Oportunidades do Brasil na África: a visão de uma consultora
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Oportunidades do Brasil na África: a visão de uma consultora
África Oportunidades do Brasil na África: a visão de uma consultora Melissa Cook O ambiente de negócios africano está passando por mudanças — neste exato momento. O continente está colhendo os frutos de uma melhor governança, de maciços gastos com infraestrutura e do surgimento de uma classe média. Os mercados estão se desenvolvendo rapidamente: concorrências estão sendo concluídas, market shares tendem a se consolidar e contratos de prestação de serviços de longo prazo estão sendo firmados. Não há tempo a perder. Empresas que tenham a visão estratégica de investir hoje na África estarão em boa posição para participar do crescimento do continente. Já aquelas que assumirem uma postura de “esperar para ver” podem se ver excluídas do mercado quando decidirem entrar nele. As empresas brasileiras precisam de crescimento — esse é um fato inquestionável para qualquer companhia. O Brasil é um mercado grande o suficiente para que muitas empresas estejam exclusivamente focadas em suas vendas domésticas. Mas será que não estão perdendo oportunidades de crescimento global? Em nossas conversas com empresas de todos os portes nos EUA, Europa e Brasil, ouvimos com muita frequência: “vamos olhar para a África daqui a cinco anos”. Ou, “investir na África é muito arriscado e muito difícil”. No entanto, as mudanças estão ocorrendo muito rapidamente na África, e acreditamos que os mercados potenciais são muito maiores do que as empresas imaginam. Melissa Cook,CFA, trabalha no mercado de ações global há mais de 25 anos e é fundadora e diretora da African Sunrise Partners LLC (www.afrsun.com), uma empresa de estratégia de investimento dedicada a atrair capital do setor privado para a África Subsaariana. 46 RBCE - 116 Nosso objetivo neste artigo é dar alguns exemplos atuais do que vemos acontecer nos principais mercados africanos. Vamos apresentar nossas opiniões sobre as oportunidades e os riscos para as empresas brasileiras que queiram ingressar na África. Vamos usar o conhecimento que adquirimos durante duas dezenas de viagens ao continente, desde 2006, e em nossos 25 anos de experiência na condução de pesquisas globais — em mercados tão variados como a Europa Oriental pós-comunista, a China e os EUA —, para oferecer insights sobre como as empresas locais pensam e operam, e sobre como as empresas brasileiras podem buscar com mais sucesso a expansão de seus negócios na África. Qual é o sentimento geral na África em relação ao Brasil? É positivo. Os governos africanos são abertos a investidores externos e estão buscando um equilíbrio. Atualmente, a maior parte do grande investimento que está sendo feito por toda a África vem da China. As empresas chinesas contam com apoio estratégico e financeiro de seu governo. Elas chegam como uma frente unificada, com diversos contratos de curto e longo prazos em qualquer projeto de grande porte. A China pretende ter acesso não só aos recursos naturais da África, mas também à sua força de trabalho e aos seus mercados em crescimento. Mercados formais e informais em toda a África estão repletos de produtos chineses: calçados, têxteis, televisores, motocicletas e tomate enlatado. Canteiros de obras e novos edifícios têm um alto índice de conteúdo chinês, como máquinas, equipamentos elétricos, materiais e, inclusive, mão de obra. As empresas chinesas estão cada vez mais competitivas em tecnologia e inovação, o que vem se somar à sua já antiga vantagem em termos de preços. As empresas comerciais chinesas, numa postura agressiva, estão construindo canais de distribuição e tirando do caminho as companhias locais. A estratégia da China divide opiniões. No lado positivo, os investidores chineses são conhecidos por chegar, perguntar quais são as necessidades de um país e determinar a forma de atendê-las (geralmente fornecendo o financiamento também). Isso tem acelerado de maneira significativa a implementação de projetos de infraestrutura, que dão sustentação ao crescimento econômico. Em outras áreas, porém, considera-se que a China se preocupa unicamente com a aquisição de recursos naturais, o que não gera desenvolvimento econômico sustentável e amplo para a África. As empresas são criticadas por trazer seus próprios trabalhadores, em vez de contratar e treinar a força de trabalho local. Nos