Oportunidades do Brasil na África: a visão de uma consultora

Transcrição

Oportunidades do Brasil na África: a visão de uma consultora
África
Oportunidades do Brasil
na África: a visão de uma
consultora
Melissa Cook
O ambiente de negócios
africano está passando por
mudanças — neste exato
momento. O continente está
colhendo os frutos de uma
melhor governança, de maciços
gastos com infraestrutura e
do surgimento de uma classe
média. Os mercados estão se
desenvolvendo rapidamente:
concorrências estão sendo
concluídas, market shares
tendem a se consolidar e
contratos de prestação de
serviços de longo prazo estão
sendo firmados. Não há tempo a
perder. Empresas que tenham a
visão estratégica de investir hoje
na África estarão em boa posição
para participar do crescimento
do continente. Já aquelas que
assumirem uma postura de
“esperar para ver” podem se ver
excluídas do mercado quando
decidirem entrar nele.
As empresas brasileiras
precisam de crescimento —
esse é um fato inquestionável
para qualquer companhia.
O Brasil é um mercado
grande o suficiente para que
muitas empresas estejam
exclusivamente focadas em
suas vendas domésticas. Mas
será que não estão perdendo
oportunidades de crescimento
global? Em nossas conversas
com empresas de todos os
portes nos EUA, Europa e
Brasil, ouvimos com muita
frequência: “vamos olhar para
a África daqui a cinco anos”.
Ou, “investir na África é muito
arriscado e muito difícil”. No
entanto, as mudanças estão
ocorrendo muito rapidamente
na África, e acreditamos que
os mercados potenciais são
muito maiores do que as
empresas imaginam.
Melissa Cook,CFA, trabalha no mercado de ações global há mais de 25 anos e é
fundadora e diretora da African Sunrise Partners LLC (www.afrsun.com), uma empresa
de estratégia de investimento dedicada a atrair capital do setor privado para a África
Subsaariana.
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Nosso objetivo neste artigo é
dar alguns exemplos atuais
do que vemos acontecer nos
principais mercados africanos.
Vamos apresentar nossas
opiniões sobre as oportunidades
e os riscos para as empresas
brasileiras que queiram ingressar
na África. Vamos usar o
conhecimento que adquirimos
durante duas dezenas de
viagens ao continente, desde
2006, e em nossos 25 anos
de experiência na condução
de pesquisas globais — em
mercados tão variados como a
Europa Oriental pós-comunista, a
China e os EUA —, para oferecer
insights sobre como as empresas
locais pensam e operam, e sobre
como as empresas brasileiras
podem buscar com mais sucesso
a expansão de seus negócios
na África.
Qual é o sentimento
geral na África em
relação ao Brasil?
É positivo. Os governos africanos
são abertos a investidores
externos e estão buscando um
equilíbrio. Atualmente, a maior
parte do grande investimento que
está sendo feito por toda a África
vem da China. As empresas
chinesas contam com apoio
estratégico e financeiro de seu
governo. Elas chegam como uma
frente unificada, com diversos
contratos de curto e longo
prazos em qualquer projeto de
grande porte. A China pretende
ter acesso não só aos recursos
naturais da África, mas também
à sua força de trabalho e aos
seus mercados em crescimento.
Mercados formais e informais
em toda a África estão repletos
de produtos chineses: calçados,
têxteis, televisores, motocicletas
e tomate enlatado. Canteiros de
obras e novos edifícios têm um
alto índice de conteúdo chinês,
como máquinas, equipamentos
elétricos, materiais e, inclusive,
mão de obra. As empresas
chinesas estão cada vez mais
competitivas em tecnologia e
inovação, o que vem se somar
à sua já antiga vantagem
em termos de preços. As
empresas comerciais chinesas,
numa postura agressiva,
estão construindo canais de
distribuição e tirando do caminho
as companhias locais.
A estratégia da China divide
opiniões. No lado positivo,
os investidores chineses são
conhecidos por chegar, perguntar
quais são as necessidades de
um país e determinar a forma
de atendê-las (geralmente
fornecendo o financiamento
também). Isso tem acelerado
de maneira significativa a
implementação de projetos
de infraestrutura, que dão
sustentação ao crescimento
econômico. Em outras áreas,
porém, considera-se que a China
se preocupa unicamente com a
aquisição de recursos naturais,
o que não gera desenvolvimento
econômico sustentável e amplo
para a África. As empresas
são criticadas por trazer seus
próprios trabalhadores, em vez
de contratar e treinar a força
de trabalho local. Nos países
que exigem conteúdo local e
transferência de competências
para fechar contratos, as
empresas chinesas ainda não
se saem bem. O governo chinês
leva muito a sério sua política de
não envolvimento em assuntos
políticos locais. Assim, muitas
vezes a China acaba fazendo
investimentos em países
governados por ditadores ou
regimes odiados, o que é alvo de
muitas críticas.
