Os primeiros decifradores da Pedra de Roseta
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Os primeiros decifradores da Pedra de Roseta
A PEDRA DE ROS ETA Publicações do Museu Britânico A PEDRA DE ROSETA Carol Andrews Departamento de Antigüidades Egípcias BMP Publicado para os administradores do Museu Britânico pelas Publicações do Museu Britânico Ltda. ÍNDICE Os hieróglifos antes da decifração A descoberta da Pedra de Roseta Como a Pedra veio para a Inglaterra Descrição da Pedra Os primeiros decifradores da Pedra de Roseta O método de decifração O conteúdo da Pedra de Roseta A seção grega da Pedra de Roseta A língua egípcia antiga O alfabeto hieroglífico 6 Os hieróglifos antes da decifração No dia 24 de agosto do ano 394 d. C, na ilha de Philae, na costa sul do Egito, hieróglifos foram usados, ao que tudo indica, pela última vez para escrever a língua egípcia antiga. A inscrição em pedra mais recente, em demótico, a última e a mais cursiva das três escritas empregadas pelos antigos egípcios, é datada de menos de sessenta anos mais tarde, de 452 d. C. Embora seja possível que o demótico, escrito com tinta e pincel ou pena sobre papiro, estivesse em uso há um pouco mais de tempo, para todas as finalidades úteis, durante os 1.370 anos seguintes, o Egito antigo esteve em silêncio, pois a arte de ler seus escritos antigos havia-se perdido. Não havia ninguém para dar voz às incontáveis inscrições hieroglíficas que abundavam por todos os seus monumentos ou aos textos em escrita cursiva hierática e demótica acumulados em papiros e lascas de pedra e cerâmica. Porém, a língua sobreviveu, escrita em caracteres gregos complementados por sete sinais tomados emprestados ao demótico, em uma forma chamada de copto, que é a escrita e a língua dos descendentes cristãos dos antigos egípcios. Na verdade, a palavra copto é meramente uma forma de aiguptios, ou seja, de egípcio. O copto como língua falada desapareceu no século XVI d. C, mas ainda é lido até hoje em igrejas coptas. Seu vocabulário consiste em uma mistura de palavras do egípcio antigo e do grego. Alcançando uma importância ainda maior mais tarde, os primeiros livros elementares coptos eram escritos em árabe, de modo que qualquer pessoa que soubesse ler árabe tinha acesso à última forma da língua egípcia antiga. Mesmo quando o egípcio antigo era uma língua viva, os gregos e romanos não fizeram qualquer esforço genuíno para entender os caracteres nos quais a língua podia ser escrita. Dentre as autoridades antigas, apenas Clemente de Alexandria, escrevendo no período entre o final do século II e o início do século III d. C., fez uma distinção clara entre os hieróglifos, escrita usada em textos oficiais e religiosos, e o demótico, escrita usada na comunicação diária. Ele ressaltou em particular a natureza enigmática, esotérica e simbólica dos hieróglifos; o demótico cursivo não tinha nada de interessante para ser comparado à escrita pictórica aos olhos dos escritores clássicos. Já no século I a. C., o historiador grego Diodorus Siculus, comentando os hieróglifos, escreveu: "Agora ocorre que as formas de suas [dos egípcios] letras assumem a forma de todos os tipos de criaturas vivas e das extremidades do corpo humano e de instrumentos... Pois sua escrita não expressa a idéia pretendida por meio de uma combinação de sílabas entre si, mas sim pela aparência externa do que foi copiado e pelo sentido metafórico impresso na memória pela prática... Assim sendo, o falcão simboliza para eles tudo que acontece rapidamente, pois essa criatura é quase o mais veloz dos animais alados. E a idéia é transferida, por meio da transferência metafórica apropriada, a todas as coisas velozes e àquelas coisas para as quais a velocidade é apropriada." Durante os primeiros séculos depois de Cristo, a adoção dos hieróglifos pelos filósofos neoplatônicos como uma escrita de inspiração divina, que incorporava simbolicamente toda a sabedoria humana, deu origem a um conjunto de escritas herméticas e a tratados como a Hierogliphyca de Horápollo. A presença dessas obras 7 A Pedra de Roseta 8 entre as primeiras obras sobre o assunto redescobertas durante a Renascença Européia deu origem à tradição, entre os estudiosos dos séculos XVI e XVII, segundo a qual os hieróglifos eram puramente simbólicos e continham em seus sinais a erudição perdida do antigo Egito. A influência exercida por essa crença nas tentativas de decifração tem seu melhor exemplo nas alegações do padre alemão Athanasius Kircher, que afirmou, em uma obra escrita em meados do século XVII, poder ler frases inteiras naquilo que mais tarde provou-se ser uma única palavra hieroglífica escrita com caracteres alfabéticos. As atividades francesas no Egito no final do século XVIII tornaram grandes quantidades de inscrições e material escrito acessíveis aos estudiosos que lutavam contra o problema da decifração dos hieróglifos. Mais importante ainda foi o fato de que uma nova escola de pensamento estava surgindo, a qual rejeitava o valor simbólico e esotérico dos hieróglifos, percebendo em vez disso que eles eram caracteres usados para escrever uma língua antiga, e que as escritas hierática e demótica eram apenas formas cursivas da mesma escrita. Por conseguinte, é quase certo que a chave para a decifração dos hieróglifos teria sido encontrada afinal, mesmo sem a descoberta de textos bilingües como o que se encontra na Pedra de Roseta, porém é difícil dizer por quanto tempo mais a compreensão dos escritos do antigo Egito teria sido postergada. A descoberta da Pedra de Roseta O bloco de basalto negro compacto, chamado durante quase dois séculos de a Pedra de Roseta, encontra-se na Galeria de Escultura Egípcia do Museu Britânico, em Londres. Recebeu o nome do local onde foi encontrado no Delta Ocidental, uma pequena aldeia chamada Rashid, mais conhecida pelos europeus como Roseta, situada a alguns quilômetros do mar, no braço Bolbitino do Nilo. Existem algumas dúvidas sobre as circunstâncias de sua descoberta, em meados de julho de 1799. De acordo com algumas versões, a pedra estava simplesmente caída no chão, porém o relato mais provável conta que ela estava embutida em uma muralha muito antiga, que uma companhia de soldados franceses havia recebido ordens de demolir, a fim de abrir caminho para os alicerces de uma ampliação do forte conhecido mais tarde como Forte Julien. O Mapa do Egito de Napoleão mostra que o Forte Julien esguia-se na margem ocidental ou oriental do Nilo O oficial encarregado do esquadrão de demolição, um tenente-engenheiro chamado Pierre François Xavier Bouchard, e seus colegas oficiais receberam