007.
5. CAPELOZZI, V.L. — Conceitos em patologia do mediastino. Uma correlação anátomo-radiológica. J. Pneumol.,
24(6): 357-70, 1998.
Endereço para correspondência:
Marta Galvão
Santa Casa da Misericórdia do RJ
Enfermaria 18
Rua Santa Luzia, 206 — Centro
20030-041
Rio de Janeiro-RJ
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Como avaliar?
Hepatite aguda
Como avaliar?
Adávio de oliveirA e SilvA
Professor livre-docente do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo. Diretor do Centro Terapêutico Especializado em Fígado (CETEFI) do
Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo (HBP/SP).
gastroenterologia
Hepatite aguda
rAul CArloS WAhle
Médico assistente do CETEFI do HBP/SP e do Serviço de Gastroenterologia Clínica do Hospital
do Servidor Público Estadual Francisco Morato de Oliveira — HSPE/SP. Doutorando em Ciências
pelo Setor de Hepatites da Disciplina de Gastroenterologia da Universidade Federal de São Paulo
(UNIFESP).
evAndro de oliveirA SouzA
Médico assistente do CETEFI do HBP/SP. Doutorando pelo Departamento de Transplante de Fígado
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
verôniCA deSiree SAmudio CArdozo — mAriA elizAbeth CAlore neivA —
FláviA CoStA CArdoSo — Fábio roSA morAeS — GeruSA máximo de AlmeidA
Médicos assistentes do CETEFI do HBP/SP.
Resumo
Summary
Hepatite aguda define lesão hepática
com inflamação do fígado com padrão histológico bem definido. Esses pacientes apresentam sintomas inespecíficos, como mal-estar, náuseas, vômitos e anorexia, com ou
sem icterícia. Na maioria dos pacientes com
elevação predominante de transaminases
uma história clínica cuidadosa e um pequeno número de exames laboratoriais podem
identificar a etiologia e definir tratamento
específico subsequente, incluindo especialmente a investigação de hepatites virais, hepatotoxicidade induzida por drogas, hepatite
autoimune e hepatite aguda alcoólica.
The acute hepatitis defines liver injury
with inflammation of the liver histological pattern well defined. Such patients present with
nonspecific symptoms such as malaise, nausea, vomiting, and anorexia, with or without
jaundice. In most patients with the aminotransferase-predominant picture, careful history and examination and a small number of
laboratory tests can identify the etiology and
define subsequent management including in
particular the investigation of viral hepatitis,
drug-induced hepatoxicity, autoimmune hepatitis and acute alcoholic liver disease.
Introdução
hepatócitos aumentados de volume, núcleos
variando em tamanho e forma, intensa eosinofilia, hialinização citoplasmática, com hipertrofia de células de Kupffer; d. forma mais
grave, definida como necrose submaciça ou
confluente, tem sido identificada quando
existe devastação acentuada de grupamentos de hepatócitos, estendendo-se do centro
dessa região ao espaço portal ou para áreas
O termo hepatite aguda define inflamação do fígado, sinônimo de lesão hepatocelular com padrão histopatológico bem definido, expresso por: a. infiltrado inflamatório
constituído principalmente por linfócitos, de
permeio com macrófagos confinados a espaços portais; b. proliferação ductular encerrando neutrófilos; c. desarranjo lobular com
JBM

SETEMBRO/OUTUBRO  VOL. 100  No 4
Unitermos: Hepatite;
subtipos; diagnóstico.
Keywords: Hepatitis;
subtypes; diagnosis.
63
Hepatite aguda
Como avaliar?
porta-porta. Esse padrão histológico se define como necrose em ponte, resultante da
condensação de fibras de reticulina, formando septos passivos; e. expressão colestática
se traduz por transformação pseudoglandular dos hepatócitos, aumento de dúctulos
biliares com paredes espessadas. Têm sido
identificadas essas expressões naqueles com
agressão viral, autoimune ou medicamentosa. Na variante alcoólica se identificam hepatócitos aumentados de volume, deposição
perivenular de colágeno, infiltrado inflamatório envolvendo corpúsculos hialinos, além de
microgotículas de gordura.
Tais pacientes cursam com mal-estar
geral, náuseas, vômitos, anorexia, adinamia, astenia, artralgia e febrícula. Na forma
colestática, com colúria, acolia fecal e prurido. Do ponto de vista físico, são frequentes
hepatomegalia dolorosa e, eventualmente,
esplenomegalia, sendo que as necroses maciça e submaciça se definem por redução de
volume do fígado, icterícia pronunciada, distúrbios da consciência, pré-coma e coma hepático, acompanhados de insuficiência renal,
ascite e distúrbios da coagulação sanguínea,
expressões de exaustão funcional do parênquima definindo evolução grave para hepatite fulminante.
Essa tendência evolutiva ocorre, como
citado anteriormente, naqueles com hepatite aguda viral, medicamentosa, autoimune e
alcoólica, com expressões através de testes
bioquímicos comuns às quatro entidades,
que se encontram discriminados no Quadro 1.
Todas essas entidades merecerão comentários em separado.
