Sumário - Faculdade de Letras e Ciências Sociais (FLCS)
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Sumário - Faculdade de Letras e Ciências Sociais (FLCS)
Boletim do Departamento de Linguística e Literatura | Publicação Bianual (Abril e Outubro) | N° 17 | Outubro 2011 Palavra do Editor Caro leitor, Ao apresentarmos esta edição, começamos por apresentar as nossas sinceras desculpas aos nossos fiéis leitores pelo atraso verificado na saída deste número da folha, tal deveu-se a motivos alheios à nossa vontade. Endereçamos uma especial saudação ao Departamento de Linguística e Literatura, no geral, pela graduação dos primeiros Doutorados em Linguística localmente formados, e ao colega Prof. Dr. Eliseu Mabasso, em particular, pela recente obtenção do grau de Doutor. Parabéns e sucessos. A saudação é extensiva à Profa. Dra. Samaria Tovela que, embora não sendo do DLL, foi Graduada por este Departamento. A ela também, muitos parabéns e sucessos. A graduação destes doutorados constitui uma mais valia, não só para o DLL como também para a sociedade no geral, pois, ao ” formar profissionais capazes de conceber e realizar estudos avançados em Linguística e capazes de intervir em domínios relacionados com Linguística, (alguns dos objectivos do curso de Graduação em Linguística), o DLL presta um grande contributo para a sociedade ao disponibilizar quadros de qualidade que possam contribuir para uma maior e cada vez melhor compreensão de fenómenos sociais, e não só, envolvendo questões linguísticas. Sendo esta a última edição do ano, aproveitamos para, com bastante antecedência, desejar a todos um bom final de ano que se avizinha e que estejamos juntos em 2011 para partilhar tudo de bom que se nos reserva no futuro, quer na vida académica, quer na vida particular e, porque não, no espaço que a folha reserva aos seus leitores. Agradecemos desde já a todos os que contribuíram, com artigos, ideias e não só, para que a folha continuasse a ser uma realidade e renovamos o nosso apelo para que continuem a apoiar-nos de diferentes formas em 2011. Finalmente, convidamo-lo a deliciar-se com mais este número da folha… Pércida Langa A Folha Linguística e Literatura é o Boletim de tipo newsletter produzido pelo Departamento de Linguística e Literatura da Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, Moçambique. O objectivo da Folha é difundir a informação e pontos de vista sobre a problemática e actividades no domínio da Linguística e Literatura e outras áreas afins e promover debates intelectuais no seio de académicos e entre estes e outros profissionais. As opiniões expressas pelo editor e colaboradores são opiniões próprias e não necessariamente opiniões do Departamento. Toda a colaboração deve ser enviada ao Editor, pelo seguinte enderenço electrónico: [email protected] em formato Microsoft Word. © Copyrirght: Departamento de Linguística e Literatura, UEM. Qualquer item da presente Folha pode ser citado,reproduzido ou traduzido, desde que seja indicada a fonte. Sumário Uma Proposta Metodológica para Compilação de um Dicionário de Ideofones do Changana Por Ezra Alberto Chambal Nhampoca Pág. 3 Algumas semelhanças lexicais e fonéticofonológicas entre Elomwé e Emakhuwa Por Carlos Mucamisa Pág. 20 Para uma caracterização da Poesia Oral nas Timbila dos Vacopi e alguns aspectos do contributo Português 19402005 Por Valdemiro Jopela Pág. 28 Relação Homem e a Natureza no Conto Oral “Os Desejos da Mulher Grávida” Por Lurdes Rodrigues da Silva Pág. 38 Fonologia Segmental Língua Copi Por Nelsa Nhantumbo Pág. 40 Resumo de contribuições para a Folha Pág. 46 2 N° 17 | Outubro, 2011 FICHA-TÉCNICA Título: Propriedade/Produção: Folha de Linguística e Literatura Departamento de Linguística e Literatura, Faculdade de Letras e Ciências Sociais Universidade Eduardo Mondlane Registo: Conselho Editorial: 008/GABINFO – 1999 Editora: Pércida Langa Editora - Adjunta: Lurdes B. Vidigal Revisão: Pércida Langa Maquetização: Nelton Gemo Endereço: Departamento de Linguística e Literatura Facudade de Letras e Ciências Sociais Universidade Eduardo Mondlane Campus Universitário Principal Caixa Postal 257, Maputo, Moçambique Fax: (258-21) 490890 E-mail: [email protected] Website: [email protected] 3 Página de Especialidade Uma Proposta Metodológica para Compilação de um Dicionário de Ideofones do Changana *Resumo da II parte da tese de Mestrado em Linguística Por Ezra Alberto Chambal Nhampoca [email protected] 1. Introdução 1.1. Apresentação do tema de pesquisa Em Moçambique existem várias línguas Bantu e ultimamente tem havido estudos interessantes sobre elas. Uma dessas línguas é o Changana. É sobre esta língua que o presente trabalho se debruça. Trata-se de um estudo com o seguinte título: Uma Proposta Metodológica para Compilação de um Dicionário de Ideofones do Changana. O trabalho avança algumas propostas metodológicas para a compilação de um dicionário de ideofones do Changana e no fim apresenta uma amostra do futuro pequeno dicionário de ideofones do Changana (DICH). Moçambique, com 11٪ de falantes, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE) (2000). 1. 3. Objectivos O estudo tem como objectivos os seguintes: 1. Apresentar uma proposta metodológica para a compilação de um dicionário de ideofones do Changana, mostrando qual é a possibilidade de se esgotarem as nuances de um ideofone num dicionário bilingue. 2. Apresentar, no fim, uma amostra do futuro dicionário de ideofones do Changana. 1.2. O Changana em Moçambique O Changana (S53) é uma língua Bantu. De acordo com Sitoe (1996) “O Changana pertence ao grupo Tswa-Ronga (S.50, na classificação de Guthrie: 1967-71). Doke (1967) designa este grupo pelo termo Tsonga. Fazem ainda parte deste grupo as línguas Tswa (S.51) e Ronga (S.54) ”. De acordo com Sitoe e Ngunga (2000), com base no Censo Populacional de 1997, o Changana “é falado por cerca de 1.423.327 habitantes em Moçambique” e apresenta, as seguintes variantes: 1) Xihlanganu, esta variante é falada a sudoeste de Moçambique, nos Montes Libombos, abrangendo parte dos distritos de Namaacha, Moamba e Magude. 2) Xidzonga ou Xitsonga que é falada nos distrito de Magude, Bilene e parte de Massingir. 3) Xin’walungu, variante falada no distrito de Massingir. 4) Xibila, falada no distrito de Limpopo e parte do distrito de Chibuto. 5) Xihlengwe que é falada nos distritos de Xai-Xai, Manjacaze, Chibuto, Guijá, Chicualacuala, Panda, Morrumbene, Massinga, Vilanculo e Govuro. De salientar que, segundo Sitoe (1996), devido a grandes e frequentes movimentações das populações, torna-se cada vez mais difícil a localização precisa destas variantes. Para este trabalho tomamos como referência a variante Xidzonga, uma vez que os dados foram recolhidos num local onde esta variante prevalece. O Changana é a 2ª língua Bantu usada com mais frequência em 1.4. Motivação e relevância A nossa motivação surge, primeiro, da vontade de aprofundar os nossos conhecimentos na área da Lexicologia/Lexicografia, uma vez que temos vindo a trabalhar nesta área. A prática diária, no exercício da leccionação, mostra que a existência de mais materiais de referência nas áreas de Lexicologia e Lexicografia das línguas Bantu, facilitaria, de um modo geral, o nosso trabalho e a consulta para os estudantes e outros que se interessam e trabalham com estas línguas. Segundo, pelo facto de já termos notado que existem poucos dicionários de língua Changana, embora tenhamos alguns feitos por missionários (com problemas de ortografia e não só) e o dicionário Changana – Português da autoria de Sitoe (1996). Terceiro, pelo facto de termos beneficiado de uma bolsa para um estágio em Lexicografia da língua Changana e termos, nesse âmbito, trabalhado com um programa de confecção de dicionários, Tshwanelex, o que nos incita na actividade de produção de dicionários. 1.5. Contribuição Esperamos que o estudo contribua para o enriquecimento dos estudos linguísticos, em geral, e, em particular, para as línguas Bantu, sobretudo o Changana, pois apesar de se ter aprovado um programa de revalorização das línguas Bantu moçambica- 4 N° 17 | Outubro, 2011 Página de Especialidade nas e de nos últimos tempos aparecerem mais materiais escritos, as línguas Bantu ainda carecem de estudos e registos. Pensamos também que um trabalho sobre propostas metodológicas de compilação de um dicionário seria uma mais-valia para os que têm trabalhado na área da Lexicografia e por último, pensamos que o trabalho traz uma grande contribuição para a Lexicografia da língua Changana, uma vez que se debruça sobre metodologia para a compilação de um dicionário de ideofones, se considerarmos que, caso tal projecto se concretize, esse dicionário será pioneiro nessa língua. 1.6. Problema Os ideofones têm vindo a ser objecto de muitos estudos por parte de vários estudiosos, podemos citar exemplos de estudiosos como Doke (1935); Marivate (1981); Nkanbide (1985); Sitoe (1996); Kimenyi [s.d]; Ngunga (2000 e 2004); Langa ( 2004); Beck (2005); Matambirofa (2009); Nhampoca (2009) etc.. Contudo, notamos que dentre vários estudos, não existem os que abordam com profundidade a questão do significado dos ideofones ao nível de um dicionário bilingue, ou seja, alistar os ideofones da língua Changana e apresentar em Português e de uma forma sistemática, o(s) seu(s) significado(s) múltiplos, esgotando todas as suas nuances, segundo as normas lexicográficas de compilação de um dicionário, com a excepção de Sitoe (1996) que apresenta, no seu dicionário (mas geral), ideofones da língua Changana. E, tendo em conta que, semanticamente, “os ideofones estão ligados a campos específicos e diversos, tais como acções, sons, cores cheiros, posturas, atitudes, gestos, etc.” Sitoe (1996:345), ocorre-nos a seguinte questão como problema de investigação: Será possível esgotar as nuances de um ideofone num dicionário bilingue? 1.7. Hipóteses Partindo dos temas que nos propusemos a estudar e decorrente do problema de investigação apresentado, ocorrem-nos as seguintes hipóteses: 1. É possível esgotar as nuances de um ideofone num dicionário bilingue. 2. Por causa das diferenças culturais entre as duas línguas, nem sempre será possível esgotar as nuances dos ideofones. ofones nas línguas Bantu. No ponto que se segue discutimos as posições desses autores. De salientar que ao longo de todo o trabalho apresentamos apenas os tons baixos dos ideofones, subentendo-se que onde não teremos os tons baixos estaremos na presença de tons altos. Segundo Ngunga (2004:195), “o termo ideofone foi introduzido pela primeira vez por Doke (1968) no seu estudo sobre a língua Shona”. Este autor, refere ainda que “Os ideofones são definidos como a associação entre um determinado som, cor, estado, dor, intensidade, etc., a consequente reacção ou construção psíquica dos mesmos na cabeça do indivíduo ”. Por sua vez, Sitoe (1996: 345) defende que “Semanticamente, os ideofones estão ligados a campos específicos e diversos, tais como acções, sons, cores cheiros, posturas, atitudes, gestos, etc.” Este estudioso defende ainda que os ideofones se caracterizam pelo seu alto grau de especificidade. Ngunga (2004:195) parece-nos comungar da mesma posição, pois sustenta que “os ideofones são definidos como a associação entre um determinado som, cor, estado, dor, intensidade, etc. e a consequente reacção ou construção psíquica dos mesmos na cabeça do indivíduo”. Embora haja diferenças de abordagens, na definição do ideofone, pensamos que todas as posições aqui apresentadas se assemelham e defendem que um ideofone é “o fenómeno através do qual alguns sons da linguagem humana podem, do ponto de vista semântico combinar a figura mental com os sons da fala. (Langa, 2004:59), citando Baumbach (1988) e Sitoe (1996). Sendo assim, concordamos com todas, contudo, para o quadro teórico do nosso trabalho, baser-nos-emos, principalamente, nas perspectivas de Langa (2004), Ngunga (2004) e Sitoe (1996). 2.2. Lexicografia Lexicografia é a técnica de redacção e feitura de dicionários. (Wikipédia). Já Doke (1935) Considera que Lexicografia é o estudo do vocabulário de uma língua, de acordo com a sua forma e significado e é também o processo ou o ofício de compilação de dicionários. Hartmann (1995), citado por Sitoe (1991), defende que a lexicografia apresenta uma vertente teórica e outra prática. A Lexicografia como teoria consiste em efectuar pesquisas sobre história, análise crítica, tipologia, estrutura, uso ou finalidade de dicionários. E a Lexicografia como prática diz respeito ao processo de produção de dicionários. 2. Revisão Bibliográfica 2.1. Sobre ideofones 2.2.1. O Dicionário Muitos estudiosos têm mostrado interesse em estudar os ide- Segundo o Dicionário Universal da Língua Portuguesa 5 Página de Especialidade (2001), dicionário é um “conjunto de vocábulos de uma língua ou dos termos próprios de uma ciência ou arte, disposto por ordem alfabética e com a respectiva significação ou a sua versão noutra língua”. Também se pode considerar o dicionário como um livro contendo palavras de uma língua, dispostas em ordem alfabética, com os seus respectivos significados. Doke (1935), Hartmann e James (1998) definem dicionário como um tipo de obra de referência que contém os vocábulos de uma língua com os seus respectivos significados. Wikipédia (pt.wikipedia.org/ wiki/Dicionario) a enciclopédia livre, define dicionário como sendo uma compilação de palavras ou dos termos próprios, ou ainda de vocábulos de uma língua, quase sempre dispostos por ordem alfabética. Por sua vez, o site Sua Pesquisa, defende que “dicionário é um livro que possui a explicação dos significados das palavras. As palavras são apresentadas em ordem alfabética”. Verificámos que dentre as definições aqui apresentadas, a do Dicionário Universal da Língua Portuguesa (2001) e a da Wikipédia são mais abrangentes, uma vez que incluem o aspecto dicionário de especialidade, por essa razão, na nossa análise, para a definição de dicionários consideramos estas duas perspectivas. Os dicionários podem ser monolingues (quando se debruçam sobre uma língua apenas), bilingues (aqueles que envolvem duas línguas, cf. 3.2.2) trilingues (quando envolvem três línguas) ou multilingues (quando envolvem mais de três línguas). 2.2.2. Dicionário bilingue e seus objectivos “Um dicionário bilingue consiste numa lista de palavras ou expressões numa língua (língua fonte) para as quais, numa situação ideal, são fornecidos equivalentes exactos numa outra língua (língua alvo) ” Sitoe (1991). Segundo o mesmo autor, um dicionário bilingue tem como principal objectivo ajudar os falantes que entendem uma língua (língua primeira) e não entendem a outra (língua segunda). Importa também, referir que existem várias categorias de dicionários e uma dessas categorias é o dicionário temático. O DICH será temático. A este respeito os sites (http://www.portrasdasletras.com.br) e (http:// pt.wikipedia.org/wiki/Dicion) avançam que um dicionário temático é aquele que organiza ou reúne vocabulário específico, de determinada ciência, arte ou actividade técnica. 2.2.3. Sobre caracterização de dicionários Quanto à caracterização de dicionários, Househoulder e Saporta (1967) postulam que os dicionários podem ser caracterizados segundo a sua Extensão, Perspectiva e Apresentação. A mesma posição é defendida por Sitoe (1991), citando Malkiel (1967), ao apresentar as mesmas categorias para a caracterização de dicionários. 2. 2. 4. Problemas de tradução da língua fonte (LF) para a língua alvo (LA) Para Langa (1991), os factores de dificuldade na tradução não são apenas de carácter linguístico, mas haverá, também uma importante intervenção de factores extra-linguísticos. E nós pensamos que um desses aspectos é o anisomorfismo das línguas, como por exemplo a diferenças existentes na organização das línguas naturais, dentre as várias diferenças temos como exemplo, neste trabalho, o facto de a LA, não possuir a categoria ideofone. Ora, “ sendo a língua um elemento chave no relacionamento entre homens, onde não há um meio comum que permita a comunicação, a tradução deverá intervir, como instrumento de mediação interlinguística, na transmissão e troca de informações”. (Langa, 1991:08). É pois, a este processo que recorreremos no DICH para transmitir informações sobre ideofones da LF para LA. E para tal é necessário apresentar os diferentes tipos de tradução e eleger a mais adequada ao nosso tipo de dicionário. Tipos de tradução De acordo com Langa (1991) existe a tradução literal, esta, muitas vezes, resulta na incompreensibilidade do texto, pelo facto de incidir na forma, deixando de ter em consideração aspectos de diferenças de organização entre a LF e LA, pois o seu objectivo é fornecer o equivalente de cada palavra. Existe também a tradução literal adaptada, que é aquela em que o tradutor deve recorrer a adaptações e nela o texto traduzido conservará tanto quanto possível a forma da LF, privilegiando a intenção do autor e o significado. E por fim temos a tradução baseada no significado, esta é considerada a tradução mais comunicativa e adequada e “consiste em transferir toda a mensagem para língua alvo de modo que a tradução esteja num estilo tão natural quanto possível, adequado às estruturas gramaticais da LA” Wiesemann, citado por Langa (1991). Esta tradução permite, sempre que necessário, fazer-se um arranjo às frases, palavras ou explicações para transmitir o significado da LF para a LA. Tendo em conta a natureza e os objectivos do DICH, é ao último tipo de tradução que recorreremos, pois, os dois primeiros tipos além de serem pouco comunicativos, não nos permitiriam fornecer os significados dos ideofones do Changana para o Português porque esta língua nem sequer possui ideofones. Portanto, uma vez que a tradução baseada no significado permite fazer-se um arranjo às frases, palavras ou explicações para transmitir o significado da LF para a LA, temos mais pos- 6 N° 17 | Outubro, 2011 Página de Especialidade sibilidade de fornecer o significado dos ideofones na LA. Mas, apesar de recorrermos à tradução baseada no significado, estamos cientes das dificuldades existentes na tradução da LF para a LA, pelas razões já descritas. Basta imaginar que mesmo se se tratasse de um dicionário de uma categoria de palavras existente nas duas línguas, ainda assim teríamos dificuldades, pois o funcionamento dessa categoria seria naturalmente diferente nas duas línguas. Tratando-se de um dicionário de ideofones, haverá mais dificuldades, por essa razão, basear-nos-emos na utilização de explicações para fornecer os significados dos ideofones. (cf. 6. 5. 2). 3. Enquadramento teórico Neste capítulo apresentamos os conceitos básicos com os quais iremos trabalhar na análise de dados. 3.1. A Lexicografia Começando pelo conceito de Lexicografia: Como vimos em (2.2), Lexicografia é a técnica de redacção e feitura de dicionários. Doke (1935) considera que Lexicografia é o estudo do vocabulário de uma língua, de acordo com a sua forma e significado. Lexicografia é também o processo ou o ofício de compilação de dicionários. Hartmann e James (1998) avançam que Lexicografia é a actividade profissional e académica que opera com dicionários, havendo duas áreas básicas: a Lexicografia como prática e a Lexicografia como teoria. Na nossa análise enveredaremos pelas perspectivas de Doke (1935) e Hartmann e James (1998), pois achamo-las completas, uma vez que abarcam a Lexicografia como prática e como teoria. 3. 2. Dicionário bilingue Um dicionário bilingue consiste numa lista de palavras ou expressões numa língua (língua fonte) para as quais, numa situação ideal, são fornecidos equivalentes exactos numa outra língua (língua alvo) Sitoe (1991). Zgusta (1971) refere que o propósito básico de um dicionário bilingue é coordenar as unidades lexicais de uma língua com as de uma outra e que essas unidades lexicais devem ter um significado equivalente. Este autor usa também, a ideia de língua fonte (aquela em que são extraídas as unidades lexicais) e língua alvo (onde são fornecidos os equivalentes das unidades lexicais da língua fonte. A ordem das entradas num dicionário bilingue é dada pela língua fonte. É na esteira de Sitoe (1991) e Zgusta (1971), que concebemos o conceito de dicionário bilingue. 3. 