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SEARA NOVA EDITOR: JOSÉ BACELAR DIRECTOR: CÂMARA REYS ·CORPO OIRECTJVO: Câmara Hegs, jalme Cortesão e ~armento Plrnentel. AntiSIO Director: Haúl Proença (19'Jl-lll41), PHUPHIETAHIA E EDITORA: Empresa de Publicidade SEAHA NOVA REDACÇÃO E ADMINISTRAÇÃO- RUA DA ROSA, 242, x.o. Telefone, 23547 IMPRENSA VISADO P E L A Composição e Impressão: LIBANIO DA SILVA, Travessa do Fala ·Só, 24 COMISSÃO J) E CENSURA ÍNDICE Pág. Jaime Cortesão-Egas Moniz; Gago Coutinho; Joaquim de Canalho; Mário de Castro ........................................ · ... · ... · ·. Um Homem, um Poeta, utn Sdbio-João de Barros..................... Um Companheiro- Azevedo Gomes................................... Página de Memórias- Câmara Reys................................... Reencontro com Jaime Cortesão- Aquilino Ribeiro..................... Regresso- Miguel Torga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Uma grande figura da R e-nascença- Veiga Pires . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Encontro com Jaime Cortesão- Hernâni Cidade........................ Portugueses emigrados políticos no Brasil- João Sarmento Pimentel.... O movimento da Renascença Portuguesa e os seus ideais. A acção de Jai'me Cortesão nesse movimento- Sant'Anna Dionísio................... Uma visita à lbituruna- José Rodrigues Miguéis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Um preito e um voto a Jaime Cortesão- Vitorino Nemésio.............. Jaime Cortesão, soldado- Augusto Casimiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Sobre indivíduo e sociedade como elementos de explicação histórica- Joel Serrão ......................................................... . Jaime Cortesão e a sua última obra («A figura e a obra de Alexandre de Gusmão») -Armando Marques Guedes .......................... . O Verdadeiro Romance da Nau Catarineta- António Frois ............ . Em resposta, e gratamente, a Jaime Cortesão- Sant'Iago·Prezado ....... . Nota àcerca da poesia de Jaime Cortesão- David Mourão-Ferreira ...... . Jaime Cortesão, o Clerc- A. Lobo Vilela ............................. . Acerca da representação do Brast'l no plant'sfério dito de Cantina- Visconde de. Lagoa ...................................................... . Jaime C artesão 1zo Brasil- Henrique de Barros ....................... . Jaime Cortesão, Dramaturgo- João Pedro de Andrade ................. . Cortesão e a Historiografia Portuguesa- Jorge de Macedo ............. . Para a biografia de /ai me Cortesão- Ricardo Saraiva ................. . 183 184 184 185 187 189 190 193 195 198 201 203 205 206 208 2Il 2II 212 215 217 220 221 223 225 JAIME CORTESÃO Já à saída da Escola manifestou na tese de formatura a sua orientação na vida. E,. colega. Intitulou-a Arte e Medicina e a Arte tinha precedência. Contudo exerceu a profissão quando, alistando-se como voluntário da Grande Guerra, fez a campanha da Flandres como capitão-médico. Foi gravemente ferido em combate e ostenta a condecoração da Cruz de Guerra. A medicina, porém, não o interessou _demasiadamente. A poesia seduziu-o e deixa preciosos livros de versos desde «A Morte da Aguia», publicado no ano que alcançou a carta de doutor (1909) até à «Divina Voluptuosidade», de 1923, e à «Missa da meia noite», de 1940. Também triunfou no teatro com peças representadas em Lisboa, e, entre elas, a primeira é flecha a in.dicar o caminho definitivo em que havia de tornar-se valor máximo na historiografia brasileira. E por isso orgulho da Pátria onde nasceu, com que amigos e admiradores muito se ufanam. Exilado no estrangeiro, deambulou por Espanha, França, Bélgica e Inglaterra, já definitivamente dominado pela investigação histórica, pedestal da sua glória, a que dava a máxima actividade, perscrutando o que sobre o nosso país e Brasil havia em bibliotecas e arquivos, frequentando Congressos onde a sua palavra era sempre apreciada e os seus conhecimentos disputados pelos que queriam aproveitar-se da sua vasta erudição. Com invulgar bagagem informativa chegou ao Brasil, que o acarinhou e onde hoje disfruta uma invejável situação. No Rio de Janeiro firmou os seus créditos de grande historiador, e tanto que o convidaram a preleccionar no Itamarati sobre História da cartografia do Brasil e História da formação territorial da grande República irmã. Ultimamente os seus reconhecidos méritos foram utilizados para obra de tomo, de que o governo brasileiro o incumbiu, dando-lhe a categoria que merece. Ligado ao Instituto Rio Branco, ali iniciou a publicação da obra monumental «Alexandre de Gusmão e o tnrtado de Madrid», escrita na linguagem sóbria e elegante em que historiador e literato se ligam na formação do monumento histórico que ficará, através dos tempos, como pedra fundamental do estudo das origens do Brasil e da América do Sul. A minha admiração por Jaime Cortesão não se limita à sua obra de historiador, de poeta, de autor teatral, da sua propaganda educativa, que vai da literatura infantil às «Cartas à Mocidade», dos seus contos, narrativas de viagens, e às notáveis «Memórias da Grande Guerra»; ao literato enfim que soube marcar lugar de grande relevo nas diversas modalidades das letras pátrias. Há mais alguma coisa que sobrevoa a sua obra magnífica: o seu carácter, a sua honestidade e a sua coerência numa existência de lutas e canseiras, sempre ligado aos princípios que lhe dirigiram os passos pelo caminho da rectidão, e que, apesar de acerbas contrariedades, o levaram ao apogeu da fama na ciência histórica dos nossos tempos. EGAS MoNIZ * ÜCUPADO há bastantes anos no estudo «náutico» dos Descobrimentos Marítimos, já encontrei, «caçando no mesmo terreno», o senhor Dr. Jaime Cortesão. O critério simplista que venho notando em alguns Publicistas- para quem todo o sucesso é explicado apenas por navegações «a acertar», em obediência cega a ordens de chefes autoritários e ignorantes- tal critério tem sido substituído pelo critério humano e verosímil que, sem me atrever a elogiar, eu sinceramente admiro nos escritos e conferências do Dr. Jaime Corteião. Tal é o caso do seu estudo documental da viagem de Cabral, assim como o da intervenção portuguesa nas «Américas», desde as primitivas navegações para a «Terra-Nova», até à nossa ocupação. Assim justifico a minha admiração por esse ramo da Actividade do Dr. Jaime Cortesão. Lisboa-Novembro. GAGO Cou'fJNHO * (Publicista marítimo) ADMIRO e prezo em Jaime Cortesão a dignidade moral, o portuguesismo visceral e insatisfeito e a actividade intelectual impregnada de consciência histórica. Outros terão feito historiografia com mais profundo sentido vertical ou com mais amplo desenvolvimento monográfico, mas só Jaime Cortesão logrou fazer História dos Descobrimentos em on!em a uma perspectiva que, a um tempo, os engloba e explica. E isto que a meu ver confere singularidade à sua posição na actual Cultura Portuguesa. JoAQUl\t DE CARVALHO Coimbra, 27 de Nov. de I9J2. * LíDIMA figura de Plutarco, lhe chamou Aquílino. E realmente tem a grandeza de um Cúmulo: o Cúmulo da sua requintada hombridade. A este e àquele se vai para admirar uma ou outra virtude ou talento; em Jaime Cortesão admira-se um vulto inteiro. Na perspectiva do actual momento histórico português eleva-se como do fundo de uma planura uma eminência soberba. ' Seria impossível resistir~ sugestão de vê-lo um dia a presidir aos destinos de um povo livre. II de Nm•embro dr I 952 . M \RIO n1. CASTRO UM HOMEM, UM POETA~ UM SABIO Por JOÃO DE BARROS SEMPRE estimei, admirei e respeitei Jaime Cortesão. Poeta e dramaturgo, pensador e homem de acção, sábio e patriota, nunca faltou ao que deve aos seus prin~ípio~ e a si-mesmo. Em toda a parte onde esta, seJa na paz, seja na guerra~ herói que foi no terrível prélio de 1914-I9I8 -, seja em Portugal, seja no estrangeiro, mantem-se e manteve-se, a cada passo, fiel aos nobres imperativos da sua consciência. O seu amor à Liberdade- é disciplina interior. A sua dedicação à terra e ao povo lusíadas- condu-lo a todo o momento. Sereno de palavras e de atitudes, a sua alma alimenta-se de idealismo veemente, que em nenhuma circunstância, em nenhuma oportunidade deixa de inspirá-lo. Caminha na vida com a segurança e a firmeza dos fortes. Em tudo é mestre e exemplo. Tem sofrido muito, tem atravessado horas de insofreáveis dores. Mas não ·esquece nunca, na coragem singela duma existência vitoriosa, que «O mistério do sorriso vale mais de que o segredo das lágrimas». Moralmente, um homem completo. Mentalmente, uma inteligência a· cuja alta compreensão não são estranhos os mais árduos pro- UM blemas da História nacional e unÍ\·er.sal que e~e estuda, critica., observa e resolve com e~cep cwnal competência e rara erudição. Os serviços qu~, ~o Brasi.l, ve.m prestando a Portugal e ao pr_opno Brasll cnaram-lhe uma situação proeminente na cultura dos dois países. Ninguém o excede, ninguém se lhe compara hoJ· e e no l I ' passa d o, so. R'Icar d o s evero, na missão desinteressada, que se impôs, de consolidar de cimentar assi~ _a amizad~ luso-br~sileira . Não conheço outra, alias, de maiOr e mais prática eficiência e de consequ ências mais. perduráveis. Procla~ má-lo, e agradecer a Jaime Cortesão, essa grande e esplêndida .realidade do seu trabalho e esforço constan.tes, eis o que a todos nós, àquem e além-Atlântico nos cumpre fazer. E, não o duvidemos: -o futuro, a posteridade, não virão :;enão tornar mais patente ainda, a glória que já cabe ao cid.adão insigne, e que a pura justiça manda e exige que não se lhe negue, tanto a merece e tanto o dignifica, tanto da sua obra ela irradia, para honra, orgulho e prestígio de Portugal. Xl-I9J2 COMPANHEIRO Por AZEVEDO GOMES pARECE-ME que aos olhos dos antigos companheiros surge, nesta gostosa visita à pátria comum, o vulto de Jaime Cortesão como que engrandecido. Será que se fhe aprimoraram as qualidades que o distinguem e que, através da vida que tem levado longe de nós, lograram sublimar-se os dotes, assim intelectuais como afectivos, que dão relevo à sua inconfundível personalidade. Será, também e mais simplesmente, que o afastamento que lhe coube em sorte, pelo favor do conhecido efeito da distância, no-lo apresenta agora -liberto das contingências internas, dos contactos e atritos donde podem bem resultar o apoucamento e o próprio desprestígio- como cidadão isento de toda a culpa. O certo é que se nos revela, sob todos os aspectos, sumamente agradável o encontro, embora fortuito, com este português de lei que vem servindo, fóra, com tanto dignidade, a nossa política do espírito, dando rara expressão à cultura nacional e, nas lições que em cursos sucessivos vem fazendo aos futuros diplomatas brasileiros, marcando com traços indeléveis o valor da nossa gente, o significado histórico desta Nação. Sob todos os aspectos, repito, o encontro traz prazer e desusado conforto. Mas, o principal motivo de júbilo, pelo menos para os que são da mesma geração e que ao lado de Jaime Cortesão lidaram com o entusiasmo que acende nas almas a devoção cívica, afigura·se-me precisamente ser aquilo que evoca a sua presença entre nós: a confiança ilimitada em determinados princípios normativos do viver social; o amor que não cansa da liberdade e da justiça; a esperança que não morre de conseguir-se uma dignificação humana generalizada; a persistência e julgar eficaz o desenvolvimento metódico duma acção educativa; a firmeza no propósito d~ continuar lutando no campo daquelas reivindicações que conduzem aos fins superiores da referida dignificação. Horas de sobressalto, vividas acaso em out~os climas, com ambientes di versos, passos da vida a que se não regressa, energias que se desbaratam num caudal de abundância de que só minguadas parcelas conseguem a ventura duma eficiência incontestável, tudo o que faz a trama duma existência que foi forçada ao desassossego e à instabilidade, tudo isso bem pode agora, por instantes ao menos, recalcar-se e acomodar-se, para que entretanto voltem, como nos melhores dias, a darem-se as mãos os companheiros que sobrevivem e para que todos tornemos, nesses instantes de elevação espiritual, à visão generosa daquele futuro humano .•. que nos escapa das mãos, que parece fugir-nos, mas que nem por isso deixará de ser esplêndida realidade de algum dia! , ONTEM E HOJE / PAGINA DE MEMORIAS Por CÂMARA REYS NAO conheci Jaime Cortesão, em 1902, quando frequentei o I.0 ano de Direito e ele o 0 I. ano de Matemática e Ciências, em Coimbra. Só quase dez anos depois, em I9II, ouvi falar, creio que a Silva Passos, com o maior elogio, da sua tese sobre «A Medicina e a Arte». Devemos ter-nos conhecido em 1912, quando houve uma reunião em Lisboa, à Praça Camões, para a reorganização da Renascença Portuguesa. Segui na «Aguia», com viva admiração, a sua actividade de colaborador, em prosa · e verso, e nessa Re vis ta se publicou o célebre estudo de Fernando Pessoa, sobre a poesia portuguesa, em que citava Jaime Cortesão, a par de Pascoais, como dois dos poetas que anunciavam o advento dum super-Camões. Sentiria esse grande fingidor a sério, em si próprio, o poder criador duma tal missão? Lembro me duma conversa que tive com Pessoa, quando publicou «Mensagem», sobre o carácter epigramático dos seus pequenos poemas épicos, ainda que muito belos, de curto fôlego, em comparação com o caudal, impetuosamente avassalador, duma grande epopeia - «Ilíada», «Divina Comédia», «Lusíadas», «Lenda dos Séculos». Mas quando comecei a sentir, ainda que indirectamente, o influxo da poderosa individualidade de Jaime Cortesão, foi cerca de 1916, quando ele e Leonardo Coimbra vieram para Lisboa. Urna vez, na Reitoria do Gil Vicente, ao entrar, deparei com um homem hercúleo e gordo, de cara rapada e cabeleira puxada para a nuca, que me deu, de chofre, a ideia dum abade do Minho. Era Leonardo Coimbra. Trazia ainda a dolorosa recordação, muito recente, do seu fracasso na Faculdade de Letras e na contenda com Silva Cordeiro. Com ele convivi, dia a dia, durante cerca de três anos. José Gomes Ferreira recordou há dias, ao memorar-Pascoais, o que foi o escol de professores que o acaso juntou, a esse tempo, no Liceu recern-criado. Le~brou, além de Coimbra, Newton de Macedo, Angelo Ribeiro, Damião Peres. Poderia juntar-lhes Luís Cardim, Afonso Duarte, que . publicara, havia pouco, o «Cancioneiro das Pedras», Joaquim Madureira, Lúcio Pinheiro dos Santos. Na sala dos professores, fazendo ângulo sobre Santa Engrácia, nos intervalos curtos de aula para aula, Coimbra exibia a sua «verve~, o seu ~humorismo » , em que ao proselitismo dum Sócrates se misturava o optimismo risonho duma espécie de bonomia falstafiana. Sempre achei da maior curiosidade o contraste entre a sua imperturbável alegria e o carácter em geral soturnamente rneditabundo dos seus sequa.zes e discípulos. Falando da morte, dizia: «E a última curiosidade do filó- - sofo». Nos exames, dissertava todo o tempo e dizia no fim: «Vá-se lá embora. Eu andei muito bem». E, voltando-se para o presidente do Júri, rematava: «Dez valores». Metia-se muito com o Paiva, autor do «Mitraismo». Pegava nele por debaixo dos braços e levava-o, a espernear, até junto da janela de sacada, ameaçando atirá-lo de vinte metros de altura, sobre os terrenos vagos da cêrca. Outras vezes, provocava sizânias entre ele e o professor de ginástica, Oliveira. Também debicava com o Afonso Duarte, que, já magrinho, seco e amarelo como uma tocha, logo se empertigava, pronto para a luta. Duma feita, lembro-me de intervir, advertindo-o: «Tome cautela, Coimbra, olhe que este homem faz chorar as pedras». Igualmente se divertia, às vezes, comigo. Numa festa escolar, no jardim do Patriarcado, os rapazes puseram-nos amàvelmente cadeiras debaixo duma árvore frondosa. Coimbra logo me picou, embora afável: «Que ideia literária lhe dá esta árvore, ó C. R. ?» «De que mergulha as raízes no húmus e a copa no Cosmos». Coimbra càrou e riu. A esse tempo, não havia discurso seu em que o Cosmos não viesse à baila, e o vulgo alvar apelidava os seus discípulos de «cosméticos~. U:q1a manhã, abriu uma carta de Unamuno diante de mim e vi-lhe nos olhos uma expressão radiante: «Unamuno faz-me aqui um elogio! ... ~ Mas logo murmurou: «Não, não é bem o que eu supunha. Diz-me que a minha filosofia é tal qual a pode conceber um peninsular». Quando me ofereceu o «Criacionismo~, preguntei-lhe, sem sombra de ironia, que relaç~o havia a estabelecer entre esse livro e a «Evolution créatrice~. Respondeu-me, corando: «Devo muito à obra de Bergson». Lembro-me ainda que Cardim nos juntou num passeio largo, que nos fez deitar até Xabregas e Cheias. No silêncio e na fadiga final da excursão, mergulhando penosamente os pés na terra húmida, ele citou uma frase de Jaures, que tanto admirava: «}e marchais en profondeun. Eu andava a esse tempo positivamente ensopado em Anatole France. Nele lhe falei e disse-me, sem entusiasmo, que lera a «Thai:s~. Dava-me a impressão de que lia pouco e, por isso, se limitava, lógica e inteligentemente, aos grandes monumentos da literatura e da filosofia. Os professores mais novos que nós uns dez anos, e os alunos mais espertos, giravam, deslumbrados, na sua órbita avassaladora. O encantador e desditoso Manuel Duarte, alma duma sensibilidade vivíssima, veio um dia desabafar comigo, de lágrimas nos olhos, julgando-se desdenhado e desconsiderado pelo Mestre. Creio rBs- , que uma palavra amiga, de intermediário, desfez o mal-entendido. Porque, esse humorista jovial e às vezes contundente, era também duma delicadeza afectuosíssima. Quando, ao realizar uma conferência, no salão rla Trindade, houve tumulto e a polícia matou um homem, oferecemos·lhe, amigos e admiradores, um jantar, e ele encheu-me de confusão e orgulho, no começo do seu discurso: «Há aqui uma pessoa que quero saúdar primeiro, porque não ;!parece muitas vezes nas horas de festa e alegria, mas nestes momentos nunca falta ... ~ Ofereceu-me a hospitalidade da casa de Baleizão, onde passara o seu noivado, e se de lá fugimos, ao cabo de dois dias, não foi culpa sua, de estarem os sobrados a desabar, abrindo-se ern alçapões, e ter-se desertcadeado a mais pavorosa trovoada, com vizinhos assombrados, aos gritos, e a repercutirem-se os trovões no imponente anfiteatro das montanhas da Lixa. Quando foi ministro, se assisti a uma cena violentíssima, - entre o visconde de Pedralva e um outro personagem eleitoral,-que ele seguia a fungar como um garoto, foi lá também que vi uma comissão de professoras oferecer-lhe um ramo de flores, ouvin-do-lhe o mais enternecido improviso de agradecimento. Não havia sombra de retórica, de literatura, de propósito oratório. Não fixei uma só palavra. Tenho a impressão de que o grande artista que era Leonardo Coimbra, ao aceitar o ramalhete, realizou um novo milagre das rosas. Transformou-as numa floração estilizada de palavras ... Mas a que vem tudo isto,. sobre o autor da «Luta pela lihortalidade » ? E ·que esse humorista impenit"ente e agarotado, esse improvisador de «blagues», num permanente optimismo motejador, nunca deixava de se referir, cop1 orespeito mais profundo, ao carácter, ao talento, à acção do seu amigo Jaime Cortesão. A esse tempo, reuniam-se na Cervejaria da Trindade, onde nunca fui, embora Eduardo de Noronha, num dos seus volumes sobre Lisboa, me tenha incluído no número dos frequentadores. U m dia, Coimbra fazia-se eco do triunfo dum drama de Cortesão. Outro dia, uma referência à sua acção política e social. Foi assim que pude habituar-me, a pouco e pouco, a conhecer a forte individualidade que me ia ser dado admirar muito de perto. Angelo Ribeiro, porque eu regia o 6. 0 e 7. 0 ano da Literatura Portuguesa, foi o intermediário para ir realizar uma série de conferências no « Cours Su périeur pour jeunes filies~, aos Anjos. Creio que foi essa série de conferências que sugeriu a Ferreira de Macedo convidar-me para iniciar as «Questões morais e sociais na literatura», na Universidade Popular Portuguesa. Muitas vezes Alexandre Vieira me acompanhou nas idas aos centros e sindicatos operários. Essa aproximação mais me fez ama_r e respeitar o povo, de que nunca me afastei, por palavras, actos ou atitudes. Já, a esse tempo, aime Cortesão, no Porto, realizara uma acção semelhante, num nível muito mais elevado. Também mais tarde, a quando do êxito das suas «Cartas à Mocidade~, ele teve a generosidade de me comover com uma referência às minhas pobres e balbuciantes «Cartas a um - irmão mais novo», há tantos anos esquecidas nas páginas da «Arte e Vida». O mesmo surto das ideias duma geração nos impelia pelo mesmo caminho e nos iria fazer encontrados. Ferreira de Macedo estava no grupo da Biblioteca Nacional. Deve ter sido' de iniciativa sua ter eu recebido um convite para comparecer a uma reunião que seria o ponto de partida para a fundação da «Seara Nova», independentemente das excelentes relações que tinha com Proença, Cortesão, Aquilino, Casimiro e Faria de Vasconcelos. Foi aí que conheci Raúl Brandão e ràpidamente nos vinculámos numa grande amizade. Num ano preparatório, em que houve uma insensível eliminação de ideias e personalidades, foi-me dado conhecer de perto, num convívio diário, o tacto, a inteligência, a cultura, a capacidade de coordenação e direcção do nosso prestigioso companheiro. As nossas reuniões eram em távola redonda e tinham o alor e a pureza duma cavalaria heróica. Num plano diferente e não tão grandioso, Proença era o nosso Nun'Álvares e Cortesão como um Mestre de Aviz. Era a esse tempo duma imponente estatura e mais duma vez tenho ouvido atribuir-lhe a magestade física exemplar dum doge de Veneza, digno do pincel de Ticiano. Cabelos fartos, partidos numa risca à Nazareno, olhos muito claros e barbiruivo, como os seus dois irmãos mais velhos, de 1572 e 1871. Falar pausado, eloquente e duma prudência reflectida, sublinhado pelo gesto geminado das mãos, de dedos erguidos, numa expressão conciliadora ou de prece. Limava atritos, sugeria problemas, ultimava conclusões. Quando se deixou substituir, na pasta da Instrução, para o ministério de Álvaro de Castro, isso provocou uma celeuma de rivalidades pequenas, que o seu prestígio pessoal teria evitado. Para a acção política do grupo «Seara Nova~, constituiu-se um triumvirato, em que as duas grandes figuras de primeiro plano eram Proença e Cortesão. Fomos, em 1921, ao Porto, e aí Coimbra prestou a Cortesão a homenagem paradoxal de evitar, por ciumes, a fecunda união da Renascença e da «Seara Nova». ·Havia dois anos que Coimbra partira para a capital do Norte, levando para a Faculdade de Letras alguns dos melhores professores do Gil Vicente. Por várias razões, não aceitei o convite para a cadeira de Literatura Portuguesa. O despeito de Coimbra completou-se com uma guinada do seu humorismo, alcunhando-nos de «Serapiões>l. No entanto, a obra da «Seara» prosseguia. Nesses sete a oito anos dum convívio tão íntimo, tão sincero, tão profundo, houve uma comunhão de ideais e de aspirações na plenitude da vida, que ligam os homens duma geração por laços mil vezes mais poderosos que os do sangue. Longe da pátria, Cortesão.mais se engrandeceu. O exílio tempera os caracteres fortes. Muitos dignificam-se, submetendo-se a comer o pão amargo da independência. Já é muito. Mas comer esse pão e realizar, e continuar, e ampliar uma obra que as gerações novas vão acolhendo como o rasgar de horizontes novos; mas ofertar o trabalho constante, mesmo na pobreza, e, por vezes, na miséria, como o pedestal dum monumento r86- que o seu espírito e o seu coração consagram à Grei. .. Tal a tarefa de Cortesão. Era quando Pessoa sempre que me encontrava-e, de 27 a 30, todas ~s semanas nos jantares da R. D. Pedro V, em casa dos Lobos de Ávila,- me perguntava logo: «E o Jaime Cortesão?~. Em 19401 vi·o um dia partir, de lágrimas nos olhos, quase no limiar dos 6o anos, a refazer, no Brasil, uma vida meio dest_roçada. Já era portador dum grande nome. Mas ia torná-lo maior ainda, num meio estuante de trabalho, de cultura, de espírito inventivo, com um escol formidável de valores intelectuais. Voltou agora à nossa terra, na plenitude da sua vida e da sua obra. Aquele cavaleiro de Távola Redonda, de r910, de 1920, tem o mesmo porte magestoso do roble erecto, mas com uma quase imperceptível tonalidade outonal, uma finura e um~ suavidade de infinita tolerância e bondade. Como o estuário imensurável dum grande rio, a corrente é mais funda e mais lenta, por4ue mais espraiada. Ele vai partir de novo, dentro de poucos dias, continuar uma obra magistral que glorifica duas pátrias. E temos a consoladora certeza de que os grandes valores da nossa terra o souberam acolher, e acarinhar e dar-lhe aquele incentivo mínimo de gratidão e respeito, sem o qual os grandes solitários do pensamento e os grandes agentes da vida política e social não crêem possível levar a bom termo a sua obra. Amigo querido, mais uma vez, e bem vivo; o abraço fraternal de sempre! JAIME CoRTEsÃo, CAMARA REYS E F ERREIRA DE CASTRO EM SINTRA, EM AGOSTO DE -I952 REENCONTRO COM JAIME CORTESÃO • HA um ror de anos que não via Jaime Cortesão. Tornei a vê-lo por uma noite calmosa, em sua casa, o nono andar dum meio arranha-céus da rua P d.ysandu, rua fidalga vieux style, com duas ordens de palmeiras a todo o longo, altas, extáticas e espirituais como uma procissão de DJmingo de Ramos num descanso da Via Sacra. O termómetro no pino do dia oscilara à volta dos 40 graus e com delícia me repotreei, à varanda, num rocking-chair voltado para as belas buritis. Mas em baixo, nas enseadas caprichosas do Flamengo, as águas estagnavam mortas, e não vinham brisas nocturnas sacudir-lhes os flabelos. E elas permaneciam longínquas, esgalgadas e bonitas, ao mesmo tempo tão preguiçosamente tropicais e bisantinas que a sua função natural, dir-se-ia, era recrear-nos os olhos e mais nada. De que é que nós conversámos a perder de vista, a perder muitas vezes o fio do discurso, depois do longo parêntesis? Ao cabo, se pretendêssemos reconstituir o diálogo, não · seria menos difícil que refazer, voltando, o caminho que se percorreu de passos impensados numa floresta. Fui encontrar um Jaime Cortesão eterno. Pouco se alterara aquela sua fisionomia de doge, um doge bem disposto, no entanto , Por AQUILINO RIBEIRO que ainda não tivesse acabado de arrumar os negócios da República. O olhar era o mesmo, penetrante e inquiridor sem ser inquieto, esse olhar com que nos observam, dardejado do fundo raso das telas de Ticiano, os grandes senhores de Veneza. No mais, a máscara mantinha a sua feição notória, fixa, como em estereótipo, no jeito de reflectir ou ainda de prestar atenção, iluminada quando o pensamento começava a traduzir-se em vozes, que na sua boca sabem ser sérias, irónicas, facetas, consoante. Como há dez, como há vinte anos, vi fulgurar-lhe no rosto aquele sorriso ex pressionai, indefenível, que breve se extingue, depois de deixar um rasto de amenidade e obséquio. A esse luaceiro rápido, espécie de Jair ptay, seguia-se, também como antes, a paisagem fisionómica mi.nha conhecida, paisagem, digamos, de pura contenção, na qual se desenrola, sempre com desconcertador à-vontade, o simples comentário ou a réplica incisiva. No debate lá estava o argumentador comprovado: instantâneo e vigoroso nos conceitos; semblante subitâneamente grave como se escur~cesse ao calar a viseira; palavra que vibra, se anima do belo tom do dardo na trajectória alada. Tal como nos bons velhos tempos, acontece-me provocar-lhe bruscas con- -187- ttaditas, e ainda como outrora tenho a impressão de ver brilhar diante dos olhos o aço dum florete. O verbo para Jaime Cortesão resulta sempre um floreio. Tanto a proferir um discurso corno a erguer um toast, a formular urna objecção como a dar um recado, é mestre inegualável. Também quando escuta, o rosto queda-lhe numa postura de compenetr.ação que dá prazer e honra ao seu interlocutor. E este um dos encantos do homem experimentado, batido pelas vagas do mundo: saber escutar. Jaime Cortesão está nesse rol e possui tal arte em sumo grau. Tantos anos passados que lhe deixaram de indelével além duma imperceptível poalha branca no queixo do barbirruivo, neve especiosa? Nada, Se não (:>ti víssemos à sua volta palavras estremecidas a denunciar-lhe uma saúde que inculca certo melindre. Na palestra, na discussão, no comum trato social, Jaime Cortesão perdura o mesmo franco e lealissimo entendimento, se bem que muito senhor do seu nariz e das. suas opiniões. Assim, por exemplo, a controvérsia é-lhe grata em tanto que exercício que lhe serve para pôr à prova a justeza e rigor dos seus argumentos e não como operação do espírito em que recti~ fique, amplie ou restrinja os seus juízos. Compreende-se: Jaime Cortesão, além de personalidade feita, rígida e imperturbável como as árvores que lançaram no solo raízes fundas, possui uma ideia sua, definida, quanto aos problemas capitais que preocupam o nosso tempo. Pode aplicar-se-lhe o calão de escola: não é fácil apanhá-lo em branco. No domínio da polí.tica e visão espiritual do mundo, este nosso mundo levado por estradas tão ínvias como tormentosas, Jaime Cortesão mantém-se na posição que todos lhe conhe~ía mos. Também aí a sua personalidade pairou superior às contingências do tempo e da fortuna, como diziam os antigos quando queriam sublinhar a constância dos homens que não arriavam bandeiras através de revezes e contrastes. O escritor ficou igualmente onde o homem marcava passo. Em despeito, todavia, do longo eclipse das ideias liberais, a sua obra não só não esmoreceu neste sector, como avultou consideràvelmente em todos os outros. Poeta, dramaturgo, ensaísta, historiador, é intuitivo que devia desenvolver-se, de preferência, no sentido que lhe era mais a talhe da sua natureza discursiva e a favor da oportunidade. Assim, os seus estudos sobre as marcas territoriais do Brasil e prologómenos da nacionalidade brasileira firmaram-lhe um lugar de relevo na historiografia contemporânea. Todavia, diga-se, embora pareça supérfluo, que Jaime Cortesão, exilado da sua terra, jàmais se ausentou dela. Quer por sentimento, quer por forçosa acidentação dos seus trabalhos, pois que Brasil e Portugal se entrelaçam num longo estirão dos tempos, a tónica da sua obra é lusíada. Para a pátria teve sempre os olhos voltados, sem com isso deixar fraquejar as obrigações contraídas para com a terra hospitaleira. E como não, se aqui está o seu berço, a sua primavera, o seu tavolado?! Neste consabido tema de todos os proscritos, o seu olho glauco enternece-se. A palavra não lhe treme, mas entrecorta-se de pausa sucessivas. Sente-se que o rio psicológico vai descendo as suas cachoeiras. Quando saio de casa de Jaime Cortesão, altas horas na noite abrasida, levo a consolação de haver recuperado o meu Portugal de há vinte, que digo eu? de há trinta anos. Aquele Portugal deslumbrado no limiar do mundo, sem superstição nem as ferropeias do absolutismo, que sacudira as escamas dos olhos e do espírito e começava a convalescer da alma retrógrada e enfezada. Reencontro ainda o amigo, extraviados como andávamos na década tenebrosa do Século. Tive ensejo durante a estadia que fiz no Brasil de situar Jaime Cortesão no meio político e literário. Situá-lo com rigor psicológico e exacta. proporção. Num e noutro meio, verifiquei que gozava fama e crédito correlativo de grande e nobre português. Pude presenciar a deferência com que o tratam no Itamaraty, ou seja o Estado; na Biblioteca, centro de eruditos e estudiosos; aqui e além, nas casas de homens de letras e artistas, onde, verdadeiros cenáculos ou, se quiserem, academias à maneira ática, se praticam todos os jogos florais do espírito e uma camaradagem ampla, estreme de invejas e tolas rivalidades. Por toda a parte Jaime Cortesão é o professor- suma dignidade mental entre brasileiros. Proíessor, isto é, à maneira germânica, o homem proficiente com / a autoridade necessária para que a sua opinião, se não constitui matéria dogmática, se considere doutrina observanda até nova ordem. Na sua companhia e do almirante Gago Coutinho jornadeei pelos ares, através do Estado de S. Paulo e da terra assombrosa de Mato Grosso, até as fronteiras da Bolívia. Nas casas dos nossos compatriotas mais ilustres pude ainda apreciar quanto erá querido e admirado. Uma dessas casas- e para ela vão as minhas alvoroçadas saudades - era a de Ricardo Seabra em Santa Tereza, uma vivenda de príncipe, entre velhas árvores copadas, com platibandas de relva em socalcos, onde não penetrava o ferrão do sol tropical. Os sábados eram os dias de receber em Santa Tereza. Estou a vermo-nos levar no «espada» potente, pelo destro Gregório, que tem viajado com o amo pela Europa toda, da Rua Visconde de Inhaúma, através da Rua Marechal Floriano, grulha e mais atravancada que um cais de embarque, torcer, à Praça da República, pela Rua dos Inválidos em direcção a Riachuelo e Montalegre. A «Vila» era no alto e o horizonte, à medida que subíamos, ganhava amplidão e alor. Dos terraços, espraiando a vista, por cima de palmeirais esbeltos e bosqtfes de jequitibás, pela baía de Guanabara, com a terra da outra banda, adormecida e silenciosa ao longo de água, parecia termos diante de nós, apenas mais vasto e com uma tonalidade mais quente, o arco espacial que vai de Santa Catarina, Almada fora, até a Arrábida, roxa e dulcíssima lomba do nosso fragão adorado. Em casa de Ricardo Seabra foi-nos dado -188- travar conhecimento com alguns dos vultos proeminentes na política, magistratura, finanças artes e letras do Brasil. Algumas fisionomi~s, como a de Carlos Alberto da Rocha Faria, industrial gentleman, são das que nunca mais se esquecem pelo halo de simpatia que irradiam e ainda pela compreensão da nossa terra, que foi também a de seus avós. A convívio tão cordial- não obstante Ricardo Seabra pôr esmero em distinguir- como processo dos homens livres de Portug~l se encontrarem, matarem saudades e se debruçarem com bem compreensível interesse sobre o panorama português, Moura Pinto era um dos que nunca faltariam. Outro desterrado que onde vai, p!!la sua presença gentil, pela sua palavra fácil e colorida, pela sua cultura, pela sua afectuosidade tão espontânea como irradiante, representa a ala inconformista de Portugal. Também ele não sofreu inpunemente o transcurso desta década. Mas o seu espírito, sim, continua imarcessivelmente moço. Nas horas amenas ei-lo, como antigamente, que sedesata em girândolas de paradoxos desconcertadores, de belas frases, de conceitos de atiladíssimo engenho e graça. Porque ficaram segregados de Portugal homens de tal escol? Volto atrás, trinta anos, ao tempo em que Jaime Cortesão ,era director da Biblioteca Nacional e Moura Pinto procurava incutir uma vera noção das realidades, perigosas realidades, nos colegas do Parlamento, trabalho ímprobo que exigia mais dispêndio de energia do que pegar touros. E, por isto, porque tudo em S. Bento representava uma força irreprimível, é certo que tanto nas paixões como na vontade d-e acertar. Jaime Cortesão era dos que bracejavam de fora, contra a maré de vesânia, sentindo as forças de opugnação que vinham bater o invólucro ainda frágil da Democracia. A essa altura centralizava ele as atenções e concitava as simpatias gerais do pequeno meio letrado. Neste papel, ia dizer função, era Jhano, afável, um verdadeiro polarizador de doutrina. Superior debaixo de muitos aspectos, com estranhas faculdades de atracção, que lhe faltou para vencer? Que lhe faltou para que todos os seus anelos se realizassem e as suas volições lançassem pé no mundo real? Há duas formas de triunfar no mundo: nutrir ambições e não ter carácter. Jaime Certesão nutriria ambições, como artista, como patriota, como catalizador que era de ideais. Tinha porém o grande defeito, de que se despojam aqueles que se propõem fazer fortuna, se é que não nascem destituídos dele: carácter. Carácter, isto é, respeito pela sua pessoa e a dos outros que o cotavam segundo tal padrão, respeito por determinada investidura ética de...que um dia se cingiu, e respeito pelo seu ser soc~al e humano. Pecha imperdoável no nosso tempo! Onde hoje em dia se vir um homem de talento que falhou, indague-se se não foi porque padecia dessa protuberância maligna,- de que os prudentes na esperteza fazem ablação, repetimos, como parte umbilical, absurda, inútil e desproporcionada- que lhe ligava a consciência a uma noção superior do vero, do belo e do justo. Foi, devido à perdurabilidade desse aleijão, que Jaime Cortesão teve de expatriar-se. O Brasil descobriu-o, honra lhe seja. REGRESSO REGRESSO às fragas de onde me roubaram, Ah, minha se:rra, minha dura hifância! Como os rijos carvalhos me acenaram Mal eu surgi, cansado, na distância! Cantava cada fonte à sua porta: O poeta voltou! Atrás ia ficando a terra morta Dos ve:rsos que o deste:rro esfarelou. Depois o céu abriu-se num sorriso, E eu deiteirme no colo dos penedos A contar aventuras e segredos Aos deuses do nwu velho paraíso. MIGUEL TORGA UMA GRANDE FIGURA DA RENASCENCA .