países que exigem conteúdo local e transferência de competências para fechar contratos, as empresas chinesas ainda não se saem bem. O governo chinês leva muito a sério sua política de não envolvimento em assuntos políticos locais. Assim, muitas vezes a China acaba fazendo investimentos em países governados por ditadores ou regimes odiados, o que é alvo de muitas críticas. O estilo de abordagem do Brasil, mais construtivo, é muito bem-vindo. O enfoque do Brasil para os negócios internacionais privilegia uma visão pautada no princípio de não intervenção, o respeito pela soberania e o alinhamento com os interesses locais, de acordo com comentários do Banco Mundial em seu relatório de 2011, Pontes sobre o Atlântico: Brasil e África Subsaariana, parceria Sul-Sul para o crescimento. O Brasil também enfatiza a transferência de conhecimento e tecnologia como parte de sua estratégia de negócios. Ouvimos de diversos líderes empresariais que o Brasil geralmente contrata e treina trabalhadores locais na África. O status do Brasil como um mercado em desenvolvimento, com competências em áreas em que há grande necessidade na África — tais como agricultura, construção civil e exploração de recursos —, fornece apoio adicional para o estabelecimento de relações comerciais construtivas. Vale a pena analisar os pontos fortes que o Brasil traz para campo. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva trabalhou durante todo seu mandato para construir laços diplomáticos mais fortes entre o Brasil e diversos países africanos. RBCE - 116 47 Do ponto de vista mais amplo da indústria, o fato de Brasil e África possuírem características geológicas semelhantes faz da mineração e da extração de petróleo setores claramente promissores para investimento Ele realizou 12 missões diplomáticas e econômicas e abriu 17 embaixadas em todo o continente, fazendo com que o Brasil passasse a ter representação na maioria dos países africanos (em 37 de um total de 54). Segundo o Banco Mundial, o Brasil agora tem 37 embaixadas na África, contra 17 em 2002, aumento acompanhado pelo crescimento no número de embaixadas africanas no Brasil: desde 2003, foram abertas 17 embaixadas em Brasília, somando-se às 16 que já existiam. Com isso, o Brasil tem a maior concentração de embaixadas africanas no hemisfério sul. Esse tipo de apoio político e de engajamento é um ponto de partida útil para os negócios. Do ponto de vista mais amplo da indústria, o fato de Brasil e África possuírem características geológicas semelhantes faz da mineração e da extração de petróleo setores claramente promissores para investimento. Climas e tipos de solo similares significam também que as proezas do Brasil no setor agrícola podem ser replicadas na África. Construção civil, aviação, saúde, máquinas, manufatura e montagem, alimentos e outros setores também abrem grandes possibilidades para o Brasil na África. Os governos africanos e líderes empresariais veem o sucesso do Brasil na condução do crescimento econômico e na redução da desigualdade de renda como um modelo essencial para o 48 RBCE - 116 desenvolvimento do continente. Os governos estão pedindo ao Brasil para trazer assistência técnica e cooperação para o desenvolvimento em uma série de setores, como agricultura, saúde, formação profissional para a indústria, energia e proteção social. Na condição de poder emergente no cenário global e de mercado em desenvolvimento, o Brasil chega à África com uma compreensão profunda das necessidades e prioridades dos clientes dos países em desenvolvimento, em um grau que jamais seria possível para uma empresa norte-americana ou europeia. Clientes africanos querem uma relação custobenefício que seja boa para eles. Isso geralmente significa que um produto recém-concebido para atender às necessidades de mercados em desenvolvimento possa ser o mais adequado, e não um produto antigo com menos funcionalidades e preço relativamente elevado. Por onde começar? Lula abriu o caminho diplomático para o Brasil. Agora é hora de o setor empresarial entrar em cena. Nossas conversas, no Brasil e na África, indicam que até agora os projetos do país no continente envolvem algumas poucas empresas de grande porte, em um grupo limitado de países. A participação brasileira está fortemente concentrada nos setores de recursos naturais e construção civil, principalmente nos países lusófonos. Diversas outras empresas (no Brasil e em outros países) nos disseram que estão