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O MINISTÉRIO PÚBLICO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 THE PUBLIC ATTORNEY IN 1988 FEDERAL CONSTITUTION Samantha Ribeiro Meyer-Pflug Doutora e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Professora da Diretoria de Pesquisa em Direito e coordenadora da UNINOVE. Membro do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO. 08438 miolo.indd 177 24/10/2012 18:58:24 08438 miolo.indd 178 24/10/2012 18:58:24 O MINISTÉRIO PÚBLICO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 179 RESUMO Trata-se de analisar os contornos conferidos pela Constituição Federal de 1988 ao Ministério Público. Examina-se o tratamento conferido ao Ministério Público pelas Constituições brasileiras, e sua relação com o Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário em face da separação de poderes. De igual modo estudam-se a função e o status do Ministério Público no Direito Comparado, precipuamente Portugal, Alemanha, Estados Unidos, Itália e França. Analisa-se detidamente a autonomia que desfruta o Ministério Público no ordenamento jurídico pátrio, tendo em vista as prerrogativas de seus membros e da própria instituição. A atuação do Ministério Público na defesa da sociedade e dos valores democráticos é estudada à luz da Constituição de 1988 e dos instrumentos por ela conferidos, bem como os limites impostos a sua atuação. PALAVRAS-CHAVE Autonomia do Ministério Público. Democracia. Defesa da sociedade. Separação de poderes. Garantias do Ministério Público. ABSTRACT This paper analyzes the characteristics conferred by the 1988 Federal Constitution to the Public Attorney. It examines the treatment given to Public Attorney by the Constitutions of Brazil and its relationship with the executive, legislature and judiciary in the face of separation of powers. It also studies the function and status of Public Attorney in Comparative Law, mainly, Portugal, Germany, USA, Italy and France. We analize the autonomy enjoyed by the Public Attorney the national laws, in view of the prerogatives of its members and the institution itself. The role of Public Attorney in the defense of society and democratic values is studied in the perspectives of the 1988 Constitution and other related instruments and the limits of its performance. KEYWORDS Autonomy of the Public Attorney. Democracy. Defense of society. Separation of powers. Guarantees of the Public Attorney. SUMÁRIO Introdução. 1. O Ministério Público nas Constituições brasileiras. 2. O Ministério Público e o princípio da separação dos poderes. 3. O Ministério Público no direito comparado. 4. A Constituição Federal de 1988 e o Ministério Público. Conclusão. Referências. Introdução O Ministério Público vem, ao longo de sua história, desempenhando relevante papel na defesa do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, bem como da ordem jurídica como um todo. Na execução dessa 08438 miolo.indd 179 24/10/2012 18:58:24 180 Samantha Ribeiro Meyer-Pflug difícil tarefa, a Constituição Federal de 1988 conferiu-lhe uma série de prerrogativas e garantias, tanto no que se refere à própria instituição quanto aos seus membros. O caput do art. 127 da Constituição Federal de 1988 estabelece que o Ministério Público “é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. O Texto Constitucional – tendo em vista a grande relevância da função do Parquet, além de assegurar-lhe autonomia – também delineou detalhadamente a sua estrutura, propiciando os elementos necessários para que possa levar a efeito a defesa do regime democrático. No entanto, impõem-se analisar detidamente os parâmetros constitucionais impostos para a realização dessa relevante atividade. Nesse sentido necessário se faz, primeiramente, examinar a evolução histórica da instituição do Ministério Público nas Constituições brasileiras, bem como comparar o tratamento jurídico conferido ao Parquet na Constituição de 1988 com a de outros países, precipuamente Itália, França, Estados Unidos da América, Portugal e Alemanha. No entanto, como qualquer outra instituição, há limites impostos pela ordem jurídica para a atuação do Ministério Público na defesa do Estado Democrático de Direito. Para compreender quais são esses limites, imprescindível se apresenta analisar a autonomia e as garantias que usufrui o Ministério Público e as vedações impostas pelo Texto Constitucional aos seus membros e à sua atividade. Por fim serão estudados os instrumentos jurídicos disponíveis ao Ministério Público para desempenhar o seu mister, bem como os limites políticos a ele impostos. 1. O MINISTÉRIO PÚBLICO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS O Ministério Público tem a sua origem relacionada aos agentes do poder absoluto, nas monarquias, não estando previsto, inicialmente, na separação dos poderes. Foi criado para sustentar e manter os arbítrios autocráticos das monarcas medievais. Foi a partir da Revolução Francesa que com o liberalismo elevou o Ministério Público à posição de guardião da legalidade, baluarte da democracia e também defensor dos direitos indisponíveis dos cidadãos. No entanto, no Brasil, o Ministério Público se distanciou por completo da sua origem de “acusador do rei” para se constituir no grande defensor dos interesses sociais, na grande maioria das vezes, contrapondo-se aos interesses dos próprios governantes e do Estado1. Pode-se dizer que, por meio de sua atuação, o Ministério Público passou a ser um dos esteios da democracia. Não há negar-se que o Ministério Público é investido de parcela de soberania estatal e, como tal, participa de sua estrutura, uma vez que faz parte de sua organização; por esta razão o seu funcionamento acaba por 1. Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público depois da Constituição de 1988.In: MAR- TINS, Ives Gandra; REZEK, Francisco. Constituição Federal anotada.: São Paulo: Revista dos Tribunais e Centro de Extensão Universitária, 2008, p.413. 08438 miolo.indd 180 24/10/2012 18:58:24 O MINISTÉRIO PÚBLICO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 181 refletir as características do Estado do qual faz parte. Em assim sendo o Ministério Público pode existir tanto num regime democrático como num regime totalitarista, desempenhando distintas funções nos dois sistemas. No Brasil o Ministério Público se fez presente desde a primeira Constituição, qual seja, a de 1824. Nela ficava estabelecido que ao procurador da coroa cabia a acusação no juízo dos crimes, ressalvada a competência da câmara dos deputados (ministros ou conselheiros de estado). Rezava o seu art. 48 que: “No Juizo dos crimes, cuja accusação não pertence á Camara dos Deputados, accusará o Procurador da Corôa, e Soberania Nacional”. Já a Constituição de 1891 limitou-se a estabelecer que o Procurador-Geral era designado pelo Presidente da República, dentre os membros do Supremo Tribunal Federal e que suas atribuições seriam disciplinadas em lei. Também estabeleceu em seu art. 81, §1º, que o Procurador-Geral da República tinha legitimidade para ingressar com a revisão criminal, in verbis: “A lei marcará os casos e a forma da revisão, que poderá ser requerida pelo sentenciado, por qualquer do povo, ou ex officio pelo Procurador-Geral da República”. A partir da Constituição de 1934 o Ministério Público passou a ser uma instituição, estando previsto dentro do Capítulo VI, “Dos Órgãos de Cooperação nas Atividades Governamentais”. Nela ficava disposto, no art. 35, que: “O Ministério Público será organizado na União, no Distrito Federal e nos Territórios por lei federal, e, nos Estados, pelas leis locais”. De igual modo restou estabelecido que o Chefe do Ministério Público Federal nos Juízos comuns era o Procurador-Geral da República, de nomeação do Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, dentre cidadãos com os requisitos estabelecidos para os Ministros da Corte Suprema. Vale dizer que ele tinha os mesmos vencimentos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, sendo, porém, demissível ad nutum. Era considerado “órgão de cooperação nas entidades governamentais”2. Daí se depreende uma nítida subordinação do Ministério Público ao Poder Executivo, pois o chefe da instituição exercia cargo de confiança do Presidente da República, podendo ser demitido a qualquer tempo. Tal fato impedia por completo a autonomia do Procurador-Geral no desempenho de suas atividades, pois não usufruía de nenhuma garantia que lhe assegurasse a independência necessária para realizar o seu mister. No entanto, os demais membros do Ministério Público ingressavam na carreira por concurso público, só podendo perder o cargo, nos termos da lei, por sentença judicial, ou processo administrativo, no qual lhes será assegurada ampla defesa e contraditório (art. 95, §3º). A Carta de 1937, por sua vez, representou um retrocesso3, na medida em que tratava apenas do Ministério Público dentro do Poder Judiciário, precipuamente, do Supremo Tribunal Federal. Em seu art. 39 ficava disposto que: “O Ministério Público Federal terá por Chefe o Procurador-Geral da República, que funcionará junto ao 2. Cf, SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 34. ed., São Paulo: Malhei- ros, 2010, p. 597. 3. Cf. MENDES. Gilmar Ferreira; BRANCO; Paulo Gonet., COELHO. Inocêncio Martires, Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 993. 08438 miolo.indd 181 24/10/2012 18:58:24 182 Samantha Ribeiro Meyer-Pflug Supremo Tribunal Federal, e será de livre nomeação e demissão do Presidente da República, devendo recair a escolha em pessoa que reúna os requisitos exigidos para Ministro do Supremo Tribunal Federal”. No entanto, no Código de Processo Civil o Ministério Público passou a se vincular à defesa dos valores adotados por uma ordem social e econômica, com caráter burguês, sem, contudo, prejuízo da sua titularidade na ação penal. A Constituição de 1946 tratou do Ministério Público em título próprio, conferindo-lhe certa independência4. Consoante o disposto no seu art. 126: “O Ministério Público federal tem por Chefe o Procurador-Geral da República. O Procurador, nomeado pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre cidadãos com os requisitos indicados no art. 99, é demissível ad nutum”. Verifica-se, novamente, a submissão do Chefe do Ministério Público ao Presidente da República, uma vez que o seu cargo era demissível ad nutum. Portanto, não usufruía da autonomia necessária para defender os interesses da sociedade e dos valores democráticos. O Texto Constitucional de 1946 estabeleceu também em seu art. 128 a organização do Ministério Público em carreira nos Estados, observados os princípios pertinentes ao âmbito federal, bem como o princípio de promoção de entrância a entrância. A Constituição de 1967 também tratava do Ministério Público dentro do capítulo do Poder Judiciário (arts. 137 a 139), e equiparava os integrantes do Ministério Público aos juízes, no que se referia ao salário, aposentadoria, autonomia e inamovibilidade. A nomeação do Procurador-Geral da República era feita pelo Presidente da República e era necessária a aprovação do Senado Federal. Com o advento da Emenda à Constituição n. 1/69, o Ministério Público passou a integrar a seção destinada ao Poder Executivo, sendo o cargo de Procurador-Geral da República de livre nomeação do Presidente da República. Incumbia ao Ministério Público, por força de norma constitucional, a defesa dos interesses do Estado, pois tinha o dever de defendê-lo. Tal situação demonstrava a dependência e a subordinação do Ministério Público ao Poder Executivo que acabava por não lhe permitir atuar contra a Administração Pública. 