Hepatite aguda viral
A hepatite aguda viral representa a causa
mais comum de doença hepática infecciosa,
ictérica ou não, no Brasil. Causada, pelo menos, por cinco vírus (A, B, C, D e E), traduz-se
por sintomas, sinais clínicos e laboratoriais
superponíveis nas diferentes etiologias. Eles
divergem, no entanto, no que diz respeito às
características dos agentes etiológicos, tendência evolutiva, estratégias de manipulação
e, inclusive, na incidência das formas fulminantes, quando muitos pacientes deverão
ser conduzidos ao transplante de fígado. Outros vírus podem infectar o fígado, mas este
órgão não é nem o local primário de suas
replicações, nem o seu alvo principal. Nessa classe se incluem citomegalovírus, herpes
simples, Epstein-Barr, vírus da febre amarela
e da dengue, assim como outros flavivírus, e
também os do sarampo, rubéola, influenza e
herpes genital, capazes de causar hepatite
de gravidade variável; esses não merecerão
considerações neste artigo.
Como avaliar?
Os vírus A e E são de transmissão oral-fecal, enquanto os vírus B, D e C utilizam
a via parenteral, não sendo infrequente na
QUADRO 1: Testes bioquímicos na avaliação de doenças hepatobiliares
Testes bioquímicos
Pontos-chave:
> A hepatite aguda viral é a
causa mais comum de doença
hepática infecciosa no Brasil;
> É causada por, pelo menos,
cinco vírus: A, B, C, D e E;
> Outros vírus podem infectar
o fígado, mas este órgão não
é nem o local primário de suas
replicações, nem o seu alvo
principal.
64
Valores normais
Lesão hepatocelular
Colestase
Aspartato-aminotransferase
(5 a 40UI/l)
> 8 x LSN
> 3 x LSN
Alanina-aminotransferase
(5 a 35UI/l)
> 10 x LSN
> 3 x LSN
Bilirrubina total
(0,5 a 1mg/dl)
> 15 x LSN
> 20 x LSN
Bilirrubina direta
(0,2 a 0,4mg/dl)
> 10 x LSN
> 15 x LSN
Fosfatase alcalina
(35 a 150UI/l)
> 3 x LSN
> 4 x LSN
Gamaglutamil-transferase
(10 a 48UI/l)
> 3 x LSN
> 5 x LSN
Albumina
(3,5 a 5,0g/l)
N, exceto cirrose
N
(12 a 16”)
Alargado. Não
responsivo à
vitamina K
Alargado.
Responsivo à
vitamina K
Tempo de protrombina
LSN = Limite superior normal; N = Normal.
JBM

SETEMBRO/OUTUBRO
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VOL. 100  No 4
Hepatite aguda
Como avaliar?
hepatite B a transmissão sexual. Cronicidade
e oncogenicidade fazem parte do processo
evolutivo nas hepatites D, B e C, com ioncogenicidade fazendo parte da evolução dessas duas últimas. Diagnósticos etiológicos
e marcadores sorológicos específicos estão
discriminados no Quadro 2.
Hepatite aguda medicamentosa
Essa forma de lesão hepatocelular
pode instalar-se poucos dias após o início do
uso dos medicamentos ou por longo prazo,
traduzida, em geral, pela elevação do nível
sérico de aminotransferase. Alguns pacientes exibem sinais clínicos e laboratoriais de
hipersensibilidade, como febre, erupção
cutânea, artralgias, hipereosinofilia, anemia
hemolítica e/ou plaquetopenia. Os quadros
mais graves expressam-se pela precipitação
de necrose hepática fulminante, traduzida
pela existência de sinais e sintomas típicos
de insuficiência hepática, expressos por sonolência, confusão mental, ascite, profunda
icterícia e redução dos valores séricos do
tempo e atividade da protrombina e do fator V,
além de alargamento do valor do INR.
Como avaliar?
1. Afastar a presença de infecção pelos vírus
das hepatites A, B ou C, citomegalovírus
ou vírus Epstein-Barr, valendo-se de testes sorológicos específicos.
2. Definir tipos de agressões, conforme exposto no Quadro 3.
3. Nesses tipos de agressões exige-se a realização de ultrassonografia de fígado, visando eliminar a existência de neoplasia
ou doença biliar, trombose de veia porta,
veias hepáticas ou doença hepática crônica.
4. É obrigatório afastar a possibilidade de
isquemia hepática, mais comumente observada entre idosos portadores de insuficiência cardíaca, arritmias ou cursando
com episódio recente, mesmo transitório, de hipotensão arterial ou insuficiência
A hepatite aguda
medicamentosa é uma
lesão hepatocelular que
pode instalar-se poucos
dias após o início do uso
de medicamentos ou por
longo prazo, traduzida,
em geral, pela elevação
do nível sérico de
aminotransferase.
QUADRO 2: Propriedades biológicas dos vírus humanos hepatotrópicos indutores
da hepatite aguda
Vírus das hepatites humanas
Propriedades
A
E
B
D
C
108-9/Gm
?
