Pizza integral, marmita natural, armazém do Marcos Palmeira no

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Pizza integral, marmita natural, armazém do Marcos Palmeira no
COMPORTAMENTO
A BATALHA DOS VEGETAIS
Pizza integral, marmita natural, armazém do Marcos
Palmeira no Leblon e hortas na periferia de São Paulo.
Essas e outras novidades mostram que os orgânicos
conquistam cada vez mais espaço no seu prato
POR MARSÍLEA GOMBATA ILUSTRAÇÃO FERNANDO VOLKEN
Quando decidiu que a fi lha Micaela
passaria a se alimentar com produtos
orgânicos, 15 anos atrás, a engenheiraagrônoma Marina Pasconn não tinha
outra opção a não ser buscar direto
de produtores em Minas Gerais e
no interior de São Paulo. Na capital
paulista, onde viveu até 2006, ela não
conseguia encontrar vegetais cultivados sem agrotóxicos e em pequenas
propriedades com culturas diversificadas e que respeitassem as estações
do ano. A mesma dificuldade ocorria
com carnes de animais livres de antibióticos e produtos processados sem
conservantes, corantes e outros produtos químicos. Em pouco tempo, as
mães das colegas de Micaela estavam
fazendo encomendas para Marina. Foi
desse aproveitamento das viagens que
nasceu o serviço de entrega de cestas
com produtos orgânicos batizado de
Caminhos da Roça.
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COMPORTAMENTO
“A FICHA CAIU
QUANDO PERCEBI
QUE NEM MESMO
OS PRODUTORES
COMIAM O QUE
PLANTAVAM,
POR CAUSA DOS
AGROTÓXICOS.
PENSEI: ‘ISSO
ESTÁ ERRADO,
VOU MUDAR’”
MARCOS PALMEIRA, ATOR E
PRODUTOR DE ORGÂNICOS
O pioneirismo valeu a pena. Hoje a
empresa atende 500 famílias semanalmente na Grande São Paulo. “As
pessoas estão ficando mais instruídas
e buscando uma qualidade de vida
melhor. Crescemos cerca de 30% ao
ano”, diz Marina. Nesses 15 anos, o
cenário mudou radicalmente. O Censo
Agropecuário de 2006 foi o primeiro
a levantar a produção de alimentos
orgânicos no Brasil. O estudo do IBGE
identificou uma realidade promissora:
o mercado de produtos sem agrotóxicos, ainda pouco formalizado,
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movimentava R$ 1,2 bilhão na época.
Desde então, especialistas ligados à
área calculam um crescimento médio
de 20% ao ano na produção – algumas
redes varejistas apontam alta ainda
maior, em torno de 40% ao ano. A
agricultura orgânica ocupa 1,5 milhão
de hectares do solo brasileiro, quase
o dobro dos 800 mil de 2008. E novos
serviços não param de aparecer por
todo o país (veja na página 89).
O Armazém Vale das Palmeiras, por
exemplo, foi aberto em fevereiro no
bairro carioca do Leblon. O dono da loja,
o ator Marcos Palmeira, 49 anos, vende
itens como alface, rúcula, batata, alho e
abacaxi – que produz na fazenda Vale das
Palmeiras, em Teresópolis. A propriedade de 300 hectares é dele desde 1996,
mas no começo o ator não sabia nada de
produção orgânica. “Para mim, um pé de
alface era algo natural e ponto. A ficha
caiu quando percebi que nem mesmo os
produtores comiam o que plantavam, por
causa dos agrotóxicos. Pensei: ‘Isso está
errado, vou mudar’”, diz Palmeira.
Além do choque de realidade, o ator
contou com a inspiração do avô Sinval
Palmeira, advogado do líder comunista
Luís Carlos Prestes e dono de uma fazenda em Itabuna, no sul da Bahia. Sinval
já adotava um modelo que questionava
a monocultura, prezava pela adubação
natural e se opunha à ideia de agricultores produzindo na roça para depois
comprar frutas, verduras e legumes na
cidade. “Na época não se tinha muita informação sobre agroecologia, mas essas
questões ficaram na minha cabeça e me
norteiam até hoje”, afirma Palmeira.
A loja dele também vende sucos,
café, laticínios, carne de frango, pães,
cosméticos e artigos de limpeza, o que
dá uma ideia da infinidade de produtos
orgânicos disponíveis atualmente. Biscoitos, cervejas, vinhos, refrigerantes,
doces e até pizzas já entraram na onda.
A pizzaria La Naturale, por exemplo,
faz entregas na zona sul de São Paulo
com mais de 70% de ingredientes
orgânicos. A ideia surgiu quando os
amigos Marcel Calegarin, 33, Mark
Matuo, 32, e Marcio Rodrigues Santos,
33, que trabalhavam com tecnologia
da informação, sentiram os benefícios
de uma alimentação saudável após
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COMPORTAMENTO
passar por uma nutricionista, em 2010.