O estilo de abordagem do
Brasil, mais construtivo, é muito
bem-vindo. O enfoque do Brasil
para os negócios internacionais
privilegia uma visão pautada no
princípio de não intervenção,
o respeito pela soberania
e o alinhamento com os
interesses locais, de acordo com
comentários do Banco Mundial
em seu relatório de 2011, Pontes
sobre o Atlântico: Brasil e África
Subsaariana, parceria Sul-Sul
para o crescimento. O Brasil
também enfatiza a transferência
de conhecimento e tecnologia
como parte de sua estratégia de
negócios. Ouvimos de diversos
líderes empresariais que o Brasil
geralmente contrata e treina
trabalhadores locais na África.
O status do Brasil como um
mercado em desenvolvimento,
com competências em áreas em
que há grande necessidade na
África — tais como agricultura,
construção civil e exploração
de recursos —, fornece apoio
adicional para o estabelecimento
de relações comerciais
construtivas.
Vale a pena analisar os pontos
fortes que o Brasil traz para
campo. O ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva trabalhou
durante todo seu mandato para
construir laços diplomáticos
mais fortes entre o Brasil e
diversos países africanos.
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Do ponto de
vista mais amplo
da indústria, o
fato de Brasil e
África possuírem
características
geológicas
semelhantes faz
da mineração e da
extração de petróleo
setores claramente
promissores para
investimento
Ele realizou 12 missões
diplomáticas e econômicas e
abriu 17 embaixadas em todo
o continente, fazendo com
que o Brasil passasse a ter
representação na maioria dos
países africanos (em 37 de
um total de 54). Segundo o
Banco Mundial, o Brasil agora
tem 37 embaixadas na África,
contra 17 em 2002, aumento
acompanhado pelo crescimento
no número de embaixadas
africanas no Brasil: desde 2003,
foram abertas 17 embaixadas
em Brasília, somando-se às 16
que já existiam. Com isso, o
Brasil tem a maior concentração
de embaixadas africanas no
hemisfério sul.
Esse tipo de apoio político e
de engajamento é um ponto de
partida útil para os negócios.
Do ponto de vista mais amplo
da indústria, o fato de Brasil e
África possuírem características
geológicas semelhantes faz da
mineração e da extração de
petróleo setores claramente
promissores para investimento.
Climas e tipos de solo similares
significam também que as
proezas do Brasil no setor
agrícola podem ser replicadas na
África. Construção civil, aviação,
saúde, máquinas, manufatura e
montagem, alimentos e outros
setores também abrem grandes
possibilidades para o Brasil
na África.
Os governos africanos e
líderes empresariais veem
o sucesso do Brasil na
condução do crescimento
econômico e na redução da
desigualdade de renda como
um modelo essencial para o
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desenvolvimento do continente.
Os governos estão pedindo ao
Brasil para trazer assistência
técnica e cooperação para o
desenvolvimento em uma série
de setores, como agricultura,
saúde, formação profissional
para a indústria, energia e
proteção social.
Na condição de poder emergente
no cenário global e de mercado
em desenvolvimento, o Brasil
chega à África com uma
compreensão profunda das
necessidades e prioridades
dos clientes dos países em
desenvolvimento, em um grau
que jamais seria possível para
uma empresa norte-americana
ou europeia. Clientes africanos
querem uma relação custobenefício que seja boa para eles.
Isso geralmente significa que
um produto recém-concebido
para atender às necessidades de
mercados em desenvolvimento
possa ser o mais adequado,
e não um produto antigo com
menos funcionalidades e preço
relativamente elevado.
Por onde começar?
Lula abriu o caminho diplomático
para o Brasil. Agora é hora de
o setor empresarial entrar em
cena. Nossas conversas, no
Brasil e na África, indicam que
até agora os projetos do país no
continente envolvem algumas
poucas empresas de grande
porte, em um grupo limitado de
países. A participação brasileira
está fortemente concentrada nos
setores de recursos naturais e
construção civil, principalmente
nos países lusófonos. Diversas
outras empresas (no Brasil
e em outros países) nos
disseram que estão cientes
de que há oportunidades em
toda a África — mas por onde
começar? Como se aproximar
de um continente tão grande e
diversificado?
