Itinerários da memória: solidão, morte e velhice

Transcrição

Itinerários da memória: solidão, morte e velhice
IV REUNIÃO EQUATORIAL DE ANTROPOLOGIA
E
XIII REUNIÃO DE ANTROPÓLOGOS DO NORTE E NORDESTE
4 a 7 de agosto de 2013 – Fortaleza/CE
GT-26: Antropologia e Sociologia das emoções na América Latina
Itinerários da memória: solidão, morte e velhice no filme
Morangos silvestres de Ingmar Bergman
Edilson Baltazar Barreira Júnior
Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza (FAMETRO)
Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará (ESMEC)
[email protected]
1
Resumo: A obra cinematográfica de Ingmar Bergman marcou a segunda
metade do Século XX. O cineasta que foi criado em um ambiente familiar pautado
por uma rígida disciplina religiosa evoca em seus filmes muitos aspectos desse
espaço austero. A vasta obra bergmaniana, que além dos vários filmes, incluem-se
livros, peças teatrais e entrevistas têm o selo autobiográfico, ou seja, procede a uma
aproximação entre seus filmes e a vida privada. Algumas histórias narradas revivem
suas experiências e lembranças, principalmente, aquelas relacionadas com a
infância e a juventude. Os filmes de Ingmar Bergman, mesmo depois de sua morte,
continuam a impactar a cinematografia mundial, pois suscitam debates e questões
estéticas, sociais e filosóficas. O trabalho busca analisar as concepções de
juventude, velhice, memória e morte, como temáticas que permeiam a produção
cinematográfica do cineasta sueco. Para a análise proposta, o recorte se deu em
torno do filme Morangos silvestres. A intenção desta escolha é eleger uma obra que
tematizasse aquilo que foi identificado como problema central do estudo. Portanto, o
tempo é o grande protagonista da narrativa, pois figura no contraste entre várias
épocas, bem como no confronto entre as gerações.
Palavras-chave: Ingmar Bergman, cinema, morte, velhice e memória.
2
Introdução
A obra cinematográfica de Ingmar Bergman marcou a segunda metade do
Século XX. O cineasta que foi criado em um ambiente familiar pautado por uma
rígida disciplina religiosa evoca em seus filmes muitos aspectos desse espaço
austero.
Ernest Ingmar Bergman Äkerblön nasceu em Uppsala, Suécia, em 1918, filho
de Erik Bergman, pastor luterano, e Karin Bergman, a qual era oriunda de uma
família burguesa. Ingmar Bergman faleceu em 31 de julho de 2007. A vasta obra
bergmaniana, que além dos vários filmes, incluem-se livros, peças teatrais e
entrevistas têm o selo autobiográfico, ou seja, procede a uma aproximação entre
seus filmes e a vida privada. Algumas histórias narradas revivem suas experiências
e lembranças, principalmente, aquelas relacionadas com a infância e a juventude.
Os filmes de Ingmar Bergman, mesmo depois de sua morte, continuam a
impactar a cinematografia mundial, pois suscitam debates e questões estéticas,
sociais e filosóficas. Assim, como investigador social, pretendo analisar uma destas
obras, o filme Morangos Silvestres, pois entendo que o universo pessoal e o
contexto sociocultural vivido pelo autor, incluindo sua formação protestante luterana,
dramatúrgica, literária e cinematográfica, possibilitaram uma concepção de religião,
arte e ciência.
A análise do filme buscará responder algumas questões como: a formação
religiosa e dramatúrgica de Bergman interfere nas concepções de morte? Quais a
relações que o cineasta estabelece com as temáticas de velhice e morte?
A análise da obra cinematográfica bergmaniana tem sido muito tímida nos
círculos acadêmicos brasileiros. A Biblioteca Digital de Teses e Dissertações do
Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação indica a existência de apenas duas
dissertações de Mestrado: de Luciana Helena Mussi e José Luiz de Campos
Castejón Branco, defendidas junto aos Programas de Pós-Graduação em
Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Universidade
Presbiteriana Mackenzie, respectivamente, e intituladas Reflexão sobre a angústia
existencial do cinema de Ingmar Bergman no envelhecer diante da ameaça iminente
3
de morte e do desejo de vida e A angústia na obra de Ingmar Bergman: Sarabanda
em Ser e Tempo de Martin Heidegger. Ao que me consta também existem outras
duas dissertações que não figuram na referida biblioteca digital que foram
defendidas por Denise Costa Hausen e Ana Cleide Guedes Moreira junto aos
Programas de Pós-Graduação em Psicologia das Pontifícias Universidades
Católicas do Rio Grande do Sul e de São Paulo, respectivamente, e intituladas Filha:
um olhar da mãe, uma análise do filme “Sonata de outono” e A concepção de
melancolia em Freud e Stein: uma interpretação sobre Eva, personagem de “Sonata
de outono”, de Bergman. Também há em língua portuguesa a tradução de dois livros
de Bergman com os títulos de Lanterna Mágica e Imagens, de Bergman,
respectivamente, publicados por Editora Guanabara 1 e Editora Martins Fonte, bem
como uma entrevista que ele concedeu ao repórter e crítico de cinema sueco Stig
Björkman e aos jornalistas Torsten Manns e Jonas Sima, publicada pela Editora Paz
e Terra, com o título de O cinema segundo Bergman. Registro, também, o livro do
jornalista e crítico de cinema Carlos Armando O planeta Bergman, no qual o autor
esboça um grande panorama da obra bergmaniana. Assim, essas obras e outra
ensejam o diálogo e reflexão para a análise aqui proposta.
