Norranna de Jesus Alves - Universidade Católica de Brasília
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Norranna de Jesus Alves - Universidade Católica de Brasília
Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito Monografia CRUELDADE CONTRA ANIMAIS COMO PRECURSORA DE VIOLÊNCIA CONTRA HUMANOS Autor: Norranna de Jesus Alves Orientador: Odair José Torres de Araújo Brasília - DF 2010 NORRANNA DE JESUS ALVES CRUELDADE CONTRA ANIMAIS COMO PRECURSORA DE VIOLÊNCIA CONTRA HUMANOS Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Msc. Odair José Torres de Araújo Brasília 2010 Monografia de autoria de Norranna de Jesus Alves, intitulada “CRUELDADE CONTRA ANIMAIS COMO PRECURSORA DE VIOLÊNCIA CONTRA HUMANOS”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília em 04/12/2010, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada: ______________________________________________________ Prof. Msc. Odair José Torres de Araújo Orientador Direito – UCB ______________________________________________________ Prof.ª Karla Faiad Neves de Moura Direito – UCB ______________________________________________________ Prof. José Avelarque de Gois Direito – UCB Brasília 2010 Dedico este trabalho aos animais, vítimas diárias da audácia, insensibilidade e covardia do homem; e àqueles que lutam pela defesa dos animais, servindo este estudo de instrumento na argumentação que, infelizmente, é necessária para a sua proteção – não bastasse o argumento mais lógico possível ser a defesa da vida. AGRADECIMENTOS Por mais que se tenha todo o conhecimento possível acerca de um assunto, é tolo aquele que acredita ser o único responsável pelo seu sucesso. Não há inventor que não se utilize de opiniões, conclusões ou mesmo objetos frutos da criação de outras pessoas. E não haveria sentido em se criar algo, se não houvesse pessoas capazes de usufruir dele ou de seu resultado. Desta forma, inúmeras são as pessoas às quais eu devo sinceros agradecimentos pelo desenvolvimento deste estudo e com as quais eu gostaria de compartilhar a alegria de concluí-lo; algumas destas eu não poderia deixar de citar. À Deus, em primeiro lugar, agradeço pelo privilégio de ser tratada como filha, pelo presente que me deu por meio da conclusão deste trabalho, pelo amor e pela fidelidade que me sustentaram e não permitiram que eu desistisse, apesar das dificuldades. À minha família, toda ela, pelo apoio, pelas orações, por suportarem meu estresse, por compartilharem da minha preocupação, do meu desespero, por entenderem minha ansiedade e festejarem como nunca o fim desta etapa. Aos meus amigos, pelos conselhos, pela força, pelas horas de desabafo que agüentaram, por compreenderem minha ausência, por sentirem comigo a agonia, o medo de não conseguir e, agora, a alegria da vitória. Agradeço, em especial, ao Enauro por ter me presenteado com uma das obras mais importantes para mim e para o desenvolvimento deste trabalho, mesmo antes de saber qual seria meu tema de monografia; e ao Marcus Bringel pelo grande auxílio que me deu na revisão do texto, além de todos esses anos de companhia e grande amizade. Ao meu namorado – que, superando todas as expectativas, eu consegui manter – agradeço pela compreensão, pelo apoio, pelo sacrifício dos nossos feriados e finais de semana, pela paciência, pelo incentivo, pela cumplicidade, pelo amor que tem por mim e por confiar na minha capacidade. À Dra. Danielle Martins, minha chefe, pela consideração e carinho por mim e pelo meu trabalho; e pela concessão das minhas férias, sem as quais não teria sido possível a conclusão deste. À Dra. Danille Tetü Rodrigues, por me mostrar que não estou sozinha na luta pela proteção aos animais e pela garantia de seus direitos; pelo apoio oferecido neste trabalho, pela esperança de que nossa dedicação faça a diferença, e por sua contribuição a este planeta e tudo que nele há. Aos meus queridos Professores, meus anjos nesta Universidade, Prof. Odair José, meu orientador, por ter comprado minha idéia diante de tantos que a desdenharam, por estar do meu lado e por ser meu psicólogo durante todo esse período conturbado da minha vida; ao Prof. Paixão, enquanto pessoa íntegra, sábia e humilde de coração, por sua grande contribuição para a minha formação profissional e pessoal, pelos ensinamentos humanitários e de consciência de nosso papel no mundo que me acompanharão ao longo de minha vida; à Prof.ª Simone Pires, pelas palavras amigas, pela confiança, pelas providências; e ao Prof. Flores, meu grande incentivador, obrigada pela consideração, pelos conselhos, por sempre me apoiar, me corrigir e acreditar em mim. Sem vocês, cada um de vocês, meus queridos, eu não teria chegado até aqui. Muito obrigada. A compaixão pelos animais está intimamente ligada à bondade de caráter, e pode ser seguramente afirmado que quem é cruel com os animais não pode ser um bom homem. Arthur Schopenhauer RESUMO Referência: ALVES, Norranna de J. Crueldade Contra Animais como Precursora de Violência Contra Humanos. 2010. 113 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso (Direito) - Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010. Este trabalho acadêmico visa a demonstrar o risco de se ignorar ou banalizar a crueldade praticada contra os animais, apresentando estudos que revelam a conexão entre a crueldade contra animais e a violência posterior ou concomitante contra humanos. Para tratar desta conexão, faz-se uma breve abordagem histórica da relação de convivência do homem com os animais; utiliza-se da legislação nacional, internacional e de atos internacionais que se dedicam à proteção dos animais contra a crueldade; analisam-se os aspectos criminológicos do tema, como a iniciação criminosa em animais, por exemplo; e, por fim, são apresentados os Transtornos de Personalidade que também geram preocupação quando relacionados com a violência. Palavras-chave: Crueldade contra animais. Conexão. Violência contra humanos. Iniciação criminosa. ABSTRACT ALVES, Norranna de J. Cruelty to Animals as a Predictor of Human Violence. 2010. 113 pages. Monograph (Law) – Catholic University of Brasilia, Brasilia, 2010. This academic work aims to demonstrate the risk of ignoring or banalizing the cruelty perpetrated against animals, presenting for that researches that reveal the connection between cruelty to animals and posterior or concomitant violence against humans. For dealing with this connection, it’s being done a brief historical approach of the men and animals living together relationship; it’s being used the national and international law, and the international acts related to the protection of the animals against cruelty; it’s being analyzed the criminological aspects of the general subject, like the criminal initiation in animals, for example; and, at the end, the Personality Disorders which also generate concerning when related to violence are presented. Keywords: Cruelty to animals. Connection. Violence against humans. Criminal initiation. SUMÁRIO INTRODUÇÃO...........................................................................................................09 Capítulo 01 - DA CRUELDADE CONTRA ANIMAIS................................................12 1.1 Conceito de crueldade .........................................................................................13 1.2 Aspectos históricos...............................................................................................17 1.3 Outras crueldades praticadas contra os animais.................................................27 Capítulo 02 - DA LEGISLAÇÃO QUE REPRIME A CRUELDADE CONTRA ANIMAIS....................................................................................................................30 2.1 A crueldade contra animais na legislação brasileira............................................30 2.2 A crueldade contra animais no Direito Comparado..............................................45 2.3 A crueldade contra animais nos Atos Internacionais............................................49 Capítulo 03 - ABORDAGEM CRIMINOLÓGICA......................................................53 3.1 A origem da criminalidade: teorias.......................................................................53 3.2 Iniciação criminosa em animais...........................................................................63 3.3 Crueldade contra animais e violência doméstica.................................................66 3.4 Crueldade contra animais como indicador de violência contra humanos...........71 3.5 Perfil dos agentes.................................................................................................76 Capítulo 04 - DESVIO DE CONDUTA, PSICOPATIA E PERICULOSIDADE.........81 CONCLUSÃO............................................................................................................88 REFERÊNCIAS..........................................................................................................91 Bibliográficas..............................................................................................................91 Eletrônicas..................................................................................................................93 ANEXOS....................................................................................................................99 9 INTRODUÇÃO O assunto discutido neste trabalho é resultado de anos dedicados à defesa dos animais, à análise da maneira como a sociedade encara a violência contra eles, e ao estudo das conseqüências da banalização deste problema pela sociedade, que o ignora, incapaz de perceber que esta omissão tem reflexos diretos na sua segurança e, portanto, na sua vida. A crueldade contra animais surge de diversas maneiras e por diversos motivos diferentes. Contudo, o foco deste estudo está no fato de que um indivíduo que tende a ser cruel com animais tem grande probabilidade de tornar-se violento com humanos no futuro, podendo manifestar tal comportamento ainda na infância, na adolescência ou apenas na idade adulta. Conforme revelaram algumas pesquisas, as causas determinantes para o cometimento de crueldades contra animais são inúmeras, como o abuso físico e/ou sexual na infância, a convivência com pessoas violentas, a psicopatia, o desvio de conduta, dentre outras, sendo algumas destas causas ainda não exploradas em sua completude cientificamente. A conexão entre a crueldade contra animais e a violência contra humanos já foi reconhecida em estudos realizados pelo FBI – Federal Bureal of Investigation1, e Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América, que constataram que o abuso de animais está presente no histórico de um em cada quatro, e aproximadamente dois em cada três, adultos violentos infratores2. Tais considerações comprovam a relevância de se estudar o assunto. Este trabalho se propõe a discutir como a crueldade contra animais pode ser identificada para impedir e prevenir a prática de outras condutas criminosas que, por vezes, têm como vítimas os seres humanos no Brasil e no mundo. Para isso, serão utilizados estudos realizados em âmbito internacional, principalmente nos Estados Unidos da América, uma vez que o Brasil ainda não produziu, ou não publicou, pesquisas significativas com relação ao tema abordado. 1 Vide Anexo A. ESTADOS UNIDOS. United States Department of Justice. Animal Abuse and Youth Violence. Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention. Juvenile Justice Bulletin, set 2001, p. 04. 2 10 A problemática estabelecida não só no que diz respeito à crueldade contra os animais em si, mas também o que se observa nos campos do Direito Ambiental e Direito Penal, é a banalização dos crimes contra os animais, em especial da crueldade praticada contra eles; isto quando não se fala em reduzir a abrangência da norma que tipifica os maus-tratos ou o descriminalizar a conduta de vez3. A limitação do pensamento do homem enquanto antropocentrista – tudo que não é humano, serve para satisfazer às necessidades e desejos humanos – o impossibilita de enxergar que o domínio inconseqüente, a exploração e o abuso de outras espécies acarretam diversos prejuízos, aqui não abordados no sentido patrimonial da palavra somente, mas principalmente prejuízos aos quais não se pode atribuir valor pecuniário e que, em sua maioria, demonstram-se irreversíveis. O homem tem tido dificuldades injustificáveis em atribuir à crueldade contra animais a atenção que o problema requer e as conseqüências disso têm-se mostrado cada vez mais evidentes ao longo dos anos. A partir do momento em que essas conseqüências começam a afetar diretamente o homem, este se desperta para o problema, ou pelo menos deveria despertar-se. É com esta intenção que o tema foi escolhido para a abordagem neste trabalho, como uma forma de provocar o homem a raciocinar o problema ao qual todos os humanos estão sujeitos. A violência contra animais é um fator importantíssimo na verificação de condutas violentas contra humanos, considerando-se que mais da metade das pessoas que cometem abusos contra animais desenvolvem um comportamento violento no futuro, sendo este o caso de muitos dos assassinos em série, estupradores e torturadores. Identificada a crueldade contra os animais num determinado perfil de agressor, facilita-se a intervenção, impedindo sua ocorrência ou aplicando procedimentos de prevenção. Esta intervenção é realizada por meios educativos, quando na infância, por meio repressivo, na fase adulta, ou ainda por meio da medida de segurança, na figura da internação ou dos tratamentos ambulatoriais e terapêuticos nos casos em que houver o diagnóstico de perturbação mental aliado ao fator da periculosidade, impedindo, desta forma, que o indivíduo venha a cometer atos violentos de maior proporção. 3 Ver pág. 32. 11 Embora o presente estudo não tenha a pretensão de esgotar o assunto, posto que as discussões acerca do tema são ainda embrionárias, sem falar da polêmica que causam, tem-se como meta verificar a hipótese apresentada, comprovando-se ao final que a crueldade contra animais pode ser considerada como precursora de violência contra humanos. Partindo desta meta, no primeiro capítulo é explicado brevemente o conceito de crueldade, são apresentados os aspectos históricos da relação de convivência entre homens e animais, e analisadas outras formas de crueldade cometidas contra os animais, que, embora não configurem a crueldade objeto deste estudo – aquela cometida com a única intenção de machucar, prejudicar ou tirar a vida de animais – não deixam de representar um atentado contra a dignidade e o direito à vida. O segundo capítulo trata especificamente de descrever a forma que a crueldade contra animais é abordada na legislação brasileira, no Direito Comparado e no Direito Internacional, citando para isso grande parte destas normas protetivas. No terceiro capítulo são elencadas num primeiro momento teorias que se propõem a explicar a origem da criminalidade. Então, a iniciação criminosa em animais é analisada para, em seguida, demonstrar a relação entre a crueldade contra animais e a violência praticada contra humanos. São traçados os perfis de alguns indivíduos conhecidos como assassinos seriais para ilustrar a freqüência com que a crueldade contra os animais é associada a outras práticas criminosas, geralmente de natureza violenta. Por fim, no quarto capítulo é posto em evidência o perigo da junção dos Transtornos de Personalidade – no presente estudo analisados na figura do Desvio de Conduta e da Psicopatia – com a periculosidade, soma da qual resulta, na maioria das vezes, a violência contra animais e contra humanos. Analisa-se, ainda, a importância da realização de uma avaliação profissional e de seu conseqüente diagnóstico nos casos de Desvio de Conduta e Psicopatia, uma vez que dele depende a intervenção, seja de forma a prevenir a progressão do comportamento violento ou impedir sua continuidade. Ante as necessidades demonstradas pelo trabalho foi eleito o método hipotético-dedutivo para a sua realização, uma vez que este é o método em que o pesquisador formula hipóteses para determinado problema e as continuamente visando a definir sua validade na explicação de tal problema. verifica 12 CAPÍTULO 01 - DA CRUELDADE CONTRA OS ANIMAIS Há centenas de milhares de anos os animais têm sido vítimas da crueldade humana demonstrada das mais diversas formas e, por sua condição, são incapazes de sozinhos impedir que as ações do homem os prejudiquem, ou acabem por ceifar suas vidas. Os animais, da mesma forma que uma criança vítima de violência doméstica, não têm condições de se defender ou mesmo de entender o motivo pelo qual estão sendo agredidos e, embora sejam raros os casos em que as crianças compartilham com alguém sua situação, o caso dos animais é ainda mais complicado, uma vez que não lhes resta a possibilidade de pedir ajuda. A crueldade contra os animais tem sido motivo de preocupação em todo o mundo, estando esta preocupação mais concentrada internacional do que nacionalmente. No caso específico dos Estados Unidos da América, foram produzidos estudos4 partindo da análise de dados obtidos por meio de pesquisas acerca da relação da crueldade contra animais com outras práticas violentas e/ou delituosas. Os referidos estudos conseguiram demonstrar que esta relação efetivamente existe e deve ser analisada de forma consciente, estudando-se os fatos e suas conseqüências, atribuindo ao problema a atenção que ele requer. Desta forma, infere-se dos resultados desses estudos que a banalização dos abusos e maus-tratos com animais pode ser uma forma de perpetuar e majorar suas conseqüências, pois pode, com o tempo, incluir os humanos no rol de vítimas do ofensor – hipótese que este trabalho se propõe a demonstrar –, além do fato de que quando se comete um ato cruel contra um animal está se submetendo um ser senciente injustificada e desnecessariamente à dor. Não se sabe ainda a dimensão das conseqüências do ato cruel contra os animais, entretanto, não restam dúvidas de que não há benefício algum na legitimação desta prática ilícita pela sociedade, o que tem acontecido, até então, devido ao posicionamento social que avalia os crimes contras os animais como sendo algo comum ou banal. 4 Estudos devidamente citados no decorrer do trabalho. 13 Definir crueldade, neste caso, faz-se necessário para que se possa prosseguir propiciando a devida compreensão do assunto abordado neste trabalho. 1.1. CONCEITO É essencial que os conceitos apresentados sejam inseridos num contexto. Desta forma, salienta-se que, para os fins deste estudo, é considerado animal todo ser vertebrado não-humano, pois são as únicas espécies do reino animal, exceto a espécie humana, comprovadamente dotadas de um sistema nervoso que possibilita a sensação de dor e angústia5. E considera-se como crueldade contra animais todo tipo de agressão física, sexual ou psicológica, desde que seja intencional. Crueldade, conforme a definição lexicológica, refere-se ao sujeito “que se compraz em fazer mal, em atormentar, em ser desumano, pungente, doloroso, sanguinolento”6. O professor Ernesto Faria traz como sendo crudelis aquele que se mostra “cruel, desumano, insensível”. Crudelitas, por sua vez, significa “crueldade, desumanidade”7. O professor Antenor Nascentes, outro renomado lingüista brasileiro, entende que "crueldade é a qualidade de cruel ou o ato cruel; sevícia é a crueldade ferina e, geralmente, no plural, significa também maus tratos"8. Verifica-se, então, que a crueldade contra os animais é gênero do qual são espécies o abuso, os maus tratos, os atos de ferir e mutilar, dentre outras modalidades de violência. Laerte Fernando Levai (2002), Promotor de Justiça em São José dos Campos, considera importante a diferenciação existente entre essas espécies: Abuso significa uso incorreto, despropositado, indevido, demasiado, de modo a infligir sofrimento ao animal. Maus tratos, por sua vez, é um vocábulo que se subsume no sentido de sevícia, independentemente da ocorrência de lesões físicas, relacionando-se ao rigor, à dureza ou à indiferença. Já a inflição de ferimentos ou a prática de mutilação têm natureza material, porque se consuma lesionando o corpo ou, então, 9 seccionando órgão ou membro do animal . 5 Para analisar esta comprovação sugere-se a leitura de Dor em Animais, de Ludo J. Hellebrekers, 2002. 6 Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa,1993. 7 Dicionário escolar latino português, 1985. 8 Dicionário de sinônimos, 1981. 9 LEVAI. Laerte Fernando. Crueldade Consentida: a Violência dos Humanos Contra os Animais e o Papel do Ministério Público no Combate à Tortura Institucionalizada, 2002. 14 Na prática jurídica, estes conceitos são geralmente aplicados na elaboração da legislação e de políticas públicas responsáveis por combater ou prevenir a crueldade contra os animais, sendo o termo “maus tratos” utilizado com mais freqüência que outros. O envolvimento moral que se tem com a crueldade vem da reprovabilidade do ato em si perante a sociedade. Essa reprovabilidade é caracterizada na maioria das vezes pela frieza, insensibilidade do indivíduo ou quando se imagina a dor pela qual passou a vítima no ato de crueldade. Por uma questão de lógica, somente se chega à conclusão de que alguma conduta seja cruel porque, de alguma forma, entende-se que a vítima é capaz de sentir e sofrer suas conseqüências. As pessoas que exercem plenamente suas capacidades mentais, sem problemas de ordem psicológica relacionados à sensibilidade – como a psicopatia, por exemplo – sentem um mínimo de incômodo ao ver notícias, fotos, vídeos e reportagens que contenham crueldade. Esquartejamentos, escalpelamentos, pessoas mortas queimadas em paradas de ônibus, dentre diversos outros exemplos, são motivos de escândalo e horror entre as pessoas. Desta forma, não há como fugir da conclusão de que só há crueldade quando há insensibilidade, desumanidade por parte de quem comete o ato cruel e dor por parte de quem sofre a crueldade. Forçoso dizer que aqui não estão incluídos os atos cruéis praticados na seara psicológica, aqueles que subjugam, discriminam, humilham, depreciam. Segundo Frank R. Ascione (1993), a crueldade contra animais é “um comportamento socialmente inaceitável que intencionalmente causa dor desnecessária, sofrimento ou angústia e/ou a morte do animal” 10 (tradução livre). Sob um enfoque jurídico, a crueldade se apresenta na forma literal de maustratos, tendo, por algumas vezes, sido conceituada tanto em normas de abrangência federal, quanto estadual, distrital e municipal. Em toda a legislação nacional atinente aos animais e sua proteção, merece destaque o Decreto-Lei nº 24.645 de 10 de Julho de 1934, que define os maus-tratos da seguinte maneira: Art. 3º - Consideram-se maus tratos: 10 ASCIONE, Frank R. Children who are cruel to animals: A review of research and implications for developmental psychopathology, 1993, p. 228. 