os suplementos literários da imprensa recifense da primeira

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os suplementos literários da imprensa recifense da primeira
FÓRUM NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO (FNPJ)
XIII ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO
IX CICLO NACIONAL DE PESQUISA EM ENSINO DE JORNALISMO
MODALIDADE DO TRABALHO: Comunicação Científica
GRUPO DE PESQUISA: Pesquisa na Graduação
OS SUPLEMENTOS LITERÁRIOS DA IMPRENSA
RECIFENSE DA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX
Aline Maria Grego Lins1
[email protected]
Tércio de Lima Amaral2
[email protected]
RESUMO
Os suplementos literários produzidos, editados e que circularam no
Recife no século XX, de modo especial no período de 1900 a 1950, são o objeto
de estudo deste trabalho. Os suplementos literários, de um modo geral, são
cadernos especiais de jornais impressos que abordam temas relacionados à
literatura e apresentam produções de diferentes gêneros literários, além de
críticas e artigos de história. Na imprensa pernambucana eles sempre estiveram
presentes, abrigando importantes nomes da literatura, a exemplo dos poetas
Manoel Bandeira, Carlos Pena Filho e Ascenso Ferreira. Nosso objetivo foi
identificar e registrar esses Suplementos, bem como os jornalistas recifenses
que, de alguma forma, destacaram-se nesse viés editorial dos jornais locais.
Apesar de os jornais recifenses enfrentarem dificuldades, sobretudo financeiras,
na primeira metade do século passado, o que mais chamou a atenção foi o fato
de que eles sempre dedicaram espaços aos suplementos literários, ainda que as
edições e circulações, nem sempre, tenham ocorrido de forma regular.
Palavras-chave: história da imprensa recifense; Suplementos especiais.
Aline Maria Grego Lins é doutora em Comunicação e Semiótica, pela PUC/SP. Autora do livro
A Alfabetização do Olhar e professora do curso de Jornalismo da Universidade Católica de
Pernambuco. Faz parte do Grupo de Pesquisa em Mídia e Cultura Contemporânea da
UNICAP/CNPq. Tem capítulos publicados nos livros: Telejornalismo: a nova praça pública
(2006); Síndrome da Mordaça: mídia e censura no Brasil (2007), A Sociedade do
Telejornalismo (2008) e Guel Arraes um inventor no audiovisual brasileiro (2008).
2
Possui graduação em história, pela UPE (2008). Atualmente, é estudante de jornalismo da
Unicap e pesquisador bolsista do Pibic/CNPq.
1
Introdução
A imprensa brasileira, através dos registros ao longo da história, revelou
e revela, nas páginas dos mais diferentes jornais, uma tradição literária.
Escritores sempre estiveram presentes nos textos jornalísticos e não são poucos,
também, os casos de jornalistas que se tornaram escritores, a exemplo de
Euclides da Cunha e, mais recentemente, Inácio Loyola Brandão. Obras
clássicas como as de José de Alencar e Machado de Assis foram publicadas,
ainda na segunda metade do século XIX, na imprensa carioca, em páginas
especiais dos seus diários.
Em Pernambuco, a presença de escritores na imprensa também foi uma
marca dos nossos jornais. Mas é, sobretudo, no século XX, em sua primeira
metade, que começam a surgir os Suplementos Literários na capital
pernambucana. O Diario de Pernambuco saiu na frente, publicando sua página
de literatura em 1900. Pelas páginas de suplementos da imprensa recifense
passaram grandes nomes das letras nacionais, a exemplo de Jorge Amado e
Graciliano Ramos. Os dois escritores do Modernismo contribuíram para a Folha
do Povo. Esse impresso teve como tradição a colaboração de artigos
relacionados ao comunismo. Entretanto, pode-se notar, por exemplo, que
Graciliano Ramos também colaborou com as páginas da Folha da Manhã.
A presente pesquisa pretende contribuir para o cenário de renovação das
fontes historiográficas nacionais e regionais a respeito da história da imprensa,
de modo particular a pernambucana, uma vez que poucos são os estudos
históricos sobre direção. Entre os existentes, merece registro o trabalho do
historiador Luiz do Nascimento (1967, 1968), em História da imprensa de
Pernambuco, em que ele realizou um levantamento primoroso da história da
imprensa do Estado, desde o começo do século XIX até as primeiras décadas do
século XX. Nosso olhar, no presente estudo, entretanto, vai deter-se, apenas,
nos suplementos literários e, de modo particular, naqueles que foram
totalmente produzidos em redações de jornais recifenses e que circularam na
capital pernambucana, pelo menos, durante um ano.
A Rede Alfredo de Carvalho, que reúne pesquisadores em todo o País,
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inclusive em Pernambuco, vem incentivando o desenvolvimento de pesquisas
que resgatem a memória da imprensa no último século, a exemplo dessa que
estamos realizando na capital pernambucana sobre os “Suplementos Literários
da imprensa recifense no século XX: 1900 a 1950”.
A imprensa pernambucana contou com diversos Suplementos Literários
ao longo dos séculos XX e também nesse início de século XXI. Os cadernos
especiais revelaram e consagraram nomes como Ascenso Ferreira, Manuel
Bandeira, Gilberto Freyre, Osman Lins, Raimundo Carrero e Homero Fonseca.
É nas páginas do Diário da Manhã, Diario de Pernambuco, Folha da Manhã,
Folha do Povo, Jornal do Commercio e O Intransigente que se propõe o resgate
da identidade da imprensa recifense. Pois,
Recentemente, a história, dentro dos novos interesses gerados
pela interdisciplinaridade e pela pós-modernidade, tem tentado
trabalhar com o conceito de identidade. Talvez um dos
principais campos da historiografia a refletir sobre essa noção
seja o dos estudos da memória. Para David Lowenthal,
identidade e memória estão indissociavelmente ligadas, pois
sem recordar o passado não é possível saber quem somos. E
nossa identidade surge quando evocamos uma série de
lembranças. Isso serve tanto para o indivíduo quanto para os
grupos sociais (SILVA; SILVA 2005, p. 204).
Esse quadro talvez justifique o fato de historiadores e jornalistas da
região Nordeste demonstrarem interesse pela trajetória dos suplementos
literários. Em Pernambuco, vale registrar o trabalho do jornalista Jodeval
Duarte em Agitação Cultural (2005), que destaca a influência das páginas do
Suplemento Literário do Diario de Pernambuco no cenário literário nacional.
Segundo Duarte, as edições desse Suplmeneto eram colecionadas e leitores
faziam filas para o impresso recifense no dia de sua publicação, que ocorria no
final de semana:
Aos domingos, há um interesse surpreendente por essas páginas
literárias que não são feitas como se fazem muitas vezes, isto é,
a custa da ‘tesoura’, oferecendo quase sempre aos leitores
simples recortes. O Suplemento Literário do Diário de
Pernambuco, graças à tenacidade de Mauro Mota, o poeta das
‘Elegias’, que conquistaram justo renome em todo o Brasil, é,
portanto, o centro em torno do qual gravita o movimento
literário pernambucano, sendo de grande importância qualquer
nota, por mais que simples que seja nele publicado (DUARTE,
3
2001, p. 52).
No Recife, os Suplementos Literários tinham aspectos dos mais variados.
Cada impresso tinha sua política editorial frente às páginas complementares.
Nas páginas literárias dos jornais, muitas vezes, eram divulgadas as posturas
ideológicas de cada jornal. Enquanto a Folha do Povo divulgava madrigais em
homenagem ao político esquerdista Luis Carlos Prestes, assinadas por grandes
nomes como Graciliano Ramos e Jorge Amado, o Diario de Pernambuco
assinava notas sobre a relação entre catolicismo e comunismo, o Jornal do
Commercio, por seu turno, crônicas de “o anti-comunismo”.
Os suplementos literários recifenses de 1900 a 1950
Os Suplementos Literários da Imprensa Recifense, da primeira metade
do século XX, estiveram sob forte influência do que denominamos de prática
interdisciplinar. As páginas especiais e suplementos dos jornais recifenses desse
período foram testemunhas de trabalhos que versavam sobre política através da
poesia, história e descobertas científicas, praticamente presente, inclusive, em
suplementos infantis, a exemplo de “O Guri”, do Diario de Pernambuco. Além
de temas e brincadeiras infantis, esse suplemento tivera forte influência
literária.
Por outro lado, também foram influenciados pelo contexto histórico do
país. A república do café-com-leite, a era Vargas e a redemocratização no final
da década de 50 influenciaram a linguagem, a forma e os diferentes valores
culturais e morais de uma época em que os jornais eram, de alguma forma,
influenciados, também, não só pela política e economia, mas e também pelas
artes, a exemplo dos grandes romancistas da imprensa do século anterior. O
jornalismo, assim, além de abrir espaço para os suplementos literários, defendia
em suas páginas, sejam elas de política ou do cotidiano, a tarefa literária de
informar.
Segundo a História Nova Francesa, a produção do historiador pode ser
realizada de forma narrativa. Mas a literatura, também, é um documento
histórico dos mais confiáveis, por reproduzir pensamentos e desejos de uma
determinada época. Assim, foi possível observar alguns laços relevantes dos
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cadernos especiais da imprensa aos conteúdos da historiografia brasileira e local
ou aos frequentes debates da literatura nacional – sua interação com os
Suplementos Literários.
Como destaca a antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz (2000,
p. 25), os espaços de atuação do historiador, do jornalista e literato se
confundem. Para a livre docente da USP, essa seria a “Região de Fronteira”:
Assim como a estrutura não se limita mais ao imóvel, abandona
pequenas sociedades e se volta para a história, também a
história abre mão de dicotomias que pareciam fundamentais à
sua própria definição (...) Local da realização da diplomacia, em
seu sentido mais usual, no caso das fronteiras entre disciplinas,
não se inventou ainda o melhor juiz nem há como inventar
(SCHWARCZ, 2000, p. 25).
Um exemplo desse legado de “fronteira” é a Folha do Povo, que, em 1º de
janeiro de 1950, traz, no domingo, um Suplemento em homenagem ao 52º
aniversário do político comunista Luiz Carlos Prestes. É importante notar que o
conteúdo desse Suplemento Literário estava repleto de versos em homenagem a
Prestes, poesias, artigos de opinião assinados por grandes romancistas como
Graciliano Ramos. O escritor alagoano, inclusive, estivera preso no período por
envolvimento com os comunistas, embora, no seu livro Memórias do Cárcere
(1968, p. 81), negue seu envolvimento.
Eu não tinha opinião firme a respeito desse homem [Luiz Carlos
Prestes]. Acompanhara-o de longe em 1924, informara-me da
viagem romântica pelo interior [Coluna Prestes], daquele
grande sonho, aparentemente frustrado. Um sonho, decerto:
nenhum excesso de otimismo nos faria ver na marcha heróica
finalidade imediata. (...) Um protesto, nada mais. Se por
milagre a coluna alcançasse vitória, seria um desastre, pois nem
ela própria sabia o que desejava (RAMOS, 1968, Volume I, p.
81).
Foram identificados seis (6) suplementos literários com periodicidade
igual ou superior a um ano de duração. O Diario de Pernambuco foi o primeiro a
iniciar esse tipo de publicação no Recife. No início de 1900, começa a circular o
“Album do Domingo”, com destaque para a produção literária. Foi, sobretudo,
em meados da década de 50, que ele consegue destaque nacional sob a direção
do poeta e jornalista Mauro Mota.
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O Album do Domingo tinha espaço na primeira página do jornal Diario
de Pernambuco, que era publicado, claro, aos domingos. Ele ficava na margem
inferior da capa do jornal, em forma de coluna. Ocupando as margens da
esquerda à direita. Essa restrição de tamanho pode estar associada ao fator
pioneirismo, por ser o primeiro do Estado a produzir um espaço especialmente
pensado como suplemento literário. Por outro lado, essa atividade no jornal,
estava restrita a alguns poucos nomes da literatura pernambucana, que se
reservavam na produção e publicação de poemas ou conselhos aos leitores com,
inclusive, dicas de beleza.
O Diario de Pernambuco, o mais antigo jornal em circulação da América
Latina, revelou, durante nossa pesquisa, algumas surpresas, entre elas, a
publicação em de 2 de março de 1941, de um jogo de palavras cruzadas, um dos
primeiros registros desse passatempo em nossos impressos. Essa publicação
revela não só a diversidade do Suplemento, como também a inclinação para o
denominado de jornalismo de entretenimento. Ao mesmo tempo em que
notamos, na Segunda Secção, artigos de críticas ferozes de literatos, a exemplo
de Afrânio Coutinho, dividindo a atenção do leitor com publicações de puro
entretenimento.
IMAGEM 01 – Reprodução do jogo de palavras cruzadas
no Diario de Pernambuco, em 2 de março de 1941.
O velho sobrado azul do Diario de Pernambuco, no centro do Recife,
também abrigou um dos maiores nomes das ciências sociais do Brasil, o
sociólogo Gilberto Freyre. Para os que associam a figura do intelectual recifense
à produção de textos, uma surpresa: a partir de 3 de setembro de 1943, Freyre,
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junto com Ismael Ribeiro, assume a direção do impresso, que passara por uma
grande crise financeira. Entretanto, mesmo com o cargo essencialmente
burocrático, o autor de “Casa Grande & Senzala” contribuiu para um dos
cadernos do Suplemento em homenagem ao abolicionista Joaquim Nabuco, em
21 de agosto de 1949, ano que também marcou a entrada do escritor Ariano
Suassuna no Diario.
A estreita relação entre imprensa e literatura no Diario pode ser
observada em anos anteriores. Em meados de 1945, o fundador do curso de
jornalismo da Unicap, Luiz Beltrão, detinha a função de subsecretário do jornal,
ao lado do poeta Mauro Mota e do historiador José Antônio Gonçalves de Melo.
Esses intelectuais, que mantiveram vínculos administrativos e, ao mesmo
tempo, jornalísticos e literários, acompanharam crises na produção do
Suplemento, a exemplo da irregularidade nas edições em 1946. Mas, também,
períodos de crescimento do caderno especial de literatura, como em 1947,
quando existe um aumento do espaço para oito páginas e a colaboração do
jornalista Samuel Wainer e da escritora Maria Júlia Drumond de Andrade.
Já o extinto Diário da Manhã, em sua edição inicial de 16 de abril de
1927, trouxe seu “Caderno de Literatura”, também aos domingos. Foram
colaboradores de suas páginas Oliveira Lima e, mais uma vez, Gilberto Freyre.
Com períodos de interrupções, como a Segunda Guerra Mundial e cadernos
especiais de Carnaval – artifícios encontrados também em outros veículos –
tomou novo ânimo a partir de 1944 com a direção de Aderbal Jurema.
Entretanto, uma crise leva o fim do caderno Literatura, em janeiro de 1948. Só
em meados de março de 1948, o impresso passa a divulgar as “Crônicas
Literárias”, de Canário da Silva, com o objetivo de resgatar o público do extinto
Suplemento. Esse jornal, em sua primeira fase, encerrou suas atividades em 31
de dezembro de 1950.
Apesar da indisponibilidade de acesso à boa parte do acervo do Diário da
Manhã, alguns aspectos que conseguimos observar vale a pena destacar: havia,
nas suas publicações, pouco espaço dedicado ao suplemento Literatura,
geralmente, uma única página. E, diferentemente do Diario de Pernambuco, por
exemplo, não existiam espaços específicos para publicidade. Nesse sentido, o
Diario, ao longo de sua publicação de Suplementos revelou junto ao Jornal do
Commmercio e à Folha da Manhã a maior quantidade de páginas e espaço
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destinados à propaganda.
O Jornal do Commercio, empresa fundada por F. Pessoa de Queiroz, em
1919, começa a divulgar trabalhos de literatura na Página Dominical de
Literatura dirigida por Joaquim Inojosa. Sua circulação esteve restrita, apenas,
às edições comemorativas de Carnaval. Ainda foi interrompida com o
fechamento da redação do Jornal do Commercio por quatro anos conseguintes à
Revolução de 1930. A página Vida Literária só voltou aos domingos, a partir de
1937, sendo anexada ao Suplemento Dominical em abril de 1937. Sua publicação
foi interrompida, novamente, em virtude da II Guerra Mundial.
Mas, em 22 de dezembro de 1940, recomeçam as atividades de literatura
do JC na “Vida Literária”, do Suplemento de Domingo. E, quatro anos depois,
em junho de 1944, a página de Literatura do Suplemento de Domingo ganharia
novo fôlego sob a coordenação de Aderbal Jurema, sobretudo, após 1º de maio
de 1948, o Suplemento de Domingo ganha nova roupagem. Denominado
Segunda Secção, ele chega a dedicar todas as suas páginas ao jornalismo
cultural, a exemplo, de espaços para as notícias de cinema, de teatro, música, e
literatura. Também nesse novo formato, havia um grande número de ilustrações
coloridas que faziam do Suplemento um caderno especial do jornal – atraindo
anunciantes para sua edição.
O Suplemento do Jornal do Commercio, por sua vez, também abria suas
páginas para intelectuais e escritores publicarem sua produção, muitas delas,
calcadas nas crônicas que tratavam da cultura e dos costumes do nosso povo.
Observamos, em 3 de abril de 1937, um artigo assinado por um dos mais
respeitados cronistas brasileiros, Rubem Braga, intitulado Crises de homens e
crises de mulheres. O autor narra as possíveis relações de gênero – entre
homens e mulheres – comparando os costumes da arte de sedução dos
moradores da cidade do Rio de Janeiro e dos recifenses, “habitantes do
mangue”. Segundo ele,
No Mangue as mulheres vendem o amor. E aquilo é tão
escandaloso, tão escancarado, tão impudico, que não se pode
mesmo dizer que seja um mercado de carne humana. É, antes,
uma feira livre. Na praia do Flamengo, num domingo de sol, a
mulher que não tiver um homem bem forte ao lado ouve piadas
mais grosseiras que é possível imaginar. Alí há crise de
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mulheres, e os homens se disputam um olhar ou um sorriso
com uma ferocidade ridícula (BRAGA, 1937, Jornal do
Commercio, Segunda Secção, p. 23).
Além do registro dos costumes e, em certa maneira, a reprodução de
preconceitos, os Suplementos Literários tinham uma característica curiosa que
nos chamou a atenção: a transitoriedade de colaboradores entre esses cadernos.
Por exemplo, a partir de 1954, Gilberto Freyre, que já tivera passagens pelo
Diário da Manhã e Diario de Pernambuco, passa a colaborar nas páginas
especiais de literatura do Jornal do Commercio.
Nesse mesmo ano, o impresso deu atenção especial à cobertura das
comemorações do tricentenário da Restauração Pernambucana do domínio
holandês. Talvez, por esse motivo, foram convidados para essa produção os
jornalistas Mário Melo, Aderbal Jurema e Nilo Pereira, além dos historiadores
Jordão Emerenciano e o antropólogo Luis da Câmara Cascudo. É bom registrar
que, no final de 1954, o Jornal do Commercio ainda contou com a participação
do poeta Carlos Pena Filho e do jesuíta padre Mosca de Carvalho, educador da
Universidade Católica de Pernambuco.
Também encontramos um exemplo de Suplemento Literário em jornais
de pequeno porte como O Intransigente, fundado em 7 de dezembro de 1918,
por Osvaldo Machado, circulava com o suplemento “Artes, Literatura e
Elegância”, que tem início em 13 de abril de 1919 e vai até 20 de junho de 1920,
com a fusão do jornal com A Noite. Em suas páginas, havia, artigos
especialmente dirigidos para as mulheres, além de crônicas.
Por seu turno, fundada em 10 de junho de 1935, por Osório Lima, a Folha
do Povo tinha uma política editorial voltada ao comunismo, sendo, algumas
vezes, fechada por governos (destaque para o fechamento entre abril e maio de
1948). Seu Suplemento de Literatura só foi desenvolvido com regularidade a
partir 11 de janeiro de 1953. A Folha, talvez, seja o impresso no qual a literatura
estivesse mais associada à ideologia do veículo, a exemplo do Suplemento em
homenagem a Luis Carlos Prestes, em 1º de janeiro de 1950 (Ver imagem 02).
Em suas páginas, colaboram escritores como Jorge Amado, que há pouco tivera
sido eleito deputado federal pela Bahia, pelo partido comunista. O deputado
chegou a defender o engajamento dos intelectuais da época no “Partido”:
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O conhecimento do marxismo e a compreensão da linha do
partido, por outro lado, dão ao criador de cultura uma
formidável independência de movimentos na análise dos fatos e
na sua interpretação artística. Para um poeta, para um
compositor, para um pintor, para um romancista, a vida
partidária traz uma infinidade nova de temas, de sugestões, de
matéria para ser transformada em beleza imortal. Nenhum
escritor ou artista pode se limitar ao ter vida partidária. Essa lhe
dará sempre maior amplitude, estenderá, os limites, mesmo da
humanidade as suas fronteiras criadoras (AMADO, 1946, Folha
do Povo, Segunda Secção, p. 2).
