SILVA, Tharles. O "Escandaloso contrabando praticado em Porto

Transcrição

SILVA, Tharles. O "Escandaloso contrabando praticado em Porto
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS V
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PÓS GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
REGIONAL E LOCAL
THARLES SOUZA SILVA
O “ESCANDALOSO CONTRABANDO PRATICADOEM PORTO
SEGURO”: COMÉRCIO ILEGAL, DENÚNCIA E AÇÃO RÉGIA NO
FIM DO PERÍODO COLONIAL
SANTO ANTÔNIO DE JESUS, BA
2014
Sistema de Bibliotecas da UNEB
Bibliotecária: Jacira Almeida Mendes- CRB: 5/592
Silva, Thales Souza
O “escandaloso contrabando praticado em Porto Seguro”: comércio ilegal, denuncia e ação régia no fim do
período colonial / Thales Souza Silva . –Santo Antônio de Jesus, 2014.
151f.
Orientadores: Suzana Severs; Francisco Cancela.
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas.
Campus V.
Contém referências.
•
•
1. Brasil - História - Capitanias hereditárias - 1534-1762. 2. Brasil - História - Período colonial, 1500 1822.
3. Contrabando – Brasil – Período colonial, 1500 -1822. I. Severs, Suzana. II. Cancela, Francisco. III.
Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas.
CDD: 981.032
THARLES SOUZA SILVA
O “ESCANDALOSO CONTRABANDO PRATICADOEM PORTO SEGURO”:
COMÉRCIO ILEGAL, DENÚNCIA E AÇÃO RÉGIA NO FIM DO PERÍODO COLONIAL
Dissertação apresentada como requisito parcial para a
obtenção do grau de Mestre em história no Programa de
Mestrado em História Regional e Local do Departamento
de Ciências Humanas – Campus V, Santo Antônio de
Jesus, da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação
da Profa. Dra. Suzana Severs e co-orientação do Prof. Dr.
Francisco Cancela.
SANTO ANTÔNIO DE JESUS, BA
2014
THARLES SOUZA SILVA
O “ESCANDALOSO CONTRABANDO PRATICADOEM PORTO SEGURO”:
COMÉRCIO ILEGAL, DENÚNCIA E AÇÃO RÉGIA NO FIM DO PERÍODO COLONIAL
Dissertação para a obtenção do grau de Mestre em História. Santo Antônio de Jesus-BA, 06
de Novembro de 2014.
Banca examinadora:
Profa. Dra. Suzana Severs – UNEB
Orientadora
Profa. Dra. Ana Paula Medicci – UFBA
Examinadora
Prof. Dr. Rodrigo Ricupero – USP
Examinador
À pequenina Cecília, meu eterno grande amor.
E eles dizem: “temos fatos”. Mas os fatos não
são tudo. O modo de interpretá-los vale
cinquenta por cento, pelo menos, no sucesso
de um inquérito.
– E tu, sabes interpretar os fatos?
– Veja só, é impossível a gente se calar,
quando se tem, intimamente, a convicção de
que se poderia ajudar na descoberta da
verdade...
Fiódor Dostoiévski (Crime e Castigo)
AGRADECIMENTOS
Tenho apenas duas mãos e o sentimento do
mundo.
Carlos Drummond de Andrade
Ao longo de nossa caminhada, em todas as etapas de nossas vidas, sempre
encontramos pessoas que contribuem para o nosso aprendizado, direta ou indiretamente. É
difícil mensurar a importância de cada um e francamente, acredito ser impossível, pois as
mais diferentes formas de ajuda se completam num todo que é a complexa, única e
inigualável experiência da vida. Nesta etapa em especial me vejo obrigado a agradecer, não
sem correr o risco de esquecer de alguém, a algumas pessoas que colaboram de diversas
formas nessa caminhada iniciada há mais de dois anos.
Primeiramente gostaria de agradecer à minha família e aos meus amigos.
Sou grato até o fim de meus dias ao apoio que tenho recebido de minha grande
família: meu pai Messias, minha mãe Célia, meu irmão Misael e minha irmãzinha Emanuele;
minha madrinha Cristina, meu padrinho Beto, Thainá (minha companheira, amiga, prima,
irmã, meu amor), Cecília (minha pequenina) e à grande D. Maria; à Sônia, Jackson, Vinícius,
Leonardo e Poliana, família cuja vida me possibilitou escolher. À todos vocês um muito
obrigado, do vosso eterno “chato, exagerado” e, as vezes, “resmungão”.
Dos velhos e novos amigos, impossível não citar os nomes de Raimundo, Aldênia,
Carol e Sarah, a grande família Saraiva, com quem posso sempre contar e sei que dividirei
todos os meus dias. A Wagner Grobério, que me deu um “pequeno empurrãozinho” na
escolha do curso de graduação. À Dilma Filgueiras de Santana e família, que fez a minha vida
em Santo Antônio de Jesus possível e feliz. À Carmem Lúcia, amiga de todas horas e primeira
colega do mestrado. Aos colegas de pós-graduação, sobretudo a grande amiga Ivanice e aos
inesquecíveis amigos Cassiano Nascimento e Fernanda Lima. Ao amigo Ciro Lins, cuja a
ajuda durante e, sobretudo, após o fim da graduação, jamais será esquecida. À Annette
Baetza, que mesmo estando em outro hemisfério e continente, sempre me deu força e
incentivo. Por fim, a Nilceanne e Erahsto Felício, sem os quais, certamente, jamais poderia ter
começado a cursar o mestrado. A todos vocês um muito obrigado e saibam que me coloco
sempre à sua disposição.
Aos mestres só tenho a agradecer pela confiança, paciência e incentivo. Grande parte
do profissional que estou me tornando, devo à vocês.
Agradeço muito à Suzana Severs, orientadora e companheira de aventuras na
inesquecível Santo Antônio de Jesus. Obrigado por me encorajar, acreditar no meu potencial,
por ter cuidado de mim ao longo do ano de 2013 e por “puxar minha orelha”, quando
necessário. Sempre me lembrarei dos nosso almoços de sexta-feira e de nossas aventuras
pelos trânsito de Santo Antônio de Jesus, só equiparável, talvez, ao da Índia.
A Francisco Cancela, orientador, amigo, no qual declaradamente me espelho, que
sempre teve muita paciência com minhas limitações, sempre acreditou em meu potencial, me
incentivou e, sobretudo, por ter me indicado os primeiros documentos sobre Thomas Lindley
e José Dantas Coelho, que tornaram possível a escrita do projeto de mestrado. À Francisco
devo ainda, o rigoroso treinamento de catalogação, leitura paleográfica e transcrição
documental, entre 2011 e 2012, que contribuiu para que eu definitivamente me agarrasse à
esta profissão.
Nos complicados caminhos da pesquisa, sempre encontramos pessoas que nos fazem
lembrar que a vida de pesquisador nem sempre é solitária ou envolta em “segredos mortais”.
Dentre elas, devo agradecer à amiga Idelma Novais, que tanto tem me ajudado, enviando ou
indicando material de leitura, apontando documentos, dentre outras coisas, desde o primeiro
dia que começamos a conversar via e-mail (lembra-se?!), muito obrigado pela colaboração,
paciência e carinho. Os amigos Jamille Oliveira e Uiá Dias, um muito obrigado pelos debates,
trocas de leituras e fontes e por muitas horas de inestimável e prazerosa companhia. À Nauk
de Jesus e Caio Adan, gostaria de agradecer por terem me enviado materiais de estudo que
muito ajudaram em minhas reflexões. Ao professor Roberto Guedes, que me enviou uma
Visita Pastoral do bispado do Rio de Janeiro, ao qual pertencia a Capitania de Porto Seguro, e
cujo conselho, “senta e escreva que o texto sai!”, fará sempre parte das minhas rotinas de
produção.
Nos arquivos sempre precisamos de ajuda (e muita!), por isso, não poderia deixar de
agradecer aos que me guiaram nesse universo estranho e cheios de segredos que são os
arquivos brasileiros. À Silvia, arquivista do Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de
Janeiro, que me acompanhou nas leituras de documentos quase ilegíveis referentes à
Capitania de Porto Seguro. Ao inesquecível Pedro Tortima, que me ensinou a encontrar Porto
Seguro no confuso sistema de catalogação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
muito obrigado. À Sandra, que com uma paciência imensurável, muito me ajudou a pesquisar
no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, muito obrigado. À Leidiane Castro, amizade feita na
sala de leitura do Arquivo Nacional, que sempre me incentivou e “puxou minha orelha” nos
momentos de preguiça. À Eduardo Cavalcante, que mesmo não conhecendo pessoalmente,
muito me ajudou a adentrar o mundo dos arquivos cariocas. E à Eva dos Anjos (mais uma
amiga de pós-graduação) e Elba Caroline, que me recepcionaram e hospedaram nas diversas
visitas ao Arquivo Público da Bahia, em Salvador.
A vida dos pesquisadores de história no Brasil não é fácil, mas é muito prazerosa.
Agradeço aos primeiros mestres que me iniciaram nas pesquisas históricas: Maristela Ribeiro
Guimarães e Thaís Vinhas, que me fizeram quebrar os preconceitos sobre o período colonial
Brasileiro e, ainda, por terem me apresentado a Capitania de Porto Seguro como lócus/objeto
de pesquisa; à Charles Nascimento Sá, que me iniciou no complicado universo da política e
administração coloniais, durante a Iniciação Científica.
Agradeço, por fim, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), pelo financiamento da pesquisa e ao Programa de Pós-Graduação em História
Regional e Local, pela oportunidade de desenvolver esta pesquisa, pelo financiamento de
visitas aos arquivos, eventos, dentre outras coisas.
Um trabalho acadêmico nunca é feito à quatro mãos (estudante e orientador), ou no
meu caso seis, mas com a ajuda dos amigos, familiares e de desconhecidos que encontramos
em nossa caminhada, seja nas visitas à arquivos, nas bibliotecas ou nos eventos. Foi somente
graças à ajuda das pessoas relacionadas, e muitas outras, a maioria das quais anônimas, que
este trabalho, uma importante realização em minha vida, chegou a este ponto, que longe do
fim, está apenas no começo. Um muito obrigado a todos vocês. A cada um, como certa vez
disse o grande Carl Sagan, “diante da vastidão do tempo e da imensidão do universo, é um
imenso prazer para mim dividir um planeta e uma época com você".
RESUMO
Esta pesquisa analisa a trama da denúncia do “escandaloso contrabando praticado em Porto
Seguro”, no início do século XIX e a trama dos participantes na tentativa de troca de fazendas
inglesas por pau-brasil. Além da tentativa de contrabando, uma outra ação ilegal dos
administradores de Porto Seguro vieram à tona durante a pesquisa, as escavações em busca de
ouro e diamantes realizadas no rio Grande, na vila de Belmonte. Ao adentrar tais enredos uma
série de informações sobre a administração da Capitania de Porto Seguro, seus habitantes e
sobre a ação de seus administradores, no final do período colonial, vem à tona, nos
possibilitando reescrever o que até o presente apenas o comerciante inglês Thomas Lindley
havia explicado. Ao perscrutar estas tramas objetivamos, além de traçar um panorama da
Capitania de Porto Seguro no final do período colonial, compreender os fatos e as motivações
envolvidas em ambas as ações, a denúncia e a tentativa de contrabando e ainda, entender a
ação da Coroa diante dos acontecimentos.
Palavras-chave: Capitania de Porto Seguro; contrabando; autoridades; Relações de poder.
ABSTRACT
This research analyzes the plot of the denunciation of "scandalous smuggling practiced in
Porto Seguro", in the early nineteenth century and the plot of the participants in an attempt to
exchange British farms by Brazil wood. Besides the smuggling attempt, another illegal action
of the adminitrators of Porto Seguro surfaced during the research, excavations in search of
gold and diamonds held in the rio Grande, in the village of Belmonte. When entering such
plots a series of information about the administration of the captaincy of Porto Seguro, its
inhabitants and the actions of his officers at the end of the colonial period, comes to the fore,
allowing us to rewrite what to present only the English trader Thomas Lindley had explained.
These plots aimed to scrutinize, and to give an overview of the captaincy of Porto Seguro in
the late colonial period, understand the facts and motivations involved in both actions, the
complaint and the smuggling attempt and also understand the action of the Crown before of
events.
Keywords: capitaincy of Porto Seguro; smuggling; royal authorities; power relationship.
LISTA DE ABREVIATURAS
ACMRJ
Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro
AHU
Arquivo Histórico Ultramarino
ANRJ
Arquivo Nacional do Rio de Janeiro
APEB
Arquivo Público do Estado da Bahia
BNRJ
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
CU
Conselho Ultramarino
IHGB
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
PESOS E MOEDAS
Alqueire
36,3 Kg
Arroba
14,69 Kg
Cruzado
$400 (400 réis)
Onça
28,685 Kg
Vintém
20$ (réis)
LISTA DE ILUSTRAÇÕES E TABELAS
Figura 1
Grupos indígenas que habitavam a Capitania de Porto Seguro
32
Mapa 1
A Capitania de Porto Seguro na segunda metade do século XVIII
39
Tabela 1
Evolução demográfica da Capitania de Porto Seguro
41
Tabela 2
Gêneros produzidos nas vilas da Capitania de Porto Seguro
43
Tabela 3
Livros pertencentes a S.M. que se remetem em um caixote ao ouvidor de
Porto Seguro e dos preços porque devem ser vendidos
47
Tabela 4
Entrada de embarcações da capitania de Porto Seguro no porto da Bahia
49
Tabela 5
Gêneros procurados pelos contrabandistas no Brasil
88
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
15
INTRODUÇÂO
17
Os indivíduos e as fontes
21
Sobre os capítulos e seus objetivos
23
1 A CAPITANIA DE PORTO SEGURO NO FIM DO PERÍODO COLONIAL
25
1. 1. A Comarca e Ouvidoria de Porto Seguro: pensando uma nova vocação para a região
26
1. 2. População e demografia: as bases do reformismo pensado para Porto Seguro
34
1. 3. O domínio econômico das vilas do sul
48
2 CONFLITOS, INTERESSES E OPORTUNISMO: A TRAMA DA DENÚNCIA E A
CHEGADA DO COMERCIANTE INGLÊS
56
2. 1. Francisco Faustino: o articulador da denúncia
57
2.1.1 A pena do degredo: direito penal e colonização no Império Ultramarino português
63
2. 2. Os inimigos do ouvidor e do capitão mor de Porto Seguro
2. 3. Os denunciantes tardios
66
71
2. 4. De um porto a outro: entre arribas e contrabandos, a chegada de Thomas Lindley a Porto
Seguro
77
3 O “ESCANDALOSO CONTRABANDO PRATICADO EM PORTO SEGURO”
91
3. 1. A troca de fazendas inglesas por pau-brasil
91
3. 2. As escavações de ouro e diamantes no rio Grande de Belmonte
106
3. 3. José Dantas Coelho, Mariano Manoel da Conceição e as acusações múltiplas
108
3. 4. José Dantas Coelho: o “consentidor”
111
3. 5. Punir para exemplificar: a ação da Coroa
114
CONSIDERAÇÕES FINAIS
117
REFERÊNCIAS
121
ANEXOS
143
15
APRESENTAÇÃO
O “escandaloso contrabando praticado em Porto Seguro”, como qualificou o
príncipe regente D. João, corresponde à tentativa de troca de fazendas inglesas por paubrasil, ocorrido na Capitania de Porto Seguro no início do século XIX. Tal ato ilegal foi
tramado, de um lado, pelo comerciante inglês Thomas Lindley; e, do outro, por Gaspar
José e Antônio Luís (filhos do ouvidor da Comarca de Porto Seguro, José Dantas
Coelho), entre maio e junho de 1802.
A investigação deste caso iniciou-se a partir do trabalho que realizei no projeto
“Memória histórica da Capitania de Porto Seguro”, coordenado pelo professor
Francisco Eduardo Torres Cancela, no Departamento de Ciências Humanas e
Tecnologias da Universidade do Estado da Bahia (Campus XVIII – localizado em
Eunápolis, no extremo sul do Estado da Bahia). Nele tive a oportunidade de ajudar a
criar um catálogo da documentação sobre a Capitania de Porto Seguro, presente no
Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco1, entre 2010 e 2011.
No catálogo foram inventariadas fontes de diversos tipos, desde ofícios,
consultas do Conselho Ultramarino e requerimentos, até cartas de patentes militares. O
primeiro contato que tive com esse tipo de fonte deu-se a partir do desenvolvimento de
meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), de graduação em História, quando
produzi a monografia intitulada “A criação da Ouvidoria de Porto Seguro (1764-1780)”.
Neste trabalho analisei as políticas reformistas empreendidas pelos dois primeiros
ouvidores da Comarca de Porto Seguro, Thomé Couceiro de Abreu e José Xavier
Machado Monteiro. Sob orientação do Marquês de Pombal, estes dois ouvidores
diversificaram a economia regional, expandiram os núcleos de povoamento e
promoveram uma série de transformações sociais na capitania.
Pouco tempo após a conclusão do TCC, trabalhando na construção do referido
catálogo, me deparei com um Ofício enviado ao Conselho Ultramarino pelo governador
1 O Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco (Projeto Resgate) foi criado em
1995, por meio de um acordo assinado entre as autoridades portuguesas e brasileiras no âmbito da
Comissão Bilateral Luso-Brasileira de Salvaguarda e Divulgação do Patrimônio Documental (COLUSO).
Teve como objetivo principal disponibilizar documentos históricos relativos à história do Brasil existentes
em arquivos de outros países, sobretudo Portugal.
16
da Bahia, Francisco da Cunha Meneses, sobre um caso de contrabando acontecido em
Porto Seguro. Ao conversar com o professor Francisco Cancela sobre o assunto, ele
sugeriu-me procurar mais documentos sobre o ocorrido e buscar o nome de um
comerciante inglês chamado Thomas Lindley.
A partir desse momento iniciei um levantamento das fontes que se referiam ao
mencionado contrabando. Dessa forma pude reunir diversos ofícios, requerimentos,
cartas (de patentes, particulares e régias), termos de juramento de denúncia e de óbito,
autos de contrariedade, dentre outros, até me deparar com uma Consulta do Conselho
Ultramarino que trazia em anexo, os autos da devassa que investigou este “escandaloso
contrabando”.
Ao transcrever as inquirições das testemunhas que depuseram na devassa,
deparei-me com outra ação ilegal praticada pelos filhos do ouvidor da Comarca, dessa
vez associados ao capitão mor das Ordenanças daquele distrito, Mariano Manoel da
Conceição: as escavações em busca de ouro e diamantes, realizadas no rio Grande (atual
Jequitinhonha) na vila de Belmonte (no sul da Bahia).
A partir desse momento, sob a orientação do professor Francisco Cancela,
comecei o processo de leituras sobre economia, comércio e contrabando no fim do
período colonial, o que resultou na elaboração de um projeto de pesquisa agora
desenvolvido neste mestrado. A análise centrava-se nas duas tramas que tornavam esse
acontecimento algo tão singular e ao mesmo tempo ordinário: a da denúncia e a da
tentativa contrabando.
17
INTRODUÇÃO
O comércio de contrabando de manufaturas aumentou no final do século XVIII e
início do XIX. A atividade dos contrabandistas se tornou cada vez mais ousada à
medida que os laços entre Colônia e Metrópole, paulatinamente, se distendiam. Desse
contexto é reflexo o “escandaloso contrabando praticado em Porto Seguro”, poucos
anos antes da abertura dos portos do Brasil.
As atividades comerciais de contrabando conectavam diversos indivíduos e
praças comerciais, promovendo, além da circulação de mercadorias, uma contínua troca
de informações. Ao contrário do que se poderia imaginar à primeira vista, o
contrabando não poderia oferecer um risco concreto ao comércio regulamentado pela
Coroa, tendo em vista que os grandes lucros obtidos através dessa atividade comercial
só poderiam existir em paralelo ao circuito de comércio legal. Em análise mais
profunda, deve-se salientar que esse tipo de relação comercial pressupõe o mecanismo
básico, o circuito comercial, ou o sistema colonial como um todo, ao invés de negá-lo.
Noutros termos, a manutenção do exclusivismo comercial tornava atraente a prática do
contrabando, que chegou a ser parte de um conjunto de estratégias das metrópoles
européias para se apropriarem das vantagens da exploração colonial de suas
concorrentes. No bojo dessas estratégias incluem-se as licenças de comércio a
mercadores estrangeiros e concessão de privilégios comerciais através dos tratados2.
Ação que envolvia sérios riscos, como prisões, confisco das mercadorias e dos
navios, o contrabando precisa ser entendido sob a perspectiva dos vultosos lucros que
poderiam ser obtidos através de sua prática e da tolerância das autoridades locais e
reinóis, bem como as pressões geradas sobre as colônias a partir do que se
convencionou chamar de Revolução Industrial inglesa. A nova conjuntura econômica
foi marcada pela ampliação da produção de mercadorias que chegavam em grandes
quantidades a diversos locais do Atlântico, como as colônias portuguesa e espanhola.
Considerando-se o consumidor, houve um grande progresso: diminuiu-se a raridade e os
2 NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do antigo Sistema Colonial. São Paulo: HUCITEC,
1985, p. 91.
18
preços altos dos produtos manufaturados e muitos objetos, antes caros e difíceis,
começaram a penetrar em locais onde eram quase desconhecidos3.
De certo modo, a Revolução Industrial, impulsionada por uma economia
bastante forte e um Estado suficientemente agressivo para conquistar os mercados de
seus competidores, ocasionou uma crescente busca por novas praças comerciais,
provocando uma reorganização no comércio atlântico. Essa situação forçou as barreiras
protecionistas dos impérios espanhol e português, ao mesmo tempo em que acirrou a
competição entre França e Inglaterra, resultando em períodos constantes de animosidade
entre essas duas potências4.
Nesse sentido, a Revolução Industrial contribuiu para pressionar o Antigo
Sistema Colonial, forçando a reconfiguração do comércio em escala global e
preconizando uma nova forma de acumulação de capital. Diante das novas forças
sociais propulsoras do industrialismo nascente, o Antigo Sistema Colonial se tornava
cada vez mais um entrave5. A solução encontrada pela potência industrial, a Inglaterra,
foi pressionar a manutenção do sistema colonial, através de uma política que
preconizava a abertura dos portos das colônias. O incentivo ao contrabando foi utilizado
como forma de pressão para tal fim. Muito elucidativo a este respeito, foi a recusa da
Inglaterra em participar da Santa Aliança, formada em 1815 após a derrota definitiva de
Napoleão Bonaparte. O pacto militar formado pela Áustria, Rússia e Prússia, tinha entre
seus objetivos a manutenção do sistema colonial ibérico na América, o que ia de
encontro às pretensões inglesas.
Outro fato que merece atenção nesse contexto, foi a tentativa de implantação do
Bloqueio Continental, por parte de Napoleão, em 1806. Ao impor aos estados
dominados pela França a proibição de comercialização com a Inglaterra, o imperador
esperava estrangular o comércio britânico. A manobra, no entanto, não foi bem
sucedida, pois a coroa inglesa, nesse contexto, reforçou sua política de livre
comercialização, fato que se consolidou com a abertura dos portos do Brasil em 1808,
quando da chegada da família real portuguesa à América. Os comerciantes ingleses,
3 Cf. MANTOUX, Paul. A Revolução Industrial no século XVIII. São Paulo: UNESP; HUCITEC, 1988,
1-22.
4 HOBSBAWM, Eric J. Op. Cit., p. 43-69, p. 49; GARCIA, Romyr Conde. Nos descaminhos dos reais
direitos: o contrabando na capitania do Rio de Janeiro (1770-1790). Dissertação [Mestrado em História] –
Programa de Pós-Graduação em História Econômica, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas/Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995, p. 10.
5 NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do antigo Sistema Colonial. Op. Cit., p. 122.
19
diante dessa conjuntura, intensificaram os seus investimentos no Atlântico sul.
Ademais, a recusa dos próprios países subjugados pela França impossibilitou a
completa eficácia da proibição napoleônica, que terminou por reforçar a política
econômico-liberal inglesa. Tal foi, por exemplo, o caso da grande oposição da Rússia
dependente da importação de manufaturas inglesas.
No Brasil a pressão exercida por essa conjuntura pode ser observada,
principalmente, através de dois fatores: as arribadas de navios estrangeiros e o aumento
de produtos manufaturados, ambos indicativos de crescente atividade comercial ilícita.
Nos maiores portos da colônia portuguesa na América, as embarcações de bandeira
britânica tornaram-se cada vez mais frequentes. A exemplo disso, Corsino Medeiros e
Romyr Garcia demonstraram em suas pesquisas, que entre 1780 e 1805, das 554
embarcações estrangeiras que solicitaram estada no porto do Rio de Janeiro, 352 eram
inglesas, número muito superior às décadas anteriores6.
Esse aumento, indicativo também do aumento das atividades contrabandistas,
porém, vinha se tornando mais frequente desde o governo de D. Maria I (1777-1792).
Nesse período, segundo constatação de Romyr Conde Garcia, houve um aumento
progressivo no contrabando de manufaturas, em detrimento do comércio clandestino de
ouro, que à altura, declinava cada vez mais. Essa situação era o reflexo da demanda por
novas praças comerciais, criada pela Revolução Industrial inglesa, que encontrou no
Brasil, devido ao panorama político-econômico europeu e das próprias relações angloportuguesas, um grande mercado consumidor7.
Nessa conjuntura, de acordo com José Jobson de Andrade Arruda, duas datas
são referências simbólicas para a abertura dos portos do Brasil, e portanto, representa, a
culminância de todo esse processo: 1800 e 1808. A primeira devido ao arranque do
contrabando, estimulado pelos ingleses, e a segunda, porque a transferência da Corte
portuguesa para a América, devido à conjuntura europeia, obrigou a oficialização da
abertura dos portos da mais importante conquista portuguesa8.
6 SANTOS, Corcino Medeiros dos. O Rio de Janeiro e a conjuntura atlântica. Rio de Janeiro: Expressão
e Cultura, 1993, p. 206; GARCIA, Romyr Conde. Nos descaminhos dos reais direitos: o contrabando na
capitania do Rio de Janeiro (1770-1790). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de PósGraduação em História Econômica, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/Universidade de
São Paulo, São Paulo, 1995, p. 91.
7 GARCIA, Romyr Conde. Op. Cit., p. 33.
8 ARRUDA, José Jobson de A. Uma colônia entre dois impérios: a abertura dos portos brasileiros 18001808. Bauru, SP: EDUSC, 2008, p. 16.
20
É nesse contexto de Revolução Industrial e da pressão exercida pela Inglaterra,
no sentido da abertura dos portos coloniais, que apresentamos a Capitania de Porto
Seguro, que entre 1770 e 1802 foi palco da ação de diversos contrabandistas,
perpetradas tanto por colonos portugueses e funcionários régios, quanto pelos
estrangeiros. No que se refere à estes últimos, de acordo com os dados coletados e
relacionados no segundo capítulo deste trabalho, especificamente ingleses.
Tomaremos como ponto de partida para nossas reflexões o caso do comerciante
inglês Thomas Lindley, que foi preso na Capitania de Porto Seguro em 1802 após ser
acusado de tentar trocar uma carga de pau-brasil com os filhos do ouvidor da Comarca,
Gaspar José e Antônio Luís Dantas Coelho, e de vender fazendas inglesas as moradores
daquela região. O caso de Thomas Lindley se situa entre os dois extremos apontado por
José Jobson de Andrade Arruda (1800 e 1808), e parece refletir bem suas proposições.
Lindley via no exclusivismo comercial mantido por Portugal sobre o Brasil uma
“hostilidade” ao comércio inglês. Julgando-se inocente das acusações de contrabando,
resolveu publicar seu diário de bordo, transformando a si próprio num exemplo da
“severidade” com que era tratado “qualquer barco inglês” nos portos do Brasil. O
objetivo do comerciante era “disseminar novas luzes” sobre a conquista portuguesa,
cooperando assim, com o “comércio britânico”9.
Mais que isso, Lindley descreveu detalhadamente os locais onde esteve no
Brasil, a geografia, as atividades econômico-comerciais, as pessoas e os costumes
locais, talvez objetivando transformar suas Narrativas em um guia para outros
comerciantes e contrabandistas aventureiros. O comerciante acabou por se tornar o
primeiro viajante a deixar relatos escritos sobre o Brasil no século XIX. Deve-se
destacar, no entanto, que tamanho esforço de Lindley, foi na realidade uma espécie de
defesa pública, ante as acusações das autoridades portuguesas que o incriminaram como
contrabandista – o que de fato era, segundo a legislação lusitana.
9 LINDLEY, Thomas. Narrativa de uma viagem ao Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1969, p. 17-21.
21
Os indivíduos e as fontes
As principais pessoas que se envolveram no que o príncipe regente D. João
classificou como “escandaloso contrabando”10, foram Gaspar José e Antônio Luís
Dantas Coelho, filhos de José Dantas Coelho, ouvidor da Comarca de Porto Seguro, e o
comerciante inglês Thomas Lindley.
José Dantas Coelho e sua família haviam chegado ao Brasil em 1800. Pouco
mais de um ano após chegarem a Porto Seguro, os filhos do ouvidor se envolveram em
uma ação ilegal ao fazerem escavações em busca de ouro e diamantes nas cachoeiras do
rio Grande, na vila de Belmonte, pertencente àquela Comarca. Nessas escavações
também esteve envolvido o Capitão mor das Ordenanças da Comarca, Mariano Manoel
da Conceição e Figueiredo. Quando o comerciante Thomas Lindley chegou à vila de
Porto Seguro, homônima à capitania11, e tentou trocar suas manufaturas, as escavações e
a tentativa de contrabando, foram denunciadas por diversos moradores locais. Através
da denúncia todo um panorama social e político da região, no fim do período colonial,
vem à tona e pode tornar-se alvo de análises dos historiadores. Nisto consiste um dos
objetivos da pesquisa.
Os principais denunciantes foram Francisco Faustino, Manoel Rodrigues de
Oliveira, José Vitorino, Luciano Nunes, Venceslau Borges, Cipriano Lobato e Joaquim
Antônio dos Santos. Todos estes eram moradores da vila de Porto Seguro, dentre os
quais se pode encontrar alguns inimigos do ouvidor e seus filhos, quando menos, do
Capitão mor daquele distrito. Tal inimizade deve-se a uma série de fatores que serão
abordados ao longo do trabalho. Estes, porém, não foram os únicos delatores. Durante
as investigações outros moradores da Comarca, por nós classificados como
“denunciantes tardios” – pois suas delações ocorreram posterior a 1802 – que serão
relacionados posteriormente, também depuseram as ações ilegais das autoridades régias
da capitania.
As principais fontes que reunimos para estudar o “escandaloso contrabando”
foram os autos da devassa empreendida em junho de 1802, pelo Ouvidor Geral do
10 CARTA RÉGIA (minuta) ao governador da Bahia, Francisco da Cunha e Menezes sobre o
contrabando praticado em Porto Seguro pelo brigue inglês Paquete Real. Palácio de Queluz, 29 de janeiro
de 1803. AHU-Baía, cx.228, doc. 57, AHU_ACL_CU_005, Cx. 230, D. 15931.
11 Porto Seguro havia se tornado uma Comarca em 1763, mas na documentação administrativa ainda era
chamada de capitania, por isso, também utilizaremos os dois termos.
22
Crime da Relação da Bahia, Cláudio José Pereira da Costa, os autos de perguntas feitas
ao ouvidor José Dantas Coelho em 1803, diversos ofícios do governador da Bahia,
Francisco da Cunha Meneses, ao Conselho Ultramarino, e as Narrativas de uma viagem
ao Brasil12, livro escrito pelo comerciante Thomas Lindley, publicado pela primeira vez
na Inglaterra em 1805. Anexa à devassa estão a denúncia, as inquirições das
testemunhas, diversos requerimentos feitos entre 1804 e 1806, os autos de contrariedade
(defesa dos acusados), as descrições do perfil socioeconômico das testemunhas e alguns
outros documentos. A maior parte da documentação foi coletada nos fundos
documentais do Projeto Resgate.
Além destas, mediante uma extensa pesquisa em acervos situados na Bahia e no
Rio de Janeiro (pois a capitania de Porto Seguro era administrada no religioso pelo
bispado do Rio de Janeiro e no civil pela Bahia), reunimos documentos fundamentais
para o desenvolvimento desta pesquisa, como uma devassa que foi empreendida para
investigar uma carga de pau-brasil afundada em uma lagoa na vila de Trancoso,
Comarca de Porto Seguro; visitas pastorais e descrições topográficas de onde extraímos
informações demográficas e econômico-comerciais; registros portuários; alvarás régios;
correspondências entre os ouvidores de Porto Seguro e outras autoridades coloniais;
cartas de patentes militares; ofícios do Ouvidor Geral do Crime da Relação da Bahia;
relatos de cronistas, dentre outras.
Por meio de comparações entre as Narrativas de Thomas Lindley, das
inquirições feitas ao ouvidor José Dantas Coelho e às testemunhas, foi possível
completar lacunas nos relatos do comerciante inglês, que até o momento foi o único a
contar uma versão dos fatos ocorridos entre maio e junho de 1802. Dessa forma
pudemos identificar os demais indivíduos que se envolveram nas trocas de fazendas
inglesas por pau-brasil e nas escavações de ouro e diamantes, que até o momento eram
anônimos. Além dos indivíduos, remontamos, também, suas versões dos fatos. As
fontes nos possibilitaram, ainda, fazer alguns levantamentos de dados biográficos de
alguns dos denunciantes do “escandaloso contrabando”, identificar suas motivações e as
estratégias dos envolvidos nas atividades ilegais e nas denúncias.
Reunidas as fontes e os indivíduos, lançamos mão de uma abordagem que visa
compreender os sujeitos de forma dinâmica, conectados a conjuntos de experiencias
passadas, registradas em suas memórias individuais ou coletivas, com princípios,
12 LINDLEY, Thomas. Op. Cit.
23
valores e hábitos. Em meio à suas experiências históricas, os indivíduos ou grupos
sociais vivem condicionados a suas necessidades, interesses ou antagonismos. Nesse
sentido, não são autônomos, nem devem ser vistos dessa forma, mas antes, como
condicionados ao contexto social e às suas relações interpessoais13.
Decorrente dessa opção teórico-metodológica, optamos por uma abordagem que
torna possível a percepção da existência de relações interpessoais, entendo-as como
segmentadas e que podem ser analisadas a partir dos suportes que as configuram. Dessa
forma, propomo-nos a utilizar uma perspectiva que legitime análises a partir de
universos sociais definidos institucionalmente (instituição num sentido lato, que inclui
por exemplo, família, órgãos administrativos, senhorios e etc.).
E ainda, uma
perspectiva que legitime análises de características comuns a conjuntos de indíduos,
como as relações de amizade, laços familiares e de dependências, dentre outras coisas14.
Sobre os capítulos e seus objetivos
O primeiro capítulo deste trabalho, intitulado “A capitania de Porto Seguro no
fim do Sistema Colonial”, aborda as reformas ilustradas das quais a antiga donataria foi
alvo a partir de 1763. Nela discutimos os objetivos de tais reformas e os seus principais
aspectos, apontando para a reorganização econômica que a região viveu durante o
panorama reformista empreendido pelos primeiros Ouvidores da Comarca. O objetivo
desse capítulo e contextualizar político-economicamente a Capitania de Porto Seguro no
final do século XVIII e início do XIX.
No segundo capítulo, denominado “Conflitos, interesses e oportunismo: a trama
da denúncia e a chegada do comerciante inglês”, adentramos o complexo enredo da
denúncia que pôs fim às pretensões comerciais das autoridades régias de Porto Seguro e
do comerciante inglês Thomas Lindley. Além disso, exploramos as Narrativas do
comerciante inglês, para tentar compreender sua chegada ao Brasil, seus objetivos e
seus métodos de arribada e sua forma de abordar os habitantes locais. Dentre os
13 Cf. THOMPSON, Edward P. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Rio de Janeiro: Zahar,
1981, p. 182.
14 Trata-se da utilização do conceito de rede, conforme definição balizada por Mafalda Soares da Cunha.
CUNHA, Mafalda Soares da. Redes sociais e decisão política no recrutamento dos governantes das
conquistas, 1580-1640. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima. Na trama das redes: política e
negócios no Império Português, séculos XVI-XVIII, p. 117- 154, p. 119.
24
objetivos dessa sessão, pretendemos compreender como se deu a trama da denúncia
montada pelo alferes Francisco Faustino, relacionar os demais envolvidos e entender os
motivos reais da delação, que perpassam a ilegalidade das ações de Thomas Lindley e
seus sócios, Gaspar José, Antônio Luís, José Dantas Coelho, além de Mariano Manoel
da Conceição e Figueiredo.
Por fim, no terceiro capítulo, intitulado o “Escandaloso contrabando praticado
em Porto Seguro”, abordamos duas outras tramas: a das escavações em busca de ouro e
diamantes, realizadas no rio Grande, na vila de Belmonte em 1801; e a da tentativa de
contrabando em 1802. O objetivo é compreender as formas de ação dos envolvidos em
ambas as atividades ilegais, os interesses, bem como a ação da coroa portuguesa,
representada pelo Governador da Bahia, Francisco da Cunha Meneses, e pelo Ouvidor
Geral do Crime da Relação da Bahia, Cláudio José Pereira da Costa, diante da denúncia
das ações das maiores autoridades régias da capitania de Porto Seguro.
Mediante esses objetivos, este trabalho apresenta uma dupla contribuição aos
estudos sobre história colonial no Brasil. De um lado apresenta um panorama social,
econômico e político da capitania de Porto Seguro no final do período colonial, sobre a
qual são poucos os trabalhos historiográficos; por outro, ao adentrar as tramas da
denúncia e do “escandaloso contrabando” possibilita compreender um pouco mais sobre
as formas de ação dos contrabandistas e a relação entre as autoridades régias e seus
subordinados, num período em que as relações entre Metrópole e Colônia se
encaminhavam para o fim.
