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COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 ISSN: 1983-7453 Outubro, 2011 _______________________________________________ ANAIS COLÓQUIO DE DIREITO COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 CENTRO UNIVERSITÁRIO DINÂMICA DAS CATARATAS Artigos (Trabalhos Completos) COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 ANAIS ARTIGOS (TRABALHOS COMPLETOS) Comitê Geral Profª. Rosicler Hauagge do Prado Prof. Acir Amilto do Prado Prof. Doutorando Fábio Hauagge do Prado Profª. Ângela Papandrea Luz Editores Profª. Msc. Alexandra Barp Salgado Prof. Msc. Fernando Castro da Silva Maraninchi Profª Msc. Maria Aparecida da Silva Foz do Iguaçu, PR 2013 1 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Exemplares desta publicação podem ser adquiridos na: União Dinâmica de Faculdades Cataratas - UDC Rua Castelo Branco, nº. 349, Vila Maracanã CEP 85.852-010, Foz do Iguaçu/PR Telefone: (45) 35236900 Home page: http://www.udc.edu.br E-mail; [email protected] Comitê Geral Magnífica Reitora Profª. Rosicler Hauagge do Prado Vice-Reitor Prof. Acir Amilto do Prado Pró-Reitor Prof. Doutorando Fábio Hauagge do Prado Coordenação Geral Profª. Ângela Papandrea Luz Comissão Organizadora Comissão Científica: Profª. Msc. Alexandra Barp Salgado Prof. Msc. Fernando Castro da Silva Maraninchi Profª Msc. Maria Aparecida da Silva Editores Profª Msc. Maria Aparecida da Silva Edízio Alencar Farias Prof. Alexandre de Souza Giovenardi 1ª edição 1ª impressão (2012) Nota: Os trabalhos que integram estes Anais do IV Congresso Internacional de Direito foram submetidos à análise da comissão Avaliadora composta por diferentes especialistas. O processo de seleção destes trabalhos seguiu critérios preestabelecidos por esta Comissão Científica. Contudo, todas as afirmativas, opiniões, conceitos, resultados e considerações finais aqui documentadas são de inteira responsabilidade de seus autores. Todos os direitos reservados. A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo ou em parte constitui violação dos direitos autorais (Lei nº. 9.610). 2 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 COLÓQUIO DE DIREITO Promoção CENTRO UNIVERSITÁRIO DINÂMICA DAS CATARATAS COMISSÃO ORGANIZADORA Comitê Geral Magnífica Reitora Profª. Rosicler Hauagge do Prado Vice-Reitor Prof. Acir Amilto do Prado Pró-Reitor Prof. Doutorando Fábio Hauagge do Prado Coordenação Geral Profª. Ângela Papandrea Luz Comissão Organizadora Profª. Ângela Papandrea Luz Profª. Msc. Alexandra Barp Salgado Prof. Msc. Fernando Castro da Silva Maraninchi Profª. Msc. Maria Aparecida da Silva Comissão Científica Profª. Msc. Alexandra Barp Salgado Prof. Msc. Fernando Castro da Silva Maraninchi Profª Msc. Maria Aparecida da Silva Comissão Avaliadora Profª. Msc. Alexandra Barp Prof. Msc. Fernando Castro da Silva Maraninchi Profª Msc. Thais Bispo Espiga Profª. Msc. Kelly Cardoso da Silva Profª. Msc. Lissandra Espinosa de Mello Aguirre Prof. Msc. Javert Ribeiro da Fonseca Neto Prof. Msc. Maria Aparecida da Silva Editores dos Anais Profª. Msc. Maria Aparecida da Silva Edízio Alencar Farias Prof. Alexandre de Souza Giovenardi 3 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 COLÓQUIO DE DIREITO O Colóquio de Direito é uma das propostas proveniente da UDC. Trata-se de um evento público-privado, que tem por objetivo estimular a produção científica de qualidade, oportunizando e socializando o conhecimento por meio de conferências, debates, apresentações de trabalhos técnico-científicos, reuniões de trabalho, feira e network, buscando criar e consolidar grupos de pesquisa. Além da comunidade acadêmica do Centro Universitário Dinâmica das Cataratas, o evento é aberto a profissionais e toda comunidade. Pró-Reitor Acadêmico Professor Doutorando Fábio Hauagge Prado 4 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 AFRONTA AO PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E MINIMO EXISTENCIAL FRENTE À PENHORABILIDADE DA CONTA SALÁRIO HERNAN EDUARDO AGUILERA1 JÉSSICA DA COSTA SILVA PAZ2 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 RESUMO O presente artigo científico visa demonstrar o instituto da penhorabilidade em se tratando de conta salário, para tanto, torna-se indispensável que haja uma breve explicação a respeito do instituto da penhora, e também será abordado o mesmo instituto com relação a temática de afronta a um dos princípios basilar do Estado Democrático de Direito, o principio da dignidade humana. Por fim, os autores se posicionam de maneira critica sobre a temática ora tratada. PALAVRAS - CHAVE: Penhora - Limites à Penhora - Conta Salário – Dignidade da Pessoa humana. AFFRONT TO THE HUMAN DIGNITY PRINCIPLE AND THE EXISTENCIAL MINIMUM FACE TO THE SEIZABILITY OF THE SALARY ACCOUNT ABSTRACT The present scientific paper aims to demonstrate the seizability institute in the concept of the salary account, which is indispensable to have a short explanation of the seizability institute, and we will approach it face to the theme that affronts one of the basic principles of the democratic state of law, the Human Dignidy Principle. Finally, the authors take a stand in a critical way about the theme once treated. KEYWORDS: Pledge – Boundries to the Pledge – Salary Account – Human Dignity. 1 – INTRODUÇÃO O presente trabalho busca analisar a legalidade da penhora incidente sobre as contas salário, e neste aspecto a afronta ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.Em um primeiro momento será abordado fatores relacionados à penhora apresentando um breve resumo de pontos relevantes da respectiva matéria. Num segundo instante limitaremos a análise da impenhorabilidade dos bens e a relatividade que estes possuem, revisando neste ponto qual a importância de tal instituto. Após, demonstraremos os fundamentos jurídicos e legais da impenhorabilidade da conta salário, e por fim, evidenciaremos a afronta ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, bem como à outros Princípios basilares do Estado Democrático de Direito.Sobre a temática, 1 Acadêmico do Curso de Direito da UDC - Centro Universitário Dinâmica das Cataratas, Membro Pesquisador do Grupo Cientifico de Ciências Jurídicas intitulado O Papel do Estado na Proteção ao Meio Ambiente e sua Intervenção na Atividade Econômica com Vistas ao Desenvolvimento Sustentado, sobre a orientação do Prof. Mestre. Fernando Maraninchi, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected]; 2 Acadêmica do Curso de Direito da UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected]; 5 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 o Código de Processo Civil prevê os bens não passíveis de penhora3, e note-se que entre estes está elencada a conta salário e proventos, uma vez que são obviamente indispensáveis para a vida digna do sujeito (mínimo existencial4), buscando desta maneira proteger os seus direitos. 2 - BREVES APONTES DO INSTITUTO DA PENHORA A penhora é um dos meios pelos quais o credor (pólo ativo da relação processual) dispõe para a efetivação de uma pretensão em relação ao devedor (sujeito passivo da relação processual), sendo esta a de pagar a sua dívida (findar a obrigação), que se encontra devidamente expressa em um título executivo extrajudicial ou judicial. A penhora pode se dar por meio de bloqueio de valores pelo sistema BacenJud5, pelo RenaJud6 ou ainda bloqueio de outros bens, tanto móveis quanto imóveis, pelos Oficiais de Justiça, sendo posteriormente convertidos em prol do credor (sendo um destes meios o leilão) e dando-se oportunidade de defesa ao devedor, com os chamados Embargos à Execução ou Embargos do Devedor. É também caracterizada pelo jurista Araken de Assis como um ato que atinge um bem escolhido ou indicado à execução para que ocorra a desapropriação em face do executado e conversão em valores ao exequente7, ocorrendo a possibilidade de adjudicação por parte deste. No entanto ter a penhora autorizada e determinada pelo Juiz de Direito não significa necessariamente que a pretensão do credor será imediatamente satisfeita, pois não se “(...) outorga ao credor um poder direto e imediato sobre o bem, como acontece no penhor”. 8 Constitui-se em um ato executório, que pode ser solicitado a qualquer tempo em um processo de execução ou em fase de cumprimento de sentença, dependendo de determinação judicial, podendo ainda ser efetuado mediante ordem de arrombamento, nos casos em que o devedor praticar quaisquer atos a fim de obstar a penhora dos referidos bens e com utilização de força policial, conforme disciplina o Código de Processo Civil9. Segundo o doutrinador Rinaldo Mouzalas de Souza e Silva, a penhora “deverá incidir em tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal, juros, custas e honorários 3 O artigo 649 do Código de Processo Civil: “São absolutamente impenhoráveis: (...) IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios, e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observando o disposto no §3° deste artigo‖, note-se que em diversos pontos o dispositivo da lei 5.869 de 73, afirma o quão impenhorável são as receitas que tenham por fim a subsistência do sujeito ou a sua própria família, nos atentamos em salientar que o presente dispositivo vem sofrendo diversas alterações com o passar dos anos, pelas leis n. 11.232/05 e n. 11.382/06. 4 Referindo-nos neste ponto que a conta-salário é indispensável para vida contemporânea, e a penhorabilidade desta seria uma afronta ao principio da Dignidade da Pessoa Humana. 5 O jurista Andre Luiz Correia, explica em seu artigo sobre a matéria, que: ―é uma simples permissão legal para que os juízes possam realizar, por meio eletrônico, um ato de execução – no caso, a penhora ou o arresto – que já se acha previsto no sistema processual civil (CPC, arts. 659 e seguintes, e arts. 803 e seguintes)‖, também segue a definição atribuída pelo Banco Central do Brasil, sendo: Um sistema eletrônico de relacionamento entre o Poder Judiciário e as instituições financeiras, intermediado pelo Banco Central, que possibilita à autoridade judiciária encaminhar requisições de informações e ordens de bloqueio, desbloqueio e transferência de valores bloqueados. 6 Segue a definição atribuída pelo Conselho Nacional de Justiça, sendo: O Renajud é um sistema on-line de restrição judicial de veículos criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que interliga o Judiciário ao Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). A ferramenta eletrônica permite consultas e envio, em tempo real, à base de dados do Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam), de ordens judiciais de restrições de veículos — inclusive registro de penhora — de pessoas condenadas em ações judiciais. 7 ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 11, ed. São Paulo, SP: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 592. 8 ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 11, ed. São Paulo, SP: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 589. 9 Neste sentido disciplinam o artigo 660 do Código de Processo Civil, in verbis: ―Se o devedor fechar as portas da casa, a fim de obstar a penhora dos bens, o oficial de justiça comunicará o fato ao juiz, solicitando-lhe ordem de arrombamento.‖ Bem como o artigo 662 do referido diploma, in verbis: ―Sempre que necessário, o juiz requisitará a força policial, a fim de auxiliar os oficiais de justiça na penhora dos bens e na prisão de quem resistir à ordem.‖ 6 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 advocatícios” sendo: ―(...) efetuada onde quer que se encontrem os bens (mesmo que através de carta), ainda que sob a posse, detenção ou guarda de terceiros” 10, desde que se encontrem em nome do devedor, uma vez que não há como se penhorar algo que não seja do próprio executado, ainda que de ascendente ou descendente do mesmo. De outra mão o devedor poderá apresentar embargos de execução ou embargos do devedor nos casos de penhora, alegando que esta recaiu sobre bens impenhoráveis (como os de família), que ocorreu execução excessiva ou ainda nulidade da execução. Poderá, ainda, nomear outros bens à penhora, a fim de substituir os que foram penhorados, desde que não traga nenhum prejuízo à parte credora, conforme dispõe o artigo 668 do Código de Processo Civil11. Assim que for realizada a penhora, os bens serão depositados em um lugar determinado, como por exemplo: Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil ou outras agências de crédito (mediante autorização judicial), para o caso de penhora de dinheiro em sua espécie, joias e papeis de crédito. Podem ainda ser depositados junto ao depositário judicial, nos casos de bens móveis e imóveis urbanos, ou com o depositário particular, nos casos dos demais bens, consoante com o artigo 666 e parágrafos seguintes do Código de Processo Civil 12, ou ainda, os bens poderão ficar também em poder do próprio executado, quando o bem for de difícil remoção ou com anuência do exequente. Não se procederá à penhora somente no caso em que o valor não seja suficiente para liquidar mais do que as custas da execução, salvo se o credor estiver isento do pagamento das referidas custas. Nas execuções por quantia certa o credor tem a faculdade de solicitar uma certidão comprobatória do ajuizamento da ação para que possa proceder a averbação de bens passíveis de penhora, como uma segurança de que a mesma não será futuramente frustrada por qualquer tentativa do devedor de alienar-se dos bens para se esquivar da dívida. 3 – LIMITES AO INSTITUTO DA PENHORA - BENS IMPENHORÁVEIS A impenhorabilidade incide sobre os bens indispensáveis para a vida de uma pessoa, como o de família, protegendo tais bens e colocando limites à execução forçada. Segundo o doutrinador Cândido Rangel Dinamarco, “existe crescente tendência no sentido de garantir um mínimo patrimonial indispensável à efetividade deles próprios e para que a pessoa não fique privada de uma existência decente”13 grifei. Os bens impenhoráveis são os que não podem ser alvo de penhora, não podendo ser utilizados para liquidar as dívidas do executado, uma vez que é dada a garantia de que seus direitos não serão feridos em caso de dívidas a liquidar, com base no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Há uma divisão dos bens impenhoráveis entre absolutamente e 10 SOUZA E SILVA, Rinaldo Mouzalas de. Processo Civil – Volume Único. 5, ed. Salvador: Jus Podivm, 2012. p.954. 11 Segue o referido dispositivo, in verbis: ―O executado pode, no prazo de 10 (dez) dias após intimado da penhora, requerer a substituição do bem penhorado, desde que comprove cabalmente que a substituição não trará prejuízo algum ao exequente e será menos onerosa para ele devedor (art. 17, incisos IV e VI, e art. 620). (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). I - quanto aos bens imóveis, indicar as respectivas matrículas e registros, situá-los e mencionar as divisas e confrontações; II - quanto aos móveis, particularizar o estado e o lugar em que se encontram; III - quanto aos semoventes, especificá-los, indicando o número de cabeças e o imóvel em que se encontram; IV - quanto aos créditos, identificar o devedor e qualificá-lo, descrevendo a origem da dívida, o título que a representa e a data do vencimento; e V - atribuir valor aos bens indicados à penhora.‖ 12 Segue o referido dispositivo: ―Os bens penhorados serão preferencialmente depositados: (...) § 1° Com a expressa anuência do exequente ou nos casos de difícil remoção, os bens poderão ser depositados em poder do executado. § 2° As joias, pedras e objetos preciosos deverão ser depositados com registro do valor estimado de resgate. § 3° A prisão de depositário judicial infiel será decretada no próprio processo, independentemente de ação de depósito.‖ 13 RANGEL DINAMARCO, Candido. Execução Civil. 7 ed. São Paulo – SP. Malheiros Editores, 2000. p.300. 7 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 relativamente impenhoráveis; aqueles estão elencados no artigo 649 do Código de Processo Civil14 e os relativamente impenhoráveis no artigo 650, do referido diploma15. O artigo 649 do Código de Processo Civil, Segundo Araken de Assis, “contempla o beneficium competentiae (benefício da competência), ou seja, a impenhorabilidade absoluta do estritamente necessário à sobrevivência do executado, e de sua família, e à sua dignidade.”16, abrangendo os bens absolutamente impenhoráveis. O inciso I foi o único que não teve sua redação alterada pela Lei n 11.382 de 2006, tratando dos bens inalienáveis, os quais, ainda que sejam penhorados, não poderão ser expropriados, por serem declarados bens pertencentes à União. O inciso II versa sobre bens que guarnecem a casa do devedor que poderão ser penhorados, desde que se respeite o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Isto porque, se somente houver um objeto dentre os necessários não se procederá à penhora, como uma só geladeira ou fogão, mas se houver mais, um poderá ser penhorado, bem como outros objetos que tenham um valor alto e que não sejam indispensáveis à vida da pessoa, como um bar. Todavia, apesar dos bens acima exemplificados e os elencados no artigo 649 do referido Código (nota de rodapé 12) serem vistos em regra como impenhoráveis, pode-se pedir a sua relativização, como no caso de haver mais de um do mesmo objeto. Existem também os bens tidos como relativamente impenhoráveis, que são os elencados no artigo 650 do Código de Processo Civil (nota de rodapé 13). Tal artigo dispõe que os produtos dos bens inalienáveis poderão ser utilizados para satisfazer a pretensão do credor, quando não houver mais nenhum bem à disposição, com exceção dos que seriam destinados ao pagamento de pensão alimentícia, zelando assim pela vida de outras pessoas que não o credor e o devedor. Tem-se como exemplo o usufruto, que por ser ato contínuo é impenhorável. Note-se ainda a lição de Flávio Tartuce e José Fernando Simão, “Por outro lado, nada impede a penhora dos frutos produzidos pelo bem, pois não se trata da penhora do próprio usufruto, mas apenas dos rendimentos” 17. 6 – DA IMPENHORABILIDADE DA CONTA SALÁRIO A conta salário é um tipo de serviço oferecido pelos bancos aos seus clientes quando estes necessitam receber seus proventos através de instituição financeira, independentemente se o recebimento for de instituição privada ou pública. A conta salário, assim como os demais serviços oferecidos pelas instituições financeiras, possui regulamentação própria através de normas do Banco Central do Brasil, não 14 Segue o referido dispositivo: ―São absolutamente impenhoráveis: I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução; II - os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida; III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor; IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, o observado o disposto no § 3 deste artigo; V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão; VI - o seguro de vida; VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas; VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família; IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança; XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político;‖ Note-se que a maioria dos incisos do respectivo artigo fora acrescentado pela lei n. 11.382 de 2006 com exceção do inciso XI dada pela lei n. 1.694 de 2008. 15 Segue o referido dispositivo: ―Podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se destinados à satisfação de prestação alimentícia.‖ Assim como o artigo anterior este também tem a sua redação acrescida pela lei n. 11382 de 2006. 16 ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 11, ed. São Paulo, SP: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p.222. 17 TARTUCE, Flávio; SIMÃO José Fernando. Dos Direitos Reais de Gozo ou Fruição. 4, ed. São Paulo: Editora Método,2012. p. 367. 8 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 admitindo outros tipos de depósitos e tampouco emissão de cheques, podendo ser utilizada para pagamentos, admitindo também a utilização do cartão na função de débito18. Esta modalidade de conta é conhecida por ser mais básica que as demais e está compreendida pela legislação processual civil entre o rol dos bens impenhoráveis, uma vez que relacionada ao local em que a pessoa recebe seus proventos, pensões e outras rendas necessárias à sua subsistência, não admitindo então, em tese, o bloqueio de seus valores a fim de convertê-los posteriormente em penhora. Através de uma leitura efetuada de forma simples do inciso IV do artigo 649 do Código de Processo Civil, in vebris: ―os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo;‖. 7 - PENHORA DE CONTA SALARIO - AFRONTA AO PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Seguindo a linha de raciocínio do item anterior (6 - Impenhorabilidade da conta salário) poder-se-ia entender que os valores depositados em conta salário sejam totalmente impenhoráveis e a indisponibilidade de valores ali constantes afrontaria, em tese o artigo 7°, inciso X da Constituição Federal de 198819, bem como, aos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana e Isonomia, isto porque não se podem colocar os direitos do credor de receber a quantia devida, acima dos direitos do devedor de ter sua subsistência garantida, uma vez que a constrição dos rendimentos necessários para tanto causaria um severo dano ao devedor, não cabendo ao Poder Judiciário o papel de opressor daquele que possui um débito para com outrem. Por outra mão entendemos que somente haveria afronta ao Principio da Dignidade da Pessoa Humana, quando não fosse possível ao sujeito garantir o mínimo existencial20, caso haja penhora e o sujeito consiga viver com dignidade sem necessitar abrir mão dos direitos prescritos na Carta Magna21, não haveria ferimento do principio. Note-se que não há que se falar em ferimento ao principio da isonomia posto que do ponto de vista do exequente há a busca pelo seu direito vale ressaltar, já lesado, intencionalmente ou não, ao qual não houve ainda reparação material. Assim, em não havendo mais nenhum bem a ser nomeado em nome do executado, a penhora das contas seria a sua última chance de receber, ainda que parcialmente 22. Algumas vezes o processo pode se arrasta por anos em busca de um valor que possa ser recebido e o que mais frustra os exequentes é ver a outra parte realizando compras não só de materiais básicos23, mas também de objetos supérfluos com o que poderia ser pago a 18 Definição dada pelo Banco Central do Brasil. Segue o dispositivo constitucional: ―São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;‖ grifei. 20 De acordo com Ingo Wolfgang Sarlet, o mínimo existencial e um instituto o qual o obriga ao Estado Democrático de Direito a garantir uma vida digna para seus cidadãos, neste sentido que entra a penhorabilidade da conta salário no aspecto de não permitindo a subsistência do sujeito se trata de uma afronta ao principio. 21 Neste sentido disciplina o artigo 7° da Carta Magna: ―São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;‖ 22 Salientamos o art. 5°, caput, da Carta Magna, sendo: ―Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, â igualdade, â segurança e à propriedade, nos termos seguintes” 23 Neste sentido nos referindo a coisas desnecessárias para a subsistência, como por exemplo: produtos de beleza, vários tipos de sapatos de grife cara, alimentação em lugares caros. Posto que tais gastos podem ate descaracterizar a finalidade da conta salário no que tange ao sentido de subsistência e unicamente caráter alimentar. 19 9 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 ele, dando fim não só a uma obrigação como à uma demanda cansativa para ambas as partes. Já do ponto de vista do executado há uma obrigação a ser liquidada, mas também existem outras contas a pagar e talvez uma família para sustentar, além de si mesmo. Ademais, quando é feita a penhora o valor a ser bloqueado é o integral, não havendo possibilidade de parcelamento, o que deveria já ter sido feito ao longo do processo, mas lembrando que em nenhum momento é negada a possibilidade de acordo às partes, basta à vontade de ambas ser expressa no processo. Sob este contexto, analisando o lado de ambas as partes, abstratamente, não há como dizer ao certo qual o mais justo, mas o que comumente se pede é a relativização do artigo 649 do Código de Processo Civil (nota de rodapé 12) e a consideração de penhora ao menos de parte de um valor comparado ao total recebido na conta do executado, a fim de que esta não seja vista como absolutamente impenhorável e sim parcialmente. A este respeito, é do entendimento das Turmas Recursais do nosso Estado24 a possibilidade de manter a penhora de um valor limite da conta salário ou conta poupança quando houver mais de quarenta salários mínimos à disposição do credor ou de 30% de uma renda, descontados os impostos e contribuições, ainda que não atinja este valor e caracterize pensão, desde que não comprometa a subsistência do executado. Neste sentido, é o Enunciado 13.18 das Turmas Recursais do Paraná: “Enunciado n° 13.18 – Penhora – conta salário: Não existindo outros bens a satisfazer o crédito exequendo, possível a penhora de conta-salário no limite de 30%.” Na mesma linha de raciocínio, algumas decisões mantém este entendimento25. Como se vê, o posicionamento da jurisprudência no ordenamento jurídico pátrio é no sentido de legitimar a penhora de um percentual dos rendimentos que são depositados diretamente em conta salário do devedor. Contudo, nos processos provenientes dos Juizados Especiais Cíveis, necessário ressaltar, que há uma limitação do valor além do percentual de 30% previamente estabelecido26. 7 – CONCLUSÃO Com o presente trabalho, conclui-se que não há uma só solução para todos os casos de execução e penhora incidentes sobre contas salário, sendo indispensável se analisar o caso concreto, até porque o Juiz é uma figura imparcial no processo e imperam os Princípios do Livre Convencimento e da Motivação das Decisões Judiciais, onde as partes expõem as provas e os porquês, mas é o Juiz quem decidirá livremente sobre quem deve ter a pretensão justamente acolhida. Logo, para que não haja um enriquecimento do credor à custa do esgotamento da renda do devedor; devem-se sopesar ambas as rendas e o valor da pretensão do credor com cuidado 24 No sentido de ente federado. 25 Agravo de instrumento n.758347-9, relatora Sandra Bauermann, julgado 13.07.2011, DJ 688 05.08.2011, ―DECISÃO: Acordam os integrantes da 11ª Câmara Cível, POR MAIORIA DE VOTOS, em negar provimento ao presente recurso, nos termos da fundamentação.Vencido o Juiz Substituto de 2º Grau Osvaldo Nallim Duarte, que declara voto. EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. ALUGUÉIS. PENHORA DE 30% DE PENSÃO PREVIDENCIÁRIA DA FIADORA. PENHORA. POSSIBILIDADE. MITIGAÇÃO DA REGRA DO ARTIGO 649, IV, DO CPC. PENHORA QUE NÃO AMEAÇA A SUBSISTÊNCIA DA DEVEDORA E SEU FAMÍLIA, NEM OFENDE A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. RECURSO DESPROVIDO.‖ E também neste sentido temos o Recurso Inominado n. 2012000856-8, relator Leo Henrique Furtado Araujo, julgado 05.07.2012, ―RECURSO INOMINADO. EXECUÇÃO. PENHORA DE VENCIMENTOS POSSIBILIDADE, DESDE QUE O VALOR BLOQUEADO NÃO COMPROMETA A SUBSISTÊNCIA DO EXECUTADO. DECISÃO : Julgamento: 30 de Abril de 2004. Recurso conhecido e parcialmente provido.DECISAÕ : ACORDAM os Juízes da.‖ 26 O artigo 3º, inciso I da lei n. 9099 de 1995 ―O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo.‖ E também o 9º, caput, do referido diploma: ―Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as parte comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogados; nas de valor superior, a assistência e obrigatória.‖ Evidentemente que o valor a ser cobrado sofre restrição nestes casos. 10 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 para que o Princípio da Razoabilidade e da Proporcionalidade dentro do processo não sejam feridos. Concluiu-se ainda que para que não haja afronta aos dispositivos constitucionais acima elencados bem como princípios basilares do Estado Democrático de Direito, não pode haver em hipótese alguma a penhora de cem por cento de uma conta salário, visto que tal ato inviabilizaria ao sujeito que o mesmo viva com o mínimo de dignidade, e usar o instituto da penhora de conta salário como ultimo artifício para concretizar a pretensão para com o devedor. REFERÊNCIAS ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 11, ed. São Paulo – SP. Editora Revista dos Tribunais, 2007. Disponível em http://www.duartejr.com/index.php?option=com_content&view=article&id=43:impenhorabilida de-da-conta-salario&catid=1:noticias&Itemid=6, acesso em 20/08/2012. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/21338/impenhorabilidade-absoluta-do-salarioem-face-do-direito-do-credor-a-tutela-jurisdicional, acesso em 20/08/2012. Disponível em http://www.conjur.com.br/2012-mai-07/tj-sp-reafirma-impenhorabilidadesalario-pagamento-dividas, acesso em 20/08/2012. Disponível em http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=752 7, acesso em 20/08/2012. Disponível em http://www.bcb.gov.br/?CONTASALARIOFAQ, acesso em 04/09/2012. RANGEL DINAMARCO, Candido. Execução Civil. 7 ed. São Paulo – SP. Malheiros Editores, 2000. SARLET, Ingo Wolgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 8, ed, Porto Alegre, RS. Livraria do Advogado, 2007. SOUZA E SILVA, Rinaldo Mouzalas de. Processo Civil – Volume Único. 5, ed. Salvador: Jus Podivm, 2012. TARTUCE, Flávio; SIMÃO José Fernando. Dos Direitos Reais de Gozo ou Fruição. 4, ed. São Paulo: Editora Método,2012. 11 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS CONTRIBUINTES: A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA COMO UM LIMITE AO PODER DE TRIBUTAR DO ESTADO MARIAM ABBAS MELHEM27 RIMA HUSSAIN MUHSIN28 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 RESUMO O presente artigo tem como objetivo o estudo da capacidade contributiva como um limite ao poder de tributar do Estado, observando sua concretude e efetividade no direito tributário. É mister também observar que o Princípio da Capacidade Contributiva, o qual tem ―status‖ constitucional tendo em vista que consta na Carta Maior de forma expressa, atende um princípio maior, que é o da igualdade. Outra categoria de análise é a discussão se este princípio gera a igualdade e consequentemente justiça no campo tributário. Buscar-se-á demonstrar que o princípio a ser discutido é um elo entre os direitos fundamentais e a tributação. Encontra ainda tal princípio respaldo na Declaração Universal dos Direitos Humanos. PALAVRAS-CHAVE: Capacidade Contributiva. Tributação. Direito Fundamental. ABSTRACT: This article aims to study the ability to contribute as a limit to the taxing power of the state, noting its concreteness and effectiveness in tax law. It is also necessary to note that the principle of capability to contribute, which has constitutional "status" having in sight that it is explicitly contained in the Major Letter, attends a higher principle, which is that of equality. Another category of analysis is the discussion whether this principle generates equality and therefore justice in the tax field. Search will show that the principle to be discussed is a link between fundamental rights and assessment. This principle is still supported by the Universal Declaration of Human Rights. KEYWORDS: Tax Paying Ability. Taxation. Basics Rights. INTRODUÇÃO: Verifica-se que, desde os primórdios, o Princípio da Capacidade Contributiva acompanha o desenvolvimento da humanidade. Sendo assim, é o grande mediador nas relações entre o fisco e o contribuinte. A tributação, dever fundamental, é elemento essencial para garantir que os direitos fundamentais reconhecidos pelo Estado sejam assegurados aos indivíduos. Tendo isso em vista, a capacidade contributiva vem servir de baliza entre o custo do direito e a necessidade do Estado de garantir esse direito para que não se prejudique o contribuinte. O objetivo do estudo é o Princípio da Capacidade Contributiva e sua relação com a proteção dos direitos fundamentais, onde se buscará, em um primeiro ponto, definir seus conceitos e sua configuração no texto constitucional, para que em um segundo momento se possa, da melhor maneira, estabelecer relação de tal princípio com a tributação, levando em consideração os seus limites, atentando-se ainda para a questão da extrafiscalidade. Após delineados os aspectos materiais do princípio estudado em presente momento, enfrentar-se-á os conceito de direitos fundamentais e direitos humanos, os quais possuem profunda relação. É crucial neste ponto analisar a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, por esta ser um marco na internacionalização dos direitos humanos. 27 28 Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected] Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected] 12 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Para atingir o objetivo do presente artigo, que é despertar um debate acerca do Princípio da Capacidade Contributiva, tomar-se-á como referencial teórico autores de grande renome como SABBAG, Luciano Amaro, Regina Helena Costa, Roberto Nogueira, SANCHES, Marçal Justen, Daniel Sarmento, entre outros. 1. CONTORNOS MATERIAIS ACERCA DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA Neste ponto serão analisados os fundamentos axiológicos, o conceito de capacidade contributiva, seus índices, técnicas de tributação para então tratá-la como princípio enquadrado na Carta Magna. 1.1 FUNDAMENTOS AXIOLÓGICOS Faz-se imprescindível analisar neste momento conceitos como o de justiça e de igualdade, que serão usados mais adiante na análise do Princípio da Capacidade Contributiva. A justiça está intimamente ligada aos valores culturais, religiosos e morais de uma dada sociedade, sendo assim seu conceito é formatado de acordo com a evolução humana e se transformou em um princípio que norteia todo o ordenamento jurídico de um dado Estado. Marcelo Elias Sanches define o conceito de justiça da seguinte forma: ―Objetivamente, a Justiça é tida como ordenação da convivência humana com finalidade harmônica, estruturada em seus valores fundantes: igualdade, liberdade e fraternidade.‖29 Cabe aqui verificar como Roberto Wagner Lima Nogueira caracteriza a Justiça Tributária, já que o presente artigo busca analisar o Princípio da Capacidade Contributiva, que é um princípio tributário constitucional. Para falarmos em Justiça Tributária numa sociedade democrática precisamos notas a presença de pelo menos duas características básicas: I – uma forte regulação na distribuição de bens na estrutura básica da sociedade, e II – cidadãos-contribuintes que em uma democracia constitucional pagam tributos e mantêm um fundo comum público, destinado a garantir a oferta de bens e de serviços impossíveis a serem assegurados com equidade a todos os cidadãos, se entregues ao mercado. A garantia da oferta básica de tais bens materiais e imateriais passa inevitavelmente pela intributabilidade do mínimo existencial,e a ausência da oferta deste (sic) bens à camada pobre da população redunda na perda do sentido humano, na perda da dignidade no âmbito econômico, político, social e jurídico-fiscal.30 Fazendo a análise do que foi supramencionado, percebe-se a fundamental importância da justiça para o princípio da capacidade contributiva, por proporcionar visão mais humana à técnica da tributação. No mesmo sentido, seguiu o Projeto de Lei Complementar do Senado n. 646/99, o chamado ―Código de Defesa do Contribuinte‖, em cujo art. 2°, parágrafo único, se nota, ipsis litteris Art. 2º. A instituição ou majoração de tributos atenderá aos princípios da justiça tributária. Parágrafo único. Considera-se justa a tributação que atenda aos princípios da isonomia, da capacidade contributiva, da equitativa distribuição da carga tributária, da generalidade, da progressividade e da não confiscatoriedade. No que tange a igualdade, entende-se que é através desta que se busca a justiça; porém, deve-se observar que a ideia de igualdade inata é inalcançável, tendo em vista que os 29 SANCHES, Marcelo Elias, Op. cit., p. 118. NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima, Op. cit., p. 26. 30 13 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 indivíduos são naturalmente diferentes entre si. Consiste, assim, a igualdade, como já dizia a premissa aristotélica, em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade. Logicamente, o Direito não pode igualar todos os contribuintes, pois a desigualdade é uma característica inerente à natureza humana, no sentido em que nenhum indivíduo é igual a outro. Assim, para majorar um tributo, o legislador necessita levar em consideração tais diferenças e assim atribuir tratamento diferenciado a estes indivíduos. Aqui então entra o Princípio da Capacidade Contributiva, onde se espera tratamento equânime aos contribuintes de acordo coma capacidade financeira de cada um. Isso direciona o Princípio ressaltado no trabalho a uma íntima ligação com o Princípio da Igualdade, mas que são inconfundíveis. O Princípio da Igualdade defende tratamento igual aos iguais e, desigual, aos desiguais, já o da capacidade contributiva pretende que o contribuinte pague seus tributos de acordo com sua possibilidade econômica, tributando, assim, com maior peso quem tem mais renda e aquele que possui menor renda teria uma carga tributária menos intensa. Muitos autores consideram que a capacidade contributiva é um subprincípio do Princípio da Igualdade e dessa forma, este último é aplicável no Direito Tributário mediante a capacidade contributiva, sendo esse um critério de discriminação. Nesse sentido anota Eduardo Sabbag que Atuando positivamente, na esteira da concretização da justiça distributiva, ínsita ao postulado da capacidade contributiva, o legislador deverá procurar criar o que Casalta Nabais denomina ―mínimo de igualdade‖, em duas perspectivas: (I) o mínimo de igualdade como ponto de partida, que se mostra como a forma isonômica de concessão de oportunidades ou chances, à luz do grau de satisfação das necessidades primárias dos indivíduos (alimentação, vestuário, habitação, saúde etc.); (II) o mínimo de igualdade como ponto de chegada, ou seja, a própria igualdade de resultados, dependente, sobretudo da satisfação das mencionadas necessidades primárias. Esta última – o mínimo de igualdade como ponto de chegada – leva-nos à inafastável demarcação conceitual dos contornos do mínimo vital, para uma adequada análise do postulado da capacidade contributiva, que ora se desdobra.31 1.2 CONCEITODE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA A Capacidade Contributiva pode ser conceituada de maneira simples como a capacidade do contribuinte de arcar com o pagamento de tributos, ou seja, de suportar o ônus tributário. A Capacidade Contributiva pode ser objetiva ou subjetiva, dentre outras classificações existentes, sendo essa uma das classificações mais adotada. Segundo Marçal Justen Filho a capacidade contributiva absoluta se refere à hipótese de incidência, já a relativa se liga ao mandamento normativo.32 Com base no que afirma o renomado autor, pode-se concluir assim que a capacidade contributiva objetiva seria aquela cuja medição da base econômica repousa em circunstancias concretas, tais como a renda, o patrimônio, ou seja, é a aptidão genérica para pagar tributos, por vez que a capacidade subjetiva é a efetiva capacidade de pagar tributos de cada contribuinte, que seria aferida com auxílio da apreciação de fatores subjetivos, como a idade, saúde, estado civil, entre outros, individualmente considerados. 1.3 TÉCNICAS DE TRIBUTAÇÃO UTILIZADAS PARA VIABILIZAR A APLICAÇÃO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA As regras utilizadas pelo legislador que instituiu o tributo para viabilizar a efetiva aplicação do Princípio da Capacidade Contributiva são basicamente três. 31 SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 154. JUSTEN FILHO, Marçal, Op. cit., p. 357-395. 32 14 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 A primeira delas é a seletividade, que consiste em aumentar ou diminuir a intensidade da tributação em razão de um critério. Há no Brasil a diminuição da intensidade de tributação em função da essencialidade do produto. Tal seletividade tem relação com a capacidade contributiva, na maneira em que só os mais abastados consomem bens não essenciais, ao passo que os essenciais são consumidos por todos. A proporcionalidade é a segunda regra, na qual é estipulado um percentual que recai sobre a base de cálculo33, pois, presume-se que as pessoas se beneficiam das atividades estatais na proporção de suas riquezas. Conforme ensina Eduardo Sabbag A técnica da proporcionalidade – obtida pela aplicação de uma alíquota única sobre uma base tributável variável – é um instrumento de justiça fiscal ―neutro‖, por meio do qual se busca realizar o princípio da capacidade contributiva. Vale dizer que a técnica induz que o desembolso de cada qual seja proporcional à grandeza da expressão econômica do fato tributado.34 A progressividade é a terceira técnica, a qual segundo Hugo de Brito Machado35, se aplicada de forma racional, pode se traduzir em uma forma mais eficaz de se atingir a igualdade material através da tributação, cumprindo, assim, com o postulado da justiça, já que personaliza o tributo. Assim, entende-se que progressivo é o imposto em que a alíquota aumenta à proporção que os valores sobre os quais incide são maiores. O objetivo da progressividade é igualar o sacrifício fiscal de todos os contribuintes, com isso, tributando com alíquotas maiores os que podem contribuir mais. Entende-se que assim, o Princípio da Capacidade Contributiva é realizado, o qual pretende uma tributação mais justa e equitativa para a sociedade. Conforme Carrazza, e concordando com este, ―em nosso sistema jurídico, todos os impostos, em princípio, devem ser progressivos. Por quê? Porque é graças à progressividade que eles conseguem atender ao princípio da capacidade contributiva‖.36 Apesar de considerada ideal a aplicação da progressividade ao maior número possível de tributos, somente há expressa previsão na Carta Magna dessa técnica sobre os impostos de renda e proventos (IR), propriedade territorial rural (ITR) e propriedade predial e territorial urbana (IPTU). É divergente na doutrina o entendimento da melhor técnica a ser adotada, pois essa escolha deve ser feita de acordo com as necessidades de cada país, levando-se em consideração a economia adotada, a cultura existente e a situação econômica dos contribuintes. Assim, ao se estabelecer uma política fiscal, devem ser analisados vários pontos para que seja garantido um sistema justo e eficiente. 1.4 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA COMO PRINCÍPIO As normas jurídicas que compõe o direito são veiculadas através de princípios, que servem de balizamento para a interpretação e integração de todo o setor do ordenamento em que se radicam. A Constituição é composta por diversos princípios, que, nas palavras de Daniel Sarmento, representam o fio-condutor da hermenêutica jurídica37. Dentro dos princípios constitucionais, há os que tratam especificamente do Direito Tributário, sendo que o Princípio da Capacidade Contributiva, que contém carga axiológica por ter como fundamentos a justiça e a igualdade, trata de princípio tributário constitucionalizado, já que se encontra expresso no art. 145, §1º, da Carta Magna. 33 Base de Cálculo corresponde à grandeza econômica sobre a qual se aplica a alíquota (percentual ou valor fixo) para calcular a quantia a pagar. 34 SABBAG, Eduardo. Op. cit., p.179. 35 MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., p. 87. 36 CARRAZA, Roque Antônio. Op. cit., p. 112. 37 SARMENTO, Daniel. Op. cit., p.55. 15 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Diante do que foi acima exposto, tem-se claro que a capacidade contributiva é um princípio jurídico que irradia seus efeitos no Direito Tributário, que impede a tributação que venha a ferir os direitos e garantias do contribuinte. Mesmo em sistemas onde a capacidade contributiva não é elevada a categoria de princípio, ressalta-se que deve ser a mesma observada como um princípio de justiça, pois o fim da norma tributária não é cobrar imposto onde não há capacidade contributiva. No sentido do que foi exposto acima, ensina Luciano Amaro que O princÍpio da capacidade contributiva inspira-se na ordem natural das coisas: onde não houver riqueza é inútil instituir imposto, do mesmo modo que em terra seca não adianta abrir poço à busca de água. Porém, na formulação jurídica do princípio, não se quer apenas preservar a eficácia da lei de incidência (no sentido de que esta não caia no vazio, por falta de riqueza que suporte o imposto); além disso quer-se preservar o contribuinte, buscando evitar que uma tributação excessiva (inadequada à sua capacidade contributiva) comprometa os seus meios de subsistência, ou o livre exercício de sua profissão, ou a livre exploração de sua empresa, ou o exercício de outros direitos fundamentais, já que tudo isso relativiza sua capacidade econômica. [...] A capacidade econômica corresponde à"real possibilidade de diminuir-se patrimonialmente, sem destruir-se e sem perder a possibilidade de persistir gerando a riqueza de lastro à tributação".38 1.5 O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL O art. 145 da Constituição Federal de 1988, em seu parágrafo primeiro, é o único dispositivo da Carta Magna que remete à capacidade contributiva: Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica39 do contribuinte, facultando à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. Apesar de a Constituição reportar-se ao princípio em questão apenas neste artigo, não significa que o mesmo só encontre respaldo no mesmo, pois são vários os dispositivos constitucionais que se valem do referido princípio, como encontramos, por exemplo, nos artigos 153, 155 e 156 da CF, que; ao indicarem a aptidão de contribuir, gerando a obrigação de pagar impostos, trazem à tona a noção de capacidade contributiva. Surge uma discussão doutrinária em relação às expressões ―sempre que possível‖ e ―caráter pessoal‖ que contam no dispositivo supramencionado. A maior parte dos doutrinadores e a jurisprudência concorda que tal expressão diz respeito apenas ao caráter pessoal dos impostos, não se aplicando à capacidade econômica. Nessa mesma orientação Hugo de Brito Machado anota que 38 39 AMARO, Luciano. Op. cit., p. 162. O dispositivo se utiliza do termo capacidade econômica, porém vale dizer que embora a doutrina aponte diferenças quanto aos dois termos, a ampla maioria doutrinária defende que devem ser reputados como sinônimos. 16 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Realmente, a expressão sempre que possível diz respeito apenas à atribuição de caráter pessoal aos impostos. Não à graduação destes segundo a capacidade econômica dos contribuintes. Além do argumento de Silva Martins, que é, sem dúvida, de grande valia, pode-se dizer que o elemento sistemático realmente conduz a tal entendimento, pela razão, aliás muito simples, de que sempre é possível graduar os impostos segundo a capacidade econômica do contribuinte, Assim, e tendo em vista que nem sempre é possível atribuir-se caráter pessoal aos impostos, o entendimento da prescrição constitucional em exame outro não pode ser. [...] Por isto não temos dúvida em afirmar que o sentido da cláusula sempre que possível, contida no art. 145, par. 1°, da Constituição Federal, é o de permitir a existência de impostos sem caráter pessoal, e não o de permitir imposto que não seja graduado segundo a capacidade econômica do contribuinte.40 O entendimento contrário, de que tanto o caráter pessoal, quanto a graduação de acordo com a capacidade contributiva seriam facultativas, levaria a uma interpretação que dá ao legislador a opção de observar ou não o princípio da capacidade contributiva na elaboração das leis; pois tal entendimento retira completamente a efetividade da capacidade contributiva, a qual é uma garantia individual. Seguindo tal entendimento temos Luciano Amaro, que anota que Por isso, sempre que possível - como diz a constituição - o imposto deve levar em consideração a capacidade econômica do contribuinte. A expressão "sempre que possível" cabe como ressalva tanto para a personalização como para a capacidade contributiva. Dependendo das características de cada imposto, ou da necessidade de utilizar o imposto com finalidades extrafiscais, esses princípios podem ser excepcionados.41 Também a capacidade contributiva é aplicada a qualquer imposto, seja real ou pessoal, direto ou indireto. A expressão ―caráter pessoal‖ utilizada pela lei, segundo Regina Helena Costa, ―está condicionada à viabilidade jurídica de ser considerada a situação individual do sujeito passivo numa dada hipótese de incidência tributária.‖42 2. PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E SUA RELAÇÃO COM A TRIBUTAÇÃO Vencidos os contornos materiais acerca da capacidade contributiva, parte-se para a análise da aplicação de tal como princípio no que tange a tributação. Tendo em vista que a tributação é necessária, constituindo dever fundamental, pois o Estado encontra recursos por meio da população para assegurar direitos fundamentais, temse que a carga tributária de um sistema de determinado Estado varia de acordo com a maneira em que este intervém na economia. Assim, quanto mais intervencionista for um Estado, maior é a carga tributária, para que tal intervenção possa ser sustentada, e do contrário, quanto mais liberal, menor é a necessidade de obter recursos. O recolhimento de tributos pelos Estados pode ter finalidade de captar recursou também de desenvolver um cunho extrafiscal. Porém, para que tal dever seja exercido pelo contribuinte é necessário que essa cobrança observe limites de forma que não venha a ser um obstáculo para o cidadão. 40 MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., p. 125-126. AMARO, Luciano. Op. cit., p. 162. 42 COSTA, Regina Helena. Op. cit., p. 88. 41 17 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Quando intervém na economia, a tributação pode atingir vários efeitos, como, por exemplo, reduzir o preço de determinado produto para estimular a compra, ou então pode facilitar a importação de determinado produto tornando mais interessante importar do que produzir no mercado interno. Tais formas de tributação podem diminuir ou melhorar o crescimento econômico de determinado país. Acredita-se coerente a ideia de Richard Posner a respeito do que seria um tributo ótimo, o qual reuniria características como a) ter uma grande base de cálculo; b) tributar atividades de demanda inelástica, onde os efeitos da substituição são mínimos; c) procurar observar a igualdade e a justiça; d) não ter custo elevado de administração. Finalmente, após o todo exposto acima, pode-se dizer que a tributação possui forte e direto impacto na economia de um país, devendo ser eleita de forma a garantir os direitos individuais; observando os limites trazidos pela capacidade contributiva, que proporcionará um sistema tributário que vêm a respeitar a igualdade e a justiça. Sobre o assunto, vale destacar a brilhante reflexão de Sabbag A busca da justiça avoca a noção de equidade na tributação. Esta, na visão dos economistas, liga-se ao modo como os recursos são distribuídos pela sociedade, desdobrando-se em duas dimensões: (I) na equidade horizontal, em que deve haver o tratamento igual dos indivíduos considerados iguais, e (II) na equidade vertical, com o tratamento desigual aos indivíduos considerados desiguais.43 2.1 LIMITES A TRIBUTAÇÃO PELO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA O Princípio da Capacidade Contributiva como freio à tributação origina dois limitadores: o mínimo existencial ou vital (ou limite inferior) e a não utilização do tributo com fins de confisco (limite superior). Fere a capacidade contributiva aquele tributo que incide sobre o mínimo vital44, ou seja, os recursos destinados a garantir as necessidades fundamentais para a sobrevivência. Sabbag, sobre o assunto, aponta que Em nossa Carta Magna, o inciso IV do art. 7º, ao disciplinar os itens que compõem o salário mínimo, parece ofertar parâmetros para a fixação do mínimo existencial. Entretanto, diante da ausência de normas constitucionais específicas sobre este importante plano de delimitação, entendemos que compete ao legislador traçar parâmetros que sigam, em dada base territorial, o padrão socialmente aceito para a definição das necessidades fundamentais mínimas do cidadão.45 Em relação ao outro limitador, o artigo 150, inciso IV da Constituição Federal de 1988, veda expressamente a utilização de tributos com efeitos confiscatórios. Tributos Confiscatórios são, para Aliomar Baleeiro, ―os que absorvem parte considerável do valor da propriedade, aniquilam a empresa ou impedem o exercício de atividade lícita e moral‖.46 Ainda nesse sentido, Carrazza traz à baila seu entendimento Neste passo, o tributo com efeito de confisco pressupõe a tributação excessiva ou antieconômica, isto é, aquela tributação que imprime à exação conotações confiscatórias, esgotando a riqueza tributável dos 43 SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 152. O mínimo vital varia de acordo com o conceito de necessidades básicas. Dar-se-á pelas necessidades fundamentais que uma sociedade reputa ao indivíduo e sua família. Ricardo Lobo Torres sugere que os índices de qualidade de vida divulgados pela ONU podem servir, também, para definição do que pode ser considerado mínimo existencial. 45 SABAGG, Eduardo. Op. cit., p. 154. 46 BALEEIRO, Aliomar, Op. cit., p. 564. 44 18 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 contribuintes, em evidente menoscabo de contributiva e de seu direito de propriedade.47 sua capacidade É limite superior ao princípio da capacidade contributiva o princípio de vedação ao confisco, pois existe até o momento em que o tributo passa a ferir o direito de propriedade, assegurado no art. 5º, XXII c/c §1º CF; ou a impedir o exercício de atividade profissional, que também é direito e garantia fundamental, nos termos do art. 5º, XII c/c §1º da CF. 2.2 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA O Princípio da Capacidade Contributiva, que como já mencionado, vem expressamente elencado no §1º do art. 145 da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, dispõe que ―os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (...)‖. Note-se que apesar do referido dispositivo se referir aos ―impostos‖, o princípio em questão não se aplica somente a estes, pois não se pode afastar o referido princípio dos demais tributos. Nessa direção, ensina Fábio De Oliveira que É inegável que a maior amplitude da aplicação do princípio se dá no campo dos impostos, por se tratarem de tributos desvinculados de quaisquer prestações específicas em relação aos contribuintes. Mas isso não afasta a aplicabilidade obrigatória do princípio às demais espécies tributárias, uma vez que todas elas buscam retirar recursos econômicos do particular para os cofres públicos e, portando sujeitas aos princípios da legalidade, da tipicidade e da isonomia, que estão intimamente ligados à capacidade contributiva.48 Ainda sobre o assunto, no mesmo sentido anota Eduardo Marcial Ferreira Jardim Entendemos, realmente, que esse primado constitucional é aplicável a todos os tributos, pois em nenhum momento o legislador poderá fazer tábua rasa da capacidade contributiva. Ademais, assinalamos, insistindo, que a capacidade contributiva deve também permear todos os tributos, pois, em se tratando de taxas, contribuições e empréstimos compulsórios, a hipótese de incidência não é atividade estatal em si, mas a conduta particular a ela correspondente.49 2.3 TRIBUTAÇÃO EXTRAFISCAL E O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA A tributação extrafiscal, como o próprio nome já diz, é aquela que não possui a função de captar recursos. Os instrumentos tributários são usados na extrafiscalidade, não para a arrecadação, mas sim com a finalidade de atingir outros valores constitucionais, induzindo ou coibindo comportamentos para tanto. Anota Sabbag que ―a extrafiscalidade tem assim se revelado um poderoso expediente a serviço do Estado, quer quando pretende inibir condutas indesejáveis, quer quando almeja estimular comportamentos salutares‖50. A questão a ser analisada neste ponto é se a extrafiscalidade está de acordo com o princípio da capacidade contributiva, assunto esse que gera divergência na doutrina, sendo que em sua maioria defende haver compatibilidade. Sabbag, que defende a coerência entre o princípio da capacidade contributiva e a extrafiscalidade, dispõe em sua obra que É louvável a aproximação de tais postulados, porquanto a tributação extrafiscal deve guardar correspondência com a riqueza tributável do 47 CARRAZZA, Roque Antônio. Op. cit., p. 198. 48 OLIVEIRA, Fábio Leopoldo de. Op. cit., p. 230-231. JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Op. cit., p. 205. 50 SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 155. 49 19 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 contribuinte, além de se limitar aos contornos estabelecidos pelo mínimo vital, anteriormente estudado. Em outras palavras, o viés extrafiscal há de rimar, em harmônica convivência, com as diretrizes principiológicas oriundas do texto constitucional, obtendo-se, assim, sua certificação de legitimidade. Posto isso, a capacidade contributiva dará lugar à extrafiscalidade se os fins indutores, almejados pelo legislador, estiverem amparados pela Carta Magna, sem prejuízo da necessária razoabilidade, que deve orientar a distinção perpetrada, como se notou no trecho extraído da ementa do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 142.348-1, relatado pelo Ministro Celso de Mello, no STF: ―(...) a concessão desse benefício isencional traduz ato discricionário que, fundado em juízo de conveniência e oportunidade do Poder Público, destina-se, a partir de critérios racionais, lógicos e impessoais estabelecidos de modo legítimo em norma legal, a implementar objetivos estatais nitidamente qualificados pela nota da extrafiscalidade (...)‖. Para nós, há de haver a convivência harmônica entre a capacidade contributiva e a tributação extrafiscal. Temos dito que se buscando a extrafiscalidade, atenuado deverá estar o princípio da capacidade contributiva, o que evidencia que o postulado da capacidade contributiva deverá ceder passo em face do predominante interesse extrafiscal.51 3. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS O objeto de estudo do presente artigo é a capacidade contributiva no sistema constitucional brasileiro, buscando verificar se tal princípio encontra-se relacionado com direito fundamental do homem. Em toda sociedade, conforme relata Hedley Bull, tem-se o reconhecimento de três pontos fundamentais: ―garantir que a vida seja protegida de forma a evitar violências que levem à morte ou a danos corporais; garantis o cumprimento das promessas feitas e a implementação dos acordos celebrados; e garantir a possa estável das coisas, sem que esta esteja sujeita a riscos constantes e ilimitados‖52. Tem-se que para tanto, o Estado precisa intervir na liberdade do indivíduo, mas não de maneira a feri-la, mas apenas na medida em que busca realizar os objetivos para os quais foi criado, sendo a tributação uma maneira pela qual se assegura a implementação dessas finalidades, as quais devem observar os direitos fundamentais e da pessoa humana, que encontram respaldo constitucional. Tanto os direitos fundamentais, quando os direitos da pessoa humana, encontram o mesmo histórico, podendo-se afirmar que aqueles primeiros são uma positivação dos direitos humanos no direito internacional, já que os direitos do homem são apenas direitos naturais e não positivados e tendo em vista sua fundamental importância devem ser internacionalizados. Após um longo processo histórico no qual foram reconhecidos os direitos humanos e fundamentais, contatou-se que nem sempre o tratamento igual é o ideal, pelo grande número de pessoas em condições de vida divergentes. Sendo assim, a igualdade formal, que exigia uma atuação negativa do Estado a fim de não interferir na liberdade do indivíduo, acaba por agravar ainda mais o quadro de desigualdade. É então que surge outra dimensão dos direitos humanos e fundamentais, que vem marcada pela Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, a qual protege os direitos que ultrapassam a esfera do indivíduo e abrangem o todo. 51 52 SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 157. BULL, Hedley. Op. cit., p. 9. 20 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Não há menção expressa ao Princípio da Capacidade Contributiva na Declaração Universal dos Direitos Humanos, todavia, de uma combinação de artigos, nota-se a presente observação da justiça e igualdade entre os indivíduos, os quais são protegidos pela capacidade contributiva. Interessante anotar alguns desses artigos Art. I. Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. Art. II. 1.Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 2. Não será tampouco feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania. [...] Art. VI. Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei. Art. VII. Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito igual a proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. [...] Art. XVII. 1. Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade. [...] Art. XXII. Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade. [...] Art. XXVIII. Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados. Tendo em vista a exposição dos acima, tem-se que a capacidade contributiva é um direito humano implícito, que pode ser extraído da Declaração Universal de Direitos do Humanos, de 1948, uma vez que o mínimo existencial sempre deve ser preservado. A garantia da dignidade da pessoa humana possui também um significado principiológico: define objetivos a serem realizados pelo Estado. A Constituição define este objetivo: "Respeitá-la e protegê-la é a obrigação de todas as autoridades públicas." Como princípio constitucional, a proteção da dignidade da pessoa humana se reveste de importância, sobretudo na interpretação de outras normas 21 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 da constituição ou da legislação ordinária, no sentido de que toda e qualquer norma deve ser interpretada de modo a que o resultado da interpretação esteja em consonância ótima com a garantia da dignidade humana (princípio enquanto decisão valorativa objetiva com função explicativa). Nesse sentido, a dignidade humana se torna a chave de uma construção e interpretação materiais do sistema constitucional. Trata-se nessa acepção, de implementar a coerência substancial do sistema jurídico, partindo da dignidade humana e a ela retornando. Havendo várias possibilidades de conferir sentido, o intérprete deverá dar prioridade àquela que está mais em conformidade com o princípio da dignidade humana. Cada norma jurídica deve orientar-se, no seu conteúdo, pela dignidade humana, de modo que toda e qualquer solução está tão mais bem fundamentada quanto mais intensamente (ou proximamente) a dignidade humana endossá-la ou quando mais longas forem as cadeias de fundamentação pertencentes a um sistema.53 Cabe, por fim, ressaltar que a liberdade é um dos mais fundamentais direitos humanos, sendo que o poder de tributar nasce do espaço aberto na esfera da liberdade do cidadão, o qual é uma prerrogativa do Estado que garante a existência desse mesmo, podendo então honrar com seus compromissos pela arrecadação dos tributos. Assim, a tributação, mesmo que retire parcela da liberdade do individuo, é fundamental para a preservação dos valores do mesmo na sociedade. Tendo isso em vista, como os valores do indivíduo na sociedade são os direitos fundamentais, deve o poder de tributar se compatibilizar com estes. Nessa trilha, o Princípio da Capacidade Contributiva é um dos instrumentos pelos quais os direitos humanos se apresentam no campo do direito tributário, na medida em que o Estado, como já foi amplamente discutido no decorrer do trabalho, não pode tributar o mínimo vital. Sobre este assunto, Ricardo Lobo Torres anota que ―o poder de tributar nasce no espaço aberto pelos direitos humanos e por eles é totalmente limitado. O Estado exerce o seu poder tributário sob a permanente limitação dos direitos fundamentais e suas garantias constitucionais‖54 CONCLUSÃO Pode-se concluir por este breve estudo inegável ligação entre os preceitos trazidos pela Constituição Federal, preceitos estes que são pautados nos direitos fundamentais assegurados a pessoa humana, e o princípio objeto de estudo, que é o da capacidade contributiva. Como anotado, tem-se na tributação uma maneira do Estado garantir o adimplemento das finalidades a ele atribuídas, de forma que tais atribuições estatais acabam por ser uma barreira à liberdade plena do indivíduo; encontrando-se na capacidade contributiva uma ferramenta para impedir que o Estado venha a intervir na propriedade do indivíduo, alvo principal de tributação, sem nenhum limite para tanto. Nesse patamar, é o Princípio da Capacidade Contributiva, um meio de se buscar o máximo de igualdade entre os indivíduos de uma determinada sociedade, sem ferir o mínimo existencial, do qual uma pessoa prescinde para sobreviver de maneira digna. Apesar da existente divergência na doutrina, da qual uma menor parte considera que a capacidade contributiva não é um princípio, é pacífico o entendimento de que as normas constitucionais levam ao atendimento da capacidade contributiva, devendo o legislador; no exercício constitucional de suas competências tributárias, editar normas que não estejam acima do ―mínimo vital‖ necessário a sobrevivência digna. 53 54 ÁVILA, Humberto. Op. cit., p. 501-502. TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., p. 13. 22 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Desse modo, tem-se claro que a justiça, igualdade e a própria capacidade contributiva podem ser considerados direitos humanos, já que são ideais do homem, sendo ainda dotados de universalidade e inviolabilidade. Ao final do artigo, tem-se que um Estado que busca alcançar seus objetivos, respeitando as garantias fundamentais do cidadão, exerce uma tributação através da justiça fiscal, a qual é encontrada através do Princípio da Capacidade Contributiva. REFERÊNCIAS AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 17. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. Prêmio de melhor livro do ano de 2004 pela Academia Brasileira de Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituiçao/constitui%C3%A7ao.html>, acesso em 10.10.2012. BULL, Hedley. Sociedade Anárquica. Trad. Sérgio Bath. Brasília: Imprensa Oficial do Estado, 1992. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 25. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2009. COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 3. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 1998. FILHO, Santana; HENRIQUE, José. O Princípio da Capacidade Contributiva à Luz dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13709/o-principio-dacapacidade-contributiva-a-luz-dos-direitos-humanos/2>, acesso em: 10.10.2012. JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de Direito Financeiro e Tributário. 8. ed. São Paulo, Editora Saraiva, 2007. JUSTEN FILHO, Marçal. Capacidade Contributiva. Caderno de Pesquisas Tributárias. São Paulo, n. 14, 1989. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 25. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2004. NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Ética Tributária e Cidadania Fiscal. Revista de Estudos Tributários. São Paulo, n. 27, 20012. SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário.3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. SANCHES, Marcelo Elias. A teoria da Imposição Tributária e a Teoria da Justiça. Revista dos Tribunais: Caderno de Direito Tributário e Finanças Públicas. São Paulo, n. 25, 1998. SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. TORRES, Ricardo Lobo. Direitos Humanos e a Tributação. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. 23 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 PRINCÍPIO DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA E DIREITO À IGUALDADE ANA MARIA OSTROVSKI SIMONATTO55 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 RESUMO O tratamento igualitário entre cidadãos e contribuintes é um tema sempre presente nas discussões acerca do direito fundamental à igualdade. A tributação é uma atividade essencial ao Estado para que promova o bem comum e cumpra suas finalidades, sendo necessário, entretanto, que sejam estabelecidas normas e princípios a fim de limitar o poder de tributar do Estado, para a proteção dos cidadãos e as garantias individuais. Nessa direção encontra-se a atuação dos Princípios Constitucionais e Tributários. O princípio da igualdade em pauta estabelece o tratamento igual, sem distinção entre todos perante a lei, vedando o tratamento discriminatório ou diferenciado não justificado. Para tanto, o Direito Tributário prevê extensões deste princípio assegurando um tributar justo e igual entre todos os contribuintes à medida de suas igualdades e equivalências. PALAVRAS-CHAVE: Igualdade. Dignidade. Isonomia. PRINCIPLE OF TAX ISONOMY AND RIGHT TO EQUALITY ABSTRACT: The equal treatment of citizens and taxpayers is an ever-present theme in discussions about the fundamental right to equality. Taxation is an essential activity so the State will promote the common well and to fulfills its purpose, however, it is necessary to be established rules and principles to limit the taxing power of the State to protect citizens and individual garantees. In this direction, we can find the work of the Constitutional and Tax Principles. The principle of equality on the agenda establishes equal treatment irrespective of all before the law, prohibiting discriminatory treatment or unwarranted difference. For this, the tax law provides extensions of this principle ensuring a fair and equal tax among all taxpayers as their equalities and equivalences. KEYWORDS: Equality, dignity, isonomy. INTRODUÇÃO A Constituição Federal em seu Título II dispõe sobre o gênero ―direitos e garantias fundamentais‖ trazendo primordialmente os direitos individuais e coletivos, tais como: o direito à vida; o princípio da legalidade; a liberdade de manifestação de pensamento, entre outros. Dentre os direitos supracitados encontra-se o objetivo deste artigo, mais do que um princípio, o direito à Igualdade. Consagrado no artigo 5º, caput da CF/88, o princípio da igualdade estabelece serem todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Desta forma, não somente em sua formalidade, mas também materialmente a igualdade consiste no eterno idealismo de tratamento igual aos iguais, e desigual aos desiguais à medida de suas desigualdades. A igualdade é considerada por muitos o mais importante princípio de quantos nosso ordenamento constitucional alberga, decorrendo no fato de o mesmo ser levado em conta na interpretação de todos os demais princípios. 55 Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil. E-mail: [email protected] 24 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 O tratamento justo e igualitário ultrapassa os campos do ilustre Direito Constitucional, tendo grande importância nos liames do direito tributário, que, assim como as outras disciplinas do direito, é cercado de diversos princípios, tal qual o princípio da isonomia tributária, ou tratamento isonômico; que tem suas raízes na igualdade quando o artigo 150, inciso II (CF/88), veda a instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção entre os mesmos, demonstrando a extensão dos efeitos do princípio trazido por este trabalho a todas as normas constitucionais e jurídicas. O tema escolhido a ser posto em pauta visa a demonstração da correlação de tão grandioso princípio frente à igualdade na lei tributária, que, se contrariada, apresenta consequente interdição da arbitrariedade acerca do mesmo. 1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Lei fundamental e suprema do Estado, a Constituição outorgada no dia 05 de Outubro de 1988 representou a redemocratização do país e ainda, a legitimidade popular do povo brasileiro com a declaração e consagração de direitos fundamentais de maneira nunca vista nas que a antecederam. Encimando a pirâmide jurídica, a Carta Magna traz diversos princípios que influenciam, de modo especial, no significado, conteúdo e alcance das normas tributárias. O sistema jurídico do Estado de Direito democrático português, ao qual se refere Canotilho (1993, p. 1159.), é um sistema normativo aberto de regras e princípios, com um sistema dinâmico de normas que podem revelar-se sobre forma de princípios como sob a forma de regras. Tais princípios são normas com grau de abstração relativamente elevado que constituem a ratio das regras jurídicas, carecendo de mediações concretizadoras por seu grau de indeterminação. Em matéria tributária os princípios constituem as bases e determinam as estruturas em que se assentam institutos e normas jurídicas do direito tributário. Estes se encontram relatados na Constituição Federal de 1988, no Título VI, da Tributação e do Orçamento, Capítulo I, do Sistema Tributário, Seção II, das limitações ao poder de tributar. A função destes princípios é a mecanização da defesa do contribuinte frente à voracidade do Estado, a tradução, reafirmação, expansão e garantia dos direitos fundamentais e do regime federal, sendo, portanto, considerados cláusulas constitucionais perenes, insuprimíveis. Se ―todos são iguais perante a lei‖, não é possível a esta reservar tratamento fiscal diverso a indivíduos que se encontrem em igualdade de condições, não sendo toleráveis discriminações nem isenções que não correspondam a critérios razoáveis e compatíveis com o sistema da Constituição. A igualdade e seus corolários (a capacidade contributiva, a pessoalidade, a vedação do confisco) são princípios expressos e integrantes dos direitos e garantias fundamentais do cidadão contribuinte, sendo assim, são autoaplicáveis, efetivos e voltados à concretização do Estado Democrático de Direito, tendo no Poder Judiciário, não apenas o legislador negativo, mas também o legislador positivo-supletivo, todas as vezes em que houver omissão do Poder Legislativo que acarrete no comprometimento da plenitude de seu exercício. 2. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA A Constituição Brasileira visa assegurar uma série de direitos à pessoa humana, expressos em direitos fundamentais, demonstrando forte anseio social, sendo um dos fundamentos do Estado Democrático de direito. Esta não é apenas uma criação do legislador constituinte, mas também uma das bases da República Federativa do Brasil, tornando-se um valor supremo da ordem jurídica, política, social, econômica e cultural que abrange todo o conteúdo dos direitos fundamentais. Este princípio deve servir de diretriz tanto para o poder legisferante, como para a Administração (em sua política econômica e social), como também para a força judicante 25 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 que, ao vestígio da possibilidade de violação do citado princípio deve interferir na forma de inibi-la, por seu caráter no mínimo inviolável. A preservação da dignidade da pessoa humana deve nortear todo e qualquer princípio, uma vez que resguarda a igualdade entre os membros da sociedade, impedindo qualquer tratamento desumano, degradante ou limitador de seu desenvolvimento. Em razão da imposição constitucional e à luz dos Direitos Humanos, não há como ser aceita a tributação de contribuinte que depende de um mínimo vital para sua sobrevivência ou para o desenvolvimento de suas necessidades básicas. Deve, portanto, o aplicador do Direito, quando diante do caso concreto, estudar valores que preconizem a tributação justa e humanitária. 3. A IGUALDADE E SUA RELAÇÃO COM A JUSTIÇA Desde os primórdios da humanidade, a igualdade está plenamente vinculada à justiça. Apesar de o princípio da igualdade exigir o mesmo tratamento para pessoas iguais, o ponto crítico é descobrir o que é igual, que aspectos devem ser relevantes ou não, uma vez que todo conceito concreto de igualdade constitui uma concepção particular do mundo e deriva da realidade vivida por cada um. Na época de Aristóteles, por exemplo, o justo ou o igual do ponto de vista político acarretaria na exclusão de mulheres, crianças, bárbaros e escravos. No medievo, a nobreza e o clero encontravam-se em patamar superior aos demais, fazendo valer a igualdade e justiça apenas para si. Com a revolução francesa, os regimes democráticos concebiam a igualdade como a rejeição de todo privilégio e discriminação entre os cidadãos. Com tudo isso, é perceptível que a igualdade vista em sentido concreto traz grandes divergências que envolvem, sobretudo, posturas ideológicas, políticas e sociais. Não poderia haver igualdade parcelada, justiça destinada apenas a uns e outros, pois a Constituição integra aos cidadãos em um todo harmônico e indistinguível. Por isso mesmo, generalidade, capacidade contributiva e outros valores transcritos na política econômica e social brasileira são desdobramentos de um único princípio, a igualdade. E é pelo contraste entre o tratamento justo ou injusto que se presencia a igualdade ou a desigualdade. Sabe-se que as pessoas possuem individualidades quanto ao sexo, à raça, a idade, convicções políticas, crenças religiosas, além de inúmeros outros fatores podem distinguir um cidadão por cidadão. Com isso, levar-se-á em conta cada fator para o efetivo tratamento igualitário entre os cidadãos no âmbito constitucional. Sendo assim, quando a lei trata de forma desigual um conjunto de pessoas, faz-se extremamente necessário, a existência de uma razoável justificativa que explique os motivos de tal discriminação, assim como a finalidade deste tratamento. 4. IGUALDADE NO DIREITO TRIBUTÁRIO A doutrina brasileira nunca ocultou a dificuldade e a cautela com a qual devem ser manuseadas as diferenças entre os contribuintes, quer para beneficiar (com isenções, reduções de tributos e imunidades), quer para agravar o tributo. Sendo assim, o princípio da igualdade é um dos pilares que sustenta os ideais democráticos constitucionais e tributários. O artigo 145, § 1º (CF/88) traz a primeira grande proibição na distinção entre iguais especificamente no direito tributário. Assegura-se a pessoalidade e a graduação segundo a capacidade econômica, vedando a distinção entre aqueles que demonstrem possuir as mesmas forças econômicas. Esta norma refere-se especialmente à espécie tributária imposto, que pode ter caráter real ou pessoal e está intimamente ligado ao princípio da igualdade tributária trazida pelo artigo 150, II (que logo será abordado); justamente em virtude de possibilitar a gradação da carga tributária sobre o contribuinte em função da sua capacidade de contribuição. É a materialização da promoção da justiça fiscal, sendo discriminatória a ideia de que todos deveriam pagar o mesmo tributo, uma vez que deve haver igualdade no sentido da proporcionalidade fazendo valer o Sistema de Justiça Social. 26 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Já o princípio da generalidade, do artigo 150, II (CF/88), traz a proibição da distinção entre os contribuintes em situação econômica equivalente, coibindo a consideração da ocupação profissional ou da função exercida como critério para a concessão de favores ou privilégios, bem como para o agravamento de seus deveres fiscais. Pressupõe-se, por este princípio, que o Estado, como ente tributante, deve aplicar o tributo uniformemente em toda sua circunscrição, sendo vedado o tratamento diferenciado a contribuintes que se encontrem na mesma situação. Esta interpretação formalista do princípio da igualdade é dirigida, em especial, ao legislador e aplicador da lei, não podendo fazer distinção quanto ao destinatário da norma tributária. Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua obra O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade (2002, p. 47), lista os critérios que identificam o desrespeito à isonomia, quando: I - A norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada; II – A norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes, elemento não-residente nos fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas. (...); III – A norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção a fator de discrímen dotado, que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de regimes outorgados; IV – A norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente; V – A interpretação da norma extrai dela distinções, discrímens, desequiparações que não foram professadamente assumidas por ela de modo claro, ainda que por via implícita. Desta sorte, o legislador fica proibido de distinguir entre iguais, considerando a Constituição: iguais, àqueles contribuintes de mesma capacidade econômica, sendo irrelevantes a raça, a cor, a origem, o sexo e quaisquer outras diferenças preconceituosas, assim como a ocupação profissional ou a função exercida e também as pessoas políticas da Federação. O grande critério de comparação que direciona as normas, especialmente as relativas a impostos, a capacidade econômica, se encontra expressa no artigo 145, § 1º (CF/88). O tributo é um dever de caráter econômico e patrimonial, sendo que, em regra, deve ser idêntico para todos e importa em sacrifício igual a todos os cidadãos. A capacidade econômica se define após a dedução dos gastos necessários à aquisição, produção e manutenção de renda e do patrimônio, assim como o mínimo essencial a uma existência digna (nota-se novamente o princípio da dignidade humana) para o contribuinte e sua família. Sendo assim, se é objetivo fundamental da República Federativa Brasileira ―construir uma sociedade livre, justa e solidária‖, assim como ―promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação‖56, a justiça, a igualdade e a dignidade da pessoa humana devem estar sempre aliadas no propósito de construir uma sociedade democrática. 5. O TRATAMENTO DESIGUAL AOS QUE SE ENCONTRAM EM DESIGUALDADE Conforme fora supracitado anteriormente, o artigo 150, II, da Constituição da República veda a instituição de ―tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente‖, havendo, portanto, a exigência de tratamento igual aos iguais. 56 Grifo nosso. 27 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 No entanto, este preceito não exclui o outro viés da isonomia (o tratamento desigual aos que estejam em situações diversas, na medida de sua desigualdade), que consagra-se pelo artigo subsequente ao ressalvar, do alcance do mandamento de instituição de tributos federais uniformes no território nacional, a possibilidade de serem concedidos incentivos ficais com o propósito de promover o ―equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País. A grande questão reside na identificação de qual é, com exatidão, a desigualdade que obriga o tratamento diferenciado entre os contribuintes que não se encontrem em situação idêntica. Tem-se como resposta, o estabelecimento do critério de discrímen57, para que seja feita orientação e concretização de sua exigência de trato diferenciado, assim como a via de isenções ou de incidência tributária menos onerosa; nas situações que exponham ausência de capacidade contributiva ou que mereçam tratamento fiscal compatível com a distinção verificada na questão da expressão econômica, por meio de diversas técnicas de incidência de alíquotas. Não ofende o princípio a aplicação progressiva do tributo conforme a capacidade contributiva de cada um, pois é a realização efetiva da igualdade onde aquele que tem capacidade contributiva dispõe maior capital. CONCLUSÃO A partir do todo abordado neste estudo, conclui-se que a isonomia oferece segurança diante das práticas arbitrárias da Administração, obstaculizando o legislador na adoção de critérios casuísticos e opções políticas no tratamento normativo de situações equivalentes, que o levem a promover discriminação entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Ainda que a atividade tributária seja essencial ao funcionamento e à própria existência do Estado, seu poder de tributar deve ser regulado e delimitado através de normas e princípios que visam à limitação deste poder, garantindo a segurança jurídica e os direitos individuais do cidadão. Não se pode aceitar que a ânsia estatal pela tributação venha a sobrepor os princípios elementares da igualdade, moral e, principalmente, da dignidade da pessoa humana. O direito à igualdade e ao tratamento isonômico consubstancia um dos Princípios baselares do Direito Constitucional Tributário e da própria democracia. É grande a dificuldade de avaliar a questão da isonomia que de normas que estabelecem hipóteses discriminatórias entre os sujeitos passivos da obrigação tributária. Trata-se aqui da igualdade jurídica e não da igualdade de fato, pois é do conhecimento de todos que a plena igualdade é utópica e não há como ―agradar‖58 a todos, sendo que cada um possui seus próprios critérios e opiniões acerca da forma mais justa de tributar. Deve-se, portanto, utilizar-se da forma menos desigual, da forma que concretize em maior plenitude os princípios que regem o Estado Democrático. Logo, esclarecida a relevância do Princípio da Igualdade no moderno Estado democrático de direito a forma que perceptivelmente confere maior justiça e dignidade é a qual devem ser tratados de forma semelhante todos os contribuintes os quais apresentarem capacidade contributiva parelha; e de forma dessemelhante aqueles contribuintes que apresentarem riquezas diferentes que resulta em diversa capacidade contributiva. REFERÊNCIAS AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. 57 O critério de discrímen é a adoção de um tratamento jurídico diversificado a partir de um critério, discriminador e diferenciador de acordo com o caso concreto. 58 Grifo nosso. 28 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. rev. E compl. à luz da Constituição de 1988 até a Emenda Constitucional nº 10/1996. Rio de Janeiro, Forense, 2006. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6. ed. rev. Coimbra: Almedina, 1993. CASSONE, Vittorio. Direito Tributário: fundamentos constitucionais da tributação, classificação dos tributos, interpretação da legislação tributária, doutrina, prática e jurisprudência, atualizado até EC nº 42, de 19-12-2003. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. MELLO, Celso Antônio Bandeira de Mello. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. 29 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 A LEGITIMIDADE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA MODULAR OS EFEITOS DAS SUAS DECISÕES PROFERIDAS NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS MARCOS VINICIUS AFFORNALLI59 LUIS MIGUEL BARUDI DE MATOS60 BRUNA CAROLINE DE ALMEIDA AFFORNALLI61 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 RESUMO O trabalho tem por objetivo analisar a legitimidade do Supremo Tribunal Federal, para modular os efeitos temporais das decisões proferidas no controle de constitucionalidade das leis, ou seja; o poder dos Ministros do Tribunal, não apenas para conservar a eficácia de ato normativo declarado inconstitucional, mas ainda para fixar o tempo dessa eficácia discricionariamente, podendo escolher entre dar efeito ex tunc ou ex nunc à decisão de inconstitucionalidade. O trabalho aborda a discricionariedade como elemento de decisão do Supremo Tribunal Federal e o princípio da proporcionalidade como regra mediadora para a manutenção do equilíbrio do sistema jurídico, tendo como pano de fundo o debate entre Herbert Lionel Adolphus Hart (Teoria Positivista) e Ronald M. Dworkin (Teoria Construtivista de Direitos). PALAVRAS-CHAVE: Inconstitucionalidade, legitimidade, discricionariedade proporcionalidade. ABSTRACT The study aims to examine the legitimacy of the Supreme Court, to modulate the temporal effects of judgments in control of constitutionality of laws, ie, the power of the Justices of the Court, not only to preserve the effectiveness of legislative act declared unconstitutional but this time to secure the effectiveness discretion, choosing between giving effect ex nunc or ex tunc to the decision of unconstitutionality. The paper discusses how the discretionary element of the decision of the Supreme Court and the principle of proportionality rule as mediator for maintaining the equilibrium of the legal system, with the backdrop of the debate between Herbert Lionel Adolphus Hart (positivist theory) and Ronald M. Dworkin (constructivist theory of rights). KEYWORDS: unconstitutionality, legitimacy, discretion, proportionality 59 Mestre em Direito do Estado e Cidadania pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Gama Filho. Professor do Curso de Direito da Faculdade União Dinâmica das Cataratas – UDC e da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. Endereço eletrônico: [email protected] 60 Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor do Curso de Direito NO Centro Universitário Dinâmica das Cataratas– UDC e da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. Endereço eletrônico: [email protected] 61 Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. Endereço eletrônico: [email protected] 30 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 INTRODUÇÃO A Lei n°9.868/99 dispõe, em seu artigo 27, que o Supremo Tribunal Federal, julgando procedente o pedido contido em ação direta de inconstitucionalidade, poderá, por maioria qualificada de dois terços de seus membros, tendo em vista razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, determinar restrições aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, ou definir o momento a partir do qual tal declaração terá eficácia, podendo ser a data do trânsito em julgado ou outra oportunidade que a Corte julgar mais conveniente.62 Desta forma, a lei conferiu ao Supremo Tribunal Federal não apenas o poder de conservar a eficácia do ato normativo declarado inconstitucional, mas ainda de fixar o tempo dessa eficácia discricionariamente, segundo sua própria avaliação quanto ao excepcional interesse social ou razões de segurança jurídica. Competirá ao tribunal escolher entre dar efeito ex tunc ou ex nunc à decisão de inconstitucionalidade; sendo ex tunc, o tribunal poderá precisar o alcance do efeito pretérito da decisão declaratória, mais ou menos longínquo no tempo; e, sendo ex nunc, a Corte tem a prerrogativa de definir o momento futuro, até mesmo posteriormente ao trânsito em julgado da decisão, em que a lei efetivamente perderá eficácia por conta do vício de inconstitucionalidade que a macula. Em que pese os teóricos mencionarem que esta norma inovou ao dispor, expressamente, sobre esse poder atribuído à Corte Constitucional, em realidade ela somente veio positivar uma prática já adotada pelo tribunal63, que muito antes da sua promulgação, já invocava razões de segurança, de salvaguarda dos superiores interesses do Estado, do princípio da boa-fé, entre outros, a fim de emprestar efeito ex nunc ou limitar os efeitos ex tunc da decisão declaratória de inconstitucionalidade, de modo a conservar a eficácia pretérita do ato normativo viciado. Mesmo assim, esta flexibilização do dogma da retroatividade das decisões no controle de constitucionalidade, em especial após tal fenômeno jurídico, ainda vem causando certo desconforto perante os doutrinadores. Primeiro porque, pela interpretação que se faz da expressão final da norma ―ou outra oportunidade que a Corte julgar mais conveniente‖, significa que o tribunal possuiu ampla liberdade até para decidir que, declarada a inconstitucionalidade, a decisão somente venha a produzir efeitos em data futura, posterior ao trânsito em julgado da decisão. Segundo porque, pela letra da norma, tem-se que a motivação da providência vem na forma de conceitos jurídicos indeterminados – segurança jurídica ou excepcional interesse social o que confere assim ao tribunal uma ampla margem de discricionariedade na sua aplicação. Esta preocupação doutrinária se torna ainda mais evidente no direito constitucional, em que este espaço de liberdade conferido pela norma tende a se avolumar, seja em razão do caráter aberto e principiológico que costuma caracterizar as normas constitucionais, seja pela natureza eminentemente política das questões que surgem na arena da jurisdição constitucional. Neste trabalho, se pretende analisar inicialmente alguns aspectos acerca das previsões do dispositivo em comento64, a necessidade da flexibilização dos efeitos temporais da decisão 62 No mesmo sentido, tal orientação consta no artigo 11 da lei 9.882/99, que disciplinou a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. 63 Ao apreciar o RE nº 78.533/SP, o STF examinou a validade de penhora realizada por oficial de justiça, cuja nomeação fora feita com fundamento em lei posteriormente declarada inconstitucional, e absteve-se de declarar a nulidade do ato, em homenagem a teoria da aparência, para proteção de terceiros de boa-fé. (RTJ 100/1.086 e 71/570). Vide recurso extraordinário nº78.594, 2ª Turma. Rel. Min. Bilac Pinto, unânime, DJ de 30 de outubro de 1974. Registre-se ainda o RE nº 122.202, em que ficou assentado: ―acórdão que prestigiou lei estadual à revelia da declaração de inconstitucionalidade em tese pelo Supremo Tribunal Federal. Subsistência de pagamento de gratificação mesmo após a decisão erga omnes da corte. Jurisprudência do STF no sentido de que a retribuição declarada inconstitucional não é de ser devolvida no período de validade inquestionada da lei de origem – mas tampouco paga após a declaração de inconstitucionalidade‖ (Recurso Extraordinário n° 122.202. 2ª Turma. Rel. Ministro Francisco Rezek, unânime, DJ de 08 de abril de 1994. Todas estas decisões estão disponíveis em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 20/08/2012. 64 As mesmas considerações se aplicam ao artigo 11 da lei 9.882/99. Também: 31 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 de inconstitucionalidade para, ao final, verificar se esta possibilidade de modulação dos efeitos das decisões por parte do tribunal é legitima e se está em harmonia com a Constituição Federal. 1. A ABERTURA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS A JUSTIFICAR INDETERMINAÇÃO DOS CONCEITOS QUE AUTORIZAM A MODULAÇÃO. A Como já abordado anteriormente, mesmo antes da entrada em vigor da norma de modulação, o Supremo Tribunal Federal já vinha manipulando os efeitos das suas decisões, fazendo prevalecer princípios constitucionais que fossem necessários e adequados para os fins pretendidos na decisão. O alcance no tempo dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade sempre foi tratado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que, com o passar dos anos, e em razão das novas realidades sociais, econômicas e políticas, teve que se desvincular da posição radical de considerar a lei inconstitucional como nula ab initio e inepta a produzir efeitos, passando a aceitar a flexibilização deste dogma. No entanto, não há como negar que com a previsão em Lei, tornou-se mais intrigante o tema da modulação dos efeitos das decisões de declaração de inconstitucionalidade, pois a partir de então parte da doutrina vêm demonstrando sua preocupação quanto a esta autorização conferida ao Supremo Tribunal Federal; ao argumento de que ela representa no direito constitucional um verdadeiro espaço para o arbítrio sem precedentes, uma vez que poderá o tribunal decidir quanto ao momento de incidência dos efeitos de suas decisões, sem estabelecimento de limites. Ocorre que este mesmo posicionamento doutrinário, antes da entrada em vigor da norma de modulação, de certa forma admitia a possibilidade de flexibilização dos efeitos das decisões, simplesmente em razão da construção jurisprudencial, o que de certe forma esvaziaria o debate. Mas em realidade, o cerne da discussão que se levanta neste aspecto e que se entende ser de extrema relevância, é acerca da forma como esta possibilidade de modulação dos efeitos das decisões foi introduzida em nosso ordenamento jurídico, que ao ver, é a causa determinante dos questionamentos. Com efeito, a motivação da providência vem estabelecida na forma de conceitos jurídicos indeterminados, ‗segurança jurídica ou excepcional interesse social’, o que confere ao tribunal uma ampla margem de discricionariedade na aplicação da norma. A grande polêmica quanto a esta inovação está caracterizada na possibilidade de que, dentro em breve, o cumprimento ou não da constituição tornar-se-á matéria de conveniência e oportunidade, ou seja; caberá ao Supremo Tribunal Federal não mais impor o cumprimento da Constituição, mas a seu critério, decidir quando é conveniente ou não que a mesma seja respeitada. Pela letra da norma tem-se que os pressupostos materiais para a modulação dos efeitos temporais foram estabelecidos na forma de conceitos jurídicos indeterminados, pois o legislador referiu-se a razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, o que imprime ao dispositivo um alto grau de abertura interpretativa. Ainda que se possam encontrar algumas orientações aptas a realizar a segurança jurídica, não desconsiderando evidentemente as complicações daí decorrentes, o interesse social, qualificado de excepcional, depende da visão que cada um tenha das coisas.65 Diferente não é a posição de Lênio Luiz Streck, tenho que a previsão acarreta uma série de problemas, a começar pela enorme discricionariedade que concede ao Supremo Tribunal. 