Indígenas se mobilizam por seus direitos e em defesa da vida!

Transcrição

Indígenas se mobilizam por seus direitos e em defesa da vida!
Senado aprova criação da Secretaria
Especial de Atenção à Saúde Indígena
Cacique Babau e seus
irmãos em liberdade
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ISSN 0102-0625
Acampamento em Zé Doca, mostra
a resistência indígena no Maranhão
Em defesa da causa indígena
Indígenas Terena apresentam dança típica durante o 7º Acampamento Terra Livre, em Campo Grande, MS – Foto: Maíra Heinen
Ano XXXIII • N0 327 • Brasília-DF • Agosto – 2010
R$ 3,00
Acampamento Terra Livre 2010
e Mobilização contra Belo Monte em defesa do Rio Xingu
Indígenas se mobilizam por
seus direitos e em defesa da vida!
Páginas 8, 9, 12 e 13
Editorial
Algumas boas notícias.
Já outras...
J
á passamos da metade deste ano de 2010 e, nesta edição de agosto, há alguns
pontos para comemorar, outros, nem tanto. Muitas lutas seguem longas e
parecem não ter fim. Mas como disse dom Pedro Casaldáliga, “somos soldados
derrotados de uma causa invencível”. Lidamos com questões que ultrapassam
as coisas terrenas. E assim seguimos.
E é por seguir em frente que o Porantim pode espalhar para vários cantos
as boas notícias como a libertação de Babau e seus irmãos, ou mesmo a criação da
Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena (Sesai). Ao mesmo tempo, apresentamos
as denúncias de indígenas que participaram de mobilizações por suas terras, contra
os grandes empreendimentos e os desmandos do governo federal. Trazemos a luta
firme contra a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, as batalhas contra os
madeireiros ilegais que invadem terras indígenas e as opiniões de quem acompanha a
luta indígena há anos.
Na conjuntura, um retrato do que se tornou o atual governo: tão esperado
por todos e que acabou por manter uma política assistencialista para os pobres e de
inúmeros benefícios para os grandes empreendimentos, empresários, latifundiários.
Nesta edição, o Porantim traz a dicotomia, o contraditório, a alegria e a
indignação. Traz o cotidiano, quase sempre difícil, dos povos indígenas que seguem
na luta pela terra tradicional, a caminho da terra sem males.
ISSN 0102-0625
Agosto–2010
2
Vida de escritor
“Presidente Lula diz que pretende
escrever livro sobre impedimentos ambientais que atrasam projetos de infraestrutura” (Estadão On Line, 29/08/2010). De
acordo com a matéria, o presidente diz
que coleciona estas histórias hilariantes
para escrever o tal livro. Para o presidente
proteção ambiental, direitos indígenas,
cumprimento de leis constitucionais parecem mesmo ser uma grande piada.
Monumento à perereca
Continuando na sua arte de fazer
piadas sem graça, o presidente Lula disse
querer fazer um monumento à perereca.
Segundo ele, a obra do viaduto da BR 101
na região de Osório (RS) foi paralisada por
seis meses para que se estudasse um anfíbio do alagado sobre o qual o viaduto passa. No fim, concluiu-se que a espécie não
estava ameaçada de extinção. Na opinião
do presidente, todas estas questões ambientais são entraves ao desenvolvimento
do país e viram piadas... ou monumentos.
Ajudinha para um pobre
homem
Recursos do BNDES foram destinados
neste mês de agosto para o dito “homem
mais rico do Brasil” – Eike Batista – reformar um hotel de luxo. Foram liberados
R$ 147 milhões para a reforma do Hotel
Glória, no Rio de Janeiro. Enquanto isso,
as demarcações de terras indígenas
encontram-se paralisadas. Dos míseros
R$ 30 milhões previstos para 2010 no
Orçamento Geral da União, foram gastos
apenas pouco mais R$ 2,4 milhões; as
comunidades sofrem com a precariedade
no atendimento à saúde indígena. Dos
R$ 46 milhões destinados a estruturação
de unidades de saúde para atendimento
a população, o governo só desembolsou
pouco mais de R$ 1 milhão; entre outros
pontos... Mas, as prioridades do BNDES
não são voltadas para o povo? O povo
então deve ocupar o hotel Glória para
desfrutar desses “míseros” recursos.
MARIOSAN
Na língua da nação indígena
Sateré-Mawé, PORANTIM
significa remo, arma, memória.
Edição fechada em 06/09/2010
Publicação do Conselho Indigenista Missionário
(Cimi), organismo vinculado à Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
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Conjuntura
Roberto Antonio Liebgott
Vice-Presidente do Cimi A
Foto: Antoine Bonsorte/Amazon Watch
As escolhas políticas do governo
Lula e a causa indígena
governança do presidente Lula
está com os dias contados.
Foram oito anos de grandes investimentos em empreendimentos econômicos e na consolidação de
alianças políticas com os mais variados
e antagônicos setores das sociedades
capitalistas no Brasil e no exterior. E,
contraditoriamente, junto à população
mais carente, o governo, apesar dos
altos índices de popularidade, manteve
uma relação assistencialista, tornando-a
quase exclusivamente dependente da
“caridade” do poder público. Soma-se,
neste contexto, o tratamento dado aos desmonte da legislação ambiental e
povos indígenas, para os quais se fez reestruturação do Ibama para tornar-se
promessas de novos rumos e discursos uma espécie de “carimbador” de licenças
de que seriam asseguradas ações que para grandes obras.
Adentrando numa análise indigeoutros governos não realizaram.
Tendo como ponto de partida esta nista, que é a intenção desta breve
caracterização dos dois mandatos do abordagem conjuntural, se percebe com
presidente Lula é importante refletir mais precisão o quanto as prioridades
sobre algumas escolhas políticas que governamentais têm endereçamento
o conduziram, durante este período, certo, qual seja, o apoio a setores antia uma lógica de governar tendo como -indígenas, a oligarquias e a segmentos
opção pelas grandes alianças econômi- empresariais implicados com a geração
cas ao invés de ações programáticas e de lucro e de um suposto desenvolvimenduradouras para todos. Portanto, foram to nacional. Vejamos:
Apesar de ser uma obrigação constimantidas e aprofundadas as opções
tucional
do governo federal, os processos
pela tão falada governabilidade, com as
demarcatórios
encontram-se paralisados.
mesmas características e dinâmicas dos
Um
dado
expressivo
é o de que, até o mês
governos anteriores.
No tocante às escolhas do governo de agosto do corrente ano, o governo Lula
Lula, pode-se dizer que o foco principal não identificou nenhuma das 327 terras
foi pela continuidade da política eco- indígenas que se encontram sem provinômica de FHC: prioridade para o setor dências. Ao contrário disso, o governo
financeiro, fazendo com que os bancos vem suspendendo algumas portarias delucrassem cifras estratosféricas; taxas claratórias, assinadas em anos anteriores,
com o pretexto de cumprir
de juros em patamares
determinações judiciais, ao
elevados; câmbio sempre
O governo vem
invés de recorrer de tais
flexível; financiamentos
suspendendo
decisões e efetivamente
a juros módicos, através
algumas portarias
assegurar o procedimento
do BNDES, aos grandes
declaratórias,
de demarcação. Ao que
grupos econômicos naassinadas em anos
parece, a suspensão de
cionais e transnacionais;
anteriores, com o
portarias declaratórias em
dívida interna superando
pretexto de cumprir
pleno processo eleitoral
R$ 1 trilhão; manutenção
determinações
pretende agradar segmende uma das maiores cargas
judiciais,
ao
invés
tos políticos, em regiões
tributárias do mundo;
de
recorrer
de
do país em que há confliinvestimentos rurais pritais decisões
tos de interesse sobre as
vilegiando abertamente a
e efetivamente
terras.
agricultura de grande porassegurar o
Com relação aos dite; prioridade à produção
reitos constitucionais dos
de agrocombustíveis, em
procedimento de
povos indígenas se perdetrimento dos alimentos;
demarcação cebe que eles são trataliberação de vultosos recursos para implementação de projetos dos, pelo poder público federal, como
megalomaníacos, como a transposição entraves permanentes. Tanto é assim
do São Francisco e Belo Monte, sem a que sistematicamente o presidente da
realização de procedimentos impres- República se refere a essa questão como
cindíveis para resguardar a participação se fosse um absurdo ter que demarcar as
e o envolvimento da população afetada; terras indígenas, embora a Constituição
“
”
provisória para esse fim, na prática o governo ainda não estabeleceu as condições
necessárias para que a política passe a
ser implementada. Diante disso, geram-se incertezas quanto à continuidade
dos serviços aos povos indígenas e estes
acompanham as notícias com impaciência
e justificada preocupação. Se a saúde
indígena fosse realmente uma prioridade
o governo teria posto em andamento
uma política de transição, até que o novo
modelo pudesse dar conta de todas as
demandas. No entanto, na vacância de um
projeto de transição, a Funasa permanece
como a executora dos serviços.
Já a Funai continua como que “congelada” ou adormecida, em decorrência
assim determine. Exemplos evidentes de uma reestruturação que não agradou
são seus discursos propondo a compra aos povos indígenas e os seus servidode terras ao invés da realização de res. Planejam agora a publicação do
estudos para a identificação e demarca- Regimento Interno, reformulado para
ção, ou quando achincalha a legislação atender as regras estabelecidas pelo Deambiental e/ou indigenista que, segundo creto 7056/2009. No entanto, apesar de
ele, atrapalham suas pretensões desen- promessas de ampla discussão sobre tal
volvimentistas, pois impedem a constru- regimento, os indígenas que compõem
ção de grandes obras com a pressa que o a CNPI (Comissão Nacional de Política
mercado de investimentos impõe.
Indigenista) tiveram de pressionar a FuA execução do orçanai para que esta tornasse
A megalomaníaca pública uma minuta da
mento indigenista, ou melhor, a falta de execução
obra de Belo Monte proposta regimental.
deste, é outro exemplo segue sendo enfiada
A megalomaníaca obra
das escolhas governamende
Belo
Monte segue sen‘goela abaixo’
tais, que nada tem a ver
do enfiada “goela abaixo”
pelo governo Lula,
com as necessidades e
pelo governo Lula, apesar
apesar de todas
direitos dos povos indíde todas as manifestações
as manifestações
genas. Vejamos alguns
contrárias e de todos os
contrárias e de
exemplos que confirmam
estudos indicarem sua
todos os estudos
isto: apenas 35% do total
inviabilidade econômica
indicarem sua
de mais de R$ 780 milhões
e seus custos sociais. A
inviabilidade
previstos para a questão
urgência em assegurar
econômica e seus
indígena foi gasto até este
lucratividade de empresas
custos sociais mês de agosto. Da rubrica
e setores específicos e
Demarcação de terras a
de honrar compromissos
Funai utilizou até o momento apenas assumidos levou o governo a arriscar as
8,41% dos R$ 30 milhões disponíveis; fontes de vida de uma grande população,
para a saúde indígena, na rubrica Es- a desrespeitar leis ambientais, a alterar
truturação de unidades de saúde foram procedimentos administrativos para acegastos apenas 3% do montante de mais lerar a assinatura da concessão da obra.
de R$ 46 milhões; na ação, promoção,
Um rápido olhar para a questão indívigilância, proteção e recuperação da gena mostra, de modo incontestável, o
saúde indígena foram utilizados 34,04% desenrolar de uma política que prioriza
dos mais de R$ 300 milhões enquanto segmentos que já são, historicamente,
que, para saneamento básico, funda- privilegiados. O bônus desse conjunto
mental para prevenção e controle de de ações de caráter desenvolvimentista
doenças, foram gastos 1,66% dos mais de vai para as empresas, para os bancos,
R$ 50 milhões destinados no orçamento. para produtores rurais que se dedicam ao
Por outro lado, o governo federal monocultivo. Já o ônus é distribuído “detem liberado com rapidez e urgência mocraticamente” entre os trabalhadores,
somas vultosas de recursos para financiar os segmentos mais empobrecidos, os poempreendimentos privados, tais como o vos indígenas, os pequenos produtores,
do milionário Eike Batista.
todos aqueles que, num governo focado
No âmbito da política de saúde in- apenas em aspectos econômicos, são
dígena há ainda a promessa de que será tidos como improdutivos e, portanto,
criada a Secretaria de Atenção Especial. sem relevância no cenário das decisões
Embora tenha sido aprovada uma medida e dos rumos nacionais. n
Indígena faz
denúncia
durante
mobilização “Em
defesa do Xingu:
contra Belo
Monte”: obra
megalomaníaca
de Belo Monte
é apenas um
dos problemas
enfrentados
hoje pelos
povos indígenas
no Brasil.
“
”
3 Agosto–2010
Tumbalalá e Truká
comemoram três anos
de resitência
Atualmente o processo de reconhecimento das terras Truká e Tumbalalá é
vítima dos grandes interesses políticos que apontam
a região como alvo pela expansão da agroindústria e
pelo grande capital, tendo
o governo como incentivador. De fato, além do projeto de transposiçao do rio
São Francisco, existem três
projetos de barragens hidrelétricas, que se somam
às sete que já existem, aos
projetos de usinas nucleares ao longo
do São Francisco e a mais um desvio de
uma parcela de água do rio através do
canal do Sertão, em Alagoas, também
impactando várias terras indígenas.
