Política de saúde no Brasil: reforma sanitária e ofensiva neoliberal

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Política de saúde no Brasil: reforma sanitária e ofensiva neoliberal
Política de saúde no Brasil: reforma sanitária e ofensiva neoliberal
Maria Inês Souza Bravo 1
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Eje Temático:
Palabras claves:
Resultados de investigaciones
Políticas Sociales y desarrolo em El contexto neoliberal y los
desafios para El Trabajo Social
Política de Saúde ; Projeto de Reforma Sanitária;
Neoliberalismo; Política de Ajuste; Contra Reforma do
Estado.
Apresentação
Pretende-se caracterizar a Política de Saúde, no Brasil, na atual conjuntura,
ressaltando as tensões e propostas entre os dois grandes projetos em confronto: o
Projeto de Reforma Sanitária - construído nos anos 80 e inscrito na Constituição Brasileira
de 1988 e o Projeto de Saúde articulado ao mercado ou privatista, hegemônico na
segunda metade da década de 1990.
O Brasil, nos anos 1980, com o processo de redemocratização, diferentemente de
diversos países da América Latina que já sofriam as influências da política de ajuste,
construiu um Projeto para a Saúde com a preocupação central de assegurar que o Estado
atue em função da sociedade, tendo como pressupostos centrais a universalização do
acesso, a descentralização com participação popular e a melhoria da qualidade dos
serviços.
Na década de 1990, o Projeto de Reforma Sanitária começa a ser questionado e
um outro projeto é construído tendo como características: o caráter focalizado para
atender às populações vulneráveis através do pacote básico para a saúde, a ampliação
da privatização e o estímulo ao seguro privado.
Neste período, enquanto o Projeto de Reforma Sanitária era contra-hegemônico
no Brasil começa a ser debatido e influenciar alguns intelectuais da Saúde, na América
Latina. A proposta brasileira, por ter sido construída através da articulação dos
trabalhadores de saúde com os movimentos sociais, tem sido considerada a mais ampla
reforma democrática na área.
O texto está organizado em três itens. O primeiro propõe colocar o cenário da
política de saúde nas décadas de 1980 e 1990, no Brasil, caracterizando os eixos centrais
1
Assistente Social – Professora Adjunta da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(FSS/UERJ) - Brasil, coordenadora do Projeto Políticas Públicas de Saúde da Faculdade de Serviço Social da UERJ.
Ponencia presentada en el XIX Seminario Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social. El Trabajo Social en la
coyuntura latinoamericana: desafíos para su formación, articulación y acción profesional. Universidad Católica
Santiago de Guayaquil. Guayaquil, Ecuador. 4-8 de octubre 2009.
1
dos dois projetos em disputa. O segundo vai referir-se a Política de Saúde no governo
Lula, nos dois mandatos, e o terceiro, procura levantar algumas reflexões frente aos
impasses vividos na atual conjuntura latino-americana, visando o fortalecimento dos
princípios do Projeto da Reforma Sanitária, tendo como horizonte o Projeto de
Democracia de Massas.
1. Projetos em Disputa na Saúde nos anos 1980 e 1990
A sociedade contemporânea tem vivido, desde a década de 1970, uma crise global
que tem como possibilidade real o retrocesso social e a barbárie. Manifestações
importantes dessa situação se expressam na crise do Estado de Bem-Estar e na crise do
chamado socialismo real - propostas que, cada uma a seu modo, procuraram soluções
para os antagonismos próprios à ordem do capital (Netto, 1993 e Bravo, 1998).
Nesse contexto de transformações e crises, considera-se que existiu no Brasil, nos
anos oitenta, em conexão com a dinâmica sócio-política e econômica internacional, dois
grandes projetos societários antagônicos: o da sociedade articulada sobre uma
democracia restrita que diminui os direitos sociais e políticos e o de uma sociedade
fundada na democracia de massas com ampla participação social conjugando as
instituições parlamentares e os sistemas partidários com uma rede de organização de
base salientando-se os sindicatos, as comissões de fábrica, as organizações profissionais
e de bairros, os movimentos sociais urbanos e rurais (Netto, 1990).
Esses dois grandes projetos societários têm repercussões nas diversas áreas das
políticas sociais. Na saúde, destaca-se o Projeto de Reforma Sanitária e o Projeto
Privatista.
