APROPRIAÇÃO DA LINGUAGEM DO GRAFFITI: ESCRITA

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APROPRIAÇÃO DA LINGUAGEM DO GRAFFITI: ESCRITA
Modalidade: Comunicação oral, apresentação de slides ou pôsters GT: Artes Visuais
Eixo Temático: Ensinar e aprender em Artes Visuais na Escola
APROPRIAÇÃO DA LINGUAGEM DO GRAFFITI: ESCRITA URBANA
Maria Rosalina Souza Pereira Miguel (SME/PMU/Minas Gerais/Brasil)
RESUMO:
Apropriação da Linguagem do Graffiti: escrita urbana apresenta uma proposta de trabalho
de arte sugerida pelos alunos que queriam aprender sobre a linguagem do graffiti, o uso da
tinta spray aerossol e, assim, sair “grafitando” pela escola. Porém, entendendo a arte na
escola como forma de linguagem, expressão, conhecimento, um “processo histórico e social
de construção e produção humana”1, o aluno foi provocado a pesquisar, refletir, interpretar e
criar suas próprias imagens. O trabalho de Arte avançou para outros muros, novos saberes,
onde o conhecimento foi construído por meio de pesquisas na internet, de análises de
imagens de graffiti e pixos encontradas nas ruas e fotografadas, de um encontro/conversa
com uma grafiteira e pixadora, de documentários sobre o assunto. Nesta perspectiva foram
produzidas imagens para a criação de pixos nos muros da escola, uma homenagem ao
graffiti.
Palavras-chave: Graffiti; processo criativo; produção artística.
APPROPRIATION OF THE LANGUAGE OF GRAFFITE: URBAN WRITING
ABSTRACT ou RESUMEN ou SOMMAIRE:
Appropriation of the language of Graffiti: urban writing presents a proposal for artwork
suggested by students who wanted to learn about the language of Graffiti, the use of aerosol
spray paint and thus sign out "graffiting" by the school. However, understanding the art in the
school as a form of speech, expression, knowledge, an "historical and social process of
construction and production of human being", the student was provoked to search, reflect,
interpret and create your own images. Work of Art moved to other walls, new knowledges,
where knowledge was built through internet searches, of images analysis of graffiti and pixos
found on the streets and photographed, a meeting/conversation with a graffiti writer, of
documentaries on the subject. In this perspective, were produced images for creating pixos
in the walls of the school, an homage to graffiti.
Key words: Graffiti; creative process; artistic production
1
UBERLÂNDIA (MG). Secretaria Municipal de Educação. Diretrizes Curriculares Básicas do Ensino de Artes
Educação Infantil e Ensino Fundamental, Uberlândia, 2010.
1 Introdução
De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete
maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas (CALVINO,
1990).2
As cidades são múltiplas e polifônicas. Elas se constituem pelos odores,
gostos e olhares, enfim, pela percepção sensorial. São cheias de atrativos,
contradições e memórias que guardam e preservam os acontecimentos e as
histórias. Uma cidade é feita não somente de construções, ruas, esquinas e
espaços, mas, sobretudo de e com pessoas, relíquias de segredos, narrativas,
sonhos e desejos. Os ruídos e a constante agitação das grandes cidades algumas
vezes criam uma cortina que veda as riquezas que dão colorido ao seu dia a dia.
Neste sentido, qual a pergunta que se deve fazer à cidade? Que resposta esperar?
Em Uberlândia, é possível encontrar diferentes expressões estéticas em seus
espaços públicos. Dentre estas expressões, chamam atenção o graffiti3 e a pixação
(palavra grafada com “x” e não com “ch” conforme a ortografia oficial para diferenciála do sentido comum, ressaltando o sentido de uma manifestação visual, Pixos que
são inscrições grafadas de forma estilizada no espaço urbano), realizadas em grupo
e/ou individualmente utilizando como suporte os muros, as paredes e os postes das
cidades. São expressões estéticas que suscitam questionamentos e contradições.
Para muitos, grafitar ou pixar é vandalismo, polui visualmente a cidade, causa
desgosto e depreda os monumentos. Não deixando estas questões de lado, é
preciso entender também que tanto o graffiti quanto a pixação se encaixam muito
bem dentro do conceito de arte na contemporaneidade. Uma arte questionadora e
crítica, que exige múltiplas atitudes e abordagens, “com liberdade de buscar
inspiração em toda parte”4, para além das belas artes ou artes elevadas.
Para Beuys (1921-1986), a arte deve sempre questionar insistentemente as
“verdades” que regem cultura dominante e
Esta deve ser a função de toda a arte, que a sociedade está sempre
tentando suprimir. (...) Somente a arte torna a vida possível – é assim
radicalmente que eu gostaria de formulá-la. Eu diria que, sem a arte,
2
CALVINO. Ítalo. As Cidades Invisíveis. Biblioteca Folha. 2003. Disponível em:
<http://moodle.up.pt/pluginfile.php/21840/course/section/5603/italo-calvino-as-cidades-invisiveis.pdf > Acessado
em: 09/09/2014.
3
“A palavra, do italiano graffito ou sgraffito que significa arranhado, rabiscado, é incorporada ao inglês no
plural graffiti, para designar uma arte urbana com forte sentido de intervenção na cena pública”. Enciclopédia Itaú
Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3180/Graffiti->. Acessado em: 12/09/2014.
4
ARCHER, Michael. Arte Contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 155.
o homem é inconcebível em termos fisiológicos (In: ARCHER, p.89,
2001).
Na pós-modernidade, a arte se transformou. O espaço da arte e de sua
contemplação também se transformou. As fronteiras se expandiram. O ensino de
arte também foi provocado a se transformar e expandir suas fronteiras para um
mundo que envolve: a tecnologia, os aspectos sociais, econômicos, políticos e as
ciências. Desta maneira, pode-se dizer que o ato de ensinar arte abarca duas
dimensões, a primeira, ensinar é ajudar o aluno a aprender organizar, sintetizar e
compreender o “mar” de informações que o envolvem nos dias atuais. A outra
dimensão é, depois de compreender (organizar, sistematizar, comparar, avaliar,
contextualizar), questionar essa compreensão para poder modificá-la, avançar para
novas experiências e novas compreensões. O ingrediente principal da aprendizagem
é a informação significativa, transformada em conhecimento.5
O trabalho Apropriação da Linguagem do Graffiti: escrita urbana apresenta
uma proposta de ensino de arte com alunos dos 8° anos do Ensino Fundamental da
E. M. Prof. Otávio Batista Coelho Filho. Um ensino de Arte que rejeita o elitismo,
defendendo a crítica cultural, apresenta um estudo da sociedade e da cultura,
propõe uma construção do discurso crítico acerca da arte dentro de uma perspectiva
multiculturalista e pluralista, uma ampliação da cultura visual que referente à maneira
como as pessoas se interpretam e se representam visualmente, também como
interpretam e dão significados ao mundo que vive.
Richter (2003)6 cita Efland ao escrever que a arte na contemporaneidade
somente pode ser compreendida dentro do contexto de uma cultura, as fronteiras
entre a arte erudita e a popular estão dissolvidas e o ensino de Arte precisa
contribuir para a construção crítica da realidade.7
Na perspectiva multiculturalista escrita por Richter (2003, p. 26), a educação
reconhece “as similaridades entre grupos étnicos e, em vez de salientar as
diferenças, busca promover o cruzamento cultural das fronteiras entre grupos
culturais, sejam eles quais forem, e não a sua permanência”.
Neste sentido, é
importante promover, nas aulas de Arte, o conhecimento, a compreensão e a troca
5
MORAN, José Manuel. A educação que desejamos: Novos desafios e como chegar lá. 4ª ed, Campinas:
Papirus, 2009. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/moran/utilizar.htm>. Acessado em: 25 de jul. 2013.
6
RICHTER, Ivone Mendes. Interculturalidade e estética do cotidiano no Ensino das Artes Visuais.
Campinas, SP: Mercado de Letras, 2003, p. 50.
7
EFLAND, Arthur D., FREE3DMAN, Kerry e STUHR, Patricia. La Educación en el Arte Posmoderno.
Barcelona: Paidós. 1996.
dos códigos culturais apresentados pelos estudantes. É a partir do ponto de vista
multiculturalista e da cultura visual que o graffiti pode adentrar nas aulas de Arte e se
tornar objeto de estudo, pesquisa e produção artística. Uma forma de compreender
outros códigos culturais e promover discussões que permeiam o dia a dia da
sociedade.
2 Graffiti – Escrita Urbana
Nos EUA, o florescimento de grafites urbanos em quadros coloridos
e em grande escala foi reconhecido como uma vivida forma de arte.
Usando não apenas as paredes, mas também locais móveis como
vagões de trem, que levavam a obra da cidade para os subúrbios e
além deles, a arte do grafite rapidamente se tornou uma presença
difusa em todos os Estados Unidos e na Europa (ARCHER, 2001).8
Pintar paredes e muros é um ato que remete a tempos longínquos como na
pré-história com suas pinturas rupestres e na cidade de Pompéia na Itália com as
inscrições nas paredes, destacando também os sítios arqueológicos na Itália, os
povos gregos, egípcios e mesopotâmios. Entretanto, o graffiti como uma forma de
expressão contemporânea ligada ao movimento Hip Hop que é uma cultura de
periferia muito vista nos bairros pobres que abriga ainda o break e o Rap, teve
origem nas frases de protesto e na necessidade dos grupos excluídos da periferia
das grandes cidades de ganhar visibilidade e fala. Surgiu primeiramente em Nova
York, depois nas cidades da Europa, chegando ao Brasil.
O graffiti é uma escrita urbana, um meio de expressão artística com uma
forma de comunicação visual específica por intermédio de desenhos e cores, com
divulgação de ideias, com palavras isoladas ou frases curtas. Geralmente, o
desenho é riscado com a utilização da tinta spray, podendo ser também com o uso
do látex. Igualmente expõe composições com preocupação de ordem estética
predominantemente, formado com figuras e fundos ou figuras, fundos e textos. Os
traços e estilo de um grafiteiro o identificam e o distingue dentro de uma
organização, de um grupo cultural, como os graffiti de coelho de Karen Kueia
(fotografia 1) e os bonecos de boné com a cara colorida com duas cores de Dequete
(fotografia 2), que se espalham pelos muros e caixas de energia das ruas da cidade
de Uberlândia. O nome do grafiteiro, suas Tags (que são “assinaturas que carregam
a memória e a expressão de cada sujeito” que entre traços e palavras que se
8
ARCHER, 2001, p. 171.
formulam as diferentes mensagens)9, e suas figuras, formas, traços são marcas de
identidades. Estas escritas urbanas significam que um determinado grafiteiro passou
por aquele lugar na cidade.
Fotografia 1 – Graffiti criado pela artista e
grafiteira Karen Kueia – Uberlândia-MG
Fotografia 2 – Graffiti criado pelo grafiteiro
Dequete
Fotografia de Karen Kueia
Fonte: Facebook da grafiteira
Fotografia da autora
Fonte: Acervo da autora
Segundo Arouca (2012, p. 59), “tanto o graffiti quanto a pichação fazem parte
das mais significativas e espontâneas expressões da arte contemporânea”. Mas
algumas vezes, as pessoas passam por estas imagens urbanas sem notá-las ou
ignorando-as, outras vezes, estabelecendo um diálogo com os códigos e valores
culturais que elas apresentam como poesias visuais no espaço urbano.
O graffiti contribui para expandir as dimensões da percepção da cidade e de
seus habitantes. Para tanto, faz-se necessário despir de preconceitos e reconhecer
as formas enigmáticas desta arte urbana, entendê-la como uma contracultura, uma
crítica da realidade social e, sobretudo, como uma forma de embelezar os espaços
urbanos. Nesta perspectiva, cabe ao professor de arte estar atento às diversas
formas de expressão que ocorre na cidade, ao universo dos alunos, seus valores
estéticos, escolhas artísticas e padrões visuais, colocando-os em contato com
distintas manifestações artísticas e culturais, com diferentes maneiras de olhar e
perceber o objeto artístico.
9
BEDOIAN, Graziela e MENEZES, Kátia (org). Por trás dos muros: horizontes sociais do graffiti. São Paulo:
Peirópolis, 2008, p. 17.
3 Construção de significados e sentidos
Se enseña el arte tal y como se experimenta em la vida, como parte
integrante del contexto social y cultural (EFLAND, FREEDMAN,
STUHR, 1996, p. 144).10
Entende-se o estudante na escola como um produtor de cultura em
formação. A escola deve incorporar o universo jovem, trabalhando
seus valores estéticos, escolhas artísticas e padrões visuais. Não se
pode imaginar uma escola que mantenha propostas educativas em
que o universo cultural do aluno fique fora da sala de aula. A escola
também deve ter propostas de orientação para jovens que ampliem
seu repertório estético e os ajudem a posicionar-se criticamente
sobre questões da vida artística e social do cidadão. (BRASIL,
1998)11
Ensinar é aprender a aprender nas relações entre sujeito e objeto, objeto e
sujeito, sujeito e sujeito. Exige pesquisa, reflexão crítica sobre a prática, o
conhecimento da identidade cultural, a curiosidade, o imaginário, a emoção, é um
processo permanente de aprendizagem.
Foi com esta proposta de ensino que o trabalho com a temática graffiti
desenvolvida com os alunos dos 8° anos iniciou. O ponto de partida foi as
reivindicações feitas por eles que queriam grafitar, “pichar a escola”, pintar suas
imagens, usar a latinha de spray. A partir das conversas sobre o assunto, as aulas
de Arte foram pensadas, programadas e planejadas em defesa de um ensino e
aprendizagem significativos, permeados de sentidos estéticos, artísticos, culturais e
históricos. Uma aprendizagem voltada para a experiência do cotidiano, com uma
estratégia metodológica que abarca o conhecer e compreender a expressão do
graffiti, o fazer e experienciar a produção artística.
Esta expressão de arte contemporânea que tem a cidade como suporte
provoca curiosidades, dúvidas e questionamentos, elementos propulsores para uma
construção do conhecimento em sala de aula. Se existem dúvidas, há de ser
suprimidas. Para isto, é necessário descobrir quais são elas e como encontrar as
perguntas certas para alcançar as respostas necessárias. As imagens coloridas,
algumas vezes engraçadas, outras dramáticas, grandes, ocupando uma parede
inteira, pequenas que cabem em um poste, chamam atenção dos alunos
10
EFLAND, FREEDMAN, STUHR, 1996. P. 144
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: arte. Ensino de quinta a oitava séries.
Brasília, 1998, p. 44. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/arte.pdf>. Acessado em:
11/09/2014.
11
adolescentes que querem conhecer mais, aprender como usar a tinta spray
aerossol, que estão propensos a discutir se grafitar é vandalismo ou expressão
artística e ainda, quando ele não é proibido. Apesar de parecer ser muito legal pegar
uma “latinha” e começar a produzir seu próprio graffiti, é importante conhecer sua
essência e sua força transgressora. Compreender o sentido de criação da figura, da
tag e de colorir as paredes. A proposta de estudar o graffiti não tem como fim o
fazer, mas o conhecer, o vivenciar e o produzir suas próprias críticas e, assim
produzir suas imagens. Desta maneira, algumas ações foram levadas para sala de
aula com intuito de provocar a reflexão, a crítica e a produção.
4 As escritas urbanas
Fotografia 3 – Graffiti na Praça Sérgio Pacheco
Uberlândia-MG
Fotografia do aluno Rafael Macedo
Fonte: Acervo da autora
Quais imagens grafitadas estão pelas ruas por onde passamos todos os dias?
Para começar os estudos sobre esta manifestação artística contemporânea e
urbana, foi escolhida, primeiramente, a pesquisa de campo, deste modo, buscou-se
ampliar a compreensão do objeto de estudo e a pensar a produção poética.
Muitas imagens apareceram nas aulas trazidas nos celulares dos alunos
(Fotografia 3). Estas imagens foram projetadas e apresentadas por eles para seus
colegas. Ao mostrar suas imagens de graffiti, eles fizeram comentários sobre estas
pinturas. A figura, a temática e a composição de cores foram os elementos de
linguagem que mais despertaram atenção dos alunos. Outro fator destacado foi o
local onde cada graffiti fotografado se encontrava, alguns reconheciam rapidamente
o graffiti e o local, outros se admiravam porque não os tinham visto antes.
Analisar estas imagens foi uma experiência estética em sala de aula com o
intuito de contemplar a fruição, ampliar o olhar, trazer questionamentos e desvendar
respostas, perceber as intervenções no espaço urbano, pensando como estes
espaços eram antes do graffiti se fazer presente, comparando com o agora.
5 Vídeos do Youtube
O objetivo maior, então, não é simplesmente propiciar que os
aprendizes, conheçam apenas artistas como Monet, Picasso ou
Volpi, mas que os alunos possam perceber e conhecer como o
homem e a mulher, em tempos e lugares diferentes puderam falar de
seus sonhos e de seus desejos, de sua cultura, de sua realidade e
de suas esperanças e desesperanças, de seu modo singular de
pesquisar a materialidade por intermédio da linguagem da Arte.
(MARTINS, 2002, p. 57).12
O ensino e aprendizagem propostos neste trabalho vão além do conhecer
artistas já consagrados e muito comentados pela mídia como os citados por Mirian
Celeste no parágrafo acima, mas aponta para outros artistas que possuem uma
produção artística que se aproxima da cultura e realidade dos alunos. Produções
que estão nas ruas perto da escola, da casa, pelos caminhos percorridos no dia a
dia, que tem a cidade como suporte. Eles são os grafiteiros, pessoas que procuram
embelezar e colorir as cidades, humanizá-las, dar fala e presença às pessoas.
O graffiti nos muros da cidade está muito próximo do cotidiano dos alunos,
porém o entendimento sobre o percurso deste fazer, o sentido desta criação, se
distancia de seu conhecimento. Para proporcionar esta aproximação foram
selecionados alguns documentários onde os grafiteiros falam sobre suas
experiências, aproximando a arte e a vida.
Na Rede Social, Youtube, é possível encontrar vários vídeos referentes ao
graffiti. A seleção foi feita com o objetivo de ampliar o repertório dos alunos sobre o
assunto e conhecer a experiência e vida dos grafiteiros: onde moram, o que pintam,
porque fazem isto, qual o sentido do graffiti em sua vida, o sentido estético, seus
sonhos, desejos, realizações e outros aspectos de sua vida e produção. Assim, os
alunos puderam conhecer dois grafiteiros que são destaques internacionais, Os
12
MARTINS, Mirian Celeste. Conceitos e Terminologia. Aquecendo uma transforma-ação: atitudes e
valores no ensino de Arte. In: BARBOSA, Ana Mae (org). Inquietações e mudanças no ensino de
arte. São Paulo: Cortez, 2002, p. 57.
Gêmeos, Otávio e Gustavo Pandolfo, através do vídeo “Os Gêmeos – Trip TV”13,
onde comentam sobre o que o graffiti representa em sua vida, sobre a necessidade
de se expressarem e relatam sobre o processo de criação em relação ao tempo e às
experimentações.
A Magrela, uma grafiteira de São Paulo, foi escolhida primeiramente por ser
mulher dentro de um universo que predomina o masculino. No vídeo “Sampa Graffiti
– Magrela”14, ela também comenta sobre o seu processo criativo, como, através do
graffiti, conheceu a sua cidade e ela mesma. O vídeo apresenta a grafiteira durante
a sua produção. Isto proporcionou aos alunos uma maior visualização de como é o
fazer, o pintar na rua.
Jhoao Henrique, também um grafiteiro de São Paulo, chamou atenção dos
alunos pela forma de desenhar. No vídeo “Sampa Graffiti – Jhoao Henr”15, seu
desenho não é decifrado de primeira, é preciso observar e acompanhar as linhas
coloridas e somente no final do documentário que o desenho é desvendado pelos
espectadores. O traço preciso feito com o spray demonstra o tempo de experiência
do grafiteiro.
O grafiteiro Fabio, Crânio, destaca, no vídeo “Sampa Graffiti – Cranio”16, que
seu objetivo em grafitar é deixar a cidade mais alegre, mais engraçada, mais
colorida. Salientou sobre a sua busca para encontrar um personagem que o
identificasse. Os gestos do grafiteiro foram outro aspecto que chamou atenção dos
alunos que os compararam com uma dança. São gestos suaves e precisos.
Estes vídeos foram o ponto crucial para que os alunos começassem a
procurar um personagem ou uma figura que o identificasse. Que, ao olhá-lo, as
pessoas pudessem reconhecer o criador e a figura como sendo uma mesma coisa.
Vários desenhos começaram a surgir. Assim, deu início o processo criativo dos
alunos que fizeram diversos desenhos em seu caderno, alguns coloridos, outros em
preto e branco.
13
Vídeo “Os gêmeos – Trip TV”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=uuWSjdgIiPo>. Acessado
em: 10/08/2014.
14
Vídeo “Sampa Graffiti – Magrela”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=PeYgM9iAH2s>.
Acessado em: 10/08/2014.
15
Vídeo “Sampa Graffiti – Joao Henr”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=u-6yeWgwhaI>.
Acessado em: 11/08/2014.
16
Vídeo “Sampa Graffiti – Cranio”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Uvq1WHtn_PM>.
Acessado em: 10/08/2014.
6 Quem é Karen Kueia?
Fotografia 4 – Encontro com Karen Kueia
Fotografia da autora
Fonte: Acervo da autora
Depois de conhecer alguns grafiteiros de São Paulo através dos vídeos e
começar a criação de seus próprios desenhos, projeto para torná-los um graffiti, os
alunos tiveram um encontro marcado com a grafiteira Karen Kueia que colore as
ruas da cidade de Uberlândia com as figuras de coelhos. Karen apresentou suas
criações, ensinou o significado de alguns termos como Tag que é a primeira
manifestação, a forma mais básica do graffiti e se apresenta com o nome do
grafiteiro realizado com letras estilizadas, escrevendo rapidamente com um único
traço e apenas uma cor; Throw-up é uma tag representada em uma maior dimensão;
Bombing é a assinatura do grafiteiro mais elaborada, destacada visualmente através
da cor, das linhas, das grandes dimensões e da tridimensionalidade. Ainda contou
sobre sua experiência em fazer graffiti e pixação nas ruas sem autorização, sobre o
sentido de fazê-los, sobre o risco de ser presa, como ela faz para ganhar dinheiro
com o graffiti, da crescente valorização desta expressão artística e, também sobre a
organização e o respeito que existe dentro desta comunidade. Aconselhou os alunos
a não grafitar de forma clandestina (Fotografia 4).
Foi uma conversa que despertou muitos questionamentos e provocação por
parte dos alunos. Alguns se sentiram a vontade para mostrar seus desenhos para
Karen e receberam de volta algumas sugestões. Esta conversa foi o “up” para que
os alunos se preparassem para grafitar nos muros da escola.
7 Mãos a obra
A aprendizagem supõe uma integração harmônica entre o saber e o
agir, entre o sentir e o pensar. (DUARTE, 1988, p. 106).17
17
DUARTE JR, João Francisco. Fundamentos Estéticos da Educação. Campinas, SP: Papirus,
1988, p.106.
Grafitar no muro é uma experiência estética que os alunos ainda não haviam
experimentado na escola. O suporte, parede, tem uma dimensão maior do a que
estão acostumados, também apresentam algumas interferências como os buracos e
divisas dos tijolos, a forma de olhar se modifica, o desenho sai da horizontalidade do
papel e passam para a dimensionalidade vertical do muro. Como o trabalho é feito
ao ar livre, tem a interferência do tempo, do sol, do vento, da poeira. Se chover, não
há pintura. Estes detalhes foram vivenciados durante esta prática.
Antes de grafitar, foi proposta aos alunos a criação de figuras com o objetivo
de exercitar a expressão pessoal, falar de si com seus trabalhos, nada de cópias,
nada de repetir o que já pode ser encontrado nas ruas ou pela internet ou em outro
lugar qualquer. Os alunos deveriam criar a sua própria figura. Muitos desenhos
foram criados e alguns selecionados para serem ampliados e pintados.
Para começar a pintura do graffiti, primeiramente foi preciso resolver alguns
itens de ordem técnica necessários para que esta manifestação pudesse acontecer:
autorização para fazer a produção dentro da escola, lista, orçamento e compra dos
materiais pela escola. A lista de material foi uma sugestão de Karen Kueia durante
sua visita: giz de cera para desenhar, tinta látex branca, pigmentos, pincéis, trinchas,
rolinhos e tinta spray aerossol (aquisição dos alunos).
Fotografia 5 – Grafitando na escola
Fotografia da autora
Fonte: Acervo da autora
Os graffiti no muro da escola ainda estão em processo de construção. Alguns
alunos grafitam, outros ajudam com a pintura e outros ainda colaboram organizando
e limpando os materiais. É um trabalho colaborativo e chama atenção dos alunos de
outras séries que querem também grafitar na escola.
Para terminar este relato sobre o processo de criação, aprendizagem e
significação em arte, é importante salientar que estas aulas de Arte foram
construídas pela reflexão, curiosidade, sensibilidade, questionamentos e fazeres
ampliando o repertório dos alunos sobre arte e produções artísticas, seu
conhecimento sobre o mundo e sobre si mesmo. As aulas estão sendo uma
oportunidade
para
uma
aprendizagem
sem
preconceitos,
multicultural,
de
valorização de uma arte pública e urbana, provocando um novo olhar, as
contradições, outras formas de expressão, comunicação e produção. Momentos de
transformação.
Referência
ARCHER, Michael. Arte Contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
AROUCA, Carlos Augusto Cabral. Arte na escola: como estimular um olhar curioso e
investigativo nos alunos dos anos finais do Ensino Fundamental. São Paulo: Editora
UDP, 2012.
BEDOIAN, Graziela e MENEZES, Kátia (org). Por trás dos muros: horizontes sociais do
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“Sampa Graffiti – Cranio”. Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=Uvq1WHtn_PM>. Acessado em: 10/08/2014.
Maria Rosalina Souza Pereira Miguel
Licenciatura em Ed. Artística/Artes Plásticas-UFU. Mestrado em História Social-UFU.
Professora de Arte da SME-Uberlândia-MG desde 1991. Uma das autoras da elaboração da
Proposta Curricular para o ensino de Arte em 1996 e das Diretrizes Curriculares Básicas do
Ensino de Arte/ 2003 e 2011. Coordenadora da área de Arte da SME (2008 a 2009).
Membro ativo do NUPEA/Inst. de Artes/UFU. http://lattes.cnpq.br/1013868656828567

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