> Por VEIGA PIRES AS gr~ndes figuras ?o liberalismo, os seus morte de Garrett; as escolas encerram-se num mais representativos valores mentaisensino estático, chatamente utilitário;- os horiou autodidatas ou instruídos. nas velhas escozontes da inteligência imobilizam-se. A gente las pombalinas-, todos percorreram a Europa moça, desgostosa, afasta-se progressivamente durant~ os anos _desesperadps da emigração, e dum sistema vazio de imaginação e ideaesta foi, sem dúvida, a sua grande escola. · lização artística ou literária. Entre a mociCoirnb_r~ fi_cara sempr~, quaisquer que fosdade das· escolas e o regime esboça-se um sem as VICISsitudes políticas da nação, a mais abismo, que se irá alargando até à queda da alta cátedra, a grande forja do saher. monarquia. A su1. primeira e decisiva demonsMas após a Reforma Pombalina, que intração surge em r865. Com a questão de Coimfluenciou profundamente a vida intelectual do bra revelam-se muitos dos maiores valores da seu tempo, jamais se pensara em proceder a inteligência portuguesa da segunda metade do uma revisão de programas adaptada à s transforséc. XlX. A proibição das Conferências do Casimações europeias e à nossa própria evolução. no torna mais acre o conflito já em marcha. Contudo, sessenta anos eram passados depois Os centenários de Camões e de Pombal são da reforma pombalina, quando o sistema libep~etextos para f_ e rir profundamente o prestíral dominou em r 834 a coligação apostólicogiO da Monarquia, proclamando a República -miguelista; sessenta anos que tinham assiscomo a nova aurora de Portugal. Depois, o tido. à Revolução Francesa, à convulsão napodesastre da Conferência de Berlim, onde Fonleónica, ao alvor do Romantismo, à industriates capitulou inesperadamente perante a surlização rápida do Continente, ao Congresso de presa da Europa; a aliança infeliz de D. CarViena, às lições de Laennec, Lamarck e Saintlos, ligando-nos a uma Casa que todos os inte-Simon, à libertação das Américas. Nada menos! resses da nação deviam afastar; finalmente, o O ensino de Coimbra, distante e esquecido, Ulti_maturn, última prova de inhabilidade, conencerrou-se passivamente na sua quietação duziram ao ] I de janeiro, que evidenciou o diembora o marulho inquieto das lutas política~ vórcio total dos intelectuais e do povo com o tantas vezes viesse bater junto dos seus muros Constitucionalismo. e agitasse os seus próprios alunos. A partir daí, a remoção definitiva do reO facto é que as nossas escolas não sentigime exigia apenas um outro pretexto emocioram, nem acompanhuam o enriquecimento nal. Ele gerou-se com a greve de r9'J7. As intelectual, que estava transformando os Povos escolas erguem-se através do país inteiro num ocidentais. movimento, sob a face de interesses acadéDecerto, quando a vitória dos constitucio~icos, no fundo nitidamente republicano. O nais exige uma reformação dos esquemas naditador João Franco, com estranha incomcionais, surgiram dois homens- Mouzinho da preensão,_ sufoca ~ Aca~emia e vexa-a pelas Silveira e Passos Manuel- de visão aquilina ~uas medidas de viOlência. Este gesto perdeu, a estrt:.turar cultural e administrativa,.mente o irrepa.ràvelmente, os Braganças. País dentro do sistema liberal. Mas, com esses Com a greve de r9o7 surge J a.ime Cortesão dois famosos e mal estudados refundidores se no. grande quadro do drama nacional, onde esgotou a capacidade adaptativa às novas vai elevar-se até às proporções de valor repreestruturas que o liberalismo exigia. Clarasentativo internacional. Dirige no Porto, com mente, Fernandes Tomás, Mouzinho da Silveira L~on~rdo Coimbra, Augusto Martins, António e Passos Manuel, foram as fortes personalidaCorreia de Sousa, Alvaro Pinto Amadeu En· des na grande bltalha pela liberdade, no carnação, Ribeiro Seixas, Artur Alves Ferreiséc. XIX, e ficaram como modelos estatuários r~, Costa Júnior, e outros, o duro embate gredo Pantéon, que um dia Portugal há-de consvista «contra o espírito dogmático e reaccionátruir aos seus libertadores- vultos soberb)s de rio do ensino universitário» (r ). Frequenta e polarizadores do caos. Mas sobre eles se fechou escreve na Vo z Pública, ao lado de Pádua Coro génio inspirado dos grandes anos da libertareia, um dos maiores jornalistas da República ção. O s~stema constitu_cional n~o dá depois e deste século, influenciando com a sua atitude um teonzante económico, nem doutrinário e palaVra vibrantes a juventude dé todo o norte polí~_ico, ne.~ a~ministrador de elevado padrão. do país na luta desigual, onde a greve se perA viCia politica do país mergulha numa agitação de grupos em redor do trono, que pouco a pouco ~e. to~na presa de forças regressivas (r) Palavras proferidas por J. Cortesão num comício irresponsa veis. levado a efei!o em I7-3-19071 no qual falaram também: Leonardo Coimbra, Campos Lima, P ádua Correia. Por Não se criava ciência; a literatura desviries s a altura a Escola Médica do Porto nomeia-o seu Deleliza-se numa contemplação passadista após a ga do para tratar de todo s os as s untos grevistas. -190- deu mas a grande Causa ficara vitoriosa, porque teria como professores, no liceu, Augusto Martins e o Leonardo. Foi uma revolução no que' a part!r desse .~omento a Repúbli~a tornara-se o 1deal pohtlco de toda a mocidade. meu espírito. Toda a concepçllo arcaica do Agora já nada podia deter a sua proclamação. professor longínquo, hirto, inquiridor e juiz A acção brutal do ditador, forçando o desfeimplacável, marcador terrificante de notas ao cho, lançara a semente redentora em todos os pobre menino, desapareceu em frente desses cora~ões juvenis. O golpe político fora magisdois rapazes compreensivos, afáveis compa. tral~ente conduzido pelo Partido Republicano nheiros, que nos falavam e ouviam; nos aceitavam as dúvidas, as hesitações, os problemas, Português. Quando a greve terminou, ficara urna reduas pequenas angústias dos nossos espíritos inzida falange de intransigentes afirmando altivaquietos e ávidos; nos abriam horizontes e solumente os seus princípios morais e políticos. ções, iluminando-nos os caminhos incertos, os Jaime Cortesão aí se encontrava, intemerato (r). círculos fechados, onde a inexperiência e a Quase simultâneamente com essa batalha estuignorância nos encerravam. dantil de repercussão nacional, os moços, que Aos anseios da Revolução de 5 de Outubro, tão decisiva acção tinham exercido aí, lançam-se a esse momento genésico (r), deveriam corresna doutrinação política, organizando o centro ponder novos conceitos, novos educadores em «Os Amigos do A B C», de ressonância huface do problema fundamental: -criar espíguesca, e fundam a revista de literatura e críritos para a liberdade, gerações aptás a comtica social Nova Silva (2) sob direcção de Jaime preender . as necessidades profundas da sua Çortesão, Leonardo Coirn bra, Cláudio Basto, Pátria enclausurada em muralhas sem janelas Alvaro Pinto. Esta revista prenunciava A sobre o futuro. Esses homens que nos surgiam simples, Aguia, a poucos anos de distância. Jaime Cortesão inicia os dois primeiros números com com ideias novas e recursos insuspeitos, na sua mocidade, para os transmitir e suscitar magníficos portraits-charges de António José entusiasmo fecundo e ardente, representavam d'Almeida e João Chagas. Na abertura da revista, afirma-se alto a urna Era Nova que nos chamava a colaborar. «Liberdade e, com ela, o Supremo Bem, ·a suDesde os primeiros dias ligou-me a Eles uma prema Justiça», Seguem-se: um artigo de Leoamizade de irmão mais novo, que durou até à morte. nardo «0 homem livre e o homem legal», onde, numa rápida frase, dá toda a substância da sua Em breve chegava também Jaime Cortesão filosofia futura- «A observação histórica, conque, por sua vez, iria reger algum~s disciplinas • firmada pela observação actual, mostra-nos a no meu liceu. trajectória humana como um esforço contínuo O poeta era então um homem de perfil apolíneo, loiro-fulvo, de conversa espirituosa e para a liberdade» (3), e os versos de J. Corteculta. A voz musical, a vivacidade, a fascinação são- «Meu Irmão Rouxinol»- preludiando o patrícia que irradiava, impunham-no a urna formoso artigo no I.0 número de A Aguia«0 Poeta». simpatia a que ninguém ficava indiferente. O retrato de Cervantes de Haro n'A AguiaQuer «Os Amigos do ABC», quer a Nova 11.0 4- r. a Série- mostra-nos um dos aspectos Silva exerceram forte e duradoira impressão da sua expressão incomparável. na juventude desse tempo. Pouco depois, esse Um estremecimento de renovação percorria grupo dispersava-se, com a partida de]. Corteo país; vivia-se num ambiente de exaltação. são, Augusto Martins, Leonardo Coimbra, para Alguma coisa inefável e imensa alava os Lisboa, a completar os seus cursos, o primeiro homens até às esferas da esperança pura de na Escola Médica, e os outros no Curso Superior de Letras. mácula. Era uma alvorada, uma primavera do espírito, um rejuvenescer d'almas; e este fenóEu não conhecia ainda pessoalmente qualmeno maravilhoso, que enchia de nova luz um quer desses três homens, mas o seu prestígio Povo entenebrecido, não podia deixar de traficara enorme; os seus nomes, familiares, ressoavam constantemente nas nossas conversas. duzir-se em arte, em beleza, em coroamento intelectual, científico, filosófico. E a República Um dia, princípios de Outubro de r9ro, soube encontrou no Porto os homens de talento para darem expressão a essa febre heróica, para dar valor permanente estético e mental a um (r) O grupo dos Intransigentes foi constituído na fenómeno histórico que, cedo ou tarde, podia 0 Escola Médica do Porto por:- r. ano : Alex. Queiroz e ser, como foi, malsinado em nome de doutrinas 0 César F. Torres; 2. ano : J. Ú>rtesão, Cláudio Basto, arcaicas, que nem as palavras última hora, que Pedro Vitorino, Artur Alves Ferreira, A. Mendes Leal, J .. Ferreira Alves, M. Ruivo da Fonseca, Virgílio Feras vestem, conseguem tingir de novidade. Porreira; 3- ano: A. Ribeiro 'Seixas, Miranda Guimarães, tugal redescobriu-se em toda a plenitude de José. d'Alm. e .Seixas. Dessa plêiade tão bela de médicos, acção, de pensamento, de emoção num esforço es~rrtores, artistas, etnógrafos, filólogos, políticos, tenho, alem de Jaime Corte são, conhecimento ainda de Ruivo de transfiguração estética. da Fonseca, major médico, res idente nos arredores do Assim se erguia A Aguia, assim amanheceu Porto, e Dr. A. Alves Ferreira, altíssima personalidade a Renascença Portuguesa. Porque surgiu a Remoral esquecida pela sua recôndita e formo s a região minascença Portuguesa no Porto? nhota. . (2) Fundada a 2·2-1907 1 dela conhecemos apenas 4 O Porto ficara a capital da liberdade após 0 numeros. (3) O dr. Alvaro Ribeiro dá, em Os Positivistas, uma versao de Le<?nardo Coimbra que nenhum, daqueles que com el.e conviveram e o conheceram intimamente subs-· crevena. ' - • . (2) Teixeira de .Pascoaes- Vol. I - 2.a Série -n.0 I de A .Águia. _ . 19~ - · ,- o 1820. As suas tradições liberais e cultas marchavam de par; ao mesmo tempo que enviava deputados republicanos ao Parlamento, mantinha vivíssima a chama da sua cultura. Aqui viviam ainda em 1910:- Guerra Junqueiro, -Basílio Teles, Sampaio Bruno, Joaquim de Vasconcelos, Carolina Michaelis, Júlio de Matos, Magalhães Lemos, Plácido da Costa, Maximiano de Lemos, Sousa Júnior, Paulo Marcelino, Duarte Leite, Gomes Teixeira, Azevedo de Albuquerque, Luís Woodhouse, Pedro Teixeira, Ferreira da Silva, Pádua Correia, Teixeira Lopes, Cândido da Cunha, Marques de Oliveira, António Carneiro, Augusto Ncbre, etc., recordando apenas os já desaparecidos. Esta cópia de pessoas ilustres mantinha na cidade uma atmosfera intelectual, que permitiu a eclosão do movimento lançado por Jaime Cortesão, Leonardo Coimbra, Augusto Martins, com a vontade férrea e organizadora de Alvaro Pinto, e aos quais se ligou ,Teixeira de Pascoaes, que n' A Aguia iria dar-nos a sublimação estética da Saudade. E não se estranhe que eu associe intimamente esses três homens, Jaime, Leonardo e Martins- um poeta, outro poeta-filósofo, o terceiro matemático- porque eles possuíam a mesma formação espiritual. E estranha-se menos ainda a presença aí do matemático. A matemática é também uma forma de poesia e não das menos belas; só a matemática pode, como a poesia, libertar-se do imediato e do concreto; nos homens de ciência só o médico e o matemático podem ser sonhadores- e Augusto Martins era-o. A Revolução ia cristalizar-se n' A Aguia e na Renascença Portuguesa. Basta folhear os números de A Aguia de 1910·12 para o reconhecer. Os seus fundadores e colaboradores essenciais compreendiam e aceitavam plenamente o papel, que nela iam desempenhar. «Nesta sagrada hora da nossa História, em que o Povo Português, liberto, enfim!, da escravidão e da corrupção monárquicas, principia a respirar e a viver uma vida mais justa e verdadeira (I)•. «Eu acredito na grandeza do momento actual, porque só agora é qpe a Raça portuguesa, representada pelos seus Poetas que são a sua florescência, principia a sentir-se verdadeiramente revelada (2).» Jaime Cortesão, logo ao iniciar a sua colaboração n' A Ag-teia, n. o I - I.a série, com o formoso poema em prosa- O Poeta- abre-nos o seu ser profundo numa revelação para afirmar -«Eu sou Poeta, sou a essência, o grito, o fogo, a fonte. Eu sou a vida.• Ora esta declaração da sua sensibilidade estética não ficou apenas como fogueira de palavras rubras que desaparece na noite dos anos. Não. O Poeta foi real e carnalmente o grito, o fogo, a vida em todo o seu dramático sentido. E um dia a sua obra será fonte também. No I, 0 vol. da 2.a série continua a colaboração dando-nos dois trechos da melhor poesia portuguesa:- «Esta história é para os Anjos» e «Regendo a Sinfonia da Tarde». · . Mas o Poeta abrasa-se na ânsia de se tornar grito, e faz-se jornalista e depu ta do para dizer a verdade esplendente do alto de tribunas sem mordaças; tornar-se fogo, e é professor para esclarecer os espíritos juvenis; viver intensamente o seu drama, e oferece-se voluntârio para ir para a Flandres, donde regressou herói, ferido de guerra e condecorado. Na volta do C. E. P. vai fixar-se em Lisboa para tomar a direcção da Biblioteca Nacional. Da sua acção aí, outros poderão falar melhor do que eu. Passaram os anos. Um dia encontramo-nos de novo. Dlas terríveis nos consumiram, angustiados, hora a hora. Depois, 25 anos correram ..• Entretanto Jaime Cortesão percorre a Europa e vai fixar-se no Brasil. Trabalha sem descanso, publica os seus estudos históricos. e científicos, apresenta as suas teses, afirma-se como um valor internacional, que, não podendo viver na sua Pátria, a nobilita trabalhando ao serviço de estranhos:- a obra monumental sobre Alexandre de Gusmão o demonstra. Neste estudo imenso, que afirmaria só por si um )lome, vemos o espírito português altear-se àquela visão universal que fez a grandeza da nossa ciência do séc. XVI. Alexandre de Gusmão não é visto, apenas, como o diplomata arguto e homem de fino humor da corte joanina. Esse estadista típico da Ilustração serve de ponto de partida para assistirmos à génese civilizadora duqt Continentf', à formação de nações, sob a acção genial dum homem de Estado que manejava os tratados com a razão esclarecida por todos os conhecimentos, que a sua época lhe podia fornecer. E o reinado joanino e a ciência do seu tempo são evocados com uma superioridade de encher de orgulho os portugueses. Lendo esse primeiro volume. sentimos que a nossa cultura retoma a sua altitude e sentido de universalidade, de que Jaime Cortesão é um dos representantes no estrangeiro. · Lendo-o, recordei e fiz o balanço duma grande vida, a de um homem de pura essência renascentista :-médico, escritor, artista, poeta, dramaturgo, orador, jornalista, político, historiador, militar, homem de ciência e de acção ardente. Foi pensamento nas suas multímodas expressões com o equilíbrio ateniense e a cultura universalista duma figura da Renascença. Foi acção, e, o que é tudo, tem vivido dolorosamente a tragédia do seu tempo. Daí o espírito de humanidade e um desejo apaixonado de Justiça que se imprimem na sua obra. Tal foi, tal é Jaime CÇ>rtesão. (r) Teixeira de Pascoaes -A A guia- n.o r - r.a série- rg1o-u, (:..) ld., ld,- n. 0 I - Vol. r.o- 2.a série- rgr:o., artig de apresentação da Revista. o Dr. Fernando de Abranches Ferrão Advogado Rua do Crucifixo, so-r. 0 Telef. 3 I975 - LISBOA ENCONTRO COM JAIME COR TESÃO Por HERNÂNI CIDADE por numa parda e la~ac~nta aldeia da Fl~ndres, durante a pnmeua: guerra mundtal, que eu conheci o Dr. Jaime Cortesão. O sonhador dos Choupos ao luar, sobre uma de cujas formosas quadras a subtil dialéctica de Fernando Pessoa construíra escandalosa profecia literária, depois de me ter surpreendido, como parlamentar democrático, todo integrado na concreta realidade do momento político e social, surgia-me, nesse crepúsculo nevoento e frio, a · toda a altura da sua capacidade de cidadania heróica: voluntàriamente, por coerência com su:1s afirmações sobre a necessidade da intervenção portuguesa num conflito de que estava pendente o nosso futuro de país coloníal, alistara-se como alferes médico, e nessa qualidade por ali andava afrontando a morte individual, para mais eficientemente dignificar a vida colectiva. Veio a paz, e com ela, se não as vantagens para a humanidade que todos sonhávamos, ao menos algumas das que, em certa medida, compensavam os sacrifícios da Pátria, por Cortesão pessoalmente sentidos, vítima como foi dum ataque de gaz, de que a sua saúde ainda se ressente. Regressámos à nossa terra. Cortesão foi investido nas funções de director da Biblioteca Nacional. Mas era urgente uma pedagogia social, que acudisse à liberdade que desvairava, à democracia que se estava comprometendo, á própria dignidade da Pátria, que nllo exigia apenas severa crítica aos costumes políticos e administrativos, senão também uma formação doutrinal que lhe esclarecesse a consciência do momento que vivia e do futuro a preparar. A tarefa solicitava, se bem em vários sentidos, todos os melhores portugueses, de olhos mais abertos e atentos. E de aí o nosso segundo encontro, no Porto, em 1921. Jaime Cortesão, Câmara Reis, Augusto Casimiro iam ali chamar o grupo de A n.guia, em que dominava Leonardo Coimbra, à fusão ou colaboração com o grupo da Seara Nova, prestes a aparecer, no sentido de uma acção intelectual mais directa e eficiente sobre a vida contemporânea. Nada se conseguiu. A Seara, todavia, nasceu e sobreviveu á Renascença Portuguesa e à Aguia, e os trinta anos e tal de vida quer dela quer dos que se lhe têm dedicado, em ambiente cada vez menos propício, creio não haver português de boa-fé, quaisquer que sejam as divergências ideológicas, que os não considere como prova irre!ragável de seriedade exemplar na coerência, na Isenção, no esforço, na altura generosa dos objectivos; ... Deixo, porém, em claro, por falta de tempo e espaço, esse longo período de idealismo e sacrifício, para falar do terceiro encontro com Jaime Cortesão. Foi aquele em que, na serenidade do · estudo e da meditação, o trabalhador intelectual me surgiu em suas verdadeiras dimensões, quase inteiramente absorvido numa obra que a cultura portuguesa jamais poderá esquecer. Como modesto traba· lhador neste campo, eu não podia deixar de procurar quem nele é mestre e guia seguríssimo- e aqui repito o reconhecimento, tantas vezes afirmado, das dívidas que para com ele tenho contraído. Podemos considerar uma felicidade para a historiografia nacional que as circunst;\ncias hajam gradualmente afastado Cortesão das preocupações políticas e que na sombra sossegada e propícia dos arquivos e bibliotecas, de Madrid e Sevilha, de Paris e do Rio de Janeiro, ele tenha procurado o ambiente deevasãonecessário às suas decepções e amarguras de exilado. Ali encontrou a!! conàições, os meios e os estímulos para plenamente se realizar como homem de ideias, sem abdicação dos princípios nem sufocação dos sentimentos que são o cerne, a trama mais íntima e funda do seu ser moral. Sob o espírito do historiador, por mais absorto na actividade de pesquisa e crítica, estremece a alma do homem e do português, na consciente vivência duma solidariedade humana e nacional, que seus estudos mais não fazem do que aprofundar e dilatar. . Humana e nacional, na verdade. E tão ausente, no patriotismo de Cortesão, o sombrio azedume do nacionalismo fechado, e agressivo ainda quando nem apenas é capaz de se defender, que boa parte da sua obra de historiador a tem realizado na pesquisa dos feitos do Português· que mais têm interessado ao progresso do Homem. Entre os trabalhos do .historiador, é sabido que avultam, com excepcional relevo, os que assentam em mais sólidas bases científicas e põem, por isso mesmo, com mais impressior nante evidência a contribuição portuguesa, em primeiro lugar, na devassa do planeta, em segundo lugar, na colonização e construção política do Brasil. Foi seu primeiro ensaio o estudo sobre a expedição de Pedro Alvares Cabral, publicado na monumental História da Colonização Portuguesa do Brasil, ensaio que se completaria mais tarde com os que havia de consagrar ao povoamento e colonização deste p~ís, na História de Portugal, dirigida por Damião Peres, e naquela a que anda ligada a minha responsabilidade- a História da Expansão PorI -192- -l93- • • tuguesa 1t0 Mundo. E é coroamento dessa notável contribuição para a historiografia brasileira, a publicação, por ele realizada, da obra de Alexandre de Gusmão, que insere o seu modelar estudo, exaustivo e revelador, sobre o grande político brasileiro. Mas são de valor porventura mais para estimar os seus trabalhos sobre a colaboração portuguesa no descobrimento do Mundo. Lembro o que se intitula L'Expansion des Portugais dans l'Histoire de la Civi!isation, o primeiro publicado no exílio. Pelo confronto com roteiros portugueses de roteiros espanhóis, franceses, ingleses e holandeses, prova Cortesão que «todas as grandes nações marítimas e colonizadoras aprenderam na escola náutica de Portugal, cuja vasta ciência constituiu a base fundamental da hegemonia da Europa sobre o Mundo» -escreve ele. Ou atraídos pelo Estrangeiro com promessa de lucros ou afastados da Pátria pelo despeito, foram pilotos nossos que comunicaram aos restantes pilotos da Europa navegadora seu saber de experiências feito. Pagávamos assim com noções concretas, com ciências pragmáticas, por nós arrancadas, à custa de nossas várias mortes, ao mistério de oceanos e continentes, o que recebíamos em formas de arte, ideias humanísticas e abstract'as, numa colaboração do mais fecundo espírito de solidariedade humana. O mesmo Cortesão, aliás, o salienta, com o caso eloquente das informações desinteressadas que D. João de Castro presta ao cosmógrafo de Carlos V, Alonso de Santa Cruz, segundo este confessa em seu Libra de las Longitudes, lido por J. Cortesão no original. Para tal saber, porem, foi. necessano um penoso, secular adextramento. E título de glória para Jaime Cortesão ter notàvelmente contribuído para o esclarecimento do seu progresso. Na mesma História de Portugal, dirigida por Damião Peres, em páginas que aumentam consideràvelmente o que em tal matéria nos tinha sido legado por Joaquim Bensaúde e Luciano Pereira da Silva, Cortesão revela e estuda os mss. dos Almanaques Astronómicos de Madrid, com que se reconstitui o processus científico que dos Libras dei Saber vem dar ao Regt'mento de Munique- monumentos da ciência astrológica e astronómica inicialmente peninsular, mas que em Portugal teve seu final surto - e sua fecunda aplicação. Se a historiografia portuguesa muito ganhara já com as andanças de Cortesão pelos arquivos europeus, também é elevada a dívida que, por virtude de sua estadia no Rio de Janeiro, para com o insigne trabalhador contraiu a historiografia luso-brasileira. No Congresso de História Nacional realizado no Rio de Janeiro em 1949, tive eu o comovido prazer, que não foi sem mistura de orgulho, de assistir a um esplêndido triunfo, que não mais esquecerei, do historiador português. Entre historiadores brasileiros e lusitanos, de um lado, e colombianos, equatorianos e peruanos do outro, de há muito se debatia pleito em torno da expedição que Pedro Teixeira realizou de 1637 a 1639, partind.o de Camutá, pelo Amazonas, Napo e Paiamino, até as proximidades de Quito, com o resultado de incorporar na coroa portuguesa- e conse- q uentemente no futuro território da Nação irmã -vastas regiões que, sem tal esforço, pertenceriam hoje às repúblicas limítrofes. Corria na historiografia luso-brasileira que a expedição fora organizada em obediência à ordem de Filipe IV e que a Audiência de Quito, longe de contrariar, antes autorizara aquela incorporação. Mas não faltavam historiadores dos países que vieram a ser lesados, que negassem importância à expedição e até autenticidade ao documento que se lhe refere. De aí até pôr em causa a legitimidade da integração daqueles territórios no património brasileiro ia um passo, para que na primeira ocasião políticos e di[Ylomatas ficavam antecipadamente autorizados por eruditos e historiadores ... E eis o estado da questão, quando Cortesão a estudou- e a resolveu à luz de documentos colhidos no nosso Arquívo Colonial, na Biblioteca da Ajuda e no Museu Britânico, com este resultado novo e decisivo: a expedição não fora de iniciativa da Corte espanhola, senão do governador de Maranhão e Pará, Jácomo Raimundo de Noronha, que em P. Teixeira encontrou óptimo executante- e no presidente de Quito um suspeitoso oposicionista. A suspicácia do espanhol, aliás, não tardaria a dar cabal justificação à Revolução Restauradora do ano seguinte ... Quando foi discutida a comunicação que assim historicamente legitimava, com a iniciativa e o esforço luso-brasileiros, a integração no nosso património de terras que nenhum outro país podia invocar análogo ou qualquer outro título a reivindicar como suas, as objecções que um congressista levantou contra o significado dos documentos e a certeza das conclusões, foi apenas pretexto para a calorosa solidariedade expressa por todos os autênticos historiadores brasileiros presentes. Agradeciam a Cortesão, não apenas um esclarecimento imprevisto a uma página controvertida da história nacional, senão também mais uma sólida base histórica oferecida à estrutt1ração geográfico-política do Brasil. Não tardará muito que Jaime Cortesão regresse ao Brasil, a continuar suas -Pesquisas nos Arquivos, suas liç5es no ltamarati. As circunstâncias parece tornarem inevitável que por mais algum tempo se conserve longe da sua Pátria quem, no arquivo e na cátedra, tão altos serviços mais directamente lhe poderia prestar. Console-nos, porém, a ideia de que, afinal, ele continua na atmosfera espiritual da lusitanidade e por sua clarificação e dignidade trabalhando. Além de que muito importa que em terras brasileiras esteja quem como ele ou como Fidelino de Figueiredo autênticamente represente o que entre nós constitui, pela altura, pela profundeza, pela seriedade, valor indiscutível e unânimemente acatado. Dr. Mário de Castro Advogado Rua de S. Julião, Telef. -194- 2 4189 72-1. 0 LISBOA PORTUGUESES EMIGRADOS POLÍTICOS NO BRASIL Por JOÃO SARMENTO PIMENTEL a revolta de 31 de Janeiro emigraram A PÓS para o Brasil dois republicanos portugueses com categoria de intelectuais:- Ricardo Severo e Basílio Teles. Basílio não se adaptara e regressava a Portugal passados alguns meses. Ricardo não o deixou partir sem prova de .:brasileiro de retorna» e pôs-lhe no bolso do colete um relógio de ouro, com corrente a dizer. O relógio íoi o único objecto encontrado no espólio do grande economista. (r) A corrente nunca lha vi, mas deve ter ficado no prego ou então tinha sido vendida por tuta-e-meia num daqueles dias aflitivos em que o mísero democrata precisou pagar as contas atrasadas da mercearia onde comprava os géneros para ele mesmo cozinhar suas frugalíssimas refeições. Foi Ricardo Severo a figura maior e mais prestigiosa da Colónia Portuguesa no seu tempo. Como homem de letras, a sua obra não se condensa em volumes. Existe dispersa em várias publicações- jornais, folhetos, revistas e anais de Sociedades e Academias científicas. Esta dispersão está, de resto, em plena concordância com o carácter fundamental da sua obra, por um dos seus aspectos obra de cientista, por outro de iniciador e propagandista, e particularmente de apóstolo fervente da Democracia. A sua vida mental, tão intensa quanto a sua vida profissional em Portugal e no Brasil, abrange dois períodos, o primeiro em Portugal de 1886 a 19o8 sobre assuntos especiais de Arqueologia e Antropologia, o segundo, desde 1898 até 1940, com um espaço intermédio de r898 a 19o8, em que lançou na pátria o movimento de ressurgimento tradicionalista sob a bandeira da Portugália e a divisa Pola-Grey, que marcam uma época e uma geração. Como engenheiro e arquitecto traça, com Ramos de Azevedo, as primeiras linhas mestras da grande metrópole bandeirante. O velho burgo colonial virou urbe americana dentro daquele escritório técnico onde foram concebidos e calculados os primeiros arranha-céus e monumentais edifícios públicos e particulares que São Paulo possui:- a Faculdade de Direito, a Penitenciária, o Forum, os Correios e Telégrafos, a Faculdade de Medi(r) Este relógio voltou para o Brasil por gentileza e gratidão da irmã de Basilio Teles que o ofereceu a Ricardo Severo. Ricardo nunca deixou de o usar durante mais de vinte anos, até morrer. Hoje está na minha mão como gratíssima lembrança de Ricardo Severo, e, a pedido de Vasco Valente, irá para o Muset~ Soares dos Reis quando o pobre de mim der a alma ao Criador. cina, o Teatro Municipal, o Palácio do Comércio, o Mercado Municipal, o Stadium do Pacaembu, o Liceu de Artes e Ofícios, os prédios magestosos da Light e do Matarazzo. E também centenas de encantadoras residências nos então novos bairros aristocráticos da cidade, que possuem o cunho da arte colonial e são padrões de beleza e tradição a atestar influencia da nossa grei no aglomerado cosmopolita de Piratininga (2). Depois da República vieram outros patrícios que alinhavam pela craveira intelectual de Ricardo, como foram Teixeira de Abreu, Betencourt Rodrigues e Malheiro Dias. Teixeira de Abreu cingiu sua actividade a fazer fortuna utilizando altos conhecimentos das cousas forenses, consultor jurídico das grandes organizações industriais e comerciais, e não deixou rasto que perdurasse no acrescentamento da influência civilizadora do português de escol ao meio brasileiro. Assim também Betencourt Rodrigues, médico famoso que mais queria saber dos seus doentes que daqtrele «amor da pátria não movido de prémio vil», sem perder o ideal político que o levara a ser um dos fundadores do Centro Republicano Português. Malheiro Dias é figura q uichotesca de patriota extremado e tem, na arena das letras, atitudes de Magriço vindo à estacada, de pena em riste, por sua dama a Colónia, tantas vezes quantas algum jacobino haveria tentado diminuir ou escarnecer seus valores, quer eles fossem os homens humildes do povo, quer gente de algo pelo comércio, pela indústria, pela cultura, pela politica. «A Mulata» sofrera auto de fé, e aquele bate-boca da «descoberta do Brasil por acaso» e outros mais foram lutas sangrentas e herÇiicas onde sua inteligência e força vigorosa de escritor deram brado, deixando grata memória a quantos se orgulham dum portuguesismo de lei. E, como vivia da pena e precisava viver, entrou para empresas gráficas com revistas de fundo comercial onde ganhou aquelas centenas (2) c .•. esta casa construtora tem sido também uma verdadeira escola de técnicos. Aproveitei este seu carácter de prestigiosa influencia para lançar a orientação tradicionalista na arquitectura brasileira. Era o mesmo princípio que dominou a campanha nas artes, nas ciencias e na politica, iniciada no meu país pela geração que procurei englobar em torno da Portugálía (1897-1908). Continuei aqui o mesmo apostolado, estabelecendo essa mesma base constitucional da tradição étnica e histórica, em um período de demolição e renovamento, para que se não destruísse nas artes criadoras a essencia da nacionalidade.» (Revista Portuguesa, de São Paulo, págs. soe 6r, Fase, I, Tomo I, da entrevista escrita por S. P.). -195- de contos que diluiu, até ao último vintem, ticos que, no seu pais, tinham ocupado os altos numa sociedade de vinhos do Porto em Porpostos da Governação pública e dos estabelecimentos do Estado. E é mesmo de acreditar tugal. Voltou ao Brasil quase de tanga mas ainda que o ouro de Moscovo, que se havia assacado à sua oposição ao Estado Novo, fosse de pouca com bastante prestígio para consegu~r q~e lhe subsidiassem generosamente a «Históna da monta, pois o cóbrinho que traziam nas magras Colonização do Brasil~- tiro de grosso calialgibeiras nem dava para mandar tocar um cego I Mas como os jornais tinham falado ... bre na bolsa do Mecenas Sousa Cruz. Este moE assim o primeiro pão do exílio que por numento, inda que imperfeito e inacabado, hácá comeram lhes foi mais duro de roer que o ·de ficar e honra a cultura lusitana muitíssimo falado e conhecido Pão de Assúcar. mais que todas as retóricas e parangonas enCada um deles se foi agarrando a qualquer comend·a das pelos Governos para fortalecer e trabalho ou serviço que lhe proporcionasse aumentar na América o ascendente reino!. vida independente, embora modestíssima. O gesto de Sousa Cruz e amizade de AfrâPor si e seu esforço e aptidões foram sinnio Peixoto foram incentivo para Zeferino de grando no mar egoísta que bordeja as praias Oliveira fundar a «Cadeira de Estudos Camoda Guanabara, onde os senhores comendadores neanos~ na Faculdade de Letras de Lisboa. tapam a nudez. dos grandes cabedais com justos Quando o saudoso Governador Sales de Olimaillots duma bem natural desconfiança. veira, por sugestão de Júlio de Mesq~ita ~ilho, No comércio e na indústria, para onde se criou a Faculdade de Letras na Um versidade de São Paulo, já existia entre os mestres e polívoltaram, Moura Pinto e Jaime de Morais cheticos paulistas ambiente para os professores gariam a directores de poderosas organizações, universitários de Portugal virem colaborar, sujeitos, é de saber-se, a todos os tests que a com muitos outros de fama mundial, no alto prudência manda nestas terras, onde sempre aportam «muitas e desvairadas gentes». empreen~imento que h?je ~e.m luga~ d~stacado na vida Intelectual e cientifica brasileira. Cortesão obtem colaboração nos jornais do Rebelo Gonçalves, Fidelino de Figueiredo, Rio, é secretário do Gabinete Português de Canuto Soares podem t~stemunhar o carinho Leitura e dirige a «Colecção Clássicos e Contemporâneos~ da «Dois Mundos-Editora», que com que foram recebidos e o interes~e que d~s pertaram suas lições. E por certo os ImpressiOlança no mercado como primeiro volume a «Carta de Pero Vaz · de Caminha». Além da nou o entusiasmo da multidão dos seus patrícios que acorria às festas cívicas da Colónia reprodução fac-simz'le, o livro tem a leitura onde· eles falaram. paleográfica, a versão em linguagem actual, Foram então possíveis as festas da Colónia notas e estudo literário, histórico e topográfico, Portuguesa, as semanas camoneanas durante por Jaime Cortesão. alguns anos e conferências de outros luminares E este, se não me engano, o novo cartão de visita com que o sábio professor de História portugueses do mundo c~lto, como ~quelàs qu.e, sobre assuntos económicos e de IntercâmbiO · há-de entrar nos arquivos do Itamarati, do comercial luso-brasileiro aqui fez Nuno Simões, Ministério da Guerra e na Biblioteca do Rio de com êxito retumbante. Janeiro. Mas todo o seu trabalho mental recebe Por esses tempos já distantes se lançou a pequena recompensa material e, de quando em ideia da estátua de Camões num dos logradouvez, alguma contrariedade. ros de São Paulo. A Casa de Portugal tomou a Com 19 volumes publicados da Colecção, iniciativa de angariar os fundos necessários três deles da sua autoria, acaba esta actividade para tal fim, que dias depois já estavam excena editora. didos e ainda chegaram para pagar os grandes O nome que trazia da Europa, as referên~ias festejos da inauguração. • que os escritores e cientistas brasileiros faz~a~ As delegações dos portugueses do ln terior aos seus es.tudos e trabalhos eram credenciais que aqui vieram, entusiasmadas com o brilhanbastantes para mais altas funções. tismo de tais manifestações patrióticas, logo as O paleógrafo e historiador é chamado para secundaram- e outra estátua a Camões foi lea Biblioteca Pública, onde desentranha dos vantada na praça principal de Ribeirão Preto. tombos poeirentos preciosos documentos para Com esses dois padrões da nova grei coloa História do Brasil. Ali o vemos com uma nizadora termina, pela morte, a acção directa équipe de jovens e inteligentes alunos a decide Ricardo Severo e seus lugares.tenentes dos frar, a catalogar, a reproduzir, a interpretar arraiais democráticos por um Portugal maior. tudo quanto a sua competência e saber encon· travam de valor real para o conhecimento aprofundado dos factos que justificam a. ra.zão * de ser e de existir deste país nos seus lunttes * * actuais. Empurrados pela Guerra da Europa, e sem O Governo Federal convida Jaime Cortesão acolhimento na mãe-Pátria, procuram guarida para reger a cadeira de História e Geografia no no Brasil três portugueses republicanos da Instituto Rio Branco, do ltamarati, cujos alunos velha guarda:- Moura Pinto, antigo ministro são os futuros diplomatas do Brasil. Na solenidade da aula inaugural do seu da Justiça, Jaime de Morais, que fôra Governaprimeiro curso no Itamarati ouvi eu dizer ao dor da ln dia e de Angola, e Jaime Cortesão, chanceler Osvaldo Aranha para os alunos, cõn· ex-director da Biblioteca Nacional de Lisboa, poeta, historiador, jornalista. sules, Embaixadores estrangeiros, ministros, e Não vinham ~icos, não senhor, aqueles polínumerosa assistência de quanto de melhor e -196- mais culto se constitui a sociedade carioca: cos professores do Instituto Rio Branco sempre foram nacionais. Abrimos até hoje urna única excepção, ch~mando a colabora~ connosco o ilustre e sábio professor Dr. Jatme Cortesão, que bem merece, por todos os títulos, esta honra. É verdade que, como português de que tanto se orgulha em o ser, nós não o consideramos estrangeiro». Redobra a febril actividade intelectual de Cortesão e o tempo parece que se alarga para lhe · sobrar das suas ocupações oficiais na capital Federal e permitir que possa voar para os Estados onde faz conferências nas Universidades, ou vai localizar em longínquas fronteiras do Brasil os marcos da: ocupação do território da época colonial. Voa nos aviões de Guerra e nos Douglas C. 4 da carreira, desde o Amazonas às barrancas do Prata, ou corta meridianos até às margens do Paraguai, sertões de Mato Grosso, Território do Acre. -«Aquele seu patrício das barbas é um bichão. Gosta de voar que nem urubu! Até parece cá da turma da F. A. B.. E lá em cima, pelo tempo fusco, vai revendo provas. Depois sabe História como gente grande. Que na do Brasil é o toruna da zona e anda mesmo a descobrir o resto da fazenda que D. Cabral nos legou e não teve maré de olhar como era nem onde acabava. E discursa qual \\eira ou o Rui. Nós gostamos do doutor Jaime. E um camaradão. Você sabe? Tem panca dos nossos batutas da F. A. B.:. A~sim me falava aquele tenente aviador que pilotou o avião numa das viagens de Jaime Cortesão não sei até que cafundós dos limites com a Bolívia ou Colômbia ou onde Judas perdeu as botas. -Apanho cada susto, que não lhe conto nada! Estes moços aviadores são diabos com azas. Voam de cima para baixo, de baixo para cima e há ocasiões em que até penso que vou de pernas para o ar. Mas aguento firme para lhes mostrar que português não é sôpa- confidenciava-me depois Cortesão. Um ofício, não sei de que Instituto, convidou-o para presidir ao congresso de geógrafos americanos. -Você agora está alto e por esse caminho não sei bem onde irá parar. -Eu também não, mas posso dizer-lhe onde queria parar. Honras e glórias já quase me enfadam. Agora só ambiciono o regresso à nossa terra. Mas como, se a obra a que meti ombros aqui no Brasil deve ser concluída? . Tenho saudades da minha Beira, da sua paisagem acolhedora, dos rios, do mar, do céu azul, das árvores, do povo de Portugal. E dos meus amigos de Lisboa, do Porto, de Coimbra, do país inteiro. Ali é que é o meu meio, e tenh.o ambiente para escrever o que devo e preciso escrever da nossa História. Quantas vezes a nostalgia me invade e entristece a tal ponto meu coração de exilado que perco toda a vontade de trabalhar, de comer, de tudo. Comp.reendo agora a razão de você me dizer que ttnha de ir à terra senão endoidecia. Eu também tenho de ir para não adoecer gravemente.- E lá foi em missão do Governo do Brasil e da Comissão do IV Centenário da Fundação da cidade de São Paulo. * * * Eu, que sou homem de poucas letras, não posso tentar aqui um esquisso da bibliografia de Cortesão no seu exílio no Brasil. Outros da falange das cousas da inteligência o farão. Mas nestas atabalhoadas regras dep0nho como testemunha de vista e hei-de jurar aos Santos Evangelhos, como ainda é de uso entre transmontanos, que este português herdou, por direito, o prestígio e nobreza da representação da Grei que Ricardo Severo deixara sem testamento - sua maior e mais sólida e mais honrosa fortuna- e que é hoje o autêntico embaixador da alta cultura lusíada neste continente americano. Que os monumentos que levantou no Brasil e outros que está a erguer- os seus livros-são ainda mais duradouros, mais majestosos, mais perfeitos e mais fortes nos seus alicerces que aqueles de pedra e cal saídos da mão forte, vigorosa, portuguesíssima do sábio e do artista a que me referi. E, para que a contradita deste depoimento não invoque a minha amizade para me ter como suspeito, se transcreve o final dum artigo do crítico literário de «Ü Jornal» do Rio de Janeiro, Artur César Ferr.eira Reis, sobre «Alexadre de Gusmão e a sua Epoca»: «Jaime Cortesão, nesse primeiro volume, deixa-nos sequiosos pelo segundo, em que detalhará as negociações que culminariam no diploma de 1750, graças à perícia, ao civismo e à inteligência pragmática, realística, de Alexandre de Gusmão. O Itamarati, chamando a realizá-la quem, como o eminente professor português, disponha da melhor preparação para a magnitude da tarefa, andou com acêrto. Porque, na verdade, uma nova história do Brasil se começa a escrever e a aprendeu. Mas como a maledicência e a inveja, o despeito e a política podem aí imaginar baganha de compadrio, por ser Ferreira dos Reis da Confraria das Letras, requeiro que se dê fé à palavra do Ex.mo Senhor Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Dr. João Neves da Fontoura. Ela é, se não me falha a memória, nestes termos: «Entre os mais notáveis artífices dessa obra (de pesquizas relativas ao passado histórico do Brasil) salienta-se o Professor Jaime Cortesão, a quem poderíamos apontar como um dos inspiradores desse empreendimento, conforme o atestam, entre outros, os volumes sobre: · «Cabral e as origens do Brasil:. e a «Carta de Pero Vaz de Caminha,., A obra «Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid ( 1750) em nove tomos, também confiada ao Professor Cortesão, é um índice eloquente do grande adiantamento a que chegaram aquelas pesqui· zas, jã agora colocadas sob a administração do • Instituto Rio Branco,., São Paulo, Natal de 1952. -197- O movimento da Reilasceilça Portuguesa e os seus ideais. A acção de • Jaiine Cortesão nesse InOVIIDento tão inefável que é natural que dentre os sobreviventes alguns se tenham esquecido do que vislumbraram. Esses serão, porém, os menores. Os primeiros jamais poderão olvidar a luz da invisível estrela que em certa hora adivinharam através da névoa do seu anseio messiânico. Para esses, o saudosismo é e será decerto até o fim uma ideia-sentimento muito séria. Ao escrever estas palavras, tenho presente a imagem espiritual de Jaime Cortesão e atrevo-me a afirmar que ele é um dos que jamais renegará aquele sublime entusiasmo. Só quem tiver a solicitude de perscrutar, através de certas páginas de A A'guia ou da V ida Portuguesa, o espírito que as animava, poderá intuir a grandeza de alma dessa admirável plêiade de sonhadores e homens de acção e vislumbrar o sentido profundo dos seus anseios. Agora que Pascoaes acaba de morrer (a infausta notícia bateunos à porta há instantes) torna-se mais imperativa a indagação do que foi na realidade o sonho da Renascença e que espécie de sentimento irmanou os que foram levitados nas asas desse spnho. Por SANT)ANNA DIONiSIO EM todo o ((movimento literário» há sempre alguma coisa de indefinível que escapa ao espírito catalogante dos cronistas profissionais dfl Literatura. E é fácil compreender porquê. Os .que catalizam tais ((movimentos» são em regra levitados por um ímpeto de idealismo que se traduz mais em anseios do que em obras. O grupo ou ((geração» que funda uma. revista ou inicia uma luta contra alguma coisa que considera caduco, ou se propõe abrir novos caminhos num aparente impasse, ou se decide a rasgar, no tapume dos preconceitos, qualquer brecha que rasgue a vista para indefinidos horizontes emparedados,- fatalmente sonha mais d~ que realiza. Essa lei pode dizer-se inevitável. Por isso o melhor de cada geração ou ((movimento» terá, sempre, de ir buscar-se, não prõpriamente ao depósito de obras- pobres carcassas ou concretizações das suas esperanças -,mas ao halo de sonho que foram as suas aspirações veementes ou ingénuas veleidades. No intimo, bem no íntimo, o ((grupo», que se lança em dado momento numa campanha a favor disto ou daquilo, é animado sempre por uma espécie de convicção de que da sua acção está dependente a St\lvação do mundo. Se são pintores, julgam que dos seus pinceis vai sair uma visão única de todo o ser. Se são poetas, creem que a verdade plena vai nascer, por um novo fiat, dos seus poemas. Se são doutrinários, convencem-se de que todas as discórdias humanas poderão cessar sob a acção lustral dos seus esclarecimentos. E todos são profundamente sinceros. Grande e lamentável erro se comete, pois, quando se julga qualquer movimento desse género pelas cinzas ou escórias que dele ficaram. Como rudes geólogos destituídos de imaginação que, por automatismo, batem os seus martelos nos detritos de uma região vulcânica tranquilizada, ruminando teorias, ~omendatu ras, fórmulas, sem pensarem um Instante nos formidandos clarões que algum dia iluminaram aqueles céus- assim o historiador das literaturas, em regra ressequido e positivo, examina e aprecia esta ou aquela época literária, pelos «detritos literários», esquecendo-se inteiramente do fogo que os produziu e excedeu. Perante o «movimento» da Renascença Portuguesa, nascido na cidade do Porto por alturas de 19101 e que fez da capital do Norte durante uns dez anos o centro mais interes- sante da vida espiritual do país, muitas vezes a historiografia seca e peca de tipo pedagógico tem tomado atitudes depreciativas que só se justificam pela carência de capacidade de auscultação e compreensão profunda dos ideais que obscuramente irmanavam os artistas, os poetas, os homens de pensamento nele envolvidos. A ideia do «saudosismo», logo à nascença, foi dissecada com espírito positivista e hostil e pode dizer-se que, a-pesar da coragem do Poeta que estrenuamente procurou defendê-la, nunca se conseguiu fazer compreender entre nós o sentido inteligível da profunda intuição, de ordem metafísica, que nesse conceito cristalizou. Nuns, a incompreensão tem ido ao ponto de se recusar todo o conteúdo filosófico do conceito; noutros, tem-se traduzido na afirmação sumária de que essa palavra (ou flatus voeis) apenas teria sido o peregrino paládio de um efémero conventículo de poetas líricos condenado a rápida dissoluç~o. Ainda há meia dúzia de anos, num escrito (de circunstância, é certo, mas digno de ponderação) (r), um historiador de literatura, e de renome,entendeu dever afirmar, com bastante espírito displicente, que a Renascença Portuguesa faleceu de modo inglório (em consequência. de um infeliz almoço) e que bem pequeno sena o seu espólio se ela não tivesse deixado al~u~1a coisa mais do que a ((descoberta:. do crzactonismo e do saudosismo . .. Ora a verdade é bem simples. A Renascença Portuguesa, como todas as cot"sas humanas, tinha de morrer. Todos nós sabemos que os grandes instantes de exaltação transmutante, de combate ou de criação, têm necessàriamente os seus limites de duração: após um dado momento, fulgurante, o seu destino, como o de todas as escaladas humanas, é o de desfalecer e extinguir-se, para dar lugar a outras tentativas mais juvenis, a ímpetos mais ricos de virtualidades e audácia. Isto quer dizer que o que importa não é a tristeza própria do final de tais «movimentos», (1) Nesse escrito se comete, além de outro_s, o er~o singular de se afirmar que o antigo gerente da tJpograha Renascença- que, em 1916, com essa maquinaria se transferiu para o Brasil- fOra ca alma do movimento,. e que a sua partida determinara o declínio fatal do mesmo. Com_o se algum dia um temperamento de empresário, por ma 1.5 removente e ambicioso que seja, possa se~ a ca':sa pn: meira e fundamental- ca alma»- de uma 1rrupçao con vergente de forças espirituais ... Antes de tudo, deverá acentuar-se que a Renascença Portuguesa, fundamentalmente, obra de O DR. Jm1E CoRTEsÃo E o C AP. AuGusTo CAsiMIRo, NA ANTEescritores republicanos, de professores do ensino livre e de alVÉSPERA DA SUA PARTIDA PARA A GUERRA1 AO LADO DE guns poetas de inspiração uniLEONARDO CoiMBRA versalista, foi, de raiz, um movimento de exaltação dos valores espirituais do povo portugues (a mas o sonho que os animou no momento em língua, a índole, a história, a paisagem, a sauque eles explodiram como aparições. dade da terra, a nostalgia do mar, a aviA beleza desse estranho instante que foi dez do futuro) e, portanto, alguma coisa mais o da primeira fase de A A guia-inefável anseio do que um simples «movimento literário:.. quase messiânico de uma imprevista geração Ardia neles um tal desejo de total valorização de poetas e artistas, de pedagogos e tribunos, das «realidades lusíadas» que alguns, por inde es.píritos religiosos e laicos - está na veeconsciência ou malícia, vieram a considerar mais mê~cia do seu momento germinal, traduzida na tarde a cruzada do saudosismo pregada por Pasansiedade messiânica de Teixeira de Pascoaes, coaes como a febrícula anunciadora do integrano «pa~a~is mo transcendente,. de Jaime Cortesão, lismo lusitano. Na realidade, as reivindicações ~o optimismo eloquente trespassado de angúspolíticas (se assim lhes podemos chamar) dos hotia de Leonardo Coimbra, no secreto lirismo antemens da «Renascença» eram inteiramente isen~eano de António Carneiro, no retornismo frantas de qualquer animosidade à boa liberdade Jado de .esperança metafísica de Raúl Proença, que o século XIX nos trouxe e em tantos pontos na hanttse nostálgica de Augusto Casimiro de da Europa, por erros e fatalidades, se deixou Mário Beirão, de Afonso Duarte de Alf;edo vilipendiar e perder. A inalterável coragem poBrochado, e tantos outros. ' lítica de Pascoaes, até final, bem demonstra que Que queriam e que pensavam esses homens só por maldade se poderia lançar sobre o Poeta quando A A'guia desferiu os seus primeiros do saudosismo o labeu do precursor do integravoos? Sabe-se lá.. . Queriam, titânicamente, lismo lusitano. escalar os céus. Queriam salvar o seu pequeno Na verdade, a atmosfera de satisfação dema~un.do- a sua pátria- e com ela o mundo siado positiva que, desde 19101 começou a tomar l~teiro. Sente-se que, em dado momento, eles a vez do espírito de exaltação e de esperança VIsam alguma coisa de muito importante,- mas bastante contribuiu para a atitude de repro· - 199_- vação e reivindicação espiritualista dos colaboradores de A A'guia. Muitos, no íntimo, e outros declaradamente, requeriam que o ímpeto renovador que durante a fase de «propaganda» fizera abrir escolas diurnas e nocturnas através de todo o país não se deixasse esmorecer e reclamavam dos homens mais responsáveis do novo regime mais atenção para os valores espirituais. Não confundamos, porém, essa atitude nem com a dos def~nsores do nacionalismo estrábico e raivo~o, nem com a dos demolidores por sistema dos fms do século passado. Ao contrário da geração de 1870, tantas vezes truculenta e impiedosa, a geração de A A'guia raras vezes se deixou arrastar para o pendor do ataque desabrido ou do vaticínio apocalíptico. Antes se co~p~azia em formular, votos de esperança. Os propnos poetas foram os primeiros a propor planos de acção para que essas esperanças se tornassem realidades. Jaime Cortesão por exemplo, fundava universidades popula;es e dava ~ e~empl? do ensino superior, genuinamente livre; regia cursos de história pátria; aprofun.dava e interrogava as figuras e as questões mais graves do Passado. . Enq~anto ao l.ado, com igual.isenção e espírito levitante, ávido de levar alimento e ajuda às almas humildes, Leonardo Coimbra ( reprovado e repelido pela positivista Faculdade de Letras de Lisboa) regia alguns cursos de Filos?fia e História da Filosofia que sem favor poderiam ser prof~ridos num hemiciclo. do Colégio de França, Jaime Cortesão, com a Intensidade de ~!!Da que lhe é peculiar, procurava captar e deflmr a força oculta que teria animado os navegadores portugueses de quatrocentos a desafiar a& temidas e indefinidas águas do Mar-Oceano. . De cer_to modo podemos dizer que foi esse P momento baptismal do Poeta Daquem e Da/em. Mort~ que .lhe. revelaria o seu futuro signo de Investigador e Intérprete dos Descobrimentos. Dessa modesta experiência docente intei. ' ramente 1Ivre, · nasceria o futuro Historiador A figura do Infante D. Henrique, por algum' tempo, absor.ve-o. A tal ponto que a auscultação se co';lverteria na all';la do poeta em alucinação ar!fstlca: o drama épico do Infante de Sagres. Jaime Cortesão vive, enfim, intensamente em esp!rito criptomnési~o, a ansiedade que e~vol verla a. alm~ .do ~aciturno príncipe e sente por fim a Insuficiência da tese, então ainda enraizada, da origem céltica dos Descobrimentos que havi~ obsediado Oliveira Martins. O pro~ blema teria de ser posto sobre outras interrogações. Perante o seu auditório de almas ingénuas, de operários e burgueses do Porto, o Poeta-pr?fessor tenta outras soluções e lança outras hipóteses que só dez, quinze, vinte anos mais tar?e adquiririam a plena maturidade de tese~ h~Je plenamente aceites pela ciência Yniversitária- ou não andasse sempre a ciência oficial vinte, trinta, cinquenta anos no encalço do que a reflexão livre lhe vai deixando ficar para trás, para ela mastigar e «classifican ... Para que hoje possamos concretamente ter uma ideia da dedicação que nessa obra da Renas_c ença Portuguesa se consumiu, em alegre co~unhão de esforços de evangelização educa- tiva, bastará dizer que só no ano lectivo d 19r.2-13, na U?iversidade Popular do Porto, di: ngida por Jaime Cortesão, se realizaram e I 01 cursos. .pu'bl' ICos, 49 conferências ' e I em cur SOS especiais, a 1gomas centenas de lições Um dia, os .:homens do Porto:. 'num act de s~m.b~>li~o desass?mbr_o, resolv~ram leva~ es~a u;ncia tl va da um versidade livre. . . à própna cidade de Coimbra. E foram. A frente d carav~na destacavam-se as figuras imponentea de Jaime. Cortesão, A~gusto Casimiro e Leo~ nardo C01mbr:a. O ambiente na cidade do Mondego era mais do que de frieza: mostrava-se carregado. Os próprios estudantes pareciam apostados em _vaiar os «apóstolos:.. A sessão de abertura, realizada num salão da Baixa, abrira-se e,ntre rumores de trovoada. Afinal tudo se de.sf.ez. A eloq_uência persuasiva e sincera d_os visitantes ràp~damente dissolveu os propóSI!os de perturbação e a jornada inaugural terrumou num autêntico fr~mito de confraternização dos «professores livres» com os escolares da Universidade da Porta de Ferro. Assim foram os primeiros dias da Renas- cença ... A definição mais sugestiva que talvez possa ser ~ada da atmosfer·a de trabalho e de ansiedade que envol':'eu os colaboradores de A Aguia ne~sa fase d~ mtensa e gratuita acção educativa que foi a da fundação das Universidades Popu!ares do Porto, de Coimbra, da Póvoa de Varzim, encontra-se em uma página memorável do mensário A Vida Portuguesa, que Jaime Cortesão fundou e dirigiu desde 1912 e desem- · penhou por algum tempo, a par da revista liter~ria, a~ funções d.e bole~im da obra de pedagogia social que se Ia realizando. Nessa páginas e proclamava este ideário I: «A Renascença Portuguesa deseja dar uma finalidade à vida nacional. Temos vivido na embriaguez do combate à deso!lestidade administrativa e todo o esforço moral se tem afirmado nesse sentido. Na confusão do ataque e por motivo da banalidade das almas dps tribunos, esqueceu-se o fundo eterno da vida moral. E assim que na propaganda dos comícios se falava de filosofia natur~list~, de. Justiça_ imanente, etc. Como as almas simples sao silenciO~as, ~ao é com rufdos obsediantes que ador!llece.m e hipnotizam, mas com palavras de simples e Imediata ver.dade gue se há-de falar ao povo. Destruído o passado e distendido o esforço de defender a República ameaça~a,_ é precis? impedir a dissolução das vontades pela cnaçao de um Ideal colectivo. Como criar esse ideal col~~t~vo? Ev~dentemente que não pode ser por uma artlflc_Ial reacça?. de laboratório, nem programa de qualquer Igreja politica ou literária. Em Portugal é solene o momento e a seriedade e profundeza da alma nacional ~par~cerá logo que esta consiga furtar-se à fascinação dos flgunnos estrangeiros. O poeta, o pintor, o músico devem procurar ao povo português a sua alma verídica. E que pod_e ouvir o povo? Só ouvirá aquilo que seja eterno. ~nflm, a ~e?-ascença Portuguesa, quanto a mim, tem mtentos religiOsos. Isto explica que os seus ·homens sejam um~ minoria j~ em contacto com a alma popular d? norte e Ignorada amda em Lisboa onde o ruidoso movimento de civilização exterior apaga as nossas palavras. Somos poucos e em atitude oposta aos preconceitos desta ê~oca de m~rc.antilismo cosmopolita industrial e i?dus· tr:oso matenahsmo. Teremos a guerra canina dos hterateiros, mas, se conseguirmos achar a fórmula em que a actualidade lusitana encarne o eterno, venceremos nós.Jt r De uma entrevista concedida por um colaborador d~ A Vida Portuguesa (L. Coimbra) a um jornalista de Lisboa. -200- Na verdade, pode dizer-se, a cruzada da Renascença fracassou. A esperança indef~nível que seus promotores acalentavam foi evanesos cendo. E, por f'Im, ~pagou-se. . Mas alguma coisa de grande e d~ s~rlo s.e passou ainda na sua fase crepuscul31~. fo1 a atitude de coragem e de .aposta decisiva que os colaboradores de A Aguta tomaram no momento grave em que Portugal vivia na dramática hesitação se deveria ou não intervir na Guerra terrível que desde I9I4 ensanguentava a Europa. Que me conste! nenhuma geração de _Poetas e tribune>s, até hoJe, em Portugal, assumm uma tão grande responsabilidade como essa da Renascença ao defender abertamente, contra todos os argum'entos evasivos, a necessidade da intervenção ao lado dos povos latinos e da !ne-laterra, ~oqtra as forças tenebrosas do Pangermanismo. Foi nesse momento que a figura de Jaime Cortesão atingiu a verdadeira altitude do heroismo. Depois de exortar, aqui e além, através do país, os timoratos, de exprobar os defectistas, de repreender os advogado~ da cultura teutónica, ·-o poeta-tribuno vê finalmente a guerra declarada ao seu país pelo colosso germânico. «Que fazer? Partid E o lar? E os filhos ternos e carinhosos?» Durante uma longa noite, na sua consciência, debate-se o tremendo dilema. Ao amanhecer, a decisão está tomada. O poeta oferece-se como voluntário e pllrte para o inferno verde e branco da Flandres, onde viveria como tantos outros companheiros de A Aguia -como Augusto Casimiro, como Pina Moraisas lamacentas, trágicas e intérminas horas da espectativa da Morte. Por esse acto de hom bridade- o mais belo e significativo de todos os poetas da Renascença -bem poderemos dizer que a maior obra de Arte de Jaime Cortesão é a sua própria Vida. (r) A religiosidade do «movimento» da Rena11cença traduz-se exemplarmente no discurso de abertura da Universidade Popular proferido, em 28 de Outubro de r913, por Jaime Cortesão, no qual, em dado passo, «evoca l!ma cena sublime da vida do campo, que é a da sua terra. E quando o lavrador, estendendo a mão cheia de sementes sobre a terra, faz o divino gesto de lançar a vida generosamente. Assim ele (orador) quer que a ~Renas cença» seja humanamente verdadeira no gesto de semear a verdade, a bondade e o amor». ' UMA VISITA A IBITURU.NA Por JOSÉ RODRIGUES MIGUÉIS brev.es do nosso encontro no DASRio:imagens primeiro, no alvoroço do desembarque, depois nas névoas de Santa Teresa, e por fim no «sobrado» da Rua Ibituruna, com a sua grade rangente, o jardinzinho obscuro, a escada exterior, os tetos altos e a ressonância antiga -são estas últimas que me voltam com maior insistência. Talvez porque, após anos e oceanos de separação, um ciclo demasiado longo parecia fechar-se ali, numa convivência de memórias, aspirações, esperança e recomeço. Era como folhear um livro de estampas e recortes, e dizer: «Eu sou destes ... E aqui a história continua ... » Era como achar alguma coisa de q~erido e perdido, não só no amigo, como em mim mesmo. Nas sombras do bairro excêntrico, os livros, os móveis, alguns quadros e objectos de arte popul!lr, um não sei quê de antigo e de actual, de distante e presente, de «português» em suma~ tudo me fazia crer que tinha aportado a uma I.lha em pleno mar de aridez e solidão, e tudo Intensificava em mim o sentimento bom de pertencer, de reatar-me. (Não serão as ilhas, porventura, símbolos camoneanos das etapas que marcam o nosso destino por enquanto errante e marginal?) ' O expatriado tem destas noções, estranhas talvez para «os que ficam». Aprende o mérito das pessoas e das coisas que lhe dão forças ~~ra não soss?brar, para recuperar-se ou identl Icar-se consigo mesmo ou a sua grei. E nada é tão reconfortante, depois de se tér sido grão de areia no deserto, ou rodízio anónimo dum maquinismo que ameaça esmagar em nós tudo o que seja personalidade e vivência. Junto de Jaime Cortesão experimentei isso mesmo. Talvez porque ele irradia uma profunda e convicta identidade com a nossa grei, ou porque a sua obra de poeta, historiador, dramaturgo, ideólogo e homem de acção se modelou em torno dessa estrutura. À cabeceira da mesa, rodeado da família, mas sem atitudes patriarcais, e depois entre os livros e as recordações que lhe restam, ouvi-o falar do seu trabalho e dos seus planos, da jornada escabrosa, que não lhe provoca amargura nem reproches. Era o mesmo homem que sempre conheci: sóbrio e digno, preciso e re_catado de gestos e expressões, quase tímido, revestido dessa autoridade branda e justa que é fácil consentir-se, capaz de humor, apto a ser feliz e a fazer os outros felizes: mas agora mais depurado, mais essencialmente ele mesmo, como os vinhos que o tempo requintou ... (Mas nele, foi antes a têmpera do fogo!) E enquanto o ouvia, ou falava (falámos de muita coisa, mas isto não é uma entrevista!), eu ia assistindo, numa espécie de desdobramento interior, ao desenrolar das memórias dum homem e duma época, dentro da qual eu próprio cresci. Ali está o retrato do tempo da «Águia»: a seduç~o que foi a «Renascença Portuguesa». Depois -201- o prisma novo do Infante de Sagres, a devoção total do pioneiro à sua obra- que idade teria eu? quinze, dezasseis anos? Na memória uns retalhos da Glória Humilde: «. . . e eu tenho um mar de lágrimas cá dentro!» O tumulto de uma era de transição e aspirações, última fase dum romantismo fiel á missão do homem: o poeta-deputado que parte para a guerra como outros cavaleiros de branca armadura (esperem, é preciso procurar em tudo a sinceridade!), com uma flor de paz no coração ... E vejo-o ( Memórias da Grande Guerra) de pé na estrada revolvida pelo bombardeio, cego, tateando, sufocado pelos gases, ao lado da ambulância destruída ... Segue-se o descalabro e· o protesto: o clarão de esperança da Seara Nova e o sentimento caloroso, reconfortante, de ver congregados, reagindo contra os erros e a estreiteza, esses homens de quarenta anos (quanto mais velhos somos hoje, os ex-novos de então!), galeria para nós de notáveis que incarnavam a crença no mérito das ideias, a cultura, a Democracia purificada, a militância, o desapego de si, a crítica construtiva, a confiança no progresso e na verdade, a pregação idealista erguendo-se dentro da realidade como uma espada refulgente; e que se aprestavam a escalar o futuro com a doçura das pombas e a cólera de Jesus no Templo azorragando os vendilhões. (Fraquezas? Ilusões? Omissões? E onde é que as não há? O que importa nos homens é o que os une para o bem, a possi!Dilidade de coexistir e actuar num mínimo de entendimento positivo, sem renunciar aos princípios. A afirmação, mesmo débil, vale sempre mais do que a passividade e a negação. Todas as ruínas são transitórias, de todas elas brota sempre a mesma flor tenaz de amor e humanidade. E que importam divergências de pormenor, quando por atalhos diversos, e até divergentes, se marcha para a convergência final dos ideais supremos- no Homem?) Com a sua geração, Jaime Cortesão reagiu contra a tese negativista e unilateral da «aventura» e do «materialismo» grosseiro dos Descobrimentos, para acentuar a racionalidade do Plano e o carácter necessário, missionário, ecuménico, da expansão portuguesa, em que não houve só sêde de oiro e especiarias (aliás geral na Europa), mas amor do mundo e do descobrimento, sentido . órbico, função humana e histórica. Já na sua teoria da individualidade geográfica de Portugal, há longos anos exposta, ele traduz a preocupação de definir o papel histórico do Português pelas condições e qualidades naturais, e não pelo «messianismo», pelo capricho de «élites», ou pela fome de lucro somente. Esse determinismo, integrado pela Vontade geral, de que o Infante é o vértice; essa concepção naturalista e missionária (no sentido laico) da Expansão, era um passo em frente na formação da nossa consciência, porque nos libertava da sátira, do pessimismo e da retórica. E um povo não vive menos da sua «consciência» do que do pão. Hoje, mais do que nunca, precisamos dela ... O factor económico e o cálculo enobrecem-se e transfiguram-se assim, dialecticamente, no correr da missão que, mais para bem do que para mal, virá renovar o mundo. Cada soldado obscuro ou Almirante das Índias leva, a par da avidez e crueldade, a chama de São Francisco ... O seu franciscanismo, que é uma concepção moral, envolve num manto de amor o povo português: porque é o amor do povo que o leva a sentir neste a santidade. (E digam-me: em que é que a santidade contradiz a acção e a realidade? Nã9 há santidade fora da acção fora do mundo dos homens, da verdade e d~ erro!) Esse mesmo franciscanismo é nele um prisma para avaliar os homens e as obras seja na interpretação da Expansão, seja na d~ Eça de Queiroz. O que ele procura no Romancista é o servidor coerente dum mesmo ideal em que só os meios, os processos, as aparê~cias evoluem. • O que ele busca não é tanto castigar os erros e vícios dos homens, como pôr em relevo aquilo por que eles se salvam, regeneram e progridem como valores colectivos: a inteligência a virtude, a vontade, o amor, a bondade. Iss~ o define como homem e lhe inspira a obra e a acção. Para ele as grandes figuras -Infante ou Alexandre de Gusmão, Mariana Alcoforado ou Eça- não ·são anomalias nem excepções, mas «expoentes», projecções do carácter do povo. Até no «sigilo dos descobrimentos» eu entrevejo um traço do carácter nacional, a obstinação algo sombria do nosso camponês feito ao mar, de que Magalhães seria o protótipo. O amor da grei torna-se aparente nas suas colectâneas da lírica popular: em frente da paixão castelhana, o lirismo lusitano é a sua pedra de toque, um lirismo em que, como no seu próprio (Divina Voluptuosidade), há uma sensualidade cristalizada. A Freira de Beja é fogo que se fez luz. Ainda agora, no estudo e compilação exaustiva da obra de Alexandre de Gusmão, enxergo a mesma intenção amorosa de provar as originalidades e virtudes, o dom de si, o entendimento, o Talent de bien faire, que, através do tempo, dos erros e infortúnios, presidem à acção do povo português no mundo real. Que lição, a sua, de patriotismo colectivo, radicular, de tolerância, compreensão, amor da grei, de fé guiada pela razão e a vontade criadora e transformadora do mundo! Para ele, como para Herculano, a democracia é a mola real da nossa História. Ouço-o falar e sorrio de gratidão, porque vejo nele um obreiro paciente e delicado da nossa personalidade, a incarnação viva da sua obra- talvez ainda fragmentária (cOQlO tudo hoje no tempo português), talvez «afectiva•, mas una em si e com ele: em ambos a mesma afirmação dessa dignidade sem sobranceria, dessa doçura que um dia triunfará no mundo. E acode-me a recordação do dia distant~ em que o vi corrigir um colaborador que unha errado: aprumado e grave, mas sem aspereza, duma tal dignidade, ao invocar o argumento moral, que deixou o outro sem voz. Esse sentimento da dignidade o levou talvez a participar menos na polémic'a: é um congraçador mais do que hostilizador dos homens. Sem embargo, vimo-lo reagir mais de uma vez maldade caluniosa, ao insulto. Ao ataque dum -202- panfletário de alma cariada, responde um dia com uma página de hum_or candente: escreveu-a ontem à noite, de um Jacto, e. acaba de entregá-la ao tipógrafo. Mas, de escrita com tão veemente espontaneidade e senso da razão, ficou-lhe gravada na memória- e ele recita-a integralmente passeando na sala, sorrindo e erguendo as mãos delgadas e ruivas, a sublinhar um conceito, naquele gesto tão familiar aos que o conhecem. 