COLEÇÃO GEORGE EASTMAN: ANÁLISES E CONSIDERAÇÕES

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COLEÇÃO GEORGE EASTMAN: ANÁLISES E CONSIDERAÇÕES
Modalidade: iniciação científica
GT: Artes visuais
Eixo Temático: Histórias: documentações, acervos e narrativas.
COLEÇÃO GEORGE EASTMAN: ANÁLISES E CONSIDERAÇÕES SOBRE A
FOTOGRAFIA DO NU NA POÉTICA ARTÍSTICA
Celina Woytecken de Carvalho (UEPG, Paraná, Brasil)
RESUMO:
O objetivo primordial desta pesquisa é compreender como se deu a legitimação da fotografia
como arte e na proposição do nu fotográfico na poética artística. Por tanto, esta pesquisa possui
um caráter histórico e documental. Como objeto de estudo elegeu-se a “Coleção George Eastman
House”, comunicada no catálogo A História da Fotografia (2005). Desta forma agrupou-se uma
série fotográfica de nus femininos com recorte em fotografias de estúdio. Derivada destas
fotografias e por meio de análise comparativa constatou-se que, a práxis fotográfica foi variando
ao longo do tempo, desta maneira os nus femininos produzidos em estúdio se dividem em
percentuais, sendo, 45% de linguagem pictórica, 35% exploram o corpo como forma, 15% são de
caráter documental e por último 5% são fotografias contemporâneas. A partir destes números
verificou-se que existe uma predominância pela fotografia de visualidade pictórica, ou seja, existe
uma construção técnica entre fotografia e pintura que se controem por meio de algumas
especificidades como enquadramento, pose, encenação, artefatos e adereços.
Palavras-chave: Arte; Fotografia; Nu; Coleção.
COLLECTION GEORGE EASTMAN: ANALYSIS AND CONSIDERATIONS IN NUDE
PHOTOGRAPH OF POETIC ARTS
ABSTRACT ou RESUMEN ou SOMMAIRE:
The primary objective of this research is to understand how was the legitimization of
photography as art and photographic naked proposition in artistic poetic. Therefore, this
research has a historical and documentary character. As an object of study elected to
"George Eastman House Collection", reported in the catalog The History of Photography
(2005). Thus teamed up a photographic series of female nudes with cutout studio
photographs. Derived from these photographs and by comparative analysis it was found
that the photographic practice has varied over time, thus the female nude produced in the
studio is divided into percentage being 45% pictorial language, operating body 35% like
shape, 15% are of documents, and last 5% are contemporary photographs. From these
numbers it was found that there is a predominance of photography pictorial visuality, ie,
there is a construction technique between photography and painting that controem through
some specifics as framing, pose, staging, props and artifacts.
Key words: Art; Photography; Nu; Collection.
Introdução
A investigação sobre a representação do nu artístico na fotografia está permeada
por questões referentes à legitimação da fotografia como arte e na proposição do nu na
poética artística. Apesar de o nu artístico ser um tema recorrente no universo das artes, o
nu fotográfico ainda foi pouco investigado. Suas possibilidades são variantes como, o nu
pictórico, nu fotográfico, escultura de nus, entre outros.
Nesta pesquisa investigou-se o nu fotográfico e para desenvolver essa
investigação no campo das artes, elegeu-se como objeto de estudo a “Coleção George
Eastman House”, comunicada no catálogo A História da Fotografia (2005). Para tal,
agrupou-se uma série fotográfica de nus femininos com recorte em fotografias de estúdio,
conforme apresentadas nesta pesquisa.
A trama fotográfica: técnica e arte
Para iniciar o estudo do nu fotográfico é necessário antes compreender como se
deu a legitimação da fotografia como arte, para tanto, iniciaremos o estudo comunicando
quais foram as divergências e convergências que permearam o aceite da fotografia. Para
isso, é pertinente abordar a questão técnica e artística da fotografia, tendo como base a
observação de Francesca Alinovi.
