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COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013
ISSN: 1983-7453
Outubro, 2011
_______________________________________________
ANAIS
COLÓQUIO DE DIREITO
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
CENTRO UNIVERSITÁRIO DINÂMICA DAS CATARATAS
Artigos (Trabalhos Completos)
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
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2013
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público-privado, que tem por objetivo estimular a
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AFRONTA AO PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E MINIMO
EXISTENCIAL FRENTE À PENHORABILIDADE DA CONTA SALÁRIO
HERNAN EDUARDO AGUILERA1
JÉSSICA DA COSTA SILVA PAZ2
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RESUMO
O presente artigo científico visa demonstrar o instituto da penhorabilidade em se tratando de
conta salário, para tanto, torna-se indispensável que haja uma breve explicação a respeito
do instituto da penhora, e também será abordado o mesmo instituto com relação a temática
de afronta a um dos princípios basilar do Estado Democrático de Direito, o principio da
dignidade humana. Por fim, os autores se posicionam de maneira critica sobre a temática
ora tratada.
PALAVRAS - CHAVE: Penhora - Limites à Penhora - Conta Salário – Dignidade da Pessoa
humana.
AFFRONT TO THE HUMAN DIGNITY PRINCIPLE AND THE EXISTENCIAL MINIMUM
FACE TO THE SEIZABILITY OF THE SALARY ACCOUNT
ABSTRACT
The present scientific paper aims to demonstrate the seizability institute in the concept of the
salary account, which is indispensable to have a short explanation of the seizability institute,
and we will approach it face to the theme that affronts one of the basic principles of the
democratic state of law, the Human Dignidy Principle. Finally, the authors take a stand in a
critical way about the theme once treated.
KEYWORDS: Pledge – Boundries to the Pledge – Salary Account – Human Dignity.
1 – INTRODUÇÃO
O presente trabalho busca analisar a legalidade da penhora incidente sobre as contas
salário, e neste aspecto a afronta ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.Em um
primeiro momento será abordado fatores relacionados à penhora apresentando um breve
resumo de pontos relevantes da respectiva matéria. Num segundo instante limitaremos a
análise da impenhorabilidade dos bens e a relatividade que estes possuem, revisando neste
ponto qual a importância de tal instituto.
Após, demonstraremos os fundamentos jurídicos e legais da impenhorabilidade da conta
salário, e por fim, evidenciaremos a afronta ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana,
bem como à outros Princípios basilares do Estado Democrático de Direito.Sobre a temática,
1
Acadêmico do Curso de Direito da UDC - Centro Universitário Dinâmica das Cataratas, Membro
Pesquisador do Grupo Cientifico de Ciências Jurídicas intitulado O Papel do Estado na Proteção ao
Meio Ambiente e sua Intervenção na Atividade Econômica com Vistas ao Desenvolvimento
Sustentado, sobre a orientação do Prof. Mestre. Fernando Maraninchi, UDC, Foz do Iguaçu – PR,
Brasil, [email protected];
2
Acadêmica do Curso de Direito da UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected];
5
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o Código de Processo Civil prevê os bens não passíveis de penhora3, e note-se que entre
estes está elencada a conta salário e proventos, uma vez que são obviamente
indispensáveis para a vida digna do sujeito (mínimo existencial4), buscando desta maneira
proteger os seus direitos.
2 - BREVES APONTES DO INSTITUTO DA PENHORA
A penhora é um dos meios pelos quais o credor (pólo ativo da relação processual) dispõe
para a efetivação de uma pretensão em relação ao devedor (sujeito passivo da relação
processual), sendo esta a de pagar a sua dívida (findar a obrigação), que se encontra
devidamente expressa em um título executivo extrajudicial ou judicial.
A penhora pode se dar por meio de bloqueio de valores pelo sistema BacenJud5, pelo
RenaJud6 ou ainda bloqueio de outros bens, tanto móveis quanto imóveis, pelos Oficiais de
Justiça, sendo posteriormente convertidos em prol do credor (sendo um destes meios o
leilão) e dando-se oportunidade de defesa ao devedor, com os chamados Embargos à
Execução ou Embargos do Devedor.
É também caracterizada pelo jurista Araken de Assis como um ato que atinge um bem
escolhido ou indicado à execução para que ocorra a desapropriação em face do executado
e conversão em valores ao exequente7, ocorrendo a possibilidade de adjudicação por parte
deste.
No entanto ter a penhora autorizada e determinada pelo Juiz de Direito não significa
necessariamente que a pretensão do credor será imediatamente satisfeita, pois não se “(...)
outorga ao credor um poder direto e imediato sobre o bem, como acontece no penhor”. 8
Constitui-se em um ato executório, que pode ser solicitado a qualquer tempo em um
processo de execução ou em fase de cumprimento de sentença, dependendo de
determinação judicial, podendo ainda ser efetuado mediante ordem de arrombamento, nos
casos em que o devedor praticar quaisquer atos a fim de obstar a penhora dos referidos
bens e com utilização de força policial, conforme disciplina o Código de Processo Civil9.
Segundo o doutrinador Rinaldo Mouzalas de Souza e Silva, a penhora “deverá incidir em
tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal, juros, custas e honorários
3
O artigo 649 do Código de Processo Civil: “São absolutamente impenhoráveis: (...) IV - os
vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões,
pecúlios, e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao
sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de
profissional liberal, observando o disposto no §3° deste artigo‖, note-se que em diversos pontos o dispositivo
da lei 5.869 de 73, afirma o quão impenhorável são as receitas que tenham por fim a subsistência do sujeito ou
a sua própria família, nos atentamos em salientar que o presente dispositivo vem sofrendo diversas alterações
com o passar dos anos, pelas leis n. 11.232/05 e n. 11.382/06.
4
Referindo-nos neste ponto que a conta-salário é indispensável para vida contemporânea, e a penhorabilidade
desta seria uma afronta ao principio da Dignidade da Pessoa Humana.
5
O jurista Andre Luiz Correia, explica em seu artigo sobre a matéria, que: ―é uma simples permissão legal para
que os juízes possam realizar, por meio eletrônico, um ato de execução – no caso, a penhora ou o arresto –
que já se acha previsto no sistema processual civil (CPC, arts. 659 e seguintes, e arts. 803 e seguintes)‖,
também segue a definição atribuída pelo Banco Central do Brasil, sendo: Um sistema eletrônico de
relacionamento entre o Poder Judiciário e as instituições financeiras, intermediado pelo Banco Central, que
possibilita à autoridade judiciária encaminhar requisições de informações e ordens de bloqueio, desbloqueio e
transferência de valores bloqueados.
6
Segue a definição atribuída pelo Conselho Nacional de Justiça, sendo: O Renajud é um sistema on-line de
restrição judicial de veículos criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que interliga o Judiciário ao
Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). A ferramenta eletrônica permite consultas e envio, em tempo
real, à base de dados do Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam), de ordens judiciais de
restrições de veículos — inclusive registro de penhora — de pessoas condenadas em ações judiciais.
7
ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 11, ed. São Paulo, SP: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 592.
8
ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 11, ed. São Paulo, SP: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 589.
9
Neste sentido disciplinam o artigo 660 do Código de Processo Civil, in verbis: ―Se o devedor fechar as portas da
casa, a fim de obstar a penhora dos bens, o oficial de justiça comunicará o fato ao juiz, solicitando-lhe ordem
de arrombamento.‖ Bem como o artigo 662 do referido diploma, in verbis: ―Sempre que necessário, o juiz
requisitará a força policial, a fim de auxiliar os oficiais de justiça na penhora dos bens e na prisão de quem
resistir à ordem.‖
6
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advocatícios” sendo: ―(...) efetuada onde quer que se encontrem os bens (mesmo que
através de carta), ainda que sob a posse, detenção ou guarda de terceiros” 10, desde que se
encontrem em nome do devedor, uma vez que não há como se penhorar algo que não seja
do próprio executado, ainda que de ascendente ou descendente do mesmo.
De outra mão o devedor poderá apresentar embargos de execução ou embargos do
devedor nos casos de penhora, alegando que esta recaiu sobre bens impenhoráveis (como
os de família), que ocorreu execução excessiva ou ainda nulidade da execução. Poderá,
ainda, nomear outros bens à penhora, a fim de substituir os que foram penhorados, desde
que não traga nenhum prejuízo à parte credora, conforme dispõe o artigo 668 do Código de
Processo Civil11.
Assim que for realizada a penhora, os bens serão depositados em um lugar determinado,
como por exemplo: Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil ou outras agências de crédito
(mediante autorização judicial), para o caso de penhora de dinheiro em sua espécie, joias e
papeis de crédito. Podem ainda ser depositados junto ao depositário judicial, nos casos de
bens móveis e imóveis urbanos, ou com o depositário particular, nos casos dos demais
bens, consoante com o artigo 666 e parágrafos seguintes do Código de Processo Civil 12, ou
ainda, os bens poderão ficar também em poder do próprio executado, quando o bem for de
difícil remoção ou com anuência do exequente.
Não se procederá à penhora somente no caso em que o valor não seja suficiente para
liquidar mais do que as custas da execução, salvo se o credor estiver isento do pagamento
das referidas custas.
Nas execuções por quantia certa o credor tem a faculdade de solicitar uma certidão
comprobatória do ajuizamento da ação para que possa proceder a averbação de bens
passíveis de penhora, como uma segurança de que a mesma não será futuramente
frustrada por qualquer tentativa do devedor de alienar-se dos bens para se esquivar da
dívida.
3 – LIMITES AO INSTITUTO DA PENHORA - BENS IMPENHORÁVEIS
A impenhorabilidade incide sobre os bens indispensáveis para a vida de uma pessoa, como
o de família, protegendo tais bens e colocando limites à execução forçada.
Segundo o doutrinador Cândido Rangel Dinamarco, “existe crescente tendência no sentido
de garantir um mínimo patrimonial indispensável à efetividade deles próprios e para
que a pessoa não fique privada de uma existência decente”13 grifei.
Os bens impenhoráveis são os que não podem ser alvo de penhora, não podendo ser
utilizados para liquidar as dívidas do executado, uma vez que é dada a garantia de que seus
direitos não serão feridos em caso de dívidas a liquidar, com base no Princípio da Dignidade
da Pessoa Humana. Há uma divisão dos bens impenhoráveis entre absolutamente e
10
SOUZA E SILVA, Rinaldo Mouzalas de. Processo Civil – Volume Único. 5, ed. Salvador: Jus Podivm, 2012.
p.954.
11
Segue o referido dispositivo, in verbis: ―O executado pode, no prazo de 10 (dez) dias após intimado da
penhora, requerer a substituição do bem penhorado, desde que comprove cabalmente que a substituição não
trará prejuízo algum ao exequente e será menos onerosa para ele devedor (art. 17, incisos IV e VI, e art. 620).
(Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). I - quanto aos bens imóveis, indicar as respectivas matrículas e
registros, situá-los e mencionar as divisas e confrontações; II - quanto aos móveis, particularizar o estado e o
lugar em que se encontram; III - quanto aos semoventes, especificá-los, indicando o número de cabeças e o
imóvel em que se encontram; IV - quanto aos créditos, identificar o devedor e qualificá-lo, descrevendo a
origem da dívida, o título que a representa e a data do vencimento; e V - atribuir valor aos bens indicados à
penhora.‖
12
Segue o referido dispositivo: ―Os bens penhorados serão preferencialmente depositados: (...) § 1° Com a
expressa anuência do exequente ou nos casos de difícil remoção, os bens poderão ser depositados em poder
do executado. § 2° As joias, pedras e objetos preciosos deverão ser depositados com registro do valor
estimado de resgate. § 3° A prisão de depositário judicial infiel será decretada no próprio processo,
independentemente de ação de depósito.‖
13
RANGEL DINAMARCO, Candido. Execução Civil. 7 ed. São Paulo – SP. Malheiros Editores, 2000. p.300.
7
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relativamente impenhoráveis; aqueles estão elencados no artigo 649 do Código de Processo
Civil14 e os relativamente impenhoráveis no artigo 650, do referido diploma15.
O artigo 649 do Código de Processo Civil, Segundo Araken de Assis, “contempla o
beneficium competentiae (benefício da competência), ou seja, a impenhorabilidade absoluta
do estritamente necessário à sobrevivência do executado, e de sua família, e à sua
dignidade.”16, abrangendo os bens absolutamente impenhoráveis.
O inciso I foi o único que não teve sua redação alterada pela Lei n 11.382 de 2006, tratando
dos bens inalienáveis, os quais, ainda que sejam penhorados, não poderão ser
expropriados, por serem declarados bens pertencentes à União.
O inciso II versa sobre bens que guarnecem a casa do devedor que poderão ser
penhorados, desde que se respeite o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Isto
porque, se somente houver um objeto dentre os necessários não se procederá à penhora,
como uma só geladeira ou fogão, mas se houver mais, um poderá ser penhorado, bem
como outros objetos que tenham um valor alto e que não sejam indispensáveis à vida da
pessoa, como um bar.
Todavia, apesar dos bens acima exemplificados e os elencados no artigo 649 do referido
Código (nota de rodapé 12) serem vistos em regra como impenhoráveis, pode-se pedir a
sua relativização, como no caso de haver mais de um do mesmo objeto. Existem também os
bens tidos como relativamente impenhoráveis, que são os elencados no artigo 650 do
Código de Processo Civil (nota de rodapé 13).
Tal artigo dispõe que os produtos dos bens inalienáveis poderão ser utilizados para
satisfazer a pretensão do credor, quando não houver mais nenhum bem à disposição, com
exceção dos que seriam destinados ao pagamento de pensão alimentícia, zelando assim
pela vida de outras pessoas que não o credor e o devedor.
Tem-se como exemplo o usufruto, que por ser ato contínuo é impenhorável. Note-se ainda a
lição de Flávio Tartuce e José Fernando Simão, “Por outro lado, nada impede a penhora dos
frutos produzidos pelo bem, pois não se trata da penhora do próprio usufruto, mas apenas
dos rendimentos” 17.
6 – DA IMPENHORABILIDADE DA CONTA SALÁRIO
A conta salário é um tipo de serviço oferecido pelos bancos aos seus clientes quando estes
necessitam receber seus proventos através de instituição financeira, independentemente se
o recebimento for de instituição privada ou pública.
A conta salário, assim como os demais serviços oferecidos pelas instituições financeiras,
possui regulamentação própria através de normas do Banco Central do Brasil, não
14
Segue o referido dispositivo: ―São absolutamente impenhoráveis: I - os bens inalienáveis e os declarados, por
ato voluntário, não sujeitos à execução; II - os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a
residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns
correspondentes a um médio padrão de vida; III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do
executado, salvo se de elevado valor; IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos
de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas
ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal,
o
observado o disposto no § 3 deste artigo; V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os
instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão; VI - o seguro de
vida; VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas; VIII - a
pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família; IX - os recursos públicos
recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; X - até
o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança; XI - os recursos
públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político;‖ Note-se que a maioria dos incisos
do respectivo artigo fora acrescentado pela lei n. 11.382 de 2006 com exceção do inciso XI dada pela lei n. 1.694
de 2008.
15
Segue o referido dispositivo: ―Podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e rendimentos dos bens
inalienáveis, salvo se destinados à satisfação de prestação alimentícia.‖ Assim como o artigo anterior este
também tem a sua redação acrescida pela lei n. 11382 de 2006.
16
ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 11, ed. São Paulo, SP: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p.222.
17
TARTUCE, Flávio; SIMÃO José Fernando. Dos Direitos Reais de Gozo ou Fruição. 4, ed. São Paulo: Editora
Método,2012. p. 367.
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admitindo outros tipos de depósitos e tampouco emissão de cheques, podendo ser utilizada
para pagamentos, admitindo também a utilização do cartão na função de débito18.
Esta modalidade de conta é conhecida por ser mais básica que as demais e está
compreendida pela legislação processual civil entre o rol dos bens impenhoráveis, uma vez
que relacionada ao local em que a pessoa recebe seus proventos, pensões e outras rendas
necessárias à sua subsistência, não admitindo então, em tese, o bloqueio de seus valores a
fim de convertê-los posteriormente em penhora.
Através de uma leitura efetuada de forma simples do inciso IV do artigo 649 do Código de
Processo Civil, in vebris: ―os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações,
proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por
liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de
trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o
deste artigo;‖.
7 - PENHORA DE CONTA SALARIO - AFRONTA AO PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA
Seguindo a linha de raciocínio do item anterior (6 - Impenhorabilidade da conta salário)
poder-se-ia entender que os valores depositados em conta salário sejam totalmente
impenhoráveis e a indisponibilidade de valores ali constantes afrontaria, em tese o artigo 7°,
inciso X da Constituição Federal de 198819, bem como, aos Princípios da Dignidade da
Pessoa Humana e Isonomia, isto porque não se podem colocar os direitos do credor de
receber a quantia devida, acima dos direitos do devedor de ter sua subsistência garantida,
uma vez que a constrição dos rendimentos necessários para tanto causaria um severo dano
ao devedor, não cabendo ao Poder Judiciário o papel de opressor daquele que possui um
débito para com outrem.
Por outra mão entendemos que somente haveria afronta ao Principio da Dignidade da
Pessoa Humana, quando não fosse possível ao sujeito garantir o mínimo existencial20, caso
haja penhora e o sujeito consiga viver com dignidade sem necessitar abrir mão dos direitos
prescritos na Carta Magna21, não haveria ferimento do principio.
Note-se que não há que se falar em ferimento ao principio da isonomia posto que do ponto
de vista do exequente há a busca pelo seu direito vale ressaltar, já lesado, intencionalmente
ou não, ao qual não houve ainda reparação material.
Assim, em não havendo mais nenhum bem a ser nomeado em nome do executado, a
penhora das contas seria a sua última chance de receber, ainda que parcialmente 22.
Algumas vezes o processo pode se arrasta por anos em busca de um valor que possa ser
recebido e o que mais frustra os exequentes é ver a outra parte realizando compras não só
de materiais básicos23, mas também de objetos supérfluos com o que poderia ser pago a
18
Definição dada pelo Banco Central do Brasil.
Segue o dispositivo constitucional: ―São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social: X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua
retenção dolosa;‖ grifei.
20
De acordo com Ingo Wolfgang Sarlet, o mínimo existencial e um instituto o qual o obriga ao Estado
Democrático de Direito a garantir uma vida digna para seus cidadãos, neste sentido que entra a penhorabilidade
da conta salário no aspecto de não permitindo a subsistência do sujeito se trata de uma afronta ao principio.
21
Neste sentido disciplina o artigo 7° da Carta Magna: ―São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de
outros que visem à melhoria de sua condição social: IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado,
capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação,
saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o
poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;‖
22
Salientamos o art. 5°, caput, da Carta Magna, sendo: ―Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, â igualdade, â segurança e à propriedade, nos termos seguintes”
23
Neste sentido nos referindo a coisas desnecessárias para a subsistência, como por exemplo: produtos de
beleza, vários tipos de sapatos de grife cara, alimentação em lugares caros. Posto que tais gastos podem ate
descaracterizar a finalidade da conta salário no que tange ao sentido de subsistência e unicamente caráter
alimentar.
19
9
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ele, dando fim não só a uma obrigação como à uma demanda cansativa para ambas as
partes.
Já do ponto de vista do executado há uma obrigação a ser liquidada, mas também existem
outras contas a pagar e talvez uma família para sustentar, além de si mesmo.
Ademais, quando é feita a penhora o valor a ser bloqueado é o integral, não havendo
possibilidade de parcelamento, o que deveria já ter sido feito ao longo do processo, mas
lembrando que em nenhum momento é negada a possibilidade de acordo às partes, basta à
vontade de ambas ser expressa no processo.
Sob este contexto, analisando o lado de ambas as partes, abstratamente, não há como dizer
ao certo qual o mais justo, mas o que comumente se pede é a relativização do artigo 649 do
Código de Processo Civil (nota de rodapé 12) e a consideração de penhora ao menos de
parte de um valor comparado ao total recebido na conta do executado, a fim de que esta
não seja vista como absolutamente impenhorável e sim parcialmente.
A este respeito, é do entendimento das Turmas Recursais do nosso Estado24 a possibilidade
de manter a penhora de um valor limite da conta salário ou conta poupança quando houver
mais de quarenta salários mínimos à disposição do credor ou de 30% de uma renda,
descontados os impostos e contribuições, ainda que não atinja este valor e caracterize
pensão, desde que não comprometa a subsistência do executado.
Neste sentido, é o Enunciado 13.18 das Turmas Recursais do Paraná: “Enunciado n° 13.18
– Penhora – conta salário: Não existindo outros bens a satisfazer o crédito exequendo,
possível a penhora de conta-salário no limite de 30%.” Na mesma linha de raciocínio,
algumas decisões mantém este entendimento25.
Como se vê, o posicionamento da jurisprudência no ordenamento jurídico pátrio é no sentido
de legitimar a penhora de um percentual dos rendimentos que são depositados diretamente
em conta salário do devedor.
Contudo, nos processos provenientes dos Juizados Especiais Cíveis, necessário ressaltar,
que há uma limitação do valor além do percentual de 30% previamente estabelecido26.
7 – CONCLUSÃO
Com o presente trabalho, conclui-se que não há uma só solução para todos os casos de
execução e penhora incidentes sobre contas salário, sendo indispensável se analisar o caso
concreto, até porque o Juiz é uma figura imparcial no processo e imperam os Princípios do
Livre Convencimento e da Motivação das Decisões Judiciais, onde as partes expõem as
provas e os porquês, mas é o Juiz quem decidirá livremente sobre quem deve ter a
pretensão justamente acolhida.
Logo, para que não haja um enriquecimento do credor à custa do esgotamento da renda do
devedor; devem-se sopesar ambas as rendas e o valor da pretensão do credor com cuidado
24
No sentido de ente federado.
25
Agravo de instrumento n.758347-9, relatora Sandra Bauermann, julgado 13.07.2011, DJ 688 05.08.2011, ―DECISÃO:
Acordam os integrantes da 11ª Câmara Cível, POR MAIORIA DE VOTOS, em negar provimento ao presente recurso, nos
termos da fundamentação.Vencido o Juiz Substituto de 2º Grau Osvaldo Nallim Duarte, que declara voto. EMENTA: AGRAVO
DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. ALUGUÉIS. PENHORA DE 30% DE
PENSÃO PREVIDENCIÁRIA DA FIADORA. PENHORA. POSSIBILIDADE. MITIGAÇÃO DA REGRA DO ARTIGO 649, IV, DO
CPC. PENHORA QUE NÃO AMEAÇA A SUBSISTÊNCIA DA DEVEDORA E SEU FAMÍLIA, NEM OFENDE A DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. RECURSO DESPROVIDO.‖ E também neste sentido temos o
Recurso Inominado n. 2012000856-8, relator Leo Henrique Furtado Araujo, julgado 05.07.2012, ―RECURSO INOMINADO.
EXECUÇÃO. PENHORA DE VENCIMENTOS POSSIBILIDADE, DESDE QUE O VALOR BLOQUEADO NÃO COMPROMETA
A SUBSISTÊNCIA DO EXECUTADO. DECISÃO : Julgamento: 30 de Abril de 2004. Recurso conhecido e parcialmente
provido.DECISAÕ : ACORDAM os Juízes da.‖
26
O artigo 3º, inciso I da lei n. 9099 de 1995 ―O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e
julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: I - as causas cujo valor não exceda a quarenta
vezes o salário mínimo.‖ E também o 9º, caput, do referido diploma: ―Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as parte
comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogados; nas de valor superior, a assistência e obrigatória.‖
Evidentemente que o valor a ser cobrado sofre restrição nestes casos.
10
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
para que o Princípio da Razoabilidade e da Proporcionalidade dentro do processo não
sejam feridos.
Concluiu-se ainda que para que não haja afronta aos dispositivos constitucionais acima
elencados bem como princípios basilares do Estado Democrático de Direito, não pode haver
em hipótese alguma a penhora de cem por cento de uma conta salário, visto que tal ato
inviabilizaria ao sujeito que o mesmo viva com o mínimo de dignidade, e usar o instituto da
penhora de conta salário como ultimo artifício para concretizar a pretensão para com o
devedor.
REFERÊNCIAS
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Tribunais, 2007.
Disponível
em
http://www.duartejr.com/index.php?option=com_content&view=article&id=43:impenhorabilida
de-da-conta-salario&catid=1:noticias&Itemid=6, acesso em 20/08/2012. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/21338/impenhorabilidade-absoluta-do-salarioem-face-do-direito-do-credor-a-tutela-jurisdicional, acesso em 20/08/2012.
Disponível
em
http://www.conjur.com.br/2012-mai-07/tj-sp-reafirma-impenhorabilidadesalario-pagamento-dividas, acesso em 20/08/2012.
Disponível em
http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=752
7, acesso em 20/08/2012.
Disponível em http://www.bcb.gov.br/?CONTASALARIOFAQ, acesso em 04/09/2012.
RANGEL DINAMARCO, Candido. Execução Civil. 7 ed. São Paulo – SP. Malheiros Editores,
2000.
SARLET, Ingo Wolgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 8, ed, Porto Alegre, RS.
Livraria do Advogado, 2007.
SOUZA E SILVA, Rinaldo Mouzalas de. Processo Civil – Volume Único. 5, ed. Salvador: Jus
Podivm, 2012.
TARTUCE, Flávio; SIMÃO José Fernando. Dos Direitos Reais de Gozo ou Fruição. 4, ed.
São Paulo: Editora Método,2012.
11
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS CONTRIBUINTES:
A CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA COMO UM LIMITE AO PODER DE TRIBUTAR DO ESTADO
MARIAM ABBAS MELHEM27
RIMA HUSSAIN MUHSIN28
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo o estudo da capacidade contributiva como um limite ao
poder de tributar do Estado, observando sua concretude e efetividade no direito tributário. É
mister também observar que o Princípio da Capacidade Contributiva, o qual tem ―status‖
constitucional tendo em vista que consta na Carta Maior de forma expressa, atende um
princípio maior, que é o da igualdade. Outra categoria de análise é a discussão se este
princípio gera a igualdade e consequentemente justiça no campo tributário. Buscar-se-á
demonstrar que o princípio a ser discutido é um elo entre os direitos fundamentais e a
tributação. Encontra ainda tal princípio respaldo na Declaração Universal dos Direitos
Humanos.
PALAVRAS-CHAVE: Capacidade Contributiva. Tributação. Direito Fundamental.
ABSTRACT: This article aims to study the ability to contribute as a limit to the taxing power
of the state, noting its concreteness and effectiveness in tax law. It is also necessary to note
that the principle of capability to contribute, which has constitutional "status" having in sight
that it is explicitly contained in the Major Letter, attends a higher principle, which is that of
equality. Another category of analysis is the discussion whether this principle generates
equality and therefore justice in the tax field. Search will show that the principle to be
discussed is a link between fundamental rights and assessment. This principle is still
supported by the Universal Declaration of Human Rights.
KEYWORDS: Tax Paying Ability. Taxation. Basics Rights.
INTRODUÇÃO: Verifica-se que, desde os primórdios, o Princípio da Capacidade
Contributiva acompanha o desenvolvimento da humanidade. Sendo assim, é o grande
mediador nas relações entre o fisco e o contribuinte.
A tributação, dever fundamental, é elemento essencial para garantir que os direitos
fundamentais reconhecidos pelo Estado sejam assegurados aos indivíduos. Tendo isso em
vista, a capacidade contributiva vem servir de baliza entre o custo do direito e a necessidade
do Estado de garantir esse direito para que não se prejudique o contribuinte.
O objetivo do estudo é o Princípio da Capacidade Contributiva e sua relação com a proteção
dos direitos fundamentais, onde se buscará, em um primeiro ponto, definir seus conceitos e
sua configuração no texto constitucional, para que em um segundo momento se possa, da
melhor maneira, estabelecer relação de tal princípio com a tributação, levando em
consideração os seus limites, atentando-se ainda para a questão da extrafiscalidade.
Após delineados os aspectos materiais do princípio estudado em presente momento,
enfrentar-se-á os conceito de direitos fundamentais e direitos humanos, os quais possuem
profunda relação. É crucial neste ponto analisar a Declaração Universal dos Direitos do
Homem de 1948, por esta ser um marco na internacionalização dos direitos humanos.
27
28
Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected]
Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected]
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COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Para atingir o objetivo do presente artigo, que é despertar um debate acerca do Princípio da
Capacidade Contributiva, tomar-se-á como referencial teórico autores de grande renome
como SABBAG, Luciano Amaro, Regina Helena Costa, Roberto Nogueira, SANCHES,
Marçal Justen, Daniel Sarmento, entre outros.
1. CONTORNOS MATERIAIS ACERCA DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
Neste ponto serão analisados os fundamentos axiológicos, o conceito de capacidade
contributiva, seus índices, técnicas de tributação para então tratá-la como princípio
enquadrado na Carta Magna.
1.1 FUNDAMENTOS AXIOLÓGICOS
Faz-se imprescindível analisar neste momento conceitos como o de justiça e de igualdade,
que serão usados mais adiante na análise do Princípio da Capacidade Contributiva.
A justiça está intimamente ligada aos valores culturais, religiosos e morais de uma dada
sociedade, sendo assim seu conceito é formatado de acordo com a evolução humana e se
transformou em um princípio que norteia todo o ordenamento jurídico de um dado Estado.
Marcelo Elias Sanches define o conceito de justiça da seguinte forma: ―Objetivamente, a
Justiça é tida como ordenação da convivência humana com finalidade harmônica,
estruturada em seus valores fundantes: igualdade, liberdade e fraternidade.‖29
Cabe aqui verificar como Roberto Wagner Lima Nogueira caracteriza a Justiça Tributária, já
que o presente artigo busca analisar o Princípio da Capacidade Contributiva, que é um
princípio tributário constitucional.
Para falarmos em Justiça Tributária numa sociedade democrática
precisamos notas a presença de pelo menos duas características
básicas: I – uma forte regulação na distribuição de bens na estrutura
básica da sociedade, e II – cidadãos-contribuintes que em uma
democracia constitucional pagam tributos e mantêm um fundo
comum público, destinado a garantir a oferta de bens e de serviços
impossíveis a serem assegurados com equidade a todos os
cidadãos, se entregues ao mercado. A garantia da oferta básica de
tais bens materiais e imateriais passa inevitavelmente pela
intributabilidade do mínimo existencial,e a ausência da oferta deste
(sic) bens à camada pobre da população redunda na perda do
sentido humano, na perda da dignidade no âmbito econômico,
político, social e jurídico-fiscal.30
Fazendo a análise do que foi supramencionado, percebe-se a fundamental importância da
justiça para o princípio da capacidade contributiva, por proporcionar visão mais humana à
técnica da tributação.
No mesmo sentido, seguiu o Projeto de Lei Complementar do Senado n. 646/99, o chamado
―Código de Defesa do Contribuinte‖, em cujo art. 2°, parágrafo único, se nota, ipsis litteris
Art. 2º. A instituição ou majoração de tributos atenderá aos princípios
da justiça tributária.
Parágrafo único. Considera-se justa a tributação que atenda aos
princípios da isonomia, da capacidade contributiva, da equitativa
distribuição da carga tributária, da generalidade, da progressividade
e da não confiscatoriedade.
No que tange a igualdade, entende-se que é através desta que se busca a justiça; porém,
deve-se observar que a ideia de igualdade inata é inalcançável, tendo em vista que os
29
SANCHES, Marcelo Elias, Op. cit., p. 118.
NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima, Op. cit., p. 26.
30
13
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
indivíduos são naturalmente diferentes entre si. Consiste, assim, a igualdade, como já dizia
a premissa aristotélica, em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na
medida de sua desigualdade.
Logicamente, o Direito não pode igualar todos os contribuintes, pois a desigualdade é uma
característica inerente à natureza humana, no sentido em que nenhum indivíduo é igual a
outro. Assim, para majorar um tributo, o legislador necessita levar em consideração tais
diferenças e assim atribuir tratamento diferenciado a estes indivíduos. Aqui então entra o
Princípio da Capacidade Contributiva, onde se espera tratamento equânime aos
contribuintes de acordo coma capacidade financeira de cada um.
Isso direciona o Princípio ressaltado no trabalho a uma íntima ligação com o Princípio da
Igualdade, mas que são inconfundíveis. O Princípio da Igualdade defende tratamento igual
aos iguais e, desigual, aos desiguais, já o da capacidade contributiva pretende que o
contribuinte pague seus tributos de acordo com sua possibilidade econômica, tributando,
assim, com maior peso quem tem mais renda e aquele que possui menor renda teria uma
carga tributária menos intensa.
Muitos autores consideram que a capacidade contributiva é um subprincípio do Princípio da
Igualdade e dessa forma, este último é aplicável no Direito Tributário mediante a capacidade
contributiva, sendo esse um critério de discriminação. Nesse sentido anota Eduardo Sabbag
que
Atuando positivamente, na esteira da concretização da justiça
distributiva, ínsita ao postulado da capacidade contributiva, o
legislador deverá procurar criar o que Casalta Nabais denomina
―mínimo de igualdade‖, em duas perspectivas: (I) o mínimo de
igualdade como ponto de partida, que se mostra como a forma
isonômica de concessão de oportunidades ou chances, à luz do grau
de satisfação das necessidades primárias dos indivíduos
(alimentação, vestuário, habitação, saúde etc.); (II) o mínimo de
igualdade como ponto de chegada, ou seja, a própria igualdade de
resultados, dependente, sobretudo da satisfação das mencionadas
necessidades primárias. Esta última – o mínimo de igualdade como
ponto de chegada – leva-nos à inafastável demarcação conceitual
dos contornos do mínimo vital, para uma adequada análise do
postulado da capacidade contributiva, que ora se desdobra.31
1.2 CONCEITODE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
A Capacidade Contributiva pode ser conceituada de maneira simples como a capacidade do
contribuinte de arcar com o pagamento de tributos, ou seja, de suportar o ônus tributário.
A Capacidade Contributiva pode ser objetiva ou subjetiva, dentre outras classificações
existentes, sendo essa uma das classificações mais adotada. Segundo Marçal Justen Filho
a capacidade contributiva absoluta se refere à hipótese de incidência, já a relativa se liga ao
mandamento normativo.32 Com base no que afirma o renomado autor, pode-se concluir
assim que a capacidade contributiva objetiva seria aquela cuja medição da base econômica
repousa em circunstancias concretas, tais como a renda, o patrimônio, ou seja, é a aptidão
genérica para pagar tributos, por vez que a capacidade subjetiva é a efetiva capacidade de
pagar tributos de cada contribuinte, que seria aferida com auxílio da apreciação de fatores
subjetivos, como a idade, saúde, estado civil, entre outros, individualmente considerados.
1.3 TÉCNICAS DE TRIBUTAÇÃO UTILIZADAS PARA VIABILIZAR A APLICAÇÃO DA
CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
As regras utilizadas pelo legislador que instituiu o tributo para viabilizar a efetiva aplicação
do Princípio da Capacidade Contributiva são basicamente três.
31
SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 154.
JUSTEN FILHO, Marçal, Op. cit., p. 357-395.
32
14
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
A primeira delas é a seletividade, que consiste em aumentar ou diminuir a intensidade da
tributação em razão de um critério. Há no Brasil a diminuição da intensidade de tributação
em função da essencialidade do produto. Tal seletividade tem relação com a capacidade
contributiva, na maneira em que só os mais abastados consomem bens não essenciais, ao
passo que os essenciais são consumidos por todos.
A proporcionalidade é a segunda regra, na qual é estipulado um percentual que recai sobre
a base de cálculo33, pois, presume-se que as pessoas se beneficiam das atividades estatais
na proporção de suas riquezas. Conforme ensina Eduardo Sabbag
A técnica da proporcionalidade – obtida pela aplicação de uma
alíquota única sobre uma base tributável variável – é um instrumento
de justiça fiscal ―neutro‖, por meio do qual se busca realizar o
princípio da capacidade contributiva. Vale dizer que a técnica induz
que o desembolso de cada qual seja proporcional à grandeza da
expressão econômica do fato tributado.34
A progressividade é a terceira técnica, a qual segundo Hugo de Brito Machado35, se
aplicada de forma racional, pode se traduzir em uma forma mais eficaz de se atingir a
igualdade material através da tributação, cumprindo, assim, com o postulado da justiça, já
que personaliza o tributo. Assim, entende-se que progressivo é o imposto em que a alíquota
aumenta à proporção que os valores sobre os quais incide são maiores.
O objetivo da progressividade é igualar o sacrifício fiscal de todos os contribuintes, com isso,
tributando com alíquotas maiores os que podem contribuir mais. Entende-se que assim, o
Princípio da Capacidade Contributiva é realizado, o qual pretende uma tributação mais justa
e equitativa para a sociedade. Conforme Carrazza, e concordando com este, ―em nosso
sistema jurídico, todos os impostos, em princípio, devem ser progressivos. Por quê? Porque
é graças à progressividade que eles conseguem atender ao princípio da capacidade
contributiva‖.36
Apesar de considerada ideal a aplicação da progressividade ao maior número possível de
tributos, somente há expressa previsão na Carta Magna dessa técnica sobre os impostos de
renda e proventos (IR), propriedade territorial rural (ITR) e propriedade predial e territorial
urbana (IPTU).
É divergente na doutrina o entendimento da melhor técnica a ser adotada, pois essa escolha
deve ser feita de acordo com as necessidades de cada país, levando-se em consideração a
economia adotada, a cultura existente e a situação econômica dos contribuintes. Assim, ao
se estabelecer uma política fiscal, devem ser analisados vários pontos para que seja
garantido um sistema justo e eficiente.
1.4 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA COMO PRINCÍPIO
As normas jurídicas que compõe o direito são veiculadas através de princípios, que servem
de balizamento para a interpretação e integração de todo o setor do ordenamento em que
se radicam. A Constituição é composta por diversos princípios, que, nas palavras de Daniel
Sarmento, representam o fio-condutor da hermenêutica jurídica37.
Dentro dos princípios constitucionais, há os que tratam especificamente do Direito Tributário,
sendo que o Princípio da Capacidade Contributiva, que contém carga axiológica por ter
como fundamentos a justiça e a igualdade, trata de princípio tributário constitucionalizado, já
que se encontra expresso no art. 145, §1º, da Carta Magna.
33
Base de Cálculo corresponde à grandeza econômica sobre a qual se aplica a alíquota (percentual ou valor fixo) para calcular
a quantia a pagar.
34
SABBAG, Eduardo. Op. cit., p.179.
35
MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., p. 87.
36
CARRAZA, Roque Antônio. Op. cit., p. 112.
37
SARMENTO, Daniel. Op. cit., p.55.
15
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Diante do que foi acima exposto, tem-se claro que a capacidade contributiva é um princípio
jurídico que irradia seus efeitos no Direito Tributário, que impede a tributação que venha a
ferir os direitos e garantias do contribuinte.
Mesmo em sistemas onde a capacidade contributiva não é elevada a categoria de princípio,
ressalta-se que deve ser a mesma observada como um princípio de justiça, pois o fim da
norma tributária não é cobrar imposto onde não há capacidade contributiva. No sentido do
que foi exposto acima, ensina Luciano Amaro que
O princÍpio da capacidade contributiva inspira-se na ordem natural
das coisas: onde não houver riqueza é inútil instituir imposto, do
mesmo modo que em terra seca não adianta abrir poço à busca de
água. Porém, na formulação jurídica do princípio, não se quer
apenas preservar a eficácia da lei de incidência (no sentido de que
esta não caia no vazio, por falta de riqueza que suporte o imposto);
além disso quer-se preservar o contribuinte, buscando evitar que
uma tributação excessiva (inadequada à sua capacidade
contributiva) comprometa os seus meios de subsistência, ou o livre
exercício de sua profissão, ou a livre exploração de sua empresa, ou
o exercício de outros direitos fundamentais, já que tudo isso relativiza
sua capacidade econômica.
[...]
A capacidade econômica corresponde à"real possibilidade de
diminuir-se patrimonialmente, sem destruir-se e sem perder a
possibilidade de persistir gerando a riqueza de lastro à tributação".38
1.5 O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA
DO BRASIL
O art. 145 da Constituição Federal de 1988, em seu parágrafo primeiro, é o único dispositivo
da Carta Magna que remete à capacidade contributiva:
Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão
graduados
segundo a capacidade econômica39 do contribuinte, facultando à
administração tributária, especialmente para conferir efetividade a
esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos
termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades
econômicas do contribuinte.
Apesar de a Constituição reportar-se ao princípio em questão apenas neste artigo, não
significa que o mesmo só encontre respaldo no mesmo, pois são vários os dispositivos
constitucionais que se valem do referido princípio, como encontramos, por exemplo, nos
artigos 153, 155 e 156 da CF, que; ao indicarem a aptidão de contribuir, gerando a
obrigação de pagar impostos, trazem à tona a noção de capacidade contributiva.
Surge uma discussão doutrinária em relação às expressões ―sempre que possível‖ e
―caráter pessoal‖ que contam no dispositivo supramencionado. A maior parte dos
doutrinadores e a jurisprudência concorda que tal expressão diz respeito apenas ao caráter
pessoal dos impostos, não se aplicando à capacidade econômica. Nessa mesma orientação
Hugo de Brito Machado anota que
38
39
AMARO, Luciano. Op. cit., p. 162.
O dispositivo se utiliza do termo capacidade econômica, porém vale dizer que embora a doutrina aponte diferenças quanto
aos dois termos, a ampla maioria doutrinária defende que devem ser reputados como sinônimos.
16
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Realmente, a expressão sempre que possível diz respeito apenas à
atribuição de caráter pessoal aos impostos. Não à graduação destes
segundo a capacidade econômica dos contribuintes. Além do
argumento de Silva Martins, que é, sem dúvida, de grande valia,
pode-se dizer que o elemento sistemático realmente conduz a tal
entendimento, pela razão, aliás muito simples, de que sempre é
possível graduar os impostos segundo a capacidade econômica do
contribuinte, Assim, e tendo em vista que nem sempre é possível
atribuir-se caráter pessoal aos impostos, o entendimento da
prescrição constitucional em exame outro não pode ser.
[...]
Por isto não temos dúvida em afirmar que o sentido da cláusula
sempre que possível, contida no art. 145, par. 1°, da Constituição
Federal, é o de permitir a existência de impostos sem caráter
pessoal, e não o de permitir imposto que não seja graduado segundo
a capacidade econômica do contribuinte.40
O entendimento contrário, de que tanto o caráter pessoal, quanto a graduação de acordo
com a capacidade contributiva seriam facultativas, levaria a uma interpretação que dá ao
legislador a opção de observar ou não o princípio da capacidade contributiva na elaboração
das leis; pois tal entendimento retira completamente a efetividade da capacidade
contributiva, a qual é uma garantia individual. Seguindo tal entendimento temos Luciano
Amaro, que anota que
Por isso, sempre que possível - como diz a constituição - o imposto
deve levar em consideração a capacidade econômica do
contribuinte. A expressão "sempre que possível" cabe como ressalva
tanto para a personalização como para a capacidade contributiva.
Dependendo das características de cada imposto, ou da necessidade
de utilizar o imposto com finalidades extrafiscais, esses princípios
podem ser excepcionados.41
Também a capacidade contributiva é aplicada a qualquer imposto, seja real ou pessoal,
direto ou indireto. A expressão ―caráter pessoal‖ utilizada pela lei, segundo Regina Helena
Costa, ―está condicionada à viabilidade jurídica de ser considerada a situação individual do
sujeito passivo numa dada hipótese de incidência tributária.‖42
2. PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E SUA RELAÇÃO COM A
TRIBUTAÇÃO
Vencidos os contornos materiais acerca da capacidade contributiva, parte-se para a análise
da aplicação de tal como princípio no que tange a tributação.
Tendo em vista que a tributação é necessária, constituindo dever fundamental, pois o
Estado encontra recursos por meio da população para assegurar direitos fundamentais, temse que a carga tributária de um sistema de determinado Estado varia de acordo com a
maneira em que este intervém na economia. Assim, quanto mais intervencionista for um
Estado, maior é a carga tributária, para que tal intervenção possa ser sustentada, e do
contrário, quanto mais liberal, menor é a necessidade de obter recursos.
O recolhimento de tributos pelos Estados pode ter finalidade de captar recursou também de
desenvolver um cunho extrafiscal. Porém, para que tal dever seja exercido pelo contribuinte
é necessário que essa cobrança observe limites de forma que não venha a ser um obstáculo
para o cidadão.
40
MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., p. 125-126.
AMARO, Luciano. Op. cit., p. 162.
42
COSTA, Regina Helena. Op. cit., p. 88.
41
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COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Quando intervém na economia, a tributação pode atingir vários efeitos, como, por exemplo,
reduzir o preço de determinado produto para estimular a compra, ou então pode facilitar a
importação de determinado produto tornando mais interessante importar do que produzir no
mercado interno. Tais formas de tributação podem diminuir ou melhorar o crescimento
econômico de determinado país. Acredita-se coerente a ideia de Richard Posner a respeito
do que seria um tributo ótimo, o qual reuniria características como a) ter uma grande base
de cálculo; b) tributar atividades de demanda inelástica, onde os efeitos da substituição são
mínimos; c) procurar observar a igualdade e a justiça; d) não ter custo elevado de
administração.
Finalmente, após o todo exposto acima, pode-se dizer que a tributação possui forte e direto
impacto na economia de um país, devendo ser eleita de forma a garantir os direitos
individuais; observando os limites trazidos pela capacidade contributiva, que proporcionará
um sistema tributário que vêm a respeitar a igualdade e a justiça. Sobre o assunto, vale
destacar a brilhante reflexão de Sabbag
A busca da justiça avoca a noção de equidade na tributação. Esta,
na visão dos economistas, liga-se ao modo como os recursos são
distribuídos pela sociedade, desdobrando-se em duas dimensões: (I)
na equidade horizontal, em que deve haver o tratamento igual dos
indivíduos considerados iguais, e (II) na equidade vertical, com o
tratamento desigual aos indivíduos considerados desiguais.43
2.1 LIMITES A TRIBUTAÇÃO PELO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
O Princípio da Capacidade Contributiva como freio à tributação origina dois limitadores: o
mínimo existencial ou vital (ou limite inferior) e a não utilização do tributo com fins de
confisco (limite superior).
Fere a capacidade contributiva aquele tributo que incide sobre o mínimo vital44, ou seja, os
recursos destinados a garantir as necessidades fundamentais para a sobrevivência.
Sabbag, sobre o assunto, aponta que
Em nossa Carta Magna, o inciso IV do art. 7º, ao disciplinar os itens
que compõem o salário mínimo, parece ofertar parâmetros para a
fixação do mínimo existencial.
Entretanto, diante da ausência de normas constitucionais específicas
sobre este importante plano de delimitação, entendemos que
compete ao legislador traçar parâmetros que sigam, em dada base
territorial, o padrão socialmente aceito para a definição das
necessidades fundamentais mínimas do cidadão.45
Em relação ao outro limitador, o artigo 150, inciso IV da Constituição Federal de 1988, veda
expressamente a utilização de tributos com efeitos confiscatórios. Tributos Confiscatórios
são, para Aliomar Baleeiro, ―os que absorvem parte considerável do valor da propriedade,
aniquilam a empresa ou impedem o exercício de atividade lícita e moral‖.46 Ainda nesse
sentido, Carrazza traz à baila seu entendimento
Neste passo, o tributo com efeito de confisco pressupõe a tributação
excessiva ou antieconômica, isto é, aquela tributação que imprime à
exação conotações confiscatórias, esgotando a riqueza tributável dos
43
SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 152.
O mínimo vital varia de acordo com o conceito de necessidades básicas. Dar-se-á pelas necessidades fundamentais que
uma sociedade reputa ao indivíduo e sua família. Ricardo Lobo Torres sugere que os índices de qualidade de vida
divulgados pela ONU podem servir, também, para definição do que pode ser considerado mínimo existencial.
45
SABAGG, Eduardo. Op. cit., p. 154.
46
BALEEIRO, Aliomar, Op. cit., p. 564.
44
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contribuintes, em evidente menoscabo de
contributiva e de seu direito de propriedade.47
sua
capacidade
É limite superior ao princípio da capacidade contributiva o princípio de vedação ao confisco,
pois existe até o momento em que o tributo passa a ferir o direito de propriedade,
assegurado no art. 5º, XXII c/c §1º CF; ou a impedir o exercício de atividade profissional,
que também é direito e garantia fundamental, nos termos do art. 5º, XII c/c §1º da CF.
2.2 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
O Princípio da Capacidade Contributiva, que como já mencionado, vem expressamente
elencado no §1º do art. 145 da Constituição Federal da República Federativa do Brasil,
dispõe que ―os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade
econômica do contribuinte (...)‖. Note-se que apesar do referido dispositivo se referir aos
―impostos‖, o princípio em questão não se aplica somente a estes, pois não se pode afastar
o referido princípio dos demais tributos. Nessa direção, ensina Fábio De Oliveira que
É inegável que a maior amplitude da aplicação do princípio se dá no
campo dos impostos, por se tratarem de tributos desvinculados de
quaisquer prestações específicas em relação aos contribuintes. Mas
isso não afasta a aplicabilidade obrigatória do princípio às demais
espécies tributárias, uma vez que todas elas buscam retirar recursos
econômicos do particular para os cofres públicos e, portando sujeitas
aos princípios da legalidade, da tipicidade e da isonomia, que estão
intimamente ligados à capacidade contributiva.48
Ainda sobre o assunto, no mesmo sentido anota Eduardo Marcial Ferreira Jardim
Entendemos, realmente, que esse primado constitucional é aplicável
a todos os tributos, pois em nenhum momento o legislador poderá
fazer tábua rasa da capacidade contributiva. Ademais, assinalamos,
insistindo, que a capacidade contributiva deve também permear
todos os tributos, pois, em se tratando de taxas, contribuições e
empréstimos compulsórios, a hipótese de incidência não é atividade
estatal em si, mas a conduta particular a ela correspondente.49
2.3 TRIBUTAÇÃO EXTRAFISCAL E O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
A tributação extrafiscal, como o próprio nome já diz, é aquela que não possui a função de
captar recursos. Os instrumentos tributários são usados na extrafiscalidade, não para a
arrecadação, mas sim com a finalidade de atingir outros valores constitucionais, induzindo
ou coibindo comportamentos para tanto. Anota Sabbag que ―a extrafiscalidade tem assim se
revelado um poderoso expediente a serviço do Estado, quer quando pretende inibir
condutas indesejáveis, quer quando almeja estimular comportamentos salutares‖50.
A questão a ser analisada neste ponto é se a extrafiscalidade está de acordo com o
princípio da capacidade contributiva, assunto esse que gera divergência na doutrina, sendo
que em sua maioria defende haver compatibilidade. Sabbag, que defende a coerência entre
o princípio da capacidade contributiva e a extrafiscalidade, dispõe em sua obra que
É louvável a aproximação de tais postulados, porquanto a tributação
extrafiscal deve guardar correspondência com a riqueza tributável do
47
CARRAZZA, Roque Antônio. Op. cit., p. 198.
48
OLIVEIRA, Fábio Leopoldo de. Op. cit., p. 230-231.
JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Op. cit., p. 205.
50
SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 155.
49
19
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
contribuinte, além de se limitar aos contornos estabelecidos pelo
mínimo vital, anteriormente estudado.
Em outras palavras, o viés extrafiscal há de rimar, em harmônica
convivência, com as diretrizes principiológicas oriundas do texto
constitucional, obtendo-se, assim, sua certificação de legitimidade.
Posto isso, a capacidade contributiva dará lugar à extrafiscalidade se
os fins indutores, almejados pelo legislador, estiverem amparados
pela Carta Magna, sem prejuízo da necessária razoabilidade, que
deve orientar a distinção perpetrada, como se notou no trecho
extraído da ementa do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento
n. 142.348-1, relatado pelo Ministro Celso de Mello, no STF: ―(...) a
concessão desse benefício isencional traduz ato discricionário que,
fundado em juízo de conveniência e oportunidade do Poder Público,
destina-se, a partir de critérios racionais, lógicos e impessoais
estabelecidos de modo legítimo em norma legal, a implementar
objetivos estatais nitidamente qualificados pela nota da
extrafiscalidade (...)‖.
Para nós, há de haver a convivência harmônica entre a capacidade
contributiva e a tributação extrafiscal. Temos dito que se buscando a
extrafiscalidade, atenuado deverá estar o princípio da capacidade
contributiva, o que evidencia que o postulado da capacidade
contributiva deverá ceder passo em face do predominante interesse
extrafiscal.51
3. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS
O objeto de estudo do presente artigo é a capacidade contributiva no sistema constitucional
brasileiro, buscando verificar se tal princípio encontra-se relacionado com direito
fundamental do homem.
Em toda sociedade, conforme relata Hedley Bull, tem-se o reconhecimento de três pontos
fundamentais: ―garantir que a vida seja protegida de forma a evitar violências que levem à
morte ou a danos corporais; garantis o cumprimento das promessas feitas e a
implementação dos acordos celebrados; e garantir a possa estável das coisas, sem que
esta esteja sujeita a riscos constantes e ilimitados‖52. Tem-se que para tanto, o Estado
precisa intervir na liberdade do indivíduo, mas não de maneira a feri-la, mas apenas na
medida em que busca realizar os objetivos para os quais foi criado, sendo a tributação uma
maneira pela qual se assegura a implementação dessas finalidades, as quais devem
observar os direitos fundamentais e da pessoa humana, que encontram respaldo
constitucional.
Tanto os direitos fundamentais, quando os direitos da pessoa humana, encontram o mesmo
histórico, podendo-se afirmar que aqueles primeiros são uma positivação dos direitos
humanos no direito internacional, já que os direitos do homem são apenas direitos naturais e
não positivados e tendo em vista sua fundamental importância devem ser
internacionalizados.
Após um longo processo histórico no qual foram reconhecidos os direitos humanos e
fundamentais, contatou-se que nem sempre o tratamento igual é o ideal, pelo grande
número de pessoas em condições de vida divergentes. Sendo assim, a igualdade formal,
que exigia uma atuação negativa do Estado a fim de não interferir na liberdade do indivíduo,
acaba por agravar ainda mais o quadro de desigualdade. É então que surge outra dimensão
dos direitos humanos e fundamentais, que vem marcada pela Declaração Universal de
Direitos Humanos, de 1948, a qual protege os direitos que ultrapassam a esfera do indivíduo
e abrangem o todo.
51
52
SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 157.
BULL, Hedley. Op. cit., p. 9.
20
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Não há menção expressa ao Princípio da Capacidade Contributiva na Declaração Universal
dos Direitos Humanos, todavia, de uma combinação de artigos, nota-se a presente
observação da justiça e igualdade entre os indivíduos, os quais são protegidos pela
capacidade contributiva. Interessante anotar alguns desses artigos
Art. I. Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e
direitos. São
dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às
outras com espírito de fraternidade.
Art. II.
1.Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades
estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie,
seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra
natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou
qualquer outra condição.
2. Não será tampouco feita nenhuma distinção fundada na condição
política,
jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma
pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem
governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.
[...]
Art. VI. Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares,
reconhecida
como pessoa perante a lei.
Art. VII. Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer
distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito igual a proteção
contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e
contra qualquer incitamento a tal discriminação.
[...]
Art. XVII.
1. Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com
outros.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.
[...]
Art. XXII. Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à
segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela
cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos
de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais
indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua
personalidade.
[...]
Art. XXVIII. Toda pessoa tem direito a uma ordem social e
internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na
presente Declaração possam ser plenamente realizados.
Tendo em vista a exposição dos acima, tem-se que a capacidade contributiva é um direito
humano implícito, que pode ser extraído da Declaração Universal de Direitos do Humanos,
de 1948, uma vez que o mínimo existencial sempre deve ser preservado.
A garantia da dignidade da pessoa humana possui também um
significado principiológico: define objetivos a serem realizados pelo
Estado. A Constituição define este objetivo: "Respeitá-la e protegê-la
é a obrigação de todas as autoridades públicas." Como princípio
constitucional, a proteção da dignidade da pessoa humana se
reveste de importância, sobretudo na interpretação de outras normas
21
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
da constituição ou da legislação ordinária, no sentido de que toda e
qualquer norma deve ser interpretada de modo a que o resultado da
interpretação esteja em consonância ótima com a garantia da
dignidade humana (princípio enquanto decisão valorativa objetiva
com função explicativa). Nesse sentido, a dignidade humana se torna
a chave de uma construção e interpretação materiais do sistema
constitucional. Trata-se nessa acepção, de implementar a coerência
substancial do sistema jurídico, partindo da dignidade humana e a
ela retornando. Havendo várias possibilidades de conferir sentido, o
intérprete deverá dar prioridade àquela que está mais em
conformidade com o princípio da dignidade humana. Cada norma
jurídica deve orientar-se, no seu conteúdo, pela dignidade humana,
de modo que toda e qualquer solução está tão mais bem
fundamentada quanto mais intensamente (ou proximamente) a
dignidade humana endossá-la ou quando mais longas forem as
cadeias de fundamentação pertencentes a um sistema.53
Cabe, por fim, ressaltar que a liberdade é um dos mais fundamentais direitos humanos,
sendo que o poder de tributar nasce do espaço aberto na esfera da liberdade do cidadão, o
qual é uma prerrogativa do Estado que garante a existência desse mesmo, podendo então
honrar com seus compromissos pela arrecadação dos tributos. Assim, a tributação, mesmo
que retire parcela da liberdade do individuo, é fundamental para a preservação dos valores
do mesmo na sociedade. Tendo isso em vista, como os valores do indivíduo na sociedade
são os direitos fundamentais, deve o poder de tributar se compatibilizar com estes.
Nessa trilha, o Princípio da Capacidade Contributiva é um dos instrumentos pelos quais os
direitos humanos se apresentam no campo do direito tributário, na medida em que o Estado,
como já foi amplamente discutido no decorrer do trabalho, não pode tributar o mínimo vital.
Sobre este assunto, Ricardo Lobo Torres anota que ―o poder de tributar nasce no espaço
aberto pelos direitos humanos e por eles é totalmente limitado. O Estado exerce o seu poder
tributário sob a permanente limitação dos direitos fundamentais e suas garantias
constitucionais‖54
CONCLUSÃO
Pode-se concluir por este breve estudo inegável ligação entre os preceitos trazidos pela
Constituição Federal, preceitos estes que são pautados nos direitos fundamentais
assegurados a pessoa humana, e o princípio objeto de estudo, que é o da capacidade
contributiva.
Como anotado, tem-se na tributação uma maneira do Estado garantir o adimplemento das
finalidades a ele atribuídas, de forma que tais atribuições estatais acabam por ser uma
barreira à liberdade plena do indivíduo; encontrando-se na capacidade contributiva uma
ferramenta para impedir que o Estado venha a intervir na propriedade do indivíduo, alvo
principal de tributação, sem nenhum limite para tanto. Nesse patamar, é o Princípio da
Capacidade Contributiva, um meio de se buscar o máximo de igualdade entre os indivíduos
de uma determinada sociedade, sem ferir o mínimo existencial, do qual uma pessoa
prescinde para sobreviver de maneira digna.
Apesar da existente divergência na doutrina, da qual uma menor parte considera que a
capacidade contributiva não é um princípio, é pacífico o entendimento de que as normas
constitucionais levam ao atendimento da capacidade contributiva, devendo o legislador; no
exercício constitucional de suas competências tributárias, editar normas que não estejam
acima do ―mínimo vital‖ necessário a sobrevivência digna.
53
54
ÁVILA, Humberto. Op. cit., p. 501-502.
TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., p. 13.
22
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Desse modo, tem-se claro que a justiça, igualdade e a própria capacidade contributiva
podem ser considerados direitos humanos, já que são ideais do homem, sendo ainda
dotados de universalidade e inviolabilidade.
Ao final do artigo, tem-se que um Estado que busca alcançar seus objetivos, respeitando as
garantias fundamentais do cidadão, exerce uma tributação através da justiça fiscal, a qual é
encontrada através do Princípio da Capacidade Contributiva.
REFERÊNCIAS
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ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. Prêmio de melhor livro do ano de
2004 pela Academia Brasileira de Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
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Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituiçao/constitui%C3%A7ao.html>,
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Estado, 1992.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 25. ed. São
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COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 3. ed. São Paulo: Editora
Malheiros, 1998.
FILHO, Santana; HENRIQUE, José. O Princípio da Capacidade Contributiva à Luz dos
Direitos Humanos. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13709/o-principio-dacapacidade-contributiva-a-luz-dos-direitos-humanos/2>, acesso em: 10.10.2012.
JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de Direito Financeiro e Tributário. 8. ed. São
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JUSTEN FILHO, Marçal. Capacidade Contributiva. Caderno de Pesquisas Tributárias. São
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MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 25. ed. São Paulo: Editora
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NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Ética Tributária e Cidadania Fiscal. Revista de
Estudos Tributários. São Paulo, n. 27, 20012.
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário.3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.
SANCHES, Marcelo Elias. A teoria da Imposição Tributária e a Teoria da Justiça.
Revista dos Tribunais: Caderno de Direito Tributário e Finanças Públicas. São Paulo, n. 25,
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SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. 2. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2002.
TORRES, Ricardo Lobo. Direitos Humanos e a Tributação. Rio de Janeiro: Renovar,
1996.
23
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
PRINCÍPIO DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA E DIREITO À IGUALDADE
ANA MARIA OSTROVSKI SIMONATTO55
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
RESUMO
O tratamento igualitário entre cidadãos e contribuintes é um tema sempre presente nas
discussões acerca do direito fundamental à igualdade. A tributação é uma atividade
essencial ao Estado para que promova o bem comum e cumpra suas finalidades, sendo
necessário, entretanto, que sejam estabelecidas normas e princípios a fim de limitar o poder
de tributar do Estado, para a proteção dos cidadãos e as garantias individuais. Nessa
direção encontra-se a atuação dos Princípios Constitucionais e Tributários. O princípio da
igualdade em pauta estabelece o tratamento igual, sem distinção entre todos perante a lei,
vedando o tratamento discriminatório ou diferenciado não justificado. Para tanto, o Direito
Tributário prevê extensões deste princípio assegurando um tributar justo e igual entre todos
os contribuintes à medida de suas igualdades e equivalências.
PALAVRAS-CHAVE: Igualdade. Dignidade. Isonomia.
PRINCIPLE OF TAX ISONOMY AND RIGHT TO EQUALITY
ABSTRACT: The equal treatment of citizens and taxpayers is an ever-present theme in
discussions about the fundamental right to equality. Taxation is an essential activity so the
State will promote the common well and to fulfills its purpose, however, it is necessary to be
established rules and principles to limit the taxing power of the State to protect citizens and
individual garantees. In this direction, we can find the work of the Constitutional and Tax
Principles. The principle of equality on the agenda establishes equal treatment irrespective of
all before the law, prohibiting discriminatory treatment or unwarranted difference. For this, the
tax law provides extensions of this principle ensuring a fair and equal tax among all
taxpayers as their equalities and equivalences.
KEYWORDS: Equality, dignity, isonomy.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal em seu Título II dispõe sobre o gênero ―direitos e garantias
fundamentais‖ trazendo primordialmente os direitos individuais e coletivos, tais como: o
direito à vida; o princípio da legalidade; a liberdade de manifestação de pensamento, entre
outros. Dentre os direitos supracitados encontra-se o objetivo deste artigo, mais do que um
princípio, o direito à Igualdade. Consagrado no artigo 5º, caput da CF/88, o princípio da
igualdade estabelece serem todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
Desta forma, não somente em sua formalidade, mas também materialmente a igualdade
consiste no eterno idealismo de tratamento igual aos iguais, e desigual aos desiguais à
medida de suas desigualdades. A igualdade é considerada por muitos o mais importante
princípio de quantos nosso ordenamento constitucional alberga, decorrendo no fato de o
mesmo ser levado em conta na interpretação de todos os demais princípios.
55
Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil. E-mail: [email protected]
24
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
O tratamento justo e igualitário ultrapassa os campos do ilustre Direito Constitucional, tendo
grande importância nos liames do direito tributário, que, assim como as outras disciplinas do
direito, é cercado de diversos princípios, tal qual o princípio da isonomia tributária, ou
tratamento isonômico; que tem suas raízes na igualdade quando o artigo 150, inciso II
(CF/88), veda a instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em
situação equivalente, proibida qualquer distinção entre os mesmos, demonstrando a
extensão dos efeitos do princípio trazido por este trabalho a todas as normas constitucionais
e jurídicas.
O tema escolhido a ser posto em pauta visa a demonstração da correlação de tão grandioso
princípio frente à igualdade na lei tributária, que, se contrariada, apresenta consequente
interdição da arbitrariedade acerca do mesmo.
1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS
Lei fundamental e suprema do Estado, a Constituição outorgada no dia 05 de Outubro de
1988 representou a redemocratização do país e ainda, a legitimidade popular do povo
brasileiro com a declaração e consagração de direitos fundamentais de maneira nunca vista
nas que a antecederam.
Encimando a pirâmide jurídica, a Carta Magna traz diversos princípios que influenciam, de
modo especial, no significado, conteúdo e alcance das normas tributárias. O sistema jurídico
do Estado de Direito democrático português, ao qual se refere Canotilho (1993, p. 1159.), é
um sistema normativo aberto de regras e princípios, com um sistema dinâmico de normas
que podem revelar-se sobre forma de princípios como sob a forma de regras. Tais princípios
são normas com grau de abstração relativamente elevado que constituem a ratio das regras
jurídicas, carecendo de mediações concretizadoras por seu grau de indeterminação.
Em matéria tributária os princípios constituem as bases e determinam as estruturas em que
se assentam institutos e normas jurídicas do direito tributário. Estes se encontram relatados
na Constituição Federal de 1988, no Título VI, da Tributação e do Orçamento, Capítulo I, do
Sistema Tributário, Seção II, das limitações ao poder de tributar.
A função destes princípios é a mecanização da defesa do contribuinte frente à voracidade
do Estado, a tradução, reafirmação, expansão e garantia dos direitos fundamentais e do
regime federal, sendo, portanto, considerados cláusulas constitucionais perenes,
insuprimíveis.
Se ―todos são iguais perante a lei‖, não é possível a esta reservar tratamento fiscal diverso a
indivíduos que se encontrem em igualdade de condições, não sendo toleráveis
discriminações nem isenções que não correspondam a critérios razoáveis e compatíveis
com o sistema da Constituição.
A igualdade e seus corolários (a capacidade contributiva, a pessoalidade, a vedação do
confisco) são princípios expressos e integrantes dos direitos e garantias fundamentais do
cidadão contribuinte, sendo assim, são autoaplicáveis, efetivos e voltados à concretização
do Estado Democrático de Direito, tendo no Poder Judiciário, não apenas o legislador
negativo, mas também o legislador positivo-supletivo, todas as vezes em que houver
omissão do Poder Legislativo que acarrete no comprometimento da plenitude de seu
exercício.
2. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A Constituição Brasileira visa assegurar uma série de direitos à pessoa humana, expressos
em direitos fundamentais, demonstrando forte anseio social, sendo um dos fundamentos do
Estado Democrático de direito. Esta não é apenas uma criação do legislador constituinte,
mas também uma das bases da República Federativa do Brasil, tornando-se um valor
supremo da ordem jurídica, política, social, econômica e cultural que abrange todo o
conteúdo dos direitos fundamentais.
Este princípio deve servir de diretriz tanto para o poder legisferante, como para a
Administração (em sua política econômica e social), como também para a força judicante
25
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que, ao vestígio da possibilidade de violação do citado princípio deve interferir na forma de
inibi-la, por seu caráter no mínimo inviolável.
A preservação da dignidade da pessoa humana deve nortear todo e qualquer princípio, uma
vez que resguarda a igualdade entre os membros da sociedade, impedindo qualquer
tratamento desumano, degradante ou limitador de seu desenvolvimento.
Em razão da imposição constitucional e à luz dos Direitos Humanos, não há como ser aceita
a tributação de contribuinte que depende de um mínimo vital para sua sobrevivência ou para
o desenvolvimento de suas necessidades básicas. Deve, portanto, o aplicador do Direito,
quando diante do caso concreto, estudar valores que preconizem a tributação justa e
humanitária.
3. A IGUALDADE E SUA RELAÇÃO COM A JUSTIÇA
Desde os primórdios da humanidade, a igualdade está plenamente vinculada à justiça.
Apesar de o princípio da igualdade exigir o mesmo tratamento para pessoas iguais, o ponto
crítico é descobrir o que é igual, que aspectos devem ser relevantes ou não, uma vez que
todo conceito concreto de igualdade constitui uma concepção particular do mundo e deriva
da realidade vivida por cada um.
Na época de Aristóteles, por exemplo, o justo ou o igual do ponto de vista político acarretaria
na exclusão de mulheres, crianças, bárbaros e escravos. No medievo, a nobreza e o clero
encontravam-se em patamar superior aos demais, fazendo valer a igualdade e justiça
apenas para si. Com a revolução francesa, os regimes democráticos concebiam a igualdade
como a rejeição de todo privilégio e discriminação entre os cidadãos. Com tudo isso, é
perceptível que a igualdade vista em sentido concreto traz grandes divergências que
envolvem, sobretudo, posturas ideológicas, políticas e sociais. Não poderia haver igualdade
parcelada, justiça destinada apenas a uns e outros, pois a Constituição integra aos cidadãos
em um todo harmônico e indistinguível. Por isso mesmo, generalidade, capacidade
contributiva e outros valores transcritos na política econômica e social brasileira são
desdobramentos de um único princípio, a igualdade. E é pelo contraste entre o tratamento
justo ou injusto que se presencia a igualdade ou a desigualdade.
Sabe-se que as pessoas possuem individualidades quanto ao sexo, à raça, a idade,
convicções políticas, crenças religiosas, além de inúmeros outros fatores podem distinguir
um cidadão por cidadão. Com isso, levar-se-á em conta cada fator para o efetivo tratamento
igualitário entre os cidadãos no âmbito constitucional.
Sendo assim, quando a lei trata de forma desigual um conjunto de pessoas, faz-se
extremamente necessário, a existência de uma razoável justificativa que explique os motivos
de tal discriminação, assim como a finalidade deste tratamento.
4. IGUALDADE NO DIREITO TRIBUTÁRIO
A doutrina brasileira nunca ocultou a dificuldade e a cautela com a qual devem ser
manuseadas as diferenças entre os contribuintes, quer para beneficiar (com isenções,
reduções de tributos e imunidades), quer para agravar o tributo. Sendo assim, o princípio da
igualdade é um dos pilares que sustenta os ideais democráticos constitucionais e tributários.
O artigo 145, § 1º (CF/88) traz a primeira grande proibição na distinção entre iguais
especificamente no direito tributário. Assegura-se a pessoalidade e a graduação segundo a
capacidade econômica, vedando a distinção entre aqueles que demonstrem possuir as
mesmas forças econômicas. Esta norma refere-se especialmente à espécie tributária
imposto, que pode ter caráter real ou pessoal e está intimamente ligado ao princípio da
igualdade tributária trazida pelo artigo 150, II (que logo será abordado); justamente em
virtude de possibilitar a gradação da carga tributária sobre o contribuinte em função da sua
capacidade de contribuição. É a materialização da promoção da justiça fiscal, sendo
discriminatória a ideia de que todos deveriam pagar o mesmo tributo, uma vez que deve
haver igualdade no sentido da proporcionalidade fazendo valer o Sistema de Justiça Social.
26
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Já o princípio da generalidade, do artigo 150, II (CF/88), traz a proibição da distinção entre
os contribuintes em situação econômica equivalente, coibindo a consideração da ocupação
profissional ou da função exercida como critério para a concessão de favores ou privilégios,
bem como para o agravamento de seus deveres fiscais.
Pressupõe-se, por este princípio, que o Estado, como ente tributante, deve aplicar o tributo
uniformemente em toda sua circunscrição, sendo vedado o tratamento diferenciado a
contribuintes que se encontrem na mesma situação. Esta interpretação formalista do
princípio da igualdade é dirigida, em especial, ao legislador e aplicador da lei, não podendo
fazer distinção quanto ao destinatário da norma tributária.
Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua obra O Conteúdo Jurídico do Princípio da
Igualdade (2002, p. 47), lista os critérios que identificam o desrespeito à isonomia, quando:
I - A norma singulariza atual e definitivamente um destinatário
determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou
uma pessoa futura e indeterminada;
II – A norma adota como critério discriminador, para fins de
diferenciação de regimes, elemento não-residente nos fatos,
situações ou pessoas por tal modo desequiparadas. (...);
III – A norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção a
fator de discrímen dotado, que, entretanto, não guarda relação de
pertinência lógica com a disparidade de regimes outorgados;
IV – A norma supõe relação de pertinência lógica existente em
abstrato, mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos
contrapostos ou de qualquer modo dissonantes dos interesses
prestigiados constitucionalmente;
V – A interpretação da norma extrai dela distinções, discrímens,
desequiparações que não foram professadamente assumidas por ela
de modo claro, ainda que por via implícita.
Desta sorte, o legislador fica proibido de distinguir entre iguais, considerando a Constituição:
iguais, àqueles contribuintes de mesma capacidade econômica, sendo irrelevantes a raça, a
cor, a origem, o sexo e quaisquer outras diferenças preconceituosas, assim como a
ocupação profissional ou a função exercida e também as pessoas políticas da Federação.
O grande critério de comparação que direciona as normas, especialmente as relativas a
impostos, a capacidade econômica, se encontra expressa no artigo 145, § 1º (CF/88). O
tributo é um dever de caráter econômico e patrimonial, sendo que, em regra, deve ser
idêntico para todos e importa em sacrifício igual a todos os cidadãos. A capacidade
econômica se define após a dedução dos gastos necessários à aquisição, produção e
manutenção de renda e do patrimônio, assim como o mínimo essencial a uma existência
digna (nota-se novamente o princípio da dignidade humana) para o contribuinte e sua
família. Sendo assim, se é objetivo fundamental da República Federativa Brasileira
―construir uma sociedade livre, justa e solidária‖, assim como ―promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação‖56, a justiça, a igualdade e a dignidade da pessoa humana devem estar
sempre aliadas no propósito de construir uma sociedade democrática.
5. O TRATAMENTO DESIGUAL AOS QUE SE ENCONTRAM EM DESIGUALDADE
Conforme fora supracitado anteriormente, o artigo 150, II, da Constituição da República
veda a instituição de ―tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação
equivalente‖, havendo, portanto, a exigência de tratamento igual aos iguais.
56
Grifo nosso.
27
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No entanto, este preceito não exclui o outro viés da isonomia (o tratamento desigual aos que
estejam em situações diversas, na medida de sua desigualdade), que consagra-se pelo
artigo subsequente ao ressalvar, do alcance do mandamento de instituição de tributos
federais uniformes no território nacional, a possibilidade de serem concedidos incentivos
ficais com o propósito de promover o ―equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre
as diferentes regiões do País.
A grande questão reside na identificação de qual é, com exatidão, a desigualdade que
obriga o tratamento diferenciado entre os contribuintes que não se encontrem em situação
idêntica. Tem-se como resposta, o estabelecimento do critério de discrímen57, para que seja
feita orientação e concretização de sua exigência de trato diferenciado, assim como a via de
isenções ou de incidência tributária menos onerosa; nas situações que exponham ausência
de capacidade contributiva ou que mereçam tratamento fiscal compatível com a distinção
verificada na questão da expressão econômica, por meio de diversas técnicas de incidência
de alíquotas.
Não ofende o princípio a aplicação progressiva do tributo conforme a capacidade
contributiva de cada um, pois é a realização efetiva da igualdade onde aquele que tem
capacidade contributiva dispõe maior capital.
CONCLUSÃO
A partir do todo abordado neste estudo, conclui-se que a isonomia oferece segurança diante
das práticas arbitrárias da Administração, obstaculizando o legislador na adoção de critérios
casuísticos e opções políticas no tratamento normativo de situações equivalentes, que o
levem a promover discriminação entre contribuintes que se encontrem em situação
equivalente.
Ainda que a atividade tributária seja essencial ao funcionamento e à própria existência do
Estado, seu poder de tributar deve ser regulado e delimitado através de normas e princípios
que visam à limitação deste poder, garantindo a segurança jurídica e os direitos individuais
do cidadão. Não se pode aceitar que a ânsia estatal pela tributação venha a sobrepor os
princípios elementares da igualdade, moral e, principalmente, da dignidade da pessoa
humana. O direito à igualdade e ao tratamento isonômico consubstancia um dos Princípios
baselares do Direito Constitucional Tributário e da própria democracia.
É grande a dificuldade de avaliar a questão da isonomia que de normas que estabelecem
hipóteses discriminatórias entre os sujeitos passivos da obrigação tributária. Trata-se aqui
da igualdade jurídica e não da igualdade de fato, pois é do conhecimento de todos que a
plena igualdade é utópica e não há como ―agradar‖58 a todos, sendo que cada um possui
seus próprios critérios e opiniões acerca da forma mais justa de tributar. Deve-se, portanto,
utilizar-se da forma menos desigual, da forma que concretize em maior plenitude os
princípios que regem o Estado Democrático.
Logo, esclarecida a relevância do Princípio da Igualdade no moderno Estado democrático
de direito a forma que perceptivelmente confere maior justiça e dignidade é a qual devem
ser tratados de forma semelhante todos os contribuintes os quais apresentarem capacidade
contributiva parelha; e de forma dessemelhante aqueles contribuintes que apresentarem
riquezas diferentes que resulta em diversa capacidade contributiva.
REFERÊNCIAS
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
57
O critério de discrímen é a adoção de um tratamento jurídico diversificado a partir de um critério, discriminador e
diferenciador de acordo com o caso concreto.
58
Grifo nosso.
28
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. rev. E compl. à
luz da Constituição de 1988 até a Emenda Constitucional nº 10/1996. Rio de Janeiro,
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MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
29
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
A LEGITIMIDADE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA MODULAR OS EFEITOS
DAS SUAS DECISÕES PROFERIDAS NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
DAS LEIS
MARCOS VINICIUS AFFORNALLI59
LUIS MIGUEL BARUDI DE MATOS60
BRUNA CAROLINE DE ALMEIDA AFFORNALLI61
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
RESUMO
O trabalho tem por objetivo analisar a legitimidade do Supremo Tribunal Federal, para
modular os efeitos temporais das decisões proferidas no controle de constitucionalidade das
leis, ou seja; o poder dos Ministros do Tribunal, não apenas para conservar a eficácia de ato
normativo declarado inconstitucional, mas ainda para fixar o tempo dessa eficácia
discricionariamente, podendo escolher entre dar efeito ex tunc ou ex nunc à decisão de
inconstitucionalidade. O trabalho aborda a discricionariedade como elemento de decisão do
Supremo Tribunal Federal e o princípio da proporcionalidade como regra mediadora para a
manutenção do equilíbrio do sistema jurídico, tendo como pano de fundo o debate entre
Herbert Lionel Adolphus Hart (Teoria Positivista) e Ronald M. Dworkin (Teoria Construtivista
de Direitos).
PALAVRAS-CHAVE: Inconstitucionalidade, legitimidade, discricionariedade
proporcionalidade.
ABSTRACT
The study aims to examine the legitimacy of the Supreme Court, to modulate the temporal
effects of judgments in control of constitutionality of laws, ie, the power of the Justices of
the Court, not only to preserve the effectiveness of legislative act declared
unconstitutional but this time to secure the effectiveness discretion, choosing between
giving effect ex nunc or ex tunc to the decision of unconstitutionality. The paper discusses
how the discretionary element of the decision of the Supreme Court and the principle of
proportionality rule as mediator for maintaining the equilibrium of the legal system, with
the backdrop of the debate between Herbert Lionel Adolphus Hart (positivist theory) and
Ronald M. Dworkin (constructivist theory of rights).
KEYWORDS: unconstitutionality, legitimacy, discretion, proportionality
59
Mestre em Direito do Estado e Cidadania pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Gama Filho. Professor do Curso de Direito da Faculdade União Dinâmica das
Cataratas – UDC e da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. Endereço
eletrônico: [email protected]
60
Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor do Curso de Direito NO Centro Universitário
Dinâmica das Cataratas– UDC e da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.
Endereço eletrônico: [email protected]
61
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.
Endereço eletrônico: [email protected]
30
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
INTRODUÇÃO
A Lei n°9.868/99 dispõe, em seu artigo 27, que o Supremo Tribunal Federal, julgando
procedente o pedido contido em ação direta de inconstitucionalidade, poderá, por maioria
qualificada de dois terços de seus membros, tendo em vista razões de segurança jurídica ou
excepcional interesse social, determinar restrições aos efeitos da declaração de
inconstitucionalidade, ou definir o momento a partir do qual tal declaração terá eficácia,
podendo ser a data do trânsito em julgado ou outra oportunidade que a Corte julgar mais
conveniente.62
Desta forma, a lei conferiu ao Supremo Tribunal Federal não apenas o poder de conservar a
eficácia do ato normativo declarado inconstitucional, mas ainda de fixar o tempo dessa
eficácia discricionariamente, segundo sua própria avaliação quanto ao excepcional interesse
social ou razões de segurança jurídica. Competirá ao tribunal escolher entre dar efeito ex
tunc ou ex nunc à decisão de inconstitucionalidade; sendo ex tunc, o tribunal poderá
precisar o alcance do efeito pretérito da decisão declaratória, mais ou menos longínquo no
tempo; e, sendo ex nunc, a Corte tem a prerrogativa de definir o momento futuro, até mesmo
posteriormente ao trânsito em julgado da decisão, em que a lei efetivamente perderá
eficácia por conta do vício de inconstitucionalidade que a macula.
Em que pese os teóricos mencionarem que esta norma inovou ao dispor, expressamente,
sobre esse poder atribuído à Corte Constitucional, em realidade ela somente veio positivar
uma prática já adotada pelo tribunal63, que muito antes da sua promulgação, já invocava
razões de segurança, de salvaguarda dos superiores interesses do Estado, do princípio da
boa-fé, entre outros, a fim de emprestar efeito ex nunc ou limitar os efeitos ex tunc da
decisão declaratória de inconstitucionalidade, de modo a conservar a eficácia pretérita do
ato normativo viciado.
Mesmo assim, esta flexibilização do dogma da retroatividade das decisões no controle de
constitucionalidade, em especial após tal fenômeno jurídico, ainda vem causando certo
desconforto perante os doutrinadores.
Primeiro porque, pela interpretação que se faz da expressão final da norma ―ou outra
oportunidade que a Corte julgar mais conveniente‖, significa que o tribunal possuiu ampla
liberdade até para decidir que, declarada a inconstitucionalidade, a decisão somente venha
a produzir efeitos em data futura, posterior ao trânsito em julgado da decisão.
Segundo porque, pela letra da norma, tem-se que a motivação da providência vem na forma
de conceitos jurídicos indeterminados – segurança jurídica ou excepcional interesse social o que confere assim ao tribunal uma ampla margem de discricionariedade na sua aplicação.
Esta preocupação doutrinária se torna ainda mais evidente no direito constitucional, em que
este espaço de liberdade conferido pela norma tende a se avolumar, seja em razão do
caráter aberto e principiológico que costuma caracterizar as normas constitucionais, seja
pela natureza eminentemente política das questões que surgem na arena da jurisdição
constitucional.
Neste trabalho, se pretende analisar inicialmente alguns aspectos acerca das previsões do
dispositivo em comento64, a necessidade da flexibilização dos efeitos temporais da decisão
62
No mesmo sentido, tal orientação consta no artigo 11 da lei 9.882/99, que disciplinou a Argüição de Descumprimento de
Preceito Fundamental.
63
Ao apreciar o RE nº 78.533/SP, o STF examinou a validade de penhora realizada por oficial de justiça, cuja nomeação fora
feita com fundamento em lei posteriormente declarada inconstitucional, e absteve-se de declarar a nulidade do ato, em
homenagem a teoria da aparência, para proteção de terceiros de boa-fé. (RTJ 100/1.086 e 71/570). Vide recurso extraordinário
nº78.594, 2ª Turma. Rel. Min. Bilac Pinto, unânime, DJ de 30 de outubro de 1974. Registre-se ainda o RE nº 122.202, em que
ficou assentado: ―acórdão que prestigiou lei estadual à revelia da declaração de inconstitucionalidade em tese pelo Supremo
Tribunal Federal. Subsistência de pagamento de gratificação mesmo após a decisão erga omnes da corte. Jurisprudência do
STF no sentido de que a retribuição declarada inconstitucional não é de ser devolvida no período de validade inquestionada da
lei de origem – mas tampouco paga após a declaração de inconstitucionalidade‖ (Recurso Extraordinário n° 122.202. 2ª Turma.
Rel. Ministro Francisco Rezek, unânime, DJ de 08 de abril de 1994. Todas estas decisões estão disponíveis em:
<http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 20/08/2012.
64
As mesmas considerações se aplicam ao artigo 11 da lei 9.882/99. Também:
31
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
de inconstitucionalidade para, ao final, verificar se esta possibilidade de modulação dos
efeitos das decisões por parte do tribunal é legitima e se está em harmonia com a
Constituição Federal.
1. A ABERTURA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS A JUSTIFICAR
INDETERMINAÇÃO DOS CONCEITOS QUE AUTORIZAM A MODULAÇÃO.
A
Como já abordado anteriormente, mesmo antes da entrada em vigor da norma de
modulação, o Supremo Tribunal Federal já vinha manipulando os efeitos das suas decisões,
fazendo prevalecer princípios constitucionais que fossem necessários e adequados para os
fins pretendidos na decisão.
O alcance no tempo dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade sempre foi tratado
pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que, com o passar dos anos, e em razão
das novas realidades sociais, econômicas e políticas, teve que se desvincular da posição
radical de considerar a lei inconstitucional como nula ab initio e inepta a produzir efeitos,
passando a aceitar a flexibilização deste dogma.
No entanto, não há como negar que com a previsão em Lei, tornou-se mais intrigante o
tema da modulação dos efeitos das decisões de declaração de inconstitucionalidade, pois a
partir de então parte da doutrina vêm demonstrando sua preocupação quanto a esta
autorização conferida ao Supremo Tribunal Federal; ao argumento de que ela representa no
direito constitucional um verdadeiro espaço para o arbítrio sem precedentes, uma vez que
poderá o tribunal decidir quanto ao momento de incidência dos efeitos de suas decisões,
sem estabelecimento de limites.
Ocorre que este mesmo posicionamento doutrinário, antes da entrada em vigor da norma de
modulação, de certa forma admitia a possibilidade de flexibilização dos efeitos das decisões,
simplesmente em razão da construção jurisprudencial, o que de certe forma esvaziaria o
debate.
Mas em realidade, o cerne da discussão que se levanta neste aspecto e que se entende ser
de extrema relevância, é acerca da forma como esta possibilidade de modulação dos efeitos
das decisões foi introduzida em nosso ordenamento jurídico, que ao ver, é a causa
determinante dos questionamentos.
Com efeito, a motivação da providência vem estabelecida na forma de conceitos jurídicos
indeterminados, ‗segurança jurídica ou excepcional interesse social’, o que confere ao
tribunal uma ampla margem de discricionariedade na aplicação da norma. A grande
polêmica quanto a esta inovação está caracterizada na possibilidade de que, dentro em
breve, o cumprimento ou não da constituição tornar-se-á matéria de conveniência e
oportunidade, ou seja; caberá ao Supremo Tribunal Federal não mais impor o cumprimento
da Constituição, mas a seu critério, decidir quando é conveniente ou não que a mesma seja
respeitada.
Pela letra da norma tem-se que os pressupostos materiais para a modulação dos efeitos
temporais foram estabelecidos na forma de conceitos jurídicos indeterminados, pois o
legislador referiu-se a razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, o
que imprime ao dispositivo um alto grau de abertura interpretativa.
Ainda que se possam encontrar algumas orientações aptas a realizar a segurança jurídica,
não desconsiderando evidentemente as complicações daí decorrentes, o interesse social,
qualificado de excepcional, depende da visão que cada um tenha das coisas.65
Diferente não é a posição de Lênio Luiz Streck,
tenho que a previsão acarreta uma série de problemas, a começar
pela enorme discricionariedade que concede ao Supremo Tribunal.
65
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Sistema constitucional brasileiro e as recentes inovações no controle de
constitucionalidade (Leis nº 9.868/99, de 10 de Novembro de 1999 e nº 9.882, de 3 de Dezembro de 1999), p.12
32
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Afinal, o que se pode entender por ‗excepcional interesse social‘? E
qual é ‗outro momento‘ de que fala a lei? (...) Tal possibilidade
enfraquece a Constituição, em virtude da possibilidade de
manipulação dos efeitos, a partir de vagos e ambíguos fundamentos
da existência de razões de segurança jurídica ou de excepcional
interesse social.66
Assim, de que forma poderemos encontrar, na Constituição Federal, parâmetros para
delimitar em que hipóteses estariam efetivamente presentes os requisitos exigidos?
Quando se trata do tema relativo à interpretação judicial, quanto maior a abstração e
abertura das normas, maior o espaço de discricionariedade dos juízes no momento das
decisões
Ao decidirem um caso concreto, os juízes fazem a opção pela norma que entendem a ele
ser aplicável, fixando o seu conteúdo, dentre as diversas possibilidades que se colocam a
sua disposição. No entanto, por mais simples e objetiva que possa ser a norma, a sua
aplicação não se faz de forma mecânica, exigindo sempre um cuidadoso processo de
interpretação.67
Não raras são as dificuldades encontradas pelos juízes para captar o conteúdo e alcance
das normas quando da sua aplicação ao caso concreto, e isto não poderia ser diferente,
dado que o direito não é estanque. Tais dificuldades se apresentam em maior escala
quando da interpretação constitucional, dado o caráter aberto e principiológico que costuma
caracterizar as normas constitucionais, como também em razão das questões de natureza
não somente jurídicas, mas também éticas e políticas que permeiam as decisões.
As normas jurídicas, mesmo considerando as que restringem direitos em geral, podem
muitas vezes não ser contestadas; posto tratarem de simples interesses, ou colocadas em
vigor em razão de ato de autoridade legítima.68
O grande problema é quando se tem que aplicá-las às circunstâncias concretas, quando
então certamente ocorrerão controvérsias. De maneira que, ciente destas situações, o
ordenamento jurídico prevê a existência de funções distintas na organização do Estado,
para legisladores e juízes, sendo estes últimos encarregados de pacificar os inevitáveis
conflitos de interesses.
Desta forma, e em face da existência de campos de obscuridades ou incertezas nas normas
ou princípios jurídicos adotados pelo ordenamento jurídico, o direito se volta constantemente
a desenvolver técnicas e procedimentos necessários à segurança jurídica, buscando o
legislador, nem sempre com sucesso, a maior objetividade possível na edição das normas.
Muitas vezes, o direito consegue assegurar o máximo possível a legitimação de sua
linguagem e conceitos de acordo com a realidade circundante, tornando objetiva e clara a
sua mensagem mediante conceitos certos, razoavelmente certos ou determinados.
Porém, em outras ocasiões, encontra-se diante de campos obscuros ou incertos, que não
podem ser disciplinados de forma objetiva, mas que não podem estar dispensados de
regulação; nestas ocasiões, não podendo prever de antemão todas as hipóteses fáticas que
estarão sujeitas a sua incidência, necessariamente tem o direito de utilizar-se de outros
66
STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica, p.541-545
Para Carlos Maximiliano ―as lei positivas são formuladas em termos gerais; fixam regras, consolidam princípios, estabelecem
normas, em linguagem clara e precisa, porém ampla, sem descer aminúcias. É tarefa primordial do executor a pesquisa da
relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, isto é aplicar o direito. Para conseguir
se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva; e, logo depois, o respectivo
alcance, a sua extensão. Em resumo, o executor extrai da norma tudo o que na mesma se contém: é o que se chama
interpretar, isto é, determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito‖. (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e
aplicação do direito p.171). Oscar Vilhena Vieira entende que, ―por mais simples que seja uma norma jurídica, a sua
aplicação exige um processo pelo qual seja extraído de seus signos, de seus termos, um significado. Esse processo de
compreensão do significado das normas para a resolução de uma questão concreta denomina-se interpretação‖. VIEIRA,
Oscar Vilhena. Discricionariedade judicial e direitos fundamentais, p.182
68
Para Hart as normas não são obedecidas simplesmente porque alguém tem força para impôlas, mas porque alguém tem
autoridade para estabelecê-las. Essa autoridade é conferida também por uma norma que é, por sua vez, aceita por aqueles
que serão submetidos ao direito. Tem-se assim, em ambos os casos, um direito estruturado a partir de normas. (HART,
Hebert L.A. O conceito de direito, p.91)
67
33
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
instrumentos e conceitos mais amplos e elásticos, que possam possibilitar a manutenção da
segurança jurídica pela sua determinação no caso concreto.
A doutrina em geral costuma caracterizar estes conceitos jurídicos como indeterminados,
vagos, ambíguos, elásticos, fluidos ou imprecisos, com conteúdo variável ou noções
confusas, e que nos dizeres de Karl Engisch,
são aqueles cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos,
sendo as leis hoje, em todos os domínios jurídicos, elaboradas por tal
forma que os juízes e os funcionários da administração não
descobrem e fundamentam as suas decisões tão somente através da
subsunção a conceitos jurídicos fixos, a conceitos cujo conteúdo seja
explicitado com segurança através da interpretação, mas antes são
chamados a valorar automaticamente e, por vezes, a decidir e a agir
de um modo semelhante ao do legislador. Distinguir-se-ia ainda
nessa espécie de conceitos sempre um núcleo principal e um halo
conceitual, onde as respectivas características ficariam menos
identificáveis. No primeiro caso, o conceito utilizado, embora
indeterminado, restaria claro e objetivo para o aplicador da norma; no
segundo, sempre haveria uma zona de difícil identificação dos
elementos de formação e validade do ato.69
Em qualquer das hipóteses, indiferente a maneira de comunicação das normas, o certo é
que, mesmo que em algumas ocasiões exista clareza na linguagem, haverá sempre
situações em que o conteúdo da comunicação irá revelar-se indeterminado em certo ponto.
Quando a norma contiver característica de relativa indeterminação, dir-se-á que a mesma
possui textura aberta. Como não são poucas as situações desta natureza nos sistemas
jurídicos contemporâneos, pode-se generalizar, afirmando que o próprio sistema jurídico,
não do ponto de vista da validade das regras primárias de obrigação, mas sim do seu
conteúdo, possui textura aberta.70
A textura aberta decorre do fato de que as normas são veiculadas necessariamente por
meio de linguagem, e os termos utilizados pelo legislador nem sempre são unívocos,
podendo caracterizar-se, em grande parte das vezes, pela presença de termos polissêmicos
que assim admitem mais de um conteúdo. Neste sentido, Hart entende que a ocorrência
dessa textura aberta, além de necessária e desejável, também é decorrente de outros dois
fatores, ligados à condição humana. O primeiro seria representado pela nossa relativa
ignorância acerca dos fatos, e o segundo, pela relativa indeterminação das finalidades que o
legislador pretende atingir quando veicula determinada regra.71
No tocante à deficiência humana acerca do conhecimento dos fatos, extrai-se do raciocínio
de Hart que esta é representada pela incapacidade do legislador que, por ser um homem e
não um vidente, não pode antever todas as situações que venham a ser abrangidas pela
norma. Assim, sem a possibilidade de antecipar previamente tudo e acerca de tudo, podem
surgir, como de fato surgem, situações em que não será viável e nem possível veicular
normas com conteúdo prévia e inteiramente determinado, que livrem totalmente o intérprete
de qualquer dificuldade no momento de sua aplicação aos inúmeros e variados casos da
vida.
Por outro lado, no que se refere à relativa indeterminação das finalidades que o legislador
pretende alcançar com a veiculação de uma dada regra, acontece que nem sempre se tem
69
ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico, p.205-274
Como destaca Hart, essa situação é inerente à própria condição humana. Buscando controlar e normatizar situações futuras,
porém não dispondo de conhecimento para prever todas as possibilidades fáticas, as sociedades são obrigadas a se utilizar
de uma linguagem e classificações gerais na confecção das normas. O direito será construído invariavelmente em cima de
termos e conceitos de textura aberta, o que imporá ao aplicador do direito a necessidade de agir de forma discricionária. A
textura aberta do direito significa que há, na verdade, áreas da conduta em que muitas coisas devem ser deixadas para
serem desenvolvidas pelos tribunais e pelos funcionários, os quais determinam o equilíbrio, à luz das circunstâncias, entre
interesses conflitantes que variam em peso, de caso a caso. (HART, Herbert L.A. Op.cit, p.140)
71
HART, Herbert L.A. Op.cit, p.139.