3. Equivalência Zgusta (1971) aborda de uma forma profunda a questão da elaboração/compilação de dicionários bilingues e apresenta as dificuldades que existem neste domínio. Dentre várias, ele defende que a dificuldade fundamental no fornecimento de equivalentes num dicionário é causada pelo anisomorfismo das línguas, como por exemplo a diferenças existentes na organização das línguas naturais. Isto acontece porque, de acordo com Sitoe (2010), traduzir é pôr uma língua em confronto com outra, o lexicógrafo, no seu trabalho, irá servir-se do sistema conceptual designado por língua em articulação com o sistema conceptual que podemos designar por cultura, o que implica que o lexicógrafo precisa de associar a maneira de falar de grupos específicos aos respectivos factores culturais para chegar ao significado pleno das mensagens veiculadas. Concordamos com a posição destes autores. Basta considerar que o nosso trabalho envolve duas línguas culturalmente distantes e que os ideofones pertencem a uma categoria que o Português não possui. Isto lembra-nos que se deve ter em mente que quando a distância linguística e a cultural entre a LF e a LA é pequena, o lexicógrafo irá encontrar poucos problemas mas se as distâncias são maiores, sobretudo a cultural, mais dificuldades irá enfrentar. Sitoe (2010). Pensamos, pois, que a dificuldade de tradução dos ideofones não reside apenas na categoria gramatical, pois na tradução os equivalentes nem sempre têm que coincidir na categoria gramatical por exemplo, verbos na L1 podem ser traduzidos por nomes na L2 e vice- versa. O ponto do anisomorfismo mais pertinente no nosso trabalho tem mais a ver com componentes sociais e culturais da “semântica” do material a traduzir. A dificuldade de tradução será no traço “vivacidade” que os ideofones emprestam ao discurso. Por isso pensamos que para além de fornecer explicações dos ideofones em Português, iremos apresentar mecanismos de como traduzir ideofones, ou seja, como fazer com que um falante que não é de Changana perceba o que em Changana é expresso por ideofones a partir de exemplos e, às vezes recorrendo a estratégias como por exemplo o uso de glosas, para a inserção de comentários que reforcem a compreensão dos ideofones. Vejamos, como exemplo, o seguinte verbete: 1. -khèhlè (<-khehleka/za) id. de quebrar (por exemplo a cabeça de alguém, com um instrumento contundente): Afike akumu khèhlè nhloko hi bewula, Chegou e, pumba, deu-lhe com o machado na cabeça! Neste exemplo usamos o hífen, em vez do prefixo ku-, pois 7 Página de Especialidade é assim como aparecerão as entradas no DICH. Este exemplo mostra que na impossibilidade de traduzir o ideofone -khèhlè para o Português podemos introduzir a interjeição pumba para facilitar a compreensão daquele. 3.4. Apresentação, Extensão e Perspectiva Vários estudiosos de Lexicografia defendem que os dicionários podem ser caracterizados segundo a sua Extensão, Perspectiva e Apresentação, posição com a qual concordamos. A seguir, apresentamos aspectos relacionados com estas categorias de caracterização de dicionários. 3.4.1. Apresentação Esta categoria refere-se à concretização (em forma de dicionário) dos objectivos e princípios pré-estabelecidos pelo(s) compilador(es) do dicionário, Sitoe (1991). va refere-se à forma como o compilador/lexicógrafo perspectiva o seu trabalho e no tipo de abordagem que irá adoptar; se a abordagem é diacrónica ou sincrónica e por fim, se o dicionário será organizado por ordem alfabética, por som, por temas, ou outras formas. Sitoe (1996) defende a mesma posição, ao avançar que: A perspectiva baseia-se no modo como o compilador encara o trabalho e no tipo de abordagem adoptada: se o trabalho é diacrónico (cobrindo um vasto período) ou se é sincrónico (confinando-se a um determinado período); se o material no dicionário será organizado pela ordem alfabética; por temas; por som (como nos dicionários de rimas); por conceitos, ou ainda segundo outros meios e critérios Na revisão bibliográfica efectuada, verificámos que as posições de Househoulder e Saporta (1967) e Sitoe (1996) são semelhantes e nós concordamos com elas, daí que na nossa análise, enveredamos pelas perspectivas destes autores. 3.4.2. Extensão Segundo Sitoe (1991), a extensão tem a ver com o tamanho e o âmbito do dicionário: procura saber quantos verbetes o dicionário apresenta; qual é o grau de cobertura do léxico analisado; quantas línguas foram envolvidas; e o grau de concentração de informação nos verbetes. Já Househoulder e Saporta (1967) defendem que a categoria Extensão refere-se aos seguintes aspectos: a) densidade/volume/número de entradas, b) número de línguas envolvidas e c) o grau de concentração de informação nos dados lexicais. Tratando-se da extensão de um dicionário, temos a obrigação de nos referirmos aos elementos chave que constituem esta categoria. É o caso de verbetes e vedetas ou entradas. Verbete e Vedeta Verbete é toda a informação que se tem sobre a unidade lexical descrita, (vedeta ou entrada), incluindo a própria unidade lexical. Um verbete, de uma forma geral, apresenta os seguintes componentes: entrada ou vedeta, origem, informação gramatical, glosas ou rótulos, equivalentes e/ou definições, material ilustrativo, sub-entradas, remissões e referências, Sitoe (1991). A vedeta ou entrada é que encabeça o verbete. As vedetas são as unidades lexicais ou gramaticais que constituem as entradas do dicionário e são apresentadas, geralmente em bold e registadas em ordem alfabética. 3.4.3. Perspectiva De acordo com Househoulder e Saporta (1967), a perspecti- 4. O Dicionário de Ideofones do Changana (DICH) O dicionário de Ideofones do Changana será um dicionário bilingue, onde iremos alistar os ideofones na língua Changana e apresentar as suas explicações em Português. Neste capítulo abordamos questões relacionadas com os objectivos e o destinatário do DICH. 4. 1. Objectivos do DICH O tratamento dos verbetes, em qualquer dicionário é decidido pelo compilador, tendo em conta o grupo alvo por ele seleccionado Sitoe (1991), facto que faz com que a questão dos objectivos de um dicionário esteja estritamente ligada à do destinatário do mesmo. O dicionário de que pretendemos avançar dados para a sua compilação tem os seguintes objectivos: 1. Fornecer aos falantes do Changana meios para que se exprimam na sua língua usando ideofones; 2. Fornecer aos falantes do Changana meios para que se exprimam em Português, através de enunciados que na sua língua envolveriam ideofones; 3. Fornecer aos falantes de Português meios para “compreenderem” o que em Changana é expresso por ideofones. 4. 2. Destinatário do DICH Os destinatários do Dicionário de Ideofones do Changana são: 1. Os falantes da língua Changana que queiram perceber melhor o funcionamento dos ideofones na sua língua; 8 N° 17 | Outubro, 2011 Página de Especialidade 2. Os falantes do Português que queiram perceber melhor o funcionamento dos ideofones no Changana; 3. Os estudiosos de línguas Bantu (falantes de qualquer língua natural), em geral e em particular os estudiosos de língua Changana. 4.3. Sua extensão Considerando que a extensão tem a ver com o tamanho e o âmbito do dicionário, onde se procura saber quantos verbetes o dicionário apresenta; qual é o grau de cobertura do léxico analisado; quantas línguas foram envolvidas; e o grau de concentração de informação nos verbetes, podemos afirmar que se pretende que o DICH tenha cerca de mil verbetes (será um pequeno dicionário). E neste trabalho, na amostra em anexo, apresentamos cerca de noventa (90) verbetes. Quanto ao grau de cobertura do léxico, concentramo-nos nos ideofones. O dicionário envolve duas línguas, Changana, (LF) e Português, (LA), portanto, é bilingue. E tentamos, na medida do possível, apresentar todas as nuances de cada ideofone, tendo em conta os dados recolhidos, isto corresponde ao grau de concentração de informação nos verbetes. 4.4. Sua perspectiva Tendo em conta que a perspectiva baseia-se no modo como o compilador encara o trabalho e no tipo de abordagem adoptada, podemos afirmar que no DICH, para comodidade de apresentação e para não sobrecarregar a secção da letra k, vamos representar o prefixo ku- por um hífen e assim os ideofones serão alfabeticamente ordenados pela primeira sílaba do seu radical. Os usuários do dicionário serão os falantes da língua Changana que queiram perceber melhor o funcionamento dos ideofones na sua língua; os falantes do Português que trabalhem com a língua Changana; e queiram perceber o funcionamento dos ideofones no Changana; os estudiosos de línguas Bantu (falantes de qualquer língua natural), em geral, e em particular os estudiosos de língua Changana. No final do nosso trabalho apresentamos uma amostra do DICH, onde exploramos os múltiplos significados de cada ideofone, caso os tenha, tendo em conta o estabelecido na sua extensão e perspectiva. Para o efeito, seleccionamos aqueles que achamos que a sua tradução da língua Changana para a Portuguesa constitui um desafio, tendo em consideração as dificuldades que o processo de tradução de uma língua para outra impõe; por exemplo, como transmitir a ‘sensação’ de “Andzhava wuyo ntli, hi mimange”? Diríamos, por exemplo, que o cesto está demasiadamente cheio de mangas, mas um bom falante de Changana, sentiria que há nesta tradução algo em falta, que a ideia que se tem na frase em Changana não é completamente esgotada na LA. 5. Metodologias 5.1. Metodologia de recolha de dados 5.1.1. Pesquisa bibliográfica Para a recolha de dados efectuamos uma pesquisa bibliográfica, em que tivemos como obra-base o Dicionário Changana – Português, da autoria de Sitoe (1996), donde retiramos todos os ideofones que o dicionário contém. Mas também recorremos a este tipo de pesquisa na fase da revisão bibliográfica e do enquadramento teórico. 5.1.2. Recolha de contos e histórias de vida Recolhemos contos changanas junto de falantes de Changana (na província de Gaza, no distrito de Chókwè, localidade de Lionde e Chókwè cidade), para extrairmos desses contos, ideofones, uma vez que já notámos que estes textos, na tradição changana, são ricos em ideofones. Fizemos também a recolha de histórias de vida junto de falantes de Changana, no mesmo espaço geográfico donde extraimos dados (ideofones) para a nossa análise. E verificámos que as histórias de vida, também, na tradição changana são ricas em ideofones. Há que frisar que para efectuar a recolha de contos e histórias de vida, com a ajuda dos informantes, criamos pequenos grupos, em que os falantes nativos do Changana apresentaram contos e histórias de vida e registámo-los num gravador digital para sua posterior transcrição. Para o caso dos contos, não discriminamos os informantes em termos etários, portanto, todo o falante de Changana, desde que fosse nativo e presente no momento da recolha, poderia apresentar o seu conto. Quanto às histórias de vida seleccionamos informantes com idade igual ou superior a 30 anos, por acreditar que possuem uma experiência sólida sobre a língua. Tivemos 9 informantes, dos quais quatro (4) homens e cinco (5) mulheres. 5.2. Metodologia de análise de dados Depois de apresentar a teoria em volta da produção de dicionários, partimos para a análise de dados, com o objectivo de apresentar uma proposta para a compilação de um dicionário, neste caso concreto, de ideofones em Changana. A metodologia usada foi de acordo com os objectivos do dicionário que se pretende compilar e seguimos um modelo adaptado a partir do de Sitoe (1991), com os seguintes passos: 1- alistamento 9 Página de Especialidade das unidades lexicais; 2- identificação dos vários significados dos ideofones; 3- verificação dos sentidos das unidades lexicais alistadas; 4- selecção, discriminação e hierarquização dos sentidos; 5 – organização dos verbetes. Aqui importa realçar que para o passo (2) recorremos à análise componencial que nos auxiliou na análise semântica dos ideofones recolhidos e isso ajudou-nos a chegar aos passos subsequentes. -n´qwà -phàphàphàphà -tòtòlatòla -vìluvìluvìlu -zw 6. Uma proposta metodológica para compilação de um dicionário de ideofones do Changana 6.2. Identificação e descrição dos significados dos ideofones Na fase da análise de dados apresentamos alguns passos metodológicos para a compilação de um dicionário de ideofones do Changana, com base nos aspectos já mencionados em (5.2). Neste ponto, a partir das unidades lexicais alistadas no ponto (6.1), procede-se à identificação do (s) significados dos ideofones ainda na língua Changana, recorrendo aos diferentes contextos em que foram usados pelos falantes e onde for necessário com a ajuda da análise componencial, pois entendemos que sem conhecer melhor os significados dos ideofones na LF não podemos descrevê-los com rigor na LA. 6.1. Alistamento das unidades lexicais Este passo metodológico diz respeito à inventariação computorizada de todas as unidades lexicais e gramaticais contidas no corpus, Sitoe (1991). São estas unidades que, no dicionário, irão encabeçar os verbetes; são as vedetas ou entradas. Neste ponto do nosso trabalho, alistamos vinte (20) ideofones, apenas para ilustrar como se procede na fase de alistamento de unidades lexicais, pois no fim do trabalho (Anexo 1) apresentamos uma amostra mais extensa. -bòhlò -bùtà -bva -chàchàchà -cìnaa -cwii -fà-fà-fà -foo -gedègedè -gwì -làlàlàlà -mbii -mpsì -ngeyè -ngòyò Feita a identificação dos significados dos ideofones avançase para a sua descrição. Se se tratasse de um dicionário bilingue geral, iríamos proceder à apresentação das vedetas, na LF e dos seus equivalentes, na LA. Mas sendo um dicionário de ideofones e considerando que os ideofones pertencem a uma categoria que o Português (LA) não possui, não será possível fornecer equivalentes imediatos dos ideofones dados em Changana, excepto em casos de alguns ideofones onomatopaicos, razão que nos fez recorrer ao mecanismo de explicações para fornecer os significados dos ideofones e ao uso de comentários nas glosas ou no material ilustrativo. E, com efeito, explicaremos assim o significado dos ideofones: 2. -chàchàchà id. de do ferver de coisas pouco espessas: muphungu wa n’wana wuri chàchàchà a papa da criança está a ferver [com a agitação e ruídos próprios de papas a fervem ao lume]. -ma id. de apertar : bawude riyo ma o parafuso está bem apertado; de ficar bem (a roupa): nkhancu wuyomu ma o vestido ficou-lhe a matar [como a uma modelo esbelta]. -tapsà id. de estar/ser flácido: pinewu la movha liyo tapsa o pneu do carro está flácido [como por exemplo a roda do carro com a câmara de ar arrebentada ou com pouco ar dentro câmara ou com pouco ar dentro]. A forma id. de é uma forma convencional de apresentar os significados dos ideofones cf. Nkabinde (1985), Sitoe (1991 e 1996), Ngunga (2004), Miti (2006), Matambirofa (2009), Nhampoca (2009), entre outros. E traduz-se em ideofone de... 10 N° 17 | Outubro, 2011 Página de Especialidade ou ideofone com o significado de.... mas também recorreremos a algumas expressões que irão auxiliar a transmitir um significado o mais próximo possível do dos ideofones na LA, não apenas o significado lexical, “linguístico”, mas também e sobretudo o significado “sensorial”, dinâmico dos ideofones. Para isso as glosas e os comentários desempenham um papel crucial. No exercício de identificação dos significados dos ideofones em Changana verificamos que são muitas as vezes que constatamos que apresentam vários significados. Portanto, neste processo ocorre a polissemia, como podemos ver nos exemplos que se seguem: 3. -baà – este ideofone significa ser branco (a cor), mas não só, significa também ser/estar limpo; ser/estar claro, evidente, visível; estar vazio, portanto, o ideofone kubaà é polissémico, pois apresenta vários significados. Mas também ocorre a homonímia: 4. -mpfi - este ideofone significa pegar de surpresa, mas significa também estar demasiado cheio (um local, um recipiente, etc.). Os exemplos apresentados (3 e 4) mostram que a polissemia e a homonímia ocorrem no processo de identificação dos significados dos ideofones na LF. Para a identificação dos significados dos ideofones, onde ocorrem esses dois factores, é importante considerar o contexto em que o ideofone ocorre e ter também, um bom conhecimento da língua. 6.3. Verificação dos sentidos das unidades lexicais alistadas Depois de se alistarem as unidades lexicais e as suas respectivas explicações ou significados chega-se à fase da verificação. Esta seguirá os seguintes passos, adaptados de Sitoe (1991): a) Confrontação com dicionários anteriores Para o DICH temos como base de confrontação o dicionário Changana – Português, de (Sitoe:1996). Mas os contextos em que aparecem os ideofones recolhidos junto dos informantes foram também de grande validade. b) Verificação dos sentidos junto dos falantes nativos Esta verificação permite que o compilador de um dicionário consiga recolher o maior número possível dos sentidos de cada unidade lexical, como sustenta Sitoe (1991), ao afirmar que a verificação dos sentidos junto aos falantes tem por fim assegurar a cobertura de todos os sentidos importantes de cada unidade lexical. E para o caso do DICH, a verificação dos sentidos junto dos falantes nativos ajudar-nos-á a incluir o maior número possível dos sentidos dos ideofones que porventura possam ainda ter sido omitidos nos passos anteriores. Para o nosso DICH a verificação será feita junto de falantes nativos da língua Changana, mas iremos também nos beneficiar da introspecção, uma vez que somos falantes nativos da língua. 6.4. Selecção discriminação e hierarquização dos sentidos Este passo tem por finalidade estabelecer o número mínimo de sentidos de uma unidade lexical polissémica. (Sitoe:1991). Estes sentidos devem ser reconhecidos como relevantes e distintos. Para tal, o compilador deve hierarquizá-los e sequenciálos. Há vários critérios para a hierarquização dos sentidos num dicionário, atendendo ao tipo e aos objectivos de cada dicionário. Dos vários critérios destacamos os seguintes: O critério histórico em que os sentidos são sequenciados em ordem cronológica do seu surgimento. O critério estatístico que considera o grau de frequência, na hierarquização dos sentidos. Para o DICH não recorreremos exclusivamente à um destes critérios, tendo em conta o que Sitoe (1991), afirma, nos seguintes termos: Não há um único sistema lógico ou epistemológico ao mesmo tempo eficaz e suficientemente detalhado para ser usado de modo inequívoco e exclusivo. Por vezes será também a experiência, o meio cultural e a intuição do compilador que dará o cunho pessoal ao tratamento das entradas Tendo como base a citação acima, para a hierarquização dos sentidos no DICH, recorreremos aos critérios estatístico e/ou histórico ou ainda à nossa intuição e introspecção. E ainda usaremos alguns símbolos que nos auxiliarão na discriminação e hierarquização de sentidos (cf. 6.4.1). Passamos a apresentar alguns exemplos que demonstram como é que uma mesma entrada pode ser apresentada de formas diferentes, em dois dicionários diferentes, dependendo dos objectivos do seu compilador, no que respeita à hierarquização dos sentidos. Trata-se do ideofone -mpfi. Vejamos qual é o tratamento que se dá a este ideofone em Sitoe (1996) e no DICH: 11 Página de Especialidade 5. mais geral ao mais rebuscado e/ou especializado. No Dicionário Changana – Português Sitoe (1996) No DICH, usar-se-ão os seguintes símbolos: a vírgula (,), o ponto e vírgula (;), os dois pontos (:) e números (algarismos árabes). -mpfi – id de estar completamente cheio. No DICH -mpfi¹ id. de estar demasiadamente cheio (como num comício bastante concorrido): xikolweni kuyo mpfi hi vajondzi na escola está completamente cheio de alunos. -mpfi² id. de pegar de surpresa (como p. e. a um fugitivo que é apanhado despercebido): maphoyisa matemu mpfi os polícias pegaram-no de surpresa. Um outro exemplo: Vírgula (,) De acordo com a programação do Tshwanelex, a vírgula separa sinónimos. Ou seja, de acordo com Sitoe (1991), “palavras com identidade comum de significado e que se podem substituir umas pelas outras como equivalentes aceitáveis para a entrada ou vedeta, embora por vezes possa haver contextos em que uma delas seja mais preferível que as outras”: 6. 7. No Dicionário Changana – Português (Sitoe:1996) -bàhasàà id. de estarem dispersos, de estarem espalhados... baà- 1. de ser branco. 2. de ser claramente visível, evidente. Mhàka yiyòbaà! O caso é bem evidente. 3. de estar completamente vazio. Svìtolo svitèbaà! As lojas estão completamente vazias. [cf. -bàsà]. No DICH -baa id.de (<-basa) de ser bem branco, branco branquinho (branco como a neve): Nixave buluza ya kubasa yiku baa comprei uma blusa bem branca, comprei uma blusa branca branquinha; de ser bem evidente (o assunto ou o problema): mhaka yiyo baà o caso é bem evidente; de estar bem claro (como em uma noite de luar): handle -bèbu (<-bebula) id. de erguer (uma criança), de carregar (uma criança)... Nos exemplos acima, extraídos de dois verbetes, mostramos como é que a vírgula é usada para separar sinónimos na explicação dos significados dos ideofones em causa, onde temos, para o caso do ideofone bàhasàà, o primeiro significado: de estarem dispersos e o segundo: de estarem espalhados. Ponto e vírgula (;) O ponto e vírgula será usado para discriminar sentidos distintos de uma mesma entrada (polissemia): 8. -baa (<-basa) id.de ser bem branco, branco branquinho (branco como a neve): kuyo baà lá fora está bem claro; de estar completamente vazio: svitolo kuyo baà as Nixave buluza ya kubasa yiku baa comprei uma blusa bem branca, comprei uma lojas estão às moscas; de ser/estar bem limpo ou limpinho ( como a roupa blusa branca branquinha; de ser bem evidente (o assunto ou o problema): mhaka yiyo perfeitamente lavada): mpahla ya mina yiyo baà a minha roupa está bem limpa ou a baà o caso é bem evidente; de estar bem claro (como em uma noite de luar): handle minha roupa está bem limpinha. 