O nascimento da fotografia assim como toda a sua história – afirma Francesca
Alinovi – “baseia-se num equívoco estranho que tem a ver com sua dupla natureza
de arte mecânica: o de ser um instrumento preciso e infalível como uma ciência e,
ao mesmo tempo, inexato e falso como a arte”. A fotografia, em outras palavras,
encarna a forma híbrida de uma “arte exata” e, ao mesmo tempo, de uma “ciência
artística” [...]. (ALINOVI, 1981, p. 15 apud FABRIS, 1998, p. 173).
Assim, como Allinovi (1981) afirmou, a fotografia possui limitada interação humana
no momento criador. Inicialmente, isto levou à sua marginalização no contexto das artes
visuais. Os argumentos eram que a tecnologia era responsável pela maior parte do ato
criador, diferente das demais técnicas artísticas, como a escultura, pintura e gravura,
desta forma, a fotografia foi compreendida como um ato que não dependia de criatividade.
Rouillé (2009, p. 35) apresenta de forma didática o processo de fabricação da
fotografia:
Enquanto o desenhista ou o pintor depositam manualmente uma matéria bruta e
inerte (os pigmentos) sobre um suporte, sem que ocorra nenhuma reação química,
enquanto suas imagens surgem no decorrer de seu processo de fabricação, com a
fotografia acontece de maneira diferente. A imagem fotográfica surge de uma só
vez, e ao final de uma série de operações químicas, no decorrer das quais as
propriedades da luz interferem com os dos sais de prata. A imagem latente
(invisível) torna-se visível somente depois de ter sido tratada quimicamente,
segundo um conjunto de procedimentos precisos, que necessitam de um espaço
adaptado: o laboratório.
Essas operações químicas, os procedimentos técnicos e a inesistência da ação de
composição do fotógrafo, apresentará a fotografia como um “espelho do real”, cabendo ao
fotógrafo apenas o manuseio do instrumento. Assim, todo o processo restante é
entendido como resultado da ação mecânica e de reação química, contudo, ao mesmo
tempo em que a fotográfica é intitulada como espelho do real, verifica-se que na história
da prática fotográfica ocorreram tentativas de aproximação com as artes visuais.
Isso ocorre, pois a fotografia oferecia benefícios, que até então, nenhuma arte tinha
alcançado. Por proporcionar exatidão, baratear os custos, diminuir o tempo da pose, entre
outros fatores positivos advindos da nova técnica, é que a fotografia vai ganhando espaço
no campo criador. Desta forma, ela propaga-se no espaço das artes visuais (FABRIS,
1998). Apesar disto, seu reconhecimento não é total, a fotografia é apenas catalogada
como uma ferramenta mecânica que auxilia os pitores, portanto, a sua fidelidade e
exatidão em representar as coisas, dificultava a sua inserção e reconhecimento na arte.
a separação entre “espírito” e “matéria”, latente nesse discurso, levará a catalogar
a fotografia entre as artes mecânicas: ao fotógrafo não se reconhece a capacidade
de selecionar, de distinguir belo do vulgar, de organizar a composição, de
modificar a aparência do real. (FABRIS, 1998, p. 175).
Como aponta Fabris (1998) é importante novamente frisar que a fotografia foi
catalogada como arte mecânica, sendo ela um recurso capaz de intervir e facilitar a
poética dos processos, utilizando-se de outras técnicas artísticas. Porém, o processo
criativo tinha dificuldades em ser reconhecido.
Logo, a sociedade vivia uma época moderna. O contexto sugeria admiração pelas
máquinas, pelo automatismo e pela precisão. Nesta “sintonia” da sociedade com a
modernidade, os pintores temiam a forte concorrência em termos de rapidez, fidelidade e
custo1. Fabris (1998, p. 183) explica as relações:
Um dos primeiros a defender a utilidade da fotografia tanto para o artista quanto
para a documentação da obra de arte é, sem dúvida, Talbot, que assim se
expressa em O Lápis da Natureza:
todo tipo de gravura pode ser copiado por meios fotográficos; é esta aplicação da
arte é muito importante, não só por produzir, em geral, cópias quase fac-símiles,
mas porque nos habilita a alterar a escala à vontade e a fazer as cópias maiores
ou menores que os originais, como desejarmos. [...] mesmo artistas perfeitos
valem-se agora de uma invenção que delineia em poucos instantes os detalhes
quase infinitos de uma arquitetura gótica que seriam dificilmente desenhados de
forma correta na maneira habitual, mesmo durante um dia inteiro. (TALBOT, 1969,
apud FABRIS, 1998, p. 183).
