RELATÓRIO DE ATIVIDADES E PESQUISA

Transcrição

RELATÓRIO DE ATIVIDADES E PESQUISA
RELATÓRIO DE ATIVIDADES E PESQUISA
REALIZADAS EM ESTÁGIO PÓS-DOUTORAL NO EXTERIOR
Luiz Fernando da Silva
UNESP
MARÇO DE 2009
Índice
I.
Introdução ....................................................................................................... 03
II.
Relação de trabalhos e produções decorrentes da pesquisa ........................ 06
III. Participação em seminários e eventos acadêmicos e não acadêmicos
relacionados à investigação ................................................................................... 08
IV.
Fontes e locais de desenvolvimento da pesquisa ......................................... 15
V.
Avaliação global do trabalho: as dificuldades e facilidades encontradas....... 17
VI. Os resultados da pesquisa............................................................................. 21
VII. Para a construção de uma chave teórica sobre a nova configuração
política sul-americana .................................................................................... 97
VIII. Considerações finais...................................................................................... 109
IX.
Bibliografia ................................................................................................... 111
2
I.
Introdução
No presente relatório apresentamos as atividades e os resultados da
investigação realizados no período entre março de 2008 e fevereiro de 2009 em
Estágio Pós-Doutoral junto à Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de
Buenos Aires (UBA), com a colaboração da Profa. Doutora Mabel Twaites Rey,
titular da cadeira de Ciência Política da UBA, e vinculada ao Centro de Estudos
Latino-Americanos dessa universidade. No período entre julho de 2008 e fevereiro
de 2009, obtivemos uma bolsa de investigação da Pró-Reitoria de Pesquisa
(PROPe-UNESP),
a
qual
nos
possibilitou
uma
maior
tranqüilidade
no
desenvolvimento do trabalho. No mês de julho daquele ano, por sua vez, fomos
comunicados de que havia sido aprovada uma bolsa da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) para o nosso projeto de
investigação pós-doutoral (processo BEX 1242/08-3), mas tivemos que declinar em
razão dos trâmites que já haviam ocorrido junto a PROPe.
O período do estágio foi de enorme importância para estabelecer diálogo com
pesquisadores argentinos por meio dos seminários do grupo de pesquisa Estado e
América Latina, coordenado pela professora Twaites Rey. Também pudemos
desenvolver uma intensa pesquisa de campo por meio do acompanhamento de
mobilizações sociais ocorridas, entrevistas, conversas informais com militantes
políticos e sociais e levantamento bibliográfico imprescindível para a investigação.
Além disso, foi muito importante estabelecer uma relação permanente com outro
povo, sua língua, cultura e tradição política, o que possibilitou-me inclusive refletir
como brasileiro sobre a nossa própria história política e cultural.
Ainda nessa introdução é necessário retomar os objetivos que nos
propusemos e o objeto de investigação no qual está situada nossa principal
problematização.
A
investigação
realizada
na
Argentina
visou
concentrar
informações sobre a relação do Estado com os movimentos sociais, no período do
Governo de Néstor Kirchner (2003-2007) e do primeiro ano da gestão presidencial
de Cristina Fernandez Kirchner. Mediando essa questão central, nosso objetivo
também se orientou para mapear as atuais políticas públicas nesse país,
especialmente aquelas direcionadas para a distribuição de renda aos setores mais
pobres da população, como também verificar os setores de oposição ao governo.
3
Para compreendermos a constituição do kirchnerismo e sua relação com as forças
sociais de base popular, tivemos que concentrar
nossa atenção
na situação
política argentina que se configurou a partir de dezembro de 2001, com os levantes
populares e que trouxe como resultado a eleição para presidência da República, em
2003, de Néstor Kirchner. Através da coleta de informações por meio de entrevistas,
periódicos, acompanhamento de manifestações, conversas informais com distintos
agrupamentos sociais e políticos e levantamento bibliográfico, a pesquisa procurou
apreender os elementos principais que configuraram os governos argentinos no
período entre 2003 e 2008.
Essa pesquisa objetivou concentrar informações e análise teórica que nos
permitem avançar em outra investigação acadêmica1 sobre a nova configuração
política que se desenvolve em vários países sul-americanos. Nessa investigação
global cabe analisar o a relação entre os sujeitos sociais, de base operária e
popular, que aqui entendemos como classes subalternas, e os projetos políticos
que hegemonizaram essas bases sociais por meio dos movimentos sociais e
partidos de esquerda. Em outras palavras, o objetivo central dessa investigação
global é compreender como se constitui e se reproduz a hegemonia política desses
governos, tendo como referência os setores da população que tiveram as suas
condições econômicas e sociais deterioradas, em meio ao período de ajustes
estruturais neoliberais. De que maneira esses projetos políticos e econômicos
constituíram e mantêm a hegemonia política junto a diversos setores das classes
subalternas? De maneira específica queremos evidenciar os seguintes objetivos: a)
analisar a base de sustentação política, em termos de classes sociais, movimentos
sociais e partidos; b) compreender a relação desse governo com as políticas de
ajustes estruturais neoliberais (políticas “macroeconômicas”); c) verificar as
propostas de redução da pobreza de suas populações e de desenvolvimento
econômico; d) mapear os setores oposicionistas desse governo e suas críticas e
propostas.
A pesquisa de campo realizada na Argentina possibilitou-nos avançar na
compreensão dos objetivos assinalados acima. Especialmente nos propiciou
problematizar mais detalhadamente como desenvolver uma análise comparativa
1
A presente investigação faz parte de uma pesquisa maior, intitulada A nova configuração política na América
Latina. Uma análise comparativa entre o Governo Lula e as experiências recentes na Venezuela e Argentina.
Este é um projeto de pesquisa apresentado à Comissão Permanente de Avaliação para realização no período
entre 01/01/2007 e 31/12/2009 - FAAC – UNESP (São Paulo – Brasil).
4
entre os países da região, retendo suas especificidades históricas e estruturais
(políticas, sociais e culturais). Nesse sentido, o conhecimento in lócus com uma
relativa permanência no país permitiu ultrapassar o olhar e as impressões mais
imediatas e superficiais da análise sócio-política. Somente dessa maneira é que por
dentro das particularidades podemos apreender os traços constitutivos que
condicionam e se imbricam na nova configuração política na região.
Uma diferença fundamental existe entre o governo de Néstor Kirchner (20032007) e da atual presidente Cristina Fernandez em relação aos governos de Hugo
Chávez e Luís Inácio Lula da Silva. O governo argentino constituiu-se sobre um
terreno político e social que guardou as marcas da crise do regime político que
colapsou o país entre 2001-2002. Em razão disso, como verificaremos
detalhadamente no item VI deste relatório, Kirchner ganha as eleições presidenciais
com somente 22% dos votos e com um índice de abstenção eleitoral dos maiores
na história do país. Além disso, seu governo constituiu-se em meio a uma
descrença popular generalizada em torno dos espaços institucionais democráticoliberais e com uma contínua mobilização dos movimentos sociais urbanos,
especialmente piqueteiros, com suas reivindicações pontuais sobre planos sociais e
de emprego. A isso se somava o grau profundo de miséria e desemprego no país,
inclusive atingindo severamente setores das classes médias.
Esse cenário político é o que permitiu a um desconhecido ex-governador da
pequena província Santa Cruz,
que respaldou a privatização das empresas de
petróleo (YPF), lograr atingir a Presidência da República.
A mediação política e organizativa dessa alternativa de governo em boa
medida, ao menos inicialmente, passou pela estrutura política de Eduardo Duhalde,
ex-governador de Buenos Aires, então senador da República e presidente do
Partido Justicialista, e que se tornara presidente (interino) da República entre
janeiro de 2002 e março de 2003, em um acordo no Senado da República, em
razão da queda do ex-presidente Fernando De La Rua. Duhalde, em 20 de
dezembro de 2001. Em seu curto mandato, Duhalde conseguiu materializar uma
aliança instável, mas necessária entre as frações burguesas para impulsionar a
economia argentina. Foram dois casos excepcionais de medidas: a desvalorização
do peso em relação ao dólar (3 pesos para 1 dólar) que trouxe vantagens para as
frações agro- exportadoras; e a retenção de exportações, dentro do direito de
exportações, que possibilitou ao governo reter uma parte do valor obtido com as
5
exportações. No plano social é necessário evidenciar que houve uma ação estatal
nesse período, envolvendo a Igreja Católica e Banco Mundial, em torno de planos
sociais contra o desemprego.
Uma rápida comparação com as experiências da Venezuela, na vitória de
Hugo Chávez em 1998, e com o Brasil, na vitória de Lula em 2002, permite-nos
considerar que, embora dentro do mesmo fenômeno de nova configuração política,
as três experiências guardam traços particulares em sua dinâmica política e social.
Nas próximas páginas detalhamos as atividades realizadas, dificuldades e
facilidades encontradas e principalmente os resultados da pesquisa.
II.
Relação de trabalhos e produções decorrentes da pesquisa
No período de 11 meses que estivemos no país, em Buenos Aires
precisamente, produzimos 01 relatório inicial entregue em fevereiro de 2009 para a
professora Mabel Twaites Rey, 05 artigos sobre a investigação, que se encontram
em fase de revisão e envio para revistas latino-americanas
para possível
publicação e para apresentação de trabalho no IV Congresso Latino-Americano de
Sociologia, que ocorrerá em Argentina, em agosto de 2009. Foram realizadas 12
entrevistas com militantes, das quais 09 foram transcritas e as outras 03
encontram-se em fita cassete em processo de degravação.
Além
dessa
produção,
(www.latinoamerica.phl/phl82),
no
período
desenvolvi
um
sítio
eletrônico
inicialmente como uma plataforma de banco de
dados virtual, com o objetivo de disponibilizar ao público acadêmico e não
acadêmico os resultados da
produção desse período – relatórios, artigos,
entrevistas transcritas, fotos e películas referentes à pesquisa de campo -, como
também disponibilizar materiais de investigação de pesquisadores e entidades
latino-americanas (CEPAL, CLACSO, FLACSO, entre outras). Essa página já se
encontra no ar e a partir de abril estará acessível ao público. A partir de julho, o
mais tardar, terá um funcionamento mais dinâmico, com atualizações periódicas.
Esse sítio eletrônico encontra-se no marco do grupo de pesquisa América Latina e
Marx: movimentos sociais, Estado e cultura que atualmente se encontra em
processo de cadastramento junto ao CNPq e que é também resultado de nosso
período de estágio pós-doutoral. Esse grupo de investigação envolve pesquisadores
das áreas de sociologia, comunicação e cultura e estudantes de graduação.
6
Assim podemos sintetizar os trabalhos produzidos:
1. Relatório (parcial) de resultados da investigação realizada entregue para a
professora Dra. Mabel Twaistes Rey.
2. Sítio e banco de dados: América Latina e Marx: Movimentos Sociais, Estado
e
Cultura.
Endereço:
www.latinoamerica.phl/phl82.
Nesse
endereço
encontram-se todos os materiais da pesquisa que foram coletados e
produzidos na Argentina. Nesse período, esse sítio opera como banco de
dados, mas nos próximos meses ganhará velocidade e dinâmica enquanto
página eletrônica.
3. Constituição de Grupo de Pesquisa América Latina e Marx: Movimentos
sociais, Estado e Cultura. Esse grupo encontra-se em processo de
cadastramento no CNPq e agrega investigadores e estudantes de graduação
das áreas de sociologia, comunicação e cultura.
4. Artigos elaborados (estão em revisão) para envio para revistas e participação
em congressos.
5. Entrevistas realizadas: Hugo Yasky, secretário-geral da Central dos
Trabalhadores Argentinos (CTA); Cláudio Marin, adjunto da Secretaria-Geral
do Sindicato dos Telefônicos de Buenos Aires e região; Isaac Roodnik,
dirigente histórico do Movimiento Libres del Sur/Movimiento Barrio de Pie;
Juan Castillo, militante do antigo MAS;; Ricardo Papoeuzi, dirigente da
Frente Operária Socialista (FOS); Léo, dirigente da juventude do Movimento
Barrio de Pie; Mercedes Gonzales (Cista), ex-militante do Movimento Barrio
de Pie; Olga Pilares, ex militante de movimentos populares em Lloma de
Zamora; Mabel Twistes Rey, docente da UBA; Graciela Bressano, professora
de Psicologia da UBA, ex- militante do Movimento para o Socialismo (MAS);
02 operárias da fábrica têxtil Brukman, empresa falida em 2001 e que foi
ocupada por trabalhadores e atualmente é autogestionada.
6. O presente relatório entre para a Pró-Reitoria de Pesquisa – PROPe
UNESP.
7
III.
Participação em seminários e outros eventos acadêmicos e não
acadêmicos
A minha participação em eventos acadêmicos e não acadêmicos foi orientada
da seguinte maneira: a) seminários do grupo de pesquisa Estado na América
Latina; b) participação em dois eventos internacionais, na Biblioteca Nacional e na
PUC – Buenos Aires; c) eventos não acadêmicos, vinculados
diretamente aos
objetivos de minha investigação, que se referem às manifestações, marchas e
encontros de trabalhadores e movimentos sociais.
1. Seminários do grupo Estado na América Latina
A profa. Dra. Mabel Twaites Rey, titular da Cadeira de Ciências Políticas da
Faculdade de Ciências Sociais da UBA, mantém o grupo de pesquisa e estudo
intitulado Estado na América Latina. Esse grupo está ligado ao Instituto LatinoAmericano da Faculdade de Ciências Sociais da UBA e suas investigações são
financiadas pelo CONICET (Conselho Nacional de Investigação Científica e
Tecnológica). Uma das atividades centrais do grupo, ao lado das pesquisas
realizadas pelos participantes, são os seminários mensais, que ocorreram entre
março e dezembro de 2008, dos quais participei inclusive como Seminarista do
tema sobre Teoria da Dependência. A média de participação nos seminários foi de
25 pessoas, entre os quais os professores da cátedra de Mabel Twaites Rey , e
estudantes de pós-graduação (mestrado e doutorado), além de alguns estudantes
de graduação.
Na seqüência dos seminários, assim foram desenvolvidos:
1.
Desarrollo, dependência e estado em el debate latinoamericano actual.
Exposição: Mabel Twistes Rey . (05/04)
2.
Estado y capital en América Latina. Un balance de las concepciones
respecto del estado en la teoría de la dependencia y en las teorías
desarrollistas de los sesenta y setenta. Responsável: Rodolfo Gómez
(10/05)
3.
O Estado boliviano. Exposição de pesquisa sobre a constituição do
Estado a partir da ótica de um teórico boliviano. (07/06)
8
4.
Teoria da Dependência e o pensamento de Fernando Henrique
Cardoso e Ruy Mauro Marini. . Responsável : Luiz Fernando da Silva.
(05/07)
5.
A questão da dependência e da integração latino-americana no
pensamento de Theotônio dos Santos. Responsável: José Castillo.
(07/08)
6.
La configuración de Venezuela y los movimientos sociales em
actualidade. Responsável: Juan Sanmartino (02/10)
7.
José Aricó e a construção do marxismo na América Latina.
Responsável: Mabel Twistes Rey. (06/12)
8.
O Populismo na Argentina. Reflexões a partir de Ernest Laclau e
Beatriz Rajland. Responsável: Mabel Twistes Rey. (11/12)
Esses seminários ocorriam no primeiro sábado de cada mês, no período da
tarde, entre as 14h e 19h. Eles foram de grande importância para mim em relação à
atualização de uma bibliografia latino-americana, que eu tinha pouco conhecimento
ou acesso, como o caso de Ernest Laclau, Beatriz Rajland, Edgar Lander e outros.
Anterior a cada encontro, dois bolsistas da professora Mabel preparavam os
materiais selecionados, entravam em contato para disponibilizá-los e também
deixavam em pastas na Faculdade de Ciências Sociais e em alguns casos me
entregavam pessoalmente. Em cada tema de seminário envolvia cerca de 06 textos
(livros e artigos). Mas não foi somente esse o ponto positivo. Os seminários
permitiram entrar em contato com um nível de discussão que considerei boa, uma
vez que as discussões teóricas me mostravam determinados ângulos sobre a nova
configuração política sul-americana que eu não havia anteriormente pensado. Por
exemplo, a discussão do Estado pluriétnico presente no caso boliviano de Evo
Morales ou a compreensão do populismo não como determinações econômicas
mas sim por sua discursividade e representação. Também me foi importante o
reencontro com autores como Nico Poulantzas e Ralph Miliband, uma vez que a
professora Mabel tem publicações sobre esses autores e as intensas polêmicas
entre eles, a partir da década de 1970. A professora atualmente realiza uma
investigação sobre as influência poulantziana na América Latina, inclusive nesse
ano de 2008 realizou duas viagens curtas para entrevistar pessoas que foram do
convívio acadêmico e familiar de
Poulantzas, na Itália e Inglaterra. Essa
perspectiva me possibilitou retomar alguns conceitos desse autor, como bloco no
9
poder, frações de classe, hegemonia entre outros, especialmente depois de uma
entrevista que realizei com a prof. Mabel, na qual pude discutir a questão do
estruturalismo do autor e o seu pós-estruturalismo, quando na década de 1970, se
distancia das influências althusserianas. Twaites Rey está interessada no
Poulantzas que mira o Estado como condensação de conflitos e interesses sociais e
ordenador da lógica de produção e reprodução, e não como aparelho das classes
dominantes. Nesse sentido termina por se desfazer do conceito de classes sociais e
ressaltando principalmente a questão dos novos movimentos sociais na relação
com o Estado, no caso latino-americano.
O ponto que considerei negativo nos seminários refere-se a um viés teoricista,
que se por um lado é importante, no sentido de conservar o aprofundamento
conceitual e metodológico, por outro secundariza as dinâmicas e processos, os
fatos e acontecimentos ocorrendo e suas relações histórico-estruturais. Há uma
resistência à análise dos acontecimentos em curso, considerada tal forma de
abordagem como historicista. Nesse sentido, o atual quadro político latinoamericano, sobre o Estado e os movimentos sociais, é analisado somente na
perspectiva do pensamento social (acadêmico) latino-americano já produzido. Mas
não
como
instrumento
teórico-metodológico
articulado
ao
curso
dos
acontecimentos. Essa perspectiva termina por subestimar que a atual configuração
política na região é um processo em andamento, crivado de contradições, na qual a
dimensão de continuidade e ruptura necessitam apresentar-se continuadamente na
análise, inclusive destacando a rearticulação dos sujeitos sociais e políticos
presentes nesse cenário. Ao nosso entender, essa predisposição analítica ocorre
em razão de subestimar a discussão sobre os fundamentos teórico-metodológicos e
epistemológicos que necessitariam explicitar na análise sobre o cenário atual da
região.
A partir desses seminários também foi possível verificar o quanto a
intelectualidade argentina encontra-se referenciada no debate sobre determinados
problemas latino-americanos, especialmente o caso da integração regional, e uma
atenção especial é destacada às ações políticas e econômicas do governo Hugo
Chavez e de Luis Inácio Lula da Silva. Não são poucas as vezes que esses temas
ganharam maior evidência nos principais diários, como La nación, Clarín, Página
12, Crítica de la Argentina, El economista e outros. Essa percepção também se
expressa na produção editorial argentina, onde uma parte de suas publicações
10
voltam-se para os temas acima apontados, por meio de traduções e publicações de
investigações sociológicas e econômicas, ou por meio de investigações
jornalísticas. Assim também se apresenta nos telejornais.
2. Outras participações acadêmicas
Também participei de duas atividades com caráter internacional ocorridas em
Buenos Aires: Anuário Internacional de Políticas, realizado na Biblioteca Nacional; e
na Pontifícia Universidade Católica de Buenos Aires, Nuevos Escenários en el
Sistema de Protección para Jubilados.
- Anuário de política internacional. Esse foi um evento ocorreu em 19 de novembro,
na Biblioteca Nacional, e envolveu pesquisadores argentinos e norte-americanos.
Esse evento
ocorre todos os anos e tem como objetivo trazer um quadro
internacional, especialmente latino-americano, das conjunturas. Assim foram a
disposição do Encontro. Mesa 1. A crise financeira na política internacional (Fabian
Calle)/A seguridade alimentar, a água doce e a biodiversidad: crises entrelaçadas
(Robert Bloch)/Futuro da Política exterior dos EEUU (Anabella Busso). Mesa 2. A
segurança internacional em tempos de crise (Khatchik DerGhougassian)/América
Latina no cenário internacional, a relação com os Estados Unidos (Robert
Russel).Mesa 3. Ásia: o futuro das potências emergentes (Juan Gabriel Tokatlian)/
África: o continente e seus conflitos atuais ( Sergio Cesarín)/Oriente médio: uma
região instável (Silvia Perazzo)/Europa (Félix Peña).Mesa 4. Segurança e defesa na
América Latina ( Mariano Bartolomé)/Política, economia e sociedade na América
Latina (Carlos Gervasion)A vitória eleitoral de Barak Obama e perspectivas póseleitorais nos Estados Unidos (Scott Mainwaring).
- Nuevos Escenários en el Sistema de Protección para Jubilados. 28 de novembro
de 2008. Esse evento ocorreu no auditório da PUC – Buenos Aires. Também um
evento de caráter internacional, com a participação de especialistas desses países,
possibilitou realizar uma nítida avaliação sobre a questão da previdência social
como se desenvolve atualmente.
11
3. Participações não acadêmicas em eventos sindicais e populares.
De acordo com minha
proposta de investigação,
um dos focos centrais
concentra-se na a relação dos movimentos sociais e partidos de esquerda com o
Estado. Por essa razão acompanhei as principais manifestações (atos públicos,
marchas e encontros) ocorridas em Buenos Aires. O meu eixo de pesquisa ao longo
da vida acadêmica sempre esteve enfocado nos movimentos sociais e partidos; no
entanto, me impressionou o grau de politização desses movimentos na Argentina,
especialmente em sua Capital. Durante minha estadia nesse país, praticamente não
houve uma semana em que não ocorresse algum tipo de manifestação ou protesto
social. Isso me permitiu coletar muita informação sobre composição dos
movimentos sociais e partidos, por meio de material fotográfico e películas, realizar
um bom levantamento de informações.
As mobilizações são as mais variadas em termos de composição social,
reivindicações, número de participantes e regiões geográficas do conurbano
bonaerense. Desde manifestações de calle (rua) composta por comerciantes, em
resposta a acontecimentos cotidianos, como assalto a estabelecimento comercial,
ao exemplo de comerciantes da Calle Maipu, na proximidade da Avenida de Maio,
que exigiam policiamento permanente contra os assaltos a estabelecimentos, até as
esparsas, continuadas e crescentes manifestações de moradores de barrios
(bairros) residenciais de classe média, como Palermo, Ricoleta e outros, contra os
crescentes assaltos, sequestros e assassinatos de moradores, e reivindicando o
aumento da segurança pública. Desde 2004, o tema da segurança pública foi se
tornando um tema central da classe média bonaerense, que tem ocorrido de
maneira pontual (por bairros), mas em crescente número. A crescente onda de
violência no país, que proporcionalmente à sua população é menor do que no
Brasil, é muito evidenciada pela mídia, especialmente quando ocorre com as
populações de classe média. A socióloga argentina Svampa (2006, 2007, 2008)
vem analisando as mudanças ocorridas nos contornos ideológicos desse setor
social, que tenderam para posições conservadoras, a partir de 2004. Nesse sentido,
a socióloga considera que a posição dos setores de classe média nos
acontecimentos de 2001 foi central, em decorrência do corralito financeiro que lhes
confiscou seus recursos bancários, e também porque essa classe se aliou aos
movimentos sociais piqueteiros em ações conjuntas. Com a retomada do
12
crescimento econômico, essa classe começou a ver nos movimentos sociais dos
desocupados (piqueteiros) um dos principais problemas da violência que, por sua
vez, seria mantido pelo governo com os planos sociais, ao invés de realizar
investimentos nas áreas de segurança pública.
As manifestações que demarcarmos como importantes para acompanhar
foram aquelas que abarcaram conjuntos maiores de organizações sociais e políticas
e que permitissem verificar as força sociais e políticas, a partir do número de
participantes, composição social e palavras de ordem. Isso foi possível porque
nessas manifestações os diversos agrupamentos políticos e sociais organizavam-se
disciplinadamente em colunas, blocos claramente identificados com faixas e
bandeiras no início da coluna e em seu final, que ficavam nitidamente demarcados
de outras colunas nas marchas. De acordo com cada manifestação, anteriormente
ao dia do evento, são realizadas reuniões com as direções ou representantes de
cada agrupamento, onde são explicitadas as discussões políticas e razões da
manifestação, o número de participante que cada setor irá levar, como também são
sorteadas as localizações de cada agrupamento nas Marchas, se vai ser o primeiro,
segundo, terceiro... na ordem de disposição. O não cumprimento dessa seqüência,
quando por alguma razão um agrupamento quer ficar mais destacado que outro, já
levou a sérios conflitos entre militantes, em períodos anteriores, como nos
observavam alguns militantes.
Também acompanhei alguns encontros abertos de trabalhadores. Em especial
me interessou o acompanhamento de alguns eventos de debate que foram
promovidos pelo ELACT que é uma tentativa de constituição de pólo de
trabalhadores de base.
Alguns dos eventos que acompanhei:
-25 de abril. Nessa data ocorreu uma manifestação na Pça de Mayo com cerca de
60 mil pessoas, em apoio ao Governo de Cristina Fernandez Kirchner. Pela primeira
vez, tive a possibilidade de entrar em contato com os setores de movimentos
sociais populares e sindicais2, base de sustentação política de Kirchner. Também
2
Como estão registrados em fotos e películas, estiveram presentes nesse evento movimentos como Movimiento
Evita, Movimiento Libre de Sur, Movimiento Barrio de Pie, Central Geral dos Trabalhadores (CGT)... Nesse
dia, uma terça-feira, a burocrática CGT decretou que o comércio deveria fechar suas partos a partir das 13 horas
13
foi possível caracterizar inicialmente a composição social desses movimentos, as
chamadas colunas de movimentação como vão percorrendo pela Avenida de Mayo,
em meio a estrondosos bumbos que se mantém ininterruptos. Nessa ocasião, a
presidente Cristina Fernandez realiza um discurso de enfrentamento com os setores
agrários, que possivelmente lhe custou muito.
-01 de maio de 2009. Ocorrido no auditório do Hotel Bahuen3, entre as 14 e 17
horas, nesse evento estiveram presentes cerca de 200 pessoas, especialmente
militantes sindicais que na Argentina se definem como de cunho antiburocrático,
com referência à sua contraposição à estrutura sindical burocrática que existe na
Argentina, e que eram de categorias profissionais como dos subte, portuários,
docentes de escolas públicas, bancários entre os que tive condições de identificar.
- !5 de junho. Encontro Latino Americano e Caribenho de Trabalhadores (ELACT).
Encontro esse realizado no Hotel Bauen consistiu em reunir especificamente a
categoria docente das escolas públicas, com o objetivo de se prepararem para um
encontro internacional de trabalhadores que ocorreu em junho de 2008 no Brasil,
envolvendo distintos trabalhadores de países da região.
- 27 de julho. Encontro contra a intervenção no Haiti. Esse encontro ocorreu na
sede do Sindicato dos Professores (Sindpro). No encontro que envolveu cerca de
100 pessoas foram discutidas, a partir de um documentário realizado por Esquivel e
outros observadores argentinos, as injustas condições de manutenção de forças
militares continentais no território haitiano.
-16 de agosto. Manifestação em favor do governo boliviano. Nessa manifestação
estiveram presentes distintas forças políticas e sociais contra os acontecimentos
que os grupos políticos de Santa Cruz
(Bolívia)
impunham ao governo Evo
Morales. Cerca de 5 mil pessoas seguiram pela Avenida Corrientes até a altura da
embaixada boliviana.
para que seus trabalhadores fossem à manifestação de apoio à Cristina Fernandez. Quando aproximava-se das
13 horas, praticamente todo o comércio da região central de Buenos Aires estava fechado.
3
O Hotel Bauen, localizado na calle Callo, quase no cruzamento com a avenida Corrientes, é uma das 150
empresas falidas que foram abandonadas por seus proprietários e ocupadas por trabalhadores que atualmente as
administram. O fenômeno de ocupação de empresas ocorreu no período agudo de crise econômica argentina, que
teve seu ápice entre 2001 e 2002. No Bauen se hospedam militantes sindicais e sociais de outros países, que
participam de encontros na Argentina, mas também pesquisadores, jornalistas que estão a trabalho no país. Além
disso, em razão de sua história, além desse hotel cobrar tarifas abaixo do preço da rede hoteleira bonaerense, em
seus auditórios e salas são realizados reuniões, encontros e congressos de trabalhadores, como também é um dos
lugares que direções de movimentos dão entrevistas coletivas sobre algum fato político.
14
- 10 de setembro. Associação dos Portuários de Buenos Aires e Região. Cerca de
200 trabalhadores reúnem-se para discutir a constituição de um pólo sindical
antiburocrático. Um dos eventos mais emocionantes que observei na minha estadia
em Buenos Aires. Nessa associação, localizada na região do Retiro, próxima ao
cais do Porto, estavam presentes em sua maioria portuários, mas também
representações
de
trabalhadores
de
base
do
INDEC,
Banco
Província,
metalúrgicos, call center, docentes de escolas públicas.
- 12 de novembro de 2008. Marcha contra a fome e as perseguições. Essa Marcha
foi convocada pela Central dos Trabalhadores Argentinos (CTA) e distintos
movimentos sociais. A entidade calcula que cerca de 50 mil pessoas reuniu-se na
Praça de Maio.
- 20 de dezembro de 2001. Manifestação pelos 08 anos dos levantes populares de
2001.Ocorrido na Praça de Mayo.
- Marcha contra a intervenção na Palestina. Três manifestações ocorridas entre
janeiro e fevereiro, de caráter multitudinário, contra a intervenção militar israelense
na Palestina. Na manifestação de 10 de janeiro participaram cerca de 20 mil
pessoas; nas outras duas estiveram cerca de 8 mil participantes.
IV. Fontes e locais de desenvolvimento da pesquisa
Os locais de desenvolvimento da pesquisa, além da participação nos
seminários que exigiram uma boa quantidade de horas para preparação (leitura e
sistematização) e o acompanhamento nos eventos não acadêmicos (vide item II),
foram os espaços de realização das entrevistas, de acordo com os militantes
entrevistados e seus vínculos a uma determinada instituição. Nesse sentido, os
espaços foram os mais variados: residência do entrevistado, sede do sindicato ou
central sindical, partidária ou de um movimento popular, ou mesmo no caso da
Chancelaria Argentina, ligada ao Ministério de Relações Exteriores.
Em outros casos, tive a oportunidade de conversar informalmente com o
militante, embora não se dispusesse a gravar entrevistas, por questões de
desconfiança ou de sua seguridade, ou outro problema qualquer. As conversas
informais foram, seguramente, em maior número do que as entrevistas
sistematizadas. Essas conversas informais ocorreram especialmente depois dos
eventos realizados, quando eu conseguia por um tempo curto, trabalhar algumas
15
questões ou pelo menos marcar uma possibilidade de novamente encontrar para
uma conversa.
A infra-estrutura de espaços e biblioteca da Faculdade de Ciências Sociais da
UBA é péssima para o trabalho de pesquisa. Atualmente o grande problema dessa
faculdade e de seus cursos de pós-graduação refere-se à falta de espaço para
estudo, pesquisa e consulta à biblioteca.
Por essa razão, utilizei os espaços da Biblioteca do Congresso Nacional,
situado na Praça do Congresso. Embora a existência de uma impressionante
massa de materiais, documentos, jornais e livros de vários períodos históricos da
Argentina, e de um ambiente muito agradável, nesse espaço não pude encontrar os
materiais mais atualizados sobre a conjuntura política argentina dos últimos anos.
Muitos materiais sobre os levantes populares de 2001 e especialmente os estudos
sobre o governo Kirchner, com análises mais distanciadas do calor dos
acontecimentos, começaram a aparecer como resultado de teses e pesquisas
acadêmicas e jornalísticas, mais recentemente. Mesmo assim me permitiu verificar
periódicos do período 2001-2008.
Outro espaço interessante foi o da Biblioteca Nacional, com uma coleção
vastíssima também de obras, embora com uma morosidade no trato do material,
uma vez que a pesquisa é eletrônica, e ocorre uma espera
para conseguir o
material.
O CEDIC – Centro de Documentação sobre a Esquerda e os Movimentos
Sociais foi um espaço interessante para eu poder verificar as diversas correntes
políticas e de esquerda. Nesse centro de documentação é provavelmente o maior
centro de documentação de movimentos sociais e de partidos de esquerda da
Argentina.
Mas o que mais me beneficiou foram as arrojadas livrarias da cidade.
Certamente três aspectos da cidade portenha marcam a memória de qualquer
estrangeiro: a expressiva construção e preservação arquitetônica, com seus prédios
datados da década de 1920 e 1930, majestosos prédios em estilo neoclássico que
alguns se atrevem a dizer que ultrapassam os edifícios europeus, mesmo os
franceses; as casas de café e restaurantes, que preservam a decoração de seus
interiores com aqueles móveis clássicos e, em muitos desses lugares, mantêm em
suas paredes retratos e decorações que nos chamam para aquelas décadas
passadas e cravam em sua identidade a referência de seu surgimento, tal como “eu
16
tenho tradição”, “eu venho da década de 1930”, ou coisa assim; e as suas livrarias
são algo realmente inimaginável para um brasileiro; são muitas livrarias que se
estendem pela Corrientes (Lozada, Clacso do prédio do CCC, Gandhi, as três
Cuspide Livros, entre outras), as da turística Florida também deve-se mencionar
(Cuspide Livros, as duas Ateneo).
O mais interessante nessas casas de livros é que são poucos os títulos que se
repetem entre os estabelecimentos; em geral são títulos diferenciados que são
encontrados em destaque somente naquela específica livraria. As publicações são
muitas e de maneira continuada, como também a quantidade de editoras. Parece
um mercado em constante efervescência. Não existe uma só livraria nesse circuito
que se mantenha vazia por um só instante. São muitos os consumidores de livros,
são muitos os leitores de Buenos Aires para poder alimentar tamanha produção
editorial e livrarias.
Esses espaços, além de tudo, possibilitam a leitura da obra sentado em
confortáveis poltronas – é o caso da Ateneo, da Cuspide Livros, na Calle Florida.
Dessa maneira, logo que percebi que o principal canal para a atualização
bibliográfica era acompanhar o mercado livreiro, passei a freqüentar com certa
sistemática que o tempo me permitia. Ao lado disso, me possibilitou constituir uma
boa biblioteca com mais de 300 títulos sobre o tema estudado.
Os periódicos e a televisão. Em Buenos Aires são editados muitíssimos diários
(La nación, Página 12, Clarín, Crítica de Argentina, El cronista...),
semanários
jornalísticos (El economista, Mirada del Sur, além das revistas mensais e semanais.
V. Avaliação global do trabalho: as dificuldades e facilidades encontradas
O período de 11 meses foi curto para a intensidade de atividades que me
propus realizar que foram de participação nos seminários, contatos e realização de
entrevistas, acompanhamento das manifestações, além de uma intensa atividade
de leituras referentes ao seminário e principalmente as leituras cotidianas dos
jornais e de uma bibliografia recente sobre o governo dos Kirchner, os movimentos
sociais, a recomposição da economia e a reconstituição dos trabalhadores no
cenário argentino. Em meio a isso, especialmente nos últimos dois meses
(dezembro, janeiro e início de fevereiro) elaborei um relatório parcial de minha
investigação para entregar para a professora Mabel Twaites Rey.