0 cidadão incarna a mesma dignidade: Na fraqueza geral, que era mais das condições que dos homens, erguia-se periodicamente a denunciar erros e perigos, a concitar as consciências. E nas horas decisivas sabia marchar ao lado ou à frente dos outros, quer dando o exemplo da responsabilidade, em 1';!17 1 quer escal~ndo a colina insurrecta, quer amda, anos depois, tentando galvanizar as almas inertes e hesitantes, e derrubar a barreira das divergências, pára servir sempre o mais alto dos fins. Depois ... Depois- mas já passa da uma da manhã, e que faço eu aqui a esta hora, entregue a este sonho de identificação e recomeço, na irradiação duma paz calorosa, a um tempo seda ti va e estimulante, se amanhã é preciso partir de novo, continuar a cumprir pena. . . Mas é preciso que isto não se aposse de mim, é preciso que eu reaja! E prometo, del)cabidamente, fazer alguma coisa, mais alguma coisa ... Despedimo-nos, desço a escada, volto-me a olhar o trio enternecedor que me acompanha lá em cima (até onde? até quando?), e torno a mergulhar, comovido, na estranheza do arrabalde e do futuro. Só então avisto nas alturas o Cristo do Corcovado, todo branco de luz e algidez de alémmundo, como um sinaleiro que no silêncio que sufoca a selva, a noite e os ho~ens, não aponta o Norte nem o Sul, mas apenas o caminho do céu. JAIME CoRTEsÃo E MARro DE CASTRO EM ÉvoRA, EM NovEMBRO DE 1952 UNI PREITO J1: UM ·V01_ 0 A J-AINlE CORTESÃO 1 I Por VITORINO NEMÉSIO UM amigo me~ qu_e investiga, pelo puro prazer de se mteirar, as raízes das nossas "t'eputações intelectuais mais luzidas dos últimos cem anos, depois de me mostrar uma colecção f.e decepções e abordando o sector historiográlc.o,, de? largas à sua admiração pela solidez, onglnahdade e elegância dos trabalhos de Jaife C~r.tesão. E, s.~b~ndo-o originário da atmosera hnca e mess1amca de A Aguia perguntava como · SI"d o possível ao poeta e ' dramaturgo do . t ena . dhma de 1914 converter-se no grande histona or dos nossos dias. p ~ão ~scapava a esse vigilante intérprete de « a ?"flres~ culturais a importância do surto i:~ticista que 3: Renascença Portuguesa a um od, 0 Integralismo Lusitano a outro tiveram na et erm1nação · • d de alguns moços portugueses 0 tempo num caminho objectivo de recupera- ção· e exegese da consciência nacional. Raros porém atingiram a maturação metódica, na aplicação reiterada às ciências do espírito, que caracteriza a obra do historiador dos descobrimentos e da colonização portuguesa que, após largos anos de exílio e de trabalho em arquivos europeus e americanos, nos visita hoje como que num alto decisivo da sua vida ardente de cidadão e de escritor. A maior parte dispersaram-se num diletantismo simpático mas inglório. Meia dúzia deles, fiéis à poesia sensivelmente deslocada do poema para a curiosidade humanística, ora servida em conferências, ora em monografias, ora em actos avulsos de bibliofilia e noutras formas de ardor intelectual de acaso, salvando a pureza de intenções perderem a hora e a sorte de uma obra acabada. Dos poucos que verdadeiramente contam na -203- história da vida espiritual portuguesa Jaime Cortesão é um dos mais genuinamente ilustres, e de-certo o maior historiador. O seu primado, nesse campo, ergue-se mesmo acima de limites de geração e de roda, situando-o na alta linhagem dos nossos escritores de história. Para semelhant~ triunfo nem lhe faltou a salubre concorrência de tantos trabalhadores insignes do fértil campo de temas da nossa expansão marítima. Arqueólogos da náutica, historiadores das ciências, cartógrafos, diplomatistas e filólogos, simples mas ávidos curiosos do sedutor problema que obrigava ao manejo das fontes e como que criava, com a força do enigma, a técnica do decifrar, nada disso faltou a dificultar-lhe a vitória. Mas historiografia é uma coisa, e história outra. As operações de desbravamento técnico do terreno da interpretação, por difíceis que sejam, não passam de perícia e propedêutica. O foro das ciências auxiliares da história não exgota a instância do juízo nem atinge o apuro da construção. Para esta, que no âmbito dos descobrimentos se mostra tão árdua e exigente, tinha Jaime Cortesão a dupla disciplina espiritual do arthta e do sábio. Só aquele, intuindo a realidade viva do suceder e adiantando ao segundo a figura intensiva do que é singular e pessoal no tempo, poderia acabar por fazê-lo um cabouqueiro seguro e sóbrio do passado como edifício realmente habitado pelo génio nacional uno e perene. Mas o meu amigo, uno cardeal-diabo do processo de revisão da fama dos nossos escritores, não se lembrava que Jaime Cortesão nasceu e cresceu num meio singularmente propício à vocação intelectual. O seu estilo integral -modo de escrever e de visar as coisas que o inspiram, de as citar e escolher num pensamento que logo lhes adeqúa os termos e os enlaces sintácticos- denuncia ao leitor avisado uma tradição humanística em que escritor tão vivo e rigoroso se insere,- uma disciplina que, nem por ser tão fortemente identificada com o engenho em que transluz, deixa de inculcar o seu perfil objectivo de meio e de aprendizagem. O meio de Jaime Cortesão foi uma família cultivada e solidamente assente nos Campos do Mondego, com economia tradicional de trabalho e fruto rurais, a livraria vizinhando a tulha e o receituário da aldeia, o ideal citadino de Coimbra e do Porto acenando moderadamente à paz de S. João do Campo. E o primeiro aprendizado recebeu-o de um pai que era ao mesmo tempo um cidadão activo e um sábio. A contemplação dá-se como apanágio ao sabedor para taxá-lo de inerte ... António Augusto Cortesão varreria a testada perante essa hipócrita vénia mostrando os seus doentes a poucos passos dos seus livros. Investigava a Idade Média como curaria maleitas: com a vigilância e o ardor. do homem que visa a resultados. Na casa paterna do historiador da armada de Cabral e da chancelaria de Alexandre de Gusmão devia respirar-se essa atmosfera salubre e elevada que nasce de uma boa implantação familiar na tradição e no dia a dia. O pai erudito e clínico realizara honradamente o tipo do grande humanista confinado no silêncio da província, satisfeito com o aplauso insuspeito da pequena confraria caseira e internacional dos arqueólogos, longe das crmulações e ojerizas dos literatos pretensiosos. E quando o filho médico também '7' e quem sabe se com algum' vago viso de suceder ao pai no remanso da clínica e do Onomástico?- desceu ao povoado das academias e das tertúlias, vinha com-certeza couraçado de velhas resistências para a luta. Seja como for, não se ilude o sabor a vinho velho de tudo o que Jaime Cortesão apura no seu habitáculo de historiador do nosso período áureo. O rigor diplomático dos seus textos não pesa na aérea leveza da sua construção histórica, tão grave e segura no traçado como fluente na adesão de vivência a que incita. Sem propósito de pesar aqui os seus conseguimentos magníficos- pois nem teria balança bem aferida para tanto -limito-me a lembrar esse sugestivo austero quadro de Lisboa n? Ano de z;oo, com que, há trinta anos, ou seJa na fase ascendente da sua carreira de humanista, Jaime Cortesão abre o livro, cuja matéria puliu e ampliou interpretativamente noutras obras, sobre A Expedição de Pedro Alvares Cabral e o Descobrimento do Brasil. Ai, como no aparato da Carta de Pera Vaz de Caminha, como na introdução à monumental série diplomática dos actos de Alexandre de Gusmão, o impulso configurador de épocas, pessoas, ciclos económicos e centros de propulsão exerce-se sempre cingi'do às disciplinas da investigação e da destrinça factual, de modo que a narrativa ganha, como iustrumento de análise e figura global do tempo, aquele timbre de velha prosa histórica que só as páginas dos grandes historiadores artistas e sábios ferem. Mais o cavo bordão evocativo de um Herculano do que os carrilhões volúveis de um Oliveira Martins. Mas uma herculaniana gravidade que se repassa das finas intuições do autor dos Filhos de D. João I, em Jaime Cortesão vigiadas pelo constante rigor da prova do facto singular e da coerência dos conjuntos. . Sacrificaríamos um tanto à hora do «preito e menagem» se não disséssemos que à poderosa construção histórica de Jaime Cortesão, já certa e segura do vulto que põe nas tábuas da cultura portuguesa, falta aquele último retoque ou gesto de síntese que, se não é indispensável.ao historiógrafo puro, é conveniente ao grande ~Is toriador que em tão largo caminho se anunc~ou. A multa paga pela história científica à glória é talvez essa ascética exigência que retarda ao hermeneuta a hora da aplicação à cfigura» geral do tempo que beneditinamente devassou. Por outras palavras: a ética de S. Mau~o mata Tucídides à nascença. E nunca é de mais lembrar-mesmo a quem harto lo sabe-que a história perene, viva, reluz mais nos grandes narradores que poupam o leitor ao forro das gavetas arrumadas do que nos meticulosos notários da gesta humana, carregados de provai «à l'appui». . Mas Jaime Cortesão, que em si sente certo a estirpe de Heródoto e Burckhardt, não nos deixará sem o volume ou dois de «da capo• que a sua gloriosa obra imperativamente pro· mete. JAIME CORTESÃO, SOLDADO Por AUGUSTO CASIMIRO Poeta não é amar ou servir sem dádt'va SER . ttem cantar com a virtude super ficia! dos esttlos. .c. levar o Amor ao sacrifício e à luta para servir as Pátrias e os homens. O verdadeiro Poeta sobe aos assaltos como Cristo subiu ao Calvário, para libertar e r;dimir só P_ode se': S?ldado ao se:~iço da Vida, par~ faze-la 1~1a~s tftgna de ser vtvtda. Nâo sofre timit~s ou tft~ciplmas que. o levem a trair o que é na vtda dtvmo e essencta!. Seu canto e sacrifício abrem os caminhos do Futuro. J.ait~ze Corte~ão, sob a face loira de Viking, a sobrza austertdade do Historiador ou a regra lumi1wsa do seu estilo de prosador, é sempre Poeta. E onde o Poeta subsiste está o Homem deve estar ' o Soldado ou o Apóstolo. Um. escritor pode ter talento. Quando tem lmmam~ade, o que nele há de vivo, de vivt'do, excede a hteratura. O que admiramos verdadeiramente no escritor é o que nele reflecte e serve o huma'!o. _JI(ão é _o estilo que faz o homem. Este é que dtgniftca e tmortaliza o estilo .. Depois o verdadeiro escritor é sempre, de qualquer forma, um homem de Acção. Falem ou_tros do Escritor e do Historiador que eu admtro~ Atr~vo-me a falar do Soldado. Esta_ palavra e pertgosa e estreita, empregue no s~ntt.d~ comum. Uso-a no seu mais alto e puro stgmftcado. Façam um esforço os que a lerem para lhe transcender o sentido quotidiano. No Soldado que foi Jaime esta vivo e activo o ,Po.eta que é. se"?P:e na essência. Na Morte da A guia em potencta tnquieta, ansiosa de acção, 0 Soldado da hora que chamámos de Nun'A'lvares. d. dE1~ rgp6! c~mo em z;8;, o interesse e a dianz·'! e a atna, da própria espécie humana, ~xi g~~m- aos portugueses o pressentimento, a consc:e;J_cza_ dum dever e a Prática de actos capazes de re wur os Pecados ou a inércia dos que lhes eram estranhos ou inimi aos .J {~tme Cortesão pres~entt'u e viveu essa Hora ue Hztn'A'l N , , vares. F. ot· um dos Companheiros de unA !~ares. Quzs ser, pôde ser mais do ue escrztor de tale1tto ou um poHtico. Foi p/!ta. a s~uecera_-s~ quase de qua fora médico. Renovou s sttas tecmcas de clínico. Andou petas tribunas ~mi q_ue_ os Soldados já se batiam, para reduzir · d nercza ou c_lerrubar os obstáculos que lhes vete:va;n can_ztnho dos sacrifícios necessários antard/ J,gz-etr para a Trincheira. Vimos, numa encont o egante em que a tragédia e o riso se ravam num iluminado e ardente verso de juventude, entre as li11has de Neuve Cltapel/e a s~h farda cinzmta riscada, queimada pelos ~s tt aços que acabavam de passar sobre nós. Con!a':am.me daqueles dias de Março de z9z8: -O medtco atendendo, sob as granadas, na atmosfera cac(a vez mais densa de gases, os feridos que sucumbtam, na mesa do primeiro penso sob as granadas. ' Vejo-o. t~mbar, ao meio dos feridos e dos mortos, exan~m:e, cego, com os pulmões decerto dt'la~er'!dos. Adtvtnho-o, sobre a abandonada mara tmove! como num esquife, e lúcido embora ce . . o' na grande '?"udez que lembra à m~rte. Em tofn~ as. casas ruzam. no desvarto da noite. Tinham-no d~txado .u'!s mtnutos sozinho, como 1tum cemitérw. Adtv_:nhe quem Possa o momento supremo. u/magmo a ~ua ~ntrada no Hospital de Sang · A mesma tmobtltdade, a mesma cegueira a 'f!leS~a presença: Sen:z um rueixume, ouve palav;as t,mPtedosas ou tnsensíveis. De novo o abandonam a. morte, como ~m condenado sem remissão, Presstnto a traQ"éd:a_ rue lhe vai na alma e ele domina na ~ua tmobtltdade e no seu silêncio. d Aaor ? a e· a / 'tgura de Lázaro que regressa do ~;muto Para encontrar na Pátria, naqueles _on os .m.eses de z9z8, uma nova luta, o imperaitvo, .r~ltfftoso dever duma nova luta e de novos sacrtfzctos. Quando .os escritores são, puderam ser Hohe_ns / a vzda lhes permitiu certas experiências a ne es alg~mlf coisa mais acima do que, na !itera~ 1 pra, basta_rta a sua modéstia ou ao seu orgulho, odem dz.sjJensar outras glórias ou os ciumes doutros trzunfos mais ilusórios, menos duradoiros. Em ° , . Dr. José de liagalhães Godz'nho Advogado Rua Nova do Almada, 8o, r.o-Dt.o T elef. 2 5520 LISBOA J\rME CoRTEsÃo E A EsrosA No .AoRo &.a. 's~ ELVAS' EM DE.zE.MBRÓ _DE ~9.52 DE • -204- -205- .. • ·'l .. ... • ~ '. ·: ' •· \. Sobre indivíduo e sociedade como elementos de explicação histÓI-.ica Por JOEL SERRÃO Toda a história escrita tende a tornar-se uma interpretação actual do passado. Por isso se tem dito que cada geraç~o escreve, à sua maneira, a história. Assim é ; assim deve ser. JAIME CORTESÃO ... busquemos a história da sociedade e deixemos por um pouco a dos individuas. A. HERC ULA NO EMBORA, oomo afirma Jaime Cortesão, (I) nos pareça incontroverso o facto de que as vivências de uma determinada geração condicionam e~etermina.m, além do mais, o sentido e a perspectiva da sua visão dos eventos históricos; ainda que um grande historiador, apesar da sua grandeza, possa ter deixado na sombra aspectos da vida do passado que a outro, mesmo de menor envergadura, mas senhor de diversa experiência, não passarão desapercebidos; apesar do fluxo e refluxo de ideias-forças, de prós e de contras, de teses e de antíteses, que constituem a seiva de uma ciência- pensamos que as sucessivas visões históricas, acaso em conflito, se não excluem inteiramente; que tendem a completar-se e superar-se,- tal como nas próprias ciências onde o grau de rigor é tradicionalmente maior (2}. Na história, ciência tão complexa, (e çonsiderada como ciência, nos seus primeiros vagidos) os contrastes são mais chocantes, mais vivas as arestas entre esforços de compreensão que, afinal, são complementares. Que tem de ser complementares, ou a história não será mais do que vã ilusão, como certos, infundamentadamente, têm pretendido. De outro ponto de vista, há que reconhecer-se o seguinte: perante um problema, se há ciência dele, o acordo é possível, embora possibilidade não seja sinónimo de facilidade. (A ciência não separa- une; não cava abismos -soterra-os!). Mas quando a ciência se transforma em discussão teórica sobre os fundamentos da própria ciência, ou seja, quando ganha consciência critica de si mesma; quando a história se devolve em análise do que seja historiar- eis- nos perante em presa onde o acordo é ainda mais dificil, em hora possível. Necessária pausa para ·reflexão sobre o caminho andado, e para descortinar, na encruzilhada do presente, o rumo do porvir. Ponhamos um exemplo: depois de assistirmos ao admirável esforço e à bela realização que é o Alexandre de Gusmão e o (x) Á CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA -Advertência. (~) V. em L. de Broglie, Matiere 1t Lumiere, a história das concepções sobre a natureza da luz. T":atado de Madrid (I. 0 tomo) (I ) da autoria de Jatme ~or~esã~, en~ontramo-nos de acordo com a reahzaçao htstórtca porque se nos afigura verídica. Todavia, não aceitamos a concepção ~eó~ic.a do gran~e hi~toriador sobre o papel do md1v1duo em htstóna, que no referido livro expressa! E daqui, que concluir? Em nossa opinião, apenas o seguinte: quando uma disco~da.ncia. se. man~festa! em ~ez de passar-se adtante, hngtndo tgnora-la, ha que clarificá-la para verificar se, resistindo à crítica, era fundamentada, se a ela cedendo, era apenas um moinho de vent~ e não um gigante de espada desembainhada. E o que vamos tentar fazer. Este é o caso como Jaime Cortesão o expõe: «Às nossas tendências filosóficas o homem no que ele tem de individual, nuclear, e indi~so lúvel, naquilo em que se mostrou irredutível às determinações opressivas do ambiente social; e na pequena ou grande parte da sua criação, interessa sumamente. A essa rara espécie de homens, que, pelo génio e o carácter moral, são criadores da história, pertenceu Alexandre de Gusmão. A grandeza da sua obra mede-se pela resistência do meio exterior, que teve de vencer. Para melhor medir, por conseguinte, a estatura de Alexandre de Gusmão, é necessário começar por situá-lo no seu tempo. Fazer um estudo da sua formação ... E, depois, do choque entre essa e as formações alheias ... Este livro poderia, pois, resumir-se na resposta a estas perguntas: Até que ponto a criatura Gusmão se tornou criador por sua vez? Foi um mero produto da época, ou depois de haver assimilado a seiva da história, moldou também a vida? Como? E em que proporções?~ · Se bem entendemos este texto, dele se podem extrair as seguintes ideias fundamentais: I) Pela sua formação filosófica e moral, Jaime Cortesão tende a interessar-se por tudo quanto se lhe afigure a liberdade (evid~nt~ mente, no sentido metafísico do termo) do tndl· vfduo, considerado em sua original qualidade. 2) Esses indivíduos, que são raros, pelo seu génio e carácter moral, são criadores de história na medida em que livremente vencem a resistência que o meio exterior lhes opõe. Alexandre de Gusmão é um desses homens. 3) Depois de sofrer a influencia do seu tempo, Alexandre de Gusmão liberta-se da re· sistência do seu meio, e «molda a vida~. Nada deveremos opor ao primeiro ponto. Livre-arbítrio?; determinismo? A discussAo (x) Fizemos-lhe a devida referência no número 10 do jornal LER. continua e continuará ... Mas não importa grandemente ao nosso objectivo, neste momento, embora o problema seja candente, e a solução pessoal dele a chave, ou uma das chaves, das vivências de um homem. . . Quanto ao segundo ponto, amda que Jatme Çortesão não afirme que apenas sejam criadores de história esses tais indi viduos, verifica-se que lhes atribui papel de excessiva imp ortâ n· cia, segundo o noss? modo de ver o .assunto . E por isso, o exammaremos com mais vagar. ' Criadores de história ou, se se preferir, perSDnagens históricos são, segundo nos parece : I) os homens que, individualmente, e de qualquer modo influíram no desenrolar dos acontecimentos do seu tempo, abrindo caminho para o futuro ou retardando-o; 2) os grupos sociais, a sua constituição, as suas actividades, os seus conflitos. Como criadores de história se nos apresentam quem tenha inventa?o a azenha ou a «coelheira ~ para a tracção antmal; quem tenha fundado o primeiro « banco ~ e ideado as suas operações; quem tenha concebido as «cantigas de amigo ». Como tal se nos ap resentam os pescadores e os marnotos portugueses; os burgueses dos port )S ; os grandes e pequenos proprietários rurais; os trovadores, obscuros ou conhecidos, etc. Os escravos, os servos da gleba, os vilãos não foram também criadores de história? Mas, um Alvaro Pais, um João das Regras, um Infante D. Henrique, um Alexandre de Gusmão? Se os me rgulharmos até à medula na vida do seu tempo, sim, s.enhores: também foram criadores de história. E que, até não há muito, a história tem sido considerada, predominantemente, como individualista e «heroica ~ : um guerreiro, um pol ítico, um sábio constituem o seu complacente objecto. O resto ... Sim: esse resto, que é tanto! essa poeira de seres insignificantes ... - · que não tinham solí- Dr. Fernando JJ{ayer Garçüo Adv ogado Rua da Prata, I 78-1. 0 Telef. 2 6ox8 LI S BOA Dr. Vei_r;a Pires CLÍNI CA M~~DI CA Palácio do A tlântico Telef. 2 o2J4 PORTO citos cronistas para lhes contar a dolorosa história! E que deveremos nós entender claramente pelo que Jaime Cortesão chama «resistência do meio exterior»? De uma coisa estamos convictos: apenas haverá criação histórica, em relação a um determinado homem, quando, de algum modo, a acção individual se repercutiu, com maior ou menor profundeza, em largas ou estreitas camadas sociais. Quando, na acção de um indivíduo histórico repercutem, acaso em conflito, o pró e o contra, a tese e a antítese que informam a ambiência social. Porque a história ou é social ou não é possível. E ser ela social isso implicará a fragmentação do chamado «meio exterior», em vários meios, em vários círculos sociais, com as suas mentalidades, as suas maneiras características de encarar a realidade ... Forças ou em momentâneo equilí brio, ou em conflito, numa permanente metamorfose - acções e reacções duma realidade em devir. De acordo com tudo isto estará, acaso, Jaime Cortesão. Nós é que não poderemos aceitar o que nos parece a unilateralidade com que o problema é posto- em geral, e em particular, relativamente a Alexandre de Gusmão. Alexandre de Gusmão, criador de história? Sim: torna-se evidente que o foi, na medida das suas possibilidades históricas. Todavia, ocorre perguntar: em função de que forças em conflito com as dominantes no seu tempo? Livre agente como um demiurgo, ou homem que reag e, adequadamente, a um dado conjunto de circunstâ ncias que, por hipótese, só ele apreende, na sua original riqueza, e que, depois, o empolga? Conjunto esse que, mediante a sua acção, se torna mais premente, mais claro ... Dramáticas perguntas estas que nos lançam no â mago de um problema que só nos atrevemos a abordar, em homenagem ao grande historiador que é Jaime Cortesão: primazia do indivíduo?; primazia da sociedade? O ecletismo não é o nosso forte, - e não vamos, pois, pretender iludir o grave problema que assim se formula. Nem resolvê-lo! Verificar apenas que um historiador pertencente a geração posterior à de Jaime Cortesão tenderia a reduzir a acção do indivíduo e a acentuar o papel e a força da sociedade. Tenderia, acaso, a investigar, com mais pertinácia, que forças, embora obscuras e mal definidas, porventura se ocultavam por detrás do indivíduo Alexandre de Gusmão; a que situação concreta, a que conjuntura procurou responder a acção do obreiro do Tratado de Madrid; a que futuro objectivo, necessàriamente social, ela apartava. Indivíduo?; sociedade?- abstracções com excessivo conteúdo ... Abstracções que necessitam ser repensadas. Indivíduo isolado de uma determinada sociedade? Onde se encontra ele que nunca ninguém teve a dita de o encontrar -essa avis rara? Mas uma sociedade, que se não divida em « sociedades~ (profissionais, religiosas, culturais) ; uma sociedade que se não fragmente, à mais leve análise, em compartimentos que não diremos estanques, mas claramente diferenciados-em que civilização jamais ela existiu? Não, de ,certo, no tempo de D. João -207- -206- V, pois a análise de Jaime Cortesão a fragmenta de modo perfeitamente inteligível: «A velha burguesia de armadores, exportadores, grandes comerciantes e a nova dos industriais, definharam em proveito da nobreza e do clero. Em boa verdade, a população dividia-se em duas classes: a nobreza e o alto clero, que mandavam, e o povo que obedecia. Uma reduzida classe média deletrados, funcionários e logistas não vincava qualquer traço forte na fisionomia da grei» (p. 79). Tudo isto, e o mais que se poderia dizer, se fosse caso disso, nos leva a propor a seguinte hipótese, ponto de partida para futuras discussões e esclarecimentos: um indivíduo histórico é sempre função de dado grupo temporalmente definido ~mais restrito ou mais vasto, com estas ou aquelas características, sofrendo a influênda .desse mesmo grupo, por sua vez, actuando sobre ele, com maior ou menor eficiência-:- mas apenas na medida em que esse mesmo grupo, presente ou futuro, comporte, aceite! a sua iniciativa, e dela comparticipe. Se nos dissessem que, desta forma, o indivíduo, ~eixa de existir, responderíamos: um determinado indivíduo abstracto, talvez ... ; mas a acção de um determinado homem poderá passar, a ser objecto de compreensão- tornar- -se-á inteligível, o que não é, parece, coisa para menosprezar. , .se nos retorquisse.m ~om os exemplos «histoncos» dos grandes Indivíduos- um Alexandre Magno, um Marquês de Pombal um Napoleão, etc. - pod.eríamos, acaso, alega~, em defesa d? .ponto de vista que defendemos, que a historia do que esses homens significaram está em parte, por fazer ou refazer. Devemos à his' tória individualista- «heroica» a visão qudeles possuímos; quando, pois, com ela se ar~ gumen.ta, ap~esentam-se conclusões de premissas unilaterais, como se factos apurados fossem pa.ra demonstrar a veracidade das próprias pre: mis.sas et;n causa. On~e está o sofisma, não sera preciso demonstra-lo: em boa linguagem es~ol~~~ica, chamar-se-ia a isso, uma petição de prmcípto. .•. Todavia, não esqueçamos que Jaime Cortesã? nos promete explicar como, e em que proporçoes,logrou Alexandre de Gusmão libertar-se do s.eu meio; como, e em que proporções, «moldou a vi~ a». Esper~n:os ansiosamente pela con tinuaçao do adm1ravel esforço de Jaime Cortesão :-e com a ~er.t~za de que! no. ter~o da longa JOrnada, a htstona- ou seJa, a mtehgibilidade -continuará triunfante. ' J-aillle Cortesão e a sua -últinla obJ·a «A fígtlra e a obra de Alexa11clre ele Gtlsmão)) Por ARMANDO MARQUES GUEDES (Do Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, transcrevemos, com a devida vénia, os dois artigos que o Dr. Armando Marques Guedes ali acaba de publicar acerca do último trabalho de Jaime Cortesão.) I NÃO há muitos dias, tendo ido a Coimbra ~ive a felicidade de ali encontrar o me~ velho e prezado amigo Jaime Cortesão. Havia já bastantes anos que não o via, desde que os azares da vida nos separaram- eu permanecendo no torrão natal e ele homiziado no B.ra~il. Mas sempre através do mar, permanecemos f.iéis um e outro aos princípios, que um d1a nos Irmanaram. Tinha-o conhecido nos recuados tempos da «greve académica» de 1907, quando a Academia Portuguesa, tomando como pretexto um incidente da vida universitária, formulou reclamações, que corresponderiam, se satisfeitas, a uma completa renovação dos processos do nosso ensino superior. Mais tarde, já formados, servimos juntos cama~adas, como vereadores da Câmara Municipal do Porto e pouco depois aquela cidade elegeu-nos seus deputados na mesma chapa eleitoral. A evolução da nossa política interna separou-nos um tanto, mais tarde. Jaime Cortesâo libertou-se de todos os laços partidários e constituiu, dentro da política republicana, um grupo independente, e sem favor nenhum ilustre, que contava, com ele, a Raúl Proença, António Sér· gio, Câmara Reis e Aquilino Ribeiro. E porque esse núcleo de homens de talento e duma clara e desinteressada pureza de intenções, traba· lha v a então com notável acerto na direcção da Biblioteca Nacional de Lisboa, chamou-se-lhe, no seio de amigos e de adversários políticos -«O grupo da Biblioteca». Quis a desventura que ele se disperssasse e fosse forçado a seguir os caminhos da ~es graça política, numa odisseia que os méntos dos seus componentes dentro em pouco puderam sobremaneira suavizar. Para alguns mesmo ela veio assegurar meios de vida, que não te· riam alcançado se tivessem prosseguido na rotina da sua vida anterior. .. Quando o conheci, após a sua formatu~a em medicina e ele enveredara, renunciando a eHnica, pela docência liceal 1 Jaime Cortesão des- -208- feria com inspirada elevação os seus primeiros voos poéticos, numa deliciosa plaquett~ de que há pouco falámos, com que enternecida saudade por parte dele ! Depois, tendo enveredado pela política no desempenho dum mandato parlamentar, não esqueceu a sua inata vocação literária. E foram então duas peças de teatro histórico, que comoveram o seu público de nobre emoção patriótica. Mas a participação nos trabalhos do «Gn;p.o da Biblioteca)) levou-o outra vez para a actividade política, numa elevada doutrinação, enobrecedora de toda a vida da revista «Seara Nova)), que a devoção de Câmara .~eis continua a manter, sabem Deus e ele -e eu também um pouco!