AD E HQ, LEX LUTHOR SOB A LUZ DAS TEORIAS

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AD E HQ, LEX LUTHOR SOB A LUZ DAS TEORIAS
Revista Icarahy
Edição n.04 / outubro de 2010
AD E HQ, LEX LUTHOR SOB A LUZ DAS TEORIAS LINGUÍSTICAS
Alex Caldas Simões 1
RESUMO: A partir da mini-série Super Homem As Quatro Estações – Parte 3, Outono
– de Jeph Loeb (roteirista) e Tim Sale (desenhos) publicada no Brasil em 1999,
evidenciaremos em nossa exposição o ethos discursivo do personagem Lex Luthor de
modo a caracterizá-lo discursivamente. Diferentemente das análises literárias,
semióticas ou relativas aos quadrinhos, apoiados em Amossy e Maingueneau
discorreremos sobre os conceitos de cena enunciativa e de ethos discursivo de modo a
indicarmos uma forma produtiva de se analisar o personagem. A partir de nossas
considerações podemos concluir que tal personagem, visto pelo viés da Análise do
Discurso (AD), se mostra como um empresário, rico e bem sucedido que conquistou
Metrópolis através de sua estratégia, corrupção, obstinação e determinação, e, por isso,
não quer dividi-la com ninguém.
PALAVRAS-CHAVE: Análise do Discurso; Quadrinhos; Ethos; Análise.
ABSTRACT: From the mini-series Superman The Four Seasons - Part 3, autumn - of
Jeph Loeb (writer) and Tim Sale (drawings) published in Brazil in 1999, we will show
the ethos discursive of Lex Luthor in order to characterize it discursively. Unlike the
literary analysis, semiotics, or relating to comics, supported in Amossy Maingueneau,
we will discuss the concepts of scene enunciation and discursive ethos to indicate a
productive way of analyzing the persona of the Lex. From our considerations we can
1
Mestrando em Letras pela Universidade Federal de Viçosa (UFV- CAPES/REUNI).
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conclude that this character, seen from the perspective of discourse analysis (DA), is
shown as an entrepreneur, wealthy and successful that it gained Metropolis, and
therefore, does not want to share it with anyone.
KEYWORDS: Discourse Analysis; Comics; Ethos; Analysis.
0.
Introdução
Dentro dos estudos da linguagem, em especial os estudos discursivos, muitos
objetos tem sido atualmente alvos de análises lingüísticas. Tal possibilidade se torna
viável uma vez o discurso, de acordo com Michel Foucault, pode ser entendido como
“nada mais do que a reverberação de uma verdade nascendo diante de nossos olhos”
(1996: 49). Como diria Dominique Maingueneau (1989), discurso pode ser qualquer
produção de linguagem, seja ela falada ou escrita, acadêmica ou popular.
A Análise do Discurso (AD) pode ser entendida como a ciência de “explicação
dos textos”, o modo como a sociedade trata seus próprios textos. É uma leitura, como
afirma o autor (1989), verdadeira que procura desvendar os sentidos ocultos presentes
nos textos analisados. Como objeto de estudo dessa ciência temos formações
discursivas2 de qualquer instância: podemos analisar músicas, propagandas, desenhos
animados, poemas, Histórias em Quadrinho (HQs), obras de ficção, entre outros.
“Na realidade, seria melhor questionar o que poderia não ser “discurso”: não
apenas os enunciados, mas também as análises destes enunciados, e assim ad libitum,
2
Formações discursivas podem ser entendidas como “um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre
determinadas no tempo e no espaço que definiram em uma época dada, e para uma área social,
econômica, geográfica, ou lingüística dada, as condições de exercício da função enunciativa”
(MAINGUENEAU, 1989: 14).
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oferecem a possibilidade de recortar um conjunto ilimitado de campos de investigação”
(MAINGUENEAU, 1989: 16).