6.4.1 Símbolos usados para discriminação de sentidos A demonstração das várias vertentes relacionadas com a hierarquização dos sentidos dos ideofones, é feita através de alguns símbolos, que o próprio programa (Tshwanelex) que usamos para a elaboração do dicionário de ideofones já tem programados. Na apresentação dos sentidos partiremos do kuyo baà lá fora está bem claro; de estar completamente vazio: svitolo kuyo baà as lojas estão às moscas; de ser/estar bem limpo ou limpinho ( como a roupa perfeitamente lavada): mpahla ya mina yiyo baà a minha roupa está bem limpa ou a minha roupa está bem limpinha. 12 N° 17 | Outubro, 2011 Página de Especialidade Algarismos arábes Os Algarismos arábes serão usados para discriminar ideofones homónimos: 9. -mpfi¹ id de estar demasiadamente cheio (como num comício bastante concorrido): xikolweni kuyo mpfi hi vajondzi na escola está completamente cheio de alunos. -mpfi² id. de pegar de surpresa (como p. e. a um fugitivo que é apanhado despercebido): maphoyisa matemu mpfi os polícias pegaram-no de surpresa. 1) Entrada ou Vedeta; 2) Derivação 3) Equivalentes e/ou Explicações; 3) Glosas; 4) Material ilustrativo; 5) comentários; 6) Remissões e 7) Referências. 6.5.1. Entradas ou Vedetas São os ideofones que constituem as entradas e são apresentados em bold e estarão registados em ordem alfabética. Para os casos em que temos dígrafos e trígrafos, bem como diacríticos, seguiremos a ordem alfabética da primeira letra que compõe cada um deles, apesar de se reconhecer, de acordo com Sitoe (1991), que constituem um único fonema. Vejamos os exemplos que se seguem: 11. Dois pontos (:) Os dois pontos introduzem frases ou sintagmas ilustrativos, ou seja, sempre que se pretender dar um exemplo de ocorrência da unidade lexical que é vedeta, aparecerá, depois desta, o símbolo dois pontos (:). 10. -hlomè (< -hlomela) id. de espreitar (de uma forma fugaz): Mungoni ali hlome xipachini xa mamani wa yena o Mungoni espreita fugazmente dentro da carteira de sua mãe. -jàtà (< -jatama) id. de atirar-se abaixo, de saltar de cima para baixo: murhwali wa masaka ate jàtà hi le movheni o carregador de sacos saltou do carro para baixo. Como se pode verificar nos exemplos em (49), sempre temos o dois pontos a introduzir o material ilustrativo. 6.5. Organização dos verbetes Neste ponto mostramos como se apresenta um verbete, primeiro de uma forma geral, e em particular no dicionário de ideofones no Changana. Um verbete, de uma forma geral, apresenta os seguintes componentes: entrada ou vedeta, origem, informação gramatical, glosas ou rótulos, equivalentes e definições, material ilustrativo, sub-entradas e remissões e referências, Sitoe (1991). Os elementos enumerados no parágrafo anterior não são comuns a todos os dicionários, nem a todos os verbetes, mas existem os que são comuns a todos eles. Isto dependerá muito da natureza do ideofone a ser descrito num determinado verbete. Para o DICH teremos os seguintes componentes: -cwee id. de chiar (como os pneus dum carro no asfalto): mapinewu ya movha mali cwee ingi hi loko ulava kudiba os pneus do carro chiam como se ele estivesse para capotar. -wàà (<-wawamuka) id. de cair em cascata, em catadupa: mati moyendla hiku wàà a água cai em catadupa. [como se fosse uma cheia ou como se a água escapasse de uma conduta]. -pshàndlà (< -pshandlasa/ka) id de cair no chão e ficar empapado (como p.e. uma papaia bem madura que cai no chão): payipayi pshandla! a papaia caiu e empapou-se. -psirrr id de do tocar do apito (como p.e. para anunciar o fim de uma partida de jogo de futebol):loko mphepho yiku psirr hi lesvaku xjogo yihelile quando o apito tocar o jogo terá terminado. -rhaxà id. de desdobrar (uma esteira, as pernas): holi rhaxà sangu utshama desdobra a esteira e senta-te ayo rhaxà milenge sentou-se dedobrando as pernas. Nos exemplos em (50) os ideofones cwee, -wàà, -pshàndlà, -psirrr e -rhaxà constituem as vedetas ou entradas. A vedeta juntamente com toda a informação que a acompanha constituem um verbete. A seguir o exemplo de um verbete: 12. -wàà (< -wawamuka) id. de cair em cascata, em catadupa: mati moyendla hiku wàà a água cai em catadupa [como se fosse uma cheia ou como se a água escapasse de uma conduta]. 6.5.2. Equivalentes e/ou Explicações Este ponto consiste na coordenação dos sentidos na LF com as da LA. Sitoe (1991). O DICH sendo um dicionário só de ideofones, e uma vez que 13 Página de Especialidade já ficou claro que não é possível obter para todos os ideofones, equivalentes imediatos, sendo isso possível para alguns, sobretudo aqueles que imitam sons (as onomatopeias...), pelas razões já expostas, chegados a esta fase a nossa tarefa consistirá em apresentar as entradas na LF e fornecer as suas explicações na LA, recorrendo a estratégias para uma transmissão dinâmica do sentido dos ideofones. 6.5.3. Glosas As glosas indicam o mais concisamente possível e numa linguagem o mais simples possível as especificidades e as esferas de aplicação da entrada, Sitoe (1991). No DICH teremos também glosas que desempenharão efectivamente a função já descrita por este autor, ou seja, a informação que aparecerá nas glosas do nosso dicionário auxiliará o usuário a perceber melhor o significado da unidade lexical descrita, bem como o seu contexto de uso e/ou a sua área de aplicação. As glosas aparecerão imediatamente depois da explicação, entre parênteses curvos, como podemos ver nos exemplos que se seguem: 13. -pee (< -pela/ta) id. de mergulhar (o sol e, por exemplo, algo num líquido)… -rhaxà id. de desdobrar (por exemplo, uma esteira, as pernas, etc.)… Em (13) temos dois exemplos de ocorrência de glosas. Na explicação do significado do ideofone pee temos, entre parênteses os sintagmas o sol e algo num líquido que constituem a glosa, dando a entender que, geralmente usa-se o referido ideofone com o sentido de pôr-do-sol ou quando algo mergulha num líquido. E o ideofone rhaxà apresenta como glosa os sintagmas uma esteira e as pernas o que significa que o seu significado é desdobrar, mas usado geralmente quando se desdobram uma esteira ou as pernas 6.5.4. Material ilustrativo O material ilustrativo refere-se a todos os tipos de exemplos que um dicionário apresenta e auxilia os usuários na percepção da informação contida nos verbetes. Os dicionários podem integrar exemplos vindos do levantamento de textos orais e escritos (citações) ou produzidos pelo lexicógrafo para casos específicos a ilustrar. O material ilustrativo pode ser um sintagma, uma frase gramaticalmente completa, uma expressão idiomática, um desenho ou uma fotografia. Para o nosso dicionário, grande parte do material ilustrativo advirá de exemplos por nós produzidos (como falantes nativos do Changana) e também de extractos de textos recolhidos junto de falantes e em algumas vezes traremos alguns exemplos extraídos de Sitoe (1996). No DICH todos os exemplos estarão em itálico e serão seguidos pela respectiva tradução em Português e sempre que possível, por um comentário. Quanto ao tipo de material ilustrativo apresentaremos apenas sintagmas e frases, como ilustram os exemplos em (14 e 15): Sintagmas 14. -nkatlà id. de estar encaixado (firmemente): Nsimbi nkatla! ferro firmemente encaixado [como por exemplo um parafuso bem apertado]. -rhotlò id. de estar bem fechado à chave (como p.e. uma porta) xipfalu rhotlò a porta está bem fechada à chave. Os exemplos mostram os contextos em que se podem usar os ideofones -nkatlà e -rhotlò inseridos em sintagmas. Frases 15. -bìbìbì id. de dar pancadas (como as do coração): Mbilu ya mina yo bìbìbì! o meu coração dá pancadas fortes! [como o coração de alguém muito amedrontando]… -dà id. de estar a descoberto: Mhaka yiyo dà! O problema está à vista!... Os exemplos em (15) mostram os contextos em que se podem usar os ideofones -bìbìbì e -dà inseridos em frases. 6.5.5. Comentários No campo de comentários apresentamos informação que reforça a compreensão do significado dos ideofones, quando para além da informação apresentada nas glosas, pretendemos reforçar a compreensão dos ideofones e para não sobrecarregar o campo da glosa os comentários virão entre parêntesis rectos, logo a seguir ao material ilustrativo, como por exemplo: 16. 14 N° 17 | Outubro, 2011 Página de Especialidade -nkatlà id. de estar encaixado (firmemente) : Nsimbi nkatlà ferro firmemente encaixado. [como por exemplo um parafuso bem apertado]. No exemplo (16) temos um extracto de um verbete e se ilustra como se podem apresentar os comentários e nesse exemplo temos a expressão [como por exemplo um parafuso bem apertado], que é um comentário para reforçar a explicação do ideofone -nkatlà. 6.5.6. Remissões As remissões aparecem num dicionário para remeter as formas complexas lexicalizadas, como por exemplo verbos extensos às suas formas canónicas, Sitoe (1991). No DICH os ideofones extensos não aparecerão como sub-entradas das suas formas canónicas, mas sim serão registados em separado e remetidos àquelas. Um exemplo: 17. -chukù (< -chukuvanya) id de se mexer, de se agitar, de se debater (como por exemplo uma pessoa ou um animal amarrado ou preso): muyivi lweyi abohiweke ali chukù o ladrão que foi amarado agita-se. -chukùchukù (< -chukuvanya) id de se mexer, de se agitar, de se debater (repetida e intensivamente): muyivi lweyi abohiweke ali chukùchukù o ladrão que foi amarrado agita-se. [como por exemplo um animal desesperado amarrado ou preso].cf. chukù -chukù-chukù (< -chukuvanya) id de se mexer, de se agitar, de se debater (pausadamente, repetida e intensivamente): muyivi lweyi abohiweke ali -chukù-chukù o ladrão que foi amarrado agita-se. [como por exemplo um animal desesperado amarrado ou preso].cf. -chukù 6.5.7. Referências No capítulo das referências importa salientar que estas têm a função de coordenar variantes lexicais livres, Sitoe (1991). Essas variantes, em geral, localizam-se na posição final do verbete, entre parênteses curvos ou rectos e em itálico, precedidas da abreviatura cf. No dicionário esboçado por este trabalho essas variantes localizar-se-ão no fim do verbete com o qual se relacionam, entre parêntesis curvos e precedidas da abreviatura cf., como ilustra o exemplo que se segue: 18. -copè (<-copeta) id. (cf. tsopè). -tsopè (<-tsopeta) id. de pestanejar, de piscar os olhos (cf. copè). Usam-se também para coordenar sinónimos ou mais unidades lexicais que estabelecem relações semânticas entre si, desde que a natureza e os objectivos do dicionário o exijam. No DICH, por causa da existência de vários ideofones sinónimos, destaca-se o cruzamento de referências entre aqueles. Quanto à disposição, os sinónimos que se cruzam aparecem no fim do verbete, onde se encontra a abreviatura sn., que significa sinónimo, e por fim o ideofone sinónimo do que constitui a vedeta e sublinhado. Exemplos: 19. -hojo (<-hojomela) id de cair (para dentro de): mbuti yite hojo xikheleni o cabrito caiu na cova/buraco sn. -ngolo. -psìripsà id de estar sujo (de qualquer coisa pegajosa): vatsongwana vayo psiripsa hi madaka as crianças estão sujas de matope sn. -psìtlì. 7. Conclusões Chegamos ao fim do nosso trabalho, um estudo com o seguinte título: Uma Proposta Metodológica para Compilação de um Dicionário de Ideofones no Changana. O trabalho tinha como objectivo apresentar propostas metodológicas para a compilação de um dicionário de ideofones no Changana e no fim apresentar uma amostra do futuro dicionário de ideofones do Changana. Feito o estudo, pensamos que atingimos os nossos objectivos, pois avançamos algumas propostas de tradução de ideofones do Changana para o Português e apresentamos no fim do nosso trabalho, uma amostra do DICH. Com o estudo concluímos que: Não é possível esgotar as nuances de um ideofone em todos os casos, devido ao anisomorfismo entre as duas línguas de trabalho, mas a experiência mostrou que, embora não seja possível para todos os ideofones, para os ideofones onomatopaicos é e, também se pode recorrer a estratégias que auxiliam no fornecimento dos significados dos ideofones na LA, como é o caso de instrumentos como glosas, comentários e outras expressões. Então, sendo assim, confirma-se a nossa segunda hipótese que dizia que por causa das diferenças culturais entre 15 Página de Especialidade as duas línguas, nem sempre será possível esgotar as nuances dos ideofones, mas para alguns isso é possível. Bibliografia Beck, D. 2005). Ideophones, Adverbs and Predicate Modifiers in Upper Necaxa Totonac. Departament of Linguistics, University of Alberta. Dicionário Universal da Língua Portuguesa. (2001). Maputo: Moçambique Editora. Doke, C. (1935). Bantu Linguistic Terminology. London: Longman. Hartmann, R. R. K. e James, G. (1998). Dictionary of Lexicography. London and New York: Routledge. Househoulder, F. W. e Saporta, S. (1967). Problems in Lexicography. Indiana: Indiana University. Instituto Nacional de Estatística. (2000). Situação Linguística de Moçambique. Maputo: Instituto Nacional de Estatística (INE). Kimeny, A. [s.d]. Inconicity of Ideophones in Kinyarwanda: Form, Function, Content and Context. California. Langa, J. M. (1991). Estratégias �������������������������������������� de Tradução de Algumas Expressões Idiomáticas de Português para a Língua Tsonga. Dissertação de Licenciatura (não publicada). Maputo: Universidade Eduardo Mondlane. Langa, D.A.S. (2001). A Reduplicação Verbal em Xichangana. 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Comunicação apresentada durante o Seminário de comemoração do dia da Língua Portuguesa. Maputo: Universidade Eduardo Mondlane. Sitoe, B. e Ngunga, A. (orgs.). (2000). Relatório do II seminário sobre a Padronização da Ortografia de Línguas Moçambicanas: Separata da Língua Xichangana. Maputo: Centro dos Estudos das Línguas Moçambicanas (NELIMO) – Universidade Eduardo Mondlane. Zgusta, L. (1971). Manual of Lexicography. Praga: Academia. Internet -De Andrade, M. Conceito/Definição em Dicionários da Língua Geral e em -Dicionários de Linguagens de Especialidade – www.filologia. org.br/anais -Portasdasletras (http://www.portrasdasletras.com.br) -Suapesquisa www.suapesquisa.com/o que e/dicionario.html -Wikipédia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Dicion) -Wikipédia (pt.wikipedia.org/wiki/Dicionario). 16 N° 17 | Outubro, 2011 Página de Especialidade -baà (<-basa) id. de ser bem branco, branco branquinho (branco como a neve): Nixave buluza ya kubasa yiku baà comprei uma blusa bem branca, comprei uma blusa branca branquinha; de ser bem evidente (o assunto ou o problema): mhàka yiyò baà o caso é bem evidente; de estar bem claro (como em uma noite de luar): handle kuyo baà lá fora está bem claro; de estar completamente vazio: svìtolo kuyo baà as lojas estão às moscas; de ser/estar bem limpo ou limpinho (como a roupa perfeitamente lavada): mpahla ya mina yiyo baà a minha roupa está bem limpa ou a minha roupa está bem limpinha. -bè¹ id. de estar num ponto alto em termos de qualidade ou intensidade (como p. e. a roupa a uma modelo esbelta): nkhancu wutèmu bè! o vestido fica-lhe a matar Dicionário Changana - Português (Sitoe, 1996:08). -bè² id de produzir um som surdo: i nchini xingo bè o que é que está a produzir um som surdo. -be id de ser bem teimoso, casmuro: wena hambi loko ubzeliwa uyala uku bè tu mesmo que te repreendam continuas casmurro.. -bì¹ id. de ser bem parecido com alguém: n’wana lweyi ayomu bì tàtanà wakwe esta criança é a cópia do pai. -bì² id. de desaparecer completamente ou por longo tempo (como p. e. quando o sol desaparece no fim do dia): jàmbù nyamalalo bì o sol desapareceu completamente; de estar completamente acabado: ntirho bì o emprego acabou! -bvibvinini id. de estar bem despenteado, desmazelado (cabelo humano): uya xikolweni ni misisi leyo yingayo bvibvinini!? vais à escola com o cabelo assim desmazelado!?; de estar desgrenhado (p.e. o pêlo de um animal): hayini voya ra mbuti riku bvibvinini? Porque é que o cabrito tem o pêlo desgrenhado que nem uma velha escova de dentes? -bvò.(< bvonga) id. de espetar com firmeza (p.e. uma injeição na nádega): loko dokodela atexi bvò xin’wanana xa mina hi nayethi muzimbha wa mina wutlhele wudzividza quando o médico espetou a agulha nádega adentro ao meu bebé estremeci toda. -cambùcambù id. de caminhar pelado, como veio ao mundo (o homem): wanuna lweyi ango cambùcambù ndleleni injhe wativa? será que aquele homem que caminha todo pelado está em juízo perfeito? -chi id. de ser numeroso e destruitivo: tihomu tite chi amasin’wini os bois arrasaram a machamba toda! -chukù (<-chukuvanya) id. de se mexer, de se agitar, de se debater (como p.e. uma gazela presa numa armadilha): mhunti leyi hi phasiweke lithakene yili chukù a gazela que está presa na armadilha agita-se. -copè (< copeta) id. de pestenejar, de piscar os olhos (como p.e. quando temos a sensação de que algo está para penetrar nos nossos olhos): atè cope kuve xilavi se xingene tihlweni pestenejou enquanto o cisco já havia lhe entrado no olho. -cwee id.de chiar (como os pneus dum carro no asfalto): mapenewu ya movha mali cwee ingi hi loko ulava kudiba os pneus do carro chiam como se ele estivesse para capotar. -cwiì id. de chiar, guinchar (como o porco quando vai ser degolado): khumba ritè cwii o porco guinchou.o porco deu cá uma chiadeira! -dadanànà id. de estar bem inchado (como p. e. depois de levar uma picada de vespa): rhama ra Sara riyo dadanànà a bochecha da Sara até parece que vai rebentar de tão inchada. -dlónyò (<-dlonyoka) id.de olhar com os olhos demasiadamente salientes (como quando censuramos alguém com os olhos): se akuni dlònyò e então fuzilou-me com os olhos em chispas. -dlónyo (<-dlonyola) id.de ferir ou picar (no olho): se ukuni dlónyo hi litiho e meteste-me o dedo olho adentro -dokòdokò id. de cobiçar, desejar fortemente algum alimento apetecível, de ficar com água na boca: n’wana até dokòdokò loko avone xidonsani quando a criança viu o rebuçado cresceu-lhe água na boca. dwa (<-dwaka) id.de vir à superfície de vez em quando tirando apenas uma parte do corpo (como p. e. o hipopótamo ao nadar): mpfuvu leyi yihlambelaka yili dwà o hipopótamo que está a nadar vem à superfície de vez em quando. -fàhlàfàhlàfàhlà (<-fahlamela) id. de crepitar, do som dos alimentos a fritar em óleo (como o peixe a fritar em óleo bem quente): laha gozinyeni leli kotwala kufàhlàfàhlàfàhlà ntsena! aqui nesta cozinha não se ouve nada que o crepitar do óleo com algo a fritar. -foo¹ (<- foma) id. de arder (como quando se põe limão numa ferida aberta, ou os lábios devido ao piripiri: sovorhi leli labava, minomo ya mina yo foo este piripiri pica tanto que até tenho os lábios em chamas. -foo² (<- foma) id. de chiar, de zumbir (como a água prestes a ferver): mati se mali foo a água já está na fase do fervenão-ferve. -foo³(<- foma) id. de sentir dores causadas por um grande esforço ou desgosto: tatana andzikwatisile mbilu ya mina yo foo o meu pai ofendeu-me tanto que até o coração me sangra. -gàbà id. de ser largo (como p. e. as orelhas do elefante): 17 Página de Especialidade ndlopfu yini tindleve taku gàbà o elefante tem orelhas largas; de estar/ser descaído (como os lábios ou as orelhas quando são demasiadamente grandes): ani minomo yaku gàbà tem lábios demasiadamente grandes -gabì-gabì id. de beber atirando a água à boca com a mão em concha (como quando se bebe num rio): mufana ali gàbigàbi mati o rapaz bebe água usando a concha da mão. -gi (<-ginya) id. de agarrar de surpresa: mamana ateyi gi huku a mamã pegou a galinha de surpresa. -gùbù (<-gubuta) id. de sacudir alguma coisa: kokwana alili gùbù sangu la yena a avó sacode a sua esteira. -gwàdzàà id. de ajoelhar-se (rapidamente): nyanga yitè gwàdzàà kusuhi na mina o curandeiro ajoelhou-se perto de mim. -gwantla (<-gwatlanya) id. de estrondear (como a porta que se fecha com força): xipfalu xitèti gwantla hi mhaka ya moya a porta fechou-se com estrondo por causa do vento; de fechar violentamente, de bater com a porta (como p.e. no meio de uma discussão): asuke na akwatile xipfalu ayoyendla hi kuxi gwantla saiu zangando que até bateu com a porta. -halakàhlà id de fazer um ruído (como p. e. o dos ossos divinatórios ao espalharem-se no chão: nyanga yitèti halakahla ntihlolo o curandeiro lançou os ossos. -hàtì-hàtì (<-hatima) id.de brilhar, de faiscar, de relampejar, de reluzir(como quando relampeja): ko hàtì-hàtì svikomba lesvaku kutana mpfula os relâmpagos rasgam os céus; é sinal de que está para chover. -hònihòni (<-honisela) id.de adiar , de fazer delongas, fazer ouvidos de mercador, não ligar conselhos: atè hònihòni vaza vamutekela hinkwasvu fez delongas até que lhe tiraram tudo. -hònòò (<-honoka) id. de estar com os olhos arregalados, de estar com os olhos esbugalhados: nimukume na ayo hònòò encontrei-o com os olhos esbugalhados sn. dlònyò. -karakàrà id. de subir bem rápido (p.e. para uma árvore): xipixi xitè karakàrà nsinyeni o gato subiu bem rápido para a árvore. [como fazem os gatos e os macacos]. -khèhlè (<-khehleka/za) id. de quebrar (p. e. a cabeça de alguém, com um instrumento contundente):afike akumu khèhlè nhloko hi bewula chegou e pumba, deu-lhe com o machado na cabeça. -khìtsì id. de estar carregado de nuvens (como p. e. o céu um pouco antes da chuva):namuntlha kutana mpfula henhla kuyo khìtsì hoje o céu está carregado de, sinal de que vai chover. -khwa¹ id. de estar seco (p. e. o pão): pawa aliyo khwa o pão estava uma pedra!. -khwa² id. de estar com muita sede (com a garganta a secar): nkolo wa mina uyo khwa estou com a garganta seca de sede. -khwa³ id. de serem iguais como