pdf - Direitos Culturais

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DIREITOS AUTORAIS E MÚSICAS VINDAS DE CONHECIMENTOS
TRADICIONAIS1
“DROIT D’AUTEUR” AND MUSICS FROM TRADITIONAL
KNOWLEDGE.
Célio Augusto Souza Pereira2
Paloma Elaine Santos Goulart3
Resumo: Este trabalho estuda a aplicação de normas de Direitos de Autor a músicas advindas
do que a legislação brasileira chama de conhecimentos tradicionais. Para a realização do
trabalho foi feita uma análise a partir do estudo de caso da sucessão dos Direitos de Autor nas
músicas de um compositor mineiro chamado Antônio Gregório Pereira. Neste foram
identificados dificuldades quanto à aplicação de normas, devido à lacunas/conflitos, o que foi
solucionado através de regras que orientam a interpretação de leis. O estudo prévio de noções
do Choro e de conhecimentos tradicionais, sob a óptica musicológica e sociológica foi
imprescindível ao estudo de caso. O foco desta pesquisa revela a preocupação em se aplicar
os Direitos de Autor às produções intelectuais existentes nas diversas comunidades brasileiras
existentes, comunidades estas em que vivem guardiões de conhecimentos tradicionais. E, para
isso, partiu do pressuposto de que a Família Guiga é uma dessas comunidades. A importância
do tema se justifica no fato de que direitos autorais musicais de vários mestres, comunidades e
grupos populares tradicionais são negligenciados no Estado brasileiro, ao enquadrar as
produções musicais daqueles em obras de "domínio público" ou pertencentes ao "patrimônio
nacional", sem análise criteriosa, do ponto de vista jurídico e até mesmo ético.
Palavras-chave: Direitos. Autor. Músicas. Conhecimentos Tradicionais.
Abstract: This paper studies the application of rules of the “droit d’auteur” music coming
from the Brazilian legislation that calls for traditional knowledge. To conduct the study was
an analysis from the case study of the succession of “droit d’auteur” in the music of a
composer named Antônio Gregório Pereira. These were identified difficulties in the
implementation of standards, because of gaps/conflicts, which was resolved through rules that
guide the interpretation of laws. The preliminary study of notions Choro and Tradictional
knowledge, under the musicology and sociological perspective was essential to the case study.
The focus of this research reveals the concern in applying the “droit d’auteur” protection for
existing in these communities living custodians in several Brazilian communities existing in
these communities living custodians of traditional knowledge. And for that, assumed that the
Outrigger is a family of these communities. The importance of the subject is justified in the
fact that music from various traditional communities are neglected in the Brazilian state, when
framing the musical productions of those works in the “public domain” or owned by the
“national heritage” without careful analysis of the legal point of view and even unethical.
Keywords: “Droit d’auteur”. Music. Traditional Knowledge.
Introdução
1
Este artigo, inédito, contém algumas transcrições literais de trechos dos estudos dos autores mencionados
nas Referências ao fim.
2
Bacharel em música com habilitação em violão pela UEMG, especializando em Democracia Participativa,
República e Movimentos Sociais pela FAFICH/UFMG, ex-conselheiro no Conselho Nacional de Política Cultural
(Colegiado Setorial de Culturas Populares), integrante do grupo musical tradicional Família Guiga.
3
Advogada, bacharela em Direito pela PUC Minas, especialista em Direito Privado pela UCAM/RJ, mestre e
doutoranda em Sociologia pela UFMG.
Há milênios, a prática do fazer musical popular tem envolvido processos coletivos e
difusos de criação e reelaboração de músicas: transmissão via oralidade com assimilação
consciente e inconsciente de sons, imagens, gestos, sentidos e anima. No Brasil, entre os
séculos XVII e XIX, esse fazer musical foi praticado, dentre outros, pelos “choromeleiros”,
músicos populares que, ao exercer a função da música em festas, bailes etc, adaptavam e
reelaboravam obras do acervo sonoro presentes na memória coletiva e difusa da época.
Com o advento da indústria fonográfica brasileira no século XX, músicas do acervo
popular coletivo em voga começam a ser gravadas em discos, inclusive por alguns daqueles
que, posteriormente, herdaram a tradição da prática musical popular no Brasil: os músicos
Chorões. Na então capital do país, Rio de Janeiro, os músicos passam a se preocupar e se
ocupar da formalização de registros autorais de músicas.
Embora a prática corrente fosse de tocar e recriar músicas de forma coletiva e difusa, os
registros passam a ser feitos visando a benefícios de ordens moral e econômica, previstos em
lei, aos que se intitulassem como autores.
Este artigo aborda o tratamento jurídico dos direitos autorais das músicas que vem
sendo produzidas e mantidas, há mais de cem anos, por músicos populares de uma família
originária do interior do estado de Minas Gerais: a Família Guiga. Para isso, o estudo
perpassa por aspectos musicológicos e sociológicos desta tradição musical, suas conexões
com a formação estilo e do gênero “Choro Brasileiro”, para desembocar na construção de um
possível tratamento jurídico dos direitos autorais neste caso, cujas reflexões são extensíveis a
outras obras vindas de conhecimentos tradicionais no país.
A tradição musical da família Guiga
As linhas desta seção contam a origem da tradição musical da Família Guiga e o seu
percurso até chegar aos dias de hoje, a partir das memórias de membros da Família Guiga e de
várias pessoas que conviveram ou convivem com estes, os quais foram entrevistados no
contexto do Memorial Família Guiga4. Junto a estas perspectivas, somam-se descrições sobre
a tradição feita pelos autores deste artigo.
Antônio Gregório Pereira (1886-1961) ou sô5 Guiga, é o mito de origem dos
conhecimentos e expressões tradicionais mantidos pela Família Guiga. Natural da cidade de
São João Nepomuceno – Zona da Mata de Minas Gerais, Guiga” era órfão e foi criado com a
madrinha, quem lhe deu o apelido. “Ele contava que tinha mais dois irmãos. Um irmão dele
que tinha fugido pro bando do Lampião” (Pereira apud Pereira, 2009, p.34-35).
A madrinha de Guiga pagou ao afilhado a educação de um “mestre-escola”6, que lhe
ensinou a ler, escrever e fazer contas. Com os conhecimentos apreendidos, desde a infância
começou a trabalhar em uma venda, por onde passavam muitas pessoas. Em um dia de
4
Projeto que visou pesquisar, produzir artefatos culturais (Cd’s, filmes, livros) e difundir as músicas e memórias
da tradição musical Família Guiga. Um projeto desenvolvido há mais de 12 anos e coordenado por Célio Guiga,
pseudônimo de Célio Augusto Souza Pereira, co-autor deste artigo e neto do precursor da tradição musical da
Família Guiga.
5
Variação da palavra “Senhor”, pronunciada por pessoas em Minas Gerais, especialmente no interior e em
ambientes informais.