Antes de mais nada, as
empresas não precisam estar
em todos os lugares. A África
não é um mercado monolítico.
Fatores como o ambiente
competitivo, o marco regulatório,
os vetores de demanda e a
facilidade de entrada no mercado
são muito diferentes de país
para país. Em alguns lugares,
a cooperação regional está
criando uma escala que um
único país, sozinho, não seria
capaz de obter. A Comunidade
de Desenvolvimento da África
Austral (SADC), o Mercado
Comum da África Oriental
e Austral (Comesa) e a
Comunidade do Leste Africano
(EAC) estão entre os exemplos
mais notáveis. A Comunidade
Econômica dos Estados da
África Ocidental (Ecowas) é uma
força política em ascensão, mas
(até agora) é menos integrada do
que outras regiões.
Quais regiões ou países
são mais atraentes?
Até o momento, nós temos
focado a maior parte do
nosso trabalho nos países de
língua inglesa. Há diversas
oportunidades na África
francófona e lusófona, mas
esses países não fazem parte de
nossa principal área de expertise
neste momento.
Em nosso trabalho, temos
procurado nos concentrar em
países que apresentem avanços
na estabilidade política — de
preferência, com governos
democraticamente eleitos e
nos quais a transmissão do
poder tenha se dado por meio
de eleições isentas e regulares
nos últimos dez ou 20 anos.
Esses países, geralmente,
possuem melhor capacidade
institucional, o que é essencial
quando as empresas desejam
saber como seu investimento
será protegido pelo ordenamento
jurídico e avaliar se o marco
regulatório atual permanecerá
estável. Procuramos descobrir
se as empresas podem explorar
mercados que tenham tamanho
suficiente para justificar
um investimento em larga
escala. E procuramos uma
sociedade aberta, que esteja
aceitando a participação de
empresas estrangeiras, tenha
uma mentalidade comercial
disseminada e cuja força de
trabalho potencial apresente
um nível de educação
ascendente. Disponibilidade
de comunicação também é
importante — com a chegada
de novos cabos submarinos em
todo o continente, a África está
verdadeiramente conectada
com o mundo exterior, de
uma maneira como nunca
houve antes.
O Quênia e a Comunidade da
África Oriental (EAC) se saem
muito bem nesses quesitos.
A EAC está gradualmente
integrando seus mercados de
importação/exportação, sistemas
de alfândega e tarifários,
mercados de ações e muito mais.
O Quênia tem a mentalidade
comercial mais agressiva da
região. Ruanda tornou-se um
dos países mais admirados do
mundo por sua capacidade de
criar rapidamente um ambiente
favorável aos negócios. Das
cinzas do pós-genocídio de
meados da década de 1990,
Ruanda pretende se tornar uma
espécie de “mini Cingapura” da
região — um país “completo” —,
com uma cultura de inovação e,
ao mesmo tempo, sem corrupção
e integrado globalmente, o que
deve lhe render bons resultados.
Uganda está buscando maneiras
de transformar seus recursos
petrolíferos em dinheiro,
colocar sua população jovem
para trabalhar e melhorar seu
setor agrícola — isso em um
contexto de ambiente político
mais desafiador. A Tanzânia
está prestes a se tornar um
grande produtor de gás, e
possui também significativo
potencial em recursos agrícolas
e minerais.
O Quênia passou recentemente
por uma eleição muito
contestada, em que os ânimos
se exaltaram, mas a paz foi
preservada, de forma geral. O
sistema funcionou, os resultados
das eleições foram considerados
legítimos e o sistema legal
cumpriu seu papel na resolução
de litígios. As pessoas estão
animadas com as possibilidades
para o país — o governo foi
eleito com a promessa de
construir infraestrutura, atrair
empresas e agir rapidamente
para implementar tecnologia
nos serviços públicos. Os
políticos sabem que, se não
cumprirem o prometido, serão
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responsabilizados. O Quênia
transferiu para os municípios
uma maior responsabilidade
pela tomada de decisões e está
buscando ampliar o impacto
do crescimento econômico nas
áreas mais carentes.
Em outros países da África
Oriental, como Sudão do Sul,
República Democrática do
Congo e Etiópia, as empresas
estão otimistas em relação ao
potencial da infraestrutura para
transformar as economias.