cientes de que há oportunidades em toda a África — mas por onde começar? Como se aproximar de um continente tão grande e diversificado? Antes de mais nada, as empresas não precisam estar em todos os lugares. A África não é um mercado monolítico. Fatores como o ambiente competitivo, o marco regulatório, os vetores de demanda e a facilidade de entrada no mercado são muito diferentes de país para país. Em alguns lugares, a cooperação regional está criando uma escala que um único país, sozinho, não seria capaz de obter. A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), o Mercado Comum da África Oriental e Austral (Comesa) e a Comunidade do Leste Africano (EAC) estão entre os exemplos mais notáveis. A Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Ecowas) é uma força política em ascensão, mas (até agora) é menos integrada do que outras regiões. Quais regiões ou países são mais atraentes? Até o momento, nós temos focado a maior parte do nosso trabalho nos países de língua inglesa. Há diversas oportunidades na África francófona e lusófona, mas esses países não fazem parte de nossa principal área de expertise neste momento. Em nosso trabalho, temos procurado nos concentrar em países que apresentem avanços na estabilidade política — de preferência, com governos democraticamente eleitos e nos quais a transmissão do poder tenha se dado por meio de eleições isentas e regulares nos últimos dez ou 20 anos. Esses países, geralmente, possuem melhor capacidade institucional, o que é essencial quando as empresas desejam saber como seu investimento será protegido pelo ordenamento jurídico e avaliar se o marco regulatório atual permanecerá estável. Procuramos descobrir se as empresas podem explorar mercados que tenham tamanho suficiente para justificar um investimento em larga escala. E procuramos uma sociedade aberta, que esteja aceitando a participação de empresas estrangeiras, tenha uma mentalidade comercial disseminada e cuja força de trabalho potencial apresente um nível de educação ascendente. Disponibilidade de comunicação também é importante — com a chegada de novos cabos submarinos em todo o continente, a África está verdadeiramente conectada com o mundo exterior, de uma maneira como nunca houve antes. O Quênia e a Comunidade da África Oriental (EAC) se saem muito bem nesses quesitos. A EAC está gradualmente integrando seus mercados de importação/exportação, sistemas de alfândega e tarifários, mercados de ações e muito mais. O Quênia tem a mentalidade comercial mais agressiva da região. Ruanda tornou-se um dos países mais admirados do mundo por sua capacidade de criar rapidamente um ambiente favorável aos negócios. Das cinzas do pós-genocídio de meados da década de 1990, Ruanda pretende se tornar uma espécie de “mini Cingapura” da região — um país “completo” —, com uma cultura de inovação e, ao mesmo tempo, sem corrupção e integrado globalmente, o que deve lhe render bons resultados. Uganda está buscando maneiras de transformar seus recursos petrolíferos em dinheiro, colocar sua população jovem para trabalhar e melhorar seu setor agrícola — isso em um contexto de ambiente político mais desafiador. A Tanzânia está prestes a se tornar um grande produtor de gás, e possui também significativo potencial em recursos agrícolas e minerais. O Quênia passou recentemente por uma eleição muito contestada, em que os ânimos se exaltaram, mas a paz foi preservada, de forma geral. O sistema funcionou, os resultados das eleições foram considerados legítimos e o sistema legal cumpriu seu papel na resolução de litígios. As pessoas estão animadas com as possibilidades para o país — o governo foi eleito com a promessa de construir infraestrutura, atrair empresas e agir rapidamente para implementar tecnologia nos serviços públicos. Os políticos sabem que, se não cumprirem o prometido, serão RBCE - 116 49 responsabilizados. O Quênia transferiu para os municípios uma maior responsabilidade pela tomada de decisões e está buscando ampliar o impacto do crescimento econômico nas áreas mais carentes. Em outros países da África Oriental, como Sudão do Sul, República Democrática do Congo e Etiópia, as empresas estão otimistas em relação ao potencial da infraestrutura para transformar as economias. Projetos regionais de geração e transmissão de energia estão sendo discutidos e implementados. Novos projetos de ferrovias, dutos, aeroportos e estradas estão sendo licitados neste momento. O Banco