70
34
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
plenamente clara, em face de uma determinada situação de fato, a conclusão de que vedála ou não efetivamente atenderá à finalidade pela qual a regra foi editada.
Para Hart,
todos os sistemas, de formas diferentes, chegam a um compromisso
entre duas necessidades sociais: a necessidade de certas regras que
podem, sobre grandes zonas de conduta, ser aplicadas com
segurança por indivíduos privados a eles próprios, sem uma
orientação oficial nova ou sem ponderar as questões sociais, e a
necessidade de deixar em aberto, para resolução ulterior através de
uma escolha oficial e informada, questões que só podem ser
adequadamente apreciadas e resolvidas quando surgem num caso
concreto.72
Seja qual for à origem da indeterminação, tenha ela sido ou não proposital, é realmente um
fato quase corriqueiro que existem regras cujo conteúdo preciso não se acha previamente
determinado, muitas vezes decorrente até mesmo da indeterminação maior ou menor dos
termos de linguagem nela existentes.
A Constituição Federal é o exemplo maior desta situação. Por ser composta de diversos
dispositivos que, longe de possuírem termos padrões, comumente encontrados nas
legislações ordinárias, possuem termos genéricos na maioria das vezes indeterminados, faz
da interpretação constitucional, seguramente, uma das tarefas mais complexas, em especial
para os Ministros do Supremo Tribunal Federal.
Esta complexidade é decorrente do fato de que a Constituição, por regulamentar a ordem
política, econômica e social, é abundante em termos que ultrapassam a já complexa
linguagem jurídica, contendo termos advindos do vocabulário político que, longe de ser
pacífico, já é objeto de infindável discussão política e filosófica.73
O mesmo ocorre com os termos éticos existentes na linguagem dos direitos fundamentais, a
exemplo da adoção dos princípios da liberdade e igualdade, que em razão do alto grau de
abstração que os informam, só podem ter os seus valores extraídos de uma complexa
ponderação com os demais princípios constitucionais.
Decorre destas situações que o Supremo Tribunal Federal, em razão de suas competências,
além de estar envolvido em disputas de aspectos estritamente jurídicos, em muitas outras
situações encontra-se no fogo cruzado das inúmeras peleias políticas que não raro são
travadas na arena da Jurisdição Constitucional, tendo freqüentemente que resolver conflitos
entre princípios e direitos.
A Constituição Federal Brasileira impõe ao Poder Judiciário uma tarefa por demais
complexa, pois não bastasse o encargo a ele atribuído de interpretar normas de textura
aberta, que trazem embutidos conceitos políticos e princípios morais, os juízes muitas vezes
são chamados a mediar uma constante disputa entre valores e diretivas normativas
contraditórias entre si.
Assim, diante das dificuldades enfrentadas pelo Supremo Tribunal Federal no
preenchimento da indeterminação do conteúdo de normas de textura aberta, sensível e
objetivo foi o legislador ordinário que; ciente de suas limitações e diante da impossibilidade
de antecipar todos os fatos da vida, imputou ao tribunal o poder-dever de modular os efeitos
da declaração de inconstitucionalidade, diante dos inúmeros casos que se lhe apresentam74.
72
Idem, p.143
―em especial quando o documento jurídico a ser interpretado é a Constituição, não se pode contar com uma linguagem
jurídica escorreita, isenta de equívocos e de variações. Resultando da transação de distintas tendências ideológicas e
políticas, é natural que não se possa apresentar em uma linguagem jurídica uniforme, tecnicamente rigorosa, apresentando
muitas vezes até nítidos contrastes interiores" (FIGUEIREDO, Fran. Introdução à teoria da interpretação constitucional,
p.175-200)
74
Neste sentido, Hart entende que, ―textura aberta do direito significa que há, na verdade, áreas de conduta em que muitas
coisas devem ser deixadas para serem desenvolvidas pelos tribunais ou pelos funcionários, os quais determinam o equilíbrio
à luz das circunstâncias, entre interesses conflitantes que variam em peso, de caso para caso‖ (HART, Herbert L.A. Op.cit,
p.148)
73
35
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Não houvesse na Constituição Federal regras de conteúdo aberto, com indeterminação de
conteúdo, esta competência conferida ao Supremo Tribunal Federal para modular os efeitos
de suas decisões proferidas no controle de constitucionalidade das leis seria inteiramente
dispensável; na medida em que não se teria que interpretar aquilo que já fora previamente
fixado pelo direito.
O direito jamais poderá prever em que situações deverão ser modulados ou não os efeitos
da declaração de inconstitucionalidade, posto que o legislador não é vidente para prever, de
antemão, todos os futuros acontecimentos da vida. A resposta não pode ser obtida na
legislação. Só quem pode fornecê-la serão os ministros do Supremo Tribunal Federal,
mesmo que parte da doutrina defenda a ausência de legitimidade para tanto.
Já no que se refere à forma encontrada pelo legislador para estabelecer os pressupostos
materiais para a modulação dos efeitos temporais, esta se deu através de conceitos
jurídicos indeterminados, pois se refere a razões de segurança jurídica ou de excepcional
interesse social, o que, a nosso ver, não causa espanto, mesmo diante do alto grau de
abertura interpretativa daí decorrente.75
Somente através desta linguagem em textura aberta é que se possibilitará ao tribunal uma
interpretação das possíveis combinações e circunstâncias que possam surgir no caso
concreto. É inviável aos legisladores, repita-se, o conhecimento de todas as circunstâncias
futuras ou produção de regras detalhadas; razão pela qual deve deixar aos juízes a
responsabilidade de fazer a ponte entre o direito e a sociedade, integrando com sua vontade
no preenchimento do conteúdo dos conceitos deixados propositadamente em aberto pelo
legislador.
O Supremo Tribunal Federal, no exercício de sua função de escudo protetor da
Constituição, não pode restar indiferente às conseqüências de suas decisões.76.
É perfeitamente possível, e isso a realidade nos tem demonstrado, que uma norma
incompatível com a Constituição, e declarada como tal pelo tribunal com efeitos retroativos,
venha causar danos mais lesivos aos interesses e valores albergados pela Constituição, do
que a própria manutenção provisória da referida norma.
Veja-se a hipótese das diversas leis que asseguraram um determinado percentual de vagas
em universidades públicas para determinadas classes de indivíduos, e que seja declarada
inconstitucional, após alguns anos de sua promulgação. Nesta hipótese seria razoável fazer
retroativos os efeitos e exigir que os alunos aprovados nos vestibulares e que já estivessem
cursando, obrigatoriamente deixassem de freqüentar a universidade, dado que ocupam
vaga em razão de aprovação com base em lei declarada inconstitucional?
Seria esta a solução mais justa quando o que se tem em mente é resguardar a ordem
constitucional? Os efeitos de fato que a norma produziu não podem ser suprimidos,
sumariamente, por simples obra de um decreto judiciário.77
Estas situações apontam para a possibilidade da flexibilização do dogma da eficácia ex tunc
das decisões no controle de constitucionalidade, razão pela qual nos parece indispensável
que se conceda ao Supremo Tribunal Federal um espaço de manejo, para que se possa
alcançar, frente a situações concretas, uma decisão que venha acomodar os interesses em
conflito, de forma a não ter que sacrificar algum em detrimento de outro.78
De outra forma, o Poder Judiciário poderá acabar abstendo-se de reconhecer a
inconstitucionalidade de certas leis, dado o receio dos efeitos drásticos que suas decisões
com efeitos retroativos venham a causar ou, indiferente às conseqüências de seus julgados,
75
Não fosse a possibilidade de modulação já estar implícita na Constituição, chegaríamos à conclusão de que o legislador
vinculou esta possibilidade somente aos pressupostos ―razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social‖ ,
quando, em verdade, antes da entrada em vigor da referida norma, o tribunal se baseava em requisitos outros que não
somente os que agora se apresentaram
76
Karl Larenz, a este respeito observa que: ―ao Tribunal Constitucional incumbe uma responsabilidade política na manutenção
da ordem jurídico-estatal e da sua capacidade defuncionamento. Não pode proceder segundo a máxima Fiat justitia, pereat res
publica‖. (LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, p.441)
77
BITTENCOURT, C. A. Lucio. Op.cit, p.148
78
Cumpre registrar nosso entendimento lançado linhas atrás de que esta possibilidade já se encontra implícita na Constituição
Federal. Assim, o Supremo Tribunal Federal está autorizado a modular os efeitos não somente nas situações previstas no art.
27 da Lei 9.868/99, mas também quando diante de outro valor constitucional que deva ser assegurado
36
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
poderá declarar de forma automática a inconstitucionalidade de leis, violando direitos,
valores e interesses de estatura maior.
2. A DISCRICIONARIEDADE COMO ELEMENTO DA DECISÃO
Aborda-se a possibilidade e a necessidade de se conferir ao Supremo Tribunal Federal um
espaço de manobra quando da aplicação dos efeitos das suas decisões no controle de
constitucionalidade, de forma a acomodar os interesses em conflito, sem sacrificar algum
em detrimento de outro.
Esta possibilidade encontra fundamento de que é possível que uma norma incompatível
com a constituição, e declarada como tal pelo tribunal com efeitos retroativos, possa causar
mais danos aos interesses e valores albergados pela Constituição, do que a própria
manutenção provisória da referida norma. Ou então o Poder Judiciário poderá acabar
abstendo-se de reconhecer a inconstitucionalidade de certas leis, dado o receio dos efeitos
drásticos que suas decisões com efeitos retroativos venham a causar.
No entanto, a consequência que se extraí destas conclusões é que grande parte da
atividade interpretativa do Supremo Tribunal Federal, quando da declaração de
inconstitucionalidade e por ocasião da decisão pelos efeitos da decisão, na grande maioria
das situações ocorrerá em uma região nebulosa e incerta.
Mesmo reconhecendo a necessidade da presença deste espaço de manobra na aplicação
dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, não estamos defendendo a tese de que
seja legítimo ao tribunal decidir conflitos com base em valorações políticas discricionárias e
nebulosas, baseadas em seu senso próprio de justiça. Esta situação seria completamente
estranha ao Estado de Direito, em que as decisões das diversas autoridades encarregadas
da aplicação do direito estão vinculadas ao cumprimento da ordem jurídica.
Contudo, não há como negar que, na missão de apreciar os fatos e interpretar as normas,
haverá sempre um espaço, maior ou menor, para a presença da subjetividade do intérprete
que, como já afirmado, é humano e passível de cometer erros, intencionais ou não.
Assim, antes de proceder à abordagem da temática referente à legitimidade da interpretação
constitucional diante da regra que possibilita a modulação dos efeitos das decisões, é
indispensável estabelecer se, esta margem de flexibilização conferida ao Supremo Tribunal
Federal para, diante do caso que se coloca à sua apreciação, poder preencher o conteúdo
normativo, elegendo dentre as opções que lhe outorgou a norma, aquela que julgar mais
apropriada, a solução mais justa ao caso, configura a existência inquestionável da
discricionariedade judicial e se afirmativo, quais são os limites que a separam da
arbitrariedade.
A linguagem utilizada pelas normas gerais e abstratas produzidas pelo legislador que
exemplificam regras gerais a serem adotadas pelos juízes pode, muitas vezes, não oferecer
muita segurança. Esta situação decorre justamente da limitação quanto à orientação que a
própria linguagem pode oferecer. De forma que existirão casos simples que estão sempre a
ocorrer em contextos semelhantes, aos quais as expressões gerais são claramente
aplicáveis, mas também casos em que não é claro se aplicam ou não.79
Esta situação, a nosso ver, ocorreu na elaboração da redação do artigo 27 da Lei 9.868/99,
que facultou ao Supremo Tribunal Federal manejar no tempo os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade; uma vez que não é objetiva no que se refere aos casos em que se
deverá ser aplicada ou não, dada a presença de indeterminação de conteúdo dos conceitos
de segurança jurídica e excepcional interesse social.
De forma que a sua aplicação por parte do Supremo Tribunal Federal estará condicionada
àquelas situações extremas, ou seja, nos casos difíceis (hard cases), os quais Hart refere
como aqueles em que os fatos e normas relevantes permitem mais de uma solução, à
primeira vista, dada a presença de inúmeras normas de textura aberta existentes na
79
HART, Herbert L.A. Op.cit, p.139
37
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Constituição Federal, caracterizadas pela presença de incerteza e vagueza de seus
conceitos.80
Nestes casos, no dizer de Hart, ao juiz é facultado eleger alternativas razoáveis, e que
assim se realiza a segunda função do direito, que é dar margem de flexibilidade a regulação
das relações sociais, permitindo uma reflexão maior sobre as circunstâncias do caso
concreto. Tem-se, nesta situação, o que o autor denominou de poder discricionário do
Juiz.81
Ou seja, o juiz, nestas ocasiões conflitivas, mesmo estando adstrito ao ordenamento
jurídico, e pelo qual ele teria que fazer a fundamentação de sua decisão; tem uma maior
liberdade de ação para refletir sobre as possibilidades que o ordenamento jurídico lhe
confere, procedendo a uma ponderação entre o que é mais adequado mediante a presença
de duas ou mais soluções, todas elas justificáveis no ordenamento.
Contrariando o posicionamento de Hart de que a linguagem jurídica nos casos difíceis daria
margem à existência de mais de uma interpretação razoável, e que, nessas circunstâncias,
o juiz não estaria aplicando o direito, mas criando, para o caso concreto, utilizando-se então
de discricionariedade, Ronald Dworkim oferece a tese da resposta certa, na qual defende
que a origem dos casos de difícil interpretação não se encontra na ambigüidade de uma
palavra, termo jurídico da norma, e que é errado afirmar que "os juízes têm poderes
discricionários‖.82
Para este autor não existem falhas no sistema jurídico que viabilizem assim a ação
discricionária do juiz, pois em havendo conflitos, sempre haveria solução no ordenamento
jurídico através dos princípios, portanto as lacunas seriam preenchidas por este, havendo
completude.83
Para se contrapor ao reconhecimento da discricionariedade do juiz, Dworkin entende que na
interpretação o juiz deve se direcionar para aplicar o direito conforme o ordenamento,
mesmo mediante os "casos difíceis". Para o autor, havendo conflitos entre regras e
princípios ou entre princípios, sempre existirá solução no ordenamento jurídico, e esta se
dará através da ponderação a ser feita pelo juiz no momento da sua decisão.84
O que se observa do entendimento do autor é que existe um ponto convergente e que pode
ser o elemento caracterizador ou não da presença da discricionariedade do juiz no momento
da solução dos casos complexos.
Hart sinaliza no sentido de que o poder criador do juiz, nestas ocasiões conflitivas está
adstrito ao ordenamento jurídico existente, e pelo qual ele teria que construir a sua decisão,
fazendo uma ponderação entre o que é justo e mais adequado, mediante duas ou mais
soluções, justificáveis neste ordenamento.
Por sua vez, Dworkin entende que, nestas situações de conflito entre princípios, o juiz
estaria também realizando uma escolha de um determinado princípio, através da
ponderação entre eles.
Portanto, a diferença existente no entendimento destes autores está em uma maior
liberdade de ação conferida por Hart, para o juiz refletir sobre as possibilidades jurídicas,
mesmo não previstas em regras específicas para o caso, e fazer adaptações conforme seja
de maior justiça.
Mas se Dworkin reconhece a possibilidade de que dois princípios contraditórios se revelem
de igual envergadura na apreciação de um caso concreto, e que demandem do juiz uma
opção por um deles em detrimento de outro, tal opção, mesmo que deva estar justificada,
implicará na presença de discricionariedade, pois não existe um critério seguro que possa
medir o peso dos princípios em cada caso.
Com estas colocações, podemos concluir que neste espaço de manobra conferido pelo
legislador ao Supremo Tribunal Federal, para que, no momento da decisão e aplicação dos
80
Idem p.139
Ibidem p.140
82
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, p.127.
83
Idem, p.151.
84
DWORKIN, Ronald. Los derechos en serio, p.78.
81
38
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
efeitos, possa escolher, dentre os valores em conflito, aquele que possua uma maior
intensidade, configura-se o poder-dever discricionário.
Todavia, este poder-dever discricionário conferido pela norma de modulação, não significa
arbitrariedade, ou seja, a opção por uma das hipóteses admitidas não poderá jamais ser
feita de forma aleatória.85
É importante que estes poderes atribuídos aos juízes para resolverem os casos
parcialmente deixados por regular, não sejam confundidos com o poder de criar normas
para o caso, mas tão somente para resolvê-los. Ou seja, deve existir, como menciona Hart,
um confronto das possíveis soluções e, ao optar por uma delas, esta contenha
embasamento jurídico viável pelo ordenamento jurídico, de forma a justificar a decisão e
torná-la legítima.86
Portanto, não há discricionariedade enquanto arbitrariedade e ilegalidade, mas o
favorecimento à flexibilização do direito para que se possibilite sua dinamização e
transformação mediante as diversas demandas impostas pelas relações jurídicas sociais.
Da mesma forma, deve haver imparcialidade por parte do juiz ao examinar as alternativas,
levando em consideração os interesses de todos os possíveis afetados pela decisão, bem
como uma preocupação voltada à escolha de algum princípio geral aceitável como base
argumentativa para a decisão, ou seja, mediante a pluralidade de princípios que surgem
mediante os casos difíceis, mesmo aparentando ser inviável, demonstrar uma única decisão
certa, elaborar uma escolha razoável e imparcial, de forma a fazer justiça em meio a
interesses conflitivos.87
Conforme ensinamentos de Mauro Cappelletti, a diferença do juiz para o legislador não está
no conteúdo de suas decisões, senão no procedimento utilizado para chegar a elas. Os
juízes estão obrigados a atuar como terceiros imparciais dentro de um processo, obrigação
que não existe no caso dos legisladores quando da produção de leis.88
Mesmo que os Ministros do Supremo Tribunal Federal estejam envolvidos diariamente com
a interpretação constitucional, caracterizada pela presença marcante de normas de textura
aberta, isto não significa que possam eles utilizar a competência para a modulação dos
efeitos em toda e qualquer decisão de inconstitucionalidade. Trata-se de norma que deverá
ser utilizada pelo Tribunal somente em casos excepcionais, de forma que não se converta
em regra geral.
A possibilidade de restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade dependerá
da verificação da existência de razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse
social. Ou seja, a norma de modulação, somente incidirá de forma legítima naquelas
situações em que a opção cômoda de aplicação dos efeitos retroativos possa comprometer
outros valores consagrados pela constituição, desestabilizando assim todo o sistema.
Como já foi dito, a forma como foi possibilitada a modulação dos efeitos da declaração de
inconstitucionalidade, não nos causa espanto, mesmo diante do alto grau de abertura
interpretativa daí decorrente e do reconhecimento de certa discricionariedade. Ao contrário,
se corretamente utilizada, será mais um instrumento capaz de dar as respostas necessárias
às demandas da sociedade.
Não há dúvidas de que as principais fontes das transformações do direito estão situadas
tanto na elaboração legislativa quanto nas decisões jurídicas. No entanto, talvez estas
85
Para diferenciar discricionariedade de arbitrariedade, precisas são as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem
―discricionariedade é liberdade dentro da lei, nos limites da norma legal, e pode ser definida como a margem de liberdade
conferida pela lei ao administrador a fim de que este o cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica
diante do caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema
legal. Não se confundem discricionariedade e arbitrariedade. Ao agir arbitrariamente, o agente estará agredindo a ordem
jurídica, pois terá se comportado fora do que lhe permite a lei. Seu ato, em conseqüência, é ilícito e por isso mesmo corrigível
judicialmente (...). Em rigor, não há, realmente, ato algum que possa ser designado, com propriedade, como ato
discricionário, pois nunca o administrador desfruta de liberdade total. O que há é exercício de juízo discricionário quanto à
ocorrência ou não de certas situações que justificam ou não certos comportamentos e opções discricionárias quanto ao
comportamento mais indicado para dar cumprimento ao interesse público in concreto, dentro dos limites em que a lei faculta
a emissão deste juízo ou desta opção‖. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio, Curso de direito administrativo, p.385).
86
HART. Op.cit .p.141
87
Idem, p.162
88
CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado, p.178.
39
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
últimas sejam as que mais refletem os anseios da sociedade, por estarem, de certa forma,
mais perto das necessidades de justiça, do que o legislativo que, em nossa realidade, não
tem se demonstrado sensível aos problemas mais concretos de justiça do povo que
legitimamente representa.
3. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE COMO LEGITIMAÇÃO DAS DECISÕES E
SUA FUNÇÃO ESTABILIZADORA DO SISTEMA
Esta sensação de insegurança de que fala a doutrina, causada pelo fato de que a aplicação
da norma de modulação se dará justamente na interpretação de muitos direitos
incorporados pela Constituição, na qual é inegável a existência de regiões de incertezas, e
que assim a atividade dos ministros será discricionária, pode perfeitamente ser amenizada,
posto que a atividade judicial, como se pretende demonstrar encontra-se previamente
balizada pelo sistema normativo.
Assim, como isso poderá ser enfrentado? De que forma poderá ser controlada esta
discricionariedade conferida pela norma de maneira a legitimar as decisões do tribunal?
Na tarefa de apreciar os fatos e interpretar as normas, sempre haverá um espaço, maior ou
menor para a subjetividade do intérprete, espaço que, no exemplo da norma de modulação,
foi concedido de forma intencional pelo próprio legislador que, por ser um homem; assim
como o aplicador da norma ao caso concreto, não possuía, no momento da sua elaboração,
condições para objetivar os casos que estariam vinculados a sua incidência.
Desta forma, como se resolvem estas questões na interpretação no Direito Constitucional,
em que o espaço de liberdade conferido aos juízes aumenta consideravelmente em razão
do caráter aberto e principiológico que costuma afetar as normas constitucionais, seja pela
natureza eminentemente política das questões que surgem nesta seara89
Esta complexidade na interpretação constitucional se torna muito mais evidente no
ordenamento constitucional brasileiro, que apresenta tensões das mais variadas espécies,
justamente em razão do acolhimento de múltiplos valores e interesses não convergentes,
oriundos de diversos segmentos da sociedade, e que por esta razão encontram-se em
permanente situação de conflito.90
Para que se possam compreender as formas de resolução das tensões existentes entre
normas constitucionais, devemos estar cientes da diferenciação entre os princípios e as
regras constitucionais, posto que a diferenciação entre ambos não reside somente no grau
superior de generalidade e abstração que costumam marcar os princípios, ou ainda pela
maior relevância com que eles desfilam em nosso ordenamento jurídico.
Os princípios, segundo a lição de Gustavo Zagrebelski, não possuem uma fattispécie
definida, razão pela qual, contrariamente às regras, não se prestam à subsunção. Eles
denotam favores constitucionais em benefício de certos bens, valores ou interesses, que
obrigam o intérprete na resolução dos casos concretos.91
Para Ronald Dworkim, regras e princípios funcionam diferentemente. As regras são
normalmente aplicadas de forma peremptória, num tudo-ou-nada em que, presentes os
fatos, elas devem ser aplicadas de forma implacável, consideradas as exceções por elas
próprias estabelecidas. Com os princípios a situação é diversa, pois mesmo que possam
contar como razões que devem levar o juiz a uma determinada decisão, não exigem uma
única conclusão. Não são os princípios, assim como as regras, razões determinantes, pois
podem existir outros princípios que apontem em direção oposta. Os princípios, nas lições de
Dworkim, possuem uma dimensão de ―peso‖ que inexiste nas regras: ―quando os princípios
colidem, aquele que tiver de resolver o conflito terá de levar em consideração o peso
específico de cada um‖.92
89
BARROSO, Luiz Roberto. Op.cit, p.106
Tem-se, nos dizeres de Clémerson Merlin Cléve, uma constituição que é de todos e ao mesmo tempo de ninguém. CLÉVE,
Clémerson Merlin. A teoria constitucional e o direito alternativo: Para uma dogmática constitucional emancipatória, p.252)
91
ZAGREBELSKI, Gustavo. Il Diritto Mite, p.149-150
92
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio, p.140.
90
40
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Os princípios fazem parte do direito e devem ser considerados pelo intérprete quando da
solução do conflito. Havendo a colisão entre dois ou mais princípios, cabe ao julgador
resolver o conflito mediante uma ponderação, diante do caso concreto, do peso que cada
princípio representa para a sua solução93. Já com as regras, em havendo conflito entre elas,
apenas uma deverá ser aplicada, adotando-se os critérios para a solução de antinomias,
quais sejam, o cronológico, o hierárquico e o da especialidade.
Extrai-se que, toda vez que o julgador estiver frente a uma tensão de princípios
constitucionais, indispensável se torna que recorra a uma ponderação dos diversos
interesses envolvidos.
Em estudo dedicado a esta técnica de ponderações, Daniel Sarmento conclui que,
verificada a colisão, devem ser impostas restrições recíprocas aos
bens jurídicos protegidos por cada princípio, de modo que cada um
só sofra as limitações indispensáveis à salvaguarda do outro. A
compreensão a cada bem jurídico deve ser inversamente
proporcional ao peso específico atribuído ao princípio que o tutela, e
diretamente proporcional ao peso conferido ao princípio oposto.94
A previsão de modulação dos efeitos nas decisões de declaração de inconstitucionalidade
tem caráter interpretativo, posto que se enquadra justamente numa verdadeira ponderação
de interesses em que figura, de um lado, o princípio implícito da nulidade da lei
inconstitucional, e de outro, interesses de escala constitucional iguais ou até mesmo em
maior grau de intensidade e peso que poderão ser atingidos pela decisão, e que estão
embutidos, no caso da referida norma, nos conceitos indeterminados de: razões de
segurança jurídica ou de excepcional interesse social.95
Os conceitos indeterminados adotados pelo legislador - segurança jurídica e excepcional
interesse social - se revestem de base constitucional, sendo que o primeiro encontra
fundamento no princípio do Estado de Direito, e o segundo em diversas normas e princípios.
Neste sentido, é importante ter em mente que o princípio da nulidade ab initio somente há
de ser ignorado se restar demonstrado, com base em ponderação sólida, que a declaração
de inconstitucionalidade tradicional sacrificaria a segurança jurídica; ou outro valor
constitucional que possa ter sua materialidade extraída da indeterminação de excepcional
interesse social.
O princípio da nulidade, mesmo com a previsão do artigo em comento, deverá continuar
sendo regra geral em nosso ordenamento. O afastamento de sua incidência dependerá de
um correto e indispensável juízo de ponderação, que fundado no princípio da
proporcionalidade96, faça prevalecer a idéia de segurança jurídica ou outro princípio
93
Robert Alexy, nesta mesma linha, porém equiparando os princípios a mandados de otimização, entende: ―que estan
caracterizados por el hecho de que puedem ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no
solo depende de lãs possibilidades realessino también de lás jurídicas. El ámbito de las posibilidades jurídicas es
determinado por los principios y reglas opuestos‖. (ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p.86)
94
SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal, p.196-197.
95
Da exposição de motivos da Lei 9.868, destacamos a parte da mensagem que demonstra que estas foram as intenções do
legislador ordinário: ―Coerente com a evolução constatada no Direito Constitucional comparado, a presente proposta permite
que o próprio Supremo Tribunal Federal, por uma maioria diferenciada, decida sobre os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade, fazendo um juízo rigoroso de ponderação entre o princípio da nulidade da Lei inconstitucional, de um
lado, e os postulados de segurança jurídica e do interesse social, do outro‖.(Mensagem n° 396, de 07 de abril de 1997, Diário
Oficial da União de 06/12/1997, pp.40.337/40340, disponível em <www.diariooficial.com.br>. Acesso em: 20/08/2012)
96
Alguns segmentos doutrinários propugnam pela aplicação do princípio da proporcionalidade como norte de solução para
determinados problemas decorrentes do controle de constitucionalidade. Estes autores o fazem nas questões relativas a
ponderação de princípios constitucionais eventualmente conflitantes, quando em referência a uma situação concreta. Dentre
estes autores destacamos: Zeno Veloso, para quem ―o art. 27 da Lei 9.868/99 pode ser defendido com base no princípio da
proporcionalidade‖. (VELOSO, Zeno. Op,cit). Paulo Bonavides entende que ―a atuação normativa do Tribunal, no controle da
constitucionalidade, pode ser defendida, inclusive, pelo princípio da proporcionalidade, que se caracteriza pelo fato de
presumir a existência de relação adequada entre um ou vários fins determinados e os meios com que são levados a cabo‖.
Continua o autor afirmando que ―este princípio preza pela presunção da existência de relação adequada entre um ou vários
fins determinados e os meios utilizados para alcançá-los. Sob tal ótica, a pura aplicação da lei, sem nenhuma atenuação ou
adequação, por parte do julgador, resultaria em evidentes injustiças, decorrentes de um rigorismo técnico-jurídico e de
posições inflexíveis e dogmáticas, as quais desconsideram as conseqüências práticas e políticas e a justiça do caso
concreto‖. Finaliza para concluir que ―o referido princípio é utilizado com crescente assiduidade para aferição da
41
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
constitucionalmente relevante manifestado sob a forma de interesse social também
relevante.
Da mesma forma, as razões para a não aplicação do princípio da nulidade jamais poderão
se fundar em considerações de política judiciária, mas tão somente em fundamentos
extraídos do texto constitucional.
No que se refere ao princípio da proporcionalidade, Rui Medeiros assinala que, de uma
maneira geral, as três vertentes do princípio da proporcionalidade – adequação,
necessidade e proporcionalidade – se aplicam nas hipóteses de modulação dos efeitos das
decisões.
No entanto, para o autor, de específica atenção assume a proporcionalidade em sentido
estrito:
Proporcionalidade nesta terceira vertente tanto pode ser
perspectivada pelo lado da limitação de efeitos como pelo lado da
declaração de inconstitucionalidade. Tudo se reconduz, neste
segundo caso, a saber, se à luz do princípio da proporcionalidade as
conseqüências gerais da declaração de inconstitucionalidade são ou
não excessivas. Impõe-se, para o efeito, ponderação dos diferentes
interesses em jogo, e, concretamente, o confronto entre interesses
afectado pela lei inconstitucional e aqueles que hipoteticamente
seriam sacrificados em conseqüência da declaração de
inconstitucionalidade com eficácia retroactiva e repristinatória.
Todavia, ainda quanto a esta terceira vertente do princípio da
proporcionalidade, não é constitucionalmente indiferente perspectivar
o
problema
das
conseqüências
da
declaração
de
inconstitucionalidade do lado da limitação de efeitos ou do lado da
própria declaração de inconstitucionalidade. A declaração de
inconstitucionalidade com eficácia ex tunc tem manifestamente
prioridade de aplicação. Todo o sistema de fiscalização de
constitucionalidade português está orientado para a expurgação de
normas inconstitucionais. É, aliás, significativa à recusa de atribuição
de força obrigatória geral às decisões de não inconstitucionalidade.
Não basta, pois, afirmar que o Tribunal Constitucional deve fazer um
juízo de proporcionalidade, cotejando o interesse na reafirmação da
ordem jurídica - que a eficácia ex tunc da declaração plenamente
potencia com o interesse na eliminação do factor de incerteza e de
insegurança -que a retroactividade, em princípio, acarreta (Acórdão
do Tribunal Constitucional nº 308/93). É preciso acrescentar que o
Tribunal Constitucional deve declarar a inconstitucionalidade com
força obrigatória geral e eficácia retroactiva e repristinatória, a menos
que uma tal solução envolva o sacrifício excessivo da segurança
jurídica, da eqüidade ou de interesse público de excepcional relevo.97
Nesta ponderação de valores e interesses, cabe ao Supremo Tribunal Federal estar ciente
de que a pedra de toque para a manipulação dos efeitos de suas decisões em controle de
constitucionalidade é o princípio da proporcionalidade, que não visa justificar um ou outro
constitucionalidade dos atos do Estado, como instrumento de proteção dos direitos fundamentais‖. (BONAVIDES, Paulo.
Op.cit, p.31, 314 e 359). Canotilho afirma que ―O juízo de proporcionalidade permite um perfeito equilíbrio entre o fim
almejado e o meio empregado, ou seja, o resultado obtido com a intervenção na esfera de direitos do particular deve ser
proporcional à carga coativa da mesma‖ (CANOTILHO, J. J. Gomes. Op.cit, p.263). Ver também ALEXI, Robert (Teoria de los
derechos fundamentales) e DWORKIN, Ronald (Levando os direitos a sério).
97
. MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade, p.703/704.
42
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
interesse em específico, mas servir de ponto de mediação entre eles, de forma a garantir o
equilíbrio do ordenamento jurídico.98
Os conflitos mencionados linhas atrás, decorrentes do acolhimento de variados valores e
interesses por parte de nossa Constituição, podem gerar, como de fato geram,
intranqüilidade e desequilíbrio do sistema.
Assim, devemos estar cientes de que, na aplicação do direito (modulação dos efeitos), a
decisão proferida não tem por finalidade única solucionar o conflito de interesses que se
coloca sob sua análise; em especial, a decisão tem por objetivo principal estabilizar o
ordenamento jurídico. Deve o Poder judiciário ter cautela para que a decisão de um caso
não venha a desestabilizar o todo, razão pela qual jamais poderá fazer prevalecer
sobremaneira um valor que coloque em risco todo um sistema normativo.
A incompatibilidade de uma norma com a Constituição acarreta a sua nulidade e, portanto,
todos os efeitos por ela produzidos, em regra geral, também seriam nulos, posto que lei
declarada inconstitucional não é lei, e sendo assim, não poderia produzir efeitos.
De forma que, ao declarar a nulidade da lei, o tribunal deve, também em regra, e visando a
supremacia da constituição, aplicar efeitos retroativos à decisão, cujo efeito visa também
assegurar o princípio da igualdade, posto que, se até a decisão, a presunção de validade
era para todos, a decisão de invalidade da lei também há ser considerada para todos.
No entanto, como já mencionamos anteriormente, não é mistério que existirão situações em
que a aplicação generalizada de efeitos retroativos poderá gerar graves conseqüências para
o equilíbrio do sistema jurídico.
Assim, em situações excepcionais e somente nelas, o tribunal deverá, após ponderar os
valores que se encontram em conflito, visualizar dentro do espaço de manobra conferido
pelo legislador qual o único e certeiro momento em que a aplicação dos efeitos da decisão
venha a assegurar o equilíbrio do ordenamento jurídico; de forma que, ao escolher um
princípio em detrimento de outro, esta escolha não se paute pelos seus critérios pessoais.
Não se trata, portanto, da escolha de um ou outro princípio em específico. A liberdade na
modulação dos efeitos deve ser considerada como uma norma de regulação e ajustamento
do sistema. As diversas relações de validade dos princípios são reguladas pelas regras que
proporcionam ao mesmo direito uma estruturação do sistema, ou seja, estas normas
possuem função de ajustamento, e não mera faculdade de decisão.99
Portanto, esta possibilidade de modulação dos efeitos somente deverá ser utilizada em
casos limites, em que o sistema jurídico não comporte, sob pena de exaustão, a aplicação
da retroatividade total100, e não simplesmente em razão da escolha aleatória de um princípio
em detrimento de outro.
A se utilizar como regra esta possibilidade de modulação dos efeitos em todos os casos em
que se poderia cogitar, que os efeitos produzidos pela norma inconstitucional estariam
protegidos por outros princípios de estatura constitucional, a exemplo da moralidade, boa-fé,
dentre outros, não estará o tribunal cumprindo a real finalidade da norma, posto que em
grande parte das situações que existirem sob o manto de uma decisão de
inconstitucionalidade; de maneira geral poderia o tribunal reconhecer que a restrição dos
efeitos seria necessária.
A exceção não pode se converter em regra, como bem observou Marcelo Rebelo de Souza,
ao comentar o artigo 282° n° 4 da Constituição Portuguesa, que serviu de base para a
elaboração da redação do artigo 27 da Lei 9.868/99:
98
No que se refere a este juízo de ponderação, Raquel Denise Stumm entende que ―deve existir uma medida que permita
alcançar a melhor proporção entre os meios e os fins. (...) Decorre da natureza dos princípios válidos a otimização das
possibilidades fáticas e jurídicas de uma determinada situação‖. (STUMM, Raquel Denise. Princípio da proporcionalidade no
direito constitucional brasileiro, p.81).
99
Neste sentido, Tércio Sampaio Ferraz Filho, cita como exemplo o termostato de uma geladeira. Este mecanismo permite
assegurar que a geladeira mantenha um equilíbrio na sua temperatura, não esfriando demais, nem aumentando a
temperatura para além de um certo limite. Conclui o autor que ―os sistemas normativos jurídicos são constituídos
primariamente por normas (repertório do sistema) que guardam entre si relações de validade reguladas por regras de
calibração (estrutura do sistema)‖.(FERRAZ FILHO, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito, p.190).
100
FISCHER, Octavio Campos. Os Efeitos da declaração de inconstitucionalidade no direito tributário brasileiro, p.254.
43
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
não deve o Tribunal Constitucional converter a excepção em regra e
o recurso à invocação de razões de equidade e de um interesse
público de excepcional relevo não pode subverter a essência do
regime jurídico da nulidade do acto inconstitucional, quer levando o
Tribunal Constitucional a substituir-se ao órgão que praticou ou
deveria ter praticado o acto nulo, quer banalizando e depreciando o
preenchimento dos pressupostos objectivos do Artigo 282°n°4 da
Constituição.101
Ou seja, o cumprimento da real finalidade da norma depende da compreensão de que ela foi
posta pelo direito não simplesmente para possibilitar a ponderação de valores e interesses,
mas em especial para verificar; com base no princípio da proporcionalidade, se as
conseqüências gerais da declaração de inconstitucionalidade são ou não prejudiciais ao
equilíbrio do sistema normativo como um todo.
Como toda regra de estruturação do sistema, a modulação dos efeitos das decisões de
inconstitucionalidade é mais um instrumento disponibilizado pelo direito para propiciar à
sociedade a almejada tranqüilidade e segurança, que são as suas finalidades principais. No
entanto, a utilização deste indispensável instrumento de realização do direito, deve estar
limitada a situações excepcionais sob a pena de causar danos irreparáveis ao ordenamento
jurídico, levando-o ao completo desequilíbrio.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como demonstrado, o tema relativo à modulação dos efeitos temporais da decisão no
controle da constitucionalidade, ainda se destaca na doutrina dedicada ao estudo do direito
constitucional pátrio, cujo debate contribui sobremaneira para o aperfeiçoamento da
Jurisdição Constitucional.
A norma de modulação visa possibilitar o Supremo Tribunal Federal a adotar técnicas mais
―maleáveis‖ em suas decisões, flexibilizando a rigidez absoluta do efeito ex tunc, com os
seus inconvenientes, em verdadeira demonstração de sensibilidade à nova realidade e à
necessidade de se adotar esta nova tendência praticada há algum tempo pela jurisdição
constitucional de diversos países.
Por outro lado, é de se concluir que se o Poder Constituinte não tratou deste assunto é
porque concedeu, mesmo que de forma implícita, licença para que o Supremo Tribunal
Federal validasse, mesmo que temporariamente, atos conflitantes com a Constituição, toda
vez que o equilíbrio e a harmonia do ordenamento pudessem ficar comprometidos. Em
verdade, trata-se de competência constitucional inerente à realização do controle de
constitucionalidade, que restaria inútil, muitas vezes, sem esta possibilidade de modulação
dos efeitos das decisões de inconstitucionalidade.
Neste ponto, embora parte da doutrina entenda que a manipulação dos efeitos afeta o
princípio da supremacia da constituição, esta não foi nossa opinião neste trabalho. Ao
manejar no tempo os efeitos da decisão, o Poder Judiciário não estará modulando a
validade da norma, mas apenas estipulando um determinado momento a partir do qual a
decisão que constatou a invalidade e que declarou inconstitucional a lei produzirá seus
efeitos. Assim, ao declarar a inconstitucionalidade, o tribunal, ante a existência de outros
valores assegurados pela constituição, verificará a necessidade de se restringir ou não os
efeitos da decisão.
Como se observa, os efeitos atribuídos à decisão pelo tribunal, sejam eles ex tunc ou ex
nunc não são decorrentes do vício da norma, mas da própria declaração de
inconstitucionalidade.
Portanto, esta possibilidade da aplicação do efeito ex nunc não conflita com a Constituição;
101
Citado por FISCHER, Octavio Campos Op.cit, p.254.
44
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
ao contrário, está com ela em perfeita harmonia e serve justamente para a mantença da
supremacia dos valores constitucionais, na forma em que possibilita ao Supremo Tribunal
Federal, diante das situações da vida, tornar efetivos direitos e garantias fundamentais, bem
como possibilitar a manutenção da segurança jurídica.
Quando o Tribunal afasta o efeito retroativo, é porque estará reconhecendo valores ou
princípios constitucionais, e assim, estará possibilitando a concretização da supremacia
constitucional. Por outro lado, quando o mantém, também estará garantindo a supremacia
da constituição, pois da mesma forma estará assegurando valores que ela própria visa
assegurar.
Da mesma forma, no que se refere ainda ao objeto de nosso estudo, não vemos qualquer
equívoco quanto à forma encontrada pelo legislador para estabelecer os pressupostos
materiais para a modulação dos efeitos temporais, pois ao se utilizar de conceitos jurídicos
indeterminados, mesmo com alto grau de abertura interpretativa deles decorrente; o fez com
o evidente propósito de possibilitar ao tribunal uma interpretação das possíveis combinações
e circunstâncias que possam surgir no caso concreto, integrando com suas avaliações o
preenchimento do conteúdo dos conceitos deixados propositadamente em aberto pelo
legislador.
Todavia, esta possibilidade conferida pelo legislador ao tribunal, de integrar com seu
convencimento a indeterminação da norma, a qual denomina-se de poder-dever
discricionário, não significa arbitrariedade, ou seja, a opção por uma das hipóteses
admitidas não poderá jamais ser feita de forma aleatória. É importante que esta
competência atribuída aos juízes para resolverem os casos parcialmente deixados por
regular, não sejam confundidos com o poder de criar normas para o caso, mas tão somente
para resolvê-los. Ou seja, deve existir embasamento jurídico viável pelo ordenamento
jurídico, de forma a justificar a decisão e torná-la legítima.
Este embasamento a que nos referimos será buscado através da ponderação dos diversos
valores envolvidos no conflito, cabendo ao tribunal, com base no princípio da
proporcionalidade, visualizar, dentro do espaço de manobra conferido pelo legislador, qual o
único e certeiro momento em que a aplicação dos efeitos da decisão venha a assegurar o
equilíbrio do ordenamento jurídico; de forma que, ao escolher um princípio em detrimento de
outro, esta escolha não se paute pelos seus critérios pessoais.
Da mesma forma, manifestamos nosso entendimento de que esta possibilidade não pode
ser utilizada em toda e qualquer decisão para a qual se alegue que o efeito retroativo irá
violar um ou outro princípio constitucional. A regra continua sendo a retroatividade total, e a
possibilidade de sua maleabilidade conferida pelo ordenamento jurídico deve ser utilizada
naquelas situações excepcionais em que o próprio ordenamento reclame esta flexibilização
sob pena de seu desequilíbrio. Quem requer esta flexibilização é o próprio sistema, que a
exemplo do cardíaco, necessita do medicamento para evitar o próprio colapso.
Concluindo, entende-se que a norma de modulação encontra-se em perfeita harmonia com
a Constituição Federal, o que permite que o Supremo Tribunal Federal, através de um
severo juízo de ponderação, fundado no princípio da proporcionalidade, proceda à
modulação dos efeitos de suas decisões sempre que necessário for restabelecer o equilíbrio
do ordenamento jurídico.
Não se tem dúvidas das enormes dificuldades a serem enfrentadas pelo Supremo Tribunal
Federal nesta difícil missão de garantir a efetivação dos direitos fundamentais e, ao mesmo
tempo, preservar a governabilidade, ou seja, mediar o eterno embate entre os interesses do
cidadão e do Estado.
No entanto, neste grande confronto deve o tribunal estar ciente das razões de sua
existência, qual sejam, a Constituição e os direitos fundamentais, de forma que a melhor
interpretação que ele possa fazer da norma de modulação, é aquela que venha a enaltecer
os direitos fundamentais do cidadão.
45
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COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
O DIREITO AMBIENTAL COMO UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL
CAMILA PARMEZAN OLMEDO102
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
RESUMO
Este trabalho busca ilustrar as definições e os princípios de Direito Ambiental Internacional,
descrevendo brevemente como se deu sua evolução no ordenamento jurídico, tendo em
vista o aumento da preocupação mundial com o ambiente; a qual se expandiu em
dimensões universais e possibilitou tanto melhorias nos sistemas de proteção ambiental
como lhe garantiu o especial posto de direito humano fundamental.
PALAVRAS-CHAVE: direito ambiental, princípios, direitos humanos.
THE ENVIRONMENTAL LAW AS AN HUMAN RIGHT
ABSTRACT
This paperwork intends to explain the concept and principles of the Environmental Law,
briefly describing its evolution in the legal order in view of the rising global concern about the
environment, which gave it universal dimension and allowed improvements in the
environmental protection system as much as guaranteed a special placing to the
environmental law when it was established as a fundamental human right.
KEYWORDS: environmental law, principles, human rights.
1 INTRODUÇÃO
O interesse em preservar o ambiente ganhou maior destaque a partir das intensas
mudanças sociais e climáticas resultantes de evoluções como a industrial e a tecnológica,
decorrentes principalmente do processo de globalização. Logo, com novos conhecimentos
acerca da influência do ambiente sob a humanidade, novas necessidades surgiram para a
população e refletiram na ciência que acompanha a dinâmica social, isto é, a ciência
jurídica, que logo iniciou sua jornada para se adequar à nova realidade.
Assim, surgiu a esfera do Direito Ambiental, o qual vem evoluindo desde a Declaração de
Estocolmo em 1972, onde se falou pela primeira vez na importância do ambiente com
relação à vida humana e da possibilidade do desenvolvimento sustentável.
Como as demais esferas do Direito, o novel ramo consiste em princípios e normas próprias,
as quais dirigem a sociedade a um caminho onde o Estado deve ministrar seu crescimento
social e econômico em harmonia com a manutenção do ambiente, mantendo um equilíbrio
que permita uma vida digna não só aos seres humanos, mas a todos os outros que habitam
a Terra.
Devido a esta extensão, o Direito Ambiental ultrapassou o direito interno e passou a ser
tutelado também no âmbito internacional, originando instrumentos internacionais que visam
à cooperação entre os Estados em busca de melhores meios de proteção ambiental, tendo
em vista que questões como o fenômeno do efeito estufa atinge a todos, sendo impossível
seu tratamento isolado por um só país.
102
Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil. E-mail: [email protected]
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Deste modo, o direito ao ambiente sadio e equilibrado recebeu status de direito humano,
devido à influência direta na tutela do direito à vida, tornando-se prioridade na agenda
internacional contemporânea.
Logo, objetiva-se desmembrar o Direito Ambiental e os princípios que o norteia, analisando
a importância que lhe vem sendo concedida e os motivos que levaram o Brasil e outros
inúmeros países a incorporá-lo em seus ordenamentos jurídicos como um direito humano
fundamental.
2 CONCEITO DE AMBIENTE
O pensamento geral entende como ambiente aquilo que se remete à natureza, como
florestas, mares e animais; entretanto, o conceito se revela mais amplo, englobando não só
a flora e a fauna, mas também a cultura e os lugares da vida cotidiana, tal qual a escola, o
local de trabalho ou o próprio lar de cada cidadão.
A premência em conceituar a expressão ―ambiente‖ teve início a partir de 1970, em
decorrência da Conferência de Estocolmo, onde se demonstrou preocupação com relação
ao ambiente, reconhecendo-o na esfera internacional pela Declaração sobre o Meio
Ambiente Humano, que trouxe novas idéias como a do desenvolvimento sustentável.
Desde então, estudiosos do Direito Ambiental buscam uma definição cada vez mais
complexa e que seja capaz de expor tudo que representa o ambiente a fim de garantir uma
melhor proteção ao meio em que vivemos.
Para acompanhar esta evolução, o ordenamento jurídico brasileiro se dinamizou
introduzindo a matéria na Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981 que dispõe sobre a Política
Nacional do Meio Ambiente e, em seguida, na Constituição Federal de 1988.
Assim, o artigo 225 da Carta Magna brasileira assegura o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, incumbindo ao Poder Público, a função de garanti-lo a todos,
enquanto a Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981; além de assegurar a preservação e a
melhoria da qualidade ambiental, traz o conceito de ambiente no artigo 3º, inciso I: ―Para os
fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - Meio ambiente, o conjunto de condições, leis,
influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a
vida em todas as suas formas".
Inspirado pela construção desta terminologia pela legislação brasileira, o ilustre doutrinador
José Afonso da Silva redigiu seu próprio conceito, entendendo como ambiente ―a interação
do conjunto de elementos naturais, artificiais, e culturais que propiciem o desenvolvimento
equilibrado da vida em todas as suas formas103‖.
Outros numerosos conceitos foram escritos no intuito de tutelar o ambiente de forma mais
abrangente em busca da criação de melhores mecanismos para sua proteção; deste modo,
para facilitar sua compreensão, se dividiu didaticamente o conceito em quatro espécies:
ambiente natural, cultural, artificial e do trabalho, o que facilitou a identificação do meio
agredido, o agressor e a ferramenta para findar a agressão.
Para uma ligeira concepção basta esclarecer que o ambiente natural inclui os recursos
naturais (fauna e flora), e o artificial é o meio alterado pelos seres humanos (zona urbana),
que o cultural envolve os patrimônios históricos, ecológicos e turísticos e; por fim, que o
ambiente do trabalho abriga as condições dos locais de trabalho e a segurança do
trabalhador.
Independente da descrição ou classificação do termo, o importante é perceber que o
ambiente é algo que faz parte da vida de todos os seres e que, em razão disso, se entrelaça
profundamente com a dignidade humana, exigindo proteção normativa.
103
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000, p - 20.
49
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
3 DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL
São várias as terminologias dadas a este novo ramo do Direito, alguns a denominam Direito
Ecológico enquanto outros, Direito do Ambiente, já no Brasil a denominação mais comum é
Direito Ambiental, por isto, deve ser explanado que a celeuma quanto à nomenclatura desta
ciência reside na extensão que pretende dar-se a ela, devido à proteção que necessita
tendo em vista sua importância para a vida, como já explanado anteriormente.
Dentre os conceitos que definem o Direito Ambiental, deve ser destacado o entendimento de
Maria Luiza Machado Granziera:
Constitui o conjunto de regras jurídicas de direito público que
norteiam as atividades humanas, ora impondo limites, ora induzindo
comportamentos por meio de instrumentos econômicos, com o
objetivo de garantir que essas atividades não causem danos ao
meio ambiente, impondo-se a responsabilização e as conseqüentes
sanções aos transgressores dessas normas104.
Após análise do conceito supracitado, percebe-se que a presença do Estado é fundamental
para a implantação de condutas em prol do ambiente, mas que sua presença por si só não
basta, uma vez que para provocar efeitos que sejam capazes de reduzir a poluição
ambiental e o uso desenfreado de recursos naturais deve haver a imposição de normas pelo
Estado em conjunto com a colaboração e conscientização do povo, que deve estar atento à
gravidade do assunto e aos meios mais simples de mudar os comportamentos prejudiciais
ao ambiente.
É importante ressaltar que o Direito Ambiental é atualmente qualificado como direito difuso,
porquanto não é um interesse exclusivamente privado nem público, ou seja, não existe um
titular predestinado, é um direito metaindividual que envolve toda a coletividade de maneira
indivisível e indeterminável.
Em decorrência disso, podem ser afirmadas duas características que compõem o Direito
Ambiental, sendo a primeira a transindividualidade, pois transcende os direitos e obrigações
de um só indivíduo e a segunda é a indivisibilidade; já que não é possível cindi-lo por
pertencer a todos os membros da sociedade indistintamente e ao mesmo tempo.
Por sua abrangência característica a preservação ambiental tem que ter sua preservação
assegurada em nível mundial, por isso o ramo do Direito Ambiental ganhou relevância
internacional; de modo que os Estados se reúnem de tempo em tempo para discutir e editar
tratados internacionais para tutelar o ambiente, o que reflete e influencia a legislação interna
de cada país.
4 PRINCIPIOS DE DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL
Ao longo do estudo da ciência jurídica o estudioso passa a conhecer a importância dos
princípios como fonte que orienta e auxilia a compreensão do ordenamento jurídico, assim
ensina Celso Antônio Bandeira de Mello sobre eles:
mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele;
disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas
compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata
compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere à tônica e lhe
dá sentido harmônico105.
104
105
GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. 2. ed. São Paulo, Atlas: 2011. p. 6.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 230.
50
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Deste modo, o Direito Ambiental também originou princípios próprios, os quais se
classificam da seguinte forma:
4.1 PRINCÍPIO DO DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE SADIO
Em 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento,
também chamada de Rio-92, realizada no Rio de Janeiro, foi proclamado como primeiro
princípio o direito humano a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza.
Por este princípio tem-se que o direito a um ambiente equilibrado é tão essencial à
humanidade que deve ser protegido tanto quanto o direito à vida, razão pela qual a
Constituição Federal Brasileira, em 1988 também o adotou como direito fundamental.
4.2 PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO
Certo da origem do problema ambiental, os Estados devem promover meios de prevenir
atividades danosas ao ambiente, implantando medidas acautelatórias que impeçam atitudes
potencialmente poluidoras, eis que uma vez degradado o meio sua reparação pode se
tornar demasiada onerosa e até mesmo irreversível.
Visualiza-se este princípio no artigo 225, §1°, inciso IV da Constituição Federal, bem como
no artigo 2º, inciso IV da Lei 6.938/81 onde está disposto que é um dos princípios elencados
pela Lei a: ―proteção dos ecossistemas, com a preservação das áreas representativas‖.
Deve ser apontado que muitas vezes há confusão entre o Princípio da Prevenção e o
Princípio da Precaução, entretanto a diferença entre os dois é cristalina, pois ainda que
ambos pertençam ao Direito Ambiental e busquem medidas prévias para impedir agressões
ambientais; o primeiro previne as situações das quais tem certeza de que são prejudiciais,
por ter sua potencialidade lesiva cientificamente comprovada, enquanto no segundo, ainda
há dúvidas sobre os danos que a atividade pode causar, mas que ainda assim devem ser
observadas com atenção.
4.3 PRINCÍPIO DO POLUIDOR PAGADOR
A Lei 6.938/81, na parte em que destaca os objetivos da política nacional do meio ambiente
prescreve: ―Art. 4º A Política Nacional do Meio Ambiente visará: - VII: à imposição, ao
poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados‖.
Desmembrando a denominação do princípio e interpretando a norma apreende-se que
poluidor é quem causa danos ao ambiente e que por isto, torna-se responsável pelos
prejuízos que gerou, acarretando o dever de indenizá-los.
Este princípio é implicitamente um meio de orientar o poluidor sobre os reflexos negativos
causados por suas atividades, desencorajando-o a continuá-las por meio da redução de seu
lucro.
A Constituição Federal também reservou um dispositivo para assegurar a responsabilidade
destes agressores: ―Art. 225, § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio
ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados‖.
4.4 PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais por vários
princípios, dentre eles o da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.
Este princípio, abarcado pelo artigo 4º, inciso IX da Constituição da República é aplicado ao
Direito Ambiental em função de seu status de direito fundamental.
Pelos motivos já explanados, o ambiente é de interesse global por ter influência sobre todos
os tipos de vida na Terra, assim é clara a necessidade da colaboração entre os Estados,
uma vez que não há limites territoriais que bloqueiem a degradação ambiental.
51
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Por isto, os aludidos Entes devem ser capazes de trocar informações sobre situações que
possam adquirir dimensões transfronteiriças, de assistirem uns aos outros na ocorrência de
catástrofes ecológicas e impedirem comportamentos que originem ou agravem
deteriorações ao ambiente.
Para tanto, existem tratados e convenções que abordam meios eficazes de contribuição
entre Estados, determinam regras para a reciprocidade entre eles e confirmam o interesse
na cooperação entre os integrantes da Sociedade Internacional, posto a indispensabilidade
da intervenção estatal para a defesa e preservação do meio ambiente.
4.5 PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Devido ao acelerado avanço do desenvolvimento industrial e tecnológico, os Estados
passaram a enfrentar um dilema: optar entre o crescimento econômico do país ou a
preservação da qualidade ambiental?
No entanto, estudiosos do ramo conseguiram encontrar um caminho para a coexistência
harmônica entre a economia e o ambiente, o qual foi denominado desenvolvimento
sustentável.
Nasceu assim uma política ambiental que intenciona garantir o desenvolvimento
socioeconômico atual, mas de modo a assegurar a qualidade de vida das gerações futuras;
por meio de estratégias que evitem o desperdício dos recursos finitos da natureza, reduzam
a emissão de gases poluentes e apliquem tecnologias que possibilitem a utilização de
energias renováveis.
Por fim, é o papel do Princípio do Desenvolvimento Sustentável incitar os Estados a
introduzir condutas como essas em suas sociedades, planejando o equilíbrio ambiental em
conjunto com o desenvolvimento de seu próprio país, bem como junto ao comércio
internacional.
5. PROTEÇÃO INTERNACIONAL AO AMBIENTE
Pelo Princípio da Intervenção Estatal Obrigatória na Defesa do Meio Ambiente, o qual
dispõe que o Poder Público deve atuar em defesa do ambiente; seja no âmbito
administrativo, legislativo ou judiciário, foi criado um conjunto normativo internacional com
determinações para que os Estados cooperem entre si a fim de protegê-lo amplamente,
tendo em vista a garantia do direito à vida.
Normas de proteção ambiental como a Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar,
a Convenção de Viena para Proteção da Camada de Ozônio e o Protocolo de Kyoto são
algumas das tentativas da Sociedade Internacional em amenizar os problemas ambientais,
destacando as principais questões que afligem o planeta.
No entanto, a obrigatoriedade destas normas internacionais é questionada, eis que não há
como se assegurar o fiel cumprimento dos tratados pelos Estados por ser inconcebível
qualquer espécie de afronta à sua soberania, ainda que no bom intuito de fiscalizar
atividades com relações ambientais. Todavia, para alguns, isto é uma característica do ramo
do direito ambiental que pode ser positiva, uma vez que permite a flexibilidade dos pactos, já
que cada país irá propor ressalvas de acordo com suas próprias particularidades; seus
recursos e economia, firmando apenas as cláusulas que tem condições de cumprir; para
Marcelo Varella: ―é justamente esta diversidade e flexibilidade que lhe dão maior
possibilidade de se expandir106‖.
De qualquer modo, sabe-se que toda norma jurídica é dotada de imperatividade, eis que
define uma ordem a ser seguida, assim sendo não há que se falar na inexistência da
obrigação do dever de preservar o ambiente devido a tal flexibilidade, porque a legislação
ambiental, seja interna ou internacional, estimula os Estados a praticarem condutas
106
VARELLA, Marcelo Dias. Direito internacional econômico ambiental. Belo Horizonte: Del Rey,
2003. p. 28.
52
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ecologicamente corretas, dando-lhes a faculdade de decidir como irão realizá-las, facilitando
seu cumprimento e a proteção ao ambiente.
6. O DIREITO AO AMBIENTE COMO UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL
A Constituição Federal de 1988, ao dispor no caput do artigo 225 que ―todos têm direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida‖; garantindo proteção especial ao ambiente e reconhecendo sua
importância à humanidade, elevando-o assim ao patamar de direito fundamental.
É oportuno recordar a categorização criada por juristas quanto aos direitos fundamentais, ou
seja, a tradicional divisão entre as dimensões dos direitos; as quais são, brevemente, os
direitos fundamentais de 1ª dimensão, relativos à liberdade e aos direitos individuais; os
direitos de 2ª dimensão, referentes aos direitos sociais e econômicos e, por fim, os direitos
de 3ª dimensão, compostos por valores de solidariedade, isto é, direito ao desenvolvimento
e ao meio ambiente.
Destarte, ter sido o direito ao ambiente considerado direito fundamental de 3ª geração
significa dizer que o Estado se conscientizou da magnitude deste tema para a sociedade
como um todo, tanto é assim que o próprio texto constitucional aduz ao ambiente como um
bem de uso comum.
Porém, esta mudança no ordenamento jurídico brasileiro não ocorreu repentinamente, a
origem desta preocupação para com o ambiente adveio, como citado anteriormente, da
Conferência de Estocolmo em 1972, um encontro internacional que é reconhecido como
marco do movimento ambiental, no qual foi estabelecido como ―Principio 1‖ que:
[...] o homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao
desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de
qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bemestar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio
ambiente para as gerações presentes e futuras107.
A inserção desta matéria pelo ponto de vista de direito humano fundamental na pauta de
discussões internacionais foi notável, eis que os Estados Soberanos demonstraram intenção
de solucionar questões ambientais que vinham sendo trazidas pela primeira vez com tal
grandiosidade; escancarando os problemas que prejudicam o planeta e todos os seres que
nela habitam.
A partir deste momento, a Sociedade Internacional confrontou a devastação ambiental frente
à qualidade de vida e deu status de direitos humanos à proteção do ambiente saudável,
sendo assim, os Estados se comprometeram a realizar medidas defensivas e protetivas ao
ambiente dentro de seus territórios; promovendo então uma vida melhor não só para a
geração atual, mas também para as futuras.
A Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada na cidade de Viena, em 1993
confirmou a urgência em salvaguardar o ambiente, preservar os recursos naturais e diminuir
a devastação causada pelo crescimento dos Estados, haja vista que a sobrevivência
humana depende de condições que somente podem ser fornecidas pela própria natureza.
Neste sentido tem-se a posição de José Afonso da Silva: ―a proteção ambiental, abrangendo
a preservação da Natureza em todos os seus elementos essenciais à vida humana e à
manutenção do equilíbrio ecológico, visa a tutelar a qualidade do meio ambiente em função
da qualidade de vida, como uma forma de direito fundamental da pessoa humana108‖.
O ilustre José Afonso da Silva cita que a natureza garante elementos essenciais à vida, o
que remete o pensamento não só à importância da preservação das florestas e das
espécies, mas também aos detalhes que mudariam significativamente a vida no planeta
caso o ambiente não seja devidamente respeitado, como por exemplo, a água da chuva,
107
108
Organizações das Nações Unidas, 1972.
SILVA, José Afonso. Op. Cit. p - 58
53
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
que ainda que pareça um fenômeno tão rotineiro, tem enfrentado o problema da poluição
que a torna ácida, prejudicando plantações e a própria água que é consumida pelos seres
vivos.
Pelo exposto, nota-se a importância da elevação do direito a um ambiente ecologicamente
equilibrado a um direito humano fundamental; sendo-lhe devida a proteção internacional que
lhe tem sido atribuída, conectando tanto os Estados quanto os indivíduos na busca por uma
qualidade de vida cada vez melhor.
Enfim, está mais do que confirmado que o ambiente é considerado um direito humano
universal, ultrapassando as barreiras dos Estados; eis que sua relação direta com os direitos
fundamentais à vida e à saúde passou a se mostrar mais transparente conforme a difusão
da informação, instigando o desejo em preservar o planeta.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao fim deste estudo, verifica-se a proteção que o ambiente ganhou mundialmente e que o
Direito Internacional Público continua se expandindo a fim de solucionar as questões
ambientais, buscando na integração entre os Estados a preservação do ambiente e da
própria vida humana.
Deste modo, percebeu-se que os direitos à vida e ao ambiente são indissociáveis, o que
determinou a consideração do direito ambiental como um direito humano fundamental,
dando-lhe especial proteção pelo ordenamento jurídico internacional.
Assim a preocupação ambiental se difunde pelos países, tornando-se um patrimônio
comum, sinônimo de solidariedade e qualidade de vida.
Logo, o ordenamento interno de cada Estado foi se aperfeiçoando a fim de incluir o Direito
Ambiental em seu conjunto, assegurando a presença deste numa posição hierarquicamente
superior a qualquer lei vigente no país: na Carta Constitucional, a fim de demonstrar que o
ambiente é tão importante quanto os demais bens jurídicos por ela protegidos, tanto quanto
a dignidade, a cidadania, ou a própria vida.
Diante disto, o Direito Ambiental tem evoluído constantemente para garantir a tutela jurídica
deste bem por meio de instrumentos internacionais, dos princípios de prevenção e do
desenvolvimento sustentável.
Por derradeiro, o Direito Ambiental tem se sedimentado com o passar do tempo, garantindo
seu posto de direito humano fundamental ao redor do mundo e atraindo juristas que buscam
o contínuo crescimento desta área do Direito, relacionando-a com os demais ramos, como a
responsabilidade penal ambiental e outros estudos contemporâneos.
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judiciária e seu perfil constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
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TRINDADE, ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO. Direitos humanos e meio ambiente. Porto
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VARELLA, MARCELO DIAS. Direito internacional econômico ambiental. Belo Horizonte:
Del Rey, 2003.
55
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
LICENÇA MATERNIDADE USADA ANALOGICAMENTE PARA HOMENS RESPEITANDO
O PRINCÍPIO DOS DIREITOS HUMANOS.
MARIA AUGUSTA QUEIROZ VERDELHO109 ,
LUCIANA ANGÉLICA SEIBT110 ,
THAIS BISPO ESPIGA111 .
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
RESUMO
O trabalho apresentado demonstra de quão importância é o principio da igualdade entre os
sexos no caso da licença maternidade, onde o pai possa vir a assumir o lugar da mãe em
casos onde a mesma não possa estar presente. Adotou-se como exemplos a morte da
genitora, pai que adota solteiro, ou pai homossexual, sendo que este ultimo é um modelo
familiar que vem crescendo muito. Para a criança é de suma importância a presença de um
dos genitores nos primeiros dias de vida, sendo que o mesmo é hipossuficiente,
necessitando dessa maneira de cuidados especiais a todo momento, e que a não
concessão desse benefício será prejudicial para a sociedade, pois a boa estrutura familiar é
onde nascem os bons cidadãos e onde há mais justiça e dignidade. Baseando-se pela
Constituição Federal de 1988, a igualdade está cada vez mais em destaque, precisando ser
colocada em prática para representar a democracia.
PALAVRAS-CHAVE: Licença Maternidade- Analogia- Paternidade- Igualdade.
MATERNITY LEAVE USED FOR MEN ANALOGICALLY RESPECTING THE PRINCIPLE
OF HUMAN RIGHTS
ABSTRACT
The work presented hereby demonstrates how important the principle of gender equality is
in the case of maternity leave, where the father might take the place of the mother in cases
where she may not be present. Let´s have as examples mothers' death, a single father who
adopts a child, a gay father , (the latter is a model that has been growing very familiar).
Considering that the the presence of a parent is of paramount importance to the child in the
first days of life, and the same is hipossuficient , it requires special care at all times, and if
such benefits are not granted , it will be harmful to society, because good family structure is
where the good citizens are born and where there is more justice and dignity. Based on the
1988 Federal Constitution, equality is increasingly highlighted, needing to be put in place to
represent democracy.
KEYWORDS: Maternity leave, Analogy, Fatherhood, Equality
1 INTRODUÇÃO O trabalho desenvolvido buscou esgotar os procedimentos metodológicos
de pesquisa, abordando as diferentes correntes adotadas, com o objetivo de demonstrar as
diversas interpretações dadas ao tema.
O presente trabalho apresenta uma maneira diferente de ver a licença maternidade e a
licença paternidade, abordando de forma clara que a intenção desses dois institutos é a
109
Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected]
Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected]
111
Professora, Advogada, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected]
110
56
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proteção integral da criança, pois esta é ser mais frágil, principalmente no nascimento e nos
seus primeiros dias de vida.
Sabe-se que a mãe fica um pouco mais sensível com o nascimento de um filho, pois é um
momento muito esperado para a família, é o momento em que nasce de si um ser que
carregou durante meses em seu ventre.
E para o pai, além de ser um momento extremamente importante, é também um momento
em que tem que se desdobrar para poder entender como funciona essa nova família que se
forma.
Apresentam-se também formas de proteção a criança e a família, desde o nascimento.
Assim como a importância do pai e mãe na vida deste, e ainda comentando sobre os
direitos fundamentais, colocando de forma clara a responsabilidade dos genitores.
A licença maternidade foi uma conquista vinda com o tempo, assim como a integração da
mulher no mercado de trabalho.
O norte do trabalho tem seu marco diante de tantos fatores com os quais a sociedade se
depara. A licença paternidade é um período curto em alguns casos particulares, tendo em
vista que tanto a criança como a mãe precisa de cuidados pós-parto, tanto para a
recuperação da mulher após o nascimento da criança; como também em casos
excepcionais onde a criança nasce com alguma deficiência, casos de adoção ou ainda se a
mãe possa vir a falecer.
Exalta-se que vários são os pensamentos doutrinários e estudiosos do direito sobre o
assunto, analisando jurisprudências a favor e também os princípios gerais do direito.
Entende-se que a mãe tem uma necessidade maior da obtenção da licença maternidade em
detrimento ao homem, usa-se neste caso o princípio da isonomia, porém há casos em que o
homem necessitará tanto quanto a mulher deste benefício.
Por fim, analisa-se também que o desempenho do homem no trabalho sabendo que sua
família necessita de cuidados especiais cairá bastante. Os primeiros cuidados para a
criança e a mãe são muito importantes logo após o parto e um período após ele, pois é onde
se mostra o amor naquele momento especial para todos.
Diante o exposto, cabe ressaltar que para a realização do presente trabalho, utilizou-se de
pesquisas bibliográfica, exploratória, doutrinárias e jurisprudenciais, bem como dos métodos
dedutivo e observacional.
2 DIREITOS FUNDAMENTAIS
Direitos fundamentais são aqueles que além de ser o que garante a integridade física e
moral do cidadão é também uma forma de assegurar que o que está na Constituição
Federal seja realmente cumprido.
2.1 CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os direitos e garantias fundamentais são aqueles do artigo quinto da Constituição Federal
de 1988, porém não se restringe a somente esses, é tudo aquilo que nasce com o cidadão e
não é uma concessão do Estado.
Do artigo quinto ao artigo dezessete da Constituição Federal temos o Titulo II, onde se
refere aos Direitos e Garantias Fundamentais, porem o autor Pedro Lenza em seu livro:
Direito Constitucional Esquematizado diz que:
O STF manifestou-se corroborando com a doutrina mais atualizada
que os direitos e deveres individuais e coletivos não se restringem ao
Art. 5o da Constituição Federal de 1988, podendo ser encontrados ao
longo do texto constitucional, expresso ou decorrentes do regime e
57
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
dos princípios adotados pela Constituição, ou ainda, decorrentes dos
tratados e convenções internacionais de que o Brasil seja parte.112
No âmbito internacional, entre outros tem a Declaração dos Direitos Fundamentais do
Homem feito pela ONU em seu Preâmbulo estabelece que:
CONSIDERANDO que o reconhecimento da dignidade inerente a
todos os membros da família humana e seus direitos iguais e
inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no
mundo, CONSIDERANDO que o desprezo e o desrespeito pelos
direitos do homem resultam em atos bárbaros que ultrajaram a
consciência da Humanidade, e que o advento de um mundo em que
os homens gozem da liberdade de palavra, de crença e de liberdade
de viverem a salvo do terror e da necessidade, CONSIDERANDO ser
essencial que os direitos do homem sejam protegidos pelo império
da lei, para que o homem não seja compelido, como ultimo recurso, a
rebelião contra a tirania e a opressão, CONSIDERANDO ser
essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre
as nações, CONSIDERANDO que os povos das Nações Unidas,
reafirmam na carta, sua fé nos direitos do homem e da mulher e que
decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida
em uma liberdade mais ampla, CONSIDERANDO que os Estados
Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as
Nações Unidas o respeito universal aos direitos e liberdades
fundamentais do homem e da observância desses direitos e
liberdades, CONSIDERANDO que uma compreensão comum desses
direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno
cumprimento desse compromisso, A Assembléia Geral das Nações
Unidas, proclama a presente ―Declaração Universal dos Direitos do
Homem‖ como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e
todas as nações, com o objetivo de que cada individuo e cada órgão
da sociedade, tendo sempre em mente essa Declaração, se esforce,
através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses
direitos e liberdades e plena adoção de medidas progressivas de
caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento
e sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos
Estados Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua
jurisdição.113
Esse preâmbulo deixa claro que o Estado deve proteger o cidadão independente de
qualquer instituição política e social, que o cidadão deva ser considerado primeiro do que
qualquer uma dessas instituições sociais. E que inclusive essas instituições tenham como
fundamento a Declaração acima citada no que tange respeito aos princípios humanos.
O Estado tem, em primeiro lugar, a defesa dos direitos dos seus membros, e as pessoas da
sociedade deve buscar exigir sua dignidade e garantir os meios para atendimento de suas
necessidades básicas.
Essa declaração faz uma referência plena da vida do homem e da mulher, coloca como
principal de tudo a família, e que a família é a ―pedra preciosa‖ de todos. A partir do
momento em que se exalta a família, a dignidade esta mais presente, pois quem é
abrangido pelo poder familiar sente-se mais seguro e tranqüilo, sente-se mais livre; livre
para manifestar seu pensamento e para seguir os caminhos; sente-se mais amparado, pois
112
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.669.
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em <http://www2.idh.org.br/declaração>
acesso em 03/mai/2012.
113
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COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
quando essa Declaração é levada ao pé da letra como o que está escrito ali a sociedade
sente-se mais acolhida pelo Estado, mais protegido juridicamente falando, o que na referida
Declaração podemos falar não apenas do Estado (Brasil); mas de todas as nações que
apóiam a ONU.
A sociedade não é mais como os antigos povos bárbaros, hoje se vive em ―sociedade‖, onde
há respeito e dignidade, onde as pessoas umas pensão nas outras, no lugar em que
existem leis e onde há sentimentos, há o próximo e que se deve pensar que não estamos
sozinhos. Tem-se a liberdade da palavra, temos as crenças humanas imensas e cultura.
Há uma fé nas relações entre os homens e mulheres, e que essa declaração seja levada a
sério. Os seres humanos um dependem do outro, não há como viver em sociedade sem
sociedade, e respeitando é que teremos uma sociedade mais sociável.
Os Estados membros que aderiram a esta Declaração se comprometeram a promover em
cooperação com as Nações Unidas um respeito universal, e para isso realmente ser
colocado em prática, tem que haver cooperação dos povos um por um de cada Estado
membro observando os direitos e liberdades. E haverá uma compreensão comum desses
direitos e liberdades para que esse compromisso seja realmente efetivado.
Para a eficiência da declaração universal dos direitos do homem, isso tem que partir desde
as Nações Unidas, para seus Estados Membros, chegando a cada Estado tem que levar
para a sociedade e principalmente para dentro das famílias, porque a força maior esta
dentro de cada lar, de cada família e consequentemente vem do ser humano.
No Brasil temos a Constituição Federal de 1988, que nos garante direitos e garantias
fundamentais e que são exigíveis, pois estão em dispositivos de lei, alias não é qualquer lei
e sim a Carta Magna, onde no primeiro artigo já dispõe como um de seus fundamentos: ―III –
Dignidade da Pessoa Humana‖.114
No artigo terceiro da Constituição Federal refere-se à Sociedade Justa como está expresso:
―Art. 3o Constituem objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil: I – Constituir
uma sociedade livre, justa e solidária‖.115
Essa sociedade é livre, mas tem algumas restrições como, por exemplo, no direito criminal o
cerceamento de ir e vir. Mas é livre o pensamento, todos têm direito de ter sua própria
opinião e expressa-la da maneira que achar melhor, desde que não ofenda outras pessoas,
e se acontecer, está tem o direito a resposta proporcional ao agravo.
Quando se refere à solidária, há mais o que se pensar. Hoje, a solidariedade está sendo
muito abordada, tanto pelas igrejas como pela sociedade mesmo, está sendo quase um
princípio a ser debatido. Mas, essa solidariedade está com mais força. Solidários com os
próximos e com os mais necessitados, solidários todos com todos.
No Art. 4o da Constituição Federal estabelece que: ―Art. 4o A República Federativa do Brasil
rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: II – Prevalência dos
Direitos Humanos; VI – Defesa da Paz‖. 116
Mas uma vez, a Constituição Federal se refere à prevalência dos direitos humanos,
entende-se que essa prevalência no âmbito internacional seja realmente um princípio como
cláusula pétrea, que realmente prevaleça sob qualquer aspecto ou tratados que possa haver
internacionalmente.
2.2 HISTÓRICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
No contexto histórico dos direitos fundamentais temos os direitos que a doutrina costuma
classificar em gerações ou em dimensões.
Os Direitos de Primeira Geração com um conceito histórico dado por Pedro Lenza:
Alguns documentos históricos são marcantes para a configuração e
emergência do que os autores chamam de direitos humanos de
114
BRASIL. Constituição Federal de 1988.
Idem. Ibidem.
116
Idem. Ibidem.
115
59
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primeira geração (séculos XVII, XVIII e XIX): Magna Carta de 1215,
assinada pelo Rei João Sem Terra; Paz de Wesfália (1648); Habeas
Corpus Act (1679).117
São os chamados direitos civis e políticos, direitos que traduzem o valor de liberdade,
englobam na verdade o direito a vida, a liberdade, a propriedade, a igualdade formal e
liberdade de expressão coletiva entre outros. São os direitos relacionados ao individuo na
relação dele como individuo mesmo, limitado o poder do Estado neste. É aquilo que o
cidadão, como membro da sociedade, tem direito sem a interferência do Estado desde que
dentro das próprias normas estabelecidas na Constituição.
Quanto aos Direitos de Segunda Geração na parte histórica Pedro Lenza diz que:
Momento histórico foi na revolução industrial européia, a partir do
século XIX. Nesse sentido em decorrência das péssimas situações e
condições de trabalho, eclodem movimentos como o cartista _
Inglaterra e a Comuna de Paris (1848) na busca de reivindicações
trabalhistas e normas de assistência social. O inicio do século XX é
marcado pela Primeira Grande Guerra e pala fixação de direitos
sociais. Isso fica evidenciado, dentre outros documentos, pela
Constituição de Weimar de 1919 e pelo Tratado de Versalhes
1919.118
Acontecia que, antes da segunda guerra as condições dos trabalhadores eram muito
―escravo‖, o que pós-segunda guerra isso mudou um pouco para melhor.
Então eles correspondem aos direitos de Igualdade, buscava-se o bem estar social da
coletividade, levando-se em conta do trabalho, habitação educação, saúde e até mesmo o
lazer, privilegiavam-se os direitos sociais, culturais e econômicos, sempre buscando a
coletividade.
Pedro Lenza destaca os Direitos de Terceira Geração como:
(...) marcados pela alteração da sociedade, por profundas mudanças
na comunidade internacional, às relações econômicas sociais se
alteram profundamente. Novos problemas de preocupações mundiais
surgem, tais como a necessária noção de preservacionismo
ambiental e as dificuldades para proteção dos consumidores.119
Busca proporcionar o bem estar aos grandes grupos, isto é, a todos os grupos humanos, diz
respeito a meio ambiente, paz entre os povos, qualidade de vida entre tantos outros temas
no âmbito da coletividade.
E os Direitos de Quarta Geração, aceito por alguns autores, tem avanços no campo da
Engenharia Genética, colocando em risco a vida humana para manipular o patrimônio
genético. Tudo ao desenvolvimento genético e tecnológico da humanidade estão nesta
dimensão, chamada também de quinta geração quando fala em cibernética.
2.3 PRINCÍPIOS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
A liberdade encontra-se permanentemente seu bojo nos princípios dos direitos
fundamentais. Podem ser classificados como princípios fundadores ou princípios fontes.
Esses princípios são oriundos da reflexão filosófica e da moral, seja religiosa ou laica.
São quatro os princípios: A dignidade da pessoa humana, a liberdade, a igualdade e a
fraternidade.
117
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.670.
LENZA, Pedro. Op. Cit. p. 671.
119
Idem. Ibidem. p.670 e 671.
118
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COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
No Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, Jean-Jacques Israel diz que:
(...) é o princípio fundador dos direitos do homem, o princípio de
proteção da dignidade da pessoa humana traduz, por sua vez, a
própria essência da concepção humanista da consciência universal
originária de uma exigência ética fundamental. Este princípio esta
implicitamente contido na Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 26 de agosto de 1789 entre outros instrumentos.120
Este princípio é rico, além de muito usado em todas as matérias de direito.
Depois da Revolução Industrial, houve muitos contratempos que surgiu a necessidade de
um princípio para observar e cuidar da dignidade do homem como ser humano de verdade,
foi ai que veio uma posição ética fundamental. Em suma, o princípio da liberdade está como
um dos princípios dos direitos fundamentais.
Quanto ao Princípio da Liberdade, Jean-Jacques Israel diz que:
Afirmado já na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de
1789 e constantemente retomado desde então, ele foi consagrado
varias vezes. Por meio de formulações jurídicas variadas, ele é
encontrado na jurisprudência que fala em geral, naturalmente, de
liberdade individual. Os componentes desses princípios são
inúmeros, já que a liberdade em si mesmo poderia ser preservada se
as restrições arbitradas ou abusivas fossem dadas a qualquer uma
das liberdades do individuo.121
A liberdade do indivíduo está expressa desde os primeiros artigos da declaração dos direitos
do homem. Essa liberdade no direito brasileiro tem suas exceções como já citado
anteriormente.
Liberdade é para todos os indivíduos desde que um respeite a liberdade do outro, ela é uma
faculdade de agir, mas ao mesmo tempo, tem que pensar que não pode ser de qualquer
forma e sim uma maneira pacífica, moderada e justa.
O Princípio da Igualdade, segundo Jean-Jacques Israel:
É indissoluvelmente ligado ao de liberdade, constitui o terceiro
principio fundador em matéria de liberdades fundamentais concebido
como o principio fundador da democracia, o principio da igualdade é
às vezes até apresentado como o mais fundamental que a liberdade,
porque a igualdade é o homem. A igualdade é afirmada na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e
retomada, de modo constante, nos textos nacionais e internacionais
posteriores. Os componentes desse princípio são bem variados e,
com freqüência, especificamente identificados e qualificados:
igualdade perante a lei, perante o sufrágio, perante os cargos
públicos, entre homens e mulheres.122
A igualdade é base porque, a partir do momento que um cidadão for considerado igual ao
outro, surge os direitos fundamentais, porque sendo iguais devem ser eliminados todos e
quaisquer tipos de discriminações sejam elas raciais ou homossexuais e ainda entre
homens e mulheres que; apesar de muito já ter sido falado, ela esta constantemente entre
as pessoas, principalmente no que tange ao emprego.
120
ISRAEL, Jean-Jacques. Direitos das Liberdades Fundamentais. São Paulo: Manole, 2005.
p.388.
121
ISRAEL, Jean-Jacques. Op. Cit.
122
Idem. Ibidem. p. 53.
61
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E o Princípio da Fraternidade, conforme o mesmo autor:
É raramente evocado como principio jurídico. Ele não se revela
menos fundador dado que figura em bom número de textos nacionais
e internacionais – quer como tal, quer por meio de outras
formulações – bem como é, de algum modo, decorrente dos
princípios de dignidade e de igualdade anteriormente evocados.
Ainda não propriamente consagrada pelo juiz, à fraternidade possui
exemplos mediantes os princípios da solidariedade e de coesão
social.123
A origem da fraternidade é francesa, e esta na constituição da frança de 1958 no artigo
segundo. Ela é uma tradição francesa, e relaciona-se também com a idéia de solidariedade.
A fraternidade que, como mencionado, não é muito usada nos textos jurídicos, ela deveria
ter uma patamar a ser seguido, ao menos em alguns aspectos, como quando a constituição
se refere ao salário digno e justo, e que tenha que ser um parâmetro de sobrevivência para
a família.
2.4 PROTEÇÃO À MATERNIDADE
A proteção à maternidade veio com a Convenção no 3 da OIT em 1919, que falava sobre o
trabalho antes de depois do parto. Porém, para melhorar a redação e dar novos aspectos
veio a Convenção no 103 da OIT que foi promulgada pelo Decreto no 58.020 de 14 de junho
de 1966 dispondo que: ―em caso algum o empregador deverá ficar pessoalmente
responsavel pelo custo das prestaçoes devidas a mulher que emprega”.124 As prestaçoes
devidas à empregada gestante tanto antes como depois do parto, ficaram a cargo de um
sistema de seguro social.
Somente com a Lei no 6.136 de 7 de novembro de 1974, é que o salário maternidade
passou a ser uma prestação previdenciária, nao sendo mais o empregador que tem que
pagar à custa da empregada gestante, antes e depois do parto.
De acordo com a Constituição Federal em seu Art. 7o, XVIII: ―Licença a gestante, sem
prejuizo do emprego e do salário, com duraçao de cento e vinte dias‖.125
O período de licença maternidade é de cento e vinte dias, sendo vinte e oito antes do parto
e noventa e dois dias após o parto, que totalizam 17 semanas aproximadamente.
Hoje, tem-se como base para o princípio da maternidade, a Constituição Federal, a OIT no
103 e a Lei nº 8.213 de 24 de Julho de 1991 que é a Lei da Previdência Social. A Lei da
Previdência Social, a partir do Art. 71 versa sobre o Salário-Maternidade, totalizando os dias
antes e depois do parto no total de 120 dias. Mesmo que aconteça o parto antecipado a
gestante tem o mesmo direito e benefício, especifica que, durante esse período de cento e
vinte dias de licença, quem deve pagar o salário maternidade é a Previdência social e não a
empresa empregadora.
A que foi um artigo acrescentado pela Lei no 10.421 de 15 de abril de 2002 são um
diferêncial e uma importante emenda feita, pois versa sobre a mãe que adota, pois quem
adota também tem direito a licença maternidade, que é um período de adaptação,
merecendo o benefício da licença maternidade também.
123
Idem. Ibidem. p.477.
Organização Internacional do Trabalho. Disponível em <http://www.oitbrasil.org.br> acesso em
04/jun/2012.
125
BRASIL. Constituição Federal 1988.
124
62
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2.5 PROTEÇÃO À CRIANÇA
A proteção dos direitos da criança primeiro veio na declaração dos direitos da criança de 20
de novembro de 1959 pela ONU, que foi posteriormente ratificada pelo Brasil, onde um de
seus pontos marcantes era o preâmbulo onde fala que: ―(...) A humanidade deve à criança o
melhor de seus esforços‖.126 Há um pacto de responsabilidade humana universal, que, aliás,
foi bem compreendida pelo constituinte de 1988. Trata-se de que a criança é pessoa em
condição especial e não tira dela a sua condição de pessoa em si, assegura-se seu
desenvolvimento e direitos fundamentais.
Sobre essa declaração, diz Newton José de Oliveira Dantas:
(...) a declaração de 1959 faz menção especifica a proteção e
cuidados especiais da criança, bem como afirma, no principio 2º, que
‖A Criança gozará proteção especial e ser-lhe-ão proporcionadas
oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe
facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de
forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade‖,
enunciado este, adotado integralmente na segunda parte do art. 3º do
Estatuto da Criança e Adolescente. 127
Note-se que, o Estatuto da Criança e Adolescente, mesmo sendo uma lei posterior a
Constituição Federal de 1988 traz consigo alguns preceitos que já existia na Declaração dos
Direitos da Criança.
Em 20 de novembro de 1989, foi adotada pelo ONU a Convenção dos Direitos da Criança,
que foi ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990. Sobre essa convenção diz Newton
José de Oliveira Dantas que:
(...) reconheceu-se a dignidade não só do homem enquanto pessoa
única, mas de toda a família – nela integrada a criança, ficando
expressa a necessidade de proteger a infância e promover-lhe,
dessa forma, desenvolvimento pleno e adequado, respeitada a sua
condição peculiar de ser em formação, preparando-lhe para o
exercício da cidadania adulta. (...) Acolhe a ideia de desenvolvimento
integral da criança, atribuindo-lhe a condição de sujeito de direitos, e
não objeto de intervenção do direito, exigindo-lhe, ainda, proteção
especial e absoluta prioridade, dando, assim, origem ao que,
doutrinariamente, denominou-se Doutrina da Proteção Integral.128
O objetivo da Doutrina da Proteção Integral da Criança era de criar uma norma conceitual,
com um objetivo único compatível com diversas culturas e sociedades. Com intenção única
de elevar sempre o interesse da criança.
Em alguns trechos da Convenção sobre os Direitos da Criança fica bem reconhecido o
direito inerente à vida, devendo o Estado assegurar ao máximo, a sobrevivência e do
desenvolvimento da criança, proporcionando-lhe, para tanto o melhor padrão possível de
saúde.
Ainda diz o Art. 227 na Constituição Federal de 1988, sobre a proteção a criança que:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e
ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
126
Declaração dos Direitos da Criança. Disponível em :
<http://www.culturabrasil.org/direitosdacrianca> acesso em 04/jun/2012.
127
DANTAS. Newton José Machado.Op.Cit.p.92 e ss.
128
DANTAS. Newton José Machado.Op.Cit.p.92.
63
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.129
Este artigo revela um status social, que permite à criança exigir prestações do Estado. A
criança possui absoluta prioridade, principalmente no que diz respeito às políticas sociais,
ela é ser inocente e puro, não tem malícia, por isso deve a elas proteção e respeito.
Vendo isso, fica claro a adoção da Doutrina de Proteção Integral da Criança no Art. 227 da
Constituição Federal de 1988, como diz Tânia da Silva Pereira:
(...) é reconhecido na comunidade internacional como a síntese da
Convenção da ONU de 1989, ao declarar os direitos especiais da
criança e do adolescente, como dever da família, da sociedade e do
Estado.130
A doutrinadora também explana no direito e proteção da criança e do adolescente, não é
atoa que existem tantas bases legais, jurisprudenciais fazendo essa proteção.
E ainda sobre esse assunto diz Newton José de Oliveira Dantas:
A mobilização para a reforma do sistema aplicado as crianças e aos
adolescentes foi de caráter, inegavelmente democrático e
humanitário, tanto que a constituição federal destaca a priorização
dos direitos humanos, cuja proteção configura um dos cinco
fundamentos do Estado Democrático de Direito da Nação
brasileira.131
Dantas explana sobre proteção da criança como sendo direito fundamental que realmente o
é, sendo que esta também é um ser humano.
A convenção de 1989 foi um instrumento que chamou a atenção para todos os movimentos
sociais que dizem respeito à proteção da vida e da infância da criança. Isso para que
melhore as condições não só na saúde da criança, mas na educação, lazer, moradia e uma
família para apoio. Mesmo porque, a criança nas escolas e creches deve aprender e ser
cuidadas, em casa a função de pai e mãe é a de educar além do dever de cuidar.
Ao nascerem todos adquirem a dignidade, que é um direito fundamental. A convivência
familiar, onde a criança tem o direito de viver no meio familiar e harmônico, por isso a
importância dos pais, são eles que iram cuidar e educar.
Então, com todas essas mudanças, o Código de Menores de 1979 deu lugar ao Estatuto da
Criança e adolescente como diz Newton José de Oliveira Dantas:
Com o Estatuto da Criança e Adolescente de 13 de outubro de 1990,
a criança e o adolescente não eram mais objeto de intervenção dos
direitos e interesses dos adultos, mas sim sujeito de direitos,
devendo a interpretação de a lei levar em consideração a sua
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.132
O Estatuto da Criança e Adolescente veio com o proposito de melhorar ainda mais a
proteção da criança no Brasil, porque a criança é um ser mais vulnerável e tem suas o
direito de desenvolver suas potencialidades humanas em plenitude, e ainda diz Martha de
129
BRASIL. Constituição Federal de 1988.
PEREIRA, Tânia da Silva. A proteção da infância e adolescência no Brasil. Revista de Direito
Civil, São Paulo: RT. 1992.p. 22 e 39.
131
DANTAS, Newton José Machado.Op.Cit.p.91.
132
Idem. Ibidem. p. 95 e 96.
130
64
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Toledo Machado que: ―Crianças e adolescentes são pessoas que ainda não desenvolveram
completamente sua personalidade‖133, por isso a necessidade de uma legislação específica,
apoio para seguir no caminho correto, fazendo distinção do certo ou errado.
Ainda sobre a dignidade da criança estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente no
Art. 3o:
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de
que trata esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por outros, meios,
todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em
condições de liberdade e de dignidade.134
Mais uma vez, vem destacando a importância e a eficácia da dignidade da criança como
direito fundamental.
3 LICENÇA MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
A licença maternidade é um ato além de necessário, humano também uma vez que
proporcionará à família a qual está se formando uma maneira de transmitir carinho e amor,
sem contar à felicidade que é ter uma nova criança no novo lar que esta em formação.
Na Consolidação das Leis do Trabalho no Art. 392 fala que:
A empregada gestante tem direito a licença maternidade de cento e
vinte dias, sem prejuízo ao emprego e ao salário; parágrafo primeiro:
a empregada deve, mediante atestado médico, notificar o seu
empregador da data do inicio do afastamento do emprego, que
poderá ocorrer entre o vigésimo oitavo dia antes do parto e
ocorrência deste.135
Está previsto em Lei esse direito da gestante de ter sua licença maternidade assegurado, só
que assim como a empregada tem o direito a licença, o empregador tem o direito de ficar
sabendo a data de início e termino; pois a empresa tem que se programar para esse
afastamento ao trabalho, pois dependendo do quadro de funcionários terá que realizar
novas contratações para substituições desta gestante.
O Art. 7o da Constituição Federal de 1988 também fala em seu inciso XVIII – ―Licença a
gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de cento e vinte dias‖.136
Essas previsões tanto da CLT como da Constituição Federal serve também como uma
forma de que não haja discriminação do emprego entre homens e mulheres, mas claro que
também porque a mulher realmente precisa de um tempo para cuidar dos filhos com o
nascimento e para se recuperar do parto.
Anteriormente, a licença maternidade era de 84 dias, essas previsões legais veio para que
fosse ampliado para maior comodidade familiar.
Esse período para o contrato de trabalho trata de interrupção assim como diz Pedro Paulo
Teixeira Manus:
Trata-se, como em outros casos, de período de interrupção do
contrato de trabalho, já que inexiste prestação de serviço, mas há
pagamento de salário. Tanto assim é que o próprio legislador
133
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e do adolescente. 7.
ed.São Paulo. Malheiros.2003.
134
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990.
135
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho de 1943.
136
BRASIL. Constituição Federal de 1988.
65
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
constitucional cuidou de afirmar que se trata de licença sem prejuízo
do emprego e do salário. Assim, embora se trate de beneficio de
natureza previdenciária, há mera interrupção do contrato. Todavia,
sendo beneficio previdenciário não se trata de salário, além do que a
lei estabelece teto máximo ao mesmo.137
Quando há a interrupção do contrato de trabalho quer dizer que o tempo em que houve a
interrupção computa-se normalmente como tempo do contrato de trabalho. E neste tempo é
devido às férias, décimo terceiro salário e todos os outros direitos garantidos ao trabalhador.
E também não haverá prejuízo para o trabalhador, pois a partir do momento que é
assegurado a ele esse direito, não poderá haver prejuízo do trabalho; tanto que ao voltar do
período de licença maternidade a empregada terá um período de estabilidade no emprego
que lhe é assegurado com a finalidade de não ser dispensada sem justa causa, e caso isso
ocorra, o empregador terá que arcar com as consequências.
O salário também será integralmente pago a empregada que estiver de licença, a
previdência social vai pagar até o limite do teto máximo e se o seu salário for maior que o
teto máximo, ficará a cargo de o empregador pagar a diferença de salário.
Ainda diz Pedro Paulo Teixeira Manus que: ―(...) O que norteia o legislador é, sobretudo a
proteção à criança, daí advindo alguns benefícios constitucionais a mãe e ao pai dessa
mesma criança‖.138
Note-se que a proteção é da criança, mas deve ser entendida para os pais desta também
uma vez que, pai e mãe têm os mesmos direitos e obrigações para com os filhos, sendo que
o pai terá a licença de 5 dias, ocorrendo o mesmo caso de interrupção do contrato de
trabalho e pode ser usado os 120 dias para o pai caso não tenha a mãe presente.