Alguns estudos sobre a obra cinematográfica bergmaniana expressam-se em
análises gerais, não destacando temas específicos, que possam de algum modo
recortar toda a sua produção. Este trabalho, porém, busca analisar as concepções
de juventude, velhice, memória e morte, como temáticas recorrentes na produção
cinematográfica do cineasta sueco. Para a investigação proposta, o meu recorte
ocorreu em torno do filme Morangos silvestres. A intenção desta escolha é eleger
uma obra que tematizasse aquilo que identifiquei como problema central da
pesquisa.
Ingmar Bergman, em Morangos silvestres (Smultronstället, 1957), leva a que
se reflita sobre a velhice e a relação desta com a morte, solidão, juventude,
memórias etc.
Análise fílmica
1
Reeditado, em 2013, por Cosac Naify.
4
No início do filme, a tela está escura e se ouve apenas o badalar de um sino.
Alguns segundos depois, em plano médio, vê-se uma pessoa sozinha, sentada de
costas num gabinete de estudos. Percebe-se ser um homem idoso, que está
preparando o discurso para a ocasião especial, na qual receberá o título honorífico
na Universidade de Lund. O velho é Eberhard Isak Borg (Victor Sjoström), médico
aposentado de setenta e oito anos. Sozinho, o velho, em voz off, descreve sobre
suas relações familiares e sociais:
Nossa relação com as pessoas consiste em discutir e criticá-las. Foi isso
que me afastou, por vontade própria, de toda minha vida social. Isso tornou
minha velhice solitária. Sempre trabalhei muito e sou grato por isso.
Comecei trabalhar para sobreviver e acabei amando a ciência. Tenho um
filho que também é médico e mora em Lund. Ele é casado durante anos,
mas não teve filhos. Minha mãe ainda vive apesar da idade, é uma pessoa
ativa. Minha esposa Karin, morreu há muitos anos. Tenho o privilégio de ter
uma boa empregada. Talvez deva acrescentar que sou um velho
meticuloso, o que às vezes, tornou a vida penosa, tanto para mim, quanto
para os convivem comigo. Meu nome é Eberhard Isak Borg e tenho 78
anos. Amanhã receberei o título honorífico na Catedral de Lund.
Isak Borg sai do gabinete e chama a cadela, a qual havia permanecido ao seu
lado durante os momentos, em que esteve ali. A tela volta a escurecer, enquanto
aparecem os créditos e ouvimos a música de Erik Nordgren 2.
Bergman (2001) ressalta que criou a personagem de Isak Borg, cujo nome
significa “fortaleza de gelo”, por parecer com seu pai, mas no fundo era ele mesmo.
Na época em que dirigiu o filme, estava com trinta e sete anos e já era um cineasta
de sucesso, porém vivia privado de relações humanas, sentia necessidade de se
impor, o que provocava uma sensação de fracasso. Ele ressalta, ainda que a história
se resume:
A insuficiência no jogo da vida, a pobreza, o vazio, a ausência de perdão. Ainda
hoje não posso avaliar, e naquela altura muito menos, como eu, por meio de
Morangos Silvestres, estava implorando a meus pais: vejam, compreendam e, se
possível, me perdoem. (BERGMAN, 2001, p. 22).
Portanto, o elemento propulsor, que fez Bergman realizar Morangos
silvestres, decorreu da tentativa de se justificar perante seus pais, com os quais
estava rompido desde a juventude. O objetivo não surtiu efeito, pois a reconciliação
2
Autor da trilha sonora.
5
só ocorreu muitos anos depois, quando os rancores de criança desvaneceram e fez
nascer uma compreensão mútua entre o filho e os pais.
Quando Isak Borg alude às pessoas da família, a câmera desloca-se e as
mostra por meio das várias fotos expostas na sala de estudos. Ele lamenta que o
afastamento da vida social e familiar o transformou num velho solitário. Alguns
elementos nesta cena atestam a condição do aposentado: os familiares estão
presentes apenas em fotografias; vive com a velha empregada e uma cadela; e joga
xadrez contra si mesmo.
Para o velho solitário, as diversas fotos espalhadas pelo gabinete de estudos
servem de consolo, “como presença fixa do outro que se foi ou que não mais existe,
não é outro em si, porém. É o seu simulacro”. (KOURY, 1997, p. 145). Na
distribuição das fotografias, percebe-se a proximidade do retrato da esposa falecida,
pois está sobre a escrivaninha. Esta aproximação conforta o viúvo pela substituição
da ausência da mulher, pela presença do que ela foi no passado, agora fixado no
presente por meio de simples fotografia.
Após os créditos do filme, encontra-se o primeiro sonho 3 de Isak Borg.