109-10/ml
1010-11/ml
106-7/ml
Transmissão
Oral-fecal
Oral-fecal
Parenteral/sexual
Parenteral
Parenteral
Cronicidade
Não (?)
Não
Sim
Sim
Sim
Oncogenicidade
Não
Não
Sim
(?)
Sim
Evolução fulminante
Rara
Gestação
Rara
Incomum
Rara
Títulos máximos
QUADRO 3: Tipos de agressões ao fígado pelos medicamentos
Tipos
Expressões bioquímicas
Citolítica
Relação ALT:FA < 5 vezes LSN
Colestática pura
Relação ALT:FA < 2 vezes LSN
Hepatite colestática
Relação ALT:FA < 2 vezes LSN
Hepatite mista
ALT e AST pouco elevadas
FA < 5 vezes LSN
ALT = Alanina-aminotransferase; AST = Aspartato-aminotransferase; FA = Fosfatase alcalina; LSN = Limite superior
normal.
JBM
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SETEMBRO/OUTUBRO  VOL. 100  No 4
65
Hepatite aguda
Como avaliar?
renal. Caracteristicamente, desenvolvem
elevação dos valores séricos de desidrogenase láctica, havendo melhora rápida
dos valores séricos de aminotransferase
e fosfatase alcalina, uma vez suspensa a
administração do medicamento agressor
ou corrigido o distúrbio hemodinâmico.
5. Procurar definir a gravidade da lesão hepatocelular através da determinação de
valores séricos de atividade de protrombina e fator V; esses, nos casos mais graves, se encontram sempre abaixo de 40%
e 50%, respectivamente.
6. É importante definir expressões histológicas em função de diferentes medicamentos potencialmente hepatotóxicos,
como pode ser visto nos Quadros 4 e 5.
Expressões clínicas são: citólises induzidas por acetaminofeno, CCl4, halotano, α-metildopa, metotrexato, tetraciclina; colestase crônica causada por
α-metildopa, dantroleno, sulfas, isonia-
zida, halotano, aspirina, diclofenaco,
amiodarona; colestase pura devido à
ação lesiva exercida por floxuridina, antidepressivos tricíclicos, clorpromazina,
barbitúricos, fenitoína, penicilina, nitrofurantoína, quinidina, isoniazida e o tipo
hepatite mista, comprovada naqueles em
uso de etanol, agentes antineoplásicos e
paracetamol.
7. A doença de Wilson faz parte do diagnóstico diferencial de qualquer paciente
jovem que se apresente com suspeita de
hepatite aguda, cuja apresentação clínica
pode ser indistinguível, embora a cirrose
já esteja presente na maioria dos casos.
Deve ser considerada especialmente naqueles pacientes com icterícia profunda,
hemoglobina baixa, níveis séricos elevados de aminotransferases e reduzidos de
fosfatase alcalina, de atividade de protrombina e do fator V, com alargamento
do INR e títulos elevados de cobre uriná-
QUADRO 4: Medicamentos e expressões histológicas das alterações
Pontos-chave:
Medicamentos
Citólises agudas
Acetaminofeno, CCl4, halotano, metotrexato, tetraciclina,
α-metildopa
Colestase crônica
α-metildopa, dantroleno, sulfas, diclofenaco, amiodarona,
isoniazida, halotano, aspirina
Colestase pura
Floxuridina, antidepressivos tricíclicos, clorpromazina,
barbitúricos, fenitoína, penicilina, nitrofurantoína, quinidina,
isoniazida
Hepatite mista
Etanol, agentes antineoplásicos, paracetamol
QUADRO 5: Medicamentos e expressões histológicas das alterações
Expressões histológicas
Medicamentos
Fosfolipidose
Amiodarona, maleato de perexilene
Vascular
Azatioprina, 6-tioguanina, cloreto de vinila, azatioprina,
estrógenos, esteroides, anabolizantes
> Os quadros mais graves
expressam-se pela precipitação
de necrose hepática fulminante;
Adenomas
Estrógenos
Carcinoma hepatocelular
Estrógenos, esteroides anabolizantes
> A avaliação deve afastar
infecção pelos vírus das
hepatites A, B ou C.
Angiossarcoma
Cloreto de vinila, torotraste
Fibrose
Metotrexato, cloreto de vinila, vitamina A
> A hepatite aguda
medicamentosa de longo prazo
traduz-se pela elevação da
aminotransferase;
66
Expressões histológicas
JBM
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SETEMBRO/OUTUBRO
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VOL. 100  No 4
Hepatite aguda
Como avaliar?
rio. Assim cursam insuficiência hepática
aguda e renal, que, quando não tratadas,
geram altos índices de mortalidade, caso
não sejam conduzidas através de transplante hepático de emergência. Ocorre
predominantemente em mulheres jovens
e naqueles pacientes já tratados anteriormente, mas que interromperam abruptamente o uso de medicação específica
(D-penicilamina).