3.1 SALÁRIO MATERNIDADE E PREVISÃO CONSTITUCIONAL
A Constituição Federal no artigo sete fala sobre os direitos dos trabalhadores, e especifica
em relação ao salário maternidade: ―Art. 7o São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XVIII licença a gestante, sem
prejuízo do emprego e do salário, com duração de cento e vinte dias‖.139
Ainda Segundo o doutrinador Francisco Ferreira Jorge Neto que:
O salário maternidade também será devido à empregada que adotar
ou obtiver guarda judicial de criança. Haverá a concessão da licença
mediante apresentação do termo judicial de guarda. A duração da
licença varia de acordo com a idade da criança: até um ano será de
cento e vinte dias; de um a quatro anos será de sessenta dias; de
quatro a oito anos será de trinta dias, de acordo com o que está
especificado na CLT.140
Esse período de afastamento é computado como trabalho normal, computa como férias,
para décimo terceiro salário e como tempo de serviço, é o chamado de interrupção do
contrato de trabalho.
Para a empregada que adotar será devido também o salário maternidade, porque a mãe
neste período mesmo não trabalhando precisa do dinheiro de seu salário para os custeios
das despesas com o parto com a criança que acaba de vir para a nova família, antes a
licença era conforme a idade da criança; hoje após a aprovação do projeto de lei mudou
tudo para 120 dias independentes da idade do adotado.
137
MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.280.
Idem. Ibidem. p. 280.
139
BRASIL. Constituição Federal de 1988.
140
NETO, Francisco Ferreira Jorge Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Curso de
Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2009, p. 256 e ss.
138
66
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Para a empregada que adotar será o período determinado de acordo com o critério da idade
da criança, uma vez que quanto mais nova for à criança, mais tempo de licença maternidade
terá a mãe.
Francisco Ferreira Jorge Neto diz em sua obra que:
Pelo principio da igualdade (Art. 5o, I CF/88), seus reflexos na
relação de emprego (Art. 7o, XXX, CF/88, Art. 5o CLT) e a
interpretação extensiva dos direitos sociais, a licença também se
estende ao empregado do sexo masculino que adotar ou obtiver a
guarda judicial de criança.141
Mais uma vez, a doutrina se refere sobre a igualdade entre os genitores. Mesmo para
receber o beneficio do salário maternidade o pai e mãe tem os mesmos direitos. Até mesmo
na adoção ou guarda judicial.
Há também a Lei no 11.770/2008 que fala sobre a prorrogação da licença maternidade por
mais sessenta dias, sendo ao invés de cento e vinte dias, cento e oitenta dias. É um
programa chamado empresa cidadã as empresas que aderem a essa prorrogação. A Lei
fala em seu Art. 1o que mesmo a mãe que adotar ou obtiver guarda judicial será garantido o
mesmo benefício. E também o Art. 3o diz que:
Art. 3o Durante o período de prorrogação da licença-maternidade, a
empregada terá direito à sua remuneração integral, nos mesmos
moldes devidos no período de percepção do salário-maternidade
pago pelo regime geral de previdência social.142
As empresas que adotarem esse programa de empresa cidadã e conceder as suas
empregadas essa licença maternidade no período maior de que cento e vinte dias, será
pago também pela previdência social, somente ficará a cargo da empresa o valor que
exceder o teto do salário pago para as empregadas.
Segundo o autor Francisco Ferreira Jorge Neto:
Porém o beneficio não é automático e sim facultativo, na medida em
que depende da adesão do empregador ao programa (Art. 1o Lei no
11.770/08). Por outro lado, também é necessário que a empregada
faça o requerimento até o final do primeiro mês após o parto, para
que a prorrogação seja considerada imediatamente após a fruição da
licença maternidade de cento e vinte dias.143
Quando a empresa já fizer parta desse programa, para a empregada fica mais fácil
conseguir esse período aumentado, basta que, no período de até um mês após o parto ela
faça o requerimento desse período aumentado.
A empresa pública também está autorizada a aderir a este programa para suas servidoras.
Como diz no Art. 2o da Lei no 11.770/2008: ―Art. 2o É a administração pública, direta, indireta
e fundacional, autorizada a instituir programa que garanta prorrogação da licençamaternidade para suas servidoras, nos termos do que prevê o Art. 1o desta Lei‖.144
141
NETO, Francisco Ferreira Jorge Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa.Op.Cit. p.257.
o
Conforme disposto na Lei n 11.770/2008
o
Lei n 11.770/2008 Cria o Programa Empresa Cidadã, destinado à prorrogação da licença
o
maternidade mediante concessão de incentivo fiscal, e altera a Lei n 8.212, de 24 e 3 julho de
1991.
143
NETO, Francisco Ferreira Jorge Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa.Op.Cit. p.257.
144
o
o
Conforme disposto na Lei n 11.770/2008: Lei n 11.770/2008 Cria o Programa Empresa Cidadã,
destinado à prorrogação da licença maternidade mediante concessão de incentivo fiscal, e altera a
o
Lei n 8.212, de 24 e 3 julho de 1991.
142
67
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Esse período aumentado sessenta dias a mais, a empregada terá todos os benefícios que
teria com o período menor de cento e vinte dias.
Ainda Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante diz sobre a
empregada:
(...) porém, a empregada não poderá exercer qualquer atividade
remunerada que venha a caracterizar-se como um emprego ou algo
similar, assim como a criança não poderá de maneira alguma ser
mantido em creches ou qualquer outro tipo de organização.145
Para a empresa aderir a esse programa social terá que haver algum tipo de benefício
também, porque pode não ser inviável a ela. Então o Art. 5o da Lei no 11.770/2008 diz que:
Art. 5o A pessoa jurídica tributada com base no lucro real poderá
deduzir do imposto devido, em cada período de apuração, o total da
remuneração integral da empregada pago nos 60 (sessenta) dias de
prorrogação de sua licença-maternidade, vedada a dedução como
despesa operacional.146
Então para a empresa haverá uma dedução fiscal proporcional e devido a cada período em
que suas empregadas estiverem na licença maternidade. Isso é um mutuo benefício, a
empresa ganha com a dedução fiscal e a mãe com o período de licença maior.
4 LICENÇA PATERNIDADE E ASPECTOS POLÊMICOS: A ANALOGIA À LICENÇA
MATERNIDADE
A licença paternidade está prevista no Constituição Federal de 1988 no ―Art. 7o XIX Licença
paternidade, nos termos fixados em lei‖.147
Porém este inciso não especifica a quantidade de dias que são concedidos aos pais quando
ao nascimento do filho.
Então, a ADCT (Atos das Disposições Constitucionais Transitórias) veio para deixar mais
claro este inciso da Constituição Federal de 1988, exclarecendo que o período em que se
refere à licença paternidade é de cinco dias: ―Art. 10o, §1o Até que a lei venha disciplinar o
disposto no Art. 7o, XIX, da Constituição Federal, o prazo da licença paternidade a que se
refere o inciso é de cinco dias‖.148
Ficou então estabelecido o periodo de licença paternidade. O que antes da Constituição
Federal de 1988 era de apenas um dia para que o pai registrasse a criança, o que era um
período curto, pois neste pequeno lapso temporal a criança e a mãe nem se quer sairam do
hospital.
Apesar de haver doutrinadores que dizem que a licença paternidade deveria ser entendida
como suspensão do contrato de trabalho e não como a interrupçao, como acontece com a
licença maternidade, há, por outro lado, os doutrinadores que dizem que, a licença
paternidade é sim um lapso de tempo que mesmo não trabalhando, o empregado deva
receber o seu salário.
De acordo com os ensinamentos de Francisco Ferreira Jorge Neto:
(...) a imposição remunerada desse direito decorre de uma visão
sistemática de ordem jurídico trabalhista. (...) O aplicador do direito
deve cortejar a licença paternidade com o Art. 473, III, CLT,
ampliando o prazo de um para cinco dias. Portanto, a licença
paternidade é a interrupçao do contrato individual de trabalho, sendo
145
NETO, Francisco Ferreira Jorge Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa.Op.Cit.p.257.
o
Conforme disposto na Lei n 11.770/2008.
147
BRASIL. Constituição Federal de 1988.
148
BRASIL. Atos das Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1988.
146
68
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
incumbencia do empregador pagar os dias desse afastamento, além
de computa-lo como tempo de serviço.149
Lembrando que, a licença paternidade é um direito, independente se o pai é casado ou
solteiro, o que importa é que ele tem esse direito. E também segundo Francisco Ferreira
Jorge Neto, é claro que o pai receberá seu salário integralmente. Isso porque se trata de
interrupção, como já dito.
Na obra de Antonio Rodrigues de Freitas Junior, é interessante um trecho que ele cita o
doutrinador José Cláudio Monteiro de Brito Filho, falando sobre as discriminações na hora
da contratação, uma vez que, o empregador tem liberdade para a contratação de seus
funcionários, e acaba abusando um pouco dessa liberdade:
Discriminar em matéria de trabalho é negar ao trabalhador a
igualdade
necessária que ele deve ter em matéria de aquisição e
manutenção no emprego, pela criação de desigualdades entre as
pessoas.150
A partir do momento em que o homem solteiro ou o homossexual adotar uma criança, e for
usado esse mesmo beneficio legal que é para a mulher, a discriminação com a mulher
diminuiria. E em relação ao pai que ficar viúvo também, assim o empregador na hora da
contratação estaria ciente que tanto na contratação de mão de obra masculina, este pode vir
a ter o mesmo beneficio, e se contratasse homens e mulheres iguais, sabendo que
independente do sexo contratado, pode sair de licença maternidade.
Ainda, nesta mesma obra de Antonio Rodrigues de Freitas Junior, ele cita trecho de Rodolfo
Pamplona Filho afirmando que ―discriminação consiste no tratamento desigual ou
preferêncial de alguém, prejudicando outrem‖.151 E isso serve tanto para o pai solteiro que
adota para o pai homossexual que adota, como também para o pai que fica viúvo com o seu
filho que acabara de nascer.
Não é comum ser concedido à licença paternidade nos moldes da licença maternidade,
porém isso pode acontecer em alguns casos específicos.
4.1 LICENÇA PARA O PAI QUE ADOTA SOLTEIRO
As famílias monoparentais vêm crescendo cada vez mais na sociedade moderna, uma
maneira que pessoas (tanto homem como a mulher) escolhem ter filhos, constituindo assim
uma família, porém resolvem não casar. Assim, a pessoa que adota, tem o direito a
constituição de uma unidade familiar.
Desta forma, explica muito bem, em sua obra, o autor Francisco Ferreira Jorge Neto e
Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante que:
Pela Lei no 10.421, de 15/04/2002, o salário maternidade será devido
à empregada que adotar ou obtiver guarda judicial de crianças.
Haverá a concessão da licença mediante apresentação do termo de
guarda. (...) Com a revogação expressa dos § 1o a 3o, Art. 392-A,
pelo Art. 8o, da Lei 12.010/09, a licença passou a ser de 120 dias,
não se vinculando mais a duração a idade da criança adotada ou que
se obteve a guarda judicial. Nas duas hipóteses (Arts. 392 e 392-A),
149
NETO, Francisco Ferreira Jorge Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa.op.cit.p. 250.
Trecho de José Cláudio Monteiro de Brito Filho, citado por Antônio Rodrigues de Freitas em sua
obra Direito do Trabalho e Direitos Humanos. São Paulo: BH, 2006.p.116.
151
Trecho de Rodolfo Pamplona Filho, citado por Antonio Rodrigues de Freitas em sua Obra Direito
do Trabalho e Direitos Humanos. São Paulo: BH, 2006.p.116.
150
69
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
o período de afastamento é computado como tempo de serviço, logo,
é interrupção do contrato individual de trabalho.152
A pessoa que adota esta tendo o mesmo momento ou ao menos o mais próximo possível do
que seria ter o um filho nascido de si. Porém, por alguns contratempos ou acaso do destino
isso não foi possível, sendo assim, partiu para a adoção, que é um gesto de amor tão
grande como a gravidez propriamente dita.
A mãe ou o pai que adota sozinho, precisa de um tempo para que se adapte a essa criança
e a criança a essa nova pessoa em sua vida. Ou ainda, quando a criança ainda é um recémnascido, precisa de totais cuidados, pois ainda é hipossuficiente, uma maneira de apoio à
família, ao adotante e a suprir de alguma forma a sua insegurança.
Antes o critério de tempo, era referente à idade da criança, isso mudou para melhor. Agora
não mais se vincula a idade da criança a ser adotada, apenas importa que essa esta sendo
adotada, e o tempo que se obtém com a licença é de 120 dias. Antes poderia caracterizar
até mesmo como uma forma de discriminação com o adotado.
E pai o funcionário (adotante) é dado à garantia que de o período de afastamento é
computado com tempo de serviço, sendo assim um contrato de interrupção do trabalho.
Ainda, Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante explica,
falando de maneira clara sobre o princípio da igualdade entre homem e mulher que
adotarem:
Pelo princípio da igualdade (Art. 5o, I, homens e mulheres são iguais
em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição, CF), seus
reflexos na relação de emprego (Art. 7o, XXX, proibição de diferença
de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por
motivo de sexo, idade, cor ou estado civil, CF e Art. 5o A todo
trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de
sexo, CLT) e a interpretação extensiva dos direitos sociais, a licença
também se estende ao empregado do sexo masculino que adotar ou
obtiver a guarda judicial de crianças. O beneficio será pago
diretamente pela previdência social (Art. 71-A, Lei no 8.213/91).153
Importante dizer que o homem também tem esse direito, o que facilita para o pai que adota,
e também é uma maneira mais igualitária para ambos os sexos, pois assim os homens
solteiros podem pensar mais em adoção de pai solteiro, formando assim uma família
monoparental, o que hoje é mais formada por mulheres.
E também sobre o salário que será pago pela previdência social é legal dizer, uma maneira
de confirmar para o homem seus direitos e que faça com que busque esse direito.
Na obra de Antônio Rodrigues de Freitas Junior, ele fala sobre os direitos de homens e
mulheres:
O reconhecimento da heterogeneidade e da pluralidade nas tramas
sociais permite argumentar que homens e mulheres, a despeito de
suas diferenças, são iguais em dignidade, merecendo igualdade de
tratamento e de oportunidades.154
No que se refere a oportunidades é que entra o direito de ter o mesmo beneficio que a mãe
que adota, porque o pai também precisa cuidar tanto quanto a mãe. Isso significa dar
152
NETO, Francisco Ferreira Jorge Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito do
Trabalho. São Paulo: Lumen Juris, 2010.p. 1106.
153
NETO, Francisco Ferreira Jorge Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito do
Trabalho. São Paulo: Lumen Juris, 2010. p. 1106.
154
FREITAS JUNIOR, Antônio Rodrigues. Direito do Trabalho e Direitos Humanos. São Paulo: BH.
2006.p.112.
70
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
tratamento igual para todos, significa Direitos Humanos preservados e existindo em sua
totalidade deixando apenas a parte teórica que estão nos livros para se exteriorizar.
4.2 LICENÇA PARA O PAI HOMOSSEXUAL
O casal homossexual está sendo reconhecido e cada vez mais como uma maneira de
família. Forma essa que, independente de qualquer preconceito que possa a ter, o
homossexual pode adotar uma criança como qualquer outra pessoa.
Como um casal normal que decide adotar, assim como o homem solteiro que decide adotar
(citado no item acima), formando uma família, independentemente se são homossexuais
podem adotar a característica de ser ou não homossexual não tira a capacidade de amar,
educar e cuidar de uma criança.
Assim, sobre a discriminação que possa acontecer no ambiente de trabalho, não só com o
homossexual que pretende adotar, mais com qualquer pessoa, Antônio Rodrigues de Freitas
Junior citando Fábio Konder Comparato diz:
A diferença é uma realidade imposta pela natureza. Cada ser
humano possui suas próprias características físicas e psicológicas,
suas habilidades e aptidões. Mas diferenças não significa
desigualdade às diferenças são biológicas ou culturais, e não
implicam a superioridade de alguns em relação a outro. As
desigualdades, ao contrário, são condições arbitrárias, que
estabelecem uma relação de inferioridade de pessoa ou grupos em
relação a outros. (...) O pecado capital contra a dignidade humana
consiste, justamente, em considerar e tratar o outro – um indivíduo,
uma classe social, um povo – como um ser inferior, sob pretexto da
diferença de etnia, gênero, costumes ou fortuna patrimonial. Algumas
diferenças humanas, aliás, não são deficiências, mas, bem ao
contrário, fontes de valores positivos e, como tal, devem ser
protegidas e estimuladas. (...) A dignidade humana não pode ser
reduzida a puro conceito.155
Como diz Antônio Rodrigues de Freitas Junior, ―Igual não quer dizer idêntico‖.156 Realmente
as diferenças existem, e são muitas. É da natureza de cada ser humano ser diferente um do
outro, por isso que a Constituição Federal estabelece que todos fossem iguais em direitos e
obrigações, para que essas diferenças sejam respeitadas, sendo que fisicamente e
psicologicamente são características próprias de cada indivíduo. O principio da igualdade
veio para estabelecer que ninguém seja melhor, e está cada vez mais atribuindo direito,
garantias e obrigações iguais para ambas às pessoas, tanto dentro do ambiente de trabalho
como fora dele. O importante é o tratamento humano e igual, ressaltar sempre o princípio da
Dignidade da Pessoa Humana principalmente no ambiente laboral.
Não há no que se dizer que o casal homossexual não possa adotar isso seria
inconstitucional devido ao texto da Constituição Federal de 1988, Art. 5o ―todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza‖.157 Dessa forma, não tira deles esse
direito que é para todos, inclusive visando o bem da criança de crescer e ser criado em um
lar, com uma família de verdade, deixando assim de morar nos abrigos.
155
Trecho de Fábio Konder Comparato, citado por Antonio Rodrigues de Freitas Junior, em sua Obra
Direito do Trabalho e Direitos Humanos. São Paulo: BH. 2006.p.113.
156
FREITAS JUNIOR, Antônio Rodrigues. Direito do Trabalho e Direitos Humanos. São Paulo: BH.
2006.p.113.
157
BRASIL. Constituição Federal de 1988.
71
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
4.3 LICENÇA PARA O PAI VIÚVO
O presente artigo baseia-se em decisão (mandado de segurança, documento 1 em anexo)
proferido pela Dra. Ivani Silva da Luz, Juiza da 6ª Vara Federal de Brasília, na data de 08 de
fevereiro de 2012.
O Policial, quando ocorreu o falecimento de sua esposa, requereu a licença maternidade
para sí administrativamente, sendo que o pedido foi indeferido, alegando não ter legalidade
para tal situação.
Foi então que a Juiza Doutora Ivani acatou o Mandado de Segurança ajuizado contra ato da
coordenadora do Departamento da Policia Federal.
Em alguns trechos da decisão do Mandado de Segurança a Juíza diz:
Em decorrência de tais circunstâncias, o Impetrante viu-se obrigado
a assumir as funções maternais necessárias à sobrevivência de seu
filho recém-nascido, além de ter sob sua guarda responsabilidade a
outra filha do casal de apenas dez anos de idade.158
Esse trecho, Doutora Ivani coloca a responsábilidade que o pai tem com seus filhos,
principalmente com este recém-nascido, que acabara de perder a mãe. Além de que o pai
também precisa se reestabelecer da perda recente de sua esposa. Sendo que, como já dito
antes, o Policial Federal administrativamente já havia requerido, e foi negado, e de tal
maneira achou prudente pedir judicialmente tal requerimento.
Depois desse indeferimento, e antes da concessão por mandado de segurança da licença
nos moldes da licença maternidade, o Policial Federal pediu então o seu gozo de férias para
que o filho não ficasse sem os cuidados e de não deixa-lo abandonado, o termino de suas
férias seria para o dia 08/02/2012, e foi nesta mesma data que foi deferido o pedido Liminar
de Mandado de Segurança.
Em um trecho, a Doutora Ivani relata que:
A Lei no 12.010/2009, em seu Art. 7o, III, exige, para a concessão da
liminar em mandado de segurança, a presença simultânea de dois
requisitos, a saber: a) a exigência de plaudibilidade jurídica (fumus
boni juris) e b) a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil
reparação (periculum in mora). Não concorrendo os dois requisitos,
deve ser indeferida a liminar. E em juizo de preambular exame,
entendo que se encontram configurados ambos os rquisitos para a
concessão da liminar.159
Foi com base na Constituição Federal no Art. 227, a Juiza Federal Dra. Ivani Silva da Luz
concedeu a licença maternidade para o pai José Joaquim dos Santos, explicando que
haviam todos os requisitos para o deferimento do mandado de segurança, qua há a fumaça
do bom direito, que há um perigo na demora, que é de imediato que se necessita do amparo
legal.
Mesmo não havendo uma lei especifica sobre o assunto que fale exatamente sobre o pai,
usa-se neste caso a lei de forma análoga.
Uma situação inesperada, que acontecendo tem que haver algum amparo legal, uma brecha
da lei, para que se use de forma ao menos analogica.
Sobre o referido Art. 227 da Constituição Federal a Juíza ainda fala que a proteção à
infância é um direito social inserido no rol dos direitos fundamentais, sendo de dever do
estado o cumprimento do bom desenvolvimento da criança.
E o bom desenvolvimento da criança é assegurado pelo bom desenvolvimento no meio
familiar e social, e ainda cita a referida Juíza que ―a criança precisa de carinho e atenção
158
159
Mandado de Segurança – Disponível em: <http://conjur.com.br>, acesso em 02/out/2012.
Idem. Ibidem.
72
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
dos pais na fase da mais tenra idade, época e, que a sobrevivência daquela depende
totalmente destes‖.
Ainda diz a Doutora Ivani, em trecho da sua decisão que ambos os genitores são
responsáveis pelos filhos, e que em texto constitucional estabelece genericamente no Art. 5o
a igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações; no qual a obrigação de
cuidados com os filhos neste momento pode ser tanto de um como o de outro, ou ainda na
ausência de um genitor, esta ali o outro para suprir essa falta.
É claro que quando o princípio da isonomia refere-se a tratar desigualmente os desiguais,
na medida de sua desigualdade e é claro que neste contexto entra a licença maternidade
ser maior que a paternidade, não tem como deixar da forma que está na lei em casos
especiais como este, fazendo a interpretação de maneira sistemática e não mais literal,
colocando em prática os Direitos e Garantias Fundamentais previsto na Carta Magna,
Constituição Federal de 1988, usando para o pai a licença da maneira que seria usada se a
mãe estivesse presente.
Nestes casos, será uma maneira humana de ajudar a encarar a dor de todos os envolvidos
a respeito do que aconteceu, dor da criança que nem ao menos sabe o que esta
acontecendo ao seu redor, e dor do marido que acabara de perder a sua esposa de maneira
não esperada.
E com esses embasamentos que a Doutora Juíza de Direito Ivani Silva da Luz, deferiu o
mandado de segurança a favor do Policial Federal para realizar os cuidados com seu filho
recém-nascido.
CONCLUSÃO
O presente trabalho traz um apanhado de normas que se baseia na igualdade entre os
sexos, e mais ainda no que se refere a proteção à criança. Isso porque a criança trata-se de
um ser mais frágil, sendo que merece dessa forma total proteção e apoio da sociedade.
Deve-se buscar efetivar o melhor à criança por meios dos esforços de toda a sociedade,
chama atenção para o fato de que se reconhece que a criança tem que estar em primeiro
lugar, sendo que estas serão o futuro da humanidade.
Claro que, da mesma forma que se pensa na proteção à criança, e proteção familiar onde a
família é a base da sociedade, e através de uma boa base familiar é que nasce a sociedade
justa, correta, onde é bom de viver.
Forma pela qual, o presente trabalho foi elaborado analisando que o pai na ausência da
mãe tem o mesmo direito a licença maternidade usada de forma análoga para este, visando
ao bem de todos os envolvidos, desenvolvendo assim, posteriormente um melhor
desenvolvimento em seu local de trabalho.
A partir do momento em que o benefício da licença for concedido para o homem solteiro ou
o homossexual que adotar uma criança, ou nos casos ainda em que a mãe não está
presente e for usado esse mesmo benefício que é para a mulher (licença maternidade de
120 dias ou, em casos especiais, 180 dias), a discriminação com a mulher no local de
trabalho diminuiria. Necessitando, o empregador quando da contratação estaria ciente que
tanto na contratação de mão de obra masculina como feminina podem ter a licença nos
moldes da licença maternidade.
No Mandado de Segurança citado no trabalho, onde a juíza concedeu ao pai que ficou viúvo
logo após o parto de sua esposa, o direito a licença paternidade nos moldes da licença
maternidade, dando a este pai o direito de cuidar do seu filho recém-nascido, que acabara
de ficar sem sua mãe.
Há dificuldades quando se fala sobre as diferenças entre homens e mulheres neste sentido
de que homem tem a licença paternidade, e a mulher a licença maternidade, e ainda difícil
de conceder esse beneficio para o homem; pois são poucos os julgados neste sentido, e a
forma dogmática como ainda é pensado neste sentido, sendo que não há uma lei vigente
que possa transferir esse direito ao pai, na ausência da mãe.
O mandado de segurança em anexo demonstra à forma analógica a possibilidade desse
benefício, mesmo porque antes dessa concessão o policial federal tentou de forma
73
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
administrativa ter direito a licença, sendo esta indeferida, momento que então resolveu pedir
judicialmente, e que acabou ganhando a referida licença maternidade.
E baseando-se pelo periculum in mora que a juíza concedeu de plano a licença para o pai,
referiu-se que analisando o princípio da isonomia é notório que realmente nos casos em que
a mãe esta presente não há o que se falar que esta tem o direito da licença maternidade
maior em relação ao pai. E ainda sobre o dever familiar, da sociedade e do Estado
assegurar o melhor para a criança que sua decisão foi procedente. Colocando em ênfase o
principio da dignidade da pessoa humana e da proteção da criança.
Diante de todo aparato Judiciário que o Brasil tem, há a necessidade de elaboração de uma
norma própria sobre o referido assunto, maneira que ajudaria muitas famílias a se
estruturarem melhor nestes casos de ausência da mãe. Não surgindo tantas dúvidas e
debates sobre o tema, incertezas sobre se é correto ou não. Aplicaria a norma (lei) em
concreto ao invés de buscar a analogia.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Atos das Disposições transitórias da Constituição Federal de 1988.
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho de 1943.
BRASIL. Constituição Federal de 1988.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990.
COMPARATO, Fábio Konder, citado por Antonio Rodrigues de Freitas Junior, em sua Obra
Direito do Trabalho e Direitos Humanos. São Paulo: BH. 2006.p.113.
DANTAS, Newton José Machado. Aspectos Constitucionais do Aleitamento Materno.
São Paulo: RCS, 2007.
FILHO, José Cláudio Monteiro de Brito, citado por Antônio Rodrigues de Freitas em sua obra
Direito do Trabalho e Direitos Humanos. São Paulo: BH, 2006.
FILHO, Rodolfo Pamplona, citado por Antonio Rodrigues de Freitas em sua Obra Direito do
Trabalho e Direitos Humanos. São Paulo: BH, 2006.
FREITAS JUNIOR, Antônio Rodrigues. Direito do Trabalho e Direitos Humanos. São
Paulo: BH. 2006.p.112.
ISRAEL, Jean-Jacques. Direitos das Liberdades Fundamentais. São Paulo: Manole,
2005.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
Lei no 11.770/2008.
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e do adolescente.
7.ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2011.
NETO, Francisco Ferreira Jorge Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Curso
de Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2009.
74
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
PEREIRA, Tânia da Silva. A proteção da infância e adolescência no Brasil. São Paulo:
Revista de Direito Civil RT, 1992..
6.1 REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS
Declaração dos Direitos da Criança. Disponível em:
<http://www.culturabrasil.org/direitosdacrianca>, acesso em 04/jun/2012.
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em:
<http://www2.idh.org.br/declaração>, acesso em 03/mai/2012.
Mandado de Segurança – Disponível em: <http://conjur.com.br>, acesso em: 02/out/2012.
BRASILIA – OIT. Organização Internacional do Trabalho. Disponível em:
<http://www.oit.org/public/portugue/region/ampro/brasilia/rules/index.htm>,
02/out/2012.
acesso
em
75
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
A PROGRESSÃO DE REGIME NO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO COM
FUNDAMENTOS NA SÚMULA 491 DO STJ - O CONSTRANGIMENTO ILEGAL
ANDREZA DOLATTO INACIO160
THAYNARA KRYSHYNA DOLATTO INACIO161
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
RESUMO
De acordo com entendimento do STJ não é possível a progressão de regime em per saltun,
ou seja, que o apenado venha do regime fechado diretamente para o regime aberto,
deixando de passar para o regime semiaberto.
Essa polêmica é gerada em função da falta de condições para manutenção do apenado no
regime semiaberto, que deveria possuir uma série de estruturas para a sua acomodação,
que de acordo com a Lei de Execuções Penais não ocorre.
Existe uma espécie de esquecimento do indivíduo no sistema prisional, visto que não há
alternativa para a mudança do regime fechado a não ser para o aberto, em muitos casos,
fazendo com que o período em que poderia cumprir no semiaberto seja ignorado e assim
deixado de ser aproveitado no período legal.
PALAVRAS-CHAVE: prisão, progressão, regime, fechado, semiaberto
THE PROGRESSION OF REGIME IN BRAZILIAN PRISON SYSTEM GROUNDS WITH
THE PRECEDENT OF STJ 491 - THE ILLEGAL CONSTRAINT
ABSTRACT
According to the understanding of STJ, is not possible the progression in per saltun regime, it
means that the prisoner comes directly from a closed to an open one, without passing to the
semi-open regime.
This controversy is generated due to the lack of conditions for maintenance of the convict in
the semi-open regime, which should have some series of structures for their accommodation,
which, according to the Law of Criminal Executions, does not occur. There is a kind of
forgetfulness of the individual in the prison system, since there is no alternative to changing
the regimeclosed, except for the open; in many cases, making the period in which they could
meet in the semi-open is ignored and thus left to be tapped in the statutory period.
KEYWORDS: prison, progression, regime, closed, semi-open
CONSIDERAÇÕES PREFACIAIS, OBJETIVO E JUSTIFICATIVAS
A progressão de regime no sistema prisional brasileiro vem sofrendo irregularidades em
virtude de uma triste realidade: a falta de vagas e adequação aos regimes semiaberto e
aberto na esfera de regimes mais brandos ao cumprimento de penas. Tais sistemas não
oferecem a oportunidade de progressão da forma correta, sendo impossível assim o
cumprimento da legalidade, da progressão feita na forma da Súmula 491 do Superior
Tribunal de Justiça, que regula que não pode ser possível que ocorra a progressão em salto,
seguindo a sequência lógica do fechado para o semiaberto e depois ao aberto, em
estabelecimentos adequados ao recebimento do detento.
160
Pedagoga,
Acadêmica
de
Direito,
UDC,
Foz
do
Iguaçu
–
PR,
[email protected]
161
Acadêmica de direito, Unioeste, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected]
Brasil,
76
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
DOS REGIMES DE PENA
Após o transito em julgado de sentença condenatória, em sua sentença, pela prática do
delito, afirmado que o fato praticado pelo réu era típico, ilícito e culpável, sendo a próxima
parte consistindo na aplicação da pena, adotando o critério trifásico do artigo 68 do código
penal, sendo inserido no sistema prisional, podendo ser declarado o cumprimento de três
formas, de acordo com o artigo 33 caput do Código Penal.: fechado, semiaberto e aberto.
Os regimes prisionais devem ser cumpridos de forma progressiva, conforme regula o artigo
33, §2o, segundo o mérito do condenado, da seguinte forma:
a) o fechado deverá ser cumprido em estabelecimento de segurança máxima ou média;
com condenação superior a oito anos;
b) o semiaberto em colônia agrícola ou similar, para não reincidentes e com penal
superior a quatro e não exceda a oito;
c) o aberto em Casa de Albergado ou estabelecimento adequado, com pena inferior ou
não superior a quatro anos.
É necessário uma observação: considerando o quantum da pena, o condenado reincidente
(itens ―b‖ e ―c‖) não está obrigado a cumprir a pena em regime fechado. O Juiz ao analisar
as condições judiciais do art. 59 do CP, é que avaliará esta necessidade.
REGIME FECHADO
O regime fechado está disposto no artigo 34 do código penal:
Art. 34 - O condenado será submetido, no início do
cumprimento da pena, a exame criminológico de classificação
para individualização da execução.
§ 1º - O condenado fica sujeito a trabalho no período diurno e a
isolamento durante o repouso noturno.
§ 2º - O trabalho será em comum dentro do estabelecimento,
na conformidade das aptidões ou ocupações anteriores do
condenado, desde que compatíveis com a execução da pena.
§ 3º - O trabalho externo é admissível, no regime fechado, em
serviços ou obras públicas.
Tal regime é cumprido em penitenciárias, no termo do artigo 87 da lei de execuções penais,
com a guia de recolhimento de pena, sendo submetido ao exame criminológico para a
necessária adequação e individualização da execução.
DO REGIME SEMIABERTO
O regime semiaberto está descrita no artigo 35 do código penal, com a seguinte disposição:
Art. 35- Aplica-se a norma do art. 34 deste Código, caput, ao
condenado que inicie o cumprimento da pena em regime semiaberto.
§ 1º - O condenado fica sujeito a trabalho em comum durante o
período diurno, em colônia agrícola, industrial ou
estabelecimento similar.
§ 2º - O trabalho externo é admissível, bem como a frequência
a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de
segundo grau ou superior.
Aplica-se as mesmas determinações do regime fechado no que se refere ao recolhimento
do preso no regime, devendo ser cumprido em colônias agrícolas, industriais ou
estabelecimentos similares.
REGIME ABERTO
O regime aberto deve ser considerado seguindo as determinações descritas no artigo 36 do
código penal, de acordo com a redação apresentada a seguir:
Art. 36 - O regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso
de responsabilidade do condenado.
§ 1º - O condenado deverá, fora do estabelecimento e sem
77
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
vigilância, trabalhar, frequentar curso ou exercer outra atividade
autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno
e nos dias de folga.
§ 2º - O condenado será transferido do regime aberto, se
praticar fato definido como crime doloso, se frustrar os fins da
execução ou se, podendo, não pagar a multa cumulativamente
aplicada.
O regime inicial aberto é considerado como uma ponte de reinserção do condenado a
sociedade, sendo cumprido em estabelecimento denominado como casa do albergado,
baseado na autodisciplina e no senso de responsabilidade, permanecendo recolhido no
período noturno.
PROGRESSÃO DE REGIME DO ART. 112 DA LEI 7.210 DE 1984
De acordo com o artigo 112 da LEP, a pena privativa de liberdade será executada de forma
progressiva, ou seja, progredindo de acordo com os direitos elencados em lei.
Essa progressão se dá do regime inicial mais rigoroso, para um regime mais brando,
determinado pelo juiz da execução, após o cumprimento de 1/6 da pena, ostentado pelos
requisitos do respectivo artigo.
A lei 7.210/84 determinada que o § 1o da Lei de Execuções penais, a decisão que define a
progressão deve ser motivada pelo representante do Ministério Público ou pelo defensor do
apenado.
Essa progressão de regime é um direito publico subjetivo do sentenciado, integrando-se nos
direitos materiais penais.
Deve coexistir os requisitos objetivos, com o cumprimento de 1/6 na generalidade dos crime,
2/5 para primários e 3/5 se reincidentes, em se tratando de crimes considerados hediondos
e assemelhados, por força da lei 11.464/07.
Assim, cumprido 1/6 de sua pena, no regime anterior e obtido o beneficio da progressão de
regime, para a nova progressão deverá ser cumprida um sexto da pena restante, não da
pena total aplicada.
Com essa progressão, pode passar o condenado do regime inicialmente fechado para
semiaberto, do regime semiaberto para o regime fechado, não sendo possível a progressão
considerado por salto, ou seja, do regime fechado para o aberto.
Deve se respeitar o regime intermediário, considerando que o sistema prisional está em
déficit em relação ao cumprimento de pena.
DA PROGRESSÃO PARA O REGIME SEMIABERTO
Cumpridos os requisitos elencados no artigo 112 da lei 7210/84, é possível que o apenado
que está em regime fechado venha a usufruir do regime semiaberto, sendo inserido em
colônia penal agrícola, industrial ou assemelhada, onde é permitido o trabalho ou estudo,
diferente do regime fechado.
Ocorre que, no Brasil, é difícil essa adequação, visto que não são todas as cidades que
possuem essa espécie de estabelecimentos para que seja cumprida a determinação da lei,
ficando o apenado sem opção para o cumprimento do beneficio, ficando esquecido no
sistema carcerário.
De acordo com a Súmula 491 do STJ, não existe a possibilidade de salto para o
cumprimento de pena, ficando o apenado que detinha o direito a concessão do beneficio do
semiaberto inserido no regime fechado, não podendo ser colocado no regime aberto.
Como manter no sistema um condenado que possui seus direitos constitucionais feridos,
como ocorre com a aplicação da respectiva súmula, pois o sistema não apresenta
alternativas para que o regime semiaberto seja cumprido.
Na impossibilidade de adotar-se outro estabelecimento penal, com medidas de
harmonização estabelecida pelo Código de Normas, seja em razão à falta de vagas ou pela
inexistência de infraestrutura (recursos humanos e escassez estatal) ou de local (físico), é
direito do sentenciado e dever do Estado que o réu aguarde em regime mais benéfico, no
caso o regime aberto, até a abertura de vaga no estabelecimento adequado, para que não
78
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
se configure o constrangimento ilegal.
Segundo Rene Arial Dotti, a mais adequada aplicação dos princípios de Direito Penal e de
Direito Processual Penal recomenda que em tais hipóteses deve o preso ser transferido
para o regime aberto ou nele iniciar o cumprimento da pena, pois o condenado não pode
pagar pela omissão dos poderes públicos.
Há um valioso aresto do STJ declarando que o Estado não pode, à margem da decisão
judicial, executar a sentença de modo diferente, mas a Sumula 491 não prevê a autorização
de salto em relação aos regimes, executando sim uma sentença diferente.
O réu condenado a regime semiaberto não pode ser mantido
em regime fechado, sob o pretexto oficial de que não há vaga
no albergue. Isso é constrangimento ilegal, reparável por
habeas corpus.
E assim, determinou:
Não havendo vaga no albergue destinado aos sentenciados a
regime semiaberto concede-se a ordem, em caráter
excepcional, para que o réu cumpra a pena em prisão-albergue
domiciliar.
Não é outro o entendimento de Celso DELMANTO e outros, que sustentam, inclusive, a
inconstitucionalidade de aguardar vaga em regime mais gravoso:
(...) em face das garantias da individualização da pena (CR, art.
5º, XLVI), complementada pelo art. 5º, XLVIII que determina
que "a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de
acordo com a natureza do delito", e da coisa julgada (art. 5º,
XXXVI), é inconstitucional exigir, como pressuposto para a
expedição da guia de recolhimento, a prisão do condenado em
regime mais gravoso para, somente depois, verificar-se a
existência de vaga no regime semiaberto ou aberto
judicialmente fixado em decisão transitada em julgado.
Não havendo vagas em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar, previstos
para o regime semiaberto, há de se conceder a prisão domiciliar enquanto aquela falta
perdurar
A jurisprudência dos tribunais superiores também regulam a material:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PEDIDO DE
IMPLANTAÇÃO EM REGIME SEMIABERTO.CUMPRIMENTO
DA
PENA
EM
REGIME
FECHADO.
SENTENÇA
CONDENATÓRIA
QUE
ESTABELECEU
O
REGIME
SEMIABERTO
PARA
CUMPRIMENTO
DA
PENA.
INADIMISSIBILIDADE DE PERMANÊNCIA EM REGIME
PRISIONAL MAIS GRAVOSO.CONSTRANGIMENTO ILEGAL
CONFIGURADO.COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO
PARA IMPLEMENTAÇÃO DO REGIME PRISIONAL. LIMINAR
CONFIRMADA. ORDEM CONCEDIDA.
(TJPR - 2ª C.Criminal - HCC 928557-0 - Foro Central da
Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Fabiana
Silveira Karam - Unânime - J. 27.09.2012)
HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. FIXAÇÃO DO
REGIME SEMIABERTO PARA O CUMPRIMENTO DA PENA.
PACIENTE QUE SE ENCONTRA EM REGIME MAIS
GRAVOSO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENTE.
79
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
ORDEM CONCEDIDA. "Consubstancia-se constrangimento
ilegal, sanável por habeas corpus, o cumprimento de pena em
regime prisional mais gravoso do que o devido, sob pena de
desvio da finalidade da pretensão executória estatal.
Precedentes." (HC 213.929/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ,
QUINTA TURMA, julgado em 15/09/2011, DJe 10/10/2011)
(TJPR - 4ª C.Criminal - HCC 935722-8 - Foro Central da
Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Rafael
Vieira de Vasconcellos Pedroso - Unânime - J. 23.08.2012)
Essa forma de cumprimento de pena torna-se um constrangimento ilegal ao apenado, a
forma de manter o apenado em situação desfavorável ao cumprimento da pena deve ser
considerada irregular, cabendo sim o salto descrito na Súmula 491, pois não pode
permanecer no regime mais gravoso.
Isso ocorre também com o regime aberto, pois não são sufucientes as casas de albergados
existentes, ficando impossibilitado o cumprimento de forma correta.
DA PRISÃO DOMICILIAR
Trata de um tipo de cautela do Estado em manter o acusado sob os cuidados do sistema
carcerário, quando ele não tem a possibilidade de realizar o cumprimento pode meio de
outro tipo de regulamentação, como o regime semiaberto ou mesmo em casos que o
detento necessite de atendimento especial relacionado aos requisitos presentes nos artigos
117 da LEP e no 318 do Código de Processo Penal, modificado em 2011.Sendo que se não
se trata de uma nova modalidade de sanção preventiva, onde o indivíduo que se enquadrar
no rol do Art. 318 do Código de Processo Penal poderá usufruir de tal benefício, mas sim de
uma adequação que provem da Lei de Execuções Penais, onde em seu Art. 117 já é
possível a realização do pedido. O ordenamento jurídico brasileiro oferece a modalidade de
permanecer no regime semiaberto, desde que esteja domiciliado na casa do albergado, que
consiste em um estabelecimento de segurança onde o preso possui a liberdade de
permanecer fora dela durante o dia para trabalhar ou estudar e retornar para
dormir, tudo isso baseado na disciplina e na responsabilidade de cada detento,
que deve observar as condições impostas para poder usufruir do benefício.
DA SÚMULA 491 STJ
A Súmula 491 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que não pode haver o sistema de
progressão de regime em salto, devendo passar de acordo com a legislação vigente do mais
severo para o menos gravoso, havendo o cumprimento de 1/6 da pena, como do regime
fechado para o semiaberto e depois para o aberto.
O texto dispõe o seguinte:
Súmula 491: "É inadmissível a chamada progressão per saltum de regime prisional."
Essa progressão deveria ser obedecida conforme os primordes da lei, mas, considerando a
falta de estrutura do sistema prisional em determinadas regiões do Brasil, fica impossível
seu cumprimento, deixando o indivíduo esquecido no cumprimento de sua pena.
Visto que não há possibilidade de transpassar de um regime mais severo para um mais
brando, dessa forma, o indivíduo acaba esquecido no âmbito carcerário.
Esse preceito fere princípios constitucionais, pois ocorre o constrangimento ilegal do
indivíduo que espera por uma oportunidade para progredir de regime, visto que existe
permissão prevista em lei.
CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS
O sistema prisional brasileiro deve receber inúmeras modificações para adequar o apenado
à reestruturação social, iniciando com a criação de mais possibilidades de cumprimentos
alternativos de pena, como, por exemplo, as colônias penais agrícolas, industriais e
assemelhados, além da instalação de mais casas de albergado para que as penas sejam
cumpridas de forma justa e igualitária.
80
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
AGRADECIMENTOS: Aos professores da equipe de Direito que foram essenciais na busca
do conhecimento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DELMANTO, Celso. Roberto. Roberto Junior. Código de Processo Penal Comentado.
Editora Saraiva. São Paulo:2010.
GRECO, Rogério. Código Penal Comentado.6. ed. Editora Impetus. São Paulo:2012.
MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 9. ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2011.
Vademecum Juridico RT.
www.stj.jus.br/portal/stj/publicacao/engine, acesso em 12/10/12.
http://georgelins.com/2010/04/10/beneficios-penitenciarios-a-progressao-de-regime/
81
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
O DEPOIMENTO DO POLICIAL COMO PROVA TESTEMUNHAL NA FASE
INSTRUTÓRIA DO PROCEDIMENTO RELATIVO A APURAÇÃO DA CONDUTA TÍPICA
PREVISTA NO ART. 33 DA LEI 11.343/2006
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
NÁGILA BOU LTAIF GUIMARÃES162
ALEXANDRA BARP SALGADO163
RESUMO
A prova no processo penal tem por finalidade o convencimento do juiz, uma vez que
este valorará a prova de acordo com a sua convicção. Os objetos das provas são os
fatos pertinentes ao processo, sendo o ônus da prova obrigação da parte que alega.
O corte metodológico do trabalho está relacionado à prova testemunhal produzida
por depoimento policial na fase processual, já que esta é fundamental para
influenciar o livre convencimento do juiz. Em se tratando do crime de tráfico de
drogas, onde existem múltiplas condutas típicas, isto se torna ainda mais evidente,
uma vez que o policial passa a ser uma testemunha importante, pois ele está
revestido da fé-pública, que presume ser verdade os atos produzidos durante a
atividade pública. Neste contexto, a prova testemunhal produzida em juízo pelo
policial recebe relevância ímpar para configuração de uma prova plena. Assim, o
estudo apresentado busca questionar essa prova quando ela for o único meio de
prova existente para a condenação.
PALAVRAS-CHAVE: Processo penal / prova testemunhal / depoimento policial
ABSTRACT
The proof in criminal procedure is intended to convince the Judge, as he/she is going
to evaluate it according to their conviction. The objects of the proof are the facts
relevant to the process, and the burden of proof relies on the party claiming it. The
methodological approach of this work is related to the testimony produced by Police
attestation during the procedural step, as this is crucial to influence the Judge's free
conviction. In the case of trafficking of drugs, where there are multiple typical
behaviors, this circumstance becomes even more evident; since the officer becomes
an important witness due to his/hers public-faith, which makes presumably true the
acts produced by them during the public activity. In this context, the testimony
produced in court by the Police receives unique relevance for setting up a full proof.
Thus, the paper here presented seeks to query this evidence when it is the only
existing proof to establish a conviction.
KEYWORD: criminal procedure / testimony produced / testimony produced by Police
162
Bacharel em Direito , UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil,
[email protected]
163
Professora , Mestre, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected]
82
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
INTRODUÇÃO
O depoimento do policial tem sido um dos meios de prova mais importantes na
fundamentação condenatória. Logo, o tema reveste-se de singular importância, pois o
processo penal orienta-se por uma gama de princípios que não permitem que a decisão
condenatória seja proferida quando o magistrado não tem a certeza absoluta da autoria do
crime.
O presente trabalho propõe um estudo sobre a prova testemunhal, especialmente aquela
produzida pelo policial no curso da instrução processual, quando esta for o único meio de
prova existente e considerado suficiente para fundamentação condenatória.
A função deste trabalho é destacar a importância da prova testemunhal, aquela que se
refere ao depoimento policial em juízo, como meio de prova suficiente para uma
condenação. Quiçá, determinar que a prova testemunhal é um meio de prova eficiente, mas
que não pode ser o único meio de prova.
O DEPOIMENTO DO POLICIAL COMO PROVA PLENA PARA JUSTIFICAR A DECISÃO
CONDENATÓRIA
Após a fase do inquérito policial, dar-se-á início a fase instrutória, que deve seguir um
procedimento especial que está previsto na lei 11.343/2006, entre os Arts. 54 a 58.
Ao receber os autos de inquérito policial em juízo, deverá dar vista ao integrante do
Ministério Público, que no prazo de 10 (dez) dias, deverá oferecer denúncia, requerer mais
diligências ou pedir o arquivamento. Caso ofereça a denúncia, pode arrolar até 5 (cinco)
testemunhas de acusação, e ainda requerer mais provas se achar pertinente.
Oferecida a denúncia, o juiz determinará a notificação do acusado para oferecer defesa
prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. Se o acusado não apresentar a resposta no
prazo, o juiz nomeará um defensor para que ofereça no prazo de 10 (dez) dias, onde irá
conceder vista dos autos no ato da nomeação.
Recebida a denúncia, o juiz designará dia e hora para a audiência de instrução e
julgamento, determinará a citação pessoal do acusado, a intimação do Ministério Público, se
for o caso, do assistente, e requisitará os laudos periciais. A audiência deverá ser realizada
30 (trinta) dias seguintes ao recebimento da denúncia, salvo se for determinado realização
de avaliação para atestar dependência de drogas, quando se realizará em 90 (noventa)
dias.
Na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do réu e a inquirição das
testemunhas, sendo primeiro da acusação e depois da defesa, sucessivamente será dada a
palavra ao representante do Ministério Público e ao defensor do réu; para sustentação oral,
no prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogáveis por mais 10 (dez) a critério do
juiz.
O DEPOIMENTO DO POLICIAL COMO PROVA PLENA
Entende-se por prova plena, apenas o depoimento do policial, sem que haja outras pessoas
para servir como testemunha e que não tenham interesse dentro do processo, sendo que é
um prestígio tanto para o policial quando para a sua instituição que resulte em condenação,
para também servir de ―resposta‖, prestação de contas para com a sociedade.
No momento que participa da investigação, desde a interceptação telefônica, quando há, e
ainda, que participa das diligências realizadas em busca de indícios e provas, e que ainda,
participa da prisão do acusado, pode-se considerar este policial uma prova contaminada, ou
seja, já vai estar com opinião formada.
Quando um policial presta depoimento na fase de inquérito, e relata tudo o que viu, ouviu e
participou, é muito provável que enquanto se preocupou em buscar pela droga, pelo dinheiro
e pelos objetos os quais estavam no local no momento da prisão, ele simplesmente deixa de
arrolar testemunhas, que pode ser qualquer pessoa desinteressada naquele caso, ou seja,
que não busca nenhuma vantagem ao prestar depoimento.
83
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Esse mesmo policial que prestou depoimento na fase do inquérito, tem que ser ouvido
novamente, desta vez, na presença do juiz, durante a produção da prova testemunhal e com
direito ao contraditório e ampla defesa, que inexiste no inquérito policial.
No momento que relata ao juiz o que lembra do fato, vai dizer tudo que viu e ouviu das
pessoas que estavam no local, mas que não foram arroladas para prestarem o depoimento.
Porém, por mais que a investigação feita por ele e por seus colegas não tenha obtido o
resultado esperado, ou seja, sucesso, ainda assim, vão relatar tudo que ocorreu de uma
maneira a convencer o magistrado que o acusado é a pior pessoa, e que teve um
comportamento agressivo, ou que reagiu. Jamais que vão admitir que toda a investigação
fracassou porque não podem de maneira alguma prejudicar a instituição para qual trabalha.
Além do mais, um policial que trabalha em uma cidade com a proporção de ocorrências
como Foz do Iguaçu – PR, tem que ter uma super memória para lembrar de todas as
pessoas que ele prendeu, porque prendeu, e como foi durante a ocorrência. Ainda, se ele é
uma testemunha, não poderia ter acesso aos autos para ―relembrar‖ o fato, o que
apreendeu, a quantidade de droga, onde foi.
Quando é admitido que um policial seja testemunha, apenas porque ele está munido da fépública, que consiste na presunção de veracidade investida em alguns agentes públicos,
com o intuito de se presumir ser verdadeiras as suas declarações.
Segundo uma publicação feita na Revista Consultor Jurídico, recentemente, em 16 de
outubro de 2011, escrita por um jornalista de Santos – SP, chamado Eduardo Veloso
Fuccia, diz respeito ao tema primordial discutido neste trabalho:
IN DUBIO PRO REO – DEPOIMENTO DE POLICIAIS NÃO É
SUFICIENTE PARA CONDENAR – A apreensão de grande
quantidade de drogas, por si só, não é o suficiente para motivar a
condenação por tráfico da pessoa presa com o entorpecente. É
necessária a certeza de que o tóxico pertença ao acusado e, desse
modo, a falta de testemunhas que não integrem os quadros policiais
vinculando a droga ao réu torna a prova insuficiente para a
condenação.
Diante desse quadro processual, o juiz Alexandre Coelho, da 2ª Vara
Criminal de Santos, absolveu um estivador de 37 anos. Em 13 de
outubro do ano passado, policiais da Delegacia de Investigações
sobre Entorpecentes (Dise) prenderam o acusado em flagrante após
receberem denúncia anônima de que ele vendia drogas no cais.
A abordagem ao réu ocorreu na Rua dos Estivadores, no Paquetá.
Ele se aproximava de seu carro e os investigadores afirmaram que
encontraram com ele dois pequenos tabletes de maconha destinados
à venda para terceiros. Ainda conforme os policiais, a droga fora
trazida de Santa Catarina e o acusado, momentos antes de ser
detido, teria distribuído entorpecentes na zona portuária.
Porém, o advogado Alex Ochsendorf juntou ao processo documento
de uma operadora de telefonia móvel que registrou o deslocamento
do acusado no período imediatamente anterior à prisão. Conforme a
documentação, o réu não passou pelo cais. ―As provas evidenciam,
sem divergências, que o acusado trabalhou em outro município, até
momentos antes de ser abordado‖, se convenceu o juiz na sentença.
Além disso, duas testemunhas da abordagem afirmaram em juízo
que não viram nada de ilícito ser apreendido com o estivador. As
acusações atribuídas ao réu, no entanto, não pararam por aí. A
equipe da Dise também o apontou como o dono de nove tijolos de
maconha e de nove pequenos tabletes da erva, totalizando cerca de
oito quilos, achados na sequência em uma casa, em Praia Grande.
O imóvel estaria sob a responsabilidade do réu, mas a falta de
testemunhas da apreensão tornou a versão dos investigadores
84
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
isolada no conjunto probatório. Segundo os policiais, uma moça teria
acompanhado as buscas e o encontro do tóxico dentro da casa. Com
base nas referências sobre a suposta testemunha, a Justiça tentou
localizá-la para que depusesse no processo, mas não conseguiu
achá-la.
Em contrapartida, a defesa indicou uma vizinha da residência
vistoriada para depor. Essa testemunha relatou que presenciou a
entrada e a saída dos policiais. Segundo ela, os investigadores
permaneceram pouco tempo na residência e foram embora sem
nada nas mãos, exceto a arma de fogo de um deles. Após os
policiais se retirarem do local, essa mulher disse que foi à residência
e não constatou nada de anormal.
―Tivessem sido adotadas algumas formalidades para o ato de busca
e apreensão dos tijolos de maconha, como autorização judicial e
obtenção de testemunhas dentre vizinhos, mereceria a prova mais
crédito do que ela tem no momento‖, frisou Coelho. Segundo ele, ao
Estado é imposto o dever de produzir prova inequívoca da
culpabilidade do réu e as ―incertezas‖ na ação penal impuseram a
sua absolvição.164‖
Jurisprudências relacionadas ao tema do trabalho:
EMENTA: TRÁFICO DE ENTORPECENTE - MATERIALIDADE
COMPROVADA - AUTORIA DUVIDOSA - COMPROVAÇÃO TÃOSOMENTE POR DEPOIMENTO DE POLICIAIS - INVIABILIDADE
QUANDO EM CONFLITO COM OUTRAS PROVAS - RECURSO
PROVIDO.
Imperiosa se faz a absolvição do réu quando sua condenação deu-se
com base em depoimentos de policiais, conflitantes com as palavras
da única testemunha civil arrolada.
Recurso provido.
APELAÇÃO CRIMINAL (APELANTE) Nº 000.121.657-1/00 COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): LIONALDO
GOMES ANTÔNIO - APELADO(S): MINISTÉRIO PÚBLICO
ESTADO MINAS GERAIS, PJ 12 V CR COMARCA BELO
HORIZONTE - RELATOR: EXMO. SR. DES. LUIZ CARLOS
BIASUTTI
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da
ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM DAR
PROVIMENTO AO RECURSO, COM UMA RECOMENDAÇÃO.
Belo Horizonte, 22 de setembro de 1998.
DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI:
VOTO
Lionaldo Gomes Antônio foi denunciado como incurso nas sanções
do art. 12 da Lei 6.368/76, acusado de estar, no dia 27.08.97,
próximo à sua residência, traficando substância ENTORPECENTE,
164
<http://www.conjur.com.br/2011-out-16/depoimento-policiais-si-nao-suficiente-condenar>
85
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
oportunidade em que foi abordado por policiais militares e preso em
flagrante.
Depois de instruído regularmente o processo, adveio a sentença de
fls. 68/69-TJ, que houve por bem condená-lo, nos exatos termos da
denúncia, à pena definitiva de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de
reclusão e 70 (setenta) dias-multa.
Inconformado com a sentença condenatória, aviou a defesa do réu a
presente apelação (fls. 76/80-TJ), pleiteando sua absolvição,
argumentando inexistirem provas suficientes para a condenação.
O Ministério Público, em suas contrarrazões acostadas às fls. 81-TJ,
pugna pelo parcial provimento do recurso, para que seja
desclassificado o crime como aquele previsto no art. 16 da Lei
6.368/76. Já a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em seu parecer
(fls. 87/89), opina pelo seu provimento total.
É o relatório.
Próprio e tempestivo, conheço do recurso.
A MATERIALIDADE delitiva encontra-se demonstrada no Auto de
Apreensão de fls. 14-TJ e no Laudo de Exame Toxicológico de fls.
45-TJ, onde ficou constatado tratar-se a substância apreendida do
ENTORPECENTE vulgarmente conhecido como "maconha".
O mesmo, entretanto, não se pode dizer quanto à AUTORIA do
delito, pois as provas testemunhais colhidas são frágeis e
contraditórias.
Os fatos são assim narrados pelo Cabo PM Kleber Cazita do Vale,
na oportunidade em que foi ouvido na polícia:
"...O depoente passava pelo bairro São Paulo juntamente com o SD
Claudinei, ocasião em que depararam com o autuado o qual
praticava a ação ilícita em distribuir pequenos invólucros de
substância esverdeada semelhante a maconha para vários
indivíduos naquele local, ocasião em que o autuado ao avistar o
depoente (sendo este conhecido do autuado, devido ao fato de já têlo abordado anteriormente) o autuado gritou ¿sujou', tendo tais
indivíduos evadido do local; Que, tão logo o depoente e Claudinei
lograram êxito em abordá-lo, tendo o autuado LIONALDO GOMES
ANTÔNIO dispensado uma porção de substância esverdeada
semelhante a maconha acondicionada em um invólucro plástico..."
(Sic- fls. 04-TJ - Grifei).
Já em seu depoimento judicial, narra o Cabo Kleber: "...Que o
depoente executor da abordagem do réu, por ocasião da diligência
feita no bairro São Paulo, Capital, na data descrita na denúncia: Que
contou com a ajuda do colega de farda o Soldado ¿Claudinei'; Que
confirma as declarações prestadas perante a autoridade Policial de
fls.04/05, ora lidas; Que o depoente arrecadou a substância
ENTORPECENTE que fora dispensada pelo réu, no momento em
que chegaram ao local da abordagem..." (Sic - fls. 64-TJ - grifei).
Os depoimentos do Soldado Claudinei são no mesmo sentido.
Das declarações da única testemunha civil arrolada, Maurício Alves
Gonçalves, colhe-se: "...Que, nesta data o depoente passava pela
Rua Jacuí, situada no bairro São Paulo, ocasião em que presenciou
policiais militares efetuando a prisãode um indivíduo identificado
posteriormente por LIONALDO GOMES ANTÔNIO...; Que, quanto ao
aspecto da substância ENTORPECENTE o depoente não presenciou
a sua localização nem apreensão..." (Sic- fls. 06-TJ - grifei).
É bom lembrar que entre o policial Kleber e o réu havia uma certa
animosidade, uma vez que aquele já o havia abordado anteriormente
86
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
para efetuar busca pessoal por suspeita de porte ilegal de arma.
Segundo os autos (fls. 06-TJ), eles não estavam fardados.
Os policiais, nas declarações que prestaram ao Delegado, dizem que
estavam passando pelo bairro São Paulo quando ocorreu a prisão.
Em juízo, porém, afirmam que estavam em diligência policial.
Se estavam em diligência, porque não apresentavam-se fardados?
Porque não lavraram eles mesmos o boletim de ocorrência (fls. 10TJ)? Porque arrolaram somente uma testemunha? Porque não
cuidaram de identificar e levar a interrogatório os indivíduos que se
evadiram do local?
De estranhar-se que o réu, percebendo a chegada dos policiais (que
conhecia), mantivesse a droga em seu poder até que fosse abordado
para, só então, livrar-se dela.
Também não faz sentido ter sido ele o único a não evadir-se do local.
O réu nega veementemente a propriedade da droga, dizendo-se
vítima de perseguição por parte do policial Kleber.
Os depoimentos dos policiais são inconsistentes. A substância
necessária para ensejar um decreto condenatório esperávamos
encontrar nos depoimentos de Maurício Álves Gonçalves, única
testemunha civil arrolada.
Entretanto, não foi isso que aconteceu. Suas palavras são vagas e
inconclusivas, às vezes até mesmo contraditórias.
Os dois policiais afirmam que o réu "dispensou" a droga no momento
de sua abordagem. Maurício, por sua vez, não viu Lionaldo
"dispensando" coisa alguma, nem viu quando a droga foi encontrada
e apreendida, apesar de afirmar que estava no local no momento da
abordagem.
Em resumo, a única prova de que a droga pertencia ao réu reside
nas palavras dos autores de sua prisão, que dizem ter visto ele
distribuindo e depois "dispensando" a "maconha".
É bem verdade que o réu possui um extenso passado criminoso,
mas isto, por si só, não nos pode influenciar, pois o que se busca, in
casu, é a certeza de haver ele praticado o delito que lhe é imputado.
Sobre o tema, oportuna se faz a transcrição do ensinamento de
Fernando de Almeida Pedroso, em sua obra "Processo Penal - O
Direito de Defesa", pág. 60, 1ª edição:
"Se a prova, embora renovada na instrução judicial, possui natureza
exclusivamente policial, tem-se sufragado que a sorte do acusado
não deve ser decidida consoante elementos de robustez DUVIDOSA.
Com efeito, a condenação de um homem não há de ficar com a eiva
da injustiça, ante a irrefutável possibilidade de as provas contra ele
carreadas terem resultado, eventual e excepcionalmente, de uma
trama policial, como se tem notado, verbi gracia, em casos de posse
e TRÁFICO de substância ENTORPECENTE".
Destarte, por considerar que as provas colacionadas não traduzem a
certeza necessária à condenação, atento ao princípio do "in dubio
pro reo", determino a absolvição de Lionaldo Gomes Antônio, com
fincas no art. 386, VI, do CPP.
Expeça-se o competente Alvará de Soltura, se por al, não estiver
condenado.
Custas ex lege.
O SR. DES. GUDESTEU BIBER:
VOTO
De acordo.
O SR. DES. EDELBERTO SANTIAGO:
87
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
VOTO
De acordo.
SÚMULA : À UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO
RECURSO, COM UMA RECOMENDAÇÃO165.
AO
EMENTA: TRÁFICO DE ENTORPECENTE - MATERIALIDADE
COMPROVADA - AUTORIA DUVIDOSA - CONDENAÇÃO
BASEADA TÃO-SOMENTE EM DEPOIMENTOS DE POLICIAIS CONTRAPOSIÇÃO COM A CONSTANTE NEGATIVA DO
ACUSADO - PRINCÍPIO DO "IN DUBIO PRO REO" - RECURSO
PROVIDO - ABSOLVIÇÃO DECRETADA.
APELAÇÃO CRIMINAL (APELANTE) Nº 000.132.918-4/00 COMARCA DE UBERABA - APELANTE(S): CLAUDINEI
ALEXANDRE DA SILVA - APELADO(S): MINISTÉRIO PÚBLICO
ESTADO MINAS GERAIS, PJ 2 V CR COMARCA UBERABA RELATOR: EXMO. SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da
ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM DAR
PROVIMENTO AO RECURSO, COM UMA RECOMENDAÇÃO, À
UNANIMIDADE.
Belo Horizonte, 23 de março de 1999.
DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI:
VOTO
Claudinei Alexandre da Silva foi denunciado como incurso nas
sanções dos art. 12 da Lei 6.368/76, acusado de estar, no dia
25.04.98, por volta das 00:40h, defronte sua residência, traficando
substância ENTORPECENTE, oportunidade em que foi abordado e
preso por policiais militares.
Depois de instruído regularmente o processo, adveio a sentença de
fls. 87/95-TJ, que houve por bem condená-lo, nos exatos termos da
denúncia, à pena definitiva de 3 (três) anos de reclusão e 50
(cinquenta) dias-multa.
Inconformada com a sentença condenatória, aviou a defesa do réu a
presente apelação (fls. 109/114-TJ), pleiteando sua absolvição, ao
argumento de inexistirem nos autos provas suficientes para a
condenação.
O Ministério Público, em suas contrarrazões acostadas às fls.
115/126-TJ, pugna pelo desprovimento do recurso, sendo no mesmo
sentido o parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça (fls.
142/145-TJ).
É o relatório.
Próprio e tempestivo, conheço do recurso.
A MATERIALIDADE delitiva encontra-se sedimentada no Auto de
Apreensão de fls. 18-TJ, Laudo de Constatação de fls. 24- TJ e
Laudo de Exame Toxicológico de fls. 74-TJ, onde ficou constatado
165
http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=0&ano=0&txt_processo=121657&complemento=0&s
equencial=0&palavrasConsulta=TRÁFICO DE ENTORPECENTE - MATERIALIDADE COMPROVADA - AUTORIA DUVIDOSA
&todas=&expressao=&qualquer=&sem=&radical=
88
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
tratar-se as substâncias apreendidas dos entorpecentes vulgarmente
conhecidos como "maconha" e "cocaína".
O mesmo, entretanto, não se pode dizer quanto à AUTORIA do
delito, pois as provas testemunhais colhidas são demasiadamente
frágeis.
Segundo os policiais militares Rogério Fernando Campos - condutor
do flagrante -, Cláudio Henrique de Carvalho e Ricardo César da
Silva - estes figurando como testemunhas -, com o objetivo de
investigarem denúncia anônima de TRÁFICO de entorpecentes,
dirigiram-se à rua Adelardo do Nascimento, 364, Bairro Universitário,
Uberaba-MG, onde localizaram, perseguiram e prenderam o ora
apelante, imputando-lhe a propriedade de vários invólucros contendo
maconha e cocaína.
O acusado, porém, nas oportunidades em que foi ouvido, tanto na
fase inquisitorial quanto em juízo, nega veementemente a
propriedade do estupefaciente apreendido.
De notar-se que nenhuma testemunha, estranha ao quadro policial,
presenciou a apreensão da droga nem qualquer confissão que
houvesse ocorrido naquela oportunidade.
Dizem os policiais que tal fato se deu em razão de a prisão haver
sido efetuada tarde da noite, quando já estavam as ruas desertas.
Sobre o tema, oportuna se faz a transcrição do ensinamento de
Fernando de Almeida Pedroso, em sua obra "Processo Penal - O
Direito de Defesa", pág. 60, 1ª edição:
"Se a prova, embora renovada na instrução judicial, possui natureza
exclusivamente policial, tem-se sufragado que a sorte do acusado
não deve ser decidida consoante elementos de robustez DUVIDOSA.
Com efeito, a condenação de um homem não há de ficar com a eiva
da injustiça, ante a irrefutável possibilidade de as provas contra ele
carreadas terem resultado, eventual e excepcionalmente, de uma
trama policial, como se tem notado, verbi gracia, em casos de posse
e TRÁFICO de substância ENTORPECENTE".
Também é do entendimento jurisprudencial que depoimentos de
policiais, quando não escudados em outro elemento de prova contida
nos autos, não constitui suporte probatório bastante para
fundamentar o decreto condenatório.
"Em tema de comércio clandestino de entorpecentes, a isolada
acusação do policial-condutor no flagrante não basta à prolação de
decreto condenatório. Impõe-se a solução, máxime quando a prova
acusatória não vier a ser roborada pelas testemunhas estranhas ao
quadro policial" (JUTACRIM 54/295).
No mesmo sentido:
"Prova precária, resultante apenas de depoimento de policiais - A
condenação exige prova irrefutável da AUTORIA. Quando o suporte
da acusação gera dúvidas, o melhor é absolver"(RT 513/479).
De qualquer sorte, as testemunhas de defesa ouvidas confirmam
tratar-se de pessoa honesta, trabalhadora, pai de família, garantindo
desconhecerem qualquer envolvimento do acusado com o comércio
clandestino de entorpecentes.
É possível que a droga apreendida pertencesse ao apelante e que se
destinasse ao comércio ilícito, mas a prova colhida se apresenta
bastante frágil e uma condenação criminal, cuja pena é bastante
severa, não pode se firmar no solo movediço das presunções e
suspeitas.
89
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Portanto, tendo em vista o velho brocardo do in dubio pro reo, não há
como manter-se a condenação do acusado nas iras do artigo 12 da
Lei 6.368/76.
Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso, para absolver o apelante
da imputação que lhe foi feita, nos termos do artigo 386, VI, do CPP.
Expeça-se alvará de soltura a favor do réu, se por al não estiver
preso.
Custas, como de lei.
O SR. DES. GUDESTEU BIBER:
VOTO
De acordo.
O SR. DES. EDELBERTO SANTIAGO:
VOTO
De acordo.
SÚMULA : À UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO
RECURSO, COM UMA RECOMENDAÇÃO 166.
EMENTA: TRÁFICO DE ENTORPECENTE - CONJUNTO
PROBATÓRIO INSEGURO - CULPABILIDADE DUVIDOSA PRINCÍPIO "IN DUBIO PRO REO" - ABSOLVIÇÃO DECRETADA APLICAÇÃO DO ART. 386, VI, CPP - SENTENÇA REFORMADA RECURSO PROVIDO.
APELAÇÃO CRIMINAL (APELANTE) Nº 000.327.516-1/00 COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - APELANTE(S):
CARLOS MAGNO DA SILVA - APELADO(S): MINISTÉRIO
PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS, PJ 1 V CR COMARCA
GOVERNADOR VALADARES - RELATOR: EXMO. SR. DES. LUIZ
CARLOS BIASUTTI
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o
relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas
taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO.
Belo Horizonte, 22 de maio de 2003.
DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI - RelatorNOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI:
VOTO
Conheço do recurso, presentes os pressupostos de sua
admissibilidade.
Carlos Magno da Silva e Élio Miranda Pereira foram denunciados
pelo Ministério Público de Minas Gerais como incursos,
respectivamente, nas iras dos arts. 12 e 16 da Lei 6.368/76,
acusados de TRÁFICO e posse de substância ENTORPECENTE
para uso próprio.
No curso da instrução, o feito foi desmembrado em relação ao
acusado Élio Miranda Pereira, tendo prosseguido apenas em relação
ao acusado Carlos Magno da Silva que, através da sentença de
fls.120/129, foi condenado a uma pena definitiva de 3 (três) anos de
166
<http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=0&ano=0&txt_processo=132918&complemen
to=0&sequencial=0&palavrasConsulta=TRÁFICO DE ENTORPECENTE - MATERIALIDADE COMPROVADA - AUTORIA
DUVIDOSA &todas=&expressao=&qualquer=&sem=&radical=
90
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
reclusão, em regime integralmente fechado, mais o pagamento de 50
(cinqüenta) dias-multa.
Inconformado com o decisum, aviou a defesa o recurso de
fls.132/136, em que se bate pela absolvição, nos termos do
art.386,VI, do CPP.
Em contra-razões de apelação (fls.138/142),o combativo membro do
Parquet pugna pela manutenção da sentença hostilizada.
Ouvida, opina a douta Procuradoria Geral de Justiça pelo provimento
do apelo.
Este, o relatório.
Consta da denúncia que no dia 30.08.2002, na Estação Rodoviária
de Governador Valadares, o apelante Carlos Magno da Silva teria
vendido ao co-réu Élio Miranda Pereira cerca de 0,58g (cinqüenta e
oito centigramas) de "crack" pelo valor de R$20,00 (vinte reais).
A MATERIALIDADE acha-se COMPROVADA através dos
documentos constantes às fls.19 e 53, o mesmo, porém, não se
podendo dizer em relação à AUTORIA.
Ouvido tanto na fase extrajudicial quanto em juízo, o apelante nega
veementemente qualquer envolvimento com o crime que lhe é
imputado.
A par disto, os depoimentos prestados pelas testemunhas
presenciais em nada estão a implicar o acusado.
Mário Mendes Moura confirmou inteiramente seu depoimento colhido
na fase inquisitorial, declarando em juízo que "... esteve com o
acusado Carlos no dia dos fatos desde manhãzinha, pois chegaram
no local por volta das 06h30min às 07 horas da manhã e pode
afirmar com certeza que neste dia não viu qualquer pessoa estranha
chegar próximo ao acusado Carlos, em atitude suspeita; que pode
afirmar com certeza que as únicas pessoas que tiveram contato com
Carlos no dia dos fatos foi o depoente, o Cléverson e um outro rapaz
que também é lavador de carros;..." (fl. 80).
Da mesma forma, Cléverson de Moura Alves afirmou que:
"...no dia dos fatos o depoente estava na estação rodoviária desde
07 horas de manhã, direto, como de costume, e pode informar que
juntamente com o depoente estava o acusado Carlos, o Mário e
Wadson; que nunca ouviu qualquer comentário de que o acusado
Carlos fosse usuário de drogas ou traficante,...;que Carlos também
não pôde ver o rosto do tal elemento, pois os policiais chegaram
abordando o Carlos e o colocaram no camburão, separado do outro
elemento,...;que o depoente não viu qualquer pessoa estranha
chegar perto de Carlos no dia dos fatos, em atitude suspeita;..." (fl.
81).
Por seu turno, Ruth Marins Costa da Silva confirmou que conhece o
acusado há cinco anos e que nunca ouvira qualquer comentário de
que ele fosse usuário ou traficante de drogas (fls.82).
Afora a suspeita imputação que lhe faz o co-réu Élio -,que neste caso
específico deve ser tomada com toda reserva -, nada, absolutamente
nada há nos autos a indicar qualquer liame da droga com o ora
apelante que, é bom lembrar, não registra qualquer antecedente com
o submundo do crime.
Ninguém viu o apelante manusear o ENTORPECENTE apreendido
com Élio e mesmo os policiais que efetuaram a prisão nada
encontraram em seu poder durante a revista pessoal efetivada.
Ora, sem embargo do notório conhecimento do douto Juiz
sentenciante, a prova para sustentar um veredicto condenatório deve
91
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
resultar cristalina, pura, imaculada, o que não ocorre no caso em tela
em relação ao apelante.
Neste exato sentido já decidiu este Tribunal de Justiça:
"TÓXICOS - ARTIGO 12 DA LEI 6.368/76 - INEXISTÊNCIA DE
PROVAS SEGURAS - PRINCÍPIO DO IN DÚBIO PRO REO ABSOLVIÇÃO DECRETADA - RECURSO PROVIDO.
Não se pode condenar ninguém como traficante com base em
indícios e presunções. A gravidade do crime, punido com pena
severíssima, exige prova cabal e perfeita; inexixtindo esta nos autos,
impõe-se a absolvição do réu, em atenção ao princípio do "in dubio
pro reo" (TJMG, Ap. nº 107.550-6, Rel. Des.Sérgio Resende)
Diante disto, tendo em vista o vetusto e sábio brocardo jurídico in
dubio pro reo, dou provimento ao recurso manejado para absolver o
apelante Carlos Magno da Silva das imputações que lhe foram feitas,
nos termos do art. 386,VI, do CPP.
Custas, ex lege.
O SR. DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO:
VOTO
De acordo.
O SR. DES. HERCULANO RODRIGUES:
VOTO
De acordo.
SÚMULA : DERAM PROVIMENTO167.
EMENTA: TRÁFICO DE ENTORPECENTES - MATERIALIDADE
COMPROVADA - AUTORIA DUVIDOSA - AUSÊNCIA DE PROVAS
CAPAZES DE ENSEJAR UM DECRETO CONDENATÓRIO SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA - RECURSO MINISTERIAL
DESPROVIDO.
APELAÇÃO CRIMINAL (APELANTE) Nº 000.129.497-4/00 COMARCA DE UBERLÂNDIA - APELANTE(S): MINISTÉRIO
PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS, PJ 3ª V CR COMARCA
UBERLÂNDIA - APELADO(S): ALDO CÉSAR ALVES BREJO,
MARCO SUEL ALVES BARBOSA, LUIZ ROBERTO GOMES,
LUCIANO CORRÊA RAMOS, MANOEL MESSIAS DE ABREU RELATOR: EXMO. SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da
ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM NEGAR
PROVIMENTO AO RECURSO MINISTERIAL, À UNANIMIDADE.
Belo Horizonte, 20 de outubro de 1998.
DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI:
VOTO
Conheço do recurso, presentes os pressupostos de sua
admissibilidade.
167
http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=0&ano=0&txt_processo=327516&complemento=0&s
equencial=0&palavrasConsulta=TRÁFICO DE ENTORPECENTE - MATERIALIDADE COMPROVADA - AUTORIA DUVIDOSA
&todas=&expressao=&qualquer=&sem=&radical=
92
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Aldo César Alves Brejo, Luciano Corrêa Ramos, Marco Suel Alves
Barbosa, Luiz Roberto Gomes e Manoel Messias de Abreu viram-se
denunciados, os três primeiros, como incursos nas sanções dos
artigos 12 e 14 c/c 18, inciso III, da Lei nº 6.368/76 e 288 do CP, o
quarto, como incurso nos artigos 12, § 2º, inciso III, da Lei 6.368/76 e
307 do CP e, finalmente, o último, incurso nos artigos 12 e 14 c/c 18,
inciso III, da Lei nº 6.368/76 e 288, 294 e 304 do CP, isto porque
policiais federais com eles apreenderam grandes quantidades de
substância ENTORPECENTE.
Regularmente processados, seguiu-se a douta sentença, que houve
por bem julgar improcedente a denúncia, por absoluta ausência de
provas, decretando a absolvição dos réus.
Inconformado, o digno representante do Ministério Público interpôs
embargos de declaração para que fosse decidida a imputação que se
fazia ao co-réu Luiz Roberto Gomes, de falsidade ideológica. O
ilustre Magistrado entendeu de acolher os embargos e, coerente com
a decisão anteriormente proferida, absolveu-o também deste delito.
Novamente irresignada, apela a douta Promotoria de Justiça,
pleiteando a condenação de todos os acusados, ao argumento de
que o conjunto probatório é suficiente para demonstrar a AUTORIA
do delito, além de pedir que fosse decretada a suspensão de seus
direitos políticos.
Contrariado o recurso, pugnam os ora apelados pela manutenção da
sentença.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do
ilustrado Procurador João Batista da Silva, opina no sentido de que
seja negado provimento ao recurso.
Consta dos autos que no dia 05.11.97, por volta das 12:00h, uma
equipe de policiais federais interceptou o veículo Monza, placa GTF5438, na rua Afonso Pena, centro da cidade de Uberlândia, veículo
este ocupado por 4 pessoas: Aldo César Alves Brejo, Luiz Roberto
Gomes, Tadeu Ribeiro e Rejane Messias. Segundo os Policias, nesta
oportunidade "OUVE UM CERTO TUMULTO" e os dois últimos
ocupantes do Chevrolet Monza evadiram-se do local.
Logo em seguida, foram efetuadas buscas no interior do veículo,
havendo os policiais encontrado dois pacotes contendo grandes
quantidades de "cocaína" e "crack".
Interrogados sobre a origem da droga, Aldo César e Luiz Roberto,
que nesta oportunidade identificou-se como Luiz Henrique Gomes da
Silva, indicaram "Negão" como sendo a pessoa que lhes passou a
droga.
Dirigiram-se, então, para a residência de Aldo, onde apreenderam
mais dois pacotes, também contendo grande quantidade de "crack"
e, no momento desta apreensão, compareceu no local o indivíduo de
alcunha "Negão", Manoel Messias de Abreu (fazendo uso de uma
Carteira de Identidade falsa), pessoa apontada por Aldo como sendo
seu fornecedor, tendo sido este também detido.
Dirigiram-se, então, os policiais até a residência deste Manoel
Messias, onde arrecadaram mais cocaína, além de material usado na
falsificação de documentos. Este, por seu turno, indicou Marco Suel
Alves Barbosa como sendo a pessoa que lhe havia repassado
aquela droga, estando hospedado no Hotel das Indústrias, naquela
cidade, juntamente com o verdadeiro dono de toda a droga
apreendida.
93
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Enquanto estavam na residência de Manoel Messias, ali
compareceram Marco Suel Alves Barbosa, Luciano Corrêa Ramos,
sua esposa Geovana Guimarães e um menor. Entrevistado no local,
Marco Suel declarou que fora contratado por Luciano Corrêa para
levar a droga apreendida até a cidade de Uberlândia, onde estava
sendo comercializada.
Estes fatos são narrados no APF, na fase inquisitorial, entretanto,
todos os acusados negaram peremptoriamente participação nos
fatos que lhes foram imputados na denúncia.
A MATERIALIDADE está amplamente COMPROVADA pelos autos
de apresentação e apreensão de fls. 19/24-TJ, laudo de constatação
de fls. 26/27-TJ e laudo de exame toxicológico onde consta tratar-se
as 3.252,26g (três mil, duzentos e cinqüenta e dois gramas e vinte e
seis centigramas) de substância apreendida de "cocaína" e "crack".
O mesmo, infelizmente, não se pode dizer quanto à AUTORIA. Aliás,
com total razão a douta procuradoria ao afirmar que, "o Inquérito
Policial em que se firma a presente ação penal é uma demonstração
do despreparo de nossas instituições policiais para enfrentar o crime
organizado, mormente o hediondo narcotráfico, que tantos males
vem causando à sociedade brasileira" (fls. 410-TJ).
De início, é no mínimo espantoso que uma equipe de policiais
federais, tendo abordado um veículo suspeito, permite que, em razão
de um inexplicado "tumulto", dois dos quatro suspeitos investigados
se evadam do local. Ainda mais espantoso que não tenham
providenciado localizar estes suspeitos para interrogatório, mesmo
sabendo quem são eles.
Também de estranhar-se porque nesta, que se nos afigura uma
grande operação policial (que realmente chegou a apreender uma
enorme quantidade de droga), desenvolvida em "equipe", somente
se ouviu o condutor do flagrante, Emerson Gonçalves de Aquino.
E ainda mais bizarro é o fato de que as duas únicas testemunhas
presenciais arroladas em um caso de tamanho vulto venham, plácida
e convincentemente, negar todo o conteúdo das declarações que
assinaram na fase policial.
Antônio Marcos Rodrigues Moura, fls. -TJ: "Que o depoente não
confirma os depoimentos que consta no Auto de Prisão em
Flagrante; que o depoente se encontrava subindo a Rua Afonso
Pena, entre 11 h e 30 min e 12 h, quando nas proximidades da Rua
Curitiba foi abordado por pessoas que se diziam policiais que
disseram que precisavam do testemunho do depoente; Que o
depoente inicialmente se recusou; que o policial disse ao depoente
que o mesmo seria detido por desobediência caso se recusasse a
acompanhá-lo; Que o depoente presenciou dois rapazes deitados no
chão cujos nomes o depoente desconhece; Que um deles era
moreno e o outro estava de boné; Que após identificar o depoente,
os policias pediram que ele os acompanhasse; Que os dois rapazes
se encontravam deitados fora do veículo; Que o veículo se
encontrava aberto; Que antes de entrar no veículo os policiais já
disseram ao depoente que estavam prendendo traficantes de drogas;
Que o depoente ficou parado e um policial recolheu a identidade do
depoente; Que um dos policiais foi até um Pálio vermelho e colocou
os dois rapazes que estavam deitados; Que as portas já se
encontravam abertas; Que os policiais disseram que iriam fazer uma
revista; Que os policiais tiraram bolsas que ali se encontravam mas
não foram abertas; Que os policiais levantaram tapetes e entraram
94
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
pela porta da frente; Que após alguma dificuldade abriram o portamalas; Que dali também tiraram uma bolsa; Que o depoente em
nenhum momento viu ser retirado produto branco; Que os policiais
disseram "vamos sair daqui"; Que o depoente desconhece o sentido
tomado pelos policiais; Que os mesmos disseram para o depoente
que permanecesse em sua casa, pois iriam passar lá; Que os
policiais se encontravam em 03 ou 04 carros; que o depoente foi
para sua casa sem ter visto tóxico; Que por volta de 23 hs os
policiais passaram na casa do depoente; Que o depoente foi até o
Batalhão da Polícia Militar; Que o depoente ficou aguardando até às
9:30 horas do outro dia; Que os policiais desceram trazendo um
monte de papel; Que o depoente não consegue identificar qual dos
acusados que se encontravam presentes que estavam deitados na
Av. Afonso Pena; Que os acusados no Batalhão se recusaram a
assinar os papéis; Que o depoente não presenciou o depoimento de
nenhum dos acusados; Que no batalhão os policiais mostraram em
cima de uma mesa a droga que teria sido apreendida; Que o
depoente não chegou a ler o depoimento que consta do Auto de
Prisão Em Flagrante cuja autenticidade negou; Que o depoente não
viu a droga com nenhum dos acusados".
Exatamente no mesmo sentido é o depoimento da outra testemunha
de acusação, Roldão Osório Neto (fls. 262-TJ), agravado pelo fato de
que nem mesmo à busca realizada presenciou.
Os acusados, como era de se esperar, reiteram a negativa feita
quando do inquérito policial.
Houve total negligência quanto à produção de provas: Rejane e Aldo
não foram indiciados; não houve a corriqueira solicitação dos
antecedentes criminais e judiciais dos acusados; inexistiu interesse
em inquirir os emitentes dos cheques apreendidos (provavelmente
usuários de drogas que seriam de grande ajuda nas investigações);
não foram ouvidos os demais membros da "equipe" responsável pela
operação; não foi realizado exame pericial documentoscópico dos
documentos falsos apreendidos.
O combativo Representante do Ministério Público, em suas longas
razões de apelação (fls. 357/375-TJ), afirma que a decisão objurgada
contraria a prova dos autos, contudo, a nosso modesto sentir, a
prova é nenhuma. Os depoimentos "presenciais" colhidos não
provam senão o "despreparo de nossas instituições policiais" de
levarem a efeito uma investigação (na verdadeira acepção da
palavra). Aliás, todo o inquérito policial revela é a impotência do
nosso sistema de, através de seus agentes, enfrentar portentoso
império do narcotráfico que se alastra pelo subterrâneo do mundo,
avolumando-se a cada dia e tornando-se o Estado dentro do Estado.
O que temos então? O isolado testemunho do policial condutor do
flagrante; o depoimento de duas testemunhas que, em juízo,
confessam haverem sido coagidas a assinar papéis que continham a
narrativa de fatos que jamais presenciaram; a constante negativa dos
acusados; uma volumosa quantidade de drogas; a total ausência de
prova de AUTORIA e, finalmente, a demonstração cabal e
inequívoca de como NÃO deve ser conduzido um inquérito policial.
Como sabido, a jurisprudência é toda no sentido de que: "A
condenação exige prova irrefutável da AUTORIA. Quando o suporte
de acusação enseja dúvidas, o melhor é absolver" (RT 513/479).
Aliás, o que temos é a completa ausência de provas.
95
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
E também: "Quando, na apuração do evento delituoso, a prova
resulta, exclusivamente, de depoimento de policiais e se mostra sem
a necessária credibilidade e confusa, a dúvida dai resultante conduz
à absolvição, a teor do art. 386, VI, do CPP"(in RT 540/356).
Se é certo que nos presentes autos inexistem provas capazes de
autorizar a condenação de qualquer dos acusados pela prática de
TRÁFICO de entorpecentes, certo também é que não ficou
demonstrado ter o co-réu Luiz Roberto Gomes praticado o crime de
falsa identidade, como entende o RMP.
Face ao exposto, lamentando profundamente que novamente tenha
a Justiça sido obstada por mais um inquérito mal conduzido e
anêmico, nego provimento ao recurso ministerial, mantendo a
sentença absolutória por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Custas, na forma da lei.
O SR. DES. EDELBERTO SANTIAGO:
VOTO
De acordo.
O SR. DES. SÉRGIO RESENDE:
VOTO
De acordo.
SÚMULA : À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO
RECURSO MINISTERIAL 168.
Como pode se observar, o entendimento do ilustre Desembargador LUIZ CARLOS
BIASUTTI, é no sentido de que a falta de certeza na autoria, ocorre devido ao fato dos
policiais deixam dúvidas, posto que no caso em estudo, não arrolaram testemunhas que
presenciaram o momento da apreensão, desta forma, com base no princípio do ―in dúbio pro
reo‖ decidiu pela absolvição".
Os tribunais atualmente estão tendo entendimento diverso a esse respeito, conforme
decisão:
EMENTA: PENAL - TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE USUÁRIO DEPOIMENTO DOS POLICIAIS QUE TEM O VALOR DE
QUALQUER OUTRO - ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO QUE NÃO
SE MOSTRA COMPROVADA - DIMINUIÇÃO ESPECIAL POSSIBILIDADE - SUBSTITUIÇÃO E REGIME ABERTO QUE NÃO
PODEM SER ADMITIDOS ANTE A PROIBIÇÃO LEGAL RECURSO
PARCIALMENTE
PROVIDO.
1.
Cabalmente
comprovadas autoria e materialidade do TRÁFICO imputado aos
agentes e ausentes quaisquer circunstâncias que afastem sua
responsabilidade penal, imperiosa a manutenção do édito
condenatório. 2. Demonstrada a finalidade mercantil da droga
apreendida com os acusados, impossível a desclassificação de suas
condutas para aquela prevista no artigo 28 da Lei 11.343/2006,
mesmo que eles sejam, também, usuários. 3. Devem ser levados em
consideração os depoimentos de policiais quando estiverem de
acordo com o contexto probatório. 4. O delito de TRÁFICO de
drogas, ainda que cometido mediante a hipótese prevista no
parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006, é equiparado a
hediondo, pois não se trata de tipo derivado, mas tão-somente de
168
http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=0&ano=0&txt_processo=129497&complemento=0&s
equencial=0&palavrasConsulta=TRÁFICO DE ENTORPECENTE - MATERIALIDADE COMPROVADA - AUTORIA DUVIDOSA
&todas=&expressao=&qualquer=&sem=&radical=
96
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
circunstância minorante. 5. Por essa razão, aliada ao fato de que o
delito foi praticado sob a égide da Lei 11.464/2007, impõe-se a
aplicação do regime inicialmente fechado, também não se admitindo
a substituição da pena, por expressa vedação legal. 6. A atual Lei
Antidrogas só contemplou a associação permanente, que exige
organização e permanência, não se mostrando como tal o simples
concurso de agentes. 7. Recurso parcialmente provido.
APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0479.09.163563-7/001 - COMARCA DE
PASSOS - 1º APELANTE(S): WALISSON RODRIGUES FONSECA 2º APELANTE(S): EDILSON NASCIMENTO DA SILVA APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS
- RELATORA: EXMª. SRª. DESª. JANE SILVA
(...)
O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que
não há irregularidade no fato de, na fase judicial, os policiais que
participaram das diligências serem ouvidos como testemunhas e de
que a grande quantidade de droga apreendida constitui motivação
idônea para fixação da pena-base acima do mínimo legal.
(...)
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es):
ANTÔNIO CARLOS CRUVINEL e PAULO CÉZAR DIAS.
SÚMULA :
RECURSOS PROVIDOS EM PARTE.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0479.09.163563-7/001
―HC
87662
/
PE
PERNAMBUCO
Relator(a):
Min.
CARLOS
BRITTO
Julgamento: 05/09/2006
Órgão Julgador: Primeira Turma
EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES.
NULIDADE DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSUFICIÊNCIA
DAS PROVAS DE ACUSAÇÃO. DEPOIMENTOS PRESTADOS EM
JUÍZO
POR
AUTORIDADES
POLICIAIS.
VALIDADE.
REVOLVIMENTO
DO
ACERVO
FÁTICO-PROBATÓRIO.
IMPOSSIBILIDADE. É da jurisprudência desta Suprema Corte a
absoluta validade, enquanto instrumento de prova, do depoimento
em juízo (assegurado o contraditório, portanto) de autoridade policial
que presidiu o inquérito policial ou que presenciou o momento do
flagrante. Isto porque a simples condição de ser o depoente
autoridade policial não se traduz na sua automática suspeição ou na
absoluta imprestabilidade de suas informações. (...)
(...)
Ora bem, é da jurisprudência desta Suprema Corte a absoluta
validade, enquanto instrumento de prova, do depoimento em juízo
(assegurado o contraditório, portanto) de autoridade policial que
presidiu o inquérito policial (HC 78.133, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence), ou que presenciou o momento do flagrante delito (como
na espécie). Isto porque a simples condição de ser o depoente
―autoridade policial‖ não se traduz na sua automática suspeição ou
na absoluta imprestabilidade de suas informações (HCs 51.577;
67.648; 73.00; 76.381; 76.557). Pois não é dado ao julgador presumir
que os agente policias do Estado busquem a incriminação dos
97
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
acusados, mesmo que isso se dê em detrimento do princípio da
―verdade real‖169.
Portanto, o que está explícito no entendimento dos Tribunais, é de que durante a fase
judicial, basta que o depoimento do policial seja prestado sob o crivo do contraditório para
que tenha absoluta validade.
O tema discutido deve ser minuciosamente observado e analisado de maneira cautelosa
pelo magistrado, afinal, o que mais está em tona são comportamentos sórdidos, envolvendo
agentes público, que em muitas vezes, são policiais corruptos, que tem como lema, prender
apenas para mostrar para a sociedade a sua atuação.
Assim, a falta de fiscalização na atuação e nas atividades policiais é o que faz com que gere
tantas polêmicas a esse respeito, pois basta um policial dizer o que quiser na audiência, que
por conta da sua ―imunidade‖ chamada fé pública, que ao presumir verdade, simplesmente
pelo fato de ser dito durante uma instrução na presença do réu e seu advogado, ou seja, na
oportunidade do contraditório.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No plano jurídico, o termo prova busca uma demonstração crível da realidade através dos
instrumentos legalmente previstos, para que, no momento em que o juiz estiver analisando o
processo, influencie na sua decisão. A finalidade da prova no processo penal é o
convencimento do juiz. Logo o objeto das provas são os fatos, mas apenas aqueles
pertinentes ao processo.
Ônus da prova está relacionado ao encargo de provar, ou seja, deve-se compreender o
ônus como a responsabilidade da parte que possui o interesse de vencer a demanda, pois a
parte que melhor desempenhar o ônus aproximar-se-á da verdade real e, por conseguinte
demonstrará o Direito pleitado.
Aos princípios orientadores da prova no processo penal discutido no presente trabalho, o
contraditório e ampla defesa estão relacionados com a oportunidade concedida a uma das
partes para contestar fato ou objeto apresentado como prova que seja contrário ao seu
interesse. E a ampla defesa está relacionada ao direito do réu de ter uma defesa técnica;
inadmissibilidade de provas ilícitas é evitar a permanência de uma prova produzida em
desconformidade com a legislação, e que poderá prejudicar uma das partes; oralidade deve
estar prevista em dois momentos, na fase investigatória e na fase judicial, vem com intuito
maior de dar celeridade nos atos processuais, e também, oportunidade da prova
testemunha ser colhida pelo juiz; comunhão da prova está relacionada em reunir todas as
provas produzidas durante toda a instrução processual, e serem analisadas com igual valor.
A prova testemunhal diz respeito as pessoas que servem como testemunha no processo,
sendo o ponto principal do estudo que versou sobre a produção da provas testemunhal, em
juízo. Registre-se ainda, que a diferença existente entre testemunha e informante diz
respeito ao interesse que uma ou outra pode ter no processo.
Para satisfazer o corte metodológico atinente ao estudo, fez-se uma análise do Art. 33 da
lei 11.343/2006 que faz menção a condutas múltiplas, definida uma ou outra com núcleo do
tipo pelas investigações realizadas pela autoridade policial que, depois será a testemunha
em juízo. Destaca-se que a investigação dessas condutas podem ser apuradas de diversas
formas, tais como a infiltração, a paisana, interceptação telefônica, denúncias anônimas e os
agentes responsáveis por essa investigação serão testemunhas (PROVA) produzida para
embasar uma condenação.
Quanto ao depoimento do policial na instrução processual, em muitas vezes é considerado
apenas ele como fundamento de condenação, o que vale lembrar é que o policial embora
revestido por sua fé pública, está diretamente ligado aos acontecimentos, sendo que pode
ter participado de todas as formas citadas trabalho, e também, ele não vai jamais querer
169
< http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=406350>
98
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
admitir que todo o esforço feito por ele e seus colegas foram em vão, não vai querer
prejudicar a instituição pela qual opera.
Finalmente, ao consultar decisões proferidas em tribunais superiores, foi nítido que o
entendimento deles ainda é tímido no sentido de não admitir como temerária ou insuficiente
apenas o depoimento de policial como prova plena para condenar alguém, lembrando
sempre que são servidores revestidos pela fé pública. Outrossim, existe uma tendência na
modificação desse entendimento, pois a doutrina tem se manifestado de forma contrária.
Logo, ainda pairam muitas dúvidas sobre a efetividade da prova testemunhal, quando for o
único meio produzido nos autos, com intuito de formar a convicção do juiz.
REFERÊNCIAS
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Editora Saraiva, 2011.
______. Curso de Processo Penal. 18. .d. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.
FUCCIA, Eduardo Velozo. In dubio pro reo – Depoimento de policiais não é suficiente para
condenar. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2011-out-16/depoimento-policiais-sinao-suficiente-condenar> acesso em 19.10.2011
GOMES, Luiz Flávio, et.al. Lei de Drogas comentada. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011.
JÚNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional volume I.
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Disponível
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Disponível
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http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>
acesso
20.10.2011
<
<
em
NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos
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______. Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2010.
______. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 7. ed. São Paulo: Editora dos
Tribunais, 2011.
______. Código de Processo Penal Comentado. 9. ed. São Paulo: Editora dos
Tribuais, 2009.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal vol.1, 32. ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2010.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal vol.3, 33. ed. São Paulo: Editora
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TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 6. ed.
Salvador: Editora Jus Podivm, 2011.
99
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O DISCURSO DE ÓDIO
NATALIA ALVARENGA DA SILVA170
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
RESUMO
O discurso de ódio é considerado um problema para o ordenamento jurídico por diversas
razões. Primeiramente, a dificuldade em identificar quem o profere, até mesmo porque pode
ser feito de forma subliminar ou implícita. Em seguida, a necessidade de que a permissão
da liberdade de expressão pelo Estado não gere prejuízos irreparáveis para a dignidade da
pessoa humana e a igualdade. Depois, o fato de que não existem verdades incontestáveis a
ponto de justificar restrições à liberdade de expressão dos indivíduos e a imposição de
ideias. Nesse mesmo sentido, há a constatação de que nenhuma ideia ou opinião é infalível,
portanto, possuem o direito de serem discutidas veementemente a fim de que seja
alcançada a verdade; e, finalmente, porque o discurso de ódio poderia ter um tom de
retaliação pelas agressões sofridas por uma minoria, contra membros de grupos
dominantes.
PALAVRAS-CHAVE: Internacional, liberdade, ódio.
LIBERTY OF EXPRESSION AND THE HATE SPEECH.
ABSTRACT
The liberty of expresson is considered a problem to the jurisdicional laws for many reasons.
At first, we the the dificulty in identificating the person that makes it, even because it can be
made in subliminous ways. Followed by the necessity that the permission of the liberty of
expression by the State do not make prejudice to the dignity of the people. Then, there is no
truth that's indeniable to the point that we can justify resitricictions to the liberty of expression
and the impositions of ideas, and all of them need to be discuted so than we can reach the
truth; and, finally, because the hate speech could have a retaliation way due to the agression
suffered by the minority, against members of dominant groups.
KEYWORDS: Internacional, liberty, hate
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo estudar a colisão entre a liberdade de expressão,
direito constitucional assegurado a todos, e as manifestações de ódio, também chamadas
de hate speech, que podem levar aos crimes de ódio.
Para que haja uma compreensão prévia e uniforme acerca do direito material em estudo,
inicialmente, analisa-se a liberdade em sentido amplo e qual o papel que exerce
normativamente. Assim, verificar-se-á qual seu conceito, abrangência, a forma pela qual ela
é exercida e os limites a que se submete e os limites a que se submete, e questionando a
170
Acadêmica de Direito UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected]
100
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
possibilidade de interferência e censura por parte do Estado em um direito considerado
humano e fundamental.
É a oportunidade para conceituar o discurso de ódio em todos os seus aspectos
doutrinários, relacionando-a com o importante princípio da dignidade da pessoa humana.
Nesse momento, são expostos os entendimentos que outros Estados tiveram quando se
encontraram em frente a este conflito constitucional, preocupação que pode ser considerada
recente, e a aplicação efetiva de sanções que entenderam cabíveis, até mesmo em locais
que influenciaram a redação da Constituição Federal brasileira.
DESENVOLVIMENTO
Um caso recente e muito discutido pela imprensa internacional é o do vídeo americano que
mostra o profeta muçulmano Maomé como fraude, e que acabou incitando ataques de
multidões muçulmanas às representações diplomáticas americanas. Segundo os islamitas, o
filme divulgado na internet ofende o Islã e o profeta Maomé ao retratá-lo de forma
degradante, quando, na verdade, qualquer representação do profeta já é considerada uma
blasfêmia. Isto enfureceu muçulmanos em todo o mundo, provocando protestos que
ganharam repercussão internacional no dia 11 de setembro de 2012.
Durante um protesto, um ataque matou o embaixador dos Estados Unidos em Benghazi, na
Líbia e outros três americanos. Nos dias que se seguiram, as mortes não pararam em vários
países, como o Iêmen e o Irã; o Talibã e a rede terrorista Al-Qaeda prometeram vingança
contra os americanos. O filme foi produzido por Sam Bacile, israelense-americano de 54
anos, que afirma que o Islã é "uma religião do ódio", e foi defendido pelo pastor americano
Terry Jones, que foi muito criticado por queimar um exemplar do Alcorão.
O insulto ao profeta poderia ser enquadrado como uma forma de discurso de ódio,
comparável ao racismo ou à negação do Holocausto, que é proibido em muitos países
europeus. Como consequência, o longa-metragem trouxe novamente à tona a discussão
sobre os limites do direito fundamental à liberdade de expressão. Até que ponto devem ser
impostas restrições a esse direito?
Alguns especialistas entendem que o engajamento crítico é uma condição para a evolução
no mundo contemporâneo, e que até uma pequena atitude como a autocensura poderia
levar a uma maior censura: se hoje o problema está em insultar um profeta, amanhã poderá
estar em criticar um ditador, por exemplo. De outro lado, existem correntes que entendem
que a liberdade de expressar opiniões termina a partir do momento em que o indivíduo
começa a semear o ódio entre nações e religiões, ainda mais quando ele pretende se
proteger das consequências de suas ações sob o manto desse direito fundamental.
Para um melhor entendimento do tema, faz-se necessária uma melhor análise da liberdade
em sentido amplo, do direito fundamental à liberdade de expressão, do discurso de ódio, e
um estudo sobre o tratamento a ele concedido no Brasil e em outros países, para depois
concluir com as melhores soluções para este impasse que é o conflito entre dois direitos
fundamentais, o direito à opinião própria, qualquer que seja, e a dignidade da pessoa
humana.
A liberdade é um dos mais importantes direitos fundamentais, amplamente assegurada não
somente por Constituições de diversos países, como também por Tratados e Declarações
de Direitos Humanos. É uma conquista constante das sociedades que evita que o indivíduo
sofra impedimentos quando de seu exercício, e engloba, além da liberdade de expressão, a
liberdade religiosa e de culto, de consciência, o direito à informação, de reunião, de ensino e
de imprensa. A Constituição garantiu o impedimento de supressão dessa garantia por
qualquer meio estatal ao reconhecê-la como cláusula pétrea.
Já a liberdade de expressão, especificamente, engloba a exteriorização de pensamentos,
ideias, e opiniões, sejam elas intelectuais, artísticas, científicas e de comunicação. Portanto,
consiste no direito de cada um de abrigar as ideias que quiser sem sofrer qualquer
retaliação pelo Estado, o que é primordial para o desenvolvimento do ser humano. Ademais,
o pensamento sofre influência constante dos fatores e do ambiente externo, como as
condições sociais, econômicas e culturais, por exemplo; e essa influência não se restringe
ao direito livre do indivíduo de adotar as ideias que preferir, mas também no sentido de
101
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
convencer os outros ao seu redor de suas convicções – e o poder das ideias não pode ser
subestimado.
O Estado deve se manter neutro diante do conteúdo das manifestações para que elas
possam efetivamente ser livres, porém, não basta que se abstenha de impor limites ao
exercício destas atividades, é necessário também uma atitude positiva, que propicie as
condições para que elas possam ocorrer de forma plural, visando consolidar a democracia,
pois não se pode falar em sociedade livre ou em soberania popular sem comunicação livre.
Tomás de Domingo expõe que a liberdade de expressão exerce tripla função. A primeira diz
respeito ao papel preponderante que desempenha na formação da opinião pública
independente, consciente e pluralista; a segunda versa sobre a sua constituição como
instrumento imprescindível para o exercício dos demais direitos dentro de um regime
democrático; e, por fim, a sua função de controle dos poderes públicos171.
Diante disso, a liberdade de expressão pode ser concebida como um direito fundamental, na
medida em que protege a manifestação de pensamento das minorias, contribui para a busca
da verdade e possibilita, de forma natural e pacífica, as alterações da sociedade, pois a
minoria de hoje poderá ser a maioria de amanhã.
Durante muito tempo a censura foi utilizada pelos Estados como meio eficaz de repressão
ideológica ou política, e de manipulação de determinados grupos sobre outros. A
Constituição Federal brasileira proibiu expressamente a censura e a licença a fim de garantir
mais eficácia à liberdade de expressão, e ainda determinou que esta vedação não é
aplicável somente aos Estados, mas também a qualquer entidade que proíba a livre
manifestação do pensamento. Entretanto, a proteção à liberdade de expressão não é
absoluta, pois senão implicaria na violação de outros direitos fundamentais igualmente
assegurados pelo sistema constitucional. A própria Constituição de 1988 traz restrições à
liberdade de expressão, quais sejam: a vedação do anonimato, a proteção à imagem, à
honra, à intimidade e à privacidade, bem como o direito de resposta no caso de abuso do
direito de se expressar do indivíduo. A legislação infraconstitucional também estabelece
alguns limites. Todavia, estas restrições devem ser fundamentadas, respeitar certos
requisitos, como o de estarem expressamente previstas em lei, obedecer ao princípio da
proporcionalidade e possuir finalidade legítima. Portanto, não é toda e qualquer
manifestação de expressão que estará protegida pela liberdade de expressão e é
necessário ter cautela quanto às limitações impostas ao exercício deste direito, pois estas
não podem violar sua essência.
Quando a violação parte de entes privados que detém os meios de comunicação, do próprio
particular ou de grupos sociais, ou seja, quando não for o Estado o seu ofensor, este deve
assumir uma postura positiva, atuando como protetor dos direitos fundamentais violados. Os
danos causados pelo indivíduo que manifestar opiniões ou ideias de discriminação são
passíveis de indenização por danos morais ou materiais, pois o artigo 5º, XLI, da
Constituição Federal determina que ―a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos
direitos e liberdades fundamentais‖.
O discurso de ódio é um dos problemas mais complexos do direito constitucional
contemporâneo. Consiste na manifestação de ideias que tendem a insultar, intimidar ou
assediar determinados grupos em virtude de sua raça, cor, etnicidade, nacionalidade, sexo
ou religião, ou que instiguem a violência, ódio ou discriminação contra tais grupos,
desqualificando-os como detentores de direito. Esse tipo de manifestação pode ser
considerado como apologia abstrata ao ódio, pois representa o desprezo a determinados
grupos que possuem características em comum, como crenças, qualidades ou estão na
mesma condição social, econômica, como por exemplo, ciganos, nordestinos, negros,
judeus, árabes, islâmicos, homossexuais, mulheres, entre outros. São palavras que podem
171
DOMINGO, Tomás de. Conflictos de derecho fundamentales? Un análisis desde las relaciones entre los
derechos a la libre expresión e información y los derechos al honor y la intimidad. Madrid: Centro de Estudios
Políticos y Constitucionales, 2001. (Coleção Cuadernos y Debates, n. 166).
102
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
resultar em ações e que se mostram incompatíveis com a dignidade da pessoa humana.
Como nessas manifestações o indivíduo é violado exatamente no que o identifica, só
deixaria de ser ofendido se perdesse a condição de membro do grupo a qual pertence,
renunciando opções políticas, crenças religiosas, opção sexual... Em outras palavras,
significaria a perda de sua própria identidade.
A grande maioria dos sistemas constitucionais garante a liberdade de consciência e de
ideologia com ênfase no valor da tolerância, a fim de admitir que ideias contrárias convivam
pacificamente, e alguns ordenamentos jurídicos criminalizam o discurso do ódio, como o
alemão e o francês, por entenderem que pode levar à consumação de ações ilegais. Muitos
Estados adotam as ações afirmativas como instrumento capaz de viabilizar a isonomia
material entre grupos, pois além de assegurar a igualdade perante a lei, busca-se criar
condições para alcançar essa igualdade de fato.
A necessidade de evitar e combater o discurso de ódio é entendimento pacífico em qualquer
sociedade democrática. O que se questiona é o tratamento jurídico a ele conferido e as
formas de prevenção e combate às manifestações dessa natureza. A solução tem sido no
sentido da total proibição ou total permissão. No entanto, em ambos os casos a dignidade
da pessoa humana continua a ser afrontada. Somente proibir a manifestação do discurso do
ódio não seria a solução mais eficaz, pois devemos nos perguntar se a esta solução não
levaria a uma reação contrária, ou seja, gerar mais ódio e discriminação em relação ao
grupo ofendido. É necessário combater as causas e origens do preconceito, o que só pode
ser alcançado por intermédio da educação, do esclarecimento e da divulgação de
informações que visam desacreditar dados falsos, a fim de que se impossibilite o
desenvolvimento desses valores equivocados na sociedade, prestigiando-se a tolerância, o
multiculturalismo e as diversidades étnicas.
O direito internacional não veda o discurso do ódio de forma absoluta. No sistema jurídico
estadunidense a liberdade de expressão é um direito fundamental que se confunde com a
proteção da soberania popular e da democracia, e que se erigiu à condição de um
verdadeiro símbolo cultural daquele povo. No entanto, o Estado restringe as manifestações
quando não se mantiverem somente no mundo das ideias e passarem a configurar perigo
claro e iminente, ou seja, não se pune a manifestação de uma ideia ou ideologia em
abstrato, apenas se ela representar uma ação concreta.
Na Europa, os Estados não se mantêm neutros como os Estados Unidos ao se depararem
com manifestações odiosas. Na França, o lema do Iluminismo ―liberdade, igualdade e
fraternidade‖ está assegurado no artigo 2º da Constituição, mas, mesmo assim, esta
liberdade pode ser restringida quando houver necessidade de preservar outros valores
como a dignidade da pessoa humana. A Itália reconhece a liberdade de expressão como
fundamento da ordem democrática e o discurso de ódio como uma propaganda agressiva às
minorias. Na Espanha, o Tribunal Constitucional reconheceu que a liberdade de expressão é
uma garantia institucional da opinião pública. O Reino Unido, apesar de não dispor de uma
Constituição escrita, protege a liberdade de expressão como um direito humano e, ao
contrário do sistema estadunidense, veda a expressão de ódio tanto nos casos em que pode
gerar um ato violento como nas situações em que se encontra restrito apenas ao mundo das
ideias. Do mesmo modo, o sistema alemão pune o incitamento ao ódio e à violência contra
grupos de forma abstrata, desvinculada de sua capacidade de gerar uma ação concreta.
Para o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, as liberdades constituem as bases da justiça
e da paz do mundo. No entanto, em suas decisões, o referido Tribunal caminha no mesmo
sentido dos Estados europeus, entendendo que o discurso do ódio está mais para uma
conduta do que para um discurso e, portanto, não protegido pela liberdade de expressão.
A vedação do discurso de ódio no sistema europeu acabou por encerrar, em grande parte, a
discussão sobre o tema. Porém, a censura não deixa de diminuir o direito à liberdade de
expressão, e esta é a razão pela qual o discurso de ódio ainda tem sido motivo de
questionamentos tanto pela doutrina como pela jurisprudência, pois a cada fato novo que
surge, reabre-se a discussão acerca do tema.
No Brasil, protege-se a liberdade de expressão, bem como a dignidade da pessoa humana e
é vedada a prática do racismo. A maioria dos tratados que versam sobre direitos humanos,
103
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
proteção à liberdade de expressão e proibição de práticas discriminatórias foram ratificados
pelo Brasil.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu um caso que envolvia o discurso de
ódio, e foi a partir desta decisão que passamos a ter uma delimitação do tratamento
conferido a esta matéria pela jurisprudência constitucional pátria. Trata-se do habeas
corpus impetrado em favor do Sr. Siegfried Ellwanger que foi denunciado pelo crime de
racismo por apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias contra os judeus, além de
ser autor de diversas obras literárias de conteúdo antissemita. A Corte Suprema denegou o
instrumento por maioria de votos, restando vencidos os Ministros Moreira Alves, Carlos
Ayres Britto e Marco Aurélio. Não se enfrentou de maneira direta o conflito entre direitos
fundamentais por não ser este o ponto central do habeas corpus, no entanto, alguns
ministros chegaram a suscitar o referido conflito em seus votos.
O Ministro Gilmar Mendes também denegou a ordem e, em seu voto, fez amplo estudo do
direito comparado e aplicou o princípio da proporcionalidade para solucionar conflito de
direitos fundamentais, in verbis: ―(...) Não se contesta, por certo, a proteção conferida pelo
constituinte à liberdade de expressão. (...) Todavia, é inegável que essa liberdade não
alcança a intolerância racial e o estímulo à violência, tal como afirmado no acórdão
condenatório. Há inúmeros outros bens jurídicos de base constitucional que estariam
sacrificados na hipótese de se dar uma amplitude absoluta, intangível, à liberdade de
expressão na espécie.‖
É possível verificar que prevaleceu na decisão o entendimento dos ordenamentos jurídicos
europeus, ao invés de o do sistema estadunidense, no sentido de que nítida prevalência do
direito à dignidade da pessoa humana sobre a liberdade de expressão. Na decisão,
determinou-se ainda que a prática de racismo envolve perseguição a qualquer grupo étnico,
religioso, cultural, social ou de gênero, tendo em vista que houve efetiva preocupação em
coibir a incitação à discriminação contra qualquer grupo de pessoas.
Todavia, deve-se atentar para as consequências de uma decisão desse teor para o
ordenamento e para toda a sociedade, tendo em vista que essa decisão pode representar,
em certa medida, um perigo à liberdade de expressão.
REFERÊNCIAS
DOMINGO, Tomás de. Conflictos de derecho fundamentales? Un análisis desde las
relaciones entre los derechos a la libre expresión e información y los derechos al honor y la
intimidad. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001.
HERKHENOFF, João Batista. Como aplicar o direito. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
ISRAEL, Jean-Jaques. Direito das Liberdades Fundamentais. Editora Manole,2005.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. Maria Cecília Amorim. São Paulo: Lúmen Júris,
1995.
ROTHENBURG, Walter C. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
1999.
SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição. Rio de Janeiro. Lumen
Juris,2000.
104
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
LIMITAÇÕES AO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO
JUAN EDUARDO CAPILLA JUNIOR172
RUBENS FLAVIO CARDOSO JUNIOR173
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
RESUMO
O texto em voga tem como tema algo que não é apresentado de modo satisfatório em
nossos doutos trabalhos pátrios sobre o Poder Constituinte. É sempre deixado às graças de,
no máximo, um par de páginas. Trata-se de um assunto muito delicado e que é pouco
adentrado devido à aparente facilidade de resposta à questão ou, quem sabe, por pensarem
que este assunto dificilmente se apresente em nosso horizonte jurídico. Há poucos textos
que se aprofundam neste tema. E isso se dá pelo fato de crerem que as teorias até então
apresentadas já são suficientes. Ou, indo mais longe, por pensarem em tal tema, por estar
numa tênue linha democrática, não contenha possibilidades de estudos mais focados,
devendo deixar a questão para o próprio momento da revolução. Pretendemos trazer este
tema sob uma perspectiva limitativa, pensando o Poder Constituinte Originário como do
povo, limitado por ele e por fatores que a ele afetam.Cabe ressaltar que este é o tema
principal deste texto(Constituinte Originário e suas limitações), recaindo acidentalmente em
outras vias, mas nunca tratando a Gênese Constituinte como um mero tópico (assim como
geralmente está sendo feito). Apresenta-se, aqui, pareceres e direções às questões que,
têm a possibilidade de afetar a Democracia: sua Constituição e seu modo criativoelaboracional.
PALAVRAS-CHAVES: Poder Constituinte Originário. Limitações. Direitos Naturais.
LIMITATIONS OF THE ORIGINALLY CONSTITUENT POWER
ABSTRACT
This text has as theme something that is not submitted satisfactorily in national work about
the Constituent Power. Always is left at maximum, a pair of pages to be discussed the
subject.It‘s a subject that is very delicate and that is left aside, maybe, due to apparent facility
of answer or, who know, for thinking that this subject hardly present in our legal horizon.
There are few texts that deepens in this theme. Maybe this given by the fact that they believe
that the theories presented already are enough. Or, going further, perhaps think that this
theme, by being in a weak democratic line, not contains possibilities of studies more focused,
should leave the question to the own revolution moment. We want to bring this theme below
limiting perspective, likewise, thinking Originally Constituent Power as the people, limited by
him and by factors that affect it.Note that this is principal theme of this text (Originally
Constituent and your limitations), accidentallyfalling in other ways, but never treating the
Genesis Constituent as a mere topic, (like this, generally, being made) present, here,
opinions and directions to questions that, for us, there are more possibilities of effect the
democracy: your Constitution and your mode creative-elaborate.
KEYWORDS: OriginallyConstituent Power.Limitations.Natural Rights.
INTRUDUÇÃO: De onde emana o poder que o Estado tem de controlar sua população,
restringir suas liberdades, proporcionar-lhes e negar-lhes direitos e até puni-los por condutas
que vão contra os interesses, consagrações e valores por ele tutelados? Embora a resposta
pareça óbvia, e de fato é, há muitas questões intrínsecas a ela – e que são de grande valia
para uma compreensão mais aprofundada sobre o que é o povo e o porquê de sua
172
173
Acadêmico de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected]
Acadêmico de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected]
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autorização para que o Estado, em seu nome, tenha total liberdade de tratar de todos os
assuntos concernentes aos seus direitos e obrigações, públicos ou privados. Não iremos a
fundo, aqui, nas teorias contratualistas, mas sabe-se que após a renúncia ao estado de
natureza e à sua plenitude de direitos, o homem abdicou de algumas possibilidades suas
em prol de uma vida mais tranquila, pacífica e protegida. De lá para cá, muitas coisas foram
marcadas na História humana até a chegada dos Estados Democráticos de Direitos – e às
suas Constituições. E é aí o centro de nosso estudo: como acreditar que os detentores
criativos da Constituição podem ter plenos poderes de decisões, sem limitação alguma?
Nossa proposta é mostrar que há limitações a eles e dizer quais são elas e seus porquês.
1PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO
O Poder Constituinte Originário é envolto em uma áurea mística que o eleva, quem sabe,
acima até dos anseios e necessidades sociais. Sempre é encarado de modo tímido, comose
existisse algo que prendesse seu estudo necessariamente ao empirismo.Conceitualmente,
tal poder de criar uma nova Constituição(e, decorrendo disso, um novo Estado) é totalmente
ilimitado em seus pareceres e mandamentos. Mas isto não condiz com sua função própria:
promover a convivência harmônica entre todos do Estado. Ora, criar uma Constituição é
uma situação que não pode ser analisada somente do ponto de vista de seu fim, esta
necessidade última surge em um cenário de atipicidade democrática, que se dá por fatores
vários, mas sempre, quaisquer que sejam, delicadíssimos – logo, o tratamento dirigido a
este poder deve ser dos mais atentos.
A demonstração de que o Poder Constituinte Originárionão é ilimitado, incondicionado e
sem vinculação, advém de um processo lógico-social de abstração. É do povo queemana o
poder conferido aos seus representantes. Estes, por sua vez, dependem (como
mostraremos no decorrer do trabalho) de uma nova confirmação posterior para sua real
aprovação. Deste modo, por mais que o Constituinte Originário surja para desconstruir um
ordenamento jurídico e criar um novo a partir de um rol que, devido à própria queda
daquele, pareça não ter nenhum tipo de vínculo, ele de fato tem – em realidade, os têm, pois
são muitos.
1.1 DA SUA DESVINCULAÇÃO JURÍDICA
A tão aclamada incondicionalidade da Gênese Constituinte se dácom relação ao direito
positivado, pois sua função justamente é criar e adequar novos direitos legislados, retirando
aqueles que obstavam as exigências sociais e que acabaram dando ensejo à revolução. No
que diz respeito à sua desvinculação jurídica é onde se prendem doutos juristas para
justificar abranduraque há nos trabalhos nacionais acerca do assunto. Sempre comentam
sobre esta desvinculação, fazem ressalva aos Direitos Naturais, citam Sieyès e pintam um
quadro de aparente tranquilidade, resguardando-se, assim, por trás de teorias consagradas
para evitar um real contato nesta área tão delicada. Tais questões nos levam a um caminho
de emoções e pleitos sociais onde todos os pensamentos se voltam para um futuro Estado,
por isso a necessidade de ir à pré-concepção da norma, ao porquê de tutelá-la.
1.2 DO SEU SURGIMENTO PERANTE A REVOLUÇÃO
A Gênese Constituinte não surge do nada. Ela sempre é provocada, sempre oriunda de
situações insustentáveis como, por exemplo, a falta de reflexo entre a Constituição e a
sociedade a ela vinculada. Ressaltamos que não adentraremos nos quês e porquês tiranos
com suas Constituições semânticas ou nominais, eis que nosso estudo tratará das
limitações ao legítimo Constituinte Originário e não dos que surgem para mostrar as
maneiras pelas quais se consegue alcançar o poder por golpes de Estado ou via artifícios de
manipulação social.
A partir do momento em que o ordenamento jurídico em vigor já não mais consegue cumprir
seu precípuo dever – o de manter as relações sociais de modo tranquilo e sempre em
respeito e cumprimento à dignidade humana -, surge uma necessidade de modificar-se o
que está e criar um porvir. Tal momento de quebra com o que está chama-se revolução, ou
106
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
hiato constitucional.174 Deve-se sempre ter em vista que a necessidade de tal mudança
jurídica, erguendo-se uma nova norteadora de um novo ordenamento jurídico, pode trazer,
em um primeiro e eufórico momento, a ilusão desta se tratarde algo totalmente autônomo e
irrestrito, eis que qualquer limitação jurídica será – e de fato já está – derrubada. Desatento
engano. A falta de vinculação se dá para com as normas positivadas, mas não para com os
direitos naturais inerentes à condição humana – que poderiam estar ou não sendo tutelados,
mas isso de modo algum retiraria sua essência.
2 DIREITO PRÉ-LEGISLATIVO
Trazer à discussão esta visão é transcender a ideia de que direito é apenas a norma
positivada – aquela elaborada pelos poderes competentes para tanto e inserida no
ordenamento jurídico –, é desestruturar o positivismo extremo, abrindo caminho à
concepção da gênese de cada direito; mostrando que o direito, antes de tudo, é prélegislativo: surge da própria condição humana, do respeito que os humanos devem ter uns
para com os outros em prol de uma vida digna em sociedade.
Demasiadamente superficial seria ingressar num ciclo de interpretação pautando-se apenas
da vigência da norma como marco inicial para seu entendimento, portanto, há a
necessidade de se mostrar que a positivação de uma norma é somente o reconhecimento
de um direito pré-existente, que existe com a sociedade e com ela evolui, sendo seu escudo
(pré-conceito) contra questões atípicas e sua espada (preceitos) contra povos distintos.
Deve-se demonstrar como, onde e por que certo direito nasceu,para que seja extraída a
finalidade pela qual determinada norma foi inserida no ordenamento jurídico e, em
decorrência disto, como proceder à sua correta aplicação.Toda a essência da norma em si
existe antes de sua positivação. O que vemos como norma jurídica, ou acreditamos ser a
criação de um direito, nada mais é do que a confirmação legislativa de um direito préexistente; a ratificação de algo que já existe. Não se faz correta a definição de que a
emissão ou elaboração legislativa é quem cria o direito, eis que este já está consolidado
anteriormente como preceito social.
3 LIMITAÇÕES AO CONSTITUINTE ORIGINÁRIO
Em um primeiro momento, fica estranho confrontar a incondicionalidade doutrinária deste
poder aos temas que podem trazer-lhe limitações. Soa como um paradoxo teorético. Mas as
limitações ao Constituinte Originário são, sim, existentes. Dão segurança real à sociedade
no momento em que ela mais precisa (e mais correria chance de perdê-la), porque seu
assunto surge conjuntamente a um ordenamento jurídico em queda,com suas garantias
positivadas sem eficiência total para garantir os direitos a que faz jus o povo. A segurança
trazida pelas limitações é fruto do próprio respeito à outorga de poderes feita do povo aos
seus representantes, condicionando-lhes suas condutas de modo a que, no mínimo, tutelem
o essencial à vivência e convivência entre os vários grupos sociais de um Estado. Frisamos
que as limitações são garantias porque é com elas que, em suma, saberá o povo que seus
direitos essências serão tutelados pela nova norteadora jurídica. Há uma questão volitivoemocional que condiciona todo e qualquer ato emanado dos criadores-elaborativos da
Constituição à aprovação social, sem o qual tais emanações sequer teriam efetividade
jurídica(explicaremos o porquê mais adiante). Tal questão se perfaz nas Limitações.
3.1 DOS DIREITOS NATURAIS
Os Direitos Naturais são aqueles que independem de existir ou não norma legal que os
tutele.O simples fato da vida humana os gera. Jurídico-filosóficamente, eles são concepções
alcançadas através do estudo da vida humana em si - e possibilitam a visualização de
determinados princípios basilares, os quais alicerçam, através de argumentos científicosociais, a possibilidade de convivência harmônica entre as pessoas de uma determinada
174
Utilizaremos, aqui, somente o termo revolução. A palavra quebra, neste trabalho, também será sinônimo daqueles.
107
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
sociedade, sem os quais a pluralidade social viveria submetida a uma determinada casta
e/ou a um regime jurídico não condizente aos seus anseios.
Eles são uma limitação pelo fato de que sua não observância causa um efeito contrário ao
esperado com a criação de uma nova Constituição: insegurança social, desrespeito às
liberdades, desfalque isonômico, dentre muitos outros sérios problemas. A sociedade com
uma Constituição que não resguarde as bases essências à vida em comunidade não dará
efetivação a ela, transformando-a em tudo, menos regente jurídica daquele povo. Por isso
encaramos os Direitos Naturais como limitadores, pois a falta de sua presença na nova
Carta a torna ineficiente e, também,a desvia de sua função de proteção e organização dos
cidadãos e do próprio Estado.
Caso não haja a positivação e concretização dos Direitos Naturais, a Constituição oriunda
desta omissão tornar-se-á semântica ou nominal. De fato, não será uma Constituição;
mesmo que haja uma dura imposição estatal para obediência à Carta, não será efetivo o
seu poder.Um exemplo excelente que demonstra esta necessidade de resguardo aos
Direitos Naturais é o princípio da Dignidade Humana175, basilar aos Estados Democráticos
de Direito.Sem ele, nenhum destes Estados pode assim ser chamado sem estar eivado de
fraude e corrupção; sem desvirtuarem o próprio fim ao qual foram instituídos.Ele está
presente justamente para que nele sejam inseridos todos os direitos naturais que porventura
(ou não) não estejam tutelados de modo positivado.
3.1.1 DOSDIREITOS ADVINDOS DAS RELAÇÕES SOCIAIS CONSTRUTIVAS.
Com vistas a estudos sociológicos dirigidos à compreensão do direito enquanto
manifestação social, ainda que não diretamente, ficamos frente a um dilema jurídico-social
que deve ser resolvido de forma a garantir a efetividade de um ordenamento jurídico: O
nascimento do direito se dá após a lei ou a lei surge após o nascimento do direito?
Enfrenta-se este dilema para que se possa ratificar a ideia de direito pré-legislativo,
identificando e elencando limitações ao poder de criar um novo ordenamento jurídico que,
através de um arcabouço jurídico-princípiológico, orientará a criação das demais legislações
e a interpretação desta mesma Carta.
Partindo-se de pressupostos sociológicos, temos que sociedade é algo em constante
transformação.Tal transformação, objetivamente falando, é fruto das práticas de
determinados grupos sociais, de concepções religiosas, políticas, filosóficas ou jurídicas que
modificam a sociedade e, por vezes, também se amoldam a esta, sempre ligadas a
determinados fatos históricos – como, por exemplo, revoluções, novas utopias, mudanças
de pensamento, arte e cultura. Estes fatos orientam objetivamente e ditam de forma plena a
elaboração legislativa, que deve sempre estar subordinada a eles.
Sendo assim, resolve-se o dilema acima e se consegue dar efetividade a um ordenamento
jurídico quando os representes da sociedade têm consciência da pré-existência dos direitos
que porventura vierem a tutelar e também dos direitos que obrigatoriamente (por isso é
obrigatório, pela sua pré-existência, mas com seu quê limitativo) tutelarem.
3.2 DAS CAUSAS QUE LHE DERAM ENSEJO
Tendo em mente que a criação de uma nova Constituição se dá em momentos de tensão
social e de crenças coletivas de um ―um novo momento‖, se percebe que a causa ou as
causas que deram origem ao surgimento do Constituinte Originário também são um limite a
ele. São elas o segundo limite, pois a atuação dos representantes do povo com relação ao
que deve ser alvo de modificação ou tutela na nova Carta ficam limitados, também, pelas
causas que lhe deram ensejo. Limitam porque num momento como o da revolução a
175
Não usamos o termo ordinariamente utilizado (Dignidade da Pessoa Humana) porque entendemos ser pleonástico e com
epistemologia bastante controversa. Há vários estudos sobre isto (nem tantos de modo direto, mas muitos que nele recaem
incidentalmente), mas não ingressaremos neles, pois seria desviar o foco de nossa própria proposta. Cf., por todos, a
dissertação de mestrado de Alfredo Copetti Neto: Aportes filosóficos à compreensão do Princípio da Dignidade Humana: os
(des)caminhos do Direito Constitucional, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo: 2006.
108
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
sociedade está (geralmente) menos inerte e muito mais atenta às questões que porão seu
futuro ou em xeque ou em ―bons trilhos‖.
Ou seja, o respeito a estas causas (indignações sociais, os próprios anseios da sociedade,
entre outros)é limitador, por bem ou por mal. Por bem seria respeitá-los ao erguer-se uma
Constituição que parta da Dignidade Humana, sem outra intenção que não a de ter um
ordenamento jurídico que garanta, proteja, tutele, ampare, crie deveres sociais que de fato
correspondam aos sociais deveres dos cidadãos etc. Por mal seria o fato de os detentores
criativos da Constituição respeitarem tutelando tais anseios ou por sabererem que não
tutelá-los poderá ocasionar represálias (eleitorais, por exemplo) ou pelo fato de sabererm
que haverá uma nova revolução (mais exaltada e com a sociedade mais decepcionada do
que antes). De um modo ou de outro, não se pode erguer uma Constituição que não
respeite os motivos que levaram o Estado anterior a baixo, pois isso seria desrespeito total
para com a força democrática do povo.
3.3 DOPLEBISCITO PÓS-PROJETO
Ao se falar do respeito necessário às causas da revolução, percebe-se outra limitação – que
é posterior à criação do Projeto Constitucional. A finalidade deste limite é dar oportunidade à
sociedade confirmar e aceitar ou reprovar e rechaçar a nova norteadora jurídica. Estamos,
aqui, nos referindo ao plebiscito, limitação posterior à criação doProjeto Constitucional, mas
que pode (e deve)influenciar sua criação, eis que a perspectiva da negativa do texto é um
fator pseudo-motivacional aos incumbidos de criar o Projeto para que se alcance o que não
causaria tal negativa.
Esta limitação-freio é um meio pelo qual se pode dar verdadeira atenção às limitações da
Gênese Constituinte, eis que tudo dependerá do povo. Mas deve-se ter em mente que povo
é um conceito pluralístico, podendo haver discordâncias entre os vários grupos do Estado.
Esta discordância pode influenciar no momento plebiscitário, e disto extrai-se que o
plebiscito, mesmo sendo um afirmador das demais limitações, não é um limitador por si só,
pois determinados grupos podem, pelo seu tamanho, conseguir influenciá-locom seus
interesses. E é neste ponto onde os direitos naturais como limitação primeira (e última,
neste caso) ao Constituinte Originário ingressam – em especial, o seu corolário: o fato de
se ter como parâmetro, ponto de partida e de chegada de toda discussão teorético-jurídica a
Dignidade Humana. Quando houver uma dissonância volitiva entre o texto constitucional e o
anseio social, esta dissonância aparecerá no resultado do plebiscito, pois não se submeterá
o povo ao que prega este texto, que não passará de uma letra morta, um Projeto sem
aplicação. A elaboração e a justaposição de uma Constituição, pois, tem como fundamento
primordial a submissão de seu texto ao povo e não do povo ao seu texto, pois a sociedade
deve sempre reger-se por normas que são elaboradas de acordo com a sua vontade - e de
forma alguma podem seus representantes criar algo diverso do que o todo social tem como
ideia do que seja justo, ou correto.
E mais: discutindo-se sob a luz da Dignidade Humana, mesmo que determinados grupos
tenham votos suficientes para levar o plebiscito, não haverá maiores conseqüências (em
realidade, provável seria não haver tais conflitos plebiscitários), eis que os direitos foram
tutelados de forma legítima na nova norteadora jurídica.
4A EFETIVIDADE DA CONSTITUIÇÃO FRENTE À IDEIA DE DIREITO DE UM POVO
Da necessidade de haver um plebiscito após o Projeto Constitucional, surge a necessidade
de se perquirir o elemento psicossocial de uma Constituição, pois este é quem traz em seu
contexto a linha de congruência entre efetividade do Projeto e sua posterior aquisição de
caráter jurídico – tornando-o, assim, uma efetiva Constituição. Aliás, por Constituição, temos
que ela adquire caráter jurídico após tornar-se efetiva socialmente, o que se dá quando há
congruência entre seu texto e os anseios sociais.
Uma Constituição somente terá validade quando estiver em consonância com o que
determinado povo julga como sendo necessário à regência de suas relações sociais. Desta
forma, antes de tudo, trata-se o poder de criar um novo modelo jurídico de um poder político,
pois se funda no poder popular para sua efetivação.
109
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Temos que poder é a possibilidade de determinar pela própria vontade a conduta alheia
(conceito de Max Weber, mais light). Porém, não se trata aqui de determinar a conduta
alheia, e sim de uma sociedade determinar suas próprias condutas através do texto
constitucional. Fica evidente que os representantes do Poder Constituinte Originário não têm
(ou não age em) vontade própria, pois eles apenas são o mediador entre o povo e novo
ordenamento jurídico, reproduzindo no texto constitucional aquilo que o todo social
determinar. Sendo assim, quando a manifestação do poder se dáde forma diversa (não
condizente ao elemento volitivo social), será o texto, como já mencionado, uma letra morta,
sem eficácia alguma no mundo jurídico.
A necessidade de uma nova Constituição (seja pela quebra da ordem anterior, seja pelo
estado de natureza reinante) é o fator psicossocial por excelência: ela cria e impulsiona a
crença de se estruturar um determinado povo por determinadas normas. A partir desta
crença, surge a necessidade de se discutir e decidir quais serão as pessoas incumbidas de
criarem esta prévia constituição (prévia pelo fato de crermos necessitar-se um plebiscito
para que haja a sua efetivação). Tais pessoas são o potente, que tem como característica a
superioridade, no sentido de que irão criar normas que deverão influenciar a sociedade,o
obediente.
4.1 DO FATOR CRENÇA
A Unicidade do Poder Constituinte Originário é sua característica primordial, pois ele não se
subdivide quanto ao seu fundamento, mas, não obstante este fato,há a necessidade de
dividi-lo quanto aos seus sujeitos, pois a efetividade do novo ordenamento jurídico proposto
se fundará no fator crença, que forma a linha de congruência entre os referidos sujeitos.
Sendo assim, o poder é formado pelo sujeito ativo (o potente) e o passivo (o obediente).
Ofator crença se faz presente tanto na manifestação de poder do sujeito ativo quanto na do
passivo. O potente pretende uma superioridade sobre o obediente, a qual nada mais é do
que uma crença (de ser fisicamente mais forte e como consequência poder coagir outrem a
fazer, sofrer ou aceitar o que se determina, por exemplo). Porém, esta crença por si só não
tem força o suficiente para gerar o poder necessário à criação e implementação, pois sendo
ela contrária à crença do obediente (de dever fazer, sofrer ou aceitar o que determina o
potente, continuando no exemplo), não atingirá o fim ao qual se destina. A sujeição do
obediente ao potente reside, portanto, no fator crença.
Destarte, a efetividade de um novo ordenamento jurídico fica condicionada à consonância
do elemento crença do potente e do obediente, porém, há que se definir no que se funda a
crença do obediente, pois é este que em sua manifestação garantirá ou tornará ineficaz a
manifestação do poder por parte do potente, pois é a ele que se destina a Constituição, eis
que dele adveio a renúncia da plenitude de direitos do estado de natureza.
Neste ponto, deve-se esclarecer que a igualdade dopotente para com oobediente se dá com
relação às suas origens como conviventes – com o todo social. Mas no momento de
necessidade de criação de uma Constituição, o todo social incumbe alguns dos seus com o
dever de criá-la, surgindo potente, e, com isso,a distinção tão rígida entre este e o
obediente, pois, agora, distingui-os o fator psicossocial.
Em suma, para ser efetiva, uma Constituição precisa que haja reflexo entre o potente e o
obediente, sendo que tal se daria quando houvesse a crença (o fator psicossocial) de se
deter o poder e de se necessitar obedecê-lo. Quem detém o poder deve crer piamente nesta
detenção, eis que nesta crença estão os motivos de se haver uma nova Constituição. Por
outro lado, mas concomitante e paralelamente correndo a este, tem-se a necessidade de
que a sociedade que se vinculará à nova norteadora jurídica crer que, sim, deve nortear-se
por ela, pois só assim haverá a efetiva relação congruente entre o que se deve fazer a partir
da nova Constituição com os que deverão fazer.
5 VALORES À CONSTITUIÇÃO
A dificuldade de se adequar as modificações e intenções sociais ao direito positivado pela
obstrução constitucional; a falta de reflexo da Constituição para com a sociedade a que se
destina; a indignação social perante seus governantes; a utilização da Carta como um meio
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COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
para juntar os interesses privados dos governantes ao interesse público e à política (sendo
que estes deviam manter-se alienados daqueles) etc. são exemplos de situações que
provavelmente irão (em verdade, devem) levar à revolução, essa quebra do status quo
jurídico que avoca o Constituinte Originário. Havendo, pois, a revolução, surge todo um
clamor social pela introdução de temas diversos e pautados em todo tipo de orientação
cultural na nova Constituição. Como fazer para filtrá-los? Antes disso, deve haver filtragem?
Se houver, qual o porquê delas? E com base em que fazê-las?
5.1 DA FILTRAGEM CULTURAL
A necessidade de se filtrar condutas, valores, ideais, estilos de vida, enfim, uma gama de
características culturais, se faz presente no momento de erguer-se uma Constituição. Devese haver filtragem. O problema está em como fazê-la. Através de estudos de vários modelos
de implementação estatal de ideologias ou culturas que ocorreram durante a História (em
especial no decorrer do século XX), chegamos à conclusão de que o modo mais razoável e
de menor risco a imposições e supressões de ideais e valores culturais é abrir um debate
filosófico-jurídico com o fim de ponderar todos os ideais trazidos, mas sempre sob a ótica da
Dignidade Humana. Não se devem levar as conclusões de tais debates a ponto extremos,
como concluindo com base individual-vinculante176 ou coletivo-impingente177, mas, sim,
concluir com o que melhor tutelará a isonomia, o respeito, a vida, os modos de vida, as
maneiras de se dirimir conflitos resultantes de tais modos etc.
O porquê de haver esses filtros sócio-jurídicos é o fato de que em um Estado necessita-se
conviver (e em seus primórdios para isso foi feito). É com base neste conviver pluralístico
que toda e qualquer ponderação de valores deve ser feita, não para que se elevem uns
valores às custas de outros, mas para que se possibilite qualidade de vida aos cidadãos, eis
que dentre estes existem várias e várias crenças distintas, o que por vezes poderá (e
geralmente acarretará) conflitos e atritos sociais.
Deve-se ter em mente que essa ponderação dos valores deve ser feita para o ingresso
destes de modo integral, parcial ou misto no texto Constitucional – ou até para que nele não
se integrem e haja proibição para tais valores. Tudo depende do estilo social e de seus quês
e porquês culturais. Havendo, primeiramente, respeito às limitações em si, os valores que,
após os necessário-vinculantes, forem postos na Constituição seguirão uma linha de
raciocínio semelhante às limitações. Ou seja, haverá respeito e ponderação em suas
implementações.
6 INTERNACIONALIDADE CONSTITUCIONALPSEUDO-VINCULANTE
Adentra-se neste tema pelo fato de o Estado atual sofrer de fato muito mais influências
externas que em pretéritos tempos de Constitucionalismo. Dentre estas influências, estão as
que direta ou indiretamente vinculam o Estado.
Diretamente (no sentido de um Estado constituído, e não em queda, pois se fosse o
contrário, seria indiretamente), as maiores influências são os Tratados e Convenções
Internacionais que versam sobre a concretização de Direitos Naturais. Eles tem um quê
vinculante pelo modo como são realizados as políticas externas (de comércio, de relações
jurisdicionais, dentre outras), que, muita vezes, levam em consideração quais Tratados e
Convenções foram assumidos e postos em prática por um Estado, ou tendo em vista quais
daqueles determinados Estados pretendem não participar, pseudo-condicionando-lhe a
participação para um não sofrimento de represálias nas mencionadas políticas externas
existentes ou que pudessem existir (se aderissem aos Tratados e Convenções) entre eles.
Além deste quê vinculante interesseiro (pois aparentemente eles se mostram de aderência
facultativa, mas pressionam a participação de outros Estados através de políticas externas
mais rígidas e indispostas), temos como outro fator pseudo-vinculante o fato de estes
referidos Tratados e Convenções serem consagradores dos direitos que tanto lutaram o
176
De maneira a que um modo cultural, pretendendo-se maior que os demais,possa vinculá-los às suas crenças, preceitos
éticos, estilo de vida etc.
177
Que seria um modo cultural do qual fazem parte grande parte da população do Estado querendo abolir as demais culturas
em prol de uma identidade cultural nacional.
111
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
povo para ter sob tutela de seu Estado (ou seja, vai ao encontro, mas paralelamente, das
limitações ao Constituinte Originário).
Diz-seinternacionalidade Constitucional porque, atualmente, no momento de revolução,
além do respeito aos limites à Gênese Constituinte, os representantes do povo também
devem limitar-se-á um fator externo ao povo, mas que a este afeta e, na maioria da vezes,
interfere: os caminhos tomados por outros Estados Democráticos de Direito com relação aos
direito diretamente saídos e concretizados dos Naturais.
Um belo exemplo disto são os Tratados e Convenções sobre Direitos Humanos, onde a não
participação de um daqueles Estados traz, mesmo que não seja de fácil acesso esta
informação perante estes próprios Estados, represálias de todos os tipos no âmbito das
relações internacionais.
Vê-se, pois, que a importância deste assunto perante as limitações à Gênese Constituinte é
que ele pode dar a aparência de ser uma antítese para com os próprios fundamentos das
Limitações. Ora, se um povo é supremo detentor do poder de seu Estado, porque este deve
se submeter a fatores externos a aquele? E se o próprio povo não tutelar tais necessidades
internacionais como suas? Essas são perguntas que realmente podem surgir quando se faz
um desatento estudo sobre as limitações à Gênese Constituinte face à estas limitações,
digamos, extraordinárias.
Mas com maior dispêndio elucubrativo, percebe-se queambas limitações estão unidas por
um liame mais que comum: os Direitos Naturias. Veja que quando se diz sobre vincular os
representantes de um povo a determinados Tratados e Convenções Internacionais não se
está obrigando-o a seguir anseios e modos culturais próprios de Estados estranhos. Muito
pelo contrário, quando se levanta este tema é pelo seu viés humano: pois ele garante que
haja a tutela dos Direitos Natuias em outros Estados também, o que é de grande valia por
fatores vários (valorização humana, garantia de um vida digna), inclusive um que é foco de
grandes estudos contemporâneos: as interferências e intercâmbios culturais da pósmodernidade.
De fato, há uma pseudo-vinculação nos Tratados e Convenções Internacionais. Ademais,
psdeuo-vinculação a eles quando versarem sobre direitos ditos como propriamente
concretizados dos Naturais: Direitos Humanos e todos aqueles que interferem na vida digna
a que todo ser humano faz jus. Mas isto de modo algum iria contra os anseios e
necessidades sociais de um determinado povo,pois está estritamente, umbilicalmente ligado
à naturalidade de direitos a que faz jus o próprio povo do Estado que se está erguendo.
Pautando logicamente os fatores pseudo-vinculandes com os de fato vinculantes à Gênese
Constituinte, conclui-se que pondo em prática todas as limitações, não haveria motivo para
que um povo se negasse dar apoio a outros Estados com relação a fatores que tanto
lutaram para que fossem tutelados na construção de seu próprio Estado: respeito aos
Direitos Naturais, fortificação social, vida digna a todos.
7 A INCORRETA INTERPRETAÇÃO DE UMA TEORIA POLÍTICA
Estudando de maneira interdisciplinar a teoria de Sieyés (analisando o Direito, a História e a
Ciência Política contemporâneos a ele), torna-se possível a evidenciação de que,
atualmente, o que se tem como marco norteador da Gênese Constituinte nada mais é do
que a incorreta interpretação e aplicação de sua teoria.
A obra Q' est-ce que le TiersÉtat?(o que é o terceiro estado?) foi publicada por Sieyès às
vésperas da reunião dos Estados Gerais, convocada por Luís XVI em 1789, que tinha por
finalidade a participação dos três Estados (clero, nobreza e povo) em decisões de cunho
político. Com vistas à provável derrota do Terceiro Estado (o que de fato ocorreu, pois o
voto não era equivalente ao número de pessoas, mas sim ao conjunto da Classe), Sieyès
desenvolveu sua teoria de forma a ressaltar a força política do povo, respondendo à
pergunta título de sua obra com a afirmativa: ―Tudo‖, pois era preciso dar o devido valor ao
importante e essencial papel do povo comum no setor produtivo e cultural, enfim, nos
setores basilares da nação.
Sieyès não tinha a finalidade de elaborar uma teoria cientifico-filosófica acerca da gênese de
uma Constituição; sua intenção era que seus escritos pudessem alicerçar a reivindicação de
112
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
uma ordem político-jurídica sem privilégios, onde ficasse sedimentada a força popular e o
reconhecimento de sua importância no meio social da época. Para tanto, Sieyès utilizou-se
de um porvir constituinte, pretendendo a desconstituição da monarquia e, após isto, uma
reconstituição do Estado, mostrando a força da nação (termo utilizado por ele em sua obra;
mas não por nós,preferimos o termo povo pelo fato de que nele se pode extrair um conceito
pluralístico de maior abrangência que naquele).
Pautado na hipótese do estado de natureza (homens livres e de iguais direitos), Sieyès
propõe a elaboração de um comum acordo entre os homens, o denominado pacto social, o
qual seria garantido através de um poder (o supreme power, para Locke) que organizasse,
tutelasse e protegesse os membros desta sociedade, sendo-lhes garantido o respeito aos
Direitos Naturais e aos que eram detidos plenamente antes do Pacto, mas estes restritos o
quanto necessário para a convivência harmônica dos vários membros e grupos do Estado.
Tal poder, para Sieyès, há de ser organizado e limitado por representantes extraordinários
da nação, os quais teriam a soberania necessária para que pudessem estabelecer o regime
jurídico que regularia a sociedade como um todo.
Ou seja, Sieyès não teve a finalidade de estabelecer o modo de atuação do poder de criar
um novo ordenamento jurídico. Queria ele sedimentar a ideia de que o povo, na figura do
Tiers État, é quem detinha a maior força política da sociedade, objetivando-se, portanto, o
exercício da soberania deste sobre as Classes sociais dominantes (clero e a nobreza).
Porém, devido à incorreta abstração da real finalidade da teoria política elaborada por
Sieyès, os juristas (tardios, se contrapomo-los à época de Sieyès), na falta de maior estudo
e dispêndio para aprofundadas elucubrações sobre o tema, acabaram por acatar como
sendo esta a base teorética que funda a Gênese Constitucional.
Quando Sieyès diz representantes extraordináios, ele o faz com vistas ao próprio momento
político da época, pretendendo aconselhar um modo eficiente para que, se acatada e
concretizada sua teoria, fosse composto um novo Estado. O problema foi que os tardios
seguidores de Sieyès tomaram este conselho por elemento necessário, indispensável à
criação de uma Constituição. Como fruto deste erro, a doutrina clássica abstraiu que sempre
deve-se haver uma assembléia de representantes extraordinários do povo (a atual
Assembléia Constituinte) para a elaboração de uma Constituição (o que não condiz com
exemplos históricos, como a Constituição Francesa de 1791, que foi elaborada não por
representantes extraordinário da nação, mas, sim, pelos escolhidos para representar os três
Estados na reunião dos Estados Gerais – tendo, assim, o próprio Sieyès em seu corpo
elaboracional).
CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, claro está que o Poder Constituinte Originário só é ilimitado
quando o assunto é o próprio ordenamento jurídico, haja vista que seu porquê é construir
um novo, partindo, agora sim, de um caminho que se condiciona pelos Direitos Naturias, se
vincula aos anseios e clamores sociais que ensejaram a queda e se limita ao plebiscto pósProjeto Constitucional.
As limitações trazem segurança ao povo. Elas efetivam o seu supreme power; mostram que
o Leviatã é constituído integralmente pelos membros da sociedade. As limitações são
essenciais para todos os Estados que se pretendem Democráticos de Direito.
Como o próprio mestre Canotillo nos diz, a Constituição não surge em um vácuo históricocultural, muito pelo contrário, quando surge a necessidade de se criar um porvir jurídico, é
num dos momentos de maior criação cultural e de importância histórica na sociedade
necessitada.
É com um Estado criado a partir das tutelas que as limitações à Gênese Constituinte trazem
que se consegue um Estado que não precise mais de uma Gênese Constituinte: pois o
corolário do respeito às limitações é uma Democracia real, que acompanha os anseios
sociais e que é eficaz a tutelar todos os valores adquiridos com o decorrer do tempo e da
mutação cultural advinda naturalmente das práticas de interação social e das influências
interculturais da pós-modernidade.
113
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Com as Limitações respeitadas, a própria pseudo-vinculação aos Tratados e Convenções
concretizantes de Direitos Naturais se torna mais que aceitável, transforma-se em um
corolário do respeito ao humano e aos meios necessários à sua vivência e convincência
harmônica.
Justamente com a demonstração do viés político e imedito da teoria de Sieyès somado à
necessidade de limitar-se e vincular-se a Gênese Constituinte que se mostra o lado
fortificante social da Democracial. Sieyès buscou maneiras de acabar com o status quo
contemporâneo a ele; a limitações dão caminhos a serem seguidos nessa quebra; o respeito
aos acordos de outros Estados acerca dos Direitos que independem de origem geográfica
fortificam o caminho a ser seguido ao erguer-se uma nova Constituição e garantem uma
cooperação internacional de reconhecimento da condição humana. Todos este elementos
juntos trazem o fator primeiro do Estado e de sua Constituição: respeito e bem-estar do
povo para com o povo.
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma
dogmática constitucional transformadora. 5ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora
Saraiva, 2003.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª. ed.
Coimbra: Livraria Almedina, 2003.
COPETTI NETO, Alfredo. Aportes filosóficos à compreensão do Princípio da Dignidade
Humana: os (des)caminhos do Direito Constitucional.Dissertação de mestrado apresentada
ao Programa de Pós-Graduação em Direito daUniversidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS) para a obtenção do título de Mestre em Direito Público, São Leopoldo: 2006.
Disponível via internet em:
<http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/FILOSOFIA/Diss
ertacoes/Alfredo_Copetti_Neto.pdf>
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Aspectos do Direito Constitucional contemporâneo.
São Paulo: Editora Saraiva, 2003.
HOBBES, Thomas. Leviatã. Coleção Os Pensadores.São Paulo: Nova Cultural, 1988.
REALE, Miguel. Filosofia de Direito. 17. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1996.
: Eutanásia e o Direito Penal Brasileiro - Direito a vida versus direito de escolha de uma
morte digna
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EUTANÁSIA E O DIREITO PENAL BRASILEIRO - DIREITO A VIDA VERSUS DIREITO
DE ESCOLHA DE UMA MORTE DIGNA
OLIVIA PALMA AUBERT178
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
RESUMO
O presente artigo compreende um estudo sobre o direito à vida como um direito
fundamental e ao mesmo tempo uma liberdade de escolha perante o assunto polêmico e
adepto por vários países ao que compreende a abreviação da vida de um enfermo incurável,
a eutanásia, o que de maneira mais facilmente pode-se compreender como uma ―boa
morte‖. Fazendo uma minuciosa análise dos conflitos existentes nos direitos fundamentais,
bem como os princípios que o regem e as doutrinas pacificadoras desse elevado saber
jurídico, do mundo de práticas licitas, e de todos os entendimentos que alcancem esse
diálogo. É necessário perceber a importância desse breve estudo que merece ser analisado
dentro do ordenamento jurídico brasileiro, tendo o respaldo suficiente para ser considerado
e estimado pela reforma do Código Penal. O estudo utiliza-se do método dedutivo, visto que
e o levantamento de dados foi por meio de pesquisas bibliográficas e a legislação. Nas
considerações finais é esclarecido que cada situação envolvendo esse procedimento deve
ser avaliada individualmente e todos os métodos necessários devem ser analisados
prevalecendo o princípio da dignidade humana perante os conflitos dos direitos
fundamentais.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos fundamentais, dignidade da pessoa humana, eutanásia,
direito penal.
EUTHANASIA AND THE BRAZILIAN PENAL LAW - LAW TO LIFE VERSUS THE RIGHT
TO CHOOSE A DIGNIFIED DEATH
ABSTRACT
This article includes a study on the right to life as a fundamental law while a freedom of
choice before the controversial subject and adept in several countries comprising the
abbreviation of life an incurably ill, the euthanasia, so you can more easily understand how a
"good death‖. Thorough analysis of the existing conflicts in fundamental law, and the
principles that govern and the doctrines of peacemakers high legal knowledge, world licit
practices, and all understandings they reach this dialogue. You must realize the importance
of this brief study that deserves to be analyzed within the Brazilian legal, having the backing
enough to be considered and esteemed by the reform of the crimnial law they deserve all the
support to be considered by the reform of the criminal law to be eliminated from the list of
crimes against life. The study uses the deductive method and the data collection was through
literature searches and legislation. In the final considerations is clear that each situation
involving this procedure must be analyzed individually and all the methods needed to be
analyzed prevailing principle of human dignity against conflicts of fundamental law.
KEYWORDS: fundamental law, human dignity, euthanasia, criminal Law.
178
Acadêmica do Curso de Direito no Centro Universitário Dinâmica das Cataratas.
115
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1.
INTRODUÇÃO
Qualquer trabalho que se faz a ser apresentado para pessoas interessadas no tema, todos
os profissionais e acadêmicos presentes nesse congresso do qual o assunto são os direitos
fundamentais e globalização, é necessário inspiração, idéias próprias, força de vontade,
conhecimento e interesse de sempre aprimorar aquilo que todos temos o conhecimento
adquirido, e é por esse motivo que o assunto deste esboço é hoje um assunto instigante e
polêmico no mundo jurídico, não só nacional, mas também internacional, pois seu tema em
alguns países já são assuntos da matéria de direito penal, aonde este não se enquadra
como crime e concomitantemente faz parte do direito constitucional.
Qual assunto é polêmico e tem por objetivo trazer aos leitores questionamentos a cerca do
anteprojeto do Código Penal e dos conflitos que se faz a cerca dos direitos fundamentais,
quais sejam os direitos prescritos na norma constitucional e seus princípios norteadores,
expressamente falando do inciso III do artigo 1º da mesma norma, o principio da dignidade
humana. É necessário esclarecer que muito se fala da eutanásia como um homicídio
daquele terceiro que faz parte da ação, e é deixada de lado a compreensão de que o direito
a vida também pode ser um direito de liberdade da escolha de uma morte digna de cada
um, assim como se nasce o direito quando se tem a vida. Para estudiosos em questão a
eutanásia é pratica tão antiga quanto a vida na sociedade.
Muito mais que uma matéria a ser tratada dentro do âmbito legislativo, anteposto já se foi
discutido no ramo da medicina e mais historicamente ainda, a eutanásia é debatida desde
os tempos primordiais, o qual envolve discussões de valores sociais, culturais e religiosos.
2.
EUTANÁSIA
O conceito desse vocábulo se da através da sua origem grega, derivada das palavras eu
(bom) e thanatos (morte), indagando o que já é fático, uma boa morte. Há séculos a.C. já se
era reconhecida e analisando seu aspecto histórico é possível enxergar essa afirmação.
Em Atenas, todo aquele que chegasse aos 60 anos de idade era envenenado, já que não
traria mais contribuição à guerra e todo aquele que estivesse exausto de sua vida e de seus
deveres para com o Estado podia procurá-lo a fim de manifestar sua vontade de ser
envenenado.
Em Esparta, conforme leciona Lima Neto, a fim de evitar qualquer sofrimento ou vir a
tornar-se carga inútil, os recém-nascidos com má formação eram descartados na mesma
hora, o Estado tinha o poder de ‖dispensar‖ qualquer criança que não lhe fosse útil, assim
também poupava a família do desgosto de ter um rebento incapacitado paras as glórias das
futuras guerras.
Essas discussões não ficaram restritas, no Egito, Cleópatra VII (69aC-30aC) fundou no
Egito um lugar específico para pode realizar experiências com o propósito de descobrir qual
seria a maneira de morrer menos dolorosa.
Já na Idade Média, como explica o Prof. Jiménez de Asúa, podia-se entender que a
eutanásia era tida como um ato de misericórdia, sendo praticada em casos de feridas e
acidentes graves ou doenças crônicas, eutanásia então era um habito comum devido às
pestes e epidemias que causavam todas essas situações mencionadas, e ao longo da
historia da humanidade, o ponto culminante de discussões a respeito desse tema foi na
então Prússia em 1895, com participação de Thomas Morus (Utopia), David Hume (On
suicide), Karl Marx (Medical Euthanasia) e Schopenhauer, onde em uma reunião para
debater sobre o plano de saúde, foi decidido que o Estado deveria prover os meios para a
realização de eutanásia em pessoas que se tornaram incompetentes para solicitá-la.
116
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
No Brasil, na Faculdade de Medicina da Bahia, Minas Gerais e também no Rio de Janeiro e
em São Paulo, inúmeras teses foram desenvolvidas neste assunto entre 1914 e 1935.
Assim com cita Rodrigues a eutanásia foi se mostrando ao poucos, empregadas por
pessoas humildes de boa-fé para ajudar um enfermo de doença incurável.
É importante também conceituarmos a eutanásia ativa, que é o ato determinado a provocar
a morte sem sofrimento do paciente. E a eutanásia passiva, aonde a morte do paciente
ocorre dentro de um quadro terminal, também é conhecida como ortotanásia, que significa
"morte no seu tempo certo"; vem do grego orto (correto). ortotanásia tem o sentido de morte
no seu tempo, sem abreviação nem prolongamentos desproporcionados do processo de
morrer.
2.1
EUTANÁSIA E A MEDICINA
Para dar continuidade ao trabalho é necessário entender o posicionamento da medicina, e
para iniciar esse tópico nada mais coerente do que falar em ética da medicina, quando se há
a formação profissional de um agente na área da saúde ou em qualquer outra
especialização, sua formação deve estar sempre acompanhada da sua ética profissional. Os
dois grandes princípios morais da atuação médica é a preservação da vida e o alivio da dor,
e normalmente esses princípios são colorários um ao outro, mas pode haver exceções, em
determinadas situações um deve prevalecer o outro, no caso em pauta, a preservação da
vida é abduzida pelo alivio da dor, pois em casos que a morte é o desfecho natural de uma
doença irreversível e inevitável, a atuação médica deve priorizar o alivio da dor.
Cita-se o Doutor Heriberto Brito:
A aplicação dos princípios éticos – beneficência, não-maleficência,
autonomia e justiças – deve ser realizada numa sequencia de
prioridades. Dessa forma é importante observar que os princípios da
beneficência e da não-maleficência são prioritários sobre os da
autonomia e da justiça.
A medicina paliativa tem alcançado progressos científicos que permitem levar a
intervenção medica cada vez mais longe, mas é essencial que o médico seja capaz de
reconhecer seus limites práticos e éticos da sua função. O médico não tem nada a ver com
os sãos e com os fortes, mas com os doentes e com os fracos, com pessoas que estão
perdendo o seu vigor físico e as suas faculdades mentais, em suma, com a vida.
Em 2006, o Conselho federal de Medicina editou a Resolução 1.805/2006 que prevê
o seguinte:
Art. 1º: É permitido ao médico liminar ou suspender procedimentos e
tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de
enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoas ou
de seu representante legal.
Para 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu
representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para
cada situação.
2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada
no prontuário.
3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de
solicitar uma segunda opinião médica.
Art. 2º: O doente continuará a receber todos os cuidados necessários
para aliciar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a
assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual,
inclusive, assegurando-lhe o direito de alta hospitalar.
117
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Em ação civil pública proposta pelo Ministério Publico, conseguiu a vitória com a
antecipação de tutela que suspendeu os efeitos dessa resolução, porém o mesmo juiz
julgou improcedente a ação, pois entendeu que o Conselho Federal de Medicina tem
competência para tratar sobre o assunto, que não esta ligado com o direito penal e sim
sobre a ética médica.
O novo Código de Ética Médica veda o médico a abreviar a vida do paciente, porém,
descreve que o médico, apesar de oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis, não
deve empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis nos casos de doença incurável.
Em resumo, não é para entender a eutanásia na medicina como um descarte daquele que já
não há mais saídas, analisado todos os princípios da ética, da moral, da não descriminação
é de relevância falar mais uma vez que a ―boa morte‖ deve ser analisada individualmente,
respeitando caso a caso, e todos os métodos devem ser avaliados respeitando dentro do
âmbito jurídico os direitos fundamentais e o principio da dignidade humana.
2.1.2 EUTANÁSIA NO TESTAMENTO VITAL
O testamento vital ou ―diretiva antecipada de vontade‖, esta vigente no Brasil desde agosto
do vigente ano, ele só poderá ser aplicado quando houver uma doença do tipo crônica
degenerativa, como cancêr, Alzheimer, Parkinson ou algo que coloque o paciente em estado
vegetativo.
Vale lembrar que esse testamento não é um passe livre para a prática da eutanásia, mas
sim um ato de refletir sobre a temida morte. Um correto conceito de morte deveria ser
implementado novamente na sociedade, as pessoas evitem falar dela sendo que ela é a
única certeza que temos na vida. Seria mais fácil aceitar essa realidade e tomar as decisões
que implicam não só o individuo, mas toda a sua família, a sociedade, o Estado, antes
dessa possibilidade não estar mais em nossas mãos. Por esse motivo todas as pessoas
capazes podem deixar escritas ou não, sem necessidade de testemunhas e cartório, para
seu médico e familiares a sua vontade de ter uma morte digna.
2.2
POR QUE A EUTANÁSIA É TÃO POLÊMICA
Como já arrazoado nos tópicos anteriores, a eutanásia é um ato de proporcionar morte sem
sofrimento a um doente atingido por afecção incurável que produz dores intoleráveis e
incuráveis.
O assunto eutanásia desenvolve polêmica pelas mesmas razões que fazem o aborto ser um
tema energético de debates, pois ultrapassa a moral de cada um em seu pensamento
subjetivo individual ou coletivo, não há consenso a respeito da validade da prática nem
mesmo entre os médicos, porque não há acordo a respeito do que sentem e pensam
doentes em coma ou em estado vegetativo.
Um exemplo recente de ampla polêmica e de diversas opiniões foi o
―caso Terri Schiavo, a americana morta por eutanásia em 2005 a
pedido do marido. Ele se apoiava num diagnóstico médico segundo o
qual Terri, que em 1990 sofrera uma parada cardíaca e ficara sem
oxigenação no cérebro, já não possuía consciência. Os pais da
paciente, no entanto, dispunham de outros laudos, que afirmavam
que Terri tinha uma consciência mínima, e se opunham à sua morte.
A Justiça dos Estados Unidos acabou dando ganho de causa ao
marido. Os aparelhos foram desligados e ela morreu.‖
118
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
2.3
PAÍSES QUE ADIMITEM A PRATICA DA EUTANASIA
No mundo inteiro apenas alguns países admitem a pratica da eutanásia sem considerá-la
crime. A saber, são eles:
O continente que mais avançou na discussão, a Europa, a eutanásia é hoje considerada
prática legal na Holanda e na Bélgica, os dois países legalizaram a pratica em 2002.
Em Luxemburgo, está em vias de legalização, na Suíça, país que tolera a eutanásia, um
médico pode administrar uma dose letal de um medicamento a um doente terminal que
queira morrer, mas é o próprio paciente quem deve tomá-la.
Já na Alemanha e na Áustria, a eutanásia passiva não é ilegal, contanto que tenha o
consentimento do paciente.
O Uruguai é o primeiro país a legislar sobre o assunto, o seu Código Penal de 1930, livra de
penalização todo aquele que praticar ―homicídio piedoso‖, desde que conte com
―antecedentes honráveis‖ e que pratique a ação por piedade e mediante ―reiteradas
súplicas‖ da vítima.
Nos Estados Unidos, Oregon é o único Estado que permite a eutanásia.
E o mais recente país a aprovar a lei da eutanásia, é a Argentina, que em maio do corrente
ano o projeto de lei foi aprovado por unanimidade pelo Senado do seu país.
3.
A EUTANÁSIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO,
RESPONSABILIDADE CRIMINAL DO AGENTE QUE PRATICA A EUTANÁSIA
E
A
Em consequência ao estudo abordado, não podemos deixar de falar da eutanásia no âmbito
jurídico brasileiro, apesar do Brasil ser um estado laico, por muito tempo a religião cristã
predominou nas influências de nossa legislação e nas suas possíveis interpretações a seu
respeito, por esse motivo muitas dos códigos escritos seguiram alguns critérios religiosos –
discretos - no tocante a sua elaboração.
Contudo, é necessário esclarecer que a legislação brasileira não permite a pratica de
eutanásia em qualquer uma de suas modalidades, porém fazendo uma breve retrospectiva é
possível chegar a conclusão que o ordenamento jurídico nunca regulou esse exercício,
justamente por ter em seu texto Maior, a Constituição Brasileira que segundo Lenza prevê
de forma genérica no artigo 5º, caput, o direito a vida, que abrange tanto o direito de não ser
morto, privado da vida, o direito de continuar vivo e o direito de ter uma vida digna, assim
veremos nos tópicos abaixo.
O projeto de lei 125/96 que esta tramitando no Senado Federal esta sendo analisado
respectivamente junto com o anteprojeto do novo Código Penal, este projeto estabelece
critérios para a legislação a respeito da ―boa morte‖, com base na proposta de Jiménez de
Asúa um dos maiores autores desse tema, no anteprojeto ocorreria à exoneração de
castigo, sem deixar de caracterizar o ato como o de matar alguém.
O projeto de lei 125/96, apesar de ter sido elaborado em 1995, nunca foi votado, esse
projeto defende a legalização da eutanásia no Brasil. Prevê o desligamento dos aparelhos
que mantém o paciente quando constatada a morte cerebral e a permissão de morte suave
a pacientes em situações de extremo sofrimento físico e mental, desde que haja cinco
médicos que atestem o estado irreversível do paciente, sendo no mínimo dois médicos
especialistas, bem como que o pedido de realização da eutanásia seja feito pelo próprio
agente ou seus parentes próximos, no caso deste encontrar-se inconsciente e somente
através de solicitação judicial. Cabe ressaltar que este projeto elaborado pelo Senador
Gilvam Borges, encontra-se arquivado desde 1999 e não tem a possibilidade de vir a ser
aprovado.
Já no anteprojeto apresentado, a proposta é acrescentar aos parágrafos terceiro e quarto do
artigo 121, o seguinte texto
...
Eutanásia
119
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Parágrafo 3o. Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da
vítima, imputável e maior, para abreviar-lhe o sofrimento físico
insuportável, em razão de doença grave:
Pena - Reclusão, de três a seis anos.
Exclusão de Ilicitude
Parágrafo 4o. Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém
por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos, a morte
como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do
paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente,
cônjuge, companheiro ou irmão.
Para as doutrinas verifica-se, que se aprovada a reforma proposta, a eutanásia passará a
configurar uma causa de diminuição da pena do homicídio, assim apontada no parágrafo
terceiro.
Quanto ao parágrafo quarto este deixou margens de interpretação e diversas são as
doutrinas a respeito, uns dizem equivocadamente que este parágrafo nada mais é que a
ortotanásia, e que o projeto de reforma do Código Penal atribuiu uma causa de exclusão da
antijuridicidade, ao determinar que "não constitui crime deixar de manter a vida de alguém
por meio artificial, desde que a morte iminente e inevitável seja atestada por dois médicos e
haja consentimento do paciente ou de familiares".
A responsabilidade criminal do agente esta descrita na parte especial, no artigo 122 do
Código Penal.
Induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio
Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe
auxílio para que o faça:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se
consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de
suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.
Como é de conhecimento de todos, para configuração do crime é necessário que o fato seja
típico, quando estiver previsto na lei, antijurídico, quando a conduta for contraria ao
ordenamento jurídico, e culpável, quando recai sob ela um juízo de censura. Há de se notar
que o referido código não dispõe pena sobre eutanásia, mas é conhecimento doutrinário o
agente que induz o suicídio, no caso aqui o médico, o pratique o crime. Entretanto o artigo
23 desse código, estabelece que não haverá crime se o fato for praticado em estado de
necessidade, legitima defesa, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de um
direito e fora ao código o consentimento do ofendido. E é aqui nessa interpretação de
normas que vigora a hermenêutica constitucional, assim como foi a mais recente
interpretação do guardião da Constituição Brasileira, ao julgar a antijuridicidade nas
hipóteses de aborto legal incluindo o aborto de feto anencefálico.
4.
DIREITOS FUNDAMENTAIS – DIREITO À VIDA
A declaração dos Direitos do Homem e do cidadão foi apresentada em 1789, fruto da
Revolução Burguesa, essa declaração constitui um marco na história do homem quanto à
conquista de seus direitos fundamentais.
Esses direitos fundamentais podem ser chamados de direito humanos, pois eles são
essenciais ao homem, são de cunho declaratório e consistem em normas que asseguram a
realização do direito, podem também ter a nomenclatura de direitos constitucionais, pois
como ensina Moraes, estão inseridos no texto constitucional e quanto a sua eficácia, em
regra é imediata.
120
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Segundo Bonavides, há duas formas de caracterizar os direitos fundamentais, a primeira
consiste em designar como direitos fundamentais todos os direitos previstos na Constituição
da República e a segunda considera os direitos fundamentais aqueles que a constituição
dispõe com um grau elevado de segurança, ou seja, de difícil mudança.
No caso em pauta, os direitos fundamentais são aqueles que tem como objetivo respeitar a
dignidade da pessoa humana, estão arrolados no artigo 5º da Constituição Federal e tem
como suas características a historicidade, inalienabilidade, imprescritibilidade e
irrenunciabilidade.
Analisando as garantias dos direitos fundamentais, encontramos entre elas o direito à vida e
o direito a liberdade.
O direito a liberdade deve ser interpretado ao que diz respeito ao homem como indivíduo
livre em suas escolhas, deve-se respeitar as decisões que cada sujeito toma por si próprio,
mesmo que imprudentes, pois cada pessoa sabe, ou pensa que sabe o que melhor fazer
com seus interesses fundamentais. Esse princípio de liberdade fundamental pode ser
interna e externa como preleciona José Afonso da Silva:
Liberdade interna é o livre-arbítrio, como simples manifestação da
vontade no mundo interior do homem. Por isso é chamada
igualmente liberdade do querer. Significa que a decisão entre suas
possibilidades opostas pertence, exclusivamente, à vontade do
individuo; vale dizer, é o poder de escolha, de opção, entre fins
contrários. A questão fundamental contudo é sabe se, feita a
escolha, é possível determinar-se em função dela. Isto é, se tem
condições objetivas para atuar no sentido da escolha feita, e, ai, se
põe a questão da liberdade externa. Esta, que é também
denominada liberdade objetiva, consiste na expressão externa do
querer individual, e implica o afastamento de obstáculos ou de
coações, de modo que o homem possa agir livremente. Mas um tal
poder, se não tiver freio, importara no esmagamento dos fracos pelos
fortes e na ausência de tod a liberdade dos primeiros.
O direito a vida esta definitivamente tutelado pelo ordenamento jurídico, é regido pelos
princípios Constitucionais da inviolabilidade e irrenunciabilidade, ou seja, o direito à vida,
não pode ser desrespeitado, sob pena de responsabilização criminal, nem tampouco pode o
indivíduo renunciar esse direito e almejar sua morte.
É nesse sentido que os direitos fundamentais entram em conflito, de acordo com Moraes, o
direito à vida tem um conteúdo de proteção positiva que impede configurá-lo como o direito
de liberdade que inclua o direito à própria morte.
Sendo o conflito encontrado no tema, o principio da razoabilidade ou da proporcionalidade
deve entrar em cena com o intuito de evitar resultados desproporcionais e injustos, baseado
em valores fundamentais conflitantes.
O tema deste artigo é tratado como um choque, pois envolve valores sociais, culturais e
religiosos, tem a colisão constitucional narrada a cima, o que é normal entre as normas do
texto maior, muitas vezes esses princípios e direitos se encontram divididos perante o
mesmo caso, como é o nosso, o direito a vida, tanto de permanecer vivo quando o direito de
uma vida digna, consequentemente uma morte digna aquele enfermo incurável.
Demonstrada as formas que são estes direitos imprescindíveis à existência do homem,
(supra citados), eles são reconhecidos como forma de corrigir o desequilíbrio existente entre
Estado e indivíduo.
Através das instituições do Estado, compete exclusivamente ao poder público os deveres de
respeito e tutela ao direito à vida e, nos casos em que admita exceções a esse direito, como
por exemplo, a eutanásia, cabendo a ele zelar para que as atuações se dêem nos estritos
limites do que foi autorizado pela lei.
121
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
5.
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O princípio da dignidade humana é um princípio máximo do estado democrático de direito, é
um valor moral inerente à pessoa, esta devidamente taxado no rol dos princípios
fundamentais da Constituição da República do Brasil de 1988.
A dignidade da pessoa humana é relativamente subjetiva ao que abrange os valores de uma
sociedade, aspectos econômicos, políticos, morais e sociais, tanto é por esse motivo a
necessidade de dar aos indivíduos os seus direitos e garantias expresso na constituição. É
este principio que como definiu São Tomas de Aquino, “o termo dignidade é algo absoluto e
pertence à essência.”
Esse conceito de princípio abrange a pessoa humana a garantia da sua existência, e é com
base nisso que honra o compromisso absoluto com a integridade física e psíquica do
homem.
Outro ponto de vista em relação a eutanásia, é quanto a sua vida digna, um paciente
incurável, deve ser merecedor de uma condição de uma morte digna, já que o mesmo
sujeito já não usufrui mais de todos os outros direitos que o cercam, e que honroso seria
não ter que viver de forma artificial apenas para contentar aos outros que por critérios
culturais e sociais tem um certo medo e egoísmo no momento de uma despedida ―material‖.
Não de deve ir contra a eutanásia quando se trata de um paciente em estado terminal, pois
estaria nesse ato tirando-lhe a sua liberdade de escolha bem como sua dignidade.
A favor da eutanásia, como já citado anteriormente no Código de Ética Médica, valoriza-se a
autonomia do paciente e deve ser assegurado a ele toda a assistência necessária. Segundo
Milton Coelho, “negar a eutanásia a um paciente em fase terminal, é o mesmo que frutar-lhe
a liberdade. Não haveria um delito a ser punido, mas sim um alívio na angústia e no
sofrimento.‖.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A eutanásia é um ato de dignidade a pessoa humana quanto a esta ter uma morte digna, é
um procedimento histórico que há milhares de anos já tem o seu reconhecimento dentro da
sociedade, assim como qualquer outro fato histórico, a eutanásia foi com ao acrescer dos
anos evoluindo, por muito tempo era considerada como um descarte daqueles que não
serviriam para prestar serviços sejam qual for, teve seu ponto culminante de discussão em
1895, quando fora discutido sobre a o plano de saúde do Estado, a partir desse enfoque, a
eutanásia teve seu aspecto alterado na sociedade, a partir de então não se buscava um
descarte, mas sim uma dignidade dos enfermos incuráveis.
No Brasil, eutanásia foi se mostrando aos poucos, empregadas por pessoas humildes de
boa-fé para ajudar um enfermo de doença incurável.
Diversas são as classificações do termo eutanásia, porém é desnecessária todas as outras
e relevante as principais: a eutanásia ativa, que é o ato determinado a provocar a morte
sem sofrimento do paciente. E a eutanásia passiva, aonde a morte do paciente ocorre
dentro de um quadro terminal.
No desenvolvimento do trabalho é tácito que a eutanásia assim como foi o assunto
relacionado ao aborto de feto anencefálico é polêmico e de imensas opiniões e
discordâncias. Nem mesmo no âmbito da medicina encontramos um único parecer, e assim
como esta em desenvolvimento o anteprojeto do Código Penal, o Código de Ética Médica já
se manifestou, pois muito antes de ser tratado como um tipo penal, a eutanásia está inserida
diretamente com a medicina, a qual já tem o seu parecer como supracitado, observando
atentamente caso a caso.
Diante de todo o exposto, fica o questionamento: será mesmo que o anteprojeto do Código
Penal é uma ameaça ao direito a vida, já que muitas doutrinas defendem que a evolução
médica pode chegar futuramente a cura de tal doença denominada hoje incurável, terminal.
Já a doutrina a favor da eutanásia defende que esse futuramente pode vir a demorar, e não
seria correto não tomar uma decisão enquanto todos aguardam iludidos à possíveis curas,
excluindo a realidade dos leitos hospitalares, o enfermo e seus familiares sofrendo enquanto
122
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
agonizantes pela melhor escolha. Dizer que a eutanásia não é proibida, não significa dizer
que ela é imposta a todos, ela é uma exclusão de antijuridicidade aqueles que quiserem
optar por ela.
É necessário avaliar que os indivíduos da sociedade estão sempre buscando algo mais,
enquanto perdem, querem ganhar, enquanto ganham, querem perder. Buscam a
imortalidade, sendo que ela não é um bem disponível, ao contrário da morte, que é a única
certeza que todos têm na vida, e ao mesmo tempo, é o assunto mais temido. O direito a vida
não pode ser interpretado a fim de evitar uma morte digna, é indispensável entender o
momento que a vida chega ao fim.
Foi apontado no trabalho o princípio da liberdade, e o direito a vida, tal princípio é aquele
que deixa o homem livre para tomar suas decisões e o direito a vida é aquele que se
enquadra na proteção da mesma, garantindo-a à vida compreendendo o direito de não ser
morto. Porém, quando observada em nossas mentes, não conseguimos analisar a
crueldade que é a insistência de uma pessoa que já não demonstra mais sinais vitais
próprios e sim artificiais, mas essa é a realidade.
É cruel e desumano, é contrário ao principio da dignidade humana, manter um enfermo
incurável em leito terminal, sendo que o indivíduo que encontra-se nessa situação já não
está mais usufruindo de todos os seus outros direitos que poderiam vir a colidir com o seu
direito de ter uma morte digna. Ele já não esta mais inserido em uma sociedade, ele já não
participa mais de reuniões familiares, ele esta ali apenas por recarga de aparelhos que não
são capazes de retorcer sua situação.
Contra essa questão, o fato de uma pessoa não querer sofrer diante da morte inevitável não
deve ser considerada como um ato contrário ao disposto do artigo 1º, III da Constituição,
mas sim como uma forma de praticar um direito que o próprio Estado lhe garante ou
assegura como um dos seus princípios fundamentais.
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124
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO NO PROCESSO DE MUDANÇAS NAS PRÁTICAS
CULTURAIS E OS REFLEXOS DA GLOBALIZAÇÃO
―Se alguma coisa divina existe entre os homens, é a
justiça. Nisto se compendiam todas as minhas crenças
políticas. De todas elas essa é o centro. Mas para que a
justiça venha a ser essa força, esse elemento de pureza,
esse princípio de estabilidade, é preciso que não se
misture com as paixões da rua, ou as paixões dos
governos, e seja a justiça isenta, a justiça impassível, a
soberana justiça, a congênita em nós, entre os
sentimentos sublimes à religião e à verdade‖.
(Rui Barbosa)
MARIA APARECIDA DA SILVA179
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
RESUMO
O presente artigo consiste em abordar os aspectos relevantes à comunicação, partindo do
que é exposto desde os primórdios à globalização. Tal fator é exposto no intuito de abordar
que a decodificação da mensagem sempre foi e será importante, mesmo em se tratando na
esfera judicial. A incorporação das novas tecnologias de comunicação e informação provoca
um processo de mudança contínuo, não permitindo mais uma parada, visto que as
mudanças ocorrem cada vez mais rapidamente e em curtíssimo espaço de tempo. Observase que os aspectos relevantes ao assunto em questão: comunicação e globalização tornouse algo a mais em todos os aspectos apresentados com a finalidade de apontar buscas de
soluções, uma vez que existe uma vastidão de conhecimentos.
PALAVRAS-CHAVE: Comunicação/ Globalização/Pós-Modernidade
ABSTRACT
The present article is to address relevant aspects of communication, from what is exposed
since the dawn of globalization. This factor is exposed in order to address the decoding of
the message was and always will be important, even in the case in court. The incorporation
of new technologies of communication and information causes a continuous change process,
not allowing another stop, since changes occur ever more rapidly and in very short time. It is
observed that the aspects relevant to the subject matter: communication and globalization,
has become something more in all aspects presented for the purpose of pointing search of
solutions, since there is a vast knowledge.
KEYWORDS: Communication / Globalization / Postmodernity
179
Professora no Centro Universitário Dinâmica das Cataratas. Mestre em Engenharia de Produção UFSC . E-mail: [email protected]
125
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
1 INTRODUÇÃO Este trabalho tem como meta abordar os aspectos relacionados à
comunicação como algo de suma importância em toda esfera que engloba o ser humano,
desde os primórdios à globalização através de comunicação interpessoal que apresenta
como objetivo principal uma forma de apontar os mais diversos aspectos de entender os
seres.
Sabe-se que o mundo contemporâneo tem sido marcado por uma imensa e variada
mutação das formas de comunicação, havendo-se gerado aquilo que algumas análises
designam ser uma autêntica mediadora. O abrangente espaço que se funde no ato de
comunicação, tendo o emissor, o receptor e a mensagem desponta a multiplicidade de
experiências e perspectivas do real a que os indivíduos acedem, nas sociedades modernas
atuais. A comunicação aparece de forma clara e concisa por todos os domínios da atividade
humana, dando conta das relações dos indivíduos com a sociedade global e com as
diversas instituições que compõem entre si e dos indivíduos, uns com os outros e com a
natureza.
Frente a este estudo do ato de comunicar, qualquer discussão em torno da modernidade
não pode deixar de integrar às modalidades discursivas. É a ordem destas modalidades que
pressupõe obviamente o conhecimento de cada esfera da realidade e dos sentidos visados
em cada determinação ou troca humana como consequência inevitável da inscrição dos
diferentes mundos da experiência moderna no mundo da linguagem e no mundo da
comunicação.
De tal forma, denota-se no presente estudo com a consciência inalienável de que existe
uma relação entre a experiência e a linguagem na forma pela qual depara-se com a
comunicação. Nesta linha de raciocínio, passa-se também pela análise de uma nova cultura,
valores e os falares regionais que complementam a comunicação como um todo, restando
linguagem versus comunicação que necessitam ser decodificadas.
Partindo de tal pressuposto, observa-se que a globalização é algo primordial em virtude da
crescente evolução e transformação do ser, conforme apresentado em forma sucinta; e que,
utilizando-se dos métodos: observacional e dedutivo com pesquisas bibliográficas e
exploratórias apontando-se o norte do referido estudo.
2 A COMUNICAÇÃO E O SER
Sabe-se que o fator primordial à vida do ser humano encontra-se em evidência no ato de
comunicar, independente da forma, e, de tal forma, é inerente e faz parte na natureza do
próprio ser; visto que todos não podem deixar de comunicar da mesma forma que não
podem deixar de respirar.
Em um processo retrospectivo depara-se com maneiras diferentes utilizadas no ato da
comunicação, observando que, desde os primórdios a humanidade já se comunicava
através de símbolos, em face aos fatores relacionados às necessidades de sobrevivência, o
homem desenvolve diferentes formas de se comunicar; desde, por exemplo, quando eles
desenhavam nas paredes das cavernas, deixando assim, o registro do seu tempo para seus
semelhantes e descendentes. Tudo isto se deu em função do anseio em propagar ideias,
visto que persuadir e informar sempre fez, e continua fazendo com que o ser humano
desenvolva canais e métodos cada vez mais modernos, ágeis e interativos de comunicação.
De tal forma pode-se elucidar que vida e comunicação formam um elo; não se separam,
pois onde cessa a vida, automaticamente, põe-se fim a toda possibilidade de comunicação,
em sua totalidade.
Contudo, o fator cultural sempre esteve presente, a partir do momento em que se pode
caracterizar como conhecimentos e crenças, advindos de gerações, às quais transmitiam
―valores‖ os quais o próprio ser julgava inconcebível; uma vez que o homem construía o
mundo através de seu trabalho e ao mesmo tempo, construindo-se como sujeito no que se
pode avaliar como ―valores adquiridos e repassados‖; com um diferencial: era ele quem
delegava suas leis através do que podia registrar e interpretar; de tal forma, respeitando o
direito do próximo.
126
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Seguindo a linha apresentada Ribeiro e Herschamann comentam que,
De todos os lados e das mais variadas fontes e âmbito de estudo,
ao homem sempre chegam informações; de um lado do objeto
empírico, através de sinais, símbolos e ideologias, leis e liberdade;
bem como assuntos (comunicação) através da cultura, costumes e
educação, observando que tudo está relacionado aos aspectos
comunicacionais historiados180.
É tempo de ouvir, pensar e refletir sobre os fatores que vêm acontecendo e a forma pela
qual são repassados. Diante tal afirmativa sabe-se que é de bom grado ouvir e ler
corretamente o que se pretende repassar, principalmente quando o momento é de projetos
e expectativas, salientando que para tudo, necessário se faz, o ato de comunicar e
entender.
Ao deparar com seres que farão a representatividade de um povo e,ou seja, todos os que se
propõem a lidar com pessoas em uma forma de repassar conhecimentos, sabe-se que, de
acordo com a Constituição Federal de 1988 todos têm direito à educação; é justo observar a
forma que se dirigem à sociedade para que possa incentivar o direito que é cabível; afinal,
esta é uma das metas norteadoras de todo discurso, seja ele em toda e qualquer esfera do
conhecimento.
Porém, para muitos tal afirmativa é complexa no que se refere à decodificação de tudo o
que é repassado, também não aceitando a substituição do arcaico pelo moderno, mesmo
que não exista o conteúdo que supra às necessidades advindas da aquisição da linguagem
e sua interpretação, muito embora sabendo que não existe a obrigatoriedade de um falar
rebuscado para que se possa atingir à tão almejada meta: o ser como um todo, ou como
produto de um meio que tem como direito o aprendizado e que interprete o que lhe é
repassado através da linguagem coerente às necessidades advindas da decodificação para
um melhor entendimento.
É pertinente comentar tal fato uma vez que se tem uma sociedade crítica e até formadora de
opiniões, e em contrapartida, aqueles que não valorizam o que é de direito: a educação
como um todo, e que na maioria das vezes tornam-se perplexos percebendo a não
necessidade de se comunicar de forma correta, pois se espelham naquilo que a sociedade
expõe como um todo através da modernidade, esquecendo de que o ilustre Rui Barbosa já
dizia: ―O ensino, como a justiça, como a administração, prospera e vive muito mais
realmente da verdade e moralidade, com que se pratica, do que das grandes inovações e
belas reformas que se lhe consagrem181‖.
Partindo de tal pressuposto, observa-se que não é necessário ser prolixo para atingir os
seres, mas sensato e direto sem deixar que pensamentos retrógrados possam desmistificar
o saber através do bem demonstrado.
Tem-se por um lado, a preocupação com tudo o que é visto e não se consegue expressar
ou transmitir suas ideias de forma clara e coerente, visto não ter havido aprendizagem
suficiente, e em contrapartida os que nem sequer conseguem responder às perguntas que
lhe são apresentadas. Questionamentos surgem em toda esfera de conhecimento, havendo
também os que pecam pela ausência de interpretação e respostas lógicas quando
indagados através de todos os meios de comunicação e que requer do ser o interpretar para
se comunicar.
O ser humano, por natureza é o foco principal da comunicação; e para alguns às vezes se
comunicam por meio de gestos; mas existe o fator comunicacional.
Assim, desde sempre, o homem utilizou-se da comunicação para se expressar e dizer aquilo
que sente e aquilo que precisa como também aquilo que não lhe agrada.
180
RIBEIRO, Ana Paula; HERSCHMANN, Micael. Comunicação e História: interfaces e novas
abordagens. Rio de Janeiro: Globo Universidade, 2008, p. 27 e 28.
181
Idem. Ibidem. p. 29
127
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
2.1 OS PROFISSIONAIS DO DIREITO.
Com a apreensão de um fenômeno tão importante, o ser humano desde que aprendeu a
falar, faz isso como algo tão corriqueiro, que fala o tempo todo, e às vezes não se atenta ao
significado do que está dizendo, isto na esfera jurídica. Não pensa na amplitude do termo,
na importância da frase e nas várias conotações que podem vir a tomar, e posteriormente
tenta consertar o equívoco.
Em algumas áreas de atividades onde a palavra (escrita ou verbal) é o instrumento de
trabalho, os profissionais têm que se esforçar permanentemente na busca de clareza para
transmitir suas ideias, o que nem sempre alcançam. Exemplo típico são os professores,
operadores do direito também, que não conseguem que todos tenham a interpretação de
forma esperada.
Também em outras profissões, como em especial na área jurídica
em todos os seus desdobramentos, a palavra é a essência da
atividade. Os operadores são profissionais que sempre deverão
estar aptos a utilizar adequadamente as palavras e, por outro lado,
estão sempre a mercê delas. Seus interlocutores esperam deles
sabedoria, erudição, mas também querem compreendê-los e, acima
de tudo, ser compreendidos.
Em seu papel o advogado tem a função precípua de defender os
direitos de seu cliente, o juiz de buscar a verdade por traz das
palavras e o promotor de convencer o júri da culpabilidade do
criminoso. Não basta a eles um profundo arcabouço de
conhecimento jurídico; todos têm que traduzir as ideias e os fatos
em um conjunto de palavras compreensíveis que sustentem sua
tese. Convencidos que foram os ouvintes virá a vitória. Vitória esta
que, para o advogado pode ser absolver seu cliente, para o
promotor a condenação do criminoso e para o juiz, uma sentença
tão irrepreensível, que não seja objeto de reforma pelos tribunais
superiores182.
