Clique aqui para fazer o

Transcrição

Clique aqui para fazer o
doBRASIL
retrato
WWW.RETRATODOBRASIL.COM | R$6,00 | N O 14
CRIME EM GOIÂNIA
Brasileiro e inglesa
unidos por delitos,
drogas e morte
FUTEBOL NO BRASIL
Vendendo os artistas
e pagando pelo
espetáculo
AGRONEGÓCIO
NO PODER
Uma reportagem
de Carlos Azevedo
A GRANDE
VITÓRIA
Os chineses enfrentaram e venceram grandes
desafios, especialmente políticos. E fizeram os
maiores Jogos Olímpicos de toda a história
retratodoBRASIL 14
1
2
retratodoBRASIL 14
doBRASIL
retrato
WWW.RETRATODOBRASIL.COM | R$6,00 | NO 14 | SETEMBRO-OUTUBRO 2008
Ponto de vista A GRANDE VITÓRIA A China realizou os maiores Jogos Olímpicos da história.
A despeito de grandes problemas, especialmente políticos 04
Polícia CRIMES PERFEITOS Sucessivos governos incentivaram capitais brasileiros evadidos
ilegalmente a retornarem ao País como estrangeiros. Agora, como punir os delinqüentes? Raimundo
Rodrigues Pereira 06
Reportagem MAGGI, O AGRONEGÓCIO NO PODER Uma história da família de agricultores que,
combinando astúcia, negócios e política, chegou ao governo do Mato Grosso e quer mais Carlos Azevedo 10
Reportagem OS FIOS DE UMA TRAGÉDIA O brutal assassinato da inglesa Cara Marie Burke pelo
brasileiro Mohammed D’Ali, ambos jovens e pobres, envolve desajustes familiares, pequenos delitos, uso
de drogas e o sonho de mudar de vida morando no exterior Tânia Caliari 24
Livros O PODER NO BRASIL COLONIAL Marcaram a cena política da época as disputas e associações
entre descendentes dos pioneiros europeus e comerciantes ricos que ou aportaram mais tarde, sob o
manto da Coroa, ou eram ex-escravos Renato Pompeu 31
Futebol VENDENDO SEUS CRAQUES Os clubes europeus fazem do esporte um negócio milionário. Os
brasileiros mal se sustentam exportando jogadores Rafael Hernandes 34
Neurociência QUEBRANDO O ENCANTO DA MEMÓRIA Um grupo gaúcho de cientistas diz como
funciona o cérebro humano quando um cheiro ou um sabor nos faz recordar situações ocorridas no início
de nossas vidas Verônica Bercht 36
EXPEDIENTE
REDAÇÃO SUPERVISÃO EDITORIAL Raimundo Rodrigues Pereira • EDIÇÃO Armando Sartori • REDAÇÃO Carlos Azevedo •
Lia Imanishi • Rafael Hernandes • Sônia Mesquita • Tânia Caliari • Verônica Bercht • COLABORA NESTA EDIÇÃO Renato
Pompeu • EDIÇÃO DE ARTE Ana Castro • Pedro Ivo Sartori • REVISÃO Silvio Lourenço • Marco Bortolazzo • OK Lingüística
VENDAS [[email protected]] GERENTE Daniela Dornellas • REPRESENTANTE EM BRASÍLIA Joaquim
Barroncas
ADMINISTRAÇÃO Neuza Gontijo • Maria Aparecida Carvalho • Gabriel Carneiro
Retrato do BRASIL é uma publicação mensal da Editora Manifesto S.A.
EDITORA MANIFESTO S.A.
PRESIDENTE Roberto Davis • DIRETOR ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO Marcos Montenegro • DIRETOR EDITORIAL Raimundo
Rodrigues Pereira
REDAÇÃO Rua Fidalga, 146 conj. 42 • São Paulo SP • CEP 05432 000 • Telfax 11 38149030 •
[email protected]
ADMINISTRAÇÃO Rua do Ouro, 1.725 2 o and. • Belo Horizonte MG • CEP 30210 590 • Telfax 31 32814431 •
[email protected]
ASSINATURAS [email protected] • Tel 11 3813 1527 • 11 3037 7316
ATENDIMENTO AO ASSINANTE [email protected]
ESCRITÓRIO COMERCIAL EM SÃO PAULO Daniela Dornellas • Tel 11 3813 1527 • 11 3037 7316 • [email protected]
REPRESENTAÇÃO COMERCIAL EM BRASÍLIA Joaquim Barroncas • SCN Quadra 01 Bloco F • American Office Tower sala
1.408 • Brasília DF • CEP 70711 905 • Tel 61 33288046 • [email protected]
IMPRESSÃO E ACABAMENTO Gráfica Grecco & Melo • Rua Chave, 614 • Barueri SP •Tel. 11 4198 9860
CAPA Yang Wei, ginasta chinês ganhador de três medalhas, Pequim (14/08/2008)/ Hans Deryk/ Reuters
retratodoBRASIL 14
3
Ponto de vista:
Inicialmente houve um grande empenho
em promover uma condenação política dos
Jogos Olímpicos de Pequim. A oportunidade surgiu com os incidentes ocorridos em
março em Lhasa, capital do Tibete, região
autônoma da China. Manifestações realizadas por monges para marcar o 49º aniversário do levante de 1959, que pretendia decretar a independência tibetana, transformaram-se em ações violentas contra propriedades e indivíduos da etnia han, amplamente majoritária no país, mas minoritária
na região. A repressão a esses atos gerou
uma campanha pelo boicote aos Jogos. Em
várias cidades pelas quais passou a tocha
olímpica, no tradicional percurso entre a
Grécia e o local de cada edição dos Jogos,
houve manifestações, algumas violentas.
Os manifestantes não destacavam, evidentemente, que a violência, em Lhasa, começou com os monges. O ambiente criado
contra a realização dos Jogos foi tal que levou à reação de um grupo de intelectuais
italianos, entre os quais o filósofo
Domenico Losurdo. Eles divulgaram um
manifesto denunciando a “sórdida campanha de demonização da República Popular
da China”, orquestrada por “governos e
órgãos de imprensa”. E concluíram o documento lembrando que no fim do século
XIX havia na China, na entrada das concessões ocidentais, uma placa com os dizeres
“Proibido o ingresso aos cães e aos chineses”. “Esta interdição não desapareceu,
sofreu apenas alguma variação, como demonstra a campanha para sabotar ou comprometer de qualquer maneira as Olimpíadas de Pequim: ‘Proibidas as Olimpíadas
aos cães e aos chineses’”.
DISCRIÇÃO
Os Jogos Olímpicos de Pequim, no entanto, foram os maiores realizados até
hoje. Além de envolverem 11,5 mil atletas
de 205 países, em seus 17 dias de duração
foram batidos 43 recordes mundiais, inclusive o dos simbólicos 100 metros rasos,
considerado a prova mais nobre do atletismo. Estima-se que 4 bilhões de pessoas em
todo o mundo assistiram, pela TV, às competições de Pequim.
Além do sucesso esportivo, os Jogos
podem ser vistos também como uma vitória do regime chinês, comandado pelo Partido Comunista. Não porque o governo chinês tenha feito qualquer campanha ostensiva nesse sentido. Ao contrário, manteve4
Daniel Aguilar / Reuters
A GRANDE VITÓRIA A China realizou os maiores
Jogos Olímpicos da história. A despeito de grandes
problemas, especialmente políticos
se em posição discreta. É que, evidentemente, ser bem-sucedido na realização de um
evento de tal magnitude, para o qual estavam voltados os olhos do mundo, por si só,
tem um grande significado.
E esse significado acabou potencializado diante das demais dificuldades enfrentadas para a realização dos Jogos Olímpicos, além das políticas. Em maio, um terremoto atingiu a província de Sichuan, causando a morte de quase 70 mil pessoas. A
apenas quatro dias do início das competições, um atentado terrorista ocorreu na
província de Xinjiang, onde predomina a
minoria uigur, de religião muçulmana, matando 16 pessoas.
O governo chinês teve de enfrentar também as desconfianças motivadas pela má
qualidade do ar da capital, decorrente das
condições naturais e agravada pela fumaça
industrial e da frota automobilística. Temiase que a poluição afetasse drasticamente o
desempenho dos atletas.
A China respondeu a todos esses desafios. No caso do terremoto, foram alocados
9,7 bilhões de dólares para atender as necessidades da região atingida. O primeiroministro chinês, Wen Jiabao, recebeu elogios
do secretário-geral das Nações Unidas, Ban
Ki-moon, pelo atendimento prestado às vítimas.
Para prevenir novos atentados terroristas, a segurança foi reforçada. Mais de 100
mil agentes, entre militares, policiais e membros de equipes antiterroristas foram empregados. E, contra os efeitos da poluição,
foram tomadas providências como a paralisação de fábricas e o rodízio de circulação
de automóveis, que deram bons resultados.
SEM “ELEFANTES BRANCOS”
O empenho do governo chinês para a
realização dos Jogos de Pequim, no entanto, foi bem além das medidas adotadas recentemente. Desde 2001, quando a cidade
foi escolhida para sediá-los, estima-se que
tenham sido investidos 40 bilhões de dólares em infra-estrutura. Esse dinheiro foi empregado numa ampla reforma urbana, que
exigiu a realocação de mais de um milhão
de pessoas e que incluiu a ampliação das linhas de metrô (que passaram de 54 km para
perto de 200 km), a abertura de ruas e avenidas e a construção de grandes instalações
esportivas.
De acordo com as autoridades chinesas,
com exceção dos magníficos Ninho de Pássaro (o Estádio Olímpico, onde foram realizadas as cerimônias de abertura e encerramento dos Jogos) e Cubo d’Água (Centro
Aquático, local das disputas das provas de
natação), que serão utilizados menos rotineiramente, todas as demais instalações
serão incorporadas ao dia-a-dia da cidade.
Não se transformarão em “elefantes brancos”, isto é, grandes e caras instalações sem
utilidade, como já ocorreu em cidades que
foram sede das Olimpíadas.
Tais investimentos só puderam ser feitos porque a China se transformou numa
potência econômica, detentora do segundo maior PIB global pelo critério da pari-
retratodoBRASIL 14
dade do poder de compra, superada apenas pelos EUA. Os Jogos, de certa forma,
apresentaram-se para o mundo como uma
síntese do poder chinês atual. E, para o regime, eles representaram a oportunidade
de mostrar aos estrangeiros uma nova
face: a de uma nação que quer crescer sem
entrar em confronto com outros países,
que não fala mais em revolução e que passou a dar grande peso às relações pacíficas e harmoniosas, inclusive com as potências capitalistas. Assim como, internamente, abandonou a ênfase na luta de classes,
que foi substituída pela palavra de ordem
do desenvolvimento.
É claro que o desempenho econômico
da China precisa ser relativizado. Trata-se
de um país com 1,3 bilhão de habitantes, o
mais populoso do planeta. Isso significa que,
apesar de o PIB chinês ter avançado para a
segunda colocação no ranking mundial, o
PIB per capita da China ainda está bem distante dessa posição.
Além disso, o crescimento ultra-acelerado dos últimos anos provocou distorções
graves na sociedade chinesa. A desigualdade aumentou, principalmente entre moradores do campo e das cidades. Os problemas ambientais se avolumaram. A produção
ainda se baseia no uso extensivo de recursos naturais, e a China não é um país que os
possua em abundância. E há “muitos problemas que afetam o imediato interesse
popular em áreas, como emprego, seguridade social, distribuição de renda, educação, saúde pública, habitação, segurança
no trabalho, administração da Justiça e
ordem pública”.
“ESTÁGIO PRIMÁRIO”
Esse diagnóstico está longe de descrever a China como um paraíso terrestre. Poderia muito bem ter sido produzido por adversários do regime. Saiu, entretanto, do
informe de Hu Jintao, presidente da República da China, divulgado durante o 17º
Congresso Nacional do Partido Comunista, em outubro do ano passado, que Hu
apresentou na condição de secretário-geral do partido.
Nele, Hu afirma que a China está “no estágio primário do socialismo”, que a democracia socialista “continua a desenvolverse”, mas que os esforços feitos até agora
nesse sentido “têm sido insuficientes”. E diz
que “a reestruturação política tem que ser
aprofundada”.
retratodoBRASIL 14
Quem faz um diagnóstico parecido é
Wang Hui, crítico do regime chinês. Professor da Universidade de Pequim, Wang foi
durante 11 anos co-editor da revista Dushu
(“Leitura”, em chinês), uma das mais influentes
entre a intelectualidade do país. Wang, que
participou quando estudante das manifestações da Praça da Paz Celestial em 1989,
duramente reprimidas pelo governo, foi incluído pela revista americana Foreign
Policy na lista dos cem principais intelectuais do mundo.
Numa entrevista concedida à revista
semanal Veja no fim de 2006, ele falou sobre alguns dos temas abordados por Hu.
Quando tratou de questões políticas, foi
mais preciso. Disse que o país vive um “processo lento de transição democrática” que
deve durar décadas. E que é uma “ilusão
pensar que com eleições livres podemos
facilmente resolver todas as questões” da
China. Ele lembrou que há formalmente
oito partidos no país, embora o Partido
Comunista “seja, de longe, o mais forte”.
“A questão principal, contudo, é saber
como tornar esse sistema mais aberto. Os
partidos políticos, que deveriam ser a base
de sustentação do regime, estão vivendo
uma crise em todo o mundo”. Wu apontou
os problemas das democracias liberais, que
têm as eleições como centro da atividade
democrática. “No período pré-eleitoral,
quando estão procurando votos, os políticos defendem interesses diversos, às vezes conflitantes. Uma vez inseridos na estrutura de poder, essas diferenças são anuladas. O resultado é uma grande confusão
ideológica. Na Europa Ocidental, algumas
políticas que as pessoas imaginam de direita estão sendo adotadas pelo partido
trabalhista ou pelo social-democrata”.
Falando sobre a censura, disse que há
liberdade de expressão nas universidades.
Disse que tem “total liberdade” para discutir assuntos com seus alunos sem “nenhuma intervenção das autoridades políticas”.
A censura, disse, “não está presente em todos os setores da vida chinesa”. “Nas livrarias, há obras de todos os espectros ideológicos, da extrema esquerda à extrema direita, incluindo muitos títulos traduzidos”. A
censura “é mais presente e abrangente nos
veículos de comunicação de maior tiragem
e na internet”, concluiu.
Problemas e limitações não faltam à China na sensacional arrancada de desenvolvimento que empreendeu nas últimas déca-
das. E os chineses demonstram estar conscientes deles. Isso também pode ser observado no campo esportivo, em que o sucesso olímpico parece não ter subido à cabeça
das autoridades. A China ficou em primeiro
lugar no ranking de medalhas disputadas em
Pequim. Obteve 51 medalhas de ouro, contra 36 dos EUA e 23 da Rússia (os competidores brasileiros conseguiram somente
três). Estima-se que nos Jogos de Londres,
em 2012, os chineses continuem à frente dos
americanos. Isso quer dizer que se transformaram numa potência esportiva?
MODELO SUPERADO
Segundo artigo publicado ainda em meio
aos Jogos na edição on-line do Diário do
Povo, do PC Chinês, essa é uma imagem nãorealista da situação do esporte no país. “O
esporte chinês segue os passos do antigo
modo soviético e está superado em seu sistema gerencial e operacional”, diz o texto.
Desde 1949, fundação da China comunista, a Constituição define que o Estado
está comprometido com o desenvolvimento e com a massificação do esporte. Essa
determinação corresponde às idéias de dois
grandes líderes políticos chineses do século passado, o republicano Sun Yat-sen e o
comunista Mao Zedong, que valorizaram
muito a prática de atividades físicas. Eles
se contrapuseram à tendência dominante
entre as elites chinesas que, de acordo com
Xu Guogi, autor de um livro sobre o sonho
chinês de realizar as Olimpíadas, até o fim
do século XIX só se valorizavam as atividades intelectuais.
Apesar de inscrita na Constituição, entretanto, a orientação está distante de atingir as pessoas comuns, diz o texto do Diário do Povo. “Para promover uma substancial massificação do esporte, a China terá
que, antes de mais nada, otimizar ou transformar o sistema esportivo existente”. A
partir da massificação, investimentos estatais e comerciais podem ser direcionados
para os esportes de alto rendimento. “A
massificação do esporte ajudará a construir uma sociedade mais forte e racional
na qual o esporte de competição pode progredir muito. Nessas bases a China irá um
dia crescer até tornar-se uma real potência esportiva”, conclui o texto.
A crueza das análises dos dirigentes chineses é algo incomum. Tamanho realismo,
sem dúvida, é um dos fatores que explica o
sucesso da China nos últimos anos.
5
CRIMES
PERFEITOS
Na Operação Satiagraha, a espetaculosa ação
da Polícia Federal (PF) dirigida contra o banqueiro Daniel Dantas e o grupo Opportunity,
a organização à qual ele está associado, haveria,
pelo menos, uma prova cabal da ação ilegal do
banco. É uma lista de nomes, essencialmente
de brasileiros, diz a PF, com aplicações no
Opportunity Fund das Ilhas Cayman, dedicados legalmente apenas a não-residentes no País.
A lista já foi citada por Retrato do Brasil: são 84
nomes, obtidos a partir de perícia na memória
do sistema central de computação do banco
Opportunity e informados pelo Instituto Nacional de Criminalística (INC) da PF ao delegado Protógenes Queiroz, que iniciou a
Satiagraha e a comandou até meados de julho.
Essa memória foi apreendida na sede do
banco no Rio de Janeiro, durante a Operação
Chacal, investigação da PF sobre escutas clandestinas ilegais envolvendo o banco associado a Dantas e a Telecom Italia, em outubro
de 2004. Desde bem antes, no entanto, buscavam-se listas de investidores brasileiros ilegais no fundo do Opportunity em Cayman.
Em maio de 2001, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o órgão oficial que supervisiona os investimentos em ações e outros papéis no mercado financeiro brasileiro, tinha
aberto um inquérito, a partir de denúncia de
Luiz Roberto Demarco, ex-sócio de Dantas,
para saber se o banco realizava essas aplicações ilegais. Mais de três anos depois, em setembro de 2004, saiu a decisão. Por unanimidade dos três integrantes da comissão
julgadora, foram condenados o Banco Opportunity, mais duas empresas de asset management
(gestão de negócios) do grupo, dois de seus
diretores – Verônica Dantas, irmã do banqueiro, e Dório Ferman, sócio majoritário do banco –, e o ABN Amro Real, banco administrador do Opportunity Fund no Brasil e um dos
diretores deste banco.