Assim Talbot, apresentou um novo olhar sobre o mecanismo fotógráfico, essa
perspectiva, fez com que a fotografia fosse consagrando-se no campo das artes visuais,
tanto pelo seu valor mágico quanto pela sua exatidão, ou seja, capaz de captar detalhes
imperceptíveis ao pintor ou aos gravadores da época.
Através desta lógica, a fotografia conquista maior reconhecimento, ainda que
limitado. Aos poucos a fotografia e a pintura vão se aproximando. A fotografia vai
gradativamente conquistando os pintores da época, que passam a ver no recurso
fotográfico uma nova maneira de se superarem em termos de técnica. Rouillé aponta
(1985, p. 131-132 apud FABRIS, 1998, p.183-184):
A fotografia não possibilitaria apenas a decodificação das obras dos grandes
mestres. Permitiria rivalizar com elas e até mesmo superá-las por proporcionar
uma nova percepção da natureza em seus aspectos cambiantes e fugidios. E
ainda mais: contribuíndo para a educação visual do público, a fotografia propiciaria
o estabelecimento de uma escala de valores entre os artistas, graças à qual os
1
Uma pintura possuía um custo maior, pois, o pintor levava muito mais tempo para fazer um quadro, já a fotografia era
mais fiel e mais rápida.
profissionais se distinguiriam dos amadores, se estabeleceria um sistema de livre
concorrência, que levaria o pintor a se superar e a se aperfeiçoar continuamente.
Portanto, a fotografia vai fomentar a necessidade da superação técnica de pintores,
escultores e gravadores. Tornado-se assim, um estímulo para que os artístas
desenvolvessem e aperfeiçoassem seus estudos e composições.
Com esta apresentação percebe-se que a fotografia era uma linguagem polêmica
dentro do universo das artes. Alguns fotógrafos insatisfeitos com tais apontamentos
buscavam novos meios de reconhecimento. Um deles será através da prática do
pictorialismo, que surgiu em 1860, e foi reconhecida como uma das primeiras tentativas
de elevar a fotografia como arte. Freitas (2009, p. 33) exemplifica:
Influenciado pelo Impressionismo, Simbolismo e pelo Naturalismo, esse
movimento buscava unir os objetivos [...], que se caracterizavam, respectivamente,
por um desejo de expressar os sentidos na tela, por um desejo de evocar
sensações a partir da realidade – compreendendo-a enquanto símbolo e
buscando significados eternos – e por um comprometimento com temas ligados à
paisagem, à natureza e à vida no campo – no que diz respeito às manifestações
fotográfica e pictórica.
Com base nesta citação, a fotografia, através dos pictorialistas passa a se
aproximar das especificidades da pintura. Desta maneira, os fotógrafos buscavam
desconfigurar a realidade impressa na fotografia, ou seja, tirá-la da função de “espelho do
real”. Para isso, a fotografia era “aperfeiçoada” e recebia acabamentos que eram
aplicados na pintura. Assim, esta linguagem abria mão de suas especificidades com o
objetivo de se aproximar da estética da pintura. Pode-se dizer que a fotografia
dissimulava sua própria identidade.
“O auge do pictorialismo na Europa foi de 1890 a 1914. Os ideais românticos do
movimento não resistiram às agruras da Primeira Grande Guerra”. (COSTA, 1998, p.
264). Mas, com a queda dos pictorialistas surgiram outras tentativas no sentido de
fortalecer a fotografia como linguagem artística.
Nesta linha de ação, é notória a história do “The Linked Ring”, “criado em 1892 e
que buscava produzir trabalhos de beleza poética através da fotografia”. (FRIZOT, 1998,
p. 306 apud FREITAS, 2009, p. 33).
Então, a fotografia começa a ser impulsionada no cenário artístico, o grupo “The
Linked Ring”, possuí significativa representatividade por apresentar e defender a
fotógrafia como arte e como um genêro artístico repleto de poética.