E, comentando o que fora explanado, verifica-se que em todo esse processo de
concatenação de palavras estão envolvidos o emissor e o receptor, que por sua vez
necessitam repassar e interpretar a mensagem, em toda e qualquer função que exerça, que
exercitam suas habilidades de compreender e fazer-se compreender. A mensagem se
destina a um ou mais receptores, que nada mais são que as pessoas a que estão
endereçadas as palavras com o objetivo de prender-lhes a atenção e convencê-los, sejam
eles ouvintes ou leitores.
Muito embora a mensagem tenha sido enviada, nem sempre a comunicação cumpre seu
objetivo, pois somente se as respostas dos receptores eram as esperadas pelo emissor é
que se fechou o círculo da comunicação. De outra forma, se a comunicação recebida e
interpretada, denota-se que sofreu a interferência da interpretação de forma indesejada, isto
é: o receptor não captou a mensagem tal e qual foi enviada, mas sim, adaptou-a de forma
diversa ao seu rol de conhecimentos subjetivos.
Nota-se, portanto, que o Direito, como expressão da mente humana que é, apresenta-se no
mundo por meio das palavras. Tais palavras escritas ou faladas formam aquilo que é
denominado de texto normativo183.
182
BITTAR, Eduardo C. B. Linguagem Jurídica. São Paulo : Saraiva, 2010, p. 147.
Idem. Ibidem. p. 146 e ss. ―O texto normativo – ou ainda o precedente no sistema do star decisis –
é o ponto de partida para o exercício da interpretação. Nesse sentido, a interpretação, acoplada
com a aplicação, resulta num juízo que parte de um texto, este último capaz de engendrar novas
consequências, não só jurídicas, mas também semióticas e interpretativas.
183
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COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
2.2 A COMUNICAÇÃO NA ERA GLOBALIZADA
De acordo com pesquisa feita no site da Secretaria de Educação,disponível
em<http://www.magnos.hpg.com.Brasil/ciência_e_educação/5/index_pri_1.html,p.4-8>, ―não
se pode falar em Internet nem em nenhum outro meio moderno de comunicação sem antes
falarmos de um termo que se tornou corrente em diversos segmentos da atividade humana,
principalmente nas atividades econômicas, globalização‖.
A palavra ―globalização‖ tão usada nos dias atuais resume o que está acontecendo, quando
observado diante o exposto e; sabe-se que à comunicação na era globalizada é
imprescindível aos seres, visto que a tecnologia faz com que tudo aconteça muito
rapidamente.
Segundo nos expõe Giovannini184
Revolução da Informação: Algumas Reflexões‖, a história humana
apresenta duas grandes e fundamentais mudanças: a primeira se deu
com o surgimento da agricultura, que o autor chama de "Revolução
Agrícola", há cerca de dez mil anos; a segunda foi a Revolução
industrial, iniciada em 1776, com a invenção da máquina a vapor.
Evidentemente, foram dois passos importantes para o progresso da
humanidade. No primeiro caso, o homem deixa de ser uma criatura
nômade, errante, fixando-se em um determinado local. Foi nesse
momento que se criaram raízes da sociedade humana como a
concebemos hoje. A Revolução Industrial, por sua vez, teve com
principal consequência a substituição do serviço artesanal pela
produção em massa das fábricas.
Agora, neste exato momento, estamos diante de uma terceira
mudança. Alguns teóricos a chamam de "Revolução da Informação",
outros, de "Revolução da comunicação". Com o rápido avanço da
tecnologia, das comunicações, da informática e, principalmente, da
telemática, o mundo começa a se transformar em uma "aldeia global".
A globalização, em todos os setores da atividade humana, abre um
mercado quase inesgotável de trabalho e de conhecimento para quem
usa diariamente o processo informatizado.
A possibilidade de acesso imediato e praticamente sem nenhuma restrição a informações
importantes, das mais variadas áreas do conhecimento humano, em qualquer lugar do
mundo, começou gradativamente a moldar parâmetros iguais em regiões muito diversas
entre si. De tal forma, sabe-se que o fator cultural caminha com o ato de se comunicar e de
ser interpretado.
2.3 DO LIVRO À INTERNET: A COMUNICAÇÃO
De acordo com Tajra185
No início da introdução dos recursos tecnológicos de comunicação
na área educacional, houve uma tendência a imaginar que os
instrumentos iriam solucionar os problemas educacionais, podendo
chegar, inclusive, a substituir os próprios professores. Com o passar
do tempo, não foi isso que se percebeu, mas a possibilidade de
utilizar esses instrumentos para sistematizar os processos e a
organização educacional e uma reestruturação do papel do
professor.
184
a
GIOVANNINI, Giovani. Evolução na Comunicação, 4 . reimpressão. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2010, p. 138, 139.
185
.
TAJRA, Sanmya Feitosa. Informática na Educação, 9 ed. São Paulo: Editora Érica, 2006, p. 57.
129
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
A partir do momento que o ser começou a registrar a comunicação escrita, em seguida
surge o livro que foi um dos primeiros instrumentos inclusos no processo de ensinoaprendizagem, o qual, na época, vale relembrar, causou muitas alterações educacionais,
contudo, hoje, ele já se encontra totalmente incorporado e não dando conta de que ele é um
instrumento que passa a comunicação, e hoje, na era globalizada, o livro eletrônico que
pode ser adquirido com um simples toque no computador e armazenado, o que colabora
também para a preservação ambiental.
Com a implantação da informática na área da comunicação, existe um questionamento
relevante sobre a utilização da mesma, havendo a necessidade e viabilidade em fazer jus ao
seu uso, pois não se trata apenas de um instrumento com fins limitados, e, sim, colaborando
no processo de diversas formas, tais como: pesquisa, simulações e até mesmo na forma de
entretenimento. Compete a quem fará uso para fins sempre visando às definições de metas
e objetivos a serem atingidos através da utilização da informática.
O início do uso da tecnologia na comunicação teve um enfoque bastante tecnicista,
prevalecendo sempre como mais importante à utilização em específico do instrumento sem
a real avaliação do seu impacto no meio cognitivo e social, como um dos fatores primordiais
da globalização.
Ante, a tecnologia era caracterizada pela possibilidade de utilizar instrumentos sempre
visando à racionalização dos recursos humanos e, de forma mais ampla, a prática
educativa.
Dentre os atuais usuários educacionais das tecnologias, destacam-se dois grupos: os
integrados e os apocalípticos. Os ―integrados‖ acreditam que só por incorporar a tecnologia
é, por si só, uma inovação. Conforme esta crença deve-se estar sempre acompanhando o
desenvolvimento da comunicação através da tecnologia.
E continua o autor186:
Utilizando a informática, o homem alcança novas possibilidades e
estilos de pensamento inovador, jamais postos em prática [...]. A
tecnologia vai transformando, também, as novas mentes porque de
alguma maneira temos acesso aos dados, mudamos nosso modelo
mental da realidade [...]. Os integrados entendem a tecnologia como
neutra, objetiva, positiva em si mesma e científica. Incorporá-la é
sinônimo de progresso [...].
Os ―apocalípticos‖ já não veem a tecnologia de forma tão neutra, pois acreditam que em
função do próprio desenvolvimento de suas interfaces, cada vez mais amigável, serão
necessários menos conhecimentos para manuseá-los; porém, em diversas ocasiões, tem-se
referido à importância das novas Tecnologias da Comunicação no estágio atual do
desenvolvimento das mídias, em que a mudança tecnológica foi sempre crucial na história da
transmissão cultura: ela altera a base material, bem como os meios de produção e recepção,
dos quais depende o processo de transmissão cultural, visto estar em fase inovadora dos
processos judiciais.
Para Sthephens187
futuro das notícias demonstra através de metáforas em que os
brinquedos se tornam cada vez mais bonitos. Cada invenção
maravilhosa gera novas invenções assombrosas. Cada uma – o
alfabeto, o papel, a prensa tipográfica, a eletrônica e a
radiotransmissão, os satélites, os computadores – todas atuaram para
nós e sobre nós, e cada uma delas continua a exercer sua mágica.
186
187
Idem. Ibidem. p. 58
STEPHENS, Mitchell. História das Comunicações, tradução de Elena Gaidano, Editora Civilização Brasileira SA, RJ,
2009, p. 138
130
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Nenhuma dessas tecnologias revolucionárias se exauriu ainda. A
mídia eletrônica está apenas chegando à sua maioridade, e o
computador – mera criança – está apenas começando a fugir
daquelas caixas de metal cinzentas e a integrar-se às nossas vidas. A
vida no século XXI nos fornece a oportunidade de ver como essas
tecnologias competem no caminhar de acesso à informação.
Na sociedade da informação, praticamente todos estão reaprendendo a conhecer, a
comunicar-se, a ensinar e a aprender; a integrar o humano e o tecnológico; a integrar o
individual, o grupal e o social.
Uma mudança qualitativa no processo comunicacional acontece quando se consegue
integrar dentro de uma visão inovadora todas as tecnologias: as telemáticas, as
audiovisuais, as textuais, as orais, musicais, lúdicas e corporais.
De tal forma, a corrida tecnológica também se acelerou, impulsionando a necessidade de
comunicação a níveis elevadíssimos e nunca demandados até então. Em seguida, após
apenas 20 anos de trégua, a Segunda Guerra Mundial expande ainda mais os avanços
tecnológicos e comunicativos.
O século XX mudou a historia da comunicação. O crescimento exponencial na necessidade
da velocidade da informação unido aos incríveis avanços tecnológicos somados as
necessidades geradas pelos conflitos e revoluções do período iniciaram uma busca em
direção da informação customizada, segmentada e com uma maior facilidade na medição de
resultados. A Guerra Fria, também teve um importante papel na historia do século XX assim
como na aceleração do desenvolvimento tecnológico.
2.4 A PÓS-MODERNIDADE
Sabe-se que os processos que aceleram todo fator relacionado à comunicação estão
ligados aos desafios, decorrentes das mudanças que caracterizam a sociedade pósmoderna, tendo instigado diversos autores na busca de parâmetros os quais permitam
compreender a realidade e esboçar tendências sociais, institucionais e individuais. O risco e
a incerteza, a crise de paradigmas, a diversidade, o pluralismo, a cultura, a ausência do
original, o individualismo são conceitos que representam a complexidade das
transformações e das perspectivas sociais.
Compete salientar que188
Revolução da Informação: Algumas Reflexões‖, a história humana
apresenta duas grandes e fundamentais mudanças: a primeira se
deu com o surgimento da agricultura, que o autor chama de
"Revolução Agrícola", há cerca de dez mil anos; a segunda foi a
Revolução industrial, iniciada em 1776, com a invenção da máquina
a vapor.
Evidentemente, foram dois passos importantes para o progresso da
humanidade. No primeiro caso, o homem deixa de ser uma criatura
nômade, errante, fixando-se em um determinado local. Foi nesse
momento que se criaram raízes da sociedade humana como a
concebemos hoje. A Revolução Industrial, por sua vez, teve com
principal conseqüência a substituição do serviço artesanal pela
produção em massa das fábricas.
Agora, neste exato momento, estamos diante de uma terceira
mudança. Alguns teóricos a chamam de "Revolução da Informação",
outros, de "Revolução da comunicação". Com o rápido avanço da
188
MATTELART, Armand e Michèle. História das Teorias da Comunicação. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2009, p 72 e ss
131
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
tecnologia, das comunicações, da informática e, principalmente, da
telemática, o mundo começa a se transformar em uma "aldeia
global".
Observa-se então que a comunicação passa a preocupar-se com mudanças sociais e
políticas, com a formação de tribos com comunicações próprias, com a criação de novas
sensações que possam atrair o insaciável ser consumidor, com a diversidade de públicos
ameaçados pelas incertezas e riscos de compõem uma sociedade que vivencia aquilo que
denomina mal-estar da pós-modernidade, através do ato de se comunicar e se fazer
entender, independente da área.
A globalização da mídia permite aos grupos o poder de articular em escala global, também
inovando suas ideologias, políticas, objetivos e interesses.
Presencia-se, na era virtual, tudo o que pode ser concebido daquilo se apodera da
informação e explora o conhecimento, muitas vezes, através de uma simulada interação;
impedindo o pensamento reflexivo e crítico do passivo receptor, inebriado pela
simultaneidade, de forma que os processos de mudança efetivam-se através da
comunicação traduzindo e reinterpretando o discurso original. As consequências acarretam
muitas e diversificadas reações entre aqueles indivíduos envolvidos nas mudanças, que
interpretam esse processo através de diferentes leituras, sob as lentes de subculturas
organizacionais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho trouxe um apanhado do estudo realizado sobre o fator primordial
―comunicação‖, visto que tem o cerne de estudo focado na globalização seguido dos
aspectos pós-modernos. A ideia que serviu como de ponto de partida, e que este trabalho
acabaria por consolidar, foi a de compreensão da comunicação bem como a interpretação
na atualidade, ligada como se encontra aos aspectos do operador do direito, não deixando
ainda assim de implicar uma intensa experiência cotidiana: há uma conexão espíritolinguagem-mundo que implica uma linguagem que ultrapasse o conceito, embora se
estruture discursivamente o conceito. Assim se desenvolve uma fundamental forma de
interação, de interpretação e que submete o indivíduo e que constitui a sua vivência; e é
essa interação que continua a ser o espaço o qual emerge o pós-moderno que fora
repassado desde os primórdios até os dias atuais em forma sucinta.
Daí se define os pensamentos que compõem objetos e significados através da maneira de
interpretar numa posição celebrada por toda uma tradição que, atravessando o estudo do
processo interacional, que se estendeu por campos científicos diversos; unidos embora pela
percepção da relevância essencial da linguagem como modo de aceder ao mundo. Deste
modo, por experiência da linguagem deve-se antes de qualquer coisa entender uma
experiência simbólica da natureza, mediada tanto por gestos (de que os vocais são tão só
uma parte) como por representações, tanto por monumentos como por objetos, é aí, no
composto pela experiência do indivíduo, que o ego deve perder-se e encontrar-se, formando
a unidade do indivíduo a si mesmo e a impondo a abertura dos entendimentos com os
outros, através da interpretação.
REFERÊNCIAS
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CAMARGO, Maria Margarida Lacombe. Hermenêutica e Argumentação. 4. ed., Rio de
Janeiro : Renovar, 2010.
GIOVANNINI, Giovani. Evolução na Comunicação, 4a. reimpressão. 3.ed. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2010.
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COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
MATTELART, Armand e Michèle. História das Teorias da Comunicação. 3. ed. São Paulo:
Loyola, 2009.
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem.
Paulo: Cultrix, 2007.
São
PERUZZO, Cicília Maria Krohling. Comunicação nos movimentos populares. 3.ed. Rio
de Janeiro: Vozes, 1998.
RIBEIRO, Ana Paula; HERSCHMANN, Micael. Comunicação e História: interfaces e
novas abordagens. Rio de Janeiro: Globo Universidade, 2008.
SARAIVA, Enrique; MARTINS, Paulo Emílio Matos; PIERANTI, Octavio Penna. Democracia
e regulação dos meios de comunicação de massa. Rio de Janeiro: FGV, 2008.
SARAIVA, Vicente de Paulo. A Técnica da Redação Jurídica. 3 ed., Brasília : Editora
Consulex, 2008.
STEPHENS, Mitchell. História das Comunicações, tradução de Elena Gaidano, Editora
Civilização Brasileira SA, RJ, 2009.
TAJRA, Sanmya Feitosa. Informática na Educação, 9. ed. São Paulo: Editora Érica, 2006.
<http://www.magnos.hpg.com.Brasil/ciência_e_educação/5/index_pri_1.html,p.4-8>
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COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
TITULARIDADE DE DIREITOS FUNDAMENTAIS DURANTE A EXECUÇÃO PENAL POR
ESTRANGEIROS NÃO RESIDENTES NO PAÍS
ALMIR JOSÉ DOS SANTOS189
GABRIELA MARIA BIANCHI DE MIRANDA190
JAIME MOREIRA DA SILVA191
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
RESUMO
O presente trabalho analisa a existência dos direitos fundamentais em relação ao
estrangeiro não residentes no país durante a execução penal, conforme sua
aplicação, preservando direitos e garantias. Fundamenta-se em pesquisa
doutrinária, jurisprudência e nos dispositivos de lei. Concluindo-se, tem-se que na
espera de uma efetivação quanto aos direitos fundamentais, será preciso adequar
medidas justas que acompanhe as novas realidades.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos Fundamentais, Execução Penal, Estrangeiros.
ABSTRACT
The present work analyzes the existence of fundamental rights in relation to foreign nonresidents during the criminal enforcement, as its application, preserving rights and
guarantees. It is based on research doctrine, jurisprudence and law devices. In conclusion to
the final in hopes of a realization as to fundamental rights, will require adapting fair measures
accompanying the new realities.
KEYWORDS: fundamental rights, criminal enforcement, foreign.
INTRODUÇÃO
O presente artigo procura demonstrar uma reflexão acerca da existência dos direitos
fundamentais em relação aos estrangeiros não residentes no país, principalmente no que
concerne ao tratamento igualitário entre nacionais e os não nacionais, pautando-se no
princípio da igualdade e da dignidade humana, relacionado os benefícios que a execução
penal proporciona, no caso da utilização dos remédios constitucionais, quanto a progressão
de regime e do livramento condicional, destacando-se também a questão da expulsão do
cidadão estrangeiro.
No contexto do Estado de Direito, espera-se que haja maior eficiência na tutela e garantia
dos direitos fundamentais, desse modo encontrando-se respaldo na lei, nas doutrinas e nas
decisões jurisprudenciais.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O acesso à justiça foi conquistado ao longo do tempo e com a Declaração dos Direitos do
Homem vieram à luz os princípios básicos, fornecendo assim condições para que fossem
reconhecidos os direitos do homem dentro da sociedade.
189
Acadêmico de Direito,UDC, Foz do Iguaçu-Paraná,Brasil. E-mail: [email protected]
Acadêmica de Direito,UDC, Foz do Iguaçu-Paraná,Brasil. E-mail: [email protected]
191
Acadêmico de Direito,UDC, Foz do Iguaçu-Paraná,Brasil. E-mail: [email protected]
190
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É contemplada na Declaração a proteção aos direitos do homem, bem como sendo
prioritário o princípio da igualdade entre todos. Segundo os ensinamentos de Paulo
Bonavides:
Os princípios são verdades objetivas, nem sempre pertencentes ao
mundo do ser, senão do dever-ser, na qualidade de normas jurídicas,
dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade192.
Um país declarado Estado Democrático de Direito deve assegurar a garantia dos direitos do
cidadão, devendo prevalecer a democracia e a justiça acima de qualquer outra coisa, ou
seja, é dever do Estado assegurar a obediência ao principio da igualdade e regular por meio
de lei sua atuação, principalmente no que concerne a restrição da liberdade individual.
As barreiras que limitam a atuação estatal para superar as irregularidades no sistema
jurídico devem ser superadas, pois somente com a plenitude da democracia poderá se
efetivar os direitos humanos ou fundamentais.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A Carta Magna estabeleceu no art. 5°, caput que aparentemente somente estrangeiros
residentes no Brasil seriam titulares dos direitos fundamentais, sendo que com essa
contemplação acabou por gerar debates e discussões acerca de qual seria a interpretação e
aplicação adequada para esta norma.
Dessa forma, insta afirmar que a Constituição nao pode ser interpretada ―em tiras ou em
pedaços‖, segundo as palavras do Ministro Eros Grau do Supremo Tribunal Federal, ou
seja, a expressão ―brasileiros e estrangeiros residentes no País‖ deve ser analisada junto
com o princípio da dignidade da pessoa humana e da igualdade.
A luz do princípio da igualdade todos são iguais perante a lei, ou seja, garantindo, portanto
aos brasileiros e estrangeiros residentes e não residentes no país direitos e garantias.
Na lição de Wolfgang Sarle:
A tese de que em face da ausência de disposição constitucional
expressa os estrangeiros não residentes não poderiam ser titulares
de direitos fundamentais [...] não pode prevalecer em face do
inequívoco (ainda que implícito) reconhecimento do princípio da
universalidade, de acordo com a exegese imposta pelos princípios da
dignidade da pessoa humana e da isonomia. Além disso, a recusa da
titularidade de direitos fundamentais aos estrangeiros não residentes,
que, salvo nas hipóteses expressamente estabelecidas pela
Constituição, poderiam contar apenas com a tutela legal (portanto,
dependente do legislador infraconstitucional)viola frontalmente o
disposto no art. 4°, inciso II, da CF, que, com relação à atuação do
Brasil no plano das relações internacionais, estabelece que deverá
ser assegurada a prevalência dos direitos humanos193 [...]
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Adolfo MamoruNishiyama explana:
Os direitos fundamentais visam à ampla proteção do ser
humano (nacional ou estrangeiro), tanto é que referida norma
prega que ‗todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza‘. Assim, os estrangeiros que estão em
passagem pelo território nacional são também destinatários
dos direitos fundamentais, uma vez que entram em contato
com o ordenamento jurídico brasileiro194.
192
(BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1997.p.229)
SARLE, Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais. 10. ed. rev. atual. eampl.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 213).
194
NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. Remédios constitucionais. São Paulo: Manole, 2004.p.84)
193
135
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
No tocante aos remédios constitucionais a decisão do Ministro Celso de Mello, transcrita no
informativo 502, reconhece o direito do estrangeiro não-residente de impetrar habeascorpus, afastando a interpretação literal do caput do artigo 5º, da CF/88, mencionando da
seguinte maneira:
[...] o fato de o paciente ostentar a condição jurídica de estrangeiro e
de não possuir domicílio no Brasil não lhe inibe, só por si, o acesso
aos instrumentos processuais de tutela da liberdade nem lhe subtrai,
por tais razões, o direito de ver respeitadas, pelo Poder Público, as
prerrogativas de ordem jurídica e as garantias de índole
constitucional que o ordenamento positivo brasileiro confere e
assegura a qualquer pessoa que sofra persecução penal instaurada
pelo Estado” (STF, HC 94016 MC/SP, rel. Min. Celso de Mello, j.
7/4/2008).
Em nenhum momento a constituição diz expressamente que os estrangeiros não residentes
no país não podem exercer seus direitos fundamentais, apenas é omissa em relação a essa
situação, portanto, não lhe tira o direito de ver respeitados seus direitos e garantias de
cunho constitucional e supralegal.
Dentro do mesmo contexto, o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (RDA 55/192
– RF 192/122) e dos Tribunais em geral (RDA 59/326 – RT 312/363), diz:
[...] o súdito estrangeiro, mesmo o não domiciliado no Brasil, tem
plena legitimidade para impetrar os remédios constitucionais, como o
mandado de segurança ou, notadamente, o ―habeas corpus‖: ―- É
inquestionável o direito de súditos estrangeiros ajuizarem, em causa
própria, a ação de ‗habeas corpus‘, eis que esse remédio
constitucional – por qualificar-se como verdadeira ação popular –
pode ser utilizado por qualquer pessoa, independentemente da
condição jurídica resultante de sua origem nacional195‖
O fato é que ainda que não domiciliado no Brasil qualquer pessoa exposta a atos de
persecução penal, assegura a condição indisponível de sujeito de direitos, cuja
intangibilidade há de ser preservada pelos magistrados e Tribunais deste país,
especialmente por este Supremo Tribunal Federal.
Portanto, é o dever do Judiciário, de preservar e assegurar, mesmo ao réu estrangeiro sem
domicílio no Brasil, os direitos básicos advindos do devido processo legal, no qual recai
sobre a garantia da ampla defesa e ao contraditório, à igualdade entre as partes perante o
juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante.
Há uma necessidade de se definir o alcance concreto da claúsula que limita e incide sobre o
poder persecutório do Estado, pois a essência dessa garantia de ordem jurídica se mostra
tão importante no plano das atividades de persecução penal que ela se qualifica como
requisito legitimador da própria ―persecutio criminis‖.
Por ser de suma importância, o exame da garantia constitucional do devido processo legal,
permite então nela encontrar características essenciais à sua própria configuração,
destacando-se, as seguintes prerrogativas: ter a garantia de se ver ingressar no poder
judiciário, direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de ilicitude,
direitos aos atos processuais de caráter impreenscidíveis para o prosseguimento do feito,
como a citação e o conhecimento prévio do teor da acusação, direito a um julgamento
público e célere, sem atos protelatórios, direito ao contraditório e ampla defesa, direito ao
silêncio projeta-se em relação a autocriminação direito de não ser processado e julgado com
base em leis ―ex post facto‖, direito à igualdade entre as partes, comprovado não ter
195
RTJ 164/193-194, Rel. Min. CELSO DE MELLO.
136
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
condições financeiras o direito ao benefício da gratuidade, direito à observância do princípio
do juiz natural, direito à prova e direito de presença nos atos de interrogatório judicial dos
demais litisconsortes penais passivos, quando existentes.
O direito do réu à observância, pelo Estado, da garantia pertinente ao devido processo legal,
além de caracterizar de forma concreta o direito de defesa, também é amparado em
convenções internacionais que proclamam a essencialidade dessa franquia processual.
Sendo apresentando como um complexo de princípios e de normas que adequam a
qualquer acusado em sede de persecução criminal.
A proteção internacional dos direitos humanos deriva de um processo moroso e gradual de
desenvolvimento no sentido de respeitar a importância da noção da dignidade da pessoa
humana. Salienta Valério Mazzuoli:
[..] conquistas já implementadas pelo Direito Internacional dos
Direitos Humanos nesse sentido não retrocedem em face de
qualquer posicionamento doutrinário ou jurisprudencial em contrario,
uma vez que até mesmo a Constituição de um dado Estado é
considerada um simples fato ante o sistema internacional de
proteção196.
Quanto ao direito à igualdade, o art. 7º da Declaração Universal estipula que ―todos são
iguais perante a lei e têm os mesmos direitos a igual proteção da lei, sem discriminação de
natureza alguma. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole
essa declaração e contra qualquer incentivo a tal discriminação‖.
O Brasil é signatário de diversas normas internacionais que impõe tratamento igualitário
entre todas as pessoas independentemente de sua nacionalidade, sendo assim o fato do
condenado ser estrangeiro também não implica que lhe seja inibido esse direito, haja vista o
princípio da isonomia consagrado na Constituição da República, embora de forma omissa
em relação aos estrangeiros. Partindo desse pressuposto, segundo os ensinamentos de
Artur Gueiros:
Todavia, nada impediria que o estrangeiro preso por delito diverso
dos referidos na Lei dos Crimes Hediondos pudesse, em tese,
usufruir da progressão de regime prisional. O livramento
condicional, tratando-se ou não de crimes arrolados na citada Lei nº
8.072, também poderia ser-lhe estendido, conforme os termos do
art. 83, do Código Penal. Nada impediria, na mesma linha, que ele
pudesse
fazer
jus
às
medidas
despenalizadoras
e
descaracterizadoras, não só da Lei nº 9.099/95, como, também, da
Lei n˚ 9.714/98197.
As categorias de direitos fundamentais encontrados na Constituição Federal e os Tratados
Internacionais de Direitos Humanos no qual o Brasil de boa-fé seja signatário integram-se
num todo harmônico garantindo assim a igualdade em direitos e garantias entre os
brasileiros e os estrangeiros que estiverem em território nacional, sendo, portanto, residente
ou não, consagrando assim princípio da isonomia, o qual enseja para a inconstitucionalidade
qualquer discriminação em razão da origem, da nacionalidade.
O STF vem se preocupando, nos últimos anos, com a efetiva tutela dos direitos
fundamentais, como no caso da vedação da progressão do regime de prisão nos casos de
crimes hediondos, sendo que encontra-se amparo legal na Constituição Federal de que a
pena deve ser individualizada para cada indivíduo, de acordo com as peculiaridades do caso
196
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito penal: comentários à Convenção Americana sobre Direitos
Humanos: Pacto de San Jose da Costa Rica.4 v. São Paulo: RT, 2008, p. 15.)
197
GUEIROS, Artur. In: Presos Estrangeiros no Brasil Aspectos jurídicos e criminológicos. Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2007. p.
250-251.
137
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
concreto, não podendo o legislador dizer não ser possível permitir quando preencher os
requisitos legais, tal benefício para determinado grupo.
Com base no art. 4˚ do Decreto n˚ 98.961/90, tem-se o argumento de grande relevância, no
qual admite, de forma implícita, a concessão de progressão de regime aos estrangeiros
condenados. Salienta-se que a passagem para quaisquer dos regimes mais brandos, deve
estar sempre revestida de um risco consciente.
Desse modo, é notório que conflitará com diversos princípios constitucionais a exclusão do
estrangeiro do sistema, conforme explica Alberto Silva Franco:
A exclusão do sistema progressivo conflita também com o princípio
constitucional da humanidade da pena (art. 5º, III, XLVII e LXIX da
CF) que, na expressão de Jescheck (Tratado de derecho penal, p.
23), se converteu no pensamento reitor da execução penal. Pena
executada, com um único e uniforme regime prisional significa pena
desumana porque inviabiliza um tratamento penitenciário racional e
progressivo; deixa o recluso sem esperança alguma de obter a
liberdade antes do termo final do tempo de sua condenação e,
portanto, não exerce nenhuma influência psicológica positiva no
sentido de seu reinserimento social; e, por fim, desampara a própria
sociedade na medida em que devolve o preso à vida societária após
submetê-lo a um processo de reinserção às avessas, ou seja, a uma
dessocializaçã198.
Por mais que o cidadão tenha qualificação jurídica de estrangeiro não residente no Brasil,
não autoriza a negativa de benefícios atrelados à execução dapena, pois será uma afronta
as obrigações reciprocamente assumidas no âmbito internacional no qual o Brasil tenha
firmado.
Em razão da incidência das normas jurídicas acima referidas, ainda que em situação
irregular no País, insta dizer que a garantia constitucional da individualização da pena
também alcança os estrangeiros.
Posto isso, não há discussão no fato de que os estrangeiros não-residentes no Brasil gozam
de direitos fundamentais, como exceção é claro quando expressamente o texto
constitucional restringir a titularidade ativa do direito fundamental.
Não pode também o magistrado ficar impedido de aplicar os Tratados Internacionais sobre
Direitos Humanos, a Constituição e a Lei de Execução Penal em virtude da existência de um
decreto de expulsão, nesse mesmo contexto, não pode o estrangeiro não ter a garantia ao
benefício prisional sendo levando em conta critérios de convivência e oportunidade, no qual
não se comunica com a avaliação criminológica que é decisiva para diminuir o rigor
carcerário, sendo esta, portanto a compreensão de proteção do direito Fundamental de
todas as pessoas sujeitas à jurisdição do Estado brasileiro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo ou não residente no País o estrangeiro sera considerado titular dos direitos
fundamentais, tese essa consolidade no STF e reafirmada em julgados como por exemploo
do HC 94016 MC/SP.
A notória preocupação da comunidade internacional com a preservação da efetividade das
garantias processuais básicas reconhecidas às pessoas acusadas de práticas delituosas
tem sido muito discutida, sendo em seu aspecto um assunto delicado. Sendo que essa
concreta proteção deve ser levada a pontos extremos, sob pena de que o homem seja
obrigado a recorrer à tirania e a rebeliao.
198
FRANCO, Alberto Silva. 55 Cf. Crimes hediondos. 7 ed. rev. atual. eamp. São Paulo: RT, 2011, p. 362.
138
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Portanto, sendo o Brasil um Estado Democrático de Direito, este pode atuar, especialmente
quando se tratar de matéria penal, em um limitador do poder punitivo do Estado, pois em
matéria de restrição de direitos fundamentais, a interpretação das normas jurídicas nunca
será ampliativa e sim restritiva.
Permite-se concluir que o norte da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, vem
admitindo como destinatários dos direitos fundamentais não somente aqueles expressos na
Constituição Federal, mas também os estrangeiros não-residentes.
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. O Direito constitucional e a efetividade de suas normas. 7. ed. Rio
de Janeiro: Renovar, 2003.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores,
1997.
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra:
Almedina, 1998.
FRANCO, Alberto Silva. 55 Cf. Crimes hediondos. 7 ed. rev. atual. eamp. São Paulo: RT,
2011.
GUEIROS, Artur. In: Presos Estrangeiros no Brasil Aspectos jurídicos e criminológicos.
Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2007.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito penal: comentários à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos: Pacto de San Jose da Costa Rica.4 v. São Paulo: RT, 2008.
NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. Remédios constitucionais. São Paulo: Manole, 2004.
NUCCI, Guilherme de Souza. PRISÃO E LIBERDADE. As Reformas Processuais Penais
Introduzidas pela Lei 12.403, de 4 de maio de 201.1São Paulo. Revista dos Tribunais.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. ajustada ao nosso Código Civil (Lei n.
10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2002.
SARLE, Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais. 10. ed. rev. atual. eampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
139
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
A PROTEÇÃO À TESTEMUNHA E VÍTIMAS NO BRASIL DEMONSTRANDO
PROGRAMAS SEMELHANTES ENCONTRADOS EM OUTROS PAÍSES EM COMBATE
AO CRIME ORGANIZADO
HEBA OMAR MUHAMMAD SCHEHADEH199
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
RESUMO
Este trabalho visa demonstrar o Programa de Proteção à Vítima e à Testemunha Ameaçada
no Brasil e sua devida importância como política pública ao combate ao crime organizado,
bem como programas semelhantes utilizados em outros países.Além da importância da
prova testemunhal na apuração do crime e na punição dos criminosos.
PALAVRAS-CHAVE: Programa de proteção, Crime organizado, Prova testemunhal.
ABSTRACT
This paper demonstrates the Protection Program of Victim and Witness Threatened in Brazil
and its due importance as public policy to combat organized crime, as well as similar
programs used in other countries. Besides the importance of testimony in the investigation of
crime and the punishment of criminals.
KEYWORDS: protection program, organized crime, testimony.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho teve como objetivo original explicar o funcionamento do programa, sua
estruturação e os requisitos para nele ingressar, tanto no Brasil como em outros países
onde há programas semelhantes. No caso do Brasil traz-se um breve histórico e a
promulgação da Lei 9807/99 que normatizou o Programa de Proteção. Divulgar a
importância do bom funcionamento do programa no ordenamento jurídico brasileiro, e como
isso afetaria o êxito da apuração do crime e punição dos criminosos. Contudo, dando ênfase
à importância da proteção à vida e à prova testemunhal.
DESENVOLVIMENTO:
Nos Estados Unidos: o Serviço Marshall e a Witsec
Os Estados Unidos foi o primeiro país a criar um programa do gênero e teve uma grande
importância no contexto mundial. Criou-se o Serviço Marshall em 1789, visando reforçar as
Leis Federais, proteger Juízes Federais, Jurados e em certas ocasiões até mesmo o
Presidente da Republica.
Em 1970 o Congresso dos Estados Unidos aprovou a chamada Lei do Crime Organizado,
dando missão especifica ao Marshall, criando o Programa de Segurança da Testemunha
(Witsec) que passou a operar em 1971.
O Diretor do Marshals Service,Stanley E. Morris,em artigo publicado pela revista The
Pentacle,edição de fevereiro de 1988 afirma:
O Programa de Segurança da Testemunha(WITSEC) é, sem dúvida,
uma das ferramentas mais eficazes no combate ao crime organizado
dos
Estados
Unidos.Conspirações
criminosas,secretas
e
clandestinas por natureza,são extremamente difíceis,se não
199
Acadêmica de Direito,UDC, Foz do Iguaçu-Paraná,Brasil, [email protected]
140
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
impossíveis, infiltrar.Até o equipamento mais estrategicamente
colocado não pode fornecer informações tão qualificadas como um
informante interno.Não existe prova mais devastadora que o
testemunho de um colaborador de confiança revelando e
decodificando as centrais obras de uma estrutura criminosa.Este
testemunho é tão convincente que mais que oito de cada dez
acusados são condenados e recebem sentenças consideráveis de
prisão e multas.
Ao receber a testemunha para proteção o Serviço Marshall solicita de imediato a alteração
dos documentos pessoais dele.É providenciado uma nova identidade para cada membro da
família.Em comparação ao modelo brasileiro,só há mudança em casos excepcionais.De
acordo com José Braz houveram apenas três casos até o momento,um no Rio de Janeiro e
dois no Rio Grande do Sul200.O Estado americano se compromete a oferecer toda a
documentação nova em seis meses,o que não ocorre em ocasião de muita burocracia a ser
feita.
A testemunha deverá assumir o compromisso de não cometer mais crimes, não retornar a
cidade onde vivia anteriormente sem o acompanhamento dos agentes do programa e
conter-se de fazer qualquer contato com amigos e parentes na sua antiga área, esta sendo
uma regra básica.
A preparação do comparecimento da testemunha em um júri obedece a todo um ritual, onde
se aplica elevadas técnicas de segurança e de disfarce. A sala do tribunal é
cuidadosamente vistoriada antecipadamente por um agente do programa. Após a vistoria,
alguém deve permanecer no recinto em tempo integral. Deve haver uma sala de refugio
disponível caso algo dê errado, onde será conduzida em segurança. No estacionamento
deve haver um agente no volante o tempo inteiro e os carros deverão ter certa potência e
um bom funcionamento em caso de fuga.
O critério adotado para a preparação dos agentes é inicialmente uma investigação completa
da vida pregressa do candidato. Uma vez escolhidos, os US Marshals201 passam por treze
semanas de treinamentos intensos e só então poderão ser considerados aptos para a
missão.
Nos Estados Unidos a testemunha receberá uma ajuda de custo, proporcional a suas
necessidades e de acordo com a cidade em que passara a residir.
Estabelecendo um comparativo entre o programa norte-americano e o brasileiro, Jayme
Benvenuto Lima Júnior, advogado e ex-coordenador do Gajop em artigo publicado na
revista Direitos Humanos, de responsabilidade do Gajop,assim se manifesta:
Se o principal aspecto positivo do programa norte-americano de
proteção a testemunhas está em sua eficácia, sua fraqueza é
precisamente o alto custo. O orçamento anual do programa de
aproximadamente 20 milhões de dólares, com o qual é garantido um
poderoso aparato no sentido de oferecer a máxima segurança às
testemunhas.202
Ná Itália: Programa Antimáfia em combate a criminalidade
Na Itália há um programa antimáfia de combate à criminalidade. A máfia é tão poderosa
que, ao ocupar uma determinada região, simplesmente domina o espaço, acabando até
mesmo com a criminalidade comum, monopolizando as ações criminosas. Outra
característica da máfia italiana é a internacionalização de atividades como drogas e armas,
que são importadas para a Itália. A máfia é uma espécie de escola para o crime organizado
200
SILVEIRA,José Braz da.A Proteção à Testemunha e o Crime Organizado no Brasil.p.26.
201
Chamam-se de US Marshals os agentes especialmente treinados para trabalharem no Witsec.
202
LIMA JÚNIOR,Jayme Benvenuto.Proteção à Testemunha no Brasil e no Exterior.Revista de Direitos Humanos
– responsabilidade do Gajop, edição de março de 1999.
141
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
em muitos países, de forma que seu combate permanente passou a ser de interesse geral.
Está comprovada ramificações da máfia italiana nos países como: Estados Unidos, Canadá,
Alemanha, Suíça e Rússia203.
Com a aprovação da Lei Antimáfia em 1982, a Itália deu um grande passo decisivo ao
combate à máfia, esta lei foi conhecida como ―A torre‖, a grande importância dessa Lei foi
em definir a ―Associação Mafiosa‖ 204 como crime autônomo.
No âmbito judicial a Direção Nacional Antimáfia205 funciona como uma ―Central de
Coordenação Investigativa‖.
A admissão de um colaborador no programa de proteção cabe à Comissão Central, esta é
uma equipe de recepção ao colaborador da justiça, dirigida por um subsecretario de Estado
e composta por dois magistrados e ainda cinco profissionais do meio judicial. Responsável
pela aprovação ou não do ingresso do colaborador no programa.A proteção pode ser
oferecida tanto a uma testemunha,vítima ou qualquer outro que colaborar,inclusive aqueles
que fizeram parte da organização criminosa e que concordaram em colaborar.
Inicialmente o colaborador passa por um período no programa chamado de ―proteção
cautelar‖ 206, esta é oferecida pela polícia enquanto a ―Comissão Central‖ providencia seu
ingresso definitivo no programa. Já as ―medidas urgentes‖ garantem um lugar seguro e uma
ajuda financeira para a manutenção da família pelo período de preparação para o ingresso.
A proteção cautelar é adotada por prazo de 90(noventa) dias,podendo ser prorrogada por
igual período uma única vez.Mas incentiva-se a possibilidade do colaborador de se
autosustentar.
A revogação dessa proteção pode dar-se quando o real perigo que motivou a inserção no
programa for considerado afastado completamente ou pela quebra dos compromissos
assumidos pelo protegido em relação às regras de conduta.
Pietro Grasso estabelece uma comparação entre o Programa de Proteção dos Estados
Unidos e o da Itália no que se refere aos índices das pessoas que voltaram a cometer
crimes após deixarem o programa. Nos Estados Unidos o percentual oscila entre 20% e
25%, já na Itália o percentual de reincidência é de 5%%, o que comprova a eficácia do
programa italiano.
No Canadá:Source Witness Protection Program
O programa canadense de proteção à testemunha ou Source Witness Protection Program é
de responsabilidade da Real Polícia Montada do Canadá. A testemunha que chega ao
programa para ser protegida é recebida pelo ―Handler‖, ou seja, o protetor.Este se dedica
exclusivamente ao protegido e a sua família.Cabe a ele encontrar um local seguro para o
protegido e sua família, escola para as crianças, atendimento a saúde, trabalho.Porém,
assim que ingressa ao programa o protegido é estimulado a conseguir um emprego.
O chamado ―acordo de proteção‖ é um pacto estabelecido entre o protetor e o protegido,
submetido a analise e adesão deste, visando uma convivência harmoniosa entre ambas as
partes.
Não poderão os protegidos ir aos meios de comunicação sob pena de comprometerem sua
segurança. Qualquer desobediência às regras deve ser comunicada imediatamente à
Divisão de Coordenação para que seja providenciado imediatamente o deslocamento da
família para um novo local protegido.
Em relação às correspondências, as enviadas pelo protegido devem primeiramente passar
pela Divisão de Origem e de lá serem remetidas ao destinatário. Em relação às
correspondências recebidas é sempre encaminhada a um endereço seguro e de lá para o
protegido, passando pelas mãos dos agentes do programa.
203
Informação obtida junto ao Gajop, por memorando enviado ao escritor José Braz da Silveira.
Definida como crime autônomo pela Lei Antimafia,independendo da ação praticada de
determinado agente.
205
Organismo encarregado da investigação sigilosa de casos mais complexos,vinculado à
Procuradoria Nacional Antimáfia.
206
Medidas acautelatórias que garantem ao colaborador da justiça,razoável segurança no período
compreendido entre a decisão de colaborar e o ingresso dele no programa.
204
142
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Na Inglaterra e no País de Gales: Programa de Apoio a Vítima e Serviços à
Testemunha
O programa inglês (Victim Support Program) tem como foco principal a vitima. Tem como
base fundamental cinco direitos garantidos constitucionalmente a todas as vitimas de crimes
na Inglaterra e no País de Gales. São eles: a independência da vítima, direito à informação,
direito à proteção, à reparação de danos morais e materiais e direito à dignidade da pessoa
humana. Este programa funciona desde 1974.
O programa inglês chama a atenção por contar com a participação da sociedade civil, que
realizam campanhas de arrecadação de fundos.
Os serviços prestados pelo programa são de apoio social e psicológico.
No Brasil: o Programa de Proteção as Vítimas e Testemunhas Ameaçadas
A implementação de serviços a atendimento a vitima e testemunhas teve seu nasceu em
1996, tendo como primeira experiência o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações
Populares,GAJOP, sediado em Recife - PE.Em 1998 o Ministério da Justiça estabelece uma
parceria com Pernambuco, surgindo assim o primeiro Provita – Programa de Proteção à
Vítima e à Testemunha Ameaçada, baseada na ideia de reinserção social dessas pessoas
em situação de risco.Ainda em 1998, estados como o da Bahia,Espírito Santo e Rio de
Janeiro assinaram uma parceria semelhante a de Pernambuco.
Com o vinda do Provita houve uma necessidade de se normatizar as ações dele ,logo, em
13 de Julho de 1999 promulgou-se a Lei 9807.
A existência de um Programa Federal de Assistência a Vítima e a Testemunhas e os
Provitas estaduais estimularam a criação do Sistema Nacional de Assistência a Vitima e
Testemunhas, vinculado à Secretaria de Estado dos Direitos Humanos.
O Sistema Nacional é composto por 19 Estados, mas o Programa Federal cobre na
totalidade o território nacional. Nos Estados não atendidos por programa próprio, o
atendimento é oferecido somente em casos especiais.
Os Estados que possuem o Programa Estadual de Proteção à Vítima e à Testemunha
Ameaçadas: Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul,
Maranhão, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rio
Grande do Norte, São Paulo, Distrito Federal, Paraná e Santa Catarina.
Sua estrutura é composta por: Conselho Deliberativo, Órgão Executor e Equipe Técnica.
O Conselho Deliberativo é a instancia decisória superior do programa. É composto por
representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário e de órgãos públicos e privados
ligados a Segurança Publica. O Conselho assegura o bom funcionamento do programa.
Manifesta Pereira:
Ao Conselho cumpre deliberar não somente sobre os casos de
ingresso ou exclusão da rede de proteção, como também acerca das
demais providencias de caráter geral relacionadas ao cumprimento
do Programa.207
O Conselho é regido pelo artigo 4º da Lei 9807 de 1999, que estabelece:
Art. 4o Cada programa será dirigido por um conselho deliberativo em
cuja composição haverá representantes do Ministério Público, do
Poder Judiciário e de órgãos públicos e privados relacionados com a
segurança pública e a defesa dos direitos humanos.
§ 1o A execução das atividades necessárias ao programa ficará a
cargo de um dos órgãos representados no conselho deliberativo,
devendo os agentes dela incumbidos ter formação e capacitação
profissional compatíveis com suas tarefas.
§ 2o Os órgãos policiais prestarão a colaboração e o apoio
necessários à execução de cada programa.
207
Cf.PEREIRA,Alexandre Avelino.Sistema Nacional de Assistência a Vítimas e a Testemunha.p.11.
143
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
São funções do Conselho Deliberativo previstas em Lei:
1)
Decidir sobre a inclusão e a exclusão de beneficiários;
2)
Definir as providencias a serem adotadas pelo Programa Estadual;
3)
Fixar o teto da ajuda financeira mensal a ser oferecida aos beneficiários e às suas
famílias, desde que o beneficiário seja impossibilitado de exercer função remunerada;
4)
Refletir junto ao Ministério Público e aos Juízes competentes meios de obtenção de
eventuais medidas cautelares relacionadas à eficácia da proteção;
5)
Postular em nome do beneficiário junto aos juízes competentes a alteração dos
registros públicos, visando à mudança de nome se assim necessitar;
6)
Manter completo sigilo a identidade dos beneficiários, bem como sua localização;
7)
Manter controle do andamento do processo relacionado a testemunha protegida,
visando agilizar sua tramitação legal
O Estado que estabeleceu uma legislação mais abrangente que a Lei Federal, foi o Estado
de São Paulo, com o Dec. – Lei 44.214 de 30.08.1999, conferindo em seu artigo 4º
prerrogativas ao Conselho Deliberativo. Em Estados em que não existe lei especifica, o
programa segue obrigatoriamente a Lei Federal.
O Órgão Executor ou Entidade Gestora é normalmente uma organização não
governamental, sendo entidade da sociedade civil, ela responde não somente pela
execução do programa como também pela contratação dos integrantes da equipe técnica e
demais cargos inerentes à gestão do programa.
A Equipe Técnica é responsável pela proteção direta dos beneficiários. Compõe-se por um
advogado, um psicólogo e um assistente social. Será liderada por um coordenador. Trata de
encontrar um lugar seguro para os protegidos e mantê-los a salvo de qualquer perigo.
Um dos requisitos para o ingresso ao programa é o protegido estar sob ―coação ou grave
ameaça‖. Não estando ele sob coação ou grave ameaça, por mais que tenha informações
que contribuirão no esclarecimento do crime, não terá, portanto, a proteção pretendida.
A primeira tarefa da Equipe Técnica é definir o efetivo grau de risco e posteriormente a do
Conselho Deliberativo é deferir ou não o ingresso do requerente no Provita.
Deverá analisar-se a importância do depoimento que o protegido prestará pois não basta a
testemunha estar sofrendo ameaça,suas informações deverão ser necessárias para a
apuração do crime.Sendo assim a importância da prova testemunhal deve ser pesada
juntamente com o esclarecimento do crime,já que não se justifica submeter a testemunha às
rígidas regras do programa para tirar-se dela meras informações adicionais.Cabe ao
Promotor de Justiça, como autor da ação penal, decidir sobre a imprescindibilidade da prova
testemunhal.
Ao ingressar no programa, tanto o protegido principal quanto sua família são submetidos a
certas regras de condutas.A quebra de qualquer dessas regras impede a permanência do
protegido no programa.A não – aceitação dessas normas impedem o requerente de
ingressar no programa.
O Termo de Compromisso é um pacto estabelecido entre o beneficiário e a entidade
executora do programa onde estão descritos os direitos e deveres do beneficiário dentro do
período de proteção e inclusive após a sua saída. Este documento faz lei entre as partes, o
seu descumprimento acarretará no desligamento do protegido do programa.
O texto do Termo de Compromisso deve ser claro e acessível, deve especialmente conter
os seguintes pontos:
a)
Informações gerais sobre o programa;
b)
Os requisitos de ingresso e permanência no programa;
c)
A liberdade de opção de ingressar ou retirar-se;
d)
A possibilidade de exclusão pela quebra do compromisso;
e)
Quais benefícios a que tem direito o protegido;
f)
A coparticipação do beneficiário no custeio das suas próprias despesas e da família;
g)
A sua vinculação direta ao processo – crime ao qual prestará informações uteis;
h)
O direito da Administração Pública de alterar o termo unilateralmente;
i)
Os riscos que correm por estar no programa;
144
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
j)
Abster-se de qualquer contato com pessoas com as quais mantinha algum
relacionamento antes de ingressar no programa,exceto quando autorizado e supervisionado
pela Equipe Técnica;
k)
O prazo de inicio e término do compromisso assumido;
Obedecendo a essas questões, a probabilidade de se ter algum problema é pequena, mas
qualquer descuido pode comprometer a eficácia do programa.
Certas questões de segurança devem ser tomadas, como: assim que ingressar ao programa
a família do protegido e ele deverão ser descolados provisoriamente a um local seguro
chamado ―pouso‖, permanecendo neste lugar até a sua instalação definitiva; é adotado
―codinomes‖, ou seja, nomes fictícios tanto para os beneficiários quanto para as pessoas
responsáveis pela proteção; as locações dos imóveis onde são localizadas as testemunhas
são firmadas em nome de pessoas que colaboram com o programa e emprestam seus
nomes para essa finalidade.
No que tange as correspondências, estas passam primeiro pelos agentes do programa. É
uma situação delicada e muitas vezes embaraçosa, porém constata-se falhas na segurança
em decorrência dessa situação.Há que se ter consciência de que quando se trata da
proteção à vida das pessoas em risco, deve-ser abrir mão de outros direitos que se tornam
inferiores em relação a esse.
Em relação as outras, as equipes do Provita são as únicas no mundo que trabalham
desarmados, é incentivado o uso da inteligência na execução do programa.O programa
brasileiro é o único do mundo que trabalha com a expectativa de participação direta da
sociedade.Alguns podem considerar um risco, mas para os agentes do programa há
confiança de que os resultados serão alcançados com maior eficiência e significativa
economia.
O combate à violência e a impunidade é o objetivo principal do programa, é nesse contexto
que a sociedade deve ser convidada a participar. Há uma integração do sistema judicial com
o sistema social. Outro fato relevante é que as estruturas oficiais também podem praticar
crimes, usando-se da força do Estado para facilitar a pratica do crime. Seria uma forma de a
sociedade vigiar os servidores públicos através do programa. Falando sobre a importância
da participação da sociedade, Pereira assim expressa:
A participação da sociedade civil organizada no modelo PROVITA é
o seu diferencial.Foi dela que emergiu o modelo hoje adotado pelo
Governo Federal, e ela participa ativamente na execução e no
aperfeiçoamento das atividades a ele inerentes.A rede voluntaria de
proteção é quase que integralmente composta por entidades da
sociedade civil.É a participação efetiva da sociedade civil
organizada,inclusive nos Conselhos Deliberativos, que garante o
modelo brasileiro a característica de ser democrático.Mais do que
isso, é sabido que, no Brasil, o principal responsável pelas violações
de direitos humanos é o Estado; a credibilidade de um programa de
proteção eminentemente estatal no Brasil estaria, portanto,
seriamente comprometida.208
A finalidade do programa advém da impotência do Estado no combate do crime
organizado,que vem crescendo em grande escala.O crime organizado cria um clima de
terror, inibindo o cidadão de bem de contribuir com o esclarecimento do crime.Por isso fazse necessário programas do Estado que ofereçam segurança a testemunhas e encorajandoas a denunciar e prestar seu depoimento contra o autor dos crimes.
Para que haja essa luta contra o crime organizado, deve-se ter uma abertura de espaços
para que o cidadão comum atue.Contribuir para o esclarecimento do crime e punição dos
208
PEREIRA,Alexandre Avelino.Marketing e Comunicação Social e o Programa de Assistência à
Vítima e Testemunhas Ameaçadas.Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ – ESS,2001.(Monografia)
145
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
seus agentes equipara-se a luta pela sobrevivência, cada vez mais difícil uma vez que as
atividades ilícitas não param de crescer.
Existe um termo chamado ―poder paralelo‖ do crime organizado e consiste na força de poder
que as organizações criminosas exercem sobre a sociedade ou parte dela. O medo que
colocam sobre a sociedade é tão grande que quando em confronto com a polícia, são
capazes de fazer com que os comerciantes fechem seus negócios. Isso pode ser visto em
algumas comunidades (favelas) do Rio de Janeiro e São Paulo, onde atuam como se
fossem um Estado autônomo com governo próprio, em total desconformidade com a lei.
O que pesa para a sociedade é quando perdemos autoridades das mais variadas áreas para
o serviço do crime, onde muitas vezes se utilizam da estrutura governamental para
favorecer ou facilitar o crescimento da criminalidade. Isso ocorre pela falta de organização
do Estado.Este deveria dar mais importância a segurança, pois o descaso com a segurança
faz com que se envolver com o crime seja mais vantajoso do que realizar seu trabalho
honestamente.
Outra ineficiência do estado é seu Poder Judiciário que por vezes chega a ser tão
burocrático e lento que acaba contribuindo com a impunidade.José Braz da Silveira diz ― a
justiça lenta equivale à injustiça‖209.Somando-se tudo isso constata-se que o clima tem sido
propicio aos brasileiros que optaram pelo caminho do crime.
Devemos demonstrar como a prova testemunhal é de suma importância no processo penal.
Ocorre de a testemunha ser a única esperança na apuração do crime, ela serve de luz para
clarear a mente do magistrado quando este percorre o caminho da incerteza. Pois ele
somente poderá condenar se estiver certo da autoria e materialidade do crime, caso restar
dúvidas deve aplicar-se o Princípio do in dúbio pro reu210.
A testemunha compelida pelo medo é obrigada a silenciar-se, afetando assim o transcurso
do processo. Tourinho Filho afirma: ―A prova testemunhal no Processo Penal, é de valor
extraordinário, pois dificilmente, e só em hipóteses excepcionais, provam-se as infrações
com outros elementos de provas” 211.
Não resta duvidas que o depoimento de uma testemunha contribui para o esclarecimento do
crime.Sabendo dessa importância, o crime organizado faz de tudo para persuadir a
testemunha a não depor ou até mesmo eliminá-la.
Deve-se levar em consideração que a vida de uma testemunha ou vitima inserida no
programa não é fácil, pois por muitas vezes estará se mudando de um lugar a outro.É
preciso deixar bem claro ao interessado em entrar no programa dessas condições, pois
essa pessoa passará a ser perseguida, e deixará toda sua vida para trás, sendo obrigada a
constituir uma nova.
Tendo isso em mente, muitas são as testemunhas que não aceitam ingressar no programa
por este conter regras muito rígidas, ocorre também de elas não preencherem os requisitos
exigidos em lei para ingressar.
José Braz comenta:
O Programa de Proteção à Vítima e Testemunha Ameaçadas
brasileiro merece ser defendido e, se possível, aprimorado.Trata-se
de uma política pública importante que, além de apoio
governamental, sustenta-se na participação popular, seja por meio
das organizações não governamentais ou pelo apoio de pessoas
dispostas a contribuir com a causa212
209
SILVEIRA,José Braz da.A Proteção à Testemunha e o Crime Organizado no Brasil.p.122.
Tem-se fundamento na presunção de inocência.Havendo dúvida quanto à culpa do acusado ou
quanto à ocorrência do fato criminoso, deve ele ser absolvido.
211
Cf.TOURINHO,José Lafaieti Barbosa.Crime de Quadrilha ou Bando e Associações
Criminosas.p.24
212
SILVEIRA,José Braz da.A Proteção à Testemunha e o Crime Organizado no Brasil.p.131.
210
146
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Uma das finalidades do programa é de proteger a prova para apuração dos fatos e
consequente punição dos criminosos, porém proteger a vida das testemunhas e vítimas
assegurando-lhes o mínimo de cidadania é a meta do Governo.
A saída para o funcionamento do programa é lutar pelo seu aperfeiçoamento na busca de
melhores resultados, pois há previsão legal, resta à prática. A eficácia do programa poderá
ser um instrumento definitivo para o combate ao crime organizado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste artigo era entender a necessidade do funcionamento do programa
brasileiro, tomando como exemplo o funcionamento dos programas similares encontrados
em outros países. Apresentou de forma sucinta o Programa Americano, o Programa Italiano,
o Programa da Inglaterra e do País de Gales e o Programa Canadense.
Ao estudar o Programa de Proteção à Vítima e à Testemunha Ameaçadas no Brasil,
constatou-se tratar de uma política publica importante.
Em 1999 foi criada a Lei 9807 para estabelecer as regras gerais de funcionamento do
programa.Na lei encontra a seguinte estruturação: Conselho Deliberativo, Entidade Gestora
e Equipe Técnica.
O Conselho Deliberativo dita as normas internas do programa; a Entidade Gestora será
sempre uma associação ou fundação ligada aos Direitos Humanos e funciona como um
Órgão Executor assegurando a participação da sociedade no programa; e por fim a Equipe
Técnica mantém o contato direto com o protegido e está vinculada a prestar informações ao
Conselho Deliberativo.
Para finalizar deixou-se claro a importância da proteção da vida da testemunha e da prova
testemunhal, como instrumento eficaz ao combate ao crime organizado no Brasil.
O que resta fazer para se dar o efetivo funcionamento seria o constante acompanhamento
por parte do Estado, assegurando uma proteção absoluta aos seus colaboradores,
incentivando dessa forma estes a exercerem sua cidadania e ajudar a combater a
criminalidade.
REFERÊNCIAS
Brasil.2.ed.Curitiba:Juruá,2011.
BARROS,Antonio Milton de.A Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas.2.ed.Franca:Lemos
e Cruz,2006.
BONFIM,Edilson Mougenot.Curso de Processo Penal.7.ed.São Paulo:Saraiva,2012.
BRIMELOW,Sarah.Apoio à Vítima(Victim Support).Publicação de Responsabilidade do
Gajop, Recife-PE,1998.
MARQUES,Archimedes Jose Melo.A Polícia, a Legislação e o Poder Paralelo.Disponível
em<http://www.infoescola.com/sociedade/a-policia-a-legislacao-e-o-poder-paralelo/
>,
acesso em 06.10.2012.
Lei nº 9.807/99.Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9807.htm>, acesso
em 09.10.2012.
___.O Serviço Marshall de Proteção à Testemunha.Publicação de Responsabilidade do
Gajop, Recife-PE,1998,p.06 a 11.
LIMA JÚNIOR,Jayme Benvenuto.Proteção à Testemunha no Brasil e no Exterior.Revista de
Direitos Humanos, Recife, publicada pelo Gajop.
147
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
PEREIRA,Alexandre Avelino.Marketing e Comunicação Social e o Programa de Assistência
à Vítima e Testemunhas Ameaçadas.Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ – ESS,2001.
SILVEIRA,José Braz da.A Proteção à Testemunha e o Crime Organizado no
TOURINHO,José Lafaieti Barbosa.Crime de Quadrilha ou Bando e Associações
Criminosas.Curitiba:Juruá,2003.
148
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
DIREITOS HUMANOS DOS PRESOS E SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO
DULCENEIA APARECIDA DA ROCHA213
CYNTHIA MARIA EIDT BORGES214
KELLY CARDOSO215
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
RESUMO:
Encontrou-se um dos assuntos de maior polêmica no Direito Penal que é a punibilidade dos
crimes e saber como agir com aqueles que agiram em desconformidade com a lei.
O Estado usando as normas do Direito Penal protege os cidadãos e o Estado ele só está
autorizado a prender alguém quando o crime cometido venha a lesionar o bem jurídico de
forma a prejudicar a convivência em sociedade. A pena a ser aplicada deve ser justa e
necessária, dando uma nova chance para que o preso tenha condições de se integrar na
sociedade após o cumprimento da pena, pois todo o preso tem seus direitos fundamentais
que estão dispostos dentro da Instituição Carcerária levando o nome de Direito da
Dignidade da Pessoa Humana.
PALAVRAS-CHAVE: Ressocialização, Dignidade Humana, Direitos Fundamentais.
ABSTRACT
We found one of the most controversial issues in criminal law is the punishment of crimes
and know what to do with those who have acted in violation of the law.
The State using the standards of criminal law protects citizens and the state he is only
allowed to arrest someone when the crime committed may injure the legal order to
undermine coexistence in society. The penalty to be applied should be just and necessary,
giving a new chance for the prisoner is able to integrate into society after serving the
sentence. For everyone has stuck their fundamental rights which are arranged inside the
Prison Institution taking the name of Law Human Dignity
KEYWORDS: Resocialization, Human Dignity, Rights.
INTRODUÇÂO
O trabalho a ser apresentado sobre os direitos humanos dos presos e sistema penitenciário
brasileiro tem por objetivo explanar os contrastes e dificuldades encontradas entre os
direitos dos apenados e o que lhes é realmente proporcionado.
Veremos a seguir que apesar de falido, o sistema penitenciário brasileiro ainda pode ser
melhorado, se houver o cumprimento da lei, e o Estado passar a ter controle total sobre as
penitenciárias, casas de detenção e albergados, sem deixar que impere a ―lei‖ própria dos
apenados, talvez seja possível corrigir as falhas existentes e quem sabe fazer um sistema
penitenciário que realmente cumpra o Artigo 1º. Da LEP, que é de efetivar as disposições de
sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social
do condenado e do internado.
DESENVOLVIMENTO
Ao se falar em direitos humanos dos presos, inevitavelmente nos questionamos por que o
Estado autoriza prender pessoas, afastando - as da sociedade e deixando – as em
presídios, cadeias, colônias penais e outros estabelecimentos carcerários? Bem, o que
determina que o Estado a autorizar prisões e aplicações de penas restritiva de liberdade é a
213
Acadêmica do Curso de Direito no Centro Universitário Dinâmica das Cataratas.
Acadêmica do Curso de Direito no Centro Universitário Dinâmica das Cataratas.
215
Professora Mestre no Centro Universitário Dinâmica das Cataratas
214
149
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
proteção aos bens jurídicos mais relevantes, é a necessidade de proteção de bens de forma
essencial para a convivência pacífica em sociedade. Levamos em conta que para que um
bem possa determinar a privação de liberdade, pela prisão ou detença de um ser humano,
esse bem jurídico é de suma importância. Assim temos os bens jurídicos que merecem
proteção e respeito e caso alguém atente contra esse bem, pode estar em perigo de prisão.
O direito penal por sua vez, tem por função aprimorar-se, quando for necessário na
conservação ou manutenção da convivência pacífica dos cidadãos, e garantia de proteção
aos bens jurídicos.
O Estado democrático está a serviço do cidadão, pois ele tem a pessoa como objeto
principal de proteção, pois o Estado de direito é contrario a qualquer proposta de diminuição
de garantias e o direito penal deve servir para limitar a violência e não pode ser de forma
ilimitada ou direcional, para isso existem princípios que norteiam o poder punitivo do Estado:
a)
os princípios consagrados na Carta Magna; b) os princípios
jurídicos de correlação entre o Direito Penal e o ordenamento
jurídico conjunto; c) os princípios singulares estruturais de
fundamentação e legitimação do Direito Penal. Sem os limites
jurídicos, estaríamos diante de um Direito Penal autoritário,
antidemocrático, não pluralista e inconstitucional. O Direito Penal
apresenta como característica natural ser um ordenamento legal e
juridicamente limitado, sujeito a garantias normativas e tem como
escopo garantir direitos e liberdades.
b)
E uma forma de limitação ao poder punitivo do Estado são os
direitos dos presos no estado democrático de direito, onde o
cumprimento da pena não pode jamais implicar na perda ou
diminuição dos direitos fundamentais.
O artigo 1º. Da LEP traz em sua redação: ―A execução penal tem por objetivo efetivar as
disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica
integração social do condenado e do internado‖.
Notadamente vemos que não existem condições harmônicas para integração social para o
internado e nem para o condenado, o que vemos são situações por vezes fora de controle,
onde o Estado parece transferir a responsabilidade para a própria população carcerária,
onde existe a ―lei do mais forte‖ que entre eles, julgam, condenam e aplicam penas, com um
poder que não é de direito, mas se tornou de fato dentro de muitos presídios.
Art. 10: ―A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado objetivando prevenir o
crime e orientar o retorno à convivência em sociedade‖.
Por motivos que desconhecemos o crime não é prevenido dentro dos presídios, e não
contam com orientação para que possam retornar a conviver em sociedade. A orientação e
ajuda que aparece, geralmente são por grupos externos, como igrejas, associações e ONGs
que despendem atenção a população carcerária.
Art. 11: ― A assistência será:‖
I – Material;
II – à saúde;
III – jurídica;
IV – educacional;
V – social;
VI – religiosa.
Em poucos presídios pode - se ver a que os apenados são assistidos no que lhes é de
direito.
Os Artigos 40 e 41 da LEP trazem em sua redação os direitos dos condenados, direitos
como integridade física e moral, alimentação suficiente e vestuário, atribuição de trabalho e
sua remuneração, previdência social, constituição de pecúlio, proporcionalidade na
distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; exercício das atividades
profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a
150
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
execução da pena; assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;
proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; entrevista pessoal e reservada com o
advogado; visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;
chamamento nominal; igualdade de tratamento salvo quando às exigências da
individualização da pena; audiência especial com o diretor do estabelecimento;
representação e petição a qualquer autoridade, em defesas de direito; contato com o mundo
exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação
que não comprometam a moral e os bons costumes; atestado de pena a cumprir, emitido
anualmente, sob pena da responsabilidade de autoridade judiciária competente.
No Parágrafo acima vemos que a administração penitenciaria tem o dever de respeitar os
direitos fundamentais dos detentos e assegurar o exercício de todos os direitos que não são
afetados pela sentença penal condenatória.
Diante do exposto acima, façamos uma análise do que ocorre realmente no Brasil;
começamos pela quantidade de estabelecimentos prisionais que são insuficientes para o
numero de detentos, tendo um defict de quase 200 mil vagas; tais estabelecimentos não
possuem estrutura para suportar a quantidade de encarcerados que abrigam nem condições
de higiene, nem segurança, nem espaço físico necessário, pois pela lei brasileira, cada
preso necessita de um espaço físico de no mínimo seis metros quadrados, e podemos
encontrar lugares quem que cada preso só tem 70 cm quadrados de espaço físico na
unidade prisional, informação essa levantada pelo do deputado federal Domingos Dutra (PTMA), relator da CPI do Sistema Carcerário, em 2008.
Segundo a organização não governamental Centro Internacional para os Estudos Prisionais
(ICPS), o Brasil só fica atrás em numero de presos dos Estados Unidos (2,2 milhões), China
(1,6 milhões) e Rússia (740 mil).
Perfil da população carcerária no Brasil
No Brasil existem cerca de 1.712 estabelecimentos prisionais, entre penitenciárias, colônias
agrícolas ou industriais, casas de albergados, cadeias publicas e hospitais de custodia e
tratamento psiquiátrico. Desses estabelecimentos prisionais 8,3% são destinados a
população carcerária feminina. O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo,
ficando atrás dos Estados unidos, China e Rússia, em 2010 um levantamento feito pelo
DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) concluiu a existência de 513.802 detentos
no Brasil, desses 62% estariam concentrados em apenas 05 (cinco) estados, são eles: São
Paulo com 177.767 detentos ou 34,6% do total,; Minas Gerais com 46.190 detentos ou 9%
do total; Paraná com 36.749 detentos ou 7% do total; Rio Grande do Sul com 30.328
detentos ou 6% do total e Rio de Janeiro com 28.791 detentos ou 5,6% do total. A
população carcerária é basicamente formada por jovens entre 18 e 24 anos de idade, pobre,
com baixo nível de escolaridade, não possuía emprego formal, são negros ou pardos e
usuários de drogas.
O tráfico de entorpecentes é o principal motivo da prisão de mulheres. Quase metade dos
presos no Brasil está atrás das grades por terem cometido o crime de roubo, a segunda
maior razão pra as prisões são o tráfico de entorpecentes, seguido de furto e homicídios.
A reincidência também é grande, cerca de 80% dos presos que saem voltam a cometer
crimes.
Alguns problemas encontrados no sistema prisional
A superlotação é o problema mais grave para o sistema prisional, além de ser
inconstitucional, pois fere os direitos dos presos, ela provoca um quadro geral de escassez,
falta de atendimento medico, proliferação de doença, abusos de direitos humanos,
agressões físicas, violência sexual, presença de tóxicos, torturas entre os presos,
possibilita e existência de grupos rivais dentro dos presídios, onde os próprios apenados são
julgados e condenados segundo a ―lei da prisão‖.
Os agentes penitenciários muitas vezes não tem formação adequada e muito menos ética
no cotidiano com o preso, entrando sempre em conflito com os Princípios básicos dos
Direitos Humanos e das Garantias Fundamentais.
Nas cadeias públicas estão juntos presos a serem condenados com os que já estão com a
condenação definitiva.
151
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Em algumas cadeias os presos precisam se revezar para dormir, pois não há espaço na
cela para que todos se deitem ao mesmo tempo, em alguns estabelecimentos prisionais no
Mato Grosso do Sul presos dormiam junto com porcos.
Presos condenados a regime semi–aberto que recolhem se a cadeias publicas para repouso
noturno, gerando revolta entre os demais quer não gozam de tal beneficio.
Doentes mentais, mantidos nas cadeias, contribuem para o aumento da revolta dos presos,
os quais têm que suportar a perturbação durante o dia e no repouso noturno de tais
doentes.
Um a cada três presos esta em situação irregular, ou seja, deveriam estar em presídios,
mas encontram se confinados em delegacias ou em cadeias publicas.
De 10 a 20% dos presos brasileiros podem estar contaminado com o vírus da AIDS.
Em todo país, agressões físicas e até torturas contra detentos são praticadas tanto por
outros detentos quanto por agentes penitenciários.
Em vários lugares não homens e mulheres não ficam em celas separados, ficando as
mulheres sujeitas a abuso e violência sexual por seus companheiros de cela, e por vezes
pelos próprios agentes e funcionários dos presídios.
O número de mortes nos sistemas prisionais não é divulgado pelos Estados.
Tudo isso gera grandes problemas, que não cumprem, nem de longe, com o objetivo mais
importante da prisão que é reintegrá-los a sociedade.
CONCLUSÃO
O Sistema penitenciário brasileiro carece urgentemente de melhorias, o ultimo senso
penitenciário trazia o numero de onze presos para cada funcionário, quando a
recomendação da ONU é de que haja três presos por funcionário. Seria necessária a
construção de pelo menos 145 novos estabelecimentos prisionais, a um custo de 1,7 bilhões
de reais, para desafogar o atual sistema prisional.
As condições atuais que se encontram os estabelecimentos prisionais em atividade no país,
não fazem mais do que incentivarem ao crime, sendo o ambiente totalmente desfavoráveis
aos diretos humanos e possibilitando o surgimento de facções criminosas, entre elas estão o
Comando Vermelho e o Terceiro Comando no Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da
Capital em São Paulo, que hoje operam as ações do crime organizado dentro e fora dos
presídios.
Ao ser submetido pela Revisão Periódica Universal (instrumento de fiscalização do Alto
Comissariado de Direitos Humanos da ONU), o Brasil recebeu como recomendação
―melhorar as condições das prisões e enfrentar o problema da superlotação‖.
REFERÊNCIAS
HTTP://jus.com.br/revista/texto/21091/cinco-estados-compem-62-da-populacao-carcerarianacional#ixzz28pMTAizc
HTTP://jus.com.br/revista/texto/4458/os-direitos-humanos-e-a-etica-aplicada-ao-sistemapenitenciario#ixzz28j8xm7K1
HTTP://jus.com.br/revista/texto/4458/os-direitos-humanos-e-a-etica-aplicada-ao-sistemapenitenciario#ixzz28j2iEnOB
Fontes:
ICPS – Organização não governamental Centro Internacional para Estudos Prisionais
DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional
152
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
A INTEGERAÇÃO ECONÔMICA E A ANTROPOMORFIZAÇÃO DE SUAS LIBERDADES
FUNDAMENTAIS
FABRIZIO CÂNDIA DOS SANTOS216
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
RESUMO:
O presente trabalho tem como ponto de partida a provocativa análise feita pelo jornalista
francês Bernard Cassen, em entrevista televisiva, acerca das quatro liberdades
fundamentais sobre as quais se assentam a União Europeia – livre circulação de bens,
serviços, capitais e trabalhadores - e sua relação com a atual crise pela qual passa o velho
continente. Em essência, Cassen argumentou que, dessas liberdades, apenas a livre
circulação de trabalhadores corresponde a uma liberdade humana. Neste artigo, pretendese ir além, em extensão e profundidade, nessa análise.
PALAVRAS-CHAVE: INTEGRAÇÃO ECONÔMICA, LIBERDADES FUNDAMENTAIS,
ANTROPOMORFIZAÇÃO
ABSTRACT:
The present work has as its starting point the provocative analysis done by French journalist
Bernard Cassen,in television interview, about the four fundamental freedoms upon which sit
the European Union - free movement of goods, services, capital and workers - and their
relationship to the current crisis through which passes the old continent. In essence, Cassen
argued that from these freedoms, only the free movement of workers corresponds to human
freedom. In this article it is intended to go beyond.
KEYWORDS:
ECONOMIC
INTEGRATION,
FUNDAMENTAL
FREEDONS,
ANTHROPOMORPHIZING
1. INTRODUÇÃO
A atual crise econômica vivenciada pelo continente europeu pode ser explicada sob várias
perspectivas e pode ser atribuída a várias causas. Mas chamam a atenção os
apontamentos feitos pelo jornalista francês Bernard Cassen, em entrevista concedida ao
Especial da Globonews217. Jornalista pôs relevo à contradição lógica existente entre as
premissas sobre as quais se assenta o projeto de comunitarização europeu e sua realização
de promoção do bem estar de seus cidadãos. Conduzido pela integração econômica, a
comunitarização europeia assenta-se sobre quatro liberdades fundamentais: livre circulação
de bens, livre circulação de serviços, livre circulação de capitais e livre circulação de
trabalhadores. Na arguta percepção de Cassen, dessas quatro liberdades ditas
fundamentais, apenas uma delas se refere propriamente a uma liberdade humana – a livre
circulação de trabalhadores, e a conclusão a que podemos chegar é que, mais do que
problemas circunstanciais, o projeto europeu padece de um mal estrutural: seus pilares são
insustentáveis.
Não obstante a perspicácia da observação do Jornalista, o tema comporta uma abordagem
216
Professor de Direito Tributário no Centro Universitário Dinâmica das Cataratas. Procurador Geral da Fazenda
Nacional. E-mail: [email protected]
217
Programa exibido no canal Globonews, em 10 de dezembro de 2011. Disponível em http://g1.globo.com/globonews/globo-news-especial/videos/ . Acesso em 02/02/2012.
153
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
tanto mais extensa como aprofundada. Em maior extensão, porque pode-se verificar essa
contradição lógica em outros projetos de integração regional pela via da comunitarização do
mercado, como é o caso do Mercado Comum do Sul - MERCOSUL. E, em maior
profundidade, porque pode-se demonstrar que nem mesmo a livre circulação de
trabalhadores, pela lógica em que configurada, é uma liberdade humana, mas sim uma
liberdade em sentido econômico: móvel é o trabalho e o trabalhador só pode mobilizar-se
enquanto inserido no processo econômico. Sob essa perspectiva, passa-se à análise crítica
dessa antropomorfização218 de categorias econômicas, alçadas à condição de sujeitos de
direitos pela lógica do mercado.
2. A CENTRALIDADE MERCANTIL NOS PROCESSOS DE INTEGRAÇÃO REGIONAL E
SUAS IMPLICAÇÕES NO “MERCADO” DE TRABALHO.
Os processos de regionalização de países no cenário internacional têm por motivação
principal a criação de blocos econômicos, centrados em termos de trocas internacionais,
onde podem ser cambiados mercadorias, serviços e ―fatores de produção‖. Obviamente não
se pode ignorar a existência de outras vertentes presentes na criação dos referidos blocos,
como o político, e nem mesmo as diferentes configurações que esses blocos podem
assumir, tanto na sua face ideológica – building blocks, stumbling blocks – como em relação
ao tipo de integração e de seu regime jurídico – área de livre comércio, união aduaneira,
mercado único. Mas o que há de comum nesses processos é a centralidade mercantilista
como princípio, redundando na criação de uma zona preferencial de comércio exterior. O
suposto é que o comércio internacional pode favorecer o crescimento econômico das parte
envolvidas, vindo à tona as já vergastadas lições de Ricardo (1996) sobre o tema.
Com efeito, de acordo com Ricardo (1996) os países podem aumentar sua soma de
satisfações, ampliando seus mercados por meio do comércio exterior e, consequentemente,
possibilitando um maior e melhor nível de consumo por parte de seus cidadãos. Ainda de
acordo com Ricardo (1996), essas trocas internacionais são vantajosas mesmo que os
custos de produção de um país sejam maiores do que o de outro, mas desde que o
comércio internacional permita a especialização da produção na área em que o país possa
se valer de sua vocação natural: a chamada ―vantagem comparativa‖. A vantagem
comparativa pode ser traduzida como uma divisão internacional de produção econômica,
pela qual cada país se dedica a produzir bens nos campos em que tenha maior eficiência219.
Ao invés de produzir todos os bens de sua cesta de consumo, conjuga seus esforços em
sua área de maior produtividade: mais bens produzidos permitem um maior nível de troca
por outros bens que sejam produzidos por outros países, e, a esse respeito, clássico é o
exemplo ricardiano das trocas entre Inglaterra e Portugal de, respectivamente, tecidos e
vinhos220. Consentâneo com suas convicções221, RICARDO (1996, p.96) deixa transparecer
218
Em sentido contrário: “El soporte ontológico de todo mercado integrado o compartido está dado por las
cuatro libertades circulatorias fundamentales: mercaderías, personas, servicios y capitales. Dichas libertades
sustantivas son jurídicamente derechos subjetivos de los ciudadanos comunitarios.” SAN MARTINO (1999,
p. 15, nr.1).
219
220
221
―Um país possui uma vantagem comparativa na produção de um bem se o custo oportunidade da
produção desse bem em relação aos demais é mais baixo nesse país do que em outros‖ (KRUGMAN e
OBSTEFIELD, 2005, p. 8).
No referido exemplo, Ricardo (1996) procura demonstrar a vantagem comparativa de Portugal em só
produzir vinhos e importar tecidos da Inglaterra, ao invés de produzir vinhos e tecidos, embora a
produção de tecido pela Inglaterra seja mais custosa. De acordo com a suposição ricardiana,
concentrando-se na produção de vinhos, em razão de sua eficiência em relação à fabricação de tecidos,
Portugal poderia trocar sua maior produção pelos tecidos ingleses, com muito mais vantajem do que se
produzisse ambos. O mesmo raciocínio se aplica ao caso inglês, concentrando-se na produção de
tecidos e trocando por vinhos portugueses.
Referimo-nos aqui a duas delas, em especial: a de que o problema principal da Economia é a
determinação das leis que regem a distribuição da produção econômica entre os titulares da terra,
154
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
a constante tensão entre capital e trabalho: ―Tenho tentando mostrar, ao longo desta obra,
que a taxa de lucros só pode se elevar por uma redução dos salários, e que estes só podem
cair permanentemente em consequência de uma queda do preço dos gêneros de primeira
necessidade, nos quais os salários são gastos222‖.
O mundo ricardiano é um mundo simples, onde há pouca mobilidade internacional de
fatores produtivos (capital e trabalho), mas com perfeita mobilidade do trabalho no plano
interno223, o que garantiria que, em determinadas condições, poderiam os trabalhadores
obter ganhos reais com o comércio internacional, migrando para setores em que os salários
pagos seja mais alto.
As suposições ricardianas foram posteriormente desenvolvidas em diversos teoremas,
dentre as quais se destacam o modelo Heckscher-Ohlin, que procura evidenciar que as
vantagens comparativas de um país se assentam naqueles setores intensivos nos fatores
de produção que sejam abundantes224. O teorema de Stolper e Samuelson, por sua vez,
argui que o crescimento nos preços relativos das mercadorias incrementa os ganhos reais
dos fatores intensivos. Nesse contexto, países subdesenvolvidos, com mão de obra
abundante e barata seriam beneficiados com a experimentação de um aumento de preços
de suas mercadorias, com ganhos reais aos trabalhadores225.
Partindo dessas e de outras suposições226, os países engajam-se em projetos de
desenvolvimento econômico, com a propulsão do comércio, cujo combustível básico são os
fatores produtivos (terra, capital e trabalho) e no intuito de promover o bem estar de suas
populações:
É tão importante para o bem da humanidade que nossas
satisfações sejam aumentadas pela melhor distribuição do trabalho –
produzindo cada país aquelas mercadorias que, por sua situação,
seu clima e por outras vantagens naturais ou artificiais, encontra-se
adaptado, trocando-as por mercadorias de outros países – quanto
aumentar nossas satisfações por meio de uma elevação na taxa de
222
223
224
225
capital e trabalho; e a de que o valor de troca das mercadorias é determinado pela quantidade de
trabalho empregado para se obtê-la.
Importante ressaltar que RICARDO (1996. p. 96) não pregava a redução nominal do salário, mas sim a
redução real do salário, com auxílio da política comercial: ―Se, portanto, por uma ampliação do comércio
exterior, ou devido a melhoramentos na maquinaria, os alimentos e os bens necessários ao trabalhador
puderem chegar ao mercado com preços reduzidos, os lucros aumentarão‖.
Além disso, as diferenças tecnológicas são pouco significativas; não se incluem custos de transporte e
a comparação é feita com apenas duas mercadorias.
―O teorema de Heckscher e Ohlin diz que a vantagem comparativa de um país ocorre na produção de
bens que sejam intensivos no fator de produção nele abundante, pois este fator deve ser relativamente
mais barato quando comparado com o preço do outro fator de produção, que seria escasso. Assim,
segundo a teoria, países em desenvolvimento, como os do Mercosul, deveriam concentrar-se na
produção de bens intensivos em trabalho e/ou em recursos naturais‖ (ARABACHE, 2004, p. 3).
―O teorema da equalização dos preços dos fatores estende a análise de Stolper e Samuelson e mostra
que, sob certas hipóteses, o comércio internacional homogeniza os retornos absolutos dos fatores de
produção entre as economias, o que poderia ocorrer dentro de uma área de livre comércio como o
Mercosul. Logo, os salários reais tenderiam a convergir para algum ponto intermediário, beneficiando os
trabalhadores dos países e/ou províncias menos desenvolvidas da referida área‖ (ARABACHE, 2004, p.
4).
226
―O comércio internacional tem sido considerado como um dos mais poderosos motores do crescimento
econômico. Na formulação da nova teoria do crescimento, a abertura comercial promove a expansão da
economia por meio do fluxo internacional de bens, idéias e capital (Grossman e Helpman, 1991; Parente e
Prescott, 1994). A idéia simples é que regimes mais liberais de comércio e investimento criam melhores
prospectos de crescimento, aumentam a taxa de investimento e atraem investimento direto estrangeiro. Isso
ocorreria mediante maior acesso aos mercados de capitais e importação de máquinas, equipamentos e
tecnologias. Desse modo, aumentariam a eficiência e a produtividade total dos fatores, beneficiando, em ultima
análise, os salários reais e o emprego. Edwards (1998) e Proudman e Redding (1998) mostram que economias
mais abertas experimentam taxas de crescimento da produtividade maiores que as de economias mais
fechadas‖ (ARABACHE, 2004, p. 4).
155
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
lucros (RICARDO, 1996, p.96).
Nessa ordem de ideias, o bem da humanidade confunde-se com crescimento econômico, e
este, por sua vez, é dependente do comércio livre, donde surge a necessidade de libertar as
categorias econômicas de todas as amarrações que as impeçam de circular livremente. Os
processos de integração regional, fundados em integração econômica, são frutos dessas
concepções, possibilitando aos países ingressarem em uma ambiente parcial de livre de
comércio, com possibilidade de manutenção de uma certa dose de protecionismo.
Não obstante, as diversas interações envolvidas nesses processos, tornam bastante
ambíguos a verificação de seus benefícios, a começar pela validade da fórmula bem da
humanidade = melhor distribuição do trabalho + aumento de lucro. Essa suposição tem
definitivamente permeado os processos de regionalização e sua inserção como princípio
máximo tem se refletido no arcabouço jurídico comunitário, cuja centralidade tem sido não o
ser humano, mas sim categorias econômicas. Com efeito, o trabalhador tem sido
secundado pela categoria econômica do trabalho, a qual tem ocupado a posição subjetiva
das ordenações jurídicas, relegando-se ao ―vendedor‖ da força de trabalho penas direitos
contingentes. E são essas disposições jurídicas despersonalizadas e suas dinâmicas
econômicas de valores puramente quantitativos que estão a configurar o modo de ser da
realidade social227.
Antes de analisar esse particular estado das coisas, importante sedimentar que a integração
pode ocorrer em diferentes níveis, a que já referimos - área de livre comércio, união
aduaneira, mercado único – baseadas na mesma racionalidade, mas com implicações
distintas sobre o ―mercado de trabalho‖ e as relações sociais dele decorrentes. Cabe, por
conseguinte, perder algum tempo pontuando alguns aspectos relativos.
Uma área de livre comércio refere-se ao processo de integração em que há livre circulação
de mercadorias que são produzidas intrabloco, exigindo controle de índices de agregação
de valor no interior do bloco econômico. Nesse caso, a circulação se refere-se tão somente
à produção, e não aos fatores produtivos, com determinação de ausência de barreiras
aduaneiras e de outras ordens para as mercadorias regionalmente produzidas. Estabelecese um livre cambismo mitigado, tendo em vista que a liberdade só é pertinente aos países
integrantes do bloco. Sob esse aspecto, as relações de trabalho são determinadas
localmente e o mercado de trabalho sofre a concorrência ou aproveita-se das vantagens
comparativas em decorrência do mercado externo228.
A união aduaneira é um jano bifronte, com uma face voltada internamente para o bloco e
outra voltada ao exterior do bloco. Na união aduaneira, além do livre comércio intrabloco, há
uma política comercial comum em relação a terceiros países, com estabelecimento de uma
tarifa externa comum e um código aduaneiro comum ou harmonizado. As mercadorias
importadas de terceiros países por qualquer integrante do bloco passam a ser tratadas
como mercadorias do bloco, podendo circular livremente, sem necessidade de controle de
índice de produção regional. Nesse estágio, os países perdem a soberania sobre os
instrumentos aduaneiros para proteção do mercado de trabalho, relegando essas políticas
às instâncias comunitárias229.
Por fim, nos mercados únicos, há integração não só dos produtos produzidos no bloco, mas
227
“I argue that Marx's analysis of the putative fundamental social forms that structure the capitalism – the
commodity and capital – provides an excellent point of departure for an attempt to ground socially the
sistematic characteristics of modernity and indicate that modern society can be fundamentally
transformed. Moreover, such an approach is capable of systematically elucidating those features of
modern society that, within the framework of theories of linear progress or evolutionary historical
development, can seem anomalous: notable are the ongoing production of poverty in the midst of plenty,
and the degree to which important aspects of modern life have been shaped by, and become subject to
the imperatives of, abstract impersonal forces even as the possibility for collective control over the
circumstances of social life has increased greatly” (POSTONE, 1996, p. 4).
228
Um exemplo de área de livre comércio é o North American Free Trade Agreement (NAFTA),
formado por Canadá, Estados Unidos e México.
O MERCOSUL, em seu atual estágio, é um exemplo de união aduaneira.
229
156
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
também dos fatores de produção: capital e trabalho, e eventualmente terra, com a
possibilidade de expansão das fronteiras agrícolas, por exemplo. O mercado de trabalho
passa a sofrer a concorrência não só pela via de produtos, mas de oferta de trabalho, mas
sob a suposição de que essa migração traga benefícios mútuos sob a vertente da
equalização dos preços pela via do mercado230.
Ressalte-se que, conquanto a pureza conceitual seja importante para a compreensão da
realidade subjacente, esses processos encontram-se no mais das vezes amalgamados em
sua realidade, ou com variações de suas vertentes, como ocorre, por exemplo, nos casos
de internacionalização da planta produtiva industrial e que tem servido de modelo de
desenvolvimento econômico de alguns países da América Latina. Essa internacionalização
é conhecida como ―offshorização da produção‖, ―twin plants‖, ou ―indústrias maquiladoras‖.
Esse fenômeno pode ocorrer dentro ou fora de um processo de integração econômica, mas
ocrrendo dentro, usufrui das vantajosas condições de livre circulação de mercadorias.
Nesse caso, o trabalhador não é deslocado, permanecendo em seu país de origem, indo a
montanha até Maomé: o capital empresarial emigra a um país para, aproveitando-se dos
custos mais baixos (salários, encargos sociais, tributos, fontes energéticas, etc), produzir
mercadorias que posteriormente serão direcionados para o país local da sede da empresa,
onde serão comercializadas.
Pontuadas as questões, passa-se a olhar as matizes desses processos de integração, cujo
enfoque especial será a análise da influência econômica sobre os marcos regulatórios da
União Europeia e do MERCOSUL.
3. A INTEGRAÇÃO ECONÔMICA NA UE E NO MERCOSUL E REVISÃO CRÍTICA DE
SUAS PREMISSAS.
União Europeia (UE) e MERCOSUL não se confundem, seja pelas distintas circunstâncias
históricas de suas respectivas formações ou pelas diversas matizes que envolvem as vidas
dos dois blocos231. A comunitarização, aliás, se caracteriza pela adoção de sistemas
abertos, permitindo a agregação de temas diversos, sob o amparo de seu tratado inicial,
esses normalmente configurados como umbrella agreements. Nesse passo, tanto em
relação à UE quanto ao MERCOSUL, é sempre possível a absorção de outros valores e
direitos, que não em sentido econômico e que funcionam ao lado do mercado comum232.
Todavia, há uma semelhança primordial entre os blocos: analisando-se seus documentos
constitutivos, fácil perceber que, em ambos os casos, o motor da integração é o mercado e
seu combustível é econômico.
Com efeito, o Tratado de Funcionamento da União Europeia - TFUE, em seus
considerandos preambulares, fixa ―(…) como objectivo essencial dos seus esforços a
melhoria constante das condições de vida e de trabalho dos seus povos‖, deixando claro
que para tanto é mister ―(...) assegurar, mediante uma acção comum, o progresso
económico e social dos seus Estados eliminando as barreiras que dividem a Europa‖,
230
231
232
A União Europeia é um exemplo de mercado único. O MERCOSUL foi criado com objetivo de
tornar-se um mercado comum.
―Assim, tanto a União Européia como o Mercosul constituem, hoje, dois exemplos de um
regionalismo longamente desejado e apenas recentemente conquistado. Claro está, porém,
que o alcance dessas duas conquistas não é comparável. A União mostra-se claramente mais
representativa em escala continental que o Mercosul, limitado à integração sub-regional. Além
disso, a profundidade dos dois processos é díspar; à pergunta 'a Europa é hoje uma união, um
continente ou uma ideia?', pode-se responder que ela é, 'sem dúvida, os três'. Quanto ao
Mercosul, ele não passa de uma ideia em vias de materialização‖ (VENTURA, 2003, p. XXXV).
―Entendemos que la integración en el caso latinoamericano, aunque motorizada por fines
económicos, de desarrollo y bienestar, tien una proyección de convergencias en lo político,
social, educativo y cultural.‖ (SAN MARTINO, 1999, p. 85 e 86, nr.131).
157
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
pressupondo o reconhecimento de que ―(...) a eliminação dos obstáculos existentes requer
uma acção concertada tendo em vista garantir a estabilidade na expansão económica, o
equilíbrio nas trocas comerciais e a lealdade na concorrência‖. É dessas premissas que
defluem as disposições de liberdade fundamentais para o funcionamento do mercado
comum, sintetizadas no art. 26 do TFUE, especialmente em seu item 2: ―O mercado interno
compreende um espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias,
das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições dos
Tratados‖.
Por sua vez, a criação do MERCOSUL está justificada, conforme se pode depreender do
preâmbulo do Tratado de Assunção – TA, ―Considerando que a ampliação das atuais
dimensões de seus mercados nacionais, através da integração, constitui condição
fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça
social‖ e, em vista disso, seus Estados Partes decidiram constituir um mercado comum, cuja
base fundamental é ―A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os
países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não
tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente‖,
plasmado no art. 1º do TA.
Por conseguinte, a liberdade fundamental circulatória referente a pessoas, no caso da UE,
não é uma liberdade civil, mas sim uma liberdade econômica, referente à dimensão
econômica do trabalho, sob a óptica do capitalismo. Logo, o trabalhador só é ―mobilizável‖
na medida em que se insere na lógica capitalista, como fator de produção. Donde sobressai
o art. 45 do TFUE:
Artigo 45. o
(ex-artigo 39. o TCE)
1. A livre circulação dos trabalhadores fica assegurada na União.
2. A livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e
qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os
trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao
emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.
3. A livre circulação dos trabalhadores compreende, sem prejuízo
das limitações justificadas por razões de ordem pública, segurança
pública e saúde pública, o direito de:
a) Responder a ofertas de emprego efectivamente feitas;
b) Deslocar-se livremente, para o efeito, no território dos EstadosMembros;
c) Residir num dos Estados-Membros a fim de nele exercer uma
actividade laboral, em conformidade com as disposições legislativas,
regulamentares e administrativas que regem o emprego dos
trabalhadores nacionais;
d) Permanecer no território de um Estado-Membro depois de nele ter
exercido uma actividade laboral, nas condições que serão objecto de
regulamentos a estabelecer pela Comissão.
Bastante significativo é, aliás, o fato de esse art. 45 estar sistematicamente previsto no
Título IV, do TFUE, que trata d'―A livre Circulação de Pessoas, de Serviços e de Capitais‖.
Ou seja, a mobilidade do trabalhador está assegurada na mesma medida em que estão a
liberdade de circulação de serviços e capitais; e sua proteção ocorre no mesmo diapasão da
proteção que é conferida a um investimento ou a um objeto econômico. Como bem
observado pelo próprio CASSEN (2005), em referência ao Tratado Constitucional Europeu TCE, ―Num documento em que os seis títulos são, respectivamente, 'Dignidade',
'Liberdades', 'Igualdade', 'Solidariedade', 'Cidadania' e 'Justiça', o fato de a liberdade
financeira e de livre-câmbio ser invocada no preâmbulo do documento se reveste de um
158
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
forte significado233‖.
No que tange ao MERCOSUL, a clareza redacional de sua disposição fundamental facilita
a análise: circulantes são os ―bens, serviços e fatores produtivos‖, e nem poderia ser
diferente, uma vez que a via de circulação é o mercado. Notadamente, o fator produtivo –
além de capital e, eventualmente, terra – é o trabalho. Parte-se do pressuposto de que a
mobilização do trabalho no mercado regionalmente ampliado traria benefícios aos cidadãos
do bloco, ―Considerando que los Estados Partes declaran, en el mismo Tratado, la
disposición de promover la modernización de sus economías para ampliar la oferta de
bienes y servicios disponibles y, en consecuencia, mejorar las condiciones de vida de sus
habitantes‖, conforme declarado na Declaração Socio-Laboral do MERCOSUL (SGT N° 10
―Asuntos Laborales, Empleo y Seguridad Social‖, de dezembro de 1998).
