1 A proposta da pesquisa constitui do estudo da pintura Auto

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1 A proposta da pesquisa constitui do estudo da pintura Auto
PROPOSTA INICIAL.
A proposta da pesquisa constitui do estudo da pintura Auto-Retrato de Amedeo
Modigliani, datada de 1919. Através da análise de elementos em torno da manifestação
da imagem e da relação do legado de Modigliani com diversos movimentos artísticos, se
construirá um panorama desta obra.
Para melhor visualização dos objetivos da pesquisa, foram propostos o
significado histórico e a situação de Modigliani em cada um dos itens a seguir:
1. O retrato
2. Imagem e projeção mental
3. Relação pintura e escultura
4. A Cor
5. Modigliani: artista não configurado em nenhuma das vanguardas.
6. Relação com diversos períodos e manifestações: Arte Bizantina, Maneiristas e
Renascentistas, Arte Primitiva, Arte japonesa, Art Nouveau, Simbolistas, Pré-Rafaelitas,
Diálogo com a História da Arte e com o Romantismo.
Durante a primeira fase da pesquisa, foi realizada um etapa inicial de
aprofundamento de tais questões, para melhor apreensão do objeto de estudo. A
proposta do projeto de pesquisa de estuda-las separadamente dificultaria a
compreensão da obra.
Devido aos resultados atingidos nesta primeira fase pretende-se, na próxima,
aprofundar ainda mais essas questões, sendo possível estuda-las com um enfoque mais
específico sem que elas se percam do contexto geral da obra.
Nos meses de outubro e novembro de 2004 foi organizado pelo professor Luciano
Migliaccio uma seqüência de palestras no MAC-USP, proferida pelos alunos e pelo
professor, intitulado Sob uma Outra Estrela. Cada palestra abordava uma obra do
próprio museu, tendo em comum a autoria de artistas italianos e suas fortes
contribuições para a cultura artística brasileira. As obras e os palestrantes em questão
foram:
-
Formas Únicas na Continuidade do Espaço, de Umberto Boccioni – Mayra C.
Rodrigues;
Paisagem, de Giacomo Balla – Regis Y. Sugaya;
O Enigma do Dia, de Giorgio de Chirico – Isadora N. Giuntini;
Auto-Retrato, de Amedeo Modigliani – Paula E. Gabbai;
Composição Abstrata, de Alberto Magnelli – Prof. Luciano Migliaccio;
Grande Cavalo, de Marino Marini – Augusto César V. Aneas;
Colloquio, de Pietro Consagra – Juliana C. Silva.
O conjunto de palestras foi uma importante etapa para a aproximação e
aprofundamento do estudo da obra.
Os tópicos do projeto inicial levantados e aprofundados foram:
1. Tensão entre linha e cor: forma fechada e aberta
2. A cor em Modigliani: elemento espacial e subjetivo: relação com Cézanne e
expressionistas. a cor expande a imagem em sentido psicológico e espacial;
3. Cor como matéria intrínseca à forma: relação pintura e escultura. Brancusi.
1
4. Relação com japoneses: a configuração da cor, a apreensão da imagem,
sentido de reverência e meditação.
5. Significado do retrato como concepção da arte e da vida.
6. Percepção sinestésica do corpo. Busca do oposto da realidade visível.
A partir da bibliografia citada nas páginas 7 e 8, esses assuntos foram
aprofundados e tomando corpo no contexto da trajetória do artista.
O texto a seguir coloca o desenvolvimento de tais sentenças, e conclui essa
primeira fase do projeto.
Modigliani nasceu em 1884 em Livorno, na região da Toscana, na Itália, onde
viveu até mudar-se para Paris. Durante sua infância e juventude, teve problemas sérios
de saúde o que o aproximou da morte várias vezes. Usou desses momentos de reclusão
para estudar arte, e desde então, com apoio de sua mãe, com quem tinha uma enorme
afinidade, criou vínculos profundos – tanto com o estudo da história da arte quanto com
seu desenvolvimento como artista. Antes de ir a Paris com cerca de 20 anos de idade,
viajou por Roma, Nápoles e Florença, tendo um contato ainda mais profundo com a
história da arte italiana, consolidando uma busca que estaria presente por toda a sua
obra.
