os suplementos literários da imprensa recifense da primeira
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os suplementos literários da imprensa recifense da primeira
FÓRUM NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO (FNPJ) XIII ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO IX CICLO NACIONAL DE PESQUISA EM ENSINO DE JORNALISMO MODALIDADE DO TRABALHO: Comunicação Científica GRUPO DE PESQUISA: Pesquisa na Graduação OS SUPLEMENTOS LITERÁRIOS DA IMPRENSA RECIFENSE DA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX Aline Maria Grego Lins1 [email protected] Tércio de Lima Amaral2 [email protected] RESUMO Os suplementos literários produzidos, editados e que circularam no Recife no século XX, de modo especial no período de 1900 a 1950, são o objeto de estudo deste trabalho. Os suplementos literários, de um modo geral, são cadernos especiais de jornais impressos que abordam temas relacionados à literatura e apresentam produções de diferentes gêneros literários, além de críticas e artigos de história. Na imprensa pernambucana eles sempre estiveram presentes, abrigando importantes nomes da literatura, a exemplo dos poetas Manoel Bandeira, Carlos Pena Filho e Ascenso Ferreira. Nosso objetivo foi identificar e registrar esses Suplementos, bem como os jornalistas recifenses que, de alguma forma, destacaram-se nesse viés editorial dos jornais locais. Apesar de os jornais recifenses enfrentarem dificuldades, sobretudo financeiras, na primeira metade do século passado, o que mais chamou a atenção foi o fato de que eles sempre dedicaram espaços aos suplementos literários, ainda que as edições e circulações, nem sempre, tenham ocorrido de forma regular. Palavras-chave: história da imprensa recifense; Suplementos especiais. Aline Maria Grego Lins é doutora em Comunicação e Semiótica, pela PUC/SP. Autora do livro A Alfabetização do Olhar e professora do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco. Faz parte do Grupo de Pesquisa em Mídia e Cultura Contemporânea da UNICAP/CNPq. Tem capítulos publicados nos livros: Telejornalismo: a nova praça pública (2006); Síndrome da Mordaça: mídia e censura no Brasil (2007), A Sociedade do Telejornalismo (2008) e Guel Arraes um inventor no audiovisual brasileiro (2008). 2 Possui graduação em história, pela UPE (2008). Atualmente, é estudante de jornalismo da Unicap e pesquisador bolsista do Pibic/CNPq. 1 Introdução A imprensa brasileira, através dos registros ao longo da história, revelou e revela, nas páginas dos mais diferentes jornais, uma tradição literária. Escritores sempre estiveram presentes nos textos jornalísticos e não são poucos, também, os casos de jornalistas que se tornaram escritores, a exemplo de Euclides da Cunha e, mais recentemente, Inácio Loyola Brandão. Obras clássicas como as de José de Alencar e Machado de Assis foram publicadas, ainda na segunda metade do século XIX, na imprensa carioca, em páginas especiais dos seus diários. Em Pernambuco, a presença de escritores na imprensa também foi uma marca dos nossos jornais. Mas é, sobretudo, no século XX, em sua primeira metade, que começam a surgir os Suplementos Literários na capital pernambucana. O Diario de Pernambuco saiu na frente, publicando sua página de literatura em 1900. Pelas páginas de suplementos da imprensa recifense passaram grandes nomes das letras nacionais, a exemplo de Jorge Amado e Graciliano Ramos. Os dois escritores do Modernismo contribuíram para a Folha do Povo. Esse impresso teve como tradição a colaboração de artigos relacionados ao comunismo. Entretanto, pode-se notar, por exemplo, que Graciliano Ramos também colaborou com as páginas da Folha da Manhã. A presente pesquisa pretende contribuir para o cenário de renovação das fontes historiográficas nacionais e regionais a respeito da história da imprensa, de modo particular a pernambucana, uma vez que poucos são os estudos históricos sobre direção. Entre os existentes, merece registro o trabalho do historiador Luiz do Nascimento (1967, 1968), em História da imprensa de Pernambuco, em que ele realizou um levantamento primoroso da história da imprensa do Estado, desde o começo do século XIX até as primeiras décadas do século XX. Nosso olhar, no presente estudo, entretanto, vai deter-se, apenas, nos suplementos literários e, de modo particular, naqueles que foram totalmente produzidos em redações de jornais recifenses e que circularam na capital pernambucana, pelo menos, durante um ano. A Rede Alfredo de Carvalho, que reúne pesquisadores em todo o País, 2 inclusive em Pernambuco, vem incentivando o desenvolvimento de pesquisas que resgatem a memória da imprensa no último século, a exemplo dessa que estamos realizando na capital pernambucana sobre os “Suplementos Literários da imprensa recifense no século XX: 1900 a 1950”. A imprensa pernambucana contou com diversos Suplementos Literários ao longo dos séculos XX e também nesse início de século XXI. Os cadernos especiais revelaram e consagraram nomes como Ascenso Ferreira, Manuel Bandeira, Gilberto Freyre, Osman Lins, Raimundo Carrero e Homero Fonseca. É nas páginas do Diário da Manhã, Diario de Pernambuco, Folha da Manhã, Folha do Povo, Jornal do Commercio e O Intransigente que se propõe o resgate da identidade da imprensa recifense. Pois, Recentemente, a história, dentro dos novos interesses gerados pela interdisciplinaridade e pela pós-modernidade, tem tentado trabalhar com o conceito de identidade. Talvez um dos principais campos da historiografia a refletir sobre essa noção seja o dos estudos da memória. Para David Lowenthal, identidade e memória estão indissociavelmente ligadas, pois sem recordar o passado não é possível saber quem somos. E nossa identidade surge quando evocamos uma série de lembranças. Isso serve tanto para o indivíduo quanto para os grupos sociais (SILVA; SILVA 2005, p. 204). Esse quadro talvez justifique o fato de historiadores e jornalistas da região Nordeste demonstrarem interesse pela trajetória dos suplementos literários. Em Pernambuco, vale registrar o trabalho do jornalista Jodeval Duarte em Agitação Cultural (2005), que destaca a influência das páginas do Suplemento Literário do Diario de Pernambuco no cenário literário nacional. Segundo Duarte, as edições desse Suplmeneto eram colecionadas e leitores faziam filas para o impresso recifense no dia de sua publicação, que ocorria no final de semana: Aos domingos, há um interesse surpreendente por essas páginas literárias que não são feitas como se fazem muitas vezes, isto é, a custa da ‘tesoura’, oferecendo quase sempre aos leitores simples recortes. O Suplemento Literário do Diário de Pernambuco, graças à tenacidade de Mauro Mota, o poeta das ‘Elegias’, que conquistaram justo renome em todo o Brasil, é, portanto, o centro em torno do qual gravita o movimento literário pernambucano, sendo de grande importância qualquer nota, por mais que simples que seja nele publicado (DUARTE, 3 2001, p. 52). No Recife, os Suplementos Literários tinham aspectos dos mais variados. Cada impresso tinha sua política editorial frente às páginas complementares. Nas páginas literárias dos jornais, muitas vezes, eram divulgadas as posturas ideológicas de cada jornal. Enquanto a Folha do Povo divulgava madrigais em homenagem ao político esquerdista Luis Carlos Prestes, assinadas por grandes nomes como Graciliano Ramos e Jorge Amado, o Diario de Pernambuco assinava notas sobre a relação entre catolicismo e comunismo, o Jornal do Commercio, por seu turno, crônicas de “o anti-comunismo”. Os suplementos literários recifenses de 1900 a 1950 Os Suplementos Literários da Imprensa Recifense, da primeira metade do século XX, estiveram sob forte influência do que denominamos de prática interdisciplinar. As páginas especiais e suplementos dos jornais recifenses desse período foram testemunhas de trabalhos que versavam sobre política através da poesia, história e descobertas científicas, praticamente presente, inclusive, em suplementos infantis, a exemplo de “O Guri”, do Diario de Pernambuco. Além de temas e brincadeiras infantis, esse suplemento tivera forte influência literária. Por outro lado, também foram influenciados pelo contexto histórico do país. A república do café-com-leite, a era Vargas e a redemocratização no final da década de 50 influenciaram a linguagem, a forma e os diferentes valores culturais e morais de uma época em que os jornais eram, de alguma forma, influenciados, também, não só pela política e economia, mas e também pelas artes, a exemplo dos grandes romancistas da imprensa do século anterior. O jornalismo, assim, além de abrir espaço para os suplementos literários, defendia em suas páginas, sejam elas de política ou do cotidiano, a tarefa literária de informar. Segundo a História Nova Francesa, a produção do historiador pode ser realizada de forma narrativa. Mas a literatura, também, é um documento histórico dos mais confiáveis, por reproduzir pensamentos e desejos de uma determinada época. Assim, foi possível observar alguns laços relevantes dos 4 cadernos especiais da imprensa aos conteúdos da historiografia brasileira e local ou aos frequentes debates da literatura nacional – sua interação com os Suplementos Literários. Como destaca a antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz (2000, p. 25), os espaços de atuação do historiador, do jornalista e literato se confundem. Para a livre docente da USP, essa seria a “Região de Fronteira”: Assim como a estrutura não se limita mais ao imóvel, abandona pequenas sociedades e se volta para a história, também a história abre mão de dicotomias que pareciam fundamentais à sua própria definição (...) Local da realização da diplomacia, em seu sentido mais usual, no caso das fronteiras entre disciplinas, não se inventou ainda o melhor juiz nem há como inventar (SCHWARCZ, 2000, p. 25). Um exemplo desse legado de “fronteira” é a Folha do Povo, que, em 1º de janeiro de 1950, traz, no domingo, um Suplemento em homenagem ao 52º aniversário do político comunista Luiz Carlos Prestes. É importante notar que o conteúdo desse Suplemento Literário estava repleto de versos em homenagem a Prestes, poesias, artigos de opinião assinados por grandes romancistas como Graciliano Ramos. O escritor alagoano, inclusive, estivera preso no período por envolvimento com os comunistas, embora, no seu livro Memórias do Cárcere (1968, p. 81), negue seu envolvimento. Eu não tinha opinião firme a respeito desse homem [Luiz Carlos Prestes]. Acompanhara-o de longe em 1924, informara-me da viagem romântica pelo interior [Coluna Prestes], daquele grande sonho, aparentemente frustrado. Um sonho, decerto: nenhum excesso de otimismo nos faria ver na marcha heróica finalidade imediata. (...) Um protesto, nada mais. Se por milagre a coluna alcançasse vitória, seria um desastre, pois nem ela própria sabia o que desejava (RAMOS, 1968, Volume I, p. 81). Foram identificados seis (6) suplementos literários com periodicidade igual ou superior a um ano de duração. O Diario de Pernambuco foi o primeiro a iniciar esse tipo de publicação no Recife. No início de 1900, começa a circular o “Album do Domingo”, com destaque para a produção literária. Foi, sobretudo, em meados da década de 50, que ele consegue destaque nacional sob a direção do poeta e jornalista Mauro Mota. 5 O Album do Domingo tinha espaço na primeira página do jornal Diario de Pernambuco, que era publicado, claro, aos domingos. Ele ficava na margem inferior da capa do jornal, em forma de coluna. Ocupando as margens da esquerda à direita. Essa restrição de tamanho pode estar associada ao fator pioneirismo, por ser o primeiro do Estado a produzir um espaço especialmente pensado como suplemento literário. Por outro lado, essa atividade no jornal, estava restrita a alguns poucos nomes da literatura pernambucana, que se reservavam na produção e publicação de poemas ou conselhos aos leitores com, inclusive, dicas de beleza. O Diario de Pernambuco, o mais antigo jornal em circulação da América Latina, revelou, durante nossa pesquisa, algumas surpresas, entre elas, a publicação em de 2 de março de 1941, de um jogo de palavras cruzadas, um dos primeiros registros desse passatempo em nossos impressos. Essa publicação revela não só a diversidade do Suplemento, como também a inclinação para o denominado de jornalismo de entretenimento. Ao mesmo tempo em que notamos, na Segunda Secção, artigos de críticas ferozes de literatos, a exemplo de Afrânio Coutinho, dividindo a atenção do leitor com publicações de puro entretenimento. IMAGEM 01 – Reprodução do jogo de palavras cruzadas no Diario de Pernambuco, em 2 de março de 1941. O velho sobrado azul do Diario de Pernambuco, no centro do Recife, também abrigou um dos maiores nomes das ciências sociais do Brasil, o sociólogo Gilberto Freyre. Para os que associam a figura do intelectual recifense à produção de textos, uma surpresa: a partir de 3 de setembro de 1943, Freyre, 6 junto com Ismael Ribeiro, assume a direção do impresso, que passara por uma grande crise financeira. Entretanto, mesmo com o cargo essencialmente burocrático, o autor de “Casa Grande & Senzala” contribuiu para um dos cadernos do Suplemento em homenagem ao abolicionista Joaquim Nabuco, em 21 de agosto de 1949, ano que também marcou a entrada do escritor Ariano Suassuna no Diario. A estreita relação entre imprensa e literatura no Diario pode ser observada em anos anteriores. Em meados de 1945, o fundador do curso de jornalismo da Unicap, Luiz Beltrão, detinha a função de subsecretário do jornal, ao lado do poeta Mauro Mota e do historiador José Antônio Gonçalves de Melo. Esses intelectuais, que mantiveram vínculos administrativos e, ao mesmo tempo, jornalísticos e literários, acompanharam crises na produção do Suplemento, a exemplo da irregularidade nas edições em 1946. Mas, também, períodos de crescimento do caderno especial de literatura, como em 1947, quando existe um aumento do espaço para oito páginas e a colaboração do jornalista Samuel Wainer e da escritora Maria Júlia Drumond de Andrade. Já o extinto Diário da Manhã, em sua edição inicial de 16 de abril de 1927, trouxe seu “Caderno de Literatura”, também aos domingos. Foram colaboradores de suas páginas Oliveira Lima e, mais uma vez, Gilberto Freyre. Com períodos de interrupções, como a Segunda Guerra Mundial e cadernos especiais de Carnaval – artifícios encontrados também em outros veículos – tomou novo ânimo a partir de 1944 com a direção de Aderbal Jurema. Entretanto, uma crise leva o fim do caderno Literatura, em janeiro de 1948. Só em meados de março de 1948, o impresso passa a divulgar as “Crônicas Literárias”, de Canário da Silva, com o objetivo de resgatar o público do extinto Suplemento. Esse jornal, em sua primeira fase, encerrou suas atividades em 31 de dezembro de 1950. Apesar da indisponibilidade de acesso à boa parte do acervo do Diário da Manhã, alguns aspectos que conseguimos observar vale a pena destacar: havia, nas suas publicações, pouco espaço dedicado ao suplemento Literatura, geralmente, uma única página. E, diferentemente do Diario de Pernambuco, por exemplo, não existiam espaços específicos para publicidade. Nesse sentido, o Diario, ao longo de sua publicação de Suplementos revelou junto ao Jornal do Commmercio e à Folha da Manhã a maior quantidade de páginas e espaço 7 destinados à propaganda. O Jornal do Commercio, empresa fundada por F. Pessoa de Queiroz, em 1919, começa a divulgar trabalhos de literatura na Página Dominical de Literatura dirigida por Joaquim Inojosa. Sua circulação esteve restrita, apenas, às edições comemorativas de Carnaval. Ainda foi interrompida com o fechamento da redação do Jornal do Commercio por quatro anos conseguintes à Revolução de 1930. A página Vida Literária só voltou aos domingos, a partir de 1937, sendo anexada ao Suplemento Dominical em abril de 1937. Sua publicação foi interrompida, novamente, em virtude da II Guerra Mundial. Mas, em 22 de dezembro de 1940, recomeçam as atividades de literatura do JC na “Vida Literária”, do Suplemento de Domingo. E, quatro anos depois, em junho de 1944, a página de Literatura do Suplemento de Domingo ganharia novo fôlego sob a coordenação de Aderbal Jurema, sobretudo, após 1º de maio de 1948, o Suplemento de Domingo ganha nova roupagem. Denominado Segunda Secção, ele chega a dedicar todas as suas páginas ao jornalismo cultural, a exemplo, de espaços para as notícias de cinema, de teatro, música, e literatura. Também nesse novo formato, havia um grande número de ilustrações coloridas que faziam do Suplemento um caderno especial do jornal – atraindo anunciantes para sua edição. O Suplemento do Jornal do Commercio, por sua vez, também abria suas páginas para intelectuais e escritores publicarem sua produção, muitas delas, calcadas nas crônicas que tratavam da cultura e dos costumes do nosso povo. Observamos, em 3 de abril de 1937, um artigo assinado por um dos mais respeitados cronistas brasileiros, Rubem Braga, intitulado Crises de homens e crises de mulheres. O autor narra as possíveis relações de gênero – entre homens e mulheres – comparando os costumes da arte de sedução dos moradores da cidade do Rio de Janeiro e dos recifenses, “habitantes do mangue”. Segundo ele, No Mangue as mulheres vendem o amor. E aquilo é tão escandaloso, tão escancarado, tão impudico, que não se pode mesmo dizer que seja um mercado de carne humana. É, antes, uma feira livre. Na praia do Flamengo, num domingo de sol, a mulher que não tiver um homem bem forte ao lado ouve piadas mais grosseiras que é possível imaginar. Alí há crise de 8 mulheres, e os homens se disputam um olhar ou um sorriso com uma ferocidade ridícula (BRAGA, 1937, Jornal do Commercio, Segunda Secção, p. 23). Além do registro dos costumes e, em certa maneira, a reprodução de preconceitos, os Suplementos Literários tinham uma característica curiosa que nos chamou a atenção: a transitoriedade de colaboradores entre esses cadernos. Por exemplo, a partir de 1954, Gilberto Freyre, que já tivera passagens pelo Diário da Manhã e Diario de Pernambuco, passa a colaborar nas páginas especiais de literatura do Jornal do Commercio. Nesse mesmo ano, o impresso deu atenção especial à cobertura das comemorações do tricentenário da Restauração Pernambucana do domínio holandês. Talvez, por esse motivo, foram convidados para essa produção os jornalistas Mário Melo, Aderbal Jurema e Nilo Pereira, além dos historiadores Jordão Emerenciano e o antropólogo Luis da Câmara Cascudo. É bom registrar que, no final de 1954, o Jornal do Commercio ainda contou com a participação do poeta Carlos Pena Filho e do jesuíta padre Mosca de Carvalho, educador da Universidade Católica de Pernambuco. Também encontramos um exemplo de Suplemento Literário em jornais de pequeno porte como O Intransigente, fundado em 7 de dezembro de 1918, por Osvaldo Machado, circulava com o suplemento “Artes, Literatura e Elegância”, que tem início em 13 de abril de 1919 e vai até 20 de junho de 1920, com a fusão do jornal com A Noite. Em suas páginas, havia, artigos especialmente dirigidos para as mulheres, além de crônicas. Por seu turno, fundada em 10 de junho de 1935, por Osório Lima, a Folha do Povo tinha uma política editorial voltada ao comunismo, sendo, algumas vezes, fechada por governos (destaque para o fechamento entre abril e maio de 1948). Seu Suplemento de Literatura só foi desenvolvido com regularidade a partir 11 de janeiro de 1953. A Folha, talvez, seja o impresso no qual a literatura estivesse mais associada à ideologia do veículo, a exemplo do Suplemento em homenagem a Luis Carlos Prestes, em 1º de janeiro de 1950 (Ver imagem 02). Em suas páginas, colaboram escritores como Jorge Amado, que há pouco tivera sido eleito deputado federal pela Bahia, pelo partido comunista. O deputado chegou a defender o engajamento dos intelectuais da época no “Partido”: 9 O conhecimento do marxismo e a compreensão da linha do partido, por outro lado, dão ao criador de cultura uma formidável independência de movimentos na análise dos fatos e na sua interpretação artística. Para um poeta, para um compositor, para um pintor, para um romancista, a vida partidária traz uma infinidade nova de temas, de sugestões, de matéria para ser transformada em beleza imortal. Nenhum escritor ou artista pode se limitar ao ter vida partidária. Essa lhe dará sempre maior amplitude, estenderá, os limites, mesmo da humanidade as suas fronteiras criadoras (AMADO, 1946, Folha do Povo, Segunda Secção, p. 2). IMAGEM 02 – Capa do Suplemento da Folha do Povo em homenagem ao 52º aniversário do líder comunista Luiz Carlos Prestes. Outro Suplemento analisado foi o da Folha da Manhã, que passou a circular em 21 de novembro de 1937. Sua página de Literatura foi anexada ao Suplemento Ilustrado, aos domingos, a partir de 29 de dezembro de 1940, mas finalizado em 13 de abril de 1941. Colaboraram Ulisses Lins, Antiógenes Cordeiro, o poeta Austro Costa, Célio Meira e Arnaldo Damasceno Vieira. Em março de 1944, foi restabelecida a página de Literatura aos domingos. Ela sofreu suspensões irregulares como cadernos do Carnaval (Ver imagem 03), e campanhas políticas promovidas pelo impresso. A segunda seção chega ao seu 10 auge em 1950. O veículo, porém, encerrou suas atividades em 31 de dezembro de 1954. IMAGEM 03 – Em 20 de fevereiro de 1944, a Folha da Manhã deixa de publicar a Segunda Secção, com sua página de literatura, para a realização de um caderno especial sem maiores informações ao seu público leitor. A Folha da Manhã, comparada aos demais Suplementos, tinha um viés editorial diferente. Destacamos a participação de Costa Pôrto em artigos dedicados à reflexão da história, sobretudo no período que vai de 1944 a 1950. Temas regionais, como a Invasão Holandesa, Revolução de 1817, ou nacionais como A Revisão da História Nacional foram escritos com maestria pelo jornalista pernambucano. Para estabelecer esses laços entre o jornalista e o historiador, recorremos a teórica pós-moderna da historiografia norteamericana Barbara Tuchman (1995, p. 31), para quem “nem sempre é preciso haver uma dicotomia, ou disputa. As duas funções não precisam estar, e de fato não devem estar, em guerra. A meta é a fusão. A longo prazo, o melhor escritor é o melhor historiador”. Em Napoelão e seu sentido histórico, identificamos em Costa Pôrto (1944, p. 1) um jornalista preocupado com as regras da historiografia. Primeiro, o distanciamento do passado para a realização de textos sem paixões e o mais imparcial possível; no segundo momento, a suposta ansiedade e preferência do esquecimento. Pois, ser esquecido seria melhor do que ser julgado nas mãos dos historiadores – ou contadores de histórias. 