IMAGEM 02 – Capa do Suplemento da Folha do Povo em
homenagem ao 52º aniversário do líder comunista Luiz Carlos
Prestes.
Outro Suplemento analisado foi o da Folha da Manhã, que passou a
circular em 21 de novembro de 1937. Sua página de Literatura foi anexada ao
Suplemento Ilustrado, aos domingos, a partir de 29 de dezembro de 1940, mas
finalizado em 13 de abril de 1941. Colaboraram Ulisses Lins, Antiógenes
Cordeiro, o poeta Austro Costa, Célio Meira e Arnaldo Damasceno Vieira. Em
março de 1944, foi restabelecida a página de Literatura aos domingos. Ela sofreu
suspensões irregulares como cadernos do Carnaval (Ver imagem 03), e
campanhas políticas promovidas pelo impresso. A segunda seção chega ao seu
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auge em 1950. O veículo, porém, encerrou suas atividades em 31 de dezembro
de 1954.
IMAGEM 03 – Em 20 de fevereiro de 1944, a Folha da Manhã deixa
de publicar a Segunda Secção, com sua página de literatura, para a
realização de um caderno especial sem maiores informações ao seu
público leitor.
A Folha da Manhã, comparada aos demais Suplementos, tinha um viés
editorial diferente. Destacamos a participação de Costa Pôrto em artigos
dedicados à reflexão da história, sobretudo no período que vai de 1944 a 1950.
Temas regionais, como a Invasão Holandesa, Revolução de 1817, ou nacionais
como A Revisão da História Nacional foram escritos com maestria pelo
jornalista pernambucano. Para estabelecer esses laços entre o jornalista e o
historiador, recorremos a teórica pós-moderna da historiografia norteamericana Barbara Tuchman (1995, p. 31), para quem “nem sempre é preciso
haver uma dicotomia, ou disputa. As duas funções não precisam estar, e de fato
não devem estar, em guerra. A meta é a fusão. A longo prazo, o melhor escritor é
o melhor historiador”.
Em Napoelão e seu sentido histórico, identificamos em Costa Pôrto
(1944, p. 1) um jornalista preocupado com as regras da historiografia. Primeiro,
o distanciamento do passado para a realização de textos sem paixões e o mais
imparcial possível; no segundo momento, a suposta ansiedade e preferência do
esquecimento. Pois, ser esquecido seria melhor do que ser julgado nas mãos dos
historiadores – ou contadores de histórias.
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Felizes os que mergulharam no esquecimento, não deixando
rastro de sua passagem privados de aparecer como gênios
benfazejos, mas sem o perigo de desafiar o julgamento da
posteridade, através da apreciação, nem sempre serena de seus
biógrafos.
A proximidade ofusca, as paixões entontecem e todo o episódio
histórico,
todo
esforço
humano,
toda
afirmação
de
personalidade precisariam, para serem justos, fugir àquela
configuração local que, na análise, é meio caminho para o êrro e
para a incompreensão (PÔRTO, 1944, Folha da Manhã, página
Literatura, p.1).
IMAGEM 04 – esta é a capa da Segunda Secção da Folha
da Manhã, em 14 de maio de 1944. Esse Suplemento, de
até 8 (oito) páginas, tinha 2 (duas) dedicadas à literatura.
O debate político também estava em suas páginas literárias. A exemplo
da já citada Folha do Povo, a Folha da Manhã envolvia seus parceiros e
colaboradores em torno da questão comunista. Luiz Delgado (1950, p. 1) assina,
na primeira página da “Segunda Seção”, de 5 de agosto de 1950, o artigo
Catolicismo e Comunismo, defendendo que a missão do cristão é estar acima de
qualquer pensamento, e o marxismo deveria ser reconhecido nos seus pontos
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positivos. Argumenta,
Uma insidiosa propaganda que se fez durante algum tempo e
ainda reponta aqui e ali, afirmando que o comunismo não é
anti-cristão, desmentiu-se por si mesma, diante do espetáculo
das perseguições desencadeadas por toda parte aonde a
influência soviética se firmou depois da guerra.
A função do catolicismo não é combater o comunismo; é elevar
o homem à sua incomparável dignidade de filho de Deus. Tudo
que contrarie semelhante elevação santificadora – inclusive o
comunismo mas não somente o comunismo – deve ser
combatido por todos nós com igual força (DELGADO, 1950,
Folha da Manhã, Segunda Secção, p. 1).
A Folha da Manhã – jornal de grande porte da primeira metade do século
XX – pode ser considerada um sucesso de publicação. A Segunda Secção,
produzida pelo veículo aos domingos, como o Jornal do Commercio, chegou a
possuir doze páginas dedicadas ao cinema, literatura, interesses femininos e
artes em geral. E todo esse espaço com um bom número de anúncios
publicitários.
Por fim, também identificamos o Suplemento do jornal O Estado,
fundado em 16 de julho de 1933, o que era impresso nas oficinas da extinta A
Província. Foi adquirido sob o nome de Sociedade Anônima O Estado e era
presidido por Fileno de Miranda. Dos cadernos especiais analisados nesta
pesquisa, a Literatura do jornal o Estado foi o que mais teve interrupções em
suas edições. Colaboraram para o veiculo nomes políticos como os críticos
literários e jornalistas, Aníbal Fernandes, Plinio Correia de Oliveira, escritor e
historiador fundador da contraditória organização Tradição, Família e
Propriedade Privada (TFP). Ele era monarquista e defendia essa forma de
governo baseada no catolicismo conservador e no combate ao comunismo. O
Estado chegou a produzir na capa do Suplemento Literatura do dia 23 de julho
de 1933 o artigo “A imprensa Monarquista”, assinado como “o boletim de Ariel”.
Mas o que chama a atenção na publicação de o Estado são algumas
peculiaridades, entre elas, o aumento do caderno especial devido à censura
sofrida durante o ano de 1933. Ou seja, por não poder publicar matérias
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referentes ao cotidiano da cidade, matérias de política, em especial, o jornal
optou por aumentar a participação do Suplemento na edição. Talvez, essa fosse
uma forma de despistar a censura, ocasionalmente.
Sob o guante da censura, o matutino teve apreendida a edição
de 7 de novembro, por haver inserido, ‘em suas páginas, uma
nota cuja publicação havia sido proibida’. A edição de 24 de
dezembro, contendo 22 páginas, em três cadernos, repleta de
literatura, publicidade oficial e clicheira, foi dedicada à Paraíba
(NASCIMENTO, 1967, Volume III, p. 335).
O Suplemento Literatura, do Estado, foi produzido desde o primeiro
número do jornal, através de um segundo caderno, contendo também uma
seção infantil, temas econômicos e curiosidades. Encerrou suas atividades com
o fim do jornal em 17 de março de 1935.
Considerações finais
A história da imprensa recifense da primeira metade do século XX
(1900-1950) foi marcada pela produção dos suplementos literários e páginas
especiais de literatura. Podemos observar, que esses impressos foram
testemunhas das transformações sociais e culturais sofridas pela população
brasileira e pernambucana, revelando mudanças de comportamento e, em
certos casos, de avanços e debates em torno da política nacional.
Os suplementos e páginas de literatura recifenses interagiram com o
contexto sócio-histórico, a exemplo da virada de séculos (XIX para XX), a
ascensão e queda da República do Café-com-leite, das duas Grandes Guerras
Mundiais, a era Vargas e o pequeno período democrático no final da primeira
metade do século XX.
Mas, a imprensa recifense da primeira metade do século XX revelou,
ainda, um protagonista: o tradicional Diario de Pernambuco – jornal mais
antigo em circulação na América Latina. Esse jornal foi o pioneiro, no Recife, na
publicação de Suplementos e páginas dedicadas à literatura, poesia, contos e
artigos de reflexão histórica. Aliás, do próprio Diario saiu um dos grandes
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nomes da poesia pernambucana contemporânea: Mauro Mota. Sua marca,
ainda hoje, é percebida no caderno Viver, que, em alguns momentos, abre
espaço para as seções literárias, nem sempre regulares.
Os jornais também se configuraram em um espelho da produção literária
nacional. No Diario de Pernambuco, como outros jornais analisados, podemos
notar, ao longo da sua trajetória, a ampliação do espaço, nos cadernos especiais,
dedicados a momentos culturais marcantes na história do país, como, por
exemplo, o período que se estende após a Semana de Arte Moderna, de 1922.
Manuel Bandeira e outros poetas, escritores e artistas que participaram da
Semana assinaram artigos e produziram nos Diários Associados – então, maior
conglomerado de mídia brasileira.
A interdisciplinaridade nos suplementos, na primeira metade do século
XX, já podia ser percebida nessas páginas, claro que num contexto distinto do
atual, uma vez que havia poucos cursos de ciências humanas no Brasil no início
do século passado, a exemplo de jornalismo ou história, o que, de certa forma,
abria espaço, na imprensa, para intelectuais que transitavam em outras áreas do
conhecimento, até então, sem delimitação científica. Esse comportamento se
acentuou na análise do jornal Folha da Manhã. As páginas inicialmente
planejadas para a produção literária acabaram publicando artigos de reflexão
historiográfica.
Outro aspecto importante a ser destacado foi o planejamento das edições.
Os jornais da imprensa na primeira metade do século XX não tinham espaço
para editoriais, a exemplo do que acontece na atualidade. A identificação das
opções políticas dos jornais através dos Suplementos e páginas especiais de
literatura é possível ser reconhecida a partir da produção de artigos de opinião,
das homenagens a políticos, através de contos, crônicas e poesias.
O Diario de Pernambuco, a Folha da Manhã e o Jornal do Commercio
tinham claramente suas inclinações à política de direita; o Diário da Manhã, à
social democracia; a Folha do Povo, à ideologia comunista; O Intransigente à
política trabalhista; e, O Estado, à militância que defendia a volta do sistema
monárquico de governo do Brasil.
Já no que se refere à produção textual, identificam-se algumas
15
peculiaridades: a participação de autores que têm no jornalismo uma segunda
profissão, a exemplo de Gilberto Freyre; ou aqueles que são jornalistas e acabam
trilhando caminhos para a produção histórica, como os pernambucanos Costa
Pôrto e Mário Melo. Mas, seguindo o caminho inverso, identificamos cronistas,
poetas e romancistas que produziam e publicavam nestes Suplementos
Literários, nomes como Ancenso Ferreira, Graça Aranha e Rubem Braga, entre
outros.
Assim, podemos destacar que esses Suplementos e páginas especiais de
literatura marcaram e se fizeram presentes na tradição do jornalismo cultural
brasileiro. Essa experiência da imprensa recifense, no início do século XX,
continuou em anos posteriores, mas com características diferentes. Se, no início,
havia suplementos apenas literários, a imprensa atual brasileira agregou novos
formatos nessa produção. Em Pernambuco, por exemplo, o caderno Viver, do
Diario de Pernambuco, e o Caderno C, do Jornal do Commercio, que são
publicados diariamente, privilegiam reportagens de entretimento, com arte,
música e programação cultural, dividindo edições com as notícias e reflexões
literárias.
A exceção atual fica para alguns suplementos publicados em forma de
cadernos especiais isolados, a exemplo do recente “Os Sertões”, do JC. Ou
aqueles que são publicados de forma mensal e independente, a exemplo do
suplemento cultural “Pernambuco”, da CEPE – Companhia Editora de
Pernambuco. Nesse sentido, a produção dos suplementos e páginas especiais de
literatura da imprensa recifense, nas primeiras cinco décadas do século XX,
configurou-se como uma experiência distinta na história da imprensa
pernambucana, na qual jornalismo confundia-se, por vezes, com literatura e
vice-versa.
Referências
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maio de 1946. Segunda Secção p. 2.
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FÓRUM NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO (FNPJ)
XIII ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO
IX CICLO NACIONAL DE PESQUISA EM ENSINO DE JORNALISMO
17
MODALIDADE DO TRABALHO: Comunicação Científica
GRUPO DE PESQUISA: Pesquisa na Graduação
A influência da gramática dos meios no artesanato do
Agreste Pernambucano
Tenaflae Lordêlo3
[email protected]
Resumo: O presente trabalho é fruto das discussões realizadas nas reuniões de iniciação
cientifica do curso de jornalismo da FAVIP, com a temática: “A gramática dos meios de
comunicação no artesanato do Agreste Pernambucano”, realizada no final de 2009. Esta
primeira etapa da iniciação científica é o ponto de partida para posteriores pesquisas de campo,
para aprofundamentos das questões e reflexões aqui levantadas. No senso comum o artesanato
do Agreste Pernambucano, pela sua aparente forma rústica de produção, é uma atividade que
resiste aos processos tecnológicos nas atuais sociedades, embora seja reconhecido como dotado
de uma rica expressão cultural, que difunde os sentimentos e valores regionais. As formas como
as influências na configuração da identidade, na pós-modernidade, difundidas via internet, que
dialogam com o global e o local, na região do Agreste Pernambucano, veem deixado lacunas
para pesquisa científica, na perspectiva de uma adequada compreensão deste processo nas
atividades artesanais.
Palavras Chave: artesanato. Identidade. Internet.
Abstract: The present work is result of the quarrels carried through in the
meetings of scientific initiation of the course of journalism of the FAVIP, with
the thematic one: “The grammar of the medias in the craftwork it pernambuco
rural”, carried through in the 2009. This first stage of the scientific initiation is
the starting point for posterior research of field, for deepening’s of the questions
and reflections raised here. In the common sense the craftwork of the
pernambucano rural, for its apparent rustic form of production, is an activity
that resists the technological processes in the current societies, either even so
recognized as endowed with a rich cultural expression, that spreads out the
regional feelings and values. The forms as the influences in the configuration of
the identity spread out way Internet, that dialogue with the global one and the
local, in the region of the pernambucano rural, they see left gaps for scientific
research, in the perspective of one adjusted understanding of this process in the
artisan activities.
Key-words: craftwork. Identity. Internet.
Introdução
O presente trabalho é fruto das discussões realizadas nas reuniões de iniciação científica
do curso de jornalismo da Faculdade do Vale do Ipojuca - FAVIP, abordando a temática: “A
gramática dos meios de comunicação no artesanato do Agreste Pernambucano”, durante o ano
de 2009. Este artigo corresponde à etapa de revisão de bibliográfica dos estudos acerca do tema,
Graduado em Comunicação Social – UFBA, Pós-graduado em design - UNEB e Mestre em
Comunicação e Cultura Contemporânea – UFBA. Professor de Jornalismo da FAVIP em
Caruaru.
3
18
basicamente com livros disponíveis na biblioteca da instituição e artigos on-line. A reflexão, aqui
descrita, permeia os processos de influência no fazer do artesão na Região do Agreste
Pernambucano, em uma sociedade planejada e voltada ao consumo, na pós-modernidade, em
um constante diálogo com o global e o local, por meio de tecnologias, como a internet. Esta
primeira etapa da iniciação científica é o ponto de partida para posteriores pesquisas de campo,
para aprofundamentos das questões e reflexões aqui levantadas. O centro do presente trabalho é
sobre as condições em que o artesão se apropria dos valores e expressões globais, por meio da
internet, aplicados na construção interativa e colaborativa dos seus produtos de caráter
regionais.
No senso comum o artesanato do Agreste Pernambucano, pela sua aparente forma
rústica de produção, é uma atividade que resiste aos processos tecnológicos nas atuais
sociedades, embora seja reconhecido como dotado de uma rica expressão cultural, que difunde
os sentimentos e valores regionais. Uma característica do artesanato é que cada peça tem a sua
especificidade, ainda que mantenha elementos de semelhança, mas não corresponde ao rigor
qualitativo e nem a escala quantitativa dos processos industriais. Assim o artesanato permite
uma difusão das práticas comunicativas que segundo Muniz Sodré (1996), se estabelece pela
expressão das especificidades da própria atividade, promovendo uma prática cultural que
fortalece os valores comuns aos artesãos, ancorada no local, distinto de valores globais oriundos
de tecnologias como a internet.
Com a revolução industrial, o artesanato é comumente reconhecido como pertencente à
chamada cultura popular, tradicionalmente apontado como produção de caráter familiar, de
base manual. Nesta atividade o artesão possui os meios de produção primários, normalmente
em zonas rurais, envolvendo a sua própria família e residência. Uma vertente da discussão sobre
artesanato é que embora a atividade seja comumente realizada em zonas rurais, de caráter
tradicional e manua, o agente criador, que é o artesão, não está apenas ligado ao local. Os meios
de comunicação e a lógica de produção de mercadorias simbólicas na contemporaneidade
parecem reger as normativas que configuram a prática artesanal, basicamente, por duas
vertentes: a) o ambiente midiático difusor do artesanato é o mesmo em que circulam os valores
simbólicos, apreendidos pelo artesão; b) as características de interação e colaboração,
percebidas em ferramentas web, podem influenciar os processos de criação artesanais.
Na lógica da difusão e circulação de valores simbólicos, o artesanato pode receber
influências das mensagens veiculadas nos meios de comunicação. O primeiro ponto é o
surgimento de uma desconfiança sobre o que vem sendo compartilhado e veiculado nos meios
de comunicação, tais como, produtos, valores e expressões culturais, que possibilitam novas
vivencias e percepções da realidade ao artesão, os quais podem estar norteados por uma
perspectiva de uma sociedade de consumo. Segundo Gilles Lipovetsky (1989), os atuais
processos de construção de um modo de produção e sedução para o consumo são originários dos
processos da moda, com base em três leis: obsolescência, sedução e diversificação. Assim com a
operação destas três leis temos uma “loucura tecnológica” e seus Gadget4, como faca elétrica
4
Gadget é uma gíria tecnológica recente que se refere a, genericamente, um equipamento que tem um
propósito e uma função específica, prática e útil no cotidiano.
19
para abrir ostras, com curvas ergonômicas, em múltiplos modelos e cores. Desta forma tudo que
é produzido pela indústria do consumo é diversificado, sedutor e efêmero. O que proporciona
aos meios de comunicação um papel de expansão desses rituais (diversão, sedução e
efemeridade) como valor, orientando a produção, vivência e percepção do artesão.
Toda essa disseminação de um modelo de produção e expressão, pautados na sociedade
do consumo, tem refletido um temor que, com a globalização, os produtos culturais que tem
fluxo livre pelos meios de comunicação, em especial a internet, venham a destruir, ou
influenciar negativamente as identidades locais ou nacionais. De forma provocadora Stuart Hall
(1999) afirma que: “é improvável que a globalização vá simplesmente destruir as identidades
nacionais. É mais provável que ela vá produzir, simultaneamente, novas identificações
‘globais’ e novas identificações ‘locais’”.
Essa identificação global e local está relacionada ao “pertencimento” dos indivíduos a
cultura étnica, raciais, lingüísticas, religiosas e, acima de tudo, nacionais. Esta condição para
Hall (1999) forma o sujeito pós-moderno, possuidor de identidade com celebração móvel, ou
seja, sem identidade fixa, em contraposição aos sujeitos do iluminismo 5 e o sociológico6. A
pesquisadora Cecília Peruzzo (2004), aponta que este hibridismo global com o local configura os
elementos populares e regionais na perspectiva do uso ou apropriação. Assim, ao se apoderar
das expressões e valores difundidos nos meios, bem como, o próprio uso do mesmo, o
artesanato vai refletir questões de conquista de espaços simbólicos, conteúdo e estética própria,
traços culturais locais, reelaboração de valores, formação de identidades, preservação da
memória, cidadania e sobrevivência, em um diálogo contínuo com o global e o local, mediado
por tecnologia.
O pós-moderno e a identidade
A compreensão da gramática que normatiza os valores simbólicos que os artesãos
constroem suas identidades se dá pela percepção da reorganização das práticas sociais, a partir
da introdução dos elementos midiáticos de base tecnológica, e uma coexistência de perspectiva
que parece ter dissolvido as certezas dos sujeitos no mundo. Assim recriando a celebre frase de
Marx “Tudo que é sólido se desmancha no ar”, neste cenário que alguns autores denominam de
pós-modernidade (HALL, 1999; BERMAN, 1998; CANCLINI, 2005).
O pós-moderno institui um novo modo de vivenciar e perceber a realidade, na relação
com a arte, com a política ou com a ciência e a história, incluindo a produção artesanal. Assim o
pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas
sociedades avançadas desde 1950, quando, por convenção, se encerra o modernismo (19005
“O sujeito do iluminismo estava baseado numa concepção da pessoa humana como um indivíduo
totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo ‘centro’
consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se
desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo - contínuo ou ‘idêntico’ a ele - ao longo
da existência do indivíduo” (HALL, 1999, p.10).
6
“A noção de sujeito sociológico refletia a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de
que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas era formado na relação com
‘outras pessoas importantes para ele’, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos - a
cultura - dos mundos que ele/ela habitava” (Idem, 1999, p.11).