15 I - praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal; II - manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz; III - obrigar animais a trabalhos excessivos ou superiores às suas forças e a todo ato que resulte em sofrimento para deles obter esforços que, razoavelmente, não se lhes possam exigir senão com castigo; IV - golpear, ferir ou mutilar, voluntariamente, qualquer órgão ou tecido de economia, exceto a castração, só para animais domésticos, ou operações outras praticadas em benefício exclusivo do animal e as exigidas para defesa do homem, ou interesse da ciência; V - abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem como deixar de ministrar-lhe tudo que humanitariamente se lhe possa prover, inclusive assistência veterinária; VI - não dar morte rápida, livre de sofrimento prolongados, a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo ou não; VII - abater para o consumo ou fazer trabalhar os animais em período adiantado de gestação; VIII - atrelar, no mesmo veículo, instrumento agrícola ou industrial, bovinos com eqüinos, com muares ou com asininos, sendo somente permitido o trabalho em conjunto a animais da mesma espécie; IX - atrelar animais a veículos sem os apetrechos indispensáveis, como sejam balancins, ganchos e lanças ou com arreios incompletos, incômodos ou em mau estado, ou com acréscimo de acessórios que os molestem ou lhes perturbem o funcionamento do organismo; X - utilizar, em serviço, animal cego, ferido, enfermo, fraco, extenuado ou desferrado, sendo que este último caso somente se aplica a localidades com ruas calçadas; XI - açoitar, golpear ou castigar por qualquer forma a um animal caído sob o veículo, ou com ele, devendo o condutor desprendê-lo do tiro para levantarse; XII - descer ladeiras com veículos de tração animal sem utilização das respectivas travas, cujo uso é obrigatório; XIII - deixar de revestir com o couro ou material com idêntica qualidade de proteção, as correntes atreladas aos animais de tiro; XIV - conduzir veículo de tração animal, dirigido por condutor sentado, sem que o mesmo tenha boléia fixa e arreios apropriados, com tesouras, pontas de guia e retranca; XV - prender animais atrás dos veículos ou atados às caudas de outros; XVI - fazer viajar um animal a pé, mais de 10 quilômetros, sem lhe dar descanso, ou trabalhar mais de 6 horas contínuas sem lhe dar água e alimento; XVII - conservar animais embarcados por mais de 12 horas, sem água e alimento, devendo as empresas de transportes providenciar, sobre as necessárias modificações no seu material, dentro de 12 meses a partir da publicação desta Lei; XVIII - conduzir animais, por qualquer meio de locomoção, colocados de cabeça para baixo, de mãos ou pés atados, ou de qualquer modo que lhes produza sofrimento; XIX - transportar animais em cestos, gaiolas ou veículos sem as proporções necessárias ao seu tamanho e números de cabeças, e sem que o meio de condução em que estão encerrados esteja protegido por uma rede metálica ou idêntica, que impeça a saída de qualquer membro animal; XX - encerrar em curral ou outros lugares animais em número tal que não lhes seja possível moverem-se livremente, ou deixá-los sem água e alimento por mais de 12 horas; XXI - deixar sem ordenhar as vacas por mais de 24 horas, quando utilizadas na exploração do leite; XXII - ter animais encerrados juntamente com outros que os aterrorizem ou molestem; 16 XXIII - ter animais destinados à venda em locais que não reúnam as condições de higiene e comodidades relativas; XXIV - expor, nos mercados e outros locais de venda, por mais de 12 horas, aves em gaiolas, sem que se faça nestas a devida limpeza e renovação de água e alimento; XXV - engordar aves mecanicamente; XXVI - despelar ou depenar animais vivos ou entregá-los vivos a alimentação de outros; XXVII - ministrar ensino a animais com maus tratos físicos; XXVIII - exercitar tiro ao alvo sobre patos ou qualquer animal selvagem ou sobre pombos, nas sociedades, clubes de caça, inscritos no Serviço de Caça e Pesca; XXIX - realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécies ou de espécie diferente, touradas e simulacros de touradas, ainda mesmo em lugar privado; XXX - arrojar aves e outros animais nas casas de espetáculos e exibi-los, para tirar sortes ou realizar acrobacias; XXXI - transportar, negociar ou caçar, em qualquer época do ano, aves insetívoras, pássaros canoros, beija-flores, e outras aves de pequeno porte, exceção feita das autorizações para fins científicos, consignadas em lei anterior. Há, ainda, outras leis que se dedicam à definição dos maus-tratos, como a Lei Complementar nº 29 de 14 de junho de 1996 de Joinville-SC – art. 64, Lei nº 7974 de 03 de Março de 2000 de Santo André-SP, no parágrafo único de seu artigo nº 42, a Lei nº 5038 de 16 de maio de 2001 de Divinópolis-MG, no parágrafo único de seu artigo nº 17, a Lei nº 8498 de 04 de janeiro de 2006 de Belém-PA, em seu artigo nº 12, a Lei nº 4547 de 06 de novembro de 2007 de Americana-SP, em seu artigo nº 37, e a Lei Complementar nº 64 de 19 de novembro de 2008 de Barra Velha-SC, em seu artigo nº 63. A figura da crueldade contra os animais, retratada na forma de maus-tratos pela legislação brasileira, aparece por diversas vezes no texto legal, todavia, a inclusão do fato na norma é apenas o primeiro de muitos passos na formação de uma conscientização social e uma conduta que, a partir desta inclusão legal, passa a ser pautada pela intenção do legislador. Partindo da definição teórica de crueldade, o estudo direciona-se a entender os motivos que levam o ser humano a praticar atos cruéis contra quem quer que seja, animais ou humanos. Para que isto aconteça, é necessário fazer uma reflexão histórica a respeito do relacionamento do homem com os animais e destacar desde as primeiras práticas de crueldade contra animais até a situação estabelecida nos dias de hoje. 17 1.2. ASPECTOS HISTÓRICOS Desde a formação das sociedades primitivas tem sido possível identificar traços de crueldade na forma que os animais eram tratados. Entretanto, a crueldade encontrada há milhares de anos não era intencional; menos que isso, sequer era pensada como crueldade. Por esse motivo, o comportamento do homem com relação aos animais na Antigüidade será descrito somente a título de informação, uma vez que o objeto do estudo é a crueldade fruto de um raciocínio maldoso, voluntário e intencional, calculado e arquitetado exclusivamente com o intuito de prejudicar alguém ou algum animal. Sem hesitar, um humano é capaz de dizer que um assassinato é cruel apenas baseando-se no resultado, ainda que ele não saiba o seu contexto ou as razões que possam talvez explicá-lo. Esta avaliação é obtida partindo do pressuposto de que crueldade é o que se diz de algo que causa dor e angústia intencional e desnecessariamente. Sabe-se que há diversas maneiras de se cometer um ato cruel, um assassinato por exemplo, bem como são inúmeros os motivos que levam alguém a cometê-lo. O que levava o homem, milênios atrás, a matar animais era a sua necessidade por alimento, contudo, embora ele tenha motivos que são compreensíveis para a época, ele não deixou de cometer atos cruéis, chamados hoje de assassinatos. Vale lembrar que não há razão para se distinguir o assassinato11 cometido contra um humano de outro cometido contra um animal. Essa distinção existe apenas devido ao antropocentrismo12, que fabrica a teoria a partir da qual o homem 11 Optou-se por nominar “o ato de matar” como “assassinato” neste contexto, pois homicídio remete inevitavelmente ao homem, à morte do homem. E considera-se assassinato a morte de um animal partindo da premissa de que a vida tem o mesmo significado e valor intrínseco para homens e animais, portanto, sem adentrar uma abordagem axiológica ou discutir a importância da vida de um homem comparativamente à vida de um animal, retirar a vida de um ou de outro representa o mesmo tipo de ação e de resultado. 12 Antropocêntrico: 1. Que considera o homem como centro ou a medida do Universo. 2. Que concebe o universo em termos de experiências ou valores humanos. 3. Diz-se principalmente das ingênuas doutrinas finalísticas que admitem que todas as coisas foram criadas por Deus para propiciar a vida humana. FERREIRA, Aurélio. Novo dicionário da língua portuguesa. 36ª impressão, 1997, p. 134. 18 é superior a todas as criações e criaturas, tornando-se o centro do Universo e submetendo todo o resto à sua vontade. Sobre o assunto, destaca Danielle Tetü Rodrigues (2009): A incapacidade do reconhecimento da realidade da evolução da vida, em que o homem não aceita ser colocado no mesmo patamar dos animais, condiciona-o a acreditar fielmente na ilusão da dita superioridade da raça humana. Então, coberto por fantasias e sem qualquer hesitação, o homem intitula-se como sendo o ser mais evoluído do planeta em razão de possuir 13 consciência . O antropocentrismo é legitimado ainda pela Bíblia e pela Torah, utilizadas pelo Cristianismo e Judaísmo respectivamente, nas quais o ser humano representa o ápice da criação, sendo criado à imagem e à semelhança de Deus, devendo os demais seres atender à única finalidade de servir ao homem14. Pode-se citar, ainda, René Descartes, que no século XVI defendeu a teoria mecanicista, segundo a qual os animais são simples máquinas desprovidas de alma e, portanto, seriam insensíveis à dor e ao sofrimento, sentimentos que, em seu entender, residem na alma, sendo então exclusivos do ser humano. Segundo esta teoria, “a natureza nada tem de divino, é um objeto criado, situado no mesmo plano da inteligência humana, e, por conseguinte, inteiramente entregue à sua exploração”15. Tanto humanos quanto animais não-humanos são seres vivos, sencientes, e possuem habilidades e características únicas atribuídas a cada espécie. A capacidade de raciocínio é apenas uma característica da raça humana, todavia, isso não torna o homem melhor que as demais espécies, apenas o torna responsável por elas, uma vez que é o único ser comprovadamente dotado desta capacidade. Há que se entender que o significado de vida para humanos e animais é o mesmo. Ambos são dotados de vida e lutam pela sua sobrevivência, consciente ou instintivamente. Portanto, ambos merecem respeito, têm direitos e não há capacidade ou característica de um que diminua a do outro. 13 RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito e os animais: uma abordagem ética, filosófica e normativa, 2009, p. 44. 14 SANTANA, Luciano Rocha. e OLIVEIRA, Thiago Pires. Guarda responsável e dignidade dos animais, 2006, p. 05. 15 RENÉ Descartes: Deus, a ciência e o livre arbítrio. Disponível em <http://www.mundodosfilosofos.com.br/descartes2.htm>. Acesso em 19 de outubro de 2010, às 23:40h. 19 No mesmo sentido, Danielle Tetü Rodrigues (2009) afirma que: Os Animais humanos e não-humanos possuem características em comum, ainda que desenvolvidas em diferentes graus e de acordo com cada espécie. Todos são portadores de instintos e de certas finalidades como a sobrevivência e a procriação; possuem noção de autoridade, bem como interação e comunicação. Em contrapartida, o homem possui características particulares, cujos traços mais importantes são, provavelmente, os fatores estreitamente ligados a habilidades manuais e desencadeados pela capacidade de percepção de sua responsabilidade diante da exuberância 16 da vida . No início da civilização os animais eram submetidos ao sofrimento basicamente para servir de alimento e vestimenta aos humanos, situação que, de certa forma, no que concerne aos alimentos, se justifica para homens sem qualquer grau de estudo e informação, posto que não tinham conhecimento a respeito das propriedades nutricionais dos alimentos e da possibilidade de substituí-los. No que se refere à vestimenta, é fato que não dispunham de qualquer tecnologia capaz de fornecer-lhes vestes que os mantivessem aquecidos, ou que simplesmente não os deixassem desnudos e desprotegidos. Desta forma, era patente a necessidade de revestir-se de peles de animais até mesmo como condição de sobrevivência no inverno. Obviamente, não se pode ignorar o fato de que a instrução na hora de caçar faria toda a diferença para o homem primitivo, possibilitando que instrumentos eficazes e técnicas aprimoradas para capturar sua presa diminuíssem tanto o seu esforço, quanto o sofrimento do animal. Porém, não é a falta de instrução que faz com que os homens cometam atos reprováveis de violência contra os animais atualmente. Observa-se que, segundo os registros encontrados nas cavernas, a relação de convivência do homem com os animais estabeleceu-se gradativamente. Com o passar do tempo, o homem notou que havia algumas espécies de animais que não representavam mais um risco à sua vida ou à de sua família e, desta forma, passou a conviver com eles, possibilitando assim o desenvolvimento do que se conhece hoje como domesticação. 16 RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito e os animais: uma abordagem ética, filosófica e normativa, 2009, p. 37. 20 A relação do homem com os cães, precedidos pelos seus ancestrais, os lobos, tem cerca de 13 mil anos17. Esta aproximação deu-se, por parte dos lobos, pela facilidade em conseguir alimento, uma vez que se podiam encontrar com freqüência restos de comida em acampamentos humanos. Daí os cães se tornaram grandes parceiros de caça, além de animais de companhia. Os animais que se mostravam menos selvagens começaram a ser utilizados pelos homens como aliados na caça, na guarda de seus bens e no pastoreio, como é o caso dos cães e cavalos, vivendo, pois, sob o seu domínio e aprendendo a interpretar sons e sinais produzidos pelo homem como forma de comando. Além dos animais que auxiliavam na caça, o homem conseguiu estender o processo de domesticação a algumas espécies que lhe serviam de alimento, aprisionando-as num determinado espaço de forma que não pudessem fugir e mantendo-as para que se reproduzissem, reduzindo consideravelmente a necessidade constante de se arriscar na procura por alimento. Com o passar dos séculos, o desenvolvimento das sociedades e do comércio, os animais começaram a representar lucro para quem os possuísse, uma vez que auxiliavam no deslocamento do homem por grandes percursos, no transporte de carga, na lavoura, além de sua carne, que era ainda parte indispensável na sua alimentação. Assim, a quantidade passou a ser um fator determinante não mais devido à necessidade natural do homem por suprimento, mas como forma de obter vantagens por meio do lucro, poder e status. O grande problema desta situação é a condição em que os animais foram colocados pela noção deturpada de propriedade que tem o homem. Não há dúvida de que os animais são considerados como uma propriedade, o que se torna nítido tanto pelo processo de domesticação, em que se percebia o poder do homem em relação ao animais, quanto pelas relações de comércio fortalecidas e aprimoradas ao longo dos séculos, em que os animais eram – e são até hoje – meros objetos, coisas que integram o patrimônio do homem. A coisificação dos animais existe desde os primeiros sinais de que o conceito de propriedade havia se disseminado entre os homens. Exemplo disso é a atribuição da denominação de rês às criações de gado bovino, propriedades do homem. A 17 DIAMOND, Jared. Evolution, consequences and future of plant and animal domestication. Nature, 2002, p. 700. 21 palavra res, que significa “coisa” em latim, era utilizada há milênios pelos romanos, que a entendiam como tudo aquilo a que se pode atribuir valor pecuniário, sendo assim representado por um montante em dinheiro. Juridicamente, “res é toda entidade relevante para o direito, suscetível de tornar-se objeto de relação jurídica, tudo aquilo que contribui para a satisfação das necessidades humanas nas interrelações sociais”18. Para Gaio, jurisconsulto do século II e responsável pela divisão do sistema jurídico entre as categorias de pessoa, coisa e ações judiciais, “uma ‘pessoa’ era um ente capaz de portar direitos subjetivos, enquanto uma ‘coisa’ era tão somente um ente subordinado aos direitos subjetivos de alguém” 19. Com o status de “coisa”, a situação atual dos animais não está nem sequer próxima do aceitável, uma vez que, da mesma forma que ocorre com as “coisas”, a eles não são atribuídos direitos e, quando protegidos, o são somente por serem reconhecidos como propriedade do homem. Essa é uma das razões de tantos problemas envolvendo a proteção dos animais contra a crueldade e o respeito à biodiversidade. Há hoje muitas correntes ao redor de todo o mundo que defendem que os animais sejam sujeitos de direitos, não pela condição de bens que merecem tutela jurídica, mas como seres que merecem proteção social e jurídica. Entretanto, na prática, os animais são classificados como bens móveis pela nossa legislação cível, ou seja, coisas20, e como recursos naturais pela legislação ambiental, o que da mesma forma remete ao significado de coisa. Os animais sempre foram utilizados pelo homem para o auxílio e desempenho de atividades, portanto, é inegável que eles são co-responsáveis pelo progresso da humanidade. 18 DIREITO das coisas. Disponível em www.ubm.br/ubm/download/.../DIREITO%20DAS%20COISAS.doc Acesso em 18 de outubro de 2010, às 17:19h. 19 LOURENÇO, Daniel Braga. Direito dos Animais: fundamentação e novas perspectivas, 2008, p. 87. 20 Artigo nº 593. São coisas sem dono e sujeitas à apropriação: I – os animais bravios, enquanto entregues à sua natural liberdade; II – os mansos e domesticados que não forem entregues à sua natural liberdade; III – os enxames de abelhas, anteriormente apropriados, se o dono da colméia a que pertenciam os não reclamar imediatamente; IV – as pedras, conchas e outras substâncias minerais, vegetais ou animais arrojadas às praias pelo mar, se não apresentarem sinal de domínio anterior. Código Civil Brasileiro de 1916. Artigo nº 1.263. Quem se assenhorear da coisa sem dono para logo lhe adquire a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei. Código Civil Brasileiro de 2002. 22 Não fossem os animais, o homem teria retardado talvez até em séculos o desenvolvimento do comércio e a construção das primeiras cidades, por exemplo, posto que em tempos não muito longínquos não havia automóveis ou aviões, restando a possibilidade de locomoção terrestre em grandes distâncias apenas por meio de animais, assim como o transporte de carga em veículos de tração animal. Ocorre que, mesmo com a incontestável contribuição dos animais para o desenvolvimento da sociedade, alguns deles são até os dias de hoje retribuídos com exploração e crueldade, quando deveriam ser reconhecidos como uma forma de vida que merece respeito e um tratamento minimamente digno. A situação estabelecida hoje, diferente da vivida pelo homem há milhares de anos, não se resume à exploração dos animais para fins alimentícios ou quaisquer necessidades de sobrevivência, mas para a satisfação pessoal do homem enquanto ser vaidoso, ambicioso e dominador que é. Isso é facilmente demonstrado, por exemplo, pelos acessórios que adornam o homem, provenientes de peles de animais, e que não se configuram como necessidades inerentes ao ser humano, dada a possibilidade de substituição por materiais de aparência e qualidade semelhantes em sua fabricação. É o caso dos sapatos, bolsas, cintos, casacos e tapetes de pele21, dentre outros. Há ainda situações, completamente desnecessárias, como rodeios, touradas, rinhas, circos, por exemplo, em que animais são utilizados, torturados e, em alguns casos, até mortos para o entretenimento do homem. Esses eventos, justificados pela cultura ou tradição, acabam por ganhar o aval da maior parte da sociedade e, o que é pior, também da legislação. O ser humano tende a entender o conceito de propriedade como possibilidade de utilizar o que lhe pertence da forma como melhor lhe aprouver. Partindo desta noção, pode-se entender claramente como surgiram as diversas formas de exploração e crueldade. 21 Esta crítica não envolve a questão econômica que permeia a produção de acessórios de origem animal, ela se direciona ao que acontece antes dos produtos alcançarem a vitrine, ao que é necessário para que se chegue ao produto final. Em alguns casos até mesmo denunciados por meio de vídeos publicados informalmente na mídia, observa-se o sofrimento imposto aos animais devido ao processo de retirada do couro ou da pele por falta da insensibilização prévia e morte. Nestes casos, os animais não passam por processo algum que vise amenizar ou inibir a dor e são escalpelados vivos. É injustificável a conduta humana neste tipo de situação, posto que a tecnologia está a disposição da sociedade para evitar que os animais sejam vítimas de tamanho sofrimento. Verifica-se, ainda, a desnecessidade deste massacre perante a imensidão de recursos materiais não provenientes de animais para a produção de vestimentas e acessórios. 23 A escravidão humana é um excelente exemplo para ilustrar a situação alentada. Nela, o homem utiliza-se do próprio homem de forma indevida e abusiva, sem resistência oposta por qualquer limite, justificada unicamente pelo fato de o escravo ser de sua propriedade. Os escravos possuíam natureza jurídica de coisa, de objeto de direito e, portanto, não eram dotados de personalidade jurídica. Segundo José Carlos de Matos Peixoto (1995): O escravo não podia ter família e a união entre escravos ou de escravo com pessoa livre de outro sexo era fato puramente material. Não podia tampouco ter patrimônio, não lhe sendo, pois, lícito ser proprietário, credor ou devedor, nem deixar herança. Não podia igualmente ser parte em juízo, porque o processo somente era acessível aos homens livres. Se alguém causava ao escravo uma lesão corpórea, ele não tinha o direito de queixar-se à autoridade, este direito competia ao senhor, como se tratasse de animal ferido ou de objeto danificado. [...] e se era abandonado, nem por isso ficava livre, tornava-se então uma coisa sem dono, de que qualquer um podia se 22 apropriar . Seguindo o pensamento do autor, pode-se afirmar analogicamente que os animais recebem tratamento semelhante ao que recebiam os escravos. Sendo ambos considerados res derelictae23 quando renunciados, passíveis, portanto, de serem apropriados ou adquiridos originariamente por quem se interessar. Outro bom exemplo da dominação sem limites pelo homem é o que tem acontecido com o planeta, enquanto fonte limitada de recursos naturais. O planeta é entendido como propriedade comum de seus habitantes, bem de uso comum do povo, conforme a Constituição Federal de 198824. A interpretação extensiva da norma aliada à noção deturpada de propriedade que o homem possui, ainda que neste caso seja co-propriedade, está levando o homem a ser vítima de si mesmo em diversos aspectos, como os desastres ambientais que têm acontecido com freqüência ultimamente. O homem tem explorado o planeta de uma forma completamente irresponsável, levando ao esgotamento de determinados recursos naturais não 22 PEIXOTO, José Carlos de Matos. Curso de Direito Romano, 1955, p. 255. Coisa abandonada, que já pertenceu a uma pessoa, porém, foi renunciada e pode ser incorporada ao patrimônio de outrem. 24 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 23 24 renováveis justificados pela consciência – ou pela falta dela – de que o que existe na Terra é de todos e, portanto, todos podem usufruir da maneira que bem entenderem. É quase como dizer: “pegue enquanto puder!”. De uma maneira totalmente inconseqüente e egoísta caminha-se a passos largos para a total destruição do planeta, caso o mundo continue com a mentalidade de explorar seus recursos até que se extingam. Ronecker (1997) analisa a situação de forma crítica e assim a descreve: A inteligência é, com efeito, faca de dois gumes: eleva o homem e também o rebaixa abaixo da terra. É verdade que a baixeza da alma é essencialmente humana. Enquanto os animais se comunicam, o homem somente fala, e, o mais das vezes, para si próprio. Sua inteligência levou-o a considerar-se senhor do planeta. E de senhor passou a tirano, pilhando as riquezas naturais, violando a terra e a natureza, e saqueando o patrimônio 25 do qual julga-se depositário único . No que concerne aos animais, a exploração não é diferente. Não é difícil encontrar cavalos puxando carroças que sustentam até seis vezes o seu peso, obrigados pela força do chicote a se arrastar pelas ruas, sendo muitas vezes sacrificados por terem chegado à exaustão e, conseqüentemente, à improdutividade. Cães de guarda que muitas vezes são abandonados em estabelecimentos presos a correntes sob o sol e a chuva, sem possibilidade nem previsão de conseguir qualquer alimento ou água. Ou ainda, os animais que são confinados em locais inapropriados com a finalidade de reproduzirem-se e engordarem desregradamente, sem qualquer possibilidade de locomoção, sem qualquer perspectiva de qualidade de vida, para serem encaminhados, também de forma inadequada, a matadouros e abatedouros, fomentando a indústria da carne. Esta exploração do animal pelo homem acontece nas ruas e nos estabelecimentos comerciais sem qualquer cerimônia, embora seja evidente a posição contrária da legislação a este tipo de prática. No caso supracitado do cavalo, animal geralmente utilização na tração veículos, o Decreto-Lei 24.645/34 deixa claro que “obrigar animais a trabalhos excessivos ou superiores às suas forças e todo ato 25 RONECKER, Jean-Paul. O simbolismo animal: mitos, crenças, lendas, arquétipos, folclore, imaginário, 1997, p. 13-14. 25 que resulte em sofrimento para deles obter esforços que, razoavelmente, não se lhes possam exigir senão com castigo” 26 é considerado como crueldade. A noção de que tudo que existe serve unicamente para satisfazer às necessidades do homem leva a este tipo de resultado, à exploração inconseqüente dos animais, da natureza e das coisas, à inversão dos valores, ou na verdade, à substituição dos valores pela obtenção de vantagens e pelo atendimento à interesses particulares. A ambição do homem é capaz de fazê-lo transgredir suas próprias regras, torná-lo corruptível e refém da competitividade que se impôs ao longo do tempo, segundo a qual a regra é simplesmente ser melhor que o outro, ou o que é mais provável, ter mais que o outro, custe o que custar. Ocorre que, em decorrência desta noção de propriedade e devsuperioridade introduzida em grande parte pelo antropocentrismo, o homem vem ultrapassando todos os limites, sejam eles naturais, morais e até mesmo os legais. Encontrando-se no centro de seu pensamento, superior às demais coisas e com a idéia de onipotência prevalecendo cada vez mais sobre os direitos inerentes ao ser, o homem sente-se livre dos limites para satisfazer suas vontades, sem preocupar-se com o outro enquanto ser que não deve ser subjugado, nem desrespeitado; e é exatamente este o berço dos problemas. A crueldade é fruto da superioridade, ou melhor, da sensação de superioridade, da ilusão de que se possui um direito maior que o dos outros, de um pensamento puramente egoísta, no qual o desejo de provocar a dor supera o pensamento de que o outro está em agonia, sentindo dor, tentando livrar-se da situação que lhe oferece risco. Importante dizer que a dor de que se fala aqui pode ser provocada por um indivíduo tanto com o objetivo de prejudicar alguém em especial, quanto para assistir às reações de uma vítima qualquer diante de uma situação que provoque nela sofrimento. A maioria das pessoas ao deparar-se com uma situação como a descrita, imposta a outro ser, sente um desconforto geralmente provocado pela sensação até mesmo inconsciente de colocar-se no lugar da vítima. Todavia, a pessoa que 26 Redação do Artigo 3º, inciso III do Decreto-Lei nº 24.645/34. 26 comete o ato cruel geralmente não tem esse pensamento, não sente este desconforto, não se sensibiliza com a situação, tampouco com o resultado. Não faltam exemplos de crueldade para citar, episódios como o do índio Galdino27, queimado vivo em uma parada de ônibus em Brasília-DF; a cadela de rua, Preta28, amarrada ao pára-choque de um carro e arrastada prenha por quarteirões em Pelotas-RS; a cadela de rua29 utilizada para a prática de tiro ao alvo por agentes prisionais em Santa Catarina-SC. Casos como esses certamente não foram esquecidos, dentre tantos outros não divulgados na mídia. O homem tem necessidade de ostentar poder e uma das formas, embora covardes, de se fazer isso é dominar situações e/ou seres com potencial – seja de raciocínio ou de reação – reduzido em relação ao homem. Isso cria a sensação de sentir-se no comando, assumindo a posição de dono e senhor de todas as coisas, o que está no posto mais alto, no controle da situação e do ser sob o seu domínio. Não é difícil notar que os alvos das pessoas que tendem a um comportamento violento são, na maioria dos casos, os animais, as crianças, as mulheres e os idosos, justamente por representarem a fração mais vulnerável e com pouca capacidade de resistir ou impedir que o ato cruel se concretize. Diversas são as formas de se praticar a crueldade e diversas também podem ser suas vítimas, todavia, a análise que este trabalho se propõe a fazer limita-se à crueldade infligida contra os animais, por constituir uma forma de violência que apresenta uma série de implicações, além do fato de ser cometida covardemente contra seres que, em sua maioria, não possuem a capacidade de se defender de forma eficaz. Por todo o exposto, este trabalho tem o objetivo de estudar o fenômeno da crueldade em sentido estrito, aquela crueldade como fim em si mesma, a de origem sádica, perversa, cometida com o único intuito de submeter o outro à dor, ao 27 Ocorrido no dia 20 de abril de 1997. FOLHA ONLINE. Como foi assassinado o índio pataxó Galdino em 97. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u40033.shtml>. Acesso em 13 de novembro de 2010, às 02:39h. 28 Ocorrido em 09 de março de 2005. JORNAL CRUZEIRO DO SUL. Morador é condenado a pagar indenização por morte de cadela. Disponível em <http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia.phl?editoria=20&id=331935>. Acesso em 13 de novembro de 2010, às 2:51h. 29 Ocorrido em setembro de 2009. UOL NOTÍCIAS. NUNES, Luiz. Acusados de praticar tiro ao alvo em cadela perdem porte de arma em SC. Disponível em <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2009/09/25/ult5772u5481.jhtm>. Acesso em 13 de novembro de 2010, às 03:16h. 27 sofrimento, sem qualquer provocação ou motivo; além de esclarecer as conseqüências sofridas pelos animais e pela sociedade. 1.3. OUTRAS CRUELDADES PRATICADAS CONTRA OS ANIMAIS O Direito abrange todas as áreas da vida, possuindo, portanto, diversas ramificações. O Direito dos Animais, por sua vez, é uma destas ramificações e também possui um amplo leque de vertentes, embora todas estejam interrelacionadas e possuam a mesma finalidade: a proteção dos animais de toda forma de sofrimento e crueldade. Para a elaboração de um trabalho acadêmico, como o presente, é necessário que o tema esteja bem delimitado, não apenas para propiciar um melhor desenvolvimento e entendimento, mas também para evitar que sejam feitas confusões acerca do rumo que se vai tomar. Este trabalho não tem o objetivo de tratar do comércio ilegal ou tráfico de animais, da utilização de pele animal para a fabricação de vestimentas e acessórios, da exploração – no real sentido da palavra – dos animais para fins comerciais, farmacêuticos, alimentícios, ou ainda, de pesquisa científica. Em cada um desses assuntos, há a imposição de sofrimento aos animais por parte do ser humano, sendo, portanto, uma forma de crueldade que deveria ser evitada e combatida. Contudo, cada um destes assuntos, inclusive o que este trabalho se dedica a tratar, merece uma abordagem particular, dada a relevância e a polêmica que são capazes de produzir. Posto isso, passa-se a uma breve abordagem informativa dos referidos temas que não podem deixar de ser mencionados, embora, não se possa encontrar aqui uma análise profunda capaz de revelar minúcias e peculiaridades de cada um. A Vivissecção, ou experimentação animal, é a prática de procedimentos ou operações em animais vivos, criados em laboratório ou capturados das ruas, que propiciam a observação e o estudo de fenômenos fisiológicos visando ao desenvolvimento de pesquisas científicas. Esta prática é responsável pelo cometimento diário de atrocidades contra os animais, como queimaduras, afogamentos, cegamentos, aleijamentos e outras lesões que também lhes causam 28 limitações físicas, sofrimento e morte em nome da Ciência. Segundo Edna Cardozo Dias: A experimentação animal é utilizada para fins médicos, didáticos, psicológicos, farmacológicos, odontológicos, comportamentais e industriais, como testes toxicológicos de produtos a serem colocados no mercado. Ela envolve inflicção de dor ao animal, privação social, choques elétricos, ingestão forçada de substâncias químicas, induz os animais a estados 30 estressantes e até à morte . Devido à enorme diversidade de espécies de animais, o Brasil é um dos principais países vítimas do comércio ilegal e tráfico de animais silvestres. Os animais, que geralmente são escondidos em bagagens ou em lugares totalmente inapropriados, são arrancados de seu habitat para satisfazerem aos desejos do homem e, na maioria das vezes, não se adaptam às condições climáticas ou alimentares do lugar para onde foram enviados; isto quando chegam vivos. Estimase que 38 milhões31 de animais são retirados ilegalmente de seu habitat para fins de comércio e exportação. A situação dos animais obrigados a aumentar o patrimônio de algumas pessoas à custa de seu próprio sofrimento e, por vezes, até mesmo de sua vida é deprimente e inaceitável. Infelizmente, diversos são os casos em que os animais ainda são utilizados para promover o entretenimento do homem, chegando os eventos de que participam a movimentar mais de 4,4 bilhões de reais por ano32. Os exemplos que têm causado maior indignação por um grupo crescente de pessoas são as touradas33, as farras-do-boi, os rodeios, as rinhas e outros semelhantes. Em 30 DIAS, Edna Cardozo. Experimentos com animais na legislação brasileira. In: Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, 2005, p. 2909-2926. 31 TRÁFICO de animais silvestres. Disponível em <http://www.natureba.com.br/trafico-animaissilvestres.htm>. Acesso em 04 de setembro de 2010, às 10:58h. 32 Ibidem. Acesso em 14 de novembro de 2010, às 17:47h. 33 Todos estes são “espetáculos” repugnantes que ilustram o puro egoísmo do homem, que se mostra capaz de submeter outras criaturas à tortura e à morte sem qualquer remorso somente para se divertir. As touradas, na minha opinião, constituem o evento mais inescrupuloso dentre os mencionados. Até poderia ser realizada uma análise acerca desta tradição originalmente espanhola, mas seriam necessários alguns parágrafos para descrever quantas são as crueldades cometidas contra o touro dias antes da tourada e durante seu acontecimento. Pela impossibilidade imposta pelo tema deste trabalho de aprofundar a abordagem desse tipo de crueldade contra animais, optou-se, então, por indicar uma leitura mais investigativa e detalhada relativa especificamente às touradas, na qual se pode encontrar fotos e vídeos do evento. O material para consulta encontra-se disponível em <http://www.uniaolibertariaanimal.com/faces-da-exploracao/entretenimento/touradas>. Acesso em 11 de outubro de 2010, às 13:11h. 29 todos estes eventos a crueldade contra os animais é a anfitriã, o principal atrativo, encoberto e justificado pela manutenção de uma tradição, um evento cultural. Para se ter uma idéia das motivações que levam mais de 200 mil pessoas a cada espetáculo, no caso das touradas, foi publicada uma entrevista em que os defensores e fãs afirmaram que: Sem a possibilidade de morte do toureiro e sem a certeza de morte do touro, o espetáculo não teria sentido para o público espanhol. Segundo explica o filósofo Francis Wolff no livro “50 Razões para Defender as Touradas”, esses elementos são necessários para manter o “valor cultural” do evento34. Por outro lado, não à toa, a UNESCO declarou em 1980 que: A tauromaquia é terrível e venal arte de torturar e matar animais em público, segundo determinadas regras. Traumatiza as crianças e adultos sensíveis, agrava o estado dos neuróticos atraídos por estes espetáculos, desnaturaliza a relação entre o homem e o animal, afronta a moral, a educação, a ciência e a cultura35. Quanto à carne produzida para o consumo do homem, não se vai entrar no mérito deste consumo, se necessário ou não, se correto ou não, pois esta discussão ideológica foge completamente ao tema proposto. A crítica realizada aqui se volta para o modo de produção da carne, englobando a criação do animal, seu transporte e abate. Centenas de milhares de animais são mortos diariamente para satisfazer à indústria da carne, que possui uma parcela significativa de culpa pela crueldade imposta aos animais. Os animais, em grande parte dos estabelecimentos, são encaminhados ao abatedouro sem que sejam insensibilizados, sendo empregados métodos ultrapassados e cruéis na sua morte, ignorando, desta forma, a existência de qualquer norma concernente ao abate “humanitário”. 34 NOVAES, João. Fora da Espanha, touradas são populares em Portugal e na América Latina. Reportagem disponível em <http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1547940-5602,00FORA+DA+ESPANHA+TOURADAS+SAO+POPULARES+EM+PORTUGAL+E+NA+AMERICA+LATI NA.html>. Acesso em 19 de outubro de 2010, às 20:13h. 35 TOURADAS. Disponível em <http://www.territorioselvagem.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=189&Itemid=81>. Acesso em 04 de novembro de 2010, às 07:21h. 30 CAPÍTULO 02 – DA LEGISLAÇÃO QUE REPRIME A CRUELDADE CONTRA OS ANIMAIS Na maior parte dos países do mundo há normas que regulamentam a conduta do homem para com os animais, estabelecendo regras e impondo limites na utilização e trato para com os animais nos mais diversos ramos. Neste capítulo, valendo-se principalmente da legislação nacional, serão expostas normas que proíbem a crueldade contra animais em sentido amplo, não estando tais normas adstritas ao sentido de crueldade proposto por este estudo. A análise abrangente que será realizada a seguir visa a revelar como é tratada a proteção dos animais no Brasil, prevendo os mais variados tipos de crueldade que se pode praticar contra os animais em sua utilização pelo homem. Há, por exemplo, normas que regem o abate e métodos de produção, normas que determinam as condições de criação de um animal, normas de controle e manutenção da saúde dos animais – o que influencia diretamente a saúde pública; normas que regulamentam a guarda responsável, normas que regulamentam os eventos de que participam os animais. Estas, dentre outras normas, possuem o objetivo comum de combater a crueldade contra os animais e estabelecer condutas adequadas para o seu tratamento. A World Society for the Protection of Animals – WSPA defende que todos os países do mundo deveriam se dedicar à produção de uma legislação efetiva de proteção animal, proporcionando aos animais o reconhecimento aos seus direitos, além de proteção contra toda forma de sofrimento que possa ser evitada36. 2.1 A CRUELDADE CONTRA ANIMAIS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA37 O Brasil é possuidor de um enorme acervo de leis e, devido a algumas destas, chegou até mesmo a ser referência mundial neste quesito. A legislação 36 ANIMAL WELFARE ONLINE. Legislação de Proteção Animal. Disponível em http://ptextranet.animalwelfareonline.org/Images/resources_Legislation_false_An-overview-of-AnimalProtection-Legislation-Portuguese_tcm38-11927.pdf. Acesso em 20 de outubro de 2010, às 15:42h 37 Toda a legislação citada neste item pode ser consultada no site da PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL: http://www.presidencia.gov.br/legislacao. 31 pátria é avaliada como sendo uma das mais completas do mundo, embora não seja novidade que as leis brasileiras contemplem os mais diversos assuntos da forma mais explicativa possível. Contudo, a existência por si só de normas não garante que estas sejam respeitadas e reconhecidas como elemento coercitivo, implicando dizer que a lei torna-se desvalorizada e inaplicável quando não se adéqua à situação vivenciada pelas pessoas num determinado local e quando não há mecanismos eficientes de implementação que lhe atribuam eficácia. Em outras palavras, é o que Ferdinand Lassalle (2002) leciona em sua obra O que é uma Constituição, afirmando que “de nada serve o que se escreve numa folha de papel se não se ajusta à realidade, aos fatores reais e efetivos do poder”38. Partindo desta análise, em que a legislação brasileira não reflete a realidade do país, em que diversos fatores, como interesses políticos e econômicos, inviabilizam a efetiva aplicação da norma, conclui-se que a crueldade contra os animais não é combatida como deveria, seja preventiva ou repreensivamente, embora haja instrumentos disponíveis de coerção, intimidação e informação como se passa a demonstrar. No mesmo sentido, José Robson da Silva (2002) pondera: Uma legislação particularmente rigorosa contra práticas de caça, perseguição e apanha é radicalmente liberal quando o confronto se dá entre os interesses econômicos dos homens e a necessidade de sobrevivência 39 dos animais . Antes de adentrar as normas propriamente ditas, faz-se necessário definir o que é considerado como o objeto de proteção, no caso o animal, e quais são as espécies e as características que este ser deve possuir para ser inserido nas ditas normas de proteção ambiental, mais especificamente da fauna. Duas leis se dedicam a conceituar e a classificar os animais, sendo elas o Decreto-Lei nº 24.645 de 10 de julho de 1934, em seu artigo nº 17, e a Lei nº 4731 de 04 de janeiro de 2008 do Rio de Janeiro-RJ, no parágrafo único de seu artigo 1º, in verbis, respectivamente: 38 LASSALLE, Ferdinand. O que é uma Constituição. Trad. Hiltomar Martins Oliveira, 2002, p. 68. SILVA, José Robson. Paradigma biocêntrico: do patrimônio privado ao patrimônio ambiental, 2002, p. 332. 39 32 Art. 17. A palavra animal, da presente Lei, compreende todo ser irracional, quadrúpede ou bípede, doméstico ou selvagem, exceto os daninhos. Art. 1º. (...) Parágrafo Único - Entenda-se por animais todo ser vivo animal não humano, inclusive: I - fauna urbana não domiciliada: felinos, caninos, eqüinos, pombos, pássaros, aves; II - animais de produção ou utilidade: ovinos, bovinos, suínos,muares, caprinos. aves; III - animais domesticados e domiciliados, de estimação ou companhia; IV - fauna nativa; V - fauna exótica; VI - animais remanescentes de circos; VII - grandes e pequenos primatas, anfíbios e répteis; VIII - pássaros migratórios; e IX - animais que componham plantéis particulares constituídos de quaisquer espécies e para qualquer finalidade. O primeiro registro brasileiro de proteção aos animais contra abusos e crueldade foi o Código de Posturas do Município de São Paulo, de 06 de outubro de 1886, que estabelecia em seu artigo nº 220 que cocheiros, condutores de carroça, estavam proibidos de maltratar animais com castigos bárbaros e imoderados, prevendo multa aos infratores. No ano de 1924, durante a República Velha, foi elaborado o Decreto Federal nº 16.590, que regulamentava o funcionamento das casas de diversões públicas, proibindo diversos tipos de crueldades realizadas com animais nesses estabelecimentos. A primeira norma que se dedicou à proteção dos animais no Brasil, ainda vigente, foi promulgada em 10 de julho de 1934, no governo provisório de Getúlio Vargas. Trata-se do Decreto nº 24.645, que conferia ao Estado a tutela de todos os animais existentes no país, além de definir o que são os maus-tratos contra animais em seu artigo 3º, elencando nele diversas condutas num rol exemplificativo. Posteriormente surgiu a Lei de Contravenções Penais – LCP, segundo diploma legal brasileiro, seguida do Decreto-Lei nº 24.645/34, que atribuiu aos maustratos contra animais uma sanção além da multa. O artigo 64 da LCP prevê a pena de prisão simples de 10 dias a um mês ou multa para aquele que “tratar animal com 33 crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo”40. No Decreto 24.645/34, a pena prevista era de 2 a 15 dias em prisão celular. Hoje a classificação de contravenção penal, advinda do Decreto-Lei nº 3688/41, controversamente não vige mais, dada a sua revogação pela Lei dos Crimes Ambientais – LCA. Atualmente a crueldade contra animais é classificada como um crime ambiental, tipificado no artigo nº 32 da Lei nº 9.605/98 – LCA. O artigo nº 32 da supracitada lei aborda a questão dos maus-tratos contra os animais aplicando à pessoa que “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”41 a pena de detenção de três meses a um ano e multa. Há doze anos este artigo específico foi questionado pelo ex-deputado José Thomaz Nonô e a questão tornou-se objeto de discussão no Projeto de Lei nº 4.548/9842. A discussão girou em torno da possibilidade de alteração do artigo, o que gerou grande polêmica envolvendo defensores da tradição e cultura – relativamente aos eventos regionais – e pessoas engajadas na proteção dos animais. A proposta de modificação visa suprimir do referido artigo as expressões “domésticos ou domesticados”, uma vez que esta menção, atualmente inserta na Lei de Crimes Ambientais, dificulta a realização de eventos que utilizam animais considerados como domésticos ou domesticados e, indiscutivelmente, provocamlhes danos de ordem física e/ou psicológica, como a vaquejada, os rodeios e farrasdo-boi. Não é leviano dizer que esta iniciativa parlamentar deu-se em razão de interesses políticos e pessoais, se analisada a proposta de alteração do artigo até então apresentada. Os eventos que se quer preservar com este Projeto de Lei obviamente rendem lucros que estão ameaçados pela proteção dos animais contida na Lei de Crimes Ambientais, e, por mais desanimador que seja, falar em interesses políticos e econômicos é quase justificar o desrespeito a outros interesses. 40 Art. nº 64 da Lei de Contravenções Penais. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo: Pena- prisão simples, de 10 (dez) dias a 1 (um) mês, ou multa. 41 Art. Nº 32 da Lei nº 9.605/98. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. § 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal. 42 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei e Outras Proposições. Disponível em <http://www.camara.gov.br/sileg/prop_detalhe.asp?id=20954>. Acesso em 08 de setembro de 2010, às 17:48h. 34 Em todo o território nacional há leis que regulam a possibilidade e a utilização dos animais em eventos, como a Lei nº 10.519/02, que em seu art. 3º determina à entidade promotora de rodeios que providencie médico veterinário habilitado ao atendimento dos animais no local do evento por toda a sua duração, a fim de fiscalizar possíveis maus-tratos, e determina, ainda, que deve ser promovido o transporte dos animais em local adequado, garantindo, assim, sua integridade física. No mesmo sentido, a Lei nº 3371/05 de Cataguases-MG proíbe, em seu artigo 2º, “a exibição de espetáculos em que fiquem comprovados maus-tratos a qualquer tipo de animal”. Esta lei se posiciona da mesma forma que a lei anteriormente citada no que concerne à necessidade do especialista veterinário no evento. A Lei nº 2.026, de 22 de julho de 1992 do Rio de Janeiro-RJ, proíbe em seu art. 1º que sejam realizados eventos “que impliquem maus tratos aos animais, selvageria, morte ou suplício infligido a quaisquer exemplares da fauna”. Há ainda as Leis de nº 2.284/95 e nº 3.879/04, também do Rio de Janeiro-RJ, que impedem expressamente a realização de rodeios, vaquejadas, touradas e similares que impliquem em maus-tratos, conforme a redação do art. 1º de ambas. Outras leis de diversos Estados brasileiros tratam da possibilidade e condições de realização de eventos envolvendo animais, como as Leis, vigentes em Diadema-SP, de nº 1.920/00 e nº 1.134/91, nos artigos 2º e 1º, respectivamente, as Leis nº 11.492/03 e nº 7.389/92 de Campinas-SP, nos seus arts. 1º e nº 20, § 1º respectivamente, a Lei nº 5.754/07 de São Bernardo do Campo-SP, em seu art. 1º, a Lei nº 4.547/07 de Americana-SP, em seu artigo nº 56, a Lei nº 2.081/97 de PaulíniaSP, no § 1º de seu artigo nº 21, a Lei nº 3.057/07 de Piraju-SP, no § 1º de seu artigo nº 34, e a Lei nº 2.887/05 de Campos do Jordão-SP, no § 1º de seu artigo nº 18. Há, ainda, as exceções dispostas na legislação no tocante à realização de apresentações ou exposições públicas que contenham animais. Estas exceções cuidam de permitir que determinados eventos, ainda que envolvendo o uso de animais, possam ser realizados. É o caso de desfiles cívicos e/ou militares, exposições de animais, leilões, provas hípicas, procissões e demais eventos que não causem aos animais qualquer tipo de dano ou maus-tratos. São exemplos as Leis nº 2.284/95 e nº 3.879/04 do Rio de Janeiro-RJ, no artigo 4º e parágrafo único do artigo 1º, respectivamente; a Lei nº 11492/03 de Campinas-SP, no parágrafo 35 único de seu artigo 1º; e a Lei nº 5754/07 de São Bernardo do Campo-SP, nos §§ 3º e 4º de seu artigo 1º. Ainda tratando dos eventos realizados com animais, não se pode esquecer das rinhas e competições organizadas por apreciadores da prática cruenta e pelos donos e/ou criadores de algumas espécies de animais. A legislação existente sobre a matéria, assim como as decisões dos Tribunais nacionais, são pacíficas, no sentido de coibir este tipo de prática e, conseqüentemente, posicionar-se contra a crueldade praticada contra os animais nesses eventos. Sobre o assunto: a) Lei nº 7389 de 21 de dezembro de 1992 de Campinas-SP – art.18, parágrafo único; b) Lei nº 2081 de 19 de maio de 1997 de Paulínia-SP – art. 19, parágrafo único; c) Lei nº 7974 de 03 de março de 2000 de Santo André-SP – art. 42; d) Lei nº 5038 de 16 de maio de 2001 de Divinópolis-MG – art. 17, inciso II; e) Lei nº 2887 de 30 de junho de 2005 de Campos do Jordão-SP – art. 16, parágrafo único; f) Lei nº 2390 de 15 de dezembro de 2005 de Itaquaquecetuba-SP – art. 20, parágrafo único; Afora toda a dificuldade de implantação de qualquer norma no Brasil, a crueldade contra animais, abordada geralmente no termo de maus-tratos, está bem representada na legislação brasileira, com normas que prevêem a conduta ilícita e sanções de diversos tipos a serem aplicadas ao infrator, acompanhadas de circunstâncias agravantes – como no caso da Lei nº 2366 de 11 de junho de 2001, de Sapucaia do Sul-RS, em seu artigo nº 41. Algumas destas normas aparecem na lista abaixo: a) Lei nº 115 de 21 de dezembro de 1990 de Barra Velha-SC – art. 150; b) Lei nº 16004 de 20 de janeiro de 1995 de Recife-PE – art. 123; c) Lei nº 4328 de 23 de dezembro de 1998 de Canoas-RS – art. 85; d) Decreto no 3.179, de 21 de setembro de 1999 – art. 17; e) Lei nº 5038 de 16 de maio de 2001 de Divinópolis-MG – art. 17, inciso I; 36 f) Lei nº 23 de 09 de novembro de 2001 de Vargem Grande Paulista-SP – art. 1º, parágrafo único; g) Lei nº 1730 de 16 de dezembro de 2002 de Guaíba-RS – art. 78; h) Lei nº 3194 de 27 de janeiro de 2004 de Taquara-RS – art. 103, inciso III; i) Lei nº 3205 de 11 de Março de 2004 de Taquara-RS – art. 51; j) Lei Complementar nº 218 de 02 de junho de 2004 de Lages-SC – arts. 59 e 130; k) Lei nº 1805 de 17 de dezembro de 2004 do Campo Largo-PR – art. 2º; l) Lei nº 6240 de 21 de janeiro de 2005 de Petrópolis-RJ – art. 61; m) Lei nº 11.977, de 25 de agosto de 2005 de São Paulo-SP – art. 2º; n) Lei nº 4898 de 16 de novembro de 2005 do Chapecó-SC – art. 5º, inciso IX; o) Lei nº 2398 de 06 de dezembro de 2005 do Gramado-RS – art. 62; p) Lei nº 4685 de 23 de outubro de 2007 do Rio de Janeiro-RJ – art. 1º; q) Lei nº 3320 de 07 de dezembro de 2007 de Campo Alegre-AL – art. 50; r) Lei nº 12594 de 02 de janeiro de 2008 de Curitiba-PR – art. 3º, § 3º; s) Lei nº 4731 de 04 de janeiro de 2008 do Rio de Janeiro-RJ – arts. 1º e 3º; t) Lei nº 3726 de 05 de junho de 2008 de Bariri-SP – art. 2º; u) Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008 – art. 29; v) Lei nº 207 de 17 de outubro de 2008 de Alfredo Chaves-ES – art. 164; w) Lei Complementar nº 73 de 17 de fevereiro de 2009 de Araquari-SC – art. 63; x) Lei nº 1492 de 17 de dezembro de 2009 de Almirante Tamandaré-PR – art. 2º; Com a aproximação do homem de certas espécies de animais séculos atrás, conforme já foi analisado anteriormente, deu-se a domesticação e o costume de se possuir um animal de companhia, hoje mais comumente chamado de animal de estimação. Sabe-se que a criação dos animais de estimação, ou animais domésticos, acontece por diversos interesses. Entretanto, o problema que se passa a analisar neste momento é a falta deste interesse, que acaba fazendo com que a guarda de um animal, que se tornou dependente de seu dono em todos os aspectos, seja uma guarda irresponsável. 37 A falta de previsão dos gastos e responsabilidades que um dono adquire junto com o seu animal de estimação, a viagem de férias que a família quer aproveitar e não dispõe de meios para levar o animal ou mesmo local para deixá-lo durante o período, a educação básica que não é oferecida aos animais, o que, conseqüentemente, provoca um incômodo aos donos e, por vezes, até mesmo aos vizinhos ao ponto de não suportarem mais o animal, todos esses fatores podem fazer com que um animal de estimação seja abandonado nas ruas, ou abandonado preso num local em que não possui as condições necessárias à sua sobrevivência, como água e comida. Versando sobre o problema da posse irresponsável, algumas leis foram elaboradas para reger a guarda dos animais, coibindo as condutas que resultam em maus-tratos aos animais pela negligência de seus donos. Exemplos destas leis são a Lei nº 23 de 09 de novembro de 2001 de Vargem Grande Paulista-SP, em seu artigo 1º, e a Lei nº 2109 de 14 de dezembro de 2007 de Embu-guaçú-SP, em seu artigo nº 77. A quantidade de animais que por diversas razões encontram-se nas ruas é um problema social importante que acabou por originar entidades de proteção aos animais, a elaboração de políticas públicas, os Centros de Controle de Zoonoses e suas respectivas leis. O abandono de animais, a guarda irresponsável e a reprodução descontrolada de animais pela falta da castração são alguns dos motivos. O problema chega a ser questão de saúde pública, posto que os animais que se encontram nas ruas podem transmitir doenças, inclusive, de contágio humano, podem causar acidentes envolvendo automóveis, atacar pessoas e outros animais, e danificar propriedades. Além, claro, dos problemas causados ao próprio animal, que fica à mercê do clima, das doenças, das agressões de pessoas, de envenenamentos, de abuso e até mesmo à mercê da morte. Há leis que regulamentam o funcionamento de Centros de Controle de Zoonoses, estipulando os processos de registro e cadastramento dos animais, o controle populacional, a apreensão de animais, a destinação dos animais apreendidos, o resgate, a guarda e a responsabilidade do proprietário, a adoção, o leilão, o combate aos maus-tratos e outras questões. Algumas das leis vigentes no 38 país que versam sobre medidas relativas às zoonoses podem ser encontradas na relação abaixo: a) Lei nº 16004 de 20 de janeiro de 1995 de Recife-PE; b) Lei nº 5504 de 26 de fevereiro de 1999 de Salvador-BA; c) Lei nº 23 de 09 de novembro de 2001 de Vargem Grande Paulista-SP; d) Lei nº 2445 de 19 de maio de 2005 de Balneário Camboriú-SC; e) Lei nº 2448 de 11 de novembro de 2005 do Morro Agudo-SP; f) Lei nº 3057 de 27 de setembro de 2007 de Piraju-SP; g) Lei nº 4547 de 06 de novembro de 2007 de Americana-SP Os abrigos de animais, canis e as entidades de proteção aos animais têm uma função social de relevância, mas nem por isso deixam de se submeter às leis vigentes e atender às exigências e às condições impostas pela legislação para funcionarem regularmente. São exemplos destas leis: a) Lei nº 7389 de 21 de dezembro de 1992 de Campinas-SP – art. 20; b) Lei nº 8325 de 15 de junho de 2004 de Belém-PA – art. 1º; c) Lei nº 2887 de 30 de junho de 2005 de Campos do Jordão-SP – art. 18; d) Lei nº 3057 de 27 de setembro de 2007 de Piraju-SP – art. 34; e) Lei nº 2915 de 08 de maio de 2008 de Paulínia-SP – art. 1º; f) Lei nº 7161 de 09 de abril de 2010 de São Leopoldo-RS – art. 108 Os estabelecimentos que comercializam animais vivos também se submetem a normas de funcionamento que exigem destes estabelecimentos a prévia autorização da Secretaria de Saúde local, parecer técnico do órgão responsável, o fornecimento de seus dados cadastrais e a apresentação de todos os documentos solicitados pelo Poder Público. São exemplos dessa legislação: a) Lei nº 7389 de 21 de dezembro de 1992 de Campinas-SP – § 2º do art. 20; b) Lei nº 2081 de 19 de maio de 1997 de Paulínia-SP – § 2º do art. 21; c) Lei nº 2887 de 30 de junho de 2005 de Campos do Jordão-SP – § 2º do art. 18; 39 d) Lei nº 3057 de 27 de setembro de 2007 de Piraju-SP – § 2º do art. 34; e) Lei nº 4547 de 06 de novembro de 2007 de Americana-SP – art. 57; As entidades de proteção aos animais possuem diversas atribuições e prerrogativas, como solicitar acompanhamento conjunto à autoridade sanitária para apurar eventuais maus-tratos aos animais em eventos que envolvam a apresentação ou exibição de animais e em lojas que comercializem animais vivos, receber animais vítimas de maus-tratos por seu dono ou preposto, realizar a manutenção de animais em condições inadequadas de vida ou alojamento, dentre outras. Algumas das leis que estabelecem estas prerrogativas estão listadas abaixo: a) Lei nº 7389 de 21 de dezembro de 1992 de Campinas-SP – art. 20, § 3º; b) Lei nº 4564 de 24 de outubro de 1995 de Araraquara-SP – art. 9º; c) Lei nº 3114 de 04 de dezembro de 1997 de Americana-SP – arts. 10 e 33, § 3º; d) Lei nº 2390 de 15 de dezembro de 2005 de Itaquaquecetuba-SP – art. 28; e) Lei nº 3057 de 27 de setembro de 2007 de Piraju-SP – arts. 10 e 34, § 3º; f) Lei nº 4547 de 06 de novembro de 2007 de Americana-SP – parágrafo único dos arts. 56 e 57 A situação dos animais utilizados para locomover veículos de tração animal também se encontra positivada, sendo a legislação uma ferramenta importantíssima para corrigir, coibir e educar os usuários desse tipo de veículo, pois não raro se vê pelas ruas animais sobrecarregados, doentes, maltratados – por vários motivos, como falta de descanso, subnutrição, excesso de peso para tracionar, veículo com defeitos que machucam o animal, uso de instrumentos inapropriados para a sua estimulação ou correção, como chicotes, pedaços de madeira e objetos pontiagudos que, por vezes, são inseridos até mesmo nas partes íntimas do animal. Todas estas são causas que comprometem a integridade física e psíquica do animal. Para regulamentar essa prática, foram estabelecidas normas de conduta que compreendem o cadastramento e o licenciamento dos veículos de tração animal, os locais e horários onde sua circulação é permitida, as condições que o condutor deve satisfazer para tornar-se apto à condução, a adequação do veículo ao padrão local 40 instituído por Decreto, e as proibições relativas ao comportamento do condutor para com o animal, que visam a proteger os animais de possíveis maus-tratos. Algumas destas podem ser encontradas abaixo: a) Lei nº 2349 de 23 de julho de 2002 de Paranavaí-PR – art. 8º; b) Lei nº 1730 de 16 de dezembro de 2002 de Guaíba-RS – art. 77; c) Lei nº 4.583, de 07 de julho de 2003 de Chapecó-SC; d) Lei nº 3194 de 27 de janeiro de 2004 de Taquara-RS – art. 103, incisos I e II; e) Lei nº 4328 de 23 de dezembro de 1998 de Canoas-RS – art. 84 Outra questão importante a tratar é a regulamentação dos métodos de produção da carne destinada ao consumo. A China assume o primeiro lugar no ranking de consumo de carne entre os dez países que mais consomem carne no mundo, sendo os outros nove países europeus. Só a China consome 25% de todo o produto animal produzido no planeta43. O Brasil pode não pertencer ao referido ranking, entretanto, é um dos mais importantes produtores de carne bovina do mundo, sendo responsável pela produção de 6,3 milhões de toneladas/ano, e tem consumo per capita de em média 36,6 kg/ano44. Pelo fato de ser produtor e consumidor, o Brasil tem uma vasta legislação que regulamenta os métodos de criação e abate de animais de corte, ditando normas que vão desde o transporte do animal às formas “adequadas” de abate, conforme se vê nos exemplos a seguir: a) Decreto nº 30.691, de 29 de Março de 1952 – art. 109; b) Lei nº 7.705, de 19 de fevereiro de 1992 de São Paulo-SP – art. 6º; c) Lei nº 7389 de 21 de dezembro de 1992 de Campinas-SP – art.18; d) Decreto nº 4143 de 30 de dezembro de 1994 do Chapecó-SC – art. 190; e) Lei nº 2081 de 19 de maio de 1997 de Paulínia-SP – art. 19; f) Decreto nº 8 de 03 de fevereiro de 2000 do Rio Negro-PR – art. 35; g) Instrução Normativa nº 03 de 17 de dezembro de 2000; 43 CARNES. Disponível em <http://www.agrocarnes.com.br/carnes.htm>. Acesso em 12 de outubro de 2010, às 18:42h. 44 Ibidem. 41 h) Lei nº 2366 de 11 de junho de 2001 de Sapucaia do Sul-RS – art. 41, IX; i) Lei nº 4980 de 29 de junho de 2004 de Colatina-ES – art. 49; j) Lei nº 2887 de 30 de junho de 2005 de Campos do Jordão-SP – art. 16; k) Lei nº 2390 de 15 de dezembro de 2005 de Itaquaquecetuba-SP – art. 20; l) Lei nº 138 de 24 de novembro de 2006 de Alfredo Chaves-ES – art. 50; m) Lei nº 9019 de 17 de agosto de 2007 de Ponta Grossa-PR – art. 33; n) Lei nº 2145 de 29 de maio de 2009 de Viana-ES – art. 44; Destaca-se dentre a legislação mencionada a Instrução Normativa nº 03 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, que institui o polêmico Regulamento Técnico de Métodos de Insensibilização para o Abate Humanitário de Animais de Açougue. A discussão acerca da mencionada Instrução Normativa é a criação do “abate humanitário”, termo que não traduz a prática dos abatedouros. Questionam-se os métodos utilizados para a dita insensibilização, que na maioria das vezes não acontece, ou acontece de forma precária e ultrapassada, à custa de pancadas que provocam no animal uma forte e constante dor, justamente o que se pretende evitar. Estes métodos precários e ultrapassados ainda utilizados nesses estabelecimentos, como as marretadas na cabeça do animal, por exemplo, visando ao seu desmaio que quase nunca acontece, fazendo o animal passar por todo o processo de abate ainda consciente, constituem grave violência contra os animais e, por este motivo, não são aceitos por muitos grupos da sociedade. Outros diplomas legais que merecem destaque são o Código de Pesca45 que, alterado pela Lei nº 7.679/88, trata dos animais aquáticos e regulamenta a atividade da pesca; a Lei de Proteção à Baleia46, que proibiu a pesca de todas as espécies de cetáceos; o Código de Caça47 que, alterado pela Lei nº 7.653/88, qualificou a fauna silvestre como sendo propriedade do Estado, considerou como crimes as contravenções penais e aboliu a fiança nos crimes praticados contra os animais. Foi demonstrada neste item a preocupação legislativa na proteção dos animais contra a crueldade em âmbito federal, estadual e municipal, até então 45 Decreto-Lei nº 221 de 28 de fevereiro de 1967. Lei nº 7.643 de 18 de dezembro de 1987. 47 Lei nº 5.197 de 03 de janeiro de 1967, também conhecida como Lei da Fauna ou Lei de Proteção à Fauna. 46 42 abordada em detalhes, pelo que se faz necessária, também, a análise da legislação oriunda da capital do país. A legislação atinente aos animais e à sua proteção em vigor no Distrito Federal é composta por dezesseis diplomas normativos, sendo eles a Lei Orgânica do Distrito Federal, em seus artigos 279, XVI, 296 e 301; a Lei nº 549/93, que regulamenta a criação de uma Rede de Currais e Pastos Comunitários nas Administrações Regionais do Distrito Federal; a Lei nº 1.298/96, que dispõe sobre a preservação da fauna e flora nativas do DF; a Lei nº 1.492/97, que veta a realização de eventos que impliquem atos de violência contra os animais no âmbito do Distrito Federal; a Lei nº 1.553/97 e os Decretos nº 19.804/98 e 27.122/06, que regulamentam o trânsito de veículos de tração animal nas vias públicas urbanas e rodovias do DF; a Lei nº 1.567/97, que estabelece normas para o abate de animais destinados ao consumo; a Lei nº 1.828/98, que disciplina a organização e o funcionamento de feiras livres que tenham animais; as Leis nº 1.962/98 e 2.095/98 e o Decreto nº 19.988/98, que versam sobre a proteção e defesa dos animais, prevenção e controle de zoonoses; a Lei nº 2.451/99, que institui a inspeção prévia para fins de concessão de alvará de funcionamento para parques de diversões e circos no DF; a Lei nº 3.201/03, que dispõe sobre a insensibilização prévia no abate de animais destinados ao consumo humano; e, por fim, a Lei nº 4.060/07, que define sanções a serem aplicadas pela prática de maus-tratos a animais, além de proibir a apresentação de animais em circos. Questão extremamente polêmica, como são quase todas as que envolvem os animais, é a experimentação animal, ou vivissecção, prática regulamentada atualmente pela Lei nº 11.794/08, conhecida como Lei Arouca e responsável pela revogação da Lei nº 6.638/79, que inaugurou o tema no cenário legislativo brasileiro. A referida lei cuida tanto de aspectos administrativos, como da criação de conselhos de fiscalização e de comissões de ética – CONCEA e CEUAs48 – quanto da preocupação, embora paradoxal, com o bem-estar dos animais. Paradoxal, pois falar em preocupação com o bem-estar dos animais enquanto se coloca suas vidas como sendo algo fungível ou até mesmo descartável, possuindo significado apenas quando representa um avanço científico é, no mínimo, paradoxal. 48 Conteúdo dos Capítulos III e IV, respectivamente, da Lei Arouca – Lei nº 11.794 de 08 de outubro de 2008. 43 A Lei Arouca estabelece critérios e condições de criação e uso de animais para ensino e pesquisa científica, assim como prevê sanções de acordo com o potencial do dano causado pelo seu descumprimento. A Lei de Crimes Ambientais também prevê sanções a quem realizar “experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos”49. Quanto ao tratamento constitucional da matéria, sabe-se que nem todos os países possuem uma Constituição escrita, e sua existência também não implica necessariamente a inclusão da proteção animal na Carta Magna nem, tampouco, a execução desta proteção decorrente da inclusão, como naturalmente se esperaria. A importância de incluir os animais no texto constitucional se dá porque, além de garantir direitos básicos aos animais, como o de não ser maltratado, a Constituição de um país é sua lei maior, que subordina todas as demais ao seu conteúdo. Obviamente que a simples inclusão constitucional não significa a plena satisfação de um direito nela contido, mas, a reivindicação deste direito adquire mais força, dado o status constitucional da norma. Dos países que tratam constitucionalmente dos animais, além da União Européia, podem ser citados a Alemanha, a Áustria, a Índia, a Suíça e o Brasil. O Brasil inclui os animais no artigo 225, caput e inciso VII, de sua Constituição Federal, que os denomina como bem de uso comum do povo e estabelece o dever incumbido a toda a coletividade de defendê-los e preservá-los para as gerações futuras, protegendo-os contra a extinção e a crueldade. In verbis: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. Conforme foi demonstrado, o Brasil possui uma vasta legislação de proteção à fauna, todavia, há outros métodos que se mostram muito eficientes no combate à 49 Inteligência do § 1º do artigo nº 32 da Lei de Crimes Ambientais – Lei nº 9.605/98. A pena atribuída à conduta descrita é de três meses a um ano de detenção e multa, podendo ser aumenta de um sexto a um terço nos casos em que ocorrer a morte do animal (§ 2º). 44 crueldade. As políticas públicas têm uma função importantíssima de conscientização da sociedade no que concerne à sua responsabilidade pela fauna, além de promover a educação ambiental em todos os níveis – educação voltada para pessoas físicas em suas diferentes faixas etárias e para pessoas jurídicas. A legislação que regulamenta a criação de políticas públicas trata da divulgação dos casos de crueldade praticada contra os animais, cria instituições e estabelece mecanismos de denúncia e, em alguns Municípios, institui o Dia Municipal de Proteção Animal. Todas estas ações são realizadas com o objetivo de prevenir e combater a crueldade contra os animais, e podem ser encontradas na legislação a seguir: a) Lei nº 3172 de 27 de dezembro de 2000 do Rio de Janeiro-RJ – art. 4º; b) Lei nº 8950 de 18 de julho de 2002 de Porto Alegre-RS – art. 1º; c) Lei nº 5774 de 02 de junho de 2003 de Rio Grande-RS – art. 1º; d) Lei nº 9408 de 19 de janeiro de 2004 de Porto Alegre-RS – arts. 1º e 2º; e) Lei nº 5254 de 03 de abril de 2009 de Itajaí-SC – art. 5º; f) Lei nº 2145 de 29 de maio de 2009 de Viana-ES – art. 50º; g) Lei nº 4617 de 28 de outubro de 2009 do Passo Fundo-RS – art. 2º; h) Lei nº 3028 de 26 de novembro de 2009 de Balneário Camboriú-SC – arts. 1º3º; i) Lei nº 10843 de 05 de Março de 2010 de Porto Alegre-RS – art. 2º; j) Lei nº 8299 de 29 de junho de 2010 de Florianópolis-SC – art. 1º Importante salientar que, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a fauna passou a ser considerada como um bem difuso50. Não sendo público nem privado, mas de uso comum do povo. Em se tratando de legislação processual utilizada na proteção dos animais, pode-se destacar a Lei nº 7.347/85, que instituiu a Ação Civil Pública por danos ocasionados ao meio ambiente, resguardando, assim, os interesses difusos e, conseqüentemente, protegendo os animais. 50 “O direito difuso surgiu com a Lei nº 8.078/90, que definiu os direitos metaindividuais, estabelecendo-se a concepção de bem difuso. O direito difuso é um direito transindividual, com objeto indivisível, cujos titulares sejam pessoas indeterminadas e ligadas por uma circunstância de fato, conforme se verifica através do art. 81, parágrafo único da mencionada Lei”. RODRIGUES, Danielle Tetü. Direito e os animais: uma abordagem ética, filosófica e normativa, 2009, p. 71-72. 45 No âmbito criminal, as ações penais têm um importante papel, pois para que ocorra a condenação e responsabilização pela prática de qualquer tipo de delito, inclusive os crimes ambientais, é necessário que haja o devido processo legal. Quando se fala em competência para julgar crimes ambientais, e especificamente crimes contra a fauna, ainda há divergência doutrinária e jurisprudencial. Entretanto, no julgamento do Conflito de Competência nº 29508, no dia 11 de outubro de 2000, entre a 2ª Vara Federal de São José do Rio Preto-SP e a Vara Criminal de Santa Rosa de Viterbo-SP, a Terceira Seção do STJ decidiu que a competência da Justiça Federal remanesce somente nos casos em que o crime ambiental for cometido em território de propriedade da União ou por ela protegido, ou ainda nos casos em que o dano ambiental afetar também bens da União, portanto, via de regra, a competência é em âmbito estadual, ou seja, da Justiça Comum51. No referido julgamento, o Ministro Fontes de Alencar manifestou-se pela instauração do procedimento de cancelamento da Súmula nº 91 do Superior Tribunal de Justiça52, que estabelecia a competência no âmbito federal. Conforme foi demonstrado até aqui, é de grande relevância para o país e para o mundo ter os animais contemplados em sua legislação. O reconhecimento dos direitos inerentes aos animais, sua proteção decorrente e legitimada pela inclusão legislativa; e o incentivo à realização de políticas públicas de conscientização ecológica e promoção da educação ambiental indicam um processo de evolução axiológica pelo qual o homem está passando, admitindo-se como ser que não está sozinho no planeta e não é auto-suficiente, aprendendo a respeitar outras formas de vida e, conseqüentemente, aprendendo a respeitar o seu semelhante. 2.2 A CRUELDADE CONTRA ANIMAIS NO DIREITO COMPARADO Segundo dados da WSPA (2004)53, somente 65 de todos os países do mundo possuem leis de proteção animal e muitos destes, embora disponham dos 51 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. STJ cancela súmula que define competência da Justiça Federal para julgar crimes contra fauna. Disponível em <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=368&tmp.texto=67320&tmp.area_an terior=44&tmp.argumento_pesquisa=sumula 91>. Acesso em 27 de outubro de 2010, às 00:31h. 52 Súm. nº 91/STJ: Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra a fauna. 46 instrumentos necessários, não se empenham em fazer com que as leis vigentes sejam cumpridas. A Inglaterra é o país que possui a mais longa história de proteção animal no mundo, empenhando-se no combate à crueldade contra animais desde 1822, quando normas foram apresentadas pelo British Cruelty to Animals, sendo aprovado no Parlamento Britânico o primeiro projeto de lei a defender o bem-estar animal no mundo54. O projeto apresentado pelo parlamentar Richard Martin tornou ilegais os maus-tratos a cavalos, ovelhas e gado. Em 1911, ainda na Inglaterra, foi aprovada a Lei de Proteção Animal, que consolidou neste país toda a legislação existente para a proteção animal. A Alemanha e a Itália, em 1838 e 1848 respectivamente, também editaram suas normas de proteção aos animais posicionando-se contra a crueldade para com eles. Enquanto a Inglaterra assume a posição de pioneira na luta pelo combate à crueldade contra animais, os Estados Unidos da América possuem a maior legislação de proteção animal do mundo. Em cada um dos 50 Estados55 existem leis que dispõem sobre a crueldade contra animais, abandono, negligência, principalmente contra os animais domésticos, prevendo penas que compreendem a prestação de serviço comunitário, a prisão e multas pecuniárias. Importante destacar que os Estados Unidos possuem o maior poder de polícia do mundo preparado especificamente para realizar a manutenção do combate aos maus-tratos, a notificação e encaminhamento judicial dos suspeitos, a apreensão e recuperação de animais vítimas de crueldade, dentre outras atribuições. Isto só é possível pois são equipadas e habilitadas organizações sem fins lucrativos e seus agentes para auxiliar o Estado na resolução de casos envolvendo animais. São exemplos dessas organizações a Society for the Prevention of Cruelty to Animals – SPCA (Sociedade de Prevenção da Crueldade contra Animais), que tem versões como a WSPA, em nível mundial, e outras como a ASPCA – American Society for the Prevention of Cruelty to Animals e a RSPCA – Royal SPCA, criada na 53 ANIMAL WELFARE ONLINE. Legislação de Proteção Animal. Disponível em <http://ptextranet.animalwelfareonline.org/Images/resources_Legislation_false_An-overview-ofAnimal-Protection-Legislation-Portuguese_tcm38->. Acesso em 23 de outubro de 2010, às 16:14h 54 ANIMAL WELFARE ONLINE. História da Proteção Animal. Disponível em <http://ptextranet.animalwelfareonline.org/Images/resources_Culture_false_A-History-of-AnimalProtection-Portuguese_tcm37-8417.pdf>. Acesso em 20 de outubro de 2010, às 17:01h. 55 ESTADOS UNIDOS. United States Department of Justice. Animal Abuse and Youth Violence. Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention. Juvenile Justice Bulletin, set 2001, p. 01. 47 Inglaterra. Organizações como a SPCA estão espalhadas por todo o mundo, mas sua concentração nos Estados Unidos da América é a maior56, devido à iniciativa de proteção aos animais e ao grande número de Estados que possui. A União Européia também dispõe de uma legislação de proteção dos animais, embora sob uma perspectiva muito mais consumista e sanitária do que uma proteção justificada pelos direitos dos animais. A legislação européia é composta em sua maioria por diretivas e regulamentos57, que se ocupam principalmente das condições de criação, abate e transporte dos animais de produção, estabelecendo normas mínimas de proteção às galinhas poedeiras, aos bezerros e suínos, além de tratar da proteção aos animais utilizados na vivissecção, propondo a implantação de métodos alternativos que reduzam o número de animais utilizados, embora apenas em matéria de produtos cosméticos. A Organização Mundial de Saúde Animal – OIE58 também contribuiu para o arcabouço legislativo mundial de proteção aos animais, editando normas importantes no cenário internacional, como os Códigos Sanitários para animais terrestres e aquáticos. A Suíça é um ente internacional que muito produziu, não quantitativa mas qualitativamente, em termos de legislação de reconhecimento aos direitos dos animais, não tratando nesta legislação de direitos subjetivos deles, mas reconhecendo que são seres sencientes e, por isso, reconhecendo também a responsabilidade do homem para com eles, de protegê-los da dor e do sofrimento, tanto físico quanto psíquico. O Poder Judiciário Suíço, por meio de sua Corte Federal, reconheceu os animais, em 1989, como “seres vivos e sencientes, criaturas semelhantes que 56 As SPCAs estão presentes em todo o território norte-americano, sendo exemplos as unidades de Sacramento e São Francisco, na Califórnia; de Houston, no Texas; de Tampa Bay, na Flórida; de Tonawanda, em Nova Iorque; da Pensilvânia; de Delaware; de Maryland; de Cincinnati, em Ohio, de Los Angeles e em vários outros Estados. Além de países como Singapura, Inglaterra – com o British Columbia SPCA e Royal SPCA, Nova Zelândia, Canadá, Malásia, Escócia e muitos outros. Disponível em <www.google.com.br> – critério de busca: “SPCA”. 57 WSPA – WORLD SOCIETY FOR THE PROTECTION OF ANIMALS. Legislação Internacional. União Européia. Disponível em <http://www.bdlegislacao.com.br/banco/index.php?option=com_content&task=view&id=57>. Acesso em 14 de outubro de 2010, às 03:14h. 58 A OIE, criada em janeiro de 1924, originalmente chamava-se Office International des Epizooties. Em maio de 2003 a instituição tornou-se a atual World Organization for Animal Health, mas manteve seu nome original. OIE – WORLD ORGANISATION FOR ANIMAL HEALTH. About us. Disponível em <http://www.oie.int/eng/OIE/en_about.htm>. Acesso em 27 de outubro de 2010, às 03:31h. 48 merecem o mais amplo respeito e estima do homem, obrigações morais que decorrem justamente da posição de centralidade da intelectualidade humana”59. No ano de 1980, a Suíça já havia incluído os animais na Constituição do cantão60 da Argóvia, definindo-os como seres sencientes e dedicando a eles a merecida proteção. No mesmo ano surgiram debates na Confederação acerca da experimentação genética e reprodutiva, o que levou, em 1992, à atribuição de dignidade aos animais e à sua inclusão no texto da Constituição Federal da Confederação Suíça61. Até mesmo o reino vegetal acabou sendo beneficiado com a chamada “dignidade existencial da criatura” instituída por meio do artigo nº 120, § 2º do referido diploma normativo, que possui a seguinte redação: A Confederação prescreve disposições sobre a manipulação com material embrionário e genético de animais, plantas e outros organismos. Para isso, leva em conta o princípio da dignidade existencial da criatura, assim como a segurança do homem, dos animais e do meio ambiente e protege a 62 variedade genética das espécies animais e vegetais . Observa-se que do próprio preâmbulo da Constituição suíça pode-se extrair a expressão de um pensamento resultante da responsabilidade social, humildade, respeito e consciência coletiva, quando formalizaram que: Em nome de Deus onipotente, o povo suíço e os cantões conscientes de sua responsabilidade perante a criação, no esforço de reiterar a Confederação, para fortalecer a liberdade e a democracia, a independência e a paz, em solidariedade e sinceridade perante o mundo, no anseio de viver em unidade a sua pluralidade, com respeito mútuo e consideração, conscientes das conquistas comuns e da responsabilidade perante as gerações futuras, na certeza de que somente é livre aquele que faz uso de sua liberdade e que a força do povo se mede no bem-estar dos fracos, se 63 dão a seguinte Constituição . 59 SUIÇA. Federal Court: BGE 115, IV, 254. Disponível em <http://www.anda.jor.br/2010/06/22/advogados-para-animais-analise-comparativa-entre-os-modelossuico-e-brasileiro/>. Acesso em 14 de julho de 2010, às 19:02h. 60 Os cantões suíços são como os estados ou províncias. 61 SUIÇA. Constituição (1999). Constituição Federal da Confederação Suíça : promulgada em 18 de abril de 1999. Disponível em: http://www.admin.ch/org/polit/00083/index.html?lang=de&download=M3wBPgDB_8ull6Du36WenojQ1 NTTjaXZnqWfVpzLhmfhnapmmc7Zi6rZnqCkkIN0f35,bKbXrZ6lhuDZz8mMps2gpKfo. Acesso em 27 de outubro de 2010, às 02:45h. 62 Ibidem. 63 Ibidem. 49 A Suíça é um grande exemplo em termos de legislação, de povo e de um pensamento que rompe propositalmente com antropocentrismo e adere ao biocentrismo, apresentando novas formas de se entender as necessidades e atitudes humanas e suas conseqüências para toda uma nação. A Nova Zelândia também possui uma legislação voltada para a proteção dos animais contra a crueldade, proibindo os maus-tratos e estabelecendo obrigações relativas ao comportamento das pessoas para com os animais, assim como normatizando questões de saúde64. Um instrumento internacional que merece ser colocado em evidência é o Animal Welfare Act, criado em diversos países, como Estados Unidos da América, em 1966; Suíça, em 1981; Inglaterra, em 2006 e outros. O mencionado documento visa estabelecer atitudes para a promoção e manutenção do bem-estar animal, regulamentando basicamente o manejo, tratamento, transporte, cuidados médicos e como devem ser as instalações que abrigam animais. 2.3 A CRUELDADE CONTRA ANIMAIS NOS ATOS INTERNACIONAIS São diversos os tipos de atos internacionais existentes, embora a denominação escolhida para a sua elaboração pouco influencie o caráter do instrumento em si. Por questão didática, passa-se à breve exposição das denominações65 utilizadas neste estudo e seus respectivos propósitos. O Tratado é um ato internacional escrito que pode ser bilateral ou multilateral, um acordo de vontades formal entre os Estados soberanos ou personalidades jurídicas de caráter público, ao qual se deseja atribuir grande relevância política. Os Tratados “são regidos pelo Direito Internacional e destinados a produzir efeitos jurídicos”66. Esta denominação foi atribuída pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969. 64 I CONGRESSO TRANSDISCIPLINAR DE PROTEÇÃO À FAUNA, 2010, Goiânia-GO. Disponível em: <http://www.crmvba.org.br/noticias.php?news_not_pk=165>. Acesso em 27 de outubro de 2010, às 04:38h. 65 BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Divisão de Atos Internacionais. Denominações dos Atos Internacionais. Disponível em <http://www2.mre.gov.br/dai/003.html>. Acesso em 20 de setembro de 2010, às 14:05h. 66 SANTOS, Giancarlo. A Incorporação dos Tratados Internacionais ao Ordenamento Jurídico Brasileiro na Visão do Supremo Tribunal Federal. Universo Jurídico, 2004. Disponível em 50 Para que o Tratado seja válido, é necessário haver “capacidade das partes contratantes, habilitação dos agentes signatários, consentimento mútuo e objeto lícito e possível”67. Necessitando, ainda, que sejam observados os princípios gerais de direito reconhecidos e respeitados pela sociedade internacional. As Convenções são geralmente atos multilaterais – dada a existência de somente duas convenções bilaterais no mundo – e comumente são formalizados em Conferências. Este tipo de ato dispõe sobre temas de interesse geral e tem o objetivo de estabelecer normas para o comportamento entre os Estados nos mais diversos assuntos. Partindo dos conceitos e funções dos atos internacionais que serão utilizados neste item, pode-se passar à análise material dos instrumentos individualmente. Este estudo compreende somente os atos internacionais mais relevantes no tocante à proteção dos animais contra a crueldade em sentido estrito, ou seja, não será objeto de análise o instrumento legal que versar somente sobre proteção contra maus-tratos na experimentação animal, nos métodos de abate, comércio ilegal e outras formas paralelas de crueldade; lembrando que a seguinte demonstração não possui qualquer pretensão de esgotar o assunto. 2.3.1 Declaração Universal dos Direitos dos Animais A Declaração Universal dos Direitos dos Animais foi proclamada em 27 de janeiro de 1978 pela UNESCO68 e apresentada em Bruxelas. Este documento internacional reconhece o valor da vida de todos os seres vivos e sugere que as atitudes humanas para com essas vidas sejam condizentes com a dignidade que possuem e o respeito que incontestavelmente merecem69. O conteúdo de seus 14 artigos se refere à igualdade dos animais perante a vida, ao direito de viver, de ser respeitado, de ter atenção, cuidados e proteção, de <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/1760/A_INCORPORACAO_DOS_TRATADOS_INTERN ACIONAIS_AO_ORDENAMENTO_JURIDICO_BRASILEIRO_NA_VISAO_DO_SUPREMO_TRIBUNA L_FEDERAL>. Acesso em 28 de outubro de 2010, às 10:54h. 67 NASCIMENTO E SILVA, G.E. e ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público, 1998, p. 27. 68 Organização das Nações Unidas pela Educação, Ciência e Cultura (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization). 69 RODRIGUES, Danielle Tetü. Direito e os animais: uma abordagem ética, filosófica e normativa, 2009, p. 66. 51 não ser submetido a atos cruéis, de se reproduzir, de não ser abandonado, de não ser utilizado em experimentação animal de qualquer gênero quando implique seu sofrimento físico ou psíquico, de não ser explorado para o divertimento do homem, de não ser morto sem necessidade, e quando houver, que sua morte não seja resultado de ansiedade e/ou de dor. A Declaração Universal dos Direitos dos Animais – DUDA determina, ainda, que os direitos dos animais devem ser defendidos pela lei como os direitos do homem, sendo este responsável pelo bem-estar dos demais seres, não podendo exterminá-los ou explorá-los, devendo utilizar seus conhecimentos em prol dos animais, não em detrimento deles. Regulamenta também a condição dos animais de trabalho, limitando as jornadas e a intensidade do trabalho por eles realizado, e tratando do direito que possuem à alimentação reparadora e repouso. Outra questão importante que a Declaração optou por vetar foi a divulgação de imagens ou cenas de violência contra os animais, excetuando-se a possibilidade de esse material ser utilizado para ilustrar atentados aos direitos dos animais com fins educativos. A DUDA representa uma das conquistas sociais mais importantes para o Direito Ambiental e Direito dos Animais, assim como para a mudança do pensamento antropocentrista e simplista do homem, enquanto ser que submete todo o Universo à sua vontade. O Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, embora não tenha até a presente data ratificado70 o documento. 2.3.2 Convenção Européia para a Proteção dos Animais de Companhia Em 13 de novembro de 1987 foi oficializada, em Estrasburgo, a Convenção Européia para a Proteção dos Animais de Companhia, que reconheceu em seu 70 “A ratificação é a manifestação, também de cunho discricionário, do Poder Executivo, no sentido de que o propósito de pactuar o tratado continua firme, atendendo aos interesses superiores do Estado”. SANTOS, Giancarlo. A Incorporação dos Tratados Internacionais ao Ordenamento Jurídico Brasileiro na Visão do Supremo Tribunal Federal. Universo Jurídico, 2004. Disponível em <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/1760/A_INCORPORACAO_DOS_TRATADOS_INTERN ACIONAIS_AO_ORDENAMENTO_JURIDICO_BRASILEIRO_NA_VISAO_DO_SUPREMO_TRIBUNA L_FEDERAL>. Acesso em 28 de outubro de 2010, às 10:54h. Após a celebração, o Presidente da República remete o Tratado para apreciação e aprovação do Congresso Nacional. Ocorrida a aprovação do Tratado internacional, pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, volta o Tratado para o Chefe de Estado (Presidente da República) para que ocorra a ratificação. 52 preâmbulo a obrigação moral atribuída ao homem de respeitar todas as criaturas vivas, tendo presentes os laços particulares existentes entre o homem e os animais de companhia. Em seus 23 artigos determinou, principalmente, que qualquer pessoa que possuir um animal de estimação deve se responsabilizar pela sua saúde e bemestar, provendo instalações adequadas, cuidados de toda sorte e atenção; que ninguém deve inutilmente causar dor, sofrimento ou angústia a um animal de companhia ou, ainda, abandoná-lo. Estabelece na mesma oportunidade que nenhum animal de companhia deve ser treinado de modo prejudicial à sua saúde ou ao seu bem-estar, nem deve ser forçado a exceder as suas capacidades ou suas força naturais, ou ainda ser submetido a ferimentos, à dor, ao sofrimento ou à angústia provocados por instrumentos ou meios artificiais. Esta Convenção cuida também do incentivo ao desenvolvimento de programas de informação e de educação visando a promover, entre as organizações e indivíduos envolvidos na posse, na criação, no treino, no comércio e na manutenção de animais de companhia, a tomada de consciência e o conhecimento das disposições de proteção aos animais constantes na Convenção. 2.3.3 Tratado de Amsterdã O Tratado de Amsterdã, firmado outubro de 1997, editou o Protocolo Sobre a Proteção e Bem-Estar dos Animais, que dispõe in verbis: As altas partes contratantes, desejando garantir uma maior proteção e um maior respeito ao bem-estar dos animais como seres sensíveis, acordou na disposição seguinte, que se incorporará como anexo ao Tratado constitutivo da Comunidade Européia: ao formular e aplicar as políticas comunitárias em matéria de agricultura, transporte, mercado interior e investigação, a Comunidade e os Estados membros terão plenamente em conta as exigências em matéria de bem-estar dos animais, respeitando ao mesmo tempo as disposições legais ou administrativas e os costumes dos Estados membros relativos, em particular, a ritos religiosos, tradições culturais e 71 patrimônio regional . (grifou-se) 71 UNIÃO EUROPÉIA. Tratado de Amsterdã. Disponível em <http://www.europarl.europa.eu/topics/treaty/pdf/amst-es.pdf>. Acesso em 26 de outubro de 2010, às 05:14h. 53 CAPÍTULO 03 – ABORDAGEM CRIMINOLÓGICA A abordagem criminológica dos crimes que envolvem animais representa a etapa mais importante do presente trabalho, pois possibilita vislumbrar a correspondência, teórica e prática, entre os crimes de natureza violenta cometidos contra os animais e contra humanos. Por meio da criminologia podem ser apontadas as possíveis causas do cometimento de um crime e suas implicações a curto, médio e longo prazo. Sendo imprescindível a análise de conceitos e dados relativos aos crimes contra animais e crimes contra humanos para se demonstrar que um precede o outro na maioria dos casos. 3.1 A ORIGEM DA CRIMINALIDADE: TEORIAS Para que se faça um estudo sobre criminalidade, é necessário antes entender o que vem a ser crime. O crime, desde que começou a ser estudado, teve várias definições por diversas correntes doutrinárias, havendo, além de seus conceitos genéricos, as suas subclasses em alguns casos. Desta forma explica-se a origem dos conceitos formal, material e analítico do crime, tidos como principais: O conceito formal corresponde à definição nominal, ou seja, relação de um termo a aquilo que o designa. O conceito material corresponde à definição real, que procura estabelecer o conteúdo do fato punível. O conceito analítico indica as características ou elementos constitutivos do crime, 72 portanto, de grande importância técnica . Inicialmente, foi adotado na doutrina penal brasileira o conceito formal do delito, no qual o crime seria toda a conduta humana que infringisse a lei penal. Neste conceito verificava-se a transgressão da lei penal apenas, sem que qualquer outro fator fosse considerado. ELEUTÉRIO, Fernando. Análise do conceito de crime. Disponível em <http://www.uepg.br/rj/a1v1at09.htm>. Acesso em 28 de setembro de 2010, às 19:47h. 72 54 Posteriormente, adotou-se a definição material de crime, criada por Ihering, passando a defini-lo como sendo o fato oriundo de uma conduta humana que lesa ou põe em perigo um bem jurídico protegido pela lei. E, por último, chegou-se ao conceito analítico, dogmático ou jurídico de crime, herança da doutrina alemã de Beling, que em 1906 publicou A Teoria do Crime, e posteriormente, em 1930, irrompeu com A Teoria do Tipo. Conforme este conceito, o crime passou a ser definido como “toda a ação ou omissão, típica, antijurídica e culpável”73. Este conceito decompõe a figura do crime em elementos constitutivos para que sejam individualmente analisados, facilitando, assim, a tarefa de averiguar a conduta criminosa para uma justa aplicação da reprimenda. Segundo o entendimento de Nelson Hungria (1978): O crime é, antes de tudo, um fato, entendendo-se por tal não só a expressão da vontade mediante ação (voluntário movimento corpóreo) ou omissão (voluntária abstenção de movimento corpóreo), como também o resultado (effectus sceleris), isto é, a consequente lesão ou periclitação de 74 um bem ou interesse jurídico penalmente tutelado . Existem algumas teorias75 que se propõem a explicar a conduta criminosa. A importância de se analisar essas teorias está, dentre outras coisas, em configurar a dimensão do conceito analítico de crime previamente abordado. As principais teorias encontram-se descritas a seguir. Os adeptos da Teoria Clássica ou Causalista da Ação, que tem como precursores Von Liszt, Beling e Radbruch, afirmam que o atuar humano só se pode dizer criminoso quando afetar de maneira voluntária um bem da vida juridicamente tutelado pelo direito penal. Aqui o crime é analisado de um ponto de vista estritamente jurídico, segundo o qual, o fato típico é a mera subsunção do que foi objetivamente praticado com o que está descrito na lei, não sendo consideradas as razões que motivaram o agente a praticar o delito. Segundo esta teoria, o dolo e a 73 ELEUTÉRIO, Fernando. Análise do conceito de crime. Disponível em <http://www.uepg.br/rj/a1v1at09.htm>. Acesso em 28 de setembro de 2010, às 20:10h. 74 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, 1978, p. 148. 75 As teorias do crime utilizadas neste item podem ser encontradas em TEORIA dos crimes. Disponível em <http://pt.shvoong.com/law-and-politics/criminal-law/792497-teoria-dos-crimes/>. Acesso em 18 de outubro de 2010, às 22:04h. 55 culpa são elementos essenciais do crime, sendo este definido como um fato típico, ilícito (antijurídico) e culpável. Segundo a Teoria Neoclássica ou Neokantista, desenvolvida por Mezger e Frank, a culpabilidade tem estreita relação com a reprovabilidade da conduta, não havendo culpa quando a conduta não for reprovável socialmente. Esta teoria defende a culpabilidade como sendo composta por três elementos: imputabilidade, dolo ou culpa, e exigibilidade de conduta diversa. A Teoria Finalista da Ação, que tem como precursor Hans Welzel, trouxe o entendimento de que a finalidade é o cerne da conduta humana, sendo imprescindível que a intenção do agente seja avaliada. Segundo esta teoria, a existência do crime está consubstanciada na agressão a um bem da vida penalmente tutelado, mas desde que o resultado tenha sido perseguido pelo agente. Esta teoria apresenta outra concepção de fato típico, agregando a ele elementos como: conduta culposa ou dolosa, resultado, nexo causal e previsão legal. A culpabilidade também ganha nova denominação sendo, agora, composta apenas pela imputabilidade e exigibilidade de conduta diversa, diferentemente do que prega a teoria neoclássica. Esta foi a teoria foi adotada pelo Código Penal Brasileiro de 1940. À “ciência empírica e interdisciplinar que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo”76 dá-se o nome de Criminologia. Ela cuida da análise técnica do crime, procurando fazer um diagnóstico e uma tipologia do criminoso. Uma das principais funções da criminologia é estabelecer uma relação entre três disciplinas consideradas fundamentais: a psicopatologia, o direito penal e a ciência político-criminal, estabelecendo como o seu principal objeto de estudo as causas e os motivos para o fato delituoso. Com base em estudos esparsos e na Criminologia, algumas teorias acerca da possível origem da criminalidade foram desenvolvidas, uma vez que se mostra necessário designar aquelas que seriam as causas, as razões que levam determinado indivíduo a delinqüir, os fatores que, agindo na esfera íntima da vontade, fazem com que ele atue no mundo externo, causando no mesmo uma modificação juridicamente relevante e proibida pelo Direito Penal. 76 LORICCHIO, João Demétrio. Criminologia: Genética Espiritual, 2001, p. 47. 56 As referidas teorias são produto de escolas do Direito Penal, que possuem linhas de pensamento próprias e tiveram uma grande contribuição no desenvolvimento da criminologia e do Direito Penal, de maneira geral. As principais correntes e teorias pertinentes à origem da criminalidade dividem-se em: 3.1.1 Criminologia Tradicional Procura identificar as causas do crime, os fatores que levam o indivíduo a prática do delito, sem indicar soluções para a diminuição da incidência criminal, ou possibilidades de prevenir a sua ocorrência. Aceita que os comportamentos humanos ilícitos são puníveis tão somente pelo fato de existirem normas postas em aplicação pelo consenso da sociedade quanto à sua necessidade. 3.1.1.1 Escola Clássica Para os seguidores da escola clássica, o crime não é um ente de fato, mas de direito, uma entidade jurídica, isto é, não representa uma ação, uma conduta isolada, mas uma violação da norma jurídica. Eram seguidores desta corrente: Jeremias Bentham, Feuerbach, Carrara, Beccaria, dentre outros. Segundo esta corrente, defendida por Cesare Beccaria: a conduta criminosa é uma escolha racional, uma opção do indivíduo, que avalia os riscos e benefícios da empreitada criminosa. Logo, a pena (castigo) é necessária e suficiente para acabar com a criminalidade, sendo esta pena determinada segundo a utilidade para se manter ou não o pacto 77 social . 3.1.1.2 Escola Positiva Esta escola nega a tese do livre-arbítrio e traz o determinismo como principal fundamento, propondo a investigação das causas dos crimes a partir dos criminosos, por afirmar a previsibilidade do comportamento humano. Para esta corrente, “o crime 77 SILVA JR, Edison Miguel da. Teorias Criminológicas sobre o Problema do Crime, 2006, p. 5962. 57 é uma entidade de fato, um fenômeno da natureza sujeito a leis naturais (biológicas, psicológicas e sociais) que podem ser identificadas, estudando-se o criminoso”78. A pena é considerada inútil por esta linha de pensamento ao argumento de que a conduta criminosa é sintoma de uma doença e como tal deve ser tratada. Seguindo a corrente estabelecida pela Escola Positiva, foram desenvolvidas as chamadas Teorias de Controle, que são de grande relevância na busca de uma explicação para o crime. São elas: 3.1.1.2.1 Teoria Bioantropológica Uma das vertentes mais conhecidas desta teoria é a frenologia, criada no século XVIII, e defende que o indivíduo criminoso é um ser organicamente diferente do cidadão não delinqüente. Sustenta, ainda que há pessoas que são naturalmente – geneticamente – predispostas à prática criminosa. Lombroso é o precursor desta teoria, afirmando ser o criminoso “um delinqüente nato (nascido para o crime), um ser degenerado, atávico, marcado pela transmissão hereditária do mal e portador de uma série de estigmas degenerativos, comportamentais, psicológicos e sociais”79. 3.1.1.2.2 Teoria Psicodinâmica Sustenta que a diferença entre o criminoso e o não-criminoso não é congênita, mas decorrente de falhas no processo de aprendizagem e socialização. Sua metodologia não se volta a entender os motivos pelos quais pessoas cometem crimes, pelo contrário, investiga por que há pessoas que não os cometem. Esta teoria defende que o crime decorre do conflito interior entre os impulsos naturais e as resistências adquiridas pela aprendizagem de um sistema composto de normas. 78 SILVA JR, Edison Miguel da. Teorias Criminológicas sobre o Problema do Crime. In: Revista do Ministério Público do Estado de Goiás. Goiânia, ano 9, nº 12, abril de 2006. 79 “O criminoso nato seria caracterizado por uma cabeça sui generis, com pronunciada assimetria craniana, fronte baixa e fugidia, orelhas em forma de asa, zigomas, lóbulos occipitais e arcadas superciliares salientes, maxilares proeminentes (prognatismo), face longa e larga, apesar do crânio pequeno, cabelos abundantes, mas barba escassa, rosto pálido. O homem criminoso estaria assinalado por uma particular insensibilidade, não só física como psíquica, com profundo embotamento da receptividade dolorífica (analgesia) e do senso moral”. MOTA, Maurício Jorge Pereira da. Evolução histórica da criminologia. O crime segundo Lombroso. Disponível em <http://criminologiafla.wordpress.com/2007/08/20/aula-2-o-crime-segundo-lombroso-textocomplementar/>. Acesso em 30 de outubro de 2010, às 00:37h. 58 Uma importante vertente desta teoria foi defendida por Sigmund Freud, o chamado Pai da Psicanálise, ao direcionar o estudo para o indivíduo criminoso, buscando em sua psique as causas do crime. Segundo Freud, o comportamento anti-social e a delinqüência são fruto de um desequilíbrio entre as partes que compõem a personalidade individual, o ego, o superego e o id. Se o superego – que representa a internalização do código moral da sociedade – é muito fraco, o indivíduo não consegue reprimir seu id – seus instintos e desejos naturais. Resultado: ele força as regras sociais e comete um crime. A equação psicológica também resulta criminosa se o superego é forte demais. Nesse caso, a pessoa, por seus traços psicológicos, sente-se culpada e envergonhada e procura o crime esperando ser punida, para 80 satisfazer seu desejo de culpa . 3.1.1.2.3 Teoria Psico-Sociológica Segundo esta teoria, o crime é resultado do aprendizado adquirido a partir de situações do cotidiano enfrentadas pelo indivíduo, onde há o predomínio de elementos sociais e situacionais sobre sua personalidade. A partir deste pensamento, torna-se delinqüente aquele que possui a maioria de suas relações e interações favoráveis ao delito, ou seja, quando o indivíduo absorve com mais intensidade o comportamento de delinqüentes do que o comportamento de pessoas obedientes à lei. 3.1.1.3 Sociologia Criminal Embora a Sociologia Criminal tenha uma idéia de crime diversa das outras correntes, ela também se ocupa da investigação das causas e ocorrências criminosas. Segundo esta corrente, a sociedade possui, por si só, elementos suficientes para desencadear os mais diversos tipos de delitos, considerando-a como uma entidade originalmente doente e o crime como sendo apenas a conseqüência. Sendo assim, o criminoso é considerado como um mero instrumento para externar um comportamento e demonstrar os problemas sociais. O crime, nestas 80 VERGARA, Rodrigo. A origem da criminalidade. Superinteressante. Disponível em <http://super.abril.com.br/ciencia/origem-criminalidade-442835.shtml>. Acesso em 20 de outubro de 2010, à 01:07h. 59 circunstâncias, é analisado como sendo o “produto do meio”, a resposta do indivíduo ao meio em que vive. Sob esta perspectiva, esta corrente indica a reforma das estruturas sociais como única alternativa para a erradicação do crime. Há, ainda, teorias que analisam a sociedade criminosa, advindas da linha de pensamento da Sociologia Criminal. São as chamadas teorias etiológicas81, e subdividem-se em: 3.1.1.3.1 Teoria Ecológica ou da Desorganização Social Segundo esta teoria, a sociedade moderna caracteriza-se pela ruptura dos mecanismos tradicionais de controle e pela pluralidade das alternativas de conduta, estabelecendo, assim, a seguinte relação: a ordem social, estabilidade e integração contribuem para o controle social e a conformidade com as leis, enquanto a desordem e a má integração conduzem ao crime e à delinqüência. Quanto mais organizada social e estruturalmente uma sociedade estiver, menos incidência criminosa ela terá, uma vez que a falência de instituições – como a família, a religião, a escola – que corroboram para o desenvolvimento e manutenção de uma sociedade saudável e produtiva representa a falência da própria sociedade, que torna-se refém de seus problemas. 