17
A principal dificuldade deveu-se ao estabelecimento de contatos para
entrevistas e a entrada no universo dos movimentos sociais e sindicais. Isso me
tomou um grande tempo. Entrevistas marcadas e depois desmarcadas; níveis de
resistência e desconfiança; dificuldade dos entrevistados em compreender os
objetivos do trabalho (“para onde iriam tais informações”). Por outro lado, em
relação à burocracia sindical foram grandes as dificuldades de entrevista. Isso foi o
que me despendeu mais tempo para articulação e realização das entrevistas. Essa
foi uma dificuldade que permeou o trabalho e me permitiu um aperfeiçoamento nas
técnicas
sociológicas
de
aproximação
e
contato
(abordagem)
e
sua
operacionalização.
Uma segunda dificuldade foi compreender o complexo emaranhado dos
movimentos sociais e políticos de base popular argentinos. Pouco se aproxima com
o caso brasileiro. Existe na Argentina uma grande fragmentação política – aqui não
estou tratando de diversidade, multiplicidade, mas sim fragmentação política,
organizativa e ideológica -, seja na base política de apoio ao governo, como
também nos setores de oposição popular a esse governo. Um universo delimitador
desse campo é o que abstratamente se chama de peronismo, que existe por dentro
do Partido Justicialista e também por fora.
Por outro lado, constituiu-se um
fragmentado campo socialista (PTS, PO, IS, CS, novo MAS, MST, FOS entre
outros) que tem sua atuação voltada para os sindicatos e movimento operário e que
procura constituir uma alternativa antiburocrática no campo sindical. Esse universo
ideológico e político é complexo para alguém que conhece a realidade brasileira.
Para os brasileiros, o populismo (e sua variante getulista) é algo de um
passado remoto, que nenhuma presença mantém-se no quadro político brasileiro.
Não é o caso da variante Peronista que ainda mantêm sua simbolização em torno
de Perón e Eva Perón, seu ideário nacional-popular
e que constantemente é
ressaltado nos discursos de Néstor Kirchner, que desde julho de 2008, tornou-se
presidente do Partido Justicialista, como também da atual presidente Cristina
Kirchner. Além disso, nos movimentos sociais, como no caso do Movimento Evita e
suas ramificações e na Federação Terra e Moradia, liderada por Luis D‟Elia, são
constantemente chamadas as imagens de Peron e Evita, em cartazes e faixas nas
marchas e mobilizações sociais.
18
Das facilidades
O estágio pós-doutoral na Argentina possibilitou-me entrar em contato com
uma discussão acadêmica sobre a América Latina, pouco comum na universidade
brasileira, e por outro lado aprofundar uma análise in lócus da atuação do governo
de Cristina Fernandez de Kirchner e da constituição do kirchnerismo, como também
das relações estabelecidas entre os movimentos sociais, centrais sindicais e
organizações de esquerda com o governo dos Kirchner, que pude desenvolver
através de entrevistas com algumas lideranças e militantes, em conversas
informais, e acompanhando as manifestações ocorridas no período (vide item III).
Em particular ressalto o grupo Estado e América Latina, do Instituto LatinoAmericano da UBA, o qual estive vinculado durante meu estágio.
O espaço editorial e mediático, por sua vez, reservam um interessante espaço
para os assuntos internacionais, destacando-se especialmente a América Latina,
sobretudo aqueles países que mais diretamente se destacam nas relações
comerciais com a Argentina, como no caso do Brasil, Venezuela, Chile, Bolívia e
Colômbia. Isso se tornou um grande facilitador no que se refere às informações e
bibliografia sobre a nova configuração política. Por outro lado, as atuais
experiências políticas e econômicas na Venezuela e no Brasil são acompanhadas
atentamente pelos meios intelectuais, jornalísticos, nos movimentos sociais e
organizações de esquerda. No caso brasileiro, me surpreendeu muitíssimo como
atualmente é considerado o desenvolvimento econômico do país nos últimos anos,
dentro do que de maneira generalizada é compreendido como uma retomada
econômica com um grau de estabilidade político-institucional. Em relação a
Venezuela, principalmente é ressaltada a experiência política considerada nova
para a esquerda política, no sentido de constituir novos espaços de participação
popular e de distribuição social, por meio dos espaços institucionais constitucionais.
Uma das explicações para essa permanente mirada para os assuntos latinoamericanos, como integração regional e experiências de participação popular dos
movimentos sociais no Estado, encontra-se nas próprias condições de relativo
isolamento internacional argentino, que poucas inversões financeiras européias e
norte-americanas existem no país, em decorrência das posições do governo
Kirchner. Desta maneira lhe resta principalmente como maior expectativa as
relações comerciais e financeiras na própria região. Mas também há que considerar
19
a própria facilidade da língua castelhana dos países, o que possibilita um maior
fluxo de informações e análises..
Em relação à investigação sobre o caso argentino, nada mais interessante foi
o momento político no qual cheguei nesse país. O conflito político entre o governo
de Cristina Fernandez e as frações burguesas agro-exportadoras, que inicialmente
era somente uma reivindicação setorial dos agro-exportadores, terminou se
generalizando como um conflito nacional, porque envolveu tanto os setores
diretamente ligados à produção agrícola, como também as classes médias,
intelectualidade, movimentos sociais e organizações políticas. Esse conflito iniciado
em 13 de março, com a medida governamental da ampliação da retenção com a
Medida
125, teve uma duração de 120 dias, em meio a cortes de estradas,
manifestações públicas e pressões sobre o Congresso Nacional. A sociedade
argentina polarizou-se em torno desse conflito, entre os favoráveis e os contra o
aumento.
Naquela conjuntura política foram publicizadas pelos jornais as distintas
posições sobre a produção agro-exportadora argentina, o papel desse setor na
economia argentina e o estágio atual de sua concentração em cinco principais
grupos transnacionais. Mas também foi explicitada a atual composição social do
campo, os cultivos principais e a concentração da terra. Para termos uma idéia, não
havia uma nitidez na sociedade argentina sobre o papel que desempenhava esse
setor, desde a década de 1990, na economia argentina e o papel que teve para a
retomada do crescimento econômico argentino, no pós-2001.
Mas também foram evidenciadas as posições governamentais, sua dificuldade
em lidar com esses setores de oposição, e os destinos que eram dados aos
impostos e a retenções que até então vigoravam no setor. Amplia-se o debate
público sobre a utilização do caixa governamental nos subsídios deslocados para
determinados setores empresariais, chamados empresários K, e a maneira que tal
caixa servia para a constituição e permanência da base política governamental.
Ou seja, foram 04 meses que pudemos acompanhar de perto a intensa
mobilização ocorrida na sociedade argentina, em especial em Buenos Aires.
Esses
acontecimentos
foram
determinantes
no
desgaste
político
governamental, que terminou sendo derrotado nas ruas (em termo de mobilização
dos aliados ao setor-agro-exportador) como também uma derrota no Congresso
Nacional, onde o governo começou a perder base político-parlamentar até então
20
aliados, e junto à opinião pública (de 56% de imagem favorável em janeiro de 2009,
Cristina Fernandez atualmente não passa de 20% de imagem favorável).
Esse período, da maneira como se apresentou abriu um espaço de
rearticulação da oposição parlamentar que vinha sofrendo sucessivas derrotas e
isolamento político, desde o governo de Néstor Kirchner. Mas em nossa
investigação o mais importante, dentro de nossa ótica de analisar a nova
configuração política sul-americana, propiciou observar de perto um momento novo
dentro desse quadro: o crescimento e rearticulação das oposições aos governos de
centro-esquerda, como ocorrendo na Venezuela, Bolívia e Argentina. Oposições
que têm uma semelhante base social centrada em setores de classe média e
frações da burguesia agro-exportadora, especialmente dinamizadas pelos setores
produtores de soja.
VI. Resultados da pesquisa
O termo nova configuração política condensa um período histórico na América
do Sul que tendencialmente se abriu em 1998, quando o atual presidente Hugo
Chávez (agora, em seu terceiro mandato) venceu as eleições presidenciais na
Venezuela. Em 2000, no Equador, Lúcio Gutierrez venceu as eleições com grande
base de apoio popular. Em 2003, o mesmo ocorre com
Néstor Kirchner nas
eleições na Argentina. Luís Inácio Lula da Silva, em 2002 no Brasil, com amplo
apoio nos principais movimentos sociais brasileiros consegue interromper a
sucessão de mandatos do PSDB que tinha nítidos propósitos neoliberais. No
Uruguai, Tabaré Vasquez, em 2005, teve o respaldo de todas as forças políticas de
esquerda dentro da Frente Ampla, como também dos outros partidos e movimentos
sociais. O atual presidente Evo Morales, do Movimento para o Socialismo (MAS) e
principal dirigente dos “cocaleros”,
venceu as eleições bolivianas. No Equador,
Rafael Correa, também em uma aliança Frente Popular, venceu em 2006.
Nesses governos verificamos o grande apoio popular que conquistaram antes
ou durante suas gestões, inclusive possibilitando-lhes serem reeleitos em seus
países. Com exceção do caso argentino, as candidaturas populares tiveram em
suas histórias uma relação orgânica com os movimentos sociais, sindicais ou de
partidos de esquerda, pois seus candidatos foram líderes desses movimentos e
tornaram-se
ao longo da história
referências políticas e ideológica para
21
expressivos segmentos das classes subalternas4. Em outros termos podemos dizer
que tais lideranças expressaram/configuraram com seus respectivos grupos, em
meio às lutas sociais, projetos políticos e ideológicos para amplas massas
populares
constituídas
por
assalariados
urbanos
e
rurais,
estudantes,
desempregados e subempregados, além de camadas da pequena burguesia
(camponeses, comerciantes, empresários) e até mesmo frações da burguesia local.
A idéia de um novo quadro político na região associa-se aos novos governos
de centro-esquerda, apoiados por movimentos sociais e partidos de base popular,
que em termos gerais se proporiam a constituir uma ação governamental de
distribuição de renda, criação de empregos e de incentivo à produção, articulado
com uma maior independência em relação à política externa norte-americana e
visando também a integração regional. Nesse sentido, o Estado retomaria um papel
de dinamizador (indutor) dessa nova realidade.Com essa perspectiva haveria um
um novo ciclo histórico que alteraria a perspectiva que fora seguida pelos governos
anteriores nesses países, que estiveram norteados por políticas de ajustes
estruturais.
A sociologia e a ciência política latino-americanas, áreas das Ciências Sociais
que mais têm se debruçado sobre esse tema, ainda não conseguiram adensar uma
teorização apropriada sobre o fenômeno em questão. A própria maneira, imprecisa
conceitualmente, de caracterizar esse fenômeno termina por limitá-lo a “um giro à
esquerda”, “novo tempo político”, “período pós-neoliberal”; ou, em outra ponta,
“neopopulismo” , “nacionalismo” etc. De uma maneira ou de outra, os autores que
trabalham com esse tema não deixam de abordar os efeitos sociais que o quadro
econômico dos ajustes estruturais deixou na região. Mas ainda ficam em aberto, na
análise desses novos governos, questões referentes ao regime político, às forças
sociais e políticas que determinam o Estado, a continuidade e/ou ruptura com o
passado recente etc., e principalmente o papel que os movimentos sociais aí têm.
O efeito dominó que se desenvolveu nesses anos com a ascensão eleitoral
desses novos governos de centro-esquerda, não é comparável a outro período
histórico, uma vez que esse quadro político e econômico na região não se restringe
a um par de países, mas sim se generalizou para um conjunto deles. Talvez o
período do chamado populismo latino-americano tenha sucedido também de
4
Aqui podemos citar como referências o atual presidente da República do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, da
Bolívia, Evo Morales.
22
maneira generalizada, e em outro contexto histórico-estrutural, com o surgimento de
governos com essas características no Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, México,
Panamá, entre outros. Esses governos advêm de uma profunda crise econômica e
social decorrente da recessão mundial a partir de 1929, que impacta os setores
agro-exportadores latino-americanos, possibilitando o desenvolvimento de massas
populares urbanas e a constituição de um movimento trabalhista que terminou por
constituir uma base social daqueles governos, que tiveram sua principal marca no
papel que o Estado teve na economia, constituindo empresas estatais, regulando as
relações de trabalho, estabelecendo níveis de protecionismo do capital nacional e
fomentando a constituição de um modelo de industrialização substitutiva às
manufaturas internacionais. As experiências e extensão desse período histórico não
ocorreram de maneira hegemônica entre todos os países, mas mantiveram as
diretrizes principais que assinalamos.
Essa não foi, por sua vez, a situação que se sucedeu com a Revolução
Cubana (1959) que não viu uma base generalizada na região, embora tenha
influenciado o surgimento de uma nova esquerda, crítica ao etapismo dos Partidos
Comunistas e à conciliação política entre as classes sociais, e que se desenvolveu
como organizações voltadas para a luta armada (rural ou urbana). De qualquer
maneira, em meio à Guerra Fria e às ditaduras militares, essa alternativa política de
poder foi barrada e derrotada política e militarmente. Por sua vez, o que se abriu
com o curto governo socialista de Salvador Allende (1973) não se desdobrou em
outros países, mesmo porque estava em plena ditadura militar, como também a
Nicarágua (1979) não sinalizou uma referência política que tenha se ampliado
continentalmente.
Os novos governos de centro-esquerda, na perspectiva da nova configuração
latino-americana, ao contrário daqueles fenômenos que permaneceram isolados,
indicam que eles surgem em um contexto político e econômico que vem
ultrapassando as situações exclusivamente conjunturais e mantendo uma certa
generalização na América do Sul. Primeiro porque sinalizam ultrapassar uma
década; segundo, preservam continuidade em eleições seguidas; terceiro, logram
neutralizar ou amenizar o desenvolvimento das oposições (à esquerda e à direita).
Em razão do exposto esse fenômeno ganha uma relativa permanência
temporal, mantém algumas características semelhantes que perpassam esses
governos, e transformam-se em fenômeno importante na análise sociológica,
23
especialmente latino-americana, uma vez que o que se apresenta no centro do
interesse não são os governos em si, mas sim o que tem apresentado para a
ultrapassagem das profundas desigualdades sociais que estruturalmente assolam
os países latino-americanos.
Mas é necessário destacar que esse período histórico tendencialmente
emergente decorre do que podemos definir como crise do neoliberalismo, aqui
entendido como enfraquecimento da hegemonia ideológica e política das
representações político-partidárias e culturais, articuladoras e expressões do grande
capital industrial e financeiro. Em decorrência dos resultados sociais desfavoráveis
para as classes subalternas, ampliaram-se substantivamente as lutas sociais a
partir do final da década de 1990. Especialmente porque os resultados prometidos
para a população não se materializaram depois de duas décadas, como
demonstram os índices sociais relacionados ao desemprego, pobreza e índices de
indigência, precarização das relações trabalhistas etc. De acordo com as
instituições financeiras
internacionais
(Banco
Mundial
e Fundo
Monetário
Internacional), os “ajustes estruturais” objetivaram “solucionar” a então chamada
“crise da dívida externa” dos países latino-americanos.
Os novos governos que nos referimos obtiveram relativos êxitos econômicos,
em decorrência de um período de aquecimento econômico internacional,
possibilitando por essa razão
intensificação de exportações de commodities
(produtos agrícolas, gás natural, petróleo etc.), aquecimento de seus mercados
internos de consumo e crescimento do produto interno bruto desses países. Esse
quadro econômico permitiu retomar índices de empregos e implementar políticas
sociais compensatórias. Em linhas gerais, isso possibilitou manter ou constituir um
respaldo popular,
inclusive em segmentos de classes médias, permitindo a
reeleições ou indicação de seus sucessores, como ocorreu na Venezuela, Brasil e
Argentina.
Diferente do ocorrido na década de 1960 e 1970 por meio de movimentos
revolucionários latino-americanos, representantes de partidos de esquerda e de
movimentos sociais têm conquistado eleitoralmente diversos governos. Nesses
processos ocorreram mudanças de paradigmas que operaram inclusive no caráter
programático desses movimentos5. Na avaliação da Latinobarómetro (2006), por
5
Evidenciar essa mudança que em anos anteriores (década de 1980) foi evidenciada por Tomás Vasconi.
24
exemplo, os partidos de centro e de esquerda
venceram eleições na América
Latina com bandeiras de igualdade e contra as discriminações; ao mesmo tempo no
entanto
ocorreria
econômicas”
que
“a
esquerda se tem direitizado em suas políticas
porque, por um lado, se veriam pressionadas a seguir o “marco
econômico mundial” e, por outro lado, em razão de que foram eleitas por um
eleitorado de centro, sendo então que “os governantes respondem então ao seu
eleitorado que não estão todos no mesmo lugar ideológico, e portanto os força a ser
mais moderados do que eles gostariam” (p.4).
O
período
histórico
hegemonizado
ideológica
e
politicamente
pelo
neoliberalismo também foi marcado internacionalmente pela descrença nos projetos
revolucionários de tomada do poder e constituição de sociedades socialistas. Esse
quadro internacional, especialmente grave na América Latina, em decorrência dos
desgastes de décadas anteriores em razão do período de ditaduras militares e da
luta armada, remeteu de maneira pouco crítica os grupos, organizações e partidos
de esquerda revolucionária para o campo da institucionalidade democrático-liberal.
Por essa razão verificamos um deslocamento intenso originado na década de 1980
para a participação eleitoral, valorização democrática “minimalista” e negação dos
conceitos marxistas e socialistas.
Os estudos recentes não desprezam o significado do fracasso econômico
(ajustes estruturais) para a maioria da população, como determinação central na
configuração do atual quadro político. Em meio à transição política, de regimes
políticos ditatoriais para democrático-liberais, em vários países latino-americanos
desenvolveram-se planos para “renegociação da dívida externa”, que na realidade
definiram os ajustes estruturais que as economias dos países devedores deveriam
assumir
para
manterem
a
confiança
da
“comunidade
financeira
internacional”. Essas renegociações que tomaram forma inicial a partir da moratória
mexicana, em agosto de 1982, ganharam forma mais definida por meio de três
momentos básicos (Roberts, 2000; Sandroni, 2005; Martins, 2006): Plano Baker
(1985); Plano Brady (1989)6; e Consenso de Washington (1989)7.
6
Em março de 1989, o então novo secretário do Tesouro norte-americano Nicholas Brady propôs a redução da
dívida por meio de uma política orientada para o crescimento, dinamizada pelo fluxo de investimentos
estrangeiros. Para isso, os países devedores deveriam desenvolver programas que permitissem a conversão da
dívida junto a investidores que participassem das transações para estimular o repatriamento de capitais
depositados no exterior. O FMI e o Banco Mundial apoiariam o financiamento para a conversão de empréstimos
bancários, em novos títulos, com redução do principal e da taxa de juros. Até 1996, na América Latina, os
seguintes países haviam se ajustado ao Plano: Brasil, Costa Rica, República Dominicana, Equador, México,
25
Para o Banco Mundial (2005), nesse percurso de ajustes econômicos, a
América Latina e Caribe obtiveram os melhores resultados em crescimento
econômico em relação aos últimos 24 anos. Esse resultado ancorou-se no
crescimento mundial, ampliação das exportações da região, nos preços dos
produtos básicos e numa ampla liquidez mundial. México, Chile e Brasil, no último
período, aumentaram sua produção, enquanto Argentina, Uruguai e Venezuela se
recuperaram das crises que lhe afetaram em anos anteriores8. Ainda de acordo com
a análise da instituição, a maioria dos países da região manteve superávit
comercial, reduziu suas necessidades de financiamento externo e acumulou grande
quantidade de reservas internacionais. Em decorrência desse quadro, o déficit fiscal
se reduziu e as nações melhoraram o seu endividamento externo.
No entanto é crescente a preocupação dessa instituição com os níveis de
pobreza e abaixo da linha da pobreza, e sua relação com a “instabilidade política”
na região. A aplicação dos ajustes estruturais, porém, em nada contribuiu para
solucionar o crescimento da pobreza e da miséria na região. Para Saavedria e
Arias (2005:11), os latino-americanos seguem manifestando grande frustração
porque os resultados não se equiparam com suas expectativas, pois “a população
está insatisfeita com o nível de progresso econômico, a privatização dos serviços
públicos, a integridade das instituições, o governo em geral e o grau de corrupção”
(Saavedria e Arias, 2005: 11).
Panamá, Peru, Uruguai e Venezuela. A estratégia de redução da dívida externa ocorreu com as seguintes
condições: livre circulação de capitais e mercadorias, privatizações, reforma do Estado e elevação dos juros. A
dívida foi parcialmente securitizada pelo Tesouro dos Estados Unidos, mediante a combinação de fundos do
governo norte-americano, organismos internacionais e países devedores, e negociada no mercado secundário,
atuando como instrumento de privatização de empresas e bancos estatais latino-americanos (Martins, 2006:
649).
7
O Consenso de Washington, encontro realizado na capital norte-americana, em novembro de 1989, teve como
objetivo avaliar as reformas econômicas que já vinham sendo implantadas na região. O Consenso implicou na
padronização do receituário que se seguiu na década de 1990. Os 10 pontos do receituário foram os seguintes:
cortes nas despesas com políticas sociais e investimentos, com o objetivo de “equilibrar” o orçamento estatal;
prioridade ao pagamento de juros das dívidas externas e interna, nas despesas públicas; reforma fiscal;
flexibilização do mercado financeiro para a presença de bancos internacionais e eliminação de restrições ao
fluxo de capital especulativo internacional; equiparação de moedas nacionais ao dólar; eliminação das restrições
ao investimento estrangeiro; programa de privatizações; desregulamentação de atividades estratégicas
(mineração, transporte, prospecção) e das relações trabalhistas (reformas); nova lei de patentes, de acordo com
exigências internacionais.
8
Os ajustes estruturais levaram os países que aceitaram esse receituário a crises, insolvência econômica e
estagnação na região. O México é resultado desse quadro, com sua insolvência em 1995. Posteriormente se
estendendo por Brasil (1998), Equador (1999) e Argentina (2001). A dívida externa latino-americana, em 1973,
representava 17% do PIB da região; em 1981 chegava a 31% e em 1987 expressava 57% do PIB. Entre 1990 e
1999, a dívida externa salta de US$ 467 bilhões para US$ 745 bilhões. Ou seja, embora a carga de recursos
transferidos para o exterior tenha crescido, ainda assim aumentou a dívida externa. A partir da década de 1990
com um novo agravante: a condição é privatização, flexibilização financeira e comercial, e maiores restrições
aos gastos públicos.
26
As razões para esse fracasso, de acordo com os técnicos das instituições
financeiras, encontram-se na interrupção das reformas e do crescimento e nas
reiteradas crises financeiras que fizeram desabar as melhorias sociais. Dessa
maneira, se acentuaria a percepção de que os benefícios da integração mundial são
distribuídos de formas díspares e recaem nos estratos de ingresso mais alto,
embora os custos tenham sido suportados pela maioria. Singh e Collins (2005),
nesse sentido, consideram que as políticas macroeconômicas propostas pelas
instituições financeiras internacionais não foram desenvolvidas adequadamente
pelos governos locais, constrangendo desta maneira a população da região a
situações de pobreza acentuada. Eles consideram que, na América Latina, a
pobreza aumentou e a desigualdade figura entre as maiores do mundo. Tal situação
poderia acabar com “o apoio popular aos programas de reformas iniciados durante
os anos noventa, já que prometiam muito mais e com freqüência deram resultados
decepcionantes”.
Essa análise dos técnicos do Banco Mundial parece condensar experiências
políticas muito concretas ocorridas nessa região. Como exemplo podemos verificar
a situação da Venezuela que nos parece
referência: ajustes estruturais
constrangendo a população a situações de extrema pobreza, o que podemos
entender que acabou levando à perda de qualquer tipo de apoio popular a tais
programas conhecidos também como neoliberais.
1. O caso argentino dentro da nova configuração política sul-americana
Na Argentina, o caso de Néstor Kirchner destoa em alguma medida com a
constituição dos outros governos de centro-esquerda na América do Sul. Kirchner é
plenamente um político tradicional ligado à estrutura do Partido Justicialista, que
seguiu as etapas de intendente de Rio Gallego e governador da Província de Santa
Cruz (1992-2003). Sua candidatura à presidência da República e a vitória eleitoral
com 22% dos votos exprime claramente a acentuada crise que o regime político
argentino viveu entre dezembro de 2001-2002, como também sinaliza
a
inexistência de outras alternativas políticas naquela ocasião. Diferente de Lula
(Brasil), Morales (Bolívia), Chávez (Venezuela), o então presidente Kirchner nunca
esteve referenciado por movimentos sociais ou de esquerda.
Por sua vez, a
situação política com os levantes populares de dezembro de 2001 indicaram como
27
tal governo deveria operar junto aos movimentos sociais e partidos de esquerda, no
sentido de captá-los, cooptá-los e, em último caso, reprimi-los. O que demonstra a
intensidade desses movimentos. Ou seja, um político tradicional, que constituiu ou
ampliou suas riquezas desde Santa Cruz, apoiou o processo de privatização da
YPF, e posteriormente passa a realizar críticas a Menem. Nenhuma aproximação
com os setores populares. Em nenhum período de seu governo ocorreram fatos
graves com as frações burguesas. Essas se mantiveram como antes no bloco no
poder: setores multinacionais; capital financeiro; concessionárias das privatizadas; e
as exportadores de matérias-primas. Como interesses de classe, Kirchner responde
diretamente aos setores das concessionárias e obras públicas, nos quais estão
localizados os capitalistas conhecidos como empresários K. Mas as frações do
capital financeiro e das multinacionais são os determinantes no aparelho de Estado.
O deslocamento para a “esquerda” ocorreu como necessidade de sobrevivência
política de seu governo.
Após renúncia de Carlos Menem antes do segundo turno das eleições
presidenciais de 2003 (no dia 14 de maio), Nestor Kirchner
fez algumas
afirmações. Para ele, com a desistência de Menem, culminaria “na Argentina um
ciclo histórico assinalado pelas lideranças messiânicas, fundamentalistas e
excludentes donde houve dirigentes que creram com o direito divino de não ter que
dar explicações para a sociedade do que tem feito”. A desistência do concorrente
haveria sido “funcional para os interesses de grupos e setores do poder econômico
que se beneficiaram com privilégios” durante a década passada, “ao amparo de um
modelo de especulação financeira e subordinação política”. Ainda de acordo com
Kirchner, "a esos mismos intereses que cooptaron el Estado y compraron la política,
a esos mismos intereses que corrompieron a los dirigentes y arruinaron la vida de
los ciudadanos, tributa esta huida". Señaló que "el marco institucional y político
exige una profundización del sistema democrático, ya que es la voluntad popular la
gran legitimadora de políticas que tornarán viable una gestión, en una Argentina
devastada, presionada y extorsionada por la voracidad especulativa, las practicas
corporativas y los egoísmos personales de sus dirigentes políticos". Na ocasião,
Néstor Kirchner, ao ser questionado pelos periodistas, negou que havia realizado
pactos para chegar à presidencia da República: "No he llegado hasta aquí para
pactar con el pasado. Ni para que todo termine en un mero acuerdo de cúpulas
dirigenciales. No voy a ser presa de las corporaciones".
28
Kirchner assumiu a presidência da república em 25 de maio de 2003. O
primeiro turno ocorreu em 27 de abril de 2003. Em seu discurso assinalava que
“não se pode voltar a pagar a dívida com o custo da fome e da exclusão dos
argentinos”; os credores deveriam entender que só poderiam cobrar se o país fosse
bem. O programa de governo estaria centrado nos seguintes pontos: reinstalar a
mobilidade social, redução da dívida externa, recuperação do protagonismo estatal;
luta contra a corrupção e garantir que a segurança jurídica . “Se trata de mudar, não
de destruir. (...) Chegamos, sem rancores mas com memória. Memória não só dos
erros e dos horrores do outro.Senão que também é memória sobre nossos próprios
equívocos”. (La nación, 26 de maio de 2003).
Mas em seus discurso expressa também os limites em que
o país havia
chegado, ao indicar a necessidade de “profunda mudança social e moral que ponha
fim à mais grave crise econômica e institucional da história argentina”. Ou seja, a
sua nítida impressão era de uma profunda crise institucional e econômica no país.
O discurso e as ações governamentais estiveram caracterizadas para esse
terreno conjuntural de crise profunda. Sua própria eleição com 22% de votos
significava, ao contrário do que havia ocorrido com Lula no Brasil e Chavez na
Venezuela, uma grande debilidade política, somada à fragmentação ocorrida no
justicialismo, que havia lançado três candidatos à presidência da república em
2003.
Essas condições impulsionam Kirchner para uma atuação centralizadora,
semi-bonapartista, mas que necessita se amparar nos movimentos sociais.
2. A situação política na Argentina a partir de 2001
A experiência política recente na Argentina possibilita-nos verificar aspectos
ideológicos, políticos e econômicos que se apresentam na “nova configuração
política” latino-americana, como também nos alerta no plano metodológico da
análise para suas especificidades políticas e econômicas, que não permitem formas
comparativas aligeiradas.
De qualquer maneira, essa nova configuração, em
diferentes graus, os novos governos instituíram frentes políticas entre as
representações políticas operárias e populares
e
setores das classes sociais
empresariais. É o que ocorreu na Venezuela com Hugo Chávez (1998 e 2006),
embora exista uma tentativa analítica de considerar sua base social empresarial de
29
apoio, no Brasil com Luis Inácio Lula da Silva (2002 e 2006) e com Néstor Kirchner
na Argentina (2003-2007) e elegendo sua mulher em 2007. Além desses países,
mais recentemente, ainda no
primeiro mandato surgiram:
no Uruguai, Tabaré
Vasquez (2005); na Bolívia, Evo Morales (2006); no Equador, Rafael Correa (2007);
e na Nicarágua, Daniel Ortega (2007). Esses novos governos surgiram no período
recente como resultado da profunda crise do neoliberalismo ou, em outros termos,
do enfraquecimento da hegemonia política neoliberal sobre as massas populares,
em decorrência do nível de pauperização que tais ajustes estruturais impuseram
aos diversos setores de trabalhadores (do setor privado e público) e também das
camadas sociais médias.
O
governo de Kirchner (2003-2007) e agora de Cristina Fernández se
diferenciam dos governos de Tabaré Vasquez (Uruguai) e Luís Inácio Lula da Silva
(Brasil), em razão do discurso antiimperialista e sua acentuada conflitividade com
setores
empresariais,
como
ocorreu
recentemente
com
os
setores
agroexportadores. Mas como Lula mantêm uma relação muito próxima com o
capital financeiro internacional e com o empresariado industrial argentino e
multinacional. Aproxima-se de Hugo Chávez Frias, em alguns aspectos do discurso
antiimperialista e
da
proposta de realizar o
desenvolvimento econômico
independente e integrado à perspectiva latino-americana.
A especificidade argentina, no tema aqui abordado, refere-se à situação de
levantes generalizados e a crise do regime político, a partir de 19 e 20 de dezembro
de 2001. O “corralito” financeiro, desaparecimento dos depósitos bancários de
dezenas de milhares de correntistas em decorrência da fuga do capital
(congelamento dos depósitos bancários) decretado pelo presidente Fernando De La
Rúa em 19 de dezembro de 2001 significou a gota d‟água de uma situação social
crítica que se desenvolvia nesse país
em decorrência
dos ajustes estruturais
neoliberais. De La Rúa tentou enfrentar as massas populares nas ruas com a
decretação do Estado de Sítio em 21 de dezembro daquele ano, e com uma
impressionante repressão militar com cerca de trinta manifestantes assassinados
em confrontos com a polícia. Caiu o ministro da Economia, Domingo Cavallo, em
seguida o presidente da República, Fernando De la Rua e, nas semanas seguintes,
outros quatro presidentes. Um deles, Rodrigo Saá, foi obrigado a
declarar a
suspensão do pagamento da dívida externa, então na ordem de 150.000 milhões de
dólares.
30
Essa situação resultou de uma profunda crise que teve sua gênese no final
da década de 1998, em razão da crise financeira internacional. A fuga de capitais
que mencionamos, para termos uma idéia: entre 26 e 30 de novembro de 2001,
houve uma fuga de 2.727 milhões de dólares. O desemprego ultrapassa todos os
horizontes de até então: 2.500.000 sem trabalho. E outros tantos subempregados. A
precarização atinge cerca de 50% dos assalariados que recebem menos de 300
pesos mensais. Chegou a 18 milhões de pobres e 3 milhões de crianças indigentes.
Em conseqüência disso, em 2002, a Argentina cai em sua maior recessão
econômica e o desemprego atingia 21,5% da população economicamente ativa.
54% da população encontrava-se abaixo do limite da pobreza e metade dessa
população (27%), na linha da indigência. Do final de 2001 e durante o ano de 2002,
a população desse país radicalizou suas palavras de ordem (“Fora Todos!, Fora
FMI”), constituiu Assembléias Populares permanentes em várias regiões, além de
inúmeras ocupações pelos trabalhadores de fábricas falidas.
A crise política aberta em dezembro de 2001 e que se estendeu por 2002
resultou das definições das políticas econômicas impostas na Argentina desde a
ditadura militar de 1976-1983 e que tiveram continuidade nos governos civis pósditadura (Seoane, 2007:99-122). Entre 1976 e 1981, a política econômica é
abertamente liberal e monetarista, com a
especulação financeira e a abertura
irrestrita da economia por meio da iniciativa ao consumo de importados (“dáme
dos”). No período entre 1976 e 1983, a dívida argentina se quintuplicou passando
de US$ 8,9 bilhões (1975) para US$ 43 bilhões (1983).
No período de Raúl Alfonsin, da União Cívica Radical (UCR), a dívida externa
manteve-se crescente, com déficit fiscal e alta inflação, levando Alfonsin a
implementar o Plano Austral (1985) e logo depois, em negociação da dívida externa
do país com o FMI, ao Plano Baker9.
Esse traçados econômicos inteiramente submetidos ao capital financeiro
internacional, levou o país a uma catástrofe econômico-social com a conseqüente
condenação da maior parte da população para os dirigentes políticos e sindicais,
9
O Plano Baker (1985), Programa para o crescimento sustentável, formulado pelo então secretário do Tesouro
norte-americano, James A. Baker III, dirigiu-se para os quinze países considerados com maior dívida, sendo que
os latino-americanos eram a maioria: Bolívia, Argentina, Brasil, Chile, Equador, México, Peru, Uruguai e
Venezuela. Com o objetivo de reduzir a inflação, o plano exigia que fossem adotadas políticas estruturais e
macroeconômicas, com ajustes no balanço de pagamentos, reforma tributária, incentivo aos investimentos
estrangeiros e liberação comercial.