O Foto-Cine Club Bandeirantes, criando em São Paulo em 1939, representa outra
forte contribuição para a elevação da fotografia enquanto linguagem artística, pois,
disseminou novas poéticas e técnicas na fotografia, oportunizou a circulação das
fotografias em salões e em revistas. Além disso, a fotografia brasileira, através do FotoCine Club Bandeirantes, ficou difundida no exterior.
Enquanto os fotógrafos pictorialistas entendem os processos técnicos como a
natureza artística da fotografia, os “bandeirantes” defendem que os processos
técnicos são o meio de expressão do artista (COSTA & SILVA, 2004, p.39).
Com base nestas defesas e argumentos em prol da fotografia é que a sua trajetória
e os discursos até aqui apresentados contribuirá para a elevação deste mecanismo
tecnológico como repleto de espírito no ato da criação.
Devido às discussões sobre fotografia, à evolução da tecnologia e da relação da
arte com o mundo, a partir de 1980, a fotografia torna-se ainda mais valorizada para as
artes visuais, passando assim, a estabelecer-se como arte-fotografia. (ROUILLÉ, 2009).
[...] a fotografia acabou contribuindo com a liberação da pintura e da arte, de um
modo geral, do dever de representar o mundo visível, abrindo caminho para novos
movimentos surgidos ainda no final do século XIX e inicio do século XX, como o
Impressionismo, o Fauvismo, o Cubismo, o Futurismo, o Surrealismo, o Dadaísmo,
entre outros. (FREITAS, 2009, p. 34).
Assim, esses novos movimentos utilizaram-se da fotografia como arte, ademais a
fotografia oportunizou novas perpectivas para os artístas vanguardistas, permitindo que
as composições destes, introduzissem novas formas, técnicas e poéticas.
No Surrealismo, a fotografia valoriza a utilização de formas, porém distanciando-se
cada vez mais da realidade. Em suas fotografias, os artistas procuravam explorar o
subentendido. Também passaram a trabalhar com outra técnica fotográfica que já era
utilizada no dadaísmo: a fotomontagem. O surrealismo elevou a fotografia como
linguagem artística, compondo-se de várias interpretações e diversos significados.
(FREITAS, 2009).
Já no abstracionismo, um artista brasileiro que abalou o conceito de fotografia
como “espelho do real” foi José Oiticica Filho (1906-1964), em suas fotografias
decorrentes do abstracionismo sobre influências geométricas. Ele buscou interferir no
processo de revelação e ampliação. Este artista utilizou-se, também, da técnica de
fotomontagem, (participou do Photo Club Brasileiro e do Foto Cine Club Bandeirantes).
Os movimentos de vanguardas oportunizaram transformações na fotografia, dando
espaço para experimentações, porém outros aspectos do século XX ocasionaram
mudanças artísticas e culturais como, o desenvolvimento tecnológico, social e econômico.
Desta maneira com as novas técnicas fotográficas, os artistas desvinculam a imagem da
fotografia como representante fiel da realidade, pois, os aparatos tecnológicos
oportunizam a manipulação da imagem. (FREITAS, 2009).
Com a trajetória da fotografia, até aqui apresentada, nota-se que já era previsto por
fotógrafos que seu embrião se desenvolveria nas artes visuais. Atualmente, denominada
fotografia-artística ou fotografia-expressão, as críticas a respeito dessa expressão só
serviram para que a mesma fosse conhecida e aclamada pela sociedade, uma vez que
ela oportunizou recursos nunca antes dominados pela pintura, além de “exibir” um poder
de magia que poucas artes atingiram. As palavras de Benjamin (1985, p. 93) resumem
isso: [...] a técnica mais exata pode dar às suas criações um valor mágico que um quadro
nunca mais terá para nós.
Coleção fotográfica
Para desenvolver a investigação do nu fotográfico no campo das artes visuais,
elegeu-se como objeto de estudo a “Coleção de George Eastman House” comunicado no
catálogo A História da Fotografia (2005). Portanto, a pesquisa documental foi escolhida
para a realização deste estudo. Partindo de um levantamento sobre a coleção fotográfica
apresentada no catálogo elaborou-se gráficos de estudos que possibilitaram análises e
discussões sobre a representação do nu fotográfico2.
2
Segundo o dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística (2005, p. 52) compreende-se como coleção:
“conjunto de documentos com características comuns, reunidos intencionalmente”.
Desta maneira o catálogo foi ilustrado e fundamentando de forma cronológica com
base em fotografias de mestres, abordando temáticas e técnicas diversificadas. Tais
obras estão localizadas em Rochester - Nova York no George Eastman Casa
Internacional - Museu de Fotografia e Filme.
Para entendermos a relação da coleção com a figura de George Eastman (18541934) e perceber a relevância deste estudo é necessário traçar um breve panorama da
vida de Eastman. Dentre os pesquisadores e apreciadores da fotografia é notória a sua
participação, além de ser o fundador da Eastman Kodak Company, o mesmo contribuiu
para os estudos e o desenvolvimento técnico da fotografia.
Inicialmente George Eastman era um amador, um aficionado pela fotografia, porém
para ajudar sua família financeiramente passou a ver na fotografia uma fonte de renda,
produzindo e incentivando pesquisas técnicas sobre a câmera fotográfica.
[...] em 1888, o fotógrafo George Eastman (1854-1934) passou a comercializar seu
mais novo invento: a Kodak. Esse primeiro aparelho fotográfico portátil, por ele
chamado de instantâneo, continha um rolo de filme que permitia fazer até 100
imagens. Desde então as imagens fotográficas tornaram-se objeto de
comercialização em larga escala. (BORGES, 2003, p. 58).
Portanto, Eastman representa um marco para a difusão da fotografia. Entre 1902 e
1905, George Eastman construiu sua mansão, quando veio a falecer doou sua residência
para a Universidade de Rochester. Sua admiração pela fotografia e seus estudos
oportunizaram avanças tecnológicos, sua contribuição para a fotografia foi reconhecida, e
consequêntemente a casa de Eastman foi destinada para a consolidação de um museu
que passou a abrigar materiais e obras que possuíssem relação com a fotografia e o
cinema.
Atualmente a George Eastman House - Museu de Fotografia e Filme recebe visitas
de apreciadores e pesquisadores do mundo todo. Abriga uma das maiores coleções sobre
cinema e fotografia, contando com biblioteca, obras fotográficas de mestres, filmes e
livros sobre cinema com ênfase ao cinema mudo. Além disso, possuí uma coleção com
aparatos tecnológicos próprios do cinema e da fotografia.
Resultados e análises
Um dos objetivos primordiais desta pesquisa é o estudo sobre a representação do
nu fotográfico em poéticas artísticas, partindo deste contexto e sobre a relevância deste
tema para a difusão do conhecimento em fotografia é que iniciaremos uma análise
comparativa sobre a percepção visual das fotografias de nu, para tal, agrupou-se uma
série fotográfica de nus femininos com recorte em fotografias de estúdio.
Antes de seguirmos com a análise do objeto de estudo, é necessário
compreendermos de forma abrangente como se constituí a coleção fotográfica
apresentada no catálogo A História da Fotografia (2005).
O catálogo foi ilustrado com 743 fotografias que abordam temas diversificados. A
partir da escolha do objeto de estudo traçou-se seu levantamento. Verificou-se que, das
743 fotografias apresentadas neste catálogo, 49 fotografias envolvem a temática do nu,
ou seja, 6,59%.
Entre os nus fotográficos, têm-se, 26 fotografias de nu feminino, 16 fotografias de
nu masculino, 04 fotografias de nu feminino com a presença masculina e 03 fotografias de
nu infantil. O gráfico (01) mostra como se dá essa distribuição em percentuais.
Gráfico 1 - Distribuição de Nus Fotográficos de Acordo com o Gênero.
Fonte: A autora
A partir do gráfico (01) elaborou-se o gráfico (02). Este apresenta a distribuíção do
nu feminino no catálogo, de acordo com a condição espacial em que foram concebidas,
ou seja, 20 fotografias de nus femininos em ambiente interno e 06 fotografias de nus
femininos em ambiente externo.
Gráfico 2 - Distribuição de Nus Fotográficos Femininos, de Acordo com o Ambiente.
Fonte: A autora
Logo, o gráfico (03) é o resultado extraído com base no gráfico (02), ou seja, sobre
os 76,92% de nus fotográficos femininos elaborados em estúdio. Neste último gráfico é
que se concentram as análises e discussões. Para tal, os nus femininos elaborados em
estúdio foram subdivididos em 04 conjuntos. Nestes conjuntos, têm-se, 09 fotografias de
linguagem pictórica, 07 fotografias de corpo como forma, 03 fotografias de caráter
documental e 01 fotografia de caráter contemporânea.
Gráfico 3 - Modalidades de Nus Femininos, de Acordo com a Linguagem.
Fonte: A autora
Assim, de acordo com o gráfico (03) a fotografia de nus artísticos de visualidade
pictórica é a mais recorrente na coleção de nus femininos elaborados em estúdio, com um
percentual de 45%.
Esta modalidade de nus fotográficos se aproxima da visualidade de nus pictóricos,
onde os enquadramentos, as luzes, poses, artefatos e outras especificidades possuem
relação com a pintura de nus. Como evidencia Borges (2003, p. 45):
A combinação do nu e ou/seminu com as dobras irregulares dos tecidos, somada
ao jogo de claro/escuro, ressalta a expressão vaga e melancólica do olhar ao
mesmo tempo em que mostra, esconde e sugere a sensualidade do corpo e o
mistério da alma feminina. É assim que a fotografia ressalta os atributos femininos
já consagrados pela literatura e pela pintura [...].
Assim, os atributos valorizados são os mesmos que se utilizaram nos nus pictóricos
do Renascimento, que valorizam a ideia de representação da mulher evidenciando a
sutileza, a sensualidade e a delicadeza da figura feminina.
Vale destacar que, esse gênero fotográfico ficou conhecido como nu artístico,
clássico ou acadêmico, devido a relação visual que possui com pinturas de nus, prática
consagrada nas artes visuais. Segue alguns exemplos de fotografias decorrentes da
visualidade pictórica apresentadas na coleção George Eastman House.
Figura 01 - Estudo a partir da Natureza (História Natural), Louis-Camille d'Olivier, (1853-1855).
Fonte: JOHNSON, S. W.; RICE, M.; WILLIAMS, C., 2005, p. 353
Figura 02 - Nu Reclinado, Eugène Durieu (1855).
Fonte: JOHNSON, S. W.; RICE, M.; WILLIAMS, C., 2005, p. 355.
A segunda modalidade mais recorrente na coleção é o nu artístico fotográfico que
evidência o corpo enquanto forma, correspondendo a 35% dos nus femininos elaborados
em estúdio. Essa prática passa a ser explorada no início do século XX, ou seja, a partir do
modernismo que se desenvolveu na Europa e nos Estados Unidos.
Interessante observar que diferente da fotografia de nus artísticos de caráter
pictórico, onde a câmera deveria ficar praticamente imóvel devido as suas limitações, é
que no século XX os fotógrafos munidos de equipamento mais precisos, passam a ter
maior liberdade de experimentação. O resultado apresenta fotografias de nus artísticos
em ângulos que evidenciam as formas do corpo. Lula (2000, p. 52) exemplifica:
“É frequente a utilização dos mais variados recursos na concepção da imagem.
Retoques, distorções, espelhos, ângulos inusitados são postos em ação pelos fotógrafos
de vanguarda”.
Além disso, dessas especificidades os fotógrafos abrem mão do uso de artifícios
quem remetem à pintura. Portanto, nas fotografias de nus artísticos do século XX que
exploram o corpo nu como forma, acontecerá em algumas obras o rompimento com a
poética visual praticada na pintura. Seguem alguns exemplos:
Figura 3 - Nu, Edward Weston, (1936).
Fonte: JOHNSON, S. W.; RICE, M.; WILLIAMS, C., 2005, p. 495.
Figura 04 - The Bow, Frantisek Drtikol, (1921).
Fonte: JOHNSON, S. W.; RICE, M.; WILLIAMS, C., 2005, p. 527.
Já a fotográfica de nu documental ocupa um percentual de 15% na coleção.
Referente à fotografia documental Soulages (2010 p. 159) atesta que: “toda fotografia
pode ser considerada sob o ângulo do documento ou sob o ângulo da obra de arte. Não
se trata de duas espécies de foto. É o olhar de quem a considera que decide”. Assim a
fotografia (05) pode ser atribuída como fotografia documental ou artística.