o crédito de haver percebido quase de imediato a importância das três inscrição distintas contidas na pedra, ou seja, que cada uma delas era uma versão de um único texto em três escritas diferentes. Uma vez que a última das inscrições estava em grego, e portanto podia ser lida, era óbvio que talvez fosse possível usar sua tradução como chave para a decifração dos hieróglifos contidos na primeira seção. O General Menou providenciou para que parte da seção grega fosse traduzida quase de imediato, a fim de verificar a natureza do texto. A notícia da descoberta da pedra, e de sua possível importância, só foi publicada em setembro de 1799, no Courrier d'Égypte, quando ela já havia sido despachada para o Cairo e depositada no Instituto Nacional, fundado pouco tempo antes por Napoleão. Ao chegar ao Cairo em meados de agosto, a pedra tornou-se imediatamente objeto do mais profundo interesse para o corpo de acadêmicos que Napoleão havia levado consigo para o Egito. A inscrição 9 Antigo bloco de pedra com inscrições em hieróglifos, contido em uma muralha em Roseta. entre a seção hieroglífica e a grega foi logo identificada por Jean-Joseph Marcel e Remi Raige como a escrita cursiva derivada dos hieróglifos chamada de demótica, ou, como eles a denominaram, encorial, mas nenhum progresso foi feito em sua decifração ou na decifração da seção hieroglífica. Mais tarde ordenou-se que fossem feitas inúmeras cópias das inscrições contidas na pedra para serem distribuídas aos estudiosos da Europa, e os dois litógrafos especializados do Instituto, Marcel e A. Galland receberam instruções para fazer as cópias. O método usado consistia em cobrir a superfície da pedra com tinta de impressora, estender sobre ela uma folha de papel e passar rolos de borracha sobre ela até que se obtivesse uma impressão de boa qualidade. Várias dessas impressões à tinta foram enviadas a estudiosos de grande reputação em muitas partes da Europa, e no outono de 1800, duas cópias foram presenteadas a Du Theil, do Instituto Nacional de Paris, pelo General Dugua, que retornava do Egito. Como a Pedra veio para a Inglaterra Quando o Cairo estava sob ameaça, após as operações bem sucedidas de Sir Ralph Abercromby no Egito, na primavera de 1801, os estudiosos da expedição francesa decidiram trocar a capital 10 Tropas francesas da Força Expedicionária de Napoleão desfilando em Roseta. pela segurança de Alexandria, levando consigo suas anotações, espécimes e antigüidades coletadas, dentre as quais estava a Pedra de Roseta. É irônico que se eles tivessem permanecido na capital, teriam se beneficiado dos termos de sua capitulação, o que lhes teria permitido retornar à França com todos os objetos que estivessem em seu poder. Em vez disso, de acordo com o Artigo 16 da Capitulação de Alexandria, eles foram obrigados a entregar a Pedra de Roseta e várias outras atigüidades egípcias importantes ao General Hutchinson no final do mês de agosto daquele ano. Algumas dessas antigüidades ele despachou de imediato para a Inglaterra no navio HMS Admiral, outras no HMS Madras, mas a Pedra de Roseta só saiu do Egito mais tarde, naquele mesmo ano. Em Alexandria ela havia sido transferida para um depósito, onde havia sido posta junto com a bagagem do General Menou, coberta com um tecido e sob uma esteira dupla. Em setembro de 1801, quando o Coronel (mais tarde Major-General) Turner reclamou a pedra de acordo com os termos do tratado de capitulação, o general francês recusou-se a entregá-la, alegando que ela era sua propriedade particular. Em conseqüência disso, a entrega da pedra foi obtida com alguma dificuldade. Um relato de uma testemunha ocular, Edward Clarke, viajante e antiquário inglês, registra que a pedra foi entregue “nas ruas de Alexandria” por um oficial francês e um membro do Instituto, na presença de William Hamilton (viajante e antiquário inglês), de um certo Sr. Cripps e do autor do relato. Apesar da escolta militar britânica, o oficial francês advertiu para que a pedra fosse retirada da cidade antes que as tropas francesas percebessem o que havia ocorrido. 11 Logo que se encontrou de posse da pedra, o Coronel Turner embarcou com ela no HMS L'Égyptienne e chegou a Portsmouth em Fevereiro de1802. No dia 11 de março a pedra foi depositada na sede da Sociedade de Antiquários em Londres, onde permaneceu por alguns meses, enquanto as inscrições existentes nela eram submetidas a um exame bastante cuidadoso por diversos orientalistas e helenistas. Em julho, o presidente da Sociedade mandou fazer quatro moldes de gesso para as Universidades de Oxford, Cambridge, Edinburgh e para o Trinity College, de Dublin, e mandou fazer gravuras de boa qualidade do texto grego e enviá-las a todas as grandes universidades, bibliotecas, academias e sociedades da Europa. Por volta do final do ano, a pedra foi transferida da Sociedade de Antiquários para o Museu Britânico, onde foi montada e logo em seguida exibida ao público, permanecendo exposta desde então. Descrição da Pedra Mesmo em seu estado incompleto, a Pedra de Roseta é um monumento importante, medindo 114 cm de altura, 72 cm de largura e 28 cm de espessura. Seu peso foi calculado em pouco mais de 3/4 de uma tonelada (762 kg). Uma grande parte do canto superior esquerdo, uma seção mais estreita da extremidade superior direita e o canto inferior direito estão faltando. É quase certo que a parte superior da pedra era arredondada e, comparandose com outras estelas ptolomaicas de tipo similar, teria esculpido em sua seção arredondada o disco alado de Hórus de Edfu, com uraei pendentes, um portando a coroa do Alto Egito e o outro a coroa do Baixo Egito, e cada um carregando um anel shen e leque cerimonial. É provável que abaixo desse disco alado houvesse uma figura do rei de pé na presença de vários deuses e deusas; uma cena como essa encontra-se no topo da estela de Damanhur, que contém uma cópia da seção hieroglífica da Pedra de Roseta (ver abaixo). A pedra completa deveria ter entre 152,5 e 183 cm de altura, e quando colocada próximo à estátua do rei em cuja honra havia sido esculpida, teria formado um monumento proeminente no templo onde estava exposta. As inscrições da Pedra de Roseta estão redigidas em duas línguas, egípcio e grego, mas em três sistemas de escrita. O primeiro dos textos egípcios está escrito em HIERÓGLIFOS, a escrita pictórica formal em uso desde o início da Primeira Dinastia, cerca de 3 mil anos antes. Os hieróglifos são usados principalmente como uma escrita monumental para gravação em materiais duros ou pintura de detalhes coloridos e elaborados sobre gesso ou madeira. Eles aparecem em