Durante sua caminhada matinal, ele se perde numa parte desconhecida da cidade
com ruas desertas e casas em ruínas. Num determinado momento, o velho médico
fica diante de um relógio sem ponteiros e, logo abaixo deste, uma armação de
óculos com dois olhos, sendo um aberto e outro vazado. Isak puxa seu relógio de
bolso e se dá conta de que também não tem ponteiros. O olhar torna-se apreensivo.
Há um profundo silêncio, rompido apenas com as batidas do coração do velho
cansado. O ancião dá alguns passos e para. Olha numa direção e não vê nada, no
outro sentido encontra mais uma rua deserta. Olha novamente para o local do
relógio sem ponteiros e percebe a presença de uma pessoa que está de costas. Isak
aproxima-se e toca no ombro do desconhecido, que ao se virar, revela uma
aparência horrível. Não profere nenhuma palavra e esvazia-se, tornando-se líquido.
O médico dá mais alguns passos à frente e ouve cavalgar dos animais que rebocam
uma carroça funerária. O veículo vem em sua direção e, ao passar por ele, uma das
rodas prende-se ao poste. Os cavalos continuam puxando e a roda desencaixa do
eixo e rola até próximo de Isak. Do carro funerário, tomba um ataúde, que se
3
Cañizal (2004:13) analisa este sonho e outras partes do filme a partir da noção de hipertexto, como sendo a
tarefa de interpretação das parcelas dos múltiplos sentidos de uma obra cinematográfica, de modo mais
específica, os simulacros que nelas estão estruturados.
6
arrebenta ao cair no chão. Isak aproxima-se e o morto o toma pela mão. O professor
percebe que quem está no caixão é ele mesmo. O ancião tenta desvencilhar-se do
defunto e não consegue. Em meio a este desespero, Isak acorda.
Na primeira cena, a qual Isak Borg discorre sobre sua vida e lembra-se de
seus familiares, Bergman estabeleceu, segundo analiso, uma relação entre
envelhecimento e solidão, quando o professor informa que por vontade própria se
afastou da vida social e familiar, tornando sua velhice solitária. No sonho, o cineasta
acrescentou outro elemento: a morte.
O velho médico, ao vaguear pelas ruas desertas, tenta romper a solidão, mas
o indivíduo com o qual se encontra não tem expressão nem rosto; é a nulidade.
Quando o ancião olha o relógio sem ponteiros, os óculos e os olhos, Bergman
parece sugerir que ele está sendo observado pelo Deus transcendente, onipresente
e eterno (não limitado pelo tempo), conforme registrou Salomão em um de seus
provérbios que diz: “os olhos do Senhor estão em todo o lugar contemplando os
maus e os bons” 4. Isak, ao ver os relógios sem os componentes de medição,
constata que seu tempo chegou ao fim, ante a presença inexorável da morte. O
outro que lhe oferece a mão é ele mesmo, ou melhor, sua máscara mortuária.
Assim, conforme explica Heidegger (2004), a existência é inseparável do tempo,
pois a temporalidade une os sentidos do existir e, por isso, é o sentido próprio da
existência. Morangos silvestres é um filme sobre o tempo, mudanças, medos e
máscaras. O tempo é o grande protagonista da narrativa, pois figura no contraste
entre várias épocas, bem como no confronto entre as gerações.
A vinculação entre velhice e morte evidenciada em Morangos silvestres,
corrente em nossos dias, enfrenta reações nos trabalhos de alguns estudiosos.
Simone de Beauvoir é uma dessas vozes dissonantes, pois considera errônea a
concepção de que a morte se aproxima, afinal:
Ela não está nem próxima, nem distante: ela não é. Uma fatalidade exterior
pesa sobre o vivente em qualquer idade; em nenhum lugar está fixado o
momento em que ela se realizará. O velho sabe que se extinguirá “logo”: a
fatalidade está tão presente aos 70 anos quanto aos 80 anos, e a palavra
“logo” permanece tão vaga aos 80 anos, quanto aos 70. Não é justo falar de
uma relação com a morte; o fato é que o velho – como todo homem – só
tem relação com a vida. O que está em questão é sua vontade de
sobreviver. (1990, p. 543).
4
Provérbios 15:3.
7
O desejo de sobreviver referido por Beauvoir é o mesmo que faz Isak Borg
acordar atordoado do pesadelo, no qual presencia sua morte. Ele levanta-se e
dirige-se ao quarto de Agda (Julian Kindahl) para solicitar que prepare seu desjejum,
pois não mais realizará a viagem para Lund de avião, mas de carro (mudança
fundamental para a narrativa do filme). A serviçal protesta, lamentando que esperara
tanto para vê-lo receber o título honorífico e agora o patrão estragara tudo. A relação
entre os dois velhos reflete uma afirmação anterior de Isak, na qual informava que
sua meticulosidade e teimosia atormentavam aqueles que partilhavam sua
convivência. A continuação do diálogo com a empregada acentua ainda mais isto:
Agda: tudo bem, pode ir! (com raiva) Pode estragar tudo!
Isak: não somos casados.
Agda: agradeço a Deus todas as noites por isso. Segui meus princípios por
74 anos e não vou mudar hoje.
Isak: é sua última palavra?
