O poder de fogo dos desmanches ilegais

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O poder de fogo dos desmanches ilegais
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ZERO HORA > DOMINGO | 18 | DEZEMBRO | 2005
Polícia >
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“Impressionam a organização e os esquemas
de cobertura do comércio ilegal de peças”
Adilson Silva, chefe de investigações da 2ª DP de Gravataí
Editor: Marcelo Ermel > 3218-4737
Furtos e roubos de veículos SA
O poder de fogo dos
desmanches ilegais
CARLOS WAGNER e HUMBERTO TREZZI
fazem parte de uma “operação protegida” por uma rede de maus
policiais, maus fiscais e maus funcionários públicos.
Como é possível que, em um dia, desapareçam em Porto Alegre 53
O funcionamento desta teia fica evidenciado em dois episódios
carros e motos, como mostrou a reportagem Furtos e Roubos de
recentes: a execução do informante Dejalmo Carvalho da Motta e a
Veículos SA? Qualquer policial sabe que um em cada três desses carros prisão preventiva dos PMs Paulo André Ribeiro Pereira e Ivan Dias
alimenta o desmanche ilegal de carros, fornecedor de peças para lojas. Rezende.
Como é possível que eles permaneçam livres e suas lojas, abertas?
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Isso ocorre porque tanto o furto dos veículos quanto o desmanche
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E
sta teia é formada por pessoas, algumas ligadas à polícia, que agem
orientando os barões dos desmanches de
como escapar das autoridades .
– Impressionam a vastidão, a organização e os esquemas de cobertura desse comércio ilegal de peças – afirma Adilson
Silva, chefe de investigações da 2ª Delegacia de Polícia Civil (2ª DP) de Gravataí.
Cigano, 31 anos, foi morto porque se tornou uma peça importante em um jogo de xadrez que
vem sendo disputado entre a polícia e os desmanches. Os policiais
têm sido derrotados porque não
conseguem provas que mantenham na cadeia os financiadores Cigano
da ilegalidade. Investigadores
acreditam que conseguirão deter os criminosos se atacarem o que chamam de
espinha dorsal dos desmanches: a rede de
pessoas que os protegem.
– Os resultados conseguidos na apuração da morte de Cigano mostram que foi
um crime de encomenda, uma queima de
arquivo. Os ladrões e desmachadores temiam que ele nos mostrassem os pontos
frágeis da operação – comenta o titular da
2ª DP, Paulo Costa Prado.
REPRODUÇÃO
A execução de Dejalmo Carvalho
da Motta, o Cigano, por um pistoleiro
de aluguel, no início da noite do dia
6, é o fio de uma meada que desafia
os investigadores da Polícia Civil.
Ela os leva a uma rede de pessoas
que protege aqueles que financiam o
furto, o roubo, o desmanche e a venda de peças de veículos na Região
Metropolitana de Porto Alegre.
Cigano foi executado um dia
antes de fornecer as provas que
os policiais necessitam para
identificar e indiciar alguns
protetores. As últimas 24 horas de Cigano foram como o
resto da sua vida. Em 11 de junho de 1995, ele cometeu o seu
primeiro delito, um furto. Daí
para a frente, envolveu-se em crimes menores. Nos últimos cinco anos, viciou-se
em crack. Trabalhava em um desmanche
de veículos e recebia a droga como
pagamento.
Recentemente, Cigano foi
convencido a colaborar com a
polícia. Ladrões de carros dizem que, às vezes, inspetores
trocam informações por droga
com viciados, mas um amigo pró-
ximo dele, que também rouba veículos,
afirma que não era o caso do executado.
Segundo o assaltante, Cigano procurou a
polícia porque pretendia se regenerar e
começar uma nova vida.
Na opinião de Jair, 18 anos, um ladrão
de carros de Gravataí, Cigano foi o responsável pela prisão em flagrante, em novembro, de Oto Júnior Brito dos Reis, 24
anos, e de Claói Antônio Gonçalves, 41
anos, dois homens que desmanchavam
veículos e forneciam peças para lojas na
Protásio Alves e na Sertório. Segundo informações que circulavam em Gravataí,
ele estava prestes a fornecer à polícia data,
horário e o local de onde partiria um
comboio de caminhonetes levando peças
ilegais para lojas. Seria a oportunidade
sonhada pelos agentes para colocar a mão
nos financiadores da operação e em seus
protetores.
No dia da sua morte, Cigano trabalhou
durante toda a tarde. O pistoleiro chegou
no início da noite, e a execução ocorreu
ao estilo nordestino: o atirador de aluguel,
já identificado pela polícia, chegou de bicicleta ao local do trabalho da vítima
acompanhado por uma outra pessoa.
A execução não foi o xeque-mate dos
ladrões de carro na partida de xadrez que
disputam com a polícia. Foi apenas uma
peça que se mexeu no tabuleiro, mais
uma vez a favor dos ladrões.