25
1 A CAPITANIA DE PORTO SEGURO NO FIM DO PERÍODO
COLONIAL
Ao longo do final do século XVII e início do XVIII, Portugal tornou-se cada
vez mais dependente das alianças seladas com a Inglaterra. Sua própria independência
política em relação à Espanha, no contexto posterior à Guerra de Restauração (16401668), dependia das boas relações com a cora britânica15. À medida que as potências em
ascensão (França, Holanda e Inglaterra) contrabalançavam a supremacia das nações
ibéricas e reajustavam o equilíbrio de poder na Europa, Portugal e Espanha optaram por
lados opostos no novo rearranjo político europeu. Enquanto Portugal se amparava cada
vez mais na Inglaterra, a Espanha apoiava-se na França. O novo equilíbrio se
consolidou com o término da Guerra de Sucessão Espanhola, em 1713, culminando com
a instalação da dinastia bourbônica no trono espanhol.
Em meio a essa conjuntura, as nações ibéricas tornaram-se potências
periféricas no equilíbrio de poder político e econômico no Velho Mundo. Tal situação
forçou estes reinos a lançar mão de políticas reformadoras em seus domínios, tanto no
próprio continente europeu, quanto em suas colônias ultramarinas. Em Portugal tal
processo, iniciado no longo reinado de D. João V (1707-1750), intensificou-se durante
o governo de D. José I (1750-1777), cognominado o “Reformador”. O período josefino
foi marcado pelas ações de seu mais influente ministro, Sebastião José de Carvalho e
Melo, doravante indicado apenas pelo título de Marquês de Pombal, que recebera do
monarca em 1769.
O reinado de D. José foi caracterizado por uma tentativa de afastar a influência
inglesa sobre a política e o comércio luso-colonial. As reformas pombalinas, como se
convencionou chamar as ações políticas do Marquês de pombal, abrangeram diversos
aspectos das sociedades reinol e colonial: político-administrativas, econômicocomerciais, sociais, educacionais, jurídicas e mesmo religiosas. Diante do que podemos
traduzir como “iluminismo Católico”, característico das nações ibéricas que tentaram
15 NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial. Op. Cit., p. 17-56.
26
harmonizar inovação com tradição, Pombal, manteve-se fiel a uma prática mercantilista,
cujo principal objetivo era aumentar a autonomia política e comercial portuguesa16.
Em meio ao contexto reformista, nos domínios portugueses na América, as áreas
que apresentavam pouco desenvolvimento econômico passaram por um verdadeiro
processo de reestruturação. Assim aconteceu com a capitania de Porto Seguro,
incorporada ao patrimônio da Coroa em 175817. As reformas possibilitaram um
crescimento econômica, a expansão do povoamento e uma redistribuição demográfica
na região, que hoje compreende o extremo sul do Estado da Bahia e o norte do Espírito
Santo. Dessa forma, abordaremos neste capítulo a capitania de Porto Seguro na segunda
metade do século XVIII, visando entender o crescimento econômico experimentado
pela região, pautando-se em dois aspectos do reformismo ilustrado, a demografia e a
economia. A relação entre economia e demografia é um das características do
mercantilismo, que propugnava uma política de fomento demográfico como meio de
ampliação da força de trabalho18.
Tal entrelaçamento foi muito latente nas reformas pombalinas. Dessa forma, o
crescimento populacional e a redistribuição demográfica de Porto Seguro na segunda
metade do século XVIII e início do XIX auxiliou no desenvolvimento econômico da
capitania, na medida em que ampliou a força de trabalho, além de ter possibilitado a
ocupação de espaços da região que antes os colonos negligenciavam, por uma série de
fatores que adiante abordaremos.
1. 1 A Comarca e Ouvidoria de Porto Seguro: pensando uma nova vocação para a
região
Em 2 de abril de 1763 D. José assinou o decreto de criação da Comarca e
Ouvidoria de Porto Seguro, cuja jurisdição se estendia sobre todo o território da antiga
16 NOVAIS, Fernando A. O reformismo ilustrado luso-brasileiro: alguns aspectos. In: Revista Brasileira
de História, São Paulo, nº 7, março de 1994, p. 105-118, p. 106; Id. Colonização e sistema colonial:
discussão de conceitos e perspectiva histórica. In: Anais do IV Simpósio Nacional dos Professores
Universitários de História, São Paulo, 1969, p. 243-268.
17 A capitania de Porto Seguro foi incorporada ao patrimônio da coroa portuguesa porque o Duque de
Aveiro, seu donatário, se envolveu na conspiração dos Távora, que tentou assassinar o rei D. José I, em
1758.
18 NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do antigo Sistema Colonial. Op. Cit., p. 61.
27
capitania19. A partir daquele momento a região passou a ser governada por ouvidores
nomeados pelo próprio monarca. A comarca, porém, não possuía autonomia plena, pois
foi erigida na condição de anexa à capitania da Bahia, estando submissa nas questões
civis e ao governador residente em Salvador. Nas questões relativas ao domínio
espiritual, Porto Seguro prosseguia ligado ao bispado do Rio de Janeiro.
A criação de ouvidorias fez parte da estratégia reformista portuguesa de
centralização e racionalização da prática político-administrativa na colônia. Os cargos
administrativos dessas unidades jurídicas passavam a ser ocupados por letrados
formados em direito, o que na teoria possibilitava uma melhor aplicação da justiça. Essa
manobra, no entanto, não era uma novidade do período josefino, vinha sendo utilizada
desde o século XVII, mas foi na segunda metade dos setecentos que essa estratégia se
generalizou.
Até a descoberta de ouro em fins do século XVII havia apenas seis ouvidorias ao
longo das possessões portuguesas na América: Bahia, Rio de Janeiro, Maranhão,
Pernambuco, Pará e Paraíba. A descoberta do ouro e o crescimento da produção
agrícola levaram a Coroa à criação de diversas instâncias judiciais, tanto ouvidorias
quanto judicaturas20, por meio das quais a metrópole seria capaz de controlar os
movimentos destes produtos essenciais para a sobrevivência econômica da colônia e do
próprio reino. Mais que isso, essas magistraturas serviram em larga medida para
aumentar o controle régio sobre a colônia, extinguindo a vaga administrativa em
grandes áreas ao longo de suas possessões americanas.
As seis primeiras ouvidorias estavam dispersas ao longo da costa litorânea, tal
como o próprio foco de expansão do povoamento colonial. Ao longo do século XVIII
foram criadas 19 ouvidorias e 14 judicaturas. As magistraturas possuíam dois níveis:
municipal, ocupadas por juízes de fora, e regional, por ouvidores.21 O movimento de
criação dessas magistraturas foi acompanhado pela gradativa incorporação de capitanias
19 DECRETO porque Sua Majestade há por bem erigir em Ouvidoria a Capitania de Porto Seguro, cuja
Comarca se estenderá a todo seu distrito, nomeando para criá-la o Doutor Tomé Couceiro de Abreu, por
tempo de três anos. Portugal, 02 de Abril de 1763. AHU_ACL_CU_005, Cx 150, D. 11510. [Projeto
Resgate].
20 Instâncias locais de administração da justiça, criadas para dessobrecarregar o Tribunal da Relação da
Bahia. Cf. MAXWELL, Kenneth. Pombal e a nacionalização da economia luso-brasileira. In: Id.
Chocolate, piratas e outros malandros: ensaios tropicais. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 89-123.
21 CAMARINHAS, Nuno. O aparelho judicial ultramarino português. O caso do Brasil (1620-1800).
Almanack braziliense [recurso eletrônico]- São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade
de São Paulo, 2005, n°09, maio 2009, p. 84-102, p. 86.
28
hereditárias, abandonadas ou de pouca importância. Essa manobra foi iniciada no
governo de D. João V, reinaugurando o processo de centralização do poder
administrativo da Coroa e pondo fim a uma prática descentralizadora que a própria
metrópole havia começado no século XVII, ao criar onze novas capitanias.22
Essas antigas donatarias se tornaram, portanto, parte da estratégia de
reordenamento da administração colonial. Foi nesse contexto que fora criada a Comarca
e Ouvidoria de Porto Seguro.
Por meio das Instruções dadas ao primeiro ouvidor, Tomé Couceiro de Abreu,
assinadas em 30 de abril d3 1763 pelo Marquês de Pombal, foi delineada a plataforma
de governo dos novos administradores da região. Embora não fosse novidade da
administração de D. José I, as instruções de governo tornaram-se, ao longo de seu
reinado, mecanismos de difusão das ideias reformistas da Coroa23. Nesse sentido,
aquelas direcionadas ao novo governante de Porto Seguro continham todo o plano
ilustrado pensado pelo gabinete pombalino para a capitania.
O objetivo da criação da nova ouvidoria, de acordo com Pombal, era a
civilização de todo aquele território que, segundo o Marquês, achava-se “tiranizada pela
arrogância e cobiça dos chamados jesuítas”, e,
(...) querendo o mesmo senhor em benefício comum da propagação do
Evangelho, dos habitantes da mesma Capitania até agora bárbaros; dos
seus vassalos daquele continente e do comércio que os outros dos seus
Reinos fazem nos seus Domínios do Brasil reduzir aquela importante
parte do seu continente a um País civilizado, do qual, assim os seus
ditos habitantes como os outros Povos daquela vasta costa possam
utilizar-se: Foi servido nomear a v. mercê para ir criar aquela nova e
importantíssima Ouvidoria e para nela reduzir a praxe as Reais ordens
(...)24.
22 Rio Grande (1634), Cabo Frio (1637), Campos de Goitacazes (1671), Rio da Prata (1675), Ilha de
Santa Catarina (1632), Cumá (1633), Caeté (1646), Camutá (1633), Cabo do Norte (1637), Ilha Grande
de Joanes (1665) e Xingú (1685), Cf. SALDANHA, Antônio Vasconcelos de. As capitanias do Brasil:
antecedentes, desenvolvimento e extinção de um fenômeno atlântico. Lisboa: Comissão Nacional para as
Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001.
23 SANTOS, Antônio Cesar de Almeida. O mecanismo político pombalino e o povoamento da América
portuguesa na segunda metade do século XVIII. Revista Regional de História, v. 15 (1), p. 78-107, verão
de 2010, p. 97.
24 INSTRUÇÃO para o ministro (Tomé Couceiro de Abreu), que vai criar a Nova Ouvidoria da
Capitania de Porto Seguro. Palácio d’Ajuda, 30 de abril de 1763. AHU_ACL_CU_ORDENS E AVISOS
PARA A BAHIA, Cod. 603.
29
Conforme se pode observar, aliado ao objetivo de propagação da Fé,
característica da expansão lusitana, estava o desejo de estabelecer uma relação
comercial entre Porto Seguro e as demais regiões da colônia. Esse objetivo só seria
possível através da “civilização” dos seus habitantes. Por civilização, nesse contexto,
deve-se entender a tentativa de se enquadrar os seus colonos aos padrões sociais
europeus, quer seja o aprendizado das questões civis, a dedicação ao trabalho e a
dedicação econômica25.
O processo de civilização viria acompanhado de uma tentativa de integração
econômica da capitania de Porto Seguro às outras partes do domínio português na
América, no qual os indígenas – maior contingente populacional da região e por isso
principal alvo da política pombalina – ocuparia papel central26,
Sendo uma máxima certa e inalterável que sem homens sociáveis e
civis não pode haver estabelecimento, que útil seja; e sendo também
certo que todos os que vivem naquela vasta extensão de País, se
acham no estado de Feras, sem conhecerem o Catolicismo nem cousa
seja a Sociedade Humana e sem saberem que cousa seja Caridade,
virtude tão importante para a convivência dos Homens; e ultimamente
sem a mais leve ideia do que seja justiça; fatos todos notórios a Sua
Majestade: E querendo o mesmo Senhor evitar estes danos e fazer
educar aquela rústica gente assim na cristandade como na sociedade e
civilidade: ordena que v. mercê se empregue em sua obra tão
interessante para o serviço de Deus Senhor Nosso, como para o de El
Rei nosso senhor (...)27.
Neste parágrafo Pombal aponta os valores basilares da sociedade, de acordo com
sua compreensão: religião, civilidade e justiça. A educação segundo os preceitos
religiosos, os valores da sociabilidade, pautados na caridade, entrelaçados à justiça,
possibilitariam o estabelecimento e a manutenção das sociedades humanas, cujo
governo deve ser, notadamente, civil. Esta é a tradução do conceito de civilização, no
ideário ilustrado português.
25 Cf. CARVALHO, Lígia Maria de. Os pressupostos ideológicos das Reformas Pombalinas do Estado
Português (1750-1777). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História,
Faculdade de Filosofia/Universidade Federal de Goiás – UFG, Goiás, 2003., p. 78-111; SANTOS,
Fabrício Lyrio. A “civilização dos índios” no século XVIII: da legislação pombalina ao “Plano” de
Domingos Barreto. In: Revista de História da USP, n. 170, p. 233-260, jan./jun. de 2014.
26 Ao nos referirmos ao projeto reformador implantado em Porto Seguro, sempre tomaremos como ponto
de partida os indígenas da capitania, para os quais esse projeto estava direcionado mais especificamente.
27 INSTRUÇÃO para o ministro (Tomé Couceiro de Abreu)... Op. Cit., § 2.
30
Para além dessas questões, o termo civilização indicava todo um padrão de
comportamento, forjado nas sociedades de corte europeias do Antigo Regime. Nesse
sentido, civilização representava no século XVIII,
um dos muitos termos usados (...) com os quais os membros da corte
gostavam de designar, em sentido amplo ou restrito, a qualidade
específica de seu próprio comportamento, e com os quais comparavam
o refinamento de suas maneiras sociais, seu “padrão”, com as
maneiras de indivíduos mais simples e socialmente inferiores28.
Isso não significava, porém, que se esperasse esse tipo de comportamento – de
corte – aqui na colônia. Para os domínios portugueses na América o padrão de
civilização esperado estava muito mais voltado às questões administrativas e
econômicas.
Essa situação pode ser observada no principal instrumento regulador desse
processo de civilização, o Diretório dos Índios29, pensado em 1755, mas que só viera a
público em 1757 e somente publicado em 1758. Originalmente o Diretório tinha
vigência sobre o Estado do Grão-Pará e Maranhão e depois foi estendido também ao
Estado do Brasil. O documento composto por 95 parágrafos demonstra a grande
preocupação da Coroa em incorporar as populações indígenas à sociedade colonial,
primeiro conferindo-lhes o status de vassalos, em 1755, e transferindo sua
administração da Companhia de Jesus para administradores civis, Diretores, por fim,
traçando estratégias concretas para que isso fosse possível.
No Diretório a preocupação com a civilização ocupa o primeiro plano e, tal
como nas Instruções para o ouvidor de Porto Seguro, Pombal estabelece os passos para
esse plano de civilização que inclui, dentre outras coisas, a educação das crianças
(meninos e meninas, embora com finalidades distintas), a imposição da língua e religião
portuguesas, e a aplicação dos indígenas na agricultura, visando o comércio. Nos
prenderemos neste último aspecto. Sobre isso, afirmou Pombal,
28 ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Zahar, 1994, p.
54.
29 Diretório que se deve observar nas Povoações dos Índios do Pará, e Maranhão, enquanto Sua
Majestade não mandar o contrário. Belém, 17 de agosto de 1758. Disponível em:
http://www.nacaomestica.org/diretorio_dos_indios.htm acesso 16 de dezembro de 2010.
31
Além das Roças de maniba [mandioca], serão obrigados os Índios a
plantar feijão, milho, arroz, e todos os mais gêneros comestíveis, que
com pouco trabalho dos Agricultores costumam produzir as
fertilíssimas terras deste País; com os quais se utilizarão os mesmos
Índios; se aumentarão as Povoações; e se fará abundante o Estado30.
A agricultura tornou-se basilar para o reformismo português na América, por
possibilitar o aumento do comércio e por consequência aumentar as povoações,
possibilitando em última instância o crescimento do próprio Estado. Nisto deveriam se
aplicar os Diretores dos indígenas, cuidando para nunca os “separar da agricultura e do
comércio”31.
Seguindo essa linha de raciocínio, o projeto reformista para Porto Seguro tinha
uma lógica comercial que designou para a região o papel de mantenedora dos grandes
centros coloniais (a priori Bahia e Rio de Janeiro), para que estes pudessem exercer seu
papel como geradores de lucros para a Metrópole32.
Para tanto, as transformações pelas quais a região deveria passar estavam
centradas em dois elementos básicos: o desenvolvimento da economia regional e a
ocupação de partes do território que permaneciam despovoados por colonos e
densamente ocupado por grupos indígenas que não haviam sido incorporados à
sociedade colonial. Através do mapa etno-histórico de Curt Nimuendaju, que trazemos
abaixo, elaborado para identificar os grupos linguísticos do Brasil, é possível pensar a
dimensão da ocupação dos grupos indígenas que compunham a capitania.
30 Diretório que se deve observar nas Povoações dos Índios do Pará, e Maranhão... Op. Cit., § 23.
31 Idem, § 16.
32 NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do antigo Sistema Colonial. Op. Cit., p. 61.
32
Figura 1 – Grupos indígenas que habitavam a Capitania de Porto Seguro
Detalhe do Mapa Etno-histórico de Curt Nimuendaju – recorte territorial correspondente
à capitania de Porto Seguro, com identificação das famílias linguísticas Tupininquim
(amarelo), Pataxó (laranja), Maxacali (rosa) e Botocudo (azul).
Fonte: NIMUENDAJU, Curt. Mapa etno-histórico [1946]. Rio de Janeiro: IBGE, 1981.
Dos grupos indígenas identificados no mapa apenas os que aparecem destacados
pela cor amarela estavam incorporados à sociedade colonial (os de origem Tupi). No
entanto, uma das medidas reformistas para a capitania determinava a incorporação dos
outros grupos, sobretudo como mão de obra, no processo de ressignificação econômica
da região, tema recentemente estudado pelo historiador Francisco Cancela33.
33 CANCELA, Francisco. De Projeto a Processo Colonial: índios, colonos e autoridades régias na
colonização reformista da antiga capitania de porto seguro. (1763-1808). Tese (Doutorado em História) –
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas/Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.
33
Para ampliar a economia da região foram estabelecidas três estratégias: a
primeira buscava transformar a Comarca em um centro produtor de gêneros
alimentícios; a segunda era a diversificação econômica da capitania – o que não era uma
particularidade, o Diretório dos Índios preconizava o mesmo para o Estado do GrãoPará e Maranhão; por fim, o último passo relacionava-se à diminuição da barreira que
separava a capitania das demais.
Para que Porto Seguro se transformasse em uma área produtora de gêneros
alimentícios com finalidade comercial, investiu-se na produção agrícola. A agricultura
possibilitaria aos colonos conseguirem “dinheiro em abundância para comprarem todos
os negros que lhes forem precisos para adiantar suas plantações e dilatarem seus
cabedais”. Todo o excedente da produção agrícola da região estaria destinada a socorrer
“as duas maiores capitais do Grande Império do Brasil”, Salvador e Rio de Janeiro34.
Para diversificar a economia de Porto Seguro era preciso tentar implantar outras
fontes de riquezas, através da exploração comercial de recursos naturais existentes
naquela própria região. Para isso, a Metrópole sugeria: a) a extração e comercialização
das madeiras propícias para a construção naval, que cresciam ao longo do litoral de
Porto Seguro, comprometendo-se a enviar mestres de ribeira para qualificar e coordenar
os cortes – estabelecendo-se o monopólio régio da compra do produto; b) que fossem
analisadas as condições para a pesca de baleias no arquipélago dos Abrolhos, no sul da
Comarca, visando a implantação de uma fábrica de azeite para exportação este óleo; c)
o incentivo à criação de gado, para o consumo interno das carnes e a exportação das
peles35.
O último passo, como já dissemos, foi a tentativa de diminuir a barreira que
separava a capitania das demais. Assim sendo, foi ordenada a construção de uma estrada
que ligasse os territórios das capitanias de Porto Seguro e Espírito Santo, tanto para
conectar pelas vias terrestres essas duas regiões, quanto para ajudar a diminuir a
distância por terra entre Porto Seguro e o Rio de Janeiro. Para isso, a Coroa se
comprometia a custear tudo que fosse necessário, desde materiais para o trabalho, até
mantimentos36.
34 INSTRUÇÃO para o ministro (Tomé Couceiro de Abreu)... Op. Cit., § 9.
35 Idem, § 10, 11, 12 e 18.
36 Idem, § 13, 14 e 15.
34
Este plano econômico-mercantil direcionado pela Coroa pode ser interpretado
como uma tentativa de constituir uma nova vocação para Porto Seguro, conforme
argumentou Francisco Cancela, cuja base era um modelo econômico voltado à produção
de gêneros de subsistência, direcionados ao abastecimento dos grandes centros da
colônia portuguesa na América. Essa argumentação ganha mais sentido se
considerarmos que a redefinição da função econômica da capitania representou,
também, uma medida fundamental para garantir a sustentação da economia do açúcar e
do tabaco na Bahia e, ainda, contribuir para o abastecimento da cidade do Rio de
Janeiro, outro grande centro exportador. Além disso, a política reformista da Coroa para
aquela região articulava-se ao conjunto das ações que visavam reorganizar e fomentar o
próprio sistema de exploração colonial37.
O conjunto de estratégias para incentivar o comércio e o aumento da economia
de Porto Seguro estava intimamente ligado à ocupação territorial e a dispersão
demográfica, para a ocupação dos espaços da capitania que permaneciam desabitados
por colonos.
1. 2 População e demografia: as bases do reformismo pensado para Porto Seguro
As primeiras medidas do ouvidor Thomé Couceiro de Abreu foi fazer uma
levantamento do estado do povoamento da capitania e explorar os rios que cruzavam
seu território. A produção desses conhecimentos topográficos e demográficos estava
relacionada a uma política que buscava, além do controle institucional das populações
dos domínios portugueses na América, um melhor aproveitamento econômico das
riquezas que se poderia produzir, a partir das potencialidades locais38.
Em 1764, quando chegou o primeiro ouvidor, existiam apenas nove povoações,
em toda a capitania, sendo quatro vilas e os demais pequenos agrupamentos indígenas.
Além disso, os núcleos de povoamento da região estavam centralizados no litoral e
concentrados no entorno de Porto Seguro, vila sede e homônima à capitania. De acordo
com a relação das vilas e rios, feita por Tomé Couceiro de Abreu, toda a população
colonial da Comarca não passava dos 3.566 habitantes – deve-se lembrar, no entanto,
que este número não incluía a totalidade dos grupos indígenas que habitavam a região,
37 CANCELA, Francisco. Op. Cit., p. 118.
38 SANTOS, Antônio Cesar de Almeida. Op. Cit., p. 94.
35
tratava-se apenas dos grupos de colonos e indígenas “domesticados”39. Um número
muito pequeno e insuficiente para ocupar toda extensão das terras da Comarca, que
compreendia mais de 400 quilômetros de costa e um sertão indefinido.
Diante desse cenário a Coroa ordenou a criação de novas vilas, visando
reorganizar a ocupação territorial da capitania. Duas características do povoamento da
região a partir desse momento devem ser destacadas: o caráter de controle dos leitos
fluviais da Comarca que as novas vilas assumiram; e a utilização dos indígenas
regionais como principais agentes do processo de ocupação das terras40.
A capitania Porto Seguro ocupava uma faixa de terra correspondente ao sul do
atual Estado da Bahia e o norte do Espírito Santo. Na direção oeste fazia fronteira com a
capitania das Minas Gerais, de onde vinham todos os grandes rios navegáveis que
passavam pela região: rio Grande (atual Jequitinhonha), Mucuri, São Mateus
(atualmente Cricaré) e o rio Doce. Eram, portanto, lugares estratégicos, esses leitos
fluviais também eram utilizados, por vezes, como rotas de contrabandistas e foi nesse
sentido, que as novas vilas assumiram um caráter de controle sobre suas barras.
A partir da segunda metade do século XVIII, com a contínua diminuição na
arrecadação aurífera, a Metrópole intensificou as medidas de combate ao contrabando
da produção aurífera e diamantina das regiões mineradoras – de modo especial nas
Minas Gerais. Dessa forma, as vilas que foram erigidas na capitania de Porto Seguro,
entre 1764 e 1772, também teriam desempenhado papel fiscalização, uma vez que
ocuparam as margens de todos os grandes rios da capitania, visando impedir o
escoamento da produção mineradora através deles. Nas Instruções dadas a Thomé
Couceiro de Abreu, esse caráter da política reformista transparece, quando o Marquês
de Pombal falava sobre um dos rios da nova Comarca,
Uma das partes principais daquela Capitania é o importante Rio de
São Matheus, no qual, além de se dizer que há preciosas madeiras para
construção de Naus, se afirma também que decorrendo pela Serra dos
Cristais irá o seu nascimento das Minas do Serro Frio. Como os novos
Moradores que se forem estabelecer nas Margens do dito Rio,
achando a notícia de que por ele podem ir aquelas preciozissimas
terras; Não cuidarão em outra coisa alguma se não a de passarem a
elas, deve v. mercê por hora vigiar com todo cuidado que nenhum
39 Por “domesticados” se entendia os grupos indígenas que haviam sido incorporados à sociedade
colonial.
40 Cf. CANCELA, Francisco. Op. Cit., p. 119.
36
passe daqueles Limites que v. mercê lhes assinar, até nova ordem de
Sua Majestade41.
Dando forma a uma barreira de fiscalização contra o desvio e contrabando de
ouro, a Coroa montou um destacamento militar nas margens do rio Doce, que separava
Porto Seguro do Espírito Santo. Luís dos Santos Vilhena, ao descrever a região na
segunda metade do século XVIII, afirmou que o objetivo daquele destacamento era
“obviar o contrabando de ouro das Minas”, muito comum naquela localidade. Além
disso, embora fossem capitanias fronteiriças, a primeira estrada oficial que interligou
Porto Seguro a Minas Gerais, só foi construída na segunda década do século XIX, o que
mostra que a Metrópole talvez não desejasse a interligação dessas duas regiões, mesmo
propondo nas Instruções dadas a Tomé Couceiro de Abreu, a conexão de Porto Seguro
com outras regiões42.
A outra característica do reformismo implantado em Porto Seguro foi a
utilização dos indígenas locais como principais agentes da ocupação territorial. Essa
medida deve ser compreendida por meio de dois fatores: de um lado, pela questão da
mão de obra; por outro, o propósito de civilização que assumiu o reformismo na na
América lusitana.
Os índios eram distribuídos entre os colonos brancos, que os utilizavam como
mão de obra, estando, porém, obrigados a remunerá-los. Os Diretores estavam
compelidos,
(...) a remeter todos os anos no princípio de Janeiro ao Governador do
Estado uma lista de todos os Índios, que se distribuíram no ano
antecedente; declarando-se os nomes dos Moradores, que se
receberão; e em que tempo; a importância dos selários, que ficarão em
depósito; e os preços porque foram reputadas as fazendas, com as
quais se fizeram os ditos pagamentos (…)43.
41 INSTRUÇÃO para o ministro (Tomé Couceiro de Abreu)... Op. Cit., § 8, grifos do autor.
42 VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador: Editora Itapoã, 1969, v. II, p. 515534, p. 533, p. 533; CASAL, Manuel Aires de. Corografia brasileira ou relação histórico-geográfica do
reino do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1976, p. 221.
43 Diretório que se deve observar nas Povoações dos Índios do Pará, e Maranhão... Op. Cit. § 73.
37
O trabalho indígena estava diretamente relacionado à agricultura, que voltada ao
comércio proporcionaria “a opulência, e a total felicidade do Estado”44.
Nesse contexto, as novas vilas seriam espaços privilegiados para que os índios
fossem incorporados definitivamente ao rol de colonos e vassalos da coroa portuguesa.
No bojo da reestruturação regional, eles se tornaram a principal força motriz da
produção econômica. Isso nos ajuda a entender a crítica feita pelo Marquês de Pombal
aos antigos governantes da capitania, que estabeleceram por costume,
(...) desprezarem-se inteiramente os índios, sendo excluídos de tudo o
que era Governo, idéia, que produziu as prejudicialissimas
conseqüências de por uma parte se perderem toda aquela imensidade
de Almas; e pela outra de se conservarem em brutalidade todos
aqueles Homens, que criados em polícia dever[iam] ter concorrido
para a cultura das terras, para o descobrimento dos Sertões, para a
governança das Repúblicas e para as navegações (...)45.
Para reverter essa situação, Pombal determinou a utilização dos indígenas como
povoadores,
(...) naquelas Povoações chamadas Aldeias que são já domesticadas
como nas que de novo se estabeleceram com Índios descidos; logo
que estes se descerem no competente número se vão estabelecendo
novas vilas e se vão abolindo nelas os bárbaros e antigos nomes que
tiverem e se lhes vão impondo alguns outros novos dos das cidades ou
vilas deste Reino46.
A partir desse momento foi estabelecida “uma política de integração das
populações indígenas, que, por meio de um programa civilizacional, se transformariam
nos principais vassalos daquela região”47.
Dessa forma, os elementos ocupação territorial e economia foram utilizados pela
Coroa para viabilizar o reformismo aplicado em Porto Seguro. População e território,
elementos do Estado dentro da visão mercantilista do século XVIII, foram articulados
para que as reformas na região pudessem cumprir o objetivo de integrar a capitania ao
circuito comercial da colônia. O controle desses elementos era essencial, para os
44 Diretório que se deve observar nas Povoações dos Índios do Pará, e Maranhão... Op. Cit., § 95.
45 INSTRUÇÃO para o ministro (Tomé Couceiro de Abreu)... Op. Cit., § 3, grifos do autor.
46 Idem, § 17, grifos do autor.
47 CANCELA, Francisco. Op. Cit., p.. 120-121.
38
recursos militares e tributários, dois segmentos estreitamente ligados no sistema
colonial. Porém, não era apenas o valor absoluto da população que interessava à Coroa,
e sim sua distribuição em um determinado espaço, o que viabilizava a manutenção e
expansão da colonização48.
Embora o território da capitania correspondesse a uma faixa de terras de mais de
400 quilômetros de costa, até 1764 existiam apenas quatro vilas em toda aquela região:
Porto Seguro, Caravelas, Vila Verde e Trancoso – estas últimas elevadas à esta
condição em 1759, com a expulsão dos jesuítas da colônia, sendo, portanto, recentes
naquele contexto. Além dessas havia a freguesia de Santa Cruz, cujo termo era anexo ao
de Porto Seguro e alguns agrupamentos indígenas ao longo do litoral da antiga
donataria. Durante o período pombalino foram criadas mais seis vilas, todas erigidas
pelos dois primeiros ouvidores da Comarca, Thomé Couceiro de Abreu (1764-1765) e
José Xavier Machado Monteiro (1767-1780).
Thomé Couceiro ficou apenas quatorze meses no governo da Comarca, ainda
assim, foi tempo suficiente para que ele começasse a colocar em prática o reformismo
planejado pela Coroa para a região. Uma de suas primeiras tarefas foi sondar os rios da
capitania e fazer um levantamento dos tipos de árvores que cresciam ao longo de suas
margens, bem como verificar os povoados existentes. Em seguida, deu início à
ampliação do povoamento de Porto Seguro, através da criação de três vilas: São Mateus
e Prado (1764) e Belmonte (1765).
O ouvidor erigiu as novas vilas a partir de agrupamentos indígenas preexistentes.
Quanto a localização, duas delas (Belmonte e São Mateus) ocuparam pontos
estratégicos. A primeira foi erguida nas margens do rio Grande, nos limites com a
capitania dos Ilhéus, cuja nascente se encontrava entre o Distrito Diamantino e as Minas
Novas (na capitania das Minas Gerais). A segunda, próxima ao rio São Mateus, que deu
nome à vila e já havia sido apontado nas Instruções do ouvidor como lugar importante a
ser investigado e ocupado, devido ao fato de que sua nascente também se encontrava na
região mineradora. Dessa forma, ao mesmo tempo em que o novo administrador da
região começava a alargar os núcleos de povoamento, essenciais para os futuros
investimentos agrícolas, dava início às medidas de fiscalização dos rios, bloqueando
alguns dos possíveis acessos às Minas Gerais.
48 HESPANHA, António Manuel. As vésperas do Leviathan: instituições e poder político, Portugal – séc.
XVII. Coimbra: Almedina, 1994, p. 64.
39
Com o falecimento de Thomé Couceiro Abreu, coube a José Xavier Machado
Monteiro a missão de continuar a implantação das reformas em Porto Seguro. O novo
ouvidor erigiu as vilas de Viçosa (1768), Porto Alegre (1769) e Alcobaça (1772),
fechando o ciclo de alargamento do povoamento na capitania. As novas vilas
possibilitariam reunir em “povoações civis”, as populações que viviam dispersas ao
longo do território, concentrando-as em núcleos estáveis, o que facilitaria o seu
controle, ao mesmo tempo em que contribuiria para o aumento das lavouras e do
comércio49.
Mapa 1 – A Capitania de Porto Seguro na segunda metade do século XVIII
Fonte: Base Cartográfica Integrada do Brasil ao Milionésimo Digital, 2003, IBGE/DGC/CCAR (Alterado
para fins de ilustração); Informações topográficas: ver corpus documental utilizado nesta pesquisa.
As novas vilas criadas por José Xavier Machado Monteiro, além dos indígenas
como população majoritária, completaram o processo de ocupação das barras dos
grandes rios que passavam pela capitania, iniciado por Thomé Couceiro de Abreu. Após
1772, nem uma vila foi criada na Comarca de Porto Seguro até o século XIX. Elas
foram imprescindíveis para a implantação das novas políticas econômicas na capitania.
Paralelo ao alargamento dos núcleos urbanos houve, dentro do que podemos
chamar de estáticas oficiais (dados levantados por funcionários do governo), um
crescimento populacional na capitania. Isso ocorreu devido à incorporação dos índios
49 SANTOS, Antônio Cesar de Almeida, Op. Cit., p. 98.
40
catequizados à condição de colonos e vassalos da Coroa e do envio anual de degredados
da Bahia e do Rio de Janeiro. Esse aumento populacional pode ser apreendido nos
censos realizados no período.
De acordo com Caio Prado Júnior, a partir de fins do século XVIII a Metrópole
passou a se preocupar em realizar contagens da população colonial, tanto para fins
eclesiásticos, como militares. O relativo “relaxamento da administração pública, tanto
civil quanto eclesiástica”, conforme argumentou o mesmo historiador, levou a Coroa a
tentar organizar sistematicamente estes dados, que deveriam coligir informações
referentes ao movimento demográfico (nascimentos, casamentos, óbitos), ocupações,
comércio, preços, dentre outras coisas, o que auxiliaria, à primeira vista, na formulação
das políticas colonizadoras e no desenvolvimento de estratégias de defesa50.
Antes desse período os levantamentos demográficos tinham dois fins muito
restritos, o religioso e o militar. Os párocos organizavam listas que se destinavam a
recensear os fiéis sujeitos às desobrigas pascais51, e que serviam também para a divisão
e formação das paróquias. Do ponto de vista militar, estas listas eram importantes para o
recrutamento da população apta a pegar em armas, em caso de necessidade.
Porém, os censos também apresentavam os números de nascimentos, óbitos,
dividia-se a população em faixas etárias e discriminavam a quantidade de pessoas que
poderiam servir militarmente. Além de contar as famílias existentes nas povoações
recenseadas, o número de freguesias e discriminar os seus oragos, alguns apresentavam,
ainda, os rendimentos de cada freguesia. Esse tipo de documentação, como se pode
observar, é muito rica em possibilidades para os estudos históricos, desde que
confrontadas com outras fontes, pois os dados não são precisos. Os padres poderiam
omitir os números verdadeiros de seus paroquianos, receosos de terem suas paróquias
divididas (o que acarretaria em prejuízos econômicos) e a população masculina fugia
aos censos (temendo serem recrutados para o serviço militar)52.
Ainda assim, os recenseamentos nos possibilitam atingir realidades aproximadas
do estado da colonização de determinadas localidades. Assim sendo, reunimos uma
série de dados civis e religiosos e elaboramos uma Tabela com os dados demográficos
de Porto Seguro, nas últimas décadas do século XVIII e nas duas primeiras do XIX,
50 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia, Op. Cit., p. 25-26.
51 Dispensa de algum serviço ou obrigação religiosa.
52 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia, Op. Cit., p. 25-26.
41
objetivando compreender o fluxo de crescimento da população, relacionado à sua
distribuição pelo território da capitania.
Tabela 1 – Evolução demográfica da Capitania de Porto Seguro (1764-1817)53
Vila
1764
1780
1799
1813
1817
Belmonte
135
439
498
500
640
Santa Cruz
196
642
833
800
800
Porto Seguro
1.006
1.695
1.622
2.500
1.971
Vila Verde
341
582
470
500
600
Trancoso
641
602
614
500
674
Prado
-
639
340
700
700
Alcobaça
90
655
-
900
800
Caravelas
360
1.278
2.358
3.000
2.300
Viçosa
452
584
702
800
1.100
Porto Alegre
-
449
318
500
437
São Mateus
345
768
750
2.220
3.000
Total
3.566
8.333
8.505
12.920
13.022
Fontes: AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 34, D. 10701; ACMRJ – Livro Nº 7; BNRJ – Manuscritos, I – 28,
29, 10. ANRJ – Série Interior, IJJ2-296A.
Entre 1764 e 1817, período de 53 anos, a Comarca de Porto Seguro teve um
crescimento populacional de aproximadamente 365,17%. Número impressionante se
pensarmos o aumento populacional em longa duração. Nos 228 anos que se seguiram
desde a fundação da capitania em 1535, até a criação da ouvidoria em 1763, o número
de colonos não ultrapassou quatro mil pessoas. Os últimos cinquenta anos da
colonização foi o período de maior crescimento populacional e dispersão demográfica
em Porto Seguro. A utilização de degredados vindos de outras áreas do Brasil e a
utilização dos grupos indígenas locais como colonos, possibilitou a ampliação do
povoamento e a dispersão demográfica em Porto Seguro.