FIG.1-3
O retrato é um gênero presente desde sempre na história da arte, tido, em
determinadas épocas, como exaltação individual de classes privilegiadas, afirmando
conceitos morais e hierárquicos. No final do século XV, passou a englobar desde um
vocabulário retórico, até um puro enfoque nos aspectos psicológicos do indivíduo,
atitudes morais ou mentais.1 É um elemento de idealização e de esforço para conjugar o
“ser essencial”2, isto é, a interioridade do ser retratado, e favorece um sentido de
cumplicidade que revela muito do artista. Muitas vezes, ele veste uma determinada
personalidade para retratar tanto o outro quanto a si mesmo.
A relação entre modelo/objeto e artista estabelece a investigação do próprio ser e
de sua relação com o mundo. No caso do retrato, o artista se coloca em uma
personalidade e conseqüentemente em um processo de auto conhecimento. A arte, por
isso, é a expressão pura do espírito.
Modigliani concentrou o seu olhar no que está aparentemente ausente. O que à
primeira vista omite é logo revelado pela riqueza do seu gesto puro e simples.3 Ele criou
uma linguagem pictórica, simbólica, para definir o retratado: o olho assimétrico, a
distorção corporal e a ênfase na linha e na superfície constituíram as ferramentas do que
o artista desejava revelar, reproduzindo, na verdade, uma evocação a alguém. O rosto é
despersonalizado em uma muda introversão4, enfatiza na verdade uma intensa
subjetividade que ultrapassa o simples individualismo, emergindo fenômenos puramente
emocionais e sinestésicos em meio ao silêncio e à introspecção. Isso pôde se manifestar
devido a essa linguagem utilizada por Modigliani, refinando-se a ponto do mais simples
gesto alcançar a mais profunda subjetividade.
1
KRYSTOF, Doris – Modigliani.
SCHNEIDER, Norbert The Self-Portraits. In.: The Art of Portrait
KRYSTOF, Doris – Modigliani.
4
idem.
2
3
2
O próprio fator humano, o fator emocional, é inserido e transformado em valor,
que refletido por tal gesto, desvincula-se de normas e aproxima-se da experiência
pessoal e estética.
A Linha
Segundo Wölfflin, em Conceitos Fundamentais da História da Arte, a forma
fechada contém a busca pelo universal, pelo atemporal, segundo um conjunto de leis
que ditam em esqueleto estrutural que definem um aspecto nítido e absoluto.
No entanto, como ocorre em Modigliani, a elegante linha curva contém uma
tensão entre forma aberta e fechada, pois há uma instabilidade provinda da cor
pulsante, que liberta seu conteúdo, instável e íntimo.
Por outro lado, a repetição da forma capta a subjetividade do ser retratado,
transcendendo a simples linha para se tornar essência. Tal subjetividade é o conteúdo
que está além da imagem, livre da superfície, e no entanto, provido de uma forma
fechada, aparentemente absoluta.
A linha sintética é essencial e contém toda a interioridade. Da mesma forma, a
contensão máxima na arte japonesa é simultaneamente sensibilidade máxima.
Modigliani busca o ser essencial, a essência espiritual, o valor humano através da
pureza da forma. A elegância da forma revela toda a experiência dos estados humanos
mais profundos. Assim como o sábio, que de forma meditativa, religiosa e sutil passa a
verdade à partir da experiência, o fator humano revela-se profundamente à partir da
elegante linha de Modigliani.
FIG.4-5
FIG. 6-8
Na obra Nudo Dolente percebe-se a construção da imagem de forma sinestésica5:
a percepção do corpo absorve todos os sentidos e evoca um transe sensorial e
emocional, na qual a pessoa se encontra deslocada da realidade. Modigliani utilizou-se
desta percepção, transcendendo a fisionomia do retratado através do silêncio, da
introspecção e da meditação, destacando a emoção vital latente por trás da forma.
Segundo a tradição simbolista, o olho é um órgão visionário que se volta tanto
para o exterior quanto para o interior do indivíduo.6 Também como um elemento
simbólico, ele marca a presença da busca do oposto da realidade visível.
Apesar de não ter freqüentado as vanguardas parisienses, Modigliani
compartilhava com algumas preocupações/indagações estilísticas, entrando em contato
com obras de artistas como Cézanne e Toulouse-Lautrec, de quem absorveu todo o
sentido de cor. Alguns elementos em Modigliani abrem para reflexões sobre a imagem,
semelhantes a movimentos artísticos como o expressionismo ou fauvismo, na qual a cor,
tida como um elemento autônomo e libertador da sensação visual, é um pressuposto da
relação entre consciência e realidade, isto é, como o artista atua emocionalmente sobre
uma realidade.