Agda: sim, é minha última palavra (levantando-se para ajudá-lo nos
preparativos da viagem). Mas não vou me esquecer como são os velhos
egoístas, que só pensam em si mesmos e esquecem dos que o serviram
lealmente por 40 anos.
Isak: não sei como aguentei mandando em mim por tantos anos.
Agda: é só dizer e eu parto amanhã mesmo.
Isak: de qualquer modo, vou de carro. Faço o que quiser. (começando a
jogar as roupas dentro da mala, sem qualquer organização. Agda vem e
passa a arrumar com cuidado) Já sou bem crescido e não tenho que
receber suas ordens. (batendo no ombro da empregada e abrindo um
sorriso) ninguém faz malas como você.
Agda: é mesmo?
Isak: velha chata.
Agda: quer que eu cozinhe alguns ovos?
Isak: sim, obrigado. É uma gentileza sua. Título honorífico, que estupidez
(falando sozinho). Deveria receber o título de idiota honorário. Vou acalmar
a velha com um presente. Odeio gente rabugenta (pegando alguns livros)
não faria mal a uma mosca, muito menos a senhorita Agda.
Isak sublinhou no início do filme que se afastou da vida social e familiar por
decisão própria, mas esse diálogo indica que o egoísmo também o isolou das
pessoas. O velho médico não levou em conta o desejo da empregada, que o serve
por quarenta anos, bem como desprezou o apreço daqueles que o condecorarão, ao
considerar a premiação uma estupidez.
Isak, ao viajar para Lund, é acompanhado pela nora Marianne (Ingrid Thulin).
O velho ao volante do carro e a mulher ao seu lado. A primeira ação da nora, no
início da longa viagem, foi acender um cigarro. Imediatamente, o sogro solicitou que
8
não fumasse, asseverando que deveria existir uma lei contra cigarros. Isak diz que
fumar charuto5 é mais estimulante, pois é um vício para homens. Além de egoísta, o
velho médico revela-se também machista. A nora pergunta quais são os vícios das
mulheres. A resposta é uma referência bergmaniana a Strindberg, pois o ancião diz:
“chorar, engravidar e fofocar”.
O simples ato de acender um cigarro e a reação negativa de Isak abre a porta
para que Marianne expresse sua opinião sobre o sogro. A exposição começa pelo
empréstimo, em dinheiro, tomado pelo marido Evald (Gunnar Björnstrand) ao pai
Isak. Este deixa claro que o combinado deve ser cumprido, mesmo sendo rico, não
dispensa o pagamento. A nora tece ainda alguns comentários sobre as semelhanças
entre pai e filho e continua o diálogo:
Isak: sei que Evald me respeita.
Marianne: talvez, mas também o odeia (Isak muda o semblante).
Isak: (silêncio) o que tem contra mim?
Marianne: quer uma resposta sincera?
Isak: quero
Marianne: é um velho egoísta. Não tem consideração e só ouve a si
mesmo. Mas, esconde bem isso atrás de sua civilidade e seu charme. Mas
é egoísta, apesar de ser chamado de grande amigo da humanidade. Quem
convive com o senhor sabe como é. Não nos engana. Lembra-se do que
disse quando me mudei? Achei que nos ajudaria e pedi para ficar em sua
casa. Lembra-se do que disse?
Isak: sim, disse que seria bem vinda.
Marianne: (sorrindo) deve ter esquecido, mas disse “não tente me envolver
nos seus problemas conjugais. Cada um resolve seus problemas”.
Isak: eu disse isso (surpreso)?
Marianne: não só isso.
Isak: é mesmo?
Marianne: foram suas palavras: “não respeito o sofrimento da mente, por
isso não se lamente. Se precisa de ajuda, posso lhe arranjar um psicanalista
ou um padre, está em voga”.
Isak: eu disse isso?
Marianne soma-se à empregada Agda ao declarar ao próprio Isak que ele é
um velho egoísta, que não se interessa pelas pessoas e seus problemas. Na
exposição de Marianne, o egoísmo do sogro apresenta-se pela avareza, indiferença
e sarcasmo. Isak é um velho preso ao dinheiro e espera que o filho pague cada
centavo emprestado. No momento crucial vivido pela nora grávida e em crise
conjugal, o sogro limita-se a declarar: ”não tente me envolver nos seus problemas
conjugais. Cada um resolve seus problemas”.
5
No início do filme, Isak é apresentado dando boas tragadas em um charuto.
9
Simone de Beauvoir, em seu denso estudo sobre a velhice, registrou vários
casos da relação do idoso com o dinheiro, interpretando-os como sinônimo de
poder. E acrescenta:
Experimenta uma satisfação narcísica em contemplar e tocar essa riqueza
na qual se reconhece. E nela encontra, também, a proteção que lhe é tão
necessária. ‘A posse é uma defesa contra o outro’: através do que tenho,
recupero um objeto assimilável ao meu ser para outrem, e, portanto, não
cabe a outrem decidir que eu sou. Contra aqueles que pretendem não ver
mais que um objeto, o velho graças a seus bens, assegura-se de sua
identidade. (1990, p. 575-576).
Isak manifesta este poderio do dinheiro. O empréstimo tomado pelo filho o
prende ao pai, tendo que pagar o combinado. Quando Isak visita sua mãe, esta
lamenta o abandono dos netos e bisnetos e indica que o dinheiro é o elemento que
faz com que eles se aproximem, pois:
Evald é o único que me visita. Não estou reclamando. Tenho quinze
bisnetos que nunca vi. Mando cartas e presentes para todos em seus
aniversários. Recebo cartas agradecendo, mas ninguém me visita. A não
ser quando querem dinheiro emprestado. Eu devo ser muito cansativa.
Também tenho outro defeito. Não morro. Todos os descendentes estão
esperando e nada da herança sair.
A velha sublinha que a morte a esqueceu. Continuar vivendo em avançada
velhice é um defeito. A solidão a transformou numa morta-viva. O seu falecimento
ensejaria logo a partilha dos bens entre seus descendentes, que não a visitam, mas
almejam seu dinheiro.
O diálogo entre Isak e Marianne continua. O sogro tenta narrar o sonho, no
qual andava errante pelas vielas da cidade, mas a nora vai à desforra e
simplesmente diz: “não me interesso por sonhos”. Isak sai da estrada principal para
contemplar a casa, na qual desfrutava, quando criança, as férias de verão com toda
a família. Enquanto Marianne vai tomar banho no lago, Isak olha para a antiga
residência, senta sobre a relva, toca no solo e em voz off6 rememora:
O canteiro dos morangos silvestres. É possível que eu tenha ficado
sentimental. Talvez estivesse cansado ou nostálgico. Foi então que percebi
que pensava em coisas que estavam ligadas à minha infância. Não sei
como isto aconteceu, mas a luz do dia clareou mais ainda, as imagens das
minhas lembranças, que passavam perante meus olhos, com toda a força
da realidade.
6
Mecanismo no qual há um narrador, que não aparece na cena, apenas a voz. (RITTNER, 1965).
10
Na evocação das memórias da juventude, Isak Borg contempla a prima Sara
(Bibi Andersson) e ex-namorada, no frescor da juventude, colhendo morangos
silvestres para o aniversário do tio Aron (Yngve Nordwall), e, ao mesmo tempo,
sendo cortejada por Sigfrid (Per Sjöstrand), irmão e rival de Isak. Observa a família
próxima à mesa e a mãe ditando normas de higiene e etiqueta aos seus irmãos. O
velho ouve com prazer, quando Sara expõe a uma de suas irmãs o que pensa dele e
do irmão:
Isak é tão gentil. Ele é frio, honesto e gentil. Quer sempre ler poesias, falar
da vida após a morte e gosta de tocar piano. Só tenta me beijar no escuro e
fala do pecado. Ele é muito melhor que eu. Nem sei como me sinto. Não há
perdão para mim. Às vezes parece um menino, apesar de termos a mesma
idade. E Sigfrid é tão perverso e excitante. Quero ir para casa. Não quero
passar o verão sendo ridicularizada por todos. Pobre Isak, é tão bom
comigo. Tudo o que faço é tão injusto.
Isak, tendo evocado todas estas imagens, ainda em voz off, sublinha que “um
sentimento de vazio e tristeza invadiu meu coração. Mas a voz de menina me trouxe
de volta dos meus sonhos”.
Conforme analiso, Ingmar Bergman, ao longo do filme, estabeleceu relações
entre velhice e solidão, morte, egoísmo e dinheiro. Agora, nessa cena descrita, ele
associa velhice e memória. O ancião solitário por opção, ranzinza, meticuloso,
egoísta e avarento, próximo à velha casa de veraneio, deixou que aflorassem as
vívidas imagens infanto-juvenis. Assim, neste momento nostálgico de rememoração,
a família para Isak “é um quadro referencial extremamente valioso para a
reconstituição das experiências passadas. É a moldura onde se desenham às
primeiras lembranças pessoais – as impressões de mais larga duração – de onde
brota o sentimento de origem”. (MALUF, 1995, p. 49).
Nas ciências sociais, muito se tem escrito sobre o valor social da memória.
Maurice Halbwachs (1990), tributário do pensamento de Durkheim, foi um desses
estudiosos. Halbwachs não se deteve sobre a memória em si, mas naquilo que
chamou de quadros sociais da memória. Para ele, o indivíduo, ao recordar, o faz
mediante as vinculações sociais dos grupos a que pertence, como, a família, a
igreja, a escola etc.
Entre os que rememoram, os velhos têm um papel relevante. Halbwachs situa
em sentidos diferentes as memórias dos adultos e dos velhos. Os primeiros vivem
11
tão atarefados pelo trabalho, pela disputa por prestígio, que não têm tempo para
buscar na infância eventos, que se correlacionem à vida adulta. Os idosos, por sua
vez, já aposentados, com tempo livre, ficam propensos a lembrar, assim como faz
Isak diante da velha casa da família. Portanto, um velho “ao lembrar o passado ele
não está descansando, por um instante, das lides cotidianas, não está se
entregando fugitivamente às delícias do sonho: ele está se ocupando consciente e
atentamente do próprio passado, da substância mesma da sua vida”. (BOSI, 1998,
p. 60). Assim, Isak ao lembrar-se da família, tocando nos morangos silvestres, tenta
reconstruir algumas imagens de um mundo que não mais existe. O pai e os nove
irmãos morreram e ele vive a velhice solitariamente.
Na rota para Lund, Isak desvia para dois lugares marcantes em sua história
de vida. As estradas secundárias direcionam as lembranças. O primeiro desvio o
conduziu a casa, onde passava com a família as férias de verão. No segundo, o
levou à residência da mãe, de noventa e seis anos.
Ante a casa de veraneio, Isak evoca suas memórias juvenis. Na moradia da
mãe, ambos recordam a vida em comum. A velha aponta para uma caixa e pede a
Marianne para pegá-la. No interior, encontram-se alguns objetos relacionados à
infância dos filhos: uma boneca, um livro de pintura, uma locomotiva em miniatura,
um relógio sem ponteiros, além de um diário datado de 1887, bem como outras
coisas. Estes objetos conectam as lembranças comuns entre mãe e filho. Nesse
momento, que os velhos estão reunidos, a anciã toma nas mãos uma boneca e
passa a rememorar:
Esta boneca era de Sigbritt. Ganhou quando fez oito anos. Eu mesmo fiz o
vestido. Ela nunca gostou dela. Charlote era quem brincava com ela.
Lembro-me bem. Sabe que são (segurando uma foto)? Sigfrid com três
anos e você com cinco. E esta sou eu e como éramos diferentes naquela
época (...) Claro que sim (respondendo ao pedido de Isak para ficar com a
foto). É um livro de pintura. Devia ser das gêmeas, Anna e Angélica. Todos
puseram seus nomes nele. Kristina escreveu: ‘ao meu pai a quem mais amo
neste mundo’. Brigitta acrescentou ‘vou me casar com papai’. Não é
engraçado? Eu ri quando li isto (...) Olhe isto (pegando um relógio sem
ponteiros igual ao que Isak carregava no bolso no momento de seu primeiro
sonho) o filho de Sigbritt fará 50 anos e pensei em lhe dar este relógio.
Posso lhe dar, mesmo sem ponteiros (Isak olha com interesse e
apreensão). Lembro-me de quando ele ficava no berço, na pérgula da casa
de verão. Agora vai fazer 50 anos. E a pequena prima Sara, sempre
cantava para ele dormir. Ela casou-se com Sigfrid, o inútil.
Daquela caixa, a velha mãe busca as marcas do passado, perante o único
filho que ainda vive. Cada brinquedo ou foto sintetiza as lembranças dos membros
12
do circulo familiar. As peças configuram-se como “relíquias” da família, cujas
qualidades dão sentido à velhice solitária da guardiã e herdeira. Para Bosi, citando
Viollete Morin, objetos dessa natureza são denominados de biográficos, “pois
envelhecem com seu possuidor e se incorporam à sua vida”. (1998, p. 441). Arecco
(2000), por sua vez, assinala que a velha não guarda entre tais relíquias nem uma
lanterna mágica, nem um teatrinho infantil, mas objetos de um mundo morto.
Ainda no pomar de morangos silvestres, Isak é interrompido em suas
lembranças por uma jovem perguntando se a casa de veraneio é sua. Ele responde
que não e assim iniciam o diálogo. A jovem identifica-se pelo nome de Sara,
personagem também interpretada por Bibi Andersson. Esta multiplicidade de papéis
é uma referência a Strindberg (ADLER, 2002).
Sara caracteriza-se pela liberdade juvenil para os padrões da época, pois usa
calças compridas coladas ao corpo, cabelo curto, óculos escuros, fuma cachimbo,
revela-se também aventureira ao viajar da Suécia à Itália, apenas por meio de
caronas e acompanhada por dois rapazes - Anders (Folke Sundqvist) e Victor (Björn
Bjelvenstam) - respectivamente, estudantes de Teologia e Medicina. Assim, com a
presença de Sara e seus amigos, Bergman retoma uma temática que lhe foi cara no
início da carreira: a exaltação da juventude. Sara revela a Isak a nostalgia da
juventude perdida e seus dois amigos assemelham-se à rivalidade dele com o irmão
Sigfrid na busca do amor da prima Sara.
Em Morangos silvestres, Bergman não apenas volta ao tema da juventude,
mas desta vez a contrasta com a velhice, como se percebe no início do diálogo de
Isak com Sara:
Sara: esta casa é sua?
Isak: não.
Sara: que bom que é honesto.
Isak: tudo aqui é de meu pai. Mas vivi aqui por 200 anos.
Sara: é mesmo?Aquele carro é seu?
Isak: sim, é.
Sara: parece antigo.
Isak: sim, é antigo, como o dono.
No retorno ao carro, agora com outros três passageiros, Bergman emoldura a
tela de forma que contrastem os rostos dos jovens com a face idosa de Isak. O velho
médico faz menção sobre a prima, a qual foi sua namorada, que também se
chamava Sara. O diálogo continua:
Sara: ela se parecia comigo?
13
Isak: para dizer a verdade, sim.
Sara: e o que houve com ela?