gémeos: lavaya vambirhi vomaha hi ku khwa aqueles dois são tão parecidos como duas gotas de água; de assentar como uma luva: nkhancu wuyomu khwa o vestido ficou-lhe a matar! -khwekè (<-khwekela) id. de estar entalado (p.e. um pedaço de carne entre os dentes): xinyamani xitè khwekè ka matinyo um pedaçinho de carne entalou-se nos dentes. -khwipininì id. de ser curto (o vestuário): xikhipa lexi angayambala xo khwipininì a camisete que ele usou e muito curta -kòyò id.de estar bem carregado de frutos (diz-se das árvores): mangi awuyo kòyò a mangueira estava bem carregada de mangas. -mbii id. de jazer sem vida em grande quantidade (como p.e. as galinhas mortas numa capoeira por causa de uma epidemia aviária: tihuku atiyo mbii xihahlwini um mar de galinhas jazia sem vida na capoeira -mbuxù id.de deitar-se e formar uma massa no chão (como p. e. o hipopòtamo deitado ou uma pessoa gorda deitada): homu yiyo mbuxù o boi está deitado todo feito uma montanha. -mpfi¹ id de estar demasiadamente cheio (como p. e. num comício bastante concorrido): xikolweni kuyo mpfi hi vajondzi a escola está prenhe de alunos. -mpfi² id. de pegar de surpresa (como p. e. a um fugitivo que é apanhado despercebido): maphoyisa matemu mpfi os polícias pegaram-no de surpresa. -mpfù id. de estar aglomerados: timbuti tiyo mpfù xib’aleni os cabritos estão aglomerados no curral. -mphaa id. de estar totalmente aberto, de estar escancarado (como p. e. uma porta): vatshike xipfalu xiyo mphaa deixaram a porta escancarada. -mphù (<-mphuma) id. de ser estar escuro, de se tornar escuro: wusiku liyo mphù é noite cerrada. -mpsom (<-mpsompsa) id. de beijar, de chupar, de sugar produzindo um ruído: akangatele mati ka voko akuma mpsom. colheu água na concha da mão e sugou ruidosamente. -mpùlu id.de agitar a cauda (p.e. o cão quando vê o dono): mbzana yili mpùlu o cão agita a cauda. -mpùlu-mpùlu id. de agitar rapidamente a cauda (p.e. o cão quando vê o dono ou quando se lhe dá de comer): mbza- 18 N° 17 | Outubro, 2011 Página de Especialidade na yili mpùlu- mpùlu o cão agita a cauda. rapidamente. cf. Mpùlu. -nàmù (<-namuka) id. de descolar-se, de desprender-se, de soltar-se (como p. e. a sola do sapato): xifambu xitè nàmù. o sapato descolou-se. -nchì (<-nchima) id.de estar bem sujo (a roupa): mpahla leyi uyambaleke yiyo nchì a roupa que usaste está bem suja; (fig.) de ser demasiadamente escuro: mufana lwiya ani ntima waku nchì. aquele rapaz é demasiadamente escuro. -nciì id. de ir-se embora, de dobrar uma esquina (desaparecendo numa esquina ou numa curva): vajondzi vatè nciì os estudantes dobraram a esquina. -ncikì id.de estar suspenso (como alguém que se suicidou por meio de uma corda): vamukume na ayo ncikì encontraram-no suspenso na ponta da corda; de oscilar (como o pêndulo): xikalo lexi xihayekiweke nsinyeni xili ncikì a balança que está pendurada na árvore oscila -ndangù id. de estar bem cheio (um recipiente, como p. e. um saco bem cheio): saka riyo ndangù hi mpunga o saco está compleatamente cheio de arroz; (fig.) de estar com o estômago bem cheio (como se fosse um balão cheio):khwiri ndangù hi tifijawu! Comeu tanto feijão que tem a barriga que nem um balão cheio. -ngòyò id. de ser/estar claro, evidente, de ser/estar evidente: mhaka yiyo ngòyò o problema está claro/evidente. -ngòyò² id de estar saliente (p.e. as costelas numa pessoa magra).: hi kulala, timbambu ngòy. de tão magro até se podem ver as costelas. -ngòyò³ id. de estar bem carregado de frutos (diz-se das árvores): mangi awuyo ngòyò a mangueira estava bem carregada de mangas. sn. kòyò. -nhabzà id de saltar, de pular (como faz o sapo): khutla lite nhabzà lipela matini o sapo pulou para a água. -ntli¹ id. de sufocar (p. e. apertando a garganta): aatèmu ntlì hi minkolo estava a sufocar-lhe pelo pescoço. -ntli² id. de estar bem cheio (um lugar ou um recipiente): ndzhava wuyo ntli hi mimangi o cesto está bem cheio de mangas. -pfoò id de fugir: mudlayi aali kola loko avone maphoyisa ate pfoò o assassino estava aqui quando viu os polícias fugiu; de desconversar ou não atinar com o assunto em discussão.: mamutwa aku pfoò! oiçam-no fugiu do assunto! -pi id.de estar em grande número e invandir (em algum lugar): tihomu tiyo pi, masin’wini ya mina uma manada de bois pupulava a minha machamba. -pompom - pompó (como p.e. a buzina de um automóvel):movha wute pompom o carro buzinou ou o carro fez pompó. -psàmbi (<-psàmbita) id. de deitar apenas um pouquinho: mamana ate psàmbi svifurhana paneleni a mama deitou só um pouquichinho de óleo na panela. -pshandlà (<-pshandlaka/sa) id. de cair no chão e esborrachar-se .(como p.e. uma papaia bem madura): payipayi pshandla! a papaia caiu e esborrachou-se. -psirrr id.do tocar do apito ( como p.e. para anunciar o fim de uma partida de jogo de futebol):loko mphepho yiku psirrr hi lesvaku xjogo yihelile quando o apito tocar o jogo terá terminado. -psiyò (<-psiyota) id. de chamar por meio de um assobio: mufana avitane nthombhi ya yena aku psiyò o rapaz assobiou para a sua namorada. -psuù (<-pshuka) id. de ser vermelho, de tornar-se vermelho (como quando acende o sinal vermelho no semáforo ou como o pôr do sol): nkama lowu jambú ringo psuù quando o sol já se ia pôr! -rhaxà id. de desdobrar/estender (uma esteira, as pernas): holi rhaxà sangu utshama desdobra a esteira e senta-te ayo rhaxà milenge sentou-se de pernas estendidas. -sudù id. de estar caído ou deitado (de bebedeira, doença ou dor profunda): tatana wa wena ayo sudù hi kudakwa o teu pai está caido de bebedeira. -svesvesve id. do soprar bem leve (como p. e. a brisa entrando pelas frestas): laha svimoyana svili svesvesve aqui bate uma brisinha bem leve. -tàma-tàma (<-tamata) id. de andar de vagar (como faz uma criancinha quando aprende a andar ou um convalescente): ali tàma-tàma ingi ova xin’wanani anda devagarinho como se fosse uma criancinha. -tèkiyàni (<-teka) id. de de levar bruscamente, de pegar bruscamente: atèli tèkiyàni bukù ahuma pegou o livro com brusquidão e saíu. Triririm - triririm (como por exemplo o toque do telefone) fone la wena lili triririm o teu telefone está a tocar. -vàyí-putsù-vàyí-putsù id. de apagar e acender (como faz um pirilampo).: magezi mali vàyì-putsù-vàyì-putsù kufana ni xitimandzilwana. as luzes acendem e apagam como faz o pirilampo. -vàyìvàyì (<-vayitela) id. de cintilar, reluzir, resplandecer 19 Página de Especialidade (como o brilho das estrelas em uma noite de céu limpo): se tinyeleti ato vàyìvàyì e as estrelas cintilavam. -vhìvhàà id. de anoitecer, escurecer.: afike na se lo vhìvhàà. chegou no princípio da noite. -wàà (< -wawamuka) id. de cair em cascata, em catadupa (como se fosse uma cheia): mati moyendla hiku wàà a água cai em catadupa. -woò id. de qualquer coisa que se movimenta impetuosamente e em massa (para ir dar a).: tihomu titè combeni woò. e os bois saíram a correr e foram dar ao rio num grande tropel. -xawù (<-xawula) id. de saborear um alimento apeititoso com sabor um tanto forte e picante (como p. e. saborear um bife bem gostoso com piripiri). -xwàà id. de aparecer de repente ( como p. e. um grupo de soldados que vão atacar): vamahehiku xwàà. apareceram de repente. -ya (<-yamasa) id. de esbofetear ou dar uma bofetada na bochecha de alguém.: atèmu ya nsati wa yena. esbofeteou a esposa. -zweè id. de estar bem calado: n’wana aatè zweè. a criança estava bem calada; de estar em silêncio (alguém ou algum lugar): kuyo zweè!. está tudo em silêncio!; de andar desaparecido(como p. e. os que se exilam na África do Sul): angatwali, ayo zweè. não dá notícias. 20 N° 17 | Outubro, 2011 Página de Especialidade Algumas semelhanças lexicais e fonético-fonológicas entre Elomwé e Emakhuwa Por Carlos Mucamisa [email protected] 1.Introduçao O presente estudo tem como objectivo identificar algumas semelhanças lexicais e fonético-fonológicas entre as línguas Elomwe e Emakhuwa, faladas nas províncias da Zambézia e Nampula, Cabo Delgado e Niassa respectivamente. A execução deste estudo compreendeu três fases: Consulta bibliográfica; trabalho de campo (entrevistas e preenchimento de fichas de levantamento do vocabulário básico. A lista de palavras que constitui a base do vocabulário básico foi elaborada pelo NELIMO e comporta 220 palavras entre nomes, pronomes, verbos, adjectivos, advérbios e numerais) e análise de dados. E porque o nosso trabalho é de carácter comparativo, isto pelo facto de se tratar de duas linguas da mesma família bantu, seleccionámos o Método Comparativo apoiado pelo Método Lexicostátistico que mais adiante iremos descrever. 1.1. Sobre a Política Linguística em Moçambique Moçambique, à semelhança de muitos países africanos, é um país multilingue e multicultural, onde, quer por razões sóciohistóricas e políticas, quer económicas, culturais e religiosas, as línguas bantu coexistem, para além da língua portuguesa, língua oficial, com línguas de origem europeia e asiática (Firmino: 2000). A Constituição da República de Moçambique, no seu artigo quinto, ponto um, define a política linguística nos seguintes termos: “(i) Na República de Moçambique, a língua portuguesa é uma língua oficial, (ii) o estado valoriza as línguas nacionais e promove o seu desenvolvimento e utilização crescente como línguas veiculares e na educação dos cidadãos.” (Lopes:1999), por seu turno o artigo nono da mesma constituição, preconiza a valorização das línguas moçambicanas como património cultural e identitário dos cidadãos. Hyltenstam e Stroud (1997:27), citados por Rego (2000), destacam os seguintes argumentos como tendo sido os que mais pesaram, na altura, a favor da escolha da língua portuguesa como língua oficial: “era a única língua de comunicação mais alargada dentro de Moçambique e era também a língua 1 usada para as comunicações externas ou internacionais; era a única língua que poderia funcionar imediatamente em todos os domínios de uso oficial e era a única com disponibilidade prática e imediata, com uma tradição de escrita e com uma elite para desempenhar as funções letradas na administração, ciência e educação.” Esta decisão de se optar pela língua portuguesa como factor de unidade nacional e de combate contra o tribalismo e o regionalismo, data de 1962, quando da fundação da FRELIMO. No entanto, Hyltenstam e Stroud (1997:45) defendem que “se uma sociedade é inerentemente multilingue, o pluralismo linguístico é um pré-requisito para um desenvolvimento harmonioso” e avançam mais afirmando que “sem o qual se condenaria à exclusão social, cultural, económica, uma grande camada da sociedade, exclusão que se poderia transformar num potencial foco de convulsões sociais, além de que seria negar a sua tradição, a sua história, a sua cultura”, opinião também defendida por Ngunga (2000). Por isso, o argumento segundo o qual promover as línguas nacionais, ao invés do Português, defendido na altura, fomentaria simultaneamente a divisão, o tribalismo, o regionalismo não deveria ser tomado a sério, pois a unidade linguística não implica necessariamente unidade nacional, nem a diversidade linguística resulta inevitavelmente em divisão. Mormente, como forma de corrigir o erro cometido aquando da tomada da decisão de se considerar o Português como língua de unidade nacional, ao invés do fomento das línguas nacionais, o Governo de Moçambique, no âmbito da transformação curricular do ensino básico, decidiu introduzir algumas línguas moçambicanas no ensino, tendo em conta três modalidades: (i) como meio de ensino; (ii) como recurso e (iii) como disciplinas curriculares (INDE: 2006). 1.2. Sobre as Línguas em Moçambique O papel mais ou menos visível que as línguas hoje desempenham em Moçambique não deixa de ser reflexo do seu passado histórico, embora algo esteja sendo feito em prol da valorização das línguas nacionais de origem bantu. Dados extraídos da Tese de Mestrado em Linguística, apresentada em Dezembro de 2009 21 Página de Especialidade De uma situação em que pouca ou nenhuma importância se deu às realidades etnolinguísticas na fundação e posteriormente na condução dos destinos do país, hoje pouco ou nada mudou, porque verifica-se que o peso que se tem dado às línguas nacionais na vida política, económica e social do país continua insignificante. Moçambique optou por uma solução mais cómoda, que é a solução de continuidade, ou seja, tomar como língua oficial a língua portuguesa (Rego: 2000), que, obviamente, estava solidamente enraizada na educação, na administração e na vida corrente do país, permitindo que continuasse (a LP) com um papel bastante saliente no panorama linguístico multilingue que é Moçambique. processo sistemático de comparação de uma vasta gama de línguas, isto é, investigar factos e explicá-los de acordo com as suas semelhanças e diferenças. Como se sabe, as línguas bantu, em Moçambique, são línguas maternas para a maioria das crianças e servem de base para a sua primeira socialização. Elas são de uso familiar, intra-étnica, local ou regional, isto é, são usadas em situações informais. Os dados obtidos no Recenseamento Geral da População e Habitação de 1997 confirmam que, tal como já tinha sido indicado pelo Recenseamento Geral de 1980, as línguas bantu são faladas por cerca de 93.0% da população moçambicana (Firmino: 2000), contrariamente à língua portuguesa, tida como oficial e de ensino, estimada em 6.0%. Crowley (1992) citado por Guamba (op.cit) refere que à semelhança do método comparativo, o método lexicoestatístico é uma técnica que nos permite determinar o grau de semelhança entre duas ou mais línguas através da comparação do respectivo léxico seleccionado do vocabulário básico. Cientificamente, está provado que as línguas maternas desempenham um papel fundamental no processo de EnsinoAprendizagem na medida em que as crianças aprendem melhor quando a alfabetização inicial é feita na sua língua materna (INDE: 2006), o que, não acontecendo implica condenar à exclusão social, cultural, económica, uma grande camada da sociedade ou negar a sua tradição, a sua história e a sua cultura. 2. Sobre o Método Comparativo Segundo Carroll (1973), a Linguística Comparativa considerase como possuindo uma metodologia rigorosa. Tal método é o comparativo, que se ocupa em mostrar a evolução histórica das Variedades e, em alguns casos, em mostrar as origens fonéticas comuns de grupos de Variedades. Isto significa que o método comparativo pode ser usado para comparar Variedades numa determinada época, para separá-las ou agrupá-las (estudo sincrónico) assim como para comparar Variedades ao longo do tempo (estudo diacrónico). Este método foi usado por Guthrie (1948) na classificação das línguas bantu. Esta classificação consistiu no estabelecimento do bantu Comum e no estabelecimento do Proto-Bantu. Um outro investigador a usar este método foi Gleanson (1972). De acordo com ele, os passos a seguir para este tipo de trabalho são: (i) estabelecimento do Vocabulário Básico (terminologias ligadas à cultura); (ii) estabelecimento de pares cognatos (semelhantes na forma fonológica e com o mesmo sentido) e exclusão de empréstimos. Crystal (1987) aponta que o método comparativo é o É a partir deste quadro que Hock (1991) considera o método comparativo como instrumento que facilita a reconstituição das línguas para se chegar à sua possível realidade pré-histórica, assim como estabelecer a relação genealógica da língua. Guamba (2002) aponta que o método comparativo é usado no âmbito da constituição de alguns aspectos da proto-língua, e é igualmente usado na determinação do relacionamento entre línguas da mesma família a partir de formas cognatas. Como podemos observar, este método é crucial para o nosso estudo na medida em que nos permitirá, a partir da comparação do vocabulário das duas línguas em estudo, da lista de frases e o inquérito sociolinguístico determinar o nível das diferenças e/ou similaridades entre elas. 3. Sobre o Método lexicoestatístico O Método Lexicoestatístico tem como objectivo primário classificar Dialectos, Línguas, Família de Línguas em árvores genealógicas. Segundo Simon (1990), “o método lexicoestatístico provém do termo Estatística e envolve probabilidades, ou seja, estimativas”. E Carroll (1973) afirma que o cômputo de frequência é a base de abordagem deste método, pois consiste na selecção de um número considerável do léxico de duas ou mais Variedades relacionadas e, numa perspectiva comparativa, apuram-se as semelhanças ou diferenças aos níveis lexical, fonético, fonológico e morfológico. O léxico seleccionado deve corresponder ao vocabulário básico. Para tal, devem-se definir parâmetros como por exemplo, morfologia, semântica, etc. A leitura é feita a partir da percentagem associada a cada nível em estudo, tendo em conta o parâmetro estabelecido. Por seu turno Gudschinsky (1964) aponta que o Método lexicoestatístico (ML) é uma técnica de análise que permite calcular o momento histórico em que ocorreu a separação de duas ou mais línguas. Este aponta ainda que este método permite ao investigador decidir a ordem cronológica de diferenciação linguística. Como podemos ver, à semelhança dos outros acima mencionados, este método é também indispensável para uma melhor elaboração e percepção do presente trabalho. 22 N° 17 | Outubro, 2011 Página de Especialidade 4. Sobre as Línguas Bantu A preocupação pelo estudo das línguas vem de muito longe. Contudo, destaca-se o século XIX como sendo o século do nascimento de uma nova ciência, a da linguagem, na área das ciências socias e humanas. Este seria o ponto de partida para o surgimento da linguística, sobretudo a linguística moderna, ciência que viria a consolidar-se com a publicação póstuma do trabalho de Ferdinand Saussure em 1916 “Cours de Linguistique Générale”. A linguística Comparativa foi a primeira forma adoptada pela linguística moderna, esta “surge nos primórdios do romantismo europeu e participa no movimento histórico do século XIX” (Manessy-Guitton, 1976:33) e faz o estudo comparado das línguas aplicando alguns métodos como o Tipológico e o Genealógico. O método tipológico baseia-se em traços gerais, na análise da estrutura das línguas. Este método, segundo Berten (1976:347) “não implica nem parentesco genético nem aproximação geográfica das línguas, mas também não os exclui.” A tipologia constitui um precioso instrumento de pesquisa no estudo da história das línguas. O método tipológico é usual em Linguística Comparativa, embora o termo comparação se reserve geralmente à investigação visando reconhecer no mundo determinado número de famílias de línguas consideradas aparentadas (Manessy-Guitton 1976). Por seu turno, o método genealógico apoia-se em diferentes modelos que reflectem o processo histórico de fragmentação de uma proto-língua ancestral em línguas delas derivadas. Esses modelos são construídos com base em determinadas unidades classificatórias. Na classificação das línguas Bantu destaca-se o nome de Bleeck (1951) como sendo o primeiro a usar o termo ‘Bantu’ para designar o grupo de línguas faladas na região Sul de Africa, assim afirma Werner (1919). Depois de Bleeck (1862), nomes como os de Guthrie e Doke, segundo Miti (2006), deram uma grande contribuição para classificação das línguas Bantu. Entretanto Guthrie (1967-1971) afirma que foi Meinhof (1895) que sugeriu, pela primeira vez, a possibilidade de aplicação às línguas africanas dos métodos gerais que tinham sido aplicados ao estudo das línguas indo-europeias. Por outro lado Greenberg (1955) realizou um estudo propondo uma classificação das línguas africanas com base no reconhecimento do senso comum de que certas semelhanças entre línguas só podem ser explicadas com base nas hipóteses de relação genética. É deste modo que, em 1963, Greenberg apresenta uma classificação que agrupa as línguas africanas em 4 grandes famílias (Afroasiática, Nilo-sahariana, Congo-Kordofaniana e Koisan). Por seu turno, Doke (1945), de acordo com Cole (1961), propôs uma classificação das línguas Bantu baseada em quatro elementos (Zonas, Grupos, Língua ou conjunto de Dialectos e Dialectos). Guthrie (1967) classifica as línguas Bantu em 15 zonas codificadas por letras maiúsculas. Internamente, cada zona divide-se em vários grupos de línguas estabelecidos conforme critérios de proximidade linguístico e geográfico reflectindo um certo grau de aproximação genealógica. 