Por sua vez, expressões histológicas clássicas são vistas naqueles em uso de amiodarona e maleato de perexilene. Também sob forma de agressão vascular, induzida pela ação
lesiva causada pela azatioprina, 6-tioguanina
e cloreto de vinila. Formações de adenomas
ou carcinoma hepatocelular naqueles em uso
prolongado de estrógenos, esteroides e anabolizantes. Fibrose com regeneração nodular
pode ser identificada nos tratados com metotrexato, cloreto de vinila e vitamina A durante
longos períodos e, menos frequentemente,
angiossarcoma, na dependência de uso crônico de cloreto de vinila e torotraste.
Hepatite “aguda” autoimune
Representa doença inflamatória crônica hepatocelular, caracterizada por sinal de
agressão ao fígado presente, pelo menos,
por um período de seis meses, expressa
por hipertransaminasemia. No entanto, em
cerca de 50% desses pacientes a doença se
expressa sob forma clínica típica de hepatite
aguda, com valores séricos de aminotransferases e bilirrubina se encontrando elevados.
Tal forma de exteriorização clínica e laboratorial nos levou a incluí-la neste artigo.
Classicamente está relacionada com a
ruptura dos fenômenos de autotolerância.
Afeta predominantemente pacientes do sexo
feminino que cursam com hepatite agressiva
de interface, presente em crianças ou adultos
jovens, com 20% dos acometidos tendo mais
de 60 anos de idade. Instala-se na dependência da resposta exacerbada exercida pelos
linfócitos B, gerando elevação acentuada dos
níveis séricos de IgG e intensa infiltração de
plasmócitos em espaços portais, com a geração consequente de hepatite crônica, fibrose,
cirrose hepática e até carcinoma hepatocelular. Essa tendência pode ser lentificada em
sua evolução com a administração de imunosJBM

SETEMBRO/OUTUBRO  VOL. 100  No 4
supressores como prednisona ou azatioprina,
mas pode assumir ao longo dos anos inexorável evolução, apenas abortada naquelas conduzidas pelo transplante de fígado.
Nos últimos anos definiu-se o gatilho disparador do desarranjo imunológico verificado em linfócitos TCD4+ e TCD8+, os quais
infiltram o fígado juntamente com plasmócitos, gerando anticorpos séricos. Alguns autores acham que esse passo é acionado a partir
da ação lesiva exercida por vários fármacos,
como estatinas, anticorpos monoclonais,
interferon β, toxinas e agentes infecciosos.
Dessa forma se sensibilizam os indivíduos
predispostos geneticamente a desenvolver
a doença. Essa evolução se relaciona com a
presença de curtas sequências antigênicas
comuns e que são frequentemente encontradas nesses medicamentos, responsáveis pela
quebra da autotolerância periférica que normalmente apresentam. Como consequência,
instala-se resposta exacerbada contra antígenos expressos no fígado, suficiente para induzir uma agressão de natureza autoimune.
Essa evolução relaciona-se também com a
hiperexpressão de citocinas e moléculas de
adesão, iniciando-se e perpetuando-se assim a agressão hepatocelular. A partir desses
domínios surge a perspectiva do advento de
novos agentes terapêuticos bloqueando especificamente essas vias. Dessa cascata participam também as células T reg moduladoras
da proliferação de CD8+ e supressoras da
produção de IFNγ.
A hepatite “aguda”
autoimune representa
doença inflamatória
crônica hepatocelular,
caracterizada por sinal
de agressão ao fígado
presente, pelo menos,
por um período de seis
meses, expressa por
hipertransaminasemia.
Como avaliar?
Esses avanços nos conhecimentos permitiram a identificação de diferentes expressões de hepatite autoimune. Assim, o tipo 1
se traduz pela presença sérica de autoanticorpos, tais como antinúcleo, antimúsculo
liso e antiactina, geradores de formação de
imunocomplexos causadores de lesões submembranosas de hepatócitos, facilitando a
instalação de imunocomplexos e lise celular.
Do ponto de vista genético se associa ao
HLA de classe II, sendo mais prevalentes os
haplótipos HLA DR3 e DR4 na Europa e nos
Estados Unidos, e o HLA DR13.01 no Brasil
e na Argentina, em pacientes cursando com
baixos níveis de fator 4 do complemento.
A hepatite autoimune tipo 2 aparece, na
maioria das vezes, ainda na infância, com o
67
Hepatite aguda
Como avaliar?
Pontos-chave:
> A hepatite autoimune afeta
predominantemente pacientes
do sexo feminino;
> Instala-se na dependência da
resposta exacerbada exercida
pelos linfócitos B;
> A hepatite autoimune
tipo 2 aparece, na maioria das
vezes, ainda na infância, com o
autoanticorpo definidor sendo
o antimicrossomal fígado-rim.
68
autoanticorpo definidor sendo o antimicrossomal fígado-rim, cujo antígeno pertence à
família do citocromo mono-oxigenase P-450 II
D6 (CyP2D6), o qual surge na superfície dos
hepatócitos dispostos em cinco sítios diferentes. Alguns desses pacientes poderão portar o
autoanticorpo anticitosol hepático (LC1), com
o antirreceptor de asialoglicoproteína (ASPG-R)
podendo ser identificado em qualquer dos
outros tipos da doença. Por sua vez, o tipo 3
é identificado pela presença do antiantígeno
solúvel do fígado (SLA/LP), traduzindo forte
tendência de progressão para cirrose hepática.