- à custa de quantos sacrifícios. Na fase actual da sua vida, que é a da sua adversidade política, ele dedicou muito do seu trabalho aos estudos históricos, orientados quase todos na investigação da nossa epopeia das Descobertas. Mas, nesse campo, a sua rica personalidade apresentou-se com uma face nova. Não foi, como seria de esperar, o homem de letras seduzido por um tema grandioso, em cuja narrativa. bem podia da.r ex~ansão 3;0 se?estro. Não. Foi, não um «histonador htstonzante» como costumava dizer Henri de Berr (o luminoso criador da «síntese e·m história»), mas o investigador, que começou por definir e fixar os dados cta Geo-política da vida do Puvo Português, que o levaram direito à sua política de expansão naval e ultramarina, e alicerçou os estudos dos nossos séculos de Quatrocentos e de Quinhentos nos ensinamentos da Cartografia e da náutica dos descobrimentos. O seu nome enfileira a justo título na luzida teoria constituída pelo Segundo Visconde de Santarém, por Garção Stockler, · Joaquim Bensaúde, Duarte Leite, Luciano Pereira da Silva, Fontoura da Costa, Gago Coutinho, Armando Cortesão e outros, a quem se deve a reivindicação da verdade histórica, hoje incontrovertível, da· inspiração e orientação científicas das navegações dos portugueses. Os seus contactos com esses problemas históricos já o tinham fam~liarizado com .os do «achamento» ou reconhecimento do Brasil, que as novas condições da sua· vida levaram, naturalmente, a alargar aos da idade adulta e do crescimento prodigioso do grande país. Justamente a essa nova luz eu pude travar conhecimento mais seguro e mais pormenorizado da actual actividade mental de Jaime Cortesão. Foi que este nosso encontro em Coimbra, entre um desfolhar de recordações que nos foram suaves e doces, porque eram as das nossas mocidades, me trouxe um dom precioso- o do tomo I duma obra monumental, a que ele meteu ombros e já vai em grande adiantamento. Nela faz, documenta e ajuíza da vida do grande diplomata luso-brasileiro Alexandre de Gusmão e, em especial, da sua acção na preparação e assinatura do Tratado de Madrid, q\le deu a feição e o contorno definitivo da Nação Brasil~ira. Logo que regressei à minha vida habitual dei-me a ler com o maior interesse o grande livro, ansioso de lhe conhecer, já agora, a sequência. Do que li, guardo uma impressão gratíssima e dou a grande parte das suas con clusões uma adesão formal. São de destacar merecidamente alguns pontos de vista justos sobre homens e factos, que representam rehabilitações-que outros tentaram mas não souberam realizar. E porque eles representam temas da história comum das nossas duas Pátrias, e, além do mais, aparecem como julgamentos duma história fiel, quero dizer liberta de- quaisquer paixões, bem vale a pena que deles diga alguma coisa aos meus leitores, a quem estes assuntos, o livro e o seu autor, possam merecer a simpatia intelectual e o respeito que sempre é devido ao trabalho probo. Será isso feito em outro dia. II minha carta anterior comecei a abordar N A alg·uns comentários à obra de Jaime Cortesão a propósito do seu último livro, cujo I tomo trouxe como precioso souven'if do nosso recente encontro em Coimbra. E' esse livro um monumento erguido à memória da grande figura do diplomata luso-brasileiro Alexandre de 6-us- · mão. Este tomo I é uma espécie de prefácio à descrição da sua acção na preparação e negociações finais do Tratado de Madrid, que foi o instrumento diplomático que estruturou definitivamente a grande Nação Brasileira do lado do estuário do Prata. O Autor situa primeiro a figura do seu retratado no clima espiritual da sua época. E em seguida descreve a história pregressã da sua actividade política e diplomática como chefe de missão e ministro de D. João V. Todos estes pontos estão tocados com mão de Mestre. A figura histórica, até aqui meramente episódica, de Alexandre de Gusmão, ganha um relevo, que o coloca no primeiro plano da política do seu tempo. Mas, ao mesmo tempo que a ergue nas suas justas dimensões, Jaime Cortesão não se dispensa de levar por diante uma obra justa de rectificação das medidas de certos h-omens e de certos acontecimentos. Assim, por exemplo, ele procura rehabilitar a figura histórica do rei D João V, absolvendo-a dos exageros das críticas, de que tem sido vítima até há pouco. Esta obra de rehabilitação histórica de cer;-tas figuras e instituições está bastante em moda.. Certos Funk-Brentanos têm tentado, em França,, repintar a nossos olhos alguns retratos odiosos, como o da célebre Lucrécia Bórgia, e refazer à história de certas instituições, como a da Bas:tilha. A bem dizer, o movimento já começara com o Balzac, quando antes ou num inter~a.lo da «Comédia Humana», empreendeu rehab1htar a rainha Catarina de Médicis ... Entre nós, os que, não se cansando de las:timar a influência da Revolução Francesa na,. Formação da nossa mentalidade liberal, não deixam de macaquear a França de Maurras e dos seus discípulos, resolver~m~ ~á um temy.o a esta parte, «emendar a H1stona)), rehabill- -209- tando certas figuras históricas bâ muito julgadas, como a do Rei D. João III, a da Rainha louca D. Maria I e até a da megera Carlota Joaquina, bem digna filha de Maria Luísa, esposa oficial de Carlos IV de Espanha e am ás ia do infame Godoy. Ainda não soara a hora do Rei Magnânimo, que condenaram todos os historiadores e historiógrafos liberais, desde Oliveira Martins ao próprio Herculano. Muitos porventura, como se costuma dizer, teriam querido dizer Amor mas não lhes chegara a língua. Pois, na falha ou insuficiência deles, cabe a tarefa a Jaime Cortesão, que pode, esse-, fazê-la com a plena consciência dum historiador moderno, sem facciosismo de escola nem inibições politicas de qualquer ordem. E assim o começo de rehabilitação daquele Soberano está feito neste tomo da grande obra em publicação, a que estou aludindo. Por sob os traços deformantes da sua clássica figura de rei freirático, devasso e dissipador, começam a desenhar-se com certa nitidez os dum Rei cõnscio e cioso dos deveres do seu ofício, sempre cuidadoso de sa 1v ar o prestígio diplomático do seu País, e propulsor de obras de acrescentamento da Cultura. E, no domínio brasileiro, procurando com acerto resolver a velha questão da colónia, do Sacramento e dos limites da «ilha do Brasil)t, entre o Amazonas e o estuário do Prata. A pecha da sua louca prodigalidade é redu- zida às suas justas proporções, até mesmo porque é preciso acerlar tanto quanto possível os montantes dos réditos da C01ôa de Portugal nos rendimentos da mineração brasileira do ouro e dos diamantes. Esta demonstração de Cortesão parece-me inédita e sobremaneira convincente. A prodigalidade mãos-rotas de D. João V não podia chegar aos extremos de que a têm acusado, até mesmo porque não teiia havido como soi dizer-se, pano para tão grandes man~ gas. As apreciações do Historiador sobre a realidade da economia e da política económica daquela época nem sempre me parecem inteiramente aceitáveis sem reserva- como são por exemplo, as que por mais duma vez aplic~ aos efeitos do Tratado de Methwen. Sobre esse ponto haverei, porventura, de voltar ao assunto em ocasião oportuna. Mas os dados, que carreia para um cálculo exacto dos «quintos» da Coróa no ouro e diamantes do Brasil, são extremamente pertinentes, interessantes e até mesmo impressionantes. Além do mais, eles valorizam singularmente este I tomo do livro de Jaime Cortesão sobre «Alexandre de Gusmão e o tratado de Madrid». Para mim, eles servirão de poderoso aperitivo e estimulante para o conhecimento dos tomos restantes da valiosa obra, que, me parece, infelizmente está fora do comércio, como edição que é do Ministério das Rela~ões Exteriores do Brasil. o Verdadeiro Roillailce da Natl Catari11eta A SANTIAGO-PREZADO Ao capitão da nau, perdida, à qual, já finda a áKua e o pão, roído o coiro, a morte ia afundar no sorvedoiro, surgiu e disse o Príncipe infernal: «Ânimo! Vês além num laranjal uma donzela em flor, areias de oiro?! Queres aquele cândido tesoiro e deitar ferro, à tarde, em Portugal?! Dá-m,e a tua alma; não te peço mais!» E o capitão, até no últinzo transe, pôde bradar:- «Negar a fé, jamais! Antes me trague o Mar, demónio inzundo !» E, contra a letra ingénua do romance, a nau Catarineta foi ao fundo . .. (Do livro Missa da Meia-Noite e Outros Poemas) ANTÓNIO FROIS (pseudónimo de Jaime Cortesão) LIVROS DO BRASIL, A CASA EDITORA QUE SE DIRIGE CINCO COLECÇÕES,  L• DA TODOS OS PÚBLICOS CINCO ÊXITOS COLECÇÃO DOIS MUNDOS traduções dos melhores romances da literatura mundial COLECÇÃO LIVROS DO BRASIL as obras mais notáveis da moderna literatura brasileira COLECÇÃO MINIATURA as mais belas joias do romance contemporâneo em volumes formato de- algibeira COLECÇÃO VIDAS CÉLEBRES as biografias vivas e palpitantes dos grandes da história COLECÇÃO VAMPIRO que renovou o gosto pelo género policial revelando os autores mais célebres LIVROS QUE SE RECOMENDAM A TODOS LIVROS QUE TODOS RECOMENDAM LIVROS DO BRASIL) L, DA -Rua Vítor Cordon) 29- LISBOA Em resposta, e gratame11te, a Jaime Cortesão Não, bom amigo ! - a Lenda nem a História (embora nesta arguto sabedor!) versão nos não deixaram ao teor do fim que à Nau lhe dás de torva glória. Mas grata ao meu sentir e meritória foi a contribuição, sem vão louvor, que em um soneto de pesquisador me consagraste na dedicatória. Se a queres ver, boiante e marinheira, a Nau Catarineta aventureira, depois das fomes, guerras, temporais, ei-la aqui, aprestada, ao vento as velas -pra que desígnios novos e procelas?e aqui me tens, amigo, o seu arrais ! (Na abertura do romance dramático, inédito, Na Volta do Mar) -210- -211- SANT'!AGo-PREZADO (I940) ACEl~<:A DA _PO_ESIA D_E JAIME COR,-fESÃO Por DAVID MOURAO-FERREIRA modernismo poético teve qualquer O chamado coisa de erupção vulcânica: acima do seu relevo verdadeiro, e a par da lava mais profunda que jorrou, ergueu ele também uma coluna de fumo, ainda não dissipada,- a qual, parecendo aumentar-lhe o vulto, tem contribuído para manter na obscuridade tudo quanto lhe foi imediatamente anterior. Pelo seu carácter revolucionàriamente eruptivo, o modernismo, em vez de esclarecer ou iluminar, ensombrou a Poesia que o antecedeu. Assim, os Poetas da Renascença Portuguesa- bem como um Feijó, um Patrício, um João de Barrostêm sofrido um injustíssimo eclipse,-semelhante ao que sofreram, em meados do século XVI, um Gil Vicente e os líricos do Cancioneiro Geral, mercê da súbita nomeada dos cultores do «stil nuovo». Em ambos os casos, porém, o abismo será mais aparente que real; e não chega, de facto, a existir uma solução de continuidade: Sá de Miranda começara por participar no Cancioneiro de Resende,-tal como Fernando Pessoa principia por colaborar na A'guia. Eq uívocos? Acasos? Creio que não. Já no Cancioneiro Geral se encontravam, ainda que em gérmen, os temas essenciais da chamada escola italiana, -como também na obra de muitos dos Poetas da Renascença Portuguesa se esboçavam já algumas das futuras ««novidades» do Orfeu. Mas é sempre ao redor do problema de novas formas e de 'novos ritmos que a polémica se estabelece: sempre, entre uma «medida velha» e um «stil nu<?VO». Os próprios que vêm reagir contra «formalismos» em novos «formalismos» se entrincheiram.- Assim, o que, na Poesia desta geração anterior ao modernismo, poderá chocar certos leitores de hoje (e, também, certos críticos,- que, pela sua função, deveriam ser menos impressionáveis) é, principalmente, o conjunto de algumas particularidades de expressão: por exemplo, o emprego de um vocabulário que repugna a esses leitores,- até porque o ignoram; a tendência para a construção poemática,- o que os desorienta, pois que, viciados de Poesia epigramática, falta-lhes o fôlego para mais; e ainda, de quando em quando, um tom que parecerá retórico,- mas que é, afinal, uma das «condições» de toda a Poesia de longa duração. Tais pormenores de forma, acima de quaisquer divergências de fundo, é que mantêm, creio eu, uma certa distância entre os Poetas dessa geração e grande número de leitores novos.- Supondo, to:lavia, que também haverá um «abismo» de sensibilidade oa de problemática, reconheceremos que a situação dessa geração poética é algo perturbante. «Abismo• de sensibilidade ou de proble- mática igualmente existe entre o leitor de hoje e a Poesia dos românticos, dos árcades ou dos preciosos seiscentistas: nestes casos, porém, a perspectiva histórica age como factor de compreensão. No caso que nos interessa, e aceitando como válida a imputação de tal «abismo», verificaremos que essa geração, se está longe de nós pela sensibilidade ou pela problemática características, ainda se encontra demasiado perto no tempo para permitir uma atitude compreensiva,- o que não deve, no entanto, impedir-nos de desde já a irmos tentando. O livro com que Jaime Cortesão se estreia na Literatura, em 1909, é precisamente um livro de Poesia:- A Morte da A'guia. Este «poema heroico em sete cantos» revelava, a um tempo, um Poeta e um Homem,- o que é um fenómeno bem mais raro do que pode supor-se, ainda que não isento de certos perigos. Nessa sua primeira obra, patenteava-se, a par de um iniludível dom poético, uma veemência, um vigor combativo, um fôlego oratório (no sentido melhor e mais alto)- que, sendo de raiz mais humana do que lírica, o teriam levado a adoptar, de início, esse género poético- o heroico -que não seria afinal aquele em que, ulteriormente, mais se notabilizaria.- Nutre-se a Poesia de elementos humanos,- mas não de todos; em cada personalidade poética (assim o notou T.-S. Eliot), certos dados da personalidade humana permanecerão apenas como catalizadores, assistindo ou promovendo a criação,- sem que nela participem, ou intervenham. Em A Morte da A'guia, ainda essa misteriosa «escolha» de elementos se não realizou: depara-se-nos, deste modo, a tumultuária presença de aspectos que deveriam talvez estar apenas subentendidos, mas não expressos. E, de facto, essa veemência, esse vigor combativo, esse fôlego oratório, encontrariam, mais tarde, e das mais di vefsas formas, na obra e na vida de Jaime Cortesão, o seu mais amplo e adequado desenvolvimento. Assim, A Morte da A'guia apresenta-nos um equívoco inicial,- que é, pJr outro lado, altamente revelador: poderíamos, a propósito, repetir, embora noutro sentido, as conhecidas palavras de Pascal acerca de Mon taigne: é que, também aqui, se fica espantado e encantado por se encontrar um Homem, quando se esperaria apenas um autor.- A par de uma individualidade poética manifestava-se, pois, uma individualidade moral, atraída por tudo quanto é alto e singular- a águia, a árvore trágica, a montanha- e, consequentemente, pela vida heroica e pelas atmosferas dilatadas, puras e -212- rarefeitas: «A li, dessa M01ztanha erguida a prumo, f Onde o fresco: _da vida era tão escasso, 1 A Tempestade deczdta o rumo I E as dguias abalavam pelo espaço:..- Falou-se em individualidade moral~ em individualidade poética: mas não se julgue haver, na Poesia de Jaime Cortesão, submissão de uma a outra, aproveitamento de uma pela outra. Nunca, de facto, se nos depara qualquer tom apologética,- mas tão só mente vislumbramos, através do Poeta a •exemplaridade do homem moral. Por aquel~ fenómeno a que Bergson chamava «o movimento retrógrado do verdadeiro», poderemos e devet;,emos hoj~ ver, em A M~rte da A'guia, a prévia garanna do que havenam de ser a obra e a acção futuras de Jaime Corte~ão. Três anos depois cia sua estreia poética publica Jaime Cortesão, em «plaq uetto da R e~ nascença Portuguesa, o poemeto Esta História é para os Anjos, cuja realização datava no entanto, de 1910, e mais tarde inserto nd volume Glória Humilde. Poemeto de amor tcdo ele em redondilhas, Esta Ht"stória é pdra os Anjos representa, quer pelo tema quer pela forma, o encontro do Poeta com o tipo de lirismo mais adequado ao seu estro. A atracção da Altura, manifestada, como vimos em A Morte da A'guia, vivifica igualmente 'este poemeto,- mas, aqui, os sim bolos são outros isentos já de qualquer sugestão «literária»: e~ vez de encarnar numa águia, numa árvore, numa tempestade ou numa montanha, a sua sede d.! elevação e de absoluto, o Poeta descobre-se, através do Amor, pairando «onde nem a iVuvem erra I Onde nem astro a-ravita» ·porque - d o a T erra, I Vê-la lj ' « A mar e,. pzsan a distância infinita:'"'·-Não se trata, como poderia supor-se, d~ sublimar o Amor; mas de reconhecer que ele so é possível, assim sublime, nessa elevada atmosfera, de onde tudo o mais parece diminuído ou absurdo,- impressão magistralmente ~xpressa nestes dois versos admiráveis: «Amar c ter a surpresa I De ver os homens sem asas 1». Pan~lelo a este descobrimento do Amor («No dta _em que A vi mais perto, I Logo acordei uoutra _Vzda»), no~amos, em Esta História é para os An;os: um~ .discreta apologia do regresso à Natureza. «So e homem verdadeiro f Quem viveu de e11~ontro à Terra l/Ai! dessa raça doentia 'Que nas czdades tzasceu». ~or estes dois aspectos (de qu~ A Morte. da Aguza se encontrava privada), se .Integra J~I.me Cortesão na tradição mais genurna do Linsmo português; e destes dois aspectos n~s dá mais alongada notícia o volume ~iue public~ e~ 1914:-G/~ria Humzide. Anun. ara-o, pnmeiramente, Jaime Cortesão, sob o ~tulo, menos belo mas mais si'g-nificativo de u canto o meu Amor e a minha Terra De f~cto · os' tnestas pai avr~s se encontravam, não apenas a~mda~ deste livro, ~?as_, s~bretudo, sintetizadas tica as frentes pnncipais da sua atitude poécad pera_nte a VIda,- desenvolvida e autentieru~Í mais _tarde, em diferentes sentidos: na ção e Interpretação históricas· no teatro· na acção 1· · • • mi/de s po ltlca e pedagógica.-Da Glória HuPoe . ão contemporâneas duas antologias de das ~a popular p~r~uguesa (ambas acompanhae a ;, es~udos cnticos): o Cancioneiro Po-nutar s '-anita-as do p ovo p ara as E sco!as. Ao rmes,. ., mo tempo que se manifestava o entusiasmo pela realidade telúric~ portuguesa (gerAen te nos seus aspectos mais amaráveis ou mais elegíacos), explicitava-se também, e~ Jaime Cortesão, o natural interesse pelo Povo que, vivendo nessa Terra e dessa Terra, a cantava, e se cantava,- nos momentos mais variados da s~a vida e da sua História, com uma força lírica eternamente renovada. Este interesse pelo Povo português, através das suas criações ingénuas e profundas, é, na mesma época, acornpanh_ado_ de outro não menos importante: o efectivo Intere_ss_e pelo d~stino desse Povo, pe;las suas cond1çoes de vida e s0brevivência. E o tempo da participação de Jaime Cvrtesã0 como deputado, na vida política portuguesa, ~ alvorada da campanha a fa, or da intervenção de P~rtugal na Grande Guerra,-soluçãu indispensavel para salvaguardarmos os nossos dire,tos e mantermos a nossa individualidade histórica. Neste triplo interesse pelo passado, pelo presente e pelo futuro da Grei, revelava-~e não apenas o Poeta ou o homem moral:- tra também_ o histor_iador que se esboçava. Mas é o seu livro seguinte que melhor e mais curiosamente explicitará essa presença da História dentro da sua Poesia. A Divina Voluptuosidade aparece em 1923. ~ecolhe, portanto, este volume a produção puetlca de nove anos de aparente silêncio; e essa produç~o, toda ela constituída por poemas em redondilhas, se por um lado assinala a fixação do P?eta num só tipo métrico- o mais grato à Poesia de ~arácter popular-, por outro reflecte a vanada experiência existend;,l do seu autor, durante esses anos, e a sua afirmação noutros campos de actividélde literária. Populcr pela forJ?~ 1 este .será, pelo significado e pela problemattca, o ltvro menos popular de Jaime Cortesão. Ignoro sP, a quando do seu aparecimento, se terá evocado o nome de Garrett· e parece-me que teria sido natural evocá-lo n'a.o s~gund~. um _c_rit~rio de influências- qu~ senam, alias, dtftceis de provar-, mas sim num plano de puras afinidades. Num verso da G!órt'a Humilde, aludia Jaime Cortesão a João de Deus como seu «mestre»: ora eu creio ser muito mais flagrante o seu parentesco com o autor das Folhas Caídas do que com o lírico do Campo d_e Flores. João de Deus, por aquelas deficitlncias culturais que Vitorino Nemésio tão bem demonstrou, num excelente estudo acerca do erotismo deste Poeta (inserto em Sob os Signos de Agora), encontra-se nos antípodas de Jaime Cortesão. Semelhantes, sem dúvida em ambos s~rão certas características líricas 'e, em espe~ cial, a atracção peJa Poesia de inspiração popular: mas, em Cortesão, tal como em Garrett há o aproveitamento cu!ticizante dessa inspira~ ção e dessas características. Em João de Deus surpreendeu ainda Vitorino Nemésio um ero~ ti~~ o de idealização; em Garrett e no autor da f!tvma Voluptuosidade, depara-se-nos um ero· tlsmo de realização. João de Deus mantém-se a grande altura antes da posse, e ante a posse, - ~ue, no entanto, evita sempre, ou sempre adia; Garre.tt e Cortesão ascendem principalmente depois de ela se realizar e por via de ela se realizar. Garrett conserv~·seI contudo I -213- mentos-estanques entre os divers?s meios de mais do que }.lime Cortesão, preso à rea~idade sentir, de agir ou de pensar.: por Iss? me~mo, que dlfaz vibrar; e, socorrendo-me de dots vera referencia a uns necessànamente Imphca a sos célebres do grande Pasc?aes- «.A folha que alusão a todos os outros. tombava / Era al-ma que ~ubta» -, direi que em Oir-se-á que depois da Divina VoluptuosiAlmeida G.1rrett há, mult-'lS vez~s, tão somente dade, Jaime Co;tesão deixou de .se exprimir a «folha caída»,- enquanto em Cortesão se em verso; di-lo-á, decerto, quem _Ig?-orar que, realiza, quase sempre, a transmutaçãn da folha em 1940, publicou ele,.sob o pseudommo de A~ que to.nba em alma que ascende.-Por outro tónio F'rois, e em é~tção da ~eara Nov.a, ma_ls lado, reconheceremos ainda em ambos (ou nã_o uma colectânea p)éttca:- Mtssa da M.eta-Notte foss~m amb ·JS também dramaturgos!) um iree Outros Poemas. E muito pruvável é que ninmito dramático a percorrer ce.rtas ~as su~~ poeguém reconhecesse, neste livro,. o. autor. da shs: mnnologais embora, dir-se-Iam dzalogos Divina Voluptuosidade ou da Glorta Hu!mlde, algumas deld~, de tal modo se nos torna~ prede tal modo são diferentes os temas, os ntmos, sentes- nos s~o 1·e-presentados- os dois pro0 próprio tom. No entanto ... , a quem bem tagonistas do conflito amoroso; e at~ o. emconhecesse a obra poéti~a d~ Jaime Cortes.ão prego dos verbos no presente. contnbui, de não pareceria esse tom mteiramente no~o, e maneira decisiva, para nos sentirmos coD:tempor certo 0 identificaria, por certo o h a v ena ~e porâneos e «próximos» desses protagonistas. localizar- não, de fac.to, em qualquer dos, do_ts A'>sim, em poemas como Es~ada .de Jacob o.u livros citados-mas, sim, em A Morte da A gma. !Iora Mística de Amor, tão «tmedtatos~ ?a viÉ que a sua experiência desses dezasset~ anos bratilidade da sua expressão,. não se duia q~e motivara, de novo, aquele tom d.e .poesn _ h~ lemos um lírico relato, mas stm que presencta· roica, _ao mesmo tempo que ex1g1a o refugw mos o próprio conflito,- que também a ~le noutros símbolos. Agora, porém, esse tom heassistimos. s~m dúvida, esta é uma caracten~ roico tingia-se de desencanto e dece~ção; e tica eminentemente dramática: provocar a suisso torna bastante estranha esta Mzssa da bita mudança do leitor. em espectado_r. E tal Meia-Noite- simultâneament:, .como declara a caracterí5tica possuem Igualmente muitos ~os rubrica inicial, «drama metah.slco entre ~r~sa poemas das Flores sem Fruto e, ~m espe;tal, e verso, e cenário para um hlme ~o~ musica das Folhas Caídas. Mas ... nova dlferen_ça. em do maestro X». Outro tanto se d1ra dos resGurett, quase sempre ficam ess~s. conflt~o~ ~~ tantes poemas que constituem o volume: os suspenso, no mesmo ~onto dramattco do IrtlCio, motivos os mitos e as lendas, de que um e em Jaime Cortesão, eis que eles se r~~olvem! outros ~e alimentam, inserem, ~o~os ~les, co~ precisamente em virtude daquele Ja aludi~o ceitos bem diferentes dos tradiciOna~s, e mats impulso transcendental: «0 .m eu Amor ~ubzu amargos mais desesperançados: o Cnsto desta tantoiiExcedeu-me de tC!'l sorte/ Que te J:ossu~ num_ Segundd Paixão <~.desta vez não perdoa», e «Por transporte,/ Além de mzm e da morte», ou en tã.~. isso 0 pão da Nova Eucaristia I Torna as alm~s «Lei descem Anjos dos Céus/f Olho~ rasos!. !Jet;o amara-as. Sabe a fel.,; noutro poema, Andr~ os teusfE tu em êxtase os meuslj/]a .nos be~;am?s medab já não merec~ ser salva por Perseu, poi_s em Deus!»; ou ainda: «E eis que a vtda se extasta, que ante os ataques do Dragão, agora ~~.ma:s ISobe à última ~legrialf!Jeijo em Deus. t:ucaue' sofrer gozava, j Com sórdida _impu4en~ta, ristial».- E, assim, subltmada a s.en~ua.lldade, Das sevícias, I Das delícias I Da. Vtolencza»' e, harmonizados o paganismo e o cnstlam~mo, e num soneto, «, .. contra a letra mgénua do roeuforicamente exaltados um e outro,. ~Ica de ~ance 1 A Nau Catarineta foi ao futzdo. · .». todo justificado o título do ~olume: Dz~zna Vo-Note-se como tudo isto se encontra longe do · i c0 '. da sua . luptuosidade.- Mas, neste livro, não h a apena~ tom geralmente con fIante, e eu for sto esta prob-lemática a prender-nos a atenção· Poesia: é um parênte~is de amargura, Impa~me noutros poemas, em vez da exaltação ante essa por duras circunstânctas. E talvez qu.e J ue excedência do encontro amoroso, depara-se-nos Cortesão além de todos os outros motivos q t a procura, igualmente eufórica, .das ante~edên a isso 0 tenham conduzido, haja adoptado nes r~ cias desse encontro. Quem assim acredita no livro um pseudónimo,- ta~bém por s~e~~a Amor (e Jaime Cortesão é, sobretudo, um. Poeta ceber do carácter parentético ~ue e~e ude vul· do Amor) implicitamente crê na predestmação sua atitude poética perante a VIda, atl~e lírica dos seres. Esta crença, porém, é ap.ontada de garmente carregada de esperança e maneira pessoalíssima,- e n.ela ~urtos.ament; exaltação. . C ão nos dará se reflecte além do Poeta, o histonador. «AmaImpossível saber se Jaime ortes isa te· mo-nos se:npre. A Sorte I Em seus mistérios. é . novos livros de versos. Mas de uma co deste sabia. 1Os meus Avós são do Norte;I O~ teus vteremos a certeza: da contínua presença e cujo ram da Arábia»; e mais adiante: «Vtemos. das Poeta a quem os vers?s não basta{:mcÚversos idas erasi Com as torrentes humanas:jEu a tz, sodestino se tem cumpndo dos ; a um ideal bre as galeras;ITu a mim, nas caravanas». Qu~r modos, renovando, em nossos tas, de acç!io dizer: a predestinação vem de bem longe, htsdos homens do Renascimento. Homembrimentos 0 tàricamente se radica,- provocando urna con:o e erudito,- e quer nos fale d?s deJ~ ue 0 p 0 vo vertigem, pela fecunda e confusa con~erg~~cla portugueses ou de Eça de Qu~Ir?z! d~ Brasil-, de vários tempos e raças. Este sen tlr hncacanta em Portugal ou da histonaã 0 0 Poeta se mente em termos históricos, que me p~rece nunca de facto, em Jaime Cortes ' uma das maiores originalidades da Poesta de deixa 'de manl•f estar. Jaime Cortesão, muito bem sugere, .por outro lado, que em indivíduos da s~a estirpe- e~? Lisboa Dezembro de 1952. ·I tudo, íntegros e unos- não existem comparti· r JAIME CORTESÃO O CLERC Por A. LOBO VILELA OI através das Cartas à Mocidade(I) que tomei F os primeiros contactos com Jaime Cortesão. Tinha eu chegado à «encruzilhada dos mil cami- nhos», pressentia já a complexidade e variedade dos destinos humanos e ainda hesitava, perplexo, sobre algumas directrizes que me cumpria seguir. Não me seduziam os caminhos lamacentos da subserviência, do mimetismo psicológico, da hipocrisia pérfida ou amável, da abdicação moral, em suma, por muito cómodos e macios que parecessem. Por outro lado, a solene indiferença, a austera solidão moral do individualismo estreme, também não correspondiam às exigências afectivas do meu espírito. Sentia em mim uma reserva de energias morais suficiente para afrontar riscos e ameaças, para suportar agruras e dissabores, a isenção que ensina os homens a sacrificarem conveniências e vantagens aparentes aos valores espirituais. Aliás, tinha marcado já uma posição definida e firme por ocasião da revolta monárquica de Mcnsanto e da Monarquia do Norte. (2). A primeira Carta à Moct"dade trazia, em exergo, esta pergunta: «Queres ser um homem?» -e procurava responder-lhe, apontando como normas de conduta o culto da inteligência e da bondade, a disciplina da vontade, a resistência tenaz aos preconceitos perigosos e às solicitações mesquinhas. Aquela voz, cheia de ressonâncias proféticas e de tonalidades místicas, tinha um timbre de autoridade moral que im~ressionava. Corria já uma lenda de heroísmo hgada ao autor, quando fizera parte do corpo expedicionário português à França na guerra de 1914, e à Cruz de Guerra que ostentava no peito. Considerando a intervenção de Portugal na guerra uma imposição patriótica, oferecera-se como voluntário. Assim, ao significado axiológico da mensagem, acrescentava-se um exemplo de coerência e de fidelidade aos princípios e o de se.rena coragem ante o perigo. O cenário desc~lto no seu apelo era também o que mais convmha à acção cívica que nos propunha: . «Nasceste na mais bela e trágica hora da ~Ida d.a humanidade. Rodeiam-te catástrofes, n~cêndios, ruínas, incertezas. Todavia, um vago coro de esperança se ergue do coração dos homens. De ti depende que essa esperança se V_?lva em realidade e que outro canto mais anSioso e alevantado se erga sobre a terra». (I) A primeira carta foi publicada no n.o 3 da Seara ov:, d~.2o de Novembro de .1:924. ColV. F ~t;ra parte do grupo de alunos que fugira do Não pretendiã impor-nos dogmas, nem sub-meter-nos a uma disciplina externa, agressiva e hostil: vinha apenas convidar-nos à reflexão e à meditação, incitar-nos a mergulhar no mais secreto da nossa consciência moral, para a iluminarmos e realizarmos o aperfeiçoamento de dentro para fora, excedendo-nos a cada momento: <~.Não venho impôr-te um credo. Não. Crê em ti: Constroi a sós contigo a obra do teu destino. Es uma fonte de vida. E deves ser a única fonte da tua vida.» Na época em que estas cartas foram escritas, havia, felizmente, um vasto sector da juventude que compreendia esta linguagem e via nela a expressão das suas aspirações mais altas. Isso explica o êxito das epístolas e o papel que desempenharam na formação cívica dos jovens de há trinta anos. Acima do fatalismo bio-psíquico ergue-se a personalidade adquirida através da experiência individual, sob o influxo das influências sociais. <~.Mas, de todos os factores de transformação do indivíduo, o mais poderoso elemento de criação pessoal do carácter é a vontade». A formação do carácter apresentava-se, pois, como uma tarefa pessoal de progressiva consciencialização e de incessante superação: «Carácter, no sentido moral, quere dizer nobreza de sentimentos, independência no espírito e na acção e perseverança nos princípios através de todas as circunstâncias,.. A dificuldade da tarefa ressalta destas normas: «A verdadeira firmeza e coragem moral implicam uma resistência invencível a todos os obstáculos, perigos e desgostos. As mais altas afirmações do carácter impõem a intervenção serena e reflectida do conjunto da personalidade. E para atingires a pura unidade e solidez dos princípios, que definem o perfeito carácter, mister se torna que sejas capaz de sacrificar o bem-estar, os gestos próprios, a riqueza, a situação, a própria vida para realizar o acto mais conforme com as tuas ideias e os teus sentimentos» (1). O papel que cada qual desempenha na formação do seu carácter pressupõe a liberdade de escolha das directrizes éticas; e a capacidade de superação das tendências hereditárias, ou mesmo adquiridas, é, por sua vez, criadora de liberdade: «A liberdade é uma vitória contínua sobre ti mesmo e sobre as fatalidades e as forças da natureza» (2). Essa vitória implica uma dis- N ae uf' 0 1 Mthta_r para tomar parte no assalto a Monsanto e g ra, depois, para o Norte como voluntário. (1) Os caracteres e o carácter, in «Seara Nova» n. 0 Io (15/3{922). (2) Queres ser um homem livre ?, in «Seara Novu n.o 9 (I/3/97.2). -215- ciplina moral e uma regra p~~a. consegu_i-la. Cortesão considera o exame penodico e ass1duo de consciência (3) a regra mais eficaz de aperfeiçoamento moral e recomenda-o como fo_nte de meditações fecundas, como processo de Iluminação interior. Sem negar totalmente o valor axiológico da tradição, procura nela o elemento vivo, que é fermento de vida sã, para o destacar do tecido morto, com os seus gérmens de corrupção. É na época de esplendor nacional que encontra as virtudes cívicas e as fórmulas que podem valer como tradições re~peitáv~~s. Referindo· se ao período da epopeia mantlma, escreve ele: «Precisamente o que caracteriza essa época e esses homens é que neles um alto sentido da liberdade se acompanhava duma compreensão igual da responsabilidade; e que a autoridade plena dum D. João II foi compatível com essa feição de rude desassombro nos homens. O mesmo teatro português, que nasce desse esplendor da consciência nacional, revela a mesma franca e irreverente independência do espírito». Eu creio que só é possível exercer-se uma Dr. Nuno Rodrigues dos Santos I Advogado Rua Augusta, Telef, 2 123-2. 0 autêntica cleresia quando se -ultrapassa a esfera racional da per!uasão e se assume uma atitude estética de exemplaridade, porque só assim se ·c onverte em respeitoso culto o sentimento de admiração intelectual que se desperta. Jaime Cortesão incita a juventude à «excedência do que foi», porque resume todo o dinamismo da vida numa «aspiração cresce~ te· de beleza e perfeição». E também invoca razõ~s estéticas para reivindicar direitos de cleresia: «Através de hesitações e quedas, sempre a luz me bateu de frente sobre o rosto. Já me sacrifiquei pelos homens todos, pela beleza da vida. Posso falan. Na verdade, o sacrifício é a condição e a pedra de toque de todos os apostolados, e a beleza moral, pela sua mesma transcendência, projecta na vida um clarão deslumbrante de eternidade. Durante os inquietos ·e atormentados anos que nos separam . da época em que escreveu a primeira mensagem à Mocidade, Jaime Cortesão enriqueceu de novas e raras gemas o seu pecúlio moral e acrescentou nQvos títulos de cleresia àqueles que invocava e dão à sua voz um tom de autoridade inconfundível com o coaxar impertinente das rãs impantes de balofa soberba. A obra que realizou posteriormente e a austeridade da sua conduta, através de ásperas vicissitudes e dificuldades, não desmentiram as palavras que há 30 anos dirigiu à juventude e deram à sua cleresia novos e excepcionais motivos de respeito ~ de admiração. LISBOA 3708 A disciplina, in «Seara Nova)) n.o 4I (r /3/925) (3) , PORTUGALIA RUA . DO CARMO, 75-LISBOA L J ,TROS NACIONAIS E ES'I.'RANGEIHOS Sempre as melhores novidades de Obras literárias, Arte, Medicina, História, Direito, Economia tanto nacionais como estrangeiras SERVIÇO RÁPIDO DE ENCOMENDAS INFORMAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS FORNECIMENTO DE LIVROS PARA O CONTINENTE, ILHAS E COLÓNIAS Db•Jjam OS 'VOSSOS petlhlos à. , PORTUGAL IA ' Telefone 3 O 58 3 RUA DO CARMO, 75-LISBOA -216- ACÊRC.A DA REPRESENTAÇÃO DO BRASJL NO PLANISFÉRio · DITO DE CANTINO Ao cartólogo Dr. J airne Cortesão Pelo VISCONDE DE LAGOA actuação do obreiro inicial até à conclusão em Setembro ou Outubro de 1502. O facto de a ilha da Ascenção, achada por tógrafo português que o construiu, um fragmento João da Nova ao findar o semestre primário de do litoral brasileiro, em que figuram, para leste 1501, figurar no planisfério grafada em semigódo meridiano divisório, duas bandeiras das quinas, colocadas nos locais ali denominados Cabo tico, parece, à primeira vista, condenatório da tese que enunciamos, dada a dificuldade de de Sam Jorge e a bera cruz, u.ma legenda alusiva ao descobrimento de Pedro Alvares Cabral, que estender a actuação do calígrafo original à data envolve a segunda das referidas bandeiras, e do regresso de João da Nova a Lisboa, em Seoito indicações toponímicas que são, no sentido tembro de 1502. norte-sul, cabo de Sam /urge, san miguel, Rio de A análise cuidadosa do assunto e a constatação de que o mapa omite a ilha de Santa sã franc 0 , A baia de todos Sanctos, porto seHelena, achada por João da Nova; mas na viagem guro, Rio de brasi!, a bera cruz e Cabo seta Marta. de regresso, destroi porém as ilações mais preA lessueste do cabo de Sam Jorge vê-se uma judiciais à nossa tese e demonstra que a noilha cujo nome se lê anaresma no fac-simile do tícia do descobrimento da Ascensão chegou ao planisfério, nas dimensões do original, que reino antes de ali se saber da descoberta da acompanha a obra de Henry Harrisse sobre os Santa Helena e portanto antes da volta do desCorte Real e as suas viagens ao Novo Mundo, cobridor. · mas que pode interpretar-se como Quaresma na Não pode assim haver-se por posterior ao reprodução fotográfica inserta entre as páginas regresso de João da Nova a inserção em semi268 e 269 do volume II da História da Colonização Portuguesa do Brasil. góti'co, no planisfério em causa, da ilha Ascensão, cuja existência foi provàvelmente revelada Na grafia destes topónimos utilizaram-se dois tipos de letra: o semigótico na legenda, em Portugal com considerável antecipação, talno Cabo de Sam Jorge, em porto seguro, no Rio vez por um. dos navios desgarrados da armada de brasil, e em a bera cruz, e o cursivo no cabo de Pedro Alvares Cabral, que do facto teria de são Jorge, assinalado pela repetição do topóconhecimento, quando tornava à pátria, na nimo em semigótico e cursivo, em san miguel, Aguada de São Braz, em Moçambique ou em no rio de sã franco, em A baia de todos Sanctos, outro qualquer porto onde João da Nova tocou no Cabo de seta Marta e na ilha anaresma ou quando demandava a ndia. quaresma. A arrumação ao sul e junto da Ascensão de A dupla caligrafia originou a tese de que o · seis ilhetas denominadas Tebas, tende a dea~tor português do protótipo original se limitou monstrar que os primeiros informes trazidos a Inscrever ali, em caracteres semigóticos, parte ao reino da ilha em causa, precisos no que da legenda e os topónimos Cabo de Sam Jorge, respeita à situação, tiveram cunho fantasista Porto seguro e a bera cruz, e de que o cursivo no que toca aos ilheus que indevidamente a se usou mais tarde, em aditamentos provocados acompanham e que não podem por sem dúvida por descobertas e reconhecimentos posteriores provir de quem comparticipou no descobrià conclusão do planisfério, tese condenada, a mento. nosso ver, pelo facto de o cursivo aparecer em Circunscrito à região que ora nos ocupa, ~últiplos pontos da carta que eram bem conheo critério manifestado leva-nos à hipótese, que etd~s quando da sua construção. acalentamos, da utilização do semigótico no litoral brasileiro para assinalar os lugares visifo Somos e~ crer que o ~ursivo, grafado por rma descuidada que desdiz do acabamento do t?ldos, em 15001 por navios da frota de Pedro semigótico e denuncia precipitação foi de facto Alvares Cabral, ou antes, para registar aqueles · ' de que o reino teve notícia por Gaspar de ausado _Pa~a Inscrever apressadamente no mapa Lemos, cujo regresso se fez provàvelmente com f:leO~Issoe~ _deixadas pelo cartógrafo original, did Cl 0 qmça antes de acabar a obra ou impevista do cabo de Sam Jorge do mapa de Cantino, identificável com o do Calcanhar ou com por outra qualquer circunstância de lea a cabo, e para acrescentar-lhe bem assim o São Roque de nossos dias. que se descobriu desde que nela cessou a A dupla grafia daquele promontório furta-se o planisfério anónimo a que chamamos I NSERE de Cantino, por ignorância d.o nome do car- Vá-l -217 ~ . - / à interpretação lógica de quem, como nós, só através de reproduções conhece o planisfério em causa, e presta-se assim a suposições várias como a do recurso ao cursivo para corrigir a inserção, descabida, em semigótico de um cabo achado posteriormente às viagens de Cabral e Lemos ou, vice-versa, ao semigótico para atribuir a navio da armada cabralina a descoberta de um promontório cujo nome figurava, por lapso, em cursivo, ou, ainda, aos dois tipos para evidenciar dúvida quanto à frota ou navio que primeiro avistou a saliência em causa. A circunstância de o cursivo estar junto ao cabo, no sítio apropriado, e de o semigótico figurar considerà velmen te deslocado para leste, em pleno oceano e portanto em lugar inadequado, abonaria a eventualidade de este corrigir aquele e consequentemente a do achamento do promontório por Gaspar de Lemos. A dúvida é porém esclarecida com -acerto pelas conclusões que o exame do original facultou ao falecido embaixador Duarte Leite, publicadas no vol. II da História da colonização portuguesa do Brasil, segundo as quais o mapa sofreu neste ponto uma emenda bem visivel: há uma tira de perga,m inho sobreposta desde o marco até A baia de todos sanctos, debaixo da qual corria um traçado até agora desconhecido. O artista, acrescenta Duarte Leite, tinha desenhado, aâma de Porto S eguro, uma linha de costa dt"reita no rumo nordeste até à primitiva situação do cabo, onde pôs a bandet"ra portuguesa; neste ponto inclinou o contôrno em ângulo obtuso, encaminhando-o ao marco. Mais tarde, reconhecendo a necessidade de rectijt"cação, recuou o litoral, fa zendo-o seguir a partir de A baia de todos sanctos com a direcção norte até S. Jorge, prolongou a haste da bandeira até alcançar terra, quebrando-a um tanto na operação, e fez a nova ligação com o marco por meio Dr. Agostinho de Sá Vieira Advogado CART A DA NAUIGAR PER LE JSOLE NOUAM.te TR ..• IN LE PARTE DE L'JNDIA: DONO ALBERTO CANT!NO AL S. DUCA HERCOLE. Rua da Prata, 198-2. 0 Telef. 2 de um denteado que representa terras itzexploradas. O debuxo primitivo traduzia a noção inicial da costa brasilet"ra, que só pode ter sido a trazida por Gaspar de Lemos; o definitivo proveio de informação doutro explorador. Ora se o desenho inicial se inspirou, como pretende o douto historiador com formal concordância nossa, nas notícias trazidas por Gaspar de Lemos ao reino, e se nele figurava, como se nos afigura óbvio, o cabo de Sam Jorge, é quási certo que o descobrimento se deve ao dito Lemos, no decurso da viagem de regresso a Lisboa. A preciosa revelação que o exame atento do original proporcionou ao embaixador Duarte Leite leva-nos simultâneamente à conclusão de que Cabral e Lemos viram com acerto a configuração daquela parte do litoral brasílico que se estende, no sentido pràticamente sudoeste-nordeste, da Baía de São Salvador ou de todos os Santos a Pernambuco, acerto que se não verifica do Recife ao cabo de São Roque mas que não obstante evidencia melhor observação e maior exactidão do que a da emenda sobreposta não pelo Cdrtógrafo original mas sim, em nossa opinião, pela entidade incumbida da conclusão apressada do planisfério e do acrescento de descobrimentos e observaçães posteriores à actuação do construtor primitivo. · A delineação errada que a carta apresentava, segundo Duarte Leite, na região que se situa entre Pernambuco e o cabo de São Roque, significa com basta probabilidade que Gaspar de Lemos se afastou do litoral, a partir do Recife, para rumar, corno lhe cumpria, a nordeste e que a vista daquele cabo foi obra dos ventos dominantes de sueste que de novo o impeliram para a costa, na altura do dito promontório, cuja longitude calculou com considerável desvio para leste. A mesma dualidade de caracteres sernigóticos e cursivos se observa na seguinte legenda-título do planisfério, inserta no canto inferior esquerdo: LISBOA 13ro Dr. Luis Veiga ADVOGADO P. S1'dónio Pais) 287-2. Dt. 0 PORTO Usaram-se, corno dissemos, nestes dizeres, dois tipos de letra mal cuidada que desfeiam o título de urna carta construída com esmero, em que o gótico e semigótico de legendas destacadas denota perfeição e condigno acabamento. Tal desleixo na grafia do título, ou seja de uma das legendas mais em evidência e que maior primor exigia do calígrafo, colocada por baixo e junto da indicação, caligràficamente perfeita, do trópico de Capricórnio, conduz à suposição de que o cartógrafo deixou, corno é natural, para o fim a inscrição do título do ~la nisfério, que não chegou a escrever por mottvo idêntico ao que o impediu de concluir a.t?poní1nia. Não pode, por outro lado, admitir-se que um mapa tipicamente português os~ente título em italiano, ou antes, que ele haJa de atribuir-se ao autor da carta. O estudo da oJ:igem do planisfério impró- -218- priamente chamado de Cantino, que aqui aborchamaram de Santa Marta, um pouco ao sul damos a título fortuito e traços largos mas a do trópico de Capricórnio, em local onde é que possivelmente voltaremos em trabalho esac~ntuada a curva que a costa faz entre o cabo pecial, arreiga em nós a convicção de que se Fno e a ilha de Santa Catarina, ou seja, com não trata de reprodução de desaparecido protóbasta probabilidade, no sítio da ponta Guarau tipo mas sim do próprio original português, do~ mapas modernos, em cerca de 24°25' de adquirido por Cantino antes da conclusão e latitude austral, ou nas proximidades. precipitadamente acrescentado por um italiano, A posição que Sam michel ocupa na carta estante em Portugal, com topónirnos que o carde Nicolau Canério, mais chegada ao Cabo sta, tógrafo omitiu, especialmente com os que assiCroche do que ao rio de sam fransesco, e pornalam as últimas navegações lusitanas de então. tanto em altura que corresponde ao litoral do Entre outros argumentos subjectivos, apoia actual estado de Paraíba, recomenda a identia nossa convicção de que se trata do próprio ficação com o Sam Miguel dos mapas moderoriginal e não de cópia mandada executar por nos- a ex barra de São Miguel-, no muniCantino para o duque Hércules d'Este, como é cípio de Cabaceiras, concelho de Campina versão corrente, a omissão do ducado de FerGrande, com formal prejuízo do porto mais rara e da própria cidade deste nome no plaaustral de São Miguel on São Miguel dos Milanisfério, omissão que contrasta com o realce .de gres, em 9°I7 1 lat. S. por 35°23' long. W. que Ferrara seria objecto, pela inserção de Quanto à ilha designada no planisfério de bandeira, brasão ou monumento, em carta feita Cantino por Anaresma ou Quaresma, temos especialmente para aquele príncipe. por sem dúvida que corresponde à Fernão de Se o cursivo denunciasse, como se pretende, Noronha, a despeito da arrumação errada, e acréscimos sofrido~ pela carta depois da expepropendemos para a hipótese de a grafia em dição para Itália, nada justificava a precipitacursivo significar que foi descoberta ou avisção que eles denotam e o prejuízo artístico que tada pela frota de rso1-1502 ou por qualquer o mapa tira do repúdio do gótico e semigótico dos seus navios. e da execução péssima do cursivo. Em tal hipóImpossibilita-nos de examinar aqui o protese os aditamentos far-se-iam com cuidado e blema à luz da interessante argumentação que vagar, por calígrafo que imitasse os tipos orio em baixado r Duarte Leite lhe dedica no vol. ginais e mantivesse assim ·a bela harmonia do II_da História da colonização portuguesa no Braconjunto. Outro tanto não sucederia se houstl o desconhecimento do original da carta vesse urgência de preencher, antes do envio dita de Cantina e a fragilidade das conclusões do planisfério ao destinatário, as principais que neste passo poderíamos basear em reprolacunas toponímicas e em enriquece-lo com a duções cujo decalque não é isento de imperindicação dos descobrimentos mais recentes, feição. de que Cantino tinha indiscutível e apressada Não hesitamos todavia em admitir, a desconveniência em chamar a si a primazia da peito do informe de Américo Vespúcio de que divulgação junto do duque de Ferrara. o. regresso ao reino se fez com o propósito de No exposto fundamentamos a opinião de visitar portos africanos, a possibilidade de a que a toponímia do litoral brasílico, grafada ilha ser achada no decurso da viagem para em cursivo na carta dita de Cantino, provém, Portugal, feita com recurso aos ventos gerais com provável excepção do cabo ali chamado d~ sueste que sopram ao largo da costa braside Sam Jorge, de exploração posterior e imeleira e que fácilmente levariam à ilha em diata ao regresso de Gaspar de Lemos a Lisquestão. boa,, com yero~s.emelhança da de 1501-1502, que Do descobrimento que Vespúcio s.e arroga assim tena visitado a ex-barra de S. Miguel, da ilha na sua quarta viagem, ou seja na que n? município de Cabaceiras, concelho de Cam- largou de Lisboa em 1503 para continuar a pina Grande do actual estado de Paraíba, em exploração do litoral brasileiro, diremos que ele c~rca de 7° lat. S., a foz do rio de São Frané reivindicado na afirmação de que stmt do di Cisco, em 10°25' lat. S., a Baía de todos os Sangla fuora delta linea eqnociionale uerso !austro tos ou de S. Salvador, em 13° 1 e o cabo a que ben 3· grad. ci sidiscoperse una terra... et trouãmo eh era una isola. Esta pretensão não visa contudo, como à primeira vista pode inferir-se, postergar a prioridade alheia, e isto porque o descobrimento no decurso da expedição de 1501·I502 pode, e deve com probabilidade, ter sido obra de outro dos navios da frota, que não do de Vespúcio, REPRESENTAÇOES DE CASAS que assim só no regresso a Lisboa teria conheESTRANGEIRAS: cimento da ilha pelo planisfério dito de Cantina ou por narrativa idêntica à que provocou Papeis, cartolinas, artigos de escritório, a :Sua inserção ali em cerca de 9° lat. S., ou artigos de desenho e arte aplicada seJa em altura que não abonava a identificação com a que o florentino julgou descobrir em rso3, na altura aproximada de apenas 3 graus Rua da Misericórdia, 25 sjloja - LISBOA Sul. Admissível e lógica era portanto a suposiTel. 22984: ção de que se tratava de ilhas distintas, separadas por mais de uma centena de léguas. EUG~NW ~ARVALH~, t.nA I -2!9- JAIME CORTESÃO NO BRASIL Cortesão- Dramaturgo Por HENRIQUE DE BARROS Por JOÃO PEDRO DE ANDRADE CORTESÃO é, desde sempre, um J AIME grande e nobre portul{uês. Hoje, porém, a sua figura tornou-se naczonal. O seu_l~ngo afastamento do pais, em vez de o despresttgtar ou ~e o Jazer esquecer, S8rviu apenas para realçar a tmponência da sua estatura mental e moral.. No Brasil, a sua preocupação constante tem stdo a de servir o nome português, colocando na sua verdadeira perspectiva ? n~sso papel na forma_ç~o daquela Pátria, ho;e atnda e.m plena ebuhçao criadora. Grande parte dos diplomatas que, por esse vasto Mundo, representam actualmente o Brasil foram discípulos de Jaime C01·tesã_o, professo: de «História da Formação do Braszl., no instttzdo Rio Branco, e com ele aprenderam a amar Portugal, o que já é muito; a admira~ os talentos e as virtudes dos portugueses, o que e certl!m~n!e muito mais; e a compreender a nossa contrtbutçao especifica para a civilização moderna, o que vale . _ mais do que tudo. Sou admirador devotado de ]atme Cortesao, mas não possuo evidentemente títulos que me autorizem a comentar a sua obra de homem de letras ori(J'inal e renovador e de investigador histórico prgfundo, sagaz e rer:ovador, també~. O único contributo que poderez trazer a esta ;u~tr:z consa._gração que se lhe presta•. é o de tr~n.sm_zttr ao publico português o. que sez do presttgt? tmenso que usufrui no Brastl fraterno este luszada dos quatro costados, patriota como não há muitos, que ao culto do patriotismo soube consagrar no estrangeiro, com aprumo inexcedível, as horas todas dos seus dias de exílio. Seja-me permiti~o citar um ep~sódio a que assisti e de que fut, em certa medzda, protagonista. Em Outubro de I9JI, encontrando-me no Brasil no desempenho duma missão da « Organização de Alimentação e Agricultura das Nações Unidas., (F A O), proferi na Associação Brasileira de Imprensa uma confe:ência sobre.o «Programa de Assistência Técmca Internacwnaf., a cargo da F AO. Entre a assistência e~contrava-se Jaime Cortesão, inesperada mas mutto honrosamente para o orador. Concluída a palestra, o representante permanente do Brasil junto da F A O, Dr. Adão e Silva Médico ALMADA Dr. Armando Adão e Silva Advogado Rua de S. Julião, Telef. 2 5415 72-2. 0 LISBOA eng.o agrónomo João Gonçalves de Souza, fez uma rápida apreciação do que eu dissera, do sfgnificado da reunião. e do modo com_o decorrera. E um hábito generaltzado no Brastl- um bom hábito, quanto a mim- este de se comentar e debater pública e livremente uma conferência acabada de proferir. Um dos pontos que Gonçalves de Souza mais salientou, como sendo dos mais relevantes e st'gnificativos, foi a presença ali de Jaime Cortesão. Conhecia bem a obra e a figura do nosso compatriota e estava a par das missões que desempenhava no Brasil,· sabia do apreço em que era tido pelos dirigentes de~se País; e não ignorava tampouco que, a servtço do Governo Brasileiro, Jaime Cortesão continuava também a servir Portugal. A tudo isto fez Gonçalves de Souza referência, de tudo isto deu noticia aos seus compatriotas reunidos para ouvir um português, naquela tarde já quente de Outubro, numa sala acolhedora do imponente «arranha-céun da prestigiosa e independente associação dos jornalistas brasileiros, a famosa A. B. I. João Gonçalves de S,o11,za conhe;ia, portanto, muito bem a obra de ]atme Cortesao. E também a este conhecia pessoalmente. Onde, e em que circunstâncias, o encontrara? Eis o que não tardámos também a saber. Em I948, reuniu-se em Goiana a <~.Prim eira Conferência Brasileira de Emigração'», organizada, sob .os auspícios 4o .Ministério das Relações Exterwres, pelo Mzntstro Jorge Latour. Foi uma reunião muito_importante, pela magnitude que têm para o Brastl os problemas emigratórios, e para_ ela_ foram con_vocadas todas as autoridades nactonats na matérta, todos os brasileiros que, sob qualquer dos seus. múltiplos aspectos, conheciam o problema da emtgraçao e com ele lidavam. Jaime Cortesão não é, não fin(J'e ·ser e não pretende ser brasileiro: conserva0 -se e proclama se sempre portu[Juês. Mas os .brasileiros tanto o admiram, estzmam e respettam, tão bem sabem como ele é capaz de lhes ser útil, que não hesitaram em o convidar, único es~ran geiro a quem tal fizeram, para aquel~ ar~opago nacional destinado a discutir entre nacwnats problemas ~acionais. Cortesão proferiu em ~oia1ta, nessa ocasião, uma conferência bri!hantísstma em que, entre outros assuntos, abordou um prob.lema de palpitante interesse e permanente .actua!tdqde para os brasileiros: o da transferêttcta da cap:tal federal do Rio de janeiro para Goiaz. Isto foi, em síntese, o que nos contou tzaque!a tarde João Gonçalves de Souza, agróno!""'? 1t~ tinto, funet'oncirio muito influente do Mzn.tsterto da Agricultura, um dos criador_es r_!o Ser~tÇO cial Rural e membro da Comtssao N acw~za~ Política Agrária. Isto mesmo, e com gratzssmzo prazer, transmito aos leitores da «Seara N o~m· como uma prova- a acrescentar, aliás, a muttas outras-do prestí(J'io que tem no Brasil este twss_o "' · e,1rtcaz e brseminente compatriota, e da manetra lhante como, longe da Pátria, honra e serve 0 nome de Portugal. -~20- sd; fecundo e multímodo labor literário de Jaime Cortesão, (fecundo no duplo aspecto de fértil pela multiplicidade de trabalhos que constituem a sua ficha bibliográfica, e de proveitoso pelo seu alcance e profundidade), não nos deixa, em consciência, lastimar o seu afastamento da literatura dramática, que em determinado período o atraiu poderosamente. Tenhamos a coragem de não desejar circunscrita a um género que nos apaixona uma actividade que em tão variados campos, nomeadamente no da investigação e exegese histórica, se tem manifestado. No entanto, para um estudo completo da sua obra, não se poderá, no futuro, ignorar essa pequena parte dela que são os três dramas que de 1916 a 1921 Jaime Cortesão escreveu e fez representar. Não anda o teatro português tão rico de produções e de individualidades, que possamos esquecer alguém que, num passado ainda recente, sobremaneira o honrou. Para os que desconhecem a actividade dramatúrgica do grande polígrafo- e infelizmente isso é possível num país onde os grandes êxitos teatrais só excepcionalmente têm prolongada irradiação editorial- diremos, de entrada, que não se trata de um violino de Ingres, mais ou menos afinado, mais ou menus precioso, que em dada altura o artista abandonou, entre desdenhoso e enjoado. Jaime Cortesão entrou na dramaturgia perfeitamente conhecedor das leis que regem o desenvolvimento duma acção teatral. Nos seus três dramas- aliás bem dissemelhantes entre si-há um sentido da progressão do interesse dramático que ainda hoje, após sucessivas inovações e renovações, nos parece actual. Livre d~s vicissitudes da produção contínua. mais ainda pela largueza do seu espírito que pela escassez do tempo que dedicou ao teatro, não poderia o autor de O Infante de Sagres, mesmo que por intermitências tivesse voltado a cultivar o género, seguir o exemplo de grandes e pequenos dramaturgos que descansam das obras em que puseram o melhor de si próprios n~ :o!lfecção de batagelas. Nos dois dramas histoncos de Jaime Cortesão, como na sua peça de ambiente moderno, sente-se a fusão completa. do autor com o seu tema e as suas figuras. Du-se-iam escritos em momentos de transe, quando toda a personalidade de quem os concebera vibrava no sonho ali contido e se encarnava nas figuras centrais. Assim, e porque a sua pequenez se presta ao símile, diríamos que, na s.ua coesão e na sua unidade, esta obra dra:fática. se. nos apresenta como as três faces t~m tnptico em que, por singularidade, as duas . uas laterais sobrelevassem em ~xtensão o painel central, marcado esse, na sua brevidade, pe a grandeza ilimitada dos horizontes. O Não fugiu Jaime Cortesão, nas suas duas primeiras peças, àquela predilecção do seu espírito que depois se afirmaria em obras de índole diferente. O Infante de Sagres e Egas Moniz representam momentos da história. As figuras escolhidas para centro e alvo da acção dizem, por si sós, bastante para definirem a essência do pensamento do autor. Com efeito, há em D. Henrique e no velho aio de Afonso Henriques algo que os irmana. Em cada um deles se divisa o visionário e o homem de acção firme, que, aliados, decidem a eclosão duma nova era. Para ambos se an tolha necessário o sacrifício dos deveres transitórios do homem comum, cujo cumprimento se opõe à conversão do sonho em realidade. Em ambos se gera, assim, a crise de consciência, que faz destes dramas mais do que simples exaltação de glórias pretéritas, mas verdadeiros momentos de teatro. . Falámos, no entanto, em dissemelhanças, e não esquecemos, ao fazê-lo, os fortes elos que unem estes dois dramas como criações do mesmo talento, nem o quanto Adão e Eva se i ere na mesma Jinha de continuidade. Surgido numa época em que o brilho de duas ou três décadas do teatro português acusava já o desbotado dos ouropeis, Jaime Cortesão não apareceu com ímpetos de inovador. A tradição recente oscilava entre o historicismo e o regionalismo, àparte uma ou outra tentativa de adaptação das correntes europeias aos ares lusitanos. O autor de O Infante de Sagres seguiu aquele dos caminhos que mais horizontes abria ao seu espírito, e ergueu a figura do iniciador dos descobrimentos, rodeando-o de nautas, de cavaleiros, de frades, e de gente do povo. Mas o drama não é a epopeia, e ao teatro não interessa apenas a exaltação de feitos, por muito elevados. Em cada heroi tem de existir um homem, sob pena de o drama mentir a si próprio, antes de mentir ao espectador. Jaime Cortesão curvou-se sobre o coração do Infante, e auscultou as angústias que teria sentido o homem obrigado a sacrificar o irmão por uma empresa que transcendia uma vida humana. A sua volta não estão só os entusiastas; assistem também os descrentes. Os sucessos não históricos inserem-se, assim, no drann sem descontinuidadt", como determinantes visíveis da crise de consciência. O. Beatriz e O. Mécia encarnam o curso normal da vida, o amor que ignora glórias e sublimidades que lhe são estranhas: a primeira, amando o infante D. Fernando, não perdoa nem entende a energia inquebrantável do heroi de Sagres; a outra é o próprio amor feito renúncia, porque não cabe na vida do homem que se votou a outros destinos. Para escrever a formosa alegoria, o autor compôs alexandrinos admiráveis, alternando a espaços com outras cadências. O lnfattte de Sagres não revolucionou b teatro, mas reviveu •-221 • um género que encontra o seu similar mais perfeito, dentro da nossa dramaturgia, na Castro, de Ferreira. Egas Moniz, saído da mesma pena dois anos mais tarde, oferecia tal vez maiores dificuldades, pelos remotos tempos em que decorre a acção e pelos perigos da linguagem semi-bárbara a que tinha de se dar expressão teatral. Por outro lado, o movimento dramático encontrava-se já nas velhas crónicas, pleno de lances trágicos. Jaime Cortesão saiu vencedor da empresa usando dum mínimo de arcaísmos, adoçando discretamente o centro violento da acção com o fundo idílico dos amores de Fernão Mendes da Maia e Elvira, filha de Egas Moniz. Se na peça anterior a figura do protagonista se erguia, soberana, eclipsando todas as demais, em Egas Moniz a trama psicológica e o interesse teatral abrangem várias personagens. Afonso Henriques aparece-nos de início pouco seguro da sua realeza, e ainda no primeiro acto assistimos aos primeiros lampejos da sua consciência de chefe. No segundo acto- um dos mais belos do teatro histórico português, lembrando Corneille pela violência das situações e pela energia da linguagem- o dramaturgo esbateu a crueza do príncipe fazendo-o ceder aos rogos do aio para que libertasse sua mãe. Este sucesso, porventura historicamente contestável, além da virtude teatral que em si próprio possui,.faz que decorram logicamente encadeados os .,.Ue preenchem os últimos actos, que assim deixam de ser episódios desligados: a promessa de Egas ao Imperador é já um acto de contrição, que se completa com a bela e histórica cena do quadro derradeiro. Jaime Cortesão deu-nos em dois dramas, por processos diferentes, duas épocas decisivas da História. No primeiro, estudando as reacções internas duma vida quase extática, através de episódios exteriores; no segundo, aproveitando Dr. Luís Francisco Rebelo Advogado Rua do Crucifixo, 50-1° Telef. 31976 LISBOA a acção intensa dum período agitado, para plasticizar um dos mais formosos e significativos episódios da nossa História. Em 1921, mortos alguns dos grandes actores que tinham dado corpo às suas criações, divididos outros em companhias de acaso- acentuava-se a crise temerosa do teatro, já esboçada antes-, Jaime Cortesão escreveu Adão e Eva que encontrou em Alves da Cunha o intérpret~ ideal, como nas duas peças anteriores o encontrara no grande Ferreira da Silva. Diferente no fundo e na forma, o novo drama produziu desencontro de opiniões que Câmara Reys evocou numa conferência da época. Dum crítico que era, aliás, notável escritor, nos lembramos de ter lido, entre outras coisas, que Marcos, o protagonista, era inchado de vaidade. Adão e Eva é um quadro naturalista da época, um pouco exagerados, aliás, os pormenores no seu confronto com a realidade. O interior burguês do início do drama, as frases triviais, as figuras vulgares, não lembram de longe a violenta atmosfera do Egas nem a exaltação heroica ou os arroubos líricos do Infante. Mas o Egas e o Infante estão em Marcos, o homem do futuro. E por aqui se vincula este drama aos anteriores. Marcos entra, e as vulgaridades de que ele parece participar, pouco a pouco transformam-se em inquietação. E eis-nos de novo em plena atmosfera heroica, não a do heroísmo que ergue nacionalidades ou descobre mundos, porque no mundo de hoje são diferentes as aspirações. Talvez que, não fazendo decorrer toda a peça em torno de Marcos, não lhe opondo como adversário o trivial sr. Domingos, tornando mais característica, mais simbólica a sua Eva, que só nos últimos momentos do drama se mostra à altura do companheiro, Jaime Cortesão tivesse conseguido uma peça mais intensamente teatral, no melhor sentido, que é o que confere perdurabilidade aos símbolos ocultos em todo o grande teatro. Mas este espírito leal ignora tudo o que seja maquillage ou disfarce, e o que nas suas peças históricas o poderá parecer é o que já estava implícito nos ambientes evocados, o que, se não sucedeu, podia ter sucedido. Paradoxalmente, a peça realista de Jaime Cortesão é talvez a menos real. Há em Marcos uma idealização do homem que existiu, de facto, em Egas Moniz, em Afonso Henriques, no Infante, mas que não vislum· bramos no homem moderno. Assim, Marcos é um heroi em potência, um heroi não apenas das lutas dos homens- vemo-lo fugir da refrega para não matar um amigo, quase um irm~o-, mas tam bé rn da lealdade aos próprios ideais. Colocado num ambiente de hoje- ou de 1921 - , e ouvindo-o falar como fala-que é dizer, como sente-, é fácil tomá-lo por um inclzado de vaidade, quando não se tem em conta a su· blimidade a que propendem os personagens de teatro, se não s~o títeres e neles se condensa alguma coisa dos anseios da humanidade. Jaime Cortesão foi um momento do teatro português, tão pobre, tão miseramente tratado por quem lhe dirige os destinos, que não sâo de esperar- ainda que proliferassem talentos do quilate deste que evocamos- muitos mo· mentos semelhantes. CORTESÃO E A HISTORIOGRAFIA PORTUGUESA Por JORGE DE MACEDO UM~ constante-. com os seus aspectos positlvos e negativos- na historiografia na. cwnal é que ~sta tem ~ido sempre chamada a exercer um~ missão naciOnal. Além do seu papel. no c_onJunto ?a actividade cultural, a histori~grafla t_em tido também uma actividade funciOnal, du_ecta .e de p_rim~ira importância, de~tr<;> das ~xigê!lcias naciOnais e na criação da propna naciOnalidade. Papel funcional da história entendido em todos. os tempos de variadas formas. Desde a C_rónica Br~ve de Sta. Cruz a Fernão Lopes, à historiowaha re~ascen tis ta, à argumentação dos Lustad~s e amda até às próprias patacoadas de Frei B:rnardo de Brito, encontramos provas ~xpressivas de uma actividade hjstórica ao serviço de uma ideia nacional. ~s gr~ndes h~storiadores do Século XIX, mu~to ~~Is evolut?os no ponto de vista crítico e. ~Ientlhco, mantiveram, naturalmentê, a hist?na no plano nacional, quer em face de necess~d:'-d~s resultantes de problemas político-socia.Is Internos, quer nas polémicas internacionais em volta dos descobrimentos . No primeiro a_specto, por exemplo, as páginas de Herculano !Ivera~ um papel importantíssimo na forma ão I?eológtca da burguesia liberal. Oliveira Mçar tlns, p~r seu turno, não esquece nunca a fun~ ç~o nacional o~ social da História e constantem~~te a enuncia; deste espírito saem as páginas cl~I.ca_s do Portugal Contemporâneo Brasil e T~ó~~IasBportuguesas, Portugal nos rdares, etc.. 1 o . raga procurou na História uma tradikâto nEacional militante, antagónica da realeza. c. te. b ~~crítica à historiografia portuguesa do Liq~ra tsmo t~m sido feita e com tanto mais razão co::tro troais se dirige, não aos seus grandes corro u ores, mas aos deformadores que ou a lar mperam num feiticismo nacional ou a isoco:tf em pequenos problemas. Crítica que não domi~fou. a o_b.ra desses historiadores nem no Século XIXntt!Ico nem prát!co: ao contrário do tória de p 0 ornem de hoJe não tem uma bishoje. A s <;>rtugal à _altura d?s problemas de ral veio óhfa e_ consistente historiografia libemica q u: ;~ ver~zar-.se numa historiografia poléOs grandes lo r Iro ma se. pode chamar nacional. pequeninas ~mas têm sido abandon~dos pelas folclóricos o eses, pelos peq ~enos. Interesses requentado ~ entã~ pelo pamel Jornalístico dores hou ' m~neira de exposição. Historiagnificânci vedporem, que não se traíram na insi..""'''-- f .a. 0 pormenor, na conquista de um · ff' tilhas acll C ou n a JUS I I.cação de um prato de Taime' artesão ~ um desses poucos. Cortesão Inculca-se na tradição dos ~istor~adores nacionais de sólida formaça.o de mvestlgad?res com perfeita noção do seu papel na co_nsolidação da consciência nacional 1 na p~rte Importantíssima em que esta depend e da «lição. eloquente do passado para os homens de hoJe»,_ nas suas próprias palavras. A maneira c?mo se mse~e nessa tradição não é porém um s_tmples continuar de caminhos, mas um efectivo renovar de perspectivas e é isso certamente? que mais importa: «a consciência duma solidanedad_e e de um ideal colectivo, 0 sentimento e a Ideia duma pátria elaboram-se lentamente através desses movimentos de grupos e das lutas entre eles suscitadas. E por via de regra <;>s grandes homens são tanto mais representativos, quanto melhor incarnam e orientam as necessidades e aspirações colectivas» . E' num ~onceito de história global, d~ históna. de ?ocie~ade que Jaime Cortesão continua a histonogr~ha ~or~uguesa. São, por certo, muitas vezes, discu t1 veis as soluções que apresenta para os problem~s su~citados. Mas, construídas sempre com a exigência de uma explicação conf·reta e ampla, colocam as questões num terreno Irme de discussão com sentido. Com efeito no debate que se tem desenvolvido à volta das suas teses, não é possível esquecer a plataforma em que C?rtesão as. coloca: recusa em aceitar como explicação aquilo a que se.dá o nome de acaso, o. que _constitui um elemento fundamental da historiografia científica. Oco_rre, muit_as vezes, lembrar Michelet a propósito de Jaime Cortesão: a mesma intenção de u~a história dotada de uma causalidade com sentido humano, a mesma ideia do homem agente . tran.sform_ador de um meio, não inerte mas cuJas virtualidades variam com os recursos humanos. E se em toda a obra de Cortesão essas preocupações se revelam, são porventura os «Factores Democráticos na formação de Portugal» aquela em que se me apresentam mais· transparente e sug~stivamente aplicadas. p Nos «Factores Democráticos da formação de ortugah a~teram-se radicalmente os termos e~ que habitualmente era posto 0 problema da' ongem da nacionalidade. A volta desse tema glosava:n-se as soluções políticas, rácicas e geográficas-esquemas e resumos-que afinal fm. face das nossas preocuDações nada mai~ aztam do que adiar a que;tão. E se o forte bom s:_nso de. Herculano lhe fez recusar as lucubraçoes ráciCas d~ um seu mestre, Thierry, e assentar a_ sua _te_ona nas raízes mais concretas -embora Insuficientes -dos fenómenos políticos, logo se lh~ seguiu todo um delírio de racismo -celta~, ~eltlb~ros, visigodos, suevos, etc.ou uma mitologia de grandes homens ou ainda -223-2~2- uma metafísica de fronteiras naturais para explicar a formaçao da N açao e do Estado. O pe~ samento de Cortesão nos cFacto~es De?loc~a ticos» ultrapassa estes pontos de vista. A1 o ~ls toriador visa construir, não um ponto de vis~a que mais ou menos se postula., ma~ uma teoria onde efectivamente se possam mclmr os resultados das investigações erudit~s que arque.ólogos, etnólogos, geógrafos e hist.onadores realizaram, onde todos os factores se Integrem, ~em s~ acumularem, na formação de uma nactona!tdade. Estamos efectivamente longe de uma s1mpl~s enumeração num ecletismo ansioso de tranqUIlidade. O problema é post? em equação dentro do estilo da unidade funciOnal das causas, tão característico do pensamento h~s~órico de Cortesão, Recusando o factor geograhco- a~strac çao sem dinamismo- dá-lhe .logo a seguir u.m.a importância nova quando o llga com as actividades humanas que o aproveitam e o tornam assim um elemento humano na formação, a Dr. Gustavo Soromenho Advogado Rua do Ouro, 191-5.0 Telef. 2 LISBOA 694o N A LIVRARIA PORTUGAL Encontra V. Ex.a todas as secções de uma grande e boa livraria. Ao público que deseje estar ao facto do movi.. mento livresco, basta-lhe visitar as grandes instalações da LIVRARIA PORTUGAL RUA DO CARMO, 70 · TELEFONES P. P. C. 30582: 28220 LISBOA ocidente da península, de um_ corpo social ~em diferenciado do resto da Ibéna. Romanos, arabes e moçárabes, aproveitando o factor geográfico, dentro dos seus recursos .e formas próprias, enrique.ceram-no progressivamente. Foram-se construmdo deste modo os elementos fundamentais para a estruturação i~de~endent.e de uma Sociedade (língua, comumcaçoes, actividade económica). A actividade urbana, que renasceu em toda a Europa nos séculos XI e XII ligou-se a ocidente da Península com ess~s factores anteriores, particularmente propícios à constituição de um estado: ((Em Portu: galé do próprio movimento das comunas que vai nascer o conceito supremo da ~ação». Nest.a base surge-nos uma independ~ncta como cul.mtnância de fenómenos de longmqua e próxima origem que convergem na formação ~e um estado que se consolida «n.um comércio ~a rítimo com base na agncul~ura,., Assu~: ... Antes que ao Conde ·n. Hennque fosse atnbuído o governo do condado portucalense ~a via-se lentamente realizado um facto! ~e. m~1or alcance, para o futuro, .que postas. as ~n~ciatl~as imediatamente postenores d~s mdividuos ..a constituição de um núcleo social,. ~m povo umficado pela língua e pronto a adquuu, pela an;umação sobre o território, o carácter atlântlc.o essencial à definição suprema da ~-ação. N~ ~c~ d.>!nte da península havia desde Ja a posstbthd~de em marcha de um novo Estado. Os chefes do século Xll e dos seguintes foram (o que não lhes apouca a estatura), sim, os suscitadores dessa promessa,.. Suscitadores, decerto. Mas Cortes~o não perde de vista o contexto do corpo social que os acompanha: ((A formação da nacionalidade obedece a um processo bem mais orgânico e natural em que as massas o povo na sua totalidade de classes, religiões ~raças-mescla de cristãos estremes, de moçárabes, de mouros e judeus falando to~os um dialecto semelhante- desempenha o prm· cipal papeh. . Abordado o problema nestes termos, verl· fica-se desde logo que, no debate em torno da origem da nacionalidade, se introduzem novos valores que o alteram, ultrapassando os moldes em que se apresentava no Século XI~. E é, sem dúvida dentro destas noções geográfica~, demográfica~ económicas, sociais e culturais que ,0 proble~a fica posto, de tal forma qu~ a pró~r~: crítica às concepções de Cortesão so podera l ser feita dentro do caminho que as suas teses e investigações suscitaram. Evidentemente~~: novos dados terão que ser apresentad~s. or esqueçamos que Cortesao nada nos diz, P da navega· exe mplo ' sobre os aspectos técnicos · " · M para ção atlântica e sobre a sua tmporta.ncla d'1 o• desenvolvimento de Portugal na Idade ~ : ; não esqueçamos que há todo um estudo a az sobre vias de com~~ica.ção int~rnas e ext:rMa~ portos, classes s~clats,, Ideol?gtas, etc., e!· dades é nesta seguríssima via cheta de virtua 1 0 bra novas que Cortesão exemplifica na sua de cOs Factores democráticos na formação on· · h'~~ t onca · · encrea· Portugah que a investigação trará o interesse teórico e prático em se lizar. -224- Para a biografia de JAIME CORTESÃO Por RICARDO SARAIVA de vários outros, dois factores importantes devem ter exercido grande influência na formação esALÉM Jaime Cortesão: o meio geográfico e o piritual .~ e ambiente famthar. Nascido em Ançã, povoação situada a pequena distância de Coimbra, portanto, na região unanimemente considerada como aquela em que melhor se fala a Ungua portuguesa, esta circunstância contribuiu certamente, embora de maneira a principio inapreensível, para o esmero de expressão verbal na forma literária de Jaime Cortesão, Jogo mesmo evidenciado nos seus primeiros escritos. Filho de António Augusto Cortesão, que, a par da sua profissão de médico, foi um filólogo distintissimo-muito justamente tido em grande apreço por José Leite deVasconcelos- e foi autor de obras valiosas desta especialidade, nomeadamente os seus trabalhos sobre gramática e sobre o dicionário histórico da l!ngua portuguesa, a influência paterna em Jaime Cortesão, sob o ponto de vista literário, foi sem dúvida bastante sensível. A valiosíssima livraria de que o Dr. António Augusto Cortesão era possuidor, a natureza dos trabalhos em que empregava todos os momentos que a cUnica lhe deixava livres e a sua própria profissão foram exercendo lentamente uma influência de deslumbramento e atracção no espírito do filho. A fam!lia fixara-se em S. João do Campo poucos anos depois do nascimento de Jaime Cortesão. Já, portanto, mais perto de Coimbra, onde faz o curso dos Liceus, a influencia do meio geográfico e do ambiente familiar torna-se então mais evidente. Arrastado pela paixão dos estudos filológicos e impulsionado também pelo romântico desejo do pai, que vislumbrara para o filho um lugar proeminente na carreira dos estudos clássicos, Jaime Cortesão, ao terminar o liceu, matricula-se na Universidade de Coimbra, onde faz com distinção o seu primeiro ano de Grego. Mas, como que a justificar as palavras de Max Bonnet: c/'unité de la phitologie classique est depure convention; cette scimce est formée d'utz Jaisceau de branches tres diVIrses de la scimce universelle». (v. La philologie classique, Paris, r8g2, págs. 8 e g), o próprio estudo da filologia, des· vendando-lhe a todo o momento novas perspectivas para a actividade do pensamento humano, cria em Jaime Cortesão uma avidez de cultura, que o leva a interessar-se cada vez mais por todos os problemas- os do passado, os do presente e os do futuro. Hesitando entre as Belas-Arte's e o Direito, opta por este e matricula-se durante dois anos na respectiva Faculdade da Universidade de Coimbra. O estudo da antiguidade clássica e das maravilhosas obras artlsticas do paSBado, aliado a uma natural vocação para o desenho, empolgara-o por momentos, e a tal ponto que chegou a supor ter o seu destino marcado naquele sentido. . Ao mesmo tempo, porém, que se alargava a sua capaCld~de ~~abranger horizontes, apareciam-lhe também com mats. nthdez os erros, os horrores e as injustiças, quer polltlcos, económicos e sociais, tanto do passado como do pre.sente. Uma voz consciente e livre, que, apoiada em séria ~or~ação jurídica, se erguesse ao serviço do direito ~ da JUstiça, poderia sem dúvida contribuir, embora mo.e~tamente, para o triunfo de condições morais e mateI'I&Is que tornassem os homens melhores e os fizessem mais feli::_es. A retórica e a eloquência haviam assim lan0 o grao de areia da sua influencia no esplrito do jovem dC: filologia, que, decidindo-se mais tarde pelo . do direito, o fazia também por sentir-se servido lllvulgares faculdades oratórias. . Nu~ a altura da vida em que os homens de certo tipo Inquietação interior, por se julgarem prementemente nas mais variadas direcções, se debatem no moral da impo10sibilidade de fixação, Jaime Cor- tesão sentia·se hesitante e perplexo perante a dificuldade de se orientar finalmente no sentido em que melhor pudesse pôr de acordo as suas predilecções espirituais e os anseios ainda obscuros da sua arte com a sua veemente aspiração de ser útil à humanidade e concorrer para lhe minorar as dores e libertá-la da miséria. Matricula-se então nos preparatórios de Medicina, em Coimbra, pois lhe parece que, exercida como um autentico sacerdócio, a medicina poderá ser o veiculo mais seguro e directo da sua quota de contribuição para o bem da humanidade. Vai, porém, terminá-los no Porto, onde fixa residência e onde vivem algumas pessoas da sua famllia. O Porto parece a cidade destinada para Jaime Cortesão desenvolver a sua actividade literária, a principio ainda hesitante; mas, ao voltar lá, decorridos poucos anos, exerce então, quer no campo literário como no politico e social, uma acção de destaque, que entronca directamente num dos períodos de maior prestigio espiritual da capital do Norte. Fundador, com Leonardo Coimbra, Cláudio Basto e Alvaro Pinto, da Nova Silva, revista de tendências anarquistas, Jaime Cortesão publica ai algumas das suas primeiras poesias e, na primeira página dos números r e 2, os portraits-charges, respectivamente, de António José de Almeida e João Chagas, além de vária outra colaboração artlstica em todos os números, o mesmo fazendo mais tarde em toda a colecção da I série de A Aguia. O apaixonado das Belas-Artes, que por elas havia sido tentado, continua, sempre que pode, a prestar-lhes o culto da sua devoção. As suas poesias não tem, porém, nada de anarq uizante, de panfletário, nem de reivindicativo: a primeira, Meu irmão Rouxinol!, é uma poesia de sabor acentuadamente l!rico; a segunda, Boa vizinha, acusando, sobretudo nas primeiras quadras, a influência de Cesário Verde, quando poeta dos aspectos da vida citadina, é um caso raro, excepcional, talvez único na poética de Jaime Cortesão. De resto, quer litarária quer artisticamente, ele é dos menos ácidos e dos menos iconoclastas dos colaboradores da Nova Silva- revista de que apenas saíram, que nós saibamos, quatro números, o primeiro com data de 2 de Fevereiro de 1907 e o último com a de 24 de Março do mesmo ano. * "' * Entretanto, como era natural numa pessoa solicitada por tantos interesses, a actividade politica tinha-o atraído também. Era no tempo em que o Porto dispunha de uma brilhante constelação de notáveis valores morais e espirituais. Entre outros, Sampaio Bruno exercia então grande influência nas camadas intelectuais de todo o pais, mas especialmente nas do Porto, seu burgo predilecto e seu lugar de residência, quando as vicissitudes da politica o não obrigavam a refugiar·se no estrangeiro. Encontravam-se então no auge a autoridade moral e o prestigio intelectual de que o insigne polfgrafo disfrutava. Ciosa dos seus pergaminhos de liberdade, a cidade do Porto, onde · uma nobre plêiade de republicanos mantinha aceso e brilhante o culto pelos ideais e pelos homens subjugados em .31 de Janeiro de r8gr, acolhia e acarinhava todos aqueles que se mostravam aptos a empunhar, nas suas mãos mais júvens e mais robustas, o facho revolucionário que os veteranos se obstinavam, honrada e heroicamente, por sustentar. Em seguida ao regicfdio de r de Fevereiro de tgo8, foi confiada a Jaime Cortesão uma missão politica de certa importância. Vejamos o que a tal respeito ele pró· -225- sonalidade alheia, a tolerânci_a c?m as opiniõe~ cont~árias prio conta no Elogio histórico de Bemardino J.!achado: e a supremacia da consciência livre sobre a viOlência e a .:Conheci-o (a Bernardino Machado) em 1908, dots ou trjs força bruta.:. .. dias após 0 regic!dio. Eu era àquele temp~ es~uda~te e Em 1909 matricula-se na :faculdade de Medtcm_a_ de medicina no Porto; e, como tal, estabe~ecta hgaç~~ enLisboa, onde conclui o respectivo curso, com a classt!t~a tre a arte mais combativa da academt,a e o com1te que ção final de 18 valores,. intitulando-se A Arte e a M edtcma re afava no norte a revoluçã? rep~bhcana, prestes a a tese que apresentou ' e defendeu. O_ ano de Grego e os ~cl!dir. o inesperado acto de vtolêncta e_ desespero landois anos de Direito tinham-no obn~ado a atrasar-se, hesitação entre os dirigentes republicanos do Porto. embora tivessem sido altamente proveitosos para o alar~::s:s circunstâncias, fui comissio!lado para, à sdom~a gamento .da sua cultura. . . . da minha mocidade anónima, ir a Ltsboa_mdagar os _1Data de 1910 o aparecimento do seu pn~etro hvro ?-e rigentes 0 que pensavam fazer e se tenciOnavam ou nao versos: A Morte da Aguia (sete poemas herotcos)-escn!o a roveitar a confusão que o atentado l~nçara entre os entre Setembro de 1908 e Outubro de 1909, em S. Joao ofonárquicos. Chegado à capita~, C?n.contret quase t_odos_ o_s do Campo. . _ . . chefes republicanos presos ou mtbtdos pc:la es~rett~ vtgtÉ nesta localidade que fixa entao restdêt;tcta, ~~ e_xerlância policial. O único a quem consegui ou~:r fot Bercendo a medicina durante cerca de a~o e meto, prmctpa~nat;dino Machado. Morava ele então à _rua ~e ~ao Bernarente ocupado com a cllnica do pat, que cada ve~ mats do onde me acolheu por volta da meta nOite, com aquela : vai libertando da profissão para se _entre~ar m~us atusi~plicidade afectuo~a do professor, habituado a faz~r dos radamente aos trabalhos e estudos ftlológtcos tao seus alunos cllmaradas. Nada de dogmático ou empertigado. preferidos. . . Era 0 mesmo homem do retrato de Ramalho, apenas um Implantara-se entretanto a R:epubhca 17m ~ortu~a.l. ouco retocado pelo tempo e pelos tempos. O corte do Em Maio de 19II, quand? se real~zam as pr~metras e et~a belo rente re~lçava·lhe a fronte poderosa; a sarça da~ ções sob 0 regime republicano, Jatme Cortesao ai?r~senta sobrancelhas negras dava mais brilho ao olhar penetrante, a sua candidatura a deputa~o. pelo circulo de t.:otmbr~. mas no rosto de traços finos, emoldurado Pt?la ~arba, o Não contando com o patro~mto nem com o apoto ~o disorriso da su'a bonomia habitual não conseguia disfarçar rectório do Partido Republicano Portu~uês, que tgu~las graves inquietações pela hora que passava. d te os negou a grande parte de candtdatos que e~tao "Sai de sua casa cerca das quatro da madruga a, com :e~ropuseram ao sufrágio eleitoral em todo o pais,Jatme uma inexprimível impressão de embaraço, er;n que se Cortesão, dispondo apenas dos seus recur~os e dos debatiam a admiração pela sua forte personah~ade e a seus amigos e admiradores para a sus~entaçao da ca~ reacção de estranheza às suas ideias, então tão dtferentes panha eleitoral, consegue, ~mbora_ venctdo pelos can~t das minhas. Durante aquelas longas h~ras empenhou-se datos patrocinados pelo dtrectóno, obter . uma vot~çao em convencer-me, para que eu, por mmha vez, persuafinal que não anda muito longe da dos candtd~t~s elettos. disse os dirigentes portuenses a 9.ue não pensassem por Volta novamente ao Porto em 1912. Dectdtra abanentão em violências e, ao contráno, ~e. prepar~s:em,~?r donar a medicina e procurar mai~ u_ma vez novos _rumos uma propaganda intensa, para as prox:ma~ eletçoes. d ~ ara a sua vida. Em contacto dtáno C?m_ o sof~tme_nto só em seu entender, os republicanos nao dtspunham u. ~lheio, durante o exercício da sll:a p::oh~sao climca! t.m1 ch efe militar de grande prestigio,_ mas sup~nha n_ecessán~ ressionara-o profundamente a mehcácta da medtcu~a completar a revolução nos espintos. Asstm o VI e d 'ouv ;empre que se tinha visto em face de c!lsos p~ra os quats através da sua vida e até ao dia em que nos despe tm~s a ciência, impotente por enqu~nto, nao podt~ fornecer pela última vez, procurando convencer pela p_alavri e nar~ soluções satisfatórias. Sabia mutto be~ que !!ao e_ra mopelas armas, e proclamando sempre o respeito pe a pe tivo para desesperar e que as conq~tstas_ ctent!hcas se tinham feito sempre, e certan;tente contm_uan_am a fazer-se, à custa de obstinado esp!nto de pertmácta: de toda _a espécie de contrariedades, amargura~, ~~cepçoes e sa_cnfícios. Mas, apesar disso, a s~a senst.bthdade, ang~sttada perante 0 impossivel e o inevitável, vtbrava e . funciOnava como 0 Indice mais seguro de que _noutras dtrecções estaria sem dúvida traçado o seu destmo. * * Um órgão de defesa da culltlra portttguesa revelador da actividade dos nossos. escritores, ensaístas, poetas, artistas e cientistas. jornal a~ert~ a toda~ as correntes literárias e a todas as tendenctas estéttcas, LER é um mensageiro da culttera nacional, respeitando e servindo todas as sttas tonalidades e expressões. LITERATURA PORTUGUESA LITERATURA ESTRANGEIRA BIBLIOGRAFIA- ARTES PLÁSTICAS MÚSICA- TEATRO- CINEMA- CRíTICA Um iornal que Informa e esclarece o b i e a t i v a m .e n te o p 6 b I i c o' 12 páginas Ilustradas..... 3$00 r8$oo 6 números Assinaturas (pag. adiantado) { 12 números 32$oo 4o$oo Estrangeiro: 12 números. Peça-nos um número espécime, enviando-nos 3$oO em selos do correio. ADMlNISTRA.ÇÃO PUBLICAÇOES EUROPA-AMÉRICA Rua da Barroca, 4 LISBOA * Instala-se no Porto, concorre ao magistéri~ secundário e entra como professor para o Lice~ Ro~ngues ~e Freitas. Inicia-se então uma das fas~s ma~s activas, mats brilhantes e de maior interesse da vtda agttada e fecunda de Jaime Cortesão. É um dos fundadores da J!.en~scença Portu uesa _sócio n.o r - figurando desde o mlcto tam· bém fomo um dos seus administradores. ": RenaJ/e:f: toma a seu cargo 0 reaparecimento da revtsta_ A d.f ã~ que entra então na sua II série; mas, p~ra ma~o~i~o~s os da sua propaganda e para tornar n;tats con .e Pariuobjectivos que se propõe, de~ide pubhcar A _V,~~ na imguesa quinzenário que funcwna como seu org lh'do prens'a e para cuja direcção Jaime Cortesão.; ~c;a/de~ Nem 0 tempo nem o espaço nos permt e p tu· senvolvida noticia da actividade da RenascenJ.a. e~es guesa, nem da influência que ela e os s_eus. l[~fectual: colaboradores e adeptos exerceram na vtda tn basta moral e politica da socieda~e portugue~a- r?r ago~:le pelembrar que a ac~ão de J:u.me Corte~ao ot, na-jorto das riodo áureo da vtda espmtual da ctdade ·âod Nâo se mais úteis e proveitosas para. a comum a e. m cu'as limita a dirigir e orientar A Vtda Porttl'fi'!'esa, ~e desltacolunas colabora frequentem~nte, s_endo tgna das Ut~i· que a série de artigos que ah pub~tcou acer~a Jes cola· versidades Populares, nem se confma como ;tm~ Aguia. borador embora de grande envergadura, e. dores da Como u'm dos mais ardentes e entusiastas ena Portu· Universidade Popular ~o. Porto, que a R~~~s~:f: activos gzusa tinha fundado, e ~gua_lm_e~te um a-se a toda a propagandistas da nova mstttutçao. D_eslo~ dos objecti· parte onde é necessário levar a eXJ?hcaça_o para fazer vos da Universidade Popular e do t?<:e~ttvNão fica, po· crescer e triunfar a obra acabada e tmctar. -226- rém aqui a sua dedicada colaboração: inscreve-se no núm'ero dos professores que, graciosa e abnegadamente, vão reger os cursos criados pela Universidade Popular. Além de palestras e conferências proferidas aqui e acolá e da regência de um curso especial de História Pátria, dá nomeadamente duas outras séries de lições, uma sobre 0 mesmo tema e a outra àcerca de A obra e a vida de Camilo Castelo Branco. São daquela época as edições do seu livro de contos Daquém e Dalém Morte e, em poesia, da cplaquette, Esta história é para os Anjos e do volume Glória Humilde, transparecendo claramente, em especial neste último, a influência do meio geográfico na formação poética do autor. Quer na escolha dos motivos, quer na preferência do local onde quase toda a sua poesia é concebida e realizada- S. João do Campo-, quer até na presença da Natureza em grande parte dos seus versos, com referências e constantes invocações ao ambiente e à própria flora da região coimbrã, se verifica a acção exercida pelo meio geográfico no espírito de Jaime Cortesão. Embora tenha afirmado desde sempre marcadas características de uma personalidade forte e indeyendente, não deixou por isso de ser igualmente sensive à influência paterna, que se exerceu sobretudo nos aspectos morais da austeridade e da honra, nos espirituais do culto das letras e das artes e até em certa semelhança de atitudes perante a vida, em que se destacam a escolha da profissão e ·o seu abandono em face de prementes e inelutáveis solicitações noutro sentido. Quando a acção meritória e inteligente da Renascença Portuguesa se ia alastrando a todo o país, no cumprimento de um programa de ensino, educação e cultura, que os dirigentes republicanos haviam lamentàvelmente descurado depois de implantada a República, a eclosão da Guerra Europeia, em Agosto de 1914, veio agravar a situação politica em Portugal. Avizinhava-se a primeira grande crise da República Portuguesa. Realmente, a brusca demissão imposta pelo presidente Arriaga ao ministério chefiado pelo sr. VItor Hugo de Azevedo Coutinho e a entrega do governo, com poderes ditatoriais, ao general Pimenta de Castro, constituindo uma verdadeira afronta ao Parlamento, eram o ponto de partida para pôr em conflito o legislativo com o executivo. Organizado em 28 de Janeiro de 1915, o governo da presidência de Pimenta de Castro foi obrigado a abandonar o poder perante o movimento revolucionário de 14 de Maio do mesmo ano. Com Alexandre Braga e outros, Jaime Cortesão fizera parte da junta revolucionária do Porto. Mas, antes, assumira já, de r de Julho de 1914 a 4 de Março de 1915, a direcção do «diário democrático da tarde• O Norte, em cujo primeiro número havia escrito, entre outras afirmações contidas no artigo de fundo intitulado A nossa Politica:« ... propomo-nos defender também a República e esta dentro do ideal mais avançado que a possa nortean. Teve vida efémera O Norte; mas, apesar disso, contribuiu deveras, no último mês da sua existência, para criar no Porto o ambiente de protesto e resistência ao governo de Pimenta de Castro. E é o Porto que logo em seguida, durante o acto eleitoral de 13 de Junho, elege Jaime Cortesão deputado. * * * Arduas batalhas o aguardavam, porém, na capital quando aqui se instala para tomar assento na Câmara dos ~~p.utados e para prosseguir na campanha patriótica que mtctara no Porto e de que O Norte fôra porta-voz, Convencido de que a situação de Portugal, o seu futuro como n~ção de vastos domínios ultramarinos, a sua posição de ahada da Inglaterra e o imperativo moral a que a Nação deveria obedecer num momento em que a luta se travava ~ntre .a força e o direito aconselhavam os portugueses a tntervtr directa e activamente ao lado das potências que - a despeito de quaisquer restrições, recentes ou longinqbuas, que houvessem de ser-lhes feitas- se batiam tamé_m por inegáveis razões de superior ordem moral, Jatme Cortesão entra então ardorosamente na propaganda entusiástica da participação de Portugal na guerra ao l~~o das chamadas nações aliadas. Passa-se isto numa ocastao em que alguns dos mais belos esplritos de Por::gal, constituindo um escol admirável de homens cujas ades oscilam entre os 20 e os 50 anos, tornam a peito eselarecer os seus concidadãos àcerca dos motivos morais e patrióticos da intervenção de Portugal na guerra e dar-lhes exemplo convincente. Os idealistas dessa enorme fange, composta na sua quase totalidade por adeptos do i. regime repuhlicano, oferecem-se para bater-se nos campos de batalha, quer na França quer em Africa, em cujos campos é vertido o sangue generoso e ardente de muitos deles. A elevadís~tima percentagem daqueles de entre eles que não mais voltaram à Pátria explica até certo ponto o desamparo em que, em determinados momentos, a República se encontrou depois. Mas não foi apenas em África e em França que sucumbiram muitos dos voluntários republicanos que preferiram bater-se a ficar comodamente na Pátria ou a anichar-se em trabalhos subalternos: no ar e no mar muitos outros foram mortos. Inútil citar nomes que andam na memória e no coração de todos os verdadeiros patriotas. Não obstante poder aproveitar-se, caso fOsse mobilizado, das imunidades parlamentares que lhe davam a faculdade de opção -servir no Parlamento ou servir no Exército-Jaime Cortesão, coerente com a sua pregação patriótica, antecipa-se e oferece-se também como voluntãrio. Depois de um curto estágio nos hospitais e de aperfeiçoamento na especialização oto-rino-laringológica junto do falecido professor Carlos de Melo, segue para França como oficial-médico-miliciano. Chegado ao campo de batalha, desgostoso por ter sido colocado numa base, afastada da frente, requer para ser transferido para as primeiras linhas- e vê prontamente satisfeito o seu pedido, que, como é natural, não deixa de causar estranheza num ou noutro dos seus camaradas, pois os lugares das bases eram muito apetecidos e disputados. Gravemente ferido em campanha durante a ofensiva alemã de Março de 1918, é vitima dos gases, que o cegam por algum tempo. O seu comportamento perante o inimigo proporciona-lhe ser condecorado com a Cruz d& Guerra e receber o louvor que passamos a transcrever: «1918- Agosto, Louvado pela muita coragem e al/ruismo que manifestou, tendo durante 8 dias em circunstáncias difíceis e apesar do seu ma·n ifesto mau estado de saúde assegurado sõzinho os serviços clinicos do Batalhão de Infantaria n.o 2.)1 a que pertencia, e porque tendo na tarde de 21 de Março último sido atingido directamente o seu posto de socorros pelo bombardeamento inimigo, com o maior sangue frio tratou num local próximo vários feri· dos de graviáade, só baixando a uma ambulância, por intoxicação de gases de gravidade, só terminado o seu serviço.» (v. ((Boletim do Corpo Expedicionário Português, em França:.). Além dos sofrimentos de toda a ordem e da saúde grandemente abalada, da condecoração que lhe foi confe· rida e do louvor com que foi galardoado, Jaime Cortesão trouxe também, do formidando conflito humano em que esteve envolvido, um livro precioso-Memórias da Grande Guerra-, que, spbre ser uma obra de alto valor literário, constitui um documento impressionante àcerca daquela conturbada época e um dos testemunhos de maior interesse e da mais profunda seriedade sobre as razões e as condições da participação de Portugal na guerra de I9I4· ·I918. No ponto de vista político, é um livro absolutamente indispensável ao conhecimento das lutas partidárias travadas em Portugal e da crise do próprio Partido Republicano Português, à apreciação de alguns chefes políticos e de algumas figuras militares de então e ao estudo objectivo de certos aspectos de tão agitado perfodo da vida portuguesa. Ao publicá-lo, já depois de extintos os últimos rumores da chamada Monarquia do Norte, Jaime Cortesão fê-lo no momento em que, orientadas as forças politicas nacionais no sentido de nova arrumação, ele próprio se podia considerar liberto dos compromissos partidários que anos antes havia contrafdo. Só então abandonou o Partido Democrático. Continuav.a, porém, fiel aos ideais de Democracia, pugnando sempre pela -realização das reformas politicas, sociais e económicas preconizadas pela extrema esquerda republicana. * • • Antes de ter partido para a guerra, fizera Jaime Cortesão a sua estreia de autor dramático, em r5 de Dezembro de 1916, com a peça O lttfa11te de SaJ!res, que na noite da primeira representação, no antigo Teatro República (actualmente Cinema S. Luis), obtém um triunfo retumbante e dá aso a uma grande manifestação patriótica, amplamente justificada pelo tema e pelo momento de exaltação nacional que então decorria. A frustrada tentativa revolucionária da antevéspera, 13 de Dezembro, que ficou conhecida pela revolta do Nabão em virtude do seu mais categorizado dirigente, Machado Santos, ter sido preso na cidade de Tomar, onde contava assumir o comando das tropas que porventura se sublevassem, concorrera em parte para a eclosão da manifestação patriótica tendo o público mostrado dessa maneira o seu repúdio' por todas as manobras que tivessem por o~jec~i'::o desviar ou enfraquecer o esforço da nossa contribuiçao de guerra contra a Alemanha. Três anos depois, em 9 de Janeiro de 1919, estreia-se também no mesmo Teatro a peça Egas Moniz, a qual, confirmando em absoluto o talento de dramaturgo revelado por Jaime Cortesão em O bzfantede Sagres, alcança igualmente um grande êxito. Por curiosa coincidência, esta segunda peça de Jaime Cortesão, tal como sucedera com a primeira, é estreada num momento político particularmente delicado: na véspera de deflagrar o fracassado movimento republicano conhecido pela revolução de Santarém, e a ro dias de se instalar no Porto a Junta Monárquica do Norte, que durante cerca de um mês, depois de ter instaurado o regime cognominado da traulilâtzia, leva a morte e o terror a toda a parte onde chega o seu poder e põe, de facto, em grave risco as próprias instituições republicanas de Portugal. Daqui se infere fàcilmente que, mercê de circunstâncias que nesta ocasião não podemos pormenorizar, o ambiente político do pais se encontrava deveras perturbado. Por isso e por se saber que o autor de Egas Moniz partira voluntàriamente para a guerra, onde tinha ficado ferido de gravidade, e por se conhecer a sua odisseia desde o seu regresso à Pátria, a quase totalidade do público do Teatro República aproveita o ensejo da representação de Egas Moniz para tributar a Jaime Cortesão delirantes aclamações e calorosos aplauI!IOS de simpatia pela sua nobre íigura moral, de admiração pelo seu talento e de solidariedade com o seu elevado patriotismo. Dissabores, sobressaltos e inquietações lhe tinham estado, na verdade, reservados quando voltou da guerra. Sidónio Pais, enclausurado num gâchis politico de que já não conseguiria libertar-se, por a isso se opor uma facção importante dos seus sequazes- facção q ne, constituída quase em absoluto por aventureiros polfticos e por indivíduos intelectualmente inferiores, se apostava apenas em comprometer e minar a posição do próprio ditador, com intuitos não confessados mas de fácil compreensão-, permitira, talvez relutante e contrafeito, como então se dizia, que alguns dos seus adeptos tivessem instituído um regime de violência!! e terror que não poderia aumentar nunca o seu prestigio pessoal nem solidificar a sua situação politica. Pouco depois de ter regressado a Portugal, Jaime Cortesão,_ ainda convalescente, foi vitima da arbitrariedade e da perseguição politicas, sendo mantido preso durante algum tempo e sujeito a rigorosa incomunicabilidade. Entretanto a epidemia de gripe pneumónica tinha invadido o pais inteiro, ceifando vidas aos milhares. É então que lhe levantam a incomunicabilidade e o encarregam- a ele, também já atacado pela pneumónicade, na -sua qualidade de médico, ministrar assistência clínica aos seus companheiros de cativeiro politico, a ferros na Penitenciária de Coimbra. Já liberto, encontrava-se em Lisboa quando, na manhã de 23 de Janeiro de 19191 os monárquicos, certos do seu triunfo, se instalam com a quase totalidade da guarnição militar da capital na Serra de Monsanto, donde, LORD 5 secundando o gesto de Paiva Couceiro no Porto, intimam o estranho governo presidido pelo republicano João Tamagnini Barbosa a render-se e a dar por finda a República em Portugal. Foi naquela memorável manhã que falei pela primeira vez a Jaime Cortesão. Com três amigos meus e mais dois indivíduos desconhecidos, fomos, nós seis, os primeiros civis a aparecer no Parque Eduardo VII, para onde nos arrastara a avidez de noticias e o ardente desejo de contribuirmos, com a modéstia da nossa participação para a defesa das instituições republicanas, tão grave~ mente ameaçadas naquele perigosfssimo transe. O Parque, então muito mais vasto, era muito diferente do que é actualmente. Não lhe haviam sido feitas ainda as enormes amputações a que o sujeitaram nas últimas duas décadas e meia para efeitos das construções urbanas dentro das quais o foram comprimindo e asfixiando; e, embora estivesse ainda por se desenvolver o seu povoamento florestal, o certo é que a vastidão das suas dimensões constituía, mais do que uma esperança, a segura garantia de que a população de Lisboa poderia possuir um dia intra-muros e em lugar acessível, um verdadeiro e bel~ parque- de que continua a carecer. De resto, todo 0 local em volta do actual Parque Eduardo VII pouco se assemelhava àquele que vemos agora. Uma diminuta força da marinha de guerra,, composta de cerca deviute homens, acabava de chegar numa camionnltte à Rua de Campolide. Decorridos poucos instantes, uma patrulha de cavalaria da Guarda Republicana, que anteriormente avançara a um reconhecimento, apresentou-se de novo, com a informação de que, a avaliar pelo que lhe fOra possível observar de longe, lhe parecia que na Serra de Monsanto se estava preparando um movimento de tropas com a intenção de marcharem sobre o Parque. Ficara-lhe mesmo a impressão de que a marcha se teria iniciado já. Como que coincidindo com esta informação, nós verificávamos que a artilharia de Monsanto, depois de disparar alguns tiros sobre o Parque, onde o rebentamento de umas três granadas nos obrigara a protegermo-nos e a procurarmos abrigo detrás dos morros ali existentes, em1,1decera havia um bocado, depois de uma granada ter cafdo perto do Pátio do Geraldes. Calados e resolutos, os marinheiros apressaram-se a retirar da camionnette sacos de areia que começaram a colocar na rua, ao longo da embocadura donde melhor se divisava Monsanto e se dominava a parte baixa de Campolide. Entretanto o comandante Vilarinho, depois de ter ouvido a patrulha da Guarda Republicana, trocou impressões com o único oficial de marinha seu subalterno, ali presente, e transmitiu em seguida qualquer missão ao encarregado da camiotznette, porque esta partiu imediatamente. Talvez cheio de terríveis apreensões, o comandante apresentava, porém, um aspecto de grande sP.renidade. Realmente, era preciso ser e mostrar-se confiante, apesar da situação desesperada em que a República se encon.trava. Indizível angústia se apossara de nós, ao ouvirmos da boca dos dois soldados da Guarda Republicana o relato do seu reconhecimento, Víamos já a República derrotada e banida. Quando Unhamos passado junto do quartel de artilharia r, a sentinela do portão informara-nos da saída, durante a noite, de todo o regimento, em cujo quartel tinha fiÇ,ado apenas a pequena força indispensável à sua guarda. Aquela hora já sabíamos também que AMAZONAS BARBEITOS & LEÃO GRANDES S~~LDAM SAP ~~TARIAS PARTE DAS SUAS COLOSSAIS E XISTÊNCIAS RUA DOS FANOUEIROS, 266-LISBOA -2~8- tecas. nu. ma sociedade com aspirações a elevar-se e a contnbu1r para o melhor exercício do espírito humano As _Regras de Catalogação, notável trabalho da autoria d~ Raul Proença; o acolhimento encomiástico que foi tributa~o à te.se apresentada por ambos ao Congresso de Bibhotecános, re~mido e~ Paris em 1923; as facilidades que todo~ o~ estud10s~s e mvestigadores encontravam então na Biblioteca NaciOnal de Lisboa, e o centro de atracção ~m que e!a se tornara de alguns dos mais altos valores Intel~ctuais po_r!ugueses, independentemente das suas convicções poh!1cas e dos seus credos religiosos, são 0 t~stemunho ~ais eloquente de quanto aquela Biblioteca tmha progredido. e do utilfssimo papel que e 8 tava desempenhando na sociedade portuguesa. Mas a paixão poUtica e a má:vontade pessoalforam suficientemente fortes para d~str?-Ir tudo: E .certo que, passados anos, 0 professor F1delmo de Figueiredo reconheceu que a paixão 0 arrasta~a quando na Biblioteca Nacional de Lisboa sucedeu a Ja1me Cortesã<;>, a quem depois tem manifestado publicamente no .Brasil o elevado apreço em que lhe tem a honra e o valor mte~ectual. ~mbora isto possa, no ponto de vista pessoal, ter ImpressiOnado Jaime Cortesão a verdade porém, é. que o mal praticado ficou sem r~médio, con: grave preJ.ufzo da cultura nacional, e muitas pessoas, por ~esconhec!~ento dos factos posteriores, terão sido mantidas na duv1da àcer.ca de afir':lações que então se fizeram. As consequências da pnmeira Guerra Europeia tinham .entretanto começado a fazer-se sentir em todos os domf~Ios ~a activi<iade humana de maneira mais profunda .e ~nqu1etante do que geralmente se previra. Dir-se-ia ass1s.t1rmos a u!D malogro total de prognósticos, planos e ]AIME CoRTEsÃo E JosÉ RÉGIO EM PoRTALEGRE ~revisões. A VIda no mundo tinha mudado muito e conEM D EZEM BRO DE 1952 ' ti.nuava a mudar. Onde as mudanças não haviam chegado amda nos seus .aspectos exteriores ou através de transformações polftJca~, económi~as e sociais, tinha chegado, porém, o seu_ anseio, que se Instalara no inquieto e alvoro_çado coraçao dos homens. Estava ainda no esboço uma o_ ~esm? _acontece.ra em quase todos os quarteis da guarcnse que em breve as~umil}a proporções patéticas e camçao mth_tar de Lisboa. Para opor à vaga de ferro e fogo tas_tróhcas .. É desses dias, tao caracterizados como os de que ?um mstante para o ou!ro poderia cobrir a capital e hoJe pela Incerteza da alma humana em busca de novos dommá-la completamente, Ignorávamos o que se estaria rumos que lhe propiciem um pouco mais de felicidade passando no. r:sto da. cidade; mas, para obstar à tomada so.bre a terra, a peça de Jaime Cortesão A dão e Eva que daq~~la pos1çao de Importância vital e possivelmente fo1 rep~esentada pela primeira vez no Teatro do Gi~ásio, decJsJva para a facção que a retivesse, havia ali no alto em Ma10 de 192r. Sob as formas transitórias da época d~ ~otund.a,_ talvez nem vinte marinheiros e udta meia decorrente, o aut<;>r traz para a literatura dramática portuduz1a ~e c1v1s ansiosos e inermes. Com a sua aparência âuesa o seu depoimento acerca de problemas de significatranquila, o comandante Vilarinho sossegava todavia a o etern_? e condensa nele algumas das dúvidas e das innossa alma, cuja inquietação estava sem dúvida reflecu'da tc:_rrogaçoes atormentadoras do seu espírito e do seu coranos olhos. alarmados com que o olhávamos a distância e çao d~rante o largo período em que se tinha entregado, em ~e~pe1to. E certo é que uma mortiça esperança que e dadJVos~rnente continuava a entregar-se, a tudo o que pers1st~ra sempre em não se extinguir obstinava-se em lhe parecia poder conc<;>rrer para o bem da humanidade. sobreviVer n_os nossos coraçõee. Algun~ m_eses depois aparecia, em 15 de Outubro de Co~v:nc_Idos de que talvez noutros locais pudéssemos 1921, o pnmeiro número da Seara Nova. Foi então que ~er ma1s ute1s à causa da República e de que urgia colaestabelecemos rel~ções pessoais, datando dai uma sólida or~ssemos quanto antes na sua defesa, retrocedemos e nunca ~e~m~nhda amizade entre ambos. Nem mais cammho. Do alto da Rua de Artilharia r avistámos um tarde as VICI~situdes da vida e os seus infortúnios, a senumeroso gr.up~ de pessoas que, ao longo do muro do paração :a distância f~ram capazes de a levar a um afroud~a~tel, .s.e d1~1g1a na nossa direcção. Ainda a distância, xa~ento, pelo contráno, a adversidade tem-na radicado 1 ~tlngui Imediatamente a figura de Jaime Cortesão já de e Cimentado cada vez mais. rr;:m conhecida havia muito. Corri ao encontro d~s que . J?e tão afirmada e reafirmada a necessidade que então ~ c:_gavam e comuniquei o que se passava a Jaime Cor~:C: 1 ~ha de uma .Publicação como a Seara Nova, nem vale ue~ao, que, . f~rdado de capitão-médico, tinha a seu lado Ja a pena repeti-la. De resto, a pertinácia da sua sobrevivind~utro .oficial! em quem, no momento, mal reparei, só vência, apesar das terríveis dificuldades que têm marcado mais tarde a saber que era o alferes-miliciano ~ sua c?nturbadfssima existência, é o melhor e 0 mais R au. 1 pmu1to roença. 1mpr~ss10nan~e testemunho da sua razão de ser. de ~tpós dois dias de int_ensa luta, as forças monárquicas E quase Impossível neste momento dar uma notícia falad obsanto_ a~abaram fmalmente por capitular. Ao tão exacta, emb<;>ra pouco desenvolvida, da actividade multio amburrto da Rotunda, em Outubro de 1910 J·unt ava-se moda de Jaime Cortesão durante o período agitado e agora 0 ' alma d 0 nao ~enos surpr~endente milagre que a operoso que vai .de Janeiro de 1919 a Fevereiro de 1927 escalad J:ov~ republicano de L1sboa tinha operado na em espe:1al depois da fundação da Seara Nova. ' de 1 a eróica da Serra de Monsanto, naquele Janeiro _ Politicamente, a actividade de Jaime Cortesão, a par919, tir de O~tubro de 1921, anda sempre dependente da acção e d~s atitudes do .Gru.po Seara Nova, a cujos princípios * * <: one~tação doutnnána se tem mantido inalteràvelmente f1el. Nao vamos agora alongar· nos num assunto que já foi meaJ: -5 de Abril ~o .mesmo ano é Jaime Cortesão notratado no n.o _r.ooo ~~ Seara Nova, de 26 de Outubro de Intima c~~:ector ~a Bibhote;a Nacional de Lisboa. Ar, em 1946 (v. A acçao po!JtJca da «Seara Nova-. artigo de David de chefe d 0boraça~ com Rau.I Proença, que exercia o cargo rerreua), rn~s não podemos deixar de no~ referir a certos realiza e f ~ ~ervlços. Té<:,mcos daquele estabelecimento, a<;tos que aJ':dam a co.nhecer melhor a personalidade de lb~rit aci Ita a r_eahzaçao de uma obra de elevruHssimo Jaime Cortesao. Unammemente escolhido pelo Grupo rea)iz~d no~ do mimos da cultura. Principal inspirador e e sempre com o voto caloroso de Raúl Proença, para sed ça u or os asp~ctos técnicos de tal obra é Raúl Proendelegado em to.dos os trabalhos de carácter politico onde lpli~are~ ~orno antigo funcionário da Biblioteca Nacional fOsse necessáno levar a representação da Seara Nova eno uranle anos a sua penetrante inteligência e ; de todas as incumbências se desempenhou sempre a con~ e rme ~u tura ao estudo profundo, pormenorizado te~to geral dos seus camaradas do Grupo tendo para tal exaustivo, da função e do funcionamento das biblio~ êxito contribuído invariàvelmente a sua inteligência, a um 1 -229- tempo esclarecedora e compreensiva, os pri~ores da sua educação e 0 seu tacto diplomático de negociador e co;t· graçador _faculdades e qualidades inv~lgares que tao bem se harmonizam com o seu carácter mflexível e com eu sentimento de permanente fidelidade à palavra dada 0 15 e aos compromissos assumidos. __ .. Depois da malsinada tentativa da Uma o Cwtca e _da inútil colaboração da Seara Nova numa ou_tra te~tattva que pelo seu hibridismo e pelas obscuras u~tençoes de alg~ns dos outros intervenientes, nunca dev_ena ter m_erecido a sua adesão (referimo-nos à. tent~ttva que flcou conhecida pelos Home~ts livres-destgnaçao_que os acodtecimentos ulteriores vieram provar ter stdo, a~ém e caricata inteiramente paradoxal no que respeitava a alguns dos seus componentes), o Grupo Sear~ Nova, em face da situação política nacional, ?~c1de-se fm~lmente a tomar parte mais saliente na actlvtdade politlca portuguesa. · de Em Dezembro de 1923, A lvaro de C astro, d epo1s ter convidado particularmente Jaime ~o:te~ã? e de ter insistido para que este participasse no mimsteno que fOra encarregado de constitúir, dirige, ante a recusa com que depara convite formal e oficial à Seara Nova para que esta ddsigne as individualidades que a de;re~ representar no governo a organizar, para as quais hcam desde logo reservadas três pastas. . Reunido 0 Grupo Seara Nova e ?~po1~ de largo debate sobre a participação ou não-parhctpaçao _ no g~ verno de Alvaro de Castro, o Grupo resolve ~or_ ftm aceitar 0 convite que lhe é dirigido e, por unanu:uda~e, _escolhe Jaime Cort~s~o p~ra rr:inistro da Instruçao Publ_Ica. A perspectiva mimstenal na~ agradav_a, porém, a Jaime Cortesão, a quem já noutras c1rcustâncias Alvar? de Castro convidara uma vez e voltará, passados d01s !lleses, a convidar de novo para ministro, e a que_m ~ntónw José de Almeida, quando presidente da Repub_l!ca_, mandara chamar mais de uma vez com o mesmo obJectlvo, e com especial empenho em determinado t;nomento em _que de15ejava vê-lo na pasta dos Negóctos Estrangetros. De resto, basta ler os periódicos da época decorre~te entre 192o e 1926 e especialmente os de carácter polfhco, para verificar q u'antas vezes o nome de J aiO? e C?rtesão aparece citado entre os dos cidadãos ministenáve1s. Ocorna t_u.do isto numa ocasião em que a actividade meramente po~thca lhe não interessava; em grande parte, ~s~a sua atltude filiava-se nas razões expostas nas Memorzas da Grande Guerra, no sincero desejo de não le_var por enquant<;> _a Seara Nova para a intervenção politica dtrecta e n~ dificuldade em pOr de acordo ~s. absorvent_es e agitadas preocupações inerentes à actlvtdade poUtica _c<;>m a n~ cessidade de calma meditação e sossego espmtual exigidos pelos seus trabalhos literário~, sobretudo pelos de carácter histórico, em cujos domínios aca~ar~ d~ e?trar resolutamente. Nesta disposição, não l~e f01_dtfícJl hbertar-se do encargo que lhe fOra cornet1do. Ja no automóvel, a caminho da casa de Alvaro de Castro! d?nde ~e veria dirigir-se depois ao Presidente da Rel(ubhca, a ftm de assumir o compromisso de honra, aprove1ta o pretexto salvador que uma das pessoas que o acompanhavam su aeriu e passados momentos, regressa de novo à Bibliote;a Naci~nal- aliviado por não se: m~nistro .. O sr. António Sérgio, que havta stdo dest&nado pe!o Grupo para sobraçar uma outra pasta, transttou entao para a da Instrução Pública. . . Qua,ndo depoi~, em. Dezembro de 192;4, é constllutdo 0 governo da pres1dênc1a do sr. José Dom_mgues dos Sa_ntos a Seara Nova resolve dar-lhe lambem o seu apow, co~siderando, até certo ponto, l?omo seu representante no referido ministério o sr. Ezequiel de Campos, que ent~ava nele ~para poder tentar a execução de algumas medidas fundamentais do programa da Seara Nova)) (v. Seara Nova, n.o 39, de Novembro-Dezem_bro de 1924) e a quem havia sido confiada a pasta da Agncultura. Em todos os actos oficiais, quer se trate dos da posse dos ministros que representam a Seara Nova o~ a que~ esta dá 0 seu apoio ou se trate de levar ~ adesao, a _opinião e os pontos de vi~~a do Gr~po a quaisquer manifestações públicas, a reumoes partlculares ou a _outros actos solenes pelo seu significa?o e transcendência, é sempre Jaime Cortesão o escolhido para, em nome da Sear_a Nova falar e fazer as afirmações definidoras das suas atltude; decisões e compromissos. . . Em Novembro de 1925, num momento poU~tc_o_parh cularmente melindroso em virtude das inc~mpatibthdades partidárias e das graves ameaças que palravam so_br~ a República, 0 Grupo Seara Nova, pe:_ant~ ?s. apelos mststentes e quase dramáticos que lhe sao dtngtdos de ~oda a parte em especial de determinados sectores r~publ!canos da c~pital, anui .a que individualidades ~umd~s da sua representação se apresentei? ao su_frágw_ el~Itoral. ~ Seara Nova não era um parhdo politico, na? tmh_a orga nizado nunca o cadastro dos seus amigo_s e stmpatJzante~, não possuía nem tivera nunca a veletdade de possutr força eleitoral no sentido político que lhe é d~do pelos partidos organizados, sempre atento~ à flutuaçao numérica dos filiádos inscritos nos seus regtstos ~ às oper_a~õ~s de recenseamento nas respectivas repartlções of~ctais. Sabia, pois, muito bem que a participação de ~all:d!dat?s seus nas eleições teria apenas um valor de siyuf~caçao simbólica: despertar do marasmo p_ol!ti~o a massa merte dos indiferentes e dar pública solldanedad_e aos representantes dos partidos e agrupamentos_polítJcos que participassem das mesmas listas e se obrigassem,_ caso fossem eleitos, a pregar e defender, duran.te a legis~atura, o programa de realizBções em que previamente tiv~~~em acordado. E esperava contribuir assim p~ra a clanhcação do ambiente político e para ? renasc1me_nto da confiança nas possibilidades do regime repubhcano e na capacidade, aliás já bastas vezes comprovada, de alguns dos estadistas da Repú~lica. . _ . Embora contrariado teve Ja1me Cortesao de ace1tar a indicação do seu nom~ para figu_rar na li&ta que a oposição tencionava apresentar a_o el~1torado de L~sbo~. ~!! as negociações para a orgamzaçao de u~a cohgaça? esquerdas- que deveria englobar _o Pa~tldo Repubhcan~ da Esquerda Democrática (da presidência do sr. Jo~é ?o mingues dos Santos), o Partido Republicano Radica' 0 Partido Socialista Português, o Grupo Seara Nova, ele- IMPRENSA LIBANIO DA SILvA I Trav. do Fala-Só, 24 L I S B * O TRABA1.HOS GRÁFICOS EM TODOS OS GÉNEROS -230. - A mentos das classes operarias e, possivelmente, a Acção Republicana (agrupamento chefiado por Alvaro de Castro)- fracassaram perante dificuldades que na ocasião não puderam ser superadas. Duas semanas depois do acto eleitoral para as Câmaras legiSl'ativas, realizaram-se, em 22 de Novembro de 1925, as eleições de parte dos corpos administrativos (Câmaras Municipais e procuradores às Juntas Gerais dos Distritos). O nome de Jaime Cortesão foi então incluído na lista apresentada pela conjunção radical-esquerdista, constituída pelos Partidos Radical e da Esquerda Democrática e por elementos de vários sectores das classes trabalhadoras. Sem ter tomado parte na organização da referida conjunção, a Seara Nova via-a, porém,_com t<?da a simpatia; _mas a ver~ade é que nada havia s1do deliberado no sentido de ca ndidatos seus participarem nas listas que ela apresentasse. Foi até com certa surpresa que Jaime Cortesão soube que o seu nome ia ser proposto ao eleitorado, embora, quando de maneira sumária o assunto havia sido ventilado, o Grupo se tivesse fixado, em principio, no nome dele e no de José Rodrigues Miguéis. E Jaime Cortesão foi realmente eleito para a Câmara Municipal de Lisboa. * * * Nos domínios da activida:le intelectual e da criação literária, e também científica, desde a fundação da Seara Nova, Jaime Cortesão, além dos trabalhos a que já fizemos referencia, publicou, em 1923, o livro de ~poemas em redondilhas» Divina Voluptuosidade, cujo estro, buscando embora temas tão diferentes dos da sua produção poética anterior, o confirmou no lugar que já lhe havia sido consignado na vasta galeria dos poetas portugueses. A sua frequente colaboração nas próprias colunas desta Revista, onde se arquivam alguns notáveis artigos seus em que trata dos mais variados assuntos, tanto de política interna como de questões internacionais ou referentes às possessões ultramarinas portuguesas, ficou assinalada especialmente pela série das suas Cartas à Mocidade. Os leitores da Seara Nova dessa época e cujas idades variam actualmente entre os 45 e os 55 anos têm decerto bem presente a impressão benéfica, salutar, que aquelas cartas lhes deixavam quando acabavam de as ler. Isto explica o grande exito obtido mais tarde pela sua publicação em volume: as sucessivas edições feitas pela Seara Nova tem-se esgotado _s empre ràpidamente. E de todos os tempos, como já acentuámos, o interesse e a curiosidade de Jaime Cortesão por todas as manifestações do espírito humano. A sua avidez de conhecer e compreender- sem que compreender seja sinónimo de concordar- para enriquecer depois a formulação dos seus juízos e poder integrá-los da maneira mais consciente em todos os actos da sua vida, desde os do pensamento aos do procedimento, tem sido sempre uma das características da sua forte personalidade. Evitamos propositadamente, neste momento, o emprego da palavra cultura. Dele não se poderá dizer nunca: ~on voit les plus grands hommes, savants, artistes, hommes politiques, absolument ignorants et balbutiants, donc barbares, en dehors de leur spécia/ité. Et /e plus extraordinaire est que l'o~z recherche letu atüorité en dehors justement de leur spécialité.r. (v. Civilisation Nouvelle, n. 0 I, pág. 3, Abril-Junho de 1938, Paris). Pôde, por isso, Jaime Cortesão tratar sempre com probidade e competencia todas as questões em que decidiu intervir. São já daquela época algumas das suas mais brilhantes e sólidas palestras e conferencias. Destacamos duas delas, que foram como que os longínquos prefácios de d_uas obras posteriores. Quem tiver assistido à conferencta que, promovida pela União Intelectual Portuguesa, ele fez no salão nobre do Teatro de S. Carlos àcerca de Santo António de Lisboa e tiver lido mais tarde o seu trabalho Eça de Queiroz e a questão social, publicado em 1949, ~erta~ent~ terá verificado que o papel desempenhado pelo ranciscan1smo na Europa, mas particularmente em Por~ugal, 1:_1unca mais deixou de interessar o espírito do conl~encista de então. Pelas conversas que temos tido com da• me Cortesão durante a sua actual visita à Pátria, poemos mesmo acrescentar que o franciscanismo constitui bYora J.?ara ele um dos elementos mais valiosos dum prolema Importantíssimo para o esclarecimento e compreen0 de alguns passos ainda muito obscuros da história de q~rtu_gal- problema que Jaime Cortesão, com os dados ea e Jâ possui e com outros que continua recolhendo, Pera resolver quando escrever uma obra, que será p talvez a obra capital da sua vastis sima bibliografia, acerca de O culto do Espírito Santo em Portugal. A outra conferência, que efectuou na Universidade Livre, de Lisboa, em Janeiro de 1925, subordinada ao titulo As relações entre a geografia e a história de Portugal, foi um acontecimento notável no nosso meio intelectual. Jaime Cortesão pôs em evid ê ncia as características de diferenciação entre portugueses e espanhóis, tendo sugerido ao numeroso e atento auditório que a independência de Portu gal lhe é assegurada não somente por motivos de condicionalismo geográfico, mas também, e sobretudo, por outros factores de grande irn portância, embora até então mal estudados e definidos, e por uma espécie de mandato hi s tórico que empurra a Nação para uma missão atlântic<~. Foi ele então - e parece ter sido o primeiro a fazê -lo de m a neira tão ampla e concludentequem pôs em destaque a parte muito importante que os portos, os rios e os seu s estuários, com as flutuações provenientes dos assoreamentos, e, duma maneira geral, toda a costa marítima de Portugal desempenharam na formação e no crescimento da nacionalidade. Já outros autores se haviam referido ao facto, mas nenhum o tinha feito ainda com aquele desenvolvimento. Pode-se dizer que este trabalho foi também o prólogo doutro estudo magnifico e convincente- Os factores democráticos tza forma ção de Porltt· gal -, publicado no I. 0 volume da História do Regimen Rept~blicano em Porlttgal, onde Jaime Cortesão, além de , alargar os pontos de vista expendidos na sua conferênci~ de 1925, prova, mediante cerrada argumentação científica e apoiando-se constantemente em documentação de reconhecida autoridade, que a formação de Portugal · e o seu desenvolvimento até aos momentos culminantes da sua história são de inegável raiz democrática. Poderíamos talvez afirmar que a arte de conferencista é nele urna faculdade nata, como exuberantemente o atestam todas as suas conferências do passado e mais brilhantemente ainda, se é possível, aquelas que, em Lisboa e no Porto, fez agora, durante a sua curta permanência na Pátria. Nas da capital, tanto no Instituto Frances corno na Sociedade de Geografia, Jaime Cortesão não só deliciou e maravilhou o numerosíssimo e escolhido auditório, perante o qual falou da maneira mais clara e persuasiva, empregando sempre a linguagem rigorosamente justa e apropriada, como também lhe ministrou duas verdadeiras lições àcerca do Brasil e das condições em que se fez a sua formação e se tem operado o seu desenvolvimento desde os recuados tempos em que os Portuguese.s aportaram a terras de Santa Cruz. A respeito da primeira conferência que efectuou no Porto, no Club Fenianos, um dos ouvintes, o Dr. Veiga Pires, escreveu-nos o que segue: « ... foi um exito inigualável. De opinião unânime, foi a melhor realizada na vida dos menores de 40 anos no Porto, porque nunca ouviram nada semelhante todos aqueles que já não viveram o passado de 26. Todos esses ou viram pela primeira vez um orador português. Arte verbal e miolo. Eles próprios, e indivíduos cultivados, o afirmaram >. Esta sua arte verbal, que tanto prende e .eo!Jlpolga, aparece sempre que ele é forçado a falar, não apenas em público mas mesmo em presença de restrito número de pessoas, quando o seu espírito, atraído ou tocado por qualquer facto, sugestão ou circunstância, como que sente a necessidade: irrefreável de se elevar e expandir. Apesar de tantos anos decorridos, nunca esqueci o gratíssimo prazer de o ter ouvido, numa frígida manhã de Dezembro de 1928, proferir, dentro do próprio templo, uma autêntica conferencia àcerca da Notre-Dame de Paris. O auditório era constituído por Aquilino Ribeiro e por mim. No final, o Aquilino, que conhecia Paris muito bem, pois já lá tinha vivido durante bastante tempo, endereçou a Jaime Cortesão palavras ;de agradecimento e louvor, com as quais sublinhou o encanto que ele e eu hav!amos sentido. E ainda há dias, ao recordar o caso a Aquilino Ribeiro, este comentou: «Com o Jaime é sempre assim. Além do dom da palavra, tem aquela cultura enciclopédica que lhe permite falar de tudo à vontade». Eu fazia então a minha primeira visita a Paris, onde tive também a sorte de ter Raúl Proença como guia dos aspectos exteriores da capital fancesa. Dias depois Alexandre Vieira e eu visitámos o Museu do Lotwre, na companhia de Jaime Cortesão, que igualmente nos deliciou com várias pequenas palestras sugeridas pelas obras de arte que contemplávamos, relacionando-as com os seus autores, êpocas e escolas. Mas os comentários de Jaime Cortesão quando da visita. à Notre-Dame foram os que mais nos impressionaram. E natural que o ambiente -231- ·sossegado e austero da catedral, ao contrário do do Louvre, onde o movimento, as vozes e o sussurro dos visitantes não eram tão propícios à concentração espiritual, tivessem favorecido tambem quer o conferencista quer o auditório. As apreci •ções da técnica artlstica, do momento histórico, da evolução económica, das condições do trab.\lho humano, das lutas sociais, de tudo, enfim, o que ca racte-rizou a longa e rude caminhada da Idade-Média foi magi~tralmente descrito e evidenciado por Jaime Cortesão, já então na posse do espírito de síntese tão indispensável, de futuro, aos seus estudos históricos mais importantes. A sua palestra na Notre- Dame não poderia surpreender quem, como nós, tivesse lido o seu livro ltá1ia A z t{/, aparecido em 1922, no qual os dons de estilista de Jaime Cortesão, as suas f.tculdades de observação profunda, a cultura clássica, herdada, em parte, do contacto com o estudo da filologia e o sentido humano e humanista da sua sensibilidade se expõem exuberantemente e o afirmam como pensador e prosador de largo fôlego. Passados anos, tivemos novamente a ventura de tê-lo como nosso guia nas visitas aos Museus do Prado e de Arte Moderna, de Madrid, onde o ouvimos com o mesmo deleite e!>piritual de sempre. A sua de•crição e a sua interpretação dos monstros de Goya constituíram também uma verdadeira cqnferencia. Pena que ].time Cortesão não a tenha escrito nunca. Tem estas considerações e recordações de ordem pessoal o propósito de salientar uma faceta do talento multiforme de Jaime Cortesão, que já acentuámos nas primeiras linhas deste apressado trabalho: a sua paixão por todas as formas da arte, o seu culto por ela e os seus profundos conhecimentos em tais domínios. Seria mesmo de grande interesse, se as exigencias impostas pelo espaço e pelo tempo de que dispomos nos permitissem faze-lo, recordar a sua intervenção em trabalhos de crítica e interpretação artlstica, como, por exemplo, aquele em que tratou também, embora talvez sem ter chegado a conclusões de todo convincentes, o debatido problema chamado dos Paineis de S. Vicente. A sua actividade em trabalhos de investigação histórica começou sem dúvida muito cedo. É natural que nos cursos de História Pátria, que professou na Universidade Popular do Porto, ela se tivesse exercido já. Para interpretar as figuras do ftzjante de Sagres e de Egas Moniz e se documentar àcerca das suas respectivas épocas, teve certamente de se dedicar a afincados estudos históricos. E talvez não fosse falho de interesse surpreender na sua própria produção poética um ou outro surto a domínios a que voltará mais tarde, especialmente alguns surtos que preludiarão o escritor empenhado no estudo da geografia e dos descobrimentos geográficos e marítimos. O seu primeiro trabalho de fôlego, segura promessa dos que virão depois, é o volume A expedição de Pedro Alvares Cabral e o descobrimento do Brasil, aparecido em 19221 e de que uma parte importante foi publicada na História da Colonização rio Brasil, dirigida por Carlos Malheiro Dias. Em seguida faz sair na Lusitânia, em Janeiro de 19241 o seu estudo Do sigilo nacional sobre os Descobrimetz/os, que vem levantar certos aspectos dum problema de incalculável interesse para o traçado da linha geral dos descobrimentos dos Portugueses, se porventura não é aquele seu estudo que coloca pela primeira vez alguns daqueles aspectos à apreciação de historiadores e investigadores. Este trabalho de Jaime Cortesão suscitou uma larga controvérsia nos meios internacionais especializados no estudo e na história dos Descobrimentos. Publica depois, em 1925, no n. 0 5 do Boletim da Agência Geral das Coló11ias, um novo estudo histórico intitulado A tomada e ocupação de Ce"ta, até que, para ser lida ao XXII Congresso Internacional dos Americanistas, reunido em Roma (aonde vai, em Setembro de 1926, como um dos representantes de Portugal e da Academia das Ciências de Lisboa), escreve e publica a sua comunicação Le traité de Tordesil/as et la decouverte de l'Amérique- trabalho em que expõe e defende, com novos elementos e nova e mais ousada argumentação, pontos de vista até aí inéditos ou, quando já apresentados, defendidos sempre com pouca segurança e falta de convicção, mas que ele traz agora ao conhecimento e à discussão das pessoas competentes, assentando as suas afirmações ou sugestões em mais sólidos e mais amplos fundamentos. Mas podemos talvez aventar que esta primeira fase da actividade histórica de Jaime Cortesão culmina no aparecimento, em 1930, da sua obra L' Expansion des Portugais dans I' Histoire de la Civilisatiots1 publicada para JAIME CoRTEs à o EXP O NDO A D .wm F ERR EIRA, NU~I PARQUE DE Sr~TR .\ 1 e-1 A Gos T o DE 1952, O PLAX O ll .\ O llR.\. ACERCA DE «Ü CULT O llO E s rinrr o S .\ :-<TO E \1 P oRTU G.\L» figurar na Exposição Internacional de Anvers, que se efectuou naquele ano. O autor, apesar de se encontrar emigrado, por motivos políticos, havia já cerca de três anos, e de não ter sido entretanto poupado a ataques torpes e caluniosos, conseguiu achar, no amargurado pão do exílio, o alimento indispensável para glorificar Portugal, dando a conhecer- podemos dizer a todo o mundo culto, atendendo à difusão que a obra teve- a síntese admirável dos feitos dos Portug ueses no estabelecimento de novas rotas marítimas, nos descobrimentos geográficos e na participação notável e inconfundível que tiveram no advento de uma nova e brilhante fase da civilização humana. Parece-nos que nunca tinha sido publicado um trabalho de síntese em que se reivindicasse para Portugal, com tão larga soma de factos e razões, o mérito e a glória da sua vasta contribuição para o progresso da humanidade, não apenas pelos feitos directos dos Portugueses e de estrangeiros a seu soldo e a seu mandado como também pela enorme influência exercida por Portugal sobre as outras nações cultas daquela época, como foi, por exemplo, a que exerceu nos domínio s da ciência náutica em Espanha, França, Inglaterra e Holanda - ponto de partida para o alargamento do saber humano e para a criação de novas condições de vida em muitas regiões de todo o mundo. * * * Adversário irredutível, desde a primeira hora, tal como todo o Grupo Seara Nova, do movimento revolu· cionário de 28 de Maio de 1926, fez Jaime Cortesão parte da Junta Revolucionária que levou a efeito no Porto arevolução de 3 de Fevereiro de 1927, depois de cujo fracasso se dirigiu para Espanha, tendo vtvido cerca de um _mês em Madrid. Partiu em seguida para França, onde fixou residência, primeiramente em Paris e, mais tarde, nos arrabaldes da capital francesa e em Biarritz e Bayonne. Quando, em Abril de 193r, se implantou a República em Espanha, regressou a Madrid, onde viveu, quase pe;ma· nentemente, até à eclosão da guerra civil espanhola. f_endo-se, já em pleno conflito, instalado em Barcelona, a1 se -232- manteve até às vésperas da entrada das tropas franquis tas da capital catalã. A sua partida de terras de Espanha, novamente a caminho da França,_ foi uma verdadeira odisseia. Ele, a esposa e uma das filhas atravessam penosamente a região piranaic~,_arrastando-se a custo no meio da neve, que em certos s1ttos .lhes chega quase aos joelhos, e arrastando também consigo, num esforço sobrehumano, os poucos haveres ~ue lhes_ restam e aquilo que, acima de tudo, Jaime Cortesao deseJa salvar: os seus documentos os seus arquivos e o seu val!osíssimo ficheiro, onde tem' assinalados os resultados obtidos e as preciosas indicações de refer.ências das _laboriosas e pacientes investigações a que tmha procedido desde que se encontrava no exílio. M.ts, acossados por violento temporal de vento e neve durante a e:raustiva travessia d<:'s Pirin_éus, uma parte importantíssima daquele ve_r~adeiro tesoiro é-lhes impiedosamente arrebatada pela fana da tempestade implacável- e fica para sempre destruída. Instala-se de novo em Paris e procura febrilmente embora _debaixo. das terríveis preocupações e inquieta.;õe~ pelos dia~ tr~~1cos que pressente próximos, reconstituir o esforço mutJIJzado e, apesar das circunstâncias adversas enriq?-ecer um pat_rimónio cultural, que, roais do que a si própno, perte11ce Já à cultura portuguesa. Quando o ataque a~emão está por momentos, sente-se forçado a encammhar-se para o sul, em busca de refúgio menos cont!ngente. ~cha-se ~m Biarr.itz no momento em que a I• r~n5~ aceita e assma o arm1st!cio. Por várias razões, que é mutll recordar agora, Jaime Cortesão e os restantes e:nigrados políticos portugueses que se encontravam entao no sul da França optam, entre outros caminhos de salvação que lhes restavam ainda, pelo de regressar a Portugal. Entre eles, Eorém, havia um nonagenário que segundo a frase de Jaime Cortesão, «encarnava, naquele' momento, um século de história-.: era Bernardino Machado. · Jaime Cortesão toma a seu cargo ir junto do antigo presidente te~tar c_onvencê-lo a que, em face da gravidade extrema _da ~~t~3:çao, os acompanhe no regresso à Pátria. ~o Elogso hJStfJYICo de Bernardino Machado, a que já aludimos, as págmas que Jaime Cortesão dedica ao seu encontro com o vel_ho estadista republicano, nas quais traça, com um poder msuperável de escritor e artista o ambiente da natureza e do confrangedor espectáculo humano de uma deb~ndada apocalíptica e nos narra também o estado de aba~tmento-que pela primeira vez lhe conheceu em toda a v1da- de Bernardino Machado e as suas reacções de_ respeitável e pungente desesperança, são páginas das mats belas de toda a sua obra literária. Em Portugal esteve Jaime Cortesão apenas quatro meses, durante os quais a sorte continuou a ser-lhe contrária. ~m 2o de Outubro de 1940 partiu finalmente para o Br~stl. Sõ~ente na véspera puderam alguns dos seus mais íntimos am1gos, admiradores e colaboradores e entre eles como é óbvio, o Grupo Seara Nova, reunir-se CO!Jl el~ durante um chá de despedida, na Padaria Inglesa. E impossível relatar a ~moção, a profunda e amargurada tristeza. que ele senha ao ter de se ausentar novamente da Pátna. Mas nos sinceríssimos votos de todos os presentes e. na certeza que todos lhe afirmámos de que as suas vutu~es e o seu ~alento o imporiam ao respeito, à consid_eraçao e ao carmho dos brasileiros devem ter concorndo para lhe minorar o desgosto do apartamento e lhe fortalecer a esperança no triunfo inevitável. Assim aconteceu em absoluto. . Não d_:sejamo~ chamar a nós a grata tarefa de historiar a a~çao exerctda e desenvolvida por Jaime Cortesão no Brasil. Outros, com mais títulos e competência sobre ela escreverão certamente. ' Encarregado de duas honrosas missões de carácter cultural, pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil e p_:lo Go_verno do Estado de S. Paulo, chegou Jaime Cortesao a L1sb~a no dia 31 de Julho de 1952. Não é fácil su:.,~r o que fot o seu choq_ue emocional quando, depois do se tdes te: atracado ao cais, as pessoas de sua família e os bus am1~os entrara~ a bordo para o cumprimentar e a raçar. Só quem asststiu pode ter a ideia disso. verdEst~ homem alto e de aspecto vigoroso- aspecto adeiramente hercúleo, noutros tempos- é uma pes8 aoa que, sob a máscara por vezes fria e distante oculta e' ao m~smo tempo, mais forte e mais delicada da~ almas in~ ~ais apurada e vibrátil sensibilidade. O alvoroço e a vol~Ietação com que ele esperava ansiosamente o dia de ar a Portugal chegaram a constituir motivo de apreen- sõe_s ace_rca da sua abalada saúde para os seus amig 0 ,. mais íntimos do Brasil, e ta~bém para _nós mesmo, que, através da sua correspondéncJa, conseguimos avaliar mais de uma vez os dolorosos efeitos morais e sentimentais da saudade. Não conhe~emos ninguém que tenha dedicado mais amor do que Jaime Cortesão a Portugal e às coisas poi tugoesas. Tanto co_mo ele, sv Raúl Proença- que, como testemunho admirável, nos deixou o Guia de Portugal Mas o a~or dest.es dois grandes portugueses pela Pãtri; c_omum_ e, se asst.~ lhe podemos chamar, um amor reflectido!. feito d~ analise serena de v•rtudes e defeitos e da opJ3:o conscien!e yelo saldo pos_itivo obtir!o~ depois de SUJeitarem a Pat11a a um exame Imparcial em que a não poupam à c~nsura e condenação de quanto pode apoucá-la e rebaixá-la. Nunca o ridículo e intolerável amor daqueles que, sup?n?o inconsciente e tolamente engrandecê-la, antes a dtrniOuem e desprestigiam, na energúmena exaltação de.tudo aquilo que, em boa verdade, não passa de erros, vfc10s e defeitos. A .longa ausência de Jaime Cortesão por terras estrangeiras e os seus porfiados estudos históricos de inter.esse tão transcendente _Para Portugal e para o Brasil tiveram o poder de sublimar-lhe as qualidades e as virtudes. lnalteràvelmente fiel aos princípios que sempre o tem nortead?, este homem, que tanto tem sofrjjo durante toda~ sua vida, aportou de novo a Portugal e aqui se tem m~ntid? sem uma palavra nem o mais leve sentimento de ó?w seJa contra quem for, numa elevada atitude de esqueciment? pelos agravos recebidos, de perdão pelas ofensas e. ultraJes- e de confraternização com todos os homens dignos. Democrata -podemos dizer visceralmente democra~a- Jaime Cortesão aceita e agradece até todas as crftH:;as que lhe fazem ou_p_o~sam ~azer-lhe. Nunca se julgou mfalível: ~elo contrano, admtte sempre, como aliás se'?I?!e ad;Illttu, que os seus pontos de vista e as suas opmwes nao sejaii_J sempre os mais pertinentes: estima, portanto, que os discutam. Encorajados por esta sua atitude, nós mesmo, que nesta modesta contribuição para a sua biografia ~mpregamos por v.ezes um tom que pode parece_r excessivamente laudatóno, nos temos atrevido a mamfestar-lhe em algumas ocasiões as nossas dúvidas e as nossas discordâncias a respeito de certos passos dos seus trabalhos; nem por isso lhe notámos nunca o mais ténue movimento de enfado, aborrecimento ou contraried~de. Co_mo não acredita em super-homens, ele mesmo nao se JUlga sê-lo. Mas esta sua atitude 1 ao conferir a todos os seus opositores e contraditares o direito à liberdade de dis~ordar, ~ão reveste nele o aspecto daquela falsa m?dést~a qu~, amda a grande distância, cheira logo à modéstia mats vatdosa do que a própria vaidade. Outro, de resto, não poderia ser o comportamento II_Joral de ~m homem que tem abominado sempre o fana!ts~o.' quaisquer que sejam os motivos com que pretende JUS~tftcar-se e as formas capciosas sob as quais tenta mutt.as v~zes ocultar-.se. Conhece Jaime Cortesão bastante d!l htstóna da humantdade para, embora respeitando religiOsamente todas as crenças e todos os ideais, condenar o~ excessos a que umas e outros são capazes de conduzir, ~ao t.endo certamente esquecido nunca- ele, que também Jamais renegou a s.ua fé -.que «la foi, mime la plus pttre, est utzs jlamme qu• peut atsbnent allttmer ttn búcher» segundo a frase lapidar de Frank Abauzit no seu livr~ Le Prohleme de ia To/irance. ' BANCO BORGES fr IRMÃO S. A. R. L. CAPITAL E RESERVAS ESC. 92.000.000$00 END. 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Director: Stanislas d'OTREMONT Redactor-Chefe, Jacques CHAILLEY Delegado em Portugal, Humberto d'Avila UM GROSSO VOLUME TRISMETRAL VERSANDO OS PROBLEMAS FUNDAMENTAIS DA MÚSICA: - um co_nj~nto de estudos sobre um assunto prmcipal; - artigos ~e _fundo sobre as gratzdes qtustões mtts1cms; -documentação crítica etc., etc. UM BOLETIM MENSAL DE INFORMAÇÃO CONSAGRADO Á ACTUALIDADE .ILUSTRADA: (;_olab?ração dos melhores especialistas internacz.onazs, como~ por exemplo, J. Chailley, Marc Ptncherle, Bons de Schloezer, R. Leibowitz, N. Dufourcq, J. Handschin, etc. . 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A. (1875-1D25) I. Or. Alexandre Braga, 4-A LISBOA APRENDA O INGLÊS QUE SE FALA EM INGLATERRA ----~ -~~ ':i \___ ~ fi! ~,"-.. ~ \ <Z ""A tl/ y;: /~ ~,w~v.; :0\J~\ ~ ARQUIT-ECTURA ·-E -E NG-ENHARIR Consultai os seus serviços especial-Izados para as vossas DIRECÇÃO TÉCNICA: IMPORTAÇÕES ENGENHEIROS: E BELARD DA :FONSEC.A }l_A_NUEL BRA -V O EXPORTAÇÕES Nenhum livro poderá ensiná-lo a falar correctaI mente uma lfngua estrangeira. Para isso é necessário 1, / ;' .--I ~ ouvir o acento, o ritmo, as conversas vulgares de 11\, j_..::-1 todos os dias. Linguaphone ~nsi_ná-lo-á po; es~e _pro:_ ' j (,. \ ·:·'. • ; :.. ', cesso incomparàvelmente ma1s Simples, ma1s eficiente · · e mais rápido. Aprenderá ouvindo discos gravados por eminentes profe~scres da nacionalidade, e terá ao longo do curso a acompanhar o seu trabalho e a esclarecer as suas dúvidas a assistencia do Serviço Gra· toito de Correspondência. 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III OLIVEIRA MARTINS Tais slo afguns temas que neste livro singular • .se reflecteme esclarecem A R T. 1 S T A ) I yolume brochado P SE,\RA ~OV.\ FILOSOFIA  POI{ ( O Edições da v;,,·grr pedidos idos l SEARA NOVA-R. da Ro11a, ~· Tel. 2 3547 à SEARA HOVA PREÇO DE CAPA • .-)5$00 b) ediçae especial (em pepel VERGÉ), numerada e rubricada - 20 Ol a . ediç5o comum Sociedade Anónima Brown, Boveri &c.a BACEN-SUIÇA Representada em Portugal e Colónias por: ÉDOUARD DALPHIN- PORTO PRAÇA D. JOAO 1, N. 0 25, 3.o, D.to Dlnamos, motores, . alternadores, trans1ormadores. Apare· thauem da alta ebatu tensão. Tnrblnas a vapor. Montagem completa de centrais bldro ou tarmo-etéctrlcas, • sub-estações, camlnnos-Ge-ferro eléctricos, etc. T:ubo-gropo de 7COO kW. d•l cefll"rcl Jo Frel.ro (PartvJ