quase todo tipo de material, mas em papiro foram desde cedo totalmente suplantados pela HIERÁTICA, uma escrita cursiva derivada dos hieróglifos. O segundo texto egípcio da Pedra de Roseta está escrito em DEMÓTICO, uma escrita extremamente cursiva que evoluiu da hierática abreviada e modificada, e que a substituiu como forma de escrita em todos os textos, exceto nos religiosos, por volta de 643 a. C. O texto grego está escrito em caracteres gregos maiúsculos. Restam apenas partes das últimas 14 linhas do texto hieroglífico, que correspondem às últimas 28 linhas do texto grego, que por sua vez também estão danificadas. A seção demótica é formada por 32 linhas, das quais as 14 primeiras estão danificadas no início (o texto é lido da direita para a esquerda), e pelo texto grego de 54 linhas, das quais as últimas 26 estão danificadas no final. A maioria das linhas que faltam 12 na seção hieroglífica podem ser restauradas a partir de uma cópia do decreto contida em uma estela descoberta em 1898 em Damanhur, antiga Hermópolis Parva, no Delta, e que agora se encontra no Museu do Cairo (n.º 22188). Como essa cópia foi feita catorze anos depois daquela que se encontra na Pedra de Roseta, algumas cláusulas que eram relevantes no Ano 9 do reinado de Ptolomeu V, mas que não tinham mais importância no Ano 23, são omitidas e só podem ser reconstituídas a partir da seção demótica. Uma outra versão do texto da Pedra de Roseta, datada do Ano 21 de Ptolomeu V, foi gravada nas paredes da Casa de Nascimento do templo de Ísis na ilha de Philae. Os primeiros decifradores da Pedra de Roseta A primeira tradução inglesa do texto grego da Pedra de Roseta foi lida pelo Reverendo Stephen Weston perante a Sociedade de Antiquários, em Londres, no ano de 1802. Uma tradução francesa já havia sido feita por Du Theil, usando as impressões à tinta doadas ao Instituto Nacional pelo General Dugua. Du Theil revelou que a pedra era "um monumento da gratidão de alguns sacerdotes de Alexandria, ou de alguma localidade próxima, para com Ptolomeu Epifânio"; uma tradução latina feita por Ameilhon apareceu em Paris pouco tempo depois, em janeiro de 1801. Os primeiros estudos do texto demótico foram feitos por um orientalista francês, A. I. Silvestre de Sacy, e um diplomata sueco, J. D. Akerblad. Em 1802, Silvestre de Sacy conseguiu identificar na versão demótica os equivalentes de alguns dos nomes próprios que apareciam na seção grega, quais sejam, Ptolomeu, Arsínoe, Alexandre e Alexandria. Akerblad levou esses resultados um pouco mais adiante, identificando todos os demais nomes próprios no texto demótico e reconhecendo as palavras escritas com caracteres alfabéticos correspondentes a "templos" e "gregos" e o sufixo pronominal para "o" (ele) e "dele". Infelizmente, tanto Silvestre de Sacy quanto Akerblad trabalharam com base no grande equívoco de que, por serem as palavras demóticas que eles haviam decifrado escritas com caracteres alfabéticos, todas as palavras demóticas eram exclusivamente alfabéticas. O mérito de ter sido o primeiro a reconhecer que a escrita egípcia constituía-se de sinais alfabéticos e não-alfabéticos pertence ao inglês Thomas Young (1773-1829), autor da "Teoria Ondulatória da Luz". Young foi um médico e físico dotado de conhecimentos espantosos de idiomas, que começou a se interessar por egiptologia e pela língua egípcia depois de ler um artigo que mencionava a Pedra de Roseta e sua língua desconhecida. Entretanto, seu primeiro trabalho foi sobre um papiro funerário danificado, escrito em hieróglifos cursivos ou lineares. Somente no verão de 1814 ele levou consigo uma cópia da seção demótica da Pedra de Roseta em sua visita anual a Worthing, no litoral sul da Inglaterra. Young logo percebeu a falácia da teoria alfabética de Akerblad quanto ao demótico e, o que é mais importante, entendeu o fato de que os hieróglifos e a escrita demótica estavam estreitamente relacionados. Seus primeiros estudos de documentos redigidos na escrita hierática e em hieróglifos lineares logo o fizeram perceber que a hierática também era uma escrita derivada dos hieróglifos. Ao estudar a Pedra de Roseta, ele seguiu o método de encontrar uma palavra no texto grego que aparecesse mais de uma vez e então procurar um grupo de sinais na seção demótica que ocorresse Thomas Young FRS (1773-1829) 14 aproximadamente um número igual de vezes. Ele decidiu que o grupo que ocorria em quase todas as linhas devia ser a forma demótica para "e". Depois deste, os grupos que apareciam com mais freqüência foram equiparados às palavras "rei", "Ptolomeu" e "Egito". Depois ele escreveu os equivalentes gregos sobre os grupos de sinais demóticos identificados. Desse modo, Young obteve algumas identificações prováveis de palavras demóticas com palavras gregas traduzíveis escritas em intervalos regulares ao longo da versão demótica. O preenchimento das lacunas deve ter sido extremamente difícil. O trabalho de Young foi ainda dificultado pelo fato de a inscrição estar incompleta e o texto demótico não ser uma tradução literal do grego, nem o grego uma tradução literal do demótico. Contudo, não demorou muito para que o vocabulário grego-demótico de Young contasse com 86 grupos de sinais, a maioria corretos na identificação, embora quase todos incorretos na transliteração. Ele então passou a demonstrar o fato, já percebido muito tempo antes por C. J. de Guignes e J. Zoëga, de que os ovais alongados, ou cartuchos, existentes na seção hieroglífica da pedra continham o nome do rei, neste caso o de Ptolomeu. As descobertas de Young não se limitaram à Pedra de Roseta. Em 1816, de maneira muito engenhosa ou por sorte, ele identificou, a partir da cópia de uma inscrição em Karnak, o cartucho que continha o nome da Rainha Berenice, o qual estava registrado lado a lado com o cartucho do nome do seu marido, o Rei Ptolomeu Sóter. A partir desses dois nomes, ele havia conseguido identificar corretamente os valores fonéticos de seis sinais e de maneira parcialmente correta os valores de outros três, tendo identificado incorretamente quatro sinais. Além disso, ele sugeriu de modo acertado que um outro cartucho devia conter o nome do Rei Tutmósis III da Décimaoitava Dinastia, reconheceu os hieróglifos correspondentes às letras "f" e "t", o determinante usado em textos tardios no final de nomes femininos e a notação de vários numerais. No total, ele conseguiu equiparar de modo correto ou quase correto cerca de oitenta palavras demóticas com seus equivalentes hieroglíficos e, com o auxílio das palavras gregas, traduzir a maioria delas. Os apontamentos manuscritos de Young, contendo