65 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Sistema constitucional brasileiro e as recentes inovações no controle de constitucionalidade (Leis nº 9.868/99, de 10 de Novembro de 1999 e nº 9.882, de 3 de Dezembro de 1999), p.12 32 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Afinal, o que se pode entender por ‗excepcional interesse social‘? E qual é ‗outro momento‘ de que fala a lei? (...) Tal possibilidade enfraquece a Constituição, em virtude da possibilidade de manipulação dos efeitos, a partir de vagos e ambíguos fundamentos da existência de razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social.66 Assim, de que forma poderemos encontrar, na Constituição Federal, parâmetros para delimitar em que hipóteses estariam efetivamente presentes os requisitos exigidos? Quando se trata do tema relativo à interpretação judicial, quanto maior a abstração e abertura das normas, maior o espaço de discricionariedade dos juízes no momento das decisões Ao decidirem um caso concreto, os juízes fazem a opção pela norma que entendem a ele ser aplicável, fixando o seu conteúdo, dentre as diversas possibilidades que se colocam a sua disposição. No entanto, por mais simples e objetiva que possa ser a norma, a sua aplicação não se faz de forma mecânica, exigindo sempre um cuidadoso processo de interpretação.67 Não raras são as dificuldades encontradas pelos juízes para captar o conteúdo e alcance das normas quando da sua aplicação ao caso concreto, e isto não poderia ser diferente, dado que o direito não é estanque. Tais dificuldades se apresentam em maior escala quando da interpretação constitucional, dado o caráter aberto e principiológico que costuma caracterizar as normas constitucionais, como também em razão das questões de natureza não somente jurídicas, mas também éticas e políticas que permeiam as decisões. As normas jurídicas, mesmo considerando as que restringem direitos em geral, podem muitas vezes não ser contestadas; posto tratarem de simples interesses, ou colocadas em vigor em razão de ato de autoridade legítima.68 O grande problema é quando se tem que aplicá-las às circunstâncias concretas, quando então certamente ocorrerão controvérsias. De maneira que, ciente destas situações, o ordenamento jurídico prevê a existência de funções distintas na organização do Estado, para legisladores e juízes, sendo estes últimos encarregados de pacificar os inevitáveis conflitos de interesses. Desta forma, e em face da existência de campos de obscuridades ou incertezas nas normas ou princípios jurídicos adotados pelo ordenamento jurídico, o direito se volta constantemente a desenvolver técnicas e procedimentos necessários à segurança jurídica, buscando o legislador, nem sempre com sucesso, a maior objetividade possível na edição das normas. Muitas vezes, o direito consegue assegurar o máximo possível a legitimação de sua linguagem e conceitos de acordo com a realidade circundante, tornando objetiva e clara a sua mensagem mediante conceitos certos, razoavelmente certos ou determinados. Porém, em outras ocasiões, encontra-se diante de campos obscuros ou incertos, que não podem ser disciplinados de forma objetiva, mas que não podem estar dispensados de regulação; nestas ocasiões, não podendo prever de antemão todas as hipóteses fáticas que estarão sujeitas a sua incidência, necessariamente tem o direito de utilizar-se de outros 66 STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica, p.541-545 Para Carlos Maximiliano ―as lei positivas são formuladas em termos gerais; fixam regras, consolidam princípios, estabelecem normas, em linguagem clara e precisa, porém ampla, sem descer aminúcias. É tarefa primordial do executor a pesquisa da relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, isto é aplicar o direito. Para conseguir se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva; e, logo depois, o respectivo alcance, a sua extensão. Em resumo, o executor extrai da norma tudo o que na mesma se contém: é o que se chama interpretar, isto é, determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito‖. (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito p.171). Oscar Vilhena Vieira entende que, ―por mais simples que seja uma norma jurídica, a sua aplicação exige um processo pelo qual seja extraído de seus signos, de seus termos, um significado. Esse processo de compreensão do significado das normas para a resolução de uma questão concreta denomina-se interpretação‖. VIEIRA, Oscar Vilhena. Discricionariedade judicial e direitos fundamentais, p.182 68 Para Hart as normas não são obedecidas simplesmente porque alguém tem força para impôlas, mas porque alguém tem autoridade para estabelecê-las. Essa autoridade é conferida também por uma norma que é, por sua vez, aceita por aqueles que serão submetidos ao direito. Tem-se assim, em ambos os casos, um direito estruturado a partir de normas. (HART, Hebert L.A. O conceito de direito, p.91) 67 33 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 instrumentos e conceitos mais amplos e elásticos, que possam possibilitar a manutenção da segurança jurídica pela sua determinação no caso concreto. A doutrina em geral costuma caracterizar estes conceitos jurídicos como indeterminados, vagos, ambíguos, elásticos, fluidos ou imprecisos, com conteúdo variável ou noções confusas, e que nos dizeres de Karl Engisch, são aqueles cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos, sendo as leis hoje, em todos os domínios jurídicos, elaboradas por tal forma que os juízes e os funcionários da administração não descobrem e fundamentam as suas decisões tão somente através da subsunção a conceitos jurídicos fixos, a conceitos cujo conteúdo seja explicitado com segurança através da interpretação, mas antes são chamados a valorar automaticamente e, por vezes, a decidir e a agir de um modo semelhante ao do legislador. Distinguir-se-ia ainda nessa espécie de conceitos sempre um núcleo principal e um halo conceitual, onde as respectivas características ficariam menos identificáveis. No primeiro caso, o conceito utilizado, embora indeterminado, restaria claro e objetivo para o aplicador da norma; no segundo, sempre haveria uma zona de difícil identificação dos elementos de formação e validade do ato.69 Em qualquer das hipóteses, indiferente a maneira de comunicação das normas, o certo é que, mesmo que em algumas ocasiões exista clareza na linguagem, haverá sempre situações em que o conteúdo da comunicação irá revelar-se indeterminado em certo ponto. Quando a norma contiver característica de relativa indeterminação, dir-se-á que a mesma possui textura aberta. Como não são poucas as situações desta natureza nos sistemas jurídicos contemporâneos, pode-se generalizar, afirmando que o próprio sistema jurídico, não do ponto de vista da validade das regras primárias de obrigação, mas sim do seu conteúdo, possui textura aberta.70 A textura aberta decorre do fato de que as normas são veiculadas necessariamente por meio de linguagem, e os termos utilizados pelo legislador nem sempre são unívocos, podendo caracterizar-se, em grande parte das vezes, pela presença de termos polissêmicos que assim admitem mais de um conteúdo. Neste sentido, Hart entende que a ocorrência dessa textura aberta, além de necessária e desejável, também é decorrente de outros dois fatores, ligados à condição humana. O primeiro seria representado pela nossa relativa ignorância acerca dos fatos, e o segundo, pela relativa indeterminação das finalidades que o legislador pretende atingir quando veicula determinada regra.71 No tocante à deficiência humana acerca do conhecimento dos fatos, extrai-se do raciocínio de Hart que esta é representada pela incapacidade do legislador que, por ser um homem e não um vidente, não pode antever todas as situações que venham a ser abrangidas pela norma. Assim, sem a possibilidade de antecipar previamente tudo e acerca de tudo, podem surgir, como de fato surgem, situações em que não será viável e nem possível veicular normas com conteúdo prévia e inteiramente determinado, que livrem totalmente o intérprete de qualquer dificuldade no momento de sua aplicação aos inúmeros e variados casos da vida. Por outro lado, no que se refere à relativa indeterminação das finalidades que o legislador pretende alcançar com a veiculação de uma dada regra, acontece que nem sempre se tem 69 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico, p.205-274 Como destaca Hart, essa situação é inerente à própria condição humana. Buscando controlar e normatizar situações futuras, porém não dispondo de conhecimento para prever todas as possibilidades fáticas, as sociedades são obrigadas a se utilizar de uma linguagem e classificações gerais na confecção das normas. O direito será construído invariavelmente em cima de termos e conceitos de textura aberta, o que imporá ao aplicador do direito a necessidade de agir de forma discricionária. A textura aberta do direito significa que há, na verdade, áreas da conduta em que muitas coisas devem ser deixadas para serem desenvolvidas pelos tribunais e pelos funcionários, os quais determinam o equilíbrio, à luz das circunstâncias, entre interesses conflitantes que variam em peso, de caso a caso. (HART, Herbert L.A. Op.cit, p.140) 71 HART, Herbert L.A. Op.cit, p.139. 70 34 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 plenamente clara, em face de uma determinada situação de fato, a conclusão de que vedála ou não efetivamente atenderá à finalidade pela qual a regra foi editada. Para Hart, todos os sistemas, de formas diferentes, chegam a um compromisso entre duas necessidades sociais: a necessidade de certas regras que podem, sobre grandes zonas de conduta, ser aplicadas com segurança por indivíduos privados a eles próprios, sem uma orientação oficial nova ou sem ponderar as questões sociais, e a necessidade de deixar em aberto, para resolução ulterior através de uma escolha oficial e informada, questões que só podem ser adequadamente apreciadas e resolvidas quando surgem num caso concreto.72 Seja qual for à origem da indeterminação, tenha ela sido ou não proposital, é realmente um fato quase corriqueiro que existem regras cujo conteúdo preciso não se acha previamente determinado, muitas vezes decorrente até mesmo da indeterminação maior ou menor dos termos de linguagem nela existentes. A Constituição Federal é o exemplo maior desta situação. Por ser composta de diversos dispositivos que, longe de possuírem termos padrões, comumente encontrados nas legislações ordinárias, possuem termos genéricos na maioria das vezes indeterminados, faz da interpretação constitucional, seguramente, uma das tarefas mais complexas, em especial para os Ministros do Supremo Tribunal Federal. Esta complexidade é decorrente do fato de que a Constituição, por regulamentar a ordem política, econômica e social, é abundante em termos que ultrapassam a já complexa linguagem jurídica, contendo termos advindos do vocabulário político que, longe de ser pacífico, já é objeto de infindável discussão política e filosófica.73 O mesmo ocorre com os termos éticos existentes na linguagem dos direitos fundamentais, a exemplo da adoção dos princípios da liberdade e igualdade, que em razão do alto grau de abstração que os informam, só podem ter os seus valores extraídos de uma complexa ponderação com os demais princípios constitucionais. Decorre destas situações que o Supremo Tribunal Federal, em razão de suas competências, além de estar envolvido em disputas de aspectos estritamente jurídicos, em muitas outras situações encontra-se no fogo cruzado das inúmeras peleias políticas que não raro são travadas na arena da Jurisdição Constitucional, tendo freqüentemente que resolver conflitos entre princípios e direitos. A Constituição Federal Brasileira impõe ao Poder Judiciário uma tarefa por demais complexa, pois não bastasse o encargo a ele atribuído de interpretar normas de textura aberta, que trazem embutidos conceitos políticos e princípios morais, os juízes muitas vezes são chamados a mediar uma constante disputa entre valores e diretivas normativas contraditórias entre si. Assim, diante das dificuldades enfrentadas pelo Supremo Tribunal Federal no preenchimento da indeterminação do conteúdo de normas de textura aberta, sensível e objetivo foi o legislador ordinário que; ciente de suas limitações e diante da impossibilidade de antecipar todos os fatos da vida, imputou ao tribunal o poder-dever de modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, diante dos inúmeros casos que se lhe apresentam74. 72 Idem, p.143 ―em especial quando o documento jurídico a ser interpretado é a Constituição, não se pode contar com uma linguagem jurídica escorreita, isenta de equívocos e de variações. Resultando da transação de distintas tendências ideológicas e políticas, é natural que não se possa apresentar em uma linguagem jurídica uniforme, tecnicamente rigorosa, apresentando muitas vezes até nítidos contrastes interiores" (FIGUEIREDO, Fran. Introdução à teoria da interpretação constitucional, p.175-200) 74 Neste sentido, Hart entende que, ―textura aberta do direito significa que há, na verdade, áreas de conduta em que muitas coisas devem ser deixadas para serem desenvolvidas pelos tribunais ou pelos funcionários, os quais determinam o equilíbrio à luz das circunstâncias, entre interesses conflitantes que variam em peso, de caso para caso‖ (HART, Herbert L.A. Op.cit, p.148) 73 35 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Não houvesse na Constituição Federal regras de conteúdo aberto, com indeterminação de conteúdo, esta competência conferida ao Supremo Tribunal Federal para modular os efeitos de suas decisões proferidas no controle de constitucionalidade das leis seria inteiramente dispensável; na medida em que não se teria que interpretar aquilo que já fora previamente fixado pelo direito. O direito jamais poderá prever em que situações deverão ser modulados ou não os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, posto que o legislador não é vidente para prever, de antemão, todos os futuros acontecimentos da vida. A resposta não pode ser obtida na legislação. Só quem pode fornecê-la serão os ministros do Supremo Tribunal Federal, mesmo que parte da doutrina defenda a ausência de legitimidade para tanto. Já no que se refere à forma encontrada pelo legislador para estabelecer os pressupostos materiais para a modulação dos efeitos temporais, esta se deu através de conceitos jurídicos indeterminados, pois se refere a razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, o que, a nosso ver, não causa espanto, mesmo diante do alto grau de abertura interpretativa daí decorrente.75 Somente através desta linguagem em textura aberta é que se possibilitará ao tribunal uma interpretação das possíveis combinações e circunstâncias que possam surgir no caso concreto. É inviável aos legisladores, repita-se, o conhecimento de todas as circunstâncias futuras ou produção de regras detalhadas; razão pela qual deve deixar aos juízes a responsabilidade de fazer a ponte entre o direito e a sociedade, integrando com sua vontade no preenchimento do conteúdo dos conceitos deixados propositadamente em aberto pelo legislador. O Supremo Tribunal Federal, no exercício de sua função de escudo protetor da Constituição, não pode restar indiferente às conseqüências de suas decisões.76. É perfeitamente possível, e isso a realidade nos tem demonstrado, que uma norma incompatível com a Constituição, e declarada como tal pelo tribunal com efeitos retroativos, venha causar danos mais lesivos aos interesses e valores albergados pela Constituição, do que a própria manutenção provisória da referida norma. Veja-se a hipótese das diversas leis que asseguraram um determinado percentual de vagas em universidades públicas para determinadas classes de indivíduos, e que seja declarada inconstitucional, após alguns anos de sua promulgação. Nesta hipótese seria razoável fazer retroativos os efeitos e exigir que os alunos aprovados nos vestibulares e que já estivessem cursando, obrigatoriamente deixassem de freqüentar a universidade, dado que ocupam vaga em razão de aprovação com base em lei declarada inconstitucional? Seria esta a solução mais justa quando o que se tem em mente é resguardar a ordem constitucional? Os efeitos de fato que a norma produziu não podem ser suprimidos, sumariamente, por simples obra de um decreto judiciário.77 Estas situações apontam para a possibilidade da flexibilização do dogma da eficácia ex tunc das decisões no controle de constitucionalidade, razão pela qual nos parece indispensável que se conceda ao Supremo Tribunal Federal um espaço de manejo, para que se possa alcançar, frente a situações concretas, uma decisão que venha acomodar os interesses em conflito, de forma a não ter que sacrificar algum em detrimento de outro.78 De outra forma, o Poder Judiciário poderá acabar abstendo-se de reconhecer a inconstitucionalidade de certas leis, dado o receio dos efeitos drásticos que suas decisões com efeitos retroativos venham a causar ou, indiferente às conseqüências de seus julgados, 75 Não fosse a possibilidade de modulação já estar implícita na Constituição, chegaríamos à conclusão de que o legislador vinculou esta possibilidade somente aos pressupostos ―razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social‖ , quando, em verdade, antes da entrada em vigor da referida norma, o tribunal se baseava em requisitos outros que não somente os que agora se apresentaram 76 Karl Larenz, a este respeito observa que: ―ao Tribunal Constitucional incumbe uma responsabilidade política na manutenção da ordem jurídico-estatal e da sua capacidade defuncionamento. Não pode proceder segundo a máxima Fiat justitia, pereat res publica‖. (LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, p.441) 77 BITTENCOURT, C. A. Lucio. Op.cit, p.148 78 Cumpre registrar nosso entendimento lançado linhas atrás de que esta possibilidade já se encontra implícita na Constituição Federal. Assim, o Supremo Tribunal Federal está autorizado a modular os efeitos não somente nas situações previstas no art. 27 da Lei 9.868/99, mas também quando diante de outro valor constitucional que deva ser assegurado 36 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 poderá declarar de forma automática a inconstitucionalidade de leis, violando direitos, valores e interesses de estatura maior. 2. A DISCRICIONARIEDADE COMO ELEMENTO DA DECISÃO Aborda-se a possibilidade e a necessidade de se conferir ao Supremo Tribunal Federal um espaço de manobra quando da aplicação dos efeitos das suas decisões no controle de constitucionalidade, de forma a acomodar os interesses em conflito, sem sacrificar algum em detrimento de outro. Esta possibilidade encontra fundamento de que é possível que uma norma incompatível com a constituição, e declarada como tal pelo tribunal com efeitos retroativos, possa causar mais danos aos interesses e valores albergados pela Constituição, do que a própria manutenção provisória da referida norma. Ou então o Poder Judiciário poderá acabar abstendo-se de reconhecer a inconstitucionalidade de certas leis, dado o receio dos efeitos drásticos que suas decisões com efeitos retroativos venham a causar. No entanto, a consequência que se extraí destas conclusões é que grande parte da atividade interpretativa do Supremo Tribunal Federal, quando da declaração de inconstitucionalidade e por ocasião da decisão pelos efeitos da decisão, na grande maioria das situações ocorrerá em uma região nebulosa e incerta. Mesmo reconhecendo a necessidade da presença deste espaço de manobra na aplicação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, não estamos defendendo a tese de que seja legítimo ao tribunal decidir conflitos com base em valorações políticas discricionárias e nebulosas, baseadas em seu senso próprio de justiça. Esta situação seria completamente estranha ao Estado de Direito, em que as decisões das diversas autoridades encarregadas da aplicação do direito estão vinculadas ao cumprimento da ordem jurídica. Contudo, não há como negar que, na missão de apreciar os fatos e interpretar as normas, haverá sempre um espaço, maior ou menor, para a presença da subjetividade do intérprete que, como já afirmado, é humano e passível de cometer erros, intencionais ou não. Assim, antes de proceder à abordagem da temática referente à legitimidade da interpretação constitucional diante da regra que possibilita a modulação dos efeitos das decisões, é indispensável estabelecer se, esta margem de flexibilização conferida ao Supremo Tribunal Federal para, diante do caso que se coloca à sua apreciação, poder preencher o conteúdo normativo, elegendo dentre as opções que lhe outorgou a norma, aquela que julgar mais apropriada, a solução mais justa ao caso, configura a existência inquestionável da discricionariedade judicial e se afirmativo, quais são os limites que a separam da arbitrariedade. A linguagem utilizada pelas normas gerais e abstratas produzidas pelo legislador que exemplificam regras gerais a serem adotadas pelos juízes pode, muitas vezes, não oferecer muita segurança. Esta situação decorre justamente da limitação quanto à orientação que a própria linguagem pode oferecer. De forma que existirão casos simples que estão sempre a ocorrer em contextos semelhantes, aos quais as expressões gerais são claramente aplicáveis, mas também casos em que não é claro se aplicam ou não.79 Esta situação, a nosso ver, ocorreu na elaboração da redação do artigo 27 da Lei 9.868/99, que facultou ao Supremo Tribunal Federal manejar no tempo os efeitos da declaração de inconstitucionalidade; uma vez que não é objetiva no que se refere aos casos em que se deverá ser aplicada ou não, dada a presença de indeterminação de conteúdo dos conceitos de segurança jurídica e excepcional interesse social. De forma que a sua aplicação por parte do Supremo Tribunal Federal estará condicionada àquelas situações extremas, ou seja, nos casos difíceis (hard cases), os quais Hart refere como aqueles em que os fatos e normas relevantes permitem mais de uma solução, à primeira vista, dada a presença de inúmeras normas de textura aberta existentes na 79 HART, Herbert L.A. Op.cit, p.139 37 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Constituição Federal, caracterizadas pela presença de incerteza e vagueza de seus conceitos.80 Nestes casos, no dizer de Hart, ao juiz é facultado eleger alternativas razoáveis, e que assim se realiza a segunda função do direito, que é dar margem de flexibilidade a regulação das relações sociais, permitindo uma reflexão maior sobre as circunstâncias do caso concreto. Tem-se, nesta situação, o que o autor denominou de poder discricionário do Juiz.81 Ou seja, o juiz, nestas ocasiões conflitivas, mesmo estando adstrito ao ordenamento jurídico, e pelo qual ele teria que fazer a fundamentação de sua decisão; tem uma maior liberdade de ação para refletir sobre as possibilidades que o ordenamento jurídico lhe confere, procedendo a uma ponderação entre o que é mais adequado mediante a presença de duas ou mais soluções, todas elas justificáveis no ordenamento. Contrariando o posicionamento de Hart de que a linguagem jurídica nos casos difíceis daria margem à existência de mais de uma interpretação razoável, e que, nessas circunstâncias, o juiz não estaria aplicando o direito, mas criando, para o caso concreto, utilizando-se então de discricionariedade, Ronald Dworkim oferece a tese da resposta certa, na qual defende que a origem dos casos de difícil interpretação não se encontra na ambigüidade de uma palavra, termo jurídico da norma, e que é errado afirmar que "os juízes têm poderes discricionários‖.82 Para este autor não existem falhas no sistema jurídico que viabilizem assim a ação discricionária do juiz, pois em havendo conflitos, sempre haveria solução no ordenamento jurídico através dos princípios, portanto as lacunas seriam preenchidas por este, havendo completude.83 Para se contrapor ao reconhecimento da discricionariedade do juiz, Dworkin entende que na interpretação o juiz deve se direcionar para aplicar o direito conforme o ordenamento, mesmo mediante os "casos difíceis". Para o autor, havendo conflitos entre regras e princípios ou entre princípios, sempre existirá solução no ordenamento jurídico, e esta se dará através da ponderação a ser feita pelo juiz no momento da sua decisão.84 O que se observa do entendimento do autor é que existe um ponto convergente e que pode ser o elemento caracterizador ou não da presença da discricionariedade do juiz no momento da solução dos casos complexos. Hart sinaliza no sentido de que o poder criador do juiz, nestas ocasiões conflitivas está adstrito ao ordenamento jurídico existente, e pelo qual ele teria que construir a sua decisão, fazendo uma ponderação entre o que é justo e mais adequado, mediante duas ou mais soluções, justificáveis neste ordenamento. Por sua vez, Dworkin entende que, nestas situações de conflito entre princípios, o juiz estaria também realizando uma escolha de um determinado princípio, através da ponderação entre eles. Portanto, a diferença existente no entendimento destes autores está em uma maior liberdade de ação conferida por Hart, para o juiz refletir sobre as possibilidades jurídicas, mesmo não previstas em regras específicas para o caso, e fazer adaptações conforme seja de maior justiça. Mas se Dworkin reconhece a possibilidade de que dois princípios contraditórios se revelem de igual envergadura na apreciação de um caso concreto, e que demandem do juiz uma opção por um deles em detrimento de outro, tal opção, mesmo que deva estar justificada, implicará na presença de discricionariedade, pois não existe um critério seguro que possa medir o peso dos princípios em cada caso. Com estas colocações, podemos concluir que neste espaço de manobra conferido pelo legislador ao Supremo Tribunal Federal, para que, no momento da decisão e aplicação dos 80 Idem p.139 Ibidem p.140 82 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, p.127. 83 Idem, p.151. 84 DWORKIN, Ronald. Los derechos en serio, p.78. 81 38 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 efeitos, possa escolher, dentre os valores em conflito, aquele que possua uma maior intensidade, configura-se o poder-dever discricionário. Todavia, este poder-dever discricionário conferido pela norma de modulação, não significa arbitrariedade, ou seja, a opção por uma das hipóteses admitidas não poderá jamais ser feita de forma aleatória.85 É importante que estes poderes atribuídos aos juízes para resolverem os casos parcialmente deixados por regular, não sejam confundidos com o poder de criar normas para o caso, mas tão somente para resolvê-los. Ou seja, deve existir, como menciona Hart, um confronto das possíveis soluções e, ao optar por uma delas, esta contenha embasamento jurídico viável pelo ordenamento jurídico, de forma a justificar a decisão e torná-la legítima.86 Portanto, não há discricionariedade enquanto arbitrariedade e ilegalidade, mas o favorecimento à flexibilização do direito para que se possibilite sua dinamização e transformação mediante as diversas demandas impostas pelas relações jurídicas sociais. Da mesma forma, deve haver imparcialidade por parte do juiz ao examinar as alternativas, levando em consideração os interesses de todos os possíveis afetados pela decisão, bem como uma preocupação voltada à escolha de algum princípio geral aceitável como base argumentativa para a decisão, ou seja, mediante a pluralidade de princípios que surgem mediante os casos difíceis, mesmo aparentando ser inviável, demonstrar uma única decisão certa, elaborar uma escolha razoável e imparcial, de forma a fazer justiça em meio a interesses conflitivos.87 Conforme ensinamentos de Mauro Cappelletti, a diferença do juiz para o legislador não está no conteúdo de suas decisões, senão no procedimento utilizado para chegar a elas. Os juízes estão obrigados a atuar como terceiros imparciais dentro de um processo, obrigação que não existe no caso dos legisladores quando da produção de leis.88 Mesmo que os Ministros do Supremo Tribunal Federal estejam envolvidos diariamente com a interpretação constitucional, caracterizada pela presença marcante de normas de textura aberta, isto não significa que possam eles utilizar a competência para a modulação dos efeitos em toda e qualquer decisão de inconstitucionalidade. Trata-se de norma que deverá ser utilizada pelo Tribunal somente em casos excepcionais, de forma que não se converta em regra geral. A possibilidade de restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade dependerá da verificação da existência de razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social. Ou seja, a norma de modulação, somente incidirá de forma legítima naquelas situações em que a opção cômoda de aplicação dos efeitos retroativos possa comprometer outros valores consagrados pela constituição, desestabilizando assim todo o sistema. Como já foi dito, a forma como foi possibilitada a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, não nos causa espanto, mesmo diante do alto grau de abertura interpretativa daí decorrente e do reconhecimento de certa discricionariedade. Ao contrário, se corretamente utilizada, será mais um instrumento capaz de dar as respostas necessárias às demandas da sociedade. Não há dúvidas de que as principais fontes das transformações do direito estão situadas tanto na elaboração legislativa quanto nas decisões jurídicas. No entanto, talvez estas 85 Para diferenciar discricionariedade de arbitrariedade, precisas são as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem ―discricionariedade é liberdade dentro da lei, nos limites da norma legal, e pode ser definida como a margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este o cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica diante do caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal. Não se confundem discricionariedade e arbitrariedade. Ao agir arbitrariamente, o agente estará agredindo a ordem jurídica, pois terá se comportado fora do que lhe permite a lei. Seu ato, em conseqüência, é ilícito e por isso mesmo corrigível judicialmente (...). Em rigor, não há, realmente, ato algum que possa ser designado, com propriedade, como ato discricionário, pois nunca o administrador desfruta de liberdade total. O que há é exercício de juízo discricionário quanto à ocorrência ou não de certas situações que justificam ou não certos comportamentos e opções discricionárias quanto ao comportamento mais indicado para dar cumprimento ao interesse público in concreto, dentro dos limites em que a lei faculta a emissão deste juízo ou desta opção‖. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio, Curso de direito administrativo, p.385). 86 HART. Op.cit .p.141 87 Idem, p.162 88 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado, p.178. 39 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 últimas sejam as que mais refletem os anseios da sociedade, por estarem, de certa forma, mais perto das necessidades de justiça, do que o legislativo que, em nossa realidade, não tem se demonstrado sensível aos problemas mais concretos de justiça do povo que legitimamente representa. 3. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE COMO LEGITIMAÇÃO DAS DECISÕES E SUA FUNÇÃO ESTABILIZADORA DO SISTEMA Esta sensação de insegurança de que fala a doutrina, causada pelo fato de que a aplicação da norma de modulação se dará justamente na interpretação de muitos direitos incorporados pela Constituição, na qual é inegável a existência de regiões de incertezas, e que assim a atividade dos ministros será discricionária, pode perfeitamente ser amenizada, posto que a atividade judicial, como se pretende demonstrar encontra-se previamente balizada pelo sistema normativo. Assim, como isso poderá ser enfrentado? De que forma poderá ser controlada esta discricionariedade conferida pela norma de maneira a legitimar as decisões do tribunal? Na tarefa de apreciar os fatos e interpretar as normas, sempre haverá um espaço, maior ou menor para a subjetividade do intérprete, espaço que, no exemplo da norma de modulação, foi concedido de forma intencional pelo próprio legislador que, por ser um homem; assim como o aplicador da norma ao caso concreto, não possuía, no momento da sua elaboração, condições para objetivar os casos que estariam vinculados a sua incidência. Desta forma, como se resolvem estas questões na interpretação no Direito Constitucional, em que o espaço de liberdade conferido aos juízes aumenta consideravelmente em razão do caráter aberto e principiológico que costuma afetar as normas constitucionais, seja pela natureza eminentemente política das questões que surgem nesta seara89 Esta complexidade na interpretação constitucional se torna muito mais evidente no ordenamento constitucional brasileiro, que apresenta tensões das mais variadas espécies, justamente em razão do acolhimento de múltiplos valores e interesses não convergentes, oriundos de diversos segmentos da sociedade, e que por esta razão encontram-se em permanente situação de conflito.90 Para que se possam compreender as formas de resolução das tensões existentes entre normas constitucionais, devemos estar cientes da diferenciação entre os princípios e as regras constitucionais, posto que a diferenciação entre ambos não reside somente no grau superior de generalidade e abstração que costumam marcar os princípios, ou ainda pela maior relevância com que eles desfilam em nosso ordenamento jurídico. Os princípios, segundo a lição de Gustavo Zagrebelski, não possuem uma fattispécie definida, razão pela qual, contrariamente às regras, não se prestam à subsunção. Eles denotam favores constitucionais em benefício de certos bens, valores ou interesses, que obrigam o intérprete na resolução dos casos concretos.91 Para Ronald Dworkim, regras e princípios funcionam diferentemente. As regras são normalmente aplicadas de forma peremptória, num tudo-ou-nada em que, presentes os fatos, elas devem ser aplicadas de forma implacável, consideradas as exceções por elas próprias estabelecidas. Com os princípios a situação é diversa, pois mesmo que possam contar como razões que devem levar o juiz a uma determinada decisão, não exigem uma única conclusão. Não são os princípios, assim como as regras, razões determinantes, pois podem existir outros princípios que apontem em direção oposta. Os princípios, nas lições de Dworkim, possuem uma dimensão de ―peso‖ que inexiste nas regras: ―quando os princípios colidem, aquele que tiver de resolver o conflito terá de levar em consideração o peso específico de cada um‖.92 89 BARROSO, Luiz Roberto. Op.cit, p.106 Tem-se, nos dizeres de Clémerson Merlin Cléve, uma constituição que é de todos e ao mesmo tempo de ninguém. CLÉVE, Clémerson Merlin. A teoria constitucional e o direito alternativo: Para uma dogmática constitucional emancipatória, p.252) 91 ZAGREBELSKI, Gustavo. Il Diritto Mite, p.149-150 92 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio, p.140. 90 40 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Os princípios fazem parte do direito e devem ser considerados pelo intérprete quando da solução do conflito. Havendo a colisão entre dois ou mais princípios, cabe ao julgador resolver o conflito mediante uma ponderação, diante do caso concreto, do peso que cada princípio representa para a sua solução93. Já com as regras, em havendo conflito entre elas, apenas uma deverá ser aplicada, adotando-se os critérios para a solução de antinomias, quais sejam, o cronológico, o hierárquico e o da especialidade. Extrai-se que, toda vez que o julgador estiver frente a uma tensão de princípios constitucionais, indispensável se torna que recorra a uma ponderação dos diversos interesses envolvidos. Em estudo dedicado a esta técnica de ponderações, Daniel Sarmento conclui que, verificada a colisão, devem ser impostas restrições recíprocas aos bens jurídicos protegidos por cada princípio, de modo que cada um só sofra as limitações indispensáveis à salvaguarda do outro. A compreensão a cada bem jurídico deve ser inversamente proporcional ao peso específico atribuído ao princípio que o tutela, e diretamente proporcional ao peso conferido ao princípio oposto.94 A previsão de modulação dos efeitos nas decisões de declaração de inconstitucionalidade tem caráter interpretativo, posto que se enquadra justamente numa verdadeira ponderação de interesses em que figura, de um lado, o princípio implícito da nulidade da lei inconstitucional, e de outro, interesses de escala constitucional iguais ou até mesmo em maior grau de intensidade e peso que poderão ser atingidos pela decisão, e que estão embutidos, no caso da referida norma, nos conceitos indeterminados de: razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social.95 Os conceitos indeterminados adotados pelo legislador - segurança jurídica e excepcional interesse social - se revestem de base constitucional, sendo que o primeiro encontra fundamento no princípio do Estado de Direito, e o segundo em diversas normas e princípios. Neste sentido, é importante ter em mente que o princípio da nulidade ab initio somente há de ser ignorado se restar demonstrado, com base em ponderação sólida, que a declaração de inconstitucionalidade tradicional sacrificaria a segurança jurídica; ou outro valor constitucional que possa ter sua materialidade extraída da indeterminação de excepcional interesse social. O princípio da nulidade, mesmo com a previsão do artigo em comento, deverá continuar sendo regra geral em nosso ordenamento. O afastamento de sua incidência dependerá de um correto e indispensável juízo de ponderação, que fundado no princípio da proporcionalidade96, faça prevalecer a idéia de segurança jurídica ou outro princípio 93 Robert Alexy, nesta mesma linha, porém equiparando os princípios a mandados de otimização, entende: ―que estan caracterizados por el hecho de que puedem ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no solo depende de lãs possibilidades realessino también de lás jurídicas. El ámbito de las posibilidades jurídicas es determinado por los principios y reglas opuestos‖. (ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p.86) 94 SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal, p.196-197. 95 Da exposição de motivos da Lei 9.868, destacamos a parte da mensagem que demonstra que estas foram as intenções do legislador ordinário: ―Coerente com a evolução constatada no Direito Constitucional comparado, a presente proposta permite que o próprio Supremo Tribunal Federal, por uma maioria diferenciada, decida sobre os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, fazendo um juízo rigoroso de ponderação entre o princípio da nulidade da Lei inconstitucional, de um lado, e os postulados de segurança jurídica e do interesse social, do outro‖.(Mensagem n° 396, de 07 de abril de 1997, Diário Oficial da União de 06/12/1997, pp.40.337/40340, disponível em <www.diariooficial.com.br>. Acesso em: 20/08/2012) 96 Alguns segmentos doutrinários propugnam pela aplicação do princípio da proporcionalidade como norte de solução para determinados problemas decorrentes do controle de constitucionalidade. Estes autores o fazem nas questões relativas a ponderação de princípios constitucionais eventualmente conflitantes, quando em referência a uma situação concreta. Dentre estes autores destacamos: Zeno Veloso, para quem ―o art. 27 da Lei 9.868/99 pode ser defendido com base no princípio da proporcionalidade‖. (VELOSO, Zeno. Op,cit). Paulo Bonavides entende que ―a atuação normativa do Tribunal, no controle da constitucionalidade, pode ser defendida, inclusive, pelo princípio da proporcionalidade, que se caracteriza pelo fato de presumir a existência de relação adequada entre um ou vários fins determinados e os meios com que são levados a cabo‖. Continua o autor afirmando que ―este princípio preza pela presunção da existência de relação adequada entre um ou vários fins determinados e os meios utilizados para alcançá-los. Sob tal ótica, a pura aplicação da lei, sem nenhuma atenuação ou adequação, por parte do julgador, resultaria em evidentes injustiças, decorrentes de um rigorismo técnico-jurídico e de posições inflexíveis e dogmáticas, as quais desconsideram as conseqüências práticas e políticas e a justiça do caso concreto‖. Finaliza para concluir que ―o referido princípio é utilizado com crescente assiduidade para aferição da 41 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 constitucionalmente relevante manifestado sob a forma de interesse social também relevante. Da mesma forma, as razões para a não aplicação do princípio da nulidade jamais poderão se fundar em considerações de política judiciária, mas tão somente em fundamentos extraídos do texto constitucional. No que se refere ao princípio da proporcionalidade, Rui Medeiros assinala que, de uma maneira geral, as três vertentes do princípio da proporcionalidade – adequação, necessidade e proporcionalidade – se aplicam nas hipóteses de modulação dos efeitos das decisões. No entanto, para o autor, de específica atenção assume a proporcionalidade em sentido estrito: Proporcionalidade nesta terceira vertente tanto pode ser perspectivada pelo lado da limitação de efeitos como pelo lado da declaração de inconstitucionalidade. Tudo se reconduz, neste segundo caso, a saber, se à luz do princípio da proporcionalidade as conseqüências gerais da declaração de inconstitucionalidade são ou não excessivas. Impõe-se, para o efeito, ponderação dos diferentes interesses em jogo, e, concretamente, o confronto entre interesses afectado pela lei inconstitucional e aqueles que hipoteticamente seriam sacrificados em conseqüência da declaração de inconstitucionalidade com eficácia retroactiva e repristinatória. Todavia, ainda quanto a esta terceira vertente do princípio da proporcionalidade, não é constitucionalmente indiferente perspectivar o problema das conseqüências da declaração de inconstitucionalidade do lado da limitação de efeitos ou do lado da própria declaração de inconstitucionalidade. A declaração de inconstitucionalidade com eficácia ex tunc tem manifestamente prioridade de aplicação. Todo o sistema de fiscalização de constitucionalidade português está orientado para a expurgação de normas inconstitucionais. É, aliás, significativa à recusa de atribuição de força obrigatória geral às decisões de não inconstitucionalidade. Não basta, pois, afirmar que o Tribunal Constitucional deve fazer um juízo de proporcionalidade, cotejando o interesse na reafirmação da ordem jurídica - que a eficácia ex tunc da declaração plenamente potencia com o interesse na eliminação do factor de incerteza e de insegurança -que a retroactividade, em princípio, acarreta (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 308/93). É preciso acrescentar que o Tribunal Constitucional deve declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral e eficácia retroactiva e repristinatória, a menos que uma tal solução envolva o sacrifício excessivo da segurança jurídica, da eqüidade ou de interesse público de excepcional relevo.97 Nesta ponderação de valores e interesses, cabe ao Supremo Tribunal Federal estar ciente de que a pedra de toque para a manipulação dos efeitos de suas decisões em controle de constitucionalidade é o princípio da proporcionalidade, que não visa justificar um ou outro constitucionalidade dos atos do Estado, como instrumento de proteção dos direitos fundamentais‖. (BONAVIDES, Paulo. Op.cit, p.31, 314 e 359). Canotilho afirma que ―O juízo de proporcionalidade permite um perfeito equilíbrio entre o fim almejado e o meio empregado, ou seja, o resultado obtido com a intervenção na esfera de direitos do particular deve ser proporcional à carga coativa da mesma‖ (CANOTILHO, J. J. Gomes. Op.cit, p.263). Ver também ALEXI, Robert (Teoria de los derechos fundamentales) e DWORKIN, Ronald (Levando os direitos a sério). 97 . MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade, p.703/704. 42 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 interesse em específico, mas servir de ponto de mediação entre eles, de forma a garantir o equilíbrio do ordenamento jurídico.98 Os conflitos mencionados linhas atrás, decorrentes do acolhimento de variados valores e interesses por parte de nossa Constituição, podem gerar, como de fato geram, intranqüilidade e desequilíbrio do sistema. Assim, devemos estar cientes de que, na aplicação do direito (modulação dos efeitos), a decisão proferida não tem por finalidade única solucionar o conflito de interesses que se coloca sob sua análise; em especial, a decisão tem por objetivo principal estabilizar o ordenamento jurídico. Deve o Poder judiciário ter cautela para que a decisão de um caso não venha a desestabilizar o todo, razão pela qual jamais poderá fazer prevalecer sobremaneira um valor que coloque em risco todo um sistema normativo. A incompatibilidade de uma norma com a Constituição acarreta a sua nulidade e, portanto, todos os efeitos por ela produzidos, em regra geral, também seriam nulos, posto que lei declarada inconstitucional não é lei, e sendo assim, não poderia produzir efeitos. De forma que, ao declarar a nulidade da lei, o tribunal deve, também em regra, e visando a supremacia da constituição, aplicar efeitos retroativos à decisão, cujo efeito visa também assegurar o princípio da igualdade, posto que, se até a decisão, a presunção de validade era para todos, a decisão de invalidade da lei também há ser considerada para todos. No entanto, como já mencionamos anteriormente, não é mistério que existirão situações em que a aplicação generalizada de efeitos retroativos poderá gerar graves conseqüências para o equilíbrio do sistema jurídico. Assim, em situações excepcionais e somente nelas, o tribunal deverá, após ponderar os valores que se encontram em conflito, visualizar dentro do espaço de manobra conferido pelo legislador qual o único e certeiro momento em que a aplicação dos efeitos da decisão venha a assegurar o equilíbrio do ordenamento jurídico; de forma que, ao escolher um princípio em detrimento de outro, esta escolha não se paute pelos seus critérios pessoais. Não se trata, portanto, da escolha de um ou outro princípio em específico. A liberdade na modulação dos efeitos deve ser considerada como uma norma de regulação e ajustamento do sistema. As diversas relações de validade dos princípios são reguladas pelas regras que proporcionam ao mesmo direito uma estruturação do sistema, ou seja, estas normas possuem função de ajustamento, e não mera faculdade de decisão.99 Portanto, esta possibilidade de modulação dos efeitos somente deverá ser utilizada em casos limites, em que o sistema jurídico não comporte, sob pena de exaustão, a aplicação da retroatividade total100, e não simplesmente em razão da escolha aleatória de um princípio em detrimento de outro. A se utilizar como regra esta possibilidade de modulação dos efeitos em todos os casos em que se poderia cogitar, que os efeitos produzidos pela norma inconstitucional estariam protegidos por outros princípios de estatura constitucional, a exemplo da moralidade, boa-fé, dentre outros, não estará o tribunal cumprindo a real finalidade da norma, posto que em grande parte das situações que existirem sob o manto de uma decisão de inconstitucionalidade; de maneira geral poderia o tribunal reconhecer que a restrição dos efeitos seria necessária. A exceção não pode se converter em regra, como bem observou Marcelo Rebelo de Souza, ao comentar o artigo 282° n° 4 da Constituição Portuguesa, que serviu de base para a elaboração da redação do artigo 27 da Lei 9.868/99: 98 No que se refere a este juízo de ponderação, Raquel Denise Stumm entende que ―deve existir uma medida que permita alcançar a melhor proporção entre os meios e os fins. (...) Decorre da natureza dos princípios válidos a otimização das possibilidades fáticas e jurídicas de uma determinada situação‖. (STUMM, Raquel Denise. Princípio da proporcionalidade no direito constitucional brasileiro, p.81). 99 Neste sentido, Tércio Sampaio Ferraz Filho, cita como exemplo o termostato de uma geladeira. Este mecanismo permite assegurar que a geladeira mantenha um equilíbrio na sua temperatura, não esfriando demais, nem aumentando a temperatura para além de um certo limite. Conclui o autor que ―os sistemas normativos jurídicos são constituídos primariamente por normas (repertório do sistema) que guardam entre si relações de validade reguladas por regras de calibração (estrutura do sistema)‖.(FERRAZ FILHO, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito, p.190). 100 FISCHER, Octavio Campos. Os Efeitos da declaração de inconstitucionalidade no direito tributário brasileiro, p.254. 43 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 não deve o Tribunal Constitucional converter a excepção em regra e o recurso à invocação de razões de equidade e de um interesse público de excepcional relevo não pode subverter a essência do regime jurídico da nulidade do acto inconstitucional, quer levando o Tribunal Constitucional a substituir-se ao órgão que praticou ou deveria ter praticado o acto nulo, quer banalizando e depreciando o preenchimento dos pressupostos objectivos do Artigo 282°n°4 da Constituição.101 Ou seja, o cumprimento da real finalidade da norma depende da compreensão de que ela foi posta pelo direito não simplesmente para possibilitar a ponderação de valores e interesses, mas em especial para verificar; com base no princípio da proporcionalidade, se as conseqüências gerais da declaração de inconstitucionalidade são ou não prejudiciais ao equilíbrio do sistema normativo como um todo. Como toda regra de estruturação do sistema, a modulação dos efeitos das decisões de inconstitucionalidade é mais um instrumento disponibilizado pelo direito para propiciar à sociedade a almejada tranqüilidade e segurança, que são as suas finalidades principais. No entanto, a utilização deste indispensável instrumento de realização do direito, deve estar limitada a situações excepcionais sob a pena de causar danos irreparáveis ao ordenamento jurídico, levando-o ao completo desequilíbrio. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como demonstrado, o tema relativo à modulação dos efeitos temporais da decisão no controle da constitucionalidade, ainda se destaca na doutrina dedicada ao estudo do direito constitucional pátrio, cujo debate contribui sobremaneira para o aperfeiçoamento da Jurisdição Constitucional. A norma de modulação visa possibilitar o Supremo Tribunal Federal a adotar técnicas mais ―maleáveis‖ em suas decisões, flexibilizando a rigidez absoluta do efeito ex tunc, com os seus inconvenientes, em verdadeira demonstração de sensibilidade à nova realidade e à necessidade de se adotar esta nova tendência praticada há algum tempo pela jurisdição constitucional de diversos países. Por outro lado, é de se concluir que se o Poder Constituinte não tratou deste assunto é porque concedeu, mesmo que de forma implícita, licença para que o Supremo Tribunal Federal validasse, mesmo que temporariamente, atos conflitantes com a Constituição, toda vez que o equilíbrio e a harmonia do ordenamento pudessem ficar comprometidos. Em verdade, trata-se de competência constitucional inerente à realização do controle de constitucionalidade, que restaria inútil, muitas vezes, sem esta possibilidade de modulação dos efeitos das decisões de inconstitucionalidade. Neste ponto, embora parte da doutrina entenda que a manipulação dos efeitos afeta o princípio da supremacia da constituição, esta não foi nossa opinião neste trabalho. Ao manejar no tempo os efeitos da decisão, o Poder Judiciário não estará modulando a validade da norma, mas apenas estipulando um determinado momento a partir do qual a decisão que constatou a invalidade e que declarou inconstitucional a lei produzirá seus efeitos. Assim, ao declarar a inconstitucionalidade, o tribunal, ante a existência de outros valores assegurados pela constituição, verificará a necessidade de se restringir ou não os efeitos da decisão. Como se observa, os efeitos atribuídos à decisão pelo tribunal, sejam eles ex tunc ou ex nunc não são decorrentes do vício da norma, mas da própria declaração de inconstitucionalidade. Portanto, esta possibilidade da aplicação do efeito ex nunc não conflita com a Constituição; 101 Citado por FISCHER, Octavio Campos Op.cit, p.254. 44 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 ao contrário, está com ela em perfeita harmonia e serve justamente para a mantença da supremacia dos valores constitucionais, na forma em que possibilita ao Supremo Tribunal Federal, diante das situações da vida, tornar efetivos direitos e garantias fundamentais, bem como possibilitar a manutenção da segurança jurídica. Quando o Tribunal afasta o efeito retroativo, é porque estará reconhecendo valores ou princípios constitucionais, e assim, estará possibilitando a concretização da supremacia constitucional. Por outro lado, quando o mantém, também estará garantindo a supremacia da constituição, pois da mesma forma estará assegurando valores que ela própria visa assegurar. Da mesma forma, no que se refere ainda ao objeto de nosso estudo, não vemos qualquer equívoco quanto à forma encontrada pelo legislador para estabelecer os pressupostos materiais para a modulação dos efeitos temporais, pois ao se utilizar de conceitos jurídicos indeterminados, mesmo com alto grau de abertura interpretativa deles decorrente; o fez com o evidente propósito de possibilitar ao tribunal uma interpretação das possíveis combinações e circunstâncias que possam surgir no caso concreto, integrando com suas avaliações o preenchimento do conteúdo dos conceitos deixados propositadamente em aberto pelo legislador. Todavia, esta possibilidade conferida pelo legislador ao tribunal, de integrar com seu convencimento a indeterminação da norma, a qual denomina-se de poder-dever discricionário, não significa arbitrariedade, ou seja, a opção por uma das hipóteses admitidas não poderá jamais ser feita de forma aleatória. É importante que esta competência atribuída aos juízes para resolverem os casos parcialmente deixados por regular, não sejam confundidos com o poder de criar normas para o caso, mas tão somente para resolvê-los. Ou seja, deve existir embasamento jurídico viável pelo ordenamento jurídico, de forma a justificar a decisão e torná-la legítima. Este embasamento a que nos referimos será buscado através da ponderação dos diversos valores envolvidos no conflito, cabendo ao tribunal, com base no princípio da proporcionalidade, visualizar, dentro do espaço de manobra conferido pelo legislador, qual o único e certeiro momento em que a aplicação dos efeitos da decisão venha a assegurar o equilíbrio do ordenamento jurídico; de forma que, ao escolher um princípio em detrimento de outro, esta escolha não se paute pelos seus critérios pessoais. Da mesma forma, manifestamos nosso entendimento de que esta possibilidade não pode ser utilizada em toda e qualquer decisão para a qual se alegue que o efeito retroativo irá violar um ou outro princípio constitucional. A regra continua sendo a retroatividade total, e a possibilidade de sua maleabilidade conferida pelo ordenamento jurídico deve ser utilizada naquelas situações excepcionais em que o próprio ordenamento reclame esta flexibilização sob pena de seu desequilíbrio. Quem requer esta flexibilização é o próprio sistema, que a exemplo do cardíaco, necessita do medicamento para evitar o próprio colapso. Concluindo, entende-se que a norma de modulação encontra-se em perfeita harmonia com a Constituição Federal, o que permite que o Supremo Tribunal Federal, através de um severo juízo de ponderação, fundado no princípio da proporcionalidade, proceda à modulação dos efeitos de suas decisões sempre que necessário for restabelecer o equilíbrio do ordenamento jurídico. Não se tem dúvidas das enormes dificuldades a serem enfrentadas pelo Supremo Tribunal Federal nesta difícil missão de garantir a efetivação dos direitos fundamentais e, ao mesmo tempo, preservar a governabilidade, ou seja, mediar o eterno embate entre os interesses do cidadão e do Estado. No entanto, neste grande confronto deve o tribunal estar ciente das razões de sua existência, qual sejam, a Constituição e os direitos fundamentais, de forma que a melhor interpretação que ele possa fazer da norma de modulação, é aquela que venha a enaltecer os direitos fundamentais do cidadão. 45 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madri: Centro de Estudos Constitucionales, 1993. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Controle da discricionariedade da Administração Pública. Conferência de encerramento do XV Congresso de Direito Administrativo. Curitiba, agosto de 2001. __________. 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Belo Horizonte: Del Rey, 2000. 47 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 O DIREITO AMBIENTAL COMO UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL CAMILA PARMEZAN OLMEDO102 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 RESUMO Este trabalho busca ilustrar as definições e os princípios de Direito Ambiental Internacional, descrevendo brevemente como se deu sua evolução no ordenamento jurídico, tendo em vista o aumento da preocupação mundial com o ambiente; a qual se expandiu em dimensões universais e possibilitou tanto melhorias nos sistemas de proteção ambiental como lhe garantiu o especial posto de direito humano fundamental. PALAVRAS-CHAVE: direito ambiental, princípios, direitos humanos. THE ENVIRONMENTAL LAW AS AN HUMAN RIGHT ABSTRACT This paperwork intends to explain the concept and principles of the Environmental Law, briefly describing its evolution in the legal order in view of the rising global concern about the environment, which gave it universal dimension and allowed improvements in the environmental protection system as much as guaranteed a special placing to the environmental law when it was established as a fundamental human right. KEYWORDS: environmental law, principles, human rights. 1 INTRODUÇÃO O interesse em preservar o ambiente ganhou maior destaque a partir das intensas mudanças sociais e climáticas resultantes de evoluções como a industrial e a tecnológica, decorrentes principalmente do processo de globalização. Logo, com novos conhecimentos acerca da influência do ambiente sob a humanidade, novas necessidades surgiram para a população e refletiram na ciência que acompanha a dinâmica social, isto é, a ciência jurídica, que logo iniciou sua jornada para se adequar à nova realidade. Assim, surgiu a esfera do Direito Ambiental, o qual vem evoluindo desde a Declaração de Estocolmo em 1972, onde se falou pela primeira vez na importância do ambiente com relação à vida humana e da possibilidade do desenvolvimento sustentável. Como as demais esferas do Direito, o novel ramo consiste em princípios e normas próprias, as quais dirigem a sociedade a um caminho onde o Estado deve ministrar seu crescimento social e econômico em harmonia com a manutenção do ambiente, mantendo um equilíbrio que permita uma vida digna não só aos seres humanos, mas a todos os outros que habitam a Terra. Devido a esta extensão, o Direito Ambiental ultrapassou o direito interno e passou a ser tutelado também no âmbito internacional, originando instrumentos internacionais que visam à cooperação entre os Estados em busca de melhores meios de proteção ambiental, tendo em vista que questões como o fenômeno do efeito estufa atinge a todos, sendo impossível seu tratamento isolado por um só país. 102 Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil. E-mail: [email protected] 48 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Deste modo, o direito ao ambiente sadio e equilibrado recebeu status de direito humano, devido à influência direta na tutela do direito à vida, tornando-se prioridade na agenda internacional contemporânea. Logo, objetiva-se desmembrar o Direito Ambiental e os princípios que o norteia, analisando a importância que lhe vem sendo concedida e os motivos que levaram o Brasil e outros inúmeros países a incorporá-lo em seus ordenamentos jurídicos como um direito humano fundamental. 2 CONCEITO DE AMBIENTE O pensamento geral entende como ambiente aquilo que se remete à natureza, como florestas, mares e animais; entretanto, o conceito se revela mais amplo, englobando não só a flora e a fauna, mas também a cultura e os lugares da vida cotidiana, tal qual a escola, o local de trabalho ou o próprio lar de cada cidadão. A premência em conceituar a expressão ―ambiente‖ teve início a partir de 1970, em decorrência da Conferência de Estocolmo, onde se demonstrou preocupação com relação ao ambiente, reconhecendo-o na esfera internacional pela Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, que trouxe novas idéias como a do desenvolvimento sustentável. Desde então, estudiosos do Direito Ambiental buscam uma definição cada vez mais complexa e que seja capaz de expor tudo que representa o ambiente a fim de garantir uma melhor proteção ao meio em que vivemos. Para acompanhar esta evolução, o ordenamento jurídico brasileiro se dinamizou introduzindo a matéria na Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e, em seguida, na Constituição Federal de 1988. Assim, o artigo 225 da Carta Magna brasileira assegura o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, incumbindo ao Poder Público, a função de garanti-lo a todos, enquanto a Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981; além de assegurar a preservação e a melhoria da qualidade ambiental, traz o conceito de ambiente no artigo 3º, inciso I: ―Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - Meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas". Inspirado pela construção desta terminologia pela legislação brasileira, o ilustre doutrinador José Afonso da Silva redigiu seu próprio conceito, entendendo como ambiente ―a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais, e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas103‖. Outros numerosos conceitos foram escritos no intuito de tutelar o ambiente de forma mais abrangente em busca da criação de melhores mecanismos para sua proteção; deste modo, para facilitar sua compreensão, se dividiu didaticamente o conceito em quatro espécies: ambiente natural, cultural, artificial e do trabalho, o que facilitou a identificação do meio agredido, o agressor e a ferramenta para findar a agressão. Para uma ligeira concepção basta esclarecer que o ambiente natural inclui os recursos naturais (fauna e flora), e o artificial é o meio alterado pelos seres humanos (zona urbana), que o cultural envolve os patrimônios históricos, ecológicos e turísticos e; por fim, que o ambiente do trabalho abriga as condições dos locais de trabalho e a segurança do trabalhador. Independente da descrição ou classificação do termo, o importante é perceber que o ambiente é algo que faz parte da vida de todos os seres e que, em razão disso, se entrelaça profundamente com a dignidade humana, exigindo proteção normativa. 103 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000, p - 20. 49 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 3 DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL São várias as terminologias dadas a este novo ramo do Direito, alguns a denominam Direito Ecológico enquanto outros, Direito do Ambiente, já no Brasil a denominação mais comum é Direito Ambiental, por isto, deve ser explanado que a celeuma quanto à nomenclatura desta ciência reside na extensão que pretende dar-se a ela, devido à proteção que necessita tendo em vista sua importância para a vida, como já explanado anteriormente. Dentre os conceitos que definem o Direito Ambiental, deve ser destacado o entendimento de Maria Luiza Machado Granziera: Constitui o conjunto de regras jurídicas de direito público que norteiam as atividades humanas, ora impondo limites, ora induzindo comportamentos por meio de instrumentos econômicos, com o objetivo de garantir que essas atividades não causem danos ao meio ambiente, impondo-se a responsabilização e as conseqüentes sanções aos transgressores dessas normas104. Após análise do conceito supracitado, percebe-se que a presença do Estado é fundamental para a implantação de condutas em prol do ambiente, mas que sua presença por si só não basta, uma vez que para provocar efeitos que sejam capazes de reduzir a poluição ambiental e o uso desenfreado de recursos naturais deve haver a imposição de normas pelo Estado em conjunto com a colaboração e conscientização do povo, que deve estar atento à gravidade do assunto e aos meios mais simples de mudar os comportamentos prejudiciais ao ambiente. É importante ressaltar que o Direito Ambiental é atualmente qualificado como direito difuso, porquanto não é um interesse exclusivamente privado nem público, ou seja, não existe um titular predestinado, é um direito metaindividual que envolve toda a coletividade de maneira indivisível e indeterminável. Em decorrência disso, podem ser afirmadas duas características que compõem o Direito Ambiental, sendo a primeira a transindividualidade, pois transcende os direitos e obrigações de um só indivíduo e a segunda é a indivisibilidade; já que não é possível cindi-lo por pertencer a todos os membros da sociedade indistintamente e ao mesmo tempo. Por sua abrangência característica a preservação ambiental tem que ter sua preservação assegurada em nível mundial, por isso o ramo do Direito Ambiental ganhou relevância internacional; de modo que os Estados se reúnem de tempo em tempo para discutir e editar tratados internacionais para tutelar o ambiente, o que reflete e influencia a legislação interna de cada país. 4 PRINCIPIOS DE DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL Ao longo do estudo da ciência jurídica o estudioso passa a conhecer a importância dos princípios como fonte que orienta e auxilia a compreensão do ordenamento jurídico, assim ensina Celso Antônio Bandeira de Mello sobre eles: mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele; disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere à tônica e lhe dá sentido harmônico105. 104 105 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. 2. ed. São Paulo, Atlas: 2011. p. 6. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 230. 50 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Deste modo, o Direito Ambiental também originou princípios próprios, os quais se classificam da seguinte forma: 4.1 PRINCÍPIO DO DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE SADIO Em 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também chamada de Rio-92, realizada no Rio de Janeiro, foi proclamado como primeiro princípio o direito humano a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza. Por este princípio tem-se que o direito a um ambiente equilibrado é tão essencial à humanidade que deve ser protegido tanto quanto o direito à vida, razão pela qual a Constituição Federal Brasileira, em 1988 também o adotou como direito fundamental. 4.2 PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO Certo da origem do problema ambiental, os Estados devem promover meios de prevenir atividades danosas ao ambiente, implantando medidas acautelatórias que impeçam atitudes potencialmente poluidoras, eis que uma vez degradado o meio sua reparação pode se tornar demasiada onerosa e até mesmo irreversível. Visualiza-se este princípio no artigo 225, §1°, inciso IV da Constituição Federal, bem como no artigo 2º, inciso IV da Lei 6.938/81 onde está disposto que é um dos princípios elencados pela Lei a: ―proteção dos ecossistemas, com a preservação das áreas representativas‖. Deve ser apontado que muitas vezes há confusão entre o Princípio da Prevenção e o Princípio da Precaução, entretanto a diferença entre os dois é cristalina, pois ainda que ambos pertençam ao Direito Ambiental e busquem medidas prévias para impedir agressões ambientais; o primeiro previne as situações das quais tem certeza de que são prejudiciais, por ter sua potencialidade lesiva cientificamente comprovada, enquanto no segundo, ainda há dúvidas sobre os danos que a atividade pode causar, mas que ainda assim devem ser observadas com atenção. 4.3 PRINCÍPIO DO POLUIDOR PAGADOR A Lei 6.938/81, na parte em que destaca os objetivos da política nacional do meio ambiente prescreve: ―Art. 4º A Política Nacional do Meio Ambiente visará: - VII: à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados‖. Desmembrando a denominação do princípio e interpretando a norma apreende-se que poluidor é quem causa danos ao ambiente e que por isto, torna-se responsável pelos prejuízos que gerou, acarretando o dever de indenizá-los. Este princípio é implicitamente um meio de orientar o poluidor sobre os reflexos negativos causados por suas atividades, desencorajando-o a continuá-las por meio da redução de seu lucro. A Constituição Federal também reservou um dispositivo para assegurar a responsabilidade destes agressores: ―Art. 225, § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados‖. 4.4 PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais por vários princípios, dentre eles o da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. Este princípio, abarcado pelo artigo 4º, inciso IX da Constituição da República é aplicado ao Direito Ambiental em função de seu status de direito fundamental. Pelos motivos já explanados, o ambiente é de interesse global por ter influência sobre todos os tipos de vida na Terra, assim é clara a necessidade da colaboração entre os Estados, uma vez que não há limites territoriais que bloqueiem a degradação ambiental. 51 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Por isto, os aludidos Entes devem ser capazes de trocar informações sobre situações que possam adquirir dimensões transfronteiriças, de assistirem uns aos outros na ocorrência de catástrofes ecológicas e impedirem comportamentos que originem ou agravem deteriorações ao ambiente. Para tanto, existem tratados e convenções que abordam meios eficazes de contribuição entre Estados, determinam regras para a reciprocidade entre eles e confirmam o interesse na cooperação entre os integrantes da Sociedade Internacional, posto a indispensabilidade da intervenção estatal para a defesa e preservação do meio ambiente. 4.5 PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Devido ao acelerado avanço do desenvolvimento industrial e tecnológico, os Estados passaram a enfrentar um dilema: optar entre o crescimento econômico do país ou a preservação da qualidade ambiental? No entanto, estudiosos do ramo conseguiram encontrar um caminho para a coexistência harmônica entre a economia e o ambiente, o qual foi denominado desenvolvimento sustentável. Nasceu assim uma política ambiental que intenciona garantir o desenvolvimento socioeconômico atual, mas de modo a assegurar a qualidade de vida das gerações futuras; por meio de estratégias que evitem o desperdício dos recursos finitos da natureza, reduzam a emissão de gases poluentes e apliquem tecnologias que possibilitem a utilização de energias renováveis. Por fim, é o papel do Princípio do Desenvolvimento Sustentável incitar os Estados a introduzir condutas como essas em suas sociedades, planejando o equilíbrio ambiental em conjunto com o desenvolvimento de seu próprio país, bem como junto ao comércio internacional. 5. PROTEÇÃO INTERNACIONAL AO AMBIENTE Pelo Princípio da Intervenção Estatal Obrigatória na Defesa do Meio Ambiente, o qual dispõe que o Poder Público deve atuar em defesa do ambiente; seja no âmbito administrativo, legislativo ou judiciário, foi criado um conjunto normativo internacional com determinações para que os Estados cooperem entre si a fim de protegê-lo amplamente, tendo em vista a garantia do direito à vida. Normas de proteção ambiental como a Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, a Convenção de Viena para Proteção da Camada de Ozônio e o Protocolo de Kyoto são algumas das tentativas da Sociedade Internacional em amenizar os problemas ambientais, destacando as principais questões que afligem o planeta. No entanto, a obrigatoriedade destas normas internacionais é questionada, eis que não há como se assegurar o fiel cumprimento dos tratados pelos Estados por ser inconcebível qualquer espécie de afronta à sua soberania, ainda que no bom intuito de fiscalizar atividades com relações ambientais. Todavia, para alguns, isto é uma característica do ramo do direito ambiental que pode ser positiva, uma vez que permite a flexibilidade dos pactos, já que cada país irá propor ressalvas de acordo com suas próprias particularidades; seus recursos e economia, firmando apenas as cláusulas que tem condições de cumprir; para Marcelo Varella: ―é justamente esta diversidade e flexibilidade que lhe dão maior possibilidade de se expandir106‖. De qualquer modo, sabe-se que toda norma jurídica é dotada de imperatividade, eis que define uma ordem a ser seguida, assim sendo não há que se falar na inexistência da obrigação do dever de preservar o ambiente devido a tal flexibilidade, porque a legislação ambiental, seja interna ou internacional, estimula os Estados a praticarem condutas 106 VARELLA, Marcelo Dias. Direito internacional econômico ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 28. 52 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 ecologicamente corretas, dando-lhes a faculdade de decidir como irão realizá-las, facilitando seu cumprimento e a proteção ao ambiente. 6. O DIREITO AO AMBIENTE COMO UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL A Constituição Federal de 1988, ao dispor no caput do artigo 225 que ―todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida‖; garantindo proteção especial ao ambiente e reconhecendo sua importância à humanidade, elevando-o assim ao patamar de direito fundamental. É oportuno recordar a categorização criada por juristas quanto aos direitos fundamentais, ou seja, a tradicional divisão entre as dimensões dos direitos; as quais são, brevemente, os direitos fundamentais de 1ª dimensão, relativos à liberdade e aos direitos individuais; os direitos de 2ª dimensão, referentes aos direitos sociais e econômicos e, por fim, os direitos de 3ª dimensão, compostos por valores de solidariedade, isto é, direito ao desenvolvimento e ao meio ambiente. Destarte, ter sido o direito ao ambiente considerado direito fundamental de 3ª geração significa dizer que o Estado se conscientizou da magnitude deste tema para a sociedade como um todo, tanto é assim que o próprio texto constitucional aduz ao ambiente como um bem de uso comum. Porém, esta mudança no ordenamento jurídico brasileiro não ocorreu repentinamente, a origem desta preocupação para com o ambiente adveio, como citado anteriormente, da Conferência de Estocolmo em 1972, um encontro internacional que é reconhecido como marco do movimento ambiental, no qual foi estabelecido como ―Principio 1‖ que: [...] o homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bemestar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras107. A inserção desta matéria pelo ponto de vista de direito humano fundamental na pauta de discussões internacionais foi notável, eis que os Estados Soberanos demonstraram intenção de solucionar questões ambientais que vinham sendo trazidas pela primeira vez com tal grandiosidade; escancarando os problemas que prejudicam o planeta e todos os seres que nela habitam. A partir deste momento, a Sociedade Internacional confrontou a devastação ambiental frente à qualidade de vida e deu status de direitos humanos à proteção do ambiente saudável, sendo assim, os Estados se comprometeram a realizar medidas defensivas e protetivas ao ambiente dentro de seus territórios; promovendo então uma vida melhor não só para a geração atual, mas também para as futuras. A Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada na cidade de Viena, em 1993 confirmou a urgência em salvaguardar o ambiente, preservar os recursos naturais e diminuir a devastação causada pelo crescimento dos Estados, haja vista que a sobrevivência humana depende de condições que somente podem ser fornecidas pela própria natureza. Neste sentido tem-se a posição de José Afonso da Silva: ―a proteção ambiental, abrangendo a preservação da Natureza em todos os seus elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico, visa a tutelar a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida, como uma forma de direito fundamental da pessoa humana108‖. O ilustre José Afonso da Silva cita que a natureza garante elementos essenciais à vida, o que remete o pensamento não só à importância da preservação das florestas e das espécies, mas também aos detalhes que mudariam significativamente a vida no planeta caso o ambiente não seja devidamente respeitado, como por exemplo, a água da chuva, 107 108 Organizações das Nações Unidas, 1972. SILVA, José Afonso. Op. Cit. p - 58 53 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 que ainda que pareça um fenômeno tão rotineiro, tem enfrentado o problema da poluição que a torna ácida, prejudicando plantações e a própria água que é consumida pelos seres vivos. Pelo exposto, nota-se a importância da elevação do direito a um ambiente ecologicamente equilibrado a um direito humano fundamental; sendo-lhe devida a proteção internacional que lhe tem sido atribuída, conectando tanto os Estados quanto os indivíduos na busca por uma qualidade de vida cada vez melhor. Enfim, está mais do que confirmado que o ambiente é considerado um direito humano universal, ultrapassando as barreiras dos Estados; eis que sua relação direta com os direitos fundamentais à vida e à saúde passou a se mostrar mais transparente conforme a difusão da informação, instigando o desejo em preservar o planeta. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao fim deste estudo, verifica-se a proteção que o ambiente ganhou mundialmente e que o Direito Internacional Público continua se expandindo a fim de solucionar as questões ambientais, buscando na integração entre os Estados a preservação do ambiente e da própria vida humana. Deste modo, percebeu-se que os direitos à vida e ao ambiente são indissociáveis, o que determinou a consideração do direito ambiental como um direito humano fundamental, dando-lhe especial proteção pelo ordenamento jurídico internacional. Assim a preocupação ambiental se difunde pelos países, tornando-se um patrimônio comum, sinônimo de solidariedade e qualidade de vida. Logo, o ordenamento interno de cada Estado foi se aperfeiçoando a fim de incluir o Direito Ambiental em seu conjunto, assegurando a presença deste numa posição hierarquicamente superior a qualquer lei vigente no país: na Carta Constitucional, a fim de demonstrar que o ambiente é tão importante quanto os demais bens jurídicos por ela protegidos, tanto quanto a dignidade, a cidadania, ou a própria vida. Diante disto, o Direito Ambiental tem evoluído constantemente para garantir a tutela jurídica deste bem por meio de instrumentos internacionais, dos princípios de prevenção e do desenvolvimento sustentável. Por derradeiro, o Direito Ambiental tem se sedimentado com o passar do tempo, garantindo seu posto de direito humano fundamental ao redor do mundo e atraindo juristas que buscam o contínuo crescimento desta área do Direito, relacionando-a com os demais ramos, como a responsabilidade penal ambiental e outros estudos contemporâneos. REFERÊNCIAS ANTUNES, PAULO DE BESSA. 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Adotou-se como exemplos a morte da genitora, pai que adota solteiro, ou pai homossexual, sendo que este ultimo é um modelo familiar que vem crescendo muito. Para a criança é de suma importância a presença de um dos genitores nos primeiros dias de vida, sendo que o mesmo é hipossuficiente, necessitando dessa maneira de cuidados especiais a todo momento, e que a não concessão desse benefício será prejudicial para a sociedade, pois a boa estrutura familiar é onde nascem os bons cidadãos e onde há mais justiça e dignidade. Baseando-se pela Constituição Federal de 1988, a igualdade está cada vez mais em destaque, precisando ser colocada em prática para representar a democracia. PALAVRAS-CHAVE: Licença Maternidade- Analogia- Paternidade- Igualdade. MATERNITY LEAVE USED FOR MEN ANALOGICALLY RESPECTING THE PRINCIPLE OF HUMAN RIGHTS ABSTRACT The work presented hereby demonstrates how important the principle of gender equality is in the case of maternity leave, where the father might take the place of the mother in cases where she may not be present. Let´s have as examples mothers' death, a single father who adopts a child, a gay father , (the latter is a model that has been growing very familiar). Considering that the the presence of a parent is of paramount importance to the child in the first days of life, and the same is hipossuficient , it requires special care at all times, and if such benefits are not granted , it will be harmful to society, because good family structure is where the good citizens are born and where there is more justice and dignity. Based on the 1988 Federal Constitution, equality is increasingly highlighted, needing to be put in place to represent democracy. KEYWORDS: Maternity leave, Analogy, Fatherhood, Equality 1 INTRODUÇÃO O trabalho desenvolvido buscou esgotar os procedimentos metodológicos de pesquisa, abordando as diferentes correntes adotadas, com o objetivo de demonstrar as diversas interpretações dadas ao tema. O presente trabalho apresenta uma maneira diferente de ver a licença maternidade e a licença paternidade, abordando de forma clara que a intenção desses dois institutos é a 109 Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected] Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected] 111 Professora, Advogada, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected] 110 56 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 proteção integral da criança, pois esta é ser mais frágil, principalmente no nascimento e nos seus primeiros dias de vida. Sabe-se que a mãe fica um pouco mais sensível com o nascimento de um filho, pois é um momento muito esperado para a família, é o momento em que nasce de si um ser que carregou durante meses em seu ventre. E para o pai, além de ser um momento extremamente importante, é também um momento em que tem que se desdobrar para poder entender como funciona essa nova família que se forma. Apresentam-se também formas de proteção a criança e a família, desde o nascimento. Assim como a importância do pai e mãe na vida deste, e ainda comentando sobre os direitos fundamentais, colocando de forma clara a responsabilidade dos genitores. A licença maternidade foi uma conquista vinda com o tempo, assim como a integração da mulher no mercado de trabalho. O norte do trabalho tem seu marco diante de tantos fatores com os quais a sociedade se depara. A licença paternidade é um período curto em alguns casos particulares, tendo em vista que tanto a criança como a mãe precisa de cuidados pós-parto, tanto para a recuperação da mulher após o nascimento da criança; como também em casos excepcionais onde a criança nasce com alguma deficiência, casos de adoção ou ainda se a mãe possa vir a falecer. Exalta-se que vários são os pensamentos doutrinários e estudiosos do direito sobre o assunto, analisando jurisprudências a favor e também os princípios gerais do direito. Entende-se que a mãe tem uma necessidade maior da obtenção da licença maternidade em detrimento ao homem, usa-se neste caso o princípio da isonomia, porém há casos em que o homem necessitará tanto quanto a mulher deste benefício. Por fim, analisa-se também que o desempenho do homem no trabalho sabendo que sua família necessita de cuidados especiais cairá bastante. Os primeiros cuidados para a criança e a mãe são muito importantes logo após o parto e um período após ele, pois é onde se mostra o amor naquele momento especial para todos. Diante o exposto, cabe ressaltar que para a realização do presente trabalho, utilizou-se de pesquisas bibliográfica, exploratória, doutrinárias e jurisprudenciais, bem como dos métodos dedutivo e observacional. 2 DIREITOS FUNDAMENTAIS Direitos fundamentais são aqueles que além de ser o que garante a integridade física e moral do cidadão é também uma forma de assegurar que o que está na Constituição Federal seja realmente cumprido. 2.1 CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS Os direitos e garantias fundamentais são aqueles do artigo quinto da Constituição Federal de 1988, porém não se restringe a somente esses, é tudo aquilo que nasce com o cidadão e não é uma concessão do Estado. Do artigo quinto ao artigo dezessete da Constituição Federal temos o Titulo II, onde se refere aos Direitos e Garantias Fundamentais, porem o autor Pedro Lenza em seu livro: Direito Constitucional Esquematizado diz que: O STF manifestou-se corroborando com a doutrina mais atualizada que os direitos e deveres individuais e coletivos não se restringem ao Art. 5o da Constituição Federal de 1988, podendo ser encontrados ao longo do texto constitucional, expresso ou decorrentes do regime e 57 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 dos princípios adotados pela Constituição, ou ainda, decorrentes dos tratados e convenções internacionais de que o Brasil seja parte.112 No âmbito internacional, entre outros tem a Declaração dos Direitos Fundamentais do Homem feito pela ONU em seu Preâmbulo estabelece que: CONSIDERANDO que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, CONSIDERANDO que o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultam em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade, e que o advento de um mundo em que os homens gozem da liberdade de palavra, de crença e de liberdade de viverem a salvo do terror e da necessidade, CONSIDERANDO ser essencial que os direitos do homem sejam protegidos pelo império da lei, para que o homem não seja compelido, como ultimo recurso, a rebelião contra a tirania e a opressão, CONSIDERANDO ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, CONSIDERANDO que os povos das Nações Unidas, reafirmam na carta, sua fé nos direitos do homem e da mulher e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, CONSIDERANDO que os Estados Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do homem e da observância desses direitos e liberdades, CONSIDERANDO que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso, A Assembléia Geral das Nações Unidas, proclama a presente ―Declaração Universal dos Direitos do Homem‖ como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada individuo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente essa Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades e plena adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos Estados Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.113 Esse preâmbulo deixa claro que o Estado deve proteger o cidadão independente de qualquer instituição política e social, que o cidadão deva ser considerado primeiro do que qualquer uma dessas instituições sociais. E que inclusive essas instituições tenham como fundamento a Declaração acima citada no que tange respeito aos princípios humanos. O Estado tem, em primeiro lugar, a defesa dos direitos dos seus membros, e as pessoas da sociedade deve buscar exigir sua dignidade e garantir os meios para atendimento de suas necessidades básicas. Essa declaração faz uma referência plena da vida do homem e da mulher, coloca como principal de tudo a família, e que a família é a ―pedra preciosa‖ de todos. A partir do momento em que se exalta a família, a dignidade esta mais presente, pois quem é abrangido pelo poder familiar sente-se mais seguro e tranqüilo, sente-se mais livre; livre para manifestar seu pensamento e para seguir os caminhos; sente-se mais amparado, pois 112 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.669. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em <http://www2.idh.org.br/declaração> acesso em 03/mai/2012. 113 58 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 quando essa Declaração é levada ao pé da letra como o que está escrito ali a sociedade sente-se mais acolhida pelo Estado, mais protegido juridicamente falando, o que na referida Declaração podemos falar não apenas do Estado (Brasil); mas de todas as nações que apóiam a ONU. A sociedade não é mais como os antigos povos bárbaros, hoje se vive em ―sociedade‖, onde há respeito e dignidade, onde as pessoas umas pensão nas outras, no lugar em que existem leis e onde há sentimentos, há o próximo e que se deve pensar que não estamos sozinhos. Tem-se a liberdade da palavra, temos as crenças humanas imensas e cultura. Há uma fé nas relações entre os homens e mulheres, e que essa declaração seja levada a sério. Os seres humanos um dependem do outro, não há como viver em sociedade sem sociedade, e respeitando é que teremos uma sociedade mais sociável. Os Estados membros que aderiram a esta Declaração se comprometeram a promover em cooperação com as Nações Unidas um respeito universal, e para isso realmente ser colocado em prática, tem que haver cooperação dos povos um por um de cada Estado membro observando os direitos e liberdades. E haverá uma compreensão comum desses direitos e liberdades para que esse compromisso seja realmente efetivado. Para a eficiência da declaração universal dos direitos do homem, isso tem que partir desde as Nações Unidas, para seus Estados Membros, chegando a cada Estado tem que levar para a sociedade e principalmente para dentro das famílias, porque a força maior esta dentro de cada lar, de cada família e consequentemente vem do ser humano. No Brasil temos a Constituição Federal de 1988, que nos garante direitos e garantias fundamentais e que são exigíveis, pois estão em dispositivos de lei, alias não é qualquer lei e sim a Carta Magna, onde no primeiro artigo já dispõe como um de seus fundamentos: ―III – Dignidade da Pessoa Humana‖.114 No artigo terceiro da Constituição Federal refere-se à Sociedade Justa como está expresso: ―Art. 3o Constituem objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil: I – Constituir uma sociedade livre, justa e solidária‖.115 Essa sociedade é livre, mas tem algumas restrições como, por exemplo, no direito criminal o cerceamento de ir e vir. Mas é livre o pensamento, todos têm direito de ter sua própria opinião e expressa-la da maneira que achar melhor, desde que não ofenda outras pessoas, e se acontecer, está tem o direito a resposta proporcional ao agravo. Quando se refere à solidária, há mais o que se pensar. Hoje, a solidariedade está sendo muito abordada, tanto pelas igrejas como pela sociedade mesmo, está sendo quase um princípio a ser debatido. Mas, essa solidariedade está com mais força. Solidários com os próximos e com os mais necessitados, solidários todos com todos. No Art. 4o da Constituição Federal estabelece que: ―Art. 4o A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: II – Prevalência dos Direitos Humanos; VI – Defesa da Paz‖. 116 Mas uma vez, a Constituição Federal se refere à prevalência dos direitos humanos, entende-se que essa prevalência no âmbito internacional seja realmente um princípio como cláusula pétrea, que realmente prevaleça sob qualquer aspecto ou tratados que possa haver internacionalmente. 2.2 HISTÓRICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS No contexto histórico dos direitos fundamentais temos os direitos que a doutrina costuma classificar em gerações ou em dimensões. Os Direitos de Primeira Geração com um conceito histórico dado por Pedro Lenza: Alguns documentos históricos são marcantes para a configuração e emergência do que os autores chamam de direitos humanos de 114 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Idem. Ibidem. 116 Idem. Ibidem. 115 59 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 primeira geração (séculos XVII, XVIII e XIX): Magna Carta de 1215, assinada pelo Rei João Sem Terra; Paz de Wesfália (1648); Habeas Corpus Act (1679).117 São os chamados direitos civis e políticos, direitos que traduzem o valor de liberdade, englobam na verdade o direito a vida, a liberdade, a propriedade, a igualdade formal e liberdade de expressão coletiva entre outros. São os direitos relacionados ao individuo na relação dele como individuo mesmo, limitado o poder do Estado neste. É aquilo que o cidadão, como membro da sociedade, tem direito sem a interferência do Estado desde que dentro das próprias normas estabelecidas na Constituição. Quanto aos Direitos de Segunda Geração na parte histórica Pedro Lenza diz que: Momento histórico foi na revolução industrial européia, a partir do século XIX. Nesse sentido em decorrência das péssimas situações e condições de trabalho, eclodem movimentos como o cartista _ Inglaterra e a Comuna de Paris (1848) na busca de reivindicações trabalhistas e normas de assistência social. O inicio do século XX é marcado pela Primeira Grande Guerra e pala fixação de direitos sociais. Isso fica evidenciado, dentre outros documentos, pela Constituição de Weimar de 1919 e pelo Tratado de Versalhes 1919.118 Acontecia que, antes da segunda guerra as condições dos trabalhadores eram muito ―escravo‖, o que pós-segunda guerra isso mudou um pouco para melhor. Então eles correspondem aos direitos de Igualdade, buscava-se o bem estar social da coletividade, levando-se em conta do trabalho, habitação educação, saúde e até mesmo o lazer, privilegiavam-se os direitos sociais, culturais e econômicos, sempre buscando a coletividade. Pedro Lenza destaca os Direitos de Terceira Geração como: (...) marcados pela alteração da sociedade, por profundas mudanças na comunidade internacional, às relações econômicas sociais se alteram profundamente. Novos problemas de preocupações mundiais surgem, tais como a necessária noção de preservacionismo ambiental e as dificuldades para proteção dos consumidores.119 Busca proporcionar o bem estar aos grandes grupos, isto é, a todos os grupos humanos, diz respeito a meio ambiente, paz entre os povos, qualidade de vida entre tantos outros temas no âmbito da coletividade. E os Direitos de Quarta Geração, aceito por alguns autores, tem avanços no campo da Engenharia Genética, colocando em risco a vida humana para manipular o patrimônio genético. Tudo ao desenvolvimento genético e tecnológico da humanidade estão nesta dimensão, chamada também de quinta geração quando fala em cibernética. 2.3 PRINCÍPIOS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS A liberdade encontra-se permanentemente seu bojo nos princípios dos direitos fundamentais. Podem ser classificados como princípios fundadores ou princípios fontes. Esses princípios são oriundos da reflexão filosófica e da moral, seja religiosa ou laica. São quatro os princípios: A dignidade da pessoa humana, a liberdade, a igualdade e a fraternidade. 117 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.670. LENZA, Pedro. Op. Cit. p. 671. 119 Idem. Ibidem. p.670 e 671. 118 60 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 No Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, Jean-Jacques Israel diz que: (...) é o princípio fundador dos direitos do homem, o princípio de proteção da dignidade da pessoa humana traduz, por sua vez, a própria essência da concepção humanista da consciência universal originária de uma exigência ética fundamental. Este princípio esta implicitamente contido na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789 entre outros instrumentos.120 Este princípio é rico, além de muito usado em todas as matérias de direito. Depois da Revolução Industrial, houve muitos contratempos que surgiu a necessidade de um princípio para observar e cuidar da dignidade do homem como ser humano de verdade, foi ai que veio uma posição ética fundamental. Em suma, o princípio da liberdade está como um dos princípios dos direitos fundamentais. Quanto ao Princípio da Liberdade, Jean-Jacques Israel diz que: Afirmado já na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e constantemente retomado desde então, ele foi consagrado varias vezes. Por meio de formulações jurídicas variadas, ele é encontrado na jurisprudência que fala em geral, naturalmente, de liberdade individual. Os componentes desses princípios são inúmeros, já que a liberdade em si mesmo poderia ser preservada se as restrições arbitradas ou abusivas fossem dadas a qualquer uma das liberdades do individuo.121 A liberdade do indivíduo está expressa desde os primeiros artigos da declaração dos direitos do homem. Essa liberdade no direito brasileiro tem suas exceções como já citado anteriormente. Liberdade é para todos os indivíduos desde que um respeite a liberdade do outro, ela é uma faculdade de agir, mas ao mesmo tempo, tem que pensar que não pode ser de qualquer forma e sim uma maneira pacífica, moderada e justa. O Princípio da Igualdade, segundo Jean-Jacques Israel: É indissoluvelmente ligado ao de liberdade, constitui o terceiro principio fundador em matéria de liberdades fundamentais concebido como o principio fundador da democracia, o principio da igualdade é às vezes até apresentado como o mais fundamental que a liberdade, porque a igualdade é o homem. A igualdade é afirmada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e retomada, de modo constante, nos textos nacionais e internacionais posteriores. Os componentes desse princípio são bem variados e, com freqüência, especificamente identificados e qualificados: igualdade perante a lei, perante o sufrágio, perante os cargos públicos, entre homens e mulheres.122 A igualdade é base porque, a partir do momento que um cidadão for considerado igual ao outro, surge os direitos fundamentais, porque sendo iguais devem ser eliminados todos e quaisquer tipos de discriminações sejam elas raciais ou homossexuais e ainda entre homens e mulheres que; apesar de muito já ter sido falado, ela esta constantemente entre as pessoas, principalmente no que tange ao emprego. 120 ISRAEL, Jean-Jacques. Direitos das Liberdades Fundamentais. São Paulo: Manole, 2005. p.388. 121 ISRAEL, Jean-Jacques. Op. Cit. 122 Idem. Ibidem. p. 53. 61 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 E o Princípio da Fraternidade, conforme o mesmo autor: É raramente evocado como principio jurídico. Ele não se revela menos fundador dado que figura em bom número de textos nacionais e internacionais – quer como tal, quer por meio de outras formulações – bem como é, de algum modo, decorrente dos princípios de dignidade e de igualdade anteriormente evocados. Ainda não propriamente consagrada pelo juiz, à fraternidade possui exemplos mediantes os princípios da solidariedade e de coesão social.123 A origem da fraternidade é francesa, e esta na constituição da frança de 1958 no artigo segundo. Ela é uma tradição francesa, e relaciona-se também com a idéia de solidariedade. A fraternidade que, como mencionado, não é muito usada nos textos jurídicos, ela deveria ter uma patamar a ser seguido, ao menos em alguns aspectos, como quando a constituição se refere ao salário digno e justo, e que tenha que ser um parâmetro de sobrevivência para a família. 2.4 PROTEÇÃO À MATERNIDADE A proteção à maternidade veio com a Convenção no 3 da OIT em 1919, que falava sobre o trabalho antes de depois do parto. Porém, para melhorar a redação e dar novos aspectos veio a Convenção no 103 da OIT que foi promulgada pelo Decreto no 58.020 de 14 de junho de 1966 dispondo que: ―em caso algum o empregador deverá ficar pessoalmente responsavel pelo custo das prestaçoes devidas a mulher que emprega”.124 As prestaçoes devidas à empregada gestante tanto antes como depois do parto, ficaram a cargo de um sistema de seguro social. Somente com a Lei no 6.136 de 7 de novembro de 1974, é que o salário maternidade passou a ser uma prestação previdenciária, nao sendo mais o empregador que tem que pagar à custa da empregada gestante, antes e depois do parto. De acordo com a Constituição Federal em seu Art. 7o, XVIII: ―Licença a gestante, sem prejuizo do emprego e do salário, com duraçao de cento e vinte dias‖.125 O período de licença maternidade é de cento e vinte dias, sendo vinte e oito antes do parto e noventa e dois dias após o parto, que totalizam 17 semanas aproximadamente. Hoje, tem-se como base para o princípio da maternidade, a Constituição Federal, a OIT no 103 e a Lei nº 8.213 de 24 de Julho de 1991 que é a Lei da Previdência Social. A Lei da Previdência Social, a partir do Art. 71 versa sobre o Salário-Maternidade, totalizando os dias antes e depois do parto no total de 120 dias. Mesmo que aconteça o parto antecipado a gestante tem o mesmo direito e benefício, especifica que, durante esse período de cento e vinte dias de licença, quem deve pagar o salário maternidade é a Previdência social e não a empresa empregadora. A que foi um artigo acrescentado pela Lei no 10.421 de 15 de abril de 2002 são um diferêncial e uma importante emenda feita, pois versa sobre a mãe que adota, pois quem adota também tem direito a licença maternidade, que é um período de adaptação, merecendo o benefício da licença maternidade também. 123 Idem. Ibidem. p.477. Organização Internacional do Trabalho. Disponível em <http://www.oitbrasil.org.br> acesso em 04/jun/2012. 125 BRASIL. Constituição Federal 1988. 124 62 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 2.5 PROTEÇÃO À CRIANÇA A proteção dos direitos da criança primeiro veio na declaração dos direitos da criança de 20 de novembro de 1959 pela ONU, que foi posteriormente ratificada pelo Brasil, onde um de seus pontos marcantes era o preâmbulo onde fala que: ―(...) A humanidade deve à criança o melhor de seus esforços‖.126 Há um pacto de responsabilidade humana universal, que, aliás, foi bem compreendida pelo constituinte de 1988. Trata-se de que a criança é pessoa em condição especial e não tira dela a sua condição de pessoa em si, assegura-se seu desenvolvimento e direitos fundamentais. Sobre essa declaração, diz Newton José de Oliveira Dantas: (...) a declaração de 1959 faz menção especifica a proteção e cuidados especiais da criança, bem como afirma, no principio 2º, que ‖A Criança gozará proteção especial e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade‖, enunciado este, adotado integralmente na segunda parte do art. 3º do Estatuto da Criança e Adolescente. 127 Note-se que, o Estatuto da Criança e Adolescente, mesmo sendo uma lei posterior a Constituição Federal de 1988 traz consigo alguns preceitos que já existia na Declaração dos Direitos da Criança. Em 20 de novembro de 1989, foi adotada pelo ONU a Convenção dos Direitos da Criança, que foi ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990. Sobre essa convenção diz Newton José de Oliveira Dantas que: (...) reconheceu-se a dignidade não só do homem enquanto pessoa única, mas de toda a família – nela integrada a criança, ficando expressa a necessidade de proteger a infância e promover-lhe, dessa forma, desenvolvimento pleno e adequado, respeitada a sua condição peculiar de ser em formação, preparando-lhe para o exercício da cidadania adulta. (...) Acolhe a ideia de desenvolvimento integral da criança, atribuindo-lhe a condição de sujeito de direitos, e não objeto de intervenção do direito, exigindo-lhe, ainda, proteção especial e absoluta prioridade, dando, assim, origem ao que, doutrinariamente, denominou-se Doutrina da Proteção Integral.128 O objetivo da Doutrina da Proteção Integral da Criança era de criar uma norma conceitual, com um objetivo único compatível com diversas culturas e sociedades. Com intenção única de elevar sempre o interesse da criança. Em alguns trechos da Convenção sobre os Direitos da Criança fica bem reconhecido o direito inerente à vida, devendo o Estado assegurar ao máximo, a sobrevivência e do desenvolvimento da criança, proporcionando-lhe, para tanto o melhor padrão possível de saúde. Ainda diz o Art. 227 na Constituição Federal de 1988, sobre a proteção a criança que: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à 126 Declaração dos Direitos da Criança. Disponível em : <http://www.culturabrasil.org/direitosdacrianca> acesso em 04/jun/2012. 127 DANTAS. Newton José Machado.Op.Cit.p.92 e ss. 128 DANTAS. Newton José Machado.Op.Cit.p.92. 63 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.129 Este artigo revela um status social, que permite à criança exigir prestações do Estado. A criança possui absoluta prioridade, principalmente no que diz respeito às políticas sociais, ela é ser inocente e puro, não tem malícia, por isso deve a elas proteção e respeito. Vendo isso, fica claro a adoção da Doutrina de Proteção Integral da Criança no Art. 227 da Constituição Federal de 1988, como diz Tânia da Silva Pereira: (...) é reconhecido na comunidade internacional como a síntese da Convenção da ONU de 1989, ao declarar os direitos especiais da criança e do adolescente, como dever da família, da sociedade e do Estado.130 A doutrinadora também explana no direito e proteção da criança e do adolescente, não é atoa que existem tantas bases legais, jurisprudenciais fazendo essa proteção. E ainda sobre esse assunto diz Newton José de Oliveira Dantas: A mobilização para a reforma do sistema aplicado as crianças e aos adolescentes foi de caráter, inegavelmente democrático e humanitário, tanto que a constituição federal destaca a priorização dos direitos humanos, cuja proteção configura um dos cinco fundamentos do Estado Democrático de Direito da Nação brasileira.131 Dantas explana sobre proteção da criança como sendo direito fundamental que realmente o é, sendo que esta também é um ser humano. A convenção de 1989 foi um instrumento que chamou a atenção para todos os movimentos sociais que dizem respeito à proteção da vida e da infância da criança. Isso para que melhore as condições não só na saúde da criança, mas na educação, lazer, moradia e uma família para apoio. Mesmo porque, a criança nas escolas e creches deve aprender e ser cuidadas, em casa a função de pai e mãe é a de educar além do dever de cuidar. Ao nascerem todos adquirem a dignidade, que é um direito fundamental. A convivência familiar, onde a criança tem o direito de viver no meio familiar e harmônico, por isso a importância dos pais, são eles que iram cuidar e educar. Então, com todas essas mudanças, o Código de Menores de 1979 deu lugar ao Estatuto da Criança e adolescente como diz Newton José de Oliveira Dantas: Com o Estatuto da Criança e Adolescente de 13 de outubro de 1990, a criança e o adolescente não eram mais objeto de intervenção dos direitos e interesses dos adultos, mas sim sujeito de direitos, devendo a interpretação de a lei levar em consideração a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.132 O Estatuto da Criança e Adolescente veio com o proposito de melhorar ainda mais a proteção da criança no Brasil, porque a criança é um ser mais vulnerável e tem suas o direito de desenvolver suas potencialidades humanas em plenitude, e ainda diz Martha de 129 BRASIL. Constituição Federal de 1988. PEREIRA, Tânia da Silva. A proteção da infância e adolescência no Brasil. Revista de Direito Civil, São Paulo: RT. 1992.p. 22 e 39. 