Projetos regionais de geração
e transmissão de energia
estão sendo discutidos e
implementados. Novos projetos
de ferrovias, dutos, aeroportos
e estradas estão sendo licitados
neste momento. O Banco
Mundial, o Banco Africano de
Desenvolvimento e grupos
financeiros privados estão
investindo na região. Diversos
contatos locais nos disseram
que gostariam que empresas
de outros países, e não só
da China, se movessem mais
rapidamente para entrar nesses
mercados.
A Nigéria é um mercado
extremamente importante,
devido ao seu tamanho, ao
acesso a recursos naturais e
ao potencial para reverter o
baixo desempenho econômico
que sempre marcou o
país. Não é fácil para uma
empresa desenvolver suas
operações por lá, mas uma
série de multinacionais de
alto nível (como a GE e a
Procter&Gamble) firmaram
um grande compromisso com
o país. O fato de empresas
conhecidas pela transparência
e boa governança fazerem
esse tipo de investimento nos
dá maior confiança de que os
negócios na Nigéria vão seguir
um caminho sustentável. Várias
empresas nigerianas — mais
notadamente aquelas ligadas
ao Grupo Dangote,1 além de
diversas do setor bancário —
operam de acordo com padrões
internacionais de crescimento e
rentabilidade. Essas empresas
nigerianas, juntamente com
muitas no Quênia e na África do
Sul, têm a ambição de se tornar
potências pan-africanas.
O governo nigeriano está
empenhado em reverter os
danos causados por décadas da
“maldição dos recursos”, período
em que todo o país se acomodou
com o dinheiro oriundo do
petróleo, em vez de desenvolver
a indústria nacional. Quando
os governos não dependem de
receitas oriundas de impostos
para financiar suas atividades,
tornam-se completamente
desconectados dos eleitores.
Os eleitores não têm meios
para responsabilizar os políticos
por crimes cometidos, e todo o
sistema entra em colapso. Nos
países em que boa parte da
renda vem do setor exportador,
a moeda é supervalorizada, o
que deixa a indústria nacional
pouco competitiva. A Nigéria,
infelizmente, serve como
exemplo do que não fazer para
os novos membros do “clube de
recursos” da África. Mas, agora,
acreditamos que o país está
comprometido a voltar aos trilhos.
Os setores de serviços bancários,
telecomunicações e energético
da Nigéria foram reestruturados
e privatizados. A capacidade
de geração de energia elétrica
parece prestes a dar um salto,
com base na adequada operação
do equipamento existente, assim
como em investimentos em
nova geração, transmissão e
distribuição de energia, a cargo
dos novos proprietários privados
ou operadores desses ativos.
.
Entendemos que o aumento
da disponibilidade de energia
pode ter efeito semelhante a
um imenso corte de impostos
na economia nigeriana. Se
as famílias puderem comprar
geladeiras, em vez de
geradores, e se as empresas
puderem investir recursos em
pesquisa e desenvolvimento e
na ampliação de capacidade,
em vez de gastá-los com diesel
para abastecer suas usinas
de energia, a economia da
Nigéria poderá passar por uma
mudança radical em sua taxa
de crescimento. A agricultura
nigeriana também é uma
das maiores prioridades do
governo. Como o país possui
terras férteis, água abundante
e já mostrou, no passado, que
pode ser autossuficiente na
produção de gêneros agrícolas
para alimentar sua população,
acreditamos que vale a pena
considerar novamente a
possibilidade de investir na
agricultura. A Nigéria pretende
reverter sua situação atual,
passando de grande importador
de alimentos, como trigo e arroz,
para se tornar um importante
O Grupo Dangote é um dos maiores e mais diversificados conglomerados da África, com participação em setores como cimento, agronegócios, imóveis
e manufaturas.
1
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exportador global dos gêneros
agrícolas mais adequados
ao seu clima.
Onde mais as empresas
podem buscar
oportunidades?
Quando o assunto é atração
de investimento, Gana vem
se destacando, graças à sua
duradoura estabilidade política,
aos recursos provenientes do
petróleo, ouro e cacau, e à sua
posição estratégica como hub
regional. O investimento em
infraestrutura está em ascensão,
e acreditamos que há espaço
para crescimento acelerado
em toda a economia nos
próximos anos.
A Etiópia é um lugar fascinante,
por causa de sua história,
geografia e estrutura econômica
singulares. Acreditamos que,
com uma população de mais de
90 milhões de pessoas, vastos
recursos inexplorados e um
governo que tem o compromisso
de apoiar o crescimento
econômico, a Etiópia é
importante demais para ser
ignorada. No momento, o país
passa por um grande programa
de obras de infraestrutura. Além
disso, está se abrindo para
empresas que buscam acesso
a mão de obra abundante e de
baixo custo. O setor agrícola, por
sua vez, passa também por uma
rápida transformação.