6
Mais tarde, Guiga também se torna um “mestre-escola”, desempenhando o ofício em várias fazendas, em que
ensinava a leitura, escrita e cálculo para filhos de fazendeiros e dos trabalhadores, além de técnicas de
artesanato tradicional (especialmente o plantio, coleta e manuseio de taquaras, além de gameleira – plantas
comuns às regiões em que Guiga morou), para fazer utensilhos, forros de casas, esteiras de carros de boi etc
(PEREIRA, 2009. p.48). Guiga detinha conhecimentos que nem mesmo muitos dos homens mais ricos da Zona
da Mata tinham. Era recorrente que fosse chamado até mesmo para fazer leituras abastados fazendeiros locais,
que não eram alfabetizados.
trabalho comum, chega um caixeiro viajante na venda, oferecendo a compra de uma viola ao,
ainda menino, Guiga, que não tinha dinheiro para comprá-la. O viajante decide dar-lhe o
instrumento, deixando-o afinado, e, depois, conta-se, seguiu viagem. No mesmo dia, o
menino pegou a viola e começou a afinar e desafinar, corda por corda. Fez isso por muito
tempo, até gravar o ponto de cada uma delas. Em seguida compôs uma valsa sem nomeá-la,
música que foi batizada pelos descendentes do mestre, anos mais tarde, com o título “De
presente a viola”. Contam os membros da família que Guiga nunca havia tocado o
instrumento antes.
Adulto, se torna músico7, poeta, declamador e cantor muito conhecido em várias cidades
da Zona da Mata de Minas Gerais. Era também bastante requisitado, por pessoas de todas as
classes sociais, para tocar em eventos familiares, festivos, religiosos e políticos.
À época de sua maior fama, início do século XX, a forma de produção da música
popular era diferente da que se tem hoje. A autoria das músicas nem sempre era precisa. O
mesmo mote gerava músicas diferentes, as músicas davam origem a outros motes, eram
emendadas umas nas outras, passando por variações, reelaborações e recriações. Na medida
em que a indústria fonográfica se expandia na Capital carioca e, com a entrada em vigor do
Código Civil de 1917 (que deixou duvidosa a determinação quanto à obrigatoriedade do
registro de músicas no país, como requisito para obtenção de benefícios decorrentes de
direitos autorais)8, inicia-se uma corrida dos músicos para o registro de obras, gerando muitas
polêmicas quanto à autoria destas, uma vez que eram feitas e executadas em “rodas”
(encontros), de tal forma que cada músico incrementava uma parte da obra9. Contudo,
Antônio Gregório Pereira não detinha a técnica de escrita das músicas em partituras e não as
registrou formalmente10, mas provavelmente não foi o não domínio da escrita de partituras
que inviabilizou o registro (que exigia a apresentação da partitura correspondente). Guiga não
chegou a fazer parte dos grandes círculos musicais que se estruturavam no Rio de Janeiro
(local em que era feito o registro), embora tenha ido à cidade se apresentar na casa de Otávio
Bernardes, sobrinho do ex-presidente Arthur Bernardes e tenha chegado a ser presenteado por
este com uma viola 12 cordas, especialmente encomendada pela Tranquilo Gianini11.
7
Música recebida em sonho, outras feitas inusitadamente - a caminho de algum encontro ou Baile, ou quando
Guiga estava acometido por doenças - outras para presentear ou feitas para homenagear: essas eram algumas
ocasiões em que Guiga compunha e também adaptava músicas do meio popular.
8
Quando a Convenção de Berna, tratado internacional ratificado pelo Brasil em 1975, já havia estabelecido a
não obrigatoriedade de registros para gozo de Direitos Autorais desde o ano de 1886.
9
A música “Pelo Telefone”, tido por primeiro samba brasileiro e registrada por Donga, é bastante mencionada
na literatura como exemplo de obra cuja autoria foi reivindicada por muitos outros compositores, após seu
registro. Fonte:http://cifrantiga3.blogspot.com/2006/02/pelo-telefone-o-primeiro-samba.html. Acesso em
26.10.2011
10
Na atualidade, as composições da família são feitas a partir de uma demarcação maior de autoria, diferente mente das músicas executadas em família, à época de Guiga.
11
Apesar de tocar violão, cavaquinho e até cítara, a viola sempre é mencionada como a marca de Guiga pelos
que o conheceram. Em todos os regionais (grupo formado por músicos) com que tocou, era a viola o
instrumento solista, diferente de hoje em que mais de um da família a executa. Conta-se que, mesmo ao
executar a viola sem ser acompanhado por outros instrumentistas, o som que Guiga tirava do instrumento
impressionava a todos que o assistiam, pois o músico tocava de forma a fazer o solo e o acompanhamento ao
mesmo tempo. Os filhos de Guiga contam que o pai cantava a noite inteira sem ficar rouco e que
pesquisadores da Universidade do Rio de Janeiro chegaram a visitar Guiga em Minas Gerais, para verificar a
veracidade dos relatos de inúmeras pessoas sobre a potencialidade de sua voz.
Excetuando a ida ao Rio de Janeiro citada, e outra ida, no ano de 1957, para São Paulo,
a fim de gravar de um disco de 78 RPM, patrocinado pelo enteado de Guiga José Rodrigues,
que lá morava, o território da música de Guiga era Minas Gerais12.
À época de Guiga, ele e os músicos que o acompanhavam tocavam em eventos que
ocorriam relações comunitárias entre vizinhos, familiares e conhecidos. Nos últimos 5 anos,
os músicos que mantém a tradição tem tocado também em eventos empresariais, seminários,
congressos, festas particulares, graças à divulgação do projeto Memorial Família Guiga feita
por Célio Guiga para vários grupos, pessoas e instituições. O habito de tocar nas regiões
originárias por onde passou Guiga se modifica: cada vez mais, pessoas fora da tradição
familiar, em locais que nada tem haver com os locais de origem da tradição, tem se
identificado mais com a “função” do Baile, posto que informa valores de um tempo de um
país mais rural que urbano: uma memória longa que está presente não apenas na vida de quem
viveu fisicamente em ambientes rurais, mas também na vida de jovens que se identificam, nos
dias de hoje, com identidades que informam gerações passadas às suas.
Quem mantém a tradição musical (ofício musical) na Família hoje são dois filhos vivos,
além de dois netos. Além disso, estão sendo iniciados no ofício musical as crianças, bisnetos
de Guiga. A maior parte da família reside na zona rural de Teixeiras/MG. De todos eles,
apenas os filhos vivos restam das pessoas da família, que foram educados na prática musical
diretamente por Guiga. Os filhos relatam que, sempre no final do dia, havia um tempo
dedicado do pai aos seus filhos para o ensino da linguagem popular da música que ele havia
aprendido de “ouvido” na prática da “função”. Eram momentos em que também transmitia
aos filhos as músicas que compunha, embora, como não eram escritas, muitas delas tenham se
esvaído com o esquecimento, de comum ocorrência nas transmissões de conhecimentos via
oralidade.
