A educacao de orfas em um asilo de Maceio (1877 1893)
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A educacao de orfas em um asilo de Maceio (1877 1893)
A educação de órfãs em um asilo de Maceió (1877-1893) Monica Luise Santos – UFAL [email protected] Resumo O presente trabalho tem por objetivo apresentar elementos parciais das duas primeiras décadas do Asilo de Nossa Senhora do Bom Conselho. A instituição foi criada em Maceió em dezembro de 1877, com o propósito de abrigar meninas órfãs desvalidas da província Alagoana. Este estudo foi baseado em uma pesquisa documental utilizando como fontes os periódicos alagoanos, como o Diário das Alagoas, O Liberal, Diário da Manha e o Jornal das Alagoas, os relatórios dos presidentes da província alagoana além do uso das fontes documentais manuscritas do Asilo. Como base teórica o artigo apóia-se em estudos de Nascimento (2005) e Gondra e Schueler (2008), os quais têm estudos sobre instituições criadas no século XIX para educar e criar meninas órfãs. O Asilo de Nossa Senhora do Bom Conselho foi criado no contexto de fundação de várias instituições criadas no Brasil para atender a criança desamparada. Para se manter o Asilo contava como as doações de pessoas ilustres da sociedade alagoana, além dos donativos doados pelo governo da província e das vendas de artefatos produzidos pelas órfãs. Na referida instituição havia o ensino de primeiras letras, bordado e prendas domésticas além do ensino religioso. A educação dada nas instituições para as mulheres tinha como principal intenção formar boas esposas e mães de família, já que a mulher seria uma das responsáveis pela formação do cidadão que se pretendia formar no Brasil. Pode-se concluir que a educação dada no Asilo de Nossa Senhora do Bom Conselho atendia os preceitos a época. Introdução Em dezembro de 1877 Maceió receberia a primeira instituição feminina destinada ao acolhimento de meninas órfãs desvalidas, filhas de pais militares, funcionários públicos que fossem consideradas indigentes ou qualquer órfã que não possuísse parentes. De nome Asilo Nossa Senhora do Bom Conselho1, a instituição seria erguida nos moldes dos conventos europeus, referência adotada pelas instituições fundadas no Brasil nos séculos XVIII e XIX. 1 O Asilo de Nossa Senhora do Bom Conselho foi objeto de estudo do Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado “A fundação do Asilo Nossa Senhora do Bom Conselho” (2008) de autoria de Cecília de Lemos e Ednalda Zu.. Situado no bairro de Bebedouro, o prédio apresentava uma imagem suntuosa, de algum modo anunciando a grandeza de sua missão. Entretanto, o cotidiano da instituição revelará a fragilidade deste aparente propósito. Este trabalho apresenta elementos acerca das duas primeiras décadas da instituição, com o apoio de fontes jornalísticas que circulavam em Maceió na segunda metade do século XIX, como o Diário das Alagoas, O Liberal e Jornal das Alagoas e o Diário da Manhã. Estes traziam em suas edições notícias sobre a instituição por meio de notas oficiais ou publicação de particulares, admiradores e fundadores deste empreendimento. Além dos periódicos há também o apoio das fontes documentais manuscritas e dos relatórios dos presidentes da Província de Alagoas, fontes estas que descrevem o desenvolvimento do Asilo. No Nordeste brasileiro, assim como no Sudeste, tivemos a criação dos primeiros recolhimentos por volta do século XVIII. No Nordeste o trabalho do missionário jesuíta padre Gabriel Malagrida (1689-1761) foi de grande importância para a constituição dessas instituições, sobretudo a partir do século XIX. Este religioso antes de ser queimado na fogueira da Inquisição, a mando do Marquês de Pombal, criou recolhimentos para mulheres consideradas malvistas. Segundo Madeira (2008), acompanhado do povo considerado rude, Malagrida realizava as missões em locais incertos como São Luís, Belém, Viçosa (CE), Rio Grande do Norte, Paraíba, Bahia, Alagoas e Igarassu (PE). Neste último fundou o Convento Sagrado Coração de Jesus, abrigando 40 mulheres. Na Bahia em 1741 ergueu o Convento de Nossa Senhora da Piedade, dando-lhe a regra das Ursulinas (MURY, 1875). A instituição ficou conhecida