a maior parte do seu trabalho sobre os hieróglifos de 1814 a 1818, encontram-se no Departamento de Manuscritos da Biblioteca Britânica (MSS 27281-5). Young comunicou os resultados de suas investigações ao estudioso francês Jean François Champollion (1790-1832), e também as publicou em um artigo no Suplemento à Enciclopédia Britânica (4ª edição) em 1819. Entretanto, dois anos mais tarde Champollion ainda estava apegado à crença equivocada de que os hieróglifos eram simbólicos e sem valor fonético, como demonstra o seu artigo "De l'écriture des anciens Égyptiens" (Da Escrita dos Antigos Egípcios), publicado em 1821. Mas alguns meses após haver escrito esse artigo, ele recebeu uma cópia da inscrição bilíngüe em hieróglifos e grego encontrada em um obelisco e em sua base, excavados em Philae, em 1815, por J. Bankes. Bankes havia deduzido corretamente que um dos cartuchos da seção hieroglífica continha o nome Cleópatra e havia anotado essa informação na margem da cópia que mais tarde chegou a Champollion. Quando Champollion comparou o novo cartucho com o cartucho de Ptolomeu presente na Pedra de Roseta, pôde ver que eles apresentavam três sinais em comum e que apareciam nas posições esperadas se os nomes Ptolomeu e Cleópatra fossem escritos com caracteres alfabéticos. Isso foi suficiente para persuadi-lo a abandonar sua teoria anterior de que os hieróglifos eram meros símbolos e a adotar a opinião de que pelo menos em alguns casos eles tinham valores fonéticos. Ele sabia que Young havia chegado a essa conclusão antes dele, porém nunca o admitiu por escrito. Em setembro de 1822, Champollion apresentou sua importante Lettre à M. Dacier relative à l'alphabet des hiéroglyphes phonétiques (Carta ao Sr. Dacier Relativa ao Alfabeto dos Hieróglifos Fonéticos), na qual ele corrigiu e ampliou enormemente a lista de 15 Jean-François Champollion (1790-1832) hieróglifos fonéticos elaborada por Young e decifrou de maneira correta as formas hieroglíficas dos nomes e títulos da maioria dos imperadores romanos do Egito. Desde essa data até sua morte prematura ele redigiu uma lista classificada de hieróglifos, identificou os nomes de muitos reis egípcios e formulou um sistema gramatical e de decifração geral. Enquanto Young não foi capaz de fazer quaisquer progressos importantes depois de encontrar a chave para o problema da decifração, Champollion foi em frente e lançou os fundamentos sobre os quais baseia-se o conhecimento atual da língua dos antigos egípcios, sendo, com razão, considerado o pai da decifração dos hieróglifos. A decifração de nomes próprios, embora tenha fornecido a chave para o sistema da escrita, não teria levado ao entendimento da língua egípcia sem o auxílio do copto, a escrita e a língua dos descendentes cristãos dos antigos egípcios (ver p. 7 acima). Quando ainda era jovem, Champollion percebera a importância do copto para a decifração, e havia estudado a língua a tal ponto que foi capaz de identificar com seus equivalentes coptos muitas das palavras egípcias que ele havia conseguido ler. Em seus estudos da inscrição da Pedra de Roseta seus conhecimentos do copto permitiram-lhe deduzir os valores fonéticos de muitos sinais silábicos e atribuir leituras corretas a muitos caracteres pictóricos cujos significados ele conhecia a partir do texto grego. 16 O método de decifração Presumiu-se de modo correto que a forma oval alongada (____), ou cartucho, sempre continha um nome real. Havia apenas um cartucho (repetido seis vezes com pequenas modificações) na seção hieroglífica da Pedra de Roseta, e presumiu-se que ele continha o nome de Ptolomeu, pois, a partir da seção grega, tinha-se certeza de que a inscrição referia-se a um Ptolomeu. Também presumiu-se que, se de fato o cartucho continha o nome Ptolomeu, então seus caracteres hieroglíficos representariam os fonemas das letras gregas e que todos juntos representariam a forma grega do nome Ptolomeu. O obelisco e a base que W. J. Bankes trouxera de Philae para sua casa em Kingston Lacy, em Dorset, continham uma inscrição bilíngüe em grego e hieróglifos. Na seção grega da base eram mencionados dois nomes reais, os de Ptolomeu e Cleópatra, e na seção hieroglífica do obelisco apareciam dois cartuchos bem próximos um do outro, portanto presumiu-se que eles continham os equivalentes hieroglíficos desses dois nomes. Quando esses cartuchos foram comparados com os cartuchos presentes na Pedra de Roseta, viu-se que um deles continha sinais quase idênticos àqueles do cartucho existente na pedra. Por conseguinte, havia uma boa razão para acreditar que o cartucho da Pedra de Roseta e um daqueles do obelisco Bankes continham o nome Ptolomeu escrito em caracteres hieroglíficos. As formas dos cartuchos em questão são: Na Pedra de Roseta No obelisco Bankes No segundo cartucho, o sinal simples |=| assume a posição dos três sinais [ ] que estão no final do primeiro cartucho. O cartucho do obelisco Bankes que se pensou conter o equivalente egípcio do nome Cleópatra aparecia na seguinte forma: Pondo-se um acima do outro os cartuchos que se acreditava conterem os nomes Ptolomeu e Cleópatra no obelisco Bankes e numerando-se os sinais, o resultado é: A: Ptolomeu B: Cleópatra 17 Pode-se ver de imediato que A1 e B5 são idênticos, e que, de acordo com suas posições nos nomes, devem representar a letra P. A4 e B2 também são idênticos e, de acordo com sua posição, devem representar a letra L. Uma vez que L é a segunda letra no nome Cleópatra, o sinal B1 [ ] deve representar a letra K (Kleópatra, em grego). Uma vez que os valores dos sinais B1, B2 e B5 são conhecidos no cartucho que contém o nome Cleópatra, eles podem ser substituídos da seguinte maneira: Na forma grega do nome Cleópatra há duas vogais entre as letras L e P, e na forma hieroglífica há dois sinais, [ ] e [ ], portanto pode-se concluir que [ ] = E e [ ] = O. Em algumas formas do cartucho de Cleópatra, B7 [( )] é substituído por [ ], que é idêntico a A2 e B10. Uma vez que T é a segunda letra no nome Ptolomeu e a sétima no nome Cleópatra, pode-se concluir que [ ] e [ ] têm basicamente o mesmo som, e que esse som é de T. Na forma grega do nome Cleópatra há dois A's cujas posições coincidem com B6 e B9, portanto pode-se concluir que [ ] tem o valor de A. Se os hieróglifos forem substituídos por esses valores em B, o resultado será: Dos sinais restantes, os dois últimos [( )] haviam sido interpretados de maneira quase correta pelos primeiros decifradores como sendo uma terminação feminina. Thomas Young, porém, considerou de maneira mais acertada que o grupo era o determinante dos nomes de deusas, rainhas e princesas. Agora o único sinal que ainda requer um equivalente fonético é B8 [( )]; por eliminação, ele deve representar a letra R. Se esse valor for inserido no cartucho que contém o nome Cleópatra, o nome todo é decifrado. Se os valores aprendidos a partir do cartucho de Cleópatra forem aplicados ao cartucho de Ptolomeu, obtêm-se os seguintes resultados: Pode-se ver agora que o cartucho deve ser o de Ptolomeu, mas também está claro que ele contém inúmeros hieróglifos que de fato não fazem parte do nome. Há outras formas do cartucho de Ptolomeu encontradas na Pedra de Roseta, a mais simples delas é: [ ]. Portanto, é evidente que os outros sinais [ ] são epítetos reais correspondentes àqueles que se encontram no texto grego e que significam "o que vive para sempre, o bem-amado de Ptah" A forma grega de Ptolomeu, ou seja, Ptolemaios, termina com um S, e portanto pode-se concluir que o último sinal da forma mais simples do cartucho mostrada acima tem o valor fonético de S. Os únicos hieróglifos que ainda restam são [ ] e [ ], e suas posições no nome Ptolomeu sugerem que seus valores fonéticos devem ser de M e de alguma vogal na qual predomina o som de I. Esses valores obtidos por meio de conjecturas e dedução pelos primeiros decifradores foram aplicados a outros cartuchos, como por exemplo: 2[ 18 ] O porto de Roseta como se encontra atualmente No exemplo 1 é possível anotar os valores de todos os sinais, com exceção de um, qual seja [ ]. Como os outros sinais formam A-TKRTR, está claro que o conjunto forma o título grego autocrata, e que o sinal não lido anteriormente deve ser um U. No exemplo 2, somente alguns dos hieróglifos são conhecidos. Por meio de substituição obtém-se o seguinte: Sabe-se que [ ] aparece no nome Berenice e representa a letra N. -- é o último sinal na escrita hieroglífica de "Kaisaros", ou seja, César, e portanto representa o som de S. Alguns dos cartuchos contendo formas variantes de Cleópatra escritas em hieróglifos começam com o sinal [ ], e está claro que seu valor fonético deve ser K. Se esses valores forem inseridos no cartucho acima, o resultado será: ALKSENTRS o que evidentemente representa o nome Alexandros, ou seja, Alexandre. 20 Entretanto, permaneceu o problema dos sinais no final da forma mais longa do cartucho de Ptolomeu. Embora se pudesse ter deduzido que eles representavam os epítetos reais "o que vive para sempre, o bem-amado de Ptah", essa suposição ainda precisava ser comprovada. Sabia-se que em copto a palavra para "vida" ou "que vive" era onkh, que se acreditava ser derivada de uma palavra do egípcio antigo ankh, representada pelo sinal [ ]. Conjecturou-se portanto que os sinais seguintes [ ] significavam "sempre". Aqui o copto não foi muito útil, pois a palavra do egípcio antigo era desconhecida. Porém, o primeiro sinal [ ] também aparecia em um grupo de hieróglifos que, a partir do grego, se sabia que significava "chamado" ou "alcunhado", e em copto começava com a letra pronunciada DJ. Como se sabia que o segundo sinal [ ] tinha o valor fonético de T, conjecturou-se que a palavra "sempre" tinha o valor sonoro de DJET. O terceiro sinal [ ] é um "determinante" (ver p. 29 abaixo) e não era pronunciado. Desse modo, o primeiro epíteto [ ] significa "que vive (para) sempre". Dos sinais restantes [ ], o primeiro tem o valor fonético de P e o segundo de T, ou seja, as duas primeiras letras do nome do deus Ptah. Portanto, o terceiro sinal [ ] deve ter o valor de algum tipo de H. Se os sinais [ ] formam o nome de Ptah, então o sinal seguinte deve significar "bem-amado". Aqui mais uma vez o copto ajudou os primeiros decifradores a atribuir um valor fonético a [ ], pois a palavra copta que significa "amar" é mere, portanto presumiu-se que o valor fonético do sinal era mer. Deve-se ressaltar aqui que muitos dos valores atribuídos a hieróglifos pelos primeiros decifradores estavam precisamente corretos apenas no contexto da grafia de nomes gregos na escrita egípcia. Em hieróglifos egípcios clássicos o sinal [ ] representa na verdade o valor D, e não T. Do mesmo modo, [ ] não é K, estando mais próximo de Q. Champollion percebeu essa deficiência em suas primeiras tentativas de interpretação e levou em consideração o problema em seu trabalho subseqüente. Conseqüentemente, por meio da comparação de textos que continham formas variantes e do uso habilidoso do seu conhecimento da língua copta, Champollion conseguiu formular o sistema de decifração dos hieróglifos egípcios que é basicamente o mesmo utilizado ainda hoje. O conteúdo da Pedra de Roseta A inscrição da Pedra de Roseta é uma cópia do decreto baixado por um conselho geral de sacerdotes eleito pelo clero egípcio de todas as regiões do país, que se reuniu em Mênfis no dia do primeiro aniversário da coroação de Ptolomeu V Epifânio, Rei de todo o Egito. O jovem rei havia sido coroado no oitavo ano do seu reinado, e por conseguinte a primeira comemoração da coroação ocorreu no seu nono ano. A data verdadeira é 27 de março de 196 a. C. Durante o Período Ptolomaico, a maioria dos documentos oficiais devem ter sido redigidos em grego e egípcio, pois a casa governante e os principais funcionários do governo não eram egípcios, mas sim gregos macedônios. Os Ptolomeus eram todos descendentes de Ptolomeu, filho de Lagos, general de Alexandre o Grande, que a princípio atuou como sátrapa do Egito, após a morte de Alexandre, em nome do meio-irmão deste, Filipe Arrhidaeus, e depois em nome do filho de Alexandre. Por volta de 305 a. C., Filipe e o filho de Alexandre já haviam morrido e Ptolomeu era forte o bastante para manter o Egito em seu próprio poder como sua parte no império de Alexandre. Ele adotou o nome de Ptolomeu I Sóter (salvador). 21 A inscrição em Roseta que lembra a descoberta da Pedra de Roseta. 22 É quase impossível dizer se o decreto foi redigido primeiramente em grego ou egípcio, embora a interpretação de uma determinada palavra nas seções egípcia e grega possa sugerir que a versão demótica tenha sido elaborada primeiro. No trecho que se refere ao santuário de Ptolomeu Epifânio, e em especial aos diademas, às coroas e aos símbolos hieroglíficos desse santuário, a versão grega é extremamente abreviada e sem os grandes detalhes fornecidos nas versões egípcias. O trecho grego usa as palavras "sobre a superfície quadrada" ao identificar a localização dos hieróglifos, e portanto não parece fazer muito sentido. A versão demótica diz "no lado superior da coroa de Atef" e os hieróglifos correspondentes dizem "na parte superior da/o hp.t’. A palavra hp.t' não possui nenhum determinante (ver p. 29 abaixo) e assim poderia ter inúmeros significados, dentre os quais um dos mais raros é um tipo de coroa. O objeto original representado pelo hieróglifo bilítero (ver p. 29 abaixo) com o valor sonoro hp [( )] nunca foi identificado satisfatoriamente, embora em sua forma tardia se pareça mais com um esquadro de ângulo reto aberto em um dos lados. A palavra grega usada no trecho contido na Pedra de Roseta é "tetrágono" que significa comumente "um quadrado". Portanto, é possível que a palavra hieroglífica signifique de fato um tipo de coroa, como consta na seção demótica, e tenha sido entendida erradamente como uma palavra relacionada a "quadrado", tendo sido assim mal interpretada no grego. Mesmo que a versão original tenha sido escrita em demótico, ela ainda teria precisado da aprovação da chancelaria grega, e quaisquer alterações teriam sido incorporadas ao original demótico antes que uma versão hieroglífica pudesse ter sido feita. O texto refere-se às honras outorgadas a Ptolomeu V pelos templos do Egito em agradecimento pelos serviços prestados pelo Rei ao Egito tanto no interior do país quanto no estrangeiro. Privilégios sacerdotais, principalmente aqueles de natureza econômica, são listados com grandes detalhes. 23 Antigas muralhas em Roseta, do mesmo tipo daquela em que a Pedra de Roseta um dia esteve incorporada. 24 A SEÇÃO GREGA DA PEDRA DE ROSETA Nota: Nem sempre foi possível dividir as linhas da tradução inglesa exatamente de acordo com as linhas do texto grego. 1. No reinado do jovem que sucedeu ao seu pai na realeza, senhor dos diademas, gloriosíssimo, que estabeleceu o Egito e é pio 2. para com os deuses, triunfante sobre seus inimigos, que restaurou a vida civilizada dos homens, senhor das Festividades dos Trinta Anos,1 justo como Hefestos2 o Grande, um rei igual ao Sol,3 3. grande rei das terras Altas e das terras Baixas;4 descendência dos Deuses Filopatores, aquele que Hefestos aprovou, a quem o Sol deu vitória, imagem viva de Zeus5, filho do Sol, PTOLOMEU, 4. QUE VIVE PARA SEMPRE, BEMAMADO DE PTAH, no nono ano, quando Aetos, filho de Aetos, era sacerdote de Alexandre e dos Deuses Sóteres e dos Deuses Adelfos e dos Deuses Evergetas e dos Deuses Filopatores6 e 5. do Deus Epifânio Eucaristos; quando Pyrrha, filha de Philinos, era Athlophoros de Berenice Euergetis; quando Areia, filha de Diógenes, era canéfora de Arsínoe Filadelfos; quando Irene, 6. filha de Ptolomeu, era Sacerdotisa de Arsínoe Filopator; 7no dia quatro do mês de Xandicos, dezoito do mês de Mekhir, segundo os egípcios. DECRETO. Estando reunidos os Sumos Sacerdotes e Profetas e aqueles que entram no santuário interior para venerar os 7. deuses, e os portadores de leques e os Escribas Sagrados e todos os demais sacerdotes dos templos de todo o país que vieram reunir-se ao rei em Mênfis, para a festividade 8. em que PTOLOMEU, O ETERNO, O BEM-AMADO DE PTAH, O DEUS EPIFÂNIO EUCARISTOS, assumiu a realeza na qual ele sucedeu ao seu pai. Estando eles reunidos no templo em Mênfis nesse dia declararam: 9. que o rei PTOLOMEU, O ETERNO, O BEM-AMADO DE PTAH, O DEUS EPIFÂNIO EUCARISTOS, filho do Rei Ptolomeu e da Rainha Arsínoe, os Deuses Filopatores, é um benfeitor dos templos e 10.daqueles que os habitam, bem como de todos aqueles que são seus súditos, é um deus nascido de um deus e de uma deusa (como Hórus, o filho de Ísis e Osíris, que vingou seu pai Osíris)8 (e) é benevolente para com 11.os deuses, dedicou aos templos rendas em dinheiro e cereais, e dispendeu grandes somas pela prosperidade do Egito e pela manutenção dos templos, 12. e é generoso com todos os seus próprios meios; e das receitas e impostos arrecadados no Egito, algumas ele perdoou integralmente e outras ele reduziu, a fim de que o povo e todos os outros possam 13.prosperar durante o seu reinado; e perdoou as dívidas de muitos devedores da coroa no Egito e no resto do reino; e aqueles que estavam 25 14. na prisão e os que estavam sob acusação por muito tempo, ele liberou das acusações que pesavam contra eles; e determinou que os deuses continuarão a desfrutar das rendas dos templos e das alocações anuais que lhes são dadas, tanto em 15.cereais quanto em dinheiro, assim como da renda destinada aos deuses proveniente dos vinhedos e jardins e das demais propriedades que pertenciam aos deuses no tempo do seu pai; 16.e ele também determinou, com relação aos sacerdotes, que estes não deveriam pagar uma taxa de admissão ao sacerdócio mais alta do que a que lhes foi imposta durante o reinado do seu pai e até o primeiro ano do seu próprio reinado; e liberou os membros das 17.ordens sacerdotais da viagem anual a Alexandria; e determinou que ninguém mais seria obrigado a servir à marinha; e dos impostos sobre tecido de byssus9 pagos pelos templos à coroa ele 18.perdoou o pagamento de dois terços; e todas as coisas que foram negligenciadas no passado ele reconduziu à sua condição devida, pois se preocupava com o modo como as obrigações tradicionais deveriam ser adequadamente pagas aos deuses; 19.e do mesmo modo distribuiu justiça a todos, como Hermes,10 o grande e grande; e decretou que aqueles que retornam, da classe dos guerreiros e de outras que foram tratadas desfavoravelmente 20.nos dias de insurreição,11 deveriam ter permissão para ocupar suas antigas propriedades; e providenciou para que cavalaria, infantaria e navios fossem enviados contra aqueles que invadiram 21.o Egito por mar e por terra, gastando grandes somas em dinheiro e cereais a fim de que os templos e todos aqueles que se encontram no país pudessem estar em segurança; e 22.dirigiu-se a Lycopolis,12 no distrito de Busiris, que havia sido ocupada e fortificada contra um cerco com um estoque abundante de armas e de todas as demais provisões (e viu que a insatisfação já há muito tempo 23.reinava entre os homens ímpios que ali se haviam reunido, e que haviam infligido grandes danos aos templos e a todos os habitantes do Egito), e 24.ele montou acampamento diante da cidade, cercou-a com barricadas e trincheiras e fortificações complexas; quando as águas do Nilo subiram enormemente no oitavo ano (do seu reinado), o que em geral inunda as 25.planícies, ele impediu que isso acontecesse, represando em muitos pontos as saídas dos canais (dispendendo com isso uma grande), e pondo a cavalaria e a infantaria para vigiá-los, 26.em pouco tempo tomou a cidade de assalto e aniquilou todos os homens ímpios que nela havia, assim como Hermes e Hórus, o filho de Ísis e Osíris, que outrora havia subjugado os rebeldes do mesmo 27.distrito;13e por aqueles que haviam liderado os rebeldes no tempo do seu pai e que haviam conturbado