2. O MINISTÉRIO PÚBLICO E O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES A Constituição Federal de 1988, denominada de “Constituição cidadã”, e de nítido caráter democrático, eis que rompe com o regime político anterior, deu nova feição ao Ministério Público, estruturando-o com uma série de garantias e prerrogativas destinadas a propiciar desempenho satisfatório na defesa dos interesses da sociedade, inclusive contra os próprios órgãos do Estado. Há certo distanciamento dessa função, na medida em que o Texto Constitucional trata do Ministério Público em capítulo próprio, qual seja, “Das funções essenciais da justiça”, com a advoca4. Cf. MENDES. Gilmar Ferreira; BRANCO; Paulo Gonet., COELHO. Inocêncio Martires, Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008, p.991. 08438 miolo.indd 182 24/10/2012 18:58:24 O MINISTÉRIO PÚBLICO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 183 cia, defensoria pública e a advocacia pública. O Ministério Público passa a ser uma instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, desfrutando deposição impar no sistema constitucional pátrio5. É motivo de discussão a questão acerca da classificação do Ministério Público na tripartição de poderes elencada pela Constituição de 1988, uma vez que ele tem por função fiscalizar os Poderes. No entanto essa discussão é muito mais de cunho teórico, doutrinário, do que na verdade de consequências dogmático-jurídicas. A questão, ao que parece, não deve recair na classificação, mas sim essencialmente no grau de independência que o Ministério Público desfruta no cenário político-jurídico brasileiro. Tendo em vista o Direito Comparado, verifica-se, na grande maioria dos países, que ele se encontra sob influência do Poder Executivo, mas em alguns casos está relacionado ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário. Apenas em alguns países ele é delineado como órgão independente. O fato de estar relacionado ao Poder Executivo traz em si alguns problemas no tocante à sua independência política e funcional. Vale dizer que essa independência constitui-se em um pressuposto da objetividade e da imparcialidade de sua atuação no mister de defensor da ordem jurídica. Aplica-se tanto à instituição como aos seus membros6. Na hipótese de o Ministério Público estar relacionado ao Poder Legislativo tem-se que ele poderá ser concebido como um defensor do princípio da legalidade. Legalidade essa oriunda do próprio Poder Legislativo, ao qual se encontra vinculado. No entanto, aqui o perigo reside na defesa de uma legalidade socialista. Se o Ministério Público se encontra dentro da estrutura do Poder Judiciário, ele se torna sua dependente ou integrante, o que pode comprometer a sua atuação. Os Estados democráticos preferem relacionar o Ministério Público à estrutura constitucional do Poder Judiciário, por conceberem-no como função essencial ao desempenho da justiça. No sistema constitucional brasileiro o Ministério Público integra as funções essenciais à justiça e é erigido ao status de instituição permanente, desvinculada dos demais Poderes, constituindo-se em crime de responsabilidade do Presidente da República os atos que atentem contra o livre exercício do Ministério Público, conforme o disposto no art. 85, II, da Constituição Federal de 19887.De igual modo restam vedadas a edição de medida provisória e a delegação legislativa em matéria relativa a organização do Ministério Público. 3. O MINISTÉRIO PÚBLICO NO DIREITO COMPARADO Para se compreender a extensão da autonomia do Ministério Público na Constituição de 1988, bem como a sua função de defesa do Estado Democrático 5. CF. MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público depois da Constituição de 1988. In: MAR- TINS, Ives Gandra; REZEK, Francisco. Constituição Federal anotada: São Paulo: Revista dos Tribunais e Centro de Extensão Universitária, 2008, p.411. 6. Cf. PAES, José Eduardo Sabo. O Ministério Público na construção do Estado Democrático de Direito. Brasília: Brasília Juridica, 2003, p 194. 7. Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit., p. 411. 