Referente a fotografia documental, vale destacar que, o fotógrafo valoriza uma
espontaneidade, onde não se posa e não se olha para o fotógrafo. Assim, nessa
fotografia, encontramos a pose, mas a troca de olhar entre o referente e o fotógrafo é
inexistente.
Nesta análise, optou-se pela escolha da representação fotográfica dos negros, o
que era um acontecimento raro até a popularização da fotografia. Com a difusão da
fotografia alguns negros eram registrados em meio à família a que pertenciam, como no
caso das amas-de-leite. (KOUTSOUKOS 2006, p. 83). Com a popularização da fotografia
esta situação foi mudando.
[...] o ex-cativo e o negro nascido livre, tentaria construir a sua imagem, a princípio,
a partir de códigos de representação e comportamento tomados inicialmente
“emprestados” dos ditos brancos da sociedade. Uma das formas dessa
representação era o retrato posado em estúdio de fotografia. (KOUTSOUKOS
2006, p. 83).
Contudo “a pele mal tratada e o semblante cansado, combinados com a rigidez do
corpo, não desapareciam sob os disfarces sociais e acabavam por denunciar sua posição
subalterna na estrutura social”. (BORGES, 2003, p. 52). Contudo, esta prática era uma
convenção da época. Temos como exemplo:
Figura 5 - E. Thiesson, Mulher Nativa de Sofala (Moçambique), 30 anos de idade, de cabelos brancos,
(1845).
Fonte: JOHNSON, S. W.; RICE, M.; WILLIAMS, C., 2005, p. 54.
Por último temos a fotografia contemporânea com um percentual de 5%,
decorrente desta modalidade a figura (06) apresenta um caráter performático, onde a
mulher é representada seminua, fazendo uma bolha de sabão, remetendo ao corpo em
performance artística. Esse gênero fotográfico foi frequentemente utilizado em fotografias
dos anos de 1960 e 1970, contudo, estas fotografias de caráter performático nem sempre
foram consideradas como fotografias artísticas, pois, com frequência as mesmas serviam
apenas como registro documental de uma ação performática, para em seguida ser
transposta para museus e galerias de arte.
Figura 06 - Mulher grávida que faz grande bolha de sabão, Les Krims, (1969).
Fonte: JOHNSON, S. W.; RICE, M.; WILLIAMS, C. A History of photography. Hohenzollerning: Taschen,
2005. (The George Eastman House Collection).
Desta forma, com base no gráfico (03) percebe-se que a fotografia de nus artísticos
de visualidade pictórica é a mais recorrente entre todos os gêneros de nus fotográficos
femininos elaborados em estúdio.
A fotografia de nus artísticos com visualidade pictórica surge no século XIX, logo
após o invento da fotografia. Esse gênero estabelece diálogo com a pintura. Isto é, notado
de algumas especificidades, como enquadramento, olhar, encenação, pose, utilização de
artefatos e adereços que, com frequência, eram utilizados na elaboração da pintura.
Desta maneira existe uma construção da técnica fotográfica, como veremos a seguir.
No decorrer da segunda metade do século XIX, a fotografia [...] tornou-se um meio
privilegiado para revelar o corpo nu e a sua sexualidade. Inicialmente ligada aos
modelos da pintura e da escultura, as fotografias acabaram por reproduzir
algumas das poses femininas dos ateliês dos artistas [...]. (LULA, 2010, p.47).
Desta forma, devido ao fato dos fotógrafos terem sido pintores, é que suas
fotografias de nus se aproximarão de uma visualidade pictórica, utilizando-se dos mesmos
enquadramentos, luzes e sombras, ângulos, poses, entre outras especificidades da
pintura de nus. Além disso, certas fotografias eram encomendadas a estes fotógrafos por
pintores e escultores com a finalidade de serem utilizadas para estudos. Daí justifica-se
tal aproximação da fotografia com a pintura. Assim, pode-se dizer que a encenação e a
pose remetem à pintura conforme aponta Borges (2011): “[...] a busca da sensualidade
feminina se faz presente a partir da combinação dos mesmos elementos que, na pintura,
constroem a estética da nudez”. (BORGES, 2003).
Portanto, na fotografia de visualidade pictórica a encenação e a pose são
elementos herdados da pintura, uma vez que, era a prática mais conveniente para retratar
o ser humano até o surgimento da fotografia, como descreve Lula (2010, p. 44):
Desde a sua invenção, a fotografia esteve ligada a representação do corpo,
encontrando no retrato um tema privilegiado. Até o surgimento da técnica
fotográfica, recorria-se a pintura, normalmente dispendiosa, quando se queria
retratar alguém. O registro fotográfico, pouco acessível nos primórdios da
produção, passou a ser cada vez mais difundido e barateado, com a aparição de
novas técnicas fotográficas entre 1830 e 1860.
Entre estas técnicas “o daguerreótipo3 foi o primeiro procedimento fotográfico a
autorizar uma grande difusão do retrato”. (LULA, 2000, p. 44). Em 1840 o aparelho já era
utilizado para registar pessoas, porém, era limitado em termos de técnica, sendo incapaz
de captar com imediatez, desta forma, registrar o ser humano, era uma tarefa penosa,
não só para o fotógrafo, mas para o modelo que estava sendo retratado. Na busca da
precisão e de contornos nítidos a pose assim como na pintura é a alternativa encontrada
para burlar o tempo.
Mediante a esta condição é que móveis e outros utensílios são incorporados no
cenário, prestando apoio aos modelos, Benjamin (1985, p. 98) aponta:
Os acessórios desses retratos, com seus pedestais, balaustradas, e mesas ovais
evocam o tempo em que devido, à longa duração da pose, os modelos precisavam
ter pontos de apoio para ficarem imóveis. No início os fotógrafos se contentavam
com dispositivos para fixar a cabeça ou o joelho. Depois vieram outros acessórios,
como nos quadros célebres, e, portanto, tinham que ser “artísticos”.
Assim, a fotografia de nu artístico de visualidade pictórica, também, incorporou ao
cenário móveis e outros utensílios, prestando apoio aos modelos, assim como aconteceu
na prática pictórica. Já os artefatos e adereços dispostos ao longo do corpo feminino são
utilizados para representar e evidenciar a beleza, a sensualidade, o corpo e as curvas da
mulher, assim como na pintura.
Já os artefatos e adereços dispostos ao longo do corpo feminino são utilizados
para representar e evidenciar a beleza, a sensualidade, o corpo e as curvas da mulher,
assim na pintura. (BORGES, 2003). Portanto, “o fotógrafo-artista quer, fundamentalmente,
exprimir uma tese corrente no mundo da pintura, na qual o retrato artístico mais que
informar, deveria representar.” (BORGES, 2003, p. 44).
Quanto ao enquadramento aplicado por fotógrafos, este era o mesmo utilizado por
pintores, sendo, o retrato a meio-corpo ou o retrato de corpo inteiro, isso se justifica,
devido ás limitações decorrentes dos aparelhos fotográficos, uma vez que, os primeiros
aparelhos eram difíceis de serem manuseados, ou seja, a câmera era fixada em um
suporte, limitando assim o manuseio da mesma pelo fotógrafo.
Com base nestas considerações pode-se concluir que, na presente coleção, existe
uma predominância sobre a fotografia de nu feminino assemelhando-se com a visualidade
pictórica, ou seja, existe uma linguaguem decorrente da pintura. Essa construção da
técnica fotográfica remetendo à pintura se dá pelo fato de que, a fotografia em seus
primórdios herdou características específicas da pintura, uma vez que ambas serviram
para representar o homem.
Apenas com a invenção de aparelhos mais ágeis é que os fotógrafos passam a
representar o corpo com ângulos inusitados, como na fotografia que explora o corpo
enquanto forma, como na fotografia documental e na fotografia contemporânea, onde já
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Consiste em: “Uma chapa de cobre, coberta com uma fina camada de prata, que emulsionada e exposta,
gravava uma imagem positiva. Uma imagem única. O que significa que o daguerreótipo não permitia
reproduções, não gerava cópias a partir de um negativo”. (LIMA, 2011, p. 04).
não existe uma preocupação de retratar o ser humano por meio de poses tradicionais e
adereços que evocam as especificidades da pintura.
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