Nesse cenário, os povos tradicionais
da região são considerados empecilhos
aos planos governamentais e da elite
econômica que passa, como um rolo
compressor, em cima das comunidades
e de seus territórios, negando seus direitos. De fato, não são raros os casos
denunciados de “recorte instituicional”
dos territórios indígenas com o objetivo
de favorecer os grandes empreendimentos, as tentativas de cooptação das
lideranças e de negociação das identidades étnicas em troca de benefícios,
com o objetivo de fragilizar a unidade
territorial.
Cimi Regional Nordeste
N
o mês de junho, as duas retomadas ao longo do Rio São
Francisco - a retomada do povo
Tumbalalá na Bahia e a retomada
do povo Truká de Pernambuco - comemoraram 3 anos de resistência e de luta
contra os grandes projetos governamentais que impactam seus territórios.
A retomada Truká, na margem pernambucana do rio, na altura de Cabrobó,
e a retomada Tumbalalá, do lado baiano
nos municípios de Abaré e Curaçá, começaram logo depois da ocupação dos
canterios das obras da transposiçao do
rio São Francisco, em junho de 2007.
Nessa época, os povos indígenas desta
bacia e os demais movimentos sociais
que lutam pela revitalização deste rio,
ocuparam os canteiros das obras do
eixo norte, em pleno territorio Truká, e
enterraram os primeiro buracos cavados
pelas máquinas, como forma de protesto.
Com essas e outras mobilizações, os
ribeirinhos reivindicaram seu direito ao
reconhecimento e respeito de seus territórios, exigindo a efetivação das políticas
de acesso à água em todo o semi-árido
nordestino, na visão da “convivência com
o semi-árido” e não no marco das grandes obras do alto custo socioambiental,
que só proporcionam um “desenvolvimento” devastador e excludente.
Encontro marca
os 3 anos de
resistência
e luta dos
povos Truká
e Tumbalalá
contra os
grandes
projetos
governamentais
Fotos: Cimi Regional Nordeste
Retomadas
Além disso, os processos de reconhecimento oficial são lentos e caracterizados pelas omissões, como no caso dos
Truká, cujo território tradicional ainda
não foi identificado.
Seminário do povo Truká
Nos dias 28 e 29 de julho o povo
Truká realizou um seminário de discussão, cujo tema foi “os projetos de
barragens no rio São Francisco e o território Truka”, discutindo as obras do
PAC que impactam seu território. O rio
São Francisco já é fortemente impactado
pelas barragens existentes e pelo desmatamento. A população da região aponta
como graves as condições do rio onde já
não existe vazante e os 75% da fauna e da
flora foram destruídas, podendo até afirmar que “o Velho Chico está morrendo”.
Portanto, como explicitaram os Truká
no documento final do encontro, os povos
indígenas da região não concordam com
os projetos impostos para seu território
e denunciam a falta de diálogo e de participação nas políticas que atingem suas
áreas e seu rio sagrado, pai das nações
indígenas. Mais uma vez o governo viola o
princípio da consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas, fortalecendo a
proposta desenvolvimentista “a qualquer
custo”, que para os povos tradicionais é
uma grave ameça para a sobrevivência
física e cultural, para a vida espiritual e
para “a saúde da natureza sagrada”.
As retomadas dos povos Tumbalalá
e Truká, além de serem estratégia de
reivindicação do próprio território tradicional e de ser símbolo de luta contra
as grandes obras que ameaçam o rio e
os territórios indigenas, são símbolos
de resistência ao modelo de desenvolvimento que só favorece os interesses
de uma elite econômica, prejudicando
os demais. Portanto é mais um grito de
denúncia desse modelo de desenvolvimento e fortalece as propostas e as alternativas que os povos indígenas sempre
percorreram, promovendo o modelo do
bem viver, da reciprocidade e da justiça
sócio-ambiental. n
Encontro de Mulheres Indígenas do Regional Leste
A luta pela igualdade de direitos e qualidade de vida
Agosto–2010
Haroldo Heleno
A
4
Cimi Regional Leste/ Equipe Itabuna
pós três dias de ricas reflexões,
espiritualidade e troca de experiências, as mulheres indígenas
do Regional Leste, reunidas na
Aldeia Caramuru, município de Pau Brasil
(BA), deram por encerrado o II Encontro
Regional das Mulheres Indígenas. Ao
final do encontro foi lançado um documento, onde expressam suas angústias,
esperanças e exigências, sobretudo
sobre os seus direitos, condenam a perseguição sistemática e histórica contra
seus povos e denunciam o intenso processo de discriminação e criminalização
de suas lutas.
Aliadas às companheiras quilombolas, trabalhadoras rurais e lutadoras
urbanas, elas refletiram sobre o tema
“A luta das mulheres indígenas pela
de troca de saberes entre os grupos
e rearticulação da Comissão de Organização das Mulheres Indígenas no
Leste (Comil).
Ao final do encontro, as indígenas,
trabalhadoras rurais, quilombolas e representantes de trabalhadoras urbanas
deram um grito de basta a todo e qualquer tipo de violência e discriminação
contra seus povos e suas lutas: “Nós
mulheres não queremos violência. Nossa
igualdade está em nossa consciência”.
Fotos: Haroldo Heleno
Aliadas às
companheiras
quilombolas,
trabalhadoras
rurais e
lutadoras
urbanas, as
mulheres
indígenas
refletiram
sobre o tema
“A luta das
mulheres
indígenas pela
igualdade
de direitos e
qualidade de
vida de seus
povos”
Participação
igualdade de direitos e qualidade de
vida de seus povos”. Durante o encontro,
somando forças com seus aliados e parceiros, discutiram soluções para resolver
os graves problemas enfrentados com as
invasões ou até mesmo negação de seus
territórios tradicionais.
O encontro teve por objetivo principal contribuir com o processo de
participação das mulheres indígenas
e suas organizações, visando o fortalecimento das lutas pela recuperação
dos seus territórios, possibilitando
momentos de formação, informação,
Participaram do encontro cerca de
250 mulheres das diversas comunidades
indígenas dos estados da Bahia (Pataxó
Hã-Hã-Hãe, Tupinambá de Olivença,
Pataxó do extremo sul, Tupinambá do
Jequitinhonha e Tuxá), de Minas Gerais
(Xakriabá, Aranã, Kaxixó) e do Espírito
Santo (Tupiniquim e Guarani). n
Mobilização
Povo Awá-Guajá: Acampamento “Nós existimos”
Jornalista/ MA
N
a região conhecida como Alto
Turiaçu, no noroeste Maranhense, mais uma parte da
Amazônia brasileira é destruída.
Diariamente, caminhões saem
lotados da mata, roubando e matando
os povos indígenas que sofrem com o
drama da derrubada de madeira em seus
territórios.
Mas, em busca de aliados, o povo
Awá Guajá sai da mata e com a cantoria
dos karawaras, viajam para o céu e descobrem do alto um novo horizonte de
destruição e aterrissam de volta com o
grito: “Nós existimos”.
O Conselho Indigenista
Missionário e o Povo Awá-Guajá, em parceria com a
CNBB Regional Nordeste V,
Diocese de Zé Doca, pastorais e movimentos sociais,
realizaram o grande acampamento “Nós existimos: terra
e vida para os caçadores e
coletores Awá-Guajá”.
O evento que aconteceu
entre os dias 1º e 3 de agosto
na cidade de Zé Doca, localizada a 400 quilômetros da capital, São
Luiz e também contou com a participação de lideranças indígenas de outras
etnias como os Guajajara e os Ka’apor.
O acampamento foi palco de palestras e denúncias sobre a situação de
invasões de Terras Indígenas no Brasil,
em especial as do povo Awá, bem como
outros informes sobre o atual momento
do povo.
Funai tenta atrapalhar
reencontro
A princípio, o acampamento contaria
com a presença dos representantes das
quatro aldeias do povo Awá-Guajá: Tiracambu, Awá, Guajá e Juriti. Mas na última
hora a Funai, que seria a responsável
pelo transporte dos indígenas da aldeia
Juriti para o lugar do evento, alegou
que não mandaria os índios e nenhum
representante do órgão, pois, segundo
a sede de Brasília, a cidade de Zé Doca
estaria controlada por madeireiros e não
oferecia segurança para os participantes.
Entretanto, para os indígenas presentes,
o órgão não participou porque não tem
interesse em ajudar.
O Acampamento é um espaço necessário para compreender e apoiar as
lutas dos povos indígenas, de maneira
concreta, pela garantia de seus direitos
e proteção de suas terras e por uma política indigenista voltada às verdadeiras
necessidades das comunidades indígenas. No encontro é possível perceber as
relações do “bem viver” estabelecidas
pela maioria dos povos indígenas fundamentadas na reciprocidade entre as
O jovem cacique da aldeia Awá,
Manãxika, falou do seu avô, que não
vive mais. “O branco veio para terra dos
índios e colocou roça. Branco botou
roça dentro da terra do índio e o madeireiro chegou também. Estamos aqui
na cidade para mostrar que Awá existe.
Eu sou Awá e estou aqui com os meus
parentes. Venho mostrar que eu estou
vivo e madeireiro não vai acabar com a
gente”, afirma.
Fotos: Diego Janatã e Cimi MA
Diego Janatã
A busca de aliados
suas aldeias, as suas famílias
e seus bichos. “É um esforço
de vocês para mostrar para
a população brasileira que
o povo Awá Guajá existe”,
afirmou.
O Acampamento
pessoas, na amizade fraterna, na convivência com outros seres da natureza e
num profundo respeito pela terra.
O grande encontro
Em um primeiro momento antes do
Acampamento que aconteceu na Praça
Matriz da cidade, os Awá Guajá das aldeias Tiracambu, Guajá e Awá estiveram
no Centro Diocesano de Zé Doca e celebraram com muita cantoria o reencontro
dos parentes que há muito tempo não
se viam. Na manhã seguinte, os Awá se
reuniram para traçar estratégias para o
Acampamento. Na pauta de discussões, a
questão da madeira foi a mais debatida,
pois se trata da mesma realidade para
todo o território Awá.
Itati, liderança da aldeia Awá, falou
a respeito da vida de seu povo, mostrou
como vivem os Awá, os utensílios que
utilizam. “Tudo isso aqui quem fez foi
Awá, branco não deu nada pra índio. E
eu acho muito bom”, orgulha-se a jovem
liderança que também reclamou a ausência da Funai no encontro, mas destacou
o apoio dos aliados. “Como vamos fazer
para resolver nossos problemas? O Cimi
pode nos ajudar! Vamos nos organizar
para nos encontrar outras vezes, dessa
vez com os nossos parentes do Juriti.”
Saulo Feitosa, secretário adjunto do
Cimi, afirmou que o momento dos Awá
é histórico e muito significativo. “Vocês
mostram que querem resolver seus
problemas. Fiquei impressionado com a
força da sua cultura, isso é um projeto
de vida”. Saulo também comentou a respeito da dificuldade dos Awá deixarem as
Na manhã do dia 2, os
Awá Guajá saíram em direção
à Praça Matriz, onde se realizou o Acampamento. Sob o
olhar curioso da população
local, os indígenas cruzaram a praça
entoando os cânticos dos karawaras.
Carlo Ellena, bispo da diocese de
Zé Doca, responsável pela abertura do
evento, deu as boas vindas a todos os
presentes. Na oportunidade ele destacou
a preocupação da Igreja com relação à
situação dos povos indígenas, que é uma
realidade de muita luta e resistência,
lembrou que os povos indígenas estão
presentes na mente e no coração da
Igreja do regional e conhecem as dificuldades que os indígenas passam em suas
aldeias. ”Eu fico muito feliz em encontrar
vocês, meus irmãos. Hoje é um dia muito
importante e vocês devem expressar suas
vontades, dificuldades e desejos”.
Don Xavier, presidente do Regional,
leu para os participantes uma mensagem
da XV Assembléia Regional de Pastoral da
CNBB Nordeste V sobre a situação dos povos indígenas do Maranhão. “Deixam-nos
perplexos as intervenções do governo
federal que, em nome do progresso regional, financia projetos de grande impacto
social e ambiental sobre as comunidades
indígenas e seus territórios sem consulta
prévia, inclusive pelo artigo 169 da Organização Internacional do Trabalho”.
Takaiju, liderança Awá, comentou a
relação do índio no mundo dos brancos
e do branco no mundo indígena, que é
a realidade da mata. “Nós chegamos na
cidade e não roubamos nada. Não fazemos mal a ninguém. Se tiver dinheiro,
índio compra. O karaí (não índio)chega
na mata e corta madeira, rouba a mata
da gente, que somos os donos da terra.
Parente não gosta disso”, afirma.
Para o combate aos madeireiros que
devastam seus territórios e a retirada
dos invasores, os Awá perceberam que
é necessário muito apoio. As entidades presentes no evento e também os
Ka’apor e os Guajajara firmaram o compromisso com a causa Awá, se mostraram
parceiros para eventuais campanhas e
outras manifestações de apoio. “É vergonhoso para o Governo Brasileiro que
seja preciso que os índios montem um
acampamento para provar que existem.
A Sociedade Maranhense de Direitos
Humanos se coloca à disposição para
trabalhar em parceria com o Cimi e os
povos indígenas”, prometeu Vicente,
representante da SMDH. A linguista e professora da Universidade de Brasília (UnB), Marina Magalhães, que trabalha com o povo Awá
estudando sua língua materna, destacou
a importância do encontro e considera
os indígenas seus professores na arte
de viver em harmonia com a natureza.
“Vocês podem contar com a gente, estou
propondo um grupo de pesquisa e de
apoio entre os estudantes da UnB para
contribuírem com o povo Awá”, disse.
De acordo com o professor István
Varga, da Universidade Federal do Maranhão, boa parte da população sertaneja
que é jogada contra os índios tem sangue
indígena e não se dá conta disso. “Aqui na
região do alto Turiaçu houve no passado
aliança entre os negros quilombolas e as
populações indígenas para controlarem o
avanço das frentes agrícolas”, comentou.
De acordo com cacique Ceron
Ka’apor, esse tipo de reunião é muito boa
para os índios, pois têm a oportunidade
de conhecer a história de outros povos.
“Estamos aqui também junto com os parentes Awá-Guajá para dizer que do jeito
que está é muito difícil. O problema da
madeira é muito grave. Madeireiro quer
destruir tudo. Não pode deixar. Lá em
nossa aldeia não deixamos madeireiro
entrar”, afirma.
Segundo Saulo Feitosa o Acampamento teve várias conquistas. A própria
realização do evento, por si só, já é uma
delas, pois se trata de uma região de
conflito. “Foi um evento importante para
a mudança de paradigma da população
local, pois existe no imaginário popular
uma visão muito distorcida dos povos
indígenas”, afirmou Saulo. n
O acampamento
foi palco de
palestras e
denúncias sobre
a situação de
invasões de
Terras Indígenas
no Brasil, em
especial as do
povo Awá, no
Maranhão
5 Agosto–2010
Análise
Saulo Ferreira Feitosa
Secretário Adjunto do Cimi
P
Para Lula,
povos indígenas
e questões
ambientais são
empecilhos para o
“desenvolvimento”
do país. Para
os povos
indígenas, esse
“desenvolvimento”
é um empecilho
à vida
Fotos: Cleymenne Cerqueira
Lula, os Índios e as Pererecas
or várias vezes, nos discursos
proferidos em defesa do seu
Programa de Aceleração do
Crescimento - PAC, o presidente
Lula tem se referido às exigências do
respeito à legislação ambiental e aos
direitos dos povos indígenas e populações tradicionais como um grande
obstáculo a ser superado. Em face
disso, tem elegido em suas falas alguns
exemplos daquilo que considera ser o
maior dos absurdos. Assim sendo, de
maneira recorrente, tem citado índios
e pererecas como fatores de tensão
permanente nos canteiros de obras. drelétrica de Belo Monte, obra que provoRecentemente, num curto intervalo de cará um impacto de grandes proporções
cinco dias, por duas vezes denunciou no rio Xingu e reduzirá drasticamente seu
publicamente esses vilões do PAC. A potencial hídrico, afetando diretamente a
primeira por ocasião da assinatura vida dos povos indígenas da região, mais
do contrato de concessão da Usina uma vez se reportou aos índios nos seHidrelétrica de Belo Monte, em 26 de guintes termos: “precisamos mostrar aos
agosto, em Brasília e a segunda durante irmãos índios que não precisam pescar de
abertura da XVIII Feira Internacional da flecha, podem criar em tanques”.
Indústria Sucroalcooleira (Fenasucro)
Alguns meses atrás Lula havia afirmaem Sertãozinho-SP, no dia 31 do mesmo do “que ninguém fez mais pelos nossos
mês. Além da impropriedade da fala, irmãos índios do que o nosso governo”.
chama-nos atenção a maneira como Ao que estaria se referindo ao afirmar
expressa sua indignação: com desdém que “fez mais”? Somos sabedores que
e agressividade. Talvez essa recorrência durante seus dois mandatos os proao tema e a repetida associação entre cedimentos de demarcação de terras
índios e pererecas carecesse uma análise indígenas ficaram paralisados, salvo
psicanalítica por parte de profissional raras exceções. As políticas de atenção
devidamente qualificado. Mas como à saúde indígena e educação escolar
esse não é nosso caso, limitaremo-nos indígena, somente agora, ao término do
apenas a expressar também a nossa in- segundo mandato, começam a dar sinais
dignação diante de tal comportamento. de reação. Por outro lado, a construção
Em seu último livro publicado no Brasil, de empreendimentos que impactam
O Medo dos Bárbaros, para além do choque territórios tradicionais indígenas e os
das civilizações, Tzvetan Todorov, um dos atos de violência praticados por agentes
mais importantes pensadores da atua- do poder público contra comunidades
lidade, desenvolve uma
indígenas continuam em
Tzvetan Todorov, elevado grau. Talvez esse
profunda reflexão sobre
um dos mais
o conceito de barbárie
“mais” refira-se às ações
e civilização. Segundo o
mitigatórias dos impactos
importantes
autor, “os atos e atitucausados pelas grandes
pensadores
des é que são bárbaros
obras, distribuição de cesda atualidade,
ou civilizados, e não os
tas básicas nas aldeias,
desenvolve uma
indivíduos ou os povos”.
Bolsa Família etc.
profunda reflexão
Dessa forma, é possível
O discurso presidensobre o conceito
identificarmos uma atitucial parece traduzir uma
de civilizada por parte de
compreensão de que “índe barbárie
um membro de um povo
dio tem direito, mas tem
e civilização.
indígena vivendo ainda em
que ser do meu jeito”.
Segundo o
situação de isolamento e
Uma expressão popular
autor, “os atos
uma atitude bárbara pramuito comum no agreste
e atitudes é que
ticada por um habitante
pernambucano, região em
são bárbaros ou
natural de Paris.
que nasceu o presidente,
Para Todorov, “a recusa
traduz bem esse entendicivilizados, e não
de considerar visões de
mento: “cavalo dado não
os indivíduos ou
mundo diferentes da nossa
se olha os dentes”. Foram
os povos separa-nos da universalidaessas compreensões que
de humana e mantém-nos mais perto do marcaram as relações estabelecidas entre
pólo da barbárie”. Numa de suas recentes o Estado brasileiro e os povos indígenas
declarações, o presidente revelou sua desde o início da colonização.
incapacidade de reconhecer o direito à
Por outro lado, não podemos negar
diferença. Ao se referir à construção da Hi- que o mesmo necessita abrir os olhos aos
“
”
Agosto–2010
6
outros, ao diferente. Precisa entender a assinatura do contrato. Podemos
que os costumes dos povos indígenas, concluir, então, que acima dos direitos
os jeitos próprios de pescar, de caçar, indígenas estão os interesses governade coletar, também se constituem em mentais.
direitos, devidamente assegurados pela
E para não dizer que não falamos das
Constituição brasileira. A forma de fazer pererecas, poderíamos recomendar ao Sr.
assegura a autonomia para poder fazer Presidente que procurasse acompanhar
sempre. Por isso, é mais importante ter os debates hoje existentes em torno
a terra indígena demarcada, com seus da compreensão especista de mundo.
recursos naturais preservados do que a Cada vez mais, nós humanos estamos
distribuição de cestas básicas nas comu- percebendo a importância do valor da
nidades indígenas.
vida dos demais seres.
Precisa entender ainda
Ademais, somos também
Pescar no rio é
que pescar no rio é comsabedores do importante
completamente
pletamente diferente de
papel que cumprem nosdiferente de pegar
pegar o peixe no tanque.
sas irmãs pererecas (um
o peixe no tanque.
Esses modos traduzem
apanágio franciscano) para
Esses modos
diferentes formas de pentraduzem diferentes a manutenção do equilísar o mundo. O primeiro
brio ecológico.
formas de pensar
revela uma preocupação
Por fim, cabe dizer que
o mundo. O
com a sobrevivência das
não se tem conhecimenprimeiro revela uma to de que qualquer obra
futuras gerações e do
preocupação com a tenha sido paralisada em
próprio Planeta Terra. O
sobrevivência das
segundo atende aos dirazão da identificação da
futuras
gerações e
tames do capital, onde
presença de pererecas ou
do próprio Planeta
o peixe se converte em
indígenas em sua área de
mercadoria. Para tanto,
abrangência. Aliás, nem
Terra. O segundo
é necessário ter dinheiro
atende aos ditames mesmo as várias mortes
para adquirir o material
de operários ocorridas
do capital, onde o
necessário para fabricar o
nos canteiros de obras
peixe se converte
tanque e comprar os alevidas Usinas Hidrelétricas
em mercadoria. nos e daí segue-se a cadeia
do Rio Madeira, a exemplo
mercadológica. Como vemos, apesar da do que ocorreu com Francisco da Silva
boa vontade e do grande conhecimento Melo, que em 21 de julho foi tragado
demonstrado em várias áreas, Lula ne- pelas engrenagens de uma máquina da
cessita ser auxiliado a empreender um Usina Jirau, são considerados motivos
processo de aprendizagem intercultural suficientemente fortes para interromper
e dialógica, mesmo porque administra qualquer obra do “todo poderoso” PAC.
um país que se destaca por sua diversiEnquanto as obras prosseguem,
dade étnica e cultural.
novos relatos de violência vão surginDurante a cerimônia de assinatura do, alguns deles sem comprovação
do contrato de concessão de Belo Mon- até agora, como a notícia de que um
te, no momento em que fazia citações trabalhador teria caído no meio da
jocosas sobre a cultura indígena, tinha concretagem do vertedouro da Usina de
ao seu lado o presidente da FUNAI, o Santo Antônio, ficando seu corpo conantropólogo Márcio Meira, que também cretado no paredão de cimento diante
é presidente da Comissão Nacional de da recusa da empresa em suspender os
Política Indigenista - CNPI. Destaque- serviços. Relatos como esse, trazem-se que naquela mesma hora, a referida -nos imediatamente à memória a antiga
comissão estava realizando mais uma de prática de emparedamento que levou à
suas reuniões ordinárias. Márcio Meira morte milhares de pessoas ao longo da
abandonou a mesma para ir prestigiar história da humanidade. n
“
”
Fotos: Equipe Xakriabá /Cimi Regional Leste
Senado aprova
País
PLV 08/2010, que Afora
cria a Secretaria de
Saúde Indígena
Cleymenne Cerqueira
Repórter
O
s senadores aprovaram, no dia 3 de agosto, o
Projeto de Lei de Conversão 08/2010 da Medida
Provisória nº 483, que cria a Secretaria Especial de
Saúde Indígena (Sesai). O projeto segue agora para
sanção do presidente da República, que poderá apreciá-lo
em um prazo de 30 dias.
Com a aprovação do PLV, todas as ações de atendimento
à saúde indígena e de saneamento básico nas comunidades
indígenas serão transferidas da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para o Ministério da Saúde (MS). Assim, o MS
terá a possibilidade de contratar funcionários por período
determinado em caso de emergência na saúde pública.
O desafio agora é definir as competências da secretaria,
sua estrutura de organização e execução descentralizada,
dentre outras questões.
Para a senadora Lúcia Vânia, relatora do processo, esse
projeto retrata uma vitória da luta do movimento indígena e também uma atenção especial a essas comunidades
tradicionais no que diz respeito aos direitos humanos.
Cerca de 80 lideranças indígenas, representantes de
diversos povos do país, acompanharam a votação do PLV no
plenário do Senado Federal. O grupo esteve reunido desde
o dia 2 de agosto, em Brasília, para reforçar as articulações
a favor desse projeto de lei. Também estiveram presentes
os representantes de organizações sociais e indigenistas.
Após a aprovação final do projeto, enviado pela Câmara
Federal no último dia 7 de julho, os indígenas festejaram,
colocaram seus adornos típicos, fizeram orações em agradecimento ao deus Tupã, se cumprimentaram com abraços
e dançaram toré na parte exterior do órgão.
Para Anastácio Peralta, Guarani Kaiowá que saiu da sessão radiante como todos os outros parentes, a aprovação
do PLV é um fôlego novo na luta pelos direitos indígenas.
“Podemos dizer que esta é a nossa primeira grande vitória
nestes oito anos de governo Lula. Isso mostra que não
podemos nunca perder a esperança”, ressalta. n
Povo Xakriabá marca presença na
14ª Romaria das Águas e da Terra
Equipe Xakriabá
Cimi Regional Leste
F
oi realizada no dia 18 de
julho, em Januária – MG,
a 14ª Romaria das Águas
e da Terra. A Romaria é
uma oportunidade de anúncio e
denúncia. Este grande momento
celebrativo teve como anfitriã a
Diocese de Januária no norte de
Minas Gerais.
Romeiros e Romeiras vindos
de diversos lugares puderam
conhecer a realidade das comunidades rurais e urbanas desta
região. Nesta importante ação da
Igreja, os mais de 3 mil romeiros
caminharam por quatro km ao
som do batuque dos tambores
dos quilombolas e o ressoar
dos maracás dos indígenas. Um
caminhar que trouxe para o cenário do norte mineiro todas as
suas comunidades tradicionais e
suas lutas por uma revitalização
popular do rio São Francisco.
Os participantes puderam
presenciar a cada dia a destruição do São Francisco, rio
da integração nacional, pai dos
indígenas, quilombolas, varzanteiros, pescadores, ribeirinhos e
toda uma população que sempre
rendeu seu imenso respeito às
suas águas.
Hoje se pode dizer que este
também é o rio que pede socorro, que grita em defesa de sua
própria vida... rio do esgoto, do
agrotóxico, do lixo, do assoreamento. Rio da transposição, um
projeto ganancioso, bancado
pelo governo federal e que
causará ainda mais destruição
e morte, em nome da ganância
de poucos.
Foi o rio que contribuiu e
ainda garante a sobrevivência
do nosso povo ribeirinho. Foi
também às margens do São
Francisco que os índios Xakriabá
viveram o seu martírio, conviveram com a perseguição e
sobreviveram para contar a sua
história, uma história de luta e
resistência na defesa do Velho
Chico, na proteção da natureza e
na defesa dos seus direitos. Uma
população que quase foi dizimada pelo avanço destruidor do
capital financeiro. Uma longa e
constante luta em defesa da vida,
baseada no principio do direito e
em defesa dos seus projetos de
vida. Povo que vive hoje em 32
aldeias com cerca de 9 mil pessoas, sobrevivendo em apenas
um terço de seu território e que
está travando uma nova luta para
ter acesso às riquezas do rio São
Francisco, espaço este até então
negado pela demarcação deficitária de seu território.
Diante desta triste realidade,
o que herdará o povo Xakriabá
ao final dessa nova batalha?
Dada a importância dos Xakriabá
no povoamento da região, como
compreender a histórica morosidade do Estado brasileiro em
reconhecer a intrínseca relação
entre rio e povo?
A luta de Rosalino Gomes
de Oliveira, grande liderança
Xakriabá, assassinado
em 1987, está viva
na resistência dessas
comunidades tradicionais. O exemplo de
sua luta, demonstrando assim a importância do caminhar, do
enfrentamento aos
projetos de morte,
utilizando-se de duas
armas essenciais para
a sua sobrevivência:
Fé e Vida.
As terras continuam invadidas e obrigam o povo Xakriabá
a ocupar apenas 1/3 do seu território tradicional, aguardando a
morosidade do governo federal e
ao mesmo tempo sofrendo com
a possibilidade de expulsão, expondo as famílias nas periferias
da cidade a todo tipo de violência e exclusão.
Na Romaria puderam denunciar o financiamento dos
grandes projetos pelo capital do
Estado brasileiro, coordenados
pelo Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC), que expulsou e continuará expulsando
milhares de famílias pobres de
suas comunidades. A exemplo
da hidrelétrica de Belo Monte,
a transposição do rio São Francisco, as hidrovias e ferrovias
trazem a falsa propaganda do
desenvolvimento a serviço das
grandes empresas.
Diante de todos os projetos
de destruição, pode-se ver a
resistência das comunidades
tradicionais do norte de Minas
Gerais, que lutam pela defesa do
rio São Francisco e um projeto
de revitalização que contemple
os seus projetos de vida e que
possibilite o resgate da vida do
Velho Chico. n
Indígenas
comemoram a
aprovação do
PLV 08/2010,
que cria a
Secretaria
de Saúde
Indígena
Fotos: Gustavo Macedo/APIB
Terra e Água Partilhada, Herança de Deus Resgatada. Nas terras e
águas dos gerais, a memória da resistência dos nossos ancestrais.
7 Agosto–2010
O grito indígena pela
garantia de direitos
Fotos: Maíra Heinen
Acampamento Terra Livre 2010
O Acampamento Terra Livre 2010 aconteceu em Campo Grande (MS) e
reuniu lideranças indígenas de diversas regiões do país para discutir questões
relacionadas à saúde, educação e demarcação de territórios tradicionais
Maíra Heinen
A
Agosto–2010
8
Editora do Porantim
aldeia urbana Marçal de Souza,
em Campo Grande, se transformou em comunidade indígena
multiétnica, com povos de
todos os cantos do país entre
os dias 16 e 19 de agosto. Foi a
sétima edição do Acampamento
Terra Livre (ATL), oportunidade para colocar
os problemas vividos para debate e buscar
soluções. Nos momentos de denúncia, os
indígenas reforçaram a importância da
demarcação das terras para a preservação
da cultura, da vida em comunidade e da
auto-sustentação. Seguindo a tradição dos
outros encontros realizados em Brasília,
o evento terminou com uma caminhada
de dois quilômetros pelas ruas de Campo
Grande.
No primeiro dia do ATL, em coletiva de
imprensa, as lideranças colocaram para as
mídias presentes os anseios dos povos indígenas do Brasil e, dentre eles, o principal,
que é a conquista da sua terra tradicional
com a demarcação de seus territórios. Os
coordenadores do encontro reafirmaram
que esta é uma necessidade de todo o país
e que a Constituição Federal não é respeitada quando se fala em direitos indígenas.
Anastácio Peralta, como representante
do povo Guarani Kaiowá, exemplificou o
enorme preconceito existente no estado do
Mato Grosso do Sul. “Aqui, um boi vale mais
do que uma criança! Este estado precisa
ser reeducado!”. Ao ser questionado sobre
as principais necessidades dos indígenas
tratadas no acampamento, ele enumerou
terra, educação e saúde.
Romancil Kretã, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Sul,
destacou fortemente o direito à terra. “É
preciso mostrar a realidade de que somos
estrangeiros em nossas próprias terras,
muitos de nós ficam à beira das estradas
e os projetos de leis são criados para nos
marginalizar cada vez mais”, afirmou.
Em nome dos indígenas nordestinos, o
representante da Articulação dos Povos e
Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), Irajá
Pataxó, deu destaque à criminalização de
lideranças. “Nós, que somos os verdadeiros
donos desta terra, temos três presos políticos que estão atrás das grades por defender
e reivindicar suas terras tradicionais”, disse
lembrando da prisão do Cacique Babau e
de seus irmãos. No dia seguinte a esta declaração é que o evento soube da soltura
das lideranças que estavam presas na Bahia.
Histórico de confinamentos no
Mato Grosso do Sul
O procurador do Ministério Público
Federal do MS, Marco Antônio Delfino,
participou do segundo e terceiro dias do
evento e relatou um pouco do histórico
dos povos indígenas no estado, além de
mostrar alguns dados atuais e assustadores
da grande aglomeração de indígenas em
espaços diminutos, discriminação e violência contra os Guarani Kaiowá, os Terena,
os Guató, os Guarani Ñandeva, Kadiwéu,
entre outros.
Segundo o procurador, 68 mil indígenas vivem em 0,5 % do território do MS e
o embate pela terra tem sempre o agronegócio como ator principal. São várias
comunidades no estado que vivem em
beira de estradas e em terras diminutas,
sem oportunidade de auto-sustentação,
de disseminação da cultura tradicional.
De acordo com o procurador, as terras
indígenas muito pequenas ocasionam uma
grande desorganização social. “A violência
fica muito grande, surge a criminalização
interna, a saída dos jovens para a cidade
sem perspectiva de vida”, afirmou.
O cenário de violência é pesado.
Delfino informou que são 140 homicídios
para 100 mil habitantes na terra indígena
de Dourados. Um número extremamente
alto, que chega a ser maior que os índices
de Estados em guerra civil, como o Iraque.
Descaso
Farid, uma liderança da comunidade
Laranjeira Ñanderu, informou com tristeza
a situação de seu povo que está a cerca
de um ano e meio na beira da BR que
liga Campo Grande a Dourados. “Muitos
bebês morreram, muita gente passou mal
porque não tem água, alimentos...estamos
morrendo ali!”.
A falta de demarcação de terras foi o
principal assunto debatido. Eliseu Guarani
falou da importância da demarcação de
terras para a diminuição da violência contra
os povos indígenas no MS. “Sofremos muita
violência, matam nossas lideranças, mas o
único jeito de acabar com isso é indo para
nossa terra. E nós não vamos parar de lutar.
Vamos retomar a nossa terra sim!”.
Já Elvisclei Polidoro, Terena da Comunidade Cachoeirinha, fez várias denúncias
sérias em relação à Funai e ao governo do
estado. “A Funai aqui age de acordo com a
política do estado. A Funai é anti-indígena
e o coordenador já chegou a fazer denúncia
na Polícia Federal contra os indígenas que
fazem retomadas e lutam por suas terras!”,
afirmou.
Mas a questão da terra não fica apenas
no Mato Grosso do Sul. Indígenas Kaingang
que participavam do ATL também relataram
a triste situação dos que ficam numa longa
espera por suas terras, nas BRs do sul do
país. Antônio Vicente, que está acampado
com sua comunidade na BR 308, reclama da
demora da Funai em resolver as pendências
dos estudos para demarcação. “O Grupo de
Trabalho (GT) até hoje não chegou e assim
sem nossas terras ficamos com a higiene
precária, dependemos sempre de cestas
básicas, pois não temos terra para plantar
e o que ainda entra de recurso é da venda
de nossos artesanatos”,lamenta.
Dorvalino Joaquim vive situação parecida. Ele também é Kaingang e vive na BR
285, município de Mato Castelhano. “O GT
já terminou os estudos de nossa área, mas
terminou em março e até agora não teve
nada de avanço, a Funai ainda não autorizou o levantamento fundiário e a gente
fica nessa espera sem fim!”, diz. Para as
lideranças, o sentimento é de que estão engessados pela burocracia. “A nossa vontade
é de ir lá e trabalhar, resolver as coisas que
estão pendentes. Quando é que teremos
nosso espaço?”, declara Dorvalino.
Violência sistemática
Em documento que será enviado aos
candidatos à Presidência da República e a
organismos nacionais e internacionais que
trabalham em prol da garantia dos direitos
humanos, os participantes do ATL citam um
slogan que tem sido amplamente divulgado
no estado: “produção sim, demarcação
não”. Isso confirma, mais uma vez, o que
cação das terras indígenas nas bacias dos
rios que cortam o estado, mas a atividade
é impedida por meio de recursos judiciais
dos fazendeiros que disputam a área. “Essa
é a última estratégia para inviabilizar a
identificação”, aponta Egon Heck.
Mas durante o Acampamento, uma
notícia chegou para dar ânimo e esperança
aos Guarani no MS: o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, suspendeu três liminares que impediam
a demarcação de terras indígenas em Mato
Grosso do Sul. Em uma delas, um Mandado
de Segurança ajuizado pela Federação de
Agricultura e Pecuária do Estado de Mato
Grosso do Sul (Famasul), os trabalhos da
Fundação Nacional do Índio (Funai), como
estudos antropológicos e demais trabalhos
para demarcar terras reivindicadas pelos
Guarani Kaiowá, estavam condicionados
à notificação prévia dos ocupantes dessas
áreas. Ao suspender as liminares, Peluso
disse que não se pode impedir o processo
de demarcação “o prosseguimento do
procedimento demarcatório do território
indígena Guarani Kaiowá acautelará o
interesse público e a efetividade do texto
constitucional”. Em Campo Grande, as
lideranças comemoraram a decisão.
Apoio da CNBB
a doutora em Educação, Iara Tatiana Bonin,
caracteriza como racismo institucional.
“A violência sistemática registrada nos
últimos anos permite que nesse estado se
configure um tipo de racismo institucional,
materializado com ações de grupos civis e
omissões do poder público”.
Os casos de violações de direitos entre
as populações indígenas do MS demonstram a opção feita pelo governo federal
ao tratar as questões intimamente ligadas
a esses povos, como a demarcação dos
territórios tradicionais, atitude que tem
ignorado ou até facilitado as investidas
de grandes latifundiários e até da própria
população local contra os indígenas.
De acordo com o Relatório de Violência
Contra os Povos Indígenas no Brasil 2009,
somente no ano passado 33 indígenas
foram assassinados em Mato Grosso do
Sul, o que representa 54% do total de 60
casos apresentados pela publicação, que
é organizada pelo Conselho Indigenista
Missionário (Cimi).
De acordo com o coordenador do Cimi
Regional MS, Egon Heck, a opção política
do Estado tem sido de omissão. “O estado
apresenta o maior número de ocorrências
desde 2003 e nada tem sido feito para
transformar essa realidade. O que prospera na região são as usinas de etanol que
incidem sobre as terras indígenas, tanto
as já demarcadas quanto as que aguardam
identificação”.
Além da presença das lideranças, do
procurador da república, os indígenas
também contaram com a presença de
Dom Moreira, bispo de Três Lagoas - MS. O
representante da CNBB ressaltou a importância de um evento deste porte acontecer
em Campo Grande. “É só encontrando
gente com as mesmas questões e a mesma
vontade de lutar é que a gente consegue
seguir na luta! Só assim sabemos que somos sujeitos da história e é isso que estes
indígenas fazem aqui neste momento!”,
afirmou.
Segundo ele, a CNBB manifesta solidariedade e procura alertar as autoridades
dos problemas vivenciados por estes povos
no estado. “Temos grande preocupação e
reconhecemos o valor da luta destes índios
aqui. E como cristãos, pedimos que olhem
com atenção para os indígenas porque eles
vivem situações muito complicadas aqui no
Mato Grosso do Sul.”, declarou.
Documento final
Para o Cimi, há lentidão e omissão do
governo federal em identificar, demarcar
e homologar as terras indígenas. Somente
em Mato Grosso do Sul, há cerca de 20
áreas em processo de regularização, que
deveria ter sido concluído há mais de um
ano, conforme Termo de Ajustamento de
Conduta (TAC) assinado pela Funai.
Seis grupos de trabalho foram escalados pela Fundação para fazer a identifi-
Na manhã do último dia foi aprovado
um documento em que os participantes
reafirmam solidariedade aos povos do MS.
“Unidos pela mesma história, os mesmos
problemas, as mesmas ameaças, os mesmos desafios, a mesma esperança e a mesma vontade de lutar por nossos direitos,
viemos das distintas regiões do país para
nos solidarizar com os povos indígenas
deste estado, que de forma incansável lutam, resistem e persistem na defesa de seus
mais sagrados direitos, principalmente, à
vida e à mãe terra”.
O documento final apresenta as principais reivindicações dos diferentes povos
do país em relação à saúde, educação,
direito à terra e grandes empreendimen-
tos. Entre os pontos principais estão:
situação de abandono e miséria vivida pela
maioria dos povos como no Mato Grosso
do Sul, discriminação, criminalização de
lideranças e assassinatos dos que lutam
pela terra.
De acordo com o texto, o crescimento
econômico almejado pelo governo não
condiz com a situação em que vive a
maioria dos povos no Brasil. “Em regiões
como Mato Grosso do Sul, as comunidades
Guarani Kaiowá vivem confinadas em territórios diminutos ou acampadas na beira
de rodovias, aguardando a demarcação de
suas terras, invadidas ou submetidas sob
pressão do latifúndio e do agronegócio,
da pecuária e das grandes plantações de
cana de açúcar e de eucalipto, sob olhar
omisso, a cumplicidade ou a morosidade
dos órgãos públicos”.
Entre as reivindicações em relação à
demarcação de terras estão: criação de
um Grupo de Trabalho (GT) para acelerar
o processo de identificação e demarcação;
garantia de segurança nas terras indígenas,
na posse e permanência dos indígenas
no território ocupado; articulação junto
ao Ministério Público Federal (MPF) para
entrada de agravo de instrumento para
garantia de posse dos indígenas nas áreas
ocupadas, entre outras.
Outras reivindicações
Os participantes ainda pedem que o
atendimento à saúde indígena seja estendido a toda a população independentemente
do local em que moram (terras demarcadas, aldeias urbanas ou acampamentos),
bem como que durante esse atendimento
sejam respeitados os conhecimentos e a
medicina tradicional dos pajés e parteiras,
além do uso de plantas medicinais durante
o tratamento.
Quando se voltaram ao tema educação,
eles reivindicaram que o acesso à educação
de qualidade aconteça nas próprias comunidades ou em áreas próximas às mesmas
e de forma permanente e diferenciada,
atendendo as necessidades de cada povo,
com condições apropriadas de infra-estrutura, recursos humanos, equipamentos e
materiais.
“Que seja implementada a escola indígena em todas as aldeias, com projeto
político-pedagógico próprio, calendário e
currículo diferenciado, conforme a tradição
e a cultura dos nossos povos e de acordo
coma Resolução nº 3, do Conselho Nacional
de Educação (CNE), assegurando apoio
operacional técnico, financeiro e político”.
No documento, ainda tratam das questões e discussões que envolvem o Decreto
7.056/2009, que estrutura a Fundação Nacional do Índio (Funai) e sobre os grandes
empreendimentos previstos pelo Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC) do
governo federal. Eles cobram respeito às
leis brasileiras e internacionais que tratam
dos direitos dos povos indígenas, como a
Constituição Federal, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). n
7º Acampamento
Terra Livre
contou com a
presença de
indígenas de
várias partes do
país, além do
apoio da CNBB
com a presença
do Bispo de
Três Lagoas,
dom Moreira.
O evento foi
oportunidade
de apresentar
reivindicações
e manter a
mobilização
indígena viva
9 Agosto–2010
Poder popular
Assembleia Popular prepara Plebiscito em São Paulo
Beatriz Catarina Maestri
Cimi Sul – Equipe São Paulo
Indígenas
Kaimbé, em
SP, também
participaram
da preparação
para o
Plebiscito
pelo Limite da
Propriedade
da Terra
R
epresentantes de 33 movimentos e entidades do estado de
São Paulo estiveram reunidos
no dia 31 de julho, no Sindicato
dos Bancários, no centro de São Paulo,
para participar da Plenária Estadual
do Plebiscito Popular pelo Limite da
Propriedade da Terra, organizado pela
Assembleia Popular.
A Plenária tratou do plebiscito e
suas implicações no campo e na cidade
e contou com a assessoria de Gilberto
Portes, coordenador do Fórum Nacional
da Reforma Agrária, entidade que está
à frente da organização do Plebiscito.
Gilberto aprofundou aspectos da
realidade agrária do país, com ênfase em
dados estatísticos sobre a distribuição de
terras no Brasil e mais especificamente
em São Paulo. Um dos principais fatores
responsáveis pela miséria que se expande mundo afora é a desigualdade social.
E o Brasil bate recordes neste aspecto.
Desde a chegada dos portugueses
ao país, avançando território adentro
e dizimando populações indígenas, se
inicia o processo de concentração da
terra. Assim, segundo dados do IBGE de
2006, quase 50% dos estabelecimentos
agropecuários do país têm menos de 10
hectares (ha) e ocupam somente 2,36%
da área, enquanto menos de 1% dos
estabelecimentos rurais têm área acima
de mil ha cada e ocupam 44% das terras.
No Pará, por exemplo, só um proprietário
detém mais de 4 milhões de ha de terra.
O modelo de desenvolvimento atual,
que privilegia o agronegócio com suas
imensas extensões de monocultura, gera
um crescimento econômico desordenado e cruel que empobrece e expulsa do
campo os pequenos produtores, fazendo
inchar as grandes cidades. Já em relação
à produção, a agricultura camponesa é
a que mais produz para o consumo da
população brasileira, sendo responsável
pela maioria dos produtos que vão para
a mesa do povo, enquanto que o agronegócio, com largas extensões de terra,
produz prioritariamente para exportar,
como é o caso da soja, cana-de-açúcar
e eucalipto.
Diante deste quadro desigual e injusto, é preciso mudar a estrutura agrária do
país, tendo presente a reforma agrária,
a soberania alimentar e territorial. Isso
significa mexer com o modelo econômi-
Foto: Ir. Beatriz Maestri
Plebiscito Popular sobre o limite da
propriedade da terra
co agrícola. É o que propõe o Plebiscito:
estabelecer um limite para a propriedade da terra como um mecanismo que
garanta cidadania e desenvolvimento
econômico e social, acabando com os
latifúndios e disponibilizando terras para
milhares de famílias sem-terra.
Neste ano, o plebiscito acontece nos
dias 1º a 7 de setembro, quando também
se realiza o Grito dos Excluídos. O tema
teve indicação nas reflexões da Campanha da Fraternidade – 2010. Movimentos
sociais, entidades, Igrejas e partidos
políticos de todo o país estão engajados
nesta luta pela justa distribuição das
terras brasileiras.
Em São Paulo, os povos indígenas
também se engajaram nesta campanha
participando de várias atividades organi-
zadas pela Assembleia Popular. Durante a
Plenária a líder do povo Kaimbé, Magna
Silva Gonçalves, recordou a história e as
lutas de seu povo, originário da Bahia,
para ver suas terras garantidas: “Nós
lutamos muito pela nossa terra na aldeia.
Hoje estamos aqui, somando com vocês
nesta luta para que a terra seja direito
de todos!”.
É importante participar desse processo mobilizando e animando as comunidades, assinar o abaixo-assinado que
acompanha toda campanha e votar no
período indicado. É fundamental cobrar
dos candidatos de nossa região a sua
adesão ao Plebiscito. O abaixo-assinado
e outras informações estão disponíveis
na internet, no site www.limitedapropriedade.org.br . n
Haroldo Heleno
Cimi Regional Leste - Equipe Itabuna
O
Fórum de Luta por Terra, Trabalho e Cidadania da Região
Cacaueira (FLTTC) promoveu
no ultimo dia 31 de julho, na
sede das Pastorais Sociais da Diocese de
Itabuna, no Bairro Santo Antônio, uma
Oficina Regional de preparação para a
Campanha e o Plebiscito Popular a ser
realizado no período de 1º a 7 de setembro, para definir o limite da propriedade
da terra no Brasil.
Participaram cerca de 60 lideranças
de 15 municípios (Itabuna, Ilhéus, Eunapolis, Porto Seguro, Coaraci, Arataca,
Jequié, Ubaitaba, Camacan, Maraú, São
João do Paraíso, Almadina, Uruçuca,
Barra do Rocha e Salvador) representando mais de 30 entidades (Pastorais da
Igreja Católica, Congregações Religiosas,
Movimentos de Luta pela Terra, Povos
Indígenas, Estudantes, Movimentos
ambientalistas, Sindicatos, Fóruns de
articulações, Quilombolas, Movimento
de mulheres, e outros).
A Fase fez um breve histórico da luta
pela terra no Brasil, ressaltando que a
Agosto–2010 10 Campanha enfatiza a existência do prin-
A Campanha
quer animar
um debate
aberto na
sociedade
brasileira
sobre as
desigualdades
na distribuição
da
propriedade
da terra, e
combate ao
latifúndio
Fotos: Haroldo Heleno
Oficina Regional sobre a Campanha do Limite da Propriedade da Terra
cípio da “função social da propriedade da
terra” explicitado pela primeira vez em
1964, na Lei do Estatuto da Terra, e mais
tarde assumido na Constituição Federal
de 1988. Para a Campanha, “a terra é um
meio fundamental para a reprodução da
vida e não apenas uma mercadoria”.
A Campanha quer animar um debate
aberto na sociedade brasileira sobre as
desigualdades na distribuição da propriedade da terra, e combate ao latifúndio. Já
o Plebiscito, alinhado com a Campanha,
vai consultar os(as) cidadãos(ãs) sobre a
proposta da Campanha de limitar o tamanho máximo da propriedade da terra
em 35 módulos fiscais (no sul da Bahia,
o módulo fiscal é de 20 hectares). Para
as organizações integradas à Campanha
e ao Plebiscito, estas são iniciativas capazes de contribuir para tornar realidade
o disposto no artigo 3º, inciso III da
Constituição que é “erradicar a pobreza,
reduzir as desigualdades regionais” e
ainda de garantir o desenvolvimento
econômico e social através de reforma
agrária.
Dentre os encaminhamentos do
encontro ficou definido que os ativistas
presentes farão parcerias em cada município para operacionalização da Campanha e Plebiscito; no dia 6 de agosto,
delegados(as) da região participarão da
Plenária Estadual em Feira de Santana, e
no dia 25 de agosto haverá uma reunião
em Itabuna, para socialização das ações
e planejamento do Grito dos Excluídos.
Histórico
O FLTTC reúne entidades e movimentos sociais populares desde 1997 com
o objetivo de trocar experiências sobre
lutas e atividades que cada organização
integrante desenvolve além de promover
eventos de capacitação e planejamento
de ações consensualmente definidas
como prioritárias, a exemplo do Grito
dos Excluídos.
Durante 13 anos de vida o FLTTC
promoveu os plebiscitos populares
sobre a Divida Externa, o da Alca e da
privatização da Vale do Rio Doce. O
FLTTC também se engajou na coleta de
assinaturas em apoio ao projeto Ficha
Limpa. Realizou seminários regionais
sobre juventude, lutas indígenas, movimentos negros e de mulheres, políticas
públicas e desenvolvimento, entre outros
temas de interesse nacional e local que
refletem alguma demanda por soberania
popular e inclusão social. n
Liberdade
N
o dia 16 de agosto foram libertados os irmãos Rosival (cacique
babau), Givaldo e Glicéria, três
importantes lideranças da comunidade indígena de Serra do Padeiro,
do povo Tupinambá. Os dois primeiros
permaneceram presos por mais de cinco meses, enquanto a última ficou sob
custódia durante dois meses e meio,
acompanhada de seu filhinho Eruthawã,
que à época da prisão encontrava-se
com apenas dois meses de nascido.
As motivações para suas prisões foram
eminentemente políticas, em razão da
disputa pela posse do território tradicional tupinambá, localizado entre os
municípios de Buerarema e Ilhéus, no
sul do estado da Bahia.
Todos são vítimas do famigerado
processo de criminalização das lutas do
campo, estratégia utilizada pelos grupos
políticos dominantes no intuito de evitar
qualquer possibilidade de mudança na
injusta estrutura fundiária, política e econômica que lhes favorece. Essa criminalização ocorre de maneira generalizada
por todo o continente latino americano,
razão pela qual há um sem número de
lideranças indígenas, camponesas e de
populações tradicionais encarceradas
e ou respondendo a vários processos
criminais.
Não é demais lembrar que essa
tentativa de desmobilização das lutas
populares na América Latina faz parte
de uma ofensiva internacional onde os
povos indígenas são identificados como
uma ameaça constante aos interesses
imperialistas. Por essa razão, na implementação das ações criminalizantes(1)
operam agentes privados e agentes
do poder público vinculados aos mais
variados órgãos estatais, principalmente
integrantes dos sistemas de polícia e de
justiça. Há, portanto, um confronto ideológico muito bem delimitado, chegando
inclusive às disputas pelos modelos de
projetos políticos, a exemplo do que
ocorre hoje em países como Bolívia
e Equador, onde os povos indígenas
aportam formas alternativas de governo,
questionam a globalização e apontam
Foto: Equipe Itabuna
Saulo Ferreira Feitosa
Secretário Adjunto do Cimi
Foto: Éden Maganhães
Para o povo Tupinambá fazer mais festa
o Bem Viver como uma alternativa ao
modelo neoliberal.
O embate que acontece atualmente
no Sul da Bahia envolvendo o povo
Tupinambá, de maneira especial a comunidade de Serra do Padeiro, não pode
ser compreendido fora desse contexto
maior. Ali se conflitam modelos antagônicos de projetos de vida que têm
em sua base propostas distintas sobre a
forma de ocupação e uso das terras. De
um lado os indígenas, em processo de
mobilização constante pela recuperação
de seu território tradicional, destinado
à posse coletiva e usufruto exclusivo
dos membros daquela etnia, e de outro
lado os fazendeiros e plantadores de
cacau historicamente responsáveis pela
concentração fundiária, detentores de
latifúndios constituídos à custa de invasão dos territórios indígenas e expulsão
de pequenos agricultores e populações
tradicionais de suas terras. Somam-se a
esses os empresários do turismo cujos
empreendimentos (hotéis luxuosos)
invadem a faixa litorânea do território
Tupinambá.
A história de violência contra os
povos habitantes nas proximidades de
Ilhéus remonta aos tempos coloniais.
Os registros historiográficos feitos pelos
próprios protagonistas dos crimes cruéis
são apresentados em um estilo textual
que evidencia certo requinte sádico,
revelando assim toda a crueldade dos
massacres de indígenas, como se pode
constatar em texto escrito pelo terceiro
governador geral do Brasil, Mem de Sá:
“Na noite em que entrei em Ilhéus fui
a pé dar em uma aldeia que estava a 7
léguas da vila em um alto pequeno, todo
cercado de água, ao redor de lagoas. E a
destruí e matei todos os que quiseram
resistir e na vinda vim queimando todas
as aldeias que ficaram para trás”.(2)
Em meio ao conflito hoje instalado
existe uma realidade que se tenta ocultar
a todo custo. É o recente processo de
construção da autonomia da Comunidade de Serra do Padeiro, em avançado
estágio de gestação. Passados mais de
500 anos do início da frustrada empreitada de extermínio do povo Tupinambá,
o mesmo permanece vivo graças à sua
longa trajetória de resistência. À medida que foram retomando parcelas de
seu território tradicional, os indígenas
começaram a desenhar uma experiência
organizativa comunitária e participativa:
as roças são cultivadas coletivamente
em regime de mutirão, o excedente é
comercializado e os recursos obtidos são
distribuídos equitativamente através da
associação. As decisões são tomadas em
grupo, aproximando-se de um modelo
de democracia participativa próprio das
comunidades ameríndias.
Adotando um padrão de vida simples, sem apego aos bens de consumo
facilmente identificados nas várias aldeias indígenas e comunidades rurais do
Brasil, os habitantes da Serra do Padeiro
prezam pela mesa farta. Comer bem é
sinônimo de vida boa e saudável. Aos que
ali chegam pode até causar estranheza
o fato de viverem sempre sorrindo em
meio a toda sorte de violência a que
estão submetidos. Para alguns, talvez
fique a ligeira impressão de que os
habitantes da Serra “vivem rindo à toa”.
Ledo engano! O riso contagiante dos que
lá vivem é a expressão plena da proposta
de vida por eles defendida. Certamente
poderiam ter servido de inspiração ao
compositor Gonzaguinha quando nos
convida a “viver e não ter a vergonha
de ser feliz”.
Com o retorno de Babau, Givaldo,
Glicéria e Eruthawã, certamente muitas
novas histórias passarão a ser contadas
à beira da fogueira que todas as noites é
acesa no pátio central da aldeia. A alegria
da volta e o reencontro com os parentes
é, sem sombras de dúvida, mais um bom
e importante motivo para o guerreiro
Povo Tupinambá celebrar a vida e fazer
mais festa. n
(1)
Expressão intencionalmente utilizada com o intuito de diferenciar de “criminais” e traduzir o conteúdo político e simbólico das ações de criminalização.
(2)
Carta de Mem de Sá ao rei de Portugal, de 31/03/1560, em Silva Campos. Crônica da Capitania de São Jorge de Ilhéus. Rio de Janeiro, MEC, Conselho Federal de Cultura, 1981,
pág. 44. Apud Prezia & Hoonaert. Esta Terra Tinha Dono. 6. ed. rev. São Paulo: FTD, 2000.
Ouça o Potyrõ
Cacique
Babau e
Givaldo em
Brasília,
logo após a
libertação.
Abaixo, o
encontro de
Babau com
o sobrinho
Eruthawã
e sua irmã
Glicéria:
alegria
multiplicada
Também estamos on line pelo portal www.a12.com
Todos os sábados e domingos, às 12h35,
dentro do Programa Caminhos da Fé, na rádio Aparecida.
A transmissão é para todo o Brasil.
820 kHz
11 Agosto–2010
Acampamento em
defesa do Xingu
repudia construção
de Belo Monte!
Fotos: Cleymenne Cerqueira e Eden Magalhães
Grandes obras
Mobilização em repúdio à construção da usina
aconteceu entre os dias 9 e 12 de agosto e reuniu cerca
de 500 pessoas, entre lideranças indígenas, ribeirinhos,
pescadores, agricultores e comunidade local de Altamira
Por Cleymenne Cerqueira*
Repórter
A
quem realmente interessa a
construção da hidrelétrica de
Belo Monte? Como a população
local enfrentará as consequências dessa obra? Para refletir
sobre estas e outras questões que envolvem a hidrelétrica, cerca de 500 pessoas,
entre lideranças indígenas, ribeirinhos,
pescadores, agricultores e representantes de movimentos sociais de várias
regiões do Pará e de outros estados do
Brasil se reuniram entre os dias 9 e 12 de
agosto na cidade de Altamira (município
localizado no sudoeste do Pará, a 454
quilômetros da capital, Belém).
Nas primeiras horas do dia 9, a paisagem da cidade já dava sinais de mudança.
Na Orla do Cais do Porto, onde o grupo
ficou acampado, se via um emaranhado
de redes coloridas sob construções simples de madeira e lonas azuis. Na Praça
Dom Eurico, localizada entre o prédio
da Prelazia do Xingu e a Escola Maria de
Matias, também se viam redes estendidas
e boas rodas de conversas e cantos. À
noite, no auditório da Paróquia de São
Sebastião, o evento foi oficialmente iniciado com a recepção dos participantes
e manifestações culturais.
O acampamento contra a construção
de Belo Monte trouxe um forte debate
sobre os impactos dos grandes projetos
do governo federal para as populações
indígenas, ribeirinhas e rurais do Brasil.
Embora as discussões fossem focadas em
Belo Monte, vale destacar que o encontro
foi um momento para as populações
discutirem sobre as obras previstas pelo
Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) para todo o país, como as hidrelétricas, as estradas e a mineração.
Durante o evento, especialistas, pesquisadores e membros de movimentos
sociais e indigenistas que atuam na luta
contra a usina fizeram ponderações,
apresentaram dados e estudos. Os cerca
de 500 participantes do encontro também
Agosto–2010 12 tiveram voz. Eles dividiram com os demais
as experiências e dificuldades vividas ao
longo dos anos pelas inúmeras obras do
governo, como as hidrelétricas de Itaipu,
de Estreito e de Tucuruí, entre outras.
Alguns impactos
A hidrelétrica de Belo Monte, que
poderá custar até R$ 30 bilhões, inundará uma área superior a 500 km2 para
gerar pouco mais de 11 mil megawatts
de energia elétrica. A área inundada afetará diretamente nove povos indígenas,
além de comunidades ribeirinhas e agricultores familiares. O empreendimento
ainda secará parte do rio Xingu, de onde
muitas famílias retiram seu sustento; aumentará a temperatura das águas, o que
impossibilitará a sobrevivência de várias
espécies de peixes, e causará enorme
desmatamento e extinção de animais
e plantas raras, encontrados somente
nessa região.
De acordo com a pesquisadora da
Universidade Federal do Pará (UFPA),
Dra. Janice Muriel-Cunha, o povo precisa
decidir se o que quer é o desenvolvimento proposto pelo governo brasileiro,
aos moldes do modelo europeu, ou
um desenvolvimento limpo e justo. “O
modelo de desenvolvimento adotado
pela Europa destruiu cerca de 99,2% da
vegetação natural e dos recursos ambientais daquele continente. É o mesmo que
queremos?”, indagou Janice.
Para o pesquisador Rodolfo Salm,
também da UFPA, Belo Monte não passa
de uma aventura eleitoreira porque o
Brasil não precisa desse empreendimento para se desenvolver e ser feliz. “É uma
manobra da senhora Dilma Rousseff para
se promover e de outros ‘malandros’ do
sistema energético brasileiro”.
Janice acredita que Belo Monte é
apenas uma das lutas que o povo brasileiro terá que enfrentar. “Esse projeto
de barragem é apenas mais um que
nós cientistas, ribeirinhos, indígenas e
população urbana precisamos aprender
a combater. Como esses virão outros
tantos, todos inviáveis do ponto de vista
social, econômico, ambiental e cultural”.
Apoio popular reforça luta
contra Belo Monte
Representantes de diversos povos
indígenas do país prestaram apoio e
solidariedade às comunidades da região.
“Estamos aqui para somar com nossos
parentes. A luta não é somente contra
Belo Monte, mas contra todas as grandes
obras do governo federal que invadem
e destroem o meio ambiente”, afirmou
Sandro Kaiapó.
Josinei Arara, liderança da Volta Grande do Xingu, convocou os parentes para
a “guerra” contra Belo Monte. “Somos
guerreiros e estamos na luta para o que
der e vier. Estamos juntos. Se o governo
pensa que pode chegar fazendo o que
quer sem respeitar nossos direitos ele vai
descobrir que não é bem assim. Estamos
fortes, vivos até o último suspiro contra
essa usina e a favor do rio Xingu”.
Já o cacique Amiot, da aldeia Gorotire
(PA), disse claramente por que os povos
indígenas não querem a hidrelétrica.
“Não queremos Belo Monte porque essa
obra vai acabar com a riqueza das nossas
terras, vai acabar com as nossas formas
de bem viver, de nos relacionar com o
meio ambiente e com a nossa medicina
natural”.
Matudjo Kayapó, por sua vez, denunciou as tentativas do governo federal e
da Eletronorte de cooptar lideranças
indígenas com falsas promessas. “Eles
estão fazendo a cabeça dos nossos pa-
rentes e estes dizem que têm medo de
ficar sem saúde, educação, e por isso,
apoiam o empreendimento. Isso é tudo
mentira, temos esses direitos garantidos
em leis e não precisamos ceder a essas
chantagens”.
Sheila Juruna chamou os parentes à
luta contra o empreendimento. “Quero
deixar claro aqui que nós, os Juruna de
Paquiçamba, e os povos indígenas do rio
Xingu, estamos sim contra Belo Monte.
Não vamos nos vender para o colonizador, não vamos vender nossa vida a esses
grandes projetos”.
Felipe, morador da região paraense
de Gurupá, confirmou as falas de Sheila
quando disse que a luta não é somente
dos povos indígenas de Altamira, mas de
todos os povos do país. Para ele, somente a junção de forças e a mobilização da
opinião pública poderá frear o projeto
de Belo Monte.
Ele indaga aos participantes para
onde vai o povo do Xingu, caso a obra
seja construída e utiliza uma passagem
biblíca para confirmar sua fala de luta
e esperança. “Somos poucos sim para
essa luta, mas Deus disse: ‘o pouco
com Deus é muito e o muito sem Deus
é nada’, então tendo fé e lutando
vamos conseguir barrar essa obra e
todas as outras propostas mentirosas
do governo brasileiro, que só lembra
dos povos indígenas e nos procura de
quatro em quatro anos quando quer o
nosso voto”.
R
Padre Flávio Lazzarin, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Nacional,
chamando a todos de companheiro,
reforça a luta dos movimentos sociais
do país contra Belo Monte. “Reafirmamos nosso compromisso com a terra,
com o meio ambiente e trazemos nosso
apoio aos povos indígenas e suas lutas
contra essas grandes obras”. Ele ainda
afirmou que toda luta tem que trilhar
o caminho jurídico, mas também o da
marra, das mobilizações e das pressões
sociais. “Temos esperança que os dois
caminhos um dia andem juntos e sirvam
à vida das culturas, dos povos e não ao
grande capital”.
Outra representante da região de
Gurupá, a professora Silvana, disse
aos participantes que sua comunidade
também será atingida pela hidrelétrica,
e que, como os indígenas, precisam da
terra, do meio ambiente, inclusive como
meio de sobrevivência. Para ela, eles
partilham a mesma realidade e, por isso,
somam forças contra a obra. “Dizer não
a Belo Monte é dizer sim à vida”.
Lutarei até o último dia da
minha vida!
O cacique Raoni Metuktire, liderança
Kayapó de Mato Grosso, manifestou mais
uma vez seu apoio às lutas contra Belo
Monte. Em um ambiente cheio, com
diversas lideranças de outros povos e
representantes da comunidade local, ele
resgatou um pouco da luta dos povos
da região contra grandes projetos e
cobrou da mídia apoio para mobilizar o
movimento.
Para Raoni, essa briga não é só de um
povo, de uma nação, mas da sociedade
como um todo. “Nunca devemos desistir. Temos que erguer a cabeça porque
estamos brigando por um direito que
é nosso. Temos que mostrar ao povo
brasileiro que nossa luta é autêntica para
que respeitem nossos direitos, nossas
tradições”, afirmou.
Segundo ele, os povos indígenas não
devem aceitar as imposições do presidente da República, Luiz Inácio Lula da
Silva, ou de qualquer outro que venha a
governar o país. “Não temos que aceitar
imposições de ninguém. Eu sou contra
tudo que o governo está querendo colocar em nossas terras, BRs, barragens.
Eu sempre lutei pelo meu povo, ao lado
de vocês, e vou continuar lutando até o
último dia da minha vida”.
Raoni convocou os parentes para
reforçar a luta contra Belo Monte e os
demais grandes projetos. “Toda vez que
nos unimos reforçamos nosso movimento. Não devemos ter medo da polícia,
do fazendeiro, de ninguém que está
ameaçando nossa reserva, a natureza.
Natureza é vida, ela nos sustenta até
hoje, por isso, temos que defendê-la
como pai e mãe que nos dá vida”.
Ao final de sua fala, Raoni indagou:
“É isso mesmo que nós queremos,
parentes? Estamos juntos contra Belo
Monte?” Ao que foi respondido com
uma afirmação em coro pelos presentes,
seguido de aplausos.
Para onde vai o povo do
Xingu?
Essa é uma das principais indagações
que a população de Altamira faz e sobre
a qual continua sem respostas. “O que
será feito com as cerca de 30 mil pessoas
que serão atingidas pela obra? Para onde
irão, onde e como viverão?”, indagou
dom Erwin Kräutler, bispo da Prelazia
do Xingu e presidente do Conselho
Indigenista Missionário (Cimi).
Dom Erwin tem acompanhado as
lutas contra Belo Monte desde 1975,
período do regime ditatorial no país,
quando o governo apresentou a proposta
de construir seis barragens no rio Xingu
e uma no rio Iriri. De acordo com ele,
após pressão política e social, o povo
e os movimentos sociais conseguiram
barrar o projeto, que acreditavam estar
abandonado, esquecido.
No entanto, o governo Lula surpreende a população brasileira novamente
ao trazer à cena o mesmo projeto, que
antes era chamado de Kararaô. “Mudou
apenas o nome, mas a intenção continua
a mesma: acabar com o meio ambiente e
com os povos do Xing”, declarou.
Para o bispo, o governo mente quando diz que somente essa barragem será
construída na região. “Depois dessa
pronta ele sempre dirá que para gerar
a energia necessária para a população
do país terão que ser construídas mais
e mais hidrelétricas”.
Principais questionamentos
Além de se perguntarem diariamente
para onde irão os povos do Xingu e o que
acontecerá com o meio ambiente dessa
região, outras preocupações afligem os
moradores de Altamira. De que viverão
as famílias que tiram o sustento dos rios
e das matas? Como viverão sem água
aquelas comunidades cuja vazão do rio
vai diminuir?
“Esse povo, acostumado a viver do
trabalho de suas próprias mãos, da caça,
da pesca, da agricultura, como viverá em
casas com móveis bons, energia elétrica,
água encanada, eletrodomésticos, mas
sem sua principal fonte de sobrevivência? De que viverão? Como criarão seus
filhos e netos?”, indaga dom Erwin.
Até o momento, a população de
Altamira não sabe o real tamanho desse
reservatório. Todos os dias mudam-se as
dimensões da obra e o povo não é sequer
comunicado. Para Dom Erwin e diversos
especialistas que realizaram estudos
sobre a viabilidade do empreendimento,
o reservatório será como um lago podre,
morto, um viveiro de pragas e doenças
endêmicas, às margens do qual ficarão
inúmeras famílias, sujeitas à própria sorte.
“O mesmo governo que proibiu a
pesca e a comercialização de peixes
ornamentais na região liberou o projeto
de Belo Monte. Que contradição!”, contestou Dra. Janice.
O projeto, a exemplo de outros
grandes empreendimentos no país, trará
diversos trabalhadores e famílias atrás do
sonho de um eldorado, o que aumentará
em números absurdos a população de Altamira, que hoje gira em torno de 100 mil
pessoas. A região não tem condições de
recebê-los, o que gerará conflitos, violências e problemas de atendimento básico
em saúde e educação, entre outros.
Serão necessárias mais
Belo Monte
O histórico de lutas e resistências
em relação à construção da hidrelétrica
de Belo Monte demonstra o descaso
do governo federal para com os povos
indígenas. Falta de consulta prévia e
desrespeito a convenções internacionais
marcam as idas e vindas desse projeto
planejado para ser construído no rio
Xingu e que afetará milhares de famílias
da região de Altamira, no Pará.
Diversos estudos e pareceres de
especialistas já comprovaram a inviabilidade econômica, social e ambiental do
empreendimento, como também suas
consequências desastrosas para o meio
ambiente, a cultura e as tradições das
comunidades da região. No entanto, o
Estado desconsidera essas informações
e ignora as ações de diversos movimentos sociais contra o empreendimento.
“A grande crítica que se faz é que Belo
Monte não será única. Pelo contrário, o
governo continuará dizendo que mais e
mais barragens serão necessárias para
gerar energia para o país. Na verdade, o
objetivo é transformar o Xingu em uma
grande hidrovia, exterminando assim práticas de sobrevivência e geração de renda
para diversas famílias, como a pesca”, disse Guilherme de Carvalho, representante
da Federação de Orgãos para Assistência
Social e Educacional (Fase).
Para ele, é importante destacar que
a luta contra Belo Monte é a luta contra
um bloco (governo, parlamento, alguns
movimentos sociais, ONGs e lideranças)
que apregoa o projeto desenvolvimentista do governo.
“Diante da negativa do governo,
da grande mídia, de todo esse bloco,
o que nos resta é nos reunir, mobilizar
lideranças e exercer pressão social, que é
justamente o que está acontecendo aqui.
Não somos contra o desenvolvimento
do país, somos contra esse modelo de
desenvolvimento que coloca nas mãos de
poucos os muitos recursos naturais do
país, que atropela os direitos humanos”,
afirmou Carvalho. n
Discussões,
desabafos
e passeata
marcaram a
Mobilização
em Defesa do
Xingu: Contra
Belo Monte,
em Altamira,
PA.
Indígenas,
ribeirinhos,
pescadores e
trabalhadores
continuam
sua luta
contra a obra
gigantesca
* Colaborou J. Rosha
13 Agosto–2010
Relato Missionário
Resenha
Ética e regulamentação na
pesquisa antropológica
Leda Bosi
Ir. Nilvo Luiz Favretto
Cimi Regional Norte I
D
esde o dia 8 de março eu, Ir. Nilvo,
juntamente com o Ir. Eder estamos
vivendo entre os Marubo, povo de
língua Pano na terra indígena Vale do
Javari – Amazonas. Nossa principal missão é
colaborar com os professores na melhoria da
qualidade da educação escolar indígena. O que
temos visto e sentido é que uma educação de
não-índios é imposta, com uma única diferença
que era dada na língua indígena pelo menos
no período da alfabetização.
As lideranças perceberam que não daria
mais para viver isolado num mundo globalizado e que o caminho mais fácil para lidar com
o mundo não-indígena passaria pelo processo educacional, na aprendizagem da língua
portuguesa, da matemática. Mas não se deve
esquecer também a língua materna, os usos e
costumes tradicionais.
Diríamos: educação escolar indígena e
educação indígena. É perfeitamente possível e
enriquecedor que estes dois modelos estejam
entrelaçados. É por isso que estamos com esse
povo. Nossa principal atividade é acompanhar
os professores em seu exercício da docência
para que a cultura tradicional, os ensinamentos orais que foram passados de geração em
geração até o presente não se percam. Em sala
de aula, a presença dos sábios e sábias, anciãos da comunidade, se faz sentir nas histórias
contadas, nas falas sobre os contatos com os
brancos, repassando seus conhecimentos sobre as plantas medicinais, a arte de caçar e de
fazer artesanato e, para as mulheres, a arte de
se pintar, fazer os adornos (artesanato) para se
enfeitarem e participarem das festas do povo.
No dia 19 de abril, a comunidade em seu
calendário escolar, celebrou a festa do povo
Acima,
indígenas em
momento de
descontração
pelo Dia do
Índio.
Abaixo,
momento de
concentração
e estudo
com os
missionários
Fotos: Nilvo Luiz Favretto/Equipe Norte I
Primeiro semestre entre os Marubo
com muitas atividades recreativas, culturais e
esportivas durante o dia, mais especificamente
para as crianças e jovens. À noite, na grande maloca, aconteceram danças do povo. As crianças e
jovens, todos pintados e enfeitados com colares
se alegraram comunitariamente. Ao término da
festa, os mais velhos em roda, com todos os
presentes, iam cantando os cânticos tradicionais
e os mais jovens, mulheres, homens e crianças,
iam repetindo, reiterando com muita ênfase a
educação oral da cultura marubo.
Há muito por avançar. Infelizmente, da
parte do Estado e do município faltou empenho e envio de material para podermos
desempenhar, a contento, o trabalho educativo. Não havia pincéis para quadro branco, e
nem quadro negro. O jeito, para o brasileiro
criativo, foi inventar. Escrevemos em folhas de
papel ofício, cartolina ou papel pardo.
Na saúde, acompanhamos de perto o sofrimento do povo e o descaso da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). O povo ficou 32 dias sem
nenhum profissional. Não havia remédios, nem
os mais básicos como dipirona, agulhas para
seringas e antibióticos. Aconteceu um surto de
gripe muito forte e os casos de malária ainda
continuam elevados. Nós também acabamos
ficando doentes e o caso foi denunciado junto
ao Ministério Público Federal. No segundo
semestre continuamos aqui. n
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P
Agosto–2010
14
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R
livro é produto de um seminário realizado na UnB, em
novembro/2009, como atividade do Departamento de Antropologia da universidade, com alguns dos seguintes objetivos:
promover a discussão sobre ética, a partir das especificidades da antropologia; agregar ao debate as experiências concretas
de antropólogos que passaram por fóruns de regulamentação da
pesquisa (Comitês de Ética, Departamentos da Funai, do Ministério
Público etc.) para coletivizar dúvidas e ansiedades individuais de
cada pesquisador, de forma a configurar uma perspectiva analítica sobre o assunto;
conhecer melhor as
regulamentações éticas que orientam as
pesquisas no país, as
práticas e expectativas de instituições
que regulamentam
as pesquisas; suscitar
uma reflexão sobre
ética que não parta
das experiências de
regulamentação, mas
que entrecruze as
particularidades dos
desafios em pesquisa
antropológica com
as normativas éticas,
buscando um amadurecimento discipliSoraya Fleischer e Patrice Schuch (Orgs.)
nar na relação com
Brasília : Letras Livres : Editora UnB, 2010
as regulamentações
248 p.
éticas.
O texto se compõe de três partes e tem a participação de 19
pesquisadores e colaboradores. Na primeira parte apresenta um
“Panorama da discussão sobre ética em pesquisa na Antropologia”.
Na segunda, temos “Experiências concretas com a regulamentação
externa à pesquisa em Antropologia e Sociologia” e, na terceira, há
uma reflexão sobre “A Perspectiva dos órgãos regulamentadores”.
Conforme as palavras do Professor titular de Antropologia,
Gustavo Lins Ribeiro, o aprofundamento do debate sobre a ética
na pesquisa em ciências sociais é cada vez mais necessário, pois,
ao contrário do que se possa pensar, muitas vezes, seus impactos,
diretos ou indiretos, têm um grande alcance em política públicas e
em ideologias em geral. Visto as mudanças constantes nos campos
das questões sociais, políticas, culturais e econômicas, é preciso estar
constantemente retomando os termos do debate para aperfeiçoá-lo,
difundi-lo e contribuir para a incorporação prática dos seus resultados por parte dos pesquisadores e das instituições. n
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Um fórum originário
Egon Heck
Cimi Regional Mato Grosso do Sul
R
Eles estão aí com suas múltiplas
cores, línguas, artes, vestimentas, mostrando a bela diversidade do continente
americano, Abya Yala. Os povos indígenas originários deram um tom todo
especial ao Fórum Social das Américas.
E o fizeram não mais com o assento
na denúncia da dominação e massacre
secular do projeto colonizador, mas a
partir das propostas de vida emergidas
de sua sabedoria milenar, de suas raízes
profundas, de seus projetos de vida. Da
resistência, das sementes lançadas nas
brechas dos muros do sistema colonial,
capitalista, neoliberal, nasce uma nova
matriz civilizatória, o bem viver.
Num momento de profunda crise
planetária, política, econômica, social
e ambiental, a América Latina é o solo
fecundo, de onde emerge e se gesta
uma verdadeira revolução, uma nova
matriz civilizatória vai sendo construída.
Conforme diz Irene Leon, “Isto é patente
tanto nos enfoques de refundação sustentados em torno do Sumak Kawsay
(Bem Viver) Suma Qamaña (Viver Bem),
Ñandereko (Vida harmoniosa), como
aqueles que se fazem em torno ao Socialismo Comunitário e do Século 21”,
(Alai, julho 2010).
O Bem Viver como Boa
Notícia
Nesta verdadeira primavera latino-americana, no coração do continente
- o Paraguai - se ouviu o grito plural de
uma nova América. Uma Abya Yala não só
possível, necessária e urgente, mas em
construção, em caminho, aflorando das
raízes indígenas originárias, afrodescendentes e campesinas deste continente.
Recolhe, como as águas da resistência,
dos milhares de vidas ceifadas, dos heróis e mártires da justiça, dos ideários e
testemunhos revolucionários, que passam por Martí, Che Guevara, Sepé Tiaraju
e milhões de lutadores e guerreiros da
justiça, da igualdade e da vida solidária e
fraterna no continente latino-americano.
O Bem Viver é mais do que uma
inspiração, um novo paradigma de vida
e sociedade. É uma raiz milenar e plural
que torna as experiências históricas dos
povos deste continente, suas relações
com a Pacha Mama (mãe terra), suas diversidades, como base para desconstruir
o projeto colonial e
atual modelo neoliberal, e construir novos
projetos de sociedade,
no início deste século
XXI.
Nos vários espaços
desse IV Fórum Social
das Américas, pode-se
sentir o pulsar forte
do coração do continente em busca dos
novos caminhos que vão sendo feitos,
caminhando, debatendo, somando,
sonhando, partilhando e construindo.
A caminhada de abertura, por mais de
três horas pelas ruas de Assunción,
simbolizou a determinação e necessidade de avançar na construção de redes
dos movimentos sociais do continente,
que sustentem e impulsionem a árdua
luta contra o sistema que celeremente
destrói o planeta Terra e ameaça a
sobrevivência da vida dessa nossa casa
comum. O caminho poderá ser duro,
sofrido e longo, mas é urgente e convoca
todos os povos para se unirem em torno
desse grande mutirão da vida e nova
civilização.
Os processos de mudanças no continente latino-americano são molas
propulsoras da esperança. Não são
apenas sonhos, mas são propostas
sendo construídas em meio a inúmeras
contradições, avanços e recuos, mas com
Fotos: Egon Heck
Fórum Social das Américas
Ameríndia
a firme determinação de enfrentar toda
forma de imperialismo e dominação. E
sentimos nesse pulsar o néctar do Bem
Viver, como bem o define Rene Ramirez
“um conceito complexo, não linear, historicamente construído e em constante
ressignificação ... identifica como finalidades: a satisfação das necessidades,
a conquista de uma qualidade de vida
e morte digna, o amar e ser amado/a, o
florescimento da saúde para todos e todas, em paz e harmonia com a natureza,
e a prolongação indefinida de culturas,
... o tempo livre para a contemplação e
a emancipação, e que as liberdades e
oportunidades, capacidades e potencialidades se ampliem e floresçam.” (Alai,
julho 2010)
Um Fórum em Guarani
Os grandes anúncios do Fórum são
também feitos em Guarani, uma das
línguas oficiais do país anfitrião – ñane
Amerika tee oñemongu’ehína! – nossa
América está no caminho!
Porém, os povos Guarani presentes em cinco países deste continente
esperam que esse Fórum também seja
um momento importante para ser não
apenas conhecido seu idioma, sistema de
vida e rica cultura, mas principalmente
que haja um posicionamento quanto à
urgente devolução de seus territórios
tradicionais, condição indispensável para
continuarem vivendo enquanto povos
que contribuem para a construção dessa
nova América possível. Em vários momentos foram debatidas e apresentadas
estas realidades do povo Guarani. Houve
uma palestra e debate sobre o Bem Viver
do povo Guarani, apresentação e debate
sobre o mapa Guarani Retã, debate sobre
os impactos das grandes obras sobre
esses povos, especialmente a construção
de Itaipu, que inundou o território de 34
comunidades Guarani e até hoje não lhes
restituiu as terras.
Ainda assim, nesses dias, o povo
Guarani no Paraguai teve uma pequena,
mas significativa vitória. A comunidade
de Cerro Puytã, depois de ficar acampada com mais de cem pessoas numa das
praças centrais da capital, teve finalmente conquistado o título de parte de
sua terra. Os 2.350 hectares significam
uma possibilidade de sobrevivência com
mais dignidade para esta comunidade
Guarani. n
No Fórum,
pode-se sentir
o pulsar forte
do coração
do continente
em busca
dos novos
caminhos
que vão
sendo feitos,
caminhando,
debatendo,
somando,
sonhando,
partilhando e
construindo
Homenagem
Morre Suzana Laia, indígena mais velha do povo Cujubim
Maria Petronila Neto
Cimi Regional Rondônia
D
ona Suzana tinha mais de 80 anos e
nos últimos dois anos sofreu várias
crises de saúde, dentre elas um derrame em 2008 que a fragilizou completamente. Ela era a única falante da língua
de seu povo e partiu deixando para trás sua
irmã Francisca com mais de 70 anos e que
também fala um pouco a língua, porém com
dificuldade para lembrar as palavras. Suzana
tinha três filhas e um filho e vários netos e
bisnetos. Ela nasceu na maloca Cujubim no rio
Cautário, hoje atual reserva extrativista. Após o
contato e depois de ter se casado foi morar e
trabalhar com um seringalista na localidade de
Porto Acre, na margem direita do rio Guaporé
logo acima da boca do rio Cautário, próximo
ao Forte Príncipe da Beira, município de Costa
Marques. O sobrenome “Laia” vem da família
desse seringalista que registrou os dois, tanto
ela como seu marido dando os nomes em
português e o seu sobrenome “Laia”.
Com a desativação do seringal e após a
morte de seu marido, Pedro Laia Cujubim, ela
teve que sair do local e passou a morar em Costa
Marques com as filhas. Ora morava em Costa
Marques, ora em Guajará-Mirim, tendo que
enfrentar ainda mais uma série de dificuldades.
E somente no ano de 2002, com apoio do Cimi,
o povo Cujubim conseguiu realizar a sua primeira assembleia, onde demonstraram a grande
vontade de voltar para a sua terra tradicional.
Dona Suzana faleceu nos dias em que seu
povo estava se articulando para sua VII Assembleia que se realizou nos dias 26 e 27 de julho
último. Para os missionários do Cimi é muito
triste ver pessoas lutadoras e esperançosas
partirem sem ter a alegria de pisarem novamente em seu chão sagrado. E se perguntam:
até quando Meu Deus? n
15 Agosto–2010
Os Borun do Mucuri: entre a espingarda e a cruz
Benedito Prezia
Historiador
C
omo em outras regiões do Brasil, os
Borun tiveram sua história marcada
com sangue e lágrimas. Estes indígenas,
conhecidos no Brasil como Botocudos,
eram os mesmos guerreiros Aimoré, que
nos séculos 16 e 17 tanto amedrontaram os portugueses do sul na Bahia.
Por terem uma vida de perambulação, sem
aldeias estruturadas, seu território era extenso,
indo do sul da Bahia à calha sul do rio Doce, o
que impedia a ligação entre o Rio de Janeiro e
Salvador. Isto levou Dom João VI, ao chegar ao
Brasil em 1808, a declarar a famosa Guerra aos
Botocudos, criando batalhões repressivos que
levaram ao extermínio de muitos grupos.
Para maior eficiência, alguns destes batalhões contrataram indígenas que se tornavam
tão sanguinários ou piores que seus chefes.
Em muitas ações repressivas, esses soldados
traziam as orelhas das vítimas como prova da
ação encomendada. As crianças, os kruk ou kuruka, passaram a ser mercadoria cobiçada, pois
valiam cem mil réis ou uma espingarda. Isto
foi causa de muitos ataques indígenas, como
ocorreu com o cacique Jiropok que desfechou
uma violenta ação contra a fazenda de
José Viola, em 1845, tentando resgatar
dois de seus filhos.
Além da morte por armas de fogo,
esses batalhões não hesitavam em entregar roupa contaminada com sarampo
que se tornava arma mortal.
APOIADORES
Agosto–2010
16
Sem alcançar a colonização da região, o governo imperial mudou de estratégia. Decidiu trazer
imigrantes europeus e implementar, a partir de
1852, a Companhia de Comércio e Navegação do Rio
Mucuri, que foi dada em concessão ao mineiro
Teófilo Otoni. O projeto de navegação não surtiu
o efeito esperado, mas levou ao surgimento de
alguns núcleos populacionais, como Filadélfia,
hoje Teófilo Otoni, em pleno território dos Borun.
Vários sub-grupos, como os Krakatã, Mokurin,
Nhanhã, Katolé, Poton, Poté, Nakrehé e Pojichá
sentiram-se atingidos. Mas Teófilo Otoni, com sua
habilidade, conseguiu a confiança de alguns líderes, como o capitão Timóteo, da nação Nak-Nanuk,
e que se tornou seu grande aliado. Por isso existe
hoje a cidade de Nanuque, em sua homenagem.
Outros se mostraram resistentes, como os
caciques Inhome, Jukirana, Imá e Ninkate. Este
chegou a dizer ao Capitão branco que “os portugueses deviam se contentar com as terras que já
tinham tomado”, sem invadir mais.
Para este novo empreendimento foram levados operários alemães, belgas, suíços, portugueses e chineses, auxiliados por escravos negros,
que trabalhavam não apenas no transporte fluvial,
como também na abertura de estradas.
Incomodados com aquela invasão, os
Borun passaram a atacar as moradias
que surgiam à beira dos novos caminhos, como ocorreu, em 1853,
quando uma família foi morta
pelos Pojichá, em Jucupemba. Outros confrontos,
desfechados pelo grupo do cacique Imá,
atingiram novas famílias da região. O medo foi
tanto, que as pessoas que precisavam viajar,
não o faziam de dia, preferindo a noite, quando esses guerreiros se recolhiam. A cada ação
indígena, havia sempre uma reação violenta dos
brasileiros.
Isto levou ao fracasso da Companhia, com a
saída em massa de estrangeiros que se recusavam
a permanecer na região. A implantação de postos
militares também não foi suficiente para conter
os grupos rebelados.
Por isso o governo imperial, no final de 1869,
pediu aos frades capuchinhos para fundar uma
missão, semelhante àquela implantada às margens do rio Doce, entre os Aranã. Em fevereiro
de 1873 surgiu a missão em Itambacuri, a 30
quilômetros de Teófilo Otoni.
Os indígenas se dividiram: uma parte apoiou
os padres, como Pahók, que levou para lá os
sub-grupos Krakatã e Nhanhã. Outra parte se recusou, como os Jerunhim, Nherinhim, Hen, Jakjat,
Rimré, Kremun, Pojichá, Pmakgiraun, Ponchon,
Pmak e Nakre-Hé. Com o tempo se aproximaram,
mas não se instalaram na missão, pois sabiam que
era seu fim, como se verá mais tarde. n

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