A condenação, entretanto, deu-se não
por ter sido encontrada a lista dos brasileiros que aplicavam ilegalmente. A despeito
de o próprio Demarco ter tentado provar a
ilegalidade, apresentando testemunhos de
6
Reprodução
Política:
retratodoBRASIL 14
Sucessivos governos incentivaram capitais
brasileiros evadidos ilegalmente a retornarem ao
País como estrangeiros. Agora, como punir os
delinqüentes? | Raimundo Rodrigues Pereira
funcionários do banco que o teriam auxiliado a fazer aplicações ilegais de meio milhão
de dólares no fundo de Cayman, a condenação teve outro motivo. “Foi impossível obter a identificação dos cotistas do Opportunity Fund, não obstante os inúmeros esforços”, disse o relator do processo da CVM
no dia do julgamento, segundo os autos da
Satiagraha.
A punição foi relativamente branda, se
considerada a renda provável dos condenados, de 20 mil reais ou 100 mil reais, para
cada pessoa física e jurídica, e aplicada porque a CVM considerou que estaria provado
o “esforço de colocação” das aplicações irregulares, embora não as tivesse conseguido
comprovar. A CVM não conseguiu apoio da
Cayman Islands Monetary Authority que é,
digamos assim, a guardiã legal dessas listas e
que se recusou a fornecê-las.
Posteriormente, em agosto de 2007, o
Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), que funciona no Banco Central (BC), derrubou a condenação,
cancelando as multas. A absolvição do
Opportunity, embora seja fato notório, não
está nos autos do processo. Segundo o diário Valor Econômico, o banco foi inocentado
pelo mesmo motivo já citado: não tinham
sido obtidas as listas de investidores ilegais
para provar a acusação. Segundo Dorio
Ferman, ouvido por RB, a absolvição teve
também outra causa: a acusação de Demarco é falsa, baseada em documentos manipulados por ele.
As votações no CRSFN foram duas. Na
referente à acusação de Demarco, o
Opportunity ganhou por oito votos a zero.
Na outra, que analisou uma possível negligência do banco em informar aos aplicadores,
no prospecto do fundo, sobre a exigência de
não-residência no Brasil, o banco ganhou por
cinco votos a três.
De que forma vai ser provado, agora, na
Justiça, que a lista da PF com os nomes de
brasileiros que teriam aplicado ilegalmente
no fundo do Opportunity em Cayman é verdadeira? O banco diz que ela é falsa: manretratodoBRASIL 14
tém em seus registros apenas os nomes de
aplicadores em fundos de investimentos locais. E que a tarefa de registro das aplicações e controle de suas movimentações no
fundo off-shore é do banco legalmente encarregado dessa tarefa, o UBS Ltd. (União de
Bancos Suíços Ltda.), de Cayman.
O Opportunity, por meio de suas duas
empresas de gestão, Opportunity Asset
Management Ltda. e Opportunity Asset
Management Inc, é apenas gestor do fundo:
seleciona os ativos e realiza as aplicações do
bolo de dinheiro dos cotistas, os quais não
controla individualmente. “A distribuição de
quotas do fundo se dá exclusivamente por intermédio de bancos internacionais. São estes
que efetuam a venda das quotas dos fundos
aos clientes, exclusivamente no exterior”, disse o banco em meados de julho passado, logo
que a existência da lista dos 84 nomes foi
divulgada.
O ELO DO MENSALÃO
Desde o segundo semestre de 2006, a
área técnica da PF trabalhou na memória eletrônica do banco para obter a lista de investidores clandestinos do Opportunity. E,
como se verá ao fim desse artigo, ainda julga
que precisa de mais informações. A liberação para a perícia só foi obtida depois que a
memória do banco foi arrolada como parte
de outro escândalo. No começo de 2006, a
Procuradoria da República enviou cópias às
suas seções de São Paulo e Minas Gerais da
denúncia que fez ao Supremo Tribunal Federal (STF) a partir do relatório da CPI do
Mensalão e que apontava um elo possível
entre empresas então comandadas por
Daniel Dantas e esse escândalo. Brasil
Telecom, Telemig Celular e Amazônia Celular teriam sido as principais empresas
financiadoras do Mensalão, com 130 milhões
de reais repassados pelo “valerioduto” para
o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, por meio
das empresas de publicidade de Marcos
Valério, diz o relatório da CPI.
A Procuradoria da República em São Paulo examinou essa denúncia e conseguiu, en-
tão, autorização da Justiça Federal em São
Paulo para periciar a memória e encaminhou
o material para investigação da PF. Antes, o
relator da CPI, Osmar Serraglio, pediu a perícia ao STF. A então presidente do órgão, ministra Ellen Gracie, negou.
Da perícia dessa memória apreendida
pela Operação Chacal e do relatório dessa
operação, surgiu a Operação Dalien, nome
derivado de Dantas e Alien, o alienígena da
famosa série cinematográfica. Na Dalien, comandada pelo delegado Élzio Vicente da Silva, surgiram as primeiras listas de investidores clandestinos a partir dos trabalhos preliminares de análise da área técnica da PF. A
seis de fevereiro de 2007, o delegado Silva
enviou à 2ª Vara Criminal de São Paulo um
relatório de suas investigações e pediu a prorrogação das interceptações sigilosas das comunicações do Opportunity por meio da
internet. Entre os materiais que ele apresentou, há uma lista de 293 nomes de supostos
aplicadores ilegais no fundo do Opportunity
de Cayman.
O relatório de Silva caracteriza sua investigação como tratando do “crime de evasão de
divisas”. Contudo, uma análise atual aponta um
defeito: os nomes apresentados não incluem
os 84 da lista do INC divulgada recentemente
e que, supostamente, é a mais precisa, pois não
se apresenta mais como um resultado preliminar. Silva reconhece também, como diz o banco, que “o atendimento a clientes e a escrituração das quotas do Opportunity Fund são
efetuados pelo UBS Ltd”, nas Ilhas Cayman,
“domicílio” do fundo. Ele semeia certa confusão ao incluir no relatório inúmeras listas,
com alguns milhares de nomes, sob diversos
critérios, como cidade, grupo econômico, famílias de aplicadores. No relatório de Silva,
esse capítulo das listas diversas é intitulado
“Listagem de investidores nos Fundos de
Aplicação do Banco Opportunity S.A. Ele não
afirma, em ocasião alguma, se são ou não investidores ilegais.
No relatório da Satiagraha, do delegado
Queiroz, que é o esforço seguinte da PF para
separar o joio do trigo no caso das listas, não
7
8
veu interesses gigantescos, e é possível que a
compreensão do que foram esses interesses
seja o que mais ajude a entender os aspectos
mais gerais desse caso que não sai das manchetes de jornais e revistas há uma década.
Nesse momento, no entanto, vamos voltar à
lista de investidores ilegais, que aparentemente é o pecado original de Dantas. Para isso, é
preciso compreender o outro braço de seus
negócios: o da gestão dos chamados fundos
públicos.
6 MIL FUNDOS, R$ 1,2 TRILHÃO
O fundo de Cayman é um de três dúzias
de fundos públicos geridos pelo Opportunity, mas é o único off-shore. Todos os outros
são locais. Nos fundos locais, o Opportunity
é especialista num dos subsetores do mercado de ações: o de Ações Índice Bovespa Ativos com Alavancagem e tem o maior dos
fundos desse subsetor: o Opportunity Logica
II FIA, que administra recursos de terceiros
no valor atual de 2,3 bilhões de reais. O Lógica II está longe de ser um dos maiores fundos de investimentos do País. Essa área do
mercado financeiro brasileiro, no total, inclui cerca de seis mil fundos e administra
um patrimônio de 1,2 trilhão de reais.
Todavia, o Lógica II deve ser destacado
porque parece muito longe de ser uma maquinação cavilosa de um gênio do mal. Possui 22 anos de existência e foi criado por
Dorio Ferman, o sócio principal de Dantas
que, segundo Valor Econômico, é uma figura
tradicional e respeitada no mercado. Teria
havido, inclusive, no Rio, diz o jornal, o início de um movimento em defesa de Ferman,
quando foi divulgada sua prisão no dia 8 de
julho. Além disso, diz Ferman, o volume de
aplicações no Logica II FIA e a persistência
dos aplicadores, mesmo depois dos escândalos da Chacal e da Satiagraha, tem uma
explicação simples: quem aplicou o equivalente a 10 mil dólares no fundo em 1986 e
retirou a aplicação apenas no fim de 2007
ficou milionário – teria, então, 14 milhões
de dólares. Se tivesse aplicado no índice
Ibovespa teria cerca de 10 vezes menos, 150
mil dólares.
A acusação contra Dantas e o Opportunity não vem de sua gestão nos fundos locais, mas concentra-se no fundo off-shore,
criado em 16 de outubro de 1992 com base
no Anexo IV da Resolução 1.289 de 1987,
do BC. E na instrução 169, de 1992, da CVM.
Essas regulamentações, até hoje famosas,
marcam o início da abertura financeira do
País. A rigor, elas foram feitas não só para
trazer capitais estrangeiros para o País, mas
também para incentivar investidores brasileiros que tivessem levado ilegalmente seu
capital para fora a aplicá-los novamente aqui,
disfarçados de estrangeiros. Foi dada isenção de imposto de renda para os rendimentos e os lucros na venda das ações que fossem compradas aqui. Argumentava-se que a
vinda desses capitais criariam empregos, ao
em vez de gerá-los lá fora.
Dantas: segundo o banqueiro, o Opportunity seguiu a legislação
Wilson Dias/ABr
há um esclarecimento preciso desse problema, porque ele parte de uma visão improvável do grupo Opportunity. Para Queiroz, o
grupo é uma maquinação completa do “maligno” Daniel Dantas, com uma infinidade de
empresas nas quais ele escala, a seu gosto, “laranjas” de todos os níveis, e, ao mesmo tempo, uma completa falta de ordem, em que
Dantas não tem ciência de tudo que se passa.
De uma leitura dos autos que desconte
essa esquizofrenia e busque entender melhor
a organização comandada por Dantas, percebe-se que o Opportunity são dois empreendimentos. Um, de gestão de fundos abertos,
que aplica dinheiro de clientes em carteiras
de investimentos como ações e títulos de
renda fixa negociados nos chamados mercados organizados, como as bolsas e o openmarket. O outro, de gestão de fundos fechados, de private equity, no termo em inglês, cujos
ativos são posições de controle completo ou
parcial de companhias adquiridas por meio
do processo de privatização brasileiro –
como as teles já citadas, o metrô do Rio de
Janeiro, o terminal principal do porto de Santos e a Sanepar, companhia de saneamento
do estado do Paraná.
No caso da operação dos fundos fechados, pode-se dizer que Dantas faz parte da
espécie de financistas que disputam agressivamente o controle de empresas por meio
de processos de compras, de fusões e do controle da direção e dos conselhos dessas empresas, visando usar o mínimo de capital próprio e obter o máximo de lucro e patrimônio.
Nesse sentido, Dantas se assemelha a
banqueiros como João Paulo Lehman, um
dos criadores do banco Garantia e da Ambev,
e com André Esteves, um dos fundadores
do Pactual e que recentemente tentou
adquirir o UBS, um dos mais tradicionais bancos do mundo, para citar somente dois exemplos. A diferença é que Dantas
está sendo praticamente expulso do grande
negócio da qual foi um dos principais
articuladores: o da formação das teles privadas a partir da Telebrás. No momento, o banqueiro está usando o dinheiro adquirido com
a venda de suas participações na área das telecomunicações para iniciar grandes negócios no setor agropecuário e na mineração. Já
possui, por exemplo, 600 mil hectares de terras e meio milhão de cabeças de gado.
A história da investigação contra Dantas
nessa área, tratada por RB na edição passada, precisa ser ainda revisitada. A disputa no
setor de telecomunicações no Brasil envol-
retratodoBRASIL 14
O Anexo 4 do BC e a instrução 169 da
CVM criaram a estrutura legal para essa lavagem de capitais. O investidor individual,
pessoa física ou jurídica, apresenta-se a um
banco do exterior, o register and transfer agent,
para registro e movimentação de suas quotas – no caso analisado, o UBS Cayman.
No Brasil, aparecia apenas o fundo coletivo, por meio de um representante legal.
Esse representante escolhia o gestor do fundo, que cuidava da aplicação do dinheiro
sem precisar conhecer a lista de quotistas
individuais. O aplicador ficava escondido
dentro do fundo e protegido pelas leis do
sigilo bancário de outros países. No caso
do Opportunity Fund, pela Cayman Islands
Monetary Authority.
Diversos fundos como o do Opportunity foram criados e muitos se aproveitaram dessas condições. Um exemplo é o do
próprio Demarco, embora ele se diga enganado pelo Opportunity, pois não saberia
que o fundo era reservado a não-residentes no Brasil, embora fosse um operador
do mercado financeiro. Outro, como veiculado pela Folha de S.Paulo no dia 11 de
julho passado, teve como fonte, segundo a
coluna social do jornal, o próprio aplicador,
o ex-senador pelo Distrito Federal Luiz Estevão. Ele tinha 494 mil dólares no Delta
Bank dos EUA sob os nomes fictícios de
Leo Green e James Towers e pegou esse
dinheiro e o aplicou no Brasil em 1994 por
meio do Opportunity Fund de Cayman.
Atualmente, o Anexo IV e a instrução
169 são regras completamente superadas.
Não porque foram estabelecidas dificuldades para entrada e saída de capitais do País.
Ao contrário: nos sucessivos governos, de
1987 até agora, ampliaram-se as facilidades
para essa movimentação. As posições no Brasil em ações de investidores não-residentes
foram de 16,7 bilhões de dólares no fim de
1995 para 50,4 bilhões de dólares no fim de
2005 e 165,7 bilhões de dólares no fim do
ano passado. Isso sem contar as posições
desses não-residentes em american depositary
receipts (ADRs), ações de empresas brasileiras sob custódia da Bolsa de Valores de Nova
York, que não existiam em 1995 e que, no
fim de 2005, estavam em 75,1 bilhões de
dólares e chegaram a 198,3 bilhões de dólares no fim do ano passado.
DOIS CRIMES PERFEITOS?
De qualquer modo, o relatório do INC
de agora, que aponta os investimentos ilegais de brasileiros no Opportunity Fund,
feito a partir da memória do sistema de computação apreendido em 2004, trata de um
problema passado, de uma infração a regras
então existentes. E diz explicitamente que
foram localizadas mais de uma centena de
operações de crédito e débito entre clientes
do banco e o fundo off-shore. E que “os exames (...) mostram que o Banco Opportunity
mantinha controle dos clientes com utilização de CPF e CNPJ, documentos essencial-
Lula Marques/Folha Imagem
Protógenes: para o delegado, o Opportunity é uma maquinação do “maligno” Dantas
retratodoBRASIL 14
mente brasileiros. Conclui-se, portanto, que
a instituição detinha conhecimento dos investimentos realizados por brasileiros no referido fundo”.
Entretanto, esse é um relatório cauteloso. Diz, também nas suas conclusões, que
há um trabalho difícil pela frente. “Faz-se
necessário efetuar exames contábeis e financeiros em toda a documentação do banco
Opportunity, que é o centro operacional financeiro, responsável pela operacionalização
e pela movimentação dos recursos dos
clientes da instituição, tendo em vista a dificuldade de se apartar os clientes normais daqueles que efetivamente possam ter participado de operações suspeitas”. O relatório
também pede mais investigações, organizadas segundo normas que facilitem o trabalho do instituto. Operações de fiscalização e
quebra de sigilo bancário no Opportunity
deveriam ser feitas “em padrão e leiaute utilizados pelo Instituto Nacional de Criminalística”, diz o relatório.
O documento é datado de 19 de junho
passado. Nesse mesmo dia, um auxiliar do
delegado Protógenes Queiroz, Vitor Hugo
Rodrigues, enviou ofício ao juiz Fausto de
Sanctis para a preparação de um flagrante de
tentativa de corrupção que teria sido iniciada,
também naquele dia, por emissário de Dantas
– Hugo Chicaroni –, ao abordá-lo num almoço em que estava acompanhado de
Queiroz. No dia 23, Queiroz enviou ao juiz
de Sanctis pedido de autorização para realizar a grande rodada de prisões afinal efetuada no dia 8 de julho.
Chicaroni diz que era amigo de Queiroz
há tempos. Sua defesa alega que ele foi vítima de um flagrante ilegal de tentativa de
corrupção, armado pelo delegado, e pediu a
quebra do sigilo telefônico de Queiroz para
mostrar que ele ligou para Chicaroni várias
vezes antes do dia 19. De qualquer modo,
Queiroz não quis seguir as sugestões do INC
para prosseguir no trabalho de análises técnicas da escrituração do Opportunity. Um
possível raciocínio seguido é de que o crime
das listas de investidores ilegais do
Opportunity era, ao mesmo tempo, notório,
mas feito segundo regras que o tornavam
perfeito. E com a providencial ajuda das prisões televisionadas e da divulgação das fotos da mala de dinheiro apreendida na casa
de Chicaroni, Queiroz cometeu também o
seu crime perfeito: realizou uma condenação pública antecipada da organização que
predefiniu como criminosa.
9
Reportagem:
MAGGI
O AGRONEGÓCIO
NO PODER
10
retratodoBRASIL 14
retratodoBRASIL 14
Rondonópolis, Mato Grosso, avenida presidente Médici, 4269. Às oito da manhã, um
raio de sol faz brilhar um busto de bronze
bem polido postado na entrada de uma grande construção horizontal. A estátua é uma
homenagem a André Maggi, fundador da
empresa, que morreu em 2001. Do lado de
fora, com altas paredes cinzentas, a sede do
grupo André Maggi se pareceria com um
grande armazém não fossem as duas palmeiras imperiais ainda jovens e a enorme fachada de vidro espelhado na qual as imagens da avenida se refletem. Do lado de dentro, a construção de uns 250 metros por 200
metros é uma sucessão de surpresas. Distribui-se em três pisos, semelhantes a
mezaninos interligados por largas escadarias e corredores. Tudo fartamente decorado
por quadros muito coloridos de pintura ora
naturalista, ora primitiva, só de artistas matogrossenses.
Esses labirintos conduzem a grandes salas muito claras com ar-condicionado. Numa
delas, cerca de trinta pessoas em seus computadores falam com o mundo. É o coração
do departamento comercial, vendendo soja,
algodão ou milho diretamente para Pequim
e Amsterdã, como para São Paulo, de acordo com as cotações da Bolsa de commodities
de Chicago. Em 2007, a Amaggi, empresa
exportadora do grupo, vendeu 2,7 milhões
de toneladas de soja, dos quais 77% foram
destinados a exportação, um volume superior
a 5% de toda soja exportada pelo Brasil naquele ano.