Recentemente, visitamos o
Gabão, onde o presidente
articulou uma visão econômica
que coloca o país no centro
estratégico da Comunidade
Econômica e Monetária da África
Central (Cemac). O Gabão
está buscando aumentar a
contribuição econômica de seus
vastos setores de recursos e
florestas, e tem planos para criar
zonas econômicas especiais
e expandir sua capacidade
portuária e de transportes.
Estamos de viagem marcada
para Camarões, onde os
setores da agricultura, energia
e infraestrutura parecem
prontos para absorver novos
investimentos.
Outro grande mercado
que estamos observando
é a Costa do Marfim, que
aparece disposta a recuperar
sua posição anterior, quando
figurava como uma das
potências econômicas da África.
A República Democrática
do Congo é conhecida pela
instabilidade política e por
um ambiente de negócios
desafiador, mas estamos
conhecendo um número cada
vez maior de empresários que
estão criando negócios bemsucedidos em Kinshasa e na
província de Katanga, rica em
cobre. A Zâmbia é conhecida
pela estabilidade política e
por possuir cobre e solo fértil,
enquanto que Angola procura
investir em crescimento
econômico sustentável e
diversificado os vastos recursos
que obtém com o petróleo.
Moçambique também está se
preparando para se tornar um
importante exportador de gás,
embora haja preocupação sobre
como a riqueza que virá com
os recursos recém-descobertos
pode afetar a estabilidade
política do país.
A África do Sul é um mercado
mais difícil de se analisar. De
acordo com as estatísticas,
o país encontra-se muito à
frente do restante da África
Subsaariana em termos de
desenvolvimento econômico.
Mas o fim do apartheid não
levou a uma maior igualdade
de renda e de oportunidades.
Protestos de sindicatos e riscos
regulatórios, que tornam o
ambiente mais imprevisível para
as empresas privadas, não estão
contribuindo para melhorar a
imagem do país. No entanto,
a África do Sul possui uma
comunidade empresarial muito
forte, e vemos uma série de
empresas sul-africanas fazendo
incursões bem-sucedidas no
resto do continente em áreas
como varejo, bens de consumo e
telecomunicações.
Qual é a cultura
empreendedora
na África?
Inovação e autossuficiência
são comuns, provando que
“a necessidade é a mãe
da invenção”. Algumas das
melhores equipes de gestão
que conhecemos nos últimos
25 anos eram formadas por
gestores africanos à frente de
companhias africanas. Como
o capital é escasso e caro,
as empresas africanas são
altamente disciplinadas ao
utilizarem os investimentos.
Diversas empresas de menor
porte não conseguem crescer
devido a restrições de capital,
e estariam dispostas a
trabalhar com o parceiro certo,
num esforço para levar seus
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51
negócios para outras partes do
continente. Os interessados em
buscar parceiros locais devem
ter em mente, contudo, que
uma abordagem do tipo “mão
pesada”, que imponha a ideia de
que o investidor estrangeiro traz
todo o conhecimento, não será
bem recebida.
Muitas das empresas privadas na
África são negócios de família.
Geralmente, atuam em diferentes
setores, são totalmente
autofinanciadas e altamente
lucrativas. Vemos uma mudança
geracional acontecendo em
diversas dessas empresas.
Membros mais jovens da família,
muitas vezes com MBAs no
exterior, cursos de engenharia
e experiência profissional,
estão assumindo o controle e
querem levar suas empresas
para um outro patamar. Esses
executivos veem as mesmas
perspectivas animadoras de
crescimento na África que
nós identificamos, e estão
reestruturando e reposicionando
suas empresas para que possam
aproveitar as oportunidades na
região ou em todo o continente.
Eles geralmente são abertos
a parcerias que contribuam
com expertise técnica e com
desenvolvimento financeiro, de
distribuição ou de negócios.
Há também uma série de
empresas de capital aberto,
muitas vezes de propriedade
estatal. Com o tempo,
esperamos que o governo deixe
o comando dessas companhias
ou privatize alguns desses ativos.
Há também muitos bancos,
empresas produtoras de bens de
consumo, fábricas de cimento,
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manufaturas e varejistas que
são de propriedade privada ou
foram fundadas com capital
privado e agora participam das
bolsas de valores locais. Essas
empresas atuam de acordo com
padrões globais de governança,
gestão de risco, transparência e
desempenho operacional.