131 DANTAS, Newton José Machado.Op.Cit.p.91. 132 Idem. Ibidem. p. 95 e 96. 130 64 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Toledo Machado que: ―Crianças e adolescentes são pessoas que ainda não desenvolveram completamente sua personalidade‖133, por isso a necessidade de uma legislação específica, apoio para seguir no caminho correto, fazendo distinção do certo ou errado. Ainda sobre a dignidade da criança estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente no Art. 3o: A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por outros, meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.134 Mais uma vez, vem destacando a importância e a eficácia da dignidade da criança como direito fundamental. 3 LICENÇA MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO A licença maternidade é um ato além de necessário, humano também uma vez que proporcionará à família a qual está se formando uma maneira de transmitir carinho e amor, sem contar à felicidade que é ter uma nova criança no novo lar que esta em formação. Na Consolidação das Leis do Trabalho no Art. 392 fala que: A empregada gestante tem direito a licença maternidade de cento e vinte dias, sem prejuízo ao emprego e ao salário; parágrafo primeiro: a empregada deve, mediante atestado médico, notificar o seu empregador da data do inicio do afastamento do emprego, que poderá ocorrer entre o vigésimo oitavo dia antes do parto e ocorrência deste.135 Está previsto em Lei esse direito da gestante de ter sua licença maternidade assegurado, só que assim como a empregada tem o direito a licença, o empregador tem o direito de ficar sabendo a data de início e termino; pois a empresa tem que se programar para esse afastamento ao trabalho, pois dependendo do quadro de funcionários terá que realizar novas contratações para substituições desta gestante. O Art. 7o da Constituição Federal de 1988 também fala em seu inciso XVIII – ―Licença a gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de cento e vinte dias‖.136 Essas previsões tanto da CLT como da Constituição Federal serve também como uma forma de que não haja discriminação do emprego entre homens e mulheres, mas claro que também porque a mulher realmente precisa de um tempo para cuidar dos filhos com o nascimento e para se recuperar do parto. Anteriormente, a licença maternidade era de 84 dias, essas previsões legais veio para que fosse ampliado para maior comodidade familiar. Esse período para o contrato de trabalho trata de interrupção assim como diz Pedro Paulo Teixeira Manus: Trata-se, como em outros casos, de período de interrupção do contrato de trabalho, já que inexiste prestação de serviço, mas há pagamento de salário. Tanto assim é que o próprio legislador 133 MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e do adolescente. 7. ed.São Paulo. Malheiros.2003. 134 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990. 135 BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho de 1943. 136 BRASIL. Constituição Federal de 1988. 65 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 constitucional cuidou de afirmar que se trata de licença sem prejuízo do emprego e do salário. Assim, embora se trate de beneficio de natureza previdenciária, há mera interrupção do contrato. Todavia, sendo beneficio previdenciário não se trata de salário, além do que a lei estabelece teto máximo ao mesmo.137 Quando há a interrupção do contrato de trabalho quer dizer que o tempo em que houve a interrupção computa-se normalmente como tempo do contrato de trabalho. E neste tempo é devido às férias, décimo terceiro salário e todos os outros direitos garantidos ao trabalhador. E também não haverá prejuízo para o trabalhador, pois a partir do momento que é assegurado a ele esse direito, não poderá haver prejuízo do trabalho; tanto que ao voltar do período de licença maternidade a empregada terá um período de estabilidade no emprego que lhe é assegurado com a finalidade de não ser dispensada sem justa causa, e caso isso ocorra, o empregador terá que arcar com as consequências. O salário também será integralmente pago a empregada que estiver de licença, a previdência social vai pagar até o limite do teto máximo e se o seu salário for maior que o teto máximo, ficará a cargo de o empregador pagar a diferença de salário. Ainda diz Pedro Paulo Teixeira Manus que: ―(...) O que norteia o legislador é, sobretudo a proteção à criança, daí advindo alguns benefícios constitucionais a mãe e ao pai dessa mesma criança‖.138 Note-se que a proteção é da criança, mas deve ser entendida para os pais desta também uma vez que, pai e mãe têm os mesmos direitos e obrigações para com os filhos, sendo que o pai terá a licença de 5 dias, ocorrendo o mesmo caso de interrupção do contrato de trabalho e pode ser usado os 120 dias para o pai caso não tenha a mãe presente. 3.1 SALÁRIO MATERNIDADE E PREVISÃO CONSTITUCIONAL A Constituição Federal no artigo sete fala sobre os direitos dos trabalhadores, e especifica em relação ao salário maternidade: ―Art. 7o São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XVIII licença a gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de cento e vinte dias‖.139 Ainda Segundo o doutrinador Francisco Ferreira Jorge Neto que: O salário maternidade também será devido à empregada que adotar ou obtiver guarda judicial de criança. Haverá a concessão da licença mediante apresentação do termo judicial de guarda. A duração da licença varia de acordo com a idade da criança: até um ano será de cento e vinte dias; de um a quatro anos será de sessenta dias; de quatro a oito anos será de trinta dias, de acordo com o que está especificado na CLT.140 Esse período de afastamento é computado como trabalho normal, computa como férias, para décimo terceiro salário e como tempo de serviço, é o chamado de interrupção do contrato de trabalho. Para a empregada que adotar será devido também o salário maternidade, porque a mãe neste período mesmo não trabalhando precisa do dinheiro de seu salário para os custeios das despesas com o parto com a criança que acaba de vir para a nova família, antes a licença era conforme a idade da criança; hoje após a aprovação do projeto de lei mudou tudo para 120 dias independentes da idade do adotado. 137 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.280. Idem. Ibidem. p. 280. 139 BRASIL. Constituição Federal de 1988. 140 NETO, Francisco Ferreira Jorge Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2009, p. 256 e ss. 138 66 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Para a empregada que adotar será o período determinado de acordo com o critério da idade da criança, uma vez que quanto mais nova for à criança, mais tempo de licença maternidade terá a mãe. Francisco Ferreira Jorge Neto diz em sua obra que: Pelo principio da igualdade (Art. 5o, I CF/88), seus reflexos na relação de emprego (Art. 7o, XXX, CF/88, Art. 5o CLT) e a interpretação extensiva dos direitos sociais, a licença também se estende ao empregado do sexo masculino que adotar ou obtiver a guarda judicial de criança.141 Mais uma vez, a doutrina se refere sobre a igualdade entre os genitores. Mesmo para receber o beneficio do salário maternidade o pai e mãe tem os mesmos direitos. Até mesmo na adoção ou guarda judicial. Há também a Lei no 11.770/2008 que fala sobre a prorrogação da licença maternidade por mais sessenta dias, sendo ao invés de cento e vinte dias, cento e oitenta dias. É um programa chamado empresa cidadã as empresas que aderem a essa prorrogação. A Lei fala em seu Art. 1o que mesmo a mãe que adotar ou obtiver guarda judicial será garantido o mesmo benefício. E também o Art. 3o diz que: Art. 3o Durante o período de prorrogação da licença-maternidade, a empregada terá direito à sua remuneração integral, nos mesmos moldes devidos no período de percepção do salário-maternidade pago pelo regime geral de previdência social.142 As empresas que adotarem esse programa de empresa cidadã e conceder as suas empregadas essa licença maternidade no período maior de que cento e vinte dias, será pago também pela previdência social, somente ficará a cargo da empresa o valor que exceder o teto do salário pago para as empregadas. Segundo o autor Francisco Ferreira Jorge Neto: Porém o beneficio não é automático e sim facultativo, na medida em que depende da adesão do empregador ao programa (Art. 1o Lei no 11.770/08). Por outro lado, também é necessário que a empregada faça o requerimento até o final do primeiro mês após o parto, para que a prorrogação seja considerada imediatamente após a fruição da licença maternidade de cento e vinte dias.143 Quando a empresa já fizer parta desse programa, para a empregada fica mais fácil conseguir esse período aumentado, basta que, no período de até um mês após o parto ela faça o requerimento desse período aumentado. A empresa pública também está autorizada a aderir a este programa para suas servidoras. Como diz no Art. 2o da Lei no 11.770/2008: ―Art. 2o É a administração pública, direta, indireta e fundacional, autorizada a instituir programa que garanta prorrogação da licençamaternidade para suas servidoras, nos termos do que prevê o Art. 1o desta Lei‖.144 141 NETO, Francisco Ferreira Jorge Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa.Op.Cit. p.257. o Conforme disposto na Lei n 11.770/2008 o Lei n 11.770/2008 Cria o Programa Empresa Cidadã, destinado à prorrogação da licença o maternidade mediante concessão de incentivo fiscal, e altera a Lei n 8.212, de 24 e 3 julho de 1991. 143 NETO, Francisco Ferreira Jorge Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa.Op.Cit. p.257. 144 o o Conforme disposto na Lei n 11.770/2008: Lei n 11.770/2008 Cria o Programa Empresa Cidadã, destinado à prorrogação da licença maternidade mediante concessão de incentivo fiscal, e altera a o Lei n 8.212, de 24 e 3 julho de 1991. 142 67 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Esse período aumentado sessenta dias a mais, a empregada terá todos os benefícios que teria com o período menor de cento e vinte dias. Ainda Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante diz sobre a empregada: (...) porém, a empregada não poderá exercer qualquer atividade remunerada que venha a caracterizar-se como um emprego ou algo similar, assim como a criança não poderá de maneira alguma ser mantido em creches ou qualquer outro tipo de organização.145 Para a empresa aderir a esse programa social terá que haver algum tipo de benefício também, porque pode não ser inviável a ela. Então o Art. 5o da Lei no 11.770/2008 diz que: Art. 5o A pessoa jurídica tributada com base no lucro real poderá deduzir do imposto devido, em cada período de apuração, o total da remuneração integral da empregada pago nos 60 (sessenta) dias de prorrogação de sua licença-maternidade, vedada a dedução como despesa operacional.146 Então para a empresa haverá uma dedução fiscal proporcional e devido a cada período em que suas empregadas estiverem na licença maternidade. Isso é um mutuo benefício, a empresa ganha com a dedução fiscal e a mãe com o período de licença maior. 4 LICENÇA PATERNIDADE E ASPECTOS POLÊMICOS: A ANALOGIA À LICENÇA MATERNIDADE A licença paternidade está prevista no Constituição Federal de 1988 no ―Art. 7o XIX Licença paternidade, nos termos fixados em lei‖.147 Porém este inciso não especifica a quantidade de dias que são concedidos aos pais quando ao nascimento do filho. Então, a ADCT (Atos das Disposições Constitucionais Transitórias) veio para deixar mais claro este inciso da Constituição Federal de 1988, exclarecendo que o período em que se refere à licença paternidade é de cinco dias: ―Art. 10o, §1o Até que a lei venha disciplinar o disposto no Art. 7o, XIX, da Constituição Federal, o prazo da licença paternidade a que se refere o inciso é de cinco dias‖.148 Ficou então estabelecido o periodo de licença paternidade. O que antes da Constituição Federal de 1988 era de apenas um dia para que o pai registrasse a criança, o que era um período curto, pois neste pequeno lapso temporal a criança e a mãe nem se quer sairam do hospital. Apesar de haver doutrinadores que dizem que a licença paternidade deveria ser entendida como suspensão do contrato de trabalho e não como a interrupçao, como acontece com a licença maternidade, há, por outro lado, os doutrinadores que dizem que, a licença paternidade é sim um lapso de tempo que mesmo não trabalhando, o empregado deva receber o seu salário. De acordo com os ensinamentos de Francisco Ferreira Jorge Neto: (...) a imposição remunerada desse direito decorre de uma visão sistemática de ordem jurídico trabalhista. (...) O aplicador do direito deve cortejar a licença paternidade com o Art. 473, III, CLT, ampliando o prazo de um para cinco dias. Portanto, a licença paternidade é a interrupçao do contrato individual de trabalho, sendo 145 NETO, Francisco Ferreira Jorge Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa.Op.Cit.p.257. o Conforme disposto na Lei n 11.770/2008. 147 BRASIL. Constituição Federal de 1988. 148 BRASIL. Atos das Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1988. 146 68 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 incumbencia do empregador pagar os dias desse afastamento, além de computa-lo como tempo de serviço.149 Lembrando que, a licença paternidade é um direito, independente se o pai é casado ou solteiro, o que importa é que ele tem esse direito. E também segundo Francisco Ferreira Jorge Neto, é claro que o pai receberá seu salário integralmente. Isso porque se trata de interrupção, como já dito. Na obra de Antonio Rodrigues de Freitas Junior, é interessante um trecho que ele cita o doutrinador José Cláudio Monteiro de Brito Filho, falando sobre as discriminações na hora da contratação, uma vez que, o empregador tem liberdade para a contratação de seus funcionários, e acaba abusando um pouco dessa liberdade: Discriminar em matéria de trabalho é negar ao trabalhador a igualdade necessária que ele deve ter em matéria de aquisição e manutenção no emprego, pela criação de desigualdades entre as pessoas.150 A partir do momento em que o homem solteiro ou o homossexual adotar uma criança, e for usado esse mesmo beneficio legal que é para a mulher, a discriminação com a mulher diminuiria. E em relação ao pai que ficar viúvo também, assim o empregador na hora da contratação estaria ciente que tanto na contratação de mão de obra masculina, este pode vir a ter o mesmo beneficio, e se contratasse homens e mulheres iguais, sabendo que independente do sexo contratado, pode sair de licença maternidade. Ainda, nesta mesma obra de Antonio Rodrigues de Freitas Junior, ele cita trecho de Rodolfo Pamplona Filho afirmando que ―discriminação consiste no tratamento desigual ou preferêncial de alguém, prejudicando outrem‖.151 E isso serve tanto para o pai solteiro que adota para o pai homossexual que adota, como também para o pai que fica viúvo com o seu filho que acabara de nascer. Não é comum ser concedido à licença paternidade nos moldes da licença maternidade, porém isso pode acontecer em alguns casos específicos. 4.1 LICENÇA PARA O PAI QUE ADOTA SOLTEIRO As famílias monoparentais vêm crescendo cada vez mais na sociedade moderna, uma maneira que pessoas (tanto homem como a mulher) escolhem ter filhos, constituindo assim uma família, porém resolvem não casar. Assim, a pessoa que adota, tem o direito a constituição de uma unidade familiar. Desta forma, explica muito bem, em sua obra, o autor Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante que: Pela Lei no 10.421, de 15/04/2002, o salário maternidade será devido à empregada que adotar ou obtiver guarda judicial de crianças. Haverá a concessão da licença mediante apresentação do termo de guarda. (...) Com a revogação expressa dos § 1o a 3o, Art. 392-A, pelo Art. 8o, da Lei 12.010/09, a licença passou a ser de 120 dias, não se vinculando mais a duração a idade da criança adotada ou que se obteve a guarda judicial. Nas duas hipóteses (Arts. 392 e 392-A), 149 NETO, Francisco Ferreira Jorge Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa.op.cit.p. 250. Trecho de José Cláudio Monteiro de Brito Filho, citado por Antônio Rodrigues de Freitas em sua obra Direito do Trabalho e Direitos Humanos. São Paulo: BH, 2006.p.116. 151 Trecho de Rodolfo Pamplona Filho, citado por Antonio Rodrigues de Freitas em sua Obra Direito do Trabalho e Direitos Humanos. São Paulo: BH, 2006.p.116. 150 69 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 o período de afastamento é computado como tempo de serviço, logo, é interrupção do contrato individual de trabalho.152 A pessoa que adota esta tendo o mesmo momento ou ao menos o mais próximo possível do que seria ter o um filho nascido de si. Porém, por alguns contratempos ou acaso do destino isso não foi possível, sendo assim, partiu para a adoção, que é um gesto de amor tão grande como a gravidez propriamente dita. A mãe ou o pai que adota sozinho, precisa de um tempo para que se adapte a essa criança e a criança a essa nova pessoa em sua vida. Ou ainda, quando a criança ainda é um recémnascido, precisa de totais cuidados, pois ainda é hipossuficiente, uma maneira de apoio à família, ao adotante e a suprir de alguma forma a sua insegurança. Antes o critério de tempo, era referente à idade da criança, isso mudou para melhor. Agora não mais se vincula a idade da criança a ser adotada, apenas importa que essa esta sendo adotada, e o tempo que se obtém com a licença é de 120 dias. Antes poderia caracterizar até mesmo como uma forma de discriminação com o adotado. E pai o funcionário (adotante) é dado à garantia que de o período de afastamento é computado com tempo de serviço, sendo assim um contrato de interrupção do trabalho. Ainda, Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante explica, falando de maneira clara sobre o princípio da igualdade entre homem e mulher que adotarem: Pelo princípio da igualdade (Art. 5o, I, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição, CF), seus reflexos na relação de emprego (Art. 7o, XXX, proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil, CF e Art. 5o A todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo, CLT) e a interpretação extensiva dos direitos sociais, a licença também se estende ao empregado do sexo masculino que adotar ou obtiver a guarda judicial de crianças. O beneficio será pago diretamente pela previdência social (Art. 71-A, Lei no 8.213/91).153 Importante dizer que o homem também tem esse direito, o que facilita para o pai que adota, e também é uma maneira mais igualitária para ambos os sexos, pois assim os homens solteiros podem pensar mais em adoção de pai solteiro, formando assim uma família monoparental, o que hoje é mais formada por mulheres. E também sobre o salário que será pago pela previdência social é legal dizer, uma maneira de confirmar para o homem seus direitos e que faça com que busque esse direito. Na obra de Antônio Rodrigues de Freitas Junior, ele fala sobre os direitos de homens e mulheres: O reconhecimento da heterogeneidade e da pluralidade nas tramas sociais permite argumentar que homens e mulheres, a despeito de suas diferenças, são iguais em dignidade, merecendo igualdade de tratamento e de oportunidades.154 No que se refere a oportunidades é que entra o direito de ter o mesmo beneficio que a mãe que adota, porque o pai também precisa cuidar tanto quanto a mãe. Isso significa dar 152 NETO, Francisco Ferreira Jorge Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito do Trabalho. São Paulo: Lumen Juris, 2010.p. 1106. 153 NETO, Francisco Ferreira Jorge Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito do Trabalho. São Paulo: Lumen Juris, 2010. p. 1106. 154 FREITAS JUNIOR, Antônio Rodrigues. Direito do Trabalho e Direitos Humanos. São Paulo: BH. 2006.p.112. 70 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 tratamento igual para todos, significa Direitos Humanos preservados e existindo em sua totalidade deixando apenas a parte teórica que estão nos livros para se exteriorizar. 4.2 LICENÇA PARA O PAI HOMOSSEXUAL O casal homossexual está sendo reconhecido e cada vez mais como uma maneira de família. Forma essa que, independente de qualquer preconceito que possa a ter, o homossexual pode adotar uma criança como qualquer outra pessoa. Como um casal normal que decide adotar, assim como o homem solteiro que decide adotar (citado no item acima), formando uma família, independentemente se são homossexuais podem adotar a característica de ser ou não homossexual não tira a capacidade de amar, educar e cuidar de uma criança. Assim, sobre a discriminação que possa acontecer no ambiente de trabalho, não só com o homossexual que pretende adotar, mais com qualquer pessoa, Antônio Rodrigues de Freitas Junior citando Fábio Konder Comparato diz: A diferença é uma realidade imposta pela natureza. Cada ser humano possui suas próprias características físicas e psicológicas, suas habilidades e aptidões. Mas diferenças não significa desigualdade às diferenças são biológicas ou culturais, e não implicam a superioridade de alguns em relação a outro. As desigualdades, ao contrário, são condições arbitrárias, que estabelecem uma relação de inferioridade de pessoa ou grupos em relação a outros. (...) O pecado capital contra a dignidade humana consiste, justamente, em considerar e tratar o outro – um indivíduo, uma classe social, um povo – como um ser inferior, sob pretexto da diferença de etnia, gênero, costumes ou fortuna patrimonial. Algumas diferenças humanas, aliás, não são deficiências, mas, bem ao contrário, fontes de valores positivos e, como tal, devem ser protegidas e estimuladas. (...) A dignidade humana não pode ser reduzida a puro conceito.155 Como diz Antônio Rodrigues de Freitas Junior, ―Igual não quer dizer idêntico‖.156 Realmente as diferenças existem, e são muitas. É da natureza de cada ser humano ser diferente um do outro, por isso que a Constituição Federal estabelece que todos fossem iguais em direitos e obrigações, para que essas diferenças sejam respeitadas, sendo que fisicamente e psicologicamente são características próprias de cada indivíduo. O principio da igualdade veio para estabelecer que ninguém seja melhor, e está cada vez mais atribuindo direito, garantias e obrigações iguais para ambas às pessoas, tanto dentro do ambiente de trabalho como fora dele. O importante é o tratamento humano e igual, ressaltar sempre o princípio da Dignidade da Pessoa Humana principalmente no ambiente laboral. Não há no que se dizer que o casal homossexual não possa adotar isso seria inconstitucional devido ao texto da Constituição Federal de 1988, Art. 5o ―todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza‖.157 Dessa forma, não tira deles esse direito que é para todos, inclusive visando o bem da criança de crescer e ser criado em um lar, com uma família de verdade, deixando assim de morar nos abrigos. 155 Trecho de Fábio Konder Comparato, citado por Antonio Rodrigues de Freitas Junior, em sua Obra Direito do Trabalho e Direitos Humanos. São Paulo: BH. 2006.p.113. 156 FREITAS JUNIOR, Antônio Rodrigues. Direito do Trabalho e Direitos Humanos. São Paulo: BH. 2006.p.113. 157 BRASIL. Constituição Federal de 1988. 71 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 4.3 LICENÇA PARA O PAI VIÚVO O presente artigo baseia-se em decisão (mandado de segurança, documento 1 em anexo) proferido pela Dra. Ivani Silva da Luz, Juiza da 6ª Vara Federal de Brasília, na data de 08 de fevereiro de 2012. O Policial, quando ocorreu o falecimento de sua esposa, requereu a licença maternidade para sí administrativamente, sendo que o pedido foi indeferido, alegando não ter legalidade para tal situação. Foi então que a Juiza Doutora Ivani acatou o Mandado de Segurança ajuizado contra ato da coordenadora do Departamento da Policia Federal. Em alguns trechos da decisão do Mandado de Segurança a Juíza diz: Em decorrência de tais circunstâncias, o Impetrante viu-se obrigado a assumir as funções maternais necessárias à sobrevivência de seu filho recém-nascido, além de ter sob sua guarda responsabilidade a outra filha do casal de apenas dez anos de idade.158 Esse trecho, Doutora Ivani coloca a responsábilidade que o pai tem com seus filhos, principalmente com este recém-nascido, que acabara de perder a mãe. Além de que o pai também precisa se reestabelecer da perda recente de sua esposa. Sendo que, como já dito antes, o Policial Federal administrativamente já havia requerido, e foi negado, e de tal maneira achou prudente pedir judicialmente tal requerimento. Depois desse indeferimento, e antes da concessão por mandado de segurança da licença nos moldes da licença maternidade, o Policial Federal pediu então o seu gozo de férias para que o filho não ficasse sem os cuidados e de não deixa-lo abandonado, o termino de suas férias seria para o dia 08/02/2012, e foi nesta mesma data que foi deferido o pedido Liminar de Mandado de Segurança. Em um trecho, a Doutora Ivani relata que: A Lei no 12.010/2009, em seu Art. 7o, III, exige, para a concessão da liminar em mandado de segurança, a presença simultânea de dois requisitos, a saber: a) a exigência de plaudibilidade jurídica (fumus boni juris) e b) a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora). Não concorrendo os dois requisitos, deve ser indeferida a liminar. E em juizo de preambular exame, entendo que se encontram configurados ambos os rquisitos para a concessão da liminar.159 Foi com base na Constituição Federal no Art. 227, a Juiza Federal Dra. Ivani Silva da Luz concedeu a licença maternidade para o pai José Joaquim dos Santos, explicando que haviam todos os requisitos para o deferimento do mandado de segurança, qua há a fumaça do bom direito, que há um perigo na demora, que é de imediato que se necessita do amparo legal. Mesmo não havendo uma lei especifica sobre o assunto que fale exatamente sobre o pai, usa-se neste caso a lei de forma análoga. Uma situação inesperada, que acontecendo tem que haver algum amparo legal, uma brecha da lei, para que se use de forma ao menos analogica. Sobre o referido Art. 227 da Constituição Federal a Juíza ainda fala que a proteção à infância é um direito social inserido no rol dos direitos fundamentais, sendo de dever do estado o cumprimento do bom desenvolvimento da criança. E o bom desenvolvimento da criança é assegurado pelo bom desenvolvimento no meio familiar e social, e ainda cita a referida Juíza que ―a criança precisa de carinho e atenção 158 159 Mandado de Segurança – Disponível em: <http://conjur.com.br>, acesso em 02/out/2012. Idem. Ibidem. 72 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 dos pais na fase da mais tenra idade, época e, que a sobrevivência daquela depende totalmente destes‖. Ainda diz a Doutora Ivani, em trecho da sua decisão que ambos os genitores são responsáveis pelos filhos, e que em texto constitucional estabelece genericamente no Art. 5o a igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações; no qual a obrigação de cuidados com os filhos neste momento pode ser tanto de um como o de outro, ou ainda na ausência de um genitor, esta ali o outro para suprir essa falta. É claro que quando o princípio da isonomia refere-se a tratar desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade e é claro que neste contexto entra a licença maternidade ser maior que a paternidade, não tem como deixar da forma que está na lei em casos especiais como este, fazendo a interpretação de maneira sistemática e não mais literal, colocando em prática os Direitos e Garantias Fundamentais previsto na Carta Magna, Constituição Federal de 1988, usando para o pai a licença da maneira que seria usada se a mãe estivesse presente. Nestes casos, será uma maneira humana de ajudar a encarar a dor de todos os envolvidos a respeito do que aconteceu, dor da criança que nem ao menos sabe o que esta acontecendo ao seu redor, e dor do marido que acabara de perder a sua esposa de maneira não esperada. E com esses embasamentos que a Doutora Juíza de Direito Ivani Silva da Luz, deferiu o mandado de segurança a favor do Policial Federal para realizar os cuidados com seu filho recém-nascido. CONCLUSÃO O presente trabalho traz um apanhado de normas que se baseia na igualdade entre os sexos, e mais ainda no que se refere a proteção à criança. Isso porque a criança trata-se de um ser mais frágil, sendo que merece dessa forma total proteção e apoio da sociedade. Deve-se buscar efetivar o melhor à criança por meios dos esforços de toda a sociedade, chama atenção para o fato de que se reconhece que a criança tem que estar em primeiro lugar, sendo que estas serão o futuro da humanidade. Claro que, da mesma forma que se pensa na proteção à criança, e proteção familiar onde a família é a base da sociedade, e através de uma boa base familiar é que nasce a sociedade justa, correta, onde é bom de viver. Forma pela qual, o presente trabalho foi elaborado analisando que o pai na ausência da mãe tem o mesmo direito a licença maternidade usada de forma análoga para este, visando ao bem de todos os envolvidos, desenvolvendo assim, posteriormente um melhor desenvolvimento em seu local de trabalho. A partir do momento em que o benefício da licença for concedido para o homem solteiro ou o homossexual que adotar uma criança, ou nos casos ainda em que a mãe não está presente e for usado esse mesmo benefício que é para a mulher (licença maternidade de 120 dias ou, em casos especiais, 180 dias), a discriminação com a mulher no local de trabalho diminuiria. Necessitando, o empregador quando da contratação estaria ciente que tanto na contratação de mão de obra masculina como feminina podem ter a licença nos moldes da licença maternidade. No Mandado de Segurança citado no trabalho, onde a juíza concedeu ao pai que ficou viúvo logo após o parto de sua esposa, o direito a licença paternidade nos moldes da licença maternidade, dando a este pai o direito de cuidar do seu filho recém-nascido, que acabara de ficar sem sua mãe. Há dificuldades quando se fala sobre as diferenças entre homens e mulheres neste sentido de que homem tem a licença paternidade, e a mulher a licença maternidade, e ainda difícil de conceder esse beneficio para o homem; pois são poucos os julgados neste sentido, e a forma dogmática como ainda é pensado neste sentido, sendo que não há uma lei vigente que possa transferir esse direito ao pai, na ausência da mãe. O mandado de segurança em anexo demonstra à forma analógica a possibilidade desse benefício, mesmo porque antes dessa concessão o policial federal tentou de forma 73 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 administrativa ter direito a licença, sendo esta indeferida, momento que então resolveu pedir judicialmente, e que acabou ganhando a referida licença maternidade. E baseando-se pelo periculum in mora que a juíza concedeu de plano a licença para o pai, referiu-se que analisando o princípio da isonomia é notório que realmente nos casos em que a mãe esta presente não há o que se falar que esta tem o direito da licença maternidade maior em relação ao pai. E ainda sobre o dever familiar, da sociedade e do Estado assegurar o melhor para a criança que sua decisão foi procedente. Colocando em ênfase o principio da dignidade da pessoa humana e da proteção da criança. Diante de todo aparato Judiciário que o Brasil tem, há a necessidade de elaboração de uma norma própria sobre o referido assunto, maneira que ajudaria muitas famílias a se estruturarem melhor nestes casos de ausência da mãe. Não surgindo tantas dúvidas e debates sobre o tema, incertezas sobre se é correto ou não. Aplicaria a norma (lei) em concreto ao invés de buscar a analogia. REFERÊNCIAS BRASIL. Atos das Disposições transitórias da Constituição Federal de 1988. BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho de 1943. BRASIL. Constituição Federal de 1988. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990. COMPARATO, Fábio Konder, citado por Antonio Rodrigues de Freitas Junior, em sua Obra Direito do Trabalho e Direitos Humanos. São Paulo: BH. 2006.p.113. DANTAS, Newton José Machado. Aspectos Constitucionais do Aleitamento Materno. São Paulo: RCS, 2007. FILHO, José Cláudio Monteiro de Brito, citado por Antônio Rodrigues de Freitas em sua obra Direito do Trabalho e Direitos Humanos. São Paulo: BH, 2006. FILHO, Rodolfo Pamplona, citado por Antonio Rodrigues de Freitas em sua Obra Direito do Trabalho e Direitos Humanos. São Paulo: BH, 2006. FREITAS JUNIOR, Antônio Rodrigues. Direito do Trabalho e Direitos Humanos. São Paulo: BH. 2006.p.112. ISRAEL, Jean-Jacques. Direitos das Liberdades Fundamentais. São Paulo: Manole, 2005. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. Lei no 11.770/2008. MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e do adolescente. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2003. MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2011. NETO, Francisco Ferreira Jorge Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2009. 74 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 PEREIRA, Tânia da Silva. A proteção da infância e adolescência no Brasil. São Paulo: Revista de Direito Civil RT, 1992.. 6.1 REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS Declaração dos Direitos da Criança. Disponível em: <http://www.culturabrasil.org/direitosdacrianca>, acesso em 04/jun/2012. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www2.idh.org.br/declaração>, acesso em 03/mai/2012. Mandado de Segurança – Disponível em: <http://conjur.com.br>, acesso em: 02/out/2012. BRASILIA – OIT. Organização Internacional do Trabalho. Disponível em: <http://www.oit.org/public/portugue/region/ampro/brasilia/rules/index.htm>, 02/out/2012. acesso em 75 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 A PROGRESSÃO DE REGIME NO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO COM FUNDAMENTOS NA SÚMULA 491 DO STJ - O CONSTRANGIMENTO ILEGAL ANDREZA DOLATTO INACIO160 THAYNARA KRYSHYNA DOLATTO INACIO161 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 RESUMO De acordo com entendimento do STJ não é possível a progressão de regime em per saltun, ou seja, que o apenado venha do regime fechado diretamente para o regime aberto, deixando de passar para o regime semiaberto. Essa polêmica é gerada em função da falta de condições para manutenção do apenado no regime semiaberto, que deveria possuir uma série de estruturas para a sua acomodação, que de acordo com a Lei de Execuções Penais não ocorre. Existe uma espécie de esquecimento do indivíduo no sistema prisional, visto que não há alternativa para a mudança do regime fechado a não ser para o aberto, em muitos casos, fazendo com que o período em que poderia cumprir no semiaberto seja ignorado e assim deixado de ser aproveitado no período legal. PALAVRAS-CHAVE: prisão, progressão, regime, fechado, semiaberto THE PROGRESSION OF REGIME IN BRAZILIAN PRISON SYSTEM GROUNDS WITH THE PRECEDENT OF STJ 491 - THE ILLEGAL CONSTRAINT ABSTRACT According to the understanding of STJ, is not possible the progression in per saltun regime, it means that the prisoner comes directly from a closed to an open one, without passing to the semi-open regime. This controversy is generated due to the lack of conditions for maintenance of the convict in the semi-open regime, which should have some series of structures for their accommodation, which, according to the Law of Criminal Executions, does not occur. There is a kind of forgetfulness of the individual in the prison system, since there is no alternative to changing the regimeclosed, except for the open; in many cases, making the period in which they could meet in the semi-open is ignored and thus left to be tapped in the statutory period. KEYWORDS: prison, progression, regime, closed, semi-open CONSIDERAÇÕES PREFACIAIS, OBJETIVO E JUSTIFICATIVAS A progressão de regime no sistema prisional brasileiro vem sofrendo irregularidades em virtude de uma triste realidade: a falta de vagas e adequação aos regimes semiaberto e aberto na esfera de regimes mais brandos ao cumprimento de penas. Tais sistemas não oferecem a oportunidade de progressão da forma correta, sendo impossível assim o cumprimento da legalidade, da progressão feita na forma da Súmula 491 do Superior Tribunal de Justiça, que regula que não pode ser possível que ocorra a progressão em salto, seguindo a sequência lógica do fechado para o semiaberto e depois ao aberto, em estabelecimentos adequados ao recebimento do detento. 160 Pedagoga, Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, [email protected] 161 Acadêmica de direito, Unioeste, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected] Brasil, 76 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 DOS REGIMES DE PENA Após o transito em julgado de sentença condenatória, em sua sentença, pela prática do delito, afirmado que o fato praticado pelo réu era típico, ilícito e culpável, sendo a próxima parte consistindo na aplicação da pena, adotando o critério trifásico do artigo 68 do código penal, sendo inserido no sistema prisional, podendo ser declarado o cumprimento de três formas, de acordo com o artigo 33 caput do Código Penal.: fechado, semiaberto e aberto. Os regimes prisionais devem ser cumpridos de forma progressiva, conforme regula o artigo 33, §2o, segundo o mérito do condenado, da seguinte forma: a) o fechado deverá ser cumprido em estabelecimento de segurança máxima ou média; com condenação superior a oito anos; b) o semiaberto em colônia agrícola ou similar, para não reincidentes e com penal superior a quatro e não exceda a oito; c) o aberto em Casa de Albergado ou estabelecimento adequado, com pena inferior ou não superior a quatro anos. É necessário uma observação: considerando o quantum da pena, o condenado reincidente (itens ―b‖ e ―c‖) não está obrigado a cumprir a pena em regime fechado. O Juiz ao analisar as condições judiciais do art. 59 do CP, é que avaliará esta necessidade. REGIME FECHADO O regime fechado está disposto no artigo 34 do código penal: Art. 34 - O condenado será submetido, no início do cumprimento da pena, a exame criminológico de classificação para individualização da execução. § 1º - O condenado fica sujeito a trabalho no período diurno e a isolamento durante o repouso noturno. § 2º - O trabalho será em comum dentro do estabelecimento, na conformidade das aptidões ou ocupações anteriores do condenado, desde que compatíveis com a execução da pena. § 3º - O trabalho externo é admissível, no regime fechado, em serviços ou obras públicas. Tal regime é cumprido em penitenciárias, no termo do artigo 87 da lei de execuções penais, com a guia de recolhimento de pena, sendo submetido ao exame criminológico para a necessária adequação e individualização da execução. DO REGIME SEMIABERTO O regime semiaberto está descrita no artigo 35 do código penal, com a seguinte disposição: Art. 35- Aplica-se a norma do art. 34 deste Código, caput, ao condenado que inicie o cumprimento da pena em regime semiaberto. § 1º - O condenado fica sujeito a trabalho em comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. § 2º - O trabalho externo é admissível, bem como a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior. Aplica-se as mesmas determinações do regime fechado no que se refere ao recolhimento do preso no regime, devendo ser cumprido em colônias agrícolas, industriais ou estabelecimentos similares. REGIME ABERTO O regime aberto deve ser considerado seguindo as determinações descritas no artigo 36 do código penal, de acordo com a redação apresentada a seguir: Art. 36 - O regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado. § 1º - O condenado deverá, fora do estabelecimento e sem 77 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 vigilância, trabalhar, frequentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga. § 2º - O condenado será transferido do regime aberto, se praticar fato definido como crime doloso, se frustrar os fins da execução ou se, podendo, não pagar a multa cumulativamente aplicada. O regime inicial aberto é considerado como uma ponte de reinserção do condenado a sociedade, sendo cumprido em estabelecimento denominado como casa do albergado, baseado na autodisciplina e no senso de responsabilidade, permanecendo recolhido no período noturno. PROGRESSÃO DE REGIME DO ART. 112 DA LEI 7.210 DE 1984 De acordo com o artigo 112 da LEP, a pena privativa de liberdade será executada de forma progressiva, ou seja, progredindo de acordo com os direitos elencados em lei. Essa progressão se dá do regime inicial mais rigoroso, para um regime mais brando, determinado pelo juiz da execução, após o cumprimento de 1/6 da pena, ostentado pelos requisitos do respectivo artigo. A lei 7.210/84 determinada que o § 1o da Lei de Execuções penais, a decisão que define a progressão deve ser motivada pelo representante do Ministério Público ou pelo defensor do apenado. Essa progressão de regime é um direito publico subjetivo do sentenciado, integrando-se nos direitos materiais penais. Deve coexistir os requisitos objetivos, com o cumprimento de 1/6 na generalidade dos crime, 2/5 para primários e 3/5 se reincidentes, em se tratando de crimes considerados hediondos e assemelhados, por força da lei 11.464/07. Assim, cumprido 1/6 de sua pena, no regime anterior e obtido o beneficio da progressão de regime, para a nova progressão deverá ser cumprida um sexto da pena restante, não da pena total aplicada. Com essa progressão, pode passar o condenado do regime inicialmente fechado para semiaberto, do regime semiaberto para o regime fechado, não sendo possível a progressão considerado por salto, ou seja, do regime fechado para o aberto. Deve se respeitar o regime intermediário, considerando que o sistema prisional está em déficit em relação ao cumprimento de pena. DA PROGRESSÃO PARA O REGIME SEMIABERTO Cumpridos os requisitos elencados no artigo 112 da lei 7210/84, é possível que o apenado que está em regime fechado venha a usufruir do regime semiaberto, sendo inserido em colônia penal agrícola, industrial ou assemelhada, onde é permitido o trabalho ou estudo, diferente do regime fechado. Ocorre que, no Brasil, é difícil essa adequação, visto que não são todas as cidades que possuem essa espécie de estabelecimentos para que seja cumprida a determinação da lei, ficando o apenado sem opção para o cumprimento do beneficio, ficando esquecido no sistema carcerário. De acordo com a Súmula 491 do STJ, não existe a possibilidade de salto para o cumprimento de pena, ficando o apenado que detinha o direito a concessão do beneficio do semiaberto inserido no regime fechado, não podendo ser colocado no regime aberto. Como manter no sistema um condenado que possui seus direitos constitucionais feridos, como ocorre com a aplicação da respectiva súmula, pois o sistema não apresenta alternativas para que o regime semiaberto seja cumprido. Na impossibilidade de adotar-se outro estabelecimento penal, com medidas de harmonização estabelecida pelo Código de Normas, seja em razão à falta de vagas ou pela inexistência de infraestrutura (recursos humanos e escassez estatal) ou de local (físico), é direito do sentenciado e dever do Estado que o réu aguarde em regime mais benéfico, no caso o regime aberto, até a abertura de vaga no estabelecimento adequado, para que não 78 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 se configure o constrangimento ilegal. Segundo Rene Arial Dotti, a mais adequada aplicação dos princípios de Direito Penal e de Direito Processual Penal recomenda que em tais hipóteses deve o preso ser transferido para o regime aberto ou nele iniciar o cumprimento da pena, pois o condenado não pode pagar pela omissão dos poderes públicos. Há um valioso aresto do STJ declarando que o Estado não pode, à margem da decisão judicial, executar a sentença de modo diferente, mas a Sumula 491 não prevê a autorização de salto em relação aos regimes, executando sim uma sentença diferente. O réu condenado a regime semiaberto não pode ser mantido em regime fechado, sob o pretexto oficial de que não há vaga no albergue. Isso é constrangimento ilegal, reparável por habeas corpus. E assim, determinou: Não havendo vaga no albergue destinado aos sentenciados a regime semiaberto concede-se a ordem, em caráter excepcional, para que o réu cumpra a pena em prisão-albergue domiciliar. Não é outro o entendimento de Celso DELMANTO e outros, que sustentam, inclusive, a inconstitucionalidade de aguardar vaga em regime mais gravoso: (...) em face das garantias da individualização da pena (CR, art. 5º, XLVI), complementada pelo art. 5º, XLVIII que determina que "a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito", e da coisa julgada (art. 5º, XXXVI), é inconstitucional exigir, como pressuposto para a expedição da guia de recolhimento, a prisão do condenado em regime mais gravoso para, somente depois, verificar-se a existência de vaga no regime semiaberto ou aberto judicialmente fixado em decisão transitada em julgado. Não havendo vagas em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar, previstos para o regime semiaberto, há de se conceder a prisão domiciliar enquanto aquela falta perdurar A jurisprudência dos tribunais superiores também regulam a material: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PEDIDO DE IMPLANTAÇÃO EM REGIME SEMIABERTO.CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME FECHADO. SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE ESTABELECEU O REGIME SEMIABERTO PARA CUMPRIMENTO DA PENA. INADIMISSIBILIDADE DE PERMANÊNCIA EM REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO.CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO.COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO PARA IMPLEMENTAÇÃO DO REGIME PRISIONAL. LIMINAR CONFIRMADA. ORDEM CONCEDIDA. (TJPR - 2ª C.Criminal - HCC 928557-0 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Fabiana Silveira Karam - Unânime - J. 27.09.2012) HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. FIXAÇÃO DO REGIME SEMIABERTO PARA O CUMPRIMENTO DA PENA. PACIENTE QUE SE ENCONTRA EM REGIME MAIS GRAVOSO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENTE. 79 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 ORDEM CONCEDIDA. "Consubstancia-se constrangimento ilegal, sanável por habeas corpus, o cumprimento de pena em regime prisional mais gravoso do que o devido, sob pena de desvio da finalidade da pretensão executória estatal. Precedentes." (HC 213.929/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 15/09/2011, DJe 10/10/2011) (TJPR - 4ª C.Criminal - HCC 935722-8 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Rafael Vieira de Vasconcellos Pedroso - Unânime - J. 23.08.2012) Essa forma de cumprimento de pena torna-se um constrangimento ilegal ao apenado, a forma de manter o apenado em situação desfavorável ao cumprimento da pena deve ser considerada irregular, cabendo sim o salto descrito na Súmula 491, pois não pode permanecer no regime mais gravoso. Isso ocorre também com o regime aberto, pois não são sufucientes as casas de albergados existentes, ficando impossibilitado o cumprimento de forma correta. DA PRISÃO DOMICILIAR Trata de um tipo de cautela do Estado em manter o acusado sob os cuidados do sistema carcerário, quando ele não tem a possibilidade de realizar o cumprimento pode meio de outro tipo de regulamentação, como o regime semiaberto ou mesmo em casos que o detento necessite de atendimento especial relacionado aos requisitos presentes nos artigos 117 da LEP e no 318 do Código de Processo Penal, modificado em 2011.Sendo que se não se trata de uma nova modalidade de sanção preventiva, onde o indivíduo que se enquadrar no rol do Art. 318 do Código de Processo Penal poderá usufruir de tal benefício, mas sim de uma adequação que provem da Lei de Execuções Penais, onde em seu Art. 117 já é possível a realização do pedido. O ordenamento jurídico brasileiro oferece a modalidade de permanecer no regime semiaberto, desde que esteja domiciliado na casa do albergado, que consiste em um estabelecimento de segurança onde o preso possui a liberdade de permanecer fora dela durante o dia para trabalhar ou estudar e retornar para dormir, tudo isso baseado na disciplina e na responsabilidade de cada detento, que deve observar as condições impostas para poder usufruir do benefício. DA SÚMULA 491 STJ A Súmula 491 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que não pode haver o sistema de progressão de regime em salto, devendo passar de acordo com a legislação vigente do mais severo para o menos gravoso, havendo o cumprimento de 1/6 da pena, como do regime fechado para o semiaberto e depois para o aberto. O texto dispõe o seguinte: Súmula 491: "É inadmissível a chamada progressão per saltum de regime prisional." Essa progressão deveria ser obedecida conforme os primordes da lei, mas, considerando a falta de estrutura do sistema prisional em determinadas regiões do Brasil, fica impossível seu cumprimento, deixando o indivíduo esquecido no cumprimento de sua pena. Visto que não há possibilidade de transpassar de um regime mais severo para um mais brando, dessa forma, o indivíduo acaba esquecido no âmbito carcerário. Esse preceito fere princípios constitucionais, pois ocorre o constrangimento ilegal do indivíduo que espera por uma oportunidade para progredir de regime, visto que existe permissão prevista em lei. CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS O sistema prisional brasileiro deve receber inúmeras modificações para adequar o apenado à reestruturação social, iniciando com a criação de mais possibilidades de cumprimentos alternativos de pena, como, por exemplo, as colônias penais agrícolas, industriais e assemelhados, além da instalação de mais casas de albergado para que as penas sejam cumpridas de forma justa e igualitária. 80 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 AGRADECIMENTOS: Aos professores da equipe de Direito que foram essenciais na busca do conhecimento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DELMANTO, Celso. Roberto. Roberto Junior. Código de Processo Penal Comentado. Editora Saraiva. São Paulo:2010. GRECO, Rogério. Código Penal Comentado.6. ed. Editora Impetus. São Paulo:2012. MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 9. ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2011. Vademecum Juridico RT. www.stj.jus.br/portal/stj/publicacao/engine, acesso em 12/10/12. http://georgelins.com/2010/04/10/beneficios-penitenciarios-a-progressao-de-regime/ 81 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 O DEPOIMENTO DO POLICIAL COMO PROVA TESTEMUNHAL NA FASE INSTRUTÓRIA DO PROCEDIMENTO RELATIVO A APURAÇÃO DA CONDUTA TÍPICA PREVISTA NO ART. 33 DA LEI 11.343/2006 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 NÁGILA BOU LTAIF GUIMARÃES162 ALEXANDRA BARP SALGADO163 RESUMO A prova no processo penal tem por finalidade o convencimento do juiz, uma vez que este valorará a prova de acordo com a sua convicção. Os objetos das provas são os fatos pertinentes ao processo, sendo o ônus da prova obrigação da parte que alega. O corte metodológico do trabalho está relacionado à prova testemunhal produzida por depoimento policial na fase processual, já que esta é fundamental para influenciar o livre convencimento do juiz. Em se tratando do crime de tráfico de drogas, onde existem múltiplas condutas típicas, isto se torna ainda mais evidente, uma vez que o policial passa a ser uma testemunha importante, pois ele está revestido da fé-pública, que presume ser verdade os atos produzidos durante a atividade pública. Neste contexto, a prova testemunhal produzida em juízo pelo policial recebe relevância ímpar para configuração de uma prova plena. Assim, o estudo apresentado busca questionar essa prova quando ela for o único meio de prova existente para a condenação. PALAVRAS-CHAVE: Processo penal / prova testemunhal / depoimento policial ABSTRACT The proof in criminal procedure is intended to convince the Judge, as he/she is going to evaluate it according to their conviction. The objects of the proof are the facts relevant to the process, and the burden of proof relies on the party claiming it. The methodological approach of this work is related to the testimony produced by Police attestation during the procedural step, as this is crucial to influence the Judge's free conviction. In the case of trafficking of drugs, where there are multiple typical behaviors, this circumstance becomes even more evident; since the officer becomes an important witness due to his/hers public-faith, which makes presumably true the acts produced by them during the public activity. In this context, the testimony produced in court by the Police receives unique relevance for setting up a full proof. Thus, the paper here presented seeks to query this evidence when it is the only existing proof to establish a conviction. KEYWORD: criminal procedure / testimony produced / testimony produced by Police 162 Bacharel em Direito , UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected] 163 Professora , Mestre, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected] 82 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 INTRODUÇÃO O depoimento do policial tem sido um dos meios de prova mais importantes na fundamentação condenatória. Logo, o tema reveste-se de singular importância, pois o processo penal orienta-se por uma gama de princípios que não permitem que a decisão condenatória seja proferida quando o magistrado não tem a certeza absoluta da autoria do crime. O presente trabalho propõe um estudo sobre a prova testemunhal, especialmente aquela produzida pelo policial no curso da instrução processual, quando esta for o único meio de prova existente e considerado suficiente para fundamentação condenatória. A função deste trabalho é destacar a importância da prova testemunhal, aquela que se refere ao depoimento policial em juízo, como meio de prova suficiente para uma condenação. Quiçá, determinar que a prova testemunhal é um meio de prova eficiente, mas que não pode ser o único meio de prova. O DEPOIMENTO DO POLICIAL COMO PROVA PLENA PARA JUSTIFICAR A DECISÃO CONDENATÓRIA Após a fase do inquérito policial, dar-se-á início a fase instrutória, que deve seguir um procedimento especial que está previsto na lei 11.343/2006, entre os Arts. 54 a 58. Ao receber os autos de inquérito policial em juízo, deverá dar vista ao integrante do Ministério Público, que no prazo de 10 (dez) dias, deverá oferecer denúncia, requerer mais diligências ou pedir o arquivamento. Caso ofereça a denúncia, pode arrolar até 5 (cinco) testemunhas de acusação, e ainda requerer mais provas se achar pertinente. Oferecida a denúncia, o juiz determinará a notificação do acusado para oferecer defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. Se o acusado não apresentar a resposta no prazo, o juiz nomeará um defensor para que ofereça no prazo de 10 (dez) dias, onde irá conceder vista dos autos no ato da nomeação. Recebida a denúncia, o juiz designará dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, determinará a citação pessoal do acusado, a intimação do Ministério Público, se for o caso, do assistente, e requisitará os laudos periciais. A audiência deverá ser realizada 30 (trinta) dias seguintes ao recebimento da denúncia, salvo se for determinado realização de avaliação para atestar dependência de drogas, quando se realizará em 90 (noventa) dias. Na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do réu e a inquirição das testemunhas, sendo primeiro da acusação e depois da defesa, sucessivamente será dada a palavra ao representante do Ministério Público e ao defensor do réu; para sustentação oral, no prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogáveis por mais 10 (dez) a critério do juiz. O DEPOIMENTO DO POLICIAL COMO PROVA PLENA Entende-se por prova plena, apenas o depoimento do policial, sem que haja outras pessoas para servir como testemunha e que não tenham interesse dentro do processo, sendo que é um prestígio tanto para o policial quando para a sua instituição que resulte em condenação, para também servir de ―resposta‖, prestação de contas para com a sociedade. No momento que participa da investigação, desde a interceptação telefônica, quando há, e ainda, que participa das diligências realizadas em busca de indícios e provas, e que ainda, participa da prisão do acusado, pode-se considerar este policial uma prova contaminada, ou seja, já vai estar com opinião formada. Quando um policial presta depoimento na fase de inquérito, e relata tudo o que viu, ouviu e participou, é muito provável que enquanto se preocupou em buscar pela droga, pelo dinheiro e pelos objetos os quais estavam no local no momento da prisão, ele simplesmente deixa de arrolar testemunhas, que pode ser qualquer pessoa desinteressada naquele caso, ou seja, que não busca nenhuma vantagem ao prestar depoimento. 83 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Esse mesmo policial que prestou depoimento na fase do inquérito, tem que ser ouvido novamente, desta vez, na presença do juiz, durante a produção da prova testemunhal e com direito ao contraditório e ampla defesa, que inexiste no inquérito policial. No momento que relata ao juiz o que lembra do fato, vai dizer tudo que viu e ouviu das pessoas que estavam no local, mas que não foram arroladas para prestarem o depoimento. Porém, por mais que a investigação feita por ele e por seus colegas não tenha obtido o resultado esperado, ou seja, sucesso, ainda assim, vão relatar tudo que ocorreu de uma maneira a convencer o magistrado que o acusado é a pior pessoa, e que teve um comportamento agressivo, ou que reagiu. Jamais que vão admitir que toda a investigação fracassou porque não podem de maneira alguma prejudicar a instituição para qual trabalha. Além do mais, um policial que trabalha em uma cidade com a proporção de ocorrências como Foz do Iguaçu – PR, tem que ter uma super memória para lembrar de todas as pessoas que ele prendeu, porque prendeu, e como foi durante a ocorrência. Ainda, se ele é uma testemunha, não poderia ter acesso aos autos para ―relembrar‖ o fato, o que apreendeu, a quantidade de droga, onde foi. Quando é admitido que um policial seja testemunha, apenas porque ele está munido da fépública, que consiste na presunção de veracidade investida em alguns agentes públicos, com o intuito de se presumir ser verdadeiras as suas declarações. Segundo uma publicação feita na Revista Consultor Jurídico, recentemente, em 16 de outubro de 2011, escrita por um jornalista de Santos – SP, chamado Eduardo Veloso Fuccia, diz respeito ao tema primordial discutido neste trabalho: IN DUBIO PRO REO – DEPOIMENTO DE POLICIAIS NÃO É SUFICIENTE PARA CONDENAR – A apreensão de grande quantidade de drogas, por si só, não é o suficiente para motivar a condenação por tráfico da pessoa presa com o entorpecente. É necessária a certeza de que o tóxico pertença ao acusado e, desse modo, a falta de testemunhas que não integrem os quadros policiais vinculando a droga ao réu torna a prova insuficiente para a condenação. Diante desse quadro processual, o juiz Alexandre Coelho, da 2ª Vara Criminal de Santos, absolveu um estivador de 37 anos. Em 13 de outubro do ano passado, policiais da Delegacia de Investigações sobre Entorpecentes (Dise) prenderam o acusado em flagrante após receberem denúncia anônima de que ele vendia drogas no cais. A abordagem ao réu ocorreu na Rua dos Estivadores, no Paquetá. Ele se aproximava de seu carro e os investigadores afirmaram que encontraram com ele dois pequenos tabletes de maconha destinados à venda para terceiros. Ainda conforme os policiais, a droga fora trazida de Santa Catarina e o acusado, momentos antes de ser detido, teria distribuído entorpecentes na zona portuária. Porém, o advogado Alex Ochsendorf juntou ao processo documento de uma operadora de telefonia móvel que registrou o deslocamento do acusado no período imediatamente anterior à prisão. Conforme a documentação, o réu não passou pelo cais. ―As provas evidenciam, sem divergências, que o acusado trabalhou em outro município, até momentos antes de ser abordado‖, se convenceu o juiz na sentença. Além disso, duas testemunhas da abordagem afirmaram em juízo que não viram nada de ilícito ser apreendido com o estivador. As acusações atribuídas ao réu, no entanto, não pararam por aí. A equipe da Dise também o apontou como o dono de nove tijolos de maconha e de nove pequenos tabletes da erva, totalizando cerca de oito quilos, achados na sequência em uma casa, em Praia Grande. O imóvel estaria sob a responsabilidade do réu, mas a falta de testemunhas da apreensão tornou a versão dos investigadores 84 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 isolada no conjunto probatório. Segundo os policiais, uma moça teria acompanhado as buscas e o encontro do tóxico dentro da casa. Com base nas referências sobre a suposta testemunha, a Justiça tentou localizá-la para que depusesse no processo, mas não conseguiu achá-la. Em contrapartida, a defesa indicou uma vizinha da residência vistoriada para depor. Essa testemunha relatou que presenciou a entrada e a saída dos policiais. Segundo ela, os investigadores permaneceram pouco tempo na residência e foram embora sem nada nas mãos, exceto a arma de fogo de um deles. Após os policiais se retirarem do local, essa mulher disse que foi à residência e não constatou nada de anormal. ―Tivessem sido adotadas algumas formalidades para o ato de busca e apreensão dos tijolos de maconha, como autorização judicial e obtenção de testemunhas dentre vizinhos, mereceria a prova mais crédito do que ela tem no momento‖, frisou Coelho. Segundo ele, ao Estado é imposto o dever de produzir prova inequívoca da culpabilidade do réu e as ―incertezas‖ na ação penal impuseram a sua absolvição.164‖ Jurisprudências relacionadas ao tema do trabalho: EMENTA: TRÁFICO DE ENTORPECENTE - MATERIALIDADE COMPROVADA - AUTORIA DUVIDOSA - COMPROVAÇÃO TÃOSOMENTE POR DEPOIMENTO DE POLICIAIS - INVIABILIDADE QUANDO EM CONFLITO COM OUTRAS PROVAS - RECURSO PROVIDO. Imperiosa se faz a absolvição do réu quando sua condenação deu-se com base em depoimentos de policiais, conflitantes com as palavras da única testemunha civil arrolada. Recurso provido. APELAÇÃO CRIMINAL (APELANTE) Nº 000.121.657-1/00 COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): LIONALDO GOMES ANTÔNIO - APELADO(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS, PJ 12 V CR COMARCA BELO HORIZONTE - RELATOR: EXMO. SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI ACÓRDÃO Vistos etc., acorda, em Turma, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM DAR PROVIMENTO AO RECURSO, COM UMA RECOMENDAÇÃO. Belo Horizonte, 22 de setembro de 1998. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI - Relator NOTAS TAQUIGRÁFICAS O SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI: VOTO Lionaldo Gomes Antônio foi denunciado como incurso nas sanções do art. 12 da Lei 6.368/76, acusado de estar, no dia 27.08.97, próximo à sua residência, traficando substância ENTORPECENTE, 164 <http://www.conjur.com.br/2011-out-16/depoimento-policiais-si-nao-suficiente-condenar> 85 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 oportunidade em que foi abordado por policiais militares e preso em flagrante. Depois de instruído regularmente o processo, adveio a sentença de fls. 68/69-TJ, que houve por bem condená-lo, nos exatos termos da denúncia, à pena definitiva de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 70 (setenta) dias-multa. Inconformado com a sentença condenatória, aviou a defesa do réu a presente apelação (fls. 76/80-TJ), pleiteando sua absolvição, argumentando inexistirem provas suficientes para a condenação. O Ministério Público, em suas contrarrazões acostadas às fls. 81-TJ, pugna pelo parcial provimento do recurso, para que seja desclassificado o crime como aquele previsto no art. 16 da Lei 6.368/76. Já a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em seu parecer (fls. 87/89), opina pelo seu provimento total. É o relatório. Próprio e tempestivo, conheço do recurso. A MATERIALIDADE delitiva encontra-se demonstrada no Auto de Apreensão de fls. 14-TJ e no Laudo de Exame Toxicológico de fls. 45-TJ, onde ficou constatado tratar-se a substância apreendida do ENTORPECENTE vulgarmente conhecido como "maconha". O mesmo, entretanto, não se pode dizer quanto à AUTORIA do delito, pois as provas testemunhais colhidas são frágeis e contraditórias. Os fatos são assim narrados pelo Cabo PM Kleber Cazita do Vale, na oportunidade em que foi ouvido na polícia: "...O depoente passava pelo bairro São Paulo juntamente com o SD Claudinei, ocasião em que depararam com o autuado o qual praticava a ação ilícita em distribuir pequenos invólucros de substância esverdeada semelhante a maconha para vários indivíduos naquele local, ocasião em que o autuado ao avistar o depoente (sendo este conhecido do autuado, devido ao fato de já têlo abordado anteriormente) o autuado gritou ¿sujou', tendo tais indivíduos evadido do local; Que, tão logo o depoente e Claudinei lograram êxito em abordá-lo, tendo o autuado LIONALDO GOMES ANTÔNIO dispensado uma porção de substância esverdeada semelhante a maconha acondicionada em um invólucro plástico..." (Sic- fls. 04-TJ - Grifei). Já em seu depoimento judicial, narra o Cabo Kleber: "...Que o depoente executor da abordagem do réu, por ocasião da diligência feita no bairro São Paulo, Capital, na data descrita na denúncia: Que contou com a ajuda do colega de farda o Soldado ¿Claudinei'; Que confirma as declarações prestadas perante a autoridade Policial de fls.04/05, ora lidas; Que o depoente arrecadou a substância ENTORPECENTE que fora dispensada pelo réu, no momento em que chegaram ao local da abordagem..." (Sic - fls. 64-TJ - grifei). Os depoimentos do Soldado Claudinei são no mesmo sentido. Das declarações da única testemunha civil arrolada, Maurício Alves Gonçalves, colhe-se: "...Que, nesta data o depoente passava pela Rua Jacuí, situada no bairro São Paulo, ocasião em que presenciou policiais militares efetuando a prisãode um indivíduo identificado posteriormente por LIONALDO GOMES ANTÔNIO...; Que, quanto ao aspecto da substância ENTORPECENTE o depoente não presenciou a sua localização nem apreensão..." (Sic- fls. 06-TJ - grifei). É bom lembrar que entre o policial Kleber e o réu havia uma certa animosidade, uma vez que aquele já o havia abordado anteriormente 86 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 para efetuar busca pessoal por suspeita de porte ilegal de arma. Segundo os autos (fls. 06-TJ), eles não estavam fardados. Os policiais, nas declarações que prestaram ao Delegado, dizem que estavam passando pelo bairro São Paulo quando ocorreu a prisão. Em juízo, porém, afirmam que estavam em diligência policial. Se estavam em diligência, porque não apresentavam-se fardados? Porque não lavraram eles mesmos o boletim de ocorrência (fls. 10TJ)? Porque arrolaram somente uma testemunha? Porque não cuidaram de identificar e levar a interrogatório os indivíduos que se evadiram do local? De estranhar-se que o réu, percebendo a chegada dos policiais (que conhecia), mantivesse a droga em seu poder até que fosse abordado para, só então, livrar-se dela. Também não faz sentido ter sido ele o único a não evadir-se do local. O réu nega veementemente a propriedade da droga, dizendo-se vítima de perseguição por parte do policial Kleber. Os depoimentos dos policiais são inconsistentes. A substância necessária para ensejar um decreto condenatório esperávamos encontrar nos depoimentos de Maurício Álves Gonçalves, única testemunha civil arrolada. Entretanto, não foi isso que aconteceu. Suas palavras são vagas e inconclusivas, às vezes até mesmo contraditórias. Os dois policiais afirmam que o réu "dispensou" a droga no momento de sua abordagem. Maurício, por sua vez, não viu Lionaldo "dispensando" coisa alguma, nem viu quando a droga foi encontrada e apreendida, apesar de afirmar que estava no local no momento da abordagem. Em resumo, a única prova de que a droga pertencia ao réu reside nas palavras dos autores de sua prisão, que dizem ter visto ele distribuindo e depois "dispensando" a "maconha". É bem verdade que o réu possui um extenso passado criminoso, mas isto, por si só, não nos pode influenciar, pois o que se busca, in casu, é a certeza de haver ele praticado o delito que lhe é imputado. Sobre o tema, oportuna se faz a transcrição do ensinamento de Fernando de Almeida Pedroso, em sua obra "Processo Penal - O Direito de Defesa", pág. 60, 1ª edição: "Se a prova, embora renovada na instrução judicial, possui natureza exclusivamente policial, tem-se sufragado que a sorte do acusado não deve ser decidida consoante elementos de robustez DUVIDOSA. Com efeito, a condenação de um homem não há de ficar com a eiva da injustiça, ante a irrefutável possibilidade de as provas contra ele carreadas terem resultado, eventual e excepcionalmente, de uma trama policial, como se tem notado, verbi gracia, em casos de posse e TRÁFICO de substância ENTORPECENTE". Destarte, por considerar que as provas colacionadas não traduzem a certeza necessária à condenação, atento ao princípio do "in dubio pro reo", determino a absolvição de Lionaldo Gomes Antônio, com fincas no art. 386, VI, do CPP. Expeça-se o competente Alvará de Soltura, se por al, não estiver condenado. Custas ex lege. O SR. DES. GUDESTEU BIBER: VOTO De acordo. O SR. DES. EDELBERTO SANTIAGO: 87 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 VOTO De acordo. SÚMULA : À UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO RECURSO, COM UMA RECOMENDAÇÃO165. AO EMENTA: TRÁFICO DE ENTORPECENTE - MATERIALIDADE COMPROVADA - AUTORIA DUVIDOSA - CONDENAÇÃO BASEADA TÃO-SOMENTE EM DEPOIMENTOS DE POLICIAIS CONTRAPOSIÇÃO COM A CONSTANTE NEGATIVA DO ACUSADO - PRINCÍPIO DO "IN DUBIO PRO REO" - RECURSO PROVIDO - ABSOLVIÇÃO DECRETADA. APELAÇÃO CRIMINAL (APELANTE) Nº 000.132.918-4/00 COMARCA DE UBERABA - APELANTE(S): CLAUDINEI ALEXANDRE DA SILVA - APELADO(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS, PJ 2 V CR COMARCA UBERABA RELATOR: EXMO. SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI ACÓRDÃO Vistos etc., acorda, em Turma, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM DAR PROVIMENTO AO RECURSO, COM UMA RECOMENDAÇÃO, À UNANIMIDADE. Belo Horizonte, 23 de março de 1999. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI - Relator NOTAS TAQUIGRÁFICAS O SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI: VOTO Claudinei Alexandre da Silva foi denunciado como incurso nas sanções dos art. 12 da Lei 6.368/76, acusado de estar, no dia 25.04.98, por volta das 00:40h, defronte sua residência, traficando substância ENTORPECENTE, oportunidade em que foi abordado e preso por policiais militares. Depois de instruído regularmente o processo, adveio a sentença de fls. 87/95-TJ, que houve por bem condená-lo, nos exatos termos da denúncia, à pena definitiva de 3 (três) anos de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa. Inconformada com a sentença condenatória, aviou a defesa do réu a presente apelação (fls. 109/114-TJ), pleiteando sua absolvição, ao argumento de inexistirem nos autos provas suficientes para a condenação. O Ministério Público, em suas contrarrazões acostadas às fls. 115/126-TJ, pugna pelo desprovimento do recurso, sendo no mesmo sentido o parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 142/145-TJ). É o relatório. Próprio e tempestivo, conheço do recurso. A MATERIALIDADE delitiva encontra-se sedimentada no Auto de Apreensão de fls. 18-TJ, Laudo de Constatação de fls. 24- TJ e Laudo de Exame Toxicológico de fls. 74-TJ, onde ficou constatado 165 http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=0&ano=0&txt_processo=121657&complemento=0&s equencial=0&palavrasConsulta=TRÁFICO DE ENTORPECENTE - MATERIALIDADE COMPROVADA - AUTORIA DUVIDOSA &todas=&expressao=&qualquer=&sem=&radical= 88 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 tratar-se as substâncias apreendidas dos entorpecentes vulgarmente conhecidos como "maconha" e "cocaína". O mesmo, entretanto, não se pode dizer quanto à AUTORIA do delito, pois as provas testemunhais colhidas são demasiadamente frágeis. Segundo os policiais militares Rogério Fernando Campos - condutor do flagrante -, Cláudio Henrique de Carvalho e Ricardo César da Silva - estes figurando como testemunhas -, com o objetivo de investigarem denúncia anônima de TRÁFICO de entorpecentes, dirigiram-se à rua Adelardo do Nascimento, 364, Bairro Universitário, Uberaba-MG, onde localizaram, perseguiram e prenderam o ora apelante, imputando-lhe a propriedade de vários invólucros contendo maconha e cocaína. O acusado, porém, nas oportunidades em que foi ouvido, tanto na fase inquisitorial quanto em juízo, nega veementemente a propriedade do estupefaciente apreendido. De notar-se que nenhuma testemunha, estranha ao quadro policial, presenciou a apreensão da droga nem qualquer confissão que houvesse ocorrido naquela oportunidade. Dizem os policiais que tal fato se deu em razão de a prisão haver sido efetuada tarde da noite, quando já estavam as ruas desertas. Sobre o tema, oportuna se faz a transcrição do ensinamento de Fernando de Almeida Pedroso, em sua obra "Processo Penal - O Direito de Defesa", pág. 60, 1ª edição: "Se a prova, embora renovada na instrução judicial, possui natureza exclusivamente policial, tem-se sufragado que a sorte do acusado não deve ser decidida consoante elementos de robustez DUVIDOSA. Com efeito, a condenação de um homem não há de ficar com a eiva da injustiça, ante a irrefutável possibilidade de as provas contra ele carreadas terem resultado, eventual e excepcionalmente, de uma trama policial, como se tem notado, verbi gracia, em casos de posse e TRÁFICO de substância ENTORPECENTE". Também é do entendimento jurisprudencial que depoimentos de policiais, quando não escudados em outro elemento de prova contida nos autos, não constitui suporte probatório bastante para fundamentar o decreto condenatório. "Em tema de comércio clandestino de entorpecentes, a isolada acusação do policial-condutor no flagrante não basta à prolação de decreto condenatório. Impõe-se a solução, máxime quando a prova acusatória não vier a ser roborada pelas testemunhas estranhas ao quadro policial" (JUTACRIM 54/295). No mesmo sentido: "Prova precária, resultante apenas de depoimento de policiais - A condenação exige prova irrefutável da AUTORIA. Quando o suporte da acusação gera dúvidas, o melhor é absolver"(RT 513/479). De qualquer sorte, as testemunhas de defesa ouvidas confirmam tratar-se de pessoa honesta, trabalhadora, pai de família, garantindo desconhecerem qualquer envolvimento do acusado com o comércio clandestino de entorpecentes. É possível que a droga apreendida pertencesse ao apelante e que se destinasse ao comércio ilícito, mas a prova colhida se apresenta bastante frágil e uma condenação criminal, cuja pena é bastante severa, não pode se firmar no solo movediço das presunções e suspeitas. 89 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Portanto, tendo em vista o velho brocardo do in dubio pro reo, não há como manter-se a condenação do acusado nas iras do artigo 12 da Lei 6.368/76. Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso, para absolver o apelante da imputação que lhe foi feita, nos termos do artigo 386, VI, do CPP. Expeça-se alvará de soltura a favor do réu, se por al não estiver preso. Custas, como de lei. O SR. DES. GUDESTEU BIBER: VOTO De acordo. O SR. DES. EDELBERTO SANTIAGO: VOTO De acordo. SÚMULA : À UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, COM UMA RECOMENDAÇÃO 166. EMENTA: TRÁFICO DE ENTORPECENTE - CONJUNTO PROBATÓRIO INSEGURO - CULPABILIDADE DUVIDOSA PRINCÍPIO "IN DUBIO PRO REO" - ABSOLVIÇÃO DECRETADA APLICAÇÃO DO ART. 386, VI, CPP - SENTENÇA REFORMADA RECURSO PROVIDO. APELAÇÃO CRIMINAL (APELANTE) Nº 000.327.516-1/00 COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - APELANTE(S): CARLOS MAGNO DA SILVA - APELADO(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS, PJ 1 V CR COMARCA GOVERNADOR VALADARES - RELATOR: EXMO. SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI ACÓRDÃO Vistos etc., acorda, em Turma, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO. Belo Horizonte, 22 de maio de 2003. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI - RelatorNOTAS TAQUIGRÁFICAS O SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI: VOTO Conheço do recurso, presentes os pressupostos de sua admissibilidade. Carlos Magno da Silva e Élio Miranda Pereira foram denunciados pelo Ministério Público de Minas Gerais como incursos, respectivamente, nas iras dos arts. 12 e 16 da Lei 6.368/76, acusados de TRÁFICO e posse de substância ENTORPECENTE para uso próprio. No curso da instrução, o feito foi desmembrado em relação ao acusado Élio Miranda Pereira, tendo prosseguido apenas em relação ao acusado Carlos Magno da Silva que, através da sentença de fls.120/129, foi condenado a uma pena definitiva de 3 (três) anos de 166 <http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=0&ano=0&txt_processo=132918&complemen to=0&sequencial=0&palavrasConsulta=TRÁFICO DE ENTORPECENTE - MATERIALIDADE COMPROVADA - AUTORIA DUVIDOSA &todas=&expressao=&qualquer=&sem=&radical= 90 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 reclusão, em regime integralmente fechado, mais o pagamento de 50 (cinqüenta) dias-multa. Inconformado com o decisum, aviou a defesa o recurso de fls.132/136, em que se bate pela absolvição, nos termos do art.386,VI, do CPP. Em contra-razões de apelação (fls.138/142),o combativo membro do Parquet pugna pela manutenção da sentença hostilizada. Ouvida, opina a douta Procuradoria Geral de Justiça pelo provimento do apelo. Este, o relatório. Consta da denúncia que no dia 30.08.2002, na Estação Rodoviária de Governador Valadares, o apelante Carlos Magno da Silva teria vendido ao co-réu Élio Miranda Pereira cerca de 0,58g (cinqüenta e oito centigramas) de "crack" pelo valor de R$20,00 (vinte reais). A MATERIALIDADE acha-se COMPROVADA através dos documentos constantes às fls.19 e 53, o mesmo, porém, não se podendo dizer em relação à AUTORIA. Ouvido tanto na fase extrajudicial quanto em juízo, o apelante nega veementemente qualquer envolvimento com o crime que lhe é imputado. A par disto, os depoimentos prestados pelas testemunhas presenciais em nada estão a implicar o acusado. Mário Mendes Moura confirmou inteiramente seu depoimento colhido na fase inquisitorial, declarando em juízo que "... esteve com o acusado Carlos no dia dos fatos desde manhãzinha, pois chegaram no local por volta das 06h30min às 07 horas da manhã e pode afirmar com certeza que neste dia não viu qualquer pessoa estranha chegar próximo ao acusado Carlos, em atitude suspeita; que pode afirmar com certeza que as únicas pessoas que tiveram contato com Carlos no dia dos fatos foi o depoente, o Cléverson e um outro rapaz que também é lavador de carros;..." (fl. 80). Da mesma forma, Cléverson de Moura Alves afirmou que: "...no dia dos fatos o depoente estava na estação rodoviária desde 07 horas de manhã, direto, como de costume, e pode informar que juntamente com o depoente estava o acusado Carlos, o Mário e Wadson; que nunca ouviu qualquer comentário de que o acusado Carlos fosse usuário de drogas ou traficante,...;que Carlos também não pôde ver o rosto do tal elemento, pois os policiais chegaram abordando o Carlos e o colocaram no camburão, separado do outro elemento,...;que o depoente não viu qualquer pessoa estranha chegar perto de Carlos no dia dos fatos, em atitude suspeita;..." (fl. 81). Por seu turno, Ruth Marins Costa da Silva confirmou que conhece o acusado há cinco anos e que nunca ouvira qualquer comentário de que ele fosse usuário ou traficante de drogas (fls.82). Afora a suspeita imputação que lhe faz o co-réu Élio -,que neste caso específico deve ser tomada com toda reserva -, nada, absolutamente nada há nos autos a indicar qualquer liame da droga com o ora apelante que, é bom lembrar, não registra qualquer antecedente com o submundo do crime. Ninguém viu o apelante manusear o ENTORPECENTE apreendido com Élio e mesmo os policiais que efetuaram a prisão nada encontraram em seu poder durante a revista pessoal efetivada. Ora, sem embargo do notório conhecimento do douto Juiz sentenciante, a prova para sustentar um veredicto condenatório deve 91 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 resultar cristalina, pura, imaculada, o que não ocorre no caso em tela em relação ao apelante. Neste exato sentido já decidiu este Tribunal de Justiça: "TÓXICOS - ARTIGO 12 DA LEI 6.368/76 - INEXISTÊNCIA DE PROVAS SEGURAS - PRINCÍPIO DO IN DÚBIO PRO REO ABSOLVIÇÃO DECRETADA - RECURSO PROVIDO. Não se pode condenar ninguém como traficante com base em indícios e presunções. A gravidade do crime, punido com pena severíssima, exige prova cabal e perfeita; inexixtindo esta nos autos, impõe-se a absolvição do réu, em atenção ao princípio do "in dubio pro reo" (TJMG, Ap. nº 107.550-6, Rel. Des.Sérgio Resende) Diante disto, tendo em vista o vetusto e sábio brocardo jurídico in dubio pro reo, dou provimento ao recurso manejado para absolver o apelante Carlos Magno da Silva das imputações que lhe foram feitas, nos termos do art. 386,VI, do CPP. Custas, ex lege. O SR. DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO: VOTO De acordo. O SR. DES. HERCULANO RODRIGUES: VOTO De acordo. SÚMULA : DERAM PROVIMENTO167. EMENTA: TRÁFICO DE ENTORPECENTES - MATERIALIDADE COMPROVADA - AUTORIA DUVIDOSA - AUSÊNCIA DE PROVAS CAPAZES DE ENSEJAR UM DECRETO CONDENATÓRIO SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA - RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO. APELAÇÃO CRIMINAL (APELANTE) Nº 000.129.497-4/00 COMARCA DE UBERLÂNDIA - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS, PJ 3ª V CR COMARCA UBERLÂNDIA - APELADO(S): ALDO CÉSAR ALVES BREJO, MARCO SUEL ALVES BARBOSA, LUIZ ROBERTO GOMES, LUCIANO CORRÊA RAMOS, MANOEL MESSIAS DE ABREU RELATOR: EXMO. SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI ACÓRDÃO Vistos etc., acorda, em Turma, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO MINISTERIAL, À UNANIMIDADE. Belo Horizonte, 20 de outubro de 1998. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI - Relator NOTAS TAQUIGRÁFICAS O SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI: VOTO Conheço do recurso, presentes os pressupostos de sua admissibilidade. 167 http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=0&ano=0&txt_processo=327516&complemento=0&s equencial=0&palavrasConsulta=TRÁFICO DE ENTORPECENTE - MATERIALIDADE COMPROVADA - AUTORIA DUVIDOSA &todas=&expressao=&qualquer=&sem=&radical= 92 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Aldo César Alves Brejo, Luciano Corrêa Ramos, Marco Suel Alves Barbosa, Luiz Roberto Gomes e Manoel Messias de Abreu viram-se denunciados, os três primeiros, como incursos nas sanções dos artigos 12 e 14 c/c 18, inciso III, da Lei nº 6.368/76 e 288 do CP, o quarto, como incurso nos artigos 12, § 2º, inciso III, da Lei 6.368/76 e 307 do CP e, finalmente, o último, incurso nos artigos 12 e 14 c/c 18, inciso III, da Lei nº 6.368/76 e 288, 294 e 304 do CP, isto porque policiais federais com eles apreenderam grandes quantidades de substância ENTORPECENTE. Regularmente processados, seguiu-se a douta sentença, que houve por bem julgar improcedente a denúncia, por absoluta ausência de provas, decretando a absolvição dos réus. Inconformado, o digno representante do Ministério Público interpôs embargos de declaração para que fosse decidida a imputação que se fazia ao co-réu Luiz Roberto Gomes, de falsidade ideológica. O ilustre Magistrado entendeu de acolher os embargos e, coerente com a decisão anteriormente proferida, absolveu-o também deste delito. Novamente irresignada, apela a douta Promotoria de Justiça, pleiteando a condenação de todos os acusados, ao argumento de que o conjunto probatório é suficiente para demonstrar a AUTORIA do delito, além de pedir que fosse decretada a suspensão de seus direitos políticos. Contrariado o recurso, pugnam os ora apelados pela manutenção da sentença. A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do ilustrado Procurador João Batista da Silva, opina no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Consta dos autos que no dia 05.11.97, por volta das 12:00h, uma equipe de policiais federais interceptou o veículo Monza, placa GTF5438, na rua Afonso Pena, centro da cidade de Uberlândia, veículo este ocupado por 4 pessoas: Aldo César Alves Brejo, Luiz Roberto Gomes, Tadeu Ribeiro e Rejane Messias. Segundo os Policias, nesta oportunidade "OUVE UM CERTO TUMULTO" e os dois últimos ocupantes do Chevrolet Monza evadiram-se do local. Logo em seguida, foram efetuadas buscas no interior do veículo, havendo os policiais encontrado dois pacotes contendo grandes quantidades de "cocaína" e "crack". Interrogados sobre a origem da droga, Aldo César e Luiz Roberto, que nesta oportunidade identificou-se como Luiz Henrique Gomes da Silva, indicaram "Negão" como sendo a pessoa que lhes passou a droga. Dirigiram-se, então, para a residência de Aldo, onde apreenderam mais dois pacotes, também contendo grande quantidade de "crack" e, no momento desta apreensão, compareceu no local o indivíduo de alcunha "Negão", Manoel Messias de Abreu (fazendo uso de uma Carteira de Identidade falsa), pessoa apontada por Aldo como sendo seu fornecedor, tendo sido este também detido. Dirigiram-se, então, os policiais até a residência deste Manoel Messias, onde arrecadaram mais cocaína, além de material usado na falsificação de documentos. Este, por seu turno, indicou Marco Suel Alves Barbosa como sendo a pessoa que lhe havia repassado aquela droga, estando hospedado no Hotel das Indústrias, naquela cidade, juntamente com o verdadeiro dono de toda a droga apreendida. 93 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Enquanto estavam na residência de Manoel Messias, ali compareceram Marco Suel Alves Barbosa, Luciano Corrêa Ramos, sua esposa Geovana Guimarães e um menor. Entrevistado no local, Marco Suel declarou que fora contratado por Luciano Corrêa para levar a droga apreendida até a cidade de Uberlândia, onde estava sendo comercializada. Estes fatos são narrados no APF, na fase inquisitorial, entretanto, todos os acusados negaram peremptoriamente participação nos fatos que lhes foram imputados na denúncia. A MATERIALIDADE está amplamente COMPROVADA pelos autos de apresentação e apreensão de fls. 19/24-TJ, laudo de constatação de fls. 26/27-TJ e laudo de exame toxicológico onde consta tratar-se as 3.252,26g (três mil, duzentos e cinqüenta e dois gramas e vinte e seis centigramas) de substância apreendida de "cocaína" e "crack". O mesmo, infelizmente, não se pode dizer quanto à AUTORIA. Aliás, com total razão a douta procuradoria ao afirmar que, "o Inquérito Policial em que se firma a presente ação penal é uma demonstração do despreparo de nossas instituições policiais para enfrentar o crime organizado, mormente o hediondo narcotráfico, que tantos males vem causando à sociedade brasileira" (fls. 410-TJ). De início, é no mínimo espantoso que uma equipe de policiais federais, tendo abordado um veículo suspeito, permite que, em razão de um inexplicado "tumulto", dois dos quatro suspeitos investigados se evadam do local. Ainda mais espantoso que não tenham providenciado localizar estes suspeitos para interrogatório, mesmo sabendo quem são eles. Também de estranhar-se porque nesta, que se nos afigura uma grande operação policial (que realmente chegou a apreender uma enorme quantidade de droga), desenvolvida em "equipe", somente se ouviu o condutor do flagrante, Emerson Gonçalves de Aquino. E ainda mais bizarro é o fato de que as duas únicas testemunhas presenciais arroladas em um caso de tamanho vulto venham, plácida e convincentemente, negar todo o conteúdo das declarações que assinaram na fase policial. Antônio Marcos Rodrigues Moura, fls. -TJ: "Que o depoente não confirma os depoimentos que consta no Auto de Prisão em Flagrante; que o depoente se encontrava subindo a Rua Afonso Pena, entre 11 h e 30 min e 12 h, quando nas proximidades da Rua Curitiba foi abordado por pessoas que se diziam policiais que disseram que precisavam do testemunho do depoente; Que o depoente inicialmente se recusou; que o policial disse ao depoente que o mesmo seria detido por desobediência caso se recusasse a acompanhá-lo; Que o depoente presenciou dois rapazes deitados no chão cujos nomes o depoente desconhece; Que um deles era moreno e o outro estava de boné; Que após identificar o depoente, os policias pediram que ele os acompanhasse; Que os dois rapazes se encontravam deitados fora do veículo; Que o veículo se encontrava aberto; Que antes de entrar no veículo os policiais já disseram ao depoente que estavam prendendo traficantes de drogas; Que o depoente ficou parado e um policial recolheu a identidade do depoente; Que um dos policiais foi até um Pálio vermelho e colocou os dois rapazes que estavam deitados; Que as portas já se encontravam abertas; Que os policiais disseram que iriam fazer uma revista; Que os policiais tiraram bolsas que ali se encontravam mas não foram abertas; Que os policiais levantaram tapetes e entraram 94 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 pela porta da frente; Que após alguma dificuldade abriram o portamalas; Que dali também tiraram uma bolsa; Que o depoente em nenhum momento viu ser retirado produto branco; Que os policiais disseram "vamos sair daqui"; Que o depoente desconhece o sentido tomado pelos policiais; Que os mesmos disseram para o depoente que permanecesse em sua casa, pois iriam passar lá; Que os policiais se encontravam em 03 ou 04 carros; que o depoente foi para sua casa sem ter visto tóxico; Que por volta de 23 hs os policiais passaram na casa do depoente; Que o depoente foi até o Batalhão da Polícia Militar; Que o depoente ficou aguardando até às 9:30 horas do outro dia; Que os policiais desceram trazendo um monte de papel; Que o depoente não consegue identificar qual dos acusados que se encontravam presentes que estavam deitados na Av. Afonso Pena; Que os acusados no Batalhão se recusaram a assinar os papéis; Que o depoente não presenciou o depoimento de nenhum dos acusados; Que no batalhão os policiais mostraram em cima de uma mesa a droga que teria sido apreendida; Que o depoente não chegou a ler o depoimento que consta do Auto de Prisão Em Flagrante cuja autenticidade negou; Que o depoente não viu a droga com nenhum dos acusados". Exatamente no mesmo sentido é o depoimento da outra testemunha de acusação, Roldão Osório Neto (fls. 262-TJ), agravado pelo fato de que nem mesmo à busca realizada presenciou. Os acusados, como era de se esperar, reiteram a negativa feita quando do inquérito policial. Houve total negligência quanto à produção de provas: Rejane e Aldo não foram indiciados; não houve a corriqueira solicitação dos antecedentes criminais e judiciais dos acusados; inexistiu interesse em inquirir os emitentes dos cheques apreendidos (provavelmente usuários de drogas que seriam de grande ajuda nas investigações); não foram ouvidos os demais membros da "equipe" responsável pela operação; não foi realizado exame pericial documentoscópico dos documentos falsos apreendidos. O combativo Representante do Ministério Público, em suas longas razões de apelação (fls. 357/375-TJ), afirma que a decisão objurgada contraria a prova dos autos, contudo, a nosso modesto sentir, a prova é nenhuma. Os depoimentos "presenciais" colhidos não provam senão o "despreparo de nossas instituições policiais" de levarem a efeito uma investigação (na verdadeira acepção da palavra). Aliás, todo o inquérito policial revela é a impotência do nosso sistema de, através de seus agentes, enfrentar portentoso império do narcotráfico que se alastra pelo subterrâneo do mundo, avolumando-se a cada dia e tornando-se o Estado dentro do Estado. O que temos então? O isolado testemunho do policial condutor do flagrante; o depoimento de duas testemunhas que, em juízo, confessam haverem sido coagidas a assinar papéis que continham a narrativa de fatos que jamais presenciaram; a constante negativa dos acusados; uma volumosa quantidade de drogas; a total ausência de prova de AUTORIA e, finalmente, a demonstração cabal e inequívoca de como NÃO deve ser conduzido um inquérito policial. Como sabido, a jurisprudência é toda no sentido de que: "A condenação exige prova irrefutável da AUTORIA. Quando o suporte de acusação enseja dúvidas, o melhor é absolver" (RT 513/479). Aliás, o que temos é a completa ausência de provas. 95 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 E também: "Quando, na apuração do evento delituoso, a prova resulta, exclusivamente, de depoimento de policiais e se mostra sem a necessária credibilidade e confusa, a dúvida dai resultante conduz à absolvição, a teor do art. 386, VI, do CPP"(in RT 540/356). Se é certo que nos presentes autos inexistem provas capazes de autorizar a condenação de qualquer dos acusados pela prática de TRÁFICO de entorpecentes, certo também é que não ficou demonstrado ter o co-réu Luiz Roberto Gomes praticado o crime de falsa identidade, como entende o RMP. Face ao exposto, lamentando profundamente que novamente tenha a Justiça sido obstada por mais um inquérito mal conduzido e anêmico, nego provimento ao recurso ministerial, mantendo a sentença absolutória por seus próprios e jurídicos fundamentos. Custas, na forma da lei. O SR. DES. EDELBERTO SANTIAGO: VOTO De acordo. O SR. DES. SÉRGIO RESENDE: VOTO De acordo. SÚMULA : À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO MINISTERIAL 168. Como pode se observar, o entendimento do ilustre Desembargador LUIZ CARLOS BIASUTTI, é no sentido de que a falta de certeza na autoria, ocorre devido ao fato dos policiais deixam dúvidas, posto que no caso em estudo, não arrolaram testemunhas que presenciaram o momento da apreensão, desta forma, com base no princípio do ―in dúbio pro reo‖ decidiu pela absolvição". Os tribunais atualmente estão tendo entendimento diverso a esse respeito, conforme decisão: EMENTA: PENAL - TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE USUÁRIO DEPOIMENTO DOS POLICIAIS QUE TEM O VALOR DE QUALQUER OUTRO - ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO QUE NÃO SE MOSTRA COMPROVADA - DIMINUIÇÃO ESPECIAL POSSIBILIDADE - SUBSTITUIÇÃO E REGIME ABERTO QUE NÃO PODEM SER ADMITIDOS ANTE A PROIBIÇÃO LEGAL RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Cabalmente comprovadas autoria e materialidade do TRÁFICO imputado aos agentes e ausentes quaisquer circunstâncias que afastem sua responsabilidade penal, imperiosa a manutenção do édito condenatório. 2. Demonstrada a finalidade mercantil da droga apreendida com os acusados, impossível a desclassificação de suas condutas para aquela prevista no artigo 28 da Lei 11.343/2006, mesmo que eles sejam, também, usuários. 3. Devem ser levados em consideração os depoimentos de policiais quando estiverem de acordo com o contexto probatório. 4. O delito de TRÁFICO de drogas, ainda que cometido mediante a hipótese prevista no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006, é equiparado a hediondo, pois não se trata de tipo derivado, mas tão-somente de 168 http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=0&ano=0&txt_processo=129497&complemento=0&s equencial=0&palavrasConsulta=TRÁFICO DE ENTORPECENTE - MATERIALIDADE COMPROVADA - AUTORIA DUVIDOSA &todas=&expressao=&qualquer=&sem=&radical= 96 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 circunstância minorante. 5. Por essa razão, aliada ao fato de que o delito foi praticado sob a égide da Lei 11.464/2007, impõe-se a aplicação do regime inicialmente fechado, também não se admitindo a substituição da pena, por expressa vedação legal. 6. A atual Lei Antidrogas só contemplou a associação permanente, que exige organização e permanência, não se mostrando como tal o simples concurso de agentes. 7. Recurso parcialmente provido. APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0479.09.163563-7/001 - COMARCA DE PASSOS - 1º APELANTE(S): WALISSON RODRIGUES FONSECA 2º APELANTE(S): EDILSON NASCIMENTO DA SILVA APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. JANE SILVA (...) O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que não há irregularidade no fato de, na fase judicial, os policiais que participaram das diligências serem ouvidos como testemunhas e de que a grande quantidade de droga apreendida constitui motivação idônea para fixação da pena-base acima do mínimo legal. (...) Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): ANTÔNIO CARLOS CRUVINEL e PAULO CÉZAR DIAS. SÚMULA : RECURSOS PROVIDOS EM PARTE. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0479.09.163563-7/001 ―HC 87662 / PE PERNAMBUCO Relator(a): Min. CARLOS BRITTO Julgamento: 05/09/2006 Órgão Julgador: Primeira Turma EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. NULIDADE DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSUFICIÊNCIA DAS PROVAS DE ACUSAÇÃO. DEPOIMENTOS PRESTADOS EM JUÍZO POR AUTORIDADES POLICIAIS. VALIDADE. REVOLVIMENTO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. É da jurisprudência desta Suprema Corte a absoluta validade, enquanto instrumento de prova, do depoimento em juízo (assegurado o contraditório, portanto) de autoridade policial que presidiu o inquérito policial ou que presenciou o momento do flagrante. Isto porque a simples condição de ser o depoente autoridade policial não se traduz na sua automática suspeição ou na absoluta imprestabilidade de suas informações. (...) (...) Ora bem, é da jurisprudência desta Suprema Corte a absoluta validade, enquanto instrumento de prova, do depoimento em juízo (assegurado o contraditório, portanto) de autoridade policial que presidiu o inquérito policial (HC 78.133, Rel. Min. Sepúlveda Pertence), ou que presenciou o momento do flagrante delito (como na espécie). Isto porque a simples condição de ser o depoente ―autoridade policial‖ não se traduz na sua automática suspeição ou na absoluta imprestabilidade de suas informações (HCs 51.577; 67.648; 73.00; 76.381; 76.557). Pois não é dado ao julgador presumir que os agente policias do Estado busquem a incriminação dos 97 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 acusados, mesmo que isso se dê em detrimento do princípio da ―verdade real‖169. Portanto, o que está explícito no entendimento dos Tribunais, é de que durante a fase judicial, basta que o depoimento do policial seja prestado sob o crivo do contraditório para que tenha absoluta validade. O tema discutido deve ser minuciosamente observado e analisado de maneira cautelosa pelo magistrado, afinal, o que mais está em tona são comportamentos sórdidos, envolvendo agentes público, que em muitas vezes, são policiais corruptos, que tem como lema, prender apenas para mostrar para a sociedade a sua atuação. Assim, a falta de fiscalização na atuação e nas atividades policiais é o que faz com que gere tantas polêmicas a esse respeito, pois basta um policial dizer o que quiser na audiência, que por conta da sua ―imunidade‖ chamada fé pública, que ao presumir verdade, simplesmente pelo fato de ser dito durante uma instrução na presença do réu e seu advogado, ou seja, na oportunidade do contraditório. CONSIDERAÇÕES FINAIS No plano jurídico, o termo prova busca uma demonstração crível da realidade através dos instrumentos legalmente previstos, para que, no momento em que o juiz estiver analisando o processo, influencie na sua decisão. A finalidade da prova no processo penal é o convencimento do juiz. Logo o objeto das provas são os fatos, mas apenas aqueles pertinentes ao processo. Ônus da prova está relacionado ao encargo de provar, ou seja, deve-se compreender o ônus como a responsabilidade da parte que possui o interesse de vencer a demanda, pois a parte que melhor desempenhar o ônus aproximar-se-á da verdade real e, por conseguinte demonstrará o Direito pleitado. Aos princípios orientadores da prova no processo penal discutido no presente trabalho, o contraditório e ampla defesa estão relacionados com a oportunidade concedida a uma das partes para contestar fato ou objeto apresentado como prova que seja contrário ao seu interesse. E a ampla defesa está relacionada ao direito do réu de ter uma defesa técnica; inadmissibilidade de provas ilícitas é evitar a permanência de uma prova produzida em desconformidade com a legislação, e que poderá prejudicar uma das partes; oralidade deve estar prevista em dois momentos, na fase investigatória e na fase judicial, vem com intuito maior de dar celeridade nos atos processuais, e também, oportunidade da prova testemunha ser colhida pelo juiz; comunhão da prova está relacionada em reunir todas as provas produzidas durante toda a instrução processual, e serem analisadas com igual valor. A prova testemunhal diz respeito as pessoas que servem como testemunha no processo, sendo o ponto principal do estudo que versou sobre a produção da provas testemunhal, em juízo. Registre-se ainda, que a diferença existente entre testemunha e informante diz respeito ao interesse que uma ou outra pode ter no processo. Para satisfazer o corte metodológico atinente ao estudo, fez-se uma análise do Art. 33 da lei 11.343/2006 que faz menção a condutas múltiplas, definida uma ou outra com núcleo do tipo pelas investigações realizadas pela autoridade policial que, depois será a testemunha em juízo. Destaca-se que a investigação dessas condutas podem ser apuradas de diversas formas, tais como a infiltração, a paisana, interceptação telefônica, denúncias anônimas e os agentes responsáveis por essa investigação serão testemunhas (PROVA) produzida para embasar uma condenação. Quanto ao depoimento do policial na instrução processual, em muitas vezes é considerado apenas ele como fundamento de condenação, o que vale lembrar é que o policial embora revestido por sua fé pública, está diretamente ligado aos acontecimentos, sendo que pode ter participado de todas as formas citadas trabalho, e também, ele não vai jamais querer 169 < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=406350> 98 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 admitir que todo o esforço feito por ele e seus colegas foram em vão, não vai querer prejudicar a instituição pela qual opera. Finalmente, ao consultar decisões proferidas em tribunais superiores, foi nítido que o entendimento deles ainda é tímido no sentido de não admitir como temerária ou insuficiente apenas o depoimento de policial como prova plena para condenar alguém, lembrando sempre que são servidores revestidos pela fé pública. Outrossim, existe uma tendência na modificação desse entendimento, pois a doutrina tem se manifestado de forma contrária. Logo, ainda pairam muitas dúvidas sobre a efetividade da prova testemunhal, quando for o único meio produzido nos autos, com intuito de formar a convicção do juiz. REFERÊNCIAS CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal legislação penal especial vol.4. 