Isak: casou-se com meu irmão e teve seis filhos. Agora tem 75 anos e
continua muito bonita.
Sara: deve ser horrível envelhecer! (repreendida por Anders indicando que
Isak é velho). Desculpe-me, disse uma bobagem (Isak ri).
A conversa é interrompida, quando Isak desvia seu automóvel para não colidir
com o Fusca que vinha na contramão. O carro de Isak resvala para o acostamento,
enquanto o outro capota. Do interior deste último sai um casal e vem ao encontro do
médico e seus amigos. O homem apresenta-se como Alman (Gunnar Sjöberg), cuja
profissão de engenheiro a exerce em Estocolmo. Alman pede desculpas e justifica
que o acidente ocorreu em virtude de Berit (Gunnel Broström), a esposa, estar ao
volante e que discutiam naquele momento. Isak sugere desvirar o carro. Alman e os
três jovens empurram até que o automóvel retorna a posição normal. Enquanto isso,
Berit ironiza a atitude do marido, dizendo: “vejam só como o engenheiro mede forças
com os jovens. Tudo isso para se exibir para a jovem. Cuidado para não ter um
infarto, querido!”.
Para Bergman, as acusações mútuas de Berit e Alman revelam o inferno da
vida no matrimônio. Nesse sarcasmo da esposa, no entanto, aparece, nitidamente, o
confronto entre velhice e juventude, que permeia alguns momentos do filme, cujo
momento máximo ocorre no início do segundo sonho de Isak. O sonho inicia com
uma revoada de pássaros, numa clara citação ao filme Pássaros, de Hitchicok. Uma
cesta de morangos silvestres caída ao chão. Isak dialoga com a prima Sara no
mesmo lugar, onde evocou as memórias da infância:
Sara: já se olhou no espelho, Isak? Ainda não? Vou lhe mostrar como está
(apontando o espelho contra o rosto do primo), Um velho assustado, que
logo morrerá e eu tenho uma vida pela frente. Desculpe-me se o ofendi.
Isak: não estou ofendido, Sara.
Sara: está sim, pois não suporta a verdade tentei ser uma pessoa razoável
e acabei sendo cruel.
Isak: entendo.
Sara: não entende. Não falarás a mesma língua. Olhe no espelho de novo.
Não desvie o olhar.
Isak: estou olhando.
Sara: quero lhe dizer uma coisa. Vou me casar com seu irmão Sigfrid (a
imagem de Isak refletida no espelho) o amor é para nós um jogo. Olhe para
o seu rosto agora. Tente sorrir. Está sorrindo.
Isak: mas dói tanto.
Sara: como professor, devia saber por que dói, mas não sabe. Pensou
saber tanto, mas não sabe de nada. Preciso ir. Prometi cuidar do filho de
Sigbritt.
14
A prima Sara, na plenitude juvenil, confronta o rosto enrugado e envelhecido
de Isak diante do espelho. A imagem é cruel, o velho tenta desviar o olhar da face
refletida, mas tem que encarar a dura realidade da velhice. A prima cria uma
associação, que reflete o pensamento dos dias presentes, entre velhice/morte e
juventude/vida. Sara é mais uma pessoa do circulo familiar a declarar que Isak,
embriagado pelo egoísmo, não percebe a dor das pessoas.
No mesmo sonho, Isak é examinado, perante uma plateia de jovens, em
questões simples concernentes à atuação de um médico. Não identifica a amostra
de bactéria através do microscópio; não consegue ler as palavras que estão no
quadro-negro, cuja frase revela o primeiro dever de um médico, que é pedir perdão;
diagnostica o fato de que uma mulher está morta, quando ela começa a dar
gargalhadas. A conclusão do examinador é a incompetência do médico, acrescida
da acusação da esposa, de indiferença, egoísmo e falta de consideração.
Esses sonhos e lembranças experimentados por Isak, desde o início do dia,
propiciam ao velho uma reflexão sobre a vida e a relação com as pessoas. Como
médico, Isak é reconhecido pela Universidade de Lund como benfeitor da
humanidade. Na vida familiar, no entanto, ele foi reprovado pelo egoísmo e
indiferença, tendo ainda que amargar a traição da esposa, que no sonho copula em
público. Portanto, o último sonho aflora uma relação paradoxal, pois, enquanto Isak
receberá um prêmio por sua competência técnica, é declarado incompetente no trato
com as pessoas.
Ao acordar desse sonho, Isak percebe que o carro está parado e Marianne se
encontra ao seu lado. Os jovens estão colhendo flores para homenageá-lo. O
médico diz para a nora que teve mais um sonho bastante estranho e surreal, pois,
assim como os outros, parece comunicar algo que ele não quer ouvir acordado, ou
seja, que está morto apesar de vivo. Marianne vira-se para o sogro e afirma que ele
e o filho são idênticos. Para justificar esta declaração, a mulher narra o episódio
sobre o dia em que comunicou ao marido acerca de sua gravidez. Evald tentou
persuadi-la a abortar, argumentando tratar-se de um absurdo trazer uma criança ao
mundo. Para Marianne, estas palavras são apenas desculpas. O esposo assinala
que viver para a companheira é existir e procriar, enquanto que para ele é
simplesmente morrer.