o país e lesado os templos, ele veio a Mênfis para vingar 28. o seu pai e a sua própria realeza, e os puniu a todos como mereciam quando chegou ali para realizar as cerimônias apropriadas para a sua coroação; e ele dispensou de pagamento o que 29.era devido pelos templos à coroa até o seu oitavo ano, uma quantia considerável em cereais e dinheiro; também dispensou as multas pelo tecido de byssus 30. não entregue à coroa, assim como, pelo mesmo período, as diversas taxas cobradas pela verificação do que já havia sido entregue; e também liberou os templos do (imposto de) artabe14 por cada aroura15 de terra sagrada e igualmente 31.da entrega de um cântaro de vinho por cada aroura de vinhedo; e ele ofereceu muitos presentes a Ápis e Mnevis e aos outros animais sagrados do Egito, pois ele teve muito mais consideração pelas coisas que pertenciam aos 26 32.deuses do que os reis que o antecederam; e para os seus sepultamentos ele deu de forma pródiga e esplêndida o que era conveniente e o que era pago regularmente aos seus santuários especiais, com sacrifícios e festividades e outros costumes usuais; 33.e conservou as honras dos templos e do Egito de acordo com as leis; e ornou o templo de Ápis com ricas obras, gastando com isso ouro e prata 34.e pedras preciosas em grande quanidade; e ele instituiu templos, santuários e altares, e restaurou aqueles que precisavam ser restaurados, tendo o espírito de um deus benfeitor nos assuntos pertinentes à 35.religião; e atendendo a solicitações, ele está reformando o mais honorável dos templos durante o seu reinado, como convém; e como recompensa por tais coisas, os deuses lhe deram saúde, vitória e poder, e todas as outras coisas boas, 36. e ele e seus filhos conservarão a realeza por todo o sempre. COM FELICIDADE PROPÍCIA: Os sacerdotes de todos os templos do país decidiram aumentar consideravelmente as homenagens já prestadas ao 37.REI PTOLOMEU, O ETERNO, O BEMAMADO DE PTAH, O DEUS EPIFÂNIO EUCARISTOS, bem como aos seus pais, os Deuses Filopatores, e aos seus ancestrais, os Deuses Evergetas e 38.aos Deuses Adelfos e aos Deuses Sóteres e erguer, no local mais proeminente de cada templo, uma imagem do Rei PTOLOMEU, O ETERNO, O BEMAMADO DE PTAH, O DEUS EPIFÂNIO EUCARISTOS, 39.uma imagem que deverá ser chamada a imagem de ‘PTOLOMEU, o defensor do Egito’, ao lado da qual deverá estar o deus principal do templo, entregando-lhe a arma da vitória,16 devendo tudo ser fabricado de acordo com os usos e costumes 40.egípcios; e que os sacerdotes deverão prestar homenagem às imagens três vezes ao dia, e vesti-las com as vestimentas sagradas e prestar as demais honras habituais que são prestadas aos outros deuses nas festividades 27 41.egípcias; e estabelecer para o Rei PTOLOMEU, O DEUS EPIFÂNIO EUCARISTOS, nascido do Rei Ptolomeu e da Rainha Arsínoe, os Deuses Filopatores, uma estátua e um santuário de ouro em cada um dos 42.templos, e colocá-lo na câmara interior, ao lado dos outros santuários; e durante as grandes festividades nas quais os santuários são carregados em procissão, aquele do DEUS EPIFÂNIO EUCARISTOS também deverá ser carregado em procissão com eles. 43.E a fim de que o santuário possa ser facilmente reconhecido agora e para todo o sempre, deverão ser postos sobre ele os dez diademas de ouro do rei, aos quais se deverá ajuntar um uraeus,17 mas em lugar dos 44.diademas em forma de uraeus que se encontram sobre os outros santuários, no meio deles deverá estar a coroa chamada de pschent18, que ele pôs na cabeça quando adentrou o templo em Mênfis 45. para as cerimônias de sua coroação; e sobre a superfície quadrangular em volta dos diademas, ao lado da coroa supracitada, deverão ser postos símbolos dourados (em número de oito, significando) 46. que é (o santuário) do rei que torna manifestas as terras Altas e as Terras baixas. E como o aniversário do rei é comemorado no dia 30 de Mesore, e também (o dia 17 de Paophi) 47. no qual ele sucedeu ao seu pai na realeza, eles mantiveram esses dias em sua honra como dias de devoção nos templos, pois são fontes de "grandes bênçãos" para todos; também foi decretado que todo mês, nesses dias, será realizada uma festividade 48. nos templos de todo o Egito, acompanhada de sacrifícios, libações e todas as cerimônias de costume nas outras festividades (e as oferendas deverão ser dadas aos sacerdotes que) 49. prestam serviços nos templos. E uma festividade deverá ser realizada anualmente em honra do Rei PTOLOMEU, O ETERNO, O BEMAMADO DE PTAH, O DEUS EPIFÂNIO EUCARISTOS, nos templos de todo o 50. país, a partir do dia 1º de Thoth, durante cinco dias, nos quais eles deverão portar grinaldas e realizar sacrifícios e libações e as demais honras habituais, e os sacerdotes (em cada templo) deverão ser chamados de 51. sacerdotes do DEUS EPIFÂNIO EUCARISTOS, além dos nomes dos outros deuses aos quais eles servem; e seu sacerdócio deverá ser registrado em todos os documentos oficiais (e gravado nos anéis que eles usam); 52. e pessoas privadas também deverão ser autorizadas a observar a festividade e instalar o santuário supracitado em suas casas, realizando as celebrações supracitadas 53. anualmente, para que todos saibam que o povo do Egito glorifica e honra o DEUS EPIFÂNIO EUCARISTOS, o rei, de acordo com a lei. Este decreto deverá ser inscrito em uma estela de 54. pedra dura em caracteres sagrados [ou seja, hieroglíficos], nativos [ou seja, demóticos] e gregos e colocado em cada um dos templos da primeira, da segunda e da terceira [ordem] ao lado da imagem do rei eterno. Notas 1. A Festividade de Sed, realizada originalmente a cada trinta anos após a coroação de um rei a fim de renovar as suas forças físicas. 2 . Na versão egípcia Ptah. 3. Na versão egípcia Ra. 4. O Sul e o Norte do Egito, os dois grandes reinos pré-dinásticos, eram sempre lembrados no título real. 5. Na versão egípcia Amun. 6. Alexandre o Grande, Ptolomeu I e Berenice I, Ptolomeu II e Arsínoe II, Ptolomeu III e Berenice II e Ptolomeu IV e Arsínoe III respectivamente. 7. Sacerdotes epônimos: sacerdotes e sacerdotisas, sempre com nomes gregos, associados ao culto real, que exerciam sua função por um ano e estavam organizados em dois colegiados, em uma instituição inteiramente grega. 8. Ie Hórus-vingador-do-seu-pai, em grego Harendotes. 9. Linho fino. 10. Na versão egípcia Thoth. 28 11. Uma referência aos anos desde 205 a. C, durante os quais o Alto Egito havia sido governado por dois faraós nativos rebeldes, primeiro HorWennefer (antes lido equivocadamente como Horem-akhet), e desde 199 a. C, Ankh-Wennefer (lido equivocadamente como Ankh-emakhet). 