Mundial, o Banco Africano de Desenvolvimento e grupos financeiros privados estão investindo na região. Diversos contatos locais nos disseram que gostariam que empresas de outros países, e não só da China, se movessem mais rapidamente para entrar nesses mercados. A Nigéria é um mercado extremamente importante, devido ao seu tamanho, ao acesso a recursos naturais e ao potencial para reverter o baixo desempenho econômico que sempre marcou o país. Não é fácil para uma empresa desenvolver suas operações por lá, mas uma série de multinacionais de alto nível (como a GE e a Procter&Gamble) firmaram um grande compromisso com o país. O fato de empresas conhecidas pela transparência e boa governança fazerem esse tipo de investimento nos dá maior confiança de que os negócios na Nigéria vão seguir um caminho sustentável. Várias empresas nigerianas — mais notadamente aquelas ligadas ao Grupo Dangote,1 além de diversas do setor bancário — operam de acordo com padrões internacionais de crescimento e rentabilidade. Essas empresas nigerianas, juntamente com muitas no Quênia e na África do Sul, têm a ambição de se tornar potências pan-africanas. O governo nigeriano está empenhado em reverter os danos causados por décadas da “maldição dos recursos”, período em que todo o país se acomodou com o dinheiro oriundo do petróleo, em vez de desenvolver a indústria nacional. Quando os governos não dependem de receitas oriundas de impostos para financiar suas atividades, tornam-se completamente desconectados dos eleitores. Os eleitores não têm meios para responsabilizar os políticos por crimes cometidos, e todo o sistema entra em colapso. Nos países em que boa parte da renda vem do setor exportador, a moeda é supervalorizada, o que deixa a indústria nacional pouco competitiva. A Nigéria, infelizmente, serve como exemplo do que não fazer para os novos membros do “clube de recursos” da África. Mas, agora, acreditamos que o país está comprometido a voltar aos trilhos. Os setores de serviços bancários, telecomunicações e energético da Nigéria foram reestruturados e privatizados. A capacidade de geração de energia elétrica parece prestes a dar um salto, com base na adequada operação do equipamento existente, assim como em investimentos em nova geração, transmissão e distribuição de energia, a cargo dos novos proprietários privados ou operadores desses ativos. . Entendemos que o aumento da disponibilidade de energia pode ter efeito semelhante a um imenso corte de impostos na economia nigeriana. Se as famílias puderem comprar geladeiras, em vez de geradores, e se as empresas puderem investir recursos em pesquisa e desenvolvimento e na ampliação de capacidade, em vez de gastá-los com diesel para abastecer suas usinas de energia, a economia da Nigéria poderá passar por uma mudança radical em sua taxa de crescimento. A agricultura nigeriana também é uma das maiores prioridades do governo. Como o país possui terras férteis, água abundante e já mostrou, no passado, que pode ser autossuficiente na produção de gêneros agrícolas para alimentar sua população, acreditamos que vale a pena considerar novamente a possibilidade de investir na agricultura. A Nigéria pretende reverter sua situação atual, passando de grande importador de alimentos, como trigo e arroz, para se tornar um importante O Grupo Dangote é um dos maiores e mais diversificados conglomerados da África, com participação em setores como cimento, agronegócios, imóveis e manufaturas. 1 50 RBCE - 116 exportador global dos gêneros agrícolas mais adequados ao seu clima. Onde mais as empresas podem buscar oportunidades? Quando o assunto é atração de investimento, Gana vem se destacando, graças à sua duradoura estabilidade política, aos recursos provenientes do petróleo, ouro e cacau, e à sua posição estratégica como hub regional. O investimento em infraestrutura está em ascensão, e acreditamos que há espaço para crescimento acelerado em toda a economia nos próximos anos. A Etiópia é um lugar fascinante, por causa de sua história, geografia e estrutura econômica singulares. Acreditamos que, com uma população de mais de 90 milhões de pessoas, vastos recursos inexplorados e um governo que tem o compromisso de apoiar o crescimento econômico, a Etiópia é importante demais para ser ignorada. No momento, o país passa por um grande programa de obras de infraestrutura. Além disso, está se abrindo para empresas que buscam acesso a mão de obra abundante e de baixo custo. O