6. .d. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. ______. Curso de Processo Penal. 18. .d. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. FUCCIA, Eduardo Velozo. In dubio pro reo – Depoimento de policiais não é suficiente para condenar. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2011-out-16/depoimento-policiais-sinao-suficiente-condenar> acesso em 19.10.2011 GOMES, Luiz Flávio, et.al. Lei de Drogas comentada. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. JÚNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional volume I. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. JURISPRUDÊNCIAS, Tribunal de Justiça de Minas http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/> acesso em 20.10.2011 Gerais. Disponível em: JURISPRUDÊNCIAS, Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp> acesso 20.10.2011 < < em NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. ______. Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. ______. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 7. ed. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2011. ______. Código de Processo Penal Comentado. 9. ed. São Paulo: Editora dos Tribuais, 2009. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal vol.1, 32. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal vol.3, 33. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 6. ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2011. 99 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O DISCURSO DE ÓDIO NATALIA ALVARENGA DA SILVA170 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 RESUMO O discurso de ódio é considerado um problema para o ordenamento jurídico por diversas razões. Primeiramente, a dificuldade em identificar quem o profere, até mesmo porque pode ser feito de forma subliminar ou implícita. Em seguida, a necessidade de que a permissão da liberdade de expressão pelo Estado não gere prejuízos irreparáveis para a dignidade da pessoa humana e a igualdade. Depois, o fato de que não existem verdades incontestáveis a ponto de justificar restrições à liberdade de expressão dos indivíduos e a imposição de ideias. Nesse mesmo sentido, há a constatação de que nenhuma ideia ou opinião é infalível, portanto, possuem o direito de serem discutidas veementemente a fim de que seja alcançada a verdade; e, finalmente, porque o discurso de ódio poderia ter um tom de retaliação pelas agressões sofridas por uma minoria, contra membros de grupos dominantes. PALAVRAS-CHAVE: Internacional, liberdade, ódio. LIBERTY OF EXPRESSION AND THE HATE SPEECH. ABSTRACT The liberty of expresson is considered a problem to the jurisdicional laws for many reasons. At first, we the the dificulty in identificating the person that makes it, even because it can be made in subliminous ways. Followed by the necessity that the permission of the liberty of expression by the State do not make prejudice to the dignity of the people. Then, there is no truth that's indeniable to the point that we can justify resitricictions to the liberty of expression and the impositions of ideas, and all of them need to be discuted so than we can reach the truth; and, finally, because the hate speech could have a retaliation way due to the agression suffered by the minority, against members of dominant groups. KEYWORDS: Internacional, liberty, hate INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo estudar a colisão entre a liberdade de expressão, direito constitucional assegurado a todos, e as manifestações de ódio, também chamadas de hate speech, que podem levar aos crimes de ódio. Para que haja uma compreensão prévia e uniforme acerca do direito material em estudo, inicialmente, analisa-se a liberdade em sentido amplo e qual o papel que exerce normativamente. Assim, verificar-se-á qual seu conceito, abrangência, a forma pela qual ela é exercida e os limites a que se submete e os limites a que se submete, e questionando a 170 Acadêmica de Direito UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected] 100 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 possibilidade de interferência e censura por parte do Estado em um direito considerado humano e fundamental. É a oportunidade para conceituar o discurso de ódio em todos os seus aspectos doutrinários, relacionando-a com o importante princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse momento, são expostos os entendimentos que outros Estados tiveram quando se encontraram em frente a este conflito constitucional, preocupação que pode ser considerada recente, e a aplicação efetiva de sanções que entenderam cabíveis, até mesmo em locais que influenciaram a redação da Constituição Federal brasileira. DESENVOLVIMENTO Um caso recente e muito discutido pela imprensa internacional é o do vídeo americano que mostra o profeta muçulmano Maomé como fraude, e que acabou incitando ataques de multidões muçulmanas às representações diplomáticas americanas. Segundo os islamitas, o filme divulgado na internet ofende o Islã e o profeta Maomé ao retratá-lo de forma degradante, quando, na verdade, qualquer representação do profeta já é considerada uma blasfêmia. Isto enfureceu muçulmanos em todo o mundo, provocando protestos que ganharam repercussão internacional no dia 11 de setembro de 2012. Durante um protesto, um ataque matou o embaixador dos Estados Unidos em Benghazi, na Líbia e outros três americanos. Nos dias que se seguiram, as mortes não pararam em vários países, como o Iêmen e o Irã; o Talibã e a rede terrorista Al-Qaeda prometeram vingança contra os americanos. O filme foi produzido por Sam Bacile, israelense-americano de 54 anos, que afirma que o Islã é "uma religião do ódio", e foi defendido pelo pastor americano Terry Jones, que foi muito criticado por queimar um exemplar do Alcorão. O insulto ao profeta poderia ser enquadrado como uma forma de discurso de ódio, comparável ao racismo ou à negação do Holocausto, que é proibido em muitos países europeus. Como consequência, o longa-metragem trouxe novamente à tona a discussão sobre os limites do direito fundamental à liberdade de expressão. Até que ponto devem ser impostas restrições a esse direito? Alguns especialistas entendem que o engajamento crítico é uma condição para a evolução no mundo contemporâneo, e que até uma pequena atitude como a autocensura poderia levar a uma maior censura: se hoje o problema está em insultar um profeta, amanhã poderá estar em criticar um ditador, por exemplo. De outro lado, existem correntes que entendem que a liberdade de expressar opiniões termina a partir do momento em que o indivíduo começa a semear o ódio entre nações e religiões, ainda mais quando ele pretende se proteger das consequências de suas ações sob o manto desse direito fundamental. Para um melhor entendimento do tema, faz-se necessária uma melhor análise da liberdade em sentido amplo, do direito fundamental à liberdade de expressão, do discurso de ódio, e um estudo sobre o tratamento a ele concedido no Brasil e em outros países, para depois concluir com as melhores soluções para este impasse que é o conflito entre dois direitos fundamentais, o direito à opinião própria, qualquer que seja, e a dignidade da pessoa humana. A liberdade é um dos mais importantes direitos fundamentais, amplamente assegurada não somente por Constituições de diversos países, como também por Tratados e Declarações de Direitos Humanos. É uma conquista constante das sociedades que evita que o indivíduo sofra impedimentos quando de seu exercício, e engloba, além da liberdade de expressão, a liberdade religiosa e de culto, de consciência, o direito à informação, de reunião, de ensino e de imprensa. A Constituição garantiu o impedimento de supressão dessa garantia por qualquer meio estatal ao reconhecê-la como cláusula pétrea. Já a liberdade de expressão, especificamente, engloba a exteriorização de pensamentos, ideias, e opiniões, sejam elas intelectuais, artísticas, científicas e de comunicação. Portanto, consiste no direito de cada um de abrigar as ideias que quiser sem sofrer qualquer retaliação pelo Estado, o que é primordial para o desenvolvimento do ser humano. Ademais, o pensamento sofre influência constante dos fatores e do ambiente externo, como as condições sociais, econômicas e culturais, por exemplo; e essa influência não se restringe ao direito livre do indivíduo de adotar as ideias que preferir, mas também no sentido de 101 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 convencer os outros ao seu redor de suas convicções – e o poder das ideias não pode ser subestimado. O Estado deve se manter neutro diante do conteúdo das manifestações para que elas possam efetivamente ser livres, porém, não basta que se abstenha de impor limites ao exercício destas atividades, é necessário também uma atitude positiva, que propicie as condições para que elas possam ocorrer de forma plural, visando consolidar a democracia, pois não se pode falar em sociedade livre ou em soberania popular sem comunicação livre. Tomás de Domingo expõe que a liberdade de expressão exerce tripla função. A primeira diz respeito ao papel preponderante que desempenha na formação da opinião pública independente, consciente e pluralista; a segunda versa sobre a sua constituição como instrumento imprescindível para o exercício dos demais direitos dentro de um regime democrático; e, por fim, a sua função de controle dos poderes públicos171. Diante disso, a liberdade de expressão pode ser concebida como um direito fundamental, na medida em que protege a manifestação de pensamento das minorias, contribui para a busca da verdade e possibilita, de forma natural e pacífica, as alterações da sociedade, pois a minoria de hoje poderá ser a maioria de amanhã. Durante muito tempo a censura foi utilizada pelos Estados como meio eficaz de repressão ideológica ou política, e de manipulação de determinados grupos sobre outros. A Constituição Federal brasileira proibiu expressamente a censura e a licença a fim de garantir mais eficácia à liberdade de expressão, e ainda determinou que esta vedação não é aplicável somente aos Estados, mas também a qualquer entidade que proíba a livre manifestação do pensamento. Entretanto, a proteção à liberdade de expressão não é absoluta, pois senão implicaria na violação de outros direitos fundamentais igualmente assegurados pelo sistema constitucional. A própria Constituição de 1988 traz restrições à liberdade de expressão, quais sejam: a vedação do anonimato, a proteção à imagem, à honra, à intimidade e à privacidade, bem como o direito de resposta no caso de abuso do direito de se expressar do indivíduo. A legislação infraconstitucional também estabelece alguns limites. Todavia, estas restrições devem ser fundamentadas, respeitar certos requisitos, como o de estarem expressamente previstas em lei, obedecer ao princípio da proporcionalidade e possuir finalidade legítima. Portanto, não é toda e qualquer manifestação de expressão que estará protegida pela liberdade de expressão e é necessário ter cautela quanto às limitações impostas ao exercício deste direito, pois estas não podem violar sua essência. Quando a violação parte de entes privados que detém os meios de comunicação, do próprio particular ou de grupos sociais, ou seja, quando não for o Estado o seu ofensor, este deve assumir uma postura positiva, atuando como protetor dos direitos fundamentais violados. Os danos causados pelo indivíduo que manifestar opiniões ou ideias de discriminação são passíveis de indenização por danos morais ou materiais, pois o artigo 5º, XLI, da Constituição Federal determina que ―a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais‖. O discurso de ódio é um dos problemas mais complexos do direito constitucional contemporâneo. Consiste na manifestação de ideias que tendem a insultar, intimidar ou assediar determinados grupos em virtude de sua raça, cor, etnicidade, nacionalidade, sexo ou religião, ou que instiguem a violência, ódio ou discriminação contra tais grupos, desqualificando-os como detentores de direito. Esse tipo de manifestação pode ser considerado como apologia abstrata ao ódio, pois representa o desprezo a determinados grupos que possuem características em comum, como crenças, qualidades ou estão na mesma condição social, econômica, como por exemplo, ciganos, nordestinos, negros, judeus, árabes, islâmicos, homossexuais, mulheres, entre outros. São palavras que podem 171 DOMINGO, Tomás de. Conflictos de derecho fundamentales? Un análisis desde las relaciones entre los derechos a la libre expresión e información y los derechos al honor y la intimidad. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001. (Coleção Cuadernos y Debates, n. 166). 102 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 resultar em ações e que se mostram incompatíveis com a dignidade da pessoa humana. Como nessas manifestações o indivíduo é violado exatamente no que o identifica, só deixaria de ser ofendido se perdesse a condição de membro do grupo a qual pertence, renunciando opções políticas, crenças religiosas, opção sexual... Em outras palavras, significaria a perda de sua própria identidade. A grande maioria dos sistemas constitucionais garante a liberdade de consciência e de ideologia com ênfase no valor da tolerância, a fim de admitir que ideias contrárias convivam pacificamente, e alguns ordenamentos jurídicos criminalizam o discurso do ódio, como o alemão e o francês, por entenderem que pode levar à consumação de ações ilegais. Muitos Estados adotam as ações afirmativas como instrumento capaz de viabilizar a isonomia material entre grupos, pois além de assegurar a igualdade perante a lei, busca-se criar condições para alcançar essa igualdade de fato. A necessidade de evitar e combater o discurso de ódio é entendimento pacífico em qualquer sociedade democrática. O que se questiona é o tratamento jurídico a ele conferido e as formas de prevenção e combate às manifestações dessa natureza. A solução tem sido no sentido da total proibição ou total permissão. No entanto, em ambos os casos a dignidade da pessoa humana continua a ser afrontada. Somente proibir a manifestação do discurso do ódio não seria a solução mais eficaz, pois devemos nos perguntar se a esta solução não levaria a uma reação contrária, ou seja, gerar mais ódio e discriminação em relação ao grupo ofendido. É necessário combater as causas e origens do preconceito, o que só pode ser alcançado por intermédio da educação, do esclarecimento e da divulgação de informações que visam desacreditar dados falsos, a fim de que se impossibilite o desenvolvimento desses valores equivocados na sociedade, prestigiando-se a tolerância, o multiculturalismo e as diversidades étnicas. O direito internacional não veda o discurso do ódio de forma absoluta. No sistema jurídico estadunidense a liberdade de expressão é um direito fundamental que se confunde com a proteção da soberania popular e da democracia, e que se erigiu à condição de um verdadeiro símbolo cultural daquele povo. No entanto, o Estado restringe as manifestações quando não se mantiverem somente no mundo das ideias e passarem a configurar perigo claro e iminente, ou seja, não se pune a manifestação de uma ideia ou ideologia em abstrato, apenas se ela representar uma ação concreta. Na Europa, os Estados não se mantêm neutros como os Estados Unidos ao se depararem com manifestações odiosas. Na França, o lema do Iluminismo ―liberdade, igualdade e fraternidade‖ está assegurado no artigo 2º da Constituição, mas, mesmo assim, esta liberdade pode ser restringida quando houver necessidade de preservar outros valores como a dignidade da pessoa humana. A Itália reconhece a liberdade de expressão como fundamento da ordem democrática e o discurso de ódio como uma propaganda agressiva às minorias. Na Espanha, o Tribunal Constitucional reconheceu que a liberdade de expressão é uma garantia institucional da opinião pública. O Reino Unido, apesar de não dispor de uma Constituição escrita, protege a liberdade de expressão como um direito humano e, ao contrário do sistema estadunidense, veda a expressão de ódio tanto nos casos em que pode gerar um ato violento como nas situações em que se encontra restrito apenas ao mundo das ideias. Do mesmo modo, o sistema alemão pune o incitamento ao ódio e à violência contra grupos de forma abstrata, desvinculada de sua capacidade de gerar uma ação concreta. Para o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, as liberdades constituem as bases da justiça e da paz do mundo. No entanto, em suas decisões, o referido Tribunal caminha no mesmo sentido dos Estados europeus, entendendo que o discurso do ódio está mais para uma conduta do que para um discurso e, portanto, não protegido pela liberdade de expressão. A vedação do discurso de ódio no sistema europeu acabou por encerrar, em grande parte, a discussão sobre o tema. Porém, a censura não deixa de diminuir o direito à liberdade de expressão, e esta é a razão pela qual o discurso de ódio ainda tem sido motivo de questionamentos tanto pela doutrina como pela jurisprudência, pois a cada fato novo que surge, reabre-se a discussão acerca do tema. No Brasil, protege-se a liberdade de expressão, bem como a dignidade da pessoa humana e é vedada a prática do racismo. A maioria dos tratados que versam sobre direitos humanos, 103 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 proteção à liberdade de expressão e proibição de práticas discriminatórias foram ratificados pelo Brasil. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu um caso que envolvia o discurso de ódio, e foi a partir desta decisão que passamos a ter uma delimitação do tratamento conferido a esta matéria pela jurisprudência constitucional pátria. Trata-se do habeas corpus impetrado em favor do Sr. Siegfried Ellwanger que foi denunciado pelo crime de racismo por apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias contra os judeus, além de ser autor de diversas obras literárias de conteúdo antissemita. A Corte Suprema denegou o instrumento por maioria de votos, restando vencidos os Ministros Moreira Alves, Carlos Ayres Britto e Marco Aurélio. Não se enfrentou de maneira direta o conflito entre direitos fundamentais por não ser este o ponto central do habeas corpus, no entanto, alguns ministros chegaram a suscitar o referido conflito em seus votos. O Ministro Gilmar Mendes também denegou a ordem e, em seu voto, fez amplo estudo do direito comparado e aplicou o princípio da proporcionalidade para solucionar conflito de direitos fundamentais, in verbis: ―(...) Não se contesta, por certo, a proteção conferida pelo constituinte à liberdade de expressão. (...) Todavia, é inegável que essa liberdade não alcança a intolerância racial e o estímulo à violência, tal como afirmado no acórdão condenatório. Há inúmeros outros bens jurídicos de base constitucional que estariam sacrificados na hipótese de se dar uma amplitude absoluta, intangível, à liberdade de expressão na espécie.‖ É possível verificar que prevaleceu na decisão o entendimento dos ordenamentos jurídicos europeus, ao invés de o do sistema estadunidense, no sentido de que nítida prevalência do direito à dignidade da pessoa humana sobre a liberdade de expressão. Na decisão, determinou-se ainda que a prática de racismo envolve perseguição a qualquer grupo étnico, religioso, cultural, social ou de gênero, tendo em vista que houve efetiva preocupação em coibir a incitação à discriminação contra qualquer grupo de pessoas. Todavia, deve-se atentar para as consequências de uma decisão desse teor para o ordenamento e para toda a sociedade, tendo em vista que essa decisão pode representar, em certa medida, um perigo à liberdade de expressão. REFERÊNCIAS DOMINGO, Tomás de. Conflictos de derecho fundamentales? Un análisis desde las relaciones entre los derechos a la libre expresión e información y los derechos al honor y la intimidad. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001. HERKHENOFF, João Batista. Como aplicar o direito. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. ISRAEL, Jean-Jaques. Direito das Liberdades Fundamentais. Editora Manole,2005. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. Maria Cecília Amorim. São Paulo: Lúmen Júris, 1995. ROTHENBURG, Walter C. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999. SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição. Rio de Janeiro. Lumen Juris,2000. 104 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 LIMITAÇÕES AO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO JUAN EDUARDO CAPILLA JUNIOR172 RUBENS FLAVIO CARDOSO JUNIOR173 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 RESUMO O texto em voga tem como tema algo que não é apresentado de modo satisfatório em nossos doutos trabalhos pátrios sobre o Poder Constituinte. É sempre deixado às graças de, no máximo, um par de páginas. Trata-se de um assunto muito delicado e que é pouco adentrado devido à aparente facilidade de resposta à questão ou, quem sabe, por pensarem que este assunto dificilmente se apresente em nosso horizonte jurídico. Há poucos textos que se aprofundam neste tema. E isso se dá pelo fato de crerem que as teorias até então apresentadas já são suficientes. Ou, indo mais longe, por pensarem em tal tema, por estar numa tênue linha democrática, não contenha possibilidades de estudos mais focados, devendo deixar a questão para o próprio momento da revolução. Pretendemos trazer este tema sob uma perspectiva limitativa, pensando o Poder Constituinte Originário como do povo, limitado por ele e por fatores que a ele afetam.Cabe ressaltar que este é o tema principal deste texto(Constituinte Originário e suas limitações), recaindo acidentalmente em outras vias, mas nunca tratando a Gênese Constituinte como um mero tópico (assim como geralmente está sendo feito). Apresenta-se, aqui, pareceres e direções às questões que, têm a possibilidade de afetar a Democracia: sua Constituição e seu modo criativoelaboracional. PALAVRAS-CHAVES: Poder Constituinte Originário. Limitações. Direitos Naturais. LIMITATIONS OF THE ORIGINALLY CONSTITUENT POWER ABSTRACT This text has as theme something that is not submitted satisfactorily in national work about the Constituent Power. Always is left at maximum, a pair of pages to be discussed the subject.It‘s a subject that is very delicate and that is left aside, maybe, due to apparent facility of answer or, who know, for thinking that this subject hardly present in our legal horizon. There are few texts that deepens in this theme. Maybe this given by the fact that they believe that the theories presented already are enough. Or, going further, perhaps think that this theme, by being in a weak democratic line, not contains possibilities of studies more focused, should leave the question to the own revolution moment. We want to bring this theme below limiting perspective, likewise, thinking Originally Constituent Power as the people, limited by him and by factors that affect it.Note that this is principal theme of this text (Originally Constituent and your limitations), accidentallyfalling in other ways, but never treating the Genesis Constituent as a mere topic, (like this, generally, being made) present, here, opinions and directions to questions that, for us, there are more possibilities of effect the democracy: your Constitution and your mode creative-elaborate. KEYWORDS: OriginallyConstituent Power.Limitations.Natural Rights. INTRUDUÇÃO: De onde emana o poder que o Estado tem de controlar sua população, restringir suas liberdades, proporcionar-lhes e negar-lhes direitos e até puni-los por condutas que vão contra os interesses, consagrações e valores por ele tutelados? Embora a resposta pareça óbvia, e de fato é, há muitas questões intrínsecas a ela – e que são de grande valia para uma compreensão mais aprofundada sobre o que é o povo e o porquê de sua 172 173 Acadêmico de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected] Acadêmico de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected] 105 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 autorização para que o Estado, em seu nome, tenha total liberdade de tratar de todos os assuntos concernentes aos seus direitos e obrigações, públicos ou privados. Não iremos a fundo, aqui, nas teorias contratualistas, mas sabe-se que após a renúncia ao estado de natureza e à sua plenitude de direitos, o homem abdicou de algumas possibilidades suas em prol de uma vida mais tranquila, pacífica e protegida. De lá para cá, muitas coisas foram marcadas na História humana até a chegada dos Estados Democráticos de Direitos – e às suas Constituições. E é aí o centro de nosso estudo: como acreditar que os detentores criativos da Constituição podem ter plenos poderes de decisões, sem limitação alguma? Nossa proposta é mostrar que há limitações a eles e dizer quais são elas e seus porquês. 1PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO O Poder Constituinte Originário é envolto em uma áurea mística que o eleva, quem sabe, acima até dos anseios e necessidades sociais. Sempre é encarado de modo tímido, comose existisse algo que prendesse seu estudo necessariamente ao empirismo.Conceitualmente, tal poder de criar uma nova Constituição(e, decorrendo disso, um novo Estado) é totalmente ilimitado em seus pareceres e mandamentos. Mas isto não condiz com sua função própria: promover a convivência harmônica entre todos do Estado. Ora, criar uma Constituição é uma situação que não pode ser analisada somente do ponto de vista de seu fim, esta necessidade última surge em um cenário de atipicidade democrática, que se dá por fatores vários, mas sempre, quaisquer que sejam, delicadíssimos – logo, o tratamento dirigido a este poder deve ser dos mais atentos. A demonstração de que o Poder Constituinte Originárionão é ilimitado, incondicionado e sem vinculação, advém de um processo lógico-social de abstração. É do povo queemana o poder conferido aos seus representantes. Estes, por sua vez, dependem (como mostraremos no decorrer do trabalho) de uma nova confirmação posterior para sua real aprovação. Deste modo, por mais que o Constituinte Originário surja para desconstruir um ordenamento jurídico e criar um novo a partir de um rol que, devido à própria queda daquele, pareça não ter nenhum tipo de vínculo, ele de fato tem – em realidade, os têm, pois são muitos. 1.1 DA SUA DESVINCULAÇÃO JURÍDICA A tão aclamada incondicionalidade da Gênese Constituinte se dácom relação ao direito positivado, pois sua função justamente é criar e adequar novos direitos legislados, retirando aqueles que obstavam as exigências sociais e que acabaram dando ensejo à revolução. No que diz respeito à sua desvinculação jurídica é onde se prendem doutos juristas para justificar abranduraque há nos trabalhos nacionais acerca do assunto. Sempre comentam sobre esta desvinculação, fazem ressalva aos Direitos Naturais, citam Sieyès e pintam um quadro de aparente tranquilidade, resguardando-se, assim, por trás de teorias consagradas para evitar um real contato nesta área tão delicada. Tais questões nos levam a um caminho de emoções e pleitos sociais onde todos os pensamentos se voltam para um futuro Estado, por isso a necessidade de ir à pré-concepção da norma, ao porquê de tutelá-la. 1.2 DO SEU SURGIMENTO PERANTE A REVOLUÇÃO A Gênese Constituinte não surge do nada. Ela sempre é provocada, sempre oriunda de situações insustentáveis como, por exemplo, a falta de reflexo entre a Constituição e a sociedade a ela vinculada. Ressaltamos que não adentraremos nos quês e porquês tiranos com suas Constituições semânticas ou nominais, eis que nosso estudo tratará das limitações ao legítimo Constituinte Originário e não dos que surgem para mostrar as maneiras pelas quais se consegue alcançar o poder por golpes de Estado ou via artifícios de manipulação social. A partir do momento em que o ordenamento jurídico em vigor já não mais consegue cumprir seu precípuo dever – o de manter as relações sociais de modo tranquilo e sempre em respeito e cumprimento à dignidade humana -, surge uma necessidade de modificar-se o que está e criar um porvir. Tal momento de quebra com o que está chama-se revolução, ou 106 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 hiato constitucional.174 Deve-se sempre ter em vista que a necessidade de tal mudança jurídica, erguendo-se uma nova norteadora de um novo ordenamento jurídico, pode trazer, em um primeiro e eufórico momento, a ilusão desta se tratarde algo totalmente autônomo e irrestrito, eis que qualquer limitação jurídica será – e de fato já está – derrubada. Desatento engano. A falta de vinculação se dá para com as normas positivadas, mas não para com os direitos naturais inerentes à condição humana – que poderiam estar ou não sendo tutelados, mas isso de modo algum retiraria sua essência. 2 DIREITO PRÉ-LEGISLATIVO Trazer à discussão esta visão é transcender a ideia de que direito é apenas a norma positivada – aquela elaborada pelos poderes competentes para tanto e inserida no ordenamento jurídico –, é desestruturar o positivismo extremo, abrindo caminho à concepção da gênese de cada direito; mostrando que o direito, antes de tudo, é prélegislativo: surge da própria condição humana, do respeito que os humanos devem ter uns para com os outros em prol de uma vida digna em sociedade. Demasiadamente superficial seria ingressar num ciclo de interpretação pautando-se apenas da vigência da norma como marco inicial para seu entendimento, portanto, há a necessidade de se mostrar que a positivação de uma norma é somente o reconhecimento de um direito pré-existente, que existe com a sociedade e com ela evolui, sendo seu escudo (pré-conceito) contra questões atípicas e sua espada (preceitos) contra povos distintos. Deve-se demonstrar como, onde e por que certo direito nasceu,para que seja extraída a finalidade pela qual determinada norma foi inserida no ordenamento jurídico e, em decorrência disto, como proceder à sua correta aplicação.Toda a essência da norma em si existe antes de sua positivação. O que vemos como norma jurídica, ou acreditamos ser a criação de um direito, nada mais é do que a confirmação legislativa de um direito préexistente; a ratificação de algo que já existe. Não se faz correta a definição de que a emissão ou elaboração legislativa é quem cria o direito, eis que este já está consolidado anteriormente como preceito social. 3 LIMITAÇÕES AO CONSTITUINTE ORIGINÁRIO Em um primeiro momento, fica estranho confrontar a incondicionalidade doutrinária deste poder aos temas que podem trazer-lhe limitações. Soa como um paradoxo teorético. Mas as limitações ao Constituinte Originário são, sim, existentes. Dão segurança real à sociedade no momento em que ela mais precisa (e mais correria chance de perdê-la), porque seu assunto surge conjuntamente a um ordenamento jurídico em queda,com suas garantias positivadas sem eficiência total para garantir os direitos a que faz jus o povo. A segurança trazida pelas limitações é fruto do próprio respeito à outorga de poderes feita do povo aos seus representantes, condicionando-lhes suas condutas de modo a que, no mínimo, tutelem o essencial à vivência e convivência entre os vários grupos sociais de um Estado. Frisamos que as limitações são garantias porque é com elas que, em suma, saberá o povo que seus direitos essências serão tutelados pela nova norteadora jurídica. Há uma questão volitivoemocional que condiciona todo e qualquer ato emanado dos criadores-elaborativos da Constituição à aprovação social, sem o qual tais emanações sequer teriam efetividade jurídica(explicaremos o porquê mais adiante). Tal questão se perfaz nas Limitações. 3.1 DOS DIREITOS NATURAIS Os Direitos Naturais são aqueles que independem de existir ou não norma legal que os tutele.O simples fato da vida humana os gera. Jurídico-filosóficamente, eles são concepções alcançadas através do estudo da vida humana em si - e possibilitam a visualização de determinados princípios basilares, os quais alicerçam, através de argumentos científicosociais, a possibilidade de convivência harmônica entre as pessoas de uma determinada 174 Utilizaremos, aqui, somente o termo revolução. A palavra quebra, neste trabalho, também será sinônimo daqueles. 107 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 sociedade, sem os quais a pluralidade social viveria submetida a uma determinada casta e/ou a um regime jurídico não condizente aos seus anseios. Eles são uma limitação pelo fato de que sua não observância causa um efeito contrário ao esperado com a criação de uma nova Constituição: insegurança social, desrespeito às liberdades, desfalque isonômico, dentre muitos outros sérios problemas. A sociedade com uma Constituição que não resguarde as bases essências à vida em comunidade não dará efetivação a ela, transformando-a em tudo, menos regente jurídica daquele povo. Por isso encaramos os Direitos Naturais como limitadores, pois a falta de sua presença na nova Carta a torna ineficiente e, também,a desvia de sua função de proteção e organização dos cidadãos e do próprio Estado. Caso não haja a positivação e concretização dos Direitos Naturais, a Constituição oriunda desta omissão tornar-se-á semântica ou nominal. De fato, não será uma Constituição; mesmo que haja uma dura imposição estatal para obediência à Carta, não será efetivo o seu poder.Um exemplo excelente que demonstra esta necessidade de resguardo aos Direitos Naturais é o princípio da Dignidade Humana175, basilar aos Estados Democráticos de Direito.Sem ele, nenhum destes Estados pode assim ser chamado sem estar eivado de fraude e corrupção; sem desvirtuarem o próprio fim ao qual foram instituídos.Ele está presente justamente para que nele sejam inseridos todos os direitos naturais que porventura (ou não) não estejam tutelados de modo positivado. 3.1.1 DOSDIREITOS ADVINDOS DAS RELAÇÕES SOCIAIS CONSTRUTIVAS. Com vistas a estudos sociológicos dirigidos à compreensão do direito enquanto manifestação social, ainda que não diretamente, ficamos frente a um dilema jurídico-social que deve ser resolvido de forma a garantir a efetividade de um ordenamento jurídico: O nascimento do direito se dá após a lei ou a lei surge após o nascimento do direito? Enfrenta-se este dilema para que se possa ratificar a ideia de direito pré-legislativo, identificando e elencando limitações ao poder de criar um novo ordenamento jurídico que, através de um arcabouço jurídico-princípiológico, orientará a criação das demais legislações e a interpretação desta mesma Carta. Partindo-se de pressupostos sociológicos, temos que sociedade é algo em constante transformação.Tal transformação, objetivamente falando, é fruto das práticas de determinados grupos sociais, de concepções religiosas, políticas, filosóficas ou jurídicas que modificam a sociedade e, por vezes, também se amoldam a esta, sempre ligadas a determinados fatos históricos – como, por exemplo, revoluções, novas utopias, mudanças de pensamento, arte e cultura. Estes fatos orientam objetivamente e ditam de forma plena a elaboração legislativa, que deve sempre estar subordinada a eles. Sendo assim, resolve-se o dilema acima e se consegue dar efetividade a um ordenamento jurídico quando os representes da sociedade têm consciência da pré-existência dos direitos que porventura vierem a tutelar e também dos direitos que obrigatoriamente (por isso é obrigatório, pela sua pré-existência, mas com seu quê limitativo) tutelarem. 3.2 DAS CAUSAS QUE LHE DERAM ENSEJO Tendo em mente que a criação de uma nova Constituição se dá em momentos de tensão social e de crenças coletivas de um ―um novo momento‖, se percebe que a causa ou as causas que deram origem ao surgimento do Constituinte Originário também são um limite a ele. São elas o segundo limite, pois a atuação dos representantes do povo com relação ao que deve ser alvo de modificação ou tutela na nova Carta ficam limitados, também, pelas causas que lhe deram ensejo. Limitam porque num momento como o da revolução a 175 Não usamos o termo ordinariamente utilizado (Dignidade da Pessoa Humana) porque entendemos ser pleonástico e com epistemologia bastante controversa. Há vários estudos sobre isto (nem tantos de modo direto, mas muitos que nele recaem incidentalmente), mas não ingressaremos neles, pois seria desviar o foco de nossa própria proposta. Cf., por todos, a dissertação de mestrado de Alfredo Copetti Neto: Aportes filosóficos à compreensão do Princípio da Dignidade Humana: os (des)caminhos do Direito Constitucional, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo: 2006. 108 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 sociedade está (geralmente) menos inerte e muito mais atenta às questões que porão seu futuro ou em xeque ou em ―bons trilhos‖. Ou seja, o respeito a estas causas (indignações sociais, os próprios anseios da sociedade, entre outros)é limitador, por bem ou por mal. Por bem seria respeitá-los ao erguer-se uma Constituição que parta da Dignidade Humana, sem outra intenção que não a de ter um ordenamento jurídico que garanta, proteja, tutele, ampare, crie deveres sociais que de fato correspondam aos sociais deveres dos cidadãos etc. Por mal seria o fato de os detentores criativos da Constituição respeitarem tutelando tais anseios ou por sabererem que não tutelá-los poderá ocasionar represálias (eleitorais, por exemplo) ou pelo fato de sabererm que haverá uma nova revolução (mais exaltada e com a sociedade mais decepcionada do que antes). De um modo ou de outro, não se pode erguer uma Constituição que não respeite os motivos que levaram o Estado anterior a baixo, pois isso seria desrespeito total para com a força democrática do povo. 3.3 DOPLEBISCITO PÓS-PROJETO Ao se falar do respeito necessário às causas da revolução, percebe-se outra limitação – que é posterior à criação do Projeto Constitucional. A finalidade deste limite é dar oportunidade à sociedade confirmar e aceitar ou reprovar e rechaçar a nova norteadora jurídica. Estamos, aqui, nos referindo ao plebiscito, limitação posterior à criação doProjeto Constitucional, mas que pode (e deve)influenciar sua criação, eis que a perspectiva da negativa do texto é um fator pseudo-motivacional aos incumbidos de criar o Projeto para que se alcance o que não causaria tal negativa. Esta limitação-freio é um meio pelo qual se pode dar verdadeira atenção às limitações da Gênese Constituinte, eis que tudo dependerá do povo. Mas deve-se ter em mente que povo é um conceito pluralístico, podendo haver discordâncias entre os vários grupos do Estado. Esta discordância pode influenciar no momento plebiscitário, e disto extrai-se que o plebiscito, mesmo sendo um afirmador das demais limitações, não é um limitador por si só, pois determinados grupos podem, pelo seu tamanho, conseguir influenciá-locom seus interesses. E é neste ponto onde os direitos naturais como limitação primeira (e última, neste caso) ao Constituinte Originário ingressam – em especial, o seu corolário: o fato de se ter como parâmetro, ponto de partida e de chegada de toda discussão teorético-jurídica a Dignidade Humana. Quando houver uma dissonância volitiva entre o texto constitucional e o anseio social, esta dissonância aparecerá no resultado do plebiscito, pois não se submeterá o povo ao que prega este texto, que não passará de uma letra morta, um Projeto sem aplicação. A elaboração e a justaposição de uma Constituição, pois, tem como fundamento primordial a submissão de seu texto ao povo e não do povo ao seu texto, pois a sociedade deve sempre reger-se por normas que são elaboradas de acordo com a sua vontade - e de forma alguma podem seus representantes criar algo diverso do que o todo social tem como ideia do que seja justo, ou correto. E mais: discutindo-se sob a luz da Dignidade Humana, mesmo que determinados grupos tenham votos suficientes para levar o plebiscito, não haverá maiores conseqüências (em realidade, provável seria não haver tais conflitos plebiscitários), eis que os direitos foram tutelados de forma legítima na nova norteadora jurídica. 4A EFETIVIDADE DA CONSTITUIÇÃO FRENTE À IDEIA DE DIREITO DE UM POVO Da necessidade de haver um plebiscito após o Projeto Constitucional, surge a necessidade de se perquirir o elemento psicossocial de uma Constituição, pois este é quem traz em seu contexto a linha de congruência entre efetividade do Projeto e sua posterior aquisição de caráter jurídico – tornando-o, assim, uma efetiva Constituição. Aliás, por Constituição, temos que ela adquire caráter jurídico após tornar-se efetiva socialmente, o que se dá quando há congruência entre seu texto e os anseios sociais. Uma Constituição somente terá validade quando estiver em consonância com o que determinado povo julga como sendo necessário à regência de suas relações sociais. Desta forma, antes de tudo, trata-se o poder de criar um novo modelo jurídico de um poder político, pois se funda no poder popular para sua efetivação. 109 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Temos que poder é a possibilidade de determinar pela própria vontade a conduta alheia (conceito de Max Weber, mais light). Porém, não se trata aqui de determinar a conduta alheia, e sim de uma sociedade determinar suas próprias condutas através do texto constitucional. Fica evidente que os representantes do Poder Constituinte Originário não têm (ou não age em) vontade própria, pois eles apenas são o mediador entre o povo e novo ordenamento jurídico, reproduzindo no texto constitucional aquilo que o todo social determinar. Sendo assim, quando a manifestação do poder se dáde forma diversa (não condizente ao elemento volitivo social), será o texto, como já mencionado, uma letra morta, sem eficácia alguma no mundo jurídico. A necessidade de uma nova Constituição (seja pela quebra da ordem anterior, seja pelo estado de natureza reinante) é o fator psicossocial por excelência: ela cria e impulsiona a crença de se estruturar um determinado povo por determinadas normas. A partir desta crença, surge a necessidade de se discutir e decidir quais serão as pessoas incumbidas de criarem esta prévia constituição (prévia pelo fato de crermos necessitar-se um plebiscito para que haja a sua efetivação). Tais pessoas são o potente, que tem como característica a superioridade, no sentido de que irão criar normas que deverão influenciar a sociedade,o obediente. 4.1 DO FATOR CRENÇA A Unicidade do Poder Constituinte Originário é sua característica primordial, pois ele não se subdivide quanto ao seu fundamento, mas, não obstante este fato,há a necessidade de dividi-lo quanto aos seus sujeitos, pois a efetividade do novo ordenamento jurídico proposto se fundará no fator crença, que forma a linha de congruência entre os referidos sujeitos. Sendo assim, o poder é formado pelo sujeito ativo (o potente) e o passivo (o obediente). Ofator crença se faz presente tanto na manifestação de poder do sujeito ativo quanto na do passivo. O potente pretende uma superioridade sobre o obediente, a qual nada mais é do que uma crença (de ser fisicamente mais forte e como consequência poder coagir outrem a fazer, sofrer ou aceitar o que se determina, por exemplo). Porém, esta crença por si só não tem força o suficiente para gerar o poder necessário à criação e implementação, pois sendo ela contrária à crença do obediente (de dever fazer, sofrer ou aceitar o que determina o potente, continuando no exemplo), não atingirá o fim ao qual se destina. A sujeição do obediente ao potente reside, portanto, no fator crença. Destarte, a efetividade de um novo ordenamento jurídico fica condicionada à consonância do elemento crença do potente e do obediente, porém, há que se definir no que se funda a crença do obediente, pois é este que em sua manifestação garantirá ou tornará ineficaz a manifestação do poder por parte do potente, pois é a ele que se destina a Constituição, eis que dele adveio a renúncia da plenitude de direitos do estado de natureza. Neste ponto, deve-se esclarecer que a igualdade dopotente para com oobediente se dá com relação às suas origens como conviventes – com o todo social. Mas no momento de necessidade de criação de uma Constituição, o todo social incumbe alguns dos seus com o dever de criá-la, surgindo potente, e, com isso,a distinção tão rígida entre este e o obediente, pois, agora, distingui-os o fator psicossocial. Em suma, para ser efetiva, uma Constituição precisa que haja reflexo entre o potente e o obediente, sendo que tal se daria quando houvesse a crença (o fator psicossocial) de se deter o poder e de se necessitar obedecê-lo. Quem detém o poder deve crer piamente nesta detenção, eis que nesta crença estão os motivos de se haver uma nova Constituição. Por outro lado, mas concomitante e paralelamente correndo a este, tem-se a necessidade de que a sociedade que se vinculará à nova norteadora jurídica crer que, sim, deve nortear-se por ela, pois só assim haverá a efetiva relação congruente entre o que se deve fazer a partir da nova Constituição com os que deverão fazer. 5 VALORES À CONSTITUIÇÃO A dificuldade de se adequar as modificações e intenções sociais ao direito positivado pela obstrução constitucional; a falta de reflexo da Constituição para com a sociedade a que se destina; a indignação social perante seus governantes; a utilização da Carta como um meio 110 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 para juntar os interesses privados dos governantes ao interesse público e à política (sendo que estes deviam manter-se alienados daqueles) etc. são exemplos de situações que provavelmente irão (em verdade, devem) levar à revolução, essa quebra do status quo jurídico que avoca o Constituinte Originário. Havendo, pois, a revolução, surge todo um clamor social pela introdução de temas diversos e pautados em todo tipo de orientação cultural na nova Constituição. Como fazer para filtrá-los? Antes disso, deve haver filtragem? Se houver, qual o porquê delas? E com base em que fazê-las? 5.1 DA FILTRAGEM CULTURAL A necessidade de se filtrar condutas, valores, ideais, estilos de vida, enfim, uma gama de características culturais, se faz presente no momento de erguer-se uma Constituição. Devese haver filtragem. O problema está em como fazê-la. Através de estudos de vários modelos de implementação estatal de ideologias ou culturas que ocorreram durante a História (em especial no decorrer do século XX), chegamos à conclusão de que o modo mais razoável e de menor risco a imposições e supressões de ideais e valores culturais é abrir um debate filosófico-jurídico com o fim de ponderar todos os ideais trazidos, mas sempre sob a ótica da Dignidade Humana. Não se devem levar as conclusões de tais debates a ponto extremos, como concluindo com base individual-vinculante176 ou coletivo-impingente177, mas, sim, concluir com o que melhor tutelará a isonomia, o respeito, a vida, os modos de vida, as maneiras de se dirimir conflitos resultantes de tais modos etc. O porquê de haver esses filtros sócio-jurídicos é o fato de que em um Estado necessita-se conviver (e em seus primórdios para isso foi feito). É com base neste conviver pluralístico que toda e qualquer ponderação de valores deve ser feita, não para que se elevem uns valores às custas de outros, mas para que se possibilite qualidade de vida aos cidadãos, eis que dentre estes existem várias e várias crenças distintas, o que por vezes poderá (e geralmente acarretará) conflitos e atritos sociais. Deve-se ter em mente que essa ponderação dos valores deve ser feita para o ingresso destes de modo integral, parcial ou misto no texto Constitucional – ou até para que nele não se integrem e haja proibição para tais valores. Tudo depende do estilo social e de seus quês e porquês culturais. Havendo, primeiramente, respeito às limitações em si, os valores que, após os necessário-vinculantes, forem postos na Constituição seguirão uma linha de raciocínio semelhante às limitações. Ou seja, haverá respeito e ponderação em suas implementações. 6 INTERNACIONALIDADE CONSTITUCIONALPSEUDO-VINCULANTE Adentra-se neste tema pelo fato de o Estado atual sofrer de fato muito mais influências externas que em pretéritos tempos de Constitucionalismo. Dentre estas influências, estão as que direta ou indiretamente vinculam o Estado. Diretamente (no sentido de um Estado constituído, e não em queda, pois se fosse o contrário, seria indiretamente), as maiores influências são os Tratados e Convenções Internacionais que versam sobre a concretização de Direitos Naturais. Eles tem um quê vinculante pelo modo como são realizados as políticas externas (de comércio, de relações jurisdicionais, dentre outras), que, muita vezes, levam em consideração quais Tratados e Convenções foram assumidos e postos em prática por um Estado, ou tendo em vista quais daqueles determinados Estados pretendem não participar, pseudo-condicionando-lhe a participação para um não sofrimento de represálias nas mencionadas políticas externas existentes ou que pudessem existir (se aderissem aos Tratados e Convenções) entre eles. Além deste quê vinculante interesseiro (pois aparentemente eles se mostram de aderência facultativa, mas pressionam a participação de outros Estados através de políticas externas mais rígidas e indispostas), temos como outro fator pseudo-vinculante o fato de estes referidos Tratados e Convenções serem consagradores dos direitos que tanto lutaram o 176 De maneira a que um modo cultural, pretendendo-se maior que os demais,possa vinculá-los às suas crenças, preceitos éticos, estilo de vida etc. 177 Que seria um modo cultural do qual fazem parte grande parte da população do Estado querendo abolir as demais culturas em prol de uma identidade cultural nacional. 111 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 povo para ter sob tutela de seu Estado (ou seja, vai ao encontro, mas paralelamente, das limitações ao Constituinte Originário). Diz-seinternacionalidade Constitucional porque, atualmente, no momento de revolução, além do respeito aos limites à Gênese Constituinte, os representantes do povo também devem limitar-se-á um fator externo ao povo, mas que a este afeta e, na maioria da vezes, interfere: os caminhos tomados por outros Estados Democráticos de Direito com relação aos direito diretamente saídos e concretizados dos Naturais. Um belo exemplo disto são os Tratados e Convenções sobre Direitos Humanos, onde a não participação de um daqueles Estados traz, mesmo que não seja de fácil acesso esta informação perante estes próprios Estados, represálias de todos os tipos no âmbito das relações internacionais. Vê-se, pois, que a importância deste assunto perante as limitações à Gênese Constituinte é que ele pode dar a aparência de ser uma antítese para com os próprios fundamentos das Limitações. Ora, se um povo é supremo detentor do poder de seu Estado, porque este deve se submeter a fatores externos a aquele? E se o próprio povo não tutelar tais necessidades internacionais como suas? Essas são perguntas que realmente podem surgir quando se faz um desatento estudo sobre as limitações à Gênese Constituinte face à estas limitações, digamos, extraordinárias. Mas com maior dispêndio elucubrativo, percebe-se queambas limitações estão unidas por um liame mais que comum: os Direitos Naturias. Veja que quando se diz sobre vincular os representantes de um povo a determinados Tratados e Convenções Internacionais não se está obrigando-o a seguir anseios e modos culturais próprios de Estados estranhos. Muito pelo contrário, quando se levanta este tema é pelo seu viés humano: pois ele garante que haja a tutela dos Direitos Natuias em outros Estados também, o que é de grande valia por fatores vários (valorização humana, garantia de um vida digna), inclusive um que é foco de grandes estudos contemporâneos: as interferências e intercâmbios culturais da pósmodernidade. De fato, há uma pseudo-vinculação nos Tratados e Convenções Internacionais. Ademais, psdeuo-vinculação a eles quando versarem sobre direitos ditos como propriamente concretizados dos Naturais: Direitos Humanos e todos aqueles que interferem na vida digna a que todo ser humano faz jus. Mas isto de modo algum iria contra os anseios e necessidades sociais de um determinado povo,pois está estritamente, umbilicalmente ligado à naturalidade de direitos a que faz jus o próprio povo do Estado que se está erguendo. Pautando logicamente os fatores pseudo-vinculandes com os de fato vinculantes à Gênese Constituinte, conclui-se que pondo em prática todas as limitações, não haveria motivo para que um povo se negasse dar apoio a outros Estados com relação a fatores que tanto lutaram para que fossem tutelados na construção de seu próprio Estado: respeito aos Direitos Naturais, fortificação social, vida digna a todos. 7 A INCORRETA INTERPRETAÇÃO DE UMA TEORIA POLÍTICA Estudando de maneira interdisciplinar a teoria de Sieyés (analisando o Direito, a História e a Ciência Política contemporâneos a ele), torna-se possível a evidenciação de que, atualmente, o que se tem como marco norteador da Gênese Constituinte nada mais é do que a incorreta interpretação e aplicação de sua teoria. A obra Q' est-ce que le TiersÉtat?(o que é o terceiro estado?) foi publicada por Sieyès às vésperas da reunião dos Estados Gerais, convocada por Luís XVI em 1789, que tinha por finalidade a participação dos três Estados (clero, nobreza e povo) em decisões de cunho político. Com vistas à provável derrota do Terceiro Estado (o que de fato ocorreu, pois o voto não era equivalente ao número de pessoas, mas sim ao conjunto da Classe), Sieyès desenvolveu sua teoria de forma a ressaltar a força política do povo, respondendo à pergunta título de sua obra com a afirmativa: ―Tudo‖, pois era preciso dar o devido valor ao importante e essencial papel do povo comum no setor produtivo e cultural, enfim, nos setores basilares da nação. Sieyès não tinha a finalidade de elaborar uma teoria cientifico-filosófica acerca da gênese de uma Constituição; sua intenção era que seus escritos pudessem alicerçar a reivindicação de 112 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 uma ordem político-jurídica sem privilégios, onde ficasse sedimentada a força popular e o reconhecimento de sua importância no meio social da época. Para tanto, Sieyès utilizou-se de um porvir constituinte, pretendendo a desconstituição da monarquia e, após isto, uma reconstituição do Estado, mostrando a força da nação (termo utilizado por ele em sua obra; mas não por nós,preferimos o termo povo pelo fato de que nele se pode extrair um conceito pluralístico de maior abrangência que naquele). Pautado na hipótese do estado de natureza (homens livres e de iguais direitos), Sieyès propõe a elaboração de um comum acordo entre os homens, o denominado pacto social, o qual seria garantido através de um poder (o supreme power, para Locke) que organizasse, tutelasse e protegesse os membros desta sociedade, sendo-lhes garantido o respeito aos Direitos Naturais e aos que eram detidos plenamente antes do Pacto, mas estes restritos o quanto necessário para a convivência harmônica dos vários membros e grupos do Estado. Tal poder, para Sieyès, há de ser organizado e limitado por representantes extraordinários da nação, os quais teriam a soberania necessária para que pudessem estabelecer o regime jurídico que regularia a sociedade como um todo. Ou seja, Sieyès não teve a finalidade de estabelecer o modo de atuação do poder de criar um novo ordenamento jurídico. Queria ele sedimentar a ideia de que o povo, na figura do Tiers État, é quem detinha a maior força política da sociedade, objetivando-se, portanto, o exercício da soberania deste sobre as Classes sociais dominantes (clero e a nobreza). Porém, devido à incorreta abstração da real finalidade da teoria política elaborada por Sieyès, os juristas (tardios, se contrapomo-los à época de Sieyès), na falta de maior estudo e dispêndio para aprofundadas elucubrações sobre o tema, acabaram por acatar como sendo esta a base teorética que funda a Gênese Constitucional. Quando Sieyès diz representantes extraordináios, ele o faz com vistas ao próprio momento político da época, pretendendo aconselhar um modo eficiente para que, se acatada e concretizada sua teoria, fosse composto um novo Estado. O problema foi que os tardios seguidores de Sieyès tomaram este conselho por elemento necessário, indispensável à criação de uma Constituição. Como fruto deste erro, a doutrina clássica abstraiu que sempre deve-se haver uma assembléia de representantes extraordinários do povo (a atual Assembléia Constituinte) para a elaboração de uma Constituição (o que não condiz com exemplos históricos, como a Constituição Francesa de 1791, que foi elaborada não por representantes extraordinário da nação, mas, sim, pelos escolhidos para representar os três Estados na reunião dos Estados Gerais – tendo, assim, o próprio Sieyès em seu corpo elaboracional). CONCLUSÃO Diante de todo o exposto, claro está que o Poder Constituinte Originário só é ilimitado quando o assunto é o próprio ordenamento jurídico, haja vista que seu porquê é construir um novo, partindo, agora sim, de um caminho que se condiciona pelos Direitos Naturias, se vincula aos anseios e clamores sociais que ensejaram a queda e se limita ao plebiscto pósProjeto Constitucional. As limitações trazem segurança ao povo. Elas efetivam o seu supreme power; mostram que o Leviatã é constituído integralmente pelos membros da sociedade. As limitações são essenciais para todos os Estados que se pretendem Democráticos de Direito. Como o próprio mestre Canotillo nos diz, a Constituição não surge em um vácuo históricocultural, muito pelo contrário, quando surge a necessidade de se criar um porvir jurídico, é num dos momentos de maior criação cultural e de importância histórica na sociedade necessitada. É com um Estado criado a partir das tutelas que as limitações à Gênese Constituinte trazem que se consegue um Estado que não precise mais de uma Gênese Constituinte: pois o corolário do respeito às limitações é uma Democracia real, que acompanha os anseios sociais e que é eficaz a tutelar todos os valores adquiridos com o decorrer do tempo e da mutação cultural advinda naturalmente das práticas de interação social e das influências interculturais da pós-modernidade. 113 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Com as Limitações respeitadas, a própria pseudo-vinculação aos Tratados e Convenções concretizantes de Direitos Naturais se torna mais que aceitável, transforma-se em um corolário do respeito ao humano e aos meios necessários à sua vivência e convincência harmônica. Justamente com a demonstração do viés político e imedito da teoria de Sieyès somado à necessidade de limitar-se e vincular-se a Gênese Constituinte que se mostra o lado fortificante social da Democracial. Sieyès buscou maneiras de acabar com o status quo contemporâneo a ele; a limitações dão caminhos a serem seguidos nessa quebra; o respeito aos acordos de outros Estados acerca dos Direitos que independem de origem geográfica fortificam o caminho a ser seguido ao erguer-se uma nova Constituição e garantem uma cooperação internacional de reconhecimento da condição humana. Todos este elementos juntos trazem o fator primeiro do Estado e de sua Constituição: respeito e bem-estar do povo para com o povo. REFERÊNCIAS BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 5ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2003. COPETTI NETO, Alfredo. Aportes filosóficos à compreensão do Princípio da Dignidade Humana: os (des)caminhos do Direito Constitucional.Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito daUniversidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) para a obtenção do título de Mestre em Direito Público, São Leopoldo: 2006. Disponível via internet em: <http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/FILOSOFIA/Diss ertacoes/Alfredo_Copetti_Neto.pdf> FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Aspectos do Direito Constitucional contemporâneo. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. HOBBES, Thomas. Leviatã. Coleção Os Pensadores.São Paulo: Nova Cultural, 1988. REALE, Miguel. Filosofia de Direito. 17. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1996. : Eutanásia e o Direito Penal Brasileiro - Direito a vida versus direito de escolha de uma morte digna 114 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 EUTANÁSIA E O DIREITO PENAL BRASILEIRO - DIREITO A VIDA VERSUS DIREITO DE ESCOLHA DE UMA MORTE DIGNA OLIVIA PALMA AUBERT178 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 RESUMO O presente artigo compreende um estudo sobre o direito à vida como um direito fundamental e ao mesmo tempo uma liberdade de escolha perante o assunto polêmico e adepto por vários países ao que compreende a abreviação da vida de um enfermo incurável, a eutanásia, o que de maneira mais facilmente pode-se compreender como uma ―boa morte‖. Fazendo uma minuciosa análise dos conflitos existentes nos direitos fundamentais, bem como os princípios que o regem e as doutrinas pacificadoras desse elevado saber jurídico, do mundo de práticas licitas, e de todos os entendimentos que alcancem esse diálogo. É necessário perceber a importância desse breve estudo que merece ser analisado dentro do ordenamento jurídico brasileiro, tendo o respaldo suficiente para ser considerado e estimado pela reforma do Código Penal. O estudo utiliza-se do método dedutivo, visto que e o levantamento de dados foi por meio de pesquisas bibliográficas e a legislação. Nas considerações finais é esclarecido que cada situação envolvendo esse procedimento deve ser avaliada individualmente e todos os métodos necessários devem ser analisados prevalecendo o princípio da dignidade humana perante os conflitos dos direitos fundamentais. PALAVRAS-CHAVE: Direitos fundamentais, dignidade da pessoa humana, eutanásia, direito penal. EUTHANASIA AND THE BRAZILIAN PENAL LAW - LAW TO LIFE VERSUS THE RIGHT TO CHOOSE A DIGNIFIED DEATH ABSTRACT This article includes a study on the right to life as a fundamental law while a freedom of choice before the controversial subject and adept in several countries comprising the abbreviation of life an incurably ill, the euthanasia, so you can more easily understand how a "good death‖. Thorough analysis of the existing conflicts in fundamental law, and the principles that govern and the doctrines of peacemakers high legal knowledge, world licit practices, and all understandings they reach this dialogue. You must realize the importance of this brief study that deserves to be analyzed within the Brazilian legal, having the backing enough to be considered and esteemed by the reform of the crimnial law they deserve all the support to be considered by the reform of the criminal law to be eliminated from the list of crimes against life. The study uses the deductive method and the data collection was through literature searches and legislation. In the final considerations is clear that each situation involving this procedure must be analyzed individually and all the methods needed to be analyzed prevailing principle of human dignity against conflicts of fundamental law. KEYWORDS: fundamental law, human dignity, euthanasia, criminal Law. 178 Acadêmica do Curso de Direito no Centro Universitário Dinâmica das Cataratas. 115 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 1. INTRODUÇÃO Qualquer trabalho que se faz a ser apresentado para pessoas interessadas no tema, todos os profissionais e acadêmicos presentes nesse congresso do qual o assunto são os direitos fundamentais e globalização, é necessário inspiração, idéias próprias, força de vontade, conhecimento e interesse de sempre aprimorar aquilo que todos temos o conhecimento adquirido, e é por esse motivo que o assunto deste esboço é hoje um assunto instigante e polêmico no mundo jurídico, não só nacional, mas também internacional, pois seu tema em alguns países já são assuntos da matéria de direito penal, aonde este não se enquadra como crime e concomitantemente faz parte do direito constitucional. Qual assunto é polêmico e tem por objetivo trazer aos leitores questionamentos a cerca do anteprojeto do Código Penal e dos conflitos que se faz a cerca dos direitos fundamentais, quais sejam os direitos prescritos na norma constitucional e seus princípios norteadores, expressamente falando do inciso III do artigo 1º da mesma norma, o principio da dignidade humana. É necessário esclarecer que muito se fala da eutanásia como um homicídio daquele terceiro que faz parte da ação, e é deixada de lado a compreensão de que o direito a vida também pode ser um direito de liberdade da escolha de uma morte digna de cada um, assim como se nasce o direito quando se tem a vida. Para estudiosos em questão a eutanásia é pratica tão antiga quanto a vida na sociedade. Muito mais que uma matéria a ser tratada dentro do âmbito legislativo, anteposto já se foi discutido no ramo da medicina e mais historicamente ainda, a eutanásia é debatida desde os tempos primordiais, o qual envolve discussões de valores sociais, culturais e religiosos. 2. EUTANÁSIA O conceito desse vocábulo se da através da sua origem grega, derivada das palavras eu (bom) e thanatos (morte), indagando o que já é fático, uma boa morte. Há séculos a.C. já se era reconhecida e analisando seu aspecto histórico é possível enxergar essa afirmação. Em Atenas, todo aquele que chegasse aos 60 anos de idade era envenenado, já que não traria mais contribuição à guerra e todo aquele que estivesse exausto de sua vida e de seus deveres para com o Estado podia procurá-lo a fim de manifestar sua vontade de ser envenenado. Em Esparta, conforme leciona Lima Neto, a fim de evitar qualquer sofrimento ou vir a tornar-se carga inútil, os recém-nascidos com má formação eram descartados na mesma hora, o Estado tinha o poder de ‖dispensar‖ qualquer criança que não lhe fosse útil, assim também poupava a família do desgosto de ter um rebento incapacitado paras as glórias das futuras guerras. Essas discussões não ficaram restritas, no Egito, Cleópatra VII (69aC-30aC) fundou no Egito um lugar específico para pode realizar experiências com o propósito de descobrir qual seria a maneira de morrer menos dolorosa. Já na Idade Média, como explica o Prof. Jiménez de Asúa, podia-se entender que a eutanásia era tida como um ato de misericórdia, sendo praticada em casos de feridas e acidentes graves ou doenças crônicas, eutanásia então era um habito comum devido às pestes e epidemias que causavam todas essas situações mencionadas, e ao longo da historia da humanidade, o ponto culminante de discussões a respeito desse tema foi na então Prússia em 1895, com participação de Thomas Morus (Utopia), David Hume (On suicide), Karl Marx (Medical Euthanasia) e Schopenhauer, onde em uma reunião para debater sobre o plano de saúde, foi decidido que o Estado deveria prover os meios para a realização de eutanásia em pessoas que se tornaram incompetentes para solicitá-la. 116 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 No Brasil, na Faculdade de Medicina da Bahia, Minas Gerais e também no Rio de Janeiro e em São Paulo, inúmeras teses foram desenvolvidas neste assunto entre 1914 e 1935. Assim com cita Rodrigues a eutanásia foi se mostrando ao poucos, empregadas por pessoas humildes de boa-fé para ajudar um enfermo de doença incurável. É importante também conceituarmos a eutanásia ativa, que é o ato determinado a provocar a morte sem sofrimento do paciente. E a eutanásia passiva, aonde a morte do paciente ocorre dentro de um quadro terminal, também é conhecida como ortotanásia, que significa "morte no seu tempo certo"; vem do grego orto (correto). ortotanásia tem o sentido de morte no seu tempo, sem abreviação nem prolongamentos desproporcionados do processo de morrer. 2.1 EUTANÁSIA E A MEDICINA Para dar continuidade ao trabalho é necessário entender o posicionamento da medicina, e para iniciar esse tópico nada mais coerente do que falar em ética da medicina, quando se há a formação profissional de um agente na área da saúde ou em qualquer outra especialização, sua formação deve estar sempre acompanhada da sua ética profissional. Os dois grandes princípios morais da atuação médica é a preservação da vida e o alivio da dor, e normalmente esses princípios são colorários um ao outro, mas pode haver exceções, em determinadas situações um deve prevalecer o outro, no caso em pauta, a preservação da vida é abduzida pelo alivio da dor, pois em casos que a morte é o desfecho natural de uma doença irreversível e inevitável, a atuação médica deve priorizar o alivio da dor. Cita-se o Doutor Heriberto Brito: A aplicação dos princípios éticos – beneficência, não-maleficência, autonomia e justiças – deve ser realizada numa sequencia de prioridades. Dessa forma é importante observar que os princípios da beneficência e da não-maleficência são prioritários sobre os da autonomia e da justiça. A medicina paliativa tem alcançado progressos científicos que permitem levar a intervenção medica cada vez mais longe, mas é essencial que o médico seja capaz de reconhecer seus limites práticos e éticos da sua função. O médico não tem nada a ver com os sãos e com os fortes, mas com os doentes e com os fracos, com pessoas que estão perdendo o seu vigor físico e as suas faculdades mentais, em suma, com a vida. Em 2006, o Conselho federal de Medicina editou a Resolução 1.805/2006 que prevê o seguinte: Art. 1º: É permitido ao médico liminar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoas ou de seu representante legal. Para 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação. 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário. 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica. Art. 2º: O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliciar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive, assegurando-lhe o direito de alta hospitalar. 117 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Em ação civil pública proposta pelo Ministério Publico, conseguiu a vitória com a antecipação de tutela que suspendeu os efeitos dessa resolução, porém o mesmo juiz julgou improcedente a ação, pois entendeu que o Conselho Federal de Medicina tem competência para tratar sobre o assunto, que não esta ligado com o direito penal e sim sobre a ética médica. O novo Código de Ética Médica veda o médico a abreviar a vida do paciente, porém, descreve que o médico, apesar de oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis, não deve empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis nos casos de doença incurável. Em resumo, não é para entender a eutanásia na medicina como um descarte daquele que já não há mais saídas, analisado todos os princípios da ética, da moral, da não descriminação é de relevância falar mais uma vez que a ―boa morte‖ deve ser analisada individualmente, respeitando caso a caso, e todos os métodos devem ser avaliados respeitando dentro do âmbito jurídico os direitos fundamentais e o principio da dignidade humana. 2.1.2 EUTANÁSIA NO TESTAMENTO VITAL O testamento vital ou ―diretiva antecipada de vontade‖, esta vigente no Brasil desde agosto do vigente ano, ele só poderá ser aplicado quando houver uma doença do tipo crônica degenerativa, como cancêr, Alzheimer, Parkinson ou algo que coloque o paciente em estado vegetativo. Vale lembrar que esse testamento não é um passe livre para a prática da eutanásia, mas sim um ato de refletir sobre a temida morte. Um correto conceito de morte deveria ser implementado novamente na sociedade, as pessoas evitem falar dela sendo que ela é a única certeza que temos na vida. Seria mais fácil aceitar essa realidade e tomar as decisões que implicam não só o individuo, mas toda a sua família, a sociedade, o Estado, antes dessa possibilidade não estar mais em nossas mãos. Por esse motivo todas as pessoas capazes podem deixar escritas ou não, sem necessidade de testemunhas e cartório, para seu médico e familiares a sua vontade de ter uma morte digna. 2.2 POR QUE A EUTANÁSIA É TÃO POLÊMICA Como já arrazoado nos tópicos anteriores, a eutanásia é um ato de proporcionar morte sem sofrimento a um doente atingido por afecção incurável que produz dores intoleráveis e incuráveis. O assunto eutanásia desenvolve polêmica pelas mesmas razões que fazem o aborto ser um tema energético de debates, pois ultrapassa a moral de cada um em seu pensamento subjetivo individual ou coletivo, não há consenso a respeito da validade da prática nem mesmo entre os médicos, porque não há acordo a respeito do que sentem e pensam doentes em coma ou em estado vegetativo. Um exemplo recente de ampla polêmica e de diversas opiniões foi o ―caso Terri Schiavo, a americana morta por eutanásia em 2005 a pedido do marido. Ele se apoiava num diagnóstico médico segundo o qual Terri, que em 1990 sofrera uma parada cardíaca e ficara sem oxigenação no cérebro, já não possuía consciência. Os pais da paciente, no entanto, dispunham de outros laudos, que afirmavam que Terri tinha uma consciência mínima, e se opunham à sua morte. A Justiça dos Estados Unidos acabou dando ganho de causa ao marido. Os aparelhos foram desligados e ela morreu.‖ 118 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 2.3 PAÍSES QUE ADIMITEM A PRATICA DA EUTANASIA No mundo inteiro apenas alguns países admitem a pratica da eutanásia sem considerá-la crime. A saber, são eles: O continente que mais avançou na discussão, a Europa, a eutanásia é hoje considerada prática legal na Holanda e na Bélgica, os dois países legalizaram a pratica em 2002. Em Luxemburgo, está em vias de legalização, na Suíça, país que tolera a eutanásia, um médico pode administrar uma dose letal de um medicamento a um doente terminal que queira morrer, mas é o próprio paciente quem deve tomá-la. Já na Alemanha e na Áustria, a eutanásia passiva não é ilegal, contanto que tenha o consentimento do paciente. O Uruguai é o primeiro país a legislar sobre o assunto, o seu Código Penal de 1930, livra de penalização todo aquele que praticar ―homicídio piedoso‖, desde que conte com ―antecedentes honráveis‖ e que pratique a ação por piedade e mediante ―reiteradas súplicas‖ da vítima. Nos Estados Unidos, Oregon é o único Estado que permite a eutanásia. E o mais recente país a aprovar a lei da eutanásia, é a Argentina, que em maio do corrente ano o projeto de lei foi aprovado por unanimidade pelo Senado do seu país. 3. A EUTANÁSIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO, RESPONSABILIDADE CRIMINAL DO AGENTE QUE PRATICA A EUTANÁSIA E A Em consequência ao estudo abordado, não podemos deixar de falar da eutanásia no âmbito jurídico brasileiro, apesar do Brasil ser um estado laico, por muito tempo a religião cristã predominou nas influências de nossa legislação e nas suas possíveis interpretações a seu respeito, por esse motivo muitas dos códigos escritos seguiram alguns critérios religiosos – discretos - no tocante a sua elaboração. Contudo, é necessário esclarecer que a legislação brasileira não permite a pratica de eutanásia em qualquer uma de suas modalidades, porém fazendo uma breve retrospectiva é possível chegar a conclusão que o ordenamento jurídico nunca regulou esse exercício, justamente por ter em seu texto Maior, a Constituição Brasileira que segundo Lenza prevê de forma genérica no artigo 5º, caput, o direito a vida, que abrange tanto o direito de não ser morto, privado da vida, o direito de continuar vivo e o direito de ter uma vida digna, assim veremos nos tópicos abaixo. O projeto de lei 125/96 que esta tramitando no Senado Federal esta sendo analisado respectivamente junto com o anteprojeto do novo Código Penal, este projeto estabelece critérios para a legislação a respeito da ―boa morte‖, com base na proposta de Jiménez de Asúa um dos maiores autores desse tema, no anteprojeto ocorreria à exoneração de castigo, sem deixar de caracterizar o ato como o de matar alguém. O projeto de lei 125/96, apesar de ter sido elaborado em 1995, nunca foi votado, esse projeto defende a legalização da eutanásia no Brasil. Prevê o desligamento dos aparelhos que mantém o paciente quando constatada a morte cerebral e a permissão de morte suave a pacientes em situações de extremo sofrimento físico e mental, desde que haja cinco médicos que atestem o estado irreversível do paciente, sendo no mínimo dois médicos especialistas, bem como que o pedido de realização da eutanásia seja feito pelo próprio agente ou seus parentes próximos, no caso deste encontrar-se inconsciente e somente através de solicitação judicial. Cabe ressaltar que este projeto elaborado pelo Senador Gilvam Borges, encontra-se arquivado desde 1999 e não tem a possibilidade de vir a ser aprovado. Já no anteprojeto apresentado, a proposta é acrescentar aos parágrafos terceiro e quarto do artigo 121, o seguinte texto ... Eutanásia 119 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Parágrafo 3o. Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima, imputável e maior, para abreviar-lhe o sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave: Pena - Reclusão, de três a seis anos. Exclusão de Ilicitude Parágrafo 4o. Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão. Para as doutrinas verifica-se, que se aprovada a reforma proposta, a eutanásia passará a configurar uma causa de diminuição da pena do homicídio, assim apontada no parágrafo terceiro. Quanto ao parágrafo quarto este deixou margens de interpretação e diversas são as doutrinas a respeito, uns dizem equivocadamente que este parágrafo nada mais é que a ortotanásia, e que o projeto de reforma do Código Penal atribuiu uma causa de exclusão da antijuridicidade, ao determinar que "não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, desde que a morte iminente e inevitável seja atestada por dois médicos e haja consentimento do paciente ou de familiares". A responsabilidade criminal do agente esta descrita na parte especial, no artigo 122 do Código Penal. Induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Como é de conhecimento de todos, para configuração do crime é necessário que o fato seja típico, quando estiver previsto na lei, antijurídico, quando a conduta for contraria ao ordenamento jurídico, e culpável, quando recai sob ela um juízo de censura. Há de se notar que o referido código não dispõe pena sobre eutanásia, mas é conhecimento doutrinário o agente que induz o suicídio, no caso aqui o médico, o pratique o crime. Entretanto o artigo 23 desse código, estabelece que não haverá crime se o fato for praticado em estado de necessidade, legitima defesa, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de um direito e fora ao código o consentimento do ofendido. E é aqui nessa interpretação de normas que vigora a hermenêutica constitucional, assim como foi a mais recente interpretação do guardião da Constituição Brasileira, ao julgar a antijuridicidade nas hipóteses de aborto legal incluindo o aborto de feto anencefálico. 4. DIREITOS FUNDAMENTAIS – DIREITO À VIDA A declaração dos Direitos do Homem e do cidadão foi apresentada em 1789, fruto da Revolução Burguesa, essa declaração constitui um marco na história do homem quanto à conquista de seus direitos fundamentais. Esses direitos fundamentais podem ser chamados de direito humanos, pois eles são essenciais ao homem, são de cunho declaratório e consistem em normas que asseguram a realização do direito, podem também ter a nomenclatura de direitos constitucionais, pois como ensina Moraes, estão inseridos no texto constitucional e quanto a sua eficácia, em regra é imediata. 120 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Segundo Bonavides, há duas formas de caracterizar os direitos fundamentais, a primeira consiste em designar como direitos fundamentais todos os direitos previstos na Constituição da República e a segunda considera os direitos fundamentais aqueles que a constituição dispõe com um grau elevado de segurança, ou seja, de difícil mudança. No caso em pauta, os direitos fundamentais são aqueles que tem como objetivo respeitar a dignidade da pessoa humana, estão arrolados no artigo 5º da Constituição Federal e tem como suas características a historicidade, inalienabilidade, imprescritibilidade e irrenunciabilidade. Analisando as garantias dos direitos fundamentais, encontramos entre elas o direito à vida e o direito a liberdade. O direito a liberdade deve ser interpretado ao que diz respeito ao homem como indivíduo livre em suas escolhas, deve-se respeitar as decisões que cada sujeito toma por si próprio, mesmo que imprudentes, pois cada pessoa sabe, ou pensa que sabe o que melhor fazer com seus interesses fundamentais. Esse princípio de liberdade fundamental pode ser interna e externa como preleciona José Afonso da Silva: Liberdade interna é o livre-arbítrio, como simples manifestação da vontade no mundo interior do homem. Por isso é chamada igualmente liberdade do querer. Significa que a decisão entre suas possibilidades opostas pertence, exclusivamente, à vontade do individuo; vale dizer, é o poder de escolha, de opção, entre fins contrários. A questão fundamental contudo é sabe se, feita a escolha, é possível determinar-se em função dela. Isto é, se tem condições objetivas para atuar no sentido da escolha feita, e, ai, se põe a questão da liberdade externa. Esta, que é também denominada liberdade objetiva, consiste na expressão externa do querer individual, e implica o afastamento de obstáculos ou de coações, de modo que o homem possa agir livremente. Mas um tal poder, se não tiver freio, importara no esmagamento dos fracos pelos fortes e na ausência de tod a liberdade dos primeiros. O direito a vida esta definitivamente tutelado pelo ordenamento jurídico, é regido pelos princípios Constitucionais da inviolabilidade e irrenunciabilidade, ou seja, o direito à vida, não pode ser desrespeitado, sob pena de responsabilização criminal, nem tampouco pode o indivíduo renunciar esse direito e almejar sua morte. É nesse sentido que os direitos fundamentais entram em conflito, de acordo com Moraes, o direito à vida tem um conteúdo de proteção positiva que impede configurá-lo como o direito de liberdade que inclua o direito à própria morte. Sendo o conflito encontrado no tema, o principio da razoabilidade ou da proporcionalidade deve entrar em cena com o intuito de evitar resultados desproporcionais e injustos, baseado em valores fundamentais conflitantes. O tema deste artigo é tratado como um choque, pois envolve valores sociais, culturais e religiosos, tem a colisão constitucional narrada a cima, o que é normal entre as normas do texto maior, muitas vezes esses princípios e direitos se encontram divididos perante o mesmo caso, como é o nosso, o direito a vida, tanto de permanecer vivo quando o direito de uma vida digna, consequentemente uma morte digna aquele enfermo incurável. Demonstrada as formas que são estes direitos imprescindíveis à existência do homem, (supra citados), eles são reconhecidos como forma de corrigir o desequilíbrio existente entre Estado e indivíduo. Através das instituições do Estado, compete exclusivamente ao poder público os deveres de respeito e tutela ao direito à vida e, nos casos em que admita exceções a esse direito, como por exemplo, a eutanásia, cabendo a ele zelar para que as atuações se dêem nos estritos limites do que foi autorizado pela lei. 121 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 5. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA O princípio da dignidade humana é um princípio máximo do estado democrático de direito, é um valor moral inerente à pessoa, esta devidamente taxado no rol dos princípios fundamentais da Constituição da República do Brasil de 1988. A dignidade da pessoa humana é relativamente subjetiva ao que abrange os valores de uma sociedade, aspectos econômicos, políticos, morais e sociais, tanto é por esse motivo a necessidade de dar aos indivíduos os seus direitos e garantias expresso na constituição. É este principio que como definiu São Tomas de Aquino, “o termo dignidade é algo absoluto e pertence à essência.” Esse conceito de princípio abrange a pessoa humana a garantia da sua existência, e é com base nisso que honra o compromisso absoluto com a integridade física e psíquica do homem. Outro ponto de vista em relação a eutanásia, é quanto a sua vida digna, um paciente incurável, deve ser merecedor de uma condição de uma morte digna, já que o mesmo sujeito já não usufrui mais de todos os outros direitos que o cercam, e que honroso seria não ter que viver de forma artificial apenas para contentar aos outros que por critérios culturais e sociais tem um certo medo e egoísmo no momento de uma despedida ―material‖. Não de deve ir contra a eutanásia quando se trata de um paciente em estado terminal, pois estaria nesse ato tirando-lhe a sua liberdade de escolha bem como sua dignidade. A favor da eutanásia, como já citado anteriormente no Código de Ética Médica, valoriza-se a autonomia do paciente e deve ser assegurado a ele toda a assistência necessária. Segundo Milton Coelho, “negar a eutanásia a um paciente em fase terminal, é o mesmo que frutar-lhe a liberdade. Não haveria um delito a ser punido, mas sim um alívio na angústia e no sofrimento.‖. CONSIDERAÇÕES FINAIS A eutanásia é um ato de dignidade a pessoa humana quanto a esta ter uma morte digna, é um procedimento histórico que há milhares de anos já tem o seu reconhecimento dentro da sociedade, assim como qualquer outro fato histórico, a eutanásia foi com ao acrescer dos anos evoluindo, por muito tempo era considerada como um descarte daqueles que não serviriam para prestar serviços sejam qual for, teve seu ponto culminante de discussão em 1895, quando fora discutido sobre a o plano de saúde do Estado, a partir desse enfoque, a eutanásia teve seu aspecto alterado na sociedade, a partir de então não se buscava um descarte, mas sim uma dignidade dos enfermos incuráveis. No Brasil, eutanásia foi se mostrando aos poucos, empregadas por pessoas humildes de boa-fé para ajudar um enfermo de doença incurável. Diversas são as classificações do termo eutanásia, porém é desnecessária todas as outras e relevante as principais: a eutanásia ativa, que é o ato determinado a provocar a morte sem sofrimento do paciente. E a eutanásia passiva, aonde a morte do paciente ocorre dentro de um quadro terminal. No desenvolvimento do trabalho é tácito que a eutanásia assim como foi o assunto relacionado ao aborto de feto anencefálico é polêmico e de imensas opiniões e discordâncias. Nem mesmo no âmbito da medicina encontramos um único parecer, e assim como esta em desenvolvimento o anteprojeto do Código Penal, o Código de Ética Médica já se manifestou, pois muito antes de ser tratado como um tipo penal, a eutanásia está inserida diretamente com a medicina, a qual já tem o seu parecer como supracitado, observando atentamente caso a caso. Diante de todo o exposto, fica o questionamento: será mesmo que o anteprojeto do Código Penal é uma ameaça ao direito a vida, já que muitas doutrinas defendem que a evolução médica pode chegar futuramente a cura de tal doença denominada hoje incurável, terminal. Já a doutrina a favor da eutanásia defende que esse futuramente pode vir a demorar, e não seria correto não tomar uma decisão enquanto todos aguardam iludidos à possíveis curas, excluindo a realidade dos leitos hospitalares, o enfermo e seus familiares sofrendo enquanto 122 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 agonizantes pela melhor escolha. Dizer que a eutanásia não é proibida, não significa dizer que ela é imposta a todos, ela é uma exclusão de antijuridicidade aqueles que quiserem optar por ela. É necessário avaliar que os indivíduos da sociedade estão sempre buscando algo mais, enquanto perdem, querem ganhar, enquanto ganham, querem perder. Buscam a imortalidade, sendo que ela não é um bem disponível, ao contrário da morte, que é a única certeza que todos têm na vida, e ao mesmo tempo, é o assunto mais temido. O direito a vida não pode ser interpretado a fim de evitar uma morte digna, é indispensável entender o momento que a vida chega ao fim. Foi apontado no trabalho o princípio da liberdade, e o direito a vida, tal princípio é aquele que deixa o homem livre para tomar suas decisões e o direito a vida é aquele que se enquadra na proteção da mesma, garantindo-a à vida compreendendo o direito de não ser morto. Porém, quando observada em nossas mentes, não conseguimos analisar a crueldade que é a insistência de uma pessoa que já não demonstra mais sinais vitais próprios e sim artificiais, mas essa é a realidade. É cruel e desumano, é contrário ao principio da dignidade humana, manter um enfermo incurável em leito terminal, sendo que o indivíduo que encontra-se nessa situação já não está mais usufruindo de todos os seus outros direitos que poderiam vir a colidir com o seu direito de ter uma morte digna. Ele já não esta mais inserido em uma sociedade, ele já não participa mais de reuniões familiares, ele esta ali apenas por recarga de aparelhos que não são capazes de retorcer sua situação. Contra essa questão, o fato de uma pessoa não querer sofrer diante da morte inevitável não deve ser considerada como um ato contrário ao disposto do artigo 1º, III da Constituição, mas sim como uma forma de praticar um direito que o próprio Estado lhe garante ou assegura como um dos seus princípios fundamentais. 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VADE MECUM, 13. ed., São Paulo: Rideel 2011 124 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO NO PROCESSO DE MUDANÇAS NAS PRÁTICAS CULTURAIS E OS REFLEXOS DA GLOBALIZAÇÃO ―Se alguma coisa divina existe entre os homens, é a justiça. Nisto se compendiam todas as minhas crenças políticas. De todas elas essa é o centro. Mas para que a justiça venha a ser essa força, esse elemento de pureza, esse princípio de estabilidade, é preciso que não se misture com as paixões da rua, ou as paixões dos governos, e seja a justiça isenta, a justiça impassível, a soberana justiça, a congênita em nós, entre os sentimentos sublimes à religião e à verdade‖. (Rui Barbosa) MARIA APARECIDA DA SILVA179 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 RESUMO O presente artigo consiste em abordar os aspectos relevantes à comunicação, partindo do que é exposto desde os primórdios à globalização. Tal fator é exposto no intuito de abordar que a decodificação da mensagem sempre foi e será importante, mesmo em se tratando na esfera judicial. A incorporação das novas tecnologias de comunicação e informação provoca um processo de mudança contínuo, não permitindo mais uma parada, visto que as mudanças ocorrem cada vez mais rapidamente e em curtíssimo espaço de tempo. Observase que os aspectos relevantes ao assunto em questão: comunicação e globalização tornouse algo a mais em todos os aspectos apresentados com a finalidade de apontar buscas de soluções, uma vez que existe uma vastidão de conhecimentos. PALAVRAS-CHAVE: Comunicação/ Globalização/Pós-Modernidade ABSTRACT The present article is to address relevant aspects of communication, from what is exposed since the dawn of globalization. This factor is exposed in order to address the decoding of the message was and always will be important, even in the case in court. The incorporation of new technologies of communication and information causes a continuous change process, not allowing another stop, since changes occur ever more rapidly and in very short time. It is observed that the aspects relevant to the subject matter: communication and globalization, has become something more in all aspects presented for the purpose of pointing search of solutions, since there is a vast knowledge. KEYWORDS: Communication / Globalization / Postmodernity 179 Professora no Centro Universitário Dinâmica das Cataratas. Mestre em Engenharia de Produção UFSC . E-mail: [email protected] 125 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 1 INTRODUÇÃO Este trabalho tem como meta abordar os aspectos relacionados à comunicação como algo de suma importância em toda esfera que engloba o ser humano, desde os primórdios à globalização através de comunicação interpessoal que apresenta como objetivo principal uma forma de apontar os mais diversos aspectos de entender os seres. Sabe-se que o mundo contemporâneo tem sido marcado por uma imensa e variada mutação das formas de comunicação, havendo-se gerado aquilo que algumas análises designam ser uma autêntica mediadora. O abrangente espaço que se funde no ato de comunicação, tendo o emissor, o receptor e a mensagem desponta a multiplicidade de experiências e perspectivas do real a que os indivíduos acedem, nas sociedades modernas atuais. A comunicação aparece de forma clara e concisa por todos os domínios da atividade humana, dando conta das relações dos indivíduos com a sociedade global e com as diversas instituições que compõem entre si e dos indivíduos, uns com os outros e com a natureza. Frente a este estudo do ato de comunicar, qualquer discussão em torno da modernidade não pode deixar de integrar às modalidades discursivas. É a ordem destas modalidades que pressupõe obviamente o conhecimento de cada esfera da realidade e dos sentidos visados em cada determinação ou troca humana como consequência inevitável da inscrição dos diferentes mundos da experiência moderna no mundo da linguagem e no mundo da comunicação. De tal forma, denota-se no presente estudo com a consciência inalienável de que existe uma relação entre a experiência e a linguagem na forma pela qual depara-se com a comunicação. Nesta linha de raciocínio, passa-se também pela análise de uma nova cultura, valores e os falares regionais que complementam a comunicação como um todo, restando linguagem versus comunicação que necessitam ser decodificadas. Partindo de tal pressuposto, observa-se que a globalização é algo primordial em virtude da crescente evolução e transformação do ser, conforme apresentado em forma sucinta; e que, utilizando-se dos métodos: observacional e dedutivo com pesquisas bibliográficas e exploratórias apontando-se o norte do referido estudo. 2 A COMUNICAÇÃO E O SER Sabe-se que o fator primordial à vida do ser humano encontra-se em evidência no ato de comunicar, independente da forma, e, de tal forma, é inerente e faz parte na natureza do próprio ser; visto que todos não podem deixar de comunicar da mesma forma que não podem deixar de respirar. Em um processo retrospectivo depara-se com maneiras diferentes utilizadas no ato da comunicação, observando que, desde os primórdios a humanidade já se comunicava através de símbolos, em face aos fatores relacionados às necessidades de sobrevivência, o homem desenvolve diferentes formas de se comunicar; desde, por exemplo, quando eles desenhavam nas paredes das cavernas, deixando assim, o registro do seu tempo para seus semelhantes e descendentes. Tudo isto se deu em função do anseio em propagar ideias, visto que persuadir e informar sempre fez, e continua fazendo com que o ser humano desenvolva canais e métodos cada vez mais modernos, ágeis e interativos de comunicação. De tal forma pode-se elucidar que vida e comunicação formam um elo; não se separam, pois onde cessa a vida, automaticamente, põe-se fim a toda possibilidade de comunicação, em sua totalidade. Contudo, o fator cultural sempre esteve presente, a partir do momento em que se pode caracterizar como conhecimentos e crenças, advindos de gerações, às quais transmitiam ―valores‖ os quais o próprio ser julgava inconcebível; uma vez que o homem construía o mundo através de seu trabalho e ao mesmo tempo, construindo-se como sujeito no que se pode avaliar como ―valores adquiridos e repassados‖; com um diferencial: era ele quem delegava suas leis através do que podia registrar e interpretar; de tal forma, respeitando o direito do próximo. 126 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Seguindo a linha apresentada Ribeiro e Herschamann comentam que, De todos os lados e das mais variadas fontes e âmbito de estudo, ao homem sempre chegam informações; de um lado do objeto empírico, através de sinais, símbolos e ideologias, leis e liberdade; bem como assuntos (comunicação) através da cultura, costumes e educação, observando que tudo está relacionado aos aspectos comunicacionais historiados180. É tempo de ouvir, pensar e refletir sobre os fatores que vêm acontecendo e a forma pela qual são repassados. Diante tal afirmativa sabe-se que é de bom grado ouvir e ler corretamente o que se pretende repassar, principalmente quando o momento é de projetos e expectativas, salientando que para tudo, necessário se faz, o ato de comunicar e entender. Ao deparar com seres que farão a representatividade de um povo e,ou seja, todos os que se propõem a lidar com pessoas em uma forma de repassar conhecimentos, sabe-se que, de acordo com a Constituição Federal de 1988 todos têm direito à educação; é justo observar a forma que se dirigem à sociedade para que possa incentivar o direito que é cabível; afinal, esta é uma das metas norteadoras de todo discurso, seja ele em toda e qualquer esfera do conhecimento. Porém, para muitos tal afirmativa é complexa no que se refere à decodificação de tudo o que é repassado, também não aceitando a substituição do arcaico pelo moderno, mesmo que não exista o conteúdo que supra às necessidades advindas da aquisição da linguagem e sua interpretação, muito embora sabendo que não existe a obrigatoriedade de um falar rebuscado para que se possa atingir à tão almejada meta: o ser como um todo, ou como produto de um meio que tem como direito o aprendizado e que interprete o que lhe é repassado através da linguagem coerente às necessidades advindas da decodificação para um melhor entendimento. É pertinente comentar tal fato uma vez que se tem uma sociedade crítica e até formadora de opiniões, e em contrapartida, aqueles que não valorizam o que é de direito: a educação como um todo, e que na maioria das vezes tornam-se perplexos percebendo a não necessidade de se comunicar de forma correta, pois se espelham naquilo que a sociedade expõe como um todo através da modernidade, esquecendo de que o ilustre Rui Barbosa já dizia: ―O ensino, como a justiça, como a administração, prospera e vive muito mais realmente da verdade e moralidade, com que se pratica, do que das grandes inovações e belas reformas que se lhe consagrem181‖. Partindo de tal pressuposto, observa-se que não é necessário ser prolixo para atingir os seres, mas sensato e direto sem deixar que pensamentos retrógrados possam desmistificar o saber através do bem demonstrado. Tem-se por um lado, a preocupação com tudo o que é visto e não se consegue expressar ou transmitir suas ideias de forma clara e coerente, visto não ter havido aprendizagem suficiente, e em contrapartida os que nem sequer conseguem responder às perguntas que lhe são apresentadas. Questionamentos surgem em toda esfera de conhecimento, havendo também os que pecam pela ausência de interpretação e respostas lógicas quando indagados através de todos os meios de comunicação e que requer do ser o interpretar para se comunicar. O ser humano, por natureza é o foco principal da comunicação; e para alguns às vezes se comunicam por meio de gestos; mas existe o fator comunicacional. Assim, desde sempre, o homem utilizou-se da comunicação para se expressar e dizer aquilo que sente e aquilo que precisa como também aquilo que não lhe agrada. 180 RIBEIRO, Ana Paula; HERSCHMANN, Micael. Comunicação e História: interfaces e novas abordagens. Rio de Janeiro: Globo Universidade, 2008, p. 27 e 28. 181 Idem. Ibidem. p. 29 127 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 2.1 OS PROFISSIONAIS DO DIREITO. Com a apreensão de um fenômeno tão importante, o ser humano desde que aprendeu a falar, faz isso como algo tão corriqueiro, que fala o tempo todo, e às vezes não se atenta ao significado do que está dizendo, isto na esfera jurídica. Não pensa na amplitude do termo, na importância da frase e nas várias conotações que podem vir a tomar, e posteriormente tenta consertar o equívoco. Em algumas áreas de atividades onde a palavra (escrita ou verbal) é o instrumento de trabalho, os profissionais têm que se esforçar permanentemente na busca de clareza para transmitir suas ideias, o que nem sempre alcançam. Exemplo típico são os professores, operadores do direito também, que não conseguem que todos tenham a interpretação de forma esperada. Também em outras profissões, como em especial na área jurídica em todos os seus desdobramentos, a palavra é a essência da atividade. Os operadores são profissionais que sempre deverão estar aptos a utilizar adequadamente as palavras e, por outro lado, estão sempre a mercê delas. Seus interlocutores esperam deles sabedoria, erudição, mas também querem compreendê-los e, acima de tudo, ser compreendidos. Em seu papel o advogado tem a função precípua de defender os direitos de seu cliente, o juiz de buscar a verdade por traz das palavras e o promotor de convencer o júri da culpabilidade do criminoso. Não basta a eles um profundo arcabouço de conhecimento jurídico; todos têm que traduzir as ideias e os fatos em um conjunto de palavras compreensíveis que sustentem sua tese. Convencidos que foram os ouvintes virá a vitória. Vitória esta que, para o advogado pode ser absolver seu cliente, para o promotor a condenação do criminoso e para o juiz, uma sentença tão irrepreensível, que não seja objeto de reforma pelos tribunais superiores182. E, comentando o que fora explanado, verifica-se que em todo esse processo de concatenação de palavras estão envolvidos o emissor e o receptor, que por sua vez necessitam repassar e interpretar a mensagem, em toda e qualquer função que exerça, que exercitam suas habilidades de compreender e fazer-se compreender. A mensagem se destina a um ou mais receptores, que nada mais são que as pessoas a que estão endereçadas as palavras com o objetivo de prender-lhes a atenção e convencê-los, sejam eles ouvintes ou leitores. Muito embora a mensagem tenha sido enviada, nem sempre a comunicação cumpre seu objetivo, pois somente se as respostas dos receptores eram as esperadas pelo emissor é que se fechou o círculo da comunicação. De outra forma, se a comunicação recebida e interpretada, denota-se que sofreu a interferência da interpretação de forma indesejada, isto é: o receptor não captou a mensagem tal e qual foi enviada, mas sim, adaptou-a de forma diversa ao seu rol de conhecimentos subjetivos. Nota-se, portanto, que o Direito, como expressão da mente humana que é, apresenta-se no mundo por meio das palavras. Tais palavras escritas ou faladas formam aquilo que é denominado de texto normativo183. 182 BITTAR, Eduardo C. B. Linguagem Jurídica. São Paulo : Saraiva, 2010, p. 147. Idem. Ibidem. p. 146 e ss. ―O texto normativo – ou ainda o precedente no sistema do star decisis – é o ponto de partida para o exercício da interpretação. Nesse sentido, a interpretação, acoplada com a aplicação, resulta num juízo que parte de um texto, este último capaz de engendrar novas consequências, não só jurídicas, mas também semióticas e interpretativas. 183 128 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 2.2 A COMUNICAÇÃO NA ERA GLOBALIZADA De acordo com pesquisa feita no site da Secretaria de Educação,disponível em<http://www.magnos.hpg.com.Brasil/ciência_e_educação/5/index_pri_1.html,p.4-8>, ―não se pode falar em Internet nem em nenhum outro meio moderno de comunicação sem antes falarmos de um termo que se tornou corrente em diversos segmentos da atividade humana, principalmente nas atividades econômicas, globalização‖. A palavra ―globalização‖ tão usada nos dias atuais resume o que está acontecendo, quando observado diante o exposto e; sabe-se que à comunicação na era globalizada é imprescindível aos seres, visto que a tecnologia faz com que tudo aconteça muito rapidamente. Segundo nos expõe Giovannini184 Revolução da Informação: Algumas Reflexões‖, a história humana apresenta duas grandes e fundamentais mudanças: a primeira se deu com o surgimento da agricultura, que o autor chama de "Revolução Agrícola", há cerca de dez mil anos; a segunda foi a Revolução industrial, iniciada em 1776, com a invenção da máquina a vapor. Evidentemente, foram dois passos importantes para o progresso da humanidade. No primeiro caso, o homem deixa de ser uma criatura nômade, errante, fixando-se em um determinado local. Foi nesse momento que se criaram raízes da sociedade humana como a concebemos hoje. A Revolução Industrial, por sua vez, teve com principal consequência a substituição do serviço artesanal pela produção em massa das fábricas. Agora, neste exato momento, estamos diante de uma terceira mudança. Alguns teóricos a chamam de "Revolução da Informação", outros, de "Revolução da comunicação". Com o rápido avanço da tecnologia, das comunicações, da informática e, principalmente, da telemática, o mundo começa a se transformar em uma "aldeia global". A globalização, em todos os setores da atividade humana, abre um mercado quase inesgotável de trabalho e de conhecimento para quem usa diariamente o processo informatizado. A possibilidade de acesso imediato e praticamente sem nenhuma restrição a informações importantes, das mais variadas áreas do conhecimento humano, em qualquer lugar do mundo, começou gradativamente a moldar parâmetros iguais em regiões muito diversas entre si. De tal forma, sabe-se que o fator cultural caminha com o ato de se comunicar e de ser interpretado. 2.3 DO LIVRO À INTERNET: A COMUNICAÇÃO De acordo com Tajra185 No início da introdução dos recursos tecnológicos de comunicação na área educacional, houve uma tendência a imaginar que os instrumentos iriam solucionar os problemas educacionais, podendo chegar, inclusive, a substituir os próprios professores. Com o passar do tempo, não foi isso que se percebeu, mas a possibilidade de utilizar esses instrumentos para sistematizar os processos e a organização educacional e uma reestruturação do papel do professor. 184 a GIOVANNINI, Giovani. Evolução na Comunicação, 4 . reimpressão. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010, p. 138, 139. 185 . TAJRA, Sanmya Feitosa. Informática na Educação, 9 ed. São Paulo: Editora Érica, 2006, p. 57. 129 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 A partir do momento que o ser começou a registrar a comunicação escrita, em seguida surge o livro que foi um dos primeiros instrumentos inclusos no processo de ensinoaprendizagem, o qual, na época, vale relembrar, causou muitas alterações educacionais, contudo, hoje, ele já se encontra totalmente incorporado e não dando conta de que ele é um instrumento que passa a comunicação, e hoje, na era globalizada, o livro eletrônico que pode ser adquirido com um simples toque no computador e armazenado, o que colabora também para a preservação ambiental. Com a implantação da informática na área da comunicação, existe um questionamento relevante sobre a utilização da mesma, havendo a necessidade e viabilidade em fazer jus ao seu uso, pois não se trata apenas de um instrumento com fins limitados, e, sim, colaborando no processo de diversas formas, tais como: pesquisa, simulações e até mesmo na forma de entretenimento. Compete a quem fará uso para fins sempre visando às definições de metas e objetivos a serem atingidos através da utilização da informática. O início do uso da tecnologia na comunicação teve um enfoque bastante tecnicista, prevalecendo sempre como mais importante à utilização em específico do instrumento sem a real avaliação do seu impacto no meio cognitivo e social, como um dos fatores primordiais da globalização. Ante, a tecnologia era caracterizada pela possibilidade de utilizar instrumentos sempre visando à racionalização dos recursos humanos e, de forma mais ampla, a prática educativa. Dentre os atuais usuários educacionais das tecnologias, destacam-se dois grupos: os integrados e os apocalípticos. Os ―integrados‖ acreditam que só por incorporar a tecnologia é, por si só, uma inovação. Conforme esta crença deve-se estar sempre acompanhando o desenvolvimento da comunicação através da tecnologia. E continua o autor186: Utilizando a informática, o homem alcança novas possibilidades e estilos de pensamento inovador, jamais postos em prática [...]. A tecnologia vai transformando, também, as novas mentes porque de alguma maneira temos acesso aos dados, mudamos nosso modelo mental da realidade [...]. Os integrados entendem a tecnologia como neutra, objetiva, positiva em si mesma e científica. Incorporá-la é sinônimo de progresso [...]. Os ―apocalípticos‖ já não veem a tecnologia de forma tão neutra, pois acreditam que em função do próprio desenvolvimento de suas interfaces, cada vez mais amigável, serão necessários menos conhecimentos para manuseá-los; porém, em diversas ocasiões, tem-se referido à importância das novas Tecnologias da Comunicação no estágio atual do desenvolvimento das mídias, em que a mudança tecnológica foi sempre crucial na história da transmissão cultura: ela altera a base material, bem como os meios de produção e recepção, dos quais depende o processo de transmissão cultural, visto estar em fase inovadora dos processos judiciais. Para Sthephens187 futuro das notícias demonstra através de metáforas em que os brinquedos se tornam cada vez mais bonitos. Cada invenção maravilhosa gera novas invenções assombrosas. Cada uma – o alfabeto, o papel, a prensa tipográfica, a eletrônica e a radiotransmissão, os satélites, os computadores – todas atuaram para nós e sobre nós, e cada uma delas continua a exercer sua mágica. 186 187 Idem. Ibidem. p. 58 STEPHENS, Mitchell. História das Comunicações, tradução de Elena Gaidano, Editora Civilização Brasileira SA, RJ, 2009, p. 138 130 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Nenhuma dessas tecnologias revolucionárias se exauriu ainda. A mídia eletrônica está apenas chegando à sua maioridade, e o computador – mera criança – está apenas começando a fugir daquelas caixas de metal cinzentas e a integrar-se às nossas vidas. A vida no século XXI nos fornece a oportunidade de ver como essas tecnologias competem no caminhar de acesso à informação. Na sociedade da informação, praticamente todos estão reaprendendo a conhecer, a comunicar-se, a ensinar e a aprender; a integrar o humano e o tecnológico; a integrar o individual, o grupal e o social. Uma mudança qualitativa no processo comunicacional acontece quando se consegue integrar dentro de uma visão inovadora todas as tecnologias: as telemáticas, as audiovisuais, as textuais, as orais, musicais, lúdicas e corporais. De tal forma, a corrida tecnológica também se acelerou, impulsionando a necessidade de comunicação a níveis elevadíssimos e nunca demandados até então. Em seguida, após apenas 20 anos de trégua, a Segunda Guerra Mundial expande ainda mais os avanços tecnológicos e comunicativos. O século XX mudou a historia da comunicação. O crescimento exponencial na necessidade da velocidade da informação unido aos incríveis avanços tecnológicos somados as necessidades geradas pelos conflitos e revoluções do período iniciaram uma busca em direção da informação customizada, segmentada e com uma maior facilidade na medição de resultados. A Guerra Fria, também teve um importante papel na historia do século XX assim como na aceleração do desenvolvimento tecnológico. 2.4 A PÓS-MODERNIDADE Sabe-se que os processos que aceleram todo fator relacionado à comunicação estão ligados aos desafios, decorrentes das mudanças que caracterizam a sociedade pósmoderna, tendo instigado diversos autores na busca de parâmetros os quais permitam compreender a realidade e esboçar tendências sociais, institucionais e individuais. O risco e a incerteza, a crise de paradigmas, a diversidade, o pluralismo, a cultura, a ausência do original, o individualismo são conceitos que representam a complexidade das transformações e das perspectivas sociais. Compete salientar que188 Revolução da Informação: Algumas Reflexões‖, a história humana apresenta duas grandes e fundamentais mudanças: a primeira se deu com o surgimento da agricultura, que o autor chama de "Revolução Agrícola", há cerca de dez mil anos; a segunda foi a Revolução industrial, iniciada em 1776, com a invenção da máquina a vapor. Evidentemente, foram dois passos importantes para o progresso da humanidade. No primeiro caso, o homem deixa de ser uma criatura nômade, errante, fixando-se em um determinado local. Foi nesse momento que se criaram raízes da sociedade humana como a concebemos hoje. A Revolução Industrial, por sua vez, teve com principal conseqüência a substituição do serviço artesanal pela produção em massa das fábricas. Agora, neste exato momento, estamos diante de uma terceira mudança. Alguns teóricos a chamam de "Revolução da Informação", outros, de "Revolução da comunicação". Com o rápido avanço da 188 MATTELART, Armand e Michèle. História das Teorias da Comunicação. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2009, p 72 e ss 131 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 tecnologia, das comunicações, da informática e, principalmente, da telemática, o mundo começa a se transformar em uma "aldeia global". Observa-se então que a comunicação passa a preocupar-se com mudanças sociais e políticas, com a formação de tribos com comunicações próprias, com a criação de novas sensações que possam atrair o insaciável ser consumidor, com a diversidade de públicos ameaçados pelas incertezas e riscos de compõem uma sociedade que vivencia aquilo que denomina mal-estar da pós-modernidade, através do ato de se comunicar e se fazer entender, independente da área. A globalização da mídia permite aos grupos o poder de articular em escala global, também inovando suas ideologias, políticas, objetivos e interesses. Presencia-se, na era virtual, tudo o que pode ser concebido daquilo se apodera da informação e explora o conhecimento, muitas vezes, através de uma simulada interação; impedindo o pensamento reflexivo e crítico do passivo receptor, inebriado pela simultaneidade, de forma que os processos de mudança efetivam-se através da comunicação traduzindo e reinterpretando o discurso original. As consequências acarretam muitas e diversificadas reações entre aqueles indivíduos envolvidos nas mudanças, que interpretam esse processo através de diferentes leituras, sob as lentes de subculturas organizacionais. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho trouxe um apanhado do estudo realizado sobre o fator primordial ―comunicação‖, visto que tem o cerne de estudo focado na globalização seguido dos aspectos pós-modernos. A ideia que serviu como de ponto de partida, e que este trabalho acabaria por consolidar, foi a de compreensão da comunicação bem como a interpretação na atualidade, ligada como se encontra aos aspectos do operador do direito, não deixando ainda assim de implicar uma intensa experiência cotidiana: há uma conexão espíritolinguagem-mundo que implica uma linguagem que ultrapasse o conceito, embora se estruture discursivamente o conceito. Assim se desenvolve uma fundamental forma de interação, de interpretação e que submete o indivíduo e que constitui a sua vivência; e é essa interação que continua a ser o espaço o qual emerge o pós-moderno que fora repassado desde os primórdios até os dias atuais em forma sucinta. Daí se define os pensamentos que compõem objetos e significados através da maneira de interpretar numa posição celebrada por toda uma tradição que, atravessando o estudo do processo interacional, que se estendeu por campos científicos diversos; unidos embora pela percepção da relevância essencial da linguagem como modo de aceder ao mundo. Deste modo, por experiência da linguagem deve-se antes de qualquer coisa entender uma experiência simbólica da natureza, mediada tanto por gestos (de que os vocais são tão só uma parte) como por representações, tanto por monumentos como por objetos, é aí, no composto pela experiência do indivíduo, que o ego deve perder-se e encontrar-se, formando a unidade do indivíduo a si mesmo e a impondo a abertura dos entendimentos com os outros, através da interpretação. REFERÊNCIAS BITTAR, Eduardo C. B. Linguagem Jurídica. São Paulo : Saraiva, 2010. CAMARGO, Maria Margarida Lacombe. Hermenêutica e Argumentação. 4. ed., Rio de Janeiro : Renovar, 2010. GIOVANNINI, Giovani. Evolução na Comunicação, 4a. reimpressão. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. 132 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 MATTELART, Armand e Michèle. História das Teorias da Comunicação. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2009. MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. Paulo: Cultrix, 2007. São PERUZZO, Cicília Maria Krohling. Comunicação nos movimentos populares. 3.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1998. RIBEIRO, Ana Paula; HERSCHMANN, Micael. Comunicação e História: interfaces e novas abordagens. Rio de Janeiro: Globo Universidade, 2008. SARAIVA, Enrique; MARTINS, Paulo Emílio Matos; PIERANTI, Octavio Penna. Democracia e regulação dos meios de comunicação de massa. Rio de Janeiro: FGV, 2008. SARAIVA, Vicente de Paulo. A Técnica da Redação Jurídica. 3 ed., Brasília : Editora Consulex, 2008. STEPHENS, Mitchell. História das Comunicações, tradução de Elena Gaidano, Editora Civilização Brasileira SA, RJ, 2009. TAJRA, Sanmya Feitosa. Informática na Educação, 9. ed. São Paulo: Editora Érica, 2006. <http://www.magnos.hpg.com.Brasil/ciência_e_educação/5/index_pri_1.html,p.4-8> 133 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 TITULARIDADE DE DIREITOS FUNDAMENTAIS DURANTE A EXECUÇÃO PENAL POR ESTRANGEIROS NÃO RESIDENTES NO PAÍS ALMIR JOSÉ DOS SANTOS189 GABRIELA MARIA BIANCHI DE MIRANDA190 JAIME MOREIRA DA SILVA191 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 RESUMO O presente trabalho analisa a existência dos direitos fundamentais em relação ao estrangeiro não residentes no país durante a execução penal, conforme sua aplicação, preservando direitos e garantias. Fundamenta-se em pesquisa doutrinária, jurisprudência e nos dispositivos de lei. Concluindo-se, tem-se que na espera de uma efetivação quanto aos direitos fundamentais, será preciso adequar medidas justas que acompanhe as novas realidades. PALAVRAS-CHAVE: Direitos Fundamentais, Execução Penal, Estrangeiros. ABSTRACT The present work analyzes the existence of fundamental rights in relation to foreign nonresidents during the criminal enforcement, as its application, preserving rights and guarantees. It is based on research doctrine, jurisprudence and law devices. In conclusion to the final in hopes of a realization as to fundamental rights, will require adapting fair measures accompanying the new realities. KEYWORDS: fundamental rights, criminal enforcement, foreign. INTRODUÇÃO O presente artigo procura demonstrar uma reflexão acerca da existência dos direitos fundamentais em relação aos estrangeiros não residentes no país, principalmente no que concerne ao tratamento igualitário entre nacionais e os não nacionais, pautando-se no princípio da igualdade e da dignidade humana, relacionado os benefícios que a execução penal proporciona, no caso da utilização dos remédios constitucionais, quanto a progressão de regime e do livramento condicional, destacando-se também a questão da expulsão do cidadão estrangeiro. No contexto do Estado de Direito, espera-se que haja maior eficiência na tutela e garantia dos direitos fundamentais, desse modo encontrando-se respaldo na lei, nas doutrinas e nas decisões jurisprudenciais. CONSIDERAÇÕES INICIAIS O acesso à justiça foi conquistado ao longo do tempo e com a Declaração dos Direitos do Homem vieram à luz os princípios básicos, fornecendo assim condições para que fossem reconhecidos os direitos do homem dentro da sociedade. 189 Acadêmico de Direito,UDC, Foz do Iguaçu-Paraná,Brasil. E-mail: [email protected] Acadêmica de Direito,UDC, Foz do Iguaçu-Paraná,Brasil. E-mail: [email protected] 191 Acadêmico de Direito,UDC, Foz do Iguaçu-Paraná,Brasil. E-mail: [email protected] 190 134 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 É contemplada na Declaração a proteção aos direitos do homem, bem como sendo prioritário o princípio da igualdade entre todos. Segundo os ensinamentos de Paulo Bonavides: Os princípios são verdades objetivas, nem sempre pertencentes ao mundo do ser, senão do dever-ser, na qualidade de normas jurídicas, dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade192. Um país declarado Estado Democrático de Direito deve assegurar a garantia dos direitos do cidadão, devendo prevalecer a democracia e a justiça acima de qualquer outra coisa, ou seja, é dever do Estado assegurar a obediência ao principio da igualdade e regular por meio de lei sua atuação, principalmente no que concerne a restrição da liberdade individual. As barreiras que limitam a atuação estatal para superar as irregularidades no sistema jurídico devem ser superadas, pois somente com a plenitude da democracia poderá se efetivar os direitos humanos ou fundamentais. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A Carta Magna estabeleceu no art. 5°, caput que aparentemente somente estrangeiros residentes no Brasil seriam titulares dos direitos fundamentais, sendo que com essa contemplação acabou por gerar debates e discussões acerca de qual seria a interpretação e aplicação adequada para esta norma. Dessa forma, insta afirmar que a Constituição nao pode ser interpretada ―em tiras ou em pedaços‖, segundo as palavras do Ministro Eros Grau do Supremo Tribunal Federal, ou seja, a expressão ―brasileiros e estrangeiros residentes no País‖ deve ser analisada junto com o princípio da dignidade da pessoa humana e da igualdade. A luz do princípio da igualdade todos são iguais perante a lei, ou seja, garantindo, portanto aos brasileiros e estrangeiros residentes e não residentes no país direitos e garantias. Na lição de Wolfgang Sarle: A tese de que em face da ausência de disposição constitucional expressa os estrangeiros não residentes não poderiam ser titulares de direitos fundamentais [...] não pode prevalecer em face do inequívoco (ainda que implícito) reconhecimento do princípio da universalidade, de acordo com a exegese imposta pelos princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia. Além disso, a recusa da titularidade de direitos fundamentais aos estrangeiros não residentes, que, salvo nas hipóteses expressamente estabelecidas pela Constituição, poderiam contar apenas com a tutela legal (portanto, dependente do legislador infraconstitucional)viola frontalmente o disposto no art. 4°, inciso II, da CF, que, com relação à atuação do Brasil no plano das relações internacionais, estabelece que deverá ser assegurada a prevalência dos direitos humanos193 [...] Seguindo a mesma linha de raciocínio, Adolfo MamoruNishiyama explana: Os direitos fundamentais visam à ampla proteção do ser humano (nacional ou estrangeiro), tanto é que referida norma prega que ‗todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza‘. Assim, os estrangeiros que estão em passagem pelo território nacional são também destinatários dos direitos fundamentais, uma vez que entram em contato com o ordenamento jurídico brasileiro194. 192 (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1997.p.229) SARLE, Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais. 10. ed. rev. atual. eampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 213). 194 NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. Remédios constitucionais. São Paulo: Manole, 2004.p.84) 193 135 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 No tocante aos remédios constitucionais a decisão do Ministro Celso de Mello, transcrita no informativo 502, reconhece o direito do estrangeiro não-residente de impetrar habeascorpus, afastando a interpretação literal do caput do artigo 5º, da CF/88, mencionando da seguinte maneira: [...] o fato de o paciente ostentar a condição jurídica de estrangeiro e de não possuir domicílio no Brasil não lhe inibe, só por si, o acesso aos instrumentos processuais de tutela da liberdade nem lhe subtrai, por tais razões, o direito de ver respeitadas, pelo Poder Público, as prerrogativas de ordem jurídica e as garantias de índole constitucional que o ordenamento positivo brasileiro confere e assegura a qualquer pessoa que sofra persecução penal instaurada pelo Estado” (STF, HC 94016 MC/SP, rel. Min. Celso de Mello, j. 7/4/2008). Em nenhum momento a constituição diz expressamente que os estrangeiros não residentes no país não podem exercer seus direitos fundamentais, apenas é omissa em relação a essa situação, portanto, não lhe tira o direito de ver respeitados seus direitos e garantias de cunho constitucional e supralegal. Dentro do mesmo contexto, o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (RDA 55/192 – RF 192/122) e dos Tribunais em geral (RDA 59/326 – RT 312/363), diz: [...] o súdito estrangeiro, mesmo o não domiciliado no Brasil, tem plena legitimidade para impetrar os remédios constitucionais, como o mandado de segurança ou, notadamente, o ―habeas corpus‖: ―- É inquestionável o direito de súditos estrangeiros ajuizarem, em causa própria, a ação de ‗habeas corpus‘, eis que esse remédio constitucional – por qualificar-se como verdadeira ação popular – pode ser utilizado por qualquer pessoa, independentemente da condição jurídica resultante de sua origem nacional195‖ O fato é que ainda que não domiciliado no Brasil qualquer pessoa exposta a atos de persecução penal, assegura a condição indisponível de sujeito de direitos, cuja intangibilidade há de ser preservada pelos magistrados e Tribunais deste país, especialmente por este Supremo Tribunal Federal. Portanto, é o dever do Judiciário, de preservar e assegurar, mesmo ao réu estrangeiro sem domicílio no Brasil, os direitos básicos advindos do devido processo legal, no qual recai sobre a garantia da ampla defesa e ao contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante. Há uma necessidade de se definir o alcance concreto da claúsula que limita e incide sobre o poder persecutório do Estado, pois a essência dessa garantia de ordem jurídica se mostra tão importante no plano das atividades de persecução penal que ela se qualifica como requisito legitimador da própria ―persecutio criminis‖. Por ser de suma importância, o exame da garantia constitucional do devido processo legal, permite então nela encontrar características essenciais à sua própria configuração, destacando-se, as seguintes prerrogativas: ter a garantia de se ver ingressar no poder judiciário, direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de ilicitude, direitos aos atos processuais de caráter impreenscidíveis para o prosseguimento do feito, como a citação e o conhecimento prévio do teor da acusação, direito a um julgamento público e célere, sem atos protelatórios, direito ao contraditório e ampla defesa, direito ao silêncio projeta-se em relação a autocriminação direito de não ser processado e julgado com base em leis ―ex post facto‖, direito à igualdade entre as partes, comprovado não ter 195 RTJ 164/193-194, Rel. Min. CELSO DE MELLO. 136 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 condições financeiras o direito ao benefício da gratuidade, direito à observância do princípio do juiz natural, direito à prova e direito de presença nos atos de interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos, quando existentes. O direito do réu à observância, pelo Estado, da garantia pertinente ao devido processo legal, além de caracterizar de forma concreta o direito de defesa, também é amparado em convenções internacionais que proclamam a essencialidade dessa franquia processual. Sendo apresentando como um complexo de princípios e de normas que adequam a qualquer acusado em sede de persecução criminal. A proteção internacional dos direitos humanos deriva de um processo moroso e gradual de desenvolvimento no sentido de respeitar a importância da noção da dignidade da pessoa humana. Salienta Valério Mazzuoli: [..] conquistas já implementadas pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos nesse sentido não retrocedem em face de qualquer posicionamento doutrinário ou jurisprudencial em contrario, uma vez que até mesmo a Constituição de um dado Estado é considerada um simples fato ante o sistema internacional de proteção196. Quanto ao direito à igualdade, o art. 7º da Declaração Universal estipula que ―todos são iguais perante a lei e têm os mesmos direitos a igual proteção da lei, sem discriminação de natureza alguma. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole essa declaração e contra qualquer incentivo a tal discriminação‖. O Brasil é signatário de diversas normas internacionais que impõe tratamento igualitário entre todas as pessoas independentemente de sua nacionalidade, sendo assim o fato do condenado ser estrangeiro também não implica que lhe seja inibido esse direito, haja vista o princípio da isonomia consagrado na Constituição da República, embora de forma omissa em relação aos estrangeiros. Partindo desse pressuposto, segundo os ensinamentos de Artur Gueiros: Todavia, nada impediria que o estrangeiro preso por delito diverso dos referidos na Lei dos Crimes Hediondos pudesse, em tese, usufruir da progressão de regime prisional. O livramento condicional, tratando-se ou não de crimes arrolados na citada Lei nº 8.072, também poderia ser-lhe estendido, conforme os termos do art. 83, do Código Penal. Nada impediria, na mesma linha, que ele pudesse fazer jus às medidas despenalizadoras e descaracterizadoras, não só da Lei nº 9.099/95, como, também, da Lei n˚ 9.714/98197. As categorias de direitos fundamentais encontrados na Constituição Federal e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos no qual o Brasil de boa-fé seja signatário integram-se num todo harmônico garantindo assim a igualdade em direitos e garantias entre os brasileiros e os estrangeiros que estiverem em território nacional, sendo, portanto, residente ou não, consagrando assim princípio da isonomia, o qual enseja para a inconstitucionalidade qualquer discriminação em razão da origem, da nacionalidade. O STF vem se preocupando, nos últimos anos, com a efetiva tutela dos direitos fundamentais, como no caso da vedação da progressão do regime de prisão nos casos de crimes hediondos, sendo que encontra-se amparo legal na Constituição Federal de que a pena deve ser individualizada para cada indivíduo, de acordo com as peculiaridades do caso 196 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito penal: comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos: Pacto de San Jose da Costa Rica.4 v. São Paulo: RT, 2008, p. 15.) 197 GUEIROS, Artur. In: Presos Estrangeiros no Brasil Aspectos jurídicos e criminológicos. Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2007. p. 250-251. 137 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 concreto, não podendo o legislador dizer não ser possível permitir quando preencher os requisitos legais, tal benefício para determinado grupo. Com base no art. 4˚ do Decreto n˚ 98.961/90, tem-se o argumento de grande relevância, no qual admite, de forma implícita, a concessão de progressão de regime aos estrangeiros condenados. Salienta-se que a passagem para quaisquer dos regimes mais brandos, deve estar sempre revestida de um risco consciente. Desse modo, é notório que conflitará com diversos princípios constitucionais a exclusão do estrangeiro do sistema, conforme explica Alberto Silva Franco: A exclusão do sistema progressivo conflita também com o princípio constitucional da humanidade da pena (art. 5º, III, XLVII e LXIX da CF) que, na expressão de Jescheck (Tratado de derecho penal, p. 23), se converteu no pensamento reitor da execução penal. Pena executada, com um único e uniforme regime prisional significa pena desumana porque inviabiliza um tratamento penitenciário racional e progressivo; deixa o recluso sem esperança alguma de obter a liberdade antes do termo final do tempo de sua condenação e, portanto, não exerce nenhuma influência psicológica positiva no sentido de seu reinserimento social; e, por fim, desampara a própria sociedade na medida em que devolve o preso à vida societária após submetê-lo a um processo de reinserção às avessas, ou seja, a uma dessocializaçã198. Por mais que o cidadão tenha qualificação jurídica de estrangeiro não residente no Brasil, não autoriza a negativa de benefícios atrelados à execução dapena, pois será uma afronta as obrigações reciprocamente assumidas no âmbito internacional no qual o Brasil tenha firmado. Em razão da incidência das normas jurídicas acima referidas, ainda que em situação irregular no País, insta dizer que a garantia constitucional da individualização da pena também alcança os estrangeiros. Posto isso, não há discussão no fato de que os estrangeiros não-residentes no Brasil gozam de direitos fundamentais, como exceção é claro quando expressamente o texto constitucional restringir a titularidade ativa do direito fundamental. Não pode também o magistrado ficar impedido de aplicar os Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos, a Constituição e a Lei de Execução Penal em virtude da existência de um decreto de expulsão, nesse mesmo contexto, não pode o estrangeiro não ter a garantia ao benefício prisional sendo levando em conta critérios de convivência e oportunidade, no qual não se comunica com a avaliação criminológica que é decisiva para diminuir o rigor carcerário, sendo esta, portanto a compreensão de proteção do direito Fundamental de todas as pessoas sujeitas à jurisdição do Estado brasileiro. CONSIDERAÇÕES FINAIS Sendo ou não residente no País o estrangeiro sera considerado titular dos direitos fundamentais, tese essa consolidade no STF e reafirmada em julgados como por exemploo do HC 94016 MC/SP. A notória preocupação da comunidade internacional com a preservação da efetividade das garantias processuais básicas reconhecidas às pessoas acusadas de práticas delituosas tem sido muito discutida, sendo em seu aspecto um assunto delicado. Sendo que essa concreta proteção deve ser levada a pontos extremos, sob pena de que o homem seja obrigado a recorrer à tirania e a rebeliao. 198 FRANCO, Alberto Silva. 55 Cf. Crimes hediondos. 7 ed. rev. atual. eamp. São Paulo: RT, 2011, p. 362. 138 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Portanto, sendo o Brasil um Estado Democrático de Direito, este pode atuar, especialmente quando se tratar de matéria penal, em um limitador do poder punitivo do Estado, pois em matéria de restrição de direitos fundamentais, a interpretação das normas jurídicas nunca será ampliativa e sim restritiva. Permite-se concluir que o norte da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, vem admitindo como destinatários dos direitos fundamentais não somente aqueles expressos na Constituição Federal, mas também os estrangeiros não-residentes. REFERÊNCIAS BARROSO, Luís Roberto. O Direito constitucional e a efetividade de suas normas. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1997. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998. FRANCO, Alberto Silva. 55 Cf. Crimes hediondos. 7 ed. rev. atual. eamp. São Paulo: RT, 2011. GUEIROS, Artur. In: Presos Estrangeiros no Brasil Aspectos jurídicos e criminológicos. Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2007. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito penal: comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos: Pacto de San Jose da Costa Rica.4 v. São Paulo: RT, 2008. NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. Remédios constitucionais. São Paulo: Manole, 2004. NUCCI, Guilherme de Souza. PRISÃO E LIBERDADE. As Reformas Processuais Penais Introduzidas pela Lei 12.403, de 4 de maio de 201.1São Paulo. Revista dos Tribunais. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. ajustada ao nosso Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2002. SARLE, Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais. 10. ed. rev. atual. eampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. 139 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 A PROTEÇÃO À TESTEMUNHA E VÍTIMAS NO BRASIL DEMONSTRANDO PROGRAMAS SEMELHANTES ENCONTRADOS EM OUTROS PAÍSES EM COMBATE AO CRIME ORGANIZADO HEBA OMAR MUHAMMAD SCHEHADEH199 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 RESUMO Este trabalho visa demonstrar o Programa de Proteção à Vítima e à Testemunha Ameaçada no Brasil e sua devida importância como política pública ao combate ao crime organizado, bem como programas semelhantes utilizados em outros países.Além da importância da prova testemunhal na apuração do crime e na punição dos criminosos. PALAVRAS-CHAVE: Programa de proteção, Crime organizado, Prova testemunhal. ABSTRACT This paper demonstrates the Protection Program of Victim and Witness Threatened in Brazil and its due importance as public policy to combat organized crime, as well as similar programs used in other countries. Besides the importance of testimony in the investigation of crime and the punishment of criminals. KEYWORDS: protection program, organized crime, testimony. INTRODUÇÃO O presente trabalho teve como objetivo original explicar o funcionamento do programa, sua estruturação e os requisitos para nele ingressar, tanto no Brasil como em outros países onde há programas semelhantes. No caso do Brasil traz-se um breve histórico e a promulgação da Lei 9807/99 que normatizou o Programa de Proteção. Divulgar a importância do bom funcionamento do programa no ordenamento jurídico brasileiro, e como isso afetaria o êxito da apuração do crime e punição dos criminosos. Contudo, dando ênfase à importância da proteção à vida e à prova testemunhal. DESENVOLVIMENTO: Nos Estados Unidos: o Serviço Marshall e a Witsec Os Estados Unidos foi o primeiro país a criar um programa do gênero e teve uma grande importância no contexto mundial. Criou-se o Serviço Marshall em 1789, visando reforçar as Leis Federais, proteger Juízes Federais, Jurados e em certas ocasiões até mesmo o Presidente da Republica. Em 1970 o Congresso dos Estados Unidos aprovou a chamada Lei do Crime Organizado, dando missão especifica ao Marshall, criando o Programa de Segurança da Testemunha (Witsec) que passou a operar em 1971. O Diretor do Marshals Service,Stanley E. Morris,em artigo publicado pela revista The Pentacle,edição de fevereiro de 1988 afirma: O Programa de Segurança da Testemunha(WITSEC) é, sem dúvida, uma das ferramentas mais eficazes no combate ao crime organizado dos Estados Unidos.Conspirações criminosas,secretas e clandestinas por natureza,são extremamente difíceis,se não 199 Acadêmica de Direito,UDC, Foz do Iguaçu-Paraná,Brasil, [email protected] 140 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 impossíveis, infiltrar.Até o equipamento mais estrategicamente colocado não pode fornecer informações tão qualificadas como um informante interno.Não existe prova mais devastadora que o testemunho de um colaborador de confiança revelando e decodificando as centrais obras de uma estrutura criminosa.Este testemunho é tão convincente que mais que oito de cada dez acusados são condenados e recebem sentenças consideráveis de prisão e multas. Ao receber a testemunha para proteção o Serviço Marshall solicita de imediato a alteração dos documentos pessoais dele.É providenciado uma nova identidade para cada membro da família.Em comparação ao modelo brasileiro,só há mudança em casos excepcionais.De acordo com José Braz houveram apenas três casos até o momento,um no Rio de Janeiro e dois no Rio Grande do Sul200.O Estado americano se compromete a oferecer toda a documentação nova em seis meses,o que não ocorre em ocasião de muita burocracia a ser feita. A testemunha deverá assumir o compromisso de não cometer mais crimes, não retornar a cidade onde vivia anteriormente sem o acompanhamento dos agentes do programa e conter-se de fazer qualquer contato com amigos e parentes na sua antiga área, esta sendo uma regra básica. A preparação do comparecimento da testemunha em um júri obedece a todo um ritual, onde se aplica elevadas técnicas de segurança e de disfarce. A sala do tribunal é cuidadosamente vistoriada antecipadamente por um agente do programa. Após a vistoria, alguém deve permanecer no recinto em tempo integral. Deve haver uma sala de refugio disponível caso algo dê errado, onde será conduzida em segurança. No estacionamento deve haver um agente no volante o tempo inteiro e os carros deverão ter certa potência e um bom funcionamento em caso de fuga. O critério adotado para a preparação dos agentes é inicialmente uma investigação completa da vida pregressa do candidato. Uma vez escolhidos, os US Marshals201 passam por treze semanas de treinamentos intensos e só então poderão ser considerados aptos para a missão. Nos Estados Unidos a testemunha receberá uma ajuda de custo, proporcional a suas necessidades e de acordo com a cidade em que passara a residir. Estabelecendo um comparativo entre o programa norte-americano e o brasileiro, Jayme Benvenuto Lima Júnior, advogado e ex-coordenador do Gajop em artigo publicado na revista Direitos Humanos, de responsabilidade do Gajop,assim se manifesta: Se o principal aspecto positivo do programa norte-americano de proteção a testemunhas está em sua eficácia, sua fraqueza é precisamente o alto custo. O orçamento anual do programa de aproximadamente 20 milhões de dólares, com o qual é garantido um poderoso aparato no sentido de oferecer a máxima segurança às testemunhas.202 Ná Itália: Programa Antimáfia em combate a criminalidade Na Itália há um programa antimáfia de combate à criminalidade. A máfia é tão poderosa que, ao ocupar uma determinada região, simplesmente domina o espaço, acabando até mesmo com a criminalidade comum, monopolizando as ações criminosas. Outra característica da máfia italiana é a internacionalização de atividades como drogas e armas, que são importadas para a Itália. A máfia é uma espécie de escola para o crime organizado 200 SILVEIRA,José Braz da.A Proteção à Testemunha e o Crime Organizado no Brasil.p.26. 201 Chamam-se de US Marshals os agentes especialmente treinados para trabalharem no Witsec. 202 LIMA JÚNIOR,Jayme Benvenuto.Proteção à Testemunha no Brasil e no Exterior.Revista de Direitos Humanos – responsabilidade do Gajop, edição de março de 1999. 141 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 em muitos países, de forma que seu combate permanente passou a ser de interesse geral. Está comprovada ramificações da máfia italiana nos países como: Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Suíça e Rússia203. Com a aprovação da Lei Antimáfia em 1982, a Itália deu um grande passo decisivo ao combate à máfia, esta lei foi conhecida como ―A torre‖, a grande importância dessa Lei foi em definir a ―Associação Mafiosa‖ 204 como crime autônomo. No âmbito judicial a Direção Nacional Antimáfia205 funciona como uma ―Central de Coordenação Investigativa‖. A admissão de um colaborador no programa de proteção cabe à Comissão Central, esta é uma equipe de recepção ao colaborador da justiça, dirigida por um subsecretario de Estado e composta por dois magistrados e ainda cinco profissionais do meio judicial. Responsável pela aprovação ou não do ingresso do colaborador no programa.A proteção pode ser oferecida tanto a uma testemunha,vítima ou qualquer outro que colaborar,inclusive aqueles que fizeram parte da organização criminosa e que concordaram em colaborar. Inicialmente o colaborador passa por um período no programa chamado de ―proteção cautelar‖ 206, esta é oferecida pela polícia enquanto a ―Comissão Central‖ providencia seu ingresso definitivo no programa. Já as ―medidas urgentes‖ garantem um lugar seguro e uma ajuda financeira para a manutenção da família pelo período de preparação para o ingresso. A proteção cautelar é adotada por prazo de 90(noventa) dias,podendo ser prorrogada por igual período uma única vez.Mas incentiva-se a possibilidade do colaborador de se autosustentar. A revogação dessa proteção pode dar-se quando o real perigo que motivou a inserção no programa for considerado afastado completamente ou pela quebra dos compromissos assumidos pelo protegido em relação às regras de conduta. Pietro Grasso estabelece uma comparação entre o Programa de Proteção dos Estados Unidos e o da Itália no que se refere aos índices das pessoas que voltaram a cometer crimes após deixarem o programa. Nos Estados Unidos o percentual oscila entre 20% e 25%, já na Itália o percentual de reincidência é de 5%%, o que comprova a eficácia do programa italiano. No Canadá:Source Witness Protection Program O programa canadense de proteção à testemunha ou Source Witness Protection Program é de responsabilidade da Real Polícia Montada do Canadá. A testemunha que chega ao programa para ser protegida é recebida pelo ―Handler‖, ou seja, o protetor.Este se dedica exclusivamente ao protegido e a sua família.Cabe a ele encontrar um local seguro para o protegido e sua família, escola para as crianças, atendimento a saúde, trabalho.Porém, assim que ingressa ao programa o protegido é estimulado a conseguir um emprego. O chamado ―acordo de proteção‖ é um pacto estabelecido entre o protetor e o protegido, submetido a analise e adesão deste, visando uma convivência harmoniosa entre ambas as partes. Não poderão os protegidos ir aos meios de comunicação sob pena de comprometerem sua segurança. Qualquer desobediência às regras deve ser comunicada imediatamente à Divisão de Coordenação para que seja providenciado imediatamente o deslocamento da família para um novo local protegido. Em relação às correspondências, as enviadas pelo protegido devem primeiramente passar pela Divisão de Origem e de lá serem remetidas ao destinatário. Em relação às correspondências recebidas é sempre encaminhada a um endereço seguro e de lá para o protegido, passando pelas mãos dos agentes do programa. 203 Informação obtida junto ao Gajop, por memorando enviado ao escritor José Braz da Silveira. Definida como crime autônomo pela Lei Antimafia,independendo da ação praticada de determinado agente. 205 Organismo encarregado da investigação sigilosa de casos mais complexos,vinculado à Procuradoria Nacional Antimáfia. 206 Medidas acautelatórias que garantem ao colaborador da justiça,razoável segurança no período compreendido entre a decisão de colaborar e o ingresso dele no programa. 204 142 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Na Inglaterra e no País de Gales: Programa de Apoio a Vítima e Serviços à Testemunha O programa inglês (Victim Support Program) tem como foco principal a vitima. Tem como base fundamental cinco direitos garantidos constitucionalmente a todas as vitimas de crimes na Inglaterra e no País de Gales. São eles: a independência da vítima, direito à informação, direito à proteção, à reparação de danos morais e materiais e direito à dignidade da pessoa humana. Este programa funciona desde 1974. O programa inglês chama a atenção por contar com a participação da sociedade civil, que realizam campanhas de arrecadação de fundos. Os serviços prestados pelo programa são de apoio social e psicológico. No Brasil: o Programa de Proteção as Vítimas e Testemunhas Ameaçadas A implementação de serviços a atendimento a vitima e testemunhas teve seu nasceu em 1996, tendo como primeira experiência o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares,GAJOP, sediado em Recife - PE.Em 1998 o Ministério da Justiça estabelece uma parceria com Pernambuco, surgindo assim o primeiro Provita – Programa de Proteção à Vítima e à Testemunha Ameaçada, baseada na ideia de reinserção social dessas pessoas em situação de risco.Ainda em 1998, estados como o da Bahia,Espírito Santo e Rio de Janeiro assinaram uma parceria semelhante a de Pernambuco. Com o vinda do Provita houve uma necessidade de se normatizar as ações dele ,logo, em 13 de Julho de 1999 promulgou-se a Lei 9807. A existência de um Programa Federal de Assistência a Vítima e a Testemunhas e os Provitas estaduais estimularam a criação do Sistema Nacional de Assistência a Vitima e Testemunhas, vinculado à Secretaria de Estado dos Direitos Humanos. O Sistema Nacional é composto por 19 Estados, mas o Programa Federal cobre na totalidade o território nacional. Nos Estados não atendidos por programa próprio, o atendimento é oferecido somente em casos especiais. Os Estados que possuem o Programa Estadual de Proteção à Vítima e à Testemunha Ameaçadas: Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, São Paulo, Distrito Federal, Paraná e Santa Catarina. Sua estrutura é composta por: Conselho Deliberativo, Órgão Executor e Equipe Técnica. O Conselho Deliberativo é a instancia decisória superior do programa. É composto por representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário e de órgãos públicos e privados ligados a Segurança Publica. O Conselho assegura o bom funcionamento do programa. Manifesta Pereira: Ao Conselho cumpre deliberar não somente sobre os casos de ingresso ou exclusão da rede de proteção, como também acerca das demais providencias de caráter geral relacionadas ao cumprimento do Programa.207 O Conselho é regido pelo artigo 4º da Lei 9807 de 1999, que estabelece: Art. 4o Cada programa será dirigido por um conselho deliberativo em cuja composição haverá representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário e de órgãos públicos e privados relacionados com a segurança pública e a defesa dos direitos humanos. § 1o A execução das atividades necessárias ao programa ficará a cargo de um dos órgãos representados no conselho deliberativo, devendo os agentes dela incumbidos ter formação e capacitação profissional compatíveis com suas tarefas. § 2o Os órgãos policiais prestarão a colaboração e o apoio necessários à execução de cada programa. 207 Cf.PEREIRA,Alexandre Avelino.Sistema Nacional de Assistência a Vítimas e a Testemunha.p.11. 143 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 São funções do Conselho Deliberativo previstas em Lei: 1) Decidir sobre a inclusão e a exclusão de beneficiários; 2) Definir as providencias a serem adotadas pelo Programa Estadual; 3) Fixar o teto da ajuda financeira mensal a ser oferecida aos beneficiários e às suas famílias, desde que o beneficiário seja impossibilitado de exercer função remunerada; 4) Refletir junto ao Ministério Público e aos Juízes competentes meios de obtenção de eventuais medidas cautelares relacionadas à eficácia da proteção; 5) Postular em nome do beneficiário junto aos juízes competentes a alteração dos registros públicos, visando à mudança de nome se assim necessitar; 6) Manter completo sigilo a identidade dos beneficiários, bem como sua localização; 7) Manter controle do andamento do processo relacionado a testemunha protegida, visando agilizar sua tramitação legal O Estado que estabeleceu uma legislação mais abrangente que a Lei Federal, foi o Estado de São Paulo, com o Dec. – Lei 44.214 de 30.08.1999, conferindo em seu artigo 4º prerrogativas ao Conselho Deliberativo. Em Estados em que não existe lei especifica, o programa segue obrigatoriamente a Lei Federal. O Órgão Executor ou Entidade Gestora é normalmente uma organização não governamental, sendo entidade da sociedade civil, ela responde não somente pela execução do programa como também pela contratação dos integrantes da equipe técnica e demais cargos inerentes à gestão do programa. A Equipe Técnica é responsável pela proteção direta dos beneficiários. Compõe-se por um advogado, um psicólogo e um assistente social. Será liderada por um coordenador. Trata de encontrar um lugar seguro para os protegidos e mantê-los a salvo de qualquer perigo. Um dos requisitos para o ingresso ao programa é o protegido estar sob ―coação ou grave ameaça‖. Não estando ele sob coação ou grave ameaça, por mais que tenha informações que contribuirão no esclarecimento do crime, não terá, portanto, a proteção pretendida. A primeira tarefa da Equipe Técnica é definir o efetivo grau de risco e posteriormente a do Conselho Deliberativo é deferir ou não o ingresso do requerente no Provita. Deverá analisar-se a importância do depoimento que o protegido prestará pois não basta a testemunha estar sofrendo ameaça,suas informações deverão ser necessárias para a apuração do crime.Sendo assim a importância da prova testemunhal deve ser pesada juntamente com o esclarecimento do crime,já que não se justifica submeter a testemunha às rígidas regras do programa para tirar-se dela meras informações adicionais.Cabe ao Promotor de Justiça, como autor da ação penal, decidir sobre a imprescindibilidade da prova testemunhal. Ao ingressar no programa, tanto o protegido principal quanto sua família são submetidos a certas regras de condutas.A quebra de qualquer dessas regras impede a permanência do protegido no programa.A não – aceitação dessas normas impedem o requerente de ingressar no programa. O Termo de Compromisso é um pacto estabelecido entre o beneficiário e a entidade executora do programa onde estão descritos os direitos e deveres do beneficiário dentro do período de proteção e inclusive após a sua saída. Este documento faz lei entre as partes, o seu descumprimento acarretará no desligamento do protegido do programa. O texto do Termo de Compromisso deve ser claro e acessível, deve especialmente conter os seguintes pontos: a) Informações gerais sobre o programa; b) Os requisitos de ingresso e permanência no programa; c) A liberdade de opção de ingressar ou retirar-se; d) A possibilidade de exclusão pela quebra do compromisso; e) Quais benefícios a que tem direito o protegido; f) A coparticipação do beneficiário no custeio das suas próprias despesas e da família; g) A sua vinculação direta ao processo – crime ao qual prestará informações uteis; h) O direito da Administração Pública de alterar o termo unilateralmente; i) Os riscos que correm por estar no programa; 144 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 j) Abster-se de qualquer contato com pessoas com as quais mantinha algum relacionamento antes de ingressar no programa,exceto quando autorizado e supervisionado pela Equipe Técnica; k) O prazo de inicio e término do compromisso assumido; Obedecendo a essas questões, a probabilidade de se ter algum problema é pequena, mas qualquer descuido pode comprometer a eficácia do programa. Certas questões de segurança devem ser tomadas, como: assim que ingressar ao programa a família do protegido e ele deverão ser descolados provisoriamente a um local seguro chamado ―pouso‖, permanecendo neste lugar até a sua instalação definitiva; é adotado ―codinomes‖, ou seja, nomes fictícios tanto para os beneficiários quanto para as pessoas responsáveis pela proteção; as locações dos imóveis onde são localizadas as testemunhas são firmadas em nome de pessoas que colaboram com o programa e emprestam seus nomes para essa finalidade. No que tange as correspondências, estas passam primeiro pelos agentes do programa. É uma situação delicada e muitas vezes embaraçosa, porém constata-se falhas na segurança em decorrência dessa situação.Há que se ter consciência de que quando se trata da proteção à vida das pessoas em risco, deve-ser abrir mão de outros direitos que se tornam inferiores em relação a esse. Em relação as outras, as equipes do Provita são as únicas no mundo que trabalham desarmados, é incentivado o uso da inteligência na execução do programa.O programa brasileiro é o único do mundo que trabalha com a expectativa de participação direta da sociedade.Alguns podem considerar um risco, mas para os agentes do programa há confiança de que os resultados serão alcançados com maior eficiência e significativa economia. O combate à violência e a impunidade é o objetivo principal do programa, é nesse contexto que a sociedade deve ser convidada a participar. Há uma integração do sistema judicial com o sistema social. Outro fato relevante é que as estruturas oficiais também podem praticar crimes, usando-se da força do Estado para facilitar a pratica do crime. Seria uma forma de a sociedade vigiar os servidores públicos através do programa. Falando sobre a importância da participação da sociedade, Pereira assim expressa: A participação da sociedade civil organizada no modelo PROVITA é o seu diferencial.Foi dela que emergiu o modelo hoje adotado pelo Governo Federal, e ela participa ativamente na execução e no aperfeiçoamento das atividades a ele inerentes.A rede voluntaria de proteção é quase que integralmente composta por entidades da sociedade civil.É a participação efetiva da sociedade civil organizada,inclusive nos Conselhos Deliberativos, que garante o modelo brasileiro a característica de ser democrático.Mais do que isso, é sabido que, no Brasil, o principal responsável pelas violações de direitos humanos é o Estado; a credibilidade de um programa de proteção eminentemente estatal no Brasil estaria, portanto, seriamente comprometida.208 A finalidade do programa advém da impotência do Estado no combate do crime organizado,que vem crescendo em grande escala.O crime organizado cria um clima de terror, inibindo o cidadão de bem de contribuir com o esclarecimento do crime.Por isso fazse necessário programas do Estado que ofereçam segurança a testemunhas e encorajandoas a denunciar e prestar seu depoimento contra o autor dos crimes. Para que haja essa luta contra o crime organizado, deve-se ter uma abertura de espaços para que o cidadão comum atue.Contribuir para o esclarecimento do crime e punição dos 208 PEREIRA,Alexandre Avelino.Marketing e Comunicação Social e o Programa de Assistência à Vítima e Testemunhas Ameaçadas.Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ – ESS,2001.(Monografia) 145 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 seus agentes equipara-se a luta pela sobrevivência, cada vez mais difícil uma vez que as atividades ilícitas não param de crescer. Existe um termo chamado ―poder paralelo‖ do crime organizado e consiste na força de poder que as organizações criminosas exercem sobre a sociedade ou parte dela. O medo que colocam sobre a sociedade é tão grande que quando em confronto com a polícia, são capazes de fazer com que os comerciantes fechem seus negócios. Isso pode ser visto em algumas comunidades (favelas) do Rio de Janeiro e São Paulo, onde atuam como se fossem um Estado autônomo com governo próprio, em total desconformidade com a lei. O que pesa para a sociedade é quando perdemos autoridades das mais variadas áreas para o serviço do crime, onde muitas vezes se utilizam da estrutura governamental para favorecer ou facilitar o crescimento da criminalidade. Isso ocorre pela falta de organização do Estado.Este deveria dar mais importância a segurança, pois o descaso com a segurança faz com que se envolver com o crime seja mais vantajoso do que realizar seu trabalho honestamente. Outra ineficiência do estado é seu Poder Judiciário que por vezes chega a ser tão burocrático e lento que acaba contribuindo com a impunidade.José Braz da Silveira diz ― a justiça lenta equivale à injustiça‖209.Somando-se tudo isso constata-se que o clima tem sido propicio aos brasileiros que optaram pelo caminho do crime. Devemos demonstrar como a prova testemunhal é de suma importância no processo penal. Ocorre de a testemunha ser a única esperança na apuração do crime, ela serve de luz para clarear a mente do magistrado quando este percorre o caminho da incerteza. Pois ele somente poderá condenar se estiver certo da autoria e materialidade do crime, caso restar dúvidas deve aplicar-se o Princípio do in dúbio pro reu210. A testemunha compelida pelo medo é obrigada a silenciar-se, afetando assim o transcurso do processo. Tourinho Filho afirma: ―A prova testemunhal no Processo Penal, é de valor extraordinário, pois dificilmente, e só em hipóteses excepcionais, provam-se as infrações com outros elementos de provas” 211. Não resta duvidas que o depoimento de uma testemunha contribui para o esclarecimento do crime.Sabendo dessa importância, o crime organizado faz de tudo para persuadir a testemunha a não depor ou até mesmo eliminá-la. Deve-se levar em consideração que a vida de uma testemunha ou vitima inserida no programa não é fácil, pois por muitas vezes estará se mudando de um lugar a outro.É preciso deixar bem claro ao interessado em entrar no programa dessas condições, pois essa pessoa passará a ser perseguida, e deixará toda sua vida para trás, sendo obrigada a constituir uma nova. Tendo isso em mente, muitas são as testemunhas que não aceitam ingressar no programa por este conter regras muito rígidas, ocorre também de elas não preencherem os requisitos exigidos em lei para ingressar. José Braz comenta: O Programa de Proteção à Vítima e Testemunha Ameaçadas brasileiro merece ser defendido e, se possível, aprimorado.Trata-se de uma política pública importante que, além de apoio governamental, sustenta-se na participação popular, seja por meio das organizações não governamentais ou pelo apoio de pessoas dispostas a contribuir com a causa212 209 SILVEIRA,José Braz da.A Proteção à Testemunha e o Crime Organizado no Brasil.p.122. Tem-se fundamento na presunção de inocência.Havendo dúvida quanto à culpa do acusado ou quanto à ocorrência do fato criminoso, deve ele ser absolvido. 211 Cf.TOURINHO,José Lafaieti Barbosa.Crime de Quadrilha ou Bando e Associações Criminosas.p.24 212 SILVEIRA,José Braz da.A Proteção à Testemunha e o Crime Organizado no Brasil.p.131. 210 146 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Uma das finalidades do programa é de proteger a prova para apuração dos fatos e consequente punição dos criminosos, porém proteger a vida das testemunhas e vítimas assegurando-lhes o mínimo de cidadania é a meta do Governo. A saída para o funcionamento do programa é lutar pelo seu aperfeiçoamento na busca de melhores resultados, pois há previsão legal, resta à prática. A eficácia do programa poderá ser um instrumento definitivo para o combate ao crime organizado. CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo deste artigo era entender a necessidade do funcionamento do programa brasileiro, tomando como exemplo o funcionamento dos programas similares encontrados em outros países. Apresentou de forma sucinta o Programa Americano, o Programa Italiano, o Programa da Inglaterra e do País de Gales e o Programa Canadense. Ao estudar o Programa de Proteção à Vítima e à Testemunha Ameaçadas no Brasil, constatou-se tratar de uma política publica importante. Em 1999 foi criada a Lei 9807 para estabelecer as regras gerais de funcionamento do programa.Na lei encontra a seguinte estruturação: Conselho Deliberativo, Entidade Gestora e Equipe Técnica. O Conselho Deliberativo dita as normas internas do programa; a Entidade Gestora será sempre uma associação ou fundação ligada aos Direitos Humanos e funciona como um Órgão Executor assegurando a participação da sociedade no programa; e por fim a Equipe Técnica mantém o contato direto com o protegido e está vinculada a prestar informações ao Conselho Deliberativo. Para finalizar deixou-se claro a importância da proteção da vida da testemunha e da prova testemunhal, como instrumento eficaz ao combate ao crime organizado no Brasil. O que resta fazer para se dar o efetivo funcionamento seria o constante acompanhamento por parte do Estado, assegurando uma proteção absoluta aos seus colaboradores, incentivando dessa forma estes a exercerem sua cidadania e ajudar a combater a criminalidade. REFERÊNCIAS Brasil.2.ed.Curitiba:Juruá,2011. BARROS,Antonio Milton de.A Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas.2.ed.Franca:Lemos e Cruz,2006. BONFIM,Edilson Mougenot.Curso de Processo Penal.7.ed.São Paulo:Saraiva,2012. BRIMELOW,Sarah.Apoio à Vítima(Victim Support).Publicação de Responsabilidade do Gajop, Recife-PE,1998. MARQUES,Archimedes Jose Melo.A Polícia, a Legislação e o Poder Paralelo.Disponível em<http://www.infoescola.com/sociedade/a-policia-a-legislacao-e-o-poder-paralelo/ >, acesso em 06.10.2012. Lei nº 9.807/99.Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9807.htm>, acesso em 09.10.2012. ___.O Serviço Marshall de Proteção à Testemunha.Publicação de Responsabilidade do Gajop, Recife-PE,1998,p.06 a 11. LIMA JÚNIOR,Jayme Benvenuto.Proteção à Testemunha no Brasil e no Exterior.Revista de Direitos Humanos, Recife, publicada pelo Gajop. 147 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 PEREIRA,Alexandre Avelino.Marketing e Comunicação Social e o Programa de Assistência à Vítima e Testemunhas Ameaçadas.Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ – ESS,2001. SILVEIRA,José Braz da.A Proteção à Testemunha e o Crime Organizado no TOURINHO,José Lafaieti Barbosa.Crime de Quadrilha ou Bando e Associações Criminosas.Curitiba:Juruá,2003. 148 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 DIREITOS HUMANOS DOS PRESOS E SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO DULCENEIA APARECIDA DA ROCHA213 CYNTHIA MARIA EIDT BORGES214 KELLY CARDOSO215 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 RESUMO: Encontrou-se um dos assuntos de maior polêmica no Direito Penal que é a punibilidade dos crimes e saber como agir com aqueles que agiram em desconformidade com a lei. O Estado usando as normas do Direito Penal protege os cidadãos e o Estado ele só está autorizado a prender alguém quando o crime cometido venha a lesionar o bem jurídico de forma a prejudicar a convivência em sociedade. A pena a ser aplicada deve ser justa e necessária, dando uma nova chance para que o preso tenha condições de se integrar na sociedade após o cumprimento da pena, pois todo o preso tem seus direitos fundamentais que estão dispostos dentro da Instituição Carcerária levando o nome de Direito da Dignidade da Pessoa Humana. PALAVRAS-CHAVE: Ressocialização, Dignidade Humana, Direitos Fundamentais. ABSTRACT We found one of the most controversial issues in criminal law is the punishment of crimes and know what to do with those who have acted in violation of the law. The State using the standards of criminal law protects citizens and the state he is only allowed to arrest someone when the crime committed may injure the legal order to undermine coexistence in society. The penalty to be applied should be just and necessary, giving a new chance for the prisoner is able to integrate into society after serving the sentence. For everyone has stuck their fundamental rights which are arranged inside the Prison Institution taking the name of Law Human Dignity KEYWORDS: Resocialization, Human Dignity, Rights. INTRODUÇÂO O trabalho a ser apresentado sobre os direitos humanos dos presos e sistema penitenciário brasileiro tem por objetivo explanar os contrastes e dificuldades encontradas entre os direitos dos apenados e o que lhes é realmente proporcionado. Veremos a seguir que apesar de falido, o sistema penitenciário brasileiro ainda pode ser melhorado, se houver o cumprimento da lei, e o Estado passar a ter controle total sobre as penitenciárias, casas de detenção e albergados, sem deixar que impere a ―lei‖ própria dos apenados, talvez seja possível corrigir as falhas existentes e quem sabe fazer um sistema penitenciário que realmente cumpra o Artigo 1º. Da LEP, que é de efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. DESENVOLVIMENTO Ao se falar em direitos humanos dos presos, inevitavelmente nos questionamos por que o Estado autoriza prender pessoas, afastando - as da sociedade e deixando – as em presídios, cadeias, colônias penais e outros estabelecimentos carcerários? Bem, o que determina que o Estado a autorizar prisões e aplicações de penas restritiva de liberdade é a 213 Acadêmica do Curso de Direito no Centro Universitário Dinâmica das Cataratas. Acadêmica do Curso de Direito no Centro Universitário Dinâmica das Cataratas. 215 Professora Mestre no Centro Universitário Dinâmica das Cataratas 214 149 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 proteção aos bens jurídicos mais relevantes, é a necessidade de proteção de bens de forma essencial para a convivência pacífica em sociedade. Levamos em conta que para que um bem possa determinar a privação de liberdade, pela prisão ou detença de um ser humano, esse bem jurídico é de suma importância. Assim temos os bens jurídicos que merecem proteção e respeito e caso alguém atente contra esse bem, pode estar em perigo de prisão. O direito penal por sua vez, tem por função aprimorar-se, quando for necessário na conservação ou manutenção da convivência pacífica dos cidadãos, e garantia de proteção aos bens jurídicos. O Estado democrático está a serviço do cidadão, pois ele tem a pessoa como objeto principal de proteção, pois o Estado de direito é contrario a qualquer proposta de diminuição de garantias e o direito penal deve servir para limitar a violência e não pode ser de forma ilimitada ou direcional, para isso existem princípios que norteiam o poder punitivo do Estado: a) os princípios consagrados na Carta Magna; b) os princípios jurídicos de correlação entre o Direito Penal e o ordenamento jurídico conjunto; c) os princípios singulares estruturais de fundamentação e legitimação do Direito Penal. Sem os limites jurídicos, estaríamos diante de um Direito Penal autoritário, antidemocrático, não pluralista e inconstitucional. O Direito Penal apresenta como característica natural ser um ordenamento legal e juridicamente limitado, sujeito a garantias normativas e tem como escopo garantir direitos e liberdades. b) E uma forma de limitação ao poder punitivo do Estado são os direitos dos presos no estado democrático de direito, onde o cumprimento da pena não pode jamais implicar na perda ou diminuição dos direitos fundamentais. O artigo 1º. Da LEP traz em sua redação: ―A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado‖. Notadamente vemos que não existem condições harmônicas para integração social para o internado e nem para o condenado, o que vemos são situações por vezes fora de controle, onde o Estado parece transferir a responsabilidade para a própria população carcerária, onde existe a ―lei do mais forte‖ que entre eles, julgam, condenam e aplicam penas, com um poder que não é de direito, mas se tornou de fato dentro de muitos presídios. Art. 10: ―A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade‖. Por motivos que desconhecemos o crime não é prevenido dentro dos presídios, e não contam com orientação para que possam retornar a conviver em sociedade. A orientação e ajuda que aparece, geralmente são por grupos externos, como igrejas, associações e ONGs que despendem atenção a população carcerária. Art. 11: ― A assistência será:‖ I – Material; II – à saúde; III – jurídica; IV – educacional; V – social; VI – religiosa. Em poucos presídios pode - se ver a que os apenados são assistidos no que lhes é de direito. Os Artigos 40 e 41 da LEP trazem em sua redação os direitos dos condenados, direitos como integridade física e moral, alimentação suficiente e vestuário, atribuição de trabalho e sua remuneração, previdência social, constituição de pecúlio, proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a 150 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 execução da pena; assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; entrevista pessoal e reservada com o advogado; visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; chamamento nominal; igualdade de tratamento salvo quando às exigências da individualização da pena; audiência especial com o diretor do estabelecimento; representação e petição a qualquer autoridade, em defesas de direito; contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes; atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade de autoridade judiciária competente. No Parágrafo acima vemos que a administração penitenciaria tem o dever de respeitar os direitos fundamentais dos detentos e assegurar o exercício de todos os direitos que não são afetados pela sentença penal condenatória. Diante do exposto acima, façamos uma análise do que ocorre realmente no Brasil; começamos pela quantidade de estabelecimentos prisionais que são insuficientes para o numero de detentos, tendo um defict de quase 200 mil vagas; tais estabelecimentos não possuem estrutura para suportar a quantidade de encarcerados que abrigam nem condições de higiene, nem segurança, nem espaço físico necessário, pois pela lei brasileira, cada preso necessita de um espaço físico de no mínimo seis metros quadrados, e podemos encontrar lugares quem que cada preso só tem 70 cm quadrados de espaço físico na unidade prisional, informação essa levantada pelo do deputado federal Domingos Dutra (PTMA), relator da CPI do Sistema Carcerário, em 2008. Segundo a organização não governamental Centro Internacional para os Estudos Prisionais (ICPS), o Brasil só fica atrás em numero de presos dos Estados Unidos (2,2 milhões), China (1,6 milhões) e Rússia (740 mil). Perfil da população carcerária no Brasil No Brasil existem cerca de 1.712 estabelecimentos prisionais, entre penitenciárias, colônias agrícolas ou industriais, casas de albergados, cadeias publicas e hospitais de custodia e tratamento psiquiátrico. Desses estabelecimentos prisionais 8,3% são destinados a população carcerária feminina. O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, ficando atrás dos Estados unidos, China e Rússia, em 2010 um levantamento feito pelo DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) concluiu a existência de 513.802 detentos no Brasil, desses 62% estariam concentrados em apenas 05 (cinco) estados, são eles: São Paulo com 177.767 detentos ou 34,6% do total,; Minas Gerais com 46.190 detentos ou 9% do total; Paraná com 36.749 detentos ou 7% do total; Rio Grande do Sul com 30.328 detentos ou 6% do total e Rio de Janeiro com 28.791 detentos ou 5,6% do total. A população carcerária é basicamente formada por jovens entre 18 e 24 anos de idade, pobre, com baixo nível de escolaridade, não possuía emprego formal, são negros ou pardos e usuários de drogas. O tráfico de entorpecentes é o principal motivo da prisão de mulheres. Quase metade dos presos no Brasil está atrás das grades por terem cometido o crime de roubo, a segunda maior razão pra as prisões são o tráfico de entorpecentes, seguido de furto e homicídios. A reincidência também é grande, cerca de 80% dos presos que saem voltam a cometer crimes. Alguns problemas encontrados no sistema prisional A superlotação é o problema mais grave para o sistema prisional, além de ser inconstitucional, pois fere os direitos dos presos, ela provoca um quadro geral de escassez, falta de atendimento medico, proliferação de doença, abusos de direitos humanos, agressões físicas, violência sexual, presença de tóxicos, torturas entre os presos, possibilita e existência de grupos rivais dentro dos presídios, onde os próprios apenados são julgados e condenados segundo a ―lei da prisão‖. Os agentes penitenciários muitas vezes não tem formação adequada e muito menos ética no cotidiano com o preso, entrando sempre em conflito com os Princípios básicos dos Direitos Humanos e das Garantias Fundamentais. Nas cadeias públicas estão juntos presos a serem condenados com os que já estão com a condenação definitiva. 151 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Em algumas cadeias os presos precisam se revezar para dormir, pois não há espaço na cela para que todos se deitem ao mesmo tempo, em alguns estabelecimentos prisionais no Mato Grosso do Sul presos dormiam junto com porcos. Presos condenados a regime semi–aberto que recolhem se a cadeias publicas para repouso noturno, gerando revolta entre os demais quer não gozam de tal beneficio. Doentes mentais, mantidos nas cadeias, contribuem para o aumento da revolta dos presos, os quais têm que suportar a perturbação durante o dia e no repouso noturno de tais doentes. Um a cada três presos esta em situação irregular, ou seja, deveriam estar em presídios, mas encontram se confinados em delegacias ou em cadeias publicas. De 10 a 20% dos presos brasileiros podem estar contaminado com o vírus da AIDS. Em todo país, agressões físicas e até torturas contra detentos são praticadas tanto por outros detentos quanto por agentes penitenciários. Em vários lugares não homens e mulheres não ficam em celas separados, ficando as mulheres sujeitas a abuso e violência sexual por seus companheiros de cela, e por vezes pelos próprios agentes e funcionários dos presídios. O número de mortes nos sistemas prisionais não é divulgado pelos Estados. Tudo isso gera grandes problemas, que não cumprem, nem de longe, com o objetivo mais importante da prisão que é reintegrá-los a sociedade. CONCLUSÃO O Sistema penitenciário brasileiro carece urgentemente de melhorias, o ultimo senso penitenciário trazia o numero de onze presos para cada funcionário, quando a recomendação da ONU é de que haja três presos por funcionário. Seria necessária a construção de pelo menos 145 novos estabelecimentos prisionais, a um custo de 1,7 bilhões de reais, para desafogar o atual sistema prisional. As condições atuais que se encontram os estabelecimentos prisionais em atividade no país, não fazem mais do que incentivarem ao crime, sendo o ambiente totalmente desfavoráveis aos diretos humanos e possibilitando o surgimento de facções criminosas, entre elas estão o Comando Vermelho e o Terceiro Comando no Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital em São Paulo, que hoje operam as ações do crime organizado dentro e fora dos presídios. Ao ser submetido pela Revisão Periódica Universal (instrumento de fiscalização do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU), o Brasil recebeu como recomendação ―melhorar as condições das prisões e enfrentar o problema da superlotação‖. REFERÊNCIAS HTTP://jus.com.br/revista/texto/21091/cinco-estados-compem-62-da-populacao-carcerarianacional#ixzz28pMTAizc HTTP://jus.com.br/revista/texto/4458/os-direitos-humanos-e-a-etica-aplicada-ao-sistemapenitenciario#ixzz28j8xm7K1 HTTP://jus.com.br/revista/texto/4458/os-direitos-humanos-e-a-etica-aplicada-ao-sistemapenitenciario#ixzz28j2iEnOB Fontes: ICPS – Organização não governamental Centro Internacional para Estudos Prisionais DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional 152 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 A INTEGERAÇÃO ECONÔMICA E A ANTROPOMORFIZAÇÃO DE SUAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS FABRIZIO CÂNDIA DOS SANTOS216 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 RESUMO: O presente trabalho tem como ponto de partida a provocativa análise feita pelo jornalista francês Bernard Cassen, em entrevista televisiva, acerca das quatro liberdades fundamentais sobre as quais se assentam a União Europeia – livre circulação de bens, serviços, capitais e trabalhadores - e sua relação com a atual crise pela qual passa o velho continente. Em essência, Cassen argumentou que, dessas liberdades, apenas a livre circulação de trabalhadores corresponde a uma liberdade humana. Neste artigo, pretendese ir além, em extensão e profundidade, nessa análise. PALAVRAS-CHAVE: INTEGRAÇÃO ECONÔMICA, LIBERDADES FUNDAMENTAIS, ANTROPOMORFIZAÇÃO ABSTRACT: The present work has as its starting point the provocative analysis done by French journalist Bernard Cassen,in television interview, about the four fundamental freedoms upon which sit the European Union - free movement of goods, services, capital and workers - and their relationship to the current crisis through which passes the old continent. In essence, Cassen argued that from these freedoms, only the free movement of workers corresponds to human freedom. In this article it is intended to go beyond. KEYWORDS: ECONOMIC INTEGRATION, FUNDAMENTAL FREEDONS, ANTHROPOMORPHIZING 1. INTRODUÇÃO A atual crise econômica vivenciada pelo continente europeu pode ser explicada sob várias perspectivas e pode ser atribuída a várias causas. Mas chamam a atenção os apontamentos feitos pelo jornalista francês Bernard Cassen, em entrevista concedida ao Especial da Globonews217. Jornalista pôs relevo à contradição lógica existente entre as premissas sobre as quais se assenta o projeto de comunitarização europeu e sua realização de promoção do bem estar de seus cidadãos. Conduzido pela integração econômica, a comunitarização europeia assenta-se sobre quatro liberdades fundamentais: livre circulação de bens, livre circulação de serviços, livre circulação de capitais e livre circulação de trabalhadores. Na arguta percepção de Cassen, dessas quatro liberdades ditas fundamentais, apenas uma delas se refere propriamente a uma liberdade humana – a livre circulação de trabalhadores, e a conclusão a que podemos chegar é que, mais do que problemas circunstanciais, o projeto europeu padece de um mal estrutural: seus pilares são insustentáveis. Não obstante a perspicácia da observação do Jornalista, o tema comporta uma abordagem 216 Professor de Direito Tributário no Centro Universitário Dinâmica das Cataratas. Procurador Geral da Fazenda Nacional. E-mail: [email protected] 217 Programa exibido no canal Globonews, em 10 de dezembro de 2011. Disponível em http://g1.globo.com/globonews/globo-news-especial/videos/ . Acesso em 02/02/2012. 153 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 tanto mais extensa como aprofundada. Em maior extensão, porque pode-se verificar essa contradição lógica em outros projetos de integração regional pela via da comunitarização do mercado, como é o caso do Mercado Comum do Sul - MERCOSUL. E, em maior profundidade, porque pode-se demonstrar que nem mesmo a livre circulação de trabalhadores, pela lógica em que configurada, é uma liberdade humana, mas sim uma liberdade em sentido econômico: móvel é o trabalho e o trabalhador só pode mobilizar-se enquanto inserido no processo econômico. Sob essa perspectiva, passa-se à análise crítica dessa antropomorfização218 de categorias econômicas, alçadas à condição de sujeitos de direitos pela lógica do mercado. 2. A CENTRALIDADE MERCANTIL NOS PROCESSOS DE INTEGRAÇÃO REGIONAL E SUAS IMPLICAÇÕES NO “MERCADO” DE TRABALHO. Os processos de regionalização de países no cenário internacional têm por motivação principal a criação de blocos econômicos, centrados em termos de trocas internacionais, onde podem ser cambiados mercadorias, serviços e ―fatores de produção‖. Obviamente não se pode ignorar a existência de outras vertentes presentes na criação dos referidos blocos, como o político, e nem mesmo as diferentes configurações que esses blocos podem assumir, tanto na sua face ideológica – building blocks, stumbling blocks – como em relação ao tipo de integração e de seu regime jurídico – área de livre comércio, união aduaneira, mercado único. Mas o que há de comum nesses processos é a centralidade mercantilista como princípio, redundando na criação de uma zona preferencial de comércio exterior. O suposto é que o comércio internacional pode favorecer o crescimento econômico das parte envolvidas, vindo à tona as já vergastadas lições de Ricardo (1996) sobre o tema. Com efeito, de acordo com Ricardo (1996) os países podem aumentar sua soma de satisfações, ampliando seus mercados por meio do comércio exterior e, consequentemente, possibilitando um maior e melhor nível de consumo por parte de seus cidadãos. Ainda de acordo com Ricardo (1996), essas trocas internacionais são vantajosas mesmo que os custos de produção de um país sejam maiores do que o de outro, mas desde que o comércio internacional permita a especialização da produção na área em que o país possa se valer de sua vocação natural: a chamada ―vantagem comparativa‖. A vantagem comparativa pode ser traduzida como uma divisão internacional de produção econômica, pela qual cada país se dedica a produzir bens nos campos em que tenha maior eficiência219. Ao invés de produzir todos os bens de sua cesta de consumo, conjuga seus esforços em sua área de maior produtividade: mais bens produzidos permitem um maior nível de troca por outros bens que sejam produzidos por outros países, e, a esse respeito, clássico é o exemplo ricardiano das trocas entre Inglaterra e Portugal de, respectivamente, tecidos e vinhos220. Consentâneo com suas convicções221, RICARDO (1996, p.96) deixa transparecer 218 Em sentido contrário: “El soporte ontológico de todo mercado integrado o compartido está dado por las cuatro libertades circulatorias fundamentales: mercaderías, personas, servicios y capitales. Dichas libertades sustantivas son jurídicamente derechos subjetivos de los ciudadanos comunitarios.” SAN MARTINO (1999, p. 15, nr.1). 219 220 221 ―Um país possui uma vantagem comparativa na produção de um bem se o custo oportunidade da produção desse bem em relação aos demais é mais baixo nesse país do que em outros‖ (KRUGMAN e OBSTEFIELD, 2005, p. 8). No referido exemplo, Ricardo (1996) procura demonstrar a vantagem comparativa de Portugal em só produzir vinhos e importar tecidos da Inglaterra, ao invés de produzir vinhos e tecidos, embora a produção de tecido pela Inglaterra seja mais custosa. De acordo com a suposição ricardiana, concentrando-se na produção de vinhos, em razão de sua eficiência em relação à fabricação de tecidos, Portugal poderia trocar sua maior produção pelos tecidos ingleses, com muito mais vantajem do que se produzisse ambos. O mesmo raciocínio se aplica ao caso inglês, concentrando-se na produção de tecidos e trocando por vinhos portugueses. Referimo-nos aqui a duas delas, em especial: a de que o problema principal da Economia é a determinação das leis que regem a distribuição da produção econômica entre os titulares da terra, 154 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 a constante tensão entre capital e trabalho: ―Tenho tentando mostrar, ao longo desta obra, que a taxa de lucros só pode se elevar por uma redução dos salários, e que estes só podem cair permanentemente em consequência de uma queda do preço dos gêneros de primeira necessidade, nos quais os salários são gastos222‖. O mundo ricardiano é um mundo simples, onde há pouca mobilidade internacional de fatores produtivos (capital e trabalho), mas com perfeita mobilidade do trabalho no plano interno223, o que garantiria que, em determinadas condições, poderiam os trabalhadores obter ganhos reais com o comércio internacional, migrando para setores em que os salários pagos seja mais alto. As suposições ricardianas foram posteriormente desenvolvidas em diversos teoremas, dentre as quais se destacam o modelo Heckscher-Ohlin, que procura evidenciar que as vantagens comparativas de um país se assentam naqueles setores intensivos nos fatores de produção que sejam abundantes224. O teorema de Stolper e Samuelson, por sua vez, argui que o crescimento nos preços relativos das mercadorias incrementa os ganhos reais dos fatores intensivos. Nesse contexto, países subdesenvolvidos, com mão de obra abundante e barata seriam beneficiados com a experimentação de um aumento de preços de suas mercadorias, com ganhos reais aos trabalhadores225. Partindo dessas e de outras suposições226, os países engajam-se em projetos de desenvolvimento econômico, com a propulsão do comércio, cujo combustível básico são os fatores produtivos (terra, capital e trabalho) e no intuito de promover o bem estar de suas populações: É tão importante para o bem da humanidade que nossas satisfações sejam aumentadas pela melhor distribuição do trabalho – produzindo cada país aquelas mercadorias que, por sua situação, seu clima e por outras vantagens naturais ou artificiais, encontra-se adaptado, trocando-as por mercadorias de outros países – quanto aumentar nossas satisfações por meio de uma elevação na taxa de 222 223 224 225 capital e trabalho; e a de que o valor de troca das mercadorias é determinado pela quantidade de trabalho empregado para se obtê-la. Importante ressaltar que RICARDO (1996. p. 96) não pregava a redução nominal do salário, mas sim a redução real do salário, com auxílio da política comercial: ―Se, portanto, por uma ampliação do comércio exterior, ou devido a melhoramentos na maquinaria, os alimentos e os bens necessários ao trabalhador puderem chegar ao mercado com preços reduzidos, os lucros aumentarão‖. Além disso, as diferenças tecnológicas são pouco significativas; não se incluem custos de transporte e a comparação é feita com apenas duas mercadorias. ―O teorema de Heckscher e Ohlin diz que a vantagem comparativa de um país ocorre na produção de bens que sejam intensivos no fator de produção nele abundante, pois este fator deve ser relativamente mais barato quando comparado com o preço do outro fator de produção, que seria escasso. Assim, segundo a teoria, países em desenvolvimento, como os do Mercosul, deveriam concentrar-se na produção de bens intensivos em trabalho e/ou em recursos naturais‖ (ARABACHE, 2004, p. 3). ―O teorema da equalização dos preços dos fatores estende a análise de Stolper e Samuelson e mostra que, sob certas hipóteses, o comércio internacional homogeniza os retornos absolutos dos fatores de produção entre as economias, o que poderia ocorrer dentro de uma área de livre comércio como o Mercosul. Logo, os salários reais tenderiam a convergir para algum ponto intermediário, beneficiando os trabalhadores dos países e/ou províncias menos desenvolvidas da referida área‖ (ARABACHE, 2004, p. 4). 226 ―O comércio internacional tem sido considerado como um dos mais poderosos motores do crescimento econômico. Na formulação da nova teoria do crescimento, a abertura comercial promove a expansão da economia por meio do fluxo internacional de bens, idéias e capital (Grossman e Helpman, 1991; Parente e Prescott, 1994). A idéia simples é que regimes mais liberais de comércio e investimento criam melhores prospectos de crescimento, aumentam a taxa de investimento e atraem investimento direto estrangeiro. Isso ocorreria mediante maior acesso aos mercados de capitais e importação de máquinas, equipamentos e tecnologias. Desse modo, aumentariam a eficiência e a produtividade total dos fatores, beneficiando, em ultima análise, os salários reais e o emprego. Edwards (1998) e Proudman e Redding (1998) mostram que economias mais abertas experimentam taxas de crescimento da produtividade maiores que as de economias mais fechadas‖ (ARABACHE, 2004, p. 4). 155 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 lucros (RICARDO, 1996, p.96). Nessa ordem de ideias, o bem da humanidade confunde-se com crescimento econômico, e este, por sua vez, é dependente do comércio livre, donde surge a necessidade de libertar as categorias econômicas de todas as amarrações que as impeçam de circular livremente. Os processos de integração regional, fundados em integração econômica, são frutos dessas concepções, possibilitando aos países ingressarem em uma ambiente parcial de livre de comércio, com possibilidade de manutenção de uma certa dose de protecionismo. Não obstante, as diversas interações envolvidas nesses processos, tornam bastante ambíguos a verificação de seus benefícios, a começar pela validade da fórmula bem da humanidade = melhor distribuição do trabalho + aumento de lucro. Essa suposição tem definitivamente permeado os processos de regionalização e sua inserção como princípio máximo tem se refletido no arcabouço jurídico comunitário, cuja centralidade tem sido não o ser humano, mas sim categorias econômicas. Com efeito, o trabalhador tem sido secundado pela categoria econômica do trabalho, a qual tem ocupado a posição subjetiva das ordenações jurídicas, relegando-se ao ―vendedor‖ da força de trabalho penas direitos contingentes. E são essas disposições jurídicas despersonalizadas e suas dinâmicas econômicas de valores puramente quantitativos que estão a configurar o modo de ser da realidade social227. Antes de analisar esse particular estado das coisas, importante sedimentar que a integração pode ocorrer em diferentes níveis, a que já referimos - área de livre comércio, união aduaneira, mercado único – baseadas na mesma racionalidade, mas com implicações distintas sobre o ―mercado de trabalho‖ e as relações sociais dele decorrentes. Cabe, por conseguinte, perder algum tempo pontuando alguns aspectos relativos. Uma área de livre comércio refere-se ao processo de integração em que há livre circulação de mercadorias que são produzidas intrabloco, exigindo controle de índices de agregação de valor no interior do bloco econômico. Nesse caso, a circulação se refere-se tão somente à produção, e não aos fatores produtivos, com determinação de ausência de barreiras aduaneiras e de outras ordens para as mercadorias regionalmente produzidas. Estabelecese um livre cambismo mitigado, tendo em vista que a liberdade só é pertinente aos países integrantes do bloco. Sob esse aspecto, as relações de trabalho são determinadas localmente e o mercado de trabalho sofre a concorrência ou aproveita-se das vantagens comparativas em decorrência do mercado externo228. A união aduaneira é um jano bifronte, com uma face voltada internamente para o bloco e outra voltada ao exterior do bloco. Na união aduaneira, além do livre comércio intrabloco, há uma política comercial comum em relação a terceiros países, com estabelecimento de uma tarifa externa comum e um código aduaneiro comum ou harmonizado. As mercadorias importadas de terceiros países por qualquer integrante do bloco passam a ser tratadas como mercadorias do bloco, podendo circular livremente, sem necessidade de controle de índice de produção regional. Nesse estágio, os países perdem a soberania sobre os instrumentos aduaneiros para proteção do mercado de trabalho, relegando essas políticas às instâncias comunitárias229. Por fim, nos mercados únicos, há integração não só dos produtos produzidos no bloco, mas 227 “I argue that Marx's analysis of the putative fundamental social forms that structure the capitalism – the commodity and capital – provides an excellent point of departure for an attempt to ground socially the sistematic characteristics of modernity and indicate that modern society can be fundamentally transformed. Moreover, such an approach is capable of systematically elucidating those features of modern society that, within the framework of theories of linear progress or evolutionary historical development, can seem anomalous: notable are the ongoing production of poverty in the midst of plenty, and the degree to which important aspects of modern life have been shaped by, and become subject to the imperatives of, abstract impersonal forces even as the possibility for collective control over the circumstances of social life has increased greatly” (POSTONE, 1996, p. 4). 228 Um exemplo de área de livre comércio é o North American Free Trade Agreement (NAFTA), formado por Canadá, Estados Unidos e México. O MERCOSUL, em seu atual estágio, é um exemplo de união aduaneira. 229 156 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 também dos fatores de produção: capital e trabalho, e eventualmente terra, com a possibilidade de expansão das fronteiras agrícolas, por exemplo. O mercado de trabalho passa a sofrer a concorrência não só pela via de produtos, mas de oferta de trabalho, mas sob a suposição de que essa migração traga benefícios mútuos sob a vertente da equalização dos preços pela via do mercado230. Ressalte-se que, conquanto a pureza conceitual seja importante para a compreensão da realidade subjacente, esses processos encontram-se no mais das vezes amalgamados em sua realidade, ou com variações de suas vertentes, como ocorre, por exemplo, nos casos de internacionalização da planta produtiva industrial e que tem servido de modelo de desenvolvimento econômico de alguns países da América Latina. Essa internacionalização é conhecida como ―offshorização da produção‖, ―twin plants‖, ou ―indústrias maquiladoras‖. Esse fenômeno pode ocorrer dentro ou fora de um processo de integração econômica, mas ocrrendo dentro, usufrui das vantajosas condições de livre circulação de mercadorias. Nesse caso, o trabalhador não é deslocado, permanecendo em seu país de origem, indo a montanha até Maomé: o capital empresarial emigra a um país para, aproveitando-se dos custos mais baixos (salários, encargos sociais, tributos, fontes energéticas, etc), produzir mercadorias que posteriormente serão direcionados para o país local da sede da empresa, onde serão comercializadas. Pontuadas as questões, passa-se a olhar as matizes desses processos de integração, cujo enfoque especial será a análise da influência econômica sobre os marcos regulatórios da União Europeia e do MERCOSUL. 3. A INTEGRAÇÃO ECONÔMICA NA UE E NO MERCOSUL E REVISÃO CRÍTICA DE SUAS PREMISSAS. União Europeia (UE) e MERCOSUL não se confundem, seja pelas distintas circunstâncias históricas de suas respectivas formações ou pelas diversas matizes que envolvem as vidas dos dois blocos231. A comunitarização, aliás, se caracteriza pela adoção de sistemas abertos, permitindo a agregação de temas diversos, sob o amparo de seu tratado inicial, esses normalmente configurados como umbrella agreements. Nesse passo, tanto em relação à UE quanto ao MERCOSUL, é sempre possível a absorção de outros valores e direitos, que não em sentido econômico e que funcionam ao lado do mercado comum232. Todavia, há uma semelhança primordial entre os blocos: analisando-se seus documentos constitutivos, fácil perceber que, em ambos os casos, o motor da integração é o mercado e seu combustível é econômico. Com efeito, o Tratado de Funcionamento da União Europeia - TFUE, em seus considerandos preambulares, fixa ―(…) como objectivo essencial dos seus esforços a melhoria constante das condições de vida e de trabalho dos seus povos‖, deixando claro que para tanto é mister ―(...) assegurar, mediante uma acção comum, o progresso económico e social dos seus Estados eliminando as barreiras que dividem a Europa‖, 230 231 232 A União Europeia é um exemplo de mercado único. O MERCOSUL foi criado com objetivo de tornar-se um mercado comum. ―Assim, tanto a União Européia como o Mercosul constituem, hoje, dois exemplos de um regionalismo longamente desejado e apenas recentemente conquistado. Claro está, porém, que o alcance dessas duas conquistas não é comparável. A União mostra-se claramente mais representativa em escala continental que o Mercosul, limitado à integração sub-regional. Além disso, a profundidade dos dois processos é díspar; à pergunta 'a Europa é hoje uma união, um continente ou uma ideia?', pode-se responder que ela é, 'sem dúvida, os três'. Quanto ao Mercosul, ele não passa de uma ideia em vias de materialização‖ (VENTURA, 2003, p. XXXV). ―Entendemos que la integración en el caso latinoamericano, aunque motorizada por fines económicos, de desarrollo y bienestar, tien una proyección de convergencias en lo político, social, educativo y cultural.‖ (SAN MARTINO, 1999, p. 85 e 86, nr.131). 157 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 pressupondo o reconhecimento de que ―(...) a eliminação dos obstáculos existentes requer uma acção concertada tendo em vista garantir a estabilidade na expansão económica, o equilíbrio nas trocas comerciais e a lealdade na concorrência‖. É dessas premissas que defluem as disposições de liberdade fundamentais para o funcionamento do mercado comum, sintetizadas no art. 26 do TFUE, especialmente em seu item 2: ―O mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições dos Tratados‖. Por sua vez, a criação do MERCOSUL está justificada, conforme se pode depreender do preâmbulo do Tratado de Assunção – TA, ―Considerando que a ampliação das atuais dimensões de seus mercados nacionais, através da integração, constitui condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social‖ e, em vista disso, seus Estados Partes decidiram constituir um mercado comum, cuja base fundamental é ―A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente‖, plasmado no art. 1º do TA. Por conseguinte, a liberdade fundamental circulatória referente a pessoas, no caso da UE, não é uma liberdade civil, mas sim uma liberdade econômica, referente à dimensão econômica do trabalho, sob a óptica do capitalismo. Logo, o trabalhador só é ―mobilizável‖ na medida em que se insere na lógica capitalista, como fator de produção. Donde sobressai o art. 45 do TFUE: Artigo 45. o (ex-artigo 39. o TCE) 1. A livre circulação dos trabalhadores fica assegurada na União. 2. A livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho. 3. A livre circulação dos trabalhadores compreende, sem prejuízo das limitações justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública, o direito de: a) Responder a ofertas de emprego efectivamente feitas; b) Deslocar-se livremente, para o efeito, no território dos EstadosMembros; c) Residir num dos Estados-Membros a fim de nele exercer uma actividade laboral, em conformidade com as disposições legislativas, regulamentares e administrativas que regem o emprego dos trabalhadores nacionais; d) Permanecer no território de um Estado-Membro depois de nele ter exercido uma actividade laboral, nas condições que serão objecto de regulamentos a estabelecer pela Comissão. Bastante significativo é, aliás, o fato de esse art. 45 estar sistematicamente previsto no Título IV, do TFUE, que trata d'―A livre Circulação de Pessoas, de Serviços e de Capitais‖. Ou seja, a mobilidade do trabalhador está assegurada na mesma medida em que estão a liberdade de circulação de serviços e capitais; e sua proteção ocorre no mesmo diapasão da proteção que é conferida a um investimento ou a um objeto econômico. Como bem observado pelo próprio CASSEN (2005), em referência ao Tratado Constitucional Europeu TCE, ―Num documento em que os seis títulos são, respectivamente, 'Dignidade', 'Liberdades', 'Igualdade', 'Solidariedade', 'Cidadania' e 'Justiça', o fato de a liberdade financeira e de livre-câmbio ser invocada no preâmbulo do documento se reveste de um 158 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 forte significado233‖. No que tange ao MERCOSUL, a clareza redacional de sua disposição fundamental facilita a análise: circulantes são os ―bens, serviços e fatores produtivos‖, e nem poderia ser diferente, uma vez que a via de circulação é o mercado. Notadamente, o fator produtivo – além de capital e, eventualmente, terra – é o trabalho. Parte-se do pressuposto de que a mobilização do trabalho no mercado regionalmente ampliado traria benefícios aos cidadãos do bloco, ―Considerando que los Estados Partes declaran, en el mismo Tratado, la disposición de promover la modernización de sus economías para ampliar la oferta de bienes y servicios disponibles y, en consecuencia, mejorar las condiciones de vida de sus habitantes‖, conforme declarado na Declaração Socio-Laboral do MERCOSUL (SGT N° 10 ―Asuntos Laborales, Empleo y Seguridad Social‖, de dezembro de 1998). É dessa base principiológica donde brotam os direitos do trabalhador, e que não deixam de representar, de certo modo, a dinamização daqueles princípios. Com efeito, e a exemplo, quando a Declaração SocioLaboral do MERCOSUL, em seu art. 1º determina que Todo trabajador tiene garantizada la igualdad efectiva de derechos, tratamiento y oportunidad en el empleo y ocupación, sin distinción o exclusión por motivo de raza, origen nacional, color, sexo u orientación sexual, edad, credo, opinión política o sindical, ideológica, posición económica o cualquier otra condición social o familiar, en conformidad con la disposiciones legales vigentes Nada mais está a fazer do que eliminar as barreiras para a mobilização do trabalho, disposição essa que guarda as mesmas características de outras adotadas na prática do comércio internacional e reservadas a mercadorias, como é o caso do princípio do tratamento nacional, veiculado no art. 3º do GATT234. De fato, a disposição em tela, embora faça apelo à isonomia, nada mais representa que o princípio da não discriminação em razão da origem235, estabelecendo uma paridade entre a ―mercadoria‖ nacional e a internacional, provinda de outro país do bloco. Há uma equiparação formal entre trabalhadores, com imantação do arcabouço jurídico supostamente, mas equiparação a que? De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano 2010, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, países como Brasil e Paraguai apresentam 8,5% e 13,3% de suas populações em situação de pobreza multidimensional, com intensidade de 233 Ainda nesse artigo publicado no sítio eletrônico do Le Monde Diplomatique Brasil, CASSEN (2005) procede a uma interessante análise da estrutura de alguns dos direitos encartados no TCE: ―A Carta não reconhece: o direito ao trabalho, que é substituído pelo "direito de trabalhar" (II-75-1) e pela "liberdade de procurar um emprego" (II-75-2); o direito a uma moradia, substituído pelo "direito a um auxílio moradia" (II-94-3); o direito a um salário mínimo; o direito à igualdade salarial (salário igual para trabalho igual); o direito a uma pensão por aposentadoria; o direito ao divórcio, embora seja reconhecido (II- 69) "o direito de contrair casamento e constituir família"; o direito à contracepção e ao aborto etc. Em compensação, surge, com o novo documento, um direito até aqui ignorado pela legislação francesa e por outros sistemas jurídicos: o direito de greve para os patrões (II-88)!‖ 234 ―4. Os produtos de território de uma Parte Contratante que entrem no território de outra Parte Contratante não usufruirão tratamento menos favorável que o concedido a produtos similares de origem nacional, no que diz respeito às leis, regulamento e exigências relacionadas com a venda, oferta para venda, compra, transporte, distribuição e utilização no mercado interno. Os dispositivos deste parágrafo não impedirão a aplicação de tarifas de transporte internas diferenciais, desde que se baseiem exclusivamente na operação econômica dos meios de transporte e não na nacionalidade do produto‖. 235 Conforme item 2 do art. 1º da Declaração Sociolaboral do MERCOSUL: ―Os Estados Partes comprometem-se a garantir a vigência deste princípio de não discriminação. Em particular, comprometem-se a realizar ações destinadas a eliminar a discriminação no que tange aos grupos em situação desvantajosa no mercado de trabalho‖. 159 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 privação de 46,0% e 48,5%, respectivamente236, entre os períodos de 2000 a 2008. Nesse mesmo período, 27,2% e 46,8% do emprego total ofertado nesses países, respectivamente, são considerados emprego vulnerável237 e 6,2% e 7,3% do emprego total, respectivamente, remuneram o trabalhador com menos de U$ 1,25, por dia. Sob esse prisma, percebe-se nítida modificação do panorama: a não discriminação de fatores de produção em razão da origem – e outras matizes -, veiculada sob as vestes de isonomia formal, tem muito pouco significado, em termos humanos, embora crucial para o projeto de comunitarização do mercado. Equiparar o trabalhador, no mercado ampliado, à situação de vulnerabilidade preexistente no mercado interno, não corresponde verdadeiramente a um direito, ou não ao menos a um direito humano. As perguntas que saltam aos olhos são: a ampliação do mercado é capaz, de per si, de corrigir a desigualdade de acesso aos bens econômicos? O eventual crescimento econômico determinado pela regionalização do mercado responde efetivamente aos anseios de justiça social, como pressupõem os documentos oficiais dos blocos regionais? Asseguram – mercado ampliado e crescimento econômico - isonomia material, com repartição equitativa da produção econômica? Fazem florescer a potencialidade humana e seu desenvolvimento virtuoso? Note-se que a questão principal não é simplesmente o erro ou o acerto da adoção do mercado como forma de distribuição de e acesso a bens e serviços, mas sim sua colocação como eixo determinante dos processos de regionalização e a inserção de liberdades relativas a categorias econômicas antropomorfizadas como valores fundamentais das quais defluem e gravitam os demais valores. E é sob essa perspectiva que todas aquelas outras questões devem ser respondidas. Essa centralidade acaba por relativizar a significação humanística da juridicidade comunitária, redundando na coisificação de direitos fundamentais. A encartar um exemplo, a base fundante do artigo 5º da Declaração Sociolaboral do Mercosul, que assegura que ―Toda persona tiene derecho al trabajo libre y a ejercer cualquier oficio o profesión, de acuerdo con las disposiciones nacionales vigentes‖ é a mesma da que funda o art.3º, alínea ―1‖ do Protocolo de Colônia para Promoção e Proteção Recíproca de Investimentos no MERCOSUL (MERCOSUL/CMC/DEC N° 11/93) que constitui a garantia de que ―Cada Parte Contratante assegurará em todo momento um tratamento justo e equitativo aos investimentos e investidores de outra Parte Contratante e não prejudicará sua gestão, manutenção, uso, gozo ou disposição por meio de medidas injustificadas ou discriminatórias‖. Perceba-se que há imposição de um estatuto protetivo ao capital e ao capitalista, conferindo-se-lhes um tratamento justo e equitativo, proibindo-se, em seguida, qualquer forma de ―aprisionamento‖ do capital, ou seja: o próprio capital – além do capitalista – tem assegurado direito à justiça, à equidade e à liberdade. Dessa forma, ao conferir garantias de mobilidade, de liberdade e de justiça a fatores produtivos, com dispersão da densidade humanística subjacente, o Direito Comunitário, calcado na centralidade mercantilista, subjetiva esses fatores, e, a um só tempo, ontologizando categorias econômicas, mas gerando a dúvida quanto a sua real juridicidade238 e quanto sua vocação para promoção de justiça social239 em razão da 236 De acordo com o referido Relatório, o Índice de Pobreza Multidimensional ―identifica diversas privações nas mesmas famílias, quanto à educação, à saúde e ao padrão de vida‖ e é resultado da multiplicação entre a taxa da polução em situação de pobreza multidimensional e a taxa de intensidade de pobreza, resultando em 0,039 e 0,064 para Brasil e Paraguai, respectivamente. Ainda de conformidade com o Relatório, a População em risco de pobreza multidimensional, no Brasil é de 13,1%, sendo que 5,2% de sua população vivem com rendimento per capita de até U$1,25 por dia. Para o Paraguai, esses números são 15,0% e 6,5%, respectivamente. (PNUD, 2010). 237 ―Percentagem de pessoas empregadas envolvidas em trabalho familiar não pago e trabalho por conta própria‖ (PNUD, 2010, p. 232). 238 “Conotação pejorativa encontra-se, igualmente, na seara econômica: sendo o modelo capitalista ontologicamente cosmopolita, os formões dos fluxos opacos de capitais e de comércio 160 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 contradictio in adjecto sobre a qual o processo de comunitarização econômica se assenta. A liberdade do trabalhador, no contexto da mercantilização, nada mais representa que a liberdade da mercadoria trabalho. Parafraseando Marx (2003): trabalhador livre, solto, solteiro e, acrescente-se, circulante, no contexto da integração regional. Deve-se realçar, entretanto, que a atributividade de livre, solto, solteiro e circulante é uma condição derivada, enquanto ostentar a situação de instrumentalidade do trabalho. Porque o que foi declarado libre foi o trabalho e o que se defere à pessoa é o ― derecho al trabajo libre‖, conforme o supracitado artigo 5º da Declaração Sociolaboral do Mercosul. E ter direito ao trabalho livre não é o mesmo que ter direito à liberdade, à autodeterminação, pois o trabalhador não tem domínio sobre a oferta de emprego e sobre a relação empregatícia. Há simplesmente poder de romper seu contrato de trabalho e trocar sua suserania240, dentro das regras de oferta e procura estabelecidas previamente. Nesse sentido, o trabalhador passa de sujeito de direito a mero objeto, instrumento do trabalho e sua liberdade é apenas um reflexo da livre concorrência de acesso aos fatores de produção. Dado o panorama, fácil perceber que a simples reconfiguração geográfica dos chamados fatores de produtivos, determinada pela livre mobilização, sob determinadas condições, pode até gerar algum crescimento econômico (sob o aspecto quantitativo), mas não resolve os problemas de divisão do trabalho e da renda e aprofunda os problemas da produção (sob o aspecto qualitativo). CONCLUSÕES Dentre as verdades consensuais, ou seja, aquelas verdades que se tornam verdadeiras pela sua contínua repetição e propagação por todos, sem muitos questionamentos, está aquela de que a globalização é um fenômeno inevitável, dentro do qual o ser humano deve simplesmente inserir-se, sob pena de não fazer parte da modal aldeia global. A globalização econômica, motor fundamental da globalização, obviamente não poderia ficar de fora desse imaginário coletivo. Mas globalização a que preço (?), ou, regionalização a que preço? O ser humano tem perdido a oportunidade de estabelecer um projeto consistente de desenvolvimento da humanidade e de suas sociedades ao reproduzir em escala mundial/regional os mesmos erros locais. A insistente tentativa de segregar o desenvolvimento econômico do desenvolvimento humano tem guiado ao crasso erro de trincharam, pouco a pouco, a ficção do poder unidimensional, da soberania absoluta e da unicidade das ordens jurídicas nacionais. É consenso que o poder econômico encontra-se fora do Estado (por vezes, fora até mesmo do campo de visão do Estado). A propósito, grande parte da transnacionalização (no sentido de transposição a uma dimensão não-nacional, formal ou informal) do direito deve-se ao avanço irrefreável da lex mercatoria. Este fluido direito econômicocomercial voga não somente sob a forma de acordos internacionais, mas também se infiltra, tal como a água, em ordens jurídicas nacionais cada vez mais permeáveis. Deste modo, a transnacionalização soaria antagônica ao Estado e ao direito.‖ (VENTURA, 2007, p. 225). 239 O art. 14 da Declaração Sociolaboral do MERCOSUL estabelece que ―Os Estados Partes comprometem-se a promover o crescimento econômico, a ampliação dos mercados interno e regional e a executar políticas ativas referentes ao fomento e criação do emprego, de modo a elevar o nível de vida e corrigir os desequilíbrios sociais e regionais‖. Não bastasse tratar-se de um mero compromisso, sem força vinculativa, estabelece uma obscura relação entre ―crescimento econômico‖, ―ampliação de mercados‖, ―criação de empregos‖ e elevação de níveis de vida e correção de desequilíbrios sociais‖, sem prever os meios ou as formas para que essa equação seja válida. Quais os instrumentos para realizar essa funcionalidade? 240 Não se pode deixar de mencionar que a Declaração Sociolaboral do MERCOSUL contém outras liberdades, essas sim conferidas ao trabalhador, como por exemplo, liberdade de associação (art. 8º), sindical (art. 9º), de negociação coletiva (art. 10), de greve (art. 11), entre outras. Não obstante, mesmo esses direitos quedam relativizados seja pela gravitação em torno da centralidade das liberdades fundamentais conferidas a categorias econômicas, seja porque as políticas relativas ao trabalho no MERCOSUL, são no mais das vezes apenas programáticas, quando não declarativas. 161 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 aprimoramento da técnica sem a correspondência ética. E a despersonalização gerada por esse processo inevitavelmente conduz a sucessivas crises econômicas. Nesse passo, é preciso reconduzir o ser humano à centralidade das discussões econômicas e recolocar o trabalhador, e não seu trabalho, como sujeito econômico, e não mais como mero objeto. BIBLIOGRAFIA ARABACHE, Jorge Saba. MERCOSUL e Mercado de Trabalho: algumas questões para o debate. Texto preparado para o Workshop on Experiences in Processes of Regional Integration and Impacts on Poverty. São Paulo: 2004. Disponível em <www.eclac.org/.../ARBACHEMERCOSUL%20E%20MERCADO%20DE%20TRABALHO.pdf>. Acesso em 03/09/2011. BALASSA, Bela. The Theory of Economic Integration. Londres: Routledge, 2011. BORGEAUD-GARCIANDIA, Natacha. LAUTIER, Bruno. La Personnalisation de la Relation de Domination au Travail: Les Ouvrières des Maquilas et les Employées Domestiques en Amérique Latine. Actuel Marx, 2011/1 n° 49, p. 104-120. Cairn.Info. PUF. BORJAS, George. Economia do Trabalho. Tradução de Brian Taylor. 5ª edição. Porto Alegre: AMGH, 2012. CASTAÑO. Daniel Navarro. 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Sob esse prisma é que se analisa o papel do Direito e da Economia nessa conjuntura socioeconômica, considerando sua complementaridade na mediação das relações sociais contemporâneas. PALAVRAS-CHAVE: Pós-modernidade; Globalização; Direito e economia. POST-MODERN ERA AND GLOBALIZATION: AN INTERDISCIPLINARY APPROACH BASED ON LAW AND ECONOMICS ABSTRACT This article aims to contextualize the post-modern society and the need to achieve an interdisciplinary approach when it comes to issues such as economic and social development, protecting the environment and the actions of economic agents. In this context, concepts are exposed to post-modernity, risk society and consumer society, as well as the contributions of Law and Economics for making decisions about the most appropriate way to use nature for the individual and society. Under this view is that it examines the role of law and economics at this juncture socioeconomic considering their complementarity in the mediation of contemporary social relations. KEYWORDS: Postmodernity; Globalization; Law and economics. 1 INTRODUÇÃO A opção deste estudo por contextualizar de forma sintética o atual momento no qual se insere a sociedade, com vistas a conceitos como modernidade, pós-modernidade ou transmodernidade tem por objetivo situar a discussão acerca da proposta central que é a necessidade de se realizar uma abordagem interdisciplinar quando se trata de assuntos 241 242 243 Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor do Curso de Direito – UDC. Membro do Projeto de Pesquisa ―O papel do Estado na proteção ao meio ambiente e sua intervenção na atividade econômica com vistas ao desenvolvimento sustentável‖. Endereço eletrônico: [email protected]. Acadêmica do 9º Período do Curso de Direito– UDC. Membro do Projeto de Pesquisa ―O papel do Estado na proteção ao meio ambiente e sua intervenção na atividade econômica com vistas ao desenvolvimento sustentável‖. Endereço eletrônico: [email protected]. Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho. Professor do Curso de Direito da Faculdade União Dinâmica das Cataratas – UDC. Endereço eletrônico: [email protected]. 164 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 como o desenvolvimento econômico e social, a proteção ao meio ambiente e a atuação dos agentes econômicos244. Com esse fim, não se propõe o aprofundamento nas teorias sociais fundamentadoras de tal assertiva, tomando-se por marco teórico deste tópico a concepção de pós-modernidade, com a adoção das diversas concepções doutrinárias245 sobre a formulação de novas formas de relações sociais decorrentes do atual estágio da sociedade, entendida em suas dimensões como sociedade de risco246 e sociedade de consumo247. Sob esse prisma é que se analisa o papel do Direito e da Economia nessa conjuntura socioeconômica, considerando sua complementaridade na mediação das relações sociais contemporâneas. 2 A PÓS-MODERNIDADE E O PAPEL DO DIREITO NA NOVA CONJUNTURA SOCIAL Considera-se que a humanidade, atualmente, se encontra em período evolutivo social e econômico denominado por Luiz Fernando Coelho de transmodernidade248, sendo este novo ciclo marcado pela transição da modernidade/pós-modernidade para um estágio posterior, sendo que essa transição não provocou, propriamente, rompimento com o anterior, apenas momento de transição para um futuro incerto e indefinido. Segundo o autor, para compreensão do fenômeno da transmodernidade se faz necessário examinar os vínculos históricos que unem a realidade social atual às épocas anteriores. Nesse contexto249, a passagem da modernidade para a pós-modernidade se dá quando se soma ao domínio da tecnologia o domínio da informação. Nesse mesmo raciocínio, de que o atual momento social decorre da evolução da própria modernidade, encontra-se Boaventura de Souza Santos250-251, para quem vive-se numa sociedade de transição paradigmática que traz desafios por uma nova racionalidade ativa, divorciada de certezas paradigmáticas, movida pela inquietude que ela própria propicia. Segundo o autor, o termo pós-modernidade é equivocado, mas na ausência de outro mais adequado permanece em uso, não caracterizando, entretanto, a ruptura da modernidade, apenas uma transição a estágio ainda desconhecido252. Por esse prisma de evolução ou transição, altera-se drasticamente o modo de vida dos indivíduos, o funcionamento das sociedades e o papel das instituições, dentre elas do Estado. Com o advento do capitalismo pós-industrial e da globalização, com a relativização 244 Conforme Ney Stany Morais Maranhão é preciso se afastar do ideal de análise do Direito apartado de sua ambiência social, cultural, política ou filosófica, adotando, ao contrário, uma visão interdisciplinar que tornará possível uma análise madura e coerente com a complexidade própria do homem. (MARANHÃO, Ney Stany Morais. Responsabilidade civil objetiva pelo risco da atividade: uma perspectiva civil-constitucional. São Paulo: Método, 2010, p. 9) 245 Sobre o tema se utilizarão as obras de Anthony Giddens, Boaventura Souza Santos, Luiz Fernando Coelho e Jean-François Lyotard como orientação doutrinária. 246 Acerca da sociedade de risco, utiliza-se a obra de Ulrich Beck como marco teórico. 247 Para o estudo da sociedade de consumo, utiliza-se a obra de Jean Baudrillard e de Livia Barbosa. 248 Segundo o autor: ―Embora em geral se fale em modernidade para aludir às grandes transformações ocorridas no século passado, as ciências humanas caracterizam a contemporaneidade como pós-modernidade. Mas esta já é em si uma fase de transição, que, ao consolidar-se à medida que se estratificam as novas formas de vida social desenvolvidas nesse período, perde as características historiográficas que a caracterizaram como pós-modernidade, e transformam-se em nova fase. A esta, pelos motivos a seguir expostos, prefiro empregar o termo transmodernidade. (COELHO, Luiz Fernando. Saudade do futuro. 2ª ed., 1ª reimpr.. Curitiba: Juruá, 2010, p. 30). 249 Para o Coelho, ―a modernidade teve seu momento culminante no consumismo, entendido como a necessidade incutida nos indivíduos de buscar incessantemente novos produtos, fomentado pela concepção de riqueza das nações como a capacidade de produzir bens em escala, somando-se a esses fatores o estímulo ao consumo de massa mediante a utilização de meios de comunicação e informação. A utilização da informação proporciona a introdução de novos produtos no mercado de consumo, dotados dos avanços tecnológicos advindos da ciência, produzindo um nova revolução industrial, que caracteriza a pós-modernidade.‖ (COELHO, Luiz Fernando. Saudade do futuro, p. 31-32). 250 SANTOS, Boaventura de Souza. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. Vol. 1. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2005, p. 41-42. 251 Nesse sentido o pensamento de Gilles Lipovetsky, que utiliza o termo ―hipermodernidade‖, caracterizado pela percepção de exacerbação de algumas características da própria modernidade, não sendo percebida uma clara ruptura entre ambas realidades sociais (LIPOVETSKY, Gilles. Em tempos hipermodernos: individualismo, mercado e tecnologia. Trad. Mário Vilela. São Paulo: Barcarolla, 2007). 252 SANTOS, Boaventura de Souza. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática, p. 49. 165 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 das fronteiras geográficas e temporais ocorre uma quebra de paradigma, que determinaria a chegada da pós-modernidade e suas conseqüências para o sistema social. Nessa realidade, tem-se o avanço exponencial das tecnologias de informação e de comunicação, que se consubstancia no fator decisivo para a implementação da sociedade globalizada, na qual a existência de fronteiras geográficas e a contagem do tempo são relativizadas frente à liberdade e celeridade na troca de informações e do conhecimento. Sobre essa transformação da sociedade e a velocidade com que se implementa, Mark Latham253 afirma que, ao contrário das mudanças trazidas pela Revolução Industrial e que foram absorvidas pela sociedade ao longo de várias gerações, a era da informação é incutida em apenas uma, percebendo-se a tendência de definir a sociedade como ela costumava ser, utilizando-se os termos pós-industrial, pós-fordista, pós-tradicional. Essa nova sociedade globalizada, sem precedentes na história da humanidade, potencializa o papel desempenhado pelo Direito, dentro de uma realidade de relativização do papel dos Estados nacionais e a supervalorização da função do mercado global. O Direito encontra então sua função primordial de garantidor da ordem social, apresentando normas para orientar a atuação dos demais atores sociais e econômicos. 3 PÓS-MODERNIDADE E GLOBALIZAÇÃO A utilização do termo globalização se expande a partir da década de 1980, associado aos aspectos financeiros e econômicos que se verificam naquele momento histórico. A partir daí o processo de globalização passou a ser considerado como característica do mundo moderno. Entretanto, o fenômeno não se limita apenas aos aspectos econômicos, financeiros e comerciais. Além das relações econômicas, o processo de globalização envolve as demais áreas da vida social, atuando sobre aspectos sociais, culturais e políticos. Como todo fenômeno complexo, a globalização pode ser estudada sob diferentes aspectos ou dentro de diferentes sistemas. Nota-se, porém, a tendência predominante a estudá-la como uma época histórica; como um fenômeno sociológico; como vitória dos valores liberais; ou como fenômeno socioeconômico. Para o presente estudo, interessa as duas últimas abordagens. A idéia de globalização como superposição dos valores liberais se apresenta como forma de legitimar o sistema capitalista e os ideais liberais na ordem internacional, como único modelo possível de levar o desenvolvimento a todos os países e indivíduos. A abordagem da globalização como fenômeno socioeconômico traz a interação de processos distintos, que afetam as relações sociais no âmbito financeiro, produtivo, comercial e tecnológico em escala internacional. Dessa forma, pode-se conceituar globalização como sendo um processo de integração de mercados locais, regionais e nacionais, formando um grande mercado global, integrado pelos avanços tecnológicos na área da informação e a tendência a adoção de formas padronizadas de cultura, modelos econômicos e relações sociais. A partir da concepção de globalização, cabe trazer algumas observações acerca da definição de mercado. O mercado, segundo a teoria econômica clássica, pode ser conceituado como uma determinada forma de organização, em que predomina a livre formação dos preços, regulada pelo movimento agregado de oferta e procura de bens e serviços disponíveis. Para Ricardo Abramovay254, esse conceito encontra-se ultrapassado e restrito apenas à abordagem economicista do assunto, afirmando que a ênfase no conhecimento do mercado como mecanismo de formação de preços a partir dos quais a sociedade se reproduz e 253 LATHAM, Mark. Terceira via: um esboço. In: GIDDENS, Anthony (Org.). O debate global sobre a terceira via. Tradução: Roger Maioli dos Santos. São Paulo: Editora UNESP, 2007, p. 53. 254 ABRAMOVAY, Ricardo. Entre Deus e o diabo: mercados e interação humana nas ciências sociais. Tempo Social – Revista de Sociologia da USP. [online]. 2004, vol.16, n.2, pp. 35-64. ISSN 0103-2070. Disponível em: <http://www.econ.fea.usp.br/abramovay/artigos_cientificos/2004/Formas%20de%20organiza%E7%E3o%20dos%20mercados.p df>. Acesso em: 07 set. 2009. 166 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 desenvolve, partindo de atributos universais e reconhecidos de maneira dedutiva não traduz a complexidade do fenômeno. Com o avanço da globalização, a concepção de mercado recebe uma carga superlativa, ou melhor, seu espectro de abrangência, antes definido pelas fronteiras geográficas dos diversos Estados nacionais, passa a não obedecer limites espaciais impostos, alcançando o globo terrestre como um todo. Assim considerados, os benefícios e mazelas que o sistema de mercado é capaz de produzir passam a afetar a grande maioria dos países e suas populações, sem respeitar fronteiras e em velocidade nunca vista. Outro efeito que surge com a globalização é a formação de grandes empresas ou conglomerados empresariais transnacionais, com imenso poder econômico, capacidade de investimento e acesso à tecnologia inovadora. Essas empresas, por vezes com capital superior a de muitos Estados nacionais, apresentam-se com capacidade de submeter o mercado global a seus interesses econômicos, seja criando novos mercados, aumentando a demanda ou diminuindo a oferta de seus produtos e serviços. 4 A REESTRUTURAÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS NA PÓS-MODERNIDADE E O PAPEL DO DIREITO A pós-modernidade apresenta uma alteração nas relações sociais como um todo. As teorias evolucionistas tratam a evolução social em termos de grandes narrativas, na forma de uma linha ininterrupta de evolução. Contrário a essa concepção, Jean-François Lyotard255, caracterizado pelo esvaziamento dos grandes relatos, desacreditados pelo sentimento de negação das garantias absolutas dadas anteriormente pela ciência, pela constante busca por novas tecnologias e saberes, pela obsolescência do sentido de progresso. Para Anthony Giddens256, essa teoria não deve ser adotada de forma absoluta, tendo em vista que existiram descontinuidades nessa evolução, marcadamente o que o autor chama de descontinuidades da modernidade, referentes à era moderna. Cabe razão ao autor quando se refere à dimensão das mudanças trazidas pela modernidade, com seu sentido de desvinculação das definições e determinantes tradicionais, vivenciadas na era pré-moderna. Para tanto, define Giddens como três as características principais da modernidade que conduzem à descontinuidade: o ritmo de mudança, o escopo da mudança e natureza intrínseca das instituições modernas257. O Direito258 que se apresenta como um dos pilares das relações individuais e coletivas em todas as etapas do desenvolvimento social, e dotado de maior relevância na pósmodernidade, entendida como uma era de incertezas e riscos. A reestruturação da vida social ou das relações sociais está sempre acompanhada do Direito, seja como regulador dessas relações, seja como orientador das ações futuras ou, ainda, como detentor dos meios coercitivos que fazem com que essas relações alcancem as expectativas geradas e punam aqueles que não respeitem essas orientações. A dificuldade que se apresenta é que, o Direito como sistema lógico, filosófico e sociológico, também sofre as influências da pós255 LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno. 3ª ed.. Trad. Ricardo Corrêa Barbosa. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1988, p. 69 e s. 256 Segundo o autor, ―existem indiscutivelmente descontinuidades em várias fases do desenvolvimento histórico — como, por exemplo, nos pontos de transição entre sociedades tribais e a emergência de estados agrários. Não estou preocupado com estas. O que quero sublinhar é aquela descontinuidade específica, ou conjunto de descontinuidades, associados ao período moderno. Os modos de vida produzidos pela modernidade nos desvencilharam de todos os tipos tradicionais de ordem social, de uma maneira que não tem precedentes. Tanto em sua extensionalidade quanto em sua intensionalidade, as transformações envolvidas na modernidade são mais profundas que a maioria dos tipos de mudança característicos dos períodos precedentes. Sobre o plano extensional, elas serviram para estabelecer formas de interconexão social que cobrem o globo; em termos intensionais, elas vieram a alterar algumas das mais íntimas e pessoais características de nossa existência cotidiana. Existem, obviamente, continuidades entre o tradicional e o moderno, e nem um nem outro formam um todo à parte; é bem sabido o quão equívoco pode ser contrastar a ambos de maneira grosseira. Mas as mudanças ocorridas durante os últimos três ou quatro séculos — um diminuto período de tempo histórico — foram tão dramáticas e tão abrangentes em seu impacto que dispomos apenas de ajuda limitada de nosso conhecimento de períodos precedentes de transição na tentativa de interpretá-las.‖ (GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. Trad. Raul Fiker. São Paulo: Editora UNESP, 1991, p. 10-11). 257 Op. Cit., p. 12. 258 Adota-se a definição de Direito de José Afonso da Silva, trazido como ―sistema normativo orientador da conduta dos indivíduos em sociedade‖. (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 33). 167 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 modernidade, em especial quanto às incertezas acerca do futuro e a exacerbação de determinadas áreas do conhecimento jurídico em detrimento de outras, outrora predominantes259. Como afirma Luiz Fernando Coelho260, a dimensão jurídica da transmodernidade afeta os conceitos, categorias e instituições por meio de seus fatores preponderantes, transformando o que aprende a respeito de norma jurídica, ordenamento jurídico, relação jurídica, Estado e sujeitos de direito, e o papel dos operadores do direito, exigindo a revisão desses conceitos e funções, abrindo novas perspectivas para a hermenêutica jurídica. Para Daniel Sarmento261 a influência da pós-modernidade no Direito ainda é incerta e gera controvérsias, podendo ser destacado o movimento em direção ao relativismo em contrapartida ao universalismo anterior, valorizando tradições locais e culturas jurídicas nãoocidentais. Ademais, o Direito pós-moderno é contrário à abstração conceitual e à axiomatização, preferindo o concreto ao abstrato, o pragmático ao teórico, rejeitando as grandes categorias jurídicas (direito subjetivo, interesse público, etc.). Direito e Justiça retomam concepções antigas, com o retorno da tópica e da retórica jurídicas. Reconhecemse cada vez mais as fontes não-estatais do Direito. E segue o autor afirmando que o Direito pós-moderno pretende ser mais flexível e adaptável às contingências sociais, afastando-se do caráter coercitivo e sancionatório da Modernidade. Por esse novo modelo, o Estado atua não no sentido de impor ou proibir condutas simplesmente, mas de negociar, induzir, incitar comportamentos. Na resolução de conflitos surge a tendência de utilização de mecanismos substitutivos do Judiciário, como a mediação e a arbitragem262. 5 SOCIEDADE DE RISCO E SOCIEDADE DE CONSUMO: EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SUAS INCERTEZAS Como dito nos tópicos anteriores, o atual estágio da sociedade contemporânea, seja este considerado como pós-modernidade, transmodernidade ou modernidade tardia263, traz consigo novas demandas e perspectivas no âmbito das relações sociais. Perspectivas estas que internalizam elementos decorrentes do processo de globalização e de modernização264. Nesse contexto social, percebe-se a existência de características marcantes que, analisadas separadamente podem ser consideradas como determinantes dessa nova sociedade, a exemplo do que se denomina de sociedade pós-industrial, da informação, de consumo, de risco265. Para fins deste trabalho, adota-se o posicionamento de que estas definições são parte ou dimensões da mesma realidade social – a pós-modernidade – sendo assim estudadas, em especial as denominadas sociedade de consumo e sociedade de risco. Ademais, sendo essas dimensões intrínsecas à realidade social pós-moderna, essas serão objeto de análise interdependente, correlacionadas, pois, em suas características e definições. Para Teresa Ancona Lopez266, a sociedade vive com medo e os meios para controle dos diversos riscos são ilusórios, servindo apenas para apaziguar psicologicamente seus 259 COELHO, Luiz Fernando. Saudade do futuro, p. 93. Op. cit., p. 79-80. SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 40-43. 262 Idem, ibidem. 263 BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Trad.: Sebastião Nascimento. São Paulo: Ed. 34, 2010, p. 11. 264 O conceito adotado pelo estudo é o de Ulrich Beck, para quem modernização significa ―o salto tecnológico de racionalização e transformação do trabalho e da organização, englobando a mudança dos caracteres sociais e das biografias padrão, dos estilos e formas de vida, das estruturas de poder e controle, das formas políticas de opressão e participação, das concepções de realidade e das normas cognitivas.‖ (BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade, p. 23). 265 Segundo Anthony Giddens, ―uma estonteante variedade de termos tem sido sugerida para esta transição, alguns dos quais se referem positivamente à emergência de um novo tipo de sistema social (tal como a "sociedade de informação" ou a "sociedade de consumo"), mas cuja maioria sugere que, mais que um estado de coisas precedente, está chegando a um encerramento ("pós-modernidade", "pós-modernismo", "sociedade pós-industrial", e assim por diante).‖ (GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade, p. 8). 266 LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 22. 260 261 168 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 membros, considerando que o risco, em verdade, só existe se a sociedade o percebe como tal. Sem a construção social dos diversos tipos de riscos eles simplesmente não existiriam, pois, num primeiro momento o risco é uma abstração da coletividade, com fundamentos verdadeiros ou não, com papel essencial da mídia, ou seja, dos canais de informação de massa, na formação desse medo. Já a verdadeira ideia de risco é a incerteza do que ainda está por vir em decorrência do avanço científico e tecnológico, considerando que essa incerteza nasce com a globalização e se alimenta da comunicação em tempo real. Como prelúdio da análise da sociedade de risco da forma proposta por Ulrich Beck, cabe uma breve inserção do atual estágio da sociedade sob o ponto de vista desse autor, em especial ao que se refere à modernização, idealizada em dois momentos: modernização simples e modernização reflexiva267. Percebe-se o sentido de evolução dado pelo autor a ambos conceitos de modernização, determinando dois momentos distintos inseridos no contexto do que se denomina de modernidade. O que ocorre é a exacerbação ou potencialização dos efeitos da modernização original, com a adoção das formas sociais industriais por essa outra modernidade, retirando da sociedade sua formação dividida em classes sociais, gêneros e funções para uma sociedade denominada de sociedade de riscos, com potencial de autodestruição. Nessa sociedade altamente desenvolvida no aspecto produtivo e tecnológico, característico da modernidade reflexiva, é que surge o conceito de sociedade de risco, na qual a distribuição de riquezas decorrente da primeira modernização e, consequentemente da primeira modernidade, dá lugar à distribuição de riscos, decorrentes da modernização reflexiva e da segunda modernidade ou pós-modernidade. Essa nova realidade social se consuma, ainda segundo Beck, quando a autêntica carência material é objetivamente reduzida e socialmente isolada pela evolução das forças produtivas e avanços técnicocientíficos, bem como pelas garantias jurídicas vigentes. E, decorrentes dessas circunstâncias de modernização exacerbada, são criados e desencadeados riscos, reais e potenciais, em medidas jamais vistas e desconhecidas no contexto social268. A par da sobreposição da distribuição de riscos frente à distribuição inicial de riquezas trazida pela modernização, o próprio conceito de risco, concebido em momentos anteriores sofre uma alteração em sua essência. Na pós-modernidade o risco tem nova definição e abrangência. O risco nessa nova conjuntura social é apresentado por Giddens269 como inerente à globalização quanto à sua intensidade e capacidade de ameaçar a sobrevivência da própria humanidade, bem como quanto à expansão do número de eventos potencialmente danosos, sendo esses novos riscos derivados das ações humanas e conhecidos de grande parte da coletividade. Por fim, refere-se o autor à consciência da limitação da ciência como provedora de certeza quanto aos riscos e à sua evitabilidade. Teresa Ancona Lopez270, em conformidade com as ideias de Giddens e Beck, afirma que estamos frente a frente com novos riscos, à evidência que perigos sempre existiram desde a antiguidade, entretanto não existia o conceito de risco271. Beck272 trata desses novos riscos, 267 Conforme Beck: ―Se, no fundo, a modernização simples (ou ortodoxa) significa primeiro a desincorporação e, segundo, a reincorporação das formas sociais tradicionais pelas formas sociais industriais, então a modernização reflexiva significa primeiro a desincorporação e, segundo, a reincorporação das formas sociais industriais por outra modernidade. Assim, em virtude do seu inerente dinamismo, a sociedade moderna está acabando com suas formações de classe, camadas sociais, ocupação, papéis dos sexos, família nuclear, agricultura, setores empresariais e, é claro, também com os pré-requisitos e as formas contínuas do progresso técnico-econômico. Este novo estágio, em que o progresso pode se transformar em autodestruição, em que um tipo de modernização destrói outro e o modifica, é o que eu chamo de etapa da modernização reflexiva. (BECK, Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In: BECK, Ulrich et. al. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Trad.: Magda Lopes. São Paulo: UNESP, 1997, p. 12). 268 BECK, Ulrich. Sociedade de risco, p. 23. 269 GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade, p. 111-112. 270 LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil, p. 22. 271 A autora traz em sua obra uma interessante e didática distinção conceitual entre risco, álea e perigo. Trata do perigo como tudo aquilo que ameaça ou compromete a segurança de uma pessoa ou uma coisa, sendo conhecido e concreto. Álea, por sua vez, é um acontecimento totalmente inevitável para o qual não há, geralmente, possibilidade de previsão, sendo que os perigos daí advindos são incalculáveis. São decorrentes, em sua maioria de ventos da natureza mas podem decorrer da ação humana quando do uso de produtos ou desempenho de atividades. Já o risco é o perigo eventual, mais ou menos previsível, diferente da álea (imprevisível) e do perigo (concreto), ou seja, é abstrato. (LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil, p. 24-25). 169 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 afirmando que a noção de risco advém da era moderna, diferenciando-se nesta pela desconexão do seu sentido pessoal e até romântico, tida a assunção de riscos como sinal de ousadia e aventura. Já em sua nova essência, característica da pós-modernidade, os riscos assumem caráter global, com potencial de atingir a humanidade como um todo e não apenas aqueles diretamente envolvidos na atividade de risco, bem como se destaca do romantismo de antes para assumir o potencial de autodestruição da vida no planeta. Em síntese, a noção pós-moderna de risco traz em seu conteúdo as ideias de probabilidade273 e incerteza, apresentando-se, entretanto com vários significados, podendo variar de graus e sentidos, existindo riscos e não o risco. Há riscos morais, sociais, políticos, econômicos, médicos, hospitalares, de desenvolvimento, do credor, do devedor, etc., sendo a incerteza seu sentido nuclear. No seu sentido jurídico, risco é tratado como acontecimento danoso futuro e incerto, o que permite concomitantemente conter os eventos previsíveis ou não e atribuir a cada um deles o devido tratamento. Risco não é conceito normativo, como a culpa, que implique um julgamento de valor sobre a conduta humana, sendo, por outro lado descritivo e objetivo274. No âmbito do Direito Civil das Obrigações, em especial no Direito contratual, o risco se refere aos prejuízos que um dos contratantes pode sofrer ou já sofreu, significando que, suportar o risco é sofrer o prejuízo, suportando o dano. Mas foi na responsabilidade civil que a noção de risco ganha relevância. Com a maquinização e a invenção do automóvel, no início do século XX, percebeu a doutrina jurídica que a vítima do dano se encontrava desprotegida pela adoção da culpa como único fundamento da responsabilidade civil, sendo necessária a evolução com objetivo de proteger as pessoas dos crescentes danos ocasionados. Surge dessa necessidade a teoria do risco, que fundamenta a responsabilidade civil não mais na culpa exclusivamente, mas no risco que correm as pessoas decorrentes do uso de veículos e máquinas275. A teoria do risco invade outros campos do Direito, atendendo a outros setores sociais como as relações de consumo e o meio ambiente, tendo sempre como ideia central o perigo ou ameaça de dano a que estão expostas as pessoas em decorrência de certas atividades potencialmente perigosas. Permanece a distinção entre risco e dano ou prejuízo, sendo o risco a possibilidade de ocorrência do dano ou do prejuízo. A noção jurídica de risco se afasta de sua concepção econômica, apesar de ter na economia sua origem, considerando a ideia de que aquele que lucra com a atividade perigosa ou potencialmente danosa deve arcar com os prejuízos advindos dessa atuação. Percebe-se, desde esse momento, que o Direito cada vez mais busca tutelar os novos riscos advindos da evolução social, adentrando aos campos da saúde, dos alimentos, do ambiente e, consequentemente na seara das relações de consumo276. Assim, é possível caracterizar a sociedade de risco trazida por Beck, inserida como dimensão da pós-modernidade, como realidade na qual os riscos advindos da modernização reflexiva e exacerbada, somada à globalização dos meios de produção e mercados e aos avanços técnico-científicos, assumem proporções globais e de autodestruição da espécie humana, socializados entre todas as classes e gêneros, não distinguindo em seus efeitos ricos ou pobres, desenvolvidos ou subdesenvolvidos, escassez ou fartura. Como é perceptível a resposta que o Direito busca dar às novas demandas surgidas no atual estágio da sociedade, adentrando e tutelando interesses antes deixados à autonomia da vontade dos negócios privados, sempre na tentativa de proteger as vítimas de danos ou prejuízos, bem como, no caso do Direito do Consumo, a parte mais fraca da relação jurídica. O paradoxo dessa realidade social contemporânea está na evolução da ciência e seus efeitos. A ciência também se torna reflexiva no sentido de que o que já foi comprovado 272 BECK, Ulrich. Sociedade de risco, p. 25-27. Conforme definição do Dicionário Aurélio on-line, probabilidade tem o seguinte significado: razão ou indício que faz supor a verdade ou possibilidade de um fato. Adota-se, portanto, essa definição quando tratar-se do sentido comum de probabilidade. (Disponível em: <http://www.dicionariodoaurelio.com/Probabilidade>. Acesso em: 19 jul. 2011). 274 LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil, p. 24. 275 LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil, p. 27-28. 276 Op. cit., p. 28. 273 170 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 cientificamente outrora, passa por novo processo de comprovação, também científico, sendo muitas vezes refutado o resultado anterior277. A ciência moderna tinha seus fundamentos em modelos causalistas, marcada pela crença na previsibilidade das relações de causa e efeito, na linearidade da temporalidade e em uma certa previsibilidade do futuro. Em contraponto, a ciência na sociedade pós-moderna encontra-se inserida em um contexto de incerteza e complexidade, marcada pela ausência de linearidade nas relações causais e o constante enfrentamento de questões relacionadas a sistemas hipercomplexos, demonstrando a importância da separação das noções de risco e perigo278. Como defende Ulrich Beck279, a definição de perigo depende de uma construção cognitiva e social, sendo que na sociedade de risco essas ameaças escapam da percepção sensorial e do imaginário dos indivíduos e, por conseguinte, da sociedade, como também não são determináveis pelo saber científico. Dessa afirmação decorre a compreensão de que a sociedade de risco tem como característica a incerteza. Incerteza quanto aos riscos, quanto às ameaças desses decorrentes e, por fim, quanto aos próprios resultados da ciência, seja na propositura de novas tecnologias, seja na garantia de segurança dessas inovações. Esse posicionamento é compartilhado por Boaventura Souza Santos280, para quem a crise do paradigma dominante é resultado de diversos condicionantes, dentre os quais se destaca a observação das limitações e insuficiências do paradigma científico moderno como resultado dos avanços da própria ciência, que ao se aprofundar revela a fragilidade de seus pilares fundamentais. Mediando essa situação tem-se a confiança281 - dos indivíduos e da sociedade de modo geral – depositada na ciência como sistema de certificação ou sistema perito, na concepção de Anthony Giddens282. Entretanto, essa credibilidade da ciência que proporciona o sentimento de confiança da sociedade acaba por ser relativizada frente à modernização reflexiva característica da pós-modernidade e da sociedade de risco. Na sociedade de risco, conforme define Beck283, quebra-se o monopólio da racionalidade das ciências, tornando-se contraditório o desenvolvimento técnico-científico. A ciência é ao mesmo tempo, causa, expediente definidor e fonte em relação aos riscos e em decorrência disso acaba por conquistar novos mercados de cientificização. Dito de outro modo, o desenvolvimento técnico-científico exacerbado da pós-modernidade é o causador da maior parte dos novos riscos, concretos e potenciais. A esses riscos têm na ciência também, a resposta na busca de soluções. Surge um círculo ininterrupto de certezas e incertezas, definições e contra-definições, problemas e soluções. Essa conjuntura, quando percebida pelo indivíduo ou pela sociedade, abala o sentimento de confiança antes depositado no conhecimento científico. Quando não percebida, considerando os riscos potenciais, aqueles não definidos cientificamente ou aqueles imperceptíveis pela cognição da sociedade, esta permanece às escuras, confiando em premissas não verdadeiras ou comprováveis. 277 Para Giddens, ―mesmo os filósofos que mais ferrenhamente defendem as reivindicações da ciência à certeza, tais como Karl Popper, reconhecem que, como ele o exprime, ‗toda ciência repousa sobre areia movediça‘. Em ciência, nada é certo, e nada pode ser provado, ainda que o empenho científico nos forneça a maior parte da informação digna de confiança sobre o mundo a que podemos aspirar. No coração do mundo da ciência sólida, a modernidade vagueia livre. Nenhum conhecimento sob as condições da modernidade é conhecimento no sentido ‗antigo‘, em que ‗conhecer‘ é estar certo. (GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade, p. 40). 278 CARVALHO, Délton Winter. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 135-136. 279 BECK, Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva, p. 17. 280 SANTOS, Boaventura de Souza. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática, p. 68. 281 Utiliza-se aqui a definição de Anthony Giddens, para quem ―a confiança pode ser definida como crença na credibilidade de uma pessoa ou sistema, tendo em vista um dado conjunto de resultados ou eventos, em que essa crença expressa uma fé na probidade ou amor de um outro, ou na correção de princípios abstratos (conhecimento técnico). (GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade, p. 36) 282 Por sistemas peritos Giddens se refere ―a sistemas de excelência técnica ou competência profissional que organizam grandes áreas dos ambientes material e social em que vivemos hoje.‖ (GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade, p. 30). 283 BECK, Ulrich. Sociedade de risco, p. 235. 171 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Nesse contexto se faz necessária a configuração de um novo paradigma, ainda sob o manto da especulação com relação ao futuro, conforme Boaventura Souza Santos284 que o denomina de paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente. Para o autor, a natureza dessa nova revolução científica é diferente daquela observada na passagem para a modernidade, pois ocorre numa sociedade já revolucionada pela ciência, não sendo permitido apenas um novo paradigma científico, mas exige também um novo paradigma social. A pós-modernidade como espaço de transição da sociedade moderna para um futuro desconhecido e incerto, traz como característica perceptível a sua natureza consumista, ou melhor, a internalização de uma sociedade de consumo285. A concepção de sociedade de consumo utilizada engloba aspectos sociológicos como o consumo de signos286-287, consumo de massa, alta taxa de consumo e de descarte de produtos, obsolescência e sentimento de insaciabilidade, bem como o surgimento do consumidor, no papel central da atividade social288. Como realidade específica, a sociedade de consumo precisa ser analisada quanto ao seu aspecto sociológico diferenciador. A atividade de consumo em si, como forma de satisfação de necessidades – básicas e/ou supérfluas – está presente em todas as formas conhecidas de sociedade humana como modo de reprodução física e social289. Entretanto, apenas na pós-modernidade, em sua dimensão como sociedade de consumo, verifica-se a posição central da atividade de consumir, preenchendo uma função que vai muito além da satisfação de necessidades materiais e sociais, comuns a todas as sociedades. É neste estágio da sociedade contemporânea que o consumo serve de instrumento de análise da própria realidade social290. Essa centralidade da atividade de consumo como instrumento de verificação social precisa ser por sua vez avaliada por sua interdisciplinaridade. Isso considerando que o consumo é objeto de estudo de diversas áreas do conhecimento. Este trabalho se restringirá a abordar a atividade de consumo pelo prisma da antropologia, da economia e do direito. A antropologia traz duas teorias principais e concorrentes para explicar a atitude do consumidor: a teoria higiênica ou materialista e a teoria das necessidades por inveja, ambas aqui sintetizadas sob a perspectiva de Mary Douglas e Baron Isherwood291. Conforme os autores, a primeira determina que as necessidades reais e básicas do ser humano são as físicas, cuja satisfação são priorizadas em detrimento das daquelas materiais. A segunda teoria tenta explicar o consumo pelo sentimento de inveja que grassa entre os indivíduos, sendo que sempre uma pessoa busca suplantar a outra em bens e comodidades através da aquisição desses. Os mesmos autores, analisando a posição da Economia frente à atividade de consumo afirmam que, por sua matriz cartesiana, a ciência econômica apenas se reduz ao exame 284 SANTOS, Boaventura de Souza. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática, p. 74. 285 Para Livia Barbosa, ―sociedade de consumo é um dos inúmeros rótulos utilizados por intelectuais, acadêmicos, jornalistas e profissionais de marketing para se referir à sociedade contemporânea. Ao contrário de termos como sociedade pós-moderna, pós-industrial e pós-iluminista – que sinalizam para o fim ou ultrapassagem de uma época – sociedade de consumo, à semelhança das expressões sociedade da informação, do conhecimento, do espetáculo, de capitalismo desorganizado e de risco, entre outras, remete o leitor para uma determinada dimensão, percebida como específica e, portanto, definidora, para alguns, das sociedades contemporâneas.‖ (BARBOSA, Livia. Sociedade de consumo. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010, p. 7). 286 BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Trad. Artur Morão. Reimp. Lisboa (PT): Edições 70, 2010, p. 25. 287 Analisando a obra de Baudrillard, Verlaine Freitas afirma que é possível distinguir três conceitos: signo, significante e significado. Signo designa qualquer coisa, objeto, imagem ou ideia capaz de representar outra coisa qualquer. O signo possui uma dualidade, um substrato material (significante) e um substrato ideacional ou conceitual (significado). (FREITAS, Verlaine. O código social da obsolescência: um estudo de A sociedade de consumo, de Jean Baudrillard. In: Sociedade e Consumo: múltiplas dimensões da contemporaneidade. Solange Maria Pimenta (coord.). Curitiba: Jurua, 2010, p. 80). 288 Nessa perspectiva, a sociedade de consumo em sua definição vai além daquela definida inicialmente por Jean Baudrillard por um tipo específico de consumo (consumo de signo ou commodity sign), para adotar contornos mais ampliados (BARBOSA, Livia. Sociedade de consumo, p. 8). 289 BARBOSA, Livia. Sociedade de consumo, p. 7. 290 BARBOSA, Livia. Sociedade de consumo, p. 14). 291 DOUGLAS, Mary e ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Trad. Plínio Dentzien. 1ª Ed., 2ª reimpr. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009, p. 53 e s. 172 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 utilitarista do consumo. Por esse prisma, o consumidor atuaria sempre de modo racional, considerando necessidades e utilidade dos bens, reagindo a fatores externos como oferta e demanda, preço e renda, determinando com base nesses elementos, de forma racional, a aquisição de bens. A crítica ao posicionamento clássico da doutrina econômica está na simplificação do objeto de análise, retirando dessa, fatores intrínsecos ao ser humano292. Passando para fatores externos que caracterizam o surgimento da atual sociedade de consumo, influenciando diretamente o consumidor em sua manifestação, Livia Barbosa293, se atém a dois em especial: a passagem do consumo familiar para o consumo individual e a transformação do consumo de pátina para o consumo de moda294. A adoção desses fatores como primordiais tem o condão de sintetizar algumas das teorias mais utilizadas para explicar a sociedade de consumo. Nos dizeres da autora, nas sociedades pré-modernas ou tradicionais a produção de bens era destinada ao consumo da própria família como meio de satisfação de suas necessidades de reprodução física e social. As sociedades de então eram compostas por grupos sociais definidos e estratificados, com seus padrões próprios de consumo aos quais se subordinavam as escolhas individuais, reguladas por leis suntuárias, que autorizavam ou proibiam o consumo de bens por determinados grupos295. O segundo aspecto, o abandono do consumo de pátina pela adoção do consumo de moda, também se vincula ao abandono da tradição. No consumo de pátina, tem-se a percepção de um ciclo de vida mais longo dos objetos, conferindo ao seu uso a tradição e status a seus proprietários, legitimando sua posição em uma sociedade estratificada socialmente. Ao contrário, o consumo de moda, característico da pós-modernidade, é expressão da valorização do novo e do individual em detrimento do tradicional296. Em síntese, o que se percebe é a mutação do consumo de grupo, tradicional em relação aos bens, que se apresentam com vida útil maior e concedem aos proprietários status social por esse motivo, para o consumo individual, sempre em busca de inovações e cujos bens são de uso temporário e presente, com ciclo de vida precário e, justamente por essa constante busca por novidades, também indicam o posição social de seus proprietários. O indivíduo, consumidor moderno, alcança posição de relevância na sociedade pósmoderna não pela utilização de bens de tradição aristocrática, mas pelo consumo de novos produtos, transformados em signos, cujo uso se restringe no tempo, levando à busca constante por novos produtos, sendo o valor de representação daqueles o fator indicativo da situação social do indivíduo. A partir da alteração desses padrões, com o consumo individualizado e ávido por inovações tecnológicas, elevado a fator preponderante da inserção do indivíduo na sociedade é que se conforma a atual sociedade de consumo, na qual os signos ou objetos vão além da sua dimensão material de uso, encampando uma dimensão ideal de representação297. Como afirma Baudrillard298, vive-se o tempo dos objetos, no qual a existência do ser humano é ditada pelo ritmo desses e em conformidade com sua sucessão permanente, sendo que, atualmente, o homem assiste ao seu nascimento e morte, enquanto que, em épocas anteriores eram os objetos que sobreviviam às gerações humanas. Nessa realidade social contemporânea despontam novos atores centrais – o consumidor299 e o fornecedor300 – 292 DOUGLAS, Mary e ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo, p. 57 e s. BARBOSA, Livia. Sociedade de consumo, p. 18 e s. Livia Barbosa ainda enumera mudanças generalizadas que influenciaram no surgimento da sociedade de consumo: a) surgimento a partir do séc. XVI da oferta de novas mercadorias, fruto da expansão ocidental para o oriente. Muitos desses produtos ou bens não eram de necessidade básica, mesmo para a época; b) no campo cultural, o surgimento do romance ficcional moderno, a prática da leitura silenciosa, busca por novas formas de lazer, construção de uma nova subjetividade, valorização do romantismo e a expansão da ideologia individualista; e c) o desenvolvimento de novos processos e modalidades de consumo, a criação de modernos sistemas e práticas de comercialização com objetivo de atingir novos mercados consumidores. (BARBOSA, Livia. Sociedade de consumo, p. 19). 295 BARBOSA, Livia. Sociedade de consumo, p. 20. 296 BARBOSA, Livia. Sociedade de consumo, p. 24-25. 297 BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 50-51. 298 BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 14. 299 Consumidor é qualquer pessoa física ou jurídica que, isolada ou coletivamente, contrate para consumo final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de bens, bem como a prestação de um serviço. (FILOMENO, José Geraldo Brito. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p.32). 293 294 173 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 partes de uma nova espécie de relação jurídica – a relação de consumo301. Some-se à dimensão de consumo, a dimensão de risco da Sociedade Pós-moderna e desse resultado ou fatores percebe-se a necessidade de evolução do próprio ordenamento jurídico contemporâneo, adotando medidas punitivas, protetivas e preventivas quanto às ameaças e danos advindos das novas relações sociais resultantes. Com relação ao aspecto jurídico dessa concepção social, Paulo de Bessa Antunes302 argumenta que a ordem jurídica do capitalismo está fundada na possibilidade dada a cada indivíduo de integrar o mercado na posição de vendedor ou de comprador de mercadorias, sendo que a economia de mercado, para sua reprodução, exige uma rápida circulação de bens e produtos, entretanto, esse fluxo não é aleatório. A movimentação de bens é normatizada pelo Direito, que cria mecanismos para tanto. O Direito, então, enfrenta um novo desafio: a proteção do consumidor como fenômeno jurídico desconhecido no passado e que, a partir do século XX, quando o homem passa a viver em função de um novo modelo associativo, a sociedade de consumo, que se caracteriza por um número inédito e crescente de produtos e serviços disponibilizados, pelo domínio do crédito e do marketing, pela dificuldade de acesso à justiça. Essa nova sociedade leva à criação do Direito do Consumidor como disciplina jurídica autônoma303. Consumir é assumir os riscos advindos da criação, fabricação e disponibilização de novas tecnologias e produtos no mercado, características da sociedade de risco e de consumo. Dessa forma é possível resumir, conforme Délton Winter de Carvalho304, que ―o risco é a polaridade positiva da forma risco/perigo‖, sendo que a primeira distinção que se faz é do risco como tudo aquilo que não é certo, mas também não é impossível. Nessa separação, surge a questão da probabilidade305. Assim o risco é modo de relação com o futuro, segundo a determinação das indeterminações com base na diferença entre probabilidade e improbabilidade. Sob essa perspectiva, o risco sempre envolve uma tomada de decisão, enquanto o perigo decorre da perspectiva do agente passivo ou da vítima, ocasionando frustrações por eventos exteriores. Para Giselda Hironaka306 o homem atual detém o domínio da teoria das probabilidades, apresentando melhores condições de administrar o risco. Por essa razão, passa a adotar uma postura de maior ousadia em suas ações pessoais ou em suas atividades profissionais, impulsionando o desenvolvimento científico e econômico. Esse diferencial do ser humano contemporâneo se funda na sua maior racionalidade em contraponto à superstição do 300 Fornecedor é qualquer pessoa física, ou seja, qualquer um que, a título singular, mediante desempenho de atividade mercantil ou civil e de forma habitual, ofereça no mercado produto ou serviços, e a jurídica, da mesma forma, mas em associação mercantil ou civil e de forma habitual. (FILOMENO, José Geraldo Brito. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p.47). 301 Relações de consumo são relações jurídicas por excelência, pressupondo, por conseguinte, dois polos de interesse: o consumidor-fornecedor e a coisa, objeto desses interesses, o que no caso consiste em produtos e serviços. (FILOMENO, José Geraldo Brito. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p.50). 302 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 12ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 214.. 303 GRINOVER, Ada Pellegrini e BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 6. 304 CARVALHO, Délton Winter. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental, p. 70. 305 Nesse momento, trata-se a questão da probabilidade sob ponto de vista científico, sendo necessário indicar algumas definições dadas pela Matemática sobre o tema. Conforme Paulino, Turkman e Murkeira, a inferência clássica repousa teoricamente na interpretação frequentista de probabilidade segundo a qual a probabilidade de um evento é a frequência relativa limite de ocorrência do evento numa sequência infinita de repetições da experiência em questão. Este conceito de probabilidade é inaplicável quando o evento diz respeito a uma afirmação sobre alguma característica atual da população em análise ou sobre alguma situação futura. Daí a necessidade de abarcar visões de probabilidade menos restritivas que a visão frequentista, sob pena de ficar reduzida a poucas aplicações, comprometendo a sua utilidade na realização de inferências. Os conceitos subjetivos e lógico de probabilidade têm como ponto comum a característica de representarem graus de crença, condicionados a informação disponível, numa proposição. Uma probabilidade subjetiva é uma medida de grau de crença, específico de um indivíduo. Como tal, pode variar de indivíduo para indivíduo, até porque a informação que cada um possui é geral e rigorosamente diferenciada. Sendo assim, esse conceito não acomoda a idéia de um dado volume de informação estar associado a um grau de crença único. Em oposição, o conceito lógico de probabilidade ao representar uma medida de um grau de implicação de uma proposição pela informação disponível, traduzindo assim um grau de crença objetivo, que todo o indivíduo racional necessariamente deve possui, já partilha daquela característica de unicidade. Este conceito estende o argumento da lógica tradicional ao pretender quantificar o grau intermédio de implicação da proposição pela informação existente quando esta não permite concluir pela veracidade ou falsidade daquela. (PAULINO, Carlos Daniel, TURKMAN, Maria Antónia Amaral, e MURKEIRA, Bento. Estatística bayesiana. Lisboa-Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 71-76). 306 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta, p. 107. 174 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 homem antigo, bem como na sua opção pelo progresso e evolução em detrimento da tradição e dos costumes. Nesse cenário surge o princípio da precaução, que tem sua origem no Direito Alemão no início da década de 1970 e foi uma de suas maiores contribuições para o Direito Ambiental. Nesse período desperta a preocupação com a necessidade de avaliação prévia das consequências ambientais dos projetos e empreendimentos em curso ou em vias de implantação. Na sua formulação original, o princípio estabelecia que a precaução iria desenvolver em todos os setores da economia processos que reduzissem significativamente as cargas ambientais, principalmente aquelas decorrentes de substâncias perigosas. Com o passar do tempo, outras concepções foram sendo construídas e, em curto espaço de tempo o princípio da precaução foi recepcionado pelo Direito Internacional, inserindo-se também nos ordenamentos internos de diversos países, incluído o Brasil307-308. Na dogmática do direito ambiental, a produção de riscos concretos e abstratos pela sociedade pós-industrial (pós-moderna na concepção deste estudo) acarreta a criação de riscos ambientais e, como resposta jurídica, cuja ilicitude ocorre a partir da juridicização da noção de prevenção em sentido amplo, que abrange os princípios da prevenção (riscos concretos) e da precaução (riscos abstratos)309. Assim, tanto a prevenção quanto a precaução constituem medidas antecipatórias com objetivo de evitar o dano, projetando-se para o futuro, diferentemente da reparação que se refere ao passado, atuando depois do acontecimento do dano. A diferença entre precaução e prevenção está na antecipação de riscos potenciais e riscos provados, respectivamente310. A prevenção lato sensu faz a intermediação entre o risco e decisão a ser tomada, entendida como uma preparação contra danos futuros não seguros (contingência), buscando que a probabilidade de ocorrência ou a dimensão dos possíveis danos sejam diminuídas. Essa diferenciação entre prevenção e precaução pode ser utilizada como resposta diferenciada para a gestão dos riscos industriais e pós-industriais, respectivamente311. Mas diversas são as concepções da definição e abrangência do princípio da precaução. Para José Rubens Morato Leite312, com base no princípio da precaução, sempre que houver perigo da ocorrência de um dano grave e irreversível, a ausência de certeza científica absoluta não deverá ser como razão para adiar a adoção de medidas eficazes com objetivo de evitar a degradação ambiental. Ao comparar a precaução com a prevenção, o autor afirma que, no segundo caso exige que os perigos comprovados sejam eliminados, já na precaução, exige-se que a eliminação de possíveis impactos danosos ao ambiente seja realizada antes do estabelecimento científico do nexo causal entre a atividade e o dano, provável ou concreto313. Na concepção trazida por Teresa Ancona Lopez314, o princípio da precaução, como princípio jurídico tem como objetivo realizar os valores do naeminem laedere315, da prudência e da 307 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental, p. 28. Segundo Teresa Ancona Lopez308, é essencial definir a natureza do chamado princípio da precaução no âmbito do Direito, considerando que o modo de atuação e abrangência dessa concepção jurídica resultará na sua inclusão ou não na sistemática de responsabilidade civil como modo de antecipação de riscos futuros. Com esse objetivo é importante defini-lo como princípio ou como standard jurídico. A autora define princípios jurídicos como diretrizes gerais e básicas que fundamentam e dão unidade a um sistema jurídico. Ao passo que standard jurídico é o fenômeno dos modelos gerais de comportamento social juridicamente relevantes. (LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil, p. 90-95). 309 Segundo Sidney Guerra, embora a finalidade última dos princípios da prevenção e da precaução seja a proteção e preservação do meio ambiente, ambos têm sido tratados pela doutrina de maneira distinta. Nessa distinção, o princípio da precaução é aquele que determina que não se produzam intervenções no meio ambiente antes de que se tenha a certeza sobre os danos que poderão ser causados, enquanto a prevenção aplica-se aos impactos ambientais já conhecidos e que sobre os quais se tenha um histórico de informações. (GUERRA, Sidney. Direito internacional ambiental. Rio de Janeiro: Maria Augusta Delgado, 2006, p. 82). 310 LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil, p. 101. 311 CARVALHO, Délton Winter. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental, p. 70-71. 308 312 LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo, extrapatrimonial. 2ª ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2003, p. 46-47. 313 Essa concepção do princípio da precaução é adotada também por Marcelo Abelha Rodrigues para quem o princípio da precaução é adotado quando se pretende evitar o risco mínimo ao meio ambiente, nos casos de incerteza científica quanto à sua degradação, prevenindo um risco futuro. (RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições de direito ambiental. Vol. I (parte geral), São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 150). 314 LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil, p. 95-96. 175 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 segurança e estabelece diretrizes normativas com intuito de se evitarem danos, com a apreciação dos riscos possíveis para que o pior não aconteça individualmente e socialmente. Para tanto é necessário, diante do quadro examinado, apreciar possíveis danos, examinar as fontes científicas, políticas, econômicas, sociológicas, éticas, estatísticas, com a utilização, ainda, dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade316, analisando o tempo e no espaço em que se apresenta a situação examinada, percebendo a necessidade da aplicação da precaução nesses termos. Nesse contexto, defende Lopez317, ―que o princípio da precaução vai se aplicar a todas as questões que dizem respeito à segurança social e a do cidadão‖, em especial às situações nas quais os eventuais danos serão observados em longo prazo, depois da ocorrência de algum acidente ou após o consumo de algum produto alimentar, químico ou farmacêutico. Da mesma forma, o princípio deve ser aplicado em situações de dúvida fundada na incerteza de existência de um risco maior que aquele tido como possível, sempre nas situações em que a ciência não consiga dar um parecer definitivo sobre o tema. A adoção do princípio da precaução, da mesma forma que sua definição, não é unânime na doutrina. Essa controvérsia é centrada na abrangência da precaução em face dos prejuízos sociais, econômicos e políticos decorrentes de sua aplicação sempre que não houver a certeza científica sobre a segurança plena de empreendimentos e produtos e, consequentemente, a não adoção de novas tecnologias e implantação de novos empreendimentos. Ainda, há controvérsia acerca de sua aplicabilidade como princípio jurídico, com base em uma série de argumentos que se verão a seguir. No primeiro caso, tem-se a observação de Paulo de Bessa Antunes, para quem um aspecto do princípio da precaução tem sido pouco ressaltado. Essa perspectiva se encontra no fato de que prevenir riscos ou danos importa na escolha de quais desses se pretende prevenir e, por outro lado, quais deles se aceita suportar. O ideal seria, conforme o autor, que essa escolha fosse racional, aceitando o menor em detrimento do maior. A dificuldade que se encontra é devida em face de que a percepção dos riscos nem sempre está relacionada com o risco real e a escolha é feita com base nessa percepção e não no risco real, afastando muitas vezes a racionalidade da decisão. Isso se traduz na prática de análise pelo chamado cenário do pior caso, que seria uma probabilidade e é transformado em dano atual para fins da decisão, o que, na opinião do autor, não é racional318. Antunes afirma ainda que um dos pontos centrais em defesa da aplicação maximalista do princípio da precaução é a equidade intergeracional319, no sentido de que as ações presentes devem ser pautadas por um comportamento ético, em prol das próximas gerações em relação ao meio ambiente. O autor critica esse entendimento com base no argumento de que não se tem a capacidade de previsão do futuro e, consequentemente, do pensamento das gerações vindouras quanto às decisões tomadas na atualidade, inclusive 315 Conforme Sérgio Cavalieri, a partir do Direito Romano tem-se a presença ou a concepção de um dever geral de não prejudicar ninguém, expresso na máxima naeminem laedere. Dito de outra forma, o Direito deve defender aquele que foi prejudicado, sendo um dever geral de conduta nas relações jurídicas a manutenção das condições acordadas, sem que uma das partes cause prejuízos à outra. (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 2ª ed. rev. aument. e atual. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 19). 316 Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello acerca do princípio da razoabilidade: ―Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas – e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis -, as condutas desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada‖. O mesmo autor assim se refere ao princípio da proporcionalidade: ―Sobremodo quando a Administração restringe situação jurídica dos administrados além do que caberia, por imprimir às medidas tomadas uma intensidade ou extensão supérfluas, prescindendas, ressalta a ilegalidade de sua conduta. É que ninguém deve estar obrigado a suportar constrições em sua liberdade ou propriedade que não sejam indispensáveis à satisfação do interesse público. [...] Donde, atos desproporcionais são ilegais e, por isso, fulmináveis pelo Poder Judiciário, que, sendo provocado, deverá invalidá-los quando impossível anular unicamente a demasia, o excesso detectado‖. (MELLO, Celso Antônio B. de, Curso de direito administrativo. 22ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 105-107). 317 LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil, p. 102. 318 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental, p. 31-32. 319 Morato Leite define a questão da equidade ou justiça intergeracional como sendo a proibição dada a uma geração ―de desperdiçar aquilo que recebeu e menos ainda de degradar e comprometer o direito das gerações futuras, no que concerne aos recursos ambientais‖. (LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo, extrapatrimonial, p. 24). 176 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 com dúvidas acerca do que será o próprio futuro e a complexidade de se prevenir o que ainda não ocorreu320. Para solução desse impasse o autor defende a criação de um conceito operacional para o princípio da precaução, evitando sua aplicação com base em abstrações e imputar-lhe racionalidade, evitando a insegurança jurídica advinda de sua interpretação diferenciada conforme entendimento dos diversos atores sociais e políticos envolvidos. Uma hipótese, utilizada pela União Européia, seria estabelecer diretrizes para aplicação do princípio, envolvendo análises econômicas, sociais e políticas. Assim, o estabelecimento de diretrizes legais para sua aplicação traria benefícios àqueles que devem aplicar o princípio e para aqueles aos quais o princípio é direcionado, resguardando a segurança jurídica dos envolvidos321. A gestão de riscos abstratos está vinculada a uma metodologia transdisciplinar que fomente a interação entre as diversas áreas de conhecimento envolvidas, como o direito, a ciência, a política e a economia, sendo que desse diálogo resulte a aplicação do princípio da precaução para avaliar a probabilidade de ocorrência desses riscos, sua provável magnitude e irreversibilidade. A aplicação do princípio da precaução não significa necessariamente a inação. Ao contrário, representa o emprego de novos produtos e tecnologias, para os quais a ciência não apresenta ainda certeza de sua segurança, de forma controlada e documentada322. Na mesma linha de raciocínio, Teresa Ancona Lopez323, indica que a aplicação do princípio da precaução deve ser avaliado dentro de um determinado momento social, econômico ou político, assim como devem ser calculados os riscos/benefícios e os custos sociais de sua implementação. Ressalta a autora que o princípio pode ser uma ―arma perigosa nas mãos de demagogos e políticos populistas‖, levando empresas que geram progresso e crescimento ao país, bem como empregos e benefícios sociais a encerrar suas atividades sob acusação de falhas no gerenciamento de seus riscos por não adotarem medidas de segurança preventivas. Em síntese, como norma jurídica, o princípio da precaução, se não aplicado quando necessário, dará razão à atuação do Direito com sua força coercitiva, sancionando as ações por meio da obrigação de indenizar ou de outras medidas de sanção para aqueles que não se desincumbiram do dever de prevenir ou evitar o dano. Da mesma forma, o Direito atuará coercitivamente se e quando o princípio da precaução não for corretamente aplicado, também ensejando a responsabilização e punição dos agentes324. 6 A CONGRUÊNCIA DA ECONOMIA E DO DIREITO Quando tratou-se acima de temas como mercado, produção, riscos e probabilidades, sendo que a atuação dos agentes econômicos, em especial no que se refere aos impactos da produção e do consumo sobre a natureza325. Nesse contexto, o homem em sua individualidade e a sociedade como coletividade possuem relação de extremos para com a natureza, sua utilização e preservação. Em sua relação com a natureza como fonte de recursos para a reprodução capitalista, aqui inclusos os conceitos de extração, produção e comercialização de produtos transformados e disponibilizados no mercado de consumo, percebe-se claramente o atrito decorrente da necessidade de produção e consumo cada vez mais exacerbado, posicionado na sociedade de consumo como dito antes. Quanto maior a necessidade de inserir novos produtos no 320 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental, p. 29-31. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental, p. 44-45. Idem, ibidem. 323 LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil, p. 103. 324 Op. Cit,, p. 96. 321 322 325 Para os fins propostos pelo presente estudo, conceitua-se natureza em sua dupla dimensão, conforme Cristiane Derani, que define o termo como fonte de recursos que possibilita a reprodução capitalista, mas também como local no qual se insere o homem para viver e desenvolver suas potencialidades (DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 50 e s.). 177 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 mercado, maior será a apropriação de recursos naturais para transformação e maior será a dispensa de resíduos dessa produção na natureza. Nesse ponto, se encontram as duas dimensões expostas por Derani, quando o local de realização da vida da sociedade se depara com a degradação ambiental. E é nesse ambiente de conflito, o ser humano deve fazer escolhas, tomar decisões no sentido de como e até que ponto apropriar-se da natureza frente ao modelo social descrito e imposto pela pós-modernidade. Parte dessas escolhas, ou dito de outra forma, a liberdade de escolha do homem em determinada sociedade, está limitada às normas do Direito, em especial para o que interessa ao estudo, às normas de Direito Econômico326. Assim, o Direito Econômico traduz a forma que se dá a determinada sociedade em vista do seu complexo de atuação no campo econômico. É nesse modelo genérico que atua o indivíduo, optando frente o rol de possibilidade que lhe apresenta o direito e o Estado, portanto. O panorama assim exposto demonstra um sistema de análise e decisões que são realizados pelo Estado na produção da norma jurídica e na interpretação/aplicação de tal norma, frente ao modelo econômico referente à sociedade posta e, também, a realização de análises e tomada de decisões pelo agente econômico dentro de sua liberdade definida. Nesse processamento de informações e opções é que se tem a grande contribuição da Economia327. Através do método de análise econômica é possível sopesar as opções e tomar a decisão que se apresente a mais correta para os fins propostos, seja inicialmente pelo legislador ao elaborar a norma, seja em momento posterior pelo julgador quando aplica-la e, também, pelo agente econômico quando analisa suas opções de investimento, produção, comercialização e consumo. CONCLUSÃO Numa análise introdutória como a proposta, resta comprovada a necessidade do estudo das questões ambientais, econômicas, jurídicas e sociais sob um enfoque interdisciplinar, não se admitindo, sob pena de não se alcançar os objetivos de desenvolvimento sustentável proposto pela Constituição Federal de 1988, a compartimentação do estudo científico sobre tais temas. Não se trata de defender a supremacia de determinada área de conhecimento sobre as demais e sim de adotar uma postura que privilegie a complementaridade do conhecimento científico. Nesse sentido, Direito e Economia, em especial, devem ser postos lado a lado, em decorrência da inegável vinculação existente entre ambos. No âmbito das duas ciências, temas como meio ambiente, qualidade de vida, dignidade humana, desenvolvimento econômico e social, encontram substrato científico complementar, que analisados em sua individualidade apenas poderão levar o pesquisador a se afastar da realidade social na qual se encontram inseridos. A abstração dos modelos econômicos, das previsões quanto á degradação ambiental e do Direito como dever-ser devem ser trazidas para o mundo do ser, com suas vicissitudes e especificidades, insertas em determinada realidade social e histórica com vistas a prover as análises de eficácia, eficiência e praticidade. Como dito inicialmente, o Direito deve ser dotado de concretude e pragmatismo para atender ao novo contexto social globalizado, com seus riscos e incertezas, possibilitando a permanência de sua importância como orientador da vida social e também como transformador dessa realidade. No caso brasileiro, tem-se no Direito, sob esse novo enfoque, o instrumento de realização da ordem social prevista e projetada pela Constituição Federal de 1988, com ênfase no desenvolvimento econômico e social, na proteção ao meio 326 Conforme Derani: ―Direito econômico é a normatização da política econômica como meio de dirigir, implementar, organizar e coordenar práticas econômicas, tendo em vista uma finalidade ou várias e procurando compatibilizar fins conflituosos dentro de uma orientação macroeconômica. Em primeiro plano está o funcionamento do todo e não a regulamentação do comportamento individual‖. (DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. p. 37). 327 Economia entendida aqui como indica Ivo Gico Jr., como a ciência que estuda como o ser humano toma decisões e se comporta em um mundo de recursos escassos e suas consequências. (GICO JR., Ivo T. Introdução à análise econômica do direito. In: RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; KLEIN, Vinícius (Coord.). O que é análise econômica do direito: uma introdução. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 17). 178 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 ambiente e à sadia qualidade de vida, permitindo aos indivíduos a realização plena de suas potencialidades, incluindo a presente e as futuras gerações. Para tanto, não é possível a separação dos aspectos jurídicos, sociais e econômicos da atuação do Estado, considerado em suas funções primordiais, sendo o responsável, conjuntamente com a sociedade civil, pela consecução desses objetivos, atingindo a plenitude do Estado Democrático de Direito. REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, R. Entre Deus e o diabo: mercados e interação humana nas ciências sociais. Tempo Soc. [online]. 2004, vol.16, n.2, pp. 35-64. ISSN 0103-2070. Disponível em: <http://www.econ.fea.usp.br/abramovay/artigos_cientificos/2004/Formas%20de%20organiza %E7%E3o%20dos%20mercados.pdf>. Acesso em: 07 set. 2009. ANTUNES, P. B. Direito ambiental. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. BECK, U. 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O objetivo é perceber que há um equívoco na tutela ao bem jurídico, mostrando quais os aspectos relevantes para que a competência para julgar o crime de latrocínio seja do tribunal do júri e não do juízo singular. PALAVRAS CHAVES: Vida, Crime, competência. LARCENY: FELONY WILLFUL AGAINST EQUITY OR AGAINST LIFE ABSTRACT: The present study sought to address briefly the general aspects of a crime, the conduct, the offense, the species of crimes. Observed what are the legal interests that must be protected by Brazilian law, there was what the penalties to the crime of larceny. The objective is to realize that there is a misconception in legal guardianship to the well, showing which aspects relevant to that jurisdiction for the crime of robbery is the jury, not the court singular. KEY WORDS: Life, Crime, Competence 1. INTRODUÇÃO O presente estudo tem a intenção de demonstrar de forma sucinta o que é um crime de latrocínio, quais as sanções penais á ele cominadas, qual o bem jurídico tutelado neste crime e quais as discussões acerca deste tema abrangendo principalmente a competência para julgar o delito em estudo. Para esse entendimento, se fez necessário uma breve exposição acerca da teoria do crime e os elementos que a compõe. O estudo do crime doloso e crime culposo e a composição do crime preterdoloso. Analisou-se a conduta do agente e o risco em que se coloca na posição de agente causador do resultado danoso. Para tanto, foram utilizados estudos com base em doutrinadores consagrados no ordenamento jurídico brasileiro e jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. O estudo tem como principal objetivo levantar questões que, em regra, já estão pacificadas na doutrina e na jurisprudência, mas que se mostram controvertidas no que tangem a tutela do bem jurídico, colocando assim em que se pese algumas decisões quanto a competência pra julgar o crime de latrocínio. 2. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA TEORIA GERAL DO CRIME A Lei de Introdução ao Código Penal (Lei 3.914/41) em seu artigo 1º considera crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer 328 Acadêmica de Direito do Centro Universitário Dinâmica das Cataratas, Foz do Iguaçu – PR/ BR. Membro do grupo de pesquisa científica Hermenêutica e Jurisdição Constitucional. [email protected] 329 Acadêmico de Direito - UDC, Foz do Iguaçu – PR/ BR. [email protected] 181 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 alternativa ou cumulativamente com a pena de multa. Mas isso não conceitua exatamente o que vem a ser crime. Eugênio Raúl Zaffaroni conceitua crime como teoria do delito, sendo ―a parte da ciência do direito penal que se ocupa de explicar o que é delito em geral, quer dizer, quais são as características que devem ter qualquer delito‖. 330 Para Luiz Régis Prado ―o delito é uma construção fundamentalmente jurídico-penal, envolve um conjunto de ciências (naturais e humanas), devendo ancorar-se principalmente sobre a prevenção e, em casos de necessidade, sobre a repressão das violações ao bem jurídico tutelados‖.331 Para Guilherme de Souza Nucci a conduta criminosa é qualificada pela sociedade que reserva as condutas ilícitas mais gravosas e que merecem mais rigor punitivo. Depois cabe ao Legislador classificar a conduta como um delito. 332 2.1. CONCEITO DE CRIME O crime pode ser conceituado sob os seguintes aspectos: A. Material: toda conduta ético-socialmente desvalorada, violadora de um bem jurídico de fundamental importância. O legislador considera um valor político-social para eleger uma conduta criminosa buscando as razões sociológicas do crime. B. Formal: crime é toda conduta que a lei descreve como violadora de uma norma e corresponde a esta uma pena. Na realidade o conceito formal é fruto do conceito material, pois quando a sociedade entende que uma determinada conduta (desvalor moral) deve ser criminalizada, leva sua demanda ao legislativo, que aprova uma lei e formaliza a conduta. Em realidade com o princípio da legalidade, para o qual, não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem lei anterior que a comine.333 C. Analítico ou Estratificado: espécie de conceito formal, pois define o crime por parte de uma conduta descrita na lei. É aquele que busca, sob um prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do crime, propiciando a correta e mais justa decisão sobre a infração penal e seu autor, fazendo com que o julgador ou intérprete desenvolva o seu raciocínio em etapas, por isso, estratificado.334 Sob esse ângulo crime é toda conduta típica, ilícita e culpável. Este conceito analítico de que crime é uma conduta típica, ilícita e culpável é o adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Verifica-se primeiro se a conduta praticada é típica, ou seja, se o agente com sua ação violou um bem jurídico tutelado pelo Direito Penal. Segundo, se sua conduta é ilícita, ou seja, se é contrária à norma. E, por fim se é culpável, se o agente agiu com dolo ou com culpa. Quando encontrado todos os elementos, fato típico - ilícito e culpável têm se o crime. 2.2. CONDUTA O homem quando atua seja no intuito de realizar uma conduta, ou quando deixa de fazê-lo dirige-se sempre há uma determinada finalidade. Conduta é sinônimo de ação e de comportamento humano. Compreende qualquer ato humano comissivo ou omissivo, podendo ainda ser dolosa, quando o sujeito assume o risco de produzir o resultado ou culposa, quando sujeito infringe o seu dever de cuidado, atuando com negligência, imprudência ou imperícia.335 O ordenamento brasileiro adota a teoria finalista da ação, onde, ação é um comportamento humano e voluntário, dirigido a uma finalidade qualquer. Quando um sujeito decide praticar um crime sua ação é composta por duas fases, quais sejam: A. Uma interna, onde o agente cogita a prática do crime, escolhe os meios necessários e por fim pensa nos efeitos possíveis de sua conduta. Esta fase não é punível, pois se passa apenas na cabeça do agente e ninguém pode ser punido por cogitação. B. E, uma externa, onde o agente coloca em prática tudo aquilo que arquitetou mentalmente, procedendo a uma realização no mundo exterior, ou seja, o resultado. Nesta 330 GRECO, Rogério de Souza, Apud, ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal, Parte Geral. 2009, p. 137 PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro., 2005, p. 252. 332 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, Parte Geral. 2009, p. 160. 333 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, Parte Geral2009, p. 161. 334 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Parte Geral. 2011, p. 134. 335 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Parte Geral. 2009, p. 151. 331 182 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 fase, colocando os meios executórios em prática e direcionando para sua finalidade, o agente poderá ser punido. 2.3. TIPO PENAL Tipo Penal é a descrição abstrata de uma conduta, tratando-se de uma conceituação puramente funcional, que permite concretizar o princípio da reserva legal (não há crime sem lei anterior que o defina).336 A principal função do tipo penal é limitar aquilo que é lícito e o que é ilícito, delimitando, aquilo que o sujeito pode praticar e o que é vedado pela norma e que, se transgredi-la estará se sujeitando a sanção que o tipo penal comina. O artigo 121do Código Penal preceitua "Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos". Assim, aquele que praticar a conduta descrita no tipo, qual seja, matar alguém, estará desobedecendo a norma legal e automaticamente se sujeitando a punição. Essa conduta deve se amoldar exatamente na descrição da norma, sob pena de incorrer em outro crime ou em crime algum. A isso se da o nome de subsunção do fato à norma, para que principalmente, àquele que violou a norma penal, tenha a garantia de que será acusado tão somente se a sua conduta estiver subsumida no fato descrito como crime. Amoldada a conduta do agente ao tipo penal, temos que, o agente praticou um fato típico e ilícito. 2.3.1. DIFERENÇA ENTRE CRIME DOLOSO E CRIME CULPOSO E O RECONHECIMENTO DO CRIME PRETERDOLOSO Quando se tratou da conduta no item 2.2 verificou-se que o agente pode praticar uma conduta dolosa ou culposa. Neste item compete descrever num primeiro momento o crime doloso, quando o agente direciona sua ação para uma finalidade determinada. A. CRIME DOLOSO Para o nosso ordenamento jurídico pratica o crime doloso aquele que, diretamente, quis o resultado, bem como aquele que, mesmo não o desejando de forma direta, assumiu o risco de produzi-lo.337 Neste sentido, é possível observar que o dolo se desdobra, sendo possível que ocorra em momentos diferentes. O primeiro, dolo direto, onde o agente teve a intenção efetivamente de produzir o resultado, conduziu sua consciência e vontade, manipulou os meios, desejou que o resultado ocorresse de forma plena, anteviu, arquitetou. No segundo, dolo eventual, na lição de Nucci ―é a vontade dirigida a um resultado determinado, porém vislumbrando a possibilidade de ocorrência de um segundo resultado, não desejado, mas admitido, unido ao primeiro. Por isso a lei utiliza o termo ―assumir o risco de produzi-lo‖. Nesse caso, o agente não quer o segundo resultado diretamente, embora sinta que ele possa se materializar juntamente com aquilo que pretende, o que lhe é indiferente‖.338 Para que ocorra o dolo eventual, não basta a simples representação mental é preciso que o agente ao mentalizá-lo aceite-o como possível e não se importe com a sua ocorrência. Essa situação é um ponto de relevante discussão no direito penal, pois como a visualização do possível resultado se passa dentro da cabeça do agente, se torna difícil mensurar em que momento ele aceitou o risco, ou, se pensou que o resultado poderia não ocorrer. É uma linha muito tênue, pois, se considerar que o resultado era meramente possível ou que acreditou que ele não ocorreria e se, caso ocorresse o agente poderia evitá-lo, teríamos a culpa consciente, o que poderia caracterizar o delito como culposo. B. CRIME CULPOSO O crime culposo também é uma ação (comissiva ou omissiva), dirigida á uma finalidade. O agente pensando na finalidade desejada, quase sempre lícita, não emprega o devido cuidado ao realizar suas ações, agindo com imperícia, imprudência ou negligencia. O crime culposo, na lição de Paulo José da Costa Junior ―a finalidade endereça-se a um resultado juridicamente irrelevante. A ação culposa caracteriza-se por uma deficiência na execução da 336 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, Parte Geral. Ed. 5º, 2009, p. 183. 337 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Parte Geral. Ed 11º, 2009, p. 189. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, Parte Geral. Ed. 5º, 2009, p. 221. 338 183 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 direção final. E esta deficiência se deve ao fato de a orientação dos meios não corresponder àquela que deveria em realidade ser impressa para evitar lesão ao bem jurídico‖.339 Para que seja configurado o crime culposo são indispensáveis alguns requisitos, quais sejam: a) conduta humana voluntária, comissiva ou omissiva: com sua ação o agente da causa á um resultado não desejado; b) inobservância de um dever objetivo de cuidado: o agente deixou de seguir as regras básicas e gerais de atenção e cautela, exigíveis de todos que vivem em sociedade; c) resultado lesivo não querido, ou assumido: o resultado jamais tenha sido pensado ou assumido pelo agente; d) nexo de causalidade: a conduta do agente e a falta do dever de cuidado deram causa ao resultado lesivo; e) previsibilidade: qualquer ser humano poderia prever o resultado lesivo; f) tipicidade: a conduta praticada deve ser tipificada como culposa. A principal diferença entre o crime doloso e o crime culposo está na vontade do agente. No crime doloso o agente quer realizar a conduta tipificada, ele se dedica a execução dos atos para que chegue ao resultado esperado. No crime culposo o agente deseja outra coisa que não praticar um ato ilícito, a finalidade dele é outra mas, por agir sem o devido cuidado, não imprimindo atenção necessária, a ação que realiza acaba infringindo a norma e cometendo um ato ilícito. Importante observar que a regra do Código Penal Brasileiro é que todo crime é doloso, sendo culposo apenas àqueles em estiver expressamente previsto no tipo, nos seus parágrafos ou no seu capítulo. C. CRIME PRETERDOLOSO Para o entendimento do crime preterdoloso se faz necessário que antes se saiba o que é um crime qualificado pelo resultado, pois aquele é uma espécie deste. O eminente penalista Guilherme de Souza Nucci conceitua crime qualificado pelo resultado como ―delitos que possuem um fato-base, definido e sancionado como crime, embora tenham, ainda, um evento que os qualifica, aumentando-lhes a pena, em razão da sua gravidade objetiva, bem como existindo entre eles um nexo de ordem física e subjetiva‖.340 Por exemplo, quando ocorre uma violência grave (fato-base), e sobrevém o resultado morte da vítima, está-se diante de um crime qualificado pelo resultado, cuja pena é maior que a prevista para o fatobase. No crime preterdoloso o agente agiu com dolo no delito-base, mas adveio um resultado posterior, mais gravoso o qual o agente não pretendia, sendo este culposo. Neste caso o agente responde pelo delito-base dolosamente e pelo resultado culposo posterior. O artigo 19 do Código Penal estabelece que, pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que tiver ao menos causado culposamente. Assim, o crime preterdoloso é caracterizado por admitir somente o dolo na conduta antecedente e a culpa na conduta conseqüente. Ainda, o eminente jurista preleciona que para que seja caracterizado crime preterdoloso exigi-se que o interesse protegido seja o mesmo, tanto na conduta antecedente, como na conseqüente – ou pelo menos do mesmo gênero. Tal situação poderia ocorrer, com exatidão, na lesão corporal seguida de morte, mas não no roubo seguido de morte, por exemplo.341 2.4 TUTELA AO BEM JURÍDICO TUTELADO O Direito Penal atua como ultima ratio, ou seja, quando nenhum outro ramo do direito se mostra eficaz na proteção do bem jurídico, o Direito Penal vem em seu favor como órgão máximo de representação do Estado, já que é este que possui o jus puniendi. A proteção ao bem jurídico é essencial para a coexistência e o desenvolvimento do homem. E, deve sempre estar em compasso com o quadro axiológico da Constituição e com os princípios do Estado Democrático Social de Direito.342 A Constituição Federal Brasileira traz exemplificativamente no seu artigo 5º e em outros dispositivos espalhados pelo próprio texto constitucional alguns bens jurídicos à que o Direito Penal deve tutelar com mais eficácia como o direito à vida, à igualdade, à liberdade, à segurança, à propriedade, à dignidade da pessoa humana, à presunção de inocência, direito à um devido processo legal, entre outros. 339 GRECO, Rogério. Apud COSTA JUNIOR, Paulo José da. Manual de Direito Penal, Parte Geral., 2009, p. 201. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, Parte Geral., 2009, p. 235. 341 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, Parte Geral., 2009, p. 235, 236. 342 PRADO, Luiz Régis do. Curso de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral., 2004, p. 266, 267. 340 184 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Destarte lembrar que, cabe ao legislador elevar a máxima proteção determinado bem jurídico, a partir de um juízo social de valor, servindo de direção a própria constituição, assim, é possível dizer que o bem jurídico é tutelado antes, de forma ampla pela norma constitucional e de forma estrita pelo direito penal e legislações especiais. 2.5 ESPÉCIES DE CRIMES Seguem as espécies de crimes consideradas mais importantes, com base na classificação de Guilherme de Souza Nucci: 2.5.1. Crimes comuns e próprios São considerados comuns os delitos que podem ser cometidos por qualquer pessoa (ex. homicídio, furto, roubo); são próprios aqueles que podem ser praticados por determinadas pessoas (ex. mãe que comete infanticídio, o enfermo no contágio venéreo. 2.5.2. Crimes instantâneos e permanentes Crime instantâneo é aquele cuja consumação ocorre em um só instante, sem continuidade temporal (homicídio, furto, roubo); são permanentes os que se consumam com apenas uma conduta, mas a situação ilícita se prolonga no tempo até quando queira o agente (ex. seqüestro, cárcere privado). 2.5.3. Crimes comissivos e omissivos Comissivos são os cometidos por intermédio de uma ação (ex. estupro); omissivos são os praticados por uma abstenção (ex. omissão de socorro). 2.5.4. Crimes formais e materiais Crimes formais são aqueles que a lei descreve uma ação e um resultado, mas a redação do dispositivo deixa claro que o crime consuma-se no momento da ação, sendo o resultado apenas mero exaurimento (ex. extorsão mediante seqüestro, o crime esta consumado no exato momento em que a vitima for seqüestrada, sendo a obtenção do preço mero euxarimento); crime material é aquele em que efetivamente possui um resultado, e que sem a sua ocorrência caracteriza apenas tentativa (ex. furto, se a res foi retirada da esfera de vigilância e proteção da vitima, consuma-se o delito e restará tentado quando o agente não prosseguir por circunstâncias alheias á sua vontade). 2.5.5. Crimes de Dano e de perigo Crime de dano são os que pressupõem uma efetiva lesão ao bem jurídico tutelado (ex. homicídio, furto); crime de perigo são aqueles que se consumam com a mera situação de risco a que fica exposto o objeto material do crime (ex. rixa, crime de periclitação da vida e da saúde). 2.5.6. Crimes simples e complexos Crimes simples são os que protegem apenas um bem jurídico (ex. no homicídio, protege-se a vida); crimes complexos são que tutelam dois ou mais bens jurídicos ou quando um tipo penal funciona como qualificadora de outro (ex. latrocínio, roubo qualificado pela morte, tutela dois bens jurídicos, o patrimônio e a vida) 3 ANALISE SISTÊMICA DO TIPO PENAL DESCRITO NO ART. 157, §3º, DO CÓDIGO PENAL O crime previsto no artigo 157, §3º, do Código Penal, é o delito de roubo qualificado pela lesão corporal grave (1ª parte) e o delito de latrocínio, roubo qualificado pela morte (2ª parte) in verbis: Art. 157 (...) § 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996) Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90 No presente estudo, analisou-se os aspectos referentes ao crime de latrocínio (157, §3º, 2ª parte). O crime de latrocínio como visto acima, ocorre quando do emprego de violência física contra a pessoa, com o fim de subtrair a res, ou para assegurar a sua posse ou a impunidade do crime, decorre morte da vítima.343 Foi elevado à categoria de crime hediondo 343 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Legislação Penal Especial, , 2011, p. 205. 185 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 tipificado na Lei 8.072/90, por entender o legislador que se tratava de um delito que causava grande clamor social, um desvalor da vida em detrimento de uma coisa. A morte pode ser contra o titular da coisa, contra quem a possua ou contra terceiro. E por se tratar de crime qualificado pelo resultado, a morte pode resultar de dolo ou de culpa. É um crime complexo, formado pelo delito de roubo e o delito de homicídio. A pena de reclusão é de 20 a 30 anos. Por se tratar de um crime autônomo, principalmente pela posição em que se encontra no código, não incide as causas de aumento de pena do artigo 157, §2º. Ainda, só será considerado o crime de latrocínio se houver morte contra quem foi empregado a violência, não recaindo essa conduta sob um membro do grupo que esteja praticando a conduta, assim, por exemplo, num roubo onde haja confronto com a polícia um dos agentes falece, não há que se falar em latrocínio. O latrocínio por ser tratar de um crime de resultado, é admitido na forma tentada. Em verdade houve muita discussão jurisprudencial e doutrinária sobre o assunto, quando o latrocínio restaria tentado? O STF editou a súmula 610 e determinou que se á morte, independente do agente conseguir a subtração da coisa o latrocínio resta consumado, se a vitima fica ferida, o latrocínio resta tentado. Assim, doutrina e jurisprudência convencionaram o seguinte: a) havendo subtração patrimonial consumada e morte consumada, teremos latrocínio consumado; b) havendo subtração patrimonial consumada e morte tentada, teremos latrocínio tentado (art. 157, §3º, 2ª parte, c/c o art. 14,II); c) havendo subtração tentada e morte consumada, teremos latrocínio consumado (Súmula 610 do STF); d) havendo subtração patrimonial tentada e morte tentada, teremos latrocínio tentado (art. 157,§3º, 2ª parte, c/c o art. 14, II).344 A competência para julgar o crime de latrocínio é do juízo singular, súmula 603, STF. Segue abaixo algumas decisões advindas dos tribunais acerca do tema acima exposto: EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime. Qualificação jurídica. Condenação por latrocínio tentado. Subtração consumada. Não consecução da morte como resultado da violência praticada, mas apenas de lesão corporal grave numa das vítimas. Dolo homicida reconhecido pelas instâncias ordinárias. Impossibilidade de revisão desse juízo factual em sede de habeas corpus. Tipificação conseqüente do fato como homicídio, na forma tentada, em concurso material com o crime de roubo. Submissão do réu ao tribunal do júri. Limitação, porém, de pena em caso de eventual condenação. Aplicação do princípio que proíbe a reformatio in peius. HC concedido para esses fins. STF, HC 91585 RJ, Relator Ministro Cesar Peluso, 2ª Turma. Julg. 16/09/2008. 345 EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. Não é omissa a sentença condenatória que decide a controvérsia com fundamento em tese contrária à sustentada pela defesa. Precedente. A cadeia causal relativa ao crime de roubo rompeu-se quando o paciente desistiu da sua prática. Restou consumado o crime de constrangimento ilegal em concurso material com a tentativa de homicídio qualificado. Ordem denegada e habeas corpus deferido de ofício para anular a sentença condenatória, a fim de que o paciente seja submetido ao Tribunal do Júri, observado que, em caso de nova condenação, a pena aplicada não poderá superar a pena de 11 [onze] anos fixada na sentença anulada. Anulada a sentença, fica caracterizado o excesso de prazo, 344 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Parte Especial Vol. 2, Ed.11ª, 2011, p. 483. http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2525413 345 186 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 que demanda a expedição de alvará de soltura. STF, HC 97104 SP, Relator Ministro Eros Grau, 2ª Turma. Julg. 25/06/2009.346 3.4 O BEM JURÍDICO TUTELADO NA CONDUTA DESCRITA NO ART.157, §3º, DO CÓDIGO PENAL E SUA SANÇÃO PENAL A posição topográfica do delito do artigo 157, §3º é no Título II, Dos Crimes Contra o Patrimônio. O que nos leva a entender que o bem jurídico precipuamente tutelado no crime de latrocínio é o patrimônio. A pena cominada para esse delito é de 20 a 30 anos. A Lei 8.072/90, definiu o latrocínio como crime hediondo, e excluiu anistia, graça, indulto, fiança. 3.5 RECONHECIMENTO DO CRIME COMPLEXO Crime complexo é o delito que resulta da união de dois ou mais tipos penais autônomos, configurando um crime mais abrangente. Como exemplo, temos o latrocínio, que é a fusão do crime de homicídio e de roubo, constituindo uma unidade distinta e autônoma dos crimes que o compõem, também com pena autônoma. Assim, o agente responde apenas pelo delito complexo, restando as figuras que o compõem absorvidas.347 O agente ao iniciar sua conduta de adquirir coisa alheia, se empregar arma ou violência comete o crime de roubo, se cometer homicídio para adquirir a res, ou, cometendo o homicídio depois, para assegurar a res, responde pelo delito de latrocínio. 4 PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO NO CRIME DE LATROCÍNIO: UMA VISÃO CRÍTICA Num primeiro momento, quando um sujeito comete o crime de latrocínio, ele visa apenas subtrair coisa alheia, lesar a vitima do ponto de vista patrimonial. No entanto, quando este agente atenta contra a vida da vitima ou contra um terceiro, está visando tão somente assegurar a coisa, ou a impunidade, atingindo assim, o maior de todos os bens tutelados, à vida. A Constituição Federal tutela antes de qualquer bem patrimonial, a vida, pois sem esta, não há qualquer patrimônio, devendo ser protegida, em qualquer esfera judicial, seja penal, civil ou trabalhista. Alguns autores entendem que a escolha de qual bem jurídico deva ser tutelado precipuamente é uma questão de política legislativa e não a efetiva importância do bem tutelado, é o entendimento de E. Magalhães Noronha e Ranieri. 348Não se deve esquecer de que, o crime de roubo (crime-fim) é um crime doloso, logo, no instante em que o agente decide praticá-lo, tem o conhecimento de que sua conduta é ilícita, assim, ao colocar em prática os meios para executar o crime, assume o risco de produzir um resultado diferente ou mais gravoso que o anteriormente pretendido, ocorrendo o dolo eventual. No crime de latrocínio, o agente tinha conhecimento do risco de produzir um resultado mais gravoso, por isso, há de se questionar, há culpa por ele atingir um resultado mais gravoso? Outra questão de política criminal é que a competência para o julgamento do latrocínio é do juiz singular e não de competência do tribunal do júri, esse entendimento é sumulado pelo STF (súmula 603). Isso ocorre porque apenas os crimes dolosos contra a vida é que são de competência do Tribunal do Júri como preceitua a Constituição Federal no artigo 5º, XXXVIII, d, sendo o crime de latrocínio um crime contra o patrimônio, não pode ir ao tribunal do júri. O latrocínio é crime material e de dano para os dois bens jurídicos tutelados que englobam o delito, e que comportam a modalidade dolosa para ambos, exigindo apenas o nexo causal entre o roubo e a morte. No latrocínio, o agente agiu com dolo no crime fim e assumiu o risco de produzir um resultado gravoso no crime meio. O Supremo Tribunal Federal, tem entendido que, havendo a morte, o latrocínio estará consumado, independente da consumação do roubo, nos levando a entender que este tribunal, em se tratando deste crime valora mais a vida do que o patrimônio. Sendo o objeto de maior valor a vida, agindo o agente com dolo (direto e eventual) e presentes todos os aspectos objetivos e subjetivos 346 http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14713458/habeas-corpus-hc-97104-sp-stf http://www.jusbrasil.com.br/topicos/296345/crime-complexo 348 CAPEZ, Fernando. Apud E. Magalhães Noronha. Curso de Direito Penal, Parte Especial. Ed. 11º, 2011, p. 483. 347 187 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 inerentes ao crime, este deveria ser julgado pelo tribunal do júri. Seria possível entender a questão de política criminal em escolher o juízo singular para julgar o crime em análise, por aceitar que o crime de latrocínio normalmente causa grande revolta na sociedade de um modo geral, o que poderia comprometer o julgamento por parcialidade dos jurados, e talvez por isso, o STF ao estabelecer a sumula 603, entendeu que o juízo singular teria conhecimento técnico, para julgar de uma forma técnica e mais complexa as ações do agente e teria mais possibilidade de evitar a impunidade do agente e, de cumprir principalmente com princípio da imparcialidade que deve ter enquanto representante do Estado - juiz. Por outro lado, como supra mencionado, existe previsão constitucional de que os crimes dolosos contra a vida sejam julgados pelo tribunal do júri, portanto, o que falta são iniciativas políticas de pacificar que, o bem maior a ser tutelado no crime de latrocínio é a vida, devendo esta ser elevada a máxima tutela. CONCLUSÃO No presente estudo analisou-se determinada conduta criminosa, de forma sintetizada – o latrocínio. Verificou-se, a conduta criminosa e quais os elementos que a compõem. Vimos que é um crime complexo, material e de dano. Abordamos o crime doloso, o crime culposo e o preterdolo. De forma sucinta analisamos a teoria do crime e as várias espécies de crime que consagram o ordenamento jurídico brasileiro. Vimos que no crime de latrocínio o bem precipuamente tutelado é o patrimônio, o que impede, que o sujeito que o tenha praticado seja julgado por júri popular. Observamos que a Constituição Federal prima pela tutela da vida e que por isso, este deveria ser o bem precipuamente tutelado pelo crime de latrocínio. Devendo assim, ser julgado pelo tribunal do júri, pois é um crime doloso contra a vida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BONFIM, Edilson Mougenot. Curso & Concurso, Direito Penal III – 5. ed. reformulada – São Paulo: Saraiva, 2010. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, parte especial, vol. 2 – 11. ed. – São Paulo: Saraiva. 2011. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Legislação Penal Especial, 6. ed. – São Paulo: Saraiva. 2011. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, parte geral. 11. ed. – Rio de Janeiro: Impetus, 2009. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, parte geral e parte especial, 5. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2009. PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, parte geral. 5. ed. rev. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2004. http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2525413 http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14713458/habeas-corpus-hc-97104-sp-stf http://www.jusbrasil.com.br/topicos/296345/crime-complexo 188 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL JESSICA CRISTINA DELLANI349 LUIS FELIPE FRANCO GLANERT SOLEY350 KELLY CARDOSO351 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 RESUMO A sociedade pós-moderna rege-se por uma ordem sócio-econômica globalizada. A revolução tecnológica revela que o processo globalizacional apresenta-se de forma inevitável e impostergável, propiciando mudanças de ordem ideológica, científica, tecnológica e, sobretudo, econômica, além de promover uma complexidade social dantes inimaginável. Esta nova realidade, designada por Ulrich Beck de ―sociedade de risco‖1, apresenta características bastante peculiares, vez que os riscos sociais são imprevisíveis, indesejados e de tal envergadura lesiva que coloca em perigo a própria humanidade. Conclamado a atuar diante destes novos riscos, o direito penal vem sofrendo um processo de expansão de suas bases e estruturas que acaba por gerar vigorosa tensão com a concepção programática do modelo penal forjado no Estado Liberal – chamando de direito penal clássico ou direito penal mínimo – que engloba proposta pautada pela vocação garantista e restritiva da intervenção penal, nos limites dos axiomas da subsidiariedade e da última ratio. O presente artigo analisará as características deste movimento expansionista, confrontandoo com a concepção clássica do direito penal, bem como abordará a proposta apresentada pela Escola de Frankfurt, referente à criação de um direito de intervenção. PALAVRAS-CHAVE: Sociedade de risco; Expansão Penal X Direito Penal Clássico; Direito de Intervenção. ABSTRACT The postmodern society is governed by a global socio-economic order. The technological revolution reveals that the process globalizacional presents so inevitable and postponed, allowing changes of ideological, scientific, technological, and especially economic, and promote social complexity unimaginable before. This new reality, Ulrich Beck called "risk society" 1, has very peculiar characteristics, as social risks are unpredictable, unwanted and damaging of such magnitude that endangers humanity itself.Called upon to act in the face of these new dangers, criminal law has undergone a process of expanding their bases and structures that ultimately generates tension with vigorous programmatic concept of penal model forged in the Liberal State calling classic criminal law or criminal law minimum - encompassing proposal guided by vocation garantista and restrictive penal intervention, within the limits of the axioms of subsidiarity and ultima ratio. This article will examine the characteristics of this expansionist movement, comparing it with the classical conception of criminal law, as well as discuss the proposal submitted by the Frankfurt School, referring to the creation of a right of intervention. KEYWORDS: CORPORATE RISK; EXPANSION CRIMINAL CRIMINAL LAW CLASSIC X; RIGHT OF INTERVENTION. 349 Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected] Acadêmico de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected] 351 Professora no Centro Universitário Dinâmica das Cataratas. E-mail: [email protected] 350 189 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 1. INTRODUÇÃO O final do século XX e o início do século XXI exibem, de maneira mais veemente, uma nova forma de poder hegemônico: a globalização. Considerada uma modalidade de poder captadora por suas características, porém devastadora em suas consequências, a globalização, nominada por Zaffaroni de poder planetário¹, destaca-se em três momentos marcantes da história da humanidade: a revolução mercantil ou colonialismo, nos séculos XV e XVI, a revolução industrial e o neocolonialismo. Em 1991, quase todos os países já eram independentes nos séculos XVIII, XIX e XX. O fim definitivo da URSS oficializado em 21 de dezembro de 1991, com a criação da Comunidade dos Estados Independentes (CEI), organização supranacional formada por Rússia, Ucrânia, Bielo-Rússia, Cazaquistão e Uzbequistão. O fenômeno da globalização marca o período pós-industrial, designado por Ulrich Beck de ―sociedade de risco‖², regida por um conceito de modernização reflexiva que, longe de significar uma violenta ruptura do processo de desenvolvimento industrial, significa a evolução da modernidade simples, irreflexiva e autodestrutiva, em direção à racionalidade que possibilite a compatibilização dos riscos às garantias individuais e coletivas. A sociedade industrial é caracterizada pela ignorância, pelo desconhecimento popular acerca da existência de riscos sócios ambientais. Apesar de sérios, graves e de dimensões globais, originados pelo processo de desenvolvimento tecnológico impensado, irracional e imediatista, não constituíam objeto de preocupação pela coletividade. Daí porque é fácil entender que apenas nesta fase de transição a multiplicidade de problemas que vem à tona e passa a ser percebida, despontando como novo objeto de preocupação pública, política e científica, ocasião em que a sociedade industrial, alarmada com os efeitos colaterais do processo produtivo, de caráter predatório e irracional, é compelida a rever seus princípios de segurança e cálculo da ponderação custo e benefício. A teoria da sociedade de risco nasce, pois, com a percepção social dos riscos tecnológicos globais, refletindo a mudança da estrutura da sociedade e, ao mesmo tempo, o conhecimento da modernidade e de suas consequências. A sociedade de risco identifica-se por uma comunidade na qual os riscos produzidos referem-se a danos de larga envergadura lesiva, não delimitáveis, globais, sistemáticos e, com frequência, irreparáveis. Promovidos por decisões humanas, atinge todos os cidadãos e podem ser capazes de exterminar a própria humanidade. Esses riscos possuem suas causas e origens em decisões e comportamentos humanos produzidos durante a manipulação dos avanços tecnológicos, ligados à exploração e manejo de novas tecnologias como exemplo: energia nuclear, engenharia genética e de alimentos, produtos químicos etc. ¹ Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: RT, 1997. ² La sociedad del riesgo: hacia uma nueva modernidad. Trad. Jorge Navarro; Daniel Jiménez; Maria Rosa Borras. Madri: Paidós, 1998. 2. A expansão do direito penal diante da globalização e suas consequências Um novo mundo instaurou-se com o fim oficial da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas URSS. , baseando-se em novas relações econômicas e geopolíticas, que não mais trazia a anterior marca da divisão Leste-Oeste e nem mais o velho confronto entre o bloco capitalista e o socialista. Em um contexto novo de realidade, a globalização, impulsionada pela derrubada do obstáculo socialista, estimulou a formação de blocos econômicos com força da dinâmica capitalista – G7 (Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Japão), grupos dos países ricos, onde estavam fincadas as raízes e a base de apoio da maior parte dos grandes conglomerados empresariais do mundo. A maior prova da evolução capitalista foi a posterior inclusão da ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas neste seleto grupo, que passou a chamar-se G8. A globalização é invocada exaustivamente em discursos políticos, econômicos, culturais, sociológicos e jurídicos. 190 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Nas palavras de Ulrich Beck, conceituá-la é algo inconstante, mais parece uma tentativa de pregar um pudim na parede. A política neoliberal aliada à globalização econômica passa a pressionar os países a reduzir seus gastos públicos com saúde, educação, previdência social e outras políticas sociais, significando, para os países desenvolvidos, a desmontagem do Estado de bem-estar social e para os países dependentes chamados em desenvolvimento, o agravamento geral do quadro social. Esse fato acentua as desigualdades sociais entre extremos de pobreza para a maioria e riqueza para um reduzido número de pessoas, ampliando assim, a criminalidade e a violência sem fronteiras. 2.1 GLOBALIZAÇÃO TENDO COMO RESULTADO A EXPANSÃO DA MISÉRIA, CRIMINALIDADE E VIOLÊNCIA. Nesse quadro de profunda desigualdade socioeconômica surgem os imensos mostruários de pobreza que assola a todos os países. Nos Estados Unidos, por exemplo, principalmente negros e imigrantes latino-americanos são marginalizados na União Européia, imigrantes das ex-colônias africanas e asiáticas das antigas potências (Reino Unido, França, Alemanha). Assim, a continuação do agravamento da desigualdade e exclusão social certamente completará a substituição da tradicional distinção entre países desenvolvidos e em desenvolvimentos pela existência, em cada país, de bolsões de riquezas absolutas e de miséria absoluta, ou seja, a existência de um Primeiro e de um Terceiro Mundo dentro de cada país. O processo do capitalismo globalizado mantém um quadro de miséria, guerras, criminalidade e violência em quase todos os pontos da Terra. Nesse contexto o mundo moderno tem sido palco de diversos atentados terroristas de repercussão mundial onde inocentes são trucidados em nome de uma causa política, religiosa ou cultural. O terrorismo é resultado direto de intolerância vividas pelas populações e que trazem reflexos diretos sobre as pessoas que, na maioria das vezes estão fora das diversas discussões ou relações político-econômicas do mundo moderno. O terrorismo é um aviso: o processo de globalização traz anomalias que devem ser combatidas e analisadas para que os povos da terra tenham em seus processos de relações maior integração para que se prolifere a solidariedade e a igualdade. Desta forma, a globalização afetou o padrão de vida de parte da população. Afirma Jesús Maria Siva Sánchez que ―(...) os movimentos de capital e de mão-de-obra, que derivam da globalização da economia, determinam a aparição no ocidente de camadas de subproletariado, das quais pode proceder um incremento da delinquência patrimonial de pequena e média gravidade‖. O Professor Catedrático de Barcelona conclui ―como resulta evidente, essa criminalidade não se diferencia substancialmente da criminalidade tradicional. Mas sua intensidade e sua extensão se vêem incrementadas pela marginalidade a que estão relegados aqueles que, dentro das sociedades pós-industriais, vivem à margem de relações laboratícias estáveis‖. Todo esse contexto é derivado da política neoliberal aliada à globalização que cria os bolsões da miséria em todo mundo e incapacita garantir a expansão dos direitos sociais e de minimizar as desigualdades econômicas no planeta. Diante desse devastador processo de globalização econômica, inquestionavelmente aumentaram as desigualdades sociais. Os extremos de pobreza e riqueza subiram, consequentemente incrementou-se a gama de criminalidade e violência globalizada. O surgimento de novos delitos (criminalidade econômica organizada, crimes financeiros, crimes ambientais, crimes ligados à tecnologia, terrorismo, tráfico de armas e pessoas, espionagem industrial e delitos fiscais) acarretou o aumento de tipos penais sem fronteiras geográficas, ou seja, praticados em um país atingem outros. Como exemplo, um vazamento criminoso de petróleo atinge o litoral de mais de um país. Por certo a globalização está intimamente ligada a este processo de banalização da violência, eis que organizações criminosas transnacionais impõem sua presença perniciosa nos grandes centros urbanos através do dinheiro que circula nas atividades ilícitas, 191 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 corrompendo agentes públicos e utilizando o terror como porta-voz para o atendimento de suas exigências. O mundo assiste diariamente e em tempo real, cenas de extrema crueldade e violência, através das quais vidas inocentes são perdidas em combates suicidas. Impossível deixar de atribuir relevância ao dia 11 de setembro de 2001 como um ato hediondo da mais alta crueldade. A data pode ser considerada um marco em uma era de instabilidade mundial, uma vez que, ataques terroristas sem apoio de qualquer Estado, atingiram os símbolos do capitalismo pós-moderno: duas aeronaves destruíram as torres do World Trade Center, centro financeiro dos Estados Unidos e outra atingiram parte do Pentágono, centro militar americano. Além da sombra da destruição e do enorme número de civis mortos neste trágico episódio, o fato provocou um alerta mundial, em muito alimentado pela mídia, que incessantemente reproduzia as imagens do que antes era inimaginável. Com o aumento da criminalidade organizada exacerbam as sanções penais já existentes, desprezam as garantias processuais com um único e absurdo objetivo, promover a qualquer custo a eficácia preventiva do poder punitivo estatal, que ao invés de garantir os direitos do indivíduo, promove o emprego indiscriminado do Direito Penal, como um dos meios preferidos do Estado-espetáculo. Nessa esteira, é necessário um novo pensar sobre o Direito Penal, tendo em vista as enormes transformações trazidas pela globalização e que implicam, também, no incremento da criminalidade transnacional provocada pelos imensos bolsões de miséria em todo mundo. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Na pretensão de combater a criminalidade, deve-se ter em mente que o crime não é um tumor, nem uma epidemia, e sim um doloroso problema interpessoal e comunitário. Uma realidade próxima, cotidiana, quase doméstica. Tratando-se de um problema da comunidade, que nasce na mesma, e, que deve ser resolvido na própria comunidade, de forma racional e democrática. Nada obstante, o tratamento ministrado ao delito vem se mostrando altamente ineficaz. Onde se contempla o delito com um enfrentamento formal, simbólico e direto entre dois rivais – o Estado e o infrator -, que lutam entre si solitariamente, como lutam o bem e o mal. Neste duelo, o grande perdedor é o Estado Democrático de Direito que se vê obrigado a se curvar frente a interesses oportunistas e eleitoreiros de legisladores inabilitados a discutir juridicamente e com parcial harmonia a questão criminal. Imperioso, ao final deste artigo, repisar a assertiva de Thomas Jeffery, segundo a qual direito penal, mais policial, mais juízes e mais prisões significam mais infratores na cadeia, porém, não necessariamente, menos delitos. 4 REFERÊNCIAS BECK, Ulrich. La sociedade del riesgo: hacia una nueva modernidad. Trad. Jorge Navarro; Daniel Jiménez; Maria Rosa Borras. Madri: Paidós, 1998. GOMES, Luiz Flávio; BIANCHI, Alice. O direito penal na era da globalização. São Paulo: RT, 2002 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito penal econômico como direito penal do perigo. São Paulo: RT, 2006. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: RT, 1997. Princípio da ofensividade no direito penal. São Paulo: RT, 2002. Segurança Pública no Estado de Direito. Revista Brasileira de Ciências 192 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Criminais. São Paulo: RT, n° 05, jan./mar. 1994. Perspectivas de uma moderna política criminal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: RT, n° 08, out. 1994. MOLINA, Antonio García-Pablos de. Criminologia. 2. ed. São Paulo: RT, 1997. PRITTWITZ, Cornelius. O Direito Penal entre o Direito Penal do Risco e o Direito Penal do Inimigo. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: RT, n° 47, mar/abr. 2004. REALE, Miguel. Legislação penal antitruste: Direito Penal Econômico e sua acepção constitucional. In www.realeadvogados.com.br, acesso aos 24 de janeiro de 2006 às 14:30. SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal. Trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: RT, 2002. 193 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 OS “NOVOS” DIREITOS FUNDAMENTAIS E AS DEMANDAS TRANSNACIONAIS EM RELAÇÃO À SAÚDE. UM OLHAR SOBRE A TRÍPLICE FRONTEIRA CHARLES NEDEL352 EDSON STORMOSKI LARA353 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 RESUMO O presente artigo procura demonstrar a conexão existente entre o conceito de ―novos‖ direitos fundamentais e o fenômeno das demandas transnacionais em relação à saúde, especificamente na região da tríplice fronteira. Fronteira esta peculiar, pois é no lado brasileiro da fronteira, que serve de base operacional, que se dá o atendimento às demandas de nacionais moradores em países limítrofes e de transnacionais, sejam paraguaios ou argentinos. Aborda-se a necessidade de proteção dos ―novos‖ direitos, e que este processo inicia-se com o detalhamento histórico da especificação dos direitos fundamentais. Analisa, também, o conceito e as características dos novos direitos fundamentais transnacionais e a internacionalização destes direitos, aborda-se também a exigibilidade dos direitos fundamentais sociais diante do princípio da reserva do possível, bem como estabelece os mecanismos de mitigação destes percalços, estabelecendo que, o tema saúde nas fronteiras, deveria ser assunto levado à pauta, como uma proposta de bemestar e desenvolvimento e que as iniciativas de saúde nas fronteiras constituem um esforço para a utilização de sistemas solidários e serviços de saúde compartilhados. PALAVRAS-CHAVE: Direitos fundamentais, transnacionalidade e fronteiras. THE "NEW" FUNDAMENTAL RIGHTS AND BORDER DEMANDS REGARDING HEALTH. A LOOK ON THE TRIPLE FRONTIER ABSTRACT This article seeks to demonstrate the connection between the concept of "new" phenomenon of fundamental rights and transnational demands regarding health, specifically in the triple border region. Frontier this peculiar because it is on the Brazilian side of the border, which serves as the operational base, which gives the national meeting demands of residents in neighboring countries and transnational, are Paraguayans or Argentines. Addresses the need for protection of "new" rights, and that this process begins with a detailed history of the specification of fundamental rights. It also analyzes the concept and characteristics of new rights and transnational internationalization of these rights, also addresses the enforceability of fundamental social rights on the principle of reservation as possible, as well establishes the mechanisms to mitigate these drawbacks, stating that, the health theme borders, should be brought to the agenda topic, as a proposal for welfare and development and health initiatives across borders constitute an effort to use the system and supportive health services shared. KEYWORDS: Fundamental rights, transnational and borders 352 Professor mestre da Faculdade Anglo-Americano –disciplina Saúde Pública- Médico, especialista em Dermatologia, especialista em Gestão em Saúde Pública, Mestre em Saúde e Meio Ambiente, e bacharelando em Direito (6 período) Faculdade Dinâmica das Cataratas; [email protected]; 353 Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário Dinâmica das Cataratas 194 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 INTRODUÇÃO: 1) As demandas transnacionais e a evolução dos direitos fundamentais As demandas transnacionais se justificam a partir da necessidade de criação de espaços públicos para tratar de questões referentes a fenômenos novos que serão ineficazes se tratados somente dentro do espaço do tradicional Estado nacional. Estes fenômenos novos se identificam com os chamados ―novos‖ direitos ou ―novos‖ direitos fundamentais. Para evitar equívocos de fundo meramente ideológico, certamente que se faz necessário afirmar que as demandas transnacionais não tratam somente de questões relacionadas com a globalização econômica, e sim com fundamentais questões de direitos relacionadas com a sobrevivência do ser humano, como por exemplo o acesso a saúde. A globalização econômica pode estar na base de algumas questões transnacionais, mas não é sua principal fonte e fundamentação, a principal justificativa da necessidade de transnacionalização do direito é a necessidade de proteção do ser humano e dentro dessa perspectiva também se encontra a proteção de seu entorno natural.(BOBBIO, 1992) Os direitos fundamentais são um fenômeno da Modernidade, pois as condições para o seu florescimento se dão no chamado trânsito à modernidade, assim depois do primeiro processo de positivação que será marcado pelas revoluções burguesas e pela ideologia liberal, através da história dos dois séculos seguintes os direitos fundamentais irão se modificando e incluindo novas demandas da sociedade em transformação. Os direitos fundamentais não são um conceito estático no tempo e sua transformação acompanha a sociedade humana e conseqüentemente suas necessidades de proteção.(COMPARATO, 2007) Cabe frisar que na Modernidade os direitos humanos nascem como direitos fundamentais, ou seja, primeiramente são concebidos como direito interno10, como direitos do cidadão, mas ainda que direito nacional-interno com ampla vocação e pretensão universal como direitos do homem genérico, se referindo a todos os seres humanos. O fenômeno da universalidade dos direitos humanos é diferente do fenômeno da internacionalização dos mesmos. A universalização é anterior aos mesmos, pois se dá já na construção teórica dos direitos, ainda como Direito Natural Racionalista, e segue seu curso desde as primeiras declarações de direitos. (CRUZ, 2009) Já a internacionalização dos Direitos Humanos é um processo muito mais recente, pois se dá basicamente como resultado da barbárie da guerra, do desejo do nunca mais da Segunda Guerra Mundial, com o advento da Organização das Nações Unidas (ONU) e com a construção de pelo menos três sistemas internacionais de proteção de Direitos Humanos (ONU, Organização dos Estados Americanos e Conselho da Europa) e tem como marco documental inicial a fundamental Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948. Não resta a menor dúvida de que a manutenção da paz e a defesa dos direitos humanos, objetivos plasmados no art. 1º da Carta de São Francisco de 1945, decisivamente são os principais motivos da criação da ONU. Da mesma forma que essas foram também as principais preocupações tanto da Comunidade Interamericana como Européia. Não resta dúvida que a questão da universalidade do conceito ocidental dos direitos humanos/direitos fundamentais é uma discussão prévia ao tema da transnacionalidade dos mesmos.(AMORIN, 2012) . 2 - A internacionalização dos direitos fundamentais A internacionalização dos direitos fundamentais em direitos humanos é um fenômeno ainda incompleto e para muitos um falido processo de tentativa de internacionalizar a questão. Sua principal crítica situa-se na falta de um poder coercitivo acima dos Estados e na falta de homogeneidade entre os países e os seus interesses, que leva a uma carência de democracia no contexto da Comunidade Internacional: o que deixa infelizmente prevalecer a situação da tradicional, primitiva e selvagem lei do mais forte que impõe sua vontade. Este 195 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 processo incompleto situa-se exatamente em um âmbito jurídico que carece de um Poder político que garanta plenamente a eficácia do ordenamento internacional dos diferentes sistemas de proteção dos direitos humanos, ainda que as tentativas são válidas e muito interessantes Os direitos humanos direitos que aspiram à uma validade universal, destinados a todos os povos e tempos, consubstanciando inequívoco caráter supranacional (internacional) (SARLET, 1998) Difícil conceber o Direito sem força, sem coerção. Mesmo assim, inegável é a existência de um Direito Internacional dos Direitos Humanos, como nos mostra a prática e a jurisprudência interna e internacional e como admite majoritariamente a doutrina. Não se pode negar a existência de normas internacionais de direitos humanos, ainda que é facilmente constatado –exatamente pelos problemas apontados –um absurdo e completo descaso com este ordenamento muito menos considerado e obedecido que os ordenamentos internos. A despeito disso, Gonet Branco defende que os típicos direitos fundamentais têm o seu pórtico no princípio da dignidade da pessoa humana, atendendo à exigência de respeito à vida, à integridade física e à segurança de cada indivíduo. Nessa medida, parece-se adequado advogar a tese de que ―os direitos fundamentais, ao menos de forma geral, podem ser considerados concretizações das exigências do princípio da dignidade da pessoa humana‖ (MENDES, BRANCO, 2002) As principais características dos novos direitos, podem estar relacionadas à algumas questões diferenciadoras dos chamados direitos fundamentais de terceira geração, também chamados de ―novos‖ direitos. Devido as suas especiais condições, diferentes dos demais direitos fundamentais como foi visto, os ―novos‖ direitos são: individuais, coletivos e difusos ao mesmo tempo, por isso considerados transindividuais. São transfronteiriços e transnacionais, pois sua principal característica é que sua proteção não é satisfeita dentro das fronteiras tradicionais do Estado nacional. São direitos relacionados com o valor solidariedade. Requerem uma visão de solidariedade, sem a mentalidade social de solidariedade não podemos entender os direitos difusos. A tendência lança os olhos para observar o fenômeno da internacionalização dos Direitos [humanos] fundamentais, que tem a Declaração Universal dos Direitos Humanos como o seu grande manancial, retratando a universalidade e a indivisibilidade desses direitos. O processo de universalização dos direitos humanos descamba na formação de um real sistema internacional de proteção para eles. E se verifica um sistema global de proteção, surgem também os sistemas regionais, com o objetivo de internacionalizar os direitos humanos também nesses planos.(GALINDO, 2002) 3- A exigibilidade dos direitos fundamentais sociais diante do princípio da reserva do possível A diferenciação dos direitos fundamentais em gerações (ou dimensões), que os teóricos do constitucionalismo procuram justificar em razão de elementos históricos, mantém importância ao passo que demonstram que a evolução desses direitos está intrinsecamente unida às batalhas havidas no decorrer do alargamento e refuncionalização do Estado Moderno. Pode-se afirmar que, além da classificação dimensional (de gerações), se faz necessário uma abordagem dos direitos fundamentais sob o olhar de um critério funcional, que, dependendo do mister que é desempenhado no caso concreto, devem ser divididos em (i) direitos de defesa ou (ii) direitos prestacionais. Concebe Alexy que os direitos de defesa, em função da liberdade do cidadão, invocam uma certa abstenção do Estado (non facere), enquanto os direitos prestacionais, por seu turno, demandam uma ação positiva (facere) por meio do Poder Público. Através dessa bifurcação, é presumível enxergar a predominância dos direitos sociais como direitos prestacionais, os quais caracterizam, sobremaneira, o Estado Social, que ao contrário do Estado de defesa, que se contenta com uma abstenção por parte do Poder Público, marca característica do Estado Liberal, invoca uma conduta 196 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 positiva do Estado, a qual se reveste na prestação de um bem ou de um serviço. (ALEXY, 1993) Nesse diapasão, Joaquim José Gomes Canotilho define que ―os direitos prestacionais significam, em sentido estrito, os direitos dos particulares obterem algo por meio do Estado (educação, saúde, assistência social, entre outros)‖ (CANOTILHO, 1988). Através da douta análise de Jairo Schäfer (2005), podemos verificar, de forma transparente, como se desenvolve essa idéia: Nem todos os direitos fundamentais sociais correspondem a direitos prestacionais. Dentre eles pode haver típicos direitos de defesa, os quais requerem apenas uma abstenção estatal, como é o caso dos direitos à liberdade de associação sindical, o direito à greve etc. Essa constatação, todavia, não desqualifica a classificação dos direitos fundamentais em direitos de defesa e direitos a prestações (SCHÄFER, 2005). A materialização dos direitos sociais fundamentais esbarra em duas situações distintas, a saber: (i) os limites impostos pelo princípio da separação dos poderes e (ii) a discricionariedade administrativa. Mas aí não se finda, pois ―existe também a problemática de natureza econômica, a qual não é presente, de forma tão contundente, nos direitos de defesa, o que ocasiona reflexos distintos em termos de eficácia e efetividade‖ (CALIENDO, 2008). Estabelecida a diferença entre os direitos prestacionais e os direitos de defesa, entende-se que estes, simplesmente por se materializarem com o não fazer por parte do Estado, não sugerem tantos problemas quando de sua aplicação. Em contrapartida, os direitos sociais prestacionais, por reivindicarem atividades de fazer por parte do Estado, com o investimento de dinheiro público, se deparam, não raras vezes, com obstáculos para sua real efetivação. Dito isto, passemos agora a analisar as possibilidades de efetivação e manutenção desses direitos prestacionais sociais de que falamos. O laureado professor e constitucionalista português Gomes Canotilho, nos ensina que a efetivação dos direitos prestacionais sociais se caracterizaria por quatro situações, a saber: 1ª. gradualidade de realização; 2ª. dependência financeira relativamente ao orçamento do Estado; 3ª. pela tendencial liberdade de conformação do legislador quanto às políticas realizadoras destes direitos; 4ª. Pela inuscetibilidade do controle jurisdicional dos programas jurídicolegislativos, salvo nos casos específicos de inconstitucionalidades[9] (CANOTILHO, 2004, p. 108). 4- A questão fronteiriça, e a transnacionalidade Os municípios fronteiriços caracterizam-se por estarem localizados até 10 Km da linha de fronteira, ao longo dos 15.719 Km de fronteira terrestre brasileira. Essa área abrange 11 estados e 121 municípios, reúne aproximadamente três milhões de habitantes e faz fronteira com dez países da América do Sul: Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai. No que pertine a questão da saúde em regiões de fronteira, o Brasil através de portaria (1120/2005) institui o Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras - SIS FRONTEIRAS, com pó intuito de consolidar e expandir a atuação do Ministério da Saúde no âmbito da área de fronteiras além da necessidade de se avaliar as ações compartilhadas na área de saúde no âmbito fronteiriço e de desenvolver um sistema de informação como suporte para um sistema de cooperação. O sistema esta destinado a integrar as ações e serviços de saúde nas regiões de fronteira, visando contribuir para o fortalecimento e organização dos sistemas locais de saúde, além de verificar as demandas e a capacidade instalada bem como identificar os fluxos de assistência e analisar o impacto das ações desenvolvidas sobre a cobertura e a qualidade assistencial. Do ponto de vista econômico, visa documentar os gastos com assistência aos cidadãos e integrar os recursos assistenciais físicos e financeiros. O objetivo principal do projeto é contribuir para o fortalecimento e a organização dos sistemas locais de saúde dos municípios fronteiriços. Para isso, faz-se necessário mensurar diversos aspectos de forma quanti-qualitativamente. Entre eles estão, os aspectos 197 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 sócio-econômicos, geográficos epidemiológicos, sanitários, ambientais e assistenciais. (BRASIL, 2005) 5Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras- SIS-fronteiras O Plano Operacional do sistema denominado SIS-fronteira, visa ao levantamento, por parte da gestão local em parceria com a Universidade Federal do respectivo estado, das metas e ações para a melhoria dos serviços de saúde nos municípios fronteiriços. Além da execução do Diagnóstico Local de Saúde e do Plano Operacional, o SIS-Fronteira também tem como objetivo firmar articulações entre as áreas do Ministério da Saúde, a fim de levar os principais programas do Governo para a região de fronteira e melhorar os serviços locais de saúde. Para nos referirmos à saúde das fronteiras, é necessário resgatar, inicialmente, o próprio conceito de saúde como ―o completo bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de enfermidades‖. Isso nos leva a considerar, além da promoção da saúde, da prevenção das enfermidades e seu tratamento, outros aspectos do bem-estar que têm a ver com a qualidade de saúde e de vida. De igual maneira e para entender o desenvolvimento de iniciativas de saúde nas fronteiras, devesse deixar claro que ―fronteira‖ é um espaço territorial, sociológico e econômico, de relações de interdependência, de diversas manifestações da vida em sociedade e que é compartilhada, promovida e executada por grupos populacionais que se estabelecem de um e outro lado do limite externo dos países e que passam a constituir um mesmo ambiente de interação no qual criam uma cultura própria de vida, às vezes diferente de cada uma de suas nações de origem.(TRENKLE, 2004) Ao nos referirmos à ―fronteira de saúde‖, devemos deixar claramente estabelecido que os territórios nacionais, com o objetivo de trabalhar iniciativas de saúde nas fronteiras, devem diferenciar dois aspectos fundamentais: a faixa fronteiriça de saúde e a região fronteiriça de saúde. A primeira, faixa fronteiriça de saúde, inclui todos os municípios, províncias ou cidades que se encontram dentro do território compreendido entre a linha divisória internacional e a linha paralela orientada a uma distância que cada país define para o interior de seu território. No caso do Brasil, esta distância é de 100 a 150 quilômetros. Já a região fronteiriça de saúde se refere ao número de municípios, províncias ou cidades limítrofes entre dois ou mais países em que se aplicam ações comuns de saúde, em busca do desenvolvimento de um só sistema de saúde, com serviços compartilhados, sejam de atenção primária, de referência e/ou de especialidade, incluindo a aplicação de todas as ações de promoção da saúde, prevenção de enfermidades ou de atenção e assistência ao tratamento e reabilitação à saúde. Com esta visão de saúde, de território de fronteira e de iniciativa de saúde, podemos afirmar que ―saúde na fronteira‖ é uma estratégia política e técnica de desenvolvimento integral que busca contribuir para o completo bem-estar físico, mental e social das pessoas que povoam as fronteiras. Objetiva também prevenir enfermidades mais comuns que se apresentam de forma endêmica e epidêmica, incluindo seu controle e atenção, dado que os vetores dessas enfermidades não reconhecem limites naturais, políticos ou burocráticos, fazendo da fronteira um ponto de especial fragilidade e risco. É assim que as iniciativas de saúde nas fronteiras constituem uma iniciativa de esforço comum para a utilização de sistemas solidários e serviços de saúde compartilhados. Para fins de desenvolvimento de ações de saúde nas fronteiras, devemos diferenciar o que significa a dinâmica da fronteira, já que a fronteira ativa pode ser identificada como o local em que reconhecemos a existência de vínculos de solidariedade natural entre as comunidades vizinhas de um e outro lado da linha divisória, pertencentes a diferentes jurisdições nacionais no limite dos Estados, e que possui uma base demográfica estabelecida pela somatória de cada uma das populações da fronteira. Ainda, no território fronteiriço, pode-se identificar outro espaço nos limites do Estado e que, em geral, não está ocupado nem conta com a mínima infraestrutura, constituindo-se em espaços vazios e, portanto, não incorporados ao desenvolvimento econômico nem ao social. Durante as últimas duas a três décadas, período em que as iniciativas de integração 198 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 regional e sub-regional aconteceram mais intensamente, o espaço fronteiriço foi considerado como território onde podemos e devemos desenvolver ações conjuntas entre países e consolidar acordos de cooperação bi ou multilaterais, de maneira a permitirmos a abertura para a integração política e de forma planejada deste espaço, chamado fronteira. Isso estaria dando crédito ao valor da fronteira, deixando de ser o último dos lugares para ser o ponto de encontro entre países e a porta de investimento na integração. Este fenômeno se dá com vistas a superar os desequilíbrios regionais e sub-regionais, por terem sido as fronteiras, tradicionalmente, espaços marginais, periféricos e carentes de integração socioeconômica, como resultado da concentração do poder e desenvolvimento no centro dos países, o que constituiu a formação de correntes centralistas. Com esta mudança, a iniciativa de desenvolvimento de fronteiras entre países permite criar um espaço de confiança nos processos de cooperação e integração socioeconômica, gerando capacidades administrativas, operativas e uma harmonização da gestão no nível local periférico. As fronteiras desenvolvidas e trabalhadas com visão de integração permitem aos países uma verdadeira articulação dentro de iniciativas de contexto internacional em que a participação bilateral ou multilateral gera espaços compartilhados com programas e projetos de verdadeira integração e possibilidades de desenvolvimento integral. O desenvolvimento fronteiriço é, sem dúvida alguma, um processo necessário e inadiável de incorporação de territórios de fronteira ao patrimônio ativo de cada país, contribuindo de maneira conjunta ao desenvolvimento de um espaço comum bi ou multinacional denominado fronteira, com iniciativas que respondam ao desenvolvimento integrado e sustentável. No caso da saúde e da luta contra a pobreza, não podemos deixar de lado o território fronteiriço para o avanço de compromissos, objetivos e metas do milênio, estabelecidas até o ano 2015. O desenvolvimento das fronteiras deve ser visto como um objetivo e uma estratégia política e de desenvolvimento econômico e social para dar respostas e soluções ao desequilíbrio interno do país entre os territórios centrais e periféricos; a dar soluções e diminuir lacunas de desenvolvimento e bem-estar nas fronteiras, onde as desigualdades e as iniqüidades de bem-estar e saúde ainda são evidentes, sendo territórios com grande injustiça social e econômica. O desenvolvimento sustentável das fronteiras só será possível se são geradas iniciativas entre países limítrofes, como estratégia fundamental, em ação conjunta com o Estado, como um todo, e com territórios locais periféricos. Isso permitirá gerar um processo único e compartilhado de integração e cooperação entre regiões fronteiriças, em aspectos de desenvolvimento social e econômico, especialmente em saúde, educação, ambiente, habitação e lazer. Neste contexto, o asseguramento dos processos de cooperação e integração entre fronteiras depende da construção de espaços de desenvolvimento social e econômico capazes de gerar e produzir bens e serviços, com incorporação efetiva de instituições e indivíduos, constituindo uma força periférica, reconhecida como ―equipes de fronteira‖. Este intercâmbio deve incorporar os conhecimentos de um e outro país; deve respeitar as realidades culturais, econômicas e sociais de cada um, buscando equilíbrio nas condições de bem-estar, saúde e desenvolvimento de ambas as populações de fronteira, com um amplo respeito à soberania dos países, não obstante de constituir um só território de interação. A verdadeira integração se dá quando as equipes de fronteira possam facilitar a preservação da fronteira, com medidas administrativas que beneficiem a ambos os lados e busquem harmonizar os processos e estruturas para compartilhamento como bem próprio e comum. Não haverá desenvolvimento de saúde nas fronteiras se antes não se consolidam processos de desenvolvimento fronteiriço integral, entendendo-se este como o componente principal da dinâmica relação entre povos e grupos humanos próximos geograficamente, mas pertencentes a dois ou mais Estados. 199 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 A incorporação da fronteira ao verdadeiro patrimônio nacional só se dará se os objetivos são claros e estratégias específicas de ponta para conseguir o desenvolvimento integral e sustentável, com incorporação de iniciativas públicas e privadas no campo da infra-estrutura social, econômica, produtiva, de serviços básicos e, especialmente, de infra-estrutura sanitária. Não obstante a dificuldade de implantação do projeto SIS FRONTEIRAS no âmbito local, o projeto é um passo inicial para o fortalecimento e a organização dos sistemas locais de saúde dos municípios fronteiriços brasileiros, pois, poderão racionalizar e melhor planejar as ações de saúde em sua região, priorizando as áreas que necessitam de maiores incentivos.(GRADILONE, 2004) CONCLUSÃO A questão dos direitos fundamentais, ditos como novos, e as demandas em relação à prestação de serviços na área da saúde para os nacionais ou transnacionais que vivem em área de fronteira, traz à luz uma discussão que, por vezes, extrapola as questões financeiras e recaem à esfera dos direitos humanos. Por outro lado, os operadores e gestores dos municípios fronteiriços enfrentam grandes dificuldades no quesito prestacional, pois de certa forma são responsáveis por sanar demandas que perpassam situações de outras competências. Não obstante se ter um mecanismo de mitigação desta situação, com repasse de recurso federais, os municípios fronteiriços, acabam por suportar as repercussões de ordem financeira, que inevitavelmente sendo redistributivas, é de se esperar que haverá preterições em relação aos munícipes nacionais. A saúde nas fronteiras, deveria ser assunto levado à pauta, como uma proposta de bemestar e desenvolvimento, pois a região fronteiriça, na acepção da palavra, se refere ao número de municípios, províncias ou cidades limítrofes entre dois ou mais países em que se deveria aplicar ações comuns de saúde, em busca do desenvolvimento de um só sistema de saúde, com serviços compartilhados, sejam de atenção primária, de referência e/ou de especialidade, incluindo a aplicação de todas as ações de promoção da saúde, prevenção de enfermidades ou de atenção e assistência ao tratamento e reabilitação à saúde. Com esta visão de saúde, de território de fronteira e de iniciativa de saúde, podemos afirmar que ―saúde na fronteira‖ é uma estratégia política e técnica de desenvolvimento integral que busca contribuir para o completo bem-estar físico, mental e social das pessoas que povoam as fronteiras. Objetiva também prevenir enfermidades mais comuns que se apresentam de forma endêmica e epidêmica, incluindo seu controle e atenção, dado que os vetores dessas enfermidades não reconhecem limites naturais, políticos ou burocráticos, fazendo da fronteira um ponto de especial fragilidade e risco. É assim que as iniciativas de saúde nas fronteiras constituem uma iniciativa de esforço comum para a utilização de sistemas solidários e serviços de saúde compartilhados. Neste conceito ampla de saúde, é notório que a região trinacional, que engloba as cidades de Foz do Iguaçu, no lado brasileiro, Porto Iguassu, no lado argentino e Ciudad Del Este, Hernadarias e Puerto Franco, no lado paraguaio, não dispõe de mecanismos e instrumentos aptos a oferecer serviços desta natureza sem haver prejuízos prestacionais aos transnacionais ou mesmo nacionais residentes no exterior mas fronteiriços ao Brasil. REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1993. AMORIM, Celso L. N. A REFORMA DA ONU. Disponível <http://www.iea.usp.br/iea/artigos/amorimonu.pdf>. Acesso em 09 agot. 2011 em: 200 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. Título original: L‘età del Diritti Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n.º 1.120, de 6 de julho de 2005. Institui o Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras - SIS FRONTEIRAS. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil]. Brasília, 7 de jul. 2005; Seção 1, n.129, p.47. CALIENDO, Paulo. Reserva do possível, direitos fundamentais e tributação. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos Fundamentais: orçamento e ―reserva do possível‖. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria Constitucional. 2. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1998. ____________. ―Metodologia Fuzzi‖ e ―Camaleões Normativos‖ na problemática actual dos direitos econômicos, sociais e culturais. Estudos sobre Direitos Fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2004. SCHÄFER, Jairo. Classificação dos Direitos Fundamentais: do sistema geracional ao sistema unitário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2007 CRUZ, Paulo Márcio; BODNAR, Zenildo. 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Acesso em: 12 set. 2012. 201 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 PARAÍSOS FISCAIS LUCIMAR DOS SANTOS OLIVEIRA354 CINTHIA TAVÁRES355 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 RESUMO Quando se fala em paraísos fiscais, entende-se como países de pequenas proporções e de poucas opções de renda nos recursos próprios; são especializados na obtenção de capitais advindos de exterior, os quais são utilizados, por suas malhas bancárias, para realizarem investimentos em ações ou aplicações do gênero em outros países; oferecem taxas e impostos baixos ou quase nulos com o intuito de atrair os investidores. Têm ainda a característica de manterem em sigilo os dados dos titulares de contas, bem como suas expressivas movimentações; e impacto no mundo, pois atraem investidores de todas as partes. Não são criteriosos quanto à origem do capital, o que faz com que além de empresas legais, capitais advindos de tráfico, contrabando, lavagem de dinheiro, sejam escondidos nestes paraísos. O presente trabalho objetiva uma explanação da sistemática dos Paraísos Fiscais, que tanto preocupa governantes de diversas nações que procuram proteger seus capitais. Vale lembrar que não são países corruptos, pois atuam dentro de suas respectivas normas internas. PALAVRAS-CHAVE: Sonegação, Evasão, Tributos. TAX HEAVENS ABSTRACT When it comes to tax havens, is meant as small proportions of countries and few options for income on own resources; specialize in raising capital coming from abroad, which are used by its meshes bank to make investments in stocks applications or the like in other countries, offer rates and low taxes or almost null in order to attract investors. It also has the feature of keeping confidential data of account holders as well as their expressive movements; impact the world as attract investors from all over. There are insightful as to the origin of the capital, which causes beyond legal firms, capital arising from trafficking, smuggling, money laundering, these are hidden paradises. The present work aims at a systematic explanation of the Tax Havens, who so worries rulers of several nations that seek to protect their capital. Remember that countries are not corrupt, because they act within their respective internal rules. KEYWORDS: Evasion, Evasion, Taxes. INTRODUÇÃO Quando se fala em paraíso fiscal, tem-se logo a ideia de praias pomposas, iates, hotéis e carros de luxo, mansões e muito, muito dinheiro no bolso, e tudo isso, num país diferente daquele de origem do agente. Porém, o grande sistema vai muito mais além do que a imaginação traz. O paraíso fiscal tecnicamente é um grande pesadelo que os governantes enfrentam, pois trata-se de evasões de divisas de foram ludibriosa sem a mínima satisfação, bem como o recolhimento do fisco. São localidades com benefícios fiscais sobre a renda de atividades externas ao seu território. Em geral são países de pequeno porte, ilhas que tiveram sua independência 354 Técnico de Edificações , Acadêmico de Direito - UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected] 355 Guia de Turismo, Acadêmica de Direito - UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil, [email protected] 202 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 reconhecida por motivo de constituir em paraísos fiscais. Em outros casos são países continentais ou costeiros, mas sempre de dimensões reduzidas e com pouquíssimos recursos para explorar. Eles mantêm as características próprias de paraísos fiscais, concedendo vantagens e facilidades na aplicação de capitais de origens desconhecidas, mantendo o sigilo bancário mantendo e a identidade confidencial dos donos do dinheiro. Juridicamente falando, paraísos fiscais, segundo o Art. 1° da Instrução Normativa n° 1.037 de 04 de julho de 2010 são: ―... países ou dependências que não tributam a renda ou que a tributam à alíquota inferior a 20% (vinte por cento) ou, ainda, cuja legislação interna não permita acesso a informações relativas à composição societária de pessoas jurídicas ou a sua titularidade, as seguintes jurisdições...‖. Assim sendo, este trabalho pretende realizar uma aproximação do tema com a realidade atual e de forma a proporcionar um melhor entendimento de como isso se demostra em algo lucrativo para pessoas jurídicas ou físicas, em detrimento ao governo de origem; inclusive como se opera e qual suas consequências, justificando-se pela necessidade de um esclarecimento do tema, pois pertinente e oportuno é, visto suas faces hora legal, ora ilegal, bem como, sua relação com o Direito Internacional. DESENVOLVIMENTO A ideia de que poucas pessoas de um determinado país detém a maior parcela da riqueza do mesmo é correta. Alguns aplicam e investem em grandes negócios, recolhem corretamente seus impostos, geram empregos e contribuem para o desenvolvimento do Estado. Outros partem para a ilegalidade. E para fugirem do fisco, praticam a chamada evasão de divisas, ou seja, não recolhem o devido imposto quando remeterem seus capitais ao exterior. Geralmente são capitais advindos da prática de crimes organizados, lavagem de dinheiro, corrupção dentre outras práticas. PARAÍSOS FISCAIS ALIAM SISTEMA BANCÁRIO SIGILOSO COM BELAS PAISAGENS NATURAIS E para recepcionar em alta classe e com boas vindas esta prática suja, surgem os ―Paraísos Fiscais‖. Países diferentes daquele da prática ilegal, onde, geralmente, seus bancos fazem as transações financeiras sem identificação dos envolvidos. Suas taxas são baixíssimas ou nulas, o que atraem muitos investidores. Seus lucros são altíssimos, pois estão com muito capital em caixa pra trabalhar, e os investidores, geralmente não são identificados, bem como suas empresas, não pagando então os devidos impostos. Geralmente o dinheiro depositado num banco do paraíso fiscal é transferido para outro país, investido em ações de companhias importantes ou companhias fictícias, retornando depois ao primeiro país, já 203 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 documentado. Muitas vezes é realizada esta operação, e tal forma que se torna difícil depois identificar a origem do dinheiro. Importante é deixar claro que a prática ilegal está justamente no país de origem do capital. Geralmente, estes montantes são advindos de manobras criminosas, sendo assim, não há a possibilidade de declaração destes capitais como capitais advindos de trabalho legal no próprio país. No caso do Brasil, a malha fiscal trabalha de forma interligada graças ao desenvolvimento da internet. Ferramenta poderosíssima que possibilita o cadastro individual da pessoa física e ou jurídica, seus bens, renda e nesse plano, traçar uma patamar anual do crescimento financeiro de cada cidadão, bem como analisar os lucros reais auferidos. Contudo o fisco brasileiro ainda não detém o controle sobre todas as rendas. Rendas estas, tidas como ilegais. Em contrapartida, as malhas de bancos nos Paraísos Fiscais, não são ilegais. Os referidos, apenas trabalham como taxas e impostos baixos ou nulos para atraírem investidores, o que é permitido pelas próprias regras do país onde estão instalados. Há confidencialidade das contas e forte sigilo bancário, o que é interessante para os investidores. E nesta ótica, existem países que, por não possuírem outras fontes de recursos, buscam seu progresso e expansão econômica aplicando o chamado planejamento tributário, financeiro e comercial. No caso do planejamento tributário, por exemplo, é criado um conjunto de sistemas legais para que tenham a possibilidade de diminuir o pagamento de tributos. E assim sendo, qualquer contribuinte tem direito de estruturar seus negócios da maneira que lhe parecer mais viável e ou oportuna, visando à diminuição dos custos e impostos. Quando isso é feito de forma lícita, ou seja, de acordo com a lei, as autoridades devem respeitar esse investidor, não podendo obrigá-lo a pagar altos impostos. Analisando o quesito legalidade, os Paraísos Fiscais muitas vezes são veiculados nas mídias em situações de escândalos fiscais, sonegação de impostos e ilegalidade, envolvendo empresários e políticos. Porém esse termo ―Paraíso Fiscal‖ designa localidades, com tributações nulas ou simbólicas, direcionadas para a atração de capital estrangeiro. Para o Brasil, consideram-se paraísos fiscais os países ou dependências que não tributam a renda ou que a tributam à alíquota inferior a 20% ou, ainda, cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade as seguintes jurisdições. Sendo assim, é importante destacar a diferença entre licitude e ilicitude na utilização dos paraísos fiscais, que é a origem e a forma que esses valores são transferidos para esses países. Os paraísos fiscais estão dispostos na Instrução Normativa 188, da Secretaria da Receita Federal, com isso percebemos que a utilização de paraísos fiscais como forma de planejamento tributário é licita. Então para aproveitar esta licitude e vantagens é essencial uma visão não apenas administrativa, mas também jurídica para compreender e adaptar a empresa as Leis e regulamentos dos países, considerados paraísos fiscais. Os quais, aproveitados de forma estratégica, lícita e dentro de um planejamento tributário podem ser a melhor opção para diminuir o impacto da tributação principalmente sobre a renda. Nota-se que há uma série de usos legítimos dos paraísos fiscais, observando é claro a legislação de cada país. E então pode-se citar alguns: - Proteção de patrimônios; - Trading - quando alguma empresa deseja exportar e não possui estrutura necessária para executar todo o processo, contrata uma Trading Company para transformar sua exportação em venda à vista no mercado interno e operações comerciais; - Investimentos offshore, que se trata de uma entidade situada no exterior sendo ela sujeita a um regime legal diferente, "extraterritorial" em relação ao país de domicílio de seus associados. Tal expressão é aplicada mais especificamente a sociedades constituídas em "paraísos fiscais", onde gozam de privilégios tributários, sejam impostos reduzidos ou até mesmo isenção de impostos; - Estruturas com finalidades de planejamento tributário; - Holding para direitos autorais, patentes e royalties. O mais antigo dos paraísos fiscais modernos e a Suíça. Ainda antes da II Guerra Mundial, os bancos suíços já recebiam valores provenientes da Rússia, Alemanha, América do Sul e 204 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 outros países assolados por convulsões politicas e sociais. A neutralidade politica e uma moeda estável ajudaram a garantir os valores dos bens, mesmo que as perspectivas de receitas e ganhos de capital fossem reduzidas e então, após a Guerra, outros paraísos fiscais emergiram. A Portaria n.º 292/2011, procedeu a uma atualização da lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis (ditos ―paraísos fiscais‖), e constantes da anterior Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro, tendo passado a excluir dois países que integram a União Europeia (UE): o Chipre e o Luxemburgo. Países considerados Paraísos Fiscais pela Portaria n.º 292/2011 1. Andorra 42. Ilhas Marianas do Norte 2. Anguilha 43. Ilhas Marshall 3. Antígua e Barbuda 44. Maurícias 4. Antilhas Holandesas 45. Mónaco 5. Aruba 46. Monserrate 6. Ascensão 47. Nauru 7. Bahamas 48. Ilhas Natal 8. Bahrain 49. Ilha de Niue 9. Barbados 50. Ilha Norfolk 10. Belize 51. Sultanato de Oman 11. Ilhas Bermudas 52. Ilhas do Pacífico não mencionadas 12. Bolívia Especificamente 13. Brunei 53. Ilhas Palau 14. Ilhas do Canal (Alderney, Guernesey, Jersey, 54. Panamá Great Stark, Herm, Little Sark, Brechou, 55. Ilha de Pitcairn Jethou e Lihou) 56. Polinésia Francesa 15. Ilhas Cayman 57. Porto Rico 16. Ilhas Cocos e Keeling 58. Quatar 17. Ilhas Cook 59. Ilhas Salomão 18. Costa Rica 60. Samoa Americana 19. Djibouti 61. Samoa Ocidental 20. Dominica 62. Ilha de Santa Helena 21. Emiratos Árabes Unidos 63. Santa Lúcia 22. Ilhas Falkland ou Malvinas 64. São Cristóvão e Nevis 23. Ilhas Fiji 65. São Marino 24. Gâmbia 66. Ilha de São Pedro e Miguelon 25. Grenada 67. São Vicente e Grenadinas 26. Gibraltar 68. Seychelles 27. Ilha de Guam 69. Suazilândia 70. Ilhas Svalbard (arquipélago 28. Guiana Spitsbergen e 29. Honduras ilha Bjornoya) 30. Hong Kong 71. Ilha de Tokelau 31. Jamaica 72. Tonga 32. Jordânia 73. Trinidad e Tobago 33. Ilhas de Queshm 74. Ilha Tristão da Cunha 205 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 34. Ilha de Kiribati 75. Ilhas Turks e Caicos 35. Koweit 76. Ilha Tuvalu 36. Labuán 77. Uruguai 37. Líbano 78. República de Vanuatu 38. Libéria 79. Ilhas Virgens Britânicas 39. Liechtenstein 80. Ilhas Virgens dos Estados Unidos da 40. Ilhas Maldivas América FONTE: Portaria n.º 292 de 08 de Novembro 2011. Assim, milhares de dólares entram em contas bancárias nesses locais a todo tempo. E uma boa parcela desse montante é originária dos países em desenvolvimento. E estes investimentos milionários acabaram criando uma economia global paralela, visto o principal motivo da evasão: fugir de impostos e regulamentações territoriais. Os paraísos fiscais são geralmente vistos com preconceito pelas pessoas e até pelos governos de outros países, que tentam cerceá-los por meio de rigorosos controles. Houve e há uma intensa tentativa de combate a prática de evasão de divisas. Após a crise mundial de 2008, a Organização para Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE) apertou o cerco aos paraísos fiscais, onde exigem uma política de impostos transparente e o acesso de autoridades estrangeiras de dados de clientes. Contudo, na prática, pouco mudou. O G-20 na mesma ocasião de crise se reuniu em Londres e prometeram regular o sistema financeiro internacional e acabar com os paraísos fiscais. Em 2009 seus representantes assumiram o compromisso de tomar medidas para que as jurisdições tidas como paraísos fiscais, adotassem padrões internacionais de taxação, transparência e troca de informações. Se comprometeram ainda a aplicar punições se fosse preciso, como revisões de tratados, retenções de impostos e negação de deduções de impostos para os sediados nos paraísos fiscais. Nada foi cumprido, visto a dificuldade e barreiras existentes quando se fala em negócios a âmbito internacional. O Brasil se pronunciou na Assembleia da ONU em 21 de setembro de 2012, através de sua representante governamental, Dilma Rousseff, onde a mesma afirmou que ―falta clareza de ideias para os líderes mundiais enfrentarem a crise econômica. Os líderes mundiais carecem mais de ações concretas. Os líderes do G-20, do qual o Brasil faz parte, assumiram diversos compromissos com a comunidade internacional para reformar o sistema financeiro internacional e acabar com um dos seus problemas centrais: os paraísos fiscais‖. A representante tem bons motivos para tal, pois um estudo afirma que US$ 21 trilhões é o total da riqueza escondida em paraísos fiscais e que o Brasil tem US$ 521 bilhões. A BBC publica matéria a respeito de um estudo inédito, que, pela primeira vez, soma os depósitos em paraísos fiscais: US$ 21 trilhões até 2010. O Brasil tem US$ 521 bilhões deste total, a quarta maior quantia do mundo depositada em contas "offshore". Os números são do documento The Price of Offshore Revisited, escrito por James Henry, ex-economista-chefe da consultoria McKinsey, sob encomenda para a Tax Justice Network. Para chegar ao total, o autor do estudo cruzou dados do Banco de Compensações Internacionais, do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e de governos nacionais. Henry estima que, desde os anos 1970 até 2010, os cidadãos mais ricos dos 139 países considerados no estudo aumentaram de US$ $ 7,3 trilhões para US$ 9,3 trilhões a "riqueza offshore não registrada" para fins de tributação, "um enorme buraco negro na economia mundial", nas palavras do autor. Na América Latina, chama a atenção o fato de, além do Brasil, países como México, Argentina e Venezuela aparecerem entre os 20 que mais enviaram recursos a paraísos fiscais. John Christensen, diretor da Tax Justice Network, afirma que além dos acionistas de empresas dos setores exportadores de minerais, (mineração e petróleo), os segmentos farmacêuticos, de comunicações e de transportes estão entre os que mais remetem recursos para paraísos fiscais. "No caso do Brasil, quando vejo os ricos brasileiros 206 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 reclamando de impostos, só posso crer que estejam blefando. Porque eles remetem dinheiro para paraísos fiscais há muito tempo", afirma Chistensen. Dilma Rousseff tem buscado dificultar as operações nos Paraísos fiscais, justamente para que as suas vantagens tributárias em relação ao Brasil não provoquem uma fuga dos recursos brasileiros para os paraísos em busca de benefícios. Júlio Augusto Oliveira, especialista em direito tributário nacional e internacional e sócio do Siqueira Castro Advogados, explica que apesar das tributações baixas ou inexistentes nos paraísos fiscais, todo brasileiro que obtém algum tipo de renda nestes países deve pagar imposto de renda no Brasil e no paraíso fiscal. ―O Brasil tem acordos com alguns países para que não ocorra a bitributação, mas, para os paraísos fiscais, estes acordos não são celebrados para não incentivar as relações comerciais entre estes países‖, diz. Conforme pesquisas realizadas, as únicas operações que pessoas físicas podem fazer nos paraísos fiscais, são a compra de imóveis e aplicações financeiras. As demais operações só podem ser realizadas por pessoas jurídicas. No caso da compra e da venda de imóveis, por exemplo, há incidência de impostos sobre transmissão de bens inter-vivos ou de herança, conforme o caso, além de tributos sobre eventuais lucros na hora da venda. Estes impostos devem ser pagos tanto no paraíso fiscal como no Brasil. O mesmo ocorre com as aplicações financeiras, cujos rendimentos serão tributados tanto aqui quanto lá fora. Já negócios praticados por pessoas jurídicas, tem outra modelagem, pois o interesse nos paraísos fiscais se dá por dois motivos centrais: primeiro porque nesses lugares não é permitido ter acesso a informações sobre a composição societária das empresas ou sua titularidade; segundo porque os impostos - quando não são inexistentes - são bastante reduzidos, com alíquotas inferiores a 20%, segundo a Receita Federal. E sendo assim, geralmente as pessoas abrem empresas em paraísos fiscais visando então aproveitar de uma menor tributação nos rendimentos de suas aplicações financeiras, seu patrimônio, ou ainda para proteger o patrimônio se acaso este vier a ser alvo de conflitos judiciais. Então o foco está justamente quando se trata de empresas remetendo capital ao exterior. Estas sim encaminham grandes parcelas através de manobras de especialistas tributários e juristas conhecedores do ramo. Em face disto, do outro lado, o fisco com suas dificuldades em recolher o devido imposto destes capitais. E neste sentido a Receita Federal do Estado Brasileiro tem trabalhado para reprimir práticas de evasão de divisas. A principal medida fiscal foi a de instituir o Imposto de Renda para aplicações de renda fixa no Brasil. As empresas localizadas nos paraísos fiscais ficam sujeitas a essa tributação, ou seja, a mesma que os investidores nacionais. A alíquota é de 15% para investir em ações e 15% a 22,5%, conforme o prazo, para títulos da dívida pública. Essa tributação aplica-se a pessoas físicas e jurídicas. Como resultado, a medida afetou consideravelmente a legislação brasileira, modificando várias normas já estabelecidas, ignorando os paraísos fiscais, obrigando-as agora ao pagamento de impostos. Algumas leis foram afetadas, e então foram obrigadas e receber reformas. São elas: Lei 9.430/96 – art. 24, §4º; Lei 9.779/99 – art.8º; Lei 9.959/2000 – art.8º; Lei 11.727/2008 – artigos 22 e 23; Medida Provisória 2.158-35/2001 – artigo 29, §1º; Medida Provisória 2.189-49/2001, artigo 16, §2º. Os Estados Unidos é grande aliado contra os paraísos fiscais. O problema do terrorismo internacional requer investimentos vultosos, cuja origem nunca é constatada. E então a conclusão que se teve é que os capitais aplicados no terrorismo estariam em algum paraíso fiscal. Para exemplificar, o UBS grande banco suíço foi pressionado a fornecer contas de certos terroristas e outros criminosos de alto escalão sob pena de lhe ser cassada a autorização de funcionamento nos EUA. Foi um golpe expressivo neste banco, o que teve repercussão mundial e serviu de modelo para que outros países adotassem esta prática contra os paraísos fiscais. Seja em sites governamentais, em pronunciamentos oficiais de chefes de estado, o que tem se percebido é uma intensa aclamação e aperto ao cerco contra os paraísos fiscais. Contudo, é importante levar em consideração a questão da soberania fiscal. Pois esta, é que ditará as regras para o combate às práticas contrárias de evasões de divisas. 207 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 CONCLUSÃO Diante do exposto, chega-se a conclusão que não haverá, num futuro próximo, um controle acirrado por parte das autoridades governamentais em relação aos paraísos fiscais. Visto a grande facilidade e rapidez com que os meios de comunicação se expandem, propiciando sistemas virtuais céleres e instantâneos para movimentações de capitais sem deixar rastros. Inúmeros são os países que combatem os paraísos fiscais, como por exemplo os G-20. No mundo da informatização tem-se lançado várias campanhas dos governos contra esta prática de evasão de capital. Contudo, cabe a cada país analisar a sua base, onde tudo tem início: o combate à corrupção, a lavagem de dinheiro, a ação de contrabandistas. A somatória de forças entre as mais diversas nações também tem papel importante no combate às práticas ilegais, mesmo porque o mundo está totalmente globalizado. E então um estudo conjunto para a criação de normas e regimentos para a manutenção de um paraíso fiscal, seria a mais plausível saída, uma vez que é de interesse de países externos, proteger seu capital. É importante não ter apenas uma má visão dos paraísos fiscais, pois estes não estão agindo na ilegalidade. Exercem seus negócios conforme seus próprios parâmetros aceitos em seus territórios. E assim sendo, as remessas de capital de forma legal ao exterior, bem como suas posteriores transações podem serem mais benéficas no quesito incidências de taxas. Vale lembrar que também podem, os paraísos fiscais, serem utilizados como forma de proteção do próprio capital, planejamento tributário, bem como holding para direitos autorais, patentes e royalties dentre outros benefícios. REFERÊNCIAS AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. JUS VIGILANTIBUS, <www.jusvi.com, outubro de 2012>. ORGANIZAÇÕES EM DEFESA DOS DIREITOS E BENS COMUNS, <www.abong.org.br>, outubro de 2011. REVISTA EXAME, Quando é lícito ter dinheiro em um paraíso fiscal, agosto de 2012. REVISTA ABRIL, O que é um paraíso fiscal? Outubro de 2012. PLMJ, Sociedade de Advogados RL, Atualização da Lista dos ―Paraísos Fiscais‖. Novembro de 2011. 208 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 JUSTIÇA PENAL INTERNACIONAL E OS DIREITOS HUMANOS CAMILA SCHULLER LOPES356 SANDRA ALVES GOGEMSKI357 SIMONE APARECIDA ALVES GOGEMSKI358 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 RESUMO O presente trabalho busca apresentar como foi a primeira e segunda guerra, os conflitos que havia sobre uma guerra ser justa ou não. A busca pelos direitos humanos que somente ocorreria após a segunda guerra, um grande marco no cenário internacional foi o julgamento do Tribunal de Nuremberg de ocorreu em 1945, criando precedentes para outros que ocorreram ate a criação do tribunal permanente Tribunal Penal Internacional criado pelo Estatuto de Roma em 1998 mas só implantado, podendo ser utilizado em 2002 após 60 países o ratificarem. Os direitos humanos após a II guerra teve um enorme crescimento como poderemos ver a seguir. PALAVRAS-CHAVE: Guerra. Tribunal Penal Internacional. Direitos Humanos. INTERNATIONAL CRIMINAL JUSTICE AND THEHUMAN RIGHTS ABSTRACT This article aims to show how the first and second war, conflicts that had about a war be just or not The quest for human rights that would occur only after the second war, a major milestone in the international arena was the judgment of the Nuremberg Tribunal occurred in 1945, creating precedents for others that occurred until the creation of the permanent court created by the International Criminal Court Statute Rome in 1998 but only implemented and can be used in 2002 after sixty countries ratify it. Human rights after World War II had a huge growth as we will see below. KEYWORDS: War. International Criminal Court. Human Rights. INTRODUÇÃO As guerras como Santo Agostinho que definia guerra justa, sendo uma reparação de uma injustiça cometida por um povo a outro. A grade guerra foi com a I Guerra 1914-1918 o crime de guerra o armistício em 1918, onde ai havia o cessar da guerra e algumas regras de como proceder com esses responsáveis, havendo assim um repudio da comunidade internacional por esses Estados que estavam totalmente ligados na guerra. A declaração de Moscou estabelece os princípios adotados para julgar os criminosos da guerra, a partir de 1945, nesse tribunal foram julgados 22 homens. Sendo esse tribunal o marco histórico ate a data de hoje, tanto para a justiça penal internacional como para os direitos humanos. O tribunal Militar assim também conhecido o Tribunal de Nuremberg, dando inicio a um marco histórico para não só na Alemanha mas no mundo. Desde então a luta por um tribunal permanente que só foi implantado em 2002 por motivos de ratificação o Tribunal Penal Internacional é descrito no Estatuto de Roma, tendo uma competência subsidiária a dos Estados parte desse estatuto, podendo tão somente julgar os crimes que ocorrerão 356 Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil. E-mail: [email protected] Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu- PR, Brasil. E-mail: [email protected] 358 Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu- PR, Brasil. E-mail: [email protected] 357 209 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 após a sua criação, não como ocorreu no tribunal de Nuremberg criado pra julgar pessoas já terminadas por crimes já cometidos. ANTECEDENTES HISTORICOS DA JUSTIÇA PENAL INTERNACIONAL Falar sobre guerra nos dias atuais pode-se dizer absurdo que exista, mas até o ano de 1918 isso era tão comum como uma ação para resolução de litígio atualmente. A doutrina clássica nos fala sobre a Guerra359, Bluntschli nos fala: ―A guerra é o conjunto de atos pelos quais um Estado ou povo faz respeitar seus direitos, lutando pelas armas contra outro Estado ou outro povo.‖ Santo Agostinho que definia guerra justa, sendo uma reparação de uma injustiça cometida por um povo a outro. Após oito séculos São Tomás de Aquino retoma o pensamento Agustiniano, declara a guerra como um pecado cometido pelos homens, e estabelece três princípios estes, titulo justo, legítima autoridade do Príncipe e justa causa e retidão na intenção dos beligerantes360. Para muitos essa guerra justa era uma demonstração de gostar do Estado da província em que eles viviam Francisco de Vitoria em 1480 – 1556 desenvolveu o principio da Guerra Justa. Com essa que muitos pensavam que era justa, tornando claro após um tempo que o Estado agressor sempre pensava que sua guerra estava sendo justa, inicializando ai os pensamentos e ideias políticas Hobbesianas sendo essas reformadas por Rousseau, que as normas que se regulavam na sociedade civil não eram as mesmas com relação aos Estados. Com a chegada do Estado moderno concentra-se um pensamento de que as punições de crime de guerras fica a cargo do Estado a que pertence o infrator com as suas normas de direito interno. Com a I Guerra 1914-1918 o crime de guerra o armistício em 1918, onde ai havia o cessar da guerra e algumas regras de como proceder com esses responsáveis, havendo assim um repudio da comunidade internacional por esses Estados que estavam totalmente ligados na guerra. O desejo de punição aos agressores, como até então não havia lei para punir esses agressores sobre o crime de guerra os Estados intermédio de seus doutrinadores buscavam em leis de seus países, tendo que associar os crimes comuns destes no que ocorreu na guerra. Em Paris, 1924 a Associação Internacional de Direito Penal pensava em um Tribunal Internacional4. SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E O TRIBUNAL DE NUREMBERG No período da II guerra mundial é que estabeleceu um Tribunal Penal conhecido como Nuremberg, foram julgados ai os responsáveis pelo regime Nazista. Alguns sustentam que na corte em Nuremberg aconteceu uma justiça parcial num tribunal de exceção criado pelos vitoriosos, e que existem inúmeras razões para duvidar dos critérios usados. O próprio rol de acusados é contestado, como também o fato de os acusados estarem sendo julgados por violar as leis internacionais, muito embora tais leis tenham sido criadas por Estados e não por indivíduos e após já haverem ocorrido todos os fatos. Muitos são da opinião de que os acusados deveriam ser julgados com as leis de seus 359 GONÇALVES, Joanisval Brito. Tribunal de Nuremberg 1945-1946: A Genese de uma Nova Ordem no Direito Internacional. 1 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p 14 e 15. 360 AQUINO, São Tomás. Suma Teológica:secunda secundae, questione XL. p. 13 210 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 próprios países e não em julgamento fundamentado em uma ordem instituída depois da guerra (CALETTI, 2002, SP). A declaração de Moscou estabelece os princípios adotados para julgar os criminosos da guerra, a partir de 1945, nesse tribunal foram julgados 22 homens. Esse tribunal servia como de base para os outro Tribunais de Guerra como o Tribunal do Extremo Oriente. Este tribunal significou um poderoso impulso ao movimento de internacionalização dos direito humanos5. Os crimes julgados por esse tribunal foram: a) crimes contra a paz; b) crimes de guerra; c) crimes contra a humanidade. Em 1 de outubro de 1946, a aproximadamente 66 anos atrás foi realizada a ultima sessão na qual foi pronunciado o veredicto final do Tribunal Militar, nesse julgamento ficou assentada a existência de princípios gerais de direitos humanos. Após esse tribunal a visão para a evolução do sistema jurídico internacional, derrubando princípios sob os quais a sociedade jurídica internacional regera-se durante séculos. 4 DIREITOS HUMANOS A CRIAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL Os direitos do homens podemos dizer que teve maior relevância após a II guerra, anteriormente havia manifestações precursoras, com a Magna Carta de 1215, os 4 GONÇALVES, Joanisval Brito. Tribunal de Nuremberg 1945-1946: a gênese de uma nova ordem no direito internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 5 Tratados Internacionais são bem antigos. O primeiro que se têm notícias foi em 1280 e 1272 a.C, que foi firmado entre Hatusil III, rei dos Hititas e o faraó egípcio da XIX Dinastia de Ramisés II6. Tivemos em 1776 a primeira declaração que estava criando valores que foram levados a outros povos sendo esta Declaração do Bem Povo da Virgínia. Mas somente após a segunda guerra é que os direitos humanos saíram do Estado em que os indivíduos vivem e foram se expandi para o mundo, sendo esses direitos discutidos não só para um Estado mas para todos. No século XIX, foi desenvolvido varias disposições sobre a proteção dos indivíduos iniciadas como Código Lieber norte-americano de 1863, regia sobre as pessoas que não participavam das guerras, civil e feridos, ou prisioneiros da guerra. Em 1815 o congresso de Viena, apresentou uma declaração sobre o trafico de escravos, sendo esta seguida por uma enorme gama de acordos bilaterais, um dos primeiros tratados de direitos humanos universais, foi aprovada em 1926, e a escravidão, sem exceção, proibida. Hoje a proibição da escravidão é parte do Direito Internacional Consuetudinário7. Kant nos dizia todos os seres humanos, quaisquer que seja, são igualmente dignos de respeito, sendo o traço distintivo do homem, como ser racional, o fato de existir como o fim em si mesmo. Por essa razão ele não pode ser usado como simples meio, o que limita o uso arbitrário desta ou daquela vontade8. No final de 1907 foi discutido e assinado, somente pelo Brasil a segunda conferência Internacional da Paz, sendo esta um fracasso com a I Grande Guerra Mundial. Em 1919 foi instituída a Liga das Nações tambem conhecida como sociedade das nações, havendo inúmeras deficiências esta pacto em 1924 houve a V Assembléia da Liga das Nações. Havendo uma grande perda de prestigio desse pacto foi assinado em Paris o Pacto Briand Kellogg9. Nasce uma grande instituição para buscar os direitos que haviam sido violados, passando desde então a cuidar desses direitos a chamada Organização das Nações Unidas, essa foi pensada nos moldes da Liga das Nações, oficialmente criada em 1945, quando 50 representantes dos países assinaram a Carta de São Francisco. 211 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 A ONU através de uma assembléia geral em 148 elaborou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Rezek fala em seu livro de direito Internacional Público: ―Até a fundaçãoda Organização das Nacoes Unidas, em 1945, não era segura afirmar que houvesse, em direito internacional público, preocupação consciente e organizada sobre o tema dos direitos humanos. De longa data alguns tratados avulsos cuidaram, incidentalmente, de proteger certas minorias dentro do contexto da sucessão do Estados. Usava-se, por igual, do termo intervenção humanitária para conceituar, sobretudo ao longo do século passado, as incursões militares que determinados potencias entendiam de empreender alhures à vista de túmulos internos, e a pretexto de proteger a vida, a dignidade e o patrimônio de sues súditos imigrados‖. Os direitos humanos no mundo contemporâneo podem ser considerados universais no 6 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tratados internacionais: com comentários à Convenção de Viena de 1969. 2. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: ed. Juarez de Oliveira, 2004. P. 30 e 35 7 PETERKE,Sven. Manual Prático de Direitos Humanos Internacionais. Brasília, ed. Esmup. 2010, p. 24. 8 NOVELINO, Marcelo. O Conteúdo Jurídico da Dignidade da Pessoa Humana. Grupo editorial Nacional, ed.Método. 9 Recebeu este nome em homenagem aos seus principais negociadores: Aristide Briand, Primeiro Ministro Francês e Frank B, Kellogg, Secretario de Estado Americano. sentido de que as normas internacionais estabelecidas de direitos humanos, especialmente à Declaração Universal de Direitos do Homem10. Muito se pensava sobre a criação de um tribunal permanente, mas até a Conferência Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas, reunida em Roma em 1998, retomando uma ideia que em 1920 o Secretário Geral da Sociedade das Nações havia formulado mas a Assembleia Geral não a acolheu, Tribunal Penal Internacional Permanente da História. Em 1994, a Comissão entrega à Assembleia um projeto definitivo do TPI11. Com resposta a este anseio da sociedade internacional, vem pelo Estatuto de Roma de 1998 o Tribunal Penal Internacional. Sendo aprovado por 120 países, com somente 7 votos contrários sendo estes Estados Unidos, Iêmen, Iraque, Israel, Líbia China e Quatar, havendo também 21 abstenções. Havia uma exigência de para a entrada em vigor desse Estatuto sendo esta de 60 ratificações, somente sendo atingida em 11 de abril de 2002. A partir desse momento por força do artigo 5°, §2 da Constituição Federal de 1988: ―os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte‖. Tendo uma competência subsidiária em relação às jurisdições nacionais de seus Estadospartes, consagrando o princípio da complementariedade12. Tendo presente que no decurso de séculos, crianças, homens e mulheres têm sido vitimas de atrocidade inimagináveis que chocam profundamente a humanidade, constituído uma ameaça a paz dos povos, à segurança e ao bem-estar da humanidade, o Tribunal Penal Internacional da o mínimo de uma segurança dos direitos humanos existentes. 212 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A criação de um Tribunal Permanente nada mais é que a vontade das nações de tem os Estados cada vez mais ligados entre si, buscando assim uma melhoria para a dignidade da pessoa e seu bem estar que esta englobado tão somente nos direitos humanos. Os direitos foram sendo garantidos conforme a população ia requerendo cada Estado conforme seu crescimento começava a manter acordos bilatérias entre outros Estados para que possa garantir o bem estar desses indivíduos que ai vivem. Os tratados sendo uma forma de conversa entre esses Estados e os estatutos para dirimir os conflitos que posso intervir entre as relações destes. 10 RODRIGUES, Simone Martins. Segurança Internacional e Direitos Humanos: A Prática de Intervenção Humanitária na Pós-Guerra Fria. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 67. 11 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica Dos Direitos Humanos.. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.460. 12 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tribunal Penal Internacional ed. São Paulo: revista dos tribunais, 2011, p. 41 a 43. e o Direito Brasileiro, 3 ª REFERÊNCIAS PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2003. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tribunal Penal Internacional e o Direito Brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. Rodrigues, Simone Martins. Segurança Internacional e os Direitos Humanos: A Prática da Intervenção no Pós-Guerra. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. Comparato, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Rezek, Francisco. Direito Internacional Público: curso Elementar. São Paulo: Saraiva, 2011. Deves, Gisele. O Tribunal de Nuremberg: marco nas relações jurídicas e políticas internacionais do século XX. Disponível em: <httpsiaibib01.univali.brpdfGisele%20Devens.pdf>. Acesso em 22.07.12. 213 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 A PROVA PERICIAL E SUA RELEVÂNCIA PARA O PROCESSO PENAL DIEGO JONES CERVO361 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 RESUMO Com base na Constituição Federal do Brasil, os legisladores estão aos poucos atualizando o ordenamento jurídico, e esta atualização, recente, se estabelece no Código de Processo Penal, com o advento da lei 11.690/08. A princípio destaca a relevância da prova pericial no processo penal, com a nova lei em vigor, o legislador buscou atribuir o princípio constitucional, o contraditório, no que tange a produção de prova no processo penal, principalmente no que se refere à perícia, a qual muitas vezes é levantada perante o juizado. PALAVRAS-CHAVE: Prova Pericial, Produção da Prova Pericial, Princípio do Contraditório. HE EXPERT EVIDENCE AND ITS RELEVANCE TO THE CRIMINAL PROCESS ABSTRACT Based on the Federal Constitution of Brazil, the lawmakers are gradually updating the legal system, and is updated, recent, established in the code of criminal procedure, with the advent of 11,690/08. The principle highlights the importance of expert evidence in criminal proceedings, with the new law in effect, the legislature sought to assign the constitutional principle, the contradictory, as it pertains to the production of evidence in criminal proceedings, especially with regard to expertise, which is often raised before the Court. KEYWORDS: Expert evidence, production of expert evidence, adversarial principle 361 Acadêmico de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – PR, Brasil. E-mail: [email protected] 214 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 INTRODUÇÃO Atualmente, com as tecnologias dominando o mundo, cada vez mais as policias estão buscando nela a solução para identificar o modo, método que o agente encontrou para praticar tal fato. Neste aspecto, este artigo tem a finalidade em apresentar, e abordar a prova pericial no processo penal, mostrar as formas e métodos que os peritos atualmente se dispunham para elaborar seus laudos através das tecnologias. Além disso, destaca ainda, a importância que a perícia exerce na comprovação do delito, desde que, este caracteriza-se pela materialidade deixada no local do fato, conforme se expressa no decorrer do escopo. Por fim, salienta-se abordar um ponto importante, do levantamento da prova pericial, cabe a discussão quanto a possível violação ao princípio do contraditório, visto que, este é basilar da Constituição Federal de 1988, que vigora até os dias atuais. A PROVA PERICIAL E SUA RELEVÂNCIA PARA O PROCESSO PENAL Visa a partir de agora, ressaltar o motivo que levou a elaboração deste trabalho, as pesquisas sobre o tema será apresentando e discutido pelos doutrinadores, conceituando um dos meios de provas - a perícia -, a sua natureza jurídica no processo penal, a produção da prova pericial, suas formas e métodos, com uma pequena análise na visão dos doutrinadores e como acontece realmente no dia a dia no trabalho da perícia. Por fim, destacar como a perícia pode ser decisiva para a comprovação do crime, os quais deixam vestígios para comprovação do mesmo, e ainda, a questão do princípio do contraditório, se existe uma possível violação deste quanto à elaboração da prova pericial. 4.1. CONCEITO DE PERÍCIA A perícia, na visão de Fernando da Costa Tourinho Filho, entende-se aquela em que o ―exame é procedido por pessoa que tenha determinados conhecimentos técnicos, científicos, artísticos ou experiência qualificada acerca dos fatos, circunstancias ou condições pessoais inerentes ao fato punível, a fim de comprová-los.‖ 362 Na mesma linha de pensamento, Eugênio Pacelli de Oliveira diz que a perícia é uma ―prova técnica, na medida em que pretende certificar a existência de fatos cuja certeza, segundo a lei, somente seria possível a partir de conhecimentos específicos.‖363 Sendo assim, a perícia deverá ―ser produzida por pessoas devidamente habilitadas, o qual o reconhecimento desta habilitação feito normalmente na própria lei, que cuida das profissões e atividades regulamentadas, fiscalizadas por órgãos regionais e nacionais.‖2 Já Fernando Capez define a perícia da seguinte forma: Perícia, originário do latim peritia (habilidade especial), é um meio de prova que consiste em um exame elaborado por pessoa, em regra profissional, dotada de formação e conhecimentos técnicos específicos, acerca de fatos necessários ao deslinde da causa. Trata-se de um juízo de valoração científico, artístico, contábil, avaliatório ou técnico, exercido por especialista, com o propósito de prestar auxilio ao magistrado em questões fora de sua área de conhecimento profissional. 364 Cabe ressaltar ainda que na visão de Guilherme de Souza Nucci, a perícia é o ―exame de algo ou alguém realizado por técnicos ou especialistas em determinados assuntos, podendo fazer afirmações ou extrair conclusões pertinentes ao processo penal.‖365 O autor afirma ainda que a perícia ―é uma meio de prova‖4, e que, utiliza-se esta ―quando ocorre uma 362 FILHO. Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. 33 ed. São Paulo. Saraiva, 2011. p. 275. OLIVEIRA. Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 11 ed. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2009. p. 372. 364 CAPEZ. Fernando. Curso de Processo Penal. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 290. 365 NUCCI. Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 365. 363 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 infração penal que deixa vestígios materiais, devendo a autoridade policial, tão logo tenha conhecimento da sua prática, determinar a realização do corpo de delito.‖4 Conforme analisado pelos autores supra, veja-se que todos possuem a mesma visão conquanto a perícia no processo penal, definindo-a como sendo àquela que deverá ser realizado por pessoa capacitada e habilitada para tal fato. A seguir analisa-se qual a natureza jurídica desta para o processo penal na visão da doutrina. 4.2. NATUREZA JURÍDICA DA PERÍCIA A natureza jurídica deste meio de prova na lição de Fernando Capez destaca que ―a pericia está colocada em nossa legislação como um meio de prova, à qual se atribui um valor especial‖, ou seja, ―está em uma posição intermediária entre a prova e a sentença.‖ 366 Já Fernando Tourinho da Costa Tourinho Filho afirma que a natureza jurídica da perícia é ―mais que um meio de prova, representa um elemento subsidiário para a sua valoração ou para a solução de uma dúvida.‖367 Na visão de Adalberto José Queiroz Tellez de Camargo Aranha, considera a natureza jurídica da perícia situada ―como uma prova nominada idêntica as demais, pra nós, numa afirmativa arrojada, tem a perícia uma natureza jurídica toda especial que extravasa a condição de simples meio probatório, para atingir uma posição intermediária entre a prova e a sentença.‖368 Na visão dos doutrinadores, a natureza jurídica da perícia considera-se como um meio de prova, porém, os autores afirmam que esta possui certa diferença conquanto aos outros meios de provas, uma vez que, este meio de prova utiliza-se para corroborar com o juiz, ou seja, a perícia, de alguma forma, auxilia em caso dúvida no processo, examinando assim, aqueles crimes que deixam vestígios no local do fato. 4.3. PRODUÇÃO DA PROVA PERICIAL: FORMA E MÉTODOS Após análise acerca da natureza jurídica da perícia, vislumbra adentrar na questão da produção da prova pericial, ou seja, analisar como a doutrina define esta problemática no processo penal, demonstrar suas formas e métodos para a produção, conforme o próprio código de processo penal apresenta. De início, analisa-se na visão de Guilherme de Souza Nucci, o qual fala expressamente que ―a lei é clara ao mencionar que a confissão do réu não pode suprir o exame de corpo de delito‖369, o mesmo ainda diz que ―a única fórmula legal válida para preencher a sua falta é a colheita de depoimentos de testemunhas, conforme o artigo 167: não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.‖ 8 Guilherme de Souza Nucci destaca que ―se o cadáver, no caso de homicídio, desapareceu, ainda que o réu confesse ter matado a vítima, não havendo exame de corpo de delito, nem tampouco prova testemunhal, não se pode punir o autor.‖8 Percebe-se que mesmo o agente confessando o crime, e não existindo a materialidade para tal, cabe ao juiz não aceita-lá, pois, a materialidade para comprovar tal fato é inexistente. Nesta linha de pensamento, Eugênio Pacelli de Oliveira destaca que a previsão feita no artigo 167 do código de processo penal ―é uma espécie de exame de corpo de delito 366 Id. Ibid. p. 291. FILHO. Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. 33 Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 286. 368 ARANHA. Adalberto José Queiroz Tellez de Camargo. Da Prova no Processo Penal. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 156 e 157. Disponivel em: <http://siaibib01.univali.br/pdf/Camila%20Mahiba%20Pereira%20Farhat.pdf.> Acessado em: 01/10/12 369 NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6 ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2010. p. 398. 367 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 indireto‖370, ou seja, ―a prova será exclusivamente testemunhal.‖9 Descaracterizando assim, como visto a confissão por parte do agente. Dando prosseguimento ao tema e seguindo a linha de raciocínio de Guilherme de Souza Nucci, o próximo passo será da elaboração do laudo pericial pelos peritos. Para tanto, Guilherme de Souza Nucci conceitua Perito como sendo o ―especialista em determinado assunto‖371, e considera-se ―oficial quando é investido na função por lei e não pela nomeação feita pelo juiz.‖10 Guilherme de Souza Nucci descreve ainda que, com o advento da lei 11.690/08, ―que as perícias em geral, onde se insere o exame de corpo de delito, seja realizado por um perito oficial, portador de diploma de curso superior.‖10 Pode acontecer muitas vezes da inexistência de um perito no momento, sendo assim, a lei trouxe esta hipótese configurada da seguinte forma: ―não havendo, é possível a sua realização por duas pessoas idôneas, com diploma de curso superior, preferencialmente na área especifica, escolhidas dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada à natureza do exame.‖10 Conforme Eugênio Pacelli de Oliveira a prova pericial ―se faz por meio da elaboração de laudo técnico, pelo qual o (s) expert (s) responderão às indagações e aos esclarecimentos requeridos pelas partes e pelo juiz, por meio de quesitos.‖372 Referente à elaboração do laudo pericial, Fernando da Costa Tourinho Filho destaca que ―quando da lavratura do laudo, os peritos descreverão minuciosamente o que examinaram e responderão aos quesitos formulados, quer pela autoridade, quer pelas partes.‖373 Na visão de Guilherme de Souza Nucci, o laudo pericial é a ―conclusão a que chegaram os peritos, exposta na forma escrita, devidamente fundamentada, constando todas as observações pertinentes ao que foi verificado as respostas aos quesitos formulados pelas partes.‖374 Para a elaboração do laudo pericial, este possui alguns requisitos que devem ser respondidos no decorrer da elaboração, e que Guilherme de Souza Nucci e Fernando da Costa Tourinho Filho demonstram detalhadamente, veja-se: Na visão de Fernando da Costa Tourinho Filho, o laudo pericial contêm os seguintes elementos: a. O preâmbulo – contêm a qualificação dos peritos, a autoridade que determinou a perícia, a qualificação do examinado, o tipo de exame solicitado, hora e local da realização da perícia e seu objetivo. b. Os quesitos – estes são proposições redigidas com clareza, de molde a permitir aos peritos fácil entendimento para que possam respondê-las. c. O histórico – um relato do que ensejou a perícia. d. A descrição – parte essencial e básica e mais importante do relatório. Viso e referido, sua função é reproduzir fiel, metódica e objetivamente, com exposição minuciosa dos exames e técnicas empregadas e de tudo o que for observado pelos peritos. e. Discussão – consiste em analisar os dados fornecidos pelo exame e registrados na descrição, cotejá-los com os informes disponíveis relatados no histórico, encaminhando, naturalmente o raciocínio do leitor para o entendimento da conclusão. f. A conclusão – sumário de todos os elementos objetivos observados e discutidos pelos peritos, constituindo a dedução sintética natural da discussão elaborada. 375 Já Guilherme de Souza Nucci, os elementos são: a. Tópico de identificação – consta a dependência onde foi realizado, os números do boletim de ocorrência, do inquérito policial. 370 OLIVEIRA. Eugênio Pacelli. Op. Cit. p. 375. NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6 ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2010. p. 400. 372 OLIVEIRA. Eugênio Pacelli. Op. Cit. p. 377. 373 FILHO. Fernando da Costa Tourinho. Op. Cit. p. 286. 374 NUCCI. Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 401. 375 FILHO. Fernando da Costa Tourinho. Op. Cit. p. 286. 371 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 b. Titulação - nome do exame a ser efetivado. c. Nome da pessoa a ser analisada d. Elenco dos quesitos a serem respondidos376 Outro ponto em questão e de suma importância levantado por Guilherme de Souza Nucci é referente a alguns exames, os quais, muitas vezes, ―são realizados sem nenhuma participação das partes. Isso não impede que, em virtude dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, não possam ser questionados em juízo por qualquer das partes.‖15 Neste caso, para compor os interesses ―de efetivação do laudo em curto espaço de tempo e de participação dos interessados na discussão do seu conteúdo, pode haver complementação da perícia, sob o crivo do contraditório, respeitando-se o devido processo legal.‖15 Após a análise feita sobre a elaboração do laudo pericial visa abordar as formas que o código de processo penal traz e os métodos que os peritos devem utilizar para a realização da perícia. Desta forma, como base para o estudo em questão, Guilherme de Souza Nucci apresenta a Autópsia ou Necropsia da seguinte forma, veja-se: Conceitua-se a Autópsia ou Necropsia como sendo o ―exame feito das partes internas de um cadáver.‖377 Este tipo de exame possui a finalidade ―de constatar a morte e sua causa, como a trajetória do projétil ou o numero de ferimentos, bem como os orifícios de entrada e saída do instrumento utilizado.‖16 Caso a morte seja violenta ou ―é dispensável a mesma, pois inexiste qualquer dúvida referente ao caso‖. 16 Na realização deste exame buscou-se aperfeiçoar, como medida de segurança, certo período de tempo, ―no mínimo de seis horas, que é o necessário para o surgimento dos incontroversos sinais tanatológicos, demonstrativos da morte da vítima, evitando-se qualquer engano fatal.‖16 Guilherme de Souza Nucci que existe alguns sinais de mortes são comuns e outros especiais, veja-se alguns destes: Dentre os comuns tem-se: o aspecto do corpo (face cadavérica, imobilidade, relaxamento dos esfíncteres); cessação da circulação (verificação da pulsação, auscultação do coração); parada da respiração de modo prolongado (auscultação, prova do espelho – colocado perto das narinas ou da boca, não se embaçando se houver a parada respiratória -, prova da vela – colocada perto das narinas ou da boca para haver a checagem da vacilação da chama); resfriamento do corpo (leva aproximadamente 22 horas para completar-se o processo em ambiente de 24 ˚C).16 Já com relação a sinais de morte especial tem-se: A cardiopunctura (colocação de uma fina agulha no tórax até atingir o coração; se este estiver batendo a ponta da agulha vibrará); arteriotomia (abertura da artéria superficial para ver se está cheia de sangue ou vazia), prova da fluoresceína (injeção de solução na veia ou nos músculos para constatar se se arrasta para o sangue, corando de amarelo a superfície cutânea, o que somente ocorre se a pessoa está viva); prova do papel de tornassol (um papel de tornassol é colocado sobre os olhos e ficará vermelho se a pessoa estiver morta).378 Não obstante, Fernando da Costa Tourinho Filho traz consigo a ideia de que a necropsia ―não é um simples exame feito no cadáver, mas um exame interno, nele procedido a fim de constatar a causa mortis.‖ 379 Destaca o autor ainda a questão do tempo, o qual deve ser ―feito pelo menos, seis horas após o óbito, é assim porque após este tempo aparecem os sinais da morte (o resfriamento do cadáver, a rigidez cadavérica).‖ 18 Para Fernando da Costa Tourinho Filho o legislador acertou em ―determinar o exame interno 376 NUCCI. Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 402. Id. Ibid. p. 403. 378 NUCCI. Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 404. 379 FILHO. Fernando da Costa Tourinho. Op. Cit. p. 288. 377 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 do cadáver quando houver necessidade de se verificar alguma circunstancia relevante.‖380 Na lição de Norberto Avena dispõe sobre o momento que será dispensado este exame, veja-se: a. Nos casos de morte violenta sem que haja infração penal a ser apurada, quando será suficiente exame externo do cadáver; b. Quando, mesmo havendo infração penal a ser apurado, as lesões externas permitirem precisar a causa da morte, não havendo necessidade de exame interno para constatar qualquer circunstancia relevante.381 Posterior análise sobre a necropsia cabe agora ao próximo meio de perícia, que é a Exumação e Inumação, que conforme Guilherme de Souza Nucci inicia-se diferenciando o que é exumação e inumação. Exumar significa ―desenterrar ou tirar o cadáver da sepultura, o qual necessita de autorização legal, não podendo ser feito sem causa.‖382 Ressalta-se que em caso de infração ―aos dispositivos legais que autorizam a exumação ou inumação ocorre contravenção penal, conforme o artigo 67 da Lei de contravenções penais‖21, em tela: Artigo 67 – ―Inumar ou exumar cadáver, com infração das disposições legais: Pena - prisão simples, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa.‖ 383 Destaca que este procedimento de exumar ―requer justa causa, vale dizer, motivo justo para que seja realizado, qual seja, sanar dúvidas quanto à causa mortis.‖384 Ratifica-se Fernando da Costa Tourinho Filho que ―os cadáveres serão, sempre que possível, fotografados na posição em que forem encontrado. Para representar as lesões encontradas no cadáver, os peritos, juntarão ao laudo provas fotográficas, esquemas ou desenhos rubricados.‖385 Já inumar ―significa enterrar ou sepultar,‖25 embora o código de processo penal não fizer alguma menção sobre isto, ―de regra, cabe à autoridade policial determinar a realização da autópsia, logo, é da sua atribuição determinar a exumação‖25, sendo assim, ―nada impede que o juiz a determine, devendo ser conduzida pela autoridade policial de toda forma.‖386 Outra forma de perícia é a de Exame de Corpo de Delito em caso de Lesões Corporais, Guilherme de Souza Nucci afirma que a ―particularidade desse caso fica por conta da possibilidade de haver um primeiro exame pericial realizado de modo incompleto, necessitando-se do denominado exame complementar, a fim de apurar a gravidade da lesão.‖387 Na verdade o que se busca neste tipo de exame é identificar a questão da capacidade da pessoa, se com a lesão sofrida esta poderá ficar com debilidade permanente do órgão, sentido ou função, ou, incapaz para as ocupações habituais por mais de trinta dias, nesta linha de raciocínio Norberto Avena apresenta: Relativamente ao quesito relativo à debilidade permanente do órgão, sentido ou função, é bastante comum não ser respondido no primeiro laudo realizado na vítima sob o fundamento de que se faz necessário aguardar o decurso de alguns meses (quantificados pelo perito) para, somente depois, por meio de exame complementar, ser esclarecida tal circunstância.388 Já com relação da incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias, o autor diz que a impossibilidade de ser respondido no laudo realizado logo depois do crime e a 380 Id. Ibid. p. 289. AVENA. Norberto. Processo Penal Esquematizado. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 512. 382 Id. Ibid. p. 404. 383 Decreto Lei 3.688/1941. Leis das Contravenções Penais. Disponível Em: <Http://www.dji.com.br/decretos_leis/1941-003688-lcp/lcp066a070.htm.> Acessado em: 02/10/12. 384 AVENA. Norberto. Op. Cit. p. 512. 385 FILHO. Fernando da Costa Tourinho. Op. Cit. p. 290. 386 Id. Ibid. p. 404. 387 NUCCI. Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 405. 388 AVENA. Norberto. Op. Cit. p. 513. 381 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 necessidade de exame complementar em momento posterior decorrem de expressa previsão legal, qual seja, o art. 168, §2˚, do CPP, dispondo que, se o exame tiver por fim precisar a classificação do delito no art. 129, §1˚, I do Código Penal, deverá ser feito logo que decorra o prazo de trinta Diaz, contado da data do crime. 27 Ressalta Fernando da Costa Tourinho Filho que o exame complementar tem por ―finalidade melhor classificar a lesão, ou porque o primeiro exame foi deficiente ou por que os peritos, à época em que o realizaram, não podiam, realmente classifica-lo.‖ 389 Nota-se que, desse exame complementar visa unicamente estabelecer o nível em que se desferiu a conduta, ou seja, analisando em outras palavras, o exame complementar busca caracterizar a materialidade que a vítima sofreu, dessa forma, é possível determinar em qual hipótese que o individuo irá responder em uma ação futura. Posterior a isso, cabe ressaltar outra forma de prova pericial, qual seja, o exame de local, este na visão de Guilherme de Souza Nucci, já ao doutrinador Norberto Avena destaca o rompimento de obstáculo à subtração da coisa e escalada, veja-se a opinião de ambos conquanto ao assunto. Ao tratar-se do exame de local, Guilherme de Souza Nucci afirma que ―a autoridade policial deve dirigir-se ao local do crime, providenciando para que não sejam alterados o estado e a conservação das coisas até a chegada dos peritos‖390, é expresso no código de processo penal, pois a finalidade é fácil de analisar. Veja-se, no momento em que ocorre o crime, sendo este isolado pela polícia até a chegada dos peritos, muitos meios de provas ali podem ser adquiridos e resguardados para o devido processo legal, neste caso, a materialidade e os indícios estariam presentes. O código de processo penal é claro no seu artigo 169, a respeito deste assunto, analise-se: Art. 169. Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos. Parágrafo único. Os peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório, as consequências dessas alterações na dinâmica dos fatos.391 Destarte, Norberto Avena destaca o rompimento de obstáculo à subtração da cosia e escalada que seria a hipótese ―nos crimes cometidos com destruição ou rompimento de obstáculo a subtração da coisa, ou por meio de escalada, os peritos além de descrever os vestígios, indicarão com que instrumentos, por que mios e em que época presumem ter sido o fato praticado.‖392 Deste assunto, o autor cita que há duas posições referentes a este modo de perícia em virtude da falta de materialidade podendo ser suprida por outra prova testemunhal, veja-se as duas posições na lição de Norberto Avena. 1˚ posição: a perícia para a constatação do rompimento é, sempre, necessária. Ausente, torna-se imperativa a desclassificação do delito para furto simples, inclusive em razão da existência de regra específica dentro do Código de Processo Penal. 2˚ posição: desde que desparecidos os vestígios, é possível, aplicando-se o artigo 167 do Código de Processo Penal, reconhecer a qualificadora do delito do rompimento de obstáculo a partir da prova testemunhal, ou de outras provas. Este último é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.393 Referente ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça, é um HC 151.272/DF,5ª. Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 08.11.2010, que diz: o exame de corpo delito direto é imprescindível nas infrações que deixam vestígios, podendo apenas ser suprido pela prova testemunhal quando não puderem ser mais colhidos. Logo, se era possível à realização da perícia, e esta não ocorreu de acordo com as 389 FILHO. Fernando da Costa Tourinho. Op. Cit. p. 292. NUCCI. Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 406. 391 VADE. Mecum Código de Processo Penal. DL n˚ 3.689/1941. São Paulo. Saraiva, 2012. 392 AVENA. Norberto. Op. Cit. p. 514. 393 AVENA. Norberto. Op. Cit. p. 515. 390 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 normas pertinentes (art. 159 do CPP), a prova testemunhal não supre sua ausência.32 Contudo, cabe ressaltar que está matéria é de grande controvérsia, sendo impossível destacar qual a melhor corrente dominante, e o autor Norberto Avena apresenta outra decisão do Superior Tribunal de Justiça, veja-se: ―o delito de furto qualificado mediante escalada, por normalmente não deixar vestígios, pode ser provado com a utilização de outros meios que não o exame pericial.‖394 Esta decisão foi do Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, HC 18962/MS, 5ª. Turma, DJ 04.03.2002. Há, também, outro julgado, agora da 6ª Turma, o qual diz que ―a prova pericial não é o único meio para comprovar a qualificadora da escalada, podendo ser suprida por outros meios‖ 33, prolatada pelo Rel. Min. Celso Limong, HC, 138.961/MG, 6ª. DJ 01.02.2011. O doutrinador Eugênio Pacelli de Oliveira aborda o tema afirmando que quando se ―tratar de crime praticado com rompimento de obstáculo ou destruição de coisas, ou por meio de escalada a prova pericial será necessária até mesmo para a definição do tipo penal, que poderá ser qualificado.‖395 Percebe-se a importância da perícia para determinar a qualificação do crime praticado pelo individuo, é notório que a falta desta, caracteriza sem dúvida prejuízo ao processo penal, pois, como visto, através da perícia tem-se o crime discutido e apresentado pelos peritos, apresentando as formas e métodos utilizados para pratica-lo. Seguindo com as provas periciais, destaca agora o exame laboratorial, aqueles em que são realizados para descobrir através de experimentos científicos, em laboratórios, o motivo da causa da morte e o que se utilizou para tal fato. Guilherme de Souza Nucci fala a respeito deste tema afirmando que é o exame utilizado em ―muitos crimes, como ocorre com os delitos contra a saúde pública, é imprescindível que se faça o exame de laboratório, para que os peritos, contando com aparelhos adequados e elementos químicos próprios, possam apresentar suas conclusões.‖396 Destaca o Código de Processo Penal em seu artigo 170, que os peritos, ao concluírem o exame, o mesmo deve resguardar certa quantidade do material periciado, pois, caso o juiz não esteja convincente com o primeiro laudo, possa exigir um exame complementar do mesmo. Artigo. 170. ―Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para a eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou esquemas.‖397 Como visto, nas perícias de laboratórios, os peritos devem analisar adequadamente de que forma, substância, que o individuo se utilizou para a prática de tal fato, conquanto, deslumbra destacar a perícia em caso de incêndio, estabelecida pelo Código de Processo Penal, em seu art. 173. Artigo. 173. ―No caso de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver começado, o perigo que dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à elucidação do fato.‖398 Compartilha com o assunto o doutrinador Norberto Avena, o qual retrata que a perícia, nessa espécie de delito, é importante, mesmo porque poderá concluir tanto no sentido de que o incêndio foi criminoso como pela ocorrência de caso fortuito, vale dizer, sinistro acidental, sem relevância penal. Assim, se o conjunto probatório possibilitar a certeza quanto à intenção do agente em cometer o crime de incêndio (testemunhas que presenciaram o agente espalhar gasolina), a ausência de perícia não inviabiliza um juízo condenatório.399 394 Id. Ibid. p. 516. OLIVEIRA. Eugênio Pacelli. Op. Cit. p. 377. 396 NUCCI. Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 409. 397 VADE. Mecum. Código de Processo Penal. DL n˚ 3.689/1941. São Paulo. Saraiva, 2012. 398 VADE. Mecum. Código de Processo Penal. DL n˚ 3.689/1941. São Paulo. Saraiva, 2012. 399 AVENA. Norberto. Op. Cit. p. 516. 395 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Ora, retrata neste exame pericial, novamente, a importância ensejada para a avaliação do início do incêndio, podendo no caso concreto determinar em que momento começou e se foi criminoso ou não. Caso o incêndio seja criminoso e inexistindo a possibilidade de perícia, mas tendo testemunhas que a viram, o juiz pode, através delas, ter um juízo de cunho condenatório. Prossegue-se apresentando os métodos e formas de perícia, salienta-se o exame de reconhecimento de escritos, conhecido como grafotécnico, ou seja, aquele que compara se a letra saiu do próprio punho ou foi falsificado por terceiro. Sobre este método de perícia, Guilherme de Souza Nucci descreve busca certificar, admitindo como certo, por comparação, que a letra, inserida em determinado escrito, pertence à pessoa investigada. Da mesma maneira que a prova serve para incriminar alguém, também tem a finalidade de afastar a participação de pessoa cuja letra não for reconhecida. A autoridade policial, que normalmente conduz tal colheita, aproveitará frases e palavras semelhantes àquelas sobre as quais pende dúvida, mandando que o investigado as escreva várias vezes.400 Deste método de pericia percebe-se que existe uma questão que envolve o direito constitucional, ou seja, existe o princípio da não autoincriminação presente, pois, ao individuo que é solicitado a prestar-lhe de seu próprio punho a caligrafia para comparação com o duvidoso, este estaria fazendo prova contra si mesmo, o qual é vedado pela Constituição Federal, nesta linha de raciocínio Norberto Avena comenta: Considerando, porém, o privilégio da não autoincriminação, decorrente do próprio constitucional e pelo qual se reconhece aos investigados ou acusados o direito de não produzir provas contra si, é evidente que tal disposição legal não pode ser interpretada literalmente, sendo vedado à autoridade mandar que o suspeito forneça material gráfico, podendo, unicamente, solicitar-lhe esta providência, que poderá ser atendida ou não.401 Na visão de Guilherme de Souza Nucci, o mesmo profere: Ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Portanto, se o indiciado, conforme orientação de sua defesa, preferir não fornecer o material para o exame ser realizado, tal conduta jamais poderá ser considerada crime de desobediência; do contrário, estar-se-ia subvertendo a ordem jurídica, obrigando o indivíduo a produzir prova contra seu próprio interesse.402 Por mais que exista o princípio constitucional, o qual restringe o indivíduo a colaborar com a perícia, às autoridades pode valer-se de outros métodos para adquirir a escrita. Conforme destaca Guilherme de Souza Nucci, ―propiciando à autoridade que se valha de outros documentos emanados do punho do investigado, cuja autenticidade já tiver sido evidenciada em juízo ou por qualquer outro meio de prova em direito admitido‖41, ou seja, deverá requisitar ―documentos constantes de arquivos ou estabelecimentos públicos ou privados para proceder à comparação.‖41 Conforme visto, em concomitância aos autores supra, Fernando da Costa Tourinho Filho tem a mesma ideologia abordada, destacando o princípio constitucional e a forma que a autoridade policial deve prosseguir em caso da falta de material para ser confrontado. Assim, após o desmembramento das formas e métodos da perícia cabe ressaltar que o juiz não esta vinculado diretamente ao laudo pericial, pois ―pelo sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão criminal, adotado pelo Código, possa o magistrado decidir a matéria que lhe é apresentada de acordo com sua convicção.‖403 Neste caso, cabe o juiz ―analisar e avaliar a prova sem nenhum freio ou método previamente imposto pela lei.‖42 Tanto é que o próprio Processo Penal em seu artigo 182 descreve esta posição, veja-se: Artigo. 182. ―O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou 400 NUCCI. Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 410. AVENA. Norberto. Op. Cit. p. 518. 402 NUCCI. Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 410. 403 Id. Ibid. p. 415. 401 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 em parte.‖404 4.4. RELEVÂNCIA DA PROVA PERICIAL PARA COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE Neste item, por ser o objetivo do trabalho, tem por finalidade diagnosticar e analisar o valor que a prova pericial tem para comprovar os crimes que por sua característica e finalidade deixam vestígios possibilitando assim o exame pericial. Partindo desta análise, sobre o crime material, percebe-se que este se caracteriza pelos vestígios deixados e a materialidade para a prática de tal fato, para o direito, esta materialidade denomina-se exame de corpo de delito. Ressalta-se abordar uma pequena diferença por quanto ao corpo de delito com os outros exames periciais, Aury Lopes Junior destaca bem isso, veja-se: Não se pode confundir o exame de corpo de delito com as perícias em geral. O exame de corpo de delito é a perícia feita sobre os elementos que constituem a própria materialidade do crime. Daí por que sua presença ou ausência afeta a prova da própria existência do crime e gera uma nulidade absoluta do processo. Já as perícias em geral são feitas em outros elementos probatórios e sua presença ou ausência afetam apenas o convencimento do juiz sobre o crime.405 Sobre este tema, define Guilherme de Souza Nucci que o corpo de delito ―é a existência do crime (materialidade do delito)‖406, ou seja, ―e a verificação da prova da existência do crime, feita por peritos, diretamente, ou por intermédio de outras evidências, quando os vestígios, ainda que materiais desapareceram.‖45 Para diagnosticar o corpo de delito é necessário ainda a caracterização dos vestígios, ou seja, ―o rastro, a pista ou o indício deixado por algo ou alguém‖45, destaca Guilherme de Souza Nucci que ―há delitos que deixam sinais aparentes de sua prática, como ocorre com o homicídio, uma vez que se pode visualizar o cadáver.‖45 Desta forma, percebe-se que o Código de Processo Penal preocupa-se com os crimes que deixam rastros passiveis de constatação e registro, obrigando-se, no campo das provas à realização do exame de corpo de delito, expresso no artigo 158 do diploma. Esta obrigação imposta pelo código retrata da importância que a perícia exerce, sabendo-se que no próprio Código de Processo Penal traz a consequência da não realização da perícia para o processo penal, veja-se o art. 564 do diploma, o qual define em que hipóteses ocorrerão às nulidades no processo penal. Artigo. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: (...) III. Por falta das fórmulas ou dos termos seguintes: (...) b. O exame do corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no art. 167.407 Nota-se que na parte final da alínea ―b‖ do artigo supra, tem-se a expressão ressalvado o disposto no artigo 167, isto nada mais é do que uma ressalva do legislador em casos em que fica impossibilitado em se realizar o exame pericial. Guilherme de Souza Nucci afirma que muitas vezes o delinquente ―faz o possível para oculta sua ação, escondendo o cadáver, as lesões leves, as quais curadas desaparecem, a troca da porta arrombada, e entre outros, podendo ser substituídos por testemunhas, suprindo assim o exame de corpo de delito.‖408 Nesta linha de raciocínio, o autor Aury Lopes Junior separa de forma clara a situação encontrada no artigo 564, III, b, do Código de Processo Penal. Primeiramente, como visto, a 404 VADE. Mecum. Código de Processo Penal. DL n˚ 3.689/1941. São Paulo. Saraiva, 2012 JUNIOR. Aury Lopes. Direito Processual Penal. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 617. 406 NUCCI. Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 392. 407 MECUM. Vade. Código de Processo Penal. DL n˚ 3.689/1941. São Paulo. Saraiva, 2012. 408 NUCCI. Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 376. 405 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 regra é, os crimes que deixam vestígios e materialidade é necessária à perícia, ou seja, o exame de corpo de delito, sobre isso, o autor divide o exame em corpo de delito em direto e indireto. O exame de corpo de delito direto é ―quando a análise recai diretamente sobre o objeto, ou seja, quando se estabelece uma relação imediata entre o perito e aquilo que esta sendo periciado.‖409 Sendo assim, ―essa é a regra: a materialidade (existência) dos crimes que deixam vestígios deve ser comprovada através de exame de corpo de delito direto.‖48 A excepcionalidade é o exame de corpo de delito indireto, é aquele caracterizado no artigo 167 do Código de Processo Penal, como visto anteriormente nas palavras de Guilherme de Souza Nucci. Sobre isto, Aury Lopes Junior destaca que o exame de corpo de delito indireto ―é uma exceção excepcionalista, admitido quando os vestígios desaparecem e a prova testemunhal vai suprir a falta do exame direto. Mas não só ela; também pode haver a comprovação indireta através de filmagens, fotografias, gravações de áudio etc.‖48 De fato que se percebe certa diferença, se o exame de corpo de delito é para aqueles casos em que exista a materialidade do crime, caracterizando assim o exame direto, o exame indireto é cabível naqueles casos em que a perícia seja feita nas fotografias, filmagens, no depoimento das testemunhas. Pois o próprio Aury Lopes Junior disse que a perícia em si serve para sanar possíveis dúvidas do magistrado, enquanto que o exame de corpo de delito é descobrir as formas e métodos que o agente se utilizou para a prática do crime. Denota-se um problema que ocorre na prática, Aury Lopes Junior diz que ―na prática isso não é observado, e o chamado exame indireto acaba sendo a produção de outras provas (testemunhal, fotografias etc.) para suprir a falta do exame direto.‖410 Ou seja, ―o chamado exame indireto não é, tecnicamente, um exame indireto, senão o suprimento da falta de exame direto por outros meios de prova.‖49 Veja-se a opinião de Aury Lopes Junior quanto a esta temática: Deve ficar claro que a impossibilidade da realização do exame há de ser compreendida apenas pela inexistência de base material para a realização direta, a dizer, quando o exame não é realizado no momento oportuno pela desídia do Estado, ou sua realização é imprestável pela falta de aptidão técnica dos operadores encarregados de fazê-lo, não há que onerar o réu com uma prova indireta em vez daquela que poderia ter sido imediatamente realizada. 411 Conforme abordado, percebe-se que o exame de corpo de delito, nos crimes materiais é de suma importância para caracterizar a forma e/ou métodos utilizados para prática do delito, enquanto que as outras formas de perícias são utilizadas para sanar dúvidas decorrentes no processo penal corroborando com o juiz para o julgamento. Nota-se que em virtude muitas vezes da falta da materialidade, estão buscando em outros meios de provas, como a fotografia, a testemunha, as filmagens, onerarem o réu com o fato praticado, ou seja, na falta da materialidade estes meios de provas que seriam uteis para auxiliarem o juiz em possíveis dúvidas estão sendo utilizadas para imputar o agente do crime praticado. Nesta linha de pensamento, o autor Aury Lopes Junior foi claro a definir que na falta de realizar o exame no momento certo ou pela demora do Estado em elaborar a perícia, não pode o réu sofrer com as consequências, sendo este imputado, cabendo nesses casos à hipótese do artigo 564, III, b do Código de Processo Penal, nulidade do processo. Percebe-se que há muita discussão a respeito do tema, mas uma coisa é certa, existe e sempre irá existir a necessidade da prova pericial, pois como analisado, esta é utilizado tanto para a acusação, comprovando os indícios e materialidade quanto ao réu para a sua defesa, pois, para o juiz o que se leva em conta são as provas produzidas no processo penal, o qual servirá para julgamento da lide. Para a Jurisprudência Brasileira, essa questão do exame de corpo de delito direto ser 409 JUNIOR. Aury Lopes. Op. Cit. p. 619. JUNIOR. Aury Lopes. Op. Cit. p. 620. 411 JUNIOR. Aury Lopes. Op. Cit. p. 620. 410 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 substituído pelo exame de corpo de delito indireto já possui decisões quanto a isto, veja-se a decisão do STJ HC 33.300/ RJ, Rel. Min. Laurita Vaz 5ª. Turma, DJ 09/05/2005. HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO CONSUMADO E TENTADO. EXAME DE CORPO DE DELITO NÃO REALIZADO. PROVA TESTEMUNHAL. SUPRIMENTO. ART. 167 DO CPP. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS. TEORIA DAS NULIDADES PROCESSUAIS. ARTS. 563 E 565 DO CPP. ARGUIÇÃO DE NULIDADE QUE NÃO APROVEITA AO RÉU. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. A simples ausência de laudo de exame de corpo de delito da vítima não tem o condão de conduzir à conclusão de inexistência de provas da materialidade do crime, se nos autos existem outros meios de prova capazes de convencer o julgador quanto à efetiva ocorrência do delito, como se verifica na hipótese vertente. Aplicação do art. 167 do CPP.412 Por mais que o código de processo penal exija o exame de corpo de delito direto, a jurisprudência pátria está admitindo a comprovação do delito por outros meios de provas cabíveis, desde que possíveis de sanar quaisquer dúvidas advindas no decorrer do processo penal. Em alusão ao tema, cabe ainda destacar um ponto importante na questão da prova pericial, pois, como visto é de suma importância para a comprovação da autoria do crime, e nesta linha de pensamento, Antonio Scarance Fernandes, José Raul Gavião de Almeida e Maurício Zanoide de Moraes falam que no Brasil ―há regras gerais para as perícias e algumas estão reguladas de forma destacada‖413, são aquelas definidas no item 4.3, e salienta que o Código de Processo Penal não traz outras formas de perícias, de suma importância, que são: ―perícia de voz para comprovação da autoria do dialogo objeto de interceptação telefônica; exame de DNA para comparação de material genético do acusado com material genético encontrado; perícias em discos rígidos nos crimes cometidos pela internet.‖52 Os autores destacam que ―aumentam as preocupações com as perícias assentadas em metodologias novas, ainda discutíveis, porque apresentam forte valor probatório, sendo geralmente como conclusões verdadeiras, porque aparentemente científicas.‖414 Com os novos meios de tecnologias as perícias científicas estão se aperfeiçoando cada vez melhor em busca do real método utilizado pelos agentes na prática do delito, contudo, difícil é para o legislador acompanhar essas novas tecnologias, sendo assim, acaba surgindo questionamento em virtude dessa matéria, e os autores supra já estão questionando os novos métodos de prova pericial. A respeito deste assunto, os doutrinadores Antonio Scarance Fernandes, José Raul Gavião de Almeida e Maurício Zanoide de Moraes, apontam o relatório da XX Jornada Iberoamericana de Direito Processual apresentada inclusive por Antonio Scarance Fernandes, o qual retrata o seguinte problema: Os problemas de atipicidade da prova pericial derivam do fato de serem realizadas perícias não regulamentadas, ou seja, perícias atípicas, como por exemplo, a perícia de reconhecimento de voz. Os relatórios informam a existência de normas genéricas sobre a produção das perícias e a previsão de procedimentos específicos para algumas perícias, mas, principalmente ante o desenvolvimento tecnológico e as novas técnicas de investigação, referem-se à necessidade de realização de perícias não reguladas. Seguemse nesses casos as regras genéricas sobre a prova pericial, e se existente, forma análoga de produção da prova. O problema é muitas vezes mais de ordem técnica, ou seja, sobre a maneira de se realizar a perícia, do que jurídico.415 Percebe-se a preocupação dos doutrinadores quanto à realização da prova pericial, o atual 412 Id. Ibid. p. 621. FERNANDES. Antonio Scarance. ALMEIDA, José Raul Gavião de. MORAES, Maurício Zanoide de. Provas no Processo Penal Estudo Comparado. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 19 414 FERNANDES. Antonio Scarance. ALMEIDA, José Raul Gavião de. MORAES, Maurício Zanoide de. Op. Cit. p. 19. 415 Id. Ibid. p. 68. 413 COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Código de Processo Penal traz consigo as formas e métodos de perícias de forma genérica, ou seja, como lembrado pelos doutrinadores, existe a questão do desenvolvimento tecnológico o qual exige que o legislador comece a se preocupar com os novos meios, dando suporte para que os peritos possam desenvolver seus trabalhos, especificando cada vez mais este instituto. Veja-se como exemplo o caso de perícia em informática, não existe uma especificação quanto ao assunto, dificultando as partes no momento dos levantamentos de quesitos. Neste tipo de perícia as formas são varias, desde arquivos salvos em HDs, para combater crimes de pedofilia, até mesmo em descobrir e-mails enviados/recebidos pelo usuário. Os autores Antonio Scarance Fernandes, José Raul Gavião de Almeida e Maurício Zanoide de Moraes apresentam ainda que ―a disciplina da prova é um dos temas mais relevantes para o direito processual, uma vez que a decisão judicial é motivada a partir das pretensões das partes fundadas nas provas produzidas ao longo do processo.‖416 E estes ainda lecionam: A importância da disciplina da prova na teoria geral do processo é ainda mais acentuada no processo penal, pois, só a prova cabal do fato criminoso é capaz de superar a presunção de inocência do acusado, que representa a maior garantia do cidadão contra o uso arbitrário do poder punitivo.417 Imprescindível não admitir a necessidade da perícia para o processo penal. Ao juiz, como se pode definir, é uma pessoa pela qual não se sabe o motivo da lide, restando apenas, a ele, averiguar no decorrer do processo, as provas levantadas pelas partes, e julgar o caso conforme o levantamento das provas e das perícias realizadas, através dos laudos periciais. Para as partes, tanto o Ministério Público quanto ao réu, vide de regra utiliza-se para incriminar quanto para desqualificar a imputação do réu, cabendo a estes, através do levantamento de provas e das perícias no decorrer do processo apresentar ao juiz para que a decisão possa ser conforme o abordado. Pois, ao réu o que mais lhe interessa é o direito à liberdade. Por fim, salienta-se discutir, frente ao processo penal, se existe uma possível violação quanto ao princípio constitucional, qual seja, o Princípio do Contraditório, pois, por se tratar de prova pericial no decorrer do processo, cabe analisar na visão dos doutrinadores se a prova pericial se exime de tal violação. 4.4.1. A Prova Pericial e “Possível” Violação ao Princípio do Contraditório Como analisado anteriormente, sobre a prova pericial, ressalta-se se a produção desta pode violar de alguma forma o princípio do Contraditório previsto constitucionalmente. Em virtude deste princípio, o conceito dele perante a Constituição Federal se dá na seguinte maneira: O principio do contraditório como sabido figura como um dos mais importantes no processo acusatório, garantia constitucional que assegura a ampla defesa do acusado, conforme expresso inclusive na Carta Maior (art. 5º, LV). Segundo tal principio o acusado goza do direito de defesa sem restrições, repita-se – sem restrições – em todo processo, destarte, deve estar assegurada a igualdade das partes. 418 Na mesma linha de raciocínio, o doutrinador Joaquim Canuto Mendes de Almeida aborda o princípio do contraditório na esfera do processo penal, e que na visão deste tem-se: A verdade atingida pela justiça pública não pode e não deve valer em juízo sem que haja oportunidade de defesa ao indiciado. É preciso que seja o julgamento precedido de atos 416 417 418 Id. Ibid. p. 46. Id. Ibid. p. 69. Planalto. Revista Jurídica. Lesão ao Princípio do Contraditório e da Isonomia na esfera da Instância Superior no que pertence a manifestação da Procudoria de Justiça. Disponivel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/rev_87/artigos/PDF/Tarcisio_Edson_Rev87.pdf.> acessado em: 04/10/12. COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 inequívocos de comunicação ao réu: de que vai ser acusado; dos termos precisos dessa acusação; e de seus fundamentos de fato (provas) e de direito. Necessário também é que essa comunicação seja feita a tempo de possibilitar a contrariedade: nisso está o prazo para conhecimento exato dos fundamentos probatórios e legais da imputação e para a oposição da contrariedade e seus fundamentos de fato (provas) e de direito.419 Na visão de Antônio Scarance Fernandes, destaca que o princípio do contraditório no processo penal possui dois elementos que são essências para a sua aplicação que são a ―necessidade de informação e possibilidade de reação‖420, e o mesmo ainda diz o seguinte a respeito deste princípio, veja-se: No processo penal é necessário que a informação e a possibilidade de reação permitam um contraditório pleno e efetivo. Pleno porque se exige a observância do contraditório durante o desenrolar da causa, até seu encerramento. Efetivo porque não é suficiente que se dê às partes a possibilidade formal de se pronunciar sobre os atos da parte contrária, sendo imprescindível que lhe sejam proporcionados os meios para que tenha condições reais de contrariá-los. 59 Em síntese, o princípio do contraditório no Processo Penal tem como finalidade garantir para as partes o direito às informações no decorrer do processo, bem como o direito de defesa desde o início da ação até seu fim. Mas em relação à produção de provas, como pode ser caracterizado este princípio nesta fase, será que existe alguma violação, na visão de Eugênio Pacelli de Oliveira tem-se a seguinte definição: Como regra, vimos que todas as provas devem se submeter ao contraditório, devendo também ser produzidas diante do juiz, na fase instrutória. Isso porque, a prova produzida na fase investigatória tem por objetivo o convencimento e a formação do órgão da acusação. Recebida a denúncia ou queixa, todas elas, em princípio, deverão ser repetidas.421 Como mencionado por Eugênio Pacelli de Oliveira as provas devem ser produzidas diante do juiz, isso aconteceu com o advento da lei 11.690/08 que trouxe inovações nos meios de provas, conforme visto no item 3.3, o qual trouxe a possibilidade do assistente técnico, desde que apreciado pelo juiz, porém, o que realmente acontece na visão de Eugênio Pacelli de Oliveira é que O contraditório somente será realizado já perante a jurisdição, e limitado ao exame acerca da idoneidade do profissional responsável pela perícia e das conclusões por ele alcançada, quando já perecido o material periciado. Nesse campo, o objeto da prova, na maior parte das vezes, será a qualidade técnica do laudo, e, particularmente, o cumprimento das normas legais a ele pertinentes, por exemplo, a exigência de motivação, de coerência, de atualidade e idoneidade dos métodos. 60 Nesta visão, encontra-se Luiz Flávio Gomes, o qual explica que o princípio do contraditório no processo penal, na questão da produção de provas, existe, e o define da seguinte maneira: Toda prova admite a contraprova, não sendo admissível a valoração de uma delas sem o conhecimento da outra parte. O princípio do contraditório exige prévia intimação e oferecimento de oportunidade para as partes se manifestarem sobre qualquer prova produzida no processo. 422 419 ALMEIDA. Joaquim Canuto Mendes de. Princípios Fundamentais do Processo Penal. São Paulo. Saraiva, 2012. p. 86. Disponivel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/rev_87/artigos/PDF/Tarcisio_Edson_Rev87.pdf.> Acessado em: 04/10/12. 420 FERNANDES. Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 2 ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2000. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile.> Acessado em: 04/10/12. 421 OLIVEIRA. Eugênio Pacelli. Op. Cit. p. 377. 422 GOMES. Luiz Flávio. Direito Processual Penal. 6 ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2005. p. 183. COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 Interessante destacar que o contraditório será exercido de duas formas no processo penal, que pode ser o direto ou diferido, ―o primeiro é exercido no momento da produção da prova, já, o segundo após a sua produção.‖60 Na lição de Aury Lopes Junior aborda o princípio do contraditório no processo penal, conceituando-o como ―o direito de ser informado e de participar no processo‖423 ou seja, é do direito, o dever do ―conhecimento completo da acusação, o direito de saber o que está ocorrendo no processo, de ser comunicado de todos os atos processuais‖62., a própria regra do princípio, não podendo existir, de qualquer forma, certo segredo sobre o que acontece na fase proecssual. Já com relação a produção de provas, Aury Lopes Junior destaca que o princípio do contraditório deve ser observado em quantro pontos importantes, destaca-se: a. Postulação (denúncia ou defesa prévia): contraditório está na possibilidade de também postular a prova, em igualdade de oportunidades e condições; b. Admissão (pelo juiz): contraditório e direito de defesa concretizam-se na possibilidade de impugnar a decisão que admite a prova; c. Produção (instrução): o contraditório manifesta-se na possibilidade de as partes participarem e assistirem a produção da prova; d. Valoração ( na sentença): o contraditório manifesta-se através do controle da racionalidade da decisão (externada pela fundamentação) que conduz à possibilidade de impugnação pela via recursal. 62 Por mais que o princípio do contraditório não está expressamente previsto no Código de Processo Penal pode-se perceber através de uma análise que o legislador o colocou de alguma forma para que o fosse respeitado, conforme preceitua a Constituição Federal, sendo assim, Aury Lopes Junior apresenta quais os direitos que as partes, no Processo Penal tem, do levantamento das provas perícias, que são: a. Requerer sua produção; b. Apresentar quesitos até o ato da diligência (art. 176); c. Se possível, pela natureza do ato, acompanhar a colheita de elementos pelos peritos (extração de sangue, vestígios químicos no local etc.); d. Manifestar-se sobre a prova, podendo requerer nova perícia, sua complementação ou esclarecimento dos peritos; e. Obter uma manifestação do juiz sobre a prova pericial realizada.424 Provém afirmar que de alguma forma o legislador buscou acoplar o principio do contraditório no processo penal, em virtude de não deixar as partes, no momento do processo, sem nenhuma informação quanto o levantamento de provas, dando a elas, como visto, as hipóteses supra para sanar qualquer violação do principio. CONCLUSÃO Com base nas análises literárias, este artigo buscou definir, na visão de doutrinadores, desde o conceito da prova pericial, discutindo a sua natureza jurídica e as formas que o Código de Processo Penal admite para a elaboração da perícia. Contudo, visto que existe uma discussão acerca da importância da perícia para a comprovação da materialidade em virtude de os tribunais brasileiros adotarem medidas diferenciadas naqueles casos que faltam a materialidade, mas, os doutrinadores são claros em dizer que a regra é clara quanto a isso, o código de processo penal exige a perícia nos crimes de materialidade não podendo assim o estado imputar algo contra o agente sem o devido laudo. Por fim, destacou e abordou se efetivamente existe uma possível violação quanto ao principio do contraditório e nessa linha, percebe-se que, os doutrinadores foram claros em 423 JUNIOR. Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 2 ed. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2008. p. 503. 424 JUNIOR. Aury Lopes. Op. Cit. p. 554. COLÓQUIO DE DIREITO: 27 E 28 DE MAIO DE 2013 afirmar que com a inovação da lei 11.690/08, o legislador procurou atribuir ao código de processo penal, especificamente no que tange as provas periciais o principio de forma implícita. COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 REFERENCIAS ALMEIDA. Joaquim Canuto Mendes de. Princípios Fundamentais do Processo Penal. São Paulo. Saraiva, 2012. p. 86. Disponivel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/rev_87/artigos/PDF/Tarcisio_Edson_Rev87.pd f.> Acessado em: 04/10/12. ARANHA. Adalberto José Queiroz Tellez de Camargo. Da Prova no Processo Penal. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 156 e 157. Disponivel em: <http://siaibib01.univali.br/pdf/Camila%20Mahiba%20Pereira%20Farhat.pdf.> Acessado em: 01/10/12 AVENA. Norberto. Processo Penal Esquematizado. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. CAPEZ. Fernando. Curso de Processo Penal. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. Decreto Lei 3.688/1941. Leis das Contravenções Penais. 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Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6 ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2010. OLIVEIRA. Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 11 ed. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2009. p. 372. Planalto. Revista Jurídica. Lesão ao Princípio do Contraditório e da Isonomia na esfera da Instância Superior no que pertence a manifestação da Procudoria de Justiça. Disponivel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/rev_87/artigos/PDF/Tarcisio_Edson_Rev87.pd f.> acessado em: 04/10/12. VADE. Mecum Código de Processo Penal. DL n˚ 3.689/1941. São Paulo. Saraiva, 2012. COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 231 O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE HUMANA E O DIREITO SOCIAL À SAÚDE A LUZ DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E SEUS POSSÍVEIS IMPEDIMENTOS (DIREITOS FUNDAMENTAIS) CHARLES NEDEL425 JOSÉ LUIZ FARIAS426 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 RESUMO: Entre os direitos fundamentais, temos os direitos sociais previstos no artigo 6º da Constituição Federal Brasileira de 1988, subsumindo-se à noção dos direitos de segunda dimensão. Trata-se de resultado do processo de constitucionalização dos direitos humanos, com vistas à positivação e efetividade do princípio da dignidade humana. Referidos direitos impõem ao Poder Público a satisfação do dever de prestação positiva, consistente em um facere do Estado. Este artigo teve como objetivo geral analisar a possibilidade de o Estado exonerar-se do dever constitucional de oferecer e garantir os direitos sociais com fundamento na alegação da teoria da reserva do possível que consiste no fenômeno econômico da limitação de recursos financeiros pelo Estado. PALAVRAS-CHAVE:Direitos Fundamentais Sociais. Efetividade. Teoria da Reserva do Possível. ABSTRACT: Among the fundamental rights we have the social rights, a constitutional right extended to all, pursuant to provisions of Article 06 of the Federal Constitution [of Brazil]. The social rights being conceived of within the notion of second dimension rights. They are the result of the process of constitutionalization of human rights, seeking to bring assertion and effectiveness into the principle of human dignity. Such rights impose upon the Public Power the enforcement of the duty of positive performance, consisting of a mandate to do or facere on the part of the State. This article had the general scope of analyzing the possibility of the State to exempt itself from the constitutional must of delivering and guaranteeing social rights with grounds on allegation of the theory of reservation based on feasibility, even within a limited scale of choices over public policies and a universe bound by scarce financial resources. KEYWORDS: Social rights. Effectiveness. Reservation based on Feasibility Theory 425 426 Professor mestre da Faculdade Anglo-Americano –disciplina Saúde Pública- Médico, especialista em Dermatologia, especialista em Gestão em Saúde Pública, mestre em Saúde e Meio Ambiente, acadêmico do Centro Universitário Dinâmica das Cataratas; [email protected]; Acadêmico do Curso de Direito no Centro Universitário Dinâmica das Cataratas em Direito. E-mail: ; [email protected] COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 232 INTRODUÇÃO: A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Em relação a evolução dos direitos fundamentais, os mesmos são historicamente classificados e segmentados em gerações, todas distintas uma das outras, e não existindo hierarquia entre estes direito. A distinção se dá, como instrumento delimitador em relação ao período histórico em que surgiram, tutelando desta forma, novos direitos. Portanto, todos os direitos inerentes às gerações, possuem a mesma relevância, apesar da tradicional classificação em três gerações de direitos fundamentais, o cenário jurídico hodierno observa o nascimento de uma nova geração, com tentativas de enquadrá-la como a quarta geração. Compreendem nesta categoria, os novos direitos decorrentes da evolução social contemporânea e o processo de mundialização, com questões relativas à genética, à informática, e à difusão do conhecimento. Os direitos de primeira geração, reafirmam uma obrigação de prestação negativa por parte do Estado, confirmando um não agir estatal. Ressaltasse entre esses, os direitos civis e políticos, classicamente determinados nas liberdades, como o direito de propriedade, direito à vida e à segurança. Os eventuais desmandos praticados pelo Estado, seriam mitigados com o efetivo exercício dessa geração de direitos. Os chamados direitos de segunda geração, correspondem aos direitos sociais, entre esses os direitos econômicos e sócio-culturais. Determinando ao Estado uma prestação positiva, uma ação concreta em benefício da pessoa que necessitar desses direitos, assegurando a plenitude prestacional no que concerne a dignidade da pessoa humana. Já os direitos de terceira geração, também denominados coletivos, orientam uma determinação obrigacional do Estado em proteger a coletividade, e não somente o ser humano isoladamente. Desta forma, também são designados como direitos de solidariedade. São desta geração os direitos ambientais, e de grupos específicos, como aqueles destinados às mulheres, crianças, idosos, consumidores e movimentos sociais.(BOBBIO, 1992) Ao se ater primordialmente na discussão acerca dos direitos sócias, cabe ressaltar que, ao contrário da maioria dos direitos individuais tradicionais, cuja proteção exige a intervenção estatal na preservação de sua inviolabilidade, os direitos sociais não podem simplesmente serem atribuídos aos cidadãos. Assim, a Constituição prevê que os Direitos Sociais sejam garantidos por meio de uma ação concreta do Estado que contempla a implementação de políticas públicas. Estes direitos sociais vêm para mitigar as diferenças sociais, em especial aquelas de caráter eminentemente econômico, podendo ser representadas principalmente pelas políticas públicas voltadas à área do trabalho e emprego, previdência social, saúde, lazer, educação, em suma, à manutenção satisfatória do ser humano e sua família. Assim, para a implementação destes direitos é necessário a efetiva ação estatal no sentido de propiciar aos seus cidadãos esse atendimento minimamente dispensado à sua existência. A finalidade principal é o respeito a sua dignidade, com proteção ao poder estatal e a garantia das condições mínimas de vida e desenvolvimento do ser humano, ou seja, visa garantir o respeito à vida, à liberdade, à igualdade e a dignidade, para o pleno desenvolvimento de sua personalidade. No Brasil, os direitos sociais foram se estabelecendo gradativamente, atingindo seu ápice no ano de 1988, com a promulgação da Constituição, também chamada Constituição cidadã. A partir de então o atendimento a estas necessidades foi amplamente garantido pela carta, sendo o seu descumprimento uma violação grave à cidadania e à dignidade humana. (SARLET, 2001) COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 233 DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Quando se discutem políticas de saúde no Brasil de hoje não se podem ignorar os artigos 6º e 196 da Constituição Federal de 1988, que reconhecem a saúde como direito fundamental das pessoas e dever do Estado. Um assunto que até 1988 era primordialmente técnico e político passou a ser também jurídico e de ordem constitucional. A Constituição Federal de 1988, trouxe em seu Título II, os Direitos e Garantias Fundamentais, subdivididos em cinco capítulos: a- Direitos individuais e coletivos: são os direitos ligados ao conceito de pessoa humana e à sua personalidade, tais como à vida, à igualdade, à dignidade, à segurança, à honra, à liberdade e à propriedade. Estão previstos no artigo 5º e seus incisos; b- Direitos sociais: o Estado Social de Direito deve garantir as liberdades positivas aos indivíduos. Esses direitos são referentes à educação, saúde, trabalho, previdência social, lazer, segurança, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Sua finalidade é a melhoria das condições de vida dos menos favorecidos, concretizando assim, a igualdade social. Estão elencados a partir do artigo 6º; c- Direitos de nacionalidade: nacionalidade, significa, o vínculo jurídico político que liga um indivíduo a um certo e determinado Estado, fazendo com que este indivíduo se torne um componente do povo, capacitando-o a exigir sua proteção e em contra partida, o Estado sujeita-o a cumprir deveres impostos a todos; d- Direitos políticos: permitem ao indivíduo, através de direitos públicos subjetivos, exercer sua cidadania, participando de forma ativa dos negócios políticos do Estado. Esta elencado no artigo 14; e- Direitos relacionados à existência , organização e a participação em partidos políticos: garante a autonomia e a liberdade plena dos partidos políticos como instrumentos necessários e importantes na preservação do Estado democrático de Direito. Esta elencado no artigo 17. De tal importância a Saúde apresentou-se ao poder constituinte, que a vigente Constituição da República Federativa do Brasil, além de incluí-la entre os direitos sociais, dedicou seção exclusiva ao tema (Título VIII, Capítulo II, Seção II, arts. 196 ao 200). O art. 196 assim expressa: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". A Carta Política de 1988 consagra como fundamento da República, em seu art. 1º, inc. III, a Dignidade da Pessoa Humana. Mais ainda, o art. 5º, caput, garante a todos o direito à vida, bem que deve ser resgatado por uma única atitude responsável do Estado, qual seja, o dever de fornecimento da medicação e/ou da intervenção médica necessária a todo cidadão que dela necessite. O Direito à Saúde, além de qualificarse como direito fundamental que assiste a todas as pessoas, representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida, e a uma vida digna. A Saúde, desta forma, encontra-se entre os bens intangíveis mais preciosos do ser humano, digna de receber a tutela protetiva estatal, porque se consubstancia em característica indissociável do direito à vida. A atenção à Saúde constitui um direito de todo cidadão e um dever do Estado, devendo estar plenamente integrada às políticas públicas governamentais. Não é razoável, nem constitucional, que o Poder Público deixe de fornecer medicamentos e terapias, e, assim, salvar vidas de pessoas, sob a alegação de falta de reserva orçamentária. A questão gira em torno da análise concreta do desrespeito COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 234 à Constituição pelo Poder Público e da necessidade de implementação de direito social fundamental. (CRUZ, 2004) O PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL OU PRINCÍPIO DA RESERVA DE CONSISTÊNCIA. PRIMEIRO IMPEDIMENTO De construção jurídica germânica, e originária de uma ação judicial que objetivava permitir a determinados estudantes cursar o ensino superior público embasada na garantia da livre escolha do trabalho, ofício ou profissão. Neste caso, ficou decidido pela Suprema Corte Alemã que, somente se pode exigir do Estado a prestação em benefício do interessado, desde que observados os limites de razoabilidade. Os direitos sociais que exigem uma prestação de fazer estariam sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade, ou seja, justificaria a limitação do Estado em razão de suas condições sócio-econômicas e estruturais. Por outro lado, de acordo com o artigo 7º, IV, da Constituição Federal, o mínimo existencial seria o conjunto de bens e utilidades básicas imprescindíveis para uma vida com dignidade, tais como a saúde, a moradia e a educação fundamental. Violarse-ia, portanto, o mínimo existencial quando da omissão na concretização de direitos fundamentais inerentes à dignidade da pessoa humana, onde não há espaço de discricionariedade para o gestor público. Torna-se importante, pois, que se amplie, ao máximo, o núcleo essencial do direito, de modo a não reduzir o conceito de mínimo existencial à noção de mínimo vital. Ressaltando-se que, se o mínimo existencial fosse apenas o mínimo necessário à sobrevivência, não seria preciso constitucionalizar o direito social, bastando reconhecer o direito à vida. O uso da doutrina constitucional alemã, por vezes é utilizada para inviabilizar um maior controle das políticas sociais por parte dos tribunais. Essa posição é discutível e, na verdade, não corresponde às exigências de um Direito Constitucional Comparado produtivo e cientificamente coerente. (SILVA, 2007) A CONSTRUÇÃO DO CRITÉRIO MATERIAL DA RESERVA DO POSSÍVEL. SEGUNDO IMPEDIMENTO Toda norma infraconstitucional imanada deve respeitar os ditames constitucionais inerentes aos direitos sociais estabelecidos, sendo qualquer determinação contrária absolutamente vedada. O atendimento integral ao cidadão que não possua condições próprias de manutenção passa a ser responsabilidade do Estado, que internalizou em sua sistemática a adoção de políticas públicas para atender este fim. O direito à saúde, além da previsão constitucional, também está disciplinado na legislação ordinária, mais especificamente, na Lei nº 8.080/90. O Artigo 2º da referida norma dispõe que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. O Artigo 4º da mesma Lei preleciona que a prestação dos serviços de saúde por parte do poder público federal, estadual e municipal constitui o Sistema Único de Saúde (SUS), determinando a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas, compreendendo ainda a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica. Se o Estado, a partir dos direitos fundamentais de segunda geração, passa a se encarregar de prover ao cidadão suas condições básicas de existência, como vai arcar com esse custo? Apesar da arrecadação realizada através da atividade tributária, o emprego destas receitas deve ser equilibrado conforme as diferentes demandas estatais. COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 235 Uma vez que são múltiplos os gastos – segurança, sistema de transportes e educação, apenas a título de ilustração - cabe ao Estado o planejamento eficaz do emprego de seus recursos. Neste ambiente de escassez, onde as despesas nem sempre estão adequadas às receitas, surgiu o critério da ―Reserva do Possível, que afirma que o Estado nem sempre está apto financeiramente a atender a todas as demandas de prestação social. Nesta esteira, o que este critério determina é que, o atendimento pleno aos direitos fundamentais sociais está condicionado à capacidade financeira do poder público, ou seja, a construção de direitos subjetivos à prestação material de serviços públicos pelo Estado está sujeita à condição da disponibilidade dos respectivos recursos. (KRELL, 2002) Porém, uma vez que os direitos fundamentais estão garantidos na Constituição Federal, base de todo o sistema jurídico e elemento intrínseco à própria organização nacional, surge a questão: poderia o Estado que concede tais direitos, se esquivar de cumpri-los sob a alegação de insuficiência de recursos materiais? A doutrina assim esclarece: A construção dogmática da reserva do possível (Vorbehalt des Möglichen) para traduzir a idéia dos direitos sociais só existe quando e enquanto existir dinheiro nos cofres públicos. Um direito social sob ―reserva de cofres públicos cheios‖ equivale, na prática, a nenhuma vinculação jurídica razoável e possível do Estado, em sede de direitos sociais se reconduz à garantia do mínimo social (CANOTILHO, 2002) DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO DIREITO BRASILEIRO. TERCEIRO IMPEDIMENTO Não obstante a utilização do princípio da isonomia, poder ser utilizado como ferramenta de implementação da igualdade social, o tratamento considerado desigual, no tocante a saúde, não legitima a plenitude dos direitos fundamentais. A igualdade traz consigo a base do Estado Democrático de Direito, estabelecendo que todos os cidadãos possuam condição idêntica, proibindo distinções positivas ou negativas, extinguindo privilégios e discriminações de qualquer espécie. Tendo em vista que todas as pessoas sob a égide deste Estado Democrático gozam dos mesmos direitos e prerrogativas, o critério econômico muitas vezes é o limitador ao exercício da cidadania plena. Sendo o Brasil, um país, cercado de desigualdades, principalmente no campo social e consequentemente ao acesso à saúde, desta forma cumpre ao próprio Estado a implementação das políticas necessárias ao atendimento de objetivos, a princípio, dessemelhantes. Assim, a constatação de que, apesar de iguais em direitos, os cidadãos não possuem as mesmas possibilidades em face das disparidades financeiras, a parcela da população mais carente recebe determinados benefícios. É a chamada discriminação positiva. Percebe-se que o tratamento desigual em alguns casos, é o caminho para que se possa atingir o equilíbrio e a moderação entre as pessoas e situações. Não obstante, a discriminação seletiva que legitima a isonomia, não pode deixar desassistidos parcelas da população, ditas privilegiadas. Esse agir do Estado na construção de uma sociedade mais justa e igualitária muitas vezes determina práticas, a priori, desiguais. Isso porque a prática da igualdade exige a tomada de decisões, elas não visam respostas certas, mas as respostas adequadas, razoáveis. Não podendo conferir aos beneficiários, privilégios exclusivos em relação ao restante da população. Quando uma parcela da sociedade recebe uma prestação supletiva por parte do Estado, esta deve ser adstrita somente àquilo que carecem. Critério este extremamente difícil de mensuração pelo próprio subjetivismo implícito no quesito COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 236 renda. Soma-se a Isso o fato de que o poder público também deve observar rigorosamente seus limites financeiros bem como as determinações expressas de gastos, como, por exemplo, o mínimo constitucional a ser investido em educação e saúde. No caso da saúde pública, em especial, o atendimento a determinadas necessidades específicas – medicamentos de alto custo, cirurgias complexas, etc. – demanda um gasto nem sempre passível de ser suportado pelas reservas públicas destinadas a este fim. Este conflito entre possibilidade e necessidade não é de fácil solução, uma vez que estão em tela direitos fundamentais de um cidadão que não pode arcar com os gastos de um tratamento de saúde e a capacidade financeira do Estado em arcar com este ônus, sem, contudo, prejudicar os demais usuários do sistema. Assim, uma vez presente o conflito entre direitos essenciais, o cidadão que não possui capacidade econômica de suportar os gatos de um tratamento de saúde, e que também não é atendido satisfatoriamente pelo sistema público, acaba buscando o Poder Judiciário para ter assegurado seu direito a uma existência digna.(NICZ, 2008) LIMITES ORÇAMENTÁRIOS E A DISCRICIONARIEDADE NO EMPREGO DAS RECEITAS PÚBLICAS. QUARTO IMPEDIMENTO Com a formação do Estado Social e os novos meios de atuação na delimitação da ordem econômica, o orçamento público acaba se despindo de seu aspecto de neutralidade e vem a se tornar um instrumento de gerência pública, de forma a contribuir com o Estado nas várias fases do processo administrativo, aí compreendidos o planejamento, a execução e o controle. Esta atuação governamental que ordena a aplicação de seus recursos é bastante rigorosa, restringindo as possibilidades de atuação dos administradores públicos. A prévia determinação de como o dinheiro público deve ser gasto, sendo inclusive estabelecidos percentuais mínimos a serem destinados aos serviços públicos fundamentais, consiste em uma das formas mais rígidas de controle orçamentário. Se esta previsão mínima tem a finalidade de garantir que, pelo menos, o quantum fixado em lei seja efetivamente empregado nos setores de saúde, educação e segurança, ao mesmo tempo acaba se mostrando uma restrição, um ‗engessamento‗ ao poder decisório do administrador, que, tendo que repartir a escassez orçamentária entre os vários serviços demandados, raramente tem a possibilidade de ampliar a destinação de recursos à saúde, por exemplo. O Estado, apropriado pelo estamento dominante, é o provedor de garantias múltiplas para os ricos e de promessas para os pobres. Em um País sem tradição de respeito aos direitos, a constituinte termina sendo uma caça aos privilégios. Criam-se diferentes castas dos que são mais iguais. Alguns conseguem um lugar sob o sol da proteção constitucional direta. Outros ficam no mormaço das normas que sinalizam o status, mas precisarão ser integradas pelo legislador infraconstitucional. A maioria fica sob o sereno das normas programáticas, as que prometem saúde, cultura e terceira idade tranqüila. Mas só quando for possível.(VAZ, 2009) Mas se o Poder Executivo falha no momento de aplicar o dinheiro público – e isso pelas mais variadas razões: desvios de verba falta de planejamento adequado ou até mesmo por problemas estruturais – para o atendimento aos direitos concedidos pelo Legislativo, ao usuário prejudicado pela má prestação do serviço resta procurar o Judiciário para satisfazer sua pretensão. Os direitos sociais estariam, portanto, "reféns" de opções de política econômica do aparato estatal, eis que a reserva do possível traduz-se em uma chancela orçamentária; trata-se de um princípio (implícito) decorrente da atividade financeira do COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 237 Estado alusivo à impossibilidade de um magistrado, no exercício da função jurisdicional, ou, até mesmo, o próprio Poder Público, de efetivar ou desenvolver direitos, sem que existam meios materiais para tanto, o que consequentemente resultaria despesa orçamentária oficial. A aferição desta disponibilidade é feita em função do orçamento. Justifica-se que a concessão de determinadas prestações, ou seja, a realização de determinados direitos, pode implicar a inviabilização da consecução de outros.(FREITAS, 2007) O PROBLEMA DA JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E DA POLITIZAÇÃO DO JUDICIÁRIO NO SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO. QUINTO IMPEDIMENTO De um lado, parece evidente que a legitimidade democrática conferida ao Parlamento faz dele o Poder adequado para realizar as escolhas políticas a respeito das prestações que o Estado realizará. De outro, ao Judiciário cabe conferir e garantir o cumprimento das normas constitucionais, dentre as quais os direitos prestacionais. Assim, debate-se até que ponto o Judiciário poderia legitimamente interferir de maneira ativa na produção legislativa Ocorre que a grande maioria dos magistrados brasileiros, quando são chamados a julgarem essas situações estão ignorando a existência do acesso a esses direitos mediante as vias administrativas, passando a não mais exercer subsidiariamente a função de fiscalizadores das decisões dos outros poderes, mas sim, em realidade, estão passando a exercê-las de forma plena, ou até prioritária, o que vem a ser uma distorção no exercício de suas atribuições, dado que os mesmos carecem de qualquer tipo de legitimidade para efetuarem este tipo de juízo. Na verdade, um magistrado só apresenta uma legitimidade legal e burocrática, não possuindo qualquer legitimidade política, para impor ao caso concreto sua opção político-ideológica particular na eleição de um meio de efetivação de um direito fundamental. Sucede que, em nosso sistema, os magistrados não são eleitos, mas sua acessibilidade ao cargo dá-se por meio de concursos públicos, o que lhes priva de qualquer representatividade política para efetuar juízos desta magnitude. Ademais, por sua própria formação técnica e atuação no foro, é evidente que os magistrados são incapazes de conhecerem as peculiariedades concretas que envolvem a execução de políticas públicas que visam a realizar concretamente direitos fundamentais pela Administração Pública. (MANICA, 2007) Dessa forma, efetua-se uma ―politização‖ do Judiciário, uma vez que os magistrados passam a efetuar, fundados na distorcida prerrogativa do chamado ―controle difuso‖, inadequado à países de sistema romano-germânico, juízos eminentemente políticos. Surge o chamado ―juiz político‖, que concretiza políticas públicas de forma descomprometida, uma vez que não é responsabilizado pelo cumprimento da alocação de recursos efetuada pelos orçamentos e planos plurianuais, nem goza de qualquer espécie de representatividade política, ou mesmo compromisso políticopatidário e/ou com algum programa de governo específico. Portanto, a implementação do Estado Social pelo Judiciário determina a chamada judicialização da política, cuja prática deliberada ocasiona a politização do próprio Judiciário. Isto implica em um abandono à prática democrática, pois a alocação dos recursos estatais destinados à formulação e à execução de políticas públicas criadas para efetivar os direitos fundamentais para toda comunidade, acaba sendo efetuada por técnicos, os magistrados, que não possuem qualquer legitimidade política, para somente alguns indivíduos, que são partes no processo, além de gerar, por outro lado, o esvaziamento das funções precípuas do Parlamento.(CASTRO, 1997) COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 238 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, A VEDAÇÃO DO “EXCESSO”. SEXTO IMPEDIMENTO. Os direitos fundamentais, dada a carga axiológica neles inserida, típica de normasprincípios, vivem em um estado de tensão permanente, limitando-se reciprocamente. Por esse motivo, havendo uma colisão entre direitos fundamentais, é possível limitar o raio de abrangência de um desses direitos com base no princípio da proporcionalidade, visando dar maior efetividade ao outro direito fundamental em jogo. Serve, portanto, a proporcionalidade como critério de aferição da validade de limitações aos direitos fundamentais. A doutrina, inspirada em decisões da Corte Constitucional Alemã, tem apontado três dimensões ou critérios do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade ou vedação de excesso e a proporcionalidade em sentido estrito. Será possível uma limitação a um direito fundamental se estiverem presentes na medida limitadora todos esses aspectos. Os critérios acima mencionados correspondem, respectivamente, às seguintes perguntas mentais que devem ser feitas para se analisar a validade de medida limitadora: ―a) o meio escolhido foi adequado e pertinente para atingir o resultado almejado?; b) o meio escolhido foi o ‗mais suave‘ ou o menos oneroso entre as opções existentes? c) o benefício alcançado com a adoção da medida buscou preservar direitos fundamentais mais importantes (axiologicamente) do que os direitos que a medida limitou? Sendo afirmativas todas as respostas, será legítima a limitação ao direito fundamental. Uma medida será adequada se atinge o fim almejado, exigível, por causar o menor prejuízo possível e finalmente, proporcional em sentido estrito, se as vantagens que trará superarem as desvantagens (GUERRA FILHO, 1997) A proporcionalidade, na ótica do critério da estrita necessidade, também conhecido como princípio da vedação de excesso, é capaz de evitar abusos que possam vir a ocorrer sob o fundamento do direito à saúde. Por exemplo, se um determinado tratamento médico pode ser feito no Brasil, a baixo custo, violaria o princípio da proporcionalidade uma medida que determinasse que esse tratamento fosse feito no exterior, acarretando uma maior onerosidade para o Poder Público. Também não seria razoável garantir um tratamento de alguém que esteja acometido de stress, às custas do Estado, em um determinado ‗SPA‘ em Gramado ou Campos de Jordão. A proporcionalidade também exige que a solução seja adequada. Não seria, por exemplo, adequada uma medida que proibisse o consumo de bebidas alcoólicas no carnaval com a finalidade de diminuir os casos de disseminação do vírus da AIDS, pois não há relação de causa e efeito entre álcool e disseminação do vírus da AIDS, vale dizer, não existe adequação entre o meio utilizado (proibição de venda de bebida alcoólica) e o fim visado (diminuição da disseminação do HIV). Inadequada, do mesmo modo, seria uma decisão judicial que obrigasse o Poder Público a fornecer um medicamento ineficaz a um paciente ou determinasse que o SUS arcasse com uma cirurgia imprópria ao tratamento de uma dada doença. A medida deve ser adequada e pertinente a atingir os fins almejados. Como se pode perceber, o princípio da proporcionalidade não é útil apenas para verificar a validade material de atos do Poder Legislativo ou do Poder Executivo que limitem direitos fundamentais, mas também para, reflexivamente, verificar a própria legitimidade da decisão judicial, servindo, nesse ponto, como verdadeiro limite da atividade jurisdicional. O juiz, ao concretizar um direito fundamental, também deve estar ciente de que sua ordem deve ser adequada, necessária (não excessiva) e proporcional em sentido estrito. (BARROSO, 2002) COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 239 DIREITO Á SAÚDE E SUA PRESTAÇÃO ESTATAL. A Lei Orgânica da Saúde, Lei n. 8.080/90, regulamenta os artigos 196 e seguintes da Constituição Federal e dispõe nos artigos 6º, inciso I, alínea "d" e 7º, incisos I e II: ―Art. 6º. Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I - a execução de ações: d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica; CAPÍTULO II Dos Princípios e Diretrizes Art. 7º. As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; Vê-se, portanto, que a legislação infraconstitucional garante expressamente não só a assistência farmacêutica, como também o fornecimento de ―insumos terapêuticos‖ (tais como órteses, próteses, cadeiras de rodas, marcapassos, etc.). Neste último caso, a previsão legal destina-se tão só às crianças, adolescentes e idosos, que por explícita previsão constitucional possuem tratamento prioritário em nossa sociedade. Com vistas a promover a assistência farmacêutica no âmbito do SUS – Sistema Único de Saúde o Ministério da Saúde, com arrimo nessa legislação infraconstitucional, formula uma listagem de medicamentos que devem estar disponíveis em toda rede, à qual atribui a designação ―Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – Rename‖. A formulação dessa listagem, bem como sua atualização periódica – que é ditada expressamente pela política nacional de medicamentos, instituída pela Portaria MS 3916/98, observa as patologias e agravos à saúde mais relevantes e prevalentes, respeitadas as diferenças regionais do país, e leva em consideração diversos critérios, tais como: a demonstração da eficácia e segurança do medicamento; a vantagem com relação à opção terapêutica já disponibilizada (maior eficácia ou segurança ou menor custo); e o oferecimento de concorrência dentro do mesmo subgrupo, como estratégia de mercado. A Portaria n. 698/GM, de 30 de maio de 2006, que ―Define que o custeio das ações de saúde é de responsabilidade das três esferas de gestão do SUS, observado o disposto na Constituição Federal e na Lei Orgânica do SUS‖ dispõe: ―Art 1º Definir que o custeio das ações de saúde é de responsabilidade das três esferas de gestão do SUS, observado o disposto na Constituição Federal e na Lei Orgânica do SUS Art. 2º Os recursos federais destinados ao custeio de ações e serviços de saúde passam a ser organizados e transferidos na forma de blocos de financiamento. Parágrafo único. Os blocos de financiamento são constituídos por componentes, conforme as especificidades de suas ações e os serviços de saúde pactuados. Art. 3º Ficam criados os seguintes blocos de financiamento: I - Atenção Básica; COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 240 II - Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar; III - Vigilância em Saúde; IV - Assistência Farmacêutica; e V - Gestão do SUS. Art. 16. O Bloco de Financiamento para a Assistência Farmacêutica é constituído por quatro componentes: Componente Básico da Assistência Farmacêutica; Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica; Componente Medicamentos de Dispensação Excepcional e Componente de Organização da Assistência Farmacêutica. Vê-se, diante disso, que afora essa relação de medicamentos básicos existem diversos programas de distribuição de medicamentos na rede pública, voltados para segmentos específicos. (BRASIL, 1990) CONCLUSÃO Com o advento das regulamentações legais e a necessidade de se ater a limitações orçamentárias, este impasse fez surgir uma juridicização constitucional, onde as políticas de saúde estão longe de uma solução trivial. De um lado, impõe aos técnicos em saúde pública princípios e limites legais que antes não estavam presentes ou, quando estavam, não se revestiam da força de normas constitucionais. De outro, traz ao seio do mundo jurídico uma das mais complexas áreas de políticas públicas do Estado moderno. Não seria realista esperar que esse embate entre duas áreas técnicas distintas, que operam com conceitos e modelos de racionalidade significativamente diversos, se desse sem maiores choques e conflitos.(SARLET, 2002) Não por acaso que a partir do final da década de 1990, os problemas latentes desta união inusitada vêm aflorando em milhares de ações judiciais espalhadas pelo país, centenas delas culminando na mais alta corte, o Supremo Tribunal Federal. Percebese, nessas ações, um claro descompasso entre o que o Poder Judiciário e os técnicos em saúde do Estado vêm entendendo por direito à saúde. De um lado, os especialistas em saúde pública partem da premissa de que os recursos da saúde são necessariamente limitados em relação à demanda. É necessário, por consequência lógica, fazer escolhas sobre a utilização desses recursos. O direito à saúde, nesse contexto, é também necessariamente limitado, e não absoluto. Além disso, é consenso entre os profissionais da área que a saúde das pessoas é determinada por uma série de fatores sociais, econômicos, ambientais e biológicos inter-relacionados, e não exclusivamente pelos cuidados médicos a que têm acesso. A atenção à saúde depende, portanto, de políticas multi-setoriais abrangentes que vão muito além dos serviços médicos e fornecimento de medicamentos. (NUNES, 2010) Embora tenha que reconhecer a existência destes limites fáticos (reserva do possível) e jurídicos (reserva parlamentar em matéria orçamentária) implicam certa relativização no âmbito da eficácia e efetividade dos direitos sociais prestacionais, que, de resto, acabam conflitando entre si, quando se considera que os recursos públicos deverão ser distribuídos para atendimento de todos os direitos fundamentais sociais básicos (...) em se tendo em conta que a nossa ordem constitucional (acertadamente, diga-se de passagem) veda expressamente a pena de morte, a tortura e a imposição de penas desumanas e degradantes mesmo aos condenados por crime hediondo, razão pela qual não se poderá sustentar - pena de ofensa aos mais elementares requisitos da COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 241 razoabilidade e do próprio senso de justiça - que, com base numa alegada (e mesmo comprovada) insuficiência de recursos - se acabe virtualmente condenando à morte a pessoa cujo único crime foi o de ser vítima de um dano à saúde e não ter condições de arcar com o custo do tratamento.( MENDES, 2002) De um lado, parece evidente que a legitimidade democrática conferida ao Parlamento faz dele o Poder adequado para realizar as escolhas políticas a respeito das prestações que o Estado realizará. De outro, ao Judiciário cabe conferir e garantir o cumprimento das normas constitucionais, dentre as quais os direitos prestacionais. Assim, debate-se até que ponto o Judiciário poderia legitimamente interferir de maneira ativa na produção legislativa. (SARLET, 2008) Pode-se afirmar que em todas as situações em que o argumento da reserva de competência do Legislativo (assim como o da separação dos poderes e demais objeções aos direitos sociais na condição de direitos subjetivos a prestações) esbarrar no valor maior da vida e da dignidade da pessoa humana, ou nas hipóteses em que, da análise dos bens constitucionais colidentes (fundamentais, ou não) resultar a prevalência do direito social prestacional, poder-se-á sustentar, que, na esfera de um padrão mínimo existencial, haverá como reconhecer um direito subjetivo definitivo a prestações, admitindo-se, onde tal mínimo é ultrapassado, tão somente um direito subjetivo prima facie, já que – nesta seara – não há como resolver a problemática em termos de um tudo ou nada.(MELLO, 2007) Se considerarmos que os direitos sociais deixam de ser efetivados tão simplesmente "porque" inexiste orçamento suficiente para sua implementação estaríamos afirmando categoricamente que o custo impede a realização do programa constitucional de uma sociedade plural, fraternal, solidária, comprometido com a cidadania, a promoção do desenvolvimento nacional e a erradicação das desigualdades regionais e sociais. Mas não há custo no que toca a outras atividades inerentes ao Poder Público, como a liberação de recursos para obras discutíveis e gastos sem conformidade com o real clamor de uma população marginalizada, cada vez mais excluída de suas prerrogativas cidadãs.(STRECK, 2009) A literalidade das previsões legais, é considerada algo que está à disposição do intérprete, sendo assim, se as palavras são polissêmicas e se não há a possibilidade de cobrir completamente o sentido das afirmações contidas em um texto, quando é que se pode dizer que estamos diante de uma interpretação literal? A literalidade, portanto, é muito mais uma questão da compreensão e da inserção do intérprete no mundo, do que uma característica, por assim dizer, natural dos textos jurídicos. Numa palavra final, não podemos admitir, que ainda nessa quadra da história, sejamos levados por argumentos que afastam o conteúdo de uma lei – democraticamente legitimada – com base numa suposta ―superação‖ da literalidade do texto legal. Não obstante serem questionadas as previsões legais à luz da hermenêutica constitucional, ou mesmo pela sua literalidade, as políticas públicas são, inexoravelmente, os instrumentos do Estado para a implementação de ações que assegurem a realização dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. Dentre esses direitos temos o direito à saúde como dever do Estado e que permanece com uma deficiência muito grande diante das necessidades da população. Durante muito tempo foi contemplada como dogma inatacável a impossibilidade de intervenção nas escolhas da Administração sobre quais políticas adotar, principalmente com o argumento de que a independência entre os poderes do Estado não permitiria a atuação do Judiciário sobre essa discricionariedade da Administração. Porém, diante de um Estado ineficiente e clientelista exsurge a necessidade de intervenção da sociedade, do Ministério Público e do Poder Judiciário para um direcionamento das políticas públicas em saúde com uma finalidade maior de eficiência e efetividade. COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 242 Calçados nos princípios da garantia do mínimo existencial, da proibição do retrocesso social e da inafastabilidade da atividade judicial, tanto o Ministério Público como o Judiciário têm o poder-dever de agir em prol da sociedade interferindo nas escolhas da Administração. Já existe uma atividade nesse sentido em termos de garantias individuais dos cidadãos, porém deve ser buscada uma efetiva ação em termos coletivos para se garantir que a saúde seja efetivamente oferecida pelo Estado como direito fundamental e fator de reconhecimento da dignidade da pessoa humana. (STRECK, 2009) REFERÊNCIAS BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Jurisdição Constitucional Democrática. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. SILVA, Airton Ribeiro da, et WEIBLEN, Fabrício Pinto. A Reserva do Possível e o papel do judiciário na efetividade dos direitos sociais. Revista Eletrônica do Curso de Direito Da UFSM Julho de 2007 – Vol. 2, N.2, p 42-53. KRELL, Andreas J. 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E seu monarca que detinha poderes absolutos poderia tomar decisões que prejudicassem o homem para defender seu território e não seria questionado quanto a isto na ceara internacional, já que não havia um órgão protetor de direitos do ser humano. Com o passar do tempo, principalmente após a segunda Grande Guerra, no ano de 1948, o homem passou a ser protegido de fato no cenário internacional, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Desde então, a soberania dos Estados vem sendo relativizada, para que tais normas citadas sejam cumpridas no direito interno na maioria dos países. A ideia de soberania do Estado aliada a supremacia está sendo cada vez mais questionada, pois diante deste dogma há uma dificuldade em efetivar o cumprimento do Direito Internacional dos Direitos Humano. O nascimento de Cortes Internacionais como órgãos que fiscalizam o cumprimento dos tratados assinados em favor desses direitos, vem se mostrando um importante marco para uma evolução. Logo, a execução das sentenças internacionais pelo Estado Brasileiro concede condições efetivas aos direitos humanos, sendo que se busca uma compatibilidade com a Constituição Federal. PALAVRAS-CHAVE: relativização da soberania, efetividade, direitos humanos. RELATIVIZATION OF STATE SOVEREIGNTY AND HUMAN RIGHTS ABSTRACT The State, in the medieval age, was considered sovereign, not only in the domestic place but in international level, because rarely was negotiated in a pacific way when the country wanted something. In the most of times, the problems were solved through wars. And the monarch who had absolutes powers to take decisions would hurt the man to defend his territory and wasn‘t questioned about it in the international level, because did not have who protect the human rights. In the course of the time, especially after the Second World War, in the year of 1948, the men has been protected in the international scene, with the Universal Declaration of Human Rights. Since then, the sovereignty of States has been relativized, to such rules would be respected in their own countries. The idea of Sovereignty of State coupled with supremacy is being questioned because there is a difficulty in effecting compliance with International Law of Human Rights. The born of international courts which is an inspect of control of the treaties signed to promote human rights proved to be an important factor in this evolution. It will be studied the implementation of those international sentences by the Brazilian State, seeking an adequacy to the Federal Constitution. KEY-WORDS: relativization of sovereignty, effectiveness, human rights. 427 Acadêmica de Direito, UDC, Foz do Iguaçu – Paraná, Brasil, [email protected] COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 245 INTRODUÇÃO O direito Internacional tem se preocupado cada vez mais com o indivíduo, concedendo-lhe maior atenção, principalmente após a segunda Guerra Mundial, que é considerado o mais significativo marco para a formação do Direito Internacional dos Direitos Humanos, conforme cita Paulo Henrique Gonçalves Portela. 428 O período da II Grande Guerra foi protagonizado por regimes totalitários que não davam a devida importância ao ser humano dentro dos limites fronteiriços de cada Estado, como o nazismo, e atrocidades contra o homem, que feriam a dignidade da pessoa humana. E já no campo jurídico era o tempo de um positivismo exagerado, afetando, consequentemente uma possível relativização da soberania nacional, pois esta era absoluta em tal época. A supremacia estatal visava assegurar ao país uma proteção caso ocorresse atos internacionais que viessem a limitar o seu poder dentro de seu perímetro nacional. Após este período conflituoso, notou-se que o desrespeito ao ser humano estava enraizado nos problemas que originaram a guerra, percebeu-se que havia uma necessidade de cooperação internacional para tentar evitar outras guerras, e assim proteger os direitos humanos. Concluiu-se que a soberania deveria abdicar de seu caráter absoluto quando acontecessem atos que transgredissem a dignidade da pessoa humana e que poderia ocasionar outro confronto na ceara internacional. Nesse âmbito o Brasil, desde sua Constituição de 1988, tem tido um bom desempenho, pois tem se firmado como uma nação pacífica que aprecia a democracia e vem resguardando os Direitos Humanos em sua Carta Magna, e deve-se se mostrar apto a aceitar sentenças de Cortes Internacionais e aplicá-las em no seu âmbito Interno. CONCEITO DE SOBERANIA E SUA RELATIVIZAÇÃO. Um dos primeiros estudiosos sobre soberania Estatal foi Jean Bodin, ele acreditava na existência de um monopólio do Poder Legislativo do Estado, e, por conseguinte no uso da força, pois este seria o meio de obrigar os indivíduos de uma Nação a terem determinados comportamentos. 429 A soberania nacional era absoluta nos tempos antigos. Diante disto, o poder exercido pelo monarca era supremo de forma que a esfera de competências privativas excluía a interferência de qualquer poder externo no âmbito interno do país. Esta soberania absoluta impedia que certos atos que mereciam repudio geral fossem objetos das medidas eventualmente cabíveis. 430 E ainda, de acordo com Paulo Bonavides: ―A soberania interna é o predomínio que o ordenamento estatal exerce num território e numa determinada população sobre os demais ordenamentos sociais.‖ 431 Nos dias atuais, a soberania ainda é uma importante coluna em nível internacional, porém vem sendo limitada, já que os Estados são obrigados a conceder aos seus cidadãos o deleite de direitos ressalvados em tratados internacionais, que cada país se obriga a cumprir no momento em que, pela autonomia da vontade, assina. 428 429 430 431 PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. Bahia, Jus Podivm, 2012, p.792. MIRANDA, Napoleão. Globalização, Soberania Internacional e Direito Internacional. Revista CEJ, Brasília, nº27, p. 86/94, out/dez. 2004 PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. Bahia, Jus Podivm, 2012, p.794. BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed. rev. at. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 122 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 246 E ainda para certos autores como Napoleão Miranda, a globalização também influenciou na relativização: ―Outro fator determinante da redefinição do conceito e da prática da soberania em escala internacional, atualmente, é o fenômeno da globalização..... A globalização traduz-se, hoje, em uma crescente interdependência econômica das nações, materializada no fluxo do comércio, do capital, de pessoas e tecnologia entre elas....‖ 432 Com a globalização corporações econômicas, organizações sociais entre outros organismos sociais de caráter internacional passaram ter influência mundial e interferir nas decisões e gestões nacionais. ―A globalização representa, portanto, um desafio significativo para o exercício da soberania dos Estados no contexto internacional. Esses desafios, que não são triviais, levaram alguns autores a falar em crise da soberania, questionando não somente a utilidade do conceito para captar e explicar as características atuais do fenômeno, como também quem seria o sujeito da soberania.‖433 A soberania vem sendo reduzida também pelo dever do Estado em permitir a inspeção dos órgãos internacionais competentes quanto à consonância de sua atuação com os atos internacionais dos quais faça parte. Se a soberania nacional ainda fosse absoluta, e não se permitisse relativizar, as regras internacionais não teriam efetividade no direito interno de cada país, e não haveria outros modos externos reais de acompanhamento para a sua efetivação. O Brasil, conforme prevê seu artigo 5, parágrafo 4 da Constituição Federal, admite que está submisso ao Tribunal Penal Internacional, desde que tenha manifestado adesão ao tratado, conforme se verá transcrito abaixo: "§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão". Tal relativização não implica em uma desconsideração com a soberania nacional, deve-se lembrar que os tratados de direitos humanos serão aderidos conforme cada ordenamento interno prevê. No Brasil, após o advento da emenda constitucional nº 45 de 08 de dezembro de 2004 estabeleceu a possibilidade de os tratados e convenções internacionais que versarem sobre direitos humanos após a aprovação em cada casa do congresso nacional, em dois turnos de votação, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serem equivalentes às emendas constitucionais. Assim há a possibilidade de os tratados internacionais serem incorporados no ordenamento brasileiro com o status de norma constitucional, desde que o conteúdo verse sobre direitos humanos, conforme prevê o artigo 5 da Constituição Federal, no seu parágrafo terceiro: 432 433 MIRANDA, Napoleão. Globalização, Soberania Internacional e Direito Internacional. Revista CEJ, Brasília, nº27, p. 86/94, out/dez. 2004 MIRANDA, Napoleão. Globalização, Soberania Internacional e Direito Internacional. Revista CEJ, Brasília, nº27, p. 86/94, out/dez. 2004 COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 247 ―§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.‖ DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS E SUA APLICAÇÃO NO BRASIL. Os direitos Humanos configuram um conjunto de valores e atos que possibilitam a todos uma vida digna, ou seja, visa à proteção a dignidade da pessoa humana em todo o planeta terra, sendo direitos concedidos a todos os indivíduos sem distinção entre estes. Ou seja, o seu objeto é o amparo da dignidade humana em caráter universal. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1, inciso lll, dita como pressuposto da Republica Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, como se verá abaixo: ―Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana‖ E em seu artigo 5, parágrafo 2 da Carta Magna, prevê: ―Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.‖ Confere, pois a todo cidadão brasileiro não somente os direitos protegidos pela Constituição Federal, mas também os direitos determinados nos tratados internacionais em que o Brasil é signatário. Deve-se lembrar que antes da emenda constitucional nº 45/2004 alguns doutrinadores já compreendiam que o Brasil já concedia aos direitos internacionais uma categoria especial e diferente, no caso a de norma constitucional, já que os tratados que versavam sobre direitos humanos divergiam dos demais. Porém, foi somente após a emenda já citada e falada acima, que os direitos humanos se equipararam a emenda constitucional. Trata-se da Constitucionalização de Tratados e Convenções de Direitos Humanos. POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO INTERNACIONAL O Estado que se dispôs a cumprir determinados tratados internacionais de direitos humanos, e desrespeitam tais acordos comete ato ilícito e pode ser responsabilizado COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 248 internacionalmente, sofrendo sanções e ser obrigado a reparar dano eventualmente causado as pessoas e terceiros Estados lesados. 434 Deve-se ter em mente que não há como se ter uma proteção aos direitos humanos no mundo sem que estes direitos sejam salva-guardados no direito interno de cada país. E se diante da autonomia da vontade, que rege os tratados internacionais, o Estado se comprometeu a cumprir tal acordo, ele assume também a obrigação de inserir as regras internacionais ao seu direito nacional. Nota-se que o sistema de proteção internacional dos direitos humanos é adicional e subsidiário, podendo ser invocado quando o Estado que assumiu o compromisso do Tratado Internacional for omisso ou falhar na proteção de tais direitos. 435 Tem-se que salientar que o papel dos Estados na proteção internacional dos direitos humanos é primário, e o dos organismos internacionais é secundário ou complementar.436 Ou seja, estes agem quando os organismos internos não atuem de forma satisfatória. CONSIDERAÇÕES FINAIS A soberania absoluta defendida por Jean Bodin, e exercida até a Segunda Grande Guerra pela maioria dos países, está sendo esquecida, e tem-se dado lugar a uma relativização da supremacia de cada nação para que haja no âmbito internacional uma cooperação entre os Estados e respeito aos direitos do homem e do cidadão. Pode-se observar que o Brasil vem relativizando de forma gradual a sua soberania no âmbito internacional, tanto que um marco importante para se chegar a esta conclusão foi a Constitucionalização de Tratados e Convenções de Direitos Humanos. E o advento da emenda nº 45/ 2004, que equipara Tratados de direitos Humanos a emenda constitucional. Além do fato do Brasil se submeter ao Tribunal Penal Internacional, e permitir em sua Carta Magna que este órgão Internacional possa interferir no âmbito interno quando assim for necessário. Há uma busca não somente da nação brasileira, mas também da maioria dos países do mundo em preservar a dignidade do ser humano, e impedir que ocorra novamente outra atrocidade como houve na Segunda Guerra Mundial. Busca-se para tanto, a preservação dos direitos humanos, e a punição no âmbito Internacional dos Estados que não cumprirem os tratados que estes se dispuseram a concretizar no âmbito interno. REFERÊNCIAS PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. Bahia, Jus Podivm, 2012. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 434 435 436 PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. Bahia, Jus Podivm, 2012, p.798. PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. Bahia, Jus Podivm, 2012, p 799. PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. Bahia, Jus Podivm, 2012, p 799. COLÓQUIO DE DIREITO 27 E 28 DE MAIO DE 2013 249 MELLO, Celso D. Albuquerque. Curso de direito Internacional Público. V. 1. -15. Ed.Rio de Janeiro: Renovar, 2011. MIRANDA, Napoleão. Globalização, Soberania Internacional e Direito Internacional. Revista CEJ, Brasília, nº27, p. 86/94, out/dez. 2004 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed. rev. at. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 122 SOUZA, Roberta dos Santos. A relativização da Soberania. Disponível em: < http://pt.scribd.com/doc/46160386/A-RELATIVIZACAO-DA-SOBERANIA > Acesso em: 11 de outubro de 2012. < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm >