MONOGRAFIA- Negras nas revistas de noivas

Transcrição

MONOGRAFIA- Negras nas revistas de noivas
FACULDADE PAULUS DE TECNOLOGIA E COMUNICAÇÃO
Jéssica Severo Souza
Negras nas revistas de noivas: estudo sobre a representação da mulher
negra no jornalismo feminino
São Paulo
2015
FACULDADE PAULUS DE TECNOLOGIA E COMUNICAÇÃO
Jéssica Severo Souza
Negras nas revistas de noivas: estudo sobre a representação da mulher
negra no jornalismo feminino
Trabalho de Conclusão do Curso –
Monografia apresentada à Banca Avaliadora
da FAPCOM – Faculdade Paulus de
Tecnologia e Comunicação, para a obtenção
do título de bacharel em Comunicação
Social, com habilitação em Jornalismo, sob
orientação da Profª. Ms. Fernanda Iarossi
Pinto.
São Paulo
2015
Souza, Jéssica Severo
Negras nas revistas de noivas: estudo sobre a representação da
mulher negra no jornalismo feminino / Jéssica Severo Souza - 2015.
91 f. : il.; 30 cm.
Trabalho de Conclusão de Curso – Faculdade Paulus de Tecnologia e
Comunicação, São Paulo, 2015.
"Orientação: Profª. Ms. Fernanda Iarossi Pinto".
Jéssica Severo Souza
Negras nas revistas de noivas: estudo sobre a representação da mulher
negra no jornalismo feminino
Trabalho de Conclusão do Curso –
Monografia apresentada à Banca Avaliadora
da FAPCOM – Faculdade Paulus de
Tecnologia e Comunicação, para a obtenção
do título de bacharel em Comunicação
Social, com habilitação em Jornalismo, sob
orientação da Profª. Ms. Fernanda Iarossi
Pinto.
_____________________________
FACULDADE PAULUS DE TECNOLOGIA E COMUNICAÇÃO
São Paulo,
de dezembro de 2015.
_________________________________
____________________________
Profª. Ms. Fernanda Iarossi Pinto.
___________________________
São Paulo
2015
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a todos os que me ajudaram e apoiaram em minha longa
caminhada. Aos meus pais, que sempre acreditaram em mim. À minha avó e meu
irmão, que torcem pelo meu sucesso. Ao Fábio, pelo amor incondicional e paciência.
Aos meus amigos de sempre e aos que surgiram ao longo do caminho. À professora
Fernanda, pela ajuda sem limites. A todos vocês, muito obrigada. Acreditem, tudo
valeu a pena!
RESUMO
Esta monografia analisa 12 capas de 2014/2015 das revistas Bella Noiva e
Noivas&Noivos, das editoras Escala e Mc Will Editores, para discutir a presença
/ausência das mulheres negras no período. Os conceitos de representação e
identidade (HALL, 2003, 2005 e 2014), a história das revistas e do segmento
feminino (BUITONI, 1986 e VILAS BOAS, 1996), as formas de discurso da mídia
(CHARAUDEAU, 2006) fundamentam a reflexão. A discussão proposta parte da
sondagem que a maioria dos meios de comunicação femininos utiliza brancas para
representar as brasileiras, mesmo num país de 50% de negros e pardos (IBGE,
2010), a partir de um mapeamento de mídia.
Palavras-chave: representação, revistas, mulher negra, identidade.
ABSTRACT
This monography analyses 12 covers of Bella Noiva magazine (Escala publishing
company) and Noivas&Noivos magazine (Mc Will Editores publishing company) from
2014/2015, in order to discuss the presence/absence of African-american women on
them. The concepts of representation and identity (HALL, 2003, 2005 and 2014), the
history of women´s magazines (BUITONI, 1986 and VILAS BOAS, 1996), the formats
of media speeches (CHARAUDEAU, 2006) endorse this reflection. The present
discussion is endorsed by the diagnostic that the majority of media made for women
prefer white skin women representing Brazilian women, even in a country where 50%
of the population are dark-skinned.
Key words: representation, magazines, African-american women, identity
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1- ÍNDICE DE MARCAS ............................................................................. 22
FIGURA 2 - ENTREVISTA NA REVISTA ELLE BRASIL .......................................... 32
FIGURA 3 – GRÁFICO DE DIVERSIDADE NAS PASSARELAS ............................. 34
FIGURA 4 – CAPA DA REVISTA VOGUE AMERICANA .......................................... 36
FIGURA 5 - CAPA DA REVISTA MARIE CLAIRE AMERICANA .............................. 37
FIGURA 6 – CAPA DA REVISTA MARIE CLAIRE BRASILEIRA.............................. 38
FIGURA 7 – CAPA DA REVISTA VOGUE INGLESA ............................................... 39
FIGURA 8 - CAPA DA REVISTA VOGUE BRASIL ................................................... 40
FIGURA 9 - PRINTSCREEN DO FACEBOOK .......................................................... 47
FIGURA10 - PERFIL DOS LEITORES DA REVISTA BELLA NOIVA ....................... 51
FIGURA 11 - CAPAS DOS ANOS DE 2014 E 2015 ................................................. 61
FIGURA 12 - CAPAS DOS ANOS DE 2014 E 2015 ................................................. 62
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 1
1.
REPRESENTAÇÃO E IDENTIDADE ....................................................................... 5
2.
NEGROS NA MÍDIA: NO BRASIL E NO MUNDO.................................................. 16
3.
REVISTA: HISTÓRIA E CONSOLIDAÇÃO DO VEÍCULO NO BRASIL ................. 23
4.
REVISTAS DE MODA EM GERAL ........................................................................ 29
5.
AS REVISTAS DE NOIVAS ................................................................................... 43
6.
ANÁLISE DAS REVISTAS BELLA NOIVA E NOIVAS E NOIVOS ......................... 48
6.1.1.
Informações técnicas ............................................................................................. 48
7.
AS REVISTAS DE NOIVAS NO BRASIL ............................................................... 50
9.
REVISTA NOIVAS&NOIVOS ................................................................................. 61
10.
REVISTA BELLA NOIVA ....................................................................................... 62
CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 63
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 66
INTRODUÇÃO
As revistas femininas brasileiras no segmento de noivas representam a
mulher negra? Essas revistas de moda/noiva realmente abordam a diversidade da
sociedade nacional em suas capas? Muitos foram os questionamentos que
desencadearam a realização deste trabalho acerca da forma com a qual as revistas
femininas encaram e traduzem a ideia de representação da mulher negra no mundo
contemporâneo.
A reflexão proposta nesta monografia encaixa-se na Linha de Pesquisa 1 Comunicação, Sociedade, Educação e Cultura da Fapcom, usando como
ferramentas levantamento bibliográfico, com autores que trabalham com conceitos
de representação e identidade (HALL, 2003, 2005 e 2014), a história das revistas e
do segmento feminino (BUITONI, 1986 e VILAS BOAS, 1996), as formas de discurso
da mídia (CHARAUDEAU, 2006) e análise das capas das revistas do segmento
moda/noiva que auxiliaram na explanação das ideias principais analisadas.
Pode-se dizer que os diferentes tratamentos que as publicações de moda e
noiva concedem à mulher negra são capazes de interferir e influenciar na formação
da imagem pessoal das leitoras, bem como na maneira com que elas se veem e se
mostram aos outros. Para auxiliar neste estudo, foram utilizadas como objeto de
análise as revistas Bella Noiva e Noivas&Noivos (capas das edições de 2014/2015),
que propõem o olhar semelhante quando se trata de noivas e da mulher negra
brasileira em suas revistas.
Baseado nisso, supõe-se que os veículos de comunicação e todo o seu poder
de estimular os estereótipos já preestabelecidos na sociedade, como modelos
brancas, magras, jovens, altas e de cabelos claros, contribuem para a disseminação
deste padrão de beleza nas revistas de noivas brasileiras. A mídia, ao continuar a
exercer esse papel com o foco somente em um tipo único de beleza, que é a
europeia e americana, bem diferente da mulher brasileira, exclui e priva a mulher
negra da representação nas capas de revistas do segmento feminino, especialmente
no segmento de noivas.
1
Diante deste cenário, a proposta de analisar a realidade brasileira das capas
de moda do segmento de noivas a partir destes dois títulos colabora para a reflexão
da falta de representação da mulher negra nos produtos que retratam o universo de
casamentos. Pois ainda acredita-se que ela não consome esse tipo de informação e
nem é o público-alvo de tais publicações do ramo.
A análise dessa abordagem pode ajudar a compreender e questionar a falta
de mulheres negras neste universo jornalístico que é a imprensa feminina no Brasil,
onde o padrão europeu e americano ainda é muito forte e presente nas edições de
moda, mesmo que mais da metade da população seja preta e parda, como mostra o
último censo do IBGE (2010).
O estereótipo da mulher branca como única beleza relevante para as
publicações de revistas de moda, e consequentemente de noivas, tem se
perpetuado desde o início deste veículo no Brasil no século XIX. Buitoni (1986)
conta que até a metade do século XIX a imprensa feminina era um produto para a
elite. As leitoras podiam ser contadas em poucos milhares, pois somente as
mulheres da aristocracia e da burguesia sabiam ler, dispunham de tempo para isso e
tinham acesso às publicações impressas.
O questionamento sobre a falta de representação da mulher negra nas capas
das revistas de moda é importante para refletir sobre o papel dos meios de
comunicação
na
autoafirmação
e
no
autorreconhecimento
do
indivíduo,
especialmente do público feminino. Também contribui na discussão: há imposição
de
um
modelo
de
beleza
feminina
baseado
na
estrutura
da
mulher
europeia/americana?
É possível afirmar que o branco é sempre o normativo. Essa mentalidade já
está enraizada em nossa sociedade e cultura, o que implica diretamente na falta de
representação
da
mulher
negra
nos
meios
de
comunicação
impressos,
principalmente em revistas femininas do segmento de noivas.
O que se pode observar acerca do levantamento dos objetos de estudo feitos
durante os anos de 2014 e 2015 dessas revistas é que há uma predominância da
beleza branca como unanimidade nas 12 capas dessas publicações. Ao analisar
2
referências do universo das revistas nacionais de noivas, nota-se a nítida falta de
representação da mulher negra em suas capas.
Buitoni (1986) e Hall (2014) apresentam em suas obras como a identidade se
forma em meio a uma sociedade diversificada, e quais influências a imprensa
feminina gera ao mostrar uma idealização de beleza que só atende ao público
branco dessas revistas.
A linha que essas revistas femininas segue, vende – um corpo bonito e um
visual eternamente jovem, moderno – tem como pano de fundo o incentivo ao
consumo de cosméticos, roupas e acessórios. Essa ideia é ajustada pelo estereótipo
que a mídia em geral cria para retratar a "realidade" nas páginas das publicações.
O mercado segmentado das revistas por muitas vezes não aborda as
diferentes características que compõem a sociedade brasileira, desde o seu início no
século XIX. Para Hall, o conceito de "identificação" é um dos menos desenvolvidos
na teoria social e cultural. (HALL, 2014, p. 105)
Os meios de comunicação nacionais reforçam a identidade racial negativa do
negro, alimentando simbolicamente o ideal de branqueamento da sociedade e
apostando que a mulher negra não usufrui desse tipo de mídia impressa, no caso, a
revista de noiva.
Nesta monografia foi inserida uma proposta metodológica de pesquisa
bibliográfica.
[...] procura explicar um problema a partir de referências teóricas publicadas
em documento. Pode ser realizada independentemente ou como parte de
pesquisa descritiva ou experimental. (CERVO; BERVIAN, 1996, p. 48 apud
SAKAMOTO; SILVEIRA, 2014, p. 52).
Também foi usado o estudo de caso, que investigou o papel da imprensa
feminina na sociedade, suas influências como meio de comunicação e o papel do
negro nas publicações das revistas do segmento de noivas. Sobre esta metodologia:
[...] conjunto de casos análogos [...]. O caso escolhido para a pesquisa deve
ser significativo e bem representativo, de modo a ser apto a fundamentar
uma generalização para situações análogas, autorizando inferências.
(SEVERINO, 2013, p. 121 apud SAKAMOTO; SILVEIRA, 2014, p. 55).
3
O procedimento abordado e analisado diante dos títulos nacionais das
revistas do segmento de noivas comprova que eles não introduzem os membros
desse grupo em suas páginas.
A partir das capas de moda das revistas de noivas nacionais citadas, foi feito
o levantamento sobre a imprensa feminina brasileira. Os dados coletados através da
leitura de autores que retratam identidade e representação foram fundamentais para
a compreensão de como a mídia influencia os indivíduos. E como a falta de
representação nos meios de comunicação afeta diretamente a população e persiste
até hoje.
4
1. REPRESENTAÇÃO E IDENTIDADE
O conceito de raça, em termos de seres humanos, é muito relativo, uma vez
que elementos como a cor da pele, dos cabelos ou a tonalidade dos olhos não são
suficientes para determinar a divisão e/ou a pureza deste ou daquele conjunto de
pessoas, organizadas em sociedade e com hábitos, regras e manifestações culturais
próprios.
Barros (2009) aponta que existem inúmeras e indefinidas tonalidades de pele
(e não três ou quatro), e que estas se somam a inúmeros tipos de cabelos,
constituições labiais, diversificados padrões cranianos e tendências de estrutura
óssea. Essas tantas e tantas outras distinções biológicas não permitiriam falar em
absoluto em um tipo unificado de negro ou de branco, como explica Barros (2009),
que pode ser complementado por Hall (2005).
A raça é uma categoria discursiva e não uma categoria biológica. Isto é, ela
é a categoria organizadora daquelas formas de falar, daqueles sistemas de
representação e práticas sociais (discursos) que utilizam um conjunto
frouxo, frequentemente pouco específico, de diferenças em termos de
características físicas – cor da pele, textura do cabelo, características físicas
e corporais etc. – como marcas simbólicas, a fim de diferenciar socialmente
um grupo de outro. (HALL, 2005, p. 11)
De acordo com Barros (2009), quando se busca estabelecer, por exemplo,
uma dicotomia entre brancos e negros, é fixado imediatamente um contraste entre
duas essências. Isto será sempre um problema, pois do ponto de vista científico as
raças não existem enquanto realidades biológicas bem definidas.
(...) a diversidade humana é tão múltipla e aberta a misturas e
superposições que não sustenta a noção da existência de “raças”, por outro
lado as pesquisas do Projeto Genoma já demonstraram que todos os
homens modernos descendem de uma matriz comum oriunda de certa
região da Etiópia pré-histórica – ou seja, existe apenas uma única “raça
humana”. (OLSEN, 2001: 48; TEMPLETON, 1999 apud BARROS, 2009)
No portal Papo de Homem1, o escritor e colaborador Alex Castro2 explica que
a divisão dos seres humanos em grupos e raças, tomando por base a cor da pele e
1
Blog que publica mais de cinco mil artigos por meio de uma rede de autores voluntários, com
assuntos diversos, sobre temas como preconceito, racismo, feminismo e o universo masculino.
Disponível em: http://papodehomem.com.br/ > Acessado em outubro de 2015.
5
outras características, se deve ao longo da História a interesses socioeconômicos e
políticos, de ordem externa e a alguma eventual diferença que as raças possuam
entre si.
Castro exemplifica: ao desenhar um boneco palito, que imagem se tem? É
provável que se imagine um homem branco, pois esse é o ser humano normativo na
cultura em geral. Para que o boneco palito representasse outro tipo de pessoa,
características adicionais teriam que ser mostradas: asiático, olho puxado; mulher,
saia; velho, bengala; negro, um afro; índio, cocar etc.
Na falta desses marcadores de alteridade, ou seja, de diferença, o boneco
palito é naturalmente, automaticamente percebido como representando o ser
humano normativo. Assim como, ao ler um livro, parece que todos os personagens
são brancos, a não ser que sejam explicitamente descritos como não-brancos3.
Alex também propõe a reflexão de que a normatividade se define pela
ausência. No Brasil e nos EUA, duas sociedades escravistas colonizadas por
brancos europeus e sustentadas pelo trabalho de negros escravos, o branco é
sempre o normativo. Se não houver uma clara marcação, sempre se presume
brancura. Em tudo.
Dentro deste contexto, é possível identificar por que as revistas femininas
sempre presumem que o branco é o ideal de beleza universal da mídia. Isso já está
difundido culturalmente, e faz com que automaticamente, mesmo o país possuindo
uma população elevada de negros, eles não sejam representados nas capas das
publicações de moda e noivas do Brasil.
A criança contemporânea, “negra” ou “branca”, se quisermos permanecer
nesta dicotomia, cedo é ensinada a aprender a realidade humana de uma
determinada maneira, a dirigir o olhar para a percepção da cor e a atribuir
um valor social a esta cor (enxergá-la como distintivo de identidade, e a
devotar a ela orgulho, simpatia ou preconceito). (BARROS, 2009, p. 52)
2
Escritor, Alexandre Moraes de Castro e Silva escreve sobre temas como feminismo, racismo,
identidades de gênero, relacionamentos não monogâmicos, ego e narcisismo em seu blog e no Papo
de Homem. Autor do livro de contos Onde perdemos tudo (2011 – Editora Oficina Raquel) e do
romance Mulher de um homem só (2009 – Editora Os Vira-lata). Disponível em
http://alexcastro.com.br/livros/ > Acessado em 21 de outubro de 2015.
3 CASTRO, Alex. Racismo e Normalidade 2. Papo de Homem. Disponível em <
http://www.papodehomem.com.br/racismo-e-normalidade-2/ >. Acessado em setembro de 2015.
6
Em outubro de 2015, a Revista Galileu4, da Editora Globo, publicou uma
reportagem com o título "Você é racista - só não sabe disso ainda"5, que ajuda na
discussão do foco desta monografia: não o racismo em linhas editoriais, mas sim a
falta de representação da mulher negra nas capas das revistas de noiva.
Na matéria, vários pontos são retratados, e um deles é a explicação do
fenômeno que a psicologia social chama de unconscious bias, ou, em português,
“viés inconsciente”. O viés inconsciente é um conjunto de estereótipos sociais, sutis
e acidentais que todas as pessoas mantêm sobre diferentes grupos de pessoas. É o
olhar automático para responder a situações e contextos para os quais você é
treinado culturalmente, como uma programação do cérebro.
O que isso quer dizer? Significa que é possível fazer julgamentos intuitivos e
que são processados rapidamente pelo cérebro sem isso ser percebido de maneira
consciente. Tomar decisões com base em associações com memórias antigas,
noticiário, novelas, aulas, conversas com familiares e amigos. Nelas, há milhares de
estereótipos. Basicamente sem que se perceba, processos neurais e cognitivos
tiram conclusões por você, e é aí que entra a discriminação disfarçada.
Consciência negra é construir uma identidade negra em um mundo dentro
do qual o racismo existe de modo explícito ou encoberto. É construir a
identidade negra como diferença, e exigir que esta diferença seja percebida
sem desigualdade. É dotar essa identidade de força política, de valor social,
de pujança cultural. Para fazer isto, não é necessário desconhecer que essa
identidade negra é – como de resto todas as identidades – uma construção
social, que ela não foi dada pela natureza, mas sim elaborada pela história.
(BARROS, 2009, p. 221)
A sociedade, em geral, é hierarquizada com base em privilégios, e a
hierarquia racial é parte das camadas que estruturam a pirâmide de privilégios da
cultura e da sociedade. No topo, está o homem branco, seguido pela mulher branca.
Só depois aparece o homem negro e, por último, a mulher negra. Portanto, a falta de
representação se reproduz nessa estrutura de privilégios criando obstáculos, como
explicado na reportagem da Revista Galileu (2015).
4
Revista mensal da Ed. Globo que publica matérias e reportagens com informações sobre tecnologia,
ciência, saúde, comportamento e informática. Disponível em: http://revistagalileu.globo.com >
Acessado em outubro de 2015.
5 LOUREIRO, Gabriela; CUSTÓDIO, Túlio. Você é racista - só não sabe disso ainda. Revista Galileu.
Disponível em < http://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2015/10/voce-e-racista-so-nao-sabedisso-ainda.html >. Acessado em outubro de 2015.
7
Timothy Brennan (1990 apud Hall, 2005) refere-se à palavra ‘nação’ a algo
como: "tanto ao moderno estado-nação, quanto a algo mais antigo e nebuloso – a
natio – uma comunidade local, um domicílio, uma condição de pertencimento". Isso
mostra a importância de se legitimar o indivíduo a se sentir incluso na sociedade,
pois ela abrange toda a população, não apenas um único povo.
Fortalecer a formação e reatualização de uma consciência negra, em cada
país que carrega na sua história um passado assinalado pelo escravismo
colonial, é certamente, uma estratégia importante em um mundo onde o
racismo, os preconceitos e a discriminação existem efetivamente.
(BARROS, 2009, p. 217)
Claramente, é onde todos os indivíduos de uma sociedade se identificam
dentro de um determinado grupo, livres de preconceito e desigualdade. Já na linha
editorial dos meios destinados à mulher, especialmente as de moda, vende-se um
corpo bonito e um visual eternamente jovem, moderno e que tem como pano de
fundo o incentivo ao consumo de cosméticos, roupas e acessórios, para a mulher
branca.
Ao trazer imagens contraditórias sobre a mulher negra ou simplesmente não
abordá-la, a mídia impressa brasileira não está apenas relatando as transformações
sociais pelas quais ela passou, mas está legitimando a institucionalização de uma
determinada organização social, na qual alguns indivíduos (imprensa) se acham no
direito de submeter outros à condição de subalternidade (mulheres negras).
É possível perceber que o desenvolvimento dos meios de comunicação
impactou profundamente o processo de formação das consciências
individuais e coletivas. Ora, se antes os materiais simbólicos empregados
na construção do “eu” eram adquiridos em contextos de interação face a
face, agora eles são cada vez mais dependentes do acesso às formas
mediadas de comunicação. (THOMPSON, 1999; GIDDENS, 1991; apud
SANTOS, 2009)
Santos (2009) destaca que o aspecto negativo do desenvolvimento da
identidade, sob a influência da mídia, refere-se à dupla dependência causada no/a
consumidor/a. Pois, de um lado, os produtos da mídia servem para organizar e
construir o novo “eu”, mas, por outro lado, os produtos da mídia tornam esse mesmo
indivíduo dependente de um sistema sobre o qual ele não tem domínio.
Na medida em que beleza, moda e uso de determinados produtos colocamse como elementos centrais na construção das identidades, passa a ocorrer
8
um estreitamento de laços estabelecidos entre consumo, identidade e
identificação. (WOODWARD, 2006; DOUGLAS data?; ISHERWOOD, 2006;
apud SANTOS, 2009)
Essa ideia é ajustada pelo estereótipo que a mídia em geral cria para retratar
a "realidade" nas páginas das publicações e o que já está enraizado na sociedade, e
que será mais bem explicado no próximo capítulo. Essa ideia de que é necessário
transparecer a “vida real” nas revistas deveria acontecer mediante a construção da
identidade da sociedade, mas, se isso não é definido e distribuído na mídia, os
atributos simbólicos para que isso ocorra não acontecem.
O social e o simbólico referem-se a dois processos diferentes, mas cada um
deles é necessário para a construção e a manutenção das identidades. A
marcação simbólica é o meio pelo qual damos sentido a práticas e as
relações sociais, definindo, por exemplo, quem é excluído e quem é
incluído. É por meio da diferenciação social que essas classificações da
diferença são ‘vividas’ nas relações sociais. (WOODWARD, 2006, p. 14;
apud SANTOS, 2009, p. 109)
A cultura molda a identidade ao dar sentido à experiência e ao tornar possível
optar entre as várias identidades possíveis, por um modo específico de
subjetividade. Até a metade do século XIX, somente a alta sociedade tinha acesso
às revistas, enquanto pessoas de poder aquisitivo menor não dispunham desse
privilégio.
Buitoni (1986) ressalta que as leitoras de revistas neste período podiam ser
contadas em poucos milhares, pois somente as mulheres da aristocracia e da elite
da burguesia sabiam ler e dispunham de tempo para isso.
Esta realidade serviu para que a imprensa feminina não falasse, nem desse
espaço ou abordagem, desde o seu início, à mulher negra, índia, japonesa e não
mostrasse também nem a pobre, nem a velha. Essa atitude revelava uma falta de
identificação da população com o produto revista naquela época, já que ele era
explicitamente restrito, para um único tipo de público-alvo.
A representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos
por meio dos quais os significados são produzidos, posicionando-nos como
sujeito. É por meio dos significados produzidos pelas representações que
damos sentidos à nossa experiência e àquilo que somos. Podemos
inclusive sugerir que esses sistemas simbólicos tornam possível àquilo que
somos e aquilo no qual podemos nos tornar. [...] Os discursos e os sistemas
de representação constroem os lugares a partir dos quais os indivíduos
9
podem se posicionar e a partir dos quais podem falar. (WOODWARD, 2006,
p. 17; apud SANTOS, 2009, p. 110-111)
Outra característica desta época era que a mistura de raças ou etnias não
costumava ser retratada pela revista feminina. Tornou-se como ideal de beleza e
referência a mulher branca, de classe média para cima, e jovem, que tinha acesso a
estas produções editoriais. Isso fez com que a mulher negra não tivesse espaço
nessas publicações, não se enxergasse como membro de uma sociedade, já que
não era retratada como uma figura consumidora, o público-alvo dessas revistas
femininas que são feitas para ela também – na categoria mulher.
O ideal estético de sucesso propagado pela mídia é branco (talvez por isso
os homens negros bem-sucedidos casam-se com mulheres brancas) e
embora seja válido registrar as mudanças já percebidas nas novelas, como
a inserção limitada de atores e atrizes afrodescendentes, ainda persiste a
valorização da beleza branca. (MALACHIAS, 2011, p. 20)
Além do conceito de raça, falar de identidade – que é formada na “interação”
entre o ‘eu’ e a ‘sociedade’ (HALL, 2005, p. 11) – torna-se essencial, já que se a
mídia, que representa a sociedade, não aborda a mulher negra nas capas das
revistas femininas, a identificação da mulher negra com o produto acaba não
existindo.
A noção de sujeito sociológico refletia a crescente complexidade do mundo
moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era
autônomo e autossuficiente, mas era formado na relação com “outras
pessoas importantes para ele”, que mediavam para o sujeito os valores,
sentidos e símbolos – a cultura – dos mundos que ele/ela habitava. (HALL,
2005, p. 11)
Ao pegar como ponto de partida o conceito de raça e identidade e, de acordo
com os diferentes enfoques dados as etnias nas revistas voltadas para o público
feminino, foram escolhidas como objeto de estudo para o presente trabalho duas
publicações no segmento de noivas: Bella Noiva, da editora Escala, e
Noivas&Noivos, da Mc Will Editores. Foram analisadas as capas das edições
trimestrais no período dos anos de 2014 e 2015 para fundamentar esta monografia,
num total de 12 capas.
Os sistemas simbólicos, compreendidos como um processo cultural, são
identidades individuais e coletivas, que permitem estabelecer o que cada pessoa é,
10
o que poderia ser, e ainda, quem ela queria ser. Ao serem estudados, fornecem
imagens com as quais o indivíduo pode, ou ao menos deveria, se identificar.
Mediante
essa
identificação,
as
imagens
passam
a
representar
algo
verdadeiramente efetivo à formação das identidades dentro da sociedade.
Um processo de identificação que consiste na arte de os indivíduos se
verem e se imaginarem na coisa representada, pois as representações
constituem repositórios de significados que dão sentido ao que somos, ou
ao que podemos nos tornar, mediado, logicamente, pelos sistemas
simbólicos e pelas relações sociais. A identificação com um ou com outro
sistema simbólico revela complexas relações de poder, incluindo as que
situam quem faz e quem não faz parte de cada grupo. (SANTOS, 2009, p.
111)
Este recorte também tem a ver com a realidade brasileira: segundo dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, a população preta e
parda corresponde a 50,7% dos habitantes brasileiros. A partir dos anos 1960, com
o surgimento de revistas mais especializadas, as publicações se baseavam em
modelos estrangeiros, mas procurando sempre abrasileirar suas fórmulas (MIRA,
1997, p. 67).
Mira (2001) coloca uma pergunta: “se a massa é homogênea, por que a
indústria cultural diversifica os seus produtos?”. Segundo Adorno e Horkheimer
(1985), o mercado divide os produtos culturais em categorias para poder captar
todos os consumidores, mas o tom de pele e a falta de diversidade nas capas das
revistas causam polêmicas.
O padrão norte-americano (de beleza e qualidade de vida) se tornou modelo
para
as
latino-americanas
mestiças
e
pobres
(BUITONI,
1986,
p.
70).
Consequentemente para as brasileiras também.
Apesar de mais da metade da população brasileira ser composta por
afrodescendentes, isso raramente é retratado em capas de revistas, inclusive nas
publicações de noivas, foco desta monografia. Tornou-se relevante analisar o modo
como a mulher negra é inserida nesse universo das revistas de noivas.
Ou seja, qual biótipo é o mais adequado? Existe ou não um padrão de
beleza? Qual é esse estereótipo divulgado pela mídia especializada? A forma com a
qual as leitoras se relacionam com as informações de moda contidas nessas
11
revistas femininas é representativa? São as motivações norteadoras que guiam esta
monografia.
Dentro desse contexto, Charaudeau (2006) ressalta que as mídias não
transmitem o que ocorre na realidade social, elas impõem o que constroem do
espaço público.
Como levar em conta, nesse espaço de motivação social, as diferenças
entre um alvo dito “esclarecido” – que já dispõe de informações e meios
intelectuais para tratá-las e que terá exigências maiores quanto à da
informação fornecida e quanto à validade dos comentários que
acompanham – e um alvo dito “de massas”, que terá exigências de
confiabilidade e de validade menores e se prenderá mais a efeitos de
dramatização e a discursos estereotipados? (CHARAUDEAU, 2006, p. 25)
A construção da identificação é de suma importância para a autoafirmação e
o autorreconhecimento do indivíduo inserido em uma sociedade repleta de
diversidade. Desde o seu início no século XIX, o mercado segmentado das revistas,
por muitas vezes, não aborda as diferentes características que compõem a
sociedade brasileira.
Para Hall, o conceito de "identificação" é um dos menos desenvolvidos na
teoria social e cultural (HALL, 2014, p. 105). Enquanto isso a equiparação de acordo
com o outro, o que gera a identificação, é pouco explorada pela mídia, não
reproduzindo a representação entre o público e o indivíduo na capa de uma revista.
Freud (1921/1991, p. 135 apud HALL, 2014, p 107) procura mostrar a relação
de ideia de identificação e a importante distinção entre “ser” e “ter” o outro. Esse
conceito reflete na "expressão de um laço emocional com outra pessoa", como o
próprio autor cita.
Pode-se então fazer referência a uma moldagem de acordo com o outro. A
identificação que se tem ao se enxergar em uma publicação está fundada na
fantasia, na projeção e na idealização.
Isso ajuda na identidade cultural, naquele "eu coletivo ou verdadeiro que se
esconde dentro de muitos eus – mais superficiais ou mais artificialmente impostos –
que um povo, com uma história e uma ancestralidade partilhadas, mantém em
comum". (HALL, 2014, p. 108).
12
Portanto, ao se deparar com uma revista na qual só se exibe modelos
brancas, de cabelos e olhos claros, o autorreconhecimento e a autoafirmação do
indivíduo que não possui estas características, especialmente do público feminino,
se tornam nulos e inexistentes.
A condição de homem (sic) exige que o indivíduo, embora exista e aja como
um ser autônomo faça isso somente porque ele pode primeiramente precisa
identificar a si mesmo como algo mais amplo – como um membro de uma
sociedade, grupo, classe, estado ou nação, de algum arranjo, ao qual ele
pode até não dar nome, mas que ele reconhece instintivamente como seu
lar. (SECRUTON, 1986, p. 156 apud HALL, 2005, p. 48)
É possível dizer que o tratamento que estas publicações concedem a mulher
brasileira interfere na formação de imagens identitárias6 e no modo com que as
leitoras veem a si próprias, encaram suas realidades e constroem seus estilos
pessoais.
Esta monografia buscou, portanto, identificar, mapear a representação da
mulher negra nas capas das publicações mencionadas.
Os dois títulos estudados mostraram uma falta de representação da mulher
negra e apontam a definição de um padrão de beleza adotado por cada um deles.
Uma nação é uma comunidade simbólica e é isso que explica seu “poder para gerar
um sentimento de identidade e lealdade” (SCHWARZ, 1986, p. 106 apud HALL,
2015, p. 49).
Na era colonial (até o século XIX) iniciou-se a elaboração de uma imagem
estigmatizada da mulher negra brasileira. Isso expõe os estereótipos do negro diante
da sociedade.
Como expressão da Intelligentsia, a literatura tem se prestado,
relativamente ao papel da mulata na sociedade brasileira, a preservar
atitudes e valores que [...] atendem ao interesse de manter superpostas as
diferentes categorias étnicas. Por isso, salienta o autor, “jamais foi
assegurado à mulata o lugar de principal personagem nas estórias em que
interveio. (JUNIOR, 1975, p. 86-87 idem, p. 118 apud SANTOS, 2009, p. 4)
A mulher negra nunca foi vista como indivíduo principal dentro de uma
sociedade e essa invisibilidade dos negros na mídia brasileira mostra como não há
6
Paridade absoluta. Consciência que uma pessoa tem de si mesma. DICIONÁRIO Michaelis. São
Paulo: Melhoramentos, 2009. Disponível em: < http://www.uol.com.br/michaelis >. Acessado em
outubro de 2015.
13
diversidade nas publicações e que se vende uma realidade inexistente, a de que não
há preconceito no Brasil e que as revistas segmentadas, principalmente as de moda
e de noivas, são para todos.
O brasileiro é altamente preconceituoso e o mito da democracia racial é
uma ideologia arquitetada para esconder uma realidade social altamente
conflitante e discriminatória no nível de relações interétnicas [...]. O mito da
democracia racial era mais um mecanismo de barragem à ascensão da
população negra aos postos de liderança ou prestígio [...]. (MOURA, 1988,
p. 30)
O aparecimento da mulher negra nas capas de revistas femininas ficou cada
vez mais distante e, nas publicações de noivas, quase não é abordada essa etnia, o
que reforça o racismo velado da mídia brasileira.
A unidade, a homogeneidade interna, que o termo “identidade” assume
como fundacional não é uma forma natural, mas uma forma daquilo que lhe
“falta” – mesmo que esse outro que lhe falta seja um outro silenciado e
inarticulado. A “constituição de uma identidade social é um ato de poder”,
pois se uma identidade consegue se afirmar é apenas por meio da
repressão daquilo que a ameaça. Derrida 7 mostrou como a constituição de
uma identidade está sempre baseada no ato de excluir algo e de
estabelecer uma violenta hierarquia entre os dois polos resultantes –
homem/mulher etc. (...) Ocorre a mesma coisa na relação negro/branco, na
qual o branco é, obviamente, equivalente a “ser humano”. “Mulher” e “negro”
são, assim, “marcas” (isto é, termos marcados) em contraste com os termos
não marcados “homem” e “branco”. (LACLAU, 1990, p. 33 apud HALL,
2014, p. 110)
O questionamento sobre a falta de representatividade na mídia sobre a beleza
negra nas capas de moda é importante para analisar o papel dos meios de
comunicação
na
autoafirmação
e
no
autorreconhecimento
do
indivíduo,
especialmente no público feminino.
A dificuldade de pessoas negras de se reconhecerem como tal, assumirem a
positividade de sua identidade étnica explica-se, em parte, pela invisibilidade na
mídia e a dificuldade em encontrar referenciais que valorizem seu povo e cultura.
(...) a corresponsabilidade da mídia, ou seja, do conjunto dos meios de
comunicação na perpetuação de estereótipos negativos. Personagens
negras são sempre relacionadas à comicidade, à criminalidade ou à
servidão. As apresentadoras de programas infantis, assim como as atrizes e
modelos que mais aparecem na mídia são loiras. Ter o cabelo crespo
significa ter “cabelo ruim”. “Cabelo bom” é liso, e para tê-lo, mulheres negras
7
DERRIDA, J. (1981). Positivions. Chicago: University of Chicago Press. (LACLAU, 1990, p. 33 apud
HALL, 2014, p. 110 apud DERRIDA, 1981).
14
(e brancas) tornam-se escravas de escovas, processos químicos, pranchas
e chapinhas para alisar e alongar seus cabelos. (MALACHIAS, 2011, p. 19)
Pontua-se então que a representação da mulher negra na mídia impressa se
dá com base na idealização da mulher branca – ela como referência, como padrão
de beleza universal e única.
Já os afrodescendentes, que se constituem em um grupo historicamente
situado na zona de exclusão da sociedade brasileira, não têm espaço para mostrar
que são mais que os estereótipos preestabelecidos pela sociedade ou erroneamente
representados nos meios de comunicação e que também estão presentes em outros
campos, ramos, áreas, seja na beleza ou no mercado de trabalho.
(...) a cultura é agora o meio partilhado necessário, o sangue vital, ou talvez,
antes, a atmosfera partilhada mínima, apenas no interior da qual os
membros de uma sociedade podem respirar, sobreviver e produzir. Para
uma dada sociedade, ela tem que ser uma atmosfera na qual podem todos
respirar, falar e produzir; ela tem que ser, assim, a mesma cultura. Para
dizer de forma simples: não importa quão diferentes seus membros possam
ser em termos de classe, gênero ou raça, uma cultura nacional busca
unificá-los numa identidade cultural, para representá-los todos como
pertencendo à mesma e grande família nacional. (GELLNER, 1983, pp. 37-8
apud HALL, 2005, p. 59)
Pode-se então reforçar que a identificação como ser de uma mesma cultura e
sociedade, repleta de diversidade, é o que falta para que a representação de fato
ocorra nos meios de comunicação, notadamente nas revistas femininas de noivas,
objeto de estudo desta monografia.
15
2. NEGROS NA MÍDIA: NO BRASIL E NO MUNDO
Em 2015, a emissora de TV Rede Globo começou a exibir a série Mister Brau,
com os atores Lázaro Ramos e Taís Araújo. Essa é a primeira série nacional
protagonizada por um casal de personagens negros e ricos: "Só foi possível fazê-la,
pois temos esse casal de atores incríveis", de acordo com o cineasta, diretor e
roteirista gaúcho Jorge Furtado, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, no blog
Outro Canal.
Essa característica levou o jornal britânico The Guardian8 a falar da trama
criada por Furtado, que já escreveu o roteiro e dirigiu outras séries e filmes, como O
Homem que Copiava, com Lázaro Ramos na vida de um jovem de 20 anos que
trabalha na fotocopiadora da Papelaria Gomide, localizada em Porto Alegre;
Saneamento Básico, O Filme; Real Beleza; Doce de Mãe, entre outros.
Na matéria, o grande destaque se dá por saber que no Brasil 50,7% da
população é negra ou parda, mas que esse número não está representado de
maneira alguma na TV, no cinema, nos jornais e revistas, enquanto nos EUA, os
13% da população negra já protagoniza filmes e séries, elevando o índice de
representatividade na mídia9.
Hall (2014) faz uma associação de como a representação na mídia pode
afetar a forma como nos nós enxergamos a nós mesmos como indivíduos de uma
sociedade diversificada.
As identidades parecem invocar uma origem que residiria em um passado
histórico com o qual continuariam a manter uma certa correspondência.
Elas têm a ver, entretanto, com a questão da utilização dos recursos da
história, da linguagem e da cultura para a produção não daquilo que nós
somos, mas daquilo no qual nos tornamos. Têm a ver não tanto com as
8DOUGLAS,
Bruce. The Guardian. Rio de Janeiro, 12 out. 2015. Tradução da autora. Disponível em:
http://www.theguardian.com/world/2015/oct/07/brazil-television-mister-brau-black-couple-race-issues
> Acessado em outubro de 2015.
9 MESQUITA, Lígia. Folha de S. Paulo. São Paulo, 10 out. 2015. Disponível em: <
http://outrocanal.blogfolha.uol.com.br/2015/10/10/os-negros-nao-estao-representados-nadramaturgia-diz-jorge-furtado/?cmpid=facefolha#_=_ > Acessado em outubro de 2015.
16
questões “quem nós somos” ou “de onde nós viemos”, mas muito mais com
as questões “quem nós podemos nos tornar”, “como nós temos sido
representados” e “como essa representação afeta a forma como nós
podemos representar a nós próprios”. (HALL, 2014, p. 108)
Com o intuito de chamar atenção sobre a falta de diversidade nos desfiles, a
conta no Instagram More Models Of Color10 mostra a falta de variedade nas
passarelas internacionais. Criado por um usuário anônimo, o perfil apresenta
modelos negras, orientais, indianas e de outras etnias que não são devidamente
representadas no mundo da moda, e tem como o slogan a frase: "toda mulher tem
o direito de ser retratada na indústria”.
A falta de diversidade nas revistas de noivas é só um dos meios que a mulher
negra encontra em não ser representada. Como já apresentado e com dados
específicos no decorrer desta monografia, é possível identificar que existem muitos
outros caminhos para que a invisibilidade de quem não é “classificado” como
normativo branco na cultura pode vir a sofrer na mídia, seja ela nas passarelas, na
TV, no cinema, nos jornais ou nas revistas.
Outra barreira da mulher negra está na indústria da beleza. Quantos tons de
base para pele negra existem nas lojas de maquiagem — quando existe algum? Isso
é reflexo de uma cultura induzida em supor que a mulher negra não é o público-alvo
de determinadas marcas, por isso não necessita de produtos para ela e nem de
representação em comerciais.
Em um país onde as negras representam um quarto da população geral,
segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)11, é gerada a
questão de serem consumidoras, mas de não serem vistas como público-alvo.
A atriz Lupita Nyong’o, que ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante em
2014 pelo filme 12 Anos de Escravidão, já apareceu em várias campanhas de moda
com roupas e maquiagens coloridas. Uma das poucas artistas negras que
10
O perfil no Instagram "More Models Of Color" apresenta mulheres, além da negra, de outras etnias
que se sentem esquecidas pela indústria da moda. Nas passarelas, existe pouca diversidade e a
conta tem com objetivo apresentar outras belezas, diferente do normativo branco. Disponível em <
https://instagram.com/moremodelsofcolor/ > Acessado em outubro de 2015.
11LOUREIRO, Gabriela; CUSTÓDIO, Túlio. Você é racista - só não sabe disso ainda. Revista Galileu.
Disponível em < http://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2015/10/voce-e-racista-so-nao-sabedisso-ainda.html >. Acessado em outubro de 2015.
17
representam as mulheres negras nos EUA e no mundo todo, além da
representatividade que sua figura pública estabelece, também estimula a indústria a
criar tons de maquiagem que valorizem essa cor de pele.
“Mais do que ser uma personalidade que estampa editoriais, Lupita
empodera outras mulheres como ela. Durante parte da minha adolescência,
eu usava cores claras, gloss de batom ou base nas unhas, porque sempre
ouvimos que negras não combinam com cores fortes. Hoje uso o que bem
entender” (Revista Galileu, 2015, informação verbal)12
A protagonista Viola Davis da série de TV americana How To Get Away With
Murder13 fez história durante a premiação do Emmy14 deste ano. Ela se tornou a
primeira mulher negra a ganhar o prêmio de melhor atriz em série dramática em 67
anos de existência do evento.
Em seu discurso no palco, Davis arrancou aplausos quando disse: "A única
coisa que separa as mulheres de cor de qualquer outra pessoa é a oportunidade.
Você não pode ganhar um Emmy por papéis que simplesmente não existem” 15.
Em setembro de 2015, a revista americana Nylon16 fez uma matéria onde
mostrou empresas de diversos segmentos que mudaram sua cartela de cores para
um novo conceito de cor “nude” (bege).
De Louboutin17 a O Boticário18, marcas internacionais e nacionais apresentam
certa preocupação em oferecer produtos que combinem com todas as cores de pele
e que suas clientes possam se sentir mais representadas.
12Citação
fornecida por Hanayrá Negreiros, estudante de moda, em entrevista para a Revista Galileu,
em São Paulo, edição de outubro de 2015.
13
Uma série de TV americana transmitida pela ABC, produzida por Shonda Rhimes, criadora de
outras séries como Scandal e Grey's Anatomy. É um drama de suspense jurídico sobre um grupo de
estudantes de direito e sua professora, a brilhante advogada criminal Annalise Keating, papel de
Viola. Ela vê sua vida mudar quando, junto com seus alunos, se envolve em assassinato. Disponível
em: http://htgawmbrasil.com/ > Acessado em outubro de 2015.
14 O Emmy Awards é uma premiação anual em que a Academia de Artes e Ciências Televisivas dos
EUA elege as séries, minisséries e telefilmes que mais se destacaram dentro de suas categorias.
Disponível em: http://omelete.uol.com.br/emmy/ > Acessado em outubro de 2015.
15 ALOI, Rafael. Viola Davis é a primeira negra a ganhar o prêmio de melhor atriz no Emmy e faz
discurso emocionante. Portal Geledés. Disponível em: Disponível em <
http://www.geledes.org.br/viola-davis-e-a-primeira-negra-a-ganhar-o-premio-de-melhor-atriz-noemmy-e-faz-discurso-emocionante/ > Acessado em outubro de 2015.
16 Revista americana sobre cultura pop e moda. Sua cobertura inclui arte, beleza, música,
celebridades, tecnologia e viagens. Disponível em: http://www.nylon.com/magazine > Acessado em
outubro de 2015.
18
Em 2015, os lançamentos de O Boticário trouxeram 12 cores de base para
que mais de 50 tons de pele possam ser atendidos. Por anos, o sapato mais
desejado da marca Louboutin era o Scarpin Nude. Em 2013, foi criada a The Nude
Collection, coleção de sapatos nudes nos tons para a pele branca, mas em abril de
2014 a coleção ganhou sete tons de nude para atender todos os públicos, inclusive
as negras.
As rasteirinhas da Tkees19, que tem clientes famosas como Beyoncé, Gigi
Hadid, Halle Berry e Jessica Alba, também aderiu aos vários tons de nude, e hoje já
é possível encontrar opções em todas as tonalidades.
Unhas na cor nude são um clássico e muito procuradas nas manicures. Para
possibilitar essa experiência a suas clientes negras, a marca de esmaltes RGB
Cosmetics20, presente em diversos desfiles, criou uma coleção com os mais
variados tons. A mesma proposta fez com que a marca Nude Barre21, conhecida
pelas meias-calças “cor da pele”, agora a oferecesse em vários tons também.
Essa inclusão da mulher negra em diversos aspectos do mercado de
cosméticos, sapatos ou roupas é importante para a representação dela no meio.
Esse movimento mostra uma preocupação que antes não existia em relação às
negras como público-alvo das marcas, como por exemplo, a Louboutin, considerada
uma marca de luxo e que tem calçados na faixa de R$ 10 mil para cima.
Este ano, um estudante da Ithaca College, em Connecticut, nos EUA, fez uma
campanha na internet para mudar a definição da palavra “nude” no dicionário
17
Christian Louboutin é um expert designer de sapatos e tem duas marcas registradas: o salto
altíssimo (na faixa dos 12 a 13 centímetros) e a sola laqueada pintada de vermelho-sangue. Possuía
em 2009, 36 lojas próprias e 200 pontos de venda (localizados dentro de famosas lojas de
departamento de luxo) em 51 países ao redor do mundo. Suas lojas estão localizadas em cidades
cosmopolitas como Paris, Londres, Nova York, Los Angeles, Moscou e São Paulo. Disponível em:
http://mundodasmarcas.blogspot.com.br/2009/04/aviso.html > Acessado em outubro de 2015.
18 Rede de franquias de cosméticos e perfumes brasileira. Seus principais produtos são fragrâncias,
cremes e produtos para maquiagem. Disponível em: www.boticario.com.br/ > Acessado em outubro
de 2015.
19Marca artesanal de sandálias minimalistas. Disponível em: https://tkees.com/about > Acessado em
outubro de 2015.
20 Linha de esmalte famosa por fornecer suas cores aos desfiles de moda internacionais. Disponível
em: http://www.rgbcosmetics.com/ > Acessado em outubro de 2015.
21 Marca internacional de meias-calças da "cor da pele". Disponível em: http://nudebarre.com/ >
Acessado em outubro de 2015.
19
americano. Através da plataforma DoSomething.org22, o jovem conseguiu reunir 800
pessoas para que a frase “usar a cor que represente a pele de uma pessoa
branca” fosse retirada da versão online do Merriam-Webster (dicionário online).
Genérica e realmente representativa, o novo significado ficou: “usar uma cor que
combine com a pele da pessoa, dando aparência de nudez”23.
Esse novo significado no dicionário americano mostra como sempre o
normativo branco é sempre aceito e automaticamente referência em nossa ou em
qualquer cultura, enquanto outras etnias são excluídas.
A cultura dos oprimidos, das classes excluídas: esta é a área à qual o termo
“popular” nos remete. E o lado oposto a isto – o lado do poder cultural de
decidir o que pertence e o que não pertence – não é, por definição, outra
classe “inteira”, mas aquela outra aliança de classes, estratos e forças
sociais que constituem o que não é “o povo” ou as “classes populares”: a
cultura do bloco de poder. (HALL, 2003, p. 245)
Nesse trecho, Hall (2003) explica que o termo ‘popular’ não aborda todos de
uma sociedade, quando esse movimento deveria o contrário. O que as marcas estão
começando a fazer, não é torná-las "populares", mas sim acessíveis a todos os
públicos, independente de sua cor de pele. Todos têm o direito de consumir o que
bem entenderem e se enxergarem representados em um comercial, na passarela,
na vitrine da loja, na TV ou na revista. É dessa maneira que uma sociedade
diversificada e rica em diferentes culturas integraria a todos.
A ativista e doutoranda em estudos africanos pela Universidade do Texas, em
Austin, nos Estados Unidos, Daniela Gomes24 disse à Revista Galileu (2015) que as
mulheres negras são excluídas, inclusive dos relacionamentos amorosos: “A
formação da mentalidade das pessoas se dá com o que elas veem, e com isso
muitas mulheres negras são deixadas de lado, principalmente as que querem se
relacionar com negros. Elas são a última opção”.
22
Plataforma online que mobiliza jovens para uma mudança social no mundo. Já tem 4,3 milhões de
usuários em 130 países.
23 SEVERO, Jéssica. A redefinição da cor nude. Blog Bolinhas de Gucci. Disponível em:
https://bolinhasdegucci.wordpress.com/2015/09/03/a-redefinicao-da-cor-nude/ > Acessado em
outubro de 2015.
24 Jornalista, doutoranda em estudos africanos, da diáspora africana, mestre em estudos culturais,
especialista em mídia, informação e cultura. Criadora do blog AfroAtitudes. Disponível em:
http://afroatitudes.blogspot.com.br/ > Acessado em outubro de 2015.
20
Enquanto isso, na literatura brasileira, a mulher afrodescendente integra o
arquivo desde seus começos. De Gregório de Matos Guerra (1636-1696) a Jorge
Amado (1912-2001) e Guimarães Rosa (1908-1967), a personagem feminina
oriunda da diáspora africana no Brasil tem lugar garantido, em especial, no que toca
à representação estereotipada que une sensualidade e desrepressão.
Segundo o último Censo do IBGE (2010), 70% dos casamentos no país
ocorrem entre pessoas da mesma cor. Na pesquisa, raça é o fator predominante na
escolha de parceiros conjugais.
Em 2000, o índice de pessoas que se casavam com outras da mesma raça
era 71%. Se os casamentos não fossem influenciados por questões raciais, esse
índice deveria ficar em torno de 50%, embora já tenha sido de 80% na década de
1980. Só que, a partir da década de 1990, com a ascensão econômica de homens
negros, eles passaram a querer se relacionar com mulheres brancas como forma de
obter status social.
E as negras acabaram sobrando: 53% das mulheres solteiras no Brasil são
negras. São as que menos se casam e as mais propensas ao celibato, de acordo
com o levantamento do IBGE.
Mas mesmo com esses números, é necessário não abordar realmente a
mulher negra nas revistas de noivas brasileiras? O que fazer com as que
definitivamente se casam? Elas se enxergam no meio de tanta branquitude? Será
que esses números podem ser alterados quando a mídia fizer uma abordagem
diferente sobre a posição da mulher negra na sociedade, na família, no mercado de
trabalho, na imprensa?
A Revista Galileu (2015) fez um breve levantamento com marcas nacionais de
cosméticos que aponta para a não preocupação em abordar a mulher negra como
público-alvo também de seus produtos. A pesquisa releva que, em média, as marcas
oferecem três vezes mais opções de maquiagem para a mulher branca do que para
a negra, como imagem abaixo:
21
Figura 1- Índice de marcas que oferecem outros tons de bases para que atenda todas as cores de
pele: Disponível em <http://goo.gl/CJDS4P>. Acessado em outubro de 2015
22
3. REVISTA: HISTÓRIA E CONSOLIDAÇÃO DO VEÍCULO NO BRASIL
A história começa lá atrás, em 1º de outubro de 1827, com o editor francês
Pierre Plancher25, na criação do Jornal do Commercio, no Rio de Janeiro. O Jornal
do Commercio atravessou as mais diferentes fases do país cumprindo o seu papel
de manter informado o público em geral, com a agilidade permitida pela tecnologia
de cada época.
Em 1987, resolveu lançar a primeira revista feminina, e assim, escreveu na
apresentação de sua quinzenal O Espelho Diamantino. Mas há registros anteriores:
Buitoni (1986), por exemplo, relata em sua obra que a imprensa feminina existe no
mercado desde o ano de 1827 – seu primeiro periódico circulou pelo Estado do Rio
de Janeiro no mesmo ano. Isso elenca o começo de um empreendimento destinado
exclusivamente às mulheres brasileiras.
Ao longo de 14 números, Plancher brindou suas leitoras com contos de
autores europeus, comentários sobre arte e literatura e as indispensáveis páginas de
moda e culinária. A mesma receita utilizada pelo jornalista francês Adolphe Émile de
Bois-Garin, que lançou em Recife, no ano de 1831, a bissemanal Espelho das
Brasileiras, que durou um pouco mais de 30 edições (BUITONI, 1986).
Nos anos 1970, as indústrias culturais26 passaram por expansão no Brasil,
proporcionando o crescimento do mercado editorial e da indústria gráfica. O contexto
permitiu a consolidação de conglomerados, como a Editora Abril, que se tornaram
empresas plenamente submetidas à lógica de produção capitalista (FONSECA,
2008, p. 92).
25Pierre
Plancher chegou ao Brasil em 23 de fevereiro de 1824. Em Paris, era editor de Voltaire, de
Benjamin Constant de Rebecque e de outros destacados intelectuais. Também se destacava na
França como um mestre das artes gráficas. No Brasil, fundou dois jornais, um deles o JORNAL DO
COMMERCIO, que se seguiu ao primeiro, denominado SPECTADOR BRASILEIRO. Disponível em:
http://www.jcom.com.br/pagina/historia/2 > Acessado em outubro de 2015.
26 Na Indústria Cultural, tudo se torna negócio e seus fins comerciais são realizados por meio de
sistemáticas e programados exploração de bens considerados culturais. É a mercantilização da
cultura, o cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A verdade de que não
passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que
propositalmente produzem. Fonte: ADORNO, T. & HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento. 1ª
edição, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1985.
23
A partir daí, entram na fase de diversificação de mercadorias e empresas
jornalísticas começam a lançar produtos para atender a demandas específicas
(FONSECA, 2008, p. 70).
Como premissa a esta reflexão, o pensamento da
jornalista Fátima Ali, auxilia no entendimento de que:
O jornalismo feminino desenvolveu-se com a industrialização e com a
publicidade, sendo a mulher o principal alvo consumidor: essas
circunstâncias são inerentes à economia capitalista. Revista é feita para
vender. (ALI, 2009)
Todo veículo de comunicação tem seu público-alvo e, no caso das revistas,
este público se restringe a um grupo mais fechado, categorizado por sexo, faixa
etária e classe social. Todos esses fatores desenham o perfil do leitor, e diante dos
anseios deste público-alvo é que o conteúdo da revista é definido.
Vilas Boas (1996) descreve que numa revista há a fotografia, o design e o
texto. Em termos de atualidade e por permanecerem mais tempo nas bancas, as
revistas são produtos mais duráveis que os jornais, e por isso, podem ser divididas
em três grupos estilísticos: as ilustradas, as especializadas e as de informação geral.
O objeto de estudo desta monografia caracteriza as revistas de noivas
analisadas como ilustradas, por haver nelas mais fotografias do que matérias e
reportagens sobre o universo de noivas.
Essa segmentação também é importante para que o público-alvo de tais
publicações possa se identificar melhor, já que o objetivo dessas revistas é
exclusivamente de inspiração.
Roberto Civita27 (1936-2013), presidente do grupo Abril, em matéria do
jornalista Paulo Markun28, publicada pela Revista Imprensa, no ano de 1987, declara
que para uma revista sobreviver é preciso saber definir bem o seu público: “Na Abril,
fomos evoluindo e acabamos adotando a estratégia de segmentação, porque é o
que os leitores querem” (MARKUN, 1987, p. 42 apud VILAS BOAS, 1996, p 71).
O aumento significativo e a popularização das revistas femininas trouxeram
para o Brasil o estereótipo da "beleza padrão", o europeu-americano, que nesses
27
Fundador do Grupo Abril, empresário e presidente da Fundação Victor Civita. Faleceu no dia 26 de
maio de 2013. Disponível em: http://grupoabril.com.br/pt/quem-somos/roberto-civita > Acessado em
outubro de 2015.
28 MARKUN, Paulo. "VC em Revista". Revista Imprensa, São Paulo, outubro de 1987, p.42.
24
outros países onde a miscigenação é menor se consolidou na mídia por ser
normativo em qualquer cultura. O modelo branco, especialmente nas capas das
revistas, se tornou comum nas publicações no país tupiniquim, como acontecia em
diversos lugares do mundo.
Vilas Boas (1996) aponta que os principais aspectos do estilo jornalístico em
revista são ritmo, jeito, equilíbrio, linguagem, apresentação, símbolos, ética e
personalidade. Com essa base, é possível identificar que o símbolo da mulher
branca como via de regra se manifesta na maioria das publicações feitas nas
revistas de moda do Brasil e do Mundo.
Em 1960, com o surgimento de revistas mais especializadas, as publicações
se baseavam em modelos estrangeiros, mas procurando sempre abrasileirar suas
fórmulas (MIRA, 1997, p. 67). Mesmo a população negra brasileira sendo mais da
metade do total de habitantes no Brasil, isso não reflete na mídia impressa e acaba
privando as mulheres negras da representação nas capas das revistas. O que pode
ser identificado hoje, especialmente nas de noivas, objeto desta monografia.
O conceito de segmentação de mercado é muito usado pelas editoras
brasileiras (BUITONI, 1986) e as revistas femininas encaixam-se nessa realidade. A
autora ainda explica que há séculos o homem descreve a mulher com luxo de
minúcias: o que ela é, o que pensa, sente, quer como reage e o que espera da vida.
Um retrato feminino de corpo inteiro tirado da fantasia e dos desejos dele. Essa
visão pode ser retratada apenas pela mulher branca, o ser normativo de nossa
cultura. A mulher negra não tem hierarquia racial e social para ser o modelo descrito
pelo homem.
A imprensa como formadora de opinião contribui para que a mulher branca se
consolide como modelo e referência de beleza dentro do mercado editorial. Esse
padrão é cada vez mais presente nas revistas de moda, o que acaba se tornando
uma preferência mundial, enquanto a beleza da mulher negra é pouco explorada nas
publicações de moda e de noivas.
Hall (2014) acredita que essa atitude gera uma "crise de identidade”, que se
transporta para realidade das revistas de noivas, objeto de estudo desta monografia,
25
ao se questionar a ausência de referência à mulher negra, especialmente nas capas
ou nos destaques na página que apresenta estas publicações.
Esta perda de um “sentido de si” estável é chamada, algumas vezes, de
deslocamento ou descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento –
descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural
quanto de si mesmos – constitui uma “crise de identidade” para o indivíduo.
Como observa o crítico cultural Kobena Mercer, “a identidade somente se
torna uma questão quando está em crise, quando algo que se supõe como
fixo, coerente e estável é descolado pela experiência da dúvida e da
incerteza”. (MERCER, 1990, p. 43 apud HALL, 2005, p. 9)
Nesse contexto, a imprensa feminina apareceu justamente para que as
mulheres pudessem ter um canal feito para elas, com assuntos e abordagens
específicas para esse público e que houvesse tal identificação.
Com a necessidade cada vez mais aflorada de transmitir informação
específica para o universo feminino, as revistas foram ganhando força no mercado
brasileiro, como Claudia (Editora Abril), que foi inovadora em múltiplos aspectos,
coincidindo com a revolução de costumes em curso e, sobretudo, com a presença
da mulher no mercado de trabalho (MARTINS, 2008, p. 213).
O conteúdo diversificado e a apresentação mais atrativa fizeram com que as
revistas criassem um novo tipo de veículo de comunicação, além dos tradicionais
jornais. A linguagem mais pessoal aproximou o público leitor de quem criava o
conteúdo. Ilustrações e imagens ganharam mais força nas páginas das magazines,
o que gerou maior credibilidade comparada aos outros tipos de veículos.
Um exemplo, nos periódicos para a mulher, eram as fotos de pessoas
registradas individualmente, seja a artista famosa ou a mãe de família, a fim de
documentar a realidade (BUITONI, 1986).
Mas nem todas as mulheres tinham acesso a esse tipo de informação, já que
em meados do século XIX a imprensa feminina era um produto para a elite.
Mulheres da aristocracia e burguesia sabiam ler e dispunham de tempo para isso,
como explica Buitoni.
Com essa visão, o aparecimento da mulher negra nas capas de revistas
femininas ficou distante. As revistas de noivas, por exemplo, praticamente não
26
abordam em suas capas essa etnia, o que gera ainda mais a falta de representação
da mulher negra brasileira.
Isso abre para uma discussão que por mais que as revistas de moda estejam
presentes em diversos países com culturas e etnias diferentes, o padrão de beleza
se resume a modelos brancas, de cabelos e olhos claros, mostrando capas que
dificilmente refletem a imagem da mulher “real” dos países onde são publicadas.
A revista foi se tornando, ao longo do tempo, o veículo por excelência da
imprensa feminina, seja no aspecto de apresentação gráfica, seja nas
correspondentes maneiras de estruturar seu conteúdo. O poder da
configuração revista é tão grande que influencia até outros meios não
impressos, como programas de rádio e TV – TV Mulher, da Rede Globo, foi
todo pensado na fórmula de revista, inclusive dispensando, de certo modo,
a imagem em movimento: a telespectadora podia ocupar-se dos afazeres
domésticos e apenas ouvir o áudio, pois a imagem raramente era
imprescindível. (BUITONI, 1986, P. 57)
No Brasil, a maior editora de revistas femininas atualmente é a Abril, que
também ocupa a liderança na produção de outras revistas segmentadas (BUITONI,
1986, p. 61), como a Quatro Rodas, imprensa automobilística, e Veja, a revista
semanal de informação (MIRA, 1997, p. 65). De acordo com o site do Instituto
Verificador de Comunicação (IVC)29, a Abril lidera o ranking de maior editora
brasileira, seguida da Editora Globo (dados de 2015).
A Editora Abril tornou-se expert em jornalismo feminino, tanto pela variedade
de suas publicações quanto pelo conhecimento que acumulou durante esses longos
anos. Criada por Victor Civita, em suas oficinas seria impressa, em 1950, a parte da
primeira edição de O Pato Donald, a primeira publicação da Editora Abril (MIRA,
1997, p. 40).
Buitoni (1986) relata que as revistas femininas, especialmente quando
surgiram e ganharam o público, tinham o intuito de entreter, de mostrar que a dona
de casa também trabalhava fora, cuidava dos filhos, do lar, do marido e de si
mesma, mas que essas publicações não possuíam a pretensão de modificar o
mundo e parte de estereótipos que a publicidade veiculava na mídia. Situação que
29
Instituto Verificador de Comunicação. Disponível em: <
http://ivcbrasil.org.br/auditorias/aPublicacoesAuditadasRevista.asp > Acessado em outubro de 2015.
27
também reflete sobre o atual mercado editorial de publicações femininas, ajustando,
claro, com a evolução e o papel da mulher na sociedade.
As revistas segmentadas existem para que cada público se identifique com tal
publicação e a torne referência para si. Se não existe uma representação que
contemple todos os públicos dentro de uma sociedade, o intuito de segmentação se
perde, pois não há identificação para todos os grupos.
Adorno e Horkheimer afirmam na Dialética do Esclarecimento que, se o
mercado divide seus produtos em A, B ou C, é para melhor captar a todos
e, novamente, dentro de cada segmento, transforma o indivíduo num ser
genérico. Desta perspectiva, a segmentação faria parte do processo de
"pseudo-individualização" promovido pela cultura de massa. (MIRA, 1997, p.
7 apud ADORNO; HORKHEIMER, 1985)
Neste contexto, percebe-se que o padrão de beleza reforça a mulher branca,
devido a sua história com o produto revista. A partir disso, no caso das publicações
de noivas, cria-se um hábito de que representação nesse caso não é importante
para a criação de uma identidade pessoal da mulher negra nas capas destes
produtos.
28
4. REVISTAS DE MODA EM GERAL
Edgar Morin relata que a moda se renova aristocraticamente, enquanto se
difunde democraticamente. A alta costura envolve em mistério seus lançamentos:
jornais, revistas e TV permitem ao público imitar o mais depressa possível a elite.
Assim, a cultura de massa efetua uma dialética de aristocratização e de
democratização (MORIN, 1969 apud BUITONI, 1986, p. 13).
Para Buitoni (1986), a imprensa como meio de comunicação de massa tem o
poder de influência nas mãos. Isso faz com que o público ao se deparar com uma
notícia, seja ela de qual relevância for, contribuiu para que o leitor seja impactado
em expressar uma opinião, crítica ou a seguir um padrão estabelecido e mostrado
por ela como certo. Esse contato repetidas vezes com um mesmo biótipo cultuado
pelos meios de comunicação, torna-o um padrão universal a ser seguido,
praticamente uma tendência.
Isso acontece nas publicações de moda, como citado por Morin, jornais,
revistas e a TV permitem o público a imitar o mais depressa possível o que é
retratado nos veículos de comunicação. É por meio dos significados produzidos
pelas representações que se dá sentido à experiência e àquilo que somos (HALL,
2014, p. 18).
Na sociedade moderna, os meios de comunicação de massa influenciam na
organização social e na construção da realidade. Com o desenvolvimento das
Ciências Biológicas e da Genética, “raça humana” passou a ser considerado um
conceito cientificamente inoperante. Contudo, na prática social, quando se discute a
situação da pessoa negra na sociedade, raça ainda é o termo mais adotado, além
de possuir dimensão histórica, social, política e cultural, afastando-se da crença do
determinismo biológico.
O conceito de raça, tal como o empregamos hoje, nada tem de biológico. É
um conceito carregado de ideologia, pois, como todas as ideologias, ele
esconde uma coisa não proclamada: a relação de poder e de dominação. A
raça, sempre apresentada como categoria biológica, isto é, natural, é de
29
fato uma categoria etno-semântica. (MUNANGA, 1999 apud BARBOSA e
SILVA, 2010)
Para o professor de Antropologia da USP, Kabengele Munanga30, o campo
semântico do conceito de raça é determinado pela estrutura da sociedade e pelas
relações de poder que a conduzem e gera o mito da democracia racial, forjando uma
crença de que a pessoa negra não enfrenta problemas no interior da sociedade
brasileira, tendo em vista que não existem distinções raciais e as oportunidades são
iguais para todos.
Um levantamento feito pelo site internacional Fashion Spot31, em 2014,
mostra que a falta de diversidade é um caso a ser discutido no século XXI. Isso
implica diretamente na representação da mulher negra nos meios de comunicação,
nas passarelas dos desfiles nacionais e internacionais e, principalmente, em revistas
femininas.
Na pesquisa, lembram-se da Vogue americana, que em no ano de 1974
percebeu que o mundo não era só branco e estrelou a primeira capa com uma
negra, a modelo nova-iorquina Beverly Johnson. Essa atitude “inovadora” para a
época direcionou a visão da mídia para o outro lado, e fez com que a população
negra se enxergasse ali, já que até então não existia um ícone fashion negro para se
espelhar.
A ex-modelo Bethann Hardison – ativista e pilar do movimento Diversity
Coalition32 nos EUA, ao lado de modelos negras internacionais como Naomi
30
Graduado em Antropologia Cultural pela Université Officielle Du Congo à Lubumbashi (1969) e
Doutorado em Ciências Sociais (Antropologia Social) pela Universidade de São Paulo (1977).
Atualmente é Professor Titular da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de
Antropologia, com ênfase em Antropologia das Populações Afro-Brasileiras, atuando principalmente
nos seguintes temas: racismo, identidade, identidade negra, África e Brasil. Disponível em:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4721570H5 > Acessado em outubro de
2015.
31 The Fashion Spot - Fórum: comunidade da web de influenciadores da moda. Disponível em <
http://forums.thefashionspot.com/. > Acessado em março de 2015. Tradução da autora.
32 Movimento criado em 2013 pela ex-modelo Bethann Hardison por mais diversidade nas passarelas.
Em carta enviada ao CFDA (Conselho de Designers de Moda da América) e para as organizações
semelhantes na França e na Itália, Bethann acusava a prática de racismo, mesmo que não
intencional. A carta listava, uma a uma, as marcas que haviam usado apenas uma ou nenhuma
modelo negra em suas passarelas naquela temporada – Chanel, Valentino, Saint Laurent, Louis
Vuitton, Alexander McQueen. Durante a NYFW 2014 pode-se notar que alguns designers já abraçam
a causa. Matéria "Por mais diversidade nas passarelas"- Site Portal Tag It.
30
Campbell33 e Iman Abdulmajid34 – contestou a atual escassez da presença de
negros na indústria da moda.
Bethann começou como modelo na década de 1960, ao lado de outras duas
negras no mundo da moda, Pat Cleveland e Alva Chinn.
Em 1984, fundou uma Agência de Modelos. A predominância de modelos
brancos era por exigência dos próprios estilistas e designers, mas muitos
profissionais negros foram revelados nessa época.
Depois de 12 anos à frente da agência, Bethann encerrou suas atividades no
mundo da moda e quando voltou, por influência do amigo, fundador e editor da
Revista Paper Kim Hastreiter, criou a Diversity Coalition, que é composta por
profissionais que discutem a inclusão do negro em todos os níveis da sociedade.
A jornalista e editora de moda Igi Ayedun35 entrevistou Bethann Hardison para
a revista ELLE Brasil em fevereiro de 2014, e ela contou como é o trabalho da
Diversity Coalition e o que isso representa para o mundo da moda atual:
http://portaltagit.ne10.uol.com.br/moda/19849/por-mais-diversidade-nas-passarelas >. Acessado em
abril de 2015.
33 Britânica, foi a primeira modelo negra a estampar capas de revistas como a “Elle” na Inglaterra, a
“Vogue” na França e a “Time Magazine” nos EUA. Conquistou um espaço na moda que preserva até
hoje. Disponível em: http://gente.ig.com.br/naomicampbell/ > Acessado em outubro de 2015.
34A primeira top model negra a figurar na capa da ‘Vogue’ americana, no final da década de 70. Já
desfilou para grandes marcas como Yves Saint Laurent, Versace e Calvin Klein. Disponível em:
http://www.cmjornal.xl.pt/domingo/detalhe/iman-pantera-negra.html > Acessado em outubro de 2015.
31
Figura 2 - Entrevista na revista ELLE Brasil - AYEDUN, Igi. Entrevista retirada do site. Disponível em
<http://goo.gl/g078cO> Acessado em setembro de 2015.
32
A discussão proposta pela jornalista e editora de moda brasileira Igi Ayedun36
– radicada em Paris, em seu blog dentro do Estadão.com propõe que o termo
"representação" signifique a ideia de mundo. Para ela, dentro da esfera filosófica (e
psicológica), representação também se transforma na verdade em que se vive de
acordo com os referenciais que são apresentados, construindo assim conceitos
sobre o certo e o errado, verdadeiro e falso, bonito e feio37.
Etimologicamente, representação provém da forma latina repraesentare –
fazer presente ou apresentar de novo. Fazer presente alguém ou alguma coisa
ausente, inclusive uma ideia, por intermédio da presença de um objeto. Tal seria, por
exemplo, o sentido da afirmação de que o Papa e os cardeais “representam” Cristo e
os Apóstolos (MAKOWIECKY, 2003, p. 3).
A diversidade nas passarelas também é um tema muito discutido, até pelas
modelos que fazem parte desse universo. Na temporada de 2010, muitos se
chocaram pelo número significantemente menor de modelos "não-brancas" nos
desfiles no mundo.
Por exemplo, na coleção outono-inverno de 2007, os desfiles de Nova York
tiveram 100% de modelos brancos. Dois anos mais tarde, houve uma pequena
melhora, 18% eram compostos por negros, latinas e asiáticas. No ano seguinte,
2010, a representação caiu novamente, como é possível analisar no gráfico:
36Jornalista,
editora, consultora de moda e stylist, Igi Ayedun possui um blog dentro do site do jornal
O Estado de S. Paulo, onde aborda assuntos como representatividade, diversidade e racismo no
mundo da moda. É proprietária da Revista U+MAG, e escreve para revistas de moda como a ELLE
Brasil e L'OFFICIEL Brasil International. Disponível em: http://igiayedun.com/> Acessado em outubro
de 2015.
37 AYEDUN, Igi. #COMEASYOUARE - Dia da consciência negra e sim, vamos falar de moda?.
Estadão.com.br. Disponível: http://vida-estilo.estadao.com.br/blogs/front-row/comeasyouare/ >.
Acessado em março de 2015.
33
Figura 3 – Gráfico de diversidade nas passarelas internacionais. Disponível em
<http://goo.gl/aDU1zi> Acessado em setembro de 2015.
A pesquisa foi realizada pelo site internacional Style.com38 em 2010 e
verificou que, de 4.095 modelos, apenas 662 foram para as figuras não brancas.
Isso é quase 16%. Modelos negras somaram um total de 323 e foram mais utilizadas
do que qualquer grupo étnico, além de brancos. Os asiáticos ficaram em segundo
lugar, com 264.
Compreender como as revistas direcionadas ao público feminino retratam
uma parcela desse público – a mulher negra – no plano simbólico por meio da mídia
impressa e como isso pode manter determinados discursos hegemônicos é
essencial para entender a estrutura social atual.
38O
portal era referência em conteúdo de moda e dono de um dos mais completos acervos de desfiles
da internet. Em 2015, teve sua cobertura editorial migrada para um novo endereço sob o guardachuva da “Vogue” americana: voguerunway.com. Disponível em < http://www.vogue.com/fashionshows/ > Acessado em setembro de 2015.
34
O exercício do poder simbólico é, em parte, responsável por afirmar
estereótipos e hierarquizar grupos sociais, além de influenciar na formação ou
deformação da identidade dessas mulheres e, consequentemente, na luta para
ultrapassar a barreira de estereótipos e invisibilidade.
Cinco anos depois que a pesquisa foi realizada, em abril de 2015 ocorreu
uma interessante mudança nas revistas de moda internacionais e nacionais: foram
escolhidas modelos, atrizes e esportistas negras para estamparem a capa e o
recheio de suas edições. Isso ocorreu devido ao grande destaque na mídia que cada
uma teve dentro de suas profissões.
A tenista Serena Williams fez capa histórica ao sair na Vogue americana na
edição de abril de 2015. Ela é a primeira atleta negra a estampar sozinha uma capa
da revista. No editorial, Serena falou sobre a pressão de ser a número um no
esporte e sobre a amizade fora das quadras com a outra tenista top, a
dinamarquesa Caroline Wozniacki.
35
Figura 4 – Capa da revista Vogue americana. Disponível em: <http://goo.gl/sIvlNf>. Acessado em
setembro de 2015.
Intérprete de Olivia Pope na série de TV norte-americana Scandal39, da ABC,
transmitida no Brasil pelo canal Sony, Kerry Washington estampou a capa da Marie
Claire americana, na edição de abril de 2015, e contou tudo o que pode acontecer
na quinta temporada do seriado americano.
39Uma
série de TV americana transmitida pela ABC, produzida por Shonda Rhimes, criadora de
outras séries como How To Get Away With Murder e Grey's Anatomy. O drama é protagonizado por
Olivia Pope (Kerry Washington), que passa seu tempo protegendo a reputação das personalidades
da elite americana, evitando que nasçam grandes escândalos. A moça decide abrir uma empresa
após deixar seu trabalho na Casa Branca, mas não consegue se desvencilhar totalmente de seu
passado profissional. Disponível em: http://www.adorocinema.com/series/serie-9522/ > Acessado em
outubro de 2015.
36
Figura 5 - Capa da revista Marie Claire americana. Disponível em:<http://goo.gl/XBO9vO>. Acessado
em setembro de 2015.
Na versão brasileira da revista Marie Claire, foi a atriz Camila Pitanga,
protagonista da novela Babilônia40, que estampou a capa e recheio da publicação de
março de 2015.
40A
trama estreou em 16 de março de 2015 e substituiu a novela Império. De autoria de Gilberto
Braga, João Ximenes Braga e Ricardo Linhares, a produção traz uma história repleta de ambição,
com três personagens protagonistas: Regina, interpretada pela atriz Camila Pitanga; Beatriz (Glória
Pires); e Inês (Adriana Esteves). Disponível em: http://www.mundodastribos.com/novela-babilonia-daglobo-elenco-e-resumo.html > Acessado em outubro de 2015.
37
Figura 6 – Capa da revista Marie Claire brasileira. Disponível em: <http://goo.gl/aOlV9u > Acessado
em setembro de 2015.
Essa iniciativa ainda gera um número mínimo de negras nas capas das
revistas, se comparado ao das modelos brancas. Dessa maneira, as consumidoras
negras ainda não se enxergam devidamente representadas nas revistas do
segmento de moda/noivas.
Uma desculpa dos editores é de que a brasileira, supostamente, não gostaria
de se ver representada, preferindo uma revista na qual o que aparecesse fosse a
38
"idealização" da mulher. O que ela gostaria de ser e não o que ela é (MARQUES,
2014).
Outro dado interessante é o da Vogue inglesa que demorou 12 anos até que
a modelo Jourdan Dunn41 fosse clicada para a capa da edição de fevereiro de 2015.
Figura 7 – Capa da revista Vogue inglesa. Disponível em: <http://goo.gl/7Hm9PV> Acessado em
setembro de 2015.
41Jourdan
Sherise Dunn foi descoberta por um "olheiro" de uma agência em 2006, em uma loja de
roupas popular da Inglaterra. Em 2008, já desfilava para a Prada - até então, a única modelo negra
que havia subido à passarela da grife tinha sido Naomi Campbell. Foi eleita modelo do ano no British
Fashion Awards, posou para campanhas de grifes como Yves Saint Laurent, Tommy Hilfiger e
Burberry. É uma das angels da grife Victoria's Secret. Disponível em:
http://ego.globo.com/moda/noticia/2015/07/veja-dez-curiosidades-sobre-top-britanica-jourdandunn.html > Acessado em outubro de 2015.
39
Já no Brasil, a mesma revista demorou 36 anos para colocar uma negra em
uma capa solo (Naomi Campbell já havia aparecido sozinha e outras modelos
negras acompanhadas). A escolhida foi a modelo Emanuela de Paula42, que
estampou a edição especial de 2012, com o nome de “Black is Beautiful”.
Figura 8 - Capa da revista Vogue Brasil. Disponível em: <http://goo.gl/BJSWnD> Acessado em
setembro de 2015.
42Em
2006, com 15 anos, conheceu Paulo Borges em uma semana de moda no shopping de Recife,
cidade onde nasceu, e foi indicada a procurar uma agência em São Paulo. Logo em seguida viajou
para NY e a revista Vogue americana a elegeu uma das modelos da temporada. Fez parte do
desejado time no calendário Pirelli de 2008, angel da Victoria’s Secret e em 2012 foi a primeira negra
a ter uma capa sozinha da Vogue Brasil. Disponível em: http://ffw.com.br/models/emanuela-de-paula/
> Acessado em outubro de 2015.
40
No recheio, contou com a presença de outras duas personalidades negras do
mundo da moda, como a modelo norte-americana Chanel Iman43 e a modelo
brasileira Gracie Carvalho44.
A expressão “BLACK IS BEAUTIFUL” poderia ser traduzida para 'NEGRO É
BONITO', só que não foi. Mas então por que o inglês foi escolhido para introduzir o
tema, já que todo o restante da capa é voltado para valorizar o Brasil e a
naturalidade? (MARQUES, 2014).
Na edição de janeiro de 2012, o editorial de Daniela Falcão, “Mulheres de
verdade”, traz um ano de Vogue Brasil que fez história ao publicar pela
primeira vez em sua capa uma modelo negra brasileira que teve uma
repercussão superior às expectativas, as vendas foram bastante acima da
média do mês como janeiro derrubando um dos mais preconceituosos mitos
da mídia impressa: de que modelos negras não vendem revista no Brasil
porque em tese as leitoras não gostam de se ver estampadas na capa,
querem apenas sonhar com a mulher tangível. (CORREA; SANTOS, 2012,
p. 12)
Em entrevista ao Sunday Times, uma revista britânica, em 2013, a top negra
Chanel Iman, conhecida por integrar o time da Victoria’s Secret, revelou que sofre
discriminação tanto das revistas quanto de grifes na hora do casting. "Eles dizem
algo como: ‘nós já temos uma modelo negra, não precisamos de outra no
momento’”. A modelo ainda comentou a falta de diversidade nas passarelas: "é
muito comum ver desfiles em Nova York e na Europa em que só aparecem modelos
brancas”45.
Em 2010, a atriz Halle Berry46 foi a primeira negra a estampar uma September
Issue47 após onze anos (a última havia sido Naomi Campbell em 1999). É possível
43Modelo
negra norte-americana, capa da Vogue americana em 2007 e angel da Victoria's Secret.
Disponível em: http://www.nytimes.com/2006/10/12/fashion/12ROW.html?_r=0 > Tradução da autora.
Acessado em outubro de 2015.
44Natural de São José dos Campos, São Paulo, já foi rosto de marcas como DKNY, GAP e M.A.C,
entre outras. Atualmente, Gracie está em muitos comerciais da grife norte-americana Victoria’s Secret
e é um dos rostos da H&M, Bloomingdale’s e Next. Disponível em: http://ffw.com.br/models/graciecarvalho/ > Acessado em outubro de 2015.
45Redação. Chanel Iman, modelo da Victoria’s Secret, afirma que há racismo no mundo da moda.
Portal Vírgula. Disponível em: http://virgula.uol.com.br/lifestyle/moda/chanel-iman-modelo-davictorias-secret-afirma-que-ha-racismo-no-mundo-da-moda/ > Acessado em outubro de 2015.
46Atriz americana e vencedora de prêmios como Oscar, Globo de Ouro, Emmy, entre outros. Em sua
carreira teve papéis importantes no cinema, nos filmes: 007 - Um Novo Dia Para Morrer (2002), Na
Companhia do Medo (2003), Mulher-Gato (2004), etc. Por sua beleza e estilo fora dos holofotes de
Hollywood, já foi capa de revistas como: Glamour, Interview, Vogue, Esquire. Disponível em:
http://www.adorocinema.com/personalidades/personalidade-19062/filmografia/melhores/ > Acessado
em outubro de 2015.
41
então, identificar a falta de representação da mulher negra na mídia impressa e
segmentada no ramo da moda.
Para ilustrar esta realidade, o fórum de pesquisa de moda Fashion Spot, já
citado anteriormente, divulgou números da análise que realizou no ano de 2014 com
611 capas de 44 publicações do mundo todo, incluindo títulos e subtítulos de uma
mesma marca. Exemplo: Vogue e Teen Vogue.
Foi concluído que houve 567 participações de modelos brancas e 119
modelos “não-brancas” (entre negras, orientais, latinas, mestiças etc.) em suas
capas. A imposição do modelo branco nas revistas de noivas alerta para a discussão
da falta de representação na linha editorial brasileira, que não mostra a mulher negra
como um ícone também de beleza.
47É
uma edição especial, “edição de setembro” refere-se às publicações do mês onde as revistas de
moda do mundo abordam todas as tendências lançadas e desfiladas nas temporadas de moda
internacionais até ali. É como um almanaque de referências de desfiles e editoriais dos meses
anteriores. Repertório cultural da autora.
42
5. AS REVISTAS DE NOIVAS
Neste trabalho, o conceito de raça é utilizado em sua dimensão relacional,
considerando os diversos grupos raciais que formam a sociedade brasileira.
Cada sujeito singular é parte de uma continuidade histórico-social, afetado
pela integração num contexto global de carências (naturais, psicossociais) e
de relações com outros indivíduos, vivos e mortos. A identidade de alguém,
de um “si mesmo”, é sempre dada pelo reconhecimento de um “outro”, ou
seja, a representação que o classifica socialmente. (SODRÉ, 1999, p. 34)
Sodré (1999) afirma que “a representação determina a definição que nós
damos e o lugar que ocupamos dentro de certo sistema de relações”. A partir deste
direcionamento teórico, foram escolhidas 12 capas para serem analisadas, dos anos
de 2014 e 2015, dos títulos nacionais das revistas Bella Noiva e Noivas&Noivos,
publicações trimestrais das editoras Mc Will Editores e Escala.
Essas revistas apontam para a adoção do padrão de beleza recorrente e
estabelecida pela imprensa feminina, que valoriza apenas um tipo de estereótipo –
umlheres brancas, de cabelos e olhos claros – e ignora o restante que não se
enquadra nesse biótipo.
O questionamento sobre a falta de representação da mídia sobre a beleza
negra nas capas das revistas de noiva é importante para refletir o papel dos meios
de comunicação na autoafirmação e identificação da mulher negra na sociedade.
É preciso ter em mente que as mídias informam deformando, mas é preciso
destacar, para evitar fazer do jornalista um bode expiatório, que essa
deformação não é necessariamente proposital. Mais uma vez, é a máquina
de informar que está em causa, por ser ao mesmo tempo poderosa e frágil,
agente manipulador e paciente manipulado. (CHARAUDEAU, 2006, p. 253)
Esse modelo apresenta-se como universal – a mulher de nível econômico
médio para cima que vive numa sociedade desenvolvida. Exagera-se o bem-estar, a
liberação, o gozo que ela alcançou em sua vida cotidiana. Tais conquistas,
associadas
ao
poder
de
consumo,
são
transladadas
para
os
países
subdesenvolvidos.
43
O Brasil como um país tropical, rico na mistura de cores e raças, acaba não
sendo refletido verdadeiramente nas capas dessas publicações.
Para dizer de forma simples: não importa quão diferentes seus membros
possam ser em termos de classe, gênero ou raça, uma cultura nacional
busca unificá-los numa identidade cultural, para representá-los todos como
pertencendo à mesma e grande família nacional. (HALL, 2005, p. 59)
A imprensa feminina com o intuito de apresentar a “vida perfeita” não mostra
a negra, a índia, a japonesa. Revela-se então como ideal a ser seguido o da mulher
branca, de classe média para cima e jovem (BUITONI, 1986, p. 78). Retrato de uma
vida que não apresenta a realidade de metade da população brasileira hoje. Mas
onde estão essas mulheres que não estampam as capas das revistas nacionais?
Segundo Hall (2005), a identidade é estudada por meio de três concepções
distintas: do sujeito do Iluminismo, do sujeito sociológico e do sujeito pós-moderno.
Neste estudo, identidade é considerada a partir dessa última concepção, na qual o
sujeito não tem uma identidade fixa nem permanente.
Ele tem diversas identidades formadas continuamente, que mudam de acordo
com as relações simbólicas com as quais o sujeito entra em contato e pela qual se
vê atraído. A isso se chama capacidade “interpelativa” dos discursos. Dessa forma,
a identidade nunca está acabada ou estabilizada, segundo Hall (2005).
É definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume
identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são
unificadas ao redor de um “eu” coerente. (...) A identidade plenamente
unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à
medida que os sistemas de significação e representação cultural se
multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e
cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos
nos identificar – ao menos temporariamente. (HALL, 2005, p. 13)
Diversas situações são favoráveis à sustentação da desvalorização da cultura
de matriz negra e da ideologia do branqueamento. Entre elas, o reforço que a mídia
estimula constantemente. Mira (1997) diz que as revistas nacionais se baseiam em
modelos estrangeiros, mas procurando sempre abrasileirar suas fórmulas.
Porém o padrão conhecido – embranquecido – continua fortemente inserido
nas publicações de revistas do segmento de noivas.
44
A falta de representação da mulher negra, nas revistas de noivas, mostra que
o Brasil ainda não evoluiu o suficiente para que a representação na mídia pudesse
ser apresentada de forma clara e igualitária.
A etnia é o termo que utilizamos para nos referirmos às características
culturais - língua, religião, costume, tradições, sentimento de “lugar” - que
são partilhadas por um povo. É tentador, portanto, tentar usar a etnia dessa
forma “fundacional”. (...) A Europa Ocidental não tem qualquer nação que
seja composta de apenas um único povo, uma única cultura ou etnia. As
nações modernas são, todas, híbridas culturais.
É ainda mais difícil unificar a identidade nacional em torno da raça. Em
primeiro lugar, porque – contrariamente à crença generalizada – a raça não
é uma categoria biológica ou genética que tenha qualquer validade
científica. (HALL, 2005, p. 62)
Esse reflexo se estende até hoje na imprensa feminina, onde o espaço cedido
é mínimo comparado às brancas, ou seja, não fica tão evidente a diversidade
composta pela população real brasileira.
Paul Gilroy tem analisado as ligações entre, de um lado, o racismo cultural e
a ideia de raça e, de outro, as ideias de nação, nacionalismo e
pertencimento nacional: “Enfrentamos, de forma crescente, um racismo que
evita ser reconhecido como tal, porque é capaz de alinhar “raça” com
nacionalidade, patriotismo e nacionalismo. Um racismo que tomou uma
distância necessária das grosseiras ideias de inferioridade e superioridade
biológica busca, agora, apresentar uma definição imaginária da nação como
uma comunidade cultural unificada. Ele constrói e defende uma imagem de
cultura nacional – homogênea na sua branquidade, embora precária e
eternamente vulnerável ao ataque dos inimigos internos e externos…”. Este
é um racismo que responde à turbulência social e política de crise e à
administração da crise através da restauração da grandeza nacional na
imaginação. Sua construção onírica de nossa ilha coroada como
etnicamente purificada propicia um especial conforto contra as devastações
do declínio (nacional). (GILROY, 1992, p. 87 apud HALL, 2015, p. 63)
O contraponto dos editores é de que a brasileira, supostamente, não gostaria
de se ver representada, preferindo uma revista na qual o que aparecesse fosse a
"idealização" da mulher, o que ela gostaria de ser e não o que ela é (MARQUES,
2014).
Os tempos mudaram e a humanidade cansou de não se enxergar na TV, no
cinema, nos jornais e na revista. Cada vez mais movimentos que defendem essa
ideia aparecem e lutam pelos direitos de que as mulheres tenham o seu espaço e o
negro possa ser representado e respeitado como indivíduo de um meio coletivo.
45
O Blog Negras no Altar48 fez um post em 2013 contextualizando e chamando
a atenção para a questão das mulheres negras não serem inseridas na indústria de
casamentos e na imprensa não se enxergarem representadas no mercado das
revistas de noivas:
(...) Mesmo o Brasil sendo um país com metade da população brasileira
composta de negras e negros, a presença dessas pessoas na televisão e
na publicidade são mínimas. Se somos a maior parcela da classe que mais
consome hoje no país, por que as empresas não investem em produtos que
atendam a demanda dessa população específica? A indústria de
casamentos, por exemplo, quase não desenvolve produtos para esse
público. Um penteado ou uma maquiagem pensada para uma noiva branca
não apresentarão os mesmos resultados para uma noiva negra, por uma
questão óbvia: a textura dos cabelos são diferentes, bem como os tipos de
peles. Sem contar que cada vez mais as mulheres negras têm escolhido
cuidar do seu cabelo natural assumindo seus fios crespos e é nessa hora
que elas passam o maior sufoco para achar pelo menos um penteado para
usar no dia do casamento, como foi o caso dessa noiva que comprou a
revista e não achou nada que contemplasse o seu tipo de cabelo. Ao
procurar penteados, maquiagens e outras coisas que ajudassem na
preparação do casamento, simplesmente não existia quase nada para
noivas negras. A solução foi buscar referência em sites de outros países,
como nos Estados Unidos, que mesmo não tendo a quantidade de pessoas
negras que o Brasil, tem vários sites para casamentos que atendem essa
demanda muito bem. Nesse período eu me perguntava todos os dias: será
que as mulheres negras não casam? (NEGRAS NO ALTAR, 2013.) 49
48Lançado
em 2012, o Blog da Noiva Negra é o primeiro do Brasil no ramo casamentício a ter como
público alvo as mulheres negras. O Blog, porém, não exclui participação de qualquer pessoa que se
identifique com a proposta. São apresentadas às leitoras um espaço inovador, cheio de dicas,
inspirações, tutorais e histórias para auxiliá-las. A equipe do Blog tem o objetivo de ajudar as noivas
negras nos preparativos do casamento e, também, elevar a autoestima destas mulheres. Disponível
em: http://www.oblogdanoivanegra.com.br/p/sobre.html > Acessado em outubro de 2015.
49[s.n.] Disponível em < https://www.facebook.com/notes/negras-no-altar/noiva-invis%C3%ADvel-adificuldade-da-mulher-negra-ao-planejar-o-casamento/432038670218079 > Acessado em setembro
de 2015.
46
Figura 9 - printscreen do Facebook do Blog Negras no Altar sobre a indústria de casamentos no
Brasil e a falta de representação da mulher negra nesse meio. Disponível em
<https://goo.gl/pKWpuA> Acessado em setembro de 2015.
Em um país com mais de 50% da população parda e negra, para ser ainda
tão pouco representada nas revistas de moda do segmento de noivas é provável
que exista algo perdido no meio do caminho. Por isso, a análise das capas das
revistas Bella Noiva e Noivas&Noivos irá levantar essa questão a seguir.
47
6. ANÁLISE DAS REVISTAS BELLA NOIVA E NOIVAS E NOIVOS
1.
Informações técnicas
De acordo com IVC50 (2013), a circulação líquida paga de uma publicação é o
número de exemplares efetivamente vendidos. O preço para venda avulsa deverá
estar estampado, preferencialmente, na 1ª capa da publicação. Essa mesma
informação, juntamente com os preços de assinatura. Isso representa o resultado da
soma de assinaturas com vendas avulsas.
Abaixo estão relacionados os números de circulação, tiragem, circulação
média e periodicidade das revistas analisadas, foco desta monografia:
Os dados da revista Bella Noiva foram encontrados no site Meio&Mensagem51:
Bella Noiva
Periodicidade: Trimestral (não definidos os meses)
Circulação: 9.700
Tiragem: 13.500
Circulação Média: 9.700
Os dados da revista Noivas&Noivos foram fornecidos pelo departamento de
Marketing da editora via e-mail52:
50Instituto
Verificador de Comunicação. Disponível em:
http://www.ivcbrasil.org.br/conteudos/normas_tecnicas/Normas_Tecnicas.pdf > Acessado em outubro
de 2015.
51É responsável por gerar, editar e difundir grande parte das informações e análises que o mercado
de comunicação brasileiro consome. Disponível em <
http://portfoliodeveiculos.meioemensagem.com.br/portfolio/veiculos/BELLA+NOIVA/24418/home;jsess
ionid=BE9738ABE909906707366273EA9F0E1D > Acessado em setembro de 2015.
52E-mail: JÉSSICA SEVERO. Contato revista Noivas&Noivos. [Larissa, você poderia me informar o
número de tiragem, circulação, circulação média dessa revista, por favor?]. Mensagem
recebida por <[email protected]> data de recebimento, 25 de setembro de 2015.
48
Noivas & Noivos
Periodicidade: Trimestral (março, junho, setembro e dezembro)
Circulação: não divulgado
Tiragem: 30.000
Circulação Média: não divulgado
49
7. AS REVISTAS DE NOIVAS NO BRASIL
Editora Escala
Com mais de 15 milhões de leitores o mês, a Editora Escala publica conteúdo
nos mais variados segmentos editoriais.
Atua regularmente com mais de 40 títulos, sendo que, das 21 revistas
auditadas, 13 estão entre as 100 mais vendidas do IVC – Instituto Verificador de
Circulação (média de vendas avulsas, revistas pagas, dezembro de 2013).
Alguns deles são: Corpo a Corpo, Atrevida, Atrevidinha, Revista Viva Saúde,
Revista Dieta Já, entre outras, e Bella Noiva53.
De acordo com o site da editora, é possível verificar o perfil dos leitores e os
preços das publicações do ano de 2013, como as tabelas abaixo:
53[s.n.].
Disponível em: http://midiakit.escala.com.br/?page_id=1539 > Acessado em outubro de 2015.
50
Figura 10 – Tabela do perfil de leitores da Revista Bella Noiva - Disponível em:
<http://goo.gl/OXJpM8> Acessado em outubro de 2015.
51
Mc Will Editores Incorporados
Desde 1978 atuando no mercado editorial, a Mc Will Editores Incorporados
tem experiência e tradição na publicação de revistas especializadas.
Atualmente,
disponibiliza
cinco
publicações
periódicas:
LAES&HAES,
Noivas&Noivos, Cantinho do Bebê, Debutantes Especial N&N e Decoração para
Casamento54.
De acordo com o departamento de marketing da editora, a revista
Noivas&Noivos existe há 25 anos e é referência no segmento de casamento. O perfil
de leitores da publicação se classifica como 80% mulheres, 64% pertencentes às
classes A e B e 83% com idade entre 19 e 30 anos. A distribuição geográfica é
maior na região Sudeste, com 58%. Depois Nordeste com 16%, Sul com 10% e
Norte com 6%.
Os perfis das redes sociais da revista somam mais de 20 mil likes no
Facebook e mais de 6 mil seguidores no Twitter.
A linha editorial da revista Noivas&Noivos, publicada pela Mc Will Editores, é
referência no segmento de casamento. Conforme o site da editora, a revista é líder
no mercado, tem circulação nacional abrangente e destina-se principalmente ao
público feminino.
Denomina-se como leitura obrigatória para quem vai se casar e oferece a
cada edição modelos deslumbrantes de vestidos, acompanhando todas as
tendências da moda-noiva. Outro ponto importante no editorial são as inúmeras
sugestões de modelos para noiva, noivo, madrinha, padrinho, daminhas, pajens e
convidados.
54[s.n.]
Disponível em: http://mcwill.com.br/v2/?pid=inc/_conteudo.php&id_grupo=1&id_conteudo=3 >
Acessado em outubro de 2015.
52
1.
AS CAPAS DAS REVISTAS DE NOIVAS BRASILEIRAS
Os ensaios fotográficos das revistas de noiva, objeto de estudo desta
monografia, são feitos com celebridades de grande destaque na mídia. As capas
mais recentes (2014-2015) da revista Noivas&Noivos contaram com atrizes, atores e
modelos como: Adriana Birolli na edição de número 81, na 80 com Jesus Luz e
Melissa Gurgel, na 79 Thais Melchior e Felipe Titto, na 78 Karen Junqueira, na 77
Andressa Suíta, na 76 Monique Alfradique, na 75 Carol Nakamura e Sidney
Sampaio e na 74 Juliana Silveira.
É possível notar a etnia predominantemente branca. Essa referência alimenta
a discussão sobre a representação (a falta de) da mulher negra como consumidora
dessas revistas.
As capas analisadas no decorrer dos anos de 2014 e 2015 mostram que
nenhuma negra foi utilizada para estampar as revistas de noivas, causando assim a
falta de representação das leitoras desta mesma etnia.
O processo de segmentação de mercado é uma consequência das alterações
ocorridas na sociedade. Esse cenário leva em conta as transformações econômicas,
políticas e sociais que permitiram e estimularam a evolução do papel da mulher na
sociedade. Buitoni (1986) diz que a imprensa feminina desenvolveu uma conduta em
relação à credibilidade, diferente da imprensa geral. As fotos de moda e beleza, são
percebidas como fantasia, corporificação de um ideal a ser imitado.
Mesmo em meio à diversidade, a mulher negra ainda não é estampada na
capa das revistas de noivas nacionais, como foi pesquisado nos títulos já citados e
que será detalhado no próximo capítulo.
Neste contexto, em 2013, o blog Escreva Lola, Escreva55 da professora da
Universidade Federal do Ceará (UFC) e doutora em Literatura em Língua Inglesa
55Lola
Aronovich, professora de Literatura e Língua Inglesa na Universidade Federal do Ceará (UFC),
é responsável pela página “Escreva Lola Escreva”, o blog feminista com maior visibilidade no Brasil,
aborda assuntos como racismo, desigualdade racial e de gênero e representação da mulher.
53
pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Lola Aronovich, publicou o
relato de uma leitora negra que questionou a revista Penteados para Noivas, da
editora Alto Astral56, por não encontrar modelos negras que representassem as
mulheres e noivas negras do Brasil.
No relato da ocasião, a leitora, que estava prestes a se casar, não se sentiu
representada pela revista que tinha em mãos. Ao folhear 67 páginas, não foi
possível encontrar sequer um penteado feito em cabelos crespos. Ao longo dessas
páginas, apareceram quatro fotos de modelos negras, todas em tamanhos
minúsculos (pouco maiores que uma foto 3x4), como a leitora conta na publicação
do blog.
A leitora continua e diz que não parou por aí, pois havia incontáveis modelos
loiras e ruivas, em fotos imensas, detalhadas. Muitos cabelos esvoaçantes, lisos ou
alisados. Nas páginas dedicadas às crianças, não havia uma negra.
Ela diz que com o sentimento de não se ajustar em nossa sociedade,
resolveu encaminhar um e-mail para a revista em questão, indagando o porquê da
falta de representação de mulheres negras nas páginas da publicação. Em
reprodução, a resposta da editora para o ocorrido:
"Encaminhamos a sua reclamação para a equipe que produziu a revista,
segue os esclarecimentos da sua reclamação. Como a leitora não
especificou a edição da revista, presumimos que seja a 06, que lançou em
janeiro. Analisamos nosso conteúdo e não encontramos nada de errado.
Pelo o que entendemos, o questionamento da leitora referiu-se à cor de
pele das modelos e não aos penteados em si, que é o tema da revista. A
nossa equipe, desde o momento de elaborar a revista até a escolha das
fotos, certifica-se de que todos os tipos e estilos de cabelo estejam na
edição, desde os lisos aos crespos, independente da cor da pele das
modelos. Na revista, como você poderá ver, tem opções para fios lisos,
ondulados, cacheados, crespos, curtos, médios e longos. Ou seja, nenhuma
noiva corre o risco de ficar sem opção. Em relação às loiras e às ruivas,
esses tons acabam aparecendo mais na revista para deixar o resultado final
do penteado mais evidente para a leitora, uma vez que o cabelo escuro,
depois que tira a foto, acaba perdendo um pouco os detalhes do penteado,
ficando difícil a visualização. Além disso, os bancos de imagens que
Disponível em: < http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2013/03/guest-post-revista-de-noivasdespreza.html > Acessado em setembro de 2015
56A Editora Alto Astral publica mensalmente 70 títulos em diversos segmentos: feminino, masculino,
infantil, adolescente, culinária, beleza, horóscopo, decoração, entre outros. É a 2º editora do Brasil
em vendas avulsas, com 23 lançamentos periódicos mensais e 2 lançamentos periódicos semanais,
anuários e títulos especiais. Disponível em: http://www.altoastral.com.br/midiakit/2014/quemsomos.php > Acessado em outubro de 2015.
54
trabalhamos não oferecem muitas opções de modelos negras,
principalmente com penteados de noivas. As que eles oferecem, não são
bonitas. Atenciosamente.” (informação verbal)57
Este relato mostra como as revistas femininas de noivas não estão
preparadas para abordar mulheres negras em suas publicações.
A reclamação sobre os bancos de imagens utilizados pelas empresas são
também muito recorrentes e questionadas por não haver diversidade. Muitos deles
são internacionais e o padrão estrangeiro é bem diferente do brasileiro, dificultando
assim, o aparecimento de negros, nordestinos e asiáticos, por exemplo.
Realmente não é fácil escrever para negros. Não é o padrão que a mídia, seja
ela na TV, impressa ou na internet, está acostumada a veicular. Essa atitude não
motiva estranheza por grande parte da população, já que publicar modelos brancas
é o normativo, o correto e bonito.
Desde que as revistas foram criadas, foi pintada a ideia de "vida ideal" com a
mulher de classe média alta, branca e jovem, como Buitoni (1986) especifica. E a
negra não faz/fazia parte dessa categoria.
57E-mail
fornecido por Lola Aronovich em seu blog Escreva Lola, Escreva, em 2013.
55
8. AS CAPAS DAS REVISTAS NOIVAS&NOIVOS E BELLA NOIVA
É possível constatar que entre os anos de 2014 e 2015, período estipulado
para a análise das capas dos títulos das revistas de noivas, nenhuma modelo, atriz
ou
celebridade
negra
foi
contemplada
na
primeira
página
das
revistas
Noivas&Noivos e Bella Noiva.
Das 12 revistas publicadas neste período, todas elas estampam pessoas
famosas, como: atores, atrizes, modelos, celebridades em geral – casal ou sozinhas
– que são brancos. As capas retratam nitidamente o padrão de beleza que a mídia
impõe: pele, cabelos e olhos claros. Essa ausência da mulher negra nas capas
contribui para que não exista uma identificação com o produto revista. Mesmo sendo
maioria, isso não é apresentado na mídia de forma orgânica.
O objetivo não é apenas de promover os “looks e serviços” que fazem parte
da revista, mas de representar a mulher brasileira que está prestes a se casar e
procura por algo que apresente vestidos, penteados e maquiagem para ela utilizar
no grande dia. Apesar de a população negra ser mais da metade em nosso país
(IBGE, 2010), isso não é refletido na mídia impressa, como examinado nas revistas.
Isso torna as mulheres negras como minoria em nossa sociedade 58 ainda nos dias
de hoje.
As fotos de capa e as chamadas das matérias principais de cada edição não
retratam, nem destacam a mulher negra. Genéricas e "abrangentes", as chamadas
até dizem algo para a mulher brasileira no contexto de mulher/feminino, mas não
para mulher negra.
Hall (2014) diz que o conceito de identificação é uma referência de moldagem
de acordo com o outro, mas que, mesmo assim, é um dos menos desenvolvidos na
esfera social e cultural. O que as revistas de noivas aplicam é falsa representação,
pois nenhuma mulher negra foi abordada durante o período de análise, o que deixa
58Exemplo
da União Sul-Africana: impressionante minoria quantitativa branca domina e subjulga a
enorme maioria negra, impondo-lhe a política do apartheid. Nesse caso, sociologicamente, a "minoria
são os negros, enquanto a maioria são os brancos, manipuladores do poder”. CHAVES, L. G
Mendes. Rev. C. Sociais: Minorias e seu estudo no Brasil. vol. II, nº 1. Disponível em:
http://www.rcs.ufc.br/edicoes/v2n1/rcs_v2n1a8.pdf > Acessado em outubro de 2015.
56
à deriva muitas mulheres negras que poderia usufruir deste meio de comunicação,
mas optaram por outro onde puderam buscar referências mais condizentes a suas
reais necessidades.
A tabela abaixo faz um exemplo de comparação entre capas x chamadas das
Revistas Noivas&Noivos e Bella Noiva para uma melhor compreensão do que está
sendo discutido neste trabalho em questão:
Noivas&Noivos
Bella Noiva
Noivas&Noivos
Edição 81
Edição 32
Adriana Birolli
Vestidos pura paixão; Dia
ou noite? Formal ou
informal?; Sugestões para
valorizar seu corpo e
brilhar; Decotes charmosos
e sensuais para
transformar seu visual;
mini-wedding: pacto
antenupcial, decoração,
beleza, moda noivo e muito
mais...
Não divulgado
Vestidos 2 em 1: eles
mudam da cerimônia para
recepção; Decotes
ousados: valorizam o colo
e as costas; Ecowedding:
inspire-se neste estilo
romântico e rústico para
casamentos ao ar livre;
Trocas inteligentes: em
quais itens economizar
para a festa não acabar no
vermelho; Charme 3D:
modelos com flores e
bordados são as apostas
dos grandes estilistas.
Edição 80
Jesus Luz e Melissa
Gurgel (Miss Brasil
2014)
Edição 31
Não divulgado
Vestidos dos sonhos:
escolha o modelo certo e
fique linda!; Tomara que
caia, corselet, evasê,
decotes, tules, rendas...;
Moda noiva: propostas que
valorizam seu biótipo;
Cerimonial: tendências
para o grande dia;
Souvenirs: sugestões de
presentes para os
padrinhos; Decoração:
inspire-se em ambientes
rústicos e peças vintage.
Oscar de la Renta: a última
coleção do gênio da alta-
57
costura, pura inspiração!;
Festas reais: decoração
com velas e flores
suspensas, recepção
tradicional em um castelo e
celebração bucólica;
Daminhas: produções
lindas para campo, praia e
cidade; Beleza: cabelo e
maquiagem clássicos em
alta; Madrinhas: modelos
ideais para casamento
noturno, miniwedding e
cerimônia diurna; Vestido
perfeito para você: muito
glamour com rendas
rebordadas e pedrarias,
sais volumosas e shapes
fashionistas.
Bella Noiva
Noivas&Noivos
Edição 79
Thaís Melchior e
Felipe Titto
Vestidos Fascinantes para
todos os gostos e estilos:
clássicos, modernos,
justos, tomara que caia,
decotados...; Noivos:
opções de trajes elegantes
e confortáveis; Decoração:
aposte em elementos
sofisticados; Cerimonial:
dicas para personalizar seu
evento; Unhas decoradas:
encante com detalhes
supercriativos.
Bella Noiva
Edição 30
Não divulgado
Sucoterapia: para chegar
mais magra, bonita e relax
ao altar; Tendências: loks
poderosos de Martha
Medeiros, Samuel
Cirnansck, Lethicia
Bronstein e outros top
estilistas; Penteados e
maquiagens para celebrar
à beira-mar; Presentas
com design: peças que não
podem faltar na sua listas;
Guia do noivo: do clássico
ao moderno, o visual que
combina com o estilo dele;
Branco e chic: aposte nos
buquês de uma cor só;
Vestidos da vez: para
casar com o pé na areia,
decotes ousados e as
novas silhuetas fashion.
Noivas&Noivos
Edição 78
Karen Junqueira
Vestidos incríveis:
tendências para o grande
dia! Modelos com
transparências, véus,
58
rendas e mantilhas;
Madrinhas e mães: aposte
nos coloridos e
arrase!;Decoração:
combinações de tons para
um ambiente elegante;
Lindas opções com tudo
que você precisa para o
casamento dos seus
sonhos...
Bella Noiva
Noivas&Noivos
Bella Noiva
Edição 29
Edição 77
Edição 28
Não divulgado
Andressa Suita
Não divulgado
Lua de mel: conto de fadas
romântico na Alemanha;
Magra no altar: programa
para perder 10 quilos até o
grande dia; Moda para os
noivos: looks para todos os
tipos de casamento;
Tendências: das
passarelas de Nova York;
Curtos: modernos e
ousados; Luxuosos: com
redas e pedrarias; Illusion
Neckline: a nova
transparência; Especial
vestidos.
Vestidos românticos:
mangas longas, rendas,
transparências, bordados e
muito mais...; Noivos: veja
como combinas seu traje
com acessórios;
Assessoria: saiba as
vantagens de contratar
este serviço; Vida real:
histórias de amor com
festas inspiradoras;
Decoração: peças e cores
corretas valorizam o
ambiente; Planejamento:
dicas de como organizar
seu orçamento financeiro.
Festa em branco: bolos e
doces na cor da tradição;
Madrinhas: modelos para
cerimônias na praia, no
campo, noite de gala e
miniwedding; Guia para
comprar o vestido na
internet; Street wedding:
inove com um ensaio
fotográfico dos noivos feito
nas ruas de grandes
cidades; Top estilista: uma
seleção com os looks
luxuosos da grife
59
Marchesa; Buquês que
saem do lugar-comum:
com flores exóticas, ervas
que atraem; Pronta para o
final feliz: vestidos de
sonho com a delicadeza
das rendas.
Noivas&Noivos
Noivas&Noivas
Edição 76
Edição 75
Monique Alfradique
Vestidos: o modelo dos
seus sonhos está aqui!;
Penteados&Acessórios: 21
propostas para combinar
com seu tipo de rosto;
Rosa em destaque:
harmonize este tom com
itens da sua festa;
Decoração: o encanto do
estilo clássico e sofisticado.
Carol Nakamura e
Sidney Sampaio
Vestidos apaixonantes;
Decotes lindos que
valorizam seu look;
Decoração: festa chique
com flores, espelhos, velas
e cristais; Noivos: acerta na
escola de trajes e
acessórios; Vida real: casal
realiza casamento de conto
de fadas.
60
9. REVISTA NOIVAS&NOIVOS
Figura 11 - Capas dos anos de 2014 e 2015, disponibilizadas pelo departamento de marketing da
editora Mc Will Editora via e-mail.
61
10. REVISTA BELLA NOIVA
Figura 12 - Capas dos anos de 2014 e 2015: não disponibilizadas pela editora. Fonte: Google.
62
CONCLUSÃO
Este trabalho teve por finalidade elaborar uma discussão sobre a
representação da mulher negra nas revistas de noivas brasileiras, utilizando como
exemplo os títulos nacionais das revistas Bella Noiva e Noivas&Noivas.
A
partir
das
hipóteses
de
que
tais
produtos
contribuem
para
o
estabelecimento da identidade feminina dentro de uma sociedade diversificada, isso
ajuda a disseminar o padrão de beleza europeu e americano, já que a
representatividade da mulher negra não é abordada e é enaltecida o da mulher
branca, o indivíduo normativo de nossa cultura.
Foi possível apontar que estas capas, mesmo pertencendo a um segmento
específico, esquecem-se de que a mulher brasileira é bem diferente desse biótipo e
que a beleza negra não tem vez – lembrando que a primeira página de uma revista
funciona como uma grande vitrine –, seja para o leitor que tem acesso via bancas,
gôndolas de supermercados, grandes lojas ou o assinante que recebe a revista em
casa.
Mira (1997) relata em sua obra que os exemplos para o periódicos femininos
brasileiros são de modelos estrangeiros, e o Brasil sempre tenta abrasileirar suas
fórmulas para atender a mulher regional, mas, no caso das revistas de noivas
estudadas, isso não acontece. Em dois anos de publicações trimestrais, nenhuma
dos dois títulos deu a oportunidade de uma negra estampar a capa vestida de noiva.
O estudo sobre a representação da negra nas revistas femininas mostrou-se
interessante a partir do momento em que se percebe que ela é muito menor se
comparada aos dois títulos das revistas produzidas trimestralmente e que
estampam, em sua grande maioria, mulheres brancas.
Isso interfere diretamente à formação de imagens identitárias da mulher
negra. Hall (2005) diz que raça é uma categoria discursiva, e não biológica, e que
isso mais vale para práticas sociais. Serve também como marcas simbólicas, com o
63
intuito de diferenciar socialmente um grupo de outro, mas que se completem de
alguma forma. Pois em uma sociedade diversificada, por mais que existam inúmeras
pessoas, todas precisam de um modelo de identificação para que se molde o
autorreconhecimento e a autoafirmação do indivíduo.
Ao analisar as capas da Bella Noiva e Noivas&Noivas, foi possível averiguar
que as contribuições dessas revistas em relação ao processo de formação de
identidades de mulheres negras não existe. Durante os anos de 2014 e 2015,
período abordado para esta monografia, nenhuma negra posou vestida de noiva
para a capa das duas revistas, nem havia chamadas referindo-se à beleza negra.
Mesmo que o Brasil possua grandes atrizes como Taís Araújo, atualmente na
série Mister Brau, da Rede Globo, e Camila Pitanga, protagonista da novela
Babilônia (2015), também da Rede Globo e capa da revista Marie Claire, da Editora
Globo, mencionada na Figura 6, nos anos citados elas tiveram uma grande
visibilidade na mídia, e mesmo assim, o segmento de noivas não pegou o timer para
ampliar a representação das próprias publicações.
Nem as duas atrizes, que servem como referências para as mulheres negras
brasileiras devido à grande visibilidade midiática e por fazerem parte de produtos
culturais (da televisão) massivos, foram contempladas em alguma das 12 capas das
duas revistas abordadas.
As revistas, ao não abordarem a mulher negra em suas capas, mostram que
a mídia brasileira ainda não se adequou às transformações sociais, e ainda
acreditam que a mulher negra não necessita de representação, pois não consome
aquele tipo de informação.
Pode-se concluir então que o padrão de beleza explorado nas capas das
revistas femininas de noivas analisadas reforça a mulher branca, de pele clara, fios
de cabelos comportados e esquece a mescla de culturas que molda a beleza da
mulher brasileira em geral. Enquanto a mulher negra segue o estereótipo estagnado
na sociedade como última opção, seja para o mercado de trabalho, mulher para se
casar ou como exemplo de representação nas capas das revistas, de moda ou do
segmento de noivas, acreditamos que esse pensamento precisa ser renovado.
64
Ainda
faltam
publicações
que
incentivem
a
autoconfiança,
o
autoconhecimento e o sentimento de pertença, não apenas o pertencimento a uma
coletividade negra, mas de um sentimento de pertença em relação ao próprio mundo
do consumo, no caso, as revistas de noivas.
65
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Disponível em: http://forums.thefashionspot.com/ >. Acesso em março de 2015.
69
ANEXOS
ANEXO 1 - EDIÇÃO 81 ..................................................................................................................................... 71
ANEXO 2 - EDIÇÃO 80 ..................................................................................................................................... 72
ANEXO 3 - EDIÇÃO 79 ..................................................................................................................................... 73
ANEXO 4 - EDIÇÃO 78 ..................................................................................................................................... 74
ANEXO 5 - EDIÇÃO 77 ..................................................................................................................................... 75
ANEXO 6 - EDIÇÃO 76 ..................................................................................................................................... 76
ANEXO 7 - EDIÇÃO 75 ..................................................................................................................................... 77
ANEXO 8 - EDIÇÃO 32 ..................................................................................................................................... 78
ANEXO 9 - EDIÇÃO 31 ..................................................................................................................................... 79
ANEXO 10 - EDIÇÃO 30 ................................................................................................................................... 80
ANEXO 11 - EDIÇÃO 29 ................................................................................................................................... 81
ANEXO 12 - EDIÇÃO 28 ................................................................................................................................... 82
70
Anexo 1 - Edição 81
71
Anexo 2 - Edição 80
72
Anexo 3 - Edição 79
73
Anexo 4 - Edição 78
74
Anexo 5 - Edição 77
75
Anexo 6 - Edição 76
76
Anexo 7 - Edição 75
77
Anexo 8 - Edição 32
78
Anexo 9 - Edição 31
79
Anexo 10 - Edição 30
80
Anexo 11 - Edição 29
81
Anexo 12 - Edição 28
82

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