5. Sobre as línguas bantu moçambicanas Moçambique apresenta uma situação linguística bastante complicada, facto que tem sido tomado como uma das grandes preocupações dos analistas linguísticos nacionais. Para estes, o grande problema que se levanta está relacionado com a determinação do número exacto das línguas existentes no país. É neste âmbito que têm surgido várias propostas com vista a uma categorização das línguas faladas em Moçambique. Guthrie (1967-71) na sua abordagem sobre a classificação das línguas moçambicanas aponta que as línguas bantu de Moçambique distribuem-se por quatro zonas diferentes, identificadas por letras maiúsculas, e são dispostas em diferentes grupos, num total de oito a saber: Zona G-G40: Swahili; Zona P-P20: Yao, e P30: MakhuwaLomwe; Zona N-N30: Nyanja, e N40: Nsenga-Sena; Zona S-S10: Shona, S50: Tsonga, e S60:Copi. Á prior, com esta classificação de Gurtrie (op.cit) colocamse algumas dúvidas como, por exemplo, o facto de o autor não ter previsto na sua classificação a existência de mais de nove línguas em cada um dos grupos linguísticos, bem como o facto de línguas do mesmo grupo linguístico não poderem ser mutuamente inteligíveis, por exemplo as línguas do grupo P.20; exceptuando o grupo S50 (Changana, Ronga e Tshwa) cuja classificação é considerada menos controversa dada a existência de um maior grau de mútua inteligibilidade entre os seus falantes (Ngunga 2004). Firmino (1995) na sua análise sobre esta classificação aponta que a tipologia apresentada por Guthrie (1967-71) exclui algumas línguas bantu que hoje são também faladas em Moçambique como é o caso de Kimwani, Shimakonde, Nsenga, Ngoni, Tonga, Zezure, Cimanyika, Karanga, Marendje, entre outras. Marinis (1981), citado por Ngunga (1991), defende que em Moçambique existem oito línguas das quais quatro maioritárias e igual número de minoritárias. Tais línguas são: Makhuwa, Ronga, Nyanja-Sena e Shona (maioritárias); Makonde, Yao, Copi, e Tonga (minoritárias). De acordo com Ngunga (op.cit) diversos autores que procuraram analisar a situação linguística em Moçambique não apresentaram os critérios que pudessem determinar o carácter maioritário ou minoritário de uma língua. Katupha (1985), tomando em consideração os estudos apresentados por Guthrie (1967/71) reconhece a existência de oito grupos, embora nos seus estudos aponte para a existência de quatro línguas que considera maioritárias nomeadamente: Makhuwa, Shi-tsonga, Chi-nyanja e Chi-shona. 23 Página de Especialidade Podemos verificar com base nas descrições acima, que o número das línguas moçambicanas é apresentado de forma divergente. Enquanto, por exemplo, Marinis (op.cit) considera o Ronga como língua maioritária, Katupha (op.cit), considera o Shi-tsonga que à partida não é sinónimo do Ronga como sendo língua maioritária. Como podemos notar com base nas abordagens acima apresentadas, a questão da situação linguística em Moçambique apresenta-se ainda bastante controversa e mesmo relativamente às listas até aqui apresentadas, alguns estudiosos do panorama linguístico nacional, por exemplo, Liphola (1988) discorda da existência quer de oito línguas, quer de quatro línguas maioritárias. Entretanto, Ngunga (1991), de forma cautelosa, diverge da posição dos autores que apresentam listas contendo o número das línguas moçambicanas. Este, na sua forma de abordar esta problemática, não avança o número exacto das línguas existentes no país, limitando-se a fornecer uma lista longa susceptível de constituir uma base de partida para a resolução do problema. 6. Sobre as línguas objecto de estudo 6.1. Emakhuwa A variedade (P30, Guthrie 1967:71; 52/5/1, Doke 1945) é falada no Centro e Norte de Moçambique assim como em algumas regiões da Tanzânia, Malawi e ainda em pequenas comunidades em Madagáscar e Ilhas Comores, abrangendo mais ou menos 8 milhões de falantes (Kisseberth 2004:547). Em Moçambique, de acordo com o Censo populacional (1997), a variedade Emakhuwa é falada por cerca de 3.291.916 pessoas constituindo 27,8% da população. Emakhuwa tem 8 variantes, incluindo o Elomwé, assim distribuídas: Nampula- Emakhuwa, falada na cidade capital e seus arredores como Mecuburi, Muecate, Meconta, parte de Murrupula, Mogovolas, parte de Ribáwe e Lalaua; Enahara, falada nos distritos de Mossuril, Ilha de Moçambique, NacalaPorto, Nacala-a-Velha e parte de Memba; Essaka, nos ditritos de Eráti, Nacarôa e parte de Memba; Esangagi, parte de Angoche; Emarevoni, parte de Moma e Mogingual e Elomwé, nos distritos de Malema, parte de Ribáwe parte de Murrupula e de Moma. Cabo Delgado- Emetto falado nos distritos de Montepuez, Balama, Namuno, Pemba, Ancuabe, Quissanga, parte dos distritos de Meluco, Macomia e Mocímboa da Praia; Essaka, nos distritos de Chiúre e Mecúfi. Niassa- Echirima falado em Metarica e Cuamba; Emakhuwa falado em Mecanhelas, Cuamba, Maúa, Nipepe e Metarica; Emetto em Marupa e Maúa. Zambézia- Emakhuwa falado em Pebane; Elomwe em Gurué, Gilé, Alto Molócue e Ile; Emarevoni falado numa parte de Pebane. Destas 8 variantes, só na província de Nampula, são faladas 5, daí considerar-se a província em que não existe outro grupo étnico (originário) que fale uma língua diferente salvo o Ekoti que, por ora, não se tem a certeza se é variante de Macua ou é língua autónoma. Este facto está o aliado à sua situação geográfica central no âmbito das outras províncias em que também se fala o Macua e, por outro lado, à reconhecida inteligibilidade mútua entre os falantes das diversas variantes, o que leva a que se tome a variante falada em Nampula como sendo a de referência para efeitos de padronização da escrita (cf. Afido et al 1989). Alberto (1961), baseando-se nos diferentes modos de falar, considerou, no final dos anos 50, que a área linguística macua dividia-se em cinco subgrupos a saber: (i) subgrupo macua do litoral, de Moma a Memba; (ii) subgrupo macua de macuana, nos actuais distritos de Nampula, Meconta, Imala, Erati, Mogovolas, Mossuril, Memba, Nacala e Mogincual; (iii) subgrupo macua metto, em Montepuez, Eráti, Mecufi, Mocímboa da Praia e Quissanga ( aqui o autor inclui os chirimas de Ribaué e Malema); (iv) subgrupo macua do Niassa, localizado nos distritos de Lichinga, Cuamba, Maúa, Marrupa, Ribaué e Malema; (v) subgrupo macua-lomué, no AltoMolocué, Gurué, Ile, Lugela, Milange, Mocuba, Namacurra, Namarrói, Ribaué e Murrupula. 6.2. Elomwé Elomwé é a língua falada maioritariamente na zona norte da província da Zambézia e considera-se a variante falada em Alto Molocué como sendo a de referência (cf. Gardner 1997). Para além dos distritos do norte da Zambézia (Gurué, Gilé, Alto Molocué e Ile), é falado também na província de Nampula, sobretudo parte dos distritos de Malema, Ribawé, Murrupula e Moma (Sitoe e Ngunga 2000:67) e abrange uma população estimada em 1.3 milhões de falantes. Como atrás vimos, Alberto (1961) alarga as zonas onde esta língua é falada, na província da Zambézia. Na classificação de Doke (1945), o Elomwé pertence à Zona Oriental cujo código é 50; Grupo Este - Central 52 (grupo makhuwa); código 5 e ao subgrupo de dialectos de Makhuwa, onde recebe o código 1b. Ilustrando, teremos: Grupo 52/ 5 Línguas / Conjunto de línguas 1: Makhuwa Dialectos 52/ 5/ 1b Lomwé Enquanto Guthrie (1967-71) faz a seguinte classificação: Zona P: P. 30: Grupo Makhuwa- Lomwé: P. 32: Lomwé 24 N° 17 | Outubro, 2011 Página de Especialidade Como podemos ver, para Doke (1945) Elomwé “é dialecto de Emakhuwa”, mas para Guthrie (1967-71) é uma língua que eventualmente pode ter os seus dialectos como, por exemplo, demonstra Ngunga (2004:46) “Emarevoni, Manyawa e Etakwani”. Neste pequeno grupo de variantes de Elomwé, podemos acrescentar ainda algumas faladas fora de Moçambique, mais concretamente no Malawi, que são “Emihavani, Emunyamwelo e Ekokholani” (Kisseberth in Nurse 2000:546). Tendo em conta a divergência de posições aqui ilustrada, fruto de estudos levados a cabo por vários autores podemos concluir que a situação linguística de Moçambique carece ainda de algum tratamento e, em nosso entender, a falta de clarificação dos conceitos de grupos linguísticos, língua e dialecto, contribui para a prevalência de situações deste género. Para o presente estudo, nós vamos adoptar, quanto à definição de língua, uma perspectiva puramente linguística, isto é, consideramos língua como um conjunto de elementos estruturais usados para a comunicação numa dada comunidade e que tenha a mesma designação para tais falantes. 7. Análise de dados 7.1. Itens lexicais Parafraseando Canonici (1991), duas ou mais palavras são lexicalmente semelhantes quando são cognatas, isto é, iguais na forma (mesma configuração e mesmo significado). Com efeito, depois de compilarmos os nossos dados verificámos que ocorrem palavras, tanto no Elomwé quanto no Emakhuwa, que têm a mesma forma e o mesmo significado, algumas destas palavras são: (1). Elomwé muthiyana mwarusi mulopwana mmiravo mwaana Emakhuwa Significado muthiyana mwarusi mulopwana mmiravo mwaana ‘mulher’ ‘rapariga’ ‘homem’ ‘rapaz’ ‘criança’ As palavras acima representadas são cognatas, pois são iguais na forma e no sentido. O outro aspecto não menos importante é a pertença à mesma classe nominal (cl 1/2). Deste modo, depois de realizarmos a contagem de palavras cognatas, constatámos que o Elomwé e o Emakhuwa apresentam um número reduzido de semelhanças lexicais. Assim, entre estas duas variedades linguísticas, das 221 palavras comparadas, 94 são cognatas, correspondendo a uma percentagem de 45,7%. Para uma melhor percepção ilustrámos com a seguinte tabela: Tabela 1. Palavras cognatas % Elomwé e Emakhuwa 42,5 A tabela acima ilustra, em termos percentuais, as palavras cognatas entre a língua Elomwé e a língua Emakhuwa. Porém, Mocuba (2000) citando Simon (1990: 3.3.1-3.3.2) e Gudschinky (1994:619-621) refere que não é tão correcto sermos muito objectivos e categóricos nas percentagens de dados linguísticos. Estes autores aconselham que os valores calculados sejam apresentados em forma de intervalos. Desta feita, para o cálculo da margem de erro, usa-se a fórmula do desvio padrão, abaixo representada: δ = c(1 − c) nt Interpretando a fórmula apresentada temos: C = P ou PSL = valor gravitacional (valor à volta do qual se centram todos os valores possíveis dentro do intervalo); nt= número total de palavras comparadas. O valor do intervalo é obtido a partir da seguinte fórmula: P= P±δ ⇒ ] P- δ ; P+ δ [ Mais ainda, para garantirmos a fiabilidade dos resultados, Simon (1990) e Gudschinky (1964) afirmam que devemos calcular a margem de erro tendo em conta três níveis de fiabilidade (68%, 90% e 50%). Estes valores são fixos. A margem de erro no nível de fiabilidade de 68% corresponde ao desvio padrão. Quanto ao nosso trabalho, calculamos a margem de erro, tomando o nível de 90%, tendo se mostrado um nível de erro relativamente menor. A fórmula para calcular a margem de erro é: Mer (X&Y) nf (68%, 90% ou50%) = δ×k Interpretando a fórmula acima temos: X= língua A Y= língua B Nf= nível de fiabilidade K (contante) = 1,645 Assim, o intervalo é calculado usando a seguinte fórmula: 25 Página de Especialidade P(X&Y) nf= P±Mer ⇒ ]P-Mer; P+Mer[ lexical situa-se no intervalo de 42,50 a 42,50. É imperioso, também, calcular a fiabilidade do corpus. Esta fiabilidade calcula-se para afirmar com máxima segurança que um corpus recolhido num tempo longo apresenta uma margem de erro menor e num tempo curto a margem de erro é maior. Para o efeito, deve-se escolher o nível de fiabilidade. Segundo Simon (1990:3.3.7.), os níveis de fiabilidade dependem do tempo, dos informantes e situação do levantamento dos dados: Deste modo, o autor avança com os seguintes níveis de fiabilidade: Tabela 2.- Níveis de Fiabilidade Fiablidade Nível de Fiabilidade O corpus é resultado de muitos anos de trabalho de campo 0,30 O corpus é resultado de curto tempo intenso de trabalho de campo 0,20 Situação de levantamento média com bom informante 0,10 Situação de levantamento com dificuldades na ilicitação bilingue 0,05 Levantamento com ilicitação monolingue 0,01 É importante ressalvar que a escolha do nível de fiabilidade é feita de acordo com a situação em que o investigador trabalhou. Terminados estes procedimentos, se o valor achado na tabela for menor ou igual ao valor mais alto entre os valores percentuais comparados, significa que os valores percentuais comparados são suficientemente diferentes naquele nível de fiabilidade, caso contrário não são. Desta maneira, vamos começar por calcular a margem de erro associada aos valores percentuais entre o Elomwé e o Emakhuwa. A margem de erro entre Elomwé e Emakhuwa é: 0,0022 Assim, a percentagem será representada da seguinte maneira: P=P ± δ ⇒ ]P- δ[;]P+ δ[ ]42,5 – 0,0022;42,5 + 0,0022[ ]42,498 ; 42,502[ ]42,50 ; 42,50[ Isto quer dizer que a verdadeira percentagem de diferença De seguida, vamos determinar o nível de fiabilidade. Considerando que a margem de erro ao nível de fiabilidade de 68% corresponde ao valor do desvio padrão, então vamos calcular a margem de erro ao nível de fiabilidade de 90%. Assim, entre Elomwé e Emakhuwa, temos: Mer (Elo & Emak)90% = δ×k = 0,0022×1,645 = 0,0036 = 0,004 De acordo com este resultado, a margem de erro nível de fiabilidade de 90% é igual a 0,004. Deste modo, a percentagem de semelhança lexical ao nível de fiabilidade de 90% é representada da seguinte maneira: P (Elo & Emak)90% = P ± Mer ⇒ ] P- Mer ; P + Mer[ ] 42,5 – 0,004 ; 42,5 + 0,004 [ ] 42,49 ; 42,50 [ Assim, podemos estar 90% confiantes de que o valor percentual de semelhanças lexicais está no intervalo entre 42,49 e 42,50. Por isso, a leitura que podemos fazer, a partir destes resultados, é que a diferença lexical entre Elomwé e Emakhuwa é mínima, o que quer dizer que, em termos lexicais, a diferença não é tão grande. Contudo, há sim algumas diferenças lexicais assinaláveis. A título de exemplo, podemos destacar as palavras abaixo: (2). Emolwé Nahano Mokwasha Mwiili Nrama Evaru Emakhuwa Mwarusi Nakhulu erutthu nlaku etara Significado ‘rapariga’ ‘velho’ ‘corpo’ ‘bochecha’ ‘coxa’ As palavras representadas acima, dão-nos conta daquilo que são as diferenças lexicais entre as variedades linguísticas Elomwé e Emakhuwa respectivamente. Um falante de Emakhuwa, por exemplo, não conhece a palavras nahano ‘rapariga’ e a palavra nrama ‘bocecha’, que em Emakhuwa, tem um significado diferente (púbis) do da variedade em estudo. O mesmo acontece com o falante de Elomwé. Este, por exemplo não conhece as palavras etara, nlaku. Estas diferenças criam, de algum modo, obstrução na comunicação entre falantes destas variedades linguísticas. 26 N° 17 | Outubro, 2011 Página de Especialidade 7.2. Semelhanças fonético-fonológico entre Elomwé e Emakhuwa evidentes, embora as diferenças se situem ligeiramente acima, o mesmo podendo-se dizer em relação ao nível fonéticofonológico. Este facto leva-nos a entender melhor os porquês Diz-se que palavras são fonético-fonologicamente de alguns estudiosos considerarem a língua Elomwé variante semelhantes quando apresentam a mesma forma e estrutura da língua Emakhuwa, como é o caso de Guthrie (1967) e fonético-fonológica. Vejamos os exemplos que se seguem: outros. Para nós esta aproximação linguística não pode ser entendida como sendo o Elomwe, neste caso, uma variante mas (3). sim línguas que, provavelmente, tenham tido a mesma línguaElomwé Emakhuwa Significado mãe e que ao longo dos anos cada uma delas foi ganhando a nikhuva [ni-khuva] nikhuva [ni-khuva] ‘osso’ sua própria autonomia, resultante de vários factores, sociais, h h geográficos e políticos. Embora ao nível lexical as diferenças mutekhu [mu-tek u] mutekhu [mu-tek u] ‘umbico’ sejam mínimas, na prática comunicativa esta diferença tem n’tata [n-tata] n’tata [n-tata] ‘mão’ criado alguns ruídos entre os falantes destas duas línguas, nipele [ni-pεlε] nipele[ni-pεlε] ‘mama’ algo que não deixa ninguém surpreendido por se tratar de duas nikutha [ni-kutha] nha [ni-kutha] ‘joelho’ realidades linguísticas diferentes. As palavras acima indicam a semelhança fonético-fonológica entre as variedades linguísticas em estudo. Da análise por nós feita, a este nível, constatamos que, das 221 palavras, só 90 palavras (40,7) têm a mesma forma e estrutura fonéticofonológica. Como não deixaria de ser, calculámos as margens de erro e nível de fiabilidade e os resultados que obtivemos revelam que estas variedades linguísticas não são próximas ao nível fonético-fonológico. A diferença situa-se acima de 50%, o que nos permite dizer que são minimamente distantes. Só para ilustrar, apresentamos abaixo alguns exemplos: (4). Elomwé mweco [mwεt∫o] mutchu [mut∫hu] sese [sεsε] mwisi[mwisε] Emakhuwa Mwetto [mwεto] Mutthu [muthu] Significado ‘perna’ ‘pessoa’ Sheshe [∫ε∫ε] Mwishe [mwi∫ε] ‘quatro’ ‘fumo’ Os exemplos acima, mostram-nos que existe uma diferença sim ao nível fonético-fonológico entre Elomwé e Emakhuwa. Em Elomwé, onde ocorrem os fonemas pós-alveolares tt ‘mwetto’e tth ‘mutthu’, na variedade Emakhuwa são realizados foneticamente como /t∫/ e /t∫h/, sendo representados na ortografia por c ‘mweco’ e ch ‘mutchu’, respectivamente. O som [∫], que em Emakhuwa é representado pelo grafema sh ‘sheshe’, em Elomwé é representado por um dos alofones do fone [s] e grafado como s ‘sese’(cf. Ngunga e Sitoe 2000). 8. Conclusão O presente trabalho tinha como objectivo mostrar algumas semelhanças entre as línguas Elomwé e Emakhuwa. Como podemos constatar, ao nível lexical as semelhanças são bem BIBLIOGRAFIA Afido, Pedro J. 1997. 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Ferreira, A. G. E Figueiredo, J. N. s/d. Gramática Elementar de Língua Portuguesa. Lisboa: Porto Editora. Firmino, G.D. 1995. Revisiting the “Language question” in Post-colonial Africa. The case of Portuguese and indigenous Language in Mozambique. University of Coimbra (1985), MA, University of California Barkly. 27 Página de Especialidade Garmadi, J. 1983. Introdução à Sociolinguística. Lisboa: Dom Quixote. Gonçalves, P. e Chimbutane, F. s/d. Cadernos de Morfologia e sintaxe. Maputo Faculdade de Letras: UEM. Gudshinky, Sarah C. 1964. The ABC of Lexicostatistics (Glotochronology). In Himes, Dell (compil) Language in Culture and Society, New York: Hopper & Rew. PP 612 -622. Guthrie, M. 1971. An Introduction to the comparative Linguistics and Prehistory Of Bantu Language. London. Heins, J. 1991. A Study of lexicographic Similarity as a Preliminary step towards a Language Atlas of Mozambique. 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Imprensa Universitária. Ngunga, Armindo.2002. Elementos da Gramática Yao. Imprensa Universitária. Sitoe, Bento e Ngunga, A. 2000. Relatório do II Seminário Sobre a Padronização das Da Ortografia de Línguas Moçambicanas. Maputo: UEM. 28 N° 17 | Outubro, 2011 Página de Especialidade Para uma caracterização da Poesia Oral nas Timbila dos Vacopi e alguns aspectos do contributo Português 1940-2005 Por Valdemiro Jopela O Modelo do Provérbio Na continuação do trabalho que temos vindo a realizar na divulgação de artigos que possam interessar à Comunidade Académica, na presente folha, iremos abordar os provérbios Chope. «Os provérbios são, talvez, o produto mais autêntico da literatura africana. Nos contos, há sempre novos que vêm substituir e fazer esquecer os antigos; os contos vão se modernizando e cada qual vai acrescentando da sua lavra, de modo a mudarlhes por vezes a estrutura primitiva, porque: ”quem conta um conto sempre lhe acrescenta um ponto”. Os provérbios não. Podem aparecer alguns novos mas os antigos conservam sempre o seu valor e prístina pureza. Mesmo porque “ditados velhos são evangelhos”. Os provérbios estilizam casos normais e anormais da vida; são axiomas tirados da observação dos homens, dos animais e da natureza e, depois, aplicados a todos os casos idênticos com a mesma força de verdade e oportunidade. Na sua concisão são a expressão mais fina da filosofia popular, um resumo das atitudes do homem perante a vida, um código de procedimento, um caminho traçado ao da existência»1. Quem tiver o prazer de conversar com um idoso africano concordará com o ponto de vista do autor dos 601 Provérbios changanas, pois os provérbios são, na verdade, o produto mais autêntico da literatura popular, ou da arte verbal popular. Há provérbios para todas as situações da vida e, “os mais velhos” usam-nos com muita propriedade, em particular, quando se trata de emitir juízo de opinião ou aconselhar quem precisa. Nas suas discussões, nas banjas (reuniões ou conselhos) não há orador que se preza que não faça uso das potencialidades do provérbio para sintetizar o seu discurso ou de outrem, para contestar ou corroborar com alguém. Enfim, são a expressão mais fina e requintada da filosofia popular Segundo Holman e Harmon, o provérbio é «A sentence or phrase briefly and memorably expressing some recognized truth or shrewd observation about practical life».2 ���������� A compres- são e concisão que caracterizam o provérbio dependem, em grande medida, do conjunto de recursos estilísticos de que se serve. A metáfora (quer a metáfora in presentia, quer a metáfora in absentia), a comparação, a hipérbole; figuras como a elipse, o paralelismo, o quiasmo, a interrogação retórica, bem como outras formas de equilíbrio fónico entre as proposições ou termos componentes são elementos largamente explorados na composição dos provérbios, o que os torna, quanto à forma, diferentes do discurso ordinário. Esta componente estilística faz do provérbio uma forma muito importante para a literatura oral africana, pois o seu modelo e as suas técnicas são muitas vezes aproveitados em formas mais elaboradas e mais extensas, como a canção e o conto. Por outro lado, uma vez que o provérbio exprime uma verdade «absoluta», é um óptimo suporte para a narrativa, sobretudo como «discurso abstracto»3, mas também para a lírica, cumprindo a função de generalizar certas ideias e conceitos ou de dar explicação para certas situações e atitudes. A este propósito, será importante notar que os provérbios fazem frequentemente alusão a fenómenos naturais e à vida animal, o que, pensamos, se prende ao facto de nesses domínios imperar uma espécie de «perfeição», uma lógica imanente e funcional, diferente dos comportamentos humanos, mais instáveis e arbitrários. A presença do modelo do provérbio, ou do provérbio em si, é um fenómeno qiue ocorre, como se pode verificar pelos exemplos, em poemas de Venâncio Mbande, e de um compositor de Zavalense: «Imani anga daya nzofu ngu cibhakela?» ( Orquestra de Zavalene) (Quem matou um elefante com um soco?) «Ucinenekela tshera unga ambale madhowo!»