Dessa forma, entendemos que com a AD é possível se realizar inúmeras análises
lingüísticas, desde, é claro, que articulemos os mecanismos formais do discurso com os
dados institucionais – ao se analisar, segundo Foucault (1996), “o jogo de noções que
lhes
são
ligadas;
regularidade,
causalidade,
descontinuidade,
dependência,
transformação.”
Em nossa exposição, portanto, pretendemos analisar discursivamente o ethos do
personagem Lex Luthor, da mini-série quinzenal em quatro edições Super-homem As
Quatro Estações – parte três, Outono – de Jeph Loeb (roteirista) e Tim Sale
(desenhista) publicada no Brasil em 1999 pela Editora Abril, de modo a construirmos o
perfil lingüístico-discursivo do personagem, ao nos apoiarmos nos conceitos de ethos e
de cena enunciativa de Ruth Amossy e Dominique Maingueneau. Com isso, em nossa
argüição discutiremos: i) sobre os conceitos de Cena Enunciativa e Ethos discrusvo; (ii)
sobre a mini-série Super-homem As Quatro Estações; iii) o ethos discursivo de Lex
Luthor; e, por fim, iv) sobre as implicações de nossa análise para os estudos lingüísticos
e de quadrinhos.
1.
Ethos discursivo e Cena Enunciativa: conceitos
A noção teórica de ethos, segundo Maingueneau (1988), retoma a Grécia antiga,
época em que Aristóteles (1378a) entendia que tal noção era uma imagem discursiva
que colaborava na legitimação argumentativa de um discurso qualquer. O ethos,
portanto, era considerado uma prova retórica que juntamente com o pathos e o logos
construíam uma argumentação plausível na língua: o ethos constituía o “caráter do
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orador ou imagens de si que este apresenta no seu discurso para obter a adesão do
outro” (MENEZES, 2006: 90-91); o pathos correspondia “a adesão do outro, as paixões
e os sentimentos que propiciam a felicidade do ato discursivo” (MENEZES, 2006: 9091); e o logos representava a racionalidade persuasiva de um discurso (Menezes, 2006).
A noção de ethos, portanto, desde Aristóteles, passou por algumas reformulações
– sendo tratada ora pelo campo da argumentação, ora pelo campo da análise do
discurso. Cabe destacar aqui, conforme indica Maingueneau (1988), que esta noção foi
reformulada por Oswald Ducrot (1984) em seu quadro pragmático de linguagem: “[e]m
termos mais pragmáticos, dir-se-ia que o ethos se desdobra no registro do ‘mostrado’ e,
eventualmente, no do ‘dito’. Sua eficácia decorre do fato de que envolve de alguma
forma a enunciação sem ser explicitado no enunciado” (MAINGUENEAU, 2005:70).
Maingueneau (2005, 2008), ainda explicita, citando Ducrot (1984), que o ethos
está ligado a figura do “locutor L”3 – ou seja, aquele locutor que é a fonte da
enunciação e que possui uma série de características que tornam esta enunciação
aceitável ou recusável. Ao retomar os estudos pragmáticos de ethos, o autor (2005,
2008) afirma: “[...] o ethos se mostra, ele não é dito.”
Após esta reformulação o próprio Maingueneau, no início dos anos 1980 – 1984 e
1987 –, propôs a sua análise do ethos inserida em uma teoria de análise do discurso.
Para Maingueneau (2005, 2008), portanto, todo discurso, oral ou escrito, pressupõe um
ethos.
Cabe aqui, antes de evidenciarmos as proposições teóricas-metodológicas de
Maingueneau, apresentarmos as noções de ethos de Ruth Amossy (2005a e 2005b), uma
3
Locutor, segundo Ducrot (1984), citado por Eduardo Guimarães, representa o ‘eu’. É responsável pela
enunciação que vai estar no enunciado. Se divide em “Locutor L” e “Locutor l”. O primeiro, “é o que se
representa como fonte do dizer.” (GUIMARÃES, 1995, p. 60); o segundo, é o locutor-enquanto-pessoano-mundo.” (GUIMARÃES, 1995: 60).
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vez que estas são, em parte, recuperadas por Maingueneau em sua teoria. Para autora
(2005a), portanto, relembrando Roland Barthes, o ethos se define pelos
traços de caráter que o orador deve mostrar ao auditório (pouco importando
sua sinceridade) para causar boa impressão: é o seu jeito [...] O orador
enuncia uma informação e ao mesmo tempo diz: sou isto, não sou aquilo. O
autor [Barthes] retoma assim as idéias de Aristóteles, que afirmava em sua
Retórica: ‘é [...] ao caráter moral que o discurso deve, eu diria, quase todo
seu poder de persuasão (AMOSSY, 2005: 10).
Com isso Amossy (2005b) enuncia que o ethos é uma construção tanto
linguageira (discursiva) quanto institucional (social). Dessa forma, o estudo do ethos
deve se pautar em um estudo da interlocução “que leva em conta os participantes, o
cenário e o objetivo da troca verbal” (AMOSSY, 2005b: 124) – como irá desenvolver
muito bem em sua teoria Maingueneau.
A autora (2005b: 125) ainda postula o conceito de ethos-prévio – chamado por
Maingueneau de ethos pré-discursivo – que corresponde a um ethos que precede a
construção da imagem no discurso:
[n]o momento em que toma a palavra, o orador4 faz uma idéia de seu
auditório e da maneira pela qual será percebido; avalia o impacto sobre seu
discurso atual e trabalha para confirmar sua imagem, para reelaborá-la ou
transformá-la e produzir uma impressão conforme às exigências de seu
projeto argumentativo (AMOSSY, 2005b: 125).
Amossy (2005b) em seu projeto teórico ainda esboça a idéia de estereótipo (ou
estereotipagem), que desempenha um papel fundamental na constituição do ethos
discursivo. Para autora (2005b), portanto, a construção do ethos-prévio e do ethos
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Amossy (2005b) considera orador como o enunciador (ou locutor). O mesmo vale para o termo
auditório: que representa para a autora o alocutário.
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dependem que estes sejam assumidos por uma doxa5, ou seja, que se “indexem em
representações partilhadas.” Afinal, será esta representação cultural pré-existente que
será buscada pelo orador no momento de sua enunciação para melhor argumentar.
Tendo em mente tais preceitos, podemos analisar agora as proposições teóricas de
Maingueneau com maior clareza. Para o autor (2005) qualquer discurso, como já dito,
possui um ethos discursivo formado por uma vocalidade específica. Essa vocalidade
específica do discurso evidência uma fonte enunciativa, “[...] por meio de um tom que
indica quem o disse [...]” (2005: 72). Existindo uma vocalidade, portanto, segundo o
autor (2005), também existe um corpo do enunciador – que, cabe ressaltar, não é o
corpo do autor efetivo. Com isso queremos dizer que um orador qualquer ao enunciar
constrói um corpo de enunciador que por um tom específico evidência uma vocalidade
também específica. Assim, conforme indica Maingueneau (2005: 72), a noção
tradicional de ethos recobre não só a dimensão vocal, mas também “um conjunto de
determinações físicas e psíquicas atribuídas pelas representações coletivas à
personagem do orador.”
O corpo do enunciador, o fiador6, então, é composto por um “caráter” – que
corresponde “a um feixe de traços psicológicos” (MAINGUENEAU, 2005: 72) – e por
uma “corporalidade” – que corresponde ao um estado de compleição corporal, a uma
maneira de vestir-se e de mover-se no espaço social (Maingueneau, 2005) – que se
constroem com base em estereótipos sociais.
5
Para Amossy (2005b: 125) doxa corresponde ao “saber prévio que o auditório possui sobre o orador.”
O fiador, segundo Maingueneau (2005: 72) é uma figura que o leitor “deve construir com base em
indícios textuais de diversas ordens.”
6
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Ao considerarmos que todo discurso provém de uma cena de enunciação7, temos,
segundo Maingueneau (2005), que a figura do ethos não é somente um meio de
persuasão, mas também é parte da cena enunciativa. Em resumo, então, podemos dizer
que
como o enunciador se dá pelo tom de um fiador associado a uma dinâmica
corporal, o leitor não decodifica seu sentido, ele participa ‘fisicamente’ do
mesmo mundo do fiador. O co-enunciador captado pelo ethos, envolvente e
invisível, de um discurso, faz mais do que decifrar conteúdos. Ele é
implicado em sua cenografia, participa de uma esfera na qual pode
reencontrar um enunciado que, pela vocalidade de sua fala, é construído
como fiador do mundo representado (MAINGUENEAU, 2005: 90).
Com isso, o leitor é incorporado definitivamente na cena enunciativa, e através
de uma percepção complexa advindas do material lingüístico e do ambiente este
formula o ethos discursivo efetivo. Esse ethos, portanto, é o resultado de uma interação
complexa entre vários elementos: o ethos pré-discursivo, o ethos discursivo mostrado e
ethos discursivo dito8 (cf. imagem 1).
(Imagem 1 – Diagrama do ethos discursivo efetivo. In: MAINGUENEAU, 2008:19 – adaptado)
7
A cena de enunciação é composta por 3 cenas: i) a cena englobante, que corresponde ao tipo de discurso
(ex: político, religioso) (Maingueneau, 2005); a cena genérica, que corresponde a um contrato associado a
um gênero discursivo (Maingueneau, 2005); e iii) a cenografia, que corresponde a uma construção própria
daquele texto (Maingueneau, 2005).
8
A diferença entre o “ethos dito” e o “ethos mostrado”, segundo Maingueneau (2008) é muito tênue e
muitas vezes é impossível distingui-los; o mesmo vale para o “ethos pré-discursivo” e o “ethos
discursivo”.
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2.
Super-homem “As Quatro Estações”
2.1.
A história
Nesta mini-série quinzenal Super-homem “As Quatro estações” (1999)9, Jeph
Loeb (roteirista) procurou retratar o personagem Clark Kent quando este ainda não era o
Super-homem e ainda não possuía grandes arqui-inimigos: como Apocalypse, Metallo,
Bizarro, Darkseid, Brainiac, entre outros. Essa saga é mais uma tentativa da editora DC
comics de tentar recontar a origem do homem de aço. Desta vez o roteirista irá contar a
história de Clark pela perspectiva de alguns de seus mais próximos “amigos”: Jonathan
Kent – pai do herói –; Lois Lane – sua colega de trabalho no Planeta Diário –; Lex
Luthor – seu futuro arqui-inimigo –; e Lana Lang – a namorada de Clark na
adolescência.
Cada um dos capítulos dessa estória é contada através da metáfora de uma estação
do ano, que paradoxalmente também retrata a época do ano em que estão vivendo. A
primeira parte da mini-série é chamada de Primavera e revela o despertar dos poderes
de Clark na pequena cidade do Kansas Pequenópolis10. Toda narrativa é contada pelos
olhos de Jonathan Kent. Em Primavera, Jonathan e Marta Kent ficam preocupados com
o florescimento das habilidades especiais de Clark e temem que algo de ruim aconteça.
Entretanto, ambos acreditam que seu filho foi bem criado e saberá usar seus poderes
com sabedoria (Fig. 1). Ao fim da primavera, Clark está formado e segue para
Metrópolis para trabalhar como repórter no Planeta Diário.
9
A mini-série foi republicada em 2006 pela editora Panini sob o título de Grandes Clássicos DC #8:
Superman - As Quatro Estações. (Cf. MARQUES, 2009).
10
Da tradução portuguesa para “SmallVille”.
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(Fig. 1 – Clark descobre suas novas habilidades e fica assustado. SUPERHOMEM, 1999: 21)
Na segunda parte da mini-série, chamada Verão, as coisas começam a “esquentar”
para Clark, pois ele no intuito de ajudar as pessoas em Metrópolis assume a identidade
de Super-homem e começa a realizar salvamentos e grandes feitos. Em Verão, Lois
Lane narra algumas das realizações do Homem de Aço. Ela conta como o Super-homem
é incrível e se mostra intrigada pelos seus segredos (Fig. 2).
(Fig. 2 – Lois Lane, em narração, se mostra intrigada com o Super-Homem. SUPER-HOMEM, 1999: 30)
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Na terceira parte da mini-série, chamada de Outono, o Super-homem conquista
um grande e poderoso inimigo, Lex Luthor empresário bem sucedido e dono da
Lexcorp, empresa de novas tecnologias. Lex Luthor em Outono narra sua visão sobre o
homem de aço e o coloca como uma ameaça para os seus negócios em Metrópolis.
Querendo enfraquecer o herói Luthor desenvolve em sua empresa um vírus muito
perigoso que se propaga pelo ar. Metrópolis, então, é contaminada e o Super-homem
precisa pedir a ajuda de Lex para resolver a situação. Ele atende o pedido e sede uma de
suas bio-químicas para o trabalho, Jenny Vaughn – chamada de Toxina. Disparando um
líquido especial nas nuvens, Toxina e Super-Homem eliminam o vírus de Metrópolis.
Entretanto, na busca de salvar a vida da cidade, o Super-homem deixou que Toxina se
contaminasse com o vírus, o que provocou a morte da cientista (Fig. 3). Abalado por
sentir que não pode salvar a todos, Clark, ao final do Outono, busca conforto em
Pequenópolis nos braços de seus pais – cai a última folha, como no Outono.
(Fig 3 – Toxina morre nas mãos do Super-homem. Lex faz comentários irônicos. SUPER-HOMEM, 1999: 47)
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Na quarta e última parte da mini-série, Inverno, Clark está de volta a
Pequenópolis e se sente inquieto sobre a limitação de sua ajuda a Humanidade. Ele está
com medo e confuso. Lana Lang reencontra o herói, e, como ela sabe o seu segredo, o
incentiva a usar os seus dons para o bem, não importando o quão difícil isso seja (Fig.
4). Com esse incentivo, Clark retorna à Metrópolis pronto para enfrentar qualquer
eventualidade.
(Fig. 4 – Lana Lang convence Clark a voltar a ser o Super-homem. SUPER-HOMEM, 1999: 27)
2.2.
A Crítica
Super-homem “As Quatro Estações” foi muito bem recebida pela crítica e pelo
público. Foi ganhadora de muitos prêmios importantes: o National Comic Award de
Melhor Romance Gráfico de 1999; e “foi também considerada a série limitada favorita
dos leitores da revista Wizard e obteve o maior número de indicações para o Prêmio
Eisner
destes
anos
–
Melhor
Série
Limitada,
Melhor
Escritor,
Melhor
Desenhista/Finalista e Melhor Colorista” (Cf. MARQUES, 2009).
Uma das críticas realizada pela Revista Mundo Estranho, anos depois, afirma que:
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“[o] grande mérito de Loeb é fazer com que os depoimentos sirvam como
uma espécie de narração off, enquanto outros fatos, que atestam aquelas
palavras, vão ocorrendo na vida dos personagens. A arte de Tim Sale
contribuiu muito para tornar essa obra marcante. Com um traço leve e
agradável, ele usa e abusa de grandes quadros e de páginas duplas
belíssimas, no melhor estilo ‘uma imagem vale mais do que mil palavras’.
Mesmo tendo nas mãos umas histórias bem conhecida, Loeb e Sale
conseguiram ângulos diferentes, tornando-a envolvente e conquistando os
leitores” (MUNDO ESTRANDO, 1999: 37).
A mini-série foi tão bem sucedida que acabou inspirando a criação da série de
TV Smallville, em 2000, na qual Clark é ainda um adolescente e está aprendendo a usar
os seus poderes (Cf. MUNDO ESTRANHO). Da mini-série para a série de TV,
entretanto, algumas mudanças foram introduzidas, como novos personagens e
caracterizações – Chloe Sullivan, surge como a melhor amiga de Clark; e Lionel Luthor
surge como pai do jovem Lex. Originalmente esses personagens não existiam nas HQ´s
do Super-homem.
3.
Sobre o Ethos discursivo de Lex Luthor
Tomaremos como corpus de estudo a parte três da mini-série Super-homem “As
quatro estações” – chamada de Outono –, na qual Lex Luthor narra sua visão sobre o
Super-homem. Procuraremos, então, analisar o ethos do personagem sob a perspectiva
da análise do discurso de Maingueneau.
Lex se apresenta na HQ bem trajado e com expressões faciais duras e marcadas.
Ele possui pouco cabelo (ruivo), veste sempre um termo e fala pouco (Fig. 8). Com isso
podemos observar a construção de um ethos de elegância e discrição, e, por suas
expressões faciais sempre fechadas, há a construção de um ethos de insatisfação por
alguma situação. Lex, aparentando a meia idade, se mostra atlético e sempre está
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rodeado por empregados que o auxiliam em todas as suas atividades, como se secar
após o banho ou fazer a barba (Cf. SUPER-HOMEM, 1999: 11) – o que nos indica um
ethos de poder. Ele, como empresário poderoso da cidade, nos evidência um ethos prédiscursivo de riqueza, sucesso e empreendedorismo, próprios de um estereótipo de
empresário.
(Fig. 8 – Lex Luthor. SUPER-HOMEM, 1999: 11; 37,38; 48)
Em Outono, Lex acaba de sair da prisão e tem que conversar com os jornalistas
sobre o fato (Fig. 9). Nessa cena podemos observar que Lex, por sua expressão corporal,
está despreocupado, parado e fala com cautela, com muitas pausas (visto o excesso de
balões intercalados), como se estivesse pensando antes de falar. A narração em off de
seus pensamentos que se expressa pela legenda – “É preciso falar com o público. Com
jeito. Para que eles compreendam... O meu ponto de vista. Porque eu estou certo.
Sempre.” (SUPER-HOMEM, 1999: 6) – nos indica que ele quer fazer os jornalistas
aceitarem o seu ponto de vista – haja visto o uso do termo “falar [...] com jeito” –,
mesmo que este não seja o verdadeiro. Isso nos indica a construção de um ethos de
manipulação e dissimulação, pois o personagem apresenta uma situação que não é real
para esconder, propositalmente, uma outra situação; ele, apesar disso, se mostra
tranqüilo diante do fato. Aqui também percebemos novamente um ethos de discrição
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quando Lex expressa: “é preciso falar com o público”, ou seja, é preciso, mas “eu não
quero” ou “eu não gosto de falar” com o público, mas é preciso. A pausa entre uma
legenda de pensamento e outra intercalada por reticências (Fig. 9) nos sugere ainda o
reforço a construção de um ethos de manipulação, onde o personagem procura que sua
opinião prevaleça diante das opiniões dos demais.
(Fig. 9 – Lex sai da cadeia e conversa com os jornalistas sobre sua prisão. SUPER-HOMEM, 1999: 6)
Uma outra cena relevante para o nosso estudo é a em que Lex está em seu
escritório trabalhando (Fig. 10). Ele passa o dia pensando em como atuar com a situação
de sua prisão – aqui percebemos um ethos de determinação, haja visto quantas horas ele
passa pensando em uma única idéia, como nos mostra os quadros (manhã, tarde, noite),
e a legenda “A questão da prisão... deve ser resolvida já” (SUPER-HOMEM, 1999:
13), em que o operador argumentativo já enfatiza a necessidade urgente do personagem
de resolver aquela situação. Com a legenda seguinte “Eu vou falar com os juízes certos.
A polícia vai precisar de um belo donativo. Vou cobrar favores que eu pretendia usar
para outros fins” (SUPER-HOMEM, 1999: 13) percebemos um ethos de estratégia e de
corrupção, uma vez que as palavras certo e belo enfatizam um caráter ilegal das ações
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de Lex – os termos “juízes certos” pode ser entendido como “juízes certos para realizar
trabalhos ilegais” e o termo “belo donativo” pode ser entendido como “uma boa
quantidade de propina” e não como uma doação. O ethos de corrupção e de estratégia
acabam por fortalecer, então, o ethos de poder, como já indicado (Fig. 8). Com o passar
das cenas (manhã, tarde e noite) percebemos também que Lex apresenta um ethos de
solidão, pois em toda HQ ele só conversa com seus subordinados e em sua maioria está
só, como se observa na cena em foco (Fig.10).
(Fig. 10 – Lex Luthor pensa em seu escritório. SUPER-HOMEM, 1999: 13)
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O ethos de solidão, dessa vez dito, também é construído em outra cena, na qual
Lex conversa com o Super-homem sobre a morte de Toxina: “Ser o homem mais
poderoso do mundo nada significa se você está só. Ninguém sabe disso melhor do que
eu” (SUPER-HOMEM, 1999: 47) – o uso do operador argumentativo “melhor” e
“ninguém” nos indica que Lex sabe o que é solidão (pois a superou) e acredita que a
sua solidão é maior do que a do Super-homem e de qualquer homem. O plano em close
up no rosto do Super-homem nos indica que o héroi não sabe lidar com essa situação.
Entretanto, Lex, visto por um plano superior, aparenta estar acima daquela situação de
solidão – isso reforça, portanto, o ethos dito de solidão superada. Ainda nessa cena Lex
afirma que o super-homem não conhece o quão frágil é o ser humano: “Dizem que você
pode mudar o curso de rios. Mas não compreende a fragilidade da condição humana.
Como se perde a vida facilmente” (SUPER-HOMEM, 1999: 47) – o uso do operador
argumentativo “mas” nos indica que Lex conhece a fragilidade humana (as perdas),
mas o Super-homem não. Lex sabe, haja visto o uso da expressão “facilmente”, que o
ser humano morre inesperadamente – isso reforça, portanto, o ethos de alguém que
sofreu, mas superou.
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(Fig. 11 – Lex em conversa com o Super-Homem. SUPER-HOMEM, 1999: 47)
Em uma das cenas de Outono percebemos ainda que Lex Luthor constrói um
ethos de ciúme e egoísmo em relação a cidade de Metrópolis (Fig. 12). Isso se confirma
ao observarmos o trecho: i) “Eu já vivia aqui antes de você aparecer” (SUPERHOMEM, 1999: 16), o operador argumentativo “já” nos indica que Lex mostra que
conhece Metrópolis mais do que o Super-homem e por isso não quer dividi-la; ii) “Eu
transformei Metrópolis de um lugar simples na cidade mais poderosa do planeta”
(SUPER-HOMEM, 1999: 16), onde Lex, com o uso do operador argumentativo “mais
poderosa”, reforça a construção de seu ethos de poder (Eu transformei) e, por isso, “a
cidade é minha e não sua”; iii) “Aproveite a paixão do público pela mais nova mascote
enquanto puder” (SUPER-HOMEM, 1999: 16), aqui o operador argumentativo “mais
nova” nos indica que Lex não possui mais a paixão do público, pois agora ele não é a
“mais nova mascote” da cidade, e sim o Super-homem – aqui evidencia-se um ethos de
ciúme, o que também pode ser observado no quadro (Fig. 12) pela posição superior do
Super-Homem em relação à Lex; –; e iv) “A fama é fugaz... [...] ... Mas Lex Luthor é
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eterno”, o uso do operador argumentativo “mas” nos indica que o Super-homem
possui a atenção de Metrópolis por agora, entretanto, no final das contas será Lex Luhor
que sobreviverá na cidade como figura mais importante – vale ressaltar ainda que a
expressão do rosto de Lex no segundo quadro (em close up) nos indica a sua
insatisfação por perder a atenção da cidade, o que nos indica o ethos de egoísmo do
personagem, pois este não gosta de dividir Metrópolis com ninguém.
(Fig. 12 – Lex em conversa o Super-homem. SUPER-HOMEM, 1999: 16)
Ao final dessas observações, seguiremos na próxima seção para as nossas
conclusões finais sobre o assunto.
4.
Observações finais e implicações para a AD e as HQ´s
De acordo com Maingueneau (2008), podemos avaliar que as imagens discursivas
construídas por Lex Luthor evidenciam que, como o mesmo autor postula (2008),
qualquer discurso – seja ele oral ou escrito, formal ou informal, inscrito em qualquer
cena genérica específica (como as Histórias em Quadrinho (HQs), por exemplo) –
possui formações discursivas conhecidas como ethos.
Tais formações são apreendidas/percebidas/compreendidas pelo leitor – visto aqui
como co-encunciador da enunciação – na media em que este se incorpora em uma cena
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de enunciação particular. É através desse complexo processo lingüístico, portanto, que a
análise do personagem Lex Luthor foi possível: afinal
[a] prova do ethos mobiliza efetivamente ‘tudo o que, na enunciação
discursiva, contribui para destinar a imagem do orador a um dado auditório.
Tom de voz, fluxo da fala, escolha das palavras e dos argumentos, gestos,
mímicas, olhar, postura, aparência etc., todos signos, de elocução e de
oratória, indumentárias ou símbolos, pelos quais o orador da de si mesmo
uma imagem psicológica e sociológica (DECLERCQ, 1992: 48, apud,
MAINGUENEAU, 2008: 14).
É, então, a partir da totalidade dessa cena enunciativa que surge o ethos efetivo do
personagem Lex Luthor, como podemos ver no diagrama abaixo (Imagem 2). Com a
exposição desse quadro percebemos que Lex se apresenta na cena de enunciação, em
sua totalidade, como um empresário, rico e bem sucedido que conquistou Metrópolis
(por usa estratégia, corrupção, obstinação e determinação) e por isso não quer dividi-la
com ninguém. Tais imagens discursivas, portanto, só foram possíveis de se apreender,
pois nós como leitores, co-enunciadores, nos inserimos nessa cena particular e – através
do compartilhamento de estereótipos sociais historicamente construídos e de uma
análise de “caráter” e de “corporalidade” do personagem – colaboramos para efetivar
essa construção lingüística-social. Com isso, observamos, como postula Maingueneau
(2008), que o ethos além de uma figura retórica/argumentativa pode ser analisado, de
forma bastante produtiva, como um elemento integrante de uma encenação social,
circunscrita aqui em uma HQ Super-Homem “As quadro estações – Outono”.
Ainda podemos considerar que dentro de uma cena genérica de Histórias em
Quadrinho, o personagem adquire traços característicos específicos que podem retratar
emoções e situação de sua vida social fictícias ou reais. Tal análise, portanto, pode ser
Revista Icarahy
Edição n.04 / outubro de 2010
utilizada como instrumento complementar de análise do personagem, que
até o
momento só vem recebendo análises semióticas, literárias ou de quadrinhos.
(Imagem 20 – Diagrama do ethos efetivo de Lex Luthor)
Em nossa análise, portanto, evidenciamos que ao se utilizar um quadro teóricometodológico advindo de uma teoria discursiva (no nosso caso a teoria de cena
enunciativa de Maingueneau) para se analisar uma HQ, ou até mesmo qualquer outra
formação discursiva, podemos dar ao mesmo uma significação lingüística bastante
interessante, curiosa e produtiva – o que revela, então, outros aspectos de produção da
cena enunciativa e colabora, portanto, para construção de uma completude do material
lingüístico dado.
Recebido em setembro de 2010
Aprovado em outubro de 2010
Revista Icarahy
Edição n.04 / outubro de 2010
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