Consequências da utilização de elementos pianísticos na

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Consequências da utilização de elementos pianísticos na
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição
dos Six Études de Jeanne Demessieux para a técnica organística
por:
Domitila Ballesteros
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Escola de Música - Curso de Pós Graduação
Profa Orientadora:
Dra. Miriam Grosman
Rio de Janeiro
2002
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
ii
Para Lincoln Amazonas
por: Domitila de Lima Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
iii
Agradecimentos
Gostaria de expressar minha gratidão àqueles que me acompanharam
durante a realização deste trabalho.
A meus pais, Calixto e Deoca, pelo amor que me dedicam constantemente,
A meus filhos, Cláudio e Virgínia, garantia do propósito,
À Miriam Grosman, que aceitou o desafio,
À Cláudia Miranda, pelos ouvidos pacientes,
À Márcia Dias, pelas inúmeras revisões,
Ao Sr e Sra.. Jean Louis, por possibilitarem o acesso ao único livro biográfico de
Jeanne Demessieux,
Aos Srs. Stephen Pinel e Kevin Bowyer, amigos internáuticos, cuja generosidade
permitiu o envio de material impresso decisivo na confecção deste trabalho,
A Editions Leduc, pela autorização dos exemplos musicais da obra de Marcel Dupré e
de Jeanne Demessieux.
A Fritz Hofer (in memoriam).
por: Domitila de Lima Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
iv
Resumo
Este trabalho tem por objetivo investigar como a linguagem pianística dos
estudos de Chopin e Liszt se apresentam, ainda que transfigurados, no processo
composicional dos estudos de Jeanne Demessieux. Para corroborar esta hipótese,
iremos ressaltar dois pontos. Primeiro, a ênfase da técnica pianística adotada pela
pedagogia da Escola Moderna Francesa de Órgão, que tem em Marcel Dupré, mestre
de Jeanne Demessieux, seu maior paradigma. Segundo, a grande influência do estudo
e prática pianísticas, recebidos por Jeanne Demessieux. em sua formação.
No intuito de fundamentar propriamente o assunto proposto, desejamos
apresentar ainda as características do gênero estudo, de modo a efetuar
posteriormente uma comparação, entre o uso que dele fazem Chopin e Liszt ao piano
e o utilizado por Jeanne Demessieux em suas composições organísticas.
por: Domitila de Lima Ballesteros
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v
Abstract
This dissertation aims to investigate how the pianistic language of the studies of
Chopin and Liszt present themselves, although transfigured, in Jeanne Demessieux´s
composition process. In order to corroborate this hypothesis, we shall stand out two
points. First, the emphasis on the pianistic technique adopted by the French Modern
Organ School Pedagogy, which has in Marcel Dupré, Jeanne Demessieux´s master,
its greater paradigm. Second, the great influence of piano practice and study,
received by Jeanne Demessieux on her formation.
On the way of properly grounding our proposed subject, we want to present
furthermore the characteristics of the study gender, in order to perform subsequently
a comparison, between its use by Chopin and Liszt at the piano, and the one Jeanne
Demessieux utilizes on her organistic compositions.
por: Domitila de Lima Ballesteros
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vi
“Il semble impossible d’entreprendre l’étude de l’orgue sans posséder une technique
pianistique suffissante.”
Jean e Marie-Louise Langlais
por: Domitila de Lima Ballesteros
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vii
Sumário
1 Introdução
1
2 O gênero estudo e a técnica pianística
11
Diferenciamento entre a técnica pianística e de teclados
11
A Escola Vienense e a Escola Inglesa
12
O nascimento do estudo romântico
13
O estudo como coadjuvante do desenvolvimento do pianismo
16
O estudo segundo vários mestres
16
Os estudos de Chopin
17
Os estudos de Liszt
22
3 A Escola Moderna de órgão na França
26
Órgão e liturgia
26
O órgão e a Revolução Francesa
30
O Período da Reconstrução e as novas tendências expressivas
32
Cavaillé-Coll e o órgão sinfônico
35
O órgão e a fundação do Conservatório de Paris
37
Métodos e tratados de órgão na França do século XVII
41
Widor, Guilmant e a moderna Escola de órgão francesa
46
4 Jeanne Demessieux e os Six Études
51
A formação musical de Demessieux
51
A pedagogia de Marcel Dupré
52
Os precursores dos Six Études: os Estudos de Marcel Dupré
56
por: Domitila de Lima Ballesteros
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5 Os elementos pianísticos e os Six Études
viii
65
Características específicas do órgão
65
Propriedades expressivas do órgão
66
A respeito da constituição física do órgão
66
O processo de transformação nos Six Études
68
Primeiro estudo: Pointes
68
Segundo estudo: Tierces
80
Terceiro estudo: Sixtes
85
Quarto estudo: Accords Alternés
88
Quinto estudo: Notes Répétées
95
Sexto estudo: Octaves
100
6 Conclusão
110
por: Domitila de Lima Ballesteros
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1
1- Introdução
Foi na pesquisa de obras que trouxessem alguma contribuição significativa do
ponto de vista da técnica do pedal, que ouvimos por primeira vez falar nos estudos de
Jeanne Demessieux. A informação recebida dava conta de que se tratavam de estudos
“muito difíceis” observação que, uma vez diante das partituras, nos pareceu deveras
otimista porque Demessieux concedia ao pedal tratamento semelhante aos manuais,
tratando-o sem qualquer tipo de concessão. Para a execução de tais obras, seriam
necessários ao organista mais que os quatorze dedos de Widor1.
Passamos então a investigar se e como, os Six Études, escritos já em meados do
século XX, se equiparavam aos estudos de piano, escritos no século anterior. Como
forma de enfocar o estudo como gênero musical, partiu-se inicialmente da concepção
geral do termo para em seguida estabelecer, dentro das peculiaridades e composicionais
de cada compositor, de que maneira cada um deles imprimiu sua marca pessoal.
Limitações se impuseram no decorrer do trabalho tornando-se imprescindível
circunscrever o espectro de nossa pesquisa. Uma dupla motivação nos levou então a
delimitar nossas comparações aos estudos de piano compostos por Liszt e Chopin. A
primeira delas refere-se ao fato de que as obras destes compositores se constituíam
como quesitos fundamentais do currículo de piano do Conservatório de Paris no início
do século XX. Demessieux, durante seu curso de piano no Conservatório, teve Chopin e
1
Widor, um dos criadores da Escola Moderna de Órgão Francesa, afirmava que o organista tinha nos pés
quatro dedos (ponta e calcanhar do dois pés) os quais formavam sua terceira mão. "The organist has
fourteen fingers, ten on his hands, and four on his feet. Here is the only rational way to constitute the
supplementary hand represented by the two feet;” Louis Vierne, “Memoirs of Louis Vierne; his life and
Contacts with famous men.” Translated by Esther E. Jones. The Diapason. USA, november, 1938 p. 11.
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Liszt como mestres através da performance de suas composições. Seu professor de
órgão, Marcel Dupré, considerava que o desenvolvimento da técnica organística não se
viabilizava antes de uma sólida formação pianística e frisava a necessidade do organista
em praticar as principais obras do repertório romântico, entre elas, as obras de Liszt e
Chopin. O segundo motivo, que aqui se apresenta como dogma, se refere à idéia
amplamente aceita de que Chopin e Liszt foram os fundadores da técnica moderna do
piano2.
Como este trabalho prevê a ambientação de características consideradas próprias
ao piano em um universo organístico, à guisa de alcançar uma melhor compreensão de
nossos objetivos, é mister que se defina o que aqui entendemos por elementos
pianísticos. Esta expressão de pronto poderia apontar para uma singela tentativa de se
encontrar semelhanças composicionais entre os Six Études e os estudos de piano citados
anteriormente. Contudo, ousamos pretender algo mais.
Gerd Kaemper3, definiu como básicas e distintas entre si: a escrita, a técnica e a
tecnologia pianísticas. Embora Kaemper se referisse especificamente ao piano suas
idéias podem ser lidas tendo-se em mente o órgão como objeto, sem prejuízo qualquer
de seu conteúdo. A escrita pianística, diz ele, “designa o conjunto de procedimentos
utilizados para adaptar um conteúdo musical de acordo com os procedimentos
específicos do piano e de sua forma de tocar”. ["désigne l'ensemble des procédés utilisés
pour adapter un contenu musical selon les exigences spécifiques du piano et de son
jeu"]4. A escrita, como parte do processo composicional, está atrelada à linguagem e às
características próprias, de acordo com as limitações e possibilidades do instrumento a
2
“(...) a técnica começou a se desenvolver com Clementi até alcançar seu florescimento com Liszt, (...)”
[“la technique s’est développée à partir de Clementi pour ateindre son plein épanouissement avec Liszt”].
(AAU, p.8)
3
Kaemper, op. cit..
4
Hans Hering apud Kaemper, op. cit. p. 6
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3
que se destina. Quanto à técnica, Kaemper afirma que ela “designa o conjunto dos
movimentos do pianista. Assim, fala-se da técnica pianística de um Cortot, ou de um
Gieseking, mas jamais da de um compositor”. [“(...) désigne l'ensemble des
mouvements du pianiste. Ainsi, on parle de la technique pianistique d'un Cortot... mais
jamais de celle d'un compositeur.” ] 5.
A distinção entre técnica e escrita didaticamente falando é bastante eficaz até o
momento em que a figura do compositor passa a coincidir com a figura do intérprete.
De fato, a intimidade do compositor com o instrumento para o qual compõe, pode se
refletir em sua habilidade em aproximar sua escrita da linguagem, e do estilo do próprio
instrumento. É, portanto, completamente plausível supor que a habilidade virtuose do
instrumentista interferirá em sua tarefa como compositor, pois sua atividade
composicional será matizada por sua experiência pessoal de intérprete. Como bem
observou Chiantore, trata-se de
“(...) estender à dimensão técnica a problemática do “texto original” e do “som
original”, do Ur-Text e do Ur-Ton, em busca de uma Ur-Technik que, longe de qualquer
dogmatismo, nos permita comprender que tipo de execução se esconde por trás da
escrita de cada compositor.”
[“(...) extender a la dimensión técnica la problemática Del “texto original”y de “sonido
original”, del Ur-Text y del Ur-Ton, en busca de una Ur-Technik que, lejos de cualquier
dogmatismo, nos permita comprender qué tipo de ejecución se esconde detrás de la
escritura de cada compositor.”]6
Os estudos de Jeanne Demessieux constituem-se em um bom exemplo do que
pode ocorrer quando compositor e intérprete virtuoso encarnam a mesma pessoa. Os Six
5
Kaemper, op. cit., p. 7.
Chiantore, Luca. Historia de la técnica pianística: Un estudio sobre los grandes compositores y el arte
de la interpretación en busca de la Ur-Technik, p. 14.
6
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Études podem ser encarados como um mostruário daquelas questões técnicas que o
autor, por seu próprio talento, intuição ou experiências, já adquiriu. Outro argumento
também válido, e é este que aqui adotamos, é que antes de se propor como enigma, a
escrita como proposta de execução da obra, pode fornecer importantes pistas acerca da
aquisição da virtuosidade do compositor enquanto intérprete. Estas pistas, quando
decodificadas, se constituiriam naquilo que Kaemper chamou de tecnologia, ou seja, a
teoria da técnica, que tem por objetivo explicar cientificamente aquilo que os “grandes
pianistas fazem por instinto” 7.
Os elementos pianísticos aos quais aqui nos referimos, são a resultante do
processo de conjugação desses três conceitos apresentados: escrita, técnica e tecnologia.
A pesquisa bibliográfica para a realização deste trabalho, enfrentou alguns
obstáculos. Deparamo-nos com a escassez de livros escritos sobre Jeanne Demessieux,
pois podemos afirmar com segurança que apenas um livro foi publicado sobre esta
compositora. Trata-se do livro biográfico escrito por Christiane Trieu-Colleney 8 ,
contendo inúmeras partes do diário que Demessieux mantinha. Dada sua solitária
existência no cenário literário demessiano, indubitavelmente, este livro se constitui em
referência obrigatória. Além desse livro, tivemos acesso a três artigos de jornal. Um
trata especificamente dos Six Études, outro aborda as três turnês realizadas por
Demessieux aos Estados Unidos e ainda um terceiro, que menciona a relação
pedagógica entre a Jeanne e Dupré. Devido à carência de material específico muito do
que inferimos a respeito de Jeanne Demessieux enquanto aluna, professora e
instrumentista, veio por intermédio do cruzamento dos dados do livro de Trieu-Colleney
7
“La technologie est la théorie de la technique, do, domaine du savant, qui explique en théorie ce que les
grands pianistas ont fair par insticnt”. (Kaemper, op. cit., p. 8).
8
Trieu-Colleney, Jeanne Demessieux, Une vie de luttes et de gloire. Avignon: Les Presses
Universelles, 1977.
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com as informações contidas nos livros escritos sobre a vida e a obra de Marcel Dupré,
seu professor de órgão.
Outro entrave bibliográfico que enfrentamos se deveu ao fato de que muitas das
obras, cuja leitura julgávamos imprescindível, encontravam-se esgotadas, o que
dificultou em muito sua aquisição. Especificamente no caso da obra de Trieu-Colleney,
a localização bem como a obtenção deste livro biográfico de Demessieux praticamente
se transformou em um exercício detetivesco.
A utilização das obras escritas por e para Marcel Dupré como fontes importantes
de consulta para este trabalho extrapola o fato dele ter sido seu professor de órgão. Foi
por sugestão do próprio Dupré que Jeanne Demessieux escreveu seus estudos para
órgão, publicados em 1946 e a ele dedicados. Dupré nutria grandes expectativas com
relação aos estudos de Demessieux9. É interessante notar que a produção de estudos
para órgão durante o século XIX aconteceu de forma qualitativa e quantitativamente
muito diferente que para o piano, sobretudo na França. Poucos foram os compositores
que naquele período se dedicaram a escrever estudos para órgão 10 e, considerando a
maneira pela qual o gênero evoluiu, uma grande parte destas obras se assemelhavam
mais a exercícios técnicos. Por motivos que fogem ao escopo deste trabalho, o gênero
também foi pouco adotado em outros países da Europa. De forma geral, pode-se afirmar
então que enquanto que na tradição pianística os estudos foram e são até os dias de hoje
peças constantes do repertório para este instrumento, os estudos para órgão não
desempenham o mesmo papel dentro na prática organística. É através deste argumento
9
Em março de 1945 Jeanne Demessieux pediu que Dupré aceitasse que ela lhe dedicasse os Six Études,
ao que ele respondeu: “Você não conhece a extensão de seus estudos. (...) eles levarão meu nome à
posteridade.” [“Vous ne savez pas la portée de vos etudes. (...) elles porteront mon nom à la postérité”]
.Trieu-Colleney, op. cit. p. 172.
10
Para a pesquisa da literatura organística publicada sob o nome de Estudos foram utilizadas as seguintes
fontes: (a) “Guide de la Musique d’Orgue” (1991) sous la direction de Gilles Cantagrel Librairie Arthème
Fayard, (b) http://www.bodensee-musikversand.de/.
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que inferimos que o estudo enquanto gênero musical se encontra mais próximo do piano
que do órgão.
Dentre esta parca literatura organística encontram-se estudos, que embora sejam
atualmente executados ao órgão, foram escritos originalmente para piano pédalier. Este
é o caso dos Six Études en forme de canon op. 56 de Schumann, que, como o nome já
indica, estão construídos debaixo de um molde estritamente contrapontístico e Quatre
Esquisses op. 58, às quais Sabatier denominou de “impromptus de estrutura A B A”.11
O piano pedalier foi também alvo das composições de Charles Valentin Alkan.
De toda a sua obra publicada, apenas uma foi escrita especificamente para órgão 12 .
Entretanto, ele publicou várias outras peças para o piano pedalier. Dentre elas se
encontram os Douze Études pour les pieds seulement13, publicada por S. Richault em
Paris, em fins de 1860. Dotadas de um grau de dificuldade incomum para a época, a
performance destas obras requerem uma técnica de pedal muito avançada14. Para fins de
nossa investigação, essas composições adquirem destaque porque mesmo não tendo
sido escritas originalmente para órgão, foram objeto do interesse pedagógico de Marcel
Dupré. Para ele, a performance dos Estudos de Alkan não podia ser alijada da formação
11
“Contemporains des canons, ces quatre impromptus destructure A B A (...)” François Sabatier, “Robert
Schumann”. In: Guide de la musique d’orgue. Sous la direction de Gilles Cantagrel. Paris: Librairie
Arthème Fayard, 1991, p. 717.
12
Trata-se de Petit Préludes sur les huit gammes du Plain-Chant, obra que dispensa a utilização da
pedaleira.
13
A nomeação da obra como Douze Études d’Orgue ou de Piano à Pédales pour les pieds seulement foi
provavelmente um imperativo comercial e de responsabilidade dos próprios editores (François Sabatier,
Robert Schumann. In: Guide de la musique d’orgue. Sous la direction de Gilles Cantagrel. Paris:
Librairie Arthème Fayard, 1991, p. ).
14
Segundo Kevin Bowyer, os Estudos de Pedal de Alkan, não obstante os grandes avanços da técnica
pianística, essas obras contém ainda hoje passagens de grande dificuldade técnica. (prefácio da re-edição
dos Études.) Os estudos foram escritos guardando as possibilidades do piano-pedalier cuja pedaleira tinha
32 notas, com a extensão de lá até mi, ou seja, uma terça menor abaixo da pedaleira do órgão. A re-edição
da Sphinx de 1999, apresenta em apêndice, os estudos transpostos para uma terça menor acima, o que
possibilita a execução ao órgão destes estudos em sua íntegra, embora, como diz o próprio Bowyer no
prefácio, “em muitos casos, a transposição aumente a dificuldade da música”. (Bowyer in, CharlesValentin Alkan. 12 Études d’Orgue ou de Piano à Pedales pour lês Pieds seulement. Hertsfordshire:
Sphinx, december 1999)
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de uma técnica virtuose de primeira classe 15 e por isso ele mesmo havia orientado
Jeanne16 que os estudasse17.
Como pianista virtuose que era, Alkan incluiu em seus estudos senão todas,
praticamente todas as fórmulas e figurações típicas dos estudos de piano do século XIX.
Dignos de nota são, entretanto dois estudos. O quinto estudo, de notas repetidas, em
cuja seção intermediária, Alkan agrega notas duplas no pé direito e o décimo estudo,
composto exclusivamente sobre poliritmias (figuras 1 e 2).
Para órgão, ainda na França, Charles-Alexis (1837-1871) escreveu XV Études
Préparatiores aux oeuvres de Bach (Sabatier), que como o próprio título sugere,
destinam-se para a performance da obra organística bachiana.
15
Em fevereiro de 1942, em sua casa em Meudon, Marcel Dupré afirmou à Jeanne Demessieux: “En
somme, pour faire une technique de virtuose de première classe, il suffit de trois séries de gammes, des
Etudes d’Alkan et de celles que je suis en train d’écrire...” Trieu-Colleney, op. cit. p.131.
16
“(...) je n'ai jamais si bien joué son orgue. (...) je sens que ma technique part. Le Maître m'encourage...
Il me prête un recueil d'Etudes de pédales d'Alkan dont l'édition est épuisée.” (Trieu-Colleney, op. cit. p.
126)
17
Devido à questão levantada anteriormente a respeito das diferenças de extensões entre as pedaleiras do
órgão e do piano-pèdalier não é do nosso conhecimento como Marcel Dupré orientava a performance
destes Estudos, nem como Jeanne Demessieux “resolveu” os problemas que advinham disto.
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Na Itália, o interesse pelo gênero parece ter sido ainda menor, pois a única
referência que encontramos a esse respeito vem de Marco Enrico Bossi (1861-1925),
que escreveu o Etude Symphonique op.78.
Na Alemanha, foram três os compositores, que segundo é do nosso
conhecimento, se dedicaram a escrever para o órgão composições desse gênero.
Sigismond Neukomm (1778-1858) escreveu seus 25 Grandes Études pour
l’Orgue entre 1832 e 1834 numa tentativa de desenvolver para o órgão um gênero que
já se havia estabelecido no piano 18 . A coletânea foi publicada por Johann Baptist
Cramer, compositor que já no início do século tinha publicado seus próprios estudos
para piano. Os Estudos de Neukomm se bem que escritos com finalidade pedagógica
evidente estão longe de apresentar características virtuosísticas: “esses estudos se
tornam ‘grandes’ mais por causa de seu tamanho que por sua dificuldade”. [“(...) these
studies are made “grand” more by their length than by their difficulty”]. 19
Julius Schneider (1805-1885) compôs dois cadernos intitulados Studien für die
Orgel (zur Erreichung des obligaten Pedalspiels) 20 , os quais apresentam exercícios
indicados ao desenvolvimento e aprimoramento das técnicas do pedal tais como
substituição e cruzamento de pés. Estes estudos, na verdade, se apresentam mais como
exercícios, pois são formados basicamente pela presença de células contendo uma
determinada dificuldade a ser superada, que se reproduzem em progressão no decorrer
de cada peça (figura 3).
18
Sabatier in: Sigismond Neukomm. 25 Grandes Études pour Orgue. Édition par François Sabatier et
Nanon Bertrand-Tourneur. Paris, France: Éditions Publimuses, 1991.
19
Sabatier in: Neukomm, op. cit. p. 22.
20
“Estudos para órgão: para obtenção das técnicas obrigatórias de pedal”.
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O mesmo pode ser dito dos estudos de Thomas onde fórmulas pré-determinadas
e fixas são trabalhadas no terceiro sistema. Cada uma dessas composições está dirigida
ao treinamento de uma determinada figuração, que é trabalhada no decorrer de toda a
obra nas mais variadas alturas. São escalas diatônicas e cromáticas, arpejamentos, notas
duplas, ornamentos, oitavas simultâneas e partidas.
No século XX Thomas Daniel Schlee publicou os 13 Studies by Contemporary
Composer (1957), coletânea onde apenas duas peças foram individualmente batizadas
sob o título específico de estudos. Estas são o Etude pour le pédalier Orgelpedalsolo
(1957) do próprio Schlee, e Contrepointes. Etude pour le pédalier, do suíço Lionel
Rogg, (1936). Jean Langlais escreveu os 7 Études de Concert pour pédale seule”
(1983),
onde cada uma dos estudos aponta ao aprimoramento de uma técnica
específica.
Ainda levando em conta obras nomeadas estritamente pelo termo estudo,
encontram-se ainda Four Etudes (1922), de Lukas Foss, Etude de concert (1963) de
Anthon van der Horst, Concert Etude for Organ (1941) de Anthony Newman, Deux
Etudes (1934), de Sigfried Thommessen, Etudes for Pedals, (1964) de Roy Harris,
Variations-Etudes I- sur une berceuse, op. 48 (1920) de Rolande Falcinelli, Etudes pour
Agresseurs (1945), de Alain Louvier, Study in Densities und Durations (1932) de Alan
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Stout, Ten Pedal Studies, - Air and Variations on the Belgian Folk Tune “Le petit
pêcheur ruse” (1925), de Flor Peeters, por exemplo.
Há que se considerar que embora alguns destes estudos tenham sido escritos em
anos anteriores aos estudos demessianos, a proximidade cronológica, bem como as
distâncias entre os países e as Escolas, diminuem as chances de uma provável
influência.
Talvez os Six Études não se constituam um empreendimento original do ponto
de vista cronológico, porém representam um marco decisivo como o epítome da Escola
Moderna Francesa de Órgão. Como sintetizou Marcel Dupré em setembro de 1944, “Fui
eu quem começou a evolução do órgão, e será você quem a completará.” [“C’est moi
qui ai commencé l’évolution de l’orgue, et vous, vous la finirez...”]21
21
Trieu-Colleney, op. cit., p. 168.
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2. O gênero estudo e a técnica pianística
O desenvolvimento da técnica pianística vincula-se intimamente às sucessivas
transformações pelas quais este instrumento passou. O piano despontou no gosto
popular numa época em que suas características sonoras e expressivas coincidiram com
as demandas estéticas emergentes do Romantismo: o século XIX transformou o piano
de Cristofori 22 em um instrumento muito diferente 23 . Algumas das modificações
estruturais pelas quais o instrumento passou terminaram por ampliar de forma
importante suas possibilidades sonoras transformando-o em um veículo poderoso de
expressão para o intérprete. O piano se tornou o instrumento romântico por excelência,
servindo de laboratório de experimentação sonora e tímbrica, de onde novas escolas de
execução e técnicas de composição brotaram.
Diferença entre a técnica pianística e demais instrumentos de teclado
Em 1780 o piano despontou com grande popularidade no cenário musical europeu
onde até então predominavam o órgão, o clavicórdio, o cravo e seus similares pinçados,
a espineta e o virginal. A praxis dos instrumentos de teclas já se realizava sob um
razoável conjunto de regras e procedimentos, embora se sistematizasse lentamente em
teoria. A falta da existência de um consenso entre certos pontos fundamentais da técnica
suscitava divergências importantes no tocante à performance24.