como Casa Feminina de Soledade, destinada a moças, em particular, moças “perdidas”. O jesuíta Gabriel Malagrida esteve também em Alagoas promovendo missões, com o fim de recolher madalenas arrependidas. Paul Mury (1875, p.83) destaca as missões por volta de 1741 e 1746: Sem se afrontar com a distância Malagrida, armado com seu crucifixo sahiu no fim de 1741, e sempre a pé, consoante o costume, por ardentes areaes, lá foi a conquista de novas almas. (...) Em outubro chegou a Penedo, nas margens do Rio São Francisco (...). Por preservar do vício duas moças que a miséria expunha no cairel do abysmo, sacrificou duzentos escudos, que mendigara no caminho do convento da Bahia. De Penedo, Malagrida seguiu para Poxim, e depois para Villa das Alagoas, mas não chegou a fundar nenhuma instituição destinada a acolher mulheres perdidas em território alagoano, apenas fez pregações, ergueu e reconstruiu igrejas. Somente no século XIX seriam criados em Alagoas estabelecimentos filantrópicos exclusivamente femininos, como o Asilo Nossa Senhora do Bom Conselho sobre o qual nos ocuparemos neste texto. A Fundação do Asilo de Nossa Senhora do Bom Conselho A extensa seca que abrangia a Região Nordeste na década de 1870 trouxe um estado de calamidade pública para as várias províncias. A fome e as epidemias, como a varíola e o cólera, puseram fim a grande parte da infância pobre nordestina. Para agravar o quadro de miséria tivemos na década anterior a Guerra do Paraguai (1864-1869), que levou ao extermínio considerável contingente populacional adulto e masculino, ocasionando uma grande quantidade de crianças órfãs e desvalidas. A presença da infância desamparada e órfã, vulnerável à violência, ao vício e à prostituição, exigia um lugar propício para abrigá-las. E para tal fim, por iniciativa do presidente da Província a época, Antonio dos Passos Miranda, foi fundado em Maceió, no dia 08 de dezembro de 1877, um asilo para órfãs “desvalidas”, com o nome de Asilo de Nossa Senhora do Bom Conselho, por meio da Lei provincial N. 748. Com o objetivo de arrecadar fundos para custear as despesas como aulas de primeiras letras e prendas domésticas, as senhoras de Maceió fundaram a Sociedade Beneficente Protetora do Asilo das Órfãs Desvalidas de Nossa Senhora do Bom Conselho, como mostra o Almanaque Administrativo da Província de 1879: Algumas Senhoras da capital, movidas pelos mesmos sentimentos do illustre fundado do Asylo, organizaram uma sociedade com o fim de proteger o estabelecimento, zelar seus creditos e interesses, promover tudo quanto for de mister para seu engrandecimento e prosperidade. Durante o século XIX várias associações foram fundadas no Brasil com o objetivo de proteger as crianças desamparadas. O Almanaque afirma que 168 senhoras participaram a fundação da Sociedade entre elas estavam Iduméa Lins de Miranda, Francisca de Alcantara Coelho de Menezes, Laurianna Adelina de Moraes Romeiro, Francisca Ramalho Dias Cabral e Maria Coutinho Guimarães. Estas fizeram parte do primeiro Conselho Deliberativo da Sociedade. As quais foram respectivamente Presidente, Secretária, tesoureira e diretora e vice-diretora. A fundação do Asilo foi amplamente divulgada nos jornais locais e bastante freqüentada pelos membros ilustres da sociedade alagoana como mostra os jornais O Liberal e Diário das Alagoas de dezembro de 1877: Installou-se no dia 8 do corrente o asylo das orphans desvalidas no prédio para esse fim destinado na povoação do Bebedouro, arrabalde desta cidade. Precedeu ao acto da installação a benção da capela de N.S. do Bom Conselho e uma missa que em seguida celebrou o revd. Antonio Procópio da Costa [...] Estiveram presentes as pessoas mais gradas desta capital, e cerca de 50 senhoras destinctas de nossa sociedade, que fazem parte da sociedade beneficente protectora d´aquelle asylo (O Liberal, Maceió, 11 de dezembro de 1877, n. 145, ano IX, p. 2). Findo o acto religioso o exm. snr. presidente da provincia, tomou assento no topo de uma meza, o convidando diversas pessôas gradas, entre as quaes o snr. deputado José Angelo, commendador Sobral, chefe de policia, juiz de direito interino, promotor publico da comarca, presidente da camara municipal e seos respectivos vereadores, que se achavam em corporação, ahi perante as exmas, senhoras, socias do Asylo, a directoria do estabelecimento o cinco orphãs desvallidas, os chefes das diversas repartições publicas com seus empregados, os militares, corpo de saúde, capitão do porto, e grande numero de espectadores, S. exc. fez uma linda exposição da importante instituição que creou, e teve a fortuna de vêr realisado o seu ardente desejo; depois do que o snr. dr. chefe da policia fez um discurso analogo encarecendo o esforço de S. exc. o snr. presidente da provincia. (Diário das Alagoas, Maceió 11 de dezembro de 1877, n. 280, ano XX, p. 1) A presença de membros nobres da sociedade alagoana da época demonstra, por um lado, a existência de um pacto entre elite econômica, governo e parte de grupos sociais que se colocavam como vigilantes da conduta moral da sociedade, a fim de manter a ordem e a disciplina; por outro, tais grupos mantinham interesse de visibilidade na imprensa para obter vantagens pela ação benévola, tão bem aceita por grupos conservadores e progressistas. As práticas caritativas talvez tivessem, como nenhuma outra, potencial para unificar aqueles grupos com propósitos divergentes. O asilo tinha como propósito, atender meninas órfãs desvalidas, que residiam na província alagoana, como declara o capítulo I do artigo 1º. do Regulamento2 do Asilo de Nossa Senhora do Bom Conselho: “Art. 1º O Asylo de N. S. do Bom Conselho é um internato destinado a abrigar e educar as meninas orphãs desvalida, residentes na provincia, proporcionando-lhes a conveniente instrução”. Para ser admitidas na instituição a órfã teria que ser filha de pais militares ou de funcionário público e ser considerada indigente, ou ser órfã sem a proteção de parentes que pudessem criá-la e educá-la, como já foi mencionado. Entretanto apesar desses requisitos logo após abertura do Asilo, no dia 10 de dezembro de 1877, o Diário das Alagoas publica uma matéria, sem autoria, que denuncia que na instituição foram admitidas meninas que tinham parentes abastados e de destaque na sociedade alagoana: [...] a installação desse estabelecimento terá lugar sabbado e para isso tem-se andado recrutando orphãs, entres as quais há algumas que não estão no caso de serem protegidas pela caridade publica, portanto tem parentes abastados e com posição na sociedade, ao passo que muitas tanto nesta cidade como no interior da província esmolam o pão da caridade, sujeitas a negro futuro. (Diário das Alagoas, Maceió,10 de dezembro de 1877, n. 279, ano XX.) Segundo o Regulamento a instituição teria diretor e vice-diretor, uma regente, uma professora de primeiras letras, um capelão e um médico. Além de uma mestra de prendas e uma professora de música. Até o Asilo ter 30 internas a regente ocuparia também o cargo de professora de primeiras letras. No primeiro ano de funcionamento o Asilo tinha como diretor o comendador Manoel Pinto Sobral, como vice-diretor João Francisco Dias Cabral, como Regente e Professora de primeiras Letras Barbara Terencia de Moraes, Francisca Maria da Conceição como mestre de prendas e como médico Manoel Argollo Ferrão. Para a fundação do Asilo o presidente da província como também a Sociedade Protetorado Asilo, os quais seriam os responsáveis pela administração do asilo, contaram com a adoção de diversos membros da sociedade, como publica o Jornal das Alagoas de 5 de agosto de 1877: 2 O Regulamento do asilo de Nossa Senhora do Bom Conselho foi publicado no Jornal das Alagoas de 6 de dezembro de 1877. Asylo de orphãs. A commissão encarregada de promover donativos no Penedo já deu conta do resultado de sua caridosa incumbencia, entregando a s. exc. o snr. presidente da provincia a quantia de 1.600$000. Na mesma cidade ofereceram a s. exc. para o asylo: o rvm. frei Manoel da Conceição Monte 500$000, o coronel Theotonio Ribeiro e Silva 50$ rs. O snr. Manoel José Taboca, proprietario em S. Miguel do Campos, tambem fez donativo da quantia de 60$ rs. Todas estas importancias já foram recolhidas ao thesouro provincial. (Jornal das Alagoas, Maceió, 5 de agosto de 1877, n. 1928, ano VIII.). No ano de 1879, o presidente da Província Cincinato Pinto Sobral integra o Asilo à Santa Casa de Misericórdia, estabelece na Resolução n. 744 de 23 de junho daquele ano, que a partir dessa data o Asilo passe a fazer parte da Santa Casa de Misericórdia, pois entende que ambas instituições eram de natureza filantrópica, e assim sendo, devem pertencer a uma só administração. Garantia, entretanto, por lei a independência das atividades em relação a ação do Governo (O Liberal, Maceió, 30 de abril de 1879). O desdobramento do Asilo nas duas primeiras décadas Embora houvesse um esforço, de manter a principio 20 órfãs, e que é demonstrado pela suntuosidade da estrutura arquitetônica montada para o Asilo, o número de meninas acolhidas nos primeiros anos foi bastante reduzido. Nos dois anos iniciais apenas sete órfãs foram admitidas na instituição. Apesar das dificuldades financeiras, de acordo com a avaliação feita pelo Presidente da Província de 1879, Cincinato Pinto da Silva, o Asilo não descuidou da instrução das educandas. Relata que levando em consideração que as 7 órfãs que chegaram no Asilo nada sabiam, era regular o aproveitamento das mesmo com relação as matérias para as meninas de primeira classe. No jornal O Liberal, lê-se a fala do presidente: “É regular o aproveitamento das educandas, que continuam a aprender as materias designadas no Regulamento para as de 1ª classe, por terem entrado para o estabelecimento sem nada saberem” (O Liberal, 30 de abril de 1879). Segundo o regulamento da instituição as órfãs que chegassem à instituição seriam separadas em duas classes: primeira e segunda. A primeira classe seria para meninas de 6 a 10 anos de idade e a segunda classe para as educandas como idade superior a 10 anos. Assim estavam dispostas as matérias paras as educandas de primeira e segunda classe: Art. 52. As educandas de 1ª classe receberão o ensino das seguintes matérias: §1.º Instrucção moral e religiosa compatível com sua tenra idade. §2.º Conhecimento das letras do alphabeto e de seus differentes caracteres do uso commum, dos sons e suas modificações, das syllabas, das palavras e leitura facil. §3.º Pronuncia correta. §4.º Formação das lettras do alphabeto sobre a pedra e pricipios de escripta. §5.º Noções elementares de arithmetica, accomodadas á sua idade, formação dos números simples e representação dos mesmos por lettras arábicas, operações de somma, diminuir e tabuada. §6.º Costura lisa, ponta de marca e crochet. Art. 53. As educandas da 2ª classe receberão o ensino das seguintes materias: §1.º leitura e calligraphia. §2.º Arithmetica inclusive fracções ordinárias e decimaes complexo, proporções e resolução de problemas mais communs, systema metrico decimal. §3.º Grammatica nacional e analyse dos classicos portuguezes. §4.º Musica, noções geraes de geographia e historia do Brazil, especialmente a desta provincia , e historia sagrada. §5.º Trabalhos de agulha e prendas domesticas Além dessas matérias, as educandas de ambas as classes teriam que frequentar uma vez por semana as aulas de culinária, de engomar como também a de outros afazeres domésticos, que fossem compatíveis com sua idade e capacidade física. Gondra e Schueler (2008, p. 205) salienta que “a preparação para vida doméstica era o ideal de instrução primaria feminina”. Lembram que conforme a Lei Geral de ensino de 1827, para as meninas seriam suficientes os ensinamentos da doutrina cristã, leitura, escrita e calculo elementar, acrescidos, das “prendas que servem à economia doméstica”. Os trabalhos produzidos pelas meninas do Asilo eram exibidos para o público, a fim de comprovar que diariamente elas eram ocupadas com as prendas domésticas, e deste modo não lhes sobraria tempo para pensar nas tentações mundanas. Assim, elas não iriam de encontro aos preceitos da sociedade vigente, os quais implicavam a preservação da moral e da boa conduta da mulher, conforme concepção da época. Tal exigência era primordial para que as meninas fossem merecedoras das doações. Para expor à sociedade o fato de que as doações eram empregadas corretamente no custeio das despesas do Asilo, nas comemorações do terceiro aniversario da instituição, a direção abriu as portas para que os doadores visitassem as dependências do prédio, prática comum nos estabelecimentos filantrópicos. Dessa forma, inspirava confiança e estimulava a benevolência do público ali presente. A festa do terceiro aniversário de fundação foi comemorada com grande pomposidade, com a presença das mais diversas autoridades: o Presidente da Província, o chefe de polícia, o diretor e vice-diretor da instituição, além do conselho deliberativo. Na mesma ocasião foi apresentada mais uma órfã, totalizando o número de oito meninas ali abrigadas. Porém, o diretor planejava acolher mais duas, até o início do ano seguinte. Assim consta no jornal da época: Nesta ocasião o antigo conselho apresentou a orphan Maria Joaquina que foi aceita, elevando o total de educandas a 8, o que chegará a dez no principio do vindouro anno segundo os intuitos do digno director do Asylo o senhor commendador Sobral” (O Liberal, Maceió, 11 de dezembro de 1880, p. 01). Incomodava aos organizadores da instituição o fato de os responsáveis pela instrução das meninas acumularem cargos, a exemplo da professora de primeiras letras, que exercia também a função de regente, sem que isso significasse algum acréscimo em seu salário. Até que o Presidente da Província, a pedido do diretor do Asilo, Manoel Sobral Pinto, no ano de 1880, altera o regulamento de 1877 e autoriza a nomeação de uma regente para a instituição, pois em 1880 a instituição tinha apenas 8 asiladas e o regulamento diz que apenas quando o asilo admitissem 20 órfãs e que seria separada a função de regente e professora de primeiras letras. Testemunha o periódico daquele ano a alteração do Regulamento de 5 de Dezembro de 1877, o qual nomeia como Regente D. Maria Alves de Loyola, cargo assumido em 22 de dezembro daquele ano (O Liberal, Maceió, 11 de dezembro de 1880, p. 1). A prática de acumulação de cargos e/ou era comum a época, basta repararmos que a maioria das escolas em funcionamento na província tinha a professora como a responsável para exercer diversas funções, além de ter que providenciar aluguel de casa - quando não era a sua - geralmente pago do seu minguado salário, com a esperança de ressarcimento; cuidar da compra de objetos necessários para a escola funcionar; exercer o cargo de diretora; zeladora; professora. Quando a escola funcionava em casa, a professora necessariamente misturava as funções de dona de casa com as atribuições do ensino. Era o espaço privado que passava a se tornar precariamente público. Com relação à arrecadação de fundos utilizados pela Sociedade Beneficente para manutenção da instituição, jóias eram entregues por senhoras ricas e piedosas para serem penhoradas. Os juros deveriam ser revertidos para auxílio financeiro do asilo. Mesmo assim, a taxa de penhor não era cobrada, de modo que aquele ato benevolente das senhoras não havia trazido contribuição financeira alguma para o Asilo, cuja intenção era ampliar os recursos disponíveis e o número de meninas órfãs recolhidas. Em citação no Relatório de Presidente da Província do ano de 1881, lia-se: A Sociedade Beneficente Protectora muito pouco há rendido, não tem havido a necessaria actividade na cobrança das joias [...], é mister, portanto, actival-a. Se o Asylo contem camas, utensílios e accomodações para [...] [orphans], segundo affirma o meu antecessor, é certo, porém que actualmente [...] conta elle apenas 7 orphans, por asseverar o Director não poder [...] comportar maior numero (O Liberal, [não identificado dia e mês de circulação do periódico]1878, p. 16). Em 1882, a ampliação da receita, em geral vinda dos donativos, propiciara o acolhimento de mais três órfãs. Assim constava no relatório provincial daquele ano: “Em tres annos, diz a Vice-Directoria, saldadas ficaram todas as dividas, cresceu o patrimonio e com elle foram abertas as portas do asylo a mais 3 orphans, existindo ja alli oito...” ( Diário da Manham, 16 de abril de 1882, p. 3 ). Uma das razões para o aumento da receita foi a venda nas feiras beneficentes dos artefatos produzidas pelas próprias órfãs, que iam desde trabalhos de bordados, agulhas e prendas domésticas. Havia também o apoio financeiro do presidente da Província, José Barbosa Torres, que isentou o Asilo do pagamento de impostos. Havia ainda o empenho da presidência da Sociedade Beneficente Nossa Senhora do Bom Conselho que, sob o comando a época da senhora Laura Santina de Vasconcellos, encarregava-se de arrecadar fundos entre as senhoras ricas para ajudar na renda do orfanato. Como se observa, a manutenção financeira da instituição obedecia a verdadeiros percalços, marcados por uma trajetória constantemente instável. No ano seguinte (1883), novamente a instituição começa a passar por dificuldades financeiras. Por conta disto, não havia sido feito o pagamento dos salários dos funcionários, num total de 24 pessoas, embora o ensino de prendas e a escola primária não tivessem sido atingidos a ponto de interferirem no andamento de suas atividades. Em jornal da época lê-se: Attesta o Director a regularidade da escola primaria. Pelo mappa junto ao vê-sa que 4 d´entre as orphans já apresentam algum adiantamento. Quanto ao ensino de prendas prova o esforço da respectiva Mestra (Fala do Presidente da Província, Joaquim Tavares de Mello Barreto, Diário da Manham, 15 de abril de 1883). De acordo com o regulamento da instituição, as órfãs podiam manter-se ali abrigadas até os 18 anos. No entanto em um requerimento ao presidente da província em 1893, no qual pede autorização para que a órfã Maximina Maria Duarte fosse entregue para a irmã, ex-interna, Josephina Maria da Conceição, revela que órfã já estava com o 26 anos. Asylo de N. Senhora do Bom Conselho, em Maceió 1º de junho de 1893. Achando-se a órfã Maximina Maria Duarte Recolhida a este estabelecimento em virtude de ordem do Exm. Presidente ex-provincia em 8 de dezembro de 1877 com dez annos de idade, conta hoje a idade de 26 annos. Josephina Maria da Conceição, uma daquella também recolhida neste asylo, tendose casado com Joaquim Azevedo F. de Miranda, e estando em condição de manter em estado decente áquella irmã, reclama no requerimento incluso a sua entrega, e cabe-me informa que é justo e até admirável o seo pedido (...)3. Ao saírem do Asilo as órfãs tinham apenas duas opções: o casamento ou o trabalho em casas de famílias abastadas. Estas duas opções era prática comum nas instituições que abrigavam meninas desamparadas. Gondra e Schueler (2008, p. 113) afirmam que para as egressas no Seminário de Meninas de Nossa Senhora da Gloria de São Paulo projetava-se o casamento ou o trabalho em casa de família. Tanto para casar ou trabalhar as órfãs do Asilo teriam que ter a permissão do Juiz de órfão. E para casar as órfãs também necessitavam da aprovação presidente da província, como foi o caso da órfã, já mencionada, Joséphina Maria da Conceição ao se casar com Joaquim Azevedo F. de Miranda: 3 Citação retirada do livro de Tombo do Asilo de Nossa Senhora do Bom Conselho de 1893. Asilo de N. S. do Bom Conselho em Bebedouro. Maceió 24 de Maio de 1893.4 Achando-se esta directoria .consciente e de accordo com o art. 89 ... 2 do regulamento do Asilo de dezembro de 1877, o casamento da orphã Josephina Maria da Conceição com Joaquim Azevedo Falcão de Miranda, reputação decente e que seve da agricultura com a profissão de serralheiro, peço a V. ex. autorisação e approvação para esse enlace afim de que tenha lugar o disposto no art. 92 do mesmo regulamento. Esta directoria aguarda a decisão de V. ex. para da conhecimento ao cidadão Falcão de Miranda e proceder na forma do art. 91. Saude e fraternidade Illustre Cidadao Major Dr. Gabino Bizouro. M. D. Governador do Estado das Alagoas. Manoel Martins de Miranda Vice-director. Havia uma grande preocupação em casar as moças para diminuir os custos na manutenção da instituição e evitar que ingressassem na prostituição. Ao mesmo tempo investia-se na construção de uma imagem feminina definida pela idéia de mulher honesta, virtuosa, virgem e frágil, voltada para o cumprimento das obrigações no espaço doméstico. Essa prática era comum quando se tratava dessas instituições fundadas no Brasil, sobretudo pela tradição familiar escravagista, patrimonial e patriarcal da sociedade brasileira. Para Nascimento (2005, p. 7), a alocação do trabalho dos expostos em casas de famílias de reconhecida idoneidade, muitas vezes abriu caminho para a escravização, a prostituição, os maus-tratos e violação à honra, colocando em risco a vida dessas mulheres. Quanto ao aspecto pedagógico, estava diretamente associado às orientações da conduta moral delas e constituía-se na tríade trabalho, oração e estudo. Quanto a entrada das órfãs no Asilo, só seriam admitidas meninas entre 6 e 11 anos de idade. E apesar de o regulamento fixar a idade 18 anos para saída da internas. O mesmo ressalta em seu artigo 87, que as órfãs que fossem admitidas na instituição seriam ali mantidas até terem um destino. Além do casamento e do trabalho doméstico nas casas de família havia a opção pelo Magistério para as meninas do Asilo. O artigo 68 do regulamento afirma o presidente da província estabeleceriam um curso normal no asilo, 4 Idem. quando as órfãs tivessem na idade de 14 anos. O curso ali instalado teria as mesmas matérias exigidas para o magistério público. As matérias seriam ministradas pelos professores do Liceu. O artigo 70 declara que tanto o diretor do Asilo como o conselho deliberativo da Sociedade Beneficente Protetora do Asilo felicitariam todos os meios para que as educandas concorressem nos exames para o magistério publico. Ainda não podemos afirmar se tal propósito foi realizado. No século XIX apesar de um número razoável de professoras no magistério público havia ressalva quanto a atuação das mulheres como professora devido a desconfiança quanto a conduta moral e a inteligência da mulher. Gondra e Schueler (2008, p. 2009) citando Lopez (1991) comentam que durante o século XIX, as propostas do magistério para mulheres desencadearam polêmicas e demonstraram a existência posições e discursos ambíguos e contraditórios em relação à educação feminina e sua atuação como professora. Ressaltam que havia posições que variavam desde a interpretação contraria a atuação das mulheres como professoras da educação infantil, “em virtude de seus “cérebros frágeis” e “perigosos”, até as que defendiam a necessidade de formar mulheres para o magistério “devido a sua natureza dócil e própria à maternidade e ao trato com as crianças pequenas”. Os jornais liberais divulgavam uma imagem positiva do Asilo como grande empreendimento para recolhimento de meninas pobres, vez que os resultados da instituição satisfaziam tanto aos propósitos religiosos como civis. Assim lia-se: Sob a escrupulosa direção do Dr. Roberto Calheiros de Mello [...] segue esse estabelecimento na sublime e elevada missão a que é destinado. Tendo sido inaugurado no dia 8 de dezembro de 1877 com 7 orphans desvalidas há tido progressivo desenvolvimento abrigando sob seu tecto 30 dessas desventuradas, que ali a par de desvelados [...], encontram toda a protecção sendo-lhes proporcionada uma regular educação tanto intellectual como moral e domestica. [...] ( Fala do Presidente da Província de Maceió, José Cesário de Miranda Monteiro de Barros, em seu relatório de 6 de outubro de 1888, p. 21) Ao avaliar que a instituição proporcionava uma educação regular, o presidente deixa dúvidas sobre o aproveitamento do Asilo mediante a função primordial que era cuidar da infância pobre de Alagoas. O mapa das alunas que frequentaram as aulas primarias no ano de 1890 mostra que a instituição contava naquela época com 26 internas. O mapa traz informações importantes sobre as alunas: nome, idade e o desempenho das alunas nas matérias freqüentadas. Mapa das alunas da escola primaria do Asilo de Nossa senhora do Bom Conselho no ano de 1890 N º Nome idad e Escrita 1 Maria Clmentina de Araujo Barros 14 Cursivo traslado 2 3 Benedicta Tobias da Costa Engracia Accioly de Oliveira 12 15 Idem Idem Idem Idem 4 5 6 7 Maria Amelia Joanna de Medeiros Rijo Maria Joaquina da Soledade Petronilla Clementina de Araujo 14 14 15 12 Idem Idem Idem Idem Idem Idem Idem Leitura e lições de gramática 8 Adelia Gabriella da Silva 12 Idem 9 10 Anna de Souza Pretextata de Jezus Lopes 13 13 Cursivo grosso cobrindo o traslado Idem Bastardo cobrindo o traslado 11 12 13 Idalina da Costa Pestana Virginia Rangel America Chaves Lisboa 14 12 11 Idem Idem Idem Idem Idem Idem 14 Amelia Freitas Cavalcante 11 Letras do alfabeto 15 16 Angelina Fernandina da Silva Ortencia Juliana da Silva 9 8 Idem Idem 17 Gabriella Mendes Paiva 7 Idem 18 Maria Mendes Paiva 10 Idem Leitura separação silabas Idem Estudo alfabeto Leitura separação silabas Idem 19 Anna José 15 Cursivo traslado 20 Constança Alvim de Medeiros 10 Idem cobrindo cobrindo o o Leitura e Analise Aritmética Desenho Linear Doutrina Cristã Analise lógica As quatros operações dos números inteiros Formação das linhas Idem As quatros operações dos números inteiros Idem Idem Idem As quatros operações dos números inteiros Formação das linhas Idem Ângulos Catecismo e história sagrada Idem Idem Idem Idem Idem Idem Idem Formação linhas Idem Idem Idem Idem Idem Leitura de historia sagrada sem de do se de Leitura e lições de gramática Idem das Idem Idem As duas operações dos números inteiros Idem Idem Tabulada de somar Idem Catecismo Idem Idem Idem Decoração das principais orações Idem Idem Idem Idem Idem Idem Idem As duas operações dos números inteiros Idem Idem Formação linhas das Idem Catecismo e História Sagrada Idem 21 22 23 24 25 Anna Maria de Jezus Maria Joaquina Lopes Maria Joaquina Joaquina Maria da Conceição Adrianna Rozendo de Sant’Anna 15 17 11 16 21 Idem Idem Idem Idem Idem Idem Idem Idem Idem Analise lógica Idem Idem Idem Idem Idem 26 Maria Angelica Alves M. 21 Idem Leitura e lição de gramática Idem Formação linhas das Idem Idem Idem Idem Idem Idem Asilo de Nossa Senhora do Bom Conselho em Bebedouro, 4 de dezembro de 1890 A professora Francisca Maria da Conceição Fonte: Livro de Tombo de 1890 Um aspecto importante na formação do perfil feminino nessas instituições era o fato de que as doações funcionavam como a base do Asilo, que ia desde a construção do prédio, prestação de serviço dos funcionários, precariamente pagos, administração, até o casamento das órfãs, em geral, realizado por meio de dotes concedidos pela família ou por estranhos cuja pretensão era vê-las futuramente bem situadas moralmente. Neste sentido, assinala Nascimento (2005, p. 3), que o hábito de conceder dotes às moças órfãs e expostas, condição necessária ao casamento, também era uma das formas da elite demonstrar sua caridade para com os pobres. Ao mesmo tempo, figuravam como uma forma de reforçar os mecanismos de estabilidade da sociedade, pois valorizava a legalidade, a tradição e a fidelidade das relações conjugais. Conclusão Podemos concluir que no Asilo era exigida a vivência de um cotidiano com intensa dedicação por parte das meninas, o qual se desenvolvia em torno dos afazeres domésticos e na confecção de prendas. Desta forma evitava-se que sobrasse tempo para a ociosidade e o “desvio” de conduta. Dentre as instituições filantrópicas fundadas em Alagoas durante o período imperial o Asilo Nossa Senhora do Bom Conselho foi a que mais tempo durou, apenas encerrando suas atividades no fim do século XX, desdobramento incomum no contexto das instituições filantrópicas brasileiras. Mas seu longo período de funcionamento talvez possa ser explicado pelo vínculo com a Igreja Católica cuja força na formação educacional brasileira tem sido indiscutível. REFERÊNCIAS GONDRA, José Gonçalves; SCHUELER, Alessandra. Educação, poder e sociedade no império brasileiro. São Paulo: Cortez, 2008. NASCIMENTO, Alcilide Cabral do. Da caridade à utilidade: as estratégias da inserção social de meninas abandonadas no Recife Imperial. Anais do XXIII do Simpósio Nacional de História. Londrina: Universidade Estadual de Ponta Grossa, 2005. MADEIRA, Maria das Graças de Loiola. A pedagogia feminina das casas de caridade do Padre Ibiapina. Fortaleza: Edições UFC, 2008. MURY, Paul. A história de Gabriel Malagrida. Prefácio de Camilo Castelo Branco. Lisboa: Editora Empreza Litterária Fluminense, [1875]. Fontes Impressas Relatório do presidente da província de 1888. Livro de Tombo do Asilo de Nossa Senhora do Bom Conselho de 1890, 1893 Diário das Alagoas, Maceió 11 de dezembro de 1877, n. 280, ano XX, p. 1 O Liberal, Maceió, 11 de dezembro de 1877, n. 145, ano IX, p. 1- 2. O Liberal, Maceió, 1878, p. 16 O Liberal, Maceió, 30 de abril de 1879, ano XI. O Liberal, Maceió, 11 de dezembro de 1880, ano XII, n.283, p.1 Diário da Manham, Maceió, 16 de abril de 1882, p. 3. Diário da Manham, Maceió, 15 de abril de 1883.