20
1950) (FERREIRA DOS SANTOS, 2005). Este modo de vivenciar e perceber a realidade nascem
com a arquitetura e a tecnologia nos anos 50, amplia-se como expressão na arte Pop dos anos
60. A pós-modernidade é introduzida como questão na filosofia, durante os anos 70, tendo a
perspectiva de crítica à cultura ocidental, como a questão da identidade de Hall – sobre a
superação das afirmações de identidades fixas individuais do sujeito do iluminismo e nacionais
do sujeito sociológico. Nos anos 80, expande-se pela moda, cinema, música e cotidiano
programado pela tecnociência7, sem que se saiba com clareza, se este modo de vivenciar e
perceber a realidade são decadência ou renascimento cultural, estruturado por meio de
tecnologia (FERREIRA DOS SANTOS, 2005).
Um aspecto peculiar, que aponta para o que alguns consideram a decadência cultural,
na pós-modernidade, é a massificação da arte e do conhecimento que colocam ambos em uma
mesma lógica: a de consumo de bens. Assim sugere-se uma superação das contradições do
homem, de identidade fixa, para universalizá-lo na aldeia global, definida por Marshall
McLuhan. Na pós-modernidade, propaga-se o fim da história, a morte da dialética, a expansão
da arte como expressão do consumo, tal como refletia o pensador alemão, Walter Benjamin
quando anunciou a perda da aura, das obras de arte, em função da massificação da mesma,
pelos processos de reprodução técnica, fruto da indústria capitalista pré-global. Desta maneira
Benjamin anunciou igualmente uma forma distinta de compreender e se relacionar com a arte,
denominado por Theodor Adorno de indústria cultural. A arte de massa reflete a fragmentação
da ideologia crítica da criação estética por meio da lógica da reprodução em massa orientada
para o consumo.
O fazer dos artesãos, na pós-modernidade, está mergulhado em uma tendência para o
consumo, trocas simbólicas e apropriação tecnológica. Estes elementos consumo e troca são os
elos básicos que atraem a internet, como tecnologia que abre portas globais para discussão. A
popularidade da internet ancora-se na década 90, do século passado, ano de início do consumo,
ou uso comercial. A partir deste momento a internet serviu (e serve) de janela para o mundo,
difundindo e possibilitando uma percepção de muitas facetas. Na prática de consagrados e
jovens artesãos, a internet começa a ser uma passarela, um ambiente de referências, pois a
internet permite, além de vitrine por meio de fotologs e blogs, um olhar sobre diversas etnias e
conceitos visuais e produtos. Tal olhar perpassa variadas raízes culturais, de maneira sincrônica
com o olhar também sobre os templos do consumo, das expressões visuais e da tecnologia.
Assim, as referências inspiradoras parecem está tomando uma nova forma, uma forma digital e
global, com redução de fronteiras e acessíveis por clicks de mouses, sobre infovias com
inúmeras vivências e percepções da realidade.
Internet como Meio
Na questão da possibilidade do meio, a aplicação da internet na produção popular como
alternativa ou complemento do processo de difusão da cultura está relacionado às
O termo é a junção da ciência + tecnologia que invade o cotidiano como “loucura tecnológica”,
criadora de Gadget, como já foi apontado anteriormente.
7
21
características da própria web. Contudo a aplicação da internet, bem como dos blogs, fotologs e
outras ferramentas de interação, se dão entre o artesão e a diversidade cultural que a web
abriga, como uma ponte de fluxo de valores e expressões. Por mais que os artesãos se deparem
com inéditas oportunidades de interação, com inúmeras vivencias e percepções da realidade,
possíveis de colaborarem para formação e ampliação da produção artesanal, tais oportunidades
serão aproveitadas apenas se houver um despertar para tal processo, com o intuito de superar
barreiras de capacidade (habilidades) e interesse de preservar a cultural local, sem dispensar o
diálogo com o global.
É necessário o interesse de preservação de um ambiente com menos influência da
sociedade do consumo, com sua gramática mercadológica, que normatiza a cultura popular
como simples negócio, permitindo cada vez mais que o artesanato, visto como objeto produzido
para a venda, e não como expressão de uma cultura regional. Assim a preservação não deve ser
um muro contra o global, mas um fortalecimento da cultura local, que permita interação em
igualdade de condições entre as duas partes.
Desta forma seria desejável que o artesanato na internet, por estar em um ambiente em
que a interatividade é uma característica fundamental, estabeleça como uma constante os
esforços para motivar, capacitar e criar novas oportunidades de apropriação pelo artesão deste
meio.
Embora a oportunidade de acesso à rede de computadores no país,
ainda seja um privilégio, é importante uma postura de geração de
oportunidade, para que mais vozes e pautas provenientes da
necessidade sociedade civil estejam presentes [...].Fortalecendo a
internet como meio, de superar questões de dimensões demográficas e
geográficas, e não como mais uma barreira. (LORDELO;
VASCONCELOS, 2009).
Assim, a possibilidade de aplicação da internet como infraestrutura tecnológica para a
produção artesanal gira ao redor da ideia de aplicar as ferramentas e recursos da internet em
ferramentas e recursos de um artesanato de tradições locais, com interações e possibilidades
globais, permeado por uma gramática normativa do meio, com maior abertura para a
colaboração. Os primeiros aspectos são: a troca entre os artesãos e a compreensão do próprio
meio.
A internet, como um conglomerado de redes em escala mundial de computadores
interligados por meio de um esquema técnico denominado Protocolo de Internet (Internet
Protocol-IP), permite o acesso a distintos valores e todos os tipos de produtos e criações,
incluindo expressões provenientes da diversidade cultural. Este aspecto de diversidade e troca
simbólica faz da internet a principal das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação
(NTICs), capaz de influenciar a gramática compartilhada pelos artesãos, incluindo os do Agreste
Pernambucano.
Embora a interatividade seja uma das principais características da internet, ela não é
uma característica recente. Desde a década de 30 do século XX, aplicava-se o termo
interatividade. De acordo com Machado (1997), Brecht se referia à interatividade como um
22
processo de inclusão democrática com a participação dos cidadãos no sistema radiofônico
alemão.
A interatividade refere-se à ação mútua que é exercida entre duas ou mais pessoas, duas
ou mais coisas, estabelecendo a reciprocidade por meio da utilização ou acoplamento de emissão
(uploads) e recepção (downloads). Esta característica é relacionada a um dos aspectos mais
singulares dos websites e aflora muitas perspectivas para aplicação do recurso nas práticas de
produção artesanal, com o intuito de ampliar o alcance da produção local em um cenário global,
fazendo o caminho inverso da globalização homogeneizante (HALL, 1999).
Na internet, a interatividade refere-se ao caráter aberto das informações em fluxo que
os artesãos podem acessar estabelecendo relações e interferindo em criações e produtos,
registrando suas expressões, transformando a informação e dando dinamismo ao processo de
construção do artesanato ou das expressões culturais. O termo interativo é aplicado hoje para as
mais diversas designações, muitas vezes sem precisão. “Parece-nos que qualquer coisa que exija
uma resposta ou acione um controle é tomada como interativa” (MOURA, 2003, p. 3). Desta
maneira, “um termo tão ‘elástico’ corre o risco de abarcar tamanha gama de fenômenos a
ponto de não poder exprimir mais coisa alguma” (MACHADO, 1997, p. 144).
A variação ou mutabilidade é o princípio que rege a interatividade. As criações ou
produtos disponíveis aos artesãos estão abertos ou inacabados receptíveis às contribuições e
ajustes em um processo que demanda reciprocidade e colaboração. Assim, a interatividade na
rede apresenta como aspectos marcantes: “a não-linearidade, o acesso, o jogo, o lúdico, a
possibilidade de o usuário ser um co-criador, interferir ou complementar o trabalho, o
projeto, inserindo suas visões, mais informações ou criações” (MOURA, 2003, p. 3).
A interatividade na rede se define a partir do momento em que a informação ou
conteúdo dos websites, ou outras ferramentas, retorna ao artesão em consequências de ações e
decisões durante a manipulação de tal criação ou produto, por outros artesãos. É com base neste
processo de interação do artesão que “incontáveis versões virtuais vão brotando na mesma
medida em que o receptor se coloca em posição de co-autor. Isto só é possível devido à
estrutura de caráter hiper, não-sequencial, multidimensional que dá suporte às infinitas
opções de um leitor imersivo” (SANTAELLA, 2000, p. 8).
Especificamente nos websites, a interação do artesão se faz por meio de conexão com
outros artesãos e links, possibilitando o acesso às imagens, sons, textos e vídeos. Para Derrick de
Kerckhove (1997), a interatividade se constitui a partir do clique, sendo a rede o prolongamento,
em forma de rizoma, como resposta em tempo real e em escala global, o clique que ativa toda
uma sequência de informação e conteúdos, como a navegação denominada de pilhagem por
Pierre Lévy. Portanto, segundo Kerckhove (1997), os processos interativos podem ser
constituídos pela capacidade de acessar informações à distância e explorar caminhos nãolineares de hipertextos na rede:
a telepresença e a ação em tempos remotos; os ambientes inteligentes
com sistemas de agentes e ambientes que simulam vida e se autoorganizam; a participação em comunidades virtuais; a imersão em
ambientes multi-usuários; o envio de mensagens; as ações
23
colaborativas; a ação em espaços remotos (MOURA, 2003, p. 4).
Por meio da ação colaborativa dos multi-usuários, ou artesãos, operam os conteúdos abertos
disponíveis na rede que, segundo André Lemos (2002), permite uma “utilização criativa dos
conteúdos”. Desta maneira se configuram “estruturas de inscrição subjetiva na dimensão
amorfa do cotidiano, formas de leitura e de escrita, formas de virtualização e de atualização
sucessivas” (LEMOS, 2002).
Para André Parente (1999), todos estes processos interativos estão estabelecidos em
níveis de interatividade. Assim, não existe apenas um tipo de interação, e deve-se ter uma visão
cautelosa com a interatividade do simples “clique”, pois pode levar à categoria processos que
parecem interações primárias como acionar a chamada de um elevador ou até mesmo tocar uma
campanhinha de uma residência.
Com relação à utilização dos blogs e fotologs na prática artesanal, é importante
compreender os elementos da interatividade que dizem respeito aos processos para a construção
do hipertexto presentes na interface da navegação e na arquitetura da informação em um
website. Os elementos de interatividade em um website se estabelecem através dos links e
hiperlinks, que basicamente são estruturas de navegação presentes na interface de um website.
Os links ou hiperlinks podem dar acesso a uma distinta informação ou a um grupo de
informações.
Podem ocorrer através de hotlinks, hotwords, pop-ups, botões; barras
e menus de navegação sejam móveis, portáteis, dinâmicos ou
estáticos; jogos das mais diversas espécies e complexidades; as
possibilidades de escolha e alteração da localização dos elementos da
interface, como por exemplo: posicionar o melhor local do menu;
alterar as cores das áreas, figuras e fundo; alterar a tipografia; escolher
movimentos e arrastar objetos do site (MOURA, 2003, p. 6).
Os elementos de interatividade
possibilitam o funcionamento das ferramentas de
relacionamento social (redes sociais), tais como: fóruns on-line, listas de discussão, chats, msn,
orkut e mais recentemente o twitter8 possibilitam a participação colaborativa, entre artesãos
(MOURA, 2003).
Todos estes elementos descritos da interatividade, em sua totalidade, ressaltam o
aspecto dinâmico e participativo que não tem regras ou dimensões físicas. Desta forma, estão
disponíveis de forma aberta à manipulação em caráter não-linear, combinando dados de
diversos tempos e culturas em várias possibilidades de expressão, permitindo a partilha e a
personalização ou customização de produtos e até mesmo das próprias ferramentas, disponíveis
para ampliar as relações do local e do global.
A interatividade é um elemento fundamental pertencente a internet que pode ser
aplicado a prática do artesanato por dois pontos: a) O artesanato como uma expressão cultural
que está sempre se reinventando por meio de interações entre os artesãos em si, localmente, e a
própria percepção da diversidade cultural global. A interatividade, na perspectiva de André
Lemos (2002), possibilitaria a utilização das informações na rede, permitindo uma “utilização
criativa dos conteúdos” pelos artesãos da diversidade cultural na web. Assim, pode-se
8
O Twitter é uma rede social para microblogging que permite aos usuários enviar e receber informações.
24
considerar a interatividade como a condição essencial para o desenvolvimento de um novo
ambiente para o artesanato do Agreste Pernambucano; b) O segundo ponto é a possibilidade de
viabilizar um maior fluxo de mensagens simbólicas, ampliando os elementos de inspiração do
artesão. Isso permitiria a contínua agregação de novos valores e elementos culturais, por meio
do cruzamento de novas expressões de diversos tempos, locais e culturais em várias
possibilidades de interações em sociedades complexas.
Os limites da interação
Mesmo com o surgimento de ferramentas de relacionamento social na web, utilizados
pelos artesãos, com suas práticas e objetivos específicos, é preciso um elemento considerável,
como já foi exposto anteriormente, para consolidar a internet como elemento configurador de
uma nova gramática no Agreste Pernambucano: a cultura colaborativa e interativa, que possa
ultrapassar as barreiras de Verba e Brady (1995): motivação, capacidade e oportunidade.
A primeira barreira é a motivação. A questão é que as ferramentas web, por si só, não
estabelecem e tão pouco garantem a motivação de uso dos artesãos, impedindo, desta forma, a
participação de novas vozes, que poderiam abrir uma possibilidade de criação colaborativa e
interativa das expressões e produtos. A segunda barreira, a capacidade, relaciona-se à
apropriação das redes sociais disponíveis na web, o que faz necessário identificar quais artesãos
no Agreste Pernambucano possuem as competências efetivas de colaborar na consolidação de
uma cultura local, como traços globais, por meio da internet.
Verba e Brady (1995) colocam como sua última barreira, as oportunidades, ainda
escassas, as quais servem de limites para as redes sociais na web. O acesso aos recursos
tecnológicos ainda é limitado, no caso dos acessos domiciliares no Brasil pelos últimos números,
do comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI, menos de 15% dos domicílios possuem acesso à
internet, dos quais menos da metade possuem acesso banda larga, cerca de 40,35 %
(LORDELO, 2008).
Conclusão
Com base na revisão de literatura, focando nas futuras pesquisas, percebe-se que as
formas como as influências na configuração da identidade, na pós-modernidade, difundidas via
internet, que dialogam com o global e o local, na região do Agreste Pernambucano, veem
deixado lacunas para pesquisa científica, na perspectiva de uma adequada compreensão deste
processo nas atividades artesanais. Embora os vários postulados da teoria da comunicação
apontem conceitos e perspectivas de como estas influências se realizam. Desta forma, faz-se
necessário compreender como a região do Agreste Pernambucano de contexto cultural
diversificado, relacionado ao “pertencimento” dos indivíduos a cultura étnica, raciais,
linguísticas, religiosas e, acima de tudo, aparentemente fixas; vão se relacionar com as
expressões, valores e produtos globais difundidos pelas redes sociais na web. A simultaneidade
dos produtos, valores e expressões globais e locais, os quais vão configurar os elementos que
25
circulam na web serão apropriados pelos artesãos on-line, e nas negociações sociais podem ser
transmitidos para os artesãos off-line. Tal evento cria para a atividade artesanal um processo de
construção de produtos orientado por uma produção voltada para o consumo, com elementos de
um global com traços locais ou regionais, além de abrir outra perspectiva de estudo, que é a
negociação cultural entre artesãos do Agreste Pernambucano on-line e os off-line.
Por mais que a internet ofereça até inéditas oportunidades de interação e colaboração
cultural, possíveis de influenciar a construção de identidades negociadas e a ampliação da
produção cultural, tais oportunidades serão aproveitadas apenas se houver uma predisposição
de superar barreiras e garantir a motivação, a capacidade (habilidades) e oportunidades de
acesso aos artesãos.
Outro fator importante é a necessária da construção de uma esfera cultural que seja
menos condicionada aos anseios de uma sociedade do consumo, que coloca o artesanato como
simples negócio, permitindo cada vez mais que a cultura popular local, seja fortalecida para
interar com a diversidade global. Assim seria desejável que o artesanato na internet, por estar
em um ambiente em que a interatividade é uma característica fundamental, estabeleça como
uma constante, os esforços para motivar, capacitar e criar novas oportunidades de interação,
sem perder os seus valores locais do Agreste Pernambucano. Embora a oportunidade de acesso
à rede de computadores no país, ainda seja um privilégio, é importante uma postura de geração
de oportunidade, para que mais artesãos estejam presentes neste processo, fortalecendo a
relação expressão cultural e a internet como meio de superar questões de dimensões
demográficas e geográficas, e não como mais uma barreira para a cultura popular.
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27
92 ANOS DE SOBREVIVÊNCIA DA REVISTA DA
ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS
Tamires Ferreira Coêlho9
[email protected]
Marcos Luiz de Rezende Melo10
[email protected]
Resumo: Este artigo é um estudo sobre a história da Revista da Academia Piauiense de Letras,
um importante periódico piauiense que sofreu várias modificações ao longo de seus 92 anos de
existência e que, atualmente, é pouco conhecido. O objetivo principal é entender como se deu o
surgimento da revista e ressaltar as inovações e os problemas do periódico durante quase um
século. O estudo justifica-se sob o aspecto de entender como a Revista da APL sobreviveu, além
de contribuir cientificamente com o tema, sobre o qual quase não há material publicado ou de
fácil acesso. A partir de uma retrospectiva da história da Imprensa piauiense, de entrevistas com
acadêmicos e análise de exemplares da revista, buscou-se contextualizar os principais
momentos desse impresso e suas características relevantes. É perceptível que esse veículo
literário passa por dificuldades, principalmente relacionadas ao financiamento, o que pode
interferir de maneira negativa em seu futuro.
Palavras-chave: Revista da APL. Academia Piauiense de Letras. História da Imprensa. Piauí.
1- INTRODUÇÃO
Através deste artigo, buscamos compreender como se deu o surgimento da
Revista da Academia Piauiense de Letras e sob quais condições esse veículo literário – que é o
mais antigo periódico do Piauí ainda em circulação – sobreviveu. Analisamos a revista por
diversos aspectos: estética, mudanças quanto ao material utilizado na impressão, conteúdo e
algumas modificações que ela sofreu ao longo de 92 anos de existência.
Desde o período colonial, a difusão de informações mostrou-se necessária ao
desenvolvimento da região piauiense. Apesar da falta de investimentos em instrução e das
Graduanda em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do
Piauí (UFPI). Estagiária da Coordenadoria de Comunicação da UFPI e, além de experiência em
assessoria de imprensa, já atuou com reportagem em webjornalismo.
10
Graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Especialista em
Teoria da Comunicação e Imagem pela UFRJ/UFC. Professor efetivo da Universidade Federal
do Piauí com experiência nas áreas de Rádio e TV.
9
28
dificuldades em relação à aquisição de tecnologias jornalísticas, os periódicos criados e
reproduzidos no Piauí conseguiram evoluir de forma significante.
Dentre as revistas e os jornais especializados, destaca-se a Revista da Academia
Piauiense de Letras – um periódico literário que venceu, e ainda vence, muitos obstáculos para
registrar a história da instituição a qual representa. A partir da análise de vários exemplares da
revista, de alguns livros e periódicos relacionados à literatura piauiense e de entrevistas com
membros da academia – como Zózimo Tavares, Teresinha de Jesus Mesquita e Herculano
Moraes, que é, inclusive, um dos responsáveis por sua editoração –, pôde ser feito um relato
crítico e histórico de uma das mais antigas revistas literárias do estado.
1.1 – Retrospectiva Histórica
A colonização piauiense começou a partir do século XVII, com os índios Tapuias,
cujas tribos foram dizimadas por parcela dos bandeirantes – onde seriam instituídas as
primeiras fazendas, povoados e cidades concentrando a população. As informações circulavam,
entravam e saíam, sem velocidade através dessas fazendas isoladas e autônomas. A importância
dos transportes para a comunicação é nítida, já que eram necessárias vias de acesso para o
escoamento de informações.
Segundo Said (2001, p.32 a 38), o espaço piauiense caracterizava-se por sua rede
(comunicacional) analógica, na qual as fazendas eram os “pontos comunicativos”, ou seja,
trajetos a serem feitos em um determinado espaço de tempo. Caso ocorressem problemas em
qualquer um destes pontos, todo o processo seria interrompido e a mensagem não chegaria ao
seu destinatário.
A comunicação aperfeiçoou-se com a instalação da Capitania, em 1718, e com o
desenvolvimento associado ao crescimento das fazendas e cidades. A necessidade de um maior
volume de informações desencadeou acontecimentos importantes como a instalação dos
Correios e Telégrafos, em 1770.