setor agrícola, por sua vez, passa também por uma rápida transformação. Recentemente, visitamos o Gabão, onde o presidente articulou uma visão econômica que coloca o país no centro estratégico da Comunidade Econômica e Monetária da África Central (Cemac). O Gabão está buscando aumentar a contribuição econômica de seus vastos setores de recursos e florestas, e tem planos para criar zonas econômicas especiais e expandir sua capacidade portuária e de transportes. Estamos de viagem marcada para Camarões, onde os setores da agricultura, energia e infraestrutura parecem prontos para absorver novos investimentos. Outro grande mercado que estamos observando é a Costa do Marfim, que aparece disposta a recuperar sua posição anterior, quando figurava como uma das potências econômicas da África. A República Democrática do Congo é conhecida pela instabilidade política e por um ambiente de negócios desafiador, mas estamos conhecendo um número cada vez maior de empresários que estão criando negócios bemsucedidos em Kinshasa e na província de Katanga, rica em cobre. A Zâmbia é conhecida pela estabilidade política e por possuir cobre e solo fértil, enquanto que Angola procura investir em crescimento econômico sustentável e diversificado os vastos recursos que obtém com o petróleo. Moçambique também está se preparando para se tornar um importante exportador de gás, embora haja preocupação sobre como a riqueza que virá com os recursos recém-descobertos pode afetar a estabilidade política do país. A África do Sul é um mercado mais difícil de se analisar. De acordo com as estatísticas, o país encontra-se muito à frente do restante da África Subsaariana em termos de desenvolvimento econômico. Mas o fim do apartheid não levou a uma maior igualdade de renda e de oportunidades. Protestos de sindicatos e riscos regulatórios, que tornam o ambiente mais imprevisível para as empresas privadas, não estão contribuindo para melhorar a imagem do país. No entanto, a África do Sul possui uma comunidade empresarial muito forte, e vemos uma série de empresas sul-africanas fazendo incursões bem-sucedidas no resto do continente em áreas como varejo, bens de consumo e telecomunicações. Qual é a cultura empreendedora na África? Inovação e autossuficiência são comuns, provando que “a necessidade é a mãe da invenção”. Algumas das melhores equipes de gestão que conhecemos nos últimos 25 anos eram formadas por gestores africanos à frente de companhias africanas. Como o capital é escasso e caro, as empresas africanas são altamente disciplinadas ao utilizarem os investimentos. Diversas empresas de menor porte não conseguem crescer devido a restrições de capital, e estariam dispostas a trabalhar com o parceiro certo, num esforço para levar seus RBCE - 116 51 negócios para outras partes do continente. Os interessados em buscar parceiros locais devem ter em mente, contudo, que uma abordagem do tipo “mão pesada”, que imponha a ideia de que o investidor estrangeiro traz todo o conhecimento, não será bem recebida. Muitas das empresas privadas na África são negócios de família. Geralmente, atuam em diferentes setores, são totalmente autofinanciadas e altamente lucrativas. Vemos uma mudança geracional acontecendo em diversas dessas empresas. Membros mais jovens da família, muitas vezes com MBAs no exterior, cursos de engenharia e experiência profissional, estão assumindo o controle e querem levar suas empresas para um outro patamar. Esses executivos veem as mesmas perspectivas animadoras de crescimento na África que nós identificamos, e estão reestruturando e reposicionando suas empresas para que possam aproveitar as oportunidades na região ou em todo o continente. Eles geralmente são abertos a parcerias que contribuam com expertise técnica e com desenvolvimento financeiro, de distribuição ou de negócios. Há também uma série de empresas de capital aberto, muitas vezes de propriedade estatal. Com o tempo, esperamos que o governo deixe o comando dessas companhias ou privatize alguns desses ativos. Há também muitos bancos, empresas produtoras de bens de consumo, fábricas de cimento, 52 RBCE - 116 manufaturas e varejistas que são de propriedade privada ou foram fundadas com capital privado e agora participam das bolsas de valores locais. Essas empresas atuam de acordo com padrões globais de governança, gestão de risco, transparência e desempenho operacional. Quais são algumas das oportunidades que estamos observando, e por que são interessantes para o Brasil? Na agricultura, parcerias entre a África e o Brasil seriam vantajosas para os dois lados. De acordo com o relatório Pontes sobre o Atlântico, do Banco Mundial, a América do Sul e a África formaram um único continente no passado. Há traços comuns nos solos e nas características de cultivo, bem como em termos de clima, geologia e recursos minerais. Isso é particularmente importante para os setores de petróleo e gás, mineração e agricultura, nos quais o Brasil tem muito a oferecer à África no que tange à assistência técnica e experiência industrial. A agricultura emprega mais de três quartos dos africanos, mas a produtividade e os lucros são muito baixos. Com o tipo certo de investimento, esse setor pode transformar vidas e fomentar o crescimento das economias. Melhores resultados na agricultura têm potencial para aumentar a renda rural e tirar milhões de pessoas da pobreza. Os países poderiam reduzir a quantidade de moeda forte que são forçados a gastar para importar alimentos que poderiam ser cultivados internamente. Há espaço de sobra para os países africanos se tornarem exportadores agrícolas, e não apenas de commodities, mas também de alimentos processados e com valor agregado. Todos esses fatores iriam dar suporte ao crescimento econômico, contribuir para a expansão da classe média e promover a estabilidade política. Achamos que as empresas brasileiras têm uma grande oportunidade de participar desse setor. Outra vantagem do Brasil está relacionada ao trabalho desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A instituição tem como missão “fornecer soluções viáveis para o desenvolvimento sustentável do agronegócio brasileiro através da geração e transferência de conhecimento e tecnologia”. A empresa participa da Plataforma África-Brasil de Inovação Tecnológica, uma “parceria entre organizações africanas e brasileiras para promover a inovação e o desenvolvimento agrícola”. A Embrapa possibilita a cooperação científica entre o Brasil e a África. Projetos bem sucedidos no Brasil podem ser replicados em regiões da África que tenham condições de clima e solo semelhantes às brasileiras. Entre os exemplos, há inoculantes para ervilhas, cogumelos que crescem em resíduos agrícolas, conservação de genes na mandioca, agricultura adaptável às condições climáticas (climatesmart), trabalho simplificado do solo (conservation tillage) e programas de rotação de culturas. O uso de máquinas pode aumentar a produtividade da agricultura africana, particularmente se forem utilizados equipamentos adequados ao clima local e às condições do solo. Os aparelhos devem ser simples de operar e manter e precisam funcionar com combustível que esteja disponível nas áreas rurais. A experiência do Brasil nessa área é particularmente valiosa. O Brasil tem sido bem sucedido na integração entre a agricultura e a pecuária. Uma área de oportunidades para a África é a indústria avícola. A alimentação é o maior custo na criação de frango. Se os grãos puderem ser cultivados e processados perto dos aviários, os custos diminuem. Proprietários de franquias da Kentucky Fried Chicken (KFC) em Gana e na Nigéria dizem que um fator que dificulta o crescimento é a falta de uma cadeia de valor do frango local adequada. A demanda é alta, mas os impostos, a terra e a disponibilidade de energia são problemáticos. Outra fonte do mercado nos disse que está mais barato importar frango congelado do Brasil para Gana do que produzir frango localmente. A Embrapa acredita que o sucesso do Brasil em processamento de alimentos em pequena escala pode ser reproduzido nos mercados africanos. Mandioca, frutas para suco e tomates são apenas três exemplos. A maior parte dos pequenos agricultores africanos vende suas colheitas no período de pico da produção, quando os preços são mais baixos. Investimentos em processamento local e armazenamento poderiam melhorar substancialmente os rendimentos dos agricultores, utilizando-se apenas as culturas que já são cultivadas. A Embrapa vê a posse da terra como um problema significativo. Em Gana, por exemplo, a propriedade da terra obedece a um sistema tribal, familiar e baseado na figura do líder local, o que cria uma “colcha de retalhos” e torna difícil o agrupamento de lotes com área total suficiente para suportar técnicas agrícolas modernas. Os agricultores que não conseguem produzir provas de título de terra encontram dificuldades para obter empréstimos