Nos últimos anos tem-se observado que
os portadores dos antígenos antimicrossomal
fígado-rim e também do anticitosol hepático são mais jovens e cursam maior atividade
inflamatória, traduzida histologicamente e
através de elevados valores séricos de bilirrubina e aminotransferases. Esses cursam com
índice maior de apresentação aguda, porém
com acentuada prevalência de cirrose ocorrendo progressivamente. Caracteristicamente os mais idosos, ou seja, com mais de 60
anos, são em geral antinúcleo-positivos.
A confirmação do diagnóstico de hepatite autoimune baseia-se também: 1. na ausência sérica dos marcadores dos vírus das
hepatites B e C; 2. na inexistência de ingestão alcoólica excessiva; 3. nos valores séricos
normais de ferritina, de saturação de transferrina em pacientes que não fizeram uso
de substâncias hepatotóxicas; 4. nos valores
normais sanguíneos de alfa-1-antitripsina, ceruloplasmina e diante de lesões histológicas
típicas, tais como necrose periférica, lesão
inflamatória lobular, necrose em ponte, hepatócitos em roseta e plasmócitos infiltrando
o fígado, sem agressão aos ductos biliares.
Existe uma predisposição genética determinante de início e progressão dessa doença, conforme discriminado no Quadro 6.
Deve-se frisar que em qualquer desses
pacientes doenças autoimunes concorrentes
podem obscurecer ou ofuscar a presença
de agressão hepatocelular. Nos adultos são
frequentes esclerose sistêmica, polimiosite,
neurite multiplexa e síndrome pluriglandular
tipo 3 autoimunes, podendo ser observada
uma síndrome sequencial, identificada em
alguns pacientes anos depois de desenvolverem colangite esclerosante primária, comportamento que se observa preponderantemente em crianças. A predileção quanto à
distribuição do gênero é interessante e não
totalmente explicável, mas alguns dados merecem registro:
— A doença se mostra autolimitada nas mulheres e progressiva nos homens, domínio nem sempre confirmado por outros
pesquisadores.
— As mulheres exibem melhor resposta à
terapêutica imunossupressora.
— Crianças com colangite esclerosante primária dominante não respondem bem à
terapêutica imunossupressora, sendo significativo reforçar que a sobrevida de 10
anos reduz-se de 100% para 65% quando
predominam sinais histológicos e radiológicos de agressão biliar. Mais preocupante ainda é o reforço do desajuste imunológico que apresentam quando concomitantemente evoluem com outras doenças
associadas, tais como vitiligo, tireoidite,
diabetes mellitus insulinodependente, urticária pigmentosa, hipoparatireoidismo,
doença de Crohn ou de Addison e plaquetopenia.
Hepatite “aguda” alcoólica
Representa um dos aspectos evolutivos
da doença hepática por ingesta excessiva
de etanol, em geral acompanhada de eleva-
QUADRO 6: Predisposição genética à hepatite autoimune
Origens
Haplótipos
Europeus e norte-americanos
HLA DrB1*0301, D-30101, Dr52, DrB1 0401 (Dr4)
Japoneses e argentinos
DrB1*0404 (Dr4)
Mexicanos
DrB1*0404 (Dr13)
Brasileiros
HLA DrB1*13 e HLA Dr*8103
JBM

SETEMBRO/OUTUBRO

VOL. 100  No 4
Hepatite aguda
Como avaliar?
do índice de mortalidade, excedendo 40%
em casos mais graves. Instala-se predominantemente naqueles que ingerem mais de
250g de álcool ao dia, estendendo-se essa
frequência por um período de pelo menos
25 anos, com fatores de risco predisponentes devidos a características genéticas ou
até idiossincráticas, essa última relacionada
a mecanismos imunomediados. Atribui-se
que também participa dessa ação lesiva a
ativação de cascata pró-inflamatória mediada por moduladores originários de neutrófilos
e macrófagos, participando também elevadas
concentrações expressas em níveis séricos de
interleucinas 1, 6, 8 e, sobretudo, fator de necrose tumoral α (FNTa). Geram-se radicais livres
de oxigênio e de fator b1 de transformação do
crescimento, identificados, sobretudo, naqueles geneticamente marcados, todos cursando
com hiperexpressão sérica de IgA, responsável pela ativação de linfócitos B com geração
de autoanticorpos e hipergamaglobulinemia.
Como consequência, ocorrem mobilização e
infiltração linfocítica nas vizinhanças de hepatócitos necróticos, juntamente com anticorpos
circulantes e células natural killer. Seguem-se:
a. formações dos corpúsculos de Mallory, resultantes da atuação do etanol e de seus metabólitos sobre filamentos intermediários do citoesqueleto das células parenquimatosas do fígado; b. colagenização do espaço de Disse, com
consequente fibrose perissinusoidal, resultante
do estímulo pró-inflamatório exercido sobre
células de Ito, armazenadoras de gorduras; e
c. os fibroblastos produtores de colágeno, finalmente, transformam-se em miofibroblastos,
constituídos por colágenos dos tipos I, III e IV,
com laminina presente em áreas perivenulares,
induzindo o desenvolvimento de necrose hialina e esclerose de veias centrolobulares.