3.1.1.3.2 Teoria da Subcultura Delinqüente Esta teoria, desenvolvida por Wolfgang e Ferracuti em 1967, defende a existência de uma subcultura da violência, onde alguns grupos passam voluntariamente a aceitar a violência como um modo normal de resolver os conflitos sociais. Esta corrente sustenta, ainda, que algumas destas subculturas chegam a reputar à violência um valor cultural, não somente uma característica, mas uma qualidade de uma determinada sociedade; e, assim como a sociedade dominante impõe sanções àqueles que deixam de cumprir suas leis, a subcultura violenta pune aquele que não se adéqua a este modo de vida e aos padrões do grupo com o ostracismo, o desdém ou a indiferença. 81 “Estudo sobre as origens das coisas”. DICIONÁRIO PRIBERAM DA LÍNGUA PORTUGUESA. Disponível em <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=etiologia>. Acesso em 20 de outubro de 2010, à 01:54h. 60 3.1.1.3.3 Teoria da Anomia ou da Estrutura da Oportunidade Segundo esta teoria, defendida por Merton em 1938, a motivação para a delinqüência decorreria da impossibilidade de o indivíduo atingir metas desejadas estabelecidas pela sociedade para todas as pessoas, como sucesso, riqueza, status, poder, sendo o crime a oportunidade de conquistar seus objetivos. 3.1.2 Criminologia Nova ou Crítica A Criminologia Nova ou Crítica investiga as causas do crime sob uma perspectiva de reação social, estudando o motivo pelo qual determinadas pessoas são tratadas como criminosas, quais são as conseqüências decorrentes dessa classificação, dentre outras coisas. 3.1.2.1 Teoria da Rotulação Segundo esta teoria, o crime não existe enquanto instituição. Não podendo ser considerado como uma qualidade ontológica da ação, mas como produto de uma reação social. Assim, o criminoso se distingue de outro ser humano qualquer apenas devido à rotulação estigmatizada que recebe de criminoso pelas instâncias formais de controle. 3.1.2.2 Criminologia Radical ou Marxista Esta linha de pensamento não se propõe a analisar o crime em si, como resultado de circunstâncias próprias, mas sim, criticar o ordenamento e buscar respostas para uma criminalidade que somente tende a crescer. O que realmente interessa para este ponto de vista é a “epidemia de criminalidade” e não um simples fato considerado em si mesmo. Esta teoria por um lado não se conforma com o estado atual da sociedade82 e, por outro, visa uma dissolução do capitalismo como 82 VALOIS, Luís Carlos. Criminologia Radical. Disponível em <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/10880/10445>. Acesso em 22 de outubro de 2010, às 21:59h. 61 ordem natural das coisas, crendo na possibilidade de uma mudança por intermédio do Estado83. Como se pode observar, diversas são as teorias desenvolvidas na tentativa de entender e explicar o fenômeno criminológico, suas origens, causas, conseqüências, tendências e peculiaridades. Conforme as técnicas de investigação foram sendo aprimoradas e a criminologia difundida, mais estudos e pensadores se ocuparam da etiologia do crime, desenvolvendo outras teorias, embora estas não sejam reconhecidas como dominantes. Um estudo84 realizado com indivíduos criminosos demonstrou que a capacidade de compreensão e inteligência destes indivíduos é reduzida quando comparada com a de um indivíduo não-criminoso. Coadunando, desta forma, com uma teoria criminológica desenvolvida em meados dos anos 70, segundo a qual criminosos possuem um intelecto abaixo da média, e tomando por base principalmente adolescentes infratores, constatou-se que: os jovens menos inteligentes se envolvem mais facilmente com crimes porque têm pior desempenho escolar, menos capacidade de entender e de se engajar na moral da sociedade e, por fim, são menos capazes de avaliar as conseqüências de seus atos, além de serem mais influenciáveis por 85 outros jovens delinqüentes . Dentre as teorias que adotam a Escola da Sociologia Criminal, uma destacase aventurando-se a responder uma das indagações provenientes da Teoria Psicodinâmica da Escola Positiva, em que o questionamento é realizado para se entender por quais razões há pessoas que não cometem crimes. A resposta oferecida foi fundamentada em Emile Durkheim, que sustenta a idéia de que a humanidade beneficiou-se vivendo em sociedade e criou laços sociais que são fundamentais para a manutenção da vida em comunidade. Segundo ele, os laços sociais são as normas que todos aprendem a respeitar, que mantêm a sociedade unida. Sem eles, tudo seria um caos86. 83 Ibidem. VERGARA, Rodrigo. A origem da criminalidade. Superinteressante. Disponível em <http://super.abril.com.br/ciencia/origem-criminalidade-442835.shtml>. Acesso em 20 de outubro de 2010, à 01:07h. 85 Ibidem. 86 Ibidem. 84 62 Outra teoria que ganhou muitos adeptos na contemporaneidade é a Teoria da Criminologia Neo-realista, criada na década de 90, que atribui às delicadas condições econômicas de algumas pessoas na sociedade capitalista a origem da criminalidade, defendendo que a pobreza é fator que conduz ao crime como forma de igualar as oportunidades, diminuindo informalmente a desigualdade social. Por outro lado, a Teoria da Criminologia Neo-Realista admite que a difícil condição financeira não é a única causa da ocorrência de crimes na sociedade, estando acompanhada, pois, de fatores como ambição, competitividade e agressividade. Os adeptos desta corrente sustentam que somente uma política social de inclusão pode promover o controle da delinqüência, e que o Estado deve compreender “que carência e inconformidade, somadas à falta de solução política, propiciam o cometimento de crimes”87. De uma maneira um pouco mais informal, a sociedade sugere algumas das possíveis causas da origem da criminalidade, dentre elas a desigualdade social, a falta da educação – tanto no aspecto técnico quanto cívico e social; a competitividade da vida cotidiana que leva o homem ao limite do estresse, problemas de ordem psiquiátrica e/ou psíquica. Foram apresentadas algumas das principais teorias que se dedicam à etiologia do crime, das quais adotou-se para o desenvolvimento deste trabalho a Teoria Psico-Sociológica, uma vez que esta apresenta a explicação acerca da origem da criminalidade que melhor se adéqua ao tema proposto. No presente caso, elegeu-se a referida teoria, pois ela admite a importância da formação psicossocial do homem como elemento que tem a capacidade de inibir no delinqüente a prática criminosa, ou, ainda, quando deficiente esta formação, a capacidade de despertar no indivíduo a conduta ilícita; entendimento do qual se compartilha neste estudo. Feito isso, parte-se, então, para uma análise mais aprofundada e detalhada do comportamento violento e cruel com animais como forma de iniciação criminosa de um indivíduo. 87 Ibidem. 63 3.2 INICIAÇÃO CRIMINOSA EM ANIMAIS Após a análise, no item anterior, de algumas das principais teorias que se ocupam da origem da criminalidade, pode-se afirmar que a introdução de um indivíduo na prática criminosa, de maneira geral, tem diversas explicações e um impacto mediato e imediato nas relações sociais. No que se refere aos crimes contra os animais, mais especificamente à crueldade contra animais, os motivos determinantes para a ocorrência do delito estão principalmente relacionados a frustrações afetivas, problemas conjugais, influências de um comportamento violento, curiosidade, sadismo, transtornos de personalidade, perturbações mentais, ou casos de vítimas de crueldade que não se recuperaram do trauma sofrido e reproduzem em um ser vulnerável (geralmente crianças ou animais) a violência da qual outrora foram vítimas. O comportamento violento e a prática de atos cruéis são desenvolvidos ao longo do tempo, sendo raros os casos em que uma pessoa de comportamento aparentemente normal transforma-se repentinamente em uma pessoa violenta, com hábitos cruéis. Em grande parte dos casos, a origem da crueldade contra animais aponta para a infância88, sendo a partir deste momento repetida, desenvolvida e aprimorada gradualmente conforme a intenção do agente, caso não haja uma intervenção. Conforme pesquisas89 desenvolvidas com o objetivo de conhecer os motivos que levam pessoas a cometer crueldades contra animais, as crianças e adolescentes podem apresentar um comportamento cruel com animais pelas seguintes razões: curiosidade na fase de desenvolvimento; condição para ser membro de grupos de amigos; influência de pessoas que habitualmente maltratam animais; crueldade como forma de aliviar a depressão, canalizar a raiva ou reproduzir a violência da qual foi/é vítima; um ensaio em que se utiliza animais com a intenção de testar as habilidades para praticar em pessoas posteriormente; coação 88 THE HUMANE SOCIETY OF THE UNITED STATES. First Strike: The Violence connection. 2008, p. 02. 89 ASCIONE, Frank R., THOMPSON, T. M., BLACK, T. Childhood cruelty to animals: Assessing cruelty dimensions and motivations,1997, p. 170–177. 64 de uma pessoa que obrigue a criança ou adolescente a realizar um ato cruel; para satisfação sexual; dentre outros motivos. Segundo o mesmo estudo90, os adultos – com exceção daqueles que se mostram cruéis com animais em decorrência de um comportamento semelhante na infância – cometem atos cruéis contra os animais pelos seguintes motivos: para controlar ou adestrar o animal para fins cruéis (rinhas, por exemplo); para vingar-se do animal por desobediência ou vingar-se de alguém por meio de seu animal de estimação ou, ainda, pelo afeto que lhe é oferecido (quando os problemas de autoestima interferem no comportamento); como forma de aumentar intencionalmente sua agressividade; como forma de impressionar outras pessoas com a crueldade e pelo divertimento que o horror das pessoas lhe provoca (sensação de ser temido); pelo sadismo (apreciar o sofrimento vivenciado pelo animal); dentre outros. Sabendo do risco que corre toda a população caso não haja qualquer tipo de intervenção em um comportamento violento com animais ainda na infância, o Estado de Oregon, nos Estados Unidos, determinou em seu Estatuto a obrigatoriedade de inclusão da educação humanitária no programa das escolas locais, promovendo, assim, a instrução das crianças no tratamento para com os animais. Por repetidas vezes ao longo deste estudo foram mencionadas as diversas razões que motivam um indivíduo a ser cruel com animais, porém, importa salientar que algumas destas razões provocam crueldades apenas em um determinado período de tempo e não progridem em uma escala de violência. A crueldade provocada por curiosidade, principalmente em crianças, por exemplo, é uma crueldade provisória, uma vez que as crianças superam essa fase de interesse pelo novo e curiosidade com rapidez. A curiosidade despertada pelas crianças representa um momento natural da vida em que erros são cometidos numa etapa de descoberta, que favorece a aprendizagem e a noção do que se pode ou não fazer. Estes casos de crueldade eventual ou provisória figuram neste item como exceções, casos isolados que não integram o objeto de estudo neste momento, pois, neste caso, não há a permanência do hábito cruel e/ou violento, não há a continuidade delitiva imprescindível para que se fale em “iniciação” criminosa. 90 Ibidem. 65 O termo iniciação criminosa em animais advém da constatação91 de que indivíduos que mostram-se, num primeiro momento, cruéis contra animais são mais propensos a cometer outros tipos de delito, concomitante ou posteriormente. Na maior parte dos casos, estes indivíduos estão envolvidos principalmente em assaltos, vandalismo, violência doméstica, crimes sexuais e homicídios. Para John Douglas, agente aposentado do FBI que estudava os perfis de assassinos, “incêndios dolosos e crueldade contra animais na infância são dois dos três sinais que alertam para o potencial de se tornar um assassino em série”92. Um estudo93 realizado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América (2001) dividiu um grupo de pessoas em duas categorias, numa as pessoas que cometeram crueldades contra animais, e noutra pessoas que não demonstravam comportamento violento contra animais. Foram analisadas, no referido estudo, juntamente com a crueldade contra animais, as incidências criminosas em quatro categorias: crimes violentos, crimes contra propriedade, envolvimento com drogas e perturbação da ordem pública, sendo que em cada uma destas categorias, as pessoas anteriormente processadas por crueldade contra animais destacaram-se, apresentando taxas significativamente superiores às obtidas pelas pessoas que não cometem crueldades contra os animais no que se refere ao envolvimento em outros crimes. Relativamente às pesquisas desenvolvidas, Frank R. Ascione alerta: “estes resultados mostram que pessoas que cometem crueldades contra animais não são perigosas somente para suas vítimas animais, mas também podem comprometer o bem-estar humano”94. A realização desta análise é indispensável, pois a crueldade contra animais é banalizada pela sociedade, que ignora os acontecimentos e não raciocina – ou prefere não raciocinar – as conseqüências do fato. Admitir que a crueldade contra 91 ARLUKE, A.; ASCIONE, Frank R.; LEVIN, J.; LUKE, C. The relationship between animal abuse to violence and other forms of antisocial behavior. Journal of Interpersonal Violence, v. 14, 1999, p. 963. 92 CAPALDO, Theodora; LINDNER, Lorin. The Violence Connection: Animal Cruelty and Sociopaths. Disponível em <http://www.chincare.com/ConfrontingCruelty.htm>. Acesso em 18 de setembro de 2010, à 00:37h. 93 ESTADOS UNIDOS. United States Department of Justice. Animal Abuse and Youth Violence. Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention. Juvenile Justice Bulletin, set 2001, p. 05-06. 94 Ibidem. 66 animais não afeta somente aos animais95 é dar um passo em direção ao progresso, uma evolução de pensamento que interessa à toda a humanidade, pois representa um fator determinante para a prevenção de outros crimes. Além do que, é necessário identificar até que ponto o comportamento cruel com animais é um comportamento provisório, que não oferece riscos posteriores a quem quer que seja – como o mencionado comportamento provocado pela curiosidade – e a partir de que ponto este comportamento excede os limites e deve ser impedido. Esta verificação é essencial para que se possa intervir oportunamente de modo a evitar ou impedir que a violência destes agentes seja majorada e utilizada para atingir ainda mais vítimas. 3.3 CRUELDADE CONTRA ANIMAIS E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA O ambiente familiar é o primeiro local em que se tem um mínimo convívio social, onde são moldadas as personalidades segundo a moral, os costumes e a cultura, onde se adquire a consciência coletiva, o respeito pelo outro, a noção de limites e onde são adquiridas as maiores influências de comportamento. Quando se pensa em lar, automaticamente pensa-se em um lugar estável, no qual pode-se encontrar paz, um lugar minimamente seguro, porém, para muitos ele representa medo e guarda marcas de profunda violência. Algumas das mais perigosas discussões e brigas acontecem entre as paredes que guardam o convívio familiar. Por ser um local onde dificilmente há intervenção externa é, portanto, mais propício à ocorrência de violência, não somente contra animais, mas contra os familiares e conviventes de um modo geral. Entende-se por violência doméstica ou intrafamiliar “aquela praticada no lar ou na unidade doméstica, geralmente por um membro da família que viva com a vítima, podendo ser esta homem ou mulher, criança, adolescente ou adulto”96. Agressões físicas – incluindo as sexuais – e/ou psicológicas sofridas por pessoas 95 “A crueldade contra animais é um crime violento que afeta não somente animais, mas também crianças, famílias e comunidades. A comunidade mais segura é aquela na qual todos os membros são protegidos”. THE HUMANE SOCIETY OF THE UNITED STATES. First Strike: The Violence connection. 2008, p. 05. 96 CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. A Violência Doméstica como Violação dos Direitos Humanos. 2005, p. 02. 67 em todas as faixas etárias são consideradas violência doméstica e familiar, da qual as mulheres e crianças são as vítimas mais freqüentes. A Lei Maria Da Penha97 define, em seu artigo 5º, a violência doméstica e familiar contra a mulher, contudo, a definição proposta pela mencionada lei pode ser aplicada em casos análogos de violência doméstica, onde a agressão não atinge somente à pessoa do gênero feminino. o Art. 5 Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. A violência doméstica pode ser analisada sob dois aspectos, que alguns consideram como sendo modalidades de violência. São elas a violência psicológica ou agressão emocional, e a violência física. A violência física é conceituada como sendo o “uso da força com o objetivo de ferir, deixando ou não marcas evidentes”98; ou seja, lesões corporais provocadas pelo agressor utilizando-se da força física, de objetos, ou ainda, causando queimaduras à vítima. Importante salientar que o uso abusivo de álcool e drogas pelo agressor constitui fator potencializador das agressões físicas. A violência psicológica ou emocional é, geralmente, perpetrada verbalmente, e pode deixar marcas que, embora invisíveis, são tão ou mais prejudiciais que a agressão física em alguns casos. Segundo Stela Valéria S. F Cavalcanti, Promotora de Justiça de Maceió-AL (2005), a violência psicológica: é caracterizada por ameaça, rejeição, depreciação, discriminação, humilhação, desrespeito, punições exageradas. Trata-se de uma agressão que não deixa marcas corporais visíveis, mas emocionalmente causa cicatrizes indeléveis para toda a vida99. 97 Lei nº 11.340 de 07 de agosto de 2006. CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. A Violência Doméstica como Violação dos Direitos Humanos. 2005, p. 02. 99 Ibidem. 98 68 A associação dos maus-tratos contra animais à violência doméstica decorre do fato de que em uma casa na qual impere a violência, esta será perpetrada contra todos os tipos de vítimas hipossuficientes, com reduzida capacidade de reação, não diferenciando animais de humanos. Desta forma, a violência praticada contra animais em ambiente doméstico pode indicar a existência de um comportamento semelhantemente violento contra vítimas humanas. A maior parte dos casos de ocorrência de crueldade contra animais em ambiente familiar acontece, dentre outros motivos, devido a desentendimentos conjugais, em que a ameaça de maltratar ou até mesmo matar os animais de estimação compra o silêncio de uma vítima de violência doméstica ou de abuso sexual100. As conseqüências da crueldade contra animais em âmbito doméstico são maiores do que se imagina. A mais evidente é a conexão demonstrada entre os maus-tratos contra animais e a violência doméstica. Mas, a conseqüência mais grave acaba não sendo analisada sob um ponto de vista prático, restando encoberta pela falta de interesse e conhecimento acerca do assunto. Conforme observado anteriormente, uma criança exposta à crueldade, contra quem quer que seja, tem mais probabilidade de tornar-se violenta no futuro101. As crianças que convivem em um ambiente familiar violento tendem a reproduzir esta violência de alguma forma, demonstrando, na maioria das vezes, agressividade com outras pessoas ou com animais. Esta reprodução se dá, principalmente, porque as crianças tendem a enxergar o adulto como um exemplo a ser seguido e a assimilar suas atitudes como sendo as corretas. O comportamento violento102 apresentado na infância, se não corrigido oportunamente, pode tornar-se um problema de proporções muito maiores no futuro, conforme revelam os estudos relacionados à iniciação criminosa em animais, trabalhados no item anterior. 100 GARBI E MASSAKI ADVOGADOS ASSOCIADOS. Animais de Estimação - A Conexão Violência Contra Animais x Violência Contra Humanos. Disponível em <http://www.garbi.com.br/animais/violencia.htm>. Acesso em 05 de outubro de 2010, às 04:36h. 101 THE ANTI-CRUELTY SOCIETY. Animal Cruelty and Domestic Violence. 2010, p. 01. Também disponível no Anexo B. 102 “O comportamento agressivo na infância anuncia um sério comportamento ansi-social na idade adulta, incluindo o cometimento de crimes, violência doméstica, e uma tendência a punir severamente seus filhos”. THE HUMANE SOCIETY OF THE UNITED STATES. First Strike: The Violence Connection; 2008, p. 04. 69 O artigo intitulado The Violence Connection, produzido pela Humane Society of the United States (2008), afirma que o abuso de animais é um dos quatro indicadores de violência doméstica103. De acordo com um estudo104, realizado ainda na década de 80, em que 53 famílias suspeitas de praticar maus-tratos contra as crianças foram analisadas, 88% das famílias em que a situação de maus-tratos foi comprovada cometia abusos contra animais. Surgiu, então, em meados dos anos 90, a idéia de desenvolver um programa que pudesse tornar mais fácil a decisão de abandonar o lar no caso de mulheres que, juntamente com seus animais de estimação, sofrem agressões de ordem física e psicológica. A idéia foi concretizada em quase todos os Estados dos Estados Unidos, onde foram criados abrigos especializados que atendem tanto mulheres quanto seus animais de estimação vítimas de violência doméstica. Segundo Ascione (2007), doze diferentes pesquisas foram realizadas com mulheres vítimas de violência doméstica em abrigos nos Estados Unidos, Canadá e Austrália. De todos estes estudos, uma média de 31% das mulheres afirma que a preocupação decorrente da ameaça de lesões ou morte aos seus animais de estimação feita por seus parceiros afetou a decisão de permanecer ou abandonar o relacionamento, ou de posteriormente voltar para casa105. Um ciclo vicioso engloba a crueldade contra animais e a violência doméstica. Segundo a pesquisa106 realizada em 1985 por Kellert e Felthous, a violência doméstica contribui significativamente para o surgimento da crueldade contra animais, principalmente quando há alcoolismo na família e uma figura paternal naturalmente violenta. Dentre as famílias estudadas pelos supracitados autores, a conduta violenta dos agressores foi desencadeada pelo tratamento que presenciaram ou sofreram dentro de casa, e geralmente no período da infância. O ciclo vicioso se estabelece, pois a violência doméstica gera, na maioria das vezes, crianças agressivas que, por 103 Ibidem, p. 03. DEVINEY, E.; DICKERT, J.; LOCKWOOD, R. The care of pets within child abusing families. In: International Journal for the Study of Animal Problems, 1983, p. 321-329. 105 ASCIONE, Frank R. Emerging Research on Animal Abuse as a Risk Factor for Intimate Partner Violence. In: Intimate Partner Violence. Civic Research Institute of Kingston – New Jersey, 2007. 106 MERZ-PEREZ, Linda; HEIDE, Kathleen M. Animal Cruelty: Pathway to Violence Against People, 2004, p. 22. 104 70 sua vez, cometem pequenos atos cruéis (contra animais ou não) ainda na infância e, por todo o quadro apresentado, têm grandes chances de tornarem-se adultos agressivos107, reproduzindo posteriormente a violência em seus novos ambientes familiares, e repassando-a por gerações. Uma criança que convive com violência tem sua saúde física e mental comprometidas108, além de passar por um processo constante de dessensibilização. Assim, esta criança assimila o comportamento agressivo como algo normal, e aprende a ser agressiva com seres vivos, não desenvolve a capacidade de enxergar o outro como ser semelhante que possui as mesmas sensações, nem de entender a experiência de sofrimento vivenciada por este outro, pois recebeu uma educação que não avalia suas atitudes agressivas e cruéis como sendo erradas ou impróprias. A agressividade tem diversas causas, porém, é importante observar que independentemente da explicação ou justificativa oferecida, o comportamento agressivo pode ter vítimas determinadas num dado momento, mas, se este comportamento não for devidamente controlado, ele se desenvolve e tem o potencial de transformar qualquer um em vítima, representando um perigo iminente para todos que circundam o agressor. A violência praticada contra animais ainda é considerada por muitos como algo irrelevante e, apesar de a conduta ser punível sob um ponto de vista legal, essa violência é muitas vezes socialmente legitimada pela omissão, ignorando-se o risco que esta violência representa e, principalmente, suas conseqüências. Conforme previamente analisadas as circunstâncias atinentes à iniciação criminosa em animais, a prática de crueldade contra os animais tem reflexo direto na vida dos humanos, por isso é necessário atentar-se para os comportamentos manifestados em casa, pois muitas vezes eles revelam os primeiros sinais de que uma personalidade violenta está sendo construída e de que os outros na casa podem não estar seguros. Devidamente comprovada a relação direta entre crueldade contra animais e violência doméstica, é de extrema importância averiguar os casos de crueldade contra animais em ambiente familiar, pois, a partir da constatação destes maus- 107 THE ANTI-CRUELTY SOCIETY. Animal Cruelty and Domestic Violence. Animals Subject to Family Violence: early detection=prevention. 2010, p. 01. Disponível também no Anexo B. 108 ASCIONE, Frank R. Emerging Research on Animal Abuse as a Risk Factor for Intimate Partner Violence. In: Intimate Partner Violence. Civic Research Institute of Kingston, 2007. 71 tratos, pode-se investigar a ocorrência de violência doméstica no mesmo local, visando a impedir sua continuidade ou prevenir o seu acontecimento. Importante salientar que a violência doméstica é apenas um dos fatores que demonstram a conexão entre a crueldade praticada contra animais e uma provável violência contra humanos, sendo diversos os dados que comprovam o envolvimento de agressores de animais em outros crimes além do de violência doméstica. 3.4 CRUELDADE CONTRA ANIMAIS COMO INDICADOR DE VIOLÊNCIA CONTRA HUMANOS A atenção de pesquisadores do comportamento humano – sociólogos, psicólogos, psiquiatras –, de educadores e de profissionais da segurança pública tem se voltado durante as últimas décadas para a conexão entre a crueldade contra animais e a violência futura ou simultânea contra humanos. Esta preocupação, que está sendo atualmente compartilhada com a sociedade, surgiu em decorrência de estudos que revelaram a surpreendente quantidade de casos em que ambas as formas de violência encontram-se intimamente relacionadas. Importante salientar que as informações apresentadas neste item fundamentam-se em estudos de ordem internacional, principalmente provenientes dos Estados Unidos da América, uma vez que não foram ainda produzidos no Brasil estudos ou pesquisas consistentes na área, o que pode facilmente ser interpretado como falta de preocupação do país com o assunto. Em 1970, o Federal Bureal of Investigation – FBI constatou, por meio de um estudo109 realizado com 36 assassinos em série condenados, que 46% deles cometeu atos cruéis com animais no período da adolescência. Outro estudo110 revelou que uma quantidade significativa de criminosos violentos detentos de 109 ESTADOS UNIDOS. Senado. 03 de outubro de 1996. 142 Congressional Record. The Cycle of Violence. Deadly Serious: An FBI Perspective on Animal Cruelty. Disponível em THE LIBRARY OF CONGRESS THOMAS <http://thomas.loc.gov/cgi-bin/query/F?r104:1:./temp/~r1046ez75a:e0:>. Acesso em 14 de outubro de 2010, às 07:14h. E disponível no Anexo A. 110 MERZ-PEREZ, L.; HEIDE, K. M.; e SILVERMAN, I. J. Childhood cruelty to animals and subsequent violence against humans. In: International Journal of Offender Therapy and Comparative Criminology, 2001, p. 556-573. 72 presídios de segurança máxima já cometeram, ainda que uma só vez, atos de crueldade contra animais na infância. A Universidade de Northeastern, sediada em Boston-EUA, e a Massachusetts Society for the Prevention of Cruelty to Animals (1997) realizaram um estudo com os casos de crueldade contra animais registrados entre os anos de 1975 e 1996, para averiguar entre a violência praticada contra animais e outras ocorrências criminosas. De acordo com este estudo111, 70% dos agentes envolvidos em crimes contra animais haviam cometido pelo menos um outro crime, sendo que, em 40% destes casos, o agente envolveu-se na prática de outros crimes violentos cometidos contra humanos. Com base nos resultados112 do referido estudo, o qual reuniu e comparou dados de indivíduos envolvidos e não envolvidos com crueldade contra animais, foi constatado que uma pessoa que comete crueldade contra animais é cinco vezes mais propensa a cometer violência contra humanos, quatro vezes mais propensa a cometer crimes contra a propriedade e patrimônio, e três vezes mais propensa à prática de crimes envolvendo drogas, álcool e perturbação da ordem pública. Em Chicago, nos Estados Unidos, 35% dos mandados113 de busca expedidos por crueldade contra animais levaram à apreensão de narcóticos e armas de fogo. No mesmo Estado, 82% dos indivíduos114 presos por crueldade contra animais teve condenações anteriores por uso de arma de fogo, agressões diversas e/ou drogas. Em Winnipeg, no Canadá, 70% das pessoas processadas115 por crueldade contra animais teve um histórico de comportamento violento, e algumas chegaram a cometer homicídios. Em Sidney, na Austrália, em 100% dos casos116 de crimes sexuais que resultaram em morte, os criminosos confessaram ter um histórico de crueldade contra animais. 111 PAWS. The Animal Abuse/Human Violence Connection. Disponível em <http://www.paws.org/human-violence-connection.html>. Acesso em 12 de outubro de 2010, às 03:32h.Combinado com MSPCA. Study proves link between animal abuse and other crimes. Disponível em <http://support.mspca.org/site/PageServer?pagename=lawenforce_Link_Animal_Abuse_Other_Crime s>. Acesso em 17 de outubro de 2010, às 12:26h. 112 Ibidem. 113 COPLEY, Jennifer. Animal Cruelty Linked to Violence Against People: Animal Abusers More Likely to Harm Spouses, Children, and Strangers. <http://www.suite101.com/content/animal-crueltylinked-to-violence-against-people-a69512>. Acesso em 28 de outubro de 2010, às 08:05h. 114 Ibidem. 115 Ibidem. 116 Ibidem. 73 Conforme previamente ajustado117, a crueldade objeto deste estudo é aquela praticada proposital e intencionalmente, desta forma, é pertinente citar os estudos relacionados aos atos cruéis praticados contra animais constatados como antecessores de uma prática violenta contra humanos, detalhando o perfil dos agentes e aspectos coincidentes entre os casos. Segundo o Report of Animal Cruelty Cases118, publicado pela Humane Society of the United States (2002), os adultos e adolescentes do sexo masculino são responsáveis por 92% dos casos intencionais de crueldade contra animais registrados, sendo estes praticados geralmente contra animais de companhia e mais freqüentemente contra cães (71%) do que contra gatos (29%). O relatório mencionado traz os tipos mais comuns de crueldade intencional contra animais, citando, para isso, o espancamento, a tortura, a lesão ou morte provocada por tiro de arma de fogo, e a mutilação do animal. O documento informa também que 76% dos casos de crueldade intencional contra animais são praticados por adultos a partir dos 20 anos de idade. De todos os 1.400 casos analisados no referido relatório, 55% dos incidentes de crueldade contra animais resultou na morte imediata do animal pelo próprio agressor ou, posteriormente, no sacrifício do animal, como conseqüência das lesões sofridas. O encarregado de traçar os perfis criminais no FBI, John Douglas, afirma no livro de sua autoria, The Mind Hunter (1995), que “um novo tipo de criminoso violento veio à tona: o criminoso em série, que aprende pela experiência e tende a melhorar e melhorar no que faz”. O mencionado autor observa que os primeiros atos de violência destes criminosos são na maioria das vezes torturar e/ou matar animais, em seqüência, iniciam-se as agressões aos irmãos, para então expor sua conduta violenta nas ruas ou, ainda, xxxxxxxx violência doméstica. A relação de continuidade que permeia os maus-tratos contra animais e a violência contra humanos é justamente o que preocupa a sociedade e, principalmente, órgãos de investigação vinculados à segurança pública em todo o 117 “[...] este trabalho tem o objetivo de estudar o fenômeno da crueldade em sentido estrito, aquela crueldade como fim em si mesma, a de origem sádica, perversa, cometida com o único intuito de submeter o outro à dor, ao sofrimento, sem qualquer provocação ou motivo”. Vide Capítulo 1, p. 26. 118 THE HUMANE SOCIETY OF THE UNITED STATES. Report of Animal Cruelty Cases. First Strike Campaign: Animal Cruelty/Human Violence. 2002. Disponível também no Anexo C. 74 mundo. Contudo, esta relação não é algo difícil de se compreender, quando analisada a seqüência dos fatos. Pesquisas a respeito disso revelam que: Quanto mais as pessoas são expostas a certas situações, mais confortáveis elas se sentem com estas situações. (…) A dessensibilização em torno da violência com animais e como ela pode ser traduzida em dessensibilização em torno da violência com pessoas está ganhando a crescente atenção de 119 psicólogos e sociólogos . (tradução livre) Nos Estados Unidos da América em especial, a crueldade contra animais está começando a ser encarada com seriedade. Um sinal desta conscientização é o aumento da quantidade de processos instaurados para apurar suspeitas de maustratos contra animais. No ano de 2001, 68% dos casos de crueldade contra animais relatados pela mídia nos Estados Unidos foram levados à Justiça. Já em 2002, o número subiu para 75%. Neste sentido, afirma a Humane Society of the United States (2002): (...) nós acreditamos que este é um indicativo de que as agências de aplicação da lei estão reconhecendo a importância de levar a crueldade contra animais a sério e fazer com que os agressores sejam 120 responsabilizados por seus atos . (tradução livre) Por muitos séculos o problema social da crueldade praticada contra os animais foi banalizado, as denúncias realizadas até então eram arquivadas sem sequer serem investigadas, como ainda acontece em diversos países, inclusive no Brasil. Para Barnard (2000), a humanidade ainda tem um longo caminho de evolução pela frente no que tange ao tratamento para com os animais e suas conseqüências. Ele explica: Conforme nos desenvolvemos na infância, nossa capacidade de agir sobre impulsos amadurece antes do desenvolvimento da capacidade de inibir ou modular essa ação. Então, nós passamos por um estágio em que nós balbuciamos, fazemos xixi na cama e atiramos e quebramos objetos. Só depois nós aprendemos a falar, a controlar nossas funções corporais e a 119 THE NATIONAL ANTI-VIVISECTION SOCIETY. Animal Alternatives in Education. Disponível em <http://www.navs.org/site/PageServer?pagename=ain_edu_link_violence_cruelty>. Acesso em 28 de outubro de 2010, às 04:28h. 120 THE HUMANE SOCIETY OF THE UNITED STATES. Report of Animal Cruelty Cases. First Strike Campaign: Animal Cruelty/Human Violence. 2002. Disponível também no Anexo C. 75 explorar a natureza e objetos sem quebrá-los. As civilizações amadurecem da mesma forma. Elas desenvolvem a capacidade para as mais grosseiras agressões antes de aprender, gradualmente, a inibir suas ações. Nós renunciamos ao canibalismo, humanos escravos foram libertados, e a maioria de nós já percebeu que espancar as esposas é inaceitável. Com os animais, nós estamos apenas emergindo da fase de balbuciar, fazer xixi nas calças e destruir. Um dia nós vamos olhar para trás com embaraço e 121 vergonha do sofrimento que causamos a eles por tão longo tempo . (tradução livre) Segundo o mesmo autor, algumas das principais razões que explicam o desenvolvimento da violência futura contra humanos em decorrência da violência contra animais não corrigida no momento adequado são: a falha natural da inibição e/ou a falha na educação. Acrescenta o autor que “crianças que não conseguem controlar seus impulsos agressivos contra animais, freqüentemente crescem e tornam-se adultos que têm dificuldade em inibir esses impulsos contra pessoas”122. John Locke (1778) expressa seu entendimento de forma semelhante quando aponta os métodos adequados para a formação de crianças pautada por uma educação moral: Elas [crianças] freqüentemente atormentam e tratam muito rispidamente, jovens pássaros, borboletas e outros animais que caem em suas mãos, e o fazem com aparente prazer. Isto, penso eu, deve ser observado nelas, e se elas se inclinarem a qualquer crueldade, devem ser ensinadas a proceder de forma contrária. O costume de atormentar e matar animais vai, gradativamente, endurecendo suas mentes até mesmo com relação aos homens. E aquelas que se comprazem com o sofrimento e destruição de criaturas inferiores não demonstrarão a habilidade de serem compassivas e benignas com aqueles de sua própria espécie. [...] As crianças deveriam desde o início ser educadas com uma aversão a matar ou atormentar qualquer criatura viva; e serem ensinadas a não estragar ou destruir qualquer coisa, a menos que seja para a preservação ou proveito de algo mais nobre123. (tradução livre) O grande problema estabelecido é impedir que o comportamento inicialmente violento evolua, pois, uma vez aprimorado e incorporado à personalidade do agente, 121 BARNARD, Neil. The Psychology of Abuse, 2000. Disponível em <http://www.pcrm.org/resch/anexp/psych_of_abuse.html>. Acesso em 05 de novembro de 2010, às 07:32h. 122 Ibidem. 123 LOCKE, John. Some Thoughts Concerning Education. 15ª ed., 1778, p. 172-173. Google Livros. Disponível em: <http://books.google.com.br/books?id=pHlKAAAAYAAJ&printsec=frontcover&dq=some+thoughts+con cerning+education+john+locke&source=bl&ots=4u_GnQTnTN&sig=UxAABfMAMQ7Z_VwbQenGiAUb c6k&hl=pt-BR&ei=PePcTO_JEoaKlwfC4GPDQ&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=5&ved=0CEUQ6AEwBA#v=snippet&q=harden&f=fal se>. Acesso em 21 de outubro de 2010, às 06:17h. 76 as chances de se alcançar um equilíbrio no indivíduo, por meio de uma educação direcionada ou um tratamento específico, chegam a ser inexistentes, sendo, a partir daí, inevitável que a pessoa portadora de uma identidade violenta venha a cometer crimes com requintes de crueldade envolvendo vítimas indeterminadas e de variadas espécies. É principalmente neste ponto que se pode perceber a importância de desenvolver um olhar crítico acerca dos crimes contra os animais, pois tratar a questão como um problema relevante por si só e que, além disso, pode tomar proporções desconhecidas, porém, determináveis, relativamente aos humanos, possibilita a criação de prováveis soluções e a implementação de mecanismos preventivos da progressão criminosa. 3.5 PERFIL DOS AGENTES A maior parte dos indivíduos que maltratam animais conscientemente foi vítima ou testemunha de violência doméstica e familiar, apresenta grandes problemas de auto-estima, sinais de rejeição por pessoas próximas importantes em suas relações afetivas, exposição à situações traumáticas e medo de sentir-se abandonado. Observar a forma como estes indivíduos se sentem ajuda a entender suas atitudes de violência como uma demonstração pública de que algo está errado. Estes indivíduos geralmente se sentem injustiçados, negligenciados e acabam desenvolvendo um comportamento instável produto de sua insegurança. Por este motivo suas atitudes são, na maioria das vezes, de manipulação, de dominação, como forma resgatar sua auto-estima e seu controle sobre emoções e situações que lhe proporcionem auto-confiança, embora esta sensação seja momentânea. Isto explica o intervalo cada vez menor entre um fenômeno violento e outro praticados pelo mesmo agente sob estas circunstâncias. Pode-se afirmar categoricamente que nem todas as pessoas que vivenciam constantemente ou não situações de violência física ou emocional tornam-se pessoas violentas. Esta reação a uma experiência violenta é reproduzida por uma quantidade reduzida de pessoas, embora estas demonstrem, na maioria das vezes, uma violência incontinente e catastrófica. 77 Exemplos fiéis de pessoas que cedem a um comportamento violento, seja para vingar nos outros seu sofrimento, seja por puro sadismo, são os assassinos seriais, pessoas que, sozinhas, são capazes de confundir, aterrorizar e preocupar a todo um país. Esta denominação, do original em inglês serial killers, foi criada na década de 70 por Robert Kessler, surgiu para definir o caso a seguir descrito de Theodore Bundy, assassino em série que deixou o Distrito de Washington e os Estados de Oregon, Utah, Colorado e Flórida em pânico. Como forma de ilustrar o conteúdo abordado neste capítulo, alguns dos principais casos utilizados no mundo para estudar a ligação entre o comportamento cruel com animais e com humanos foram descritos neste item. Utilizou-se, porém, somente dos casos cobertos pela mídia e, portanto, de conhecimento geral. a) Edmund Emil Kemper III – esquartejava gatos. Assassinou seus avós, sua mãe e sete outras mulheres124, entre elas uma amiga de sua mãe125. b) Jeffrey Dahmer – empalava sapos, gatos e as cabeças dos cães que decapitava126. Assassinou 17 homens127. c) Christine Laverne Falling – torturava e matava gatos. Assassinou cinco crianças, de quem era babá, e um idoso128. d) Theodore Robert Bundy – assistia seu avô torturar animais e, mais tarde, passou a mutilar animais com facas, pelas quais tinha obsessão desde os três anos de idade129. Assassinou trinta e seis mulheres130. e) Richard Speck – jogava pássaros no ventilador. Assassinou oito mulheres131. 124 PAWPRINTS AND PURRS INC. Animal Cruelty Points to Potential Violence Against Humans. Disponível em <http://www.sniksnak.com/ac/connection.html>. Acesso em 29 de setembro de 2010, às 19:56h. 125 ED Kemper. O serial killer. Disponível em <http://oserialkiller.com.br/ed-kemper/>. Acesso em 16 de outubro de 2010, às -3:21h. 126 HODGES, Cynthia. The link between animal cruelty and violence towards people. Disponível em <http://www.cynthiahodges.com/animals/pages/animal_human_violence.pdf>. Acesso em 13 de setembro de 2010, às 08:26h. 127 PAWPRINTS AND PURRS INC. Animal Cruelty Points to Potential Violence Against Humans. Disponível em <http://www.sniksnak.com/ac/connection.html>. Acesso em 29 de setembro de 2010, às 19:56h. 128 Ibidem. 129 10 Weird Facts About Ted Bundy’s Childhood. Disponível em <http://www.bukisa.com/articles/16246_10-weird-facts-about-ted-bundys-childhood>. Acesso em 16 de outubro de 2010, às 06:11h. 130 BELL, Rachel. Ted Bundy, notorious serial killer. Appeals and Confessions. Disponível em <http://www.trutv.com/library/crime/serial_killers/notorious/bundy/16.html>. Acesso em 11 de novembro de 2010, às 06:58h. 78 f) Rod Ferrel – torturava e matava cães e gatos, invadiu um abrigo de animais, espancou cães e mutilou filhotes. Espancou um casal de idosos até a morte132. g) Albert De Salvo (The Boston Strangler) – costumava colocar um gato e um cão em engradados de laranja com uma divisória transparente entre eles; deixava-os sem comida por vários dias e depois retirava a divisória para vêlos matando um ao outro. Estuprou e estrangulou nove mulheres133. h) Luke Woodham – colocou um líquido inflamável pela garganta de sua cadela e ateou nela fogo. Matou duas garotas a tiros e sua mãe a facadas134. i) Tom Dillion – atirava aleatoriamente nos cães de seus vizinhos. Matou cinco homens a tiros135. j) Arthur Shawcross – atirava gatos sucessivamente em um lago, até morrerem afogados por exaustão. Assassinou doze mulheres136. k) Patrick Sherrill – roubava os animais de estimação de seus vizinhos para que seu próprio cão pudesse atacá-los e mutilá-los, prendia cães à sua cerca e os mutilava deixando presas na cerca somente algumas partes dos cães mortos, como as patas. Assassinou quatorze pessoas na agência de correios em que trabalhava antes de se matar137. l) Carol Edmund Cole – estrangulava filhotes. Assassinou trinta e cinco pessoas138. m) Kip Kinkle – explodiu uma vaca, ateou fogo a um gato e o arrastou pela avenida principal da cidade139, e dissecava esquilos vivos140. Assassinou seus pais e atirou em vinte e cinco colegas de classe141. 131 PAWPRINTS AND PURRS INC. Animal Cruelty Points to Potential Violence Against Humans. Disponível em <http://www.sniksnak.com/ac/connection.html>. Acesso em 29 de setembro de 2010, às 19:56h. 132 Ibidem. 133 Ibidem. 134 PET-ABUSE. Animal Abuse Case Details. Disponível em <http://www.pet-abuse.com/cases/1/>. Acesso em 02 de setembro de 2010, às 14:22h. 135 PAWPRINTS AND PURRS INC. Animal Cruelty Points to Potential Violence Against Humans. Disponível em <http://www.sniksnak.com/ac/connection.html>. Acesso em 29 de setembro de 2010, às 19:56h. 136 Ibidem. 137 NEW YORK DAILY NEWS. Mailman massacre: 14 die after Patrick Sherril “goes postal” in 1986. Disponível em <http://www.nydailynews.com/news/ny_crime/2010/08/15/2010-0815_mailman_massacre_14_die_after_he_goes_postal.html>. Acesso em 16 de outubro de 2010, às 7:22h. 138 PREDATORS. Research these crimes. Animal Abuse. Disponível em http://www.predators.tv/research/animalabuse.asp>. Acesso em 20 de outubro de 2010, às 09:48h. 79 n) Michael Perry – decapitou o cão de um vizinho. Assassinou os pais, o sobrinho e dois vizinhos142. o) Peter Kurten – torturava e abusava sexualmente de cães enquanto os matava. Foi condenado por nove homicídios e sete tentativas de homicídio143. Eric Harris e Dylan Klebold144, responsáveis pela morte de 12 de seus colegas de classe, na Columbine High School, intimidavam seus colegas contando histórias em que ambos mutilavam animais. A tragédia deu origem ao documentário “Tiros em Columbine”145. Na ficção, a relação entre a crueldade contra animais e violência contra humanos é demonstrada no filme, lançado oficialmente em 2007 nos Estados Unidos, “Halloween – O Início”146. O longa-metragem é protagonizado pelo personagem Michael Meyers, assassino em série que apresenta fortes traços de rejeição na infância, um convívio familiar conturbado e desenvolve o hábito de maltratar animais como forma de externar sua angústia. No filme, um inspetor da escola de Michael descobre seus atos cruéis contra animais quando encontra fotos de animais feridos e um gato morto dentro de sua mochila, momento em que decide informar à mãe do aluno que seu filho possui tendências psicopáticas. Ainda criança, o personagem mata sua irmã e o namorado, que namoravam em casa num dia de Halloween enquanto ele ficara impedido de sair de casa. Após fugir, 17 anos depois, do reformatório para o qual foi enviado, ele continua com sua conduta homicida. 139 PAWPRINTS AND PURRS INC. Animal Cruelty Points to Potential Violence Against Humans. Disponível em <http://www.sniksnak.com/ac/connection.html>. Acesso em 29 de setembro de 2010, às 19:56h. 140 PET-ABUSE. Animal Abuse Case Details. Disponível em <http://www.pet-abuse.com/cases/37/>. Acesso em 02 de setembro de 2010, às 14:22h. 141 PAWPRINTS AND PURRS INC. Animal Cruelty Points to Potential Violence Against Humans. Disponível em <http://www.sniksnak.com/ac/connection.html>. Acesso em 29 de setembro de 2010, às 19:56h. 142 Ibidem. 143 Ibidem. 144 HODGES, Cynthia. The link between animal cruelty and violence towards people. Disponível em <http://www.cynthiahodges.com/animals/pages/animal_human_violence.pdf>. Acesso em 13 de setembro de 2010, às 09:32h. 145 Obra lançada em 2002 que ganhou o Oscar de Melhor Documentário. TIROS em Columbine. Cineplayers. Disponível em <http://www.cineplayers.com/filme.php?id=241>. Acesso em 11 de novembro de 2010, às 07:41h. 146 HALLOWEEN – O início. Cine Pop. Disponível em <http://www.cinepop.com.br/filmes/halloween1.htm>. Acesso em 13 de novembro de 2010, às 18:06h. 80 Outra obra da ficção que pode ser mencionada é o filme “O Aprendiz”147, de 1998, baseado no livro homônimo de Stephen King, em que o personagem Todd Bowden, fascinado pelo nazismo, coloca seu gato vivo dentro de um forno como forma de provar sua capacidade de ser indiferente aos sentimentos vivenciados por outro ser e impressionar seu professor de história, um nazista foragido. Ao longo do filme, os testes psicológicos impostos pelo professor a Todd Bowden vão tornandose cada vez mais violentos, a ponto de o jovem cometer um assassinato sem demonstrar qualquer remorso. Um exemplo brasileiro148, de conhecimento de todos que viveram na década de 90, é Francisco de Assis Pereira, mais conhecido como “O Maníaco do Parque”149, que estuprou e assassinou oito mulheres em 1998. Antes de desenvolver a conduta violenta contra pessoas, como estuprar e matar mulheres, este indivíduo costumava abusar sexualmente de cadelas desde o início da adolescência150. Muito se falou ao longo de todo este trabalho acerca dos motivos que levam uma pessoa a ser cruel com animais, da linha tênue que separa a violência contra animais e contra humanos e das conseqüências para a sociedade decorrentes desta conduta violenta não coibida oportunamente. A análise de uma situação que contenha violência deve ser minuciosa visando a conhecer suas causas, a impedir sua continuidade e a desconstituir o risco de ocorrência futuro. Para que esta análise seja completa, no que tange ao tema proposto, é necessário incluir as perturbações mentais e os transtornos de personalidade como fatores que podem desencadear um comportamento violento, a formação de uma visão distorcida dos valores morais e éticos, e ausência da noção de certo e errado. 