Os estágios de aprendizado da “escola musical” de Guiga, todos orais, começavam na
infância. Primeiro os discípulos tinham apreender a cantar e afinar os instrumentos do
conjunto regional. Era esta uma primeira fase, o “nível básico da “musicalização” a qual todos
os filhos e filhas de Guiga foram iniciados. A segunda etapa era o início da prática
instrumental em que a pessoa assumia a função de músico acompanhante ou músico de
“centro”: as crianças menores começavam tocando cavaquinho e as maiores já tocando violão
ou cítara (harpa de mão). Após ter passado por esses estágios iniciais, era possível prosseguir
até o nível mais alto, função de solo. O solo poderia ser executado pelo bandolim e,
finalmente, pela viola, o último instrumento do aprendizado musical transmitido por Guiga.
Posteriormente, as novas gerações foram acrescentando a essa “escola” musical popular
outros instrumentos como: o Acordeão, e as Sanfonas de Botão, o Violão de 7 cordas, o
Violino, o Pandeiro e as Caixas de Folia etc.
A transmissão oral dos conhecimentos, ao longo de, até agora, quatro gerações
consangüíneas de descendentes (fora transmissão da música para pessoas das regiões rurais
pela qual viveu Guiga, exercendo sua função de mestre professor) é perpassada
12
Municípios das microrregiões de Ponte Nova (municípios: Guaraciaba, Ponte Nova, Raul Soares, Rio Casta,
Santa Cruz do Escalvado, Urucania, Sem Peixe), de Viçosa (municípios: Amparo do Serra, Araponga, Canaã,
Ervália, Paula Cândido, Ervália, Pedra do Anta, São Miguel do Anta, Teixeiras e Viçosa), de Muriaé (municípios:
Carangola, Miraí, Muriaé), de Ubá (municípios: Astolfo Dutra, Guarani, Piraúba, Rio Pomba, Ubá, Visconde do
Rio Branco), de Juiz de Fora (municípios: Coronel Pacheco, Descoberto, Juiz de Fora, Santa Rita do Jacutinga,
Santana do Desterro, São João Nepomuceno) e Cataguases (municípios: Dona Eusébia, Além Paraíba,
Cataguases, Leopoldina), e respectivas zonas rurais: todos localizados na mesorregião Zona da Mata de Minas
Gerais.
constantemente pela interferência e mutação das músicas pelos novos integrantes da família
nos processos comuns de recriação típico das obras de comunidades tradicionais populares: há
a tradição de serem as músicas executadas por vários membros da família, sendo este um
elemento identitário e de coesão social peculiares. A produção e transmissão musical
frequentemente é atrelada ao ensinamento de conhecimentos diversos, ligados à arte, à vida
no campo e à religiosidade, dentre outros.
Chromeleiros, tradição do choro no País e confluências com a família Guiga
Investigando o surgimento da palavra Choro no Brasil13 associada à música, Raulino
[s.d.] compreende esta teve uma de suas origens mais remotas na prática musical dos
tocadores de um instrumento musical de sopro que foi trazido para Brasil pelos portugueses
chamado charamella ou choromella. Nome este que passou a significar também grupos
musicais – espalhados por todo país desde o século XVII - encarregados de executar a
“função” da música em bailes e festas populares religiosas. (DINIZ apud Raulino, [s.d.];
KIEFER apud Raulino, [s.d.]; DUPRAT apud Raulino, [s.d.]; SALES apud Raulino, [s.d.]).
Estes grupos musicais populares eram compostos, em sua maioria, por músicos negros e
mulatos, sendo eles escravos ou não e, além dos tocadores de choramellas, estes grupos
podiam conter tocadores de outros instrumentos de sopro e ou de instrumentos rítmicos como
tambores, caxixis, campanhas, recos recos, kalimbas, violas etc. Os choromeleiros viviam a
experiência de compartilhamento e trocas em sua prática musical: o fazer musical e a
transmissão de músicas era livre, coletiva, difusa, não havia uma preocupação com autorias
precisas, como o é na atualidade.
Na segunda metade do século XIX, o Brasil é marcado por um período histórico em que
houve a disseminação dos gêneros musicais populares de dança advindos dos salões europeus
- valsa, polca, mazurca, marcha, schottish. Estes estrangeirismos passam a ser tocados “à
brasileira”: músicos brasileiros passam a mesclar ritmos, formas, melodias e harmonias de
experiências da música feita no Brasil a estes gêneros europeus.
Na medida em que a constituição das novas camadas urbanas, sobretudo os seus
estratos mais populares, não obedecia a um padrão étnico unicamente de origem
européia (com a grande descendência de grupos negros e indígenas), novas formas
musicais foram desenvolvidas, muitas vezes criadas a partir da tradição de povos
não-europeus. [NAPOLITANO, 2002, p.17]
Dito de outra maneira, estes gêneros musicais foram assimilados pelos músicos
brasileiros e pelas massas populares, de modo a adaptá-los a gestualidade corporal da
ancestralidade mestiça do povo, forjada principalmente nos “bailes”, em que pessoas se
encontravam para tocar e dançar. É neste contexto que ocorre a consolidação do estilo chorão:
A compreensão de como atuavam os músicos chamados a animais tais festas e vales
populares, e a identificação social dos integrantes desses grupos de choro, seria
proporcionada pelo aparecimento, em 1936, do livro de memórias de um desses
“chorões antigos”, o já então veterano tocador de violão e carteiro aposentado
Alexandre Gonçalves Pinto, o Animal. (...) Nesse livro intitulado O Choro –
Reminiscências dos Chorões Antigos, “lembrando os fatos de 1870 para cá, ou seja
cobrindo um período de mais de sessenta anos (considerando que escrevia em 1935),
o simplório carteiro faz desabrochar velhas lembranças em que recorda os “chorões
ao luar, os bailes das casas de família, aquelas festas simples onde imperava a
sinceridade, a alegria espontânea, a hospitalidade, a comunhão de idéias e a
uniformidade da vida”. (TINHORÃO, 1998, p.196).
13
Luiz Câmara Cascudo apud RAULINO [s.d.], Ary Vasconcelos apud RAULINO [s.d.], Mário de Andrade apud
RAULINO [s.d.], Lúcio Rangel apud RAULINO [s.d.].
Com o amadurecimento deste processo, surgem os primeiros gêneros musicais
populares brasileiros do século XX: o Maxixe, o Samba e o próprio Choro - o conhecido
gênero carioca, já como um gênero musical próprio.