É dessa base principiológica donde brotam os direitos do trabalhador, e que não deixam de
representar, de certo modo, a dinamização daqueles princípios. Com efeito, e a exemplo,
quando a Declaração SocioLaboral do MERCOSUL, em seu art. 1º determina que
Todo trabajador tiene garantizada la igualdad efectiva de derechos,
tratamiento y oportunidad en el empleo y ocupación, sin distinción o
exclusión por motivo de raza, origen nacional, color, sexo u
orientación sexual, edad, credo, opinión política o sindical,
ideológica, posición económica o cualquier otra condición social o
familiar, en conformidad con la disposiciones legales vigentes
Nada mais está a fazer do que eliminar as barreiras para a mobilização do trabalho,
disposição essa que guarda as mesmas características de outras adotadas na prática do
comércio internacional e reservadas a mercadorias, como é o caso do princípio do
tratamento nacional, veiculado no art. 3º do GATT234. De fato, a disposição em tela, embora
faça apelo à isonomia, nada mais representa que o princípio da não discriminação em
razão da origem235, estabelecendo uma paridade entre a ―mercadoria‖ nacional e a
internacional, provinda de outro país do bloco. Há uma equiparação formal entre
trabalhadores, com imantação do arcabouço jurídico supostamente, mas equiparação a
que?
De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano 2010, do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, países como Brasil e Paraguai apresentam 8,5% e
13,3% de suas populações em situação de pobreza multidimensional, com intensidade de
233
Ainda nesse artigo publicado no sítio eletrônico do Le Monde Diplomatique Brasil, CASSEN
(2005) procede a uma interessante análise da estrutura de alguns dos direitos encartados no TCE:
―A Carta não reconhece: o direito ao trabalho, que é substituído pelo "direito de trabalhar" (II-75-1)
e pela "liberdade de procurar um emprego" (II-75-2); o direito a uma moradia, substituído pelo
"direito a um auxílio moradia" (II-94-3); o direito a um salário mínimo; o direito à igualdade salarial
(salário igual para trabalho igual); o direito a uma pensão por aposentadoria; o direito ao divórcio,
embora seja reconhecido (II- 69) "o direito de contrair casamento e constituir família"; o direito à
contracepção e ao aborto etc. Em compensação, surge, com o novo documento, um direito até
aqui ignorado pela legislação francesa e por outros sistemas jurídicos: o direito de greve para os
patrões (II-88)!‖
234
―4. Os produtos de território de uma Parte Contratante que entrem no território de outra Parte
Contratante não usufruirão tratamento menos favorável que o concedido a produtos similares de
origem nacional, no que diz respeito às leis, regulamento e exigências relacionadas com a venda,
oferta para venda, compra, transporte, distribuição e utilização no mercado interno. Os dispositivos
deste parágrafo não impedirão a aplicação de tarifas de transporte internas diferenciais, desde que
se baseiem exclusivamente na operação econômica dos meios de transporte e não na
nacionalidade do produto‖.
235
Conforme item 2 do art. 1º da Declaração Sociolaboral do MERCOSUL: ―Os Estados Partes
comprometem-se a garantir a vigência deste princípio de não discriminação. Em particular,
comprometem-se a realizar ações destinadas a eliminar a discriminação no que tange aos grupos
em situação desvantajosa no mercado de trabalho‖.
159
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
privação de 46,0% e 48,5%, respectivamente236, entre os períodos de 2000 a 2008. Nesse
mesmo período, 27,2% e 46,8% do emprego total ofertado nesses países, respectivamente,
são considerados emprego vulnerável237 e 6,2% e 7,3% do emprego total, respectivamente,
remuneram o trabalhador com menos de U$ 1,25, por dia. Sob esse prisma, percebe-se
nítida modificação do panorama: a não discriminação de fatores de produção em razão da
origem – e outras matizes -, veiculada sob as vestes de isonomia formal, tem muito pouco
significado, em termos humanos, embora crucial para o projeto de comunitarização do
mercado. Equiparar o trabalhador, no mercado ampliado, à situação de vulnerabilidade
preexistente no mercado interno, não corresponde verdadeiramente a um direito, ou não ao
menos a um direito humano.
As perguntas que saltam aos olhos são: a ampliação do mercado é capaz, de per si, de
corrigir a desigualdade de acesso aos bens econômicos? O eventual crescimento
econômico determinado pela regionalização do mercado responde efetivamente aos
anseios de justiça social, como pressupõem os documentos oficiais dos blocos regionais?
Asseguram – mercado ampliado e crescimento econômico - isonomia material, com
repartição equitativa da produção econômica? Fazem florescer a potencialidade humana e
seu desenvolvimento virtuoso?
Note-se que a questão principal não é simplesmente o erro ou o acerto da adoção do
mercado como forma de distribuição de e acesso a bens e serviços, mas sim sua colocação
como eixo determinante dos processos de regionalização e a inserção de liberdades
relativas a categorias econômicas antropomorfizadas como valores fundamentais das quais
defluem e gravitam os demais valores. E é sob essa perspectiva que todas aquelas outras
questões devem ser respondidas.
Essa centralidade acaba por relativizar a significação humanística da juridicidade
comunitária, redundando na coisificação de direitos fundamentais. A encartar um exemplo, a
base fundante do artigo 5º da Declaração Sociolaboral do Mercosul, que assegura que
―Toda persona tiene derecho al trabajo libre y a ejercer cualquier oficio o profesión, de
acuerdo con las disposiciones nacionales vigentes‖ é a mesma da que funda o art.3º, alínea
―1‖ do Protocolo de Colônia para Promoção e Proteção Recíproca de Investimentos no
MERCOSUL (MERCOSUL/CMC/DEC N° 11/93) que constitui a garantia de que ―Cada Parte
Contratante assegurará em todo momento um tratamento justo e equitativo aos
investimentos e investidores de outra Parte Contratante e não prejudicará sua gestão,
manutenção, uso, gozo ou disposição por meio de medidas injustificadas ou
discriminatórias‖. Perceba-se que há imposição de um estatuto protetivo ao capital e ao
capitalista, conferindo-se-lhes um tratamento justo e equitativo, proibindo-se, em seguida,
qualquer forma de ―aprisionamento‖ do capital, ou seja: o próprio capital – além do
capitalista – tem assegurado direito à justiça, à equidade e à liberdade.
Dessa forma, ao conferir garantias de mobilidade, de liberdade e de justiça a fatores
produtivos, com dispersão da densidade humanística subjacente, o Direito Comunitário,
calcado na centralidade mercantilista, subjetiva esses fatores, e, a um só tempo,
ontologizando categorias econômicas, mas gerando a dúvida quanto a sua real
juridicidade238 e quanto sua vocação para promoção de justiça social239 em razão da
236
De acordo com o referido Relatório, o Índice de Pobreza Multidimensional ―identifica diversas
privações nas mesmas famílias, quanto à educação, à saúde e ao padrão de vida‖ e é resultado
da multiplicação entre a taxa da polução em situação de pobreza multidimensional e a taxa de
intensidade de pobreza, resultando em 0,039 e 0,064 para Brasil e Paraguai, respectivamente.
Ainda de conformidade com o Relatório, a População em risco de pobreza multidimensional, no
Brasil é de 13,1%, sendo que 5,2% de sua população vivem com rendimento per capita de até
U$1,25 por dia. Para o Paraguai, esses números são 15,0% e 6,5%, respectivamente. (PNUD,
2010).
237
―Percentagem de pessoas empregadas envolvidas em trabalho familiar não pago e trabalho
por conta própria‖ (PNUD, 2010, p. 232).
238
“Conotação pejorativa encontra-se, igualmente, na seara econômica: sendo o modelo
capitalista ontologicamente cosmopolita, os formões dos fluxos opacos de capitais e de comércio
160
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
contradictio in adjecto sobre a qual o processo de comunitarização econômica se assenta. A
liberdade do trabalhador, no contexto da mercantilização, nada mais representa que a
liberdade da mercadoria trabalho. Parafraseando Marx (2003): trabalhador livre, solto,
solteiro e, acrescente-se, circulante, no contexto da integração regional. Deve-se realçar,
entretanto, que a atributividade de livre, solto, solteiro e circulante é uma condição derivada,
enquanto ostentar a situação de instrumentalidade do trabalho. Porque o que foi declarado
libre foi o trabalho e o que se defere à pessoa é o ― derecho al trabajo libre‖, conforme o
supracitado artigo 5º da Declaração Sociolaboral do Mercosul. E ter direito ao trabalho livre
não é o mesmo que ter direito à liberdade, à autodeterminação, pois o trabalhador não tem
domínio sobre a oferta de emprego e sobre a relação empregatícia. Há simplesmente poder
de romper seu contrato de trabalho e trocar sua suserania240, dentro das regras de oferta e
procura estabelecidas previamente. Nesse sentido, o trabalhador passa de sujeito de direito
a mero objeto, instrumento do trabalho e sua liberdade é apenas um reflexo da livre
concorrência de acesso aos fatores de produção.
Dado o panorama, fácil perceber que a simples reconfiguração geográfica dos chamados
fatores de produtivos, determinada pela livre mobilização, sob determinadas condições,
pode até gerar algum crescimento econômico (sob o aspecto quantitativo), mas não resolve
os problemas de divisão do trabalho e da renda e aprofunda os problemas da produção
(sob o aspecto qualitativo).
CONCLUSÕES
Dentre as verdades consensuais, ou seja, aquelas verdades que se tornam verdadeiras
pela sua contínua repetição e propagação por todos, sem muitos questionamentos, está
aquela de que a globalização é um fenômeno inevitável, dentro do qual o ser humano deve
simplesmente inserir-se, sob pena de não fazer parte da modal aldeia global. A globalização
econômica, motor fundamental da globalização, obviamente não poderia ficar de fora desse
imaginário coletivo. Mas globalização a que preço (?), ou, regionalização a que preço?
O ser humano tem perdido a oportunidade de estabelecer um projeto consistente de
desenvolvimento da humanidade e de suas sociedades ao reproduzir em escala
mundial/regional os mesmos erros locais. A insistente tentativa de segregar o
desenvolvimento econômico do desenvolvimento humano tem guiado ao crasso erro de
trincharam, pouco a pouco, a ficção do poder unidimensional, da soberania absoluta e da
unicidade das ordens jurídicas nacionais. É consenso que o poder econômico encontra-se fora do
Estado (por vezes, fora até mesmo do campo de visão do Estado). A propósito, grande parte da
transnacionalização (no sentido de transposição a uma dimensão não-nacional, formal ou
informal) do direito deve-se ao avanço irrefreável da lex mercatoria. Este fluido direito econômicocomercial voga não somente sob a forma de acordos internacionais, mas também se infiltra, tal
como a água, em ordens jurídicas nacionais cada vez mais permeáveis. Deste modo, a
transnacionalização soaria antagônica ao Estado e ao direito.‖ (VENTURA, 2007, p. 225).
239
O art. 14 da Declaração Sociolaboral do MERCOSUL estabelece que ―Os Estados Partes
comprometem-se a promover o crescimento econômico, a ampliação dos mercados interno e
regional e a executar políticas ativas referentes ao fomento e criação do emprego, de modo a
elevar o nível de vida e corrigir os desequilíbrios sociais e regionais‖. Não bastasse tratar-se de
um mero compromisso, sem força vinculativa, estabelece uma obscura relação entre ―crescimento
econômico‖, ―ampliação de mercados‖, ―criação de empregos‖ e elevação de níveis de vida e
correção de desequilíbrios sociais‖, sem prever os meios ou as formas para que essa equação
seja válida. Quais os instrumentos para realizar essa funcionalidade?
240
Não se pode deixar de mencionar que a Declaração Sociolaboral do MERCOSUL contém
outras liberdades, essas sim conferidas ao trabalhador, como por exemplo, liberdade de
associação (art. 8º), sindical (art. 9º), de negociação coletiva (art. 10), de greve (art. 11), entre
outras. Não obstante, mesmo esses direitos quedam relativizados seja pela gravitação em torno
da centralidade das liberdades fundamentais conferidas a categorias econômicas, seja porque as
políticas relativas ao trabalho no MERCOSUL, são no mais das vezes apenas programáticas,
quando não declarativas.
161
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
aprimoramento da técnica sem a correspondência ética. E a despersonalização gerada por
esse processo inevitavelmente conduz a sucessivas crises econômicas.
Nesse passo, é preciso reconduzir o ser humano à centralidade das discussões econômicas
e recolocar o trabalhador, e não seu trabalho, como sujeito econômico, e não mais como
mero objeto.
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COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
PÓS-MODERNIDADE E GLOBALIZAÇÃO: UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR
COM BASE NO DIREITO E NA ECONOMIA
LUIS MIGUEL BARUDI DE MATOS241
DANIELLE BITTENCOURT BELLER242
MARCOS VINÍCIUS AFFORNALLI243
COLÓQUIO DE DIREITO
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RESUMO
Este artigo objetiva contextualizar a sociedade pós-moderna e a necessidade de se realizar
uma abordagem interdisciplinar quando se trata de assuntos como o desenvolvimento
econômico e social, a proteção ao meio ambiente e a atuação dos agentes econômicos.
Nessa contextualização, são expostos conceitos como pós-modernidade, sociedade de risco
e sociedade de consumo, bem como as contribuições do Direito e da Economia para a
tomada de decisões acerca da forma mais adequada de utilização da natureza pelo
indivíduo e pela sociedade. Sob esse prisma é que se analisa o papel do Direito e da
Economia nessa conjuntura socioeconômica, considerando sua complementaridade na
mediação das relações sociais contemporâneas.
PALAVRAS-CHAVE: Pós-modernidade; Globalização; Direito e economia.
POST-MODERN ERA AND GLOBALIZATION: AN INTERDISCIPLINARY APPROACH
BASED ON LAW AND ECONOMICS
ABSTRACT
This article aims to contextualize the post-modern society and the need to achieve an
interdisciplinary approach when it comes to issues such as economic and social
development, protecting the environment and the actions of economic agents. In this context,
concepts are exposed to post-modernity, risk society and consumer society, as well as the
contributions of Law and Economics for making decisions about the most appropriate way to
use nature for the individual and society. Under this view is that it examines the role of law
and economics at this juncture socioeconomic considering their complementarity in the
mediation of contemporary social relations.
KEYWORDS: Postmodernity; Globalization; Law and economics.
1 INTRODUÇÃO
A opção deste estudo por contextualizar de forma sintética o atual momento no qual se
insere a sociedade, com vistas a conceitos como modernidade, pós-modernidade ou
transmodernidade tem por objetivo situar a discussão acerca da proposta central que é a
necessidade de se realizar uma abordagem interdisciplinar quando se trata de assuntos
241
242
243
Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Professor do Curso de Direito – UDC. Membro do Projeto de Pesquisa ―O papel do Estado na
proteção ao meio ambiente e sua intervenção na atividade econômica com vistas ao
desenvolvimento sustentável‖. Endereço eletrônico: [email protected].
Acadêmica do 9º Período do Curso de Direito– UDC. Membro do Projeto de Pesquisa ―O papel do
Estado na proteção ao meio ambiente e sua intervenção na atividade econômica com vistas ao
desenvolvimento sustentável‖. Endereço eletrônico: [email protected].
Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho. Professor do Curso de Direito da Faculdade
União Dinâmica das Cataratas – UDC. Endereço eletrônico: [email protected].
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como o desenvolvimento econômico e social, a proteção ao meio ambiente e a atuação dos
agentes econômicos244.
Com esse fim, não se propõe o aprofundamento nas teorias sociais fundamentadoras de tal
assertiva, tomando-se por marco teórico deste tópico a concepção de pós-modernidade,
com a adoção das diversas concepções doutrinárias245 sobre a formulação de novas formas
de relações sociais decorrentes do atual estágio da sociedade, entendida em suas
dimensões como sociedade de risco246 e sociedade de consumo247. Sob esse prisma é que
se analisa o papel do Direito e da Economia nessa conjuntura socioeconômica,
considerando sua complementaridade na mediação das relações sociais contemporâneas.
2 A PÓS-MODERNIDADE E O PAPEL DO DIREITO NA NOVA CONJUNTURA SOCIAL
Considera-se que a humanidade, atualmente, se encontra em período evolutivo social e
econômico denominado por Luiz Fernando Coelho de transmodernidade248, sendo este novo
ciclo marcado pela transição da modernidade/pós-modernidade para um estágio posterior,
sendo que essa transição não provocou, propriamente, rompimento com o anterior, apenas
momento de transição para um futuro incerto e indefinido.
Segundo o autor, para compreensão do fenômeno da transmodernidade se faz necessário
examinar os vínculos históricos que unem a realidade social atual às épocas anteriores.
Nesse contexto249, a passagem da modernidade para a pós-modernidade se dá quando se
soma ao domínio da tecnologia o domínio da informação.
Nesse mesmo raciocínio, de que o atual momento social decorre da evolução da própria
modernidade, encontra-se Boaventura de Souza Santos250-251, para quem vive-se numa
sociedade de transição paradigmática que traz desafios por uma nova racionalidade ativa,
divorciada de certezas paradigmáticas, movida pela inquietude que ela própria propicia.
Segundo o autor, o termo pós-modernidade é equivocado, mas na ausência de outro mais
adequado permanece em uso, não caracterizando, entretanto, a ruptura da modernidade,
apenas uma transição a estágio ainda desconhecido252.
Por esse prisma de evolução ou transição, altera-se drasticamente o modo de vida dos
indivíduos, o funcionamento das sociedades e o papel das instituições, dentre elas do
Estado. Com o advento do capitalismo pós-industrial e da globalização, com a relativização
244
Conforme Ney Stany Morais Maranhão é preciso se afastar do ideal de análise do Direito apartado de sua ambiência social,
cultural, política ou filosófica, adotando, ao contrário, uma visão interdisciplinar que tornará possível uma análise madura e
coerente com a complexidade própria do homem. (MARANHÃO, Ney Stany Morais. Responsabilidade civil objetiva pelo risco
da atividade: uma perspectiva civil-constitucional. São Paulo: Método, 2010, p. 9)
245
Sobre o tema se utilizarão as obras de Anthony Giddens, Boaventura Souza Santos, Luiz Fernando Coelho e Jean-François
Lyotard como orientação doutrinária.
246
Acerca da sociedade de risco, utiliza-se a obra de Ulrich Beck como marco teórico.
247
Para o estudo da sociedade de consumo, utiliza-se a obra de Jean Baudrillard e de Livia Barbosa.
248
Segundo o autor: ―Embora em geral se fale em modernidade para aludir às grandes transformações ocorridas no século
passado, as ciências humanas caracterizam a contemporaneidade como pós-modernidade. Mas esta já é em si uma fase de
transição, que, ao consolidar-se à medida que se estratificam as novas formas de vida social desenvolvidas nesse período,
perde as características historiográficas que a caracterizaram como pós-modernidade, e transformam-se em nova fase. A
esta, pelos motivos a seguir expostos, prefiro empregar o termo transmodernidade. (COELHO, Luiz Fernando. Saudade do
futuro. 2ª ed., 1ª reimpr.. Curitiba: Juruá, 2010, p. 30).
249
Para o Coelho, ―a modernidade teve seu momento culminante no consumismo, entendido como a necessidade incutida nos
indivíduos de buscar incessantemente novos produtos, fomentado pela concepção de riqueza das nações como a
capacidade de produzir bens em escala, somando-se a esses fatores o estímulo ao consumo de massa mediante a utilização
de meios de comunicação e informação. A utilização da informação proporciona a introdução de novos produtos no mercado
de consumo, dotados dos avanços tecnológicos advindos da ciência, produzindo um nova revolução industrial, que
caracteriza a pós-modernidade.‖ (COELHO, Luiz Fernando. Saudade do futuro, p. 31-32).
250
SANTOS, Boaventura de Souza. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática.
Vol. 1. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2005, p. 41-42.
251
Nesse sentido o pensamento de Gilles Lipovetsky, que utiliza o termo ―hipermodernidade‖, caracterizado pela percepção de
exacerbação de algumas características da própria modernidade, não sendo percebida uma clara ruptura entre ambas
realidades sociais (LIPOVETSKY, Gilles. Em tempos hipermodernos: individualismo, mercado e tecnologia. Trad. Mário
Vilela. São Paulo: Barcarolla, 2007).
252
SANTOS, Boaventura de Souza. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática, p.
49.
165
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das fronteiras geográficas e temporais ocorre uma quebra de paradigma, que determinaria a
chegada da pós-modernidade e suas conseqüências para o sistema social.
Nessa realidade, tem-se o avanço exponencial das tecnologias de informação e de
comunicação, que se consubstancia no fator decisivo para a implementação da sociedade
globalizada, na qual a existência de fronteiras geográficas e a contagem do tempo são
relativizadas frente à liberdade e celeridade na troca de informações e do conhecimento.
Sobre essa transformação da sociedade e a velocidade com que se implementa, Mark
Latham253 afirma que, ao contrário das mudanças trazidas pela Revolução Industrial e que
foram absorvidas pela sociedade ao longo de várias gerações, a era da informação é
incutida em apenas uma, percebendo-se a tendência de definir a sociedade como ela
costumava ser, utilizando-se os termos pós-industrial, pós-fordista, pós-tradicional.
Essa nova sociedade globalizada, sem precedentes na história da humanidade, potencializa
o papel desempenhado pelo Direito, dentro de uma realidade de relativização do papel dos
Estados nacionais e a supervalorização da função do mercado global. O Direito encontra
então sua função primordial de garantidor da ordem social, apresentando normas para
orientar a atuação dos demais atores sociais e econômicos.
3 PÓS-MODERNIDADE E GLOBALIZAÇÃO
A utilização do termo globalização se expande a partir da década de 1980, associado aos
aspectos financeiros e econômicos que se verificam naquele momento histórico. A partir daí
o processo de globalização passou a ser considerado como característica do mundo
moderno. Entretanto, o fenômeno não se limita apenas aos aspectos econômicos,
financeiros e comerciais. Além das relações econômicas, o processo de globalização
envolve as demais áreas da vida social, atuando sobre aspectos sociais, culturais e
políticos.
Como todo fenômeno complexo, a globalização pode ser estudada sob diferentes aspectos
ou dentro de diferentes sistemas. Nota-se, porém, a tendência predominante a estudá-la
como uma época histórica; como um fenômeno sociológico; como vitória dos valores
liberais; ou como fenômeno socioeconômico. Para o presente estudo, interessa as duas
últimas abordagens.
A idéia de globalização como superposição dos valores liberais se apresenta como forma de
legitimar o sistema capitalista e os ideais liberais na ordem internacional, como único
modelo possível de levar o desenvolvimento a todos os países e indivíduos. A abordagem
da globalização como fenômeno socioeconômico traz a interação de processos distintos,
que afetam as relações sociais no âmbito financeiro, produtivo, comercial e tecnológico em
escala internacional.
Dessa forma, pode-se conceituar globalização como sendo um processo de integração de
mercados locais, regionais e nacionais, formando um grande mercado global, integrado
pelos avanços tecnológicos na área da informação e a tendência a adoção de formas
padronizadas de cultura, modelos econômicos e relações sociais. A partir da concepção de
globalização, cabe trazer algumas observações acerca da definição de mercado.
O mercado, segundo a teoria econômica clássica, pode ser conceituado como uma
determinada forma de organização, em que predomina a livre formação dos preços,
regulada pelo movimento agregado de oferta e procura de bens e serviços disponíveis.
Para Ricardo Abramovay254, esse conceito encontra-se ultrapassado e restrito apenas à
abordagem economicista do assunto, afirmando que a ênfase no conhecimento do mercado
como mecanismo de formação de preços a partir dos quais a sociedade se reproduz e
253
LATHAM, Mark. Terceira via: um esboço. In: GIDDENS, Anthony (Org.). O debate global sobre a terceira via. Tradução:
Roger Maioli dos Santos. São Paulo: Editora UNESP, 2007, p. 53.
254
ABRAMOVAY, Ricardo. Entre Deus e o diabo: mercados e interação humana nas ciências sociais. Tempo Social – Revista
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166
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
desenvolve, partindo de atributos universais e reconhecidos de maneira dedutiva não traduz
a complexidade do fenômeno.
Com o avanço da globalização, a concepção de mercado recebe uma carga superlativa, ou
melhor, seu espectro de abrangência, antes definido pelas fronteiras geográficas dos
diversos Estados nacionais, passa a não obedecer limites espaciais impostos, alcançando o
globo terrestre como um todo. Assim considerados, os benefícios e mazelas que o sistema
de mercado é capaz de produzir passam a afetar a grande maioria dos países e suas
populações, sem respeitar fronteiras e em velocidade nunca vista.
Outro efeito que surge com a globalização é a formação de grandes empresas ou
conglomerados empresariais transnacionais, com imenso poder econômico, capacidade de
investimento e acesso à tecnologia inovadora. Essas empresas, por vezes com capital
superior a de muitos Estados nacionais, apresentam-se com capacidade de submeter o
mercado global a seus interesses econômicos, seja criando novos mercados, aumentando a
demanda ou diminuindo a oferta de seus produtos e serviços.
4 A REESTRUTURAÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS NA PÓS-MODERNIDADE E O
PAPEL DO DIREITO
A pós-modernidade apresenta uma alteração nas relações sociais como um todo. As teorias
evolucionistas tratam a evolução social em termos de grandes narrativas, na forma de uma
linha ininterrupta de evolução. Contrário a essa concepção, Jean-François Lyotard255,
caracterizado pelo esvaziamento dos grandes relatos, desacreditados pelo sentimento de
negação das garantias absolutas dadas anteriormente pela ciência, pela constante busca
por novas tecnologias e saberes, pela obsolescência do sentido de progresso.
Para Anthony Giddens256, essa teoria não deve ser adotada de forma absoluta, tendo em
vista que existiram descontinuidades nessa evolução, marcadamente o que o autor chama
de descontinuidades da modernidade, referentes à era moderna. Cabe razão ao autor
quando se refere à dimensão das mudanças trazidas pela modernidade, com seu sentido de
desvinculação das definições e determinantes tradicionais, vivenciadas na era pré-moderna.
Para tanto, define Giddens como três as características principais da modernidade que
conduzem à descontinuidade: o ritmo de mudança, o escopo da mudança e natureza
intrínseca das instituições modernas257.
O Direito258 que se apresenta como um dos pilares das relações individuais e coletivas em
todas as etapas do desenvolvimento social, e dotado de maior relevância na pósmodernidade, entendida como uma era de incertezas e riscos. A reestruturação da vida
social ou das relações sociais está sempre acompanhada do Direito, seja como regulador
dessas relações, seja como orientador das ações futuras ou, ainda, como detentor dos
meios coercitivos que fazem com que essas relações alcancem as expectativas geradas e
punam aqueles que não respeitem essas orientações. A dificuldade que se apresenta é que,
o Direito como sistema lógico, filosófico e sociológico, também sofre as influências da pós255
LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno. 3ª ed.. Trad. Ricardo Corrêa Barbosa. Rio de Janeiro: José Olympio Editora,
1988, p. 69 e s.
256
Segundo o autor, ―existem indiscutivelmente descontinuidades em várias fases do desenvolvimento histórico — como, por
exemplo, nos pontos de transição entre sociedades tribais e a emergência de estados agrários. Não estou preocupado com
estas. O que quero sublinhar é aquela descontinuidade específica, ou conjunto de descontinuidades, associados ao período
moderno. Os modos de vida produzidos pela modernidade nos desvencilharam de todos os tipos tradicionais de ordem social,
de uma maneira que não tem precedentes. Tanto em sua extensionalidade quanto em sua intensionalidade, as transformações
envolvidas na modernidade são mais profundas que a maioria dos tipos de mudança característicos dos períodos precedentes.
Sobre o plano extensional, elas serviram para estabelecer formas de interconexão social que cobrem o globo; em termos
intensionais, elas vieram a alterar algumas das mais íntimas e pessoais características de nossa existência cotidiana. Existem,
obviamente, continuidades entre o tradicional e o moderno, e nem um nem outro formam um todo à parte; é bem sabido o quão
equívoco pode ser contrastar a ambos de maneira grosseira. Mas as mudanças ocorridas durante os últimos três ou quatro
séculos — um diminuto período de tempo histórico — foram tão dramáticas e tão abrangentes em seu impacto que dispomos
apenas de ajuda limitada de nosso conhecimento de períodos precedentes de transição na tentativa de interpretá-las.‖
(GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. Trad. Raul Fiker. São Paulo: Editora UNESP, 1991, p. 10-11).
257
Op. Cit., p. 12.
258
Adota-se a definição de Direito de José Afonso da Silva, trazido como ―sistema normativo orientador da conduta dos
indivíduos em sociedade‖. (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009,
p. 33).
167
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modernidade, em especial quanto às incertezas acerca do futuro e a exacerbação de
determinadas áreas do conhecimento jurídico em detrimento de outras, outrora
predominantes259.
Como afirma Luiz Fernando Coelho260, a dimensão jurídica da transmodernidade afeta os
conceitos, categorias e instituições por meio de seus fatores preponderantes, transformando
o que aprende a respeito de norma jurídica, ordenamento jurídico, relação jurídica, Estado e
sujeitos de direito, e o papel dos operadores do direito, exigindo a revisão desses conceitos
e funções, abrindo novas perspectivas para a hermenêutica jurídica.
Para Daniel Sarmento261 a influência da pós-modernidade no Direito ainda é incerta e gera
controvérsias, podendo ser destacado o movimento em direção ao relativismo em
contrapartida ao universalismo anterior, valorizando tradições locais e culturas jurídicas nãoocidentais. Ademais, o Direito pós-moderno é contrário à abstração conceitual e à
axiomatização, preferindo o concreto ao abstrato, o pragmático ao teórico, rejeitando as
grandes categorias jurídicas (direito subjetivo, interesse público, etc.). Direito e Justiça
retomam concepções antigas, com o retorno da tópica e da retórica jurídicas. Reconhecemse cada vez mais as fontes não-estatais do Direito.
E segue o autor afirmando que o Direito pós-moderno pretende ser mais flexível e adaptável
às contingências sociais, afastando-se do caráter coercitivo e sancionatório da
Modernidade. Por esse novo modelo, o Estado atua não no sentido de impor ou proibir
condutas simplesmente, mas de negociar, induzir, incitar comportamentos. Na resolução de
conflitos surge a tendência de utilização de mecanismos substitutivos do Judiciário, como a
mediação e a arbitragem262.
5 SOCIEDADE DE RISCO E SOCIEDADE DE CONSUMO: EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA,
TECNOLOGIA E SUAS INCERTEZAS
Como dito nos tópicos anteriores, o atual estágio da sociedade contemporânea, seja este
considerado como pós-modernidade, transmodernidade ou modernidade tardia263, traz
consigo novas demandas e perspectivas no âmbito das relações sociais. Perspectivas estas
que internalizam elementos decorrentes do processo de globalização e de modernização264.
Nesse contexto social, percebe-se a existência de características marcantes que, analisadas
separadamente podem ser consideradas como determinantes dessa nova sociedade, a
exemplo do que se denomina de sociedade pós-industrial, da informação, de consumo, de
risco265.
Para fins deste trabalho, adota-se o posicionamento de que estas definições são parte ou
dimensões da mesma realidade social – a pós-modernidade – sendo assim estudadas, em
especial as denominadas sociedade de consumo e sociedade de risco. Ademais, sendo
essas dimensões intrínsecas à realidade social pós-moderna, essas serão objeto de análise
interdependente, correlacionadas, pois, em suas características e definições.
Para Teresa Ancona Lopez266, a sociedade vive com medo e os meios para controle dos
diversos riscos são ilusórios, servindo apenas para apaziguar psicologicamente seus
259
COELHO, Luiz Fernando. Saudade do futuro, p. 93.
Op. cit., p. 79-80.
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 40-43.
262
Idem, ibidem.
263
BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Trad.: Sebastião Nascimento. São Paulo: Ed. 34, 2010,
p. 11.
264
O conceito adotado pelo estudo é o de Ulrich Beck, para quem modernização significa ―o salto tecnológico de racionalização
e transformação do trabalho e da organização, englobando a mudança dos caracteres sociais e das biografias padrão, dos
estilos e formas de vida, das estruturas de poder e controle, das formas políticas de opressão e participação, das
concepções de realidade e das normas cognitivas.‖ (BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade, p.
23).
265
Segundo Anthony Giddens, ―uma estonteante variedade de termos tem sido sugerida para esta transição, alguns dos quais
se referem positivamente à emergência de um novo tipo de sistema social (tal como a "sociedade de informação" ou a
"sociedade de consumo"), mas cuja maioria sugere que, mais que um estado de coisas precedente, está chegando a um
encerramento ("pós-modernidade", "pós-modernismo", "sociedade pós-industrial", e assim por diante).‖ (GIDDENS, Anthony.
As consequências da modernidade, p. 8).
266
LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 22.
260
261
168
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membros, considerando que o risco, em verdade, só existe se a sociedade o percebe como
tal. Sem a construção social dos diversos tipos de riscos eles simplesmente não existiriam,
pois, num primeiro momento o risco é uma abstração da coletividade, com fundamentos
verdadeiros ou não, com papel essencial da mídia, ou seja, dos canais de informação de
massa, na formação desse medo. Já a verdadeira ideia de risco é a incerteza do que ainda
está por vir em decorrência do avanço científico e tecnológico, considerando que essa
incerteza nasce com a globalização e se alimenta da comunicação em tempo real.
Como prelúdio da análise da sociedade de risco da forma proposta por Ulrich Beck, cabe
uma breve inserção do atual estágio da sociedade sob o ponto de vista desse autor, em
especial ao que se refere à modernização, idealizada em dois momentos: modernização
simples e modernização reflexiva267. Percebe-se o sentido de evolução dado pelo autor a
ambos conceitos de modernização, determinando dois momentos distintos inseridos no
contexto do que se denomina de modernidade. O que ocorre é a exacerbação ou
potencialização dos efeitos da modernização original, com a adoção das formas sociais
industriais por essa outra modernidade, retirando da sociedade sua formação dividida em
classes sociais, gêneros e funções para uma sociedade denominada de sociedade de
riscos, com potencial de autodestruição.
Nessa sociedade altamente desenvolvida no aspecto produtivo e tecnológico, característico
da modernidade reflexiva, é que surge o conceito de sociedade de risco, na qual a
distribuição de riquezas decorrente da primeira modernização e, consequentemente da
primeira modernidade, dá lugar à distribuição de riscos, decorrentes da modernização
reflexiva e da segunda modernidade ou pós-modernidade. Essa nova realidade social se
consuma, ainda segundo Beck, quando a autêntica carência material é objetivamente
reduzida e socialmente isolada pela evolução das forças produtivas e avanços técnicocientíficos, bem como pelas garantias jurídicas vigentes. E, decorrentes dessas
circunstâncias de modernização exacerbada, são criados e desencadeados riscos, reais e
potenciais, em medidas jamais vistas e desconhecidas no contexto social268.
A par da sobreposição da distribuição de riscos frente à distribuição inicial de riquezas
trazida pela modernização, o próprio conceito de risco, concebido em momentos anteriores
sofre uma alteração em sua essência. Na pós-modernidade o risco tem nova definição e
abrangência. O risco nessa nova conjuntura social é apresentado por Giddens269 como
inerente à globalização quanto à sua intensidade e capacidade de ameaçar a sobrevivência
da própria humanidade, bem como quanto à expansão do número de eventos
potencialmente danosos, sendo esses novos riscos derivados das ações humanas e
conhecidos de grande parte da coletividade. Por fim, refere-se o autor à consciência da
limitação da ciência como provedora de certeza quanto aos riscos e à sua evitabilidade.
Teresa Ancona Lopez270, em conformidade com as ideias de Giddens e Beck, afirma que
estamos frente a frente com novos riscos, à evidência que perigos sempre existiram desde a
antiguidade, entretanto não existia o conceito de risco271. Beck272 trata desses novos riscos,
267
Conforme Beck: ―Se, no fundo, a modernização simples (ou ortodoxa) significa primeiro a desincorporação e, segundo, a
reincorporação das formas sociais tradicionais pelas formas sociais industriais, então a modernização reflexiva significa
primeiro a desincorporação e, segundo, a reincorporação das formas sociais industriais por outra modernidade. Assim, em
virtude do seu inerente dinamismo, a sociedade moderna está acabando com suas formações de classe, camadas sociais,
ocupação, papéis dos sexos, família nuclear, agricultura, setores empresariais e, é claro, também com os pré-requisitos e as
formas contínuas do progresso técnico-econômico. Este novo estágio, em que o progresso pode se transformar em
autodestruição, em que um tipo de modernização destrói outro e o modifica, é o que eu chamo de etapa da modernização
reflexiva. (BECK, Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In: BECK, Ulrich et. al.
Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Trad.: Magda Lopes. São Paulo: UNESP,
1997, p. 12).
268
BECK, Ulrich. Sociedade de risco, p. 23.
269
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade, p. 111-112.
270
LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil, p. 22.
271
A autora traz em sua obra uma interessante e didática distinção conceitual entre risco, álea e perigo. Trata do perigo como
tudo aquilo que ameaça ou compromete a segurança de uma pessoa ou uma coisa, sendo conhecido e concreto. Álea, por
sua vez, é um acontecimento totalmente inevitável para o qual não há, geralmente, possibilidade de previsão, sendo que os
perigos daí advindos são incalculáveis. São decorrentes, em sua maioria de ventos da natureza mas podem decorrer da
ação humana quando do uso de produtos ou desempenho de atividades. Já o risco é o perigo eventual, mais ou menos
previsível, diferente da álea (imprevisível) e do perigo (concreto), ou seja, é abstrato. (LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da
precaução e evolução da responsabilidade civil, p. 24-25).
169
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
afirmando que a noção de risco advém da era moderna, diferenciando-se nesta pela
desconexão do seu sentido pessoal e até romântico, tida a assunção de riscos como sinal
de ousadia e aventura. Já em sua nova essência, característica da pós-modernidade, os
riscos assumem caráter global, com potencial de atingir a humanidade como um todo e não
apenas aqueles diretamente envolvidos na atividade de risco, bem como se destaca do
romantismo de antes para assumir o potencial de autodestruição da vida no planeta.
Em síntese, a noção pós-moderna de risco traz em seu conteúdo as ideias de
probabilidade273 e incerteza, apresentando-se, entretanto com vários significados, podendo
variar de graus e sentidos, existindo riscos e não o risco. Há riscos morais, sociais, políticos,
econômicos, médicos, hospitalares, de desenvolvimento, do credor, do devedor, etc., sendo
a incerteza seu sentido nuclear. No seu sentido jurídico, risco é tratado como acontecimento
danoso futuro e incerto, o que permite concomitantemente conter os eventos previsíveis ou
não e atribuir a cada um deles o devido tratamento. Risco não é conceito normativo, como a
culpa, que implique um julgamento de valor sobre a conduta humana, sendo, por outro lado
descritivo e objetivo274.
No âmbito do Direito Civil das Obrigações, em especial no Direito contratual, o risco se
refere aos prejuízos que um dos contratantes pode sofrer ou já sofreu, significando que,
suportar o risco é sofrer o prejuízo, suportando o dano. Mas foi na responsabilidade civil que
a noção de risco ganha relevância. Com a maquinização e a invenção do automóvel, no
início do século XX, percebeu a doutrina jurídica que a vítima do dano se encontrava
desprotegida pela adoção da culpa como único fundamento da responsabilidade civil, sendo
necessária a evolução com objetivo de proteger as pessoas dos crescentes danos
ocasionados. Surge dessa necessidade a teoria do risco, que fundamenta a
responsabilidade civil não mais na culpa exclusivamente, mas no risco que correm as
pessoas decorrentes do uso de veículos e máquinas275.
A teoria do risco invade outros campos do Direito, atendendo a outros setores sociais como
as relações de consumo e o meio ambiente, tendo sempre como ideia central o perigo ou
ameaça de dano a que estão expostas as pessoas em decorrência de certas atividades
potencialmente perigosas. Permanece a distinção entre risco e dano ou prejuízo, sendo o
risco a possibilidade de ocorrência do dano ou do prejuízo. A noção jurídica de risco se
afasta de sua concepção econômica, apesar de ter na economia sua origem, considerando
a ideia de que aquele que lucra com a atividade perigosa ou potencialmente danosa deve
arcar com os prejuízos advindos dessa atuação. Percebe-se, desde esse momento, que o
Direito cada vez mais busca tutelar os novos riscos advindos da evolução social, adentrando
aos campos da saúde, dos alimentos, do ambiente e, consequentemente na seara das
relações de consumo276.
Assim, é possível caracterizar a sociedade de risco trazida por Beck, inserida como
dimensão da pós-modernidade, como realidade na qual os riscos advindos da modernização
reflexiva e exacerbada, somada à globalização dos meios de produção e mercados e aos
avanços técnico-científicos, assumem proporções globais e de autodestruição da espécie
humana, socializados entre todas as classes e gêneros, não distinguindo em seus efeitos
ricos ou pobres, desenvolvidos ou subdesenvolvidos, escassez ou fartura. Como é
perceptível a resposta que o Direito busca dar às novas demandas surgidas no atual estágio
da sociedade, adentrando e tutelando interesses antes deixados à autonomia da vontade
dos negócios privados, sempre na tentativa de proteger as vítimas de danos ou prejuízos,
bem como, no caso do Direito do Consumo, a parte mais fraca da relação jurídica.
O paradoxo dessa realidade social contemporânea está na evolução da ciência e seus
efeitos. A ciência também se torna reflexiva no sentido de que o que já foi comprovado
272
BECK, Ulrich. Sociedade de risco, p. 25-27.
Conforme definição do Dicionário Aurélio on-line, probabilidade tem o seguinte significado: razão ou indício que faz supor a
verdade ou possibilidade de um fato. Adota-se, portanto, essa definição quando tratar-se do sentido comum de
probabilidade. (Disponível em: <http://www.dicionariodoaurelio.com/Probabilidade>. Acesso em: 19 jul. 2011).
274
LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil, p. 24.
275
LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil, p. 27-28.
276
Op. cit., p. 28.
273
170
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
cientificamente outrora, passa por novo processo de comprovação, também científico, sendo
muitas vezes refutado o resultado anterior277.
A ciência moderna tinha seus fundamentos em modelos causalistas, marcada pela crença
na previsibilidade das relações de causa e efeito, na linearidade da temporalidade e em uma
certa previsibilidade do futuro. Em contraponto, a ciência na sociedade pós-moderna
encontra-se inserida em um contexto de incerteza e complexidade, marcada pela ausência
de linearidade nas relações causais e o constante enfrentamento de questões relacionadas
a sistemas hipercomplexos, demonstrando a importância da separação das noções de risco
e perigo278.
Como defende Ulrich Beck279, a definição de perigo depende de uma construção cognitiva e
social, sendo que na sociedade de risco essas ameaças escapam da percepção sensorial e
do imaginário dos indivíduos e, por conseguinte, da sociedade, como também não são
determináveis pelo saber científico. Dessa afirmação decorre a compreensão de que a
sociedade de risco tem como característica a incerteza. Incerteza quanto aos riscos, quanto
às ameaças desses decorrentes e, por fim, quanto aos próprios resultados da ciência, seja
na propositura de novas tecnologias, seja na garantia de segurança dessas inovações. Esse
posicionamento é compartilhado por Boaventura Souza Santos280, para quem a crise do
paradigma dominante é resultado de diversos condicionantes, dentre os quais se destaca a
observação das limitações e insuficiências do paradigma científico moderno como resultado
dos avanços da própria ciência, que ao se aprofundar revela a fragilidade de seus pilares
fundamentais.
Mediando essa situação tem-se a confiança281 - dos indivíduos e da sociedade de modo
geral – depositada na ciência como sistema de certificação ou sistema perito, na concepção
de Anthony Giddens282. Entretanto, essa credibilidade da ciência que proporciona o
sentimento de confiança da sociedade acaba por ser relativizada frente à modernização
reflexiva característica da pós-modernidade e da sociedade de risco. Na sociedade de risco,
conforme define Beck283, quebra-se o monopólio da racionalidade das ciências, tornando-se
contraditório o desenvolvimento técnico-científico. A ciência é ao mesmo tempo, causa,
expediente definidor e fonte em relação aos riscos e em decorrência disso acaba por
conquistar novos mercados de cientificização.
Dito de outro modo, o desenvolvimento técnico-científico exacerbado da pós-modernidade é
o causador da maior parte dos novos riscos, concretos e potenciais. A esses riscos têm na
ciência também, a resposta na busca de soluções. Surge um círculo ininterrupto de certezas
e incertezas, definições e contra-definições, problemas e soluções. Essa conjuntura, quando
percebida pelo indivíduo ou pela sociedade, abala o sentimento de confiança antes
depositado no conhecimento científico. Quando não percebida, considerando os riscos
potenciais, aqueles não definidos cientificamente ou aqueles imperceptíveis pela cognição
da sociedade, esta permanece às escuras, confiando em premissas não verdadeiras ou
comprováveis.
277
Para Giddens, ―mesmo os filósofos que mais ferrenhamente defendem as reivindicações da ciência à certeza, tais como
Karl Popper, reconhecem que, como ele o exprime, ‗toda ciência repousa sobre areia movediça‘. Em ciência, nada é certo, e
nada pode ser provado, ainda que o empenho científico nos forneça a maior parte da informação digna de confiança sobre o
mundo a que podemos aspirar. No coração do mundo da ciência sólida, a modernidade vagueia livre. Nenhum conhecimento
sob as condições da modernidade é conhecimento no sentido ‗antigo‘, em que ‗conhecer‘ é estar certo. (GIDDENS, Anthony.
As consequências da modernidade, p. 40).
278
CARVALHO, Délton Winter. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental, Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2008, p. 135-136.
279
BECK, Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva, p. 17.
280
SANTOS, Boaventura de Souza. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática, p.
68.
281
Utiliza-se aqui a definição de Anthony Giddens, para quem ―a confiança pode ser definida como crença na credibilidade de
uma pessoa ou sistema, tendo em vista um dado conjunto de resultados ou eventos, em que essa crença expressa uma fé
na probidade ou amor de um outro, ou na correção de princípios abstratos (conhecimento técnico). (GIDDENS, Anthony. As
consequências da modernidade, p. 36)
282
Por sistemas peritos Giddens se refere ―a sistemas de excelência técnica ou competência profissional que organizam
grandes áreas dos ambientes material e social em que vivemos hoje.‖ (GIDDENS, Anthony. As consequências da
modernidade, p. 30).
283
BECK, Ulrich. Sociedade de risco, p. 235.
171
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Nesse contexto se faz necessária a configuração de um novo paradigma, ainda sob o manto
da especulação com relação ao futuro, conforme Boaventura Souza Santos284 que o
denomina de paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente. Para o
autor, a natureza dessa nova revolução científica é diferente daquela observada na
passagem para a modernidade, pois ocorre numa sociedade já revolucionada pela ciência,
não sendo permitido apenas um novo paradigma científico, mas exige também um novo
paradigma social.
A pós-modernidade como espaço de transição da sociedade moderna para um futuro
desconhecido e incerto, traz como característica perceptível a sua natureza consumista, ou
melhor, a internalização de uma sociedade de consumo285. A concepção de sociedade de
consumo utilizada engloba aspectos sociológicos como o consumo de signos286-287,
consumo de massa, alta taxa de consumo e de descarte de produtos, obsolescência e
sentimento de insaciabilidade, bem como o surgimento do consumidor, no papel central da
atividade social288. Como realidade específica, a sociedade de consumo precisa ser
analisada quanto ao seu aspecto sociológico diferenciador. A atividade de consumo em si,
como forma de satisfação de necessidades – básicas e/ou supérfluas – está presente em
todas as formas conhecidas de sociedade humana como modo de reprodução física e
social289.
Entretanto, apenas na pós-modernidade, em sua dimensão como sociedade de consumo,
verifica-se a posição central da atividade de consumir, preenchendo uma função que vai
muito além da satisfação de necessidades materiais e sociais, comuns a todas as
sociedades. É neste estágio da sociedade contemporânea que o consumo serve de
instrumento de análise da própria realidade social290. Essa centralidade da atividade de
consumo como instrumento de verificação social precisa ser por sua vez avaliada por sua
interdisciplinaridade. Isso considerando que o consumo é objeto de estudo de diversas
áreas do conhecimento. Este trabalho se restringirá a abordar a atividade de consumo pelo
prisma da antropologia, da economia e do direito.
A antropologia traz duas teorias principais e concorrentes para explicar a atitude do
consumidor: a teoria higiênica ou materialista e a teoria das necessidades por inveja, ambas
aqui sintetizadas sob a perspectiva de Mary Douglas e Baron Isherwood291. Conforme os
autores, a primeira determina que as necessidades reais e básicas do ser humano são as
físicas, cuja satisfação são priorizadas em detrimento das daquelas materiais. A segunda
teoria tenta explicar o consumo pelo sentimento de inveja que grassa entre os indivíduos,
sendo que sempre uma pessoa busca suplantar a outra em bens e comodidades através da
aquisição desses.
Os mesmos autores, analisando a posição da Economia frente à atividade de consumo
afirmam que, por sua matriz cartesiana, a ciência econômica apenas se reduz ao exame
284
SANTOS, Boaventura de Souza. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática, p.
74.
285
Para Livia Barbosa, ―sociedade de consumo é um dos inúmeros rótulos utilizados por intelectuais, acadêmicos, jornalistas e
profissionais de marketing para se referir à sociedade contemporânea. Ao contrário de termos como sociedade pós-moderna,
pós-industrial e pós-iluminista – que sinalizam para o fim ou ultrapassagem de uma época – sociedade de consumo, à
semelhança das expressões sociedade da informação, do conhecimento, do espetáculo, de capitalismo desorganizado e de
risco, entre outras, remete o leitor para uma determinada dimensão, percebida como específica e, portanto, definidora, para
alguns, das sociedades contemporâneas.‖ (BARBOSA, Livia. Sociedade de consumo. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010, p.
7).
286
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Trad. Artur Morão. Reimp. Lisboa (PT): Edições 70, 2010, p. 25.
287
Analisando a obra de Baudrillard, Verlaine Freitas afirma que é possível distinguir três conceitos: signo, significante e
significado. Signo designa qualquer coisa, objeto, imagem ou ideia capaz de representar outra coisa qualquer. O signo
possui uma dualidade, um substrato material (significante) e um substrato ideacional ou conceitual (significado). (FREITAS,
Verlaine. O código social da obsolescência: um estudo de A sociedade de consumo, de Jean Baudrillard. In: Sociedade e
Consumo: múltiplas dimensões da contemporaneidade. Solange Maria Pimenta (coord.). Curitiba: Jurua, 2010, p. 80).
288
Nessa perspectiva, a sociedade de consumo em sua definição vai além daquela definida inicialmente por Jean Baudrillard
por um tipo específico de consumo (consumo de signo ou commodity sign), para adotar contornos mais ampliados
(BARBOSA, Livia. Sociedade de consumo, p. 8).
289
BARBOSA, Livia. Sociedade de consumo, p. 7.
290
BARBOSA, Livia. Sociedade de consumo, p. 14).
291
DOUGLAS, Mary e ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Trad. Plínio Dentzien. 1ª
Ed., 2ª reimpr. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009, p. 53 e s.
172
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
utilitarista do consumo. Por esse prisma, o consumidor atuaria sempre de modo racional,
considerando necessidades e utilidade dos bens, reagindo a fatores externos como oferta e
demanda, preço e renda, determinando com base nesses elementos, de forma racional, a
aquisição de bens. A crítica ao posicionamento clássico da doutrina econômica está na
simplificação do objeto de análise, retirando dessa, fatores intrínsecos ao ser humano292.
Passando para fatores externos que caracterizam o surgimento da atual sociedade de
consumo, influenciando diretamente o consumidor em sua manifestação, Livia Barbosa293,
se atém a dois em especial: a passagem do consumo familiar para o consumo individual e a
transformação do consumo de pátina para o consumo de moda294. A adoção desses fatores
como primordiais tem o condão de sintetizar algumas das teorias mais utilizadas para
explicar a sociedade de consumo. Nos dizeres da autora, nas sociedades pré-modernas ou
tradicionais a produção de bens era destinada ao consumo da própria família como meio de
satisfação de suas necessidades de reprodução física e social. As sociedades de então
eram compostas por grupos sociais definidos e estratificados, com seus padrões próprios de
consumo aos quais se subordinavam as escolhas individuais, reguladas por leis suntuárias,
que autorizavam ou proibiam o consumo de bens por determinados grupos295.
O segundo aspecto, o abandono do consumo de pátina pela adoção do consumo de moda,
também se vincula ao abandono da tradição. No consumo de pátina, tem-se a percepção de
um ciclo de vida mais longo dos objetos, conferindo ao seu uso a tradição e status a seus
proprietários, legitimando sua posição em uma sociedade estratificada socialmente. Ao
contrário, o consumo de moda, característico da pós-modernidade, é expressão da
valorização do novo e do individual em detrimento do tradicional296.
Em síntese, o que se percebe é a mutação do consumo de grupo, tradicional em relação
aos bens, que se apresentam com vida útil maior e concedem aos proprietários status social
por esse motivo, para o consumo individual, sempre em busca de inovações e cujos bens
são de uso temporário e presente, com ciclo de vida precário e, justamente por essa
constante busca por novidades, também indicam o posição social de seus proprietários.
O indivíduo, consumidor moderno, alcança posição de relevância na sociedade pósmoderna não pela utilização de bens de tradição aristocrática, mas pelo consumo de novos
produtos, transformados em signos, cujo uso se restringe no tempo, levando à busca
constante por novos produtos, sendo o valor de representação daqueles o fator indicativo da
situação social do indivíduo. A partir da alteração desses padrões, com o consumo
individualizado e ávido por inovações tecnológicas, elevado a fator preponderante da
inserção do indivíduo na sociedade é que se conforma a atual sociedade de consumo, na
qual os signos ou objetos vão além da sua dimensão material de uso, encampando uma
dimensão ideal de representação297.
Como afirma Baudrillard298, vive-se o tempo dos objetos, no qual a existência do ser humano
é ditada pelo ritmo desses e em conformidade com sua sucessão permanente, sendo que,
atualmente, o homem assiste ao seu nascimento e morte, enquanto que, em épocas
anteriores eram os objetos que sobreviviam às gerações humanas. Nessa realidade social
contemporânea despontam novos atores centrais – o consumidor299 e o fornecedor300 –
292
DOUGLAS, Mary e ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo, p. 57 e s.
BARBOSA, Livia. Sociedade de consumo, p. 18 e s.
Livia Barbosa ainda enumera mudanças generalizadas que influenciaram no surgimento da sociedade de consumo: a)
surgimento a partir do séc. XVI da oferta de novas mercadorias, fruto da expansão ocidental para o oriente. Muitos desses
produtos ou bens não eram de necessidade básica, mesmo para a época; b) no campo cultural, o surgimento do romance
ficcional moderno, a prática da leitura silenciosa, busca por novas formas de lazer, construção de uma nova subjetividade,
valorização do romantismo e a expansão da ideologia individualista; e c) o desenvolvimento de novos processos e
modalidades de consumo, a criação de modernos sistemas e práticas de comercialização com objetivo de atingir novos
mercados consumidores. (BARBOSA, Livia. Sociedade de consumo, p. 19).
295
BARBOSA, Livia. Sociedade de consumo, p. 20.
296
BARBOSA, Livia. Sociedade de consumo, p. 24-25.
297
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 50-51.
298
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 14.
299
Consumidor é qualquer pessoa física ou jurídica que, isolada ou coletivamente, contrate para consumo final, em benefício
próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de bens, bem como a prestação de um serviço. (FILOMENO, José Geraldo
Brito. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9ª Ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2007, p.32).
293
294
173
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
partes de uma nova espécie de relação jurídica – a relação de consumo301. Some-se à
dimensão de consumo, a dimensão de risco da Sociedade Pós-moderna e desse resultado
ou fatores percebe-se a necessidade de evolução do próprio ordenamento jurídico
contemporâneo, adotando medidas punitivas, protetivas e preventivas quanto às ameaças e
danos advindos das novas relações sociais resultantes.
Com relação ao aspecto jurídico dessa concepção social, Paulo de Bessa Antunes302
argumenta que a ordem jurídica do capitalismo está fundada na possibilidade dada a cada
indivíduo de integrar o mercado na posição de vendedor ou de comprador de mercadorias,
sendo que a economia de mercado, para sua reprodução, exige uma rápida circulação de
bens e produtos, entretanto, esse fluxo não é aleatório. A movimentação de bens é
normatizada pelo Direito, que cria mecanismos para tanto.
O Direito, então, enfrenta um novo desafio: a proteção do consumidor como fenômeno
jurídico desconhecido no passado e que, a partir do século XX, quando o homem passa a
viver em função de um novo modelo associativo, a sociedade de consumo, que se
caracteriza por um número inédito e crescente de produtos e serviços disponibilizados, pelo
domínio do crédito e do marketing, pela dificuldade de acesso à justiça. Essa nova
sociedade leva à criação do Direito do Consumidor como disciplina jurídica autônoma303.
Consumir é assumir os riscos advindos da criação, fabricação e disponibilização de novas
tecnologias e produtos no mercado, características da sociedade de risco e de consumo.
Dessa forma é possível resumir, conforme Délton Winter de Carvalho304, que ―o risco é a
polaridade positiva da forma risco/perigo‖, sendo que a primeira distinção que se faz é do
risco como tudo aquilo que não é certo, mas também não é impossível. Nessa separação,
surge a questão da probabilidade305. Assim o risco é modo de relação com o futuro, segundo
a determinação das indeterminações com base na diferença entre probabilidade e
improbabilidade. Sob essa perspectiva, o risco sempre envolve uma tomada de decisão,
enquanto o perigo decorre da perspectiva do agente passivo ou da vítima, ocasionando
frustrações por eventos exteriores.
Para Giselda Hironaka306 o homem atual detém o domínio da teoria das probabilidades,
apresentando melhores condições de administrar o risco. Por essa razão, passa a adotar
uma postura de maior ousadia em suas ações pessoais ou em suas atividades profissionais,
impulsionando o desenvolvimento científico e econômico. Esse diferencial do ser humano
contemporâneo se funda na sua maior racionalidade em contraponto à superstição do
300
Fornecedor é qualquer pessoa física, ou seja, qualquer um que, a título singular, mediante desempenho de atividade
mercantil ou civil e de forma habitual, ofereça no mercado produto ou serviços, e a jurídica, da mesma forma, mas em
associação mercantil ou civil e de forma habitual. (FILOMENO, José Geraldo Brito. Código brasileiro de defesa do
consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p.47).
301
Relações de consumo são relações jurídicas por excelência, pressupondo, por conseguinte, dois polos de interesse: o
consumidor-fornecedor e a coisa, objeto desses interesses, o que no caso consiste em produtos e serviços. (FILOMENO,
José Geraldo Brito. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p.50).
302
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 12ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 214..
303
GRINOVER, Ada Pellegrini e BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Código brasileiro de defesa do consumidor:
comentado pelos autores do anteprojeto, p. 6.
304
CARVALHO, Délton Winter. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental, p. 70.
305
Nesse momento, trata-se a questão da probabilidade sob ponto de vista científico, sendo necessário indicar algumas
definições dadas pela Matemática sobre o tema. Conforme Paulino, Turkman e Murkeira, a inferência clássica repousa
teoricamente na interpretação frequentista de probabilidade segundo a qual a probabilidade de um evento é a frequência
relativa limite de ocorrência do evento numa sequência infinita de repetições da experiência em questão. Este conceito de
probabilidade é inaplicável quando o evento diz respeito a uma afirmação sobre alguma característica atual da população em
análise ou sobre alguma situação futura. Daí a necessidade de abarcar visões de probabilidade menos restritivas que a visão
frequentista, sob pena de ficar reduzida a poucas aplicações, comprometendo a sua utilidade na realização de inferências. Os
conceitos subjetivos e lógico de probabilidade têm como ponto comum a característica de representarem graus de crença,
condicionados a informação disponível, numa proposição. Uma probabilidade subjetiva é uma medida de grau de crença,
específico de um indivíduo. Como tal, pode variar de indivíduo para indivíduo, até porque a informação que cada um possui é
geral e rigorosamente diferenciada. Sendo assim, esse conceito não acomoda a idéia de um dado volume de informação estar
associado a um grau de crença único. Em oposição, o conceito lógico de probabilidade ao representar uma medida de um grau
de implicação de uma proposição pela informação disponível, traduzindo assim um grau de crença objetivo, que todo o
indivíduo racional necessariamente deve possui, já partilha daquela característica de unicidade. Este conceito estende o
argumento da lógica tradicional ao pretender quantificar o grau intermédio de implicação da proposição pela informação
existente quando esta não permite concluir pela veracidade ou falsidade daquela. (PAULINO, Carlos Daniel, TURKMAN, Maria
Antónia Amaral, e MURKEIRA, Bento. Estatística bayesiana. Lisboa-Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 71-76).
306
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta, p. 107.
174
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
homem antigo, bem como na sua opção pelo progresso e evolução em detrimento da
tradição e dos costumes.
Nesse cenário surge o princípio da precaução, que tem sua origem no Direito Alemão no
início da década de 1970 e foi uma de suas maiores contribuições para o Direito Ambiental.
Nesse período desperta a preocupação com a necessidade de avaliação prévia das
consequências ambientais dos projetos e empreendimentos em curso ou em vias de
implantação. Na sua formulação original, o princípio estabelecia que a precaução iria
desenvolver em todos os setores da economia processos que reduzissem significativamente
as cargas ambientais, principalmente aquelas decorrentes de substâncias perigosas. Com o
passar do tempo, outras concepções foram sendo construídas e, em curto espaço de tempo
o princípio da precaução foi recepcionado pelo Direito Internacional, inserindo-se também
nos ordenamentos internos de diversos países, incluído o Brasil307-308.
Na dogmática do direito ambiental, a produção de riscos concretos e abstratos pela
sociedade pós-industrial (pós-moderna na concepção deste estudo) acarreta a criação de
riscos ambientais e, como resposta jurídica, cuja ilicitude ocorre a partir da juridicização da
noção de prevenção em sentido amplo, que abrange os princípios da prevenção (riscos
concretos) e da precaução (riscos abstratos)309. Assim, tanto a prevenção quanto a
precaução constituem medidas antecipatórias com objetivo de evitar o dano, projetando-se
para o futuro, diferentemente da reparação que se refere ao passado, atuando depois do
acontecimento do dano. A diferença entre precaução e prevenção está na antecipação de
riscos potenciais e riscos provados, respectivamente310.
A prevenção lato sensu faz a intermediação entre o risco e decisão a ser tomada, entendida
como uma preparação contra danos futuros não seguros (contingência), buscando que a
probabilidade de ocorrência ou a dimensão dos possíveis danos sejam diminuídas. Essa
diferenciação entre prevenção e precaução pode ser utilizada como resposta diferenciada
para a gestão dos riscos industriais e pós-industriais, respectivamente311.
Mas diversas são as concepções da definição e abrangência do princípio da precaução.
Para José Rubens Morato Leite312, com base no princípio da precaução, sempre que houver
perigo da ocorrência de um dano grave e irreversível, a ausência de certeza científica
absoluta não deverá ser como razão para adiar a adoção de medidas eficazes com objetivo
de evitar a degradação ambiental. Ao comparar a precaução com a prevenção, o autor
afirma que, no segundo caso exige que os perigos comprovados sejam eliminados, já na
precaução, exige-se que a eliminação de possíveis impactos danosos ao ambiente seja
realizada antes do estabelecimento científico do nexo causal entre a atividade e o dano,
provável ou concreto313.
Na concepção trazida por Teresa Ancona Lopez314, o princípio da precaução, como princípio
jurídico tem como objetivo realizar os valores do naeminem laedere315, da prudência e da
307
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental, p. 28.
Segundo Teresa Ancona Lopez308, é essencial definir a natureza do chamado princípio da precaução no âmbito do Direito,
considerando que o modo de atuação e abrangência dessa concepção jurídica resultará na sua inclusão ou não na sistemática
de responsabilidade civil como modo de antecipação de riscos futuros. Com esse objetivo é importante defini-lo como princípio
ou como standard jurídico. A autora define princípios jurídicos como diretrizes gerais e básicas que fundamentam e dão
unidade a um sistema jurídico. Ao passo que standard jurídico é o fenômeno dos modelos gerais de comportamento social
juridicamente relevantes. (LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil, p. 90-95).
309
Segundo Sidney Guerra, embora a finalidade última dos princípios da prevenção e da precaução seja a proteção e
preservação do meio ambiente, ambos têm sido tratados pela doutrina de maneira distinta. Nessa distinção, o princípio da
precaução é aquele que determina que não se produzam intervenções no meio ambiente antes de que se tenha a certeza
sobre os danos que poderão ser causados, enquanto a prevenção aplica-se aos impactos ambientais já conhecidos e que
sobre os quais se tenha um histórico de informações. (GUERRA, Sidney. Direito internacional ambiental. Rio de Janeiro: Maria
Augusta Delgado, 2006, p. 82).
310
LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil, p. 101.
311
CARVALHO, Délton Winter. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental, p. 70-71.
308
312
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo, extrapatrimonial. 2ª ed., rev., atual. e ampl. São
Paulo: RT, 2003, p. 46-47.
313
Essa concepção do princípio da precaução é adotada também por Marcelo Abelha Rodrigues para quem o princípio da
precaução é adotado quando se pretende evitar o risco mínimo ao meio ambiente, nos casos de incerteza científica quanto à
sua degradação, prevenindo um risco futuro. (RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições de direito ambiental. Vol. I (parte
geral), São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 150).
314
LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil, p. 95-96.
175
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
segurança e estabelece diretrizes normativas com intuito de se evitarem danos, com a
apreciação dos riscos possíveis para que o pior não aconteça individualmente e
socialmente. Para tanto é necessário, diante do quadro examinado, apreciar possíveis
danos, examinar as fontes científicas, políticas, econômicas, sociológicas, éticas,
estatísticas, com a utilização, ainda, dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade316,
analisando o tempo e no espaço em que se apresenta a situação examinada, percebendo a
necessidade da aplicação da precaução nesses termos.
Nesse contexto, defende Lopez317, ―que o princípio da precaução vai se aplicar a todas as
questões que dizem respeito à segurança social e a do cidadão‖, em especial às situações
nas quais os eventuais danos serão observados em longo prazo, depois da ocorrência de
algum acidente ou após o consumo de algum produto alimentar, químico ou farmacêutico.
Da mesma forma, o princípio deve ser aplicado em situações de dúvida fundada na
incerteza de existência de um risco maior que aquele tido como possível, sempre nas
situações em que a ciência não consiga dar um parecer definitivo sobre o tema.
A adoção do princípio da precaução, da mesma forma que sua definição, não é unânime na
doutrina. Essa controvérsia é centrada na abrangência da precaução em face dos prejuízos
sociais, econômicos e políticos decorrentes de sua aplicação sempre que não houver a
certeza científica sobre a segurança plena de empreendimentos e produtos e,
consequentemente, a não adoção de novas tecnologias e implantação de novos
empreendimentos. Ainda, há controvérsia acerca de sua aplicabilidade como princípio
jurídico, com base em uma série de argumentos que se verão a seguir.
No primeiro caso, tem-se a observação de Paulo de Bessa Antunes, para quem um aspecto
do princípio da precaução tem sido pouco ressaltado. Essa perspectiva se encontra no fato
de que prevenir riscos ou danos importa na escolha de quais desses se pretende prevenir e,
por outro lado, quais deles se aceita suportar. O ideal seria, conforme o autor, que essa
escolha fosse racional, aceitando o menor em detrimento do maior. A dificuldade que se
encontra é devida em face de que a percepção dos riscos nem sempre está relacionada
com o risco real e a escolha é feita com base nessa percepção e não no risco real,
afastando muitas vezes a racionalidade da decisão. Isso se traduz na prática de análise pelo
chamado cenário do pior caso, que seria uma probabilidade e é transformado em dano atual
para fins da decisão, o que, na opinião do autor, não é racional318.
Antunes afirma ainda que um dos pontos centrais em defesa da aplicação maximalista do
princípio da precaução é a equidade intergeracional319, no sentido de que as ações
presentes devem ser pautadas por um comportamento ético, em prol das próximas
gerações em relação ao meio ambiente. O autor critica esse entendimento com base no
argumento de que não se tem a capacidade de previsão do futuro e, consequentemente, do
pensamento das gerações vindouras quanto às decisões tomadas na atualidade, inclusive
315
Conforme Sérgio Cavalieri, a partir do Direito Romano tem-se a presença ou a concepção de um dever geral de não
prejudicar ninguém, expresso na máxima naeminem laedere. Dito de outra forma, o Direito deve defender aquele que foi
prejudicado, sendo um dever geral de conduta nas relações jurídicas a manutenção das condições acordadas, sem que uma
das partes cause prejuízos à outra. (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 2ª ed. rev. aument. e
atual. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 19).
316
Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello acerca do princípio da razoabilidade: ―Vale dizer: pretende-se colocar em claro
que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas – e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis -, as condutas
desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam
atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei
atributiva da discrição manejada‖. O mesmo autor assim se refere ao princípio da proporcionalidade: ―Sobremodo quando a
Administração restringe situação jurídica dos administrados além do que caberia, por imprimir às medidas tomadas uma
intensidade ou extensão supérfluas, prescindendas, ressalta a ilegalidade de sua conduta. É que ninguém deve estar
obrigado a suportar constrições em sua liberdade ou propriedade que não sejam indispensáveis à satisfação do interesse
público. [...] Donde, atos desproporcionais são ilegais e, por isso, fulmináveis pelo Poder Judiciário, que, sendo provocado,
deverá invalidá-los quando impossível anular unicamente a demasia, o excesso detectado‖. (MELLO, Celso Antônio B. de,
Curso de direito administrativo. 22ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 105-107).
317
LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil, p. 102.
318
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental, p. 31-32.
319
Morato Leite define a questão da equidade ou justiça intergeracional como sendo a proibição dada a uma geração ―de
desperdiçar aquilo que recebeu e menos ainda de degradar e comprometer o direito das gerações futuras, no que concerne
aos recursos ambientais‖. (LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo, extrapatrimonial, p. 24).
176
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
com dúvidas acerca do que será o próprio futuro e a complexidade de se prevenir o que
ainda não ocorreu320.
Para solução desse impasse o autor defende a criação de um conceito operacional para o
princípio da precaução, evitando sua aplicação com base em abstrações e imputar-lhe
racionalidade, evitando a insegurança jurídica advinda de sua interpretação diferenciada
conforme entendimento dos diversos atores sociais e políticos envolvidos. Uma hipótese,
utilizada pela União Européia, seria estabelecer diretrizes para aplicação do princípio,
envolvendo análises econômicas, sociais e políticas. Assim, o estabelecimento de diretrizes
legais para sua aplicação traria benefícios àqueles que devem aplicar o princípio e para
aqueles aos quais o princípio é direcionado, resguardando a segurança jurídica dos
envolvidos321.
A gestão de riscos abstratos está vinculada a uma metodologia transdisciplinar que fomente
a interação entre as diversas áreas de conhecimento envolvidas, como o direito, a ciência, a
política e a economia, sendo que desse diálogo resulte a aplicação do princípio da
precaução para avaliar a probabilidade de ocorrência desses riscos, sua provável magnitude
e irreversibilidade. A aplicação do princípio da precaução não significa necessariamente a
inação. Ao contrário, representa o emprego de novos produtos e tecnologias, para os quais
a ciência não apresenta ainda certeza de sua segurança, de forma controlada e
documentada322.
Na mesma linha de raciocínio, Teresa Ancona Lopez323, indica que a aplicação do princípio
da precaução deve ser avaliado dentro de um determinado momento social, econômico ou
político, assim como devem ser calculados os riscos/benefícios e os custos sociais de sua
implementação. Ressalta a autora que o princípio pode ser uma ―arma perigosa nas mãos
de demagogos e políticos populistas‖, levando empresas que geram progresso e
crescimento ao país, bem como empregos e benefícios sociais a encerrar suas atividades
sob acusação de falhas no gerenciamento de seus riscos por não adotarem medidas de
segurança preventivas.
Em síntese, como norma jurídica, o princípio da precaução, se não aplicado quando
necessário, dará razão à atuação do Direito com sua força coercitiva, sancionando as ações
por meio da obrigação de indenizar ou de outras medidas de sanção para aqueles que não
se desincumbiram do dever de prevenir ou evitar o dano. Da mesma forma, o Direito atuará
coercitivamente se e quando o princípio da precaução não for corretamente aplicado,
também ensejando a responsabilização e punição dos agentes324.
6 A CONGRUÊNCIA DA ECONOMIA E DO DIREITO
Quando tratou-se acima de temas como mercado, produção, riscos e probabilidades, sendo
que a atuação dos agentes econômicos, em especial no que se refere aos impactos da
produção e do consumo sobre a natureza325. Nesse contexto, o homem em sua
individualidade e a sociedade como coletividade possuem relação de extremos para com a
natureza, sua utilização e preservação.
Em sua relação com a natureza como fonte de recursos para a reprodução capitalista, aqui
inclusos os conceitos de extração, produção e comercialização de produtos transformados e
disponibilizados no mercado de consumo, percebe-se claramente o atrito decorrente da
necessidade de produção e consumo cada vez mais exacerbado, posicionado na sociedade
de consumo como dito antes. Quanto maior a necessidade de inserir novos produtos no
320
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental, p. 29-31.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental, p. 44-45.
Idem, ibidem.
323
LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil, p. 103.
324
Op. Cit,, p. 96.
321
322
325
Para os fins propostos pelo presente estudo, conceitua-se natureza em sua dupla dimensão, conforme Cristiane Derani, que
define o termo como fonte de recursos que possibilita a reprodução capitalista, mas também como local no qual se insere o
homem para viver e desenvolver suas potencialidades (DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2008, p. 50 e s.).
177
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
mercado, maior será a apropriação de recursos naturais para transformação e maior será a
dispensa de resíduos dessa produção na natureza.
Nesse ponto, se encontram as duas dimensões expostas por Derani, quando o local de
realização da vida da sociedade se depara com a degradação ambiental. E é nesse
ambiente de conflito, o ser humano deve fazer escolhas, tomar decisões no sentido de como
e até que ponto apropriar-se da natureza frente ao modelo social descrito e imposto pela
pós-modernidade.
Parte dessas escolhas, ou dito de outra forma, a liberdade de escolha do homem em
determinada sociedade, está limitada às normas do Direito, em especial para o que
interessa ao estudo, às normas de Direito Econômico326. Assim, o Direito Econômico traduz
a forma que se dá a determinada sociedade em vista do seu complexo de atuação no
campo econômico. É nesse modelo genérico que atua o indivíduo, optando frente o rol de
possibilidade que lhe apresenta o direito e o Estado, portanto.
O panorama assim exposto demonstra um sistema de análise e decisões que são realizados
pelo Estado na produção da norma jurídica e na interpretação/aplicação de tal norma, frente
ao modelo econômico referente à sociedade posta e, também, a realização de análises e
tomada de decisões pelo agente econômico dentro de sua liberdade definida.
Nesse processamento de informações e opções é que se tem a grande contribuição da
Economia327. Através do método de análise econômica é possível sopesar as opções e
tomar a decisão que se apresente a mais correta para os fins propostos, seja inicialmente
pelo legislador ao elaborar a norma, seja em momento posterior pelo julgador quando
aplica-la e, também, pelo agente econômico quando analisa suas opções de investimento,
produção, comercialização e consumo.
CONCLUSÃO
Numa análise introdutória como a proposta, resta comprovada a necessidade do estudo das
questões ambientais, econômicas, jurídicas e sociais sob um enfoque interdisciplinar, não se
admitindo, sob pena de não se alcançar os objetivos de desenvolvimento sustentável
proposto pela Constituição Federal de 1988, a compartimentação do estudo científico sobre
tais temas. Não se trata de defender a supremacia de determinada área de conhecimento
sobre as demais e sim de adotar uma postura que privilegie a complementaridade do
conhecimento científico.
Nesse sentido, Direito e Economia, em especial, devem ser postos lado a lado, em
decorrência da inegável vinculação existente entre ambos. No âmbito das duas ciências,
temas como meio ambiente, qualidade de vida, dignidade humana, desenvolvimento
econômico e social, encontram substrato científico complementar, que analisados em sua
individualidade apenas poderão levar o pesquisador a se afastar da realidade social na qual
se encontram inseridos. A abstração dos modelos econômicos, das previsões quanto á
degradação ambiental e do Direito como dever-ser devem ser trazidas para o mundo do ser,
com suas vicissitudes e especificidades, insertas em determinada realidade social e
histórica com vistas a prover as análises de eficácia, eficiência e praticidade.
Como dito inicialmente, o Direito deve ser dotado de concretude e pragmatismo para
atender ao novo contexto social globalizado, com seus riscos e incertezas, possibilitando a
permanência de sua importância como orientador da vida social e também como
transformador dessa realidade. No caso brasileiro, tem-se no Direito, sob esse novo
enfoque, o instrumento de realização da ordem social prevista e projetada pela Constituição
Federal de 1988, com ênfase no desenvolvimento econômico e social, na proteção ao meio
326
Conforme Derani: ―Direito econômico é a normatização da política econômica como meio de dirigir, implementar, organizar e
coordenar práticas econômicas, tendo em vista uma finalidade ou várias e procurando compatibilizar fins conflituosos dentro
de uma orientação macroeconômica. Em primeiro plano está o funcionamento do todo e não a regulamentação do
comportamento individual‖. (DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. p. 37).
327
Economia entendida aqui como indica Ivo Gico Jr., como a ciência que estuda como o ser humano toma decisões e se
comporta em um mundo de recursos escassos e suas consequências. (GICO JR., Ivo T. Introdução à análise econômica do
direito. In: RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; KLEIN, Vinícius (Coord.). O que é análise econômica do direito: uma introdução.
Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 17).
178
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
ambiente e à sadia qualidade de vida, permitindo aos indivíduos a realização plena de suas
potencialidades, incluindo a presente e as futuras gerações.
Para tanto, não é possível a separação dos aspectos jurídicos, sociais e econômicos da
atuação do Estado, considerado em suas funções primordiais, sendo o responsável,
conjuntamente com a sociedade civil, pela consecução desses objetivos, atingindo a
plenitude do Estado Democrático de Direito.
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COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
LATROCÍNIO: CRIME DOLOSO CONTRA O PATRIMÔNIO OU DOLOSO CONTRA A
VIDA
ANDREA REJEANE DA SILVA328
GIANI KENNETH KELLER TALAVERA329
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
RESUMO
O presente estudo buscou abordar de forma sucinta os aspectos gerais de um crime, a
conduta, o tipo penal, as espécies de crimes. Observou quais são os bens jurídicos que
devem ser tutelados pelo ordenamento jurídico brasileiro, verificou-se quais as sanções
cominadas ao crime de latrocínio. O objetivo é perceber que há um equívoco na tutela ao
bem jurídico, mostrando quais os aspectos relevantes para que a competência para julgar o
crime de latrocínio seja do tribunal do júri e não do juízo singular.
PALAVRAS CHAVES: Vida, Crime, competência.
LARCENY: FELONY WILLFUL AGAINST EQUITY OR AGAINST LIFE
ABSTRACT: The present study sought to address briefly the general aspects of a crime, the
conduct, the offense, the species of crimes. Observed what are the legal interests that must
be protected by Brazilian law, there was what the penalties to the crime of larceny. The
objective is to realize that there is a misconception in legal guardianship to the well, showing
which aspects relevant to that jurisdiction for the crime of robbery is the jury, not the court
singular.
KEY WORDS: Life, Crime, Competence
1.
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem a intenção de demonstrar de forma sucinta o que é um crime de
latrocínio, quais as sanções penais á ele cominadas, qual o bem jurídico tutelado neste
crime e quais as discussões acerca deste tema abrangendo principalmente a competência
para julgar o delito em estudo. Para esse entendimento, se fez necessário uma breve
exposição acerca da teoria do crime e os elementos que a compõe. O estudo do crime
doloso e crime culposo e a composição do crime preterdoloso. Analisou-se a conduta do
agente e o risco em que se coloca na posição de agente causador do resultado danoso.
Para tanto, foram utilizados estudos com base em doutrinadores consagrados no
ordenamento jurídico brasileiro e jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça e Supremo
Tribunal Federal. O estudo tem como principal objetivo levantar questões que, em regra, já
estão pacificadas na doutrina e na jurisprudência, mas que se mostram controvertidas no
que tangem a tutela do bem jurídico, colocando assim em que se pese algumas decisões
quanto a competência pra julgar o crime de latrocínio.
2.
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA TEORIA GERAL DO CRIME
A Lei de Introdução ao Código Penal (Lei 3.914/41) em seu artigo 1º considera crime a
infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer
328
Acadêmica de Direito do Centro Universitário Dinâmica das Cataratas, Foz do Iguaçu – PR/ BR.
Membro do grupo de pesquisa científica Hermenêutica e Jurisdição Constitucional.
[email protected]
329
Acadêmico de Direito - UDC, Foz do Iguaçu – PR/ BR. [email protected]
181
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
alternativa ou cumulativamente com a pena de multa. Mas isso não conceitua exatamente o
que vem a ser crime. Eugênio Raúl Zaffaroni conceitua crime como teoria do delito, sendo ―a
parte da ciência do direito penal que se ocupa de explicar o que é delito em geral, quer
dizer, quais são as características que devem ter qualquer delito‖. 330 Para Luiz Régis Prado
―o delito é uma construção fundamentalmente jurídico-penal, envolve um conjunto de
ciências (naturais e humanas), devendo ancorar-se principalmente sobre a prevenção e, em
casos de necessidade, sobre a repressão das violações ao bem jurídico tutelados‖.331 Para
Guilherme de Souza Nucci a conduta criminosa é qualificada pela sociedade que reserva as
condutas ilícitas mais gravosas e que merecem mais rigor punitivo. Depois cabe ao
Legislador classificar a conduta como um delito. 332
2.1. CONCEITO DE CRIME
O crime pode ser conceituado sob os seguintes aspectos:
A.
Material: toda conduta ético-socialmente desvalorada, violadora de um bem jurídico
de fundamental importância. O legislador considera um valor político-social para eleger uma
conduta criminosa buscando as razões sociológicas do crime.
B.
Formal: crime é toda conduta que a lei descreve como violadora de uma norma e
corresponde a esta uma pena. Na realidade o conceito formal é fruto do conceito material,
pois quando a sociedade entende que uma determinada conduta (desvalor moral) deve ser
criminalizada, leva sua demanda ao legislativo, que aprova uma lei e formaliza a conduta.
Em realidade com o princípio da legalidade, para o qual, não há crime sem lei anterior que o
defina, nem pena sem lei anterior que a comine.333
C.
Analítico ou Estratificado: espécie de conceito formal, pois define o crime por parte
de uma conduta descrita na lei. É aquele que busca, sob um prisma jurídico, estabelecer os
elementos estruturais do crime, propiciando a correta e mais justa decisão sobre a infração
penal e seu autor, fazendo com que o julgador ou intérprete desenvolva o seu raciocínio em
etapas, por isso, estratificado.334 Sob esse ângulo crime é toda conduta típica, ilícita e
culpável.
Este conceito analítico de que crime é uma conduta típica, ilícita e culpável é o adotado pelo
ordenamento jurídico brasileiro. Verifica-se primeiro se a conduta praticada é típica, ou seja,
se o agente com sua ação violou um bem jurídico tutelado pelo Direito Penal. Segundo, se
sua conduta é ilícita, ou seja, se é contrária à norma. E, por fim se é culpável, se o agente
agiu com dolo ou com culpa. Quando encontrado todos os elementos, fato típico - ilícito e
culpável têm se o crime.
2.2. CONDUTA
O homem quando atua seja no intuito de realizar uma conduta, ou quando deixa de fazê-lo
dirige-se sempre há uma determinada finalidade. Conduta é sinônimo de ação e de
comportamento humano. Compreende qualquer ato humano comissivo ou omissivo,
podendo ainda ser dolosa, quando o sujeito assume o risco de produzir o resultado ou
culposa, quando sujeito infringe o seu dever de cuidado, atuando com negligência,
imprudência ou imperícia.335 O ordenamento brasileiro adota a teoria finalista da ação, onde,
ação é um comportamento humano e voluntário, dirigido a uma finalidade qualquer. Quando
um sujeito decide praticar um crime sua ação é composta por duas fases, quais sejam:
A.
Uma interna, onde o agente cogita a prática do crime, escolhe os meios necessários
e por fim pensa nos efeitos possíveis de sua conduta. Esta fase não é punível, pois se
passa apenas na cabeça do agente e ninguém pode ser punido por cogitação.
B.
E, uma externa, onde o agente coloca em prática tudo aquilo que arquitetou
mentalmente, procedendo a uma realização no mundo exterior, ou seja, o resultado. Nesta
330
GRECO, Rogério de Souza, Apud, ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal, Parte Geral. 2009, p. 137
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro., 2005, p. 252.
332
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, Parte Geral. 2009, p. 160.
333
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, Parte Geral2009, p. 161.
334
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Parte Geral. 2011, p. 134.
335
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Parte Geral. 2009, p. 151.
331
182
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fase, colocando os meios executórios em prática e direcionando para sua finalidade, o
agente poderá ser punido.
2.3. TIPO PENAL
Tipo Penal é a descrição abstrata de uma conduta, tratando-se de uma conceituação
puramente funcional, que permite concretizar o princípio da reserva legal (não há crime sem
lei anterior que o defina).336 A principal função do tipo penal é limitar aquilo que é lícito e o
que é ilícito, delimitando, aquilo que o sujeito pode praticar e o que é vedado pela norma e
que, se transgredi-la estará se sujeitando a sanção que o tipo penal comina. O artigo 121do
Código Penal preceitua "Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos".
Assim, aquele que praticar a conduta descrita no tipo, qual seja, matar alguém, estará
desobedecendo a norma legal e automaticamente se sujeitando a punição. Essa conduta
deve se amoldar exatamente na descrição da norma, sob pena de incorrer em outro crime
ou em crime algum. A isso se da o nome de subsunção do fato à norma, para que
principalmente, àquele que violou a norma penal, tenha a garantia de que será acusado tão
somente se a sua conduta estiver subsumida no fato descrito como crime. Amoldada a
conduta do agente ao tipo penal, temos que, o agente praticou um fato típico e ilícito.
2.3.1. DIFERENÇA ENTRE CRIME DOLOSO E CRIME CULPOSO E O
RECONHECIMENTO DO CRIME PRETERDOLOSO
Quando se tratou da conduta no item 2.2 verificou-se que o agente pode praticar uma
conduta dolosa ou culposa. Neste item compete descrever num primeiro momento o crime
doloso, quando o agente direciona sua ação para uma finalidade determinada.
A.
CRIME DOLOSO
Para o nosso ordenamento jurídico pratica o crime doloso aquele que, diretamente, quis o
resultado, bem como aquele que, mesmo não o desejando de forma direta, assumiu o risco
de produzi-lo.337
Neste sentido, é possível observar que o dolo se desdobra, sendo possível que ocorra em
momentos diferentes. O primeiro, dolo direto, onde o agente teve a intenção efetivamente de
produzir o resultado, conduziu sua consciência e vontade, manipulou os meios, desejou que
o resultado ocorresse de forma plena, anteviu, arquitetou. No segundo, dolo eventual, na
lição de Nucci ―é a vontade dirigida a um resultado determinado, porém vislumbrando a
possibilidade de ocorrência de um segundo resultado, não desejado, mas admitido, unido ao
primeiro. Por isso a lei utiliza o termo ―assumir o risco de produzi-lo‖. Nesse caso, o agente
não quer o segundo resultado diretamente, embora sinta que ele possa se materializar
juntamente com aquilo que pretende, o que lhe é indiferente‖.338 Para que ocorra o dolo
eventual, não basta a simples representação mental é preciso que o agente ao mentalizá-lo
aceite-o como possível e não se importe com a sua ocorrência. Essa situação é um ponto
de relevante discussão no direito penal, pois como a visualização do possível resultado se
passa dentro da cabeça do agente, se torna difícil mensurar em que momento ele aceitou o
risco, ou, se pensou que o resultado poderia não ocorrer. É uma linha muito tênue, pois, se
considerar que o resultado era meramente possível ou que acreditou que ele não ocorreria e
se, caso ocorresse o agente poderia evitá-lo, teríamos a culpa consciente, o que poderia
caracterizar o delito como culposo.
B.
CRIME CULPOSO
O crime culposo também é uma ação (comissiva ou omissiva), dirigida á uma finalidade. O
agente pensando na finalidade desejada, quase sempre lícita, não emprega o devido
cuidado ao realizar suas ações, agindo com imperícia, imprudência ou negligencia. O crime
culposo, na lição de Paulo José da Costa Junior ―a finalidade endereça-se a um resultado
juridicamente irrelevante. A ação culposa caracteriza-se por uma deficiência na execução da
336
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, Parte Geral. Ed. 5º, 2009, p. 183.
337
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Parte Geral. Ed 11º, 2009, p. 189.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, Parte Geral. Ed. 5º, 2009, p. 221.
338
183
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
direção final. E esta deficiência se deve ao fato de a orientação dos meios não corresponder
àquela que deveria em realidade ser impressa para evitar lesão ao bem jurídico‖.339
Para que seja configurado o crime culposo são indispensáveis alguns requisitos, quais
sejam: a) conduta humana voluntária, comissiva ou omissiva: com sua ação o agente da
causa á um resultado não desejado; b) inobservância de um dever objetivo de cuidado: o
agente deixou de seguir as regras básicas e gerais de atenção e cautela, exigíveis de todos
que vivem em sociedade; c) resultado lesivo não querido, ou assumido: o resultado jamais
tenha sido pensado ou assumido pelo agente; d) nexo de causalidade: a conduta do agente
e a falta do dever de cuidado deram causa ao resultado lesivo; e) previsibilidade: qualquer
ser humano poderia prever o resultado lesivo; f) tipicidade: a conduta praticada deve ser
tipificada como culposa.
A principal diferença entre o crime doloso e o crime culposo está na vontade do agente. No
crime doloso o agente quer realizar a conduta tipificada, ele se dedica a execução dos atos
para que chegue ao resultado esperado. No crime culposo o agente deseja outra coisa que
não praticar um ato ilícito, a finalidade dele é outra mas, por agir sem o devido cuidado, não
imprimindo atenção necessária, a ação que realiza acaba infringindo a norma e cometendo
um ato ilícito. Importante observar que a regra do Código Penal Brasileiro é que todo crime é
doloso, sendo culposo apenas àqueles em estiver expressamente previsto no tipo, nos seus
parágrafos ou no seu capítulo.
C.
CRIME PRETERDOLOSO
Para o entendimento do crime preterdoloso se faz necessário que antes se saiba o que é
um crime qualificado pelo resultado, pois aquele é uma espécie deste. O eminente penalista
Guilherme de Souza Nucci conceitua crime qualificado pelo resultado como ―delitos que
possuem um fato-base, definido e sancionado como crime, embora tenham, ainda, um
evento que os qualifica, aumentando-lhes a pena, em razão da sua gravidade objetiva, bem
como existindo entre eles um nexo de ordem física e subjetiva‖.340 Por exemplo, quando
ocorre uma violência grave (fato-base), e sobrevém o resultado morte da vítima, está-se
diante de um crime qualificado pelo resultado, cuja pena é maior que a prevista para o fatobase.
No crime preterdoloso o agente agiu com dolo no delito-base, mas adveio um resultado
posterior, mais gravoso o qual o agente não pretendia, sendo este culposo. Neste caso o
agente responde pelo delito-base dolosamente e pelo resultado culposo posterior. O artigo
19 do Código Penal estabelece que, pelo resultado que agrava especialmente a pena, só
responde o agente que tiver ao menos causado culposamente. Assim, o crime preterdoloso
é caracterizado por admitir somente o dolo na conduta antecedente e a culpa na conduta
conseqüente. Ainda, o eminente jurista preleciona que para que seja caracterizado crime
preterdoloso exigi-se que o interesse protegido seja o mesmo, tanto na conduta
antecedente, como na conseqüente – ou pelo menos do mesmo gênero. Tal situação
poderia ocorrer, com exatidão, na lesão corporal seguida de morte, mas não no roubo
seguido de morte, por exemplo.341
2.4
TUTELA AO BEM JURÍDICO TUTELADO
O Direito Penal atua como ultima ratio, ou seja, quando nenhum outro ramo do direito se
mostra eficaz na proteção do bem jurídico, o Direito Penal vem em seu favor como órgão
máximo de representação do Estado, já que é este que possui o jus puniendi. A proteção ao
bem jurídico é essencial para a coexistência e o desenvolvimento do homem. E, deve
sempre estar em compasso com o quadro axiológico da Constituição e com os princípios do
Estado Democrático Social de Direito.342 A Constituição Federal Brasileira traz
exemplificativamente no seu artigo 5º e em outros dispositivos espalhados pelo próprio texto
constitucional alguns bens jurídicos à que o Direito Penal deve tutelar com mais eficácia
como o direito à vida, à igualdade, à liberdade, à segurança, à propriedade, à dignidade da
pessoa humana, à presunção de inocência, direito à um devido processo legal, entre outros.
339
GRECO, Rogério. Apud COSTA JUNIOR, Paulo José da. Manual de Direito Penal, Parte Geral., 2009, p. 201.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, Parte Geral., 2009, p. 235.
341
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, Parte Geral., 2009, p. 235, 236.
342
PRADO, Luiz Régis do. Curso de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral., 2004, p. 266, 267.
340
184
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Destarte lembrar que, cabe ao legislador elevar a máxima proteção determinado bem
jurídico, a partir de um juízo social de valor, servindo de direção a própria constituição,
assim, é possível dizer que o bem jurídico é tutelado antes, de forma ampla pela norma
constitucional e de forma estrita pelo direito penal e legislações especiais.
2.5
ESPÉCIES DE CRIMES
Seguem as espécies de crimes consideradas mais importantes, com base na classificação
de Guilherme de Souza Nucci:
2.5.1. Crimes comuns e próprios
São considerados comuns os delitos que podem ser cometidos por qualquer pessoa (ex.
homicídio, furto, roubo); são próprios aqueles que podem ser praticados por determinadas
pessoas (ex. mãe que comete infanticídio, o enfermo no contágio venéreo.
2.5.2. Crimes instantâneos e permanentes
Crime instantâneo é aquele cuja consumação ocorre em um só instante, sem continuidade
temporal (homicídio, furto, roubo); são permanentes os que se consumam com apenas uma
conduta, mas a situação ilícita se prolonga no tempo até quando queira o agente (ex.
seqüestro, cárcere privado).
2.5.3. Crimes comissivos e omissivos
Comissivos são os cometidos por intermédio de uma ação (ex. estupro); omissivos são os
praticados por uma abstenção (ex. omissão de socorro).
2.5.4. Crimes formais e materiais
Crimes formais são aqueles que a lei descreve uma ação e um resultado, mas a redação do
dispositivo deixa claro que o crime consuma-se no momento da ação, sendo o resultado
apenas mero exaurimento (ex. extorsão mediante seqüestro, o crime esta consumado no
exato momento em que a vitima for seqüestrada, sendo a obtenção do preço mero
euxarimento); crime material é aquele em que efetivamente possui um resultado, e que sem
a sua ocorrência caracteriza apenas tentativa (ex. furto, se a res foi retirada da esfera de
vigilância e proteção da vitima, consuma-se o delito e restará tentado quando o agente não
prosseguir por circunstâncias alheias á sua vontade).
2.5.5. Crimes de Dano e de perigo
Crime de dano são os que pressupõem uma efetiva lesão ao bem jurídico tutelado (ex.
homicídio, furto); crime de perigo são aqueles que se consumam com a mera situação de
risco a que fica exposto o objeto material do crime (ex. rixa, crime de periclitação da vida e
da saúde).
2.5.6. Crimes simples e complexos
Crimes simples são os que protegem apenas um bem jurídico (ex. no homicídio, protege-se
a vida); crimes complexos são que tutelam dois ou mais bens jurídicos ou quando um tipo
penal funciona como qualificadora de outro (ex. latrocínio, roubo qualificado pela morte,
tutela dois bens jurídicos, o patrimônio e a vida)
3
ANALISE SISTÊMICA DO TIPO PENAL DESCRITO NO ART. 157, §3º, DO
CÓDIGO PENAL
O crime previsto no artigo 157, §3º, do Código Penal, é o delito de roubo qualificado pela
lesão corporal grave (1ª parte) e o delito de latrocínio, roubo qualificado pela morte (2ª parte)
in verbis:
Art. 157 (...)
§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze
anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da
multa. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996) Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90
No presente estudo, analisou-se os aspectos referentes ao crime de latrocínio (157, §3º, 2ª
parte). O crime de latrocínio como visto acima, ocorre quando do emprego de violência física
contra a pessoa, com o fim de subtrair a res, ou para assegurar a sua posse ou a
impunidade do crime, decorre morte da vítima.343 Foi elevado à categoria de crime hediondo
343
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Legislação Penal Especial, , 2011, p. 205.
185
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
tipificado na Lei 8.072/90, por entender o legislador que se tratava de um delito que causava
grande clamor social, um desvalor da vida em detrimento de uma coisa. A morte pode ser
contra o titular da coisa, contra quem a possua ou contra terceiro. E por se tratar de crime
qualificado pelo resultado, a morte pode resultar de dolo ou de culpa. É um crime complexo,
formado pelo delito de roubo e o delito de homicídio. A pena de reclusão é de 20 a 30 anos.
Por se tratar de um crime autônomo, principalmente pela posição em que se encontra no
código, não incide as causas de aumento de pena do artigo 157, §2º. Ainda, só será
considerado o crime de latrocínio se houver morte contra quem foi empregado a violência,
não recaindo essa conduta sob um membro do grupo que esteja praticando a conduta,
assim, por exemplo, num roubo onde haja confronto com a polícia um dos agentes falece,
não há que se falar em latrocínio. O latrocínio por ser tratar de um crime de resultado, é
admitido na forma tentada. Em verdade houve muita discussão jurisprudencial e doutrinária
sobre o assunto, quando o latrocínio restaria tentado? O STF editou a súmula 610 e
determinou que se á morte, independente do agente conseguir a subtração da coisa o
latrocínio resta consumado, se a vitima fica ferida, o latrocínio resta tentado. Assim, doutrina
e jurisprudência convencionaram o seguinte: a) havendo subtração patrimonial consumada
e morte consumada, teremos latrocínio consumado; b) havendo subtração patrimonial
consumada e morte tentada, teremos latrocínio tentado (art. 157, §3º, 2ª parte, c/c o art.
14,II); c) havendo subtração tentada e morte consumada, teremos latrocínio consumado
(Súmula 610 do STF); d) havendo subtração patrimonial tentada e morte tentada, teremos
latrocínio tentado (art. 157,§3º, 2ª parte, c/c o art. 14, II).344
A competência para julgar o crime de latrocínio é do juízo singular, súmula 603, STF. Segue
abaixo algumas decisões advindas dos tribunais acerca do tema acima exposto:
EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime. Qualificação jurídica. Condenação
por latrocínio tentado. Subtração consumada. Não consecução da
morte como resultado da violência praticada, mas apenas de lesão
corporal grave numa das vítimas. Dolo homicida reconhecido pelas
instâncias ordinárias. Impossibilidade de revisão desse juízo factual
em sede de habeas corpus. Tipificação conseqüente do fato como
homicídio, na forma tentada, em concurso material com o crime de
roubo. Submissão do réu ao tribunal do júri. Limitação, porém, de
pena em caso de eventual condenação. Aplicação do princípio que
proíbe a reformatio in peius. HC concedido para esses fins. STF, HC
91585 RJ, Relator Ministro Cesar Peluso, 2ª Turma. Julg.
16/09/2008. 345
EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. SENTENÇA
CONDENATÓRIA.
OMISSÃO.
INEXISTÊNCIA.
CONCURSO
MATERIAL DE CRIMES. Não é omissa a sentença condenatória que
decide a controvérsia com fundamento em tese contrária à
sustentada pela defesa. Precedente. A cadeia causal relativa ao
crime de roubo rompeu-se quando o paciente desistiu da sua prática.
Restou consumado o crime de constrangimento ilegal em concurso
material com a tentativa de homicídio qualificado. Ordem denegada e
habeas corpus deferido de ofício para anular a sentença
condenatória, a fim de que o paciente seja submetido ao Tribunal do
Júri, observado que, em caso de nova condenação, a pena aplicada
não poderá superar a pena de 11 [onze] anos fixada na sentença
anulada. Anulada a sentença, fica caracterizado o excesso de prazo,
344
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Parte Especial Vol. 2, Ed.11ª, 2011, p. 483.
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2525413
345
186
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
que demanda a expedição de alvará de soltura. STF, HC 97104 SP,
Relator Ministro Eros Grau, 2ª Turma. Julg. 25/06/2009.346
3.4
O BEM JURÍDICO TUTELADO NA CONDUTA DESCRITA NO ART.157, §3º, DO
CÓDIGO PENAL E SUA SANÇÃO PENAL
A posição topográfica do delito do artigo 157, §3º é no Título II, Dos Crimes Contra o
Patrimônio. O que nos leva a entender que o bem jurídico precipuamente tutelado no crime
de latrocínio é o patrimônio. A pena cominada para esse delito é de 20 a 30 anos. A Lei
8.072/90, definiu o latrocínio como crime hediondo, e excluiu anistia, graça, indulto, fiança.
3.5
RECONHECIMENTO DO CRIME COMPLEXO
Crime complexo é o delito que resulta da união de dois ou mais tipos penais autônomos,
configurando um crime mais abrangente. Como exemplo, temos o latrocínio, que é a fusão
do crime de homicídio e de roubo, constituindo uma unidade distinta e autônoma dos crimes
que o compõem, também com pena autônoma. Assim, o agente responde apenas pelo
delito complexo, restando as figuras que o compõem absorvidas.347 O agente ao iniciar sua
conduta de adquirir coisa alheia, se empregar arma ou violência comete o crime de roubo,
se cometer homicídio para adquirir a res, ou, cometendo o homicídio depois, para assegurar
a res, responde pelo delito de latrocínio.
4
PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO NO CRIME DE LATROCÍNIO: UMA VISÃO
CRÍTICA
Num primeiro momento, quando um sujeito comete o crime de latrocínio, ele visa apenas
subtrair coisa alheia, lesar a vitima do ponto de vista patrimonial. No entanto, quando este
agente atenta contra a vida da vitima ou contra um terceiro, está visando tão somente
assegurar a coisa, ou a impunidade, atingindo assim, o maior de todos os bens tutelados, à
vida. A Constituição Federal tutela antes de qualquer bem patrimonial, a vida, pois sem esta,
não há qualquer patrimônio, devendo ser protegida, em qualquer esfera judicial, seja penal,
civil ou trabalhista. Alguns autores entendem que a escolha de qual bem jurídico deva ser
tutelado precipuamente é uma questão de política legislativa e não a efetiva importância do
bem tutelado, é o entendimento de E. Magalhães Noronha e Ranieri. 348Não se deve
esquecer de que, o crime de roubo (crime-fim) é um crime doloso, logo, no instante em que
o agente decide praticá-lo, tem o conhecimento de que sua conduta é ilícita, assim, ao
colocar em prática os meios para executar o crime, assume o risco de produzir um resultado
diferente ou mais gravoso que o anteriormente pretendido, ocorrendo o dolo eventual. No
crime de latrocínio, o agente tinha conhecimento do risco de produzir um resultado mais
gravoso, por isso, há de se questionar, há culpa por ele atingir um resultado mais gravoso?
Outra questão de política criminal é que a competência para o julgamento do latrocínio é do
juiz singular e não de competência do tribunal do júri, esse entendimento é sumulado pelo
STF (súmula 603). Isso ocorre porque apenas os crimes dolosos contra a vida é que são de
competência do Tribunal do Júri como preceitua a Constituição Federal no artigo 5º,
XXXVIII, d, sendo o crime de latrocínio um crime contra o patrimônio, não pode ir ao tribunal
do júri. O latrocínio é crime material e de dano para os dois bens jurídicos tutelados que
englobam o delito, e que comportam a modalidade dolosa para ambos, exigindo apenas o
nexo causal entre o roubo e a morte. No latrocínio, o agente agiu com dolo no crime fim e
assumiu o risco de produzir um resultado gravoso no crime meio. O Supremo Tribunal
Federal, tem entendido que, havendo a morte, o latrocínio estará consumado, independente
da consumação do roubo, nos levando a entender que este tribunal, em se tratando deste
crime valora mais a vida do que o patrimônio. Sendo o objeto de maior valor a vida, agindo o
agente com dolo (direto e eventual) e presentes todos os aspectos objetivos e subjetivos
346
http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14713458/habeas-corpus-hc-97104-sp-stf
http://www.jusbrasil.com.br/topicos/296345/crime-complexo
348
CAPEZ, Fernando. Apud E. Magalhães Noronha. Curso de Direito Penal, Parte Especial. Ed. 11º,
2011, p. 483.
347
187
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
inerentes ao crime, este deveria ser julgado pelo tribunal do júri. Seria possível entender a
questão de política criminal em escolher o juízo singular para julgar o crime em análise, por
aceitar que o crime de latrocínio normalmente causa grande revolta na sociedade de um
modo geral, o que poderia comprometer o julgamento por parcialidade dos jurados, e talvez
por isso, o STF ao estabelecer a sumula 603, entendeu que o juízo singular teria
conhecimento técnico, para julgar de uma forma técnica e mais complexa as ações do
agente e teria mais possibilidade de evitar a impunidade do agente e, de cumprir
principalmente com princípio da imparcialidade que deve ter enquanto representante do
Estado - juiz. Por outro lado, como supra mencionado, existe previsão constitucional de que
os crimes dolosos contra a vida sejam julgados pelo tribunal do júri, portanto, o que falta são
iniciativas políticas de pacificar que, o bem maior a ser tutelado no crime de latrocínio é a
vida, devendo esta ser elevada a máxima tutela.
CONCLUSÃO
No presente estudo analisou-se determinada conduta criminosa, de forma sintetizada – o
latrocínio. Verificou-se, a conduta criminosa e quais os elementos que a compõem. Vimos
que é um crime complexo, material e de dano. Abordamos o crime doloso, o crime culposo e
o preterdolo. De forma sucinta analisamos a teoria do crime e as várias espécies de crime
que consagram o ordenamento jurídico brasileiro. Vimos que no crime de latrocínio o bem
precipuamente tutelado é o patrimônio, o que impede, que o sujeito que o tenha praticado
seja julgado por júri popular. Observamos que a Constituição Federal prima pela tutela da
vida e que por isso, este deveria ser o bem precipuamente tutelado pelo crime de latrocínio.
Devendo assim, ser julgado pelo tribunal do júri, pois é um crime doloso contra a vida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BONFIM, Edilson Mougenot. Curso & Concurso, Direito Penal III – 5. ed. reformulada – São
Paulo: Saraiva, 2010.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, parte especial, vol. 2 – 11. ed. – São Paulo:
Saraiva. 2011.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Legislação Penal Especial, 6. ed. – São Paulo:
Saraiva. 2011.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, parte geral. 11. ed. – Rio de Janeiro: Impetus,
2009.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, parte geral e parte especial, 5. ed. –
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2009.
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, parte geral. 5. ed. rev. – São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais. 2004.
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2525413
http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14713458/habeas-corpus-hc-97104-sp-stf
http://www.jusbrasil.com.br/topicos/296345/crime-complexo
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COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
JESSICA CRISTINA DELLANI349
LUIS FELIPE FRANCO GLANERT SOLEY350
KELLY CARDOSO351
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
RESUMO
A sociedade pós-moderna rege-se por uma ordem sócio-econômica globalizada. A
revolução tecnológica revela que o processo globalizacional apresenta-se de forma
inevitável e impostergável, propiciando mudanças de ordem ideológica, científica,
tecnológica e, sobretudo, econômica, além de promover uma complexidade social dantes
inimaginável.
Esta nova realidade, designada por Ulrich Beck de ―sociedade de risco‖1, apresenta
características bastante peculiares, vez que os riscos sociais são imprevisíveis, indesejados
e de tal envergadura lesiva que coloca em perigo a própria humanidade.
Conclamado a atuar diante destes novos riscos, o direito penal vem sofrendo um processo
de expansão de suas bases e estruturas que acaba por gerar vigorosa tensão com a
concepção programática do modelo penal forjado no Estado Liberal – chamando de direito
penal clássico ou direito penal mínimo – que engloba proposta pautada pela vocação
garantista e restritiva da intervenção penal, nos limites dos axiomas da subsidiariedade e da
última ratio.
O presente artigo analisará as características deste movimento expansionista, confrontandoo com a concepção clássica do direito penal, bem como abordará a proposta apresentada
pela Escola de Frankfurt, referente à criação de um direito de intervenção.
PALAVRAS-CHAVE: Sociedade de risco; Expansão Penal X Direito Penal Clássico; Direito
de Intervenção.
ABSTRACT
The postmodern society is governed by a global socio-economic order. The technological
revolution reveals that the process globalizacional presents so inevitable and postponed,
allowing changes of ideological, scientific, technological, and especially economic, and
promote social complexity unimaginable before.
This new reality, Ulrich Beck called "risk society" 1, has very peculiar characteristics, as
social risks are unpredictable, unwanted and damaging of such magnitude that endangers
humanity itself.Called upon to act in the face of these new dangers, criminal law has
undergone a process of expanding their bases and structures that ultimately generates
tension with vigorous programmatic concept of penal model forged in the Liberal State calling classic criminal law or criminal law minimum - encompassing proposal guided by
vocation garantista and restrictive penal intervention, within the limits of the axioms of
subsidiarity and ultima ratio.
This article will examine the characteristics of this expansionist movement, comparing it with
the classical conception of criminal law, as well as discuss the proposal submitted by the
Frankfurt School, referring to the creation of a right of intervention.
KEYWORDS: CORPORATE RISK; EXPANSION CRIMINAL CRIMINAL LAW CLASSIC X;
RIGHT OF INTERVENTION.
349
Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected]
Acadêmico de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected]
351
Professora no Centro Universitário Dinâmica das Cataratas. E-mail: [email protected]
350
189
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
1. INTRODUÇÃO
O final do século XX e o início do século XXI exibem, de maneira mais veemente, uma nova
forma de poder hegemônico: a globalização. Considerada uma modalidade de poder
captadora por suas características, porém devastadora em suas consequências, a
globalização, nominada por Zaffaroni de poder planetário¹, destaca-se em três momentos
marcantes da história da humanidade: a revolução mercantil ou colonialismo, nos séculos
XV e XVI, a revolução industrial e o neocolonialismo. Em 1991, quase todos os países já
eram independentes nos séculos XVIII, XIX e XX. O fim definitivo da URSS oficializado em
21 de dezembro de 1991, com a criação da Comunidade dos Estados Independentes (CEI),
organização supranacional formada por Rússia, Ucrânia, Bielo-Rússia, Cazaquistão e
Uzbequistão. O fenômeno da globalização marca o período pós-industrial, designado por
Ulrich Beck de ―sociedade de risco‖², regida por um conceito de modernização reflexiva que,
longe de significar uma violenta ruptura do processo de desenvolvimento industrial, significa
a evolução da modernidade simples, irreflexiva e autodestrutiva, em direção à racionalidade
que possibilite a compatibilização dos riscos às garantias individuais e coletivas.
A sociedade industrial é caracterizada pela ignorância, pelo desconhecimento popular
acerca da existência de riscos sócios ambientais. Apesar de sérios, graves e de dimensões
globais, originados pelo processo de desenvolvimento tecnológico impensado, irracional e
imediatista, não constituíam objeto de preocupação pela coletividade. Daí porque é fácil
entender que apenas nesta fase de transição a multiplicidade de problemas que vem à tona
e passa a ser percebida, despontando como novo objeto de preocupação pública, política e
científica, ocasião em que a sociedade industrial, alarmada com os efeitos colaterais do
processo produtivo, de caráter predatório e irracional, é compelida a rever seus princípios de
segurança e cálculo da ponderação custo e benefício.
A teoria da sociedade de risco nasce, pois, com a percepção social dos riscos tecnológicos
globais, refletindo a mudança da estrutura da sociedade e, ao mesmo tempo, o
conhecimento da modernidade e de suas consequências.
A sociedade de risco identifica-se por uma comunidade na qual os riscos produzidos
referem-se a danos de larga envergadura lesiva, não delimitáveis, globais, sistemáticos e,
com frequência, irreparáveis. Promovidos por decisões humanas, atinge todos os cidadãos
e podem ser capazes de exterminar a própria humanidade.
Esses riscos possuem suas causas e origens em decisões e comportamentos humanos
produzidos durante a manipulação dos avanços tecnológicos, ligados à exploração e manejo
de novas tecnologias como exemplo: energia nuclear, engenharia genética e de alimentos,
produtos químicos etc.
¹ Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: RT, 1997.
² La sociedad del riesgo: hacia uma nueva modernidad. Trad. Jorge Navarro; Daniel Jiménez;
Maria Rosa Borras. Madri: Paidós, 1998.
2. A expansão do direito penal diante da globalização e suas consequências
Um novo mundo instaurou-se com o fim oficial da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas URSS. , baseando-se em novas relações econômicas e geopolíticas, que não mais trazia a anterior
marca da divisão Leste-Oeste e nem mais o velho confronto entre o bloco capitalista e o socialista.
Em um contexto novo de realidade, a globalização, impulsionada pela derrubada do obstáculo
socialista, estimulou a formação de blocos econômicos com força da dinâmica capitalista – G7
(Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Japão), grupos dos países ricos,
onde estavam fincadas as raízes e a base de apoio da maior parte dos grandes conglomerados
empresariais do mundo. A maior prova da evolução capitalista foi a posterior inclusão da ex-União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas neste seleto grupo, que passou a chamar-se G8. A
globalização é invocada exaustivamente em discursos políticos, econômicos, culturais, sociológicos e
jurídicos.
190
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Nas palavras de Ulrich Beck, conceituá-la é algo inconstante, mais parece uma tentativa de
pregar um pudim na parede.
A política neoliberal aliada à globalização econômica passa a pressionar os países a reduzir
seus gastos públicos com saúde, educação, previdência social e outras políticas sociais,
significando, para os países desenvolvidos, a desmontagem do Estado de bem-estar social
e para os países dependentes chamados em desenvolvimento, o agravamento geral do
quadro social. Esse fato acentua as desigualdades sociais entre extremos de pobreza para
a maioria e riqueza para um reduzido número de pessoas, ampliando assim, a criminalidade
e a violência sem fronteiras.
2.1 GLOBALIZAÇÃO TENDO COMO RESULTADO A EXPANSÃO DA MISÉRIA,
CRIMINALIDADE E VIOLÊNCIA.
Nesse quadro de profunda desigualdade socioeconômica surgem os imensos mostruários
de pobreza que assola a todos os países. Nos Estados Unidos, por exemplo, principalmente
negros e imigrantes latino-americanos são marginalizados na União Européia, imigrantes
das ex-colônias africanas e asiáticas das antigas potências (Reino Unido, França,
Alemanha).
Assim, a continuação do agravamento da desigualdade e exclusão social certamente
completará a substituição da tradicional distinção entre países desenvolvidos e em
desenvolvimentos pela existência, em cada país, de bolsões de riquezas absolutas e de
miséria absoluta, ou seja, a existência de um Primeiro e de um Terceiro Mundo dentro de
cada país. O processo do capitalismo globalizado mantém um quadro de miséria, guerras,
criminalidade e violência em quase todos os pontos da Terra.
Nesse contexto o mundo moderno tem sido palco de diversos atentados terroristas de
repercussão mundial onde inocentes são trucidados em nome de uma causa política,
religiosa ou cultural. O terrorismo é resultado direto de intolerância vividas pelas populações
e que trazem reflexos diretos sobre as pessoas que, na maioria das vezes estão fora das
diversas discussões ou relações político-econômicas do mundo moderno.
O terrorismo é um aviso: o processo de globalização traz anomalias que devem ser
combatidas e analisadas para que os povos da terra tenham em seus processos de relações
maior integração para que se prolifere a solidariedade e a igualdade.
Desta forma, a globalização afetou o padrão de vida de parte da população. Afirma Jesús
Maria Siva Sánchez que ―(...) os movimentos de capital e de mão-de-obra, que derivam da
globalização da economia, determinam a aparição no ocidente de camadas de
subproletariado, das quais pode proceder um incremento da delinquência patrimonial de
pequena e média gravidade‖. O Professor Catedrático de Barcelona conclui ―como resulta
evidente, essa criminalidade não se diferencia substancialmente da criminalidade
tradicional. Mas sua intensidade e sua extensão se vêem incrementadas pela marginalidade
a que estão relegados aqueles que, dentro das sociedades pós-industriais, vivem à margem
de relações laboratícias estáveis‖.
Todo esse contexto é derivado da política neoliberal aliada à globalização que cria os
bolsões da miséria em todo mundo e incapacita garantir a expansão dos direitos sociais e
de minimizar as desigualdades econômicas no planeta.
Diante desse devastador processo de globalização econômica, inquestionavelmente
aumentaram as desigualdades sociais. Os extremos de pobreza e riqueza subiram,
consequentemente incrementou-se a gama de criminalidade e violência globalizada.
O surgimento de novos delitos (criminalidade econômica organizada, crimes financeiros,
crimes ambientais, crimes ligados à tecnologia, terrorismo, tráfico de armas e pessoas,
espionagem industrial e delitos fiscais) acarretou o aumento de tipos penais sem fronteiras
geográficas, ou seja, praticados em um país atingem outros. Como exemplo, um vazamento
criminoso de petróleo atinge o litoral de mais de um país.
Por certo a globalização está intimamente ligada a este processo de banalização da
violência, eis que organizações criminosas transnacionais impõem sua presença perniciosa
nos grandes centros urbanos através do dinheiro que circula nas atividades ilícitas,
191
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
corrompendo agentes públicos e utilizando o terror como porta-voz para o atendimento de
suas exigências.
O mundo assiste diariamente e em tempo real, cenas de extrema crueldade e violência,
através das quais vidas inocentes são perdidas em combates suicidas. Impossível deixar de
atribuir relevância ao dia 11 de setembro de 2001 como um ato hediondo da mais alta
crueldade. A data pode ser considerada um marco em uma era de instabilidade mundial,
uma vez que, ataques terroristas sem apoio de qualquer Estado, atingiram os símbolos do
capitalismo pós-moderno: duas aeronaves destruíram as torres do World Trade Center,
centro financeiro dos Estados Unidos e outra atingiram parte do Pentágono, centro militar
americano. Além da sombra da destruição e do enorme número de civis mortos neste
trágico episódio, o fato provocou um alerta mundial, em muito alimentado pela mídia, que
incessantemente reproduzia as imagens do que antes era inimaginável.
Com o aumento da criminalidade organizada exacerbam as sanções penais já existentes,
desprezam as garantias processuais com um único e absurdo objetivo, promover a qualquer
custo a eficácia preventiva do poder punitivo estatal, que ao invés de garantir os direitos do
indivíduo, promove o emprego indiscriminado do Direito Penal, como um dos meios
preferidos do Estado-espetáculo.
Nessa esteira, é necessário um novo pensar sobre o Direito Penal, tendo em vista as
enormes transformações trazidas pela globalização e que implicam, também, no incremento
da criminalidade transnacional provocada pelos imensos bolsões de miséria em todo
mundo.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na pretensão de combater a criminalidade, deve-se ter em mente que o crime não é um
tumor, nem uma epidemia, e sim um doloroso problema interpessoal e comunitário. Uma
realidade próxima, cotidiana, quase doméstica. Tratando-se de um problema da
comunidade, que nasce na mesma, e, que deve ser resolvido na própria comunidade, de
forma racional e democrática.
Nada obstante, o tratamento ministrado ao delito vem se mostrando altamente ineficaz.
Onde se contempla o delito com um enfrentamento formal, simbólico e direto entre dois
rivais – o Estado e o infrator -, que lutam entre si solitariamente, como lutam o bem e o mal.
Neste duelo, o grande perdedor é o Estado Democrático de Direito que se vê obrigado a se
curvar frente a interesses oportunistas e eleitoreiros de legisladores inabilitados a discutir
juridicamente e com parcial harmonia a questão criminal.
Imperioso, ao final deste artigo, repisar a assertiva de Thomas Jeffery, segundo a qual
direito penal, mais policial, mais juízes e mais prisões significam mais infratores na cadeia,
porém, não necessariamente, menos delitos.
4 REFERÊNCIAS
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Navarro; Daniel Jiménez; Maria Rosa Borras. Madri: Paidós, 1998.
GOMES, Luiz Flávio; BIANCHI, Alice. O direito penal na era da globalização. São
Paulo: RT, 2002
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito penal econômico como direito penal do
perigo. São Paulo: RT, 2006.
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brasileiro: parte geral. São Paulo: RT, 1997.
Princípio da ofensividade no direito penal. São Paulo: RT, 2002.
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192
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Criminais. São Paulo: RT, n° 05, jan./mar. 1994.
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Ciências Criminais. São Paulo: RT, n° 08, out. 1994.
MOLINA, Antonio García-Pablos de. Criminologia. 2. ed. São Paulo: RT, 1997.
PRITTWITZ, Cornelius. O Direito Penal entre o Direito Penal do Risco e o Direito
Penal do Inimigo. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: RT, n° 47,
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REALE, Miguel. Legislação penal antitruste: Direito Penal Econômico e sua acepção
constitucional. In www.realeadvogados.com.br, acesso aos 24 de janeiro de 2006 às
14:30.
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal. Trad. Luiz Otávio de
Oliveira Rocha. São Paulo: RT, 2002.
193
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
OS “NOVOS” DIREITOS FUNDAMENTAIS E AS DEMANDAS TRANSNACIONAIS EM
RELAÇÃO À SAÚDE. UM OLHAR SOBRE A TRÍPLICE FRONTEIRA
CHARLES NEDEL352
EDSON STORMOSKI LARA353
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
RESUMO
O presente artigo procura demonstrar a conexão existente entre o conceito de ―novos‖
direitos fundamentais e o fenômeno das demandas transnacionais em relação à saúde,
especificamente na região da tríplice fronteira. Fronteira esta peculiar, pois é no lado
brasileiro da fronteira, que serve de base operacional, que se dá o atendimento às
demandas de nacionais moradores em países limítrofes e de transnacionais, sejam
paraguaios ou argentinos. Aborda-se a necessidade de proteção dos ―novos‖ direitos, e que
este processo inicia-se com o detalhamento histórico da especificação dos direitos
fundamentais. Analisa, também, o conceito e as características dos novos direitos
fundamentais transnacionais e a internacionalização destes direitos, aborda-se também a
exigibilidade dos direitos fundamentais sociais diante do princípio da reserva do possível,
bem como estabelece os mecanismos de mitigação destes percalços, estabelecendo que, o
tema saúde nas fronteiras, deveria ser assunto levado à pauta, como uma proposta de bemestar e desenvolvimento e que as iniciativas de saúde nas fronteiras constituem um esforço
para a utilização de sistemas solidários e serviços de saúde compartilhados.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos fundamentais, transnacionalidade e fronteiras.
THE "NEW" FUNDAMENTAL RIGHTS AND BORDER DEMANDS REGARDING HEALTH.
A LOOK ON THE TRIPLE FRONTIER
ABSTRACT
This article seeks to demonstrate the connection between the concept of "new" phenomenon
of fundamental rights and transnational demands regarding health, specifically in the triple
border region. Frontier this peculiar because it is on the Brazilian side of the border, which
serves as the operational base, which gives the national meeting demands of residents in
neighboring countries and transnational, are Paraguayans or Argentines. Addresses the
need for protection of "new" rights, and that this process begins with a detailed history of the
specification of fundamental rights. It also analyzes the concept and characteristics of new
rights and transnational internationalization of these rights, also addresses the enforceability
of fundamental social rights on the principle of reservation as possible, as well establishes
the mechanisms to mitigate these drawbacks, stating that, the health theme borders, should
be brought to the agenda topic, as a proposal for welfare and development and health
initiatives across borders constitute an effort to use the system and supportive health
services shared.
KEYWORDS: Fundamental rights, transnational and borders
352
Professor mestre da Faculdade Anglo-Americano –disciplina Saúde Pública- Médico, especialista em
Dermatologia, especialista em Gestão em Saúde Pública, Mestre em Saúde e Meio Ambiente, e
bacharelando em Direito (6 período) Faculdade Dinâmica das Cataratas; [email protected];
353
Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário Dinâmica das Cataratas
194
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INTRODUÇÃO:
1)
As demandas transnacionais e a evolução dos direitos fundamentais
As demandas transnacionais se justificam a partir da necessidade de criação de espaços
públicos para tratar de questões referentes a fenômenos novos que serão ineficazes se
tratados somente dentro do espaço do tradicional Estado nacional. Estes fenômenos novos
se identificam com os chamados ―novos‖ direitos ou ―novos‖ direitos fundamentais. Para
evitar equívocos de fundo meramente ideológico, certamente que se faz necessário afirmar
que as demandas transnacionais não tratam somente de questões relacionadas com a
globalização econômica, e sim com fundamentais questões de direitos relacionadas com a
sobrevivência do ser humano, como por exemplo o acesso a saúde. A globalização
econômica pode estar na base de algumas questões transnacionais, mas não é sua
principal fonte e fundamentação, a principal justificativa da necessidade de
transnacionalização do direito é a necessidade de proteção do ser humano e dentro dessa
perspectiva também se encontra a proteção de seu entorno natural.(BOBBIO, 1992)
Os direitos fundamentais são um fenômeno da Modernidade, pois as condições para o seu
florescimento se dão no chamado trânsito à modernidade, assim depois do primeiro
processo de positivação que será marcado pelas revoluções burguesas e pela ideologia
liberal, através da história dos dois séculos seguintes os direitos fundamentais irão se
modificando e incluindo novas demandas da sociedade em transformação. Os direitos
fundamentais não são um conceito estático no tempo e sua transformação acompanha a
sociedade humana e conseqüentemente suas necessidades de proteção.(COMPARATO,
2007)
Cabe frisar que na Modernidade os direitos humanos nascem como direitos fundamentais,
ou seja, primeiramente são concebidos como direito interno10, como direitos do cidadão,
mas ainda que direito nacional-interno com ampla vocação e pretensão universal como
direitos do homem genérico, se referindo a todos os seres humanos. O fenômeno da
universalidade dos direitos humanos é diferente do fenômeno da internacionalização dos
mesmos. A universalização é anterior aos mesmos, pois se dá já na construção teórica dos
direitos, ainda como Direito Natural Racionalista, e segue seu curso desde as primeiras
declarações de direitos. (CRUZ, 2009)
Já a internacionalização dos Direitos Humanos é um processo muito mais recente, pois se
dá basicamente como resultado da barbárie da guerra, do desejo do nunca mais da
Segunda Guerra Mundial, com o advento da Organização das Nações Unidas (ONU) e com
a construção de pelo menos três sistemas internacionais de proteção de Direitos Humanos
(ONU, Organização dos Estados Americanos e Conselho da Europa) e tem como marco
documental inicial a fundamental Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948. Não
resta a menor dúvida de que a manutenção da paz e a defesa dos direitos humanos,
objetivos plasmados no art. 1º da Carta de São Francisco de 1945, decisivamente são os
principais motivos da criação da ONU. Da mesma forma que essas foram também as
principais preocupações tanto da Comunidade Interamericana como Européia. Não resta
dúvida que a questão da universalidade do conceito ocidental dos direitos humanos/direitos
fundamentais é
uma discussão prévia ao tema da transnacionalidade dos
mesmos.(AMORIN, 2012)
.
2 - A internacionalização dos direitos fundamentais
A internacionalização dos direitos fundamentais em direitos humanos é um fenômeno ainda
incompleto e para muitos um falido processo de tentativa de internacionalizar a questão.
Sua principal crítica situa-se na falta de um poder coercitivo acima dos Estados e na falta de
homogeneidade entre os países e os seus interesses, que leva a uma carência de
democracia no contexto da Comunidade Internacional: o que deixa infelizmente prevalecer a
situação da tradicional, primitiva e selvagem lei do mais forte que impõe sua vontade. Este
195
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
processo incompleto situa-se exatamente em um âmbito jurídico que carece de um Poder
político que garanta plenamente a eficácia do ordenamento internacional dos diferentes
sistemas de proteção dos direitos humanos, ainda que as tentativas são válidas e muito
interessantes
Os direitos humanos direitos que aspiram à uma validade universal, destinados a todos os
povos e tempos, consubstanciando inequívoco caráter supranacional (internacional)
(SARLET, 1998)
Difícil conceber o Direito sem força, sem coerção. Mesmo assim, inegável é a existência de
um Direito Internacional dos Direitos Humanos, como nos mostra a prática e a jurisprudência
interna e internacional e como admite majoritariamente a doutrina. Não se pode negar a
existência de normas internacionais de direitos humanos, ainda que é facilmente constatado
–exatamente pelos problemas apontados –um absurdo e completo descaso com este
ordenamento muito menos considerado e obedecido que os ordenamentos internos.
A despeito disso, Gonet Branco defende que os típicos direitos fundamentais têm o seu
pórtico no princípio da dignidade da pessoa humana, atendendo à exigência de respeito à
vida, à integridade física e à segurança de cada indivíduo. Nessa medida, parece-se
adequado advogar a tese de que ―os direitos fundamentais, ao menos de forma geral,
podem ser considerados concretizações das exigências do princípio da dignidade da pessoa
humana‖ (MENDES, BRANCO, 2002)
As principais características dos novos direitos, podem estar relacionadas à algumas
questões diferenciadoras dos chamados direitos fundamentais de terceira geração, também
chamados de ―novos‖ direitos. Devido as suas especiais condições, diferentes dos demais
direitos fundamentais como foi visto, os ―novos‖ direitos são: individuais, coletivos e difusos
ao mesmo tempo, por isso considerados transindividuais. São transfronteiriços e
transnacionais, pois sua principal característica é que sua proteção não é satisfeita dentro
das fronteiras tradicionais do Estado nacional. São direitos relacionados com o valor
solidariedade. Requerem uma visão de solidariedade, sem a mentalidade social de
solidariedade não podemos entender os direitos difusos. A tendência lança os olhos para
observar o fenômeno da internacionalização dos Direitos [humanos] fundamentais, que tem
a Declaração Universal dos Direitos Humanos como o seu grande manancial, retratando a
universalidade e a indivisibilidade desses direitos.
O processo de universalização dos direitos humanos descamba na formação de um real
sistema internacional de proteção para eles. E se verifica um sistema global de proteção,
surgem também os sistemas regionais, com o objetivo de internacionalizar os direitos
humanos também nesses planos.(GALINDO, 2002)
3- A exigibilidade dos direitos fundamentais sociais diante do princípio da reserva do
possível
A diferenciação dos direitos fundamentais em gerações (ou dimensões), que os teóricos do
constitucionalismo procuram justificar em razão de elementos históricos, mantém
importância ao passo que demonstram que a evolução desses direitos está intrinsecamente
unida às batalhas havidas no decorrer do alargamento e refuncionalização do Estado
Moderno.
Pode-se afirmar que, além da classificação dimensional (de gerações), se faz necessário
uma abordagem dos direitos fundamentais sob o olhar de um critério funcional, que,
dependendo do mister que é desempenhado no caso concreto, devem ser divididos em (i)
direitos de defesa ou (ii) direitos prestacionais. Concebe Alexy que os direitos de defesa, em
função da liberdade do cidadão, invocam uma certa abstenção do Estado (non facere),
enquanto os direitos prestacionais, por seu turno, demandam uma ação positiva (facere) por
meio do Poder Público. Através dessa bifurcação, é presumível enxergar a predominância
dos direitos sociais como direitos prestacionais, os quais caracterizam, sobremaneira, o
Estado Social, que ao contrário do Estado de defesa, que se contenta com uma abstenção
por parte do Poder Público, marca característica do Estado Liberal, invoca uma conduta
196
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
positiva do Estado, a qual se reveste na prestação de um bem ou de um serviço. (ALEXY,
1993)
Nesse diapasão, Joaquim José Gomes Canotilho define que ―os direitos prestacionais
significam, em sentido estrito, os direitos dos particulares obterem algo por meio do Estado
(educação, saúde, assistência social, entre outros)‖ (CANOTILHO, 1988). Através da douta
análise de Jairo Schäfer (2005), podemos verificar, de forma transparente, como se
desenvolve essa idéia: Nem todos os direitos fundamentais sociais correspondem a direitos
prestacionais.
Dentre eles pode haver típicos direitos de defesa, os quais requerem apenas uma
abstenção estatal, como é o caso dos direitos à liberdade de associação sindical, o direito à
greve etc.
Essa constatação, todavia, não desqualifica a classificação dos direitos fundamentais em
direitos de defesa e direitos a prestações (SCHÄFER, 2005).
A materialização dos direitos sociais fundamentais esbarra em duas situações distintas, a
saber: (i) os limites impostos pelo princípio da separação dos poderes e (ii) a
discricionariedade administrativa. Mas aí não se finda, pois ―existe também a problemática
de natureza econômica, a qual não é presente, de forma tão contundente, nos direitos de
defesa, o que ocasiona reflexos distintos em termos de eficácia e efetividade‖ (CALIENDO,
2008).
Estabelecida a diferença entre os direitos prestacionais e os direitos de defesa, entende-se
que estes, simplesmente por se materializarem com o não fazer por parte do Estado, não
sugerem tantos problemas quando de sua aplicação. Em contrapartida, os direitos sociais
prestacionais, por reivindicarem atividades de fazer por parte do Estado, com o investimento
de dinheiro público, se deparam, não raras vezes, com obstáculos para sua real efetivação.
Dito isto, passemos agora a analisar as possibilidades de efetivação e manutenção desses
direitos prestacionais sociais de que falamos.
O laureado professor e constitucionalista português Gomes Canotilho, nos ensina que a
efetivação dos direitos prestacionais sociais se caracterizaria por quatro situações, a saber:
1ª. gradualidade de realização; 2ª. dependência financeira relativamente ao orçamento do
Estado; 3ª. pela tendencial liberdade de conformação do legislador quanto às políticas
realizadoras destes direitos; 4ª. Pela inuscetibilidade do controle jurisdicional dos programas
jurídicolegislativos, salvo nos casos específicos de inconstitucionalidades[9]
(CANOTILHO, 2004, p. 108).
4- A questão fronteiriça, e a transnacionalidade
Os municípios fronteiriços caracterizam-se por estarem localizados até 10 Km da linha de
fronteira, ao longo dos 15.719 Km de fronteira terrestre brasileira. Essa área abrange 11
estados e 121 municípios, reúne aproximadamente três milhões de habitantes e faz fronteira
com dez países da América do Sul: Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela,
Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai.
No que pertine a questão da saúde em regiões de fronteira, o Brasil através de portaria
(1120/2005) institui o Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras - SIS FRONTEIRAS, com
pó intuito de consolidar e expandir a atuação do Ministério da Saúde no âmbito da área de
fronteiras além da necessidade de se avaliar as ações compartilhadas na área de saúde no
âmbito fronteiriço e de desenvolver um sistema de informação como suporte para um
sistema de cooperação. O sistema esta destinado a integrar as ações e serviços de saúde
nas regiões de fronteira, visando contribuir para o fortalecimento e organização dos
sistemas locais de saúde, além de verificar as demandas e a capacidade instalada bem
como identificar os fluxos de assistência e analisar o impacto das ações desenvolvidas
sobre a cobertura e a qualidade assistencial. Do ponto de vista econômico, visa documentar
os gastos com assistência aos cidadãos e integrar os recursos assistenciais físicos e
financeiros. O objetivo principal do projeto é contribuir para o fortalecimento e a organização
dos sistemas locais de saúde dos municípios fronteiriços. Para isso, faz-se necessário
mensurar diversos aspectos de forma quanti-qualitativamente. Entre eles estão, os aspectos
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sócio-econômicos, geográficos epidemiológicos, sanitários, ambientais e assistenciais.
(BRASIL, 2005)
5Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras- SIS-fronteiras
O Plano Operacional do sistema denominado SIS-fronteira, visa ao levantamento, por parte
da gestão local em parceria com a Universidade Federal do respectivo estado, das metas e
ações para a melhoria dos serviços de saúde nos municípios fronteiriços.
Além da execução do Diagnóstico Local de Saúde e do Plano Operacional, o SIS-Fronteira
também tem como objetivo firmar articulações entre as áreas do Ministério da Saúde, a fim
de levar os principais programas do Governo para a região de fronteira e melhorar os
serviços locais de saúde.
Para nos referirmos à saúde das fronteiras, é necessário resgatar, inicialmente, o próprio
conceito de saúde como ―o completo bem-estar físico, mental e social e não somente a
ausência de enfermidades‖. Isso nos leva a considerar, além da promoção da saúde, da
prevenção das enfermidades e seu tratamento, outros aspectos do bem-estar que têm a ver
com a qualidade de saúde e de vida.
De igual maneira e para entender o desenvolvimento de iniciativas de saúde nas fronteiras,
devesse deixar claro que ―fronteira‖ é um espaço territorial, sociológico e econômico, de
relações de interdependência, de diversas manifestações da vida em sociedade e que é
compartilhada, promovida e executada por grupos populacionais que se estabelecem de um
e outro lado do limite externo dos países e que passam a constituir um mesmo ambiente de
interação no qual criam uma cultura própria de vida, às vezes diferente de cada uma de
suas nações de origem.(TRENKLE, 2004)
Ao nos referirmos à ―fronteira de saúde‖, devemos deixar claramente estabelecido que os
territórios nacionais, com o objetivo de trabalhar iniciativas de saúde nas fronteiras, devem
diferenciar dois aspectos fundamentais: a faixa fronteiriça de saúde e a região fronteiriça de
saúde.
A primeira, faixa fronteiriça de saúde, inclui todos os municípios, províncias ou cidades que
se encontram dentro do território compreendido entre a linha divisória internacional e a linha
paralela orientada a uma distância que cada país define para o interior de seu território. No
caso do Brasil, esta distância é de 100 a 150 quilômetros. Já a região fronteiriça de saúde
se refere ao número de municípios, províncias ou cidades limítrofes entre dois ou mais
países em que se aplicam ações comuns de saúde, em busca do desenvolvimento de um só
sistema de saúde, com serviços compartilhados, sejam de atenção primária, de referência
e/ou de especialidade, incluindo a aplicação de todas as ações de promoção da saúde,
prevenção de enfermidades ou de atenção e assistência ao tratamento e reabilitação à
saúde.
Com esta visão de saúde, de território de fronteira e de iniciativa de saúde, podemos afirmar
que ―saúde na fronteira‖ é uma estratégia política e técnica de desenvolvimento integral que
busca contribuir para o completo bem-estar físico, mental e social das pessoas que povoam
as fronteiras. Objetiva também prevenir enfermidades mais comuns que se apresentam de
forma endêmica e epidêmica, incluindo seu controle e atenção, dado que os vetores dessas
enfermidades não reconhecem limites naturais, políticos ou burocráticos, fazendo da
fronteira um ponto de especial fragilidade e risco. É assim que as iniciativas de saúde nas
fronteiras constituem uma iniciativa de esforço comum para a utilização de sistemas
solidários e serviços de saúde compartilhados.
Para fins de desenvolvimento de ações de saúde nas fronteiras, devemos diferenciar o que
significa a dinâmica da fronteira, já que a fronteira ativa pode ser identificada como o local
em que reconhecemos a existência de vínculos de solidariedade natural entre as
comunidades vizinhas de um e outro lado da linha divisória, pertencentes a diferentes
jurisdições nacionais no limite dos Estados, e que possui uma base demográfica
estabelecida pela somatória de cada uma das populações da fronteira.
Ainda, no território fronteiriço, pode-se identificar outro espaço nos limites do Estado e que,
em geral, não está ocupado nem conta com a mínima infraestrutura, constituindo-se em
espaços vazios e, portanto, não incorporados ao desenvolvimento econômico nem ao social.
Durante as últimas duas a três décadas, período em que as iniciativas de integração
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COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
regional e sub-regional aconteceram mais intensamente, o espaço fronteiriço foi
considerado como território onde podemos e devemos desenvolver ações conjuntas entre
países e consolidar acordos de cooperação bi ou multilaterais, de maneira a permitirmos a
abertura para a integração política e de forma planejada deste espaço, chamado fronteira.
Isso estaria dando crédito ao valor da fronteira, deixando de ser o último dos lugares para
ser o ponto de encontro entre países e a porta de investimento na integração.
Este fenômeno se dá com vistas a superar os desequilíbrios regionais e sub-regionais, por
terem sido as fronteiras, tradicionalmente, espaços marginais, periféricos e carentes de
integração socioeconômica, como resultado da concentração do poder e desenvolvimento
no centro dos países, o que constituiu a formação de correntes centralistas.
Com esta mudança, a iniciativa de desenvolvimento de fronteiras entre países permite criar
um espaço de confiança nos processos de cooperação e integração socioeconômica,
gerando capacidades administrativas, operativas e uma harmonização da gestão no nível
local periférico.
As fronteiras desenvolvidas e trabalhadas com visão de integração permitem aos países
uma verdadeira articulação dentro de iniciativas de contexto internacional em que a
participação bilateral ou multilateral gera espaços compartilhados com programas e projetos
de verdadeira integração e possibilidades de desenvolvimento integral.
O desenvolvimento fronteiriço é, sem dúvida alguma, um processo necessário e inadiável de
incorporação de territórios de fronteira ao patrimônio ativo de cada país, contribuindo de
maneira conjunta ao desenvolvimento de um espaço comum bi ou multinacional
denominado fronteira, com iniciativas que respondam ao desenvolvimento integrado e
sustentável. No caso da saúde e da luta contra a pobreza, não podemos deixar de lado o
território fronteiriço para o avanço de compromissos, objetivos e metas do milênio,
estabelecidas até o ano 2015.
O desenvolvimento das fronteiras deve ser visto como um objetivo e uma estratégia política
e de desenvolvimento econômico e social para dar respostas e soluções ao desequilíbrio
interno do país entre os territórios centrais e periféricos; a dar soluções e diminuir lacunas
de desenvolvimento e bem-estar nas fronteiras, onde as desigualdades e as iniqüidades de
bem-estar e saúde ainda são evidentes, sendo territórios com grande injustiça social e
econômica.
O desenvolvimento sustentável das fronteiras só será possível se são geradas iniciativas
entre países limítrofes, como estratégia fundamental, em ação conjunta com o Estado, como
um todo, e com territórios locais periféricos. Isso permitirá gerar um processo único e
compartilhado de integração e cooperação entre regiões fronteiriças, em aspectos de
desenvolvimento social e econômico, especialmente em saúde, educação, ambiente,
habitação e lazer.
Neste contexto, o asseguramento dos processos de cooperação e integração entre
fronteiras depende da construção de espaços de desenvolvimento social e econômico
capazes de gerar e produzir bens e serviços, com incorporação efetiva de instituições e
indivíduos, constituindo uma força periférica, reconhecida como ―equipes de fronteira‖.
Este intercâmbio deve incorporar os conhecimentos de um e outro país; deve respeitar as
realidades culturais, econômicas e sociais de cada um, buscando equilíbrio nas condições
de bem-estar, saúde e desenvolvimento de ambas as populações de fronteira, com um
amplo respeito à soberania dos países, não obstante de constituir um só território de
interação.
A verdadeira integração se dá quando as equipes de fronteira possam facilitar a
preservação da fronteira, com medidas administrativas que beneficiem a ambos os lados e
busquem harmonizar os processos e estruturas para compartilhamento como bem próprio e
comum.
Não haverá desenvolvimento de saúde nas fronteiras se antes não se consolidam
processos de desenvolvimento fronteiriço integral, entendendo-se este como o componente
principal da dinâmica relação entre povos e grupos humanos próximos geograficamente,
mas pertencentes a dois ou mais Estados.
199
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
A incorporação da fronteira ao verdadeiro patrimônio nacional só se dará se os objetivos são
claros e estratégias específicas de ponta para conseguir o desenvolvimento integral e
sustentável, com incorporação de iniciativas públicas e privadas no campo da infra-estrutura
social, econômica, produtiva, de serviços básicos e, especialmente, de infra-estrutura
sanitária.
Não obstante a dificuldade de implantação do projeto SIS FRONTEIRAS no âmbito local, o
projeto é um passo inicial para o fortalecimento e a organização dos sistemas locais de
saúde dos municípios fronteiriços brasileiros, pois, poderão racionalizar e melhor planejar as
ações de saúde em sua região, priorizando as áreas que necessitam de maiores
incentivos.(GRADILONE, 2004)
CONCLUSÃO
A questão dos direitos fundamentais, ditos como novos, e as demandas em relação à
prestação de serviços na área da saúde para os nacionais ou transnacionais que vivem em
área de fronteira, traz à luz uma discussão que, por vezes, extrapola as questões financeiras
e recaem à esfera dos direitos humanos. Por outro lado, os operadores e gestores dos
municípios fronteiriços enfrentam grandes dificuldades no quesito prestacional, pois de certa
forma são responsáveis por sanar demandas que perpassam situações de outras
competências. Não obstante se ter um mecanismo de mitigação desta situação, com
repasse de recurso federais, os municípios fronteiriços, acabam por suportar as
repercussões de ordem financeira, que inevitavelmente sendo redistributivas, é de se
esperar que haverá preterições em relação aos munícipes nacionais.
A saúde nas fronteiras, deveria ser assunto levado à pauta, como uma proposta de bemestar e desenvolvimento, pois a região fronteiriça, na acepção da palavra, se refere ao
número de municípios, províncias ou cidades limítrofes entre dois ou mais países em que
se deveria aplicar ações comuns de saúde, em busca do desenvolvimento de um só
sistema de saúde, com serviços compartilhados, sejam de atenção primária, de referência
e/ou de especialidade, incluindo a aplicação de todas as ações de promoção da saúde,
prevenção de enfermidades ou de atenção e assistência ao tratamento e reabilitação à
saúde.
Com esta visão de saúde, de território de fronteira e de iniciativa de saúde, podemos afirmar
que ―saúde na fronteira‖ é uma estratégia política e técnica de desenvolvimento integral que
busca contribuir para o completo bem-estar físico, mental e social das pessoas que povoam
as fronteiras. Objetiva também prevenir enfermidades mais comuns que se apresentam de
forma endêmica e epidêmica, incluindo seu controle e atenção, dado que os vetores dessas
enfermidades não reconhecem limites naturais, políticos ou burocráticos, fazendo da
fronteira um ponto de especial fragilidade e risco. É assim que as iniciativas de saúde nas
fronteiras constituem uma iniciativa de esforço comum para a utilização de sistemas
solidários e serviços de saúde compartilhados.
Neste conceito ampla de saúde, é notório que a região trinacional, que engloba as cidades
de Foz do Iguaçu, no lado brasileiro, Porto Iguassu, no lado argentino e Ciudad Del Este,
Hernadarias e Puerto Franco, no lado paraguaio, não dispõe de mecanismos e instrumentos
aptos a oferecer serviços desta natureza sem haver prejuízos prestacionais aos
transnacionais ou mesmo nacionais residentes no exterior mas fronteiriços ao Brasil.
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201
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
PARAÍSOS FISCAIS
LUCIMAR DOS SANTOS OLIVEIRA354
CINTHIA TAVÁRES355
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
RESUMO
Quando se fala em paraísos fiscais, entende-se como países de pequenas proporções e de
poucas opções de renda nos recursos próprios; são especializados na obtenção de capitais
advindos de exterior, os quais são utilizados, por suas malhas bancárias, para realizarem
investimentos em ações ou aplicações do gênero em outros países; oferecem taxas e
impostos baixos ou quase nulos com o intuito de atrair os investidores. Têm ainda a
característica de manterem em sigilo os dados dos titulares de contas, bem como suas
expressivas movimentações; e impacto no mundo, pois atraem investidores de todas as
partes. Não são criteriosos quanto à origem do capital, o que faz com que além de
empresas legais, capitais advindos de tráfico, contrabando, lavagem de dinheiro, sejam
escondidos nestes paraísos. O presente trabalho objetiva uma explanação da sistemática
dos Paraísos Fiscais, que tanto preocupa governantes de diversas nações que procuram
proteger seus capitais. Vale lembrar que não são países corruptos, pois atuam dentro de
suas respectivas normas internas.
PALAVRAS-CHAVE: Sonegação, Evasão, Tributos.
TAX HEAVENS
ABSTRACT
When it comes to tax havens, is meant as small proportions of countries and few options for
income on own resources; specialize in raising capital coming from abroad, which are used
by its meshes bank to make investments in stocks applications or the like in other countries,
offer rates and low taxes or almost null in order to attract investors. It also has the feature of
keeping confidential data of account holders as well as their expressive movements; impact
the world as attract investors from all over. There are insightful as to the origin of the capital,
which causes beyond legal firms, capital arising from trafficking, smuggling, money
laundering, these are hidden paradises. The present work aims at a systematic explanation
of the Tax Havens, who so worries rulers of several nations that seek to protect their capital.
Remember that countries are not corrupt, because they act within their respective internal
rules.
KEYWORDS: Evasion, Evasion, Taxes.
INTRODUÇÃO
Quando se fala em paraíso fiscal, tem-se logo a ideia de praias pomposas, iates, hotéis e
carros de luxo, mansões e muito, muito dinheiro no bolso, e tudo isso, num país diferente
daquele de origem do agente. Porém, o grande sistema vai muito mais além do que a
imaginação traz. O paraíso fiscal tecnicamente é um grande pesadelo que os governantes
enfrentam, pois trata-se de evasões de divisas de foram ludibriosa sem a mínima satisfação,
bem como o recolhimento do fisco.
São localidades com benefícios fiscais sobre a renda de atividades externas ao seu
território. Em geral são países de pequeno porte, ilhas que tiveram sua independência
354
Técnico de Edificações , Acadêmico de Direito - UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil,
[email protected]
355
Guia de Turismo, Acadêmica de Direito - UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected]
202
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
reconhecida por motivo de constituir em paraísos fiscais. Em outros casos são países
continentais ou costeiros, mas sempre de dimensões reduzidas e com pouquíssimos
recursos para explorar. Eles mantêm as características próprias de paraísos fiscais,
concedendo vantagens e facilidades na aplicação de capitais de origens desconhecidas,
mantendo o sigilo bancário mantendo e a identidade confidencial dos donos do dinheiro.
Juridicamente falando, paraísos fiscais, segundo o Art. 1° da Instrução Normativa n° 1.037
de 04 de julho de 2010 são: ―... países ou dependências que não tributam a renda ou que a
tributam à alíquota inferior a 20% (vinte por cento) ou, ainda, cuja legislação interna não
permita acesso a informações relativas à composição societária de pessoas jurídicas ou a
sua titularidade, as seguintes jurisdições...‖.
Assim sendo, este trabalho pretende realizar uma aproximação do tema com a realidade
atual e de forma a proporcionar um melhor entendimento de como isso se demostra em algo
lucrativo para pessoas jurídicas ou físicas, em detrimento ao governo de origem; inclusive
como se opera e qual suas consequências, justificando-se pela necessidade de um
esclarecimento do tema, pois pertinente e oportuno é, visto suas faces hora legal, ora ilegal,
bem como, sua relação com o Direito Internacional.
DESENVOLVIMENTO
A ideia de que poucas pessoas de um determinado país detém a maior parcela da riqueza
do mesmo é correta. Alguns aplicam e investem em grandes negócios, recolhem
corretamente seus impostos, geram empregos e contribuem para o desenvolvimento do
Estado. Outros partem para a ilegalidade. E para fugirem do fisco, praticam a chamada
evasão de divisas, ou seja, não recolhem o devido imposto quando remeterem seus capitais
ao exterior. Geralmente são capitais advindos da prática de crimes organizados, lavagem de
dinheiro, corrupção dentre outras práticas.
PARAÍSOS FISCAIS ALIAM SISTEMA BANCÁRIO SIGILOSO COM BELAS PAISAGENS
NATURAIS
E para recepcionar em alta classe e com boas vindas esta prática suja, surgem os ―Paraísos
Fiscais‖. Países diferentes daquele da prática ilegal, onde, geralmente, seus bancos fazem
as transações financeiras sem identificação dos envolvidos. Suas taxas são baixíssimas ou
nulas, o que atraem muitos investidores. Seus lucros são altíssimos, pois estão com muito
capital em caixa pra trabalhar, e os investidores, geralmente não são identificados, bem
como suas empresas, não pagando então os devidos impostos. Geralmente o dinheiro
depositado num banco do paraíso fiscal é transferido para outro país, investido em ações de
companhias importantes ou companhias fictícias, retornando depois ao primeiro país, já
203
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
documentado. Muitas vezes é realizada esta operação, e tal forma que se torna difícil depois
identificar a origem do dinheiro.
Importante é deixar claro que a prática ilegal está justamente no país de origem do capital.
Geralmente, estes montantes são advindos de manobras criminosas, sendo assim, não há a
possibilidade de declaração destes capitais como capitais advindos de trabalho legal no
próprio país. No caso do Brasil, a malha fiscal trabalha de forma interligada graças ao
desenvolvimento da internet. Ferramenta poderosíssima que possibilita o cadastro individual
da pessoa física e ou jurídica, seus bens, renda e nesse plano, traçar uma patamar anual do
crescimento financeiro de cada cidadão, bem como analisar os lucros reais auferidos.
Contudo o fisco brasileiro ainda não detém o controle sobre todas as rendas. Rendas estas,
tidas como ilegais.
Em contrapartida, as malhas de bancos nos Paraísos Fiscais, não são ilegais. Os referidos,
apenas trabalham como taxas e impostos baixos ou nulos para atraírem investidores, o que
é permitido pelas próprias regras do país onde estão instalados. Há confidencialidade das
contas e forte sigilo bancário, o que é interessante para os investidores. E nesta ótica,
existem países que, por não possuírem outras fontes de recursos, buscam seu progresso e
expansão econômica aplicando o chamado planejamento tributário, financeiro e comercial.
No caso do planejamento tributário, por exemplo, é criado um conjunto de sistemas legais
para que tenham a possibilidade de diminuir o pagamento de tributos. E assim sendo,
qualquer contribuinte tem direito de estruturar seus negócios da maneira que lhe parecer
mais viável e ou oportuna, visando à diminuição dos custos e impostos. Quando isso é feito
de forma lícita, ou seja, de acordo com a lei, as autoridades devem respeitar esse investidor,
não podendo obrigá-lo a pagar altos impostos.
Analisando o quesito legalidade, os Paraísos Fiscais muitas vezes são veiculados nas
mídias em situações de escândalos fiscais, sonegação de impostos e ilegalidade,
envolvendo empresários e políticos. Porém esse termo ―Paraíso Fiscal‖ designa localidades,
com tributações nulas ou simbólicas, direcionadas para a atração de capital estrangeiro.
Para o Brasil, consideram-se paraísos fiscais os países ou dependências que não tributam a
renda ou que a tributam à alíquota inferior a 20% ou, ainda, cuja legislação interna oponha
sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade as
seguintes jurisdições.
Sendo assim, é importante destacar a diferença entre licitude e ilicitude na utilização dos
paraísos fiscais, que é a origem e a forma que esses valores são transferidos para esses
países. Os paraísos fiscais estão dispostos na Instrução Normativa 188, da Secretaria da
Receita Federal, com isso percebemos que a utilização de paraísos fiscais como forma de
planejamento tributário é licita. Então para aproveitar esta licitude e vantagens é essencial
uma visão não apenas administrativa, mas também jurídica para compreender e adaptar a
empresa as Leis e regulamentos dos países, considerados paraísos fiscais. Os quais,
aproveitados de forma estratégica, lícita e dentro de um planejamento tributário podem ser a
melhor opção para diminuir o impacto da tributação principalmente sobre a renda.
Nota-se que há uma série de usos legítimos dos paraísos fiscais, observando é claro a
legislação de cada país. E então pode-se citar alguns:
- Proteção de patrimônios;
- Trading - quando alguma empresa deseja exportar e não possui estrutura necessária para
executar todo o processo, contrata uma Trading Company para transformar sua exportação
em venda à vista no mercado interno e operações comerciais;
- Investimentos offshore, que se trata de uma entidade situada no exterior sendo ela sujeita
a um regime legal diferente, "extraterritorial" em relação ao país de domicílio de seus
associados. Tal expressão é aplicada mais especificamente a sociedades constituídas em
"paraísos fiscais", onde gozam de privilégios tributários, sejam impostos reduzidos ou até
mesmo isenção de impostos;
- Estruturas com finalidades de planejamento tributário;
- Holding para direitos autorais, patentes e royalties.
O mais antigo dos paraísos fiscais modernos e a Suíça. Ainda antes da II Guerra Mundial,
os bancos suíços já recebiam valores provenientes da Rússia, Alemanha, América do Sul e
204
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
outros países assolados por convulsões politicas e sociais. A neutralidade politica e uma
moeda estável ajudaram a garantir os valores dos bens, mesmo que as perspectivas de
receitas e ganhos de capital fossem reduzidas e então, após a Guerra, outros paraísos
fiscais emergiram.
A Portaria n.º 292/2011, procedeu a uma atualização da lista dos países, territórios e regiões
com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis (ditos ―paraísos fiscais‖),
e constantes da anterior Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro, tendo passado a excluir
dois países que integram a União Europeia (UE): o Chipre e o Luxemburgo.
Países considerados Paraísos Fiscais pela Portaria n.º 292/2011
1. Andorra
42. Ilhas Marianas do Norte
2. Anguilha
43. Ilhas Marshall
3. Antígua e Barbuda
44. Maurícias
4. Antilhas Holandesas
45. Mónaco
5. Aruba
46. Monserrate
6. Ascensão
47. Nauru
7. Bahamas
48. Ilhas Natal
8. Bahrain
49. Ilha de Niue
9. Barbados
50. Ilha Norfolk
10. Belize
51. Sultanato de Oman
11. Ilhas Bermudas
52. Ilhas do Pacífico não mencionadas
12. Bolívia
Especificamente
13. Brunei
53. Ilhas Palau
14. Ilhas do Canal (Alderney, Guernesey,
Jersey,
54. Panamá
Great Stark, Herm, Little Sark, Brechou,
55. Ilha de Pitcairn
Jethou e Lihou)
56. Polinésia Francesa
15. Ilhas Cayman
57. Porto Rico
16. Ilhas Cocos e Keeling
58. Quatar
17. Ilhas Cook
59. Ilhas Salomão
18. Costa Rica
60. Samoa Americana
19. Djibouti
61. Samoa Ocidental
20. Dominica
62. Ilha de Santa Helena
21. Emiratos Árabes Unidos
63. Santa Lúcia
22. Ilhas Falkland ou Malvinas
64. São Cristóvão e Nevis
23. Ilhas Fiji
65. São Marino
24. Gâmbia
66. Ilha de São Pedro e Miguelon
25. Grenada
67. São Vicente e Grenadinas
26. Gibraltar
68. Seychelles
27. Ilha de Guam
69. Suazilândia
70.
Ilhas
Svalbard
(arquipélago
28. Guiana
Spitsbergen e
29. Honduras
ilha Bjornoya)
30. Hong Kong
71. Ilha de Tokelau
31. Jamaica
72. Tonga
32. Jordânia
73. Trinidad e Tobago
33. Ilhas de Queshm
74. Ilha Tristão da Cunha
205
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34. Ilha de Kiribati
75. Ilhas Turks e Caicos
35. Koweit
76. Ilha Tuvalu
36. Labuán
77. Uruguai
37. Líbano
78. República de Vanuatu
38. Libéria
79. Ilhas Virgens Britânicas
39. Liechtenstein
80. Ilhas Virgens dos Estados Unidos da
40. Ilhas Maldivas
América
FONTE: Portaria n.º 292 de 08 de Novembro 2011.
Assim, milhares de dólares entram em contas bancárias nesses locais a todo tempo. E uma
boa parcela desse montante é originária dos países em desenvolvimento. E estes
investimentos milionários acabaram criando uma economia global paralela, visto o principal
motivo da evasão: fugir de impostos e regulamentações territoriais.
Os paraísos fiscais são geralmente vistos com preconceito pelas pessoas e até pelos
governos de outros países, que tentam cerceá-los por meio de rigorosos controles.
Houve e há uma intensa tentativa de combate a prática de evasão de divisas. Após a crise
mundial de 2008, a Organização para Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE)
apertou o cerco aos paraísos fiscais, onde exigem uma política de impostos transparente e o
acesso de autoridades estrangeiras de dados de clientes. Contudo, na prática, pouco
mudou. O G-20 na mesma ocasião de crise se reuniu em Londres e prometeram regular o
sistema financeiro internacional e acabar com os paraísos fiscais. Em 2009 seus
representantes assumiram o compromisso de tomar medidas para que as jurisdições tidas
como paraísos fiscais, adotassem padrões internacionais de taxação, transparência e troca
de informações. Se comprometeram ainda a aplicar punições se fosse preciso, como
revisões de tratados, retenções de impostos e negação de deduções de impostos para os
sediados nos paraísos fiscais. Nada foi cumprido, visto a dificuldade e barreiras existentes
quando se fala em negócios a âmbito internacional.
O Brasil se pronunciou na Assembleia da ONU em 21 de setembro de 2012, através de sua
representante governamental, Dilma Rousseff, onde a mesma afirmou que ―falta clareza de
ideias para os líderes mundiais enfrentarem a crise econômica. Os líderes mundiais
carecem mais de ações concretas. Os líderes do G-20, do qual o Brasil faz parte,
assumiram diversos compromissos com a comunidade internacional para reformar o sistema
financeiro internacional e acabar com um dos seus problemas centrais: os paraísos fiscais‖.
A representante tem bons motivos para tal, pois um estudo afirma que US$ 21 trilhões é o
total da riqueza escondida em paraísos fiscais e que o Brasil tem US$ 521 bilhões.
A BBC publica matéria a respeito de um estudo inédito, que, pela primeira vez, soma os
depósitos em paraísos fiscais: US$ 21 trilhões até 2010. O Brasil tem US$ 521 bilhões deste
total, a quarta maior quantia do mundo depositada em contas "offshore". Os números são do
documento The Price of Offshore Revisited, escrito por James Henry, ex-economista-chefe
da consultoria McKinsey, sob encomenda para a Tax Justice Network. Para chegar ao total,
o autor do estudo cruzou dados do Banco de Compensações Internacionais, do Fundo
Monetário Internacional, do Banco Mundial e de governos nacionais. Henry estima que,
desde os anos 1970 até 2010, os cidadãos mais ricos dos 139 países considerados no
estudo aumentaram de US$ $ 7,3 trilhões para US$ 9,3 trilhões a "riqueza offshore não
registrada" para fins de tributação, "um enorme buraco negro na economia mundial", nas
palavras do autor. Na América Latina, chama a atenção o fato de, além do Brasil, países
como México, Argentina e Venezuela aparecerem entre os 20 que mais enviaram recursos a
paraísos fiscais.
John Christensen, diretor da Tax Justice Network, afirma que além dos acionistas de
empresas dos setores exportadores de minerais, (mineração e petróleo), os segmentos
farmacêuticos, de comunicações e de transportes estão entre os que mais remetem
recursos para paraísos fiscais. "No caso do Brasil, quando vejo os ricos brasileiros
206
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
reclamando de impostos, só posso crer que estejam blefando. Porque eles remetem
dinheiro para paraísos fiscais há muito tempo", afirma Chistensen.
Dilma Rousseff tem buscado dificultar as operações nos Paraísos fiscais, justamente para
que as suas vantagens tributárias em relação ao Brasil não provoquem uma fuga dos
recursos brasileiros para os paraísos em busca de benefícios.
Júlio Augusto Oliveira, especialista em direito tributário nacional e internacional e sócio do
Siqueira Castro Advogados, explica que apesar das tributações baixas ou inexistentes nos
paraísos fiscais, todo brasileiro que obtém algum tipo de renda nestes países deve pagar
imposto de renda no Brasil e no paraíso fiscal. ―O Brasil tem acordos com alguns países
para que não ocorra a bitributação, mas, para os paraísos fiscais, estes acordos não são
celebrados para não incentivar as relações comerciais entre estes países‖, diz.
Conforme pesquisas realizadas, as únicas operações que pessoas físicas podem fazer nos
paraísos fiscais, são a compra de imóveis e aplicações financeiras. As demais operações só
podem ser realizadas por pessoas jurídicas. No caso da compra e da venda de imóveis, por
exemplo, há incidência de impostos sobre transmissão de bens inter-vivos ou de herança,
conforme o caso, além de tributos sobre eventuais lucros na hora da venda. Estes impostos
devem ser pagos tanto no paraíso fiscal como no Brasil. O mesmo ocorre com as aplicações
financeiras, cujos rendimentos serão tributados tanto aqui quanto lá fora.
Já negócios praticados por pessoas jurídicas, tem outra modelagem, pois o interesse nos
paraísos fiscais se dá por dois motivos centrais: primeiro porque nesses lugares não é
permitido ter acesso a informações sobre a composição societária das empresas ou sua
titularidade; segundo porque os impostos - quando não são inexistentes - são bastante
reduzidos, com alíquotas inferiores a 20%, segundo a Receita Federal. E sendo assim,
geralmente as pessoas abrem empresas em paraísos fiscais visando então aproveitar de
uma menor tributação nos rendimentos de suas aplicações financeiras, seu patrimônio, ou
ainda para proteger o patrimônio se acaso este vier a ser alvo de conflitos judiciais.
Então o foco está justamente quando se trata de empresas remetendo capital ao exterior.
Estas sim encaminham grandes parcelas através de manobras de especialistas tributários e
juristas conhecedores do ramo. Em face disto, do outro lado, o fisco com suas dificuldades
em recolher o devido imposto destes capitais.
E neste sentido a Receita Federal do Estado Brasileiro tem trabalhado para reprimir práticas
de evasão de divisas. A principal medida fiscal foi a de instituir o Imposto de Renda para
aplicações de renda fixa no Brasil. As empresas localizadas nos paraísos fiscais ficam
sujeitas a essa tributação, ou seja, a mesma que os investidores nacionais. A alíquota é de
15% para investir em ações e 15% a 22,5%, conforme o prazo, para títulos da dívida
pública. Essa tributação aplica-se a pessoas físicas e jurídicas.
Como resultado, a medida afetou consideravelmente a legislação brasileira, modificando
várias normas já estabelecidas, ignorando os paraísos fiscais, obrigando-as agora ao
pagamento de impostos. Algumas leis foram afetadas, e então foram obrigadas e receber
reformas. São elas: Lei 9.430/96 – art. 24, §4º; Lei 9.779/99 – art.8º; Lei 9.959/2000 – art.8º;
Lei 11.727/2008 – artigos 22 e 23; Medida Provisória 2.158-35/2001 – artigo 29, §1º; Medida
Provisória 2.189-49/2001, artigo 16, §2º.
Os Estados Unidos é grande aliado contra os paraísos fiscais. O problema do terrorismo
internacional requer investimentos vultosos, cuja origem nunca é constatada. E então a
conclusão que se teve é que os capitais aplicados no terrorismo estariam em algum paraíso
fiscal. Para exemplificar, o UBS grande banco suíço foi pressionado a fornecer contas de
certos terroristas e outros criminosos de alto escalão sob pena de lhe ser cassada a
autorização de funcionamento nos EUA. Foi um golpe expressivo neste banco, o que teve
repercussão mundial e serviu de modelo para que outros países adotassem esta prática
contra os paraísos fiscais.
Seja em sites governamentais, em pronunciamentos oficiais de chefes de estado, o que tem
se percebido é uma intensa aclamação e aperto ao cerco contra os paraísos fiscais.
Contudo, é importante levar em consideração a questão da soberania fiscal. Pois esta, é
que ditará as regras para o combate às práticas contrárias de evasões de divisas.
207
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
CONCLUSÃO
Diante do exposto, chega-se a conclusão que não haverá, num futuro próximo, um controle
acirrado por parte das autoridades governamentais em relação aos paraísos fiscais. Visto a
grande facilidade e rapidez com que os meios de comunicação se expandem, propiciando
sistemas virtuais céleres e instantâneos para movimentações de capitais sem deixar rastros.
Inúmeros são os países que combatem os paraísos fiscais, como por exemplo os G-20. No
mundo da informatização tem-se lançado várias campanhas dos governos contra esta
prática de evasão de capital. Contudo, cabe a cada país analisar a sua base, onde tudo tem
início: o combate à corrupção, a lavagem de dinheiro, a ação de contrabandistas. A
somatória de forças entre as mais diversas nações também tem papel importante no
combate às práticas ilegais, mesmo porque o mundo está totalmente globalizado. E então
um estudo conjunto para a criação de normas e regimentos para a manutenção de um
paraíso fiscal, seria a mais plausível saída, uma vez que é de interesse de países externos,
proteger seu capital.
É importante não ter apenas uma má visão dos paraísos fiscais, pois estes não estão agindo
na ilegalidade. Exercem seus negócios conforme seus próprios parâmetros aceitos em seus
territórios. E assim sendo, as remessas de capital de forma legal ao exterior, bem como
suas posteriores transações podem serem mais benéficas no quesito incidências de taxas.
Vale lembrar que também podem, os paraísos fiscais, serem utilizados como forma de
proteção do próprio capital, planejamento tributário, bem como holding para direitos autorais,
patentes e royalties dentre outros benefícios.
REFERÊNCIAS
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
JUS VIGILANTIBUS, <www.jusvi.com, outubro de 2012>.
ORGANIZAÇÕES EM DEFESA DOS DIREITOS E BENS COMUNS, <www.abong.org.br>,
outubro de 2011.
REVISTA EXAME, Quando é lícito ter dinheiro em um paraíso fiscal, agosto de 2012.
REVISTA ABRIL, O que é um paraíso fiscal? Outubro de 2012.
PLMJ, Sociedade de Advogados RL, Atualização da Lista dos ―Paraísos Fiscais‖. Novembro
de 2011.
208
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
JUSTIÇA PENAL INTERNACIONAL E OS DIREITOS HUMANOS
CAMILA SCHULLER LOPES356
SANDRA ALVES GOGEMSKI357
SIMONE APARECIDA ALVES GOGEMSKI358
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
RESUMO
O presente trabalho busca apresentar como foi a primeira e segunda guerra, os conflitos
que havia sobre uma guerra ser justa ou não.
A busca pelos direitos humanos que somente ocorreria após a segunda guerra, um grande
marco no cenário internacional foi o julgamento do Tribunal de Nuremberg de ocorreu em
1945, criando precedentes para outros que ocorreram ate a criação do tribunal permanente
Tribunal Penal Internacional criado pelo Estatuto de Roma em 1998 mas só implantado,
podendo ser utilizado em 2002 após 60 países o ratificarem. Os direitos humanos após a II
guerra teve um enorme crescimento como poderemos ver a seguir.
PALAVRAS-CHAVE: Guerra. Tribunal Penal Internacional. Direitos Humanos.
INTERNATIONAL CRIMINAL JUSTICE AND THEHUMAN RIGHTS
ABSTRACT
This article aims to show how the first and second war, conflicts that had about a war be just
or not The quest for human rights that would occur only after the second war, a major
milestone in the international arena was the judgment of the Nuremberg Tribunal occurred in
1945, creating precedents for others that occurred until the creation of the permanent court
created by the International Criminal Court Statute Rome in 1998 but only implemented and
can be used in 2002 after sixty countries ratify it. Human rights after World War II had a huge
growth as we will see below.
KEYWORDS: War. International Criminal Court. Human Rights.
INTRODUÇÃO
As guerras como Santo Agostinho que definia guerra justa, sendo uma reparação de uma
injustiça cometida por um povo a outro. A grade guerra foi com a I Guerra 1914-1918 o
crime de guerra o armistício em 1918, onde ai havia o cessar da guerra e algumas regras de
como proceder com esses responsáveis, havendo assim um repudio da comunidade
internacional por esses Estados que estavam totalmente ligados na guerra.
A declaração de Moscou estabelece os princípios adotados para julgar os criminosos da
guerra, a partir de 1945, nesse tribunal foram julgados 22 homens. Sendo esse tribunal o
marco histórico ate a data de hoje, tanto para a justiça penal internacional como para os
direitos humanos.
O tribunal Militar assim também conhecido o Tribunal de Nuremberg, dando inicio a um
marco histórico para não só na Alemanha mas no mundo. Desde então a luta por um
tribunal permanente que só foi implantado em 2002 por motivos de ratificação o Tribunal
Penal Internacional é descrito no Estatuto de Roma, tendo uma competência subsidiária a
dos Estados parte desse estatuto, podendo tão somente julgar os crimes que ocorrerão
356
Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil. E-mail: [email protected]
Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu- PR, Brasil. E-mail: [email protected]
358
Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu- PR, Brasil. E-mail: [email protected]
357
209
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
após a sua criação, não como ocorreu no tribunal de Nuremberg criado pra julgar pessoas já
terminadas por crimes já cometidos.
ANTECEDENTES HISTORICOS DA JUSTIÇA PENAL INTERNACIONAL
Falar sobre guerra nos dias atuais pode-se dizer absurdo que exista, mas até o ano de 1918
isso era tão comum como uma ação para resolução de litígio atualmente. A doutrina clássica
nos fala sobre a Guerra359, Bluntschli nos fala:
―A guerra é o conjunto de atos pelos quais um Estado ou povo faz respeitar seus direitos,
lutando pelas armas contra outro Estado ou outro povo.‖
Santo Agostinho que definia guerra justa, sendo uma reparação de uma injustiça cometida
por um povo a outro. Após oito séculos São Tomás de Aquino retoma o pensamento
Agustiniano, declara a guerra como um pecado cometido pelos homens, e estabelece três
princípios estes, titulo justo, legítima autoridade do Príncipe e justa causa e retidão na
intenção dos beligerantes360.
Para muitos essa guerra justa era uma demonstração de gostar do Estado da província em
que eles viviam Francisco de Vitoria em 1480 – 1556 desenvolveu o principio da Guerra
Justa.
Com essa que muitos pensavam que era justa, tornando claro após um tempo que o Estado
agressor sempre pensava que sua guerra estava sendo justa, inicializando ai os
pensamentos e ideias políticas Hobbesianas sendo essas reformadas por Rousseau, que as
normas que se regulavam na sociedade civil não eram as mesmas com relação aos
Estados.
Com a chegada do Estado moderno concentra-se um pensamento de que as punições de
crime de guerras fica a cargo do Estado a que pertence o infrator com as suas normas de
direito interno.
Com a I Guerra 1914-1918 o crime de guerra o armistício em 1918, onde ai havia o cessar
da guerra e algumas regras de como proceder com esses responsáveis, havendo assim um
repudio da comunidade internacional por esses Estados que estavam totalmente ligados na
guerra. O desejo de punição aos agressores, como até então não havia lei para punir esses
agressores sobre o crime de guerra os Estados intermédio de seus doutrinadores buscavam
em leis de seus países, tendo que associar os crimes comuns destes no que ocorreu na
guerra.
Em Paris, 1924 a Associação Internacional de Direito Penal pensava em um Tribunal
Internacional4.
SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E O TRIBUNAL DE NUREMBERG
No período da II guerra mundial é que estabeleceu um Tribunal Penal conhecido como
Nuremberg, foram julgados ai os responsáveis pelo regime Nazista.
Alguns sustentam que na corte em Nuremberg aconteceu uma justiça parcial num tribunal
de exceção criado pelos vitoriosos, e que existem inúmeras razões para duvidar dos
critérios usados. O próprio rol de acusados é contestado, como também o fato de os
acusados estarem sendo julgados por violar as leis internacionais, muito embora tais leis
tenham sido criadas por Estados e não por indivíduos e após já haverem ocorrido todos os
fatos. Muitos são da opinião de que os acusados deveriam ser julgados com as leis de seus
359
GONÇALVES, Joanisval Brito. Tribunal de Nuremberg 1945-1946: A Genese de uma Nova
Ordem no Direito Internacional. 1 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p 14 e 15.
360
AQUINO, São Tomás. Suma Teológica:secunda secundae, questione XL. p. 13
210
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
próprios países e não em julgamento fundamentado em uma ordem instituída depois da
guerra (CALETTI, 2002, SP).
A declaração de Moscou estabelece os princípios adotados para julgar os criminosos da
guerra, a partir de 1945, nesse tribunal foram julgados 22 homens. Esse tribunal servia
como de base para os outro Tribunais de Guerra como o Tribunal do Extremo Oriente. Este
tribunal significou um poderoso impulso ao movimento de internacionalização dos direito
humanos5. Os crimes julgados por esse tribunal foram:
a) crimes contra a paz;
b) crimes de guerra;
c) crimes contra a humanidade.
Em 1 de outubro de 1946, a aproximadamente 66 anos atrás foi realizada a ultima sessão
na qual foi pronunciado o veredicto final do Tribunal Militar, nesse julgamento ficou
assentada a existência de princípios gerais de direitos humanos.
Após esse tribunal a visão para a evolução do sistema jurídico internacional,
derrubando princípios sob os quais a sociedade jurídica internacional regera-se durante
séculos.
4 DIREITOS HUMANOS A CRIAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
Os direitos do homens podemos dizer que teve maior relevância após a II guerra,
anteriormente havia manifestações precursoras, com a Magna Carta de 1215, os
4
GONÇALVES, Joanisval Brito. Tribunal de Nuremberg 1945-1946: a gênese de uma
nova ordem no direito internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 5
Tratados Internacionais são bem antigos. O primeiro que se têm notícias foi em 1280 e 1272
a.C, que foi firmado entre Hatusil III, rei dos Hititas e o faraó egípcio da XIX
Dinastia de Ramisés II6. Tivemos em 1776 a primeira declaração que estava criando valores
que foram levados a outros povos sendo esta Declaração do Bem Povo da Virgínia. Mas
somente após a segunda guerra é que os direitos humanos saíram do Estado em que os
indivíduos vivem e foram se expandi para o mundo, sendo esses direitos discutidos não só
para um Estado mas para todos.
No século XIX, foi desenvolvido varias disposições sobre a proteção dos indivíduos
iniciadas como Código Lieber norte-americano de 1863, regia sobre as pessoas que não
participavam das guerras, civil e feridos, ou prisioneiros da guerra. Em 1815 o congresso de
Viena, apresentou uma declaração sobre o trafico de escravos, sendo esta seguida por uma
enorme gama de acordos bilaterais, um dos primeiros tratados de direitos humanos
universais, foi aprovada em 1926, e a escravidão, sem exceção, proibida. Hoje a proibição
da escravidão é parte do Direito Internacional Consuetudinário7.
Kant nos dizia todos os seres humanos, quaisquer que seja, são igualmente dignos de
respeito, sendo o traço distintivo do homem, como ser racional, o fato de existir como o fim
em si mesmo. Por essa razão ele não pode ser usado como simples meio, o que limita o uso
arbitrário desta ou daquela vontade8.
No final de 1907 foi discutido e assinado, somente pelo Brasil a segunda conferência
Internacional da Paz, sendo esta um fracasso com a I Grande Guerra Mundial. Em 1919 foi
instituída a Liga das Nações tambem conhecida como sociedade das nações, havendo
inúmeras deficiências esta pacto em 1924 houve a V Assembléia da Liga das Nações.
Havendo uma grande perda de prestigio desse pacto foi assinado em Paris o Pacto Briand
Kellogg9.
Nasce uma grande instituição para buscar os direitos que haviam sido violados, passando
desde então a cuidar desses direitos a chamada Organização das Nações Unidas, essa foi
pensada nos moldes da Liga das Nações, oficialmente criada em 1945, quando 50
representantes dos países assinaram a Carta de São Francisco.
211
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
A ONU através de uma assembléia geral em 148 elaborou a Declaração Universal dos
Direitos Humanos.
Rezek fala em seu livro de direito Internacional Público:
―Até a fundaçãoda Organização das Nacoes Unidas, em 1945, não era segura afirmar que
houvesse, em direito internacional público, preocupação consciente e organizada sobre o
tema dos
direitos humanos. De longa data alguns tratados avulsos cuidaram, incidentalmente, de
proteger certas minorias dentro do
contexto da sucessão do Estados. Usava-se, por igual, do termo
intervenção humanitária para conceituar, sobretudo ao longo do século passado, as
incursões militares que determinados potencias entendiam de empreender alhures à vista
de túmulos internos, e a pretexto de proteger a vida, a dignidade e o patrimônio de sues
súditos imigrados‖.
Os direitos humanos no mundo contemporâneo podem ser considerados universais no
6 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tratados internacionais: com comentários à
Convenção de Viena de 1969. 2. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: ed. Juarez de Oliveira,
2004. P. 30 e 35
7 PETERKE,Sven. Manual Prático de Direitos Humanos Internacionais. Brasília, ed.
Esmup. 2010, p. 24.
8 NOVELINO, Marcelo. O Conteúdo Jurídico da Dignidade da Pessoa Humana. Grupo
editorial Nacional, ed.Método.
9 Recebeu este nome em homenagem aos seus principais negociadores: Aristide Briand,
Primeiro Ministro Francês e Frank B, Kellogg, Secretario de Estado Americano.
sentido de que as normas internacionais estabelecidas de direitos humanos, especialmente
à Declaração Universal de Direitos do Homem10.
Muito se pensava sobre a criação de um tribunal permanente, mas até a Conferência
Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas, reunida em Roma em 1998,
retomando uma ideia que em 1920 o Secretário Geral da Sociedade das Nações havia
formulado mas a Assembleia Geral não a acolheu, Tribunal Penal Internacional Permanente
da História. Em 1994, a Comissão entrega à Assembleia um projeto definitivo do TPI11.
Com resposta a este anseio da sociedade internacional, vem pelo Estatuto de Roma de
1998 o Tribunal Penal Internacional. Sendo aprovado por 120 países, com somente 7 votos
contrários sendo estes Estados Unidos, Iêmen, Iraque, Israel, Líbia China e Quatar,
havendo também 21 abstenções.
Havia uma exigência de para a entrada em vigor desse Estatuto sendo esta de 60
ratificações, somente sendo atingida em 11 de abril de 2002. A partir desse momento por
força do artigo 5°, §2 da Constituição Federal de 1988:
―os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte‖.
Tendo uma competência subsidiária em relação às jurisdições nacionais de seus Estadospartes, consagrando o princípio da complementariedade12.
Tendo presente que no decurso de séculos, crianças, homens e mulheres têm sido vitimas
de atrocidade inimagináveis que chocam profundamente a humanidade, constituído uma
ameaça a paz dos povos, à segurança e ao bem-estar da humanidade, o Tribunal Penal
Internacional da o mínimo de uma segurança dos direitos humanos existentes.
212
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A criação de um Tribunal Permanente nada mais é que a vontade das nações de tem os
Estados cada vez mais ligados entre si, buscando assim uma melhoria para a dignidade da
pessoa e seu bem estar que esta englobado tão somente nos direitos humanos.
Os direitos foram sendo garantidos conforme a população ia requerendo cada Estado
conforme seu crescimento começava a manter acordos bilatérias entre outros Estados para
que possa garantir o bem estar desses indivíduos que ai vivem. Os tratados sendo uma
forma de conversa entre esses Estados e os estatutos para dirimir os conflitos que posso
intervir entre as relações destes.
10 RODRIGUES, Simone Martins. Segurança Internacional e Direitos Humanos: A Prática
de Intervenção Humanitária na Pós-Guerra Fria. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 67.
11 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica Dos Direitos Humanos.. 7ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2010, p.460.
12 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tribunal Penal Internacional
ed. São Paulo: revista dos tribunais, 2011, p. 41 a 43.
e o Direito Brasileiro, 3 ª
REFERÊNCIAS
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2003.
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tribunal Penal Internacional e o Direito Brasileiro. 3ª ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
Rodrigues, Simone Martins. Segurança Internacional e os Direitos Humanos: A Prática
da Intervenção no Pós-Guerra. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
Comparato, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 7ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2010.
Rezek, Francisco. Direito Internacional Público: curso Elementar. São Paulo: Saraiva,
2011.
Deves, Gisele. O Tribunal de Nuremberg: marco nas relações jurídicas e políticas
internacionais do século XX. Disponível em:
<httpsiaibib01.univali.brpdfGisele%20Devens.pdf>. Acesso em 22.07.12.
213
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
A PROVA PERICIAL E SUA RELEVÂNCIA PARA O PROCESSO PENAL
DIEGO JONES CERVO361
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
RESUMO
Com base na Constituição Federal do Brasil, os legisladores estão aos poucos atualizando o
ordenamento jurídico, e esta atualização, recente, se estabelece no Código de Processo
Penal, com o advento da lei 11.690/08. A princípio destaca a relevância da prova pericial no
processo penal, com a nova lei em vigor, o legislador buscou atribuir o princípio
constitucional, o contraditório, no que tange a produção de prova no processo penal,
principalmente no que se refere à perícia, a qual muitas vezes é levantada perante o
juizado.
PALAVRAS-CHAVE: Prova Pericial, Produção da Prova Pericial, Princípio do Contraditório.
HE EXPERT EVIDENCE AND ITS RELEVANCE TO THE CRIMINAL PROCESS
ABSTRACT
Based on the Federal Constitution of Brazil, the lawmakers are gradually updating the legal
system, and is updated, recent, established in the code of criminal procedure, with the
advent of 11,690/08. The principle highlights the importance of expert evidence in criminal
proceedings, with the new law in effect, the legislature sought to assign the constitutional
principle, the contradictory, as it pertains to the production of evidence in criminal
proceedings, especially with regard to expertise, which is often raised before the Court.
KEYWORDS: Expert evidence, production of expert evidence, adversarial principle
361
Acadêmico de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil. E-mail: [email protected]
214
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
INTRODUÇÃO
Atualmente, com as tecnologias dominando o mundo, cada vez mais as policias estão
buscando nela a solução para identificar o modo, método que o agente encontrou para
praticar tal fato. Neste aspecto, este artigo tem a finalidade em apresentar, e abordar a
prova pericial no processo penal, mostrar as formas e métodos que os peritos atualmente se
dispunham para elaborar seus laudos através das tecnologias.
Além disso, destaca ainda, a importância que a perícia exerce na comprovação do delito,
desde que, este caracteriza-se pela materialidade deixada no local do fato, conforme se
expressa no decorrer do escopo.
Por fim, salienta-se abordar um ponto importante, do levantamento da prova pericial, cabe a
discussão quanto a possível violação ao princípio do contraditório, visto que, este é basilar
da Constituição Federal de 1988, que vigora até os dias atuais.
A PROVA PERICIAL E SUA RELEVÂNCIA PARA O PROCESSO PENAL
Visa a partir de agora, ressaltar o motivo que levou a elaboração deste trabalho, as
pesquisas sobre o tema será apresentando e discutido pelos doutrinadores, conceituando
um dos meios de provas - a perícia -, a sua natureza jurídica no processo penal, a produção
da prova pericial, suas formas e métodos, com uma pequena análise na visão dos
doutrinadores e como acontece realmente no dia a dia no trabalho da perícia.
Por fim, destacar como a perícia pode ser decisiva para a comprovação do crime, os quais
deixam vestígios para comprovação do mesmo, e ainda, a questão do princípio do
contraditório, se existe uma possível violação deste quanto à elaboração da prova pericial.
4.1. CONCEITO DE PERÍCIA
A perícia, na visão de Fernando da Costa Tourinho Filho, entende-se aquela em que o
―exame é procedido por pessoa que tenha determinados conhecimentos técnicos,
científicos, artísticos ou experiência qualificada acerca dos fatos, circunstancias ou
condições pessoais inerentes ao fato punível, a fim de comprová-los.‖ 362
Na mesma linha de pensamento, Eugênio Pacelli de Oliveira diz que a perícia é uma ―prova
técnica, na medida em que pretende certificar a existência de fatos cuja certeza, segundo a
lei, somente seria possível a partir de conhecimentos específicos.‖363 Sendo assim, a perícia
deverá ―ser produzida por pessoas devidamente habilitadas, o qual o reconhecimento desta
habilitação feito normalmente na própria lei, que cuida das profissões e atividades
regulamentadas, fiscalizadas por órgãos regionais e nacionais.‖2
Já Fernando Capez define a perícia da seguinte forma:
Perícia, originário do latim peritia (habilidade especial), é um meio de prova que consiste em
um exame elaborado por pessoa, em regra profissional, dotada de formação e
conhecimentos técnicos específicos, acerca de fatos necessários ao deslinde da causa.
Trata-se de um juízo de valoração científico, artístico, contábil, avaliatório ou técnico,
exercido por especialista, com o propósito de prestar auxilio ao magistrado em questões fora
de sua área de conhecimento profissional. 364
Cabe ressaltar ainda que na visão de Guilherme de Souza Nucci, a perícia é o ―exame de
algo ou alguém realizado por técnicos ou especialistas em determinados assuntos, podendo
fazer afirmações ou extrair conclusões pertinentes ao processo penal.‖365 O autor afirma
ainda que a perícia ―é uma meio de prova‖4, e que, utiliza-se esta ―quando ocorre uma
362
FILHO. Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. 33 ed. São Paulo. Saraiva, 2011. p. 275.
OLIVEIRA. Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 11 ed. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2009.
p. 372.
364
CAPEZ. Fernando. Curso de Processo Penal. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 290.
365
NUCCI. Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 7 ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2008. p. 365.
363
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
infração penal que deixa vestígios materiais, devendo a autoridade policial, tão logo tenha
conhecimento da sua prática, determinar a realização do corpo de delito.‖4
Conforme analisado pelos autores supra, veja-se que todos possuem a mesma visão
conquanto a perícia no processo penal, definindo-a como sendo àquela que deverá ser
realizado por pessoa capacitada e habilitada para tal fato. A seguir analisa-se qual a
natureza jurídica desta para o processo penal na visão da doutrina.
4.2. NATUREZA JURÍDICA DA PERÍCIA
A natureza jurídica deste meio de prova na lição de Fernando Capez destaca que ―a pericia
está colocada em nossa legislação como um meio de prova, à qual se atribui um valor
especial‖, ou seja, ―está em uma posição intermediária entre a prova e a sentença.‖ 366
Já Fernando Tourinho da Costa Tourinho Filho afirma que a natureza jurídica da perícia é
―mais que um meio de prova, representa um elemento subsidiário para a sua valoração ou
para a solução de uma dúvida.‖367
Na visão de Adalberto José Queiroz Tellez de Camargo Aranha, considera a natureza
jurídica da perícia situada ―como uma prova nominada idêntica as demais, pra nós, numa
afirmativa arrojada, tem a perícia uma natureza jurídica toda especial que extravasa a
condição de simples meio probatório, para atingir uma posição intermediária entre a prova e
a sentença.‖368
Na visão dos doutrinadores, a natureza jurídica da perícia considera-se como um meio de
prova, porém, os autores afirmam que esta possui certa diferença conquanto aos outros
meios de provas, uma vez que, este meio de prova utiliza-se para corroborar com o juiz, ou
seja, a perícia, de alguma forma, auxilia em caso dúvida no processo, examinando assim,
aqueles crimes que deixam vestígios no local do fato.
4.3. PRODUÇÃO DA PROVA PERICIAL: FORMA E MÉTODOS
Após análise acerca da natureza jurídica da perícia, vislumbra adentrar na questão da
produção da prova pericial, ou seja, analisar como a doutrina define esta problemática no
processo penal, demonstrar suas formas e métodos para a produção, conforme o próprio
código de processo penal apresenta.
De início, analisa-se na visão de Guilherme de Souza Nucci, o qual fala expressamente que
―a lei é clara ao mencionar que a confissão do réu não pode suprir o exame de corpo de
delito‖369, o mesmo ainda diz que ―a única fórmula legal válida para preencher a sua falta é a
colheita de depoimentos de testemunhas, conforme o artigo 167: não sendo possível o
exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal
poderá suprir-lhe a falta.‖ 8
Guilherme de Souza Nucci destaca que ―se o cadáver, no caso de homicídio, desapareceu,
ainda que o réu confesse ter matado a vítima, não havendo exame de corpo de delito, nem
tampouco prova testemunhal, não se pode punir o autor.‖8
Percebe-se que mesmo o agente confessando o crime, e não existindo a materialidade para
tal, cabe ao juiz não aceita-lá, pois, a materialidade para comprovar tal fato é inexistente.
Nesta linha de pensamento, Eugênio Pacelli de Oliveira destaca que a previsão feita no
artigo 167 do código de processo penal ―é uma espécie de exame de corpo de delito
366
Id. Ibid. p. 291.
FILHO. Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. 33 Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 286.
368
ARANHA. Adalberto José Queiroz Tellez de Camargo. Da Prova no Processo Penal. 4 ed. São
Paulo: Saraiva, 1996. p. 156 e 157. Disponivel em:
<http://siaibib01.univali.br/pdf/Camila%20Mahiba%20Pereira%20Farhat.pdf.> Acessado em:
01/10/12
369
NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6 ed. Revista dos
Tribunais. São Paulo, 2010. p. 398.
367
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
indireto‖370, ou seja, ―a prova será exclusivamente testemunhal.‖9 Descaracterizando assim,
como visto a confissão por parte do agente.
Dando prosseguimento ao tema e seguindo a linha de raciocínio de Guilherme de Souza
Nucci, o próximo passo será da elaboração do laudo pericial pelos peritos.
Para tanto, Guilherme de Souza Nucci conceitua Perito como sendo o ―especialista em
determinado assunto‖371, e considera-se ―oficial quando é investido na função por lei e não
pela nomeação feita pelo juiz.‖10
Guilherme de Souza Nucci descreve ainda que, com o advento da lei 11.690/08, ―que as
perícias em geral, onde se insere o exame de corpo de delito, seja realizado por um perito
oficial, portador de diploma de curso superior.‖10
Pode acontecer muitas vezes da inexistência de um perito no momento, sendo assim, a lei
trouxe esta hipótese configurada da seguinte forma: ―não havendo, é possível a sua
realização por duas pessoas idôneas, com diploma de curso superior, preferencialmente na
área especifica, escolhidas dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada à natureza
do exame.‖10
Conforme Eugênio Pacelli de Oliveira a prova pericial ―se faz por meio da elaboração de
laudo técnico, pelo qual o (s) expert (s) responderão às indagações e aos esclarecimentos
requeridos pelas partes e pelo juiz, por meio de quesitos.‖372
Referente à elaboração do laudo pericial, Fernando da Costa Tourinho Filho destaca que
―quando da lavratura do laudo, os peritos descreverão minuciosamente o que examinaram e
responderão aos quesitos formulados, quer pela autoridade, quer pelas partes.‖373
Na visão de Guilherme de Souza Nucci, o laudo pericial é a ―conclusão a que chegaram os
peritos, exposta na forma escrita, devidamente fundamentada, constando todas as
observações pertinentes ao que foi verificado as respostas aos quesitos formulados pelas
partes.‖374
Para a elaboração do laudo pericial, este possui alguns requisitos que devem ser
respondidos no decorrer da elaboração, e que Guilherme de Souza Nucci e Fernando da
Costa Tourinho Filho demonstram detalhadamente, veja-se:
Na visão de Fernando da Costa Tourinho Filho, o laudo pericial contêm os seguintes
elementos:
a.
O preâmbulo – contêm a qualificação dos peritos, a autoridade que determinou a
perícia, a qualificação do examinado, o tipo de exame solicitado, hora e local da realização
da perícia e seu objetivo.
b.
Os quesitos – estes são proposições redigidas com clareza, de molde a permitir aos
peritos fácil entendimento para que possam respondê-las.
c.
O histórico – um relato do que ensejou a perícia.
d.
A descrição – parte essencial e básica e mais importante do relatório. Viso e referido,
sua função é reproduzir fiel, metódica e objetivamente, com exposição minuciosa dos
exames e técnicas empregadas e de tudo o que for observado pelos peritos.
e.
Discussão – consiste em analisar os dados fornecidos pelo exame e registrados na
descrição, cotejá-los com os informes disponíveis relatados no histórico, encaminhando,
naturalmente o raciocínio do leitor para o entendimento da conclusão.
f.
A conclusão – sumário de todos os elementos objetivos observados e discutidos
pelos peritos, constituindo a dedução sintética natural da discussão elaborada. 375
Já Guilherme de Souza Nucci, os elementos são:
a.
Tópico de identificação – consta a dependência onde foi realizado, os números do
boletim de ocorrência, do inquérito policial.
370
OLIVEIRA. Eugênio Pacelli. Op. Cit. p. 375.
NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6 ed. Revista dos
Tribunais. São Paulo, 2010. p. 400.
372
OLIVEIRA. Eugênio Pacelli. Op. Cit. p. 377.
373
FILHO. Fernando da Costa Tourinho. Op. Cit. p. 286.
374
NUCCI. Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 401.
375
FILHO. Fernando da Costa Tourinho. Op. Cit. p. 286.
371
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
b.
Titulação - nome do exame a ser efetivado.
c.
Nome da pessoa a ser analisada
d.
Elenco dos quesitos a serem respondidos376
Outro ponto em questão e de suma importância levantado por Guilherme de Souza Nucci é
referente a alguns exames, os quais, muitas vezes, ―são realizados sem nenhuma
participação das partes. Isso não impede que, em virtude dos princípios constitucionais do
contraditório e da ampla defesa, não possam ser questionados em juízo por qualquer das
partes.‖15
Neste caso, para compor os interesses ―de efetivação do laudo em curto espaço de tempo e
de participação dos interessados na discussão do seu conteúdo, pode haver
complementação da perícia, sob o crivo do contraditório, respeitando-se o devido processo
legal.‖15
Após a análise feita sobre a elaboração do laudo pericial visa abordar as formas que o
código de processo penal traz e os métodos que os peritos devem utilizar para a realização
da perícia.
Desta forma, como base para o estudo em questão, Guilherme de Souza Nucci apresenta a
Autópsia ou Necropsia da seguinte forma, veja-se:
Conceitua-se a Autópsia ou Necropsia como sendo o ―exame feito das partes internas de um
cadáver.‖377 Este tipo de exame possui a finalidade ―de constatar a morte e sua causa, como
a trajetória do projétil ou o numero de ferimentos, bem como os orifícios de entrada e saída
do instrumento utilizado.‖16 Caso a morte seja violenta ou ―é dispensável a mesma, pois
inexiste qualquer dúvida referente ao caso‖. 16
Na realização deste exame buscou-se aperfeiçoar, como medida de segurança, certo
período de tempo, ―no mínimo de seis horas, que é o necessário para o surgimento dos
incontroversos sinais tanatológicos, demonstrativos da morte da vítima, evitando-se
qualquer engano fatal.‖16
Guilherme de Souza Nucci que existe alguns sinais de mortes são comuns e outros
especiais, veja-se alguns destes:
Dentre os comuns tem-se: o aspecto do corpo (face cadavérica, imobilidade, relaxamento
dos esfíncteres); cessação da circulação (verificação da pulsação, auscultação do coração);
parada da respiração de modo prolongado (auscultação, prova do espelho – colocado perto
das narinas ou da boca, não se embaçando se houver a parada respiratória -, prova da vela
– colocada perto das narinas ou da boca para haver a checagem da vacilação da chama);
resfriamento do corpo (leva aproximadamente 22 horas para completar-se o processo em
ambiente de 24 ˚C).16
Já com relação a sinais de morte especial tem-se:
A cardiopunctura (colocação de uma fina agulha no tórax até atingir o coração; se este
estiver batendo a ponta da agulha vibrará); arteriotomia (abertura da artéria superficial para
ver se está cheia de sangue ou vazia), prova da fluoresceína (injeção de solução na veia ou
nos músculos para constatar se se arrasta para o sangue, corando de amarelo a superfície
cutânea, o que somente ocorre se a pessoa está viva); prova do papel de tornassol (um
papel de tornassol é colocado sobre os olhos e ficará vermelho se a pessoa estiver
morta).378
Não obstante, Fernando da Costa Tourinho Filho traz consigo a ideia de que a necropsia
―não é um simples exame feito no cadáver, mas um exame interno, nele procedido a fim de
constatar a causa mortis.‖ 379
Destaca o autor ainda a questão do tempo, o qual deve ser ―feito pelo menos, seis horas
após o óbito, é assim porque após este tempo aparecem os sinais da morte (o resfriamento
do cadáver, a rigidez cadavérica).‖ 18
Para Fernando da Costa Tourinho Filho o legislador acertou em ―determinar o exame interno
376
NUCCI. Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 402.
Id. Ibid. p. 403.
378
NUCCI. Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 404.
379
FILHO. Fernando da Costa Tourinho. Op. Cit. p. 288.
377
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
do cadáver quando houver necessidade de se verificar alguma circunstancia relevante.‖380
Na lição de Norberto Avena dispõe sobre o momento que será dispensado este exame,
veja-se:
a.
Nos casos de morte violenta sem que haja infração penal a ser apurada, quando
será suficiente exame externo do cadáver;
b.
Quando, mesmo havendo infração penal a ser apurado, as lesões externas
permitirem precisar a causa da morte, não havendo necessidade de exame interno para
constatar qualquer circunstancia relevante.381
Posterior análise sobre a necropsia cabe agora ao próximo meio de perícia, que é a
Exumação e Inumação, que conforme Guilherme de Souza Nucci inicia-se diferenciando o
que é exumação e inumação.
Exumar significa ―desenterrar ou tirar o cadáver da sepultura, o qual necessita de
autorização legal, não podendo ser feito sem causa.‖382 Ressalta-se que em caso de
infração ―aos dispositivos legais que autorizam a exumação ou inumação ocorre
contravenção penal, conforme o artigo 67 da Lei de contravenções penais‖21, em tela:
Artigo 67 – ―Inumar ou exumar cadáver, com infração das disposições legais: Pena - prisão
simples, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa.‖ 383
Destaca que este procedimento de exumar ―requer justa causa, vale dizer, motivo justo para
que seja realizado, qual seja, sanar dúvidas quanto à causa mortis.‖384
Ratifica-se Fernando da Costa Tourinho Filho que ―os cadáveres serão, sempre que
possível, fotografados na posição em que forem encontrado. Para representar as lesões
encontradas no cadáver, os peritos, juntarão ao laudo provas fotográficas, esquemas ou
desenhos rubricados.‖385
Já inumar ―significa enterrar ou sepultar,‖25 embora o código de processo penal não fizer
alguma menção sobre isto, ―de regra, cabe à autoridade policial determinar a realização da
autópsia, logo, é da sua atribuição determinar a exumação‖25, sendo assim, ―nada impede
que o juiz a determine, devendo ser conduzida pela autoridade policial de toda forma.‖386
Outra forma de perícia é a de Exame de Corpo de Delito em caso de Lesões Corporais,
Guilherme de Souza Nucci afirma que a ―particularidade desse caso fica por conta da
possibilidade de haver um primeiro exame pericial realizado de modo incompleto,
necessitando-se do denominado exame complementar, a fim de apurar a gravidade da
lesão.‖387
Na verdade o que se busca neste tipo de exame é identificar a questão da capacidade da
pessoa, se com a lesão sofrida esta poderá ficar com debilidade permanente do órgão,
sentido ou função, ou, incapaz para as ocupações habituais por mais de trinta dias, nesta
linha de raciocínio Norberto Avena apresenta:
Relativamente ao quesito relativo à debilidade permanente do órgão, sentido ou função, é
bastante comum não ser respondido no primeiro laudo realizado na vítima sob o fundamento
de que se faz necessário aguardar o decurso de alguns meses (quantificados pelo perito)
para, somente depois, por meio de exame complementar, ser esclarecida tal
circunstância.388
Já com relação da incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias, o autor
diz que
a impossibilidade de ser respondido no laudo realizado logo depois do crime e a
380
Id. Ibid. p. 289.
AVENA. Norberto. Processo Penal Esquematizado. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 512.
382
Id. Ibid. p. 404.
383
Decreto Lei 3.688/1941. Leis das Contravenções Penais. Disponível Em:
<Http://www.dji.com.br/decretos_leis/1941-003688-lcp/lcp066a070.htm.> Acessado em: 02/10/12.
384
AVENA. Norberto. Op. Cit. p. 512.
385
FILHO. Fernando da Costa Tourinho. Op. Cit. p. 290.
386
Id. Ibid. p. 404.
387
NUCCI. Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 405.
388
AVENA. Norberto. Op. Cit. p. 513.
381
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
necessidade de exame complementar em momento posterior decorrem de expressa
previsão legal, qual seja, o art. 168, §2˚, do CPP, dispondo que, se o exame tiver por fim
precisar a classificação do delito no art. 129, §1˚, I do Código Penal, deverá ser feito logo
que decorra o prazo de trinta Diaz, contado da data do crime. 27
Ressalta Fernando da Costa Tourinho Filho que o exame complementar tem por ―finalidade
melhor classificar a lesão, ou porque o primeiro exame foi deficiente ou por que os peritos, à
época em que o realizaram, não podiam, realmente classifica-lo.‖ 389
Nota-se que, desse exame complementar visa unicamente estabelecer o nível em que se
desferiu a conduta, ou seja, analisando em outras palavras, o exame complementar busca
caracterizar a materialidade que a vítima sofreu, dessa forma, é possível determinar em qual
hipótese que o individuo irá responder em uma ação futura.
Posterior a isso, cabe ressaltar outra forma de prova pericial, qual seja, o exame de local,
este na visão de Guilherme de Souza Nucci, já ao doutrinador Norberto Avena destaca o
rompimento de obstáculo à subtração da coisa e escalada, veja-se a opinião de ambos
conquanto ao assunto.
Ao tratar-se do exame de local, Guilherme de Souza Nucci afirma que ―a autoridade policial
deve dirigir-se ao local do crime, providenciando para que não sejam alterados o estado e a
conservação das coisas até a chegada dos peritos‖390, é expresso no código de processo
penal, pois a finalidade é fácil de analisar.
Veja-se, no momento em que ocorre o crime, sendo este isolado pela polícia até a chegada
dos peritos, muitos meios de provas ali podem ser adquiridos e resguardados para o devido
processo legal, neste caso, a materialidade e os indícios estariam presentes.
O código de processo penal é claro no seu artigo 169, a respeito deste assunto, analise-se:
Art. 169. Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a
autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a
chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou
esquemas elucidativos.
Parágrafo único. Os peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e
discutirão, no relatório, as consequências dessas alterações na dinâmica dos fatos.391
Destarte, Norberto Avena destaca o rompimento de obstáculo à subtração da cosia e
escalada que seria a hipótese ―nos crimes cometidos com destruição ou rompimento de
obstáculo a subtração da coisa, ou por meio de escalada, os peritos além de descrever os
vestígios, indicarão com que instrumentos, por que mios e em que época presumem ter sido
o fato praticado.‖392
Deste assunto, o autor cita que há duas posições referentes a este modo de perícia em
virtude da falta de materialidade podendo ser suprida por outra prova testemunhal, veja-se
as duas posições na lição de Norberto Avena.
1˚ posição: a perícia para a constatação do rompimento é, sempre, necessária. Ausente,
torna-se imperativa a desclassificação do delito para furto simples, inclusive em razão da
existência de regra específica dentro do Código de Processo Penal.
2˚ posição: desde que desparecidos os vestígios, é possível, aplicando-se o artigo 167 do
Código de Processo Penal, reconhecer a qualificadora do delito do rompimento de obstáculo
a partir da prova testemunhal, ou de outras provas. Este último é o entendimento do
Superior Tribunal de Justiça.393
Referente ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça, é um HC 151.272/DF,5ª. Turma,
Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 08.11.2010, que diz:
o exame de corpo delito direto é imprescindível nas infrações que deixam vestígios,
podendo apenas ser suprido pela prova testemunhal quando não puderem ser mais
colhidos. Logo, se era possível à realização da perícia, e esta não ocorreu de acordo com as
389
FILHO. Fernando da Costa Tourinho. Op. Cit. p. 292.
NUCCI. Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 406.
391
VADE. Mecum Código de Processo Penal. DL n˚ 3.689/1941. São Paulo. Saraiva, 2012.
392
AVENA. Norberto. Op. Cit. p. 514.
393
AVENA. Norberto. Op. Cit. p. 515.
390
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
normas pertinentes (art. 159 do CPP), a prova testemunhal não supre sua ausência.32
Contudo, cabe ressaltar que está matéria é de grande controvérsia, sendo impossível
destacar qual a melhor corrente dominante, e o autor Norberto Avena apresenta outra
decisão do Superior Tribunal de Justiça, veja-se: ―o delito de furto qualificado mediante
escalada, por normalmente não deixar vestígios, pode ser provado com a utilização de
outros meios que não o exame pericial.‖394
Esta decisão foi do Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, HC 18962/MS, 5ª. Turma, DJ
04.03.2002.
Há, também, outro julgado, agora da 6ª Turma, o qual diz que ―a prova pericial não é o único
meio para comprovar a qualificadora da escalada, podendo ser suprida por outros meios‖ 33,
prolatada pelo Rel. Min. Celso Limong, HC, 138.961/MG, 6ª. DJ 01.02.2011.
O doutrinador Eugênio Pacelli de Oliveira aborda o tema afirmando que quando se ―tratar de
crime praticado com rompimento de obstáculo ou destruição de coisas, ou por meio de
escalada a prova pericial será necessária até mesmo para a definição do tipo penal, que
poderá ser qualificado.‖395
Percebe-se a importância da perícia para determinar a qualificação do crime praticado pelo
individuo, é notório que a falta desta, caracteriza sem dúvida prejuízo ao processo penal,
pois, como visto, através da perícia tem-se o crime discutido e apresentado pelos peritos,
apresentando as formas e métodos utilizados para pratica-lo.
Seguindo com as provas periciais, destaca agora o exame laboratorial, aqueles em que são
realizados para descobrir através de experimentos científicos, em laboratórios, o motivo da
causa da morte e o que se utilizou para tal fato.
Guilherme de Souza Nucci fala a respeito deste tema afirmando que é o exame utilizado em
―muitos crimes, como ocorre com os delitos contra a saúde pública, é imprescindível que se
faça o exame de laboratório, para que os peritos, contando com aparelhos adequados e
elementos químicos próprios, possam apresentar suas conclusões.‖396
Destaca o Código de Processo Penal em seu artigo 170, que os peritos, ao concluírem o
exame, o mesmo deve resguardar certa quantidade do material periciado, pois, caso o juiz
não esteja convincente com o primeiro laudo, possa exigir um exame complementar do
mesmo.
Artigo. 170. ―Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para a
eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com
provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou esquemas.‖397
Como visto, nas perícias de laboratórios, os peritos devem analisar adequadamente de que
forma, substância, que o individuo se utilizou para a prática de tal fato, conquanto,
deslumbra destacar a perícia em caso de incêndio, estabelecida pelo Código de Processo
Penal, em seu art. 173.
Artigo. 173. ―No caso de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver
começado, o perigo que dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a
extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à elucidação
do fato.‖398
Compartilha com o assunto o doutrinador Norberto Avena, o qual retrata que
a perícia, nessa espécie de delito, é importante, mesmo porque poderá concluir tanto no
sentido de que o incêndio foi criminoso como pela ocorrência de caso fortuito, vale dizer,
sinistro acidental, sem relevância penal. Assim, se o conjunto probatório possibilitar a
certeza quanto à intenção do agente em cometer o crime de incêndio (testemunhas que
presenciaram o agente espalhar gasolina), a ausência de perícia não inviabiliza um juízo
condenatório.399
394
Id. Ibid. p. 516.
OLIVEIRA. Eugênio Pacelli. Op. Cit. p. 377.
396
NUCCI. Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 409.
397
VADE. Mecum. Código de Processo Penal. DL n˚ 3.689/1941. São Paulo. Saraiva, 2012.
398
VADE. Mecum. Código de Processo Penal. DL n˚ 3.689/1941. São Paulo. Saraiva, 2012.
399
AVENA. Norberto. Op. Cit. p. 516.
395
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Ora, retrata neste exame pericial, novamente, a importância ensejada para a avaliação do
início do incêndio, podendo no caso concreto determinar em que momento começou e se foi
criminoso ou não. Caso o incêndio seja criminoso e inexistindo a possibilidade de perícia,
mas tendo testemunhas que a viram, o juiz pode, através delas, ter um juízo de cunho
condenatório.
Prossegue-se apresentando os métodos e formas de perícia, salienta-se o exame de
reconhecimento de escritos, conhecido como grafotécnico, ou seja, aquele que compara se
a letra saiu do próprio punho ou foi falsificado por terceiro.
Sobre este método de perícia, Guilherme de Souza Nucci descreve
busca certificar, admitindo como certo, por comparação, que a letra, inserida em
determinado escrito, pertence à pessoa investigada. Da mesma maneira que a prova serve
para incriminar alguém, também tem a finalidade de afastar a participação de pessoa cuja
letra não for reconhecida. A autoridade policial, que normalmente conduz tal colheita,
aproveitará frases e palavras semelhantes àquelas sobre as quais pende dúvida, mandando
que o investigado as escreva várias vezes.400
Deste método de pericia percebe-se que existe uma questão que envolve o direito
constitucional, ou seja, existe o princípio da não autoincriminação presente, pois, ao
individuo que é solicitado a prestar-lhe de seu próprio punho a caligrafia para comparação
com o duvidoso, este estaria fazendo prova contra si mesmo, o qual é vedado pela
Constituição Federal, nesta linha de raciocínio Norberto Avena comenta:
Considerando, porém, o privilégio da não autoincriminação, decorrente do próprio
constitucional e pelo qual se reconhece aos investigados ou acusados o direito de não
produzir provas contra si, é evidente que tal disposição legal não pode ser interpretada
literalmente, sendo vedado à autoridade mandar que o suspeito forneça material gráfico,
podendo, unicamente, solicitar-lhe esta providência, que poderá ser atendida ou não.401
Na visão de Guilherme de Souza Nucci, o mesmo profere:
Ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Portanto, se o indiciado, conforme
orientação de sua defesa, preferir não fornecer o material para o exame ser realizado, tal
conduta jamais poderá ser considerada crime de desobediência; do contrário, estar-se-ia
subvertendo a ordem jurídica, obrigando o indivíduo a produzir prova contra seu próprio
interesse.402
Por mais que exista o princípio constitucional, o qual restringe o indivíduo a colaborar com a
perícia, às autoridades pode valer-se de outros métodos para adquirir a escrita.
Conforme destaca Guilherme de Souza Nucci, ―propiciando à autoridade que se valha de
outros documentos emanados do punho do investigado, cuja autenticidade já tiver sido
evidenciada em juízo ou por qualquer outro meio de prova em direito admitido‖41, ou seja,
deverá requisitar ―documentos constantes de arquivos ou estabelecimentos públicos ou
privados para proceder à comparação.‖41
Conforme visto, em concomitância aos autores supra, Fernando da Costa Tourinho Filho tem
a mesma ideologia abordada, destacando o princípio constitucional e a forma que a
autoridade policial deve prosseguir em caso da falta de material para ser confrontado.
Assim, após o desmembramento das formas e métodos da perícia cabe ressaltar que o juiz
não esta vinculado diretamente ao laudo pericial, pois ―pelo sistema do livre convencimento
motivado ou da persuasão criminal, adotado pelo Código, possa o magistrado decidir a
matéria que lhe é apresentada de acordo com sua convicção.‖403
Neste caso, cabe o juiz ―analisar e avaliar a prova sem nenhum freio ou método previamente
imposto pela lei.‖42
Tanto é que o próprio Processo Penal em seu artigo 182 descreve esta posição, veja-se:
Artigo. 182. ―O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou
400
NUCCI. Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 410.
AVENA. Norberto. Op. Cit. p. 518.
402
NUCCI. Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 410.
403
Id. Ibid. p. 415.
401
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
em parte.‖404
4.4. RELEVÂNCIA DA PROVA PERICIAL PARA COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE
Neste item, por ser o objetivo do trabalho, tem por finalidade diagnosticar e analisar o valor
que a prova pericial tem para comprovar os crimes que por sua característica e finalidade
deixam vestígios possibilitando assim o exame pericial.
Partindo desta análise, sobre o crime material, percebe-se que este se caracteriza pelos
vestígios deixados e a materialidade para a prática de tal fato, para o direito, esta
materialidade denomina-se exame de corpo de delito.
Ressalta-se abordar uma pequena diferença por quanto ao corpo de delito com os outros
exames periciais, Aury Lopes Junior destaca bem isso, veja-se:
Não se pode confundir o exame de corpo de delito com as perícias em geral. O exame de
corpo de delito é a perícia feita sobre os elementos que constituem a própria materialidade
do crime. Daí por que sua presença ou ausência afeta a prova da própria existência do
crime e gera uma nulidade absoluta do processo. Já as perícias em geral são feitas em
outros elementos probatórios e sua presença ou ausência afetam apenas o convencimento
do juiz sobre o crime.405
Sobre este tema, define Guilherme de Souza Nucci que o corpo de delito ―é a existência do
crime (materialidade do delito)‖406, ou seja, ―e a verificação da prova da existência do crime,
feita por peritos, diretamente, ou por intermédio de outras evidências, quando os vestígios,
ainda que materiais desapareceram.‖45
Para diagnosticar o corpo de delito é necessário ainda a caracterização dos vestígios, ou
seja, ―o rastro, a pista ou o indício deixado por algo ou alguém‖45, destaca Guilherme de
Souza Nucci que ―há delitos que deixam sinais aparentes de sua prática, como ocorre com o
homicídio, uma vez que se pode visualizar o cadáver.‖45
Desta forma, percebe-se que o Código de Processo Penal preocupa-se com os crimes que
deixam rastros passiveis de constatação e registro, obrigando-se, no campo das provas à
realização do exame de corpo de delito, expresso no artigo 158 do diploma.
Esta obrigação imposta pelo código retrata da importância que a perícia exerce, sabendo-se
que no próprio Código de Processo Penal traz a consequência da não realização da perícia
para o processo penal, veja-se o art. 564 do diploma, o qual define em que hipóteses
ocorrerão às nulidades no processo penal.
Artigo. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:
(...)
III. Por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:
(...)
b. O exame do corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no
art. 167.407
Nota-se que na parte final da alínea ―b‖ do artigo supra, tem-se a expressão ressalvado o
disposto no artigo 167, isto nada mais é do que uma ressalva do legislador em casos em
que fica impossibilitado em se realizar o exame pericial.
Guilherme de Souza Nucci afirma que muitas vezes o delinquente ―faz o possível para oculta
sua ação, escondendo o cadáver, as lesões leves, as quais curadas desaparecem, a troca
da porta arrombada, e entre outros, podendo ser substituídos por testemunhas, suprindo
assim o exame de corpo de delito.‖408
Nesta linha de raciocínio, o autor Aury Lopes Junior separa de forma clara a situação
encontrada no artigo 564, III, b, do Código de Processo Penal. Primeiramente, como visto, a
404
VADE. Mecum. Código de Processo Penal. DL n˚ 3.689/1941. São Paulo. Saraiva, 2012
JUNIOR. Aury Lopes. Direito Processual Penal. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 617.
406
NUCCI. Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 392.
407
MECUM. Vade. Código de Processo Penal. DL n˚ 3.689/1941. São Paulo. Saraiva, 2012.
408
NUCCI. Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 7 ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2008. p. 376.
405
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
regra é, os crimes que deixam vestígios e materialidade é necessária à perícia, ou seja, o
exame de corpo de delito, sobre isso, o autor divide o exame em corpo de delito em direto e
indireto.
O exame de corpo de delito direto é ―quando a análise recai diretamente sobre o objeto, ou
seja, quando se estabelece uma relação imediata entre o perito e aquilo que esta sendo
periciado.‖409 Sendo assim, ―essa é a regra: a materialidade (existência) dos crimes que
deixam vestígios deve ser comprovada através de exame de corpo de delito direto.‖48
A excepcionalidade é o exame de corpo de delito indireto, é aquele caracterizado no artigo
167 do Código de Processo Penal, como visto anteriormente nas palavras de Guilherme de
Souza Nucci.
Sobre isto, Aury Lopes Junior destaca que o exame de corpo de delito indireto ―é uma
exceção excepcionalista, admitido quando os vestígios desaparecem e a prova testemunhal
vai suprir a falta do exame direto. Mas não só ela; também pode haver a comprovação
indireta através de filmagens, fotografias, gravações de áudio etc.‖48
De fato que se percebe certa diferença, se o exame de corpo de delito é para aqueles casos
em que exista a materialidade do crime, caracterizando assim o exame direto, o exame
indireto é cabível naqueles casos em que a perícia seja feita nas fotografias, filmagens, no
depoimento das testemunhas. Pois o próprio Aury Lopes Junior disse que a perícia em si
serve para sanar possíveis dúvidas do magistrado, enquanto que o exame de corpo de
delito é descobrir as formas e métodos que o agente se utilizou para a prática do crime.
Denota-se um problema que ocorre na prática, Aury Lopes Junior diz que ―na prática isso
não é observado, e o chamado exame indireto acaba sendo a produção de outras provas
(testemunhal, fotografias etc.) para suprir a falta do exame direto.‖410 Ou seja, ―o chamado
exame indireto não é, tecnicamente, um exame indireto, senão o suprimento da falta de
exame direto por outros meios de prova.‖49
Veja-se a opinião de Aury Lopes Junior quanto a esta temática:
Deve ficar claro que a impossibilidade da realização do exame há de ser compreendida
apenas pela inexistência de base material para a realização direta, a dizer, quando o exame
não é realizado no momento oportuno pela desídia do Estado, ou sua realização é
imprestável pela falta de aptidão técnica dos operadores encarregados de fazê-lo, não há
que onerar o réu com uma prova indireta em vez daquela que poderia ter sido
imediatamente realizada. 411
Conforme abordado, percebe-se que o exame de corpo de delito, nos crimes materiais é de
suma importância para caracterizar a forma e/ou métodos utilizados para prática do delito,
enquanto que as outras formas de perícias são utilizadas para sanar dúvidas decorrentes no
processo penal corroborando com o juiz para o julgamento.
Nota-se que em virtude muitas vezes da falta da materialidade, estão buscando em outros
meios de provas, como a fotografia, a testemunha, as filmagens, onerarem o réu com o fato
praticado, ou seja, na falta da materialidade estes meios de provas que seriam uteis para
auxiliarem o juiz em possíveis dúvidas estão sendo utilizadas para imputar o agente do
crime praticado.
Nesta linha de pensamento, o autor Aury Lopes Junior foi claro a definir que na falta de
realizar o exame no momento certo ou pela demora do Estado em elaborar a perícia, não
pode o réu sofrer com as consequências, sendo este imputado, cabendo nesses casos à
hipótese do artigo 564, III, b do Código de Processo Penal, nulidade do processo.
Percebe-se que há muita discussão a respeito do tema, mas uma coisa é certa, existe e
sempre irá existir a necessidade da prova pericial, pois como analisado, esta é utilizado
tanto para a acusação, comprovando os indícios e materialidade quanto ao réu para a sua
defesa, pois, para o juiz o que se leva em conta são as provas produzidas no processo
penal, o qual servirá para julgamento da lide.
Para a Jurisprudência Brasileira, essa questão do exame de corpo de delito direto ser
409
JUNIOR. Aury Lopes. Op. Cit. p. 619.
JUNIOR. Aury Lopes. Op. Cit. p. 620.
411
JUNIOR. Aury Lopes. Op. Cit. p. 620.
410
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
substituído pelo exame de corpo de delito indireto já possui decisões quanto a isto, veja-se a
decisão do STJ HC 33.300/ RJ, Rel. Min. Laurita Vaz 5ª. Turma, DJ 09/05/2005.
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO
CONSUMADO E TENTADO. EXAME DE CORPO DE DELITO NÃO REALIZADO. PROVA
TESTEMUNHAL. SUPRIMENTO. ART. 167 DO CPP. OFENSA AO PRINCÍPIO DA
SOBERANIA DOS VEREDICTOS. TEORIA DAS NULIDADES PROCESSUAIS. ARTS. 563
E 565 DO CPP. ARGUIÇÃO DE NULIDADE QUE NÃO APROVEITA AO RÉU. AUSÊNCIA
DE PREJUÍZO.
A simples ausência de laudo de exame de corpo de delito da vítima não tem o condão de
conduzir à conclusão de inexistência de provas da materialidade do crime, se nos autos
existem outros meios de prova capazes de convencer o julgador quanto à efetiva ocorrência
do delito, como se verifica na hipótese vertente. Aplicação do art. 167 do CPP.412
Por mais que o código de processo penal exija o exame de corpo de delito direto, a
jurisprudência pátria está admitindo a comprovação do delito por outros meios de provas
cabíveis, desde que possíveis de sanar quaisquer dúvidas advindas no decorrer do
processo penal.
Em alusão ao tema, cabe ainda destacar um ponto importante na questão da prova pericial,
pois, como visto é de suma importância para a comprovação da autoria do crime, e nesta
linha de pensamento, Antonio Scarance Fernandes, José Raul Gavião de Almeida e
Maurício Zanoide de Moraes falam que no Brasil ―há regras gerais para as perícias e
algumas estão reguladas de forma destacada‖413, são aquelas definidas no item 4.3, e
salienta que o Código de Processo Penal não traz outras formas de perícias, de suma
importância, que são: ―perícia de voz para comprovação da autoria do dialogo objeto de
interceptação telefônica; exame de DNA para comparação de material genético do acusado
com material genético encontrado; perícias em discos rígidos nos crimes cometidos pela
internet.‖52
Os autores destacam que ―aumentam as preocupações com as perícias assentadas em
metodologias novas, ainda discutíveis, porque apresentam forte valor probatório, sendo
geralmente como conclusões verdadeiras, porque aparentemente científicas.‖414
Com os novos meios de tecnologias as perícias científicas estão se aperfeiçoando cada vez
melhor em busca do real método utilizado pelos agentes na prática do delito, contudo, difícil
é para o legislador acompanhar essas novas tecnologias, sendo assim, acaba surgindo
questionamento em virtude dessa matéria, e os autores supra já estão questionando os
novos métodos de prova pericial.
A respeito deste assunto, os doutrinadores Antonio Scarance Fernandes, José Raul Gavião
de Almeida e Maurício Zanoide de Moraes, apontam o relatório da XX Jornada Iberoamericana de Direito Processual apresentada inclusive por Antonio Scarance Fernandes, o
qual retrata o seguinte problema:
Os problemas de atipicidade da prova pericial derivam do fato de serem realizadas perícias
não regulamentadas, ou seja, perícias atípicas, como por exemplo, a perícia de
reconhecimento de voz. Os relatórios informam a existência de normas genéricas sobre a
produção das perícias e a previsão de procedimentos específicos para algumas perícias,
mas, principalmente ante o desenvolvimento tecnológico e as novas técnicas de
investigação, referem-se à necessidade de realização de perícias não reguladas. Seguemse nesses casos as regras genéricas sobre a prova pericial, e se existente, forma análoga
de produção da prova. O problema é muitas vezes mais de ordem técnica, ou seja, sobre a
maneira de se realizar a perícia, do que jurídico.415
Percebe-se a preocupação dos doutrinadores quanto à realização da prova pericial, o atual
412
Id. Ibid. p. 621.
FERNANDES. Antonio Scarance. ALMEIDA, José Raul Gavião de. MORAES, Maurício Zanoide
de. Provas no Processo Penal Estudo Comparado. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 19
414
FERNANDES. Antonio Scarance. ALMEIDA, José Raul Gavião de. MORAES, Maurício Zanoide
de. Op. Cit. p. 19.
415
Id. Ibid. p. 68.
413
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Código de Processo Penal traz consigo as formas e métodos de perícias de forma genérica,
ou seja, como lembrado pelos doutrinadores, existe a questão do desenvolvimento
tecnológico o qual exige que o legislador comece a se preocupar com os novos meios,
dando suporte para que os peritos possam desenvolver seus trabalhos, especificando cada
vez mais este instituto.
Veja-se como exemplo o caso de perícia em informática, não existe uma especificação
quanto ao assunto, dificultando as partes no momento dos levantamentos de quesitos.
Neste tipo de perícia as formas são varias, desde arquivos salvos em HDs, para combater
crimes de pedofilia, até mesmo em descobrir e-mails enviados/recebidos pelo usuário.
Os autores Antonio Scarance Fernandes, José Raul Gavião de Almeida e Maurício Zanoide
de Moraes apresentam ainda que ―a disciplina da prova é um dos temas mais relevantes
para o direito processual, uma vez que a decisão judicial é motivada a partir das pretensões
das partes fundadas nas provas produzidas ao longo do processo.‖416
E estes ainda lecionam:
A importância da disciplina da prova na teoria geral do processo é ainda mais acentuada no
processo penal, pois, só a prova cabal do fato criminoso é capaz de superar a presunção de
inocência do acusado, que representa a maior garantia do cidadão contra o uso arbitrário do
poder punitivo.417
Imprescindível não admitir a necessidade da perícia para o processo penal. Ao juiz, como se
pode definir, é uma pessoa pela qual não se sabe o motivo da lide, restando apenas, a ele,
averiguar no decorrer do processo, as provas levantadas pelas partes, e julgar o caso
conforme o levantamento das provas e das perícias realizadas, através dos laudos periciais.
Para as partes, tanto o Ministério Público quanto ao réu, vide de regra utiliza-se para
incriminar quanto para desqualificar a imputação do réu, cabendo a estes, através do
levantamento de provas e das perícias no decorrer do processo apresentar ao juiz para que
a decisão possa ser conforme o abordado. Pois, ao réu o que mais lhe interessa é o direito à
liberdade.
Por fim, salienta-se discutir, frente ao processo penal, se existe uma possível violação
quanto ao princípio constitucional, qual seja, o Princípio do Contraditório, pois, por se tratar
de prova pericial no decorrer do processo, cabe analisar na visão dos doutrinadores se a
prova pericial se exime de tal violação.
4.4.1. A Prova Pericial e “Possível” Violação ao Princípio do Contraditório
Como analisado anteriormente, sobre a prova pericial, ressalta-se se a produção desta pode
violar de alguma forma o princípio do Contraditório previsto constitucionalmente.
Em virtude deste princípio, o conceito dele perante a Constituição Federal se dá na seguinte
maneira:
O principio do contraditório como sabido figura como um dos mais importantes no processo
acusatório, garantia constitucional que assegura a ampla defesa do acusado, conforme
expresso inclusive na Carta Maior (art. 5º, LV). Segundo tal principio o acusado goza do
direito de defesa sem restrições, repita-se – sem restrições – em todo processo, destarte,
deve estar assegurada a igualdade das partes. 418
Na mesma linha de raciocínio, o doutrinador Joaquim Canuto Mendes de Almeida aborda o
princípio do contraditório na esfera do processo penal, e que na visão deste tem-se:
A verdade atingida pela justiça pública não pode e não deve valer em juízo sem que haja
oportunidade de defesa ao indiciado. É preciso que seja o julgamento precedido de atos
416
417
418
Id. Ibid. p. 46.
Id. Ibid. p. 69.
Planalto. Revista Jurídica. Lesão ao Princípio do Contraditório e da Isonomia na esfera da
Instância Superior no que pertence a manifestação da Procudoria de Justiça. Disponivel em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/rev_87/artigos/PDF/Tarcisio_Edson_Rev87.pdf.>
acessado em: 04/10/12.
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
inequívocos de comunicação ao réu: de que vai ser acusado; dos termos precisos dessa
acusação; e de seus fundamentos de fato (provas) e de direito. Necessário também é que
essa comunicação seja feita a tempo de possibilitar a contrariedade: nisso está o prazo para
conhecimento exato dos fundamentos probatórios e legais da imputação e para a oposição
da contrariedade e seus fundamentos de fato (provas) e de direito.419
Na visão de Antônio Scarance Fernandes, destaca que o princípio do contraditório no
processo penal possui dois elementos que são essências para a sua aplicação que são a
―necessidade de informação e possibilidade de reação‖420, e o mesmo ainda diz o seguinte a
respeito deste princípio, veja-se:
No processo penal é necessário que a informação e a possibilidade de reação permitam um
contraditório pleno e efetivo. Pleno porque se exige a observância do contraditório durante o
desenrolar da causa, até seu encerramento. Efetivo porque não é suficiente que se dê às
partes a possibilidade formal de se pronunciar sobre os atos da parte contrária, sendo
imprescindível que lhe sejam proporcionados os meios para que tenha condições reais de
contrariá-los. 59
Em síntese, o princípio do contraditório no Processo Penal tem como finalidade garantir para
as partes o direito às informações no decorrer do processo, bem como o direito de defesa
desde o início da ação até seu fim. Mas em relação à produção de provas, como pode ser
caracterizado este princípio nesta fase, será que existe alguma violação, na visão de
Eugênio Pacelli de Oliveira tem-se a seguinte definição:
Como regra, vimos que todas as provas devem se submeter ao contraditório, devendo
também ser produzidas diante do juiz, na fase instrutória. Isso porque, a prova produzida na
fase investigatória tem por objetivo o convencimento e a formação do órgão da acusação.
Recebida a denúncia ou queixa, todas elas, em princípio, deverão ser repetidas.421
Como mencionado por Eugênio Pacelli de Oliveira as provas devem ser produzidas diante
do juiz, isso aconteceu com o advento da lei 11.690/08 que trouxe inovações nos meios de
provas, conforme visto no item 3.3, o qual trouxe a possibilidade do assistente técnico,
desde que apreciado pelo juiz, porém, o que realmente acontece na visão de Eugênio
Pacelli de Oliveira é que
O contraditório somente será realizado já perante a jurisdição, e limitado ao exame acerca
da idoneidade do profissional responsável pela perícia e das conclusões por ele alcançada,
quando já perecido o material periciado. Nesse campo, o objeto da prova, na maior parte
das vezes, será a qualidade técnica do laudo, e, particularmente, o cumprimento das
normas legais a ele pertinentes, por exemplo, a exigência de motivação, de coerência, de
atualidade e idoneidade dos métodos. 60
Nesta visão, encontra-se Luiz Flávio Gomes, o qual explica que o princípio do contraditório
no processo penal, na questão da produção de provas, existe, e o define da seguinte
maneira:
Toda prova admite a contraprova, não sendo admissível a valoração de uma delas sem o
conhecimento da outra parte. O princípio do contraditório exige prévia intimação e
oferecimento de oportunidade para as partes se manifestarem sobre qualquer prova
produzida no processo. 422
419
ALMEIDA. Joaquim Canuto Mendes de. Princípios Fundamentais do Processo Penal. São
Paulo. Saraiva, 2012. p. 86. Disponivel em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/rev_87/artigos/PDF/Tarcisio_Edson_Rev87.pdf.>
Acessado em: 04/10/12.
420
FERNANDES. Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 2 ed. São Paulo. Revista dos
Tribunais, 2000. Disponível em:
<http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile.> Acessado em: 04/10/12.
421
OLIVEIRA. Eugênio Pacelli. Op. Cit. p. 377.
422
GOMES. Luiz Flávio. Direito Processual Penal. 6 ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2005. p.
183.
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
Interessante destacar que o contraditório será exercido de duas formas no processo penal,
que pode ser o direto ou diferido, ―o primeiro é exercido no momento da produção da prova,
já, o segundo após a sua produção.‖60
Na lição de Aury Lopes Junior aborda o princípio do contraditório no processo penal,
conceituando-o como ―o direito de ser informado e de participar no processo‖423 ou seja, é
do direito, o dever do ―conhecimento completo da acusação, o direito de saber o que está
ocorrendo no processo, de ser comunicado de todos os atos processuais‖62., a própria regra
do princípio, não podendo existir, de qualquer forma, certo segredo sobre o que acontece na
fase proecssual.
Já com relação a produção de provas, Aury Lopes Junior destaca que o princípio do
contraditório deve ser observado em quantro pontos importantes, destaca-se:
a.
Postulação (denúncia ou defesa prévia): contraditório está na possibilidade de
também postular a prova, em igualdade de oportunidades e condições;
b.
Admissão (pelo juiz): contraditório e direito de defesa concretizam-se na
possibilidade de impugnar a decisão que admite a prova;
c.
Produção (instrução): o contraditório manifesta-se na possibilidade de as partes
participarem e assistirem a produção da prova;
d.
Valoração ( na sentença): o contraditório manifesta-se através do controle da
racionalidade da decisão (externada pela fundamentação) que conduz à possibilidade de
impugnação pela via recursal. 62
Por mais que o princípio do contraditório não está expressamente previsto no Código de
Processo Penal pode-se perceber através de uma análise que o legislador o colocou de
alguma forma para que o fosse respeitado, conforme preceitua a Constituição Federal,
sendo assim, Aury Lopes Junior apresenta quais os direitos que as partes, no Processo
Penal tem, do levantamento das provas perícias, que são:
a.
Requerer sua produção;
b.
Apresentar quesitos até o ato da diligência (art. 176);
c.
Se possível, pela natureza do ato, acompanhar a colheita de elementos pelos peritos
(extração de sangue, vestígios químicos no local etc.);
d.
Manifestar-se sobre a prova, podendo requerer nova perícia, sua complementação
ou esclarecimento dos peritos;
e.
Obter uma manifestação do juiz sobre a prova pericial realizada.424
Provém afirmar que de alguma forma o legislador buscou acoplar o principio do contraditório
no processo penal, em virtude de não deixar as partes, no momento do processo, sem
nenhuma informação quanto o levantamento de provas, dando a elas, como visto, as
hipóteses supra para sanar qualquer violação do principio.
CONCLUSÃO
Com base nas análises literárias, este artigo buscou definir, na visão de doutrinadores,
desde o conceito da prova pericial, discutindo a sua natureza jurídica e as formas que o
Código de Processo Penal admite para a elaboração da perícia.
Contudo, visto que existe uma discussão acerca da importância da perícia para a
comprovação da materialidade em virtude de os tribunais brasileiros adotarem medidas
diferenciadas naqueles casos que faltam a materialidade, mas, os doutrinadores são claros
em dizer que a regra é clara quanto a isso, o código de processo penal exige a perícia nos
crimes de materialidade não podendo assim o estado imputar algo contra o agente sem o
devido laudo.
Por fim, destacou e abordou se efetivamente existe uma possível violação quanto ao
principio do contraditório e nessa linha, percebe-se que, os doutrinadores foram claros em
423
JUNIOR. Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 2 ed. Rio
de Janeiro. Lumen Juris, 2008. p. 503.
424
JUNIOR. Aury Lopes. Op. Cit. p. 554.
COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013
afirmar que com a inovação da lei 11.690/08, o legislador procurou atribuir ao código de
processo penal, especificamente no que tange as provas periciais o principio de forma
implícita.
COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013
REFERENCIAS
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GOMES. Luiz Flávio. Direito Processual Penal. 6 ed. São Paulo. Revista dos Tribunais,
2005.
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JUNIOR. Aury Lopes. Direito Processual Penal. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
NUCCI. Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 7 ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008.
NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6 ed.
Revista dos Tribunais. São Paulo, 2010.
OLIVEIRA. Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 11 ed. Rio de Janeiro. Lumen
Juris, 2009. p. 372.
Planalto. Revista Jurídica. Lesão ao Princípio do Contraditório e da Isonomia na
esfera da Instância Superior no que pertence a manifestação da Procudoria de
Justiça. Disponivel em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/rev_87/artigos/PDF/Tarcisio_Edson_Rev87.pd
f.> acessado em: 04/10/12.
VADE. Mecum Código de Processo Penal. DL n˚ 3.689/1941. São Paulo. Saraiva, 2012.
COLÓQUIO
DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
231
O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE HUMANA E O DIREITO SOCIAL À
SAÚDE A LUZ DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E SEUS POSSÍVEIS IMPEDIMENTOS
(DIREITOS FUNDAMENTAIS)
CHARLES NEDEL425
JOSÉ LUIZ FARIAS426
COLÓQUIO DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
RESUMO:
Entre os direitos fundamentais, temos os direitos sociais previstos no artigo 6º da
Constituição Federal Brasileira de 1988, subsumindo-se à noção dos direitos de
segunda dimensão. Trata-se de resultado do processo de constitucionalização dos
direitos humanos, com vistas à positivação e efetividade do princípio da dignidade
humana. Referidos direitos impõem ao Poder Público a satisfação do dever de
prestação positiva, consistente em um facere do Estado. Este artigo teve como
objetivo geral analisar a possibilidade de o Estado exonerar-se do dever constitucional
de oferecer e garantir os direitos sociais com fundamento na alegação da teoria da
reserva do possível que consiste no fenômeno econômico da limitação de recursos
financeiros pelo Estado.
PALAVRAS-CHAVE:Direitos Fundamentais Sociais. Efetividade. Teoria da Reserva
do Possível.
ABSTRACT:
Among the fundamental rights we have the social rights, a constitutional right
extended to all, pursuant to provisions of Article 06 of the Federal Constitution [of
Brazil]. The social rights being conceived of within the notion of second dimension
rights. They are the result of the process of constitutionalization of human rights,
seeking to bring assertion and effectiveness into the principle of human dignity. Such
rights impose upon the Public Power the enforcement of the duty of positive
performance, consisting of a mandate to do or facere on the part of the State. This
article had the general scope of analyzing the possibility of the State to exempt itself
from the constitutional must of delivering and guaranteeing social rights with grounds
on allegation of the theory of reservation based on feasibility, even within a limited
scale of choices over public policies and a universe bound by scarce financial
resources.
KEYWORDS: Social rights. Effectiveness. Reservation based on Feasibility Theory
425
426
Professor mestre da Faculdade Anglo-Americano –disciplina Saúde Pública- Médico,
especialista em Dermatologia, especialista em Gestão em Saúde Pública, mestre em
Saúde e Meio Ambiente, acadêmico do Centro Universitário Dinâmica das Cataratas;
[email protected];
Acadêmico do Curso de Direito no Centro Universitário Dinâmica das Cataratas em Direito.
E-mail: ; [email protected]
COLÓQUIO
DE DIREITO
27 E 28 DE MAIO DE 2013
232
INTRODUÇÃO: A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Em relação a evolução dos direitos fundamentais, os mesmos são historicamente
classificados e segmentados em gerações, todas distintas uma das outras, e não
existindo hierarquia entre estes direito. A distinção se dá, como instrumento
delimitador em relação ao período histórico em que surgiram, tutelando desta forma,
novos direitos. Portanto, todos os direitos inerentes às gerações, possuem a mesma
relevância, apesar da tradicional classificação em três gerações de direitos
fundamentais, o cenário jurídico hodierno observa o nascimento de uma nova geração,
com tentativas de enquadrá-la como a quarta geração. Compreendem nesta categoria,
os novos direitos decorrentes da evolução social contemporânea e o processo de
mundialização, com questões relativas à genética, à informática, e à difusão do
conhecimento.
Os direitos de primeira geração, reafirmam uma obrigação de prestação negativa por
parte do Estado, confirmando um não agir estatal. Ressaltasse entre esses, os direitos
civis e políticos, classicamente determinados nas liberdades, como o direito de
propriedade, direito à vida e à segurança. Os eventuais desmandos praticados pelo
Estado, seriam mitigados com o efetivo exercício dessa geração de direitos.
Os chamados direitos de segunda geração, correspondem aos direitos sociais, entre
esses os direitos econômicos e sócio-culturais. Determinando ao Estado uma
prestação positiva, uma ação concreta em benefício da pessoa que necessitar desses
direitos, assegurando a plenitude prestacional no que concerne a dignidade da pessoa
humana.
Já os direitos de terceira geração, também denominados coletivos, orientam uma
determinação obrigacional do Estado em proteger a coletividade, e não somente o ser
humano isoladamente. Desta forma, também são designados como direitos de
solidariedade. São desta geração os direitos ambientais, e de grupos específicos,
como aqueles destinados às mulheres, crianças, idosos, consumidores e movimentos
sociais.(BOBBIO, 1992)
Ao se ater primordialmente na discussão acerca dos direitos sócias, cabe ressaltar
que, ao contrário da maioria dos direitos individuais tradicionais, cuja proteção exige a
intervenção estatal na preservação de sua inviolabilidade, os direitos sociais não
podem simplesmente serem atribuídos aos cidadãos. Assim, a Constituição prevê que
os Direitos Sociais sejam garantidos por meio de uma ação concreta do Estado que
contempla a implementação de políticas públicas.
Estes direitos sociais vêm para mitigar as diferenças sociais, em especial aquelas de
caráter eminentemente econômico, podendo ser representadas principalmente pelas
políticas públicas voltadas à área do trabalho e emprego, previdência social, saúde,
lazer, educação, em suma, à manutenção satisfatória do ser humano e sua família.
Assim, para a implementação destes direitos é necessário a efetiva ação estatal no
sentido de propiciar aos seus cidadãos esse atendimento minimamente dispensado à
sua existência. A finalidade principal é o respeito a sua dignidade, com proteção ao
poder estatal e a garantia das condições mínimas de vida e desenvolvimento do ser
humano, ou seja, visa garantir o respeito à vida, à liberdade, à igualdade e a
dignidade, para o pleno desenvolvimento de sua personalidade.
No Brasil, os direitos sociais foram se estabelecendo gradativamente, atingindo seu
ápice no ano de 1988, com a promulgação da Constituição, também chamada
Constituição cidadã. A partir de então o atendimento a estas necessidades foi
amplamente garantido pela carta, sendo o seu descumprimento uma violação grave à
cidadania e à dignidade humana. (SARLET, 2001)
COLÓQUIO
DE DIREITO
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233
DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Quando se discutem políticas de saúde no Brasil de hoje não se podem ignorar os
artigos 6º e 196 da Constituição Federal de 1988, que reconhecem a saúde como
direito fundamental das pessoas e dever do Estado. Um assunto que até 1988 era
primordialmente técnico e político passou a ser também jurídico e de ordem
constitucional. A Constituição Federal de 1988, trouxe em seu Título II, os Direitos e
Garantias Fundamentais, subdivididos em cinco capítulos:
a- Direitos individuais e coletivos: são os direitos ligados ao conceito de pessoa
humana e à sua personalidade, tais como à vida, à igualdade, à dignidade, à
segurança, à honra, à liberdade e à propriedade. Estão previstos no artigo 5º e seus
incisos;
b- Direitos sociais: o Estado Social de Direito deve garantir as liberdades positivas aos
indivíduos. Esses direitos são referentes à educação, saúde, trabalho, previdência
social, lazer, segurança, proteção à maternidade e à infância e assistência aos
desamparados. Sua finalidade é a melhoria das condições de vida dos menos
favorecidos, concretizando assim, a igualdade social. Estão elencados a partir do
artigo 6º;
c- Direitos de nacionalidade: nacionalidade, significa, o vínculo jurídico político que liga
um indivíduo a um certo e determinado Estado, fazendo com que este indivíduo se
torne um componente do povo, capacitando-o a exigir sua proteção e em contra
partida, o Estado sujeita-o a cumprir deveres impostos a todos;
d- Direitos políticos: permitem ao indivíduo, através de direitos públicos subjetivos,
exercer sua cidadania, participando de forma ativa dos negócios políticos do Estado.
Esta elencado no artigo 14;
e- Direitos relacionados à existência , organização e a participação em partidos
políticos: garante a autonomia e a liberdade plena dos partidos políticos como
instrumentos necessários e importantes na preservação do Estado democrático de
Direito. Esta elencado no artigo 17.
De tal importância a Saúde apresentou-se ao poder constituinte, que a vigente
Constituição da República Federativa do Brasil, além de incluí-la entre os direitos
sociais, dedicou seção exclusiva ao tema (Título VIII, Capítulo II, Seção II, arts. 196 ao
200). O art. 196 assim expressa:
"A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação".
A Carta Política de 1988 consagra como fundamento da República, em seu art. 1º, inc.
III, a Dignidade da Pessoa Humana. Mais ainda, o art. 5º, caput, garante a todos o
direito à vida, bem que deve ser resgatado por uma única atitude responsável do
Estado, qual seja, o dever de fornecimento da medicação e/ou da intervenção médica
necessária a todo cidadão que dela necessite. O Direito à Saúde, além de qualificarse como direito fundamental que assiste a todas as pessoas, representa conseqüência
constitucional indissociável do direito à vida, e a uma vida digna.
A Saúde, desta forma, encontra-se entre os bens intangíveis mais preciosos do ser
humano, digna de receber a tutela protetiva estatal, porque se consubstancia em
característica indissociável do direito à vida. A
atenção à Saúde constitui um
direito de todo cidadão e um dever do Estado, devendo estar plenamente integrada às
políticas públicas governamentais.
Não é razoável, nem constitucional, que o Poder Público deixe de fornecer
medicamentos e terapias, e, assim, salvar vidas de pessoas, sob a alegação de falta
de reserva orçamentária. A questão gira em torno da análise concreta do desrespeito
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à Constituição pelo Poder Público e da necessidade de implementação de direito
social fundamental. (CRUZ, 2004)
O PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL OU PRINCÍPIO DA RESERVA DE
CONSISTÊNCIA. PRIMEIRO IMPEDIMENTO
De construção jurídica germânica, e originária de uma ação judicial que objetivava
permitir a determinados estudantes cursar o ensino superior público embasada na
garantia da livre escolha do trabalho, ofício ou profissão. Neste caso, ficou decidido
pela Suprema Corte Alemã que, somente se pode exigir do Estado a prestação em
benefício do interessado, desde que observados os limites de razoabilidade. Os
direitos sociais que exigem uma prestação de fazer estariam sujeitos à reserva do
possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da
sociedade, ou seja, justificaria a limitação do Estado em razão de suas condições
sócio-econômicas e estruturais.
Por outro lado, de acordo com o artigo 7º, IV, da Constituição Federal, o mínimo
existencial seria o conjunto de bens e utilidades básicas imprescindíveis para uma
vida com dignidade, tais como a saúde, a moradia e a educação fundamental. Violarse-ia, portanto, o mínimo existencial quando da omissão na concretização de direitos
fundamentais inerentes à dignidade da pessoa humana, onde não há espaço de
discricionariedade para o gestor público. Torna-se importante, pois, que se amplie, ao
máximo, o núcleo essencial do direito, de modo a não reduzir o conceito de mínimo
existencial à noção de mínimo vital. Ressaltando-se que, se o mínimo
existencial fosse apenas o mínimo necessário à sobrevivência, não seria preciso
constitucionalizar o direito social, bastando reconhecer o direito à vida.
O uso da doutrina constitucional alemã, por vezes é utilizada para inviabilizar um maior
controle das políticas sociais por parte dos tribunais. Essa posição é discutível e, na
verdade, não corresponde às exigências de um Direito Constitucional Comparado
produtivo e cientificamente coerente. (SILVA, 2007)
A CONSTRUÇÃO DO CRITÉRIO MATERIAL DA RESERVA DO POSSÍVEL.
SEGUNDO IMPEDIMENTO
Toda norma infraconstitucional imanada deve respeitar os ditames constitucionais
inerentes aos direitos sociais estabelecidos, sendo qualquer determinação contrária
absolutamente vedada. O atendimento integral ao cidadão que não possua condições
próprias de manutenção passa a ser responsabilidade do Estado, que internalizou em
sua sistemática a adoção de políticas públicas para atender este fim.
O direito à saúde, além da previsão constitucional, também está disciplinado na
legislação ordinária, mais especificamente, na Lei nº 8.080/90. O Artigo 2º da referida
norma dispõe que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o
Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
O Artigo 4º da mesma Lei preleciona que a prestação dos serviços de saúde por parte
do poder público federal, estadual e municipal constitui o Sistema Único de Saúde
(SUS), determinando a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção,
proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais
e das atividades preventivas, compreendendo ainda a assistência terapêutica integral,
inclusive farmacêutica.
Se o Estado, a partir dos direitos fundamentais de segunda geração, passa a se
encarregar de prover ao cidadão suas condições básicas de existência, como vai arcar
com esse custo? Apesar da arrecadação realizada através da atividade tributária, o
emprego destas receitas deve ser equilibrado conforme as diferentes demandas
estatais.
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Uma vez que são múltiplos os gastos – segurança, sistema de transportes e
educação, apenas a título de ilustração - cabe ao Estado o planejamento eficaz do
emprego de seus recursos.
Neste ambiente de escassez, onde as despesas nem sempre estão adequadas às
receitas, surgiu o critério da ―Reserva do Possível, que afirma que o Estado nem
sempre está apto financeiramente a atender a todas as demandas de prestação social.
Nesta esteira, o que este critério determina é que, o atendimento pleno aos direitos
fundamentais sociais está condicionado à capacidade financeira do poder público, ou
seja, a construção de direitos subjetivos à prestação material de serviços públicos pelo
Estado está sujeita à condição da disponibilidade dos respectivos recursos. (KRELL,
2002)
Porém, uma vez que os direitos fundamentais estão garantidos na Constituição
Federal, base de todo o sistema jurídico e elemento intrínseco à própria organização
nacional, surge a questão: poderia o Estado que concede tais direitos, se esquivar de
cumpri-los sob a alegação de insuficiência de recursos materiais? A doutrina assim
esclarece:
A construção dogmática da reserva do possível (Vorbehalt des Möglichen) para
traduzir a idéia dos direitos sociais só existe quando e enquanto existir dinheiro nos
cofres públicos. Um direito social sob ―reserva de cofres públicos cheios‖ equivale,
na prática, a nenhuma vinculação jurídica razoável e possível do Estado, em sede de
direitos sociais se reconduz à garantia do mínimo social (CANOTILHO, 2002)
DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO DIREITO BRASILEIRO. TERCEIRO
IMPEDIMENTO
Não obstante a utilização do princípio da isonomia, poder ser utilizado como
ferramenta de implementação da igualdade social, o tratamento considerado desigual,
no tocante a saúde, não legitima a plenitude dos direitos fundamentais. A igualdade
traz consigo a base do Estado Democrático de Direito, estabelecendo que todos os
cidadãos possuam condição idêntica, proibindo distinções positivas ou negativas,
extinguindo privilégios e discriminações de qualquer espécie.
Tendo em vista que todas as pessoas sob a égide deste Estado Democrático gozam
dos mesmos direitos e prerrogativas, o critério econômico muitas vezes é o limitador
ao exercício da cidadania plena. Sendo o Brasil, um país, cercado de desigualdades,
principalmente no campo social e consequentemente ao acesso à saúde, desta forma
cumpre ao próprio Estado a implementação das políticas necessárias ao atendimento
de objetivos, a princípio, dessemelhantes.
Assim, a constatação de que, apesar de iguais em direitos, os cidadãos não possuem
as mesmas possibilidades em face das disparidades financeiras, a parcela da
população mais carente recebe determinados benefícios. É a chamada discriminação
positiva. Percebe-se que o tratamento desigual em alguns casos, é o caminho para
que se possa atingir o equilíbrio e a moderação entre as pessoas e situações. Não
obstante, a discriminação seletiva que legitima a isonomia, não pode deixar
desassistidos parcelas da população, ditas privilegiadas.
Esse agir do Estado na construção de uma sociedade mais justa e igualitária muitas
vezes determina práticas, a priori, desiguais. Isso porque a prática da igualdade exige
a tomada de decisões, elas não visam respostas certas, mas as respostas adequadas,
razoáveis. Não podendo conferir aos beneficiários, privilégios exclusivos em relação
ao restante da população.
Quando uma parcela da sociedade recebe uma prestação supletiva por parte do
Estado, esta deve ser adstrita somente àquilo que carecem. Critério este
extremamente difícil de mensuração pelo próprio subjetivismo implícito no quesito
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renda. Soma-se a Isso o fato de que o poder público também deve observar
rigorosamente seus limites financeiros bem como as determinações expressas de
gastos, como, por exemplo, o mínimo constitucional a ser investido em educação e
saúde.
No caso da saúde pública, em especial, o atendimento a determinadas necessidades
específicas – medicamentos de alto custo, cirurgias complexas, etc. – demanda um
gasto nem sempre passível de ser suportado pelas reservas públicas destinadas a
este fim.
Este conflito entre possibilidade e necessidade não é de fácil solução, uma vez que
estão em tela direitos fundamentais de um cidadão que não pode arcar com os gastos
de um tratamento de saúde e a capacidade financeira do Estado em arcar com este
ônus, sem, contudo, prejudicar os demais usuários do sistema.
Assim, uma vez presente o conflito entre direitos essenciais, o cidadão que não possui
capacidade econômica de suportar os gatos de um tratamento de saúde, e que
também não é atendido satisfatoriamente pelo sistema público, acaba buscando o
Poder Judiciário para ter assegurado seu direito a uma existência digna.(NICZ, 2008)
LIMITES ORÇAMENTÁRIOS E A DISCRICIONARIEDADE NO EMPREGO DAS
RECEITAS PÚBLICAS. QUARTO IMPEDIMENTO
Com a formação do Estado Social e os novos meios de atuação na delimitação da
ordem econômica, o orçamento público acaba se despindo de seu aspecto de
neutralidade e vem a se tornar um instrumento de gerência pública, de forma a
contribuir com o Estado nas várias fases do processo administrativo, aí
compreendidos o planejamento, a execução e o controle.
Esta atuação governamental que ordena a aplicação de seus recursos é bastante
rigorosa, restringindo as possibilidades de atuação dos administradores públicos. A
prévia determinação de como o dinheiro público deve ser gasto, sendo inclusive
estabelecidos percentuais mínimos a serem destinados aos serviços públicos
fundamentais, consiste em uma das formas mais rígidas de controle orçamentário.
Se esta previsão mínima tem a finalidade de garantir que, pelo menos, o quantum
fixado em lei seja efetivamente empregado nos setores de saúde, educação e
segurança, ao mesmo tempo acaba se mostrando uma restrição, um ‗engessamento‗
ao poder decisório do administrador, que, tendo que repartir a escassez orçamentária
entre os vários serviços demandados, raramente tem a possibilidade de ampliar a
destinação de recursos à saúde, por exemplo.
O Estado, apropriado pelo estamento dominante, é o provedor de garantias múltiplas
para os ricos e de promessas para os pobres. Em um País sem tradição de respeito
aos direitos, a constituinte termina sendo uma caça aos privilégios. Criam-se
diferentes castas dos que são mais iguais. Alguns conseguem um lugar sob o sol da
proteção constitucional direta. Outros ficam no mormaço das normas que sinalizam
o status, mas precisarão ser integradas pelo legislador infraconstitucional. A maioria
fica sob o sereno das normas programáticas, as que prometem saúde, cultura e
terceira idade tranqüila. Mas só quando for possível.(VAZ, 2009)
Mas se o Poder Executivo falha no momento de aplicar o dinheiro público – e isso
pelas mais variadas razões: desvios de verba falta de planejamento adequado ou até
mesmo por problemas estruturais – para o atendimento aos direitos concedidos pelo
Legislativo, ao usuário prejudicado pela má prestação do serviço resta procurar o
Judiciário para satisfazer sua pretensão.
Os direitos sociais estariam, portanto, "reféns" de opções de política econômica do
aparato estatal, eis que a reserva do possível traduz-se em uma chancela
orçamentária; trata-se de um princípio (implícito) decorrente da atividade financeira do
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Estado alusivo à impossibilidade de um magistrado, no exercício da função
jurisdicional, ou, até mesmo, o próprio Poder Público, de efetivar ou desenvolver
direitos, sem que existam meios materiais para tanto, o que consequentemente
resultaria despesa orçamentária oficial. A aferição desta disponibilidade é feita em
função do orçamento. Justifica-se que a concessão de determinadas prestações, ou
seja, a realização de determinados direitos, pode implicar a inviabilização da
consecução de outros.(FREITAS, 2007)
O PROBLEMA DA JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E DA POLITIZAÇÃO DO
JUDICIÁRIO
NO
SISTEMA
CONSTITUCIONAL
BRASILEIRO.
QUINTO
IMPEDIMENTO
De um lado, parece evidente que a legitimidade democrática conferida ao Parlamento
faz dele o Poder adequado para realizar as escolhas políticas a respeito das
prestações que o Estado realizará. De outro, ao Judiciário cabe conferir e garantir o
cumprimento das normas constitucionais, dentre as quais os direitos prestacionais.
Assim, debate-se até que ponto o Judiciário poderia legitimamente interferir de
maneira ativa na produção legislativa
Ocorre que a grande maioria dos magistrados brasileiros, quando são chamados a
julgarem essas situações estão ignorando a existência do acesso a esses direitos
mediante as vias administrativas, passando a não mais exercer subsidiariamente a
função de fiscalizadores das decisões dos outros poderes, mas sim, em realidade,
estão passando a exercê-las de forma plena, ou até prioritária, o que vem a ser uma
distorção no exercício de suas atribuições, dado que os mesmos carecem de qualquer
tipo de legitimidade para efetuarem este tipo de juízo.
Na verdade, um magistrado só apresenta uma legitimidade legal e burocrática, não
possuindo qualquer legitimidade política, para impor ao caso concreto sua opção
político-ideológica particular na eleição de um meio de efetivação de um direito
fundamental. Sucede que, em nosso sistema, os magistrados não são eleitos, mas
sua acessibilidade ao cargo dá-se por meio de concursos públicos, o que lhes priva de
qualquer representatividade política para efetuar juízos desta magnitude. Ademais, por
sua própria formação técnica e atuação no foro, é evidente que os magistrados são
incapazes de conhecerem as peculiariedades concretas que envolvem a execução de
políticas públicas que visam a realizar concretamente direitos fundamentais pela
Administração Pública. (MANICA, 2007)
Dessa forma, efetua-se uma ―politização‖ do Judiciário, uma vez que os magistrados
passam a efetuar, fundados na distorcida prerrogativa do chamado ―controle difuso‖,
inadequado à países de sistema romano-germânico, juízos eminentemente políticos.
Surge o chamado ―juiz político‖, que concretiza políticas públicas de forma
descomprometida, uma vez que não é responsabilizado pelo cumprimento da
alocação de recursos efetuada pelos orçamentos e planos plurianuais, nem goza de
qualquer espécie de representatividade política, ou mesmo compromisso políticopatidário e/ou com algum programa de governo específico.
Portanto, a implementação do Estado Social pelo Judiciário determina a chamada
judicialização da política, cuja prática deliberada ocasiona a politização do próprio
Judiciário. Isto implica em um abandono à prática democrática, pois a alocação dos
recursos estatais destinados à formulação e à execução de políticas públicas criadas
para efetivar os direitos fundamentais para toda comunidade, acaba sendo efetuada
por técnicos, os magistrados, que não possuem qualquer legitimidade política, para
somente alguns indivíduos, que são partes no processo, além de gerar, por outro lado,
o esvaziamento das funções precípuas do Parlamento.(CASTRO, 1997)
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PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, A VEDAÇÃO DO “EXCESSO”. SEXTO
IMPEDIMENTO.
Os direitos fundamentais, dada a carga axiológica neles inserida, típica de normasprincípios, vivem em um estado de tensão permanente, limitando-se reciprocamente.
Por esse motivo, havendo uma colisão entre direitos fundamentais, é possível limitar o
raio de abrangência de um desses direitos com base no princípio da
proporcionalidade, visando dar maior efetividade ao outro direito fundamental em jogo.
Serve, portanto, a proporcionalidade como critério de aferição da validade de
limitações aos direitos fundamentais. A doutrina, inspirada em decisões da Corte
Constitucional Alemã, tem apontado três dimensões ou critérios do princípio da
proporcionalidade: a adequação, a necessidade ou vedação de excesso e a
proporcionalidade em sentido estrito. Será possível uma limitação a um direito
fundamental se estiverem presentes na medida limitadora todos esses aspectos. Os
critérios acima mencionados correspondem, respectivamente, às seguintes perguntas
mentais que devem ser feitas para se analisar a validade de medida limitadora: ―a) o
meio escolhido foi adequado e pertinente para atingir o resultado almejado?; b) o meio
escolhido foi o ‗mais suave‘ ou o menos oneroso entre as opções existentes? c) o
benefício alcançado com a adoção da medida buscou preservar direitos fundamentais
mais importantes (axiologicamente) do que os direitos que a medida limitou? Sendo
afirmativas todas as respostas, será legítima a limitação ao direito fundamental.
Uma medida será adequada se atinge o fim almejado, exigível, por causar o menor
prejuízo possível e finalmente, proporcional em sentido estrito, se as vantagens que
trará superarem as desvantagens (GUERRA FILHO, 1997)
A proporcionalidade, na ótica do critério da estrita necessidade, também conhecido
como princípio da vedação de excesso, é capaz de evitar abusos que possam vir a
ocorrer sob o fundamento do direito à saúde. Por exemplo, se um determinado
tratamento médico pode ser feito no Brasil, a baixo custo, violaria o princípio da
proporcionalidade uma medida que determinasse que esse tratamento fosse feito no
exterior, acarretando uma maior onerosidade para o Poder Público. Também não seria
razoável garantir um tratamento de alguém que esteja acometido de stress, às custas
do Estado, em um determinado ‗SPA‘ em Gramado ou Campos de Jordão. A
proporcionalidade também exige que a solução seja adequada. Não seria, por
exemplo, adequada uma medida que proibisse o consumo de bebidas alcoólicas no
carnaval com a finalidade de diminuir os casos de disseminação do vírus da AIDS,
pois não há relação de causa e efeito entre álcool e disseminação do vírus da AIDS,
vale dizer, não existe adequação entre o meio utilizado (proibição de venda de bebida
alcoólica) e o fim visado (diminuição da disseminação do HIV). Inadequada, do mesmo
modo, seria uma decisão judicial que obrigasse o Poder Público a fornecer um
medicamento ineficaz a um paciente ou determinasse que o SUS arcasse com uma
cirurgia imprópria ao tratamento de uma dada doença. A medida deve ser adequada e
pertinente a atingir os fins almejados.
Como se pode perceber, o princípio da proporcionalidade não é útil apenas para
verificar a validade material de atos do Poder Legislativo ou do Poder Executivo que
limitem direitos fundamentais, mas também para, reflexivamente, verificar a própria
legitimidade da decisão judicial, servindo, nesse ponto, como verdadeiro limite da
atividade jurisdicional. O juiz, ao concretizar um direito fundamental, também deve
estar ciente de que sua ordem deve ser adequada, necessária (não excessiva) e
proporcional em sentido estrito. (BARROSO, 2002)
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DIREITO Á SAÚDE E SUA PRESTAÇÃO ESTATAL.
A Lei Orgânica da Saúde, Lei n. 8.080/90, regulamenta os artigos 196 e seguintes da
Constituição Federal e dispõe nos artigos 6º, inciso I, alínea "d" e 7º, incisos I e II:
―Art. 6º. Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema
Único de Saúde (SUS):
I - a execução de ações:
d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;
CAPÍTULO II
Dos Princípios e Diretrizes
Art. 7º. As ações e serviços públicos de saúde e os serviços
privados contratados ou conveniados que integram o Sistema
Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as
diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição Federal,
obedecendo ainda aos seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos
os níveis de assistência;
II - integralidade de assistência, entendida como conjunto
articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e
curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em
todos os níveis de complexidade do sistema;
Vê-se, portanto, que a legislação infraconstitucional garante expressamente não só a
assistência farmacêutica, como também o fornecimento de ―insumos terapêuticos‖
(tais como órteses, próteses, cadeiras de rodas, marcapassos, etc.).
Neste último caso, a previsão legal destina-se tão só às crianças, adolescentes e
idosos, que por explícita previsão constitucional possuem tratamento prioritário em
nossa sociedade.
Com vistas a promover a assistência farmacêutica no âmbito do SUS – Sistema Único
de Saúde o Ministério da Saúde, com arrimo nessa legislação infraconstitucional,
formula uma listagem de medicamentos que devem estar disponíveis em toda rede, à
qual atribui a designação ―Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – Rename‖.
A formulação dessa listagem, bem como sua atualização periódica – que é ditada
expressamente pela política nacional de medicamentos, instituída pela Portaria MS
3916/98, observa as patologias e agravos à saúde mais relevantes e prevalentes,
respeitadas as diferenças regionais do país, e leva em consideração diversos critérios,
tais como: a demonstração da eficácia e segurança do medicamento; a vantagem com
relação à opção terapêutica já disponibilizada (maior eficácia ou segurança ou menor
custo); e o oferecimento de concorrência dentro do mesmo subgrupo, como estratégia
de mercado. A Portaria n. 698/GM, de 30 de maio de 2006, que ―Define que o custeio
das ações de saúde é de responsabilidade das três esferas de gestão do SUS,
observado o disposto na Constituição Federal e na Lei Orgânica do SUS‖ dispõe: ―Art
1º Definir que o custeio das ações de saúde é de responsabilidade das três esferas de
gestão do SUS, observado o disposto na Constituição Federal e na Lei Orgânica do
SUS Art. 2º Os recursos federais destinados ao custeio de ações e serviços de saúde
passam a ser organizados e transferidos na forma de blocos de financiamento.
Parágrafo único. Os blocos de financiamento são constituídos
por componentes, conforme as especificidades de suas ações
e os serviços de saúde pactuados.
Art. 3º Ficam criados os seguintes blocos de financiamento:
I - Atenção Básica;
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II - Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e
Hospitalar;
III - Vigilância em Saúde;
IV - Assistência Farmacêutica; e
V - Gestão do SUS. Art. 16. O Bloco de Financiamento para a
Assistência
Farmacêutica
é
constituído
por
quatro
componentes:
Componente
Básico
da
Assistência
Farmacêutica; Componente Estratégico da Assistência
Farmacêutica; Componente Medicamentos de Dispensação
Excepcional e Componente de Organização da Assistência
Farmacêutica.
Vê-se, diante disso, que afora essa relação de medicamentos básicos existem
diversos programas de distribuição de medicamentos na rede pública, voltados para
segmentos específicos. (BRASIL, 1990)
CONCLUSÃO
Com o advento das regulamentações legais e a necessidade de se ater a limitações
orçamentárias, este impasse fez surgir uma juridicização constitucional, onde as
políticas de saúde estão longe de uma solução trivial. De um lado, impõe aos técnicos
em saúde pública princípios e limites legais que antes não estavam presentes ou,
quando estavam, não se revestiam da força de normas constitucionais. De outro, traz
ao seio do mundo jurídico uma das mais complexas áreas de políticas públicas do
Estado moderno. Não seria realista esperar que esse embate entre duas áreas
técnicas distintas, que operam com conceitos e modelos de racionalidade
significativamente diversos, se desse sem maiores choques e conflitos.(SARLET,
2002)
Não por acaso que a partir do final da década de 1990, os problemas latentes desta
união inusitada vêm aflorando em milhares de ações judiciais espalhadas pelo país,
centenas delas culminando na mais alta corte, o Supremo Tribunal Federal. Percebese, nessas ações, um claro descompasso entre o que o Poder Judiciário e os técnicos
em saúde do Estado vêm entendendo por direito à saúde.
De um lado, os especialistas em saúde pública partem da premissa de que os
recursos da saúde são necessariamente limitados em relação à demanda. É
necessário, por consequência lógica, fazer escolhas sobre a utilização desses
recursos. O direito à saúde, nesse contexto, é também necessariamente limitado, e
não absoluto. Além disso, é consenso entre os profissionais da área que a saúde das
pessoas é determinada por uma série de fatores sociais, econômicos, ambientais e
biológicos inter-relacionados, e não exclusivamente pelos cuidados médicos a que têm
acesso. A atenção à saúde depende, portanto, de políticas multi-setoriais abrangentes
que vão muito além dos serviços médicos e fornecimento de medicamentos. (NUNES,
2010)
Embora tenha que reconhecer a existência destes limites fáticos (reserva do possível)
e jurídicos (reserva parlamentar em matéria orçamentária) implicam certa relativização
no âmbito da eficácia e efetividade dos direitos sociais prestacionais, que, de resto,
acabam conflitando entre si, quando se considera que os recursos públicos deverão
ser distribuídos para atendimento de todos os direitos fundamentais sociais básicos
(...) em se tendo em conta que a nossa ordem constitucional (acertadamente, diga-se
de passagem) veda expressamente a pena de morte, a tortura e a imposição de penas
desumanas e degradantes mesmo aos condenados por crime hediondo, razão pela
qual não se poderá sustentar - pena de ofensa aos mais elementares requisitos da
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razoabilidade e do próprio senso de justiça - que, com base numa alegada (e mesmo
comprovada) insuficiência de recursos - se acabe virtualmente condenando à morte a
pessoa cujo único crime foi o de ser vítima de um dano à saúde e não ter condições
de arcar com o custo do tratamento.( MENDES, 2002)
De um lado, parece evidente que a legitimidade democrática conferida ao Parlamento
faz dele o Poder adequado para realizar as escolhas políticas a respeito das
prestações que o Estado realizará. De outro, ao Judiciário cabe conferir e garantir o
cumprimento das normas constitucionais, dentre as quais os direitos prestacionais.
Assim, debate-se até que ponto o Judiciário poderia legitimamente interferir de
maneira ativa na produção legislativa. (SARLET, 2008)
Pode-se afirmar que em todas as situações em que o argumento da reserva de
competência do Legislativo (assim como o da separação dos poderes e demais
objeções aos direitos sociais na condição de direitos subjetivos a prestações) esbarrar
no valor maior da vida e da dignidade da pessoa humana, ou nas hipóteses em que,
da análise dos bens constitucionais colidentes (fundamentais, ou não) resultar a
prevalência do direito social prestacional, poder-se-á sustentar, que, na esfera de um
padrão mínimo existencial, haverá como reconhecer um direito subjetivo definitivo a
prestações, admitindo-se, onde tal mínimo é ultrapassado, tão somente um direito
subjetivo prima facie, já que – nesta seara – não há como resolver a problemática em
termos de um tudo ou nada.(MELLO, 2007)
Se considerarmos que os direitos sociais deixam de ser efetivados tão simplesmente
"porque" inexiste orçamento suficiente para sua implementação estaríamos afirmando
categoricamente que o custo impede a realização do programa constitucional de uma
sociedade plural, fraternal, solidária, comprometido com a cidadania, a promoção do
desenvolvimento nacional e a erradicação das desigualdades regionais e sociais. Mas
não há custo no que toca a outras atividades inerentes ao Poder Público, como a
liberação de recursos para obras discutíveis e gastos sem conformidade com o real
clamor de uma população marginalizada, cada vez mais excluída de suas
prerrogativas cidadãs.(STRECK, 2009)
A literalidade das previsões legais, é considerada algo que está à disposição do
intérprete, sendo assim, se as palavras são polissêmicas e se não há a possibilidade
de cobrir completamente o sentido das afirmações contidas em um texto, quando é
que se pode dizer que estamos diante de uma interpretação literal? A literalidade,
portanto, é muito mais uma questão da compreensão e da inserção do intérprete no
mundo, do que uma característica, por assim dizer, natural dos textos jurídicos. Numa
palavra final, não podemos admitir, que ainda nessa quadra da história, sejamos
levados por argumentos que afastam o conteúdo de uma lei – democraticamente
legitimada – com base numa suposta ―superação‖ da literalidade do texto legal.
Não obstante serem questionadas as previsões legais à luz da hermenêutica
constitucional, ou mesmo pela sua literalidade, as políticas públicas são,
inexoravelmente, os instrumentos do Estado para a implementação de ações que
assegurem a realização dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.
Dentre esses direitos temos o direito à saúde como dever do Estado e que permanece
com uma deficiência muito grande diante das necessidades da população. Durante
muito tempo foi contemplada como dogma inatacável a impossibilidade de intervenção
nas escolhas da Administração sobre quais políticas adotar, principalmente com o
argumento de que a independência entre os poderes do Estado não permitiria a
atuação do Judiciário sobre essa discricionariedade da Administração. Porém, diante
de um Estado ineficiente e clientelista exsurge a necessidade de intervenção da
sociedade, do Ministério Público e do Poder Judiciário para um direcionamento das
políticas públicas em saúde com uma finalidade maior de eficiência e efetividade.
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Calçados nos princípios da garantia do mínimo existencial, da proibição do retrocesso
social e da inafastabilidade da atividade judicial, tanto o Ministério Público como o
Judiciário têm o poder-dever de agir em prol da sociedade interferindo nas escolhas da
Administração. Já existe uma atividade nesse sentido em termos de garantias
individuais dos cidadãos, porém deve ser buscada uma efetiva ação em termos
coletivos para se garantir que a saúde seja efetivamente oferecida pelo Estado como
direito fundamental e fator de reconhecimento da dignidade da pessoa humana.
(STRECK, 2009)
REFERÊNCIAS
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SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre:
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SILVA, Airton Ribeiro da, et WEIBLEN, Fabrício Pinto. A Reserva do Possível e o
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KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na
Alemanha: os (des) caminhos de um direito constitucional ―comparado.‖ Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2002.
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da
Constituição. Coimbra: Livraria Almedina, 2002.
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RELATIVIZAÇÃO DA SOBERANIA DO ESTADO EM FACE DOS DIREITOS
HUMANOS.
STÉPHANIE GIULLIANA DE CARVALHO SÁLVIA427
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RESUMO
Nos tempos medievais o Estado era tido como soberano, não apenas no âmbito
interno como no plano internacional, pois raramente negociava-se de forma pacífica
para que o país atingisse suas pretensões. Na maioria das vezes era através de
guerras que um Estado fazia a sua vontade prevalecer sobre a de outro. E seu
monarca que detinha poderes absolutos poderia tomar decisões que prejudicassem o
homem para defender seu território e não seria questionado quanto a isto na ceara
internacional, já que não havia um órgão protetor de direitos do ser humano. Com o
passar do tempo, principalmente após a segunda Grande Guerra, no ano de 1948, o
homem passou a ser protegido de fato no cenário internacional, com a Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Desde então, a soberania dos Estados vem sendo
relativizada, para que tais normas citadas sejam cumpridas no direito interno na
maioria dos países. A ideia de soberania do Estado aliada a supremacia está sendo
cada vez mais questionada, pois diante deste dogma há uma dificuldade em efetivar o
cumprimento do Direito Internacional dos Direitos Humano. O nascimento de Cortes
Internacionais como órgãos que fiscalizam o cumprimento dos tratados assinados em
favor desses direitos, vem se mostrando um importante marco para uma evolução.
Logo, a execução das sentenças internacionais pelo Estado Brasileiro concede
condições efetivas aos direitos humanos, sendo que se busca uma compatibilidade
com a Constituição Federal.
PALAVRAS-CHAVE: relativização da soberania, efetividade, direitos humanos.
RELATIVIZATION OF STATE SOVEREIGNTY AND HUMAN RIGHTS
ABSTRACT
The State, in the medieval age, was considered sovereign, not only in the domestic
place but in international level, because rarely was negotiated in a pacific way when
the country wanted something. In the most of times, the problems were solved through
wars. And the monarch who had absolutes powers to take decisions would hurt the
man to defend his territory and wasn‘t questioned about it in the international level,
because did not have who protect the human rights. In the course of the time,
especially after the Second World War, in the year of 1948, the men has been
protected in the international scene, with the Universal Declaration of Human Rights.
Since then, the sovereignty of States has been relativized, to such rules would be
respected in their own countries. The idea of Sovereignty of State coupled with
supremacy is being questioned because there is a difficulty in effecting compliance with
International Law of Human Rights. The born of international courts which is an inspect
of control of the treaties signed to promote human rights proved to be an important
factor in this evolution. It will be studied the implementation of those international
sentences by the Brazilian State, seeking an adequacy to the Federal Constitution.
KEY-WORDS: relativization of sovereignty, effectiveness, human rights.
427
Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – Paraná, Brasil, [email protected]
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INTRODUÇÃO
O direito Internacional tem se preocupado cada vez mais com o indivíduo,
concedendo-lhe maior atenção, principalmente após a segunda Guerra Mundial, que é
considerado o mais significativo marco para a formação do Direito Internacional dos
Direitos Humanos, conforme cita Paulo Henrique Gonçalves Portela. 428
O período da II Grande Guerra foi protagonizado por regimes totalitários que não
davam a devida importância ao ser humano dentro dos limites fronteiriços de cada
Estado, como o nazismo, e atrocidades contra o homem, que feriam a dignidade da
pessoa humana. E já no campo jurídico era o tempo de um positivismo exagerado,
afetando, consequentemente uma possível relativização da soberania nacional, pois
esta era absoluta em tal época. A supremacia estatal visava assegurar ao país uma
proteção caso ocorresse atos internacionais que viessem a limitar o seu poder dentro
de seu perímetro nacional.
Após este período conflituoso, notou-se que o desrespeito ao ser humano estava
enraizado nos problemas que originaram a guerra, percebeu-se que havia uma
necessidade de cooperação internacional para tentar evitar outras guerras, e assim
proteger os direitos humanos. Concluiu-se que a soberania deveria abdicar de seu
caráter absoluto quando acontecessem atos que transgredissem a dignidade da
pessoa humana e que poderia ocasionar outro confronto na ceara internacional.
Nesse âmbito o Brasil, desde sua Constituição de 1988, tem tido um bom
desempenho, pois tem se firmado como uma nação pacífica que aprecia a democracia
e vem resguardando os Direitos Humanos em sua Carta Magna, e deve-se se mostrar
apto a aceitar sentenças de Cortes Internacionais e aplicá-las em no seu âmbito
Interno.
CONCEITO DE SOBERANIA E SUA RELATIVIZAÇÃO.
Um dos primeiros estudiosos sobre soberania Estatal foi Jean Bodin, ele acreditava na
existência de um monopólio do Poder Legislativo do Estado, e, por conseguinte no uso
da força, pois este seria o meio de obrigar os indivíduos de uma Nação a terem
determinados comportamentos. 429
A soberania nacional era absoluta nos tempos antigos. Diante disto, o poder exercido
pelo monarca era supremo de forma que a esfera de competências privativas excluía a
interferência de qualquer poder externo no âmbito interno do país. Esta soberania
absoluta impedia que certos atos que mereciam repudio geral fossem objetos das
medidas eventualmente cabíveis. 430
E ainda, de acordo com Paulo Bonavides: ―A soberania interna é o predomínio que o
ordenamento estatal exerce num território e numa determinada população sobre os
demais ordenamentos sociais.‖ 431
Nos dias atuais, a soberania ainda é uma importante coluna em nível internacional,
porém vem sendo limitada, já que os Estados são obrigados a conceder aos seus
cidadãos o deleite de direitos ressalvados em tratados internacionais, que cada país
se obriga a cumprir no momento em que, pela autonomia da vontade, assina.
428
429
430
431
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. Bahia, Jus
Podivm, 2012, p.792.
MIRANDA, Napoleão. Globalização, Soberania Internacional e Direito Internacional. Revista
CEJ, Brasília, nº27, p. 86/94, out/dez. 2004
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. Bahia, Jus
Podivm, 2012, p.794.
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed. rev. at. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.
p. 122
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E ainda para certos autores como Napoleão Miranda, a globalização também
influenciou na relativização:
―Outro fator determinante da redefinição do conceito e da
prática da soberania em escala internacional, atualmente, é o
fenômeno da globalização..... A globalização traduz-se, hoje,
em uma crescente interdependência econômica das nações,
materializada no fluxo do comércio, do capital, de pessoas e
tecnologia entre elas....‖ 432
Com a globalização corporações econômicas, organizações sociais entre outros
organismos sociais de caráter internacional passaram ter influência mundial e interferir
nas decisões e gestões nacionais.
―A globalização representa, portanto, um desafio significativo
para o exercício da soberania dos Estados no contexto
internacional. Esses desafios, que não são triviais, levaram
alguns autores a falar em crise da soberania, questionando não
somente a utilidade do conceito para captar e explicar as
características atuais do fenômeno, como também quem seria
o sujeito da soberania.‖433
A soberania vem sendo reduzida também pelo dever do Estado em permitir a inspeção
dos órgãos internacionais competentes quanto à consonância de sua atuação com os
atos internacionais dos quais faça parte. Se a soberania nacional ainda fosse absoluta,
e não se permitisse relativizar, as regras internacionais não teriam efetividade no
direito interno de cada país, e não haveria outros modos externos reais de
acompanhamento para a sua efetivação.
O Brasil, conforme prevê seu artigo 5, parágrafo 4 da Constituição Federal, admite que
está submisso ao Tribunal Penal Internacional, desde que tenha manifestado adesão
ao tratado, conforme se verá transcrito abaixo: "§ 4º O Brasil se submete à jurisdição
de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão".
Tal relativização não implica em uma desconsideração com a soberania nacional,
deve-se lembrar que os tratados de direitos humanos serão aderidos conforme cada
ordenamento interno prevê. No Brasil, após o advento da emenda constitucional nº 45
de 08 de dezembro de 2004 estabeleceu a possibilidade de os tratados e convenções
internacionais que versarem sobre direitos humanos após a aprovação em cada casa
do congresso nacional, em dois turnos de votação, por três quintos dos votos dos
respectivos membros, serem equivalentes às emendas constitucionais. Assim há a
possibilidade de os tratados internacionais serem incorporados no ordenamento
brasileiro com o status de norma constitucional, desde que o conteúdo verse sobre
direitos humanos, conforme prevê o artigo 5 da Constituição Federal, no seu parágrafo
terceiro:
432
433
MIRANDA, Napoleão. Globalização, Soberania Internacional e Direito Internacional. Revista
CEJ, Brasília, nº27, p. 86/94, out/dez. 2004
MIRANDA, Napoleão. Globalização, Soberania Internacional e Direito Internacional. Revista
CEJ, Brasília, nº27, p. 86/94, out/dez. 2004
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―§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos
dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.‖
DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS E SUA APLICAÇÃO NO
BRASIL.
Os direitos Humanos configuram um conjunto de valores e atos que possibilitam a
todos uma vida digna, ou seja, visa à proteção a dignidade da pessoa humana em
todo o planeta terra, sendo direitos concedidos a todos os indivíduos sem distinção
entre estes. Ou seja, o seu objeto é o amparo da dignidade humana em caráter
universal.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1, inciso lll, dita como pressuposto da
Republica Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, como se verá abaixo:
―Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana‖
E em seu artigo 5, parágrafo 2 da Carta Magna, prevê:
―Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte.‖
Confere, pois a todo cidadão brasileiro não somente os direitos protegidos pela
Constituição Federal, mas também os direitos determinados nos tratados
internacionais em que o Brasil é signatário.
Deve-se lembrar que antes da emenda constitucional nº 45/2004 alguns doutrinadores
já compreendiam que o Brasil já concedia aos direitos internacionais uma categoria
especial e diferente, no caso a de norma constitucional, já que os tratados que
versavam sobre direitos humanos divergiam dos demais.
Porém, foi somente após a emenda já citada e falada acima, que os direitos humanos
se equipararam a emenda constitucional. Trata-se da Constitucionalização de
Tratados e Convenções de Direitos Humanos.
POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO INTERNACIONAL
O Estado que se dispôs a cumprir determinados tratados internacionais de direitos
humanos, e desrespeitam tais acordos comete ato ilícito e pode ser responsabilizado
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internacionalmente, sofrendo sanções e ser obrigado a reparar dano eventualmente
causado as pessoas e terceiros Estados lesados. 434
Deve-se ter em mente que não há como se ter uma proteção aos direitos humanos no
mundo sem que estes direitos sejam salva-guardados no direito interno de cada país.
E se diante da autonomia da vontade, que rege os tratados internacionais, o Estado se
comprometeu a cumprir tal acordo, ele assume também a obrigação de inserir as
regras internacionais ao seu direito nacional.
Nota-se que o sistema de proteção internacional dos direitos humanos é adicional e
subsidiário, podendo ser invocado quando o Estado que assumiu o compromisso do
Tratado Internacional for omisso ou falhar na proteção de tais direitos. 435
Tem-se que salientar que o papel dos Estados na proteção internacional dos direitos
humanos é primário, e o dos organismos internacionais é secundário ou
complementar.436 Ou seja, estes agem quando os organismos internos não atuem de
forma satisfatória.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A soberania absoluta defendida por Jean Bodin, e exercida até a Segunda Grande
Guerra pela maioria dos países, está sendo esquecida, e tem-se dado lugar a uma
relativização da supremacia de cada nação para que haja no âmbito internacional uma
cooperação entre os Estados e respeito aos direitos do homem e do cidadão.
Pode-se observar que o Brasil vem relativizando de forma gradual a sua soberania no
âmbito internacional, tanto que um marco importante para se chegar a esta conclusão
foi a Constitucionalização de Tratados e Convenções de Direitos Humanos. E o
advento da emenda nº 45/ 2004, que equipara Tratados de direitos Humanos a
emenda constitucional. Além do fato do Brasil se submeter ao Tribunal Penal
Internacional, e permitir em sua Carta Magna que este órgão Internacional possa
interferir no âmbito interno quando assim for necessário.
Há uma busca não somente da nação brasileira, mas também da maioria dos países
do mundo em preservar a dignidade do ser humano, e impedir que ocorra novamente
outra atrocidade como houve na Segunda Guerra Mundial.
Busca-se para tanto, a preservação dos direitos humanos, e a punição no âmbito
Internacional dos Estados que não cumprirem os tratados que estes se dispuseram a
concretizar no âmbito interno.
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DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 26 ed. São Paulo:
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PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. Bahia, Jus
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< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm >