Tribunal de Justiça de Minas Gerais
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Tribunal de Justiça de Minas Gerais
Tribunal de Justiça de Minas Gerais Número do 1.0702.12.002260-4/001 Relator: Des.(a) Hilda Teixeira da Costa Relator do Acordão: Des.(a) Hilda Teixeira da Costa Númeração 0022604- Data do Julgamento: 07/04/2014 Data da Publicação: 14/04/2014 EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CÍVEL PÚBLICA - AVERBAÇÃO DE REGISTRO DE AREA DE RESERVA LEGAL COMPENSATÓRIA MICROBACIA DIVERSA - ATO IMPUGNADO REALIZADO NA VIGÊNCIA DA LEI 4.771/75 - NOVO CÓDIGO FLORESTAL (LEI 12.651/12) IRRETROATIVIDADE - ARTIGO 462 DO CPC - INAPLICABILIDADE ARTIGO 66, §6º, II, DA LEI 12.651/12 - COMPENSAÇÃO EM ÁREA LOCALIZADA NO MESMO BIOMA - DISPOSIÇÃO GENÉRICA - ESTUDO OBJETIVO E ESPECÍFICO - INEXISTÊNCIA - DESEQUILÍBRIO AMBIENTAL - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO - SENTENÇA REFORMADA. Por força do princípio da irretroatividade legal, o Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12) não se aplica ao fato ocorrido sob o diploma revogado (Lei 4.771/75) e, por se tratar de direito superveniente, incabível invocar os ditames do artigo 462 do CPC para este fim. O artigo 66, §6º, II, do novo Código ambiental ao estabelecer de forma genérica, que as áreas utilizadas para compensação devem estar localizadas no mesmo bioma da área de reserva legal, é norma que traduz nítido retrocesso, ante a potencialidade do desequilíbrio ecológico ambiental decorrente de sua observância. V.V. EMENTA: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA INSTITUIÇÃO DE ÁREA DE RESERVA LEGAL - RECOMPOSIÇÃO DA RESERVA LEGAL MEDIANTE COMPENSAÇÃO - ÁREA LOCALIZADA EM MICROBACIA DIVERSA DO IMÓVEL RURAL - AUTORIZAÇÃO DA LEI ESTADUAL Nº 14.309/02 - DISPOSITIVOS DECLARADOS 1 Tribunal de Justiça de Minas Gerais INCONSTITUCIONAIS PELA CORTE SUPERIOR DO E. TJMG MODULAÇÃO DOS EFEITOS - RESSALVA FEITA ÀS RESERVAS PARTICULARES JÁ CONSTITUÍDAS E PUBLICADAS À ÉPOCA EXCEÇÃO APLICÁVEL AO PRESENTE FEITO - RECURSO IMPROVIDO. - A Lei Estadual nº. 14.309/02, que autoriza a implantação de reserva legal fora dos limites da microbacia, foi declarada inconstitucional pela Corte Superior deste e. Tribunal de Justiça, no julgamento da ADI nº. 1.0000.07.456706-6/000. - Com a modulação de efeitos da ADI nº. 1.0000.07.456706-6/000, a Corte Superior reconheceu o efeito ex tunc da decisão, contudo resguardou as Reservas Particulares já instituídas e publicadas sob a égide da legislação estadual, quais sejam, "Reserva Triângulo I", "Vereda da Caraíba", "Aldeia", "Porto do Cajueiro" e "Cotovelo". - As Reservas Particulares descritas no v. acórdão da ADI ("Reserva Triângulo I", "Vereda da Caraíba", "Aldeia", "Porto do Cajueiro" e "Cotovelo"), são áreas de vegetação conservada, que substituem a obrigação do proprietário de instituir a reserva legal ambiental compensatória na mesma microbacia hidrográfica. APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0702.12.002260-4/001 - COMARCA DE UBERLÂNDIA - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): DANIEL ROSA JUNQUEIRA, IEF INSTITUTO ESTADUAL DE FLORESTAS ACÓRDÃO Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos em DAR PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDA A RELATORA. DESA. HILDA MARIA PÔRTO DE PAULA TEIXEIRA DA COSTA RELATORA. 2 Tribunal de Justiça de Minas Gerais DESA. HILDA MARIA PÔRTO DE PAULA TEIXEIRA DA COSTA (RELATORA) VOTO Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, em face de Daniel Rosa Junqueira e do Instituto Estadual de Florestas - IEF, sob a alegação de que o primeiro requerido é proprietário de imóvel rural de matrícula nº 69.233, situado em Uberlândia/MG, e adquiriu área de reserva legal do referido imóvel em Januária/MG, com aprovação do IEF, argumentando que a averbação da mencionada área como reserva legal contraria o antigo Código Florestal, que determina que a compensação deve ser feita dentro da mesma microbacia hidrográfica. Em sentença de f. 200-202, o douto Juiz a quo houve, por bem, julgar improcedentes os pedidos iniciais, fundamentando que, de acordo com o novo Código Florestal, art. 66 § 6º, inciso II, da Lei 12.651/2012, a compensação não mais precisa ocorrer na mesma microbacia, tal como era previsto no art. 44, III, da Lei 4.771/65, mas em propriedade com o mesmo bioma da área compensada. Inconformado, o Ministério Público apelou pelas razões de f. 205259, alegando que a irregularidade tratada nos autos ocorreu na vigência da Lei 4.771/65 e não é dado ao novo Código Florestal retroagir para atingir situações pretéritas. Alega, também, que o novo Código Florestal não pode ser aplicado ao presente caso por ser menos garantista que os diplomas anteriores, constituindo um verdadeiro retrocesso em matéria de direito ambiental. Argumenta que a decisão monocrática contraria o art. 225, da CR/88, bem como que a Reserva Legal na mesma bacia é necessária para garantir o equilíbrio ambiental regional. Discorre sobre o histórico do instituto da Reserva Legal e 3 Tribunal de Justiça de Minas Gerais afirma que o meio ambiente equilibrado constitui um direito fundamental, não cabendo ao novo Código Florestal restringi-lo, devendo ser declarado, incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 66, § 6º, II, da Lei 12.651/12. Requer o provimento do presente recurso, para que a r. sentença primeva seja reformada, julgando procedentes os pedidos deduzidos na inicial, primeiro para anular o ato jurídico que permitiu a averbação de reserva legal fora da microbacia, seguindo-se à condenação do primeiro requerido para instituir área de reserva legal na mesma propriedade ou microbacia. Ainda, pediu que o primeiro requerido seja condenado a pagar danos morais coletivos, declarando, também, a inconstitucionalidade do art. 66, §6º, II, da Lei 12.651/12. Os réus apresentaram contrarrazões (fls. 264-275 e 276-282), refutando as razões do apelante e pugnando pelo improvimento do presente recurso. Às f. 682689, o ilustre Representante do Ministério Público, Rodrigo Cançado Anaya Rojas, apresentou parecer, opinando pelo provimento do recurso. É o relatório. Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos de sua admissibilidade. A controvérsia do presente feito cinge-se na validade de averbação de área de reserva legal compensatória em localidade diversa da propriedade rural matriz/instituidora. Primeiramente, cumpre registrar que a Lei Estadual nº. 14.309/02, que autoriza a implantação de reserva legal fora dos limites da microbacia, foi declarada inconstitucional pela Corte Superior deste e. Tribunal de Justiça, no julgamento da ADIN nº. 1.0000.07.456706-6/000: 4 Tribunal de Justiça de Minas Gerais Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Artigo 17, incisos V, VI e VII e parágrafo 6º da Lei Estadual nº 14.309/02. Política florestal e de proteção à biodiversidade no Estado. Artigo 19, incisos V e VII, e parágrafo 6º, do Decreto Estadual nº 43.710/04. Regulamento. Reserva legal. Inconstitucionalidade manifesta. Extrapolação de competência suplementar. Disciplina contrária à legislação federal de regência. Ofensa ao artigo 10, inciso V, e parágrafo 1º, I, da Constituição Estadual. Representação acolhida. Vício declarado. - A recomposição da reserva legal em imóveis rurais a ser implementada mediante compensação, consoante a legislação federal de regência, somente é possível se se der por outra área equivalente em importância ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma microbacia. (ADI, nº. 1.0000.07.456706-6/000, Rel. Des. Roney Oliveira, pub. 07.11.2008). Entretanto, em sede de embargos de declaração, interpostos na referida ADIN, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade foram modulados: Embargos de declaração em Ação Direta de Inconstitucionalidade. Alegação de existência de omissões no Acórdão. Procedência parcial. Pleito de modulação dos efeitos no tempo da declaração de inconstitucionalidade não apreciado. Embargos acolhidos nesse ponto. Alcance da decisão delimitado. - Tendo efeito ""erga omnes"" a decisão do Tribunal de Justiça em sede de ação direta de inconstitucionalidade em face da Constituição do Estado, no caso de acolhimento da representação, com a conseqüente declaração de inconstitucionalidade da norma impugnada (o que importa na proclamação de sua nulidade), a sua retirada do mundo jurídico, com eficácia retroativa à data do início de sua vigência, ou outra data fixada na decisão, se faz no âmbito mesmo em que ela surgiu e atua, qual seja, no âmbito estadual - o que impede que, por haver a norma deixado de existir na esfera de ordenamento que integrava, seja reavivada em face da Carta Magna federal, questão cujo objeto já não mais existe. - Os embargos de declaração, como cediço, não têm o 5 Tribunal de Justiça de Minas Gerais caráter de reavaliação da valoração das teses apresentadas, de reapreciação do julgado. Certo é, também, que não configura lacuna o fato de não haver o Acórdão comentado cada um dos argumentos levantados pelas partes, quando, no contexto geral da decisão, está nítido o afastamento de todos eles. - Tendo sido o Acórdão omisso quanto ao pleito de modulação dos efeitos retrospectivos da declaração de inconstitucionalidade, sopesadas a boa-fé, a segurança jurídica e a questão ambiental imanente é se acolher os embargos para excluir do alcance da decisão as RPPNs efetivamente criadas e publicadas sob a égide da legislação estadual objeto da representação, mencionadas na parte dispositiva do Acórdão. (Embargos de Declaração-Cv 1.0000.07.456706-6/001, Rel. Des.(a) Herculano Rodrigues, CORTE SUPERIOR, julgamento em 12/08/2009, publicação da súmula em 27/11/2009) Tendo, portando, como dispositivo, o seguinte: Nesses termos, acolho, parcialmente, os embargos opostos pelo Estado de Minas Gerais e pela Assembléia Legislativa, apenas para, nos termos do artigo 27 da Lei 9.868/99, modular os efeitos no tempo da declaração de inconstitucionalidade dos incisos V, VI e VII do artigo 17 da Lei Estadual nº 14.309/02 e dos incisos V e VI e parágrafo 6º do Decreto nº 43.710/03, declarando que não serão alcançadas pelo caráter retrospectivo da decisão apenas as RPPN's "Reserva Triângulo I", "Vereda da Caraíba", "Aldeia", "Porto do Cajueiro" e "Cotovelo. Logo, a Corte Superior, ao acolher parcialmente os embargos declaratórios, reconheceu o efeito ex tunc da decisão, contudo resguardou as Reservas Particulares já instituídas e publicadas sob a égide da legislação estadual, quais sejam, "Reserva Triângulo I", "Vereda da Caraíba", "Aldeia", "Porto do Cajueiro" e "Cotovelo". Nesse sentido, a respeito da Reserva Particular do 6 Tribunal de Justiça de Minas Gerais Patrimônio Natural - RPPN, a Lei Federal nº. 9.985/00, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, estabelece, em seu art. 21, que é uma área privada, gravada com perpetuidade, com o objetivo de conservar a diversidade biológica. Dessa forma, as Reservas Particulares descritas no v. acórdão da ADINReserva Triângulo I", "Vereda da Caraíba", "Aldeia", "Porto do Cajueiro" e "Cotovelo"), são áreas de vegetação conservada que substituem a obrigação do proprietário de instituir a reserva legal ambiental compensatória na mesma microbacia hidrográfica. Compulsando os autos, observa-se que parte da reserva legal do imóvel mantido sob a matrícula nº. 69.233, situado no Município de Uberlândia, está localizada no próprio imóvel e o restante na Comarca de Januária, junto ao imóvel de matricula nº 16.461, na RPPN "Triângulo I", conforme documentos de f. 26-38v. Assim, tendo em vista que a compensação da reserva legal do imóvel rural de matrícula nº. 69.233 ocorreu junto a RPPN "Triângulo I", não atingida pela inconstitucionalidade declarada pela Corte Superior deste e. Tribunal, não há que se falar em nulidade do ato do segundo requerido e, por conseguinte, em obrigação do primeiro requerido em instituir nova reserva legal. Nesse sentido: EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - RECOMPOSIÇÃO DE RESERVA LEGAL - ARTIGO 17, INCISOS V, VI E VII E PARÁGRAFO 6º DA LEIESTADUAL Nº 14.309/2002 - INCONSTITUCIONALIDADE - AVERBAÇÃO DE ÁREA DE RESERVA LEGAL - MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - POSSIBILIDADE E INCIDÊNCIA. 1. A Lei Estadual nº 14.309/02, ao permitir a recomposição da reserva legal em imóveis rurais a ser implementada na forma do artigo 17, incisos V, VI e VII, acabou por possibilitar a compensação da reserva fora da mesma microbacia hidrográfica, dissentindo da legislação federal que disciplina a matéria, extrapolando a competência 7 Tribunal de Justiça de Minas Gerais legislativa concorrente, tendo a Corte Superior deste Tribunal reconhecido a inconstitucionalidade dos dispositivos citados no julgamento da ADIN nº 1.0000.07.456706-6/000. 2. Estando demonstrado nos autos que a averbação de reserva legal promovida pelo réu está inserta nas ressalvas estabelecidas pela modulação do efeito temporal da declaração de inconstitucionalidade do dispositivo estadual realizada pela Corte Superior do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a manutenção da sentença é de rigor. 3. Recurso desprovido. (Des.