É certo que, como a indústria fonográfica se desenvolvia na então Capital carioca, é
comum que narrativas sobre o nascimento deste estilo situem elementos históricos centrados
no Rio de Janeiro e nas obras musicais florescidas lá. Afinal, era o Rio o principal ponto de
escoamento das produções musicais que passam a servir a essa indústria emergente. Mas não
se pode olvidar que este era um processo que ocorria no Brasil e em outros pontos, ainda que
afastados da Capital. Por isso, quando se diz que o estilo choro posteriormente dá origem ao
gênero Choro, referimo-nos uma forma específica de compor e tocar músicas no Rio do
Janeiro do século XX, cujos músicos se valeram do nome “choro” para auto designarem o
que, e como, produziam. Contudo, não se quer olvidar que, embora tenham incorporado este
nome, não se pode excluir que um repertório mais amplo e difuso no país de valsas, polcas,
mazurcas, marchas, schottishs continuaram (até os dias de hoje) a ser reconhecidas como
músicas “do Choro”.
Pensando nesta relação e a transpondo para o caso da Família Guiga, é que afirmamos
que música de Antônio Gregório Pereira - precursor da tradição - e a música de seus
sucessores, adquiriram contornos próprios do estilo Chorão, o mesmo estilo forjado no século
XIX ao qual nos referimos anteriormente. Ocorre que, por ser a música da Família Guiga
produzida em outro estado, Minas Gerais, ela desenvolveu um sotaque próprio, ou seja é um
estilo dentro do estilo do Choro. As características das músicas da Família Guiga que as torna
representante de estilo choro são: 1) O caráter instrumental das obras dos compositores da
Família Guiga, comum ao estilo chorão do séc XIX e XX (ocorrência de gêneros musicais
voltados a função da dança): os gêneros executados são comuns aos grupos de chorões do
século XIX e XX; 2) Melodias das músicas da Família Guiga em padrões harmônicos que
permitem a improvisação do músico solista junto a execução das baixarias do violão (padrões
melódicos executados no registro grave do instrumento que são usados no acompanhamento
da melodia principal): padrões observados na performance de grupos de choro brasileiros do
final do século XIX e início do século XX; 3) Estrutura formal das músicas nas formas binária
e ternária, com execução em estilo rondó.
Já as características peculiares do estilo da Família Guiga, “estilo dentro do estilo”
choro, são: 1) Quanto à instrumentação, presença da viola de doze cordas como instrumento
solista à frente do conjunto Regional; 2) Quanto à afinação da viola de doze cordas: afinada
em “Rio Abaixo”, cuja tonalidade é de Sol maior, tendo as seguintes disposições para as
cordas: a) Disposição das notas na viola de 6 cordas (dobradas) → 6ª RE, 5ª SOL, 4ª RE, 3ª
SOL, 2ª SI, 1ª RE (Afinação usada por “sô” Guiga) e b) Disposição das notas na viola de 6
cordas (dobradas) → 6ª SOL, 5ª SI, 4ª RE, 3ª SOL, 2ª SI, 1 ª RE (Afinação usada pelo filho
de Guiga, Xisto); 3) Uso recorrente da base rítmica batizada como “taraco pú detrás”, pelo
mestre calangueiro Zé Panderado, morador do distrito de Varador, Teixeiras/MG. Este ritmo é
o mesmo encontrado nas manifestações tradicionais populares locais da Folia de Reis, da
Folia de São Sebastião e do Calango existentes em Teixeiras e micro-regiões de Viçosa. O
citado ritmo popular dos calangos é dançado nos bailes da Família Guiga sob o
acompanhamento de pandeiro, sanfona oito baixos, violão, viola e cavaquinho, junto a
desafios cantados e também aparece na maior parte das músicas instrumentais compostas
pelos chorões da Família Guiga (polcas, ranqueados, maxixes, sambas e marchas), bem como
nas músicas adaptadas pelo músicos dessa família. Um estilo entendido aqui como sotaque
peculiar do Choro Mineiro produzido pela Família Guiga. Interessa notar, quanto a este
último aspecto, a presença desse ritmo, ou “toque”, no acompanhamento de cantos
tradicionais das Irmandades de Nossa Senhora do Rosário, em seus reinados de Moçambique,
vejamos a transcrição da caixa de folia – ritmo de Moçambique:
Desenho 1: BASE DE ACOMPANHAMENTO RÍTMICO NO MOÇAMBIQUE
*Legenda: D = Baqueta direita
E = Baqueta esquerda
Um detalhe importante é que Minas Gerais é o estado com a maior concentração de
guardas da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do país. Suas guardas de Congo,
Moçambique, Caboclinhos são compostas por tocadores de caixa de folia, pandeiro,
campanhas e pantagomes. Também há a presença de violeiros e sanfoneiros nestas guardas,
não deixando dúvidas quanto à influência dessa instrumentação no sotaque que também se faz
presente no estilo de choro desenvolvido pela Família Guiga. Por isso e, pelas outras
características citadas anteriormente, é que se fez a defesa de uma dispersão do estilo Choro
pelo Brasil e, em especial, do desenho de um estilo de choro mineiro na Família Guiga.
Direitos autorais musicais
Fatos históricos levam a crer que o fortalecimento paulatino de uma classe burguesa
brasileira, muitos anos após o aparecimento dessa classe na Europa14, influenciou o
aparecimento das primeiras reivindicações de Direitos de Autor no Brasil. Após a
independência do Brasil (ano de 1822), autores de livros ficam sujeitos ao regime de
concessões de privilégios (ou monopólios), que permitiam a exploração patrimonial de suas
obras. Analogamente ao que aconteceu na Europa, pois, antes do surgimento de leis gerais
(voltadas a todos autores), as concessões eram deferidas com base em critérios políticos e
arbitrários.
A primeira lei que previu Direitos de Autor no Brasil aparece em 1898. Tratava-se da
Lei nº496, que criou os cursos jurídicos no país. Havia um dispositivo que conferia aos
“lentes” um privilégio, de 10 anos, sobre todas as obras textuais que viessem a publicar”
(BRASIL, 1898). Os lentes eram professores dos cursos jurídicos e os Direitos de Autor
naquela lei tinham o reconhecimento de um direito típico de propriedade. Eduardo Pimenta
(2004) salienta que o enquadramento da natureza jurídica dos Direitos de Autor dentro dos
Direitos Reais, acompanhava princípios constitucionais vigentes à época.
A ampliação do exercício dos Direitos de Autor a todos os criadores de obras veio com
a Constituição da República de 1891, sendo que, para PIMENTA (2004), o registro das obras
constituía-se como obrigatório. Na seqüência, a Lei 3.071 de 1916, ou Código Civil de 1916,
passa a regularizar pormenorizadamente Direitos de Autor, em seus artigos 649 a 673 (sob o
Título dedicado à Propriedade) e artigos 1.346 a 1.362 (sob Título concernente às espécies de
contratos). O caráter de propriedade dos Direitos de Autor ficou mantido no Código Civil de
1916, até que preceitos da Constituição de 1937 propiciaram a concepção personalíssima
daqueles, reconhecendo nos mesmos sua “iniciativa individual” (PIMENTA, Eduardo, 2004).
