PDF - Revista Ciências da Saúde - Universidade Federal de Santa
Transcrição
PDF - Revista Ciências da Saúde - Universidade Federal de Santa
REVISTA CIÊNCIAS DA SAÚDE UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Reitor: Álvaro Toubes Prata Vice-Reitor: Carlos Alberto Justo da Silva CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE Diretora: Kenya Schmidt Reibnitz Editoração eletrônica Quemais Comunicação www.quemais.com.br Capa Paulo Roberto da Silva Revisão Quemais Comunicação REVISTA CIÊNCIAS DA SAÚDE ISSN 0101 - 9546 Revista Ciências da Saúde Florianópolis V. 30, N. 1 P. 1 - 98 2011 Revista Ciências da Saúde é uma revista semestral editada pelo Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina. Comissão Editorial: Elisabeth Wazlawik (Nutrição-UFSC), Inês Beatriz Rath (Estomatologia-UFSC), Liliane Janete Grando (Patologia-UFSC), Maria Itayra Coelho de Souza Padilha (Enfermagem-UFSC), Patrícia Haas (Análises Clínicas-UFSC), Roberto Henrique Heinish (Clínica Médica- UFSC), Tânia Silvia Fröde (Editora-chefe-UFSC). Comissão Consultiva: Cesar Augusto da Silva (UNIVASF), Denise Guerreiro (UFSC), Eduardo Dalmarco (FURB), Emilia Addison Machado Moreira (UFSC), Fabian Calixto Fraiz (UFPR), Rubens Rodrigues Filho (UFSC), Luciane Peter Grillo (UNIVALI), Márcia de Assunção Ferreira (UFRJ), Marcos Vinicius da Silva (HOSPITAL EMÍLIO RIBAS), Mauro Amaral Caldeira de Andrade (UFSC), Mercedes Gabriela Ratto Reiter (FURB), Patrícia Haas (UFSC), Paulo Roberto Kechele (UFSC), Thaís Sincero (UFSC), Maria do Carmo Machado Guimarães (UCB). (Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina) Revista Ciências da Saúde / Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Ciências da Saúde. -- V.1, n. 1 (1982)- , - Florianópolis: Imprensa Universitária, 1982. V.: 27cm Semestral ISSN 0101-9546 1. Ciências Médicas. 2. Saúde-pesquisa. I. Universidade Federal de Santa Catarina. II Centro de Ciências da Saúde Endereço: Revista Ciências da Saúde - Secretaria do Centro de Ciências da Saúde da UFSC Campus Universitário - Trindade Caixa Postal 476 88040 970 - Florianópolis - SC Telefone (0xx) 48 3721-9525 / 3721-9783 / (0xx) 48 3721-9712 ramal 211 Fax (0xx) 48 37219542 SUMÁRIO Editorial .......................................................... 8 ANÁLISE DO ÍNDICE DE CONTAMINAÇÃO E PERFIL BACTERIOLÓGICO DE COLÍRIOS AVALIAÇÃO DA RESISTÊNCIA DE UNIÃO UTILIZADOS NO DIA A DIA DO OFTALMO- DE REPAROS COM RESINA COMPOSTA LOGISTA. [An analysis on the contamina- EM DENTES DE RESINA ACRÍLICA: EFEITO tion and bacteriological profile of eyedrops DOS SISTEMAS ADESIVOS [Bond strength used on the day-to-day of the ophthalmolo- of composite repair to acrylic teeth using gist.] Jayme Quirino Caon Nobre; Augusto different adhesive systems] Luiz Henrique Adam Netto; Rodrigo Dall’Oglio da Cunha . Maykot Prates; Marcelo Carvalho Chain ...... 49 9 ANÁLISE DO CUSTO DOS COLÍRIOS DE CONHECIMENTO, CONCEPÇÕES E PRÁ- ASSOCIAÇÃO FIXA DE TIMOLOL COM TICAS DE PROMOÇÃO DE SAÚDE DOS ANÁLOGOS DE PROSTAGLANDINA EM CIRURGIÕES-DENTISTAS SISTEMA FLORIANÓPOLIS [Cost analysis of the ÚNICO DE SAÚDE (SUS) EM ITAJAÍ (SC) eyedrop timolol fixed combination with [Knowledge, concepts and practices of he- prostaglandin analogues in Florianópolis] alth promotion of dentists working in the Fernando Henrique Zanardo Gonzalez; Au- National Health System (SUS) at Itajaí – SC] gusto Adam Netto; Eduardo André Burgardt DO 57 Luciane Campos; Juliana Cesário Pereira; Alice Cesário Pereira; Elisabete Rabaldo Bottan; Eliane Garcia da Silveira .................. A IMPORTÂNCIA DAS REGIÕES ARGIRO18 FÍLICAS ORGANIZADORAS DE NUCLÉOLO (AgNOR) COMO MARCADORES DE PERFIL ALIMENTAR DE CRIANÇAS DE ATÉ PROLIFERAÇÃO CELULAR [The impor- UM ANO DE IDADE [Nutritional profile of tance of argyrophilic nucleolar organizer children up to one year of life] Gisela Ca- regions (AgNOR) as marker of cell prolife- therin Christen; Mercedes Gabriela Ratto ration] Renata de Oliveira Freiberger; Carla Reiter .............................................................. CARACTERÍSTICAS DOS 26 Filippin e Cidônia de Lourdes Vituri ........... QUESTIONÁ- PLEURITES: REVISÃO E DIAGNÓSTICO RIOS DE FREQUÊNCIA ALIMENTAR (QFA) LABORATORIAL. [Pleuritis: Revision and DESENVOLVIDOS E VALIDADOS NO BRA- Laboratorial Diagnosis] Michele Peplau de SIL: UMA REVISÃO [Characteristics of food Boit; Luana Coelho de Luca; Tânia Silvia frequency questionnaire (FFQ) developed Frode .............................................................. 66 74 and validated in Brazil: a review] Cecilia Cesa; Vanessa Ceccatto; Gabriele Rocken- A HISTÓRIA DE VIDA DE PESSOA COM bach; Renata Vanz; Thiane Ristow Cardinal; AIDS [The life history of HIV/AIDS people] Maria Alice Altenburg de Assis; Francisco Aline Costa Vieira; Maria Aline Lima Car- de Assis Guedes de Vasconcelos; Patrícia valho; Maria Itayra Padilha; Isabel Cristina Faria Di Pietro ................................................ 34 Maliska Julieta Oro ....................................... 81 Normas Editoriais ......................................... 95 Revista Ciências da Saúde Editorial Novo ano, novos desafios... Neste ano de 2011 temos perspectivas de novos empreendimentos e desafios, como por exemplo, a inserção do sistema online da Revista Ciências da Saúde. A Revista continua seus esforços no sentido de obter novas indexações, embora já esteja em indexadores que garantem boa visibilidade nacional (CAPES). Exigências cada vez maiores se impõem aos veículos de divulgação científica e buscaremos atender aqueles que nos dizem respeito (corpo editorial, periodicidade, estrutura, acesso à revista). Mas, caro leitor e colega a sua colaboração é imprescindível nessa tarefa, acredite no potencial de crescimento da revista, envie seus artigos, não só os de atualização, mas também inclua dados inéditos de pesquisa, pois os bons trabalhos devem ser divulgados. Seja docente de universidade ou profissional de serviço de saúde nas áreas de abrangência da revista que julguem importantes e necessárias de serem compartilhadas, façam o seu registro de forma criteriosa dentro das normas de publicação, e não hesitem em enviá-lo para apreciação. Brevemente, faremos algumas mudanças, dentre elas o uso da Revista Online. Mantendo a tradição de incluir textos referentes à saúde, neste número são apresentados trabalhos realizados por colegas da área de Enfermagem, Farmácia, Medicina, Nutrição e Odontologia. Termino este editorial com a poesia de Antônio Hugo: “A colheita depende do que tenha plantado o teu presente depende do teu passado, o teu êxito depende da tua paciência”. Boa leitura! Tânia Silvia Fröde Editora-chefe da Revista Ciências da Saúde Prates, L. H. M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 9-17, jan./jun. 2011 AVALIAÇÃO DA RESISTÊNCIA DE UNIÃO DE REPAROS COM RESINA COMPOSTA EM DENTES DE RESINA ACRÍLICA: EFEITO DOS SISTEMAS ADESIVOS [Bond strength of composite repair to acrylic teeth using different adhesive systems] Luiz Henrique Maykot Prates1 ; Marcelo Carvalho Chain1 Resumo: O estudo avaliou a resistência de união de reparos com compósito aplicado com três adesivos sobre dentes acrílicos. Quarenta e oito dentes acrílicos foram distribuídos em quatro grupos: G1: (controle) reparo com resina acrílica; G2: adesivo (Adper Scotchbond Multi-Purpose - 3M ESPE (SBMP)); G3: adesivo (Adper Single Bond 2 - 3M ESPE (SB)); e G4: adesivo autocondicionante (Optibond All in One – KERR (AO)). G2, G3 e G4 foram reparados com compósito (Z350 – 3M ESPE). Reparos acrílicos apresentaram resistência de união estatisticamente superior às dos demais. Nos reparos com compósito, o adesivo AO proporcionou resistência de união similar à do SBMP e superior à do SB. Palavras-chave: Adesivos, Resinas Acrílicas, Resinas Compostas, Resistência ao Cisalhamento. Abstract: The aim of this study was to evaluate the bond strength of composite repairs on acrylic teeth using three adhesives. Forty-eight acrylic teeth were distributed into four groups: G1: (control) acrylic repair; G2: adhesive (Adper Scotchbond Multi-Purpose - 3M ESPE (SBMP)); G3: adhesive (Adper Single Bond 2 - 3M ESPE (SB)); and G4: self-etching adhesive (Optibond All in One – KERR (AO)). G2, G3 and G4 were repaired with composite (Z350 – 3M ESPE). Acrylic repairs have shown statistically superior bond strength in relation to other groups. Regarding composite repairs, the AO adhesive have shown similar bond strength to SBMP and superior to SB. Keywords: Adhesives, Acrylic Resins, Composite Resins, Shear Strength. Introdução Dentre os possíveis insucessos que ocorrem com uma prótese total, a fratura do aparelho e o deslocamento de dentes estão entre as falhas observadas1, destacando-se também o desgaste das superfícies oclusais2. Uma das alternativas para solucionar esses problemas consiste no reparo da estrutura perdida de resina acrílica utilizando-se resinas compostas 2-4. As resinas acrílicas têm, entre outras vantagens, baixo custo e facilidade de manuseio. Todavia, as melhores propriedades da matriz e da união carga matriz tornam as restaurações de resina composta superiores às de resina sem carga5. Apesar disso, a opção por uma resina 1 composta para o reparo de uma prótese total de resina acrílica tem como possível limitação a diferença de composição entre os dois substratos, o que pode dificultar a união dos mesmos, embora, existam similaridades entre os dois tipos de monômeros. Seguindo esse raciocínio, Papazoglou & Vasilas afirmam que é possível a ocorrência de alguma união química entre resinas acrílica e composta6. Assim, na intenção de um melhor resultado, algumas técnicas têm sido descritas e avaliadas tendo em vista um incremento na união entre os dois tipos de resina. Alguns autores descreveram a confecção de retenções mecânicas sobre a resina acrílica, seguida pelo condicionamento da superfície com clorofórmio e lavagem Professores de Materiais Dentários da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail:[email protected] 9 Prates, L. H. M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 9-17, jan./jun. 2011 com água, previamente à aplicação do adesivo e da resina composta2, 3. Papazoglou & Vasilas, em relação à resistência de união sobre dentes acrílicos, observaram que, quando da aplicação prévia de monômero de metil metacrilato e sistema adesivo, compósitos apresentaram desempenho comparável aos reparos com resina acrílica6. Lagouvardos & Polyzois verificaram que a aplicação de jato de óxido de alumínio sobre a superfície acrílica melhorou a resistência de união da mesma à resina composta quando da utilização de sistemas adesivos7. Alguns estudos, por outro lado, têm avaliado alternativas para o incremento da união entre dois substratos acrílicos, como o de Sarac et al., que avaliaram a possibilidade de aplicação de acetona, cloreto de metileno e monômero de metil metacrilato sobre resina acrílica previamente à realização de reparos com o mesmo material8; e os de Chung et al. e Bragaglia et al., que avaliaram a aplicação de jato de óxido de alumínio sobre a base de dentes de resina acrílica, com resultados satisfatórios em se tratando de resistência de união9,10. Apesar de variações nas técnicas propostas para o reparo com resina composta em uma prótese de resina acrílica, verifica-se que a maioria é favorável à aplicação prévia de sistemas adesivos2-4. Entretanto, ao longo dos últimos anos as formulações desses materiais vêm sofrendo uma série de modificações, tendo em vista, entre outros objetivos, a redução no número de passos durante a aplicação ao substrato dentário. Assim sendo, os adesivos atualmente disponíveis podem ser classificados como sendo de condicionamento ácido total, que são apresentados com dois ou três passos; ou autocondicionantes, que são apresentados com um ou dois passos11. Evidentemente essas diferenças são acompanhadas de alterações de composição, que, a princípio, não levam em conta a aplicação ao substrato acrílico, situação peculiar ao reparo de uma prótese total. Nos chamados adesivos com condicionamento ácido total e três passos de aplicação, também conhecidos como de 4ª geração12, a opção por se utilizar apenas o frasco contendo o adesivo – omitindo-se as eta10 pas correspondentes ao condicionamento ácido e a aplicação do primer – parece prática em se tratando de um reparo com resina composta a ser realizado sobre um dente de resina acrílica. Por outro lado, essa opção fica inviabilizada quando se tratam de adesivos com condicionamento ácido total e dois passos para aplicação, ou seja, sistemas cujo primer e adesivo estão em um único frasco, também conhecidos como adesivos de 5ª geração12. Na situação em que o condicionador ácido e o adesivo estão em um mesmo frasco, também denominados sistemas adesivos autocondicionantes, da mesma forma não é possível a individualização total dos procedimentos. Recentemente, um adesivo à base de metil acetato foi avaliado em relação à resistência de união entre superfícies acrílicas, ou seja, tendo em vista o incremento da união entre dentes de resina acrílica e bases de próteses, com resultados promissores13. Todavia, é uma situação que não se enquadra na opção de se utilizar resina composta para o reparo de dentes de resina acrílica, embora possa futuramente ser avaliado em tal condição. Uma técnica que utiliza adesivo formado por polimetil metacrilato, uretano dimetacrilato e sílica, também foi recentemente descrita, por Renne4, constituindo-se em mais uma opção para reparos e futuros estudos. Portanto, a dúvida refere-se à possibilidade de variação na resistência de união de resinas compostas utilizadas como reparo sobre resinas acrílicas, subsequentemente à aplicação de diferentes sistemas adesivos, já que os componentes das diferentes formulações variam (Tabela 1) e podem interferir no processo de união. Tendo em vista a quantidade limitada de informações relacionadas ao assunto, torna-se justificável a realização de uma pesquisa abordando o tema, com o intuito de auxiliar no estabelecimento de um protocolo para o citado procedimento, principalmente no que se refere ao sistema adesivo mais apropriado. O objetivo deste estudo foi avaliar a resistência de união, com ensaios de cisalhamento, de reparos com resina composta (Z350 – 3M ESPE) Prates, L. H. M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 9-17, jan./jun. 2011 aplicados com três diferentes sistemas adesivos (Adper Scotchbond Multi-Purpose - 3M ESPE, Adper Single Bond 2 - 3M ESPE, Optibond All in One - KERR), sobre dentes de resina acrílica (Vipi Dent Plus - Vipi), sendo utilizada como controle a técnica de reparo com resina acrílica quimicamente ativada (Vipi Flash/Vipi Cor - Vipi). Métodos O método para obtenção dos corpos de prova e realização dos ensaios de cisalhamento foi adaptado de trabalhos que avaliaram a resistência de união de reparos em compósitos14 e de sistemas adesivos aplicados à estrutura dentária12, assemelhando-se, também, a um método utilizado em estudo que abordou a resistência de união entre substratos acrílicos15 e a outros que avaliaram a resistência de união entre compósitos e dentes de resina7,16. Foram adquiridos oito jogos de dentes anteriores superiores (cor A2) de resina acrílica (Vipi Dent Plus - Vipi). Após a identificação, os dentes foram embutidos em resina acrílica ativada quimicamente (Jet-Clássico), de modo que as superfícies vestibulares ficassem expostas. Para isso, cada dente foi adaptado, por intermédio da face vestibular, a uma lâmina de cera utilidade (Technew), sendo, em seguida, circundado por um tubo de PVC (Tigre) (20 mm de diâmetro x 20 mm de altura). Na sequência, a resina acrílica ativada quimicamente, na fase arenosa, foi inserida no interior dos tubos. Cada grupo avaliado foi formado por dois jogos de dentes superiores anteriores, totalizando quatro grupos com 12 espécimes (dentes) cada um. Após a polimerização da resina acrílica, as lâminas de cera utilidade foram removidas e as superfícies vestibulares dos dentes embutidos desgastadas e polidas, sequencialmente, com lixas de carbeto nos 400, 600 e 1200 (Norton), em politriz (Panambra – P10), sob refrigeração com água, para obter superfícies planas e lisas nos dentes de resina acrílica. O desgaste e o polimento foram efetuados com auxílio de uma base metálica circular (63mm de diâmetro x 25mm de espessura). A base continha um orifício central onde os tubos de PVC foram, individualmente, adaptados e fixados por um parafuso lateral, de maneira que as faces vestibulares dos dentes embutidos permanecessem levemente salientes em relação à superfície da base. Durante o desgaste e o polimento, cada espécime foi posicionado em quatro direções diferentes, durante 10 segundos cada uma, totalizando 40 segundos por numeração de lixa. A utilização do dispositivo metálico permitiu que as superfícies desgastadas permanecessem em ângulo de 90° em relação aos longos eixos dos tubos de PVC. Na sequência, as superfícies desgastadas e polidas dos dentes foram submetidas a um jato de óxido de alumínio, 320 mash (Asfer), durante 15 segundos, com pressão de 5kgf/cm2 (F & F), seguido por limpeza ultrassônica (Odontobrás – 1440D) em água destilada, durante 5 minutos. Após, as áreas superficiais tratadas foram delimitadas com papéis adesivos contendo orifícios com 3 mm de diâmetro (Contact), para aplicação dos adesivos, realizada do seguinte modo (Tabela 1): Grupo 1 (controle): Foi aplicada apenas uma camada de monômero de metil metacrilato (MMA) (Vipi Flash - Vipi) (n=12). Grupo 2: Foi aplicada uma camada do adesivo (Adper Scotchbond Multi-Purpose - 3M ESPE (SBMP)) e refinamento da película com leve jato e ar. Fotoativação, durante 10 segundos, por aparelho (Radiie-SDI) com intensidade de luz de 400 mW/cm2, aferida com radiômetro (Demetron). Foram omitidos os passos correspondentes ao condicionamento ácido e a aplicação do primer. (n=12). Grupo 3: Foi aplicada uma camada do adesivo (Adper Single Bond 2 - 3M ESPE (SB)) e refinamento da película com leve jato e ar. Fotoativação, durante 10 segundos, por aparelho (Radiie-SDI) com intensidade de luz de 400 mW/cm2, aferida com radiômetro (Demetron). Foi omitido o passo correspondente ao condicionamento ácido. (n=12). 11 Prates, L. H. M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 9-17, jan./jun. 2011 Grupo 4: Foi aplicada uma camada do adesivo autocondicionante (Optibond All in One – KERR (AO)) e refinamento da película com leve jato e ar. Fotoativação, durante 10 segundos, por aparelho (Radiie-SDI) com intensidade de luz de 400 mW/cm2, aferida com radiômetro (Demetron). Não houve necessidade de omissão de qualquer passo, pois o material, por tratar-se de um adesivo autocondicionante de passo único, não preconiza condicionamento ácido prévio ou aplicação de primer. (n=12). Tabela 1 – Grupos avaliados com respectivos tratamentos (sistemas adesivos ou monômero de metil metacrilato), fabricantes, composições e números de lote. Grupo Tratamento 1 (controle) monômero metil metacrilato (MMA)* Adesivo Adper Scotchbond Multi-Purpose (SBMP)* Adesivo Adper Single Bond 2 (SB)* 2 3 4 Adesivo Optibond All in One (AO) Tipo de adesivo _______ Fabricante Composição** Lote Vipi MMA, DMT, Inibidor 812286 Condicionamento ácido total (3 passos) 3M ESPE (apenas do adesivo) Bis-GMA, HEMA, fotoiniciador. 7RA Condicionamento ácido total (2 passos) 3M ESPE 8TE Auto condicionante (1 passo) KERR Nano partículas de sílica, BisGMA, HEMA, dimetacriltos, etanol, água, fotoiniciador, copolímero funcional de metacrilato de ácidos poliacrílico e polialcenóico. Acetona, álcool etílico, monômeros de ester metacrilato, carga mineral, fluoreto de itérbio, fotoiniciadores, aceleradores, estabilizadores e água. C03ACD * Aplicações, composições e lotes apenas dos adesivos e monômero MMA (Grupo 1), excluindo-se condicionadores ácidos (Grupos 2 e 3) e primer do Grupo 2. ** Composições de acordo com os fabricantes. A aplicação da resina acrílica (Vipi Cor/ Vipi Flash - Vipi) no Grupo 1 e da resina composta (Z350 – 3M ESPE) nos grupos 2, 3 e 4, correspondentes aos reparos, foi realizada com auxílio de uma matriz circular bipartida de politetrafluoroetileno (teflon), com orifício central com 3 mm de diâmetro e 2 mm de altura, que foi posicionada sobre a área delimitada em cada dente de resina. A estabilização da matriz bipartida de teflon sobre a área delimitada foi efetuada com auxílio de um dispositivo de aço inoxidável formado por duas partes, sendo uma base e uma parte superior, ambas contendo orifícios centrais. Assim sendo, o tubo de PVC, contendo o dente de resina embutido, foi adaptado no orifício da base de aço e fixado por um parafuso lateral. Na sequência, a parte 12 superior e a base de aço foram acopladas uma à outra, sendo a matriz bipartida de teflon inserida no orifício da parte superior e sobre a área delimitada no dente de resina. A fixação da matriz bipartida de teflon foi realizada por um parafuso lateral na parte superior do dispositivo de aço, enquanto o ajuste para a ocorrência da coincidência entre o orifício da matriz bipartida de teflon e a área delimitada no dente de resina foi conseguido por meio de dois parafusos que permitiram pequenos movimentos laterais e fixavam a base e a parte superior do dispositivo de aço. A aplicação da resina composta (grupos 2, 3 e 4) foi realizada com auxílio de espátula metálica, em um único incremento, sendo a fotoativação realizada, durante 40 segundos, por um aparelho fotoativador (Radiie- Prates, L. H. M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 9-17, jan./jun. 2011 Para isso, os corpos de prova foram adaptados, por intermédio dos tubos de PVC, em um suporte de aço com orifício com 20,5 mm de diâmetro, sendo aplicada a carga, com ponta ativa em forma de semicírculo, paralela e justaposta à interface adesiva, até a ruptura da união entre os cilindros correspondentes aos reparos de resina composta ou acrílica e as superfícies dos dentes de resina acrílica (Figura 2). Os valores da resistência de união foram relacionados à área (MPa) e submetidos à análise de variância (ANOVA) e teste de Tukey (5%). -SDI) com intensidade de 400 mW/cm2, aferida com radiômetro (Demetron). A intensidade de luz aferida no início do experimento foi mantida durante a confecção dos demais corpos de prova, por meio de aferições ao início dos períodos de atividade. A aplicação da resina acrílica (Grupo 1) foi realizada pela técnica do pincel. Após a cura das resinas composta e acrílica, todos os parafusos fixadores foram afrouxados, sendo efetuada a separação entre a parte superior e a base do dispositivo de aço, bem como a remoção do tubo de PVC, da matriz bipartida de teflon e dos papéis adesivos delimitadores (Figura 1). Após a verificação da existência de possíveis excessos de resina, seguida da remoção dos mesmos com lâmina de bisturi, os corpos de prova foram armazenados em água destilada a 37°C, contida em estufa microbiológica (Quimis – Q.316B.24), durante 24 horas. Os testes de resistência de união, sob cisalhamento, foram realizados em máquina de ensaios (Instron - 4444), com velocidade de 0,5 mm/min. Resultados Os valores médios de resistência de união (MPa), sob cisalhamento, dos quatro grupos avaliados foram submetidos à análise de variância (ANOVA) e ao teste de Tukey (5%), sendo os valores médios com respectivos desvios-padrão apresentados na Tabela 2 (n = 12). O Gráfico 1 ilustração os valores médios de resistência de união dos quatro grupos avaliados. O maior valor médio Figura 1 – Corpo de prova pronto para realização do teste Figura 2 – Realização do teste de resistência de união sob de resistência de união. cisalhamento. de resistência de união foi observado no Grupo 1, em que foi utilizado o metil metacrilato como controle, sendo os demais grupos (2, 3 e 4) estatisticamente inferiores ao Grupo 1 (p < 0,05). Entre os adesivos avaliados, verificou-se semelhança estatística, na resistência de união, entre o adesivo auto condicionante Optibond All in One (AO) (Grupo 4) e o Adper Scotchbond Multi-Pur- pose (SBMP) (Grupo 2) (p = 0,286446). O adesivo Adper Single Bond 2 (SB) (Grupo 3), por sua vez, também apresentou similaridade estatística com o adesivo Adper Scotchbond Multi-Purpose (SBMP) (Grupo 2) (p = 0,568543), proporcionando, porém, resistência de união estatisticamente inferior à do sistema Optibond All In One (AO) (Grupo 4) (p=0,017188). 13 Prates, L. H. M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 9-17, jan./jun. 2011 Tabela 2 – Valores médios e respectivos desvios-padrão da resistência de união (MPa), sob cisalhamento, nos quatro grupos avaliados (n = 12). Grupo 1 2 3 4 Adesivo utilizado Monômero metil metacrilato (MMA) (controle) Adesivo Adper Scotchbond (SBMP) Adesivo Adper Single Bond 2 (SB) Adesivo Optibond All in One (AO) Resistência de união (MPa) 18,44 (3,59) a 9,32 (3,61) bc 7,45 (2,00) c 11,91 (4,42) b *Médias seguidas de letras distintas são estatisticamente diferentes pelo teste de Tukey (p<0,05). ** Desvio-padrão entre parênteses. Gráfico 1 – Representação gráfica dos valores médios da resistência de união (MPa), sob cisalhamento, nos quatro grupos avaliados. Discussão Diferentes técnicas têm sido avaliadas no que diz respeito ao reparo de dentes de resina acrílica em próteses6,7,13,16. Observa-se, no entanto, falta de uniformidade no que se refere ao método mais eficiente para tais procedimentos. O emprego de sistemas adesivos e resinas compostas está entre as alternativas para reparar fraturas e/ou desgastes em dentes de resina acrílica utilizados em próteses totais ou removíveis2-4, sendo, inclusive, variáveis passíveis de avaliação em comparação às técnicas de reparo que empregam resinas acrílicas. Todavia, como comentado, o surgimento periódico de novos sistemas adesivos ocasiona dúvidas em relação à eficiência do citado procedimento, pois, tais materiais, muitas vezes, são desenvolvidos para utilização em substrato dentário, esmalte e/ou dentina, contrariamente ao substrato acrílico encontrado em procedimentos de reparo. 14 Assim sendo, questiona-se a influência que diferentes composições adesivas têm sobre a resistência de união entre resina composta e o substrato acrílico. Adesivos de 4a geração, conhecidos também como de três passos, apresentam condicionador ácido, primer e adesivo, em frascos separados12, permitindo a seleção do agente apropriado. Portanto, adesivos de 5a geração, conhecidos como de dois passos, apresentam os componentes do primer e do adesivo em um único frasco12, tornando inevitável a aplicação conjunta dos componentes. Alguns adesivos auto condicionantes, por outro lado, possuem todos os componentes em um único frasco. Desse modo, a hipótese relaciona-se ao efeito que as citadas composições têm na resistência de união entre resinas composta e acrílica. Ou seja, componentes ácidos, monoméricos, incluindo diluentes, solventes e componentes hidrofílicos (Tabela 1), em diferentes concentrações, ou mesmo a presença ou ausência de determinados Prates, L. H. M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 9-17, jan./jun. 2011 agentes, prejudicariam ou poderiam aperfeiçoar a citada união? No presente estudo verificou-se, inicialmente, que o reparo com resina acrílica, aplicando-se previamente o próprio monômero de metil metacrilato, proporcionou a maior resistência de união, estatisticamente significativa em relação aos demais grupos em que foram utilizados sistemas adesivos e resina composta. A provável explicação para esse desempenho relaciona-se à composição similar entre os substratos, ou seja, utilizou-se resina acrílica, a qual é solúvel em seu próprio monômero, no caso o metil metacrilato que foi aplicado anteriormente e, possivelmente, propiciou mais grupos metacrilatos disponíveis para a reação. Barbosa et al. também relataram o aumento na resistência de união entre dentes de resina acrílica e bases de próteses após a aplicação prévia de monômero de metil metacrilato sobre a superfície acrílica do dente15. Papazoglou & Vasilas verificaram que a aplicação de monômero de metil metacrilato proporcionou melhoria da resistência de união, também, quando da utilização de um sistema adesivo e resina composta no reparo6. Uma sugestão para futuras investigações seria incluir também a variável “monômero”, aplicado com ou sem diferentes sistemas adesivos, na avaliação da união entre resinas composta e acrílica, buscando, assim, maiores esclarecimentos e possibilidade de incremento na citada adesão. Com relação aos sistemas adesivos foram observadas similaridades e diferenças a serem destacadas. A semelhança estatística entre os resultados proporcionados pelos sistemas adesivos Adper Scotchbond Multi-Purpose (SBMP) e Adper Single Bond 2 (SB) está entre as que merecem discussão. A princípio, poderia teorizar-se que os componentes do adesivo SB teriam alguma influência significativa em relação ao adesivo SBMP, lembrando-se que nos dois casos foi omitido o passo relacionado ao condicionamento ácido, sendo omitida, ainda, a aplicação do primer quando da aplicação do SBMP. Assim sendo, tudo indica que a presença de diferentes componen- tes, como hidrofílicos, acídicos, diluentes, entre outros, em diferentes concentrações no SB, não interferiram significativamente na união comparativamente à do adesivo do SBMP, em que foi aplicado apenas o adesivo, que é praticamente uma resina fluida sem carga (Tabela 1). Outro aspecto que merece destaque relaciona-se ao desempenho do adesivo Optibond All in One (AO), que proporcionou resistência de união estatisticamente similar a do adesivo SBMP e superior a do adesivo SB. O adesivo Optibond All in One (AO) é um sistema autocondicionante e, como o próprio nome comercial indica, possui todos os componentes em único frasco, dispensando, inclusive, o condicionamento ácido. Em se tratando de reparos com resina composta em dentes de resina acrílica, a literatura revisada não apresenta expressiva quantidade de trabalhos que comparam os diversos sistemas adesivos. Papazoglou & Vasilas avaliaram algumas técnicas, entre as quais dois sistemas adesivos, ou seja, uma resina fluida sem carga e um adesivo de dois passos (5ª geração), sendo observada similaridade entre os dois6, o que também foi observado no presente estudo, embora com marcas comerciais e métodos de aplicação diferentes. Lagouvardos & Polyzois, por outro lado, relataram diferenças nos resultados, porém, contrariamente ao presente estudo, utilizaram apenas adesivos de dois passos ou 5ª geração7, o que dificulta comparações com os demais sistemas. Assim, como na literatura revisada não foram observados dados específicos relacionados à técnica aqui empregada, as dúvidas referentes à resistência de união que o adesivo autocondicionante de frasco único (AO) pode proporcionar quando do reparo de superfícies acrílicas utilizando-se resina composta, talvez, tenham tornado-se mais claras a partir dos resultados aqui descritos. Ou seja, é possível que componentes presentes no adesivo autocondicionante (AO) (Tabela 1), além de não influenciarem negativamente no processo, tenham proporcionado alguma limpeza adicional da superfície de resina acrílica submetida ao jato com óxido de alumínio ou mesmo um melhor 15 Prates, L. H. M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 9-17, jan./jun. 2011 contato entre os substratos, melhorando, assim, a retenção micromecânica. Como visto, observou-se que a resistência de união entre resinas acrílica e composta pode ser influenciada pelo emprego de diferentes sistemas adesivos, verificando-se, ainda, em se tratando de resistência de união sobre dentes formados por substrato acrílico, que o reparo com resina acrílica pode ser uma opção mais eficiente comparativamente aos sistemas adesivos e resina composta. Todavia, estudos envolvendo variáveis não avaliadas na presente pesquisa, como, por exemplo, condicionamento ácido e/ou tratamento com monômero de metil metacrilato na superfície acrílica, associado à aplicação de sistemas adesivos, inclusive com observações clínicas, poderão auxiliar na confirmação ou não dos resultados aqui apresentados. Conclusão Respeitando-se as limitações de uma pesquisa “in vitro”, as seguintes conclusões podem ser estabelecidas no que se refere à resistência de união de diferentes sistemas adesivos, aplicados em conjunto com resina composta, sobre a superfície de dentes de resina acrílica tratada com jato de óxido de alumínio: 1. Reparos confeccionados com resina acrílica, por intermédio da técnica do pincel associada ao tratamento prévio com monômero de metil metacrilato, apresentaram maior resistência de união a dentes de resina acrílica comparativamente a reparos confeccionados com resina composta associada a sistemas adesivos. 2. Quando da utilização de resina composta, o sistema adesivo autocondicionante de passo único Optibond All in One proporcionou resistência de união estatisticamente similar à proporcionada pelo sistema Adper Scotchbond Multi-Purpose e superior à proporcionada pelo sistema Adper Single Bond 2. 3. Quando da utilização de resina composta, os sistemas adesivos Adper Scotchbond Multi-Purpose e Adper Single Bond 2 proporcionaram 16 resistências de união estatisticamente similares entre si. Referências: 1. Darbar UR, Huggett R, Harrison A. Denture fracture – a survey. Br Dent J 1994;176:342-45. 2. Vergani CE, Giampaolo ET, Cucci ALM. Composite occlusal surfaces for acrylic resin denture teeth. J Prosth Dent 1997;77:328-31. 3. Ansari IH. Quick repair of fractured complete denture anterior tooth with light-cured composites. J Prosth Dent 1995;74(6):657. 4. Renne W. Chairside repair of worn or lost denture teeth using nanofilled composite resin bonded to the denture base. J Prosth Dent 2010;103:129-30. 5. Anusavice KJ. Phillips Materiais Dentários. 10 ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 1998. 6. Papazoglou E, Vasilas AI. Shear bond strengths for composite and autopolymerized acrylic resins bonded to acrylic resin denture teeth. J Prosth Dent 1999;82:573-78. 7. Lagouvardos PE, Polyzois GL. Shear Bond Strengths Between Composite Resin and Denture Teeth: Effect of Tooth Type and Surface Treatments. Int J Prosthodont 2003;16:499-504. 8. Sarac YS, Sarac D, Kulunk T, Kulunk S. The effect of chemical surface treatments of different denture base resins on the shear bond strength of denture repair. J Prosth Dent 2005;94:259-66. 9. Chung KH, Chung CY, Chung CY, Chan DCNl. Effect of pre-processing surface treatments of acrylic teeth on bonding to the denture base. J Oral Rehabil 2008;35:268-75. Prates, L. H. M. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 9-17, jan./jun. 2011 10.Bragaglia LE, Prates LHM, Calvo MCM. The Role of Surface Treatments on the Bond between Acrylic Denture Base and Teeth. Braz Dent J 2009;20:156-61. 11.Van Meerbeek B, Munck JD, Yoshida Y, Inoue S, Vargas M, Vijay P, et al. Adhesion to Enamel and Dentin: Current Status and Future Challenges. Oper Dent 2003;28:215-35. 12.Miranda C, Prates LHM, Vieira RS, Calvo MCM. Shear Bond Strength of Different Adhesive Systems to Primary Dentin and Enamel. J Pediatric Dent 2006;31:35-40. 13.Meng GK, Chung KH, Fletcher-Stark ML, Zhang H. Effect of surface treatments and cyclic loading on the bond strength of acrylic resin denture teeth with autopolymerized repair acrylic resin. J Prosth Dent 2010;103:24552. 14.Pontes AP. Avaliação da resistência ao cisalhamento de reparos em compósitos indiretos utilizando compósitos para restaurações diretas [dissertação]. Porto Alegre (RS): Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2002. 15.Barbosa DB, Monteiro DR, Barão VAR, Pero AC, Compagnoni MA. Effect of monomer treatment and polymerization methods on the bond strength of resin teeth to denture base material. Gerodontology 2009;26:225-31. 16.Vergani CE, Machado AL, Giampaolo ET, Pavarina AC. Effect of Surface Treatments on the Bond Strength Between Composite Resin and Acrylic Resin Denture Teeth. Int J Prosthodont 2000;13:383-86. 17 Campos, L. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 18-25, jan./jun. 2011 CONHECIMENTO, CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE PROMOÇÃO DE SAÚDE DOS CIRURGIÕES-DENTISTAS DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) EM ITAJAÍ (SC) [Knowledge, concepts and practices of health promotion of dentists working in the National Health System (SUS) at Itajaí – SC] Luciane Campos1; Juliana Cesário Pereira2 ; Alice Cesário Pereira3; Elisabete Rabaldo Bottan4; Eliane Garcia da Silveira5 Resumo: O objetivo desta pesquisa foi investigar conhecimentos, concepções e práticas de promoção da saúde de cirurgiões-dentistas que atuam no Sistema Único de Saúde em Itajaí – SC. O instrumento para coleta de dados foi uma entrevista semiestruturada. A análise dos dados foi efetuada através da técnica da análise de conteúdo. As concepções e práticas de promoção da saúde dos participantes estavam ligadas à educação em saúde, mas também, equivocadamente, à atuação preventivo-curativa. Acredita-se ser urgente desenvolver programas de educação permanente, para cirurgiões-dentistas, enfocando aspectos teórico-práticos relativos à promoção da saúde. Palavras-chave: Promoção da saúde; educação em saúde; conhecimentos, atitudes e prática em saúde. Abstract: The objective of this research was to investigate knowledge, concepts and practices of health promotion of dentists working in the National Health System at Itajaí – SC. The instrument for data collection was a semi structured interview. Data analysis was performed by the technique of content analysis. The concepts and practices about health promotion of respondents were linked to health education, but also, mistakenly, to preventive and curative action. We believe to be urgent to develop continuing education programs to train dentists, focusing on theoretical and practical aspects about health promotion. Keywords: Health promotion, health education, health knowledge, attitudes, practice. Mestre em Saúde e Gestão do Trabalho. Professora das disciplinas de Odontologia Social e Preventiva e Saúde Coletiva. Pesquisadora do Grupo Atenção à Saúde Individual e Coletiva, do Curso de Odontologia da Universidade do Vale do Itajaí. E-mail para correspondência: [email protected]. 2 Acadêmica do Curso de Odontologia e bolsista Programa de Iniciação Científica Artigo 170/Governo do Estado/Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação, Extensão e Cultura da Universidade do Vale do Itajaí. E-mail para correspondência: [email protected] 3 Acadêmica do Curso de Odontologia da Universidade do Vale do Itajaí. E-mail para correspondência: [email protected]. 4 Mestre em Educação e Ciências. Professora das disciplinas de Trabalho de Iniciação Científica e Pesquisadora do Grupo Atenção à Saúde Individual e Coletiva, do Curso de Odontologia da Universidade do Vale do Itajaí. E-mail para correspondência: [email protected]. 5 Mestre em Odontopediatria. Professora das disciplinas de Odontopediatria e Clínica Integrada Materno Infantil. Pesquisadora do Grupo Atenção à Saúde Individual e Coletiva, do Curso de Odontologia da Universidade do Vale do Itajaí. E-mail para correspondência: [email protected]. 1 18 Campos, L. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 18-25, jan./jun. 2011 Introdução Historicamente o desenvolvimento conceitual e metodológico da saúde pública, ligado aos avanços das ciências biológicas, orientou-se basicamente segundo um conceito de saúde que corresponde apenas à ausência de doenças ou à noção de equilíbrio do organismo. Na Odontologia, esta concepção levou à hegemonia um modelo de atenção à saúde bucal com enfoque prioritariamente curativo. Este modelo tem se mostrado insuficiente para explicar os diferentes perfis epidemiológicos encontrados nas diversas regiões e classes sociais bem como incapaz de produzir uma mudança significativa no atual quadro sanitário brasileiro. Em contrapartida, a promoção da saúde apresenta-se como uma possibilidade concreta de melhoria da qualidade de vida e saúde bucal da população. Segundo a Carta de Ottawa, a Promoção à Saúde consiste em proporcionar aos povos os meios necessários para melhorar sua saúde e exercer um maior controle sobre ela. Para alcançar um estado adequado de bem-estar físico, mental e social um individuo ou grupo deve ser capaz de identificar e realizar suas aspirações, satisfazer suas necessidades e mudar ou adaptar-se ao meio ambiente1. Este documento foi uma resposta à necessidade crescente de uma nova concepção sanitária, que pudesse responder à complexidade emergente dos problemas de saúde, cujo entendimento não é possível através do enfoque estritamente biologicista e higiênico-preventivista, sem levar em conta a determinação social da doença e sua relação com questões como as condições e modos de vida das populações. Para uma atuação em promoção de saúde não é suficiente informar. É necessária uma relação de diálogo, uma comunicação emancipatória na qual os sujeitos sejam participantes ativos. Promover saúde implica em ter paz, educação, alimentação, renda, ecossistema saudável, recursos sustentáveis, justiça e equidade. Promover saúde é tocar as diferentes dimensões humanas, é considerar a afetividade, a capacidade criadora e a busca da felicidade como igualmente relevantes e indissociáveis às demais dimensões. Promoção de saúde é vivencial, é colada ao sentido de viver e aos saberes acumulados pelas ciências e pelas tradições culturais2. No entanto, muitas vezes, a distinção entre prevenção, educação para a saúde e promoção de saúde ainda não é muito clara, mesmo para profissionais da saúde. Embora os limites destas definições não sejam rígidos, a compreensão destes conceitos facilita a elaboração de estratégias para a efetivação da prática da promoção à saúde3. As dificuldades inerentes à definição conceitual sobre promoção de saúde são decorrentes da própria dificuldade de se definir saúde, não só pelas diferentes dimensões que perpassam o conceito: social, psicológica, econômica, espiritual, além da biomédica, mas principalmente pelo fato da saúde ser, antes de qualquer coisa, uma experiência individual4. A partir destas considerações optou-se por desenvolver esta pesquisa com o objetivo de verificar conhecimentos, concepções e práticas relacionadas à promoção de saúde de cirurgiões-dentistas da rede pública municipal de Itajaí, tendo em vista a importância do trabalhador em saúde para a consolidação da promoção de saúde como paradigma hegemônico na odontologia. Métodos Esta investigação se caracterizou como sendo um estudo exploratório, mediante coleta de dados primários e análise qualitativa. De acordo com dados fornecidos pela Secretaria de Saúde do município de Itajaí (SC), no momento da coleta de dados haviam 69 cirurgiões-dentistas vinculados à mesma, contudo, nem todos estavam atuando em função de afastamento para tratamento de saúde, licença-maternidade, licença-prêmio, férias, licença sem vencimentos, dentre outros fatores. Por este motivo, a população alvo foi composta por 40 cirurgiões-dentistas em atuação no município, que compareceram a uma 19 Campos, L. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 18-25, jan./jun. 2011 reunião de trabalho, promovida mensalmente pela Coordenação de Odontologia da Secretaria Municipal de Saúde de Itajaí. Destes, 38 cirurgiões-dentistas desempenhavam suas funções em Unidades Básicas de Saúde (UBS), ligados ao modelo tradicional de atuação, baseado no atendimento clínico de pacientes durante o período de trabalho, e apenas dois estavam vinculados à Estratégia de Saúde da Família (ESF) que pressupões uma atuação com maior enfoque para a promoção da saúde. Tendo em vista serem apenas dois profissionais atuando na ESF, para resguardar o anonimato participante, não foi solicitado que o profissional respondesse em qual modelo de atuação estava inserido (tradicional ou ESF). Assim, não foi possível avaliar separadamente as respostas dos profissionais que atuavam na ESF para verificar se suas concepções e práticas de promoção da saúde eram diferenciadas daquelas apresentadas pelos profissionais que exerciam suas funções em um modelo tradicional de atuação. A coleta de dados ocorreu na reunião de abril de 2009. A partir da população-alvo foi constituída uma amostra não probabilística obtida por conveniência composta por 33 cirurgiões-dentistas (82,5% da população alvo), que de livre e espontânea vontade aceitaram participar da pesquisa. O instrumento da coleta de dados foi uma entrevista semiestruturada composta por quatro questões abertas. A primeira questão abordou a conceituação de promoção de saúde para o pesquisado. Na segunda, o entrevistado deveria citar as cinco recomendações da Carta de Ottawa1 para a promoção da saúde. Na terceira, foi solicitada uma descrição de como o cirurgião-dentista atua na promoção de saúde. E, na última questão foram abordadas as contribuições do cirurgião-dentista, sob o ponto de vista prático, para efetivar os princípios da promoção à saúde em seu dia a dia. As entrevistas foram conduzidas no local da reunião por duas pesquisadoras que abordavam os profissionais individualmente, faziam os escla20 recimentos necessários com relação à pesquisa e convidavam o profissional a participar. Após o aceite formal do cirurgião-dentista e a assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido, as pesquisadoras faziam os questionamentos ao participante anotando fielmente suas respostas em um formulário. É importante salientar que as pesquisadoras tomaram o cuidado de não exercerem nenhum tipo de interferência nas respostas dos cirurgiões-dentistas. Por se tratar de uma pesquisa envolvendo seres humanos, foram respeitados os preceitos éticos da resolução 196/96. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), tendo sido aprovada pelo parecer número 837/09. A análise das respostas emitidas para cada questão foi efetuada com base no método de análise de conteúdo5, envolvendo duas fases fundamentais: análise temática e interpretação. Na análise temática, foi efetuada a leitura e codificação das mensagens expressas pelos sujeitos. Para a codificação das mensagens, foram criadas categorias nominais específicas a cada questão. Para cada categoria, em cada questão, foi calculada a frequência relativa. A etapa da interpretação consistiu em um processo de decodificação das categorias à luz do referencial teórico, produzindo-se, posteriormente a síntese. A partir da síntese das respostas, buscou-se uma integração dos diferentes momentos de análise e destes com os conhecimentos teóricos. Para a discussão dos dados, o marco teórico conceitual foi a Carta de Ottawa1. Resultados Com relação às concepções de promoção da saúde, as respostas foram agrupadas em seis (06) categorias, sendo a categoria “Atuação preventivo-curativa” a que mais se destacou. A frequência de cada uma das categorias que expressam as concepções de promoção de saúde dos cirurgiões-dentistas pesquisados se encontra na tabela 1. Campos, L. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 18-25, jan./jun. 2011 Tabela 1: Distribuição da freqüência relativa das categorias que expressam as concepções dos CDs entrevistados sobre promoção à saúde. CATEGORIA Desenvolvimento de aptidões pessoais Políticas públicas saudáveis Reorientação dos serviços de saúde Reforço da ação comunitária. Qualidade de vida Atuação preventivo-curativa Total Com relação às recomendações da Carta de Ottawa1 para a promoção à saúde, nenhum dos entrevistados soube citar as referidas recomendações. Quando foi solicitado que os sujeitos Percentual 28,5 7,9 7,9 4,7 22,0 29,0 100,0 descrevessem como atuavam para a promoção à saúde obtiveram-se respostas que puderam ser organizadas em três categorias. Os percentuais de resposta em cada categoria estão apresentados na Tabela 2. Tabela 2: Distribuição da freqüência relativa das categorias que explicitam as práticas de promoção à saúde, desenvolvidas pelos entrevistados. CATEGORIA Fazendo educação em saúde Atuando na prevenção e tratamento da doença Efetivando e fortalecendo os princípios do SUS Total No que diz respeito às contribuições do cirurgião-dentista, sob o ponto de vista prático, para efetivar os princípios da promoção da saúde Percentual 43,3 46,3 10,4 100,0 em seu dia a dia, as respostas foram estruturadas em quatro categorias. Os percentuais de resposta em cada categoria estão expressos na Tabela 3. Tabela 3: Distribuição da frequência relativa das categorias que definem as práticas que os entrevistados adotam para efetivar os princípios da promoção da saúde em seu dia a dia. CATEGORIA Educação em saúde Prevenção e tratamento da doença Participação/controle social Atuação multiprofissional Total Discussão Promoção de saúde tem sido definida como o processo que capacita a população a exercer e aumentar o controle sobre a sua saúde, reportando-se ao bem-estar individual e coletivo. Uma ação de promoção à saúde deve estimular comportamentos e atitudes (estilos de vida) saudáveis, focar no trabalho com comunidades, no estímulo à participação da comunidade, com vistas a desenvolver ambientes saudáveis. A ênfase é dada ao papel dos determinantes gerais sobre as condições de saúde, compreendendo não somente Percentual 45,1 35,3 9,8 9,8 100,0 as características dos indivíduos, mas as condições propiciadas pelo ambiente em seus aspectos físicos, sociais, econômicos e culturais1, 3, 6, 7, 8, 9, 10, 11 . A força motriz deste processo transcende a mera responsabilidade de proporcionar serviços clínicos e médicos. Provém do poder real das comunidades, da posse e do controle que tenham sobre seus próprios esforços e do desenvolvimento de aptidões pessoais que pode ser promovido pela educação em saúde11. A promoção da saúde deve ser entendida a partir do modelo dos determinan21 Campos, L. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 18-25, jan./jun. 2011 tes sociais da saúde e no processo de construção de políticas e espaços saudáveis, recuperando a noção de saúde-doença como processo histórico e socialmente marcado. A Promoção da Saúde, enquanto estratégia busca ultrapassar o setor da saúde, contemplando as questões ambientais e habitacionais, dentro dos determinantes sociais da saúde e da qualidade de vida12. Verificou-se, no entanto, que os participantes da pesquisa demonstraram certa confusão entre os conceitos de promoção da saúde, prevenção a atividades curativas. Um expressivo número de entrevistados, assim como em outra pesquisa3, relacionou promoção às atividades preventivo-curativas. Estes profissionais apropriam-se da retórica da promoção sem, contudo, entender seu real significado e o alcance desta filosofia, que, desta forma, incorpora-se ao discurso, mas não se efetiva em suas práticas. Cabe ressaltar que a prevenção baseia-se na concepção de risco ou da probabilidade de se tornar doente. A educação para a saúde envolve a troca de informações relativas à saúde, nosentido de mudar o comportamento e a adoção de estilo de vida saudável, em que o indivíduo passa a ser o principal responsável pelo seu estado de saúde. A promoção de saúde é um processo mais abrangente e contínuo, que envolve a educação e a participação de diferentes setores da sociedade na elaboração de estratégias para a promoção da saúde. Dessa forma, a promoção transcende as atividades e as decisões individuais para tornar-se uma atividade coletiva indo além da mera prestação de cuidados clínicos e curativos3, 13. Acreditamos que para que os serviços de saúde promovam a saúde é necessário que os profissionais e futuros profissionais compreendam e ampliem sua visão de promoção da saúde, incluindo-se como atores críticos e participantes do processo de construção e reformulação do sistema. Esta não é uma mudança que possa se efetivar imediatamente. É necessário um processo de mudança de paradigma que implica na construção de uma nova forma de abordagem das questões relativas à saúde. Para tal é importante desenvolver e/ou incrementar programas de Educação Permanente de modo a capacitar os trabalhadores de saúde, não 22 somente no nível teórico, mas na prática, para o trabalho com base na promoção da saúde. Também é importante estimular políticas de formação profissional nos cursos de graduação na área da saúde que tenham por objetivo capacitar os futuros profissionais da odontologia para que se apropriem da promoção da saúde como filosofia norteadora de suas ações. Muito embora o grupo tenha expressado concepções confusas, há que se ressaltar a presença de categorias como desenvolvimento de aptidões pessoais, educação em saúde e qualidade de vida. Estas categorias, apesar de serem apontadas com menor frequência, indicam a presença de algumas conceituações mais amplas, tornando-se, pois, espaços que favorecem um processo de discussão sobre o autêntico conceito de promoção da saúde. Esta constatação é muito positiva, pois estes profissionais que demonstraram um entendimento mais amplo em relação à promoção da saúde podem atuar como multiplicadores. Assim, é necessário criar e ampliar espaços de discussão, favorecendo o intercâmbio entre profissionais com concepções mais ampliadas com aqueles ainda ligados ao modelo biomédico. Estes momentos de interação e diálogo têm o potencial de promover reflexões que levem os profissionais a repensar sua prática diária o que pode contribuir para a transição do modelo biomédico para o modelo da promoção. A associação entre promoção da saúde e qualidade de vida suscitada por alguns dos participantes desta pesquisa pode ser considerada um dos eixos facilitadores desta discussão. Qualidade de vida é uma noção eminentemente humana, que tem sido aproximada ao grau de satisfação encontrado na vida familiar, amorosa, social e ambiental14, 15. No enfoque da promoção, saúde deve ser compreendida enquanto qualidade de vida e não apenas como ausência de doença. Assim, os problemas de saúde precisam ser enfrentados a partir de ações intersetoriais, pois extrapolam a responsabilidade exclusiva do setor saúde6, 12. A educação para a saúde constitui-se como um instrumento para o desenvolvimento de aptidões pessoais de forma a alcançar os objetivos da promoção da saúde. A educação em saúde promove a qualidade de vida e a cidadania, transforman- Campos, L. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 18-25, jan./jun. 2011 do-se em um meio efetivo para modificar a auto percepção das pessoas em relação aos aspectos de saúde. O setor educacional, em função de sua capilaridade e abrangência, é um aliado importante para a concretização de ações de promoção da saúde voltadas ao fortalecimento das capacidades individuais, para a tomada de decisões favoráveis à saúde, para a criação de ambientes saudáveis e a consolidação de uma política intersetorial voltada para a qualidade de vida2, 6, 13, 16. Também foram citadas pelos entrevistados, com menor frequência, concepções de promoção da saúde como a implementação de políticas públicas saudáveis, a reorientação dos serviços de saúde e o reforço da ação comunitária. Como práticas de promoção foram citadas o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) através da efetivação de seus princípios, a participação em saúde e a atuação multiprofissional. A implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) desencadeou avanços a partir de seus princípios e diretrizes, contudo, como verificado nesta pesquisa, ainda não se operacionalizou uma mudança substancial das concepções e práticas dos profissionais. Predomina, ainda, uma prática baseada em uma visão biologicista na qual o usuário é descaracterizado do seu contexto. Esta prática não tem apresentado grande impacto na melhoria das condições de saúde da população17. A promoção da saúde articulada às demais políticas e tecnologias do SUS, apresenta-se como possibilidade de focalizar os determinantes sociais da saúde de modo a melhorar as condições de saúde no Brasil4. Contudo, o enfoque na promoção da saúde aponta para o necessário redirecionamento das políticas e programas de saúde no país15. Para efetivar estas mudanças a questão da formação de recursos humanos para saúde tem importância fundamental. Assim, devem ser enfatizadas e oferecidas regularmente aos profissionais em atuação oportunidades de formação continuada enfocando questões como a promoção de saúde e a integralidade. No âmbito da graduação as Instituições de Ensino Superior deve enfatizar as questões de relevância social da formação acadêmica, tendo em vista que as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) reforçam a necessidade de orientar a formação profissional para o Sistema Único de Saúde. Uma parcela dos entrevistados relata que, para a promoção da saúde em sua prática diária, busca efetivar e fortalecer os princípios do Sistema Único de Saúde. Esta é uma estratégia pertinente tendo em vista que o Sistema Único de Saúde, por seus princípios e diretrizes, pode ser considerado campo propício para a promoção da saúde. A atuação multiprofissional também foi citada pelos entrevistados como uma contribuição para efetivar os princípios da promoção à saúde. Esta afirmação encontra respaldo na literatura18, contudo seria importante que os entrevistados percebessem a importância de transcender a atuação multiprofissional buscando a interdisciplinaridade. As ações de promoção da saúde são intervenções sustentadas pela intersetorialidade e pela participação social1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 10, 12, 15, 17, 19, 20. O eixo norteador da efetivação da promoção da saúde no SUS seria a interdisciplinaridade. Esta representa uma proposta de diálogo e construção de saberes e práticas que fortalecem o desenvolvimento e consolidação das propostas da promoção da saúde, aumentando a resolubilidade do SUS. Na verdade, a interdisciplinaridade traz a interpenetração das áreas, permitindo um diálogo entre os saberes para entendimento do problema, tomada de decisões e execução das propostas inerentes aos campos envolvidos19. O compromisso da promoção da saúde é o compromisso ético do próprio Sistema Único de Saúde, com a integralidade e a gestão participativa21. Recomenda-se que sejam delineadas estratégias e programas de saúde que contemplem a integralidade, a humanização e a equidade12. Este é o cerne da proposição do empoderamento individual e coletivo11. Através do empoderamento a promoção da saúde enfatiza a ideia da saúde como um processo e uma resultante de lutas pela consolidação de direitos. Esta é uma estratégia que pode contribuir para a consolidação de políticas de saúde de caráter universal e equitativo como o Sistema Único de Saúde no Brasil10. O SUS é, reconhecidamente, uma importante conquista social dos brasileiros e o enfrentamento dos problemas de saúde da população brasileira exige mais do que ações assistenciais. Requer políticas intersetoriais com a integração 23 Campos, L. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 18-25, jan./jun. 2011 de ações preventivas, curativas e de reabilitação com o enfoque na promoção da saúde20. saúde no contexto escolar. Rev Saúde Pública 2002;36(2):533-35. Conclusões Com base nos resultados obtidos pôde-se concluir que as concepções e práticas de promoção da saúde, de grande parte dos profissionais entrevistados, estão fortemente ligadas à atuação curativo-preventiva. Esta concepção e prática não é coerente com os princípios estabelecidos na Carta de Ottawa para a promoção da saúde. Contudo, uma parcela dos entrevistados citou como concepções e práticas de promoção da saúde recomendações da carta de Ottawa como: o desenvolvimento de aptidões pessoais, políticas públicas saudáveis, reorientação dos serviços de saúde e o reforço da ação comunitária. A qualidade de vida foi citada também como concepção de promoção da saúde. Como práticas de promoção foram citadas o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) através da efetivação de seus princípios, a participação em saúde e a atuação multiprofissional. De acordo com o presente estudo, acreditamos que é premente a necessidade de desenvolver e/ou incrementar programas de Educação Permanente de modo a capacitar os trabalhadores de saúde, não somente no nível teórico, mas na prática, para o trabalho com a promoção da saúde. Alem disso é importante se firmar uma política de mudança nos cursos de graduação em saúde para que sejam formados profissionais com um maior entendimento e comprometimento com a filosofia da promoção à saúde. 3. Souza EM, Grundy E. Promoção da saúde, epidemiologia social e capital social: inter – relações e perspectivas para a saúde pública. Cad Saúde Publica 2004;20(5):1354-60. Agradecimentos Ao Programa de Iniciação Científica Artigo 170/Governo do Estado/Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação, Extensão e Cultura da Universidade do Vale do Itajaí, pelo financiamento do projeto que deu origem a este artigo. Referências 1. WHO (World Health Organization). Health Promotion: The Ottawa Charter. Geneva: WHO, 1986. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Promoção da 24 4. Traveso-Yepes MA. Dilemas na promoção de saúde no Brasil: reflexões em torno da política nacional. Interface comun saúde, educ 2007;11(22):223-38. 5. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições;1979. 6. Aerts D, Alves GG, Salvia MW. La, ABEGG, C. Promoção de saúde: a convergência entre as propostas da vigilância da saúde e da escola cidadã. Cad Saúde Pública 2004;20(4):1020-8 7. Pedrosa JIS. Perspectivas na avaliação em promoção da saúde: uma abordagem institucional. Ciênc Saúde Coletiva 2004;9(3):617-26. 8. Castiel LD. Promoção de saúde e a sensibilidade epistemiológica da categoria ‘comunidade’. Rev Saúde Pública 2004;38(5):615-22. 9. Tang KC, Beaglehole R, O’Byrne D. Policy and partnership for health promotion – addressing the determinants of health. Bulletin of the World Health Organization 2005;83(12):884. 10.Carvalho SR, Gastaldo D. Promoção à saúde e empoderamento: uma reflexão a partir das perspectivas crítico-social pós-estruturalista. Ciênc Saúde Coletiva 2008;13(2):2029- 40. 11.Teixeira-Fleury P, Vaz FAC, Campos FCC, Álvares J, Agular RAT, Oliveira VA. Autonomia como categoria central no conceito de promoção de saúde. Ciênc Saúde Coletiva 2008;13(2):2115-22. 12.Choen SC, Bodstein R, Kligerman DC, Marcondes WB. Habitação saudável e ambientes favoráveis à saúde como estratégia de promoção da saúde. Ciênc Saúde Coletiva Campos, L. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 18-25, jan./jun. 2011 2007;12(1):191-8. 13.Dias MR, Duque AF, Silva MG, Dura E. Promoção da saúde: o renascimento de uma ideologia? Anal Psicol 2004;3(22):463-73. 14.Minayo MCS, Hartz de A, Buss PM. Qualidade de vida e saúde: um debate necessário. Ciênc Saúde Coletiva 2000;5(1):7-18. 15.Ferreira VA, Magalhães R. Nutrição e promoção da saúde: perspectivas atuais. Cad Saúde Pública 2007;23(7):1674-81. 16.Shinkai RSA, Cury AADB. O papel da odontologia na equipe interdisciplinar: contribuindo para a atenção ao idoso. Cad Saúde Pública 2000;16(4):1099-109. 17.Almeida GCM, Ferreira MAF. Saúde bucal no contexto do Programa Saúde da Família: práticas de prevenção orientadas ao indivíduo e ao coletivo. Cad Saúde Pública 2008;24(9):213140. 18.Gurgel S, Marcolino FF, Barbosa RC, Matos DR, Oliveira AS, Rodrigues, CRF. Atuação multiprofissional em saúde da família: ampliando o olhar na intervenção com crianças desnutridas. Rev Bras Prom Saúde 2008;21(2):128-36. 19.Cardoso JP. Vilela ABA, Souza R, Vasconcelos CCO, Caricchio GMN. Formação Interdisciplinar: efetivando propostas de promoção da saúde no SUS. RBPS 2007;20(4):252-58. 20.Narvai PC. Saúde bucal coletiva: caminhos da odontologia sanitária à bucalidade. Rev Saúde Pública 2006;40:141-47. 21.Campos GW, Barros RB, Castro AM. Avaliação de política nacional de promoção da saúde. Ciênc Saúde Coletiva 2004;9(3):745-74. 25 Christen, G. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 26-33, jan./jun. 2011 PERFIL ALIMENTAR DE CRIANÇAS DE ATÉ UM ANO DE IDADE [Nutritional Profile Of Children Up To One Year Of Life] Gisela Catherin Christen1, Mercedes Gabriela Ratto Reiter2 Resumo: Para verificar a prevalência do aleitamento materno e a introdução de alimentos, o presente trabalho levantou o período de amamentação e o perfil alimentar utilizando um formulário com as mães. Foi realizado no Banco de Leite Humano e em dois hospitais de Blumenau-SC. Dos 34 menores de 6 meses, apenas 21 crianças estavam em aleitamento exclusivo. Entre as 12 crianças com 6 meses ou mais, apenas 3 mamaram exclusivamente até o sexto mês. Campanhas de incentivo ao aleitamento materno devem ser enfatizadas sempre, pois a exclusividade e a manutenção do mesmo são essenciais para a saúde da criança. Palavras-chave: Aleitamento materno; Alimentos; Crianças. Abstract: To verify breastfeeding prevalence and the introduction of food, the present work studied the breastfeeding period and nutritional profile by using a form with mothers. The forms were filled out in the local human-milk bank and in two hospitals of Blumenau-SC. Among the 34 under 6 months, only 21 infants were breastfed exclusively. Among the 12 infants older than six months, only 3 were breastfed exclusively for the first six months of life. Campaigns encouraging breastfeeding must be enhanced, as exclusive breastfeeding and its maintenance are crucial for the benefit of the infant’s health. Keywords: Breastfeeding; Foods; Children. Introdução O leite materno é o alimento completo para o bebê até os seis meses de idade, pois contém todos os nutrientes necessários para o seu desenvolvimento e crescimento. Apesar da grande divulgação em mídia sobre as vantagens do Aleitamento Materno (AM), muitas mães acreditam que seu leite não é suficiente para o bebê, considerando-o fraco, e com isso introduzem alimentos desnecessários para seus filhos. O leite humano oferece os nutrientes que a criança necessita para iniciar uma vida saudável e representa o alimento essencial para o lactente até o sexto mês de vida, como alimento exclusivo; a partir de então, deve ser complementado com outras fontes nutricionais até pelo menos 2 anos de idade 1,2. 1 2 Após os 6 meses de idade, o leite materno pode contribuir com até 2/3 da energia ingerida e continua sendo uma fonte importante de gordura, vitamina A, cálcio e riboflavina até o segundo ano de vida 3. O AM é fundamental para a promoção da saúde das crianças em todo o mundo, oferecendo vantagens não só para o bebê, como também para a mãe. A amamentação natural reduz os índices de mortalidade infantil, diminui a probabilidade de processos alérgicos e gastrintestinais nos primeiros meses de vida do bebê, proporciona melhores indicadores de desenvolvimento cognitivo e psicomotor, favorece o adequado desenvolvimento de estruturas da face, entre outros benefícios 4,5. Para a mãe, a amamentação reduz a probabilidade de ocorrência de câncer de mama e de Curso de Nutrição, Universidade Regional de Blumenau. E-mail: [email protected] Curso de Nutrição, Universidade Regional de Blumenau. E-mail: [email protected] 26 Christen, G. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 26-33, jan./jun. 2011 ovário, proporciona maior espaçamento entre os partos e uma involução uterina mais rápida, com consequente diminuição do sangramento pós-parto 6,5,7. O AM cria um vínculo entre mãe e bebê, que garante proteção e carinho ao lactente e torna a mãe uma pessoa mais segura de suas atitudes maternas. Apesar dos comprovados benefícios do AM e da criação de programas de incentivo a essa prática, as taxas mundiais de amamentação ainda permanecem abaixo dos níveis desejados11. Em estudo de 2007, realizado em Cuiabá-MT, verificou-se que a prevalência do AM no primeiro ano de vida era de 74%, mostrando-se superior à observada para o Brasil (66,8%) pelo Ministério da Saúde. A taxa encontrada para o Aleitamento Materno Exclusivo (AME) entre menores de 120 dias (41,0%) pode ser considerada baixa, apesar de estar acima da estimativa da Organização Mundial da Saúde – OMS (35%) para essa faixa etária 8. Em 2004, constatou-se que a iniciação da prática de AM na população estudada foi de 82%, o que está longe do preconizado pela OMS, que enfatiza que o AM deve ser mantido de forma exclusiva até o sexto mês de vida 9. O desmame precoce está associado a altos índices de mortalidade infantil por desnutrição e diarreia 11 e, ainda hoje, é um problema de saúde que necessita de intervenção pública 13 . Dados da pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde em 1999, que avaliou a prevalência do AME por idade, mostrou que, aos 30 dias de vida, apenas 53,1% das crianças brasileiras continuavam sendo alimentadas exclusivamente com leite materno. No quarto mês, a proporção de crianças em AME correspondia a 18% do total, declinando para 8% no final do sexto mês12,13. As variáveis que afetam ou influenciam o desmame precoce ou a extensão da amamentação podem ser divididas em cinco categorias: (1) variáveis demográficas: tipo de parto, idade materna, presença paterna na estrutura familiar, números de filhos, experiência com amamentação; (2) variáveis socioeconômicas: renda familiar, escolarida- de materna e paterna, tipo de trabalho do chefe de família; (3) variáveis associadas à assistência pré-natal: orientação sobre amamentação, o desejo de amamentar; (4) variáveis relacionadas à assistência pós-natal imediata: alojamento conjunto, auxílio de profissionais da saúde, dificuldade iniciais e; (5) variáveis relacionadas à assistência pós-natal tardia (após a alta hospitalar): estresse e ansiedade materna, uso de medicamentos pela mãe e pelo bebê, introdução precoce de alimentos10,5. Há muitas pressões sobre as mulheres para que utilizem o leite artificial. Por exemplo: modismos; o que as vizinhas fazem; emprego remunerado; atitudes sociais que fazem com que as mulheres se sintam pouco à vontade para amamentar em público; propaganda de leites artificiais e a facilidade em comprar substitutos do leite materno 14. A ausência de leite materno ou a introdução precoce de alimentos trazem prejuízos à saúde da criança. Estes podem causar diminuição das curvas de crescimento quando há um oferecimento de alimentos com baixa densidade calórica, ou ganho de peso acima do esperado para estatura e idade, com riscos para obesidade e doenças crônico-degenerativas ao longo da vida, quando são ofertados alimentos complementares ou fórmulas infantis de alta densidade energética 9. Considerando o disposto acima, o presente estudo pretendeu verificar a prevalência do AM em crianças de até um ano de idade e, sua exclusividade em menores de 6 meses de vida, assim como a introdução de alimentos complementares e fórmulas infantis antes e depois dos 6 meses. Materiais e métodos A presente pesquisa foi realizada entre fevereiro e junho de 2009. Foram selecionadas 44 mães com crianças de até um ano de idade, atendidas no Banco de Leite Humano (BLH) e na pediatria de um hospital particular e de um da rede pública, ambos de Blumenau-SC. Ao total foram avaliadas 46 crianças, pois duas mães tinham filhos gêmeos (do sexo masculino). As mães que 27 Christen, G. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 26-33, jan./jun. 2011 aceitaram participar da pesquisa assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), específico para cada local. Os critérios de exclusão foram: crianças que estavam acompanhadas de outros familiares e não por suas mães e, crianças maiores de um ano. Não houve exclusão depois da coleta de dados. O formulário de coleta de dados foi dividido em dados da mãe e da criança; de identificação da mãe e de identificação da criança, antropometria, amamentação e perfil alimentar da criança. Levantou-se o período de aleitamento e o perfil alimentar de crianças menores de um ano de idade com o intuito de verificar a prevalência de amamentação. Através dos resultados e das informações obtidas, pretendeu-se gerar um diagnóstico da prevalência do aleitamento para colaborar com os profissionais da área da saúde materno-infantil. Estes dados podem ser úteis para verificar se o efeito das propagandas e campanhas em prol do aleitamento materno está tendo o resultado positivo esperado, e também para definir uma nova forma de enfoque. Trata-se de um estudo ecológico e também, qualitativo e quantitativo, uma vez que foi empregado um formulário de coleta de dados com a finalidade de fornecer uma leitura da realidade. Foram realizadas análises estatísticas a partir da amostra de crianças envolvidas na pesquisa em relação ao número das mesmas que receberam leite materno e/ou alimentos complementares. Após as entrevistas, os dados da pesquisa foram distribuídos em diversas classificações para as análises dos possíveis resultados, de acordo com os objetivos específicos. As crianças foram divididas em menores de 6 meses e maiores de 6 meses devido a exclusividade do aleitamento materno. Os dados coletados foram organizados e analisados em uma base de dados no programa Microsoft Excel 2008. Utilizaram-se tabelas para melhor visualização dos resultados. As proporções foram estimadas com intervalo de confiança de 95%. 28 Para a comparação das frequências pesquisadas foi utilizado o teste Qui-quadrado (x2) de aderência. Os resultados foram considerados significativos para o valor p≤0,05 (nível de significância). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Investigação com Seres Humanos da Universidade Regional de Blumenau, com o número de protocolo 155/08, na reunião de 18 de fevereiro de 2009. Resultados e discussão No Hospital Público foram entrevistadas 21 mães (21 crianças), no Hospital Particular, 3 mães, sendo uma, mãe dos gêmeos, totalizando 4 crianças e, no BLH, 20 mães e 21 crianças (filhos gêmeos). Devido a exceção das crianças gêmeas, foram analisados em alguns dados da pesquisa 44 mães e 44 crianças, considerando a intenção das mães, e em outros dados, 44 mães e 46 crianças, considerando a criança e sua reação, e dependendo da análise, a atitude da mãe foi também avaliada. Entre as 46 crianças, 34 (73,91%) eram menores de 6 meses e 12 (26,09%) maiores de 6 meses. Do sexo feminino eram 17 (36,96%) e 29 (63,04%) do masculino. Observou-se que 44 (95,65%) crianças foram amamentadas em algum momento desde o nascimento, independente da quantidade de dias ou meses. Esse resultado foi semelhante a um estudo feito em Salvador-BA, em 2005, onde 96,7% dos bebês mamaram no peito15. Já em estudo realizado no Rio de Janeiro, verificou-se que a frequência de crianças que iniciaram o aleitamento foi relativamente baixa, com 82% 9. A exclusividade do aleitamento materno em crianças até os 6 meses de vida pode ser observada na Tabela 1, sendo que, as crianças menores de 6 meses (algumas entre 5 e 15 dias de vida) estavam mamando exclusivamente no momento da pesquisa, porém isto não quer dizer que irão mamar até o sexto mês. Christen, G. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 26-33, jan./jun. 2011 Tabela 1 – Prevalência do AME até os 6 meses em crianças de até um ano de idade no momento da pesquisa. Idade das crianças (momentos da pesquisa) n(%) < 6 meses 34 (73,91) ≥ 6 meses 12 (26,09) Total 46 (100) AME até os 6 meses Sim ̶ n(%) 21 (45,65)* 3 (6,22) 24 (52,17) Não ̶ n(%) 13 (28,26) 9 (19,57) 22 (47,87) Teste Qui-quadrado (x2) x2=3,44; gl=1; p=0,06 Legenda. *: 4 crianças (gêmeos); n: número de crianças. De acordo com a Tabela 1, a idade das crianças, no momento da pesquisa, não influenciou significativamente sobre o AME (p=0,06). Entre as 13 crianças menores de 6 meses que não estavam em AME, uma criança nunca havia mamado, assim como, uma das 9 crianças com 6 meses ou mais. As crianças menores de 6 meses que estavam em AME, e as que já haviam completado 6 meses e também mamaram exclusivamente até o sexto mês, resultaram em 24 (52,17%) crianças na pesquisa. Já no estudo realizado em 2007, em Cuiabá, o AME atingiu apenas 34,5% 8. Entre todas as crianças da pesquisa, apenas 3 (6,25%) que já haviam completado 6 me- ses mamaram exclusivamente no peito. Apesar da recomendação de que o leite materno deve ser o único alimento a ser oferecido às crianças até os 6 meses, baixo percentual delas ainda se beneficia com esta prática 8. A amamentação não exclusiva até os 6 meses e a manutenção até um ano de idade pode ser verificada na Tabela 2. Entre as 34 crianças menores de 6 meses, 21 estavam em AME, ou seja, 13 crianças podem estar em AM não exclusivo. Todas as crianças maiores de 6 meses (12) foram avaliadas porque mesmo depois do sexto mês podem receber leite materno, porém a partir do sexto mês as crianças devem receber também os alimentos complementares. Tabela 2 – Prevalência do AM não exclusivo em crianças de até um ano de idade no momento da pesquisa. AM não exclusivo Idade das crianças Sim, parou Sim, continua (momento da pesquisa) Nunca (n) (n) < 6 meses ≥ 6 meses (n) < 6 meses 13 9 3 1 ≥ 6 meses 12 8 2 1 1 Total 25 17 5 1 2 Legenda. n: número de crianças. A OMS fundamenta a importância do AME nos primeiros 6 meses de vida e a manutenção do AM até pelo menos 2 anos de idade 1,2. O perfil alimentar das crianças (subdividi- do em menores de 6 meses e maiores de 6 meses) é demonstrado na Tabela 3. Nesta tabela considerou-se a alimentação atual, ou seja, do dia da entrevista, e não, a anterior. 29 Christen, G. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 26-33, jan./jun. 2011 Tabela 3 – Perfil alimentar das crianças no momento da pesquisa. Perfil alimentar AME AM + Fórmula AM + Alimento AM + Fórmula + Alimento Fórmula + Alimento Alimento Total Teste Qui-quadrado (x2) Legenda. n: número de crianças. < 6 meses IC (95%) n (%) 21 (61,76) (45,43 - 78,1) 5 (14,71) (2,8 - 26,61) 2 (5,88) (0,00 - 13,79) 2 (5,88) (0,00 - 13,79) 3 (8,82) (0,00 - 18,36) 1 (2,94) (0,00 - 8,62) 34 (100) 2 x = 51,41; gl = 5; p<0,01 Verificou-se na Tabela 3 que a maioria das crianças menores de 6 meses estavam em AME (p<0,01) e entre as crianças maiores de 6 meses não houve significância estatística em relação ao perfil alimentar. Também se observou que o consumo de leite materno está presente em 30 (88,23%) crianças menores de 6 meses, independente de ser exclusivo ou não. Já a amamentação em maiores de 6 meses, ocorreu em 8 (66,66%) casos. Verificou-se a importante redução de consumo de leite materno no segundo semestre de vida, onde a probabilidade de a criança receber leite materno aos 6 meses é de 59%. Já o consumo de outros tipos de leite varia entre 70 e 83% nessas idades 3. Entre as 46 crianças deste estudo, 38 (82,61%) crianças recebiam leite materno no momento da pesquisa e 8 (17,39%) não recebiam (p<0,01). Já no estudo feito em Campinas-SP, publicado em 2004, a prevalência do AM até um ano de vida foi de 54,9% 16. Três crianças menores de 6 meses receberam fórmula infantil, associado ao AM, porém uma rejeitou e outras duas receberam por, ≥ 6 meses IC (95%) n (%) 7 (58,33) (30,44 - 86,23) 1 (8,33) (0,00 - 23,97) 2 (16,67) (0,00 - 37,75) 2 (16,67) (0,00 - 37,75) 12 (100) 2 x = 7,33; gl = 3; p=0,06 no máximo, duas vezes (por dificuldade da mãe em amamentar em determinado período). Uma das crianças maiores de 6 meses rejeitou fórmula e duas crianças maiores de 6 meses que, no momento da pesquisa, consumiam apenas alimentos, utilizaram fórmulas infantis antes de completar o sexto mês. A introdução de alimentos complementares e fórmulas infantis não depende da idade da criança no momento da pesquisa, e sim, considera-se a idade da criança em que a mãe as forneceu. Introdução de fórmulas infantis em crianças de até um ano de idade (Tabela 4): as crianças que receberam somente fórmulas, e nenhum alimento até o momento da pesquisa, somam-se 5, todas menores de 6 meses. Entre as que receberam antes dos 6 meses de idade, duas crianças receberam por no máximo duas vezes, pois a mãe apresentou dificuldade em amamentar, e outras duas rejeitaram a fórmula infantil. Os gêmeos estavam em AME, ou seja, não recebiam fórmulas, sendo assim, foram consideradas 16 crianças e 16 mães, pois além de considerar a quantidade de crianças, também é considerada a intenção da mãe. Tabela 4 – Introdução de fórmulas infantis em crianças de até um ano de idade. Introdução de fórmulas Não Sim (< 6 meses) Sim (≥ 6 meses) Total Teste Qui-quadrado (x2) 30 Número de crianças (%) IC (95%) 30 (65,22) (51,45 - 78,98) 15 (32,61) (19,06 - 46,16) 1 (2,17) (0,00 - 6,39) 46 (100) x2 = 27,43; gl = 2; p<0,01 Christen, G. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 26-33, jan./jun. 2011 O não oferecimento de fórmulas infantis foi observado em 30 crianças de até um ano de idade (p<0,01). Entre as 15 crianças menores de 6 meses que consumiam fórmulas infantis, duas nunca haviam mamado, nove continuavam mamando e quatro já haviam parado de mamar. A criança maior de seis meses que recebia fórmula havia parado de mamar com oito meses. A maioria das gestantes referiu-se à marca ou à embalagem das fórmulas infantis, existindo a valorização da mesma, possível influência da propaganda empreendida pela indústria de substitutos do leite materno17. No presente estudo, as mães também referiram as marcas de diversos leites. As estratégias de marketing para valorizar o uso de mamadeira e do leite em pó, enfatizam tanto o ponto de vista da mulher: para sair à noite, para que o marido participasse da alimentação do bebê, no sentido de que a mãe se sentisse mais livre; como também o ponto de vista do médico: para que as prescrições fossem formuladas por ele, ao invés de deixar o comando da alimentação com a mãe18. O poder exercido pelo profissional de saúde sobre a família é a estratégia mais utilizada pela indústria de alimentos para aumentar o seu mercado. As empresas fabricantes de produtos como fórmulas infantis promovem congressos e atualizações profissionais e financiam pesquisas e produções científicas. Há ainda a preocupação com os materiais destinados aos profissionais de saúde, como brindes com o logotipo das empresas e literatura promocional, amostras, e também, patrocínios e incentivos individuais19. A introdução de alimentos complementares em crianças de até um ano de idade pode ser observada na Tabela 5: entre as crianças que receberam alimentos antes do sexto mês, 9 já eram maiores de 6 meses no dia da pesquisa. Tabela 5 – Introdução de alimentos complementares em crianças de até um ano de idade. Introdução de alimentos Número de crianças (%) IC (95%) Não 26 (56,52) (42,2 - 70,85) Sim (< 6 meses) 17 (36,96) (23,01 - 50,91) Sim (≥ 6 meses) 3 (6,52) (0,00 - 13,66) Total 46 (100) 2 Teste Qui-quadrado (x2): x = 17,52; gl = 2; p<0,01 Observou-se que a não introdução de alimentos complementares (Tabela 5) teve maior significância nas crianças até completarem o sexto mês (p<0,01), porém, o presente estudo apresenta várias crianças com menos de um mês. Entre as 20 crianças da pesquisa que receberam alimentos complementares, a introdução precoce dos mesmos ocorreu com 17 (85%) crianças e, entre estas, 7 (35%) já haviam parado de mamar (ou nunca mamaram) antes de completar o sexto mês, caracterizando fatores prejudiciais a saúde da criança. Nos últimos anos houve uma crescente comercialização de novos produtos no mercado, principalmente importados, incluindo fórmulas infantis e de nutrientes e alimentos complementares, e o uso da internet auxiliou os fabricantes destes tipos de alimentos para a promoção comercial19. Conclusão Apesar do leite materno ser o único e completo alimento que deveria ser introduzido na alimentação da criança até os seis meses, muitas mães inseriram alimentos complementares e/ou fórmulas infantis precocemente na vida de seus filhos. Algumas mães, apesar de introduzirem outros alimentos, continuaram com o AM. O AME até o sexto mês foi de baixa prevalência em crianças que já completaram 6 meses. Devido à introdução precoce de alimentos complementares, afirma-se a importância de se discutir com a mãe e familiares a transição alimentar da criança durante a gestação e depois do parto, pois a maioria das mães não tem conhecimento sobre o período adequado da amamentação. Algumas mães têm informações importantes, porém não são incentivadas, orientadas ou adver31 Christen, G. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 26-33, jan./jun. 2011 tidas para prosseguir com o AM e a introdução dos alimentos adequados. Há muito mais popularidade entre fórmulas e produtos infantis do que da amamentação. As campanhas devem estabelecer metas buscando a extensão do AME até os 6 meses, e também, do AM até pelo menos os dois anos de vida. Para isto, é interessante preparar os profissionais da saúde para que estejam aptos a fornecer assistência às mães e, enfatizar o local que fornece uma equipe profissional capacitada, o BLH. amamentação no primeiro ano de vida em Cuiabá, Mato Grosso. Rev Saúde Pública 2007;41(5):711-18. 9. Nejar FF, Segall-Corrêa AM Rea MF, Vianna RPT, Panigassi G. Padrões de aleitamento materno e adequação energética. Cad de Saúde Pública 2004; 20(1):64-71. Referências: 10.Caldeira AP, Goulart EMA. A situação do aleitamento materno em Montes Claros, Minas Gerais: estudo de uma amostra representativa. J Pediatr 2000;76(1):65-72. 1. Organização Mundial da Saúde. A duração ideal do aleitamento materno exclusivo: uma revisão sistemática. Geneva: OMS, 2001. 11.Organização Mundial da Saúde. Estratégia mundial para a alimentação de lactentes e crianças pequenas. Geneva: OMS, 2003. 2. Vieira GO, Silva LR, Vieira TO, Almeida JAG, Cabral VA. Hábitos alimentares de crianças menores de 1 ano amamentadas e não amamentadas. JPediatr 2004;80(5):411-16. 12.Araújo MFM. Situação e perspectivas do aleitamento materno no Brasil. Em: Carvalho MR, Tamez RN. Amamentação: bases científicas para a prática profissional. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. 3. Saldiva SRDM, Escuder MM, Mondini L, Levy RB, Venancio SI. Práticas alimentares de crianças de 6 a 12 meses e fatores maternos associados. JPediatr 83;1:53-58. 4. Nascimento MBR, Issler H. Aleitamento materno: fazendo a diferença no desenvolvimento, na saúde e na nutrição de recém-nascidos a termo e prematuros. Rev Hosp Clin 2003;58(1):49-60. 5. Carrascoza KC, Costa Júnior AL, Moraes ABA. Fatores que influenciam o desmame precoce e a extensão do aleitamento materno. Est de Psicol 2005; 22(4);433-40. 13.Osório CM, Queiroz ABA. Representações sociais de mulheres sobre a amamentação: teste de associação livre de ideias acerca da interrupção precoce do aleitamento materno exclusivo. Escola Anna Nery 2007; 11(2): 261-67. 14.Brasil. Ministério da Saúde/Organização PanAmericana da Saúde. Como ajudar as mães a amamentar. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. 6. Giugliani ERJ, Victora CG. Alimentação complementar. J Pediatr 2000;76(3):253-62. 15.Oliveira LPM, Assis AMO, Gomes GSS, Prado MS, Barreto ML. Duração do aleitamento materno, regime alimentar e fatores associados segundo condições de vida em Salvador, Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública 2005;21(5):1519-30. 7. Brasil. Ministério da Saúde/Organização Pan-Americana da Saúde. Guia alimentar para crianças menores de 2 anos de idade. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 16.Camilo DF, Carvalho RVB, Oliveira EF, Moura EC. Prevalência da amamentação em crianças menores de dois anos vacinadas nos centros de saúde escola. Rev Nutr 2004;17(1):29-36. 8. França GVA, Brunken GS, Silva SM, Escuder MM, Venancio SI. Determinantes da 32 Christen, G. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 26-33, jan./jun. 2011 17.Takushi SAM, Tanaka ACd’A, Gallo PR, Bresolin AMB. Perspectiva de alimentação infantil obtida com gestantes atendidas em centros de saúde na cidade de São Paulo. Rev Bras de Saúde Mater Infant 2006;6(1);115-125. 19.Monteiro R. Norma brasileira de comercialização de alimentos para lactentes e crianças de primeira infância: histórico, limitações e perspectivas. Rev Panam de Saúde Pública 2006;19(5):354-62. 18.Rea MF, Toma TS. Proteção do leite materno e ética. Rev Saúde Pública 2000;34(40);388-95. 33 Cesa, C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 34-48, jan./jun. 2011 CARACTERÍSTICAS DOS QUESTIONÁRIOS DE FREQUÊNCIA ALIMENTAR (QFA) DESENVOLVIDOS E VALIDADOS NO BRASIL: UMA REVISÃO [Characteristics of food frequency questionnaire (FFQ) developed and validated in Brazil: a review] Cecilia Cesa1,Vanessa Ceccatto1, Gabriele Rockenbach2, Renata Vanz2, Thiane Ristow Cardinal2, Maria Alice Altenburg de Assis3, Francisco de Assis Guedes de Vasconcelos3, Patrícia Faria Di Pietro3 Resumo: O método de avaliação da alimentação de indivíduos é determinante para a fidedignidade dos dados. Não havendo um padrão-ouro, o Questionário de Frequência Alimentar (QFA) é muito utilizado, por refletir a ingestão pregressa, diferente de outros métodos. O objetivo deste estudo foi revisar as características dos estudos de validação de QFA brasileiros publicados nas principais bases de dados até 01 de fevereiro de 2011. Foram encontradas 16 publicações identificando-se falta de metodologia padrão para guiar estudos de validação. A utilização de QFA validados em pesquisas requer nova avaliação sempre que o contexto for diferente daquele utilizado para o estudo original. Palavras-chave: Inquéritos sobre dietas; consumo de alimentos; estudos de validação. Abstract: The evaluation method of feeding individuals is crucial to the reliability of data. Absence of a gold standard, the Questionnaire Food Frequency (FFQ) is widely used, for reflecting the previous intake, unlike other methods. The aim of this study was to review the characteristics of the validation studies FFQ Brazilians published on major databases until February 1, 2011. It was found that 16 publications identified the lack of standard methodology to guide the validation studies. The use of FFQ validated in research requires further evaluation when the context is different from that used for the original study. Keywords: Diet surveys, food consumptions, Validation Studies. Introdução A complexidade da dieta humana representa um desafio para pesquisadores que almejam estudar sua relação com a doença1. Mesmo com esta dificuldade, nos últimos 30 anos diversos estudos têm construído uma fundamentação teórica sobre a importância da epidemiologia nutricional no campo de investigação. O foco desse campo está em medir a associação da dieta com a frequência e a distribuição das doenças, além da interferência de outros fatores que poderiam confundir essa associação2. Na análise da dieta como fator de exposição reside o grande desafio da epidemiologia nutricional, uma vez que o consumo alimentar é muito difícil de avaliar, especialmente no que Mestrandas do Programa de Pós-Graduação em Nutrição - Universidade Federal de Santa Catarina. Egressas do Programa de Pós-Graduação em Nutrição - Universidade Federal de Santa Catarina. 3 Docentes Doutores do Departamento de Nutrição - Programa de Pós-Graduação em Nutrição UnuUniversidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected] 1 2 34 Cesa, C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 34-48, jan./jun. 2011 concerne à ingestão usual dos indivíduos, que é, dentre outros fatores influenciada pela cultura, sazonalidade e condições socioeconômicas3. Como enfatizado por Beaton (1994)4, a ingestão dietética não pode ser estimada sem erros e, provavelmente, nunca será. No entanto, a possibilidade de minimizar tais erros e a busca incessante de quantificações mais próximas do consumo real de nutrientes são esforços de profissionais da área. Os questionários de frequência alimentar (QFA) são geralmente utilizados em estudos populacionais que pretendem avaliar as associações entre o consumo dietético e o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis. Este instrumento permite avaliar a ingestão dietética sobre um extenso período de tempo, tais como meses e anos, baseado em uma lista de alimentos e na frequência de consumo destes1. Leal e Bittencourt (1997)5 enfatizaram que as deficiências na qualidade dos dados na área da saúde, podem ser minimizadas através de estudos de validação, promovendo uma melhoria das informações do sistema como um todo, com reflexos na qualidade da assistência à saúde. A fim de aperfeiçoar a utilização dos dados de consumo alimentar para subsidiar políticas públicas de melhoria do estado nutricional da população, vários estudos foram conduzidos tendo em vista a validação de QFA no Brasil, para diversos grupos populacionais. O QFA é considerado o mais prático e informativo método de avaliação da ingestão dietética quando se avalia grupos populacionais. É fundamentalmente importante em estudos epidemiológicos que relacionam a dieta com a ocorrência de doenças crônicas6. Salienta-se a importância do pesquisador conhecer as limitações inerentes ao inquérito, assim como dos possíveis impactos sobre a estimativa do consumo alimentar7. Nesse sentido este trabalho teve como objetivo revisar conceitos e aspectos mais relevantes no desenvolvimento e interpretação dos estudos de validação de QFA publicados no Brasil, os quais podem servir como base para atualização e apoio no desenvolvimento e validação de futuros QFA. Questionário de Frequência Alimentar: metodologia de validação O Questionário de Frequência Alimentar (QFA) é um instrumento que tem por objetivo avaliar e classificar grupos populacionais de acordo com seu consumo alimentar habitual8. Tornou-se o método dietético dominante nos estudos epidemiológicos que relacionam a dieta com doenças crônicas não transmissíveis6, 9, 10. Consiste em uma lista de itens alimentares na qual os entrevistados devem indicar a frequência de consumo num período de tempo determinado. Esta costuma ser relatada por meio de categorias previamente definidas que tem como objetivo caracterizar a ingestão alimentar usual de indivíduos9,10. O QFA foi desenhado para obter informação de forma qualitativa, quantitativa ou semi-quantitativa. A primeira forma coleta informações sem adição do tamanho de porções; a semi-quantitativa especifica o tamanho da porção de referência como parte da pergunta, ou seja, com que frequência consome certa quantidade do alimento; e a quantitativa inclui o tamanho da porção de referência (pequena, média, grande) de cada alimento e o entrevistado descreve o tamanho consumido em relação à porção de referência, normalmente com a ajuda de instrumentos visuais11. Trata-se de um método relativamente rápido e de baixo custo, possuindo a vantagem de poder ser administrado em uma única abordagem. Comparado a outros instrumentos, substitui a medição do consumo alimentar de um ou vários dias pela informação global relativa a um período amplo de tempo6,7. Este instrumento, não diferente de outros tipos destinados a coletar dados de consumo, está sujeito à variabilidade e a erros de medida. Para que seja um instrumento eficaz, sua construção e desenvolvimento devem ser precedidos de procedimentos metodológicos bem-planejados, garan35 Cesa, C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 34-48, jan./jun. 2011 tindo maior confiabilidade e precisão dos dados6. Como forma de minimizar e/ou corrigir os erros de medida de um QFA, utiliza-se métodos conhecidos como: comparação de médias dietéticas, estudos de confiabilidade ou reprodutibilidade, validação relativa e de calibração13. Com relação ao processo de validação, cabe destacar primeiramente que o termo validade pode ser definido como o grau com que o instrumento mede o que se propõe a medir1,14. Para este intuito, segundo Masson e colaboradores (2002)15 não há consenso na literatura sobre o melhor método estatístico para avaliar a validade dos instrumentos de avaliação dietética, e por isso a melhor forma de apresentar os resultados é utilizar mais de um método estatístico a fim de dar credibilidade aos resultados. Sendo assim, os estudos de validação buscam estimar os erros de medição próprios do método, vistos como a principal fonte de viés em estudos epidemiológicos6. Para um estudo de validação de QFA, este deve ser comparado a outros tipos de métodos que ofereçam informações mais próximas do consumo real de alimentos do indivíduo, ou seja, a um método de referência confiável, já que não há um padrão-ouro16. Desta forma, são realizados estudos de validação relativa, utilizando a comparação dos resultados obtidos no método teste com aqueles obtidos por métodos de referência, tais como Recordatórios de 24 horas (R24 h) e Registros Alimentares (RA)1, 13, 16. Repetidas medidas dos métodos de referência são necessárias para contemplar a sazonalidade alimentar e a variação dietética, garantindo assim a sua aproximação com a ingestão real9,13. Outros métodos possíveis de serem utilizados na validação relativa de QFA são os exames bioquímicos ou biomarcadores, tais como amostra de sangue, urina e água duplamente marcada, que avaliam as quantidades de determinados nutrientes no organismo9. Adicionalmente, alguns estudos realizam o processo de validação a partir da combinação de diferentes métodos, como dietéticos e bioquí36 micos, tendo em vista propiciar maior exatidão, minimizando os inconvenientes de um método e explorando as vantagens de outro16. Cade e colaboradores (2002)9, em revisão sistemática dos estudos de validação de QFA publicados nas décadas de 80 e 90, apontaram que 75% dos trabalhos compararam o QFA a outro método dietético, enquanto que 19% utilizaram biomarcadores e 12% dos estudos foram realizados comparando o QFA a outro método, por exemplo, água duplamente marcada e estimativas de gasto energético. Métodos No que concerne à validação de QFA no Brasil, foram pesquisadas as bases de dados eletrônicas Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Scientific Eletronic Library Online (SciELO-Brasil), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs) e Science Direct e Scopus, no período de 15 de outubro de 2010 a 01 de fevereiro de 2011. Os termos utilizados em língua inglesa foram: food frequency questionnaire and validity; food frequency questionnaire and validation; e em português: validade and questionário and frequência. Resultados No intuito de avaliar todos os QFA publicados até então no Brasil, foram encontrados 16 estudos. O Quadro 1 descreve as características dos estudos de validação de Questionário de Frequência Alimentar (QFA) nacionais entre os anos 1998 a 2010, conforme autoria e ano de publicação, local, características da população estudada, período do estudo, método de referência, características principais do QFA, nutrientes e/ou grupo de alimentos e procedimentos estatísticos. Sete estudos foram realizados no estado de São Paulo18, 20, 21, 24, 26, 29, 33, dois no Rio de Janeiro17, 34 e três no Rio Grande do Sul30, 31, 35. Os demais estudos foram realizados nos estados de Goiás23, Distrito Federal25, Paraíba3 e Minas Gerais32. Sichieri e Everhart (1998)17 validaram o Cesa, C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 34-48, jan./jun. 2011 primeiro QFA no Brasil. Tratou-se de um questionário semi-quantitativo, estruturado com 73 itens alimentares provenientes de dados do Estudo Nacional de Despesa Familiar (1974/1975), acrescidos de outros itens sugeridos por especialistas da área, em virtude de serem comumente consumidos pela população urbana naquela época. A amostra foi constituída por 88 indivíduos e englobou tanto docentes quanto funcionários de apoio da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, ou seja, indivíduos de classes sociais e de escolaridades distintas. Posteriormente, Cardoso e colaboradores 18 (2001) , no estado de São Paulo, avaliaram a reprodutibilidade e a validade de um QFA estruturado com 120 itens alimentares construído com o propósito de ser utilizado em estudos sobre a dieta habitual de descendentes de japoneses, isto é, um QFA destinado a um grupo específico da população. A amostra para o estudo de validação foi constituída por 55 nutricionistas nipo-brasileiras. No ano seguinte em um estudo de casos e controles na cidade de São Paulo, Tomita e Cardoso (2002)19, determinaram o desempenho deste QFA em diferentes origens étnicas, incluindo japoneses e descendentes. Foram avaliados a abrangência da lista de alimentos e a adequação do tamanho das porções alimentares, como etapa inicial de um estudo de calibração. Cabe ressaltar que a calibração pode ser útil em estudos que inviabilizam a realização de inquérito alimentar de vários dias e são particularmente úteis na correção do erro de medida de instrumentos já validados19. Salvo e Gimeno (2002)20, por sua vez, desenvolveram e avaliaram a reprodutibilidade e a validade de um QFA com o objetivo de ser empregado em estudos envolvendo indivíduos adultos com excesso de peso (Índice de Massa Corporal superior a 25 kg/m2). O estudo referiu um QFA contendo 97 itens alimentares, construído a partir do levantamento de dados de prontuários de indivíduos obesos. Este trabalho foi realizado em uma instituição privada de ensino superior de São Paulo, com uma amostra de 146 indivíduos com excesso de peso (ou sobrepeso)13. Em 2003, Slater e colaboradores21 desenvolveram e validaram um QFA semi-quantitativo para investigar o hábito alimentar de adolescentes num período pregresso de seis meses. O instrumento continha 76 itens alimentares comumente consumidos pelo público adolescente e foi administrado em uma amostra composta por 79 adolescentes de ambos os sexos, estudantes de uma escola pública da região metropolitana da cidade de São Paulo. Esse mesmo instrumento foi avaliado por Marchioni e colaboradores (2007)22, os quais testaram a reprodutibilidade do método, que se mostrou razoável. Para avaliar também a reprodutibilidade e a validade de um QFA destinado a uma população de menor escolaridade e renda, Fornés e colaboradores (2003)23 desenvolveram um estudo em uma população de 104 trabalhadores brasileiros do estado de Goiás. O questionário validado compilou 127 itens alimentares típicos brasileiros e foi construído a partir de pesquisas locais prévias de avaliação dietética, realizadas com grupos de classe social minoritária. Matarazzo e colaboradores (2006)24, no estado de São Paulo, no sentido de avaliar a reprodutibilidade e validade de um QFA quantitativo composto por 26 alimentos reunidos em 15 grupos (idêntico ao utilizado no Estudo Latino-Americano sobre Câncer Oral e de Laringe) aplicaram o instrumento em uma amostra de 35 indivíduos, considerados membros do grupo controle deste mesmo estudo. O QFA foi administrado por meio de entrevista telefônica. 37 38 Rio de Janeiro São Paulo São Paulo Cardoso et al., 200118 Salvo e Gimeno, 200220 Estado Sichieri e Everhart, 199817 Autores, Ano, Publicação n = 146 indiví- 3 R24h duos com IMC ≥ 25 kg/m2 80 M - 66 H Idade: 18 - 60 Energia, macronutrientes, gorduras (total, saturada), colesterol, fibra, 7 vitaminas 5 minerais Energia, macronutrientes Semiquantitativo 90 itens alimentares distribuídos em 14 grupos e questões abertas e fechadas para detalhamento de hábitos alimentares Abrangência: 1 Semiquantitativo 120 itens alimentares Abrangência: 12 r= 0,44 (energia) r= 0,44 (proteína) r= 0,34 (carboidrato) r= 0,41 (gorduras) r= 0,43 (ferro) r= 0.55 (cálcio) r= 0.18 (vitamina A) r= 0,23 (vitamina C) Resultados Log3 Kappa , Concordância entre Quintis Coeficiente de correlação intraclasse Comparação entre médias (Teste t) Bland -Altman Ajustado para energia Teste qui-quadrado continua r=0,23 (carboidratos e gorduras) r=0,40 (calorias) Log3 0.5 - 0.7 macronutrientes Pearson1, Concordância 0.5 - 0.8 micronutrientes entre Quartis Comparação entre médias Ajustado para energia Correlação deatenuado Log 3 Pearson1 Regressão linear Comparação entre médias (Teste-t) Procedimentos estatísticos n = 52 mulhe- 12 RA res nutricionis- com pesagem tas de origem japonesa Idade: 21- 62 Características principais do QFA ̶ Nutrientes estudados tipo, número de itens, abrangência em meses 4 R24h Semiquantitativo Energia, macronutrientes Requerimentos 73 itens alimentares 2 vitaminas energéticos Abrangência: 12 2 minerais estimados Método de referência n2 = 46 24 M – 22 H Idade: NE Características da população do Estado n = 88 n1 = 42 docentes 22 M – 20 H Quadro 1 - Características dos estudos de validação de Questionário de Frequência Alimentar (QFA) nacionais (1998 a 2010), conforme autoria e ano de publicação, local, características da população estudada, período do estudo, método de referência, características principais do QFA, nutrientes e procedimentos estatísticos. Cesa, C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 34-48, jan./jun. 2011 São Paulo Goiás São Paulo Distrito Federal Paraíba Slater et al., 200321 Fornés et al., 200323 Matarazzo et al., 200624 Ribeiro et al., 200625 Lima et al., 20073 continuação n= 38M Idade: 20 - 80 câncer de mama n= 69 35 M – 34H Idade média: 35,4 4 R24h telefone 3 R24h Quantitativo 68 itens alimentares Abrangência: 12 Semiquantitativo 52 itens alimentares Abrangência: 6 Semiquantitativo 26 itens alimentares distribuídos em 15 grupos Abrangência: 12 Semiquantitativo 127 itens alimentares Abrangência: 6 Semiquantitativo 76 itens alimentares Abrangência: 6 Energia, carboidratos, proteínas, lipídios, vitamina C e retinol Energia, macronutrientes, fibra, colesterol, 2 vitaminas, 3 minerais Laticínios, Manteiga, Pão, Massas, Tubérculos, Carne bovina, Carne de porco, Carne de frango, Carne de peixe, Embutidos, Ovos, Hortaliças, Leguminosas, Frutas, Doces Energia, macronutrientes, 2 minerais, 2 vitaminas Energia, macronutrientes, gorduras (total e poliinsaturada) fibra, colesterol, 2 vitaminas 2 minerais Comparação entre médias (Teste-t pareado) Pearson1 Ajustado para energia r=0,53 (energia) r=0,40 (lipídios) continua r=0,66 (vitamina C), r=0,58 (ferro) r=0,55 (proteína) r=0,55 (carboidrato) r= 0,49 (laticínios) r= 0,37 (manteiga) r= 0,41 (pão) r= 0,21 (carne de boi) r= 0,36 (ovo) r= 0,53 (leguminosas) Spearman 2 Concordância entre tercis Kappa Comparação entre médias (Teste Wilcoxon) Coeficiente de correlação intraclasse Coeficiente de correlação intraclasse Log3 Pearson1 Ajustado para energia Correlação deatenuado r=0,21 (vitamina C) r=0,70 (energia total) r= 0,89 (energia) r= 0,68 (carboidrato) r= 0,38 (proteína) r= 0,54 (gordura) r= 0,69 (fibras) r= 0,91 (vitamina C) Log3 Pearson1, Comparação entre médias Coeficiente de correlação intraclasse Ajustado para energia Correlação deatenuado Log3 Pearson1 Concordância entre Quartis Comparação entre médias (Teste-t pareado) Ajustado para energia Correlação deatenuado 1 R24h telefone 6 R24h 3 R24h n= 35 7 M – 28H Idade : 37 - 81 Câncer oral e laringe n = 104; 62 M – 42 H Idade: 18 - 60 n = 79 adolescentes 40 M – 39H Idade: 14 - 18 Cesa, C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 34-48, jan./jun. 2011 39 40 3 R24h Zanolla, 200931 Quantitativo 127 itens alimentares e espaço p/ alimentos típicos do sul Abrangência: 12 Energia, proteína, lipídio, Log3 carboidrato, cálcio, vita- Coeficiente de correlamina A vitamina C. ção intraclasse Ajustado para energia Correlação deatenuado Qui quadrato Pearson1 Regressão Linear Bland-Altman Kappa Ajustado para energia Comparação entre médias (Teste-t pareado) Wilcoxon, Kolmogorow-Smirnov5 Mann-Witney Pearson1 Kappa Concordância entre Quartis Ajustado para energia Correlação deatenuado Log3 Teste t Pearson1 Ajustado para energia Correlação deatenuado r= 0,60 (arroz) r= 0,75 (frutas) r= 0,72 (feijões) r= 0,53 (gorduras) r= 0,62 (sucos naturais) r= 0,52 (sucos artificiais) continua r= 0,44 (energia e carboidrato) r= 0,83(vitamina C) r= 0,1 (gordura insaturada) r= 0,47 (cálcio) r= > 0,4 (fibras, vitamina C, ácido fólico e potássio) r= 0,38 (colesterol) r= 0,45 (fibra) r= 0,81 (cálcio) r= 0,33 (zinco) r= 0,53 (vitamina A) r= 0,52 (vitamina C) r= 0,42 (vitamina E) Rio Grande do n = 83 Sul 52 M – 31 H Idade: 20 - 69 2 R24h Giacomello, et Rio Grande do n= 161 gesal; 200830 Sul tantes idade: 15 - 45 Energia, carboidrato, fibra, proteína, gordura (total, saturada, colesterol), cálcio, ferro, sódio, potássio, zinco, vitamina E, vitamina C, folato, vitamina B2, vitamina B6, vitamina A. frutas, salgadinhos tipo chips e pipoca, biscoito recheado, bebidas alcoólicas, doces e açúcar de adição, feijão, salgados e sanduíches, arroz, verduras e legumes, sucos naturais com adição de açúcar, massas, leite e derivados, carnes, gorduras, azeite/óleos, bebidas artificiais, pães e bolos, refrigerantes Energia, macronutrientes, gordura saturada, colesterol, fibras, vitaminas e minerais Semiquantitativo 80 itens alimentares Abrangência: 12 Semiquantitativo 94 itens alimentares Distribuídos em 18 grupos Abrangência: 6 2 R24h n= 94 adolescente idade: 11 - 15 São Paulo Voci, et al; 200829 Quantitativo 75 itens alimentares Abrangência:1 n = 151 75 meninas 76 meninos Idade: 5 -10 3 RA São Paulo Fumagalli et al, 200826 Cesa, C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 34-48, jan./jun. 2011 São Paulo Rio de Janeiro Porto Alegre Ishihara et al; 200933 Araujo et al; 201034 Henn et al., 201035 Semiquantitativo 58 itens alimentares Abrangência: 4 n= 125 adoles- 2R24h centes n= 66 adultos n=47 idosos n total= 238 3 RA (2 dias de semana não consecutivos e 1 fim de semana) Quantitativo 135 itens alimentares Semiquantitativo 90 itens alimentares Abrangência: 12 4 RA consecu- Semiquantitativo tivos no verão 118 itens alimentares e no inverno Abrangência: 12 4 R24h Pearson1, Kolmogorov-Smirnov Comparação entre médias (Teste-t pareado) e Wilcoxon Signed Rank Test Ajustado para energia Correlação deatenuado - Adolescentes r=0,44 variando de 0,18 (zinco) a 0,69 (ácido fólico) - Adultos r=0,42 variando de 0,16 (ferro) a 0,73 (energia) – Idosos r= 0,52 variando entre 0,25 (vitamina E) e 0,84 (energia) Log3 Correlação de Pearson1 Regressão linear Ajustado para energia Correlação deatenuado Energia, macronutrientes, gordura saturada e colesterol, fibra, vitamina A, E e C e minerais cálcio, ferro, zinco e folato r= 0,33 (gorduras totais) r= 0,46 (carboidratos) r=0,17 (ferro) r=0,47 (cálcio e fibras) r=0,76 (isoflavonas) r= 0,50 (calcio) r= 0,49 (vitamina C) r=0,76 (energia) r=0,68 (vitamina C) r=0,33(lipídios) r=0,40-0,54 (outros nutrientes) Energia, macronutrienKappa tes, ferro, cálcio, fósforo, Correlação de Pearson1 fibra. Bland-Altman Regressão linear Ajustado para energia Correlação deatenuado Energia, macronutrienSpearman2 tes, Ajustado para energia Colesterol, gordura saturada e monoinsaturada, vitaminas, minerais, fibras, isoflavonas 2 grupos de alimentos variados Energia, carboidrato, proteína, lipídio, retinol, cálcio, ferro e vitamina C 1 n= 169 adolescentes 69 meninos 100 meninas Idade: 12 - 19 n= 55 M 26 Caucasianas 15 Japonesas 14 outras etnias Idade: 33 - 72 n= 94 adultos 49 M – 45H Coeficiente de Correlação de Pearson; 2 Coeficiente de Correlação de Spearman; 3Transformação logarítmica; NE: não especificado; M: mulheres; H: homens; IMC: Índice de Massa Corporal. Minas Gerais Crispim et al., 200932 continuação Cesa, C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 34-48, jan./jun. 2011 41 Cesa, C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 34-48, jan./jun. 2011 Ribeiro e colaboradores25 apresentaram um estudo de validação e reprodutibilidade de um QFA desenvolvido para a população adulta. O QFA foi construído a partir do questionário validado previamente por Sichieri e Everhart17 e adaptado à população da região de Brasília, sendo que alguns itens alimentares foram alterados a fim de que se adequassem à necessidade da pesquisa. Foram entrevistados 69 indivíduos adultos, voluntários, sadios e economicamente ativos, frequentadores de restaurantes industriais de dois órgãos públicos locais. No sentido de avaliar mulheres com câncer de mama, Lima e colaboradores (2007)3, realizaram um estudo de validade relativa de um QFA com 68 itens alimentares, em uma população de 38 mulheres, com idade entre 25 e 80 anos, potenciais controles para o estudo principal. As participantes responderam a quatro R24h, administrados por entrevistador, por telefone, em um período de um ano, e um QFA ao final do estudo. Os resultados sugerem que o QFA apresentou uma validade satisfatória para ser utilizado em estudos de dieta e câncer em mulheres na Paraíba. Contudo, para seu uso em áreas geográficas ou populações distintas, os autores sugerem procedimentos de calibração do questionário. Fumagalli e colaboradores (2008)26 realizaram o primeiro estudo de QFA brasileiro para a população infantil, de 5 a 11 anos, avaliando a validade relativa de QFA previamente validado para a população adulta, descritos em Cardoso et al. (2001)28, e Ribeiro e Cardoso (2002)27. O estudo foi desenvolvido em São Paulo, e os autores concluíram que o QFA, originalmente desenvolvido para uso em adultos, parece superestimar a energia e nutrientes em crianças de 5 a 10 anos de idade. Voci e colaboradores (2008)29 verificaram a validade de um QFA em 94 adolescentes para avaliar o consumo de grupos de alimentos entre escolares de Piracicaba, São Paulo. O estudo avaliou um QFA e a média de dois R24h como referência, sendo que o instrumento apresentou boa 42 validade para feijão, verduras e legumes, leite e derivados, biscoitos recheados e para o arroz. No estado do Rio Grande do Sul dois estudos de validação de QFA foram desenvolvidos nos anos de 2008 e 2009. O primeiro, elaborado por Giacomello e colaboradores30 avaliou o desempenho do primeiro QFA desenvolvido no Brasil (Sichieri, 1998)17 medindo o consumo alimentar de gestantes atendidas pelo Sistema Único de Saúde. A comparação foi com dois RA dos dias anteriores à entrevista. Os resultados mostraram que o QFA superestimou o consumo de energia e nutrientes. O segundo estudo, desenvolvido por Zanolla e colaboradores31, pretendia medir a reprodutibilidade e a validade relativa de um QFA contendo 127 itens alimentares, em uma amostra de adultos residentes na região metropolitana de Porto Alegre. O método foi comparado com três R24h. Um QFA foi aplicado antes e outro no final do estudo, totalizando um período de 150 dias. Os resultados indicam reprodutibilidade satisfatória para todos os nutrientes, com exceção do carboidrato, e validade relativa razoável, especialmente para os macronutrientes e vitamina C. Em Minas Gerais, Crispim e colaboradores (2009)32 validaram um QFA semiquantitativo para avaliar a ingestão dietética de adultos na cidade de Viçosa. Como método de referência para o estudo de validação foram usados quatro R24h com intervalos de um mês entre as aplicações. Um questionário semiquantitativo de frequência alimentar constituído de 58 itens alimentares foi aplicado no final do estudo. O questionário se mostrou adequado para avaliar a ingestão habitual da maioria dos nutrientes pela população estudada. Ishihara e colaboradores (2009)33, em um estudo que contou com a colaboração de centros de pesquisa do Japão e o Centro de Prevenção de Doenças Nikkei de São Paulo, avaliaram um QFA, utilizado para estimar energia e ingestão de nutrientes em uma população brasileira composta de origens étnicas diferentes. O questionário foi testado em 55 mulheres brasileiras, sendo 26 caucasianas, 15 descendentes de japoneses e 14 Cesa, C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 34-48, jan./jun. 2011 de etnia mulato/negro. O QFA foi originalmente desenvolvido para uso em um estudo multicêntrico, caso-controle, com o objetivo de determinar os fatores de risco associados ao câncer de mama, realizado no estado de São Paulo. Dois RA foram utilizados como referência. Em geral os resultados da validade do QFA para estimativa da ingestão de nutrientes entre mulheres brasileiras com origens étnicas variadas foi moderadamente alta. Araujo e colaboradores (2010)34 verificaram a validade relativa e estimaram os fatores de calibração de um QFA para adolescentes. Um conjunto de três RA foi utilizado como referência, e 169 adolescentes do Rio de Janeiro responderam os questionários. Os autores concluíram que o QFA analisado foi um instrumento adequado para a classificação de energia e nutrientes no grupo estudado. Henn e colaboradores (2010)35 validaram um QFA comparando com dois R24h não consecutivos entre adolescentes, adultos e idosos da cidade de Porto Alegre, abrangendo 135 itens alimentares comuns aquela região. Concluiu-se que o instrumento apresenta validade relativa satisfatória para adolescentes e adultos e pode ser utilizado para analisar a associação entre padrão de dieta e doenças não transmissíveis. Discussão Após leitura e análise dos estudos de validação nacionais, o método de referência utilizado foi, predominantemente, o R24h, sendo este o método escolhido por doze estudos3, 17, 20, 21, 23, 24, 25, 29, 30, 31, 32,35 . Ressalta-se que o R24h é considerado pela literatura o método referência mais empregado em estudos epidemiológicos, devido a sua facilidade de aplicação em grupos populacionais variados, inclusive naqueles de baixa ou nenhuma escolaridade ou pouco motivados13, 36. Slater e colaboradores (2003)6, em artigo tratando de considerações metodológicas para a validação de QFA, sugerem que ao se eleger um método de referência, a primeira escolha deveria ser o RA, uma vez que este método não depende da memória do entrevistado e os alimentos consumidos são diretamente registrados. Cardoso e colaboradores (2001)18 utilizaram como método de referência o RA com pesagem de alimentos. Tal método foi aplicado durante quatro períodos de três dias, com intervalo de aplicação de três meses durante um ano. Cada participante do estudo recebeu uma balança eletrônica, um conjunto de medidas domésticas de plástico (com volume padronizados) e um diário de alimentos (incluindo instruções detalhadas de preenchimento). A todos os participantes foi solicitado relatar sua ingestão alimentar durante três dias consecutivos, incluindo dois dias úteis e um fim de semana, com a descrição detalhada de cada alimento, e o método de preparação e receitas, sempre que possível. Este estudo foi realizado com uma população diferenciada, uma vez que a amostra era constituída por nutricionistas, o que possivelmente facilitou o preenchimento dos registros e o aceite em colaborar com uma pesquisa mais minuciosa. Ishihara e colaboradores (2009)33 também utilizaram o RA como método de referência, no entanto, os dados coletados do RA foram realizados ao longo de quatro dias consecutivos (quarta a sábado), uma vez no inverno (julho, agosto ou setembro de 2002) e outra vez no verão (dezembro de 2002 ou janeiro ou fevereiro de 2003). Cada participante foi orientado a registrar todos os alimentos e bebidas consumidos nos quatro dias consecutivos em um formulário fornecido por um nutricionista. Araujo et al. (2010)34 aplicaram um conjunto de três RA administrados em dias não consecutivos entre duas administrações do QFA (designado teste e reteste) com intervalo de 1 semana para cada RA. Há evidências de que quando se utiliza RA como opção de método teste num processo de validação, erros casuais podem ser reduzidos com o aumento de medições, considerando-se assim a variação intraindividual1. Além disso, em seu estudo, Cardoso e colaboradores (2001)18 utilizaram a média de doze dias de RA com pesagem, o que pode ser considerado um número relativa43 Cesa, C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 34-48, jan./jun. 2011 mente grande de medidas no decorrer de um ano, além de ter a vantagem de contemplar a sazonalidade e diferentes dias da semana, minimizando as possibilidades de erros. Quanto ao tempo de abrangência do QFA, ou seja, período pelo qual os indivíduos deveriam citar o consumo alimentar pregresso, os estudos se referiram ao consumo anual 3, 17,18, 24, 30, 31, 33, 34 ou semestral21,23,25,29, exceto os estudos de Salvo e Gimeno (2002)20, que tiveram abrangência retrospectiva de um mês, pois como já mencionado anteriormente, este QFA foi proposto para ser utilizado em estudos epidemiológicos de população com excesso de peso e teve como interesse principal verificar o consumo de calorias e macronutrientes em um curto período pregresso. Fumagalli et al. (2008)26, também utilizaram da mesma metodologia, onde avaliaram a validade relativa de um QFA para crianças de 5 a 10 anos, aplicando-o às mães referente ao mês anterior. Além destes estudos, Crispim et al. (2009)32, aplicaram o QFA buscando cobertura equivalente ao período de quatro meses, solicitando ao entrevistado que respondesse às questões considerando o tempo a partir da primeira visita, quando foi aplicado o primeiro recordatório 24 horas. Em relação à avaliação do consumo alimentar, de modo geral, descreve-se a dieta em termos de conteúdo de nutrientes, sendo que esta também pode ser descrita em termos de alimentos e grupos de alimentos, dependendo do objetivo da pesquisa. Segundo Peto e colaboradores (1981)37, em estudos de validação são necessários que se leve em consideração as evidências que a literatura traz a respeito do consumo de alimentos e nutrientes, bem como sua relação com a prevenção ou o risco de algumas doenças36. Neste sentido, a maioria dos estudos encontrados avaliou o consumo de micronutrientes específicos, macronutrientes (carboidratos, lipídeos e proteínas), além da ingestão energética total, avaliada pelo QFA versus método de referência. Dentre os micronutrientes avaliados, notou-se a predominância do cálcio, ferro e vitaminas A e C. 44 Matarazzo e colaboradores (2006)24 e Voci e colaboradores (2008)29 validaram o QFA utilizando grupos alimentares. Os próprios autores enfatizam que a opção metodológica foi não estudar os nutrientes, mas sim os alimentos, grupos de alimentos e padrão alimentar. Esta escolha justifica-se pela complexidade da dieta estudada e pela facilidade em transformar os resultados de grupos alimentares em recomendações compreensíveis para a população. Há poucos estudos de validação de QFA utilizando os grupos de alimentos, portanto, os autores buscaram uma metodologia diferenciada de validação no Brasil que pudesse ser comparada a outros trabalhos com alimentos realizados na literatura internacional. Com relação aos procedimentos estatísticos, segundo Cade e colaboradores (2002)9, há uma série de abordagens possíveis em estudos de validação. A utilização de mais de uma abordagem reforça a eficácia do processo de validação. Para análise estatística dos estudos realizados no Brasil, todos utilizaram o coeficiente de correlação, sendo que a maioria utilizou o coeficiente de correlação de Pearson 3,17, 18, 21, 23, 25, 26, 29, 30, 32, 34, 35. Além deste procedimento, grande parte dos autores empregou a distribuição comparativa entre os resultados dos métodos referência 3, 17, 18, 20, 21, 23, 24, 29, 30, 32, 34 e teste através da classificação em categorias de consumo (tercis, quartis ou quintis) 18, 20, 21, 24,29 . O estudo que encontrou correlações mais altas entre os métodos teste e referência foi publicado por Cardoso e colabodores18, no qual foram observadas correlações de 0,81 para cálcio e 0,75 para carboidratos, o que se deve, provavelmente, ao fato de o método de referência ser o RA com pesagem, o que pode reduzir os vieses de resultados. Em se tratado dos resultados obtidos para a vitamina A, verificou-se que a maioria dos estudos nacionais encontrou baixas correlações, variando de 0,10 a 0,49, nos estudos de Slater et al. (2003)21 e Lima et al. (2007)3 respectivamente, possivelmente devido ao consumo deste nu- Cesa, C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 34-48, jan./jun. 2011 triente sofrer influência da sazonalidade13. Outra provável explicação para estes resultados é o fato de este nutriente ser encontrado em poucos alimentos, ocasionando baixa correlação entre um instrumento que abrange um ano de consumo e outro instrumento que é utilizado pontualmente, ou seja, num período determinado12. Isto pode ser verificado no estudo de Slater et al. (2003)21, que encontrou coeficiente de correlação para vitamina A de 0,10, possivelmente devido ao efeito da sazonalidade somado à grande variabilidade da dieta dos adolescentes. O mineral cálcio, por sua vez, apresentou resultados de correlações maiores, fato que poderia ser esperado em virtude deste nutriente ser consumido regularmente na dieta brasileira, ou seja, existe uma estabilidade de consumo de alimentos fontes de cálcio, o que favorece tanto o relato retrospectivo quanto o atual. Fumagalli et al. (2008)26, encontraram a maior correlação (0,81) para este mineral. Por outro lado, a vitamina C apresentou coeficientes de correlação bastante diferenciados, oscilando entre 0,23 no estudo de Sichieri e Evehart (1998)17 a 0,91 no estudo de Slater e colaboradores (2003)21. Esta variação de resultados também foi observada para o ferro: sendo a menor correlação encontrada (0,18) no estudo de Araujo et al. (2010)34, e a maior (0,67) no estudo de Cardoso e colaboradores (1998)18. Houve também discrepâncias nos resultados das correlações entre os métodos teste e referência para macronutrientes e energia nos diferentes estudos. Estas divergências ocorrem devido às diferenças de amostras, métodos de referências, unidades de tempo e de metodologia de construção e aplicação dos QFA, o que dificulta a comparabilidade entre os resultados das pesquisas analisadas 18,34. Cabe salientar que todos os QFA estudados foram considerados validados porque seus resultados refletiram de forma significativa uma correlação com o método referência, mas não necessariamente como o consumo alimentar real. Análise dos artigos e coeficientes de correlação apresentados nos trabalhos nacionais De acordo com Salvo e Gimeno (2002)20, estudos de reprodutibilidade e validade de inquéritos dietéticos apresentam frequentemente valores de coeficientes de correlação entre 0,5 e 0,7 e estes são considerados como detentores de razoável reprodutibilidade e validade. Os coeficientes são estratificados em três grupos: correlações menores que 0,4 (correlação baixa), correlações entre 0,4 e 0,7 (correlação moderada) e correlações maiores que 0,7 (correlação alta). Willett (1998)1 recomenda que resultados de correlação devem estar na faixa de 0,4 a 0,7 para que a validação seja considerada aceitável. Além disso, verifica-se que a maioria dos estudos também realizou ajuste pela energia 3, 18, 20, 21, 23, 25, 26, 29, 30, 31, 32, 33, 34,35 , ou coeficiente de cor3, 18, 21, 23, 25, 26, 29, 31, 32, 34,35 relação deatenuado , para reduzir os vieses intraindivíduos. Neste sentido, observa-se que os estudos de desenvolvimento e validação realizados no Brasil apresentaram a maior parte de suas correlações na faixa compreendida entre 0,4 e 0,7, consideradas aceitáveis segundo Ribeiro et al. (2006)25, vistas também nos estudos desenvolvidos internacionalmente1. Considerações finais Percebe-se que não existe uma metodologia padronizada para guiar os estudos de validação de QFA, embora grande parte utilize métodos semelhantes. Desta forma, considera-se importante adotar alguns procedimentos antes de se iniciar um processo de validação, levando-se em consideração as seguintes premissas: a) propósito da avaliação dietética (ou objetivo do estudo); b) definição clara do período de tempo/abrangência e a intensidade da variável de exposição como fator de risco (dieta atual ou pregressa); c) avaliação do consumo de alimentos ou consumo de nutrientes; d) sequências de administração dos métodos (teste e referência); e) tamanho e características sociodemográficas da amostra; f) número de medições 45 Cesa, C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 34-48, jan./jun. 2011 necessárias; g) escolha da técnica que melhor avalie estatisticamente os resultados e h) padronização e treinamento da equipe responsável pela aplicação dos métodos escolhidos, desde a definição (referido no item c), à padronização da tabulação de dados e escolha de softwares específicos. Finalmente, devem ser consideradas outras questões como a disponibilidade de tempo e de recursos financeiros. Sabe-se que a validação de um instrumento de pesquisa é extremamente importante, porém um método validado em um determinado local e/ ou para uma população específica, pode não ter a mesma validade em outras circunstâncias. Convém ressaltar que a presente revisão não teve como objetivo comparar os resultados tampouco a eficácia dos estudos de validação, e sim descrever e analisar as pesquisas publicadas na literatura acadêmica. Em função disso, reuniu o conhecimento a respeito das metodologias e preocupou-se com a descrição dos cuidados adotados nos estudos de validação de QFA realizados no Brasil, apresentando as características gerais de cada estudo, identificando e discutindo suas respectivas peculiaridades. Referências: 1. Willett WC. Nutritional epidemiology. New York: Oxford University Press; 1998. 2. Cavalcante AAM, Priore SE, Franceschini SCC. Estudos de consumo alimentar: aspectos metodológicos gerais e o seu emprego na avaliação de crianças e adolescentes. Rev Bras Saúde Mat Infant 2004;4(3):229-40. 3. Lima FEL, Slater B, Latorre MRDO, Fisberg RM. Validade de um questionário quantitativo de frequência alimentar desenvolvido para população feminina no nordeste do Brasil. Rev Bras Epidemiol 2007;10(4):483-90. 4. Beaton GH, Milner J, Corey P, McGuire V, Cousins M, Stewart E, et al. Sources of varian46 ce in 24-hour dietary recall data: implications for nutrition study design and interpretation. Am J Clin Nutr 1979;32(12):2546-59. 5. Leal MC, Bittencourt SA. Informações nutricionais: o que se tem no país? Cad Saúde Pública 1997;13(3):551-55. 6. Slater B, Philippi ST, Marchioni, DML, Fisberg, RM. Validação de Questionários de Frequência Alimentar – QFA: considerações metodológicas. Rev Bras Epidemiol 2003;6(3):200-08. 7. Cintra IP, von Der Heyde MED, Schmitz BAS, Franceschini SCC, Taddei JAAC, Sigulem DM. Métodos de inquéritos dietéticos. Nutrire: Rev Soc Bras Alim Nutr 1997;13:11-23. 8. Colucci ACA, Philippi, ST, Slater B. Desenvolvimento de um questionário de frequência alimentar para avaliação do consumo alimentar de crianças de 2 a 5 anos de idade. Rev Bras Epidemiol 2004;7(4):393-401. 9. Cade J, Thompson R, Burley V, Warm D. Development, validation and utilization of food-frequency questionnaires: a review. Pub Health Nutr 2002;5(4):567-87. 10.Vasconcelos FAG. Tendências históricas dos estudos dietéticos no Brasil. História, Ciências, Saúde – Manguinhos 2007;14(1):197219. 11.Fisberg RM, Martini, LA, Slater, B. Métodos de Inquéritos Alimentares. Em: Fisberg RM, Slater B, Marchioni DML, Martini LA. Inquéritos alimentares: métodos e bases científicos. Barueri-SP: Manole;2005.1-31. 12.Pereira RA, Koifman S. Uso do Questionário de frequência na avaliação do consumo alimentar pregresso. Rev Saúde Pública 1999;33(6):610-21. Cesa, C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 34-48, jan./jun. 2011 13.Lopes ACS, Caiaffa WT, Mingoti AS, Lima-Costa MFF de. Ingestão alimentar em estudos epidemiológicos. Rev Bras de Epidemiol 2003;6(3):209-19. 14.Pereira MG. Epidemiologia: teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2001. 15.Masson, LF, MCNeill, G, Tomany JO, Simpson JA, Peace HS, Wei L, Grubb DA, Bolton-Smith C. Statistical approaches for assessing the relative validity of a food-frequency questionnaire: use of correlation coefficients and the kappa statistic. Pub Health Nutr 2002;6(3),313-21. 16.Crispim SP, Francheschini SCC, Priore SE, Fisberg RM. Validação de inquéritos dietéticos: uma revisão. Nutrire: Rev Soc Bras Alim Nutr 2003; 26:127-41. 17.Sichieri R, Everhart JE. Validity of a brazilian food frequency questionnaire against dietary recalls and estimated energy intake. Nutr Res 1998;18(10):1649-59. 18.Cardoso MA, Kida AA, Tomita LY, Stocco PR. Reproducibility and validity of a food frequency questionnaire among women of Japanese ancestry living in Brazil. Nutr Res 2001;21(5):725-33. 19.Tomita LY, Cardoso MA. Avaliação da lista de alimentos e porções alimentares de Questionário Quantitativo de Frequência Alimentar em população adulta. Cad Saúde Pública 2002;18(6):1747-56. 20.Salvo VLMA de, Gimeno SGA. Reprodutibilidade e validade do questionário de frequência de consumo de alimentos. Rev Saúde Pública 2002;36(4):5005-12. 21.Slater B, Philippi ST, Fisberg RM, Latorre MRDO. Validation of a semiquantitative ado- lescent food frequency questionnaire applied at a public school in São Paulo, Brazil. Eur J Clin Nutr 2003;57(5):629-35. 22.Marchioni, DML, Voci, SM, Lima, FEL, Fisberg, RM, Slater, B. Reproducibility of a food frequency questionnaire for adolescents. Cad Saúde Pública 2007;23(9):2187-96. 23.Fornés NS, Stringhini MLF, Elias BM. Reproducibility and validity of a food-frequency questionnaire for use among low-income Brazilian workers. Pub Health Nutr 2003;6(8):821-7. 24.Matarazzo HCZ, Marchioni DML, Figueiredto RAO, Slater VB, Eluf NJ, Wünsch F. Reprodutibilidade e validade do questionário de frequência de consumo alimentar utilizado em estudo caso-controle de câncer oral. Rev Bras Epidemiol 2006;9(3):316-24. 25.Ribeiro AC, Sávio KEO, Rodrigues MLCF, Costa THM, Schmitz BAS. Validação de um questionário de frequência de consumo alimentar para população adulta. Rev Nutr 2006;19(5):553-62. 26.Fumagalli F, Monteiro JP, Sartorelli DS, Vieira MNCM, Bianchi MLP. Validation of a food frequency questionnaire for assessing dietary nutrients in Brazilian children 5 to 10 years of age. Nutrition 2008;24:427–32. 27.Ribeiro AB, Cardoso MA. Construção de um questionário de frequência alimentar como subsídio para programas de prevenção de doenças crônicas não transmissíveis. Rev Nutr 2002;15:239–45. 28.Cardoso MA, Kida AA, Tomita LY, Stocco PR. Reproducibility and validity of a food frequency questionnaire among women of Japanese ancestry living in Brazil. Nutr Res 2001;21:725–33. 47 Cesa, C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 34-48, jan./jun. 2011 29.Voci SM, Enes CC, Slater E. Validação do Questionário de Frequência Alimentar para Adolescentes (QFAA) por grupos de alimentos em uma população de escolares. Rev Bras Epidemiol 2008;11(4):561-72. 33.Ishihara J, Iwasaki M, Kunieda CM, Hamada GS, Tsugane S, Food frequency questionnaire is a valid tool in the nutritional assessment of Brazilian women of diverse ethnicity. Asia Pac J Clin Nutr 2009;18(1):76-80. 30.Giacomello A, Schmidt MI, Nunes MAA, Ducan BB, Soares RM, Manzolli P, Camey S. Validação relative de Questionário de frequencia alimentar em gestantes usuárias de serviços do Sistema ùnivo de saúde em dois municípios no Rio Grande do Sul, Brasil. Rev Bras Saúde Matern Infant 2008;8(4):445–54. 34.Araujo MA, Yokoo EM, Pereira, RA. Validation and Calibration of a Semiquantitative Food Frequency Questionnaire Designed for Adolescents. J Am Diet Assoc 2010;110:117077. 31.Zanolla AF, Olinto MTA, Henn RL, Wahrlich V, Anjos LA. Avaliação de reprodutibilidade e validade de um questionário de frequência alimentar em adultos residentes em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública 2009;25(4):840-48. 32.Crispim SP, Ribeiro RCL, Panato, E, Silva MMS, Rosado LEFP, Rosado GP. Validade relativa de um questionário de frequência alimentar para utilização em adultos. Rev Nutr 2009;22(1):81-95. 48 35.Henn RL, Fuchs SC, Moreira LB, Fuchs FD. Development and validation of a food frequency questionnaire (FFQ -Porto Alegre) for adolescent, adult and elderly populations from Southern Brazil. Cad Saúde Pública 2010;26(11):2068-79. 36.Fisberg RM, Slater, B, Marchioni DML, Martini LA. Inquéritos Alimentares: métodos e bases científicos. São Paulo: Manole; 2005. 37.Peto R, Doll R, Buckley JD, Sporn MB. Can dietary beta-carotene materially reduce human cancer rates? Nature 1981; 290: 201-08. Nobre, J. Q. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 49-56, jan./jun. 2011 ANÁLISE DO ÍNDICE DE CONTAMINAÇÃO E PERFIL BACTERIOLÓGICO DE COLÍRIOS UTILIZADOS NO DIA A DIA DO OFTALMOLOGISTA. [An analysis on the contamination and bacteriological profile of eyedrops used on the day to day of the ophthalmologist.] Jayme Quirino Caon Nobre1; Augusto Adam Netto2; Rodrigo Dall’Oglio da Cunha3 Resumo: Estudou-se a contaminação e o perfil bacteriológico de 3 classes de colírios utilizados ambulatorialmente de julho a outubro de 2009, em dois serviços oftalmológicos da grande Florianópolis. Esse estudo observacional transversal avaliou 52 amostras de colírios de múltiplas doses, vazios e selecionados aleatoriamente. Foram coletadas amostras do bico e do interior do frasco para cultivo e, em caso de contaminação, sucederam-se métodos de identificação bacteriana. Encontrou-se contaminação em 46,1% das amostras, sendo 42,9% nos ciclopégicos, 68,7% nos anestésicos e 26,7% nas fluoresceínas. Uma amostra apresentou crescimento de estafilococos não hemolíticos, outra de bacilos gram positivos e as demais de Micrococos sp. Palavras-chave: Contaminação, colírios, micrococos. Abstract: It was studied the contamination rate and bacteriological profile of three eye drops used in two outpatient ophthalmic services of Florianopolis between July and October 2009. This observational cross-sectional study evaluated a sample of 52 empty multiple doses eye drops selected randomly. Samples from the nozzle and from the interior of each bottle were collected for growth and, in case of contamination, standard methods of bacterial identification were performed. Contamination was found in 46.1% of the samples. According to the pharmacological class, 42.9% of mydriatics, 68.7% of anesthetics and 26.7% of fluorescein showed bacterial contamination. Non-haemolytic Staphylococci growth was observed in one sample, gram-positive bacilli was observed in another sample and Micrococci sp was observed in the other contaminated samples. Keywords: Contamination, eyedrops, micrococci Introdução Os olhos humanos são protegidos da penetração e proliferação de germes principalmente pela ação competitiva da flora endógena da conjuntiva e do fundo de saco; pela renovação e escoamento do filme lacrimal que “lava” a superfície ocular; pelas substâncias bacteriostáticas, como a lisozima, presentes no filme lacrimal; pelo piscar frequente das pálpebras e pela conjuntiva e córnea que impedem a entrada de micro-organismos e, quando por ventura esta função falha, possuem células com ação fagocitária.1,2 ¹ Médico graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: jaymenobreneto@yahoo. com.br ² Professor titular da disciplina de oftalmologia do departamento de cirurgia do CCS/UFSC. Professor coordenador da disciplina de oftalmologia do módulo de sistemas sensoriais da UNISUL. Chefe do serviço de oftalmologia do HU/UFSC. E-mail: [email protected] ³ Acadêmico do 9º período de graduação em Medicina da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected] 49 Nobre, J. Q. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 49-56, jan./jun. 2011 Entretanto, quando o paciente é imunocomprometido ou quando aquelas estruturas estão lesadas tanto por traumas, uso de lentes de contatos, cirurgias ou qualquer outro dano à superfície ocular, os olhos tornam-se facilmente susceptíveis a infecções como conjuntivites e queratites.1,2 Os agentes normalmente responsáveis por tais infecções são: S. pneumoniae, H. influenzae, S. aureus e N. meningitidis no caso das conjuntivites e S. pneumoniae, Pseudomonas sp, Moraxella liquefaciens dentre outros no caso das queratites.2 A flora natural do olho sadio inclue Staphylococcus sp, Proteus sp e Klebsiella pneumonie.3 O oftalmologista, em sua prática clínica, dispõe de diversos tipos de colírios que o auxiliam no exame clínico e tratamento dos pacientes. A preparação destes atualmente é muito sofisticada devido à necessidade de serem estéreis e assim permanecerem no decorrer de seus usos.1 A indústria farmacêutica procede rotineiramente provas de esterilidade em seus colírios. Isto serve como uma garantia de que eles estarão livres de patógenos ao serem abertos.1 Dentre os fatores que interferem na manutenção da esterilidade dos colírios, podemos citar: presença de preservativos, componente básico do colírio, condições ambientes, manipulação e tipo de embalagem.1 Os preservativos, apesar da relativa segurança que oferecem ao médico ao dificultarem o crescimento de micro-organismos, não indicam com certeza a ausência de bactérias ou fungos no conteúdo dos colírios. Além disso, possuem como desvantagem o fato de serem muito alergênicos.1 O componente básico do colírio interfere diretamente nos índices de contaminação das soluções visto que, em suas diferenças, oferece meios mais ou menos propensos a multiplicação de bactérias ou fungos. É razoável pensarmos que, por exemplo, uma substância antibiótica de amplo espectro tornará a proliferação bacteriana dificultada quando comparada a outra sem esta 50 atividade. Existem estudos que defendem este raciocínio.4 Quanto a condições ambientes, os colírios armazenados e utilizados em meio hospitalar apresentam índices de contaminação por bactérias patogênicas e multirresistentes superiores aos armazenados e utilizados em nível domiciliar. Quanto à manipulação, a higiene das mãos, o cuidado de não tocar a ponta do frasco com os dedos e não tocá-la nas pálpebras ou conjuntivas durante a aplicação, diminuem os índices de contaminação.1 O tipo de embalagem tem papel crucial na manutenção da esterilidade dos colírios na medida que quanto menor o volume que comportam, menor é a manipulação, tempo de exposição a ambiente hostil e de utilização dificultando, assim, a contaminação da solução. Muitos são os relatos de casos de infecções oculares decorrentes de soluções contaminadas.5,6 Dentre os patógenos que podem estar presentes em soluções contaminadas encontram-se Acanthamoeba sp, Pseudomonas spp, Serratia spp e Bacillus spp.2 Adam Netto et al.7 observaram contaminação por Pseudomonas aeruginosa e por Estreptococos não hemolítico em dois de 52 frascos de colírios em uso e coletados aleatoriamente em consultórios e centros cirúrgicos da cidade de Florianópolis. É natural que nos preocupemos com o estado microbiológico dos colírios visto que é justamente a população que procura o consultório oftalmológico que corre mais riscos, pois apresenta condições oculares que facilitariam o desenvolvimento de infecções decorrentes de colírios contaminados em maior prevalência que a população em geral. Tal fato, e a existência de poucas pesquisas acerca do assunto em nosso meio, levaram-nos a desenvolver o presente estudo. Objetivos Objetivo Geral: Avaliar o índice de contaminação e traçar o perfil bacteriológico de colírios de múltiplas doses utilizados nos ambulatórios oftalmológicos do Nobre, J. Q. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 49-56, jan./jun. 2011 Hospital Governador Celso Ramos e do Hospital Regional de São José localizados na grande Florianópolis, Santa Catarina. Objetivos Específicos: • Avaliar o índice de contaminação e perfil bacteriológico de colírios Mydriacyl®, Cicloplégico®, Ciclolato®, Anestalcon®, Anestésico® e Fluoresceína Sódica 1%®; • Avaliar a relação de contaminação da ponta e interior dos frascos; • Verificar a associação de contaminação com o tipo de preservativo contido em cada colírio. Métodos Foi realizado um estudo observacional transversal, com base numa amostra de colírios de múltiplo uso utilizados ambulatorialmente nos serviços de Oftalmologia do Hospital Governador Celso Ramos (HGCR) e do Hospital Regional de São José (HRSJ) localizados na grande Florianópolis – SC, no período de julho a outubro de 2009. Os critérios para a seleção dos colírios eram: que estivessem vazios, que ainda possuíssem tampa e que pertencessem a uma das seguintes classes farmacológicas: ciclopégicos, anestésicos e fluoresceína. Os frascos, após o uso, eram estocados fechados nos próprios serviços em temperatura ambiente. Eram recolhidos semanalmente para análise no Laboratório de Antibióticos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), localizado no departamento de microbiologia, imunologia e parasitologia (MIP). Dentre os frascos, foram escolhidos através de sorteio 52 exemplares. Trinta e seis amostras foram procedentes do HGCR das quais treze Mydriacyl®, um Ciclolato®, um Cicloplégico®, três Anestésico®, oito Anestalcon® e dez Fluoresceína Sódica 1%®. As 16 amostras procedentes do HRSJ contituíam-se de: três Mydriacyl®, dois Cicloplégico®, um Ciclolato®, três Anestésico®, dois Anestalcon® e cinco Fluoresceína Sódica 1%®. Foi excluído, previamente ao sorteio, um exemplar de Anestésico® procedente do HGCR, devido estar desprovido de sua tampa. A partir de cada um dos frascos, realizou-se a coleta com cotonete estéril de duas amostras provenientes da ponta e duas do interior dos mesmos em câmara de fluxo contínuo de ar. Das amostras provenientes da ponta, uma foi cultivada em caldo “Brain Heart Infusion” (BHI) e a outra foi semeada em meio Ágar-Sangue (AS). A mesma metodologia foi adotada para as amostras procedentes do interior dos frascos. Todas as soluções de BHI e todos os meios AS foram então acondicionados em estufa na temperatura de 37ºC. A leitura dos resultados foi feita 24 horas após o cultivo. Das amostras que apresentavam contaminação, sucederam-se os métodos de diferenciação padronizados para cada caso. Foram realizados controles a cada rodada de cultivo. O controle era feito através cotonete estéril umedecido em soro fisiológico 0,9% estéril e posterior semeadura em caldo BHI e meio AS. Os dados assim obtidos foram registrados em protocolo de pesquisa (apêndice 1) e posteriormente foram armazenados em planilha Excel® 2007 e, a partir destes dados foram elaborados os gráficos e tabela do presente estudo no programa Word® 2007. Optou-se pela não identificação dos hospitais de onde eram procedentes os frascos de colírios que apresentaram contaminação bacteriana, devido à desproporção no tamanho das amostras. Resultados Dos 52 frascos de colírios analisados, foi encontrada contaminação em 24 (46,15%) deles. Vinte e duas pontas de frascos (42,31%) estavam contaminadas, o interior esteve contaminado em 19 (36,54%) frascos. Ambos, interior e ponta, estavam concomitantemente contaminados em 16 (30,77%) ocasiões. Ocorreu somente contaminação da ponta dos frascos em seis (11,54%) oportunidades e somente do interior em duas (3,85%) (Gráficos 1 e 2). 51 Nobre, J. Q. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 49-56, jan./jun. 2011 Gráfico 1 - Índice de contaminação bacteriana geral dos colírios analisados. HGCR e HRSJ: julho a outubro de 2009. Gráfico 2 - Contaminação bacteriana de acordo com local do frasco analisado. HGCR e HRSJ: julho a outubro de 2009. Quanto à classe farmacológica, dos 21 ciclopégicos, nove (42,86%) estavam contami- nados. De 16 anestésicos, 11 (68,75%); e de 15 fluoresceína, quatro (26,67%) apresentaram contaminação bacteriana (Gráfico 3). Gráfico 3 - Índice de contaminação bacteriana quanto à classe farmacológica dos colírios. HGCR e HRSJ: julho a outubro de 2009. 52 Nobre, J. Q. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 49-56, jan./jun. 2011 Segundo o nome comercial, dos 16 colírios Mydriacyl® analisados, sete (43,75%) apresentaram contaminação bacteriana. Dos dois colírios Ciclolato®, nenhum estava contaminado. Dos três colírios Cicloplégico®, dois (66,7%) apresen- taram crescimento de bactérias. Dos oito colírios Anestalcon®, cinco (62,5%) apresentaram contaminação bacteriana; dos oito colírios Anestésico®, seis (75%); dos 15 colírios de Fluoresceína Sódica 1%®, quatro (26,67%) estavam contaminados (Gráfico 4). Gráfico 4 - Índice de contaminação quanto ao nome comercial dos colírios. HGCR e HRSJ: julho a outubro de 2009. Em relação ao tipo de preservativo utilizado em cada produto, encontramos contaminação em 20 dos 36 (55,55%) que continham cloreto de benzalcônio e em quatro dos 15 (26,67%) que continham tiomersal (Gráfico 5). Gráfico 5 - Índice de contaminação bacteriana dos colírios quanto aos conservantes utilizados nos mesmos. HGCR e HRSJ: julho a outubro de 2009. Quanto ao tipo de bactéria presente nas contaminações, foi constatado o crescimento de Micrococos sp em 22 ocasiões, Estafilococos não hemo- lítico em uma e bacilos gram positivos em uma ocasião. A Tabela 1 demonstra o perfil da contaminação bacteriana dos colírios analisados. 53 Nobre, J. Q. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 49-56, jan./jun. 2011 Tabela 1 - Perfil da contaminação bacteriana dos colírios avaliados. HGCR e HRSJ: julho a outubro de 2009. Colírios Mydriacyl® Cicloplégico® Ciclolato® Anestalcon® Anestésico® Fluoresceína Sódica 1%® Bactérias Micrococos sp bacilos gram + Micrococos sp Micrococos sp Micrococos sp Estafilococos não-hemolítico Micrococos sp Discussão Existem poucos estudos que abordam a contaminação bacteriana em colírios utilizados pelo oftalmologista e, além disso, não há uma metodologia padronizada para este fim. Assim, os trabalhos existentes apresentam divergências em seus resultados. Nosso estudo tem a intenção de demonstrar a contaminação bacteriana de colírios ao final de seu uso, demonstrando com isso, o risco de contaminação a que cada colírio está exposto. Analisando-se colírios vazios, elimina-se ou diminui-se o viés da manipulação, visto que todos os frascos apresentam a mesma capacidade volumétrica e mesma dose de aplicação. Assim, até seus respectivos usos terminais, assume-se que os colírios foram manuseados em graus semelhantes. Constatamos contaminação bacteriana em 46,15% dos frascos avaliados. Estes resultados diferem de diversos estudos existentes e este elevado índice de contaminação pode ser decorrente da metodologia empregada, pois ao analisar frascos vazios, analisa-se frascos já muito manuseados e sem grande quantidade de preservativos, facilitando a proliferação bacteriana em soluções que tenham sido contaminadas. É, portanto, uma metodologia mais sensível. Roizenblat et al.1 demonstraram 25% de contaminação principalmente de colírios anestésicos e fluoresceína e decorrentes principalmente de Stafilococos epidermidis. Entretanto, este estudo selecionou aleatoriamente colírios utilizados na prática clínica sem nenhum critério quanto ao tempo de uso dos colírios, além disso, também analisou colírios com atividade antibiótica o que, provavelmente, diminuiu os índices de contaminação. Escolhemos, em nossa pesquisa, como meios de cultivo o caldo BHI e o AS buscando 54 Nª de amostras contaminadas 6 1 2 0 5 5 1 4 demonstrar a presença dos principais germes da flora ocular normal e os principais germes patogênicos. O caldo BHI é um meio nutritivo que potencializa o crescimento de muitos micro-organismos. É adequado para o cultivo de estreptococos, pneumococos, meningococos, estafilococos e outros mais.8,9 Assim, é adequado para este estudo pois pode ser usado para o crescimento dos principais micro-organismos colonizadores da pálpebra e agentes infecciosos oculares. O meio AS, por ser abundantemente nutritivo, oferece condições ótimas para o crescimento de todos os micro-organismos presentes numa amostra. É destinado para o isolamento e cultivo de diversos micro-organismos (principalmente patógenos) existentes, e para a determinação de suas formas hemolíticas.8,9 A quase totalidade das contaminações encontradas em nosso estudo foi decorrente de Micrococos sp, uma bactéria não patogênica presente na flora natural da pele. Entretanto, conforme Romanes10, ela pode desenvolver infecções oculares em indivíduos que apresentam alguma susceptibilidade por ser uma bactéria oportunista. Um frasco de Anestésico® apresentou contaminação por Estafilococos não hemolíticos e um frasco de Mydriacyl®, por bacilos gram positivos. Outros estudos demonstram colírios contaminados por Micrococos sp10,11, Clark et al.11 analisaram a solução residual seca encontrada na região da rosca da tampa (chamada de pescoço do frasco) e obteve a partir desta metodologia crescimento em 76,5% das amostras. Os organismos cultivados foram Estafilococos sp e Micrococos sp. Segundo Barkman et al.12, duas medidas que colaboram para manter a esterilidade de colírios de dose múltipla são: adição de preservativos Nobre, J. Q. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 49-56, jan./jun. 2011 e frascos dispensadores, ou seja, com pipeta integrada. Este estudo afirma também que estas medidas são muito eficazes se os colírios têm um tempo máximo de uso de duas semanas, a partir daí os riscos de contaminação aumentam. Sugere que os colírios sejam repostos a cada duas semanas ou que sejam fabricados em frascos menores. Todos os colírios analisados em nosso estudo possuíam preservativos e frascos com pipeta integrada com capacidade de cinco mililitros. Entretanto, não há controle quanto ao tempo de uso dos colírios analisados em nosso estudo. Quanto aos locais dos frascos, estudos demonstram que os que mais apresentam contaminação são: ponta e tampa. Isto se justificaria pela menor quantidade de preservativo presente nesses locais11 e pela maior contaminação por manipulação e pelo contato com estruturas oculares (pálpebra, conjuntiva, cílios, por exemplo.) a que estas partes estão submetidas.3,11 Estes locais serviriam como porta de entrada de bactérias e reservatório para a contaminação das soluções. Em nosso estudo, o fato de a ponta estar contaminada, correspondeu a um risco de contaminação da solução de 72,73%. Encontramos também, em duas amostras, a contaminação somente da solução, com ponta do frasco estéril demonstrando assim, que nem sempre a ponta serve como porta de entrada para micro-organismos. Contudo, nosso estudo não analisou a contaminação das tampas. Rahman et al.13 analisaram 95 recipientes de colírios de múltiplo uso sem preservativos. Frascos de colírios de diferentes classes farmacológicas foram recolhidos para análise após três dias de uso por pacientes internados ou após sete dias de uso por pacientes ambulatoriais. O índice de contaminação geral encontrado foi de 8,4% mas, quando se excluiu os colírios antibióticos, o índice de contaminação foi de 19%. Foram isolados sete tipos de bactérias, sendo que, apenas um tipo era comensal, todas as demais eram patogênicas. A bactéria mais comumente encontrada foi o Estafilococos aureus. Nosso estudo analisou apenas colírios que apresentam preservativos em suas fórmulas e, ainda assim, constatou maior índice de contaminação. Ressaltamos novamente que a metodologia por nós empregada é mais sensível em demonstrar contaminação. Entretanto, nosso estudo demonstrou contaminação predominante por Micrococos sp, uma bactéria comensal. Encontramos contaminação bacteriana em 55,55% dos colírios que utilizavam cloreto de benzalcônio em sua fórmula e em 26,67% dos que utilizavam tiomersal. Pereira et al.3 encontrou índice de contaminação de 25% e 25% respectivamente, em colírios com estes mesmos preservativos. Concluindo, devido à constatação de grande discrepância entre os resultados da presente pesquisa com os da literatura existente, torna-se necessária a realização de novos estudos sobre o tema. Conclusões O índice de contaminação bacteriana nos frascos de colírios analisados é de 46,15%. As bactérias responsáveis pela contaminação são: Micrococos sp, Estafilococos não hemolítico e bacilos gram positivos. Dos colírios Mydriacyl® analisados, 43,75% apresentam contaminação sendo que uma das amostras apresenta crescimento de bacilos gram positivos e as demais de Micrococos sp. Dos colírios Cicloplégico®, 66,7% apresentam contaminação, todos por Micrococos sp. Nenhum Ciclolato® analisado apresenta contaminação bacteriana. Entre os Anestalcon® analisados, 62,5% estão contaminados, todos por Micrococos sp. Dos Anestésico®, 75% apresentam contaminação sendo que uma amostra por Estafilococo não-hemolítico e as demais por Micrococos sp. Das Fluoresceína Sódica 1%® analisadas, 26,67% apresentam contaminação bacteriana por Micrococos sp. O interior e a ponta estão concomitantemente contaminados em 16 (30,77%) ocasiões. Ocorre somente contaminação da ponta dos frascos em seis (11,54%) oportunidades e somente do interior em dois (3,85%). Segundo o tipo de preservativo utilizado em cada produto, encontramos contaminação em 20 dos 36 (55,55%) que contém cloreto de benzalcônio e em quatro dos 15 (26,67%) que contém tiomersal. Referências: 1. Roizenblat J, Inomata S. Contaminação de colírios. Rev Bras Oftalmol 1982;41(5):55-9. 2. Micallef C, Cuschieri P. Ocular infections due 55 Nobre, J. Q. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 49-56, jan./jun. 2011 to contaminated solutions. Acta Ophthalmol 2001;215:337-50. 3. Pereira IC, Alfonso E, Souza MACM, Song D, Muller D. Avaliação de contaminação de produtos oftálmicos em uso. Arq Bras Oftalmol 1992;55(1):15-8. 4. Mason BL, Alfonso EC, Miller D. In-use study of potencial bacterial contamination of ophthalmic moxifloxacin. J Cataract Refract Surg 2005;31:1773-6. 5. Alfonso E, Kenyon K, Ormeron D, Stevens R, Wagoner M, Albert D. Pseudomonas corneoescleritis. Am J Ophthalmol 1987;103:90-8. 6. Cooper RL, Constable IJ. Infective keratitis in soft contact lens wearers. Brit J Ophthalmol 1977;61:250-4. 7. Adam Netto A, Pereira FJ. Avaliação da contaminação bacteriana de produtos oftálmicos. Rev Bras Oftalmol 1998;57(10):775-80. 56 8. Manual Medios de Cultivo MERCK. Frankfurter Strasse 250 D-6100 Darmstadt 1 (R. F. de Alemania): E. Merck; 1982. 9. Difco Manual de Bacteriologia – Recopilación de Técnicas. Madrid: Difco Laboratories; 1978. 10.Romanes GJ. Infection with Micrococcus tetragenus as a complication of penetrating keratoplasty. Brit J Ophthal 1958;42:429-32. 11.Clark PJ, Ong B, Stanley CB. Contamination of diagnostic ophthalmic solutions in primary eye care settings. Milit Med 1997;162:501-6. 12.Barkman R, Germanis M, Karpe G, Malmborg S. Preservatives in eyedrops. Acta Ophthalmol Copenh 1969;47(3):461-75. 13.Rahman MQ, Tejwani D, Wilson JA, Butcher I, Ramaesh K. Microbial contamination of preservative free eye drops in multiple application containers. Brit J Ophthalmol 2006;90(2):139-41. Gonzalez, F. H. Z. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 57-65, jan./jun. 2011 ANÁLISE DO CUSTO DOS COLÍRIOS DE ASSOCIAÇÃO FIXA DE TIMOLOL COM ANÁLOGOS DE PROSTAGLANDINA EM FLORIANÓPOLIS [Cost analysis of the eyedrop timolol fixed combination with prostaglandin analogues in Florianópolis] Fernando Henrique Zanardo Gonzalez1, Augusto Adam Netto2, Eduardo André Burgardt1 Resumo: O tratamento do glaucoma representa um elevado custo para a população. Esse estudo avaliou os frascos de colírios contendo associação de timolol e análogos de prostaglandinas quanto ao seu número e volume da gota, tempo de duração e custo em Florianópolis. Utilizaram-se os medicamentos Ganfort®, Xalacom® e Duo-Travatan® sendo os preços obtidos nas farmácias da cidade. Observamos que o número de gotas e a duração do tratamento (dias) variaram de 107 e 53,60 (Ganfort®) a 94 e 47 (Xalacom®). O Duo-Travatan® obteve a menor gota (23,50 μl). O custo mensal variou de R$ 43,04 reais (Ganfort®) até R$ 73,27 (Xalacom®). Palavras- chave: Glaucoma/economia; Soluções oftálmicas/economia; Prostaglandinas A sintéticas/ economia; Custos e Análise de Custo. Abstract: The treatment of glaucoma means a high cost to the population. This study evaluates the eyedrops bottle association of timolol with prostaglandins analogues on the number of drop and the drop volume, time of duration and it cost in Florianópolis. We used the medications Ganfort®, Xalacom® e Duo-Travatan® and the prices gets from pharmacies in the city. We observed that the number of drops and duration of treatment between 107 and 53.60 (Ganfort®) at 94 and 47 (Xalacom®). Duo-Travatan® had the smallest drop (23.50 μl). The monthly cost ranged from R$ 43.04 reais (Ganfort®) to R$ 73.27 (Xalacom®). Keywords: Glaucoma/economics; Ophthalmic solution/economics; Prostaglandins A, synthetic/economics; Costs and cost analysis. Introdução O glaucoma, algumas vezes chamado de “silent blinder”, é a segunda principal causa de cegueira irreversível no mundo. Estima-se que metade dos casos de glaucoma permanece não diagnosticada. A prevalência da doença nos países industrializados varia de 1% a 3% e devido ao envelhecimento da população mundial, estes valores estão crescendo no mundo. 1 O seu tratamento se baseia na redução da PIO por administração de medicações pela via tópica. Os medicamentos, inclusive os colírios antiglaucomatosos, estão subordinados ao Brasíndice, experimentando constantes reajustes, bem acima da inflação. Os preços exorbitantes de alguns destes produtos compromete o tratamento, inclusive Acadêmicos do 6° ano do curso de graduação em Medicina da UFSC. E-mail para correspondência: [email protected] 2 Professor titular de oftalmologia da UFSC. Chefe do serviço de oftalmologia do HU/UFSC. Professor coordenador da disciplina de oftalmologia do módulo de sistemas sensoriais da UNISUL. E-mail para correspondência: [email protected] 1 57 Gonzalez, F. H. Z. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 57-65, jan./jun. 2011 com a deterioração na qualidade de vida.2 O custo dos colírios antiglaucomatosos, associado aos efeitos colaterais e a instilação inadequada dos fármacos, representam hoje um grave problema na falta de fidelidade ao tratamento. A estimativa de não aderência ao tratamento varia entre 23% a 59% nos pacientes com glaucoma. 3 O tamanho da gota proporcionado por cada frasco da medicação é um importante fator envolvido no custo. Estudos farmacocinéticos demonstraram que a conjuntiva normalmente segura uma lágrima de 7 a 9 μl e consegue acomodar no máximo cerca de 30 μl de fluídos. Assim, o volume da gota instilada de cerca de 20 μl é considerado adequado. Quantidades superiores a essa podem escorrer pela região facial e são desperdiçadas, ou são drenadas pela via lacrimal com maior possibilidade de absorção sistêmica.4 Apresentações comerciais antigas de colírios apresentavam volumes de gotas que variavam de 50 a 70 μl e atualmente os frascos fornecem gotas que variam de 25 a 56 μl. 5 Este tratamento representa um elevado impacto em termos financeiros, em detrimento da saúde ocular, onde ocupa o “ranking” das doenças mais dispendiosas, atingindo uma grande massa economicamente ativa da população. O alto custo deve-se ao preço do arsenal terapêutico e seu uso contínuo. Considerações sobre custo real devem incluir fatores como preço, volume do frasco do colírio, volume e número de gotas, posologia e desperdício por não conhecimento da técnica correta de instilação. 6 A combinação fixa de timolol com análogos de prostaglandina tem demonstrado ser uma alternativa eficaz no tratamento clínico do glaucoma. Além dos efeitos de ambas medicações, a associação tem menor custo e reduz a frequência de instilações diárias, quando comparado à monoterapia. 7,8 O custo com o tratamento de doenças crônicas, como o glaucoma, têm grande repercussão no orçamento populacional. Os recursos destinados a saúde são limitados e estudos de avaliação 58 econômica ganham cada vez mais importância, por facilitar decisões por parte dos gestores da saúde e o acesso ao tratamento e sua aderência a população. Objetivos Avaliar o volume, número de gotas e o tempo de duração máxima do tratamento com frascos de colírios de associação fixa de timolol com análogos de prostaglandinas. Além disso, será avaliado o impacto econômico relacionando o valor do salário mínimo com o custo do tratamento com cada um destes colírios antiglaucomatosos, baseado nos preços obtidos em farmácias da periferia e do centro de Florianópolis (SC). Métodos Este é um estudo transversal no qual foram utilizadas três diferentes apresentações farmacológicas de colírios de associação fixa de timolol com análogos de prostaglandinas, analisando cinco frascos de cada apresentação, obtidos diretamente com o laboratório ou comprados em farmácias. Os medicamentos estudados foram: bimatoprosta 0,03% + maleato de timolol 0,5% (BT) (Ganfort® – Allergan), latanoprosta 0,005% + maleato de timolol 0,5% (LT) ( Xalacom® – Pfizer) e travaprosta 0,004% + maleato de timolol 0,5% (TT) ( Duo-Travatan® – Alcon). O preço das medicações foi obtido através de ligações realizadas para farmácias do centro e da periferia de Florianópolis (SC), sendo considerados os preços à vista. As variáveis estudadas foram: número médio de gotas, volume médio das gotas e duração máxima em dias proporcionada por cada apresentação. Além disso, foram estudados os custos diário, mensal e anual dos produtos e realizada uma análise percentual correlacionando o custo mensal com o salário mínino atual. Cinco frascos de cada apresentação tiveram suas gotas contadas pelo autor em temperatura ambiente. Todos os colírios foram segurados Gonzalez, F. H. Z. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 57-65, jan./jun. 2011 entre o dedo polegar e indicador a uma altura de serem pesquisados: 36, na região central, e 40, na 5,0 cm e tiveram suas gotas instiladas com ângu- região periférica da cidade. Foram feitos telefonemas questionando o lo de aproximadamente 135°, sendo este ângulo de administração determinado pela relação entre custo à vista dos produtos analisados. Com os vaa base do frasco e um plano horizontal de refe- lores apresentados, foi feito uma média de cada rência. Cada frasco foi delicadamente pressionado apresentação na região central e na periferia de para instilação de somente uma gota. Um interva- Florianópolis e, a partir da média, calculados os lo de cerca de 10 segundos era observado entre custos diário, mensal e anual, em reais. O custo diário foi calculado dividindo-se o cada gota e o colírio era colocado na posição ver- tical entre cada gotejo, a fim de reproduzir o pro- preço médio das apresentações pela duração mácesso realizado pelo paciente durante a instilação. xima de tratamento das mesmas. Com o resultado, Os valores eram anotados em uma tabela por um calculou-se o custo mensal e anual multiplicando-se o valor do custo diário por 30 e 365, respectisegundo investigador. Com o número de gotas de cada frasco, vamente. Para calcular o impacto econômico mencalculou-se a quantidade média de gotas de cada apresentação. Com o resultado e o volume de cada sal em valores percentuais do custo dos colírios frasco informado pelo laboratório fabricante (BT relacionado ao valor do salário mínimo vigente 3ml, LT 2,5 ml e TT 2,5 ml) calculou-se o volume em 2010 (R$ 510,00), utilizou-se a seguinte equamédio das gotas em microlitros (μl) de cada pro- ção: Custo mensal % SM ×100 duto, dividindo-se o volume do frasco pela quan-= Salário mínimo tidade média de gotas das apresentações. Para determinar o número máximo de dias Para a análise estatística da variância dos de tratamento proporcionado por cada frasco de dados estudados utilizamos o teste ANOVA e para colírio, dividiu- se o número de gotas pela posolo- a comparação múltipla utilizamos o Tukey-Kragia para ambos os olhos. Neste estudo, a posologia mer Test, adotando como significância p < 0,05. foi de uma gota por olho. Este cálculo assumiu a O software utilizado para o armazenapremissa que cada paciente utilizasse apenas uma mento dos dados e construção das tabelas deste gota por instilação, justificando a rotulação dura- trabalho foi o Microsoft Office Excel® 2007 para ção máxima de tratamento. Windows XP®. Para análise estatística dos dados Para o cálculo do custo do produto, veri- foi utilizado o software Primer®. ficaram-se os preços de cada frasco de colírio em farmácias do centro e da periferia de Florianópo- Resultados lis (SC), no período de agosto a outubro de 2010. O número médio de gotas variou entre as Buscou-se o número e o telefone de todos os esta- medicações estudadas, havendo diferença estatisbelecimentos farmacêuticos registrados na cidade ticamente significativa (ANOVA p < 0,001) entre de Florianópolis na lista telefônica vigente na ci- as médias das medicações. Os colírios que apredade no ano de 2010. Posteriormente esse número sentaram a maior e menor médias de gotas foram, foi dividido entre estabelecimentos localizados no respectivamente, Ganfort® com uma média de 107 centro e na periferia da cidade. gotas por frasco de 3 ml (dp = 2,77), e Xalacom®, Após selecionar as farmácias inclusas no com média de 94 gotas por frasco de 2,5 ml (dp = estudo, foi realizada uma análise estatística para a 3,08). O Duo-Travatan® apresentou uma média de obtenção de uma resposta mais fidedigna, toleran- 106 gotas por frasco de 2,5 ml (dp = 3,19). (Tabela 1) do uma margem de erro de ± 5%, e chegando-se Utilizando o Tukey-Kramer Test observaao número de estabelecimentos farmacêuticos a mos que não houve diferença significativa entre o 59 Gonzalez, F. H. Z. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 57-65, jan./jun. 2011 Ganfort® e o Duo-Travatan® ( p > 0,612). Já quando comparou-se estas com o Xalacom®, houve diferença significativa, sendo a maior diferen- ça entre o Ganfort® e o Xalacom® (p < 0,001), apresentando este uma diferença a menos de 13 gotas. Tabela 1 – Número de gotas dos frascos de colírios de associação fixa de timolol com análogos de prostaglandinas Colírio 1 2 3 4 5 BT 109 104 106 111 106 LT 90 98 95 92 95 TT 104 111 108 104 104 BT: Bimatoprosta + Maleato de Timolol LT: Latanoprosta + Maleato de Timolol TT: Travaprosta + Maleato de Timolol DP: Desvio padrão Com esses resultados, calculou-se o volume médio da gota de cada apresentação, considerando o volume do frasco indicado por cada fabricante. O colírio Ganfort® obteve o maior volume de gota, com 27,99 μl (dp = 0,72), seguido do colírio Xalacom®, com uma gota de 26,61 μl (dp = 0,83). A medicação Duo-Travatan® apresentou o menor volume de gota, com 23,55 μl (dp = 0,69) (Tabela 2). Média DP 107* 2,77 94* 3,08 106* 3,19 *p < 0.001 (teste ANOVA) Utilizando o Tukey-Kramer Test, observamos que não houve diferença estatisticamente significativa entre o colírio Ganfort® e Xalacom® (p > 0,05). Quando comparado o Duo-Travatan® com o restante das medicações observou-se diferença significativa (p < 0,001). A maior diferença foi entre o Ganfort® e o Duo-Travatan®, apresentando este uma diferença de 4,44 μl a menos no volume médio da gota. Tabela 2 – Volume médio da gota em μl dos frascos dos colírios de associação fixa de timolol com análogos de prostaglandinas Colírio BT LT TT BT: Bimatoprosta + Maleato de Timolol LT: Latanoprosta + Maleato de Timolol Volume média da gota 27,99 26,61 23,55 DP 0,72 0,83 0,69 TT: Travaprosta + Maleato de Timolol Quanto ao tempo de duração máxima do tratamento de cada medicação, observamos que tanto o colírio Ganfort® quanto o Duo-Travatan® apresentaram 53 dias de duração de tratamento. O fármaco com menor duração de tratamento foi o Xalacom®, com 47 dias (Tabela 3). Pelo Tukey-Kramer Test não houve diferença estatisticamente significativa entre o colírio 60 Ganfort® e Duo-Travatan® ( p > 0,05). O Xalacom® apresentou o menor tempo de duração do tratamento e quando comparado com o restante das medicações observou-se diferença significativa (p < 0,001). A maior diferença foi entre o Ganfort® e o Xalacom®, apresentando este uma diferença de 6,5 dias a menos de duração do tratamento. Gonzalez, F. H. Z. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 57-65, jan./jun. 2011 Tabela 3 – Duração máxima do tratamento (em dias) dos frascos dos colírios de associação fixa de timolol com análogos de prostaglandinas. Colírio BT LT TT BT: Bimatoprosta + Maleato de Timolol LT: Latanoprosta + Maleato de Timolol TT: Travaprosta + Maleato de Timolol Dias 53,50 47 53 DP 1,38 1,54 1,59 Os preços médios dos colírios variaram entre as regiões estudadas, havendo diferença estatisticamente significativa entre as médias dos preços das medicações estudadas (p < 0,01 ANOVA). O colírio Xalacom® apresentou o maior custo, tanto no centro quanto na periferia, variando de R$ 114,08 reais (dp = 11,82) a R$ 121,30 re- ais (dp = 8,32), respectivamente. O colírio Duo-Travatan® teve um custo médio variando de R$ 88,71 reais (dp = 10,31) a R$ 94,13 reais (dp = 5,62), enquanto que o Ganfort® obteve o menor custo médio, R$ 76,90 reais no centro (dp = 6,67) e R$ 80,47 na periferia (dp = 4,39) de Florianópolis. (Tabela 4) Tabela 4 - Custo médio dos frascos dos colírios de associação fixa de timolol com análogos de prostaglandinas, no centro e na periferia de Florianópolis (em reais) Colírio BT* Região Custo Centro 76,90 Periferia 80,47 LT** Centro 114,80 Periferia 121,30 TT*** Centro 88,71 Periferia 94,13 BT: Bimatoprosta + Maleato de Timolol LT: Latanoprosta + Maleato de Timolol TT: Travaprosta + Maleato de Timolol Os custos diário, mensal e anual das medicações foram obtidos através do preço e da duração máxima de tratamento de cada fármaco. O Ganfort® apresentou uma diferença a menos no custo diário de R$ 0,24 a R$ 1,01 no centro, e na periferia de R$ 0,27 a R$ 1,81 quando comparado DP 6,67 4,39 11,82 8,32 10,31 5,62 *p 0,007 (teste ANOVA) ** p 0,006 (teste ANOVA) *** p 0,007 (teste ANOVA) ao Duo-Travatan® e Xalacom®, respectivamente. Tanto no custo mensal quanto no anual, a economia com o Ganfort® foi cerca de 15% / 42% em ambas regiões (centro e periferia), quando comparado às associações de travaprosta e latanaprosta, respectivamente (Tabela 5). Tabela 5 - Custo diário, mensal e anual dos colírios de associação fixa de timolol com análogos de prostaglandinas, no centro e na periferia de Florianópolis (em reais) Colírio BT Região Centro Periferia LT Centro Periferia TT Centro Periferia BT: Bimatoprosta + Maleato de Timolol LT: Latanoprosta + Maleato de Timolol TT: Travaprosta + Maleato de Timolol Custo diário 1,43 1,50 2,44 2,58 1,67 1,77 Custo mensal 43,04 45,03 73,27 77,42 50,11 53,18 Custo anual 523,41 547,50 890,60 941,70 609,55 646,05 61 Gonzalez, F. H. Z. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 57-65, jan./jun. 2011 Pelo Tukey-Kramer Test, avaliamos somente a variável de custo diário, pois foi a base de cálculo para o custo mensal e anual. Houve diferença estatisticamente significativa em todas comparações em ambas regiões (p < 0,001). Com o custo mensal do tratamento, foi realizada a análise relacionando esta variável e seu impacto econômico percentual no salário mínimo vigente em 2010 (R$ 510,00). O colírio com maior impacto econômico foi o Xalacom® (15,18% na periferia), seguido do Duo-Travatan®, que variou de 9,81% no centro a 10,42% na periferia. O Ganfort® teve o menor impacto percentual, tanto no centro quanto na periferia de Florianópolis (Tabela 6). Tabela 6 - Impacto econômico percentual do custo mensal dos frascos dos colírios de associação fixa de timolol com análogos de prostaglandinas relacionados ao salário mínimo Colírio Região % do salário mínimo BT Centro 8,68 Periferia 8,82 LT Centro 13,33 Periferia 15,18 TT Centro 9,81 Periferia 10,42 BT: Bimatoprosta + Maleato de Timolol LT: Latanoprosta + Maleato de Timolol TT: Travaprosta + Maleato de Timolol Discussão As associações fixas de timolol com análogos de PGF -2- alfa melhoram a aderência ao tratamento, pois além de proporcionarem uma maior eficácia na redução da PIO, ainda tem a vantagem de reduzirem o número de instilações diárias para uma vez ao dia, evitando maiores desperdícios. A inconveniência dessa associação é seu elevado custo e impacto econômico na população, o qual envolve outros parâmetros além da técnica de instilação, tais como volume da gota, números de gotas e tempo de duração do tratamento. O volume da gota instilada está diretamente relacionado à biodiosponibilidade da droga, a fim de proporcionar uma quantidade padrão e adequada para ação do fármaco. O volume da gota é determinado por fatores tais como o “design” do bico gotejador, formato e material de fabricação dos frascos, além do ângulo de administração e a maneira que o paciente instila as gotas. Também deve ser considerado que o volume pode variar nos diferentes lotes da medicação analisada.5 Em um estudo publicado por Bergstrom 1 e cols onde foram analisados esses colírios em alguns países da Europa, observou-se que o volume das gotas eram maiores em todas as apre62 sentações quando comparado ao nosso trabalho. O Duo-Travatan® também apresentou a menor média do volume da gota (24,57 μl a 25,85 μl). O Xalacom® obteve a maior média (30,18 μl a 30,54 μl) enquanto que o Ganfort® apresentou valores intermediários (28,48 μl a 29,33 μl). Olivo e cols9 e Ventura e cols10, observaram que o colírio Xalacom® apresentou respectivamente uma média de 26,86 μl e 30,87 μl, ambos acima dos valores encontrados em nosso estudo, não analisando as demais apresentações. Apesar do volume das gotas estarem dentro do que preconiza o Ministério da Saúde 5, ainda não é o ideal para fins de tratamento medicamentoso do glaucoma. A redução do volume reduziria o desperdício e custo da medicação, além dos efeitos colaterais sistêmicos, aumentando a aderência e a duração do tratamento. Em relação ao número de gotas, Guedes e cols11 obtiveram resultados semelhantes aos encontrados em nosso estudo. Em sua análise, o Ganfort® também apresentou a maior média de número de gotas (109 gotas por frasco de 3 ml). Já os frascos de 2,5 ml apresentaram resultados diferentes. O colírio Xalacom® apresentou uma média de 97 gotas por frasco enquanto que o Duo- Gonzalez, F. H. Z. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 57-65, jan./jun. 2011 -Travatan® apresentou a menor média de todas, com 96 gotas por frasco. Bergström e cols1 observaram que a associação fixa de TT apresentava a maior média de gotas, variando de 104 a 115 gotas por frasco, enquanto que as associações de BT e LT apresentavam uma média de gotas variando a primeira de 102 a 107 gotas por frasco e a última de 79 a 82 gotas por frasco. A quantidade de gotas é diretamente proporcional ao tempo de duração do tratamento. Quanto maior o número de gotas, maior será a duração do tratamento proporcionado pela medicação. Associado a isso, fatores como o uso de mais de uma gota por instilação diminuem este valor e aumentam o custo, dificultando a aderência ao tratamento. A duração maior do tratamento pode significar um menor custo, e portanto, uma maior fidelidade ao tratamento.6 Para Guedes e cols11 a medicação com maior duração de tratamento também foi o Ganfort® (54,7 dias). Os demais colírios não tiveram diferença significativa: Xalacom® com 48,5 dias e Duo-Travatan® com 48 dias. Olivo e cols9 observaram que o Xalacom® apresentava uma duração máxima de 46 dias, não analisando os demais colírios. Algumas razões podem ser apontadas para o resultado encontrado em nosso estudo. O maior volume da medicação Ganfort® de 0,5 ml a mais no frasco (3 ml versus 2,5 ml) se traduziu em uma maior média de gotas que as demais. Porém a conformação do bico gotejador e o material do frasco proporcionaram ao fármaco Duo-Travatan® resultados semelhantes ao Ganfort® mesmo com menor volume por frasco. A variância encontrada entre nosso estudo e os demais resulta da variabilidade dos frascos de colírio e sua formatação nos diversos lotes de fabricação e nos respectivos países nos quais foram estudados. É pertinente salientar que o tratamento do glaucoma se mostra associado a um elevado custo em relação à renda familiar da população que usufrui o serviço público. Segundo Ramalho e cols12, em sua amostra populacional, 84 % eram aposentados, 74 % recebiam apenas um salário mínimo e 60 % dos pacientes necessitavam compartilhar sua renda com os demais membros de seu domicílio. O custo das novas medicações antiglau- comatosas é apenas um dos múltiplos fatores a se levar em conta quando escolher uma medicação para o paciente. Considerações sobre o custo devem incluir não só o preço real do colírio na farmácia, como também o custo diário, mensal e anual da terapia baseado no conteúdo do frasco. Além disso, as farmácias e a região onde essas estão localizadas são fatores que influenciam no custo final do tratamento. O custo médio da medicação hipotensora ocular variou muito ao longo de trinta anos, estando consideravelmente maior na última década.11 Bergström e cols1 obtiveram resultados diferentes dos encontrados no atual estudo. A associação de BT variou de 25,50 a 33,18 euros. A medicação Xalacom® variou de 28,96 a 34,12 euros e o Duo-Travatan® variou de 25,50 a 31,17 euros, apresentando o menor custo em todos os países. Quanto os custos diário, mensal e anual das medicações, Guedes e cols11 observaram resultados semelhantes aos encontrados no presente estudo. O Ganfort® também foi o colírio com menor custo diário, mensal e anual em relação aos demais, variando de R$ 1,50 / R$ 45,50 / R$ 546,70. A associação fixa de LT apresentou os maiores custos com valores de R$ 2,60 / R$ 77,90 / R$ 935,50, enquanto que a associação TT demonstrou valores de R$ 2,03 / R$ 60,90 / R$ 731,03. Segundo Olivo e cols9, o Xalacom® apresentou valores máximos de R$ 2,20 / R$ 65,70 / R$ 788,40, todos menores que os encontrados em nosso estudo. Em relação ao impacto econômico da medicação, comparando o custo mensal ao salário mínimo vigente em 2010 no Brasil, nota-se que ainda há um elevado custo para grande parte da população. No presente estudo o tratamento com o Ganfort® representou 8,68% quando adquirido na região central e 8,82% na região periférica. Com o Xalacom®, o tratamento variou de 13,33 % no centro e 15,18 % na periferia enquanto que a escolha do Duo-Travatan® variou de 9,81 % a 10,42 % do salário mínimo quando adquirido no centro e na periferia, respectivamente. Olivo e cols9 e Stilliano e cols6 observaram que o colírio Xalacom® também obteve o maior impacto financeiro no salário mínimo, reforçando o resultado encontrado no presente estudo. Guedes e cols 11 dá suporte a idéia que o colírio Ganfort® 63 Gonzalez, F. H. Z. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 57-65, jan./jun. 2011 é a opção mais economicamente viável no Brasil enquanto que Bergström e cols1 demonstram que na Europa é o Duo-Travatan® a melhor opção. Em nosso estudo, o colírio Ganfort® demonstrouse o mais acessível finaceiramente e com maior duração de tratamento. No entanto deve-se levar em consideração que este apresentou a maior gota dentre as medicações analisadas, podendo levar a maiores efeitos colaterais e desperdícios. Conclusão 1. Houve grandes variações entre o número de gotas presentes nos frascos dos colírios analisados (90 a 111 gotas), apresentando o Ganfort® a maior média (107 gotas por frasco) e o Xalacom® a menor média, com 94 gotas por frasco. 2. A medicação com o menor volume da gota foi o Duo-Travatan® (23,55 μl). 3. Tanto o frasco do Ganfort® quanto o do Duo-Travatan® apresentaram duração máxima de 53 dias, enquanto que o Xalacom® apresentou duração de 47 dias. 4. O custo do tratamento no centro é cerca de 5 % menor que na periferia da cidade. 5. O colírio que proporciona menor custo aos pacientes portadores de glaucoma é o Ganfort®, com economia acima de 40 % em relação ao colírio mais caro (Xalacom®). 6. O custo mensal do tratamento pode variar de 8,68 % a 15,18 % do salário mínimo nacional. Referências: 1. Bergström A, Maurel F, Pen CL, Lamure E, Kent M, Bardoulat, et al. Daily costs of prostaglandin analogues as monotherapy or in fixed combinations with timolol, in Denmark, Finland, Germany and Sweden. Clin Ophtalmol 2009;3:471-81. 2. Stilliano IG, Lima MG, Ribeiro MP, Cabral J, Brandt CT. Impacto econômico do custo de colírios no tratamento do glaucoma. Arq Bras Oftalmol 2005;68(1):79-84. 3. Bhosle MJ, Reardon G, Camacho FT, Anderson RT, Balkrishnan Rajest. Medical aderence and health care cost with the indrotuction of latanoprost therapy for glaucoma in a medicare managed care population. Am J Geriatr 64 Pharmacother 2007;5(2):100-11. 4. Vaidergorn PG, Malta RFS, Borges AS, Menezes MDR, Trindade ES, Malta JBNS. Técnica da instalação de colírios em pacientes portadores de glaucoma. Arq Bras Oftalmol 2003;66:865-9. 5. Estacia P, Tognon T. Considerações sobre o ângulo de administração de colírios antiglaucomatosos análogos das prostaglandinas. Arq Bras Oftalmol 2008;71(5):684-8. 6. Stillitano IG, Lima MG, Ribeiro MP, Cabral J, Brandt CT. Impacto econômico do custo de colírios no tratamento do glaucoma. Arq Bras Oftalmol 2005;68(1):79-84. 7. Martínez A, Slof J. Análisis coste – eficácia de lãs combinaciones fijas de prostaglandina/ prostamida para el tratamiento del glaucoma. Arch Soc Esp Oftalmol 2008;83:595-600. 8. Diestelhorst M, Larsson L-I. A 12 week study comparing the fixed combination of latanoprost and timolol with the concomitant use of the individual components in patients with open angle glaucoma and ocular hypertension. Br J Ophthalmol 2004;88:199-203. 9. Avaliação do número de gotas, volume da gota, duração e custo do tratamento do glaucoma com colírios análogos das prostaglandinas em Florianópolis (SC) [monografia na internet]. Olivo NM, Adam NA. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2006 [acesso em 2010 jun 11]. Disponível em: URL: http://www.bibliomed.ccs.ufsc.br/ CC0459.pdf 10.Ventura MP, Saheb NE, Solari HP, Saraiva VS, Vianna RNG, Burnier MNJ. Cost considerations of new fixed combinations for glaucoma medical therapy. J Clin Pharm Ther 2005;30:251-54. 11.Guedes RAP, Guedes VMP, Borges JL, Chaoubah A. Avaliação econômica das associações fixas de prostaglandina/prostamida e timolol Gonzalez, F. H. Z. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 57-65, jan./jun. 2011 no tratamento do glaucoma e da hipertensão ocular. Rev Bras Oftalmol 2010;69(4):236-40. 12.Ramalho CM, Ribeiro LN, Olivieri LS, Silva JA, Vale TC, Duque WP. Perfil socioe- conômico dos portadores de glaucoma no serviço de oftalmologia do hospital universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora – Minas Gerais – Brasil. Arq Bras Oftalmol 2007;70(5):809-13. 65 Freiberger, R. O. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 66-73, jan./jun. 2011 A IMPORTÂNCIA DAS REGIÕES ARGIROFÍLICAS ORGANIZADORAS DE NUCLÉOLO (AgNOR) COMO MARCADORES DE PROLIFERAÇÃO CELULAR [The importance of argyrophilic nucleolar organizer regions (AgNOR) as marker of cell proliferation] Renata de Oliveira Freiberger1; Carla Filippin2 e Cidônia de Lourdes Vituri3 Resumo: Os marcadores de proliferação celular tem sido de grande importância na solução de casos complexos em determinadas neoplasias. No câncer de colo uterino assim como em outros tecidos, o método histoquímico AgNOR é uma técnica de coloração por prata que tem se mostrado importante marcador de proliferação celular, utilizado juntamente com as técnicas citológicas convencionais, nos casos inconclusivos. O objetivo deste trabalho é realizar uma revisão da aplicabilidade da técnica de AgNOR, método que foi sendo melhorado com o passar dos anos e com a informatização foi possível a análise morfométrica, garantindo uma melhor confiabilidade para esta metodologia. Este método possibilita, ainda, diminuir as diferenças entre os observadores dos convencionais. Palavras-chave: AgNOR, proliferação celular, câncer. Abstract: The cell proliferation markers have been of great importance in solving complex cases in several malignancies. In cervical cancer as well as in other tissues, the AgNOR method is a histochemical staining technique for silver has been important marker of cell proliferation when used in conjunction with conventional cytological techniques in inconclusive cases. The aim of this paper is to review the applicability of the technique of AgNOR. The AgNOR method has been improved over the years and the computerization morphometric analysis was possible, ensuring a better reliability for this approach. This method allows to reduce differences among the observers from conventional methods. Keywords: AgNOR, proliferation cell, cancer. Introdução As regiões organizadoras de nucléolo (NORs) foram primeiramente descritas por Heitz (1931) e por Mcclintock (1934) como regiões da cromatina fracamente coradas, nas quais, no final da telófase, o nucléolo é formado após desaparecer durante a fase mitótica da célula1. Em 1986, PLOTON e colaboradores, descreveram a técnica para demonstração das NORs que foi aplicada em cortes histológicos2. Estas regiões são fitas de DNA presentes no núcleo das células, que possuem genes de RNA ribossômico e que correspondem às constrições secundárias dos cromossomos de células eucarióticas localizadas nos braços curtos dos cromossomos 13, 14, 15, 21 e 22. As NORs são envolvidas por Aluna do curso de especialização em citologia cérvico-vaginal e citologia de líquidos corporais. Mestre em análises clínicas pelo programa de Pós-graduação em Farmácia da Universidade Federal de Santa Catarina. 3 Professora da Universidade Federal de Santa Catarina – ACL-CCS. Departamento de Análises Clínicas. UFSC. E-mail: [email protected] 1 2 66 Freiberger, R. O. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 66-73, jan./jun. 2011 proteínas nucleares, não histonas, que tem afinidade pela prata4,5.Com um microscópio óptico é possível visualizar forma, tamanho e quantificar estas regiões pelo método de coloração por prata coloidal conhecido como AgNOR. Essas regiões se caracterizam por estruturas intracelulares arredondadas de cor escura. Esta técnica histoquímica mede a síntese proteica, ou seja, a taxa de transcrição celular, o que reflete diretamente na intensidade da cor dos pontos escuros6,7,1. Na Figura 1 é possível visualizar os diferentes exemplos de AgNOR nas células epiteliais do cérvix uterino. É visível o aumento do número dos pontos escuros localizados dentro do núcleo das células de acordo com a gravidade da lesão. As proteínas que envolvem as NORs são marcadores de atividade de genes ribossomais, responsáveis pela síntese de proteínas. A quantidade de depósitos de prata dentro da célula é diretamente proporcional a quantidade de NORs envolvidos na sua capacidade de proliferação8. Desde fins da década de 80, pesquisadores demonstraram que a técnica de AgNOR pode ser utilizada na tentativa de diferenciar maligno de benigno pela alteração dos pontos NORs afetados pela proliferação celular, atividade de transcrição aumentada, ploidia, pelos defeitos na associação nucleolar e amplificação do gene9. Segundo CROCKER (1987) existem três tipos de configurações para o AgNOr em células normais e neoplásicas: o primeiro comum em linfócitos e em células que não estão proliferando, cujos NORs são totalmente agregados de forma arredondada correspondente ao nucléolo; o segundo é muito frequente em células que estão proliferando, cujos NORs são vistos no interior do nucléolo. O terceiro tipo ocorre em células malignas, onde se observam pequenos e numerosos NORs dispersos por todo o núcleo10. Em 1900, DERENZINI e colaboradores, encontraram correlação positiva entre a atividade de duplicação do DNA e a quantidade de NORs das células. Quanto mais rápido o crescimento celular, maior a quantidade de NORs11. A capacidade de proliferação das células tumorais mostra-se um grande objeto de interesse na pesquisa com cânceres, especialmente quando considerada a relação entre atividade proliferativa e curso clínico12. Alguns trabalhos correlacionam a análise quantitativa das NORs com a atividade celular, considerando-a como um bom marcador da proliferação celular, sendo utilizada na identificação dos processos malignos e na avaliação do prognóstico das várias patologias13-17,11. Estudos mais antigos utilizavam a contagem dos números de pontos de prata intranuclear, empregando um microscópio óptico. Após a contagem de 100 células, um número médio de AgNOR por célula poderia ser calculado. Na maioria dos estudos este método é ainda usado, e AgNOR é expresso como número médio dos pontos de AgNORs por célula ou por núcleo. Sendo as contagens da média de AgNOR mais elevadas em tecidos de rápida proliferação. A técnica de coloração por prata consiste primeiramente na preparação de uma solução aquosa de gelatina (solução coloidal) com a dissolução de 0,5g de gelatina e 25ml de água deionizada, em meio aquecido. Após o resfriamento acrescenta-se 0,25ml de ácido fórmico a 1% em água deionizada (solução reveladora). A solução de nitrato de prata é preparada dissolvendo-se 1g de cristais de nitrato de prata em 2ml de água. Esta solução é filtrada e acondicionada em frasco protegido da luz. Utiliza-se a proporção de 1:2 das soluções, respectivamente, no momento da coloração. As lâminas coradas são colocadas em banho-maria até a obtenção da coloração marrom-café na superfície do esfregaço3,4. A facilidade desta metodologia e seu baixo custo são as maiores vantagens descritas, porém, é normal que aconteça uma agregação de pontos corados pela prata, dificultando a contagem separada destes pontos; neste caso, os pontos unidos devem ser considerados como um único AgNOR18. As variações intra e interobservador também podem ser consideradas como uma limita67 Freiberger, R. O. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 66-73, jan./jun. 2011 ção, prejudicando a confiabilidade deste método. Estudos mostraram que utilizando um programa computadorizado é possível determinar o número e a área dos pontos de NORs, em imagens digitais, estabelecendo o número e a área ocupada em cada núcleo celular analisado. Tal reconhecimento é feito baseado na detecção das bordas, possíveis somente através de contraste de cores entre os elementos a serem reconhecidos. Estes dados demonstram uma correlação positiva para o grau de agressividade das lesões. A utilização desse tipo de metodologia trás facilidades na contagem dos pontos de NORs e na medição da área desses pontos em relação à área total do núcleo, deste modo a determinação da atividade celular é muito mais precisa19-23. Desta maneira definiu-se como objetivo deste trabalho a realização de uma revisão sobre a aplicabilidade da Técnica de AgNOR, aliada a recursos de imagens, como método coadjuvante às técnicas citológicas convencionais em diversos tecidos, em pesquisa básica e rotina clínica. Aplicabilidade As células cancerosas têm uma maior quantidade de interfases do que as células benignas ou as normais. Consequentemente, as lesões malignas podem ser distinguidas das benignas, no mesmo tecido, pela avaliação quantitativa de marcadores de proliferação celular1,24. O método histoquímico AgNOR é um dos marcadores biológicos e proliferação celular usados para avaliar com mais profundidade a atividade proliferativa das neoplasias. Este método é responsável por trazer novas perspectivas na avaliação prognóstica do curso dessas doenças19,25. Alguns estudos compararam a quantidade de NORs encontrada no núcleo das células componentes do tecido mamário normal de cadelas ovário-histerectomizadas, com o número de NORs presentes nas células dos tumores benignos e malignos ocorridos nesta glândula usando o método de coloração argirofílica (AgNOR) e, concluíram, que a análise da morfologia das Ag68 NORs é uma ferramenta útil na determinação do prognóstico de alterações neoplásicas da glândula mamária canina12. Outros autores que tinham como objetivo investigar a correlação entre o número de AgNORs por núcleo e o prognóstico em sarcomas sinoviais, não observaram correlação entre as variáveis estudadas, mostrando que o número de casos investigados e sua homogeneidade morfológica não permitem conclusões acerca do valor prognóstico das AgNORs nos sarcomas sinoviais. Porém, concluíram que o método se mostrou barato, rápido e de aplicação simples para todo e qualquer serviço de patologia cirúrgica, podendo tornar-se útil para avaliação da proliferação celular na rotina diagnóstica. Neste estudo, por sua vez, não foi feita uma análise morfométrica computadorizada como no outro estudo citado acima. A análise quantitativa das AgNORs foi realizada somente por microscopia óptica26. Na tentativa de identificar e caracterizar os diferentes tipos de câncer de bexiga, um estudo avaliou a proliferação celular como um importante adjunto para a classificação histológica desses tumores. Nesse estudo a técnica AgNOR foi usada por ser o parâmetro mais direto de proliferação celular, porém, os pesquisadores concordam que no câncer de bexiga a correlação entre a quantidade de AgNOR (área ou número) com o comportamento do tumor ainda é controversa. O estudo usou como parâmetros a comparação entre o número total de AgNOR (número/núcleos) e a área total de AgNOR (área/núcleo) para cada célula no carcinoma de células transicionais, usando medidas bidimensionais. Os autores não encontram correlação significativa entre o número e área de AgNOR por núcleo quanto ao prognóstico dos pacientes individualmente; no entanto, encontraram diferenças significativas entre os grupos de alto e baixo grau, sugerindo que indiretamente indica evidências para menor ou maior sobrevida após procedimento cirúrgico de acordo com os resultados do AgNOR21. Estudos epidemiológicos vêm mostrando Freiberger, R. O. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 66-73, jan./jun. 2011 grande correlação entre fumo e álcool e o crescimento do carcinoma oral. Marcadores que caracterizam atividade celular antes do aparecimento das lesões pré-malignas são de grande interesse clínico. Recentemente, Lópes-Blanck e colaboradores (2009) demonstraram que o tamanho e forma de AgNoR em material de biópsia de lesões oral, em fumantes, é de extrema relevância clínica no diagnóstico precoce e na prevenção deste tipo de neoplasia, pois sinaliza o aparecimento de alterações morfológicas pré-malignas20. A técnica de AgNOR pode ser utilizada também em avaliações de processos benignos. A quantificação da expressão da atividade celular em fibroblastos foi realizada utilizando a técnica AgNOR, mostrando que este marcador pode ser importante na avaliação proliferativa de outros tecidos. Em modelo de indução experimental de tendinose de Aquiles, a quantificação dos pontos de AgNOR foi feita a partir de imagens digitalizadas obtidas de amostras dos campos histológicos em microscópio de luz objetiva de 40x. Para o índice de ativação celular (IAC) realizou-se a média aritmética das AgNORs de 100 fibroblastos de campos selecionados aleatoriamente, demonstrando que houve um aumento significativo no grupo experimental27. Um estudo envolvendo os oncogenes Haras presentes nas células epiteliais da mama foi desenvolvido avaliando a atividade proliferativa das células com o auxílio da técnica AgNOR. Este sugere que pode haver uma relação entre a diminuição da expressão da proteína supressora de tumor p53 e o aumento dos pontos de NORs28. Muitos trabalhos avaliam a relação entre AgNOR e o antígeno de proliferação celular (PCNA) em tumores benignos de forma independente ou de forma simultânea, com a técnica de dupla marcação. Essa técnica pode apresentar maior vantagem, pois possibilita a análise direta entre os marcadores devido à colocalização dos mesmos, afastando assim, o problema da heterogeneidade das neoplasias. Porém, até o momento apenas foram realizados alguns estudos em tumo- res de glândula salivar, o que deixa uma dúvida sobre o real papel dos NORs nestas lesões, podendo esta técnica ser influenciada pelo processamento e pela fixação tecidual29. O método de coloração AgNOR está sendo aplicado também na neuropatologia. Recentemente vem sendo usado na investigação de casos de depressão e também é usada na prática forense. Gos e colaboradores (2009), em estudo histopatológico pós-morte de 19 cérebros de pacientes depressivos, observaram que a maioria dos neurônios continham um AgNOR, e raramente dois ou mais, os quais apresentaram uma diminuição significativa da área de AgNOR em relação ao grupo controle. Sendo comprovada uma correlação entre o tamanho do núcleo e nucléolo (representada pela área de AgNOR) e a atividade neuronal18. Segundo os autores, as mudanças no tamanho e número de AgNORs em células não proliferativas, como os neurônios, se deve a uma manifestação na síntese de atividade de uma proteína celular quando a síntese protéica é aumentada a longo prazo30. Nas lesões do cérvix uterino, a utilização do método de AgNOR, tem-se mostrado promissora. Algumas dificuldades na detecção de câncer de colo de útero são relatadas apesar dos procedimentos padrão para esse diagnóstico serem feitos com efetividade. Nesses casos, o emprego de outras técnicas auxiliares se faz necessários31. O câncer de colo de útero é um dos raros exemplos de neoplasia que se pode prevenir. Desde a criação da citologia pelo Dr. Georges Papanicolau, diversos programas de triagem populacional e tratamento das lesões precursoras do câncer de colo de útero reduziram drasticamente a incidência desta doença na população. Esta doença difere de outros tipos de neoplasia por ser um tumor de longa evolução, podendo ser detectado precocemente, antes mesmo de apresentar as características de uma neoplasia invasiva31 . Tendo em vista que a contagem de AgNORs reflete na intensidade da proliferação celular, este método pode ser usado também para, diferenciar, em baixo e alto grau, as displasias 69 Freiberger, R. O. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 66-73, jan./jun. 2011 do cérvix uterino, bem como as lesões com alto ou baixo potencial de transformação maligna em casos de difícil diagnóstico ou inconclusivos24. Estudos mostram que o número de AgNOR varia consideravelmente nos diferentes níveis de lesão. Sakai e colaboradores (2001) observaram alterações quantitativas de AgNORs em material de biópsia cervical com câncer. Já Filippin e colaboradores (2009) observaram alterações no número e área de AgNOR em esfregaço de raspado cervical. O mais relevante foi que os esfregaços foram coletados nas mesmas condições daqueles utilizados para exame de Papanicolau. Os pontos de AgNOR estão em maior quantidade nos casos de lesão de alto grau quando comparados com pacientes normais. Nos casos de displasias que progrediram, estes pontos também estão em maior número quando comparados com os casos em que estas regrediram32,19. Conclusões A técnica histopatológica AgNOR é um marcador que pode ser usado na avaliação de lesões celulares inconclusivas e também na diferenciação de lesões de baixo e alto grau. Com o advento da tecnologia foi possível fazer melhoramentos na técnica de coloração por prata primeiramente descrita por Goodpasture (1975) e modificado por Ploton e colaboradores (1986). O método morfométrico distingue do simples método de contagem por ter maior precisão e objetividade, sendo inerente às variações intra e interobservadores33,2. Contudo, desde 1987, data da primeira publicação considerando a aplicação de método AgNOR na cito-histopatologia, poucos trabalhos publicados tiveram como foco do estudo a citologia por imagem, sendo que o restante ainda insistem em focar na simples análise quantitativa dos NORs, mesmo sendo uma técnica menos precisa. 70 Um fator limitante pode estar no método de medição de AgNOR ou na avaliação dos dados que são obtidos através da contagem ou da área de medição. Para um melhor conhecimento dos processos envolvidos na carcinogênese, é fundamental o entendimento da cinética tecidual, ou seja, o conhecimento das proteínas regulatórias do ciclo celular envolvidas tanto na proliferação celular quanto na apoptose, e as NORs são a chave para o esclarecimento desses processos34. O método morfométrico é mais rápido, preciso e objetivo, com a única limitação de necessitar de instrumentos para a aquisição e avaliação das imagens. Este método é vantajoso também, pois praticamente anula as variações decorrentes da fixação e coloração pela prata, que possivelmente poderiam ocorrer7. Quanto aos exames preventivos do câncer do colo uterino, as alterações celulares podem ser identificadas em esfregaços citológicos permitindo selecionar mulheres que possam ser tratadas em uma fase inicial, antes que sinais ou sintomas venham a ocorrer35. Os testes citopatológicos de Papanicolau apesar de ser uma técnica confiável, apresentam baixa reprodutibilidade porque em alguns casos pode haver divergências na avaliação da atipia celular23. O padrão ouro para a identificação e seguimento das lesões celulares observadas pela citologia ainda é a histologia, porém esta técnica é muito invasiva. Portanto, a técnica de AgNOR é eficiente e apresenta resultados que propiciam uma melhor análise do material cervical uterino e pode ser empregada com maior ênfase naqueles casos onde os demais exames possam gerar dúvidas. A informatização da técnica AgNOR proporciona uma maior sensibilidade, podendo ser vista como uma ferramenta valiosa no diagnóstico de lesões não só de material do cérvix uterino, como também de material oriundo de outros órgãos. Freiberger, R. O. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 66-73, jan./jun. 2011 Inflamatório Lesão de Baixo Grau Lesão de Alto Grau Carcinoma Figura 1: Amostras citológicas de epitélio cervical uterino corado pela prata. O número de pontos AgNOR corados em marrom-café em número crescente conforme a gravidade da lesão, aumento de 1.000x em todas as fotos (Fotos dos autores). Observar também que as diferenças no tamanho dos pontos de AgNORs demonstram as variações nos diferentes graus de lesão. Referências 1. Derenzini M. The 2000;31:117-20. AgNORs. Micron 2. Ploton D, Menager M, Jeannesson P, Himber G, Pigeon F, Adnet JJ. Improvement in the staining and the visualization of the argyrophilic proteins of the nucleolar organizer gerions at the optical level. Histochem J 1986; 8:5-14. 3. Hoewll WM. Visualization of ribossomal gene activity: Silver stains proteins with RNA-r transcribed from oocyte chromosomes. Chor- mossoma 1982;62:361-67. 4. Egan M, Freeth M, Crocker J. Relationship between intraepithelial neoplasia of cervical and size and number of nucleolar organizer regions. Gynecol Oncol 1990;36:30-33. 5. Calore EE, Maeda MYS, Cavaliere MJ, Pereira SMM, Shih LW, Pereira GMC, et al. Study of organizer nucleolar regions by argyrophil technique in cervical intraepithelial neoplasias. Minerva Ginecol 1997;49:59-62. 6. Vidal BC, Planding W, Mello ML, Schenck 71 Freiberger, R. O. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 66-73, jan./jun. 2011 U. Quantitative evaluation of AgNOR in liver cells by high-resolution image cytometry. Anal Cell Pathol 1994;27:41-7(1). 7. Trerè D. Micron 2000; 127:31-31. 8. Kummoona R, Jabbar A, Al-Rahal DK. Proliferative activity in oral carcinomas studied with Ag-NOR and electron microscopy. Ultrastructural Pathol 2008;32:139-46. 9. Yang AH, Wang TY, Liu HC. Comparative study of prognostic value of nucleolar grade and silver-binding nucleolar organizer regions in renal cell carcinomas. J Pathol 1992; 166:157-61. 10.Crocker J, Skilbeck N. Nucleolar organizer regions associated proteins in cutaneous melanotic lesions: a quantitative study. J Pathol 1987;40:885-89. 11.Derezini M, Passion A, Treré D. Quantity of nucleolar silver-stained proteins is related to proliferating activity in cancer cells. Lab Invest 1990;63:137-40. 12.Vaz-Curado AP, Guerra JL, Dias RA. Estudo quantitativo e morfológico das regiões organizadoras de nucléolo coradas pela prata (AgNORs) em neoplasias benignas e malignas da glândula mamária da espécie canina. Braz J Vet Res Anim Sci 2008,45:206-10. 13.Suresh NC. Do Agnor counts reflect cellular ploidy or cellular ploriferation? A study of tromphoblastic tissue. 1989. 14.Shiro T. A correlation of argyrophilic nucleolar organizer regions regions with stage of hepthatocellular carcinoma. Cancer 1993;171:449. 15.Thiele J, Fisher R. Bone marrow tissue and proliferation markers: result and general pro72 blems. Virchows Arch A Pathol Ant Histopathol 1993;423:409-19. 16.Kashyap S. Nucleolar organizer regions and morphologic subtypes of aquamous cell carcinoma of cervix. Indian J Pathol Microbiol 1998;41:303-08. 17.Kruger S. Cell cycle-dependent AgNOR analysis in invasive breast cancer. Anal Quant Cytol Histol 2000;22:358-63. 18.Crocker J, Egan MJ. Correlation between NOR sizes and numbers in on Hodgkins lymphomas. J Pathol 1988;156:23-9. 19.Filippin C, Chirstofoletti LD, Chirstofoletti TV, Vituri CL. Morfometria e quantificação de estruturas nucleares por meio de análise computadorizada de imagens para diagnóstico de malignidade. RBAC 2009;41(1):3-8. 20.López-Blanc SA, Collet AM, Gandolfo MS, Femopase F, Hernández SL, Tomasi VH, et al. Nucleolar organizer regions (AgNOR) and subepithelial vascularization as field cancerization markers in oral mucosa biopsies of alcoholic and smoking patients. Oral Surgery Oral Medicne Oral Pathol Oral Radiol Endodontol 2009;118(5):747-53. 21.Cucer N, Imamoglu N, Tozak H, Demirtas FS, Sacar F, Tatlisen A, et al. Two-dimensional agnor evaluation as a prognostic variable in urinary bladder carcinoma: A different approach via total agnor area/nucleus area per cell. Micron 2007;38:674–79. 22.Minamoto H, Antonângelo L, Silva AGP, Gallo CP, Andrade e Silva FB, Fenezelian S, et al. Tumour cell and stromal features in matastatic and non-metastatic non-small cell lung carcinomas. Histopathology 2003;43:427-43. Freiberger, R. O. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 66-73, jan./jun. 2011 23.Filippin C, Chistofoletti LD, Riberio MCM, Vituri CL. Determinação do número de regiões organizadoras de nucléolo (AgNOR) em lesões do epitélio cervical uterino. RBAC 2006; 38(3):133-39. 24.Singh M, Prasad S, Karla N, Singh U, Shukla Y. Silver-Stained Nucleolar Organizer Regions in Normal and Dysplastic Cervical Lesions: Correlation with DNA Ploidy and S-Phase Fraction by Flow Cytometry. Oncology 2006; 71:411-16. 25.Vajdovich P, Psáder R, Tóth A, Perge E. Use of argyrophilic nucleolar region method for cytologic and histologic examination of lymph nodes in dogs. Vet Pathol 2004; 41:338-45. 26.Lima FO, Catarino FM, Oshima CTF, Figueiredo MTA. Regiões organizadoras nucleolares argirofílicas no sarcoma sinovial. J Bras Patol Med Lab 2005; 41(5):347-52. 27.Silva RD. Modelo experimental de indução à tendinose de Aquiles: Um estudo morfométrico. Belo Horizonte (MG): Universidade Federal de Minas Gerais; 2008. 28.Mello MLS, Vidal BC, Russo J, Planding W, Schenck U. Image analysis of the AgNOR response in ras-transformed human breast epithelial cells. Acta histochem 2008;110:210-16. 29.Rivero ERC, Aguiar MCF. Análise quantitativa das AgNORs no carcinoma adenoide cístico intraoral através da técnica de dupla mar- cação PCNA/AgNOR. J Bras Patol Med Lab 2002;38:39-44. 30.Gos T, Krell D, Bielau H, Steiner J, Trübner K, Brisch R, et al. Demonstration of disturbed activity of external globus pallidus projecting neurons in depressed patients by the AgNOR staining method. J Affect Disord 2009;119:149–55. 31.Carneiro SS, Moreira MAR, Netto JCA. HPV e câncer do colo uterino. Rev Patol Trop 2004;33:01-20. 32.Sakai YI, Sakai AT, Isotani S, Cavalieri MJ, De Almeida L V, Calore EE. Morphometric evaluation of nucleolar organizer regions in cervical intraepithelial neoplasia. Pathol Res Pract 2001;197:189-92. 33.Goodpasture C, Bloom SE. Visualization of nucleolar organizer regions in mammalian chromosomes using silver staining. Chromosoma 1975;20:37-50. 34.Yamamoto LSU, Maeda MYS, Pittoli JE, Mello ES, Leandro LO, Wakamatsu A, et al. Cinética celular em lesões pré-invasivas e invasivas do epitélio escamoso cervical: estudo morfológico e imunoistoquímico. Rev Inst Adolfo Lutz 2002;61(2):97-101. 35.Koss LG. The papanicolau test for cervical cancer detection. A triumh and a tragedy. Jama 1989;261:737-43. 73 Boit, M. P. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 74-80, jan./jun. 2011 PLEURITES: REVISÃO E DIAGNÓSTICO LABORATORIAL. [Pleuritis: Revision and Laboratorial Diagnosis]. Michele Peplau de Boit1, Luana Coelho de Luca2, Tânia Silvia Frode3 Resumo: Pleurite ou pleurisia é o termo que se refere à alteração inflamatória das pleuras (parietal e/ou visceral), que na maioria dos casos é acompanhada de processo exsudativo dentro da cavidade pleural (derrame pleural). A condição de pleurisia modifica geralmente o aspecto da pleura, tornando-a mais espessa. Busca-se, através desta revisão, abordar os aspectos relacionados às pleurites, verificando a classificação, etiologia, manifestações clínicas, diagnóstico clínico e laboratorial ressaltando a importância do diagnóstico precoce destas comorbidades pleurais a fim de evitar complicações e, mesmo a cronificação, tais como derrame pleural parapneumônico e empiema. Então, o diagnóstico definitivo, através dos resultados laboratoriais obtidos pela análise citológica adequada é fundamental para o sucesso no tratamento destas afecções pleurais. Palavras-chave: Pleurites, pleurisias, pulmão, pleura, inflamação. Abstract: Pleuritis or pleurisy is the term that refers to the inflammatory change of the pleura (parietal and / or visceral), which in most cases this process is accompanied by exudative in the pleural cavity (pleural effusion). The condition of pleurisy usually alters the appearance of the pleura, becoming it thicker. The objective through this review is to approach the aspects related to pleuritis, verifying its classification, etiology, clinical manifestations, clinical and laboratory diagnosis, emphasizing the importance of early diagnosis of this comorbidity in order to avoid complications and even to become chronic, such as parapneumonic effusion and empyema. Thus, the definitive the diagnosis through laboratory results obtained by a cytological proper analysis, it is crucial to success in treatment of pleural diseases. Keywords: Pleuritis, pleurisy, lung, pleura, inflammation. Introdução Denomina-se pleurisia ou pleurite a inflamação das pleuras pulmonares (parietal e visceral), que pode ser seca ou acompanhada de exsudação de líquido dentro da cavidade pleural (derrame pleural). A pleurite modifica o aspecto da pleura tornando-a mais rugosa e espessa1. A pleurite geralmente resulta em dor pleurítica característica e tem uma variedade de causas possíveis, tendo a pleurisia viral entre a mais comum2. Pichai e colaboradores (2010) concluíram que uma variedade de agentes infecciosos combinados com fatores ambientais devem ser considerados como uma causa de pleurite. Aluna do Curso de especialização em Citologia Cercovaginal e Citologia de Líquidos Corporais do Departamento de Análises Clínicas, CCS, UFSC. E-mail: [email protected] 2 Aluna do Curso de especialização em Citologia Cercovaginal e Citologia de Líquidos Corporais do Departamento de Análises Clínicas, CCS, UFSC. E-mail: [email protected] 3 Prof. (a) Dr. (a) do Departamento de Análises Clínicas da Universidade Federal de Santa CatarinaACL-UFSC. E-mail: [email protected] 1 74 Boit, M. P. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 74-80, jan./jun. 2011 As condições clinicamente significativas que podem causar a dor pleurítica incluem a pericardite, pneumonia, infarto do miocárdio e o pneumotórax3. Na medicina humana aproximadamente 40% das pneumonias bacterianas têm dor pleurítica e pleurite associada4. Quando estas outras causas de dor forem excluídas, o diagnóstico de pleurisia pode ser feito3. O progresso patológico começa geralmente com um processo pneumônico que se estende à pleura visceral, seguida por uma liberação local dos mediadores inflamatórios que aumentam a permeabilidade vascular. Este processo inclui o estravasamento da fibrina e o deslocamento bacteriano. Os tecidos mesoteliais pleurais são envolvidos em respostas imunes inatas e adquiridas4. Esta é a fase exsudativa, em que o derrame parapneumônico é não complicado ou livre na cavidade e ocorre entre as primeiras 24-72 h. As características bioquímicas deste líquido demonstram concentrações normais de leucócitos, bem como o pH. Além disso, as concentrações de glicose podem estar normais ou baixas5. Após este período, se não houver resposta adequada ao tratamento, haverá um acúmulo de leucócitos polimorfonucleares, invasão bacteriana e deposição de fibrina, que pode levar à formação de loculações (derrame pleural complicado), ou líquido pleural purulento4. Nesta etapa, as características bioquímicas do líquido mostram diminuição do pH e da glicose e aumento da desidrogenase láctica. Esta fase pode durar de 7 a 10 dias6. Após duas a quatro semanas do início do empiema pleural, ocorre o crescimento de fibroblastos nas superfícies das pleuras parietal e visceral, formando uma membrana que encarcera o pulmão, criando uma cavidade pleural fixa propensa a manter a pleurite5. Neste estudo o enfoque é fazer uma revisão resumida sobre a fisiopatologia, etiologia, manifestações clínicas, diagnóstico laboratorial e tratamento das pleurites. Tipos de pleurites Segundo a evolução clínica e o agente etiológico, as pleurites são classificadas em serosa, fibrinosa, serofibrinosa, supurada (empiena) e hemorrágica. As pleurites serosas, serofibrinosas e fïbrinosas são causadas essencialmente pelos mesmos processos, nos quais predomina a exsudação de líquido amarelo-citrino, com composição semelhante a do soro. A importância do componente fibrinoso varia conforme o período evolutivo e a gravidade da inflamação7. Já na pleurite supurada (empiema), o exsudato pleural, nitidamente purulento, sugere que no espaço pleural ocorre o crescimento de bactérias e/ou fungos. O empiema, por sua vez, caracteriza-se pelo aspecto semelhante ao pus cremoso, de coloração amarelo-esverdeada, que se acumula em nível local7. Aderências inflamatórias recentes ou antigas, algumas vezes trabeculadas em bolsas ou lóculos, podem ser a apresentação do empiema, unilateral ou bilateral. Geralmente, a contaminação depende da propagação de micro-organismos a partir de um foco intrapulmonar supurado; porém, em outras situações, resulta da disseminação linfática ou sanguínea de uma infecção à distância5. Entretanto, a detecção de micro-organismos nos cortes histológicos do exsudato pode ser difícil em amostras com grande quantidade de pus, leucócitos e fibrina7. Em relação à pleurite hemorrágica, o exsudato inflamatório hemático verdadeiro deve ser diferenciado da contaminação sanguínea ou traumática do exsudato sérico ou serofibrinoso, pois a causa mais frequente é hemorragia durante o processo de punção8. Etiologia As formas mais comuns de pleurites são as doenças inflamatórias intrapulmonares como tuberculose, pneumonia, embolia pulmonar, infarto do miocárdio, abscesso, bronquiectasia e infecções de outras origens (por vírus ou fungos)5. 75 Boit, M. P. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 74-80, jan./jun. 2011 As seguintes doenças também podem causar pleurite serosa ou serofibrinosa: febre reumática, lúpus eritematoso disseminado, uremia, infecções generalizadas difusas por bactérias ou fungos, como febre tifoide, tularemia, ornitose, blastomicose, coccidiomicose, além de neoplasmas pulmonares, metástases pleurais (implantes de tumores na pleura, mas que tiveram origem em outro local do corpo – câncer de mama, câncer de próstata ou câncer de ovário, por exemplo), traumatismo torácico5. O início dos sintomas é usado para reconhecer a etiologia da pleurite. Se o começo dos sintomas for de minutos a horas, pode-se supor infarto do miocárdio, embolia pulmonar, pneumotórax espontâneo e trauma. Se for subaguda (ou seja, horas ou dias) a causa subjacente pode ser uma infecção ou processo inflamatório. Sintomas crônicos (ou seja, com início dos sintomas há dias ou semanas) podem ter como etiologia malignidade, artrite reumatoide e tuberculose. Já os sintomas recorrentes estão associados com febre familiar do mediterrâneo3. Manifestações clínicas O principal sintoma é dor no local da inflamação. É descrita, muitas vezes, como dor “em pontada”, em que o paciente passa a respirar superficialmente (respiração curta). Se este encurtamento da respiração durar muitos dias, algumas áreas dos pulmões poderão entrar em colapso, ao que se chama de atelectasia. Em alguns casos a dor é referida no ombro, do mesmo lado onde há o derrame pleural9. A dor aumenta com a respiração profunda, tosse e movimentos torácicos. Isso porque, as superfícies pleurais, que normalmente são lisas e agora estão ásperas em decorrência da inflamação, se esfregam durante a respiração e podem produzir um som áspero e estridente, chamado de “fricção por atrito”, que pode ser ouvido com um estetoscópio ou colocando-se o ouvido junto ao tórax3. Pode haver acúmulo de líquido no local 76 da inflamação pleural. O acúmulo localizado de líquidos separa a pleura pulmonar da pleura da parede do tórax, fazendo com que a dor torácica desapareça, mesmo que a doença piore. Grandes acúmulos de líquido comprometem a respiração e podem causar tosse, falta de ar com respiração rápida (taquipneia), cianose e retrações1. Diagnóstico clínico Inicialmente, o exame físico pode revelar informações importantes, como a presença de traumas, sugerido por hematomas no local. Já a palpação, percussão e ausculta também fornecem informações úteis sobre os tipos de pleurites. Pode-se perceber, por exemplo, a redução da mobilidade hemotorácica, e até a ausência ou diminuição do frêmito tóraco-vocal8. O diagnóstico de pleurite é confirmado quando os dados do exame físico forem confirmados, juntamente com uma radiografia convencional do tórax sugestiva. Esta, quando positiva para pleurisia, demonstra o derrame pleural, que é característico nas inflamações que acometem a pleura, isto é, líquido que fica entre a pleura parietal e visceral, resultado na grande maioria das vezes de processo inflamatório da pleura10. A gravidade da atelectasia pulmonar (redução volumétrica do pulmão por compressão decorrente das complicações, como o derrame pleural), pode ser sugerida pela radiografia. Entretanto, pequenos derrames pleurais menores que 50 ml podem não ser diagnosticados por esta técnica, sendo melhor caracterizados pela ultrassonografia ou mesmo pela tomografia computadorizada, sendo considerada, esta última, como padrão-ouro das alterações do tórax8. Diagnóstico laboratorial Como a pleurite pode ser uma queixa de apresentação para a pneumonia, embolia pulmonar ou pneumotórax, todos os pacientes que apresentem dor pleurítica devem fazer a radiografia de tórax. Além disso, a pleurite, muitas vezes está associada a derrame pleural, que pode ser identifi- Boit, M. P. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 74-80, jan./jun. 2011 cado na radiografia de tórax3. O líquido pleural pode ser examinado em busca de pistas etiológicas adicionais14. A avaliação de eletrocardiograma (ECG) é recomendada se há suspeita clínica de infarto do miocárdio, embolia pulmonar ou pericardite11. Quando a etiologia de pleurite é outra que não viral, outros testes de diagnóstico podem ser indicados12. A toracocentese diagnóstica é um procedimento de baixo risco que deve ser realizado precocemente nos casos de pleurites, para a identificação do agente etiológico antes do uso de antibióticos e para decidir se há necessidade de drenagem precoce6. A toracocentese é uma técnica considerada pouco invasiva, que apresenta baixa morbidade, baixo custo e que fornece grande eficiência diagnóstica12. Contudo, para acessar a cavidade pleural com segurança, é necessário que haja uma quantidade mínima de líquido no espaço pleural, devendo ser analisada por uma radiografia com o paciente em decúbito lateral, assim como também pode ser utilizado a ultrassonografia para melhorar a acurácia do procedimento12. Os critérios clínicos para a realização da toracocentese diagnóstica são a persistência da febre sob antibioticoterapia adequada, o recrudescimento do quadro infeccioso após uma melhora inicial, leucocitose persistente e dor pleural contínua6. O líquido drenado é enviado para análise laboratorial para: 1. Observação do volume e aspecto (coloração e espessura); 2. Leucograma (total e frações); 3. Bioquímico (pH, glicose, desidrogenase láctica, proteínas totais e adenosina deaminase); 4. Microbiológico (cultura, bacilo álcool-ácido resistente, bacterioscopia). Uma amostra de tecido pleural pode ser retirada para análise anátomo-patológica, desde que haja indicação de acordo com a suspeita diagnóstica13. A análise do líquido pleural se inicia pelo aspecto da amostra, que permite estimar uma provável etiologia. O líquido pode se apresentar límpido, hemorrágico ou turvo, com colorações variando de amarelo claro, xantocrômico, esbranquiçado, achocolatado ou branco leitoso. O odor do liquido pleural também pode ser de utilidade na identificação da etiologia. Se o líquido pleural tiver odor fétido, é provável que o paciente tenha uma infecção pleural por anaeróbio14. Os parâmetros laboratoriais a serem avaliados no líquido pleural são: pH, bioquímica (destacando-se a dosagem de proteínas/albumina, desidrogenase láctica e glicose), citologia diferencial e oncótica e microbiologia1. A dosagem de amilase pode identificar uma pancreatite silenciosa e as outras dosagens servem como padrão para indicação ou não de drenagem precoce, a qual deve ser realizada quando o pH for inferior a 7, a glicose for menor que 40 mg / dl e a desidrogenase láctica for superior a 100 UI / l e quando houver septações múltiplas6. Na realização da contagem global de células, deve-se utilizar a amostra de líquido pleural fresca, não centrifugada e devidamente homogeneizada15, enquanto que para a contagem diferencial de leucócitos, deve-se utilizar o sedimento obtido por centrifugação em baixa rotação seguido de ressuspensão em solução salina. Este procedimento melhora sensivelmente a aderência das células na lâmina e a qualidade da preparação. Uma alíquota do líquido pleural deve ser identificada e armazenada em geladeira durante 30 dias para eventual realização de outras dosagens16. A contagem global de células é uma etapa muito importante para fazer a diferenciação da amostra entre transudato e exsudato. Os tipos celulares que podem ser encontrados no líquido pleural são os eritrócitos e as células nucleadas, que incluem leucócitos e células mesoteliais. A contagem global dessas células é realizada comumente em câmara de Neubauer. No entanto, pode ser realizada em qualquer retículo de contagem15. O citodiagnóstico enfatiza a aparência geral das células e seus núcleos. As características celulares importantes incluem a celularidade da amostra, a distribuição celular, tamanho e forma das células e a aparência citoplasmática. A presença de bactérias, de cristais, de gotas de lipídeos, de materiais nucleares das células rompidas e de materiais es77 Boit, M. P. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 74-80, jan./jun. 2011 tranhos como, por exemplo, pólen, talco ou cristais do amido, deve ser igualmente descrita no resultado. As amostras citológicas também podem conter quantidades variáveis de sangue periférico. A contaminação excessiva de sangue periférico em uma amostra de líquido pleural mascara as células diagnósticas, dificultando a interpretação citológica16. A pesquisa de sangue na cavidade pleural pode ser realizada por meio da determinação do volume do líquido pleural. Este, por sua vez, pode ser determinado por analisadores hematológicos. Valores abaixo de 1% são considerados insignificantes, valores entre 1% e 20% podem indicar derrames neoplásicos, traumáticos, tuberculose e embolia pulmonar e valores de pelo menos 50% do volume globular do sangue periférico indicam hemotórax. Para diferenciar as células nucleadas dos eritrócitos na contagem global, é necessário conhecer as características apresentadas por cada uma dessas células17. A confecção da lâmina para a realização da contagem diferencial de leucócitos é realizada rotineiramente em câmara de suta ou em citocentrífuga, utilizando o sedimento obtido da centrifugação ressuspenso em salina. A quantidade de líquido a ser colocada nesta câmara depende da quantidade de leucócitos presentes. É um processo trabalhoso e demorado, porém fornece um esfregaço de alta qualidade3. Tratamento Conforme a etiologia da pleurite será escolhido o tratamento. Para o alívio dos sintomas, como a dor torácica, pode-se utilizar analgésicos e anti-inflamatórios. Mas, para determinar o tratamento definitivo, até procedimentos invasivos como a toracocentese (retirada de líquido da pleura) ou a biopsia pleural poderão ser necessárias, a fim de descobrir as causas da pleurisia3. A fisioterapia pleural também poderá ajudar no sentido de reabsorver o líquido inflamatório da pleura mais rapidamente. Para isso, são feitos 78 exercícios respiratórios associados à elevação e abaixamento do braço do lado da pleura afetada6. Já nas fases exsudativa e fibrinopurulenta iniciais do empiema podem ser tratadas geralmente com antibióticos e toracocenteses repetidas ou, de preferência, drenagem pleural fechada. Entretanto, nas fases fibrinopurulenta tardia e de organização, a drenagem pleural é frequentemente inadequada6. É fundamental ressaltar que o tratamento do empiema deve ser o mais precoce possível e específico para o estágio do processo, geralmente respaldado por um diagnóstico radiográfico precoce e toracocentese. O sucesso da antibioticoterapia apropriada deve-se basear preferencialmente nas culturas do líquido pleural e na imunoeletroforese6. A identificação precoce de infecção severa na pleura através da análise do líquido pleural e dos estudos radiológicos pode reduzir as sequelas. O isolamento da bactéria é outro fator de considerável importância para o tratamento, pois os empiemas causados por micro-organismos gram positivos devem ser tratados por 10 a 14 dias com toracocentese, drenagem e antibioticoterapia específica, mostrando ótimos resultados para staphylococccus aureus. Este micro-organismo é muito frequente e sua maior complicação é a formação de pneumatoceles. Mesmo que o empiema nestes casos possa impressionar pela apresentação radiológica, os produtos do estafilococo no espaço pleural se resolvem rapidamente e quase nunca requerem remoção3. Já, nos casos de empiemas causados por streptococcus pneumoniae, haemophylus influenzae e streptococcus ß – hemolíticos, há geralmente a formação de uma cápsula espessa e fibrosa, sendo nesses casos a “minitoracotomia” pouco efetiva. Uma tomografia computadorizada mostrando múltiplas loculações por debris fibrinosos ou uma cápsula extensa encarcerando o pulmão pode ser útil na abordagem terapêutica6. Considerações finais A importância desta revisão deve-se ao Boit, M. P. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 74-80, jan./jun. 2011 fato de que a pleura e a cavidade pleural têm participação fundamental no equilíbrio hídrico e de homeostase da dinâmica ventilatória da respiração. Quando alterado este equilíbrio, buscam-se as causas, sendo a principal delas o processo inflamatório que acomete essa membrana, denominado de pleurite. Independente de ser primária ou secundária, a infecção da cavidade pleural pode afetá-la de diversas formas, desde um derrame pleural parapneumônico, até um empiema crônico. As imagens obtidas pelos métodos diagnósticos, a análise laboratorial e a clínica do paciente são aspectos fundamentais para a tomada de decisão quanto ao tratamento definitivo mais eficaz. Ressaltanto, contudo, que o sucesso terapêutico dependerá também de outras variáveis como tempo de apresentação, duração dos sintomas, resistência do hospedeiro, virulência do micro-organismo infectante e da resposta efetiva ao tratamento instituído. Referências: 1. Light RW. Pleural Diseases. 4th ed, Baltimore Lippincott, Williams & Wilkins, 2001 6 Bochud P. Y.; Calandra, T. Sepse. New England: BMJ, 2003. 2. Hoog K, Dawson D, Mackway-Jones, K. The emergency department utility of Simplify D-dimer to exclude pulmonary embolism in patients with pleuritic chest pain. Ann Emerg Med 2005;46:305-10. 3. Kass SM, Willians PM, Reamy BV. Pleurisy. Am Fam Physician 2007;5:1357-4. 4. Jirawattanapong P, Stockhofe-Zurwieden N, Leengoed L, Wisselink H, Raymakers R, Crijsen T, et al. Pleuritis in slaughter pigs: Relations between lung lesions and bacteriology in 10 herds with high pleuritis. Res Vet Sci 2010;88:11-15. 5. Agostoni E, Zocchi L. Pleural liquid and its exchanges. Respir Physiol Neurobiol 2007;159:311–23. 6. Kang DW. Toracoscopia no tratamento do empiema pleural em pacientes pediátricos. J Bras Pneumol 2008;34(4):205-11. 7. Davies RJO, Gleeson FV, Ali N. British Thoracic Society guidelines for the management of pleural disease. Thorax 2003;58:1-5. 8. Davies E, Nicholson E. Outcome of patients with nonspecific pleuritis/fibrosis on thoracoscopic pleural biopsies. Eur J Cardiothorac, 2010. 9. Jones K, Raghuram A. Investigation and management of patients with pleuritic chest pain presenting to the accident and emergency department. Clinical Management. J Accid Emerg Med 1999;16:5-59. 10.Mohamed KH., Mobasher AAMT. Pleural lavage: A Novel Diagnostic Approach for Diagnosing Exudative Pleural Effusion. New York:Springer Vergal; 2000. 11.Goyle KK, Walling A D. Diagnosing pericarditis. Am Fam Physician 2002;66:1965-702. 12.Qiu L, Teeter LD, Liu Z. Diagnostic associations between pleural and pulmonary tuberculosis. J Infected 2006;53:377-86. 13.Sales R, Onoshi R. Toracocentese e biópsia pleural. J Bras Pneumol 2006;32(4):170-73. 14.Krejci CS, Trent EJ. Dubinsky T. Thoracic sonography. Respir Care 2001; 46:932-39. 15.Valdes L, Alvarez D, Jose ES, Penela P, Valle JM, Garcia-Pazos JM, et al. Pleurisy Tuberculous. Arch Intern Med 1998;58:2017-21. 79 Boit, M. P. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 74-80, jan./jun. 2011 16.Kjeldsberg C, Knight J. Body Fluids: Laboratory examination of cerebrospinal, seminal, serous & sinovial fluids. 3 ed. Chicago: American Society of Clinical Pathologists; 1992. 80 17.Antoangelo L, Capelozzi VL. Collection and preservation of the pleural fluid and pleural biopsy. J Bras Pneumol 2006;32(4):163-69. Vieira, A. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 81-94, jan./jun. 2011 A HISTÓRIA DE VIDA DE PESSOAS COM AIDS [The life history of HIV/AIDS people] Aline Costa Vieira1, Maria Aline Lima Carvalho2, Maria Itayra Padilha3, Isabel Cristina Maliska4, Julieta Oro5 Resumo: É uma pesquisa descritiva qualitativa que tem como objetivo conhecer a história de vida do indivíduo portador de HIV internado no Hospital Polydoro Ernani de São Thiago da Universidade Federal de Santa Catarina. Foram realizadas entrevistas com sete indivíduos com diagnóstico de HIV. Como resultados percebeu-se que das mulheres apenas uma não adquiriu o vírus sexualmente e dos homens, todos afirmaram ter adquirido por via sexual. Todos os indivíduos demonstraram que o autocuidado só começou após o diagnóstico e por sentirem-se no limite entre doença e a morte. O sofrimento que envolve medo, preconceito, abandono, culpa e exclusão ainda são constantes entre os portadores de HIV/ AIDS, por isso, é preciso encontrar estratégias para auxiliá-los e às suas famílias em seus processos de enfrentamento, aceitação e naturalização da situação. As falas revelaram deficiência na educação sexual na infância e na adolescência, sendo que as principais informações sobre a sexualidade foram sendo repassadas por colegas/amigos da mesma idade. Finalmente, observamos que os problemas familiares, sociais e/ou econômicos influenciaram na contaminação pelo HIV. Palavras- chave: História, HIV, enfermagem, qualidade de vida, família. Abstract: It is a qualitative descriptive research which is order to know the life history of AIDS people hospitalized Polydoro Ernani Thiago Federal Hospital of the University of Santa Catarina. Interviews were conducted with seven people with HIV/AIDS. As a result it was realized that the of all the women, only one did not acquire the virus through sexual intercourse and men all said they had acquired through sexual intercourse. All individuals have shown that self-care only started after diagnosis and feel at the boundary between illness and death. The suffering involves fear, prejudice, the abandonment, guilt and exclusion are still the most frequent listed among patients with HIV/AIDS, so it is necessary to find strategies to help them and their families in their process of coping and acceptance naturalization of the situation. The statements revealed deficient sex education in childhood and adolescence, and that key information on sexuality were being passed on by colleagues/friends the same age. Finally, we note that family problems, social and/or economic have influenced in the contamination by HIV. Keywords: History, HIV, nursing, AIDS, family. Acadêmica do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina(UFSC). E-mail: [email protected] 2 Acadêmica do Curso de Graduação em Enfermagem da UFSC. E-mail [email protected] 3 Professora Associada do Departamento de Enfermagem da UFSC. Doutora em Enfermagem pela Escola Anna Nery (UFRJ). Pós-Doutora pela Lawrence Bloomberg Faculty of Nursing at University of Toronto. Canada. Líder do Grupo de Estudos da História do Conhecimento de Enfermagem e Saúde (GEHCES). Pesquisadora do CNPq. E-mail: [email protected] 4 Mestre em Enfermagem pelo PEN/UFSC. Enfermeira do Hospital Universitário da UFSC. Dda em Enfermagem do PEN/UFSC. 5 Enfermeira do Hospital Universitário UFSC. Mestranda em Enfermagem pelo PEN/UFSC. E-mail: [email protected] 1 81 Vieira, A. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 81-94, jan./jun. 2011 Considerações Iniciais A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) é uma doença transmissível crônica, de evolução lenta, que ataca o sistema imunológico dos indivíduos e é causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). A imunodeficiência causada por esse vírus é progressiva e atinge principalmente os linfócitos T, responsáveis pela imunidade celular, tornando o indivíduo susceptível a várias infecções intercorrentes1. A história do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) se inicia na década de 80, e esteve ligada a comportamentos considerados desviantes como homoerotismo, promiscuidade sexual e uso de drogas injetáveis2 . Desde o seu surgimento, a AIDS vem se constituindo como uma das epidemias mais importantes de toda história, que ameaça fortemente a ordem social, econômica e até mesmo a espécie humana3. Já nos primeiros casos ficou bem evidente o grave e progressivo comprometimento imunológico dos pacientes infectados pelo HIV, particularmente de sua imunidade celular. Tal fato acabava predispondo-os a neoplasias e infecções, a maioria de caráter oportunístico e estas em especial sempre trouxeram elevada morbimortalidade para os doentes de AIDS, sendo elementos marcadores da síndrome4. Ainda sem cura, a AIDS hoje tem tratamento e traz novos desafios para as pessoas infectadas pelo HIV5. O uso dos anti-retrovirais tem a função de controlar a produção do vírus no sangue e, assim os portadores conseguem manter uma saúde adequada o que leva em consideração o seu bem-estar e as maneiras de enfrentamento das doenças. Esse tratamento medicamentoso traz muitos efeitos colaterais que interferem na qualidade de vida dos pacientes6. Apesar da evolução terapêutica e de seu reflexo direto na reinterpretação da AIDS, observa-se, ainda hoje, que ela continua sendo associada à morte e a todo o sofrimento que lhe é 82 pertinente, desde a sua descoberta7. O HIV/AIDS marca profundamente a pessoa acometida, uma vez que afeta o seu bem-estar físico, mental e social e envolve muitas vezes sentimentos negativos como depressão, angústia e medo da morte, interferindo em sua identidade e autoestima8. Para o desenvolvimento desse estudo faremos uso da Teoria do Autocuidado de Dorothea Orem, já que sua teoria é baseada nas necessidades básicas de desenvolvimento. A utilização desse modelo na prática da enfermeira possibilita vislumbrar o papel desta como educadora e cuidadora da clientela sob sua responsabilidade9. O autocuidado descreve e explica a prática de cuidados executados pela pessoa portadora de uma necessidade para manter a saúde e o bem-estar. Esse estudo tem como objetivo conhecer a história de vida do indivíduo com HIV e compreender, a partir dos aspectos culturais, sociais e socioeconômicos que o influenciaram para contrair a doença. Metodologia É um estudo descritivo qualitativo, realizado nas três clínicas médicas do Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago (HU) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Os sujeitos do estudo foram sete indivíduos com diagnóstico de HIV, de ambos os sexos, sendo três do sexo feminino e quatro masculino, na faixa etária entre 32 a 73 anos. O tempo de diagnóstico varia de 2 dias a 11 anos, com grau de instrução variando de ensino superior incompleto a analfabetos. Os critérios para a inclusão na pesquisa foram: indivíduos internados por uma das doenças oportunistas comum em pacientes soropositivo ao HIV nas clínicas selecionadas, estarem lúcidos e conscientes para responder às perguntas e de acordo em participar do estudo. Vieira, A. C. et al. Nome Idade Sexo Vânia 73 Walter Marcos André Ofélia Carla Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 81-94, jan./jun. 2011 Nº Filhos F Estado Civil Viúva Não falou Tempo de diagnóstico 9 anos Grau de instrução 1º grau inc. 34 35 32 M M M Solteiro Solteiro Divorciado Não tem Não tem Não tem 2 dias 15 anos 10 anos Casada Separada 10 3 3 anos 9 anos 3º grau inc. 1º grau inc 6 série 1ºgrau. analfabeta 1º grau inc 67 33 F F Profissão Aposentada (do lar) Autônomo Autônomo Jardineiro Agrícola Balconista e diarista Nuan 46 M Casado 1 11 anos 1º grau inc Pescador inativo Quadro 1: Distribuição dos sujeitos segundo dados gerais, incluindo idade, estado civil, número de filhos, tempo de diagnostico, grau de instrução e profissão. A coleta de dados ocorreu de março a junho de 2010 em horário e dia estabelecido em comum acordo com os sujeitos do estudo. As entrevistas foram realizadas nas dependências do próprio hospital, durante sua internação. Estas foram gravadas com a autorização dos participantes, e posteriormente transcritas e submetidas ao processo de análise. O instrumento de coleta de dados foi um roteiro de entrevista semiestruturado, contendo questões relativas à infância e adolescência; sobre a relação com a família, com os amigos; a juventude e a maturidade; sobre a sexualidade, as atitudes; o descobrimento da doença e as transformações dos hábitos para preservar a saúde. Ao início das entrevistas, os sujeitos do estudo foram esclarecidos quanto aos objetivos da pesquisa e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, o qual garantia o direito de desistência e anonimato. De acordo com os aspectos éticos, todas as etapas da pesquisa obedeceram às determinações da Resolução 196/96 – Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos; foi aprovada pelo Comitê de Ética de Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina, sob o número 038/09. Após a coleta de dados, os mesmos foram transcritos e iniciado o processo de análise. A partir da interpretação dos dados foram identificadas 4 categorias: A Influência da infância e da adolescência na personalidade do individuo; Conhecendo as formas do HIV e o impacto da doença na realidade do portador; A descoberta da soropositividade para o HIV e a necessidade do tratamento; O viver com HIV: sentimentos e estratégias ao lidar com a doença. Resultados Ao analisarmos as respostas dos entrevistados percebemos que muitas famílias apresentam condições socioeconômicas desfavoráveis e que durante a sua infância viveram conflitos importantes na família, os quais influenciaram a saída precoce de casa. Nos depoimentos percebemos que as orientações sexuais não foram dadas por familiares, professores ou profissionais da saúde, o que provavelmente contribuiu para que seus primeiros atos sexuais fossem sem proteção alguma. Ao relatarem sobre o momento do diagnóstico percebemos vários tipos de reações, mas principalmente a vontade de morrer ou até mesmo a tentativa de suicídio. A vida muda muito para esses indivíduos, sendo que alguns aceitam a sua condição desde o diagnóstico e outros agem como se não precisassem de tratamento, porém todos os entrevistados, em certo momento, tiveram que começar o tratamento e mudar os hábitos diários. 1 – A influência da infância e da adolescência na personalidade do indivíduo A infância e a adolescência de um indi83 Vieira, A. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 81-94, jan./jun. 2011 víduo são influenciadas pelas vivências e fatos socializados nessa etapa de sua vida. As experiências da infância de uma criança interferem na representação do seu futuro. Um ambiente que apresenta práticas de violência intrafamiliar, exposição a modelos adultos agressivos, falta de afeto materno e conflitos entre os pais10, podem produzir um contexto social marcado por abandono de lar na infância, influência dos produtos químicos e desentendimento familiar. Podemos observar nos relatos o sentimento negativo que envolve essa questão familiar: Relacionamento difícil, pois sempre tive opinião forte e batendo de frente. Minha família era certinha. (Carla) Aos 4 anos meus pais se separaram. Aí o pensamento errôneo na época era que minha mãe era uma prostituta por ter se separado [...]A família do meu pai que falava mal da minha mãe. (Nuan) A criança precisa ter abertura para expor seus sentimentos e preocupações e, desse modo a família precisa identificar nesse momento, em que aspecto há mais necessidade de orientação e poder agir. Atitudes de repreensão com gritos e agressão acabam por distanciar a criança da família diminuindo os laços, além de influenciar no adulto que esta criança irá se tornar. A separação dos pais deve ser encarada como um problema dos pais e não do filho, que deve ser amado e educado da mesma forma pelos dois. A difamação de um para o outro leva a quebra da interação e cumplicidade familiar; a interpretação que não é amado pode desenvolver sentimentos que os acompanham a vida toda. A adolescência é um período do ciclo vital em que a curiosidade por experiências novas e a troca de influência do grupo de amigos são fundamentais11. Alguns relatos mostram como os personagens da mídia e os amigos influenciam na caracterização da personalidade do adulto: 84 A influência era querer imitar os roqueiros antigos. Entre eu e meus amigos, todo mundo tinha grana. Juntava uma graninha para comprar droga (maconha) (Nuan). Embora a atenção do adolescente esteja voltada para fora do lar e centrada nos grupos de colegas e amigos, para compreendê-lo torna-se necessário inseri-lo no contexto familiar e sociocultural, pois a família integrada à cultura é que fornece as bases para o seu desenvolvimento11. As situações que o indivíduo vivencia no seio de sua família repercutem na formação de seu desenvolvimento psicológico e bem-estar. Vejamos alguns relatos: Meu pai suicidou quando eu tinha 10 anos e foi eu que o encontrei pendurado. Não lembro o que aconteceu comigo nessa época, me lembro a partir dos 13 anos de idade. (Marcos) Sai de casa com 16 anos e fui viver minha vida. Li um livro de budismo e esse sim me influenciou. (Nuan) Voltei para casa porque meus avôs ficaram doentes, velhinhos. [...] A gente se dá, mas não se acha em casa [...] porque sai bebê e voltei com 14 anos. (Valquíria) Os adolescentes constroem sua identidade todos os dias. A família, apesar de conflituosa, é a base para o desenvolvimento do adolescente, sendo que os conflitos e desajustes podem marcar sua vida, o que acaba repercutindo na maturidade. Diante da fala de um indivíduo que encontrou seu pai morto, percebemos que a reação da sua mente foi apagar essa etapa da sua vida. Em todo tipo de conflito em família quem mais se prejudica é a criança e depois para uma nova interação da criança no ambiente é, na maioria das vezes impossível. Vieira, A. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 81-94, jan./jun. 2011 2 – Conhecendo o impacto da doença na realidade do portador Nessa categoria faremos a reflexão do conteúdo pedagógico que estes indivíduos traziam antes da contaminação e sobre como se expuseram ao contato com o vírus HIV. Apresentamos também, a primeira relação sexual e o estereótipo do uso do preservativo. “A escola é apontada como um importante instrumento para veicular informações sobre formas de evitar a gravidez e de se proteger de doenças sexualmente transmissíveis, chegando-se a ponto de afirmar que quanto mais baixa a escolaridade, maior o índice de gravidez entre adolescentes” 12. Analisando o grau de instrução dos sete entrevistados, percebemos que apenas um terminou o ensino médio. Os outros estão entre analfabetos e ensino fundamental (1º grau) completo. O analfabetismo dificulta a interpretação das mensagens pejorativas relacionadas à sexualidade, feminilidade e demais temas o que interfere no modo como será exercida a sua sexualidade13. Quando questionados, aos que iam à escola, sobre as aulas de sexualidade as respostas foram negativas: da educação sexual para a criança demonstrou-se mínima, sendo um dos fatores para o desenvolvimento de um indivíduo com poucas noções sobre sua sexualidade e por consequência, doenças sexualmente transmissíveis. Partindo do pressuposto que esses indivíduos não tiveram orientações pedagógicas sobre as interfaces da sexualidade, indagamos sobre o ambiente no qual adquiriram algum conhecimento sobre sua sexualidade: Aprendi tudo com as amigas. Com a avó não falava sobre isso. Com as amigas aprendi sobre a usar preservativo e como ficar grávida. (Carla) Aprendi sozinho, na vida. Os amigos me diziam o que fazer com as mulheres. Aprendi sobre gravidez. (Nuan) Tive poucas aulas dentro da matéria de Biologia na escola [...] Mas depois de dois meses com a professora nos educando sobre a sexualidade, as freiras descobriram e demitiram ela. (Walter) Percebemos então, diante dos fatos citados, que os jovens buscam os amigos – provavelmente com a mesma escolaridade – como seus orientadores sexuais, por apresentarem mais experiências sobre o assunto. A preferência por amigos da mesma idade para conversar sobre sexo está justificada pela intimidade da amizade, pois ambos são mais capazes de expressar seus sentimentos e seus pensamentos privados por apresentarem o mesmo desenvolvimento cognitivo13. Ao se questionar sobre o primeiro ato sexual, as idades variaram dos 12 aos 21 anos. E a maioria relata suas experiências com pessoas próximas do seu cotidiano: Não me lembro de ter orientações sobre isso na infância. (Marcos) Foi com 12 anos. Com um amigo. Brincando na rua, brincando. (André) Não. Não, nunca tive aula. (André) Quando me “perdi” achei que estava grávida. Aos 17 anos. Foi com um rapaz que era amigo, fomos para a casa dele [...] depois virou meu marido. (Carla) Dentre as respostas encontramos o início da educação sexual no ensino fundamental, porém ainda cercada por preconceitos e mitos, apresentando a sexualidade como tabu e uma proibição para a maioria dos pais e educadores. A influência Foi com 14 anos com minha vizinha [...] geralmente eu não tinha namorada fixa, ficava 85 Vieira, A. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 81-94, jan./jun. 2011 com uma em uma festa e ia para outra. (Walter) No Brasil a média de idade da primeira relação sexual com penetração estimada a partir das declarações de respondentes com faixa etária de 16 a 19 anos, é de 14 anos e quatro meses para os adolescentes meninos e de 15 anos e dois meses para as adolescentes meninas10. A pobreza, a violência, a exploração sexual e a dificuldade de acesso aos cuidados com a saúde aumentam bastante a vulnerabilidade dos adolescentes ao HIV14. Quando questionados sobre o uso de algum método contraceptivo/ preservativo no ato sexual todos relataram que não utilizaram: Eu sabia que tinha que usar, mas ele não gostava. A gente sempre acha que nunca vai acontecer com a gente. (Carla) Não se ouvia falar em preservativo, nem em aids, nada. (Nuan) Não, nem se falava nisso. (André) Os indivíduos com pouca ou nenhuma orientação sexual no lar ou na escola quando em sua infância ou adolescência, têm contato com as primeiras noções sobre a sua sexualidade na rua, entre amigos. Somado a deficiência do diálogo que havia na sociedade de até poucos anos atrás à falta de informação por parte da mídia, sendo o seu estopim, na sociedade, apenas com a ocorrência da doença. Os sujeitos do estudo tampouco tinham conhecimento sobre a importância de um método eficaz para evitar as doenças sexualmente transmissíveis. Fazendo uma retrospectiva cronológica do ano de nascimento dos entrevistados, esta varia entre 1937 a 1978. Dentre os mais velhos, na época da sua juventude falava-se de doenças sexualmente transmissíveis, como por exemplo, a gonorreia e a sífilis, porém o HIV veio destacar-se na mídia brasileira pelo polêmico cantor e compo86 sitor Cazuza que em 1989 declarou ser soropositivo. Uma dos entrevistados deixa isso claro em sua fala: Foi lançado o preservativo pelo Cazuza e Fred Mercury, porque antes ninguém falava. (Nuan) Em estudo realizado em 1990 com brasileiros de 16 a 25 anos, somente 52,8% dos homens e 35,4% das mulheres declararam utilizar sistematicamente o preservativo11. Em 2006, os dados corroboram outros estudos em que a maior parte dos sujeitos com vida sexualmente ativa afirma ter usado a camisinha em sua primeira relação sexual15. Uso da camisinha é mais frequente nas primeiras relações sexuais e tende a diminuir no desenrolar do relacionamento, quando pode ser substituído pela pílula, fato que dá um novo significado à relação, no sentido de expressar confiança na fidelidade do parceiro16. O indivíduo percebe que sua vida terá alterações a partir do momento em que recebe seu diagnóstico, pois a curiosidade sobre o assunto é aguçada e a busca de informações é necessária para entender como sua doença desenvolverá e os cuidados a serem tomados em relação ao seu corpo. Uns dos assuntos principais é o modo de transmissão envolvendo a sexualidade, já que todos têm vida sexual ativa: Tenho uma parceira há 6 anos. Os dois têm o vírus e os dois se tratam. Usamos preservativo, sei que entre o casal tem que usar, pois mesmo sendo soropositivo pode passar outras doenças que prejudicará a saúde. (Marcos) Tenho namorado. Ele sabe que tenho HIV. [...] Ele não tem. A gente usa preservativo. (Carla) Tenho várias parceiras e uso preservativo com todas. A pessoa até pode ser soropositi- Vieira, A. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 81-94, jan./jun. 2011 vo, mas é pelas DSTs né.(Nuan) Como a maioria dos entrevistados adquiriu o vírus por via sexual, a principal mudança observada nos depoimentos é o uso obrigatório do preservativo. Vale ressaltar que este uso é imprescindível não apenas entre casais sorodiscordantes, ou seja, entre aqueles cujo resultado da sorologia específica para a detecção do HIV apresenta-se diferente. Porém, também é relevante entre casais soroconcordantes, quando ambos os parceiros apresentam sorologia positiva para o HIV, com intuito de evitar reinfecção de cepas já resistentes aos antirretrovirais e aumentar a carga viral durante as relações sexuais. As situações de vulnerabilidade ao HIV/ AIDS podem ser evitadas com uma educação para a sociedade no plano individual, social e programático, levando em conta as relações de gênero e poder, sexismo e homofobia, racismo e pobreza17. A educação em saúde é ferramenta primordial para proporcionar aos portadores do vírus compreensão na possibilidade de uma vida tranquila respeitando sua condição de possível disseminador da infecção, atentando para o uso de preservativos, como método preventivo adequado18. 3 – A descoberta da soropositividade para o HIV e a necessidade do tratamento O fato da doença, na memória da população em geral, ainda estar atrelada à questão de grupos de risco traz algumas dificuldades em seu manejo e tratamento, com danos tanto no aspecto individual como coletivo. No âmbito individual, há a manutenção do preconceito e estigma, acarretando abandono do tratamento e não aceitação da doença pelo doente e família; no plano coletivo, se não houver intervenção dos profissionais de saúde, o curso da doença leva a sérios danos, comprometendo desde a saúde do portador até a disseminação de vírus resistentes, diminuindo, assim, as possibilidades de controle da patologia. O portador do HIV e sua família podem viver dramas humanos e sociais no cotidiano pessoal, ins- titucional e social, em virtude do preconceito, do estigma, do medo da morte, da solidão e do silêncio8. Dessa forma, receber o diagnóstico de HIV positivo causa sentimentos de choque, depressão e medo conforme vemos abaixo: Tentei me matar, cortei os pulsos. (Marcos) Quando descobri achei que ia morrer. (Carlos) Primeiro passo: pensei em suicídio, tomei veneno pra morrer rápido, pelo menos as pessoas não iam me discriminar. (Nuan) As falas acima explicitam a visão disseminada pela sociedade desde o surgimento da AIDS até os dias atuais como doença geradora de medo e preconceitos. Alguns dos entrevistados demonstraram não ter ideia concreta do curso da doença, formas de transmissão ou dimensão de sua agressão ao organismo, mesmo assim, não deixam de apresentar sentimentos extremos ao tomar ciência de que é um portador de HIV. A maioria das respostas em torno da primeira reação ao saber do diagnóstico é com relação a sentimentos extremos, nos quais o suicídio foi cogitado como única solução para não enfrentar a nova realidade. Descobrir-se infectado parece significar a perda do controle sobre a própria vida, manifestando limites que impedem a concretização de planos e projetos futuros. Ao descobrir-se soropositivo, o indivíduo acaba se vendo frente a frente com seu próprio preconceito19. O sofrimento de uma forma geral, que envolve o medo, preconceito, abandono, as diferenças entre gênero, a culpa e a exclusão ainda são constantes entre os portadores de HIV/AIDS. Por isso, é preciso encontrar estratégias para auxiliá-los e às suas famílias em seus processos de enfrentamento, aceitação e naturalização da situação. Falei para meu infectologista que a culpa era dele (do marido), aí ele me disse que a 87 Vieira, A. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 81-94, jan./jun. 2011 culpa também era minha porque eu não tinha usado camisinha, e é né.[...]Descobri porque apareceram umas feridas no corpo [...] as unhas caíram só piorava, falei pras minhas amigas: ou é câncer ou é HIV. (Carla) Comecei a me sentir tonto [...] o fôlego tava acabando [...] comecei com íngua na virilha, perdia peso fácil [...] também notei no cabelo, passava a mão e saia uns fiozinhos, achei estranho. (Walter) Atrelados aos sentimentos que demandam sofrimento psicológico, ficou evidente na fala dos entrevistados, o sofrimento físico a que a imunodeficiência expõe o indivíduo. A nova realidade confere não somente os impactos psicológicos na qualidade de vida do portador de HIV. Com o conhecimento do diagnóstico, surgem os sentimentos de medo e desespero. Após essa fase, o indivíduo tende a culpar-se por sua contaminação ou encontrar culpados, na tentativa de responsabilizar outro por sua doença, eliminando esse sentimento adicional dentre tantos enfrentados. No entanto também evidenciamos nos depoimentos o sofrimento físico anteriormente à descoberta do diagnóstico, nos primeiros sintomas da disseminação do HIV pela corrente sanguínea do portador. Os primeiros sinais da agressão acarretam o sofrimento, na medida em que o indivíduo observa mudanças em seu corpo, que o fazem procurar ajuda especializada. Nesse momento, estamos nos confrontando com outros aspectos físicos e psicológicos relevantes, a descoberta da necessidade de tratamento contínuo, com suas possíveis reações e efeitos colaterais. O uso dos antirretrovirais tem a função de controlar a produção do vírus no sangue e assim os portadores conseguem manter uma saúde adequada, o que leva em consideração o seu bem-estar e as maneiras de enfrentamento diante das doenças oportunistas. Porém, esse tratamento medicamentoso traz muitos efeitos colaterais interferindo na qualidade de vida dos pacientes6. 88 Eu tomei remédio aqui, um amarelo assim, 300 mg e outro branco, 200 mg. Daí comecei a fazer o tratamento em casa, fiquei 8 meses internada [...] daí quando atacava aquele vômito, dava dor de cabeça, eu vomitava parece que até pedaço do estômago e dava desinteria e cólica. Ai começou o queimor nos braços, queimava, queimava, eu gritava de tanta dor....parece que tava arrebentando o músculo. (Ofélia) A adesão ao esquema terapêutico antiretroviral (ARV) se configura numa forma de diminuir a vulnerabilidade individual, e isso constitui um dos maiores desafios para o sucesso do tratamento do HIV/AIDS, pois a adesão é o principal recurso para alcançá-lo. Essa terapêutica tem produzido resultados muito positivos, representados pelo prolongamento e melhoria da qualidade de vida, diminuição de episódios mórbidos e do número e frequência de internações. Em contrapartida, para que esses benefícios sejam observados, faz-se necessária uma boa adesão por parte dos usuários20. 4 – O relacionamento do portador de HIV e o profissional de saúde A AIDS reivindica uma aproximação entre o profissional de saúde e o indivíduo emergente, visto que se trata de uma relação que deve se estender por anos, com a necessidade de um acompanhamento ambulatorial permanente. Quando estabelecida a terapia antirretroviral, esta passa a ser utilizada por toda a vida, necessitando muitas vezes de readaptações nas prescrições, com tendência a maior complexidade tanto em número de remédios quanto em esquemas terapêuticos. Neste sentido, é de suma importância que se estabeleça uma relação de confiança, e que o indivíduo se sinta assistido de modo integral, tenha liberdade de expressar seus sentimentos em relação à doença e a própria vida, possa questionar, esclarecer suas dúvidas e sentir que toda a equipe de saúde é sua parceira na luta contra esta doença19. Abai- Vieira, A. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 81-94, jan./jun. 2011 xo, observamos a percepção dos indivíduos em relação ao atendimento inicial que receberam por parte dos profissionais, considerando a importância deste contato para o desenvolvimento do tratamento: O médico me tratou muito bem, com muito carinho, ótimo. (Valquíria) Fui atendido pelo médico (no HU), fui muito bem atendido, com atenção, competência [...] (Walter) Fui muito bem atendida, pois eram atenciosos, tinha tempo para eu perguntar tudo e tirar todas as minhas dúvidas. Eles perguntavam tudo, até como era em casa. (Carla) Percebemos a forte influência da figura do médico nos relatos dos indivíduos, na associação que fazem ao tratamento como de responsabilidade deste profissional de saúde. Nos relatos a seguir analisamos qual o papel que os indivíduos atribuem à enfermeira no cuidado e tratamento: Acho ótima, porque enfermeira não tem vergonha, não se custam a nada. Ah, enfermeira sabe tudo né, ajuda a gente. (Valquíria) É de extrema importância, quase 100% do meu tratamento. O médico só dá as diretrizes, mas as enfermeiras é quem cuidam, dão os remédios, veem os sinais vitais. O médico 5% e vocês 95%. Aqui me acolheram como se eu fosse da família, eu senti isso. Aqui tem amor, atenção. (Walter) A enfermeira é tudo, ela dá apoio psicológico, te faz sentir melhor, não abandonado, porque a família não pode estar aqui todos os dias. (Marcos) “Fatores como sinceridade entre profissional e indivíduo, transparência, respeito pela au- tonomia do indivíduo, comunicação simples e efetiva, a disposição para a escuta e a manifestação de empatia contribui para o estabelecimento de uma relação de confiança, que permite o indivíduo sentir-se seguro e bem cuidado” 19. Ao aderir ao tratamento o portador do vírus deve entender e concordar com as recomendações dos profissionais de saúde. Significa que deve existir uma aliança terapêutica entre os profissionais e o portador, na qual são reconhecidas não apenas as responsabilidades específicas de cada um no processo, mas também de todos que estão envolvidos (direta ou indiretamente) no tratamento21. É importante que os profissionais estimulem o autocuidado desses pacientes com o objetivo de incentivarem sua autonomia e sua autoestima22. 4.1 – Adaptações, percepções e reações no início do tratamento e em sua manutenção Após a descoberta da soropositividade, na qual os seres experimentam uma série de sentimentos que vão desde a culpa, até a depressão profunda e até mesmo tentativa de suicídio; a dificuldade do compartilhamento do diagnóstico com familiares, profissionais pelo medo do julgamento e da exclusão; apresentaremos neste capítulo as percepções dos indivíduos frente ao tratamento, onde nos deparamos com a importância que os atribuem e a relação que fazem com seu bem-estar: Sim eu acho o tratamento bom. Nossa Senhora! Eu estava na carne viva, meu coração acelerava, eu não tinha respiração. [...] Fazer o tratamento certinho, tomar meu remedinho. Quero viver mais muitos anos né. (Ofélia) Bom, acho adequado, porque me dá resistência, força, aumenta minha imunidade para continuar vivo. (Marcos) Sinto segurança. Porque do jeito que eu esta89 Vieira, A. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 81-94, jan./jun. 2011 va debilitada eu teria morrido. (Carla) Também estivemos diante dos relatos com as percepções sobre o início do tratamento, as adaptações e as implicações que a terapia antirretroviral ocasiona, as temidas reações adversas que submetem aos sujeitos com HIV a desgastes físicos por vezes extremos. Vejamos os depoimentos abaixo que expressam essas afirmações: A princípio dava como uma formigação no corpo, mas aí ela trocou (médica), diminuiu a quantidade de um e aumentou o outro, aí melhorou. (André) adversas do antirretrovirais, e por consequência, a desistência do tratamento. Mas com o passar do tempo ao sentir a debilidade corporal cada vez mais exacerbada, voltam a procurar ajuda médica e a reintegrar-se ao tratamento medicamentoso como única opção para sua reabilitação. Para uma melhor adaptação e aceitação do mesmo, os profissionais de saúde precisam estar devidamente habilitados a oferecer suporte contínuo aos portadores de HIV, antes e durante a terapia. Faz-se necessário um acompanhamento direto, onde a relação entre profissionais de saúde e indivíduos deve ser de confiança, esclarecimento de dúvidas e incentivo. No começo me deu diarreia, se eu tomasse o remédio durante o dia ficava mal, aí agora tomo à noite e logo vou dormir, porque ele é forte. (Carla) 5 – O viver com HIV: sentimentos e estratégias ao lidar com a doença Com relação aos sentimentos vivenciados atualmente, e mais precisamente no decorrer da entrevista, percebemos que os sentimentos por terem contraído o vírus não variam com o passar do tempo. A angústia e tristeza anteriormente pelo choque de descobrir-se com HIV dá lugar a inconformidade por encontrar-se com uma doença crônica, e por isso, de tratamento contínuo, e, sobretudo, com riscos de agravos: Tais reações explicam os motivos do absenteísmo que acontece em vezes durante o tratamento: Uma pena. Deveria ter cuidado mais. (André) [...] eu que tinha dado uma estacionada, parei de tomar [...] na verdade a doutora fazia o CD4 e a carga baixou a 3.400 cópias mais ou menos. Nem subia nem baixava, passava os meses, nem subia e nem baixava. Então ela fez uma tipagem pra poder saber que tipo de remédio, para mudar, isso demorou dois meses e meio a resposta. Ai fui deixando, deixando [...] e foi passando o tempo. (André) Não tem como aceitar né. Tomo os remédios, ainda não precisei trocar, mas sei que daqui a pouco não vai mais ter remédio para mim e não queria morrer por uma doença dessa. Já vi gente morrendo e não quero. (Carla) Agora assim tá melhor, é que tem muito remédio, aí eu achava que o remédio tava atrapalhando a minha vida, porque eu ia comer e trancava aqui (garganta), fisgava aqui em cima do seio, parecia um espinho e trancava o canal da comida. (Ofélia) Nos discursos acerca do início do tratamento até os dias atuais, constatamos a compreensão da importância do tratamento por parte dos entrevistados. Relataram os incômodos causados pelas reações 90 Diante da situação, percebe-se como praticamente única expectativa dos indivíduos com HIV, a possibilidade de viver pelo maior tempo possível, ratificando a percepção histórica da AIDS disseminada pelo mundo como doença fatal e incorporando a importância do tratamento como possibilidade de prolongamento da vida. Seguem as respostas dos entrevistados ao serem pergunta- Vieira, A. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 81-94, jan./jun. 2011 dos sobre suas perspectivas em relação ao futuro: Viver bastante. (Valquíria) O tratamento e viver [...] (André) Viver bastante, me cuidar para viver bastante. (Carla) Muitas vezes a eficiência do tratamento faz com que a pessoa com o vírus HIV viva muitos anos sem que doenças oportunistas características da AIDS, o que permite a estes sujeitos vislumbrar estratégias para viver melhor da forma possível de acordo com sua própria cultura e maneira de encarar a doença23. Assim somente no tratamento como objetivo para viver melhor, pensamos também na vida particular dos entrevistados, quais estratégias utilizadas por eles para viver melhor : Agora com o vírus, pretendo estudar informática que vai me ajudar a manter a mente ocupada e me aperfeiçoar como pessoa [...] quero fazer exercícios, artesanato. (Walter) Procurar um lugar melhor pra morar, porque lá é muito íngreme. E voltar a fazer o tratamento, tomar chá (de tansagem) para eliminar nicotina do sangue[...] faço artesanato pra não me sentir tão inútil. Tô me sentindo muito inútil. (Nuan) Após uma melhor adaptação ao tratamento, os portadores de HIV iniciam uma nova fase, em que percebem que é possível conviver com o vírus. O tratamento pode oferecer uma maior qualidade de vida, prevenindo contra as doenças oportunistas quando seguido corretamente. Assim, podemos analisar nas respostas novas visões a respeito de sua própria vida e as estratégias utilizadas para o melhor convívio com a doença. Nesse sentido, um eficiente atendimento profissional é primordial na aceitação ao tratamento medicamentoso. Estando fisicamente mais dispostos, a maioria dos indivíduos também passa a buscar estratégias para lidar com a nova realidade, buscando naturalizar a situação. Configura-se como papel primordial dos profissionais de saúde que lidam com portadores de HIV assegurar-se da continuidade do tratamento para possibilidade de promover qualidade de vida. O uso dos antirretrovirais no tratamento da AIDS trouxe melhora significativa na qualidade de vida das pessoas portadoras do HIV, contribuindo para que a AIDS passe a ter características de uma doença crônica, mas apesar do grande benefício gerado por esta terapêutica, restam ainda dificuldades a serem superadas, dentre elas, a adesão da pessoa portadora, ao tratamento24. 5.1 – A importância do apoio familiar para o bem-estar do paciente com HIV Analisamos a influência que o apoio e/ ou preconceito familiar e extra-familiar exercem ao bem-estar do indivíduo portador de HIV. Para isso, no decorrer das entrevistas, observamos variadas nuances de comportamento no que diz respeito ao enfrentamento da doença. A presença da AIDS produz várias alterações na vida do indivíduo na esfera pessoal, representadas mas só por incerteza quanto ao futuro, aproximação da morte, discriminação e mudanças na aparência mas também na esfera afetiva. Acarreta, ainda, dificuldades de estabelecer novos vínculos afetivos e interferências nos já existentes, alterando ainda o padrão de vida sexual e, finalmente, na esfera familiar, percebe-se muitas vezes, hostilidade e discriminação, levando a mudanças no projeto de vida25. Podemos evidenciar o impacto que a contaminação causa no conceito das pessoas gerando a discriminação, nos seguintes relatos: A minha própria vizinha da porta, alguém comentou com ela [...] ela dizia: saí daí sua estradeira, sua imundice. (Ofélia) Recebi discriminação. Meu ex- marido bebendo contou em um bar e todo mundo fala91 Vieira, A. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 81-94, jan./jun. 2011 va, aí tive que sair do bairro [...] cheguei a vender a casa e me mudar, morava em Curitiba aí viemos para Brusque [...] As pessoas olham pra gente e tiram as conclusões que querem. (Carla) Em alguns contextos, a família pode ser reconhecida como uma unidade de saúde e surge como uma fonte de ajuda para o ser humano com AIDS, contribuindo para o seu equilíbrio físico e mental. Ela constitui um elo fundamental entre a pessoa com AIDS e o serviço de saúde, ajudando a melhorar a qualidade de vida e proporcionando maior adesão ao tratamento8, o que podemos identificar nas seguintes falas: O meu irmão falou pra eu não me preocupar, porque tem muitas pessoas que tem o vírus é só cuidar, me alimentar bem. (Walter) Todos abraçaram a causa! Aí fui para a policlínica me tratar. (Marcos) Tenho 10 filhos, são bem queridos! Todos eles vinham me cuidar. Agora que to bem..... graças a Deus, me recuperei toda, já voltei no peso. (Ofélia) Contudo, nos casos de AIDS, nem sempre a família consegue apoiar e sustentar o individuo em todos os momentos, pois a sua necessidade de autoproteção às vezes prevalece em detrimento daquele familiar que se encontra doente26. Embora esse comportamento seja resultante de um processo dinâmico, que se altera frente à complexidade da situação vivida no momento, ele tende a transitar entre dois polos: em algumas situações superprotege e hipervaloriza as queixas do indivíduo e noutras se fecha, independente dessas necessidades, numa tentativa de se autoproteger e de obter maior segurança no enfrentamento da situação. Como podemos perceber no relato de André contraposto ao de Nuan: 92 Desde esse dia que contei pra minha mãe, ela mudou completamente, não era uma pessoa achegada. E desde esse dia em diante que ela começou a cuidar mais de mim. (André) Discriminação total da família. Minhas duas irmãs foram as únicas que me deram apoio. (Nuan) Também nos deparamos com respostas em que os indivíduos demonstram o medo de expor seu diagnóstico para os familiares e demais pessoas, como modo de proteger-se contra o preconceito e críticas em geral. Preferem manter seu estado de saúde em sigilo ou pelo menos que o menor número de pessoas possíveis fique sabendo de seu problema de saúde. O silêncio frente ao diagnóstico pode ser explicado pelo temor vivido, antecipadamente, de ter que revelar fatos sobre sua vida privada, até então desconhecidos pela família ou ser vítima de pré-julgamentos morais27: Só a minha mãe sabia [...] agora todo mundo sabe, mas só contei pra ela” [...] não recebi discriminação pelo fato de ninguém saber. (André) Não contei pra ninguém, foram os médicos aqui mesmo que contaram para eles. (Ofélia) Ninguém me tratou com preconceito, mas preciso ficar preparado porque sei que rola, pretendo ficar em silêncio, não tem necessidade de muita gente ficar sabendo [...] falei do diagnóstico para o meu irmão...só ele, os outros só querem saber de dinheiro, não quero que me chateiem e me critiquem. (Walter) Os indivíduos demonstraram consciência de que são portadores de uma doença que há muito tempo é geradora de preconceitos. Quase a totalidade afirma não ter sido vítima de discriminação após seu diagnóstico. No entanto, atribuem isso ao fato de terem guardado segredo, contando so- Vieira, A. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 81-94, jan./jun. 2011 bre a doença apenas para os familiares mais íntimos. O medo de que um maior número de pessoas saiba do fato de serem portadores do vírus HIV é constante, pois muitos não aceitam serem criticados e nem responsabilizados por terem contraído o vírus. Considerações Finais Conhecer a história de vida do portador de HIV nos possibilitou maior capacidade de compreensão dos sentimentos vivenciados nos dias atuais com base nas ocorrências do passado, visto que as influências culturais, socioeconômicas e familiares refletem na sua personalidade e nas estratégias para viver com a doença na relação próxima que têm com o entendimento e as verdades de cada um. A falta de informações sobre as formas de contaminação pelo vírus do HIV, a falta de um ambiente familiar bem estruturado, e a falta de menções acerca da sexualidade tanto por educadores pais/responsáveis quanto por professores destacaram-se durante as entrevistas insinuando-se como determinantes para que os indivíduos buscassem apoio e diálogo em relações extra-familiares e superficiais. Somados a esses fatores também encontramos o pensamento popular de que “as doenças afetarão somente os outros”. Assim, a descoberta da sexualidade acontece quase que por acaso, em brincadeiras, e entre amigos, sem qualquer relação com malefícios à saúde. Por tratar-se de uma doença crônica que difere da grande maioria do seu grupo por ser quase absolutamente evitável, o sentimento de culpa aparece em grande parte dos portadores de HIV. Portanto, reconhecer esses detalhes em cada fase de vida do indivíduo possibilita maior capacitação para proporcionar e gerenciar o cuidado de acordo com suas necessidades. Referências: 1. David R, Aguiar ZN. Vigilância e controle da aids. São Paulo: Martinari, 2004. saúde: o caso da AIDS. Uma aproximação a partir da bioética [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública; 1999. 3. Varella, RB. Aspectos da epidemia de AIDS em município de médio porte do Rio de Janeiro, 2000-2004. Rev Bras Epidemiol 2006;44753. 4. Christo PP. Alterações cognitivas na infecção pelo HIV e AIDS. Rev Assoc Med Bras 2010; 242-7. 5. Seidl EMF, Zannon CMLC, Troccoli, BT. Pessoas vivendo com HIV/AIDS: enfrentamento, suporte social e qualidade de vida. Psicol Reflex Crit 2005;188-95. 6. Parker R, Bastos C, Galvão JS. A Aids no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará; 1994. 7. Botti ML. Conflitos e sentimentos das mulheres portadoras de HIV/Aids: um estudo bibliográfico. Rev Esc Enferm 2009;79-86. 8. Cardoso AL, Marcon SS, Waidmani MAP. O Impacto da descoberta da sorologia positiva do portador de HIV/AIDS e sua família. Rev de Enferm UERJ 2008;326-32. 9. Diógenes MAR, Pagliuca LMF. Teoria do autocuidado: análise crítica da utilidade na prática da enfermeira. Rev Gaúcha Enferm 2009; 286-93. 10.Soares CB, Jacobi PR. Adolescentes, Drogas e AIDS: Avaliação de um Programa de Prevenção Escolar. Cad de Pesquisa 2000;213-37. 11.Schenker M, Minayo MCS. A implicação da família no uso abusivo de drogas: uma revisão crítica. Ciênc Saúde Colet 2008(1);299-306. 2. Zancan LF. Dilemas morais nas políticas de 93 Vieira, A. C. et al. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 81-94, jan./jun. 2011 12.Altmann H. Orientação sexual nos parâmetros curriculares nacionais. Rev Estud Fem 2001;575-85. 13.Villela, WV, Doreto DT. Sobre a experiência sexual dos jovens. Cad Saúde Pública 2006;2467-72. 14.Camargo BV, Botelho LJ. Aids, sexualidade e atitudes de adolescentes sobre proteção contra o HIV. Rev Saúde Pública 2007. 15.Vieira LM, Saes SO, Dória AAB, Goldberg TBL. Reflexões sobre a anticoncepção na adolescência no Brasil. Rev Bras Saúde Mater Infant 2006;135-40. 16.Madureira L, Marques IR, Jardim DP. Contracepção na adolescência: conhecimento e uso. Cogitare Enferm 2005;100-5. 17.Paiva V, Pupo LR, Barboza R. O direito à prevenção e os desafios da redução da vulnerabilidade ao HIV no Brasil. Rev Saúde Pública 2006;109-19. 18.Souza AB, Gomes EB, Leandro MLS. A utilização de práticas preventivas nas relações sexuais de pacientes soropositivos. Cad Cult Ciênc 2008;15-21. 19.Maliska ICA. O itinerário Terapêutico de indivíduos portadores de HIV/AIDS [dissertação]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 2005. 20.Gir E, Vaichulonis CG, Oliveira MD. Adesão à terapêutica antirretroviral por indivíduos com HIV/AIDS assistidos em uma instituição do interior paulista. Rev Latino-Am Enferm 2005;634-41. 94 21.Vitória, MAA. Conceitos e recomendações básicas para melhorar a adesão ao tratamento antirretroviral 2004 [acesso em 15 maio 2010] Disponível em: URL: http://www.aids.gov.br/ assistencia/adesaoarv.html 22.Pinheiro PNC. O cuidado humano: reflexão ética acerca dos portadores do HIV/AIDS. Rev Latino-Am Enferm 2005;569-75. 23.Seben G. Adultos jovens portadores de HIV: análise dos processos subjetivos no enfrentamento da doença. Psic: Revista Vetor Editora junho 2008 [acesso em 20 de novembro 2009]. Disponível em: URL: http:// pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=s1676-73142000100008&lng-pt&nrm=iso 24.Teixeira MG, Silva GA. A representação do portador do vírus da imunodeficiência humana sobre o tratamento com os anti-retrovirais. Rev Esc Enferm USP 2008; 42(4):729-36. 25.Malbergier A, Andrade AG. Transtornos depressivos em usuários de drogas injetáveis infectados pelo HIV: um estudo controlado. Rev Bras Psiquiatr 1999;217-44. 26.Tunala, LG. Fontes cotidianas de estresse entre mulheres portadoras de HIV. Rev Saúde Pública 2002; 24-31. 27.Gomes, AMT. Silêncio, silenciamento e ocultamento na terapia antirretroviral: desvelando o discurso de cuidadores de crianças [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2005. Normas de publicação Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 95-98, jan./jun. 2011 NORMAS EDITORIAIS DA REVISTA CIÊNCIAS DA SAÚDE 1. Serão aceitos, no máximo 2 (dois) artigos originais por autor que, destinados exclusivamente à Revista Ciências da Saúde, serão submetidos à avaliação e aprovação de uma Consultoria Científica e Comissão Editorial. 2. A Comissão Editorial assegura o anonimato do(s) autor(es) no processo de avaliação pela Consultoria Científica. 3. Um dos autores, pelo menos, deverá ser assinante(s) da Revista Ciências da Saúde. Anexar comprovante de assinatura. 4. Excepcionalmente, serão aceitos trabalhos já publicados em periódicos estrangeiros, desde que autorizados pela Comissão Editorial do periódico onde o artigo tenha sido originalmente publicado. 5. A Consultoria Científica se reserva o direito de sugerir eventuais modificações de estrutura ou conteúdo do trabalho, que serão acordadas com os autores. Não serão admitidos acréscimos ou alterações após o envio para composição editorial. 6. As opiniões emitidas nos trabalhos, bem como a exatidão, adequação e procedência das citações bibliográficas, são de exclusiva responsabilidade dos autores. 7. A revista classificará os textos encaminhados de acordo com as seguintes seções: 7.1 – EDITORIAL – matéria de responsabilidade da Comissão Editorial da Revista. 7.2 – ARTIGOS ORIGINAIS: a) PESQUISA – constará de relatos de investigações científicas concluídas. b) REVISÃO – abrangerá revisões de literatura sobre temas específicos. c) RELATO DE EXPERIÊNCIA/CASOS CLÍNICOS – incluirá descrições de atividades acadêmicas assistenciais e de extensão. d) REFLEXÃO – apresentará materiais de caráter opinativo e/ ou análise de questões que possam contribuir para o aprofundamento de temas relacionados à área a que se destina a revista. 7.3 – OUTRAS SEÇÕES – ENTREVISTA – espaço destinado a entrevistas com autoridades/especialistas/pesquisadores. OBS: Não serão aceitos resumos de trabalhos apresentados em Anais de Congressos, Dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado. 8. NORMAS DE APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS 8.1 – FORMATO – O trabalho deverá ser encaminhado em 02 (duas) vias. Na digitação deverá ser utilizado espaço 1,5; com margem esquerda 3 cm; margem direita (superior e inferior) 2 cm; letra Times New Roman, tamanho 12, observando a ortografia oficial, editor Word For Windows. O título deverá ser em caixa alta, negrito, espaço 1,5 simples e justificado. Os autores deverão estar abaixo do título do artigo, em negrito, espaço simples e em caixa baixa. O texto deverá conter seus respectivos títulos, de acordo com as características do trabalho (ex. Artigo de pesquisa: Introdução, Métodos, Resultados e Discussão etc.), formatados em caixa baixa, negrito. É obrigatório o envio de disquete ou CD-ROM na primeira etapa do trabalho. 8.2 – PADRÃO DE APRESENTAÇÃO – a) ARTIGOS ORIGINAIS – redigidos de acordo com as normas da Revista do CCS devendo conter no máximo 15 laudas de texto para artigos originais e 25 para revisões e observar o que segue: • Título do artigo em português (caixa alta) e inglês (caixa baixa) e entre colchetes.• Nome(s) completo(s) do(s) autor(es). Em nota de rodapé a(s) credencial(is) e local de atividade do(s) autor(es) (espaço 1,5 cm), e-mail para correspondência. • Resumo indicativo em português, de acordo com as normas da Revista do CCS, com até 100 palavras, em espaço 1,5. • Palavras-chave - palavras ou 95 Normas de publicação Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 95-98, jan./jun. 2011 expressões que identifiquem o artigo. Para determinação das palavras-chave consultar a lista de “Descritores em Ciências da Saúde – DECS-LILACS”, elaborada pela BIREME e/ou “Medical Subject Heading – Comprehensive Medline”. Texto – incluindo ilustrações (quadros, fotos, modelos, mapas, desenhos, gravuras, esquemas, gráficos e tabelas), com seus respectivos títulos e fontes (quando houver). Exceto gráficos e tabelas, todas as ilustrações deverão ser designadas como figuras. As despesas com os fotolitos de figuras somente coloridas serão de responsabilidade dos autores• Abstract – tradução do resumo em inglês, em espaço 1,5 cm. • Keywords – tradução das palavras-chave para o inglês. • As referências (Normas de Vancouver) no texto deverão ser numeradas consecutivamente de forma crescente e na ordem que aparecem no texto pela primeira vez, identificando assim os autores SOMENTE POR NÚMEROS. Portanto a numeração, no texto, deve ser em ORDEM CRESCENTE e SOBRESCRITO. NÃO LISTAR OS NOMES DOS AUTORES NO TEXTO. No setor de referências: (Normas de Vancouver) A listagem de referências deverá seguir a mesma ORDEM NUMÉRICA CRESCENTE do texto. NÃO COLOCAR OS AUTORES EM ORDEM ALFABÉTICA. • EXEMPLOS DE REFERÊNCIAS A) Artigos de revistas 1. Artigo padrão de revista: Listar os primeiros seis autores seguido por et al.Vega KJ, Pina I, Krevsky B. Heart transplantation is associated with an increased risk for pancreatobiliary disease. Ann Intern Med 1996;124:980-3.Mais do que seis autores: Parkin DM, Clayton D, Black RJ, Masuyer E, Friedl HP, Ivanov E, et al. Childhood-leukaemia in Europe after Chernobyl: 5 year follow-up. Br J Cancer 1996;73:1006-12. 96 2. Organização como autor? The Cardiac Society of Australia and New Zealand. Clinical exercise stress testing. Safety and performance guidelines. Med J Aust 1996;164:282-4. 3. Sem menção de autor: Cancer in South Africa [editorial]. S Afr Med J 1994;84:15. 4. Volume com suplemento: Shen HM, Zhang QF. Risk assessment of nickel carcinogenicity and occupational lung cancer. Environ Health Perspect 1994;102 Suppl 1:275-82. 5. Número com suplemento: Payne DK, Sullivan MD, Massie MJ. Women’s psychological reactions to breast cancer. Semin Oncol 1996;23(1 Suppl 2):8997. 6. Volume com parte: Ozben T, Nacitarhan S, Tuncer N. Plasma and urine sialic acid in non-insulin dependent diabetes mellitus. Ann Clin Biochem 1995;32(Pt 3):303-6. 7. Número com parte: Poole GH, Mills SM. One hundred consecutive cases of flap lacerations of the leg in ageing patients. N Z Med J 1994;107(986 Pt 1):377-8. 8. Número sem menção de volume: Turan I, Wredmark T, Fellander-Tsai L. Arthroscopic ankle arthrodesis in rheumatoid arthritis. Clin Orthop 1995;(320):110-4. 9. Sem menção de número nem de volume: Browell DA, Lennard TW. Immunologic status of the cancer patient and the effects of blood transfusion on antitumor responses. Curr Opin Gen Surg 1993:325-33. 10.Paginação em numeração romana: Fisher GA, Sikic BI. Drug resistance in clinical oncology and hematology. Introduction. Hematol Oncol Clin North Am 1995 Apr;9(2):xi-xii. 11.Indicação do tipo de artigo, se necessário: Enzensberger W, Fischer PA. Metrono- Normas de publicação Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 95-98, jan./jun. 2011 me in Parkinson’s disease [carta]. Lancet 1996;347:1337. Clement J, De Bock R. Hematological complications of hantavirus nephropathy (HVN) [resumo]. Kidney Int 1992;42:1285. 12.Artigo contendo retratação: Garey CE, Schwarzman AL, Rise ML, Seyfried TN. Ceruloplasmin gene defect associated with epilepsy in EL mice [retractação de Garey CE, Schwarzman AL, Rise ML, Seyfried TN. In: Nat Genet 1994;6:426-31]. Nat Genet 1995;11:104. 13.Artigo retratado: Liou GI, Wang M, Matragoon S. Precocious IRBP gene expression during mouse development [retractado em Invest Ophthalmol Vis Sci 1994;35:3127]. Invest Ophthalmol Vis Sci 1994;35:1083-8. 14.Artigo com erratum publicado: Hamlin JA, Kahn AM. Herniography in symptomatic patients following inguinal hernia repair [erratum publicado encontra-se em West J Med 1995;162:278]. West J Med 1995;162:28-31. B) Livros e outras monografias 1. Autor(es) individual: Ringsven MK, Bond D. Gerontology and leadership skills for nurses. 2nd ed. Albany (NY): Delmar Publishers; 1996. 2. Editor(es), compilador, como autor: Norman IJ, Redfern SJ, editors. Mental health care for elderly people. New York: Churchill Livingstone; 1996. 3. Organização como autor e editor: Institute of Medicine (US). Looking at the future of the Medicaid program. Washington: The Institute; 1992. 4. Capítulo de um livro: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78. 5. Livro de atos de conferência, congresso, encontro: Kimura J, Shibasaki H, editors. Recent advances in clinical neurophysiology. Proceedings of the 10th International Congress of EMG and Clinical Neurophysiology; 1995 Oct 15-19; Kyoto, Japan. Amsterdam: Elsevier; 1996. 6. Comunicação em conferência: Bengtsson S, Solheim BG. Enforcement of data protection, privacy and security in medical informatics. In: Lun KC, Degoulet P, Piemme TE, Rienhoff O, editors. MEDINFO 92. Proceedings of the 7th World Congress on Medical Informatics; 1992 Sep 6-10; Geneva, Switzerland. Amsterdam: North-Holland; 1992. p. 1561-5. 7. Relatório técnico ou científico: Publicado pela entidade financiadora ou patrocinadora: Smith P, Golladay K. Payment for durable medical equipment billed during skilled nursing facility stays. Final report. Dallas (TX): Dept. of Health and Human Services (US), Office of Evaluation and Inspections; 1994 Oct. Report No.: HHSIGOEI69200860. Publicado pela entidade executora: Field MJ, Tranquada RE, Feasley JC, editors. Health services research: work force and educational issues. Washington: National Academy Press; 1995. Contract No.: AHCPR282942008. Sponsored by the Agency for Health Care Policy and Research. 8. Dissertação: Kaplan SJ. Post-hospital home health care: the elderly’s access and utilization [dissertação]. St. Louis (MO): Washington Univ.; 1995. 9. Patente: Larsen CE, Trip R, Johnson CR, inventors; Novoste Corporation, assignee. Methods for procedures related to the electrophysiology of the heart. US patent 5,529,067. 1995 Jun 25. 97 Normas de publicação Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 30, n.1, p. 95-98, jan./jun. 2011 C) Outras publicações 1. Artigo de jornal: Lee G. Hospitalizations tied to ozone pollution: study estimates 50,000 admissions annually. The Washington Post 1996 Jun 21;Sect. A:3 (col. 5). 2. Material audiovisual: HIV+/AIDS: the facts and the future [cassette video]. St. Louis (MO): Mosby-Year Book; 1995 3. Texto legal: Legislação publicada Preventive Health Amendments of 1993, Pub. L. No. 103-183, 107 Stat. 2226 (Dec. 14, 1993). Legislação não promulgada: Medical Records Confidentiality Act of 1995, S. 1360, 104th Cong., 1st Sess. (1995). Code of Federal Regulations: Informed Consent, 42 C.F.R. Sect. 441.257 (1995). Audição: Increased Drug Abuse: the Impact on the Nation’s Emergency Rooms: Hearings Before the Subcomm. on Human Resources and Intergovernmental Relations of the House Comm. on Government Operations, 103rd Cong., 1st Sess. (May 26, 1993). 4. Mapa: North Carolina. Tuberculosis rates per 100,000 population, 1990 [demographic map]. Raleigh: North Carolina Dept. of Environment, Health, and Natural Resources, Div. of Epidemiology; 1991. 5. Livro da Bíblia: The Holy Bible. King James version. Grand Rapids (MI): Zondervan Publishing House; 1995. Ruth 3:1-18. 6. Dicionário e referências semelhantes: Stedman’s medical dictionary. 26th ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1995. Apraxia; p. 119-20. 98 7. Texto clássico: The Winter’s Tale: act 5, scene 1, lines 13-16. The complete works of William Shakespeare. London: Rex; 1973. Material não publicado. 8. Aguardando publicação: Leshner AI. Molecular mechanisms of cocaine addiction. N Engl J Med. Em publicação 1996. Material electrónico. 9. Revista em formato eletrônico: Morse SS. Factors in the emergence of infectious diseases. Emerg Infect Dis [serial online] 1995 Jan-Mar [cited 1996 Jun 5]; 1(1):[24 ecrans]. Disponível em: URL: http://www. cdc.gov/ncidod/EID/eid.htm 10.Monografia em formato eletrônico: CDI, clinical dermatology illustrated [monografia em CD-ROM]. Reeves JRT, Maibach H. CMEA Multimedia Group, producers. 2nd ed . Version 2.0. San Diego: CMEA; 1995. 11.Ficheiro de computador: Hemodynamics III: the ups and downs of hemodynamics [programa de computador]. Version 2.2. Orlando (FL): Computerized Educational Systems; 1993. 12. O(s) autor(es) deverão encaminhar o artigo para análise acompanhado de uma carta com os seguintes dizeres: (Cidade, data) À Comissão Editorial Revista de Ciências da Saúde Os autores abaixo assinados transferem com exclusividade, os direitos de publicação, na Revista de Ciências da Saúde do artigo intitulado: (escrever título do artigo) e garantem que o artigo é inédito e não está sendo avaliado ou foi publicado por outro periódico. (incluir nome completo de todos os autores, endereço postal, telefone, e-mail, fax e assinaturas respectivas).