Na Escola de Paris, da qual Modigliani fez parte em um determinado momento de
sua trajetória, serviu como uma espécie de canal de conjugação de diversas tendências
artísticas da época. Muitos artistas lá presentes, em busca de um questionamento no
modo de ver e um entendimento espontâneo em comum, viam a arte como linguagem
universal, buscando um refinamento de um padrão lingüístico comum7, com o intuito de
5
KRYSTOF, Doris – Modigliani
Idem.
7
ARGAN, Giulio Carlo A Época do Funcionalismo – École de Paris. In.:A Arte Moderna.
6
3
FIG. 9-12
FIG. 13-16
penetrar na alma do sujeito, em profunda comunicação com a experiência - tanto do
sujeito retratado, como do artista ou do espectador.
No entanto, o desligamento parcial de Modigliani com os objetivos bem definidos
das vanguardas imprimiu nele um caráter hermético de busca utópica da harmonia, da
beleza atemporal. A percepção lírica e idealizante fazia com que ele, de certa forma,
tivesse bebido na fonte dos simbolistas e pré-rafaelitas, portanto ligando-se também ao
século XIX.
Ainda na Europa, a arte japonesa serviu como um parâmetro de até que ponto
suas convenções persistiam nelas.8 A arte queria se estender em um novo olhar.
Percebe-se sua influência em Modigliani, Van Gogh e Toulouse Lautrec. Neste último,
criou-se campos ornamentais simplificados, a expressividade do pormenor, o contrastes
entre diversos campos de cor, o destaque à silhueta à fisionomia das atitudes e dos
gestos e a paixão pelas verdades do rosto humano. Estas características da arte
japonesas também influenciaram o Art Nouveau, junto a toda questão da percepção
sinestésica.
No auto-retrato de Modigliani torna-se evidente essa influência. No entanto, sua
relação com a arte japonesa e com o Art Nouveau estabelece-se de forma mais
particular do que com outros elementos presentes em sua obra, como a máscara ou a
arte primitiva. No primeiro caso, absorvido de forma mais independente, a influência
decorre da relação do objeto retratado com sua manifestação estilística, e do
aguçamento do olhar para a interioridade e para o valor humano. No segundo caso,
provém do fascínio dos artistas modernos pela arte primitiva, na busca da simplificação
da linha para se atingir a essência da forma e a beleza genuína, citado mais adiante.
Segundo Bardi, a postura aristocrática de Modigliani no Auto Retrato assemelhase a de um mandarim chinês. Um estudioso desconhecido, cita: “a expressão monódica
é fundamental em seu estilo. No fundo do seu ser há algo oriental não somente pela
tradição antinaturalista semítica. A tendência ao símbolo e os motivos, a repetição na
forma fechada e sua cor. O ritmo, as cadências. A elegância do sinal ininterruptos que
às vezes alcança a estilização. O carregar a linha até a incurvatura. A mesma insistência
de algemar suas efusões. A pontualidade dos ritmos. A fidelidade à figura humana eleva
a imagem, esta imagem sempre ardente e cheia de graça que se reproduz no mesmo
encanto e fixidez. A linha é intangível. A estrutura do corpo humano é o horizonte
sensível deste oriental temperado na Toscana.”9
A tradição artística oriental suscita a reverência como um valor supremo10 e
concebe a arte como processo meditativo semelhante ao religioso, que remete à
transcendência por meio do objeto. É uma absorção sinestésica onde a conotação
religiosa surge de padrões abstratos, de uma magia inerte aos objetos.
Segundo o cineasta russo Andrei Tarkovski,
“(o haicai) cultiva suas imagens de tal forma que elas nada significam para além de si
mesmas, ao mesmo tempo que, por expressarem tanto, torna-se impossível apreender
seu significado final. Quanto mais a imagem corresponde à sua função, mais impossível
se torna restringi-la à nitidez de uma fórmula intelectual. O leitor do haicai deve se
8
9
FAHR-BECKER, Gabriele, Arte Nova.
Trecho intitulado Modigliani: Sua história Começa e Termina com Ele, de um estudioso desconhecido.