08438 miolo.indd 183 24/10/2012 18:58:24 184 Samantha Ribeiro Meyer-Pflug de Direito, que conferiu especial tratamento a esse, é imperioso analisar como outros países concebem a autonomia do Ministério Público, em face da tripartição de Poderes. Nesse sentido é importante analisar como França, Alemanha, Espanha, Portugal, Itália e Estados Unidos organizam o Ministério Público. Na França o Ministério Público é concebido como uma magistratura especial, na medida em que possui as mesmas garantias da magistratura e é responsável por representar a sociedade e exigir a aplicação das leis8. Incumbe ao Ministério Público representar a sociedade e em seu nome requerer a aplicação das leis, sua observância, bem como a execução das decisões judiciais. Cabe a ele ainda a defesa dos interesses dos incapazes. Também atua nos âmbitos penal e civil9. No entanto, incumbe ao Ministro da Justiça dirigir o Ministério Público na administração da instituição e na esfera civil cabe estabelecer o comportamento e a aplicação das normas, e solicitar que os membros do Ministério Público adotem determinada posição de interesse do Estado perante o tribunal ao qual está vinculado. Todavia, as atividades penais são controladas exclusivamente pelo próprio Ministério Público, que é independente em relação ao tribunal no qual atua. Contudo, sofre a supervisão do Ministro da Justiça, que pode dar ordens e até proibir a sua atuação por meio da imposição de medida disciplinar, substituição, remoção, rebaixamento e até mesmo exoneração. Também se constata dependência hierárquica, pois o Ministério Público tem o dever de informar o Ministério da Justiça sobre assuntos relevantes. Na Alemanha, que adota o sistema da Civil Law, o Ministério Público (Fiskalat)tem o monopólio da ação penal e sua origem se encontra relacionada aos funcionários reais que defendiam os interesses fiscais do rei. O Ministério Público é órgão independente da acusação penal pública10. O Ministério Público encontra-se sob a autoridade e fiscalização dos órgãos superiores da administração da justiça. Verifica-se assim uma contradição, pois, ao mesmo tempo que o Ministério Público é independente na persecução penal e na defesa da lei, ele também deve obediências às ordens do superior hierárquico. Na Espanha o Ministério Público (Ministério Fiscal) se constitui no representante do governo perante o Poder Judiciário. Cabe a ele zelar pelos direitos dos cidadãos e pela independência dos tribunais a seu cargo. A nomeação é real, baseada, portanto, no critério da livre indicação e não da carreira, ou seja, por concurso público11. O Procurador-Geral é denominado de Fiscal General Del Estado e não só do Tribunal Supremo. Trata-se de cargo de confiança e seus membros devem atuar em conformidade com as suas diretrizes, sob pena de configurar falta muito grave. Essa circunstância nada mais é do que o reflexo da política governamental. Embora não exista dependência funcional direta ao Poder Executivo, também não há expressiva independência funcional da instituição. 8. Cf. PAES, José Eduardo Sabo. Op. cit., p. 58. 9. Ver também: AMADO, Verônica Lazar. A investigação criminal pelo Ministério Público. Ara- caju: Gráfica texto Pronto, 2002. p. 37. 10. Cf. PAES, José Eduardo Sabo, Op. cit., p. 75. 11. Cf. PAES, José Eduardo Sabo, Op. cit. p. 91. 08438 miolo.indd 184 24/10/2012 18:58:24 185 O MINISTÉRIO PÚBLICO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Na Itália o Ministério Público encontra-se vinculado ao Poder Judiciário, embora tenha independência política e não se encontre sob a direção do Poder Executivo12. Cabe à lei garantir a independência do Ministério Público para atuar em juízo. Contudo, cumpre advertir que tal mister é realizado sob a “vigilância” e não sob a “direção” do Ministro da Justiça nas funções que a lei lhe outorga. Em Portugal desfruta o Ministério Público de autonomia e estrutura próprias. O Presidente da República nomeia o Procurador-Geral, por proposta do governo. O Procurador-Geral deve prestar esclarecimentos ao governo quando lhe sejam solicitados13. Contudo, desfruta de autonomia em relação ao Poder Executivo, encontrando-se vinculado à Administração da justiça e segue os poderes diretivos impostos pelo Ministro da Justiça. Nos Estados Unidos da América, que adota o sistema da Common Law, o Ministério Público tem como seu chefe maior em nível federal o United States Attorney General, que é nomeado pelo Presidente da República e aprovado pelo Senado14. Já os procuradores distritais são eleitos. Registre-se que – tanto na esfera federal quanto na estadual – o Ministério Público tem notáveis poderes, dentre eles o monopólio da ação penal e a disponibilidade para propô-la. Não existe controle judicial, com exceção da hipótese em que a ação é ajuizada pelo Ministério Público com nítida “intenção de perseguição” ou ainda com caráter discriminatório. Trata-se de um órgão eminentemente político, uma vez que seus integrantes ingressam na carreira por meio de eleições livres. Segue-se a lógica de produtividade, ou seja, avalia-se o Ministério Público muito mais pelo numero de acusações propostas do que pela realização da justiça. Na antiga União Soviética o Ministério Público encontrava-se relacionado ao Poder Legislativo15. Em Cuba ainda se verifica a situação. Tem-se, pois, que – ao analisar o tratamento constitucional conferido ao Ministério Público pelos países elencados – se verifica que os contornos conferidos à instituição pela Constituição de 1988, em termos de autonomia, não encontra paralelo no direito comparado16. 4. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O MINISTÉRIO PÚBLICO A Constituição Federal de 1988 conferiu autonomia ao Ministério Público; pode-se afirmar que a extensão e a densidade do ordenamento constitucional do Ministério Público no Brasil não encontram similares no Direito Comparado. A ga- 12. 13. 14. 15. 16. Cf. PAES, José Eduardo Sabo, Op. cit., p. 130. Cf. PAES, José Eduardo Sabo, Op. cit., p. 145. Cf. PAES, José Eduardo Sabo, Op. cit., p. 121. Cf. PAES, José Eduardo Sabo. Op. cit., p. 160. Cf. MENDES. Gilmar Ferreira; BRANCO; Paulo Gonet., COELHO. Inocêncio Martires, Curso de direito constitucional. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 992. 08438 miolo.indd 185 24/10/2012 18:58:24 186 Samantha Ribeiro Meyer-Pflug rantia constitucional da autonomia do Ministério Público visa a evitar que ele seja subordinado aos demais órgãos estatais. Nesse particular são asseguradas garantias, tanto à instituição como aos seus membros, tais como o princípio da unidade, indivisibilidade, independência funcional, administrativa e financeira da instituição. No tocante às garantias asseguradas aos membros do Ministério Público, tem-se que foram concedidas a ele as mesmas garantias conferidas aos magistrados. São asseguradas pelo Texto Constitucional: a) a vitaliciedade, consistente na garantia da perda do cargo, após dois anos de exercício, apenas por decisão judicial transitada em julgado; b) a inamovibilidade consiste na circunstância de a remoção só poder ocorrer por interesse público ou por decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa; c) irredutibilidade de subsídios; e d) foro privativo nos tribunais. Os membros do Ministério Público desfrutam de independência no exercício de sua função, inexistindo vinculo de subordinação, apenas o respeito à Constituição e às leis17. No que se refere às garantias relativas à instituição, assegurou o Texto Constitucional a autonomia funcional, administrativa e financeira. A autonomia financeira consiste na possibilidade de elaborar sua proposta orçamentária dentro dos limites da Lei de Diretrizes Orçamentárias18. No entanto, não desfruta do poder de iniciativa da proposta orçamentária, “devendo esta, por isso, integrar-se no orçamento geral a ser submetido ao Poder Legislativo pelo Poder Executivo”19. Pode o Ministério Público propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção de seus cargos, serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira. Cabe à lei dispor sobre sua organização e funcionamento. Desfruta de autonomia funcional e administrativa, “com possibilidade de prover diretamente seus cargos”20. Desfruta o Ministério Público de autonomia política na medida em que tanto o Procurador-Geral da República quanto o Procurador-Geral de Justiça são indicados, respectivamente, pelos Chefes do Poder Executivo, Presidente da República e Governador do Estado. O Procurador-Geral da República será nomeado dentre os integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta do Senado Federal (sabatina). É ele o responsável pela fixação das diretrizes do órgão. O fato de o Procurador-Geral da República ser indicado pelo Presidente da República acaba por transferir parte da confiança popular que usufrui para ele. Já o fato de ser aprovado pelo Senado Federal, ou seja, é essencial para manter a relação com o Poder Legislativo e com a sociedade que cabe defender. O mandato é de dois anos, sendo permitida a recondução. A destituição do 17. Cf. MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal anotada. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1986, p. 298. 18. Cf. PAES, José Eduardo Sabo, Op. cit., p. 177. 19. Cf. SILVA, José Afonso. Op. cit., p. 598. 20. MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit., p.412. 08438 miolo.indd 186 24/10/2012 18:58:24 O MINISTÉRIO PÚBLICO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 187 Procurador-Geral da República, por iniciativa do Presidente da República, somente pode ocorrer mediante prévia autorização da maioria absoluta do Senado Federal. A nomeação do Procurador-Geral de Justiça é feita pelo Governador a partir de lista tríplice, dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para mandato de dois anos, permitida uma recondução. Assegura o sistema constitucional pátrio igualmente, o princípio do promotor natural, que consiste na proibição da nomeação de promotores ad hoc21. Contudo, tal vedação não se aplica à necessidade de realização de forças-tarefas e, via de consequência, da indicação de determinados membros do Ministério Público para a realização de certas tarefas. Também se impõe à organização do Ministério Público o princípio da unidade, que pressupõe que todos os membros do Ministério Público, federal e estadual, formam parte de um único órgão sob a direção do mesmo Chefe. Representam uma só vontade. Já o princípio da indivisibilidade permite que os membros da instituição possam ser substituídos uns por outros nos processos, não de maneira arbitrária, salvo nos casos legalmente previstos (remoção, promoção). O princípio da independência funcional, por sua vez, assegura aos membros do Ministério Público atuação independente no exercício de suas funções, sem nenhum vínculo de subordinação hierárquica, “inclusive em relação ao chefe da instituição”22. Sua conduta deve ser pautada somente pela lei e suas convicções. Apenas há subordinação no plano administrativo, inexistindo subordinação de cunho funcional. Os membros do Ministério Público, conforme delineado no Texto Constitucional, são agentes políticos, e não funcionários públicos em sentido estrito, não se submetendo ao regime estatutário comum23. Integram um órgão independente do Estado, assim como ocorre com os membros dos demais poderes. As garantias constitucionais asseguradas decorrem do fato de que incumbe ao Ministério Público a defesa do valor mais caro à ordem constitucional, qual seja, a democracia. A defesa da democracia visa pôr fim a qualquer resquício da ditadura. Contudo, o Ministério Público pode existir, tanto num regime autoritário como num democrático, podendo ser forte e atuante em ambos. Num regime autoritário sua força será utilizada na perseguição dos inimigos do regime, dos desafetos do governo ou ainda como defensor da ordem jurídica, ainda que composta por leis injustas e arbitrárias. Já em um regime democrático sua atuação recairá na defesa dos direitos e garantias do individuo, dos valores da democracia e das minorias. Todavia, o Ministério Público só é verdadeiramente autônomo dentro de um regime democrático, pois não cabe num governo totalitário uma instituição, ainda que integrante do Estado, com liberdade para acusar e processar seus inimigos e não seus governantes. Num regime democrático o Ministério Público desfruta de poder para acusar e processar seus governantes. 