O Projeto de Reforma Sanitária, construído na década de 1980, tem como uma de
suas estratégias o Sistema Único de Saúde (SUS) e foi fruto de lutas e mobilização dos
profissionais de Saúde, articulados ao movimento popular. Tem como preocupação
central assegurar que o Estado atue em função da sociedade, pautando-se na concepção
de Estado democrático e de direito, responsável pelas políticas sociais e, por conseguinte,
pela saúde. Como aspectos significativos destaca-se: democratização do acesso,
universalização das ações, descentralização, melhoria da qualidade dos serviços com
adoção de um novo modelo assistencial pautado na integralidade e eqüidade das ações
(Bravo, 1996). Sua premissa básica consiste na Saúde como direito de todos e dever do
Estado. O projeto de Reforma Sanitária propõe uma relação diferenciada do Estado com
2
a Sociedade, incentivando a presença de novos sujeitos sociais na definição da política
setorial, através de mecanismos como os conselhos e conferências.
O projeto saúde articulado ao mercado ou de reatualização do modelo médico
assistencial privatista, está pautado na Política de Ajuste que tem como principais
tendências a contenção dos gastos com racionalização da oferta; a descentralização com
isenção de responsabilidade do poder central e a focalização.
As reformas para o campo da saúde nessa ótica, ou contra-reformas, com afirmam
vários autores (Behring, 2003)2, têm apresentado como propostas: caráter focalizado para
atender às populações vulneráveis através do pacote básico para a saúde, ampliação da
privatização, estímulo ao seguro privado, descentralização dos serviços ao nível local,
eliminação da vinculação de fonte com relação ao financiamento (Costa, 1997). Percebese que a universalidade do direito – um dos fundamentos centrais do SUS e contido no
projeto de Reforma Sanitária – é um dos aspectos que tem provocado tensão e
resistência dos formuladores do projeto saúde voltada para o mercado.
Esse projeto tem como premissas concepções individualistas e fragmentadas da
realidade em contra-posição às concepções coletivas e universais do projeto contrahegemônico. Como estratégias da proposição privatista destaca-se a ênfase nas
parcerias com a sociedade, responsabilizando a mesma para assumir os custos da crise,
como também, a refilantropização, ou seja, a desprofissionalização com a utilização de
agentes comunitários e cuidadores para realizarem atividades profissionais.
2. A Política de Saúde no Governo Lula
Pretende-se oferecer alguns elementos para analisar a política de saúde do governo
Lula tendo por referência os dois mandatos.
A Saúde foi concebida no programa de governo, elaborado em 2002, no contexto
dos direitos sociais compreendidos na Seguridade Social, devendo ser financiada por
toda sociedade. Em defesa da vida e de um direito fundamental da pessoa humana, o
documento afirma que é meta do governo garantir acesso universal, equânime e integral
às ações e serviços de saúde. As principais propostas apresentadas são: garantir a
descentralização na gestão do SUS, com fortalecimento da gestão solidária; organizar um
Sistema Nacional de Informações em Saúde para suporte e monitoramento da gestão a
atenção à saúde; reorganizar o Ministério da Saúde com o objetivo de tornar sua estrutura
2
O termo reforma tem significado historicamente, proposições inovadoras e que visam a melhoria das condições de vida e
de trabalho das classes trabalhadoras.
3
horizontal; fortalecer os hospitais universitários; implementar uma política de pessoal do
SUS voltada para a humanização do atendimento; fortalecer os Conselhos de Saúde
(Palocci Filho, 2002).
As proposições apresentadas no programa são muito gerais. Entretanto, um
aspecto a ser considerado refere-se a concepção de Seguridade Social que, já no
programa, não é assumida na perspectiva da Constituição de 1988. As três áreas que
compõem a Seguridade Social: Saúde, Assistência Social e Previdência Social são
apresentadas separadamente, de modo fragmentado e há apenas a indicação da saúde
ser compreendida na perspectiva da Seguridade Social. Outra questão a ser salientada é
a não referência, no programa de governo, ao Projeto de Reforma Sanitária.
Os primeiros documentos do Ministério da Saúde, no início do governo, em 2003,
salientaram alguns desafios e diretrizes a serem enfrentados na área, a saber: incorporar
a agenda ético-política da Reforma Sanitária; construir novos modelos de fazer saúde
com base na integralidade, na intersetorialidade e na atuação em equipe; estabelecer
cooperação entre ensino- gestão- atenção- controle social; suprimir os modelos
assistenciais verticais e voltados somente para a assistência médica.
Identifica-se, já no primeiro governo Lula, a manutenção da política macroeconômica do governo anterior e a subordinação das políticas sociais a lógica econômica.
Há uma perpetuação dos principais fundamentos que nortearam a economia brasileira na
última década. Os elementos de continuidade podem ser visualizados pela política
cambial volátil, contratação de investimentos produtivos e altas taxas de juros com o
objetivo de favorecer o capital financeiro (Braz, 2004) 3.
Com relação à saúde, havia expectativa que o governo Lula fortalecesse o projeto
de reforma sanitária construído nos anos 1980 e que foi questionado na década de 1990,
havendo, no período, a consolidação do projeto de saúde articulado ao mercado ou
privatista, explicitado no item anterior.
O atual governo, entretanto, apesar de explicitar como desafio a incorporação da
agenda ético- política da reforma sanitária, pelas suas ações tem mantido a polarização
entre os dois projetos. Em algumas proposições procura fortalecer o primeiro projeto e, na
maioria de suas ações, mantém o segundo projeto, quando as ações enfatizam a
focalização e a precarização dos recursos humanos em decorrência do desfinanciamento.
3
Alguns autores ressaltam que houve aprofundamento da política anterior, com intensificação do ajuste fiscal que congelou
recursos para a obtenção de superávit fiscais superiores aos solicitados pelo FMI, com o objetivo anunciado de diminuir a
fragilidade externa da economia (Sader, 2004)
4
A focalização pode ser identificada pela centralidade do Programa Saúde da Família
(PSF), sem alterá-lo significativamente para que o mesmo se transforme em estratégia de
(re) organização da atenção básica em vez de ser um programa de extensão de cobertura
para as populações carentes. Nesta direção, precisa prover a atenção básica em saúde
para toda a população, tendo por objetivo a (re) organização do sistema e a articulação
com os demais níveis de assistência (média e alta complexidade), de acordo com os
princípios da integralidade e universalidade do SUS.
A precarização e terceirização dos recursos humanos4 evidencia-se a partir da
ampliação da contratação de agentes comunitários de saúde e a inserção de outras
categorias que não são regulamentadas: auxiliar e técnico de saneamento, agente de
vigilância sanitária, agentes de saúde mental5. A incorporação dos agentes comunitários
de saúde na equipe do PSF já foi polêmica gerando diversos debates centrados na
ausência de regulamentação da profissão como também da imprecisão de suas funções,
da precarização das contratações e da falta de concurso público para a seleção dos
mesmos que têm sido realizada, na maioria dos casos, com base em indicações político
partidárias6.
A questão do desfinanciamento é a mais séria, pois está diretamente articulada ao
gasto social do governo e é a determinante para a manutenção da política focal, de
precarização e terceirização dos recursos humanos.
O financiamento da saúde tem vivido nesses anos graves problemas tais como:
desvinculação da CPMF da receita do setor saúde até a sua exclusão; utilização
sistemática dos recursos do orçamento da Seguridade Social para garantir o superávit
primário das contas públicas; decisão do Presidente da República, orientado pelos
Ministros do Planejamento e da Fazenda de ampliar o conteúdo das “ações de serviços
de saúde” incluindo gastos com saneamento e segurança alimentar. Outro aspecto central
é a desvinculação de receitas da união (DRU) com a utilização de 20% dos recursos
arrecadados de impostos e contribuições sociais para pagamento da dívida pública.
4
Com relação à precarização dos recursos humanos, o Conselho Nacional de Saúde aprovou, em março de 2005, uma
Resolução contrária a terceirização e dando um prazo até março de 2006 para a realização de concurso público para a
saúde.
5
No decorrer do processo de implementação da política têm sido explicitada a necessidade de outras categorias
profissionais além das me ncionadas: agentes indígenas de saúde, agentes indígenas de saneamento, agentes da dengue,
técnico em higiene dental, auxiliar de consultório dentário, agente de saúde ambiental, agentes de redução de danos,
técnico de farmácia e auxiliar de farmácia (Relatório Preliminar da 12ª CNS, 2004).
6
Uma primeira questão relativa a esse debate já foi resolvida, ou seja, a profissão já teve sua regulamentação, mas as
demais não. A contratação dessas outras categorias sem equalizar as questões referentes aos agentes comunitários é uma
ameaça à qualidade dos serviços prestados pelo SUS.
5
O Plano de Governo 2007-2010 divulgado pelo candidato Lula não apresenta um
compromisso com a Reforma Sanitária uma vez que não menciona alguns eixos
considerados centrais, a saber: controle dos planos de saúde, financiamento efetivo e
investimentos, ação intersetorial e política de gestão do trabalho (Paim, 2008).
Na composição do segundo governo Lula, é escolhido para ministro da saúde um
sujeito político que participou da formulação do Projeto de Reforma Sanitária nos anos de
1980. Em seu discurso de posse, o ministro José Gomes Temporão afirma que há uma
tensão permanente entre o ideário reformista e o projeto real em construção, assim como
aspectos culturais e ideológicos em disputa como as propostas de redução do Estado, de
individualização do risco, de focalização, de negação da solidariedade e banalização da
violência.
O ministério da saúde, entretanto, não tem enfrentado algumas questões centrais
ao ideário reformista construído desde meados dos anos setenta, como a concepção de
Seguridade Social, a Política de Recursos Humanos e/ou Gestão do Trabalho e Educação
na Saúde e a Saúde do Trabalhador. Apresenta, por outro lado, proposições que são
contrárias ao projeto como a adoção de um novo modelo jurídico-institucional para a rede
pública de hospitais, ou seja, a criação de Fundações Estatais de Direito Privado.
A proposição mais preocupante é a criação das Fundações Estatais cujo debate
está mais avançado na saúde 7, mas pretende atingir todas as áreas que não sejam
exclusivas de Estado, tais como: saúde, educação, ciência e tecnologia, cultura, meio
ambiente, desporto, previdência complementar, assistência social, dentre outras8.
Algumas questões podem ser levantadas com relação a esta proposta, tendo por
referência à saúde: as fundações serão regidas pelo direito privado; tem seu marco na
“contra-reforma” do Estado de Bresser Pereira/FHC; a contratação de pessoal é por CLT,
acabando com o RJU (Regime Jurídico Único); não enfatiza o controle social, pois não
prevê os Conselhos Gestores de Unidades e sim Conselhos Curadores; não leva em
consideração a luta por Plano de Cargo, Carreira e Salário dos Trabalhadores de Saúde;
não obedece as proposições da 3ª Conferência Nacional de Gestão do Trabalho e
Educação na Saúde, realizada em 2006; fragiliza os trabalhadores através da criação de
Planos de Cargo, Carreira e Salário por Fundações.
7
Na saúde este debate inicia-se com a crise da saúde no Rio de Janeiro e teve impulso com a criação e elaboração, pela
equipe de trabalho constituída pelos Ministérios do Planejamento e Saúde com a participação de professores da Escola
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/FIOCRUZ), Instituto de Direito Sanitário Aplicado (IDISA), Sunfeld
Advocacia/SP, do documento que foi apresentado, inicialmente, no Congresso da ABRASCO, em 2006.
8
Em 2007, é apresentado ao Congresso Nacional Brasileiro, pelo Poder Executivo, o Projeto de Lei Complementar n° 92/07
que propõe a criação das Fundações Estatais de Direito Privado para todas as áreas que não sejam exclusivas do Estado.
6
Os movimentos sociais têm reagido a esta proposição. Em 2007, o Conselho
Nacional de Saúde se posicionou contrário na sua reunião do mês de junho 9. Neste
mesmo ano, foram realizadas Conferências Estaduais em todos os Estados brasileiros e a
13ª Conferência Nacional de Saúde - maior evento envolvendo a participação social no
país. Em todas estas conferências a proposta de criação das Fundações de Direito
Privado foi rejeitada.
A questão preocupante após a 13ª CNS é o fato do Ministro da Saúde não aceitar
a decisão da mesma com relação ao Projeto de Fundação Estatal de Direito Privado,
continuando a defendê-lo e mantê-lo no Programa Mais Saúde, conhecido como PAC
Saúde apresentado à nação e ao Conselho Nacional de Saúde, no dia 5/12/2007.
O Programa Mais Saúde apresenta quatro pilares estratégicos, a saber: Promoção
e Atenção – que envolve ações de saúde para toda a família, desde a gestação até os
idosos; Gestão, Trabalho e Controle Social – que pretende qualificar os profissionais e
gestores, formar recursos humanos para o Sistema Único de Saúde (SUS) e garantir
instrumentos para o controle social e fiscalização dos recursos. Neste item a proposta
central é a criação da Fundação Estatal de Direito Privado; Ampliação do Acesso com
Qualidade – que pretende reestruturar a rede, criar novos serviços, ampliar e integrar a
cobertura no SUS; Desenvolvimento e Inovação em Saúde – que trata a saúde como um
importante setor de desenvolvimento nacional, na produção, renda e emprego.
Na atual conjuntura, fica a indagação de como ampliar a participação social se um
dos seus mecanismos como os conselhos e conferências estão sendo banalizados e suas
propostas não estão sendo respeitadas.
Em 2009, o governo apresenta à Câmara dos Deputados a proposta de Reforma
Tributária na qual propõe profundas alterações no sistema tributário nacional. Tal
proposta traz graves conseqüências ao financiamento das políticas sociais no Brasil,
ameaçando de forma substancial as fontes exclusivas que dão suporte às políticas da
Seguridade Social (Previdência, Saúde e Assistência Social), Educação e Trabalho.
A análise que se faz após o primeiro governo Lula e os encaminhamentos do
segundo mandato é que a disputa entre os dois projetos na saúde – existentes nos anos
de 1990 – continua. Algumas propostas procuram enfatizar a Reforma Sanitária, mas não
tem havido vontade política e financiamento para viabilizá-las. O que se percebe é a
9
O Pleno do Conselho Nacional de Saúde (CNS) decidiu pelo debate da proposta uma vez que o ministro Temporão já
havia admitido durante a reunião de maio de 2007, do Conselho Nacional que o projeto, ainda em fase de construção,
seguiria direto para o Congresso Nacional onde ocorreria o debate e não passaria pelo Conselho.
7
continuidade das políticas focais, a falta de democratização do acesso, a não viabilização
da Seguridade Social e a articulação com o mercado, através do mix público-privado.
Com relação ao movimento sanitário, o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
(CEBES), a partir de 2008, tem procurado debater alguns eixos temáticos que considera
importante para a atualização da agenda da Reforma Sanitária brasileira, a saber:
Participação Social; Seguridade Social; Mix Público-Privado; a Determinação Social do
Processo Saúde-Doença.
Ressalta-se a amplitude dos debates e a ênfase na divulgação dos resultados dos
eventos através de publicações e boletins informativos. Evidencia-se, entretanto, a
modificação do referencial teórico que foi hegemônico nos anos oitenta. A proposta de
Reforma Sanitária teve como grande influência teórica o marxismo, primordialmente
através das elaborações de Gramsci e de um de seus seguidores Berlinguer, autor
principal da Reforma Sanitária Italiana que teve grande repercussão no movimento
brasileiro. Na atualidade, a direção do CEBES tem destacado que o marxismo é apenas
uma as múltiplas teorias críticas que permitem ter uma posição politicamente
comprometida com a mudança social10.
Na nossa análise, o que se evidencia com esta posição é que há a defesa do
pluralismo, mas sem hegemonia da teoria social crítica, o que pode levar ao ecletismo.
Esta posição vai influenciar na direção social do Projeto da Reforma Sanitária que passa
a ser orientado pela social-democracia, perspectiva dos autores referidos que não tem
como preocupação a superação do capitalismo. A concepção anterior, construída a partir
de meados dos anos setenta, tinha como horizonte a emancipação humana que só seria
alcançada com o socialismo.
3. Considerações Finais
A análise da política de saúde nos dois mandatos do governo Lula identifica a
persistência de notórias dificuldades com relação ao sistema cabendo destacar: a lógica
macro-econômica de valorização do capital financeiro e subordinação da política social à
mesma, encolhendo os direitos sociais e ampliando o espaço do mercado; a falta de
viabilização da concepção de Seguridade Social; sub-financiamento e distorções nos
gastos públicos influenciado pela lógica do mercado; a desigualdade de acesso da
10
Argumenta que a crise do pensamento e do movimento marxista é profunda e ocorre em escala planetária. A direção da
entidade reconhece como legitimas todas as correntes do pensamento que têm em comum o fato de salientarem os
aspectos da autonomia da ação do sujeito, da ética e da intersubjetividade comunicativa e como autores relevantes são
apontados: Heller, Arendt, Habermans, Bourdier, Taylor, Giddens, Rorty, entre outros (CEBES, 2009).
8
população ao serviço de saúde com a não concretização da universalidade; o desafio de
construção de práticas baseadas na integralidade e na intersetorialidade; os impasses
com relação a gestão do trabalho e educação, com a precarização dos trabalhadores e a
não definição de um plano de cargos, carreiras e salários; os avanços e recuos nas
experiências de controle social e participação popular, face a não observância das
deliberações dos conselhos e conferências e a falta de articulação entre os movimentos
sociais; modelo de atenção à saúde centrado na doença; modelo de gestão vertical,
burocratizado, terceirizado, com ênfase na privatização e para o seu enfrentamento, são
apresentadas propostas contrárias ao SUS como as Fundações Públicas de Direito
Privado e o ressurgimento das Organizações Sociais; o avanço da privatização em
detrimento do serviço público eminentemente estatal, através das parcerias públicoprivadas; a precarização dos serviços públicos e o não privilegiamento da atenção
primária de saúde.
Todas essas questões são exemplos de que a construção e consolidação dos
princípios da Reforma Sanitária, construída na década de 1980, permanecem como
desafios fundamentais na agenda contemporânea do setor.
O movimento sanitário, constituído de intelectuais da saúde coletiva e de alguns
históricos que participaram de sua construção nos anos 1980, não tem se articulado com
os demais movimentos sociais, como ocorreu no seu início. Identifica-se um pluralismo
teórico, com a preocupação de utilizar abordagens não marxistas, o que tem influenciado
nas suas posições políticas.
Neste cenário, os conselhos de saúde 11 têm tido um protagonismo, contando como
principal articulador o Conselho Nacional de Saúde (CNS). Vários debates, seminários,
notas públicas têm sido elaboradas e divulgadas. Uma agenda política foi aprovada pelo
CNS, para o ano de 2009, com as seguintes prioridades: mobilização nacional pela
repolitização do Sistema Único de Saúde; implementação da Política de gestão do
trabalho que elimine a precarização do trabalho em todas as suas formas e que
estabeleça a valorização do trabalho; inversão do modelo de atenção vigente, resgatando
o sistema pautado na estruturação de uma rede pública de proteção e promoção da
saúde com equipes multiprofissionais, exercendo a atenção primária em sua plenitude;
ampliação e democratização do financiamento do SUS; reversão da privatização do
sistema, estruturando e aperfeiçoando a rede pública estatal; qualificação e fortalecimento
11
Cabe destacar, entretanto, a partir de diversos estudos realizados por Bravo (2006) que a maioria dos conselhos não tem
tido um potencial político significativo.
9
do controle social e dos Conselhos de Saúde em todo o país; construção da
intersetorialidade, nas três esferas de governo; realização do debate a respeito do
complexo produtivo da saúde como elemento indissociável do Sistema Único de Saúde;
implementação e fortalecimento da humanização como instrumento vital e fundamental
para viabilizar e fortalecer o SUS de acordo com seus princípios.
Cabe destacar como fato político importante para a articulação dos movimentos
sociais, o III Fórum Social Mundial da Saúde, ocorrido em Belém do Pará/Brasil, em
janeiro de 2009, que elaborou uma agenda política procurando envolver os diversos
sujeitos sociais e coletivos. Como aspecto central foi evidenciado o questionamento do
sistema atual de acumulação capitalista concentrador de renda, excludente e construtor
de inaceitáveis desigualdades.
Este fórum ressaltou como desafio a construção de um amplo movimento contrahegemônico na defesa de um novo processo civilizatório que retome o ideário de
construção do socialismo como processo de radicalização da democracia e de
emancipação humana e política. A garantia da Seguridade Social universal, integral, com
justiça social e equidade é um valor estratégico desse processo. O universalismo deve
implicar a garantia do acesso a todas as pessoas a partir do financiamento efetivo do
Estado e não pode ser flexibilizado. Para avançar na mobilização foi convocada a I
Conferência Mundial pelo Desenvolvimento dos Sistemas Universais de Saúde e de
Seguridade Social a ser realizada, em Brasília/Brasil12.
Considera-se fundamental esta agenda de mobilização e construção da
consciência sanitária, pois só o aprofundamento da democracia nas esferas da economia,
da política e da cultura e a organização dos movimentos sociais poderão fazer face a
crise estrutural do capitalismo.
No Brasil tem-se como desafio ampliar a mobilização através de um amplo
movimento de massas que defenda as propostas do Fórum e participe efetivamente da
Conferência Mundial.
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A data inicial prevista foi novembro de 2009, mas está sendo repensada face as diversas questões conjunturais e
operativas.
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12