O gesto “monódico, repetitivo” (anteriormente citado) é o estilo. (“é o homem”) e busca alcançar o valor humano. A
linguagem de Modigliani, portanto, tem intenções puramente espirituais. Tal busca é própria e simultaneamente
universal: os outros fazem parte deste processo e Modigliani se espelha em todos eles para na verdade encontrar a si
próprio.
10
GOMBRICH, E.H. Olhando Para o Oriente. In.: A História da Arte.
4
incorporar a ele como à natureza; deve mergulhar, perder-se em suas profundezas
como no cosmo, onde não existem nem fundo nem alto. (...)
Os versos são belos porque o momento, apreendido e fixado, é único e lança-se no
infinito.
Os poetas japoneses sabiam como expressar suas visões da realidade numa
observação de três linhas. Não se limitavam a simplesmente observa-las, mas com uma
calma sublime, procuravam o seu significado eterno. Quanto mais precisa a observação,
tanto mais ela tende a ser única, e, portanto, mais próxima de uma verdadeira imagem.
Como disse Dostoievski, com extraordinária precisão: ‘A vida é mais fantástica do que
qualquer fantasia.’”
FIG. 17-19
Sendo assim, é uma arte que revela, não simplesmente representa, em uma
osmose entre interior e exterior, na continuidade entre o mundo objetivo e subjetivo.11
Argan, em A Arte Moderna, afirma sobre Cézanne, “as pequenas verdades (...)
não podiam ser alcançadas senão com a reflexão ativa frente ao verdadeiro em que
para ele, consistia o pintar”.
A cor na arte oriental é tida como matéria, como também ocorre com Modigliani.
Ele transpôs a experiência da escultura – aonde o elemento variável é a luz - para a
pintura, concebendo a cor como matéria intrínseca à forma.12
Modigliani certa vez disse o seguinte sobre sua própria arte:
“Estou tentando formular com toda lucidez possível as verdades em torno da arte e da
vida que eu encontrei espalhadas pela beleza romana; e desde que suas conexões
íntimas ocorreram em mim, eu deveria tentar revela-las e reconstruí-las em uma
estrutura metafísica – eu deveria dizer quase arquitetura – e fazer disso minha verdade
na vida, beleza e arte.”13
O interessante é que Modigliani utilizou os termos “quase uma arquitetura
metafísica” como um estruturador da imagem criada, referindo-se que ele utilizará como
matéria espacial o próprio conteúdo subjetivo que se projeta além da superfície. Esse
resultado consolidou-se graças à configuração das cores, utilizada por ele como matéria
espacial, e organizado na mente do espectador como espaço.
Argan, novamente quando fala de Cézanne afirma o seguinte: “O espaço é a
FIG. 20-22
realidade como vem colocada pela consciência e a consciência, se não abarcar e
unificar o objeto e o sujeito da experiência, não é total.” Pode-se concluir então que a
matéria espacial, tanto em Cézanne, quanto em Modigliani ou nos expressionistas,
estruturada fundamentalmente através da cor, é também um espaço metafísico, isto é,
subjetivo e afetivo e ligado à experiência. Esse mesmo espaço ou “arquitetura”
metafísica, a que se refere Modigliani, é constatado em artistas como Morandi e Giorgio
de Chirico (os Metafísicos). Argan refere-se a Morandi em A Arte Moderna: “Durante
toda sua vida, pinta as mesmas coisas: garrafas e recipientes vazios, poucas flores,
poucas paisagens. São as paredes, o filtro da osmose; nelas, em torno delas, coagulase e preenche-se, saturando-se de luz, o espaço que pertence à natureza e à
consciência, e que não se apresenta como uma construção hipotética de uma
11
ARGAN, Giulio Carlo A Realidade e a Consciência – O Simbolismo. In.: A Arte Moderna.
ARGAN, Giulio Carlo A Época do Funcionalismo – Modigliani. In.:A Arte Moderna.
13
RESTELLINI, Marc. Modigliani: Avant-Gard Artist or “Schizophrenic Painter”? in.: Modigliani – The Melancholy Angel
12
5
espacialidade universal, e sim como espaço vivido, amalgamado ao tempo da
existência.”
Alguns autores afirmaram que Modigliani teria “tendências esquizofrênicas”14,
uma afirmação fruto de uma visão distorcida em relação à filosofia pessoal de Modigliani
em relação à vida e à arte. A fascinação pelo oculto, a visão de exacerbada
sensibilidade e de constante presença poética pode ter se dado, entre outras coisas,
devido ao contato próximo com a morte, ocorrido diversas vezes, o abrindo para a
concepção de uma existência psíquica além dos elementos físicos ou vitais.
A cor, como já dito anteriormente, tanto em Modigliani como nos expressionistas,
afirma-se como construção emocional e psíquica, que transcende o espaço real.
FIG. 23-26
FIG. 27-30
FIG. 31-33
Na relação pintura-escultura, os estudos de cariátides, antigas figuras femininas
que simbolizavam a beleza, realizado por Modigliani através da escultura, são mais
tarde retomados na própria pintura, onde a cor, sendo matéria espacial, também traduz
este mesmo sentimento de beleza na concepção da forma.
Como já mencionado, a beleza e a essência da forma atinge-se através da
simplificação da linha, se onde surge a admiração dos artistas modernos pelo
primitivismo.
A máscara, uma face esquemática sobreposta ao rosto, era outro objeto de
fascínio, e até participou do teatro parisiense da época. Teve sua importância simbólica
nas civilizações primitivas, sendo considerado objetos mágicos e intermediários de
manifestações divinas. Significa “persona” em latim (associado a personalidade).
Modigliani, portanto, usa sua “persona” artística para manifestar o outro: projeta no
sujeito sua própria personalidade.
O contato com Brancusi, produzindo uma escultura que capta a fonte originária da
forma plástica, em estágio pré-linguístico15, foi fundamental para a investigação destas
questões altamente subjetivas: a de encontrar o rosto esculpido ideal, aquele o qual a
presença anônima e inexpressiva permitia a intuição suprema da presença humana.
Na foto de Man Ray (Noir et Blanche) – surrealista, isto é, de um movimento que
tenta trazer o que está por trás do real, gerador de novas imagens – os dois elementos
expostos – a escultura negra e a mulher dos anos 20 (Kiki) – se apresentam uma como
o desdobramento da outra.
A escultura negra, um dos elementos de investigação da arte moderna como
busca do que é genuinamente belo, em sua constituição pura e primitiva se desmembra
na mulher, que atua como uma duplicata, um produto de tal escultura. É uma visão
poética que poderia ser aplicada na arte de Modigliani: a visualização de um retratado
de forma tão pura e espiritual, resultado da busca pelo genuinamente belo, da arte e da
beleza pura, presente constantemente no que é visualizado.
Quando Modigliani resgata o Renascimento e a Arte Bizantina em suas obras,
busca como valor uma mescla de pureza da percepção aliados a sensação e ao
sentimento, a experiência vital e o ideal pleno de beleza. Sua paixão pelo estudo da
história da arte o aproximava desta investigação.
Era o seu maior objetivo: atingir o ideal de beleza através do gesto formal mais
simples e pleno, e assim, a essência humana. Sua arte não representa uma busca
14
15
RESTELLINI, Marc. Modigliani: Avant-Gard Artist or “Schizophrenic Painter”? in.: Modigliani – The Melancholy Angel.
ARGAN, Giulio Carlo A Época do Funcionalismo – Brancusi. In.:A Arte Moderna.
6
pessoal, é a busca em si, que ele realiza pintando. Pode-se concluir que a arte de
Modigliani é uma experiência de vida, onde a busca de sua existência é profundamente
atrelada à experiência estética.
Como se dá esse processo de relação entre busca espiritual e forma em
Modigliani? Como os elementos por ele usados desencadeiam impressões que são
particularmente dele, mas que contém idéias e definições históricas (máscaras, arte
primitiva, oriental, clássica, o renascimento, a busca da beleza, etc.)? Como se dá a
relação desses elementos com o modelo e com a criação de sua imagem?
O fato dele escolher o retrato e cada uma dessas configurações visuais estão
atrelados, e cada elemento potencializa e sustenta esses significados particulares, que
se juntam e formam o que é o próprio Modigliani. O amigo e cineasta Jean Cocteau
afirma: “na realidade, o retrato não é mais do que um pretexto que permite o pintor
confirmar a imagem que tem na sua mente. E com isto não pretendo dizer uma imagem
física e real, mas o mistério de seu próprio gênio.”16
O auto-retrato poderia ser, portanto, a síntese de seus objetivos como artista,
desde a colocação de sua postura, dos elementos apresentados, a paleta de cores
pulsantes, o seu rosto pintado como sua “máscara da morte", o que claramente
relaciona-se puramente com sua vida.
