Por que agora o carro elétrico?

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Por que agora o carro elétrico?
Por que agora o carro elétrico?
MARTINS, Claudia do Nascimento. “Por que agora o carro elétrico?”. Portal da
ABVE. Rio de Janeiro, 20 de agosto de 2013.
Tenho observado em aulas, palestras e eventos que muitos se surpreendem
quando menciono que o carro elétrico existe há mais de cem anos. Muitos me
perguntam: "Mas como assim? Não é uma ideia nova? Por que só agora se fala
tanto a respeito?
De fato o carro elétrico existe há mais de cem anos. Entretanto o que é
considerado por alguns como o primeiro automóvel foi o chamado Fardier, um
triciclo a vapor construído pelo mecânico Brezin em 1769 sob a orientação do
engenheiro francês Nicholas Joseph Cugnot, o qual fabricou um dos primeiros
motores a vapor. Esse veículo foi produzido no Arsenal de Paris, para fins
militares e para o uso do exército francês, como puxar canhões.
O automóvel, tal como a humanidade, é fruto de um processo evolutivo. Seu
predecessor foi o carro puxado por cavalos, no qual foram instalados uma
caldeira e um motor a vapor. Apesar de muitos concederem ao Fardier o crédito
de primeiro automóvel, não se pode dizer com exatidão que houve um momento
na história do automóvel que se possa convencionar como o início dessa
grande invenção. Os primeiros automóveis que surgiram foram fruto de
sucessivas modificações e adaptações tecnológicas que, gradualmente,
dirigidas para um objetivo comum: viajar rápido, com comodidade e, sobretudo,
com um mínimo de esforço para os ocupantes e com um máximo de segurança.
Ao longo do século XIX já existiam, além dos carros a vapor, carros com motor
elétrico e, em seguida, motor a combustão interna. Os três apresentavam
problemas técnicos. O carro a vapor precisava ser aquecido por vinte minutos
antes da viagem, além de consumir uma imensa quantidade de água. O carro
elétrico, apesar de ser silencioso e mais rápido, não podia subir estradas
íngremes, sua autonomia era baixa, logo tinha o inconveniente de não poder
percorrer longas distâncias, além de sua velocidade máxima ser baixa. Esses
problemas do carro elétrico estavam relacionados com pouca capacidade de
armazenamento de energia elétrica das baterias e, uma vez que o
desenvolvimento dessas baterias era lento, os problemas permaneceram. Já o
carro a gasolina era barulhento (o que até hoje não foi totalmente solucionado),
existia grande dificuldade de dar partida, consumia muita água, ainda tinha
autonomia relativamente baixa e a velocidade alcançada também era baixa.
Em 1890 a indústria automobilística começou a se desenvolver de forma rápida
e o seu mercado era divido principalmente entre elétrico e vapor. Em 1899
foram vendidos 1681 carros a vapor, sendo o Locomobile o carro a vapor mais
popular dos Estados Unidos na virada do século XX. Lá havia então 1575
carros elétricos e 936 carros a gasolina. Nessa época Thomas A. Edison,
apesar da promessa, não conseguiu solucionar o problema da baixa
capacidade da bateria para armazenar energia. Logo, enquanto que entre 18991909 as vendas de carros elétricos mais do que duplicaram nos Estados
Unidos, as vendas de carros a gasolina, neste mesmo período, aumentaram
mais de 120 vezes, superando seus concorrentes no mercado americano.
Entre 1906 e 1910 o desempenho do carro elétrico foi ficando aquém daquele
do carro a gasolina. Desta forma, não havia motivação para o uso de tempo e
de recursos financeiros para continuar a desenvolver uma tecnologia
considerada menos satisfatória, como também não existia motivação tanto
ambiental quanto de redução de dependência de petróleo. Embora em uma
proporção muito menor do que as preocupações ambientais atuais quanto à
emissão de gases poluentes por carros a gasolina no que se refere à
mobilidade urbana, as preocupações da época tratavam da poluição gerada
pelos excrementos dos cavalos utilizados como força motriz nas grandes
cidades.