Como avaliar?
Um grupo de pacientes revela-se pouco
sintomático, ou assintomático, mesmo referindo história de ingestão alcoólica excessiva, exibindo hepatomegalia e níveis séricos
de aminotransferases elevados (AST, ALT).
O tipo mais grave da doença se expressa
sob a forma aguda, através do aparecimento de icterícia, ascite, sinais de coagulopatia
e, até mesmo, encefalopatia. Esses doentes
cursam ainda com dor surda e suportável no
hipocôndrio direito, fígado de consistência
JBM

SETEMBRO/OUTUBRO  VOL. 100  No 4
aumentada, febre e leucocitose. A mortalidade, nessa situação, é elevada, todos evoluindo com neutrofilia, metabolismo alterado
de hidratos de carbono, de lipídios e de minerais, ou de elementos-traços. Apresentam,
ainda, síntese aumentada de proteínas de
fase aguda, como a proteína C-reativa, beta-amiloide e alfa-1-antitripsina, comportamento mediado pelas linfocinas FNTα, IL-1 e IL-6.
Do ponto de vista laboratorial, as formas
agudas mais graves traduzem-se por: a. Níveis séricos de bilirrubina total sempre acima de 5mg/dl, não raro ultrapassando 25 a
30mg/dl. b. Níveis séricos de AST situados
entre 100 e 400UI/l. Cerca de 80% dos pacientes com proporção AST:ALT em torno
de 2 ou mais. Esse comportamento bioquímico depende de: 1. menor concentração
citosólica dessas enzimas nos alcoólatras crônicos; 2. maior liberação de AST de fontes
não hepáticas, como músculos e eritrócitos;
3. menor concentração hepática de coenzimas, limitando a capacidade de correção
quantitativa da hiperexpressão sérica dessas
enzimas no soro. Ressalte-se que há correlação entre níveis de aminotransferases
e extensão da agressão necroinflamatória.
c. A fosfatase alcalina assume um comportamento variável, com tendência a níveis
séricos elevados, quando há colestase. d. A
gamaglutamiltransferase se expressa como o
melhor marcador bioquímico, ao lado do volume corpuscular médio das hemácias. Indica
sempre indução microssomal, determinada
pelo etanol e seus metabólitos. Não tem valor prognóstico, mas revela-se útil na monitoração da ingestão alcoólica. e. Menor reserva
hepatocitária, consequente à maior agressão
tecidual, revela-se por níveis séricos de albumina baixos, alargamento do tempo de
protrombina e redução do fator V. f. A progressão para cirrose define-se também pela
elevação do nível sérico de pró-colágeno
tipo III. Histologicamente se traduz, fundamentalmente, por instalação de inflamação,
além de necrose hepatocelular focal e difusa,
mais acentuada na zona 3 de Rappaport. Faz
parte do quadro a presença de hepatócitos
aumentados de volume, em decorrência do
acúmulo de água, lipídios e proteínas, normalmente excretados pelo plasma, tornando-os frequentemente balonizados, aspecto
observado, sobretudo, na região centrolobu-
O tipo mais grave da
doença se expressa sob
a forma aguda, através
do aparecimento de
icterícia, ascite, sinais
de coagulopatia e, até
mesmo, encefalopatia.
Esses doentes cursam
ainda com dor surda e
suportável no hipocôndrio
direito, fígado de
consistência aumentada,
febre e leucocitose.
69
Hepatite aguda
Como avaliar?
Endereço para
correspondência:
Raul Carlos Wahle
Rua Martiniano de
Carvalho, 905
01321-000
São Paulo-SP
[email protected]
70
lar. Todos esses hepatócitos apresentam seus
citoplasmas vesiculares ou granulares com o
núcleo permanecendo em posição central,
associando-se esteatose, geralmente microgoticular.
Mostra-se mais grave nos pacientes que
apresentam histologicamente maior quantidade de corpúsculos de Mallory, em cirróticos que cursam com hepatite alcoólica aguda. Esses têm sobrevida menor do que aqueles que evoluem sem cirrose (um ano = 7,1
± 4% versus 26,6 ± 4,5%; cinco anos = 31
± 7% versus 47 ± 5%). Conceitua-se a hepatite alcoólica aguda como moderada quando
o nível sérico de bilirrubina ultrapassa 5mg/dl
e o tempo de protrombina está aumentado
em mais de 4 segundos em relação ao controle. Aproximadamente 13% desses doentes vêm a falecer dentro de 30 dias. Já o índi-
ce de mortalidade atinge 50% quando existe
encefalopatia, insuficiência renal, nível sérico
de bilirrubina acima de 10mg/dl e o tempo
de protrombina ultrapassa 5 segundos em
relação ao controle, sobretudo quando instalada entre as mulheres. Não infrequentemente pode ocorrer melhora histológica nos pacientes que interrompem a ingestão alcoólica, afirmação não aceita por todos, porém
com evolução no sentido da cirrose, sobretudo nos pacientes do sexo feminino, se o
etilismo se mostra persistente. Gravidade
maior ocorre naqueles ao se empregar uma
fórmula de função discriminante (4,6 x tempo
de protrombina avaliado em segundos + nível sérico de bilirrubina em mg/dl). Define-se
um escore acima de 32 pontos, com todas
as mortes ocorrendo entre aqueles em que o
índice ultrapassa valores acima de 93.