(Orquestra de Venâncio) (Se caçares um gafanhoto não uses peles). Cinyana ca kwemba kwadi khacivatelwi dipale (Orques- Pe Armando Ribeiro, C. M., 601 Provérbios Changanas, 2ªedição, Lisboa,1989, pp. VI-VII. 2 Holman, C, Hugh e Harmon, William, A Handbook to Literature, 5ª Ed., New York, Macmillan Publishing Company, 1986, p. 401, apud Gilberto Matusse, op. cit. p. 114. 1 3���������������������������������������������������������������� Usamos a expressão no sentido em que a usam Carlos Reis e Cristina Macário Lopes no seu Dicionário de Narratologia (Coimbra, Livraria Almedina, 1987, pp. 344/345) 29 Página de Especialidade tra de Venâncio Mbande) A memória do sistema [literário], mais especificamente, representa o mecanismo semiótico que possibilita o emissor praticar a alusão literária, a intertextualidade a reutilização num dado texto de elementos de forma da expressão e da forma do conteúdo de outros textos anteriormente produzidos, pois que, ao contrário do discurso normal, porque é um “discurso de consumo”, o discurso poético é um “discurso de reuso”»4. (Não se prepara uma flecha para um pássaro que canta bem). Para além de provérbios é frequente recorrer-se ao emprego de enigmas e máximas do quotidiano. «I tshimba yanya; ditshiku data». Dirambu da ciwonga kha disotwi- athu vatinzambwa kha hirandwi (nós, os andrajosos não somos amados); (vem o dia em que…) M’tshikiriti m’devhadevha cihanya ngu matsanza – kokwane wako angahya m’kolo ngu tigongo (teu/tua avó queimou a garganta com gergelim); Como todos os idiomas, o cicopi, por vezes não se presta a aceitar traduções, principalmente de textos fixos como é o caso acima. Limitámo-nos a dar um significado próximo, sem uma tradução global do enigma da língua de partida. «Vem o dia em que...»Para além do carácter generalizante da verdade expressa, há aqui a reprodução de uma das estruturas peculiares do provérbio bantu, em que o primeiro termo (ou proposição), que nega certo(s) atributo(s) a um dado objecto de referência, contrasta com o segundo, onde se apresenta(m) o(s) atributo(s) achado(s) verdadeiro(s). Encontramos a mesma estrutura reproduzida nesta passagem de um provérbio actualizado por Venâncio Mbande «Ucinenekela tshera unga ambale madhowo!»/ «Se (ao) caçares um gafanhoto, não uses peles». O agrupamento de Mutulene, por exemplo, é o único que apresenta na sua actuação, uma pequena sessão de enigmas logo depois da sua apresentação ao público. Este acto isolado, aliás, foi a forma que estes músicos encontraram de preservar aquilo que corria o risco de desaparecer, visto que, na altura da guerra, não era possível realizar-se qualquer tipo de actividade cultural. Outras formas de diversão externas à cultura Copi, nas noites, tinham relegado para o esquecimento ou desaparecimento das tradicionais sessões à volta da fogueira, dirigidas pelos mais velhos. Daí que a orquestra de Mutulene, formada maioritariamente pela família Missael, cujo membro sénior foi responsável da cultura numa direcção distrital, sentisse a necessidade de preservar os enigmas nas actuações do seu grupo de timbila. Assim, a recolha e tradução que fizemos dos enigmas e provérbios chopes, que juntamos nos anexos finais para consulta e complemento de estudo, justifica-se no uso a que os bons poetas deles fazem, à semelhança dos bons escritores que resgatam e reusam máximas, provérbios, imagens, mitos da tradição ou memória literária, estabelecendo a alusão, referencialidade e intertextualidade entre as suas obras e as dos clássicos: «A memória do sistema literário é constituída pelo “banco de dados” do sistema, ou seja, pelo conjunto de signos, de normas e de convenções que, num dado momento histórico, existem no âmbito do sistema, atinentes a todos os códigos que discriminámos no respectivo policódigo. A memória representa, em termos semióticos, a chamada tradição literária (…) Cikandjuana co khuyuka wuphembeyo – titshumbwana to khaleka hakhaneho (são maminhas bem feitas nesse peito); Ucifula cijenje fula ngu mkono- Ti tikubihete teka yo wila (se as coisas se afearam para ti, zarpa!). Hara khwinyinyi- Tikubihete! (estás mal; as coisas se afearam para ti). 11. 2. 1. Alguns provérbios em cicopi 1- Dianza dimwedo kha didayi thwala.- uma mão não mata piolho. Emprega-se para apelar à união. A união faz a força. 2- Dizolo da sawuti – joelho de sal; fofoqueiro (a).Diz-se de uma pessoa intriguista. 3- Diana sanfi ucidima simwane – Coma as coisas do defunto e produza outras. 4- Ditshiku da kufa khu hiyeli – No dia da morte não se varre. A morte é sempre uma surpresa. 5- Dianza tsula dianza wuya – Mão vai, mão volta. A mão que dá espera receber. Uma mão lava outra as duas lavam a cara. 6- Mbiya ya muhi yiya ka muhi kulowi – O prato de quem oferece vai a quem oferece também. Este provérbio é similar ao anterior. 7- Didhamba da pheho undindela kwako –A manta do frio cada um puxa para o seu lado. Cada um vela pelos seus interesses. Cada um puxa a brasa para a sua sardinha. 8- Dithamba va abana ngu tinyinzi – A massala divide-se pelas sementes. Diz-se de alguma coisa diminuta mas que é necessário partilhar com todos. 9- Mano ohiwa ni ako nawe- Esperteza dada e sua também. O mesmo que dizer que se deve ouvir os conselhos, mas 4 V. Manuel de Aguiar e Silva, Op. Cit. pp. 258e 264. 30 N° 17 | Outubro, 2011 Página de Especialidade é preciso ponderar e agir. 10- Ngu teka mano ako uciembela tshukwa – Ensinar a sua esperteza à perdiz. Diz-se de quem ensina algo importante a alguém a quem não se deve confiar. 11- Ngu teka mati ucithela ngwenya – Deitar água em cima do crocodilo. Usa-se para referir uma situação em que se pretende auxiliar a quem não precisa; esbanjar. 12- Ngu teka mati ucithela dipato- Deitar água em cima do pato. A explicação do anterior provérbio é válido neste. 13- Mati citimwi ka dipato- É praticamente sinónimo dos outros dois anteriores provérbios. 14- Intinde wa tithwala utshotsha ngu ku mana wadi- A capulana com piolhos só se deita depois de termos outra. Antes um na mão que dois a voar. 15- Masinda matuma ngu kugoyana- As pulseiras tilintam quando se tocam: A união faz a força. 16- M’kondo kha wunholi mbavha- O ladrão não se apanha(acusa) pela pegada. Diz-se que não se pode acusar ninguém sem prova evidente. O ladrão só se acusa se for apanhado com a mão na massa. 17- Inyoka wa matune wuzivelwa bawuloni- O macho da cobra descobre-se na lareira; Pode se equiparar a não contes os pintos antes de sairem. 18- Masoni xwaya dikhuma, insana xwaya dikhuma – Asperigir cinza a frente e atrás. Diz-se normalmente de quem ascende a um cargo elevado. Deve ser justo para com os seus subordinados como com os seus superiores. 19- Mwana khafi inkowo kuphamelwa – Não é o comer que compra filho alheio. 20- Mwanana ngu ngawe nyane – A criança é bem cuidada pelo dono. 21-Masoni ka nyari vinza inkwinya – À frente do búfalo atira um pau. Emprega-se para aconselhar o suborno. Ao chefe é preciso dar qualquer coisa para que as coisas andem bem. 22- Masasane afela khwatini magohane afela mutini – O benfeitor morre no mato enquanto o malfeitor morre em casa. 23- Inti wumwewo ngulapha – É a continuidade da mesma casa. Provérbio empregue muitas vezes por familiares, quando se despedem. À letra:é a mesma casa só que é extensa(grande, alargada). 24- Mwanana walaya wa hombe, wa hombe walaya mwanana – Uma criança pode aconselhar um adulto, assim como este pode aconselhar a criança. 25- M’nado ithwala- Um problema é como o piolho. Aparece quando menos se espera. 26- Mahungu kha masini – Os problemas não apodrecem. Diz-se quando alguém evade ou foge pensando que os problemas passarão. 27- Mbilu yanthu ditiko- O coração de alguém é um Mundo. 28-Msana maduka – Atrás está a nuca que não tem olhos. Quer dizer não se pode saber o que acontece depois de virarmos as costas. 29- Manza mabhande – Um pouco forçado, este provérbio pode equiparar-se a vão os anéis e ficam os dedos. Emprega-se mais para dizer que por mais que se passe por um revés, se tivermos as mãos iremos produzir mais bens. 30- Inkolo wa mahumba wotede ni nzala – quem se abstém de comer (por zanga) dorme com fome. 31- Mhoti yifela tinyawani – A gazela morre na machamba de feijão. São ossos do ofício. 32- Masizana wuxaka – A ajuda mútua é familiaridade. Uma mão lava a outra e as duas lavam a cara. 33- Manzani khakumili mwasi. O capim não cresce nas mãos. As mãos são produtivas. 34- Ndonga yosala insana ya panda – A paulada que vem depois dói. A vingança é um prato que se serve frio. Dizse de quem faz mal a outrém sem remorso, mas quando se lhe retribui não gosta. Não faça aos outros o que não queres que te façam a ti. 35- Ngu teka likotiana liveka m’pfoko – A águia deu um cuco. Quem não sai aos seus degenera. 36- Ngu wusa nyari usinamigomba - É acordar um búfalo sem varapaus. Provocar um problema sem meios para o resolver. 37-Ngu wusa cinvunza usina migomba – É acordar o coelho sem varapaus. 38- Ngu sika nginya usina makhara – Compor uma dança vigorosa sem saber dançar; propor a realização de uma actividade sem conhecer as formas de executá-la 39- Nya mona kuca akumbide – Quem vir o amanhecer está velho. Provérbio que se usa na despedida à noite quando se vai dormir. 40- Nidi khani cani kha konwi- intraduzível – quem diz”o que disse eu?”vence sempre. Aplica-se para explicar que normalmente quem chama atenção, acerta sempre. 41- Intamo wa ngwenya ngu mati – A força do crocodilo está na água. Cada um é mais forte no seu meio. 42- Huluka dikonzo unga bela ngulani, idi cibhembe nida faya – Rato, escapaste porque entraste no celeiro, se tivesse sido na cabaça parti-la-ia; Zangam-se as comadres descobrem-se as verdades(forçado). Os bons modos não me deixam dizer. 43- Linyunzi valava nintheveleni – Procurar agulha no palheiro. 44- Phongo valava nicitimwi – Procura-se o cabrito até em 31 Página de Especialidade cima. Procurar a agulha no palheiro. 45- Phongo ya cigwere - Cabrito sardento. Ovelha ronhosa. 46- Phongo kha yiveleki ha kubasani – A cabra não pare onde há pessoas. 47- Phongo kha yiveleki ntlambini- Uma boa cabra não pare no meio do rebanho. Usa-se para dizer que há assuntos confidenciais. 48- Nicikhani nomaha tatinene kasi notikuva manzani – Pensei que estivesse a fazer o bem, mas cortei-me na mão. Quem faz bem mal a ver tem. 49-Nyakwongomela tshera kha ambali madhowo- Quem caça gafanhoto não usa peles. É preciso ter calma para todas as situações. 50-Wa likungo mbwalihika- O avarento é ganancioso e invejoso. Diz-se da pessoa que não gosta de dar o que é seu aos outros, mas quer que os outros lhe dêm sempre. Gosta do alheio. 51-Wo lava ku awe phongo diana m’zumbane, kani?- queres que eu faça a escolha por ti? À letra: queres que diga: cabra, coma este ou aquele tipo de erva? 52- Wa kudia sakwe khana liwondjo – O que come o que é seu não tem ferida; isto é, o que come o que é seu não deve temer. Quem não deve não teme. 53-Wa mwana afela habanza – o homem deve ser destemido. 54- Unga hinge khukhu ninyu manzani - Não persigas a galinha com sal na mão. Sê calmo. 55-Unga kungele ngume yinga kuluma – Não ponhas o escorpião no regaço; Tenha cuidado com as tuas amizades. 56-Unga lave kuziva ta m’thamba udinkwakwa- Não procures saber o que não te diz respeito. 57-Unga lave kuziva ta intungwe udi phanzekelani- Não procura saber coisas do quarto estando na sala. 58-Unga timahe mjhindo wo hiyela kule- não te faças palmeira que varre longe e deixa a sua base suja. 59-Tikhawu tosekana mahoko – Os macacos riem-se das olheiras dos outros. Não atires pedras ao telhado do vizinho se o teu também for de vidro. 60-Tshokoti yaxula ndzofu- A formiga vence o elefante. Nem sempre o que tem mais corpo é o mais forte. 61-Tshenge yidawa nguliveleko – A bananeira é morta por causa dos filhos(bananas). 62-Cinyana ca cwemba kwadi khacivatelwi dipale- Não se caça o pássaro que canta bem. 63-Cinyana citheketisa mathevele (cihunza madwali)Pássaro que faz entoranar água às mulheres que voltam da lagoa pelos malabarismos que faz, as mal avisadas distraem-se e zás, lá se vai a água. Diz-se de quem usa de artimanhas para enganar os outros. Nem tudo o que luz é oiro. 64-Timhangela tihanya ngu kutala – as galinhas do mato vivem pela união porque alertam-se quando o inimigo (perigo)se aproxima; a união faz a força. 65-Titshokoti tihanya ngu kupfana- As formigas vivem pelo entendimento; A união faz a força. 66-Ku engisa cisima cawutomi – A obediência é o poço da vida. 67-Kha kuna inthonvuni kopwata mafina – Não há nariz sem ranho; O erro é humano. 68-Ku hanya matlhari- Viver é uma guerra. A vida é difícil. 69-Ku dhanwa ngu dhuswa (deve corresponder-se de imediato a um chamamento). 70-Ku swela kuhanya una wona yimbwa ya ticheho – Quem muito viver verá cão com chifres. Quem muito viver verá coisas inéditas; nunca vistas. 71-Kukarala ka livilo ngu kuwa hanzila- O cansar-se de quem corre é cair no caminho. É preciso perseverar; correr e correr sempre, parar só em caso de cair(queda). 72-Kutlhariha kapalwa ngu kudivala- a esperteza é vencida pela “calma”. No sentido de o calmo parecer (néscio). 73-Kufa ngu rwama – Morrer é dormir. É fácil morrer. 74-Kusasa ngu tinyela – Quem faz bem, mal a ver tem; fazer bem é borrar-se. 75-Kunyela mpakato- defecar sobre o cajado; morder a isca e sujar o anzol; não se mostrar agradecido depois de receber um favor. 76-Kunyela ingalavani – defecar no barco, mostrar-se ingrato. Morder a isca e sujar no anzol. 77-Kunya ha, una dula hani cibowa- Defecas aqui, onde vais apanhar cogumelos. Diz-se de um ingrato. 78-Kwora indilo wa cirengeleni – Aquecer-se com o lume que cabe num pequeno pedaço de panela de barro (caco);Comer o pão que o diabo amassou. 79-Kwembelwa ngu tonwa- Ouvir dizer é perder.Veja com os próprios olhos. 80-Ku tshukuruka kkweda uciambala nganju – ascender a olhos vistos. Diz-se de uma pessoa que passava necessidade e de um momento para outro passou a uma grande abastança. 81-Kuziwa kapala kutshura – Mais vale ser conhecido do que ser bonito. 82-Kutshura ngu tilwela- Estar bem parecido (bonito) é uma luta. 83-Kusinya wurena- Dançar é zangar-se. De facto, nalgumas vezes, é preciso tanto vigor para se sair bem na dança! 84-Kupekana ngu maranga ovitwa- Baterem-se com abóbaras maduras; desenvolver uma confinça recíproca. 32 N° 17 | Outubro, 2011 Página de Especialidade 85-Ku thelwa mati nzeni – Deitar-se-lhe água no ouvidoSer atraiçoado; acontecerem-lhe coisas desagradáveis. 86-Cizokoro cilombo ngu cakuya disoni cakuya indani ciyalala.- o que faz mal é o que entra no olho; o que vai para o estômago vai é dormir. O que não mata engorda. 87-Kuhya ngu lisani intsudi uciwuwona- Queimar com o calor vendo a sombra. Diz-se de alguém que experimenta dificuldades com a possibilidade de saná-las. 88-Timhaka kha tikhukhulwi ngu mati – Os problemas não são arrastados pela chuva. 89-Mahungu kha masini – os problemas não apodrecem 90-Nyagotombwane wa ntondo kha ziwi mu awelako kona- Não se sabe para que lado vai cair uma árvore morta(seca)- Não desejes mal ao teu vizinho que o teu vem a caminho. 91-Tindova tahamnsana tiziwa ngu mnlovi wa tona. As tatuagens nas costas são conhecidas de quem as faz. 92-Vacikhona kapata, khavekhona xolela.- Se te mandam pegar, não é para espreitar. A curiosidade matou o gato. 93- - As coisas boas não enchem a colher. As coisas boas são efémeras. 94-Ku hena cigwere ngu kutshuvela- Dar campo à sarna por coçá-la; habituar mal a alguém; dar mimos a mais. 95-Cikuluveta cabaya tshulu- A rapidez fura ao lado (falha). A pressa é inimiga da perfeição. 96-Kosisa dithamba una wona ngumhwa – Onde se escondeu uma massala, verás um carreiro(pequeno caminho). 97-Cikhavhi cawulombe cikambwa cicingaci tshamba – O favo de mel deita-se quando ainda estiver doce. Usa-se para dizer que mesmo as coisas boas podem se deixar para outra ocasião. Emprega-se também este: Hambi tikhawu tamaleka; isto é, Até os macacos deixam-nas (as maçarocas). 98-Kufuya intonga wila nzeve – Se viveres com um Tonga, corta-lhe uma orelha. Usa-se para mostrar a falta de confiança por alguém que se mostra ingrato. 99-Wumanwi nkhonje ngu wulu. O galo foi apanhado (pelos parasitas próprios de galinhas) - diz-se de quem amarrota o colarinho numa discussão e não tem como se defender, não tem argumentos e é obrigado a calar-se cabisbaixo. 100- To womba vakoma tinzolo – O chefe tem sempre razão. 101- Wusiwana wona ngu mako kwenda - Tornámo-nos pobres quando a nossa mãe “viaja” (morre). Quem tem mãe tem tudo quem não tem mãe não tem nada. 102- Tshumbu ya mama hambi yidi ninrumbi hamama- A mama da nossa mãe mesmo que tenha ferida mamámola. Os nossos pais, a nossa Pátria por piores defeitos que possam ter, são sempre nossos e merecem o nosso res- peito. 103- Wukoma mwando watshatsheka – O poder é cacimba desvanece com o aparecer do sol. As coisas boas são efémeras. As coisa boas não enchem a colher. 104- Kumaha tatinene ngu tikuva manzani –Fazer bem é cortar-se na mão. Quem faz bem , mal a ver tem. 105- Cakuta walo cilonda – O que vem de borla é a ferida. Tudo de bom precisa de trabalho, sacrifício. Não se pescam trutas em bagas enxutas. 106- Indilo worumisa khawuturi – Lume mandado acender não arde. Coisas que se delegam não funcionam como se o dono presente estivesse. 107- Makala khamatshumeli nyunduni.-As brasas não voltam à forja. Usa-se frequentemente quando se pretende devolver algo (comida, bebida, dinheiro), então os presentes dizem: As brasas não voltam à forja, que se dê aos presentes. 108- Seka cilima udimndani – Ria-se do aleijado estando no ventre (materno). Aplica-se a pessoas que fazem pouco de aleijados ou de outros infortunados. Adverte-se pois, que se tenha muito cuidado, porque, pode-se, a qualquer momento, ficar-se aleijado ou infortunado. 109- Invunza wupwati ticheho ngu kurumisa- O coelho ficou sem chifres por gostar de mandar. 110- Nyafa kwadi ngwanzwa- O que morre sem defeito(aleijão) é bem aventurado. 111- Ingana a ola makose kha oli m’noha- O amigo limpa somente o vômito e não sangue. 112- Kuveleka wukosi, kwambala mavala- Ter filhos é riqueza, vestir é colorir-se; fantasia. 113- Nzofu khayiwi ngu limbhavhu limwelo – O elefante não cai sobre uma costela somente. Não há um sem dois. 114- Cilonda cipanda kanyane wacona- a ferida dói ao seu dono; Cada um sabe onde lhe aperta o sapato. 115- Ndonga yo sala msana ya panda- a última paulada é dolorosa; a vingança é um prato que se serve frio. 11. 2. 2. Outros provérbios1 1. Txisondwana njindemba: Kuha vakwanu veka. O pintainho é frango em potência: Dar aos outros é guardar. 2. Phongo kha yi velekeli hagari ka mtxhambi. A cabra não pare no meio do rebanho. Há segredos que se não devem divulgar. 3. Khukhu yi hanya ngu kuhalakasa. 33 Página de Especialidade A galinha vive esgaravatando. O homem deve viver do seu trabalho. 4. Kuenda kha ku na divemba. A viagem não tem prazo. Sabe-se a hora da partida, não se sabe a de chegada. 5. Kuambala I mavala, kuveleka I wukoma. Vestir-se é só cores, ter filhos é riqueza. De nada vale a beleza sem a virtude. 6. Dyana sako so tsamba, na dya sangu so biha. Come as tua coisas com gosto, eu comerei as minhas sem gosto. Mais vale o pouco honrado que o muito roubado. 7. Ndena yi zivaneka ngu timbirimbi. O heroi conhece-se pelas cicatrizes. 8. Mwani kwathu, hambi ku di bihile, kha hi ku divali. A nossa casa, por má que seja, nunca se esquece. O passarinho não esquece o seu ninho, ainda que pequenino. 9. Homu va yi ñola ngu titxheho, m’thu va m’ñola ngu txisofu. O boi agarra-se pelos chifres, o homem agarra-se pela boca. Ao boi pelo corno, ao homem pela boca. 10. Kutsimbila ka wonisa tatingi. 15. Kutsura ku palwa ngu kuziwa. Mais vale ser conhecido do que ser bonito. Mais vale ter graça do que ser engraçado. 16. Ku ti wona hi nga ku ti ziva. Ver não é saber. Vai muito do ver ao saber. 17.kusakana ku dhana kudila. A brincadeira traz o choro. Não há alegria sem tristeza. 18. Awule a tumelako mnandu wakwe kha sungwi. Quem confessa a culpa não é preso. Pecado confessado, pecado perdoado. 19. Awú a ku zivisako, ngu dona dixaka Que avisa é parente. Conselho de.amigo, aviso do céu. 20. U na si mana ngako tikhukhu ti txi mila makwasa. Terás, quando as galinhas tiverem dentes. Nunca vais ter. 21. Mbiya kha yi veleki mwanana. O prato não gera filho. O dar de comer a uma criança não nos torna pais da criança. 22.Mawelo hi nga mathelo. O viajar mostra muitas coisas. Tirar não é deitar, subtrair não é multiplicar. Quem muito anda muito aprende. É preciso saber poupar. 11. Dikhombo da m’thu kha di sekwi. 23. tshenge yi dawa ngu kuveleca. Não devemos rir-nos da desgraça duma pessoa. A bananeira more por ter dodo o cacho. Não te rias da desgraça alheia. Quem tem filhos tem cadilhos. 12. Ku kumba mmidi, mbilu kha yi kumbi. 24. Lwango la nyumba li ziwa ngu nyamne. Envelhece o corpo, o coração não envelhece. O tecto da casa conhece-o o dono. Serás em velho o que tiveres sido em moço. Cada um sabe da sua vida. 13. Ku walo thonvu yo pwata mafina. 