147 O APRENDIZ. Cineplayers. Disponível em <http://www.cineplayers.com/filme.php?id=1866>. Acesso em 14 de setembro de 2010, às 05:41h 148 Foi apresentado apenas um exemplo brasileiro dentre tantos internacionais porque, conforme mencionado anteriormente (p. 09), estes casos não são devidamente identificados, estudados e tratados no Brasil, por isso não se tem conhecimento da relação entre a crueldade contra animais e violência contra humanos existente em casos concretos ocorridos em território nacional. Esta não verificação do problema não significa que ele não exista, apenas revela o quanto as pessoas subestimam o problema, o quanto ainda estão distantes de enxergá-lo como tal. 149 ARCA BRASIL. Atenção! Quem maltrata bicho pode maltratar gente! Disponível em <http://www.arcabrasil.org.br/noticias/050621_eladia.htm>. Acesso em 28 de outubro de 2010, às 05:03h. 150 GARBI E MASSAKI ADVOGADOS ASSOCIADOS. Animais de Estimação - A Conexão Violência Contra Animais x Violência Contra Humanos. Disponível em <http://www.garbi.com.br/animais/violencia.htm>. Acesso em 12 de outubro de 2010, às 11:54h. 81 CAPÍTULO 04 – DESVIO DE CONDUTA, PSICOPATIA E PERICULOSIDADE Quanto mais a atenção das autoridades e da sociedade se volta para a importância dos crimes contra os animais, mais se descobre problemas que estão atrelados à ocorrência destes crimes. Os transtornos mentais e de personalidade fazem parte dessas recentes descobertas, mostrando-se presentes em grande parte dos crimes violentos analisados nas pesquisas sob as quais se baseou este trabalho no capítulo anterior. Entende-se por doença mental a enfermidade mental que compromete a capacidade intelectual e/ou volitiva de um indivíduo. Para Fernando Capez (2007) doença mental é a perturbação mental ou psíquica de qualquer ordem, capaz de eliminar ou afetar a capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou a de comandar a vontade de acordo com esse entendimento. Compreende a infindável gama de moléstias mentais, tais como epilepsia, 151 psicose, neurose, esquizofrenia, paranóias e etc .. No mesmo sentido, Nelson Hungria leciona (1953): doença mental abrange as psicoses, que poderão ser constitutivas (esquizofrenia, psicose maníaco-depressiva, epilepsia genuína, paranóia, parafrenias e estados paranóicos) ou adquiridas (traumáticas, exóticas, endotóxicas, infecciosas e demências por senilidade, arteriosclerose, sífilis cerebral, paralisia geral, atrofia cerebral e alcoolismo). E o desenvolvimento mental retardado será encontrado nas várias formas de oligofrenia (idiota, 152 imbecilidade, debilidade mental) . Algumas destas perturbações, como a deficiência mental, por exemplo, caracterizada por um desenvolvimento inexistente ou incompleto das faculdades mentais, trazem uma certa preocupação por serem capazes de produzir num indivíduo comportamentos que invariavelmente representam atitudes impróprias, incluindo atos de crueldade. Isso acontece porque o indivíduo acometido de doenças mentais possui a incapacidade total ou parcial de discernir o teor de seus atos e autodeterminar-se de acordo com o entendimento de que eles podem ser ilícitos. 151 152 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, 2007, p. 309. HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, 1953, p. 334. 82 Entretanto, conforme explicado ao longo de todo este trabalho, somente interessa analisar aqui os casos em que a crueldade tenha sido praticada de forma consciente e intencional. Partindo deste pressuposto, os transtornos ou distúrbios da personalidade mostram-se relevantes quando se fala em comportamentos violentos e demasiadamente cruéis. A personalidade é a reunião da forma de sentir as emoções e da forma de agir peculiares de uma pessoa. É a soma de traços emocionais e comportamentais que definem características individuais e o temperamento de um sujeito. Os distúrbios ou transtornos de personalidade, onde estão inseridos o desvio de conduta e a psicopatia, por exemplo, são definidos pelo Manual Diagnóstico e Estatístico dos Distúrbios Mentais como modos constantes de perceber, relacionar-se e pensar nos confrontos com o ambiente e consigo próprio, que se manifestam em um amplo espectro de contextos sociais e interpessoais importantes, quando os traços de personalidade são rígidos e não adaptáveis, causando, via de conseqüência, um significativo comprometimento do funcionamento social e laborativo ou um sofrimento subjetivo153. Os transtornos de personalidade mais importantes relacionados à crueldade contra animais são o Desvio de Conduta (Conduct Disorder - CD) e a Psicopatia, ou Distúrbio da Personalidade Anti-social (Anti-social Personality Disorder - APD). O Desvio de Conduta é definido pelo Manual Diagnóstico e Estatístico dos Distúrbios Mentais como “um padrão repetitivo e persistente de comportamento no qual os direitos básicos dos outros, as normas e regras sociais são violados”154, sendo necessário que pelo menos três de quinze sintomas155 estejam presentes para a realização do diagnóstico de Desvio de Conduta. Segundo o Relatório do Departamento de Justiça norte-americano (2001)156, crianças que são cruéis com animais apresentam uma quantidade muito maior de 153 FRANÇA, Marcelo Sales. Personalidades psicopáticas e delinqüentes. 2004. Disponível em <http://jus.uol.com.br/revista/texto/6969/personalidades-psicopaticas-e-delinquentes>. Acesso em 14 de novembro de 2010, às 04:38h. 154 ESTADOS UNIDOS. United States Department of Justice. Animal Abuse and Youth Violence. Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention. Juvenile Justice Bulletin, set 2001, p. 04. 155 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders,1994, p. 90. 156 ESTADOS UNIDOS, op. cit, p. 04. 83 problemas de comportamento e de intensidade desses problemas do que crianças que não possuem histórico de crueldade contra animais. Foi apresentado no referido Relatório um estudo realizado em 1993 com uma amostra de 177 garotos que possuíam problemas crônicos de comportamento; o estudo demonstrou que 38,4% destes garotos foi diagnosticado com Desvio de Conduta e, destes, 29,4% admitiu ter hábitos cruéis com animais. Estes dados sugerem o valor que deve ser atribuído à crueldade contra animais por representar um sintoma específico de Desvio de Conduta e uma conexão com outras formas de comportamento anti-social tanto na infância, quanto na fase adulta. Como fator concorrente ao Desvio de Conduta ou como um dos principais indicadores de um comportamento anti-social, a crueldade contra animais merece mais atenção sob uma perspectiva de pesquisa e de avaliação. O diagnóstico de Desvio de Conduta é geralmente aplicado a indivíduos abaixo dos 18 anos de idade. Desta idade em diante, o critério e o diagnóstico aplicados diferenciam-se daqueles anteriores, passando à aplicação de outro procedimento investigatório e à realização do diagnóstico sob outra denominação: Distúrbio da Personalidade Anti-social. Embora não seja o objeto deste estudo, importa dizer que existe divergência doutrinária no tocante à denominação157 da disfunção comportamental geralmente conhecida como “psicopatia”. Conforme o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação de Psiquiatria Americana, a definição correta seria Distúrbio da Personalidade Anti-social, já a Organização Mundial de Saúde traz uma denominação diferente na Classificação Internacional das Doenças – CID, definindo o comportamento como Transtorno de Personalidade Dissocial. Há doutrinadores que utilizam o termo “sociopatia”, enquanto outros entendem adequada a denominação de “psicopatia”. A psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva (2008), ao tratar dos psicopatas, define-os como predadores sociais de aparência assustadoramente normal, embora sejam “pessoas frias, insensíveis, manipuladoras, perversas, transgressoras de 157 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado. 2008, p. 36-37. 84 regras sociais, impiedosas, imorais, sem consciência e desprovidas de sentimento de compaixão, culpa ou remorso”158. A divergência demonstrada é produto de discussões de ordem puramente subjetiva, uma vez que o mesmo termo pode ser utilizado para ilustrar todas ou a maioria das situações que exprimam uma determinada conduta desviante, um perfil transgressor. Por esse motivo, não se vislumbra a necessidade de classificações diferentes, pelo que adota-se neste trabalho o termo “psicopatia” e, conseqüentemente, “psicopata”. Apesar da concepção equivocada que a maior parte das pessoas tem acerca da psicopatia, ela não é uma doença mental orgânica, por isso não se enquadra na visão tradicional das doenças mentais. A psicopatia não é resultado de uma limitação da capacidade ou de faculdades mentais do indivíduo, pelo contrário, na maioria das pessoas em que este distúrbio é identificado pode-se observar um nível de inteligência até mesmo superior ao dos demais. Os psicopatas, quando analisados por profissionais, são avaliados como pessoas normais, que não têm delírios, alucinações, demonstram-se conscientes de si e de seus atos e não apresentam qualquer desorientação aparente. O real problema encontra-se na personalidade do psicopata, no seu defeito de caráter e na sua incapacidade de demonstrar sensibilidade e compaixão, a menos que isto o beneficie de alguma forma (para impressionar ou conquistar a confiança de suas vítimas). Neste sentido a supracitada autora afirma: A parte racional ou cognitiva dos psicopatas é perfeita e íntegra, por isso sabem perfeitamente o que estão fazendo. Quanto aos sentimentos, porém, são absolutamente deficitários, pobres, ausentes de afeto e de profundidade 159 emocional . Quando os psicopatas voltam-se para a criminalidade, são raríssimos os casos em que a sua captura é realizada de forma simples e em um curto período de tempo. Geralmente são necessárias equipes multidisciplinares para estudar o caso, analisar o chamado modus operandi do criminoso e identificar prováveis culpados, o que não costuma acontecer em pouco tempo, posto que os psicopatas, na maioria 158 159 Ibidem, p. 16. Ibidem, p. 18. 85 dos casos, são indivíduos bem apessoados, sedutores, dissimulados e veteranos atores da vida real, dificultando consideravelmente a tarefa de decifrar seus enigmas e apontá-los como suspeitos. A relação entre o Desvio de Conduta, a Psicopatia e a crueldade contra animais é estabelecida tomando por base o comportamento anti-social, a falta de preocupação com as situações de desconforto vivenciadas pelos outros, a transgressão a regras sociais e morais, e a inexistência de sentimentos como culpa e remorso, fatores presentes em ambos os transtornos de personalidade e que, de acordo com o nível160 de perturbação do agente, têm o potencial de causar sérios danos físicos e psicológicos tanto em animais quanto em humanos. É correta a afirmação de que nem todas as pessoas que são cruéis com animais são necessariamente violentas com humanos ou possuem qualquer perturbação mental. Por outro lado, na relação inversa, foi comprovado, conforme se demonstrou no capítulo anterior, que mais da metade dos indivíduos que cometem crimes violentos contra humanos já foi, ou ainda é, cruel com animais, possuindo ou não perturbações mentais de qualquer gênero. Essa premissa foi igualmente demonstrada quando se traçou o perfil dos agentes, também no capítulo anterior, em que a crueldade contra animais apareceu como uma constante nos perfis dos mais conhecidos assassinos seriais da contemporaneidade. Importa neste momento novamente analisar o caso de Francisco de Assis Pereira, o “Maníaco do Parque”, pois este criminoso, conhecido pelos estupros e homicídios cometidos com requintes de crueldade – além do abuso sexual de cadelas – foi diagnosticado como um indivíduo “normal” por treze psiquiatras. Qualquer pessoa, sem necessitar de capacitação profissional, seria capaz de afirmar que normal é tudo o que não era Francisco de Assis Pereira. Entretanto, nada puderam fazer os psiquiatras encarregados da avaliação do “Maníaco do Parque”, uma vez que não foi encontrado nele qualquer fator que comprometesse sua capacidade mental, clinicamente falando, e pudesse, assim, ter explicado seu comportamento violento. Por outro lado, é de suma importância ressaltar que o resultado “normal” proveniente de uma avaliação psiquiátrica – o que indica a inexistência de 160 Leve, moderado ou severo. 86 perturbação mental clínica no indivíduo analisado –, não exclui a possibilidade de o mesmo indivíduo possuir um transtorno de personalidade. O reexame do caso do “Maníaco do Parque” neste capítulo foi necessário para que se possa efetivamente compreender que os Transtornos da Personalidade não são doenças mentais nem estão vinculados a elas. Eles poderiam ser considerados como doenças do comportamento, caso existisse esta denominação, pois não são falhas encontradas na mente do indivíduo, mas em sua personalidade, sendo externadas por meio do comportamento. Júlio Fabrini Mirabete (2007) demonstra o mesmo entendimento: Os psicopatas, por exemplo, são enfermos mentais, com capacidade de entender o caráter ilícito do fato. [...] a personalidade psicopática não se inclui na categoria das moléstias mentais, mas no elenco das perturbações da saúde mental pelas perturbações da conduta, anomalia psíquica que se manifesta em procedimento violento161. A constatação de um problema de ordem mental ou psicológica num indivíduo é difícil de ser realizada até mesmo quando há um exame profissional, entretanto, sem a intervenção profissional a probabilidade de se identificar fatores que possam revelar patologias de ordem psiquiátrica e a existência de problemas psicológicos no sujeito é quase nula. Este trabalho não dedicou um capítulo específico aos Transtornos de Personalidade com o objetivo de explicar, mais uma vez, que o comportamento cruel com animais pode mais tarde se voltar contra humanos. A análise aqui é outra. Desta vez a problemática gira em torno da constatação de que tanto os indivíduos que possuem Desvio de Conduta, quanto aqueles diagnosticados como psicopatas podem apresentar comportamentos violentos que nem sempre seguem padrões ou critérios específicos, ou seja, eles têm o potencial de vitimizar animais e humanos indistintamente. O que se pretende demonstrar neste momento é que os transtornos de personalidade estão, na maioria significativa dos casos, ligados à violência, podendo ser um dos fatores que explicam o cometimento de determinados crimes, assim como um fator que, uma vez identificado, é determinante para a interrupção de uma 161 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, 2007, p. 211. 87 conduta desviante ou a prevenção de crimes de natureza violenta por meio de um tratamento acompanhado principalmente por profissionais da Medicina e Psicologia. A importância do exame técnico profissional é inquestionável, posto que a combinação de perturbações mentais e/ou psicológicas e o que juridicamente se chama de periculosidade162 produz resultados catastróficos e irreversíveis, atingindo muitas vezes o maior bem que a sociedade visa a proteger: a vida. A periculosidade também é verificada por meio de perícia psiquiátrica realizada por determinação judicial como condição para a aplicação da Medida de Segurança. Esta perícia é comumente chamada de exame criminológico, em que se realiza o diagnóstico da condição de saúde mental apresentada e se afere o nível de periculosidade do indivíduo. O diagnóstico produzido por uma análise profissional minuciosa, quando realizado de forma correta e ainda durante os primeiros indícios consistentes de uma conduta desviante, é capaz de impedir a continuidade delitiva e a progressão da violência contra qualquer um, seja ele animal ou humano. Importante salientar neste ponto que a sociedade está em constante processo de transformação, diante disso, o papel do Direito é acompanhar essas mudanças, adequando-se a elas; o que se torna um desafio no caso proposto por este trabalho, uma vez que a sociedade precisa, primeiro, assimilar um determinado fato como prejudicial para, então, desejar mudá-lo, refletindo este resultado no Direito. Entretanto, a mudança ainda não ocorreu na visão da sociedade, que não consegue vislumbrar a seqüência demonstrada ao longo deste estudo, acreditando que, quando os delitos acontecem, eles são fatos isolados e não relacionados entre si. Esta visão dificulta a efetiva inclusão da referida seqüência em âmbito jurídico. Ainda que a legislação de proteção aos animais seja extensa, conforme se pôde ver anteriormente, a conexão demonstrada neste trabalho, aliada por vezes aos transtornos de personalidade, ainda não foi reconhecida pela sociedade, o que impossibilita o Direito de entender e decidir de acordo com esta nova perspectiva. 162 “Por periculosidade, relativamente às pessoas, entende-se a propensão delas para o mal, a tendência para o mal revelada por seus atos anteriores ou pelas circunstâncias em que praticam o delito [...] Os criminalistas distinguem a periculosidade em social e criminal, ou seja, a periculosidade sem delito e a após o delito (post delictum). A periculosidade social, assim, é a que se evidencia ou existe antes do crime, em virtude da condição de perigosa revelada pela pessoa. É a periculosidade sem delito, a que alude FERRI, fundada no perigo do delito. A periculosidade criminal é a que se evidencia ou resulta da prática do crime, e se funda no perigo de reincidência”. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, 2007, p. 1030. 88 CONCLUSÃO Aventurar-se neste tema é um grande desafio, dada a zona mental de conforto onde a humanidade se encontra, demonstrando-se inerte ou indiferente no que se refere à violência contra os animais. Esta indiferença aliada ao antropocentrismo produz conseqüências graves tanto para os animais quanto para os humanos, como se pôde demonstrar nos dois últimos capítulos. O problema reside no fato de que várias formas de violência contra os animais são legitimadas consciente ou inconscientemente pela sociedade e pela legislação. Esta legitimação muitas vezes está revestida de justificativas “aceitáveis” para a permanência da prática de hábitos cruéis, o que leva à total despreocupação, banalização e dessensibilização gradativa das pessoas, que começam a avaliar a crueldade contra os animais, em todas as suas dimensões, como algo normal ou que não merece tanta atenção assim. Esta situação não está sendo encarada com a importância que lhe é devida, principalmente quando se toma por base o Brasil para se chegar a esta conclusão. Não há debates a respeito, não há estudos, não se pensa no assunto e nem se quer pensar, pois uma vez que o assunto é raciocinado e efetivamente compreendido, é pouco provável que tantos continuem com a mesma opinião e atitude acerca dele. É necessário esclarecer que o tema abordado neste estudo tem um caráter jurídico e axiológico indissociável, englobando fatores como a educação, a consciência de si e de sua responsabilidade social, a convicção de que há outras pessoas (e outros seres) que também possuem direitos, a compreensão de que há limites jurídicos e morais que devem ser respeitados. Desta forma, torna-se impossível falar de crueldade contra animais sem possuir um discurso imbuído de valores morais e éticos. A crueldade contra animais, antes de qualquer coisa, é um atentado contra a vida, e sua impunidade é uma afronta aos direitos inerentes aos animais e, por conseqüência, também aos direitos dos humanos, uma vez que estes restam prejudicados no encerramento do ciclo vitimológico apresentado ao longo do trabalho. Não há como fazer uma defesa exclusivamente técnica de um assunto que possui um viés essencialmente moral e conscienciológico. A abordagem 89 comportamental, psicológica e de cunho moral é inseparável da abordagem técnica em casos como o presente. Duas são as grandes dificuldades encontradas quando o objetivo é tratar de questões ambientais, estando aí inclusos os animais; a primeira refere-se aos interesses economicamente contrários à analise crítica da situação, posto que, o conhecimento de um problema leva à prováveis mudanças na intenção de solucionálo, mudanças que muitas vezes são incompatíveis com os interesses econômicos e políticos; a segunda dificuldade diz respeito ao preconceito que se tem que enfrentar, uma vez que para muitos não há justificativa em dedicar-se a um assunto insignificante, com o pensamento equivocado de que o assunto “não tem importância” por não lhes afetar em qualquer coisa e, na prática, entenderem que sua análise não lhes traz qualquer vantagem. Há um preconceito institucionalizado quando se fala em animais e elementos que envolvem sua proteção, diminuindo a importância do tema diante de outras questões consideradas “realmente” relevantes. Por esse motivo, o discurso pode aparentar ser revestido somente de componentes morais, principiológios e éticos, embora também haja nele uma fundamentação técnica consistente baseada em pesquisas e estudos específicos que revelam a importância de o assunto ser encarado também sob um viés jurídico. A crueldade contra os animais e contra humanos, dentro da perspectiva apresentada neste trabalho, é uma progressão muito perigosa dentro da violência que na maioria das vezes não é levada a sério nem corrigida enquanto há tempo, no seu início. A crueldade contra os animais deve ser combatida, tanto pelo respeito aos animais enquanto seres vivos sencientes, quanto para impedir que esta crueldade se volte contra os humanos. No desenvolvimento deste estudo, foi revelada a quantidade de normas que de alguma forma visam a impedir a prática de maus-tratos contra os animais, o que leva a crer, analisando-se o cenário dos crimes cometidos contra eles, que não é a inexistência de normas combativas a causa de tanta crueldade infligida aos animais, mas a ineficácia da norma existente, a deficiência na assimilação pela sociedade de que determinada conduta é inaceitável social e legalmente. A relação entre violência contra animais e humanos, hipótese apresentada neste trabalho, foi demonstrada em pesquisas realizadas desde a década de 70 90 utilizadas para a fundamentação de todo este estudo científico. A conexão estabelecida entre a crueldade contra animais e a prática de outras formas de violência, como a violência doméstica, por exemplo, foi o resultado incontestável apresentado por estas pesquisas. Restou devidamente comprovado que a maioria dos criminosos violentos foram introduzidos no mundo da criminalidade pela crueldade contra animais, sendo esta – a crueldade contra os animais – um dos principais fatores levados em consideração na composição de uma personalidade violenta e na análise de perfis de assassinos em série, realizada por profissionais que necessitam identificar um suspeito. As perturbações mentais e os transtornos de personalidade trabalhados brevemente no último capítulo podem explicar um comportamento violento que, somado ao fator da periculosidade, tem o potencial de prejudicar tanto animais quanto humanos. O que demonstra que a realização de um diagnóstico é imprescindível para que se promova o tratamento do indivíduo e, conseqüentemente, a prevenção de uma conduta violenta contra vítimas indeterminadas (animais e humanos) que só tende a se repetir. Conclui-se, assim, que a análise crítica dos crimes violentos contra animais é um fator determinante para o impedimento e prevenção de violência contra humanos, uma vez que um indivíduo que demonstra-se violento contra animais tem mais probabilidade de desenvolver e aprimorar este comportamento, aplicando-o em situações que envolvem humanos. Não é difícil notar que o Brasil, de forma geral, ainda não se atentou para esta conexão de violência. Todo este trabalho acadêmico foi desenvolvido com base em estudos oriundos de outros países, uma vez que o Brasil não produziu – ou não publicou – qualquer pesquisa nesse sentido até a presente data. Constatar o atraso do Brasil nesse aspecto é o mesmo que prever que vários crimes violentos contra pessoas ocorridos aqui vão continuar acontecendo até que se inclua a crueldade contra animais como fator desencadeante de um comportamento violento contra pessoas. Há que ser implementada a efetiva análise dos casos de abuso de animais para, a partir deles, promover a prevenção da violência praticada contra humanos posteriormente. 91 REFERÊNCIAS a) BIBLIOGRÁFICAS AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 4ªed. Washington, DC: American Psychiatric Association,1994. ARLUKE, A.; ASCIONE, Frank R.; LEVIN, J.; LUKE, C. The relationship between animal abuse to violence and other forms of antisocial behavior. In: Journal of Interpersonal Violence, v. 14, set 1999. ASCIONE, Frank R. Children who are cruel to animals: A review of research and implications for developmental psychopathology, Anthrozoös: A Multidisciplinary Journal of The Interactions of People & Animals, v. 6, nº 4, 1993. ______. Emerging Research on Animal Abuse as a Risk Factor for Intimate Partner Violence. In: Intimate Partner Violence. Civic Research Institute of Kingston, NJ, 2007. ______. THOMPSON, T. M., BLACK, T. 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