Bruno Jorge Hammes, citado por Eduardo Salles Pimenta (2004), afirma, quanto à
obrigatoriedade do registro de obras intelectuais para fins de proteção dos Direitos Autorais,
que o Código de 1916 não estabeleceu exclusão, nem manutenção desta exigência. Segundo
Pimenta (2004), o elaborador do Código Civil de 1916, Clóvis Beviláqua, sabia que muitos
países já não adotavam a aludida obrigatoriedade, por força da Convenção de Berna (1886),
então acabou inserindo dispositivo inclinado a não obrigatoriedade do registro. Contudo, com
14
Claro que de forma peculiar, haja vista que a formação histórica brasileira e também da classe burguesa é
bem diferente dos correspondentes fatos nos países europeus. Porém, não é possível detalhar tais
peculiaridades pelo limite técnico do presente trabalho.
as diversas revisões parlamentares da redação originária do Projeto do Código Civil, este
acabou ganhando texto final confuso, o qual dava margem tanto para a interpretação de que o
registro continuava obrigatório, quanto o contrário (HAMMES apud PIMENTA, 2004)15.
As disposições do Código Civil de 1916 são revogadas anos depois com a Lei 5.988 de
1973 e “Dentre todos os assuntos disciplinados no Código Civil de 1917, sobre os direitos
autorais, excetuou apenas um que não foi disciplinado pela lei 5988/73, o art.660, que trata
da desapropriação da obra intelectual (PIMENTA, 2004, p.160). A lei 5.988 de 1973, por
sua vez, foi revogada pela Lei nº 9.610 de 1998, em vigor. Mais de vinte anos contam entre as
Leis nº 9.610 de 1998 e nº 5.988 de 1973, muitas tecnologias surgiram, entretanto novamente
acanhado foi o avanço da legislação autoral brasileira. Elizângela Dias (2007), salienta que,
embora tenha inovado em alguns pontos, a Lei nº 9.610 de 1998 pecou por reproduzir,
literalmente, muitos dos artigos da lei anterior, frustrando a expectativa de grandes mudanças
que dela se esperava. Além desta, há outras críticas: Eduardo Pimenta (2004, p.195) informa
que “[...] com seus 115 artigos, demonstrou uma tendência à expansão, pormenorizando os
direitos, passando a artigos autônomos”. E ainda conclui: “daí a necessidade de manutenção
e constante demonstração dos princípios de direitos autorais, como pressuposto de
manutenção da criação intelectual, ao autor e ao equilíbrio social” (2004, p.196).
Dos mais de 100 artigos, versando sobre vários tipos de arte e de contratos no campo da
música, cinema, dança etc, apenas um tímido inciso versa sobre as obras vindas de
conhecimentos tradicionais e étnicos. Ele declara que as obras não pertencem ao âmbito do
domínio público (instituto para o qual não subsiste a exclusividade de exploração da obra pelo
seu autor). Contudo, não indicou de que modo é possível viabilizar esta regra:
Art. 45. Além das obras em relação às quais decorreu o prazo de proteção aos
direitos patrimoniais, pertencem ao domínio público:
I - as de autores falecidos que não tenham deixado sucessores;
II - as de autor desconhecido, ressalvada a proteção legal aos conhecimentos
étnicos e tradicionais. (BRASIL, 1996) [grifos não presentes no texto original]
Da leitura supra, depreende-se que a definição de conhecimentos étnicos e tradicionais
ficou aberta, incumbindo à doutrina, com base em fatos sociais e com a ajuda de outras
ciências, apontar quais músicas (ou, em que circunstâncias) pertencem a estes conhecimentos.
Também está a cargo da doutrina a adequação de institutos e regras autoralistas a estas
obras específicas.
Em geral, músicas advindas de conhecimentos tradicionais são produzidas e/ou
executadas por uma coletividade de pessoas, estão atreladas à oralidade, à produção de
conhecimentos de forma integrada - o ensinar e o aprender música não é dissociado da
transmissão de outros conhecimentos propagados em comunidade. Há casos, inclusive, em
que não é preciso o número de pessoas que efetivamente contribuíram, fazendo com que a
verificação da autoria sobre as obras se torne extremamente difícil (ainda mais quando deuses
e espíritos antepassados são indicados como autores das obras musicais por estes grupos). A
produção destas músicas mergulha em outras concepções de mundo. E, em respeito à
sociedade pluralista, valor primordial propugnado no preâmbulo da Constituição da República
de 1988, cabe ao Direito encontrar formas de se adequar a tantas quantas forem as
especificidades sociais existentes.
Tratamento jurídico às músicas mantidas e criadas pela família Guiga
15
Um breve comentário acerca da obrigatoriedade do registro de obras: em 1975, o Brasil ratifica a Convenção
Internacional de Berna, abolindo a obrigatoriedade do registro de obras para gozo dos Direitos de Autor. Este
passa ao status de prova relativa de autoria e não mais prova obrigatória à constituição da autoria.
Nas seções 2 e 3, buscamos discorrer sobre a tradição da Família Guiga,
contextualizando-a dentro da tradição do estilo choro no país e demonstrando que a forma
como é tocada e transmitida ainda hoje, via oralidade, faz com que suas obras sejam
consideradas como músicas vindas de conhecimentos tradicionais.
Para vislumbrar a adequação das normas que conferem benefícios morais e patrimoniais
ao caso das músicas de Antônio Gregório Pereira, Guiga, falecido em 1967, é necessário
interpretar vários instrumentos jurídicos, tendo em vista que, embora se trate de uma análise
de sucessão de direitos, não se trata de uma sucessão comum, mas sim de uma sucessão de
obras que, conforme a lei, possuem a característica de não cair em domínio público.
Passamos a sintetizar a discussão abordada pela autora em um estudo anterior
(GOULART, 2008), donde é possível listar três proposições, com fincas a investigar quem
seriam os sucessores do mestre Guiga nos Direitos Morais e Patrimoniais do autor e por
quanto tempo caberia a utilização das respectivas obras:
1)
Pela Lei nº 9.610 de 1998, o exercício dos Direitos de Autor Patrimoniais relativos às músicas do mestre Guiga perduraria até 1° de janeiro do ano de 2032 (se considerarmos regra geral desta), mas, ao se considerar o fato de terem vindo de conhecimentos tradicionais, estas não cairiam em domínio público, em decorrência de regra específica da mesma lei. Também na Lei nº 9610 de 1998, há a determinação indicando que a ordem de vocação hereditária, neste caso, deve seguir as regras da lei civil (Código Civil).
Considerando estas determinações, seria possível levantar duas hipóteses, referentes ao
prazo de exploração exclusiva de obras protegidas pelo Direito de Autor. A primeira hipótese
é o da regra geral, para o qual o gozo da exploração exclusiva é limitado no tempo, em
decorrência da função social dos Direitos de Autor e dos Direitos de Acesso à Cultura. A
segunda hipótese é que, excepcionalmente, para as obras oriundas de conhecimentos
tradicionais, o prazo de uso exclusivo das obras é indefinido, enquanto esteja viva a tradição.