31
assim como aos bancos, às corporações locais e estrangeiras, ao FMI e aos
Estados Unidos. Os dados comparativo entre 1974/75 e 2002 permitem dar conta
da magnitude da catástrofe :
entre esses anos a população abaixo da linha da pobreza passa do 7% ao
56%; o desemprego cresce de 3% a 21%, mais 20% de subemprego e 40%
dos ocupados em condições precárias; os salários descem em 65% em
termos reais. Se em 1974 mais de 90% da PEA estava coberta por direitos
sociais, em 2002 essa proporção não supera a 20%. A dívida externa
cresce de 7.800 milhões de dólares para 170.000 milhões, apesar de haverse pago ao redor de 200.000 milhões e de alienar-se mais de 90% do
patrimônio público. Os planos de ajuste do FMI levaram a uma
impressionante queda do gasto público em educação, seguridade social e
saúde, em momentos no qual o desemprego e a precarização trabalhista
fizeram que milhões de famílias perdessem suas obras sociais e se vissem
obrigadas a atender-se em hospitais empobrecidos. As empresas, os
serviços e os recursos estratégicos públicos foram privatizados em
condições escandalosas para o país, devido à cumplicidade entre os grupos
beneficiários e os políticos responsáveis dessa entrega. (Maya, 2006:78)
3. A recessão entre 1998 -2002 e os movimentos sociais
Eles somente têm seu ponto inicial de explicação através da crise econômica
e social entre 1998 e 2004, quando o país entrou em uma recessão. “A partir de
então, também se intensificou a protesta social. Apesar da mudança, no clima
político-social que havia levado à derrota ao candidato presidencial Eduardo
Duhalde em 1999, o novo governo de De la Rúa, traindo suas promessas eleitorais,
continuou aplicando aquele severo ajuste estrutural. Se aumentaram os impostos,
se reduziram os salários e se sancionaram leis adicionais para a flexibilização do
mercado laboral. Nenhuma destas medidas teve efeitos contra cíclicos” (Giarraca y
Teubal, p.116). Todas as medidas econômicas adotadas por De La Rúa iam no
sentido conquistar o apoio das instituições financeiras internacionais. Nesse
sentido, o retorno do ex-ministro menemista da economia, Domingo Cavallo. É certo
em parte o que afirmam Giarracca e Teubal: “Em realidade, o governo e seus
ministros de Economia estavam empenhados em evitar o default da dívida externa
e o fim da convertibilidade, ainda que a custa de enormes penúrias sociais. Se
preocuparam unicamente em conseguir a confiança dos círculos financeiros
internacionais e pelo „risco país‟, que geraria taxas de interesses internacionais
cada vez mais altas. Mas não puderam – ou não quiseram – lidar eficazmente com
32
a corrida bancária, a fuga de capitais e a drenagem de divisas. Entre fevereiro e
novembro de 2001 (quando se criou o corralito para restringir o retiro de depósitos
bancários), os poucos fundos do sistema bancário que ficavam – e que pertenciam
fundamentalmente aos médios e pequenos poupadores – se reduziam a 16.300
milhões de pesos/dólar. A drenagem continuou sem pausa: entre dezembro de
2001 e março de 2002, houve uma fuga de depósitos de 12.700 milhões de dólares.
Esta fuga total de 29.000 milhões representava 34% dos depósitos que o sistema
bancário possuía em fevereiro de 2001. Nesse mesmo ano, as reservas de divisas
do Banco Central desceram 19.000 milhões de pesos/dólar” (idem, p.116).
Mas esse quadro econômico e as definições do governo de De la Rúa não
expressavam integralmente as posições do Partido Justicialista e das distintas
frações da burguesia. Entre os de cima estava se constituindo um impasse sobre a
condução da política econômica. O ponto central desse impasse encontrava-se na
convertibilidade. Existam setores dessa que defendiam já em 2000 o fim da
convertibilidade. Em realidade, de acordo com Peralta Ramos, a partir da crise
mexicana
começou a
desarticulação do modelo econômico
baseado na
convertibilidade que se expressou na fuga generalizada de capitais para fora do
país. “Para 1998 o governo estimava em 87 bilhões de dólares os ativos totais dos
residentes no exterior. Neste contexto, as vozes de protesto dos setores
empresariais prejudicados pela abertura comercial, as altas taxas de juros
domésticas e a recessão haviam de somar-se ao crescente protesto popular frente
a um modelo econômico que somava por esso então a um terço da população ativa
no desemprego e na miséria” (Peralta Ramos, 2007, p.334). Esse
protesto
empresarial no entanto era limitado, como veremos mais a frente, uma vez que as
distintas frações burguesas estavam unificadas em torno da reforma trabalhista que
reduzia ainda mais os custos trabalhistas no país. Ao nosso entender, esse é o
aspecto principal que se manteve depois do fim da convertibilidade, nos governos
de Eduardo Duhalde, depois de Néstor Kirchner e agora com Cristina Fernandez.
As greves gerais chamadas pela CGT, CTA e MTA, cerca de 13 greves no
curto período de De la Rúa, trouxeram em si os distintos projetos de país e, de
alguma maneira, expressavam os próprios posicionamentos das frações burguesas
em pugna. Isso talvez possibilite uma explicação, como ressaltam autores como
Bonnet (2008) e Sartelli (2007), para a aparente inexplicável posição de não
participação efetiva nos acontecimentos determinantes de dezembro, como também
33
ao que se sucedeu no transcorrer de 2002 e 2003. Para as direções sindicais, o
movimento obrero não participou dos acontecimentos de dezembro, nem ao menos
naqueles que lhe sucederam10. Em realidade, o mais adequado seria afirmar que as
burocracias sindicais não se integraram nas manifestações de 19 e 20 de dezembro
de 2001. Não é o mesmo em afirmar que distintas organizações de trabalhadores
desocupados não tenham participado. De qualquer maneira, a paralisia da CGT e
da CTA nesse momento nos parece que tem sua explicação.
Embora Sartelli (2007) não consiga ultrapassar os aspectos mais aparentes do
problema, ele ao menos da uma indicação interessante para explicar a paralisia da
centrais sindicais naquele momento: “Na descrição dos fatos existem pelo menos
três elementos que, ou são interpretados incorretamente ou diretamente não
correspondem à verdade, sendo a característica geral do relato à tendência a
diminuir a presença do movimento piqueteiro, em particular da fração que teria o
maior desenvolvimento a posteriori. Em princípio, fazer coincidir a origem do fato
com a greve da CGT permitiria supor a presença dirigente deste agrupamento no
processo geral de luta operária, quando em realidade, sua presença é a
corporização entre os trabalhadores das estratégias burguesas. A divisão da CGT é
a projeção da divisão da burguesia argentina entre os capitais mais concentrados e
internacionalizados (Daer) e os mais débeis e, por fim, mercado internista (Moyano).
Mais especificamente pequeno-burguês em seu alinhamentos é o agrupamento que
constituem a CTA e a CCC. Daí seu diferente comportamento durante o processo.
A greve geral projetada por todos eles em realidade é parte da unidade da
burguesia contra o governo, unidade que é só conjuntural e contraditória, onde o
elemento mais dinâmico é a fração que empurra Moyano, partidário firme da
burguesia desvalorizacionista. Tanto Hugo Moyano como De Genaro e Alderete
buscam uma substituição do “modelo”, que em algum caso implica a saída do
elenco governante (Moyano) e em outro só o do ministro da economia (CTA-CCC).
Em todos os casos, se trata de utilizar as frações da classe operária que capitulam
como massa de manobra das disputas burguesas, não só contra os interesses
gerais de suas bases, senão inclusive contra interesses imediatos, como a queda
salarial que provocaria a desvalorização. É por isso que nenhum destes
agrupamentos participa organicamente dos momentos mais agudos da luta. É mais,
10
Essa afirmação escutamos em entrevistas com dirigentes e militantes sindicais.
34
quando o principal do fato já há passado, a CTA e a CGT chamaram a paralisação
geral com a clara intenção de frear a mobilização, algo que dizem explicitamente
em testemunhos recolhidos pelos autores no texto que criticamos. Os primeiros em
retirar-se são a CTA e a CCC que só buscam a queda de Cavallo. “Por isso não
participam da marcha convocada para o 20 à tarde, excusando-se a ultimo
momento ou faltando sem aviso.” (...). “A ausência da CTA Capital e a CCC será
elemento chave na divisão que ia a produzir-se a posteriori no seio do movimento
piqueteiro, divisão que refletia duas estratégias distintas cuja marcha conjunta fez
crise esse dia: a estratégia que, perseguindo interesses secundários do
proletariado, buscava a aliança com a burguesia “progressista” e “nacional” (CTA e
CCC) e a que, perseguindo os interesses mais gerais do proletariado rechaçava
toda aliança com elementos burgueses (que, a posteriori, coagularia no Bloco
Piqueteiro Nacional).
4. O dezembro de 2001 e as manifestações antineoliberais na região
A configuração política na Argentina, no período de ascensão de Néstor
Kirchner à presidência da República em 25 de maio de 2003 e de Cristina
Fernandez em 2007, mantém fortes relações com os acontecimentos abertos em 19
e 20 de dezembro de 2001. Esses acontecimentos condicionam a discursividade
presidencial, muitas ações políticas contra alguns monopólios, as determinações
estatizantes em alguns momentos e a necessidade de manter uma constante
organicidade com setores dos movimentos sociais e centrais sindicais. Aqueles
acontecimentos (e seus desdobramentos sociais) são uma dimensão necessária
para explicar o giro político e discursivo do então governador de Santa Cruz, que
não somente apoiou a privatização da YPF como também do Banco da Província. A
ênfase na ótica esquerdista, peronista e antineoliberal, por sua vez, envolve-se em
um quadro político de muitos questionamentos aos governos neoliberais.
Uma atuação governamental que alguns autores (Katz, Godoi, Basualdo,
Svampa) consideraram de caráter keynesiano ou neodessenvolvimentista, mas que
ao mesmo tempo preserva elementos centrais das políticas neoliberais dos anos
90, como a precarização do trabalho, determinação estatal sendo regida pela lógica
financeira ou uma estabilidade institucional precária.
35
Néstor Kirchner se impôs como candidatura no partido justicialista, em uma
aliança política instável com Eduardo Duhalde. Impossibilitado de disputar as
eleições presidenciais, Duhalde teve como pouca opção o apoio a Kirchner. Sua
vitória eleitoral tornou-se pífia, uma vez que seu concorrente ao segundo turno,
Carlos Menem, abandona a disputa. Uma conquista com apenas 22% dos votos,
dentro de um quadro social e político dos mais instáveis, sinalizava a possível
debilidade de um governo que para muitos seria de vida curta. Aquelas eleições de
março de 2003 foram um visível termômetro da permanente desconfiança popular
com as instituições, seus políticos e governantes. Ainda se mantinha no ar o “Vayan
se todos”, embora com sinais de seu arrefecimento uma vez que para setores da
classe média a retomada da normalidade institucional tornava-se central, enquanto
para os setores populares (piqueteiros) ainda era necessário manter a dinâmica das
lutas sociais. Uma rápida passagem nos diários da época nos permitem uma
aproximação com o cenário da época.
O fenômeno político que a imprensa argentina e os cientistas políticos
designaram como kirchenerismo é resultado do cenário social e político dos
acontecimentos de 2001, quando se expressa de maneira irremediável uma
profunda crise de hegemonia que se desenvolve não somente pela indefinição de
direção política e moral entre as frações burguesas no bloco no poder, mas também
pela falta de uma direção política e moral nas outras classes sociais (proletários e
pequena burguesia). Nessa perspectiva podemos assim sintetizar o conteúdo da
afirmação: a) uma crise política intensa entre os de cima, em relação à sua direção
política, que se espraia entre os partidos da ordem, políticos e instituições; b)
intensificação do descontentamento, lutas e organização das frações assalariadas
desocupadas e camadas médias que não querem mais viver como antes, mas que
não conseguem lograr uma unidade política suficiente para se transformar em uma
alternativa política.
A conjuntura econômica e política na Argentina, no entanto, e certamente, não
se encontrava isolada do contexto internacional. Encontra-se imbricada, como
anteriormente descrevemos, em uma crise financeira internacional de 1998,
conhecida como crise asiática, que se tornou uma das dimensões centrais na
desestabilização econômica não só argentina, mas também de Brasil, Bolívia,
Equador. Por outro lado, encontra-se no contexto político do 11 de setembro de
2001, quando provisoriamente o imperialismo norte-americano se legitima diante do
36
povo norte-americano em sua declarada ofensiva militar sobre o Afeganistão e logo
em seguida sobre o Iraque, em torno da “justiça infinita”. Mas uma legitimação
restritiva, regressiva e provisória, uma vez que praticamente em todos os países
ocorreram manifestações contra a intervenção militar norte-americana, ao exemplo
das gigantescas manifestações na Espanha (Madri e Barcelona), na Grã-Bretanha,
França e nos países do Oriente Médio (Irã, Líbano, Egito...). O sentido regressivo
dessa legitimação deveu-se principalmente porque internamente inaugurou as
políticas de segurança contra cidadãos norte-americanos e prisões injustificadas de
imigrantes, principalmente árabes. Seu caráter provisório é nítido, uma vez que as
bases do consenso foram se demonstrando frágeis para o presidente George Bush.
Essa ofensiva estava em curso em períodos anteriores, como verificamos na
intervenção militar na Colômbia, em um suposto combate ao narcotráfico
internacional, mas na realidade em combate aberto contra as FARC-EP; ou então,
no apoio sempre contínuo e intenso ao Estado de Israel contra os palestinos. E
anteriormente, em 1991, na Guerra do Golfo contra o Iraque e o sanguinário apoio à
militarização da guerra civil de kosovo, e a sua intervenção na Somália. No entanto,
o 11 de setembro possibilitou a construção de condições políticas internas nos EUA
que lhe faltavam para que o imperialismo desencadeasse uma investida sobre os
quatro-cantos do mundo, justamente em um período no qual a recessão atingia o
coração do sistema capitalista. Acoplam-se, nesse sentido, duas dimensões nessa
investida: a hegemonia política militar e a intensificação da exploração econômica
dos países dependentes. Em última análise respondem à tentativa de superação da
crise econômica mundial e de derrota das mobilizações sociais e nacionais que
ameaçavam os interesses das corporações que controlam o Estado norteamericano.
Esse é o contexto internacional em que se localiza a situação política
configurada na Argentina a partir de 19 e 20 de dezembro. Certamente que o
contexto internacional em si não nos possibilita uma explicação ou aproximação do
2001 argentino, se não considerarmos como estiveram se gestando os sujeitos
políticos e sociais nesse processo. Quando diversos estratos sociais da população
foram para as ruas exigindo a renúncia do Ministro da Economia Domingos Cavallo
e do presidente Fernando de La Rua, expressa, por distintos meios e em último
grau a resistência às propostas de aprofundar os mecanismos de exploração
econômica e financeiro nos países endividados, especialmente da América Latina.
37
Aqui nos referimos às diretrizes financeiras desenvolvidas pelo Fundo Monetário
Internacional e Banco Mundial, nessas últimas décadas, ao qual se submetem as
burguesias e governos locais, em sua maioria representando as posições do capital
financeiro mundial. Em outras palavras, a proposta de Cavallo de déficit zero e de
congelar as poupanças e contas bancárias estava determinada pela diretrizes do
FMI, no sentido de resguardar o capital. De imediato, a gota d‟água esteve na
aplicação de uma determinação internacional.
No contexto internacional e regional existia também outra dimensão dessa
crise estrutural do capital: as manifestações internacionais contra o neoliberalismo.
As crescentes manifestações contra os órgãos financeiros multilaterais, entre 1998
e 2000, como verificamos as manifestações sociais de Seattle, Washington, Praga e
depois em Gênova. A constituição de fóruns mundiais como o Fórum Social Mundial
não se limitam ao “descontentamento” da juventude de classe média ou a um mero
mal estar contra o neoliberalismo. São decorrência de um complexo quadro social e
político configurando-se em última instância a partir de uma crise capitalista
profunda. Do México, no território de Chiapas, desde 1995 vinham as informações
sobre as resistências dos camponeses contra a tomada de suas terras, e que tinha
no
Exército
Zapatista
de
Libertação
Nacional
(EZLN)
e
no
mitológico
subcomandante Marcos sua direção política e organizativa principal. As resistências
e lutas no Equador (2000) lideradas por CONAE – Coordenação Nacional de Água agrupação de movimentos sociais de base camponesa que realizou levantes contra
a privatização da água. Também no caso da Bolívia, com o ressurgimento da
Coordenação
dos Obreros
Bolivianos
(COB)
e
de
diversos
movimentos
camponeses (de base indígena). No Brasil, desde 1996, o Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST) era a principal base de oposição às políticas
neoliberais de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998; 1998-2001).
Na Argentina, esse percurso de resistências se intensificou na década de
1990, mas com outras características já eram visíveis no período de Raúl Alfonsin.
Eles se desenvolveram em dois eixos principais: trabalhadores desocupados
(desempregados), das empresas privatizadas e empresas privadas, que se
constituíram em Movimentos de Trabalhadores Desocupados (MTD); e entre os
trabalhadores dos setores públicos, principais e diretamente atingidos pelas
políticas de privatização e de reestruturação do estado, por essa razão se
desenvolveram duas esferas sindicais muito importantes: a Associação dos
38
Trabalhadores Estatais (ATE), dirigida na década de 1990 por Victor De Gennaro, e
a Confederação dos Trabalhadores de Educação da República Argentina (CTERA),
na ocasião dirigida por Maria Sanchez. Com grande intensidade nas províncias
esses movimentos começam a se multiplicar na Capital do país (Buenos Aires).
Então existe um período histórico (aqui utilizado no sentido forte da palavra, ou
seja, que demarca e especifica as relações e conflitos entre as classes sociais, o
Estado e suas políticas, em um determinado lapso temporal) que está saturado
internacionalmente de lutas sociais, resistências e organizações de diversos tipos e
constituição
social,
que
se
debatem
ideológica
e
politicamente
com
o
neoliberalismo.
Mas também é um momento que se acentuam distintos cortes ideológico de
caráter libertário ou anarquista que não somente questionam a doutrina e políticas
neoliberais, suas instituições internacionais e seus principais personagens. Também
criticam toda a política estatal, ou interferência do Estado, nos assuntos públicos. E
estabelecem, por sua vez, uma dura crítica aos partidos políticos e suas formas de
organização, especialmente àqueles que se baseiam nos paradigmas socialistas e
revolucionários, como também a cristalização da existência de classes sociais como
o proletariado, além da categoria trabalho como na centralidade da compreensão da
sociabilidade humana. A política do não poder, divulgado internacionalmente pelo
Zapatismo, e teorizado por intelectuais como John Holloway e Toni Negri, tornou-se
uma referência constituída para militantes de ONGs internacionais e de movimentos
sociais.
5. Argentina: dezembro de 2001
Os acontecimentos de 19 e 20 de dezembro de 2001 tiveram seqüência no
transcorrer do ano de 2002 e levaram à queda inicialmente do ministro da
economia, Domingo Cavallo, e logo em seguida de Fernando De La Rúa. Como
assinalamos anteriormente, estão diretamente ligados à crise internacional entre
1998-2002, e à postura daquele recém governo em manter as diretrizes financeiras
internacionais.
39
Fernando De la Rúa assumira o governo em 10 de dezembro de 1999 11 e,
como ministro da Economia, José Luis Machinea. Em agosto daquele ano, De la
Rúa troca o ministério e logo em seguida Chacho Alvarez renuncia ao cargo,
denunciando o envolvimento oficial com subornos no Senado. As instituições
financeiras internacionais cortaram os créditos para o país. Somente em dezembro
que recebe uma ajuda financeira de 40 bilhões de dólares, como blindagem
financeira. Em março de 2001 o ministro da Economia é substituído pelo
economista liberal Ricardo López Murphy que tinha como objetivo cumprir as metas
consensuadas com o FMI e preservar o sistema de cambio fixo (convertibilidade).
Em 05 março o governo anunciava outro plano econômico que objetivava um
drástico corte nos gastos públicos (déficit zero) de 1.962.000 de dólares/peso.
López Murphy abandona o cargo e assume o ex-ministro da economia de Menem,
Domingo Cavallo. Ou seja, em 19 dias, assumia um terceiro ministro da economia.
No período o desemprego atingia 18,3% da PEA.
O argentinaço foi precedido em seu aspecto imediato por uma série de
acontecimentos que demarcavam um novo horizonte político em curso naquele
país. As eleições gerais de outubro daquele ano foram um termômetro de como se
condensavam as pressões populares: uma ampla derrota para o governo e o
principal partido de oposição; alto número de abstenções e voto em branco e o
crescimento eleitoral dos setores de esquerda. O voto bronca, como designado
pelos periódicos da época, significava entre abstenção, nulos e brancos cerca de
40% dos votantes; enquanto que naquelas eleições de outubro de 2001 sofreu uma
derrota contundente a Alianza (Frepaso-UCR) e os outros partidos da ordem. É
nessas eleições também que a esquerda política terá uma de suas melhores
votações. Os setores de trabalhadores desocupados vinham em um ascenso, com
três semanas de cortes e mobilizações no mês de setembro, o “piquetaço”, em
torno da cidade de Buenos Aires, enquanto os desocupados não organizados
giravam suas ações para saques em distintos pontos em semanas anteriores à
queda de De La Rua.
A CGT e a CTA, por sua vez, convocam os trabalhadores para uma greve
geral em 13 de dezembro. No campo da burguesia, suas distintas frações não se
11
Nas eleições presidenciais daquele ano haviam concorrido: (...). De La Rúa, candidato pela Aliança
(Frepaso/UCR), estabeleceu um discurso antineoliberal e crítico a Carlos Menem. O então presidente Carlos
Menem pretendia um terceiro mandato, mas ele não conseguiu na época a mudança constitucional que lhe
permitisse se recandidatar.
40
mantinham no grande acordo em torno da convertibilidade, ao contrário seus
principais representantes expressavam publicamente a necessidade de acionar os
mecanismos de desvalorização cambial, como ocorreu no período de Eduardo
Duhalde e seu ministro da economia Roberto Lavagna
O “corralito”, decretado no final de novembro de 2001, foi o desaparecimento
dos depósitos bancários de dezenas de milhares de correntistas em decorrência da
fuga do capital (congelamento dos depósitos bancários) decretado pelo presidente
Fernando De La Rúa e significou a gota d‟água de uma situação social crítica que
se desenvolvia nesse país em decorrência dos ajustes estruturais neoliberais. O
corralito significou a confiscação de bens privados por parte dos bancos com o aval
do governo. O pacote de medidas, elaborado por Domingo Cavallo, consistiu
basicamente que o correntista não podia retirar por semana mais do que 250 pesos
ou dólares de cada conta bancária, medida que seria retirada um mês e meio
depois. A maioria dessas poupanças não ultrapassavam cerca de 10.000 dólares e
envolvia principalmente os setores médios urbanos da população. “A situação
individual dos poupadores guarda verdadeiros dramas: se tratava de economias
para enfrentar enfermidades terminais, últimas economias de aposentados,
poupança transitória de quem havia vendido casa e estava para comprar outras
etc.” (Giarracca y Teubal, 2007, p.125).
De La Rúa tentou enfrentar as massas populares nas ruas com a decretação
do Estado de Sítio em 19 de dezembro, e com uma impressionante repressão
militar que levou a cerca de trinta manifestantes assassinados em confrontos com a
polícia. Caiu o ministro da Economia, Domingo Cavallo, em seguida o presidente da
República, Fernando De la Rua. Antes de apresentar sua renúncia ao Congresso
Nacional, ele tentou um acordo com o Partido Justicialista, em torno de um governo
de coalizão que foi rejeitado pelos caciques peronistas De maneira inconsciente, as
mobilizações, lutas e organização de diversos setores da classe trabalhadora
(ocupados e desocupados) e de setores de classe média confluíram para o reclamo
central contra o corralito financeiro e o estado de sítio.
A crise política continuou de maneira aberta. Como presidente interino,
assumiu o senador peronista Ramón Puerta que ocupava a presidência provisional
da Câmara Nacional até 22 de dezembro quando foi eleito pela Assembléia
41
Legislativa o governador de San Luis, Adolfo Rodrigues Saá12 que se manteve no
cargo durante sete dias. Seguiu-lhe na presidência interina Eduardo Camaño por 24
horas, quando foi indicado pela Assembléia Legislativa Eduardo Duhalde que ficou
no cargo até 09 de dezembro de 2003.
Os saques aos supermercados se generalizaram nas províncias e ganharam
intensidade nos meses que precederam as datas políticas. Os dias anteriores a 19
de dezembro foram constituídos por uma variedade de protestos, entre os quais, os
que ficaram mais evidenciados foram os saques aos supermercados em diversas
províncias do país e no conurbano bonaerense. Mas além desses protestos, com
níveis diferenciados de repressão policial, seguiam-se também manifestações de
trabalhadores municipais que exigiam pagamento de salários atrasados, protestos
de comerciantes e correntistas em Buenos Aires e outras províncias devido à
situação financeira gerada pelo corralito e uma infinidade de mobilizações populares
que reivindicavam planos sociais (Mariotti e outros, 2007). Ou seja, as
manifestações se multiplicaram em dias anteriores, tendo como causa imediata o
corralito financeiro decretado no final de novembro e seguiram existindo depois de
20 de dezembro. Embora o epicentro político tenha sido a capital federal, Praça de
Maio, a revolta popular estava generalizada por distintas regiões do país e na
Grande
Buenos
Aires.
Envolveram
setores
populares
desempregados,
trabalhadores estatais e municipais, comerciantes e setores de classe média. Mas a
direção política desses protestos estave diluída, sem um eixo unitário de
mobilização nacional.
As centrais sindicais, depois da greve geral de 13 de dezembro, recuaram em
suas iniciativas e ficaram no costado. Essa é o que verificamos na constituição e
cronologia dos acontecimentos daquele período, como também é assim que
dirigentes sindicais vêem tais acontecimentos.
Em entrevista com Hugo Yasky, secretário geral da CTA, ele nos é categórico
sobre aquele período: (...). Da mesma maneira, temos a posição do secretário
adjunto dos Telefônicos, Claudio Marin, que considera que não houve a
participação da classe trabalhadora nesse processo. (...). De certa maneira, esses
12
Adolfo Rodriguez Saá em seu efêmero período sinaliza outra possível resposta à crise política: elaboração de
orçamento federal para o ano seguinte (2002) com déficit zero e eliminação de gastos supérfluos na máquina
estatal (eliminação de autos oficiais, salários excessivos, jubilações de privilégio e outros gastos); suspensão do
pagamento da dívida externa (150 bilhões de dólares) e criação de uma terceira moeda. Propunha também um
plano para um milhão de postos de trabalho que, em uma semana, atingiu 230 mil pessoas. Sua renúncia era
justificada pela falta de apoio político em seu próprio partido (PJ).
42
dirigentes sindicais acompanham as impressões generalizadas por militantes de
esquerda, sindicalistas e cientistas sociais.
De la Rúa decretou Estado de Sítio, em mensagem em cadeia radiofônica
nacional. A reação popular espontânea que já se desenvolvia não retrocede; pelo
contrário, ela se torna mais visível e com repercussão nacional nos meios de
comunicação, à medida que ocorre na Praça histórica das disputas de poder, que é
a Praça de Maio, como relatado por literatura acadêmica sobre o tema,
depoimentos em entrevistas e periódicos13. Começaram a soar nas ruas os ruídos
de caçarola. Por sua vez, “os meios, que acabavam de transmitir a mensagem
presidencial, seguiram difundindo o que ocorria em distintos pontos da cidade e se
converteram em um enlace importante do grande evento que começava a se gestar.
“Os portenhos ganharam as ruas, os vizinhos de um mesmo bairro convergiam nas
esquinas e as praças; todos com vestimentas informais, as mulheres carregando
seus filhos e empunhando os mais criativos apetrechos domésticos para fazer soar
a desconformidade e o hartazgo. Espontânea y simultaneamente, apareciam os
primeiros „Que se vayan todos‟” (Giarracca e Teubal, 2007:112). Referindo-se ao 19
de dezembro, “em menos de meia hora a praça se encheu e começou a luta de
consignas. A primeira refletia o conteúdo mais primário da ação em marcha: „Que
boludos, qué boludos, o estado de sítio se lo meten en el culo!”. O que começou a
precisar as conseqüências necessárias de essa intervenção política foi „Fora
Cavallo‟, rendendo frutos imediatos. „Fora De La Rúa‟ já se somava e competiria
com „Que se vaiam todos!‟ que dominaram os fatos dali para adiante”. Como e
quando havia começado o caçarolaço que havia iniciado a queda do governo, é
uma matéria de discussão, ainda que haja coincida em que havia começado com
manifestações isoladas de comerciantes na zona de Barrio Norte, Belgrano,
Caballito, Palermo y Liniers. Não tardaria em estender-se a quase toda a cidade,
provocando mobilizações à quinta presidencial de Olivos, ao apartamento de
Cavallo, à Praça do Congresso e, sobretudo, à Praça de Maio. Tratou-se de uma
manifestação política majoritariamente pacífica com conteúdo opositor à política do
governo, protagonizada, sobretudo ainda que não exclusivamente, por sua própria
base de sustentação: a pequena burguesia. Ainda que tenha havido manifestações
13
Consultamos em publicações periódicas, em bases de dados virtuais, especialmente Clarín e La nación, no
período que antecede dezembro e transcorrer de 2002. Também realizamos esse levantamento no periódico La
verdad (PTS), o único periódico de esquerda que mantém seus arquivos periódicos digitalizados desde 2001.
43
pelo estilo em outros lugares do país (La Plata, Bahia Blanca, Santa Rosa), o
epicentro do movimento é a capital.
Para a entrevistada Cista, atualmente operária da Brukhman e em 2001
desempregada, de maneira repentina começou a ser divulgado na televisão as
pessoas se juntando na Praça de Maio. Na villa
em que mora, constituída
basicamente de imigrantes paraguaios e seus descendentes, os jovens se juntavam
nas esquinas na povoação para em grupo irem para a praça de maio. Por outro
lado, em Lloma de Zamora eram difundidos boatos sobre bandos de outras villas
que vinham saquear as casas de seu povoado e de outros bairros. Havia uma
grande indefinição, de acordo com a entrevistada sobre o que ocorria naquele
momento. As principais referências políticas naquela região, ligadas ao Movimento
Libre Del Sur, que no final daquele ano constituiria o Movimento Barrio de Pie,
organizavam os moradores (jovens especialmente) para irem para a Praça de Maio
resistir ao mesmo tempo que nos dias anteriores “negociavam” com os
supermercados e comerciantes da região alimentos para a população, para que não
houvessem saques em seus estabelecimentos.
Na Praça de Maio, praça histórica no centro de Buenos Aires, em frente à
Casa Rosada. Nas primeiras horas do dia 20, “Já a 1 da manhã da quinta-feira 20,
quando todavia se festejava a renúncia de Cavallo, a polícia reprimiu aos
manifestantes e se produziram” (Sartelli, ). Naquele dia, “Ao meio dia se desatava
uma feroz repressão, primeiro na praça e logo nas proximidades. Depois se soube
que grande parte da Grande Buenos Aires sofreu quase um massacre. Cerca de 10
pessoas morreram no centro e mais de 30 em outras zonas, mas a maioria caiu no
fatídico Grande Buenos Aires. Foi a pior repressão durante um governo eleito
democraticamente: em poucas horas, mais de 40 pessoas, quase todos jovens,
foram assassinados à vista de toda a população” (Giarracca e Teubal, p.112). Em
razão direta da repulsa generalizada contra a repressão militar, De la Rúa fugiu em
um helicóptero frente ao repúdio popular às suas ações ditatoriais e repressivas.
Da queda de La Rua (20/12/2001) e a chegada de Eduardo Duhalde (janeiro
de 2002), cinco presidentes14 se sucederam na presidência da República. Na
realidade foram seis presidentes necessários para que as frações burguesas
14
01 eleito; 02 interinos; e 02 eleitos pela assembléia legislativa. Chama-nos a atenção que, dentro dessa
instabilidade institucional profunda, não foram chamadas novas eleições presidenciais somente para 25 de maio
de 2003, mesmo assim por causa do enfraquecimento de Duhalde.
44
acordassem uma saída de maneira relativamente unificada. A crise do regime
político estava aberta. “Durante esse ano e meio, a burguesia permaneceu dividida
em torno de uma saída política para o país, porque detrás da interna do
justicialismo e as oposições Menem-Duhalde primeiro, Menem-Kirchner depois, se
estendia a disputa entre as diferentes frações do capital que buscavam zanjar a
situação umas contra outras” (Sartelli,2003).
As formas de luta
que seguiram às manifestações de rua, no centro de
Buenos Aires, na Plaza de Mayo e na Casa Rosada, com batalhas de rua contra as
forças da repressão, se cristalizaram da seguinte maneira, algumas transitórias
outras não: a) organização em assembléias de bairro em muitas áreas de Buenos
Aires e constituição da interbairros, no Parque Centenário (localizado na Avenida
Rivadavia, a cerca de 2 quilómetros do Congresso Nacional), desenvolveu-se com
muita força durante o ano de 2002; b) manutenção dos piquetes de rua das
organizações de trabalhadores desocupados; e que começou a sofrer uma divisão
interna no período de Duhalde e que se fracionará ainda mais com a gestão de
Néstor Kircnher; c) a ocupação dos trabalhadores nas fábricas e empresas falidas,
em um movimento de empresas recuperadas e com processo de autogestão; d)
marchas semanais pela renúncia da Corte Suprema de Justiça que tiveram vida
curta encerrando-se no primeiro semestre de 2002; e) cacerolaço semanal com a
consignia “Que se vayan todos, que no quede nadie”.
Uma grande mobilização ocorreu, logo depois de janeiro, quando o movimento
piqueteiro impediu o acesso à Capital e outras cidades (verificar essa informação
detalhada), reunindo nessa ocasião uma manifestação com cerca de quinze mil
pessoas, envolvendo movimento piqueteiro e assembléias populares. Assim é
relatado por um períódico da esquerda argentina: “colunas de desocupados da zona
sul cortavam a Puente Pueyrredón. Simultaneamente, desde Liniers começavam a
marchar as organizações de desocupados que, proveniente de La Matanza e da
zona oeste, se desplegavam durante a jornada ao largo da avenida Rivadavia. Era
o início da mobilização convocada pelo Bloco Piquetero nacional integrado
fundamentalmente pelo Movimento Tereza Rodriguez (MTR), o Movimento
Territorio Liberação (MTL) e o Polo Obrero, com a soma de outros agrupamentos
piqueteiros (MUP, etc.), o Movimento Independente de Jubilados e Pensionados
(MIJP-CND) e um setor da CTA (Barrios de Pie). Foi uma mobilização contundente,
45
que contou com a presença de mais de 15 mil companheiros e ganhou o centro
político do país” (Palavra obrera, 17 de janeiro de 2002).
De acordo com vários periódicos de esquerda (Partido Obrero, Convergência
Socialista,
PTS),
especialmente
em
bairros
da
Grande
Buenos
Aires
desenvolveram-se naquele momento novas instituições de organização operária e
popular. São as chamadas “Assembléias Populares” que se desenvolvem na capital
argentina, em regiões como
General Sarmiento, Florencio Varela, Hurlinghan,
Escobar, Longchamps, Avellaneda, entre outras. Em sua composição agrupam-se
trabalhadores, desocupados, docentes, trabalhadores da saúde e vizinhos em geral.