(a) Teresa Cristina da Cunha Peixoto - Dje 27/06/2013 - Apelação Cível 1.0702.11.019835-6/001 ) Ademais, o art. 66, §6º, II, do Novo Código Florestal alterou a forma de compensação, estabelecendo que a reserva legal pode ser instituída em microbacias diferentes, desde que no mesmo bioma. Sobre a alegação de que o referido dispositivo retrocedeu em matéria de proteção ambiental, devendo ser declarado inconstitucional, verifica-se que o legislador, dentro da competência que lhe foi outorgada, optou por abrandar o rigor anteriormente previsto, conciliando a preservação ambiental com o desenvolvimento econômico, não havendo que se falar em inconstitucionalidade. Desse modo, perfeitamente válida a compensação realizada pelo proprietário, seja pela ótica do antigo Código Florestal, quando teve autorização da Lei Estadual nº. 14.309/02, para instituir reserva legal em microbacia diferente, seja pelo Novo Código Florestal, que permite a compensação dentro do mesmo bioma. Em face do exposto, nego provimento ao recurso, mantendo incólume a r. sentença. Por oportuno, deixo de fixar as custas processuais e os honorários advocatícios, nos termos do art. 18, da Lei nº. 7.347/85. DES. AFRÂNIO VILELA (REVISOR) 8 Tribunal de Justiça de Minas Gerais Cuida-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra r. sentença proferida nestes autos que reconheceu a legalidade do ato praticado pelo Instituto Estadual de Florestas - IEF, consistente na autorização da compensação da reserva legal em área localizada no mesmo bioma onde estão situados os imóveis rurais de propriedade dos apelados, ao fundamento de assim permitir o novo código florestal, introduzido pela Lei n.º 12.651/12, a qual é mantida pela eminente relatora, desembargadora Hilda Teixeira da Costa. Estou a divergir. É certo que o novo código florestal ao revogar o diploma anterior também o fez em relação à regra então vigente segundo a qual a reserva haveria de estar dentro da mesma bacia hidrográfica, fator de referência geográfica. Desta forma, a eminente relatora, assim como o digno Juiz prolator da sentença recorrida agiram dentro da legalidade estrita posta no mundo jurídico pela nova ordem florestal, via da edição da aludida lei. Contudo, há de ser perquirido se o sentido protetivo posto pela Constituição da República em relação ao patrimônio ecológico para a presente e futuras gerações foi atendido pela legislação. Devemos buscar a compreensão de ter sido a norma constitucional atendida, a qual impõe a utilização sustentável das reservas para o desenvolvimento da sociedade, segundo ponto de equilíbrio entre o bem estar ecológico, a produção e, até mesmo, os quesitos de sobrevivência de populações locais que utilizam a terra, a 9 Tribunal de Justiça de Minas Gerais vegetação, a água, em resumo, o meio ambiente para sua sobrevivência. Tudo isso a gerar, hodiernamente, um grande conflito, a desaguar nos Tribunais, que vem sendo chamados a definir sobre a real política a ser adotada para apaziguar esses desencontros entre produção e preservação de bens ecologicamente frágeis e, por isso, protegidos. De se lembrar que o Brasil possui as maiores reservas ambientais do mundo e por isso, a par de ser denominado de "pulmão do mundo", também é o celeiro alimentar da humanidade, numa dicotomia que faz de seu acervo jurídico verdadeiro entroncamento de normas que de um lado reconhecem a gravidade das ofensas aos bens naturais e a problemática para o meio ambiente que elas causam, e de outro a necessidade de adoção de medidas para que haja desenvolvimento econômico compatível com a era atual, sustentavelmente, e assim preservando o nosso planeta Terra. De sabença geral que a produção é meio de erradicação de pobreza, de geração de riqueza e de divisas, além de representar forma de manter a raça humana viva, nutrida. De lado outro, essa mesma população necessita de ar puro para respirar, de água para suas necessidades, de forma a erigir o convencimento de ser extremamente necessário e urgente a efetiva edificação do direito da natureza, que irá efetivamente definir o que pode e em que condições pode ser feita intervenção nas áreas verdes do planeta. 10 Tribunal de Justiça de Minas Gerais Isso não vale apenas para florestas de grande porte, como é o caso da floresta amazônica, e sim para aqueles pequenos aglomerados de vegetação que circundam os pequenos olhos de água. Urge que os organismos legislativos internacionais compreendam o Planeta como o grande ecossistema, mas ao mesmo tempo entendam que se o grande rio desemboca no mar, é porque há um pequeno furo em uma rocha ou o surgimento em pequenos brejos ou pântanos da fonte da água. E se as florestas são valores intrinsecamente ligados à sustentabilidade do Planeta e da raça humana, há de ser perquirido o que se faz para recompensar aqueles que cuidam desses bens em seus imóveis, grandes ou pequenos. Evidentemente, sabe-se que cada Estado é uma unidade mundial soberana e deve erigir suas próprias leis, inclusive ambientais. Todavia, em se tratando de direito da humanidade à boa qualidade de vida, dentro de um equilíbrio entre produção e preservação, mister que o direito seja supra nacional, posto que é incompreensível que de um lado da fronteira a preservação seja efetuada, e do outro, a poucos metros, a natureza seja agredida. O mesmo se diga em relação às propriedades rurais, posto que, de um lado do riacho poderá haver o proprietário interessado na preservação das nascentes, das matas que protegem o curso e, do outro, aquele que apenas pensa no lucro que advirá da maior área de plantio, que não se importa em lançar insumos agrícolas que tornam a água que nasce dentro de sua propriedade imprópria para o consumo humano. 11 Tribunal de Justiça de Minas Gerais Por isso, tenho compreendido que o direito ambiental - conjunto de princípios, regras constitucionais, leis ordinárias, dentre outros - deve ser visto sob ângulo específico e especial, porque além de inovador, no aspecto de regramento, é essencial para a preservação das espécies, desde a micro até o homem. Nesse sentido, o juiz tem papel muito importante, porque efetivamente o Poder Judiciário vem sendo chamado a definir sobre a concreta efetivação do regramento ambiental, que não pode, jamais, retroceder, e sim evoluir, juntamente com a sociedade e as diversas formas de utilização do meio ambiente, de forma a guardar os aspectos mais positivos da legislação, segundo seu intento social. O ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça, escreveu sobre o juiz planetário. E lembra Sua Excelência que já em 1799, muito antes de qualquer inserção normativa constitucional, a coroa portuguesa criara em pleno regime colonial o cargo de "Juiz Conservador das Matas", com jurisdição no sul da Bahia, que naquela época já era uma das partes da floresta atlântica mais desmatada. O juiz nomeado renunciou, posto a grandeza da pressão advinda dos exploradores de madeira. E menciona também o Juiz Osny Pereira Duarte que elaborou a revolucionária lei n.