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J. Hepatol., 52: S440, 2010.
3. CZAJA, A.J. & CARPENTER, H.A. — Distinctive clinical phenotype and treatment outcome of type 1 autoimmune hepatitis in the elderly. Hepatology, 43: 532, 2006.
4. CZAJA, A.J. — Autoimmune liver disease. Curr. Opin. Gastroenterol., 23: 255, 2007.
5. EUROPEAN ASSOCIATION FOR THE STUDY OF THE LIVER — EASL Clinical Practice Guidelines: Wilson’s disease.
J. Hepatol., 56: 671, 2012.
6. FAN, G.G. & STEER, C.J. — Cellular biology of the normal
liver. In: Bacon, B.R.; O’Grady, J.G. et al. (eds.) — Comprehensive Clinical Hepatology. Londres, Mosby Elsevier,
2006. p. 17.
Obs.: As 9 referências restantes que compõem este artigo se
encontram na Redação à disposição dos interessados.
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noticiário especial
EPUC escolhe ganhadores do Prêmio de Jornalismo Unimed Santa Catarina
Os finalistas e grandes premiados nas cinco categorias do Prêmio de Jornalismo Unimed SC.
Em sua 11.ª edição, o Prêmio de Jornalismo Unimed Santa Catarina premiou, em
cerimônia realizada no último dia 28 de setembro, na cidade de Joinville, os vencedores das cinco categorias: profissional de jornal/revista, profissional de rádio, profissional
de TV, destaque acadêmico e novo repórter.
Promovido pela Federação Unimed
e pelas 23 cooperativas Unimed de Santa
Catarina, o Prêmio de Jornalismo Unimed
SC tem como objetivo valorizar e estimular
o tema Saúde na pauta dos veículos catarinenses. Em 11 anos de Prêmio foram 1.384
produções inscritas, com reportagens ressaltando a importância da prevenção e de
atitudes que proporcionam uma vida saudável, além de denúncias que servem de
alerta sobre práticas de saúde no estado.
Foram mais de 150 trabalhos inscritos, e
a seleção dos classificados e, posteriormente, dos premiados foi feita por uma comissão
formada pelos médicos da Unimed Edson
Campos, Ernesto Reggio e Jauro Soares e
pelas jornalistas Ana Paulo Barbulho, de São
Paulo, Dinah Ribas Pinheiro, do Paraná, e
Verônica Cobas,
representando o
Rio de Janeiro e
a Editora de Publicações Científicas Ltda. Pela
primeira vez a
EPUC foi convidada a compor o
corpo de jurados
que escolheu os
Rony e Rodrigo Fialho.
Uma dupla de ouro do jiu-jítsu brasileiro
Rony e Rodrigo Fialho são dois jovens
atletas do jiu-jítsu brasileiro. Mais do que
promessas, são hoje verdadeiras revelações de uma modalidade que é a base da
formação de ídolos, como Anderson Silva
e Rodrigo Minotauro, atletas vitoriosos do
MMA. Líderes absolutos no ranking do
Estado do Rio de Janeiro na categoria até
15 anos, os irmãos Fialho estão bem próximos de conquistar uma vaga para a disputa do Pam Kid’s — evento máximo do esporte, que reúne jovens lutadores de todo
o mundo na Califórnia, Estados Unidos.
Patrocinados desde o início de 2012
pela EPUC — Editora de Publicações Científicas Ltda., Rony, de 14 anos, e Rodrigo,
de 15 anos, descobriram o jiu-jítsu bem
jovens, aos cinco e sete anos.
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homenageados do Prêmio de Jornalismo
Unimed. Durante o evento de premiação,
Verônica Cobas representou o corpo de
jurados, falando para todos os presentes e
homenageando os vencedores.
A cerimônia de entrega dos prêmios
aconteceu no Tênis Clube, de Joinville, e
os vencedores foram: na categoria Profissional de TV, Tatiana Souza (Rede RIC Record/Joinville); na categoria Profissional de
Jornal/Revista, Carina Machado (Jornal Dia
a Dia/Brusque); e na categoria Profissional de Rádio o premiado foi Andrei Meller
(Rede Peperi de Comunicação/São Miguel
do Oeste). Na categoria Destaque Acadêmico, a vencedora foi a estudante Camila
Maria Oliveira Peixer, da Universidade Federal de Santa Catarina.
Já na categoria Novo Repórter, que
reuniu estudantes do ensino fundamental e
médio das escolas públicas de Santa Catarina, o ganhador da primeira fase foi Adrian
Gabriel Julio Ribeiro, estudante do ensino
fundamental da Escola de Educação Básica Vinte e Cinco de Maio, de Fraiburgo.