21. Cf. MAHON, Eduardo. O Ministério Público de Robespierre: uma repreensão jurídico-consti- tucional às pretensões investigativas do Ministério Público. Brasilia: Envelopel, 2004, p.129. 22. Cf. PAES, José Eduardo Sabo, Op. cit., p. 184. 23. Cf. SILVA, José Afonso. Op. cit., p. 598. 08438 miolo.indd 187 24/10/2012 18:58:24 188 Samantha Ribeiro Meyer-Pflug O Ministério Público tem o poder-dever de controlar e fiscalizar os atos administrativos com vistas a garantir a ordem jurídica e o regime democrático. Cabe a ele a defesa da ordem jurídica. Nesse particular, cumpre ressaltar que seu mister não se reduz apenas à defesa da legalidade, mas sim a defesa da legalidade democrática24. Isso implica, necessariamente, a avaliação crítica do conteúdo da norma jurídica. Desse modo, às vezes se apresenta necessário invalidar as leis que contrariam os princípios constitucionais; para tanto, o Procurador-Geral da República é legitimado pela própria Constituição para ingressar com as ações diretas previstas no controle concentrado de constitucionalidade: ação direta de inconstitucionalidade, representação interventiva, ação declaratória de constitucionalidade e arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 103 da CF/88). Portanto, tem-se que a defesa do regime democrático é muito mais ampla do que a defesa da legalidade democrática, pois implica – além do controle de adequação das leis, formal e materialmente em face da Constituição de 1988 – a própria defesa do sistema democrático. Nesse sentido, assevera Walter Claudius Rothenburg: “a incumbência de defender o regime democrático condiciona a defesa da ordem jurídica à vinculação desta à democracia: o exercício do Poder Público de modo participativo e consentâneo com as expectativas do povo”25. Há que se atentar para o fato de que a democracia não se reduz apenas ao governo da maioria, mas sim da maioria do povo, livre e atuante. Nesse particular, tem-se que uma democracia legítima não é despótica nem pode ser, pois não é permitido a maioria escravizar a minoria; ela deve ter direito à participação num regime democrático. Manoel Gonçalves Ferreira Filho26 assevera que todos dizem que praticam a democracia, mas em lugar algum o povo governa e sim é governado. Ele entende que é impossível que a maioria governe a todos, sempre uma minoria governa uma maioria na prática. A solução, segundo o autor, é que exista uma minoria com caráter democrático – a partir de liberdade pluripartidária com grande mobilidade social (liberdade de profissões) e garantia de acesso à posição de decisão, por meio de eleições. Dentro de uma democracia tem-se que os grandes litígios às questões relevantes dentro de uma sociedade precisam necessariamente ser afrontados por um órgão independente e fortalecido, qual seja, o Ministério Público27. Um órgão capaz de assegurar a eficácia dos direitos fundamentais e a defesa da sociedade e dos fins do Estado, qual seja, a realização do bem comum. Em nosso sistema constitucional tal mister é exercido pelo Ministério Público. Tendo em vista a necessidade de defesa dos valores democráticos tem-se que o processo eleitoral é de supina importância para a manutenção da democracia; contu24. Cf. PAES, José Eduardo Sabo. Op. cit., p. 243. 25. ROTHENBURG, Walter Claudius .“Arts.127 ao 130”.In. Comentários a Constituição Federal de 1988. BONAVIDES,Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura. Rio de Janeiro: Forense,2009: p.1633. 26. Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia possível. São Paulo: Saraiva, 1972. 27. PAES, José Eduardo Sabo. Op. cit., p. 243. 08438 miolo.indd 188 24/10/2012 18:58:24 O MINISTÉRIO PÚBLICO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 189 do, há que se reconhecer que o Código Eleitoral, da década de 1930, não conferiu ao Ministério Público o devido papel. No entanto reconheceu que cabe ao Parquet: a) a função de promover a ação penal pública no tocante aos crimes eleitorais; b) fiscalizar a abertura de urnas; c) promover a responsabilidade por nulidade da eleição; d) a arguição de suspeição; e) pedido de cancelamento de registro de partido e candidato; f) a propositura de ação visando à declaração da perda ou suspensão de direito políticos; g) as ações civis para decretar a nulidade de atos da administração infringentes da lei eleitoral, do abuso do poder econômico, político ou administrativo. Na defesa da democracia incumbe, por força da Constituição, ao Ministério Público: a) propor ação penal para responsabilizar tanto os que violaram as regras democráticas, bem como as ações penais típicas (conferiu-se privatividade ao Ministério Público na promoção da ação penal pública, ou seja, “atribui-lhe parcela direta da soberania do Estado”28); b) propor ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, arguição de descumprimento de preceito fundamental e ação de inconstitucionalidade interventiva; c) instaurar o inquérito civil e propor ação civil pública visando à proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos e dos serviços de relevância pública; d) combater a inércia governamental em questões ambientais, consumidores educação; e) visitação aos presos; f) velar pelos direitos constitucionais do cidadão; g) defesa das minorias (vitimas, deficientes, idosos, mulheres, consumidor...); h) controle externo da atividade policial e requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais. No tocante à atuação do Ministério Público suscita certa discussão acerca da possibilidade de ele realizar diretamente investigações e diligências em procedimento administrativo investigatório, com o fim de apurar crime29. Parte da doutrina entende que o Ministério Público não tem legitimidade para realizar esse mister, uma vez que essa função deve ser exercida com exclusividade pela polícia, conforme disposto no Texto Constitucional. Nessa linha destaca-se a posição dos Ministros Carlos Velloso30 e Nelson Jobim31, do Supremo Tribunal Federal. O Min. Nelson Jobim faz referência a outras tentativas de juizados de instrução no Brasil que foram repelidas em 1936 e pela votação das leis orgânicas nacionais do Ministério Público32. Já os que entendem que o Ministério Público pode exercer tal tarefa argumentam que a Constituição só menciona a exclusividade no tocante à polícia federal33. Nesse sentido, pode o Ministério Público participar do inquérito, mas não instaurá- 28. 29. 30. 31. 32. 33. MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit., p. 412. Cf. . PAES, José Eduardo Sabo, Op. cit., p.189. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 205473. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 233072. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3494. No mesmo sentido MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal interpretado,5. ed., São Paulo: Atlas, 1997,p. 37; e MAZZILI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 2ºed.,São Paulo: Saraiva, 1995, p. 228. 08438 miolo.indd 189 24/10/2012 18:58:24 190 Samantha Ribeiro Meyer-Pflug -lo34. Ademais, o inquérito é meramente informativo e dispensável. O próprio teor da Sumula 234 do Superior Tribunal de Justiça é enfático ao dispor que: “a participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denuncia”. Em outras palavras, diz que a participação do membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denuncia. Ao mesmo tempo que a Constituição assegura amplo rol de garantias ao Ministério Público, também impõe limites e vedações que lhe garantem a imparcialidade35. São vedações impostas ao Ministério Público: a) exercer atividade política partidária; b) receber por qualquer título honorários, percentuais e custas processuais; c) exercer a advocacia; d) participar de sociedade comercial, na forma da lei; e) exercer, ainda que em disponibilidade, outra função pública, salvo uma de magistério; f) receber a qualquer título auxílios, contribuições de pessoas físicas ou entidades públicas ou privadas, salvo exceção em lei. Acrescenta Manoel Gonçalves Ferreira Filho que “abre a Constituição a possibilidade de criação de exceções legais para os membros do Ministério Público, o que não faz em relação aos da magistratura”36. Também é vedado ao Ministério Público invocar sua independência funcional para violar a ordem jurídica, buscar fim incompatível com a defesa do regime democrático e preterir a defesa dos interesses sociais que deve defender. De igual modo resta vedado ao Ministério Público, na qualidade de fiscal, invadir as áreas governamentais e até mesmo não governamentais de maneira a se impor em juízo ou extrajudicialmente. No Brasil os membros do Ministério Público são selecionados por concurso público de provas e títulos, ou seja, provas objetivas, segundo critérios de mérito e capacidade. No entanto, a aprovação em concurso não confere por si só legitimação democrática aos seus membros, apenas os qualifica tecnicamente. Diferentemente do que ocorre no sistema americano, no qual os membros do Ministério Público são eleitos pelo povo. A legitimação dos membros do Ministério Público no Brasil resulta diretamente da sua atuação, da lei e da própria Constituição, que lhes confere determinados poderes e atribuições para ser exercidos na estrita obediência de procedimentos pré-determinados também pela lei de certos princípios, dentre os quais se destacam o da legalidade, objetividade, imparcialidade e igualdade. Assim sendo, a legitimação do Ministério Público deve vir de sua vinculação à lei e de sua atuação na defesa da sociedade e dos valores democráticos. Trata-se da mesma legitimação que fundamenta a atividade jurisdicional. Na legislação infraconstitucional os membros do Ministério Público podem e devem ser responsabilizados pelo exercício irregular de suas funções, pois res34. Ver também: TUCCI, Rogério Lauria. Ministério Público e investigação criminal. São Paulo: RT,2004, p. 28. 35. Cf. ROTHENBURG, Walter Claudius . “Arts. 127 ao 130”. In. Comentários a Constituição Federal de 1988. BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura. Rio de Janeiro:Forense,2009, p.1639. 36. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 34. ed., São Paulo: Saraiva, 2008 p.274. 