11 Felizes os que mergulharam no esquecimento, não deixando rastro de sua passagem privados de aparecer como gênios benfazejos, mas sem o perigo de desafiar o julgamento da posteridade, através da apreciação, nem sempre serena de seus biógrafos. A proximidade ofusca, as paixões entontecem e todo o episódio histórico, todo esforço humano, toda afirmação de personalidade precisariam, para serem justos, fugir àquela configuração local que, na análise, é meio caminho para o êrro e para a incompreensão (PÔRTO, 1944, Folha da Manhã, página Literatura, p.1). IMAGEM 04 – esta é a capa da Segunda Secção da Folha da Manhã, em 14 de maio de 1944. Esse Suplemento, de até 8 (oito) páginas, tinha 2 (duas) dedicadas à literatura. O debate político também estava em suas páginas literárias. A exemplo da já citada Folha do Povo, a Folha da Manhã envolvia seus parceiros e colaboradores em torno da questão comunista. Luiz Delgado (1950, p. 1) assina, na primeira página da “Segunda Seção”, de 5 de agosto de 1950, o artigo Catolicismo e Comunismo, defendendo que a missão do cristão é estar acima de qualquer pensamento, e o marxismo deveria ser reconhecido nos seus pontos 12 positivos. Argumenta, Uma insidiosa propaganda que se fez durante algum tempo e ainda reponta aqui e ali, afirmando que o comunismo não é anti-cristão, desmentiu-se por si mesma, diante do espetáculo das perseguições desencadeadas por toda parte aonde a influência soviética se firmou depois da guerra. A função do catolicismo não é combater o comunismo; é elevar o homem à sua incomparável dignidade de filho de Deus. Tudo que contrarie semelhante elevação santificadora – inclusive o comunismo mas não somente o comunismo – deve ser combatido por todos nós com igual força (DELGADO, 1950, Folha da Manhã, Segunda Secção, p. 1). A Folha da Manhã – jornal de grande porte da primeira metade do século XX – pode ser considerada um sucesso de publicação. A Segunda Secção, produzida pelo veículo aos domingos, como o Jornal do Commercio, chegou a possuir doze páginas dedicadas ao cinema, literatura, interesses femininos e artes em geral. E todo esse espaço com um bom número de anúncios publicitários. Por fim, também identificamos o Suplemento do jornal O Estado, fundado em 16 de julho de 1933, o que era impresso nas oficinas da extinta A Província. Foi adquirido sob o nome de Sociedade Anônima O Estado e era presidido por Fileno de Miranda. Dos cadernos especiais analisados nesta pesquisa, a Literatura do jornal o Estado foi o que mais teve interrupções em suas edições. Colaboraram para o veiculo nomes políticos como os críticos literários e jornalistas, Aníbal Fernandes, Plinio Correia de Oliveira, escritor e historiador fundador da contraditória organização Tradição, Família e Propriedade Privada (TFP). Ele era monarquista e defendia essa forma de governo baseada no catolicismo conservador e no combate ao comunismo. O Estado chegou a produzir na capa do Suplemento Literatura do dia 23 de julho de 1933 o artigo “A imprensa Monarquista”, assinado como “o boletim de Ariel”. Mas o que chama a atenção na publicação de o Estado são algumas peculiaridades, entre elas, o aumento do caderno especial devido à censura sofrida durante o ano de 1933. Ou seja, por não poder publicar matérias 13 referentes ao cotidiano da cidade, matérias de política, em especial, o jornal optou por aumentar a participação do Suplemento na edição. Talvez, essa fosse uma forma de despistar a censura, ocasionalmente. Sob o guante da censura, o matutino teve apreendida a edição de 7 de novembro, por haver inserido, ‘em suas páginas, uma nota cuja publicação havia sido proibida’. A edição de 24 de dezembro, contendo 22 páginas, em três cadernos, repleta de literatura, publicidade oficial e clicheira, foi dedicada à Paraíba (NASCIMENTO, 1967, Volume III, p. 335). O Suplemento Literatura, do Estado, foi produzido desde o primeiro número do jornal, através de um segundo caderno, contendo também uma seção infantil, temas econômicos e curiosidades. Encerrou suas atividades com o fim do jornal em 17 de março de 1935. Considerações finais A história da imprensa recifense da primeira metade do século XX (1900-1950) foi marcada pela produção dos suplementos literários e páginas especiais de literatura. Podemos observar, que esses impressos foram testemunhas das transformações sociais e culturais sofridas pela população brasileira e pernambucana, revelando mudanças de comportamento e, em certos casos, de avanços e debates em torno da política nacional. Os suplementos e páginas de literatura recifenses interagiram com o contexto sócio-histórico, a exemplo da virada de séculos (XIX para XX), a ascensão e queda da República do Café-com-leite, das duas Grandes Guerras Mundiais, a era Vargas e o pequeno período democrático no final da primeira metade do século XX. Mas, a imprensa recifense da primeira metade do século XX revelou, ainda, um protagonista: o tradicional Diario de Pernambuco – jornal mais antigo em circulação na América Latina. Esse jornal foi o pioneiro, no Recife, na publicação de Suplementos e páginas dedicadas à literatura, poesia, contos e artigos de reflexão histórica. Aliás, do próprio Diario saiu um dos grandes 14 nomes da poesia pernambucana contemporânea: Mauro Mota. Sua marca, ainda hoje, é percebida no caderno Viver, que, em alguns momentos, abre espaço para as seções literárias, nem sempre regulares. Os jornais também se configuraram em um espelho da produção literária nacional. No Diario de Pernambuco, como outros jornais analisados, podemos notar, ao longo da sua trajetória, a ampliação do espaço, nos cadernos especiais, dedicados a momentos culturais marcantes na história do país, como, por exemplo, o período que se estende após a Semana de Arte Moderna, de 1922. Manuel Bandeira e outros poetas, escritores e artistas que participaram da Semana assinaram artigos e produziram nos Diários Associados – então, maior conglomerado de mídia brasileira. A interdisciplinaridade nos suplementos, na primeira metade do século XX, já podia ser percebida nessas páginas, claro que num contexto distinto do atual, uma vez que havia poucos cursos de ciências humanas no Brasil no início do século passado, a exemplo de jornalismo ou história, o que, de certa forma, abria espaço, na imprensa, para intelectuais que transitavam em outras áreas do conhecimento, até então, sem delimitação científica. Esse comportamento se acentuou na análise do jornal Folha da Manhã. As páginas inicialmente planejadas para a produção literária acabaram publicando artigos de reflexão historiográfica. Outro aspecto importante a ser destacado foi o planejamento das edições. Os jornais da imprensa na primeira metade do século XX não tinham espaço para editoriais, a exemplo do que acontece na atualidade. A identificação das opções políticas dos jornais através dos Suplementos e páginas especiais de literatura é possível ser reconhecida a partir da produção de artigos de opinião, das homenagens a políticos, através de contos, crônicas e poesias. O Diario de Pernambuco, a Folha da Manhã e o Jornal do Commercio tinham claramente suas inclinações à política de direita; o Diário da Manhã, à social democracia; a Folha do Povo, à ideologia comunista; O Intransigente à política trabalhista; e, O Estado, à militância que defendia a volta do sistema monárquico de governo do Brasil. Já no que se refere à produção textual, identificam-se algumas 15 peculiaridades: a participação de autores que têm no jornalismo uma segunda profissão, a exemplo de Gilberto Freyre; ou aqueles que são jornalistas e acabam trilhando caminhos para a produção histórica, como os pernambucanos Costa Pôrto e Mário Melo. Mas, seguindo o caminho inverso, identificamos cronistas, poetas e romancistas que produziam e publicavam nestes Suplementos Literários, nomes como Ancenso Ferreira, Graça Aranha e Rubem Braga, entre outros. Assim, podemos destacar que esses Suplementos e páginas especiais de literatura marcaram e se fizeram presentes na tradição do jornalismo cultural brasileiro. Essa experiência da imprensa recifense, no início do século XX, continuou em anos posteriores, mas com características diferentes. Se, no início, havia suplementos apenas literários, a imprensa atual brasileira agregou novos formatos nessa produção. Em Pernambuco, por exemplo, o caderno Viver, do Diario de Pernambuco, e o Caderno C, do Jornal do Commercio, que são publicados diariamente, privilegiam reportagens de entretimento, com arte, música e programação cultural, dividindo edições com as notícias e reflexões literárias. A exceção atual fica para alguns suplementos publicados em forma de cadernos especiais isolados, a exemplo do recente “Os Sertões”, do JC. Ou aqueles que são publicados de forma mensal e independente, a exemplo do suplemento cultural “Pernambuco”, da CEPE – Companhia Editora de Pernambuco. Nesse sentido, a produção dos suplementos e páginas especiais de literatura da imprensa recifense, nas primeiras cinco décadas do século XX, configurou-se como uma experiência distinta na história da imprensa pernambucana, na qual jornalismo confundia-se, por vezes, com literatura e vice-versa. Referências AMADO, Jorge. Escritores, artistas e o partido. Folha do Povo, Recife, 19 de maio de 1946. Segunda Secção p. 2. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006. BRAGA, Rubem. Crise de mulheres e crises de homens. Jornal do 16 Commercio, Recife, 3 de abril de 1937. Segunda Secção p. 23. CARNEIRO, Glauco. Brasil, primeiro: História dos Diários Associados. 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FÓRUM NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO (FNPJ) XIII ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO IX CICLO NACIONAL DE PESQUISA EM ENSINO DE JORNALISMO 17 MODALIDADE DO TRABALHO: Comunicação Científica GRUPO DE PESQUISA: Pesquisa na Graduação A influência da gramática dos meios no artesanato do Agreste Pernambucano Tenaflae Lordêlo3 [email protected] Resumo: O presente trabalho é fruto das discussões realizadas nas reuniões de iniciação cientifica do curso de jornalismo da FAVIP, com a temática: “A gramática dos meios de comunicação no artesanato do Agreste Pernambucano”, realizada no final de 2009. Esta primeira etapa da iniciação científica é o ponto de partida para posteriores pesquisas de campo, para aprofundamentos das questões e reflexões aqui levantadas. No senso comum o artesanato do Agreste Pernambucano, pela sua aparente forma rústica de produção, é uma atividade que resiste aos processos tecnológicos nas atuais sociedades, embora seja reconhecido como dotado de uma rica expressão cultural, que difunde os sentimentos e valores regionais. As formas como as influências na configuração da identidade, na pós-modernidade, difundidas via internet, que dialogam com o global e o local, na região do Agreste Pernambucano, veem deixado lacunas para pesquisa científica, na perspectiva de uma adequada compreensão deste processo nas atividades artesanais. Palavras Chave: artesanato. Identidade. Internet. Abstract: The present work is result of the quarrels carried through in the meetings of scientific initiation of the course of journalism of the FAVIP, with the thematic one: “The grammar of the medias in the craftwork it pernambuco rural”, carried through in the 2009. This first stage of the scientific initiation is the starting point for posterior research of field, for deepening’s of the questions and reflections raised here. In the common sense the craftwork of the pernambucano rural, for its apparent rustic form of production, is an activity that resists the technological processes in the current societies, either even so recognized as endowed with a rich cultural expression, that spreads out the regional feelings and values. The forms as the influences in the configuration of the identity spread out way Internet, that dialogue with the global one and the local, in the region of the pernambucano rural, they see left gaps for scientific research, in the perspective of one adjusted understanding of this process in the artisan activities. Key-words: craftwork. Identity. Internet. Introdução O presente trabalho é fruto das discussões realizadas nas reuniões de iniciação científica do curso de jornalismo da Faculdade do Vale do Ipojuca - FAVIP, abordando a temática: “A gramática dos meios de comunicação no artesanato do Agreste Pernambucano”, durante o ano de 2009. Este artigo corresponde à etapa de revisão de bibliográfica dos estudos acerca do tema, Graduado em Comunicação Social – UFBA, Pós-graduado em design - UNEB e Mestre em Comunicação e Cultura Contemporânea – UFBA. Professor de Jornalismo da FAVIP em Caruaru. 3 18 basicamente com livros disponíveis na biblioteca da instituição e artigos on-line. A reflexão, aqui descrita, permeia os processos de influência no fazer do artesão na Região do Agreste Pernambucano, em uma sociedade planejada e voltada ao consumo, na pós-modernidade, em um constante diálogo com o global e o local, por meio de tecnologias, como a internet. Esta primeira etapa da iniciação científica é o ponto de partida para posteriores pesquisas de campo, para aprofundamentos das questões e reflexões aqui levantadas. O centro do presente trabalho é sobre as condições em que o artesão se apropria dos valores e expressões globais, por meio da internet, aplicados na construção interativa e colaborativa dos seus produtos de caráter regionais. No senso comum o artesanato do Agreste Pernambucano, pela sua aparente forma rústica de produção, é uma atividade que resiste aos processos tecnológicos nas atuais sociedades, embora seja reconhecido como dotado de uma rica expressão cultural, que difunde os sentimentos e valores regionais. Uma característica do artesanato é que cada peça tem a sua especificidade, ainda que mantenha elementos de semelhança, mas não corresponde ao rigor qualitativo e nem a escala quantitativa dos processos industriais. Assim o artesanato permite uma difusão das práticas comunicativas que segundo Muniz Sodré (1996), se estabelece pela expressão das especificidades da própria atividade, promovendo uma prática cultural que fortalece os valores comuns aos artesãos, ancorada no local, distinto de valores globais oriundos de tecnologias como a internet. Com a revolução industrial, o artesanato é comumente reconhecido como pertencente à chamada cultura popular, tradicionalmente apontado como produção de caráter familiar, de base manual. Nesta atividade o artesão possui os meios de produção primários, normalmente em zonas rurais, envolvendo a sua própria família e residência. Uma vertente da discussão sobre artesanato é que embora a atividade seja comumente realizada em zonas rurais, de caráter tradicional e manua, o agente criador, que é o artesão, não está apenas ligado ao local. Os meios de comunicação e a lógica de produção de mercadorias simbólicas na contemporaneidade parecem reger as normativas que configuram a prática artesanal, basicamente, por duas vertentes: a) o ambiente midiático difusor do artesanato é o mesmo em que circulam os valores simbólicos, apreendidos pelo artesão; b) as características de interação e colaboração, percebidas em ferramentas web, podem influenciar os processos de criação artesanais. Na lógica da difusão e circulação de valores simbólicos, o artesanato pode receber influências das mensagens veiculadas nos meios de comunicação. O primeiro ponto é o surgimento de uma desconfiança sobre o que vem sendo compartilhado e veiculado nos meios de comunicação, tais como, produtos, valores e expressões culturais, que possibilitam novas vivencias e percepções da realidade ao artesão, os quais podem estar norteados por uma perspectiva de uma sociedade de consumo. Segundo Gilles Lipovetsky (1989), os atuais processos de construção de um modo de produção e sedução para o consumo são originários dos processos da moda, com base em três leis: obsolescência, sedução e diversificação. Assim com a operação destas três leis temos uma “loucura tecnológica” e seus Gadget4, como faca elétrica 4 Gadget é uma gíria tecnológica recente que se refere a, genericamente, um equipamento que tem um propósito e uma função específica, prática e útil no cotidiano. 19 para abrir ostras, com curvas ergonômicas, em múltiplos modelos e cores. Desta forma tudo que é produzido pela indústria do consumo é diversificado, sedutor e efêmero. O que proporciona aos meios de comunicação um papel de expansão desses rituais (diversão, sedução e efemeridade) como valor, orientando a produção, vivência e percepção do artesão. Toda essa disseminação de um modelo de produção e expressão, pautados na sociedade do consumo, tem refletido um temor que, com a globalização, os produtos culturais que tem fluxo livre pelos meios de comunicação, em especial a internet, venham a destruir, ou influenciar negativamente as identidades locais ou nacionais. De forma provocadora Stuart Hall (1999) afirma que: “é improvável que a globalização vá simplesmente destruir as identidades nacionais. É mais provável que ela vá produzir, simultaneamente, novas identificações ‘globais’ e novas identificações ‘locais’”. Essa identificação global e local está relacionada ao “pertencimento” dos indivíduos a cultura étnica, raciais, lingüísticas, religiosas e, acima de tudo, nacionais. Esta condição para Hall (1999) forma o sujeito pós-moderno, possuidor de identidade com celebração móvel, ou seja, sem identidade fixa, em contraposição aos sujeitos do iluminismo 5 e o sociológico6. A pesquisadora Cecília Peruzzo (2004), aponta que este hibridismo global com o local configura os elementos populares e regionais na perspectiva do uso ou apropriação. Assim, ao se apoderar das expressões e valores difundidos nos meios, bem como, o próprio uso do mesmo, o artesanato vai refletir questões de conquista de espaços simbólicos, conteúdo e estética própria, traços culturais locais, reelaboração de valores, formação de identidades, preservação da memória, cidadania e sobrevivência, em um diálogo contínuo com o global e o local, mediado por tecnologia. O pós-moderno e a identidade A compreensão da gramática que normatiza os valores simbólicos que os artesãos constroem suas identidades se dá pela percepção da reorganização das práticas sociais, a partir da introdução dos elementos midiáticos de base tecnológica, e uma coexistência de perspectiva que parece ter dissolvido as certezas dos sujeitos no mundo. Assim recriando a celebre frase de Marx “Tudo que é sólido se desmancha no ar”, neste cenário que alguns autores denominam de pós-modernidade (HALL, 1999; BERMAN, 1998; CANCLINI, 2005). O pós-moderno institui um novo modo de vivenciar e perceber a realidade, na relação com a arte, com a política ou com a ciência e a história, incluindo a produção artesanal. Assim o pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950, quando, por convenção, se encerra o modernismo (19005 “O sujeito do iluminismo estava baseado numa concepção da pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo ‘centro’ consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo - contínuo ou ‘idêntico’ a ele - ao longo da existência do indivíduo” (HALL, 1999, p.10). 6 “A noção de sujeito sociológico refletia a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas era formado na relação com ‘outras pessoas importantes para ele’, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos - a cultura - dos mundos que ele/ela habitava” (Idem, 1999, p.11). 20 1950) (FERREIRA DOS SANTOS, 2005). Este modo de vivenciar e perceber a realidade nascem com a arquitetura e a tecnologia nos anos 50, amplia-se como expressão na arte Pop dos anos 60. A pós-modernidade é introduzida como questão na filosofia, durante os anos 70, tendo a perspectiva de crítica à cultura ocidental, como a questão da identidade de Hall – sobre a superação das afirmações de identidades fixas individuais do sujeito do iluminismo e nacionais do sujeito sociológico. Nos anos 80, expande-se pela moda, cinema, música e cotidiano programado pela tecnociência7, sem que se saiba com clareza, se este modo de vivenciar e perceber a realidade são decadência ou renascimento cultural, estruturado por meio de tecnologia (FERREIRA DOS SANTOS, 2005). Um aspecto peculiar, que aponta para o que alguns consideram a decadência cultural, na pós-modernidade, é a massificação da arte e do conhecimento que colocam ambos em uma mesma lógica: a de consumo de bens. Assim sugere-se uma superação das contradições do homem, de identidade fixa, para universalizá-lo na aldeia global, definida por Marshall McLuhan. Na pós-modernidade, propaga-se o fim da história, a morte da dialética, a expansão da arte como expressão do consumo, tal como refletia o pensador alemão, Walter Benjamin quando anunciou a perda da aura, das obras de arte, em função da massificação da mesma, pelos processos de reprodução técnica, fruto da indústria capitalista pré-global. Desta maneira Benjamin anunciou igualmente uma forma distinta de compreender e se relacionar com a arte, denominado por Theodor Adorno de indústria cultural. A arte de massa reflete a fragmentação da ideologia crítica da criação estética por meio da lógica da reprodução em massa orientada para o consumo. O fazer dos artesãos, na pós-modernidade, está mergulhado em uma tendência para o consumo, trocas simbólicas e apropriação tecnológica. Estes elementos consumo e troca são os elos básicos que atraem a internet, como tecnologia que abre portas globais para discussão. A popularidade da internet ancora-se na década 90, do século passado, ano de início do consumo, ou uso comercial. A partir deste momento a internet serviu (e serve) de janela para o mundo, difundindo e possibilitando uma percepção de muitas facetas. Na prática de consagrados e jovens artesãos, a internet começa a ser uma passarela, um ambiente de referências, pois a internet permite, além de vitrine por meio de fotologs e blogs, um olhar sobre diversas etnias e conceitos visuais e produtos. Tal olhar perpassa variadas raízes culturais, de maneira sincrônica com o olhar também sobre os templos do consumo, das expressões visuais e da tecnologia. Assim, as referências inspiradoras parecem está tomando uma nova forma, uma forma digital e global, com redução de fronteiras e acessíveis por clicks de mouses, sobre infovias com inúmeras vivências e percepções da realidade. Internet como Meio Na questão da possibilidade do meio, a aplicação da internet na produção popular como alternativa ou complemento do processo de difusão da cultura está relacionado às O termo é a junção da ciência + tecnologia que invade o cotidiano como “loucura tecnológica”, criadora de Gadget, como já foi apontado anteriormente. 7 21 características da própria web. Contudo a aplicação da internet, bem como dos blogs, fotologs e outras ferramentas de interação, se dão entre o artesão e a diversidade cultural que a web abriga, como uma ponte de fluxo de valores e expressões. Por mais que os artesãos se deparem com inéditas oportunidades de interação, com inúmeras vivencias e percepções da realidade, possíveis de colaborarem para formação e ampliação da produção artesanal, tais oportunidades serão aproveitadas apenas se houver um despertar para tal processo, com o intuito de superar barreiras de capacidade (habilidades) e interesse de preservar a cultural local, sem dispensar o diálogo com o global. É necessário o interesse de preservação de um ambiente com menos influência da sociedade do consumo, com sua gramática mercadológica, que normatiza a cultura popular como simples negócio, permitindo cada vez mais que o artesanato, visto como objeto produzido para a venda, e não como expressão de uma cultura regional. Assim a preservação não deve ser um muro contra o global, mas um fortalecimento da cultura local, que permita interação em igualdade de condições entre as duas partes. Desta forma seria desejável que o artesanato na internet, por estar em um ambiente em que a interatividade é uma característica fundamental, estabeleça como uma constante os esforços para motivar, capacitar e criar novas oportunidades de apropriação pelo artesão deste meio. Embora a oportunidade de acesso à rede de computadores no país, ainda seja um privilégio, é importante uma postura de geração de oportunidade, para que mais vozes e pautas provenientes da necessidade sociedade civil estejam presentes [...].Fortalecendo a internet como meio, de superar questões de dimensões demográficas e geográficas, e não como mais uma barreira. (LORDELO; VASCONCELOS, 2009). Assim, a possibilidade de aplicação da internet como infraestrutura tecnológica para a produção artesanal gira ao redor da ideia de aplicar as ferramentas e recursos da internet em ferramentas e recursos de um artesanato de tradições locais, com interações e possibilidades globais, permeado por uma gramática normativa do meio, com maior abertura para a colaboração. Os primeiros aspectos são: a troca entre os artesãos e a compreensão do próprio meio. A internet, como um conglomerado de redes em escala mundial de computadores interligados por meio de um esquema técnico denominado Protocolo de Internet (Internet Protocol-IP), permite o acesso a distintos valores e todos os tipos de produtos e criações, incluindo expressões provenientes da diversidade cultural. Este aspecto de diversidade e troca simbólica faz da internet a principal das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs), capaz de influenciar a gramática compartilhada pelos artesãos, incluindo os do Agreste Pernambucano. Embora a interatividade seja uma das principais características da internet, ela não é uma característica recente. Desde a década de 30 do século XX, aplicava-se o termo interatividade. De acordo com Machado (1997), Brecht se referia à interatividade como um 22 processo de inclusão democrática com a participação dos cidadãos no sistema radiofônico alemão. A interatividade refere-se à ação mútua que é exercida entre duas ou mais pessoas, duas ou mais coisas, estabelecendo a reciprocidade por meio da utilização ou acoplamento de emissão (uploads) e recepção (downloads). Esta característica é relacionada a um dos aspectos mais singulares dos websites e aflora muitas perspectivas para aplicação do recurso nas práticas de produção artesanal, com o intuito de ampliar o alcance da produção local em um cenário global, fazendo o caminho inverso da globalização homogeneizante (HALL, 1999). Na internet, a interatividade refere-se ao caráter aberto das informações em fluxo que os artesãos podem acessar estabelecendo relações e interferindo em criações e produtos, registrando suas expressões, transformando a informação e dando dinamismo ao processo de construção do artesanato ou das expressões culturais. O termo interativo é aplicado hoje para as mais diversas designações, muitas vezes sem precisão. “Parece-nos que qualquer coisa que exija uma resposta ou acione um controle é tomada como interativa” (MOURA, 2003, p. 3). Desta maneira, “um termo tão ‘elástico’ corre o risco de abarcar tamanha gama de fenômenos a ponto de não poder exprimir mais coisa alguma” (MACHADO, 1997, p. 144). A variação ou mutabilidade é o princípio que rege a interatividade. As criações ou produtos disponíveis aos artesãos estão abertos ou inacabados receptíveis às contribuições e ajustes em um processo que demanda reciprocidade e colaboração. Assim, a interatividade na rede apresenta como aspectos marcantes: “a não-linearidade, o acesso, o jogo, o lúdico, a possibilidade de o usuário ser um co-criador, interferir ou complementar o trabalho, o projeto, inserindo suas visões, mais informações ou criações” (MOURA, 2003, p. 3). A interatividade na rede se define a partir do momento em que a informação ou conteúdo dos websites, ou outras ferramentas, retorna ao artesão em consequências de ações e decisões durante a manipulação de tal criação ou produto, por outros artesãos. É com base neste processo de interação do artesão que “incontáveis versões virtuais vão brotando na mesma medida em que o receptor se coloca em posição de co-autor. Isto só é possível devido à estrutura de caráter hiper, não-sequencial, multidimensional que dá suporte às infinitas opções de um leitor imersivo” (SANTAELLA, 2000, p. 8). Especificamente nos websites, a interação do artesão se faz por meio de conexão com outros artesãos e links, possibilitando o acesso às imagens, sons, textos e vídeos. Para Derrick de Kerckhove (1997), a interatividade se constitui a partir do clique, sendo a rede o prolongamento, em forma de rizoma, como resposta em tempo real e em escala global, o clique que ativa toda uma sequência de informação e conteúdos, como a navegação denominada de pilhagem por Pierre Lévy. Portanto, segundo Kerckhove (1997), os processos interativos podem ser constituídos pela capacidade de acessar informações à distância e explorar caminhos nãolineares de hipertextos na rede: a telepresença e a ação em tempos remotos; os ambientes inteligentes com sistemas de agentes e ambientes que simulam vida e se autoorganizam; a participação em comunidades virtuais; a imersão em ambientes multi-usuários; o envio de mensagens; as ações 23 colaborativas; a ação em espaços remotos (MOURA, 2003, p. 4). Por meio da ação colaborativa dos multi-usuários, ou artesãos, operam os conteúdos abertos disponíveis na rede que, segundo André Lemos (2002), permite uma “utilização criativa dos conteúdos”. Desta maneira se configuram “estruturas de inscrição subjetiva na dimensão amorfa do cotidiano, formas de leitura e de escrita, formas de virtualização e de atualização sucessivas” (LEMOS, 2002). Para André Parente (1999), todos estes processos interativos estão estabelecidos em níveis de interatividade. Assim, não existe apenas um tipo de interação, e deve-se ter uma visão cautelosa com a interatividade do simples “clique”, pois pode levar à categoria processos que parecem interações primárias como acionar a chamada de um elevador ou até mesmo tocar uma campanhinha de uma residência. Com relação à utilização dos blogs e fotologs na prática artesanal, é importante compreender os elementos da interatividade que dizem respeito aos processos para a construção do hipertexto presentes na interface da navegação e na arquitetura da informação em um website. Os elementos de interatividade em um website se estabelecem através dos links e hiperlinks, que basicamente são estruturas de navegação presentes na interface de um website. Os links ou hiperlinks podem dar acesso a uma distinta informação ou a um grupo de informações. Podem ocorrer através de hotlinks, hotwords, pop-ups, botões; barras e menus de navegação sejam móveis, portáteis, dinâmicos ou estáticos; jogos das mais diversas espécies e complexidades; as possibilidades de escolha e alteração da localização dos elementos da interface, como por exemplo: posicionar o melhor local do menu; alterar as cores das áreas, figuras e fundo; alterar a tipografia; escolher movimentos e arrastar objetos do site (MOURA, 2003, p. 6). Os elementos de interatividade possibilitam o funcionamento das ferramentas de relacionamento social (redes sociais), tais como: fóruns on-line, listas de discussão, chats, msn, orkut e mais recentemente o twitter8 possibilitam a participação colaborativa, entre artesãos (MOURA, 2003). Todos estes elementos descritos da interatividade, em sua totalidade, ressaltam o aspecto dinâmico e participativo que não tem regras ou dimensões físicas. Desta forma, estão disponíveis de forma aberta à manipulação em caráter não-linear, combinando dados de diversos tempos e culturas em várias possibilidades de expressão, permitindo a partilha e a personalização ou customização de produtos e até mesmo das próprias ferramentas, disponíveis para ampliar as relações do local e do global. A interatividade é um elemento fundamental pertencente a internet que pode ser aplicado a prática do artesanato por dois pontos: a) O artesanato como uma expressão cultural que está sempre se reinventando por meio de interações entre os artesãos em si, localmente, e a própria percepção da diversidade cultural global. A interatividade, na perspectiva de André Lemos (2002), possibilitaria a utilização das informações na rede, permitindo uma “utilização criativa dos conteúdos” pelos artesãos da diversidade cultural na web. Assim, pode-se 8 O Twitter é uma rede social para microblogging que permite aos usuários enviar e receber informações. 24 considerar a interatividade como a condição essencial para o desenvolvimento de um novo ambiente para o artesanato do Agreste Pernambucano; b) O segundo ponto é a possibilidade de viabilizar um maior fluxo de mensagens simbólicas, ampliando os elementos de inspiração do artesão. Isso permitiria a contínua agregação de novos valores e elementos culturais, por meio do cruzamento de novas expressões de diversos tempos, locais e culturais em várias possibilidades de interações em sociedades complexas. Os limites da interação Mesmo com o surgimento de ferramentas de relacionamento social na web, utilizados pelos artesãos, com suas práticas e objetivos específicos, é preciso um elemento considerável, como já foi exposto anteriormente, para consolidar a internet como elemento configurador de uma nova gramática no Agreste Pernambucano: a cultura colaborativa e interativa, que possa ultrapassar as barreiras de Verba e Brady (1995): motivação, capacidade e oportunidade. A primeira barreira é a motivação. A questão é que as ferramentas web, por si só, não estabelecem e tão pouco garantem a motivação de uso dos artesãos, impedindo, desta forma, a participação de novas vozes, que poderiam abrir uma possibilidade de criação colaborativa e interativa das expressões e produtos. A segunda barreira, a capacidade, relaciona-se à apropriação das redes sociais disponíveis na web, o que faz necessário identificar quais artesãos no Agreste Pernambucano possuem as competências efetivas de colaborar na consolidação de uma cultura local, como traços globais, por meio da internet. Verba e Brady (1995) colocam como sua última barreira, as oportunidades, ainda escassas, as quais servem de limites para as redes sociais na web. O acesso aos recursos tecnológicos ainda é limitado, no caso dos acessos domiciliares no Brasil pelos últimos números, do comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI, menos de 15% dos domicílios possuem acesso à internet, dos quais menos da metade possuem acesso banda larga, cerca de 40,35 % (LORDELO, 2008). Conclusão Com base na revisão de literatura, focando nas futuras pesquisas, percebe-se que as formas como as influências na configuração da identidade, na pós-modernidade, difundidas via internet, que dialogam com o global e o local, na região do Agreste Pernambucano, veem deixado lacunas para pesquisa científica, na perspectiva de uma adequada compreensão deste processo nas atividades artesanais. Embora os vários postulados da teoria da comunicação apontem conceitos e perspectivas de como estas influências se realizam. Desta forma, faz-se necessário compreender como a região do Agreste Pernambucano de contexto cultural diversificado, relacionado ao “pertencimento” dos indivíduos a cultura étnica, raciais, linguísticas, religiosas e, acima de tudo, aparentemente fixas; vão se relacionar com as expressões, valores e produtos globais difundidos pelas redes sociais na web. A simultaneidade dos produtos, valores e expressões globais e locais, os quais vão configurar os elementos que 25 circulam na web serão apropriados pelos artesãos on-line, e nas negociações sociais podem ser transmitidos para os artesãos off-line. Tal evento cria para a atividade artesanal um processo de construção de produtos orientado por uma produção voltada para o consumo, com elementos de um global com traços locais ou regionais, além de abrir outra perspectiva de estudo, que é a negociação cultural entre artesãos do Agreste Pernambucano on-line e os off-line. Por mais que a internet ofereça até inéditas oportunidades de interação e colaboração cultural, possíveis de influenciar a construção de identidades negociadas e a ampliação da produção cultural, tais oportunidades serão aproveitadas apenas se houver uma predisposição de superar barreiras e garantir a motivação, a capacidade (habilidades) e oportunidades de acesso aos artesãos. Outro fator importante é a necessária da construção de uma esfera cultural que seja menos condicionada aos anseios de uma sociedade do consumo, que coloca o artesanato como simples negócio, permitindo cada vez mais que a cultura popular local, seja fortalecida para interar com a diversidade global. Assim seria desejável que o artesanato na internet, por estar em um ambiente em que a interatividade é uma característica fundamental, estabeleça como uma constante, os esforços para motivar, capacitar e criar novas oportunidades de interação, sem perder os seus valores locais do Agreste Pernambucano. Embora a oportunidade de acesso à rede de computadores no país, ainda seja um privilégio, é importante uma postura de geração de oportunidade, para que mais artesãos estejam presentes neste processo, fortalecendo a relação expressão cultural e a internet como meio de superar questões de dimensões demográficas e geográficas, e não como mais uma barreira para a cultura popular. 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The effects of Internet Use on Political Participation: Evidence from an Agency Online Discussion Forum. Administration Society, 36, 2004. p. 503-527. VERBA, Schlozman; K and BRADY, H. Voice and equality: Civic Voluntarism in American Politics. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1995. 27 92 ANOS DE SOBREVIVÊNCIA DA REVISTA DA ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS Tamires Ferreira Coêlho9 [email protected] Marcos Luiz de Rezende Melo10 [email protected] Resumo: Este artigo é um estudo sobre a história da Revista da Academia Piauiense de Letras, um importante periódico piauiense que sofreu várias modificações ao longo de seus 92 anos de existência e que, atualmente, é pouco conhecido. O objetivo principal é entender como se deu o surgimento da revista e ressaltar as inovações e os problemas do periódico durante quase um século. O estudo justifica-se sob o aspecto de entender como a Revista da APL sobreviveu, além de contribuir cientificamente com o tema, sobre o qual quase não há material publicado ou de fácil acesso. A partir de uma retrospectiva da história da Imprensa piauiense, de entrevistas com acadêmicos e análise de exemplares da revista, buscou-se contextualizar os principais momentos desse impresso e suas características relevantes. É perceptível que esse veículo literário passa por dificuldades, principalmente relacionadas ao financiamento, o que pode interferir de maneira negativa em seu futuro. Palavras-chave: Revista da APL. Academia Piauiense de Letras. História da Imprensa. Piauí. 1- INTRODUÇÃO Através deste artigo, buscamos compreender como se deu o surgimento da Revista da Academia Piauiense de Letras e sob quais condições esse veículo literário – que é o mais antigo periódico do Piauí ainda em circulação – sobreviveu. Analisamos a revista por diversos aspectos: estética, mudanças quanto ao material utilizado na impressão, conteúdo e algumas modificações que ela sofreu ao longo de 92 anos de existência. Desde o período colonial, a difusão de informações mostrou-se necessária ao desenvolvimento da região piauiense. Apesar da falta de investimentos em instrução e das Graduanda em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Estagiária da Coordenadoria de Comunicação da UFPI e, além de experiência em assessoria de imprensa, já atuou com reportagem em webjornalismo. 10 Graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Especialista em Teoria da Comunicação e Imagem pela UFRJ/UFC. Professor efetivo da Universidade Federal do Piauí com experiência nas áreas de Rádio e TV. 9 28 dificuldades em relação à aquisição de tecnologias jornalísticas, os periódicos criados e reproduzidos no Piauí conseguiram evoluir de forma significante. Dentre as revistas e os jornais especializados, destaca-se a Revista da Academia Piauiense de Letras – um periódico literário que venceu, e ainda vence, muitos obstáculos para registrar a história da instituição a qual representa. A partir da análise de vários exemplares da revista, de alguns livros e periódicos relacionados à literatura piauiense e de entrevistas com membros da academia – como Zózimo Tavares, Teresinha de Jesus Mesquita e Herculano Moraes, que é, inclusive, um dos responsáveis por sua editoração –, pôde ser feito um relato crítico e histórico de uma das mais antigas revistas literárias do estado. 1.1 – Retrospectiva Histórica A colonização piauiense começou a partir do século XVII, com os índios Tapuias, cujas tribos foram dizimadas por parcela dos bandeirantes – onde seriam instituídas as primeiras fazendas, povoados e cidades concentrando a população. As informações circulavam, entravam e saíam, sem velocidade através dessas fazendas isoladas e autônomas. A importância dos transportes para a comunicação é nítida, já que eram necessárias vias de acesso para o escoamento de informações. Segundo Said (2001, p.32 a 38), o espaço piauiense caracterizava-se por sua rede (comunicacional) analógica, na qual as fazendas eram os “pontos comunicativos”, ou seja, trajetos a serem feitos em um determinado espaço de tempo. Caso ocorressem problemas em qualquer um destes pontos, todo o processo seria interrompido e a mensagem não chegaria ao seu destinatário. A comunicação aperfeiçoou-se com a instalação da Capitania, em 1718, e com o desenvolvimento associado ao crescimento das fazendas e cidades. A necessidade de um maior volume de informações desencadeou acontecimentos importantes como a instalação dos Correios e Telégrafos, em 1770. Não havia proibições ao ensino nas colônias, porém havia obstáculos para evitar que os colonizados se instruíssem. Pensava-se que a instrução gerava insubmissão. Tais métodos não configuram um passado distante, já que foram recentemente aplicados por potências subjugadoras em relação às colônias africanas. O Capitão-general do Maranhão (capitania à qual o Piauí era subordinado) – D. Fernando Antônio de Noronha – era contra o desenvolvimento da educação na capitania, porque acreditava que, se muito escolarizados, os habitantes da região se tornariam insubordinados e isso prejudicaria a relação entre colônias e metrópole. Dessa forma, com um imenso território e uma população dispersa no campo, não se deu pela falta da instrução em maior escala. O Piauiense, primeiro jornal do atual estado do Piauí, de acordo com a comunicóloga Ana Regina Rêgo (2001), surgiu apenas em 15 de agosto de 1832 – pouco antes da aparição de O Telégrafo (1839) e O Espectro (1849) – e foi impresso na primeira tipografia, a qual veio da Bahia para Oeiras através do padre sergipano Antônio Fernandes da Silveira. O 29 objetivo do primeiro veículo de imprensa piauiense baseava-se na publicação de atos oficiais. Nessa época, as tipografias eram compostas por aparelhos rudimentares. Oeiras, primeira capital do Piauí, teve 16 jornais – desde a publicação do primeiro jornal até a mudança da capital (1852) – que silenciaram após a referida mudança. No século XIX, novos jornais surgiram exclusivamente para dar publicidade às ações governamentais e propagar suas idéias, mantendo a opinião pública a seu favor. A prática jornalística, exercida por intelectuais e políticos, era intimamente ligada à política de tal forma, que vários “jornalistas” ocuparam cargos políticos. Esse cenário diversificou-se com a criação de A Ordem (1853), primeiro jornal teresinense, que apresentava maior elaboração em sua feição gráfica, trazendo noticiário político e social, além de artigos doutrinários. De acordo com Filho (1997), o veículo A Ordem não se limitava a criticar ou dar publicidade aos atos oficiais, mas havia a preocupação em agradar aos leitores. Em História da Propaganda e da Publicidade no Piauí, Vernieri acrescenta que Teresina foi a primeira capital mundial a ter jornal apenas sete meses após sua fundação. No início do período republicano, ninguém sabia como funcionava a administração de uma República. Os partidos políticos tradicionais ficaram desorientados e os primeiros dias caracterizaram-se por apatia e expectativa. O primeiro jornal a circular no Piauí, após proclamada a República (1889), foi o Oitenta e Nove – obedecendo aos moldes ideológicos republicanos – somente oito dias após o fato. Essa segunda fase do referido jornal não influenciou consideravelmente a opinião pública. Com a mudança de regime, foram propostas também modificações em relação ao tratamento. Nos impressos dessa época, começaram a ser utilizadas expressões como cidadão-governador, cidadão-deputado, cidadão-major e outras. A crônica social, no Piauí, passou quase um século em sua forma primitiva. Ela era formada por anúncios de aniversários, bailes, óbitos, dentre outros que eram fornecidos pelos próprios interessados às redações. Os anúncios de internatos, por exemplo, divulgavam normas, horários e vagas disponíveis para hóspedes. O projeto gráfico dos jornais não era motivo de preocupação: eles poderiam (ou não) ser divididos em colunas e as matérias poderiam misturar-se com as propagandas – diante da ausência de elementos separadores e títulos definidos. O layout dos jornais era uma conseqüência visível da escassez de tecnologia. Seguindo o padrão dos jornais do século XIX, O Piauhy (1902) não possuía uma tipologia determinada na sua marca, que era alvo de constantes modificações. Essas características, se somadas a uma leitura difícil, limitavam o público leitor a pequenos grupos de intelectuais. Foram comuns, na configuração de alguns anúncios do século XIX, molduras e tipologias diferentes e até mesmo posições diferentes de leitura: de acordo com a diagramação e o espaço do jornal, o leitor poderia ser obrigado a inverter a posição do jornal para ler um anúncio. A estrutura do jornal foi melhorando, diminuindo sua poluição gráfica e aderindo a uma linguagem mais acessível, além de passar a destacar matérias e anúncios. 2 - O APERFEIÇOAMENTO GRADATIVO DA IMPRENSA DO PIAUÍ 30 O primeiro jornal especializado da Província, A Violeta, saiu em 1864, como leitura destinada exclusivamente a senhoras. A Revista Mensal de Literatura, Ciências e Artes, primeira piauiense, foi lançada em 1887. O jornal literário O Artista (1902) foi o primeiro periódico piauiense a trazer ilustração. A revista Cultura saiu em 1959, sob responsabilidade da Sociedade Parnaibana de Expansão Cultural, com uma seleção de matérias que se aproxima muito daquela feita pela Revista da Academia Piauiense de Letras – que circularia apenas 59 anos depois. Em 1972, o Coronel Otávio Miranda lançou, através do jornal O Dia (1950), edição primeira em off-set11 – querendo proporcionar aos leitores um jornal moderno, com cadernos e colunas especiais, tecnologicamente e comercialmente inovado, cuja apresentação gráfica pudesse ser comparada aos mais bem impressos de todo o Brasil, à época. A partir da modernização das técnicas jornalísticas, os periódicos ficaram melhor elaborados em estética e conteúdo. Na primeira década do século XX, os escritores e poetas piauienses, em sua maioria, passaram por jornais. Porém, durante os períodos eleitorais e de lutas políticas, não havia espaço nesse veículo para a literatura, já que tais meios pertenciam, predominantemente, a grupos partidários. Alguns grupos, inclusive de estudantes, conseguiam pôr em circulação pequenos jornais literários. Alguns deles não sobreviveriam aos primeiros números. A seção literária apresentava trabalhos espalhados entre as matérias do periódico, firmando-se inicialmente nos romances publicados em folhetins. Com o passar do tempo, essa seção restringiu-se a suplementos em jornais dominicais. Entre 1910 e 1920, estava uma geração indiferente ao furacão político característico desse período, a qual deixaria nomes representativos na literatura piauiense: Alcides Freitas, Celso Pinheiro, Baurélio Mangabeira, Jônatas Batista, Zito Batista, Nogueira Tapeti, Edson Cunha, Cristino Castelo Branco etc. Essa também foi a época mais produtiva no surgimento de periódicos literários de alto gabarito. Em destaque estão Litericultura (1912), Cidade Verde (1912), Revista da Academia Piauiense de Letras (1918) e Revista do Instituto Histórico e Geográfico Piauiense (1920). A Revista da Academia Piauiense de Letras continua sendo editada, porém com interrupções, inclusive de anos. Seus primeiros números possuíam tiragens que variavam entre 300 e 500 exemplares. 3 - A REVISTA DA ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS A irregularidade da revista criada para registrar a história e a memória da Academia Piauiense de Letras (APL) pode ser explicada pelas dificuldades financeiras e pela falta de prioridade – que ocorreu em algumas gestões da APL –, em relação à publicação do periódico. A academia, mesmo sendo um “acervo da memória cultural do Piauí”, como bem define o acadêmico Zózimo Tavares, não dispõe de recursos próprios, já que não há contribuições por parte dos acadêmicos, mas depende apenas de ajuda do governo, destinada ao Essa técnica de impressão utiliza máquinas com cilindros, nos quais a mensagem está gravada, que passam sobre as folhas de papel. 11 31 sustento financeiro da sede da academia, a Casa de Lucídio Freitas. A academia, apesar de ser uma instituição de interesse público, não é pública. Além das contribuições do poder público, recebe doações para edição de livros. De acordo com a professora Teresinha de Jesus Mesquita, membro da APL, a revista – que é o periódico mais antigo do estado ainda em atividade, com mais de 60 números – tem periodicidade irregular, mas começou sua história circulando normalmente (entre os anos 1920 e 1930). “A partir do final dos anos trinta, a revista teve muitas dificuldades de circular por conta das gestões mesmo da academia, com dificuldade de editar a revista. Mas ela volta nos anos 70, 80 e 90 a ter uma certa regularidade, depois da administração Tito filho. As lacunas principais são nas décadas da presidência de Simplício Mendes (por volta de 1950). Há lacunas bem localizadas.” (ENTREVISTA COM TERESINHA DE JESUS MESQUITA) A partir do convênio estabelecido entre a APL e o Banco do Nordeste houve, aproximadamente, quatro ou cinco edições regulares. Um exemplo disso está expresso no seguinte fragmento da obra Academia de Letras - 75 anos, de Celso Barros Coelho (pg. 14): [...] Haviam sido publicados três números de Revista da Academia, ficando consignados nesse documento as dificuldades de tal tarefa, na seguinte mensagem: “Com pesar confessamos que, mau grado os nossos ingentes esforços, não foi possível dar à publicidade em papel de qualidade superior a 2ª edição da revista acadêmica. Talvez pela sua escassez o papel de imprensa atingiu um preço assombroso, incompatível com o momento angustioso de aperturas financeiras do nosso instituto. Ademais, não tivemos a ventura de contar com a boa vontade da Câmara Legislativa do nosso Estado; procurados por alguns dos nossos consócios, se recusaram a autorizar o Governo piauiense a dotar-nos com uma insignificante subvenção, a exemplo dos outros Estados da República, que animam associações congêneres, prestando-lhes seu valioso e inestimável concurso monetário”. O destaque dado a esse fato serve para mostrar que, desde as suas origens e por se tratar de uma instituição que atende a exigências intelectuais e espirituais, e não a interesses políticos, sempre arrostou dificuldades para manter-se e cumprir sua missão cultural desinteressada e nobre. Na década de 70, sob a administração de Arimathéa Tito Filho, surgiu a intenção de tornar a revista trimestral. Então, nesse período, eram publicadas duas ou três edições no período de um ano, porém, o projeto não permaneceu em atividade, por falta de recursos. Entre 1979 e 1990, foram publicadas revistas todos os anos – em alguns casos, como em anos comemorativos, publicaram-se mais de uma por ano. Cabe às gestões da administração interna priorizar ou não a publicação da revista. Já ocorreu de, em períodos específicos, a publicação sofrer um atraso de quatro anos. Além disso, para que fossem registrados 60 números, o periódico passou por tentativas de recomposição, nas quais muitas revistas antigas ficaram perdidas, quanto à sua numeração, dificultando encontrá-las e utilizá-las para eventuais pesquisas. 32 Em gestões como a do professor Raimundo Santana, em 2000, a instituição fez um projeto e conseguiu financiar livros e eventos. João Pinheiro, Celso Pinheiro, Fenelon Castelo Branco, Higino Cunha e outros acadêmicos fundadores da APL preocuparam-se com a publicação regular e sistemática da revista. Na gestão de Higino Cunha, entre as décadas de 30 e 40, houve um período de irregularidade e as atividades da revista foram normalizadas apenas nos anos 70, com Tito Filho. Entre as gestões de destaque estão as de Santana, Tito Filho e Higino Cunha, além da primeira gestão da academia – exercida por Clodoaldo de Freitas. Por outro lado, as de maior fragilidade, para Teresinha Mesquita, foram as de Álvaro Ferreira e de Simplício Mendes. Quanto à organização interna da revista, só é notada a divisão entre o espaço destinado à vida acadêmica e outros espaços, a partir da edição de 1942. Antes disso, as orações acadêmicas (discursos pronunciados em ocasiões de posse e recepção de acadêmicos) estavam presentes em toda a revista, intercalados ou não por outros textos. Na administração de Simplício Mendes, pouco antes de Arimathéa Filho, a revista divulgava apenas esses discursos. A. Tito Filho (presidente entre 1971 e 1992) passa a fazer prestações de contas, a publicar balancetes e informações sobre o desenvolvimento e o desempenho da Academia. A. Tito Filho também criou as Notícias Populares, através de cujas páginas se podiam acompanhar as atividades mensais da instituição, e publicou livros de diversos autores piauienses para estimular as novas vocações literárias do Estado. Essa seção é, na opinião da acadêmica Teresinha de Jesus, resultado de como a cultura passou a ser repensada, com uma vontade de contemplar não só a cultura erudita, mas também a cultura popular em seus vários âmbitos. A partir dessa gestão também foram incorporadas mais ilustrações à revista acadêmica, que sempre explorou muito pouco o uso de fotografias. Coube também à revista da Academia analisar, de forma crítica, obras literárias – como ocorreu com o seguinte comentário sobre a obra Suicídio do Tempo, de Hardi Filho: Em termos de recursos estilísticos, o encantamento dos versos de Hardi Filho decorre não somente de harmonia, de cadência, de aliteração, mas também da polifonia. Tudo isto, aliado às belas imagens usadas pelo poeta, confere a Suicídio do Tempo a condição de excelente livro de poesia. (Revista da Academia Piauiense de Letras, nº 50, Teresina, 1992. Grifo do autor.) Essa revista literária, além dos discursos proferidos pelos acadêmicos, traz diversos textos produzidos por eles. A edição de 1924, por exemplo, traz textos sobre a história da literatura e da poesia piauienses, sonetos e poemas, entre outros – todos dispersos entre os discursos acadêmicos. Já na publicação de 1965, há uma parte referente à vida acadêmica e outra parte direcionada às colaborações diversas – ambas também compostas por textos, majoritariamente sonetos, produzidos pelos acadêmicos. No número produzido em 1974, há uma divisão da revista em três partes. A primeira, sobre vida acadêmica, além de solenidades e pronunciamentos, fez referência ao Concurso Casa Mater, cuja comissão julgadora seria composta pelos acadêmicos da APL. A segunda parte seria a dos discursos acadêmicos e, a terceira seria aquela denominada colaboração – a qual envolve diversos textos expositivos, um conto de Fontes Ibiapina e uma 33 relação de livros publicados por escritores piauienses ou radicados no Piauí. Na revista de 1983, permanece a divisão feita em 74. Em 2002, porém, há algumas modificações, como a adição de mais algumas divisões internas. Por exemplo, há a presença de um editorial e de um espaço reservado a uma homenagem a Arimathéa Tito Filho, e também a apresentação de alguns dados históricos referentes à Academia. Verificou-se que os últimos números já trazem posicionamentos críticos quanto a assuntos atuais e abordagens acerca de movimentos culturais (literatura de cordel e escolas literárias), entre outros. Ainda segundo Celso Barros (pg. 31): Os intelectuais do Piauí, reunidos na Academia, vinham acompanhando de longe o movimento que daria no Modernismo. E sentiam a sua aproximação, sob a penumbra de certas manifestações poéticas. Exemplo disso está na posição assumida pelo nosso poeta Jônatas Batista, em defesa de Gilca Machado, através de artigo publicado no terceiro número da Revista da Academia. Exalta a sua poesia, condenando os “rotineiros da arte, os conservadores, os caturras impenitentes” que “não perdem vasa, atirando-lhes todas as farpas envenenadas da maldade e da ironia”. A qualidade estética da publicação mudou consideravelmente, nesses últimos anos. Do final da década de 1970 até o início dos anos 90, havia um mesmo padrão de capa e organização interna nos números do veículo – apresentando como capa o símbolo da instituição. As últimas edições já apresentam a capa plastificada, com a fotografia do prédio Lucídio Freitas (desde 1995). A partir dos anos 90, não é mais o estado que apóia a revista, mas a editora da Universidade Federal do Piauí. Dessa forma, várias modificações na revista foram proporcionadas tanto pela mudança de apoio, quanto de equipe – com pessoas mais especializadas e um parque gráfico mais moderno. Mesmo assim, a professora Teresina de Jesus ressalta o periódico permanece simples e precário, com muitos atrasos. Entre 2004 e 2009, segundo Mesquita, todos os números atrasados estão prontos, em fase de editoração, com as matérias todas organizadas, apenas esperando a impressão pela Edufpi (Editora da UFPI). O impresso também passou por três fases de impressão. A primeira foi através do componidor, aparelho para montagem de textos de letra por letra. Houve também a época da utilização da linotipo, caracterizando uma impressão a frio – melhorando a impressão em qualidade e em velocidade. A terceira, e última, já está relacionada à era da informática, na qual é possível realizar um processo de impressão instantânea. E, apesar dessas modificações ao longo do tempo, permanece o capricho na revisão do material publicado: os erros são mínimos ou ausentes. Além das revisões realizadas pelos próprios autores dos textos publicados, há uma revisão posterior – que atualmente é feita por um grupo de acadêmicos, entre eles Hardi Filho e Paulo Nunes. O modelo da revista da APL tem semelhanças quanto à estrutura básica, estética e organizacional, da revista da Academia Brasileira de Letras (ABL), mas não se pauta por esse modelo. O periódico da Academia Brasileira, não divulga informações sobre eventos desenvolvidos pela academia e tem sessões restritas e definidas em termos de conteúdo. O veículo produzido pela academia piauiense não adota nenhum modelo de outro veículo ou toma 34 como parâmetro outra revista. A estrutura do periódico não recebeu influências de nenhuma escola literária, em específico. A APL só influencia – como colegiado – doutrinas, tendências literárias, posições da comunidade cultural, porque lá estão reunidas, hipoteticamente, as melhores cabeças do Piauí. Os acadêmicos podem expressar, em suas poesias e/ou prosas (assinadas), suas preferências relacionadas a movimentos literários. Sobre isso, Coelho refere-se, em sua obra, ao acadêmico José de Arimathéa Tito (pg. 44): Escrevendo sobre Cruz e Sousa, na Revista da APL, nº 11, 1927, mostrou sua afinidade com o poeta do Simbolismo, revelando-se ele também, em sua produção poética, um simbolista. Em relação ao planejamento gráfico, a forma de organização e edição da revista vai variar para cada editor, o modo de planejamento de cada um é, normalmente, diferente. Mesmo quando algum deles busca inspiração em alguém, não vai deixar de lado o seu estilo próprio. A revista é feita por um grupo cujo redator tem seu próprio estilo, e esse estilo só não estará presente nos textos assinados. Houve, ao longo desses últimos anos, mudanças relacionadas ao material da revista. Ela deixou de ser impressa em papel-jornal, único disponível até certo tempo atrás – quando a impressão era feita na Gráfica Oficial do Estado – e hoje, conta com um papel de qualidade superior. O discurso, a oração acadêmica, está sempre em linguagem formal, porque todas as vezes que é feito um discurso de posse ou recepção, haverá a preocupação com a erudição. Mas, nos contos dos autores, poderão ser encontrados o comportamento, as expressões e o jeito de ser típicos da cultura piauiense. Estando essa revista sob responsabilidade de uma academia, consequentemente, ela será a importante disseminadora dessa entidade, a qual congrega os valores intelectuais mais relevantes de uma sociedade. Coelho demonstra isso, ao citar a revista dedicada ao jubileu de prata da academia (pg.15 e 16): A Revista de nº 20, de dezembro de 1943, dedicada a esse jubileu, traz, em suas palavras introdutórias, estas observações que bem definem o teor do trabalho da Academia e o lastro de suas realizações, nesse período: “As numerosas sessões ordinárias, efetuadas no transcurso de um quarto de século bem vividos; as conferências públicas de seus associados; sua Revista, repositório significativo de cultura e gênio criador dos piauienses; sua adesão às grandes festas estaduais e nacionais; seu comparecimento aos congressos de letras; a edição de obras de seus membros efetivos, e o patrocínio e incentivo de outras publicações, no lapso de tempo decorrido, atestam, porventura, esplêndida atividade intelectual, ao melhor serviço do Estado e da Pátria”. É imprescindível, à Academia, adaptar-se às novas tecnologias de difusão cultural: criar um site, no qual esteja disponível seu acervo, e criar um sistema de acesso às informações relacionadas à instituição. As edições mais antigas das revistas estão em desgaste e seu conteúdo está se perdendo. O site da APL já está sendo desenvolvido, segundo Zózimo 35 Tavares, inclusive, sob sua responsabilidade, e entrará no ar em tempo ainda não definido. Alguns acadêmicos também divulgam as atividades da academia em seus blogs pessoais. A APL precisa atualizar-se e, mesmo que ela possua o espírito da perenidade e da imortalidade, não pode deixar de representar o pensamento de uma sociedade para representar um segmento estagnado. A revista ainda é muito conservadora, por ser um reflexo de uma estrutura acadêmica ainda conservadora – prova disso é que alguns componentes da Academia justificam-se a partir do seguinte aspecto, levantado por Celso Barros Coelho: As Academias vivem mais sob o signo do passado do que do presente. Sua vida é a sua história. E não se compreende em nosso caso a história sem o culto a esse passado que a compõe e se refaz em cada etapa significativa. Lembro ainda palavras de Nabuco: “As Academias, como tantas outras coisas, precisam de antigüidade. Uma Academia nova é como uma religião sem mistérios”. Existem acadêmicos interessados em regularizar a revista, para que ela cumpra sua função de registrar os acontecimentos culturais ao longo dos anos. Havia, no ano de 2008, um projeto, elaborado por Celso Barros e Herculano Moraes, de uma revista comemorativa dos 90 anos de fundação da Academia Piauiense de Letras. Mas o projeto não foi posto em prática, pois, para isso, a priorização da revista e a acessibilidade ao acervo acadêmico, desafios a serem vencidos pela APL, seriam indispensáveis. 4 - CONCLUSÃO O surgimento da imprensa piauiense dá-se através da crescente necessidade de comunicação, mesmo sendo pouco acessível devido à baixa escolaridade da maioria da população à época. Atrasados em relação aos impressos de várias outras capitanias, os meios de comunicação do Piauí cresceram e evoluíram aos poucos, chegando ao surgimento de periódicos destinados a públicos mais segmentados no início do século XX. Nessa época destacou-se o surgimento de meios com preocupações literárias, entre eles, a Revista da Academia Piauiense de Letras. Essa revista é um dos periódicos literários mais antigos do estado e, apesar disso, não é divulgada. Além disso, suas edições caíram na irregularidade e, porque não dizer, no esquecimento. Há muitas edições em deterioração na Biblioteca da Academia Piauiense de Letras e ainda não houve a iniciativa de digitalizar esse material para que não seja perdido. A modernização das fases de impressão e apresentação da revista ao longo desses 90 anos trouxe muitas vantagens à revista, ultrapassando o quesito estético. A cada nova edição, além de mudanças no planejamento gráfico, eram também formuladas e dispostas modificações no conteúdo do periódico. Discursos oficiais, orações acadêmicas e demais textos dos membros da APL fazem parte do conteúdo da revista, além de poemas, história da literatura, críticas literárias e outras criações que ajudam a contar e contextualizar a história da literatura piauiense. O conservadorismo próprio da revista é um reflexo de boa parte das pessoas que 36 compõem a Academia piauiense e ele não seria um problema, a não ser pelo fato de, em algumas gestões, ter prejudicado a regularidade do veículo e, consequentemente, a permanência de um veículo de cunho histórico e literário. A revista da academia piauiense tem muitas adversidades a serem superadas e está longe de atender aos padrões dos impressos tradicionais. Contudo, é de extrema importância considerar que um estado dotado de uma história singular só poderia ter concebido um periódico com características próprias. Além disso, um veículo com uma trajetória tão longa, não pode se tornar uma simples referência histórico-literária. 5 - REFERÊNCIAS COELHO, Celso Barros. Academia Piauiense de Letras – 75 anos. Teresina: Publicações da Academia Piauiense de Letras. FILHO, Celso Pinheiro. História da Imprensa no Piauí. 3ª ed.Teresina: Zodíaco, 1997. MOURA, Francisco Miguel de. Literatura do Piauí: 1859 – 1999. Teresina: Academia Piauiense de Letras, 2001. Revista da Academia Piauiense de Letras. Teresina: Piauhy – Papelaria Piauhyense, 1924. ____________________________________. Teresina:Academia Piauiense de Letras, 1965. ____________________________________. Teresina: Academia Piauiense de Letras, 1974. ____________________________________. Teresina: COMEPI, 1983. ____________________________________. Teresina: Academia Piauiense de Letras, 1998. ____________________________________. Teresina: Editora Gráfica da UFPI, 2002. SAID, Gustavo Fortes. Comunicações no Piauí. Teresina: Academia Piauiense de Letras, 2001. RÊGO, Ana Regina. Imprensa Piauiense: Atuação política no século XIX. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2001. VERNIERI, Sâmia de Brito Cardoso. História da Propaganda e da Publicidade no Piauí. 37 Teresina: Alínea Publicações, 2005. 38 1 FÓRUM NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO (FNPJ) XIII ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO IX CICLO NACIONAL DE PESQUISA EM ENSINO DE JORNALISMO MODALIDADE DO TRABALHO: Comunicação Científica GRUPO DE PESQUISA: Grupo de pesquisa Jornalismo e Cotidiano (GRUPECJ) Dicionário de Investigação do Cotidiano no Jornalismo Impresso Paraibano. Orientador: prof. Dr. Wellington José de Oliveira Pereira. [email protected] O projeto de pesquisa proposto ao Programa de Bolsas de Iniciação Científica do CNPq- PIBIC demonstra a continuidade das pesquisas realizadas pelo Grupecj – Grupo de Pesquisa sobre o Cotidiano e o Jornalismo, criado em 2002, do Curso de Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba, que contribuiu para a criação de uma linha de pesquisa da Pós-Graduação em Comunicação da UFPB: mídia e cotidiano. Desde 2002, o Grupecj tem participado do Programa PIBIC/CNPq, contribuindo para a formação de pesquisadores na área de jornalismo impresso (ver diretório Grupo de Pesquisa), tendo como escopo os estudos sobre o jornalismo e o cotidiano dos jornalistas paraibanos. Portanto, esta nova pesquisa do Grupecj tem como objetivo verificar como as editorias dos jornais impressos paraibanos conceitua o cotidiano através do uso de expressões inerentes às especificidades editorias: cidades, economia, cultura, política e esportes. PALAVRAS-CHAVE: Mídia. Cotidiano. Jornalismo 1 Professor Dr. Welligton Pereira é graduado em Comunicação Social e Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal da Paraíba. Doutorou-se em Sociologia pela Université Paris V, Sorbonne. Como professor do Curso de Jornalismo da UFPB, desenvolve pesquisas sobre o cotidiano e a produção jornalística. Fundou o GRUPECJ em março de 2002. 2 O PROJETO: O projeto de pesquisa procura entender os significados verbais e não- verbais que tecem as narrativas do cotidiano inscritas na linguagem jornalística. No sentido didático-pedagógico, a realização dessa pesquisa – a busca de significações do cotidiano no jornalismo impresso – deve ajudar os pesquisadores na decodificação dos conceitos utilizados em cada especialidade editorial para definir o fluxo de informação no cotidiano. Nesse sentindo, a pesquisa se perfaz através de três níveis de entendimento: 1) semântico-analógico; 2) lingüístico-verbal; 3) antropológico. No primeiro nível, o pesquisador deve observar como o significado dos conteúdos nos textos jornalísticos é legitimado através dos significados das imagens. No contexto lingüístico-verbal, se faz importante a investigação dos conceitos que operacionalizam, em nível lexical, as informações especializadas “para a vida cotidiana”. O nível antropológico deve ser abordado a partir do conceito de “bacia semântica” de Gilbert Durand, em seu livro, Les structures anthropologiques des imaginaires, verificando como esses conceitos “especializados” provocam uma polissemia das informações produzidas pelas editorias de cada jornal impresso. JUSTIFICATIVA: A importância do projeto se perfaz à medida que a pesquisa sobre os jornais 39 impressos paraibanos ganha uma dimensão acadêmica e cria novos parâmetros para os estudos sobre o jornalismo na Universidade Federal da Paraíba. Como núcleo formador de novos pesquisadores nas disciplinas Jornalismo e Sociologia do Cotidiano, o Grupecj tem mantido publicações regulares que refletem os resultados das pesquisas financiadas pela Bolsa PIBIC/CNPq, como os livros: 1) O Trabalho de Sísifo; 2)Epistemologias do Caderno B; 3) O príncipe lê jornais. 3 Sendo assim, se faz premente manter alunos pesquisadores de jornalismo inscritos no PIBIC/CNPQ trabalhando com as temáticas investigadas na Imprensa paraibana. OBJETIVOS: GERAL: - Demonstrar como as editorias dos jornais impressos criam conceitos para aproximar suas especialidades – cidades, economia, cultura, política e esportes – de termos usados no cotidiano e enriquecido através do senso comum. ESPECÍFICOS : - Analisar as construções verbais e não-verbais das editorias dos jornais impressos de João Pessoa que procuram traduzir os discursos “especializados” através de expressões utilizadas na vida cotidiana. - Procurar entender como os discursos dos especialistas das editorias jornalísticas procuram construir suas temáticas a partir do cotidiano dos leitores. - Entender como a noção de vida cotidiana exige das editorias especializadas uma adequação conceitual na difusão de matérias especializadas no jornalismo impresso, sem prescindir dos recursos do senso comum. MEDOLOGIA: PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: O material empírico será dividido de acordo com as editorias de cada jornal impresso: cidades, economia, cultura, política e esportes. MÉTODO DE ANÁLISE: 4 O método utilizado será análise de discurso aplicada ao jornalismo, tomando como base Patrick Charaudeau, Maurice Mouillon, Landovski, Mangueneau, José Marques de Melo, Michel Maffesoli, Simmel e Alfred Schutz. A contribuição desses autores se faz importante para demonstrarmos as modificações dos discursos jornalísticos e suas imbricações com as formações discursivas do cotidiano. BIBLIOGRAFIA: 1. BARROS FILHO, Clóvis de (org.) – Comunicação na Pólis – ensaios sobre mídia e política. Petrópolis: Vozes, 2002. 2. CHARAUDEAU, Patrick – Discurso das Mídias. São Paulo: Contexto, 2006. 3. CORREIA, João Carlos Correia – A teoria da comunicação de Alfred Schutz. Lisboa: Horizontes, 2005. 4. DURAND, Gilbert – Les structures anthropologiques de l’ imaginaire – Paris; Dunod, 1992. 5. INIGUEZ, Lupicínio (org.) – Manual de análise do discurso em Ciências Sociais. Petrópolis: Vozes, 2004. 6. LANDOWSKI, Eric – A sociedade refletida. São Paulo, Educ, 1999. 7. MAFFESOLI, Michel – A conquista do presente – por uma sociologia da vida cotidiana. Natal: Argos, 2001. 8. MEDINA, Cremilda – Ciência e 40 Jornalismo – da herança positivista ao diálogo dos afetos. São Paulo: Summus, 2008. 9. MELO José Marques de – A opinião no Jornalismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1994. 10. MOUILLON, Maurice et alii – Le journal Quotidien. Paris, Presse Universitaire de Lyon, 1989. 11. PEREIRA, Wellington – A nova escrita jornalística como leitura do cotidiano in: Culturas Midiáticas- PPGC/UFPB- João Pessoa PB – Ano I, número I, jul/dez 2008. 12. PEREIRA, Wellington (org.) – Epistemologias do caderno B. João Pessoa: Manufatura, 2006. 5 13. PEREIRA, Wellington (org.) – O príncipe lê jornais – cotidiano e poder no jornalismo impresso. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2008. 14. PEREIRA, Wellington (org.) – O trabalho de Sísifo – jornalismo e vida cotidiana. João Pessoa: Manufatura, 2004. 15.POUPART, Jean et alii – A pesquisa qualitativa – enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis: Vozes, 2008 16.SOUSA, Jorge Pedro – Elementos de Teoria e Pesquisa da Comunicação e da Mídia. Florianópolis: Letras contemporâneas, 2004. 17. SOUZA, Jessé et alii – Simmel e a modernidade. Brasília; UNB, 2005. 18. TEDESCO, João Carlos – Paradigmas do cotidiano – introdução à constituição de um campo de análise social. Santa Cruz do Sul (RS): Passo Fundo (RS): Edunisc, 2003. 41 FÓRUM NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO (FNPJ) XIII ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO IX CICLO NACIONAL DE PESQUISA EM ENSINO DE JORNALISMO MODALIDADE DO TRABALHO: Comunicação Científica. GRUPO DE PESQUISA: A Bola na Rede – o histórico da consolidação do site www.futebolinterior.com.br como mídia Luiz Roberto Saviani Rey [email protected]. RESUMO Uma das discussões mais candentes que permeiam o embate contemporâneo entre jornal impresso e webjornalismo ou jornalismo online, tanto no terreno das empresas quanto no âmbito acadêmico, vem no sentido da busca de afirmação por parte de sites e portais informativos da Internet - desvinculados dos grandes jornais -, como mídia, sua emancipação como veículo de comunicação de massas, alcançando porte e capacidade para abarcar anunciantes que lhes propiciem suporte e autonomia financeiros. Teriam referidos veículos capacidade para tal emancipação? Este artigo resgata o histórico do site www.futebolinterior.com.br, com sede em Campinas, SP, que registra, na atualidade, mais de 30 milhões de visitas ao mês, fator que o caracteriza como mídia capaz de captar publicidade, garantindo sua periodicidade, perenidade e sobrevivência financeira, depois de emergir rápida e vigorosamente de um simples projeto de construção de uma agência noticiosa sobre o futebol do interior do Estado de São Paulo, Brasil. Palavras-chave: Futebolinterior. Jornal online. Site de futebol. Mídia. Publicidade. -------------------------------------------------------------------------------------------------------Luiz Roberto Saviani Rey é jornalista e professor da Faculdadede Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-Campinas. Possui Especialização em Teorias de Comunicação e Mestrado em Comunicação pela Faculdade de Comunicação Cásper Líbero, de São Paulo. É autor do livro didático A Crônica é jornalística e brasileira – e não se fala mais nisso! INTRODUÇÃO 42 Este artigo, resultante de pesquisa concluída em dezembro de 2007, com dados monitorados até maio de 2009, busca resgatar a trajetória de dez anos do site www.futebolinterior.com.br, cujo histórico torna-se interessante como fonte de pesquisa e como referência, dada a velocidade com que saltou de um simples projeto de criação de uma agência eletrônica de notícias sobre futebol no interior do Estado de São Paulo, Sudeste do Brasil, em 1999, passando em menos de cinco anos a constituir um dos mais visitados jornais online particulares do País. Por esse perfil, mereceu a atenção do mercado publicitário, abrindo a cada dia novos espaços para anúncios e banners de venda de produtos. É necessário, antes de tudo, para o entendimento deste trabalho, estabelecer a terminologia adequada no âmbito do jornalismo online, também chamado de webjornalismo, ciberjornalismo e jornalismo digital. A distinção torna-se necessária, uma vez que jornalismo digital, de acordo com Gelson Souza (2005), incorpora não apenas o computador, porém todo e qualquer sistema que opere por dígitos, tornando-se algo com amplitude além da pretendida e determinante neste artigo. Webjornalismo, por sua vez, refere-se ao jornalismo praticado na web, sendo apenas um entre os serviços oferecidos pela Internet. E, por fim, segundo Gelson Souza (2004), o ciberjornalismo, que se relaciona à cibernética, “uma ciência em particular”. É verdade que todos esses termos podem e devem ser usados para designar a atividade jornalística na Internet, guardadas suas proporções e os objetivos que norteiam análises e pesquisas. Dentro desses enfoques, analisamos o histórico e o perfil do site www.futebolinterior.com.br, sediado no Município de Campinas, a 92 quilômetros da capital do Estado de São Paulo, com 1,2 milhão de habitantes e sede de uma região metropolitana em formação com mais de três milhões de habitantes, na concepção de jornalismo online. Nos últimos três anos, o site vem registrando mensalmente entre 25 e 30 milhões de visitas, consolidando, ao longo desse período, contratos comerciais e publicitários, bem como convênios, que aumentam sua lucratividade e lhe garantem rentabilidade e sustentabilidade econômica. Para a comprovação dos dados fornecidos pelo site, o volume de visitas foi extraído de um software de aferição, conferido, como um dos pontos do delineamento desta pesquisa, entre os dias 6 e 31 de julho de 2007; 10 e 17 de agosto de 2007; 16 e 23 de setembro de 2007 e 1 e 12 de novembro de 2007 e 14 de maio de 2009. Ocorreram também monitoramentos semanais entre os meses de março, abril e maio de 2008, comprovando-se o rápido aumento no volume de visitas, com 25 milhões de internautas/mês no referido período. O foco deste artigo é a questão das possibilidades de transformação de um site particular, desvinculado de empresas jornalísticas com tradição, em mídia significativa e a consequente geração de receitas, ante o volume de público que dele se torne cativo, já que persistem diversos questionamentos quanto à possibilidade do jornalismo online vir a competir com jornais impressos na captação de anúncios em nível de superação de suas necessidades de suporte econômico. Não é objetivo deste trabalho realizar a análise de discurso e de linguagem empregados pelo site, 43 tampouco suas características como jornal online. Estes aspectos, embora tocados de passagem, merecem novos estudos, associando-os às questões mais gerais da estética e da tecnologia utilizada pelo veículo. O artigo, assim, não pretende ingressar no terreno de descrições tecnológicas. Há que se caracterizar, também, no interior do conceito de Ciências da Comunicação, aquilo que significa, em se tratando de jornalismo online, a operação técnica e a relação pragmática. “Dentre as diversas atividades humanas, como distinguir as que fazem parte especificamente da comunicação?”, indaga Daniel Bougnoux. (1999: 15) Isso poderia ser figurado sob a forma de uma árvore ou de um grafo descendente. A primeira bifurcação distinguiria as construções de signos das construções ou atividades ligadas às coisas, dito de outro modo, a esfera semiótica da esfera técnica. Montar ou consertar um computador são atividades técnicas que não concernem, como tal, à comunicação, esta só aparecendo como o envio, a recepção ou tratamento de um signo ou de uma mensagem. (BOUGNOUX, 1999, p. 15,16). Dessa forma, é capital marcar a distinção entre uma relação técnica ou científica, que corre do sujeito para o objeto, de uma relação pragmática, que associe, aproxime, o sujeito do sujeito. Importa aqui, o homem agindo sobre o homem por meio dos signos. A tekhné designa em grego a relação e a ação do sujeito sobre o objeto. Tomamos a práxis, da qual deriva a pragmática, para analisarmos a ação do homem sobre o homem. 2 Panorama geral Desde que surgiu com a premissa de constituir veículo de massas, o jornalismo online traz arraigada uma discussão das mais pertinentes, qual seja, sobre sua capacidade de superar os jornais impressos e se tornar a mídia substitutiva, colocando um fim na era do jornalismo de papel. Subjacente a essa discussão ocorre um embate não menos pertinente e importante: teria o jornalismo online a capacidade de desenvolver mecanismos de atração de publicidade a ponto de torná-lo auto-suficiente economicamente? Em seus primórdios, na metade da década de 90 do século passado, o jornalismo da Internet jamais constituiu ameaça econômica a jornais impressos, a revistas, rádio e televisão, conforme 44 constata Gelson Souza (2004), uma vez que os serviços online se apresentavam como suplementares e não substitutivos para as mídias tradicionais. Foi um período de grande ebulição, em especial nos grandes jornais, onde a influência da indústria da informática, ali já instalada por conta das atualizações tecnológicas de redação e de produção e impressão de jornais, gerou a visão escatológica segundo a qual os jornais não sobreviveriam ao novo século se não agregassem o webjornalismo, criando eles, de imediato, sites e portais para, diuturnamente, atualizarem as informações, tão necessárias, como se sustentava, a uma sociedade pós-moderna ou da informação, que delas necessitaria como o oxigênio, a água e o pão. Em princípio, essa inversão milenar (termo utilizado pelo sociólogo norte-americano Fredric Jameson para caracterizar a velocidade das transformações pós-modernas) do jornalismo não ocorreu, e, tanto quanto no final dos anos 70 - quando Ruth Clark, vice-presidente de mídia da empresa norte-americana Yankelovich, Skelley & White, alertou os jornais americanos e canadenses sobre a real possibilidade de seu desaparecimento, frente ao novo e impositivo discurso da televisão (BOURDIEU 1997), e frente às mudanças nos hábitos de leitura de uma sociedade nada profunda e pouco afeita às grandes narrativas, e ao texto, resistindo os jornais por meio da ruptura com seu caráter histórico de produção e da imposição de um jornal menos denso, espetacular e carregado de cor e de imagens – eles se preservaram e se fortaleceram, ante a pseudo ameaça por parte da Internet. Foi a chamada “Bolha da Internet”. Porém, com o avanço e o aprimoramento da tecnologia computacional e de seus periféricos, muita coisa mudou. É preciso reconhecer que, na atualidade, o jornalismo online manifesta-se como atividade atrativa para o mercado publicitário e se torna cada vez mais lucrativo. A par da venda de espaços para publicidade, de banners, foram criadas diversas empresas especializadas na área, como as agências de rotação de anúncios, que administram a inserção de publicidade em diversos sites clientes – assimilando uma porcentagem da verba dos anunciantes –, e empresas de pesquisas, que monitoram os sites clientes e produzem relatórios exatos das áreas mais visitadas, tráfego de usuários, publicidades mais acessadas e outras informações necessárias para otimizar os espaços publicitários on line (ZEFF & ARONSON, 2000, Apud GELSON SOUZA, 2004). A prática do jornalismo online fora dos padrões de portais auto-sustentáveis, vinculados aos grandes e médios jornais brasileiros, como Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo e o Correio Popular, de Campinas, entre outros, tem sido um desafio para pessoas, isoladamente, ou grupos corporativos, sem tradição empresarial na área, que se arriscam nesse ramo. Uma das maiores dificuldades situa-se no aspecto do retorno financeiro, visto que a grande mídia para a veiculação de publicidade continua sendo a televisão, seguida do jornal impresso, abarcando ambos mais de 90% do bolo publicitário no País, ficando o veículo rádio com apenas 6% desse faturamento, de acordo com dados da Central Brasileira de Notícias – CBN. (BARBEIRO, 2001, p.1) 45 A Internet, só mais recentemente tem expandido sua capacidade de captação publicitária, avançando para uma mídia poderosa, notadamente em razão da confiabilidade e da segurança que o sistema de compra e venda online hoje possibilita. É claro o mix de produtos colocados pela mídia eletrônica, no maior volume todo ele formado pelo aparato tecnológico das áreas de informática, de computação e imagem (fotografia, filmadoras, etc.). Ainda não foi solucionada a questão da criação efetiva de sites de compra e venda de imóveis e de veículos, bem como dos classificados mais gerais presentes de forma massiva nos jornais impressos, mas a Internet caminha célere rumo à consolidação como mídia forte nas esferas publicitárias. De acordo com Gelson Souza (2004), a geração de receitas pelos jornais online é um problema considerável, por não contarem com assinaturas, nos moldes e padrão de vínculo de leitura dos jornais impressos. Na verdade, eles dependem, na atualidade, de verbas publicitárias para sobreviver e saldar seus compromissos de manutenção, de implementação e renovação tecnológica, de lucro e de contratação e pagamento de pessoal, entre outras despesas. Enfim, o aspecto econômico sem o qual não há perenidade. Há dez anos, quando a eletrônica apontou aos jornais impressos a necessidade de uma readequação, através da criação do jornalismo oline, as empresas jornalísticas e afins, agilmente, adotaram procedimentos para o lançamento de portais jornalísticos, sem o suporte de uma estratégia de sobrevivência. Um grande número de jornais online desapareceu, sobrevivendo – e mal – aqueles patrocinados pelos grandes jornais. Segundo Gelson Souza, as empresas jornalísticas mantiveram-se na rede para fortalecerem suas marcas tradicionais, com estratégias de marketing e planejamento operacional, visando lucro a longo prazo. Esse quadro, porém, mudou e hoje as perspectivas são das mais otimistas. Os jornais e as revistas perdem a cada dia o status de mídia de preferência do público leitor, que tem migrado para a Internet. Hoje, o jornalismo online se transformou em uma atividade lucrativa, acompanha a ascensão da Internet como meio de comunicação. A obtenção de receita, através dos anúncios publicitários, se desenvolveu e a publicidade na web já 46 movimenta bilhões de dólares em todo o mundo, sendo que, entre os maiores publishers (sites que exibem publicidade paga), estão os jornais online. (SOUZA, 2005, p. 3 a 9). Há uma crença dominante no meio, segundo a qual a Internet se consolida como um novo canal de veiculação publicitária, prestes a abocanhar parcela significativa dos investimentos nessa área. Há prognósticos no sentido de que os jornais impressos percam, a curto prazo, entre 20% e 30% dos anúncios para o jornalismo online (SOUZA, 2005, p.9) 3 Futebol no interior Em meio a esse histórico, e no ar desde março de 1999, o site www.futebolinterior.com.br iniciou suas atividades de informação futebolística destacando o interior do Estado de São Paulo e privilegiando resultados dos campeonatos das diversas séries mantidas pela Federação Paulista de Futebol. Destacava também, quase isoladamente, a participação e performance dos clubes de Campinas, Associação Atlética Ponte Preta e Guarani Futebol Clube, na Primeira Divisão do Campeonato Brasileiro. Além disso, produzia farto noticiário sobre a movimentação de técnicos e da compra e venda de jogadores no estado. O projeto original previa a consolidação, em um ano, de uma agência de notícias, destinada a vender informação esportiva do interior de São Paulo aos grandes e médios jornais paulistas e cariocas, bem como às emissoras de rádio e de televisão interessadas no tema. Seu perfil, à época da entrada no ar, era mais o de um noticioso, sem intenção de interatividade e de fornecimento de informação e de serviço a um público mais geral, em particular o internauta assíduo. Segundo o jornalista Élcio Paiola, editor e um dos proprietários do site, com experiência como editor de Esportes por quase 27 anos, a interatividade e a visitação passou a ser uma busca, porém, vivia-se a fase tecnológica da bolha da Internet. “ A tecnologia não favoreceu e o público não correspondeu”, afirma Paiola. Com o tempo, o aprimoramento tecnológico e a expansão que o site conheceu, por conta da evolução no registro de acessos – em 2003 atingia a marca de cinco milhões de visitas ao mês expandiu seus serviços, passando, desde 2003, ao lado do noticiário, a publicar tabelas, classificação e resultados de campeonatos estaduais, das três séries do Campeonato Brasileiro, da Copa Sul-americana, Taça Libertadores e Taça dos Campeões, atendendo a uma demanda de público internauta de todo o País. No momento da conclusão desta pesquisa, o site www.futebolinterior.com.br registrava entre 15 milhões e 25 milhões de visitas ao mês, sendo mais de 70% de visitantes do Estado de São Paulo. 47 Atualmente, as visitas ultrapassam o número de 30 milhões de acessos ao mês. As visitas individuais atingam a 600 mil internautas ao mês, chegando hoje a mais de 1,5 milhão. Esses, buscam suas páginas para se agendarem e atualizarem as informações de seus clubes de futebol. Ao quadro de campeonatos oferecidos, o site passou a retratar todos os campeonatos estaduais do País, procurando uma integração nacional de internautas. O “futebolinterior.com.br”, em dias de jogos, mantém o “placar ao vivo”, atualizando o andamento das partidas das diversas disputas, em especial a do Campeonato Paulista, em suas três séries, e o Campeonato Brasileiro das séries A, B e C. Os dias da semana com maior acesso são os domingos e as quartas-feiras, datas em que ocorrem as rodadas dos principais campeonatos estaduais e do campeonato nacional, em períodos diferentes. Nesses dias, mais precisamente durante o correr dos jogos, o site registrava entre 750 mil e um milhão de visitantes. Na atualidade, ultrapassa a casa do dois milhões. No aspecto geral, as faixas etárias acessantes vão dos nove aos 49 anos, mas o maior número de acessos encontra-se na faixa dos 21 anos 29 anos. De todos os visitantes, 64% são do sexo masculino. Esses dados, de acordo com Paiola, são aferidos e atestados por meio de um software desenvolvido nos Estados Unidos, chamado webtrends, e conferido como etapa da presente pesquisa . Por seu caráter interativo, a Internet favorece a troca de informações, fator que contribui para uma forte interação entre torcedores de clubes de futebol das diversas regiões brasileiras via site www.futebolinterior.com.br. De acordo com Élcio Paiola, os internautas do Nordeste brasileiro são os mais estimulados quanto à interatividade. O Sul entra com participação significativa. Embora não haja contabilidade nesse aspecto, monitoramento por parte do site quanto à troca de informações, é freqüente a troca de mensagens entre internautas dessas regiões distantes em dias de jogos entre clubes do Sul, Sudeste e Nordeste. No Estado de São Paulo, 70% dos visitantes localizam-se no interior. Já em outros estados, as visitas advêm, em sua maioria, das capitais. Bahia, Pernambuco e Ceará predominam na Região Nordeste. No Sul, Rio Grande do Sul e Paraná, mais especificamente as capitais Porto Alegre e Curitiba, ofertam o maior número de internautas em busca de informações sobre os clubes paulistas, com os quais seus clubes irão jogar. O site ainda não produziu a estatística de visitantes por região. 4 Sustentação econômica Sem revelar cifras, a direção do site www.futebolinterior.com.br garante que sua sustentação econômica ampliou-se razoavelmente nos últimos dois anos com a inserção de espaços de publicidade, hoje disputados por várias empresas de âmbito local e nacional. 48 Nos espaços vendidos atualmente, são encontrados banners e peças publicitárias de empresas como um shopping de produtos esportivos, um revendedor de chuteiras, um comércio de confecções, um site de ligações via Internet, o Mercado Livre e sua gama de produtos, um site de venda de camisas de futebol, uma gráfica e editora e um sex shop com entrega personalizada. São espaços publicitários bem definidos e com layout próprio dos sites de compra e venda, com links para a efetivação de aquisição de produtos. Existem ainda os convênios com as emissoras Rádio Você, do município de Americana-SP, e Rede Família de Televisão, que, se não trazem retorno em espécie, permitem a veiculação simultânea, fazendo com que o site www.futebolinterior.om.br seja divulgado em mídias diferenciadas, especialmente em horários de programas esportivos. O site mantém parcerias com a Federação Paulista de Futebol, para a divulgação de jogos, rodadas de campeonatos e de eventos, e com a entidade Brasil Futebol Associados, integrada por dirigentes e representantes de clubes participantes do Campeonato Brasileiro de Futebol. 5 A contribuição do tema Um dos fatores do êxito do site www.futebolinterior.com.br encontra-se na escolha do tema, da especialização jornalística: o futebol. Já se disse que o Brasil é o país do futebol, a pátria de chuteiras nos pés. Destaque-se o interesse que o tema desperta particularmente no meio de um vasto público jovem, o principal target da Internet, um público em geral qualificado, com alto nível de escolaridade e poder aquisitivo. Entre os quatro elementos apontados por Bardoel e Deuze (1999), em seus estudos sobe as características do jornalismo da Internet, a interatividade, a customização do conteúdo, a hipertextualidade e multimidialidade, talvez o segundo tenha se constituído no fator de catalisação do público do site www.futebolinterior.com.br. Embora por meio da interatividade o internauta, o telespectador, ouvinte ou o usuário de serviços de informação, em geral, possam se sentir compartilhando o processo, através da troca de e-mails, da disponibilização de opiniões dos leitores, e a hipertextualidade favoreça a interconexão de blocos de texto (MIELNICZUK, 2002, p.5) – no caso do site “futebolinterior.com.br”, principalmente o acesso às tabelas e ao acompanhamento de jogos de futebol em tempo real – é a customização dos conteúdos que apresenta maior relevância, uma vez que é o elemento de personalização ou individualização, consistindo na existência de produtos jornalísticos configurados de acordo com os interesses individuais do usuário. “Há sites noticiosos, entre eles o da CNN, que permitem a pré-seleção dos assuntos de interesse, assim, quando o site é acessado, este já é carregado na máquina do usuário atendendo à demanda solicitada”. (MIELNICZUK,2002, p.6) Afinal, apesar das multidões nos estádios, das torcidas uniformizadas, dos grupos de torcedores vizinhos, de um mesmo bairro, dos ambientes de trabalho, nada é mais particular e individualizante que a paixão por um clube de futebol. 49 Também pode-se considerar como personalização a possibilidade de cada leitor estabelecer um percurso individualizado de leitura a partir da navegação pelo hipertexto. Assim, cada indivíduo construiria um produto individualizado, fruto de sua leitura (de suas escolhas individuais) pelos caminhos oferecidos na narrativa hipertextual. Ou seja, dois leitores ao navegarem pelo mesmo hipertexo, ao final, terão lido textos distintos. (MIELNICZUK, 2002, p.6) CONCLUSÃO Em meio ao processo de início de caminhada rumo à consolidação do jornalismo online com lucro, o site particular www.futebolinterior.com.br, de Campinas-SP, dá claras demonstrações de que é possível trabalhar com informação online e garantir lucro e lucratividade fora dos limites dos portais da grande imprensa e dos grupos detentores de grandes capitais, tendo ele alcançado o status de mídia, favorecido seus espaços publicitários e realizado vendas e convênios pecuniários, fatores que lhe trazem sustentação econômica e lhe garantem estabilidade e perenidade. Sem dúvida, a definição de um tema de grande atração favoreceu o crescimento e o salto qualitativo que o site conheceu com menos de cinco anos de existência, registrando nos últimos dois anos entre 25 e 30 milhões de visitas ao mês. O futebol atrai, integra e desperta o interesse de um público jovem e qualificado, o principal alvo da Internet. Seu sucesso advém do caminho escolhido por seus organizadores a partir do momento em que perceberam a dificuldade de sobrevivência com o projeto original - o de criar e manter uma agência noticiosa, tratando fatos futebolísticos do interior do Estado de São Paulo, pouco atrativos à grande imprensa e à mídia televisiva. Há uma força desportiva na maioria das cidades interioranas paulistas, mas que não merece a atenção e investimento dos jornais da capital e das emissoras de televisão, concentrados na cobertura dos chamados grandes clubes. Por meio da Internet e de um site específico, especializado, o www.futebolinterior.com.br conseguiu integrar os interesses de um vasto público do Estado de São Paulo, ampliando-o, logo a seguir, para âmbito nacional. O site é hoje responsável por um diálogo Norte-Sul entre internautas, na busca de troca de conhecimentos e de informações sobre seus clubes 50 depreferência. A transição de um projeto de agência de notícias para um site de futebol com força, primeiro, no interior do Estado de São Paulo e, depois, na maior parte do País, favoreceu a interatividade, a qual deu vigor à iniciativa de um grupo particular, sem vínculos com qualquer portal de grandes jornais ou de grupos economicamente fortes. A interatividade foi reforçada por meio da divulgação de tabelas, resultados de jogos e “placar ao vivo” de todos os campeonatos brasileiros, destacadamente aqueles com menor ou nenhuma cobertura por parte da mídia tradicional. Com a interatividade, adveio a integração regional, ou seja, a comunicação entre jovens e torcedores internautas, de maneira geral, de diversos estados e regiões do Brasil, resultando em uma combinação atrativa para o mercado de produtos e ao mercado publicitário. Isso decorre, em especial, do perfil do público, ou de sua maioria, constituído por jovens de classe média e média alta, na faixa etária dos 21 aos 29 anos, potencialmente consumidores dos produtos colocados nos espaços publicitários do site. Portanto, da análise da trajetória de oito anos do site www.futebolinterior.com.br, de CampinasSP, pode-se concluir que o futuro é promissor para o jornalismo online que deseja operar com informação e obter lucro. O sucesso, porém, reside nas escolhas e na combinação de tema, público-alvo e customização. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBEIRO, Heródoto. Jornalismo de Qualidade no ar. Cadernos de Jornalismo, EDUSP, São Paulo, 2001. BARDOEL, Jô & DEUZE, Mark. Network Journalism.In: http://home.pscw.uva.nl/deuze/publ1999.htm; acesso em 10/07/2007. BOUGNOUX, Daniel. Introdução às Ciências da Comunicação. Bauru: EDUSC, 1999. BOURDIEU, Piere. Sobre a Televisão – seguido de A influência do jornalismo e Os Jogos Olímpicos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. MIELNICZUK, Luciana. A Pirâmide Invertida na época do webjornalismo: tema para 51 debate. Trabalho Apresentado no NPO8 – Núcleo de Pesquisa Tecnologias da Informação e da Comunicação, XXV Congresso Anual em Ciência da Comuniação, Salvador/BA, 4 e 5 de setembro de 2002. Acesso em 12/11/2007 SOUZA, Gelson. Convergência do jornalismo e da publicidade online. Resumo de trabalho de pesquisa (Iniciação Científica) realizado em 2004 na Unoeste/SP. ZEFF, Robbin Lee & ARONSON, Brad. Publicidade na Internet, 2.ª edição. Editora Camp. 2005 52 FÓRUM NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO (FNPJ) XIII ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO IX CICLO NACIONAL DE PESQUISA EM ENSINO DE JORNALISMO MODALIDADE DO TRABALHO: Comunicação Científica GRUPO DE PESQUISA: Pesquisa na Graduação Mídia e Política no RN: as Políticas de Concessões de Rádio e Televisão no Estado do Rio Grande do Norte MENDES, Marcilia Luzia Gomes da Costa – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte/UERN12 [email protected] GOMES, Kildare de Medeiros – Universidade do Estado do Rio Grande do [email protected] Norte/UERN 13. Resumo Esta pesquisa, que se insere no campo dos estudos da Comunicação Social, pretende analisar a concessão pública de rádio e televisão no Brasil e suas implicações no Rio Grande do Norte com foco na relação com os grupos político detentores das concessões e das forças políticas do Estado. Observa-se que no contexto de concessão de Rádio e TV tais políticos, muitas vezes, utilizam a Mídia como promoção da imagem de si e fecham o espaço das emissoras para aqueles que não adotam o seu ponto de vista. Essa realidade coloca a necessidade de desenvolver um trabalho que mostre o quadro em que se encontram os setores midiáticos no Estado do Rio Grande do Norte, observando sua relação com a política de concessão em nível nacional e com as forças políticas detentoras dos meios de comunicação pesquisados. Nessa primeira etapa da pesquisa, o questionário foi utilizado como técnica de coleta de dados com o objetivo de fazer um diagnóstico do perfil das emissoras de rádio e da televisão aberta no município de MossoróRN. Palavras-chave: Rádio e TV. Poder Simbólico. Poder Político. 1 Introdução Dos muitos aspectos que podem ser considerados com respeito à relação mídia-poder podemos destacar a capacidade dos meios de comunicação em construir parte da realidade a nossa volta. Num mundo permeado de sinais e midiático ao extremo, a realidade é a todo momento confundida com a representação da realidade, ao ponto de pensarmos que um evento qualquer existe, ou deixa de existir, à medida que é transmitido e veiculado, o que revela, consequentemente, o duplo 12 Doutora em Ciências Sociais pela UFRN. Professora Adjunto II da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). 13 Professor Auxiliar III da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte 53 poder dos meios: eles tanto podem criar realidades quanto omiti-las, fazendo com que deixem de existir pelo simples fato de silenciá-las. É notório que os meios de comunicação no Brasil estão concentrados nas mãos de políticos e empresários da comunicação, ao mesmo modo que é contundente a não distribuição de concessões públicas, notadamente de radiodifusão, para movimentos sociais como organizações não governamentais, sindicatos, cooperativas, associações de bairro e Universidades. Sabemos, aliás, o quanto a legislação atual coíbe Tvs e rádios comunitárias, expressões populares legítimas, de atuarem na sociedade como canais segmentados de informação, educação e entretenimento. É claro que se pode investigar a atuação dos meios na sociedade apenas de forma ideológica e unidirecional, até porque estudos demonstram que do outro lado da tela, o sujeito-receptor possui a capacidade de reorganizar os seus conteúdos, reorientar as informações recebidas, tecer críticas e comentários, mudar de canal ou simplesmente desligar o aparelho, assim como sofre igualmente influências de outros meios como a escola, o trabalho, instituições religiosas, culturais ou comunitárias cujos valores nem sempre convergem com aqueles veiculados pela mídia. Cientes de que há uma relação muito próxima entre mídia e poder e para compreendermos como esse fenômeno ocorre em nosso estado é que estamos propondo a elaboração de um mapa do atual cenário do sistema de comunicação no RN. É imprescindível fazermos esse mapeamento, principalmente porque trabalhamos no Curso de Comunicação Social e lecionamos disciplinas que abordam essas questões no conteúdo programático. As disciplinas como História da Comunicação, Teoria da Comunicação I e II, Pesquisa em Comunicação Social, Teoria do Jornalismo e Mídia, Entretenimento e Consumo abordam questões, como: controle dos meios de comunicação de massa, a organização da comunicação, o monopólio da comunicação na América Latina, no Brasil e no Rio Grande do Norte, jornalismo e ideologia, o jornalismo e a política, etc. Dada a natureza interdisciplinar do Curso de Comunicação, pretendemos realizar reflexões teóricas que atuem a partir do foco privilegiado de observação com base na pesquisa empírica em que se entrelaçam as elaborações de campos teóricos diversos tais como política, ideologia, comunicação, meios de comunicação, controle, etc. 2 Metodologia A pesquisa é de natureza quantitativa a fim de se elaborar um mapa descritivo da distribuição de concessões de rádio e televisão no estado do Rio Grande do Norte. Para tanto, será realizada uma coleta de dados junto às empresas de comunicação do estado, através da aplicação de questionários compostos por questões abertas e fechadas, bem como entrevistas semidirigidas com diretores e com funcionários do quadro que justifiquem sua seleção e, quando necessário, junto à população das cidades nas quais estão localizadas as empresas em estudo. Posteriormente, a pesquisa se valerá de 54 abordagem qualitativa, quando serão coletados dados junto aos arquivos do Congresso Nacional, às entidades representativas das categorias profissionais como FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas), jornais impressos e imprensa especializada sobre a temática. Portanto, através da análise documental, procuraremos colher informações com o objetivo de caracterizar o discurso das comunicações e, a partir de um raciocínio indutivo, descobrir fenômenos e relações entre as informações representadas quantitativamente e os dados qualitativos. Com isso, este estudo pretende contemplar seu objetivo geral que é o de apontar as implicações político-comunicacionais da aplicação da política brasileira de concessões e permissões das emissoras de rádio e televisão no estado do Rio Grande do Norte na sua realção com os grupos políticos do RN. 3 Resultados e aplicações esperadas Elaboração de um banco de dados com informações sobre as empresas de comunicação do RN; Aproveitamento das informações da pesquisa como material de estudos nas disciplinas ministradas no Curso de Comunicação Social da UERN. Publicação de artigos em eventos científicos locais, regionais e nacionais da área em que se situa o projeto, Realização de seminários e mini-cursos sobre a temática do projeto para estudantes da área e demais interessados. 4 Referências BAGDIKIAN, Ben. O monopólio da mídia. Scritta Editorial. BARBOSA, Marialva. Estudos de jornalismo. Campo Grande: INTERCOM, 2001. CHAPARRO, Manuel Carlos. 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TRAVANCAS, Isabel. O mundo dos jornalistas. 2ed. São Paulo: Summus, 1993. WOLTON, Dominique. Pensar a comunicação. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004. 56 FÓRUM NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO (FNPJ) XIII ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO IX CICLO NACIONAL DE PESQUISA EM ENSINO DE JORNALISMO MODALIDADE DO TRABALHO: Comunicação Científica GRUPO DE PESQUISA: Pesquisa na Graduação Cazuza: O Caso da Veja 1.077 – Análise ética do discurso da revista Veja sobre a doença e morte de Agenor de Miranda Araujo Neto Tatiana Notaro Nunes14 [email protected] Este trabalho analisa o discurso da matéria “A luta em público contra a AIDS”, publicada pela revista Veja, em 26 de abril de 1989. As observações aqui registradas têm como base as determinações do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, de 1987, utilizadas na análise da capa da edição 1.077, sua manchete – “Cazuza - uma vítima da Aids agoniza em praça pública” – e das oito páginas da reportagem, assinadas pelos jornalistas Alessandro Porro e Ângela Abreu. Prestes a completar 20 anos, a reportagem de capa da Veja 1.077 ainda consta no ranking das matérias mais comentadas da história de 40 anos da revista, com 625 cartas à redação. O material aqui analisado fere declarações do supracitado código e de sua versão atualizada em 4 de agosto de 2007, pela Federação Nacional dos Jornalistas. Teoria do Jornalismo. Ética. Aids-notícia. Cazuza. Código de Ética. Tatiana Notaro Nunes é jornalista, formada pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) e pós-graduanda em Jornalismo e Crítica Cultural pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 14 57 Introdução Os anos 80 desenharam-se pelo fim da ditadura, pelos resquícios da liberação sexual da década anterior e pela chegada de uma nova peste: a Aids. A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Sida, em sua sigla em português) fora, primeiramente taxada de “câncer gay”, já que os primeiros indivíduos contaminados eram homossexuais ou bissexuais masculinos, usuários de hemoderivados e consumidores de drogas injetáveis. Tempos depois, o vírus começa a infectar heterossexuais e atinge mulheres e crianças. Estava formada a epidemia que, apenas no Brasil, teve 474.273 casos notificados de 1980 a junho de 2007, segundo dados do Ministério da Saúde. Para Agenor de Miranda Araujo Neto, Cazuza, a Aids chegou no auge da beleza física, da inspiração poética, da fama e da vida. Quando descobriu que era soropositivo, em 1987, Cazuza tinha 29 anos. Lutou até sucumbir ao vírus e aos seus vícios, em 7 de julho de 1990, aos 32 anos. Nessa história, a mídia esteve presente desde a fase de especulações, no momento em que o cantor resolveu assumir que era soropositivo, e a sua morte. Aqui, entra a edição número 1.077 da revista Veja, publicada no dia 26 de abril de 1989, objeto maior de estudo deste trabalho. Na capa, uma doença devastadora na pessoa de Cazuza que aos 31 anos foi sentenciado por Veja: “Cazuza – Uma vítima da Aids agoniza em praça pública”. Este trabalho analisa a abordagem da Aids pela mídia, com foco na matéria “A luta em público contra a Aids”, publicada na Veja 1.077, explorando os padrões de manipulação da imprensa e teorias de recepção de mensagens, além da construção da aids-notícia a partir do histórico da doença no mundo e na vida de Cazuza. Para o estudo, utilizamos o método descrito por Márcia Benetti (2007) como Análise de Discurso Francesa, que sugere a fragmentação do texto para observações mais detalhadas. A base das nossas análises é o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, em vigor no Brasil desde 1987, que, aliado às teorias do jornalismo, foi utilizado para que compreendêssemos as falhas cometidas por Veja. Referencial teórico Segundo Nelson Traquina (2001), as notícias sobre Aids são claramente orientadas para os acontecimentos aos quais está ligada a doença e, raramente, “são iniciadas por jornalistas” (TRAQUINA, 2001, p. 135). Esta análise de é complementada por Antônio Fausto Neto (1999) em “Comunicação e Mídia Impressa – Estudo sobre Aids”: “Do ponto de vista simbólico, a Aids é um significante com várias dimensões, resultado das diferentes construções de sentidos realizadas pelas estratégias de várias instituições (...)” (FAUSTO NETO, 1999, p. 15). Segundo Herzlich & Pierret (apud SPINK et al, 2001), “foi a imprensa que, de certo modo, fez existir a Aids para o conjunto da sociedade”. Em sua discussão sobre o ciclo temporal que cerca o exercício jornalístico, Traquina (2001) levanta duas questões relevantes: “a importância do imediatismo como valor-notícia (ROSCHO apud TRAQUINA, 2001, p. 135 e 136) e a obrigação imperiosa de os jornalistas responderem à pergunta ‘o que há de novo?’”. Todas combinam para fornecer aos leitores aquilo 58 que Philip (apud TRAQUINA, 2001, p. 136) descreve como “novidade sem mudança”. Veja, então, trazia a “novidade” sobre o caso: três meses depois do último show, Cazuza estava mais magro e fisicamente atingido pelos medicamentos. Mostrava-se publicamente e afirmava não estar morrendo – o que justificaria a afirmação da Veja de que o cantor “agonizava em praça pública”. De início, fica claro que a intenção da edição 1.077 foge do objetivo de esclarecer sobre a Aids, mas expõe o drama de Cazuza. Não há consultas a especialistas ou discussão sobre sintomas, contágio ou pesquisas, mas uma sentença de morte do cantor. Essa atitude, Perseu Abramo (2003) classifica como “padrão de ocultação”: É o padrão que se refere à ausência e à presença de fatos reais na produção da imprensa. (...) O padrão de ocultação é decisivo e definitivo na manipulação da realidade: tomada a decisão de que um fato “não é jornalístico”, não há a menor chance de que o leitor tome conhecimento de sua existência por meio da imprensa. (ABRAMO, 2003, p. 26 e 27) Segundo Fausto Neto (1991), a mídia constrói o perfil do “olimpiano” nos mesmos moldes dos personagens de ficção e o receptor assim o absorve. Sendo assim, seguindo sua postura de veículo informativo com credibilidade nacional, a Veja não poderia se valer do sensacionalismo para expor a Aids à esfera pública. Essa questão da influência que os veículos exercem na esfera pública é abordada por Habermas (1997), que diz que “pessoas ou instituições podem gozar de uma reputação que lhes permitem exercer influência sobre as convicções de outras pessoas, sem ter que comprovar competências e sem ter que dar satisfações”. Vamos levar em consideração que a Aids era desconhecida na década de 80 e os equívocos sobre a doença foram transmitidos na primeira fase da cobertura jornalística, chamada por Traquina (2001) de “era invisível”. Segundo o autor, o primeiro registro sobre a contaminação por HIV foi publicado no Morbidity and Mortality Report (MMWR), em relatos sobre indivíduos masculinos contaminados pelo vírus: “a única característica partilhada pelos cinco homens que sofriam de pneumonia era que eram homossexuais”. Assim, devemos questionar o resultado final da recepção: em nenhuma das oito páginas da matéria “A luta contra a Aids”, a Veja trabalha a Aids enquanto doença, mas transforma o estado de Cazuza em um mote para o sensacionalismo. Levamos em consideração as explicações de Francisco José Karam (1997), no que diz respeito à relação entre o jornalismo e a publicização de fatos de natureza trágicas, por exemplo. “É necessário dizer que o jornalismo não pode conviver somente com “as coisas belas da vida”. Precisa tratar das tragédias que essa mesma vida carrega, para, inclusive, valorizar as consideradas grandiosas”. (KARAM, 1997, p. 78 e 79). Este trabalho analisa como os jornalistas podem reportar o trágico, o triste e o doloroso sem lhes acentuar estes sentimentos ou tirar proveito destes. Informar sem, no entanto, usá-los em atitudes antiéticas. Análise 59 Este estudo analisa as vertentes do sensacionalismo, da ética jornalística, apoiado no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros de 1987 e na captação das mensagens pelo receptor. O “silenciamento” sobre a doença por parte da Veja também entra em análise. Como explica Benetti (2007), no processo de análise do discurso, os assuntos ignorados têm tanta importância quanto aqueles incluídos no discurso. Um dos principais temas que indicam a complexidade do problema ético da atividade jornalística é a relação entre o direito à vida privada e a liberdade de informação jornalística em conexão com o interesse público. De um lado, parece-nos bastante subjetivo definir que onde termina a vida privada começa o interesse público, ou simplesmente que a privacidade deve estar submetida ao interesse público. Também é relevante questionar até que ponto o jornalista é responsável pelo resultado final do seu texto, depois da edição. Segundo o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, de 1987, em seu capítulo 3, artigo 11, é da responsabilidade do jornalista “toda informação que divulga, desde que seu trabalho não tenha sido alterado por terceiros”. De início, propomos a disposição cronológica da Aids na vida de Cazuza. Como diz Márcia Benetti (2007, p.111), para o estudo dos sentidos de um texto, “importa compreender que existe uma exterioridade que não apenas repercute no texto, mas que de fato o constitui e não pode ser dele apartada”. De acordo com relatos registrados no livro “Cazuza: Só as Mães são Felizes”, de Lucinha Araujo, o cantor suspeitava que houvesse contraído o vírus da Aids em 1985. No dia 31 de julho daquele ano, Cazuza foi internado e o primeiro diagnóstico revelou uma infecção bacteriana e “negativo” para a contaminação pelo HIV. Mesmo assim, a própria Veja levantou especulações: “Depois de sua foto publicada na revista Veja e mesmo negando a doença, as especulações sobre o verdadeiro estado de saúde de Cazuza se intensificaram”. (ARAUJO apud ARAUJO, 2004, p. 195) Em 1987, Cazuza foi novamente internado e em 26 de abril do mesmo ano, João e Lucinha Araujo tomam conhecimento de que o filho havia sido “tocado pela Aids”. Em maio daquele mesmo ano, Cazuza teve a confirmação definitiva de que estava contaminado pelo vírus HIV, em exames realizados em Boston, EUA. Em 6 de dezembro de 1988, o cantor aceitava o convite da jornalista Marília Gabriela para uma entrevista no Cara a Cara, da TV Bandeirantes. Indagado sobre a doença, negou estar contaminado. Ele assumiu publicamente a Aids em entrevista ao então repórter do jornal Folha de S. Paulo, Zeca Camargo, publicada em 13 de fevereiro de 1989. Em entrevista concedida na sede da Sociedade Viva Cazuza, no Rio de Janeiro, em 17 de janeiro de 2007, Lucinha Araujo (2007) relatou detalhes do dia no qual Cazuza recebeu em sua casa os jornalistas da sucursal de Veja, além dos “efeitos colaterais” da matéria. Enfatizamos que a entrevista concedida pelo cantor aos jornalistas Alessandro Porro e Ângela Abreu não teve seu conteúdo distorcido, de acordo com Lucinha Araujo (2004). Já no dia em que ela (Ângela Abreu) foi, já levou o editor-chefe aqui do Rio (...), chamava-se Alessandro Porro. Aí eu me lembro que um amigo dele (de Cazuza) 60 que estava lá disse: “Lucinha, dá um pulinho aqui que eu não estou gostando do teor dessa entrevista. Cazuza tá falando tudo”. Eu fui e fiquei escondida escutando. (...) E aí o cara levou um isqueiro Zippo de presente, Cazuza serviu cafezinho, feliz da vida porque ia aparecer na capa da Veja. (ARAUJO, 2007) Em 26 de abril de 1989, a Veja publicava sua edição 1.077, que trazia o cantor e compositor na capa. Ao ler a matéria, Cazuza teve uma parada respiratória e foi internado na Clínica São Vicente, no Rio. Segundo o registro de Lucinha Araujo (1997), Ângela Abreu alegou que, apesar de seu nome assinar a matéria ao lado de Alessandro Porro, ela não era a responsável pelo texto final, e que este sofrera edição na redação, em São Paulo. Na semana seguinte, Ângela pediu demissão à revista. Segundo o Código de Ética de 1987, em seu capítulo 3, artigo 11, “o jornalista é responsável por toda informação que divulga, desde que seu trabalho não tenha sido alterado por terceiros”. “A luta em público contra a Aids” A partir daqui, seguiremos pelas análises da matéria “A luta em público contra a Aids”, objeto central deste trabalho, a qual vamos classificar como texto “A”. Como sugere Marcia Benetti (2007), recortamos fragmentos do texto, que a autora chama de “seqüências discursivas” (SD), método utilizado no estudo dos sentidos na Análise de Discurso francesa (AD). Vamos levar em conta, como diz Benetti (2007, p. 111), que “o texto é parte visível do material de um processo altamente complexo que inicia em um outro lugar: na sociedade, na cultura, na ideologia, no imaginário”. Em cada SD, estarão assinaladas em negrito das “formações discursivas” (FD). Márcia Benetti (2007), em seu trabalho “A Ironia como estratégia discursiva da revista Veja”, identifica tipos de ironia empregados no discurso de Veja. A nós, interessam os seguintes: antífrase (“que exprime idéias antiéticas por meio de palavras de sentido contrário”) e sarcasmo (ironia desqualificadora, ofensiva ou injuriosa). SD1- A – Justificando a manchete de capa “(...). Primeiro ídolo popular a admitir que está com Aids, a letal síndrome da imunodeficiência adquirida (FD1-A), o roqueiro carioca nascido há 31 anos com o nome de Agenor de Miranda Araujo Neto definha um pouco a cada dia rumo ao fim inexorável (FD2-A). Mas o cantor dos versos Senhoras e senhores Trago boas novas Eu vi a cara da morte E ela estava viva faz questão de morrer em público, sem esconder o que está se passando” (FD3-A). A matéria inicia enfatizando que a síndrome da imunodeficiência adquirida é letal (FD161 A) para justificar a sentença seguinte, que afirma que Cazuza “definha um pouco a cada dia rumo ao fim inexorável”. Essa sentença, inclusive, é usada para dar legitimidade à manchete de capa da revista - “Cazuza – uma vítima da Aids agoniza em praça pública” - e à foto do cantor, que, naquela época, estava pesando cerca de 40 quilos. Isso justificaria o fim inevitável que a revista anunciou para Cazuza. Para afirmar que Cazuza estava morrendo, os jornalistas deveriam se valer de depoimentos médicos, mesmo diante do estado visivelmente debilitado do cantor, levando em consideração o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros de 1987, que em seu artigo sétimo diz que “o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação”. Entretanto, mesmo sem respaldo dos médicos que acompanhavam Cazuza, a revista sentencia sua morte. Lembremos que há casos de aidéticos que tiveram uma longa vida, apesar da doença, como o sociólogo Hebert de Souza, Betinho, que conviveu com a Aids de 1986 a 1996. Quando Veja diz que Cazuza “definha um pouco a cada dia rumo ao fim inexorável” (FD2-A), noticia a morte do olimpiano sem deixar margens a dúvidas. Para isso, utilizam um artifício irrefutável: a foto do cantor, com olhar incisivo, pele ressecada e vários quilos mais magro. Os braços cruzados e as mãos sobre os ombros, aliados à sentença de “agonia” pela qual passava o cantor, segundo dizia a manchete da edição 1.077, não só infringem o artigo 13, alínea a, do supracitado código, que diz que “o jornalista deve evitar a divulgação de fatos de caráter mórbido e contrários aos valores humanos”, como o artigo 14, alínea b: “o jornalista deve tratar com respeito todas as pessoas mencionadas nas informações que divulgar”. Os FD1-A e FD2-A justificam a estrutura semântica da capa da revista, que traz a agonia de Cazuza, estampada pela foto, e a manchete que a ratifica. Imagem e texto criam uma sentença que precisa de uma legitimação, como explica Fausto Neto (1991): (...) Se abstraíssemos o enunciado lingüístico que vem superposto às imagens, estas articuladas com o sintagma Veja seriam suficientes para nos dizer: “Veja como Cazuza está”, em nível de efeito e sentido. (...) O olhar e a posição dos braços entrecruzados de Cazuza apontam para uma articulação pela qual ele não só interpela o leitor, mas lhe oferece a singular ocasião de produzir a seguinte associação: “Veja como eu me encontro!”. (FAUSTO NETO, 1991, p.136) Toda declaração de Cazuza foi a ele creditada, dando a revista o confortável status de mero intermediador. Segundo Fausto Neto (1991), essa intenção da revista é explicitada também pelo formato dado à matéria, que distribui relatos de Cazuza na íntegra, em boxes que se espalham ao longo das oito páginas da matéria. Trataremos disso mais detalhadamente na análise SD12-A. SD12-A – Lauro Corona, aidético? “Ninguém tem mais padecido mais com esses boatos (sobre estar contaminado 62 pela Aids) do que o ator Lauro Corona. (...) ‘Eu não estou com Aids, mas a campanha que a imprensa está fazendo contra mim é tão grande que eu passei a ser encarado como um maldito’, disse o ator a VEJA (...). ‘É uma irresponsabilidade a imprensa noticiar especulações, provocando repercussões ‘definitivas em minha vida profissional e afetiva”, afirmou Lauro, que desde então vem se recusando a falar com jornalistas” (FD15-A). Segundo Lucinha Araujo (1997), Cazuza realmente deu depoimento a Alessandro Porro e Ângela Abreu sobre a possível contaminação de Lauro Corona, que foi assim registrado pela revista, em um box na página 85: SOBRE LAURO CORONA “Ele deve estar com Aids, sim. Quem tem Aids fica com o cabelo mais ralo no lado da cabeça. É um dos sinais mais claros. Mas ele vai esconder a doença até morrer, vai fazer igualzinho ao Rock Hudson. Ele é muito galãzinho, muito vaidoso. Deus queira que ele não tenha Aids. Mas, de repente, ele vive internado, não sei. (...)” (CAZUZA, 1989, p. 85) Primeiro, vamos buscar a explicação de Fausto Neto (1991) para a diagramação das páginas da matéria “A luta contra a Aids”, que trazia boxes com citações integrais do cantor. Segundo o autor, com o tratamento dado pela edição da revista, as declarações de Cazuza tornam-se autônomas, como se “não tivessem sofrido um processo de organização e hierarquização injucionado pelo próprio campo da produção jornalística” (FAUSTO NETO, 1991, p. 138). Ao serem autonomizadas, as declarações de Cazuza são transformadas em espécie de depoimentos (...). Tal organização visa oferecer com efeito de sentido a idéia de que os depoimentos, sendo guardados pela condição do discurso direto, não podem ser contestados, porque foram afinal, e simplesmente, resguardados enquanto palavras ditas por Cazuza. (FAUSTO NETO, 1991, p. 138) Neste caso, chamamos atenção para dois detalhes importantes: As palavras de Cazuza inspiram dúvida em relação à sua própria afirmativa: “Ele deve estar com Aids sim.” e “Deus queira que ele não tenha Aids. Mas, de repente, ele vive sendo internado, não sei”. Já em FD15-A, Veja registra depoimentos do próprio Lauro Corona, que ratifica não estar com Aids e que a “campanha” da imprensa o estaria tornando um “maldito”. Ora, diante dos depoimentos de veracidade duvidosa e Cazuza e das negativas de Lauro Corona, Veja não poderia ter levantado a polêmica. Observemos que, ao chocar as declarações de ambos, a revista declara nas entrelinhas que o ator estava contaminado. Neste caso, Veja compromete o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros de 1987 em 63 dois dos seus artigos: o sétimo, que diz que “o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação”; e o artigo nono, alínea “g”, que estabelece que é dever do jornalista “respeitar o direito à privacidade do cidadão”. Diante da atualização do Código de Ética, de 2007, o FD15-A fere os artigos sexto, parágrafos sexto, que diz ser dever do jornalista “não colocar em risco a integridade das fontes e dos profissionais com quem trabalha”, e oitavo, que determina que o profissional deva “respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão”. SD14-A – A sentença final da Veja “(...), o drama de Cazuza tem servido de pretexto para que se escrevam algumas bobagens (FD16-A). O jornalista verde Fernando Gabeira, por exemplo, escreveu que o verso A droga que já vem malhada antes de eu nascer é uma “reflexão sobre a própria civilização brasileira, que se instalou com a rapina colonial e a intensa exploração de índios e escravos negros”. (...) Quando o ecologista topar com letras de Tom Jobim, Chico Buarque e Caetano Veloso, para não falar de Shakespeare ou Dante, quantos séculos de estudo precisará? Cazuza não é um gênio da música. É até discutível se sua obra irá perdurar, de tão colada que está ao momento presente (FD17-A). Não vale, igualmente, o argumento de que sua obra tende a ser pequena devido à força do destino: (..). Cazuza não é Noel, não é um gênio. É um homem cheio de qualidades e defeitos que tem a grandeza de alardeá-los em praça pública para chegar a algum tipo de verdade. (FD18-A)” Consideramos esta SD a mais significativa de todo o discurso da Veja 1.077, diante do contexto deste trabalho. Observemos os fragmentos em negrito e, se estabelecermos um elo direto entre este parágrafo, o último da matéria “A luta em público contra a Aids”, com o SD1-A, que inicia o discurso da revista, podemos construir um cenário para o real sentido que Veja buscou alcançar ao publicar a manchete “Cazuza – Uma vítima da Aids agoniza em praça pública”: a busca do sensacionalismo através da morbidez. Em FD16-A, a Veja diz que o então deputado Fernando Gabeira escreveu “algumas bobagens” ao descrever que os versos da música “Brasil”, “a droga que já vem malhada antes de eu nascer” poderiam ser interpretados como uma reflexão do processo de civilização do Brasil. Segundo a narrativa da revista, Fernando Gabeira se deslumbrava com as palavras do cantor e compositor pelo mesmo motivo dos fãs – Cazuza estava morrendo e suas palavras ganhavam, por causa do estigma de “derradeiras”, o status de profecia. Em toda SD14-A, último parágrafo da matéria, a voz é do emissor, como em monólogo no qual o veículo estabelece uma posição diante do assunto. O tom opinativo é o mesmo do início da matéria. E diante do questionamento “Quando o ecologista topar com letras de Tom Jobim, Chico Buarque e Caetano Veloso, para não falar de Shakespeare ou Dante, quantos séculos de estudo precisará?”, que culmina com a resposta “Cazuza não é um gênio da música” e a dúvida (da própria Veja) de que as músicas do compositor ficariam perdidas em algum lugar daquele tempo, já que não perdurariam. 64 O próprio tempo provou que a profecia da Veja estava equivocada. Em 2004, o filme “Cazuza – O tempo não pára” de Sandra Werneck levou milhões de pessoas aos cinemas em todo País. Até hoje, as composições de Cazuza rendem direitos autorias ao trabalho da Sociedade Viva Cazuza, organização não-governamental criada por Lucinha Araujo, que cuida de crianças aidéticas no Rio de Janeiro. A repercussão pública Chegamos às análises das cartas à redação publicadas por Veja em 17 de maio de 1989, na edição 1.079. Elas refletem a opinião do campo receptor sobre a matéria “A luta em público contra a Aids”, ainda que tenham passado pelo crivo da edição da revista. O que temos aqui são impressões sobre a matéria, o que nos seria demais subjetivo para uma análise sucinta, como explica Fausto Neto (2002), a respeito dos processos de recepção de discurso sociais: Como o conhecimento daquilo que a recepção faz com os discursos que lhes são endereçadas não se garante por técnicas de mensuração, tampouco pelo teste de variáveis, o desafio bate à porta dos que trabalham com esses problemas (...). Nesse caso, o desafio estaria na junção, domínio e articulação de um conjunto de procedimentos e técnicas que assegurem, simultaneamente, compreender o tipo de discurso (...) e, também, “entender como as pessoas se apropriam, bem ou mal, desse discurso”. (FAUSTO NETO, 2002, p. 193 e 194) Observemos: Tabela 1: Favoráveis Desfavoráveis Neutros Edição PE 27 27 4 Edição RJ 7 0* 3 Total 33 28 7 * Uma leitora do Rio de Janeiro elogiou a matéria e criticou a manchete da capa. Total 58 11 69 Como vemos na tabela 1, a edição 1.079 que circulou em Pernambuco trouxe 58 cartas à redação. Observemos que, destas, 27 apresentam discursos favoráveis à revista, de leitores que consideram a matéria como uma “homenagem” a Cazuza, “séria”, “realista”, “sensível”, “correta” e “neutra”. A defesa bate na tecla de que a Veja revelou a realidade de um doente de Aids. Chamamos atenção a uma carta em especial: Recebam minha solidariedade pelo “desagravo” que esquisitas figuras promoveram contra a revista VEJA, no Rio de Janeiro, por documentar verdades sobre o irracional, abusado e indecoroso Cazuza. De triste memória, esse aidético insultou famílias, ofendeu seguidamente o público em seus shows e até desrespeitou o símbolo máximo da nacionalidade – a nossa bandeira. Que os signatários do desagravo – lido em noite de gala e noticiado pela TV Globo – 65 vão todos para os diabos e, ao ordinário Cazuza, que o inferno o receba, em breve e ardentemente. (JAZADJI, 1989). No fragmento do deputado Afanázio Jazadji, observamos um discurso extremamente agressivo. A revista, ao publicar esta manifestação, não só desrespeita o exercício do jornalismo, como o cantor e àqueles que assinaram o manifesto contra a Veja. O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, de 1987, justifica nossa abordagem sobre este fragmento, em seu artigo décimo, alínea “d”: “o jornalista não pode concordar com a prática de perseguição ou discriminação por motivos sociais, políticos, religiosos, raciais, de sexo e de orientação sexual”. Da mesma forma, a publicação da carta de Afanázio Jazadji fere o artigo 14, alínea “b”, que diz que o jornalista deve “tratar com respeito a todas as pessoas mencionadas nas informações que divulgar”. Na amostragem publicada por Veja em sua edição 1.079, que circulou em Pernambuco, parte do público leitor entendeu a matéria como uma homenagem ao cantor. Muitos não consideraram sensacionalista sua abordagem, mas elucidativa do ponto de vista da doença e corajosa ao desmistificar a ação do vírus HIV no ser humano. Houve também posições críticas em relação à carta de repúdio lançada por artistas no dia da entrega do II Premio Sharp; outros se ativeram a acusar a revista de falta de respeito com Cazuza, por ter explorado sua doença com sensacionalismo. Das 27 cartas, uma chama atenção ao drama de Lauro Corona, que foi referenciado por Cazuza na matéria. E o argumento do leitor, que disse que “faltou respeito à pessoa do ator e ao seu direito de silenciar sobre seu estado de saúde”, tem respaldo no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, de 1987, que determina em seu artigo nono, alínea “g”, que é dever do profissional “respeitar o direito à privacidade do cidadão”. Por esse universo de fragmentos de cartas de leitores contrários à abordagem feita por Veja em “A luta em público contra a Aids”, observamos que a matéria é tratada como “informativo de imprensa marrom”, “injusta”, “grosseira”, “utilização oportunista (...) sem o mínimo de respeito humano”, “sensacionalista”, “apelativa”, “grotesco” e “sarcástica”. A disparidade entre os fragmentos que circularam em “Cartas” em Pernambuco daquela publicizada no Rio de Janeiro nos chamou atenção. Primeiro, por que apenas 11 foram publicadas na edição 1.079 que circulou no Rio, contra 58 da edição pernambucana. Segundo, pela diferença de porcentagem entre os fragmentos: no Rio, foram publicadas sete manifestações favoráveis à abordagem que Veja deu à matéria sobre a Aids de Cazuza; uma é contrária e critica a capa da revista, mas mantém os elogios à reportagem. Três abordam outros assuntos, não tecendo posicionamentos específicos diante da matéria. Entre os leitores que tiveram suas cartas publicadas, e que se posicionaram a favor de Veja, destacamos que, ao contrário dos fragmentos da edição 1.079 que circulou em Pernambuco, a que circulou no Rio se atém a críticas veladas à classe artística e ao manifesto assinado por artistas e lido durante a cerimônia do II Prêmio Sharp. As diferenças encontradas nas cartas publicadas nas duas edições da Veja demonstram que, no Rio, a revista posicionou-se contra os artistas – a maioria deles residem na capital 66 carioca. Na edição de Pernambuco, Veja optou pelas cartas que se posicionaram ao seu favor e privilegiou aquelas de linguajar mais agressivo. Visivelmente, as respostas dos receptores foram manipuladas pela revista a seu favor, como se descrevessem posicionamentos seus. Conclusão Embora muitas teorias tratem da abordagem mórbida pela mídia, como é o caso da matéria “A luta em público contra a Aids” de Veja e sua capa sobre a doença do cantor Cazuza, elas seriam dispensáveis pelo olhar crítico; principalmente daqueles que compreendem o dia-adia do jornalismo. Não estamos aqui falando da autocensura, prática também condenada pelo Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, de 1987, mas apelando para o bom senso profissional. O discurso de Veja ignora a informação mais importante do caso: a figura do olimpiano aidético que busca tratamento e continua vivendo. Ao contrário, Veja explora a agonia de Cazuza e utiliza a imagem do cantor para justificar suas posições, afinal, ele mesmo estava publicizando sua agonia. Observamos que a opinião velada e irônica da revista é costurada aos depoimentos de Cazuza, dos seus pais e amigos, em um discurso de agonia firmado pelo rosto do cantor, na capa. Seu suplício, pelo discurso de Veja, era resultado da vida desregrada, à base de bebidas, drogas e promiscuidade. Veja toma para si o discurso médico e, sem respaldo dos profissionais que acompanhavam Cazuza, redige sua sentença de morte. A disparidade entre as opiniões dos leitores publicadas por Veja vai além da questão ideológica de cada indivíduo, como explicou Fausto Neto (2002), mas segue pelas várias interpretações que a linha irônica da matéria remete. Márcia Benetti (2007) diz que a ironia é um recurso de risco, que põe em questão a credibilidade do veículo, como foi o caso aqui, e acaba por despertar inúmeras interpretações. Com os estudos de Fausto Neto (2002) sobre o campo da recepção, e diante das manifestações dos leitores à matéria de Veja, de acordo com os fragmentos de cartas publicados na edição 1.079 – mesmo cientes de que passaram pelo crivo da edição – podemos concluir que o perfil de leitor “caixa vazia” existia também àquela época. Primeiro, por que a Aids era um assunto desconhecido e, principalmente, pela credibilidade da revista diante do seu público leitor (vemos que mesmo leitores que criticam a matéria, tecem seu desagravo dizendo-se decepcionados com o “deslize” de uma revista “séria” como Veja). Isto, não nos referindo somente aqueles leitores que se posicionaram contra a revista, mas numa análise do campo receptor como um todo. É a questão de influência sobre a convicção as pessoas, “sem ter que se comprovar competências ou dar satisfações”, como diz Habermas (1997). Como vimos, na edição que circulou no Rio de Janeiro, nenhuma das cartas publicadas foram contrárias ao desfecho que Veja sentenciava para Cazuza. Importante lembrar que as maiores manifestações contra a matéria estavam, justamente, localizadas da capital carioca, onde residia Cazuza e onde estavam as manifestações dos artistas. Por fim, concluímos que o discurso da Veja ignora os preceitos éticos do jornalismo, negando o posicionamento da revista enquanto veículo informativo de credibilidade nacional. Ao tratar de forma irresponsável e sensacionalista um assunto delicado como a Aids, Veja 67 enfatizou preconceitos contra os aidéticos, ratificou o vínculo da doença aos homossexuais, drogados e promíscuos e não assumiu a responsabilidade da informação elucidativa, que trataria a doença do ponto de vista médico e científico. Veja sequer tratou da descoberta da ciência de que o HIV contaminava também indivíduos heterossexuais masculinos, mulheres e crianças, um alerta necessário à sociedade. Além disto, ignorou Cazuza enquanto pessoa humana, seu estado de saúde já debilitado, e o expôs à esfera pública de forma tão mórbida e desumana que, até hoje, quase 20 anos após sua publicação, “A luta em público contra a Aids” figura no ranking das 10 matérias mais polêmicas da história de 40 anos da Veja. Referências bibliográficas ABRAMO, Perseu. Padrões de manipulação da grande imprensa. 1. ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003. ADÁRIO, P. A cara do Brasil. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 27 de abril de 1989, Caderno B. AMIGA, Rio de Janeiro: Ed. Bloch, n. 991, 15 mai. 1989. ARAUJO, Maria Lucia da Silva. Cazuza: só as mães são felizes. 2. ed. São Paulo: Editora Globo, 2004. BENETTI, M.; LAGO, C. Metodologia de pesquisa em jornalismo. Rio de Janeiro: Vozes, 2007. BRASIL. 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O estudo é financiado com bolsa de Iniciação Científica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e objetiva analisar a relação entre os jornalistas e as fontes no jornalismo esportivo (JE), iniciando pelo levantamento dos TCCs apresentados no curso de Jornalismo da UFRGS. Metodologia: O levantamento bibliográfico permite estabelecer inicialmente o estado da arte dentro do curso de jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e compor uma revisão nos estudos de JE e sobre emissoras de rádio no Rio Grande do Sul, especificamente em Porto Alegre. A finalidade da revisão bibliográfica é tipificar e classificar as fontes de acordo com sua natureza, origem, duração e legitimidade. Após a Resultado parcial da pesquisa “A relação entre jornalistas e fontes no jornalismo esportivo (estudo de radiojornalismo esportivo)”, financiada com bolsa de iniciação científica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul com prazo de conclusão previsto para dezembro de 2011. 2 Estudante de graduação. Bolsista de Iniciação Científica. 3 Jornalista, professora orientadora da Pesquisa “A relação entre jornalistas e fontes no jornalismo esportivo (estudo de radiojornalismo esportivo)”. 1 12 etapa inicial, será constituído o corpus da pesquisa, formado pela programação esportiva das emissoras que operam em Amplitude Modulada (AM) em Porto Alegre. Esta delimitação será possível a partir do acompanhamento da programação e a classificação dos programas com observação das rotinas de produção. A etapa seguinte, com base nas referências bibliográficas e no levantamento da produção dos estudantes, constitui-se em uma análise da programação para definir os programas jornalísticos e a relação jornalista x fonte. Resultados parciais: Nos últimos 10 anos, limitado entre 1999 e 2009, foram registrados 234 Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul abordando o JE. Apesar de a especialização em JE ter pouco prestígio na academia e nos veículos, a quantidade de trabalhos produzidos revela forte interesse dos estudantes em relação ao tema. O ano de 2007 registrou o maior número de trabalhos produzidos: cinco. Um dos motivos pode ter sido a realização da Copa do Mundo em 2006. Ao analisar o quadro de evolução de monografias produzidas sobre JE, percebe-se um aumento significativo nos últimos anos. O período 20052009 registrou 14 produções. Quadro 1. Produção nos últimos dez anos. De acordo com a Comissão de Graduação da Faculdade, são concluídos em média 20 TTCs de jornalismo por ano. 4 ANO No 70 1999 2 2000 1 2001 1 2002 3 2003 0 2004 2 2005 2 2006 1 2007 5 2008 2 2009 4 Total 23 3 O assunto com maior incidência foi Copa do Mundo, com quatro trabalhos produzidos. Questões relacionadas à atuação profissional e o resgate histórico de emissoras ou de personagens foram outros temas com grande abordagem: três cada um. Em relação ao exercício profissional na editoria de esportes, os trabalhos apontaram as características e os campos de ação no JE. Na parte histórica foi relatado o desenvolvimento da veiculação esportiva nas rádios e a trajetória de profissionais. Quadro 2. Assuntos mencionados nos trabalhos pesquisados. Os veículos mais mencionados foram impresso (9) e rádio (8). Dois trabalhos analisaram o JE de maneira geral, tratando todos os veículos. Portanto, o veículo rádio, foco desta pesquisa, foi estudado por dez graduandos. O que confirma a alta relevância deste veículo dentro do JE . Quadro 3. Veículos mencionados. Assunto No Copa do Mundo 4 Profissionalismo 3 Resgate histórico 3 Algum programa 2 Jornalismo Investigativo 2 Fundamentos de JE 2 Mulheres no JE 71 2 Comparação de impressos 1 Novas tecnologias 1 Esporte amador 1 Espetáculo no JE 1 Jogos Olímpicos 1 Veículo No Impresso 9 Rádio 8 TV 4 Internet 1 Geral 2 Os anos de 2004, 2005 e 2009 apresentaram maior produção de TCCs sobre o radiojornalismo esportivo: duas cada. Especialmente o período 2004- 2005 teve quatro trabalhos. O assunto com maior freqüência foi “resgate histórico”. Três pesquisas foram realizadas com essa abordagem. Dois trabalhos foram bastante específicos: retrataram o desenvolvimento histórico do JE em determinadas emissoras. Somente um fez um estudo mais geral do JE, mencionando diversos veículos. Diferentemente do que foi visto, as copas do mundo não foram analisadas por nenhum trabalho focado em radiojornalismo. Outros assuntos recorrentes foram: “programa específico”; “profissionalização”; e “fundamentos”. Nota-se que há uma expressiva preocupação com a especialização e com as questões profissionais da área. As emissoras Bandeirantes e Guaíba 5 foram abordadas especificamente por um TCC cada. Os dois trabalhos realizaram resgate histórico da parte esportiva das emissoras. Conclusão: O número de TCCs na Faculdade de Comunicação da UFRGS ofereceu o diagnóstico sobre o grau de interesse dos alunos pelo Jornalismo esportivo e quais assuntos foram mais abordados. Poucas pesquisas são realizadas nas faculdades de comunicação sobre o tema. Porém, esta etapa inicial da pesquisa mostrou que há uma significativa produção de trabalhos de conclusão, o que determinou a inclusão de uma disciplina eletiva – jornalismo esportivo – no semestre em curso. Portanto, há interesse dos estudantes de graduação em uma área cada vez mais especializada do jornalismo. Referências Bibliográficas ALCOBA, A. 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