25. Malwati a hombe ma kotwa ngu mrende wa hombe. Não há nariz sem ranho. Uma doença grande cura-se com remédio grande. Ninguém é perfeito. Para grandes males grandes remédios. 14. Kukombela kha ka biha, to biha ngu kupa. 26. Kuwombawomba ku palwa ngu kumalala. Pedir não é vergonha, vergonha é roubar. É melhor calar do que falar. Ser pobre não é vergonha, vergonha é roubar. Mais vale calar que muito falar. 34 N° 17 | Outubro, 2011 Página de Especialidade 27. Kuengisa i thomba ya vanana. Ouvir é a herança dos filhos. A obediência é o tesouro dos filhos. 28. Nzambwa va kuwula msokoni. A sujidade lava-se atrás da casa. A roupa suja não se lava na praça. 29. Mndonga wu thithwa i di ngadi wudotho. Endireita-se a árvore enquanto é pequena. De pequenino se torce o pipino. 30. Silo si huma muwa ko kwela. Para comer é preciso desbravar o mato. O que tem valor custa adquirir. 31. Kuswela kuhanya u na ti wona. Se viveres muito , hás-de ver muitas coisas. Quanto mais vivemos, mais aprendemos. 32. Nyume ni dikonzo kha si lavani. O amendoim e o rato não estão bem frente a frente. Estopas ao pé do lume não estão seguras. 33. Tava kha va yi kweli ngu kututuma. Uma montanha não se sobe a correr. Mais vale jeito do que força. 34. Dipswi da mkoma kha di tsumeleli msana. Palavra de rei nào volta atrás. El-rei errou, mas faça-se o que ele mandou. 35. Wusuke kha wu na wahombe. A bebida não tem rei. Entre bêbados, são iguais o rei e o criado. 36. Didhowo va txhuka há banza. A pele prepara-se na reunião dos velhos. Uma questão resolve-se em tribunal. 37. Dyana sa m’fi, u txi dima simwane. Come o que o defunto deixou, cultiva o teu campo. Não confies só no que o defunto deixou. 38. Jokota, ni na ku lweta. Come, que eu defender-te- ei. Não te fies em promessas. 39. Dyana, u txi alakanya resa. Come, mas lembre-te de pagar o imposto. Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje. 40. Txuma hi nga txilo, txa hombe ngu lirando. A riqueza não é nada, o principal é o amor. De nada vale a riqueza sem a bondade. 41. Mati ma tsimbila ngu milonga. A água corre pelos baixos. Os favores seguem caminhos conhecidos. 42. Txamba txi tekela linene. A concha do mexilhão vem do mar. Tal pai, tal filho; Tai mãe, tal filha. 43. Msana ku wuyelela dibhenba. É próprio do insensato andar para frente e para trás. É próprio do insensato repetir a mesma asneira. 44. Mhuti yi sakanisa mwanana. A gazela ensina a cria a brincar. O exemplo dos pais é a melhor escola dos filhos. 45. Madya-sakwe kha na lionje. Quem come à sua custa não tem culpa. Quem come do que produz é honrado. 46. Sixaniso si gondisa m’thu kuhanya. O sofrimento ensina uma pessoa a viver. A necessidade aguça o engenho. 47. Nyamnova kha wuyi. O dia de ontem não volta mais. Basta o dia o seu próprio mal(Mat.6, 34). 48. dyana u txi ti siyela. Come e deixa o resto para amanhã. É preciso saber poupar 49 .M’bhikiwa khadi kha fi ngu nzala. O cozinheiro não morre a fome. Quem trabalha não morre a fome. 50. Mwanana wu anga dhawuka i di txindaka-milayo a na fa i di txindaka- milayo. Criança mal criada desde a infância morrerá malcriada. A educação começa desde a infância 51. Mbilo ya m’thu linene. 35 Página de Especialidade O coração humano é um mar. O coração humano é insondável 52. Phande yo purwa kha yi aki nyumba. Uma estaca carcomida nãoconstrói palhota. A má crítica nunca é construtiva. 53. Awú a resako kha thave. Quem paga o imposto não tem medo. 63. Limhika kha li pandise, ku pandisa txisofu. A vara não magoa, magoa a boca. Mais ferem as palavras do que balas. 64.Mloyi a ziwa ngu mloyi kulowe Um bruxo é apanhado por outro. Para um esperto, outro esperto. 65. Phande ya kuwoma kha yi thithwi Quem não deve não teme. Uma estaca seca não se endireita 54. M’thu wo malala i mnyoka Burro velho não toma andadura Homem calado é cobra. 66. Litiho limwelo kha li dayi ndaya Guarda-te do cão que não ladra e do homem que não fala 55.I mgogoloti ngu lapha, ngu kula walo i mnanda Os homens não se medem aos palmos A altura não significa ser mais velho. 56. Mrende wa pheho ngu mndilo. O remédio para o frio é o fogo. Quem tem frio que se aqueça 57. Awule a gombonyisako ngu wule a ku masoni, ani wa msana wo londetela tsena. Andar torto anda o da frente, o de trás segue-o simplesmente. Os maus exemplos arrastam. 58. Nzala kha yi wulele mtini ka mkoma, kodhwa lifo la wulela. A fome não entra em casa do rei, mas a morte entra. Também os ricos morrem. 59. Thomba ya m’thu ngu mawoko akwe. Os braços são o tesouro do homem O trabalho é a riqueza do homem. Um só dedo não mata piolho A união faz a força 67. A walo wo ti seka a pune Uma asneira não mete graça a quem a diz Ninguém se ri de si mesmo. 68. Ati i ku to tshambakha ti sweli kupinda O que é saboroso acaba depressa O que é bom é sempre pouco. 69. Diso kha di ti woni O olho não se vê a si mesmo Ninguém vê os seus próprios defeitos 70. “Ni na thuma mangwana” mbukara Deixar trabalho para o dia seguinte é preguiça Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje. 71. U nga seke wo kumba, nguko mangwana ngawe Não faças pouco dum velho, pois amanhã tu o serás Hoje sou eu, amanhã serás tu. 72. U nga sole so hiwa 60.Thomba ya tata dyana a di ngadi a txi hanya. Não desprezes coisas dadas A herança paterna come-a enquanto o pai vive. Coisas dadas são estimadas. A melhor herança são os bons conselhos. 61. U nga worelane mndilo ni dikhamba. Não te aqueças ao lume do ladrão Não te faças amigo do ladrão.. 62. Mnenge wumwewo kha wu sinyi to nyawula. Uma perna só não dança coisas bonitas. Um só remo não leva o barco ao mar. 73. U nga hinge khukhu ni inyu manzani Não corras atrás da galinha já com o sal na mão Não deites foguetes antes da festa 74.U nga thave txinditxe, txipapanana usa txi wona Não temas o boato, antes de constatar a realidade do perigo Não fujas, antes de saber donde vem o perigo 36 N° 17 | Outubro, 2011 Página de Especialidade 75. U nga xave msingo, a si nzi kuvelekwa mwanana. Não compres o pano de trazer a filho às costas, antes dele nascer Não deites foguetes antes da festa 76. U nga time mndilo ngu mndilo Não apagues o fogo com o fogo Não deites lenha na fogueira 77. U nga thembe m’thu ngu kuwona khohe Não confies em alguém só por ver a cara dele. A gente vê caras, não vê corações. 78. U nga dhane yimbwa, u d ni mgoba mnzani Não chames um cão com um pau na mão. A quem hás-de rogar não hás-de assanhar. 79. U nga kuletele txisima Não estragues a fonte. Não sujes a água que hás-de beber. 80. U nga pe, sako sa ta ni nzila Não roubes, o que é teu vem a caminho O que é nosso à mão nos há-de vir ter. 81. U na dya sa mnyuko. Comerás do teu suor. Aprender à própria custa 82. Vo veleka mmidi, kha va veleki mbilo. Dão à luz o corpo, não dão à luz o coração Nem sempre o filho sai ao pai. 83. Awú a zivako ngu wule a wotisako. Sabe aquele que pergunta. Se queres saber pergunta. 84. Wurenawu xulwa ngu kumalala. A ira aplaca-se com a paciência. É com águaque se apaga o fogo. 85. Wusiko kha wu na ndena. A noite não tem herói. Há certas circunstâncias em que toda a virtude é pouca. 86. Wusiwana wa hombe, wona ngu mame a di endile. A verdadeira desgraça é a ausência da mãe. Não há maior desgraça que não ter mãe. 87. Wutxhari kha wu heti dilembe. A esperteza não termina o ano (sem ser descoberta) Burla com dano não acaba o ano. 88. Wutomi kha wu xawi. A vida não se compra. A vida é só uma. 89. Maduka kha ma woni. A nuca não vê. O ausente nem ouve nem sente 90. Didhowo va peta di txi nakana. Dobra-se a pele enquanto está verde. De pequenino se torce o pepino 91. Lifo kha.li na diso. A morte não tem olho. A morte não escolhe. 92. kudhanwa ngu dhuswa. Ser chamado equivale aser advertido. Toda a vocação é uma responsabilização. 93. kudya ngu kuengeta. A boa refeição pede repetição. Encontro feliz pede repetição 94. Mabihane a biha ni sakwe. O mau é mau com as suas coisas. Não digas mal de que precisas. 95. Mame i mame. A mãe é mãe. A mãe é sempre mãe 96.Mati ma di thekete kha.ma rolelwi. A água entornada não se pode apanhar. A água vertida nem toda é recolhida. 97. Mkolo kha wu na wusiwana. A garganta não sente o dó Para comer não há feriado 98. Txisofu txa dayisa. A boca causa a morte. Pela boca morre o peixe 99. U nga dye mbuva, u txi divala nzila. 37 Página de Especialidade Não tomes o farnel, esquecendo-te do caminho. Pensa no futuro. tografia diferente daquela que adoptamos, aliás, a que corresponde à pdronização da ortografia das línguas moçambicanas. 100. Txuma i mwando. A riqueza é orvalho. A riqueza passa depressa. 101. Male i m’nyu. O dinheiro é sal. (Footnotes) 1��������������������������������������������������� P. Luís Feliciano dos Santos OFM e P. António Fonseca Maheme SSS, A B C das Escolas Comunitárias, Português-Txitxopi e Txitxopi-Português, Maputo, 2003, pp.58-71. Dinheiro, água o deu, água o levou 102. Msikati wo mbi lowolwa kha aki mwaya. Mulher não lobolada não cuida do lar. Mulher não lobolada não se sente responsável 103. Nyumba yi tshura ngu kutshulelwai. A casa é bonita por ser coberta. A mulher é bonita pelo vestuário que usa. 104. wukara i mame wa wusiwana. A preguiça é a mãe da pobreza. A preguiça é a mãe de todos os vícios 105. wuxaka wu xakela mmidi. O ser familiar leva a abuso de confiança. Um familiar pode abusar mais do que um de longe. 106. Mwanana kha na nyamne Uma criança não tem dono. Uma criança merece ajuda de todos. 107. Kuwonana ngu kuengeta. Um encontro feliz pede repetição. Os provérbios recolhidos pelos padres António da Fonseca Maheme e Feliciano dos Santos5 obedecem a uma or- 5 «Eis a Nossa Opção ortográfica Txopi Alguns pressupostos. a) O povo moçambicano é um povo bilingue. Temos a nossa língua materna e a língua portuguesa que adoptamos por razões historicamente óbvias. Devemos criar símbolos gráficos que evitem ambiguidade de escrita e de leitura para os falantes das duas línguas. b) Existem dois métodos de escrita das línguas ”bantu” internacionalmente aceites: o método analítico ou disjuntivo e o método sintético ou conjuntivo. Achamos que se deve reconhecer a cada uma das línguas moçambicanas o direito de opção nesta matéria. c) Todo o símbolo gráfico é fruto duma convenção racional do grupo linguís- tico que o cria ou adopta e usa. Assim se explica que a letra “i”, por exemplo, para o português soa mesmo “ï”, ao passo que para o inglês soa “ai”. Da mesma maneira, as letras r, j e z, que em português tem um valor fonético suave, para o txitxopi convencionamos dar-lhes um valor fonético forte e não precisamos de usar os dígrafos rh, dj e dz. d) Em conclusão, afirmamos categoricamente: devemos respeitar a autonomia das nossas línguas moçambicanas e buscar a unidade do povo moçambicano na pluriformidade e não na uniformidade. Assim, se o Nelimo reconhece ao Changana o direito de escrever Xichangana com o x e ao Maconde o de escrever Shimaconde com sh, não devia nunca pretender, contra tudo e contra todos, impor-nos o uso do c, em vez do tx. A razão da nossa opção por tx e não por c fundamenta-se, primeiro, na nossa tradição de 50 anos de uso daquele símbolo e, segundo, no facto de que, por causa da nossa lusofonia, se aceitássemos o c, isto nos levaria a homografia obscena, quando, por exemplo, quiséssemos escrever o pronome txona em nossa língua. “Que potest capere capiat!”» P. Luís Feliciano dos Santos OFM e P. António Fonseca Maheme SSS, A B C das Escolas Comunitárias, PortuguêsTxitxopi e Txitxopi-Português, Maputo, 2003, pp.73-74. 38 N° 17 | Outubro, 2011 Página de Especialidade Relação Homem e a Natureza no Conto Oral “Os Desejos da Mulher Grávida” Por Lurdes Rodrigues da Silva 1. Introdução A oralidade, como é sabido, é o principal veículo de transmissão de conhecimentos nas sociedades ágrafas. É através da palavra que se organiza o conhecimento e a compreensão de valores sócio-culturais, religiosos, normas e comportamentos das referidas sociedades. Sendo a palavra o principal veículo de transmissão de conhecimentos e valores, existe toda uma literatura por ela produzida e que está presente em todas as esferas destas sociedades, relatando e descrevendo os aspectos essenciais da vida destas mesmas comunidades (Altuna, 1989). Dentre esta vasta literatura oral podemos destacar: o conto, os provérbios, as adivinhas, as poesias e os cantos (Junod, 1995). Neste âmbito, procuraremos, no presente trabalho, reafirmar a importância desta literatura demonstrando o papel que o conto oral desempenha na relação entre o Homem e a Natureza. Para tal será apresentado e analisado um conto moçambicano do Vale do Zambeze colectado pelo autor Lourenço do Rosário intitulado “Os Desejos da Mulher Grávida”. encontrou uma cobra. Lembrou-se que as cobras eram animais que punham ovos, como as aves. Então, ele cantou: Ndala, Ndala amiga, Fui enviado, Ndala minga, Minha Esposa, Ndala minga, Com os teus ovos, Ndala minga, Seus desejos, Ndala minga, Quer matar, Ndala minga. A cobra respondeu de dentro da toca: Ouvi bem, Ndala minga, O teu pedido, Ndala minga, Vem, chega-te, Ndala minga, Escolhe, Ndala minga, Falta não fazem, Ndala minga, 2. O Conto e Sua Análise Os Desejos da Mulher Grávida “Havia, numa povoação, lá para os lados de Mutarara, uma mulher grávida. Como todas as mulheres grávidas, ela atormentava o marido com desejos que elas costumam ter durante esse estado. O marido procurava e encontrava tudo o que a mulher pedia. Trazia e dava‑lhe. Mas ela nunca parava de pedir. Um dia, a mulher chamou o marido e disse-lhe: ”Ó marido, hoje quero ovos”. O homem foi à capoeira e trouxe de lá os ovos de aves de capoeira. Quando ela viu os ovos, começou a gritar e a chorar: “Para que me serve ter um marido como tu? Peço-te ovos e vais buscá-los à capoeira do quintal. Esses também os poderia ir buscar. Quero ovos de animais do mato”. O homem foi ao mato e apanhou ovos de perdizes, de galinhas do mato, de patas bravas e todas as aves que habitam as lagoas. Trouxe-os e deu-os à mulher. Esta olhou com desprezo e recomeçou os lamentos: “Quando a criança nascer, vai ter vergonha de um pai como tu. Não tens coragem de enfrentar os bichos do mato. Pensei que tinha casado com um homem. Afinal, és igual a uma mulher”. O homem, cada vez mais desolado, embrenhou-se na floresta, à procura de um animal que pusesse ovos. Procurou, procurou, procurou. E Não abuses, Ndala minga, São muitos, Ndala minga São filhos também, Ndala minga. O homem aproximou-se, a cobra afastou-se, e ele tirou alguns ovos e ele levou-os à mulher. Esta saboreou-os cozidos, crus, assados. Gostou e disse: “Ó marido, vai outra vez à cobra e traz mais”. O homem disse: “ Mulher, os ovos são seus filhos, não há mãe que deixe que lhe comam os filhos sem reagir”. Mas a mulher insistiu. O homem foi. Quando chegou, cantou a mesma canção: Ndala, Ndala minga, Etc. A cobra disse que sim, mas quando o homem se aproximou para tirar alguns ovos, ela picou-o. O homem ficou envenenado e morreu ali mesmo, deitado ao lado da cobra. A mulher, em casa, esperou, esperou, esperou, pelo marido e pelos ovos. Passaram-se duas semanas. Ela foi ter com os irmãos do marido: “O meu marido desapareceu, deixando-me neste estado”. Os irmãos perguntaram: “Ele não disse para onde ia?”. Ela respondeu: “À procura de ovos”. Os irmãos disseram logo: “O nosso irmão está morto”. E foram ao feiticeiro. Este disse: “Se foi a cobra Ndala, só posso ressuscitá-lo com as 39 Página de Especialidade cinzas dessa mesma cobra”. O irmão mais novo foi e encontrou a cobra e então cantou a mesma canção: Ndala, Ndala minga, Etc. Pensando a cobra que era um outro homem que vinha à procura de ovos, respondeu da mesma forma. Mas quando o rapaz chegou ao pé da cobra atirou-lhe uma “azagaia”que lhe trespassou a cabeça, a cobra morreu e transportou-a, tendo feito uma maca onde colocou o irmão. O feiticeiro incinerou a cobra e com as cinzas fez umas papas que deu a tomar ao morto, que logo vomitou e despertou. Os irmãos disseram à mulher: “Por tua causa, íamos perder o nosso irmão. És uma mulher indigna de pertencer à nossa família. Vais ter o filho, que é nosso, por isso permanecerás entre nós até lá. Depois entregar-te-emos aos teus”. Foi assim que foi repudiada a mulher grávida que tinha desejos esquisitos” (Rosário, 2001, pp.77-79) Este conto é um exemplo típico do papel educativo desempenhado pelos contos nas sociedades de cultura oral. Apesar deste conto mostrar os costumes do povo do Vale do Zambeze, a nossa análise cingir-se-á apenas na relação entre o Homem e a Natureza, uma vez que a análise sobre os costumes deste povo já foram objecto de reflexão por parte de Rosário (2008). Neste conto, o narrador procura mostrar a relação Homem/ Natureza indicando com clareza quais devem ser as atitudes do ser humano face à mesma. O narrador demonstra que o Homem se serve da Natureza para se alimentar e sobreviver, ilustrado pelo facto do marido ir ao mato procurar ovos de animais selvagens para sacear os desejos da sua esposa grávida. Todavia, este mesmo narrador revela-se conhecedor da importância do uso equilibrado dos recursos proporcionados pela Natureza quando expressa, através do canto, o alerta que a cobra deu ao homem ao dizer que atenderia o seu pedido e daria os ovos, mas o avisava para que não abusasse. Este aviso é importante para o Homem, no sentido de que ninguém deve fazer uso abusivo daquilo que existe na Natureza. Essa consciência em manter uma relação equilibrada quanto ao uso de recursos da Natureza também é manifestada pelo marido quando, após oferecer os ovos da cobra à sua esposa e esta continuar a insistir em querer mais, diz: “Mulher, os ovos são seus filhos, não há mãe que deixe que lhe comam os seus filhos sem reagir”. Neste conto, o narrador evidencia que o homem abusa da Natureza, por mero capricho, retirando os seus recursos, mesmo quando não precisa deles, ao afirmar que o marido se aproximou da cobra e retirou alguns ovos que levou à esposa que os consumiu cozidos, crus, assados, mas insistiu ao marido que voltasse à cobra e trouxesse mais ovos. O narrador também mostra que o uso abusivo e desenfreado dos recursos da Natureza traz consequências nefastas ao próprio Homem e pode até levar à morte, ao relatar que após a insistência da mulher, o homem voltou à cobra e acabou morrendo, envenenado pela picada da mesma. O narrador também ilustra que a cura dos problemas causados pela Natureza está na própria Natureza, conforme ficou demonstrado pela exigência de que o tratamento para a cura do marido morto fosse encontrada na cobra que o matou. 3. Conclusão Da análise feita ao conto oral “Os Desejos da Mulher Grávida”, pode-se inferir que o mesmo desempenha um papel educativo de extrema importância no que concerne à relação que deve ser estabelecida entre o Homem e a Natureza, mais concretamente na necessidade de razoabilidade de exploração pelo homem dos recursos proporcionados pela mãe Natureza. Infere-se também que a preocupação pelo uso equilibrado de recursos é uma questão antiga e actual, embora na actualidade seja mais evidente, derivada da cada vez mais crescente, desenfreada e inconsequente pressão do Homem sobre os recursos existentes na Natureza. Referências Bibligráficas Altuna, P.R.R. (1985). Cultura Tradicional Banto. Luanda: Secretariado Arquidiocesano de Pastoral Junod, H.(1996). Usos e Costumes dos Bantu. Tomo 2. Maputo: Arquivo Histórico de Moçambique Rosário, L. (2002). Contos Moçambicanos do Vale do Zambeze. Maputo: Rosário, L. (2008). A Narrativa africana de Expressão Oral. 2ª Edição. Maputo: Texto Editores 40 N° 17 | Outubro, 2011 Página de Especialidade Fonologia Segmental da Língua Copi Por Nelsa Nhantumbo 1. INTRODUÇÃO O estudo da fonologia constitui uma base de compreensão da gramática estrutural e funcional de uma língua, como mostram os trabalhos de Liphola (2001), Meinhof (1932), Ngunga (1997, 2000, 2002), entre outros que procuraram abordar a estrutura e funcionamento de línguas bantu em termos fonológicos. A presente comunicação tem como objectivo descrever a fonologia segmental da língua Copi (S63 na clasificação de Guthrie 1967/71), discutindo concretamente as regras fonológicas que envolvem consoantes e vogais. Para a presente comunicação foram tomados como base os seguintes métodos de trabalho: método de entrevista que consiste em o investigador apresentar uma lista de palavras e/ou frases na língua em questão ao informante e posterior transcrição; método filológico que consiste na pesquisa de dados bibliográficos de trabalhos relacionados com o tema, anteriormente escritos; e o método de introspecção que consiste em recorrer ao conhecimento próprio do investigador. De referir que a teoria usada para explicar os processos foi a de fonologia e morfologia lexical. Esta teoria assume que as regras fonológicas são aplicadas a diferentes níveis na gramática e o número de níveis pode variar de língua para língua (Ngunga 2000). Geralmente existem regras que se aplicam a nível lexical (a nível da palavra) e regras que se aplicam a nível pós-lexical (a nível do sintagma ou da frase) e para a presente comunicação interessa-nos apenas o nívle lexical. Em termos organizativos o mesmo encontra-se disposto em: 1 Introdução, onde são apresentados aspectos gerais, os objectivos do trabalho, a metodologia usada no trabalho e o quadro teórico a ser usado; 2 Revisão da literatura; 3 Fonologia Segmental da língua; 4 Conclusões e, por último, as referências bibliográficas. 