º 4771/65. E termina: "...evidentemente, mais do que exemplos individuais e isolados de associação de juízes à problemática da exploração predatória e destruição de recursos naturais, hoje o chamado da crise ambiental requer envolvimento organizado, como instituição do Poder Judiciário." Não é desconhecida a situação fática envolvendo a extinção de espécies e a ameaça a outras. Atualmente aproximam de 700 as espécies da fauna incluídas na lista vermelha. Diversos biomas têm 12 Tribunal de Justiça de Minas Gerais sofrido violações fatais com as intervenções antrópicas. É compreensível que as florestas, as áreas umidificadas, a flora e a fauna são partes integrantes do sistema ecológico planetário e assim devem ser respeitados, numa perfeita integração entre a Lei, sua interpretação, à busca da normatividade, e a realidade viva dos eventos que ocorrem na sociedade que denomino de natural, que é aquela que não encontra fronteira ou limite físico entre a vegetação de um lado do registro público e a do outro. Da água que nasce em uma propriedade e serpenteia por inúmeras outras. Ambas têm um propósito na sociedade: a vida. Nesse ponto, há de se compreender que o estágio de desenvolvimento humano e a exigência de alimento à mesa, bem assim o viver saudável devem ser revestido da ética comportamental, segundo a qual cada um dos proprietários, dos posseiros e dos usuários da natureza, perceba que apenas a ética ecologicamente posta poderá criar um sistema de responsabilidade ambiental, propiciando a sobrevivência humana, segundo os bons conceitos de saúde, de lazer, de bens e riqueza. A mesma ética mencionada pelo ilustre jurista citado: ética do planeta. Desde as grandes explorações até os pequenos grupos de família, que exploram a natureza para sua sobrevivência, com baixo impacto ambiental. Obviamente, esse comportamento de respeito ao meio ambiente, especialmente quando dele se extrai elementos de riqueza, como é o caso de produção de grãos, de carne, de insumos, e outras espécies de bens, como pedras preciosas e metais preciosos, há de, em pais como o Brasil, estar assentado em legislação, eis que a ninguém é dado fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de uma lei. Está em nossa constituição. Já citamos o édito real que criou o Juiz conservador de Matas, o Código Florestal de 1965, e a efetiva subserviência do uso da natureza, em sentido lato, ao judiciário, através da Lei 6938/81, reconhecendo o juiz como agente de 13 Tribunal de Justiça de Minas Gerais conservação, transformação e preservação ambiental, ao prever a possibilidade de condenação à reparação dos danos ao meio ambiente e aos terceiros. Aqui vem oportunidade de explicação: o meio ambiente, que é a natureza em seu estado geral, e esses terceiros, entendo como as pessoas, os demais animais e os vegetais que interagem dentro daquele sistema que deve ser ecologicamente equilibrado. A atuação do juiz é mais um dos elementos necessários ao enfrentamento da grande controvérsia havida entre os atos de produzir e de preservar; de utilizar sustentavelmente. A jurisdição não é capaz de solucionar as grandes questões ambientais, como também não o faz em relação às demandas sociais e humanas. É sim o responsável pela análise, quase sempre, posterior de fato que lhe é posto em julgamento. Porém, ao agir em determinado ato concreto, poderá o Judiciário definir políticas futuras para situações semelhantes, numa forma de prevenção de litígio e de novas ofensas, tanto ao ato de explorar conscientemente os recursos naturais quanto no de preservar, par ao bem da atual e da futura geração. Neste intróito, não tenho dúvida em afirmar que o futuro do planeta passa pela atuação do Poder Judiciário, que em ultima posição, é o interprete e o aplicador da legislação pertinente, hoje em grande número, sob todas as circunstâncias, inclusive aquelas que derivam de acordos internacionais. Mas e principalmente, o juiz, dentro de seu poder jurisdicionais de dizer o direito, depois de tutelar ambas as partes pela sentença objetiva, há de se preocupar em propiciar nela, decisão, elemento para que haja seu efetivo cumprimento, compondo o litígio, sem causar maiores danos, que o próprio dano questionado. 14 Tribunal de Justiça de Minas Gerais O caso concreto mostra o conflito entre o Ministério Público deste Estado e os proprietários rurais no que concerne à localidade de materialização da reserva legal. Aquela instituída em um imóvel no município de Coromandel, distando aproximadamente 170 km de Uberlândia, atende ao interesse social e público ditados pela Carta da República e ao bem estar do Povo? Esta é a resposta que este julgamento deve dar. O primeiro ponto a ser estudado refere-se ao conflito das leis no tempo. Alega o Ministério Público que o fato ocorreu ainda na vigência da Lei n.º 4771/65, antigo código florestal, razão pela qual o novo não poderia ser a ele aplicado. Vejamos: o inquérito civil público demonstrou que os imóveis rurais pertencentes ao recorrido estão acobertados por reserva legal instituída em áreas adquiridas no município de Coromandel, portanto fora da microbacia de Uberlândia. Fato esse aprovado pelo IEF, baseado que esteve na autorização posta pela Lei estadual n.º 14.309/02, desvirtuada da Lei Federal em vigor à época, que em seu artigo 44, III, permitia a compensação dentro da mesma microbacia. O IEF elaborou Laudo Técnico atestando a qualidade ambiental e o Bioma a que pertence e a possibilidade de instituição de RPPN, nos termos da lei estadual, e afirma que houve grande ganho ambiental para o Estado e não ofendeu a ecologia, até porque está preservada a mata nativa que poderia ser passível de uso alternativo do solo. 15 Tribunal de Justiça de Minas Gerais Fixados esses parâmetros fáticos necessários ao presente julgamento, entendo que há de ser feita, mais uma vez, a grande separação da juridicidade que pode ser aferida e por isso aplicada pela Administração Pública e pelo Juiz. A primeira é regrada pelo principio da legalidade objetiva e desautoriza qualquer interpretação por parte do Administrador, inclusive quando incorporado no servidor técnico administrativo. A este cabe tão somente avaliar se o fato que é apresentado ao Administrador é subsumido a uma regra legal, que lhe dita o procedimento. No caso dos autos, o fato - averbação de reserva legal - possui legalidade. A resposta do órgão Administrativo, no primeiro ponto de reflexão está correta, eis que a Lei Estadual que lhe comanda objetivamente os atos, e a observância do principio da legalidade estrita, que lhe impede comportamento interpretativo e conjuntural em relação a outra leis e normas, o autoriza a reconhecer que a legislação estadual ampara a pretensão, e por isso o autorizou. Cumpriu seu mister administrativo. Tanto ao não interpretar a normatividade geral que nasce da constituição, e até mesmo de princípios superiores a ela, quanto quando deu cumprimento ao comanda da legislação estadual, especialmente do decreto que a regulamenta. Por isso, administrativamente, não há de ser imputada 16 Tribunal de Justiça de Minas Gerais conduta ilegal ou de afronta à carta da republica pelo Agente do Estado, e sim perfeito cumprimento de seu dever legal. O Administrador exerceu o que podemos denominar de julgamento comutativo entre fato e norma próxima que lhe impõe a conduta. Contudo, o fato, propriamente dito, agora sob a égide de um ato administrativo autorizador, foi trazido ao Poder Judiciário, encarregado dentro da estrutura estatal de dizer o direito, como um todo, e não apenas dentro do quesito restritivo da legalidade objetiva que comanda o ato do Administrador. Jurisdicionalmente, o fato administrativo pode ser analisado sob ângulos mais extensos e sob ótica desvinculada do principio da legalidade. Isso, observe-se, se ofendida a regra superior ou um princípio que deva ser valorizado, em função de sua importância social. Dito assim, vejamos, dentro da seara administrativa, sob o princípio jurisdicional, segundo o qual nenhuma lesão ou ameaça a direito será subtraído da apreciação do Poder Judiciário, se o Ato Administrativo que concedeu a autorização administrativa para averbação da área junto ao município de Coromandel, equivalente à reserva legal que deveria ser instituída no município e comarca de Uberlândia, atende à norma que visa a proteção da sociedade, em sua presente e futura geração. Está informado nos autos que os incisos V, VI e VII do artigo 17 da Lei estadual n.º 14309/2002, foram considerados por este Tribunal de Justiça inconstitucionais, e as diversas câmaras tem entendido por anular atos do IEF que autorizaram a averbação fora da microbacia originária do dano. 17 Tribunal de Justiça de Minas Gerais Assiste razão jurídica ao Ministério Público quando alerta que a declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal vincula o julgador monocrático, bem assim à Administração Pública, em todos os seus patamares. É recomendável que o juiz seja julgador técnico, e assim evite filosóficas incursões sobre sentido normativo não pretendido pelo legislador. É a regra. Todavia, situações se apresentam ao julgador que o levam a não apenas interpretar a lei objetiva do fato que lhe é posto para julgamento, e sim o contexto social sob o qual ele se desenvolve, e no qual ele surtirá seus efeitos. No caso em análise, o fato social primevo é a utilização da propriedade rural por seus legítimos proprietários, o que é direito constitucional assegurado. Como repercussão desse fato social - uso da terra - advém benefícios aos proprietários e à sociedade, como é o caso de produção agropecuária. Tudo direito constitucionalizado por força da propriedade. Ao garantir o direito de propriedade, o Estado Brasileiro, através de sua Norma Mor, estabeleceu, também que, a par de ser garantido o direito de propriedade, ela, a propriedade, atenderá a sua função social, conforme está no inciso XXII, do artigo 5º, da Carta da República. Tudo isso dentro dos conhecidos e difundidos direitos e deveres individuais e coletivos, os quais devem ser avaliados e interpretados de acordo com os direitos sociais, bem descritos no 18 Tribunal de Justiça de Minas Gerais artigo 6º, como é o caso de saúde, bem estar de todos, conforme aquele preceito de atendimento à sociedade. Portanto, há o direito ao exercício de proprietário rural, com respeito à função social da terra, visando, inclusive, à saúde do Povo, fonte de todo o poder, exercido por meio de representantes, que legislam ou edificam norma constitucional, como no caso retro mencionado. Por isso a inteligência do constituinte ao alocar no artigo 24 da CR/88, que é concorrente a competência de União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre florestas, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção ao meio ambiente, inclusive controle de poluição. Obviamente, no âmbito da concorrência legislativa, a união edita norma geral, podendo os Estados suplementá-la, e na inexistência da legislação federal, a competência dos Estados é plena, segundo suas peculiaridades, até que a Lei Federal seja editada e passe a vigorar, com isso suspendendo eficácia da estadual que lhe for contrária. Essa é a regra constitucional em vigor. No caso concreto, rememore-se, a Lei de Registros Públicos, que é federal e de alcance nacional, prevê que a averbação da reserva legal será efetivada na matrícula do imóvel. Este é o sentido dado pelo 19 Tribunal de Justiça de Minas Gerais artigo 16, do antigo Código Florestal. De qual imóvel? Obviamente aonde ela devia ser concretizada, ou seja, no próprio imóvel. Na situação posta, a averbação ocorreu no imóvel adquirido em Coromandel. Está atendida a lei, neste aspecto? A resposta é positiva, em relação à estadual. Está atendida à juridicidade? Não, eis que Lei Federal dispõe de forma diversa. Neste ponto adentra-se à seara da utilidade social de qualquer propriedade, dentro do aspecto limitativo que a interpretação do sentido da Carta da República quer impor. O raciocínio jurídico, com esqueleto constitucional e vestimenta de direitos naturais do homem, do ser humano, editado pelo ilustre Promotor de Justiça Fábio Guedes de Paula Machado, secundado pelo não menos eminente Procurador de Justiça, Antônio Sergio Rocha de Paula, é o que mais atende ao interesse protetivo da sociedade, especialmente quando afirmam que qualquer legislação que ofenda o direito constitucional ao meio ambiente perfeitamente equilibrado não pode ser legitimada pelo Judiciário, como de fato ocorre no julgamento do Incidente de Inconstitucionalidade com acolhimento da tese em relação ao artigo 17, da mencionada legislação estadual, utilizada pelo IEF para referendar e autorizar a aquisição de imóvel fora da microbacia de Uberlândia, porém dentro do mesmo bioma. Observe-se, ainda, que no julgamento ocorrido em 2008, pelo Órgão Especial, ficou assentado que a discussão cingiria ao 20 Tribunal de Justiça de Minas Gerais conflito da Lei 14.309 em relação reflexa com dispositivos da Carta Estadual, cuja competência é deste Tribunal, apesar da noticia de haver Ação no STF questionando também em função de ofensa à Carta da República. Então a análise jurídica foi da ofensa à Constituição deste Estado. De fato e de direito, o Órgão Especial deste Tribunal, compreendeu que segundo o artigo 225, da CR, todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, posto que este é bem de uso do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade em geral o dever de defendê-lo e preservá-lo para o presente e o futuro. Obviamente, dentro deste aspecto, e conforme está na regra da constituição, há de ser preservado e/ou restaurado o processo ofensivo e realizado o manejo das espécies e dos ecossistemas, inclusive com preservação da diversidade e do patrimônio genético e assim promover a educação ambiental e a conscientização de todos para a preservação do meio ambiente, além de proteger a flora e a fauna, vedadas práticas que coloquem em risco a função ecológica. Todos esses característicos, entre outros, são condutores à consciência de formulação e de respeito a princípios fundamentais do direito ambiental, em especial da função sócioambiental de cada propriedade. O somatório desses elementos pode ser representado pela ótica de Iuri Gagarin quando disse que a terra é azul, e acrescento, a propriedade rural deve ser verde, ou pelo menos, verde o quanto a legislação manda que seja, segundo a reserva legal, a área de preservação permanente ou na forma de outras áreas de proteção. 21 Tribunal de Justiça de Minas Gerais O eminente desembargador Roney Oliveira, hoje na inatividade, bem disse quando asseverou que esses característicos aderem a cada propriedade rural e posse rural. Importante anotar que naquele julgamento, histórico, ficou definido que o proprietário da área deve proteger, ou recuperar a área de seu imóvel. Equivale dizer: do imóvel originário, no qual labuta a terra, e apenas na impossibilidade de fazê-lo, frise-, dentro de seu imóvel, compensar com outra área de igual importância ecológica, pertencente ao mesmo ecossistema e na mesma microbacia. Mesmo tendo sido voto vencido, sua Excelência mostrou consciência ecológica geral. No mais, o e. Desembargador Herculano Rodrigues, hoje presidente deste Tribunal, capitaneou o julgamento segundo o qual as normas que delimitavam a matéria relativa à recomposição da reserva legal nos imóveis rurais insertas nos incisos V, VI e VII, do artigo 17, da Lei Estadual n.º 14.309/2002, reproduzidas no decreto estadual n.º 43.710/2004, extrapolaram a competência concorrente do estado, prevista no artigo 10, V, par. 1º, inciso I, da Constituição Mineira. Da inteireza do raciocínio jurídico editado pelo Órgão Máximo de Julgamento deste Tribunal de Justiça, em Ação de Inconstitucionalidade, foi fixado o entendimento soberano segundo o qual a regra é a da fixação da reserva legal no mesmo imóvel, ou, na impossibilidade fática, e apenas nesta impossibilidade, a reserva poderá ser feita em outro imóvel, dentro do mesmo ecossistema, para que haja respeito ao princípio da representatividade da propriedade ao povo à sua volta, ao seu entorno. 22 Tribunal de Justiça de Minas Gerais Esse julgamento, segundo seus fundamentos, é vital para a consecução dos objetivos positivos da utilização da Terra, conforme explicitarei. A compreensão de que o planeta é um organismo vivo, representado por diversos sistemas e subsistemas ecológicos, os quais são interdependentes e se integram para os fins de propiciar as condições necessárias, suficientes e exigíveis para a vida humana, e por extensão das condições para que esta vida seja acompanhada de qualidade, é o mais importante para o alcance da norma contida na Constituição da República, que ao dispor que todo tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, para preservação deste importante elemento vital para a presente e para as futuras gerações, que ela - a norma - dizer que nenhum outro fato é mais soberano que a boa qualidade de vida dos seres humanos, que passa pela proteção à flora e à fauna. Tudo dito, e assim posto, devo emprestar meu modesto entendimento àquele firmado pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, quando defende a impossibilidade de aplicar a lei nova ao fato ocorrido sob a vigência da anterior, sendo certo que não se trata de fato superveniente e sim direito superveniente. Ademais, neste caso aplica-se o princípio da irretrotividade legal, por razões obvias. Adiro, também, desde já, ao constitucional entendimento do Ministério Público sobre a ofensa aos princípios da boa ecologia porque a se permitir, de forma genérica e sem estudo objetivo e 23 Tribunal de Justiça de Minas Gerais específico a compensação dentro de bacias, e agora biomas, poder-se-á chegar ao absurdo de autorizar que um dano ecológico no município de São Roque de Minas seja recomposto em uma área da Bahia, de Sergipe ou dos outros estados banhados pelo Rio São Francisco. Irrefutável a tese de que o atual Código Florestal é muito benevolente, porque em seu artigo 66, apenas para ilustrar - adota o conceito de bioma, prevendo a possibilidade de desmatamento de uma área em Minas Gerais, que é dividida entre o lado esquerdo, cerrado; e o direito, vegetal da serra do mar, poder-se-ia devastá-las e fazer a compensação no Estado do Mato Grosso, por exemplo. Esclarece o Ministério Público que existe ajuizada perante o STF Ação direta de Inconstitucionalidade, cujo pedido liminar ainda não foi apreciado, no qual a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciência, atestam que "nos biomas com índices maiores de antropização, ou seja, que foram afetados pela ação do homem, como cerrado, caatinga e algumas áreas altamente fragmentadas, como a mata atlântica e partes da Amazônia, os remanescentes de vegetação nativa, mesmo que pequenos, tem importante papel na conservação da biodiversidade e na diminuição do isolamento dos poucos fragmentos da paisagem. Tais remanescentes funcionam, como trampolins ecológicos no deslocamento e na dispersão das espécies pela paisagem. Essas características exigem que eventuais compensações sejam feitas na própria microbacia ou na bacia hidrográfica, as características fitoecológicas que ligam as plantas àquele determinado local na área a ser compensada devem ser a referência para a compensação." Depois de ler e estudar esses argumentos, devo relembrar, 24 Tribunal de Justiça de