Quais são algumas
das oportunidades
que estamos
observando, e por
que são interessantes
para o Brasil?
Na agricultura, parcerias entre
a África e o Brasil seriam
vantajosas para os dois lados.
De acordo com o relatório
Pontes sobre o Atlântico, do
Banco Mundial, a América do
Sul e a África formaram um
único continente no passado.
Há traços comuns nos solos e
nas características de cultivo,
bem como em termos de clima,
geologia e recursos minerais.
Isso é particularmente importante
para os setores de petróleo e
gás, mineração e agricultura,
nos quais o Brasil tem muito a
oferecer à África no que tange
à assistência técnica e
experiência industrial.
A agricultura emprega mais de
três quartos dos africanos, mas
a produtividade e os lucros são
muito baixos. Com o tipo certo
de investimento, esse setor pode
transformar vidas e fomentar
o crescimento das economias.
Melhores resultados na agricultura
têm potencial para aumentar a
renda rural e tirar milhões de
pessoas da pobreza. Os países
poderiam reduzir a quantidade
de moeda forte que são forçados
a gastar para importar alimentos
que poderiam ser cultivados
internamente. Há espaço de
sobra para os países africanos se
tornarem exportadores agrícolas,
e não apenas de commodities,
mas também de alimentos
processados e com valor
agregado. Todos esses fatores
iriam dar suporte ao crescimento
econômico, contribuir para a
expansão da classe média e
promover a estabilidade política.
Achamos que as empresas
brasileiras têm uma grande
oportunidade de participar
desse setor.
Outra vantagem do Brasil
está relacionada ao trabalho
desenvolvido pela Empresa
Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa). A
instituição tem como missão
“fornecer soluções viáveis para
o desenvolvimento sustentável
do agronegócio brasileiro através
da geração e transferência de
conhecimento e tecnologia”.
A empresa participa da
Plataforma África-Brasil de
Inovação Tecnológica, uma
“parceria entre organizações
africanas e brasileiras para
promover a inovação e o
desenvolvimento agrícola”.
A Embrapa possibilita a
cooperação científica entre o
Brasil e a África. Projetos bem
sucedidos no Brasil podem
ser replicados em regiões da
África que tenham condições
de clima e solo semelhantes às
brasileiras. Entre os exemplos,
há inoculantes para ervilhas,
cogumelos que crescem em
resíduos agrícolas, conservação
de genes na mandioca,
agricultura adaptável às
condições climáticas (climatesmart), trabalho simplificado
do solo (conservation tillage)
e programas de rotação de
culturas.
O uso de máquinas pode
aumentar a produtividade
da agricultura africana,
particularmente se forem
utilizados equipamentos
adequados ao clima local e às
condições do solo. Os aparelhos
devem ser simples de operar
e manter e precisam funcionar
com combustível que esteja
disponível nas áreas rurais. A
experiência do Brasil nessa área
é particularmente valiosa.
O Brasil tem sido bem sucedido
na integração entre a agricultura
e a pecuária. Uma área de
oportunidades para a África é a
indústria avícola. A alimentação
é o maior custo na criação de
frango. Se os grãos puderem
ser cultivados e processados
perto dos aviários, os custos
diminuem. Proprietários de
franquias da Kentucky Fried
Chicken (KFC) em Gana e na
Nigéria dizem que um fator que
dificulta o crescimento é a falta
de uma cadeia de valor do frango
local adequada. A demanda é
alta, mas os impostos, a terra e
a disponibilidade de energia são
problemáticos. Outra fonte do
mercado nos disse que está mais
barato importar frango congelado
do Brasil para Gana do que
produzir frango localmente.
A Embrapa acredita que
o sucesso do Brasil em
processamento de alimentos
em pequena escala pode ser
reproduzido nos mercados
africanos. Mandioca, frutas para
suco e tomates são apenas
três exemplos. A maior parte
dos pequenos agricultores
africanos vende suas colheitas
no período de pico da
produção, quando os preços
são mais baixos. Investimentos
em processamento local e
armazenamento poderiam
melhorar substancialmente os
rendimentos dos agricultores,
utilizando-se apenas as culturas
que já são cultivadas.
A Embrapa vê a posse da terra
como um problema significativo.
Em Gana, por exemplo, a
propriedade da terra obedece
a um sistema tribal, familiar
e baseado na figura do líder
local, o que cria uma “colcha
de retalhos” e torna difícil o
agrupamento de lotes com área
total suficiente para suportar
técnicas agrícolas modernas. Os
agricultores que não conseguem
produzir provas de título de
terra encontram dificuldades
para obter empréstimos formais.