2. REVISÃO DA LITERATURA Um dos conceitos importantes neste trabalho, como foi referido na subsecção anterior, é o da fonologia que é definida por Hyman (1975), Ngunga (2002, 2004), Katamba (1989) como o estudo dos sistema de som, sua estrutura, as regras que regem a sua combinação no sistema, bem como a sua função na comunicação O objecto de estudo da fonologia é o fonema, este que permite distinguir palavras de diferentes significados. É importante realçar que a fonologia estuda a função dos sons tanto segmentais assim como suprassegmentais. A fonologia suprassegmental é a que se preocupa com os aspectos que afectam mais do que um segmento, tais como a sílaba, o acento, o tom; enquanto a fonologia segmental vai-se preocupar com o estudo dos sons vocálicos e sons consonânticos. Para o presente trabalho incidiremos na fonologia segmental, isto é, no estudo das vogais e consoantes da língua Copi, incluindo as regras que regem a sua combinação na formação de unidades maiores (morfemas, palavras ou mesmo frases). Sendo então as vogais e as consoantes os elementos fundamentais da fonologia segmental é, deste modo, importante apresentar de uma forma clara as suas definições. Assim, as vogais são definidas, segundo Ngunga (2006) como sons produzidos sem nenhuma obstrução da corrente do ar em todo o seu percurso. Na produção deste tipo de sons a propagação do ar pulmonar egressivo é feita através das cordas vocais dentro da laringe por meio da extensão vocal (Clark & Yallop 1990). Em bantu, considera-se que a língua ancestral (Proto-bantu) apresentava no seu sistema vocálico 7 vogais das quais, actualmente, em muitas línguas do mesmo grupo o sistema é de 5 vogais. O encontro entre essas vogais (hiato) é, algumas vezes, inaceitável em algumas línguas e quando tal acontece é à fonologia que se recorre, pois só esta pode explicar e resolver o hiato. Para além das vogais, viu-se que a nível segmental a fonologia apresenta-nos as consoantes que são definidas como sons produzidos com obstáculo à passagem do ar na cavidade bucal. Em geral, “as consoantes mostram uma maior constrição da extensão vocálica e menor proeminência do que as vogais” (Clark & yallop 1991). De acordo com Meeussen (1967), o proto-bantu apresenta um sistema consonântico relativamente simples como ilustra o exemplo a seguir: p t c k b d j g m n 41 Página de Especialidade ELISÃO Nas línguas bantu, estes sons também se podem combinar, tal como as vogais. Da combinação entre os vários sons (vogais e consoantes) podem resultar fenómenos variáveis de língua para língua. Tais fenómenos podem ser explicados pela fonologia, através de regras fonológicas aplicadas na resolução dessas combinações. 3. FONOLOGIA SEGMENTAL DA LÍNGUA COPI O encontro entre duas vogais pode resultar na elisão de uma das vogais. Observemos os exemplos abaixo: Exemplo (1) a) manu (cl6) /ma-inu/ ‘dente’ maso (cl6) /ma-iso/ ‘olhos’ cala (cl7) /ci-ala/ ‘unha’ sala (cl8) /si-ala/ ‘unhas’ b) –bhala -bhate /bha-it-l-e/ ‘escrever’ -wona -wone /wo-il-n-e/ ‘ver’ 1.1.Sistema Vocálico O sistema vocálico da língua Copi apresenta cinco (5) vogais fonémicas conforme ilustra a tabela a seguir: Tabela 2: Vogais da língua Copi Anterior Central Recuada Fechadas/ Altas i u Semi-abertas/ Médias e o Aberta/ Baixa a Fonte: Sitoe & Ngunga (2000) Tal como foi apresentado anteriormente em relação às vogais das línguas moçambicanas, estas foram reduzidas a cinco, do Proto-bantu. Nesta língua, embora a penúltima sílaba da palavra seja sempre longa, esta não é marcada na escrita, pois a duração vocálica, na língua Copi, não é fonémica. 1.1.1. Processos fonológicos envolvendo vogais Tal como muitas línguas moçambicanas, a língua Copi não é favorável à encontros de vogais. Por isso, quando a morfologia ou a sintaxe cria condições para que tal aconteça, a fonologia da língua encontra formas de resolver o problema, desfazendo o encontro, utilizando diversos mecanismos de acordo com a qualidade e a sequência das vogais envolvidas. A seguir apresentamos de forma discriminada os processos que envolvem vogais. < ndzlila + ini ‘na rua’ nyumbani < nyumba + ini ‘na casa’ ndzumani < ndzuma + ini ‘na chuva’ thembweni < thembwe + ini ‘na machamba’ c) ndzilani Em (a) temos exemplos de nomes em que o encontro entre as vogais do prefixo nominal e a do tema nominal é resolvido pela elisão de uma das vogais. Se repararmos há uma sequência do tipo [a+i] e [i+a], mas em ambas as sequências a vogal que prevalece é a vogal baixa [a], podendo esta regra ser representada como: i. [a+i → a] / [i+a →a] Em (b), embora as palavras sejam de outra categoria lexical, verbos, a elisão no radical verbal acontece como resultado de um processo de imbricação1 do sufixo que marca o perfectivo -il-e. Em (c) são apresentados exemplos de elisão da vogal [i] do sufixo locativo (-ini-). Esta regra pode ser formalizada como: ii. V → ⁄_ V [+alt; +ant] [-alt] ou ainda V → [+alt;+ant] O ⁄ V _ [-alt] Isto significa que a vogal [i] quando se encontra com uma outra vogal média ou baixa, independentemente da posição em que se encontra é elidida. Cf. Ngunga 1998. Imbrication in Ciyao. In Maddieson, I. &Hinnebusch, T. J. (eds), Language History and Linguistic Description in Africa. 2: 167-176 1 42 N° 17 | Outubro, 2011 Página de Especialidade SEMI-VOCALIZAÇÃO INSERÇÃO Outras vezes a língua recorre à inserção de uma glide como recurso para evitar o encontro entre duas vogais. A natureza da glide depende da natureza das vogais em causa. Exemplo (2) a) Kuyengisa /ku-engisa/ ‘ouvir’ Kuyengeta /ku-engeta/ ‘aumentar’ Kuyema /ku-ema/ ‘parar’ Kuyengetela /ku-engetela/ ‘aumentar’ [u + e → uye]: b) Kuyaneka /ku-aneka/ ‘estender’ /ku-amukela/ ‘receber’ Kuyamukela [u + a→ uya]: c) Kuyimbelela /ku-imbelela/ ‘cantar’ [u + i → uyi] d) kuwola /ku-ola/ ‘recolher lixo’ [u + o → uwo] e) kuwuka /ku-uka/ ‘acordar’ /ku-ulela/ ‘entrar’ kuwulela [u + u → uwu] Como podemos observar nos exemplos acima, independentemente da natureza da vogal, quando uma vogal se encontra com a vogal alta, recuada [u] há inserção de uma glide para resolver o hiato. A natureza da vogal só vai influenciar na escolha da glide. Esta regra pode ser formalizada da seguinte forma: iii. V+V → VGV / V V Se repararmos para a natureza da primeira vogal notaremos que se trata de uma vogal [+alta; +rec] [u], que ao se encontrar com qualquer outra vogal condiciona a inserção de uma glide. Essa glide pode ser [w] quando as vogais de encontro são [u, o] e [y] quando as vogais de encontro são [a, e, i]. Um outro processo que se aplica na resolução de hiatos é o da semi-vocalização. Considerem-se os seguintes exemplos: Exemplo (3) a) mwanana /mu-anana/ ‘criança’ /mu-ani/ ‘genro’ b) thombvwini /thombvu-ini/ ‘no nariz’ c) cibhajyana /ci-bhaji-ana/ ‘vestidinho’ mwani Como se pode ver nos exemplos em (a e b) a vogal [+alt; +rec] sofreu uma semi-vocalização ao se encontrar com as vogais [+baix] e [+alt; +ant], tornando-se assim em [w]. Em c) temos uma situação em que a vogal do tema nominal se encontra com a vogal do sufixo descontínuo que marca o diminutivo e sofre, no entanto, uma semi-vocalização. Neste caso, por se tratar de uma vogal [+alt; +ant], em posiçãio primária, esta muda para [y]. Como se pode oobservar mais uma vez, a escolha da glide não é aleatória, só a vogal [+alt; +ant] é que passa para [y] e a vogal [+alt; +rec] é que passa para [w]. Esta regra pode ser formalizada da seguinte como: iv. V→ G/ _ V Segundo os dados acima analisados constatou-se que nesta língua o encontro entre vogais pode ser resolvido através de processos como a inserção, a elisão e a semi-vocalização. Cada um destes processos é condicionado pela natureza das vogais. 1.2. Sistema Consonântico Após uma análise do comportamento dos sons vocálicos, passaremos, em seguida, a analisar o comportamento dos sons consonânticos, procurando ver os processos fonológicos que os envolvem. Como ponto de partida apresentaremos o quadro das consoantes da língua Copi. A língua Copi apresenta as seguintes consoantes; Tabela 2: Consoantes da língua Copi Modo \ Ponto Oclusiva Bilabial Labiodental p bh Alveolar Palatal Velar Glotal t dh c j k g 43 Página de Especialidade Nasal m n ny ng’ Fricativa f Africada ps Implosiva b Vibrante simples Aproximante Aprox. lateral bz v, vh s z x sw zw pf bv ts dz d r v h nrumbu ‘barriga’ nsuka ‘mosquito’ b) Nkondo ‘pé’ ‘capulana’ Nguwo c) mbiya y w l Fonte: Sitoe & Ngunga (2000) De salientar que as oclusivas [b] e [d] escrevem-se·h e dh, respectivamente para se distinguirem das implosivas [] e [], que se escrevem b e d, respectivamente. Exemplo (4) Kubhika ‘cozinhar’ Kubika ‘apresentar queixa’ Kudhaha ‘fumar’ Kudola ‘furar’ O mesmo se dá com a fricativa lábio-dental [v] que se escreve vh para se distinguir da aproximante [V]. Exemplo (5) ‘loiça’ Os exemplos acima mostram a assimilação do ponto de articulação da consoante seguinte (do tema nominal) por parte da nasal do prefixo nominal. Em (a) a nasal tomou o traço [+alv] por causa da africada alveolar [dz]; em b) a nasal toma o traço [+velar] por causa das oclusivas velares [k; g] respectivamente, e em c) a nasal toma o traço [bilabial] obviamente pelo traço da oclusiva bilabial [b]. Um outro processo que ocorre no encontro entre duas consoantes é o da elisão, e este tal como nas vogais também decorre do processo de imbricação. Este processo, tal como nas vogais, acontece em palavras com a categoria de verbo. A elisão no radical verbal acontece como resultado do processo de imbricação do sufixo que marca o perfectivo -il-e. Exemplo (7) (1) -dhan- -dhan-e /-dha-il-n-e/ ‘chamar’ -khur- -khur-e /-khu-il-r-e/ ‘saciar’ -won- -won-e /-wo-il-n-e/ ‘ver’ (2) -bhala -bhat-e /-bha-it-l-e/ ‘escrever’ -fenengela -fenenget-e /-fenenge-it-l-e/ ‘cobrir’ ‘fechar’ kuveka ‘pôr’ -pfala -pfate Kuvhuna ‘ajudar’ -duketa -duket-e /-duke-it-t-e/ ‘experimentar’ -gubhuta -gubhut-e /-gubhu-it-t-e/ ‘sacudir’ -xota -xot-e ‘caçar’ Em seguida passamos a analisar os processos que envolvem as consoantes. 1.2.1. Processos fonológicos envolvendo consoantes Tal como nas vogais, nas consoantes há também alterações que provocam a ocorrência de alguns processos. A pré-nasalização, na língua Copi é marcada obviamente por uma nasal antes da consoante, mas tal nasal depende do ponto de articulação da consoante seguinte, ou seja, da consoante a ser nasalizada. Esta pré – nasalização respeita a uma certa regra que é a de assimilação. Vejam-se os seguintes exemplos: Exemplo (6) a) ndzala ‘fome’ /-pfa-it-l-e/ /-xo-it-t-e/ Em (1) os exemplos mostram a formação do passado com o morfema –il-e e em (2) ilustram-se exemplos de verbos cuja formação do passado é como morfema –it-e, mas em ambos os caso há uma imbricação e consequentemente uma elisão. Este processo pode ser ilustrado da seguinte forma: –CVCi. -CV-it-C- infixação -it- morfologia ii. -CV-it- elisão (C) fonologia iii. –CVt- elisão -i- (v+v) fonologia iv. –CVt-e sufixação -e morfologia N° 17 | Outubro, 2011 44 Página de Especialidade É importante referir ainda que nesta língua as consoantes simples podem sofrer modificações e tais verificam-se através dos processos que abaixo se apresentam: A labialização é um processo que, segundo Ngunga (2002), se verifica quando na produção das consoantes há um ligeiro arredondamento dos lábios. Ainda segundo o mesmo autor só se labializam as consoantes não-labiais. Exemplo(8) kokwani ‘avó’ dirigwi ‘pedra’ kunwa ‘beber’ Regra: [α –lab]→ [α +lab] /_[+lab/vel] onde α simboliza o som alvo de labialização. No caso concreto trata-se dos sons [k, g e n] como ilustram os exemplos acima. Quando as consoantes são labiais, estas são velarizadas. Vejam-se os seguintes exemplos: Exemplo (8) yimbwa‘cão’ ndzambwa kupwata‘faltar/ ser preciso’ ‘lixo’ 4.CONCLUSÕES O presente trabalho tinha por objectivo estudar a língua Copi, concretamente uma das partes da gramática da língua, a fonologia. Dentro do estudo fonológico desta língua procuramos abordar questões ligadas aos segmentos fonológicos, nomeadamente as consoantes e vogais, analisando os processo fonológicos que se operam no interior desses segmentos, à medida que eles se vão combinando. O primeiro capítulo foi reservado à introdução; o segundo foi reservado à revisão da literatura onde foram apresentadas abordagens anteriores sobre o tema em questão; o terceiro capítulo foi de análise dos dados por nós recolhidos, sobre as alterações vocálicas e consonânticas que se operam na língua Copi e chegámos à conclusão que nesta língua tanto as vogais assim como as consoantes, são susceptíveis de modificações sempre que a morfologia ou a sintaxe da língua criarem condições. Tais condições estão ligadas à natureza das vogais que se encontram, à natureza das consoantes que também se vão encontrar. As consoantes são modificadas através das regras de palatalização, pré-nasalização, labialização, velarização e verifica-se ainda o processo fonológico de assimilação do ponto de articulação. E as vogais podem sofrer elisão, semivocalização ou ainda se pode inserir uma glide entre duas vogais. REFEÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Regra: [+lab] → [+lab; +vel] / _ [+vel] Para além dos processos acima referidos ocorre, ainda, nesta língua o processo de modificação das consoantes por palatalização e este processo é marcado pela glide y. Exemplo (10) yiphya libhyasu‘vara’ ‘algo novo’ Esta regra pode ser ilustrada como: [+lab] → [+lab; +pal] / _ [+pal] De acordo com os dados recolhidos só foi possível constatar a regra de assimilação do ponto de articulação, como resultado do encontro de duas consoantes na fronteira entre morfemas, mas no interior do mesmo léxico constatou-se que as consoantes sofrem modificações como palatalização, labialização e velarização. Cada um desses processos é aplicado tendo em conta a fonologia da palavra para que se evitem erros a nível do léxico. Clark, J. & Yallop, C. (1990). An Introduction to Phonetics and Phonology. Basil: Blackwell. Dos Santos, F. L.1941. Gramática da Língua Chope. Imprensa Nacional de Moçambique. Lourenço Marques. Firmino, G. 2002. A Questão Linguística na África Pós-colonial. O caso do Português e das línguas autóctones em Moçambique. Promédia. Maputo. Hyman, L. M. 1975. Phonology: Theory and Analysis. Holt, Rinehart and Winston. New York. Katamba, F. 1989. An Introduction to Phonology. Longman. London. Liphola, M. M. 2001. Aspects of Phonology and Morphology of Shimakonde. Ohio State University. LTP Meinhof, C. 1932. Introduction to the Phonology of the Bantu Languages. (traduzido por N.J. van Warmelo) Berlin: Verlag von Dietrich Reiner. Ngunga, A. 1997. A Lexical Phonology and Morphology of the Ciyao Verb Stem. UMI Berkeley. Ngunga, A. 2000. Phonology and Morphology of the Ciyao 45 PÁGINA DE ESPECIALIDADE Verb. CSLI Publications. Leland Stanford University. California. USA. Ngunga, A.2002. Elementos da Gramática da Língua Yao. Imprensa Universitária-UEM. Maputo Ngunga, A. 2004. Introdução à Linguística Bantu. Imprensa Universitária UEM. Maputo Ngunga, A. 2006. Apontamentos de Fonética. (Manuscrito). UEM Maputo Sitoe, B. & Ngunga, A. (orgs.) 2000. Relatório do II Seminário sobre a Padronização da Ortografia de Línguas Moçambicanas. Universidade Eduardo Mondlane. Maputo. . 46 N° 17 | Outubro, 2011 Resumo de contribuições para a Folha Páginas de especialidade e páginas em foco constantes de edições anteriores: Nº1 (Fevereiro 1997) Em foco: Em direcção à pós-graduação Armando Jorge Lopes Nº2 (Agosto, 1997) Página de especialidade: Sobre o enfraquecimento da morfologia flexional verbal no Português de Moçambique. Avelino Jeque Nº 3 (Junho, 1999) Página de especialidade: Dualismo na percepção da realidade: Utopia ou Alquimia? Armando Jorge Lopes Restrições na combinação e ordem das extensões verbais em Ciyao Armindo Ngunga Em foco: 1ºs jornadas de Linguística na UEM: 10 anos de Linguística1986-1996. Armando Jorge Lopes. Nº 4 (Outubro, 2002) Página de especialidade: Normas de cortesia e eufemismos sociais como factores de preservação da tradição Tsonga. Henrique Nhaombe A Disciplina de literaturas africanas de expressão portuguesa uma história em curso. Ana Mafalda leite Em foco: Os novos cursos de linguística e literatura, línguas e tradução e interpretação. Gilberto Matusse Nº 5 (Abril, 2003) Página de especialidade: Passivas em Changana: uma abordagem no âmbito da teoria de mapeamento lexical Feliciano Chimbutane O Império português responde por escrito ou estamos numa nice: sobre a situação luso-africana na perspectiva dos estudos pós-colonialismo. Ingemai Larsen Passado-presente e passado-perdido: transitar entre a oralidade e a escrita Ria Lemaire Em foco: Reforçando a linguística e literatura. Parabéns Henrique! Armando Jorge Lopes Nº 6 (Outubro, 2003) Página de especialidade: Variação e variedades: o caso do Português Maria Helena Mateus Cassamo e a oralização da escrita. Herculano Thumbo O encanto da poesia no canto de Agostinho neto Maria Aparecida Santilli Evidência linguística em processos criminais: a linguística forense como um novo desafio para a l9inguística moderna. Eliseu Mabasso Em foco: Linguística da Paz: uma experiência brasileira. Francisco Gomes de Matos Nº7 (Abril, 2004) Página de especialidade: Niketche, uma história de poligamia de Paulina Chiziane: a moçambicanidade revisitada. Almiro Lobo 47 O papel que o CALL poderá desempenhar no ensino de línguas em Moçambique. Márcia dos Santos O ensino interdisciplinar de língua portuguesa em sala de aula. Joelma Saltosque dos Santos Em foco: A SIL e a investigação linguística nos últimos anos. Janet Hartahn Em foco Actividade editorial no Departamento de Linguística e Literatura Henrique Nhaombe Abertura dos cursos de Mestrado e de Doutoramento em Linguística a partir de Fevereiro de 2006 Henrique Nhaombe Nº 10 (Abril e Outubro de 2007) Nº 8 (Outubro de 2004) Página de especialidade: Como explicar os significados extra-linguísticos (ou culturais)? Edouard Kitoko Nsiku Página de especialidade: Redução Vocálica numa Língua Tipicamente Tonal Marcelino Liphola Esboço para uma Análise da Equivalência no Léxico de Usos Julieta Langa Deveres Comunicativos através de rimas. Francisco Gomes de Matos As Lágrimas do Veterano de Yávànha Ahóna Abudo Machude Em foco: Sociedade Bíblica de Moçambique Valente Tseco Em Foco: Ualalapi de Ungulani Ba kha Khosa: Diálogos com a História Nataniel Ngomane Nº 9 (Abril e Outubro de 2006) Nº 11 (Abril de 2008) Página de especialidade Chinua Achebe e a Interpelação da História Fátima Mendonça Página de especialidade: Uso Idiomático da Linguagem em Rádio Henrique Nhaombe Perfil Linguístico da República Democrática do Congo Edouard Kitoko Nsiku Os Empréstimos Lexicais do Português no Emarevoni e os Critérios da sua Integração nas Classes Nominais do Emarevoni. Pércida Langa Variação Linguística do Português oral de Maputo- o caso dos complementos oracionais seleccionados pelo verbo dizer Manuel Guissemo Alguns Aspectos Correntes Da Educação Bilingue Lurdes da B.Vidigal Rodrigues da Silva Em Foco: Dogs’ Languages or People’s Languages? The Returning Of Bantu Languages To Primary Schools In Mozambique Edouard Kitoko Nsiku Nº 12 (Outubro de 2008) Página de especialidade: A expressão de movimento com verbos causativos em Changana Bento Sitoe Construções relativas directas e indirectas no Changana Ezra Chambal 48 N° 17 | Outubro, 2011 José Craveirinha e Eduardo White: apontando algumas nuances dos projectos literários. Luís Cezerilo Nº 13 (Abril de 2009) Página de especialidade: Análise contrastiva as formas de cumprimento entre Português e Emakhuwa Maurício Bernardo Para uma Abordagem das Estruturas Cognitivas:Cenários Interpretativos do Texto “A morte de um homem organizado” Julieta Langa Variação e Mudança Semântica no Português por Jovens da cidade de Maputo Ezra Chambal, Paulino Fumo e Noa Jamisse Em Foco: O Sistema De Ensino Dos Cegos Valente Tseco Nº 14 (Outubro de 2009) Página de especialidade: Sobreviver…e depois? Uma nota sobre os sobreviventes da noite de Ungulani Ba Ka Khossa Gilberto Matusse A categoria das extensões verbais em Changana Bento Sitoe Desafios na gestão da diversidade do património linguístico em Moçambique Marcelino Liphola O ensino bilingue em Moçambique: um desafio político estratégico Osvaldo Guirrugo Faquir Em Foco: Estudos sobre a timbila dos Vacopi (Vatxopi). Parte I Valdemiro Jopela Nº 15 (Abril de 2010) Página de especialidade: Morfofonologia da marca do passado na língua Copi Nelsa João Nhantumbo O plural dos nomes da classe 9 em Shimakonde Rosa Da Conceição Remy João Mitelela Reflexões em torno da racionalização linguística nos países africanos pós-coloniais Pércida Langa Em foco: The link between education and development Lurdes da Balbina Vidigal Rodrigues da Silva Nº 16 (Outubro de 2010) Página de especialidade: The Role of Error Analysis in ELT in Mozambique Marcos A. Nhapulo Propondo o encontro entre a fala e a escrita: da necessidade de inclusão do tom na ortografia padronizada de Shimakonde Marcelino Liphola Análise do tom no sintagma nominal em Cinyungwe Maurício Bernardo