Minas Gerais uma vez mais, depois de milhares de vezes, que o grande Roberto Lyra, em seu livro "Como acusar, como defender e como julgar", concede uma das lições mais importantes para o bom julgamento: " - mais vale um pequeno fato do que uma grande tese jurídica." O pequeno fato, que se contrapõe a qualquer argumento mais charmoso, como o é o da possibilidade constitucional de uso do direito de propriedade, é que a propriedade sem sua reserva legal, é deserto, porque perde seu verde, diminui sua capacidade de fazer brotar a água, pelos seus "olhos d´água", aquece mais a terra, impede a reprodução de plantas e animais, e tende a acabar com a fauna e a flora locais. E a compensação desse processo de desertificação da vida originária - mesmo que com plantio de produtos agrícolas ou adoção da pecuária - em outra área, mesmo que dentro do bioma, não propicia a boa função social da terra, porque contribui para inúmeras formas de agressão à saúde, e às espécies em seu habitat, o que pode ser visto nas localidades de grande plantio, especialmente no período de secas, onde o ar é caracterizado pelas partículas de poeira, até mesmo porque nas propriedades não há a barreira natural da vegetação alta. Ademais, importa observar aspecto fático quando se autorizar a compensação. Vejamos: Dentro de um bioma pode haver vários microssistemas. Cada qual com suas peculiaridades. Assim, pode haver faixa de terras de cerrado, por exemplo, com sua vegetação específica, seus animais 25 Tribunal de Justiça de Minas Gerais naturalmente adaptados, servindo à cadeia alimentar. Cada um dos elementos integrantes deste conjunto possui um propósito natural dentro daquele ambiente. As borboletas polinizam, os pássaros distribuem sementes, reflorestando. O sapo que vive na beira úmida come os insetos, é comido pelo réptil, que por sua vez é comido pelo felino ou pelo gavião, que podem estar no topo da cadeia alimentar. O equilíbrio está saudável. Ocorre que devastada esta área e outra adquirida para sustentar a reserva legal, mister que haja estudo de efeitos ambientais para a identificação da fauna e da flora, sem esquecer dos recursos hídricos, posto que se o novo ambiente não propiciar a mesma possibilidade de vida, a sustentação ecológica e ambientam não estará atendida nos termos naturais e dentro dos preceitos constitucionais hoje edificados. Portanto, é importante que o órgão de controle governamental em seu laudo assim informe, e não que apenas esteja a área situada dentro do mesmo bioma. Há casos concretos trazidos aos Tribunais nos quais se busca compensar o desmatamento de área com grande arvores, terras de boa cultura e com capacidade manancial com áreas de serras, notadamente áridas, com vida específica e flora restrita, e condizente com aquele meio ambiente. Equivale dizer: o sentido sócio ambiental não está sendo observado. A ética que se exige de todos os que exploram sustentavelmente o meio ambiente, em sentido lato, e especificamente, sua propriedade também não. E o prejuízo será sentido pela sociedade mais próxima, que poderá perder a cobertura vegetal e todos os benefícios que ela traz às pessoas e animais. 26 Tribunal de Justiça de Minas Gerais A explicação do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, vista à f. 401, tem pertinência ecológica e ambiental, mas antes disso, é juridicamente perfeita segundo a ótica da legislação existente e o sentido supra legal das regras, inclusive naturais, de conservação desses bens, pois ao mencionar microbacia, a legislação busca garantir que a reserva legal compensatória seja instituída próxima do imóvel que originariamente deveria possuí-la. Por isso, deve debitar o equívoco á conta do IEF, quando autoriza a compensação sem explicitar se a conservação da fauna, da flora e dos recursos outros seriam idênticos ao do imóvel objeto da obrigação inicial e se atenderia ao intuito social da lei. Da forma simplista como foi a observada nestes autos, pode-se compreender que o Estado autoriza que em uma dada região seja toda floresta devastada, desde que, mesmo a grande distância, outra área seja reservada. Com todo respeito ao conhecimento técnico da Administração, o desequilíbrio é a consequência. Não tenho nenhuma dúvida de que o Código Florestal, nesta seara, é lei que retrocede ao direito social para o perfeito equilíbrio ecológico e não contribui para a preservação das faunas e floras e para a boa qualidade de vida das gerações. Como afirmado na sustentação oral do ilustre Procurador de Justiça, agora no âmbito procedimental deste recurso, o que se deve fazer para o momento é a interpretação conforme a Constituição da República, também, para o fim de esclarecer que a compensação deve ser feita, dentro de áreas com identidade ecológica, ou seja, com mesma flora e fauna. Essa identidade é a essência da preservação da 27 Tribunal de Justiça de Minas Gerais vida, naquela localidade. Apenas na absoluta impossibilidade de instituição no próprio imóvel, originário, é que poderá a reserva ser acostada a outro imóvel, com os característicos próprios da microbacia. Assim posto, com respeitosa vênia ao entendimento sufragado pela eminente Relatora, desembargadora Hilda Teixeira da Costa, instalo a divergência, mediantes os fundamentos elencados, e DOU PROVIMENTO AO RECURSO, reformo a sentença prolatada as f. 200/202, anulo o ato de averbação às margens da matrícula 69.233, do 1º Ofício de Registro de Imóveis, e condeno os proprietários à instituição da área de reserva legal na própria propriedade ou, em outra, desde que situada dentro da mesma microbacia, medida, demarcada e averbada, inclusive com manutenção da identidade de flora e fauna. É como voto. DES. MARCELO RODRIGUES VOTO Na sessão do dia 25/3/2014, pedi vista dos autos para melhor análise dos autos e da divergência instaurada. E após detido exame de todo o processado, com a devida vênia a e. relatora, acompanho integralmente o voto do revisor, ressalvando contudo que a comarca onde foi instituída parte da reserva legal é Januária e não Coromandel, como constou em seu judicioso voto. Validamente, impossível fazer retroagir lei nova (Lei 12.651, de 2012) 28 Tribunal de Justiça de Minas Gerais para alcançar fatos pretéritos, mormente legalizar situações jurídicas que ocorreram à revelia do Código Florestal então vigente. Aplica-se o princípio da irretroatividade da lei. Neste sentido já decidiu o STJ: ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. FORMAÇÃO DA ÁREA DE RESERVA LEGAL. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. SÚMULA 83/STJ. PREJUDICADA A ANÁLISE DA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. SUPERVENIÊNCIA DA LEI 12.651/12. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO IMEDIATA. IRRETROATIVIDADE. PROTEÇÃO AOS ECOSSISTEMAS FRÁGEIS. INCUMBÊNCIA DO ESTADO. INDEFERIMENTO. (...) 3. Indefiro o pedido de aplicação imediata da Lei 12.651/12, notadamente o disposto no art. 15 do citado regramento. Recentemente, esta Turma, por relatoria do Ministro Herman Benjamin, firmou o entendimento de que "o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da 'incumbência' do Estado de garantir a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I)." Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 327.687/SP, relator ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 15/8/2013, DJe 26/8/2013) Ademais, a superveniência de legislação nova não tem o condão de tornar legítimos atos que já nasceram eivados de ilegalidade. Importante ressaltar que, não se está a manejar ação civil pública como sucedâneo de ADI da Lei Estadual 14.309, de 2002. Em verdade, a questão perpassa pelo desatendimento à Lei Federal, ou seja, o 29 Tribunal de Justiça de Minas Gerais Código Florestal, que é único em toda a federação. Daí, muito bem pontuou o e. relator que ainda que a reserva instituída atenda aos ditames da Lei Estadual, não impede à análise da juridicidade, considerando a Lei Federal: Está atendida a lei, neste aspecto? A resposta é positiva, em relação à estadual. Está atendida à juridicidade? Não, eis que Lei Federal dispõe de forma diversa. Com efeito, extrai-se do o art. 44, III, do anterior Código Florestal (Lei 4.771, de 1965), que era possível a compensação da área de reserva legal, porém, condiciona a sua validade ao fato de ser a compensação na mesma microbacia: Art. 44. O proprietário ou possuidor de imóvel rural com área de floresta nativa, natural, primitiva ou regenerada ou outra forma de vegetação nativa em extensão inferior ao estabelecido nos incisos I, II, III e IV do art. 16, ressalvado o disposto nos seus §§ 5o e 6o, deve adotar as seguintes alternativas, isoladas ou conjuntamente: (...) III - compensar a reserva legal por outra área equivalente em importância ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma microbacia, conforme critérios estabelecidos em regulamento. A exceção de compensação na mesma microbacia ficava por conta das disposições do § 4º, que assim dispunha: § 4º Na impossibilidade de compensação da reserva legal dentro da mesma micro-bacia hidrográfica, deve o órgão ambiental estadual 30 Tribunal de Justiça de Minas Gerais competente aplicar o critério de maior proximidade possível entre a propriedade desprovida de reserva legal e a área escolhida para compensação, desde que na mesma bacia hidrográfica e no mesmo Estado, atendido, quando houver, o respectivo Plano de Bacia Hidrográfica, e respeitadas as demais condicionantes estabelecidas no inciso III. Todavia, nem mesmo à exceção contida no transcrito no § 4º se amolda a hipóteses dos autos uma vez que a requerida adquiriu terra rural em Januária (Bacia do Rio São Francisco) a fim de compensar área de reserva legal própria em Uberlândia (Bacia do Rio Paranaíba), ou seja, bacias hidrográficas absolutamente distintas. Neste sentido é a jurisprudência: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - INSTITUIÇÃO DE ÁREA DE RESERVA LEGAL - PRELIMINARES DE LITISPENDÊNCIA/CONEXÃO E DENUNCIAÇÃO DA LIDE - REJEITADAS - PROPRIEDADE RURAL SEM FLORESTA - ART. 16, § 8º, DA LEI 4.771/65 - EXIGÊNCIA LEGAL RECOMPOSIÇÃO DA RESERVA LEGAL MEDIANTE COMPENSAÇÃO ÁREA LOCALIZADA EM MICROBACIA DIVERSA DO IMÓVEL RURAL IMPOSSIBILIDADE (...) - O fato do requerido ter adquirido terras na comarca de Januária visando promover a compensação da reserva legal, independentemente de ter sido instruído nesse sentido pelo IEF, não demonstra a sua boa fé , haja vista a expressa exigência do Código Florestal, em seu art. 44, §3º, de que o novo imóvel esteja em mesma bacia hidrográfica; (...) (Apelação Cível 1.0702.08.456446-8/001, relatora desembargadora Hilda Teixeira da Costa , 2ª Câmara Cível, julgamento em 10/1/2012, publicação da súmula em 20/1/2012) 31 Tribunal de Justiça de Minas Gerais AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROPRIEDADE RURAL. AVERBAÇÃO DE RESERVA LEGAL. LOCAL DISTINTO DA PROPRIEDADE. IRREGULARIDADE. RECURSO PROVIDO "IN CASU". (...) - A averbação de reserva legal na matrícula do imóvel rural, como um desses comportamentos positivos impostos, deve ser feita no mesmo imóvel, admitida a compensação em outro desde que pertencente à mesma bacia hidrográfica. - É irregular a averbação de reserva legal de imóvel compensatória com imóvel de outra bacia hidrográfica porque não atende à proteção ambiental e muito menos ao equilíbrio do ecossistema. - A questão do meio ambiente dentro do ecossistema no que toca a sua conservação e de tamanha importância para a vida do ser humano e de seus próceres que transcende em dimensão ao próprio direito nacional à medida que este afeta o equilíbrio da natureza enquanto patrimônio mundial. (Apelação Cível 1.0702.11.042765-6/001, relator desembargador Belizário de Lacerda, 7ª Câmara Cível, julgamento em 10/9/2013, publicação da súmula em 13/9/2013) Não fosse isso, registro o acerto do parecer ministerial em afirmar às f. 321-TJ a impossibilidade de aproveitamento da reserva instituída à luz do Código Florestal atual, uma vez que ... não existe prova nos autos de que o imóvel, onde foi instituída a área de reserva legal, estaria no mesmo bioma, não passando de mera ilação do Juiz de Direito. Entender que Januária possui o mesmo bioma de Uberlândia, por tratar-se de vegetação de cerrado, sem qualquer prova documental, não é decisão mais adequada. 32 Tribunal de Justiça de Minas Gerais Neste passo, ainda que fincada em legislação Estadual, verifico que a instituição de reserva legal se deu em descompasso com a lei federal de regência da espécie. Portanto, mesmo que não tivesse sido declarada inconstitucional a Lei Estadual 14.309, de 2002, não poderia ultrapassar os limites da competência legislativa suplementar conferida aos Estados membros e dispor de forma diversa ao previsto na lei federal (art. 24, VI, §§ 1º e 2º da Constituição da República). E considerando a hierarquia das normas, inolvidável que a área de reserva legal instituída se deu à revelia da lei, razão pela qual adiro integralmente ao voto divergente que anulou a reserva instituída. À luz destas considerações, com a devida venia, dou provimento ao recurso nos exatos termos do voto do revisor. SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDA A RELATORA." 33