Enquadramos as músicas do mestre Guiga na segunda hipótese, automaticamente excluindo a
primeira, conforme razões que se seguem.
As músicas do mestre Guiga, mantidas no seio familiar são conhecimentos tradicionais.
Em que pese não haver definição legal desta expressão, elementos presentes nas obras
musicais do patriarca da família favorecem esta interpretação. E, por esta razão, não cairão em
domínio público. Citamos anteriormente alguns elementos presentes na concepção e
transmissão das músicas do compositor entre os membros de sua família, justificando este
enquadramento.
Perfeitamente aplicável, portanto, o inciso II do artigo 45 da Lei nº 9.610 de 1998 às
músicas do mestre Guiga, no sentido de não deixá-las cair em domínio público. Não enquanto
as músicas estiverem sendo tocadas pelos membros da família, ou enquanto tiverem vida,
sendo perpetuados via oralidade e praticados dentro da família, como legítimos
conhecimentos tradicionais, integradores deste grupo. A equidade (justiça aplicada ao caso
concreto) resolve a questão de caírem ou não em domínio público as músicas do mestre
Guiga. Este critério é o possível a ser aplicado, já que a lacuna em nosso caso concreto é
composta de duas normas em conflito, impossibilitando, portanto, a resolução pelos critérios
hierárquico, cronológico ou da especialidade, tampouco pelos usos da analogia, dos costumes
ou dos princípios gerais de direito.
Desarrazoável seria que as músicas, típicas de conhecimentos tradicionais, passassem a
ser livremente exploradas por terceiros, sem que a família guardiã desses conhecimentos
tradicionais pudesse opinar sobre o uso ou mesmo sem que pudesse receber economicamente.
A música mantida tradicionalmente é intrinsecamente relacionada ao “modo de vida” e
coesão social do grupo mantenedor. Coesão esta que poderia ser prejudicada, caso as obras
fossem utilizadas sem a ritualização e o respeito com os quais os membros da família as
mantêm. Muitos são os casos em que processos de apropriação de obras de culturas
tradicionais feitas aleatoriamente e sem o empoderamento das comunidades mantenedoras,
podem ocasionar danos irreparáveis, do ponto de vista simbólico, econômico, da integridade
humana, dentre outros. Já se tornou narrativa comum o assombro sentido por candomblecistas
ou indígenas ao verem cantos sagrados em meios populares e descontextualizados de suas
práticas culturais.
Ousamos comparar a injustiça a qual quer se evitar, a partir da não tomada da obra do
mestre Guiga como domínio público, à injustiça que acontecia com pintores antes da
consagração de um princípio denominado “Direito de Sequência”, concernente a garantir que
autores recebam parte do valor advindo da comercialização de suas obras por terceiros,
quando houver valorização no mercado. Por certo, o aludido princípio guia outro setor da
produção cultural - as artes plásticas – mas, para efeitos didáticos, mencionamos o fato e
ainda o recorte:
Entre os demais casos, o que fora fundamental para o nascimento do direito de
seqüência – droit de suíte - foi o testemunhado pelo pintor francês Forain, que
comparecendo a um leilão de quadros em Paris, encontrou a filha de Millet,
maltrapilha, vendendo flores, enquanto na casa à frente a tela de seu pai: L'angelus,
era arrematada por milhares de francos. L'angelus foi vendida por seu autor Millet,
por 10 francos, depois fora revendida pr 70.00 francos à Secretam, que o negociou
por 50.000 francos com a Fine Art Association e por fim fora revendido por um
milhão de francos para Chauchard (PIMENTA, 2004, p.283-284).
Insta ressaltar ainda que o fim social e o bem comum, contidos na Lei nº 9.610 de 1998,
concernentes a assegurar que obras originadas de conhecimentos tradicionais não caiam em
domínio público, não fere os Direitos de Acesso à Cultura e tão pouco a função social dos
Direitos de Autor, como se poderia pensar num primeiro momento. Ao contrário, tal proteção
encontra-se em total sintonia com os valores constitucionais e também supra constitucionais.
Os conhecimentos tradicionais e também étnicos, presentes em algumas comunidades,
como no caso da Família Guiga, e em outras como Guardas de Congado e Moçambique,
Candombes, na Marujada, nos Batuques, no Caxambu etc, estão atrelados à formação de
identidade e coesão social. Por isso a Lei nº 9.610 de 1998 prevê a proteção das obras
advindas de conhecimentos tradicionais: primeiramente para fim de evitar o fenômeno da
apropriação agressiva e prejudicial de bens culturais de comunidades étnicas e tradicionais,
aliadas à usurpação de seus saberes, lesionando a integridade desses agrupamentos e, em
segundo lugar, para garantir o uso pleno dos conhecimentos que detém os membros de certas
comunidades ou grupos.
A aludida lei, ainda que de modo discreto, se sintoniza, portanto, ao preceito
democrático de proteção às minorias, às quais podem ter tratamento desigual e favorecido, de
modo a promover o equilíbrio nas relações que firmam em sociedade. Por isso, os
conhecimentos tradicionais de agrupamentos ou comunidades destacadas em sociedade não
caem em domínio público, prerrogativa do inciso II, do Artigo 45 da Lei 9610 de 1998, regra
esta aplicável às obras do mestre Guiga.
Afastada está, definitivamente, a regra de que mortos os filhos do mestre Guiga,
passarão as músicas ao domínio público (Código Civil de 1916), já que advêm de
“conhecimentos tradicionais”, restando definir como será a sucessão entre os legitimados –
neste caso, os sucessores de Guiga- a decidir, como será o uso da música do mestre Guiga
(inclusive quanto à possibilidade de registro e de divulgação). Passemos às próximas
proposições e sua análise:
2)
O Código Civil de 2002 em vigor, por sua vez, informa que a ordem de vocação hereditária será regida pelo Código Civil de 1916 (vigente à época de abertura da sucessão – Guiga falecera em 1961). Neste a regra sucessória especial contida no Título “Da Propriedade” é que a transmissão do exercício dos Direitos de Autor aos filhos do mestre Guiga,
se dá de forma exclusiva e vitalícia, não autorizando a transmissão aos netos. Uma contradição (ou aparente contradição) à proposição anterior (“a”), que permite que Direitos de Autor sejam transmitidos por prazo indeterminado, portanto não restringindo graus de parentesco;
Por força do Código Civil de 2002, aplica-se, in casu, a ordem de vocação hereditária
contida no Código Civil de 1916, que era o instrumento normativo à época de falecimento do
mestre Guiga. E, por força do Código Civil de 1916, os filhos vivos do mestre Guiga têm
direito adquirido de uso exclusivo e vitalício das músicas do mestre Guiga. O direito
adquirido pelos filhos do mestre Guiga constituem exceção jurídica à regra atual. Assim,
serão eles a decidir, em conjunto, se as músicas devem ser registradas, divulgadas, exploradas
patrimonialmente etc.