E esse não é um problema
de Gana apenas — é um
obstáculo para o investimento
em agricultura em toda a África,
especialmente para as mulheres.
A aviação é outra área que
oferece grandes oportunidades.
A Embraer foi uma das primeiras
empresas a entrar no setor
de aviação africano. Quem já
viajou pelo continente sabe que
as distâncias são longas, as
tarifas, altas, e os voos, lotados.
Claramente, há um mercado
crescente para aeronaves,
bem como para treinamento
de pessoal, manutenção,
consertos e operações. Todos
esses investimentos devem ser
considerados em conjunto.
Cerca de 90% das vendas
da Embraer são para clientes
internacionais. Como algumas
regiões estão com a economia
parada no momento, a África
é um foco. A empresa observa
uma forte demanda por jatos
de pequena capacidade, com
um crescimento mais intenso
em aeroportos secundários,
localizados fora dos principais
hubs, como Joanesburgo,
Nairóbi ou Cairo. A Embraer
está capacitando os africanos,
fornecendo treinamento, peças e
manutenção para sustentar um
crescimento de longo prazo.
Os indicadores econômicos
tradicionais para a África dão um
sinal positivo, e os indicadores
relacionados ao transporte
aéreo, como milhas por
assentos de passageiros e
demanda por carga também
estão indo na direção certa.
A Embraer considera sua linha
de produtos — composta de
jatos com capacidade entre 60
e 120 assentos — como ideal
para essa parte do mundo.
A empresa acredita que seus
jatos oferecem uma combinação
perfeita de capacidade de
carga, desempenho de custo
operacional e conforto para os
passageiros das companhias
aéreas africanas.
A Embraer considera a África
Subsaariana (particularmente
a África Ocidental) uma das
regiões mais rentáveis do
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mundo. O mercado ainda não se
expandiu a ponto de a demanda
do mercado de massa, a
regulamentação e os parâmetros
de infraestrutura permitirem
o surgimento de companhias
aéreas de baixo custo, mas isso
está mudando.
O financiamento continua a
ser um dos grandes desafios.
A Embraer vê o fortalecimento
das relações entre o governo
brasileiro e vários países
africanos, bem como o
apoio estratégico do BNDES
e de outras agências de
financiamento à exportação,
como fatores capazes de
aumentar a disponibilidade de
financiamento de apoio para o
seu negócio. A Embraer também
está envolvida com alguns dos
maiores locadores globais de
aeronaves em seus negócios
na África.
Os serviços bancários e
financeiros são áreas de
oportunidade potencial para o
Brasil. Há uma série de bancos
africanos fortes, e os bancos
multinacionais estão fazendo
incursões pelo continente.
Observamos dois exemplos
de bancos estrangeiros
que compraram grandes
participações em bancos
africanos, com perspectivas de
resultados muito interessantes.
O banco holandês Rabobank
adquiriu recentemente uma
participação no DFCU Bank,
de Uganda, e planeja trabalhar
com o DFCU para aperfeiçoar
a eficácia do banco no
financiamento da agricultura
em toda a cadeia de valor.
O Industrial & Commercial
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Bank of China comprou 20%
do Standard Bank da África
do Sul há vários anos, o que
transformou o Standard Bank
em um credor mais importante
(e mais bem informado) em
setores como os de energia,
infraestrutura e industrial. A
África vai precisar de capital
para financiar seu crescimento
por muitas décadas, razão
pela qual entendemos que há
muito espaço para participação
internacional adicional no setor.
Também vemos oportunidade
no setor de serviços financeiros
não bancários. À medida que os
jovens ingressam no mercado de
trabalho, eles passam a precisar
de planos de aposentadoria,
seguros, planejamento financeiro
e muito mais.
Quais são algumas das
outras oportunidades,
talvez para empresas
que queiram apenas
“dar pequenas
mordidas” no mercado?
Conteúdo local: cada vez
mais países estão começando
a insistir em conteúdo local
e no desenvolvimento de
competências. O Brasil tem
feito isso com sucesso no
setor de petróleo, e vemos
oportunidades de colaboração
e joint-ventures entre empresas
brasileiras em áreas como
petróleo e gás, transporte e
logística, serviços de suporte e
manutenção para a mineração e
a aviação, agroprocessamento e
transportes.
Atendimento ao consumidor:
vemos potencial para que os
tipos de bens e serviços que
são bem sucedidos no Brasil
funcionem também na África.