Não havia proibições ao ensino nas colônias, porém havia obstáculos para evitar
que os colonizados se instruíssem. Pensava-se que a instrução gerava insubmissão. Tais
métodos não configuram um passado distante, já que foram recentemente aplicados por
potências subjugadoras em relação às colônias africanas.
O Capitão-general do Maranhão (capitania à qual o Piauí era subordinado) – D.
Fernando Antônio de Noronha – era contra o desenvolvimento da educação na capitania,
porque acreditava que, se muito escolarizados, os habitantes da região se tornariam
insubordinados e isso prejudicaria a relação entre colônias e metrópole. Dessa forma, com um
imenso território e uma população dispersa no campo, não se deu pela falta da instrução em
maior escala.
O Piauiense, primeiro jornal do atual estado do Piauí, de acordo com a
comunicóloga Ana Regina Rêgo (2001), surgiu apenas em 15 de agosto de 1832 – pouco antes da
aparição de O Telégrafo (1839) e O Espectro (1849) – e foi impresso na primeira tipografia, a
qual veio da Bahia para Oeiras através do padre sergipano Antônio Fernandes da Silveira. O
29
objetivo do primeiro veículo de imprensa piauiense baseava-se na publicação de atos oficiais.
Nessa época, as tipografias eram compostas por aparelhos rudimentares. Oeiras, primeira
capital do Piauí, teve 16 jornais – desde a publicação do primeiro jornal até a mudança da
capital (1852) – que silenciaram após a referida mudança.
No século XIX, novos jornais surgiram exclusivamente para dar publicidade às
ações governamentais e propagar suas idéias, mantendo a opinião pública a seu favor. A prática
jornalística, exercida por intelectuais e políticos, era intimamente ligada à política de tal forma,
que vários “jornalistas” ocuparam cargos políticos. Esse cenário diversificou-se com a criação de
A Ordem (1853), primeiro jornal teresinense, que apresentava maior elaboração em sua feição
gráfica, trazendo noticiário político e social, além de artigos doutrinários.
De acordo com Filho (1997), o veículo A Ordem não se limitava a criticar ou dar
publicidade aos atos oficiais, mas havia a preocupação em agradar aos leitores. Em História da
Propaganda e da Publicidade no Piauí, Vernieri acrescenta que Teresina foi a primeira capital
mundial a ter jornal apenas sete meses após sua fundação.
No início do período republicano, ninguém sabia como funcionava a
administração de uma República. Os partidos políticos tradicionais ficaram desorientados e os
primeiros dias caracterizaram-se por apatia e expectativa. O primeiro jornal a circular no Piauí,
após proclamada a República (1889), foi o Oitenta e Nove – obedecendo aos moldes ideológicos
republicanos – somente oito dias após o fato. Essa segunda fase do referido jornal não
influenciou consideravelmente a opinião pública. Com a mudança de regime, foram propostas
também modificações em relação ao tratamento. Nos impressos dessa época, começaram a ser
utilizadas expressões como cidadão-governador, cidadão-deputado, cidadão-major e outras.
A crônica social, no Piauí, passou quase um século em sua forma primitiva. Ela
era formada por anúncios de aniversários, bailes, óbitos, dentre outros que eram fornecidos
pelos próprios interessados às redações. Os anúncios de internatos, por exemplo, divulgavam
normas, horários e vagas disponíveis para hóspedes.
O projeto gráfico dos jornais não era motivo de preocupação: eles poderiam (ou
não) ser divididos em colunas e as matérias poderiam misturar-se com as propagandas – diante
da ausência de elementos separadores e títulos definidos. O layout dos jornais era uma
conseqüência visível da escassez de tecnologia. Seguindo o padrão dos jornais do século XIX, O
Piauhy (1902) não possuía uma tipologia determinada na sua marca, que era alvo de constantes
modificações. Essas características, se somadas a uma leitura difícil, limitavam o público leitor a
pequenos grupos de intelectuais.
Foram comuns, na configuração de alguns anúncios do século XIX, molduras e
tipologias diferentes e até mesmo posições diferentes de leitura: de acordo com a diagramação e
o espaço do jornal, o leitor poderia ser obrigado a inverter a posição do jornal para ler um
anúncio. A estrutura do jornal foi melhorando, diminuindo sua poluição gráfica e aderindo a
uma linguagem mais acessível, além de passar a destacar matérias e anúncios.
2 - O APERFEIÇOAMENTO GRADATIVO DA IMPRENSA DO PIAUÍ
30
O primeiro jornal especializado da Província, A Violeta, saiu em 1864, como
leitura destinada exclusivamente a senhoras. A Revista Mensal de Literatura, Ciências e Artes,
primeira piauiense, foi lançada em 1887. O jornal literário O Artista (1902) foi o primeiro
periódico piauiense a trazer ilustração. A revista Cultura saiu em 1959, sob responsabilidade da
Sociedade Parnaibana de Expansão Cultural, com uma seleção de matérias que se aproxima
muito daquela feita pela Revista da Academia Piauiense de Letras – que circularia apenas 59
anos depois.
Em 1972, o Coronel Otávio Miranda lançou, através do jornal O Dia (1950),
edição primeira em off-set11 – querendo proporcionar aos leitores um jornal moderno, com
cadernos e colunas especiais, tecnologicamente e comercialmente inovado, cuja apresentação
gráfica pudesse ser comparada aos mais bem impressos de todo o Brasil, à época. A partir da
modernização das técnicas jornalísticas, os periódicos ficaram melhor elaborados em estética e
conteúdo.
Na primeira década do século XX, os escritores e poetas piauienses, em sua
maioria, passaram por jornais. Porém, durante os períodos eleitorais e de lutas políticas, não
havia espaço nesse veículo para a literatura, já que tais meios pertenciam, predominantemente,
a grupos partidários. Alguns grupos, inclusive de estudantes, conseguiam pôr em circulação
pequenos jornais literários. Alguns deles não sobreviveriam aos primeiros números.
A seção literária apresentava trabalhos espalhados entre as matérias do periódico,
firmando-se inicialmente nos romances publicados em folhetins. Com o passar do tempo, essa
seção restringiu-se a suplementos em jornais dominicais.
Entre 1910 e 1920, estava uma geração indiferente ao furacão político
característico desse período, a qual deixaria nomes representativos na literatura piauiense:
Alcides Freitas, Celso Pinheiro, Baurélio Mangabeira, Jônatas Batista, Zito Batista, Nogueira
Tapeti, Edson Cunha, Cristino Castelo Branco etc. Essa também foi a época mais produtiva no
surgimento de periódicos literários de alto gabarito. Em destaque estão Litericultura (1912),
Cidade Verde (1912), Revista da Academia Piauiense de Letras (1918) e Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Piauiense (1920). A Revista da Academia Piauiense de Letras continua
sendo editada, porém com interrupções, inclusive de anos. Seus primeiros números possuíam
tiragens que variavam entre 300 e 500 exemplares.
3 - A REVISTA DA ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS
A irregularidade da revista criada para registrar a história e a memória da
Academia Piauiense de Letras (APL) pode ser explicada pelas dificuldades financeiras e pela
falta de prioridade – que ocorreu em algumas gestões da APL –, em relação à publicação do
periódico. A academia, mesmo sendo um “acervo da memória cultural do Piauí”, como bem
define o acadêmico Zózimo Tavares, não dispõe de recursos próprios, já que não há
contribuições por parte dos acadêmicos, mas depende apenas de ajuda do governo, destinada ao
Essa técnica de impressão utiliza máquinas com cilindros, nos quais a mensagem está
gravada, que passam sobre as folhas de papel.
11
31
sustento financeiro da sede da academia, a Casa de Lucídio Freitas. A academia, apesar de ser
uma instituição de interesse público, não é pública. Além das contribuições do poder público,
recebe doações para edição de livros.
De acordo com a professora Teresinha de Jesus Mesquita, membro da APL, a
revista – que é o periódico mais antigo do estado ainda em atividade, com mais de 60 números
– tem periodicidade irregular, mas começou sua história circulando normalmente (entre os anos
1920 e 1930).
“A partir do final dos anos trinta, a revista teve muitas dificuldades de
circular por conta das gestões mesmo da academia, com dificuldade de
editar a revista. Mas ela volta nos anos 70, 80 e 90 a ter uma certa
regularidade, depois da administração Tito filho. As lacunas principais
são nas décadas da presidência de Simplício Mendes (por volta de
1950). Há lacunas bem localizadas.” (ENTREVISTA COM
TERESINHA DE JESUS MESQUITA)
A partir do convênio estabelecido entre a APL e o Banco do Nordeste houve,
aproximadamente, quatro ou cinco edições regulares. Um exemplo disso está expresso no
seguinte fragmento da obra Academia de Letras - 75 anos, de Celso Barros Coelho (pg. 14):
[...] Haviam sido publicados três números de Revista da Academia,
ficando consignados nesse documento as dificuldades de tal tarefa, na
seguinte mensagem: “Com pesar confessamos que, mau grado os
nossos ingentes esforços, não foi possível dar à publicidade em papel
de qualidade superior a 2ª edição da revista acadêmica. Talvez pela
sua escassez o papel de imprensa atingiu um preço assombroso,
incompatível com o momento angustioso de aperturas financeiras do
nosso instituto. Ademais, não tivemos a ventura de contar com a boa
vontade da Câmara Legislativa do nosso Estado; procurados por
alguns dos nossos consócios, se recusaram a autorizar o Governo
piauiense a dotar-nos com uma insignificante subvenção, a exemplo
dos outros Estados da República, que animam associações
congêneres, prestando-lhes seu valioso e inestimável concurso
monetário”.
O destaque dado a esse fato serve para mostrar que, desde as suas
origens e por se tratar de uma instituição que atende a exigências
intelectuais e espirituais, e não a interesses políticos, sempre arrostou
dificuldades para manter-se e cumprir sua missão cultural
desinteressada e nobre.
Na década de 70, sob a administração de Arimathéa Tito Filho, surgiu a intenção
de tornar a revista trimestral. Então, nesse período, eram publicadas duas ou três edições no
período de um ano, porém, o projeto não permaneceu em atividade, por falta de recursos. Entre
1979 e 1990, foram publicadas revistas todos os anos – em alguns casos, como em anos
comemorativos, publicaram-se mais de uma por ano.
Cabe às gestões da administração interna priorizar ou não a publicação da revista.
Já ocorreu de, em períodos específicos, a publicação sofrer um atraso de quatro anos. Além
disso, para que fossem registrados 60 números, o periódico passou por tentativas de
recomposição, nas quais muitas revistas antigas ficaram perdidas, quanto à sua numeração,
dificultando encontrá-las e utilizá-las para eventuais pesquisas.
32
Em gestões como a do professor Raimundo Santana, em 2000, a instituição fez
um projeto e conseguiu financiar livros e eventos. João Pinheiro, Celso Pinheiro, Fenelon
Castelo Branco, Higino Cunha e outros acadêmicos fundadores da APL preocuparam-se com a
publicação regular e sistemática da revista. Na gestão de Higino Cunha, entre as décadas de 30 e
40, houve um período de irregularidade e as atividades da revista foram normalizadas apenas
nos anos 70, com Tito Filho. Entre as gestões de destaque estão as de Santana, Tito Filho e
Higino Cunha, além da primeira gestão da academia – exercida por Clodoaldo de Freitas. Por
outro lado, as de maior fragilidade, para Teresinha Mesquita, foram as de Álvaro Ferreira e de
Simplício Mendes.
Quanto à organização interna da revista, só é notada a divisão entre o espaço
destinado à vida acadêmica e outros espaços, a partir da edição de 1942. Antes disso, as orações
acadêmicas (discursos pronunciados em ocasiões de posse e recepção de acadêmicos) estavam
presentes em toda a revista, intercalados ou não por outros textos. Na administração de
Simplício Mendes, pouco antes de Arimathéa Filho, a revista divulgava apenas esses discursos.
A. Tito Filho (presidente entre 1971 e 1992) passa a fazer prestações de contas, a publicar
balancetes e informações sobre o desenvolvimento e o desempenho da Academia.
A. Tito Filho também criou as Notícias Populares, através de cujas páginas se
podiam acompanhar as atividades mensais da instituição, e publicou livros de diversos autores
piauienses para estimular as novas vocações literárias do Estado. Essa seção é, na opinião da
acadêmica Teresinha de Jesus, resultado de como a cultura passou a ser repensada, com uma
vontade de contemplar não só a cultura erudita, mas também a cultura popular em seus vários
âmbitos. A partir dessa gestão também foram incorporadas mais ilustrações à revista
acadêmica, que sempre explorou muito pouco o uso de fotografias.
Coube também à revista da Academia analisar, de forma crítica, obras literárias –
como ocorreu com o seguinte comentário sobre a obra Suicídio do Tempo, de Hardi Filho:
Em termos de recursos estilísticos, o encantamento dos versos de
Hardi Filho decorre não somente de harmonia, de cadência, de
aliteração, mas também da polifonia. Tudo isto, aliado às belas
imagens usadas pelo poeta, confere a Suicídio do Tempo a
condição de excelente livro de poesia. (Revista da Academia
Piauiense de Letras, nº 50, Teresina, 1992. Grifo do autor.)
Essa revista literária, além dos discursos proferidos pelos acadêmicos, traz
diversos textos produzidos por eles. A edição de 1924, por exemplo, traz textos sobre a história
da literatura e da poesia piauienses, sonetos e poemas, entre outros – todos dispersos entre os
discursos acadêmicos. Já na publicação de 1965, há uma parte referente à vida acadêmica e
outra parte direcionada às colaborações diversas – ambas também compostas por textos,
majoritariamente sonetos, produzidos pelos acadêmicos.
No número produzido em 1974, há uma divisão da revista em três partes. A
primeira, sobre vida acadêmica, além de solenidades e pronunciamentos, fez referência ao
Concurso Casa Mater, cuja comissão julgadora seria composta pelos acadêmicos da APL. A
segunda parte seria a dos discursos acadêmicos e, a terceira seria aquela denominada
colaboração – a qual envolve diversos textos expositivos, um conto de Fontes Ibiapina e uma
33
relação de livros publicados por escritores piauienses ou radicados no Piauí.
Na revista de 1983, permanece a divisão feita em 74. Em 2002, porém, há
algumas modificações, como a adição de mais algumas divisões internas. Por exemplo, há a
presença de um editorial e de um espaço reservado a uma homenagem a Arimathéa Tito Filho, e
também a apresentação de alguns dados históricos referentes à Academia. Verificou-se que os
últimos números já trazem posicionamentos críticos quanto a assuntos atuais e abordagens
acerca de movimentos culturais (literatura de cordel e escolas literárias), entre outros. Ainda
segundo Celso Barros (pg. 31):
Os intelectuais do Piauí, reunidos na Academia, vinham
acompanhando de longe o movimento que daria no Modernismo. E
sentiam a sua aproximação, sob a penumbra de certas manifestações
poéticas. Exemplo disso está na posição assumida pelo nosso poeta
Jônatas Batista, em defesa de Gilca Machado, através de artigo
publicado no terceiro número da Revista da Academia. Exalta a sua
poesia, condenando os “rotineiros da arte, os conservadores, os
caturras impenitentes” que “não perdem vasa, atirando-lhes todas as
farpas envenenadas da maldade e da ironia”.
A qualidade estética da publicação mudou consideravelmente, nesses últimos
anos. Do final da década de 1970 até o início dos anos 90, havia um mesmo padrão de capa e
organização interna nos números do veículo – apresentando como capa o símbolo da
instituição. As últimas edições já apresentam a capa plastificada, com a fotografia do prédio
Lucídio Freitas (desde 1995).
A partir dos anos 90, não é mais o estado que apóia a revista, mas a editora da
Universidade Federal do Piauí. Dessa forma, várias modificações na revista foram
proporcionadas tanto pela mudança de apoio, quanto de equipe – com pessoas mais
especializadas e um parque gráfico mais moderno. Mesmo assim, a professora Teresina de Jesus
ressalta o periódico permanece simples e precário, com muitos atrasos. Entre 2004 e 2009,
segundo Mesquita, todos os números atrasados estão prontos, em fase de editoração, com as
matérias todas organizadas, apenas esperando a impressão pela Edufpi (Editora da UFPI).
O impresso também passou por três fases de impressão. A primeira foi através do
componidor, aparelho para montagem de textos de letra por letra. Houve também a época da
utilização da linotipo, caracterizando uma impressão a frio – melhorando a impressão em
qualidade e em velocidade. A terceira, e última, já está relacionada à era da informática, na qual
é possível realizar um processo de impressão instantânea. E, apesar dessas modificações ao
longo do tempo, permanece o capricho na revisão do material publicado: os erros são mínimos
ou ausentes. Além das revisões realizadas pelos próprios autores dos textos publicados, há uma
revisão posterior – que atualmente é feita por um grupo de acadêmicos, entre eles Hardi Filho e
Paulo Nunes.
O modelo da revista da APL tem semelhanças quanto à estrutura básica, estética e
organizacional, da revista da Academia Brasileira de Letras (ABL), mas não se pauta por esse
modelo. O periódico da Academia Brasileira, não divulga informações sobre eventos
desenvolvidos pela academia e tem sessões restritas e definidas em termos de conteúdo. O
veículo produzido pela academia piauiense não adota nenhum modelo de outro veículo ou toma
34
como parâmetro outra revista.
A estrutura do periódico não recebeu influências de nenhuma escola literária, em
específico. A APL só influencia – como colegiado – doutrinas, tendências literárias, posições da
comunidade cultural, porque lá estão reunidas, hipoteticamente, as melhores cabeças do Piauí.
Os acadêmicos podem expressar, em suas poesias e/ou prosas (assinadas), suas preferências
relacionadas a movimentos literários. Sobre isso, Coelho refere-se, em sua obra, ao acadêmico
José de Arimathéa Tito (pg. 44):
Escrevendo sobre Cruz e Sousa, na Revista da APL, nº 11, 1927,
mostrou sua afinidade com o poeta do Simbolismo, revelando-se ele
também, em sua produção poética, um simbolista.
Em relação ao planejamento gráfico, a forma de organização e edição da revista
vai variar para cada editor, o modo de planejamento de cada um é, normalmente, diferente.
Mesmo quando algum deles busca inspiração em alguém, não vai deixar de lado o seu estilo
próprio. A revista é feita por um grupo cujo redator tem seu próprio estilo, e esse estilo só não
estará presente nos textos assinados.
Houve, ao longo desses últimos anos, mudanças relacionadas ao material da
revista. Ela deixou de ser impressa em papel-jornal, único disponível até certo tempo atrás –
quando a impressão era feita na Gráfica Oficial do Estado – e hoje, conta com um papel de
qualidade superior.
O discurso, a oração acadêmica, está sempre em linguagem formal, porque todas
as vezes que é feito um discurso de posse ou recepção, haverá a preocupação com a erudição.
Mas, nos contos dos autores, poderão ser encontrados o comportamento, as expressões e o jeito
de ser típicos da cultura piauiense.
Estando essa revista sob responsabilidade de uma academia, consequentemente,
ela será a importante disseminadora dessa entidade, a qual congrega os valores intelectuais mais
relevantes de uma sociedade. Coelho demonstra isso, ao citar a revista dedicada ao jubileu de
prata da academia (pg.15 e 16):
A Revista de nº 20, de dezembro de 1943, dedicada a esse jubileu,
traz, em suas palavras introdutórias, estas observações que bem
definem o teor do trabalho da Academia e o lastro de suas realizações,
nesse período: “As numerosas sessões ordinárias, efetuadas no
transcurso de um quarto de século bem vividos; as conferências
públicas de seus associados; sua Revista, repositório significativo de
cultura e gênio criador dos piauienses; sua adesão às grandes festas
estaduais e nacionais; seu comparecimento aos congressos de letras;
a edição de obras de seus membros efetivos, e o patrocínio e incentivo
de outras publicações, no lapso de tempo decorrido, atestam,
porventura, esplêndida atividade intelectual, ao melhor serviço do
Estado e da Pátria”.
É imprescindível, à Academia, adaptar-se às novas tecnologias de difusão
cultural: criar um site, no qual esteja disponível seu acervo, e criar um sistema de acesso às
informações relacionadas à instituição. As edições mais antigas das revistas estão em desgaste e
seu conteúdo está se perdendo. O site da APL já está sendo desenvolvido, segundo Zózimo
35
Tavares, inclusive, sob sua responsabilidade, e entrará no ar em tempo ainda não definido.
Alguns acadêmicos também divulgam as atividades da academia em seus blogs pessoais.
A APL precisa atualizar-se e, mesmo que ela possua o espírito da perenidade e da
imortalidade, não pode deixar de representar o pensamento de uma sociedade para representar
um segmento estagnado. A revista ainda é muito conservadora, por ser um reflexo de uma
estrutura acadêmica ainda conservadora – prova disso é que alguns componentes da Academia
justificam-se a partir do seguinte aspecto, levantado por Celso Barros Coelho:
As Academias vivem mais sob o signo do passado do que do presente.