53 Em 1764 as vilas de Belmonte, Prado, Alcobaça, Viçosa, Porto Alegre e São Mateus ainda não
existiam. Os números apresentados correspondem à quantidade de pessoas que habitavam os locais onde
as vilas foram criadas, tendo em vista que estas populações foram as bases para criação dessas vilas. A
freguesia de Alcobaça estava sem pároco durante a visita pastoral de 1799, talvez por isso não conste no
livro da visita o número de habitantes da vila, atividade executada pelos párocos locais.
42
Esses novos contingentes de colonos foram empregados nas reformas
pombalinas, possibilitando, a longo prazo, um aumento nos gêneros econômicos
produzidos na região e a ampliação do comércio.
À medida que a população crescia, pode-se notar uma flutuação dos números de
habitantes nas vilas de Prado, Caravelas e Porto Alegre. Embora a tônica geral tenha
sido de crescimento, algumas povoações apresentaram taxas tímidas a partir da década
de 1780, enquanto outras demonstraram um impressionante aumento populacional, que
contribuiu para aumentar a atividade econômico-comercial.
Até a década de 1780 havia uma concentração populacional na vila de Porto
Seguro, centro da administração política e econômica da Comarca. No entanto, as
povoações de Caravelas e São Mateus pareciam rivalizar com a capital da ouvidoria,
atraindo grande número de colonos. Essa situação, possivelmente, se devia à atividade
mercantil que essas vilas apresentavam. Caravelas terminou o século XVIII como a vila
mais populosa da capitania, posto que perdeu para São Mateus na última década da
colonização. A importância de Caravelas dentro do conjunto da Comarca era tão grande
que, dentre as vilas, era a única além da capital que possuía mestres régios de Primeiras
Letras e Latim, o que é algo muito significativo dentro do contexto regional54.
Em 1817 as vilas de Caravelas, Viçosa e São Mateus foram as que apresentaram
maiores taxas de crescimento, concentrando cerca de 49,15% da população de toda a
capitania. A atração de colonos para estas localidades causou uma constante oscilação
demográfica na região. Essa flutuação pode estar ligada à dinâmica econômica e
comercial desenvolvida na Comarca, conforme argumentamos anteriormente.
Graças às políticas de incentivo à produção, durante o reformismo ilustrado, as
novas vilas logo apresentaram um panorama de relativa diversificação dos gêneros
agrícolas produzidos em seus territórios. Essa situação, a longo prazo, se refletiu no
fluxo de exportação mercantil. Esse rápido desenvolvimento certamente foi o fator que
mais proporcionou a atração de pessoas das localidades vizinhas, o que nos ajuda a
compreender as flutuações demográficas mostradas na Tabela 1.
Para demonstrar a diversificação da produção agrícola das vilas da capitania de
Porto Seguro, elaboramos a partir dos relatos de cronistas, viajantes e da documentação
produzida em âmbito político-administrativo, uma relação dos principais os gêneros
econômicos produzidos na Comarca. Com a seguinte Tabela esperamos compreender
54 CASAL, Manuel Aires de. Op. Cit., p. 221.
43
melhor a flutuação demográfica das vilas de Porto Seguro no período analisado,
partindo do princípio de que quanto maior a atividade econômico-mercantil, maior a
atração de colonos. Esta é uma situação natural, tendo em vista que as pessoas sempre
buscam melhores condições de trabalho e localidades onde as oportunidades de
acúmulo financeiro lhes sejam mais propícias.
Tabela 2 – Gêneros produzidos nas vilas da Capitania de Porto Seguro
Vilas
Belmonte
Santa Cruz
Porto Seguro
Vila Verde
Trancoso
Prado
Alcobaça
Caravelas
Viçosa
Porto Alegre
São Mateus
Gêneros
Farinha, arroz, milho e extração de
madeiras.
Farinha e pescados.
Farinha, algodão, canas de açúcar e
pescados.
Farinha, extração de madeira e algodão.
Farinha, extração de madeira, algodão,
pescados e tabaco.
Farinha, canas de açúcar e extração de
madeira.
Farinha, canas de açúcar, legumes e
pescados.
Farinha, melancias, abóboras, jacas e
laranjas.
Farinha e pescados.
Farinha, linho e pescados.
Farinha, canas de açúcar, extração de
madeira, feijão, arroz, milho, algodão e
pescados.
Fonte: AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 51, D. 9493; VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII.
Salvador: Editora Itapoã, 1969, v. II, p. 515-534; CASAL, Manuel Aires de. Corografia brasileira ou
relação histórico-geográfica do reino do Brasil [pelo] Pe. Aires de Casal. Op. cit., p. 220-222; BNRJ –
Manuscritos, I – 28, 29, 10.
Para melhor poder relacionar esta Tabela com a anterior (p. 38), é preciso
explicar que os carros chefes da economia da região eram a farinha e os pescados
(principalmente a pescaria da garoupa, atividade secular na capitania, exercida desde a
sua fundação, na primeira metade do século XV). As quatro vilas mais populosas, Porto
Seguro, Caravelas, Viçosa e São Mateus, consequentemente produziam pelo menos um
desses itens. Por estarem atuando mais ativamente no comércio, certamente essas
povoações representavam maior possibilidade de trabalho e acúmulo de renda para seus
habitantes. Dessa forma deviam atrair grandes quantidades de colonos das localidades
próximas.
44
Como dissemos anteriormente, a revitalização econômica da capitania estava
intimamente ligada ao fator populacional e sua distribuição pelo território. A localização
geográfica das novas povoações acabou por ocupar as principais áreas com potencial
econômico da região, o que somado ao fato de sua população ser majoritariamente
indígena (principal fonte de mão de obra), resultou rapidamente na redefinição da
economia regional.
Da relação entre população e território derivam-se os seis principais temas do
mercantilistas: 1) o aumento da população, mas principalmente, sua adequação aos
recursos disponíveis para sua subsistência e trabalho; 2) o incremento das manufaturas;
3) a luta contra o “ócio”, que engloba as diferentes formas de desemprego e não
hesitava ante algumas modalidades de trabalho compulsório; 4) a ênfase no sentido da
qualificação do trabalho; 5) o interesse e a esperança em relação aos progressos
técnicos; 6) a divisão do trabalho55.
No reformismo aplicado em Porto Seguro, esses temas podem ser percebidos
claramente através dos relatórios anuais do ouvidor José Xavier Machado Monteiro. O
aumento da população da capitania, em sua maioria de origem indígena, foi aliado à sua
adequação aos recursos disponíveis, não no sentido da subsistência, mas da capacidade
produtiva. Em carta de 1773, o ouvidor comemorava a “abundância das farinhas que no
ano passado e no presente se vende o alqueire (que pela grandeza da medida são dois de
Portugal), a 6 e a 8 vinténs”56.
A farinha era um produto historicamente produzido pelos indígenas na região.
Dessa situação, é sintomático o fato de que as vilas caracterizadas como “de índios” (as
seis novas povoações), se transformaram nas maiores produtoras desse gênero. Isso, de
certa forma, acabou por se tornar uma preocupação para José Xavier Machado
55 Cf. FALCON, José Calazans. Comércio colonial e exclusivismo metropolitano: questões recentes. In:
SZMRECSÁNYI, Thomás (org.). História econômica do período colonial. São Paulo: HUCITEC,
Associação Brasileira de Pesquisa em História Econômica, Editora da Universidade de São Paulo,
Imprensa Oficial, 2002, p. 225-238, p. 235.
56 CARTA do Ouvidor de Porto Seguro, José Xavier Machado Monteiro, relatando fatos que
demonstravam o progresso da sua capitania. Porto Seguro, abril de 1773. AHU_ACL_CU_005-01, Cx.
46, D. 8581; CARTA do desembargador, Ouvidor de Porto Seguro, José Xavier Machado Monteiro ao
[Martinho de Melo e Castro] agradecendo a nomeação do seu irmão, Francisco Machado, para o lugar de
provedor da Comarca de Aveiro, e dando informações sobre a capitania de Porto Seguro. Porto Seguro,
01 de julho de 1776. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 49, D. 9147. [Projeto Resgate].
45
Monteiro, quando percebeu que os habitantes dessas vilas insistiam em só querer
cultivá-la, porque “era a de seus antecedentes”57.
Acreditamos, porém, que o problema não era tão simples como o ouvidor
apresentou. As Instruções para o governo dos índios de Porto Seguro, elaboradas por
José Xavier Machado Monteiro, inspiradas no Diretório dos Índios do Grão-Pará e
Maranhão, determinava que todos os índios que fossem considerados já civilizados
deveriam trabalhar na “agricultura própria” e lhes obrigava a abertura de um roçado de
no mínimo duas mil covas de mandioca por família, dividido em duas partes para que
“acabando de plantar um lhes façam, dentro do mesmo ano, segundo a estação do
tempo, derrubar mato para outro”58. Contudo, esse não era o único trabalho que as
famílias indígenas deveriam executar ao longo do ano. Sua rotina certamente era
demasiado pesada e a “teimosia” que o ouvidor justificou pela tradição, talvez fosse
reflexo dessa obrigatoriedade de cultivo imposta pelo próprio governante.
O fomento às manufaturas, não se pode notar em Porto Seguro. No entanto, José
Xavier Machado Monteiro esforçou-se por implantar o cultivo do algodão na capitania,
que seria exportado para os centros da colônia, que por sua vez os reexportariam para
Portugal, alimentando o desenvolvimento manufatureiro do Reino. Entretanto, o cultivo
do algodão não teve grande aceitação no início, de acordo com o ouvidor. Não obstante,
com o decorrer do tempo os habitantes passaram a cultivá-lo, conforme se pode ver na
Tabela 2 (p.40)59.
Quanto à luta contra o “ócio”, essa foi uma constante ao longo da administração
de José Xavier Machado Monteiro, que se gabava por “já não haver tantos ébrios e
vadios” em sua Comarca. Esse tema liga-se diretamente à qualificação do trabalho, que
também foi uma preocupação para o ouvidor. As crianças a partir de cinco anos eram
obrigadas a entrar nas escolas públicas, para aprenderem a “ler e escrever”, e a partir
delas os mestres de ofícios mecânicos recrutavam os seus aprendizes. Os maiores e mais
57 CARTA do Ouvidor de Porto Seguro, José Xavier Machado Monteiro, relatando fatos que
demonstravam o progresso da sua capitania. Porto Seguro, abril de 1773. Op. Cit.
58 INSTRUÇÕES para o governo dos índios da Capitania de Porto Seguro, que os meus Diretores ao de
praticar em tudo aquilo que não se encontrar com o Diretório dos Índios do Grão-Pará. José Xavier
Machado Monteiro. Porto Seguro, ant. 1777. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 51, D. 9494, § 34.
59 A primeira onda industrializadora, no sentido de dar margens a uma Revolução Industrial, foi
essencialmente têxtil. Nesse sentido, algodão foi o produto que possibilitou os avanços rumo ao
industrialismo do final do século XVIII. Cf. HOBSBAWM, Eric J. A Revolução Industrial. Op. Cit.
46
“rústicos” eram entregues à “soldada” (trabalhavam como criados para os colonos
brancos)60.
O trabalho estava ligado a um dos objetivos de criação da Comarca, isto é, a
“civilização” dos índios. Em Porto Seguro a obrigação das crianças entrarem nas
escolas, imposta por José Xavier Machado Monteiro, e a sua distribuição entre os
oficiais mecânicos ou nas casas dos brancos, era uma forma de separá-los das famílias
para que não continuassem a falar a língua materna e ao mesmo tempo se tornassem
trabalhadores qualificados e “civilizados”, dentro dos preceitos portugueses61.
A esperança em relação aos progressos técnicos pode ser observada através da
carta de D. Rodrigo de Souza Coutinho, ministro da Marinha e Ultramar, escrita e
enviada em 1799 ao ouvidor interino de Porto Seguro, João Félix de Uzeda. Nela o
ministro comunicava o envio de diversos impressos, “destinados a instruir os habitantes
do Brasil em vários artigos da agricultura e outros objetos de que podem tirar muitas
utilidades”. D. Rodrigo havia mandado uma caixa com 141 volumes de sete tipos
diferentes de manuais que ensinavam a cultivar diversos produtos.
60 CARTA do Ouvidor de Porto Seguro, José Xavier Machado Monteiro, ao rei, informando sobre essa
Comarca, e a criação de Vila Viçosa. Porto Seguro, 24 de fevereiro de 1769. AHU_ACL_CU_005 -01,
Cx. 43, D. 7972; CARTA do Ouvidor de Porto Seguro, José Xavier Machado Monteiro, ao rei, relatando
os progressos dessa capitania em 1770. Porto Seguro, 10 de maio de 1771. AHU_ACL_CU_005-01, Cx.
45, D. 8446. [Projeto Resgate].
61 FLEXOR, Maria Helena Ochi. Ofícios, manufaturas e comércio. In: SZMRECSÁNYI, Thomás (org.).
História econômica do período colonial. São Paulo: HUCITEC, Associação Brasileira de Pesquisa em
História Econômica, Editora da Universidade de São Paulo, Imprensa Oficial, 2002, p. 173-194, p. 179180.
47
Tabela 3 – Livros pertencentes a S.M. que se remetem em um caixote ao ouvidor
de Porto Seguro e dos preços porque devem ser vendidos
Quantidade
Item
Preços (em Réis)
25
Afkalis fixos
40$000
6
Ciências das sombras
5$760
25
Folhetos do cravo girofle
3$000
25
Ditos da cultura dos urumbebas
3$000
25
Ditos da pipereira
2$500
25
Ditos do algodão
3$000
10
Ditos da canela da Índia
1$000
Total
58$260
Fonte: LIVRO DE REGISTRO de Cartas Régias, avisos e ofícios para o governador e outras entidades da
capitania da Bahia [1798-1801]. AHU_CU_REGISTROS, Cód. 607.
Embora isso tenha ocorrido muito tempo depois do reformismo pombalino, de
certa forma, mostra uma continuidade das políticas implantadas durante o governo de D.
José I. Tal fato contraria, como há muito se tem feito, a ideia de que após a morte deste
monarca, em 1777, e a consequente retirada de Pombal da vida política de Portugal,
teria ocorrido a “viradeira” (o abandono das políticas pombalinas empregadas ao longo
do governo josefino, durante o reinado de D. Maria I)62.
No que concerne à organização do trabalho, as Instruções para o governo dos
índios da Capitania de Porto Seguro, é o documento que melhor conjectura esse tema
mercantilista. As Instruções eram a síntese do programa civilizacional empreendido
pelo reformismo na capitania, abrangendo todos os âmbitos da vida dos indígenas:
batismos, casamentos, moradia, trabalho, dentre outras coisas. Nelas estava claro que
para serem civilizados e poderem ser vassalos e colonos, os índios teriam que ser
incorporados como mão de obra. Nesse sentido, eram obrigados a cultivar lavouras
(obrigação que se estendia à particularidade de seus lares), prestar serviços aos brancos
e a, desde crianças, especializarem-se em ofícios mecânicos63.
62 A respeito das continuidades das políticas pombalinas, ver: NOVAIS, Fernando A. O reformismo
ilustrado luso-brasileiro: alguns aspectos. Op. Cit.
63 INSTRUÇÕES para o governo dos índios da Capitania de Porto Seguro... Op. Cit.
48
Não fossem bastantes as obrigações, os indígenas eram constantemente vigiados
em suas jornadas diárias de trabalho por Diretores brancos64. É preciso destacar, porém,
que diante desse contexto reformista os índios não foram apenas “massa de manobra”,
se é que podemos utilizar essa expressão. Como sujeitos dotados de vontade própria,
eles souberam tirar vantagens das novas conjunturas e se utilizaram dos próprios
mecanismos criados pela política metropolitana para poderem impor sua vontade e
mesmo se oporem aos projetos coloniais, quando percebessem que lhes seriam
desvantajosos65. Em última alternativa, a fuga era utilizada como forma resistência e
mesmo recusa a se enquadrarem aos projetos pensados pela Metrópole.
Ainda assim, os índios de Porto Seguro, agrupados nas novas vilas, conseguiram
cumprir o importante papel de sustentadores do reformismo na região, como queria o
Marquês de Pombal. Ao mesmo tempo em que as novas povoações ocuparam as áreas
com maior potencialidade econômica da capitania, se transformaram em “postos táticos
de defesa militar e fiscal, protegendo não apenas os colonos dos ataques de índios
bravos como também as subidas de contrabandistas nos rios que levavam à capitania de
Minas Gerais”66.
Além disso, funcionaram como postos fornecedores de mão de obra aos colonos
brancos. Contudo, as flutuações demográficas apresentadas na Tabela 1 (p. 38),
notadamente nas vilas de índios, é um dos indicativos de que estes sujeitos atuavam por
conta própria, apesar da grande vigilância e controle a que estavam submetidos. Sua
movimentação dentro da capitania possibilitou a criação de áreas voltadas quase que
exclusivamente à exportação de gêneros alimentícios, tal como vislumbrou o Marquês
de Pombal ao traçar o plano reformista implantado em Porto Seguro, entre os anos de
1764 e 1780.
1. 3 O domínio econômico das vilas do sul
Algumas das novas povoações mostraram uma vida econômica muito ativa
dentro do contexto da Comarca, alcançando verdadeiro papel de destaque. Esse foi o
64 Um estudo mais aprofundado sobre o trabalho executado pelos indígenas na capitania pode ser
encontrado em: CANCELA, Francisco. Op. Cit., especificamente o capitulo III.
65 GARCIA, Elisa Frühauf. O projeto pombalino de imposição da língua portuguesa aos índios e a sua
aplicação na América meridional. In: Revista Tempo, vol. 12, nº 23, 2007, p. 23-38, p. 32.
66 CANCELA, Francisco. Op. Cit., p. 175.
49
caso das povoações de Caravelas e São Mateus. Reunindo alguns documentos da
movimentação portuária na Bahia, pudemos elaborar uma Tabela com as entradas de
embarcações provenientes da capitania Porto Seguro, no final do século XVIII e início
do XIX, no porto de Salvador. Não conseguimos reunir, no entanto, documentos que
mostrassem essa movimentação nas décadas de 1760 e 1770, quando a região passava
pelas reformas pombalinas, nem mesmo da década de 1780. Mesmo os dados que
agrupamos são poucos e descontínuos, compreendendo apenas 12 anos, entre 1791 e
1811.
É preciso lembrar, que o número reduzido de fontes dificulta uma abordagem
serial mais precisa, no entanto, diante da dificuldade de reunião desse tipo de
documentação referente à capitania de Porto Seguro e do reduzido número de pesquisa
sobre a região, é preciso lançar mão do que temos à disposição. Mesmo com essa
limitação, a relação nos permite fazer pequenas reflexões sobre a vida econômica da
Comarca, no recorte temporal proposto, corroborando com as hipóteses que até então
elaboramos.
Tabela 4 – Entrada de embarcações da capitania de Porto Seguro no porto da
Bahia
Origem
Entrada
Saída
Ano
Total por ano
Caravelas
-
3
São Mateus
-
3
Caravelas
-
24
São Mateus
-
13
Caravelas
13
13
São Mateus
6
6
Viçosa
1
1
Alcobaça
1
1
Caravelas
15
14
São Mateus
7
7
Alcobaça
1
-
Caravelas
14
19
Porto Alegre
1
-
São Mateus
2
6
Alcobaça
1
-
1791
6
1792
37
1797
20
1799
23
1801
27
50
Caravelas
10
17
São Mateus
3
5
Porto Seguro
-
2
Caravelas
17
20
Porto Seguro
1
-
Porto Alegre
2
1
São Mateus
7
3
Viçosa
2
-
Alcobaça
4
2
Caravelas
25
30
São Mateus
8
13
Viçosa
2
-
Alcobaça
3
1
Caravelas
21
23
São Mateus
13
15
Belmonte
1
1
Caravelas
10
6
São Mateus
6
2
Prado
1
1
Alcobaça
1
-
Belmonte
1
-
Caravelas
17
9
Porto Alegre
1
-
São Mateus
4
3
Prado
1
-
Viçosa
2
-
Alcobaça
1
1
Caravelas
19
20
Porto Alegre
28
-
Porto Seguro
1
-
Rio Grande
37
82
9
8
(Belmonte)
São Mateus
1803
25
1804
32
1806
49
1808
52
1809
18
1810
27
1811
143
51
Viçosa
1
-
Prado
1
-
Totais
322
375
459
Fonte: AHU_CU_005-01, Cx. 8, D. 18.305, Cx. 114, D. 20.521, Cx. 119, D. 23.560, Cx. 131, D. 25.771,
Cx. 140, D. 27.092; ANRJ – Correspondência do Presidente da Província da Bahia – Série Interior – Série
Interior, IJJ2-292; BNRJ – Periódicos Raros. Correio Brasiliense, ano 1810, vol. 5, p. 624; BNRJ –
Periódicos Raros. Correio Brasiliense, ano 1811, vol. 7, p. 201; ANRJ – Correspondência do Presidente
da Província da Bahia – Série Interior, IJJ9-321; APEB – Coleção Alfândega – Série Manifestos. Livro
10, 1791-1992.
A partir de 1791, com a documentação que conseguimos reunir, pode-se observar a
movimentação de embarcações da Comarca de Porto Seguro no porto de Salvador.
Após 1792 pode-se notar uma participação cada vez mais ativa das vilas daquela no
comércio com a Bahia, principal porto de destino dos produtos cultivados na capitania.
As povoações de Caravelas e São Mateus foram as únicas que apresentaram tráfego
linearmente ativo durante os doze anos sequenciados (o que demonstra sua importância
comercial no contexto regional), seguidas por Alcobaça, que intermitentemente aparece
durante sete anos. As vilas do sul da Comarca, povoações de índios com única exceção
de Caravelas, são as que mais aparecem. Dominavam, portanto, as exportações
comerciais na região, para o que contribuía o fato de concentrarem a maior parte da
população da capitania (conforme a Tabela 1, na página 38).
Das 459 embarcações que entraram na Bahia, vindas de Porto Seguro nesse
período, 211 eram de Caravelas e 94 de São Mateus, ou seja, 66,45% das entradas de
barcos comerciais da Comarca pertenciam a essas duas vilas. No que concerne somente
às povoações de índios, estas concentraram 59,23% do comércio regional, contra o
impressionante percentual de 45,97% de Caravelas. Deve-se lembrar, no entanto, que a
vila de Caravelas somente conseguiu alcançar esse percentual com a arregimentação da
produção das povoações vizinhas, que eram compostas mormente por indígenas.
Apesar das constatações feitas, deve-se pontuar que os dados expressos na
Tabela 4 estão longe de revelar o real panorama econômico da capitania. O quase
desaparecimento da vila de Porto Seguro, a capital, que arregimentava comercialmente
as povoações vizinhas e mesmo seus ínfimos números apresentados na Tabela é, no
mínimo, curioso. De acordo com os relatos de Luís dos Santos Vilhena, os moradores
das vilas Verde e Trancoso vendiam sua produção de farinha e suas madeiras na
52
povoação de Porto Seguro, que por sua vez, produzia muito peixe salgado para
exportação67.
O mesmo devia acontecer com a produção de Santa Cruz, que tinha seu termo
anexo ao da vila sede da comarca. Contudo essa produção não aparece nos documentos
que nos possibilitaram construir a Tabela.
Talvez os habitantes da vila de Porto Seguro estivessem privilegiando outras
praças comerciais. Deve-se destacar que foram designados dois portos, Bahia e Rio de
Janeiro, para que a Comarca escoasse sua produção. Entretanto, de acordo com o
ouvidor José Xavier Machado Monteiro, os gêneros exportados de Porto Seguro
também eram destinados ao suprimento das tropas de defesa da Colônia e ao Recôncavo
da Bahia, o que engloba diversas vilas. A esta lista, o comerciante inglês Thomas
Lindley acrescentou o porto de Pernambuco. Talvez a produção da vila fosse enviada
prioritariamente para outros portos da colônia, o que nos ajuda a entender seu quase
desaparecimento no da Bahia68.
O que quer que estivesse acontecendo essa movimentação de embarcações rumo
ao porto de Salvador fazia parte de um movimento generalizado entre as comarcas
anexas à antiga capital da colônia, crescente desde a década de 1780. A partir desse
momento, as tradicionais comercializações de açúcar, tabaco e couro da Bahia, foram
acompanhadas por uma crescente onda exportadora de produtos relativamente novos na
colônia, como algodão, arroz, café, cacau e até mesmo o trigo69.
De acordo com a relação de entrada e saída de embarcações do porto da Bahia,
feita em 1797, das localidades de Inhambupe, Itapicurú, Itapoã, Mono, Jequiriçá, Cairu,
Una, Boipeba, Camamu, Rio de Contas, Ilhéus, Patipe, e das vilas da Comarca de Porto
Seguro, “todos da Bahia”, vinham farinha de mandioca, açúcar, arroz, feijão, milho,
peixes salgados, madeiras de todas as qualidades, mastros para navios, casca de mangue
67 VILHENA, Luís dos Santos. Op. Cit., p. 522.
68 CARTA do desembargador, Ouvidor de Porto Seguro, José Xavier Machado Monteiro ao [Martinho
de Melo e Castro] agradecendo a nomeação do seu irmão, Francisco Machado, para o lugar de provedor
da Comarca de Aveiro, e dando informações sobre a capitania de Porto Seguro. Porto Seguro, 01 de julho
de 1776. Op. Cit.; LINDLEY, Thomas. Op. Cit., p. 156.
69 BARICKMAN, B. J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo,
1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 51.
53
para curtume, cabos e setas de imbé, algodão, café e outros gêneros produzidos pela
população dessas localidades70.
Diante dessa movimentação portuária e da diversificação agrícola apresentada na
região de Porto Seguro, fruto em grande medida do reformismo pombalino, entre as
décadas de 1760 e 1770, pode-se perceber que a Comarca participou do que Dauril
Alden denominou de “recuperação agrícola das capitanias costeiras”71.
Essa recuperação fazia parte de um contexto que extrapolava as fronteiras do
império colonial português. Após a crise da produção açucareira haitiana, na década de
1780, a produção de açúcar no Brasil ganhou uma sobrevida, como analisou Celso
Furtado. O contexto posterior à Revolução Frances (as Guerras Napoleônicas) e o
consequente aumento da produção industrial inglesa, levou ao crescimento da demanda
por algodão, do qual também se beneficiou Portugal, através das plantações deste
gênero em suas colônias da América. Houve uma mobilização dos centros produtores de
algodão e açúcar no Brasil. Mas além disso, as dificuldades econômicas das colônias
espanholas abriram brechas para exportação de outros produtos tropicais e também o
comércio de couro, do qual soubera tirar proveito os comerciantes luso-coloniais,
beneficiando-se do aumento geral de preços, que duraria até as primeiras décadas do
século XIX72.
José Jobson de Andrade Arruda bem observou o panorama de diversificação da
vida econômica das possessões portuguesas na América. Na segunda metade do século
XVIII houve uma ampliação da produção agropecuária, que chegou a totalizar 126 tipos
diferentes de produtos comercializados. Nesse contexto é possível observar uma
diminuição na produção dos carros chefes da economia do Brasil até então, o ouro e o
açúcar. Este último, no final do século XVIII não totalizava mais que 35% das
exportações coloniais – o que embora seja um número expressivo, estava distante das
realidades dos séculos anteriores. O restante da produção da colônia correspondia ao
70 ENTRADA E SAÍDA dos navios e transportes na Bahia em todo o presente ano de 1797.
AHU_CU_005-01, Cx. 8, D. 18.305.
71 ALDEN, Dauril. El Brasil colonial tardio, 1750-1808. In: BETHELL, Leslie (ed.). Historia de
América Latina. América Latina colonial: economia. Editorial Crítica: Barcelona, 1990, v. III, p. 306-358,
p. 322.
72 Cf. FURTADO, Celso. A formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1985, p. 92.
54
que Arruda chamou de “uma incrível dinamização da vida econômica interna da
colônia”73.
Esse movimento comercial gerado pela conjuntura internacional acarretou na
consolidação e fortificação do que muitos historiadores chamam de mercado interno da
colônia74. A construção desse mercado, como afirmou José do Amaral Lapa, foi
concomitante ao mercado internacional e se fez cumprindo ou reagindo às imposições
do capitalismo internacional, que rege o mercado mundial75.
Analisando a mesma conjuntura, Caio Prado Júnior, na década de 1940, cunhou o termo
“renascimento agrícola”, aludindo ao crescimento da produção agrícola das possessões
portuguesas na América76. Este termo nos parece muito apropriado para entender o
aumento da circulação de mercadorias agrícolas no interior da Colônia. No entanto, é
preciso destacar que o crescimento de tal circulação, não pressupõe a negação do
“sentido da colonização”, como poderia parecer à primeira vista. Ao contrário, permitenos “mostrar que o mercado colonial é indispensável para sustentar o ritmo do
crescimento econômico da Metrópole”, permanecendo assim, “a essência do sistema”, a
exploração colonial77.
Nesse sentido, ao se observar o reformismo pombalino pode-se perceber que o
fomento à produção interna, como fica claro através do exemplo da capitania de Porto
Seguro, aconteceu dentro da lógica do Antigo Sistema Colonial. Dessa forma é possível
73 ARRUDA, José Jobson de Andrade. O sentido da Colônia. Revisitando a crise do Antigo Sistema
Colonial no Brasil (1780-1830). In: TENGARRINHA, José (org.). História de Portugal. Bauru, SP:
EDUSC; São Paulo, SP: UNESP; Portugal, PT: Instituto Camões, 2000, p. 167-185, p. 173.
74 Os debates em torno da concepção de um mercado interno são muito intensos e extensos e não
pretendemos aqui entrar no mérito dessa questão. Tal debate pode ser acompanhado nas argumentações
de: LAPA, José Roberto do Amaral. O Antigo Sistema Colonial. São Paulo: Brasiliense, 1982;
ARRUDA, José Jobson de A. O Brasil no comércio colonial. São Paulo: Ática, 1980; FRAGOSO, João
Luís. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (17901930). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992; FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo
como projeto: mercado atlântico, sociedade agrári e elite mercantil em uma economia colonial tardia: Rio
de Janeiro, c. 1790-c.1840. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001; FRAGOSO, João; et all. (Orgs.)
O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
2010; GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo-SP: Ática, 2001. Uma boa discussão sobre
as convergências e divergências dos três modelos explicativos utilizados para estudar a história colonial
do Brasil, o “sentido da colonização”, o “modo de produção escravista colonial” e do grupo reunido em
torno de João Fragoso, que difundem a ideia do “antigo regime nos trópicos”, pode ser encontrada em:
MAGALHÃES, Diogo Franco. O reinventar da colônia: um balanço das interpretações sobre a economia
colonial brasileira. Dissertação [Mestrado em Desenvolvimento Econômico] – Instituto de
Economia/Universidade de Campinas, Campinas-SP, 2008.
75 Cf. LAPA, José Roberto do Amaral. Op. Cit., p. 46.
76 PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984, p. 79-93.
77 ARRUDA, José Jobson de A. O Brasil no comércio colonial. Op. Cit., 27.
55
compreender o aumento das exportações de açúcar e tabaco na Bahia, como já foi dito,
que foram acompanhadas por um crescimento na circulação interna de gêneros agrícolas
e extrativistas, cujos excedentes também eram exportados e mesmo de alguns
produzidos propriamente para atender às demandas do mercado externo, como era o
caso do algodão. Disso deriva a possibilidade de se falar em um mercado interno, “um
sistema permanente de trocas, que se desenvolvia com variáveis, oscilações internas e
relacionadas direta ou indiretamente aos mercados externos”, com peculiaridades
regionais (o que soube aproveitar o reformismo pombalino), e “da organização de
produção, que se gestou ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII”78.
Feito esse contexto econômico e demográfico da capitania de Porto Seguro,
entendendo como se encontrava o estado da colonização da região em fins do século
XVIII e início do XIX, podemos passar para a análise da tentativa de contrabando de
pau-brasil ocorrida entre maio e junho de 1802, bem como as escavações em busca de
ouro e diamantes, no rio Grande de Belmonte, em 1801.
78 LAPA, José Roberto do Amaral. Op. Cit., p. 42.
56
2 CONFLITOS, INTERESSES E OPORTUNISMO: A TRAMA DA
DENÚNCIA E A CHEGADA DO COMERCIANTE INGLÊS
Uma capitania inserida no comércio colonial, tal como pretendera o Marquês de
Pombal, esse era o panorama da Comarca de Porto Seguro no início do século XIX.
Entretanto, apesar da dinâmica comercial que apresentamos anteriormente, a região se
tornou um grande centro econômico. Porém, uma antiga prática da Comarca, a extração
de madeiras para a construção naval, parecia atrair a atenção de diversos comerciantes,
colonos, reinóis e estrangeiros – embora fosse monopólio régio. Ainda assim, desde o
século XVII pode-se identificar em documentos, vestígios da atividade de
contrabandistas desse produto. No final do século XVIII e início do XIX, vários casos
de contrabando de madeiras (especificamente pau-brasil), foram denunciados e
contrabandistas foram presos. O caso de comércio ilegal em Porto Seguro que maior
repercussão alcançou foi o do comerciante inglês Thomas Lindley, que pretendia trocar
mercadorias inglesas por pau-brasil com as autoridades régias da Comarca, em 1802.
É este o caso que analisaremos nesta sessão. Os planos dos contrabandistas
foram frustrados e por isso nos referiremos aos coso, sempre, como uma tentativa, tendo
em vista que não passou disso.
Para tanto, começaremos apresentando a denúncia da tentativa de contrabando,
efetuada por um grupo de moradores da vila de Porto Seguro e a partir dela
levantaremos as tramas envolvidas tanto na tentativa de comércio ilegal, quanto na
delação. Optamos por esta estratégia metodológica porque a denúncia, como
discutiremos, foi fruto mais de uma série de acontecimentos que precederam à chegada
da embarcação inglesa a Porto Seguro, do que da ilegalidade do ato em si. A trama
montada para desarticular o “escandaloso contrabando” nos possibilita ampla discussão
sobre aspectos sociais e políticos da capitania de Porto Seguro no período final da
colonização portuguesa no Brasil.
O grupo de denunciantes foi reunido por Francisco Faustino Correa. A forma de
cooptação dos membros, a legislação portuguesa de combate ao contrabando, os
conflitos derivados da rotina administrativa das autoridades régias, esses e outros temas
podem ser discutidos a partir da denúncia assinada e jurada por Faustino e outros cinco
moradores da vila de Porto Seguro. O objetivo dessa sessão é trazer à tona a trama da
57
denúncia e a partir dela fazer uma análise social da capitania de Porto Seguro no fim do
período colonial.
2. 1 Francisco Faustino: o articulador da denúncia
Jurada na cidade de Salvador em 23 de junho de 1802, a delação foi efetuada por
Francisco Faustino, José Vitorino, Venceslau Borges, Luciano Nunes, Manoel
Rodrigues de Oliveira e Joaquim Antônio dos Santos. Todos moradores da vila de Porto
Seguro e pelo menos três deles não eram naturais dela. O líder do grupo de
denunciantes, de acordo com os relatos dos depoentes na investigação que seguiu à
delação, foi Francisco Faustino.
Faustino era pardo, com idade estimada entre 30 e 40 anos, chegou à Comarca
de Porto Seguro quando criança, degredado do Rio de Janeiro no início da década de
1770, acompanhado de sua mãe, uma negra chamada Quitéria Lomba. O único registro
que conseguimos encontrar sobre a sua infância foi uma carta do Marquês de Lavradio,
à época vice-rei do Brasil. A missiva foi enviada ao então ouvidor de Porto Seguro, José
Xavier Machado Monteiro, em 17 de maio de 1773. Nela Lavradio comunicava o envio
de “uma negra, e um mulato pequeno filho dela, assim uma como outro, indigníssimos
indivíduos” 79, que estavam
desinquietando infinitas casas honradas, de que são contínuas as
queixas, que todos os dias aparecem na minha presença. Esta mulher a
fará V. M.ce passar para o pior e mais distante [lugar] dessas
povoações, vigiando muito sobre os seus ardizes, porque debaixo de
um bom modo e de algumas prendas que tem, é um vivo demônio
capaz de sugerir as maiores desordens. O filho não convêm que fique
vivendo nas mesmas partes, que a mãe, porque com as noções dela já
não lhe é inferior em maldade e cada vez ficará pior. Ele assistiu
algum tempo nesta casa, onde além dos infinitos enredos [que] quis
fazer com a minha família, foram um pouco consideráveis os roubos,
que se lhe descobriram. Eu os recomendo a V. M.ce a fim que não
tornem a aparecer nesta Capitania [do Rio de Janeiro]80.
Infelizmente não podemos saber quais eram os “ardizes” praticados por Quitéria
Lomba, no entanto, as acusações de roubo feitas pelo vice-rei a Faustino é um indício
79 CARTA do Marquês de Lavradio ao Ouvidor de porto Seguro, José Xavier Machado Monteiro. BNRJ
– Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. 17 de maio de 1773.
80 Idem.
58
que a mãe praticasse o mesmo crime, tendo em vista que afirmou que o filho possuía as
mesmas “noções” da mãe.
Quitéria Lomba e Francisco Faustino foram enviados a Porto Seguro no período
em que o ouvidor José Xavier Machado Monteiro executava as determinações
pombalinas de expansão do povoamento e dos núcleos urbanos na Comarca, dentro do
plano reformista que discutimos anteriormente. Nesse contexto houve a criação de
novas vilas, em sua maioria classificadas como “vilas de índios”, e a atração de colonos
de outras regiões da colônia portuguesa na América, para ajudar a compor as
populações dessas novas vilas, conforme também já abordamos.
Entre os povoadores das novas vilas estavam muitos degredados enviados
anualmente da Bahia e do Rio de Janeiro, tal como aconteceu com Faustino e sua mãe.