O grupo tem 2,9 mil empregados, que
são chamados de “família”, e se compõe de
quatro divisões. A já referida Amaggi, de exportação e importação, a Divisão Agro, que
cuida da produção agrícola e em 2007 produziu em suas 10 fazendas próprias e nas
arrendadas 414 mil toneladas de soja, 53 mil
toneladas de algodão em caroço e 171 mil
toneladas de milho, a empresa de navegação
Hermasa, que transporta pelo rio Madeira a
soja exportada a partir de Itacoatiara, porto
no rio Amazonas que recebe navios de grande calado, e a Maggi Energia, braço que produz energia hidrelétrica e desenvolve projetos para etanol e biodiesel. Em 2007, o grupo realizou uma receita líquida de 2 bilhões
de reais e declarou um lucro de 134,7 milhões de reais. No ranking do diário Valor Econômico, é a 131ª entre as 250 maiores holdings
de finanças. E, para a revista Exame, a exportadora Amaggi, no quesito vendas, é a
29ª entre as 50 maiores exportadoras. É a
maior empresa do Mato Grosso, e seu principal proprietário, Blairo Maggi, elegeu-se governador do estado em 2002 e foi reeleito
em 2006, confirmando uma tradição inaugurada por seu pai: a política sempre ao lado
dos negócios.
A DITADURA E O LATIFÚNDIO
Não é por acaso que a sede do grupo
Maggi está assentada em uma avenida chamada presidente Médici. A trajetória do
pioneiro André Maggi, até a transformação
de sua empresa em uma corporação de inserção internacional, e a de outros pioneiros
do Mato Grosso, como Ariosto de La Riva,
em Alta Floresta, e Enio Pipino, fundador
de Sinop e de outros 30 municípios, faz parte de uma história maior, a da modernização
conservadora do estado. A ditadura militar
(1964-1985) fez uma releitura da política de
Getulio Vargas e de Juscelino Kubitschek de
ocupação territorial do Centro-Oeste e do
Norte do País. Foi uma escolha a favor do
latifúndio empresarial, associado ao capital
financeiro e com concentração da propriedade da terra, em detrimento tanto da massa imigrante de trabalhadores rurais quanto
da democratização da terra. O objetivo estratégico era a ocupação da Amazônia com
pecuária e produção de grãos, por motivos
de segurança nacional e para agregar essa
parte do território à economia capitalista.
Essa política foi inaugurada com o Plano de Integração Nacional (PIN), do governo Médici, e aprofundada nos anos seguintes com o II Plano Nacional de Desenvolvimento, que viabilizou a construção de estradas, silos e armazéns, incentivos fiscais da
Sudam para a ocupação dos “espaços vazios”,
a implantação de rede bancária para financiamento com crédito subsidiado à produção,
que inicialmente beneficiou o eixo
Rondonópolis-Cuiabá, no cerrado do sudeste do estado.
Ricardo Stuckert/PR
Carlos Azevedo
Uma história da família
de agricultores que,
combinando astúcia,
negócios e política,
chegou ao governo do
Mato Grosso | Carlos Azevedo
11
Divulgação Grupo Maggi/ Cortesia
O jovem André com a família em Torres (RS) e nos tempos de pioneiro no Paraná
Em 1976, o Conselho de Segurança Nacional decretou as Exposições de Motivo 05/
76 e 06/76, que definiram as condições para
a regularização de terras de domínio da
União consideradas “indispensáveis ao desenvolvimento e à segurança nacional”. No
Mato Grosso, tanto a União, mediante o
Incra, quanto o governo do estado, por meio
do Instituto de Terras do Mato Grosso
(Intermat), utilizaram amplamente essa legislação federal para promover a regularização de terras e a legalização de imensos grilos, sustentados por títulos falsos, mas considerados como “ocupações de boa-fé”.
A regularização fundiária era uma ação
de “reforma agrária” a partir do reconhecimento de situações preexistentes, mediante
apresentação de títulos ou comprovação de
posse. E havia a colonização oficial e particular, que consistia na liberação de grandes
glebas a empresas privadas ou órgãos do
12
governo para mobilizar a imigração de camponeses sem terra do Sul e Sudeste, a fim de
aliviar tensões sociais na origem e assentálos mediante venda de lotes de terra e promessa de financiamento e construção de
infra-estrutura.
Nesse processo, em meio a um caos fundiário, com a existência de dupla e até tripla
titulação de terras, o Incra e o Intermat estavam seriamente envolvidos em corrupção
para concessão das terras, de acordo com
CPI realizada pela Assembléia Legislativa em
1995. O auge da grilagem tolerada pelos órgãos oficiais se deu entre 1983 e 1987, nos
governos de Júlio Campos e Wilmar Perez,
quando 4 milhões de hectares foram vendidos a preço simbólico a quem se apresentava como “procurador” de proprietário ou
posseiro. Desse total, apenas 10% foram destinados à regularização de pequenas posses.
Ao fim, Mato Grosso estava retalhado em
grandes latifúndios, como estivera no passado, mas, agora, com a diferença de que eram
latifúndios empresariais. A maioria dos projetos de colonização e assentamento de trabalhadores rurais havia fracassado ou se
descaracterizou, mas a mão-de-obra necessária ao desenvolvimento da acumulação
capitalista estava à disposição dos empresários, visto que fora desapropriada das terras
que viera buscar, concentrada em sua maioria nos 61 novos municípios criados no meio
da floresta ou do cerrado, como diz a
geógrafa Gislaene Moreno, da Universidade Federal de Mato Grosso (“Terra, poder e
corrupção – a política fundiária em Mato
Grosso – 1970/1990”, Revista Mato-grossense
de Geografia, dezembro de 1997).
Das centenas de milhares de pessoas
que se deslocaram para a região em busca
de terras, a maioria continuou pobre, uma
parte como pequenos proprietários em lotes de colônia e assentamentos da reforma
agrária. A maior parte nem terra conseguiu,
tornando-se, na região, força de trabalho
assalariada. Entre eles, houve quem abriu
um pequeno comércio ou loja de serviços.
Outros seguiram em frente, atrás de um
lugar na nova fronteira agrícola, que sempre caminha para o Norte. Só alguns enriqueceram muito, formaram grupos poderosos, monopolizaram os meios de produção e se tornaram hegemônicos na economia regional. Mas estes, salvo alguma exceção, não eram imigrantes proletários. Como
André Maggi, eles eram capitalistas atraídos pela política do estado à região para
dar impulso à economia.
QUATRO FAMÍLIAS NUM CAMINHÃO
O começo da história de André Maggi
se dá em 1955, quando, aos 28 anos, decidiu
deixar sua terra natal, Torres, Rio Grande
do Sul. Lá, como seu pai e seu avô italiano,
ele trabalhava criando porcos e plantando
mandioca. Vendeu a pequena gleba de terra,
insuficiente para produzir além da subsistência, e levou a família, a mulher grávida e duas
filhas, para o oeste do Paraná. Viajaram num
caminhão por sete dias, dividindo espaço
com outras três famílias, tão pequena era sua
mudança. Foram para a região de Foz do
Iguaçu, num lugar chamado “Gaúcha”, na
fronteira com o Paraguai e a Argentina. Seguiam o chamado de Getulio Vargas – a
“Marcha para o Oeste” – para ocupação da
região. Sob o estímulo do governo, dezenas
de empresas colonizadoras se instalaram,
retratodoBRASIL 14
mearam Ferdinando Felipe Pagot como
interventor em 1968. Ele era ex-oficial da
Marinha Mercante, ligado aos serviços de segurança do governo militar e amigo de André
Maggi. Os órgãos de segurança do Exército
e da Marinha faziam reuniões periódicas com
Pagot para planejar repressão a ações consideradas subversivas na fronteira, e Maggi
participou de grande número delas.
Conforme depoimento de seu genro
Hugo Carvalho Ribeiro, atual vice-presidente
do Conselho Administrativo da empresa, o
sogro era homem de falar pouco. “Não fazia brincadeiras, não contava piadas. Só falava dos projetos em que estava envolvido, entrava em detalhes sobre o que fazer, como
fazer, obsessivamente. Ou, então, discutia
política. Tinha grande interesse em discutir
estratégias políticas com os próprios políticos e autoridades, procurava influenciar nos
acontecimentos, mas preferia ficar em segundo plano. Era um estrategista político”.
Mas André Maggi era, sobretudo, um
pragmático, e em tudo que fazia procurava
combinar com o objetivo maior de melhorar de vida. As boas relações com as autoridades certamente favoreciam suas credenciais para obter crédito no Banco do Brasil.
Assim, expandiu a indústria de madeira,
ampliando a serraria, apossando-se de matas em terras devolutas e comprando a madeira das matas de outros colonos. Sua mãode-obra predominante era paraguaia, que ficavam acampados na mata em condições
controlando as terras e vendendo-as a colonos gaúchos e catarinenses.
Por ser região de Mata Atlântica, havia
ali muita madeira. André começou como empregado em uma serraria. Trabalhador incansável e espírito de negociante, corria a
floresta cortando árvores, que transportava
até as margens do rio Paraná e vendia a uruguaios e argentinos. Iniciou negócios com
terras. Comprou três chácaras de colonos.
Trocou-as por um caminhão para transportar madeira. Também viajava a Torres para
vender lotes de terra. Comprou uma fazenda onde havia uma pequena serraria. A partir daí, o padrão de vida melhorou.
Na tradição italiana, era agarrado ao conceito de família. Construiu uma casa grande
prevendo abrigar filhos, genros e netos. Também vieram a morar na casa famílias de ami-
“Não fazia brincadeiras,
não contava piadas. Só
falava dos projetos em
que estava envolvido”
retratodoBRASIL 14
A primeira fábrica de sementes de Maggi em São Miguel do Iguaçu, ainda no Paraná
Divulgação Grupo Maggi/ Cortesia
gos, alguns dos quais o acompanhariam por
toda a vida, como Altair Fabris, que trabalhou 39 anos com ele, chegou a presidente
do grupo Maggi e hoje está aposentado. Na
própria casa, abriu uma mercearia em sociedade com um amigo. Era a única do povoado e se tornou ponto de encontro de pessoas
influentes e políticos da região, do que André
se aproveitou para ampliar seu círculo social. Tinha vocação política, sabia juntar as
pessoas em torno de objetivos como construir a igreja, escola, abrir estradas, fazer reivindicações. Participou da mobilização pela
criação do município de São Miguel de
Iguaçu, que se deu em 1961. Ajudou a eleger o prefeito e se elegeu vereador pela legenda do PTB, partido do então presidente
da República, João Goulart. Sempre apoiar
o governo seria uma regra que seguiria todo
o tempo.
Tornou-se eminência parda no novo município, influenciava a administração e a política, tanto que o segundo prefeito foi seu
primo Nadir Maggi. Com a queda de
Goulart, passou a apoiar a ditadura militar,
assumindo posição nitidamente de direita,
aproximando-se da Arena, partido do governo. Pelo fato de São Miguel de Iguaçu
estar em área de fronteira, os militares no-
precárias e recebiam baixíssimos salários, situação similar à de trabalho escravo. Em entrevista dada ao geógrafo Carlos Alberto
Franco da Silva em 2000, constante do livro
Grupo André Maggi: Corporação e Rede em Área
de Fronteira (Entrelinhas, 2003), o pioneiro se
justifica: “depois da expansão do negócio de
café no Paraná, não agüentava pagar [pela
mão-de-obra] o que os outros pagavam”.
Com os lucros da serraria, começou a
comprar terras de colonos endividados, chegando a possuir 200 hectares. Introduziu a
serra-fita, um novo equipamento na serraria, e comprou caminhões e tratores. Hugo
Ribeiro conta que, quando não havia compradores, Maggi lotava caminhões e ia pessoalmente vender em São Paulo.
Havia 20 serrarias em São Miguel do
Iguaçu no auge da exploração madeireira.
Antecipando-se ao fim desse ciclo, Maggi
vendeu a serraria e investiu na agricultura
mecanizada. Com financiamento do Banco do Brasil, comprou tratores e equipamentos e construiu um armazém graneleiro
para adquirir a produção de outros produtores e estocar para a comercialização em
condições mais vantajosas de preço. Com
financiamento do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE),
hoje extinto, Maggi investiu na compra de
56 silos especiais para aclimatação de sementes. E construiu um segundo armazém
graneleiro. Também investiu na pecuária e
já tinha 3 mil cabeças de gado.
13
Laercio Miranda
Armazém em Campo Novo dos Parecis. São 38 graneleiros como este, com capacidade para 2,6 milhões de toneladas
Ferdinando Pagot, mesmo depois de
afastado da Prefeitura, continuou a ser seu
braço direito em estratégias políticas. Essa
era uma das características de André, conforme relatou Hugo Ribeiro. “Em primeiro
lugar queria a família sempre a seu lado. Esforçava-se para que filhos e filhas, genros e
noras ficassem trabalhando com ele. Quando me casei, havia me formado em engenharia civil em Curitiba, comecei a trabalhar
por lá. Mas seu André me contratou para
fazer construções para a firma dele. E, afinal, me trouxe para dentro da empresa. Ele
era um formador de equipes. Ia juntando os
amigos de confiança e atraindo-os para trabalhar com ele”. Estes iam se tornando uma
extensão da família, num ambiente de lealdade de grupo.
Maggi havia adquirido mais terras, e a
produção de soja aumentou muito no município. Entre 1973 e 1977, esta passou de
50 mil toneladas para 120 mil toneladas. No
entanto, o centro da atividade da empresa,
então chamada Sementes Maggi, não era a
produção, e sim o comércio da soja. Somente os armazéns de sua empresa tinham sementes. Maggi iniciava então a estratégia de
sucesso que alcançaria seu auge anos depois
no Mato Grosso: fornecia sementes, insumos
e financiamento aos outros produtores, que
se comprometiam a lhe entregar a produção
a um preço previamente acertado. Os agricultores, sem alternativa, pois não havia ou14
tra estrutura de armazenagem na região, não
tinham a mesma facilidade para conseguir
financiamento bancário. Além dos financiamentos que conseguia no Banco do Brasil,
Maggi havia estabelecido relações comerciais
com os grandes grupos do setor de alimentos, Sanbra, Cargil, Anderson Clayton, junto
aos quais obtinha empréstimos que ele repassava aos agricultores com juros mais altos. Depois, pagava os empréstimos com
soja. Assim, com a safra regional sob seu controle, adquirida a baixos preços e acomoda-
“Você não precisa ter
dinheiro, precisa ter
crédito”. Mas o pulo do
gato ele não ensinava
da em seus armazéns, Maggi esperava o melhor momento para vender. Ganhava com a
venda de sementes e insumos, com os juros
do financiamento e, afinal, com as diferenças de preços. Isso, sem falar, na sua própria
produção, que não era desprezível. Nessa
época, ele cunhou uma frase que ficou famosa: “você não precisa ter dinheiro, precisa ter crédito”. O pulo do gato é como
você faz para ter crédito. Começou ali a rápida e intensa acumulação de capital do grupo Maggi.
A CONQUISTA DO CERRADO
Em 1979, quando chegou a Rondonópolis, André Maggi era um empresário de
sucesso no Paraná, mas já sem espaço para
crescer. Vinha em busca de ampliar suas forças produtivas para se apropriar de um excedente de trabalho maior. Em Rondonópolis, encontrou condições favoráveis, pois
havia infra-estrutura, mão-de-obra disponível, as terras de cerrado eram muito baratas
e a produção de soja deslanchava. Logo encontrou uma pechincha. Um fazendeiro endividado com o Banco do Brasil vendeu-lhe
uma fazenda. Valendo-se uma vez mais de
suas boas relações com o banco, André assumiu e renegociou a dívida alongando o
prazo. Esses primeiros 2,4 mil hectares da
fazenda no município de Itiquira foram só o
começo da formação de um grande domínio territorial.
A produção de soja no entorno de Rondonópolis crescia rapidamente. As empresas de máquinas, insumos e implementos
agrícolas abriam filiais por lá, consolidando
o modo de produção do agronegócio, a “indústria agrícola”, baseada no latifúndio capaz de produzir em grande escala e assentada nas multinacionais de equipamentos, fertilizantes químicos e agrotóxicos, a chamada “revolução verde”, que mobiliza grandes
capitais na retaguarda da cadeia produtiva.
Desde 1976, a Embrapa havia instalado na
região um campo de pesquisas e vinha deretratodoBRASIL 14
ta sempre, não há um movimento retilíneo
de sucesso, e com o seu André também foi
assim. Ele era do tipo patriarcal, sistemático,
muito seguro de suas idéias e capaz de perseverar até se convencer de que estava errado. Ele enxergava à frente, mas por vezes
tomava decisões que traziam dificuldades e
a equipe tinha de dar duro para honrar os
compromissos. Felizmente, os seus acertos
foram maiores que os erros”. Diz isso para
lembrar que o começo foi difícil para eles
no Mato Grosso, tiveram dúvidas sobre o
acerto da iniciativa do chefe do grupo. “Faltava capital para comprar equipamentos, mas
como as épocas de plantio e colheita no
Paraná e aqui são diferentes, seu André embarcava suas máquinas agrícolas do Paraná
em caminhões e as trazia para cá, mais de 2
mil km. Depois, levava para lá de novo”.
André Maggi não era só um agricultor,
mas um homem de negócios. Construiu o
maior armazém graneleiro do Estado em sua
fazenda MS3, para comprar soja, e, mesmo
assim, logo este ia ficar insuficiente (atualmente, o grupo possui 38 armazéns desse
tipo). Tratava de repetir o sistema comercial
que dera certo no Paraná. Como não conse-
Carlos Azevedo
A sede em Rondonópolis, simples por fora, abriga instalações e equipamentos sofisticados
retratodoBRASIL 14
Divulgação Grupo Maggi/ Cortesia
senvolvendo as variedades “Santa Rosa” e
“Cristalina”, adequadas para o cerrado. Aos
poucos, os produtores iam acertando as
quantidades necessárias de calcário, para a
correção do solo, e de fertilizantes. E em
1979, Mato Grosso produzia sua primeira
grande safra de soja, 117 mil toneladas em
70 mil hectares.
Maggi logo transferiu alguns dos principais membros de sua “família” para Rondonópolis, como seus genros Itamar Locks
e Hugo Ribeiro e os amigos Jacyr Bongiolo
e Itamar Fabris. O grupo comprou mais terras na região, fazendas que chamou SM1,
SM2, SM3, SM4, SM5 e Ponte de Pedra, as
quais somavam mais de 18 mil hectares.
Mais tarde, vieram as fazendas Tucunaré,
Agro Sam e Itamarati, a noroeste, e
Tanguro, a sudeste, compondo um total de
215 mil hectares.
Em 1980, a primeira produção de soja
foi um fracasso, porque André e sua equipe
não conheciam as características do solo do
cerrado (quanto de calcário era preciso, quanto de fertilizantes?) e as sementes do Paraná
não produziam bem ali. Hugo Ribeiro conta que “houve altos e baixos, você não acer-
Hugo Carvalho Ribeiro, genro de André
guia ainda produzir sementes adaptadas ao
cerrado, concentrou-se em fornecer adubos
e equipamentos e emprestar dinheiro aos
agricultores, recebendo o pagamento em
soja. É a chamada “moeda verde”, de antiga
tradição, que vem desde o café. Assim, comprava por preços mais baixos e conseguia
concorrer com os grandes grupos comerciais,
as tradings, como Cargill, Ceval, Sanbra, Sadia, na disputa pela produção. Armazenava
os grãos comprados. E vendia com melhores preços a esses mesmos grupos. Como
detinha soja em seus armazéns, também conseguia empréstimos em condições favoráveis
com as mesmas tradings, antigas parceiras
desde o Paraná, e com bancos. Era com esses recursos que financiava “seus” produtores, que chegaram a ser mais de 1,6 mil. Os
produtores se mantinham “cativos”, porque
os financiamentos bancários só eram dados
aos grupos mais poderosos, e eles, sem acesso ao crédito junto aos bancos oficiais, tinham de capitular diante de empresas comerciais como a Maggi, que funcionava tal
como um banco.
A produção capitalista, entretanto, depende da extração do excedente do trabalho
produzido, e Maggi sabia como realizá-la. De
acordo com o testemunho de Luís Rodrigues,
38 anos, taxista de uma cooperativa em
Rondonópolis que ganha 1,5 mil reais por
mês e não pensa em voltar à agricultura,
André Maggi pagava baixos salários em suas
fazendas. Anos atrás, Luís trabalhou em ser15
Divulgação Grupo Maggi/ Cortesia
Em 1985, Blairo assumiu a direção, e o pai foi ser pioneiro outra vez, em Sapezal
viços gerais e como tratorista na Fazenda
Ponte de Pedra, de propriedade do grupo
Maggi. A empresa lhe pagava salário mínimo, mas com registro em carteira, férias, 13º
salário, convênio médico e um abono por
horas extras. “O Maggi pagava pouco, mas
era correto, o que prometia, cumpria”. Saiu
desse emprego porque o salário era muito
baixo para alguém como ele, que conhecia
os métodos de trato da terra e sabia operar
os equipamentos de plantio e colheita. Foi
trabalhar em uma fazenda vizinha como encarregado da pecuária, ganhando mais. Luís
conta que o velho André ia para o campo
com os trabalhadores, trabalhava com eles.
“Exigente, criticava abertamente as falhas.
Pegava a ferramenta e mostrava como fazer.
O filho Blairo já era diferente. Não ficava
no campo. Ia só ver os resultados”.
O jornalista Onofre Ribeiro, de Cuiabá,
65 anos, que em 1994 conviveu durante uma
semana com André e Blairo na fazenda deles em Sapezal, conta que o velho era
carismático. Deitava-se às sete da noite, mas
antes das quatro da manhã já estava sentado no alpendre da casa de madeira, tomando chimarrão e conversando com os empregados. Era uma conversa amistosa e, simultaneamente, um relatório do trabalho
feito e a programação do que se ia fazer. A
um perguntava: “consertou a bobina do trator”, “E aquele retentor que estava vazando?”. E a outro: “e como vai sua filhinha,
melhorou da tosse? Se piorar, leva ao médico!”. Ao mesmo tempo, ele cobrava, ensinava, dava conselhos. Diz Onofre: “era
um típico patriarca, um homem alto, corpulento, olhos claros, cabelos lisos, ralos.
Conservava o sotaque italianado dos sulis16
tas e tinha uma voz suave. Era uma voz
mansa, camarada, mas, ao mesmo tempo,
retratava autoridade. Era um homem solene, não aceitava ser interrompido”.
FINANÇAS E TECNOLOGIA
A partir de 1985, quando o filho Blairo
assumiu a direção, o grupo adquiriu novas
feições, aprofundou laços com o capital
financeiro, internacionalizou suas vendas
e operações de crédito. Funcionava mais
declaradamente como banco, financiador
da produção. Captava recursos junto a bancos internacionais, como o BNP (Banco
Nacional de Paris), UBS (União de Bancos Suíços), ING Baring (inglês), Societé
Generali (francês), Harbour Bank (holandês), Sumitomo (japonês) e HSBC (inglês),
e também brasileiros. Continuava a captar
recursos junto às suas tradicionais “concorrentes-parceiras”, as tradings Cargil,
Ceval e outras,e junto a empresas produtoras de adubos. Esses capitais financeiros, obtidos com custos menores que os
dos concorrentes, eram repassados aos
produtores, “fidelizados” por falta de alternativa, em troca de sua produção. Assim, o grupo Maggi passou a se apropriar
de boa parte da soja do Mato Grosso e
também de Rondônia.
Outro aspecto da ampliação do poder
do grupo Maggi é o controle da pesquisa
tecnológica, obtido por meio de uma instituição de pesquisas. É a Fundação de Apoio
à Pesquisa de Mato Grosso, ou Fundação
MT, que tem sua sede na saída de Rondonópolis, à margem da estrada para Cuiabá, num
amplo edifício que já foi o centro de pesquisa da Embrapa na região. Sob a liderança de
Blairo Maggi, 23 grandes produtores buscaram uma parceria com a Embrapa para o
desenvolvimento de sementes de soja e algodão e de métodos de produção, a fim de
elevar a produtividade. Reuniram fundos e
formaram a Fundação Mato Grosso, da qual
Blairo foi o primeiro presidente. Após sete
anos de parceria e o desenvolvimento de soja
mais produtiva e resistente às pragas e fungos e de sementes de algodão adaptadas ao
cerrado, a parceria se desfez turbulentamente, e o caso foi parar na Justiça.
O contrato de parceria terminou em
2000. A Embrapa insistia em novo contrato
com alterações nos termos de co-titularidade
do material genético desenvolvido, temerosa de que novas parcerias feitas pela Fundação MT poderiam levá-la a perder controle
sobre seu banco de germoplasma. Blairo
Maggi se recusou a assinar a renovação com
as mudanças requeridas pela Embrapa, alegando que “a propriedade intelectual dos
materiais em desenvolvimento passariam a
ser de propriedade exclusiva da Embrapa,
fato com o qual a Fundação MT não concorda, pois todo o investimento humano e
financeiro, dentro desses convênios, era arcado pela Fundação”.
Em 2002, a decisão da Justiça foi dividir
o banco de germoplasma, ficando 50% para
cada lado. A Embrapa se retirou de Rondonópolis e sua sede passou à Fundação MT.
Na imprensa, surgiram acusações de que a
Fundação MT havia se apropriado ilegalmente de patrimônio público. Blairo Maggi alegou que por trás da questão estaria o
envolvimento da Embrapa com a Monsanto no tocante ao desenvolvimento de produtos transgênicos. Disse: “a Monsanto exigia da Embrapa o rompimento do contrato
com a Fundação MT. Quer dizer, a Monsanto, de certa forma, quer controlar a questão das sementes no Brasil e nós dissemos
não. Nós temos nosso mercado e não vamos fazer isso”.
GRUPO MAGGI NA POLÍTICA
Até o rompimento da parceria, a Fundação MT e a Embrapa detinham o controle de 83% da produção de sementes do Estado, que eram comercializadas pela Fundação. O restante era comercializado pela
Monsoy, subsidiária da Monsanto. Apesar da
incorporação da Agroceres pela Monsanto,
a Fundação MT ainda é responsável por uma
fatia considerável do comércio de sementes
no Centro-Oeste e Norte, um setor altamenretratodoBRASIL 14
te lucrativo e que garante autonomia ao grupo Maggi e seus associados na Fundação.
Naquela semana de 1994, passada na fazenda de Maggi, Onofre Ribeiro conversou
muito sobre política. “À noite, comendo carneiro e tomando vinho, falávamos da política mato-grossense, tradicionalmente dividida em dois ramos. Naquela época, um dos
lados era representado por Carlos Bezerra e
Dante de Oliveira. E o outro, por Jayme
Campos e Júlio Campos. Eu argumentava
que, pela expressão que vinham adquirindo
na economia, os sulistas já se capacitavam
para formar uma terceira força capaz de almejar o poder no estado. Blairo ouvia sem
se manifestar. E seu pai não participava das
conversas, já havia ido se deitar. No último
dia, o velho, que até então se mantivera arredio, disse que queria conversar à parte comigo. Pediu a um empregado: “traga o meu
uísque”. Serviu a mim e a ele. Disse que ouvira nossas conversas (em vez de dormir ficava na cama nos ouvindo). Achava que
Blairo tinha futuro político, mas estava imaturo, além de que o grupo ainda não reunia
suporte financeiro suficientemente forte para
construir um pólo político que fizesse frente aos grupos poderosos então existentes.
Mas concordava que os sulistas uma hora
iam chegar ao poder.
Entretanto, para Manuel Mota, cientista
político da UFMT, que morou em Rondonópolis nos anos 80, os Maggi já estavam
envolvidos na política mato-grossense havia
tempos. Segundo ele, mantiveram relação
próxima a Júlio Campos durante seu gover-
no de 1983-1986. Em seguida, apoiaram e
financiaram Carlos Bezerra, do PMDB, eleito
governador pela oposição para o período
1987-1990. Na eleição seguinte, foi eleito o
conservador Jayme Campos, que governou
entre 1991-1994, mas André não o apoiou,
porque, de acordo com Ribeiro, “Jayme havia faltado à palavra com ele, coisa que um
patriarca não admite”. Em 1994, o apoio foi
para a candidatura de Dante de Oliveira,
membro da oligarquia tradicional (era parente de Roberto Campos), mas de visão mais
progressista. Blairo Maggi iria se aproximar
muito de Dante de Oliveira durante seu go-
“Produtor ‘cativo’
recebe sementes,
adubos, dinheiro e, em
troca, entrega a produção”
verno e obteve bons dividendos com essa
amizade política, como no caso do relaxamento da legislação ambiental para construção de pequenas usinas hidrelétricas, decreto assinado por Dante. Isso não impediu que,
em 2002, Blairo apoiasse a reeleição de Jonas
Pinheiro, derrotando a candidatura de Dante
ao Senado.
Isso porque a relação política mais próxima dos Maggi se deu com Jonas Pinheiro,
um político eleito deputado federal três vezes pelos produtores rurais e que tinha muita influência no Banco do Brasil,
intermediava financiamentos, negociações de
dívida, abria portas. Era o homem que o
velho Maggi andara procurando. Em 1994,
os Maggi apoiaram fortemente Jonas Pinheiro para o Senado, derrotando o antigo aliado Carlos Bezerra até mesmo em Rondonópolis, seu domicílio eleitoral. Blairo Maggi
foi suplente de Jonas, o que lhe permitiu assumir a cadeira no Senado por quatro meses
em 1999, ocasião em que, entre outros negócios, viabilizou financeiramente a
Hermasa, empresa de navegação pelo rio
Madeira, junto ao governo Fernando Henrique Cardoso.
De acordo com Ribeiro, uma figura já se
destacava naquela época ao lado de Blairo,
como seu braço direito, homem de pensamento estratégico, Luís Antonio Pagot, filho daquele Felice Pagot que, no Paraná, fora
o pensador estratégico de André e
interventor dos militares em São Miguel do
Iguaçu. Ribeiro descreve Luís Antonio como
“um trator”. Como assessor parlamentar de
Jonas Pinheiro no Senado, foi, depois de
1994, o arquiteto e articulador em Brasília
do projeto da Hermasa, empresa de navegação do Rio Madeira, da qual se tornou depois seu gestor mais destacado. Foi o principal articulador da campanha de Blairo a governador (“levou no peito”, diz Ribeiro), depois secretário de estado em três secretarias
estratégicas, e hoje é diretor do Departamento Nacional de Infra-estrutura e Transporte
(DNIT) do governo Lula, por indicação do
governador. O DNIT é o órgão encarregado de desenvolver o sistema de transportes,
Fotos: Folha Imagem
Senador Jonas Pinheiro, o homem que “abria portas”. Dante Oliveira deu ajuda para a energia. Jílio Campos regularizou os “grilos”
retratodoBRASIL 14
17
estradas, hidrovias, ferrovias. Aparelho estratégico para os interesses dos produtores
do Mato Grosso (e quem pode se beneficiar
mais com isso do que o grupo Maggi?).
O jornalista acha que Blairo não tinha
vocação política, mas se contradiz quando
relata as manobras do atual governador para
se filiar a um partido. Foi convidado por vários, PMDB, PSDB e outros, ameaçava ir e
acabava não indo, negaceava. Acabou se
filiando ao PPS, partido originário do antigo
Partido Comunista Brasileiro, não por suas
tradições de esquerda que, aliás, há muito
renegou, mas pelo fato de ele ser quase
inexistente no Mato Grosso. Nisso mostrou
refinada matreirice, porque, na prática, arranjou um partido que ele pudesse controlar sem as interferências de outros caciques,
conforme admitiu em entrevista a Franco
da Silva, no livro já citado: “era necessário
romper com esse negócio. Logo, eu tinha
que buscar um partido que não tivesse a presença desses políticos antigos...”. Assim, pôde
se eleger governador duas vezes, sem dever
politicamente a ninguém. No fim, Ribeiro
admite: “mas ele tomou gosto! Ele aprendeu o caminho das pedras”.
E como aprendeu! Em 2006, Blairo
Maggi foi reeleito governador no primeiro
turno. Lula, que no primeiro turno perdera
a eleição em estados onde o agronegócio é
forte, como no Mato Grosso, negociou o
apoio de Maggi. Este, que havia apoiado
Geraldo Alckmin, mudou de posição e declarou apoio a Lula. “No primeiro instante,
a repercussão em suas bases foi muito nega-
tiva,” conta o jornalista. “Mas Blairo é um
negociador esperto e duro. E negociou um
amplo acordo com Lula. Negociou o que
sabemos e o que não sabemos”. O acordo
trouxe benefícios imediatos para o agronegócio ainda antes da votação do segundo turno: créditos de 3 bilhões de reais, alongamento da dívida dos produtores, compensações para aos exportadores pela desvalorização do dólar, promessas de cargos para
aliados de Maggi na administração federal,
no DNIT, Incra, Funasa. Fazendo sua parte, Blairo viajou pelo País se reunindo com
as lideranças do setor. Resultado: no segundo turno, Lula obteve votações muito maiores nos estados controlados pelo agronegócio. No Mato Grosso, por exemplo, no primeiro turno Alckmin conseguira 55% dos
votos e Lula, 38,6%. No segundo, deu empate. Blairo teve de deixar o PPS por imposição do presidente do partido, Roberto
Freire. Não perdeu nada com isso, foi para o
PR juntamente com seus deputados e prefeitos. Em compensação, ganhou espaço
para exercer influência no governo federal.
SAPEZAL, A GRANDE CARTADA
Até 1979, os poucos sinais do homem
branco na parte oeste do grande cerrado da
Chapada dos Parecis eram as ruínas da linha
telegráfica implantada pelo Marechal
Rondon em 1908. No mais, esse largo planalto apenas levemente ondulado continuava a ser o território dos povos indígenas Pareci, Enawenê-Nawê e Nambiqwara, em inúmeras aldeias instaladas ao longo dos verdes
18
Folha Imagem
Carlos Azevedo
O jornalista Onofre Ribeiro e Luis Antonio Pagot, o estrategista de Blairo
e encachoeirados rios do Sangue, Papagaio,
Juruena, Sapezal, Juína, Mutum. Essas terras faziam parte do imenso município chamado Diamantino, onde o Incra e o Intermat
estavam começando a discriminar glebas para
empresas de colonização com imigrantes do
Sul. Um dos primeiros a chegar aonde surgiria mais tarde o município de Sapezal, ainda em 1979, foi Aldir Schneider, gaúcho descendente de alemães, que vinha a mando da
Cotrijuí – Cooperativa de Triticultores de Ijuí
– preparar terras e estradas para o acesso
dos colonos. Ali se instalaram fazendeiros
em glebas de no mínimo mil hectares, não
havendo lugar previsto para pequenos produtores desde o início.
A partir de sua fazenda Lagoão, Schneider e sua mulher, Elaine, a “Preta”, cooperavam com os vizinhos, todos instalados a
quilômetros de distância uns dos outros. Preta organizou uma escola e um posto de saúde em sua casa, únicos na região. As dificuldades eram enormes, pois tinham de se abastecer em Cuiabá, em viagens de caminhão
que demoravam 15 dias de ida e volta. Por
três vezes, tentaram formar um núcleo urbano, mas, sem recursos e sem que seus pedidos de ajuda fossem atendidos pelo estado, não tiveram sucesso.
Em 1985, André Maggi estava desobrigado de muitos de seus afazeres na empresa, já que o filho Blairo assumira a liderança.
Aos 58 anos, cheio de energia, foi procurar
o que havia buscado em toda a vida, terras
virgens e baratas, porque sabia que elas eram
um fator de geração de novas riquezas. Havia abundância de terras na Chapada dos
Parecis, entretanto já complicadas pela presença de grileiros e títulos falsos de propriedade. É provável que o velho Maggi tenha
se entusiasmado com o rico cerrado de transição, aquele imenso chapadão de rios
encachoeirados (ela já via usinas hidrelétricas ali), de terras planas a perder de vista, as
quais percebia excelentes para a agricultura
mecanizada. A “família” não estava de acordo. Ele contou, em entrevista de 2000: “O
Blairo falou que eu estava ficando louco [...]
o pessoal dava contra. Tudo o que eu fazia
não ia dar certo, mas eu sabia que ia dar certo”. Blairo comentou em 2001: “ele botava
na cabeça que queria fazer alguma coisa, ele
simplesmente ia fazer [...] às vezes até sendo
irresponsável [...] e o resto da máquina administrativa tinha que correr atrás para cobrir os furos...”. André Maggi teimou e comprou “um mundo” de terras, 70 mil hectaretratodoBRASIL 14
Laercio Miranda
Cargil, Bunge, Dreyfus, Bom Futuro e o
maior de todos, o da Maggi. Sapezal fica à
margem da BR-364, seu núcleo urbano tem
uma área aproximada de 1 km por 1 km,
dentro do qual quinze ruas e avenidas, todas
asfaltadas, cruzam-se geometricamente. Na
cidade e na zona rural moram não mais que
15 mil pessoas. O PIB per capita é de mais
20 mil reais, um dos maiores do País.
Pudera, o município se tornou o segundo maior produtor de soja do Mato Grosso, com 1 milhão e 85 mil toneladas na safra de 2007, 7% da produção do estado.
Somando com a produção de milho, algodão, feijão, a colheita do município alcançou 1 milhão e 800 mil toneladas. A produção de soja cresceu 74% desde 2002 e já
alcança uma produtividade de 54 sacas/hectare, bem superior à média nacional de 47
sacas/hectare. Entretanto, essa alta produtividade não se deve à fertilidade natural
do solo. No começo, a soja não se deu bem
nesse cerrado, de terras fracas e ácidas, apesar de haver chuva suficiente, 2.100 mm/
ano e em época adequada.