15
Portanto, para Marianne, tanto o sogro como o marido são mortos/vivos, cuja
maior representante é a velha mãe de Isak, pois:
Quando vi sua mãe (acendendo o cigarro) senti muito medo, eu pesei, esta
é sua mãe, uma velha como o gelo, de certa forma, mais assustadora do
que a própria morte. Este é seu filho e entre eles há uma grande distância.
Ele se sente um morto-vivo e Evald se sente no limiar do frio da morte.
Então pensei no filho que carrego. Pensei, não existe nada além do frio da
morte e da solidão. Deve haver algum motivo.
Isak Borg, seu filho e sua mãe juntam-se aos grandes mortos/vivos de
Bergman, como cavaleiro Antonius Block em O sétimo selo, Don Giovanni em O
olho do Diabo e Oscar Ekdahl no filme Fanny e Alexander.
A viagem está chegando ao fim e é possível perceber algumas pequenas
mudanças no comportamento de Isak. O velho ranzinza, que no início da jornada
indica que deveria haver uma lei contra cigarros, agora, gentilmente, sugere a nora
que fume. Ela, em retribuição, é mais receptiva e ouve a narração de seus sonhos.
Marianne revela ao sogro o desejo de ter o filho e de reatar com o marido, pois o
ama. Não quer viver como o casal que encontrou na estrada, cujo casamento é uma
sucessão de desventuras. Para ela, a separação, mesmo temporária, é a alternativa
à falência matrimonial. Berit, como católica, assume o casamento como um
sacramento revestido do caráter de indissolubilidade, preferindo viver o fracasso do
matrimônio ao rompimento do acordo nupcial.
Isak e seus companheiros de viagem chegam à casa de Evald. Pouco depois,
o velho médico é homenageado na catedral de Lund pelo transcurso de seu jubileu
de cinquenta anos de exercício profissional. Durante a celebração, em voz off, Isak
profere estas palavras: “Surpreendi-me durante a cerimônia pensando nos eventos
do dia. Foi então que decidi pensar e escrever tudo o que houvera. Notei que nestes
eventos tão ligados havia uma causalidade memorável”.
Como homem ligado à ciência, busca relações de causa e efeito nos fatos
mais simples da vida. Após a cerimônia e de volta à casa do filho, Isak prepara-se
para dormir e tem três momentos significativos que revelam mudanças em seu
comportamento. No primeiro, ele confessa à empregada que, mesmo a conhecendo
por muitos anos, não são amigos e gostaria de chamá-la simplesmente pelo nome.
A velha prefere manter a situação como está, sem nenhuma intimidade. Depois, com
16
o filho Evald, ele esboça o perdão da dívida. A nora, que no início da viagem
mantinha restrições em relação a ele, agora o beija com carinho.
Isak deitado, mais uma vez, lembra-se de sua juventude e da casa de
veraneio. A prima Sara o toma pela mão e leva-o para ver seus pais que de longe
acenam ao filho. Isak adormece ou morre.
Referências bibliográficas
ADLER, Stella. Stella Adler sobre Ibsen, Strindberg e Chekhov. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2002.
ARECCO, Sergio. Ingmar Bergman: Segreti e Magie. Genova: Le Mani, 2000.
ARMANDO, Carlos. O Planeta Bergman. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1988.
BEAUVOIR, Simone. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
BERGMAN, Ingmar. Face a face. Lanterna mágica. Rio de Janeiro: Editora
Guanabara, 1988.
BERGMAN, Ingmar. Imagens. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
BÍBLIA. Tradução Ecumênica. São Paulo: Loyola, 1996.
BJÖRKMAN, Stig et alii. O cinema segundo Bergman. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1977.
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças de velhos. São Paulo: Companhia
das Letras, 1998.
BRANCO, José Luiz de Campos Castejón. A angústia na obra de Ingmar Bergman:
Sarabanda em Ser e Tempo de Martin Heidegger. (Dissertação de Mestrado –
Universidade Presbiteriana Mackenzie).
CAÑIZAL, Eduardo Peñuela. Tessituras oníricas em Morangos silvestres. In: O olhar
à deriva. São Paulo: Annablume, 2004.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.
HAUSEN, Denise Costa. Filha: Um olhar da mãe. 2000, 123 p. (Dissertação de
Mestrado – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).
17
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo (Parte II). Petrópolis: Vozes, 2004.
KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Fotografia: realidade e ilusão. In: Revista
Política e Trabalho. João Pessoa: Ufpb, 1997, v. 13, p. 145-153.
MALUF, Marina. Ruídos da Memória. São Paulo: Siciliano, 1995.
MOREIRA, Ana Cleide Guedes. A concepção de melancolia em Freud e Stein: Uma
interpretação sobre Eva, personagem de Sonata de Outono de Bergman. 1992. 130
p. (Dissertação de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
MUSSI, Luciana Helena. Reflexão sobre a angústia existencial do cinema de Ingmar
Bergman no envelhecer diante da ameaça iminente de morte e do desejo de vida.
(Dissertação de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
RITTNER, Maurício. Compreensão de cinema. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico,
1965.
18