08438 miolo.indd 190 24/10/2012 18:58:24 O MINISTÉRIO PÚBLICO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 191 pondem por abusos que cometam, nas áreas civil, penal e disciplinar37. A Emenda à Constituição n. 45/2004, denominada Reforma do Judiciário, criou o Conselho Nacional do Ministério Público que tem por finalidade o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros38. Possui poder regulamentar autônomo no âmbito da sua competência39, conforme disposto no art. 130-A, §2º, I, do Texto Constitucional, mas não poder normativo40. Portanto, resta vedada a possibilidade de edição de normas gerais e abstratas sob pena de violar o princípio da legalidade e a própria autonomia do Ministério Público41. Trata- se de um órgão que confere maior eficiência e legitimidade ao Ministério Público, na medida em que exerce controle sob sua atuação administrativa e financeira. CONCLUSÃO Em face do exposto é possível afirmar que o Ministério Público pode ser forte e atuante, tanto num regime autoritário como em um regime democrático. No entanto, não há negar-se que o Ministério Público só será efetivamente forte e independente, “quanto mais autentico é o regime democrático de um País”42. Nesse sentido a existência de regime democrático é condição sine qua non para o desenvolvimento de um Ministério Público livre, forte e atuante. Ademais, quanto mais democrática é a representação da sociedade, maior é sua independência para defender seus próprios interesses fundamentais e, por via de consequência, mais eficaz será a atuação do Ministério Público. O Ministério Público é uma instituição imprescindível a toda organização democrática, constituindo-se em um instrumento de realização da justiça social, na medida em que é o guardião das liberdades públicas. A Constituição de 1988 inovou em relação às Constituições anteriores, bem como em relação ao Direito Comparado, ao conferir autonomia ao Ministério Público, ao erigi-lo à condição de instituição. A circunstância de elencar o Ministério Público no rol das funções essenciais à justiça, portanto não submetido ao Poder Executivo, lhe conferiu autonomia e independência para exercer o mister livremente e se legitimar como defensor da sociedade e dos valores democráticos. 37. Cf. PAES, José Eduardo Sabo, Op. cit., p.273. 38. Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit., p. 425. 39. Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Constitucionalidade-Medida Cautelar/DF n. 12 de16-2-2006. 40. Cf. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n.26.264. Tribunal Pleno. Informati- vo Supremo Tribunal Federal, n. 468. 41. Ver nesse sentido: STRECK. Lênio Luiz; SARLET, Ingo Wolfgang. CLÉVE, Clemerson Merlin. “Limites das resoluções do CNJ e do CNMP”. In.: O Estado de S. Paulo, 5 de dezembro de 2005,p.A-2. 42. Cf. PAES, José Eduardo Sabo, Op. cit., p. 269. 08438 miolo.indd 191 24/10/2012 18:58:24 192 Samantha Ribeiro Meyer-Pflug Ao conferir uma série de garantias à própria instituição do Ministério Público e aos seus membros, conferiu a liberdade necessária à sua atuação, apenas submetendo-o ao respeito à Constituição e às leis. No entanto, a atividade do Ministério Público encontra limites no próprio Texto Constitucional e eventuais abusos serão responsabilizados. Em síntese tem-se que a Constituição de 1988, ao dispor sobre o Ministério Público, lhe conferiu autonomia e os instrumentos e garantias necessárias para cumprir a sua missão. A atuação do Ministério Público acabou por legitimá-lo perante a sociedade representando hoje a instituição um dos grandes esteios do próprio regime democrático. REFERÊNCIAS AMADO, Verônica Lazar. A investigação criminal pelo Ministério Público. Aracaju, Gráfica texto pronto, 2002. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional.34. ed., São Paulo: Saraiva, 2008. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia possível. São Paulo: Saraiva, 1972. MAHON, Eduardo. O Ministério Público de Robespierre: uma repreensão jurídico-constitucional às pretensões investigativas do Ministério Público. Brasília: Envelopel, 2004. MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público depois da Constituição de 1988. In: MARTINS, Ives Gandra; REZEK, Francisco. Constituição Federal anotada. São Paulo: Revista dos Tribunais e Centro de Extensão Universitária, 2008. MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal anotada. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1986. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires, Curso de direito constitucional. 2. ed., São Paulo:Saraiva, 2008. MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal interpretado, 5. ed., São Paulo: Atlas, 1997, p. 37; e MAZZILI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 2.ed.,São Paulo: Saraiva, 1995. PAES, José Eduardo Sabo. O Ministério Público na construção do Estado Democrático de Direito. Brasília: Brasília Jurídica, 2003. ROTHENBURG, Walter Claudius. Comentários a Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2009. p. 1629-1642 BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura. Rio de Janeiro: SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34. ed., São Paulo: Malheiros, 2010. STRECK, Lênio Luiz; SARLET, Ingo Wolfgang; CLÉVE, Clemerson Merlin. Limites das resoluções do CNJ e do CNMP. In O Estado de S. Paulo, 5 de dezembro de 2005. TUCCI, Rogério Lauria. Ministério Público e investigação criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 08438 miolo.indd 192 24/10/2012 18:58:24