formais. E esse não é um problema de Gana apenas — é um obstáculo para o investimento em agricultura em toda a África, especialmente para as mulheres. A aviação é outra área que oferece grandes oportunidades. A Embraer foi uma das primeiras empresas a entrar no setor de aviação africano. Quem já viajou pelo continente sabe que as distâncias são longas, as tarifas, altas, e os voos, lotados. Claramente, há um mercado crescente para aeronaves, bem como para treinamento de pessoal, manutenção, consertos e operações. Todos esses investimentos devem ser considerados em conjunto. Cerca de 90% das vendas da Embraer são para clientes internacionais. Como algumas regiões estão com a economia parada no momento, a África é um foco. A empresa observa uma forte demanda por jatos de pequena capacidade, com um crescimento mais intenso em aeroportos secundários, localizados fora dos principais hubs, como Joanesburgo, Nairóbi ou Cairo. A Embraer está capacitando os africanos, fornecendo treinamento, peças e manutenção para sustentar um crescimento de longo prazo. Os indicadores econômicos tradicionais para a África dão um sinal positivo, e os indicadores relacionados ao transporte aéreo, como milhas por assentos de passageiros e demanda por carga também estão indo na direção certa. A Embraer considera sua linha de produtos — composta de jatos com capacidade entre 60 e 120 assentos — como ideal para essa parte do mundo. A empresa acredita que seus jatos oferecem uma combinação perfeita de capacidade de carga, desempenho de custo operacional e conforto para os passageiros das companhias aéreas africanas. A Embraer considera a África Subsaariana (particularmente a África Ocidental) uma das regiões mais rentáveis do RBCE - 116 53 mundo. O mercado ainda não se expandiu a ponto de a demanda do mercado de massa, a regulamentação e os parâmetros de infraestrutura permitirem o surgimento de companhias aéreas de baixo custo, mas isso está mudando. O financiamento continua a ser um dos grandes desafios. A Embraer vê o fortalecimento das relações entre o governo brasileiro e vários países africanos, bem como o apoio estratégico do BNDES e de outras agências de financiamento à exportação, como fatores capazes de aumentar a disponibilidade de financiamento de apoio para o seu negócio. A Embraer também está envolvida com alguns dos maiores locadores globais de aeronaves em seus negócios na África. Os serviços bancários e financeiros são áreas de oportunidade potencial para o Brasil. Há uma série de bancos africanos fortes, e os bancos multinacionais estão fazendo incursões pelo continente. Observamos dois exemplos de bancos estrangeiros que compraram grandes participações em bancos africanos, com perspectivas de resultados muito interessantes. O banco holandês Rabobank adquiriu recentemente uma participação no DFCU Bank, de Uganda, e planeja trabalhar com o DFCU para aperfeiçoar a eficácia do banco no financiamento da agricultura em toda a cadeia de valor. O Industrial & Commercial 54 RBCE - 116 Bank of China comprou 20% do Standard Bank da África do Sul há vários anos, o que transformou o Standard Bank em um credor mais importante (e mais bem informado) em setores como os de energia, infraestrutura e industrial. A África vai precisar de capital para financiar seu crescimento por muitas décadas, razão pela qual entendemos que há muito espaço para participação internacional adicional no setor. Também vemos oportunidade no setor de serviços financeiros não bancários. À medida que os jovens ingressam no mercado de trabalho, eles passam a precisar de planos de aposentadoria, seguros, planejamento financeiro e muito mais. Quais são algumas das outras oportunidades, talvez para empresas que queiram apenas “dar pequenas mordidas” no mercado? Conteúdo local: cada vez mais países estão começando a insistir em conteúdo local e no desenvolvimento de competências. O Brasil tem feito isso com sucesso no setor de petróleo, e vemos oportunidades de colaboração e joint-ventures entre empresas brasileiras em áreas como petróleo e gás, transporte e logística, serviços de suporte e manutenção para a mineração e a aviação, agroprocessamento e transportes. Atendimento ao consumidor: vemos potencial para que os tipos de bens e serviços que são bem sucedidos no Brasil funcionem também na África. Grandes marcas globais certamente estão presentes, mas vemos muito espaço para empresas capazes de atender às demandas dos