Na segunda fase a vencedora foi Franciele
Ziener, estudante do segundo ano do ensino médio da Escola de Educação Básica
Professor João Widemann, de Blumenau. Representando a EPUC, a jornalista Verônica
Cobas fala em nome do corpo de jurados.
As dificuldades estruturais da vida
familiar não foram impedimento para o
sonho dos meninos. Com a ajuda dos professores Sandro Bueno “Beto” e Vinicius
Coelho “Villeem”, Rony e Rodrigo Fialho
seguiram adiante conquistando títulos.
“Meu primeiro título foi o Campeonato
de 2008. Sou tricampeão brasileiro, tricampeão estadual e campeão mundial júnior na minha categoria”, explica Rony. Já
Rodrigo é tricampeão estadual, campeão
brasileiro e campeão da Copa Kid’s e da
Copa Pride.
Com o patrocínio da EPUC, os irmãos
Fialho têm financiamento garantido para
todas as viagens e torneios em outros estados, além do investimento na reforma da
academia onde continuam treinando. Qual
o próximo objetivo? Quem conta é Rony
Fialho: “Os irmãos Fialho sonham alto. E
não só seremos campeões mundiais, como
ainda seremos reconhecidos em todo o
mundo. Lutamos para isso também”.
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noticiário
Medley leva Blitz da Saúde a mais de 10 cidades
A Medley, líder na produção de genéricos no país desde 2002, com mais de
300 opções de tratamento, aproveitou o
13o aniversário dos genéricos no Brasil
para realizar a Blitz da Saúde, que ocorreu em mais de 10 cidades, entre maio e
outubro deste ano. A iniciativa teve como
objetivo reiterar a qualidade e a eficácia
desses medicamentos, além de alertar
a população quanto à necessidade de
cuidar da saúde, de manter hábitos saudáveis e sobre a importância do acompanhamento médico.
As cidades escolhidas foram Campos
do Jordão, Ribeirão Preto, Campinas, Sorocaba, São Paulo, Rio de Janeiro, Londrina,
Pelotas, Niterói, Belo Horizonte, Fortaleza
e Recife. As ações contaram com exames
gratuitos, simples e rápidos, como cálculo
do índice de massa corpórea, medição de
pressão arterial para o diagnóstico de hipertensão e teste de glicemia para o diagnóstico de diabetes, com ficha de acompanhamento dos exames. Até julho, mais de
15 mil pessoas tiveram acesso ao projeto
e passaram pelos parques para realizar os
exames.
A ação do laboratório Medley incluiu
ainda o Bate Papo da Saúde, onde farmacêuticos falaram sobre o histórico dos
genéricos, sua eficácia e esclareceram
dúvidas da população, que recebeu folhetos informativos para complementar
as palestras.
Em vigência no país desde 1999 (Lei
9.787), os genéricos permitem o acesso
da população a tratamentos de qualidade,
com o valor no mínimo 35% menor que o
do medicamento de referência.
Mais de 10 cidades brasileiras receberam a Blitz
da Saúde, iniciativa do laboratório Medley.
Torrent lança Brator H
A Torrent do Brasil acaba de lançar o medicamento Brator H, uma combinação de duas
substâncias eficazes para o controle da pressão
arterial: a valsartana (princípio ativo de Brator,
produto já existente no mercado) com o diurético
hidroclorotiazida, que pertence à classe dos tiazídicos. Brator H é o primeiro medicamento similar no
Brasil com esta ação combinada para o tratamento
da hipertensão e seu preço será 60% mais em conta
do que a marca de referência.
Segundo o gerente médico da Torrent, Dr.
Antonio Gobbi, cerca de dois terços dos pacientes
hipertensos precisam de tratamento com combinações medicamentosas para atingir a meta de normalização da
pressão arterial. A valsartana associada à hidroclorotiazida é uma das
combinações mais recomendadas e preferidas da American Society of
Hipertension, entidade referencial no tratamento da hipertensão. Além
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do menor preço, a dose única diária de Brator H ajuda na maior adesão
ao tratamento. Brator H vem em embalagens com 30 comprimidos e
em cinco apresentações: 80mg + 12,5mg, 160mg + 12,5mg, 160mg
+ 25mg, 320mg + 12,5mg e 320mg + 25mg.
Dez anos de Brasil
Na última semana de setembro, a Torrent do Brasil reuniu em
Águas de Lindóia, SP, mais de 400 executivos para uma convenção de
vendas, que teve por objetivo a comemoração dos 10 anos da empresa
no país e a capacitação profissional da equipe. O evento contou com
a presença de Orlando Famá Júnior, presidente da empresa no Brasil.
Atualmente a empresa possui uma carteira de 30 produtos, colocados em 30 mil farmácias no Brasil, e os bons resultados levaram-na
a ocupar a segunda posição no ranking de desempenho da Torrent
mundial (presente em mais de 80 países), perdendo apenas para a
matriz, na Índia, e ultrapassando a poderosa Alemanha, que ficou em
terceiro lugar. A Torrent do Brasil deve faturar, este ano, 20% a mais
do que em 2011.
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