Antes da constatação do aludido Direito Adquirido, testamos algumas possibilidades
que passamos a narrar. Primeiramente, tratamos de descobrir se a incompatibilidade entre a
Lei nº 9.610 de 1998 e o Código Civil de 1916 seria aparente ou real, no ponto específico
sobre a sucessão de Direitos de Autor que, para a primeira, cabe apenas aos filhos e, para a
segunda, cabe a todos os legitimados conforme regras do Código Civil de 2002. Como não
existe regra de direito intertemporal apta a solucionar o caso na Lei nº 9.610 de 1998,
passamos a testar então os critérios cronológicos e da especialidade. Não testamos o critério
da hierarquia, por ser inadequado, afinal sob análise estavam duas leis de natureza ordinária.
O critério cronológico, donde lei recente revoga lei antiga, não resolveu o conflito
porque ele não pode ser tomado de forma absoluta. Quando o legislador não demonstra a
intenção de afastar definitivamente qualquer aplicação da norma anterior, é possível a
compatibilização dos dois instrumentos normativos. Assim, quando a Lei nº 9.610 de 1998
determina que o prazo de 70 anos de gozo patrimonial das obras por sucessores de Direitos de
Autor é aplicável a obras póstumas, é possível interpretar que esta se referiu apenas às obras
póstumas, a partir de sua vigência (ano de 1998), não querendo estender tal aplicação às obras
póstumas (prévias à vigência normativa).
Pelo critério da especialidade, tentamos averiguar se a Lei nº 9.610 de 1998 supriria o
Código Civil de 1916, partindo do pressuposto de ser aquela especial, ou por conter elementos
especializantes de Direitos de Autor em relação ao Código. Novamente esbarramos com o
fato de o critério posto ser recusável, pois os fundamentos dos limites temporais em cada caso
referem-se a paradigmas diferentes (um do tempo em anos, outro em razão do grau de
parentesco), impossibilitando a comparação e, mais, impossibilitando asseverar, com certeza,
que a inteligência da lei “especial” neste caso, seria mais adequada.
O gozo temporal dos Direitos de Autor por sucessores limitado em 70 anos (regra da
Lei nº 9.610 de 1998) contempla a possibilidade de tais direitos serem passíveis de sucessão
aos netos do mestre Guiga. Já o gozo temporal limitado ao período em que viverem os filhos
do sucessor (previsto no Código Civil de 1916), na prática, pode significar menos ou mais de
70 anos, a depender de quanto tempo viverão os filhos, sem possibilidade de transmissão aos
netos do mestre Guiga. Vê-se, portanto, paradigmas diferentes, embora o prazo possa ser
relativamente parecido para o gozo de Direitos de Autor por sucessores do mestre. Não é
possível depreender que haja motivações especializantes para a adoção da regra da Lei nº
9610 de 1998 em detrimento do Código Civil de 1916, eis que, neste ponto, traduzem os
mesmos princípios e razões: limite temporal para o suposto atendimento do acesso à cultura.
Assim, como nenhum dos critérios (hierárquico, especializante e cronológico) era
aplicável, ainda restaram lições doutrinárias (Diniz, 2000) sobre interpretação teleológica,
análise do bem comum e do fim social aptos à compreensão das regras sucessórias na Lei nº
9.610 de 1998 e do Código Civil de 1916.
As regras sucessórias de Direitos de Autor de ambas as leis resguardam os atributos
personalíssimos das obras: é este o sentido da transmissão de Direitos Morais. Quanto à
transmissão de Direitos Patrimoniais, as regras sucessórias das duas leis proporcionam digna
sobrevivência de herdeiros de obras. Mesmo que com prazos de gozo patrimonial
diferenciados, o fim social buscado é valorar o trabalho de artistas e escritores, de tal forma
que estes possam, inclusive, estarem seguros de que seus familiares não ficarão desamparados
financeiramente após sua morte. Equipara-se, portanto, os frutos econômicos dos Direitos de
Autor a qualquer outro labor, passíveis, portanto, de transmissão na esfera cível. O bem
comum também foi alcançado pelas regras sucessórias de ambas as lei, na medida em que
geram igualdade de direitos (comparando o trabalho e a herança deixada por artistas e
escritores aos demais trabalhos realizados em sociedade).
Assim sendo, restou alternativa de optar pela regra mais justa, novamente lançando mão
da equidade (além de considerar o respeito ao direito adquirido, promotor da segurança e à
paz social, buscadas pelo Direito), sendo razoável optar pela regra concernente a transmitir
vitaliciamente e exclusivamente os Direitos de Autor das músicas do mestre Guiga aos seus
filhos. Todavia, como enquadramos as músicas do mestre Guiga como originárias de
conhecimentos tradicionais, outros sucessores aparecerão após a morte dos filhos do mestre
Guiga (que detém gozo exclusivo e vitalício). Vejamos adiante, junto à terceira proposição:
3)
O Código Civil de 1916 consagra, lado outro, o direito de representação aos
sucessores, em regra geral contida no Título “Da Sucessão Legítima”, direito também resguardado pelo Código Civil de 2002: contradição (ou aparente contradição) com a proposição exposta na letra “b”, que menciona a regra especial do Código de 1916, atinente a restringir a transmissibilidade de Direitos de Autor apenas aos filhos do mestre Guiga.
Em apertada síntese das idéias desenvolvidas, a partir das proposições “1” e “2” acima,
ao enquadrar a música do mestre Guiga como obra “vinda de conhecimentos tradicionais”, as
músicas não cairá em domínio público, enquanto viva for a tradição, nos termos do inciso II,
Artigo 45 da Lei nº 9610 de 1988. Todavia, também está garantido o direito adquirido dos
filhos vivos de Guiga concernentes a exercer Direitos de Autor Patrimoniais e Morais
vitaliciamente e com exclusividade. Mas, e após a morte dos filhos, como serão exercidos tais
direitos?
O direito de representação é proibido pela regra específica de transmissão de Direitos de
Autor no Código Civil de 1916. Todavia a Lei nº 9610 de 1998 garante a transmissibilidade
dos Direitos Morais e Patrimoniais a outros sucessores, após a morte dos filhos (o Código
Civil de 1916, em regra geral relativa a Direitos Sucessórios também garante o direito de
representação). Entendemos, então, que há possibilidade de compatibilizar tais regras, afinal
mesmo quando falecerem os filhos do mestre Guiga, as músicas do compositor não cairão em
domínio público (como quer o inciso II, do Artigo 45 da Lei 9610 de 1998, no tratamento
diferenciado aos conhecimentos tradicionais). Na medida em que ainda existam pessoas na
família, netos, bisnetos etc do compositor, às quais são transmitidas as músicas, estas mantém
viva a tradição.