consumidores de baixa renda. Empresas dispostas a investir em canais de distribuição fortes e em marketing provavelmente vão descobrir que a demanda excede a oferta em quase todas as áreas. Avanço tecnológico: mais importante do que se imagina. O acesso ubíquo à informação — via aparelhos celulares baratos e prontamente disponíveis — mudou a África para melhor. Os eleitores não sofrem mais com a falta de acesso à informação ou com a incapacidade para pressionar os políticos que não cumprem suas promessas. As pessoas já não precisam mais imaginar de onde vem seu próximo trabalho: a informação chega numa mensagem de texto. Não é à toa que, quando perguntamos às pessoas o que elas comprariam se tivessem 5 cedi, 100 nairas ou 50 xelins sobrando, a prioridade é mais tempo de acesso à rede de telefonia móvel. Os produtores de leite podem receber por SMS conselhos sobre nutrição animal e período mais adequado para a reprodução, o que aumenta a produção de leite e melhora os meios de subsistência. As empresas que estão entrando na África devem pensar sobre como fazer esse avanço antes — ou ao mesmo tempo — que seus clientes e concorrentes. A África é fonte de inovações que podem se tornar muito valiosas em outras partes do mundo. O Quênia estabeleceu uma liderança sólida em e-money — a M-Pesa é uma empresa onipresente e gerou crescimento econômico e inclusão financeira. O continente tem mais de 700 milhões de usuários de telefonia móvel, ignorando completamente o sistema de telefonia fixa. E-government, e-health, ensino online e novas formas de e-commerce estão mudando a forma como as pessoas interagem umas com as outras. Os governos africanos, empresas e consumidores podem tirar proveito de avanços significativos na tecnologia, agora, sem precisar abrir mão dos sistemas já existentes. E os riscos? para outros mercados. Alguns dos riscos mais comuns são a expropriação de bens pelos governos, instabilidade política e corrupção, mas esses fatos são menos frequentes ou mais contornáveis do que se imagina normalmente — pelo menos para aqueles que fizeram seu dever de casa. Acreditamos que nada é mais importante do que ter uma verdadeira presença local e possuir parceiros locais motivados e cuidadosamente escolhidos. Os relacionamentos devem ser regidos por acordos bem concebidos, que sejam mutuamente benéficos e contemplem mudanças no ambiente operacional e regulatório. Conforme discutimos neste artigo, cada país é diferente. Não existe uma única solução que irá funcionar em todos os locais — e os riscos variam também de acordo com cada país. É claro que, no mundo real, fazer negócios nunca é algo tão simples ou direto como gostaríamos que fosse. Isso vale tanto para a África quanto Recomendamos que as empresas viajem muito, façam pesquisas amplas e profundas e conversem Certificação da Analista: A autora certifica que este comentário sobre o mercado expressa com precisão seus pontos de vista pessoais em relação aos valores mobiliários mencionados, que se refletem no conteúdo desta publicação. A autora atesta, ainda, que nenhuma parte de sua remuneração esteve, está ou estará, direta ou indiretamente, relacionada com as opiniões contidas nesta publicação. Responsabilidade e divulgação: Estes comentários de mercado da African Sunrise Partners foram preparados pela African Sunrise Partners LLC para distribuição pela Enclave Capital, LLC, uma marca registrada de corretora financeira. As informações e opiniões nos comentários de mercado da African Sunrise Partners Sunrise Partners são apresentados exclusivamente para fins de aconselhamento e informação. com outras companhias que tenham alcançado sucesso ou que tenham falhado em um determinado mercado. Há uma abundância de recursos disponíveis para aqueles que souberem ver as oportunidades. Nós realmente acreditamos que, para empresas globais, ou para aquelas em busca de novos mercados para expansão, nos quais seu produto ou sua experiência sejam valorizados, o maior risco na África é não estar lá. Para reiterar, nosso ponto de vista é que a África é um lugar muito interessante para as empresas explorarem. O ambiente de negócios está crescendo, a governança está melhorando, a infraestrutura está sendo aperfeiçoada e os consumidores têm dinheiro para gastar. Empresas em busca de novos mercados para se expandir estarão no caminho certo se decidirem descobrir de que forma a África pode se encaixar nos seus planos estratégicos. ■ RBCE - 116 55