A atual terra fértil foi construída pela tecnologia. Isto é, deveu-se a uma série de procedimentos adotados ao longo de anos,
como correção do solo, à média (elevada)
de cinco toneladas de calcário e adubo por
hectare, desenvolvimento de sementes adaptadas ao clima e resistentes às pragas, rotação anual de cultura com milho e algodão,
incorporando ao solo os restos da lavoura,
plantio direto e constituição de terraços para
evitar erosão. E o terreno plano facilitou a
A Prefeitura de Sapezal fica ao lado do prédio da Maggi, retrato de uma hegemonia
Sapezal se tornou o
segundo maior produtor
de soja do Mato Grosso,
com alta produtividade
nós regularizamos lá no Intermat”. Os fazendeiros ficaram gratos ao governador, tanto que deram o nome de Campos de Júlio a
um município da região.
Ao mesmo tempo, André Maggi se incorporou aos planos da comunidade para
criar um núcleo urbano. Ele tinha recursos e
influência política suficientes para dar o impulso que faltava. André comprou outra fazenda e destinou parte de suas terras para
ser o núcleo urbano de Sapezal. A cidade foi
planejada juntamente com a comunidade e
os terrenos foram divididos em lotes de 20
m x 60 m e 40 m x 60 m, as chamadas “datas”. Sempre negociante, André não doou
os terrenos, criou uma empresa imobiliária,
a Cidezal (Cia. de Desenvolvimento de
Sapezal), para vendê-los. Pôs tratores e caminhões para as obras de arruamento e urbanização. Instalou abastecimento de água e
energia elétrica, a partir de uma pequena usina que fez em sua fazenda Tucunaré. A seu
pedido, o Banco do Brasil instalou uma agênretratodoBRASIL 14
cia na cidade. Nada disso saiu de graça, de
alguma forma ele cobrou por tudo. Por
exemplo, os equipamentos e materiais que
cedeu para o desmatamento e a construção
das ruas foi debitado e cobrado da Prefeitura quando ela se instituiu. Em parte, a construção da hidrelétrica em sua fazenda foi
possível mediante a cotização dos outros produtores em troca de receberem energia gratuita em suas propriedades. Passados alguns
anos, Maggi vendeu a energia produzida para
a Cemat, companhia energética do estado,
que a integrou à rede geral e passou a mandar a conta para os produtores. A longo prazo, Maggi passou a ter um novo e nada desprezível rendimento, mas os antigos cotistas
se sentiram lesados.
Nos anos iniciais, tudo era feito em consenso e com a participação ativa dos pioneiros. Foi dessa forma que a comunidade se
mobilizou para promover a emancipação, e
Sapezal se tornou município em 1994. Dois
anos depois, André foi eleito seu primeiro
prefeito. Ficou até 1998, brigou com os vereadores, renunciou a favor do seu vice, Aldir
Schneider, que, naquela altura, fazia parte da
“família” Maggi. Schneider governou por
dois anos e se elegeu para o período 20012004. Mostrou-se independente demais. Ele
conta que, por isso, sofreu pressões e ameaças e foi alijado da “família”, afinal. E esta
recuperou a prefeitura. O atual prefeito é
João César Maggi, primo-irmão do governador e que, evidentemente, vai se reeleger
na próxima eleição, porque é candidato único. A oposição não se sentiu forte o suficiente para a disputa.
Prefeito, Schneider tentou ser independente
Carlos Azevedo
res, de grileiros, por preços muito baixos. Experiente, escolheu um lugar espetacular, as
terras em torno das cabeceiras do rio Juruena.
Dois anos depois, seu amigo Júlio Campos assumiu o governo do estado. Este ficaria conhecido por ser o maior especialista
em “desenrolar” negócios de terras complicadas junto ao Incra e ao Intermat. E assim
foram regularizadas as terras de todos, conforme informa outro fazendeiro e empresário de Sapezal, o pioneiro Inácio Webler,
dono de 10 mil hectares: “era tudo grilo e
AGRICULTURA INDUSTRIAL
A primeira imagem para quem chega a
Sapezal é a dos gigantes armazéns graneleiros, poderosos e desafiantes, postados lado
a lado na entrada da cidade, com suas estruturas metálicas brilhando ao sol. Lá estão
19
20
retratodoBRASIL 14
retratodoBRASIL 14
21
mecanização do que chamarei de “agricultura industrial” no latifúndio empresarial.
Desde o início, Sapezal se caracterizou
pelas grandes propriedades. Descontadas as
áreas indígenas, os 850 mil hectares de terras restantes inicialmente foram apropriados por cerca de cem grandes proprietários.
A concentração da propriedade da terra já
reduziu esse número para cerca de 80 produtores. Desses, 12 são grandes empresas,
que detêm mais da metade da área plantada e da produção. A concentração está em
marcha acelerada.
Em 2007, só a área plantada com soja
foi de 335 mil hectares. Em rotação de culturas, foram plantados mais 120 mil hectares de milho e 57 mil hectares de algodão.
São elevados os graus de organização e de
mecanização do trabalho para realizar ao longo do ano as operações de preparo do solo,
plantio, adubações, aplicação de veneno, colheita em duas e até três lavouras sucessivas
(safrinha), transporte, armazenamento e
comercialização. Exigem-se grandes investimentos, trabalhadores especializados e uma
logística sofisticada.
Roni César Claro, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, informa que
há 8 mil trabalhadores formais em atividade
na agricultura no município. A mão-de-obra
informal é mínima. Desses, 2 mil são trabalhadores temporários, cada vez menos em-
pregados, porque quase já não há entressafra
e as atividades agrícolas se sucedem umas às
outras. Os salários variam de 650 reais, mãode-obra braçal, até 1,4 mil reais, o operador
de máquina, que precisa ter noções de inglês
para ler o manual e operar a máquina. Na
maior parte do tempo, falta mão-de-obra em
Sapezal. Os empresários disputam os trabalhadores mais preparados e são obrigados a
contratar em outras regiões. As dez maiores
empresas de Sapezal, responsáveis pela maior
Poder econômico
crescente amplia
horizonte político.
Blairo quer mais.
Em 2010, vai ser
candidato ao Senado
parte da produção, oferecem plano de saúde, e três delas dão participação nos lucros
que pode chegar a um salário e meio anual,
dependendo da produtividade. Roni diz que
as empresas agora buscam cumprir as leis
trabalhistas e ambientais. O motivo é a obtenção do “Selo Verde”, concedido pelos ministérios e sem o qual elas não conseguem
exportar.
Carlos Azevedo
A fazenda de Inácio Webler é uma empresa agroindustrial de alta produtividade
22
Cerca de 5 mil operários moram nas próprias fazendas. Os 3 mil que moram na cidade são transportados por ônibus das empresas. Como Sapezal não foi planejada para
abrigar uma massa de trabalhadores, há falta
aguda de moradia, e os que não residem nas
fazendas moram mal, amontoados em quartinhos, pensões.
NA FAZENDA ENCANTADO
É uma produção capitalista moderna,
que mobiliza grandes capitais e produz
um enorme excedente do trabalho. Um
exemplo vivo: na colheita de algodão na
fazenda Encantado, a 20 km do centro
de Sapezal, meados de agosto, havia em
trabalho coordenado cinco colheitadeiras,
seis caçambas para receber o produto das
colheitadeiras, cinco grandes máquinas
enfardadeiras, auxiliadas por oito tratores. A mão-de-obra, exceto cinco trabalhadores manuais, era composta por 20
operários com algum tipo de qualificação. Márcio, 28 anos, operador de
colheitadeira, diz que recebe 1,3 mil reais
por mês, com registro em carteira, 13º salário, férias e um abono por produtividade que pode superar um salário. Tem convênio médico. Solteiro, mora e se alimenta
na fazenda, grátis.
O dono da fazenda, Inácio Webler, 64
anos, gaúcho, descendente de alemães,
acompanha pessoalmente os trabalhos da
colheita. Opera uma colheitadeira, por puro
prazer. Desce dela dizendo: “um algodão
assim dá gosto de colher, está rendendo perto de 300 arrobas em caroço por hectare”.
Com 180 arrobas/hectare já se pagam os
custos. Conta que neste ano colheu soja a
55 sacas/hectare em média, e que 44 sacas/hectare pagaram os custos. Plantou 7
mil hectares de soja e depois 5 mil hectares
de algodão em sua fazenda de 10 mil hectares. Também plantou milho e girassol.
Vende a soja às tradings, para quem pagar
melhor. O algodão é levado para a sede da
fazenda, onde uma usina retira os caroços,
limpa e o prensa à média de 300 fardos por
dia. Embarcados em caminhão, os fardos
são levados para o mercado do Sudeste.
Numa usina ao lado, o caroço é esmagado
para extração do óleo comestível, que também irá de caminhão para o mercado. O
bagaço do caroço, misturado a farelo de soja
e milho, vai virar ração para 300 bois confinados. E, assim por diante, produzindo lucros. Com seu jeito simples, Webler vai mosretratodoBRASIL 14
Divulgação Grupo Maggi/ Cortesia
O porto de Itacoatiara, rio Amazonas, pôs a Maggi no mercado internacional. Tanto poderio econômico abre novos horizontes políticos para Blairo Maggi
trando sua empresa. Ele é um industrial, da
agricultura industrial.
UM PLAYER INTERNACIONAL
Os sucessos de Sapezal comprovaram
a capacidade de André Maggi de olhar à
frente e enxergar oportunidades. A “família” não só teve de reconhecer, mas agradecer. Em poucos anos, a fazenda Tucunaré
passou a produzir muita soja. A produção
dos outros empresários também se expandiu rapidamente. Aplicando em Sapezal o
padrão Maggi de financiamento que “captura” o fazendeiro, logo o grupo monopolizava toda a produção, impondo os preços, porque os produtores não tinham outra fonte de financiamento nem condições
de escoar a safra. Por algum tempo, a Maggi
ficou praticamente só no mercado, pois as
tradings concorrentes, intimidadas pela carência de estradas, demoraram a chegar. Afinal, os riscos eram grandes. Sapezal fica a 2
mil km de Santos e 2,5 mil km de Paranaguá
e o frete até lá custa perto de 200 reais por
tonelada, mais pedágio.
Entretanto, quando chegaram, as outras
tradings encontraram ainda mais dificuldade
para concorrer, porque a Maggi estava abrindo um caminho exclusivo para o escoamento da safra para o Norte, a hidrovia pelo rio
Madeira até Itacoatiara, no rio Amazonas,
um porto para navios oceânicos. De camiretratodoBRASIL 14
nhão até Porto Velho o custo do frete cai
para 90 reais por tonelada. Dali até Itacoatiara
a soja segue em balsas da Hermasa, a empresa de navegação da Maggi. Itacoatiara fica
muito mais próxima do mercado europeu e
da Ásia que os portos do Sudeste e Sul do
país. Há um grande barateamento no custo
de transporte que permite à Maggi negociar
diretamente com os clientes finais e obter
ganhos com diferenças substanciais diante
dos concorrentes. Hoje, a Maggi negocia
com as outras tradings recebendo a soja que
elas têm em estoque em Sapezal em troca
de soja em Rondonópolis. Ou elas transportam sua soja pela hidrovia do Madeira, pagando por esse transporte à Maggi. De qualquer forma, a “família” sai ganhando.
Tanto Blairo como outros dirigentes
do grupo negam que Sapezal e a alternativa do caminho do Norte pela hidrovia tenham sido um projeto estrategicamente
planejado no passado. Blairo admite que
“era um sonho meio solto, você olhava
geograficamente e observava que a soja tinha que sair para o Norte...”. Mas, desde
1989, ele já participava de negociações com
representantes do Ministério do Trabalho
e da Portobrás. O cenário só se tornou favorável em 1994, quando conseguiu apoio
no governo federal e apresentou um projeto de sociedade ao governador
Amazonino Mendes, do Amazonas. Por
essa época, a chapada dos Parecis já produzia soja suficiente para justificar os investimentos. Maggi entrou com 28 milhões
de reais, o estado do Amazonas, com 21
milhões de reais e o BNDES emprestou
27 milhões de reais. O presidente
Fernando Henrique Cardoso inaugurou a
hidrovia em abril de 1997. Em seguida,
Maggi comprou a parte do governo amazonense, que, seguindo a onda neoliberal
da época, desfez-se facilmente alegando que
empresa de navegação não era negócio para
o estado. A Maggi ficou com 95% das ações
e com o empréstimo do BNDES, a longo
prazo e juros baixos. Os 5% restantes são
da Petrobras Distribuidora. Negócio melhor que esse é difícil.
O fato inquestionável é que tanto
Sapezal quanto o caminho para o Norte
foram estratégicos e significaram um salto de qualidade para a empresa. Promoveram um grande aumento de sua capacidade de reprodução ampliada do capital ao
viabilizar um maior controle sobre a produção e maiores ganhos do excedente de
trabalho. Essa dinâmica tornou a
corporação Maggi uma protagonista no
mercado internacional de commodities. Esse
poderio econômico amplia os horizontes
políticos do líder Blairo, que não deverá
ter dificuldade para se eleger senador em
2010. E depois, o que será?
23
Polícia:
OS FIOS
DE UMA
TRAGÉDIA
MOHAMMED
O Popular
D’ALI
24
1987-
Mohammed D’Ali Carvalho dos Santos, 20
anos, não usa cocaína, crack, maconha,
skank, LSD, quetamina ou outro entorpecente qualquer desde 31 de julho, quando
foi preso. Isolado num pavilhão da Casa de
Prisão Provisória de Goiânia, vive os sintomas da abstinência. Sente tonturas e dores.
Seu corpo treme. Sua muito. Não pode
dormir e seus males são parcialmente aplacados por meio dos medicamentos ministrados pelo médico da instituição. Parcialmente... Ele aguarda aflito a visita da mãe,
que, até meados de agosto, mesmo tendo
voltado de Londres, onde vivia, não o havia visitado, temendo o assédio da imprensa. Preferiu permanecer em São Paulo.
Mohammed confessou à polícia que, na
tarde de 26 de julho, um sábado, depois de
cheirar cocaína e fumar crack por quatro dias
seguidos, matou Cara Marie Burke, jovem
inglesa de 17 anos, em seu apartamento. Depois do crime, disse Mohammed em depoimento, ele arrastou o corpo para o box do
banheiro. Mais tarde, ao tomar banho, foi
obrigado a reajeitar o cadáver. Depois, foi a
uma festa, onde passou a noite consumindo
mais cocaína. No dia seguinte, esquartejou
o corpo de Cara. Colocou o tronco dentro
de uma mala preta de viagem, que jogou na
margem de um rio em Goiânia. Cabeça, braços e pernas foram embalados em vários sacos de lixo, jogados num ribeirão em um município 30 quilômetros a noroeste da capital
goiana. Antes, com seu celular, Mohammed
fotografou o corpo ainda inteiro. Fotografou também um arranjo feito com as partes
do cadáver depois de tê-lo esquartejado.
Na sede da seção goiana da Associaão
Brasileira da Polícia Militar, o cabo reforretratodoBRASIL 14
O brutal assassinato da inglesa Cara Marie Burke
pelo brasileiro Mohammed D’Ali, ambos jovens e
pobres, envolve desajustes familiares, pequenos
delitos, uso de drogas e o sonho de mudar de vida
morando no exterior | Tânia Caliari
mado Josué de Araújo Júnior, presidente
da instituição, conta que, ao ver na TV o
noticiário da prisão e confissão de Mohammed apenas cinco dias depois do crime,
um amigo policial lhe puxou pela memória: “Lembra do cabo Santos? Ele tinha
um filho chamado Mohammed D’Ali e
outro, Bruce Lee, lembra? Ele gostava
muito de artes marciais e de lutadores e
deu esses nomes para os meninos. Será que
esse menino é o filho do Santos?”. Dias
depois, os jornais locais recuperaram de
seus arquivos a história da morte violenta
do cabo da Polícia Militar Lázaro José dos
Santos, pai de Mohammed, ocorrida em
24 de outubro de 1990, dia do aniversário
da cidade.
Na ocasião, Santos, 26 anos, e seu cunhado, o pintor Valtercídio Ferreira da Silva, aproveitavam o feriado para pescar
nos arredores de Goiânia. Foram numa
moto. Três dias depois, seus corpos foram encontrados numa fazenda no município de Trindade, com as cabeças cobertas com sacos plásticos. Segundo as
reportagens da época, eles foram mortos
com tiros, pauladas e enforcamento. Santos também apresentava sinais de tortura: teve suas orelhas, nariz e órgãos
genitais decepados, olhos perfurados, pernas quebradas e dedos cortados. No chão,
marcas de pneus e sinais de que os corpos tinham sido arrastados por algum
veículo. Na ocasião, o coronel Jaime
Carlos Flores e Silva, então comandante
do Regimento de Polícia Montada, no
qual Santos era lotado, disse que o cabo
era um policial exemplar e que a morte
teria sido uma represália por parte de alretratodoBRASIL 14
guém que ele tivesse abordado durante o
trabalho.
Para uns, o cabo Santos se enquadra
no modelo descrito pelo coronel. Para outros, ouvidos nesta reportagem, era um policial violento, que supliciava suspeitos
antes de entregá-los à delegacia. Na ficha
oficial do cabo na PM, há pelo menos uma
prisão disciplinar de oito dias por ter agido com violência desnecessária durante
uma detenção. A crueldade empregada em
seu assassinato parece indicar uma forma
de vingança. Teria sido em decorrência de
uma rotineira forma violenta de agir quando em serviço? É uma hipótese que Retrato do Brasil não pode comprovar.
O QUE FOI FEITO DELES?
O que é claro, pelo testemunho de Araújo,
é que a morte de Santos abalou familiares e
colegas. “Eu me lembro de dois meninos
bem pequenos no meio de todo mundo,
chorando e pedindo: ‘levanta, papai, levanta...’.
Aí, todo mundo que estava lá caiu no choro também. Um de nossos companheiros
teve uma crise e, logo depois, deu baixa na
PM”, conta o cabo.
Ele conduz a reportagem até um barracão nos fundos de uma chácara. Ali,
onde a família de Santos morava de favor, ocorreu o velório. “Na época, isso
aqui era um setor de chácaras, e os bairros em torno, onde fazíamos a
radiopatrulha, eram bem violentos. Hoje,
mesmo com a droga por toda parte, isso
aqui melhorou muito, não tem tanto cara
de periferia”, diz Araújo, que chegou a
dividir a viatura da radiopatrulha com
Santos. Para Araújo, o assassinato signi-
ficou o distanciamento da família do colega. “Depois daquele velório, nunca
mais ouvi falar dos meninos nem da esposa do cabo. O que foi feito deles?”
Ivany Carvalho dos Santos, a viúva do
cabo Santos, não teve uma vida fácil desde o assassinato do marido. Aliás, nunca
teve. Não são muitas as informações obtidas por RB a respeito dela. Tanto em razão de ela não ter parentes próximos em
Goiânia quanto pela aversão que seus conhecidos têm ao assédio da imprensa após
a morte de Cara. Apuramos que ela cedo
se casou, teve filhos e assumiu o sustento
da família.
A mãe de Bruce Lee e Mohammed
D’Ali, hoje com cerca de 40 anos, teria
sido criada fora de seu círculo familiar
por uma mulher que a maltratava. Com
14 anos, teria ido morar com Santos. Aos
18, com o companheiro recém-admitido
na Polícia Militar, casaram-se. Seu primeiro filho nasceu no mesmo ano. Bonita,
cabelos negros que chegavam à cintura,
ficou viúva aos 22.
Como a pensão da PM demorou a sair,
Ivany foi trabalhar no turno da noite de
uma fábrica de condimentos. Deixava os
filhos pequenos trancados em casa.
“Quem garante que os meninos não acordavam à noite procurando a mãe”, indaga
Jane, que tinha 14 anos à época da morte
de Santos e cuja família passou a ser um
apoio para a viúva e os meninos.
Em 2000, Ivany tomou a decisão de
trabalhar no exterior. Se lhe faltava formação profissional, sobrava coragem para
emigrar e levar os filhos, então com 12 e
14 anos de idade. Seguiu para o estado da
25
Geórgia, nos EUA. Lá, enfrentou a clandestinidade e o trabalho duro em serviços
gerais, limpeza e afins.
Milhares de jovens trabalhadores de
Goiânia, geralmente sem qualificação,
como a mãe de Mohammed, deparam-se
com esse tipo de dificuldade e, tal como
ela, buscam no estrangeiro uma perspectiva melhor para suas vidas. Hoje há entre
250 mil e 300 mil goianos trabalhando no
exterior, compondo a maior comunidade
de brasileiros fora do País.
Se antes o destino da maioria eram os
EUA, depois dos atentados do 11 de Setembro e de o México passar a exigir visto
de entrada para os brasileiros, a opção passou a ser a Europa. “Eles vão para melhorar a vida e pelo exemplo que têm de parentes que conseguiram alguma coisa”, explica, com pesado sotaque, Elie Chediac,
brasileiro de origem libanesa criado na França, assessor de Assuntos Internacionais do
estado de Goiás, responsável pela assistência consular aos emigrantes do estado.
“SEMPRE FOI MIUDINHO”
Chediac destaca a importância de ter
parentes no exterior. “Os imigrantes chegam já com uma rede de apoio”. Algo de
grande importância, pois “a maioria enfrenta uma vida de subemprego e de alto
risco, pois não têm direitos trabalhistas
nem civis”, diz. A idade dos goianos que
se aventuram nessas jornadas varia de 22
a 45 anos. “Eles são os responsáveis por
aproximadamente 15% dos 8 bilhões de
dólares enviados ao País pelos imigrantes brasileiros no ano passado”, avalia
o funcionário.
Num fim de tarde, no modesto bar no
jardim Novo Mundo, onde são vendidos
espetinhos de carne como tira-gosto e
frango assado aos domingo, Jane e sua
mãe, dona Isabel, tentam pontuar a trajetória de Ivany e sua família. Falam sobre a
infância e a personalidade de Mohammed.
“Ia lá em casa desde menino, e se eu não
desse o prato de comida na mão dele, ele
não comia. Sempre foi miudinho, quieto...”, diz dona Isabel. Ela parece sofrer
por não poder fazer o tempo voltar para
cuidar do menino tímido, pois criou, além
de seus próprios filhos, alguns parentes,
netos e enteados.
Para Bruce e Mohammed, a temporada americana acabou em 2003. Bruce terminou o segundo grau nos EUA e entrou
26
numa faculdade quando voltou para
Goiânia, cursando administração de empresas. Ivany permaneceu nos EUA e continuou enviando dinheiro para manter o padrão de vida da família e financiar os estudos dos filhos, o que ela via como um trampolim para ascensão social. Contratou uma
irmã de Jane para cuidar da casa, onde eles
passaram a morar.
A essa altura, entretanto, os adolescentes já não se deixavam controlar. Mohammed estabeleceu seu universo na própria
Vila Moraes. Amigos, festas e drogas faziam
parte de seu mundo. Quando o dinheiro
acabava e não havia como comprar drogas, ele cheirava gás de cozinha, muitas vezes diante dos olhos incrédulos de Jane.
“Ele cortava a mangueirinha e cheirava.
Às vezes, um botijão que dura um mês durava três dias só”.
Nessa fase, foram registradas, pelo menos, duas passagens de Mohammed, ainda menor de idade, pela polícia. Em uma
delas, acompanhado de Bruce Lee, atirou
três vezes contra outro rapaz, sem acertálo, por causa de um incidente de trânsito.
Da outra vez, permaneceu preso por seis
meses no Centro de Internação Provisória e no Centro de Internação de Adolescentes (CIA) de Goiânia. Foi condenado
por roubo e desmanche de carro, além de
porte ilegal de arma.
Em 2005, Mohammed obteve o benefício da liberdade assistida. No fim do ano,
Ivany, que voltara dos EUA especialmente para amparar o filho, conseguiu uma autorização judicial e embarcou com os rapazes para Londres. Apoiada por amigos
goianos que moravam na Inglaterra, ela iniciou outra etapa em sua vida.
Jane participou dessa fase até recentemente. Em Londres, ela dividiu a casa com
Ivany, seus filhos e mais um brasileiro, de
janeiro a junho deste ano. Eles viviam no
bairro de Seven Sisters, numa região de
grande diversidade étnica, que reúne comunidades de sul-americanos, caribenhos,
africanos e turcos. A despeito de informações contraditórias, algumas desabonadoras, com relação às atividades da família
em Londres e à fama de arruaceiros de
Mohammed e Bruce, Jane atesta a boa convivência entre os irmãos e o empenho de
Ivany para levantar dinheiro, fazendo faxinas, cuidando de idosos, e de Bruce, chefe de uma agência de courrier, motoqueiros
que entregam encomendas entre cidades.
“A Ivany é muito simples. Veste roupa
comprada em camelô, come qualquer coisa, mas para os seus filhos dá sempre do
melhor, como roupa de marca, sapato de
shopping... Pagou escola boa aqui. Parece
que, com isso, quer compensar as dificuldades da infância dos meninos, e mesmo
da dela. Não deixava o Diali trabalhar.
Quando eu disse a ela que os repórteres
aqui questionaram se a mesada de 2 mil
reais não era muito para um rapaz que não
trabalhava nem estudava, ela simplesmente me disse: ‘Eu posso dar isso para ele.
Ele não precisa trabalhar’. Parece que ela
não entende...”
Quando Mohammed retornou ao Brasil em abril passado, encontrou, ao chegar, um apartamento pronto para morar
no setor Leste Universitário, bairro de classe média consolidada criado em torno de
universidades e faculdades. Ivany tinha enviado dinheiro para uma conhecida, que
alugou o imóvel e comprou a mobília.
Além de mesada, a mãe enviava dinheiro para cobrir despesas do dia-a-dia e para
pagar uma empregada doméstica. Ivany
deu a Mohammed dinheiro para comprar
à vista um carro equipado até com aparelho de DVD, que acabou em perda total
num acidente.
“IMAGINE 4 DIAS DE COCAÍNA”
No retorno à capital goiana, Mohammed voltou a usar drogas em companhia
dos amigos que deixara quando se mudou para Londres. Em seu depoimento
oficial no inquérito, assinado com letra
miúda e infantil, Mohammed afirma que
usava todo tipo de drogas: “skank, LSD,
cocaína, MGA, ácido, quetamina, balão...”. O advogado do rapaz, Carlos
Trajano, pretende pedir exames de dependência química e de saúde mental de
Mohammed. Segundo Trajano e familiares, ele sempre soube do assassinato do
pai e é revoltado pelo fato de o crime não
ter sido solucionado. Mas só conheceu os
detalhes cruéis por meio de um repórter
de uma emissora de TV goiana, quando
já estava preso pelo assassinato de Cara.
“A morte do pai pode ter sido uma
tragédia na vida da criança, mas alegar
isso para justificar esse outro crime bárbaro, não!”, diz o delegado titular da Delegacia de Homicídios de Goiânia, Jorge Moreira, 26 anos de polícia. “É subestimar a dor de toda pessoa que soretratodoBRASIL 14
O Popular
freu traumas até maiores, e nem por isso
sai matando por aí”. Moreira chega à
delegacia usando camiseta com estampa de camuflagem e calça jeans, traje
apropriado para o calor de Goiânia no
fim do inverno, mas nada usual entre delegados, geralmente engravatados. “É
que eu estava no mato, numa diligência.
Fomos prender um peão que matou outro por uma dívida, e que estava cheio
de cachaça”. “Se a cachaça deixa o sujeito valente, imagine quatro dias usando cocaína e crack... A droga também
não justifica o crime de Mohammed, mas
deu energia para a ação”, diz Moreira,
responsável pelo inquérito sobre o assassinato de Cara, quase concluído.
Mohammed foi indiciado no dia 8 de
agosto por homicídio triplamente qualificado – de forma torpe, sem chance de defesa e com vilipêndio –, o que o torna um
crime hediondo. “Ele foi frio, cruel e até
produziu provas contra si”, diz o delegado, jogando sobre a mesa a impressionante foto da menina esquartejada encontrada no celular de Mohammed.
O delegado, para quem os jovens de
hoje são “moderninhos demais”, acha
que a vítima, Cara, também não era “santa”. “O que uma menina de 17 anos, inglesa, que nem falava português direito,
estava fazendo aqui em Goiânia, sem sua
família?”
Cara estava pela segunda vez em
Goiânia em menos de quatro meses. Chegou, pela primeira vez, em 9 de abril, com
Mohammed. Voltou no início de maio para
Londres. E retornou a Goiânia no dia 22
do mesmo mês. É isso que mostram os
carimbos em seu passaporte britânico, elegantemente decorado com silhuetas de
aves em papel policromado. O passaporte, no entanto, não pode responder a respeito de quem financiou as vindas e idas
de Cara, um dos muitos fatos sobre os
quais há várias versões.
Alguns dizem que ela voltou à Inglaterra porque sua mãe, Anne Marie, estava
hospitalizada. Esta disse que desconfia que
a filha tenha sido usada para fazer tráfico
de drogas nessa viagem. Há, no entanto,
certo consenso de que as primeiras passagens, de vinda e de volta, foram pagas por
Ivany. Os jovens se conheciam desde 2005,
unidos pelas amizades brasileiras em Londres, o gosto pelo futebol e por uma vida
solta de juventude. Não se sabe ao certo
retratodoBRASIL 14
CARA MARIE
BURKE
1991-2008
27
“ERA DOIDINHA”
Ao contar as desventuras da filha ao jornal sensacionalista inglês Mirror, Anne Marie
disse que, até os 12 anos, a esperança e o
alvo da dedicação de Cara era o clube de
futebol Chelsea. Quando sua vida em Londres se complicou devido às condenações,
surgiu uma nova coincidência nas histórias
de vítima e algoz, que buscaram na migração uma saída para resolver seus problemas e desajustes. Mal teve a pulseira eletrônica retirada, Cara embarcou para o Brasil
com o amigo Mohammed.
Embora a família de Mohammed negue, haveria, inclusive, planos para um casamento que garantisse a livre circulação
dos dois nos dois países. Cara ganharia algum dinheiro por esse suposto trato, sobre o qual, inclusive, faz referência numa
mensagem que enviou a Mohammed na
noite anterior à sua morte.
O plano de um casamento por conveniência contribuiu para que muita gente acreditasse que eles eram namorados,
como foi amplamente divulgado na im28
O Popular
quem pagou a segunda vinda de Cara.
Mohammed diz que teria sido um novo
namorado.
Todas essas dúvidas, entretanto, não encobrem diversas semelhanças entre as vidas dos dois jovens. Assim como Mohammed, Cara já estivera presa numa instituição punitiva para menores em Londres. Ela
também perdeu o pai quando era criança e,
igualmente, de forma trágica: ele morreu
jovem, aos 32 anos, vítima de overdose de
drogas. Anne Marie, como Ivany, também
fez serviços de limpeza para criar ela e outros dois irmãos mais velhos.
Sem pouso certo desde que saíra da
casa da mãe em Southfields, um distrito
suburbano no sudoeste da grande Londres, Cara, em 2004, foi expulsa da escola por roubar um colega. Nessa época,
por ter importunado seus vizinhos, foi enquadrada como Asbo (anti-social behavoir
order), classificação dada a pessoas de
comportamento considerado anti-social.
Por fim, passou seis meses internada num
instituto de menores infratores por ter
violado a punição que recebeu da Asbo e
participado de um roubo. Foi solta, mas
teve de portar uma pulseira eletrônica,
que permitia à polícia vigiar seus movimentos, e esteve proibida de entrar nas
lojas de seu bairro.
Os amigos Cara Burke e Mohammed D’Ali: vidas com muito em comum
prensa brasileira. Mas, pelo que relatam
amigos de Cara em Goiânia, parece que
eles eram apenas amigos. Em seu depoimento, Mohammed confirma essa versão.
Afirma que, logo que se conheceram, eles
tiveram relações sexuais apenas duas vezes. Depois, restou a amizade.
No início de sua estada no Brasil, Cara
viveu no apartamento de Mohammed e,
aparentemente, era sustentada por ele. “Ela
comia o que eu comia”, disse o rapaz no
depoimento. Quando retornou a Goiânia,
no entanto, Cara procurou se afastar do
cotidiano de drogas do amigo. A busca por
informações sobre esse ponto do caso levou a reportagem novamente ao jardim
Novo Mundo. Foi ali que Cara fez, em poucas semanas, amizade com gente simples,
fora da esfera de influência de Mohammed.
“GENTE BOA DEMAIS”
No fim de maio, ela procurou dona
Elizete, mãe de Wendel, um ex-namorado
brasileiro que ainda vive em Londres. Sentada no fundo de sua lojinha de produtos
evangélicos na avenida Nova York, Elizete,
48 anos, interrompe seu crochê disposta a
falar de sua convivência com Cara, que a
chamava de “mãe”. “Era doidinha. Se vestia como um rapazinho. Aparecia aqui de
moto, sem capacete, e eu falava pra ela
‘dange, dange’”, diz, rindo das palavras de
seu inglês improvisado, com as quais pretendia alertá-la dos perigos.
Antes mesmo de conhecê-la, quando
o filho contou sobre a namorada nova em
Londres, Elizete levou a foto de Cara para
a igreja pentecostal Pedra Viva para que
orassem pelo namoro do filho. Mas
Wendel, segundo a mãe “um rapaz ajuizado de 30 anos, que não bebe e não fuma”,
e que havia migrado com um grupo de
quatro primos em 2005 para trabalhar
como motoboy, terminou o romance
quando soube das amizades de Cara em
Goiânia. “Eu a continuei amando”, diz
Elizete, “Continuo afirmando que ela não
gostava de drogas. As confusões que ela
fazia láem Londres eram só para bagunçar. Parece que faltava carinho e atenção a
ela, mas não era uma marginal”.
As amizades de Cara no jardim Novo
Mundo se concentraram no entorno da
praça George Washington, uma árida rotatória com um centro comunitário, em
meio a vários quarteirões de construções
baixas. Ela sempre parava para conversar
no salão de beleza de Cláudia Pereira, que
chegou a hospedá-la por alguns dias. A
cabeleireira foi quem identificou seu tronco no Instituto Médico Legal, ao reconhecer uma tatuagem.
Outro local freqüentado por Cara no
bairro era uma lan house, cuja dona,
Cristiane, ela chamava de irmã. “Ela adorava aqui, adorava meu filhinho de 11 meses, só não gostava da comida. Arroz e feijão não eram com ela. Ela pegava qualquer bicicleta que estivesse parada aqui na
porta e saía andando. Tive que falar pra
ela várias vezes que aqui não era assim
não”, diz Cristiane. “Era gente boa deretratodoBRASIL 14
mais”. Os que a conheceram viam em Cara
uma moça expansiva, mas carente, que parecia buscar uma família nos amigos que
havia feito há poucas semanas.
Cara havia decidido retornar novamente
à Inglaterra. Sua partida estava marcada para
o dia 20 de junho. Um dia antes, entretanto, sofreu um acidente de moto e passou
dois dias sob observação na casa de Elizete.
Adiou o retorno para 3 de agosto. Telefonou a Mohammed, para que ele a aceitasse
de volta no apartamento até o seu embarque. É provável que tentasse se livrar do
zelo talvez excessivo de Elizete, que passou a tratá-la como filha e a controlar seus
passos. Foi combinar a mudança naquele
sábado à tarde em que encontrou o amigo
mergulhado na cocaína há dias.
O estopim de seu assassinato foi aceso quando Cara viu o estado de Mohammed. Ameaçou chamar a polícia e avisar
sua mãe. Há muito o criticava por gastar o
dinheiro enviado por Ivany com drogas.
De acordo com o depoimento de Mohammed, diante das ameaças da amiga, ele foi
até a cozinha e pegou uma faca para “passar medo nela”. Quando voltou, Cara estava ao celular. Disse que ligava para a
polícia. Mohammed diz que só se lembra
de caminhar para o seu lado e depois vêla morta no chão, entre o sofá e a TV.
“FOI A MELHOR FORMA”
“Esse seria um crime qualquer, de drogado que mata alguém, se ele não tivesse
esquartejado a menina”, avalia Jane. “E não
teria todo esse destaque, toda essa cobertura, você não estaria aqui...”, diz, recriminando a atitude sensacionalista da imprensa. Pode ser. Por que Mohammed
esquartejou o corpo? Ele mesmo explicou
no depoimento, apresentando motivos lógicos e racionais: precisava retirar o cadáver do local e a forma mais discreta de
fazer isso foi cortá-lo em pedaços para que
pudesse ser transportado sem despertar
suspeitas. “O desespero de tirar o corpo
de dentro do apartamento me deu coragem. Foi a melhor forma que eu encontrei, pôr dentro da mala”.
Mohammed lamentou que a disposição da mala com o tronco de Cara tenha
fracassado. “A mala deveria ter caído dentro do rio”, disse. Para o advogado do
assassino, seu cliente não demonstrou
crueldade ao cortar Cara, pois ela já estava morta. “O que ele demonstrou foi desretratodoBRASIL 14
29
O Popular
tificado por Mohammed ao delegado
como Abraham, pergunta por que teria
matado Cara, ele respondeu em inglês:
“porque a garota estava dizendo merda e
disse que eu não poderia fazer merda para
ninguém, então eu tive que mostrar a ela o
que eu posso fazer com alguém”. Em mensagem para outro amigo, em português,
disse: “joguei a cara pro sako dpois te
mando a foto dos pedaços dela pod crê
[sic]”. Parece que, no desespero depois do
crime, Mohammed precisava mostrar para
amigos nos dois continentes que tinha finalmente realizado algo.
ALGO ALÉM DA DROGA
Mohammed nas buscas para achar o corpo: •”a mala deveria ter caído no rio”
prezo pelo cadáver, e não crueldade para
ferir alguém”, diz Trajano.
O advogado pode ter razão. Sob um exame mais sereno, é possível concluir que a
marca mais escabrosa do crime não foi o
esquartejamento, que, no caso, tinha um objetivo racional e certamente exigiu enorme
frieza para ser executado. Mas, e as fotos que
Mohammed tirou com seu celular e mostrou
a conhecidos? E os comentários que fez nas
mensagens que trocou com amigos de Londres após o assassinato? Como explicar?
30
“Tirei a foto para mandar para um brasileiro na Inglaterra, que queria matar a Cara
por ela ter roubado um dinheiro dele”, disse
ele à polícia. “Eu ia mandar para ele por
e-mail para mostrar que o que ele não teve
coragem de fazer alguém aqui teve”. Uma
explicação que passa longe da racionalidade
e frieza demonstrada no esquartejamento,
pois o expôs de forma desnecessária.
Mohammed também evocou coragem
nas mensagens que trocou com um amigo
londrino pelo celular. Quando Abm, iden-
Ao analisar a tragédia ocorrida com o filho de seu colega em um artigo de jornal, o
cabo Araújo, sem querer justificar a atitude
de Mohammed D’Ali, chama a atenção para
um aspecto importante. “Acredito que se a
instituição da Polícia Militar de Goiás, as comissões de direitos humanos da OAB, Câmara Municipal, Assembléia Legislativa ou Câmara Federal tivessem oferecido um acompanhamento psicológico aos filhos do cabo
Santos na época de seu assassinato, talvez essa
tragédia tivesse sido evitada”. Araújo diz que
estão em curso nesse momento outros casos
de desamparo psicológico a famílias de policiais. “Será que alguém poderá imaginar que
estamos correndo o mesmo risco de esses filhos cometerem algum absurdo como no caso
de Mohammed D’Ali?”
Chediac, o funcionário do governo
goiano encarregado de acompanhar os emigrantes, aponta para outra questão. “Vejo
pelo menos um ponto em comum entre o
rapaz que matou e a moça que morreu, que
é a desagregação de suas famílias com as
mortes de seus pais quando [aqueles] eram
muito novos”, diz. “Tamanha ofensa à moça
e à sociedade tem que ter explicação além
do uso de droga. Talvez seja a falta de referência dessas crianças para entenderem que
nem tudo pode ser permitido”.
Chediac, dedicado a casos de brasileiros fora do País, recebeu no início de agosto um missão atípica: cuidar da burocracia e do traslado do cadáver de Cara, que,
pela falta de recursos de sua família, será
pago por uma irlandesa anônima que doou
cerca de 20 mil reais. Chediac aguarda o
fim do inquérito e a autorização judicial
para enviar para Londres as partes do corpo da jovem inglesa, numa caixa de zinco
lacrada.
retratodoBRASIL 14
Livros:
O PODER NO
BRASIL COLONIAL
Rugendas/ Reprodução
Nos tempos coloniais no Brasil, as lutas
sociais entre as elites eram, ao mesmo tempo, mais simples e mais complicadas em
relação às que ocorrem na sociedade brasileira contemporânea. É o que mostra o
livro Conquistadores e negociantes – Histórias
de elites no Antigo Regime nos trópicos. América
lusa, séculos XVI a XVIII, uma coletânea
de artigos organizada pelos historiadores
da chamada “escola do Rio”, na maioria
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), João Luis Ribeiro Fragoso,
Carla Maria Carvalho de Almeida e Antonio Carlos Jucá de Sampaio.
As lutas sociais entre as elites coloniais,
segundo mostra o livro, eram mais simples do que as entre as elites atuais, pois
envolviam menor número de participantes. Havia a elite dos “conquistadores”, isto
é, as famílias descendentes dos que haviam
conquistado as terras dos índios e que se
estabeleceram, preferencialmente, como
proprietárias de terras em que vigorava o
trabalho escravo, e havia a elite dos “negociantes”, na maioria portugueses, que
dominavam o tráfico de escravos, o comércio exportador, o comércio entre cidade e campo e os rudimentos do sistema
de crédito que então existia. Fora isso, o
que havia de elite na sociedade colonial
eram uns poucos representantes da Coroa portuguesa.
retratodoBRASIL 14
Atualmente, em contrapartida, temos,
entre as elites, a burguesia industrial, a comercial, a financeira, a agrária; setores privilegiados dos profissionais liberais, da
classe média intelectualizada e dos próprios
intelectuais orgânicos que, em tese, defendem os interesses dos assalariados em geral ou de categorias deles em particular.
Temos também os políticos, entrelaçados
com essas diferentes camadas.
Ao mesmo tempo, as relações entre as
elites na Colônia eram mais complicadas
do que as de hoje, quando prevalecem as
relações de força na economia e, secundariamente, na política. Segundo mostram,
com notável uniformidade metodológica,
os treze artigos que formam o livro coordenado por Fragoso, Almeida e Sampaio,
na sociedade colonial, eram importantes,
além daquelas entre os poderes econômicos das diferentes “classes”, também as
relações entre os diversos graus de prestígio e as diferentes genealogias dos vários
“estamentos” nas relações de poder.
NOBREZA PRINCIPAL DA TERRA
As classes dominam, os estamentos governam. A velha frase do sociólogo alemão Max Weber, na passagem do século
XIX para o século XX, vale para o que
Conquistadores e negociantes denomina como
“nobreza principal da terra”. Assim como
Marcaram a cena
política da época as
disputas e associações
entre descendentes dos
pioneiros europeus e
comerciantes ricos que
ou aportaram mais
tarde, sob o manto da
Coroa, ou eram exescravos | Renato Pompeu
a antiga nobreza portuguesa da Metrópole – constituída por descendentes dos soldados que haviam sido fundamentais na
Reconquista militar das terras de Portugal
e da Península Ibérica em geral, até então
dominadas pelos chamados mouros –, independentemente de sua origem social remota e de sua prosperidade econômica
atual, os naturais do Brasil, igualmente independentemente de sua origem social remota e de sua prosperidade econômica
atual, também se julgavam – e eram em
grande parte julgados – constituintes da
nobreza principal da terra.
Essa nobreza era vista como principal
em relação às nobrezas mais recentes, compostas de integrantes de quaisquer origens
titulados como nobres pela Coroa em razão de terem alcançado grande poder político ou administrativo. Com muito mais
razão, essa nobreza principal da terra se
julgava superior aos não-titulados, por mais
ricos e poderosos que estes fossem.
Assim, torna-se mais analítico, como
que microfotografado, o quadro sintético
das relações de poder na Colônia, quadro
herdado dos grandes intelectuais dos anos
1930, como Caio Prado Jr. e outros. Em
vez de confrontos Metrópole versus Colônia e senhores de terra versus escravos, o
que temos na “escola do Rio” é um quadro mais nuançado. Nele, o poder dominante, político e econômico, era a “nobreza principal da terra”, que detinha, na prática, a totalidade dos cargos de camaristas
(vereadores) e, em grau menor, os cargos
de capitães-mores (equivalentes aos governadores e prefeitos de hoje, governantes
de cada capitania e de cada vila, nomea31
dos pela Coroa) – e também a totalidade
das funções de eleitores que escolhiam os
camaristas.
A “nobreza principal da terra” em
grande parte se confundia com os senhores agrários donos de escravos, mas não
era essa a fonte do seu poder. Independentemente do poder econômico do indivíduo, bastava-lhe ser descendente dos
“conquistadores” para ter condições de aspirar ao poder político que lhes era reservado. Do poder político, portanto, estavam
excluídos, por mais poderosos economicamente que fossem, os negociantes que
não tivessem se aliado por casamento à nobreza principal da terra, mesmo que fossem titulados como nobres pela Coroa.
Um fidalgo “de sangue”, descendente
de conquistadores, ainda que estivesse arruinado e só tivesse como posse “um
negrinho”, era mais viável a um cargo de
camarista ou mesmo à função de açougueiro único da cidade ou vila, nomeado pelos
camaristas, do que um rico traficante fidalgo “da corte”, mesmo que fosse devedor
de créditos adiantados pelo negociante.
Segundo os autores, o fato de a “nobreza principal da terra” ser constituída de
naturais do Brasil e de os negociantes e
traficantes serem, em sua maioria, portu>> CONQUISTADORES E NEGOCIANTES Histórias
de elites no Antigo Regime nos trópicos. América
lusa, séculos XVI a XVIII
autores João Luis Ribeiro Fragoso, Carla Maria
Carvalho de Almeida, Antonio Carlos Jucá de
Sampaio (Orgs.)
editora Civilização Brasileira
ano 2007
no de páginas 462
preço sugerido R$ 55
gueses de nascimento não implicava, de
modo algum, um protonacionalismo. Não
havia uma disputa entre “fidalgos de sangue brasileiros” e “fidalgos da corte e nãofidalgos portugueses”, pois a nobreza principal da terra brasílica era fiel súdita da Coroa, considerava que, em nome dela, seus
ancestrais haviam conquistado as terras da
América portuguesa e não fazia nenhuma
restrição aos integrantes da antiga nobreza portuguesa descendente dos soldados
que haviam conquistado, ou reconquistado, as terras secularmente ocupadas por
muçulmanos. A disputa era entre “fidalgos de sangue do Brasil e de Portugal”
32
contra “fidalgos da corte e não-fidalgos
do Brasil e de Portugal”.
O que havia de surpreendente nisso
tudo era que a “nobreza principal da terra” do Brasil não era titulada pela Coroa,
ao contrário da “nobreza principal” de
Portugal. A Coroa, na maioria dos casos,
dava títulos de nobreza, no Brasil, a altos
funcionários administrativos ou a grandes
negociantes e traficantes. Porém, a força
dos costumes herdados da Metrópole prevalecia, e a “nobreza principal da terra”
continuou dominando os cargos de
camaristas e impondo preços não determinados pelo mercado, e sim por seus interesses, por mais que autoridades e negociantes dirigissem petições à Coroa se
queixando dessa situação.
SEGUNDO ESTADO E MEIO
Apesar de não conceder títulos à “nobreza principal da terra” e aos negociantes
que a esta se associavam pelo casamento, a
Coroa outorgava aos conquistadores e negociantes a ela ligados algumas “mercês” e
privilégios, como o cargo de eleitor, mas
isso raramente ou nunca atingia o grau maior
de privilégio outorgado à antiga nobreza
militar portuguesa ou mesmo à nobreza da
corte de Lisboa. O Brasil inteiro era considerado pela Coroa um “Terceiro Estado”,
isto é, seus estamentos de nobreza e clero
não eram reconhecidos como tais, mas apenas como povo. No máximo, os nobres da
terra eram tidos como uma espécie de “segundo Estado e meio”. Isso não impedia,
no entanto, que a “nobreza principal da terra” dominasse os cargos de eleitores,
camaristas e capitães-mores, além de outros, no território da Colônia.
Outra vertente que o livro explora é a
ascensão social entre os negociantes. A sociedade estamental da Colônia não era
imune à mobilidade social, porém, esta se
dava em situação bem diferente da sociedade moderna, plenamente capitalista, na
qual o que conta, quase exclusivamente,
para a determinação do status é a posse
de bens. Era preciso algo mais: a consideração como nobre é que dava acesso à consideração como “grande” na escala social.
Um nobre pobre tinha mais consideração
social e mais poder político do que um negociante rico que não fosse associado à
“nobreza principal da terra” pelo casamento, não constando, assim, da genealogia dos
descendentes dos primeiros “conquistado-
res” de terras. Até mesmo um negociante
que se tornasse proprietário agrário
escravista, mesmo em grandes proporções,
não detinha a consideração social e o poder político garantidos a um “fidalgo com
um só negrinho”. Era necessário que o
novo senhor de terras tivesse algo mais
além dos bens materiais, das terras e dos
escravos para que fosse considerado “grande” na sociedade.
Porém, dentro desse quadro, havia uma
mobilidade social razoavelmente intensa
na Colônia. Um caixeiro, por exemplo, que
trabalhasse para um negociante podia
prosperar, abrir o seu próprio negócio e
chegar ao ponto de adquirir terras e escravos, aumentando seu poderio econômico e podendo até se tornar credor dos
“grandes”. Isso lhe dava poder econômico e algum status social, mas não o melhor acesso ao poder político, só possível
no caso de aliança matrimonial com alguma família “grande”.
O mais notável é que esse caixeiro em
ascensão, ou qualquer negociante, podia
ser um ex-escravo ou um descendente liberto de escravos que estava livre para
subir na vida, independentemente de qual
fosse a cor de sua pele. Contudo, quanto
menos escura ou quanto mais clara esta
fosse, mais fácil era o caminho. Como
qualquer caixeiro que chegasse a negociante
e pudesse se transformar em senhor agrário escravista, o ex-escravo ou descendente de escravos que trilhasse esse caminho podia também se associar, pelo
casamento, à “nobreza principal da terra”, embora com mais dificuldade do que
os brancos.
As pessoas até mesmo “mudavam de
cor” conforme a sua ascensão social.
Nos registros feitos pelas autoridades, o
indivíduo podia passar de “negro” a
“pardo” e de “pardo” a “branco”, não
conforme sua cor real de pele, mas conforme o status social que tivesse alcançado. Assim, se concordarmos com as
teses expostas no livro, teremos de concordar que o preconceito no Brasil tem
mais origem “social” do que “racial”,
mesmo porque os autores rejeitam o
conceito biológico de “raça”. Um ex-escravo podia, assim, se tornar, ele próprio, proprietário de escravos.
RENATO POMPEU é jornalista e escritor, autor do
romance-ensaio O mundo como obra de arte criada pelo
Brasil, Editora Casa Amarela, 2006.
retratodoBRASIL 14
Folha Imagem
Futebol:
O futebol é um esporte muito simples.
Qualquer pequeno grupo de crianças,
em qualquer parte do globo, pode improvisar uma bola de meia, usar uma
latinha ou até uma pequena pedra e sair
chutando por aí, mais ou menos como
se fazia na China há alguns milhares de
anos, como disse Eduardo Galeano,
grande escritor uruguaio e fã do esporte, em seu livro Futebol: ao sol e à sombra.
Segundo Galeano, é bem provável
que os chineses tenham sido os inventores das bases do futebol ainda durante o período neolítico, quando bolas de
pedra eram manufaturadas para que habitantes da província de Shan Xi pudessem chutá-las. Mais tarde, durante a dinastia dos Han (206 a.C. – 220 d.C.),
jogava-se o cuju (ou tsutchu, que significa
golpe na bola com o pé), que possuía
regras muito semelhantes às do futebol
conhecido atualmente, praticado nas
ruas e em terrenos baldios por crianças,
adolescentes e adultos, que comemoram
com êxtase cada vez que a bola passa
entre as “balizas”, muitas vezes formadas apenas pelos chinelos de algum dos
jogadores e separadas por uma distância aleatoriamente escolhida. E é essa
retratodoBRASIL 14
PERDENDO
SEUS
CRAQUES
simplicidade que faz do futebol o esporte mais popular do planeta e lhe dá um
poder tão grande, a ponto de sua Copa
do Mundo ser o único evento esportivo,
além dos Jogos Olímpicos, capaz de
emocionar e mobilizar povos de todos
os continentes. Nas últimas décadas, essa
força acabou se transferindo para os
negócios que giram em torno do esporte. Hoje, o futebol movimenta uma economia que chega à casa dos bilhões de
dólares. Na temporada 2006-2007, os 20
maiores clubes do mundo atingiram uma
receita combinada equivalente a 5,4 bilhões de dólares.
PARTICIPAÇÃO SECUNDÁRIA
Como em quase todas as áreas da
economia mundial, o dinheiro do fute-
Os clubes europeus
fazem do esporte um
negócio milionário. Os
brasileiros mal se
sustentam exportando
jogadores | Rafael Hernandes
bol é distribuído desigualmente. O Brasil, por exemplo, que produz regularmente jogadores de alta qualidade e cuja
seleção possui o maior número de títulos mundiais, exerce papel secundário
nesse negócio. A começar pelo volume
das receitas de nossos principais clubes,
nenhum deles relacionado entre os maiores
do mundo, que, em 2007, foi de cerca
de 815 milhões de dólares.
Segundo a Casual Auditores Independentes, empresa especializada em entidades esportivas e responsável por estudo realizado com informações financeiras obtidas nas demonstrações contábeis dos clubes de maior receita do
País, esse é o maior valor alcançado desde que esses dados começaram a ser di33
vulgados. Amir Somoggi, da Casual, diz
que essa renda advém principalmente de
fontes como a venda de direitos de transmissão para a TV e das arrecadações obtidas com esporte amador, com o setor
social do clube e com o marketing.
O dinheiro da TV tem lugar de destaque na arrecadação, há alguns anos, e
chegou até a ocupar a primeira posição.
Levando em conta somente as transmissões do Campeonato Brasileiro negociadas
pelo Clube dos 13 (grupo formado pelos mais tradicionais times nacionais)
com a TV Globo, em 2008 essa fonte de
arrecadação deve gerar 300 milhões de
reais para os clubes, receita que deve subir nos próximos anos com a disputa
cada vez mais acirrada entre as emissoras pela liderança da audiência.
Os departamentos social e amador
dos clubes, por um bom tempo considerados deficitários, devido à arrecadação marginal que obtinham, passaram a
ser encarados de forma diferente nos últimos anos: em 2007, tornaram-se a terceira principal fonte de receita. Há dois
clubes que merecem destaque nessa área,
ambos de Porto Alegre: Internacional,
que arrecadou 20,1 milhões, e Grêmio,
que obteve 18,5 milhões.
Apesar de ser uma atividade incipiente no futebol brasileiro, o marketing
demonstrou crescimento superior ao das
demais fontes: entre 2003 e 2007, a arrecadação proveniente dessa atividade
entre os principais clubes de futebol do
País saltou de 59 milhões de reais para
145 milhões de reais.
UM TERÇO, TRANSFERÊNCIAS
A maior fonte de arrecadação, no entanto, não vem da exploração do espetáculo esportivo ou da paixão dos torcedores e associados. A transferência de
atletas, especialmente ao exterior, é que
reina sobre todas as fontes de receita.
Somente no último ano, elas representaram aproximadamente 455 milhões de
reais. O que equivaleu a 34% de todo o
dinheiro arrecadado pelos grandes clubes brasileiros. O número de atletas nacionais negociados com o exterior em
2007 foi recorde, 1.085, 27,5% a mais
que os 851 do ano anterior. Os destinos
desses jogadores foram os mais variados possíveis, desde países tradicionais,
como Espanha, Itália e Alemanha, até
34
os improváveis Vietnã, Montenegro,
Letônia e Ilhas Faroe, num total de 88
nações. Portugal, com 227 jogadores, foi
o que mais contratou brasileiros.
O Brasil não é o único grande exportador. Países da América Latina e da
África estão na mesma situação: tornaram-se criadouros de craques que brilham no estrangeiro. Somente na última
Copa Africana de Nações, por exemplo,
mais da metade dos 146 atletas que disputavam o torneio jogavam na Europa.
Enquanto o futebol dos países da periferia se sustenta vendendo seus craques, o da Europa, lar dos clubes mais
ricos do planeta, vive da exploração do
espetáculo que eles proporcionam. Segundo Somoggi, os clubes europeus têm
“três ‘macro-receitas’: os recursos gerados com seus estádios (chamados
matchday revenues), os provenientes da
mídia e as receitas com a exploração comercial de suas marcas”.
Um exemplo de grande negócio efetuado por um clube europeu é o acordo
entre o Arsenal FC, da Inglaterra, e a empresa de transporte aéreo Emirates
Airlines. O Arsenal assinou contrato com
a companhia num valor equivalente a 180
milhões de dólares. O clube receberá
esse dinheiro por ceder, por 15 anos, os
naming rights, direito de escolha do nome
do novo estádio que construiu, e também por permitir, por oito anos, que a
empresa estampe sua marca na camisa
utilizada pelos jogadores.
Esses recursos financiarão boa parte dos mais de 700 milhões de dólares
g astos na constr ução do Emirates
Stadium, moderníssima arena com capacidade para 60 mil pessoas e que conta com uma grande loja voltada para a
comercialização de artigos com a marca
do clube, museu, bares e restaurantes.
Com a nova casa, o Arsenal elevou suas
receitas nos dias de jogos em quase 10%,
de 70 milhões de dólares na temporada
2006-2007 para 76 milhões na encerrada neste ano.
No caso do futebol brasileiro, os
motivos para que nossos clubes tenham
se tornado fornecedores de jogadores
para a Europa e outros centros são variados, a começar pela diferença de poder
econômico entre o País e muitas das nações importadoras, e entre nossos times
e os de fora. Na opinião de Somoggi,
parte principal dos problemas que levaram a essa situação está no modo como
os clubes brasileiros são administrados.
Dados das pesquisas da Casual Auditores mostram que enquanto as receitas
dos clubes aumentam de forma irregular, descontínua, com momentos de expansão seguidos de retração, as despesas
sobem regularmente, mesmo nos anos de
redução na arrecadação. Somente no último ano, as despesas totais das 21 maiores
agremiações se elevaram de 39% para
1,63 bilhão de reais, anulando completamente o bom ano de receitas e contribuindo para que o já considerável déficit
de 2006, de 197 milhões de reais, crescesse 53% e chegasse a 309 milhões de reais.
TIMEMANIA É SOLUÇÃO?
Para remediar essa situação, o governo federal instituiu a Timemania, uma
nova loteria administrada pela Caixa
Econômica Federal (CEF) baseada nas
marcas dos times, que recebem 22% da
receita arrecadada. Mas, como o grande
credor individual dos clubes é o próprio
governo federal, o que eles embolsariam
acabaria indo diretamente para órgãos,
como o Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS), a Secretaria da Receita Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional e o Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço (FGTS). Pelo menos,
até que as dívidas sejam sanadas.
Um efeito controverso da nova medida foi que, ao aderirem à Timemania,
alguns clubes tiveram suas dívidas aumentadas expressivamente. Isso porque
a adesão foi condicionada à emissão de
certidões negativas dos órgãos oficiais.
Dessa forma, dívidas não assumidas pelos clubes, por motivo de disputas judiciais, passaram a constar dos balanços.
Assim, o Fluminense carioca viu seu passivo subir para 104,5 milhões de reais.
São Paulo (29,8 milhões de reais),
Flamengo (23,1 milhões de reais) e Palmeiras (21 milhões de reais) também
sentiram o mesmo efeito.
A simplicidade do jogo de futebol
contrasta com a complicada situação de
nossos clubes. As dívidas dos beneficiados com a Timemania podem ser pagas
em até vinte anos. É um bom tempo.
Será o suficiente para que o futebol brasileiro assuma um novo papel nos negócios globais?
retratodoBRASIL 14
retratodoBRASIL 14
35
Neurociência:
QUEBRANDO
O ENCANTO
DA MEMÓRIA
O tema de Marcel Proust na obra Em busca do tempo perdido é a memória, a mesma
questão que, na Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, anima o
trabalho do neurocientista Ivan Izquierdo
e de sua equipe, que ele apresenta nos livros Memória (Artmed Editora, 2002) e A
arte de esquecer (Vieira&Lent, 2004).
Da mesma maneira que o cientista argentino-brasileiro, Proust busca desvendar
– em seu caso, de forma artística – os mecanismos da lembrança e do esquecimento. No primeiro romance daquela série célebre, No caminho de Swan, ele investiga a
diferença entre o que chama de “memória
voluntária, a da inteligência”, e aquele conjunto de recordações que estão esquecidas, mortas. Compara-as às almas que, nas
lendas célticas, são aprisionadas, por encanto, a algum animal, árvore ou pedra e
que despertam quando passamos por perto ou entramos na posse desses seres ou
objetos. “Então, elas palpitam, nos chamam e, logo que as reconhecemos, está
quebrado o encanto”, escreveu.
Foi na seqüência dessa argumentação
que Proust descreveu a famosa cena do
chá e das madalenas, um bolinho pequeno e recheado. No “mesmo instante em
que aquele gole, de envolta com as migalhas do bolo, tocou meu paladar, estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim”. Era o “edifício imenso da
recordação” das manhãs de férias no campo, numa longínqua e feliz infância, que
parecia morto e agora o invadia.
O grupo gaúcho de neurocientistas
procura entender os mecanismos da memória na intrincada rede de eventos neuroquímicos e neurocelulares. Onde e como
as recordações são guardadas? Como são
36
ativadas? O que é e por que ocorre o esquecimento? Que caminhos as células nervosas percorrem para recordar?
A série de experimentos que permitiu
ao grupo descrever alguns mecanismos do
funcionamento da memória, que formam
a base material do pensamento, não tem a
elegância de escritos como os de Proust,
mas rendeu centenas de artigos científicos em revistas de renome internacional e
ajudou – junto com outros grupos, como
o do neurobiólogo londrino Steven Rose,
autor de O Cérebro no Século XXI: como entender, manipular e desenvolver a mente (Editora Globo, 2006) – a detalhar e a aumentar
as evidências que comprovam processos
cerebrais relacionados com a memória e
que permaneciam até recentemente no plano da suposição.
IDÉIA BÁSICA TEM CEM ANOS
Em grande parte, os atuais estudos experimentais sobre a memória se baseiam
na idéia de que suas bases biológicas estão
nas alterações anatômicas e fisiológicas das
ligações entre as células nervosas, tecnicamente chamadas de sinapses.
Essa idéia já havia sido postulada em
1893 pelo médico espanhol Santiago
Ramón y Cajal, considerado o fundador das
neurociências e laureado com o Prêmio
Nobel de Medicina e Fisiologia em 1906.
Hoje, ela é a suposição dominante entre os
pesquisadores. São muitas as evidências de
que um novo aprendizado aumenta a atividade neural em regiões específicas do cérebro. E esse crescimento de atividade neural
é acompanhado pelo aumento da quantidade de um neurotransmissor, a substância
química liberada, na sinapse, pela extremidade de uma célula nervosa e que é res-
Um grupo gaúcho de
cientistas diz como
funciona o cérebro
humano quando um
cheiro ou um sabor nos
faz recordar situações
ocorridas no início de
nossas vidas | Verônica Bercht
ponsável pela transmissão do estímulo nervoso às células vizinhas. É acompanhado
também pela ativação de receptores de neurotransmissores particulares e pela ativação
de genes específicos relacionados com a
produção de proteínas constituintes da
membrana das células nervosas, além de
provocar alterações no tamanho, na estrutura e até no número de sinapses.
O cérebro humano possui cerca de 200
bilhões de neurônios. Na parte do cérebro
chamada córtex, cada neurônio recebe entre mil e 10 mil conexões procedentes de
outras células nervosas e emite prolongamentos que fazem conexões com outros
neurônios, entre dez e mil deles. “Como se
vê, as possibilidades de intercomunicação
entre células do cérebro são imensas, e de
cada uma dessas conexões ou sinapses podem surgir memórias; sem contar o fato de
que cada conexão pode participar de muitas memórias diferentes (...). É, portanto,
altamente provável que a capacidade de armazenamento seja gigantesca”, escreve
Izquierdo em A arte de esquecer.
Os experimentos mostram que os mecanismos que formam ou evocam lemretratodoBRASIL 14
Reprodução
ração, tão bem exemplificado na descrição de Proust.
A memória de curta duração só serve
para manter a informação disponível durante o tempo que a memória de longa duração leva para ser construída. Ela “desempenha um papel crucial no processamento verbal: ela nos permite manter uma
conversa ou uma leitura; sem ela, isto nos
resultaria impossível”, escreve Izquierdo.
Diferentemente do que se imaginava
até há pouco, as vias metabólicas dos processos de formação de memórias de curta
e de longa duração são diferentes. São dois
processos paralelos, e não a continuação
um do outro.
Há também boas evidências de que o
ato de lembrar, de recuperar as memórias,
desencadeia uma cascata bioquímica parecida, mas não idêntica, à que foi percorrida durante sua formação. O ato de lembrar, então, reconstrói a memória. E, quando nos lembramos de algo, não evocamos
a memória original, e sim aquela refeita da
última vez. Portanto, pode-se dizer que as
memórias mais fiéis são as que estão mais
esquecidas.
EMOÇÕES MARCAM MAIS
branças são saturáveis e, ao contrário do
que se pensava, o esquecimento não é uma
“falha” da memória, mas um processo
biológico fundamental para a manutenção
de uma mente saudável. Izquierdo explica
que, “em boa parte, esquecemos para poder pensar e esquecemos para não ficarmos loucos; esquecemos para poder conviver e para poder sobreviver”.
Hoje se reconhece a existência de três
tipos de memória. A memória de trabalho, que os humanos compartilham com
todos os outros vertebrados, é uma memória on-line, que dura segundos ou, no
máximo, poucos minutos. Alguns estudiosos comparam-na a um “gerenciador”,
porque, mais do que armazenar, ela é responsável por comparar as informações que
o cérebro recebe com aquelas que já estão
armazenadas.
“Enquanto escrevia, a memória da terceira palavra da frase anterior (que já perdi) foi parte da minha memória de trabalho. O mesmo aconteceu com você, leitor, ao ler esta frase: você compreendeu a
terceira palavra de minha frase, mas já não
a recorda mais”, exemplifica Izquierdo.
retratodoBRASIL 14
A memória de trabalho depende da atividade elétrica de neurônios de uma área
cerebral chamada de córtex pré-frontal.
Quando cessa sua ativação, desaparece
também a memória de trabalho. Mas, enquanto o mecanismo da memória de trabalho é ativado em cada experiência, a informação processada nessa área se comunica e faz um intercâmbio de informações
com outras regiões do cérebro, inclusive
com aquelas que analisam rapidamente a
informação sensorial e as que armazenam
memórias de maior duração.
“Assim, nosso cérebro toma aquela famosa terceira palavra da frase anterior e a
insere num contexto maior”, permitindo a
compreensão do texto, continua Izquierdo.
Mas aí já inicia o processo de formação
de um outro tipo de memória, a de curta
duração, que se forma rapidamente, em
minutos, e declina de três a seis horas depois. Esse tipo de memória envolve outras três áreas do cérebro, em especial o
hipocampo, uma parte do córtex que o
circunda, e a amígdala cerebral. Essas
áreas, aliás, são as mesmas envolvidas com
o terceiro tipo de memória, o de longa du-
Além disso, o cérebro está sob influência de várias substâncias, como a dopamina
e a serotonina, moduladoras das atividades
neurais, e de hormônios, como a adrenalina
das glândulas supra-renais, o estrogênio, a
testosterona e os demais produzidos em locais distantes. Tanto os hormônios como
os neuromoduladores estão associados à
manifestação de estados emocionais –
como preocupação, estresse, medo, alarme,
contentamento e alegria – e influenciam a
formação e a evocação de memórias.
Estudos feitos com seres humanos
mostraram que as memórias com conteúdo emocional são mais fortes do que as
puramente cognitivas. Outros estudos
mostraram que algumas memórias só são
evocadas quando ocorre uma situação
emocional semelhante àquela em que ocorreu a formação da memória.
Izquierdo quase parafraseia Proust. “As
memórias dependentes de um estado emocional determinado ficam, por assim dizer, ‘à espreita’ de que uma certa constelação de fenômenos bioquímicos apareça
novamente”, diz. Essas memórias permanecem inacessíveis, mas não foram apagadas. Em geral, elas vêm à tona independentemente de qualquer ação voluntária:
é o cérebro que reconhece os diferentes
estados em que se encontra e os associa
com elas. Talvez esse seja o mecanismo da
memória das fobias, aqueles medos exagerados direcionados a animais (aranhas
ou cobras), altura (vertigem), espaços fe37
Os experimentos da equipe dirigida por Ivan Izquierdo foram feitos com ratos de
laboratório presos numa gaiola, e a atividade de exploração (percorrer a gaiola e
cheirar todos os cantos) era limitada, segundo a vontade dos pesquisadores, por
choques elétricos. O assoalho da gaiola era constituído, em parte, por uma pequena
plataforma inócua e, na maior parte, por uma grade eletrificada.
Os experimentos seguiram os passos daqueles feitos pelo grande fisiologista russo Ivan Pavlov no início do século XX, quando, ao descrever o reflexo condicionado
– um tipo de memória adquirida por meio da associação –, uniu em sua prática científica a psicologia à fisiologia.
É clássica a experiência que ele fez com cachorros (imagem ao lado). Pavlov partiu da
observação de que os cães salivam ao ver um pedaço de carne – um comportamento natural, inato, que ocorre, observadas as diferenças de gosto, também nos seres humanos.
Esse comportamento é chamado reflexo incondicionado.
Em seu famoso experimento, Pavlov apresentou a carne ao cachorro simultaneamente ao toque de uma campainha. Após algumas repetições, ele observou que o cachorro salivava apenas ao
ouvir o toque, mesmo na ausência da carne. Isto é, a salivação
estava condicionada ao estímulo sonoro.
Pavlov também observou que o cachorro já não salivava mais
caso se repetisse muitas vezes o toque de campainha na ausência de carne. Isto é, o estímulo perdia seu efeito e ocorria a
extinção do reflexo condicionado.
O grupo de Izquierdo trabalha da mesma forma. No rato, o comportamento de exploração espacial é um reflexo incondicionado
que ocorre toda vez que ele depara com um ambiente novo, como
quando é colocado numa gaiola. No entanto, se levar um choque
ao tentar sair da plataforma inócua do assoalho e tocar a grade
eletrificada, ele evitará fazê-lo na próxima vez em que for colocado naquela mesma gaiola. Ainda da mesma forma, se o ratinho
nunca levar o choque numa gaiola, deixará de ter a reação de exploração quando for colocado nesse ambiente. “Essa é a forma
mais simples de aprendizado e que deixa memória”, escreve Izquierdo em Memória, e é também a mais utilizada nos estudos
biológicos sobre a memória.
Porém, o requinte das experiências não pára por aí. Antes mesmo do início da experiência, o camundongo passa por uma cirurgia
na qual é implantado um tubo fininho (uma cânula) na região específica do cérebro a ser estudada. Nessa cânula são injetadas drogas que inibem ou ativam processos específicos que ocorrem no
tecido nervoso. Assim, os cientistas conseguem inferir qual a importância de determinadas áreas cerebrais na formação, lembrança (ou evocação) e esquecimento de
memórias, assim como analisar os respectivos processos moleculares.
Foi com experimentos desse tipo, realizados entre 1998 e 1999, quando testaram
mais de uma dezena de drogas em diferentes áreas cerebrais, que o grupo gaúcho
confirmou que a memória de curta duração é independente da memória de longa
duração. Izquierdo e sua equipe generalizam os resultados que obtiveram. “Uma
lesma, uma abelha, um pinto, um camundongo e um ser humano, quando submetidos a um estímulo que causa desconforto, aprendem basicamente a mesma coisa: a
evitar esse estímulo.”
Essa observação de que substâncias químicas psicoativas tendem a produzir os
mesmos efeitos em animais de laboratório e em seres humanos acentua o caráter de
continuidade evolutiva do cérebro, pelo menos nos aspectos bioquímicos e celulares.
“É como se a evolução, uma vez inventado o neurônio e sua sinapse como estrutura
para a operação do cérebro, não tivesse mais motivo para alterá-lo depois”, explica
Steven Rose em O Cérebro no Século XXI.
38
chados (claustrofobia) ou abertos
(agorafobia).
Há, no entanto, outras memórias que
deixam de existir fisicamente. Isso é resultado ou da destruição dos neurônios que
as contêm ou da eliminação das sinapses,
provocada pela interrupção prolongada da
sua estimulação. É bem conhecido que
“tudo que aprendemos fica mais bem ‘gravado’ se o repetimos”, diz Izquierdo. “Logo,
a menos que seja uma experiência deveras
inesquecível, aquilo que não repetimos mais
acaba sendo esquecido.”
Izquierdo e sua equipe foram autores
de descobertas importantes para desvendar
os mecanismos da memória. Entretanto, ele
Reprodução
NAS PEGADAS DE PAVLOV Será que as experiências com
animais bastam para explicar como funciona a memória humana?
não leva em conta o valor do significado
das lembranças e da autoconsciência (que
é própria do homem) e estende aos seres
humanos descobertas feitas no cérebro de
animais. Com isso, pode estar deixando de
ver, ou simplificando, os processos que são
próprios do homem. Segundo Steven Rose,
“o que começa a ter importância quando
se vai de espécie em espécie, de cérebro em
cérebro, são os modos pelos quais estas unidades [as sinapses] estão organizadas” Nos
seres humanos, a cultura e a reflexão têm
um papel decisivo nelas. “As memórias
biológicas são significado vivo, não informação morta”, diz o cientista britânico.
Como Proust já havia percebido.
retratodoBRASIL 14
retratodoBRASIL 14
39
realização
Inscreva-se e ganhe:
Uma assinatura da Fórum até
fevereiro de 2009
Um exemplar do livro Geração
de Trabalho e Renda
40
A revista Fórum e a Fundação
Banco do Brasil vão levar cinco
professores do ensino público
fundamental para participar do
Fórum Social Mundial em janeiro
de 2009, na cidade de Belém (PA).
Serão premiadas as melhores
propostas de difusão do conceito
e das experiências de Tecnologia
Social na comunidade.
PARTICIPE
retratodoBRASIL 14

Documentos relacionados