Sua vida é a sua história. E não se compreende em nosso caso a
história sem o culto a esse passado que a compõe e se refaz em cada
etapa significativa. Lembro ainda palavras de Nabuco: “As
Academias, como tantas outras coisas, precisam de antigüidade. Uma
Academia nova é como uma religião sem mistérios”.
Existem acadêmicos interessados em regularizar a revista, para que ela cumpra
sua função de registrar os acontecimentos culturais ao longo dos anos. Havia, no ano de 2008,
um projeto, elaborado por Celso Barros e Herculano Moraes, de uma revista comemorativa dos
90 anos de fundação da Academia Piauiense de Letras. Mas o projeto não foi posto em prática,
pois, para isso, a priorização da revista e a acessibilidade ao acervo acadêmico, desafios a serem
vencidos pela APL, seriam indispensáveis.
4 - CONCLUSÃO
O surgimento da imprensa piauiense dá-se através da crescente necessidade de
comunicação, mesmo sendo pouco acessível devido à baixa escolaridade da maioria da
população à época. Atrasados em relação aos impressos de várias outras capitanias, os meios de
comunicação do Piauí cresceram e evoluíram aos poucos, chegando ao surgimento de periódicos
destinados a públicos mais segmentados no início do século XX. Nessa época destacou-se o
surgimento de meios com preocupações literárias, entre eles, a Revista da Academia Piauiense
de Letras.
Essa revista é um dos periódicos literários mais antigos do estado e, apesar disso,
não é divulgada. Além disso, suas edições caíram na irregularidade e, porque não dizer, no
esquecimento. Há muitas edições em deterioração na Biblioteca da Academia Piauiense de
Letras e ainda não houve a iniciativa de digitalizar esse material para que não seja perdido.
A modernização das fases de impressão e apresentação da revista ao longo desses
90 anos trouxe muitas vantagens à revista, ultrapassando o quesito estético. A cada nova edição,
além de mudanças no planejamento gráfico, eram também formuladas e dispostas modificações
no conteúdo do periódico. Discursos oficiais, orações acadêmicas e demais textos dos membros
da APL fazem parte do conteúdo da revista, além de poemas, história da literatura, críticas
literárias e outras criações que ajudam a contar e contextualizar a história da literatura
piauiense.
O conservadorismo próprio da revista é um reflexo de boa parte das pessoas que
36
compõem a Academia piauiense e ele não seria um problema, a não ser pelo fato de, em algumas
gestões, ter prejudicado a regularidade do veículo e, consequentemente, a permanência de um
veículo de cunho histórico e literário.
A revista da academia piauiense tem muitas adversidades a serem superadas e
está longe de atender aos padrões dos impressos tradicionais. Contudo, é de extrema
importância considerar que um estado dotado de uma história singular só poderia ter concebido
um periódico com características próprias. Além disso, um veículo com uma trajetória tão longa,
não pode se tornar uma simples referência histórico-literária.
5 - REFERÊNCIAS
COELHO, Celso Barros. Academia Piauiense de Letras – 75 anos. Teresina: Publicações
da Academia Piauiense de Letras.
FILHO, Celso Pinheiro. História da Imprensa no Piauí. 3ª ed.Teresina: Zodíaco, 1997.
MOURA, Francisco Miguel de. Literatura do Piauí: 1859 – 1999. Teresina: Academia
Piauiense de Letras, 2001.
Revista da Academia Piauiense de Letras. Teresina: Piauhy – Papelaria Piauhyense, 1924.
____________________________________. Teresina:Academia Piauiense de Letras,
1965.
____________________________________. Teresina: Academia Piauiense de Letras,
1974.
____________________________________. Teresina: COMEPI, 1983.
____________________________________. Teresina: Academia Piauiense de Letras,
1998.
____________________________________. Teresina: Editora Gráfica da UFPI, 2002.
SAID, Gustavo Fortes. Comunicações no Piauí. Teresina: Academia Piauiense de Letras,
2001.
RÊGO, Ana Regina. Imprensa Piauiense: Atuação política no século XIX. Teresina:
Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2001.
VERNIERI, Sâmia de Brito Cardoso. História da Propaganda e da Publicidade no Piauí.
37
Teresina: Alínea Publicações, 2005.
38
1
FÓRUM NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO (FNPJ) XIII ENCONTRO
NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO IX CICLO NACIONAL DE
PESQUISA EM ENSINO DE JORNALISMO MODALIDADE DO TRABALHO:
Comunicação Científica
GRUPO DE PESQUISA: Grupo de pesquisa Jornalismo e Cotidiano (GRUPECJ)
Dicionário de Investigação do Cotidiano no Jornalismo
Impresso Paraibano.
Orientador: prof. Dr. Wellington José de Oliveira Pereira.
[email protected]
O projeto de pesquisa proposto ao Programa de Bolsas de Iniciação Científica do
CNPq- PIBIC demonstra a continuidade das pesquisas realizadas pelo Grupecj –
Grupo de Pesquisa sobre o Cotidiano e o Jornalismo, criado em 2002, do Curso
de Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba, que contribuiu para a
criação de uma linha de pesquisa da Pós-Graduação em Comunicação da UFPB:
mídia e cotidiano.
Desde 2002, o Grupecj tem participado do Programa PIBIC/CNPq,
contribuindo para a formação de pesquisadores na área de jornalismo impresso
(ver diretório Grupo de Pesquisa), tendo como escopo os estudos sobre o
jornalismo e o cotidiano dos jornalistas paraibanos.
Portanto, esta nova pesquisa do Grupecj tem como objetivo verificar como as
editorias dos jornais impressos paraibanos conceitua o cotidiano através do uso
de expressões inerentes às especificidades editorias: cidades, economia, cultura,
política e esportes.
PALAVRAS-CHAVE: Mídia. Cotidiano. Jornalismo
1 Professor
Dr. Welligton Pereira é graduado em Comunicação Social e Mestre em Literatura
Brasileira pela Universidade Federal da Paraíba. Doutorou-se em Sociologia pela Université Paris V,
Sorbonne. Como professor do Curso de Jornalismo da UFPB, desenvolve pesquisas sobre o cotidiano
e a produção jornalística. Fundou o GRUPECJ em março de 2002.
2
O PROJETO:
O projeto de pesquisa procura entender os significados verbais e não- verbais
que tecem as narrativas do cotidiano inscritas na linguagem jornalística.
No sentido didático-pedagógico, a realização dessa pesquisa – a busca de
significações do cotidiano no jornalismo impresso – deve ajudar os
pesquisadores na decodificação dos conceitos utilizados em cada especialidade
editorial para definir o fluxo de informação no cotidiano.
Nesse sentindo, a pesquisa se perfaz através de três níveis de entendimento: 1)
semântico-analógico; 2) lingüístico-verbal; 3) antropológico.
No primeiro nível, o pesquisador deve observar como o significado dos
conteúdos nos textos jornalísticos é legitimado através dos significados das
imagens.
No contexto lingüístico-verbal, se faz importante a investigação dos conceitos
que operacionalizam, em nível lexical, as informações especializadas “para a
vida cotidiana”.
O nível antropológico deve ser abordado a partir do conceito de “bacia
semântica” de Gilbert Durand, em seu livro, Les structures anthropologiques
des imaginaires, verificando como esses conceitos “especializados” provocam
uma polissemia das informações produzidas pelas editorias de cada jornal
impresso.
JUSTIFICATIVA:
A importância do projeto se perfaz à medida que a pesquisa sobre os jornais
39
impressos paraibanos ganha uma dimensão acadêmica e cria novos parâmetros
para os estudos sobre o jornalismo na Universidade Federal da Paraíba.
Como núcleo formador de novos pesquisadores nas disciplinas Jornalismo e
Sociologia do Cotidiano, o Grupecj tem mantido publicações regulares que
refletem os resultados das pesquisas financiadas pela Bolsa PIBIC/CNPq, como
os livros: 1) O Trabalho de Sísifo; 2)Epistemologias do Caderno B; 3) O príncipe
lê jornais.
3
Sendo assim, se faz premente manter alunos pesquisadores de jornalismo
inscritos no PIBIC/CNPQ trabalhando com as temáticas investigadas na
Imprensa paraibana.
OBJETIVOS: GERAL:
- Demonstrar como as editorias dos jornais impressos criam conceitos para
aproximar suas especialidades – cidades, economia, cultura, política e esportes
– de termos usados no cotidiano e enriquecido através do senso comum.
ESPECÍFICOS :
- Analisar as construções verbais e não-verbais das editorias dos jornais
impressos de João Pessoa que procuram traduzir os discursos “especializados”
através de expressões utilizadas na vida cotidiana.
- Procurar entender como os discursos dos especialistas das editorias
jornalísticas procuram construir suas temáticas a partir do cotidiano dos
leitores.
- Entender como a noção de vida cotidiana exige das editorias especializadas
uma adequação conceitual na difusão de matérias especializadas no jornalismo
impresso, sem prescindir dos recursos do senso comum.
MEDOLOGIA: PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS:
O material empírico será dividido de acordo com as editorias de cada jornal
impresso: cidades, economia, cultura, política e esportes.
MÉTODO DE ANÁLISE:
4
O método utilizado será análise de discurso aplicada ao jornalismo, tomando
como base Patrick Charaudeau, Maurice Mouillon, Landovski, Mangueneau,
José Marques de Melo, Michel Maffesoli, Simmel e Alfred Schutz.
A contribuição desses autores se faz importante para demonstrarmos as
modificações dos discursos jornalísticos e suas imbricações com as formações
discursivas do cotidiano.
BIBLIOGRAFIA:
1. BARROS FILHO, Clóvis de (org.) – Comunicação na Pólis – ensaios sobre
mídia e política. Petrópolis: Vozes, 2002.
2. CHARAUDEAU, Patrick – Discurso das Mídias. São Paulo: Contexto,
2006.
3. CORREIA, João Carlos Correia – A teoria da comunicação de Alfred
Schutz. Lisboa: Horizontes, 2005.
4. DURAND, Gilbert – Les structures anthropologiques de l’ imaginaire
– Paris; Dunod, 1992.
5. INIGUEZ, Lupicínio (org.) – Manual de análise do discurso em
Ciências Sociais. Petrópolis: Vozes, 2004.
6. LANDOWSKI, Eric – A sociedade refletida. São Paulo, Educ, 1999. 7.
MAFFESOLI, Michel – A conquista do presente – por uma sociologia
da
vida cotidiana. Natal: Argos, 2001. 8.
MEDINA, Cremilda – Ciência e
40
Jornalismo – da herança positivista ao
diálogo dos afetos. São Paulo: Summus, 2008. 9. MELO José Marques de – A
opinião no Jornalismo brasileiro.
Petrópolis: Vozes, 1994. 10. MOUILLON, Maurice et alii – Le journal
Quotidien. Paris, Presse
Universitaire de Lyon, 1989. 11. PEREIRA, Wellington – A nova escrita
jornalística como leitura do
cotidiano in: Culturas Midiáticas- PPGC/UFPB- João Pessoa PB –
Ano I, número I, jul/dez 2008. 12. PEREIRA, Wellington (org.) –
Epistemologias do caderno B. João
Pessoa: Manufatura, 2006.
5
13. PEREIRA, Wellington (org.) – O príncipe lê jornais – cotidiano e poder
no jornalismo impresso. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2008.
14. PEREIRA, Wellington (org.) – O trabalho de Sísifo – jornalismo e vida
cotidiana. João Pessoa: Manufatura, 2004.
15.POUPART, Jean et alii – A pesquisa qualitativa – enfoques
epistemológicos e metodológicos. Petrópolis: Vozes, 2008
16.SOUSA, Jorge Pedro – Elementos de Teoria e Pesquisa da
Comunicação e da Mídia. Florianópolis: Letras contemporâneas, 2004.
17. SOUZA, Jessé et alii – Simmel e a modernidade. Brasília; UNB, 2005.
18. TEDESCO, João Carlos – Paradigmas do cotidiano – introdução à
constituição de um campo de análise social. Santa Cruz do Sul (RS):
Passo Fundo (RS): Edunisc, 2003.
41
FÓRUM NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO (FNPJ)
XIII ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO
IX CICLO NACIONAL DE PESQUISA EM ENSINO DE JORNALISMO
MODALIDADE DO TRABALHO: Comunicação Científica.
GRUPO DE PESQUISA:
A Bola na Rede – o histórico da consolidação do site
www.futebolinterior.com.br como mídia
Luiz Roberto Saviani Rey
[email protected].
RESUMO
Uma das discussões mais candentes que permeiam o embate contemporâneo entre jornal
impresso e webjornalismo ou jornalismo online, tanto no terreno das empresas quanto no
âmbito acadêmico, vem no sentido da busca de afirmação por parte de sites e portais
informativos da Internet - desvinculados dos grandes jornais -, como mídia, sua emancipação
como veículo de comunicação de massas, alcançando porte e capacidade para abarcar
anunciantes que lhes propiciem suporte e autonomia financeiros. Teriam referidos veículos
capacidade para tal emancipação? Este artigo resgata o histórico do site
www.futebolinterior.com.br, com sede em Campinas, SP, que registra, na atualidade, mais de 30
milhões de visitas ao mês, fator que o caracteriza como mídia capaz de captar publicidade,
garantindo sua periodicidade, perenidade e sobrevivência financeira, depois de emergir rápida e
vigorosamente de um simples projeto de construção de uma agência noticiosa sobre o futebol do
interior do Estado de São Paulo, Brasil.
Palavras-chave: Futebolinterior. Jornal online. Site de futebol. Mídia. Publicidade.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------Luiz Roberto
Saviani Rey é jornalista e professor da Faculdadede Jornalismo da Pontifícia Universidade
Católica de Campinas – PUC-Campinas. Possui Especialização em Teorias de Comunicação e
Mestrado em Comunicação pela Faculdade de Comunicação Cásper Líbero, de São Paulo. É
autor do livro didático A Crônica é jornalística e brasileira – e não se fala mais nisso!
INTRODUÇÃO
42
Este artigo, resultante de pesquisa concluída em dezembro de 2007, com dados monitorados até
maio de 2009, busca resgatar a trajetória de dez anos do site www.futebolinterior.com.br, cujo
histórico torna-se interessante como fonte de pesquisa e como referência, dada a velocidade
com que saltou de um simples projeto de criação de uma agência eletrônica de notícias sobre
futebol no interior do Estado de São Paulo, Sudeste do Brasil, em 1999, passando em menos de
cinco anos a constituir um dos mais visitados jornais online particulares do País. Por esse perfil,
mereceu a atenção do mercado publicitário, abrindo a cada dia novos espaços para anúncios e
banners de venda de produtos.
É necessário, antes de tudo, para o entendimento deste trabalho, estabelecer a terminologia
adequada no âmbito do jornalismo online, também chamado de webjornalismo, ciberjornalismo
e jornalismo digital. A distinção torna-se necessária, uma vez que jornalismo digital, de acordo
com Gelson Souza (2005), incorpora não apenas o computador, porém todo e qualquer sistema
que opere por dígitos, tornando-se algo com amplitude além da pretendida e determinante neste
artigo. Webjornalismo, por sua vez, refere-se ao jornalismo praticado na web, sendo apenas um
entre os serviços oferecidos pela Internet. E, por fim, segundo Gelson Souza (2004), o
ciberjornalismo, que se relaciona à cibernética, “uma ciência em particular”. É verdade que
todos esses termos podem e devem ser usados para designar a atividade jornalística na Internet,
guardadas suas proporções e os objetivos que norteiam análises e pesquisas.
Dentro desses enfoques, analisamos o histórico e o perfil do site www.futebolinterior.com.br,
sediado no Município de Campinas, a 92 quilômetros da capital do Estado de São Paulo, com
1,2 milhão de habitantes e sede de uma região metropolitana em formação com mais de três
milhões de habitantes, na concepção de jornalismo online.
Nos últimos três anos, o site vem registrando mensalmente entre 25 e 30 milhões de visitas,
consolidando, ao longo desse período, contratos comerciais e publicitários, bem como
convênios, que aumentam sua lucratividade e lhe garantem rentabilidade e sustentabilidade
econômica. Para a comprovação dos dados fornecidos pelo site, o volume de visitas foi extraído
de um software de aferição, conferido, como um dos pontos do delineamento desta pesquisa,
entre os dias 6 e 31 de julho de 2007; 10 e 17 de agosto de 2007; 16 e 23 de setembro de 2007 e 1
e 12 de novembro de 2007 e 14 de maio de 2009. Ocorreram também monitoramentos semanais
entre os meses de março, abril e maio de 2008, comprovando-se o rápido aumento no volume
de visitas, com 25 milhões de internautas/mês no referido período.
O foco deste artigo é a questão das possibilidades de transformação de um site particular,
desvinculado de empresas jornalísticas com tradição, em mídia significativa e a consequente
geração de receitas, ante o volume de público que dele se torne cativo, já que persistem diversos
questionamentos quanto à possibilidade do jornalismo online vir a competir com jornais
impressos na captação de anúncios em nível de superação de suas necessidades de suporte
econômico.
Não é objetivo deste trabalho realizar a análise de discurso e de linguagem empregados pelo site,
43
tampouco suas características como jornal online. Estes aspectos, embora tocados de passagem,
merecem novos estudos, associando-os às questões mais gerais da estética e da tecnologia
utilizada pelo veículo. O artigo, assim, não pretende ingressar no terreno de descrições
tecnológicas.
Há que se caracterizar, também, no interior do conceito de Ciências da Comunicação, aquilo que
significa, em se tratando de jornalismo online, a operação técnica e a relação pragmática.
“Dentre as diversas atividades humanas, como distinguir as que fazem parte especificamente da
comunicação?”, indaga Daniel Bougnoux. (1999: 15)
Isso poderia ser figurado sob a forma de uma árvore ou de um grafo
descendente. A primeira bifurcação distinguiria as construções de signos das
construções ou atividades ligadas às coisas, dito de outro modo, a esfera
semiótica da esfera técnica. Montar ou consertar um computador são
atividades técnicas que não concernem, como tal, à comunicação, esta só
aparecendo como o envio, a recepção ou tratamento de um signo ou de uma
mensagem. (BOUGNOUX, 1999, p. 15,16).
Dessa forma, é capital marcar a distinção entre uma relação técnica ou científica, que corre do
sujeito para o objeto, de uma relação pragmática, que associe, aproxime, o sujeito do sujeito.
Importa aqui, o homem agindo sobre o homem por meio dos signos. A tekhné designa em grego
a relação e a ação do sujeito sobre o objeto. Tomamos a práxis, da qual deriva a pragmática, para
analisarmos a ação do homem sobre o homem.
2 Panorama geral
Desde que surgiu com a premissa de constituir veículo de massas, o jornalismo online traz
arraigada uma discussão das mais pertinentes, qual seja, sobre sua capacidade de superar os
jornais impressos e se tornar a mídia substitutiva, colocando um fim na era do jornalismo de
papel.
Subjacente a essa discussão ocorre um embate não menos pertinente e importante: teria o
jornalismo online a capacidade de desenvolver mecanismos de atração de publicidade a ponto
de torná-lo auto-suficiente economicamente?
Em seus primórdios, na metade da década de 90 do século passado, o jornalismo da Internet
jamais constituiu ameaça econômica a jornais impressos, a revistas, rádio e televisão, conforme
44
constata Gelson Souza (2004), uma vez que os serviços online se apresentavam como
suplementares e não substitutivos para as mídias tradicionais.
Foi um período de grande ebulição, em especial nos grandes jornais, onde a influência da
indústria da informática, ali já instalada por conta das atualizações tecnológicas de redação e de
produção e impressão de jornais, gerou a visão escatológica segundo a qual os jornais não
sobreviveriam ao novo século se não agregassem o webjornalismo, criando eles, de imediato,
sites e portais para, diuturnamente, atualizarem as informações, tão necessárias, como se
sustentava, a uma sociedade pós-moderna ou da informação, que delas necessitaria como o
oxigênio, a água e o pão.
Em princípio, essa inversão milenar (termo utilizado pelo sociólogo norte-americano Fredric
Jameson para caracterizar a velocidade das transformações pós-modernas) do jornalismo não
ocorreu, e, tanto quanto no final dos anos 70 - quando Ruth Clark, vice-presidente de mídia da
empresa norte-americana Yankelovich, Skelley & White, alertou os jornais americanos e
canadenses sobre a real possibilidade de seu desaparecimento, frente ao novo e impositivo
discurso da televisão (BOURDIEU 1997), e frente às mudanças nos hábitos de leitura de uma
sociedade nada profunda e pouco afeita às grandes narrativas, e ao texto, resistindo os jornais
por meio da ruptura com seu caráter histórico de produção e da imposição de um jornal menos
denso, espetacular e carregado de cor e de imagens – eles se preservaram e se fortaleceram, ante
a pseudo ameaça por parte da Internet. Foi a chamada “Bolha da Internet”.