“Mudamos tudo, mas não conseguimos
abrir mão da pizza”, lembra Rodrigues.
“Foi aí que pensamos em fazer uma
pizza mais saudável e com esse apelo.”
A pizzaria, aberta em fevereiro do ano
passado, cresceu 10% ao mês até agora.
Outra modalidade para consumir
pratos orgânicos prontos foi criada em
São Paulo por Sofia Dobbin com base
na lembrança carinhosa dos almoços
de infância. “Minha mãe usava alimentos saudáveis e da horta de casa sempre
que podia e cozinhava com muito capricho”, diz. Quando conheceu Cássia
Janeiro, também vegetariana e preo-
cupada com a origem dos alimentos,
passaram a cozinhar juntas. Os elogios
foram tantos que elas transformaram
o prazer em negócio, chamado de Comida e Consciência. O serviço entrega
marmitas vegetarianas, integrais e orgânicas. “Acreditamos nessa ideia por
ser uma oportunidade para as pessoas
se alimentarem bem, com praticidade e
a um preço justo”, comenta Sofia. Com
oito meses de atividade, a empresa
recebe, em média, 300 pedidos por mês
e oferece 24 opções de marmita – a
preferida é a torta de palmito acompanhada de macarrão e salada de quinoa.
Para Sofia, é só o começo. “Queremos
criar mais pratos, chegar a mil pedidos
mensais, atender todas as regiões de
São Paulo e quem sabe outras cidades.”
Na capital paulista, uma das opções
mais tradicionais é a feira do Parque
da Água Branca, frequentada pela professora Ursula Fernal, 33. Os cuidados
com a alimentação começaram dois
anos atrás, quando teve problemas de
hipertensão durante a gravidez. “O
sabor é melhor e o valor compensa em
termos de saúde”, afirma. Entusiasta
da causa, ela coloca na lancheira da
fi lha apenas frutas, proteína de soja
texturizada e iogurte. Sempre que
pode ela compra produtos orgânicos
que nem são de comer, como roupas de
algodão que trouxe de Maceió no fim do
ano passado.
O fator bolso
Apesar do aumento da oferta, os preços
dos orgânicos ainda são cerca de 30% a
40% mais altos em relação à produção
tradicional. A diferença reflete a menor
escala e, claro, a ausência de agrotóxicos, o que leva à perda de um terço da
produção. Uma das razões de Marcos
Palmeira abrir o Armazém foi vender
direto ao consumidor e aproximar os
preços dos cobrados pelos alimentos
convencionais. Ali, um queijo de minas
frescal, por exemplo, custa R$ 15, em
média R$ 2 a mais do que em um supermercado. O pé de alface sai a R$ 2,20 –
40 centavos de diferença. Já o quilo da
cebola é 44% mais caro. Custa R$ 9,20,
contra R$ 6,40 no supermercado.
A diferença de preços é significativa
para as classes D e E, mas algumas iniciativas aproximam os orgânicos das
periferias, com benefícios alimentares
e de geração de renda. Preocupado com
uma alimentação simples e saudável, o
administrador e técnico agrícola Hans
Dieter Temp, 48, fundou em 2003 a
ONG Cidades sem Fome, nascida em
um terreno baldio que deu espaço a
uma horta ao lado de sua casa, na zona
leste da capital paulista. Hoje ele se
orgulha de ter chegado a 21 hortas para
geração de renda e outras 15 educativas, construídas em escolas públicas,
pelas quais passaram 4 mil crianças.
“MUDAMOS TODA A NOSSA ALIMENTAÇÃO,
MAS NÃO CONSEGUIMOS ABRIR MÃO DA
PIZZA. POR ISSO, RESOLVEMOS FAZER UMA
QUE FOSSE MAIS SAUDÁVEL”
MARCIO RODRIGUES,
DONO DA LA NATURALE
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COMPORTAMENTO
RIO DE JANEIRO
FEIRA CULTURAL DA GLÓRIA R. do Russel,
altura do número 300. feiraorganicadagloria.
wordpress.com. Sábado, das 7h30 às 13h.
FEIRA ORGÂNICA DO BAIRRO PEIXOTO Pça.
Edmundo Bittencourt, Copacabana. Sábado,
das 8h às 13h.
FEIRA DA TIJUCA Pça. Afonso Pena. Quinta,
das 7h30 às 13h.
ARMAZÉM VALE DAS PALMEIRAS Av. Ataulfo
de Paiva, 1.100, loja C, Leblon. Tel.: (21) 22940988. www.facebook.com/pages/ArmazémVale-das-Palmeiras/419127181495973.
CURITIBA
MERCADO MUNICIPAL DE ORGÂNICOS
R. da Paz, 608, centro. Tel.: (41) 3264-6024.
Domingo, das 7h às 13h; segunda, das 7h às
14h; e terça a sábado, das 7h às 18h.
JARDIM BOTÂNICO R. Dr. Jorge Mayer, pça.
da Itália. Sábado, das 7h às 12h.
PRAÇA DO JAPÃO Av. República Argentina,
esquina com a av. Sete de Setembro. Quinta,
das 7h às 12h.
PRAÇA DA UCRÂNIA Av. Candido Hartmann,
esquina com as ruas Padre Anchieta e
Capitão Souza Franco. Sábado, das 7h às 12h.
O projeto beneficia 115 pessoas, das
quais 70% recebem um salário mínimo
e 30% chegam a conseguir mais de
dois. Os produtos, no entanto, não são
certificados. O custo mínimo de R$ 25
mil pelo selo é inviável para a organização. “A certificação tem de ser o crédito
da população que consome. Esse é o
melhor selo que existe”, diz Temp.
O produtor Wagner Peres, 31 anos,
reconhece os preços mais altos, mas
destaca o ganho na saúde a médio e
longo prazo. “Orgânicos são uma opção
de vida. As pessoas aumentam o consumo deles e diminuem o de remédios”,
afirma. Peres largou o trabalho em um
escritório de contabilidade para se dedicar ao cultivo em Ibiúna, no interior
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paulista. A mudança de vida se deu
há sete anos, para tentar encerrar as
frequentes visitas da fi lha Adrília, hoje
com 10 anos, ao hospital. Deu certo. Os
benefícios ficaram ainda mais claros
com o segundo fi lho, Vinícius, 3 anos.
“Ele nunca ficou doente. Só consome
orgânicos desde que estava na barriga
da mãe”, orgulha-se.
Bom para todo mundo
Especialista no tema e autora do livro
Alimentos orgânicos – Ampliando os
conceitos de saúde humana, ambiental e social, a nutricionista Elaine de
Azevedo tem uma extensa lista de
benefícios: “Orgânicos têm maior teor
de antioxidantes, vitaminas e mine-
rais. Os de origem animal têm mais
substâncias anticancerígenas e menos
gordura saturada”, afirma. Segundo
ela, estudos mostram que, ao consumir
orgânicos, o indivíduo fica livre de medicamentos usados em animais. Essas
drogas podem causar insônia, irritabilidade, dor de cabeça e tremores musculares. Os agrotóxicos são relacionados a vários tipos de câncer, depressão
e mal de Parkinson. “Qual o real valor
de um alimento ‘barato’ que promove a
exclusão social do agricultor familiar,
causa doenças e ainda degrada o meio
ambiente?”, questiona Elaine.
Colaboraram: Carolina Stella e Daniel Marques
Onde encontrar
SÃO PAULO
FEIRA ORGÂNICA DO PARQUE BURLE
MARX Av. Dona Helena Pereira de Moraes,
200, Morumbi. Sábado, das 7h às 13h.
FEIRINHA DO PARQUE DA ÁGUA BRANCA
Pq. da Água Branca. Av. Francisco Matarazzo,
455, Perdizes. Tel.: (11) 3875-2625. Terça,
sábado e domingo, das 7h às 12h.
FEIRA DA AGRICULTURA LIMPA PARQUE
DO CARMO Av. Afonso de Sampaio e Souza,
951. Sábado, das 7h às 12h.
CAMINHOS DA ROÇA
Av. Otacílio Tomanik, 926, Butantã. Tel.: (11)
3733-6727. www.caminhosdaroca.com.br.
Entrega em domicílio.
COMIDA E CONSCIÊNCIA
www.comidaeconsciencia.com.br. Entrega
de marmitas. R$ 20, mais taxa de entrega.
MERCADO APANÃ
R. Turiassú, 1.645, Perdizes. Tel.: (11) 2667-9395.
www.apana.com.br.
RECIFE
FEIRA DE ORGÂNICOS DE CASA FORTE Pça.
da Vitória Régia. Sábado, das 5h às 11h.
FEIRA AGROECOLÓGICA DO RECIFE
Antiga pça. Tiradentes, em frente ao Tribunal
Regional. Sexta, das 11h às 17h.
ESPAÇO AGROECOLÓGICO DE BOA VIAGEM
Terceiro Jardim da av. de Boa Viagem.
Sábado, das 5h às 10h.
BELO HORIZONTE
FEIRA DA PAMPULHA Av. Alberto Dalva
Simão, esquina com a av. Santa Rosa. Sábado,
das 7h às 12h.
FEIRA DA SAVASSI R. Cláudio Manoel, entre
Getúlio Vargas e Afonso Pena. Terça,
das 14h às 18h.
FEIRA DOS BURITIS Av. Prof. Mario Werneck,
esquina com a rua Aurélio de Miranda. Sexta,
das 7h às 12h.
FORTALEZA
VEG GOURMET www.facebook.com/Veg.
gourmet.delivery. Entrega de marmitas.
R$ 17, mais taxa de entrega.
MAIS INFORMAÇÕES
Os portais www.portalorganico.com.
br/ondeencontrar e www.idec.org.br/
feirasorganicas têm uma relação de produtos
e serviços por todo o país.
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