Grandes marcas globais
certamente estão presentes,
mas vemos muito espaço
para empresas capazes de
atender às demandas dos
consumidores de baixa renda.
Empresas dispostas a investir
em canais de distribuição fortes
e em marketing provavelmente
vão descobrir que a demanda
excede a oferta em quase
todas as áreas.
Avanço tecnológico: mais
importante do que se imagina.
O acesso ubíquo à informação —
via aparelhos celulares baratos
e prontamente disponíveis —
mudou a África para melhor. Os
eleitores não sofrem mais com
a falta de acesso à informação
ou com a incapacidade para
pressionar os políticos que não
cumprem suas promessas. As
pessoas já não precisam mais
imaginar de onde vem seu
próximo trabalho: a informação
chega numa mensagem de
texto. Não é à toa que, quando
perguntamos às pessoas o que
elas comprariam se tivessem
5 cedi, 100 nairas ou 50 xelins
sobrando, a prioridade é mais
tempo de acesso à rede de
telefonia móvel. Os produtores
de leite podem receber por SMS
conselhos sobre nutrição animal
e período mais adequado para
a reprodução, o que aumenta
a produção de leite e melhora
os meios de subsistência. As
empresas que estão entrando na
África devem pensar sobre como
fazer esse avanço antes — ou
ao mesmo tempo — que seus
clientes e concorrentes.
A África é fonte de inovações que
podem se tornar muito valiosas
em outras partes do mundo.
O Quênia estabeleceu uma
liderança sólida em e-money —
a M-Pesa é uma empresa
onipresente e gerou crescimento
econômico e inclusão financeira.
O continente tem mais de
700 milhões de usuários de
telefonia móvel, ignorando
completamente o sistema de
telefonia fixa. E-government,
e-health, ensino online e novas
formas de e-commerce estão
mudando a forma como as
pessoas interagem umas com as
outras. Os governos africanos,
empresas e consumidores
podem tirar proveito de avanços
significativos na tecnologia,
agora, sem precisar abrir mão
dos sistemas já existentes.
E os riscos?
para outros mercados. Alguns
dos riscos mais comuns são
a expropriação de bens pelos
governos, instabilidade política
e corrupção, mas esses fatos
são menos frequentes ou mais
contornáveis do que se imagina
normalmente — pelo menos
para aqueles que fizeram seu
dever de casa. Acreditamos que
nada é mais importante do que
ter uma verdadeira presença
local e possuir parceiros locais
motivados e cuidadosamente
escolhidos. Os relacionamentos
devem ser regidos por acordos
bem concebidos, que sejam
mutuamente benéficos e
contemplem mudanças no
ambiente operacional e
regulatório. Conforme discutimos
neste artigo, cada país é
diferente. Não existe uma única
solução que irá funcionar em
todos os locais — e os riscos
variam também de acordo com
cada país.
É claro que, no mundo real,
fazer negócios nunca é algo
tão simples ou direto como
gostaríamos que fosse. Isso
vale tanto para a África quanto
Recomendamos que as
empresas viajem muito,
façam pesquisas amplas
e profundas e conversem
Certificação da Analista: A autora certifica que este comentário sobre o mercado
expressa com precisão seus pontos de
vista pessoais em relação aos valores
mobiliários mencionados, que se refletem
no conteúdo desta publicação. A autora
atesta, ainda, que nenhuma parte de sua
remuneração esteve, está ou estará, direta
ou indiretamente, relacionada com as opiniões contidas nesta publicação.
Responsabilidade e divulgação: Estes
comentários de mercado da African Sunrise
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Sunrise Partners LLC para distribuição pela
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e opiniões nos comentários de mercado da
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são apresentados exclusivamente para fins
de aconselhamento e informação.
com outras companhias que
tenham alcançado sucesso
ou que tenham falhado em
um determinado mercado. Há
uma abundância de recursos
disponíveis para aqueles que
souberem ver as oportunidades.
Nós realmente acreditamos
que, para empresas globais,
ou para aquelas em busca de
novos mercados para expansão,
nos quais seu produto ou sua
experiência sejam valorizados,
o maior risco na África
é não estar lá.
Para reiterar, nosso ponto
de vista é que a África é um
lugar muito interessante para
as empresas explorarem. O
ambiente de negócios está
crescendo, a governança está
melhorando, a infraestrutura
está sendo aperfeiçoada e os
consumidores têm dinheiro para
gastar. Empresas em busca
de novos mercados para se
expandir estarão no caminho
certo se decidirem descobrir
de que forma a África pode
se encaixar nos seus planos
estratégicos. ■
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