Porém, com o avanço e o aprimoramento da tecnologia computacional e de seus periféricos,
muita coisa mudou. É preciso reconhecer que, na atualidade, o jornalismo online manifesta-se
como atividade atrativa para o mercado publicitário e se torna cada vez mais lucrativo. A par da
venda de espaços para publicidade, de banners, foram criadas diversas empresas especializadas
na área, como as agências de rotação de anúncios, que administram a inserção de publicidade
em diversos sites clientes – assimilando uma porcentagem da verba dos anunciantes –, e
empresas de pesquisas, que monitoram os sites clientes e produzem relatórios exatos das áreas
mais visitadas, tráfego de usuários, publicidades mais acessadas e outras informações
necessárias para otimizar os espaços publicitários on line (ZEFF & ARONSON, 2000, Apud
GELSON SOUZA, 2004).
A prática do jornalismo online fora dos padrões de portais auto-sustentáveis, vinculados aos
grandes e médios jornais brasileiros, como Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil, O Estado de S.
Paulo e o Correio Popular, de Campinas, entre outros, tem sido um desafio para pessoas,
isoladamente, ou grupos corporativos, sem tradição empresarial na área, que se arriscam nesse
ramo.
Uma das maiores dificuldades situa-se no aspecto do retorno financeiro, visto que a grande
mídia para a veiculação de publicidade continua sendo a televisão, seguida do jornal impresso,
abarcando ambos mais de 90% do bolo publicitário no País, ficando o veículo rádio com apenas
6% desse faturamento, de acordo com dados da Central Brasileira de Notícias – CBN.
(BARBEIRO, 2001, p.1)
45
A Internet, só mais recentemente tem expandido sua capacidade de captação publicitária,
avançando para uma mídia poderosa, notadamente em razão da confiabilidade e da segurança
que o sistema de compra e venda online hoje possibilita.
É claro o mix de produtos colocados pela mídia eletrônica, no maior volume todo ele formado
pelo aparato tecnológico das áreas de informática, de computação e imagem (fotografia,
filmadoras, etc.).
Ainda não foi solucionada a questão da criação efetiva de sites de compra e venda de imóveis e
de veículos, bem como dos classificados mais gerais presentes de forma massiva nos jornais
impressos, mas a Internet caminha célere rumo à consolidação como mídia forte nas esferas
publicitárias.
De acordo com Gelson Souza (2004), a geração de receitas pelos jornais online é um problema
considerável, por não contarem com assinaturas, nos moldes e padrão de vínculo de leitura dos
jornais impressos.
Na verdade, eles dependem, na atualidade, de verbas publicitárias para sobreviver e saldar seus
compromissos de manutenção, de implementação e renovação tecnológica, de lucro e de
contratação e pagamento de pessoal, entre outras despesas. Enfim, o aspecto econômico sem o
qual não há perenidade.
Há dez anos, quando a eletrônica apontou aos jornais impressos a necessidade de uma
readequação, através da criação do jornalismo oline, as empresas jornalísticas e afins,
agilmente, adotaram procedimentos para o lançamento de portais jornalísticos, sem o suporte
de uma estratégia de sobrevivência.
Um grande número de jornais online desapareceu, sobrevivendo – e mal – aqueles
patrocinados pelos grandes jornais. Segundo Gelson Souza, as empresas jornalísticas
mantiveram-se na rede para fortalecerem suas marcas tradicionais, com estratégias de
marketing e planejamento operacional, visando lucro a longo prazo.
Esse quadro, porém, mudou e hoje as perspectivas são das mais otimistas. Os jornais e as
revistas perdem a cada dia o status de mídia de preferência do público leitor, que tem migrado
para a Internet.
Hoje, o jornalismo online se transformou em uma atividade
lucrativa, acompanha a ascensão da Internet como meio de
comunicação. A obtenção de receita, através dos anúncios
publicitários, se desenvolveu e a publicidade na web já
46
movimenta bilhões de dólares em todo o mundo, sendo que,
entre os maiores publishers (sites que exibem publicidade paga),
estão os jornais online. (SOUZA, 2005, p. 3 a 9).
Há uma crença dominante no meio, segundo a qual a Internet se consolida como um novo canal
de veiculação publicitária, prestes a abocanhar parcela significativa dos investimentos nessa
área. Há prognósticos no sentido de que os jornais impressos percam, a curto prazo, entre 20% e
30% dos anúncios para o jornalismo online (SOUZA, 2005, p.9)
3 Futebol no interior
Em meio a esse histórico, e no ar desde março de 1999, o site www.futebolinterior.com.br
iniciou suas atividades de informação futebolística destacando o interior do Estado de São Paulo
e privilegiando resultados dos campeonatos das diversas séries mantidas pela Federação
Paulista de Futebol. Destacava também, quase isoladamente, a participação e performance dos
clubes de Campinas, Associação Atlética Ponte Preta e Guarani Futebol Clube, na Primeira
Divisão do Campeonato Brasileiro. Além disso, produzia farto noticiário sobre a movimentação
de técnicos e da compra e venda de jogadores no estado.
O projeto original previa a consolidação, em um ano, de uma agência de notícias, destinada a
vender informação esportiva do interior de São Paulo aos grandes e médios jornais paulistas e
cariocas, bem como às emissoras de rádio e de televisão interessadas no tema. Seu perfil, à
época da entrada no ar, era mais o de um noticioso, sem intenção de interatividade e de
fornecimento de informação e de serviço a um público mais geral, em particular o internauta
assíduo.
Segundo o jornalista Élcio Paiola, editor e um dos proprietários do site, com experiência como
editor de Esportes por quase 27 anos, a interatividade e a visitação passou a ser uma busca,
porém, vivia-se a fase tecnológica da bolha da Internet. “ A tecnologia não favoreceu e o público
não correspondeu”, afirma Paiola.
Com o tempo, o aprimoramento tecnológico e a expansão que o site conheceu, por conta da
evolução no registro de acessos – em 2003 atingia a marca de cinco milhões de visitas ao mês expandiu seus serviços, passando, desde 2003, ao lado do noticiário, a publicar tabelas,
classificação e resultados de campeonatos estaduais, das três séries do Campeonato Brasileiro,
da Copa Sul-americana, Taça Libertadores e Taça dos Campeões, atendendo a uma demanda de
público internauta de todo o País.
No momento da conclusão desta pesquisa, o site www.futebolinterior.com.br registrava entre 15
milhões e 25 milhões de visitas ao mês, sendo mais de 70% de visitantes do Estado de São Paulo.
47
Atualmente, as visitas ultrapassam o número de 30 milhões de acessos ao mês. As visitas
individuais atingam a 600 mil internautas ao mês, chegando hoje a mais de 1,5 milhão. Esses,
buscam suas páginas para se agendarem e atualizarem as informações de seus clubes de futebol.
Ao quadro de campeonatos oferecidos, o site passou a retratar todos os campeonatos estaduais
do País, procurando uma integração nacional de internautas.
O “futebolinterior.com.br”, em dias de jogos, mantém o “placar ao vivo”, atualizando o
andamento das partidas das diversas disputas, em especial a do Campeonato Paulista, em suas
três séries, e o Campeonato Brasileiro das séries A, B e C.
Os dias da semana com maior acesso são os domingos e as quartas-feiras, datas em que ocorrem
as rodadas dos principais campeonatos estaduais e do campeonato nacional, em períodos
diferentes. Nesses dias, mais precisamente durante o correr dos jogos, o site registrava entre 750
mil e um milhão de visitantes. Na atualidade, ultrapassa a casa do dois milhões.
No aspecto geral, as faixas etárias acessantes vão dos nove aos 49 anos, mas o maior número de
acessos encontra-se na faixa dos 21 anos 29 anos. De todos os visitantes, 64% são do sexo
masculino. Esses dados, de acordo com Paiola, são aferidos e atestados por meio de um software
desenvolvido nos Estados Unidos, chamado webtrends, e conferido como etapa da presente
pesquisa .
Por seu caráter interativo, a Internet favorece a troca de informações, fator que contribui para
uma forte interação entre torcedores de clubes de futebol das diversas regiões brasileiras via site
www.futebolinterior.com.br.
De acordo com Élcio Paiola, os internautas do Nordeste brasileiro são os mais estimulados
quanto à interatividade. O Sul entra com participação significativa. Embora não haja
contabilidade nesse aspecto, monitoramento por parte do site quanto à troca de informações, é
freqüente a troca de mensagens entre internautas dessas regiões distantes em dias de jogos
entre clubes do Sul, Sudeste e Nordeste.
No Estado de São Paulo, 70% dos visitantes localizam-se no interior. Já em outros estados, as
visitas advêm, em sua maioria, das capitais. Bahia, Pernambuco e Ceará predominam na Região
Nordeste.
No Sul, Rio Grande do Sul e Paraná, mais especificamente as capitais Porto Alegre e Curitiba,
ofertam o maior número de internautas em busca de informações sobre os clubes paulistas, com
os quais seus clubes irão jogar. O site ainda não produziu a estatística de visitantes por região.
4 Sustentação econômica
Sem revelar cifras, a direção do site www.futebolinterior.com.br garante que sua sustentação
econômica ampliou-se razoavelmente nos últimos dois anos com a inserção de espaços de
publicidade, hoje disputados por várias empresas de âmbito local e nacional.
48
Nos espaços vendidos atualmente, são encontrados banners e peças publicitárias de empresas
como um shopping de produtos esportivos, um revendedor de chuteiras, um comércio de
confecções, um site de ligações via Internet, o Mercado Livre e sua gama de produtos, um site de
venda de camisas de futebol, uma gráfica e editora e um sex shop com entrega personalizada.
São espaços publicitários bem definidos e com layout próprio dos sites de compra e venda, com
links para a efetivação de aquisição de produtos.
Existem ainda os convênios com as emissoras Rádio Você, do município de Americana-SP, e
Rede Família de Televisão, que, se não trazem retorno em espécie, permitem a veiculação
simultânea, fazendo com que o site www.futebolinterior.om.br seja divulgado em mídias
diferenciadas, especialmente em horários de programas esportivos.
O site mantém parcerias com a Federação Paulista de Futebol, para a divulgação de jogos,
rodadas de campeonatos e de eventos, e com a entidade Brasil Futebol Associados, integrada
por dirigentes e representantes de clubes participantes do Campeonato Brasileiro de Futebol.
5 A contribuição do tema
Um dos fatores do êxito do site www.futebolinterior.com.br encontra-se na escolha do tema, da
especialização jornalística: o futebol. Já se disse que o Brasil é o país do futebol, a pátria de
chuteiras nos pés. Destaque-se o interesse que o tema desperta particularmente no meio de um
vasto público jovem, o principal target da Internet, um público em geral qualificado, com alto
nível de escolaridade e poder aquisitivo.
Entre os quatro elementos apontados por Bardoel e Deuze (1999), em seus estudos sobe as
características do jornalismo da Internet, a interatividade, a customização do conteúdo, a
hipertextualidade e multimidialidade, talvez o segundo tenha se constituído no fator de
catalisação do público do site www.futebolinterior.com.br. Embora por meio da interatividade o
internauta, o telespectador, ouvinte ou o usuário de serviços de informação, em geral, possam se
sentir compartilhando o processo, através da troca de e-mails, da disponibilização de opiniões
dos leitores, e a hipertextualidade favoreça a interconexão de blocos de texto (MIELNICZUK,
2002, p.5) – no caso do site “futebolinterior.com.br”, principalmente o acesso às tabelas e ao
acompanhamento de jogos de futebol em tempo real – é a customização dos conteúdos que
apresenta maior relevância, uma vez que é o elemento de personalização ou individualização,
consistindo na existência de produtos jornalísticos configurados de acordo com os interesses
individuais do usuário. “Há sites noticiosos, entre eles o da CNN, que permitem a pré-seleção
dos assuntos de interesse, assim, quando o site é acessado, este já é carregado na máquina do
usuário atendendo à demanda solicitada”. (MIELNICZUK,2002, p.6)
Afinal, apesar das multidões nos estádios, das torcidas uniformizadas, dos grupos de torcedores
vizinhos, de um mesmo bairro, dos ambientes de trabalho, nada é mais particular e
individualizante que a paixão por um clube de futebol.
49
Também pode-se considerar como personalização a
possibilidade de cada leitor estabelecer um percurso
individualizado de leitura a partir da navegação pelo
hipertexto. Assim, cada indivíduo construiria um produto
individualizado, fruto de sua leitura (de suas escolhas individuais)
pelos caminhos oferecidos na narrativa hipertextual. Ou seja, dois
leitores ao navegarem pelo mesmo hipertexo,
ao final,
terão lido textos distintos. (MIELNICZUK, 2002, p.6)
CONCLUSÃO
Em meio ao processo de início de caminhada rumo à consolidação do jornalismo online com
lucro, o site particular www.futebolinterior.com.br, de Campinas-SP, dá claras demonstrações
de que é possível trabalhar com informação online e garantir lucro e lucratividade fora dos
limites dos portais da grande imprensa e dos grupos detentores de grandes capitais, tendo ele
alcançado o status de mídia, favorecido seus espaços publicitários e realizado vendas e
convênios pecuniários, fatores que lhe trazem sustentação econômica e lhe garantem
estabilidade e perenidade.
Sem dúvida, a definição de um tema de grande atração favoreceu o crescimento e o salto
qualitativo que o site conheceu com menos de cinco anos de existência, registrando nos últimos
dois anos entre 25 e 30 milhões de visitas ao mês. O futebol atrai, integra e desperta o interesse
de um público jovem e qualificado, o principal alvo da Internet.
Seu sucesso advém do caminho escolhido por seus organizadores a partir do momento em que
perceberam a dificuldade de sobrevivência com o projeto original - o de criar e manter uma
agência noticiosa, tratando fatos futebolísticos do interior do Estado de São Paulo, pouco
atrativos à grande imprensa e à mídia televisiva.
Há uma força desportiva na maioria das cidades interioranas paulistas, mas que não merece a
atenção e investimento dos jornais da capital e das emissoras de televisão, concentrados na
cobertura dos chamados grandes clubes.
Por meio da Internet e de um site específico, especializado, o www.futebolinterior.com.br
conseguiu integrar os interesses de um vasto público do Estado de São Paulo, ampliando-o, logo
a seguir, para âmbito nacional. O site é hoje responsável por um diálogo Norte-Sul entre
internautas, na busca de troca de conhecimentos e de informações sobre seus clubes
50
depreferência.
A transição de um projeto de agência de notícias para um site de futebol com força, primeiro, no
interior do Estado de São Paulo e, depois, na maior parte do País, favoreceu a interatividade, a
qual deu vigor à iniciativa de um grupo particular, sem vínculos com qualquer portal de grandes
jornais ou de grupos economicamente fortes.
A interatividade foi reforçada por meio da divulgação de tabelas, resultados de jogos e “placar ao
vivo” de todos os campeonatos brasileiros, destacadamente aqueles com menor ou nenhuma
cobertura por parte da mídia tradicional.
Com a interatividade, adveio a integração regional, ou seja, a comunicação entre jovens e
torcedores internautas, de maneira geral, de diversos estados e regiões do Brasil, resultando em
uma combinação atrativa para o mercado de produtos e ao mercado publicitário.
Isso decorre, em especial, do perfil do público, ou de sua maioria, constituído por jovens de
classe média e média alta, na faixa etária dos 21 aos 29 anos, potencialmente consumidores dos
produtos colocados nos espaços publicitários do site.
Portanto, da análise da trajetória de oito anos do site www.futebolinterior.com.br, de CampinasSP, pode-se concluir que o futuro é promissor para o jornalismo online que deseja operar com
informação e obter lucro. O sucesso, porém, reside nas escolhas e na combinação de tema,
público-alvo e customização.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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EDUSP, São Paulo, 2001.
BARDOEL, Jô & DEUZE, Mark. Network Journalism.In:
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Jogos Olímpicos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
MIELNICZUK, Luciana. A Pirâmide Invertida na época do webjornalismo: tema para
51
debate. Trabalho Apresentado no NPO8 – Núcleo de Pesquisa Tecnologias da
Informação e da Comunicação, XXV Congresso Anual em Ciência da Comuniação,
Salvador/BA, 4 e 5 de setembro de 2002. Acesso em 12/11/2007
SOUZA, Gelson. Convergência do jornalismo e da publicidade online. Resumo de
trabalho de pesquisa (Iniciação Científica) realizado em 2004 na Unoeste/SP.
ZEFF, Robbin Lee & ARONSON, Brad. Publicidade na Internet, 2.ª edição. Editora
Camp. 2005
52
FÓRUM NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO (FNPJ)
XIII ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO
IX CICLO NACIONAL DE PESQUISA EM ENSINO DE JORNALISMO
MODALIDADE DO TRABALHO: Comunicação Científica
GRUPO DE PESQUISA: Pesquisa na Graduação
Mídia e Política no RN: as Políticas de Concessões de Rádio
e Televisão no Estado do Rio Grande do Norte
MENDES, Marcilia Luzia Gomes da Costa – Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte/UERN12
[email protected]
GOMES, Kildare de Medeiros – Universidade do Estado do Rio Grande do
[email protected]
Norte/UERN 13.
Resumo
Esta pesquisa, que se insere no campo dos estudos da Comunicação Social, pretende analisar a
concessão pública de rádio e televisão no Brasil e suas implicações no Rio Grande do Norte com
foco na relação com os grupos político detentores das concessões e das forças políticas do
Estado. Observa-se que no contexto de concessão de Rádio e TV tais políticos, muitas vezes,
utilizam a Mídia como promoção da imagem de si e fecham o espaço das emissoras para aqueles
que não adotam o seu ponto de vista. Essa realidade coloca a necessidade de desenvolver um
trabalho que mostre o quadro em que se encontram os setores midiáticos no Estado do Rio
Grande do Norte, observando sua relação com a política de concessão em nível nacional e com
as forças políticas detentoras dos meios de comunicação pesquisados. Nessa primeira etapa da
pesquisa, o questionário foi utilizado como técnica de coleta de dados com o objetivo de fazer
um diagnóstico do perfil das emissoras de rádio e da televisão aberta no município de MossoróRN.
Palavras-chave: Rádio e TV. Poder Simbólico. Poder Político.
1 Introdução
Dos muitos aspectos que podem ser considerados com respeito à relação mídia-poder
podemos destacar a capacidade dos meios de comunicação em construir parte da realidade a nossa
volta. Num mundo permeado de sinais e midiático ao extremo, a realidade é a todo momento
confundida com a representação da realidade, ao ponto de pensarmos que um evento qualquer existe,
ou deixa de existir, à medida que é transmitido e veiculado, o que revela, consequentemente, o duplo
12
Doutora em Ciências Sociais pela UFRN. Professora Adjunto II da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte (UERN).
13
Professor Auxiliar III da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
53
poder dos meios: eles tanto podem criar realidades quanto omiti-las, fazendo com que deixem de
existir pelo simples fato de silenciá-las.
É notório que os meios de comunicação no Brasil estão concentrados nas mãos de políticos e
empresários da comunicação, ao mesmo modo que é contundente a não distribuição de concessões
públicas, notadamente de radiodifusão, para movimentos sociais como organizações não
governamentais, sindicatos, cooperativas, associações de bairro e Universidades. Sabemos, aliás, o
quanto a legislação atual coíbe Tvs e rádios comunitárias, expressões populares legítimas, de atuarem
na sociedade como canais segmentados de informação, educação e entretenimento.
É claro que se pode investigar a atuação dos meios na sociedade apenas de forma ideológica e
unidirecional, até porque estudos demonstram que do outro lado da tela, o sujeito-receptor possui a
capacidade de reorganizar os seus conteúdos, reorientar as informações recebidas, tecer críticas e
comentários, mudar de canal ou simplesmente desligar o aparelho, assim como sofre igualmente
influências de outros meios como a escola, o trabalho, instituições religiosas, culturais ou
comunitárias cujos valores nem sempre convergem com aqueles veiculados pela mídia.
Cientes de que há uma relação muito próxima entre mídia e poder e para compreendermos
como esse fenômeno ocorre em nosso estado é que estamos propondo a elaboração de um mapa do
atual cenário do sistema de comunicação no RN.
É imprescindível fazermos esse mapeamento, principalmente porque trabalhamos no Curso
de Comunicação Social e lecionamos disciplinas que abordam essas questões no conteúdo
programático. As disciplinas como História da Comunicação, Teoria da Comunicação I e II, Pesquisa
em Comunicação Social, Teoria do Jornalismo e Mídia, Entretenimento e Consumo abordam
questões, como: controle dos meios de comunicação de massa, a organização da comunicação, o
monopólio da comunicação na América Latina, no Brasil e no Rio Grande do Norte, jornalismo e
ideologia, o jornalismo e a política, etc.
Dada a natureza interdisciplinar do Curso de Comunicação, pretendemos realizar reflexões
teóricas que atuem a partir do foco privilegiado de observação com base na pesquisa empírica em que
se entrelaçam as elaborações de campos teóricos diversos tais como política, ideologia, comunicação,
meios de comunicação, controle, etc.
2 Metodologia
A pesquisa é de natureza quantitativa a fim de se elaborar um mapa descritivo da distribuição
de concessões de rádio e televisão no estado do Rio Grande do Norte. Para tanto, será realizada uma
coleta de dados junto às empresas de comunicação do estado, através da aplicação de questionários
compostos por questões abertas e fechadas, bem como entrevistas semidirigidas com diretores e com
funcionários do quadro que justifiquem sua seleção e, quando necessário, junto à população das
cidades nas quais estão localizadas as empresas em estudo. Posteriormente, a pesquisa se valerá de
54
abordagem qualitativa, quando serão coletados dados junto aos arquivos do Congresso Nacional, às
entidades representativas das categorias profissionais como FENAJ (Federação Nacional dos
Jornalistas), jornais impressos e imprensa especializada sobre a temática. Portanto, através da análise
documental, procuraremos colher informações com o objetivo de caracterizar o discurso das
comunicações e, a partir de um raciocínio indutivo, descobrir fenômenos e relações entre as
informações representadas quantitativamente e os dados qualitativos. Com isso, este estudo pretende
contemplar seu objetivo geral que é o de apontar as implicações político-comunicacionais da aplicação
da política brasileira de concessões e permissões das emissoras de rádio e televisão no estado do Rio
Grande do Norte na sua realção com os grupos políticos do RN.
3 Resultados e aplicações esperadas
Elaboração de um banco de dados com informações sobre as empresas de comunicação do RN;
Aproveitamento das informações da pesquisa como material de estudos nas disciplinas
ministradas no Curso de Comunicação Social da UERN.
Publicação de artigos em eventos científicos locais, regionais e nacionais da área em que se situa
o projeto,
Realização de seminários e mini-cursos sobre a temática do projeto para estudantes da área e
demais interessados.
4 Referências
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BARBOSA, Marialva. Estudos de jornalismo. Campo Grande: INTERCOM, 2001.
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MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. 2ed. São Paulo: Editora Senac, 2002.
55
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56
FÓRUM NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO (FNPJ)
XIII ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO
IX CICLO NACIONAL DE PESQUISA EM ENSINO DE JORNALISMO
MODALIDADE DO TRABALHO: Comunicação Científica
GRUPO DE PESQUISA: Pesquisa na Graduação
Cazuza: O Caso da Veja 1.077 – Análise ética do discurso da
revista Veja sobre a doença e morte de Agenor de Miranda
Araujo Neto
Tatiana Notaro Nunes14
[email protected]
Este trabalho analisa o discurso da matéria “A luta em público contra a AIDS”, publicada pela
revista Veja, em 26 de abril de 1989. As observações aqui registradas têm como base as
determinações do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, de 1987, utilizadas na análise da
capa da edição 1.077, sua manchete – “Cazuza - uma vítima da Aids agoniza em praça pública” –
e das oito páginas da reportagem, assinadas pelos jornalistas Alessandro Porro e Ângela Abreu.
Prestes a completar 20 anos, a reportagem de capa da Veja 1.077 ainda consta no ranking das
matérias mais comentadas da história de 40 anos da revista, com 625 cartas à redação. O
material aqui analisado fere declarações do supracitado código e de sua versão atualizada em 4
de agosto de 2007, pela Federação Nacional dos Jornalistas.
Teoria do Jornalismo. Ética. Aids-notícia. Cazuza. Código de Ética.
Tatiana Notaro Nunes é jornalista, formada pela Universidade Católica de Pernambuco
(UNICAP) e pós-graduanda em Jornalismo e Crítica Cultural pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE).
14
57
Introdução
Os anos 80 desenharam-se pelo fim da ditadura, pelos resquícios da liberação sexual da
década anterior e pela chegada de uma nova peste: a Aids. A Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida (Sida, em sua sigla em português) fora, primeiramente taxada de “câncer gay”, já que
os primeiros indivíduos contaminados eram homossexuais ou bissexuais masculinos, usuários
de hemoderivados e consumidores de drogas injetáveis. Tempos depois, o vírus começa a
infectar heterossexuais e atinge mulheres e crianças. Estava formada a epidemia que, apenas no
Brasil, teve 474.273 casos notificados de 1980 a junho de 2007, segundo dados do Ministério da
Saúde.
Para Agenor de Miranda Araujo Neto, Cazuza, a Aids chegou no auge da beleza física, da
inspiração poética, da fama e da vida. Quando descobriu que era soropositivo, em 1987, Cazuza
tinha 29 anos. Lutou até sucumbir ao vírus e aos seus vícios, em 7 de julho de 1990, aos 32 anos.
Nessa história, a mídia esteve presente desde a fase de especulações, no momento em que o
cantor resolveu assumir que era soropositivo, e a sua morte. Aqui, entra a edição número 1.077
da revista Veja, publicada no dia 26 de abril de 1989, objeto maior de estudo deste trabalho. Na
capa, uma doença devastadora na pessoa de Cazuza que aos 31 anos foi sentenciado por Veja:
“Cazuza – Uma vítima da Aids agoniza em praça pública”.
Este trabalho analisa a abordagem da Aids pela mídia, com foco na matéria “A luta em
público contra a Aids”, publicada na Veja 1.077, explorando os padrões de manipulação da
imprensa e teorias de recepção de mensagens, além da construção da aids-notícia a partir do
histórico da doença no mundo e na vida de Cazuza. Para o estudo, utilizamos o método descrito
por Márcia Benetti (2007) como Análise de Discurso Francesa, que sugere a fragmentação do
texto para observações mais detalhadas. A base das nossas análises é o Código de Ética dos
Jornalistas Brasileiros, em vigor no Brasil desde 1987, que, aliado às teorias do jornalismo, foi
utilizado para que compreendêssemos as falhas cometidas por Veja.
Referencial teórico
Segundo Nelson Traquina (2001), as notícias sobre Aids são claramente orientadas para
os acontecimentos aos quais está ligada a doença e, raramente, “são iniciadas por jornalistas”
(TRAQUINA, 2001, p. 135). Esta análise de é complementada por Antônio Fausto Neto (1999)
em “Comunicação e Mídia Impressa – Estudo sobre Aids”: “Do ponto de vista simbólico, a Aids
é um significante com várias dimensões, resultado das diferentes construções de sentidos
realizadas pelas estratégias de várias instituições (...)” (FAUSTO NETO, 1999, p. 15). Segundo
Herzlich & Pierret (apud SPINK et al, 2001), “foi a imprensa que, de certo modo, fez existir a
Aids para o conjunto da sociedade”.
Em sua discussão sobre o ciclo temporal que cerca o exercício jornalístico, Traquina
(2001) levanta duas questões relevantes: “a importância do imediatismo como valor-notícia
(ROSCHO apud TRAQUINA, 2001, p. 135 e 136) e a obrigação imperiosa de os jornalistas
responderem à pergunta ‘o que há de novo?’”. Todas combinam para fornecer aos leitores aquilo
58
que Philip (apud TRAQUINA, 2001, p. 136) descreve como “novidade sem mudança”. Veja,
então, trazia a “novidade” sobre o caso: três meses depois do último show, Cazuza estava mais
magro e fisicamente atingido pelos medicamentos. Mostrava-se publicamente e afirmava não
estar morrendo – o que justificaria a afirmação da Veja de que o cantor “agonizava em praça
pública”.
De início, fica claro que a intenção da edição 1.077 foge do objetivo de esclarecer sobre a
Aids, mas expõe o drama de Cazuza. Não há consultas a especialistas ou discussão sobre
sintomas, contágio ou pesquisas, mas uma sentença de morte do cantor. Essa atitude, Perseu
Abramo (2003) classifica como “padrão de ocultação”:
É o padrão que se refere à ausência e à presença de fatos reais na produção da
imprensa. (...) O padrão de ocultação é decisivo e definitivo na manipulação da
realidade: tomada a decisão de que um fato “não é jornalístico”, não há a menor
chance de que o leitor tome conhecimento de sua existência por meio da
imprensa. (ABRAMO, 2003, p. 26 e 27)
Segundo Fausto Neto (1991), a mídia constrói o perfil do “olimpiano” nos mesmos
moldes dos personagens de ficção e o receptor assim o absorve. Sendo assim, seguindo sua
postura de veículo informativo com credibilidade nacional, a Veja não poderia se valer do
sensacionalismo para expor a Aids à esfera pública. Essa questão da influência que os veículos
exercem na esfera pública é abordada por Habermas (1997), que diz que “pessoas ou instituições
podem gozar de uma reputação que lhes permitem exercer influência sobre as convicções de
outras pessoas, sem ter que comprovar competências e sem ter que dar satisfações”.
Vamos levar em consideração que a Aids era desconhecida na década de 80 e os
equívocos sobre a doença foram transmitidos na primeira fase da cobertura jornalística,
chamada por Traquina (2001) de “era invisível”. Segundo o autor, o primeiro registro sobre a
contaminação por HIV foi publicado no Morbidity and Mortality Report (MMWR), em relatos
sobre indivíduos masculinos contaminados pelo vírus: “a única característica partilhada pelos
cinco homens que sofriam de pneumonia era que eram homossexuais”. Assim, devemos
questionar o resultado final da recepção: em nenhuma das oito páginas da matéria “A luta
contra a Aids”, a Veja trabalha a Aids enquanto doença, mas transforma o estado de Cazuza em
um mote para o sensacionalismo.
Levamos em consideração as explicações de Francisco José Karam (1997), no que diz
respeito à relação entre o jornalismo e a publicização de fatos de natureza trágicas, por exemplo.
“É necessário dizer que o jornalismo não pode conviver somente com “as coisas belas da vida”.
Precisa tratar das tragédias que essa mesma vida carrega, para, inclusive, valorizar as
consideradas grandiosas”. (KARAM, 1997, p. 78 e 79). Este trabalho analisa como os jornalistas
podem reportar o trágico, o triste e o doloroso sem lhes acentuar estes sentimentos ou tirar
proveito destes. Informar sem, no entanto, usá-los em atitudes antiéticas.
Análise
59
Este estudo analisa as vertentes do sensacionalismo, da ética jornalística, apoiado no
Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros de 1987 e na captação das mensagens pelo receptor.
O “silenciamento” sobre a doença por parte da Veja também entra em análise. Como explica
Benetti (2007), no processo de análise do discurso, os assuntos ignorados têm tanta importância
quanto aqueles incluídos no discurso.
Um dos principais temas que indicam a complexidade do problema ético da atividade
jornalística é a relação entre o direito à vida privada e a liberdade de informação jornalística em
conexão com o interesse público. De um lado, parece-nos bastante subjetivo definir que onde
termina a vida privada começa o interesse público, ou simplesmente que a privacidade deve
estar submetida ao interesse público. Também é relevante questionar até que ponto o jornalista
é responsável pelo resultado final do seu texto, depois da edição. Segundo o Código de Ética dos
Jornalistas Brasileiros, de 1987, em seu capítulo 3, artigo 11, é da responsabilidade do jornalista
“toda informação que divulga, desde que seu trabalho não tenha sido alterado por terceiros”.
De início, propomos a disposição cronológica da Aids na vida de Cazuza. Como diz
Márcia Benetti (2007, p.111), para o estudo dos sentidos de um texto, “importa compreender
que existe uma exterioridade que não apenas repercute no texto, mas que de fato o constitui e
não pode ser dele apartada”.
De acordo com relatos registrados no livro “Cazuza: Só as Mães são Felizes”, de Lucinha
Araujo, o cantor suspeitava que houvesse contraído o vírus da Aids em 1985. No dia 31 de julho
daquele ano, Cazuza foi internado e o primeiro diagnóstico revelou uma infecção bacteriana e
“negativo” para a contaminação pelo HIV. Mesmo assim, a própria Veja levantou especulações:
“Depois de sua foto publicada na revista Veja e mesmo negando a doença, as especulações sobre
o verdadeiro estado de saúde de Cazuza se intensificaram”. (ARAUJO apud ARAUJO, 2004, p.
195)
Em 1987, Cazuza foi novamente internado e em 26 de abril do mesmo ano, João e
Lucinha Araujo tomam conhecimento de que o filho havia sido “tocado pela Aids”. Em maio
daquele mesmo ano, Cazuza teve a confirmação definitiva de que estava contaminado pelo vírus
HIV, em exames realizados em Boston, EUA. Em 6 de dezembro de 1988, o cantor aceitava o
convite da jornalista Marília Gabriela para uma entrevista no Cara a Cara, da TV Bandeirantes.
Indagado sobre a doença, negou estar contaminado. Ele assumiu publicamente a Aids em
entrevista ao então repórter do jornal Folha de S. Paulo, Zeca Camargo, publicada em 13 de
fevereiro de 1989.
Em entrevista concedida na sede da Sociedade Viva Cazuza, no Rio de Janeiro, em 17 de
janeiro de 2007, Lucinha Araujo (2007) relatou detalhes do dia no qual Cazuza recebeu em sua
casa os jornalistas da sucursal de Veja, além dos “efeitos colaterais” da matéria. Enfatizamos que
a entrevista concedida pelo cantor aos jornalistas Alessandro Porro e Ângela Abreu não teve seu
conteúdo distorcido, de acordo com Lucinha Araujo (2004).
Já no dia em que ela (Ângela Abreu) foi, já levou o editor-chefe aqui do Rio (...),
chamava-se Alessandro Porro. Aí eu me lembro que um amigo dele (de Cazuza)
60
que estava lá disse: “Lucinha, dá um pulinho aqui que eu não estou gostando do
teor dessa entrevista. Cazuza tá falando tudo”. Eu fui e fiquei escondida
escutando. (...) E aí o cara levou um isqueiro Zippo de presente, Cazuza serviu
cafezinho, feliz da vida porque ia aparecer na capa da Veja. (ARAUJO, 2007)
Em 26 de abril de 1989, a Veja publicava sua edição 1.077, que trazia o cantor e
compositor na capa. Ao ler a matéria, Cazuza teve uma parada respiratória e foi internado na
Clínica São Vicente, no Rio. Segundo o registro de Lucinha Araujo (1997), Ângela Abreu alegou
que, apesar de seu nome assinar a matéria ao lado de Alessandro Porro, ela não era a
responsável pelo texto final, e que este sofrera edição na redação, em São Paulo. Na semana
seguinte, Ângela pediu demissão à revista. Segundo o Código de Ética de 1987, em seu capítulo
3, artigo 11, “o jornalista é responsável por toda informação que divulga, desde que seu trabalho
não tenha sido alterado por terceiros”.
“A luta em público contra a Aids”
A partir daqui, seguiremos pelas análises da matéria “A luta em público contra a Aids”,
objeto central deste trabalho, a qual vamos classificar como texto “A”. Como sugere Marcia
Benetti (2007), recortamos fragmentos do texto, que a autora chama de “seqüências
discursivas” (SD), método utilizado no estudo dos sentidos na Análise de Discurso francesa
(AD). Vamos levar em conta, como diz Benetti (2007, p. 111), que “o texto é parte visível do
material de um processo altamente complexo que inicia em um outro lugar: na sociedade, na
cultura, na ideologia, no imaginário”. Em cada SD, estarão assinaladas em negrito das
“formações discursivas” (FD).
Márcia Benetti (2007), em seu trabalho “A Ironia como estratégia discursiva da revista
Veja”, identifica tipos de ironia empregados no discurso de Veja. A nós, interessam os seguintes:
antífrase (“que exprime idéias antiéticas por meio de palavras de sentido contrário”) e sarcasmo
(ironia desqualificadora, ofensiva ou injuriosa).
SD1- A – Justificando a manchete de capa
“(...). Primeiro ídolo popular a admitir que está com Aids, a letal síndrome da
imunodeficiência adquirida (FD1-A), o roqueiro carioca nascido há 31 anos com o nome de
Agenor de Miranda Araujo Neto definha um pouco a cada dia rumo ao fim inexorável
(FD2-A). Mas o cantor dos versos
Senhoras e senhores
Trago boas novas
Eu vi a cara da morte
E ela estava viva
faz questão de morrer em público, sem esconder o que está se passando” (FD3-A).
A matéria inicia enfatizando que a síndrome da imunodeficiência adquirida é letal (FD161
A) para justificar a sentença seguinte, que afirma que Cazuza “definha um pouco a cada dia
rumo ao fim inexorável”. Essa sentença, inclusive, é usada para dar legitimidade à manchete de
capa da revista - “Cazuza – uma vítima da Aids agoniza em praça pública” - e à foto do cantor,
que, naquela época, estava pesando cerca de 40 quilos. Isso justificaria o fim inevitável que a
revista anunciou para Cazuza.
Para afirmar que Cazuza estava morrendo, os jornalistas deveriam se valer de
depoimentos médicos, mesmo diante do estado visivelmente debilitado do cantor, levando em
consideração o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros de 1987, que em seu artigo sétimo diz
que “o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se
pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação”. Entretanto, mesmo
sem respaldo dos médicos que acompanhavam Cazuza, a revista sentencia sua morte.
Lembremos que há casos de aidéticos que tiveram uma longa vida, apesar da doença, como o
sociólogo Hebert de Souza, Betinho, que conviveu com a Aids de 1986 a 1996.
Quando Veja diz que Cazuza “definha um pouco a cada dia rumo ao fim inexorável”
(FD2-A), noticia a morte do olimpiano sem deixar margens a dúvidas. Para isso, utilizam um
artifício irrefutável: a foto do cantor, com olhar incisivo, pele ressecada e vários quilos mais
magro. Os braços cruzados e as mãos sobre os ombros, aliados à sentença de “agonia” pela qual
passava o cantor, segundo dizia a manchete da edição 1.077, não só infringem o artigo 13, alínea
a, do supracitado código, que diz que “o jornalista deve evitar a divulgação de fatos de caráter
mórbido e contrários aos valores humanos”, como o artigo 14, alínea b: “o jornalista deve tratar
com respeito todas as pessoas mencionadas nas informações que divulgar”. Os FD1-A e FD2-A
justificam a estrutura semântica da capa da revista, que traz a agonia de Cazuza, estampada pela
foto, e a manchete que a ratifica. Imagem e texto criam uma sentença que precisa de uma
legitimação, como explica Fausto Neto (1991):
(...) Se abstraíssemos o enunciado lingüístico que vem superposto às imagens,
estas articuladas com o sintagma Veja seriam suficientes para nos dizer: “Veja
como Cazuza está”, em nível de efeito e sentido. (...) O olhar e a posição dos
braços entrecruzados de Cazuza apontam para uma articulação pela qual ele
não só interpela o leitor, mas lhe oferece a singular ocasião de produzir a
seguinte associação: “Veja como eu me encontro!”. (FAUSTO NETO, 1991,
p.136)
Toda declaração de Cazuza foi a ele creditada, dando a revista o confortável status de
mero intermediador. Segundo Fausto Neto (1991), essa intenção da revista é explicitada também
pelo formato dado à matéria, que distribui relatos de Cazuza na íntegra, em boxes que se
espalham ao longo das oito páginas da matéria. Trataremos disso mais detalhadamente na
análise SD12-A.
SD12-A – Lauro Corona, aidético?
“Ninguém tem mais padecido mais com esses boatos (sobre estar contaminado
62
pela Aids) do que o ator Lauro Corona. (...) ‘Eu não estou com Aids, mas a
campanha que a imprensa está fazendo contra mim é tão grande que eu passei a
ser
encarado
como
um
maldito’,
disse
o
ator
a
VEJA
(...).
‘É
uma
irresponsabilidade a imprensa noticiar especulações, provocando repercussões
‘definitivas em minha vida profissional e afetiva”, afirmou Lauro, que desde então
vem se recusando a falar com jornalistas” (FD15-A).
Segundo Lucinha Araujo (1997), Cazuza realmente deu depoimento a Alessandro Porro
e Ângela Abreu sobre a possível contaminação de Lauro Corona, que foi assim registrado pela
revista, em um box na página 85:
SOBRE LAURO CORONA
“Ele deve estar com Aids, sim. Quem tem Aids fica com o cabelo mais ralo no
lado da cabeça. É um dos sinais mais claros. Mas ele vai esconder a doença até
morrer, vai fazer igualzinho ao Rock Hudson. Ele é muito galãzinho, muito
vaidoso. Deus queira que ele não tenha Aids. Mas, de repente, ele vive
internado, não sei. (...)” (CAZUZA, 1989, p. 85)
Primeiro, vamos buscar a explicação de Fausto Neto (1991) para a diagramação das
páginas da matéria “A luta contra a Aids”, que trazia boxes com citações integrais do cantor.
Segundo o autor, com o tratamento dado pela edição da revista, as declarações de Cazuza
tornam-se autônomas, como se “não tivessem sofrido um processo de organização e
hierarquização injucionado pelo próprio campo da produção jornalística” (FAUSTO NETO,
1991, p. 138).
Ao serem autonomizadas, as declarações de Cazuza são transformadas em
espécie de depoimentos (...). Tal organização visa oferecer com efeito de sentido
a idéia de que os depoimentos, sendo guardados pela condição do discurso
direto, não podem ser contestados, porque foram afinal, e simplesmente,
resguardados enquanto palavras ditas por Cazuza. (FAUSTO NETO, 1991, p.
138)
Neste caso, chamamos atenção para dois detalhes importantes:
As palavras de Cazuza inspiram dúvida em relação à sua própria afirmativa: “Ele deve
estar com Aids sim.” e “Deus queira que ele não tenha Aids. Mas, de repente, ele vive sendo
internado, não sei”. Já em FD15-A, Veja registra depoimentos do próprio Lauro Corona, que
ratifica não estar com Aids e que a “campanha” da imprensa o estaria tornando um “maldito”.
Ora, diante dos depoimentos de veracidade duvidosa e Cazuza e das negativas de Lauro Corona,
Veja não poderia ter levantado a polêmica. Observemos que, ao chocar as declarações de ambos,
a revista declara nas entrelinhas que o ator estava contaminado.
Neste caso, Veja compromete o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros de 1987 em
63
dois dos seus artigos: o sétimo, que diz que “o compromisso fundamental do jornalista é com a
verdade dos fatos, e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua
correta divulgação”; e o artigo nono, alínea “g”, que estabelece que é dever do jornalista
“respeitar o direito à privacidade do cidadão”.
Diante da atualização do Código de Ética, de 2007, o FD15-A fere os artigos sexto,
parágrafos sexto, que diz ser dever do jornalista “não colocar em risco a integridade das fontes e
dos profissionais com quem trabalha”, e oitavo, que determina que o profissional deva “respeitar
o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão”.
SD14-A – A sentença final da Veja
“(...), o drama de Cazuza tem servido de pretexto para que se escrevam
algumas bobagens (FD16-A). O jornalista verde Fernando Gabeira, por exemplo, escreveu
que o verso A droga que já vem malhada antes de eu nascer é uma “reflexão sobre a própria
civilização brasileira, que se instalou com a rapina colonial e a intensa exploração de índios e
escravos negros”. (...) Quando o ecologista topar com letras de Tom Jobim, Chico Buarque e
Caetano Veloso, para não falar de Shakespeare ou Dante, quantos séculos de estudo precisará?
Cazuza não é um gênio da música. É até discutível se sua obra irá perdurar, de tão
colada que está ao momento presente (FD17-A). Não vale, igualmente, o argumento de
que sua obra tende a ser pequena devido à força do destino: (..). Cazuza não é Noel, não é
um gênio. É um homem cheio de qualidades e defeitos que tem a grandeza de
alardeá-los em praça pública para chegar a algum tipo de verdade. (FD18-A)”
Consideramos esta SD a mais significativa de todo o discurso da Veja 1.077, diante do
contexto deste trabalho. Observemos os fragmentos em negrito e, se estabelecermos um elo
direto entre este parágrafo, o último da matéria “A luta em público contra a Aids”, com o SD1-A,
que inicia o discurso da revista, podemos construir um cenário para o real sentido que Veja
buscou alcançar ao publicar a manchete “Cazuza – Uma vítima da Aids agoniza em praça
pública”: a busca do sensacionalismo através da morbidez.
Em FD16-A, a Veja diz que o então deputado Fernando Gabeira escreveu “algumas
bobagens” ao descrever que os versos da música “Brasil”, “a droga que já vem malhada antes de
eu nascer” poderiam ser interpretados como uma reflexão do processo de civilização do Brasil.
Segundo a narrativa da revista, Fernando Gabeira se deslumbrava com as palavras do cantor e
compositor pelo mesmo motivo dos fãs – Cazuza estava morrendo e suas palavras ganhavam,
por causa do estigma de “derradeiras”, o status de profecia. Em toda SD14-A, último parágrafo
da matéria, a voz é do emissor, como em monólogo no qual o veículo estabelece uma posição
diante do assunto. O tom opinativo é o mesmo do início da matéria.
E diante do questionamento “Quando o ecologista topar com letras de Tom Jobim,
Chico Buarque e Caetano Veloso, para não falar de Shakespeare ou Dante, quantos séculos de
estudo precisará?”, que culmina com a resposta “Cazuza não é um gênio da música” e a dúvida
(da própria Veja) de que as músicas do compositor ficariam perdidas em algum lugar daquele
tempo, já que não perdurariam.
64
O próprio tempo provou que a profecia da Veja estava equivocada. Em 2004, o filme
“Cazuza – O tempo não pára” de Sandra Werneck levou milhões de pessoas aos cinemas em
todo País. Até hoje, as composições de Cazuza rendem direitos autorias ao trabalho da
Sociedade Viva Cazuza, organização não-governamental criada por Lucinha Araujo, que cuida
de crianças aidéticas no Rio de Janeiro.
A repercussão pública
Chegamos às análises das cartas à redação publicadas por Veja em 17 de maio de 1989,
na edição 1.079. Elas refletem a opinião do campo receptor sobre a matéria “A luta em público
contra a Aids”, ainda que tenham passado pelo crivo da edição da revista. O que temos aqui são
impressões sobre a matéria, o que nos seria demais subjetivo para uma análise sucinta, como
explica Fausto Neto (2002), a respeito dos processos de recepção de discurso sociais:
Como o conhecimento daquilo que a recepção faz com os discursos que lhes são
endereçadas não se garante por técnicas de mensuração, tampouco pelo teste de
variáveis, o desafio bate à porta dos que trabalham com esses problemas (...).
Nesse caso, o desafio estaria na junção, domínio e articulação de um conjunto
de procedimentos e técnicas que assegurem, simultaneamente, compreender o
tipo de discurso (...) e, também, “entender como as pessoas se apropriam, bem
ou mal, desse discurso”. (FAUSTO NETO, 2002, p. 193 e 194)
Observemos:
Tabela 1:
Favoráveis
Desfavoráveis
Neutros
Edição PE
27
27
4
Edição RJ
7
0*
3
Total
33
28
7
* Uma leitora do Rio de Janeiro elogiou a matéria e criticou a manchete da capa.
Total
58
11
69
Como vemos na tabela 1, a edição 1.079 que circulou em Pernambuco trouxe 58 cartas à
redação. Observemos que, destas, 27 apresentam discursos favoráveis à revista, de leitores que
consideram a matéria como uma “homenagem” a Cazuza, “séria”, “realista”, “sensível”, “correta”
e “neutra”. A defesa bate na tecla de que a Veja revelou a realidade de um doente de Aids.
Chamamos atenção a uma carta em especial:
Recebam minha solidariedade pelo “desagravo” que esquisitas figuras
promoveram contra a revista VEJA, no Rio de Janeiro, por documentar
verdades sobre o irracional, abusado e indecoroso Cazuza. De triste memória,
esse aidético insultou famílias, ofendeu seguidamente o público em seus shows
e até desrespeitou o símbolo máximo da nacionalidade – a nossa bandeira. Que
os signatários do desagravo – lido em noite de gala e noticiado pela TV Globo –
65
vão todos para os diabos e, ao ordinário Cazuza, que o inferno o receba, em
breve e ardentemente. (JAZADJI, 1989).
No fragmento do deputado Afanázio Jazadji, observamos um discurso extremamente
agressivo. A revista, ao publicar esta manifestação, não só desrespeita o exercício do jornalismo,
como o cantor e àqueles que assinaram o manifesto contra a Veja. O Código de Ética dos
Jornalistas Brasileiros, de 1987, justifica nossa abordagem sobre este fragmento, em seu artigo
décimo, alínea “d”: “o jornalista não pode concordar com a prática de perseguição ou
discriminação por motivos sociais, políticos, religiosos, raciais, de sexo e de orientação sexual”.
Da mesma forma, a publicação da carta de Afanázio Jazadji fere o artigo 14, alínea “b”, que diz
que o jornalista deve “tratar com respeito a todas as pessoas mencionadas nas informações que
divulgar”.
Na amostragem publicada por Veja em sua edição 1.079, que circulou em Pernambuco,
parte do público leitor entendeu a matéria como uma homenagem ao cantor. Muitos não
consideraram sensacionalista sua abordagem, mas elucidativa do ponto de vista da doença e
corajosa ao desmistificar a ação do vírus HIV no ser humano. Houve também posições críticas
em relação à carta de repúdio lançada por artistas no dia da entrega do II Premio Sharp; outros
se ativeram a acusar a revista de falta de respeito com Cazuza, por ter explorado sua doença com
sensacionalismo.
Das 27 cartas, uma chama atenção ao drama de Lauro Corona, que foi referenciado por
Cazuza na matéria. E o argumento do leitor, que disse que “faltou respeito à pessoa do ator e ao
seu direito de silenciar sobre seu estado de saúde”, tem respaldo no Código de Ética dos
Jornalistas Brasileiros, de 1987, que determina em seu artigo nono, alínea “g”, que é dever do
profissional “respeitar o direito à privacidade do cidadão”. Por esse universo de fragmentos de
cartas de leitores contrários à abordagem feita por Veja em “A luta em público contra a Aids”,
observamos que a matéria é tratada como “informativo de imprensa marrom”, “injusta”,
“grosseira”, “utilização oportunista (...) sem o mínimo de respeito humano”, “sensacionalista”,
“apelativa”, “grotesco” e “sarcástica”.
A disparidade entre os fragmentos que circularam em “Cartas” em Pernambuco daquela
publicizada no Rio de Janeiro nos chamou atenção. Primeiro, por que apenas 11 foram
publicadas na edição 1.079 que circulou no Rio, contra 58 da edição pernambucana. Segundo,
pela diferença de porcentagem entre os fragmentos: no Rio, foram publicadas sete
manifestações favoráveis à abordagem que Veja deu à matéria sobre a Aids de Cazuza; uma é
contrária e critica a capa da revista, mas mantém os elogios à reportagem. Três abordam outros
assuntos, não tecendo posicionamentos específicos diante da matéria. Entre os leitores que
tiveram suas cartas publicadas, e que se posicionaram a favor de Veja, destacamos que, ao
contrário dos fragmentos da edição 1.079 que circulou em Pernambuco, a que circulou no Rio se
atém a críticas veladas à classe artística e ao manifesto assinado por artistas e lido durante a
cerimônia do II Prêmio Sharp.
As diferenças encontradas nas cartas publicadas nas duas edições da Veja demonstram
que, no Rio, a revista posicionou-se contra os artistas – a maioria deles residem na capital
66
carioca. Na edição de Pernambuco, Veja optou pelas cartas que se posicionaram ao seu favor e
privilegiou aquelas de linguajar mais agressivo. Visivelmente, as respostas dos receptores foram
manipuladas pela revista a seu favor, como se descrevessem posicionamentos seus.
Conclusão
Embora muitas teorias tratem da abordagem mórbida pela mídia, como é o caso da
matéria “A luta em público contra a Aids” de Veja e sua capa sobre a doença do cantor Cazuza,
elas seriam dispensáveis pelo olhar crítico; principalmente daqueles que compreendem o dia-adia do jornalismo. Não estamos aqui falando da autocensura, prática também condenada pelo
Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, de 1987, mas apelando para o bom senso
profissional. O discurso de Veja ignora a informação mais importante do caso: a figura do
olimpiano aidético que busca tratamento e continua vivendo. Ao contrário, Veja explora a
agonia de Cazuza e utiliza a imagem do cantor para justificar suas posições, afinal, ele mesmo
estava publicizando sua agonia.
Observamos que a opinião velada e irônica da revista é costurada aos depoimentos de
Cazuza, dos seus pais e amigos, em um discurso de agonia firmado pelo rosto do cantor, na capa.
Seu suplício, pelo discurso de Veja, era resultado da vida desregrada, à base de bebidas, drogas e
promiscuidade. Veja toma para si o discurso médico e, sem respaldo dos profissionais que
acompanhavam Cazuza, redige sua sentença de morte.
A disparidade entre as opiniões dos leitores publicadas por Veja vai além da questão
ideológica de cada indivíduo, como explicou Fausto Neto (2002), mas segue pelas várias
interpretações que a linha irônica da matéria remete. Márcia Benetti (2007) diz que a ironia é
um recurso de risco, que põe em questão a credibilidade do veículo, como foi o caso aqui, e
acaba por despertar inúmeras interpretações.
Com os estudos de Fausto Neto (2002) sobre o campo da recepção, e diante das
manifestações dos leitores à matéria de Veja, de acordo com os fragmentos de cartas publicados
na edição 1.079 – mesmo cientes de que passaram pelo crivo da edição – podemos concluir que
o perfil de leitor “caixa vazia” existia também àquela época. Primeiro, por que a Aids era um
assunto desconhecido e, principalmente, pela credibilidade da revista diante do seu público
leitor (vemos que mesmo leitores que criticam a matéria, tecem seu desagravo dizendo-se
decepcionados com o “deslize” de uma revista “séria” como Veja). Isto, não nos referindo
somente aqueles leitores que se posicionaram contra a revista, mas numa análise do campo
receptor como um todo. É a questão de influência sobre a convicção as pessoas, “sem ter que se
comprovar competências ou dar satisfações”, como diz Habermas (1997).
Como vimos, na edição que circulou no Rio de Janeiro, nenhuma das cartas publicadas
foram contrárias ao desfecho que Veja sentenciava para Cazuza. Importante lembrar que as
maiores manifestações contra a matéria estavam, justamente, localizadas da capital carioca,
onde residia Cazuza e onde estavam as manifestações dos artistas.
Por fim, concluímos que o discurso da Veja ignora os preceitos éticos do jornalismo,
negando o posicionamento da revista enquanto veículo informativo de credibilidade nacional.
Ao tratar de forma irresponsável e sensacionalista um assunto delicado como a Aids, Veja
67
enfatizou preconceitos contra os aidéticos, ratificou o vínculo da doença aos homossexuais,
drogados e promíscuos e não assumiu a responsabilidade da informação elucidativa, que
trataria a doença do ponto de vista médico e científico. Veja sequer tratou da descoberta da
ciência de que o HIV contaminava também indivíduos heterossexuais masculinos, mulheres e
crianças, um alerta necessário à sociedade. Além disto, ignorou Cazuza enquanto pessoa
humana, seu estado de saúde já debilitado, e o expôs à esfera pública de forma tão mórbida e
desumana que, até hoje, quase 20 anos após sua publicação, “A luta em público contra a Aids”
figura no ranking das 10 matérias mais polêmicas da história de 40 anos da Veja.
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69
FÓRUM NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO (FNPJ) XIII
ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO IX
CICLO NACIONAL DE PESQUISA EM ENSINO DE JORNALISMO
MODALIDADE DO TRABALHO: Relato de Experiência/ Resumo
Expandido
GRUPO DE PESQUISA: Pesquisa na Graduação COORDENADOR: Prof.
GERSON MARTINS
Jornalismo esportivo como especialização do jornalismo1 Laion
Espíndula2 [email protected] BIC/UFRGS Sandra de Deus3 [email protected] UFRGS
_____________________________________________________
Palavra chaves: jornalismo esportivo – fontes – jornalismo especializado
______________________________________________________
Introdução: O presente artigo é fruto das primeiras observações da pesquisa “A
relação entre jornalistas e fontes no jornalismo esportivo”, coordenada pela
Professora Sandra de Deus. O estudo é financiado com bolsa de Iniciação Científica
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e objetiva analisar a relação entre os
jornalistas e as fontes no jornalismo esportivo (JE), iniciando pelo levantamento
dos TCCs apresentados no curso de Jornalismo da UFRGS. Metodologia: O
levantamento bibliográfico permite estabelecer inicialmente o estado da arte dentro
do curso de jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul e compor uma revisão nos estudos de JE e sobre emissoras de
rádio no Rio Grande do Sul, especificamente em Porto Alegre. A finalidade da
revisão bibliográfica é tipificar e classificar as fontes de acordo com sua natureza,
origem, duração e legitimidade. Após a
Resultado parcial da pesquisa “A relação entre jornalistas e fontes no jornalismo esportivo
(estudo de radiojornalismo esportivo)”, financiada com bolsa de iniciação científica da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul com prazo de conclusão previsto para dezembro de
2011.
2
Estudante de graduação. Bolsista de Iniciação Científica. 3
Jornalista, professora
orientadora da Pesquisa “A relação entre jornalistas e fontes no jornalismo esportivo (estudo de
radiojornalismo esportivo)”.
1
12
etapa inicial, será constituído o corpus da pesquisa, formado pela programação
esportiva das emissoras que operam em Amplitude Modulada (AM) em Porto
Alegre. Esta delimitação será possível a partir do acompanhamento da
programação e a classificação dos programas com observação das rotinas de
produção. A etapa seguinte, com base nas referências bibliográficas e no
levantamento da produção dos estudantes, constitui-se em uma análise da
programação para definir os programas jornalísticos e a relação jornalista x fonte.
Resultados parciais: Nos últimos 10 anos, limitado entre 1999 e 2009, foram
registrados 234 Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) na Faculdade de
Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
abordando o JE. Apesar de a especialização em JE ter pouco prestígio na academia
e nos veículos, a quantidade de trabalhos produzidos revela forte interesse dos
estudantes em relação ao tema. O ano de 2007 registrou o maior número de
trabalhos produzidos: cinco. Um dos motivos pode ter sido a realização da Copa do
Mundo em 2006. Ao analisar o quadro de evolução de monografias produzidas
sobre JE, percebe-se um aumento significativo nos últimos anos. O período 20052009 registrou 14 produções.
Quadro 1. Produção nos últimos dez anos.
De acordo com a Comissão de Graduação da Faculdade, são concluídos em média 20
TTCs de jornalismo por ano.
4
ANO
No
70
1999
2
2000
1
2001
1
2002
3
2003
0
2004
2
2005
2
2006
1
2007
5
2008
2
2009
4
Total
23
3
O assunto com maior incidência foi Copa do Mundo, com quatro trabalhos
produzidos. Questões relacionadas à atuação profissional e o resgate histórico de
emissoras ou de personagens foram outros temas com grande abordagem: três cada
um. Em relação ao exercício profissional na editoria de esportes, os trabalhos
apontaram as características e os campos de ação no JE. Na parte histórica foi
relatado o desenvolvimento da veiculação esportiva nas rádios e a trajetória de
profissionais.
Quadro 2. Assuntos mencionados nos trabalhos pesquisados.
Os veículos mais mencionados foram impresso (9) e rádio (8). Dois trabalhos
analisaram o JE de maneira geral, tratando todos os veículos. Portanto, o veículo
rádio, foco desta pesquisa, foi estudado por dez graduandos. O que confirma a alta
relevância deste veículo dentro do JE .
Quadro 3. Veículos mencionados.
Assunto
No
Copa do Mundo
4
Profissionalismo
3
Resgate histórico
3
Algum programa
2
Jornalismo Investigativo
2
Fundamentos de JE
2
Mulheres no JE
71
2
Comparação de impressos
1
Novas tecnologias
1
Esporte amador
1
Espetáculo no JE
1
Jogos Olímpicos
1
Veículo
No
Impresso
9
Rádio
8
TV
4
Internet
1
Geral
2
Os anos de 2004, 2005 e 2009 apresentaram maior produção de TCCs sobre o
radiojornalismo esportivo: duas cada. Especialmente o período 2004- 2005 teve
quatro trabalhos. O assunto com maior freqüência foi “resgate histórico”. Três
pesquisas foram realizadas com essa abordagem. Dois trabalhos foram bastante
específicos: retrataram o desenvolvimento histórico do JE em determinadas
emissoras. Somente um fez um estudo mais geral do JE, mencionando diversos
veículos.
Diferentemente do que foi visto, as copas do mundo não foram analisadas por
nenhum trabalho focado em radiojornalismo. Outros assuntos recorrentes
foram:
“programa específico”;
“profissionalização”; e “fundamentos”.
Nota-se que há uma expressiva preocupação com a especialização e com as
questões profissionais da área. As emissoras Bandeirantes e Guaíba 5 foram
abordadas especificamente por um TCC cada. Os dois trabalhos realizaram resgate
histórico da parte esportiva das emissoras. Conclusão: O número de TCCs na
Faculdade de Comunicação da UFRGS ofereceu o diagnóstico sobre o grau de
interesse dos alunos pelo Jornalismo esportivo e quais assuntos foram mais
abordados. Poucas pesquisas são realizadas nas faculdades de comunicação sobre o
tema. Porém, esta etapa inicial da pesquisa mostrou que há uma significativa
produção de trabalhos de conclusão, o que determinou a inclusão de uma disciplina
eletiva – jornalismo esportivo – no semestre em curso. Portanto, há interesse dos
estudantes de graduação em uma área cada vez mais especializada do jornalismo.
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5
Duas das principais emissoras em AM que possuem cobertura esportiva no RS.
4
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73

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