José Xavier Machado Monteiro informou em uma carta enviada a D. José I em 10 de
maio de 1771, que anualmente chegavam à Porto Seguro “pouco mais de duas dúzias”
deles. Embora tenham sido importantes para o povoamento das novas vilas, estes
degredados parecem ter causado problemas para os administradores de Porto Seguro,
pois o ouvidor dizia estar “perturbadíssimo” com eles, devido ao “mal procedimento”
que apresentavam81.
Cada degredado trazia consigo hábitos culturais, formas de agir, pensar,
trabalhar e se relacionar, que se complementaram nas novas vilas com os costumes dos
habitantes locais, permitindo a formação de espaços diversos. Os degredados ou ociosos
das cidades do Rio de Janeiro e Bahia, bem como os vadios da própria capitania de
Porto Seguro – em sua maior parte indígenas – tornaram-se a base da expansão do
povoamento da Comarca na segunda metade do século XVIII e transformaram-se na
mais importante característica “da dinâmica demográfica e cultural das vilas de índios
porto-segurenses”82.
Infelizmente a ausência de documentação não nos permite traçar as trajetórias
desses degredados, nem mesmo seus nomes são mencionados nas correspondências dos
ouvidores. Do próprio Faustino não saberíamos, talvez, se não fosse a denúncia da
tentativa de contrabando ocorrida em 1802 e mesmo dele e de sua mãe pouco pudemos
81 CARTA do ouvidor de Porto Seguro, José Xavier Machado Monteiro, ao rei, relatando os progressos
dessa capitania em 1770. Porto Seguro, 10 de maio de 1771. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 45, D. 8446.
82 CANCELA, Francisco. Op. Cit., p. 168.
59
conhecer até o momento. Durante as investigações para esclarecer a tentativa de
contrabando, porém, surgiram novas evidências sobre o seu passado.
Faustino tornou-se alferes de uma das companhias de Homens Pardos da
Comarca de Porto Seguro. Dentro da organização militar colonial essas companhias
integravam as chamadas Ordenanças, que formavam as tropas de terceira linha. Esses
destacamentos eram compostos por homens livres entre 16 e 60 anos, não eram
remunerados e seu oficialato era composto quase sempre pelo que podemos denominar
de elite local – proprietários de terras ou comerciantes. O cargo de alferes correspondia
ao oficialato subordinado, ocupando posição hierárquica logo abaixo da patente de
Capitão e era seguido pelos sargentos e cabos. Na Comarca de Porto Seguro não havia
destacamentos militares de primeira ou segunda linha, pelo que pudemos constatar
através dos depoimentos na devassa. Todos os oficiais militares que foram interrogados
no processo, bem como os alferes e soldados, todos eram Ordenanças, portanto,
militares de terceira linha83.
Além do serviço nas Ordenanças, Faustino exercia o ofício de cirurgião prático.
Contraiu matrimônio na vila de Belmonte com uma índia chamada Inácia, com quem
teve um filho e à qual abandonou pouco tempo após o casamento, de acordo com o
relato das testemunhas. Era considerado por seu contemporâneos com uma pessoa de
“péssimos costumes” e que vivia na “total irreligião”. Nas correições84 realizada pelo
ouvidor José Dantas Coelho, entre 1801 e 1802, foi acusado de “defloramento de moças
brancas” e pronunciado como culpado pelo crime de “concubinato”85.
Pouco tempo depois das correições, Faustino tornou-se inimigo do ouvidor José
Dantas Coelho e de seus filhos Antônio Luís e Gaspar José. A inimizade não foi fruto
das acusações nas correições, mas por causa de um infeliz acidente sofrido por João
Bento Rodrigues, o meirinho das correições da Comarca de Porto Seguro. João Bento
foi esfaqueado por um índio na vila de Belmonte após uma discussão, entre 1801 e 1802
83 WHWLING, Arno; WHWLING, Maria José. Formação do Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1994, p. 308.
84 As correições serviam para que o ouvidor da comarca fizesse a aproximação das normas do direito
régio à vida das comunidades, em audiências públicas. Destas correições, em geral, o ouvidor deixava
recomendações para o “bem viver” em comunidade; a essas recomendações dá-se o nome de
provimentos. Cf. PERGORARO, Jonas Wilson. Ouvidores régios e centralização jurídico-administrativa
na América portuguesa: a comarca de Paranaguá (1723-1812). Dissertação (Mestrado em História) –
Programa de Pós-Graduação em História, Faculdade de Ciências Humanas, Letras e Artes/Universidade
Federal do Paraná – UFP, Curitiba, 2007, p. 68.
85 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 223-226.
60
– o motivo da contenda ainda nos é um completo mistério. Além de meirinho, João
Bento Rodrigues, homem branco casado, com cerca de 53 anos de idade em 1802, era
criado pessoal do ouvidor José Dantas Coelho e seus filhos. Natural do Reino, declarou
servir a José Dantas e, inclusive, viera de Portugal por sua causa86.
Para socorrer ao criado ferido, Gaspar José e Antônio Luís Dantas Coelho
recorreram ao cirurgião licenciado Manoel Luís da Motta, que foi enviado à vila de
Belmonte para cuidar de João Bento Rodrigues. No entanto, Francisco Faustino, que
atuava como cirurgião prático, havia ficado responsável por cuidar dos curativos feitos
por Luís da Motta. Por este serviço, Faustino cobrou a Dantas e a seus filhos uma
quantia muito alta, à qual se recusaram a pagar,
Não querendo contentar-se com a paga que o Reo [José Dantas
Coelho] lhe ofereceu, pedindo doze mil réis, entrou a levantar vozes,
do que se deu a ver algumas razões com os filhos do Ouvidor e
roubando destes os doze mil réis que pedia, saiu para a vila onde
dissera que era sua casa, lhos davam aquelas vozões (sic), porém, que
os esperava na rua (...)87.
José Dantas Coelho achou a quantia de doze mil réis, cobrada por Francisco
Faustino, muito cara, porque ele não possuía licença para exercer o ofício de cirurgião.
Tal profissão (cirurgião) fazia parte das atividades classificadas como ofícios
mecânicos, designação para trabalhos manuais como sapateiro, ferreiro, alfaiate,
pintores, escultores, dente outras. Os oficiais mecânicos dependiam de uma licença para
atuação e os profissionais precisavam se submeter a testes no final de seus estudos para
provarem que estavam aptos a praticarem seus ofícios. O controle das atividades
mecânicas era feito pelos ouvidores Gerais das Comarcas e pelas câmaras municipais
que arbitrava preços, taxações e punições para os desvios dessas profissões88.
Os oficiais mecânicos se organizavam em corporações e participavam de
irmandades religiosas, geralmente devotadas ao santo que representava suas profissões.
86 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 217.
87 Idem, f. 171-172.
88 SILVA FILHO, Geraldo. O Oficialato Mecânico em Vila Rica no Século Dezoito e a Participação do
Escravo e do Negro. Dissertação (Mestrado em História Social) – Faculdade de Filosofia Letras Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo São Paulo, 1996, p. 57. FLEXOR, Maria Helena Ochi. Ofícios,
manufaturas e comércio. In: SZMRECSÁNUI, Thomás. História econômica do período colonial. São
Paulo: Hucitec; Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica; Editora da Universidade
de São Paulo; Imprensa Oficial, 2002, p. 173-194, p. 188-189.
61
Na Comarca de Porto Seguro não encontramos evidências desse tipo de organização.
Nela era comum que as crianças indígenas, após receberem as primeiras letras nas
escolas, fossem repartidas nas casas dos oficiais mecânicos e estes se responsabilizavam
por ensinar-lhes a profissão. A repartição dos indígenas entre as famílias brancas,
conforme determinava o Diretório do Índio, fazia parte do projeto de civilização dos
grupos indígenas, como argumentamos na sessão anterior. Além disso, terminou por ser
uma manobra para suprir os colonos de mão de obra, devido a pouca incidência de
escravos. Essa prática remontava ao governo do segundo ouvidor da Comarca, José
Xavier Machado Monteiro.
Faustino, porém, não era licenciado e mesmo assim exercia o ofício de cirurgião.
Talvez o cargo de alferes lhe possibilitasse exercer tal profissão sem interferência da
Câmara, ou isso lhe seria possível devido ao número de cirurgiões que talvez não fosse
suficiente para atender às demandas da vila de Porto Seguro e redondezas. Todavia, foi
a discussão entre Faustino, José Dantas e seus filhos em torno dos curativos feitos à
João Bento Rodrigues que os transformou em inimigos. De acordo com os relatos das
testemunhas da devassa, após a discussão Faustino jurou “botar a perder” o ouvidor e
seus filhos com aquele mesmo dinheiro89.
Foi nesse período, entre abril e maio de 1802, que chegou a Porto Seguro a
embarcação inglesa liderada pelo comerciante Thomas Lindley. Pouco tempo depois os
boatos sobre contrabando de fazendas inglesas envolvendo o ouvidor, seus filhos e o
comerciante inglês, começaram a se difundir nas vilas de Porto Seguro, Belmonte,
Trancoso e Vila Verde.
De acordo com o depoimento de João de Almeida Freire90, um comerciante
local, Faustino ficou sabendo dos boatos de contrabando de pau-brasil através do
crioulo Arcângelo, que morava numa casa vizinha à sua e do qual era amigo e de João
Coelho, filho de um calafetador da vila Porto Seguro. De acordo com Sebastião Borges
da Purificação, outro depoente, Arcângelo havia retirado a madeira de uma das lanchas
dos filhos do ouvidor José Dantas. A embarcação teria trazido gêneros alimentícios para
o barco inglês e Arcângelo foi uma das pessoas que ajudou a descarregá-la no armazém
de Antônio José Maranhão. Entre a carga estava a madeira de extração proibida. Outros
dois depoentes, Firmiano José do Bonfim e Maria Pereira da Assunção, também
89 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João], Op. Cit., f. 171-217.
90 Idem, f. 64-68.
62
afirmaram que teria sido através de Arcângelo e João Coelho que Faustino obteve um
pedaço de pau-brasil para ser utilizado como prova na denúncia91.
Arcângelo Gomes Pereira era um crioulo alforriado, casado e com cerca de 27
anos de idade quando ocorreu a sucessão de denúncias. Vivia de “andar embarcado”92,
fazia descarga de mercadorias das lanchas. Ao ser interrogado, disse que era vizinho de
Francisco Faustino e que com ele havia examinado um pedaço de madeira que havia
retirado da lancha dos filhos de José Dantas Coelho. Juntos concluíram que era paubrasil. Arcângelo afirmou que Faustino então teria levado a “madeira para melhor se
certificar e depois soube que ele havia ido para a Bahia”93.
João Coelho de Sousa, pardo solteiro de 15 anos de idade, disse que ao saber que
Arcângelo tinha um pedaço de pau-brasil teria lhe pedido a madeira para que seu pai
pudesse utilizá-la para tingir tecidos, mas afirmou que Arcângelo já havia dado o
pedaço da madeira a Faustino94.
Infelizmente não encontramos os depoimentos de Francisco Faustino, que
poderia revelar melhor os fatos mencionados pelas testemunhas citadas. No entanto,
sabemos pelos depoimentos que foi nesse momento, entre maio e junho de 1802,
quando o barco do comerciante inglês Thomas Lindley já estava há cerca de um mês
ancorado em Porto Seguro, que Faustino partiu para Salvador, no intuito de poder
concretizar sua promessa de “botar a perder” o ouvidor e seus filhos com “aquele
mesmo dinheiro” que havia recebido pelos curativos feitos em João Bento Rodrigues e
estava de posse do pedaço de pau-brasil conseguido que Arcângelo havia supostamente
lhe dado, que possivelmente foi utilizado como evidência no ato da denúncia.
A caminho de Salvador e depois já na Bahia, Faustino encontrou alguns
moradores da vila de Porto Seguro que o ajudaram a concretizar seus planos.
91 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 72-74.
92 Idem, f. 135-136.
93 Idem, f. 135-136.
94 Idem, f. 139-140.
63
2. 1. 1 A pena do degredo: direito penal e colonização no Império Ultramarino
português
A trajetória de Quitéria Lomba e seu filho Francisco Faustino não foi uma
singularidade na segunda metade do século XVIII. Muitos degredados foram enviados à
Porto Seguro, entre as décadas de 1770 e 1780, e mesmo posteriormente. Junto aos
grupos indígenas, estes degredados enviados à capitania atuaram como povoadores e
produtores de riquezas, mormente empregados na agricultura.
Infelizmente a falta de documentação a respeito deles não nos possibilita reviver
suas trajetórias e entender como se deu sua inserção nas comunidades locais. Nem
mesmo nomes, naturalidades, dentre outras coisas, pouco lhes foi legado à posteridade,
com exceção de uns poucos indivíduos que por ventura aparecem na documentação
administrativa ou judicial. A história desconhecida dessas pessoas se insere no que os
historiadores classificam como degredo interno, penalidade que acometeu diversos
indivíduos durante a segunda metade do século XVIII e mesmo depois dos tempos
coloniais.
O degredo é uma penalidade conhecida no ocidente desde a antiguidade.
Originalmente consistia em uma forma de eliminação da oposição política, como fez o
político e legislador ateniense Clístenes, no século V a.C., ao criar o ostracismo. Essa
penalidade consistia no banimento por dez anos ao qual estava submetido qualquer
cidadão ateniense que fosse considerado um inimigo em potencial à democracia. Na
Roma antiga praticava-se o exsilium, palavra que pode ser traduzida como “desterro”,
imposto ou voluntário, que obrigava uma determinada pessoa a se afastar de sua
comunidade. Essa prática teve origem na “interdição da utilização do fogo e da água” de
uma vila ou cidade, por isso a pessoa era obrigada a desterrar-se para sobreviver. No
período posterior ao fim do Império Romano do Ocidente, o exsilium transformou-se no
“degredo”, palavra derivada do verbo “degradar”, “diminuir de grau”. Ao “degradado”
se impunha um “banimento”, antigo vocábulo germânico derivado de “bando”, que
significava “proclamação pública”95.
95 FERNANDES, Saul Estevam; SOUZA, Francisco das Chagas Silva. PURGANDO PECADOS E
LIMPANDO A EUROPA: o degredo no cotidiano dos primeiros séculos de colonização do brasil.
ANAIS DO II ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA COLONIAL. Mneme – Revista de
Humanidades. UFRN. Caicó (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008., p. 1-15, p. 2. Disponível em
www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais: acesso: 5/12/2014.
64
O degredado tinha a sua condição social diminuída, era humilhado diante de sua
sociedade através de uma sentença pública que o obrigava a se afastar de sua terra natal.
Tal penalidade era considerada uma condenação severa, muitas vezes estando logo
abaixo das penas de serviços forçados nas galés e a pena de morte. Após cumprir sua
penalidade, a pessoa banida se reabilitava perante a sociedade e podia então voltar a sua
terra de origem. Assim sendo, o degredo era um forma de moralização dos indivíduos
punidos por uma série de crimes que iam da reincidência em pequenos furtos ao
homicídio.
Essa penalidade esteve viva na memória e na prática jurídica das sociedades
europeias desde a antiguidade e com o advento das conquistas ultramarinas, a partir do
fenômeno histórico denominado de Grandes Navegações, ela sofreu uma mutação em
sua finalidade social. No caso da sociedade portuguesa, que é a que nos interessa e na
qual nos deteremos, tal pena consistia numa forma de expulsão penal prevista tanto pela
justiças secular, quanto pela eclesiástica. O condenado era obrigado a sair do local onde
cometera seu crime e enviado a outro território, no próprio reino, ou para outras partes
do Império, onde deveria permanecer por tempo determinado ou permanentemente. O
processo de reabilitação social do indivíduo degredado se dava por meio do trabalho,
estando o banido sob constante vigilância. A fuga do degredo poderia acarretar em pena
de morte96.
Uma série de leis regulamentou essa penalidade na sociedade portuguesa em fins
da Baixa Idade Média e início do período moderno. As Ordenações Afonsinas,
publicadas em 1456, sistematizaram uma série de crimes que poderiam ser punidos com
o desterro. Posteriormente as Ordenações Manuelinas, de 1521, a compilação das Leis
Extravagantes97, terminada em 1569, por fim as Ordenações Filipinas, aprovadas em
1595 (mas vigorantes apenas a partir de 1603), ampliaram os crimes puníveis com o
degredo. Cerca de 256 delitos seculares e religiosos tornaram-se passiveis de punição
com o desterro. Na esfera eclesiástica, essa penalidade era regulamentada pelo
Regimento Inquisitorial, publicado em 1640.
O direito português compunha um sistema jurídico extremamente complexo,
entre o final do período medieval e em todo o moderno. Portugal foi a primeira nação
96 TOMA, Maristela. Imagens do degredo: história, legislação e imaginário (a pena de degredo nas
Ordenações Filipinas). (dissertação de mestrado). Campinas: Unicamp, 2002.
97 As leis que estavam fora dos códigos jurídicos, mas também postas em vigor, eram compiladas no
conjunto das Leis Extravagantes.
65
europeia a sistematizar um código jurídico, as Ordenações Afonsinas, num contexto em
que estava acontecendo uma mutação nos sistemas jurídicos da Europa ocidental, no
qual o Direito Próprio (leis nacionais) passava a ser preterido ao Direito Romano (base
de todo o sistema jurídico europeu). As ordenações portuguesas serviram de exemplo
para as demais nações europeias. Mesmo com a codificação das leis nacionais, o Direito
Português não era independente: nas questões em que o Direito Nacional não versava, e
que não se tratava de questões próprias da esfera eclesiástica (matérias de pecado), era
aplicado o Direito Romano; em matéria espiritual o Direito Canônico; quando não
tivesse norma aplicável nestes três, utilizava-se a Glosa de Acúrsio98; quando este
também falhava, recorria-se a Opinião de Bártolo99; por fim, quando nenhum destes
fosse suficiente, a prerrogativa real de resolução em última instância era utilizada100.
As Ordenações Afonsinas inauguraram um período de intensa aplicação da pena
de degredo, algo que se torna compreensível através do contexto lusitano. Na segunda
metade do século XV os portugueses estavam a pleno vapor em seu processo de
conquistas ultramarinas, iniciando a colonização de regiões africanas e ilhas atlânticas,
processo iniciado em 1415, com a conquista da cidade muçulmana de Ceuta, no norte
do continente africano (no atual Marrocos). Quando da publicação das Ordenações
Manuelinas, a metrópole estava prestes a iniciar a ocupação de suas possessões na
América. Nesse contexto, principalmente entre os séculos XVI e XVIII, os monarcas
portugueses se utilizaram cada vez mais da condenação ao degredo para a exclusão
sistemática de seus delinquentes internos, transformando este termo num “conceito
racional de colonização forçada”101.
O degredo, que dentro do imaginário da época possibilitaria a regeneração ou
purificação do comportamento do indivíduo, para além das questões moralizantes,
assumiu uma dupla função: por um lado, a Metrópole se livrava de indivíduos
indesejados na sociedade local, por outro, não os excluía das funções de súditos da
Coroa, uma vez que os utilizava como colonos em partes longínquas do Império,
98 A Magna Glosa, a reunião das melhores glosas, explicações de passagens obscuras ou discussões de
questões controversas do Direito Romano, produzidas por vários jurisconsultos medievais e acrescidas
das opiniões de Francesco Acúrsio, publicada por volta de 1240, na Itália.
99 Comentário do Direito Romano feitos por Bártolo de Sassoferrato.
100 Ver TOMA, Maristela. História, legislação e degredo em Portugal. In: Justiça & História – Volume 5
- Nº 10, 2005, p. 1-29.
101 COATES, Thimoty J. Degredados e Órfãs: colonização dirigida pela coroa no império português.
1550-1755. Lisboa: CNCDP, 1998, p. 28.
66
incluindo-os no processo de conquista. Dessa forma, os degredados tornavam-se
parceiros na manutenção do domínio português no ultramar. É nesse sentido, como
afirmou Fábio Pontarolo, que a pena de degredo executada pelos portugueses se
diferencia de seus antecedentes na tradição penal ocidental102.
A penalidade sofrida por Francisco Faustino e sua mãe estavam inseridas no
chamado degredo interno, que a partir do reformismo pombalino se transformou em
uma estratégia de povoamento de regiões onde havia necessidade de expansão do
povoamento. Feita essa breve e necessária reflexão, podemos tratar do grupo reunido
por Faustino para denunciar as autoridades régias da Comarca de Porto Seguro em
1802.
2. 2 Os inimigos do ouvidor e do capitão mor de Porto Seguro
Francisco Faustino, pelo que relataram as testemunhas, não conseguiu convencer
nenhuma pessoa na vila de Porto Seguro a se juntar a ele para denunciar o contrabando
de mercadorias inglesas, perpetrado pelo comerciante Thomas Lindley e o ouvidor José
Dantas Coelho e seus filhos. Tal situação não nos parece estranha, estando próximas à
influência das duas maiores autoridades régias da capitania, o ouvidor e o capitão mor,
os moradores não se arriscariam a denunciá-los, tendo em vista que essa atitude poderia
gerar represálias. Isso fica claro no texto da denúncia, quando os denunciantes pediram,
a Vossa Excelência [o governador da ], em cujas oficiosas e benéficas
mãos depositam a verdade da presente exposição, haja de fazer que o
zelo louvável dos suplicantes, com seus ditos não torne prejudicial às
suas pessoas, famílias e fazendas103.
Muito além de uma praxe burocrática, a súplica dos denunciantes após
realizarem a delação, em sigilo, relaciona-se ao perigo real que corriam os denunciantes
no Brasil colônia. Não eram raros os casos de violências para com aqueles que se
colocavam no caminho de contrabandistas. A exemplo disso o historiador Tiago Gil, ao
estudar as ações da rede de contrabando liderada por Rafael Pinto Bandeira (um
102 PONTAROLO, Fabio. Degredo Interno e Incorporação no Brasil Meridional: trajetórias de
degredados em Guarapuava, século XIX. 2007. 150 f. Dissertação (Mestrado em História) – Setor de
Ciências Humanas, Letras e Artes /Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2007, p. 18.
103 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João], Op. Cit., f. 22.
67
importante agente a serviço da coroa portuguesa), na segunda metade do século XVIII,
na capitania do Rio Grande de São Pedro, pôde observar que entre as ações do grupo a
utilização de perseguições, assassinatos e outros tipos coerção e violência não estavam
descartados104.
Possivelmente em Porto Seguro essas formas de coação não estavam fora de
cogitação. Isso ficou evidente durante o depoimento o comerciante inglês Thomas
Lindley quando afirmou que Gaspar José, o filho mais velho do ouvidor José Dantas
Coelho, declarou após saber da denúncia que se pudesse pôr as mãos em Francisco
Faustino, “lhe tiraria a vida”
105
. O temor de possíveis represálias dificultava as
denúncias. Para impedir essa situação a coroa portuguesa, através da publicação do
Alvará de 8 de setembro de 1711, permitia que as delações fossem feitas em sigilo106.
Essa mesma lei proibia que qualquer embarcação estrangeira estabelecesse
comércio direto em qualquer dos portos das colônias portuguesas e com qualquer
pessoa se a devida autorização da Metrópole. Diversas pessoas compraram mercadorias
inglesas com o comerciante Thomas Lindley e dessa forma também se tornaram
criminosas, de acordo com o supracitado Alvará.
Denunciar as ações de José Dantas e seus filhos significaria, para os
denunciantes, atrair a atenção das autoridades régias para si próprios, suas famílias e
bens, tornando o risco da denúncia muito alto. Pensando nisso, além da possibilidade
dos sigilo na delação, a Coroa criou um mecanismo para estimular as denúncias, ao
oferecer uma parte da carga apreendida nessas embarcações de contrabandistas aos
delatores. Aparentemente Faustino se baseou no Alvará de 1711 para executar sua
vingança contra José Dantas e seus filhos (além do capitão mor), especificamente em
seus três aspectos fundamentais: a) a proibição do comércio direto de embarcações
estrangeiras com os colonos; b) a possibilidade de denúncia em sigilo; c) e a
recompensa pela delação.
Era uma lei antiga, quando ocorreu o “o escandaloso contrabando”, porém ainda
em vigor, o que àquela altura a tornava muito conhecida pelos colonos. Além disso,
104 GIL, Tiago Luís. Infiéis transgressores: elites e contrabandistas nas fronteiras do Rio Grande de São
Pedro (1760-1810). Op. Cit.
105 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João], Op. Cit., f., 160.
106 LEY sobre se nam adimitirem nos portos d’esta Capitania navio algum estrangeiro senão na forma
que se dispõe a dita Ley e o Alvará, que se segue. Lisboa, 8 de fevereiro de 1711. Este Alvará foi
reforçado em 1719 e renovado em 1734. Estava em vigor ainda no início do século XIX.
68
sendo membro do corpo de Ordenanças, é bem possível que Francisco Faustino tivesse
conhecimento do conteúdo do mencionado Alvará.
Como não conseguiu aliados na vila de Porto Seguro Faustino partiu para
Salvador, numa lancha pilotada pelo mestre Joaquim Antônio dos Santos107. O mestre
Joaquim relatou que durante a viagem Faustino tentou convencer as demais pessoas a
bordo da embarcação a fazerem juramento contra José Dantas, prometendo-lhes dividir
a parte da carga da embarcação inglesa, que caberia aos denunciantes, quando esta fosse
apreendida (conforme ordenava a lei), o que é uma evidência de que ele tinha
conhecimento do Alvará de 1711108.
Entre as pessoas que se encontravam na lancha pilotada pelo mestre Joaquim
Antônio, estava Manoel Rodrigues de Oliveira, um marinheiro oriundo da capitania de
Pernambuco que havia desertado em Porto Seguro entre os anos de 1788 e 1789.
Infelizmente não sabemos muito a seu respeito; foi descrito pelas testemunhas como um
homem “pobríssimo” e de fácil persuasão, que não tinha casa própria e vivia de pilotar a
lancha de um comerciante chamado Inácio da Silva Araújo (que além de comerciante
era escrivão das correções da Comarca). Manoel Rodrigues era casado morava na casa
de seu cunhado, Francisco Antônio, como agregado109. Manoel Rodrigues de Oliveira
tornou-se o primeiro aliado de Francisco Faustino, que de acordo com os autos da
devassa, nada tinha de inimizade contra o ouvidor José Dantas, seus filhos Gaspar José
e Antônio Luís, ou contra o capitão mor Mariano Manoel da Conceição.
Além de Manoel Rodrigues, Faustino encontrou em Salvador outros moradores
da vila de Porto Seguro,que terminaram por se tornarem seus aliados. Entre eles estava
o pardo José Vitorino de Santana, natural da vila de Camamu, na Comarca dos Ilhéus.
Vitorino exercia o ofício de sapateiro, era casado com a crioula Felipa da Trindade, mas
foi condenado por crime de concubinato pelo ouvidor José Dantas. José Vitorino
mudou-se de Camamu para a Bahia, em um período que ainda não pudemos determinar,
morando em Salvador durante algum tempo na companhia de uma mulher casada,
107 Tudo que sabemos sobre as declarações do mestre Joaquim Antônio foi extraído dos depoimentos de
algumas testemunhas, que relataram conversas com o mestre de lancha, após a denúncia. Não consta nos
autos uma inquirição ao mestre. Utilizamos os relatos dessas testemunhas por que elas apresentam as
mesmas informações. Embora essa repetição não seja sinônimo de veracidade, foi a única opção que
encontramos para recompor a trajetória e as estratégias de Francisco Faustino.
108 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João], Op. Cit., f. 171-218.
109 Idem, f. 224.
69
possivelmente também natural da Comarca dos Ilhéus. Da Bahia mudou-se para a vila
de Porto Seguro, onde tempos depois acabou sendo preso pelo mencionado crime110.
Segundo relataram as testemunhas, à época da chegada da embarcação inglesa e
da tentativa de contrabando, José Vitorino estava em Salvador para resolver sua
situação judicial. Não sabemos como se deu a abordagem de Faustino a José Vitorino,
nem se eles já se conheciam, o que acreditamos ser possível tendo em vista que residiam
na mesma vila, cuja população era de pouco menos de dois mil habitantes – como pode
ser observado na Tabela 1 (p. 38). Contudo, é possível que lhe tenha sido feita a mesma
proposta oferecida a Manoel Rodrigues, que somada à situação judicial imposta pelo
ouvidor José Dantas, possibilitou sua cooptação por Francisco Faustino111.
Outro dos moradores de Porto Seguro que se tornou aliado de Faustino foi
Luciano Nunes Teixeira. Este havia saído da prisão pouco tempo antes da chegada do
comerciante Thomas Lindley a Porto Seguro. Havia sido preso por ordem de Mariano
Manoel da Conceição, quando ainda era juiz ordinário da vila de Porto Seguro –
infelizmente não pudemos estabelecer o período em que Mariano Manoel exerceu este
cargo. Estava envolvido em uma disputa judicial contra uma filha bastarda e assim que
saiu da prisão partiu para Salvador com o intuito de resolver sua situação judicial112.
Neste ponto, é preciso fazer uma reflexão sobre o capitão mor da Comarca de
Porto Seguro. Mariano Manoel da Conceição, que durante o governo de José Dantas
Coelho ascendeu na hierarquia militar da Comarca, também ocupou o cargo de juiz
ordinário na vila. Ele atuava em diversas esferas da sociedade colonial, era comerciante,
capitão de Ordenanças e já havia ocupado cargos na administração da vila de Porto
Seguro. Era uma pessoa bem relacionada e muito influente, como evidencia o fato de
que todos os cinco capitães de Ordenanças interrogados nas investigações, entre 1892 e
1803, apresentaram versões sobre a tentativa de contrabando e as escavações em busca
de ouro e diamantes que afastavam qualquer suspeita do envolvimento de Mariano
Manoel da Conceição nessas duas atividades ilegais. Além disso, quando da chegada do
comerciante inglês Thomas Lindley, o então juiz ordinário da vila de Porto Seguro,
Manoel Fernandes do Rosário, era cunhado de Mariano Manoel da Conceição.
110 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João], Op. Cit., f. 223-224.
111 Idem.
112 Idem., f. 171-218.
70
O capitão mor de Porto Seguro parecia possuir uma boa rede de relações, o que
nos possibilita compreender a aproximação de Gaspar José e Antônio Luís, filhos do
ouvidor José Dantas, com Mariano Manoel. Ele era o representante do que podemos
denominar de elite local – pessoas envolvidas no comércio e administração locais e que
formavam em torno de si verdadeiras redes de interesses. Eram essas mesmas redes, nas
quais eram frequentes a participação de funcionários régios e cujos interesses se
chocavam com outros grupos ou com eles cooperava, que executavam o comércio ilegal
na colônia113.
No entanto, além dos grupos que participavam dos negócios ilícitos, aqueles que
se opunham às ações dos contrabandistas também eram movidos por seus próprios
interesses e podiam formar grupos de denunciantes, como se pode observar no
“escandaloso contrabando praticado em Porto Seguro”.
Na tentativa de montar sua rede de denunciantes, Francisco Faustino também se
deparou, ainda em Salvador, com Venceslau Borges da Trindade, outro morador da vila
de Porto Seguro, e tal como Faustino, era Alferes de Ordenanças, provavelmente
conhecido de Faustino. Venceslau foi descrito pelo capitão João Bernardo do Valle, um
dos depoentes na devassa, como homem “pobre, sem escravos, que come pelas casas de
seus irmãos”114. Ele estava na Bahia para resolver, assim como os outros, um problema
judicial, mas não próprio e sim de sua tia, Bárbara de Mattos, que havia sido presa por
ordem do ouvidor José Dantas Coelho. O crime de Bárbara de Matto foi ocultar em sua
casa uma jovem contra a sua vontade, à qual pretendia entregar em casamento a
Cipriano Lobato. Este último também estava em Salvador, possivelmente em
companhia de Venceslau Borges, e terminou por se juntar ao grupo de denunciantes115.
O último dos delatores que se uniu a Francisco Faustino foi o próprio mestre de
lancha que o conduziu a Salvador, Joaquim Antônio dos Santos. Ele afirmou ter sido
coagido a assinar um papel – sem saber o que continha – que um soldado lhe havia
entregue. Sendo intimidado, fez uma cruz no papel, pois era analfabeto116. O mestre
culpou Francisco Faustino de ter induzido as testemunhas que com ele juraram a
113 MOUTOUKIAS, Zacarias. Burocracia, contrabando y autotransformacion de las elites. BuenosAires
en el siglo XVII. Anuario del IEHS, Tandil, 1988, p. 213-248.
114 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João], Op. Cit., f. 224.
115 Idem, f. 171-218.
116 No período colonial, quando uma pessoas analfabeta previsa assinar algum tipo de documentação,
fazia uma cruz à frente de seu nome escrito pelo escrivão, dando fé de aquela assinatura era verdadeira.
71
veracidade dos termos expostos na denúncia (que pode ser lida no Anexo II deste
trabalho), motivadas pela promessa de receber, na qualidade de denunciantes, como
estabelecia o mencionado Alvará de 1711, parte da carga da embarcação inglesa quando
esta fosse apreendida. Acusou-o ainda, de ter falsificado suas assinaturas117.
Embora tenha acusado Faustino de o ter enganado, é possível que o próprio
mestre Joaquim Antônio dos Santos tenha sido cooptado por Francisco Faustino, através
da mesma promessa feita aos outros, de com ele dividir as mercadorias da embarcação
inglesa quando fosse apreendida. Uma evidência a este respeito, é a narração que fez,
posteriormente, dos fatos que citamos, todos baseados em suas narrativas. Ele parecia
estar muito bem informado dos passos de Faustino na Bahia e conhecia igualmente bem
as histórias de cada um dos indivíduos envolvidos na denúncia. Ele parece ter ficado
tempo suficiente com Francisco Faustino e com os demais denunciantes em Salvador
para poder detalhar a estratégia de ação de Faustino.
Esses foram os denunciantes que desencadearam o início das investigações do
“escandaloso contrabando”, mas não foram os únicos. Durante as investigações, outras
pessoas começaram a delatar ações ilegais cometidas pelo ouvidor José Dantas Coelho,
seus filhos Gaspar José e Antônio Luís, bem como o capitão mor Mariano Manoel da
Conceição. Por estas acusações terem sido feitas no momento em a devassa já estava em
andamento, as classificamos como denúncias tardias.
2. 3 Os denunciantes tardios
Dentre os denunciantes tardios, o depoimento que melhor nos ajuda a
compreender as tramas do “escandaloso contrabando” é o do capitão Antônio da Costa
Sousa. Homem branco solteiro, morador de Porto Seguro e “governador” do forte da
vila. Foi Antônio da Costa que relatou o envolvimento dos filhos do ouvidor José
Dantas Coelho com o comerciante inglês Thomas Lindley. De acordo com seu
depoimento, após serem descarregados alguns caixões com mercadorias do barco inglês,
que foram entregues na casa de José Dantas Coelho, surgiram boatos de que o ouvidor e
seu filhos estavam se envolvendo em contrabando. Antônio da Costa relatou ainda o
acordo feito entre Gaspar José, o filho mais velho do ouvidor e Thomas Lindley, de
trocar mercadorias inglesas por um carregamento de 6 mil arrobas de pau-brasil – o que
117 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João], Op. Cit., f, 171-217.
72
foi confirmado por Thomas Lindley em seu depoimento, embora não tenha aceitado,
pois seu barco só poderia transportar 3 mil arrobas. Narrou ainda que por não se achar
“cortado o pau brasil, os filhos do ouvidor convenceram o caixa do brigue [Thomas
Lindley] a deixarem as fazendas inglesas e seguir viagem para dar tempo de cortar as
madeiras e as pegaria na volta”118.
Essa mesma história foi contada por Lindley. Gaspar José pretendia conseguir
licença para executar os cortes régios nas matas de Belmonte e a partir destes separaria
uma carga para trocar com Thomas Lindley. Essa talvez fosse uma estratégia comum.
Em 1786, Francisco Leonardo Falcão foi preso por desviar e contrabandear uma carga
de pau-brasil cortada nas matas de Belmonte, seguindo essa mesma estratégia
apresentada por Gaspar José Dantas Coelho. Falcão e seu sócio tinham permissão para
executarem os cortes régios e em seguida enviar as madeiras para os estaleiros da
capitania da Bahia, mas ao fazer isso, desviaram uma carga e negociaram com uma nau
espanhola em auto mar119.
Talvez essa fosse a melhor forma de se fazer contrabando de pau-brasil sem
levantar suspeitas, uma vez que os contrabandistas possuíam licença da Coroa para
executar os cortes de madeira. A exploração de pau-brasil era um monopólio régio, que
concedia licença a particulares para fazer os cortes e enviarem para os estaleiros reais,
através dos sistema de contratos. Essa exploração feita por particulares possibilitava
melhor oportunidade de desviarem madeira e a contrabandearem porque ela seria
separada da própria parte destinada aos estaleiros régios. Contudo, era uma estratégia
perigosa, pois os cortes de madeiras envolviam muitas pessoas e, certamente, não seria
algo possível de fazer em segredo.
É interessante observar que dessa forma os contrabandistas utilizavam o próprio
sistema de monopólio de exploração e o de contratação para executar uma ação ilegal. É
uma evidência da capacidade de organização dos contrabandistas. Porém, tanto o caso
de Francisco Leonardo Falcão como o de Gaspar José foram frustrados, o que mostra
como o sistema régio de vigilância, no caso de Falcão, e de incentivo às denúncias, no
caso de Gaspar, era eficiente (ou poderia ser).
118 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João], Op. Cit., f. 68-78.
119 REQUERIMENTO de Francisco Leonardo Falcão culpado de extravio de pau-brasil nas matas de
Belmonte. Ouvidoria Geral do Crime (1785-1798), Maço 177. Doc. 11.
73
Antônio da Costa também descreveu uma outra tentativa de quebra de um
monopólio régio, ocorrido em 1801, ao relatar os planos de Gaspar José e Antônio Luís
Dantas Coelho para escavarem as cachoeiras do rio Grande, na vila de Belmonte em
busca de ouro e pedras preciosas. Contou, inclusive, a tentativa de venda em Salvador
das cerca de oito pequenas pedras que os filhos do ouvidor acreditavam ser
diamantes120.
O depoimento de Antônio da Costa foi, sem dúvida, muito revelador e até certo
ponto digno de crédito, sobretudo porque ele apontou diversas pessoas que ao serem
interrogadas confirmaram o teor de seus depoimentos. Entretanto, as denúncias feitas
pelo “governador do forte” da vila de Porto Seguro tratavam-se de uma vingança
pessoal contra José Dantas. Antônio da Costa era mais um dos inúmeros inimigos do
ouvidor, ele fora acusado de cometer fraudes nas contas públicas da Comarca de Porto
Seguro, quando exerceu o cargo de ouvidor em caráter interino, posição que ocupou em
algum período entre os anos de 1797 a 1800. Além disso, foi condenado por José
Dantas por estar vivendo em concubinato com uma mulher com quem teve três ou
quatro filhos121.
Foi sua inimizade com José Dantas que o levou a denunciar as ações ilegais do
ouvidor e seus filhos, mas ele não relacionou Mariano Manoel da Conceição aos fatos,
como fizeram outras testemunhas. Pelo contrário, ele alegou que foi Mariano Manoel da
Conceição que lhe contou acerca do contrabando e das escavações em busca de ouro e
diamantes. Dessa forma, ele não só executava sua vingança, como dava ao companheiro
militar o caráter de denunciante e não o de envolvido – porém essa estratégia não foi
bem sucedida, pois Mariano Manoel da Conceição também foi preso.
Outro dos denunciantes tardios de José Dantas foi o vigário de Vila Verde, padre
João Nunes. O padre, porém, não mencionou nada de novo ao caso. No entanto, sua
denúncia também tratava-se da execução de uma vingança contra o maior representante
da Coroa portuguesa em Porto Seguro. O vigário João Nunes desentendera-se com o
ouvidor, de acordo com o soldado Antônio Silvestre de Jesus (outro depoente), porque
Dantas havia “dado uma conta dele ao bispo”122, ou seja, o ouvidor denunciou o vigário
120 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João], Op. Cit., f. 68-78.
121 Idem, f. 126.
122 Idem, f. 194.
74
por alguma(as) conduta(as) não condizente(es) com seu ofício (infelizmente não
sabemos quais eram).
Além do aparente desvio de conduta do religioso, o vigário João Nunes foi visto
pelo capitão Jerônimo Gomes de Brito na embarcação inglesa, “comprando fazendas
inglesas”. Isso mostra que embora tivesse acusado José Dantas, o próprio padre não era
menos culpado que o ouvidor, pois comercializar com embarcações estrangeiras
também era proibido pela coroa portuguesa123.
O desentendimento entre Dantas e o vigário João Nunes era o reflexo de um
conflito entre jurisdições. As Ordenações e os regimentos transmitidos aos ouvidores
definiam suas prerrogativas, atribuições, jurisdições, dentre outras coisas. A partir da
nomeação dos ouvidores, “competia a eles superintender as ações dos juízes ordinários,
bem como os atos praticados pelos vereadores e demais oficiais das câmaras
municipais”124. Portanto, suas atribuições eram sempre temporais, no entanto, como
pudemos observar, José Dantas Coelho estava extrapolando o que caberia aos seus
poderes, ao julgar crimes que pertenciam à competência religiosa, como a mancebia, ou
concubinato. Sobre essa situação o depoente Leandro Pereira de Souza, ao reafirmar a
história da inimizade entre o padre João Nunes e José Dantas Coelho, deu uma
informação muito interessante. Ele afirmou que “os vigários sempre andam em dúvidas
de jurisdição com os ouvidores”125.
Provavelmente havia um desentendimento por causa dos raios de ações entre
ouvidor e os religiosos na capitania de Porto Seguro. Isso ocorria porque o “governo
colonial português consistia de jurisdições e poderes mal definidos, muitas vezes
contraditórios, que em última análise dependiam de decisões da metrópole”126.
O complexo jogo de jurisdições indecisas funcionava como um mecanismo de
centralização monárquica, que dava ao monarca a prerrogativa de arbitrar sobre as
questões em última instância. Isso funcionava como uma forma de controle para que as
esferas de poder coloniais não ganhassem poderes demasiados. Dessa forma, nem
sempre as instruções dadas por Lisboa eram claras no aspecto político-administrativo.
123 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João], Op. Cit., f. 49.
124 PERGORARO, Jonas Wilson. Op. Cit., p. 68.
125 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João], Op. Cit., f. 198.
126 SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e sociedade no Brasil colonial: o Tribunal Superior da Bahia e
seus desembargadores, 1609-1751. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p.179.
75
Se observarmos, por exemplo, as primeiras instruções dos ouvidores da Comarca
de Porto Seguro (Anexo I), pode-se notar que não há uma menção da esfera de ação
destes funcionários, elas se concentram na política reformista do período e nada dizem
quanto à jurisdição dos novos governadores da capitania, dando a entender que que seu
raio de ação abrange todos os setores da sociedade. No entanto, havia outros poderes
constituídos na capitania, como o religioso e o militar. Infelizmente não localizamos as
instruções dadas à José Dantas Coelho, porém o fato de ele julgar crimes da alçada
religiosa indica certa indistinção entre as jurisdições político-administrativas na
capitania.
Outro denunciante tardio foi Manoel Fernandes Sampaio, sobre qual, tal como
dos outros, poucas informações conseguimos reunir. Ele acusou Antônio Luís Dantas
Coelho de lhe oferecer parceria para contrabandear pau-brasil com o comerciante inglês
Thomas Lindley. As testemunhas fazem referência a ele como filho de “um dos
principais da terra”, que teria sido, inclusive, ouvidor interino da Comarca127. Não
identificamos, porém, dentre os ouvidores de Porto Seguro, qual teria sido o pai de
Manoel Sampaio nem seu tempo de governo.
A sua denúncia parece ter sido uma forma de afastar de si as acusações feitas
pelo comerciante inglês, quando afirmou que Sampaio se ofereceu para lhe vender ouro.
Thomas Lindley relatou que uma comissão liderada pelo Ouvidor Geral do Crime da
Relação da Bahia, Cláudio José Pereira da Costa, foi a Vila Verde para prendê-lo, mas
não o conseguiu encontrá-lo128. No entanto, sabemos que foi preso posteriormente, pois
seu nome consta na relação das pessoas detidas durante a devassa129.
Esses denunciantes tardios fecham o número de pessoas que delataram as ações
de José Dantas Coelho, Gaspar José e Antônio Luís, seus filhos, e o capitão mor
Mariano Manoel da Conceição. A maioria deles como pudemos observar eram inimigos
ou do ouvidor e seus filhos, ou do capitão mor. Com exceção de Francisco Faustino,
cujo catalisador da inimizade com Dantas e seus filhos foi a conta dos curativos feitos a
João Bento Rodrigues, é interessante observar que todos tornaram-se inimigos dos
maiores representantes da Metrópole na Comarca de Porto Seguro por causa da
127 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João], Op. Cit., f. 177.
128 LINDELY, Thomas. Op. Cit., p. 39-43
129 CARTA RÉGIA (minuta) ao governador da Bahia, Francisco da Cunha e Menezes sobre o
contrabando praticado em Porto Seguro pelo brigue inglês Paquete Real. Palácio de Queluz, 29 de janeiro
de 1803. Op. Cit.
76
execução de suas funções como administradores da Coroa. Entretanto, Manoel
Fernandes Sampaio, Joaquim Antônio dos Santos e Manoel Rodrigues tiveram outras
razões. O primeiro, fez a denúncia para se livrar das acusações que caíram sobre si, e os
dois outros aparentemente nada tinham contra as autoridades régias da capitania.
O envolvimento das autoridades régias da Comarca de Porto Seguro em
atividades comerciais ilícitas ia de encontro às determinações metropolitanas. Contudo,
fazem parte de um contexto em que as pressões exercidas sobre a metrópole portuguesa
forçavam as barreiras protecionistas, fazendo com que o contrabando se tornasse cada
vez mais visível na sociedade colonial, chegando mesmo ao que José Jobson de Arruda
chama de generalização130.
Exemplo disso é o “escandaloso contrabando praticado em Porto Seguro”. As
pessoas da capitania parecem ter visto a chegada do barco inglês na região como algo
normal. É preciso destacar que acontecimentos como estes, em lugares pouco
expressivos economicamente como a capitania de Porto Seguro, representavam uma
oportunidade para que as pessoas do local tivessem acesso a mercadorias às quais
dificilmente poderiam conseguir através das vias legais. A tentativa de contrabando só
foi denunciada porque os administradores da Comarca tornaram-se inimigos dos
denunciantes, conforme pudemos observar. Não foi a ilegalidade do ato que motivou a
denúncia, mas a vontade de vingança dos delatores.
Além disso, diversas pessoas compraram mercadorias inglesas. Aparentemente
os habitantes de Porto Seguro não se incomodavam com o fato de ter no porto da vila
uma embarcação estrangeira vendendo produtos cuja comercialização era ilegal. Essa
situação torna-se compreensível sob o ponto de vista de que o contrabando se tornou
paulatinamente uma prática comercialmente aceita, durante os últimos vinte ou trinta
anos que antecederam a abertura dos portos coloniais. Nesse período houve uma
integração do comércio ilegal como um aspecto constitutivo da sociedade colonial,
como argumentou Ernst Pijning131.
Houve uma espécie de normalização das práticas de contrabando e isso se deu
por causa da conjuntura internacional. O contrabando praticado no Brasil colonial, no
130 ARRUDA, José Jobson de A. Uma colônia entre dois impérios: a abertura dos portos brasileiros
1800-1808. Bauru, SP: EDUSC, 2008, p. 113; PIJNING, Ernst. Controlling contraband: mentality,
economy and society in eighteenth-century-Rio de Janeiro. Tese de Doutoramento: Baltimore, Maryland,
1997.
131 PIJNING, Ernst. Controlling contraband... Op. Cit., p. 364-370.
77
que se refere às nações estrangeiras, foi realizado mormente por comerciantes inglesas.
O contrabando se transformou em um mecanismo – um dos mais eficientes – de
penetração comercial no mercado colonial anteriormente dominado pelos portugueses.
A pressão inglesa era “avassaladora, não somente no plano diplomático, mas na ação
concreta”, o que pode ser apreendido através da ação dos contrabandistas ingleses que
nas últimas décadas do século XVIII passaram a ser mais identificados nos portos
coloniais132.
Contudo, as pressões inglesas não são o único fator a explicar um pretensa
generalização do contrabando. O envolvimento dos funcionários régios nesse tipo de
negócio e a participação de outras parcelas da sociedade, como o clero e a população em
geral, como aconteceu no “escandaloso contrabando”, demonstra que a própria
sociedade colonial não via nesta prática comercial algo anormal. Contudo, os moradores
de Porto Seguro sabiam que era algo ilícito e souberam utilizar esse caráter do
contrabando para executarem uma vingança contra os administradores régios da
Comarca, em situação oportuna.
Foi nesse contexto de inimizade entre o grupo de denunciantes e as autoridades
régias da capitania, que o comerciante inglês Thomas Lindley chegou a Porto Seguro,
deu início às vendas de mercadorias britânicas e planejou, junto com Gaspar José, filho
do ouvidor José Dantas Coelho, a troca de fazendas inglesas por pau-brasil.
2. 4 De um porto a outro: entre arribas e contrabandos, a chegada de Thomas
Lindley a Porto Seguro
Para refazer o caminho percorrido por Lindley até a capitania de Porto Seguro,
utilizaremos suas próprias Narrativas como guia, contrapondo-as com outras fontes
para melhor poder compreender o itinerário do comerciante, sempre que necessário e
possível.
Por ocasião da retomada das hostilidades entre França e Inglaterra, no final do
século XVIII, a colônia holandesa do Cabo, no sul da África, caiu sob o domínio do
governo inglês, que a ocupou entre os anos de 1795 a 1803 sob a alegação de a
reivindicar em nome do governo holandês, submetido pelas tropas francesas.
132 ARRUDA, José Jobson de A. Uma colônia entre dois impérios: a abertura dos portos brasileiros
1800-1808. Bauru, SP: EDUSC, 2008, p.111.
78
Aproveitando-se da situação, diversos comerciantes britânicos se dirigiram àquela
colônia, onde encontrariam mercado favorável para o escoamento de suas mercadorias.
No entanto, em 1801, a chegada de boatos de paz entre as duas potências e a
consequente devolução da cidade do Cabo à Holanda, acabou gerando uma breve
estagnação do comércio com os ingleses. Diante disso, os negociantes britânicos
dirigiram-se a diferentes portos do Atlântico sul, buscando mercados mais favoráveis133.
Essa movimentação dos comerciantes ingleses, uma busca incessante por novos
mercados consumidores, teve como um de seus principais fatores o fenômeno histórico
denominado de Revolução Industrial. Esse processo de industrialização que se acentuou
após a década de 1780, quando a produção industrial britânica atingiu uma taxa de
crescimento de cerca de 2% ao ano, possibilitaram que a Inglaterra a se tornasse o
centro dinâmico das relações econômicas internacionais. Estima-se que em 1801 o
comércio britânico constituía cerca de 27% das transações econômicas globais134.
Talvez este percentual seja um pouco exagerado, contudo, é inegável o fato de
que o mercado ocidental estava profundamente dominado pelo comércio inglês, do que
é evidência a contínua movimentação dos comerciantes britânicos, atuantes na maioria
das praças comerciais do Atlântico.
É representativo dessa conjuntura o negociante Thomas Lindley, que diante da
estratégia dos colonos holandeses da cidade do Cabo, resolveu buscar praças comerciais
mais favoráveis para vender seus produtos. Ele saiu da colônia holandesa em fevereiro
de 1802, tendo como destino o porto de Santa Helena, conforme relatou. Após uma
estada de três semanas nessa ilha, continuou a viagem sem um destino relatado em suas
Narrativas. Porém, pelo que informou, por causa de uma tempestade foi forçado a
arribar no porto de Salvador em meados de abril, para consertar algumas avarias135 em
sua embarcação. Permaneceu na Bahia por cerca de um mês136.
As arribadas de navios estrangeiros na Colônia vinham se tornando uma
preocupação cada vez mais constante para a coroa portuguesa, pois através destas
estadas muitos produtos eram contrabandeados das colônias. Para tentar evitar isso, no
133 LINDELY, Thomas. Op. Cit., p. 23.
134 Ver ARRUDA, José Jobson de Andrade. O Brasil no comércio colonial. Op. Cit., p. 317-18.
135 Por avaria pode-se entender uma série de danos na embarcação, como furos no caso, mastros ou
lemes quebrados ou mau funcionamento das bombas de drenagem. Estas eram as principais causas de
pedidos de arribadas.
136 LINDELY, Thomas. Op. Cit., p. 23-4.
79
início do século XVIII, a metrópole portuguesa criou procedimentos mais rígidos para
serem executados nos navios arribados. Os oficiais portuários deveriam fazer uma
rigorosa inspeção nas embarcações estrangeiras e mesmo nas portuguesas que
chegassem sem licença. Os regulamentos para estes casos foram determinados pelo
Alvará Régio de 5 de outubro de 1715, que, com posteriores modificações, vigorou até a
abertura dos portos do Brasil em 1808.
O principal objetivo desse Alvará era impedir que os tripulantes de navios
estrangeiros fizessem comércio com os colonos portugueses, reforçando a lei de 8 de
setembro de 1711, citada anteriormente, pela qual D. João V proibia a entrada destas
embarcações sem estarem incorporadas às frotas137. Dessa forma,
Todos os Navios Estrangeiros, que forem a qualquer Porto do dito
Estado [do Brasil] não justificando que o foram buscar precisados de
alguma tempestade, ou necessidade urgente, fazendo-se para este
efeito exames necessários, serão confiscados na forma da Ordenação
do Reino e Leis Extravagantes dele138.
Conforme regulamentava o referido Alvará, o governador da capitania onde
aportasse qualquer navio estrangeiro deveria nomear oficiais para efetuarem os exames
na embarcação. Após as inspeções, um relatório teria que ser enviado ao governador,
para que ele concedesse ou não permissão para a arribada. O governador ainda estava
obrigado a remeter ao rei um relatório sobre os navios aportados, descrevendo os
procedimentos utilizados e detalhando informações sobre as embarcações e cargas. As
licenças para estada variavam de três a trinta dias, dependendo das necessidades
apresentadas pelo capitão do navio. Os maiores prazos eram concedidos quando a
embarcação necessitava fazer reformas nos mastros, lemes ou casco. Durante o período
em que o navio estivesse no porto, deviam ser mantidas sentinelas a bordo, os membros
137 O Alvará de 1715 foi reforçado pela Provisão de 16 de fevereiro de 1719 e renovado pelo Alvará de
25 de fevereiro de 1734; LEY sobre se nam adimitirem nos portos d’esta Capitania navio algum
estrangeiro senão na forma que se dispõe a dita Ley e o Alvará, que se segue. Op. Cit. Essa lei foi anulada
pelo Alvará de 6 de dezembro de 1756, que proibia os comissários volantes, comerciantes estrangeiros
que iam junto as Frotas, de irem aos portos das colônias ultramarinas.
138 ALVARÁ sobre os procedimentos que deviam ser observados em caso de arribadas. Lisboa, 5 de
outubro de 1715. In: Annaes Da Bibliotheca Nacional Do Rio De Janeiro, 1906, v. XXVIII. Rio de
Janeiro: Offinas Graphicas da Biblioteca Nacional, 1908, p. 228-230.
80
da tripulação só poderiam desembarcar em caso de necessidade e sempre acompanhados
por guardas. Além disso, escaleres vigiavam a embarcação139.
É difícil precisar se esses procedimentos eram rigorosamente cumpridos. Talvez
em lugares de grande circulação comercial, como os portos da Bahia, Rio de Janeiro ou
Pernambuco, onde a presença régia certamente se fazia sentir com maior força, eles
fossem melhores executados. Uma evidência disso é o relato que Thomas Lindley deu a
respeito dos procedimentos que eram feitos nas embarcações estrangeiras que chegavam
à Bahia140. Por outro lado, em locais com uma dinâmica comercial completamente
diferente das apresentadas nos grandes portos, como é o caso da capitania de Porto
Seguro, as rigorosidades desses procedimentos eram ignorados, como se observará
adiante.
Não obstante o rigor aparente da praxe era costume haver apreciável
contrabando, frequentemente praticado pelos guardas e demais funcionários nomeados
para impedi-lo, ou por indivíduos cúmplices destes. Amparados no “direito de
refúgio”141, os comerciantes estrangeiros realizavam arribadas em diversos portos da
América, aproveitando a ocasião, ou forjando-a, para realizarem comércio ilícito142.
Essa pode ter sido a forma utilizada por Thomas Lindley para conseguir quitar
suas despesas na Bahia. Conforme relatou, sua situação ao chegar a Salvador não era
das melhores. Precisava “mandar fazer reparos e não dispunha de recursos para o
pagamento e, tampouco, para liquidar outras despesas em que deveria, provavelmente,
incorrer”143.
Isso parece pouco provável. Fazer uma viagem longa como a que estava
realizando, necessitava um grau de organização muito grande, que certamente incluía
fundos para despesas com reformas nas estruturas das embarcações. Além disso, isso
não parece ter sido uma grande dificuldade para o comerciante. Ele não relatou como
139 A respeito das arribadas forçadas e dos procedimentos, ver: GARCIA, Romyr Conde. Op. Cit., p. 84103.
140 LINDELY, Thomas. Op. Cit., p. 24.
141 O direito de refúgio era uma convenção mútua entre as metrópoles colonizadoras que entendiam que
em casos de necessidade, era lícito que navios buscassem refúgio em qualquer porto próximo, mesmo que
a nação que o controlasse não fosse sua pátria.
142 MOUTOUKIAS, Zacarias. Op. Cit., p. 214.
143 LINDELY, Thomas. Op. Cit., p. 24.
81
fez para pagar suas dívidas, mas a falta de dinheiro para isso não era necessariamente
um problema, sobretudo no caso de Lindley, que transportava mercadorias inglesas.
Prevendo esse tipo de situação, D. João V, ao regulamentar os procedimentos
executados nas embarcações arribadas, determinou que:
No caso de os ditos Navios ou outras quaisquer Embarcações
Estrangeiras não tenham dinheiro nem letras ou credito para pagar o
de que necessitam, e beneficiar os mesmos Navios e Embarcações
declarando-o assim os Capitães e mestres, neste caso se lhe permitirá
descarregarem as fazendas que trouxerem, assinando-lhes sítio ou
Armazéns, em que se guardem com toda a boa arrecadação para serem
embarcados para o Reino em Navios da frota [...]144.
Essa medida era uma forma de tentar evitar que a falta de dinheiro para a
liquidação das dívidas justificasse qualquer tentativa de contrabando. Não entendemos
que essa tenha sido a forma utilizada por Lindley para quitar suas dívidas. Em suas
Narrativas ele omitiu qualquer procedimento que pudesse ser considerado ilegal,
esforçando-se, pelo contrário, para demonstrar que era inocente das acusações de
contrabando pelas quais foi preso. Acreditamos que esta foi a forma que ele encontrou
para pagar suas dívidas, por ser algo legal naquele contexto, teria sido relatado em suas
Narrativas.
A partir desse argumento, entendemos que o fato de ele não explicar como fez
para quitar suas dívidas na Bahia, o que corroboraria para sua alegação de não ser
contrabandista, indica que ele tenha travado algum tipo de comércio ilícito com os
funcionários portuários ou com comerciantes locais. Isso não seria incomum, tendo em
vista que um dos principais motivos para uma pretensa generalização dos contrabandos
na colônia era a conivência de funcionários da Coroa e mesmo sua intensa participação
nesse tipo de atividade145.
Independentemente do que tenha acontecido, cerca de trinta dias depois de
chegar a Salvador, Thomas Lindley conseguiu consertar sua embarcação e pagar as
despesas podendo assim, prosseguir sua viagem. Partiu para o Rio de Janeiro, conforme
relatou, objetivando vender produtos ingleses a comerciantes espanhóis do Rio da Prata,
144 ALVARÁ sobre os procedimentos que deviam ser observados em caso de arribadas. Op. Cit., p. 229.
145 Cf. SANTOS, Corcino Medeiros dos. Op. Cit., p. 153.
82
ancorados naquele porto. De lá pretendia regressar ao Cabo da Boa Esperança e em
seguida à Inglaterra146.
O itinerário de Lindley revela uma das rotas de contrabando mais ativas e
antigas das conquistas portuguesas na América, que interligava os maiores portos do
Brasil à região do Rio da Prata. Através dessa rota os portugueses conseguiam
principalmente prata, escoada das minas de Potosí, no Peru, através da zona portuária de
Buenos Aires, ao passo que os colonos espanhóis adquiriam gêneros agrícolas, fumo,
couro, escravos e produtos manufaturados, através dos portos da Bahia, Rio de Janeiro,
e de localidades como São Vicente, dentre outros147.
É interessante destacar que os domínios portugueses na América não produziam
prata, mas através desta rota apontada por Thomas Lindley, a Colônia equilibrava os
estoques da Metrópole deste minério. O Brasil chegou a desenvolver uma arte de
prataria própria, voltada em grande medida, aos temas religiosos, mesmo não
produzindo prata em seus colégios148. Nesse sentido, a circulação desse minério nos
portos do Brasil pode ser indicativo de contrabando, mas que nesse caso específico, era
extremamente interessante para a Metrópole e por isso não se pode verificar uma
proibição deste fluxo, mas antes uma conivência por parte de Portugal.
O contrabando, como se argumentamos anteriormente, era uma ferramenta
utilizada pelas metrópoles colonizadoras para poderem penetrar os mercados coloniais
de suas competidoras e por uma série de motivos e necessidades. A Inglaterra soube
utilizar muito bem esse mecanismo, penetrando profundamente nos mercados coloniais
dos países ibéricos, o que pode ser observado, no Brasil, dentre outros fatores, pelo
aumento das arribadas de navios ingleses nos grandes portos da Colônia, a exemplo do
Rio de Janeiro.
As arribadas forçadas de navios britânicos no porto da Guanabara, principal
conexão desse curso apontado por Lindley, cresceram substancialmente entre 1780 e
146 LINDELY, Thomas. Op. Cit., p. 24-25.
147 Cf. MONTEIRO, Nuno Gonçalo; CARDIM, Pedro. A centralidade da periferia. Prata, contrabando,
diplomacia e guerra na região platina (1680-1806). In: História, Histórias revista do Programa de PósGraduação em História – UNB, nº 1, 04/07/2012, p. 1-27; SANTOS, Corcino Medeiros dos. Negros e
tabaco nas relações Hispano-Lusitanas do Rio da Prata. In: Actas do Congresso Internacional «Espaço
Atlântico de Antigo Regime» Lisboa, 2 a 5 de novembro de 2005, FCSH/UNL, p. 1-21; CANABRAVA,
Alice P. O comércio português no Rio da Prata (1580-1640). Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed.
Da Universidade de São Paulo, 1984.
148 Cf. GOULÃO, Maria José. A arte da prataria no Brasil e no Rio da Prata. In: Anales del Instituto de
Investigaciones Estéticas, nums. 74-75, 1999, p. 135-145.
83
1805. Das 554 embarcações estrangeiras que solicitaram estada nesse período, 352 eram
inglesas e 119 tinham bandeira espanhola. As outras 63 eram francesas, estadunidenses,
holandesas e de outras nações149.
Não era apenas nos portos do Brasil que os ingleses estavam agindo diretamente.
Em 1763, um ataque espanhol à colônia do Sacramento surpreendeu 27 navios
mercantes britânicos150, o que indica que eles iam comercializar diretamente no Rio da
Prata, revelando a dinâmica atuação dos contrabandistas, que operavam amplamente no
Atlântico sul, através da rota apontada anteriormente por Thomas Lindley.
Em sua viagem rumo ao Rio de Janeiro, onde venderia seus produtos aos
comerciantes espanhóis, Lindley acabou aportando na Capitania de Porto Seguro, em
maio de 1802,
[...] mal saíramos [sic] da baía [de Todos os Santos] quando o vento,
saltando para o sul, obrigou-nos a lutar contra ele; assim aconteceu
durante seis dias, ao longo de uma costa perigosa, até que, afinal,
desviando-se o vento para leste, soprou diretamente no sentido da
praia, de que não distávamos mais de cinco milhas. Nessa altura, à
passagem de um barco de pesca, vimos que nos encontrávamos em
frente a Porto Seguro; oferecendo-se o mestre do pesqueiro para
pilotar-nos, julguei prudente aceitar a oferta e aguardar tempo mais
favorável. Ao entrar no porto, o perigo ainda nos espreitava; o brigue
foi de encontro a uns recifes, que lhe arrancaram o leme151.
Logo que a embarcação ancorou, o ouvidor daquela Comarca, José Dantas
mandou para ela o escrivão da almotaçaria, Firmiano José do Bonfim e alguns soldados,
para servirem como guardas e fazerem a avaliação do estado do navio, cumprindo o que
determinava o mencionado Alvará de 5 de outubro de 1715. Em seguida, o capitão mor,
Mariano Manoel da Conceição, também enviou sentinelas para o barco152.
Thomas Lindley não relatou esse fato em suas Narrativas, levando os leitores a
deduzirem que em Porto Seguro os procedimentos portuários foram diferentes dos que
149 Para a década de 1780, cf. GARCIA, Romyr Conde. Op. Cit., p. 91 e para a década de 1790 até 1805,
SANTOS, Corcino Medeiros dos. Op. Cit., p. 206.
150 GOULÃO, Maria José. Op. Cit., p. 140.
151 LINDELY, Thomas. Op. Cit., p. 25.
152 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João] sobre o requerimento de Gaspar
José Dantas Coelho, da vila de Porto Seguro, solicitando perdão da pena da lei de oito de Fevereiro de
1711, em que fora condenado por comércio passivo de géneros estrangeiros e de contrabando com navios
estrangeiros. Anexo: 6 docs. ( incluíndo os autos do processo). AHU-Baía, cx. 242, doc. 97
AHU_ACL_CU_005, Cx. 247, D. 17027. Lisboa, 30 de abril de 1807. [Projeto Resgate], f. 109-111.
84
ele enfrentou na Bahia. O comerciante inglês informou apenas que seu brigue avariouse ao entrar na baía de Porto Seguro, quebrando o leme e “visto a incapacidade da terra,
pela falta de artífices, não permitia a brevidade dos consertos”, por esse motivo
permaneceu naquele porto por mais de um mês153.
A justificativa da demora na Comarca pela falta de artífices para consertar o
leme do barco é um pouco contraditória. As pessoas da capitania de Porto Seguro
tinham um forte envolvimento no trato com madeiras, especialmente para a atividade
naval. Da Comarca eram exportadas para a Bahia mastros para navios e, de acordo com
os depoimentos dos moradores da vila de Porto Seguro durante a devassa, na povoação
de Belmonte havia construtores de lanchas154. Diante disso, como explicar a falta de
artífices para consertar o leme da embarcação?
Embora o comerciante inglês tenha registrado o episódio nos termos
apresentados acima, a documentação consultada traz à tona outras explicações. O
alcaide da vila, Francisco Pereira, por exemplo, que foi uma das primeiras pessoas a
subirem a bordo do barco para avaliar suas condições, apresentou uma narrativa
diferente. De acordo com o alcaide, a embarcação de Thomas Lindley não adentrou o
porto da vila “desalvorada [sic], nem trazia arrombamento algum [no casco], nem tinha
falta de mantimentos e de água”155. De fato, ele relatou que algumas peças do leme
estavam avariadas, devido ao choque com os recifes, mas a situação não chegava perto
do cenário pintado pelo inglês.
De acordo com este relato, é possível colocar em dúvida a versão registrada nas
Narrativas de Lindley. É bem provável que como conhecedor das normas legais e como
um astuto comerciante, ele tenha mentido sobre o motivo da arribada, ainda que ela
pudesse ser justificada pelo mal tempo que relatou ter enfrentado. Entretanto, nenhuma
das testemunhas que foram inquiridas durante a devassa mencionou a ocorrência de
condições climáticas desfavoráveis descritas pelo inglês. É possível que também sobre
isso ele estivesse mentindo.
153 TRANSLADO do Auto de Perguntas Feitas ao Bacharel José da Rocha Dantas Coelho, ex-Ouvidor
da Comarca de Porto Seguro, Acusado e Preso Por Contrabando. Bahia, 3 de outubro de 1804. AHUBahia, Cx. 231, Doc. 22, AHU_ACL_CU_005, Cx. 233, D. 16116. [Projeto Resgate]. § 7.
154 ENTRADA E SAÍDA dos navios e transportes na Bahia em todo o presente ano de 1797.
AHU_CU_005-01, Cx. 8, D. 18.305, Op. Cit.; CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente
[D. João]... Op. Cit.
155 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 101.
85
Dessa forma, pode-se observar que a entrada da embarcação em Porto Seguro
nada teve de necessidade ou casualidade. Desde que saiu da cidade do Cabo o inglês
tinha a intenção de parar naquela capitania. Quando foi interrogado em 29 de julho de
1802, Thomas Lindley revelou seu itinerário de viagem e diversas informações que nos
ajuda a compreender como se delinearam os fatos do “escandaloso contrabando”.
O dono do brigue, um comerciante inglês chamado Thomas Bradley, lhe havia
encarregado de partir para o porto da Jamaica, por ter “notícias de estar ali o mercado
favorável”, mas antes deveria passar em Santa Helena. Da Jamaica voltaria à África.
Porém, Lindley tinha ordens de não retornar ao Cabo da Boa Esperança sem uma
carregamento de açúcar. Para facilitar a aquisição desse gênero, o proprietário do navio
lhe permitiu fazer escalas em alguns locais do Brasil, desde que isso não colocasse “o
brigue em risco”. Na colônia portuguesa, ele poderia ir aos portos de “Pernambuco,
Bahia, Porto Seguro, Cabo Frio e Rio de Janeiro”156.
A relação dos portos em que poderia arribar mostra que a capitania de Porto
Seguro era um ponto de parada em potencial desde o início da viagem. E mais, como
dissemos anteriormente, a rota de Lindley cuja escala final na América era o Rio de
Janeiro, onde objetivava vender produtos ingleses a comerciantes espanhóis do Rio da
Prata, aponta para um circuito de contrabando que interligava diversos portos do Brasil
à região platina e outras praças comerciais do Atlântico sul.
A inclusão de Porto Seguro na rota desde o início da viagem nos leva a deduzir
que esta capitania também fazia parte desse circuito. Entretanto, distante dos grandes
centros exportadores das possessões portuguesas na América, como a capitania poderia
se inserir em uma rota internacional de contrabando, uma vez que sua principal
atividade mercantil era a comercialização de gêneros alimentícios? Uma possível
resposta para essa questão pode estar em uma atividade histórica na região: a extração
madeireiras. Na capitania ocorriam transações comerciais de madeiras destinadas a
fabricação ou reparo de cascos de navios e à cobertura de casas157. A árvore com maior
valor e potencial econômico na região era o pau-brasil.
O responsável pelos cortes régios de pau-brasil em Porto Seguro, Francisco
Leonardo Falcão, foi acusado em 1786, de desviar parte da carga desta madeira,
extraída na vila de Belmonte, e de tê-la vendido em alto mar a uma embarcação
156 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João], Op. Cit., f. 153.
157 CANCELA, Francisco. Op. Cit., p. 83.
86
espanhola, como já abordamos. Quando Thomas Lindley chegou a Porto Seguro, seu
objetivo era conseguir uma carga de pau-brasil, dispensando inclusive, a compra de
ouro oferecido por Manoel Sampaio, o mencionado morador de Vila Verde.
Deduzimos, portanto, que a capitania de Porto Seguro inseria-se se nesse circuito por
meio do contrabando de pau-brasil158.
Uma evidência a respeito da inserção da capitania em uma rota internacional de
contrabando é o fato de que a partir da década de 1770, foram registradas as passagens
de diversas embarcações estrangeiras na região. Em 1770, um batel da Companhia das
Índias inglesas, vindo da ilha de Santa Helena, foi aprisionado na freguesia de Santa
Cruz. O capitão do barco, John Criswell, ao ser interrogado sobre o motivo da arribada
e o itinerário da viagem, alegou a falta de mantimentos a bordo como motivo da estada
e informou que vindo de Santa Helena objetivava alcançar a América e em seguida
partir para a Inglaterra. Um dos tripulantes, Guilherme Ricardo, disse que já havia
trabalhado em Lisboa durante muitos anos, portanto, devia ter conhecimentos a respeito
dos portos do Brasil. A embarcação foi leiloada e os tripulantes foram enviados presos
para a Europa159.
Em 1796 duas embarcações francesas foram avistadas na enseada de Coroa
Vermelha, entre as vilas de Santa Cruz e Porto Seguro. Estas na realidade eram
embarcações piratas e saquearam alguns barcos entre as costas de Porto Seguro e
Espírito Santo160. Esse fato não deixa de ser um caso curioso, pois o que piratas
estariam fazendo navegando em águas onde não havia uma movimentação comercial
atraente a esse tipo de atividade? Levando em consideração que os principais produtos
158 REQUERIMENTO de Francisco Leonardo Falcão culpado de extravio de pau-brasil nas matas de
Belmonte. Ouvidoria Geral do Crime (1785-1798), Maço 177. Doc 11.
159 OFÍCIO do governador, conde de Povolide, ao [secretário de Estado da Marinha e Ultramar]
Martinho de Melo e Castro, sobre o embarque para o Reino, sob prisão, de 4 tripulantes de um navio
inglês apreendido em Porto Seguro. Bahia, 14 de janeiro de 1771. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 45, D.
8357-8358; AUTUAÇÃO de uma portaria, termo de averiguações, mais papéis, e autos de perguntas
feitas aos ingleses, presos no Forte de São Pedro, para onde tinham sido remetidos da capitania de Porto
Seguro. Bahia, 1 de outubro de 1770. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 45, D. 8342. [Projeto Resgate].
160 OFÍCIO do governador D. Fernando José de Portugal ao [ministro e secretário de Estado dos
Negócios Estrangeiros e da Guerra] Luiz Pinto de Souza Coutinho informando que embarcações
portuguesas tinham sido aprezadas e saqueadas por navios franceses no Espírito Santo e em Porto Seguro,
e que os armazéns e fortificações não tinham munição suficiente para a defesa da capitania. Bahia, 29 de
agosto de 1796. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 86, D. 16703-16706; CONSULTA do Conselho
Ultramarino ao príncipe regente [D. João] sobre o ofício do governdor e capitão geral da Bahia D.
Fernando José de Portugal remetendo a relação dos nomes dos homens que repeliram os francese que
desembarcaram em Porto Seguro. Lisboa, 6 de julho de 1798. AHU_ACL_CU_005, Cx. 210, D. 14857.
[Projeto Resgate].
87
exportados em Porto Seguro eram gêneros alimentícios (conforme a Tabela 2, p. 40)
será que necessitavam de comida? Ou estavam tentando interceptar outras embarcações
estrangeiras que iam negociar naquela região?
Alguns anos mais tarde outro navio britânico visitou a Comarca de Porto Seguro,
conforme relatou o padre Bernardo Filho, capelão do ouvidor José Dantas Coelho. De
acordo com seus relatos, um barco inglês esteve ancorado no porto de Caravelas em
1801, vendendo fazendas inglesas naquela vila e fazendo contrabando. Este navio,
porém, não foi apreendido e o ouvidor José Dantas não informou o caso ao governador
da Bahia161.
Em 1813, já após a abertura dos portos do Brasil o ouvidor José Marcelino da
Cunha, ao fazer uma descrição topográfica da capitania, relatou a presença de duas
grandes embarcações inglesas encalhadas na vila de Caravelas. Contou também que um
inglês chamado Carlos Fraser possuía plantações de algodão, mandioca e legumes, em
Comobixativa (atual Cumuruxatiba), uma pequena povoação de índios nos arredores da
vila do Prado162.
Com a exposição desses dados, ainda que fragmentados, acreditamos que a
capitania de Porto Seguro estava incluída no circuito de comércio ilegal apontado por
Thomas Lindley e que o produto que possibilitava essa inserção era o pau-brasil. A este
respeito, a relação dos gêneros que poderiam ser encontrados nos portos do Brasil, em
que Thomas Lindley poderia arribar, é bastante reveladora. Conversando com um
comerciante dinamarquês em Salvador o inglês se informou a respeito dos gêneros do
Brasil que poderiam ser procurados pelos contrabandistas163.
Montamos uma tabela com as informações cedidas a Lindley pelo dinamarquês
anônimo.
161 CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 104-106.
162 DESCRIÇÃO do Mapa Topográfico da Comarca de Porto Seguro, com algumas observações
tendentes ao melhoramento da mesma Comarca, feita por ordem da Mesa do Desembargo do Paço, em
provisão de 25 de agosto de 1813. Op. Cit.
163 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 154.
88
Tabela 5 – Gêneros procurados pelos contrabandistas no Brasil
Gênero
Local
Açúcar
Cabo Frio
Algodão
Pernambuco
Ouro
Rio de Janeiro
Pau-Brasil
Ilhéus e porto Seguro
Tabaco
Bahia
Tartaruga
Não informado
Fonte: LINDLEY, Thomas. Narrativa de uma viagem ao Brasil. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1969.
Informado pelo mesmo dinamarquês que o mercado da Jamaica não se achava
em condições favoráveis e sabendo da queda do preço do açúcar nos mercados
europeus, Lindley decidiu tentar conseguir uma carga de pau-brasil e chegou a receber
algumas “cartas de recomendações” para ir ao porto da capitania de Ilhéus. Contudo,
disse ter desistido de ir àquela localidade e decidido seguir viagem rumo ao Rio de
Janeiro164.
O diálogo entre Lindley e o dinamarquês é muito significativo. Demonstra como
as informações circulavam entre os comerciantes independentemente da nacionalidade e
do porto em que estavam ancorados, revelando a rede de sociabilidade que o comércio
ultramarino possibilitava. A informação sobre o preço do açúcar parece ser verdadeira,
pois se utilizarmos as exportações do Brasil como verificador pode-se observar que
houve uma diminuição das exportações de açúcar branco em 1802, relativamente ao ano
anterior165.
Para além dessas questões a fala de Lindley sobre as licenças para ir a Ilhéus é
muito curiosa. Quem poderia ter emitido tal permissão, o governador, o provedor da
fazenda? Talvez as tivesse conseguido através de suborno, mas compensariam os preços
e os riscos? Teria recebido ajuda de algum comerciante local? Talvez a última assertiva
seja mais provável, tendo em vista que a conivência e participação dos oficiais régios e
colonos é que possibilitava a ocorrência dos contrabandos166.
164 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 154.
165 Cf. ARRUDA, José Jobson de Andrade. O Brasil no comércio colonial. Op. Cit., p. 351-354;
166 Cf. SANTOS, Corcino Medeiros dos. Op. Cit., p. 153.
89
Infelizmente é difícil precisar sobre essas questões devido a falta de maiores
evidências. Contudo, a desistência daquele porto é mais inteligível. O fato de a capitania
de Ilhéus estar próxima a Salvador e mais engajada ao circuito comercial legal poderia
significar maior vigilância e, portanto, tornaria a empreitada mais arriscada, levando-se
em conta que o objetivo de Lindley era conseguir uma carga de pau-brasil. O
carregamento desse produto, diferente do ouro e outros gêneros, não poderia ser feito
com muita discrição em um porto bem movimentado.
Com a desistência de Ilhéus o comerciante decidiu prosseguir sua viagem. Foi
então que acabou indo parar na Comarca de Porto Seguro, e conforme relatou (e
confessou), “na firme resolução, porém, que se ele achasse quem lhe oferecesse
qualquer negociação [por pau-brasil], ia aceitar” 167.
Observa-se dessa forma, que Thomas Lindley tinha claras intenções de fazer
comércio ilegal naquela região. De fato, toda a sua estada em Porto Seguro correu
dentro da ilegalidade, tanto em suas ações, quanto na das autoridades régias daquela
vila. Apesar de terem sido colocados guardas a bordo do brigue inglês, estes não
permaneceram muito tempo no barco, nem foi feito um exame na embarcação para
julgar a necessidade da arribada, conforme ordenava o Alvará de 5 de outubro de 1715.
Além disso, o governador da Bahia ao qual se achava subordinado o ouvidor de Porto
Seguro, não foi informado acerca da chegada da embarcação inglesa naquela capitania.
Apenas cinco dias após a chegada do navio os guardas colocados a bordo, pelo
ouvidor e pelo capitão mor foram retirados, revelando que os procedimentos portuários
ali de fato foram diferentes dos encontrados em Salvador. Porto Seguro era uma
capitania distante de Salvador e do Rio de Janeiro, os maiores portos do Brasil colonial
e, portanto, locais onde a autoridade régia era sentida com maior força.
A retirada dos guardas possibilitou que a tripulação do barco fosse a terra e que
os moradores da vila subissem a bordo do navio livremente. Talvez esse tenha sido o
motivo por trás da suspensão dos guardas. Dias depois, alguns moradores viram serem
desembarcados alguns gêneros do barco inglês. Após esse acontecimento surgiram
boatos de que o ouvidor José Dantas Coelho e sua família estavam negociando com o
167 CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 154.
90
caixa do brigue inglês, Thomas Lindley, realizando troca de fazendas inglesas por paubrasil168. É Sobre essa negociação que discutiremos a partir de agora.
168 Segundo relato de, Antônio da Costa Souza, Simão Vaz de Valansuela, Francisco Pereira de Macedo,
Antônio Francisco de Jesus. CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op.
Cit., f. 68-72; 74-77; 98-103; 139-139; respectivamente.
91
3 O “ESCANDALOSO CONTRABANDO PRATICADO EM PORTO
SEGURO”
Pretendemos nessa sessão, analisar a documentação e as Narrativas de Thomas
Lindley, para poder reconstruir a trama que está por trás dos acontecimentos do
“escandaloso contrabando”. Ao perceber os sujeitos que estavam envolvidos nas
escavações em busca de ouro e diamantes, no rio Grande de Belmonte, bom como na
tentativa de troca de fazendas inglesas por pau-brasil, poderemos compreender alguns
aspectos da administração da Comarca e da própria sociedade local. Além disso,
poderemos entender melhor a forma como os contrabandistas atuavam nas colônias
ultramarinas, através do exemplo de Lindley, que não foi passivo diante dos
acontecimentos. Ao contrário agiu intensamente de forma a poder concretizar os seus
objetivos, e ao que revela a documentação, sem muitas preocupações quanto à discrição
de seu atos, o que se tratando de um contrabandista é no mínimo curioso.
Assim sendo, primeiro faremos uma discussão sobre os métodos que os
contrabandistas utilizavam para poderem comercializar nas colônias ultramarinas. Em
seguida, trataremos dos episódios das escavações de ouro e diamantes e das trocas de
fazendas inglesas por pau-brasil. Por último, procuramos compreender a ação da Coroa
diante desses acontecimentos.
3. 1 A troca de fazendas inglesas por pau-brasil
Em suas Narrativas de uma viagem ao Brasil, Thomas Lindley afirmou que
assim que chegou à capitania Porto Seguro foi recebido por José Dantas Coelho e
Mariano Manoel da Conceição, “aparentemente com a maior hospitalidade, sendo-lhe
dada permissão para comerciar, encomendando-se um novo leme para o seu barco e
dispensando-lhe todo o conforto que o lugar podia oferecer”169.
De fato, como atestaram as testemunhas, o comerciante inglês se encontrou com
as autoridades régias da Comarca assim que chegou aportou, no entanto, tratava-se de
uma praxe administrativa. O ouvidor e o capitão mor estavam cumprindo as
determinações do Alvará de 1711, que obrigava as autoridades responsáveis a
169 LINDLEY, Thomas. Op. Cit., p. 25.
92
realizarem uma vistoria nas embarcações estrangeiras, bem como em suas tripulações,
assim que aportassem na Colônia.
Contudo, pelo que relatou Thomas Lindley, foi nessa mesma ocasião que a
proposta de troca de fazendas inglesas por pau-brasil lhe foi feita. Conversando com o
filho mais velho do ouvidor, Gaspar José, sobre “a imensa quantidade de pau-brasil que
a terra possuía, e o alto preço que o artigo alcançava na Europa”, ofereceu-se ele para
trocar uma “partida de madeiras por mercadorias [inglesas]”170.
De fato o pau-brasil era, àquela altura, uma mercadoria muito rentável. De
acordo com José Jobson de Arruda, a tendência geral de exportação dessa madeira teve
uma tendência crescente até 1803171. A este respeito, o diálogo entre Lindley e Gaspar
e, sobretudo, a firme determinação do comerciante em conseguir uma carga desse
produto é uma forte evidência. Além disso, mesmo após a abertura dos portos do Brasil
o príncipe regente, D. João, embora tenha permitido a entrada de qualquer tipo de
mercadoria estrangeira nos portos do Brasil e a comercialização dos produtos coloniais
com as denominadas nações amigas de Portugal, continuou a proibir as exportações de
tão rentável madeira que era o pau-brasil172.
Pelo que relatou o comerciante inglês, foi o filho do ouvidor que o havia
informado sobre a existência de pau-brasil em Porto Seguro, mas na realidade ele já
tinha essa informação desde que se encontrava em Salvador, conforme abordamos
anteriormente. Além disso, Gaspar não foi o primeiro habitante do local a lhe falar sobre
a abundância de pau-brasil naquela Comarca. Quando foi interrogado na devassa,
Lindley afirmou que,
(...) durante o tempo que havia estado o Brigue encalhado, oferecera
ele sobrecarga de cear a Inácio Álvares, que lhe havia servido de
prático na entrada do dito Porto, ao qual perguntando quais eram os
produtos do país (sic), que ofereciam melhor utilidade, lhe respondera
o dito prático que o país não produzia mais que pau-brasil e que o
170 LINDLEY, Thomas. Op. Cit., p. 25-26.
171 ARRUDA, José Jobson de Andrade. O Brasil no comércio colonial. Op. Cit., p. 477-481.
172 CARTA ao Conde de Ponte, admitindo nas alfândegas do Brasil toda e qualquer mercadoria
estrangeira, ao mesmo tempo que permitia a exportação de produtos da terra, à exceção do pau-brasil,
para os países que se conservaram em paz com a Coroa portuguesa. Bahia, 28 de janeiro de 1808.
Manuscrito disponível digitalizado em: http://acervo.bndigital.bn.br/sophia/externo/busca.asp acessado
em 24/10/2013.
93
Ministro, os filhos deste e o capitão mor eram os que aqui
negociavam173.
Esse diálogo de Lindley com Inácio Álvares é uma forte evidência de que as
autoridades da capitania praticavam contrabando de pau-brasil, sobretudo porque Inácio
Álvares não foi o único a relatar tal fato.
A extração dessa madeira foi uma das primeiras atividades comerciais
desenvolvidas na região, remontando ao século XVI. Apesar das tentativas de controle
régio, em Porto Seguro havia contrabando dessa madeira e, como agravante da situação,
feita pelas principais autoridades dela. Isto porém, não era algo anômalo no Império
Ultramarino português. O envolvimento dos funcionários régios nesse tipo de negócio
não era incomum porque a obtenção de cargos e título dentro da hierarquia social e
administrativa portuguesa constituía a principal fonte de prestígio e de recursos que a
realização dos negócios, lícitos e ilícitos, exigia174.
De acordo com Lindley, no dia seguinte ao desembarque em Porto Seguro, foi
conduzido pelo sargento João Pereira à presença do capitão mor, Mariano Manoel da
Conceição. Segundo ele o inglês, este fez-lhe poucas perguntas e em seguida o
encaminhou à presença do ouvidor José Dantas, o qual lhe disse que “nada tinha que
procurar de interesse nesse país, por ser a terra pobre, ao que ele sobrecarga respondera
que posto carecesse de outros gêneros, sabia haver muito pau-brasil”175.
A fala ríspida do ouvidor deveu-se a iniciativa de Lindley, que teria perguntado
sobre a possibilidade de fazer negócio. Aparentemente José Dantas havia vetado essa
condição, no entanto, após a iniciativa do comerciante, feita na presença do capitão mor
e do sargento João Pereira, Gaspar José, filho do ouvidor, “tomando-lhe pelo braço”, lhe
perguntou se realmente queria fazer negócio em uma carga de pau-brasil, acertando um
encontro com ele em sua embarcação, naquela mesma manhã. A posição do ouvidor
diante desse acontecimento é dúbia. De um lado ele pareceu ser taxativo quanto a
impossibilidade de se fazer qualquer tipo de negócio com o comerciante inglês,
utilizando como justificativa a pobreza dos habitantes da região, por outro, foi omisso
quanto as intenções de seu filho, que de certo lhe interessaria também, quer pela
173 CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 155.
174 CAVALCANTE, Paulo. Op. Cit., p. 27-28.
175 CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 155.
94
possibilidade de lucros, quer pelo risco que envolvia tal pretensão comercial, tendo em
vista que ele era a maior autoridade régia na Comarca.
O encontro entre Gaspar e Lindley foi realizado como o planejado e na noite
após a conversa dos dois, “cinco tonéis de água e três barris de carne” foram
desembarcados do brigue, conforme relatou o alcaide Francisco Pereira, dando início
aos boatos de que o filho do ouvidor estava fazendo negócio com o caixa do barco
inglês176.
Esse desembarque de gênero, na realidade, foi a estratégia utilizada pelo
comerciante britânico para poder justificar sua permanência naquele porto. Conforme
regulamentava o supracitado Alvará de 5 de outubro de 1715, as embarcações
estrangeiras podiam conseguir licença para estada nos portos coloniais caso não
tivessem água potável e gêneros alimentícios a bordo. Mas o fato de que isso foi
presenciado por moradores da vila, logo fez com que as pessoas comentassem a respeito
da negociação entre o filho do ouvidor e o caixa do barco inglês. Dessa forma, as
pretensões de Lindley e Gaspar tornaram-se públicas, sobretudo após a retirada dos
guardas da embarcação, o que ocorreu apenas cinco dias após a arribada.
A retirada dos guardas possibilitou que Lindley pudesse ser procurado pelos
moradores de Porto Seguro e vilas vizinhas. Esse fato deu a Lindley maior liberdade de
ação, o que corrobora com sua afirmação nas suas Narrativas, de que recebeu permissão
para comerciar.
Durante a devassa esse foi um dos pontos em que mais se concentrou a comissão
investigadora. Todas as 61 testemunhas ouvidas entre junho e julho de 1802 foram
inquiridas sobre os motivos pelos quais foram retirados os soldados que vigiavam o
brigue. Porém a maioria disse não saber nada a respeito, limitando-se a responderem
que não havia demorado muito tempo para que eles fossem retirados da embarcação.
Quando perguntado sobre isso, o ouvidor José Dantas disse ter suspendido os seus
guardas porque o capitão mor havia retirado os seus e por ter certeza de que a pobreza
dos habitantes locais não possibilitaria nenhuma oportunidade de contrabando – De
fato, talvez os habitantes locais não pudessem contrabandear, mas isso não significava
176 CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 101 e 155.
95
que não poderia haver comércio ilícito na vila. Em seu depoimento Mariano Manoel da
Conceição, capitão mor, nada disse a respeito177.
Francisco Pereira de Macedo, um dos guardas que esteve no barco inglês,
afirmou que eles foram retirados por ordem do ouvidor, após uma discussão entre
Lindley e o soldado Caetano Pereira, “que lhe havia dito que nenhuma fazenda inglesa
sairia do brigue”, a não ser que “se lhe pagassem 200 mil reis”. Simão Vaz de
Valensuela, que também serviu como sentinela na embarcação inglesa, relatou a mesma
discussão. Quando inquirido, o soldado Caetano nada disse a respeito, limitando-se a
afirmar que viu o filho do ouvidor, Gaspar, descer do barco com uma peça de “cambraia
cor de cana na mão”178.
Dificilmente o soldado Caetano admitiria a verdade daqueles relatos, pois
certamente também seria preso por ter oferecido a possibilidade de desembarque de
mercadorias inglesas, mediante suborno, o que o classificaria como cúmplice de
contrabando. O objetivo de se manterem guardas a bordo das embarcações estrangeiras
era justamente impedir que qualquer relação comercial fosse estabelecida com os
habitantes do local. Ao invés disso, ele afirmou que viu o filho do ouvidor sair do barco
com uma mercadoria, afastando de si as suspeitas e incriminando Gaspar José.
No mesmo dia que teria acontecido a discussão entre o soldado Caetano e
Thomas Lindley, este se queixou a Gaspar a respeito do suborno exigido pelo sentinela.
Indignado, o filho do ouvidor teria dito, de acordo com os relatos das testemunhas, que
ninguém lhe impediria de tirar as fazendas compradas e que colocaria o dito guarda “nas
galés”. Algum tempo depois todos os guardas foram retirados da embarcação, por
ordem do ouvidor José Dantas Coelho, possibilitando que Lindley comercializasse
livremente suas mercadorias e desse seguimento aos seus planos para comprar paubrasil179.
Pelo menos quatro pessoas propuseram venda da dita madeira a Thomas
Lindley: Gaspar José Dantas Coelho, que a venderia em sociedade com seu irmão,
Antônio Luís; Martinho Francisco da Silva, morador da vila de Trancoso; um morador
177 TRANSLADO do Auto de Perguntas Feitas ao Bacharel José da Rocha Dantas Coelho, Ex-Ouvidor
da Comarca de Porto Seguro, Acusado e Preso Por Contrabando. Bahia, 3 de outubro de 1804. AHUBahia, Cx. 231, Doc. 22, AHU_ACL_CU_005, Cx. 233, D. 16116. [Projeto Resgate], § 12;
CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 143-146.
178 CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 99 e 139.
179 Idem f. 76.
96
de Vila Verde denominado por Lindley apenas como Manoel e Inácio Álvares da Penha,
o prático que conduziu o barco inglês até Porto Seguro.
Desses quatro, o único mencionado diretamente nas Narrativas de uma viagem
ao Brasil foi Gaspar. Isso porque Lindley se esforçou para mostrar que somente aceitou
comprar pau-brasil por pensar que não seria proibido, tendo em vista que o filho do
ouvidor da Comarca estava lhe propondo negócio. Contudo, o inglês sabia que
exploração dessa madeira era feito somente pela Coroa, como deixou transparecer no
diálogo como o encarregado do navio dinamarquês na Bahia, que mencionamos
anteriormente. Assim sendo, Lindley sabia que era um monopólio régio e que a
comercialização que estavam lhe propondo era ilegal.
A madeira comercializada por Gaspar, conforme relatou Lindley, seria entregue
no rio Grande, em Belmonte, onde seria cortada. Diante do acordo, o filho do ouvidor
teria se dirigido para aquela vila objetivando preparar a carga. No entanto, cerca de uma
semana depois, voltou com “a desagradável informação” de que era preciso desistir dos
negócios, pois “seria por demais sabido que eles, os guardiões do comércio, iriam
empenhar-se em negócio ilícito”. Contudo, mesmo desistindo da venda, Gaspar teria
dito a Lindley que se ele conseguisse negociar com outra pessoa, não “haveria qualquer
embaraço ou oposição de sua parte”180.
A desistência de Gaspar José foi motivada da publicidade que havia em Porto
Seguro de sua relação com o comerciante inglês. Ao mesmo tempo, o incentivo para
que Lindley fizesse negócio com outra pessoa afastaria a suspeita de que sua família
estaria cometendo contrabando, possibilitando ao ouvidor, em última alternativa,
prender os que estivessem envolvidos na referida negociação.
Durante a devassa Lindley detalhou toda a proposta feita pelo filho do ouvidor.
Gaspar lhe ofereceu seis mil arrobas de pau-brasil (cerca de 90 mil quilos), o que ele
não aceitou, porque o seu barco só conseguiria carregar três mil arrobas
(aproximadamente 45 mil quilos). Assim, o acerto foi feito em torno das três mil
arrobas. Por essa quantidade de madeira Gaspar cobrou oito mil cruzados, mas Lindley
achou caro e acertaram em quatro mil, após o inglês ter argumentado que de qualquer
forma ele estaria obtendo cem por cento de lucro. E, diferente do que ele disse nas
Narrativas, que no dia seguinte à negociação Gaspar teria ido para a vila de Belmonte
providenciar o corte da madeira, no inquérito o inglês afirmou que Gaspar foi para
180 LINDELY, Thomas. Op. Cit., p. 26.
97
aquela vila três dias depois do acerto, viajando junto com o capitão mor, Mariano
Manoel da Conceição, que teria ficado em sua residência na freguesia de Santa Cruz181.
O cruzamento dos depoimentos das testemunhas com o de Lindley nos
possibilitou saber que a retirada do capitão mor para sua casa em Santa Cruz ocorreu
cinco dias após a chegada do barco inglês, no mesmo momento em que os guardas
foram removidos do brigue. Dessa forma, a negociação entre Lindley e Gaspar ocorreu
no segundo dia da chegada da embarcação a Porto Seguro, quando o inglês foi levado
para se apresentar diante do capitão mor e depois ao ouvidor.
O comerciante, como se pode observar, não perdeu tempo e de fato parecia estar
muito disposto a fechar negócio com o primeiro que lhe fizesse proposta. Entretanto,
diferente do que afirmou em seu livro, a madeira não seria entregue em Belmonte, mas
na enseada de Coroa Vermelha, entre Santa Cruz e Porto Seguro, onde canoas vindas de
Belmonte estariam esperando o barco britânico para poder fazer o embarque da madeira
– a enseada de Coroa Vermelha era a única localidade daquela região que poderia
receber embarcações de grande calado, por isso a escolha dessa localidade182.
Como parte do pagamento, Gaspar selecionou uma grande quantidade de
fazendas inglesas, no valor de um conto e seiscentos mil reis. Eram várias peças de
cetim, lenços, meias de ceda casimira, gangas, meias de algodão, dezessete peças de
cabo de linho, todo o sabão que estava a bordo do brigue e chá. A carga trazida por
Lindley era variada, reunindo produtos da Ásia, África e Europa, e mostra como o
contrabando, podia conectar diversas praças comerciais em diferentes continentes. A
maioria eram manufaturas inglesas, mas esse não era o único tipo de carga que a
embarcação transportava. Nela também havia alguns metais, conforme relatou o alferes
Simão Vaz, chumbo em barras e cobre, e além disso, levava betas de piaçaba183. Estes
últimos itens eram utilizados para a reforma da própria embarcação.
Embora a negociação entre Lindley e Gaspar tenha sido desfeita, ele lhe disse,
que se quisesse seguir viagem e voltar à região seis ou oito meses depois, debaixo de
qualquer pretexto, a carga de madeira estaria pronta para embarque. Nesse meio tempo
Gaspar planejava conseguir licença do governador da Bahia (Comarca à qual a de Porto
Seguro estava submissa, conforme relatamos anteriormente), para fazer os cortes régios
181 CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 156.
182 Idem, f. 156.
183 Idem, para o depoimento de Lindley ver f. 156, do soldado Simão Vaz f. 75.
98
e a partir destes separaria a quantidade que Lindley levaria. Em seguida, Gaspar lhe deu
uma lista de comerciantes em Salvador, com os quais ele poderia entrar em contato,
caso aceitasse a proposta184.
Esse fato evidencia que Gaspar estava conectado a um grupo de comerciantes
que, possivelmente, agiam nas duas faces do comércio colonial: o lícito e o ilícito. A
conivência das autoridades régias e o envolvimento dos colonos nessas negociações,
somadas à audácia dos contrabandistas, como revelam as atitudes de Lindley, tornavam
as medidas repressivas do Estado português, quase ineficazes diante do contrabando185.
Embora fossem vários os casos de apreensões de embarcações e as prisões de
contrabandistas, possivelmente a parte mais substancial dessas negociações passassem
ilesas à medidas repressoras da Coroa. A suposta lista entregue por Gaspar a Lindley
evidencia, também, algo que vem sendo cada vez mais estudado pelos historiadores que
se dedicam aos casos de contrabando, a união de indivíduos em torno destes negócios.
Como destacou Zacarias Moutoukias, os contrabandos poderiam reunir diferentes
grupos que cooperavam ou competiam entre si, em torno dos negócios ilícitos186.
Os comerciantes cooperavam entre si tanto na realização de comércio lícito,
quanto ilícito. A este respeito, a lista e nomes que Gaspar lhe dera por Lindley é uma
forte evidência. Infelizmente ela não se encontra anexada aos autos da devassa. Lindley
afirmou que alguns papeis foram perdidos durante a viagem de Caravelas a Porto
Seguro, quando foi preso. Ele certamente se livrou de documentos que
comprometessem ainda mais sua situação ou relacionasse outras pessoas ao ocorrido,
dentre eles, possivelmente a carta. Essa relação de comerciantes poderia revelar as
conexões que a família do ouvidor José Dantas possuía na Colônia, mostraria ainda, os
nomes de comerciantes da Bahia que possivelmente se envolviam em relações de
contrabando.
Contudo, temos uma evidência de um dos possíveis nomes relacionados por
Gaspar. Embora Thomas Lindley tenha sido discreto e, sempre que pôde, ocultou os
nomes das pessoas com quem se relacionou no Brasil, sabemos que ele conhecia
pessoas influentes em Salvador, entre elas Antônio da Silva Lisboa. Antônio Lisboa era
um rico comerciante da Bahia, conhecido por sua hospitalidade para com os
184 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 152.
185 ARRUDA, José Jobson de Andrade. O Brasil no comércio colonial. Op. Cit., p. 325-7.
186 MOUTOUKIAS, Zacarias. Op. Cit.
99
estrangeiros. Lindley tentou enviar uma carta a ele assim que chegou preso em
Salvador, mas não lhe foi permitido. Isso pode indicar que Antônio da Silva Lisboa, era
um dos nomes indicados por Gaspar.
O fato de não lhe permitirem enviar a carta não o impediu de entrar em contato
com Antônio Lisboa. Aproveitando-se da autorização que tinha para realizar passeios na
cidade, o inglês de alguma forma se relacionou com Lisboa, (o que o ajudou a fugir da
prisão. O comerciante inglês e sua esposa partiram para a Europa escondidos no barco
Três Corações, propriedade de Antônio da Silva Lisboa187.
Apesar de uma devassa ter sido iniciada para investigar a fuga do inglês e de ter
sido constatado o envolvimento de pessoas ligadas a Antônio da Silva Lisboa – seus
filhos inclusive –, não consta que algo lhe tenha acontecido. Outro conhecido de
Thomas Lindley era o intelectual Francisco Agostinho, que lhe foi apresentado quando
esteve na Bahia. Isso revela que enquanto esperava os consertos no brigue, entrou em
contato com moradores daquela cidade, contrariando a legislação portuguesa, que
proibia tal aproximação – isso só seria possível com a ajuda de funcionários do porto
daquela cidade188.
Apesar da garantia dada por Gaspar José, o comerciante inglês não aceitou a
proposta de retornar ao Brasil tempos depois para buscar a carga de pau-brasil, pois
estava interessado em conseguir um carregamento daquela madeira naquele momento.
Tão logo desfez o acordo com Gaspar, Lindley recebeu outra proposta. O novo
fornecedor foi apresentado a Lindley por Inácio Álvares da Penha. Era um morador de
Vila Verde, identificado apenas como Manoel, que em sociedade com Inácio Álvares,
forneceria toda a madeira que o inglês quisesse comprar, sendo retirada naquela vila e
enviada a Porto Seguro em canoas através do rio Buranhém. O preço foi fixado em oito
contos de reis por arroba189. Manoel lhe fez ainda, uma proposta de vender ouro junto
com o pau-brasil e lhe deu uma pequena quantidade em pó, como amostra. Contudo,
187 Lindley, em suas Narrativas, fez apenas uma breve menção a Antônio da Silva Lisboa. Pedro
Calmon em um romance intitulado A bala de ouro, apresentou uma documentação consultada no Arquivo
Histórico Ultramarino em que há detalhes sobre a fuga de Thomas Lindley e sobre o processo que se
instaurou para investigar a fuga do inglês. Através deste livro descobrimos que o comerciante recebeu
ajuda de Antônio da Silva Lisboa e de seus filhos, para fugir da prisão. LINDELY, Thomas. Op. Cit., p.
57 BITTENCOURT, Pedro Calmon Moniz de. A Bala de Ouro: história de um crime romântico.
Salvador: Assembléia Legislativa do Estado da Bahia: Academia de Letras da Bahia, 1998, p. 45-9.
188 LINDELY, Thomas. Op. Cit., p. 70.
189 É possível que o escrivão que registrou a devassa tenha cometido um erro na transcrição da fala do
inglês, pois essa quantia é extremamente alta.
100
Lindley recusou a compra do ouro e descontente com isso, Manoel suspendeu a
negociação de pau-brasil190.
Infelizmente as páginas da inquirição feita a Inácio Álvares estão quase todas
ilegíveis, não nos permitindo obter mais informações a respeito dessa negociação, nem
mesmo conhecer melhor esse morador de Vila Verde. Contudo, cruzando informações
de algumas testemunhas inquiridas em 1805 (três anos após início das investigações),
com a lista das pessoas presas no início do processo, enviada ao Conselho Ultramarino
pelo governador da Bahia, em 1802, descobrimos que o fornecedor misterioso era
Manoel Fernandes Sampaio, mencionado anteriormente como um dos denunciantes
tardios191.
A comissão investigadora chegou a procurá-lo em Vila Verde levando Lindley
para fazer o reconhecimento, mas ele não foi encontrado nessa ocasião. Contudo, algum
tempo depois Manoel Sampaio se apresentou ao ouvidor Geral do Crime, Cláudio José
Pereira da Costa, que ainda estava realizando a devassa em Porto Seguro, e prestou
denúncia contra Antônio Luís Dantas Coelho (o outro filho do ouvidor e sócio do irmão
Gaspar José, na venda de pau-brasil), dizendo que havia recebido ordem dele para cortar
a madeira. Acabou sendo preso192.
Manoel Fernandes Sampaio tentou se livrar das acusações de envolvimento na
negociação de pau-brasil aproveitando-se do momento em que diversas pessoas estavam
denunciando as atividades do ouvidor e de seus filhos, como abordaremos na sessão
anterior. No entanto, além do pau-brasil ele ofereceu ouro ao comerciante inglês e a
amostra que ele entregou a Lindley foi apreendida pela comissão. O inglês afirmou ter
sido severamente interrogado a respeito da pequena quantidade de ouro encontrada na
embarcação estrangeira193.
Levando em consideração que Inácio Álvares não foi preso, embora tenha sido
acusado de ser sócio de Manoel Sampaio na venda do pau-brasil, acreditamos que
Sampaio foi preso por causa do ouro e não pela tentativa de venda de pau-brasil –
190 CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 160-161.
191 OFÍCIOS (6) do Governador Francisco da Cunha Meneses para o Visconde de Anadia. Bahia, 22 de
novembro de 1802. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 121, D. 23.875. [Projeto Resgate].
192 CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 171-218;
OFÍCIOS (6) do Governador Francisco da Cunha Meneses... Op. Cit., doc. 23.875; Lindley narra essa
busca em seu livro, mas sem mencionar o nome de Sampaio. LINDELY, Thomas. Op. Cit., p. 39-43.
193 LINDELY, Thomas. Op. Cit., p. 39.
101
Infelizmente sua inquirição não consta nos autos do processo. Desde o início da queda
nas taxas da arrecadação aurífera, na segunda metade do século XVIII, a Coroa havia
aumentado a perseguição aos contrabandos desse metal. No período em que Thomas
Lindley esteve no Brasil, os impostos recolhidos sobre a produção do ouro nas Minas
Gerais não conseguia atingir as duzentas oitavas de onça, percentual baixíssimo se
considerando às cerca de quinhentas do início da década de 1750194. Diante desse
cenário é compreensível a preocupação da Coroa com Manuel Fernandes Sampaio que
pelo que relatou Lindley, poderia conseguir ouro para contrabandear.
Além de Manoel Sampaio e Inácio Álvares, outra pessoa que propôs negociação
de pau-brasil a Lindley foi Martinho Francisco da Silva, também apresentado por Inácio
Álvares, embora deste não consta na documentação que fosse seu sócio. Martinho era
diretor dos índios na vila de Trancoso e ofereceu a madeira por dois ou três cruzados a
arroba. A carga seria embarcada na própria vila de Porto Seguro (em várias etapas),
sendo trazida em canoas e carregada durante a noite. Uma primeira porção de pau-brasil
chegou a ser cortada e levada para a vila mas não foi embarcada. Essa madeira foi
cortada próxima à vila de Trancoso e para lá retornou.
O pau-brasil escondido em Trancoso foi denunciada por um dos moradores
daquela vila. De acordo com Antônio de Farias, a carga estava no sítio de Itaquena, no
rio dos Frades, onde se havia descoberto diversas toras de pau-brasil cobertas de folhas
de gravatá, que estavam esperando condução195.
Embora se tenha indicado onde estaria a madeira que seria comercializada com o
inglês, a comissão investigadora não se ocupou em ir verificar a informação. A carga
permaneceu escondida até que em novembro de 1806 o índio João Carvalho, morador
da vila de Trancoso, a denunciou novamente. Depois da nova delação, imediatamente
uma expedição liderada pelo capitão da Marinha Real, Severo José da Silva, foi enviada
com o objetivo de investigar quem a teria cortado, quem teria ordenado a extração e por
fim, recolher a madeira.
Eram doze toras de pau-brasil cortadas em diferentes tamanhos e pesos,
escondidas no fundo de uma lagoa. O corpo de delito (sic) constatou pelo aspecto e cor,
que a madeira estava escondida há mais de quatro anos. Através das inquirições de
194 BERGAD, Laird W. Escravidão e história econômica: demografia de Minas Gerais, 1720-1888.
Bauru-SP: EDUSC, 2004, p. 47.
195 CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 101 e 159-160.
102
testemunhas descobriu-se que ela havia sido cortada na época do ouvidor José Dantas
Coelho e descobriu-se que fora derrubada por Inácio da Penha Santos e alguns de seus
familiares. De acordo com as testemunhas, a madeira havia sido extraída por ordem de
José Dantas e seus filhos, Gaspar José e Antônio Luís196.
É interessante notar que a denúncia foi feita somente em novembro de 1806.
José Dantas já havia morrido na prisão em Salvador em 20 de agosto daquele mesmo
ano. Um mês depois os seus filhos conseguiram permissão para se defenderem em
Portugal. Durante as inquirições não foi citado nenhum nome dos suspeitos de terem
negociado pau-brasil com o inglês Thomas Lindley, recaindo toda culpa ao falecido
ouvidor e seus filhos. Ao apontarem para Inácio da Penha como realizador do corte, as
testemunhas disseram que ele havia recebido uma ordem por escrito de José Dantas,
isentando-o dessa forma, da culpa de ter retirado a madeira sem permissão. Inácio da
Penha teria dito a uma das testemunhas que se não o fizesse teria sido preso197.
Inácio Rodrigues da Penha era índio e sabemos que a pessoa da vila de Trancoso
que ofereceu pau-brasil a Lindley, Martinho Francisco da Silva, era diretor dos índios
daquela vila. Tal cargo, na Comarca de Porto Seguro, era exercido pelos escrivães das
câmaras municipais. Estes sujeitos tinham que conciliar suas funções camarárias e
regulamentar a educação e o trabalho dos indígenas. Eram figuras importantes dentro do
jogo político local pelo fato de monopolizarem, de certa forma, o controle da principal
mão de obra na capitania, os índios, como outrora fizeram os jesuítas198.
Em 1806 Martinho Francisco da Silva não era mais diretor dos índios de
Trancoso e não foi inquirido na devassa, nem em 1802, nem em 1806. Diante dos dados
apresentados e considerando que eram os diretores que dirigiam diretamente o trabalho
indígena, deduzimos que foi Martinho Francisco da Silva que ordenou o corte do pau-
196 AUTO da devassa que mandou fazer o Juiz da expedição Régia o Capitão Severo José da Silva para
por ele perguntar e inquirir testemunhas sobre o corte do pau-brasil que foi achado em um brejo do sítio
de Itaquena, em lugar do sítio da Garopiona, Rio do Frade a cima, termo da Vila de Trancoso. Arquivo
Público do Estado da Bahia – APEB. Localização: Colonial e Provincial – Cartas ao Governo – maço
209.
197 TERMO do óbito do Ouvidor da Comarca de Porto Seguro José Dantas Coelho, falecido na Fortaleza
de S. Pedro em 20 de agosto de 1806. Bahia, 6 de setembro de 1806. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 150,
D. 28884. [Projeto Resgate]; INFORMAÇÃO do chanceler da Relação favorável a pretensão de Gaspar e
Antonio Luiz Dantas Coelho, relativa ao seu embarque, sob prisão, para o reino, afim de ali obterem a
revisão da sentença contra eles proferida. Bahia, 6 de setembro de 1806. AHU_ACL_CU_005-01, Cx.
150, D. 28883. [Projeto Resgate].
198 A respeito dos diretores dos índios da capitania de Porto Seguro ver: CANCELA, Francisco. Op. Cit.,
p. 212-218.
103
brasil encontrado na vila de Trancoso, ou ainda, que fosse sócio de Gaspar José Dantas
Coelho nessa negociação.
Porém, sua transação com comerciante inglês não foi bem sucedida. Quando
Lindley deu a notícia a Gaspar de que havia feito negócio com outra pessoa199, este
mudou de ideia sobre a permissão de comércio que lhe havia dado e pediu que o inglês
abandonasse a negociação imediatamente, pois tinha “motivos secretos e da mais
imperiosa natureza para dar os seus conselhos”200. Depois da advertência o inglês
desistiu inteiramente de qualquer tentativa de comprar pau-brasil em Porto Seguro, pois
se tratando de artigo de contrabando, “não poderia ser conseguido sem perigo”201.
Foi nesse momento que Lindley tomou a decisão de seguir viagem, saindo de
Porto Seguro, em 25 de junho de 1802 – dez dias após a denúncia de contrabando ter
sido feita em Salvador. Os preparativos para a viagem da comissão que fez a devassa
correram em segredo, entretanto, ao chegar a Porto Seguro em 28 de junho daquele ano,
o Ouvidor Geral do Crime, Cláudio José Pereira da Costa, não encontrou a embarcação
inglesa202.
Mesmo a denúncia tendo sido feita em sigilo a notícia da delação e da eminente
prisão da embarcação inglesa chegou primeiro à vila de Porto Seguro. Esse era o motivo
que Gaspar disse ter para aconselhar Lindley a desistir da negociação. Sabendo da vinda
da comissão, Gaspar e seu irmão Antônio Luís, realizaram uma manobra para tentar
convencer os moradores da vila de que não tinham comercializado com o inglês.
Forjaram uma investigação e inspecionaram o armazém de Antônio Maranhão, onde as
testemunhas disseram que havia sido depositada uma carga de pau-brasil, e o próprio
barco inglês, para constatarem que ninguém tinha conduzido madeira ou comprado
fazendas inglesas. Essa investigação foi utilizada pelo ouvidor José Dantas, como uma
das provas de que seus filhos não haviam feito comércio com o inglês, assim como
nenhuma outra pessoa da vila. Dantas afirmou ainda que a investigação havia sido feita
por seus filhos e pelos “juízes e justiças da terra”203.
199 Martinho Francisco da Silva, tendo em vista que Manoel Fernandes Sampaio também havia desistido.
200 LINDELY, Thomas. Op. Cit., p. 26-27; CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente
[D. João]... Op. Cit., f. 159-160
201 LINDELY, Thomas. Op. Cit., p. 27. Caindo em contradição nas Narrativas, nesse momento o inglês
deixa transparecer que tinha plena consciência de que a compra de pau-brasil seria contrabando.
202 OFÍCIOS (6) do Governador Francisco da Cunha Meneses... Op. Cit.
203 CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f.35.
104
Contudo, a estratégia dos filhos de José Dantas não foi bem sucedida. As
testemunhas se mostram descrentes a respeito dessa investigação e revelaram uma grave
falha em seu procedimento. Gaspar e Antônio Luís solicitaram uma vistoria ao Juiz
Ordinário de Porto Seguro, Manoel Fernandes do Rosário que, quando inquirido a
respeito, disse tê-la feito, mas nada tinha encontrado, porque não havia sido embarcado
pau-brasil no brigue inglês. Entretanto, de acordo com o capitão Sebastião Borges da
Purificação, um dos depoentes, “o exame não foi feito como deveria ser e por isso nada
se achou”. Além disso, o capitão revelou que diferente do que afirmou o Juiz Ordinário,
a investigação não foi feita por ele e sim por seu assistente, o escrivão da Câmara de
Santa Cruz204.
Dessa forma, a vistoria requerida pelos filhos de José Dantas em nada contribuiu
para sua defesa, nem para desviar a opinião pública sobre o seu envolvimento comercial
com o inglês. Após tal vistoria Lindley seguiu viagem, mas parou no porto da vila de
Caravelas. Conforme relatou, “o navio fazia tanta água e estava em condição tão
precária para a navegação, que [foi] obrigado a deitar ferros no Rio de Caravelas, que
ficava nas proximidades (...) fim de examinar e reparar plenamente a popa”205.
Alguns dias depois chegou um oficial acompanhado de alguns soldados com
ordem para prendê-lo, junto com toda a tripulação e conduzi-lo de volta à vila de Porto
Seguro. Ao que parece, sua embarcação estava realmente avariada, pois embora tenha
sido preso em 2 de julho, somente foi levado a Porto Seguro onze dias depois. De
acordo com Lindley, essa demora foi causada pelas reformas que estavam sendo
realizadas no barco206.
Não conseguimos localizar o inventário da carga do navio. As cartas de ordem
do capitão da embarcação, Job Carpenter, e de Thomas Lindley foram perdidas, ou
destruídas. Também não conseguimos encontrar as inquirições feitas aos filhos do
ouvidor José Dantas Coelho, Gaspar José e Antônio Luís, possivelmente perdidas nos
arquivos portugueses ou já inexistentes.
Contudo, através de suas defesas no auto de acusação feito em 1804, sabemos
que eles apontaram a inexistência de pau-brasil no barco inglês como prova de que não
haviam tentado fazer tal troca. Entretanto, em um requerimento Gaspar admitiu a
204 CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 72, 74 e 95.
205 LINDELY, Thomas. Op. Cit., p. 27.
206 Idem.
105
compra de fazendas inglesas, mas somente a havia feito para saciar “seu gosto”, sendo
pouca a quantidade. No entanto, conforme os depoimentos de Lindley e do capitão mor,
Mariano Manoel da Conceição, a quantidade das compras feita pelo filho do ouvidor
não foi pequena o que é um indício de que ele planejava revendê-las207.
A forma nada discreta como foi feita a comercialização das fazendas inglesas em
Porto Seguro, assim como se planejou a venda de pau-brasil, revela a maneira como
agiam os filhos do ouvidor, que pareciam não se importar com a opinião dos moradores
daquela Comarca. Pelo modo como tudo aconteceu, o caso foi classificado pelo príncipe
regente D. João, como “escandaloso”, tendo em vista que as pessoas da vila e das
redondezas sabiam que o comerciante inglês estava vendendo seus produtos a qualquer
um que fosse ao seu barco e ainda, que os filhos do ouvidor e outras pessoas da
Comarca haviam tentado vender pau-brasil ao caixa do barco britânico.
Durante a inquirição, Thomas Lindley revelou que o capitão mor, Mariano
Manoel da Conceição, havia ido a bordo de sua embarcação diversas vezes para
comprar seus produtos, assim como o Juiz Ordinário de Porto Seguro, Manoel
Fernandes do Rosário. O capitão Jerônimo Gomes de Brito, outro depoente, confirmou
que Mariano Manoel e o Juiz Ordinário haviam comprado mercadorias inglesas e
acrescentou o nome do vigário de Vila Verde, padre João Nunes, como um dos
compradores208.
O episódio do comércio com o inglês não havia sido a primeira vez que Gaspar
José e Antônio Luís haviam agido de forma ilegal e sem se importarem com a opinião
pública, assim como Mariano Manoel da Conceição. Um ano antes da chegada de
Thomas Lindley, os filhos do ouvidor e o capitão mor haviam procurado ouro e
diamantes no rio Grande na vila de Belmonte, fato que se tornou rapidamente público
em Porto Seguro e redondezas embora não denunciado na época.
207 AUTOS da acusação, por crime de contrabando, de António Luís Dantas Coelho e Gaspar José
Dantas Coelho, filhos do ex-Ouvidor da Comarca de Porto Seguro. Bahia, 13 de outubro de 1804.
Arquivo Histórico Ultramarino - Baía, cx.231, doc. 33. ACL_Conselho Ultramarino, 005, Cx. 234, D.
16128. [Projeto Resgate]; Ver o requerimento de Gaspar José Dantas Coelho, anexado à CONNSULTA
do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit. s/n.
208 CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 49 e 159.
106
3. 2 As escavações de ouro e diamantes no rio Grande de Belmonte
Coordenadas por Gaspar José, Antônio Luís e Mariano Manoel da Conceição, as
escavações foram realizadas em uma cachoeira do rio Grande conhecida como “Braço
do Serro do Frio”. O nome da cachoeira, uma alusão à Comarca do Serro do Frio,
pertencente às Minas Gerais, mostra que os moradores da capitania de Porto Seguro
tinham pleno conhecimento de que aquele rio se originava naquela região mineradora.
Para essa expedição foram mobilizados cerca de trinta índios, além do prático José
Soares Dantas, negro alforriado que tinha experiência nesse tipo de escavações.
Embora fosse uma atividade expressamente proibida sem a autorização da
Coroa, era corrente em toda a vila de Porto Seguro que os filhos do ouvidor José Dantas
e Mariano Manoel da Conceição estavam pretendendo realizar escavações em busca de
ouro e pedras preciosas. Das 61 pessoas que depuseram na devassa, entre junho e agosto
de 1802, a maioria relatou a realização da expedição, que de acordo com os depoentes
havia ocorrido cerca de um ano antes da passagem do comerciante inglês Thomas
Lindley pela capitania. Se a afirmação for correta, os fatos ocorreram entre maio e junho
de 1801.
Por não saberem ou terem experiência no negócio, Gaspar José e Antônio Luís
procuraram na própria vila pessoas que soubessem como fazer as escavações. O
primeiro foi Luís Félix da Silva Vieira, sobre o qual se corria boatos de que tinha
experiência desse tipo de atividade. Contudo ele se recusou a participar, provavelmente
temendo que houvesse denúncia e ele acabasse preso pela atividade ilegal.
Os filhos do ouvidor da Comarca recorreram então ao mascate João de Sousa
Ribeiro. Este já havia estado nas Minas Gerais e conforme os boatos, sabia quais os
procedimentos que deveriam ser feitos. Porém, ele também não aceitou o convite,
“lembrando-se das desgraças e punições que havia presenciado na capitania de Minas, a
este respeito”209. Diante da negativa, os filhos do ouvidor pediram-lhe emprestado o
escravo João, provavelmente adquirido nas Minas, o que ele também recusou.
Apesar de serem convocados pelos filhos da maior autoridade régia da capitania,
o que indica que receberiam licença do pai para realizar as escavações, esses moradores
de Porto Seguro se recusaram a ajudar, porque sabiam dos riscos que correriam caso
209 CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 78-80 para o
depoimento de João de Sousa Ribeiro e f. 134 para o depoimento de Luis Félix da Silva Vieira.
107
aceitassem serem cúmplices nesse tipo de atividade. A exploração de pedras e metais
preciosos era monopólio da Coroa e a busca por minas só podia ser feita mediante
licença desta. Em Porto Seguro, desde a criação da Comarca, em 1763, a Metrópole
vinha reforçando essa proibição, instruindo os ouvidores a impedirem as entradas nos
sertões da capitania, conforme já abordamos na seção anterior210.
Ainda assim, a presença de pessoas que, de acordo com boatos sabiam os
procedimentos a serem adotados nesse tipo de atividade, indica que essa proibição
talvez não fosse cumprida. Além disso, o fato de terem pessoas que já haviam estado
nas Minas Gerais, um comerciante, inclusive, já que João de Sousa Ribeiro era mascate,
mostra a circulação dos habitantes ao longo da Colônia e o fato de saberem os
procedimentos a serem seguidos, pode indicar que já tivessem participado de
escavações, talvez nas próprias Minas Gerais.
Entretanto, mesmo desiludidos na tentativa de encontrar pessoas preparadas para
essa tarefa, e alertados por João Ribeiro, os filhos do ouvidor da Comarca de Porto
Seguro não desistiram de fazer as escavações.
O padre Bernardo Filho Barbosa Andrade, depoente, testemunhou algumas
conversas entre o ouvidor José Dantas e seus filhos a respeito dessa empresa. De acordo
com o padre, pouco tempo depois das recusas de João Félix da Silva Vieira e João
Ribeiro, Gaspar José e Antônio Luís comunicaram ao pai que já tinham preparado tudo
para fazer as escavações. Conforme os relatos do padre, os filhos do ouvidor se
associaram ao capitão Mariano Manoel da Conceição211, que havia sido incumbido de
preparar os mantimentos para a expedição e já tinham conseguido, uma pessoa com
experiência nesse tipo de atividade, o negro forro José Soares Dantas, que era natural da
região do rio de Contas. Esperavam apenas a licença do pai, que embora os tenha
advertido dos riscos não os impediu de prosseguirem212.
Preparados para a expedição, Gaspar e Antônio foram encontrar o capitão
Mariano Manoel na vila de Belmonte. Reuniram todos os índios da vila e separam um
grupo da etnia “Menhan”, que foram “constrangidos” a subir armados o rio Grande, em
210 INSTRUÇÃO para o ministro (Tomé Couceiro de Abreu)... Op. Cit., § 9.
211 No início de 1801, Mariano Manoel da Conceição não era ainda capitão mor das Ordenanças. Após o
falecimento de João Borges de Figueiredo a Câmara Municipal de Porto Seguro indicou Mariano Manoel,
capitão de uma das companhias de Ordenanças, para substituí-lo, com anuência do Ouvidor da Comarca,
José Dantas Coelho. Sua carta de patente foi dada pelo governador da Bahia, D. Fernando José de
Portugal, em 5 de setembro de 1801. Nesse momento as escavações já haviam sido realizadas.
212 CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 104-106.
108
canoas. O morador João Manoel da Silva que havia ido pescar próximo ao local onde os
filhos do ouvidor e o capitão Mariano Manoel da Conceição iam fazer as escavações,
relatou que ao voltar da pescaria o prático José Soares lhe disse que haviam achado
nove pedras pequenas de diamante e meia oitava de ouro213.
As ações dos filhos do ouvidor e de Mariano Manoel da Conceição foram feitas
sem nenhuma preocupação ou discrição. Ao retornarem a Belmonte as pessoas da vila
logo souberam que eles haviam subido “o rio em direção as cachoeiras, no intuito de
fazer escavações de ouro e diamantes”. Dois meses e meio depois voltaram os filhos do
ouvidor a Porto Seguro e na presença do padre Bernardo Filho, mostraram ao pai uma
porção de ouro e as pedras de diamante que José Soares “havia avaliado em cerca de
14.000 cruzados”. Porém, quando os filhos de José Dantas tentaram vender as pedras na
capitania Bahia, descobriram que eram falsas214.
3. 3 José Dantas Coelho, Mariano Manoel da Conceição e as acusações múltiplas
José Dantas Coelho, defendendo a si e a seus filhos, disse ser notório que em
toda a “Capitania de Porto Seguro, não [havia] lugar ou paragem em que se [encontra]
ouro, nem consta se achasse, e menos nas cachoeiras, diamantes, nem pessoa alguma
tentou [descobrir], como dirão as testemunhas”215.
Mariano Manoel da Conceição não negou a realização das escavações, o que
tornou mais difícil a defesa dos filhos do ouvidor. Ao contrário, admitiu ter
acompanhado Gaspar José e Antônio Luís, mas negou estar presente no momento da
escavação. Além disso, o capitão mor acusou os filhos de José Dantas de toda a
responsabilidade e disse que só os acompanhou porque sabia que eles não iriam
encontrar nenhum minério. No entanto, ao ver que eles tinham achado algumas pedras,
disse ter suspendido imediatamente as operações, ordenando aos índios que se
preparassem para voltar a Belmonte216.
213 CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f., f. 122.
214 Idem, f. 134, para o depoimento do índio João Gomes, morador na vila de Belmonte; f. 106, para o
do padre Bernardo Filho, f.106.
215 CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 39.
216 Idem, f. 143-146.
109
Acusar os filhos do ouvidor e admitir a realização das escavações não foi a única
estratégia utilizada pelo capitão mor. Mariano Manoel da Conceição, após a expedição,
começou dizer a diversas pessoas o que havia acontecido nas cachoeiras do rio Grande
de Belmonte, mas contando a sua versão dos fatos, que aliás, não foi a mesma que
relatou à comissão investigadora.
Durante a devassa o capitão Antônio da Costa Sousa afirmou que Mariano
Manoel da Conceição lhe confessara que os filhos do ouvidor foram ao rio Grande e que
ele os acompanhou até o local onde tinham uma plantação de arroz e milho, mas que
não foi além desse ponto. E voltando os filhos de José Dantas Coelho “trouxeram umas
seis ou nove pedras que diziam ser diamantes”217.
João de Souza Ribeiro, outro depoente, afirmou que o capitão mor lhe havia dito
que acompanhou os filhos do ouvidor até o rio Grande, “onde tinham uma plantação de
milho e arroz e depois à busca dos diamantes, mas não se utilizou das pedras que eles
encontraram”. Braz Gonçalves de Santiago, outro depoente, também disse que Mariano
Manoel lhe tinha dito “que os filhos do ouvidor haviam ido ao rio Grande e que ele
tinha ido com eles”, mas nada mais que isso218.
Através desses comentários é possível perceber que Mariano Manoel da
Conceição objetivava reunir pessoas que pudessem depor a seu favor, caso houvesse
denúncia. No entanto, apesar da estratégia de defesa, Mariano Manoel não conseguiu
escapar à prisão, mas certamente estava em uma posição mais favorável que a dos filhos
do ouvidor, tendo em vista que chegou a receber homenagens públicas na Bahia e em
Porto Seguro, em 1805219.
É interessante observar que mesmo estando preso, o parecer favorável às
homenagens referia-se a Mariano Manoel da Conceição como “capitão mor de Porto
Seguro”, indicando que não havia perdido a patente. Ao contrário de José Dantas
Coelho, depois de preso passou a ser designado como “ouvidor que foi da Comarca de
Porto Seguro”, o que mostra que havia perdido o cargo. Infelizmente esse parecer foi o
217 CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 71.
218 Idem, f. 80 para o depoimento de João de Sousa Ribeiro; f. 82 para Braz Gonçalves Santiago.
219 REQUERIMENTO do capitão mor de Porto Seguro, Mariano Manuel da Conceição e Figueiredo, ao
príncipe regente D. João solicitando a extensão à referida Comarca de Porto Seguro, da homenagem a ele
concedida na cidade da Bahia. Bahia, 7 de janeiro de 1805. AHU-Baía, cx.233, doc. 4.
AHU_ACL_CU_005, Cx. 235, D. 16203. [Projeto Resgate].
110
último documento que encontramos nos autos da devassa referente a Mariano Manoel
da Conceição.
Gaspar José e Antônio Luís Dantas Coelho, ao contrário do capitão mor,
dificultaram suas situações à medida em que não se preocuparam com as consequências
de suas ações. O padre Bernardo Filho, presenciou as conversas a respeito das
escavações em busca de ouro e diamantes, entre Dantas e seus filhos, o que mostra que
eles não se preocupavam em falar do assunto na presença de outras pessoas.
Além disso, o carpinteiro Antônio Pereira da Silva ao depor na devassa, disse
que sabia por boatos que os filhos do ouvidor e o capitão mor haviam feito escavações
de ouro e diamantes, no rio Grande, em um local chamado Braço do Serro do Frio.
Porém, algum tempo depois Gaspar José, conversando com ele, dissera que tinha “um
negócio de interesse no rio de Belmonte que lhe havia de dar mais utilidade que todas as
roças que ele tinha”. Antônio Pereira então lhe perguntou “se o gênero era de ouro”,
“ele afirmou com a cabeça, mostrando que era o mesmo negócio de ouro o que passara
a fazer”220.
O capitão Sebastião Borges da Purificação afirmou em seu depoimento que um
dos filhos do ouvidor lhe havia dito “que se a plantação de milho e arroz não desse boa
colheita, não poderia cobrir os custos da escavação de ouro e diamantes”221.
Como se pode observar, Gaspar José não se preocupava com as consequências
de suas ações ilícitas. Diante dessa situação os filhos do ouvidor não conseguiram
rebater as acusações de escavação em busca de ouro e diamantes, nem as de compra de
fazendas inglesas e de tentativa de venda de pau-brasil. Não bastasse a estratégia do
capitão mor, o fato de terem comentado sobre a expedição ou terem deixado que o padre
Bernardo ouvisse as conversas com o pai, invalidou a estratégia de defesa que
escolheram, negando a realização das escavações, algo que havia se tornado público e
comentado tanto na vila de Belmonte quanto na de Porto Seguro.
A situação dos filhos de José Dantas Coelho contribuiu para que o próprio
ouvidor fosse preso, não por envolvimento direto na compra de fazendas inglesas ou nas
escavações de ouro e diamantes, mas por permitir que todos esses fatos acontecessem.
220 CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 84.
221 Idem, f. 74.
111
3. 4 José Dantas Coelho: o “consentidor”
Embora os denunciantes e os depoentes desde o início tenham relacionado o
ouvidor de Porto Seguro aos acontecimentos ocorridos entre maio e junho de 1802, José
Dantas Coelho não foi preso durante a devassa, nem mesmo inquirido. A este respeito, o
desembargador Cláudio José Pereira da Costa que foi encarregado de liderar a
investigação, relatou que embora estivesse convencido do envolvimento de José Dantas,
devido aos dados colhidos durante os inquéritos, não se sentiu “autorizado para ter com
o dito ministro algum procedimento”, deixando para o príncipe regente, D. João, a
responsabilidade de decidir a respeito, recomendando porém, que os culpados fossem
“exemplarmente punidos”222.
O fato de Cláudio José Pereira da Costa não ter prendido José Dantas, por não se
achar “autorizado a ter com ele algum procedimento”, ainda que o governador da Bahia
lhe tivesse autorizado a prender os envolvidos nos crimes denunciados, revela um
respeito jurisdicional. José Dantas Coelho era um ouvidor régio e governador de
capitania, sua nomeação ou deposição estava dentro da jurisdição da Coroa.
Os ouvidores de Comarca desde as reformas pombalinas (1750-1777) tinham
ganhado poderes que extrapolavam os limites da administração de justiça – natureza de
suas funções. Nesse sentido, os papeis desempenhados pelos ouvidores rompiam os
limites da magistratura e avançavam para o campo do governo e da administração.
Embora fosse exigida a formação em direito civil ou canônico, eles acabaram por
exercer diversas funções, como: emitir sentenças em primeira instância de determinados
processos cíveis e criminais; a fiscalização do trabalho das autoridades locais, tais como
os juízes, tabeliães e meirinhos; o acompanhamento das eleições dos oficiais da câmara;
o controle da arrecadação tributária; o fomento ao povoamento de suas comarcas; a
promoção de benfeitorias nas povoações que governava; e o abastecimento regular de
gêneros de subsistência para a população a eles subordinada223.
222 CARTA do Ouvidor Geral do Crime, Cláudio José Pereira da Costa, in: PARECER do Conselho
Ultramarino sobre a devassa feita em Porto Seguro relativa aos contrabandos do pau-brasil, ouro e
diamantes. Bahia, 16 de novembro de 1802. AHU-Baía, cx.226, doc. 18, cx. 274, doc.94.
AHU_ACL_CU_005, Cx. 227, D. 15775. [Projeto Resgate]; INFORMAÇÃO de Cláudio José Pereira da
Costa, Op. Cit., p. 347.
223 WEHLING, Arno e WEHLING, Maria José. Direito e Justiça no Brasil Colonial: o Tribunal da
Relação do Rio de Janeiro (1751-1808). Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 36.
112
Embora José Dantas estivesse fora da alçada da Ouvidoria Geral do Crime, o
que implicava na impossibilidade de Cláudio José Pereira prendê-lo sem ordem régia
(do contrário estaria quebrando as jurisdições reais), não significava que ele estivesse
impotente diante da situação. Para resolvê-la, ele recorreu ao ideário ibérico que
concebia a administração da justiça como a principal função do rei e recomendou
punição a José Dantas Coelho224.
Em resposta D. João ordenou a prisão de José Dantas em 29 de fevereiro de
1803. Seis meses depois Cláudio José Pereira da Costa informou que havia suspendido
José Dantas Coelho do cargo de ouvidor da Comarca de Porto Seguro e o havia
conduzido à fortaleza de São Pedro, em Salvador, onde também estavam presos Gaspar
José, Antônio Luís e Mariano Manoel da Conceição e Figueiredo225.
Na prisão o ex-ouvidor de Porto Seguro foi interrogado sobre os fatos
denunciados. Ao ser perguntado sobre a chegada da embarcação inglesa, José Dantas
afirmou que ela havia arribado “desalvorada (sic) e sem leme” e que foi conduzida pelo
pescador Inácio Álvares. A falta de artífices e a doença do caixa, Thomas Lindley, e de
sua esposa, provocaram a demora deles em Porto Seguro226.
Perguntado sobre as providências que havia tomado diante da situação,
respondeu que assim que chegou o barco inglês, mandou três ou quatro guardas e que o
capitão mor havia feito a mesma coisa. Contudo, afirmou que assim que Mariano
Manoel da Conceição mandou retirar os seus sentinelas, removeu também os seus, na
certeza de que na terra não havia contrabandistas. Dantas relatou que os guardas ficaram
a bordo do brigue cerca de oito ou dez dias227.
Questionado sobre os motivos de seus filhos terem sio vistos a bordo do brigue
inglês, respondeu que algumas vezes deu licença a Gaspar José para sair em seus
passeios, mas que ignorava seu destino e por isso não sabia se frequentava ou não o
barco estrangeiro. Sobre Antônio Luís, afirmou que em quase todo o período de estada
224 SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e sociedade no Brasil colonial: o Tribunal Superior da Bahia e
seus desembargadores, 1609-1751. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 27.
225 OFÍCIO do Ouvidor geral do Crime, Cláudio José Pereira da Costa aquele governador, informando
que tinha suspendido aquele Ouvidor, o conduzido sob prisão à Fortaleza de São Pedro, onde o tinha
entregado ao comandante Justino José de Campos. Bahia, 24 de junho de 1803. AHU_ACL_CU_005-01,
Cx. 127, D. 25161. [Projeto Resgate].
226 TRANSLADO do Auto de Perguntas Feitas ao Bacharel José da Rocha Dantas Coelho... Op. Cit., §611.
227 TRANSLADO do Auto de Perguntas Feitas ao Bacharel José da Rocha Dantas Coelho... Op. Cit., §
6-11.
113
da embarcação, estava cuidando de suas plantações de milho e arroz na vila de
Belmonte. Quando perguntado se não sabia que seus filhos estavam comercializando
com o caixa do brigue inglês, respondeu que ignorava essa pergunta porque a ele não
interessava direta ou indiretamente, “com sua ciência, consentimento, aprovação,
auxílio, pois sempre ignorou que seus filhos projetassem nem possuíssem negociação
alguma com o dono do mencionado brigue”228.
Por fim, ao ser indagado sobre as escavações realizadas no rio Grande, negou
que elas tivessem sido realizadas, nem poderia ele ter consentido que algo assim
acontecesse. Disse ainda que quando chegou o Brasil, D. Fernando José de Portugal,
que à época era governador da Bahia, havia passado ordens para que fosse dada a
serventia de algum ofício a seus filhos ou lhes doassem alguma sesmaria para
cultivarem. Como isso não aconteceu, roçaram uma porção de mato na beira do rio
Grande e lá plantavam milho e arroz229.
A própria localização das plantações (às margens do rio Grande), foi utilizada
por José Dantas para negar a realização das escavações, dando a entender que os filhos
iam a Belmonte para cuidar das lavouras – mesma estratégia utilizada por Mariano
Manoel da Conceição. Entretanto, a publicidade das ações do grupo não permitiu que as
plantações fossem utilizadas para desviar o foco das acusações.
José Dantas, talvez por acreditar que o processo não fosse durar muito tempo e
que conseguiria se livrar das denúncias, se defendeu de forma pouco contundente. Suas
respostas não foram convincentes o bastante para rebater as acusações, sobretudo por
causa das várias testemunhas que denunciaram o seu consentimento às ações dos filhos.
Além disso, relataram que o próprio ouvidor junto com toda a sua família frequentava o
barco inglês. Sua esposa chegou a receber presentes da esposa de Lindley, como
demonstração de amizade (um vestido de cetim roxo, saias bordadas e anéis)230.
Diante de tudo que havia acontecido a Coroa agiu visando fazer daqueles
acusados um exemplo para os demais colonos, como havia sugerido o Ouvidor Geral do
Crime. Cabia ao monarca – no caso o príncipe regente – atuar para manter a harmonia
entre todos os membros do corpo social, dando a cada um tudo o que lhe era próprio (os
228 TRANSLADO do Auto de Perguntas Feitas ao Bacharel José da Rocha Dantas Coelho... Op. Cit.,
§14-16.
229 Idem, §17-18.
230 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 99.
114
prêmios ou os castigos), garantindo dessa forma, a organização social e cumprindo a sua
finalidade máxima, a aplicação da justiça231.
3. 5 Punir para exemplificar: a ação da Coroa
A ação do governo da Bahia e da Metrópole para impedir o comércio de paubrasil em Porto Seguro foi rápida e eficiente. Assim que recebeu a denúncia o
governador Francisco da Cunha Meneses enviou uma comissão para investigar o
assunto e prender os culpados. Diante da quantidade de conquistas controladas pela
Coroa lusitana, era muito difícil para a Metrópole impedir que os negócios ilícitos
acontecessem. Para isso o monarca dependia da cooperação de seus funcionários, como
aconteceu no “escandaloso contrabando praticado em Porto Seguro”. Caso o governador
da Bahia não decidisse investigar a denúncia, talvez nunca ficássemos sabendo do
ocorrido.
Nesse sentido, a cooperação dos funcionários régios era essencial para combater
o comércio de contrabando. Contudo, os oficiais da Coroa constantemente se envolviam
nesse tipo de relações comerciais, sendo eles os principais personagens envolvidos em
negócios ilícitos. Em Porto Seguro, embora outras pessoas tenham participado da
tentativa de venda de pau-brasil ao comerciante inglês, os principais agentes nessa
transação foram os filhos do ouvidor José Dantas Coelho, Gaspar José e Antônio Luís,
que certamente não poderiam ter feito isso sem que o pai soubesse. Além disso, nas
escavações realizadas nas cachoeiras do rio Grande, em Belmonte, estava envolvido um
dos capitães das Ordenanças da Comarca.
Ciente de que os próprios funcionários régios se envolviam constantemente em
comércio ilegal, a Metrópole tentava criar mecanismos para impedir a corrupção
praticada pelos funcionários, concedendo licenças comercias, ofícios aos familiares dos
oficiais e até mesmo sesmarias. Contudo, o caminho mais óbvio seria o aumento dos
salários. No entanto, a Coroa não conseguia remunerar adequadamente os seus oficiais,
como consequência, os funcionários no ultramar, estavam, as vezes expressamente,
231 CONSENTINO, Francisco Carlos. Governo-Geral do Estado do Brasil: governação, jurisdições e
conflitos (séculos XVI e XVII). In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). Na trama das
redes: política e negócios no império português, século XVI-XVIII. Rio de janeiro: Civilização
Brasileira, 2010, p. 400-430, p. 406; RICUPERO, Rodrigo. Conquista e fixação. A formação da elite
colonial: Brasil, c. 1530 – c. 1630. São Paulo: Alameda, 2009, p. 33-53.
115
outras tacitamente, autorizados a comerciar por conta própria, desde que os direitos
monopolistas da Metrópole não fossem infringidos, como argumentou Charles Boxer232.
Além de mal remunerados os salários muitas vezes atrasavam. Cerca de seis
meses após ter assumido o cargo de ouvidor em Porto Seguro, José Dantas enviou um
ofício ao príncipe D. João, pedindo o vencimento de seu ordenado, queixando-se da
demora233. Para compensar a remuneração de José Dantas, assim que chegou ao Brasil,
o então governador da Bahia, D. Fernando José de Portugal recomendou a D. Rodrigo
de Sousa Coutinho, Secretário de Estado dos Negócios Ultramarinos, que concedesse a
serventia de algum ofício aos filhos do ouvidor, ou sesmarias. Porém como afirmou
José Dantas, isso não ocorreu e a chegada do comerciante inglês representou uma
possibilidade de aumentar as rendas da família, algo que os filhos do ouvidor não
perderam tempo em tentar fazer.
Porém, recebida a denúncia, o governador da Bahia não permitiu que as
pretensões de Gaspar José e Antônio Luís se realizassem234. O Ouvidor Geral do Crime
afirmou que pela “natureza destes crimes e a qualidade das pessoas que o perpetraram,
se persuadiram os ministros da Relação da Bahia a recomendar exemplar punição”.
Nisto concordou o Conselho Ultramarino que via na punição exemplar um meio “para
que cessassem tão cruéis e abomináveis crimes”, os contrabandos235.
É interessante notar que embora outras pessoas da vila tenham comprado
mercadorias inglesas, o que de acordo com a legislação portuguesa era crime, os
indivíduos que foram presos estavam envolvidos na quebra de dois importantes
monopólios da Coroa: a extração de pau-brasil e de minérios. Durante a devassa
nenhum dos moradores da vila de Porto Seguro e região foi preso por comprar fazendas
inglesas. Além disso, dos oito presos por envolvimento direto (tendo em vista que não
232 BOXER, Charles R. Op. Cit., p. 336.
233 REQUERIMENTO do bacharel José Dantas Coelho, Ouvidor da Comarca de Porto Seguro, ao
príncipe regente [D. João], solicitando provisão para o pagamento dos seus ordenados. Porto Seguro, 12
de fevereiro de 1801. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 119, D. 23.408-23.409. [Projeto Resgate].
234 OFÍCIO do [governador e capitão general da Bahia], D. Fernando José de Portugal ao [secretário de
Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar], D. Rodrigo de Sousa Coutinho, participando a chegada do
Ouvidor de Porto Seguro José Dantas Coelho informando das recomendações para conceder a seus filhos
algumas sesmarias ou a serventia de ofícios. Bahia, 12 de novembro de 1800. AHU_ACL_CU_005-01,
Cx. 107, D. 20.938. [Projeto Resgate].
235 INFORMAÇÃO de Cláudio José Pereira da Costa, desembargador da Relação da Bahia... Op. Cit.;
Carta do Conselho Ultramarino para o governador da Bahia, Francisco da Cunha Meneses, anexa à
supracitada informação do Ouvidor Geral do Crime. Op. Cit.; CARTA RÉGIA (minuta) ao governador da
Bahia, Francisco da Cunha e Menezes sobre o contrabando praticado em Porto Seguro... Op. Cit.
116
há menções quanto a participação da tripulação do brigue inglês), apenas Thomas
Lindley e Antônio Maranhão estavam envolvidos unicamente no comércio de paubrasil. Os outros seis, além da madeira, estavam implicados na exploração de ouro e
diamantes.
Ao prender os envolvidos nessa quebra do monopólio régio a coroa portuguesa
estava reforçando sua autoridade e dando um exemplo aos demais colonos, conforme
recomendou o Ouvidor Geral do Crime, Cláudio José Pereira da Costa. Entretanto,
muitas coisas ainda estão por trás desses acontecimentos. Como se pôde observar, os
interesses em lucros comerciais uniu o grupo que praticou o “escandaloso contrabando”,
mas as pessoas que os denunciaram também tinham seus interesses, que envolviam
tanto a vingança contra as autoridades régias de Porto Seguro quanto a esperança de
recompensas por suas ações.
117
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No final do século XVIII e início do XIX os casos de contrabando nos porto do
Brasil colonial aumentaram. É difícil explicar tal situação, por um lado a Inglaterra
pressionava a metrópole portuguesa no sentido da abertura dos portos coloniais, fator
agravado pela ocorrência da Revolução Industrial pela qual passava a Grã-Bretanha,
forçando seus comerciante a buscarem cada vez mais mercados consumidores para seus
produtos industrializados, por outro a conjuntura política dos países europeus, como as
guerras napoleônica, que terminaram por se refletir em um onda de emancipações
políticas no continente americano. Nesse contexto o contrabando ter aumentado
consideravelmente, ou pelo manos passou a ser mais registrado.
Quando o comerciante britânico Thomas Lindley chegou à Capitania de Porto
Seguro em maio de 1802, não demorou para que vendesse suas mercadorias. Diversas
pessoas compraram fazendas inglesas e não parece que tenham enxergado naquela
situação algo anômalo, pelo contrário, aproveitaram a oportunidade, desde simples
colonos até autoridades como o capitão mor, os filhos do ouvidor da Comarca e o
vigário de Vila Verde.
As autoridades régias de Porto Seguro já haviam se envolvido em atividades
ilegais. Em 1801 as escavações em busca de ouro e diamantes realizadas nas cachoeiras
do rio Grande, em Belmonte, organizadas por Antônio Luís e Gaspar José Dantas
Coelho, filhos do ouvido de Porto Seguro, e por Mariano Manoel da Conceição, à época
capitão de Ordenanças, demonstram como os funcionários da Coroa frequentemente
praticavam ações ilícitas, algo totalmente contrário às suas funções. Não houve
denúncia.
O envolvimento de funcionários régios em atividades ilegais é compreensível,
dentre outras coisas, pois a obtenção de cargos e títulos permitiam a angariar os recursos
necessários para a execução das atividades lícitas e ilícitas exigiam. Em ambas as
situações estudadas neste trabalho, a tentativa de contrabando e as escavações realizadas
em Belmonte, exemplificam bem essas situação. Nas escavações, Mariano Manoel da
Conceição organizou a expedição que foi financiada pelos filhos do ouvidor. Na
tentativa de contrabando, os filhos de José Dantas Coelho chegaram a cogitar a
possibilidade de obtenção da permissão para executar os cortes régios de madeira na
118
vila de Belmonte e a partir destes separar uma carga para contrabandear e vender ao
comerciante Thomas Lindley.
Nos dois casos as ações das autoridades da Comarca foram públicas, os
moradores da vila de Porto Seguro e cercanias sabiam. No primeiro caso não houve
denúncia, no segundo, porém, alguns moradores de Porto Seguro se levantaram contra
as pretensões dos filhos do ouvidor e acabaram denunciando as duas atividades ilegais.
O que determinou a denúncia, todavia, não foi a ilegalidade das ações das maiores
autoridades da Comarca de Porto Seguro, mas uma série de inimizades que estas
atraíram para si a partir da execução de suas funções como administradores. No caso de
José Dantas e Francisco Faustino, soma-se a briga em torno dos curativos feitos em
João Bento Rodrigues, meirinho das correições e criado do ouvidor e seus filhos.
A trama da denúncia mostra que embora essas atividades ilícitas passassem por
um processo de normalização, conforme argumentamos, os denunciantes sabiam que
eram ilegais e se utilizaram da própria legislação portuguesa para, além de executarem
sua vingança pessoal, serem recompensados por sua ação a favor da Coroa.
A denúncia, os depoimentos das testemunhas durante as investigações e a
documentação de forma geral nos possibilitam descrever o panorama da Comarca de
Porto Seguro no período final da colonização portuguesa. A capitania havia passado por
um processo de reforma na segunda metade do século XVIII que permitiu a integração
mais efetiva de Porto Seguro no comércio colonial, atuando como uma região de
produção agrícola destinada a abastecer os grandes centros da Colônia. Num contexto
social, a expansão do povoamento levou à uma melhor ocupação do território da
capitania, povoar terras férteis, incorporando os grupos indígenas, dentre outras coisas,
que somada ao aumento da população, deram suporte ao desenvolvimento econômico
da região no final do século XVIII. Os grupos indígenas tiveram papel fundamental
nesse contexto atuando na expansão dos núcleos de povoamento e ao mesmo tempo,
servindo como principal fonte de mão de obra.
Essa mesma capitania parece ter sido alvo diversas vezes da ação de
contrabandistas. Chama a atenção a aparição de pelo menos três embarcações inglesas
na região entre o final do século XVIII e início do século XIX, dentre as quais duas
sabemos que fez o mesmo percurso até chegar a Porto Seguro, vindas da ilha de Santa
Helena, uma possessão inglesa no Atlântico sul. É interessante observar, que o
contrabandista Francisco Leonardo Falcão, em 1786, ao desviar uma carga de pau
brasil, fez negócio com uma nau espanhola em auto mar. Essa situação nos leva pensar
119
na hipótese de Porto Seguro fazer parte de uma rota de contrabando de madeira,
especificamente pau-brasil. Cabe lembrar que Thomas Lindley confessou saber que
naquela Comarca a Coroa extraía essa madeira e ainda declarou que visitar a capitania
estava em seu roteiro de viagem desde a saída da cidade do Cabo. Como também
afirmou, o inglês chegou a Porto Seguro “na firme resolução, porém, que se ele achasse
quem lhe oferecesse qualquer negociação [por pau-brasil], ia aceitar” 236.
Ao chegar à capitania mesmo encontrando pessoas influentes e dispostas a
fazerem negócio, o contrabandista não podia esperar que a rotina administrativa das
autoridades régias de alguma forma impediria suas pretensões. A inimizade entre o
ouvidor José Dantas Coelho e alguns dos denunciantes se originou de suas acusações de
concubinato, coisas que caberiam ao poder religioso arbitrar. Porém, parecia haver um
conflito entre as esferas religiosas e jurídicas na Comarca, o que fica patente na fala do
depoente Leandro Pereira de Sousa, ao afirmar que “os vigários sempre andam em
dúvidas de jurisdição com os ouvidores”237.
Recebida a denúncia, a ação da Coroa foi rápida e visava punir para
exemplificar. O Ouvidor Geral do Crime da Relação da Bahia, Cláudio José Pereira da
Costa, afirmou que pela “natureza destes crimes e a qualidade das pessoas que o
perpetraram, se persuadiram os ministros da Relação da Bahia a recomendar exemplar
punição”. Nisto concordou o Conselho Ultramarino justificou a punição exemplar como
um meio “para que cessassem [os contrabandos] tão cruéis e abomináveis crimes”238.
A recomendação de Cláudio José Pereira da Costa e o pronunciamento do
Conselho Ultramarino, sobretudo a classificação do contrabando como um crime cruel e
abominável são muito significativas. O comércio ilegal é tachado dessa forma, porque
era considerado um dano à economia portuguesa, sobretudo num momento em que
transparecia o descontrole português sobre os portos do Brasil239.
Através do “escandaloso contrabando praticado em Porto Seguro” é possível,
também, perceber as estratégias utilizadas pelos contrabandistas. As táticas para
236 CONNSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João]... Op. Cit., f. 154.
237 Idem, f. 198.
238 INFORMAÇÃO de Cláudio José Pereira da Costa, desembargador da Relação da Bahia... Op. Cit.;
CARTA do Conselho Ultramarino para o governador da Bahia, Francisco da Cunha Meneses, anexa à
supracitada informação do Ouvidor Geral do Crime. Op. Cit.; CARTA RÉGIA (minuta) ao governador da
Bahia, Francisco da Cunha e Menezes sobre o contrabando praticado em Porto Seguro... Op. Cit.
239 ARRUDA, José Jobson de A. Uma colônia entre dois impérios... Op. Cit., p. 108-119.
120
chegarem nos portos, por meio das arribadas forçadas, a obtenção de informações sobre
as praças comerciais, como observamos no diálogo de Lindley com um comerciante
dinamarquês na Bahia, até o contato e negociação com os colonos.
Muito ainda pode ser explorado sobre a tentativa de contrabando ocorrida na
Comarca de Porto Seguro em 1802, sobretudo com a possibilidade de desenvolvimento
da hipótese de a capitania fazer parte de uma rota internacional de contrabando de paubrasil. Encontramos novas evidências a este respeito e seguiremos nossas pesquisas
tentando desenvolver esta hipótese.
121
REFERÊNCIAS
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Fontes manuscritas
Imqyryçam que ho vigário desta vyla de Porto Seguro tirou juntamente com ho padre
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Malheiros (org.). História da colonização portuguesa do Brasil. Porto: Litografia
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mercadoria estrangeira, ao mesmo tempo que permitia a exportação de produtos da
terra, à exceção do pau-brasil, para os países que se conservaram em paz com a Coroa
portuguesa. Bahia, 28 de janeiro de 1808. Manuscrito disponível digitalizado em:
http://acervo.bndigital.bn.br/sophia/externo/busca.asp acessado em 24/10/2013.
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colonização portuguesa do Brasil. Porto: Litografia Nacional, 1924, v. III.
124
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da. Collecção da Legislação Portugueza desde a ultima compilação das ordenações.
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Raízes da formação administrativa do Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro: Conselho Federal de Cultura, 1972, t. I.
IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
INFORMAÇÃO de Cláudio José Pereira da Costa, desembargador da Relação da Bahia,
sobre a devassa que se tirou pelo contrabando de pau-brasil, ouro e diamantes, praticado
na vila de Porto Seguro. Bahia, 8 de fevereiro de 1803. IHGB – Arq. 1,1,18, CU-vol.
18, p. 346-348.
AHU – Arquivo Histórico Ultramarino (Projeto Resgate)
AUTUAÇÃO de uma portaria, termo de averiguações, mais papéis, e autos de
perguntas feitas aos ingleses, presos no Forte de São Pedro, para onde tinham sido
remetidos da Capitania de Porto Seguro. Bahia, 1 de outubro de 1770.
AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 45, D. 8342.
CARTA do feitor do pau-brasil da Capitania de Porto Seguro, Paulo Barbosa ao rei [D,
João IV], sobre as necessidades daquela capitania e queixando-se contra os oficiais da
Câmara que o prenderam e afrontaram, refere-se aos jesuítas e negócio que fazem do
pau-brasil. AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 10, D. 1239. Porto Seguro, 8 de fevereiro de
1757.
CARTA RÉGIA (minuta) ao governador da Bahia, Francisco da Cunha e Menezes
sobre o contrabando praticado em Porto Seguro pelo brigue inglês Paquete Real. Palácio
de Queluz, 29 de janeiro de 1803. AHU-Baía, cx.228, doc. 57, AHU_ACL_CU_005,
Cx. 230, D. 15931.
125
CARTA do ouvidor de Porto Seguro, José Xavier Machado Monteiro, ao rei, relatando
os
progressos dessa capitania em 1770. Porto Seguro, 10 de maio de 1771.
AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 45, D. 8446
CARTA do ouvidor de Porto Seguro, José Xavier Machado Monteiro, ao rei, relatando
os
progressos
na
sua
capitania.
Porto
Seguro,
02
de
abril
de
1772.
AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 45, D. 8552.
CARTA do ouvidor de Porto Seguro, José Xavier Machado Monteiro, relatando fatos
que demonstravam o progresso da sua capitania. Porto Seguro, abril de 1773.
AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 46, D. 8581.
CARTA do desembargador e ouvidor da capitania do Porto Seguro, José Xavier
Machado Monteiro ao rei [D. José], sobre o requerimento do padre Silvestre de Brito,
no qual pedia legitimação de suas filhas, Benta Maria e Maria da Apresentação. Porto
Seguro, 30 de março de 1773. AHU-Baia, cx. 172, doc. 23 AHU_ACL_CU_005, Cx.
168, D. 12757.
CARTA do ouvidor de Porto Seguro, José Xavier Machado Monteiro (para Martinho de
Mello e Castro), em que lhe comunica diversas informações relativas àquela capitania.
Porto Seguro, 1º de maio de 1774. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 46, D. 8628.
CARTA do ouvidor de Porto Seguro, José Xavier Machado Monteiro, ao rei, sobre o
desenvolvimento
da
sua
capitania.
Porto
Seguro,
12
de
maio
de
1775.
AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 47, D. 8787.
CARTA do desembargador, ouvidor de Porto Seguro, José Xavier Machado Monteiro
ao [Martinho de Melo e Castro] agradecendo a nomeação do seu irmão, Francisco
Machado, para o lugar de provedor da Comarca de Aveiro, e dando informações sobre a
Capitania de Porto Seguro. Porto Seguro, 01 de julho de 1776. AHU_ACL_CU_005-01,
Cx. 49, D. 9147.
CARTA do ouvidor de Porto Seguro, José Xavier Machado Monteiro, ao rei,
informando sobre essa Comarca, e a criação de Vila Viçosa. Porto Seguro, 24 de
fevereiro de 1769. AHU_ACL_CU_005 -01, Cx. 43, D. 7972.
CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João] sobre o
requerimento de Gaspar José Dantas Coelho, da vila de Porto Seguro, solicitando
perdão da pena da lei de oito de Fevereiro de 1711, em que fora condenado por
126
comércio passivo de géneros estrangeiros e de contrabando com navios estrangeiros.
Anexo: 6 docs. ( incluíndo os autos do processo). AHU-Baía, cx. 242, doc. 97
AHU_ACL_CU_005, Cx. 247, D. 17027. Lisboa, 30 de abril de 1807.
CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João] sobre o ofício do
governdor e capitão geral da Bahia D. Fernando José de Portugal remetendo a relação
dos nomes dos homens que repeliram os francese que desembarcaram em Porto Seguro.
Lisboa, 6 de julho de 1798. AHU_ACL_CU_005, Cx. 210, D. 14857.
DECRETO porque Sua Majestade há por bem erigir em Ouvidoria a Capitania de Porto
Seguro, cuja Comarca se estenderá a todo seu distrito, nomeando para criá-la o Doutor
Tomé Couceiro de Abreu, por tempo de três anos. Portugal, 02 de Abril de 1763.
AHU_ACL_CU_005, Cx 150, D. 11510.
INSTRUÇÃO para o ministro (Tomé Couceiro de Abreu), que vai criar a Nova
Ouvidoria da Capitania de Porto Seguro. Palácio d’Ajuda, 30 de abril de 1763.
AHU_ACL_CU_ORDENS E AVISOS PARA A BAHIA, Cod. 603.
INFORMAÇÃO do chanceler da Relação favorável a pretensão de Gaspar e Antonio
Luiz Dantas Coelho, relativa ao seu embarque, sob prisão, para o reino, afim de ali
obterem a revisão da sentença contra eles proferida. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 150,
D. 28883. Bahia, 6 de setembro de 1806.
INSTRUÇÕES para o governo dos índios da Capitania de Porto Seguro, que os meus
Diretores ao de praticar em tudo aquilo que não se encontrar com o Diretório dos Índios
do
Grão-Pará.
José Xavier Machado
Monteiro.
Porto
Seguro,
ant.
1777.
AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 51, D. 9494.
LIVRO DE REGISTRO de Cartas Régias, avisos e ofícios para o governador e outras
entidades da capitania da Bahia [1798-1801]. AHU_CU_REGISTROS, Cód. 607.
MAPA e descrição da costa, rios e seus terrenos, de toda a Capitania de Porto Seguro,
feito e examinado pelo capitão mor João da Silva Santos. Porto Seguro, abril de 1803.
AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 136, D. 271113.
NOTÍCIA sobre as barra e Rio da povoação de São Mateus, na Capitania de Porto
Seguro, pelo ouvidor Tomé Couceiro de Abreu. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 35, D.
6511. São Mateus, s/d, 1764.
127
NOTÍCIA sobre a barra do Rio Mucuri, sondada em marés grandes, pelo ouvidor da
Capitania de Porto Seguro, Tomé Couceiro de Abreu. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 35,
D. 6512. Rio Mucuri, s/d, 1764.
NOTÍCIA sobre a barra do Rio Peruipe, sondada em marés de águas vivas, pelo ouvidor
da Capitania de Porto Seguro, Tomé Couceiro de Abreu. AHU_ACL_CU_005-01, Cx.
35, D. 6513. Rio Peruípe, s/d, 1764.
NOTÍCIA sobre a barra do Rio da Vila de Santo António das Caravelas, chamadas do
norte e do sul, sondadas em marés grandes, pelo ouvidor da Capitania de Porto Seguro,
Tomé Couceiro de Abreu. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 35, D. 6514. Caravelas, s/d,
1764.
NOTÍCIA sobre a barra do Rio Itanhem, sondada no baixamar de marés grandes, pelo
ouvidor da Capitania de Porto Seguro, Tomé Couceiro de Abreu. AHU_ACL_CU_00501, Cx. 35, D. 6515. Rio Itanhém, s/d, 1764.
NOTÍCIA sobre a barra do Rio Jucurucu, sondada em marés grandes, pelo ouvidor da
Capitania de Porto Seguro, Tomé Couceiro de Abreu. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 35,
D. 6516. Rio Jucurucú, s/d, 1764.
NOTÍCIA sobre a barra de Porto Seguro, sondada em marés grandes, pelo ouvidor da
capitania, Tomé Couceiro de Abreu. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 35, D. 6517. Porto
Seguro, s/d, 1764.
NOTÍCIA sobre barra do Rio da Freguesia de Santa Cruz, em Porto Seguro, sondada
em marés grandes, pelo ouvidor da capitania, Tomé Couceiro de Abreu.
AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 35, D. 6518. Santa Cruz, s/d, 1764.
NOTÍCIA sobre Enseada da Coroa Vermelha, onde aportou Pedro Alvares Cabral,
quando foi descobrir o Brasil, sondada em marés grandes, pelo ouvidor da capitania,
Tomé Couceiro de Abreu. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 35, D. 6519. Coroa Vermelha,
s/d, 1764.
NOTÍCIA sobre a barra do Rio Grande, sondada em marés grandes, pelo ouvidor da
capitania, Tomé Couceiro de Abreu. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 35, D. 6520 .
Rio
Grande, s/d, 1764.
OFÍCIO do Governador Francisco da Cunha Menezes para o capitão mor da Capitania
de Porto Seguro João da Silva Santos, pelo qual o incumbe da comissão a que se refere
128
o ofício anterior. Bahia, 5 de junho de 1802. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 136, D.
27109.
OFÍCIO do governador, conde de Povolide, ao [secretário de Estado da Marinha e
Ultramar] Martinho de Melo e Castro, sobre o embarque para o Reino, sob prisão, de 4
tripulantes de um navio inglês apreendido em Porto Seguro. Bahia, 14 de janeiro de
1771. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 45, D. 8357-8358
OFÍCIO do [governador e capitão general da Bahia], D. Fernando José de Portugal ao
[secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar], D. Rodrigo de Sousa
Coutinho, participando a chegada do Ouvidor de Porto Seguro José Dantas Coelho
informando das recomendações para conceder a seus filhos algumas sesmarias ou a
serventia de ofícios. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 107, D. 20.938. Bahia, 12 de
novembro de 1800.
OFÍCIO do governador D. Fernando José de Portugal ao [ministro e secretário de
Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra] Luiz Pinto de Souza Coutinho
informando que embarcações portuguesas tinham sido aprezadas e saqueadas por navios
franceses no Espírito Santo e em Porto Seguro, e que os armazéns e fortificações não
tinham munição suficiente para a defesa da capitania. Bahia, 29 de agosto de 1796.
AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 86, D. 16703-16706.
OFÍCIOS (6) do Governador Francisco da Cunha Meneses para o Visconde de Anadia.
Bahia, 22 de novembro de 1802. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 121, D. 23.875-23.880.
OFÍCIO do ouvidor de Porto Seguro, Tomé Couceiro de Abreu, ao [ministro dos
negócios do Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado] no qual transmite
muitas e interessantes informações, sobre povoações, rios, população e madeiras da sua
capitania. Porto Seguro, 16 de junho de 1764. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 35, D.
6508.
OFÍCIO do ouvidor geral do Crime, Cláudio José Pereira da Costa aquele governador,
informando que tinha suspendido aquele ouvidor, o conduzido sob prisão à Fortaleza de
São Pedro, onde o tinha entregado ao comandante Justino José de Campos.
AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 127, D. 25161. Bahia, 24 de junho de 1803.
PARECER do Conselho Ultramarino sobre a devassa feita em Porto Seguro relativa aos
contrabandos do pau-brasil, ouro e diamantes. AHU-Baía, cx.226, doc. 18, cx. 274,
doc.94. AHU_ACL_CU_005, Cx. 227, D. 15775. Lisboa, 8 de fevereiro de 1803.
129
RELAÇÃO individual do que o Ouvidor da Capitania de Porto Seguro (José Xavier
Machado Monteiro), nela tem operado nos 10 para 11 anos que, tem decorrido desde o
dia 3 de maio de 1767 até o fim de junho de 1777. Porto Seguro, 27 de julho de 1777.
AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 51, D. 9493.
RELAÇÃO sobre as Villas e Rios da Capitania de Porto Seguro, pelo ouvidor Thomé
Couceiro de Abreu. Porto Seguro, 8 de janeiro de 1764. AHU_ACL_CU_005-01, Cx.
34, D. 6429.
REQUERIMENTO do bacharel José Dantas Coelho, Ouvidor da Comarca de Porto
Seguro, ao príncipe regente [D. João], solicitando provisão para o pagamento dos seus
ordenados. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 119, D. 23.408-23.409. Porto Seguro, 12 de
fevereiro de 1801.
REQUERIMENTO do capitão mor de Porto Seguro, Mariano Manuel da Conceição e
Figueiredo, ao príncipe regente [D. João] solicitando a extensão à referida comarca de
Porto Seguro, da homenagem a ele concedida na cidade da Bahia.AHU-Baía, cx.233,
doc. 4. AHU_ACL_CU_005, Cx. 235, D. 16203. Bahia, 7 de janeiro de 1805.
SENTEÇA do desembargador, conselheiro Manuel Estêvão Barberino, sobre o
sequestro dos bens da Casa da Residência, dos religiosos da Companhia de Jesus, de
São Salvador, vila e Capitania de Porto Seguro. Bahia, 10 de setembro de 1759.
AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 26, D. 4934.
TERMO do óbito do ouvidor da Comarca de Porto Seguro José Dantas Coelho, falecido
na Fortaleza de S. Pedro em 20 de agosto de 1806. Bahia, 6 de setembro de 1806.
AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 150, D. 28884.
TRANSLADO do Auto de Perguntas Feitas ao Bacharel José da Rocha Dantas Coelho,
Ex-Ouvidor da Comarca de Porto Seguro, Acusado e Preso Por Contrabando. Bahia, 3
de outubro de 1804. AHU-Bahia, Cx. 231, Doc. 22, AHU_ACL_CU_005, Cx. 233, D.
16116.
ENTRADA E SAÍDA dos navios e transportes na Bahia em todo o presente ano de
1797. AHU_CU_005-01, Cx. 8, D. 18.305.
MAPPA dos navios que entraram e saíram do porto da Cidade da Bahia, com
rendimentos da Alfândega em 1799. AHU_CU_005-01, Cx. 114, D. 20.521.
130
MAPPA dos navios que entraram e saíram do porto da Capitania da Bahia, no ano de
1801. AHU_CU_005-01, Cx. 119, D. 23.560.
MAPPA dos navios que entraram e saíram do porto da Capitania da Bahia, no ano de
1803. AHU_CU_005-01, Cx. 131, D. 25.771.
MAPPA dos navios que entraram e saíram do porto da Capitania da Bahia, no ano de
1804. AHU_CU_005-01, Cx. 140, D. 27.092.
MAPPA dos navios que entraram e saíram do porto da Capitania da Bahia, no ano de
1806. AHU_CU_005-01, Cx. 148, D. 29.771.
ANRJ – Arquivo Nacional do Rio de Janeiro
MAPA dos navios que entraram e saíram do porto da Capitania da Bahia, em 1808.
Correspondência do Presidente da Província da Bahia – Série Interior, IJJ2-292.
MAPA dos navios que entraram e saíram do porto desta Capitania da Bahia em 1811,
p.118. Correspondência do Presidente da Província da Bahia – Série Interior, IJJ9-321.
APB – Arquivo Público da Bahia
AUTO da devassa que mandou fazer o Juiz da expedição Régia o Capitão Severo José
da Silva para por ele perguntar e inquirir testemunhas sobre o corte do pau-brasil que foi
achado em um brejo do sítio de Itaquena, em lugar do sítio da Garopiona, Rio do Frade
a cima, termo da Vila de Trancoso. Arquivo Público do Estado da Bahia – Localização:
Colonial e Provincial – Cartas ao Governo – maço 209.
COLEÇÃO ALFÂNDEGA – Série Manifestos. Livro 10, 1791-1992.
REQUERIMENTO de Francisco Leonardo Falcão culpado de extravio de pau-brasil nas
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131
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ANEXOS
Anexo II – Instruções dados pelo Marques de Pombal a Tomé Couceiro
de Abreu, quando mandou por este magistrado criar a Ouvidoria de
Porto Seguro
1. S Magestade tendo consideração aos interesses Espirituais e Temporais que se
seguirão de ser civilizado todo o território que constitui a Capitania do Porto Seguro que
há poucos annos incorporou na sua Real Coroa e antes e antes na maior parte se achava
tiranizada pela arrogância e cúbica dos chamados jesuítas: e querendo o mesmo senhor
em benefício commum da propagação do Evangelho, dos habitantes da mesma capitania
athé agora bárbaros; dos seus vassalos daquele continente e do comércio que os outros
do seu reino fazem nos seus domínios no Brasil reduzir aquella importante parte do seu
continente a hum paiz civilisado, do qual, assim os seus ditos habitantes como os outros
povos daquella vasta costa possão utilizar-se: Foy servido nomear a V. mercê para hir
crear aquella nova e importantíssima Ouvidoria e para nella reduzir a praxe as Reaes
Ordens que vou participar a V. marcê.
2. Sendo hua máxima certa e inalterável que sem homens sociáveis e civis não pode
haver Estabelicimento que útil seja: e sendo também certo que todos os que vivem
naquella vasta extenso de paiz, se achão no estado de feros, sem conhecerem o
catholicismo, nem causa que seja sociedade humana, e sem saberem que causa seja
caridade, virtude tão importância para a convivência dos Homens; e ultimamente sem a
mais leve idéia do que seja Justiça; factos todos bem notórios a Sua Magestade: e
querendo o mesmo senhor evitar estes damnos e fazer educar aquella rústica gente
assim na christandade, como na sociedade e civilidade:ordena que V mercê se empregue
em hua obra tão interessante para o serviço de Deus, senhor nosso, como para o de El
Rey Nosso Senhor pelos meyos seguintes.
3. Ainda que naquella capitania havia as antigas villas de Porto seguro e Rio das
Caravelas e se criaram de novo duas outras povoações a que chamavam Aldeyas e herão
administradas pelos chamados jesuítas quaes são a nova Villa de Trancozo e a nova
144
Villa Verde;contudo, como o de costume daquellas partes hera desprezarem-se
inteiramente os índios, sendo excluídos de tudo que hera Governo, Idea que produziu as
prejudicialissimas conseqüências de por hua parte se perderem toda aquella
immensidade de almas, e pela outra de se conservarem em em brutalidade todos
aquelles homens que criados em polícia deveram ter concorrido para a cultura das
terras, para o descobrimento dos Sertoens, para a governança das Repíblicas e para as
navegaçoens: Affim de se aproveitar toda aquella gente que ainda resta: ordena sua
Magestade q V. mercê em todas as quatro villas que se achão estabelecidos e nos que
de novo estabelecer na capitania que voy a criarintroduzo sempre ao menos a metade
dos officiaes das câmaras de hua das Naçoens de Índios naturaes daquellas terras,
observando a este respeito inviolavelmente(em tudo o que for aprovável) o Directorio
que em três de mayo de mil setecentos e cincoenta e sete se fez para o Governo das
povoaçoens dos Índios do Pará e maranhão e confirmado como Ley por Alvará de 17 de
agosto de1758.
4. Especialmente observará V. mercê sem a menor alteração, assim quanto ao
Espiritual, como ao Temporal, os SS 4,5,6,7,8,9 e todos os mais respectivos a esta
matéria contheudos no referido directorio athé o SS15.
5. Igualmente ordena o mesmo senhor que V mercê quanto ao Commercio e cultura
das terras estabelece naquella nova capitania a observância do contheudo nos SS
16,17,18,19,20,21,22,23 do dito directório.
5. Quanto as plantaçoens e Commercio também V.mercê fará observar o que se
contem no SS 24 do dito Directorio em diante do que for aplicável nestes novos
estabelecimentos. Tendo V. Mercê sempre diante dos olhos que sem homens civis não
pode haver christandade nem commercio nem estabelecimento algum que seja seguro:
por cuja razão deve ser todo o seu cuidado a educação daquellas pobres gentes, na qual
fará V.Mercê o mayor serviço a Deus nosso Senhor e sua Magestade.
6. O mesmo Senhor torna a ordenar e a recommendar a V.mercê que observe e faça
observar tudo o que é possível por o mesmo Directorio e que naquelles SS em que achar
duvida para os reduzir a praxe, antes de o fazer permitir que nelles se faça qualquer
interpretação dê conta a S Magestade por esta secretaria de Estado de todos e quaesquer
duvidas que se lhe offerecerem para o mesmo senhor resolver o que julgar que mais
convem ao serviço de Deus e seu.
145
7. Hua das partes principaes daquella Capitania he o importante rio de S. Matheus,
no qual, alem de se dizer que há preciosas madeiras para constructora de Navios, se
affirma também que decorrendo pela serra das Christaes, trás o seu nascimento das
Minas do Serro do Frio. E como os novos moradores que se forem estabelecer nas
margens do dito rio achando a notícia de que por elle podem his aquellas preciozissimas
terras não cuidarão em outra causa alguma, se não a de possarem a ellos, deve V.Mercê
por hora vigiar com todo o cuidado que V.Mercê lhe assignar, athé nova ordem de S.
Magestade.
8. Não deve passar V. Mercê, nem pela imaginação o objecto de fazer o
descobrimento de Minas, mas antes se deve aplicar muito seriamente depois dos
estabelecimentos das novas villas que poder erigir e da educação dos seus novos
habitantes na cultura dos fructos para se sustentarem com abundancia;não só os
moradores das mesmas terras mas fazerem o commercio delles para a Bahia e rio de
Janeiro; fazendo V. Mercê comprehender aquelles novos colonos que não podem ter
mayor riqueza do que lovrarem muita quantidade de fructos e algodão para soccorrerem
as duas mayores capitães do Grande Império do Brazil, porque o seu produto lhes trará
dinheiro em abundancia para comprarem todos os negros que lhe forem precisos para
adiantarem cada anno as suas plantaçoens e dilatarem à mesma proporção os seus
descobrimentos ao favor da barra do mesmo rio para o commercio e da cultura que
houverem adiantado para lhe fornecer os meyos de continuarem e dilatarem os
descobrimentos que de outra sorte seriam impraticáveis; embrenharem-se naquelles
sertões desprovidos de toso o necessário, como antes costumavam fazer; e precendo por
isso à pura necessidade, como innumeraveis vezes tem acontecido, por falta de
prudência dos que sem aquellas medidas se forem internando cegos de ambição.
9. Para se ajudarem esses novos povoadores da mesma madeira que devem queimar
para fazerem as roças lhes segurará V. Mercê que S. Magestade lhes comprará aquelles
que forem úteis para si e sues arsevaes pelo justo preço que se entender que ellos vltem.
E para V. Mercê possa ter hua ideia dos preços porque o mesmo senhor as paga na
Capitania do Pará juntarei a esta hua relação, tanto dos comprimentos e grossuras das
mesmas madeiras, como dos preços por que são vendidas à Fazenda Real.
146
10. Não sendo possível que haja nas povoaçoens daquelle rio mestres que saibam a
forma por que se devem cortar os mesmos pãos e os que são mais próprios para a
constructora das naus tem S. Magestade a este respeito dado a provivencia que em outra
participarei a V. Mercê, em benefício deste novo estabelecimento.
11. S. Magestade se acha informado de que assim na costa do mar do Rio de S.
Matheus como no em que dezagua o Rio das Caravellas se avistam balleas: E deve V.
Mercê mandar observar se será fácil a sua pesca em qualquer dos dous rios, digo a sua
pesca, e estabelecerem-se em qualquer dos dous rios fabricas de azeite do mesmo peixe
para o mesmo Senhor dar os meyos de se aproveitar esta interessante pescaria.
12. A communicação da nova Ouvidoria que V. Mercê vay crear, com a do Espírito
Santo he summamente interessante, tanto ao serviço de S. Magestade, como do bem
commum daquelles moradores; pelo que ordena o mesmo Senhor que V. Mercê dê toda
a providencia que julgar necessária para que as duas ouvidorias se façam
communicaveis, visto o interesse recíproco que a ambos se segue.
13. Aos esploradores que forem a esta importante diligência mandará V. Mercê
socorrer com farinha, carnes, pólvora, chumbo, foices e machados por conta da Fazenda
Real, a cujo fim se expedem as ordens necessárias ao Governo da Bahia para dar a V.
Mercê o que lhe pedir para essa deligencia; tendo V. Mercê entendido que a não deve
fazer publica, mas deve recommendar com toda a cautella às pessoas que achar mais
capazes e dignas de confiança debaixo da Instrucção de o irem fazendo para V. Mercê
participar tudo ao mesmo senhor por esta secretaria de Estado.
14. Aos mesmos exploradores deve V. Mercê encarregar que nos caminhos que
forem fazendo vão abrindo picadas largas para depois poderem servir de estradas aos
que se seguirem atrás delles: Aos ditos exploradores deve V. Mercê também determinar
que façam um diário de bordo exacto de su jornada, declarando nelle os rios que
acharem, sua largura e altura; o rumo pouco mais ou menos a quem correm, se estão
povoados de gentios e o numero e qualidade delles: Pondo V. Mercê todas as noticias
que receber ao dito respeito na prezença de S. magestade como acima digo.
15. Hua das averiguações que V. Mercê deve fazer logo que chegar à dita Capitania
e com mayor segredo, he examinar a largura e fundo dos dous rios de S> Matheus e das
Caravellas, vendo quantos braços de água tem na baixamar em águas vivas e o quanto
147
sobem as mesmas águas na preamar; quantas legoas de cada hum dos ditos rios se
podem navegar desde suas barras, até onde forem praticáveis no pays descoberto; e os
fundos que nelle se forem achando: pondo V. Mercê nesta deligencia o mayor cuidado,
dando conta a S. magestade do que achar a esse respeito da sua mesma tettra, sem que
possa expedir-se por amanuense algum, por que tem conseqüências gravíssimas a
relaxação desse segredo.
16. Ordena também S. Magestade que assim naquellas povoaçoens chamadas
Aldeyas que já estão domesticadas, como nos que de novo se estabelecerem com índios
descidos; logo que estes se descerem no competente numero, se vão estabelecendo
novas Villas e se vão abolindo nellas os bárbaros e antigos nomes que tiverem; e se
lhes vão impondo alguns outros novos de cidades e villas deste Reino.
17. Ultimamente manda S. Magestade ordenar a V. Mercê que onde houver
campinas suficientes mande V. Mercê estabelecer todos os curraes de gado que couber
no possível, porque alem de ser hua das essenciaes partes da abundancia para os
moradores he huma das principais riquezas do Brasil e será hum útil ramo do
commercio este dos gados para o sustento da Bahia eo dos couros para aquella cidade e
para este reino.
Deos guarde a V. Mercê
Nossa Senhora da Ajuda, 30 de abril de 1763.
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Anexo II – Transcrição da denúncia do “escandaloso contrabando
praticado em Porto Seguro”
Representação
Ilustrissimo e Excelentissimo Senhor. ,, Representão a Vossa Excellencia o Alferes
Francisco Faustino Correa, José Victorino de Santa Anna, Joaquim Antonio dos Santos,
Luciano Nunes Teixeira, o Alferes Venceslao Borges da Trindade, Manoel Rodrigues
de Oliveira, Cipriano Lobato da Silva e outros todos domiciliarios na vila de Nossa
Senhora da Penna Commarca de Porto Seguro, que em razão da fidelidade, que devem
prestar a sua Alteza Real como bons vassalos, e zelozos da inviolavel observancia nas
suas ordens, passão os suplicantes a fazer a seguinte expozição. ,, - Que o actual
Ouvidor daquella respectiva Commarca com manifesto e publico escandalo, entrando
no Porto da ditta villa em dias do próximo preterito mez do corrente anno, hum Brigue
ingléz carregado de diversas fazendas, mandar com effeito o ditto Ouvidor para abordo
delle alguns homens a titulo de goardas, fazendo o mesmo o Capitão mor com
sentinelas, o que durou somente athê o segundo dia mandando um e outro retirar os
individuas de ambas as corporaçõens. ,, Immediatamente depois entrou o ditto Brigue a
descarregar grande parte das fazendas; e em consequencia disso, fez o mencionado
Ouvidor, e Capitao mor expedir sem perda de tempo duas grandiozissimas canoas para
o rio grande de Belmonte á carga de Pao Brazil, cujas chegaram e a recebera e mesmo
Brigue, tornando as taes canoas na ponderada dilegencia e conduçao do ditto pao. ,,
Além do expendido, Senhor Excelentissimo sucedeu que o ditto Ouvidor
(macumunado com o ditto Capitão mor) mandar dous seus filhos de nomes Gaspar
Dantas Coelho, e Antonio Luiz Dantas Coelho ao indicado Rio de Belmonte (que dista
daquela villa dezesseis legoas) acompanhados de tumultuozo numero de pessoas alem
do mais detinha indios de nassao cammacans dirigidos ao fim detestavel de tirarem ouro
e Diamantes como de fato o conseguirão. ,, E porque em consequencia de uns taes e
similhantes procedimentos pareça dever ser ifalivel e emminente a providencia que
exige o cazo a fim de verificarse não só o deduzido, mas athé que o predito Brigue se
acha ainda e surfo naquele Porto, recebendo a carga do pao Brazil. ,, Portanto hé
justamente essa a cauza efficiente que move os suplicantesa pôr na prezença Respeitavel
149
de Vossa Ex.ca Excellencia o deduzido em firmeza do que se assignão, rogando
finalmente rogando a Vossa Exellencia a mais severa inspecção o senço da necessaria
devaça, pois que ha naquelle lugar parcialidades e hé por consequencia infalivel mui
provavel, que muitos indivíduos ocultem a verdade ou falsem a ella tanto por fição
como por temos ,, Pedem a Vossa Excellencia em cujas oficiozas e Benefica Mãos
depozitam a verdade da prezente exposição, haja de fazer , que o zelo loúvavel dos
suplicantes como suditos selhes não torne prejudicial a suas pessoas, famílias e fazendas
,, E receberá mercê ,, Francisco Faustino Correa ,, Jozé Victorino de Santa Anna ,,
Signal de Joaquim Antonio dos Santos huma crúz ,, Luciano Nunes Teixeira ,,
Venceslao Borges da Trindade ,, Manoel Rodrigues Oliveira ,, Cipriano Lobato da Silva
,, Francisco Faustino Correa ,, Jozé Victorino de Santa Anna ,, Manoel Rodrigues de
Santa Anna ,, Venceslao Borges da Trindade ,, – ,,
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Anexo III – Lista com alguns nomes de pessoas degredadas, desertores
e migrantes que foram para a Comarca de Porto Seguro (1773-1800)
Nome
Cor
Condição
Motivo
Origem
Período
Quitéria Lomba
Preta
forra
Degredado
Desordens
Rio de Janeiro
1773
Francisco Faustino
Pardo
Degredado
Desordens
Rio de Janeiro
1773
Ignácia Nunes
Preta
forra
Degredado
Curandeirismo, Rio de Janeiro
homicídio
1776
Felippe de Morais
Teles
Pardo
forro
Degredado
Desordens
Rio de Janeiro
1776
Ignácia Francisca
Parda
forro
Degredado
Andar vestida
em roupas de
homens
Rio de Janeiro
1776
Ana Carvalho
-
Degredado
Indícios de
feitiçaria
Rio de Janeiro
1776
Cypriana Maria
-
Degredado
Desordens
Rio de Janeiro
1776
Ana de Sampaio
-
Degredado
Desordens
Rio de Janeiro
1776
Genoveva de Jesus
-
Degredado
Desordens
Rio de Janeiro
1776
Desertor de
embarcação
-
Pernambuco
1788/1789
Migrante
-
Freguesia de
Nazaré (Bahia)
Manoel Rodrigues Branco
de Oliveira
Luiz de França
Guimarães
Pardo
Luiz Gonçalves de
Vasconcelos
Pardo
Migrante
-
Bahia
-
Jozé Victorino de
Santa Anna
Pardo
Migrante
-
Camamu
(Ilhéus)
-
-
151
Anexo IV – Lista dos ouvidores da Comarca de Porto Seguro (17631813)
Nome
Ocupação
Condição
Período
Tomé Couceiro de Abreu
Bacharel
Regular
1763-1766
José Xavier Machado Monteiro
Bacharel
Regular
1766-1780
Gerônimo Costa Brito
Proprietário de Terras
Interino
1780-1781
Bento José de Campos
Bacharel
Regular
1781-1791
José Ignácio Moreira
Bacharel
Regular
1791-1797
João Félix Uzeda
Proprietário de Terras
Interino
1797-
Antônio da Costa Souza
Capitão de Ordenanças
Interino
-1800
José Dantas Coelho
Bacharel
Regular
1800-1803
Francisco Dantas Barbosa
Sargento-Mor
Interino
1803-
José Marcelino da Cunha
Bacharel
Regular
1813-