12. Cidade situada no nono nomo (distrito administrativo) do Delta, provavelmente perto de Busiris, porém não identificada com certeza. 13. De acordo com uma versão da lenda de Osiris, seus seguidores, liderados por Hórus e Thoth, derrotaram os adeptos de Seth perto dali, em Hermópolis Parva. 14. Uma medida de grãos. 15. Uma medida de terra igual a cerca de 2/3 de um acre (aproximadamente 2,735 ml 2). 16. A khepesh, ou cimitarra, a arma real muitas vezes representada sendo entregue por um deus ao rei. 17. A cobra, símbolo da realeza. 18. Do egípcio Pa-sekhemty, os dois poderes, ou seja, a Coroa Dupla, que incorporava a Coroa Vermelha do Baixo Egito e a Coroa Branca do Alto Egito. A LÍNGUA EGÍPCIA ANTIGA A princípio a decifração não era de modo algum tão direta quanto poderia sugerir a transliteração de nomes e epítetos. Por volta do Período Ptolomaico, os hieróglifos estavam virtualmente fossilizados, de modo que o vocabulário e a gramática que expressavam guardavam pouca semelhança com o vocabulário e a gramática incorporados no demótico contemporâneo. Na seção hieroglífica da Pedra de Roseta, por exemplo, a palavra usada para "rei" é o título que data do início do Período Dinástico, qual seja, "aquele do junco e da abelha". Como o junco era o símbolo do Alto Egito, ou seja, todo o Egito ao sul do Delta, e a abelha simbolizava o Baixo Egito, ou seja, o Delta, o título significava que seu portador reinava sobre todo o Egito. Na seção demótica, porém, a palavra usada é "faraó", literalmente "a grande casa" ou "o palácio", que por extensão passou a representar desde o Novo Reinado a pessoa que residia no palácio, ou seja, o rei. Na seção hieroglífica os gregos são designados pelo antigo termo Haw nebu, ou seja, "ilhéus (egeus)", enquanto em demótico eles são chamados de Wynn, um termo que significa jônio, pois os gregos orientais eram aqueles com os quais os egípcios do Período Tardio tinham mais contato. Um exemplo simples, porém ilustrativo, das diferenças entre o texto hieroglífico e o demótico pode ser encontrado nas maneiras como são registradas as palavras "estela de pedra dura". A versão hieroglífica traz ahay (estela) nty (de) aat (pedra) rudj(dura); a demótica, wyt (estela) iny (pedra) djery(dura). Entretanto, estudiosos puderam constatar que os hieróglifos podem ser divididos em duas categorias: fonogramas, sinais representando sons, e ideogramas ou sinais sensoriais. Na verdade, alguns hieróglifos podem ser fonogramas ou ideogramas em diferentes circunstâncias. Dos hieróglifos fonéticos, que são usados para formar palavras, alguns são "alfabéticos", como [ ] (h), [ ] (b), [ ] (f), [ ] (m) e [ ] (g); outros são bilíteros, tendo uma raiz de duas consoantes, como [ ] (gm), [ ] (wn) e [ ] (pr); alguns são trilíteros, com três consoantes, como [ ] (nfr), [ ] (htp) e [ ] (sdm). As escritas egípcias não apresentam vogais verdadeiras, mas apenas semi-vogais ou consoantes fracas, quais sejam [ ] (i), [ ] (y) e [ ] (w); os dois fonemas semi-vocálicos que não existem em inglês [ ] (3) e [ ] (‘ ) são muitas vezes representados por a. Ideogramas representam ou o objeto propriamente dito, por exemplo [ ] "sol" ou [ ] "região de colinas", caso em que geralmente são seguidos por um traço vertical simples |: por exemplo [ ] "sol"; ou se femininos um t [ ] e um traço vertical: por exemplo [ ] "região de colinas". Ou então eles representam uma idéia estreitamente associada ao objeto pictórico. Desse modo, o sol [ ] pode representar "dia"; ou o instrumento utilizado por um escriba para escrever [ ] pode significar "escriba" ou "escrever". Por extensão, ideogramas podem atuar como determinantes para palavras escritas foneticamente. Assim, o sol [ ] pode ser o determinante para [ ]rk, "tempo", [ ]wbn, "brilhar" ou [ ]3t, "momento". Um barco na água [( )] pode ser usado como o determinante para palavras como [ ]dpt, "barco", [ ]hd, "navegar em direção ao norte" ou [ ]iw(y), "estar sem barco". Às vezes, no caso de homônimos (palavras de pronúncia semelhante), só o determinante torna claro o significado pretendido. Assim [ ]nfrt com diversos determinantes pode significar "coisas boas" [( )], "gado" [( )], "mulheres bonitas" [( )], "um nome do Submundo" [( )] ou "o túmulo" [( )]. 29 Tanto os sinais bilíteros quanto os trilíteros são em geral acompanhados por hieróglifos alfabéticos que expressam todo o seu valor sonoro ou parte dele. Às vezes esse assim chamado complemento fonético é desnecessário, como na escrita de [ ] que se lê nfr, e não nfrfr. Mas em geral é necessário em palavras escritas com um sinal passível de mais de uma leitura fonética, como o sinal [ ] que pode ser lido mr ou 3b. O complemento fonético deixa bem claro qual leitura deve ser usada, ou [ ] ou [ ]. Um exemplo de frase hieroglífica mostra como todos esses elementos funcionam. kt ket nt net tm rdi tem redi pr hf3w per hefau m em b3b3w babau "Uma outra (solução) para impedir que uma cobra saia do (seu) covil". Inscrições hieroglíficas (como textos redigidos nas escritas hierática e demótica) são em geral lidas da direita para a esquerda. Por motivos de design, eles também podem ser escritos da esquerda para a direita ou em colunas verticais lidas de cima para baixo. Em geral, uma inscrição é lida a partir da direção para a qual estão voltados os sinais que representam criaturas vivas. Na frase supracitada as criaturas estão voltadas para a esquerda, portanto o texto é lido da esquerda para a direita. 30 O ALFABETO HIEROGLÍFICO A partir do que foi dito acima, ficará claro que não é possível, estritamente falando, compilar um "alfabeto" de sinais hieroglíficos. Porém, para fins práticos, determinados hieróglifos unilíteros foram selecionados para formar um tipo de "alfabeto" que é utilizado universalmente na organização de dicionários, listas de palavras e indíces e para fins de referência geral. Eis a lista: Sinal Transcrição *Valor Dj Dialetosonoro dos bairros pobres de Londres (abutre) 3 Parada glotal (como na palavra ‘bottle’ na pronúncia cockney*) (junco florescente) i (dois juncos florescentes) y (traços oblíquos) y (antebraço e mão) ‘ (codorna) w (desenvolvimento cursivo de [ ] w (pé) b (tamborete) p (víbora com chifres) f (coruja) m (água) n (boca) r (abrigo de junco) h (pavio de linho torcido) h (placenta?) h (ventre de animal) h (trinco de porta) s (tecido dobrado) s (lago) s’ (colina) k (cesto com alça) k (base de jarro) g (pão) t (corda amarrada) t (mão) d (serpente) d I Y Y Ayin das línguas semíticas W W B P F M N R H h ligeiramente gutural CH (como em “loch”) ligeiramente mais suave que h S S SH Q K G (como em “goat”) T Tj D 31