FIG. 34-36
Para concluir, o retrato é um discurso sobre a arte como qualquer outro tema
abordado, talvez de forma aparentemente mais direta, pois lida com a presença humana
e suas relações - quer dizer, a do pintor e do modelo – que é uma questão muito
profunda. É uma confissão plena e mutua. Claro que a exaltação de elementos sociais e
superficiais estão sempre presentes – no entanto, até nestes casos a busca pessoal do
artista sempre transcende ao que está aparentemente em primeiro plano. Os artistas
modernos quiseram, na verdade, emergir as questões da arte de forma que entendemos
hoje como “mais direta” – entendemos assim por causa da época em que vivemos. No
entanto, as mesmas questões estão presentes tanto na vanguarda, na arte
contemporânea, no renascimento, na arte primitiva ou na fotografia.
Percebe-se assim, em Modigliani, que a escolha do retrato como tema e de toda
sua solução formal estão atrelados em sua busca por um ideal de arte e vida.
Bibliografia.
ARNHEIM, Rudolph. Arte e Percepção Visual - Uma Psicologia da Visão Criadora, São
Paulo, Ed. Pioneira, 1974
ARGAN, Giulio Carlo. A Arte Moderna. São Paulo, Cia. Das Letras, 1992
__________________ História da arte Italiana. São Paulo, Cosac&Naify, 2003.
FAHR-BECKER, Gabriele, Arte Nova, Colônia, Könemann, 1997.
GOMBRICH, E.H. História da Arte Moderna. Rio de Janeiro, Zahar, 1979.
KANDINSKY, Wassily . Do Espiritual na Arte, São Paulo, Martins Fontes, 1997.
KRYSTOF, Doris . Modigliani, Colônia, Taschen, 1998.
SCHNEIDER, Norbert .The Art of Portrait, Colônia, Taschen, 1994.
SEMBACH, Klaus-Jürgen. Arte Nova, Colonia, Taschen, 1993.
SCHMALENBACH, werner. Amedeo Modigliani.
VÁRIOS. Modigliani, The Melancholy Angel, Milano, Ed. Skira, 2002. Catálogo de
Exposição, Paris, Museu de Luxemburgo, 2002-2003.
16
KRYSTOF, Doris – Modigliani.
7
TARKOVSKI, Andrei. Esculpir o Tempo. São Paulo, Ed. Martins Fontes, 2002.
WÖLFFLIN, Heinrich. Conceitos Fundamentais da História da Arte. São Paulo, Ed.
Martins Fontes, 2000.
O texto apresentado coloca as questões essenciais para o objetivo final da
pesquisa. Nesta próxima fase, ele será utilizado como guia para o aprofundamento dos
assuntos nele abordados. As sentenças destacadas nas notas abrem para o estudo da
questão da interioridade do artista, de sua atividade como uma “experiência estética” e
da relação entre a arte e o ser, tema essencial para a compreensão de sua trajetória e
do Auto-Retrato. Algumas obras adequadas para investigar tais questões são as de
Heidegger, Merleau-Ponty e Hegel, com análise já em andamento.
A segunda fase é dividida nos seguintes itens:
1. Os elementos estilísticos: A linha, a forma e a cor, e como se configuram na
obra de Modigliani.
2. A influência dos movimentos e formas artísticas e da história da arte em
Modigliani.
3.A conjugação da interioridade de Modigliani e do resultado formal de sua obra.
4.O auto-retrato de Modigliani: síntese de uma trajetória.
Obs: a divisão é apenas para organização. Objetiva-se a mistura dos itens abordados.
CRONOGRAMA.
MÊS ITENS
6O.
1, 2 e 3
7O.
1, 2 e 3
O
8 .
1, 2 e 3
9O. 1, 2, 3 e 4
10O. 1, 2, 3 e 4
11O. 1, 2, 3 e 4
12O.
4
atividade
Desenvolvimento e análise bibliográfica.
Desenvolvimento e análise bibliográfica.
Desenvolvimento, análise bibliográfica e seleção de documentos visuais.
Desenvolvimento, análise bibliográfica e seleção de documentos visuais.
Desenvolvimento, análise bibliográfica e seleção de documentos visuais.
Desenvolvimento e elaboração do texto escrito.
Desenvolvimento, elaboração do texto escrito/revisão.
BIBLIOGRAFIA GERAL.
1. As referências de história da arte e de estética gerais partem das seguintes
obras:
ARNHEIM, Rudolph
Arte e Percepção Visual - Uma Psicologia da Visão Criadora,
São Paulo, Ed. Pioneira, 1974
ARGAN, Giulio Carlo A Arte Moderna. São Paulo, Cia. Das Letras, 1992
__________________ História da arte Italiana. São Paulo, Cosac&Naify, 2003.
__________________ Clássico e Anticlássico. São Paulo, Cia. Das Letras, 1999.
BACHELARD, Gustav – A Poética do Devaneio, São Paulo, Ed. Martins Fontes, 2000.
8
__________________ A Poética do Espaço, São Paulo, Ed. Martins Fontes, 2000.
FRY, Roger. Visão e Forma. São Paulo, Cosac& Naify, 2002.
GOMBRICH, E.H. História da Arte Moderna. Rio de Janeiro, Zahar, 1979.
________________ Meditations on a hobby horse and other essays on the theory of
art, London, Phaidon Publications, 1963.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. São Paulo, Vozes, 2003.
________________. Arte y Poesia
HEGEL, George W.F., Cursos de Estética. São Paulo, Edusp, 2000.
MERLEAU-PONTY, Maurice. O Olho e o Espírito. São Paulo, Cosac&Naify, 2003.
PANOFSKY, Erwin O Significado das Artes Visuais, São Paulo, Ed. Perspectiva, 1973.
TARKOVSKI, Andrei. Esculpir o Tempo.São Paulo, Ed. Martins Fontes, 2002.
VÁRIOS. O Olhar. São Paulo, Companhia das Letras, 2002.
WÖLFFLIN, Heinrich Conceitos Fundamentais da História da Arte. São Paulo, Ed.
Martins Fontes, 2000.
2. As referências sobre movimentos artísticos:
BEHR, Shulamith Expressionismo São Paulo , Cosac & Naify, 2000
FAHR-BECKER, Gabriele, Arte Nova, Colônia, Könemann, 1997.
MAUDUIT, J.A. – Quarenta Mil Anos de Arte Moderna, Belo Horizonte, Ed. Itatiaia, 1959.
3.Sobre textos de época e de criadores:
BAUDELAIRE, Charles O Pintor da Vida Moderna, Lisboa, Vega, 1993.
___________________ Escritos sobre a arte, São Paulo, EDUSP, 1991.
KANDINSKY, Wassily – Do Espiritual na Arte, São Paulo, Martins Fontes, 1997.
KATO, Suishi Japan, Spirit and Form, Tokyo, Charles E. Tuttle Company, 1994
KLEE, Paul Teoria da Arte Moderna, Buenos Aires, Calden, 1976.
LÉGER, Fernand Funções da Pintura, São Paulo, Difel, 1965.
4. Sobre retratos:
FRANCASTEL, Galienne Le Portrait : 50 siècles d'humanisme en peinture Paris,
Hachette,1969
5. Sobre Amedeo Modigliani
KRYSTOF, Doris. Modigliani, Colônia, Taschen, 1998.
PAVOLINI, Cohado. Modigliani, New York, New American Library, 1966.
PATÁN, Osvaldo. Amedeo Modigliani, Catalogo Generale di Pitti, Milano, Ed. Leonardo,
1991.
SCHMALENBACH, Werner. Amedeo Modigliani.
VÁRIOS. Modigliani – The Melancholy Angel, Milano, Ed. Skira, 2002. Catálogo de
Exposição, Paris, Musou de Luxemburgo, 2002-2003.
WERNER, Alfred. Modigliani/ Utrillo/ Soutine, New York, Tudor Pub, 1969.
______________. Modigliani the sculptor ,London , P. Owen, 1965
6. Enciclopédias e Dicionários.
Coleção Gênios da Pintura , São Paulo, Abril Cultural, 1973
9
The Dictionary of Art – Grove
Dicionário Oxford de Arte São Paulo, Martins Fontes, 1996
Dictionary of art and artists, New York, Praeger, 1965
Dicionário de Filosofia – Nicola Abbagnano.São Paulo, Ed. Martins Fontes, 2003.
10