A compatibilização da regra geral (exclusividade do uso das obras pelos filhos do
mestre Guiga) com a regra especial (inclusão das outras linhas sucessórias, portanto, direito
de representação assegurado aos netos do mestre Guiga) se dará da seguinte forma: os filhos
vivos do compositor gozarão do direito adquirido supracitado e, quando não mais restarem
estes, todos os netos do compositor são chamados a suceder. Afinal, no presente caso, não há
outro meio eficaz de assegurar que as músicas não caiam em domínio público.
Tal solução ainda releva a equidade, visto que o Código Civil de 1916 em regras gerais
de sucessão garantiu o direito de representação (o que é seguido pelo Código Civil de 2002).
O valor social hodierno para a sucessão (inclusive no caso dos Direitos de Autor) inclui o
direito de representação, então, é justo que este seja conferido aos outros herdeiros do mestre
Guiga, porém, respeitando-se antes, o prazo de exercício de Direitos de Autor, adquiridos
pelos filhos do compositor.
Vislumbramos ainda a seguinte possibilidade: se, quando chamados a suceder, apenas
alguns dos netos forem os mantenedores destes conhecimentos tradicionais, o exercício dos
Direitos Patrimoniais e Morais de Autor decorrentes das obras do mestre Guiga deverão ser
analisados separadamente (Lembrando que o “Princípio Geral de Direito de Autor da
Independência” propõe que o Direito Moral de Autor independe do Direito Patrimonial de
Autor, por isso o estudo e o tratamento jurídico apartado destes se torna possível).
Assumi-se aqui que os Direitos Morais de Autor são superiores aos Direitos
Patrimoniais de Autor, uma vez que expressam atributos personalíssimos do autor que quer se
preservar em suas obras, ao passo que estes, por sua vez, proporcionarão rendimentos
financeiros aos netos do mestre Guiga. Assim sendo, entendemos que mesmo sendo legítima
a condição de todos os netos perceberem, de modo equinânime, eventuais frutos patrimoniais
das obras, após a morte dos filhos do mestre Guiga, o exercício dos Direitos Morais (e,
portanto, a definição de como será utilizada a obra) deve ser deferido aos netos mantenedores
da tradição, responsáveis únicos e direitos pela aplicação da exceção legal, que fará com que a
obra não caía em domínio público.
Apenas os legítimos portadores da tradição familiar poderão definir se as músicas serão
divulgadas, se serão registradas e até mesmo se serão objeto de exploração patrimonial. Um
critério imperioso é aqui utilizado: o do costume jurídico, caracterizado por dois elementos: a
prática social reiterada e a convicção de obrigatoriedade da prática.
Expliquemos melhor: nas comunidades tradicionais é comum a eleição de uma ou
algumas pessoas (geralmente as mais velhas) que respondem e aconselham atos em
comunidade. Trata-se de uma espécie de procuração tácita, em que a comunidade reconhece
legitimamente ‘procuradores’ aos seus atos. Isso é notório, por exemplo, em comunidades
indígenas, em que algumas lideranças são respeitadas como chefes políticos ou líderes
religiosos, ficando, assim, todos os índios subordinados às suas orientações. Nas comunidades
africanas Bassari, para novamente exemplificar, seus membros “vivem em torno de um chefe
da aldeia escolhido pelos habitantes do vilarejo ou que recebe o posto como herança de um
parente materno próximo” (BIANQUINCH; BACOLY, 2008, p.213). Sua vida social é
comunitária e respeita uma hierarquia, na qual mais velhos são necessariamente respeitados
pelos mais novos. A educação é realizada em casas comunitárias, onde se aprende a viver em
grupo, respeito ao próximo, músicas, danças, escotismo, trabalhos no campo, costumes
sociais, hierarquia. Outro exemplo está na Portela e outras grandes escolas de samba do
carnaval carioca, em que as pessoas escutam a velha guarda, antes de decidir sobre seu
enredo, seu figurino, produção artística etc.
Assim, o costume jurídico da procuração tácita existe em vários grupos guardiões de
conhecimentos étnicos ou tradicionais, inclusive na Família Guiga, grupo mantenedor de
conhecimentos tradicionais. E mestre Guiga era Procurador em seu tempo. Hoje, seus dois
filhos vivos, por tocarem as músicas e manterem a tradição das mesmas, sucederam Guiga.
Futuramente, quando os filhos já não mais existirem, caberá aos netos mantenedores da
tradição das músicas terem o poder de definir o que será feito com as mesmas. Resguardando-
se, por óbvio, a divisão de eventuais frutos financeiros a todos os netos, portadores e não
portadores da tradição das músicas.
Do não acolhimento do costume jurídico da “procuração tácita” como critério para que
seja definido o exercício dos Direitos Morais decorrentes das músicas do mestre Guiga,
antevemos os seguintes problemas: Todos os netos teriam poderes para decidir sobre todo e
qualquer uso da obra, sendo isto impraticável, pois a família é muito grande e seus membros
estão espalhados por várias regiões rurais, de difícil comunicação; Mesmo sendo possível
acessar todos os netos para decidir o futuro da obra, conflitos poderiam surgir, levando a
demandas judiciais desnecessárias; É evidente que quem pode decidir o futuro das obras, que
aqui defendemos como tradicionais, são os portadores dessa tradição.
Não faria sentido chamar parentes considerando apenas o laço consangüíneo, sendo que
o objeto sobre análise são obras tradicionais, cujo tratamento jurídico é diferenciado. Outros
parâmetros devem ser chamados ao estudo de casos envolvendo obras de oriundas de
conhecimentos étnicos e tradicionais, por toda a particularidade fática.
Considerações finais
O enquadramento das músicas do mestre “sô Guiga” na proteção legal destinada às
obras de conhecimentos tradicionais revela que, num país tão diverso como o Brasil, até
mesmo seios familiares abrigam-se obras oriundas dos conhecimentos tradicionais, protegidas
pela legislação, inclusive pela prerrogativa do não caimento em domínio público.
Estudar as obras advindas dos conhecimentos tradicionais, conforme o corte feito ao
neste trabalho, revela a preocupação com os grupos minoritários, a quem geralmente se
dedicam menos estudos. Por óbvio, não tivemos a pretensão de exaurir as questões autorais
ligadas à temática escolhida, pois, a interpretação do Direito se aprimora com estudo de casos
concretos e cada caso tem elementos diferentes, que orientam o ato de interpretar as normas
incidentes ao mesmo.
Ao finalizar este trabalho, cientes estamos de que a principal pergunta jurídica que
motivou toda a nossa investigação, concernente a desvendar como se daria a proteção autoral
à obra de Antônio Gregório Pereira somente puderam ser respondidas com o auxílio de
perspectivas interdisciplinaridades, que auxiliaram a identificar vários pontos, indispensáveis
à interpretação do direito.
Referências
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Africanas e Indígenas no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.359 p.
DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. São
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GOULART, Paloma. Patrimônio cultural imaterial: valores, sentidos , imaginários e ação
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