Londres, no final do século XIX, enfrentava problemas ambientais, como
resultado do uso de cavalos como meio de transporte. Estima-se que os
cavalos não produzissem menos que 16 kg de excrementos por dia. A maioria
das ruas de Londres era ocupada por varredores, cerce de 6000 varredores,
cuja tarefa não era manter as ruas limpas, mas apenas limpar o caminho para
pedestres. Meios alternativos de transporte estavam disponíveis há anos, mas
não foram utilizados por causa de regulamentos restritivos. As empresas de
transportes à tração animal, temendo a concorrência, conseguiram que o
Parlamento da Inglaterra aprovasse a Lei da Bandeira Vermelha, que limitava a
velocidade dos veículos a vapor. O governo britânico decretou o Locomotives
on Highways Act, (Lei de Locomotivas em Estradas), que se tornou mais
conhecido como Lei da Bandeira Vermelha, de 1865. A determinação era que
todos os veículos rodoviários mecanicamente acionados tivessem velocidade
limitada a 4 milhas por hora nas estradas abertas e duas milhas por hora nas
cidades, e que fossem precedidos sempre por um homem a pé, 50 jardas
(cerca de 45 metros) à frente, agitando uma bandeira vermelha de dia e uma
lanterna da mesma cor a noite para avisar o público prevenindo acidentes,
limitando-se assim a grande vantagem do vapor sobre os cavalos, que era a
velocidade. A lei impediu as locomotivas rodoviárias, a favor dos interesses
ferroviários e dos negócios com veículos de tração animal.
Entretanto, em relação aos cavalos, as emissões dos carros a gasolina eram,
na época, de cerca de 200 vezes menores (medida em gramas por milha) e se
isso causou o desaparecimento eventual da tração animal como meio de
transporte e a rápida difusão do acionamento por motores térmicos e elétricos,
cabe aos historiadores. A questão é que a passagem para os carros movidos
por um motor, como um meio de transporte, tornou-se naquele momento um
enorme alívio ambiental. Entretanto a passagem não foi para um motor elétrico
e sim para um motor a combustão interna. O problema tornou-se cumulativo e,
após mais de um século, com milhões de automóveis com motor a combustão
interna, o problema ambiental retornou.
O que ocorreu foi um aprisionamento em relação ao motor a combustão, não
porque era consideravelmente eficiente, mas porque as decisões iniciais foram
favoráveis ao motor a combustão. A questão é que o formato do futuro é
condicionado, evolui e é restringido pelas decisões iniciais.
Um antecedente importante para o surgimento de automóveis elétricos havia
sido a utilização dos bondes elétricos, substituindo as carroças ou bondes de
tração animal, inclusive os dos primeiros sistemas metroviários. Porém, por
volta de 1905, os automóveis movidos a gasolina começaram a tomar a
dianteira em termos de popularidade, pois sua autonomia era o dobro da
autonomia de um elétrico. E, nesta mesma década, em 1908, Henry Ford lança
nos Estados Unidos o seu Modelo T iniciando a produção de grande quantidade
de automóveis, a preços decrescentes. Enquanto na Europa o automóvel
continuou a ser produzido em pequenas séries, orientado para os ricos, o
crescimento da produção de carros a gasolina nos Estados Unidos era sinônimo
de produção em larga escala, preços menores e a criação de um mercado de
massa. Além disso, a descoberta de poços de petróleo no Texas no início do
século XX e o surgimento de grandes empresas de petróleo, como a Standard
Oil e a Texaco e a criação de postos de abastecimento fizeram com que, no
final da década de 1920, o carro elétrico tenha se tornado um produto de
importância comercial muito restrita a alguns nichos, como pequenas entregas
urbanas.
A discussão estabelecida é que os ativos complementares que foram surgindo
para dar suporte ao motor a combustão interna proporcionaram path
dependence, ou seja, dependência de trajetória passada, indicando que o
paradigma atual do motor a gasolina se mantém devido às ações ocorridas no
passado. O Professor Fabio Erber definia path dependence como "a pesada
mão do passado posta sobre o ombro do presente".
Entretanto o início da década de 1990 foi marcado por inúmeras questões de
ordem ambiental e energética, que se somaram à preocupação com a
segurança de suprimento de petróleo e gás natural. Os desdobramentos desse
cenário se tornariam irreversíveis. Mudanças climáticas, o notório aquecimento
global causado pelas emissões de gases efeito estufa e as implicações
devastadoras sobre a saúde dos seres vivos em consequência da poluição do
ar, tornaram-se assuntos de encontros e acordos mundiais, sendo alvos de
grandes preocupações. Nas grandes cidades o problema é agravado pelas
emissões dos veículos a combustão interna, de modo que uma ideia com mais
de um século - o carro elétrico - voltou a ser o centro das atenções. Os carros
elétricos hibernaram devido à sua pouca autonomia, a inexistência de postos de
recarga e de mercado, e não havendo mercado, não havia instalação de postos
de recarga.
Cada vez mais se reconhece que a competitividade não se baseia tanto no
desempenho de setores quanto de empresas isoladas, mas sim no
funcionamento eficiente de cadeias de valor onde interagem diferentes agentes,
cujas atividades contribuem para o desenvolvimento da cadeia como um todo.
Em geral, a interação e complementaridade entre esses diferentes agentes
podem gerar lucros que os atores não obteriam se atuassem isoladamente no
mercado.

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