Na Grande Buenos Aires, essas assembléias iniciaram articulações mais gerais,
como por exemplo através de Assembléias Interbarriais. Essas organizações atuam
a partir de condições e reivindicações muito concretas, como ocorre com as
“Comissões de Vizinhos”, que se organizam por um lado para impedir o corte dos
serviços de água, luz, gás, uma vez que essas populações estão incapacitadas de
pagamento desses serviços, e por outro lado para reivindicação de emprego e
alimentação.
Esse quadro político apresenta-se de maneira muito nítida em distintos
autores. Naquele quadro político, “a tendência geral é o isolamento do governo, não
somente em relação às frações sociais opositoras senão também em sua própria
base de sustentação social e eleitoral. Tendência que se agrava à medida que
intenta conter a crise econômica em marcha no marco da Convertibilidade, o que
força a redução dos salários no setor estatal e ao congelamento de depósitos para
evitar a fuga de divisas e ver-se obrigado a declarar o default da dívida.
Indubitavelmente, os dois elementos que põem o maior dramatismo à situação são
o corralito e os saques” (Sartelli, 2002, p.137).
Distintos setores sociais adentraram à cena política abrindo uma situação
revolucionária marcada por a queda de cinco presidentes da república no prazo de
treze dias. Nessa conjuntura ocorreu uma condensação de determinações políticas
e sociais geradas no transcorrer da década de 1990, especialmente em decorrência
de inúmeras medidas econômicas, e que teve na crise financeira internacional de
1998 seu pano de fundo mais imediato. Mas é na conjuntura específica de
dezembro de 2001 que a crise deixa de ser somente econômica, política ou social,
e configura-se como crise do regime político. A literatura sociológica e política do
46
período, os relatos de jornais e as entrevistas nos possibilitam realizar essa
afirmação.
As marcas dessas intensas mobilizações ainda hoje se verificam na sociedade
argentina, em sua Capital especialmente. O que chama mais atenção para um
brasileiro é o significado da rua (“calles”) para os argentinos, ao menos aqueles que
se localizam em Buenos Aires e distritos. As manifestações de rua continuam como
a forma de manifestação política que convive com uma relativa naturalização dos
próprios setores da classe média: são os piqueteiros, os distintos movimentos de
bairros, os trabalhadores estatais em greve, os apoios ao governo ou aos setores
rurais.
6.A retomada das iniciativas institucionais e a reordenação do bloco no poder
em 2002
Eduardo Duhalde expressou os reclamos de frações da burguesia, ao
defender a desvalorização cambial do peso em relação ao dólar. Portanto, é
necessário evidenciar que existe uma disputa entre interesses. As frações
burguesas pareciam não mais se acomodar em um acordo político nacional, em um
pacto social entre os de cima, uma vez que suas distintas frações iniciam uma
guerra de movimentos no sentido de atacar ou defender o pilar central do modelo
econômico então vigente, ou como designa Basualdo (2007) com acerto, regime de
acumulação capitalista de base rentista, baseado na convertibilidade monetária (um
peso, um dólar). Foram intensas essas disputas, entre 1998 e 2001, e somente
tiveram uma resolução ao menos provisória a partir de 2003. Essas disputas no
cenário político ocorreram em torno da manutenção ou fim da convertibilidade.
Ganhava um conteúdo político mais geral em torno da queda de Fernando De la
Rúa ou sua manutenção sem Domingo Cavallo, ou modificando sua direção
econômica.
No último período da convertibilidade (1998-2001) foram se desenvolvendo
duas propostas alternativas, de acordo com Basualdo (2007). A proposta defendida
pelos capitais estrangeiros visava aprofundar o regime de câmbio, substituindo a
convertibilidade pela dolarização. Desta maneira, essa fração do capital ligada a
produção de bens e serviços no país preservaria suas inversões com o valor do
dólar, evitando perdas patrimoniais. O mesmo ocorria com o setor financeiro
47
transnacional que evitaria que suas dívidas em dólares se acrescentassem em
pesos ou perdessem por causa de não cobrança em dólar. Por outro lado, existia a
proposta dos setores da oligarquía diversificada (grupos econômicos e alguns
conglomerados estrangeiros) que, como objetivo, defendiam que a convertibilidade
fosse substituída pela desvalorização monetária. “Salta à vista, e se comprovou
pela experiência posterior, que este tipo de política econômica gera os efeitos
contrários à anterior, infligindo-lhe perdas patrimoniais ao capital estrangeiro e
potencializando na moeda local o poder econômico da oligarquia diversificada, já
que seus recursos invertidos no exterior e os ingressos correntes de seu saldo
comercial estão dolarizados. Sem dúvida, a potência desta proposta, que finalmente
será a que prevalecerá como alternativa à Convertibilidade, radicou em que não se
sustentava unicamente nos interesses particulares da fração do capital que lhe
impulsionava senão da oligarquia argentina em seu conjunto, porque os efeitos
redistributivos de uma desvalorização também a benificiavam, e na notável
consolidação do transformismo argentino a partir do Pacto de Olivos” (Basualdo,
2006, p.165).
A partir dos altos preços internacionais das matérias primas (commodities),
que se desenvolvem a partir de 2002, a desvalorização cambial possibilitou os
enormes ganhos com a exportação de petróleo e gás e, em seguida, com os
produtos agropecuários e industriais (em especial, os produtos agroindustriais), em
detrimento dos serviços públicos privatizados que eram os destacados na década
de 1990.
O curto governo de Duhalde foi sustentado por um amplo acordo entre os
partidos políticos e movimentos sociais (CTA e FTV, por exemplo), tendo como
centro um comando centralizado no PJ e na Liga dos Governadores peronistas,
mas por outro com uma intensa negociação com o Fundo Monetário Internacional
(FMI), que em nenhum momento se apresentou como rompimento com essa
instituição. Pelo contrário. Situado na profunda crise política, econômica e social,
Duahalde toma posse no dia 01 de janeiro de 2002, com o seguinte discurso:
“Assentar as bases de um novo projeto nacional fundado na produção e no
trabalho, na recuperação dos mercados internos e externo e na promoção
de uma justa distribuição da riqueza. [...]. Estamos convocando a definir o
país que queremos. Um país com crescimento sustentado, com distribuição
equitativa da riqueza, com geração de emprego, donde volte a ser um
48
direito inalienável, viver, trabalhar e progredir em paz. [...]. Que
necessitamos para lograr esse projeto? Recrear a aliança com a produção
e o trabalho. Reestabelecer o papel do sistema financeiro como instrumento
entre a produção, o comércio, a inversão.”
Em seu discurso evidenciava a transição para um período de enfoque na
produção, na distribuição de renda e na geração de emprego. Nesse sentido, é o
discurso peronista da justiça social e da produção. Enfatizava também a discussão
sobre aspectos institucionais, relacionadas à forma de governo (Parlamentar ou
Presidencialista) e períodos eleitorais: “Nossa intenção é reformar a política”. E em
especial acentua a questão social: “Temos unificado os planos de assistência social
através da criação do Conselho Nacional de Programas Sociais. Temos elevado a 2
milhões os postos de trabalho para chefas e chefes de domicílios sem ingresso,
jovens e beneficiários do programa Segunda Oportunidade. [...]. A primeira medida
que tomei como presidente foi destinar 350 milhões de pesos ao Plano Alimentario
que alcança de forma descentralizada a 1.600.000 famílias, e estamos
implementando com todos os governadores”.
Em relação aos governadores, Duhalde firmou um documento com 14 pontos
(Documento, 24/04/2002) com os governadores que lhe permitia a governabilidade
no período de sua gestão: integração do país no mundo, acordos bilaterais com as
províncias (pacto fiscal), novo sistema de coparticipação de impostos, políticas
fiscais e monetárias para manter a estabilidade econômica, repatriação de capitais
argentinos, estimulo às inversões nacionais e estrangeiras para exportação de
produtos manufaturados ou de substituição de importação, reforma política,
constituição de mecanismos de planos de emprego, entre outras. Pode-se verificar
nos pontos mencionados que eles reforçam a posição das províncias e de suas
economias regionais, por meio de lei de coparticipação de impostos e incentivo à
produção regional, por exemplo.
Para Godói (2006), em sua análise sobre o período, o “governo de
emergência” de Duhalde foi uma das principais condições que permitiu a chegada
de Néstor Kirchner ao governo. Isso porque Duhalde conseguiu estancar a crise e
iniciou uma política econômica “neodesenvolvimentista”. No entanto, esse governo
“questionado pela agitação social – não pode chegar a criar sua hegemonia no
Estado, mas garantiu a continuidade da democracia política”. Com o apoio de
Duhalde, nesse contexto, o kirchenerismo iria constituir uma nova hegemonia,
49
estabelecendo uma continuidade-ruptura
com a fase de transição duhaldista.
Continuidade porque Néstor Kirchner manteve as linhas de política econômica de
Duhalde; ruptura porque disputa politicamente a base política do ex-presidente e
impõe um estilo político de centralizador e de cooptação dos movimentos sociais.
Não deixa de ser espantosa a mudança discursiva e de propostas econômica
e política em relação ao peronismo da década de 1990, que assumiu integralmente
as diretrizes de ajustes estruturais propostas pelo FMI através do ex-presidente
Carlos Menem. É talvez mais notável que essa retomada ocorreu depois da derrota
peronista de 1999 diante da Aliança de Fernando De la Rúa e Chacho Alvarez.
Esse novo quadro político havia remetido o justicialismo a uma quebra da principal
liderança nacional de então, que estava nas mãos de Carlos Menem, remetendo
esse partido a um contexto de fragmentação interna, quando as relações de poder
começaram a inclinar-se para os governadores peronistas. Surgiria uma espécie de
confederação de aparatos políticos provinciais. Os governadores transformam-se
“em verdadeiros caudilhos territoriais que remetem suas influências sobre as
legislaturas provinciais, os intendentes municipais e os deputados e senadores
nacionais de seus respectivos distritos, que incidiam dessa maneira na organização
do partido a nível nacional” (Arzadum, p.67). Esses poderes locais também estavam
estruturados em uma rede de relações clientelísticas que impactavam sobre a
organização justicialista. Mas os governadores não constituíam a única referência
de poder. Por um lado porque ocorria uma diferenciação entre as pequenas e
grandes províncias. Por outro, a maioria do Senado peronista remetia a um
processo de autonomização diante dos governadores. E por fim existiam os homens
fortes do peronismo, como Carlos Menem (presidente do PJ) e Eduardo Duhalde
(titular do Congresso Nacional Justicialista).
“O traço a destacar é que, pese a indisciplina reinante no partido e a
violenta dinâmica de feudalização interna que o caracterizava, a
organização peronista em seu conjunto conseguiu construir uma estratégia
exitosa de acesso ao poder, o qual se evidenciou nas horas mais críticas
que sucederam à queda do governo aliancista, logo dos levantamentos
populares que derivaram na renúncia do presidente De la Rúa. O que se
observou nessa instância, em termos gerais, é que cada uma das parcelas
partidárias conseguiu unificar seus interesses gestando um equilíbrio
sumamente instável mas que a unidade de conjunto necessária para fazer
valer uma postura homogênea na qual se reconheceriam todas ou a maioria
delas.” (Azardum, p.73-4).
50
Entre os partidos da ordem, o peronismo estava
melhor localizado para
enfrentar a crise política que atravessou o país a partir de 2001. A Liga dos
Governadores apoiou a indicação de dois personagens peronistas: Adolfo
Rodriguez Saa
e depois Eduardo Duhalde. Essa força decorria de três fatores
naquele contexto: capacidade de gestão para conter e administrar a crise;
fragmentação interna expressada em uma ampla oferta de candidatos, programas e
linhas políticas; debilidade estrutural dos partidos de oposição.
7.A rearticulação do bloco no poder e o restabelecimento da Ordem Social
Na outra ponta do mesmo processo político em curso, o cenário trazia como
problema central para a burguesia a manutenção ou retomada da estabilidade
política e econômica. Isso certamente não ocorreu de maneira mecânica. Além das
razões instrumentais e corporativas que se estabeleceram, dificultando o
acomodamento dos seus interesses em conflito, sucedeu-se um outro problema, de
dimensão irremediável. A questão da liderança moral e material (política e
partidária) torna-se um problema central. Liderança que possibilite rearmar,
reconduzir, rearticular os distintos grupos e classes sociais dentro de uma ordem
social, ou então ao menos que neutralize os setores sociais mais opositores ao
processo de aggiornamento. Quando açoitada pelos de baixo, que se multiplicam
em seus protestos e contestações, abrindo cenários políticos que transbordam a
ordem social do capital, as frações burguesas unificadas tendem a exigir do seu
Estado a utilização dos recursos coercitivos, de maneira mais vigorosa ou de
maneira dispersa territorial e espacialmente. As vozes que clamavam pelo
reestabelecimento da ordem social são potencializadas especialmente pelos meios
de comunicação (rádio, televisão e jornais) e se transmutam em analistas e
cientistas políticos, jornalistas e um sem-número de vozes que se abrem e se
fecham de acordo com as necessidades de essas frações burguesas. A constituição
do consenso opera portanto na subjetivação e naturalização das ações repressivas,
justificadas, de acordo com a manutenção maior que é a Ordem social. Os aparatos
repressivos (policial, militar e judicial) certamente mantêm esse papel fundamental
nos estados capitalistas ainda no século XXI.
51
No quadro político dos acontecimentos abertos em dezembro, no entanto, três
problemas se mantiveram: divisão entre as frações burguesas; esvaziamento moral
e político das lideranças da ordem (partidos da ordem); recuo relativo dos aparatos
de segurança. A resolução desse problema central para a burguesia está
sintetizado em distintas análises do período. Sartelli, por exemplo, considera o
seguinte: “Ante o possível desmoronamento do Estado, como consequência do
descalabro do sistema, era urgente construir a liderança política. A diferença da
história passada, donde cada crise do sistema político contava com uma retaguarda
militar pronta a intervir, nesta situação, não havia nada preparado ante a
eventualidade de um desborde da situação. Todo o sistema esteve à deriva até que
recaló no único aparato político relativamente importante que ficou em pé, o
peronismo da província de Buenos Aires e seu chefe, Duhalde. É o próprio Duhalde
o que desenha a política que Kirchner não vai fazer mais que continuar,
continuidade mais que evidenciada na permanência de seu ministro, Roberto
Lavagna. Em determinado momento, o próprio Duhalde imaginou sua própria
continuidade, mas para isso devia desmobilizar a boa parte da sociedade que não
ia a tolerar facilmente que a crise se fechara sem que nenhuma de suas demandas
se cumprira ainda que mais não fora em algum grau real e/ou simbólico. A função
dos assassinatos de Puente Pueyrredón foi essa: testar a medida em que era
possível iniciar a tarefa de desmobilização. O resultado negativo obrigou ao governo
a por-lhe data ao fim de seu mandato e chamar as eleições. O “vaiam todos” havia
resistido a sua liquidação, ainda que
ia em caminho de canalizar-se por
eleitoral. Todo o problema posterior consistia na disputa entre
via
as frações que
representavam menemistas e duhaldistas, preocupados estes últimos porque não
se lhes expropriara a vitória conseguida hasta o momento, vitória que se
corporizava, primeiro que nada, na desvalorização” (Sartelli, p.155).
Nesse quadro denominado como Argentinaço apresentaram-se diferentes
momentos: um momento da luta interburguesa com intervenção subordinada da
classe operária, um momento de agudização das contradições sem luta, e um
momento de tipo insurrecional. O primeiro é protagonizado pelas frações que
dirigem CTA-CGT-CCC e que conta com uma enorme aceitação por parte do
conjunto da sociedade, em tanto reflete o isolamento do governo. Aí a direção
intelectual recai nos meios de comunicação e em intelectuais de origem pequenoburguesa e burguesa que compõem a cúpula do partido justicialista e a direção
52
moral a tem a burguesia em seu conjunto, com um maior peso da desvaloricionista,
enquanto a direção técnica está em mãos das centrais sindicais. O processo se lhes
escapa das mãos, ao iniciar-se o momento de agudização das contradições sem
luta, os saques, protagonizados pela fração mais pauperrizada da classe operária.
É nesse momento em que a coalizão que tem iniciado o processo tende a separarse da responsabilidade das ações. A contra-ofensiva do pessoal político que ocupa
o comando do estado, o estado de sítio ditado pelo governo, desencadeia o
momento insurrecional, primeiro da pequena burguesia (seu 17 de Outubro) e logo
a classe operária. Nos dois casos, não existe direção técnica, mas sim direção
intelectual e moral, que recai naqueles que hão portado em suas palavras e ações a
tendência insurrecional: o movimento piqueteiro. O fato como tal deve restringir-se à
noite de quarta-feira e à tarde de quinta-feira, considerando-se as ações da CTACGT-CCC como partes componentes da luta burguesa que desencadeiam a crise e
aos saques como o momento de expressão aguda da mesma. A direção do
Argentinazo é, então, incompleta, em tanto careceu de unidade de comando
técnico, ainda que não de direção moral. Esta composição contraditória da direção
é explicada a sorte final do Argentinaço: por sua direção moral teve uma potencia
suficiente para sacudir ao governo do estado e frear o desenvolvimento da
estratégia burguesa no seio do proletariado; por sua carência de direção técnica
não pode fazer efetivo e duradouro seus resultado. O argentinaço não é, então, a
emergência de uma estratégia de luta democrática e antiimperialista, senão o
fracasso da mesma em conter em seus limites a emergência de uma estratégia de
corte insurrecional potencialmente revolucionária. (p.165-66).
Os
movimentos
sociais
piqueteiros
constituíram-se
em
relações
de
reivindicações e confrontos com o Estado desde ao menos 1996, como relatado na
literatura especializada. Os movimentos piqueteiros, como foram conhecidos,
referem-se diretamente às conseqüências das formas de reestruturação produtiva e
reestruturação do Estado na qual se desenvolveram na década de 1990. Desde
suas ações iniciais, a política do Estado com esses movimentos combinou
estratégias de negociação, cooptação e também repressão. A política de contenção
do conflito social se desenvolveu prioritariamente por meio de distribuição de
pacotes de planos sociais e ajuda alimentícia em troca do levantamento de cortes
nas estradas. Por sua vez esteve acompanhado pelo endurecimento repressivo
com o papel da Gendemería Nacional que passou a controlar os conflitos sociais.
53
Desta maneira, a repressão policial abarcou pessoas, asassinatos e uma
permanente perseguição judicial que soma mais de três mil processamentos entre
dirigente e militantes.
Essa situação resultou de uma profunda crise que, em sua dimensão
conjuntural, continha em sua gênese a crise financeira internacional 15 que atingiu a
Argentina, Brasil, Equador, México e outros países de maneira profunda. De
imediato, isso significou no país uma perda de (...). Na seqüência de dos anos de
crise internacional, o país chega entre 26 e 30 de novembro de 2001 com uma fuga
de capitais na ordem de U$S 2.727 milhões de dólares. Em decorrência disso, o
desemprego
ultrapassa
todos
os
horizontes
de
até
então:
2.500.000
desempregados e outros tantos subempregados. A precarização atinge cerca de
50% dos assalariados que recebem menos de 300 pesos mensais. Chegou a 18
milhões de pobres e 3 milhões de crianças indigentes.
Em conseqüência disso, em 2002, a Argentina cai em sua maior recessão
econômica e o desemprego atingia 21,5% da população economicamente ativa.
54% da população encontrava-se abaixo do limite da pobreza e metade dessa
população (27%), na linha da indigência. Do final de 2001 e durante o ano de 2002,
a população desse país radicalizou suas palavras de ordem (“Fora Todos!, Fora
FMI”), constituiu Assembléias Populares permanentes em várias regiões, além de
inúmeras ocupações pelos trabalhadores de fábricas falidas.
No entanto, a crise política aberta em dezembro de 2001 e que se estendeu
por 2002 não esteve somente limitada à conjuntura econômica da crise financeira
internacional que teve seu ápice no corralito bancário. Certamente que essas
determinações foram a “gota d`água” em um quadro social e econômico de rápida
degradação em cerca de 25 anos (1976-2001), em uma forma de política
econômica implantada na ditadura militar (1976-1983) e que tiveram continuidade
nos governos civis pós-ditadura do período de Eduardo Alfonsin (1983-1988), nas
duas gestões de Carlos Menem (Basualdo, 2006; Seoane, 2007; Peralta, 2007) e
que se manteve na curta gestão do presidente Fernando De La Rúa (1999-2001).
15
A crise financeira de 1999 tem seu ponto de partida na crise norte-americana em torno das então conhecidas
“pontocom”. Superdimensionamento de ações de empresas fictícias ou de baixo rendimento, desenvolveram o
fenômeno das “bolhas especulativas”. Os países semi-coloniais, submetidos à lógica financeira de empréstimos
de capital especulativos para pagar as dívidas públicas (interna e externa), sofreram uma rápida retirada desses
recursos dos títulos públicos e das ações de suas bolsas de valor. Desta maneiras esses países entraram em
default, ou seja... insolvência financeira.
54
8. Os Kirchner: do ascenso de Néstor ao primeiro ano de Cristina
Em 2002, Néstor Kirchner não era o candidato indicado por Duhalde, mas sim
Carlos Reuteman ou José Maria De la Sota (Sola, 2008), ou em outra indicação
Roberto Lavagna (Wornat, 2005). A declinação desses nomes tornou a candidatura
de Kirchner como única plausível possibilidade para Eduardo Duhalde. Kirchner foi
eleito com 22% dos votos argentinos (4.312.517 votos), a porcentagem mais baixa
de uma eleição presidencial na argentina16. Em 25 de mayo de 2003, Kirchner
assumiu a presidência com uma estreita base político-parlamentar, decorrente do
fracionamento do justicialismo, se expressou em três candidaturas presidenciais na
mesma eleição, em apoio a sua gestão, o que lhe obrigaria a se apoiar na base
política duhaldista. Mas especialmente com diversas organizações piqueteiras que
ainda se mantinham em permanente mobilização e uma população descrente com
os espaços institucionais.
A posse de Néstor Kirchner e o desenrolar de sua gestão estiveram
diretamente ligadas às forças sociais que se destamparam no cenário político com
os acontecimentos de dezembro de 2001. A contundência dos fatos políticos e
econômicos é por demais evidentes para afirmar que, em relação aos períodos
anteriores, houve relativas vitórias distorcidas sem dúvida
nas inúmeras
reivindicações que se acoplavam naqueles acontecimentos. Especialmente é
evidenciado que a discursiva kirchnerista não se manteve a mesma da década
neoliberal que teve continuidade no curto mandato da Alianza com De la Rúa. A
nova correlação de forças abriu um campo de profundo questionamento à ordem
burguesa, seus políticos e partidos, como também aos próprios interesses da
burguesia. As jornadas de dezembro de 2001 não foram derrotadas, se tomamos
como referência que muito do que foi planteado como seu conjunto de
reivindicações foram conquistas relativas. Foram conjuntos de concessões
16
As candidaturas presidenciais foram as seguintes: Kirchner - FPV (22%), Menem – Frente por la Lealdad
(24.3%), Ricardo Lopes Murphi - Recrear (16.3%), Adolfo Rodriguez Saá - Frente Movimento Nacional e
Popular (14.1%), Elisa Carrió – ARI ( ) e Leopoldo Moreau – UCR ( ).. Observa-se que os três candidatos
justicialistas obtiveram 60% dos votos. O que poderia ser analisado como respaldo eleitoral ao peronismo, em
decorrência dos efeitos econômicos e sociais da gestão de Eduardo Duhalde, especialmente o que havia
representado os Planos Sociais. Nessa linha de análise verificamos distintos autores: Arzadum, Godói, Acuña e
Peralta Ramos. Mas também esses resultados demonstravam um fracionamento do justicialismo, dificuldade
que seria intrínseca a Néstor Kirchner e ao seu projeto político, o que lhe impulsa a tratar com um arco de forças
políticas, para constituir sua base política congressual, em torno da proposta de transversalidade, que também
se tornou principal base de embate com o seu até então aliado, Eduardo Duhalde. Os resultados também
mostravam nitidamente os candidatos da antiga coalizão Aliança (Frepaso/UCR), no caso de Carrió e Moureau.
55
necessárias para o restabelecimento da ordem social e a recomposição do grande
capital. Nesse sentido nos parece coerente a seguinte análise: “... Para a classe
obrera ocupada em geral, é claro que há aberto uma mudança nas relações de
força que se manifesta primeiro que nada no clima ideológico: o Argentinazo
sepultou o neoliberalismo como ideologia incontestada. Se barrou com a principal
defesa ideológica da flexibilização laboral e da tendência ao incremento sistemático
da taxa de exploração. Para a classe obrera desocupada, o Argentinazo significou
dois milhões de Planes Trabajar. Em termos de interesses mais gerais da classe
obrera e seus aliados, o resultado do Argentinazo é um empate. O primeiro empate
em uma larga série de derrotas. Porque o processo histórico argentino, até 19 e 20,
estava sinalizado pela tendência à derrota e à expropriação política da classe
obrera. Todas as mobilizações da classe obrera e da pequena burguesia
terminavam em pouco e nada e eram expropriadas por algum partido burguês: por
Alfonsin, por De la Rúa, por Menem. Mas nesse 19 e 20 se conseguiu um empate.
Quais são os elementos do empate? Vão desde aqueles que tem valor simbólico
até os que têm um peso real e efetivo. O primeiro elemento é o default. O default
significa simbolicamente (não realmente) que se há posto um limite à exacción ao
trabalho nacional.
Para Godoi, Kirchner expressava uma revolução por cima que vinha se
desenvolvendo depois de dezembro de 2001 e que estava inscrita na estabilidade e
leve recuperação econômica ocorrida no período de Duhalde-Lavagna.
O novo presidente havia formado um governo sem negociar previamente sua
composição com as corporações que agrupam aos grandes grupos empresários
nem com os sindicatos, nem consultando o partido ou setores dos partidos de
oposição propensos a apoiar sua gestão. Diz Daniel Arzadun sobre os momentos
iniciais desse governo:
O exercício duro do mando e a seleção de inimigos para combater, com
baixo custo político e alto consenso social interno, edificaram a equação
original desde a qual Kirchner buscou recuperar o vínculo com os setores
populares descrentes da política e de seus representantes.
O chamado à construção de uma força política transversal aos
alinhamentos partidários completava a engenharia política elementar do
presidente, tendendo a elevar o piso de sustento político para reelegitimar
seu cargo.
Esta estratégia dura não se fez esperar, ao pouco tempo de assumir suas
funções, Kirchner destampou seu primeiro golpe de mando ao decretar a
56
renovação das autoridades castrenses; poucos dias depois, o gesto se
voltou a reiterar com outros uniformizados, a Polícia Federal sofreu a baixa
de dez comissários gerais.
O cenário político começou a reconfigurar-se em base ao decisionismo
presidencial, às medidas anunciadas lhe seguiram outras que respondiam à
mesma linha voluntarista: a revisão dos contratos do Estado com as
empresas de serviços privadas, a intervenção da obra social dos jubilados,
tradicionalmente visualizada como um âmbito de corrupção, o início do
processo de enjuizamento aos membros da Corte Suprema de Justiça
acusados de conivência com o menemismo governante nos anos 90.
Sua prédica confrontativa com os poderes globalizados, fundamentalmente
com o FMI e com os proprietários de bonos defaulteados, a reivindicação
da geração dos setenta junto com a persistente reclamo de verdade, justiça
e memória na temática dos direitos humanos (o qual incluía a abertura dos
julgamentos por violaciones a estos direitos) marcaram uma quebra drástica
em relação ao discurso noventista dominante.
Kirchner se apresentava em uma sociedade inaugurando um clima de
época remoçado, como parte de algo novo cuja identidade se contorneava
em torno à oposição às políticas neoliberais dos noventa, ancorando-se nos
novos ventos políticos que começavam a soprar em América Latina.
A opinião pública mudou seu cetecismo em esperança e decidiu
acompanhar a nova experiência política perfilando-se atrás da figura
presidencial, conformando um vínculo signado por um plebiscitarismo
virtual, próprio das novas formas políticas contemporâneas, mediáticas e
teatralizadas. (Arzadum, 2008:94)
Qual foi sua base política de apoio? De acordo com Llana (2007), a
composição do governo Kirchner vem de três trajetórias: o primeiro grupo, estão exfuncionários de sua extrema confiança, quando governador em Santa Cruz; o
segundo grupo, integrado por ex-menemistas, ex-caballistas, ex-duhaldistas, e exmontoneros; no terceiro grupo estariam integrados funcionários que provém de
diversas forças políticas de esquerda (comunistas, castristas e chavistas). Além
disso, compuseram esse governo:
Alguns jornalistas vinculados no passado com grupos guerrilheiros também
têm influência, assim como a constelação das agrupações vinculadas aos
direitos humanos, como as mães e avós da Praça de Maio. Podemos incluir
nesse grupo líderes de bairro e “piqueteiros”, incorporados ao governo,
cuja função é mobilizar os setores associados à política social clientelista,
que contribuem para montar o espetáculo nos atos e cerimônias oficiais.
Como é possível perceber, não existe uma base cultural importante. (p.28)
Ainda de acordo com o sociólogo argentino, as primeiras preocupações de
Kirchner referem-se à construção de sua base social de apoio. Para isso, teve
iniciativas no sentido de cooptar a estrutura justicialista que Duahalde liderava em
57
sua província, como também a “cooptação de governadores e intendentes radicais”.
Ainda para Llana:
Este conjunto de dirigentes locais na verdade expressa o populismo em
estado puro, com liturgia peronista. Existem enquanto possuem os recursos
que o governo nacional e provincial lhes facilita e assim torna-se fácil para o
presidente contar com o apoio desses grupos que encarnam, como poucos,
a velha política que supostamente o “progressismo” desenterrou. Esses
intendentes são, antes de tudo, candidatos perpétuos à reeleição, e alguns
ocupam o poder local desde o retorno da democracia em 1983. (p.29)
O projeto político dos Kirchner (Cristina e Nestor), nesse sentido, segue
reconstruindo a partir dos fragmentos do sistema político argentino um projeto que,
para Llana, seria “apresentar que o peronismo mudou para uma força de esquerda,
definitivamente o velho sonho dos montoneros” (idem).
As iniciativas políticas nos primeiros meses de governo tiveram como
resultado canalizar distintas bases sociais em seus reclamos históricos ou de
caráter imediato. Em sua posse, estiveram presentes os principais chefes de Estado
latino-americanos, entre os quais, Hugo Chávez, Fidel Castro e Luis Inácio Lula da
Silva. O que indicava, por um lado, um novo quadro político na região de
questionamento ao neoliberalismo e, por outro, um esboço das políticas de
integração regional. Em seu discurso de posse, por exemplo, ficaram nítidas as
principais preocupações: dívida externa, planos sociais e reforma institucional e
moral. Não haveria o pagamento da dívida com a “hambre y la exclusión de los
argentinos” (La nación, 26/05/2003). As iniciativas políticas que desferiu contra a
alta hierarquia militar estava orientada na busca de apoio político e social: foram
retirados 44 oficiais superiores dos três setores das FFAA, por seus envolvimento
com a o terrorismo do período militar. Na Polícia Federal, logo em seguida, cerca de
100 comissários foram retirados de seus cargos, em razão de denúncias sobre
corrupção nessa instituição. Seus ataques contra a Corte Suprema, constituída por
juízes corruptos designados por Carlos Menem, e que haviam sido denunciados
pelos movimentos sociais: primeiro com a demissão do presidente da Corte e sua
substituição por Raúl Zaffaroni; e depois com a renovação de toda a corte. Em
2005, a nova Suprema Corte sancionou a decisão parlamentar (2003) de anulação
58
das leis de “obediência devida” e do “ponto final”17, o que possibilitaria a reabertura
dos processos contra centenas de organizadores e executores da repressão militar.
Em seu primeiro ano de governo, os discursos nacionalistas, antineoliberal e
contrário ao passado dos crimes militares, mesclado com ações políticas dúbias e
contraditórias, lhe possibilitaram uma ampla divulgação mediática e uma crescente
aceitação pública. Nesse sentido, consegue dividir os movimentos sociais e
políticos, de base popular, e ganhar aliados nesse universo. Para isso, compreende
e caracteriza o terreno político em que se situava, ou seja, as diversas forças
sociais em cena, os principais sujeitos políticos, seus interesses, força e
debilidades. Compreende por fim as principais demandas sociais e, acima de tudo,
aquilo que é rechaçado como impróprio à sociedade e às instituições burguesas.
Então realiza iniciativas junto aos movimentos sociais e organizações sindicais
nacionais. “Sectores progressistas, bolsões políticos de centro-esquerda, quadros
alinhados em seu momento com a Frepaso e integrantes de agrupações de
esquerda e piqueteira, iniciaram uma viragem para as filas kirchneristas,
colaborando e inclusive integrando-se ao governo, abrindo passo a uma nova
engenharia coalizacional de características transversais que começava a
dar
formato ao território político do presidente. (...) Os setores progressistas que
iniciavam sua convergência neste espaço adoeciam de uma forte atomização e em
geral se encontravam pouco organizados, careciam de líderes de fuste e de um piso
eleitoral consolidado. Neste contexto, a apelação transversal do presidente
apontava a adotar de identidade e organicidade a este campo político fragmentado”
(p.95).
Tal projeto transversal produzia contradições em relação aos setores de centro
esquerda, no caso específico Elisa Carrió (ARI - Argentina por uma República dos
Iguais)18, porque lhe tirava uma base social e suas principais bandeiras políticas; e
por outro lado criou um tensionamento com o justicialismo, seus chefes territoriais
históricos, à medida em que se processava uma experiência política nacional que
os colocava à margem da estrutura do governo nacional.
17
Essas leis foram sancionadas no período de Raúl Alfonsin, em acordo realizado com a alta cúpula das FFAA,
com o objetivo de não penalizar os militares envolvidos com o terrorismo de Estado.
18
Carrió, em 2008, rompe com essa agrupação e constitui seu próprio partido (PRO). No ARI manteve-se sua
principal liderança, o deputado nacional por Buenos Aires, Eduardo Macaluzi. As críticas principais do ARI
referem-se ao caráter centralista e personalista de Carrió, que estabeleceria sem discussão partidária, sua
intenção de se tornar novamente candidata à presidência da República, em 2011. Carrió disputou as eleições
presidenciais em 2003 e 2007, sendo que nessa úlima ficou em segundo lugar, no segundo turno.
59
“A possibilidade de concretizar e dar organicidade ao projeto transversal
cobrava força a partir da disposição do executivo nacional de derivar para o
mesmo parte da importante massa de recursos tanto institucionais como
econômicos aos quais tinha acesso. Desde o estritamente político, sua
intenção consistia na construção de uma base de apoio alternativa de
sustento ao governo e de contrapeso às redes de poder partidárias dos
peronismos provinciais.
A construção transversal se estruturava sobre as erosões e os vazios
programáticos e ideológicos que vinham arrastando os partidos políticos
argentinos e manifestava a intenção de reprogramar o campo político em
termos de centro direita e centro esquerda.
Como se mencionou, esta construção gerava como contrapartida uma
relação de conflitividade com o PJ oficial, do qual também necessitava o
presidente para revalidar sua legitimidade virtual no campo eleitoral, ainda
que as pressões concentradas no partido encontravam seu limite na
dependência econômica que, em grande medida, os governadores e
hierarquias peronistas tinham em relação ao Estado nacional.
Em síntese, a relação entre Kirchner e seu partido respondia a um esquema
no qual o executivo nacional requeria dos caudilhos justicialistas das
províncias para arrastar apoio político e eleitoral. Frente a suas posições, o
presidente utilizava três fatores de poder elementares”: o monopólio de
recursos à disposição do executivo nacional; a transversalidade; o alto
apoio virtual da imagem presidencial que arrojavam os sondeos de opinião
(p.99-100).
Possivelmente, condicionar a análise política do governo Kirchner à
contradição entre PJ e transversalismo, como considera Arzadun, limita a
apreensão de outras contradições, mais fundamentais sem dúvida, que se
apresentam na constituição e existência do governo Kirchner.
A estabilidade política tem como um dos seus elementos principais o
debilitamento das forças sociais e políticas em permanente mobilização. Nesse
sentido, a urgência de negociar e trazer para seu apoio os distintos movimentos
sociais e lideranças sindicais, iniciativas ocorridas desde o início do governo, foram
fundamentais para construir determinados consensos políticos. Existia (e existe)
uma crise profunda no regime político argentino. A tarefa política central de Kirchner
foi a recomposição do regime político, estabilizando o sistema
por meios de
“medidas que canalizam as demandas populares e ao mesmo tempo recompõem
as instituições questionadas pelas mobilizações de rua” (Katz, 2003). Uma política
governamental que incluiu concessões e muitas atitudes que encobriam a
continuidade do modelo capitalista. Diz o economista argentino Cláudio Katz:
60
Para canalizar demandas populares e reconstituir simultaneamente ao
regime, Kirchner descarrega toda a responsabilidade do colapso
econômico-social sobre certos grupos (privatizadas européias, Macri, AFJP)
e santifica a outros (exportadores, industriais e bancos locais), como se
fossem inocentes do ocorrido durante a década passada. Com esta
diferenciação disfarça a presença de ex menemistas (Scioli, Beliz) em seu
governo e encobre seu próprio passado como governador do PJ e partícipe
direto da privatização de YPF.
(...) Dialoga com as organizações piqueteras e destende os conflitos sociais
para demarcar-se do autoritarismo de Dhualde, apresenta uma agenda
hiperativa para distanciar-se da inutilidade de De La Rúa e sobretudo
questiona o “modelo dos 90 para apresentar-se como a antítese de Menem.
(...) no novo contexto antineoliberal da América Latina Kirchner busca
recriar a adesão popular, retomando o duplo discurso tradicional dos
políticos justicialistas. Convida Fidel e adota algumas posturas de Chavez,
mas não sua decisão de renovar o sistema político interno, nem sua
disposição a confrontar com Bush. Ao contrário, estabeleceu uma relação
de “muita química” com o ocupante do Iraque, que inclui a aprovação da lei
de patentes exigida pelos laboratórios norteamericanos e a penalização dos
credores privados que não contam com o favor do FMI. Alienta a presença
de empresas norte-americanas para compensar a hegemonia dos
europeues no manejo dos serviços públicos privatizados (...). (Katz, 2003).
Com efeito, logo de uma árdua contenda política os movimentos sociais foram
transitoriamente integrados ou controlados pelo novo governo; fustigados mais que
nunca pelos meios de comunicação, que não vacilaram em realizar uma cruzada
antipiqueteira; enfim sido criticadas e depreciadas não só por aquelas classes
médias que apoiaram parte de seus reclamos durante um período fugaz, senão
também por vastos setores sociais (Svampa, 2007, p.152). A política de Kirchner
consistiu em utilizar estratégias de integração, cooptação e disciplinamento, por um
lado, logrando de fato a integração e institucionalização de distintos setores e, por
outro, o isolamento das correntes opositoras no movimento piqueteiro. “A hipótese
da integração e institucionalização começou a constituir-se como uma das
tendências centrais desse governo, em muito alimentada tanto por aqueles
funcionários nacionais como por certas organizações sociais que acreditaram ver no
novo presidente a possibilidade de um retorno às “fontes históricas” do justicialismo.
Essa aposta, que se vincula com altas expectativas que o presidente despertou em
amplos setores da população, se apoiou também na existência de determinados
grupos muito próximos ao ideário nacional-popular dentro do cada vez mais
diversificado espaço piqueteiro. Com efeito, a consolidação piqueteira inclui não
somente aquelas visões contestatórias de corte anticapitalista senão também um
61
amplo leque de organizações que reenvia a uma forte matriz populista; todo o qual
volta a por no tapete o forte peso da cultura peronista.” (idem, p.163-4).
A base material que possibilitou uma resposta positiva para muitas
organizações piqueteiras foram os diversos programas sociais, alguns iniciados
com Duhalde, como Plano Chefe e Chefa de Família e Plano de Desemprego, e
outros
como
empreendimento
produtivo
formulados
pelo
Ministério
de
Desenvolvimento Social. Desde o início algumas organizações dos inúmeros
Movimentos de Trabalhadores Desocupados utilizaram esses subsídios para a
ampliação de programas já existentes, como as padarias comunitárias, oficinas
têxteis ou fabricação de alimentos. Assim, em algumas organizações, esses
subsídios geraram uma profunda discussão acerca do que fazer com o excedente.
Os movimentos piqueteiros, quando Kirchner ganhou as eleições de 2003,
estavam polarizados em torno de qual posição assumir diante do novo governo. Por
medio do Ministerio de Desenvolvimento Social, dirigido por Alícia Kirchner,
procurou trazer os distintos setores para seu apoio (Peralta, 2007:430-31). Nesse
período conseguiu ter o apoio do setor de Luís D‟Elia, dirigente da Federação de
Terra e Vivendas (FTV), que já vinha colaborando com o governo de Duhalde e, por
isso, havia recebido uma importante cota de Planos de Trabalho19. Con la
manutención de la polarización en relación al gobierno Kirchner, a partir de 2004, el
gobierno utilizó la táctica de endurecimiento policial, por un lado, y busca de
integración al gobierno, por otra. Las agrupaciones sociales kirchnerista tuvieron
protagonismo
cuando
el
presidente
rompió
alianza
con
Duhalde.
Esas
organizaciones pasaron a ocupar un lugar llave, pues llegan a los barrios pobres del
conurbano. Eso significó poder de movilización y captación de las vontades para las
elecciones de 2005. “En la estrategia del gobierno, la integración de importantes
líderes piqueteros al gobierno permitiría encauzar el conflicto social dentro de
canales institucionales y crear las condiciones para ganar el apoyo de la clase
media” (Idem:431).
As palavras de um líder piqueteiro, eleito vice-chefe do gabinete do
governador de Buenos Aires nas eleições de outubro de 2005, indica esse
complexa dinâmica de acercamento dos movimentos sociais. Diz o dirigente:
19
Plan de Trabajo son las verbas destinadas para las personas sin condiciones de empleo y entrada de recursos.
Los movimientos sociales tienen una cuota que administran de acuerdo con los criterios de selección. Hoy
existen cerca de 100 mil plan de trabajo, siendo que 50% son administrados por los movimientos sociales.
62
“mi misión será integrar al movimiento popular, a las organizaciones del
pueblo y a la militancia al Estado. Esa articulación acerca al gobierno al
pueblo y esto es lo que empujará los cambios que hacen falta para mejorar
la situación de la gente […] se trata de tener una actitud diferente que
cuando llegamos al Estado, que es estar con la gente y buscar soluciones,
terminar con la política punteril […] en la medida en que Kirchner siga
ampliando la posibilidad de organización popular y se mejore la distribución
del ingreso, todos vamos a ser kirchneristas. Ésa será nuestra victoria. El
tema central de la Argentina sigue siendo la integración de la gente al
proceso de cambios. Hay que dar roragonismo a la gente, capacitarla,
formarla, acompañarla […] eso también implica darle mayor responsabilidad
en las políticas del Estado. Nosotros ya demonstramos que se puede
gestionar entre el Estado y la organización.” (La nación, Buenos Aires, 19
de noviembre de 2005, p.432).
Por último, a integração e negociação perpassaram por uma estratégia de
controle e disciplinamento dirigida contra os grupos mais mobilizados, “que não só
assinalaram que o governo Kirchner representava uma continuidade com os
anteriores, senão que, confinados no protagonismo que haviam tido durante 2002,
tencionaram as relações e multiplicaram as concentrações e marchas. A sua vez,
Kirchner se apoiou na opinião pública, fortemente influenciada por setores
conservadores da classe média, através dos meios de comunicação. Assim, o
governo nacional enfatizou a contraposição entre mobilização de rua e normalidade
institucional, desta maneira deu vazão não só a uma imagem estigmatizante das
mobilizações, senão a denúncia de uma democracia cada vez mais acossada por
grupos piqueteiros.
Haveria se constituído nesse governo uma estratégia de desgaste sobre os
setores piqueteiros mais combativos e de negociação com os setores permeáveis
ao apoio governamental. “Resulta claro que o governo produziu um giro em sua
relação com os piqueteiros e, evitando a repressão, buscou isolar aos setores mais
combativos, ao tempo que negocia com os mais dialoguistas. Isto deu lugar a uma
estratégia desmobilizadora. Por outro lado, o presidente afirma que a restrição no
pagamento da dívida é uma causa nacional e que a sociedade é a que deve
defender seus próprios interesses. Sem dúvida, não gera os espaços de
participação para que essa causa nacional se expresse através da sociedade. A
convocatória, assim, constrói hegemonia fechada do lado do governo, e à larga
pode produzir um desgaste do próprio governo frente aos setores da grande
63
burguesia, que ainda conservam o eixo do poder econômico na Argentina” (Shultz,
2005:267).
Essa avaliação refere-se aos primeiros momentos do governo, mas projeta
uma debilidade que se cristalizará no momento seguinte, na gestão da presidente
Cristina Fernandez. No conflito com os setores rurais, em torno da retenção 125,
como veremos mais a frente, os movimentos sociais de apoio aos Kirchner não
conseguiram trazer para seu respaldo um conjunto significativo de setores
populares. A estratégia de fato ancorou-se na desmobilização social, como uma
espécie de desmonte de uma “bomba relógio” que significava os desdobramentos
de 2001. Mas lembra o autor sobre as pressões políticas da “classe média urbana”,
que depois da “normalização institucional” isolou tanto os piqueteiros como os
assembleístas. Haveria uma mudança de humor que se relacionaria a uma “volta
relativa à ordem”: “As variáveis econômicas se acomodavam para cima, e isto gerou
expectativas em setores médios de voltar progressivamente a uma situação de
normalidade e de maiores expectativas. Revive neles a idéia de que há que dar-lhe
tempo às coisas. É um tempo de volta à normalidade, de setores que têm sido em
muitos casos muito danosos, e que todavia estão sofrendo o impacto da crise,
frente àqueles que não tem podido sair todavia da terrível crise, nem sequer
minimamente” (p.268). Nesse sentido a classe média percebe que está melhor do
que realmente está. “Há uma expectativa de melhora que, ainda com algum
asidero, parece exagerada em relação à realidade dos anos 90. O país, deste ponto
de vista estrutural, segue sendo o mesmo de 2001” (idem).
En 2005, ya con la inflación empezó a descontrolarse, Kirchner pasaba a
confrontar con algunas empresas transnacionales, denunciando la manipulación de
los precios, en razón a la suba del precio de la nafta por parte de las petroleras
Shell y Esso. Para eso, los movimientos sociales piqueteros tuvieron un papel en
algunas estaciones de esas empresas. Eso facto había sido “una verdadera victoria
del pueblo argentino […] la gente nos dio una clara lección en estas\horas usando
su poder. Si en todos los puntos la gente toma esa actitud, se va ganar la batalla de
la justicia y defensa del poder adquisitivo de los trabajadores” (in Peralta, p.430). En
otros momentos, cuando la inflación amenazaba nuevamente, la utilización de
sectores populares fueron nuevamente activados”. Diz Peralta:
64
“[Kichner] tendría la oportunidad de utilizar el mismo recurso movilizador
para disputarle a Duhalde el control del aparato del Partido Justicialista en
la provincia de Buenos Aires durante la campaña para las elecciones
legislativas de octubre de 2005. Kirchner usaría estas elecciones para
plebiscitar su mandato y consolidar su poder político en las urnas.
Legitimaba así su acceso al poder en 2003 bajo el ala de Duhalde habiendo
obtenido sólo el 22% de los votos y se posicionaba ahora para consolidar su
poder dentro del proprio partido. Sagazmente, había compreendido que el
ritmo de los cambios políticos dependía de la movilización popular: la calle
había sido el terreno donde, desde finales de 2001, la gente había
cuestionado a los políticos, la Justicia, los bancos y la política económica.
La calle será ahora el terreno que el presidente utilizaría para consolidar su
poder político y su proyecto de país.” (p.430).
Duhalde e Kirchner realizaram essas “concessões”, ou em outros termos, tais
“concessões” somente foram tiradas desses governos em razão de uma rebelião
popular que deveria ser freada. Mas diferente de Duhalde, o então presidente eleito
necessitava dessa base social e política que poderia lhe respaldar em momentos
mais decisivos. Se as demandas e reivindicações do Argentinaço não fossem
minimamente atendidas, possivelmente Kirchner não poderia se estabilizar no
governo: por um lado, porque com o fantasma de 2001, as frações burguesas
respaldaram as concessões e a discursiva kirchnerista, ao menos enquanto havia
um acentuado crescimento econômico de 8% de PIB anual; por outro lado, essa
mesma burguesia lhe mantêm sobre permanente monitoramente, uma vez que
“esse não é um governo seu”. “É essa a base de sua permanente oscilação
discursiva e política, entre o ajuste e novas concessões às massas, entre as
concessões ao imperialismo americano e o nacionalismo burguês, entre Bush e
Chávez, entre Evo Morales e o envio de tropas para o Haiti. Isso significa que o
movimento não foi uma derrota, o que permite caracterizar o governo Kirchner como
bonapartista” (Sartelli, p.172-3). Essa análise nos parece que apreende algumas
das determinações do tipo de relação que irá se desenvolver no período (20022008) entre Estado e movimentos sociais. A questão a considerar é que essa
relação não passa por meras “concessões”. Esse governo, como outros governos
latino-americanos, conseguiu êxitos econômicos, em decorrência principalmente
dos preços das commodittes de grãos (soja, milho, girassol...), e do aquecimento
industrial que possibilitou a reincorporação de cerca de três milhões e quinhentos
mil empregos. Esse fator, como verificamos mais a frente, apontaram para a
ampliação de lutas operárias e de trabalhadores de diversas categorias como eixo
65
central das mobilizações no período Kirchner, especialmente a partir de 2004. Os
reajustes salariais obtidos por diversas categorias profissionais foram fundamentais
para a recomposição salarial aos níveis de 1998, ano de início da crise econômica
internacional. Outro aspecto também importante refere-se ao fim de um ciclo de
revoltas, ou pelo menos interrupção de uma situação abertamente revolucionária,
aberta em 2001.
O modelo K de neodesenvolvimento
O crescimento econômico argentino, de acordo com Instituto Nacional de
Estatística – Indec (ESP, 19/02/2006, B9), entre 2003 e 2006 teve uma média
acima de 8% de crescimento do PIB: 8,8% em 2003; 9,0% em 2004; 9,1% em 2005;
e 8% em 2006.
Os sucessos relativos do governo de Néstor Kirchner, junto aos setores
populares e às frações burguesas industriais particularmente, somente foram
possíveis com a desvalorização cambial (período pós-convertibilidade), que
possibilitou estabelecer um limite à concorrência dos produtos importados e ampliar
os rendimentos com as exportações (especialmente com a elevação das
commodities dos produtos extrativos e agroindustriais), e com o direito às
exportações (retenções) sobre os produtos agrícolas e extrativos que permitiram
uma crescente reserva financeira do Estado, entre 2002 e 2008, e com a contenção
dos reajustes salariais e manutenção das formas de precarização do trabalho
criadas na década de 199020. Baseado nesses eixos econômicos, o governo
conseguiu reativar setores da economia local, possibilitando assim a queda do
desemprego com uma retomada das ocupações assalariadas21, ampliar e manter a
cobertura de planos sociais, realizar antecipadamente, em 2005, o pagamento de
parte da dívida externa, e aumentar suas reservas internacionais. Por sua vez,
mantém uma vasta rede de subsídios aos setores do capital industrial local e
transnacional, e em especial onde se destaca uma rede de empresários que ficaram
20
Devemos lembrar que foram as seguintes leis trabalhistas aprovados no congresso nacional no ano de 1992:
(...). Como nos ressalta Murillo (2005), essas leis foram aprovadas com um amplo respaldo da bancada dos
deputados sindicalistas ligados ao PJ que expressavam os interesses dos setores hegemônicos da CGT naquela
ocasião: (...).
21
No período entre 2003 e 2007, o emprego cresceu em cerca de 3.5 milhões de ocupações assalariadas.
66
conhecidos como empresários K, especialmente ligados à área de construção civil e
empresas de serviços públicos privatizadas.
Em relação à desvalorização cambial é necessário afirmar, acompanhando a
literatura especializada, que ela significou uma perda média de cerca de 30% do
poder de compra salarial: “A recuperação da economia depois da crise de 20012002 foi acompanhada por uma tendência crescente no nível de preços. Esta
tendência, que começou com a desvalorização, não somente não se deteve senão
que, segundo dados mais confiáveis que o IPC-GBA, parece estar se acelerando
como conseqüência dos aumentos dos preços internacionais dos produtos
transáveis, o dinamismo da demanda, que supera ao da oferta, e a concentração
dos mercados. Em conseqüência, o cenário auspicioso que surge da evolução dos
salários nominais se modifica, já que o poder aquisitivo dos ingressos dos
trabalhadores se estaria “liquidando” como resultado do aumento dos preços dos
bens e serviços que estes consomem (...) os salários reais não só não crescem,
senão que tendem a reduzir-se desde princípios do ano passado entre um 1% e um
3% se utiliza-se o IPC-San Luis ou o IPC-7 províncias, respectivamente” (CENDAS,
“Cuánto ganan los trabajadores? Alternativas para a estimación de los salários
reales”, El trabajo em Argentina. Condições e perspectivas. Informe trimestral nº
15).
Ou em outras palavras, os salários contidos
nos custos de produção
significaram o principal fator de impulsionamento do crescimento econômico
argentino, em termos locais e internacionais.
Néstor Kirchner manteve as principais medidas dos governantes anteriores,
como a privatização das empresas, a redução dos impostos empresariais, como a
redução de 33% da cota patronal ao Estado para empresas com até 80
trabalhadores. É o “modelo industrialista de inclusão social”. Nesse sentido, a
concepção apresentada confere importância ao “trabalho precarizado”. Tal modelo
possibilitou a redução do desemprego na Argentina22. Ao mesmo tempo manteve
intacta
a legislação trabalhista, com a precariedade dos contratos em tempo
22
No auge do desemprego na Argentina, em 2002, eram cerca de 2.200.000 de trabalhadores desempregados.
Em 2003 esses números já haviam baixado para... e chegam em 2008 por volta de... O INDEC,
inexplicavelmente, deixou de realizar o censo de emprego/desemprego, no terceiro trimestre de 2007, o que
impossibilitou um acompanhamento sobre essa tendência. Mas algumas instituições de pesquisa (CENDA, CTA
e outros) afirmam que tendiam a arrefecer a absorção de mão-de-obra na economia local. Algumas
características nesses levantamentos possibilitam caracterizar que a empregabilidade ocorreu centrada nas
seguintes setores: (...).
67
parcial, os temporários, em negro etc. Em razão desse quadro, as empresas
conseguiram aumentar seus benefícios em cerca de 42% em 2004 e 26,4% em
2005, de acordo com Âmbito Financeiro. As 500 maiores empresas passaram em
cerca de dois anos (2003-2005) a duplicar seus lucros, de acordo com dados do
Instituto Nacional de Estatística argentino.
Durante a década de 1990 se consolidaram múltiplas formas de contratos de
trabalho precários, no setor público e setor privado, que impossibilitam a efetivação
(regulamentação) do trabalhador na empresa, e que passam por contratos por
agência de trabalho temporário, contrato de locação de obra (donde o
monotributista) ou emprego por contrato temporário realizado na própria empresa.
Esses trabalhadores que representam cerca de 40% do total de assalariados, têm
seus salários mais arrochados do que aqueles efetivados. O que significa também
um outro adicional de extração de mais valia arrancada pelas empresas.
A estrutura da produção industrial argentina, em sua história, de acordo com
CENDA, está dividida em dois grandes setores: setor agropecuário com elevada
produtividade em decorrência da região pampeana, possibilitando uma renda
diferencial da terra; e um setor industrial, com maior participação das industriais
locais que têm graves problemas com a competição internacional por causa de sua
debilidade tecnológica. Essa heterogeneidade estrutural da economia nacional
implicaria na existência de uma tendência para a apreciação da moeda pelo
contínuo ingresso da riqueza extraordinária do setor agrário. “Essa tendência para
a apreciação tem, por sua vez, efeitos nocivos sobre a possibilidade de crescimento
do setor industrial. Para sustentar à indústria se requer – em ausência de outras
medidas impositivas ou fazendárias – de uma paridade cambial mais elevada,
capaz de brindar, ao menos de maneira transitória, proteção da concorrência dos
produtos importados e de abrir a possibilidade de colocar produtos industriais no
mercado mundial. Por isso, se a tendência à apreciação não é acompanhada por
medidas
específicas
de
proteção,
a
indústria
termina
necessariamente
enfraquecida. Isto implica que o funcionamento da economia, deixado em mãos do
livre mercado, conduza principalmente à produção e exportação de produtos
primários de baixo valor agregado: uma economia agroexportadora” (p.9).
Nesse sentido, as retenções às exportações têm como mecanismo efetivo
conter a tendência à apreciação real da moeda, porque ao retirar uma parte dos
dólares que ingressam no país são reduzidas às pressões para baixo sobre o tipo
68
de câmbio nominal. Isso de maneira que, quando entesourado como reserva
internacional. Por outro lado, quando os direitos de exportação são aplicados sobre
os produtos alimentícios ou combustíveis têm como contrapartida a redução dos
custos internos. “De maneira que, no atual esquema, as retenções, mais que um
imposto distorsivo, devem entender-se como um mecanismo corretivo: contribui
para manter o tipo de cambio e reduz os preços internos dos alimentos” (idem).
Esse
quadro
econômico
pautado
no
direito
de
exportações
e
na
desvalorização cambial, no entanto, não é desenvolvido pelo Estado nacional de
maneira neutral. Reestabelece-se como em outros períodos da história argentina
uma intensa disputa entre as frações burguesas agrárias e industriais (e dentro
dessas entre as transnacionais e as locais) em relação aos seus interesses.
Para os setores agro-exportadores, o dólar caro beneficia aos exportadores
primários sempre que o custo de mantê-lo não caia sobre suas costas por meio das
retenções das exportações23. Essas retenções operam como um tipo de cambio
diferencial, no caso, se forem elevadas, por exemplo em 50%, para eles seria o
mesmo que o preço do dólar em torno de até $ 1,50 com ausência de retenção: “É
por isso que alguns representantes do setor se inclinam por defender um programa
de apreciação da moeda, sempre e quando também se reduzam (ou diretamente se
elimine) as retenções. Se utiliza a filosofia do livre mercado para argumentar que a
ingerência estatal gera distorções nos preços relativos e se advoga pelo fim de toda
a intervenção. Ainda que não se atrevam a propô-lo diretamente, não é difícil ver
que essa ausência de intervenção pública que reclamam, em um contexto de
preços mundiais record é, inevitavelmente, um programa apreciador. Se trata de
aproximar-se novamente à situação dos anos 90” (CENDA, p.10).
Na perspectiva da indústria exportadora e substitutiva, no ano de 2007 e 2008,
seus representantes começam a exigir reajuste no programa do dólar alto. Neste
caso são propostos retoques ao modelo econômico vigente com o objetivo de
avançar em seu aprofundamento, especialmente considerando quatro eixos que
afetam a rentabilidade: o tipo de cambio nominal, a inflação, os subsídios e os
salários. No período anterior ao conflito entre o setor agro-exportador e o governo,
que veremos mais a frente, representantes da indústria recomendavam depreciar
ainda mais o peso em termos nominais; exigiam também uma política
23
Somente nos lembremos que, no período de Eduardo Duhalde, os impostos giravam em torno de 10%.
69
antiinflacionária mais eficaz que implicasse em um severo programa de ajustes
fiscais e uma política monetária restritiva. Para favorecer sua rentabilidade, esse
setor também pedia a manutenção de uma política de subsídios aos insumos
(combustível, energia e transportes), estímulos ao crédito e às atividades
produtivas. E não esqueciam o elemento principal dessas exigências: a
“moderação” nos reajustes salariais, que no contexto inflacionário implicaria
arrochar ainda mais os salários.
A contenção salarial, ao lado da manutenção da legislação trabalhista
flexibilizada, é o ponto unificador entre todos os setores empresariais. As
organizações empresariais não mostram divisões neste reclamo. “Tão pouco no
pedido de controle da emissão e no gasto fiscal. Em geral, é a este conjunto de
medidas ao que se faz referência implicitamente com o eufemismo de esfriar a
economia. A idéia de esfriar a economia através de restrições ao crédito ou através
da redução do gasto público engana o diagnóstico e, em sua perplexidade, somente
atina recorrer ao remédio da contração”.
Dentro
desse
enfoque
é
perceptível
que
os
impasses
no
“neodesenvolvimentismo” do modelo K já se apresentavam anteriores ao conflito
com os setores agro-exportadores e à crise capitalista internacional. As frações
agro-exportadoras não mais se satisfaziam em “sustentar”, como disseram em
diversas oportunidades, a expansão econômica no país, por meio das crescentes
retenções agrárias24. Além do que foram diversas manifestações realizadas no
período de Néstor Kirchner.
Por sua parte, em diversas categorias de trabalhadores assalariados, desde
pelo menos 2004, vinham reivindicando reajustes salariais acima da inflação e que
repusessem suas perdas salariais do período pós-convertibilidade, muitas vezes
inclusive, realizando greves que ultrapassavam as orientações das direções
sindicais burocratizadas. Não foram poucas dessas greves que foram respondidas
com agressões sindicais às lideranças sindicais independentes e com demissões e
perseguições desses trabalhadores.
Nesse contexto, aos setores industriais exportadores lhes comprazia a
manutenção das retenções, os subsídios estatais para suas produções, e a
24
Não deixa de ser interessante que esse descontentamento vinha sendo manifestado por diversos representantes
das entidades agroexportadores.
70
contenção da inflação por meio da aplicação de medidas de desaquecimento do
consumo e do corte de gastos públicos e, evidentemente, de congelamento salarial.
O projeto nacional popular25, baseado em um novo surto de desenvolvimento
econômico e industrial, exibiria um limite estrutural, uma vez que seus setores mais
dinâmicos (setores exportadores), não visualizam o próprio desenvolvimento interno
que se estrutura em torno de um mercado interno e que integrasse milhões de
pessoas ao consumo e, por sua vez, essa dinâmica possibilitasse o próprio
desenvolvimento industrial voltado para esse mercado. Esse marco do projeto
nacional, que esteve presente no peronismo entre 1946-1952, e que teve como
marco uma aliança com setores pequenos e médios da produção, não é o atual
marco do que se discursa como nacional e popular.
A produção de mercadorias agrárias segue sendo a principal sustentação do
capitalismo na Argentina e, por sua vez, demonstra os limites da renda agrária para
impulsionar a economia nacional a médio prazo. Ao contrário das propostas
nacionais e populares, em torno de uma economia independente com a
possibilidade neodesenvolvimentista, existiria “a crescente busca por aumentar a
arrecadação fiscal através das retenções às exportações de grãos”, que
demonstraria que “nada de novo se engendrou na Argentina nos últimos anos e que
o país está tão ao bordo de uma nova crise como tem estado nos últimos trinta
anos” (Sartelli, 2008:121). E mais: “A necessidade de aumentar as retenções, longe
de expressar uma vontade de favorecer ao „povo‟ frente à „oligarquia‟, é uma mostra
da dependência da acumulação de capital no país da produção agrária. Depois da
desvalorização e ante a contração do crédito internacional, a renda diferencial da
terra e, em menor medida, o petróleo, junto à baixa salarial, foram as fontes que
permitiram a recuperação econômica” (idem). Essa explicação nos parece que se
mantém explícita ou implicitamente nas diversas análises sobre o modelo k, seja em
autores que guardam algum tipo de expectativa com relação ao chamado
neodesenvolvimentismo, ao exemplo do grupo de economistas do CENDA,
passando por intelectuais do porte de Basualdo ou Katz, e de maneira mais incisiva
no plano teórico-político por intelectuais da esquerda socialista (FOS, PTS, PO,
MST...). Ou seja, graças às retenções e à contenção salarial, o governo pôde
25
Sobre esse conceito, em relação à Argentina, nos parece importante a análise que Maristela Svampa, em
Civilização ou barbárie, realiza sobre seu esvaziamento. Para Svampa, (...). O fenômeno de esvaziamento desse
conceito tem muitos aspectos em comum com o ocorrido no Brasil, embora nesse país o populismo não tivesse
fincado raízes tão fortes junto aos trabalhadores e organizações políticas.
71
sustentar a subvalorização da moeda e dar vida a capitais ineficientes na
perspectiva da concorrência internacional (ligados ao mercado interno). Dessa
mesma maneira pôde manter o crescimento do emprego, já que se trata de capitais
que, por sua baixa produtividade, empregam muita mão de obra. Por sua vez,
também em decorrência das retenções, logrou transferir crescentes subsídios aos
capitais estrangeiros para que mantivessem sua lucratividade em dólares de acordo
com a média internacional.
De qualquer maneira, mesmo que esse projeto econômico tenha se mantido
nos últimos cinco anos do governo kirchnerista, ele desenvolve uma contradição
estrutural que voltaria a se manifestar. Mesmo quando havia uma demanda
expandida internacional, ampliada pela especulação financeira via commodities, a
renda diferencial apropriada
pelo governo não
possibilitava prover a todos os
interesses envolvidos no processo. Como já afirmamos, a questão inflacionária se
torna problemática para a lucratividade das diversas frações burguesas, por um
lado, e na perspectiva dos trabalhadores, por outro lado, é também uma pressão
cada vez maior sobre os seus salários. Nesse sentido, acompanhamos a seguinte
idéia: “A história argentina dá conta do limite do agro para impulsionar o conjunto do
capital nacional logo de alcançada uma fase de crescimento. Ante esta dificuldade,
em forma progressiva tem ganhado peso o endividamento externo, que cresceu
desde 1975. Tanto a dívida como a renda agrária, são formas de financiamento
cujos ciclos afetam em forma direta o país. É a forma em que o capital argentino
processa, como parte do capital mundial, a crise na qual se encontra. Assim ocorreu
em 1975, 1983, em 1989 e em 2001” (idem, p.148). O modelo K, ao nosso
entender, longe de tê-las resolvido, foram se desenvolvendo com maior grandeza e
que se manifestam através da inflação e da redução do superávit fiscal.
8. O período político aberto com Cristina Kirchner
Cristina Kirchner foi eleita com o significativo respaldo popular, quase 45%
dos votos, em primeiro turno. A principal base dessa vitória ancorou-se nos
resultados econômicos e sociais do ex-presidente Kirchner. Mas também em uma
ampla aliança em torno da Frente Para a Vitória, que foi uma aliança entre Partido
Justicialista e a Concertação Plural. Como vice-presidente, Julio Cobos, radical K.
“A dimensão popular edificada pelo kirchnerismo desde seu vazio original resvalava
72
sistematicamente nas estendidas e territorializadas redes provinciais fraguadas
pelos caudilhos de aparato, ancorando também nos antiqüíssimos mojones
organizativos radicales e em um decorado figurativo que respondia ao centro
esquerda televisiva com ambições mas sem construção de base nem organização
própria” (p.223). “A campanha de Cristina Fernandez combinava seu périplo
internacional com incursões locais sem alarde litúrgico nem coreografia peronista,
convencida de que essa estratégia consagraria a aventura de consolidar o poder
atesourado e garantizar com sua mensagem de mudanças o estado de graça para
prolongar a continuidade oficialista”. (p.223). Ou seja, embora a imagem positiva de
Néstor Kirchner houvesse permanecido, havia que transmutá-la na figura de
Cristina. Especialmente isso seria fundamental em relação à ação bonapartista do
ex-presidente. Nesse sentido a desperonização
da campanha, de acordo com
Azardun, seria uma marca registrada do kirchenerismo duro, “promovida pelas
assessorias profissionalizadas de cultos intelectuais de gabinete”, ideólogos “do
marketing com portas abertas ao cenáculo presidencial” (idem).
“Somente o conurbano bonaerense e aquelas distantes e inacessíveis
comarcas do interior profundo promoviam a liturgia. Nessas recônditas
paragens, o símbolo do mito se arroupava em clientelas que abrevavan na
subcultura de golpeadas populações donde o peronismo era religião perene
e identidade popular.
Eram aqueles pobres e trabalhadores esquecidos na periferia da
modernidade, quem por abrumadora maioria catapultariam o triunfo
oficialista, com uma cautividade tão histórica como distante das luzes da
cidade.
A redenção do povo que revivia no imaginário social do peronismo caía
opacada pelas luzes qualunquistas e antipolíticas das grandes urbes, ali
onde o kirchenerismo orientava sua mensagem, ali onde a república branca
encontrava audiência e sufrágios canalizados pela televisão.” (p.223)26
26
Com um sentido jornalístico, o editor de Clarín (29/10/2007), Eduardo van der Kooy, realizou a mesma
análise: “El kirchnerismo está reproduciendo, elección tras elección, la alianza más tradicional que representó
el peronismo. La de las clases humildes, con los sectores medios bajos y alguna intervención de franjas medias
más acomodadas. Pero con una fuerte y enconada resistencia de los segmentos más altos de la pirámide
social. Sólo Menem modificó esa tendencia que alumbró a mediados de los 40 y que con matices -mayor
participación de sectores medios- persistió en los 70. El ex presidente riojano unió los dos extremos del arco
social. Ninguno de los dos ensayos tuvo perdurabilidad y condujo a la Nación a situaciones críticas. Quizás
por esa razón Cristina haya dado un golpe de timón y prometido en su estreno un trabajo por la concertación.
Cristina deberá enfrentar múltiples desafíos. El primero, el de la legitimidad, lo sorteó con creces. Deberá
edificar su propia autoridad con el poder que en diciembre le delegue Kirchner. Deberá hacer frente enseguida
a problemas que silban cerca, que vienen de arrastre, y que no han encontrado una respuesta adecuada: la
inflación escondida, la crisis energética, la demanda social, la amenaza que para el crecimiento estable
representa la ausencia de un mayor flujo de inversiones. Cristina también habló de su esperanza de que el mundo
comience a mirar a la Argentina con otros ojos. Para que suceda, la Argentina debe ajustar conductas.”
73
Mas há que completar essa análise, uma vez que a simbologia não sobrevive
por si quando esta tem que se estabelecer em relações sociais muito concreta que
envolvem a própria reprodução institucionalizada da pobreza e da miséria social.
Longe de um significante vazio, essa mitologia peronista deve operar em meio à
própria possibilidade da manutenção do fenômeno social do “excluído”, fetichizado
e estigmatizado como fenômeno existente por si, autonomizado das relações
históricas e estruturais que lhe construíram como fenômeno. A mediação
institucional operante nas paragens do conurbano buenaenrense e nas províncias
pobres, para que se possa transmutar em voto, são as possibilidades materiais aí
oferecidas (ofertadas). Nada mais. Esse é o mecanismo de dominação política no
qual se tem assentado com relativo sucesso o kirchenerismo. Mas essa não é uma
relação irracional que estabelece esses setores sociais com esse projeto político
chamado nacional-popular. É uma relação racional, instaurada no senso comum
dessas populações, através das referências políticas existentes (organizações
populares pró-governo, intendentes e ponteiros), que lhe possibilita um horizonte
imediato de ao menos continuar como está.
Também é possível verificar que essa votação em Cristina atingiu nas
províncias, inclusive na pampeana, uma acentuada votação dos setores da
pequena burguesia rural. Também uma votação racional em decorrência dos
fatores econômicos objetivos de um período de desenvolvimento.
Mas um voto crítico começou a ser assinalado em outras áreas sociais, como
as classes médias urbanas. Acuña considera o seguinte: “um setor importante da
classe média votou em forma crítica e castigou a baixa qualidade institucional do
governo kirchenerista. Alguns dos fatos mais decisivos que alertaram sua
consciência crítica foram o famoso sobre com dinheiro que apareceu alegremente
no despacho da então ministra da economia, Felisa Miceli; o escândalo da empresa
Shanska que chegou às esferas judiciais; Guido Alejandro Antonini Wilson, o
estrambólico empresário venezuelano vinculado ao Ministério de Planificação de
Julio de Vido que, em agosto de 2007, justo antes das eleições presidenciais,
intentou ingressar ao país quase $ 800 mil dólares em um avião fletado a um custo
de 80.000 dólares pela quase fantasma companhia estatal ENARSA; e o negócio do
trem bala, que muitos já suspeitavam que poderia estar deixando a alguns
(“Algunas
advertencias en la amplia e indiscutible victoria de Cristina”, Clarín, 29/10/2007)
74
funcionários suntuosas somas em conceito de comissões ilegais” (Acuña, 2008,
p.2002).
Existem
outras
dimensões
que,
possivelmente,
estejam
afetando
a
sensibilidade desses setores das classes médias urbanas, especialmente em
regiões como Buenos Aires. Uma dimensão principal refere-se à constituição
mediática e perceptiva das classes médias sobre as “classes perigosas”. Em suas
várias obras, Svampa caracterizou o aparecimento dessa distorção ideológica
relacionada ao medo de uma classe social em relação às outras. Seu início está
situado no período pós-2001, nos movimentos piqueteiros que foram tomando como
palco de sua ação política a região central da cidade de Buenos Aires.
O fenômeno social travestiu-se ideologicamente nas classes perigosas. Não
se reduziu, ao contrário, tomou dimensões cada vez mais gigantizadas. Sucedemse de maneira continuada nos noticiários televisivos, radiofônicos e nos jornais, as
notícias e manchetes sobre seqüestros, assaltos e assaltos de empresários e
artistas; como também não são poucas as reportagens sobre as villas misérias, as
gangues que dominam seus territórios, suas relações com intendentes, ponteiros e
como ponto de distribuição do narcotráfico. Essas são notícias cotidianamente que
se desenvolvem nos meios de comunicação de massa27.
A presidenta eleita afirmava em campanha que o centro de sua agenda
política seria o Diálogo Social. Nos primeiros meses de 2008, chamaria ao diálogo
os representantes sindicais (de trabalhadores e de empresários) e altos funcionários
do Estado, no sentido de constituir um Pacto Social. A partir desse diálogo seriam
estabelecidas metas macroeconômicas que sustentariam a política econômica
governamental entre 2008-2009. Isso passaria por “organizar os mercados”, ou
seja, significaria que o Estado teria um papel ativo no sentido de direcionar recursos
e inversões para desenvolver uma plena economia agrícola-industrial. Em suas
27
Entre as emissoras televisivas que mais destaques fazem a essas notícias encontram-se Crônica, C5N e TN.
Nos diários principais, verificamos que os mais destacados encontram-se Clarín, La nación, Crônica... Crítica
Argentina tem evidenciado mais casos relacionados ao narcotráfico mexicano e as relações do Triple Crime,
envolvendo empresários ligados à efedrina. Existe um contraste na percepção desses fatos entre os distintos
setores sociais. Nas conversas e entrevistas que realizamos em uma Villa no distrito de Lloma de Zamora, uma
das bases sociais do Movimento Barrio de Pie, essa questão não aparecia no horizonte dos entrevistados e das
pessoas com as quais conversamos. Em suas percepções registravam-se as seguintes necessidades: canalização
do córrego, que causa enchentes em períodos de chuva; um hospital que funcione para atender a população; o
problema do lixo e do esgoto ao céu aberto; e de maneira mais dispersa a questão do emprego. Em nenhum
momento, a questão da violência estava perceptível. Mas em outro sentido, o candidato à deputado provincial
Jorge Ceballo, liderança do Movimento social, no lançamento de sua candidatura nessa região afirmava o
seguinte: (...).
75
palavras, o pacto social seria “um acordo estrutural no qual se definem metas,
objetivos
quantificáveis e verificáveis”, mas com acordos setoriais que não se
referenciaria em torno de preços e salários:
“deste acordo estrutural global, ir
setorialmente, sobre cada atividade, porque não são as mesmas necessidades e
possibilidades de cada setor” (Página 12, 25/11/2007, “Cómo vê su gobierno la
Presidenta electa?”).
Sobre esse Pacto Social, os distintos porta-vozes das classes dominantes
saudavam como positiva a iniciativa. “Os Kirchner” haveriam se decidido a
recuperar a política como transformação e fortalecer ao Estado para tal fim. Mariano
Grandona (La Nación, 25/11/2008) observava otimistamente: “Em tempos
plenamente democráticos, as relações de inimizade que marcam a fronteira política
não desaparecem, mas se moderam até tornarem-se competitivas, quase
desportivas. O acerto tático dos Kirchner foi dar-se conta em 2003 de que as
relações entre os que lutam pelo poder já não eram amistosas porque a crise tão
grave de 2001 havia exasperado o ânimo dos argentinos. Enquanto outros
candidatos foram às eleições de 2003, assim, com o espírito lúdico próprio das
democracias normais, os Kirchner investiram contra todos os que não eram eles
como se fossem um exército inimigo ao que haviam que aniquilar ou, ao menos,
amendrontar. Os opositores, por sua parte, não souberam unir-se porque não
advertiram a tempo o perigo que corriam fragmentados frente à ambição de um
poder total” (“De um país de inimigos a outro de adversários”).
O Pacto Social apresentava-se como a diretriz principal do governo para o
próximo período. Fazia de tudo para que fosse concretizado e divulgado em 25 de
maio, data nacional da independência do país. Seria o início do Pacto do
Bicentenário da independência. Avançava acima de tudo no sentido de conter a
recuperação salarial dos trabalhadores que já era o principal reclamo dos setores
industriais, ao lado de suas reivindicações de investimentos setoriais da produção.
Esse é o sentido que Cristina Fernandez ressaltava ainda no final de 2007: “Eu
defino como acordo estrutural no qual se definam metas, objetivos qualificáveis e
verificáveis, baseado neste modelo. Com acordos setoriais, porque não se pode
fazer o que se fez no Pacto de Gelbart de 1973, referido nada mais que a preços e
salários. Não é esta a idéia que temos. Logo deste acordo estrutural global, ir
setorialmente, sobre cada atividade, porque não são as mesmas necessidades e
76
possibilidades de cada setor” (“Como vê seu governo a Presidenta eleita”, Página
12, 25/11/2007).
Esse Pacto Social foi paralisado, não porque tenha ocorrido uma forte
resistência das organizações sindicais e dos partidos de esquerda, mas sim porque
as frações burguesas industriais se negaram a realizar um acordo nacional sem que
nele estivessem envolvidos os setores agro-exportadores. Com o início do conflito
entre o governo e os setores ruralistas, a partir de março de 2008, inviabilizou-se o
objetivo principal do novo governo de Cristina Kirchner.
O conflito do governo de Cristina Kirchner com os setores agroexportadores
O fato incontestável é que a disputa entre os setores agroexportadores,
articulados pelas quatro entidades agrárias28, e os Kirchner desdobrou-se em uma
crise política pouco imaginada para um governante recém eleito com 44% dos votos
e que completava 100 dias de mandato. Não foi uma disputa entre interesses que
ficou entre muros, ou seja, limitado à Casa Rosada ou aos trâmites legislativos
(Câmara Nacional e Senado). A batalha extrapolou os muros e buscou apoiou-se
em setores do chamados pequenos agricultores e, depois, também na classe média
urbana.
A medida anunciada pelo então ministro da economia, Martin Lousteau, em 11
de março de 2008, determinava que se o preço da soja estivesse em 515 dólares
por tonelada, no mercado internacional, a retenção seria de 44,1%; se os preços
baixassem para 483 dólares, as retenções desceriam para 42,1%. Se os valores por
tonelada se reduzissem a 400 dólares, tal imposto baixaria para 32% (vide
Ministério de Economia e Produção da Nação, “Esquema das retenções móveis
para produtores primários e derivados”, Buenos Aires, março de 2008).
As retenções significaram para o governo
um caixa na ordem de 12.991
milhões de dólares em 2005, o que representava 12,8% dos ingressos tributários
totais e 2,47% do PIB (Mecon, 2005:54). Esse dinheiro se destinava para distintos
subsídios: setores empresariais e superávit fiscal (dívida externa). Com a posição
do governo de elevar as retenções de 35% para 44%, a fração burguesa
agroexportadora contestou tal medida e iniciou em 13 de maio uma paralisação que
28
FAA, SRA, CONINAGRO.
77
durou 21 dias, com cortes de estradas aos caminhões que transportavam alimentos
e, em conseqüência, iniciou-se uma crise de abstecimento.
Nesse conflito que começou com reclamos setoriais dos agroexportadores
ganhou uma dimensão de questionamento de fundo ao projeto político kirchnerista,
na medida em que as quatro entidades agrárias conseguiram uma unidade política
de atuação que, por um lado, se acentuou na radicalidade dos setores agrários e,
por outro lado, nos distintos setores da oposição partidária ao governo. Os meios de
comunicação de massa (emissoras de rádio e televisão e jornais) destacaram esse
conflito, remetendo-o para um âmbito nacional.
Ocorreram três momentos nos cortes de estradas em diversas regiões do país
– em especial, Buenos Aires, Entre Rios e Córdoba, a chamada região pampeana
onde se concentra a produção de soja, girassol e milho. Entre 31 de março e 20 de
abril, quando os setores agrários se mobilizaram nas estradas durante 21 dias,
inclusive havendo no período um início de desabastecmento na capital e em
diversas cidades. Segundo. Esse período foi seguido por uma trégua de trinta dias,
quando as entidades gremiais do campo retornaram à mesa de negociações com o
governo. Nesse período, o governo propunha uma diferenciação nas retenções para
aqueles setores, de acordo com o tamanho da área de produção e da distância dos
portos. Terceiro. Com o rechaço das entidades à proposta governamental, ocorreu
um novo período de mobilização quando são
realizados cortes de estradas
novamente. Desta vez, evitando barrar cargas relacionadas a alimentos.
Em termos de composição social desse movimento agrário, dois setores
desenvolveram-se no processo: os setores agrários de pequeno e médio porte,
impulsionados pela Federação Agrária Argentina (FAA) e pelos autoconvocados,
que utilizaram como forma de luta os bloqueios das estradas, e a classes médias
urbanas das grandes e médias cidades que, articuladas por partidos de oposição,
realizaram manifestações urbanas e participação massiva nos atos de Rosário (25
de abril) e Palermo (dia 17 de julho). A mobilização dos chamados pequenos
produtores foi se ampliando e radicalizando ao longo dos quatro meses de conflito.
De maneira confusa, distintos nomes a esses setores foram consagrados: pequeno
agricultor, pequeno produtor e finalmente chacareiros. A radicalização desses
setores foi se tornando crescente .
Houve bloqueios em várias partes do país, amplamente divulgadas pelos
meios de comunicação, três vezes. Primeiro. Entre março de 31 e 20 abril, quando
78
os setores da agricultura foram mobilizados por 21 dias, gerando o início de uma
crise de abastecimento nas cidades. Segundo. Este período foi seguido por uma
trégua de trinta dias a partir da quatro entidades nacionais ruralistas, que voltaram à
mesa das negociações com o governo. Nesse período, o governo propõe uma
diferenciação nas retenções, de acordo com o volume de produção, tamanho das
propriedades e distancia dos locais de escoamento da produção (portos). Terceiro.
Com a rejeição das entidades à proposta
governamental, novo período de
mobilização ocorre quando realizados bloqueios. Desta vez, evitando bloqueio
encargos relacionados com alimentos. A recusa dos órgãos foi inicialmente limitada
pela curtimento vias de várias regiões do país ligadas ao meio rural, organizado por
quatro organizações - FAA, SRA, Coningro e Autoconvocados - e envolvendo os
pequenos, médios agricultores.
Em termos de setores da sociedade, dois setores desenvolveram-se neste
processo: a) os sectores agrícolas, pequenas e médias unidades, principalmente
organizados na FAA e os autoconvocados que não são ligados à FAA que usaram
os bloqueios nas estradas como forma de luta; b) as classes médias urbanas da
cidades e pequenos e médios comerciantes e industriais ligados à produção rural,
articulados por partidos da oposição (UCR e Coalisão Cívica), que tiveram um papel
mobilizador nas manifestações urbanas e participação maciça em atos públicos,
como em Rosário e Palermo.
Nomes diferentes foram utilizados pelos meios de comunicação para os
participantes dos bloqueios nas estradas: chacareiros, pequenos agricultores e
pequenos produtores. A radicalização desses foi apresentado na crescente desafio
para os dirigentes das quatro entidades.
Outra tendência que se desenvolveu neste processo foram os setores das
classes médias urbanas em grandes cidades como Buenos Aires e Córdoba, em
apoio aos ruralistas. Em Buenos Aires, por exemplo, estiveram no comício na Plaza
de Mayo cerca de duas mil pessoas no final de abril. Nessa altura houve confrontos
com o governo, quando se apresenta Luis D'Elia. Mas o momento significativo, no
entanto, foi provavelmente entre sábado e segunda-feira (feriado?) Julho. No
sábado, as forças governamentais municipais através tribunal tinham detido quatro
acusadas de incitarem os bloqueios nas estradas, entre eles Eduardo Buzzi,
presidente da FAA e outros, além do principal líder da FAA de Entre Rios, Alfredo
De Angelis. Neste quadro, foi crescente a mobilização das classes médias prestes
79
a ser ampliado na segunda-feira para tomar uma proporção gigantesca em
diferentes partes da cidade.
O conflito abriu inúmeras dimensões políticas e econômicas que eram pouco
evidentes na sociedade argentina, em períodos anteriores. Três destas dimensões
queremos esclarecer. Uma dimensão que se apresentou foi a complexa realidade e
estruturação do meio rural na atualidade, na sua intersecção entre setores de
pequeno e médio produtores, empresas exportadoras, rentistas e associados a
pools
de produção. Os sectores de pequenos e médios agricultores estão
inteiramente articulados à dinâmica de exportação. Em uma segunda dimensão
embutido neste processo, há posições diferentes entre os movimentos sociais
populares, sindicatos (CGT e CTA) e grupos de esquerda. A terceira dimensão
refere-se ao conflito que trouxe para a arena pública os fatores determinantes do
atual modelo econômico baseados na desvalorização da moeda e do mecanismo
de retenção.
Em torno destas três dimensões, temos as seguintes questões: a) o social e
político, em termos de classes sociais, movimentos sociais e partidos que foram
apresentados neste conflito, b) a ideológica eixos (discurso), em relação ao
movimento de apoio social ao governo e o apoio ao sector agrícola, c) os pontos
fortes e fracos que estão presentes no governo.
Mudanças na composição social no meio rural
Cerca de 1,3 milhões de pessoas trabalham no campo, sendo 325 mil estão
registrados junto à Segurança Social (Reuters, 30/03/2008, p.21). Isto significa, de
acordo com o jornal Clarín (30/03/2008, p.2) cerca de 36% da população
economicamente ativa. A cadeia agroindustrial concentra-se principalmente nas
províncias de Buenos Aires, Córdoba, Missões e Santa Fé, on de existe maior
número de instalações. No Censo Agrícola Nacional, realizado pelo Instituto
Nacional de Estatística e Censos (INDEC), em 2002, em explorações 1.233.589
pessoas residem.
"Soja está na categoria", de cereais e oleaginosas ", gravado em 2007,
para 50.199 empregados da Segurança Social. No entanto, a ocupação
total do complexo sojeiro (incluindo os produtores primários, empreiteiros,
armazenagem e transporte) deverá ser de cerca de 300.000 pessoas,
segundo os inquéritos distribuídos pelo Ministério do Trabalho.
80
Possivelmente uma parte desta diferença refere-se a trabalhadores em
sectores industriais ou de serviço ou aparecem como contribuintes ou
autônomo, e somente o restante não está registrado. Aqueles que
criticam os profissionais e salariais radiografia acrescentou que o campo
tem três quarto dos trabalhadores diretamente 'em preto', o que significa
ainda mais baixos salários e uma ausência completa de benefícios e
Superannuation. E por trás do pagamento para o empregado, há uma
família inteira que complementa o trabalho do chefe de família. "(Reuters,
30/03/2008, “Trabalhadores rurais, muitos em preto, e mal pagos, p.21,
Ismael Bermúdez).
Dados sobre pequenos produtores. São 220 mil agricultores familiares, mais
de 170 mil minufundistas trabalhando nas terras menos ricas do país (Cash, "O
outro campo", 13/04/2008, p.5, por Natalia Aruguete). Para o secretário de
Agricultura, existem cerca de 320 mil agricultores. Cerca de 220 mil são os
chamados "agricultores familiares", dos quais mais de 170 mil são pequenos
agricultores que trabalham a terra menos ricas do país, concentrada no Noroeste e
Cuyo, e têm grande dificuldade para assegurar a sua reprodução familiar.
Apenas 20 por cento dos agricultores familiares (cerca de 64 mil) pode evoluir e
fazer uma reprodução ampliada do seu sistema de produção. Mas a maior parte do
sector (cerca de 80 por cento) são famílias que apenas conseguem gerir uma
simples reprodução e outros cuja subsistência depende da quantidade de
programas sociais. (Estudo sobre o Desenvolvimento do Projeto Pequenos
Produtores Agrícolas). "Esses pequenos produtores, que são pobres estruturais não
produzem um grama de soja para exportação, se o fizer, é para a sua própria
subsistência". Estão dedicados principalmente às atividades próprias das
economias regionais, tais como rapé, algodão, erva mate, cana-de-açúcar,
mandioca. Essas famílias têm problemas graves para o acesso à água e à terra,
que por sua vez não é suficiente para alcançar uma produção sustentável. Não
dispõem de meios de produção e de tecnologia adequada (em muitas províncias, a
preparação da terra é feita com tração animal), e existem muitas dificuldades em
aceder ao crédito e para vender sua produção em condições favoráveis.
“De acordo com o Censo Agrícola Nacional 2002, o número de explorações baixou
21%, de 412 mil em 1988 para 333 mil em 2002. O maior crescimento é observado
na região pampeana, onde o nível médio aumentou 35 por cento (de 400 hectares
em 1988 para 533 em 2002).
81
As estatísticas oficiais indicam que entre 1988 e 2002 o número de
explorações agrícolas diminuiu 21,4%, passando de 378.000 para 297.000
explorações. Isso significa que mais de 80.000 explorações agrícolas tenham
deixado de sê-lo (INDEC, CNA, 1988 e 2002). Esta redução, por sua vez, significa
uma maior concentração fundiária.
Os efeitos da concentração fundiária no apresentou diminuição de postos de
trabalho. Os PAMA estão cada vez mais concentrado usando menos força de
trabalho por hectare. Entre os fatores encontrados para diminuição -soja
geneticamente modificada é a seguinte:
"Em primeiro lugar, a técnica de produção associada à soja transgênica é
parcimonioso / eliminadora de mão-de-obra, em comparação com a soja
convencional, uma vez que reduz o trabalho de carpina, ao mesmo tempo
facilita o trabalho de plantio. O aumento desta tecnologia foi, pois,
contrabalançada pela diminuição da quantidade de trabalhadores rurais
para a produção de soja. Em segundo lugar, o cultivo da soja
geneticamente modificada exige muito menos trabalho para produzir
muito mais do que substituir, reduzindo assim o número de postos de
trabalho. Do total de pouco mais de um milhão de pessoas que trabalham
na atividade agrícola, em 1988, desceu para 775.000, em 2002,
mostrando uma redução de 25% no emprego total. A maior redução
percentual (33%) é entre o trabalho assalariado e o auto-emprego dos
membros da família dos produtores agrícolas "(p.71).
A pequena burguesia agrária
Muitos dos elementos que estão em que os pequenos agricultores podem
verificar-se o interior de São Paulo, onde o desenvolvimento do agronegócios
conduziu uma classe média do campo e tornou ainda mais dinâmicas as cidades ao
redor da produção agrícola. Os rodeios e festivais culturais indicam o crescimento
econômico em torno da soja, pecuária e do açúcar. Até certo ponto existe uma
próximidade ao agricultor neste ciclo comercial da Argentina. O mais proeminente é
a expressão simbólica do picape 4X4 e os tratores. Diz em seu "Chacareiros e
empresários, a nova classe média no interior."
"Esta nova geração de produtores que são caracterizados por autistas,
acostumados à solidão de uma plantação (...) são ambiciosos. Assim,
após a crise de preços de 80, embarcou em um crescimento cada vez
mais rápido desde meados dos anos 90. Em apenas dez anos, entre
1996 e 2007, duplicou a produção física de grãos: a partir de 45 milhões
de toneladas para 95 milhões de toneladas. Ninguém cresceu assim.
Em 1996, colhidas 15 milhões de toneladas, agora 45 milhões. Três
82
vezes. Cereais, trigo, milho, sorgo, cevada, girassol e, mais milho, de 30
milhões de toneladas para 45. 50% em dez anos. Isso desmente a idéia
de que a soja é a transferência dos cereais para crescer mais depressa,
porque é mais rentável e, o sinal dado pelos mercados. Como soja vale o
dobro do que os outros grãos, a produção agrícola triplicou. E agora
junta-se ao aumento dos preços internacionais. O valor da produção
agrícola em meados dos anos 90 foi de U$S 7.000 milhões, 30.000 agora.
Esta é a base econômica da moderna chácara. Constitui uma rede de
300.000 produtores, médios e grandes, com fornecedores, equipamentos
e serviços. A agricultura argentina se transformou: o produtor já não está
sujeito ao limite da sua fazenda. Mais de 70% da produção ocorre em
campos alugados. Um trator e uma máquina para plantar 50 hectares de
plantação permitir, por dia. Exigem equipamento caro e lotes de superfície
a ser amortizado. Assim surgiu a figura do empreiteiro, que são
profissionais-chave da nova agricultura. Plantação, proteção das culturas
e colheita são feitas por empreiteiros. A maioria são pequenos
proprietários, que prestam serviços a terceiros ou associados à
agrônomo, advogado ou médico na cidade. O "pool" são na sua maior
parte, as pequenas organizações que alugam áreas plantadas e com
grande eficiência. Aqueles que estão bem organizados ganham dinheiro.
Embora, de fato, pagar um imposto sobre os lucros superiores a 60%,
subindo para 80% com o novo sistema de deduções." (Héctor Huergo,
Clarín, 30/03/2008, p.10).
As grandes redes de monopólio no campo
Um dos aspectos que mais chocou e salientou a luta em curso entre a
burguesia agrária e governo Kirchner foi a imagem dos agricultores e suas famílias
em bloqueios no interior das províncias de Buenos Aires, Córdoba, Entre Ríos,
Chaco
e
de
outras
províncias
argentinas.
Imagens
na
TV
mostravam
continuadamente as assembléias desses setores na beira das estradas. Por seu
turno, essa é a base social e política sobre a qual se sustentam os interesses das
frações agro-exportadoras. Nesse contexto surgiu a figura mediática de Alfredo De
Angelis, presidente da Federação Agrária de Entre Rios - uma subsecção da
Federação Agrária Argentina (FAA), com as características do “chacareiro”, com um
discurso direto que atingia os anseios dos pequenos produtores e a admiração de
setores das populações urbanas. Existe uma ligação a este respeito e subordinação
das reivindicações dos pequenos agricultores aos monopólio do campo. Algumas
questões surgem imediatamente: quem são esses agricultores?
"Entre 1988 e 2002 diminuiu em 81.000 o número total de propriedades.
Assim mesmo, se generalizou o contratismo e apareceram os fundos de
83
inversão agrícola e os pools de plantações, que operam sobre o
rendimento da terra e permitem a incorporação de capitais extra-setoriais.
O aparecimento destes fundos mostraram a profunda transformação que
se passava nesses anos na produção agrícola, principalmente na região
pampeana, onde os recursos do sector não é deportados, e absorveu o
excedente financeiro gerado pelo conjunto da economia”. "(p. 11).
Com a desvalorização da moeda em 2002, o rendimento agrícola foi
ocultado. A partir deste período, a massa de rendimento agrícola foi mais adequada
para proprietários agrícolas. Todas as explorações agrícolas (grande, médias e
pequenas) começaram a mostrar alta rentabilidade. No entanto, este aumento da
rentabilidade da agricultura, não envolve grandes investimentos, uma vez que os
rendimentos obtidos pelos proprietários não exigem novos investimentos, mas
apenas a cobrança de aluguel. Desta forma, uma parcela substancial da renda não
é um uso produtivo ou reinvestimento, mas é dedicada ao consumo, quer nacional
ou internacional ou o sistema financeiro.
"Com a desvalorização foi evidente que a elevada proporção de
exportações de origem agrícola representava o total das exportações
argentinas e sua alta participação no PIB, bem como a produtividade do
trabalho especial na agricultura. Dados do INDEC dizem tudo, com as
exportações atingindo 25% do PIB e mais de 60% delas são produtos
primários ou de origem primária. Aumento da produção agrícola e as
exportações são uma vez mais a existência de condições, tais como:
fertilidade do solo Pampeano, permitindo, em última instância, a
apropriação
da
renda
agrícola
historicamente
importante.
Com a taxa de câmbio após a desvalorização, não há um país com um
amplo processo de mais de 25 anos, tem hoje pela indústria,
principalmente para os ramos que processam os produtos agrícolas, que
são essencialmente viáveis graças à renda obtidas a partir dessas
produções. O caso da indústria do petróleo já diz tudo: o custo é a
principal matéria-prima (ou seja, grãos) e a incorporação de mão de obra
é quase zero (um trabalhador para cada milhão de dólares de volume de
negócios anual). O seu potencial exportador reside na região pampeana
que
mantém
características
únicas
da
produção agrícola.
A recuperação da produção, do emprego e dos salários reais deve muito
do seu potencial de sustentabilidade em razão do destino dado ao
referido rendimento agrícola. Os impostos sobre as exportações são uma
forma (não é exato, mas aproximado) para captar pelo menos parte da
renda da terra. Na sequência da desvalorização, os impostos foram
aplicados às exportações agrícolas para conter o aumento dos preços
relativos dos ativos da cesta básica e, portanto, o preço moderado
causado pela desvalorização. A aplicação deste imposto é justificada,
pois afeta direta e positivamente sobre o acesso da população aos
alimentos.
Por outra parte, as retenções agropecuárias permitiram incrementar
84
rapidamente e em forma direta os ingressos fiscais constituindo um dos
pilares mais significativos que sustentam o superávit fiscal primário
(embora que pelo lado do gasto público resulta transcendental a redução
dos salários reais que ocorreu com a desvalorização). O excedente,
como é conhecido, foi utilizado principalmente para pagar juros da dívida
externa.
Em última análise, a renda é apropriada em parte pelos produtores que recebem uma remuneração mais elevada - em parte pelo Estado como um intermediário para a outra extremidade - e em parte por causa
dos vários fundos que estão ativos no sistema alimentar." (Rodriguez e
Seain, p.73-4).
Houve também mudanças profundas na estrutura da produção agrícola,
inclusive na concentração da indústria alimentar. A desregulamentação e a abertura
comercial reforçaram inúmeras empresas estrangeiras que foram para o país, ao
exemplo da Nabisco, Danone, Parmalat e outras. Essas corporações transnacionais
representam a falência ou incorporação de pequenas e médias empresas, em
muitos casos, de origem local e familiar.
É uma mudança de fundo na cadeia de produção e distribuição agrícola, que
envolve um processo de estrangeirização com concentração e centralização de
capitais.
De acordo com Roberto Bisang, economista da CEPAL, o campo é uma rede
de proprietários de terras, contratantes que têm máquinas mas sem terra, os
homens que não têm nem terra, nem máquina, mas têm conhecimentos e
tecnologia e articulada através da semeadura. Por outro lado, existem os
fornecedores de insumos, sementes, herbecidas, inseticidas, silos fabricantes,
profissionais, consultores. Outros estão fornecendo transporte, e não menos,
armazenamento e, finalmente, a fase de exportação.
“Os novos operadores no negócio agrícola tem uma forte formação
tecnológica. Começou a viajar para o estrangeiro para um quarto de
século. Arrastado em suas visitas a grandes exposições em todo o
mundo, fabricantes de máquinas agrícolas. Desenvolveu novos sistemas
de cultivo, como a semeadura direta, uma revolução mundial liderada
pela Argentina. Quando a onda da biotecnologia, abraçado pelos
enormes benefícios oferecidos. Assim, também alterou a composição da
produção, com o fenomenal avanço da soja.
Quando você olha para os números do comércio externo de grãos e
oleaginosas e era discriminado por parte das empresas não está lá para
as pequenas e médias rurais. Salienta, no entanto, um grupo muito
pequeno de grandes empresas, principalmente multinacionais, mas não
85
só. Este mercado de exportação para grãos e oleaginosas adicionados à
sua alta concentração o fato de muitas das empresas em que são
grandes multinacionais que controlam o mercado mundial.
As matérias-primas adquirem a comercialização dos produtores
primários. Continuando com o exemplo de soja e foi repetida nos últimos
dias, o universo dos vendedores é de 20% dos proprietários e
arrendatários que controlam 80% e 80% controla 20%. Escusado será
dizer que o poder de negociação das poucas que vendem a maior parte é
diferente da de muitos que vendem o mínimo. Mas a situação está longe
de estar esgotada nestas proporções.
É difícil saber exatamente o tamanho das empresas como a Cargill. Não
cotadas em bolsas de valores e os seus lucros são omitidos. As suas
margens de lucro são difíceis de discernir. Mas o tamanho das cotas de
mercado e a multiplicidade de locais em que estas empresas operam
permitem inferir que o seu produto é semelhante a muitos países. Isto é,
em muitos casos são empresas que controlam grande parte do mercado
mundial, onde as transações são comuns entre empresas. De acordo
com os dados aduaneiros, Cargill, na Argentina, por exemplo, faz cerca
de dois terços das suas vendas a Cargill Uruguai. Algumas dessas
empresas são nacionais, como o General Oleoderia Deheza (AGD) ou
Vicentin (não incluído no ranking), mas tem a particularidade de a sua
dimensão. Mesmo o Brasil tem no setor de exportação empresas deste
porte." ((IECO, 6/04/2008, p.8).
Frações de classes
Nesse primeiro plano a centrar-se um verdadeiro conflito realmente revelou
pouco sobre o que o novo mundo rural que está a ser desenvolvido na década de
1990, com base na concentração de terras, complexidade tecnológica e os novos
operadores, e também a crescente concentração da produção em algumas áreas
das culturas de exportação, como soja, milho e girassol. Especialmente a
concentração de alguns grupos econômicos que concentram a produção e são os
principais exportadores do país. Por outro lado, articuladas ao complexo agrícola,
uma nova camada de pequenos e médios produtores e proprietários, pouco
conhecida ou evidente para as zonas urbanas, que se tornou a base social e
política das quatro principais entidades agrícolas (SRA, Coninagro , FAA). ocorreu
em bloqueios em várias partes do país. Alguns dos mais concentrados foram
Guayleguachu (província de Entre Rios). É incrível o número de rotas corte e
mobilizações no período. Esta base social está localizada entre filiados da
Federação Agrária Argentina (FAA) e também entre os autoconvocados que não
fazem parte de qualquer entidade. Estes são especialmente aqueles com produção
86
de cerca de 20% do que é exportado. A principal alegação de que de fato foi
iniciada no final articulada para o conflito na bandeira contra a Resolução 125.
Algumas considerações
O governo Kirchner teve uma derrota política. Nas palavras de um jornalista:
"Eu nunca vi tanto capital político derramado em tão pouco tempo(...)" (Solá, p.199).
Esta derrota veio no grau de mobilização social, sectores sociais rurais que tinham
apoiado a eleição de Cristina Fernández. Os bloqueios são impressionantes
números apresentados. Em manifestações públicas, especiais ou ato de 25 maio,
quando o Kirchner na província de Jujuy não mobilizam mais de 60 mil pessoas, os
ruralista na Praça dos Espanhóis, em Rosario, conseguiu uma participação e apoio
de quase 350 mil pessoas. Na véspera da votação no Senado, a demonstração de
apoio ao governo chegou a cerca de 105 mil pessoas; no bairro de Palermo, a
oposição coloca cerca de 250 mil pessoas. Por sua vez, o governo perdeu apoio
entre os governadores e no Congresso perdeu base parlamentar na Câmara dos
Deputados e no Senado.
A consolidação da estrutura do Partido Justicialista, em torno de Néstor
Kirchner, alcançada com o sucesso eleitoral em 2009, agora se encontra
ameaçada. Sua base de apoio político em deputados, senadores, prefeitos e
governadores encontra-se em grande turbulência. O PJ está dividido. Eduardo
Duhalde é o arquiteto que se uniu com Reutemann, De La Sota, Schiaretti, Busti,
Barrionuevo (a potencialidade do novo CGT depende do pólo na PJ), até Rodriguez
Saa,
entre
outros,
que
são
inimigos
declarados
de
Néstor
Kirchner.
O modelo econômico teve uma primeira avalia, uma vez que os direitos de
exportação (retenções) teve uma grande abalo desde a sua introdução, bem como
a desvalorização não tem impedido o processo inflacionário que se manifesta no
elevado custo de vida da população argentina. Por seu turno, esta perda é expressa
em um crescimento orgânico, mas ainda pouco claro da oposição liberal
ao
governo. Ao longo de todo o conflito, o governo perdeu peso. Primeiro eles
perderam a proposta de Pacto Social, porque os empresários estavam divididos.
A derrota no Senado, que não esperavam era um tremendo golpe. Vários
analistas dizem que Néstor Kirchner e Cristina pensar seriamente sobre o abandono
do governo. Não sabemos se ela é, mas o próprio fato de o debate mostra que a
87
crise permaneceu. Agora saltou Alberto Fernández, a principal figura do governo no
âmbito do casamento. E a crise não pára.
Os movimentos sociais e populares foram divididos
O governo estava desenvolvendo os preparativos sobre o seu projeto
Bicentenário (Pacto Social), o que significava a constituição de um processo de
consenso político e social entre empresas, governo e sindicatos. A inviabilização
desse Pacto Social em 25 março de 2008, dia nacional, mostrou uma fraqueza
inicial do governo. Foi substituído o consenso pela polarização.
No segundo momento, quando Cristina Kirchner foi obrigada a enviar ao
Congresso a votação da resolução 125. É importante reconhecer que esse fato foi
após intensas manifestações que foram realizadas em um sábado (dia) e segundafeira em vários bairros de classe média de Buenos Aires. Massivas manifestações,
sobretudo da classe média urbana. Também é verdade que havia em curso no
Supremo Tribunal um processo chamando a inconstitucionalidade das retenções,
mas sem um tempo específico para ser julgado. Mas as manifestações, mesmo que
pacíficas e dispersas, nas ruas que começou segunda-feira foram um potencial
novo das mobilizações nos dias seguintes.
A fratura política governista foi expressa em sua intensidade nos eventos
públicos na cidade de Buenos Aires, um dia antes da votação. Uma nova medição
de forças entre os dois setores. No bairro de Palermo, em favor do campo estiveram
presentes perto de 208 mil pessoas, enquanto a cerimônia oficial na Praça do
Congresso reuniu cerca de 103 mil pessoas.
Na manhã de quarta-feira, 17 julho, foi derrotada no Senado a Resolução 125:
36 senadores votaram a favor e 35 contra. A cisão ocorrida no Congresso no bloco
governista (Partido Justicialista, Radicais K, Frente para a Vitória) foi muito
profunda. O governo anteriormente tinha 2/3 dos votos senadores (50 senadores).
Ou seja, cerca de quinze de sua base política votaram com a oposição. Algo
semelhante havia acontecido na Câmara dos Deputados, mas o governo pode
garantir naquela casa uma pouco expressiva vitória por quatro votos de diferença. A
maior expressão de enfraquecimento de sua base política foi o voto minerva do
vice-presidente, Julio Cobos, que presidia o Senado, que votou contra a Retenção
125.
88
Os exemplos demonstram somente a dimensão do problema: perda de uma
base social popular que havia sido ampliada em 2005 e em 2007 que possibilitou
que Cristina Kirchner obtivesse 44% dos votos nas eleições presidenciais. Sua
imagem positiva junto à opinião pública, em julho de 2008, girava em torno de 20%,
mantendo-se ainda hoje nesse patamar.
Os movimentos sociais e a esquerda: as diversas avaliações
Como um elemento para indicar ainda, os populares ficaram em três diferentes
posições: pró-governo, aqueles que estavam com o campo e por últimos os setores
independentes, que não estiveram com nenhum dos dois sectores.
Foram várias as posições nos movimentos sociais e sindicatos. Por exemplo,
na Confederação dos Trabalhadores Argentinos (CTA), duas posições diferentes na
cúpula dirigente. O seu fundador e líder histórico, agora diretor de relações
internacionais, Victor De Gennaro, apoiou os setores agrícolas da Federação
Agrária Argentina (FAA). Por sua vez, seu atual secretário geral, Hugo Yaski apoiou
o governo, embora inicialmente se mantivesse em uma posição neutra. Por seu
turno, a CGT também sofreu processo semelhante: o secretário-geral da entidade,
Hugo Moyano, apoiou o governo; ura foi determinada pela formação do Azul e
Branco CGT, Luis Barrionuevo, realizou fortes críticas ao governo de Kirchner.
Neste campo verificamos que as divisões são realmente definidas em três
diferentes cortes de posicionamento: a) o apoio de setores que o governo tinha em
sua base social de apoio desde 2003 (Movimento Livres do Sul/ Movimento Bairro
de Pé, Movimento Evita, Federação da Habitação e Vivendas, entre outros).
Também foi apoiado pelo Partido Comunista Argentino (PCA). No campo
sindicalista, a maior parte das lideranças da CGT e CTA. Enfim, essas duas
entidades foram divididas em seu apoio, especialmente a CTA. Além desse apoio,
centenas de
intelectuais apoiaram o governo “contra o surgimento da direita”,
através de encontros, manifestos e abaixo-assinados.
Embora com diferentes variações em seus discursos, duas questões centrais
foram expressas no apoio ao governo: a questão do direito e da necessidade de
manutenção da distribuição de renda, que seria o elemento mais progressivo das
retenções.
Com base nas suas propostas e caracterização do conflito têm em sua
maior, algumas idéias-chave. Em panfleto de março de 2008, o Movimiento Libres
89
del Sur, marcado "desemprego agrícolas" como "e anti antisolidario. Para
compreender que o móvel deduções encomendado pelo governo "tem uma
progressiva e geralmente mantêm os ganhos na agricultura nos mesmos níveis de
2007, que é realmente muito alto."
Não muito diferente é a posição do Movimento Evita, que considerava que as
retenção agrícola anunciada em 11 de março de 2008 teve como objetivo "melhorar
ainda mais a recuperação econômica para realizar a distribuição da renda
nacional,e também produz um freio à subida dos preços dos alimentos e exerce um
controle ao descontrolada área cultivada com soja, o que gera uma situação de
escassez de leite, milho, carne, girassol".
Material do Partido Socialista Popular Nacional mostra um maior grau de
radicalidade, no seu discurso. Diz que "Cristina Fernández de Kirchner tem tolerado
os desordeiros e ofereceu várias amostras de contemplação”. Algumas propostas
para o governo: "Por fim à sedição, abrir as estradas e o abastecimento do povo",
"aplicar a força máxima do estado e da Constituição, o Código Penal e a lei da
oferta"; "nacionalizar grandes explorações , o comércio externo e produção de
sementes e insumos”, "organizar e mobilizar a população da Argentina para
consolidar os ganhos e para se mobilizar".
O Partido Comunista da Argentina (PCA) teve uma posição que foi diferente
das organizações anteriores, embora mantendo o apoio ao governo. Procura
diferenciar as posições dos pequenos e médios produtores em relação aos
"capitalistas e proprietários rurais ligados ao agronegócio agrupados Sociedade
Ruralista Argentina, Confederação Rural Argentina, Confederação das Associações
Rurais de Buenos Aires e La Pampa, Forum da Cadeia Agroindustrial Argentina. De
acordo com as suas posições, os sectores que tentam "usar apenas a demandas e
protestos de pequenos e médios produtores para promover uma falsa visão de
confronto, onde o objetivo é o de apresentar-se como vítimas da política do governo
e defender o campo como um todo".
Sua avaliação do resultado do período de conflito, podemos verificar nos
editoriais de Propostas (17 e 24 julho). "Uma vitória da direita”, que "não hesitou em
sair e defender os seus interesses como uma classe hoje emergente com
capacidade de mobilização de massas, e composto por um novo espectro de
alianças sociais, contraditórias e perigosas" e com a ajuda de a liderança da
Federação Agrária.
90
Entre as posições apresentadas é observada uma posição nítida do
Movimento Livre do Sul e do Movimento Evita em defesa de um governo que
avançaria continuamente para a conquista das necessidades da população. O
governo de Cristina Fernandez é caracterizado "democrático e popular", de
natureza progressiva. Os populares e sindicais para apoiar o sector agro
exportação.
Um segundo bloco é formado por entidades que manifestaram o seu apoio
para os setores agro-exportador. Nesta área havia algumas organizações que estão
adicionando no processo são: Corrente Classista Combativa(CCC) e o Movimento
Popular dos Jubilados e Pensionistas, de Raul Castell. Em setores da esquerda
socialista, destacaram-se no apoio aos ruralistas: Movimento Socialista dos
Trabalhadores (MST), Esquerda Socialista (IS) e Esquerda dos Trabalhadores (IT).
Esses movimentos e organizações de esquerda consideravam que o seu apoio não
era para os agro-exportadores, mas sim para os pequenos produtores e
proprietários, pequenos empresários, e chacareiros que estavam sendo espoliados
pelo governos e pelas empresas agro-exportadoras.
A perspectiva e abordagem do Movimento Socialista dos Trabalhadores
(MST) é o mais expressivo e conceptualmente elaborado em apoio aos setores
agrários. Na Edição n º 479 (17/07), o MST avaliou que o governo perdeu no
Senado em razão de uma crise
"claramente influenciada pela mobilização". O
"Nock Out", como chamado pelo escritor (que nos lembra, "lokout", utilizada por
vários sectores), foi "um corolário de mais de 4 meses de combates no caminho de
milhares de chacareiros autoconvocados e milhões de trabalhadores, comerciantes
e
moradores das cidades e províncias do interior.". E isso era porque "essa
energia, juntamente com a indignação dos trabalhadores e setores da mídia e
cidades contra a inflação e o autoritarismo", pois "a grande maioria da população
tem dado as costas para o governo e seu modelo e exige uma mudança
fundamental.". Sob a derrota do governo, três problemas serão colocados: "uma
derrota dos agro-exportadores", porque havia reforçado “os chacareiros para lutar
por uma mudança de modelo".
Em um período de confrontação aberta entre o governo e o agronegócio, não
foram verificadas mobilizações do setor trabalhista. Sobre a inflação, o emprego
informal e a crescente pobreza, não foram alterados para uma maior circulação
nestes sectores.
91
Um terceiro bloco, que foi recentemente mostrado na sua posição, envolvendo
um arco-íris da independência dos sindicatos, populares, intelectual e setores
esquerdistas foi configurado com uma posição de não-alinhamento com qualquer
dos blocos. E neste campo foram diferentes posições: Dario Santillan Movimento,
Movimentos Sociais piqueteiros "... setores e também deixou como Frente Socialista
dos Trabalhadores (FOS), Partido Socialista dos Trabalhadores (PTS), o Partido
Obrero (PO) e o novo MAS.
Crises políticas e os sectores agro-exportadores: retenção e controle de preços
Desvalorização monetária, em janeiro de 2002, com a unificação do câmbio a
partir de fevereiro, permitiu um relativo consenso entre o setor bancário e financeiro
- beneficiado com a pesificação da dívida pública e de depósitos e transferências
para o Estado suas dúvidas com a economia - e os sectores industrial e agrícola. A
indústria teve seu mercado interno protegido da concorrência estrangeira e da
liquidação dos passivos das grandes empresas e no setor agrícola foi incentivada a
subida dos preços dos seus produtos exportáveis. Mas por sua vez com uma
enorme transferência de recursos dos trabalhadores - que viram os seus salários
reais caírem cerca de 30%.
As retenções foram aplicadas às exportações de produtos manufaturados (5%)
e produtos primários (10%). Em abril de 2002, dois itens foram aumentados para
20%: soja e girassol. Essas porcentagens aumentaram, chegando a 34% em
dezembro de 2007.
Neste sentido, para reaquecer a economia o Estado interviu na economia em
geral e em particular no setor agro-exportador. Essa é a base da crítica frontal
contra as retenções. Esta perspectiva é mais evidente nas declarações da
Sociedade Rural Argentina (SRA), que considera que o Estado deve apenas
assegurar os projetos de médio e longo prazo e de proteção do acesso dos
produtos aos mercados internacionais. Estas reações foram se explicitando
ideologica e politicamente, pelo menos desde meados de 2005, quando Kirchner
tinha começado uma longa negociação com os frigoríficos e diversas entidades do
campo. Para Luciano Miguens, dirigente da Sociedade Rural Argentina (SRA), o
campo tinha sido depois de 2001 "motor de desenvolvimento no país", diz:
92
“Através das retenções, temos contribuido com milhões de pesos, temos
posto o ombro solidariamente e además o agro tem aproveitado a
conjuntura de precios internacionales favoráveis dos últimos anos para
inverter; tecnificar-se, para rearmar as equipess de trabalho, para dar ar
a Argentina [...] nos acusam de ser os maiores beneficiários da
desvalorização, quando na verdade a razão principal era reduzir as
importações, beneficiando a indústria que ainda não é internacionalmente
competitiva.
Dias atrás, o presidente Kirchner participou da abertura dos escritórios de
uma fábrica de automóveis, quando foi anunciado um plano de
investimento de US $ 50 milhões. Cortou a fita e decretou a "ré" no país,
acrescentando que este foi "um exemplo do modelo de produção que
está a gerar crescimento no país." Sabe o presidente quanto os
produtores têm investido na soja, milho e trigo no ano passado, mais de
4.000 milhões de dólares?
(...) Outra causa de distorção do preço da carne é o privilégio desfrutado
por muitos anos pela indústria de couro que não pode ser exportada em
bruto e esconde artificialmente o seu valor. Com o argumento de
"industrialização", remove da produção pecuária a rentabilidade [...] o
complexo agro-industrial argentino está em uma posição de melhor
responder às necessidades das nossas próprias aspirações, só
precisamos de regras claras e que não nos discriminem.” (La Nación,
Buenos Aires, 14 de maio de 2005, em Peralta Ramos, 2007:442).
Por sua vez, o controlo dos preços dos alimentos foi a principal linha de que o
governo procurou manter, manter a inflação sob controle. Conflitos entre o governo
eo setor agrícola estiveram presentes, por exemplo, quando Kirchner (novembro
2005), para manter a estabilidade dos preços da carne bovina, ameaçava a subir
para 25% deduções para as exportações deste produto. Levo que a grande
diminuição no frio corte de 15% dos preços populares sete consumo de carne. Mas
não forneceu refrigerado seções de "consumismo", que vendeu apenas no mercado
doméstico.
A estrutura sindical como pilar de apoio ao kirchenerismo
O movimento sindical argentino mantém sua estrutura principal baseada no
peronismo, isto é, os sindicatos são parte da própria estrutura do Estado. Não
somente cabe ao Estado reconhecer as entidades dos trabalhadores que são
representativas de cada ramo de produção, como também reproduz a arbitragem e
período no qual se realizam as negociações coletivas por salários, jornada de
trabalho, relações e condições de trabalho. Embora com trajetórias diferentes, essa
93
estrutura sindical teve em sua gênesis muita semelhança com
o caso, porque
ambas estruturas se constituíram e se consolidaram no período populista de Getúlio
Vargas e de Domingos Peron.
De fato, na Argentina existem atualmente duas centrais de trabalhadores – a
Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) e a Central dos Trabalhadores
Argentinos (CTA), esta resultado de uma dissidência com a primeira em 1991. A
Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), fundada em 1930, é a principal
estrutura existente, reconhecida pelo Estado, e que agrupa 70 grandes federações
e confederações por ramo de atividade. Uma outra central, a Central dos
Trabalhadores Argentinos (CTA), fundada em 1991, não tem personaría gremial, ou
seja, embora tenha inscrição sindical, não é reconhecida como negociadora pelo
Estado. Esta é a principal reivindicação da entidade durante o período de Néstor
Kirchner. De cerca de 10 milhões de trabalhadores assalariados, seis milhões são
registrados (ou seja, que tem algumas proteções legais junto ao Estado) e 4
milhões não tem nenhum proteção.
Actualmente existen 2826 asociaciones sindicales inscritas en la Dirección
Nacional de Asociaciones Sindicales. De esas 1419 tienen la Personaría Gremial,
por tanto en condiciones de negociaciones colectivas plenas. Por su vez, otras 1407
asociaciones solamente tienen inscrición que solamente pueden negociar donde no
existía ninguna representación sindical plena (inciso b del articulo 23 de Ley
23.551). Por un mapa sindical argentino verificamos las siguientes características
de esas agremiaciones: Primer Grado - 2716 ( con PG, 1335; con SI, 1318);
Segundo Grado – 95 (con PG, 78; con SI, 17); Tercer Grado – 15 (con PG, 06; con
SI, 09). En relación a la liberdad sindical, eso significa que 51% de los sindicatos de
primer grado están restringido de llevaren adelante negociaciones trabajista; 18%
de las federaciones; y 60% de las confederaciones.
A CGT desenvolveu-se como braço político do peronismo no movimento
sindical, por essa razão seus principais líderes tiveram posição nas direções do
Partido Justicialista como também conquistaram cargos no parlamento (câmara de
deputados e senado). Há várias décadas, os sindicatos perderam a capacidade
política, como coluna vertebral sindical do Partido Justicialista. Entre 1983-2003 não
mais havia interesse no PJ em que os dirigentes sindicais ocupassem postos
chaves nas estruturas de condução partidária. As “62 Organizações”, como braço
sindical do peronismo, perderam seu poder real dentro do partido. “Este fenômeno
94
de ruptura institucional entre sindicatos e partido dentro do peronismo se acentuou
na década menemista, fomentando-se somente compromissos pontuais entre
dirigentes sindicais e o poder político-partidário e estatal controlado pelo
menemismo” (Godio, 2008, p.125). Para o autor, se acentuou no período a divisão
entre uniões e confederações sindicais, o que aumentou o espírito corporativo
setorial em cada sindicato, o que por sua vez criou um clima para o fortalecimento
de grupos de choque em muitos sindicatos. “A vinculação „funcional‟ entre estes
grupos e as barra bravas de futebol aumentou em forma proporcional à decisão de
muitos sindicalistas de somar a seus atributos o de ser dirigentes de clubes,
misturados agora com empresários e políticos tradicionais” (p.125).
As correntes sindicais dentro da CGT que podemos definir são as seguinte. 1º)
O “sindicalismo de resultado” (os gordos) que estabeleceram as principais
negociações com o menemismo nos anos 1990: Federación de Comercio (Armando
Cavalieri), Oscar Lescano (Luz y Fuerza), Federación de Sanidad (Carlos West
Ocampo), Rodolfo Daer (Alimentación), Unión Ferroviaria (José Angel Pedraza),
Plásticos (Vicente Mastrocola), Químicos (Reynaldo Hermoso), Sindicato de
Cementerios (Domingos Petrecca). 2º) Outro setor em torno da UOM estabelecem
acordos e negociações com o governo Kirchner, mas mantêm uma posição
autônoma diante da CGT : SMATA (José Rodriguez), UOM (Antonió Caló), UOCRA
(Gerardo Martinez) e UPCN (Andrés Rodriguez). 3º) O núcleo de Moyano, um forte
núcleo de dirigentes sindicais: Unión Tranvariaria Automotor (Juan Manoel
Palacios), Obras Sanitarias (José Luis Lingieri), Sindicato de Peones de Taxis
(Jorge Viviani), Judiciales (Julio Piumato), Unión de Trabajadores Rurales
(Gerónimo Venegas), Dragado y Balizamiento (Juan Carlos Schmid), Sindicato de
La Fraternidad (Omar Maturano), Unión de Trabajadores de Entidades Deportivas y
Civiles – UTEDyC (Patricia Mártires), Municipales Porteños (Amadeo Genta),
Seguros (Luiz Péres), Panaderos (Abel Frutos), Sindicato Obreros Marítimos Unidos
(Omar Suárez), Madera (Natalio Baso).
Considerações
As contradições estruturais na realidade econômica e social argentina
continuam a se reproduzir em cada momento com maior intensidade. O conflito com
os setores agro-exportadores, que está prestes a se reiniciar a partir de março de
95
2009, e os impactos da crise econômica internacional, não vão ser uma trilha
política tranqüila para os Kirchner. O aprofundamento dos problemas sociais não
permite, por sua vez, uma solução que não envolva uma radicalidade em termos
dos rumos da economia. A Marcha contra a Fome, chamada pela CTA e inúmeras
entidades, anuncia ao menos uma dimensão da questão social: com os mais de
seis milhões de crianças morrendo de fome, o problema social não pode ser
resolvido com paliativos. Os propagados anos de crescimento econômico não se
traduziram em menos desigualdade social. Essa agravante situação não está
dissociada da condição de desproteção social que milhares de trabalhadores
sofrem. Esse é o limite do projeto nacional popular.
O regime político argentino, por sua vez, não se recompôs integralmente. As
divisões entre suas frações dominantes e entre os partidos da ordem nos parece
indicar, em cada fato político e econômico essa afirmação. Embora as
especificidades culturais de cada povo obriguem-lhe a rir da própria sorte, não é
certo que as principais travas do regime político mantenham-se: os de cima perdem
o chão entre suas divisões e mesquinharias setoriais, desnorteiam-se em relação
aos projetos e caminhos a seguir, encontram-se divididos inclusive em seus
principais partidos da ordem. Sua
trava principal, as centrais sindicais,
especialmente a CGT mas também a CTA, abrem fissuras em seus altos escalões,
além de que se encontrarem desacreditadas e desmoralizadas diante das massas.
Depois do conflito entre governo e agroexportadores, que ao primeiro momento
significou uma vitória para o agro, os Kirchner e as classes burguesas são
solapados no contrapé com a agudização da crise capitalista sobre o país. Mais
desnorteamento, confusões e fissuras. O regime político argentino ressente com
grande debilidade os ventos do norte.
Mas ao mesmo tempo, é a corrida contra o tempo político e organizativo. O
trabalhador e os setores da classe média que viveram
o auge da economia
argentina nos anos 70, guardam a desesperança e o rancor sobre os personagens
históricos os mesmos na política argentina. Os novos personagens obreiros em
cena se ressentem de suas organizações políticas e sindicais; e desacreditam
profundamente dos personagens políticos e burocratas que se realizaram
“sindicalistas empresários” sobre a dor e o sofrimento do povo. Mas mesmo assim,
é difícil o parto para a constituição de um movimento obrero classista, independente
e de base. Em cada luta travada por esses lutadores, cada vitória organizativa e
96
mobilizatória, cada centímetro de palmo no avanço político e organizativo há um
gosto de suor e mais vontade para seguir avançando, em meio às perseguições,
ameaças e prisões das patronais, da burocracia sindical e do governo.
As
organizações piqueteiras, por sua vez, mantêm-se como amortecedor da luta de
classes junto às camadas populares. A igreja católica, baluarte da união política e
do consenso social, poucos resultados logrou obter na peleja intestinal entre
governo (e sectores do capital) e os sectores agroexportadores respaldados por
uma pequena burguesia rural. Qual é a profundidade dessas fraturas, somente a
luta de classes irá demonstrar. Qual é o tempo para construção de um movimento
independente e de uma direção política alternativa dos trabalhadores? Somente a
luta de classes vai dizer. Essa é uma página que está para ser virada.
VII. Para a construção de uma chave teórica sobre a nova configuração
política
Por um lado, a análise realizada sobre a nova configuração política na região
muitas vezes é enevoada em razão das esperanças presentes no investigador,
especialmente porque esse quadro é distintamente diferenciado do anterior, e é
considerada a ultrapassagem do modelo neoliberal constituindo-se desde os anos
80 e que ganha sua expressão máxima na década de 1990. É a análise constituída
tendo como eixo a premissa central sobre o período pós-neoliberal. Nesse enfoque
são salientados os programas sociais, as iniciativas de integração regional, os
relativos sucessos econômicos, o decréscimo da dívida externa, como também as
políticas internacionais não mais centradas nos ditames norte-americanos.
Também,
nesse
universo
analítico,
são
enfocadas
as
questões
da
institucionalidade, dos marcos constitucionais e as formas de ordenamento legal
que possibilitem uma maior participação dos setores populares. Outro marco de
análise, de maneira mais crítica, veio se concentrando na ênfase ao caráter
populista ou neopopulista desses governos, não apenas no que se refere à forma
de relação do governo e de suas lideranças com a população, algo em torno do
caráter não mediado pelos partidos, mas na relação direta. Enfatiza-se os gastos
públicos excessivos que terminariam não sendo priorizados nas áreas produtivas.
Como eixo analítico, que ainda estamos constituindo, nos parece plausível
considerar que os atuais governos sul-americanos surgem em um contexto
97
econômico e político que podemos definir da seguinte maneira: a) fracasso social
dos projetos neoliberais na região; b) inflexão ideológica e política dos partidos e
organizações de esquerda para o campo institucional,
tendência que veio se
desenvolvendo já na década de 1980, que Borón (2002) corretamente conceitua
como limitação da esquerda à democracia minimalista; c) desgaste e perda de
legitimidade da instituições democrático-liberais
junto a amplos setores da
população, como diversas pesquisas do instituto Latinobarómetro puderam verificar.
Em razão do grau de desgaste das instituições políticas, da profundida das crises
no bloco no poder de Estado, ao lado da intensificação das lutas sociais, parecenos
que vão definir os contornos dos atuais governos, no sentido de sua
radicalidade ou acomodação diante das frações de classe burguesas locais ou
internacionais. Nesse sentido, o caso Argentino tem muito para nos revelar sobre
essa tendência da nova configuração política sul-americana.
Por sua vez, temos que construir uma chave analítica que norteie a análise
comparativa e em especial o procedimento metodológico na investigação de campo.
Nesse tipo de pesquisa, mesmo no trabalho de campo nos casos particulares, a
referencialidade se desenvolve. Exemplo disso é a questão da estrutura sindical
argentina e brasileira. Ao constatar o extremado caráter verticalista no caso
argentino que praticamente impossibilita o aparecimento de oposições sindicais e
de movimento de trabalhadores na base – embora estejam atualmente se
desenvolvendo essas experiências -, existe uma constatação que parte do caso
brasileiro, que mantem uma tradição verticalista,
possibilita o surgimento de
oposições sindicais e movimentos de trabalhadores pela base. Exemplo disso é a
quantidade de centrais sindicais no Brasil e uma diferenciação ideológica e
organizativa entre os sindicatos. Na Argentina, por sua vez, existe somente uma
central sindical reconhecida pelo Estado, a Central Geral dos Trabalhadores (CGT),
que tem a “representação gremial”, e uma central que não é reconhecida, a Central
dos Trabalhadores Argentinos (CTA), que apenas detem a “inscrição gremial”, que
não lhe possibilita negociar questões salariais.
A questão comparativa exige certa mobilidade nos conceitos centrais que
operam esse percurso analítico. Porque não se reduz a
simplesmente
compreender dinâmicas ou os fenômenos mais aparentes de cada país, como
atualmente é realizado, por exemplo ao chegar às caracterizações como os
98
governos norteados pela “boa esquerda” e outros pela “má esquerda”, onde operam
aspectos exclusivamente ligados à dinâmica de distribuição de riqueza.
De certa maneira, essa análise vem ocorrendo mas consideramos que o
limite dessa perspectiva ocorre em razão de se estabelecer no marco empírico,
puramente factual, entre as distintas realidades tratadas. A análise comparativa que
aqui consideramos necessária é aquela que busca apreciar que a nova
configuração ocorre em meio às distintas formações sociais que, em sua história,
percorrem caminhos particulares, embora articuladas e determinadas, de maneira
subordinada, às relações internacionais. Nesse sentido, é que podemos apreciar a
profundidade e impactos ocorridos nos ajustes estruturais que foram se constituindo
na década de 1980 e 1990.
Considerados os três países em tela (Brasil,
Venezuela e Argentina) tiveram efeitos sociais e econômicos diferenciados em suas
estruturas produtivas e de classes sociais.
Essas são as teses centrais que podemos desenvolver verificando
comparativamente esses novos governos, especialmente o caso argentino,
brasileiro e venezuelano. Esses novos governos surgem nas premissas
consideradas anteriormente, operando claramente como mediação importante se
não central na retomada do consenso social; dito de outra maneira, no
convencimento da população sobre as novas perspectivas para o país. Certamente
que também operam nesse sentido as mediações políticas e organizativas
representativas de setores trabalhistas e dos movimentos sociais.
De maneira contraditória, as frações burguesas mantiveram ou mantêm uma
relação de desconfiança e insegurança com esses governos; essas frações se
mantêm como antes nos setores centrais do Estado. Por sua vez, compreendem
que esses governos são importantes ou mesmo decisivos para a restauração da
normalização e/ou da legitimação do regime político liberal-burguês; por isso, as
concessões aos movimentos sociais e setores populares são aceitos, mesmo que
provisoriamente. A importância desses governos se faz por uma única razão: suas
principais lideranças são referentes nacionais de organização de trabalhadores e
camadas populares e/ou conseguiram ganhar essa referência.
99
Hipóteses diretivas para próximos passos na investigação.
Hipótese 1. A configuração das novas forças políticas latino-americana se
diferenciam de governos anteriores, especialmente aqueles que se apresentaram
depois dos ciclos militares na região. Diferente dos governos anteriores que, de
maneira explícita, se submeteram às políticas das classes dominantes locais e às
diretrizes das instituições financeiras internacionais, os atuais governos diminuíram
parte de suas dívidas externas, por meio de renegociação com credores ou
pagamento antecipado de parte dessas dívidas. Por sua vez, como eixo importante
de suas políticas públicas, enfatizou programas sociais para camadas sociais até
então marginalizadas, em decorrência do desemprego e da pobreza acentuada de
suas populações. Essa emergência política tem possibilitado o revigoramento dos
regimes políticos democráticos liberais na região e de suas bases econômicas
capitalistas em momento de integração com os pólos principais do capitalismo.
Neste sentido ocorre um movimento de crise hegemônica e ao mesmo tempo sua
reconstituição.
Crise de hegemonia. No caso argentino, como pudemos verificar na
apresentação no tópico anterior, a crise econômica internacional, teve um ainda
mais desagregador na força de trabalho, e na ampliação dos movimentos sociais.
Essa dinâmica de lutas e protestos sociais, que inicialmente teve como marco as
greves de funcionários públicos, e mais a frente os movimentos dos desocupados,
ampliou-se a partir de 1998, em decorrência da crise internacional,
Hipótese 2. A relação com os movimentos sociais e partidos de base popular
torna-se uma característica fundamental dos atuais governos, que procuram sem
exceção mantê-los como sua base social e política de apoio. A base social de apoio
nos movimentos sociais e populares é mantida, de maneira oscilante e em
permanente contradição, visto que as políticas econômicas desses governos
procuram atender e negociar com os interesses principais do capital local e
estrangeiro. Para isso, é necessário operar de maneira continuada com políticas
públicas chamadas de programas de transferência de renda que procuram
neutralizar e manter uma base social de apoio de setores da população. Ao mesmo
tempo, exige das investidas políticas governamentais, ao lado do atrelamento
político de direções importantes dos movimentos sociais e de organizações de
esquerda, especialmente por meio de cargos nos ministérios, diversas secretarias e
100
empresas públicas, constituem as principais investidas governamentais, no sentido
de manter uma base política orgânica às suas posições.
Na Argentina, como verificamos anteriormente, essa tese é comprovada, uma
vez que desde a posse de Néstor Kirchner em 2003 e com Cristina Kirchner a partir
de dezembro de 2008, o controle de parte desses movimentos e partidos forma
parte das preocupações governistas. Em momentos importantes de tensionamento
com as frações do capital, esses movimentos e partidos exerceram um papel de
mobilização em apoio ao governo. Exemplo disso foram as manifestações e
piquetes a supermercados e postos de gasolinas considerados pelo governo como
causadores do reinício inflacionário.
Hipótese 3. Esse complexo cenário e contraditória base social de apoio desses
governos, caracterizamos como de Frentes Populares. Esse conceito nos serve
como referência pois implica em três dimensões principais: a) aliança política entre
direções de movimentos sociais, setores (frações) empresariais e governo; b)
mesmo mantendo vínculos de manutenção da ordem econômica capitalista,
ampliam
programas e atendem determinadas reivindicações populares; c)
recanalizam para o espaço institucional democrático-liberal os anseios, frustrações
e revoltas populares; d) desta maneira, diluem
possibilidades de abertura de
situações revolucionárias, neutralizam expressões políticas revolucionárias (partidos
e movimentos sociais).
Hipótese 4. A crise de hegemonia nos regimes políticos sul-americanos.
Dimensão que consideramos fundamental na análise dos atuais governos refere-se
às determinações que possibilitaram o aparecimento desses governos. A maneira
como se conjugam essas determinações... Na literatura sobre o tema, é comum
encontrarmos como determinação principal a questão da crise do projeto neoliberal,
não tanto ou principalmente aos seus aspectos doutrinários, mas principalmente
enquanto orientação político-econômica governamental. Os estudos sobre os
impactos econômicos e sociais dos ajustes econômicos nos distintos países latinoamericanos, como também as lutas e protestos sociais que se desdobram desse
quadro, estão estabilizados de maneira que possamos considerá-los como uma das
determinações presentes que possibilitou a nova configuração política sulamericana. No entanto, essa determinação em si não explica, ao nosso entender,
essa configuração. Como explicar, por exemplo, que isso não tenha ocorrido na
América Central? Mesmo no contexto sul-americano, essa nova situação política
101
não se constituiu (até o momento pelo menos), em países como Colômbia, Peru e
Chile. Por sua vez, nos países que configuram esse novo quadro que
evidenciamos, existem modalidades distintas desses governos de centro-esquerda.
Nos governos anteriores, de orientação neoliberal, ocorreram distintas crises
de hegemonia, de maior ou menor intensidade. Duas características perpassam
nesses experiências: descrédito das populações, em especial trabalhadores e
camadas populares, com os governos e políticos. É uma dimensão da crise do
regime político Verificamos essa situação no caso argentino, entre 2003 e início de
2008, período no qual as distintas frações da burguesia respaldaram as ações
governamentais. Tal posição deveu-se ao período do 2001, no qual abre-se uma
crise do regime político, que tem uma desorientação política das frações burguesas
sobre os rumos econômicos do governo, em torno do Plano de Convertibilidade, e
por outro lado massivas mobilizações e protestos sociais que se multiplicaram
rapidamente para os distintos pontos do país. Esses fenômenos conjugados
levaram à queda do governo de Fernando de La
Rua e de três presidentes
interinos; apenas com Eduardo Duhalde, ex-governador de Buenos Aires, e na
ocasião presidente do PJ e que era senador na ocasião, a crise do regime terá seu
fechamento.
Pressupostos teóricos que para a continuidade da investigação: a questão da
hegemonia, das relações sociais de produção e da natureza política e social dos
novos governos
Ainda que de maneira rápida, convém explicitar a base teórica do qual
partimos (materialismo histórico e dialético) e alguns conceitos fundamentais que
nos são valiosos em nossa investigação. Cabe assinalar que esse tópico, em outro
momento, encerrará um maior e aprofundado desenvolvimento.
Trabalhamos com o conceito de hegemonia como essencialmente um
conceito político. Hegemonia traz em si a questão da correlação de força e dos
distintos movimentos políticos que em determinadas formações sociais e históricas
se apresentam e a questão do projeto político e social
de uma sociedade,
expressando e condensando, as relações sociais de produção, no sentido de lhes
manterem ou lhes negarem. Por constituir distintos e antagônicos interesses, ideais,
princípios, modos de viver e visões de mundo e projetos de sociedade, a disputa
102
pela hegemonia se objetiva no plano da linguagem e do pensamento por meio de
lemas, palavras de ordem, temas, controvérsias, explicações sobre o passado e o
presente e reinterpretações da história. Como práxis em processo, a hegemonia
altera-se todas as vezes em que as condições históricas se transformam.
A concepção de hegemonia sugere que determinados grupos sociais que
necessariamente se expressam e sintetizam posições sobre a maneira de produzir
e reproduzir as relações sociais de produção de uma determinada classe social
domine e subordine significados, valores e crenças a outras classes.
Nesse sentido, a linguagem tem relevância na produção e reprodução da
hegemonia na sociedade: “a sociedade não é apenas a casca morta que limita a
realização social e individual. É sempre também um processo constitutivo com
pressões muito poderosas, que são internalizadas e se tornam vontades
individuais.” (Williams,1979:91).
Nesse campo considera-se o desenvolvimento de uma nova hegemonia,
desenvolvem-se as bases orgânicas nas classes subalternas. Uma hegemonia viva
é sempre um processo. É um complexo vivido de experiências, relações e
atividades com pressões e limites específicos e mutáveis. Ela não existe de maneira
estática na forma de dominação; exige continuadamente ser renovada, recriada,
defendida e alterada.
A proeminência de alternativas políticas e culturais, e de inúmeras formas
de oposição e de luta, é importante não apenas em si mesma, mas como
traço indicativo do que um processo hegemônico deve operar e controlar na
prática. Uma hegemonia estática, do tipo indicado pelas totalizações
abstratas da “ideologia dominante” ou da „visão de mundo‟, pode isolar e
ignorar essas alternativas e oposições, mas apenas na medida em que haja
funções hegemônicas capazes de controlá-las, transformá-las ou até
incorporá-las. Pelo contrário, no processo ativo, a hegemonia deve ser vista
como mais do que simples transmissão de uma dominação imutável. Todo
processo hegemônico precisa ser especialmente atento e capaz de
responder às alternativas e oposições que questionam e desafiam sua
dominação. A realidade do processo cultural deve ser sempre capaz de
incluir esforços e as contribuições daqueles que, de um modo ou de outro,
estão fora ou na margem dos termos da hegemonia específica. (Williams,
1979:112-3).
Em cada época, os grupos e classes sociais têm seu repertório e formas de
discurso que retratam/refratam as relações sociais de produção e a estrutura sóciopolítica.
103
Por isso, “a palavra é a arena onde se confrontam os valores sociais
contraditórios”, “a palavra é o modo mais puro e sensível de relação social”
(Bakhtin, 1979:14). Os conflitos entre interesses de classes sociais expressam-se
na
língua e refletem os conflitos de classe no interior mesmo do sistema. A
comunicação verbal, nesse sentido, implica conflitos, relações de dominação e de
resistência, adaptação ou resistência à hierarquia e, por outro lado, a utilização da
língua pela classe dominante para reforçar seu poder. A palavra é o lugar
privilegiado para a manifestação da ideologia. Como signo ideológico por
excelência, a palavra retrata as diferentes formas sociais de significar a realidade,
de acordo com as vozes e pontos de vista daqueles que a empregam. O caráter
histórico e social da palavra, como um campo de expressão das relações e das
lutas sociais, ao mesmo tempo sofre os efeitos da luta e serve de instrumento e de
material para a sua comunicação. A palavra, ainda enquanto suas propriedades,
encontra-se presente em todos os atos de compreensão e em todos os atos de
interpretação. Portanto, incide diretamente no processo de consciência: “torna-se
parte da unidade da consciência, verbalmente constituída”.
Por sua vez, nas relações sociais apresenta-se a questão da hegemonia de
uma classe social sobre outras. A hegemonia refere-se a uma complexa relação de
experiências e atividades que estão interiorizadas nos indivíduos. Ela se constitui
como conjunto de práticas e expectativas sobre a totalidade da vida: nossos
sentidos e distribuição de energia, a percepção de nós mesmos e nosso mundo. É
um sistema vivido de significados e valores – constitutivo e constituidor – que, ao
serem experimentados como práticas, parecem confirmar-se reciprocamente.
(Williams, 1979:113). Dentro dessa perspectiva, a cultura do vivido configura-se
como relação social de dominação classista assentada, mais além do poder e da
propriedade capitalista, os quais mantêm insubstituíveis na perpetuação
da
hegemonia burguesa – sobre práticas, significados e valores interiorizados e
difundidos pelas classes subalternizadas29.
29
“aquela saturação do hábito, da experiência, dos modos de ver, sendo continuadamente renovada em todas as
etapas da vida, desde a infância, sob pressões definidas e no interior de significados definidos, de tal forma que
o que as pessoas vem a pensar e a sentir é, em larga medida, uma reprodução de uma ordem social
profundamente arraigada a que as pessoas podem até pensar que de algum modo se opõem, e que, muitas vezes
se opõem de fato” (Williams, 1989a).
104
As frentes populares como elemento central da nova configuração política
Nas condições atuais, o novo emergente na política latino-americana se refere
à eleição de governantes que em seus aspectos mais imediatos podemos assim
caracterizá-los: a) com respaldo orgânico de movimentos sociais e/ou advindos dos
próprios movimentos sociais, b) que se associam a anseios pulverizados dessas
classes e setores sociais, c) que se apresentam como críticos às perspectivas e
diretrizes neoliberais de governos anteriores; d) governos que se elegeram após
períodos de situação revolucionária aberta, ou então antes de quaisquer
desdobramentos políticos de massas populares. O que se evidencia na atualidade
pouco pode se demarcar nas limitadas caracterizações que distintos autores
conferem ao atual período, que definem exclusivamente como populistas ou
neopopulistas, porque a ênfase analítica concentra-se (a) na relação dos líderes
carismáticos e, nessas condições, sua relação com as massas como expressão
política exclusiva de uma indefinida relação sem mediação ideológica e política,
com essas massas, (b) nas chamadas políticas sociais distributivas incentivadas por
esses novos governos, e (c) nas políticas de estatização de empresas que foram
estatizadas na década de 1990, efetuadas por Evo Morales (Bolívia), Hugo Chávez
(Venezuela) e mesmo Kirchner (Argentina).
Essas dimensões constituiriam os
aspectos determinantes que os definiriam.
Para distintos autores esse cenário político e governos marcariam um caráter
progressivo sul-americano que seria acompanhado de iniciativas para constituição
da integração latino-americana que passaria por iniciativas comerciais, financeira e
inclusive militares.
Mas a caracterização da nova configuração a partir dessas características nos
parece que não apreende as principais determinações sociais, históricas e políticas
condicionadoras desses governos. Por outro lado ocorre um velamento da natureza
própria que se mantém e que determina o Estado, como instrumento de coerção e
organização do consenso e da reprodução da Ordem Social capitalista, em um
período histórico no qual esse Estado não se apresenta em seu bloco de poder em
uma crise de hegemonia, como desenvolvida nas experiências caracterizadas como
populistas, entre a década de 1930 e 1970, com o varguismo, peronismo,
cardenismo. Uma visão de caráter politicista, que se manifesta como uma espécie
de visão hegemonizante em muitos círculos acadêmicos e políticos. Nesse sentido,
105
não nos parece indicador de uma análise mais adequada do fenômeno
compreender esse cenário como caracterizado como de governos bonapartistas sui
generis, como o caso de Hugo Cháves. Esse conceito, conformado por Trotsky,
remetia às experiências políticas no México, no período de Cárdenas. Basicamente,
Vejamos algumas de suas considerações para a América Latina:
Estamos em um período em que a burguesia nacional busca obter um
pouco más de independência frente aos imperialismos estrangeiros. A
burguesia nacional está obrigada a coquetear com os trabalhadores, com
os campesinos e, por isso, temos o homem forte do país orientado à
esquerda como agora no México. Se a burguesia nacional está obrigada a
abandonar a luta contra os capitalistas estrangeiros e trabalhar sobre sua
tutela direta, teremos um regime fascista, como no Brasil, por exemplo. Mas
ali a burguesia é absolutamente incapaz de constituir sua dominação
democrática porque, por um lado, tem o capital imperialista e, por outro, tem
medo do proletariado porque a história, ali, saltou uma etapa e porque o
proletariado se tornou um fator importante antes que haja sido realizada a
organização democrática do conjunto da sociedade.
A debilidade das burguesias nacionais latino-americanas, que é seu traço
central em razão da articulação de nossas formações sociais ao modo de produção
capitalista, produziu nessa classe social uma constante postura pendular entre as
negociações políticas e econômicas com o imperialismo inglês e norte-americano e
alguns graus de resistência antimperialistas por meio do apoio no proletariado
através de seus sindicatos e partidos. Nesse cenário se configurou um fenômeno
político que Trotsky chamou de populistas ou bonapartismo sui generis, que
constituiria em que na América Latina a Frente Popular não teria um caráter tão
reacionário como na França ou na Espanha. “Tem duas facetas. Pode ter um
conteúdo reacionário na medida em que esteja dirigido contra os trabalhadores,
pode ter um caráter progressivo na medida em que esteja dirigido contra o
imperialismo. Mas, apreciando a frente popular na América Latina sobre a forma de
um partido político nacional, fazemos uma distinção entre França e Espanha”.
(p.136-137). Se constituiu em países como México, um regime semibonapartista
entre o capital estrangeiro e a burguesia nacional, o capital estrangeiro e os
trabalhadores. Essas formas de governo oscilariam algumas vezes para a
burguesia nacional e os trabalhadores e outras vezes para o capital estrangeiro.
Isso ocorreria porque os interesses do capital estrangeiro e o do capital nacional
nem sempre são os mesmos e entram por vezes em agudos conflitos. Em algumas
106
condições favoráveis, seria possível que o capital nacional se pusesse contrário às
exigências do capital estrangeiro. Isso porque a burguesia nacional tinha
necessidade de um mercado interno que seria baseado em um campesinato.
Por essa razão necessitariam sujeitar os trabalhadores através da integração
de seus sindicatos ao Estado.
(...) Estamos em perpétua competição com a burguesia nacional, como
única direção capaz de assegurar a vitória das massas no combate contra
os imperialistas estrangeiros. Na questão agrária apoiamos as
expropriações. Isto não significa, entendido corretamente, que apoiamos à
burguesia nacional. Em todos os casos em que ela enfrenta diretamente
aos imperialistas estrangeiros ou a seus agentes reacionários fascistas, lhe
damos nosso pleno apoio revolucionário, conservando a independência
íntegra de nossa organização, de nosso programa, de nosso partido, e
nossa plena liberdade de crítica. El Kuomitang em China, o PRM no México,
o PARA no Peru são organizações totalmente análogas. É a frente popular
sobre a forma de partido.
A constituição de tais governos, por sua vez, evidenciam o debilitamento da
institucionalidade liberal (e dos governos neoliberais) como alternativas políticas
para
manutenção e reprodução da Ordem Social, em países do continente.
Portanto, é a perda de legitimidade das instituições liberais (Estado, partidos,
sindicatos), de maneira acelerada em alguns casos, e crescente descontentamento
social canalizados e orientados politicamente contra a Ordem, que configura um
cenário propício à cristalização dessas novas forças políticas. No período em que o
consenso social e político se corrosiona, é o momento em que as concessões
sociais são necessárias, quando se reorganizam e se redefinem os mecanismos
consensuais, sobre forma estatal de novos sujeitos políticos sintonizados e
referenciada por forças sociais em cena. Por sua vez, nesse intrínseco campo
político a perspectiva das frentes populares se faz a alternativa política
consensuada pelas classes dominantes, ou seja, as distintas frações burguesas, os
partidos da ordem e os aparatos militares do Estado. Apresenta-se para os distintos
movimentos sociais (populares e sindicais) e para as massas populares a chegada
ao governo de seus representantes. Refazem-se as esperanças, mantêm-se as
relações sociais de produção, tal como existiam, e possibilita a reorganização dos
partidos da ordem enquanto oposição política.
Esta nova configuração caracteriza-se pela eleição de governos apoiados
por setores de movimentos sociais e partidos de esquerda, que se constituíram
107
como alternativa
para as classes subalternas, classes médias e inclusive para
frações da burguesia aos governos anteriores que se orientaram por políticas de
ajustes estruturais que, durante a década de 1990, levaram a mudanças
econômicas profundas (privatizações, desnacionalização, aberturas comerciais,
flexibilização e precarização dos direitos sociais e trabalhistas, além de crescente
endividamento público (interno e externo) junto ao capital financeiro internacional.
Como delimitação do universo da pesquisa, no período em questão, verificamos o
caso argentino, em uma investigação de caráter qualitativo, com o objetivo de
analisar (a) a base social e política constituída no Governo Néstor Kirchner e da
presidenta Cristina Fernández Kirchner, (b) as relações políticas e econômicas com
as instituições financeiras internacionais, (c) as definições de política econômica e
sociais. Para desenvolver esta investigação foram utilizadas informações coletadas
(a) por meio de entrevistas com dirigentes políticos, comunitários e sindicais da
cidade de Buenos Aires (Argentina), (b) por meio de
revisão bibliográfica,
especialmente observando como nas Ciências Sociais tem sido reintroduzidos
conceitos de nacionalismo, populismo e desenvolvimentismo, para a compreensão
desse novo fenômeno, (c) por meio de fontes documentais primárias e secundárias,
e (d) observação de campo (sistemática e direta) através de acompanhamento de
comícios, atos públicos, marchas e debates públicos promovidos por os diversos
espectros desse movimento.
A crise capitalista internacional e os governos latino-americanos: a prova de fogo
Com a recente crise econômica internacional, que teve como epicentro os
Estados Unidos pela primeira vez desde a crise de 1929, as debilidades estruturais
no plano social e econômico têm se evidenciado novamente, uma vez que
demonstram que esses países latino-americanos mantiveram-se organicamente
ligados à dinâmica financeira e comercial internacional, de maneira dependente.
Longe da ilusão neodesenvolvimentista que seus governantes mantiveram nesses
anos, inclusive por sucessivas vezes reiterando que suas econômicas estavam
imunes ao que se sucedia nos países centrais, o que foi pouco a pouco sendo
aceito por seus próprios governos é que esses países sofrerão a crise e que estão
já na crise. Sobra aos seus discursos a idéia de que o impacto da situação
econômica internacional será passageira. Esse quadro traz á luz da evidência
108
histórica uma questão que era pouco assinalada por economistas e analistas
políticos oficiais: os fundamentos econômicos do crescimento dos países latinoamericanos nortearam-se pelas diretrizes neoliberais que se cristalizaram ao menos
durante a década de 1990. As evidencias mais destacadas referem-se aos aportes
de capitais especulativos internacionais, que se constituiu nesses governos como a
base principal de crescimento sustentável. Bresser Pereira (2007) criticava essa
postura econômica no caso brasileiro, por exemplo, justamente porque verificava a
debilidade de tal crescimento sustentado em “poupança externa” ao invés de
“poupança interna”. Como afirmou em seus estudos, esse condicionamento aos
capitais especulativos internacionais manteriam a econômica brasileira suceptível
aos contágios internacionais.
Nessas novas condições internacionais – novas talvez não seja de fato o
termo, uma vez que mais do que exceção, essa é uma condição intrínseca das
economias latino-americanas, isto é, sua posição integrada de maneira subordinada
à divisão internacional do trabalho -, a resposta que se desenvolve nos atuais
governos de frente popular na região seguem o ditame programática orientado por
as instituições financeiras internacionais: apoio econômico aos grupos empresariais
(bancos, indústrias e setores agro-exportadores) que mais se beneficiaram com o
período de crescimento econômico dos últimos cinco anos. No caso brasileiro isso
está evidenciado nos sucessivos planos de diversos tipos de empréstimos aos
banqueiros. Na Argentina, o mesmo ocorre.
Os desdobramentos do quadro econômico internacional estão impactando
com muita violência um dos pontos mais fortes (e também que se tornam os mais
frágeis) que foram a criação e a estabilidade de emprego e as políticas
compensatórias que permitiram uma recomposição mínima (e não suficiente) das
condições de vida de um amplo espectro de suas populações.
VII.
Considerações finais
Nesse relatório logramos apresentar e detalhar as nossas atividades
realizadas no período de estágio pós-doutoral na Argentina; em especial,
procuramos apresentar os resultados de nossa investigação nesse país sobre a
constituição e desenvolvimento político do governo de Néstor Kirchner e de Cristina
Kirchner, e sua relação com os movimentos sociais daquele país. Analisar essa
109
experiência
argentina
permitiu-nos
condensar
informações
que
são
importantíssimas em nosso projeto global sobre a nova configuração política sulamericana. Especialmente porque nos possibilitou desenvolver algumas chaves
teórico-metodológicas que implicaram em apurar alguns eixos explicativos: crise de
regime político; movimentos sociais e projetos contra-hegemônicos; reconstituição
da hegemonia política, no bloco no poder;
e frentes populares e governos de
centro-esquerda.
A continuação de nossa investigação segue. Agora nos cabe verificar o caso
da Venezuela, realizando o mesmo procedimento metodológico que desenvolvemos
na Argentina, ou seja, através de entrevistas, acompanhamento de movimentação
política e social, coletando informações de periódicos e realizando levantamento
bibliográfico. Inclusive, e o mais importante, retendo o apuramento conceitual que
nos possibilitou a experiência argentina. Certamente que o prazo que terei para a
realização dessa etapa na Venezuela será muitíssimo curto, cerca de dois ou três
meses, o que reduzirá muito a densidade de informações e conversas (formais e
informais) que logrei conseguir em Buenos Aires. De qualquer modo, as
ferramentas metodológicas e conceituais encontram-se agora muito mais afiadas, o
que minimizará a curta estadia naquele país.
Aspecto a considerar importante foi o estabelecimento de relações
acadêmicas internacionais que, no meu caso específico, poderá se intensificar à
medida em que aqui no Brasil ocorra alguma contrapartida, ao exemplo de
intercâmbio acadêmico, realização de eventos latino-americanos,
iniciativas de
investigação com os pesquisadores argentinos, e propostas editoriais conjuntas.
Essas são as condições de contrapartida que se apresentam, como foi me deixado
claro com a professora que me recebeu na UBA.
Sobre o impacto no meio acadêmico, penso que duas iniciativas fundamentais
potencializam as experiências realizadas. A constituição do sítio sobre América
Latina, que estará em pleno funcionamento entre abril e maio. O sítio estará
diretamente ligado ao grupo de pesquisa, atualmente em fase de cadastramento
junto ao CNPq, envolverá alunos de Graduação da UNESP e pesquisadoresdocentes de outras universidades. Essa iniciativa sem dúvida demonstra um retorno
dessas atividades de Pós-Doutoral no estrangeiro. Como objetivo desse grupo, será
o de realizar e participar de eventos acadêmicos internacionais latino-americanos.
110
Por último, devo considerar como uma experiência acadêmica fundamental a
possibilidade de estabelecer uma relação de média duração em um país
estrangeiro.
IX. Bibliografia
BONNET, Alberto. La hegemonía menemista. El neoconservadorismo en Argentina,
1989-2001. Buenos Aires: Prometeo Libros.
ALMEYRA, Guillermo. La protesta social en la Argentina (1990-2004). Buenos
Aires: Ediciones Continente, 2004.
AMADEO, Eduardo. La salida del abismo. Memoria política de la negociación entre
Duhalde y el FMI. (2003). Buenos Aires: Planeta.
ANSES. Incremento de las jubilaciones. Marzo y julio de 2008.
ANSES. Libre opción jubilatoria. Datos estadísticos. Septiembre de 2008.
ARCEO, Nicolás y GONZALEZ, Mariana. “La transformación del modelo rural”. Le
monde diplomatique, mayo 2008, nº 107, p.11-2.
ARCEO, Nicolás y RODRIGUEZ, Javier. “Renta agraria y ganancias extraordinarias
en argentina, 1990-2003”. CENDA, abril 2006.
ARZADUN, Daniel. (2008) El peronismo: Kirchner y la conquista del reino. Buenos
Aires: Sudamericana.
BACCARIA, Luis y MAURIZIO, Roxana. Mercado de trabajo y distribución personal
del ingreso. Trabajo, ingresos y políticas en Argentina. Contribuciones para pensar
el siglo XXI. (2008). Buenos Aires: Eudeba.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. (1979). São Paulo: Hucitec.
BANCO MUNDIAL (2005). Panorama Regional. América Latina y Caribe.
http://web.worldbank.org. Acessado em 4/2/2006.
BARSKY, Osvaldo y DÁVILA, Mabel. La rebelión del campo. Historia del conflicto
agrario argentino. (2008). Buenos Aires: Sudamerica.
BONILLA, Adrian (2001). Vulnerabilidad internacional y fragilidad doméstica: la
crisis andina en perspectiva regional. Nueva Sociedad, Caracas, 51, mai/jun, p.173.
BONNET, Alberto. La hegemonía menemista. El neoconservadorismo en Argentina,
1989-2001. Buenos Aires: Prometeo Libros.
BORÓN, Atilio (2004a). La izquierda latinoamericana a comienzos del siglo XXI:
nuevas realidades y urgentes desafios. OSAL, Buenos Aires, ano V, nº 13, eneroabril, pp.41-56.
BORÓN, Atilio (2004b). Depués del saqueo: el capitalismo latinoamericano a
comienzos del nuevo siglo. http://www.rebelion.org/docs/447.pdf. Acessado em
20/1/2005.
BORÓN, Atilio.
BORÓN, Atilio. La izquierda latinoamericana a comienzos del siglo XXI. OSAL, nº
13, agosto de 2004.
BOUDOU, Amado y D´ÉLIA, Vanesa Valeria. Determinantes Del traspaso de los
afiliados de capitalización AL régimen de reparto: evidencia a partir de microdatos.
Administración Nacional de La Seguridad Social, junio 2008.
CARRION, Maria da Conceição y PAIM, Elisangela Soldatelli. IIRSA. Desvendando
os interesses. Amigos da Terra Brasil, febrerero de 2006.
CASTAÑEDA, Jorge (2006). Entrevista In: Estado de São Paulo, 30 de abril, J4.
111
CECEÑA, Ana Esther. Geopolítica. (…). p.582-93.
CHÁZARO, Ernesto Fidel de. Venezuela: buscando la Revolución Bolivariana.
CHERESKY, Isidoro. Poder presidencial, opinión pública y exclusión social.
(2008).Buenos Aires: Manantial.
CORSI, Serena. Apropiación de recursos naturales. Le monde diplomatique edición
sur, julio 2008.
CRAVINO, Maria Cristina (ed.). (2007). Resistiendo en los barrios. Acción colectiva
y movimientos sociales en el Área Metropolitana de Buenos Aires. Buenos Aires:
Los Polvorines/Un. Nacional de General Sarmiento.
CRESPO, Ismael e outros. La conquista del poder. Elecciones y campañas
presidenciales en América Latina. (2008). Buenos Aires: La crujía.
D. Luhnow, «Latin America‟s left takes pragmatic tack», Wall Street Journal, 3 de
febrero de 2005.
DELFINO, Emilia e MARTÍN, Mariano. (2008). El hombre del camión. Hugo Moyano.
La historia secreta del sindicalista más poderoso de la Argentina. Buenos Aires:
Sudamericana.
DI TELLA, Torcuato S. Perón y los sindicatos. El inicio de una relación conflictiva.
Buenos Aires: Ariel, 2003.
DOMINGUES, José Maurício. (2007) Aproximações à América Latina. Desafios
contemporâneos. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
ELNER,S. « Leftist goals and the debate over anti-neoliberal strategy in Latin
America», Science and Society, Vol. 68, N° 1, 2004.
Entre otros, la adoptaron los sandinistas, el FMLN, el PT brasileño, el Frente Amplio
de Uruguay, la Causa R de Venezuela y el Partido Revolucionario Democrático
mexicano.
FERRER, Aldo. (2006). Economia argentina: situação e perspectivas. Política
externa, v.15, nº1, jun/jul/ago, p.57-67.
FLACSO – Faculdad Latinoamericana de Ciencias Sociales. Dossier Comunidad
Suramericana de Naciones. San José, Costa Rica: FLACSO, 2008.
FUSER, Igor. Infra-estructura al servicio del grande capital. Le monde diplomatique
Brasil, marzo de 2008.
GARCIA, Diego. Escenarios posibles para una nueva Reforma Previsional.
GESUALDO, Gustavo. Reforma del sistema de jubilaciones y pensiones y del Pami.
Política pública, nº18. Deciembre 2002.
GIARRACA, Norma e outros. Tiempos de rebelión: “Que se vayan todos”. Calles y
plazas en la Argentina: 2001-2002. Buenos Aires: Antropofagia, 2007.
GIARRACCA, Norma et. alli. Tiempos de rebelión: „Que se vayan todos‟. Calles y
plazas en la Argentina: 2001-2002. Buenos Aires: Antropofagia, 2007.
GODIO, Julio e MANCUSO, Hugo. (2006). La anomalia argentina. De la tierra
prometida a los laberintos de la frustación. Buenos Aires: Miño y Dávila Editores.
GODIO, Julio y JOSÉ ROBLES, Alberto. El tiempo de CFK. Entre la movilización y
la institucionalidad. El desafio de organizar los mercados. (2008). Buenos Aires:
Corregidor.
GUILLERMO. Entrevista. Socialismo o barbarie, 11-09-2008.
GURRERA, María Silvana. Protesta, conflicto social e identidades políticas: la
Central de los Trabajadores Argentinos en los años noventa. In: LEVY, Bettina y
GIANATELLI, Natalia (comp.). La política en movimiento. Identidades y experiencias
de organización en América Latina. (2008). Buenos Aires: Consejo Latinoamericano
de Ciencias Sociales (CLACSO).
112
HARNECHER, Marta. Sobre la estrategia de la izquierda en América latina, octubre
de 2004 (en www.rebelion.org/docs/5771.pdf) y La izquierda después de Seattle,
Madrid, Siglo XXI, 2001.
HARVEY, David. Breve historia del neoliberalismo. Madri: Akal, 2007.
Hernán Ouviña en Mouvements et pouvoirs de gauche en Amérique latine, op. cit.
HERNANDEZ, Juan Gustavo. La crônica de uma muerte anunciada. El corredor de
transporte bioceánico Santa Cruz – Puertp Suárez em Bolivia y SUS impactos
sócio-ambientales. Observatorio del desarrollo, julio 2008.
KATZ, Claudio. (2008) Las disyuntivas de la izquierda en América Latina. Buenos
Aires: Ediciones Luxemburg.
KATZ, Claudio. Argentina: cómo domina la clase dominante. (2003)
www.rebelion.org/argentina/031021katz.htm. Acessado em 20/08/2007.
LATINOBARÓMETRO (2003). Informe-resumen Latinobarómetro: la democracia y
la economia. www.latinobarometro.org. Acessado em 10/6/2006.
LATINOBARÓMETRO (2006). Informe Latinobarómetro. Banco de dados em línea.
www.latinobarometro.org. Acessado em 10/6/2006.
LEGUIZAMÓN, Sonia Alvarez (2007). Concentración de la riqueza, millionarios y
reproducción de La pobreza em América Latina. Sociologias, Porto Alegre, ano 9,
nº18, jul/dez, p.38-73.
LINDENBOIM, Javier (comp.). Trabajo, ingresos y políticas en Argentina.
Contribuciones para pensar el siglo XXI. (2008). Buenos Aires: Eudeba.
LINDENBOIM, Javier. Auge y declinación del trabajo y los ingresos en el siglo corto
de la Argentina. In: Idem. Trabajo, ingresos y políticas en Argentina. Contribuciones
para pensar el siglo XXI. (2008). Buenos Aires: Eudeba.
LLANA, Carlos Pérez. Argentina: o balanço da gestão Kirchner. Política externa,
v.16, nº2,set/out/nov 2007. p.25-36.
LODOLA, German (2004). Neopopulismo y compensaciones a los perdedores del
cambio econômico em América Latina. Diálogo político, Buenos Aires, nº 92, p.16.
LOZANO, Claudio, RAFFO, Tomás y RAMIERI, Ana. “Politica de haber minimo o
reforma previsional”. Instituto de Estudios y Formación – CTA. Buenos Aires, mayo
de 2006.
MARTINEZ, Adriana. Bajo el lema de integración regional y alivio de la pobreza: el
Banco Europeo de Inversiones y su relación con IIRSA. Amigos de la Tierra
Internacional, noviembre de 2006.
MARTINS, Carlos Eduardo (2006). Consenso de Washington. In: SADER, Emir,
JIKINGS, Ivana (orgs.). Latinoamericana. Enciclopédia Contemporânea de América
Latina e do Caribe. Rio de Janeiro/São Paulo: Laboratório de Políticas
Públicas/Boitempo. pp.344-6.
MARX, Karl. (2001).Elementos fundamentales para La crítica de la economía
política (Grundrisse) – 1857-1858. 18ed. Buenos Aires/Cayoacan, Siglo XXI
Editores Argentina/Siglo Vientiuno Editores. 3v.
MASSETTI, Astor. “Piqueteros eran los de antes”: sobre las transformaciones en la
protesta piquetera. Lavboratorio, nº19, otoño/inverno 2006.
MEDICI, André Cezar. Avaliando a reforma da previdência na Argentina durante os
anos 90. Washington (DC), janeiro 2003.
MORALES SOLÁ, Joaquin. Los Kirchner. La política de la desmesura (2003-2008).
(2008). Buenos Aires: Sudamericana.
MOREIRA, Carlos, RAUS, Diego e outros. (2008). La nueva política em América
Latina. Rupturas e continuidades. Montevideo: Ediciones Trilce.
113
MURILLO, María Victoria. 2008. Sindicalismo, coaliciones partidarias y reformas de
mercado en América Latina. Buenos Aires: Siglo XXI Editora Iberoamericana.
MURMIS, Miguel y PORTANTIERO, Juan Carlos. (2006) Estudios sobre los
orígenes del peronismo. Edición definitiva. Buenos Aires: Siglo XXI Editores.
OSACAR, Ignacio J. La nueva flota norteamericana para aguas agitadas. Nueva
mayoría, 12-05-2008.
PERALTA RAMOS, Mónica. (2007). La economía política argentina: poder y clases
sociales (1930-2006). Buenos Aires: Fundo de Cultura Económica.
PETRAS, J. (2005). La economia política de la política exterior de Estados Unidos
para América Latina. OSAL, Buenos Aires, ano VI, n.17, mai/ago, p.289-95.
PETRAS, James y VELTMEYER, Henry. Movimientos sociales y poder estatal.
Argentina, Brasil, Bolivia, Ecuador. (2005). México: Lumen Mexico.
PETRAS, James. Las paradojas del desarrollo en América Latina. Rebelión,
28/05/2008.
POLI, Christian. Movimiento Territorial Liberación. Su historia. Piquetes,
organización, poder popular. (2007). Buenos Aires: Ediciones CCC – Centro
Cultural de la Cooperación Floreal Gorini.
POWER, Timothy J. e JAMISON, Giselle D. (2005). Desconfiança política na
América Latina. Opinião pública. Campinas, v.11, nº 1, mar. p.1-20.
QUIROGA, Víctor e ITURBE, Alejandro (2006). Argentina: por que as Mães da
Praça de Maio apóiam Kirchner? Marxismo vivo, São Paulo, nº13, p.47-55.
REGALADO, Roberto. Una mirada desde el Foro de São Paulo. Encuentros y
desencuentros de la izquierda latinoamericana. (2008). México: Ocean Sur.
REVISTA PRACTICA PROFESIONALE. Jubilaciones y pensiones – Ley 24.241.
Nuevas regras de juego en el Sistema Previsional. Abril de 2008.
REVISTA PRATICA PROFESIONALE. Beneficios de la movilidad jubilatoria. Agosto
de 2008.
ROBERTS, Richard (2000). Finanças internacionais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editores.
RODRIGUEZ, Javier y SEAIN, Carla. El sector agrario argentino, 1990-2005. In:
FORCINITO, Karina y BASUALDO, Victoria (org.). Transformaciones recientes en la
economía argentina. Tendencias y perspectivas.
SAAVEDRA, Jaime y ARIAS, Omar S. (2005). Sem saída? Finanzas & Desarrollo,
v.42, nº 4, dec. p.18-22.
SALVIA, Agustín e MOLINA, Eduardo Chávez (comp.). Sombras de una
marginalidad fragmentada. Aproximaciones a la metamorfosis de los sectores
populares de la Argentina. (2007). Buenos Aires: Miño y Dávila Editores.
SANDRONI, Paulo (2005). Dicionário de economia do século XXI. Rio de
Janeiro/São Paulo: Record.
SANMARTINO, Jorge. Transformaciones econômicas y dinámicas políticas después
de la crisis. (2008). www.rebelion.org/argentina/sanmarttino.html. Acessado em
10/02/2008.
SARTELLI, Eduardo (2008). Patrones en la ruta. El conficto agrario y los
enfrentamientos en el seno de la burguesia, marzo-julio de 2008. Buenos Aires:
Ediciones RyR.
SARTELLI, Eduardo. La plaza es nuestra. 3ed. Buenos Aires: Ediciones RyR.
SCHNEIDER MANSILLA, Iván e CONTI, Rodrigo Adrían. (2003) Piqueteros. Una
mirada histórica. Buenos Aires: Astralib – Cooperativa de Editores.
SCHULTE, Christiane y HILDEBRANDT, Cornelia (orgs.) (2006). Partidos de la
izquierda y movimientos socials en América Latina. São Paulo: Expressão Popular.
114
SCHUSTER, Federico. Izquierda política y movimientos sociales en la Argentina
contemporánea. In: BARRET, Patrick e otros. La nueva izquierda en América
Latina. Sus orígenes y trayectoria futura. Bogotá: Editorial Norma, 2005.
SEONE, José y TADDEI, Emilio (2005). Cartografia de las resistencias y desafios
de la otra América possible. OSAL, Buenos Aires, ano VI, nº 18, p.119-38.
SEONE, María. (2007). Argentina. In: SADER, Emir (org.). Latinoamericana.
Enciclopédia contemporânea da América Latina e Caribe. São Paulo: Boitempo. pp.
99-122.
SHINZATO, Federico e ZANZIOTH, Noberto (comp.). Las izquierdas em la política
argentina. (2007). Buenos Aires: Divino Tesoro.
SILVA, Luiz Fernando (2005). Sobre o marxismo no capitalismo contemporâneo. In:
Martins, S.T. (org.). O método histórico-social na psicologia social. Petrópolis:
Vozes. pp. 61-86.
SILVA, Luiz Fernando (2006). As novas configurações políticas na América Latina e
os ajustes estruturais neoliberais. In: GOULART, Jefferson O. (org.). Mídia e
democracia. São Paulo: Annablume.
SILVA, Luiz Fernando da. (2006). Ajustes neoliberais e lutas sociais: estratégias
políticas na América Latina. Marxismo vivo, São Paulo, nº22, p.5-13.
SINGH, Anoop y COLLYNS, Charles (2005). El resurgimiento de América Latina.
Una nueva oportunidade para arraigar el crecimiento y cortar las crisis. Finanzas &
desarrollo, dec, pp.9-13.
SVAMPA, Maristela. Los que ganaron. La vida en los countries y barrios privados.
2ed. Editorial Biblos
SVAMPA, Maristella. (2008) Cambio de época. Movimienos sociales y poder
político. Buenos Aires: Siglo XXI Editores/CLACSO.
TOKATLIAN, Juan Gabriel. La configuración de un problema. Le monde
diplomatique, nº 108, p.4-6).
VALENZUELA, Arturo (2005). Para que América Latina vuelva a figurar. Finanzas &
desarrollo, vol.42, nº 4, dec. pp.16-7.
VELTMEYER, Henry y PETRAS, James. Movimientos sociales y poder estatal.
Argentina, Brasil, Bolívia, Ecuador. México: Editorial Lumen, 2005.
VILAS, Carlos M. Populismos reciclados o neoliberalismo a secas? El mito del
„neopopulismo‟ latinoamericano. (2004) Revista Sociologia política, Curitiba, nº22,
p.135-151, jun.2004.
YOUNG, Gerardo. Negro contra blanco. Luis D´Elia y el recurso del odio. (2008).
Buenos Aires: Planeta/Espejo Argentino.
Sitios con periódicos
La verdad
Palabra obrera
Diários
La nación
Clarín
Crítica de la Argentina
Mirada del sur
115
Página 12
El economista
El crónica
Sítios de institutos de investigação
INDEC
CTA
CENDA
116

Documentos relacionados