22
O piano do século XIX se tornara muito diferente do pianoforte de Cristofori. Sebastien Erard
patenteou em Londres em 1808, o mecanismo de repetição e, em 1821, o escapamento duplo que
possibilitava que uma mesma nota fosse tocada rapidamente várias vezes seguidas. Ainda nesse mesmo
ano, a substituição da antiga armação de madeira pelo cepo de metal em uma única peça aliado ao
cruzamento das cordas, trouxe inúmeras transformações quanto às possibilidades tímbricas e dinâmicas.
O piano tornou-se um instrumento “(...) capaz de produzir um som pleno e firme a qualquer nível
dinâmico, de responder em todos os aspectos às exigências de expressividade e do mais extremo
virtuosismo.” (Donald J Grout.; PALISCA, Claude V. O século XIX: música instrumental. In: História
da Música Ocidental. Lisboa, Portugal: Gradiva, , 1997, p.590)
23
Para fins de simplificação, utilizar-se-á neste trabalho este vocábulo para designar o piano em qualquer
que seja sua fase de desenvolvimento.
24
Valha como exemplo o fato de a utilização do polegar como pivô, conquista definitiva para o
desenvolvimento da velocidade, ainda não estar completamente consolidada. Czerny afirmava que
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Tais discrepâncias, contudo, não eram suficientes para anular as semelhanças existentes
entre os procedimentos necessários à execução dos instrumentos de teclado. Foi do
genérico para o particular, que os tratados teóricos para teclado se desenvolveram,
caminhando rumo à especialização somente a partir do século XIX 25 . Portanto, foi
durante o processo galopante de transformação e aperfeiçoamento do piano e da
paulatina ampliação do grau de exigência para a performance deste instrumento, que a
técnica pianística propriamente dita pôde se diferenciar e consolidar. Distintas formas
de tocar nasciam e se desenvolviam, ao passo que em movimento análogo, a evolução
da técnica abriu caminho ao descobrimento de possibilidades composicionais inéditas.
A compreensão gradual da real natureza do piano, com suas características estruturais
tão inovadoras, contribuiu para o estabelecimento de uma técnica peculiar e puramente
pianística. Conceitos como toque e sonoridade passaram a existir em um instrumento
cujo resultado sonoro era completamente subordinado à força empregada no
acionamento das teclas. Os movimentos de braço, punho, ombro e cotovelo,
dispensados e até mesmo evitados pelos cravistas e clavicordistas lentamente
começaram a ser admitidos e mesmo a ser bem-vindos em um instrumento que se
afirmou como dependente da multiplicidade de toque e diversidade de ataques.
O nascimento do Estudo romântico
Beethoven enfatizava a utilização do polegar como forma de explorar ao máximo todas as possibilidades
do legato. Ainda segundo Czerny, “Durante as primeiras lições, Beethoven me obrigou a praticar
exclusivamente as escalas em todos os tons, e me mostrava (algumas vezes o que naquela época ainda era
desconhecido para a maioria dos pianistas) a única posição correta das mãos e dedos, e, em particular,
como usar o polegar, regra de grande utilidade que eu não aprendi a apreciar inteiramente até muito
tempo depois. Então ele passava aos estudos relacionados a esse método e, especialmente me chamava a
atenção para o legato, o qual ele mesmo controlava em um grau incomparável, e o que naquela época,
todos os outros pianistas consideravam tarefa impossível de ser executada no fortepiano, pois mesmo
depois da época de Mozart, a maneira picada, curta e destacada de tocar estavam na moda.” (Percy A
Scholes. Pianoforte playing. In: The Oxford Companion to Music. London: Oxford University Press,
9a. edição reimpressa, 1967, 1967, p. 806-7)
25
Chiantore, op. cit.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
13
No âmbito composicional, a forma Sonata, que no Classicismo era mola mestra
da música instrumental, já não atendia aos ideais românticos constituindo-se em um
entrave para a manifestação das sucessivas mudanças pelas quais passava a linguagem
pianística 26 . Com o desajuste que começava a ocorrer entre a forma Sonata e as
necessidades expressivas românticas, a preferência dos compositores românticos voltouse para as formas abertas, onde era possível se obter o efeito da improvisação27. Entre
1830 e 1850 houve um aumento significativo quanto ao número de composições escritas
para teclado as quais eram baseadas nas pequenas formas ou gêneros de único
movimento28.
Como pequena forma, no início do século XIX surgiram os estudos, um gênero
musical comprometido com o desenvolvimento e aprimoramento da técnica pianística.
A originalidade dessas obras não residia em seu caráter didático, visto que já se havia
escrito música para teclado com este fim desde o século XVI29, intituladas de Leçons,
Kavierübung ou Essercizi. Uma das peculiaridades dos primeiros estudos românticos
era que estas composições tinham como ponto de partida, um pequeno motivo, que
carregava em si um elemento da técnica, e que ia sendo trabalhado sob as mais diversas
26
A forma Sonata começou a ser duramente questionada, e deixada de lado por alguns compositores.
Schumann, que produziu não mais que três sonatas, exclamou em 1839 que a Sonata tinha esgotado todas
as suas possibilidades, e devia, pois ser considerada tão somente como um “tipo de exercício acadêmico”,
vez que se constituía um obstáculo ao impulso criativo: “Most sonatas of this type should be regarded as
kinds of academic exercise, as studies in form; they are scarcely products of strong inner impulse. (...) On
the whole it seems as though, as a form, the sonata has run its course, and this is in the nature of things;
instead of a century of repetitions we should turn our thoughts to something new”. (Schumann Apud
Kahl, op. Cit, p.239)
27
Charles Rosen, Formas de Sonata. España: SpanPress Universitaria, 1998.
28
Tanto é assim que Mendelssohn escreveu várias dezenas de peças breves, de um único movimento
reunidas sob o título genérico de Canções sem Palavras, contra apenas três sonatas que produziu no início
de sua vida; Chopin e Schumann por sua vez, escreveram não mais que três sonatas cada um (Kahl, op.
Cit.).
29
Concebidas com o intuito do treinamento do estudante, são as Toccatas de Diruta, que estão em O
Transilvano. Dialogo sopra il vero modo di sonar organi, et istromenti di penna (1593). Exemplos dessas
composições são os 30 Essercizi per cravicembalo (1738) de Domenico e L’art de toucher le clavecin
(1716) de François Couperin. Bach compôs o Clavier-Übung (1731-42) além de boa quantidade de
música para órgão e cravo destinada à educação de sua prole: onze de seus prelúdios do Cravo bem
temperado e suas Invenções a duas e três vozes, foram compilados em um único livro, o Clavier-Büchlein,
o qual estava destinado à educação de seu filho de 10 anos.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
14
formas. Os compositores isolavam em uma pequena célula um problema a ser superado,
e a partir dele um estudo era construído. Os estudos almejavam dissecar e equacionar
um obstáculo mecânico em particular, ao tempo em que a reunião dos vários estudos em
um compêndio que cuja performance pretendia fornecer a chave para a aquisição da
técnica pianística como um todo, eliminando assim os obstáculos que freqüentemente se
interpunham entre o intérprete e a possibilidade de uma performance acurada. Muitas
obras deste gênero foram escritas na aurora do século XIX, mas os pioneiros desse
gênero foram as composições publicadas por Cramer entre 1804 e 1810, as partes mais
recentes do Gradus ad Parnassum de Clementi (1817, 1819, 1825-6), os Estudos de
Moscheles op. 70 (1826) e as muitas coleções de Czerny30. Entretanto, claro está que a
restrição temática não se constituía no único ponto de referência dos estudos, porque
caso contrário, poder-se-ia incluir neste gênero métodos como Hanon, Beringer e mais
posteriormente, o livro de exercícios de Brahms.
“O estudo é uma idéia romântica. Ele apareceu no início do século XIX como um novo
gênero: uma peça curta em que o interesse musical provém quase inteiramente de um
mero problema técnico. Uma dificuldade mecânica gera diretamente a música, seu
charme e seu pathos. Beleza e técnica estão unidas, mas o estímulo criativo é a mão,
com sua conformação de músculos e tendões, sua característica pessoal.”31
O papel da música, na segunda metade do século XVIII havia se modificado
sobremaneira, e os primeiros estudos, embora conservassem um caráter eminentemente
didático, aspiravam a apreciação pública dos concertos e recitais32. A música havia se
tornado mais sociabilizada: era a época a do estabelecimento dos concertos públicos, do
30
Howard Ferguson. Study. In: SADIE, Stanley, editor. The New Grove Dictionary of Music and
Musicians. Londres: Macmillan Publishers limetd, 1980.
31
Charles Rosen. A Geração Romântica. São Paulo, Brasil: EDUSP, 2000, p. 494.
32
Se no barroco tardio, as obras didáticas, como por exemplo os volumes dos Kavierübung de Bach, eram
destinados ao estudo privado, com o desenvolvimento progressivo do público de concerto, no
Romantismo se transformam em peças para performance pública. (Rosen, 2000, op. cit).
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
15
público de concerto, da preocupação com o lucro e venda de partituras, do interesse pelo
músico amador uma vez que a classe media urbana agora almejava aceder às artes,
privilégio outrora de poucos33.
O estudo como coadjuvante do desenvolvimento do pianismo
Em algo mais que cem anos, um pouco antes do encerrar do século XVIII,
quando eclodiu na preferência do gosto musical europeu, até inícios do século XX, o
piano foi freneticamente transformado pela modificação de sua estrutura e inclusão dos
mais diversos dispositivos. Não é de se estranhar, portanto, que o estilo dos estudos34
variasse também com tanta velocidade e intensidade de compositor para compositor, de
década para década35. Concomitantemente ao surgimento do piano e de seu processo de
transformação, uma técnica especificamente pianística foi se delineando. Os estudos
enquanto gênero musical, também sofreram transformações importantes à medida que o
século XIX avançava, e é por isso que, embora conservassem como ponto comum a
presença da virtuosidade técnica, apresentassem tantas variações de compositor para
compositor. As diferenças eventualmente encontradas quanto ao estilo ou quanto à
função entre estudos escritos por diversos compositores, reforçam o argumento de que
estas obras serviram como um ponto de partida para pesquisa sonora de um instrumento
em expansão. Os estudos românticos se constituíram em uma ferramenta importante
para familiarização dos elementos pianísticos existentes nas composições da época para
teclado, vindo a se situar como um colaborador fundamental na consolidação da técnica
pianística.
33
Rosen, 1998, op. cit.
Evidentemente, não foram apenas os estudos enquanto gênero que foram afetados pelo
desenvolvimento deste instrumento, mas a grande maioria do repertório concertístico que surgiu durante
esse período (Chiantore, op. cit).
35
Chiantore, op. cit.
34
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
16
O estudo segundo vários mestres
Os primeiros estudos românticos constituíram um meio, através do qual os
pianistas alcançavam as habilidades necessárias para vencer os desafios das sonatas de
Mozart e Beethoven36.
“Durante a primeira parte do século XIX, os estudos de Clementi, Cramer e Czerny –
repletos de escalas, arpejos, notas repetidas e terças - deram aos pianistas as habilidades
necessárias para vencer os desafios das sonatas de Mozart ou Beethoven”
[“During the first part of the 19th century it was the studies of Clementi, Cramer, and
Czerny – crammed as they were with scales, arpeggios, repeated notes, and thirds – that
gave players the skills necessary to approach the challenges of a Mozart or Beethoven
sonata.”]37.
Duas ou três décadas depois, a situação se modificou porque com o surgimento
dos estudos de Liszt e Chopin, os estudos que até então se constituíam como meio para
o alcance da técnica, se transformaram em um fim em si mesmos. A possibilidade de
realizar musicalmente estas obras era um indicador inequívoco da transcendência da
técnica. Considerados inventores da moderna técnica pianística38. Porém, não obstante
as inúmeras semelhanças biográficas entre Liszt e Chopin, a abordagem do piano e, por
conseguinte o estilo composicional desses compositores diferiu significativamente.
Os Estudos de Chopin
36
Theodore Eddel . Rhythm Riddles. Piano & Keyboard, november/december, 2000.
Ibid., p. 35.
38
Barda BARDA, William. Les études pour piano: A travers Bach, Chopin, Listt, Rachmaninov,
Scriabine et Debussy. Ecole Polytechnique. Serveur des Eleves. X-PASSION n°24. s/d Disponível em:
http://www.polytechnique.fr/eleves/binets/xpassion/numeros/xpnumero24/xpnum24pdfsi/etudespiano24.p
df
37
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
17
A carreira de Chopin se desenvolveu nas esferas da performance, composicional
e pedagógica. Em fevereiro de 1832, Chopin, ainda um desconhecido recém chegado a
Paris, tomou parte em um recital na Salle Pleyel. O sucesso foi retumbante e, mesmo
contando com a presença de um número reduzido de pessoas, o recital representou para
o jovem polonês a afirmação naquela cidade de sua fama como pianista e compositor
entre os músicos profissionais do lugar39. Chopin diferia dos grandes pianistas da época
que se deleitavam em realizar concertos públicos: sua preferência residia nos salões
privados, freqüentados por pequenas platéias compostas por aristocratas ricos e homens
de negócios. As constantes críticas quanto à sua insuficiente sonoridade, serviram de um
argumento extra a seu desinteresse em realizar viagens, convencendo Chopin a desistir
da vida de virtuoso peregrino. Ele alcançou popularidade entre os amadores e a classe
média por intermédio da publicação de suas obras 40. A fama de Chopin se difundia
pelos salões da aristocracia local onde era muito bem-vindo por sua elegância e
refinamento. Entre os amadores e a classe média ele era conhecido sob a forma
publicada, especialmente as obras que tecnicamente exigiam menos do instrumentista,
como as mazurcas, valsas e noturnos. No final de 1832, ele havia se transformado no
professor favorito de Paris, embora a pedagogia não representasse um talento natural em
Chopin, que tinha muitas dificuldades em transmitir suas idéias a seus discípulos 41 .
Some-se a isso, o fato de que, tirando pouquíssimas exceções, seus alunos com algum
talento musical eram muito escassos42. Ele de fato foi um grande professor, não no
39
Joseph Regenstein Library, Frédéric Chopin and his Publishers. University of Chicago Library.
An exhibition in the Department of Special Collections, on view February 2 through April 10, 1998.
Disponível em: http://www.lib.uchicago.edu/e/su/music/musex.html.
40
Ibid.
41
Chiantote, op. cit.
42
“Esta situación, que se repite a menudo en la actividad didáctica de los grandes protagonistas de la
historia del piano, se agrava, en el caso de Chopin, debido al nível sorprendentemente bajo de su
alumnado, que casi nunca poseía la preparación y el talento necesarios para entender la trascendencia de
sus palabras” (Chiantore, op. cit. p.310).
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
18
sentido tradicional, mas sim como um gênio musical capaz de ensinar através de suas
performances e composições, as numerosas e inéditas possibilidades que um
instrumento em desenvolvimento, no caso o piano, podia oferecer. Os estudos opus 10
começaram a ser escritos em 182943, e sua primeira edição saiu em 1833, um pouco
antes da chegada de Chopin a Paris. O segundo conjunto, que forma o opus 25, foi
composto entre 1832 e 1836 e publicado no ano seguinte, 1837. A qualidade musical
manifesta dessas obras é testemunha de que aos 21 anos, Chopin já tinha seu estilo
pessoal definido 44 . Chopin não tinha qualquer intenção pedagógica ao escrever os
estudos até porque, conforme já foi dito, dentre seu discipulado eram raros os que
tinham condições técnicas de sustentar a execução destas obras 45 . Na verdade, seus
estudos são mais o resultado de sua técnica e de suas explorações sonoras de um
instrumento em expansão, um curso avançado nas inovações ocorridas na técnica
pianística46. Considerar seja os estudos seja qualquer outra obra de Chopin dentro de
uma ótica puramente tecnicista, importa em incorrer no grave erro de se perder o foco
daquelas que foram suas qualidades e virtudes supremas. Todas as figurações, escalas,
acordes arpejados, acordes, trinados e notas duplas, presença típica nos estudos de
Hummel e Clemente foram por ele reinventadas47, transformando-se em veículo para de
idéias musicais 48 . A inventividade chopiniana reside antes de qualquer coisa, e
43
Chopin compôs neste ano os estudos de número 8, 9 e 10. Os últimos estudos desta coleção, dedicada
a Liszt, terminaram de ser escritos em 1832. Neste mesmo ano, o segundo caderno de estudos, o opus 25,
já estava sendo composto, tendo sido concluído quatro anos depois, em 1836.
44
Ao contrário do que ocorreu com Haydn, Beethoven, Mozart e Schubert, não se encontra na produção
musical chopiniana posterior aos estudos, obras mais audaciosas, nem mesmo modificações radicais
quanto ao estilo (Rosen, 2000, op. cit.).
45
Ibid.
46
L, Willi Kahl. Romantic piano music: 1830-1850. In: Romanticism (1830-1890). New York: Oxford
University Press, 1990.
47
Exemplo disso é a utilização abundante de intervalos de décima obrigando o pianista a grandes esforços
musculares e a introdução de escalas cromáticas dedilhadas com apenas três dedos da mão direita (op. 10
no. 5) acarretando modificações importantes dentro da prática pianística. (Kahl, op. cit).
48
Tristan Lauber. Chopin: As Seen by a Pianist. La Scena Musicale - Vol. 5.5 - February 2000.
Disponível em: http://www.scena.org/lsm/sm5-5/Chopin-en.htm.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
19
principalmente acima de tudo, na busca, no descobrimento e no desenvolvimento de
sonoridades tipicamente pianísticas. Tendo em vista esse princípio, é que se pode
começar a vislumbrar de forma mais objetiva o por quê, e em o quê os estudos de
Chopin, se constituem como uma categoria de estudos distintos dos estudos escritos até
então.
Chopin era um grande admirador da música do compositor italiano de óperas
Vincenzo Bellini e como tal, foi por suas composições profundamente influenciado.
Para os argumentos que aqui tratamos, não se considera relevante decidir se esse apreço
já era um reflexo de suas disposições mais íntimas ou se na verdade influenciou seu
gosto. O que aqui de fato importa é a existência da correspondência entre a produção
musical de Chopin e as melodias bellinianas. A afinidade entre o caráter melódico dos
Noturnos chopinianos e as árias de Bellini está registrada em seus estudos porque sua
concepção do piano era acima de tudo vocal antes que orquestral49 A influência vocal
no piano de Chopin é uma marca distintiva importante quando se compara seus estudos
com os estudos de Moschelles ou Crammer e também com as obras homônimas de Liszt
e Thalberg.
“Este é o motivo [a concepção vocal da sonoridade do piano] pelo qual, a despeito da
natureza virtuose dos Estudos, ele [Chopin] evitou os dispositivos flamejantes como
oitavas alternadas trovejando e cordas batendo tão valorizadas para seus
contemporâneos Thalberg e Liszt.” (..)
[“This
is why, despite the virtuoso nature of the Etudes, he eschewed such flashy
devices as the thundering alternating octave and crashing chords so dear to the
Thalbergs and Liszts of his day.”]50
49
Chopin aconselhava seus alunos a escutar com atenção os grandes cantores a fim de descobrir a
verdadeira arte de cantar ao piano. (Lauber, op. cit).
50
Lauber, op. cit.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
20
A ópera e as melodias de Bellini não representaram as únicas fontes de
inspiração chopiniana, mas também os ritmos, harmonias e experiências de sua nativa
Polônia além da música de Johann Sebastian Bach. A música do compositor alemão foi
para Chopin51 o ponto de partida para sua educação musical. O aprendizado das obras
bachianas representou para Chopin, como bem argumenta Rosen52, muito mais do que
apenas um ponto de partida para o estabelecimento de sua relação com o instrumento.
Chopin aprendeu contraponto com Bach e foi com ele que aprendeu a extrair muitas
vozes de uma, transformando tal capacidade em uma poderosa ferramenta de trabalho. O
que Chopin reproduz de Bach não é a estrutura teórica do papel, não é o
estabelecimento de motivos melódicos que se apresentam ora nessa, ora naquela voz
mas o que ele apreende da experiência auditiva. Rosen estabelece uma diferenciação
entre o contraponto lido, o contraponto da partitura, de onde se pode observar e
acompanhar inequivocamente cada entrada e o desenrolar das vozes daquele
contraponto que o ouvido humano através da audição, pode apreender. O contraponto
chopiniano é textural, resultante da contraposição das cores, o que pode ser apontado
como outra característica que diferencial entre seu estilo composicional e o de Liszt.
Enquanto este último busca efeitos imitativos de folhas, sinos, instrumentos, o outro cria
tão somente sons pianísticos, sonoridade pianística abstrata 53 . Avesso como era à
música descritiva, ou de obras procedentes de fontes literárias, as vozes de seu
contraponto são as diferentes texturas que os diversos sons que Chopin extrai de seu
instrumento. Seus sons não são materiais, “mas uma estrutura de sutis gradações,
51
Não somente para ele, mas para toda uma geração de músicos do início do século XIX. O pianoforte e
em seguida o piano, instrumentos que absolutamente não fizeram parte da vida de Bach, serviram nas
mãos de muitos românticos de veículos para as inúmeras performances de O Cravo Bem Temperado.
52
Rosen, 2000, op. cit.
53
Ibid.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
21
camadas de sonoridades, um contraponto de cor” 54 . Os maiores problemas técnicos
dessas peças estão muito intimamente relacionados ao toque e ao equilíbrio sonoro: ao
mesmo tempo que aumentam a força e a flexibilidade da mão, também desenvolvem a
escuta do intérprete. Chopin metamorfoseia o exercício digital em jogo sonoro, em um
jogo de cores que alcança seu apogeu nos estudos, composições onde a natureza
contrapontística dessa imaginação colorística melhor se evidencia55.
Os estudos de Liszt
Liszt escreveu dois conjuntos de estudos 56 : os Douze Études d’exécution
Transcendante e os Études d’arprès Paganini, os quais provavelmente constituem o
alfa e o ômega da técnica pianística57. Aos quinze anos, Liszt escreveu, sob o título de
Études pour le piano-forte em quarante-huit exercices dans tous les tons majeurs et
mineurs, o que Rosen 58 chama de primeiro estágio dos Estudos Transcendentais.
Publicada por primeira vez em 1826 a coletânea continha doze estudos cuja dificuldade
técnica e valor artístico se aproximavam aos exercícios de Cramer ou Czerny. O
segundo estágio surgiu em 1837, com a publicação dos Doze Grandes Estudos para
Piano. Embora tomando por base o mesmo material temático da versão dos exercícios
da adolescência, o novo estágio veio acompanhado de uma modificação radical da
sonoridade com o conseqüente aumento da dificuldade técnica. De simples exercícios
acadêmicos, os Estudos se transformaram em composições cuja execução beiravam o
limite do impossível. A segunda versão dos Estudos assumiu um tal grau de dificuldade
que se tornou, provavelmente com uma ou outra exceção, completamente inexeqüível.
54
Id.
Ibid..
56
Liszt escreveu também os Trois Études de Concert que foram publicados orinalmente sob o título de
Caprices Poétiques, e que estão, portanto, fora do alcance desta pesquisa.
57
Barda op.cit..
58
2000.
55
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
22
O terceiro e definitivo estágio foi publicado em 1851 e com a retirada dos excessos se
tornou, em relação à versão anterior, mais fácil. Considerado o criador da moderna
técnica do piano, Liszt instituiu uma nova forma de fazer soar este instrumento59. Os
trêmolos, arpejos e oitavas a serem executadas em velocidades alucinantes, os saltos
vertiginosos, os longos trechos em notas duplas, elementos abundantes nos estudos
lisztianos, refletem uma técnica pianística avançada. Não se trata de virtuosismo
cultivado por si mesmo60, mas da técnica a serviço da música61, representando para a
história no estilo de teclado uma verdadeira revolução sonora. A virtuosidade lisztiniana
não se esgota em si mesma, mas coloca como meio à obtenção de novos efeitos sonoros.
Sua verdadeira originalidade consiste em desenvolver outros meios de expressão sonora
priorizando o desenvolvimento da textura e da coloração. A sonoridade do piano em
Liszt se modificou tanto em quantidade, através do aumento de sua sonoridade, como
em qualidade:
“A real invenção [de Liszt] diz respeito à textura, densidade, coloração e intensidade –
ou seja, os vários ruídos que podem ser feitos com o piano – e isso é
surpreendentemente original. O piano foi pensado para realizar novos tipos de som.
Esses sons em geral não se conformaram a um ideal de beleza, quer clássica, quer
romântica, mas ampliaram o sentido da música, tornaram possíveis novos meios de
expressão”62.
Como outros compositores românticos, Liszt fascinou-se pela figura de Nicolo
Paganini, o violinista infernal, fonte de inspiração não apenas pela coincidência quanto
59
François-René Tranchefort. Liszt. In: La musique de piano et de clavecin. Sous la direction de
François-René Tranchefort. França: Librairie Arthème Fayard, 1987.
60
“Si le piano de Liszt n’était que ‘virtuose’, diabolique au sens paganinien du terme (...), il serait
passablement oublié. De la virtuosité cultivée pour elle-même, son contemporain Thalberg a fait les frais
au regard de l’histoire: on ne joue plus Thalberg. Liszt, lui, est resté. (…)” (Tranchefort, op. cit).
61
Rostand apud em Tranchefort, op. cit.
62
Rosen, 2000, op. cit p. 654.
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
23
à aptidão e valorização da virtuosidade, mas e, sobretudo, pela forma da abordagem ao
instrumento. Ambos comungaram do gosto em explorar ao máximo as possibilidades
sonoras de seus instrumentos. E foi justamente esta capacidade de pesquisa e arrojo,
aliada à criatividade e genialidade que abriu caminho à descoberta de meios fascinantes
e inéditos para realizar sonoramente a idéia musical. Seis dos 24 Caprices de Paganini
serviram como matéria prima ao compositor húngaro para os Six études d’après
Paganini. Sejam estes considerados adaptações ou réplicas63, transcrições ou paráfrases
musicais 64 , Liszt se apropria dos efeitos destes estudos para violino. Antes que o
aproveitamento do material temático de Paganini, o fundamental na criação dos Six
Études é o contágio pela extravagância sonora, a extrapolação do lugar comum da
técnica. Compostos em 1838, estes estudos já possuíam todos os elementos pianísticos
característicos da escrita lisztiniana65.
“Logo à primeira vista, a extensão máxima no âmbito do teclado permite explorar
simultaneamente os registros extremos, alcançar novas apresentações de acordes, de
diversificar consideravelmente as cores harmônicas; em seguida, uma gama de efeitos
que nesse caso em particular – se inspiram na técnica violinística, mas se tornarão para
Liszt constantes de um estilo pianístico, que ofuscará seus contemporâneos e
influenciará profundamente seus sucessores: são os saltos rápidos sobre amplos
intervalos, os trêmolos e as repetições de notas aceleradas, os ataques martelados, os
glissandos e pizzicatos, a utilização das duas mãos em trilos ou as escalas em oitavas...”
[“Au premier chef une extension maximale de l'ambitus du clavier permettant d'explorer
simultanément les registres extrêmes, de réaliser de nouvelles présentations d'accords,
de diversifier considérablement les couleurs harmoniques; ensuite une gamme d'effets
qui dans le cas particulier - empruntent à la technique violonistique, mais deviendront
63
Tranchefort, op. cit.
Rosen, 2000, op. cit..
65
Rostand, apud Tranchefort, op. cit.
64
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
24
chez Liszt constitutifs d'un style pianistique qui éblouit les contemporains et devait
influencer profondément ses successeurs: ainsi les bonds rapides sur de vastes
intervalles, les trémolos et les répétitions de notes accélérées, les attaques martelées, les
glissandos et pizzicatos, la répartition aux deux mains des trilles ou des gammes em
octaves (...)]66.
A importância das obras de Chopin e Liszt, aqui representadas por seus estudos,
é indiscutível. Porém, não somente na construção da moderna técnica de piano, essas
obras serviram também como um ponto referencial importante no estabelecimento da
Moderna Escola de Órgão Francesa, e, posteriormente dentro da própria formação
pianística de Jeanne Demessieux, como se demonstrará nos capítulos seguintes.
66
Rostand, apud Tranchefort, op. cit. p. 455.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
3.
25
A Escola Moderna de órgão na França
Órgão e Liturgia
O desenvolvimento e evolução do órgão como instrumento musical é um
fenômeno que só pode ser compreendido à luz de sua íntima relação com a Igreja e com
sua fundamental participação dentro da liturgia. A construção do órgão em igrejas, um
fenômeno descrito já no século X67 e sua utilização pela cristandade ocidental, explicam
o porquê da maior parte da literatura organística estar até bem pouco tempo atrás direta
ou indiretamente vinculada ao serviço religioso. Baseado nisso, Higginbottom (1998)
argumenta que a escuta da música para órgão está impregnada pelo conhecimento dos
fatores contextuais relativos à determinada composição:
“Nossa apreciação da música para órgão é profundamente colorida pelo conhecimento
do contexto da composição e performance, incluindo inevitavelmente as condições
litúrgicas que lhe conferem propósito e forma. Sem tal conhecimento, certas peças do
repertório podem tornar-se ininteligíveis, e muitas delas menos ricas em significado.”
[“Our critical appreciation of organ music is deeply coloured by a knowledge of the
context of its composition and performance, including inevitably the liturgical
conditions which gave it purpose and shape. Without such knowledge some of the
repertory can be unintelligible, and much of it less rich in significance”]68.
A fonte mais antiga que se tem acesso em nossos dias para a compreensão da
utilização do órgão na Igreja Católica Romana é o Faenza Codex69, onde se pode atestar
a existência de Kyries70 e Glorias, partes da missa que foram claramente concebidas
67
The Organ in the Middle Ages http://bsc.edu/~jhcook/OrgHist/history/hist002.htm
Edward Higginbottom, Edward. Organ music and liyurgy. In: The Cambridge Companion to the
Organ. Nicholas Thistlethwaite e Geoffrey Webber, editores. United Kingdom: Cambridge University
Press, 1998, P. 130.
69
O Faenza Codex é um manuscrito de canções da alta idade média com transcrições de partituras para
teclado de obras sacras e profanas de origem francesa e, sobretudo, italiana. Embora o próprio Codex seja
datado do século XV, ele contém muitas de suas músicas são do século anterior.
http://www.lib.latrobe.edbu.au/AudioVisual/Stinson/mss/fa.htm
e
http://www.lemur.stanford.edu/albumdbase/Choral_:_Classical/31.comments.html
70
É possível ouvir um trecho do Kyrie gratuitamente na Internet em http://www.cdnow.com/cgibin/mserver/redirect/leaf=switch/from=sr-1693501/target=buyweb_purchase/ddcn=SD-3009+8553618+2
68
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
26
para serem utilizadas alternando órgão e vozes. Esse método denominava-se
alternatim71 e possibilitava a divisão do texto em versets transformando o órgão num
parceiro indispensável para a apresentação do texto que era repartido entre voz e
instrumento, diminuindo a fatiga dos fiéis que eram dispensados de recitar os longos
textos em sua íntegra. A participação do órgão na Igreja Católica era antes baseada na
prática de improvisar versets a partir de um determinado gregoriano, que servia de
material básico à improvisação.
Dado o relacionamento intrínseco do órgão com a Igreja, a modificação
substancial da liturgia ocorrida após a Reforma de 1571 se refletiu evidentemente nos
rumos que a história do instrumento tomou. Dentro deste ponto de vista, o exame de
movimentos religiosos como a Reforma e Contra-Reforma, bem como as
transformações internas sofridas pela Igreja Católica e posteriormente pelas Igrejas
Reformadas, são etapas imprescindíveis para a compreensão da evolução do
instrumento, de sua literatura e de sua técnica.
Uma das modificações que a Igreja Luterana introduziu em sua liturgia foi a
prática de entoar hinos estróficos. O choral foi a maior contribuição musical da Igreja
Luterana72, servindo de substância prima para a elaboração de grande parte da literatura
organística dos séculos XVI e XVII. Para familiarizar a congregação com a melodia
coral, bem como para servir de introdução ao cântico, os organistas improvisavam
prelúdios, baseando-se na melodia do hino, que de certa maneira passou a servir como
um cantus firmus trabalhado polifonicamente entre as diversas vozes.
“A principal tarefa do organista do Norte da Alemanha do século XVII era tocar os
corais e cantos em conjunção com o coro e/ou congregação, executando de antemão os
71
O alternatim consistia em apresentar o texto litúrgico de forma semelhante à prática ainda mais antiga
de cantar antifonalmente os salmos.
72
Grout, op. cit., p. 278
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
27
prelúdios, fornecendo versos ao órgão solo, ou mesmo improvisando floreios entre cada
linha de um verso cantado. A arte era essencialmente a da improvisação (...)”.
[“The principal duty of the north German organist of the seventeenth century was to
play chorales and chants in conjunction with the choir and/or congregation, either
preluding beforehand, or providing verses on the organ alone, or even improvising
flourishes between each line of a sung verse (…)”]73.
No final do século XVI, a importância dos corais74 dentro do serviço religioso
era tal que eles formavam o próprio corpo da música litúrgica 75 . O dever mais
significativo do organista luterano residia na execução do prelúdio coral: a extensão de
sua utilização sugere uma analogia com a vinculação do organista católico com a prática
do alternatim. Organistas católicos e reformados necessitavam, portanto de grandes
habilidades de improvisação76
Rumo distinto ocorreu com a participação do órgão na liturgia das Igrejas
Reformadas na França. Estas ficaram sob a influência das idéias de Calvino, que
objetava quanto à utilização de instrumentos musicais no culto. Os calvinistas baniram o
órgão de seus serviços só admitindo o canto dos Salmos a cuja versão métrica para a
língua francesa era acrescentado uma melodia. Diferentemente de Lutero, que apreciava
o cântico dos corais harmonizados, Calvino, insistia que os Salmos fossem cantados em
uníssono. A mesma situação ocorreu na Inglaterra, onde os seguidores de Calvino foram
chamados de Puritanos. Conclui-se daí que a Reforma, considerando-se o
desenvolvimento da literatura e técnica organística, ocasionou situações muito distintas
quando comparadas Alemanha e França. Em ambos países, a forte ligação entre órgão e
Igreja prosseguiu, embora no caso da França, permanecesse praticamente restrita à
73
Geoffrey Webber. The north German organ School. In: The Cambridge Companion to the Organ.
Nicholas Thistlethwaite e Geoffrey Webber, editores. United Kingdom: Cambridge University
Press,1998, p.222.
74
Referimo-nos aqui ao hino coral estrófico, Choral, e não à formação de um grupo vocal.
75
Grout, op. cit.
76
Higginbottom, op. cit.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
28
liturgia da Igreja Católica. Para a Alemanha, entretanto, o Luteranismo significou o
surgimento de novas possibilidades para o desenvolvimento organístico em geral.
Às vésperas do século XVIII, a situação do órgão na França era bastante distinta
de seu vizinho país germânico. Havia muitas diferenças quanto à técnica, literatura,
utilização e constituição do órgão entre os dois países. Geralmente, os órgãos
construídos no Norte da Europa possuíam geralmente vários manuais, ao contrário
daqueles oriundos no Sul. Os instrumentos da França, bem como Itália, Inglaterra e
Península Ibérica, nesta época raramente apresentavam mais de um manual, porém eram
dotados de um número muito grande de registros. A pedaleira típica da Alemanha era
constituída de teclas longas o que, possibilitava a utilização de pontas e calcanhares. Já
na França, embora houvesse pedaleiras de grande extensão, estas possuíam teclas curtas
e levemente inclinadas para cima, o que, por sua qualidade desconfortável, não eram
propícias ao desenvolvimento da técnica do pedal. As publicações de obras para órgão
se dirigiam especialmente ao uso litúrgico, e, sem exceção, destinadas à prática do
alternatim 77 . No sul da Alemanha, se destacaram as obras de estilo virtuosístico e
contrapontístico como as tocatas, fantasias e ricercares, predominando antes o
desenvolvimento digital, em detrimento da técnica do pedal78. A Alemanha do Norte,
por sua vez, caracterizou-se pelo alto nível de desenvolvimento da técnica da pedaleira,
pelas composições que se baseavam no Choral: o Chorale verset79 e o choral fantasia80,
77
Higginbottom, op. cit.
Patrick Russill, Catholic Germany and Austria 1648-c1800. In: The Cambridge Companion to the
Organ. Nicholas Thistlethwaite e Geoffrey Webber, editores. United Kingdom: Cambridge University
Press, 1998.
79
Para um determinado choral, eram compostos versets, ou seja, improvisações, variações sobre o hino
escolhido.
80
Composições baseadas num determinado choral, porém com texturas ricas e cadências extravagantes.
78
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
29
os prelúdios com cantus firmus81, influência das composições de Sweelinck82. A Escola
do Norte da Alemanha encontrou em Bach seu maior e mais ilustre representante.
O órgão e a Revolução Francesa
Dramáticas mudanças ocorreram na Igreja e na música litúrgica com o advento
da Revolução Francesa. O clero perdeu seus privilégios, sendo obrigado a prestar
juramento de submissão à constituição civil. Os bens e propriedades eclesiásticas foram
confiscados ao governo que pretendeu substituir o culto da Igreja Católica pelo o Culto
ao Supremo Ser. As igrejas foram transformadas em Templos da Razão, auditórios para
realização de Festivais, encontros cívicos e até em depósitos de armas. Inúmeros órgãos
foram destruídos por vandalismo, leiloados e ainda muitos outros tiveram seus tubos de
metal vendidos como matéria prima bélica. Dado o vínculo entre o órgão e a Igreja, o
papel do organista83 mudou drasticamente, visto que o início da Revolução provocou
uma súbita suspensão de suas atividades 84 . No intuito de manter suas posições e
proteger seus instrumentos, muitos organistas se colocaram a serviço da Revolução,
participando de solenidades cívicas e em festivais, cuja finalidade era antes política que
artística. O órgão, por suas características particulares, foi um instrumento de grande
utilidade aos interesses revolucionários. A música começou a ser usada como uma
ferramenta política de extraordinária eficácia, porque alcançava as massas em uma
época onde ainda não havia a amplificação e porque funcionava como uma excelente
81
O cantus firmus era muitas vezes colocado na voz do tenor, sendo executado na pedaleira, com registro
de 4’.
82
Webber, op. cit
83
Até então, os cargos de organistas eram vitalícios, alguns deles chegando a passar como uma herança,
de geração em geração, como foi o caso do reinado da família Couperin, que durou 173 anos no órgão de
Saint-Gervais.
84
“Le début de la Révolution avait provoqué une suspension soudaine de l'activité des organistes, les
églises étant désaffectées et utilisées comme casernes ou entrepôts” (Nicolas Gorenstein. L’orgue postclassique français: Du Concert Spirituel à Cavaillé-Coll. Paris: Editions Musicales Chanvrelin, 1993,
p.40)
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
30
forma de distrair a população do que ocorria ao seu redor. Como bem afirmou Barrett
Benson 85, nesse sentido, a música programática serviu-se bem a este propósito, pois
agradava em muito ao público em geral 86.
Para que a música tivesse volume o suficiente para ser ouvida, compreendida e
ainda, memorizada, requisitos como potência, clareza e simplicidade, eram bem-vindos
e até mesmo indispensáveis. A capacidade sonora do órgão tornava conveniente a
presença deste instrumento nas cerimônias cívicas, enquanto que simplicidade e clareza
eram atributos vinculados tanto à natureza das técnicas composicionais, quanto à nova
estética que surgia. O gosto musical da virada do século tendia a rejeitar a complexidade
do contraponto barroco, associado como música da aristocracia, e a adotar um estilo
claro, simples e elegante. A simplicidade das melodias acompanhadas e a presença do
Baixo de Alberti, características do estilo galante se apresentavam como novas
tendências prontas a substituir o contraponto e o excesso de ornamentação, dominantes
até então na música para órgão.
Logo no primeiro ano do século XIX foi restabelecida a paz com a Igreja
Católica e, a partir de 1802,
“O restabelecimento da cultura musical na França por Napoleão depois de 1802,
conduziu a um novo estilo operístico de música eclesiástica, linhas melódicas em terças,
notas do baixo em staccato executadas no contratempo, etc. A música de órgão havia
adquirido um estilo pianístico, com frases curtas repetidas e cadências suspensas
seguidas por codas”.
85
s/d
Um exemplo disso na música para órgão foi a obra de Jacques-Marie Beauvarlet-Charpentier (17661834), “Victoire de l’Armée d”italie ou Bataille de Montenotte”, dedicada a Bonaparte, cujas partes se
intitulavam “amanhecer”, “toque de alvorada”, “reunião das tropas”, “partida para a batalha” e assim por
diante. No dizer de Brooks, (1998), algo que soa aos nosso ouvidos como precursor da música para filme
mudo.
86
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
31
[“Napoleon’s reinstatement of musical culture after 1802 led to a new operatic style of
church music, melodic lines in thirds, staccato bass notes with off-beat chords, etc.
Organ music was in a pianistic style, with short repeated phrases and interruped
cadences followed by codas”]87.
O bloqueio temporário causado pela Revolução Francesa serviu como uma
espécie de alavanca para a mudança de rumos da música para órgão que se praticava na
Igreja francesa: o impedimento não determinou o surgimento, mas criou condições que
facilitaram o desenvolvimento de um tipo de música que já existia. Não obstante as
circunstâncias políticas induzissem a uma adaptação musical, ainda havia organistas que
durante a era revolucionária preservavam a tradição do antigo regime de compor
fugas88. A preferência do público, contudo, apontava para as obras inspiradas no Te
Deum, construídas basicamente sob a técnica da improvisação e para os Noëls com suas
inúmeras variações. Além disso, havia as fanfarras, cujas características rítmicoinstrumentais já se apresentavam no século anterior através do estilo austríaco, e como
resultado do incremento da música militar devido às campanhas da República,
posteriores à Revolução89.
O período da Reconstrução e as novas tendências expressivas
Durante a Reconstrução ocorrida nos anos seguintes ao acordo entre o Papa Pio
VII e Napoleão90, a retomada do culto católico na França e a reconstrução das Igrejas e
órgãos foi acompanhada pela secularização da música na Igreja e pelo conseqüente
declínio da música polifônica. Conviviam na França de meados do século XIX duas
linhas organísticas distintas, as quais determinaram duas condutas performáticas
87
Gerard,Brooks, BIOS REPORTER. The French Symphonic Tradition. The British Institute of Organ
Studies. January 2001, Volume XXV, No.1 s/d.
88
Guillaume Lasceux (1740-1831) escreveu Douze Fugues, Jean-Jacques Beauvarlet-Charpentier, (17341794), Six Fugues, Nicolas Séjan (1745-1819)
89
Gorenstein, op. cit, p.40.
90
No ano de 1801.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
32
também diferentes. Alexandre-Pierre-François Boely, organista que, inconformado com
as novas tendências musicais da época, era o representante de um estilo que se usou
denominar “severo”. Boely se tornou “um pioneiro na França, no estudo das obras de
Bach e no estudo da técnica de pedal
91
. Em contrapartida encontrava-se Lefébure-
Wely, cujas composições delineadas dentro do estilo galante92, se baseavam, sobretudo
na improvisação: ele era um “organista de efeitos”93, a serviço da criação de música de
programa
94
. Delineavam-se, portanto, duas correntes, “uma popular, leve, de
entretenimento e, basicamente homofônica por um lado, e outra séria, digna e
basicamente contrapontística”95.
Havia muitas críticas dirigidas tanto a uma quanto à outra escola. Boely, que
renegava o gosto popular da época, era admirado apenas por uma minoria que repudiava
as novas tendências que emergiam na música de igreja. Por outro lado em 1856,
François-Joseph Fétis, musicologista, crítico, professor e compositor que exerceu
grande influência na Europa durante o século XIX, publicou um artigo intitulado “O
órgão mundano, ou a música erótica na Igreja” (“L’orgue mondain ou la musique
érotique à l’église”). Nele, assim Fétis se refere a Léfebure e seu defensor, o abade
Lamazou
“A inferioridade radical dos organistas franceses ocorre precisamente por causa
primeira da moda que eles denominam de improvisação. Nenhum deles tem aquilo que
se pode chamar de formação organística. Nenhum deles seria capaz de tocar com
91
Riley, Vickie Hale, apud Laurie Barrett-Benson, The effects of the Revolution on the organ mass in
France. Roger Wagner Center Online! California State University, Los Angeles. s/d
. Acesso em setembro, 2001.s/d.
92
“Lefébure-Wélys success was phenomenal. (...). Danjou abhorred his flamboyant style but knew the
crowd would love whatever Lefébure-Wély’s fingers played;)” (Douglass, 1999, p. 75)
93
Clarence Eddy apud Orpha Ochse,. Organists and organ playing in nineteenth-century France and
Belgium. Indiana, USA: Indiana University Press, 2000, p. 61)
94
Composições denominadas “Storm” eram muito comuns à época e se assemelhavam em muito às peças
revolucionárias que descreviam batalhas. (Ochse, op. cit, p. 48).
95
“(...) the popular, light, entertaining, and primarily homophonic on one side, and the serious, dignified,
and primarily contrapuntal (...)” (Ochse, op. cit p. 33).
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
33
maestria as grandes obras de Bach, nenhum deles sabe o que é que estilo e não poderia
distinguir uma época de outra”. (o grifo é nosso).
[“L’infériorité radicale des organistes français a précisément pour cause première la
manie de ce qu’ils appellent l’improvisation. Aucun d’eux n’a ce qu’on peut appeler
l’éducation de l’organiste. Aucun d’eux ne serait capable de jouer en maître les grandes
pièces de Bach; aucun d’eux ne sait ce que c’est que le style et ne pourrait distinguer
une époque d’une autre”]96.
O grifo introduzido no texto, (“qu’ils appellent l’improvisation”) visa chamar a
atenção para o fato que Fétis não abominava a improvisação, mas sim algo que
considerava uma deturpação da técnica de improvisar. O que as entrelinhas de Fétis
provavelmente revelam é o seu repúdio às novas tendências estéticas. E para esse novo
estilo que surgia, as características dos antigos órgãos se mostravam insatisfatórios.
Chamados a reconstruir os órgãos danificados durante a Revolução, os
organeiros assumiam as tendências da época, dotando os novos instrumentos de um
estilo mais orquestral. Essa virada estética, contudo, havia se iniciado já no século
anterior, com a instituição do Concert Spirituel 97 , manifestação musical pública
completamente inédita na França98, contribuindo para a formação de novas atitudes por
parte dos compositores francses, instrumentistas e consumidores de música do século
XVIII 99.
96
Brigitte François-Sappey,. Louis James Alfred Lefébure-Wely. In: Guide de la musique d’orgue.
Sous la direction de Gilles Cantagrel. Paris: Librairie Arthème Fayard, 1991. 503-7.
1991, p. 504))
97
O Concert Spirituel, fundado em Paris por André Danican Philidor em 1725, foi um empreendimento
de concertos públicos, que ocorriam nos feriados religiosos, quando a Académie Royale de Musique
estava fechada. Inicialmente, eram especializados na execução de música sacra francesa, mas, em 1734, a
Académie assumiu o controle, e os concertos começaram a enfatizar mais e mais a música instrumental.
A partir dos anos de 1780, a música instrumental passou a assumir um papel cada vez mais proeminente
nos concertos. Durante os anos de 1780, foram sendo mais e mais dominados pelas sinfonias de Haydn,
“que se tornou para a música francesa de orquestra o compositor de referência”. Os concertos cessaram
em 1789 por causa da Revolução Francesa. (Gorenstein, op. cit, p. 11).
98
Gorenstein, op. cit, p.7
99
New Groves online, Concert Spirituel 2002.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
34
Durante os 66 anos de existência do Concert Spirituel, a performance de música
sinfônica estrangeira trouxe muitas modificações na orquestra francesa que por sua vez
acarretou grandes consequências para o órgão100.
“Com tudo isto, a arte dos organistas, vai se ressentir, como se pode ver, a todos os
níveis: escrita, registração, estilo; (...). A arte do órgão será ligada, daí em diante, e cada
vez mais intensamente à arte sinfônica (...)”.
“[De tout cela, l'art des organistes va se ressentir, comme on va le voir, à tous les
niveaux: écriture, registration, style; (...) L'art de l'orgue sera lié désormais, et de façon
sans cesse croissante, à l'art symphonique (...)]”101.
Cavaillé-Coll e o órgão sinfônico
A instalação do órgão construído por Cavaillé-Coll102 na igreja real de St Denis
no norte de Paris em 1841, marcou o início do estilo sinfônico de construção de órgãos
na França tornando-se o ponto de partida da grande Escola Francesa de composição e de
performance de órgão103. A concepção de órgão sinfônico não partia propriamente da
proposição de copiar o som da orquestra, mas antes permitir à musica de órgão a mesma
versatilidade que a grande orquestra romântica produzia ao executar música sinfônica.
O nome de Cavaillé-Coll predominou na França como organeiro 104 durante o século
100
Gorenstein afirma que antes do advento dos Concert Spirituel, na orquestra clássica francesa,
diferentemente das alemãs e italianas, o contrabaixo era visto como um instrumento dispensável, sendo a
viola da gamba ou o violoncelo como suficientes para guarnecer os baixos. A partir de 1750, entretanto, a
orquestra francesa adotou definitivamente dois contrabaixos em sua formação. “O uso cada vez mais
difundido dos contrabaixos, que terminaram por se tornar indispensáveis, mudaram os hábitos auditivos
dos franceses – e dos ouvintes de órgão em particular”.[“L'usage de plus en plus répandu des
contrebasses, qui vont devenir indispensabels, vont donc changer les habitudes d'oreille françaises - et
celles des auditeurs d'orgue en particulier”.] (Gorenstein, op. cit, 9.)
101
Gorenstein, v, p. 7-8.
102
Cavaillé-Coll (1811-1899) construiu cerca de 600 órgãos, a maioria deles em território francês.
103
William Leslie Sumner. The Organ, Its evolution, Principles of construction and Use. New York: St.
Martin’s Press, Inc., 1962.
104
Embora o nome de Cavaillé-Coll tenha predominado como organeiro durante todo o século XIX,
outros construtores de órgãos de igual modo exerceram seu ofício com gênio inovador podendo também
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
35
XIX105. Cada uma de suas inovações tornava cada vez mais o órgão um instrumento
capaz de atender à demanda da estética musical romântica. Uma delas foi o dispositivo
de Barker, “o mais importante [acontecimento] na história da construção de órgãos
românticos”106. O organeiro eliminou as flutuações que produziam oscilações no som
melhorando o sistema de foles, aumentou o récit e passou a adotar o pedal de expressão
e caixa expressiva. Além disso, aproveitando a idéia de um sistema outrora criado por
seu pai, inventou um dispositivo que permitia a mudança de registros por um simples
movimento dos pés sem que as mãos precisassem ser retiradas do teclado. Dessa forma,
o pédale de combinaisons capacitava o organista a mudar com rapidez a registração sem
necessitar parar ou requerer um assistente para fazê-lo. Do ponto de vista dos registros,
ocorreu um escurecimento da paleta sonora em virtude uma tendência acentuada de
supressão das mixtures em favor de um poderoso som de fundos, multiplicação das
trombetas e das flautas. Cavaillé-Coll transformou o positif em um segundo grande
órgão: o uso do plein-jeu, registração imprescindível para execução da música francesa
para órgão até o século XVIII, declinou.
Esses implementos ampliaram e, sobretudo, alteraram substancialmente a
natureza do instrumento. O órgão de Cavaillé-Coll permitia ao organista realizar
grandes mudanças de dinâmica (caixa expressiva), alterar a qualidade do som
introduzindo ou retirando registros, (pédale de combinaisons) e ainda permitir o
desenvolvimento de uma técnica digital mais veloz (dispositivo de Barker). Cada uma
dessas novas características assemelhava o órgão sinfônico ao piano, o qual, na virada
ter estimulado muitos compositores. (Michae Murray l. French Masters of the Organ. New Haven,
London: Yale University Press, 1998, p.19)
105
Brooks, op. cit 1998.
106
Fenner Douglass, Cavaillé-Coll and the French Romantic Tradition. London: Yale University
Press, 1999, p.17.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
36
do século XIX, havia sobrepujado a espineta no gosto popular. Nessa época,o piano se
tornou o representante das qualidades expressivas desejáveis do Romantismo.
“Os instrumentistas [pianistas] se encantavam com a gama de expressão oferecida [pelo
piano], de súbitas nuances até grandiosos efeitos dramáticos. Quando os organeiros
buscaram formas de dar ao órgão possibilidades expressivas similares, esse interesse
não representou um acontecimento isolado, mas uma resposta ao gosto contemporâneo.
Foi uma corrida para ver quem melhor combinaria o controle da dinâmica do piano com
o som prolongado do órgão.”
[“Performers were delighted with the range of expression it offered, from subtle
nuances to grandiose dramatic effects. When organ builders searched for ways to give
the organ similar expressive possibilities, theirs was not an isolated interest but a
response to contemporary taste. It was a race to see who could best combine the piano’s
control of dynamics with the organ’s sustained tone”] 107.
A importância de Cavaillé-Coll para a Escola de órgão francesa se observou
ainda em um movimento em direção à padronização dos arranjos na consola
instrumento. Este fato se refletiu na esfera composicional, pois os compositores a partir
de então sabiam exatamente para qual tipo de instrumento estavam escrevendo
música108. Por volta de 1850, Lemmens e outros convenceram Cavaillé-Coll de que a
performance da música de Bach para órgão requeria manual dotado de cinquenta e
cinco notas e pedaleira de trinta. A partir de então, Cavaillé-Coll passou a adotar esses
parâmetros em seus instrumentos109. Napoleão III, logo após o sucesso da inauguração
do órgão de St. Denis ordenou que “os órgãos das Catedrais de toda a França deveriam
ser reconstruídos, (...) e sugeriu que o trabalho deveria ser dado a Cavaillé-Coll” · .
107
Ochse, op. cit, p.27.
Sumner, op. cit, p.224
109
Antes desse episódio, Cavaillé-Coll havia construído órgãos cuja pedaleira começava por fá ou lá.
(Michael Murray,. Op. cit.)
108
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
37
Não obstante a organeria francesa estivesse sendo alvo de uma grande revolução,
foi somente nas obras de César Franck que a tradição sinfônica na música para órgão, se
solidificou. Belga de nascimento, Franck obteve sua formação organística no
Conservatório de Paris, instituição cuja fundação importou em mudanças decisivas para
a pedagogia organística francesa.
O órgão e a fundação do Conservatório de Paris
Criado em 1795, O Conservatório de Paris tinha por finalidade suprir a lacuna
deixada na educação musical a partir da Revolução com o fechamento das maîtrises110.
Até o século XVIII, o ensino de música na França estava a cargo principalmente dessas
escolas, que eram vinculadas às catedrais e Igrejas 111 . Pela primeira vez na França,
iniciou-se um processo de padronização da educação musical, garantido pela criação de
um currículo que deveria ser aplicado a toda a nação. O caráter hegemônico do
Conservatório evidenciou-se ainda mais através da implementação entre 1800 e 1814 de
tratados e métodos devotados aos instrumentos, voz e harmonia, escritos por professores
da Instituição112. Na virada do século XIX, a França estava oficializando pela primeira
vez um sistema de educação musical 113.
A comparação entre a situação pedagógica do piano e do órgão nessa época
revela alguns pontos interessantes. Referências sobre a existência de um órgão no
Conservatório antes de 1818 são vagas. Sabe-se, no entanto, que Séjan, embora arrolado
110
Até por volta de 1792, ano em que foram fechadas, havia cerca de 500 maîtrises espalhadas por toda a
França (Jean Mongredien,. French Music: from the Enlightenment to Romanticism, 1789-1830. Oregon,
USA: Amadeus Press, 1996).
111
Mongredien, op. cit, p.11.
112
Mongredién, op. cit, p.22.
113
Mongredién, op. cit.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
38
como o primeiro professor de órgão, ensinou solfejo114 e piano no Conservatório até
1802, ano de sua demissão. A partir desta então, o órgão foi excluído do currículo do
Conservatório que permaneceu sem professor para esse instrumento até 1819, ano em
que François Benoist assumiu o posto.
Em contrapartida tão logo foi fundado, o
Conservatório tinha em seu quadro sete professores lecionando piano115, número esse
que chegou a onze três anos depois em 1798116. Mais significativo ainda é o fato de que
Séjan, organista e professor oficialmente contratado pelo Conservatório para lecionar
órgão fosse considerado o fundador da Escola de piano francesa117. Benoist, era por sua
vez considerado um organista medíocre cuja formação era, sobretudo pianística118. Tal
característica seguiu de fato, as determinações da administração do Conservatório
quanto ao que deveria se constituir as qualidades do professor de órgão a ser contratado:
“(...) a pessoa a preencher o posto de professor de órgão deveria ser ‘um excelente
pianista, organista, bom harmonizador e bom compositor’” (grifo nosso) [“(...) that the
person filling the post of organ professor should be “an excellent pianist, organist, good
harmonist, and good composer”’]119. Note-se que os atributos que expressam excelência
para o cargo, não estão vinculados à especialidade da cátedra em si. Requeria-se
destreza em vários atributos, porém não necessariamente no órgão: o professor de órgão
no Conservatório, havia que “ser excelente pianista”, bastando, porém, tão
simplesmente “ser organista”. Louis Adam chegou a ser proposto como um candidato,
vez que “ele tinha sido um professor de piano do Conservatório desde 1797, era o autor
114
Séjan já havia ocupado o posto de professor de órgão na Ecole royale de chant, escola que precedeu o
Conservatório de Paris. Porém, como a Ecole não pöde adquirir um órgão “por causa dos problemas
causados pela Revolução”, Séjan lá ensinava apenas solfejo. (Ochse, op. cit, p. 13)
115
Para ver a relação dos professores de piano que lecionaram no Conservatório de Paris entre 1795 e
1998 consulte Timbrell, op. cit, p. 275.
116
Charles Timbrell. French Pianism – A Historical Perspective. Oregon, USA: Amadeus Press, 1999, p.
28.
117
Brooks, op. cit, 1998.
118
Guy Bourligueux,. François Benoist, un maître nantais oublié. Musica et Memoria s/d.
119
Ochse, op. cit, p.148.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
39
de um famoso método de piano e parecia satisfazer todos os requisitos para o posto”120.
Do ponto de vista do ingresso no corpo discente de teclado do Conservatório, exigia-se
que o aluno tivesse “completado sua educação geral e adquirido considerável
proficiência no piano”121 . Em se tratando de estudante de órgão, deveria ter além,
habilidades em harmonia e contraponto, bem como capacidade em improvisação122. A
contribuição de Benoist para a construção da história da música do órgão reside antes na
manutenção da prática da improvisação que no aprendizado da técnica instrumental123.
Foi durante seus 53 anos como professor de órgão do Conservatório de Paris, que se
originou o que Murray124 denominou a primeira das duas Escolas de órgão surgidas no
século XIX, liderada por dois alunos de Benoist: Saint-Saens e Franck.
Enquanto o piano avançava na definição de uma técnica própria, o órgão ainda
tateava na França embora sua origem se antecipasse em vários séculos. Foram
praticamente 25 anos de distância entre a inclusão do piano e do órgão no currículo do
Conservatório. Com relação à adoção de um método de ensino padrão, a diferença
cronológica entre os dois instrumentos foi ainda maior, pois foi somente a partir de
1890 um método de órgão foi implementado no Conservatório de Paris125.
É possível que hoje em dia, a relevância da padronização do ensino através da
eleição de um único método de ensino, seja um ponto a ser discutido. Contudo, há que
se levar em consideração a importância desta decisão nos inícios do século XIX, quando
se iniciou a sistematização do ensino de música na França. Nesse sentido, o valor da
120
“He had been a professor of piano at the Conservatory since 1797, was the author of a well-known
piano method, and seemed to satisfy all the requirements for the position.” (Ochse, op. cit, p.148).
121
Ochse op. cit 145 o grifo é nosso.
122
Ochse, op. cit.
123
Sabatier, apud Bourligueux, op. cit..
124
“First, two schools, not one, emerged in France in the nineteenth century” (Murray, op. cit, p.19)
125
Ochse, op.cit,, p.186.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
40
publicação e adoção pelo Conservatório em 1802 do método de piano de Louis Adam126
adquire um status de maior relevância, porque se coaduna com a tendência da época
quanto à busca de um intensivo treinamento técnico.
Com relação ao órgão, a situação foi bastante diferente. Benoist, e em seguida
César Franck, seu aluno e sucessor no posto de professor do Conservatório a partir de
1872, tinham suas atenções voltadas pedagogicamente para o treinamento da
improvisação. Como organista, Franck, à semelhança de seu mestre,
“(..)
suscitava
numerosas
reservas.
Era
lamentável
sua
técnica
pianística
inoportunamente aplicada ao órgão (...) Assim Marcel Dupré pôde sinalizar que ele
tocava seu instrumento ‘como se tocava na França à sua época: legato aproximativo,
observância aproximativa das durações’” (...)”
[“(...) a suscité de nombreuses réserves. On a déploré sa technique de pianiste
inopportunément appliquée à l'orgue, (...) Ainsi Marcel Dupré a-t-il pu signaler qu’il touchait
son instrument “comme on jouait en France à son époque: legato approximatif, observance
approximative des durées (...)”]127.
Como professor, “era algo negligente com os problemas técnicos. (...)
Acreditava que um aluno admitido, [na classe de órgão do Conservatório de Paris] já
tinha alcançado o nível desejado” [“Franck négligeait quelque peu les problèmes
techniques. Estimant qu’un élève admis avait atteint le niveau souhaité (...)”]128. E ainda
segundo Widor,
“Como organista, a técnica do instrumento pouco lhe inquietava: ele se concentrava de
fazer um curso de improvisação livre, sobre um imutável plano andante”.
126
O Méthode de Piano du Conservatoire, de Louis Adam, foi amplamente utilizado por alunos de piano
e alunos de órgão que estudavam piano no Conservatório de Paris. O referido método trazia entre seus
exercícios, diversos tipos de dedilhados, substituição (em uma, duas notas) terças, sextas e oitavas e
associava o legato com o estilo vocal de legato. (Ochse, op. cit).
127
Sabatier, op. cit, p.357
128
Ibid.p. 358.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
41
[“As organist, the technique of the instrument troubled him little; he was satisfied to
give instruction in free improvisation on an immutable plan of andante”. ]129
A inexistência de um método adotado oficialmente pelo Conservatório não
significou a ausência de métodos de órgão circulando pela França durante o século XIX.
Pelo contrário, foram muitos os métodos e tratados que circularam pelos meios musicais
da França novecentista.
Métodos e tratados de órgão na França do século XVIII
Na França, o processo de desenvolvimento da pedagogia organística ficou
seriamente defasado, sobretudo em relação à Alemanha como conseqüência do cenário
político estabelecido entre o final do século XVIII até meados do século XIX130. Não é
de se estranhar, portanto, que na retomada do desenvolvimento da tradição organística
muitos métodos que surgiram no decorrer do século XIX na França tivessem sido
importados da Alemanha, onde a tradição organística tinha prosseguido sem
interrupções significativas. Métodos alemães 131 foram traduzidos e re-impressos na
França, como foi o caso do Orgelschule de Johann Gottlob Werner, publicado na
Alemanha entre 1805 e 1824, e do Praktische Orgelschule de Johann Christian Heinrich
129
Widor, apud Ochse op. cit p. 184.
Fétis explicava a situação de inferioridade que a técnica organística francesa se encontrava em relação
à alemã devia-se ao fato que a “grande tradição da Franca no tempo de Titelouze até Couperin tinha se
perdido, primariamente porque os organistas franceses deram toda atenção à improvisação, raramente
tocando música escrita. Então, os artistas de real talento não deixaram musica para o futuro, nem qualquer
composição nem a técnica progrediu” (Fétis apud, Ochse, op. cit, p.175).
131
A Alemanha foi profícua na criação de tratados e métodos de órgão. A grande maioria dos métodos
de órgão citados como mais conhecidos à época pelo Musik-Lexikon de Hugo Riemann, são de origem
alemã: “Les méthodes d’orgue les plus connues sont celles de J. H. Knecht (1795-98), (…) Rinck (1818,
red. Par Diemel et Volckmar), Fr. Schneider (1830), Volckmar (1858), A. G. Ritter (Kunst des
Orgelspiels). R. Palme (Orgelschule, op. 57), Kothe, (…) Herzog (1890), Merkel (op. 177), (…) Hesse,
Bönicke (Kunst des Orgelspiels), H. Sattler, Fr. Zimmer, C. H. Strube, Fr. W. Schütze, ArmbrustTiemann (Technische Studien für das Pedalspiel, avec l’exposé d’un nouveau procédé pour le jeu de la
pédale), (…) G. Rietschel, Die Aufgaben der Orgel im Gottesdienste, etc. (1893), et Die Aufgabe der
Orgel im evangelischen Gottesdienst, etc (1893), et Die Aufgabe der Orgel im evangelischen Gottesdienst
(1894); A. Schering. Studien zur Musikgeschichte der Frührenaissance (1914); O. Kinkeldey. Orgel und
Klavier in der Musik des 16., Jahrh. (1910); Heinrich Schmidt, Idie Orgel unserer Zeit (1904); (…)
(Riemann, 1946.)
130
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
42
Rinck132, ambos contando com publicação francesa já em 1833. Esses métodos eram
amplamente utilizados na Institution Royale de Musique Classique et Religieuse 133 ,
dirigida por Alexandre Choron. Outros métodos alemães, nem todos traduzidos ou reimpressos na França, foram igualmente referendados, servindo de base para alguns
compêndios escritos por compositores franceses. O Orgelschule de Justin Heinrich
Knecth, método publicado em 1790 na Alemanha serviu como modelo para o École
d’orgue de Jean Paul Martini, publicado na França em 1804, enquanto que Adolphe
Mine agregou ao seu Manuel simplifiée de l’organiste de 1835 as Leçons d’orgue de
Kegel134.
Os tratados alemães em uso na França depositavam uma grande ênfase na
conexão das notas, o que também se estendeu aos métodos franceses surgidos então. A
grande tendência consistia na tentativa de "explorar novas dimensões do legato" através
de exercícios de substituição, glissando, cruzamento dos pés e alternância de pontas135.
A importação dos tratados alemães e o aumento no interesse pelos assuntos
relacionados à técnica organística indica que em meados do século XVIII havia se
estabelecido uma atitude crítica com relação à situação da performance dos organistas
franceses. Além disso, o aumento das possibilidades para os organistas demonstrarem
sua arte em inaugurações e concertos e o incremento da arte organeira francesa, instalou
por essa época, um mecanismo de feedback, colocando o interesse pela técnica
132
Foi publicado sob o nome de L’École pratique d’orgue.
Em 1825, Etienne-Alexandre Choron em 1825 fundou a Institution royale de musique religieuse que
pretendia a reviver a época das maîtrises fechadas pela Revolução. Nesta instituição, música antiga e
música coral, especialmente Palestrina, recebiam particular atenção, embora o ensino de órgão não fosse
inteiramente negligenciado. (Ochse, op. cit, p.205).
134
William Petterson,. J. Lemmens, his École d’orgue, and Nineteenth-Century Organ Methods. In:
ARCHBOLD, Lawrence; PETERSON, William J. French organ music from the Revolution to Franck
and Widor. New York, USA: University of Rochester Press, 1999.
135
A técnica de alternância de pés já havia sido descrita no Kleine Pedalschule de Hesse, considerado
"herdeiro"da tradição bachiana. Os métodos de Werner, Rinck, e Martini (...) possibilitou aos organistas
franceces a compreensão plena da técnica de pedal alemã, a qual sintetizava a técnica da tradição pósBach. (Ibid).
133
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
43
organística em plena efervescência 136 . Os tratados alemães serviram de modelo e
estímulo para o surgimento de outras obras similares escritas em solo francês.
Em 1873 foi publicado o Méthode d’orgue, d’harmonie et d’accompagnement de
Félix Clément. O título, acompanhado de seu subtítulo, “compreendendo todos os
conhecimentos necessários para tornar-se um organista hábil” [“comprenant toutes lês
connaissances nécessaires pour devenir um habile organiste”]137, sintetiza a idéia de que
o entrelaçamento do órgão com a Igreja encontrava ainda em plena vigência. Através de
seus cinco capítulos, o método incursiona por temas como estudo do órgão de tubos e
do harmônio, harmonia, contraponto, fuga, princípios de transposição, acompanhamento
e transposição do plain-chant, ratificando a importância do papel do organista como
improvisador. Na introdução de seu método, através da crítica voraz à qualidade dos
organistas franceses, “os quais carecem de uma formação adequada e condizente com
seu ofício”, é que Clément justifica a necessidade de um método como o seu 138 .
Clément aborda a diferença, no caso funcional, entre o piano e o órgão. Segundo ele, a
136
Até mesmo a técnica para o harmônio, denominado orgue expressif, muito apreciado por atender as
necessidades expressivas da época, foi alvo do interesses de compositores. Foi o caso do Méthode
d’orgue Harmonium op 78 (Paris : H. Lemoine, n. D.) de Battmann, J. L. e do Méthode théorique et
pratique pour le poikilorgue (Paris : Canaux, n. D.) de Lefébure-Wély, James-Alfred. (Peterson, op. cit).
137
Félix Clement, Méthode d’orgue: d’harmonie et d’accompagnement: comprenant toutes les
connaissances nécessaires pour devenir un habile organiste. Deuxième partie: Études de mécanisme.
Paris: Librairie Hachette et Cie, 1873.
138
(...) para tocar o órgão convenientemente, (...) é indispensável saber encadear os acordes, no mínimo
improvisar algum prelúdio, fazer um acompanhemento a um canto dado; e que, até mesmo para executar
a música escrita, se só tiver o dedilhado e a técnica do piano, sem saber dar às notas seu valor
proporcional não se poderá expressar o pensamento dos mestres, não tomando um bom partido do
instrumento.Isto é evidente. Porque então se encontram tão poucos organistas verdadeiros entre as
numerosas pessoas que gostam e cultivam o órgão? (...) A resposta é esta: é que na França, normalmente
não se dá ao trabalho de aprender os elementos da harmonia, da composição e do acompanhamento,
enquanto que pelo menos há dois séculos este ensino elementar é derramado em quase todas aldeias da
Alemanha)”.[“(...) pour toucher l'orgue convenablement, (...) il est indispensable de savoir enchaîner des
accords, improviser au moins quelques préludes, faire un accompagnement à un chant donné; que, même
pour exécuter la musique écrite, si on n'a que le doigté et le mécanisme du piano, si on ne sait pas donner
aux notes leur durée proportionnelle, on ne peut exprimer la pensée des maîtres, on ne tire aucun bon parti
de l'instrument. Cela est évident. Pourquoi donc rencontre-t-on si peu d'organistes véritables parmi les
nombreuses personnes qui aiment et cultivent l'orgue? (...) La réponse est celle-ci: c'est qu'en France, on
ne se donne généralement pas la peine d'apprendre les éléments de l'harmonie, de la composition et de
l'accompagnement, tandis que depuis deux siècles au moins, cet enseignement élémentaire est répandu
dans presque tous les villages de l'allemagne.”] (Clement, op.citi)., p. VI).
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
44
técnica pianística não bastava para um bom desempenho organístico139. “O órgão não
comporta o mesmo gênero de música que o piano” dizia ele140. As palavras de Clément
são o reflexo de uma transformação qualitativa que já estava ocorrendo entre a
diferenciação do órgão enquanto instrumento de teclado.
Para fins de nossa
investigação, a parte mais interessante é descrita mais adiante, onde, no capítulo
intitulado “estudo do mecanismo”, onde Clément faz uma clara distinção entre a
posição da mão e do braço no órgão e no piano.
“A posição do corpo favorece uma boa execução. (...). O banco deve estar disposto de
tal maneira que os cotovelos estejam ao nível das notas pretas do teclado. Isto é
importante para facilitar a articulação dos dedos e do antebraço. Para a execução do
piano, a articulação do punho desempenha um papel considerável. É conveniente
então, que ele [o pianista] se sente um pouco mais elevado. Porém, que se reflita sobre a
diferença do mecanismo dos dois instrumentos e do gênero de música que é própria a
cada um deles”. (o grifo é nosso)141
Clément vai mais adiante, quando faz referência à diferença existente no ataque
de um e outro instrumento:
“No piano, o staccato, os acordes em blocos e quebrados, os arpejos volantes, o
deslocamento perpétuo das mãos, a maior ou menor força no ataque do toque que
139
“É uma vergonha para nosso país constatar que (...) nas capelas dos conventos, nas Igrejas do país e
das cidades, ob os dedos delicados das mais distintas pessoas, acostumadas a executar concertos de piano,
as Sonatas de Mozart, Haydn e Beethoven, ou os acompanhamentos brilhantes das árias das óperas, ouvese, eu digo, os mais detestáveis acordes, de sons dissonantes e retumbantes para o ouvido. É vergonhoso
que depois de dez anos de estudo de piano, um aluno não possa achar o baixo de um kyrie ou um tantum
ergo, acompanhar corretamente uma canção popular, recolocar corretamente o acompanhamento ausente
de uma melodia.” [“Il est honteux pour notre pays d'avoir à constater que (...) dans les chapelles des
couvents, dans les églises des campagnes et des villes, sous les doigts délicats des personnes les mieux
élevées, habituées à exécuter des concertos de piano, dês sonates de Mozart, d’Haydn et de Beethoven, ou
lês accompagnements brillants dês airs d’opéras, on n’entende, dis-je, que les plus détestables accords,
des sons discordants et rebutants pour l'oreille. Il est honteux qu'après dix années de leçons de piano un
élève ne puisse trouver la basse d'un kyrie ou d'un tantum ergo, accompagner correctement un chant
populaire, remplacer l'accompagnement absent d'une mélodie quelconque.”] (Clement, op. cit, p. VIII).
140
Clement, op. cit, p. VIII.
141
“La position du corps favorise une bonne exécution. (...) Le banc doit être disposé de telle sorte que
les coudes soient au niveau des touches noires du clavier. Ceci est important en raison de la facile
articulation des doigts et de l'avant-bras. Pour l'exécution au piano, l'articulation du poignet joue un rôle
considérable. Il convient donc que le siége soit un peu plus élevé. Mais qu'on réfléchisse à la différence
du mécanisme des deux instruments et du genre de musique qui est propre è chacun d'eux.” (Clement, op.
cit).
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
45
determina a qualidade do som e da expressão, tudo isso não pode se produzir sem o
movimento das articulações do punho e do ante-braço. Ao contrário, a utilização destas
articulações é e deve ser nula ou quase nula na performance organística.”142
Publicado em 1862, onze anos antes do tratado de Clément, o École d’Orgue de
Lemmens transformou-se no método mais reconhecido e utilizado na França no século
XIX 143 . Por primeira vez, com a admissão de Widor como professor de órgão no
Conservatório de Paris, implementou-se um método de órgão no Conservatório de Paris,
o método de Lemmens 144 . A notoriedade que este método alcançou o situa como
coadjuvante no estabelecimento da Escola moderna de órgão francesa e assumindo por
isso, uma decisiva importância histórica. Há que se indagar sobre o porquê de o L’École
ter alcançado tamanho destaque, com relação aos outros muitos métodos surgidos no
decorrer do século.
Widor, Guilmant e a moderna Escola de órgão francesa
Como afirma Mongredien 145 , é realmente muito difícil determinar atualmente
em que medida como, há um século atrás, um método poderia ter ajudado de fato no
treinamento de músicos. Contudo, o resgate contemporâneo das entrelinhas do método
de Lemmens, fica parcialmente garantido pelos depoimentos historicamente registrados
de Widor, aluno de Lemmens em 1863.
142
“Dans le piano, le staccato, les accords frappés et brisés, les arpéges volantes, le déplacement perpétuel
des Mains, le plus ou moins de force dans l’attaque de la touche qui détermine la qualité du son et
l’expression, tout cela ne peut se produire qu’au moyen des articulations du poignet et de l’avant-bras. Au
contraire, l'usage de ces articulations est et doit être nul ou presque nul dans le jeu de l'orgue.” (Clément,
op. cit).
143
O método de Lemmens foi publicado em várias edições e serviu de base para os quatro volumes do
Cours d’orgue de Clement Loret, publicado entre 1860. Aluno de Lemmens no Conservatório de
Bruxelas, Loret ao terminar seu curso de órgão em 1853 instalou-se em Paris e de 1858 até o final de sua
vida lecionou órgão na escola de música de Louis Niedermeyer.
144
Ochse, op. cit, p.186.
145
Op. cit..
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
46
“Ninguém compreendeu melhor o método de Lemmens que Charles-Marie
Widor”146. Aluno de Lemmens em Bruxelas em 1863 ele publicou uma nova edição do
Método de Lemmens em 1924, em cujo Prefácio explicita características da técnica do
organista belga. Dentre alguns conceitos de Lemmens, Widor destacava :
“(...) que a eliminação de todo movimento desnecessário era importante para precisão
na execução. Mãos e pés deveriam ser mantidos tão juntos das teclas do manual e do
pedal quanto possível, e os joelhos e calcanhares deveriam ser mantidos juntos (os
joelhos até o intervalo de uma oitava, e os calcanhares para o intervalo de quinta).
Quando Lemmens tocava, ele [Widor] dizia, que era como se seus joelhos e calcanhares
estivessem amarrados juntos”
[“that the elimination of all unnecessary motion was important for precision in playing.
Hands and feet should be kept as close to the manual and pedal keys as possible, and the
knees and heels should be kept together (the knees up to the interval of an octave, and
the heels to the interval of a fifth). When Lemmens played, he [Widor] said, it was as if
his knees and heels were tied together.”] 147
“Para corrigir as imperfeições de nossa técnica, ele começava por nos mostrar a postura
adequada do corpo ao teclado, nos proibindo não somente os gestos ridículos,
improdutivos, assim como deselegantes, mas também todos os movimentos inúteis, não
importando quão mínimos fossem.” [“
[“To correct the imperfections of our technique he began by showing us the proper
position of the body at the keyboard, forbidding us not only ridiculous gestures, fruitless
as well as unaesthetic, but also all useless motions, no matter how slight.”]148
A virtuosidade organística de Lemmens, absolutamente fora dos padrões
franceses novecentistas foi demonstrada em suas antológicas apresentações parisienses
em 1850 e 1852, funcionando provavelmente como o maior agente de propaganda seu
146
Ochse, op. cit.
Ochse, op. cit, p.179.
148
Widor apud Vierne, op. cit , p. 11.
147
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
47
método149. Lemmens era um exemplo vivo e potente do que sua técnica podia fazer por
um organista. Sua técnica de pedal altamente desenvolvida para os padrões franceses,
aliada a seu repertório basicamente contrapontístico, causou sensação. Lemmens
executava principalmente os prelúdios e fugas de Bach e certas obras de Mendelssohn,
repertório que reflete a influência da Escola Alemã de sua formação. No Conservatório
de Bruxelas foi aluno de Girschner, oriundo de Berlin e de Hesse 150 , organista e
pedagogo alemão conhecido pela Europa como representante da “tradição de Bach”. A
leitura do prefácio do Kleine Pedalschule151, tratado sobre a técnica de pedal, escrito por
Hesse em 1831, informa sobre a natureza da técnica com a qual Lemmens se deparou
quando discípulo de Hesse152.
A formação de Lemmens incluía piano, em meados de 1800, era frequente atuar
como pianista executando obras de Bach, Handel, Mozart, Beethoven Weber e Chopin,
tanto em Bruxelas como em Paris153. No prefácio de seu École d’Orgue, afirma que
“Nós aconselharíamos enfaticamente a todo aquele que deseja tornar-se um organista
que inicie pelo estudo do piano.”154.
Quando Widor assumiu a classe de órgão, os alunos sofreram um verdadeiro
baque. Louis Vierne, que havia sido também aluno de Franck afirmou que “a grande
reforma que Widor trouxe para o ensino de órgão dizia respeito principalmente à
149
“His performances in Paris in 1850 and 1852 undoubtedly did much to promote his Journal there and
to enhance his image back home in Brussels” (Ochse, op. cit, p. 174)
150
Lemmens viajou a Breslau a fim de estudar com Hesse, grandemente admirado por ser reconhecido
como o herdeiro da tradição de Bach e por possuir uma técnica de pedal prodigiosa. (Petterson, op. cit, p.
61).
151
Adolph Hesse, Kleine Pedalschule mit Uebungsstücken und mehrstimmigen Beispielen. Leipzig,
Verlag von F. E. C. Leuckart s/d.
152
Petterson, op. cit, p. 61.
153
Ochse, op. cit, p. 55.
154
“We should strongly advise all who wish to become organists to begin by studying the pianoforte.”
Jacques Nicholas Lemmens,. École d’Orgue. Paris: Durand, 1920, Notice).
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
48
performance” 155: sua admissão ao Conservatório acarretou uma mudança no enfoque
pedagógico.
Widor dava precedência à razão sobre o puro instinto, ao racionalismo sobre o
empirismo156, o que se manifestava na preocupação de manter sob controle os mínimos
detalhes. Era extremamente detalhista, obcecado pela precisão do ataque e liberação da
tecla. Assim como Lemmens, enunciava regras para a articulação de notas repetidas157,
valorizava a necessidade de precisão rítmica do stacatto ao mesmo tempo em que
apregoava a exatidão da conexão entre notas no legato. Enfatizava a importância do
ritmo na performance organística: “o princípio da agógica reinava necessariamente
acima de tudo”158. Widor demonstrava que determinados efeitos, associados até então
como exclusivos da execução pianística, podiam também ser alcançados no órgão
através do ritmo.
"Particularmente no órgão, todos os acentos, todos efeitos dependem dele [do
ritmo].Você pode pressionar o teclado com toda a sua força, com toda força dos seus
ombros - você não conseguirá nada com isso. Mas atrase por um décimo de segundo o
ataque de um acorde, ou prolongue esse mesmo acorde por um instante e avalie o efeito
produzido! Em um manual desprovido de uma caixa expressiva, pode-se obter um
crescendo sem a ajuda de qualquer tipo de mecanismo: pela simples aumentação da
duração tendo em vista sucessivos acordes ou frases separadas. Para se tocar órgão, é
necessário negociar com valores cronométricos." (grifo nosso).
[“Particularly with the organ, all accents, all effects are dependent upon it. You may
bear upon the keyboard with the weight of pounds, with all the strength of your
shoulders - you will gain nothing by it. But delay by a tenth of a second the attack of a
chord, or prolong this same chord the very least, and judge of the effect produced! Upon
155
“The great reform brought by Widor to organ instruction dealt especially with performance” Vierne,
translated from the French by Esther E. Jones. Third Installment. The Diapason, november 1, 1938, p. 10.
156
Vierne, op. cit. p10-11.
157
Genericamente falando, Widor afirmava que “Notas repetidas eram separadas por uma pausa
específica cujo valor era determinado pela duração da nota e pelo tempo da peça”. (“Repeated notes were
separated by a specific rest whose value was determined by the length of the note and the tempo of the
piece.”) Ochse, op. cit, p.186. A regra foi provavelmente sistematizada em método por Marcel Dupré, nas
coletâneas cuja revisão das obras completas de Bach, Schumann, Mendelssohn e Franck assinou.
158
“The agogic principle necessaril ruled supreme”. (Murray, op. cit, p.96).
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
49
a manual not provided with a swell-box one may obtain a crescendo without the aid of a
mechanism of any kind: by the simple augmentation of the duration allowed successive
chords or detached phrases. To play upon an organ is to deal with chronometric
values."]159
Em 1896 deixou a classe de órgão para ensinar contraponto e a partir de então,
Alexandre Guilmant assumiu o posto até o ano de sua morte, 1911. Embora houvesse
algumas diferenças quanto à registração e repertório, Widor e Guilmant eram, adeptos
da mesma linha de ensino. Ambos haviam estudado com Lemmens, eram seguidores de
sua técnica e ambos comungavam do mesmo ideal de criar uma Escola Francesa de
órgão da mais alta categoria. Por este motivo, a substituição dos professores não
acarretou uma alteração fundamental quanto à técnica da performance160.
Após a morte de Guilmant, Eugène Gigout ocupou de 1911 a 1926 a cadeira de
professor de órgão do Conservatório. Gigout havia estudado órgão na Escola
Nidermeyer161 com Clément Loret que por sua vez havia estudado no Conservatório de
Bruxelas com Lemmens. Mantendo-se fiel aos seus ensinamentos, utilizou inicialmente
com seus alunos o École d’Orgue e, posteriormente, seu próprio método, o qual foi
inteiramente inspirado no método de Lemmens. Gigout, entretanto, adotava uma linha
pedagógica que enfatizava a improvisação e o acompanhamento do canto gregoriano.
Gigout permaneceu naquele posto até 1926, ano de sua morte. Naquele mesmo
ano, Marcel Dupré foi nomeado para o cargo, dando prosseguimento à Moderna Escola
de órgão que Widor e Guilmant, tinham estabelecido dentro dos preceitos dos
ensinamentos de Lemmens.
159
Widor Apud, Ochse, 2000, p. 187.
Vierne, op. cit. p. 9.
161
A Escola de Niedermeyer foi criada em 1853 e destinava-se sobretudo à educação de músicos para as
igrejas.
160
por: Domitila Ballesteros
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50
4. Jeanne Demessieux e os Six Études
A formação musical de Demessieux
Jeanne Demessieux foi apresentada a Marcel Dupré em 1936, aos 15 anos de
idade, e a partir de então se tornou sua aluna, primeiro no Conservatório, e a partir de
1941 até 1946, em sua casa em Meudon162.
Desde muito cedo Demessieux deu mostras de seu talento incomum163. Nascida
em 1921 em Montpellier, França, iniciou seus estudos de piano aos três anos. Precoce,
entre os cinco e sete anos tinha em seu repertório pianístico as Partitas e os Prelúdios e
Fugas de Bach, os quais últimos ela se entretinha em transportar para todos os tons
através de um método que ela própria inventara. Em 1932, toda a família se mudou para
Paris a fim de que Jeanne pudesse se preparar para o concurso de ingresso ao
Conservatório de Paris.
Ingressou no Conservatório em 1933 na classe de piano de Santiago Riera, e
paralelamente com Lazare-Lévy, que a tinha preparado para o concurso de admissão.
Durante este período, estudou a fundo as obras de Chopin, Beethoven, Liszt, Schumann
e quase a totalidade do repertório pianístico romântico, além de grande parte das obras
do início do século XX, em especial aquelas de Maurice Ravel. Aos 16 anos, em 1937,
interpretou de memória o Concerto em mi bemol maior de Liszt, 1939 ganhou o
primeiro prêmio de Piano executando a Fantasia de Chopin.
162
A despeito da guerra, sob ataques aéreos e outros transtornos, desde 1941 até 1946, Jeanne viajou à
Medon, subúrbio de Paris onde se localizava a residência de Dupré para suas aulas regulares.
163
Conta-se que quando tinha apenas três anos, Jeanne Demessieux foi levada por seus pais para assistir a
uma récita noturna da ópera Orfeu e Euridice, de Glück Na volta à casa, Jeanne pediu que seu pai se
deitasse no chão enquanto ela, de joelhos, cantava a ária “Eu perdi minha Eurídice”.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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Jeanne já era uma grande pianista quando foi apresentada a Dupré. Ele percebeu se
tratava de “um fenômeno164”, e logo suspeitou que Jeanne seria “o sucessor fidedigno
de seu ideal165” que há tempos buscava. Ressoavam dentro dele a seqüência dos nomes
de Guilmant, Widor, Dupré, Demessieux: a tradição da escola de órgão francesa seria
ampliada166. Jeanne transformou-se na “mais digna, mais respeitosa, mais obediente,
mais fiel dos alunos, (...) a melhor aluna” de Dupré 167. Conforme resumiu Dupré a
Jeanne, “Eu farei por você o que Widor fez por mim” [“Je fais pour vous ce que Widor
a fait pour moi.”] 168.
A pedagogia de Marcel Dupré
A nomeação de Dupré para o posto de professor de órgão no Conservatório
representou a concretização da previsão de Widor e de Guilmant de que ele, Marcel,
seria o herdeiro da tradição organística estabelecida por Lemmens 169 . Tanto Albert
Dupré, seu pai e primeiro professor de órgão e piano, como Guilmant, de quem foi
aluno posteriormente, haviam estudado com Lemmens. Albert também comungava da
idéia de seu professor que o estudo de piano era parte indispensável da formação
organística: estabeleceu um método de trabalho bem definido, onde para cada quarenta
e cinco minutos estudados de piano, Marcel poderia estudar outros quinze de órgão170.
164
Trieu-Colleney, op. cit., p. 24.
“(...) le fidèle continuateur de son idéal.” (Ibid, p. 25)
166
Id,. p. 25
167
O diário de Jeanne Demessieux registra com data de 14 julho de 1945 as seguintes palavras: “Une fois
encore, le Maître. [Marcel Dupré] me parle de telle façon que je ne peux oublier ses paroles... ‘Vous êtes
la plus digne, la plus respectueuse, la plus obéissante, la plus fidèle des élèves. (...) la meilleure élève de
Dupré - que l'on entendra, c'est: - Vous’ - ...” (Id,., p.176-7)
168
Id.
169
Em 1922, quatro anos antes de assumir o cargo de professor de órgão do Conservatório, Widor já
havia aconselhado a Dupré adquirir sua independência financeira para que pudesse ser livre para tomar o
lugar de Gigout. (Michael Murray, Marcel Dupré: The Work of a Master Organist. Boston,
Massachussetts: Northeastern University Press: 1985, p.115)
170
“I can really practice the organ now, since I don’t need the piano anymore” -“Don’t you believe it!”
said Albert. “your proficiency as an organist depends on your profiency as a pianist. You may spend
fifteen minutes at the organ for every forty-five at the piano.” (Ibid. p.38).
165
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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Como estudante, logo nos primeiros anos do século XX, Marcel Dupré foi admitido no
Conservatório de Paris na classe de Louis Diémer171, conduzido por Guilmant, seu então
professor particular de órgão. Entre os 15 e 19 anos, embora conservasse suas aulas com
Guilmant, Dupré chegou a estudar até 10 horas de piano por dia, quando explorou
grande parte do repertório pianístico. Durante essa época estudou todas as sonatas de
Haydn, Mozart, Beethoven, muito das obras de Schubert, Schumann, Liszt, além de
decorar cerca de três quartos das obras de Chopin 172 . As palavras de Lemmens
ressoavam através de Guilmant e Widor quando declaravam que “o quanto mais
perfeitamente um aluno cultivasse seus músculos e fibras ao piano, mais próximo ele
estaria de obter o perfeito controle sobre os movimentos da performance organística”173.
Em junho de 1906, quando contava com vinte anos, depois de ganhar o primeiro prêmio
de piano, Dupré entrou oficialmente para a classe de órgão de Guilmant no
Conservatório.
Todos os ensinamentos que recebeu em sua formação organística, Dupré não
somente manteve, como também desenvolveu. Era adepto da economia de
movimentos174. Recomendava o estudo diário de piano para manter a técnica em dia o
que ele próprio seguiu à risca até o dia de sua morte. Todo o dia pela manhã estudava
pelo menos uma hora de piano. Acreditava que a boa forma do organista dependia da
prática diária no piano das “escalas maiores e menores em oitavas, décimas, terças
duplas e sextas duplas; arpejos em quatro e cinco espécies, escalas cromáticas em
171
Diémer dono de uma técnica cintilante e capaz de uma precisão surpreendente, tinha sido aluno do
legendário Marmontel.
172
Marcel Dupré apud Murray, 1985, Op. Cit. p. 36.
173
“(...)the more exquisitely a pupil cultivated his muscles and fibers at the piano, the closer he would
come to perfect control over the motions of organ-playing “. (Murray, Ibid, p. 36)
174
Dupré aconselhava que nos Trios Sonata de Bach, o organista deveria estabelecer uma registração que
possibilitasse a mudança de manual em cada movimento, de forma a evitar a fatiga dos braços. Tal
procedimento poderia parecer exagerado quando se considera a execução de uma peça isoladamente,
entretanto, a medida se constituía em um meio muito eficiente para um organista como ele, acostumado a
grandes tournées onde a quantidade de performances era elevada. (Murray, Ibid, p.121).
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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oitavas duplas, bem como das obras de Beethoven Liszt and Chopin175. Dupré dizia a
seus alunos que,
“(...) o organista segue pelo caminho errado quando não se entrega passional e
intensamente por vários anos ao estudo do piano. Além disso, é ingenuidade do
organista evitar praticar oitavas para desenvolver seu pulso, sob o pretexto de que o
uso de oitavas destacadas é raro no órgão. O organista necessita dominar os estudos de
Chopin e os Estudos Transcendentais de Liszt tanto quanto o pianista”.(O grifo é nosso)
"[(...) the organist takes a wrong path if he does not consecrate himself passionately and
intensely, for several years, to piano study. It is naïve, furthermore, for the organist to
shun practicing octaves to develop his wrist, under the pretext that the use of detached
octaves is rare at the organ... The organist has no less need than the pianist to master the
Études of Chopin and the Transcedentel Études of Liszt".]176
Ampliando a técnica do pedal do qual foi herdeiro, Dupré estendeu ou
transcreveu parte da técnica digital aos pés, provavelmente inspirado pela afirmação de
Widor: “o organista tem quatorze dedos177”. Tal qual fazia com o desenvolvimento da
articulação do pulso na mão, Dupré enfatizava a articulação do tornozelo nos pés. A
“chave da infalibilidade”, dizia, “reside na flexibilidade do tornozelo, uma flexibilidade
que deveria ser cultivada da mesma forma que a do pulso no piano”178. As escalas eram
também para ele um ponto chave no aprimoramento da técnica do pedal, recomendando
por isso o estudo e domínio de todas as escalas maiores e menores, em notas simples e
depois em terças e sextas, aproveitando sempre ao máximo a extensão da pedaleira.
175
“(...) major and minor scales in octaves, tenths, double thirds, and double sixths; of arpeggios in four
and five species; of chromatic scales in double octaves; and of the works of Beethoven Liszt and
Chopin.” (Murray, op.cit, p.122)
176
Dupré apud Murray, 1985, p. 36
177
Aos dez dedos da mão, Widor considerava a ponta e o calcanhar de cada pé, como outros quatro
dedos.
178
(...) “the key to infallibility, he would say, lies in the suppleness of the ankle, a suppleness one must
cultivate like that of the wrist at the piano”. (Murray, op. cit, p.122)
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Dupré frisava a importância da técnica, baseando-se na idéia de que o organista deveria
estar livre de toda preocupação com a mecânica.
“(...) [Marcel Dupré] acreditava que a integridade da concentração do artista deveria ser
reservada para a essência da peça que ele estava executando; somente através de uma
técnica sem falhas que o executante poderia se abandonar de forma a estabelecer um
canal pleno de comunicação com a música. Um artista deveria, ele acreditava, ser livre
no que diz respeito à técnica. Ele deveria ser espontâneo e automático, e nunca deveria
interferir com uma importante questão na performance: a música”.
[“(…) believed that the entirety of na artist’s concentration should be reserved for the
essence of the piece he was playing; only through a technique so flawless that one could
totally forget it could the fullest artistic communication of the music itself be made. An
artist must, he believed, be free of concern about technique. It should be spontaneuous
and automatic, and should never interfere with the important matter at hand in
performance: the music”]179
Esse foi o Marcel Dupré que assumiu a tarefa da formação organística de
Jeanne. Dona de uma técnica digital irrepreensível, tão logo iniciou suas aulas de órgão,
Demessieux foi apresentada às grandes obras do repertório organístico180. O diário de
Demessieux revela que “Dupré não hesitou em lhe entregar todos os seus segredos,
sobretudo aqueles concernentes ao pedal” [“Dupré n'hésita pas à lui livrer tous ses
"secrets", notamment ceux concernant la technique de pédale.”]181. De fato, uma das
maiores características distintivas de Jeanne Demessieux como organista, senão a maior
delas, era sua técnica virtuosística de pedal. Em inúmeras ocasiões Dupré a exaltou
dizendo que “nenhuma organista mulher jamais executou o pedal como você” 182 , e
179
Michael Murray, Toward Perfect Technique. Music, march, 1974, p. 36.
Trieu-Colleney, op. cit, p.26.
181
Trieu-Colleney, Ibid, p.26).
182
Em agosto de 1941 (Ibid p. 127)
180
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“nenhuma mulher, nenhum homem tocou os pedais com tal virtuosidade”183. A natureza
da relação pedagógica que se fundou foi decisiva para todo o processo de aprendizado
de Jeanne Demessieux junto a Marcel Dupré.
Os precursores dos Six Études, os Estudos de Marcel Dupré
Em 1941, Marcel Dupré iniciou a composição de uma série de estudos para
Jeanne184 cuja performance se constituía, segundo o próprio autor, em um dos requisitos
fundamentais para a aquisição de uma “técnica virtuose de primeira classe 185 ”. Seu
diário registra, durante uma aula em Meudon no dia 20 de julho de 1941, o seguinte
diálogo:
[Jeanne Demessieux:] “Eu sinto que minha técnica deslancha. O Mestre me encoraja...
(...) [Marcel Dupré:] Eu vou escrever, (...) uma série de Estudos onde eu passarei a você
os manuscritos progressivamente.”
“[Jeanne Demessieux:] (...) je sens que ma technique part. Le Maître m’encourage... (...)
[Marcel Dupré:] Je vais écrire, dit-il, une série d’Etudes dont je vous passerai les
manuscrits au fur et à mesure...” ]186
De fato, à medida que ia finalizando cada estudo, Dupré o entregava à Jeanne
para que ela posteriormente os apresentasse em aula.
Se os estudos tinham a finalidade de ampliar a técnica de Demessieux187, poderse-ia deduzir a existência de uma intenção pedagógica nestas composições. Há,
entretanto uma diferença crucial entre a proposta pedagógica entre certas obras que
183
Anotação feita no diário de Jeanne Demessieux em março de 1942 (Trieu-Colleney, op. cit)
“M. Dupré me dit encore: ‘ Je les ai écrites pour vous’” . (Ibid., p.157)
185
Id, p.131
186
Id., p.126)
187
Id., p. 131.
184
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Dupré destinou à educação organística188, e os estudos. Tal qual ocorria com os estudos
de Chopin, e Liszt, os estudos de Dupré se instituíam antes de tudo como um fim, e não
como um meio de se alcançar a técnica. A execução dos estudos de Liszt, Chopin ou
Dupré requer, pressupõe a transcendência da técnica. Os doze estudos iniciais foram
escritos para Jeanne Demesieux, uma aluna acima de quaisquer padrões, formada e apta
a executar qualquer obra da literatura organística ou pianística. Os estudos serviriam
como coroação, como consolidação de tudo aquilo que uma técnica primorosa e
eficiente era capaz de realizar.
O processo de composição das doze obras terminou em julho de 1943 e dois
meses depois, a série completa foi executada diante de Dupré por Demessieux. No
entanto, no início de 1944, o Mestre decidiu que seus “grandes estudos” não seriam
mais publicados 189 . Ele havia resolvido “modificar o título e os apresentar em três
grupos – Números de opus diferentes” 190. A transformação dos estudos de Dupré em
outras peças não aconteceu através da simples re-nomeação das obras. Houve, na
verdade, uma reorganização de todo material. Terminada a reorganização, os doze
estudos compostos inicialmente, se transformaram em nove peças agrupadas em três
números diferentes. Parte dos estudos de Dupré se transformaram na Suite opus 39
(1944), subdividida por sua vez em Allegro Agitato, Cantabile, Scherzo e Final. Outros
estudos foram reestruturados em Offrande a la Vierge (1944) op. 40, que por sua vez
contém Virgo Mater, Mater Dolorosa e Virgo Mediatrix. Re-escreveu também duas
188
Este foi o caso dos 79 Chorales, nos quais Dupré pretendia fornecer um estudo preparatório para os
prelúdios corais de Bach, empregando os corais usados por Bach.
189
Segundo o diário de Jeanne Demessieux, reproduzido em parte no livro de Trieu-Colleney, Marcel
Dupré em 25 de fevereiro de 1944 teria dito “(...) je regrette beaucoup que de grandes Etudes ne soient
pas publiées” "(...)J'ai décidé, comme vous savez, de modifier la présentation des Etudes. Il y en a
quelques-unes dans lesquelles il n'est pas nécessaire que j'apporte une grande modification pour qu'elles
deviennent ... ce que je veux. Pour les autres, je ne peux pas me résoudre à les transformer tellement; il
faut, il faut, il faut que ce soit... autre chose...” (Ibid, p.157)
190
Ibid, p. 156 “(...) je décide de modifier le titre et de les présenter en trois groupes - Numéros d'opus
différents”.
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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obras, Esquisse em mi menor e Esquisse em si menor, as quais foram numeradas como
opus 41. Um terceiro estudo, cuja publicação póstuma, data de 1975, suscita reserva
dado o fato de o próprio Dupré ter optado por excluí-lo de publicação. Adotando a
postura de Steed 191, quando comenta sobre a dificuldade de “escrever objetivamente
sobre uma obra que nunca deveria ser publicada” o estudo póstumo fica excluído da
discussão neste trabalho.
Aparentemente nem todas as novas obras mantiveram o caráter transcendental da
técnica. Quatro peças, quase a metade, apresentam indicações de andamentos lentos o
que poderia sugerir que carregam um grau de dificuldade menor quando comparadas às
de andamentos vivos.
Contudo, argumenta-se aqui, que a reformulação dos doze
Estudos de Dupré, originou obras que ainda preservavam o caráter virtuosístico original.
Nestas obras, Dupré confirma sua concepção do virtuosismo organístico porque sua
técnica, bem como a pedagogia que aplicou e defendeu durante toda sua vida se
resumem em Offrande à la Vierge, Suite e Esquisses. Estas obras são a condensação do
que Marcel Dupré vislumbrou como a essência da virtuosidade para o órgão, sua
concepção particular de virtuosidade. Os tópicos que ele definiu como pré-requisitos
indispensáveis da técnica organística transparecem nessas obras, embora nem sempre se
trate de uma virtuosidade acrobática, ou que Rosen chamou de “exercício atlético”192. O
foco da questão recai sobre a forma pela qual Dupré enxergava o órgão. Quais eram
para ele seus atributos, suas qualidades? Quais suas limitações? O que e, principalmente
como fazer para tirar partido de suas características?
191
Graham Steed,. “Dupré and Demessieux: the master and the pupil.” The American
Organist.1999:127.
192
Charles Rosen, (1995), ao se referir à prática dos estudos de Chopin ou Liszt diz: “Praticar um estudo
de Chopin ou Liszt é um exercício atlético: alarga as mãos, desenvolve os músculos, aumenta a
flexibilidade, amplia a capacidade física”
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Marcel Dupré193 enfatizava que a natureza polifônica do órgão o transformava
num instrumento onde a clareza era um atributo essencial para a execução das texturas
polifônicas, ainda mais porque a maioria dos órgãos se situa em Igrejas, onde a acústica
se constituía em um fator complicador adicional194.
“Esta claridade repousa primeiramente sobre a observância quase matemática dos
valores. Sem este rigor, a sobreposição das notas umas sobre as outras, neste
instrumento de som que se prolonga, conduz à confusão. A frase (...) é determinada, não
pela fantasia, mas pelas regras da polifonia clássica”.
“[Cette clarté repose d'abord sur l'observance quasi mathématique des valeurs. Sans
cette rigueur, le chevauchement des notes les unes sur les autres, sur cet instrument au
son tenu, aboutit à la confusion. Et la phasé (...) est déterminé, non par la fantaisie, mais
par les règles de la polyphonie classique.”]195
Dupré na verdade expandiu os conceitos de claridade e precisão matemática do
toque, que Widor já havia enunciado anteriormente, estabelecendo regras que chamou
de “Leis de Execução do Órgão” 196 . Dupré acreditava que a clareza musical não
advinha apenas do ritmo, mas da escolha de uma registração adequada. “A clareza mais
ainda consiste em saber como identificar os diferentes níveis de uma obra. Dado os
níveis de massas tonais que o organista deveria administrar” cada nível deveria ser
muito bem definido através da registração.
197
Abundância contrapontística e
simplicidade na registração são as marcas características da virtuosidade do Cantabile
193
“O intérprete ao órgão”, dizia Dupré, “não pode se deixar levar pelo capricho. Tocando
freqüentemente em amplas edificações, ele deve lutar contra uma ressonância algumas vezes excessiva, e
adaptar aos monumentos o tempo das obras que ele executa ” [“L'interpréte, à l'orgue, ne peut se livrer au
caprice. jouant le plus souvent dans de vastes édifices, il doit luttes contre une résonance parfois
excessive, et adaptes aux monuments le tempo des oeuvres qu'ìl exécute.” 193.]
194
(Dupré apud Bernard Gavoty: Marcel Dupré. Les grands Interprètes. Genève, Éditions René Kister,
19551955, p. 28)
195
Op. cit,. p:28
196
Datando de 1927, essas leis foram posteriormente publicadas no Méthode d’Orgue.
197
Murray, 1998, Op. cit. p. 152-3
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
59
da Suite (figura 5), assim como das três composições contidas em Offrande à la Vierge,
(figura 6). No primeiro caso, a natureza do contraponto é vocal e no segundo, textural.
Ambas Esquisses têm indicações de andamentos vivos, mas a diferença entre a
natureza dos obstáculos determina dificuldades diversas. Grande parte da dificuldade da
primeira Esquisse é digital. As seis notas em movimento descendente do tema, estão
entremeadas de notas repetidas (figura 6).
O problema técnico que surge de imediato reside justamente na execução das
notas repetidas em alta velocidade: “A única forma de obter a boa repetição é mudar os
dedos para todas as notas repetidas” [“The only way to obtain good repetition is to
change fingers for all repeated notes”]198. Quanto ao pedal, há trinta compassos que se
caracterizam por um grau elevado de dificuldade técnica (figura 7). O problema que os
trechos propõe, entretanto, derivam basicamente da velocidade, visto que não há saltos,
nem grandes deslocamentos de membros superiores ou inferiores, muito menos
dificuldades digitais importantes.
198
Steed, op. cit. p. 125.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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Bastante diferente é a situação da Esquisse em si menor. Esta obra traz à baila a
questão a técnica das oitavas, que se faz presente tanto nos manuais, quanto nos pedais.
Embora, quando analisado do ponto de vista puramente digital não apresente grandes
dificuldades quando comparada a outros estudos de oitavas, escritos para piano. O
obstáculo da Esquisse em si menor advém do desafio da simultaneidade das oitavas
entre pés e mãos. Nesta obra, Dupré comprova a dupla necessidade do organista de
desenvolver seu pulso na prática de oitavas, bem como a flexibilidade do calcanhar. A
dificuldade que a peça apresenta é progressiva. Os saltos oitavados do pedal do início
são substituídos no final da obra por escalas em oitavas que se coadunam com longos
trilos nos manuais, também em oitavas (figura 8).
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As escalas se constituíram mesmo no objeto constante do interesse pedagógico
de Marcel Dupré.Em Allegro Agitato, primeira peça da Suite opus 39, elas aparecem
sob as mais variadas formas. São escalas em graus conjuntos, cromáticos ou não; em
terças, sextas e oitavas presentes tanto no manual quanto no pedal (figura 9).
Ainda na Suite, sobretudo em Scherzando, Dupré tratou com ênfase a questão
das relações intervalares, seja através da apresentação de intervalos, seja pela inclusão
de notas duplas no pedal e nos manuais (figura 10).
A gênese dos Six Études de Demessieux encontra-se completamente vinculada a
essas composições de Marcel Dupré. Quando Dupré abandonou a idéia de publicar seus
estudos, entregou à Jeanne Demessieux a tarefa de escrever os estudos para órgão199.
Marcel Dupré declarou a Demessieux: “Como é estranha a história dos estudos... (...)
Fui eu quem resolveu escrever doze estudos para você, com a idéia de eles fossem por
199
“(...) nous avons décidé, avec Bornemann, que vous allez en écrire...” (Trieu-Colleney, op. cit,, p.157).
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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você executados em primeira audição...”.[ “Comme c’est étrange, dit-il, l’histoire des
Etudes... C’est moi qui décide d’en écrire douze pour vous, avec l’idée qu’elles soient
données en première audition par vous...”]200
O primeiro estudo em mi menor ficou pronto poucos meses depois, em abril de
1944. Em outubro seguinte, Demessieux apresentou para Dupré todos os seus seis
estudos, de memória e pela ordem em que foram compostos. 201
Marcel Dupré viu em Jeanne Demessieux algo mais que nele próprio. Com
respeito à técnica e/ou performance, admitiu que ela tinha adquirido um nível estágio
superior ao dele202. Embora, segundo os relatos publicados da biografia de Demessieux,
Dupré não tenha utilizado o termo “transcendental203” para se referir a seus próprios
estudos, ele o fez com relação aos estudos de Demessieux. Em 1944 fez uma alusão
direta ao termo, quando comparou a técnica de Jeanne Demessieux com a de Nicolo
Paganini, virtuose cuja obra inspirou tantos estudos de virtuosidade para o piano: “Seus
estudos”, disse Dupré, “são equivalentes aos Transcendentais” [“Vos études vont être
l’équivalent des Transcendantes”]204. Seis meses depois, Dupré convidou Jean Gallon205
para ouvir os Six Études de Jeanne. Eles “discutiam a respeito da originalidade de
minha música”, diz o diário de Jeanne206. E prossegue reproduzindo o diálogo entre
Gallon e Dupré:
200
Trieu-Colleney, op. cit, p. 160)
Ibid, p.:169
202
Em 17 de setembro de 1943, Marcel Dupré após ouvir Demessieux tocar disse: “Eu não digo mais:
mulher alguma tocou o órgão como você, eu digo: ninguém toca o órgão como você...” (grifo nosso).
[“Je n edis plus: aucune femme n’a joué de l’orgue comme vous, j edis: on ne joue pás de l’orgue comme
vous...”] (Id, p. 152).
203
Steed (op. cit) atribuiu o termo aos estudos de Dupré.
204
Trieu-Colleney, op. cit. p. 164
205
Jean Gallon era o professor de harmonia do Conservatório de Paris, com quem Jeanne tinha estudado
quando aluna daquela instituição.
206
Trieu-Colleney, op. cit. p. :170
201
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
63
“Jean Gallon: ‘Só se vê algo assim duas vezes em um século’. Dupré gracejou: (...)
'alguém teria o direito de se perguntar, se como Paganini, ela vendeu a alma a Mephisto
em troca de sua técnica!’”
[“Jean Gallon: ‘On ne voit cela que deux fois par siècle...’ Dupré plaisante: (...) ‘on
aurait le droit de se demander si, comme Paganini, elle n'a pas vendu son âme à
Méphisto en échange de sa technique!’ ”] 207
As expectativas de Dupré com relação aos estudos de Demessieux eram grandes.
Ele acreditava que aquelas obras marcariam época
208
. Em março de 1945, quando
Jeanne anunciou que gostaria de dedicar seus Estudos ao Mestre ele respondeu: “Você
não conhece a extensão dos seus Estudos... (...) Eles levarão meu nome à posteridade.”
[“Vous ne savez pas la portée de vos Etudes. (...) Elles porteront mon nom à la
postérité”.] 209
Em janeiro de 1946 Jeanne Demessieux assinou seu primeiro contrato com
Bornemann para a publicação de seus Six Études, com condições inesperadas para uma
jovem210.
Considerando-se a literatura organística e pianística no gênero, os estudos de
Jeanne Demessieux se colocam como um marco cuja importância é dupla. Por um lado,
as características virtuosísticas dos Six Études representa a leitura organística que
Jeanne Demessieux fez dos ideais pianísticos novecentistas de transcendência da
técnica. De igual modo, os Études de Jeanne Demessieux correspondem a uma grande
inovação dentro das composições existentes para órgão, pois até 1946 nada similar
havia sido publicado na França ou alhures.
207
Trieu-Colleney, op. cit, p. 170
Ibid, p. 157
209
Id., p. 172
210
Id., p.184.
208
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
64
5. Os elementos pianísticos e os Six Études
A origem da influência do piano na carreira, de Jeanne Demessieux já foi
abordada nas páginas anteriores. Resumidamente ela provém de sua própria formação
no instrumento, iniciada precocemente aos três anos de idade, e desenvolvida com
requintes de genialidade. Além disso, a importância do piano para sua formação
organística foi enfatizada pelo próprio Dupré, seu professor de órgão, quem abertamente
defendia o estudo do instrumento como um ponto de importância capital para a
performance de órgão. Neste capítulo, analisamos como os elementos pianísticos se
transformaram no órgão e suas conseqüências para a técnica organística.
Características específicas do órgão
A apropriação de elementos pianísticos na composição dos Six Études significou
em muitos sentidos a criação de um trabalho bastante original se consideramos o
referencial organístico. Um olhar superficial mostra que, quando observadas do ponto
de vista da técnica digital, estas obras se encontram muito aquém de inúmeros estudos
românticos para piano. O caráter transcendental dos estudos de Jeanne Demessieux não
pode ser vislumbrado através da ótica pianística, porque sua performance requer antes
de tudo, uma técnica distinta e inconfundível. Trata-se da técnica organística: o órgão,
embora mantendo semelhanças com o piano, tem uma constituição típica, que o torna
um instrumento com características próprias.
Para uma melhor compreensão de nossa proposta, classificamos tais
características em duas categorias, uma relacionada aos aspectos sonoros, e outra com
as questões que se relacionam ao seu aspecto físico.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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Propriedades expressivas do órgão
A despeito dos avanços do órgão sinfônico quanto às possibilidades sonoroexpressivas, uma grande diferença pode ser observada entre estes dois instrumentos cujo
som se produz, se transmite e se propaga de formas tão diferentes. Ao contrário do que
aconteceu com o piano romântico, onde a produção sonora depende fundamentalmente
da ação muscular do pianista, o órgão, sem o acionamento de registros 211 , é um
instrumento mudo. Dos registros acionados dependem ainda o timbre (cor) e o volume
do som (dinâmica) que se pode obter. Segue-se daí que do ponto de vista da qualidade e
da quantidade sonora, a registração de uma obra se constitui numa ferramenta condição
si ne qua non.. Do ponto de vista da produção sonora existe ainda a questão da
sensibilidade do toque, decisiva no piano, porém praticamente irrelevante no órgão.
Conforme já abordamos no capítulo II quando tratamos da pedagogia da Escola
Moderna de Órgão na França, a performance organística depende, sobretudo da
liberação da tecla, ou, melhor dizendo, da relação entre liberação de uma nota e ataque
da nota seguinte.
A respeito da constituição física do órgão
O simples olhar já permite ao observador perceber que a constituição física do
órgão é bem diferente do piano. A presença da pedaleira indiscutivelmente é um fator
diferenciador de grande impacto e que assume uma significação fundamental. Caso
contrário, bastaria a aquisição de uma técnica pianística acurada para a formação de um
bom organista.
211
Incluem-se aqui também os acopladores.
por: Domitila Ballesteros
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“(...) o altíssimo desenvolvimento da performance pianística dos dias atuais promove,
de uma forma geral, uma execução rápida nos manuais do órgão, com resultados que
poderiam ser chamados de satisfatórios caso os pedais nunca tivessem sido inventados,
e Bach e Handel jamais tivessem existido” .
[“(…) the highly developed piano-playing of the present day promotes, in a general
way, rapid execution on the manuals of the organ, with results that would be called
pleasing if the pedals had never been invented, and Bach and Handel had never lived;
(...)”] 212
A utilização determina consequências que necessitam ser analisadas para que se
possa compreender a verdadeira natureza da técnica organística.
Antes do advento da pedaleira 213 , os pontos fundamentais de apoio dos
instrumentistas de teclado eram os quadris e pés que se constituíam sua base de
sustentação corporal. A utilização dos pés na performance organística veio a causar uma
modificação da relação espacial do organista com seu instrumento, produzindo o
deslocamento do eixo gravitacional do instrumentista (figuras 11 e 12).
O desenvolvimento da pedaleira e da arte do pedal214 acarretou a perda de um
ponto de grande relevância na manutenção do equilíbrio corporal refletindo-se
evidentemente na postura corporal na performance. Em suma, a utilização da pedaleira
se constitui numa fonte de desestabilização corporal permanente, impelindo o organista
a encontrar outros pontos de apoio de compensação.
212
Nilson, Lars. A System of technical studies in pedal playing for the organ. 1904.
A pedaleira foi inventada por Bernard, the German, cerca de 1450. (Nilson, op. cit).
214
Entende-se que a palavra pedaleira faz referência ao móvel, ao teclado dos pés enquanto objeto. Já o
vocábulo “pedal”, diz respeito à utilização da pedaleira. Portanto, falar da “arte do pedal” implica numa
menção subjetiva da técnica dos procedimentos necessários na performance, bem como das questões
relacionadas à própria literatura organística. (Nilson, op. cit.)
213
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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Mas não somente as questões concernentes ao equilíbrio corporal se
estabeleceram com avanço da técnica de pedal, mas também aqueles referentes à
habilidade de movimentar coordenadamente os membros inferiores, e mais
especificamente os pés. Surgem daí duas dificuldades. A primeira delas diz respeito à
própria movimentação dos membros inferiores enquanto que a segunda engloba os
problemas advindos da simultaneidade na utilização do corpo em sua totalidade. Ambos
situações vinculam-se ao desenvolvimento de uma grande capacidade de coordenação
motora, visto que o organista precisa realizar movimentos de alta complexidade de
forma sincrônica e funcional com os pés.
Além da pedaleira, o órgão possui vários manuais e registros os quais,
dependendo do caráter expressivo-musical, devem ser manuseados no decorrer da
execução. A modificação da registração e a mudança de manuais durante a performance
geram alterações importantes na postura do organista.
O processo de transformação nos Six Études
Primeiro estudo: Pointes
Aludindo a fórmulas e figurações tipicamente pianísticas, os títulos dos estudos
de Jeanne Demessieux são talvez a característica mais evidente da apropriação do
universo pianístico. Apenas o título do primeiro estudo, Pointes remete a uma questão
estritamente organística. A utilização do calcanhar na técnica do pedal não foi uma
prática contemporânea ao nascimento da pedaleira. Esta, em seus primórdios, era
formada por pedais curtos, pouco se prestando a esta forma de utilização. Existem
métodos de órgão escritos no século XVIII e XIX em muitos lugares da Europa, onde a
utilização do calcanhar foi indicada com certa parcimônia. Seja por coincidência ou não,
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foi utilizando esta técnica tão “antiga” e conhecida que Demessieux decidiu iniciar sua
coletânea. Mas, como então poderia essa técnica tão primordial da literatura organística
estar relacionada a uma linguagem pianística e ao mesmo tempo contribuir
significativamente para a técnica organística no século XX?
Inicialmente, a possibilidade de traçar um paralelo entre a utilização das pontas e
alguma característica tipicamente presente nos estudos românticos nos parecia remota.
Foi de Charles Rosen que nos veio a inspiração para a resolução deste impasse. Em A
Geração Romântica ele discorre a respeito da resposta sonora do piano quando da
utilização dos dedos 2 e 4 indicados por Liszt para a execução do estudo Mazeppa. O
dedilhado também foi utilizado por Liszt na variação VI do Estudo VI sobre um Tema
de Paganini (figura 13).
A utilização deste dedilhado coloca no piano a articulação do pulso em
evidência, da mesma forma que a pedalização de Pointes põe a articulação do tornozelo
em destaque: a cada nota marcada com estas indicações corresponde a um ataque215
(figura 14) o que acarreta dispêndio extra de energia muscular.
215
A utilização exclusiva das pontas, no órgão representa um aumento do esforço muscular ao passo que,
a utilização de ponta seguida de calcanhar representa uma economia significativa na energia empregada
no movimento. Consideremos duas notas a serem executadas. Se a pedalização indicar que a primeira
deve ser tocada com a ponta e a outra com o calcanhar do mesmo pé, isto corresponde que o organista
necessitará realizar dois movimentos. No primeiro, abaixará a ponta do pé causando uma natural elevação
do calcanhar. Repare que em seguida, o movimento que terá de realizar para soltar a nota corresponde ao
movimento que é necessário ao acionamento do pedal com o calcanhar. Entretanto, se a indicação da
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Essa interpretação encontra respaldo nas palavras de Dupré, que enfatizava que a
importância da articulação do tornozelo deveria assumir para o organista a mesma
dimensão que a articulação do pulso para o pianista216.
Haveria, não fosse o intuito de se alcançar uma resposta sonora particular,
formas muito mais econômicas de proceder à marcação dos mesmos trechos 217 . A
paridade entre os movimentos citados ocasiona uma resposta sonora semelhante,
embora respeitando as características de cada instrumento. Se o efeito martelado
acontece no piano como decorrência do ataque de cada nota, no órgão, este efeito ocorre
da utilização das pontas numa figuração constante em semicolcheias a serem executadas
em alta velocidade. O efeito sonoro produzido tem pouco a ver com o som legato218
pedalização determinar que se tratam de duas notas a serem executados por pontas, os organistas
necessitará fazer três movimentos, pois quando o movimento que no exemplo anterior servia tanto para
soltar a primeira nota quanto para acionar a segunda, aqui já não é suficiente. O instrumentista deverá
acionar a tecla, elevar a ponta do pé para então poder executar a segunda nota também com pé. Já em
Mazeppa, por exemplo, a seção Animato, onde Liszt reproduz a mesma fórmula inicial, a utilização de
apogiaturas digitalizadas com 3-2/1-4 na mão direita significa uma diminuição do esforço muscular visto
que, para a execução do mesmo grupo de notas, é necessário apenas um impulso muscular.
216
“A chave da infabilidade, (…) reside na flexibilidade do tornozelo, uma flexibilidade que deve ser
cultivada como a do pulso no piano.” [“The key to infallibility (…) lies in the suppleness of the ankle, a
suppleness one must cultivate like that of the wrist at the piano”]. (Murray, 1985, p.122).
217
Levando-se em conta o aspecto puramente digital, as figuras sobre a qual recai a indicação do
dedilhado 2-4 no estudo de Liszt seria, muito mais facilmente executada sob outras condições. O mesmo
pode ser dito com relação à Pointes. Neste estudo, em um sem número de passagens, a inclusão na
pedalização do calcanhar indubitavelmente seria muito mais compreensível, caso a compositora não
tivesse em mente outras questões.
218
Isso porque no órgão, conforme já discorremos anteriormente, não é o ataque, mas sim a soltura da
tecla constitui-se o responsável por esta diferenciação sonora, mas sim a soltura da tecla e a forma pela
qual se encadeia sonoramente com a subsequente.
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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enquanto que o aumento necessário da movimentação podálica produz uma agitação
prevista pela escolha do termo indicador do andamento da peça: Allegro agitato.
Os estudos lisztinianos citados não são os únicos exemplos onde se observa a
criação de um dedilhado com a finalidade de produzir uma sonoridade em particular.
Este também se constitui o propósito do estudo op. 10 no.2, de Chopin, cujo dedilhado
idiossincrático, no dizer de Rosen, 219 faz uso dos três dedos considerados fracos na
realização da escala cromática. A execução deste dedilhado tão inovador, que visa a
produção de um som igualmente original, depende de uma alteração importante da
relação da mão e dedos com o teclado do piano. Através deste estudo, como bem
observa Chiantore, é possível se compreender algo a respeito da idéia do ponto de
apoio, sobre qual estava fundamentada sua técnica220. Segundo o autor, trata-se de
“(...) uma idéia que partia de uma observação de desconcertante simplicidade: se o peso
do braço é mais que suficiente para provocar a descida da tecla, o dedo pode utilizar o
teclado como uma superfície que permita aos dedos ir transladando a mão de nota a
nota”.
[ “(...) uma idea que partia de uma observación de desconcertante simplicidad: si el peso
Del brazo es más que suficiente para provocar el descenso de la tecla, el dedo puede
utilizar el teclado como una superficie que permita a los dedos ir trasladando la mano de
nota a nota.”]221
Para a execução do dedilhado do estudo op. 10 no.2, será necessário que se
efetue uma ligeira rotação externa da mão (supinação) o que terminará por levar a uma
modificação do ponto de apoio no teclado.
“No estudo op. 10 no. 2, a principal dificuldade reside precisamente na necessidade de
renunciar ao tradicional levantamento do dedo em favor de um ininterrupto
deslocamento do ponto de apoio. Qualquer outra opção supõe um inútil e perigoso
219
Rosen, 2000, op cit, p. 496.
Chiantore, op. cit, p. 338.
221
Ibid, p. 312.
220
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71
desgaste de energias, sobretudo diante da estratégica presença dos acordes picados,
curiosa versão pianística do acrobático pizzicato com a mão esquerda de Paganini”.
[ “En el Estudio Op. 10 no 2, la principal dificultad reside precisamente en la necesidad
de renunciar al tradicional levantamiento del dedo a favor de un ininterrumpido
desplazamiento del punto de apoyo. Cualquier otra opción supone un inútil y peligroso
desgaste de energías, sobre todo ante la estratégica presencia de los acordes picados,
curiosa versión pianística des acrobático pizzicato con la mano izquierda de
Paganini.222].
À possibilidade de realização de um dedilhado tão inovador encontra-se atrelado
um aspecto fundamental da técnica de Chopin. O teclado, antes de se constituir como
um obstáculo, ao dedo, lhe serve como uma alavanca da qual se podem extrair diversas
propriedades.223
O conceito de ponto de apoio encontra correspondência na técnica organística
uma vez que na performance, a organista lida permanentemente com a tarefa de
encontrar formas de manter seu equilíbrio, impossibilitado como está de encontrar uma
base para seus pés224. Considerando a utilização da pedaleira e as mudanças de manuais
e registração, a performance de órgão implica na movimentação de membros superiores
e inferiores, o que gera uma movimentação corporal constante. No decorrer da
performance, o centro de gravidade225 do instrumentista é alterado e por isto, caso não
222
Chiantore, op. cit, p. 337.
Ibid, p. 316.
224
É certo que existem composições para órgão que não requerem a participação do pedal e os pés podem
procurar apoio no banco ou na própria console do órgão. Para nossas investigações, entretanto, se toma
como referência as composições para órgão em cuja concepção inclui para sua performance o pedal.
225
De acordo com Lapierre, (1974), “Se chama entro de gravidade de um corpo sólido e rígido ao ponto
de aplicação da resultante de todas as forças exercidas pela atração terrestre sobre as diferentes partículas
do corpo. A definição é bem precisa quanto a ‘corpo sólido e rígido’, porque o ponto de aplicação da
resultante não depende somente da inércia própria de cada partícula, mas também da posição relativa de
estas distintas partículas entre si. O centro de gravidade do corpo humano, corpo articulado capaz de
múltiplas atitudes, não pode, por tanto, ser um ponto fixo/ depende da posição relativa dos diferentes
segmentos e se pode dizer que varia a cada momento.” [“Se llama centro de gravedad de un cuerpo sólido
y rígido al punto de aplicación de la resultante de todas las fuerzas ejercidas por la atracción terrestre
sobre las diferentes partículas del cuerpo. La definición precisa bien ‘cuerpo sólido y rígido’, porque el
punto de aplicación de la resultante no depende solamente de la inercia propia de cada partícula, sino
también de la posición relativa de estas distintas partículas entre sí. El centro de gravedad del cuerpo
223
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existissem formas de compensação, o organista terminaria por tombar para frente ou
para trás. Na prática, o que ocorre é que no decorrer da performance, diversos tipos de
apoios se estabelecem, combinam, e, acima de tudo, se modificam, segundo as
características e demandas existentes na própria obra.
As mãos, ou seus dedos isoladamente podem se transformar em um potente
recurso estabilizador no equilíbrio do organista durante a performance. Nos primeiros
compassos de Pointes, o polegar, e em seguida outros dedos da mão direita, poderão
servir a este propósito (figura 14). Mas a utilização das mãos como recurso estabilizador
fica mais evidente quando advém de sua utilização quase como “garras” na execução de
acordes sustentados, que além de apoio proporciona uma base para o impulsionamento
do corpo na direção necessária para a performance da pedaleira em suas extremidades.
(figura 15).
Curiosamente, estas idéias se sintonizam com as observações de Chiantore,
sobre o estudo das oitavas de Chopin, o estudo op. 25 no 10 (figura 16).
“Mas, ainda mais significativas são, em este Estudo, [o Estudo op. 25 no. 10] as notas
sustentadas das seções rápidas, capazes não somente de propor um desenho preciso
rítmico, se não também de dirigir a mão em direção a uma atitude técnica muito
humano, cuerpo articulado capaz de múltiples actitudes, no puede, por tanto, ser un punto fijo; depende
de la posición relativa de los diferentes segmentos y se puede decir que varía a cada momento”].
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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concreta. Essas notas sustentadas nos obrigam a concentrar nosso apoio nos tempos
fortes, nos convidando a manter uma posição constante reduzindo ao mínimo os
movimentos” (...) o grifo é nosso).
[“Pero aún más significativas son, en este Estudio, las notas tenidas de las secciones
rápidas, Capaces no sólo de proponer un preciso diseño rítmico, sino también de dirigir
la mano hacia una actitud técnica muy concreta. Esas notas tenidas nos obligan a
concentrar nuestro apoyo en los tiempos fuertes, nos invitan a mantener una posición
constante reduciendo al mínimo los movimientos (...)”]226.
Embora no particular possam apresentar distinções quanto ao produto final, o
princípio geral, comum nos dois estudos, é o da existência de um pivô que fornece um
ponto de orientação física aos movimentos básicos da performance. No estudo de
Chopin, os dedos sustentam aproximam e guiam a mão no teclado. Nos estudos de
Demessieux, aos dedos é dada a incumbência de auxiliar no equilíbrio corporal e de
funcionar como ponto fixo que alavanca o corpo nas viradas necessárias à performance
das extremidades do pedal. Em Pointes o comprometimento da estabilidade do corpo
decorre da complexidade da parte do pedal 227, com sua figuração em semicolcheias,
226
Chiantore, op. cit, p. 331.
Lembramos que a técnica de pedal não pode ser compreendida apenas como o conjunto dos
movimentos necessários à execução da pedaleira, porque uma vez que a performance do pedal acontece,
via de regra, concomitantemente com a performance dos manuais, os movimentos daí decorrentes
apresentam maior complexidade.
227
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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construída sobre intervalos das mais variadas amplitudes. A escrita do pedal neste
estudo foi um fator decisivo para a exploração do teclado dos pés em toda sua extensão.
Esta é também uma característica que observamos nos estudos de Liszt e Chopin
onde, cada um, dentro de seu próprio estilo, fez do aproveitamento do teclado um ponto
de partida para a criação sonora. Falar na utilização do teclado na totalidade de sua
extensão implica em considerar a necessidade de deslocamento motor da mão ou das
mãos. Independentemente de como se processe tal deslocamento, (arpejos, escalas,
saltos, etc), ele dependerá da capacidade de precisar distâncias. Como um ponto fixo de
inserção dos dedos, a mão e o pulso fornecem um referencial importante para o cálculo
automático das distâncias intervalares. São vários os estudos de Chopin, onde o pulso e
mão desempenham um importante papel na previsão do cálculo das distâncias
intervalares. É o caso do estudo op. 10 no. 10 onde as constantes mudanças de
acentuação são garantidas pelos também constantes deslocamentos do ponto de apoio da
mão, intermediados pelo movimento lateral do pulso. O mesmo acontece no antológico
estudo de saltos, o Op. 25 no.1, e no estudo Op. 10 no. 9.
No órgão, a técnica do pedal não pode depender de automatismos, pois ao
contrário do piano onde a extensão do teclado e a distância entre as teclas é sempre a
mesma, a pedaleira apresenta diferentes configurações228 A observação das figuras 17 e
18 e 19 permite visualizar como a distância entre as teclas pode variar de um modelo de
pedaleira para outro.
228
Para maiores informações a respeito deste assunto, leia o capítulo XXI de Audsley, “The art of organbuilding – A comprehensive Historical, theoretical, and practical treatise”, Dover Publications, New
York, Vol II, pp.121-160.
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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Dificilmente, portanto, poderíamos conceber o resultado eficiente na execução
dos intervalos e saltos no pedal a mercê de automatismos. No prefácio da edição dos
Six Études, Marcel Dupré escreveu que:
“Pontas alternadas tende a desenvolver, por um lado, a igualdade da duração estrita
entre os dois pés, e, por outro lado, o instinto de espaçamento entre os diferentes
intervalos” (o grifo é nosso).
[“Pointes alternées – tend à faire acquérir, dùne part, l`égalité de durée stricte entre les
deux pieds et, dàutre part, l’instinct de l’écartement dês différents intervalles.”] 229
As palavras de Marcel Dupré remetem a um dos aspectos mais evidentes de
Pointes. São estes os inúmeros e variados saltos, que levam a viradas bruscas e
repentinas do corpo, necessárias para alcançar as extremidades do pedal. Contudo, nos
229
Préface dos Six Études de Jeanne Demessieux.
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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parece um tanto bizarro que Dupré tenha se servido do termo instinto para aludir a uma
questão tão crucial da própria técnica do pedal. Em um instrumento onde os
automatismos nem sempre são bem vindos 230 , pouco coerente seria ele se viesse a
construir sua técnica a partir do puro instinto. Meticuloso e dono de uma técnica
impecável, pouco interessado em deixar-se levar pelos benefícios da sorte em suas
performances, Dupré não se cansava de apregoar que a técnica era um necessário
veículo, fonte da liberdade com toda preocupação com a mecânica. A técnica do pedal
era um constante alvo do interesse de um Dupré intérprete e professor, que legou a
Jeanne todos os seus conhecimentos231. A formação organística de Marcel Dupré e de
Jeanne Demessieux estava baseada nos ensinamentos de Lemmens, os quais através de
Guilmant e Widor se consolidou como a base da Moderna Escola Francesa de Órgão.
De acordo com os fundamentos da técnica do pedal desta Escola,
“(...) os joelhos, os calcanhares e as pontas devem se tocar. Dessa forma, o máximo de
estiramento dos pés (joelhos e calcanhares juntos) alcança uma quinta; o maior
alongamento das pernas (joelhos juntos) alcança uma oitava”.
[“(...) generally the knees, the heels and the toes must be touching. Then the greatest
stretch of the toes (knees and heels joined) gives a fifth; the greatest stretch of the legs
(knees joined) gives an octave”.] 232
Quando joelhos, pontas e calcanhares são mantidos juntos, o organista
estabelece para si próprio algumas medidas fixas, visto que provém de seu próprio
corpo e, portanto, não variam segundo o instrumento em que se encontra. Assim,
independentemente do tamanho ou o formato da pedaleira, o intervalo obtido do
230
Dificilmente o organista encontra instrumentos idênticos, seja do ponto de vista da consola, disposição
dos registros, altura do banco, formato da pedaleira, etc. É por isto que a prática contínua e repetida no
mesmo instrumento reforça o hábito e os automatismos, dificultando futuras acomodações. Por isso,
idealmente, quanto mais o organista se exercita em órgãos distintos, maior desenvolve sua capacidade e
habilidade de adaptação.
231
Conforme consta no diário de Demessieux, “Dupré não hesitou em lhe entregar todos os seus
‘segredos’, notadamente aqueles concernentes à técnica do pedal.” [“Dupré n'hésita pas à lui livrer tous
ses ‘secrets’, notamment ceux concernant la technique de pédale.” (Trieu-Colleney, op. cit,p. :26).
232
Vierne, op. cit, p. 11.
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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espaçamento das pernas com os joelhos juntos, o espaçamento máximo dos pés com os
calcanhares juntos, bem como a informação entre a distância entre as pontas juntas é
invariável. Podemos a partir disto estabelecer uma analogia entre o papel que o pulso e
joelho desempenham no cálculo das distâncias intervalares.
O estabelecimento destes padrões é um recurso importante para a execução
acurada dos intervalos no pedal, porém se mostra insuficiente se consideramos que
muitas vezes em prosseguimento ao salto, o tronco deve assumir uma nova direção. Isto
acontece quando durante a performance deve-se alcançar dois pontos do pedal muito
distantes entre si em um espaço de tempo muito curto. Como exemplo da necessidade
da rápida torção do tronco em direção à outra extremidade do pedal citamos a passagem
do compasso 118 para o compasso 119 (figura 15). Em questões que envolvem este tipo
de situação, citamos as palavras de Ritchie e Stauffer:
“As pernas são giradas por meio de um empurrão pequeno - ou umas séries de
empurrões pequenos – dado por um dos pés enquanto toca. Quando a passagem é
ascendente, as pernas precisam ser giradas à direita, e o empurrão é dado pelo pé
esquerdo. Quando a passagem é descendente, e as pernas necessitam ser giradas para a
direita, o empurrão é dado pela perna esquerda.”
[“The legs are pivoted by means of a small push - or a series of small pushes – made by
one of the feet as it plays. When the passage is ascending and the legs need to be
pivoted to the right, the pushing is done by the left oo. When the passage is descending
and the legs need o be pivoted to the left, the pushing is done by the right foot.”]233
Podemos destacar um procedimento análogo na prática pianística dos saltos que
também se vincula à utilização de um ponto fixo como apoio. conceito já enunciado
acima, o que se traduz na prática em economia de esforço e precisão do movimento.
Citamos como referência, o oitavo estudo transcendental de Liszt, Chasse Sauvage,
233
Ritchie, George. Stauffer, George B.Organ technique: modern and early. New York: Oxford
University Press, 2000, p. 89
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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onde a performance da seção “A”, construída basicamente sobre muitos acordes
entremeados de escalas, depende de uma grande familiaridade com esta técnica. Para a
realização destes grandes saltos principalmente em altas velocidades, o movimento de
ataque da nota deve ter finalidade dupla, pois,
“(...) não há tempo material para que o movimento lateral do braço comece após o
ataque do acorde; ao contrário, se utilizamos o fundo da tecla como superfície de apoio,
o empuxe produzido para pulsar essa última nota nos permite transladar imediatamente
o braço em direção à posição sucessiva, facilitando ao mesmo tempo - devido à
tendência da mão a se levantar após o impulso – a caída do braço na oitava seguinte”
[“(...) no hay tiempo material para que el movimiento lateral del brazo empiece tras el
ataque del acorde; en cambio, si utilizamos el fondo de la tecla como superficie de
apoyo, el empuje producido para pulsar esa última nota nos permite trasladar
inmediatamente el brazo hacia la posición sucesiva, facilitando al mismo tiempo –
debido a la tendencia de la mano a levantarse tras el impulso – la caída del brazo en la
octava siguiente.”]
A figura 20 mostra em esquema, o procedimento descrito por Chiantore.
Movimento da mão no salto
B
A
A
Extensão do teclado
A seta “A”indica o movimento da mão abaixando
as teclas. A seta “B”mostra que a mão ao mesmo
tempo em que libera a tecla, já inicia o percurso em
direção ao outro ponto do teclado.
Figura 20
Segundo estudo: Tierces
No início do século XIX, quando os métodos de órgão se ocupavam sobretudo
com a substituição de dedos, a preocupação com o treinamento de terças, sextas e notas
repetidas já se fazia presente nos estudos recém publicados de Cramer. Símbolo da
técnica mecanicista do piano, presença constante nos estudos novecentistas para este
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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instrumento, essas figurações de igual modo serviram de pretexto inspirador para os
estudos de Demessieux. Se fôssemos levar em conta apenas a dificuldade digital que
estas fórmulas e figurações apresentam, encontraríamos que estes estudos se encontram
muito aquém das obras homônimas de Liszt ou Chopin. Em contrapartida, se
considerarmos que a dificuldade destas obras se encontra no tratamento dado a estas
fórmulas no pedal, estaremos também provendo uma resposta insatisfatória a esta
questão porque quando comparadas a outras obras escritas para pedal solo, a parte do
pedal nos estudos de Jeanne Demessieux depende de uma técnica muito menos
arrojada234.
O segundo estudo de Jeanne Demessieux recebe o nome da figuração sobre a
qual está construída a obra. A presença constante das terças dobradas em semicolcheias
no pedal faz que durante a execução os dois pés estejam sempre e, o que é mais
importante, simultaneamente em atividade na pedaleira. Providência indispensável para
essa empreitada de forma econômica e eficiente é que se promova ao máximo a
liberação das articulações dos tornozelos, o que só é possível pelo aumento da tração
das coxas e joelhos que reduz o peso dos pés e pernas. Esta atitude motora poderia então
contribuir para uma resposta sonora observando os parâmetros de ligeireza e clareza
indispensável à performance obra.
Estes dois conceitos, “leveza” e “clareza”, nos remetem ao amplamente
conhecido termo pianístico, jeu perlé. Sobre o jeu perlé, Kaemper afirma que:
“Para levar a leveza e a agilidade aos limites extremos o pianista retém quase todo o
peso do braço deixando somente o mínimo de forma que a articulação dos dedos não
precise reagir em direção ao alto. Liberados de uma carga pesada, e necessitando apoiar
234
Como exemplo deste tipo de composição citamos os “7 Études de concert pour pedale seule”, de
Langlais, e os treze estudos contidos na coletânea editada por Martin haselböck e Thomas Daniel Schlee:
“Pedals Only. 13 Studien zeitgenössischer Komponisten”.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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um peso suavizado e quase desprezível, os dedos praticamente não pressionam a tecla
até o fundo.”
[“Pour pousser la légèreté et l’agilité à leur extrême limite le pianiste retient presque
tout le poids du bras laissant le juste minimum pour que l’articulation des doigts ne
puisse pas le repousser vers le haut. Libérés d’une lourde charge et n’ayant à supporter
qu’un poids allégé et tout à fait négligeable, les doigts n’arrivent même pas au fond de
la touche”]235
Ainda do texto de Kaemper, apreendemos que para que se possa executar seu
trecho musical com a clareza e a velocidade típicas do jeu perlé, o pianista precisará
despender ao braço uma carga mínima236, promovendo a liberação das articulações dos
dedos.
Quase seria desnecessário lembrar, que Chopin e Liszt fornecem um sem
número de exemplos nos quais, sem a liberação das articulações digitais, a obtenção do
efeito perolado associado às altas velocidades, típico deste toque se tornaria uma tarefa
inexequível. Dentre estes exemplos, destacamos em Liszt, as escalas repletas de
cromatismos e as numerosas figurações em notas duplas do estudo transcendental Feux
Follets (vide figura 21).
A analogia que propomos reside no fato de que pelo aumento da tração, as
articulações são liberadas: no órgão, as do tornozelo enquanto que no piano, as dos
235
236
Kaemper, op. cit,, p. 125-6.
Kaemper aqui adotou o conceito de Tetzel de “carga mínima do braço”. (Kaemper, op. cit,, p. 125).
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81
dedos. Por este mesmo processo se promove um efeito físico semelhante, mas que
determina ocasiões que não são idênticas. É preciso lembrar que a possibilidade de se
obter daí efeitos sonoros no piano através do toque não se aplica ao órgão. Porém, se no
órgão a questão do toque fica a cargo do ritmo, ou melhor dizendo, da administração
das medidas rítmicas entre os sons, sem a liberação das articulação do tornozelo seria
impossível associar os conceitos de clareza e ligeireza ao legato do pedal.
O aumento da tração dos membros inferiores 237 faz com que em Tierces a
desestabilização corporal tenda a ser maior. Mas note-se que neste estudo a existência
de uma grande quantidade de acordes de longa duração que se constituem uma eficiente
forma de apoio bem como também proporcionam uma base para impulsionar o corpo
nas viradas que levam os pés aos extremos do pedal (figura 22)
O emparelhamento destes acordes dá origem a uma massa sonora que se desloca
harmonicamente através de certas notas que não se ligam umas às outras e se modificam
de compasso a compasso. O papel contrastante desta linha na obra nos permite invocar
o conceito de contraponto colorístico, desenvolvido por Rosen, onde as partes são
constituídas por vozes texturais 238 . É curioso notar que a aplicação desta idéia aos
237
Referimo-nos, especificamente apenas às coxas e pernas.
“A invenção colorística de Chopin encontra seu apogeu nos Estudos, e em nenhum outra parte é mais
evidente que essa imaginação colorística é fundamentalmente contrapontística – ou melhor, que o
238
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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estudos de Demessieux encontra um importante respaldo quando lembramos que o
próprio
Dupré
se
referia
ao
órgão
como
um
instrumento
basicamente
contrapontístico 239 . Além das terças e da sequência de acordes, interage ainda uma
terceira voz, notadamente melódica que surge por primeira vez à altura do compasso 17
e se sobressai às outras vozes por receber uma registração contrastante (figura 23).
Comparemos, pela própria natureza do material utilizado, o segundo estudo de
Demessieux, com o estudo de terças de Chopin, o op. 25 no. 6 (figura 24).
O tratamento das terças em movimentação cromática e constante em ambas
obras determina uma linha textural nítida, que vem a se constituir como uma das partes
do contraponto. Em Chopin também se estabelece este jogo sonoro, quando ao
cromatismo das terças, sotto voce, contrapõe-se uma segunda voz com “duas espécies
contraponto é fundamentalmente colorístico, é o entrelaçamento de diferentes espécies de textura”
(Rosen, 2000, op. cit, p.515).
239
Conforme já foi dito no capítulo anterior, para Marcel Dupré, o organista tinha como uma de suas
principais tarefas, saber administrar por intermédio da registração os diferentes níveis de massa tonal de
uma obra.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
83
diferentes de legato”240. Este resultado composicional é um dos fatores que diferencia os
estudos de Chopin e Demessieux de outros estudos que priorizavam o treinamento
muscular. Como muitos estudos de fins do século XVIII e inícios de XIX, estes estudos,
Tierces e o op. 25 no. 6, estão fundamentados na repetição insistente de determinadas
fórmulas. Contudo, fórmulas aparentemente simplórias e insistentemente repetitivas,
presença típica das composições da aurora do Romantismo e que serviam antes de tudo
a uma abordagem mecanicista, nas mãos de Demessieux e Chopin, galgaram a um outro
patamar transformando-se em elemento de interlocução sonora.
Terceiro estudo: Sixtes
Aqui, como em Tierces, foi dada ao pedal a tarefa de desenvolver a figuração
que serve de título ao estudo. As sextas por sua atividade continua e simultânea dos pés
demandam para execução da obra, um dispêndio de energia muscular importante.
Podemos supor que como herdeira da tradição Lemmens-Widor, Demessieux fosse
adepta do princípio da economia de movimentos241, e como tal, é provável lançasse mão
de algum recurso capaz de diminuir o esforço muscular aumentando a eficiência da
execução. Marcel Dupré, no prefácio que escreveu para os Six Études, invocou a
recomendação de Widor, segundo a qual os joelhos e/ou calcanhares deveriam ser
mantidos juntos.
240
Rosen, 2000, op. cit, p. 516.
Widor dizia a seus alunos que “Todo movimento injustificado é nocivo, porque se constitui numa
perda de tempo e de força. Antes de decidir que um movimento é inevitável, você deve testar sua
utilidade durante o período de prática lenta. (...) Com o pedal assim como com os manuais, a economia de
movimento deve dirigir a escolha da pedalização. Isso significa que se várias possibilidades se
apresentam, deve-se optar por aquela que requer o mínimo de movimento”. [“All injustified movement is
harmful, because it is a loss of time and of strength. Before deciding that a movement is inevitable you
must have tried out its utility during the period of slow practice. (...) With the pedal as with the manuals
economy of movement must direct the choice of pedaling. This means that if several possibilities present
themselves one must choose the one that requires the least motion”]. (Widor apud Vierne 1938, p. 11).
241
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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Dupré advertia que o afastamento das pernas jamais deveria acarretar qualquer
tensão muscular, mesmo sendo as pernas mais suscetíveis à rigidez que os braços242. A
manutenção desse esperado relaxamento muscular durante a performance poderia ser
alcançado justamente pela junção dos joelhos. Uma perna apóia ou transfere seu peso
para outra de forma que o ponto de junção dos joelhos se transforma em agente
ergonômico do movimento.
Porém, a esta antológica recomendação widoriana pode ser atribuída ainda outra
função, vez que na execução das longas sequências de acordes simultâneos, o contato
das pernas e/ou dos joelhos contribui para a manutenção da estabilidade corporal. A
compreensão desta idéia fica facilitada se consideramos o fato inverso. Para o indivíduo
que está sentado, e que não pode apoiar seus pés, o afastamento dos membros resulta
em um fator desestabilizante, porque acarreta uma modificação importante do eixo
gravitacional243. A união dos joelhos promove uma centralização da massa corporal, por
isso facilita o equilíbrio.
As sextas também foram alvo do interesse de Chopin, constituindo-se substância
básica do estudo op. 25 no. 8 e de onde podemos observar certos aspectos que vêm de
encontro a nosso interesse. O primeiro deles reside no fato de que em ambos os estudos,
as sextas obedecem à divisão rítmica idêntica, representada pelos terços de tempo do
242
Marcel Dupré, quando enfatiza que a execução do pedal do estudo das sextas não deve produzir
qualquer tipo de tensão muscular frisa o papel importante da junção dos joelhos “genoux joints,
naturellemtne”, sobretudo porque “não se pode perder de vista que os músculos das pernas estão mais
sujeitos à contração que aqueles dos braços...” [ “Il ne faut pas perdre de vue que les muscles des jambes
sont encore plus sujets à la contraction que ceux des bras...(...)”] (Dupré in: Prefácio da Edição dos Six
Études de Jeanne Demessieux, 1946).
243
Uma experiência simples pode ser feita para comprovar tal afirmativa. Sentado em uma cadeira e
com os pés apoiados nos chão, mantenha as pernas e joelhos próximos. Se estes forem afastados
mantendo-se o apoio dos pés, aumenta-se a estabilidade, porque o polígono de sustentação (quadril e pés)
aumentou consideravelmente. Porém se a mesma experiência for realizada com os pés afastados do chão,
ou seja, levantados, a estabilidade do tronco será gravemente alterada à medida que as pernas e joelhos
vão sendo afastados. O afastamento dos membros inferiores desloca o centro de gravidade e distribui a
massa corporal, sem que haja, no entanto, um aumento do polígono de sustentação, já que os pés flutuam.
Nesse caso então, tronco tenderia a cair para frente.
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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compasso 6/8. Poderíamos temer em cair num perigoso simplismo se, baseando-nos tão
somente na escolha do compasso, apontássemos o estudo de Chopin como inspirador de
Jeanne Demessieux. A comparação entre estes estudos ganha força quando lembramos
que também a composição de Tierces contou com o mesmo compasso e com a mesma
divisão rítmica que o estudo das terças de Chopin, o op. 25 no. 6.
Na concepção destes dois estudos, – Tierces e Sixtes, o tratamento dos acordes
simultâneos associados a registração sugerida pela compositora resultou em um
resultado bastante interessante do ponto de vista da sonoridade. Desvinculada do ataque
das teclas, a produção sonora no órgão depende em grande parte da escrita, pela
inclusão da indicação expressa da registração a ser utilizada na performance. Portanto,
muito sobre uma obra para órgão pode ser inferido desta intervenção objetiva do autor,
como o é a indicação tímbrica e a indicação da dinâmica que advém da indicação dos
registros. A análise da registração que Jeanne Demessieux claramente indicou em seus
estudos, reforça a idéia de que os Six Études, tal qual os estudos chopinianos, possuem
uma concepção basicamente contrapontística.
Em Sixtes, a registração indicada por Demessieux, bem como as características
da própria escrita, revelam que existem no início do estudo e até o compasso 38 três
planos sonoros bem definidos (figuras 22 e 25). A conjugação destes dois fatores,
escrita e registração aponta, na performance, para um fenômeno sonoro curioso. As
colcheias da mão esquerda soam uma oitava mais grave (Bourdon 16’), produzindo uma
impressão auditiva que poderia ser interpretada como advindo do próprio pedal.
Enquanto isto, as sextas, estas sim, soando do teclado dos pés, recebem pela registração
um tratamento sonoro cujo resultado é a semelhança com o som produzido nos manuais.
Essa espécie de inversão sonora está também proposta em Tierces, onde, a performance
fornece algo como uma ilusão auditiva, vez que sem a visualização da partitura o
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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ouvinte teria dificuldades em localizar os sons vindos das terças, simultâneas como
provenientes do pedal. A conjugação da registração que oitava ou super-oitava o pedal e
das figurações fluidas, repletas de cromatismos, confere a estes dois estudos (Tierces e
Sixtes), uma delicadeza sonora que é típica da sonoridade de muitos estudos
chopinianos. Os sons que Demessieux buscou reproduzir nos estudos em Sixtes, e,
sobretudo em Tierces, pode ser dito como um som basicamente pianístico.
Paradoxalmente, é justamente mediante esta característica, a apropriação de um
“som de piano” pelo órgão, que podemos construir um paralelo entre estes dois estudos
demessianos e os estudos de Liszt. A inventividade sonora de Liszt no piano obedece a
um padrão que é basicamente imitativo, o que inclui a imitação de instrumentos da
orquestra. Valha como exemplo as flautas e cornos do Etude d’apres Paganini no. 5, La
Chasse e a sonoridade eólica da página inicial do Etude d’apres Paganini no. 1. À
natureza deste processo imitativo não se resume a um mero arranjo das alturas
associado à exposição das harmonias subjacentes ou latentes. Antes, o fenômeno
acústico que surge da metamorfose lisztiniana dos Caprices de Paganini, é resultado
daquilo que Rosen 244 chamou de “paráfrase sonora”: através da reinvenção do som, o
piano é convidado a soar como o violino de Paganini.
244
Rosen, 2000, op. cit, p. 511 e 663.
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
87
Quarto Estudo: Accords Alternés
Os Estudos Transcendentais de Liszt oferecem um grande número de exemplos
da utilização dos acordes alternados apresentados sob as mais variadas formas. Desde os
raros modelos que requerem para a performance uma exigência técnica mais modesta
(figura 26), até versões, estas sim em grande quantidade, cujo arrojo desafia o mais
virtuose pianista (figura 27), os acordes alternados são uma marca característica da
escrita lisztiniana.
E é justamente este um dos principais procedimentos da moderna escola do
piano, que Demessieux utiliza na composição de Accords Alternés245. Embora dizendo
respeito a uma questão notadamente pianística, a alternância de acordes se destaca pela
245
Dupré afirma no prefácio dos Six Études de Jeanne Demessieux que “Accords alternés, - applique à
l’orgue um dês principaux procédées de l’Ecole moderne du piano (...)” .
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
88
maneira original pela qual a compositora desenvolveu no órgão sua proposta.
Concebido para ser executado em um instrumento de pelo menos três manuais, as
registrações indicadas dão conta de que os acordes devem se alternar em manuais
diferentes (figura 28).
Do distanciamento vertical entre as mãos decorre uma importante alteração
postural proveniente da localização da mão direita no primeiro e da esquerda no terceiro
manual. Este desnível dos membros superiores é, sem dúvida, um fator extra de
dificuldade, ainda mais porque se trata de uma obra cuja principal característica reside
na acurada capacidade de coordenação entre as mãos e na absoluta precisão de ataque
para o equilíbrio e igualdade sonora da performance. Talvez tenha sido justamente por
estes motivos, que Marcel Dupré, ainda no Prefácio, dos Six Études tenha enfatizado
que,
“(...) baseado na flexibilidade do pulso a qual assegura absoluta igualdade dos
movimentos entre as duas mãos. Agora, ao órgão, ainda mais que ao piano, é importante
que ocorra um rigoroso legato entre os acordes, e que não haja nem solução de
continuidade, nem atraso entre as mãos. Todos os movimentos devem ser reduzidos ao
mínimo.”246
[“(...) basé sur la souplesse du poignet qui assure l’égalité absolue de temps entre les
deux mains. Or, à l’orgue, encore lus qu’au piano, il importe que le legato entre les
246
Dupré in: Prefácio da Edição dos Six Études de Jeanne Demessieux, 1946).
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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accords soit strict et qu’il n’y ait ni solution de continuité, ni retard entre les mains.
Touts les mouvements doivent être réduits au minimun.” ]247
Realmente, neste caso, à atividade do pulso recai mais do que nunca a tarefa de
minimizar o impacto causado com a significativa diferença de altura entre o primeiro e
o terceiro manual. Sem isso, qualquer tentativa de realizar com a rapidez e sincronismo
necessários os movimentos para performance de Accords Alternés, acabaria por
sobrecarregar significativamente a musculatura da mão ou braço.
Chama a atenção, de fato, a decisão da compositora em determinar a localização
das mãos em manuais tão distantes, visto que não haveria nenhum motivo imediato para
esta opção. Se, tomamos como pressuposto que provavelmente esta não se constitui uma
decisão aleatória ou desprovida de significado, ousamos argumentar que através desta
particularidade, Demessieux tinha por objetivo transcrever para o órgão o lado mais
desafiador da alternância de acordes lisztiniana. No estudo transcendental no. 2
encontramos a alternância de acordes sob as mais variadas formas. A comparação entre
os exemplos seguintes mostra três tipos de escrita que apontam na prática para a
necessidade de três intervenções também distintas. Na figura 29, as mãos permanecem
próximas, o que facilita a execução248, enquanto que na figura 30, nota-se que a escrita
demanda um discreto afastamento das mãos durante a performance. Mas é dos figuras
31 e 32 que encontramos alguns subsídios, os quais, acreditamos, apontam para uma
possível compreensão da forma pela qual Demessieux logrou expressar sua concepção
pianística dos acordes alternados no órgão. Estes trechos mostram a necessidade de
grandes deslocamentos não apenas de uma, (figura 31), mas de ambas as mãos (figura
247
Para exemplificar como Dupré levava à sério essa questão da economia de movimentos, existe uma
estória que da conta que quanto ele tovaca os Trio Sonata de Bach em um recital, ele era capaz de fazê-lo
com qualquer combinação dos manuais, trocando as mãos de teclado entre um e outro movimento da
obra, para evitar a fatiga nos braços. (Murray, op. cit 1985: 121).
248
O contato entre as mãos fornece através do tato informações sensoriais o que facilita a coordenação
motora a precisão do ataque na alternância de acordes.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
90
32), onde à alternância de acordes se soma a necessidade dos saltos. A essa altura,
poderia haver quem perguntasse, porém, por que Jeanne Demessieux buscaria outras
formas para a expressão dos acordes alternados no órgão? Por que ela não manteve nos
teclados do órgão a fórmula original pré-existente em Liszt, ainda mais em se tratando
de ser esta uma questão notadamente digital? Se nos lembrarmos a respeito da diferença
entre a extensão do teclado piano e do órgão249, de pronto poderíamos admitir que uma
limitação física já poderia ser considerada como um entrave para a escrita tal qual Liszt
a concebeu. Mas isto não é tudo. Ora, já não expressamos anteriormente que a
importância da tarefa de Jeanne Demessieux nos Six Études residiu na transformação da
linguagem do piano em linguagem organística? Nada pode ser considerado mais dentro
da realidade do órgão que a capacidade de se trabalhar com esses desnivelamentos
físicos e até mesmo sonoros, resultantes da performance em vários manuais.
249
A extensão do teclado do órgão, como é amplamente sabido, é muito menor, quando comparada à do
piano.
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
91
A exemplo dos estudos de Chopin bem como de todo o conjunto dos Six Études,
Accords Alternés está dividido em três seções, de acordo com o modelo A-B-A`. Em
Accords Alternés, a seção intermediária se inicia no compasso 35 enquanto que a última
seção começa em 64. Entendemos que este seccionamento adquire mais sentido quando
observado à luz de uma concepção que é puramente textural. Ocorre um fenômeno
interessante à medida em a massa sonora resultante da versão organística-digital dos
acordes alternados da primeira seção dá lugar nos manuais em “B” ao que antes havia se
constituído como o tema do pedal. Enquanto isso, o terceiro pentagrama da segunda
seção poderia ser encarado como a transcrição de um procedimento até então puramente
pianístico, para os domínios do pedal (ver figura fazer gráfico textural figura 33).
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
Figura 33
Accords
Seção A
92
Alterneés
Seção B
Seção A’
Textura dos
Manuais:
Textura do
pedal
O argumento de que Demessieux apresenta na segunda seção sua versão
podálica para a alternância de acordes se mostra ainda mais contundente quando
verificamos o desenho resultante da superposição as notas do pedal duas a duas. Vemos
com isto que se forma um desenho muito similar àquele que é apresentado como tema
do estudo. (figura 34).
Accords Alternés é o primeiro dos seis estudos demessianos que demanda a
utilização de pontas e calcanhar alternadamente. Grosso modo, poderíamos dizer que
enquanto Tierces, Sixtes e Octaves valorizam a simultaneidade e simetria da
movimentação podálica, Accords Alternés, Pointes, e Notes Répétées mantém o foco
sobre a alternância de pés. Mas, pese estas semelhanças, a contraposição da parte do
pedal de Pointes e de Accords Alternés, revela certas diferenças básicas na escrita, que
se refletem na própria prática em si. A utilização do calcanhar, agora permitida em
Accords Alternés resulta em uma maior complexidade de movimentos podálicos pela
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
93
necessidade de uma movimentação lateral e vertical dissociada do tornozelo250. A outra
diferença, diz respeito ao pedal das seções A e A’ de Notes Répétées, que, devido à
utilização dos dois pés para a repetição das notas, valoriza os intervalos mais próximos.
Esta ênfase necessária na proximidade intervalar dá margem a uma espécie de
aglomeração dos pés visto, tal qual os movimentos que decorrem quando da execução
da alternância de acordes situados muito proximamente (figura 29).
Podemos ver então, que a realização dos acordes alternados depende uma
movimentação das mãos onde atributos tais quais a proximidade, rapidez e precisão, se
encaixam ao de alternância. Estamos, com isso, incluindo este procedimento dentro de
um princípio mais geral, e com isso, descrevendo uma situação, um modus operandi,
capaz de explicar como uma técnica tão tipicamente digital, pode assim, se encontrar ao
alcance dos pés, tão mais limitados em movimentos e sensibilidade que as mãos. É de
acordo com essa ótica que poderemos também demonstrar como este procedimento tão
listizniano, gerador de efeitos tão variados, pode ser apontado no próximo estudo.
Quinto Estudo: Notes Répétées
O procedimento de fazer soar notas repetidas com grande velocidade no piano é
transposto neste estudo para os domínios do pedal. De pronto verificamos que se no
piano a repetição de notas implica no revezamento digital, no que pedal, este
procedimento toma lugar de duas maneiras distintas.
A primeira delas, que se apresenta na seção inicial deste estudo, se refere à
utilização alternada dos dois pés sobre a mesma tecla. Isto só se torna possível quando
250
Ness, Marjorie. Six Etudes, Op. 5 of Jeanne Demessieux. The Diapason, USA, august, 1987.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
94
um dos pés se suspende sobre o outro de forma a que apenas a ponta do pé toma lugar
na tecla da pedaleira. Neste caso, os calcanhares devem se voltar ligeiramente para
fora251. “É o tornozelo que mantém o pé suspenso, embora próximo às teclas do pedal,
da mesma forma que no piano, o pulso assegura a suspensão da mão” [“C’est la cheville
qui tient le pied en suspens, quoique tout près de la note, à la façon dont, au piano, le
poignet assure la suspension de la main.”]252. Os movimentos gerados na repetição de
notas pela substituição das pontas, gera uma atitude de cavalgamento dos pés, o que
pode ser interpretado como uma versão podálica da alternância de acordes. Na técnica
digital, essa procedimento é comum justamente na execução de acordes alternados,
como é o caso da performance do trecho exemplificado na figura 29.
A outra forma de substituição na repetição de notas ocorre na segunda seção do
quinto Estudo de Jeanne Demessieux, onde o calcanhar cede lugar à ponta do mesmo pé
(figura36).
251
Sem que a rotação externa dos calcanhares, a localização de um dos pés na mesma tecla da pedaleira
só seria possível caso um dos pés se posicionasse bem para trás. Isto inviabilizaria a execução rápida da
parte do pedal por um motivo da Física. Se lembrarmos que cada tecla do pedal funciona como uma
alavanca cujo ponto fixo está localizado onde se dá sua inserção da console, verificaremos que quanto
mais distante do ponto onde se fixa for realizado o ataque, maior deverá ser a força empregada na
performance. Portanto, ao pé que estivesse muito a frente caberia o emprego de uma força muitíssimo
menor do que ao pé que se localizasse para trás. Não há a necessidade de nos alonguemos mais para que
possamos demonstrar a natureza das dificuldades que este procedimento viria a gerar.
252
Marcel Dupré, in: prefácio dos Six Études de Jeanne Demessieux, 1946..
por: Domitila Ballesteros
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De pronto verificamos que é o calcanhar que é substituído pela ponta, e não
vice-versa, o que origina um movimento cuja análise nos interessa. Para abandonar a
tecla e ceder lugar à ponta, a articulação do tornozelo deve realizar um movimento que
permita que a ponta ocupe seu lugar na tecla ao tempo que o calcanhar se eleva. Neste
caso, mais uma vez a importância da articulação do tornozelo é similar à do pulso na
técnica digital quando a performance das notas repetidas requer a rápida substituição
dos dedos (4-3-2-1).
Compositores como Cramer, Heller e Czerny dedicaram alguns de seus estudos
para piano, destinados ao treinamento das notas repetidas. (figura 37)
A versão que Chopin ofereceu das notas repetidas no estudo op. 10 no. 7 é
bastante mais sutil, pois a figuração em questão é parte de uma linha textural bem
definida. Apenas os dedos indicador e o polegar da mão direita estão envolvidos, uma
vez que os outros três dedos se ocupam da parte superior da sequência de notas
superiores (figura 38).
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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No entanto, é no estudo de Liszt, La Campanella, aonde iremos nos deparar com
os subsídios mais expressivos no tocante aos nossos propósitos comparativos.
Os primeiros compassos desta composição funcionam como uma introdução das
intenções de Liszt. O Estudo é a demonstração da nova dimensão que Liszt deu à
concepção da repetição de notas, vigente nos primórdios do Romantismo. La
Campanella pode ser considerado como um tema (figura 39) seguido de variações,
geradas a partir da idéia lisztiniana de trabalhar este tipo de figuração a partir de um
atributo que o próprio título insinua: a repetição253.
A apresentação das notas repetidas de acordo com o esquema tradicional de
substituição de dedos pode ser vista na figura 40, e que pode ser comparada ao pedal da
seção segunda do estudo de Demessieux, (figura 36) ainda mais se consideramos que
em ambos as oitavas são utilizadas.
253
Palavra italiana que significa campainha, sineta. (Michaelis – Soft, italiano português. Dicionário
virtual, encontrado em http://uol.com.br, e acessado em 05 de julho de 2002.)
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
97
Neste estudo de Liszt, há também notas que ora são repetidas na mesma altura, e
intercaladas por notas do tema (figura 41), ora são reproduzidas em seqüência, porém
em diferentes alturas (figura 42).
As opções são muitas, porém, o que aqui nos importa é ressaltar que a expansão
do conceito lisztiniano de notas repetidas depende uma outra habilidade pianística. Não
fosse isto verdade, de que forma poder-se-ia executar o estudo La Campanella sem uma
razoável capacidade de resolução dos saltos? Isto porque na técnica digital a
importância dos saltos assume uma importância que é capital, dado que eles permeiam
muitos dos procedimentos pianísticos utilizados atualmente. Dentro da performance os
saltos tanto podem se constituir como um fim, como podem estar incluídos em outras
técnicas, como foi o caso dos acordes alternados.
De igual modo, a performance organística também é extremamente dependente
de uma técnica de saltos bem desenvolvida, seja nos manuais, seja nos pedais. As
dificuldades que o organista enfrenta por causa das diferentes pedaleiras que, somadas à
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ênfase que Jeanne Demessieux deu à parte do pedal, assume grande importância em
qualquer um dos Six Études.
Sexto estudo: Octaves
Oitavas destacadas254 e escalas255, pontos fundamentais da pedagogia organística
francesa moderna, sobretudo a partir de Marcel Dupré, e se constituem neste estudo
como matéria básica. Na literatura para órgão encontramos apenas dois estudos que têm
por base esta figuração256: a Esquisse em si bemol mineur de Marcel Dupré, do qual
falamos no capítulo anterior, e o 20.me Étude de Clement Loret257. Neste último estudo,
escrito na segunda metade do século XIX, o pedal se desenvolve em oitavas, o que,
considerando as características dos órgãos e da técnica de então, se constituiu como uma
grande ousadia (figura 43).
254
Dupré sempre frisava a necessidade do organista exercitar oitavas para desenvolver seu pulso.
(Murray, op. cit. 1985).
255
Aos seus alunos de órgão, “Para salvaguardar a técnica, Dupré recomendava a prática diária no piano
das escalas maiores e menores em oitavas, décimas, terças duplas, sextas duplas; de arpejos em quatro ou
cinco espécies de escalas cromáticas em oitavas duplas; (...) Para o aperfeiçoamento da técnica do pedal,
Dupré recomendava o completo domínio “de todas escalas maiores e menores, primeiro em notas simples
alcançando toda a extensão da pedaleira (a escala de sol maior, por exemplo, deveria começar com o dó
grave) e então em terças e sextas ”. [“To safeguard technique, Dupré recommended daily practice at the
piano of major and minor scales in octaves, tenths double thirds, and double sixths; of arpeggios in four
and five species; of chromatic scales in double octaves; (…). Al of the major and minor scales, first in
single notes extending the full range of the pedal board (the G major scale, for instance, would commence
on low C), then in thirds and sixths”]. Murray, op. cit 1985, p. 122. Ele mesmo, todos os dias, antes do
café da manhã, cumpria uma rigorosa agenda ao piano que incluía escalas em terças e sextas dobradas,
escalas cromáticas dobradas em terças maiores e menores, escalas cromáticas dobradas em quartas justas
e aumentadas, escalas cromáticas dobradas em sextas maiores e menores, escalas cromáticas dobradas em
oitavas, escalas cromáticas em oitavas alternadas em alta velocidade. Ele estudava ainda arpejos em
acordes perfeito maior e menor, arpejos em acordes de sétima em três espécies, arpejos dobrados em
acordes perfeito maior e menor ,arpejos dobrados de acordes de sétima emtrês espécies e, por fim, arpejos
em movimento contrário. Quando o tempo permitia, tocava ainda algumas obras selecionadas do
repertório romântico que mais gostava. No dia de sua morte, aos 85 anos, Dupré havia cumprido sua
rotina, estudando meia hora de piano pela manhã. (Murray, op. cit 1974, p. 36).
256
Segundo Dupré, as oitavas destacadas se constituíam como um tema pouco frequente na literatura
organística. (Murray, op. cit, 1985).
257
Cours d’Orgue em quatre parties, p. 61
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
99
As oitavas começaram desde muito cedo a fazer parte da vida de Demessieux.
“Aos quatro anos, ela termina o Méthode Rose, e suas mãos, que cresciam muito,
necessitavam de exercícios de consolidação, os quais ela cumpria sem reclamar. A essa
idade, embora tivesse mãos pequenas, graças as inúmeros exercícios, ela já alcançava
uma oitava.”
[“A quatre ans, elle termine la Méthode Rose, et ses mains qui grandissent beaucoup
exigent dês exercices de consolidation dont elle sàcquitte sans jamais se plaindre. A cet
age, bien que possédant encore de petites mains, grace à ces multiples exercices, elle
atteint l’octave.”]258
Aos 16 anos, a técnica digital de Demessieux havia chegado a um
desenvolvimento tal, que ela já executava obras lisztinianas de grande dificuldade
devido à utilização de oitavas259.
Liszt não foi tão explícito na utilização das figurações em seus estudos como
outros compositores românticos, e é por isso que, embora desempenhando um papel tão
fundamental em sua obra, não encontramos um estudo que ele tenha dedicado
especificamente às oitavas. Porém, no Estudo Transcendental Mazeppa verificamos
uma grande diversidade quanto à utilização das oitavas. São oitavas alternadas
(compassos 60-61), oitavas que conduzem o tema seja de forma grandiosa (7-24, 3159), cristalina (80-91) ou oitavas em escalas e arpejos (25-28).
258
259
Trieu-Colleney, op. cit., p. 15-6.
Com esta idade, Demessieux executou o Concerto em mi bemol maior de Liszt. (Ibid).
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
100
Distinguimos, inerentes a estas várias abordagens, duas questões que vêm de
encontro ao propósito de nossas investigações. Uma delas diz respeito à utilização
generosa da articulação do pulso na performance das oitavas destacadas. O que aqui nos
interessa não é tanto discutir a forma pela qual Liszt executava as oitavas, mas sim as
prescrições de Marcel Dupré, muito enfáticas com relação a este assunto260. Por outro
lado, e é esse o segundo aspecto que queremos considerar é que a performance das
oitavas destacadas conduz a outro ponto da técnica pianística que diz respeito aos saltos.
Na técnica digital, três são os fatores fundamentais para a resolução acurada dos
saltos: a visão, os automatismos e o tato. A importância da visão é relativa. A
performance dos saltos, no caso, dos estudos de Chopin e Liszt, pode ser auxiliada pela
visão panorâmica do teclado que o campo visual pode fornecer, mas não pode depender
do foco direto do olhar, caso contrário se tornariam uma tarefa inexeqüível (figura
44)261.
Os automatismos se constituem como uma prática que pode vista como
proveitosa, dado que existe uma padronização para a largura e forma das teclas do
260
Dupré atrela a importância do desenvolvimento do pulso para que o organista alcance o domínio
necessário dos estudos de Chopin e os Estudos Transcendentais de. (Dupré apud Murray, op. cit 1985, p.
36)
261
Gostaríamos de fazer um parêntesis para lembrar que a importância do sentido da visão não se
restringe à possibilidade de enxergar. A visão, juntamente como sistema labiríntico e o cerebelo,
colabora para a manutenção do equilíbrio. Assim, na performance pianística, e ainda mais na performance
organística, a visão desempenha um papel auxiliar importante na manutenção da estabilização corporal.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
101
piano. Quanto ao tato, basta lembrar que é na mão onde o a capacidade humana para o
tato bem como para as mais variadas capacidades motoras está presente262.
Jeanne Demessieux não apenas compôs seus estudos, mas costumava incluí-los
em suas apresentações. Pelo menos foi o que ocorreu nas turnês que realizou nos
Estados Unidos nos anos 50 263, onde foi admirada por sua alto nível na técnica do
pedal264. Diante disso, podemos nos perguntar se havia algum fator distintivo na técnica
de Demessieux que fazia dela uma virtuose do pedal, e quais seriam estes fatores.
Sabemos que, como dona de uma memória prodigiosa, tinha por hábito memorizar as
obras que executava 265, o que podemos considerar como um ponto favorável para a
262
Basta verificar na figura abaixo, o “Homúnculo motor de Penfield” a extensão da representação de
cada parte do corpo no cérebro. A figura diz respeito à área motora, porém, o hemisfério cerebral oposto
encontram-se da mesma forma dispostas as áreas responsáveis pela sensibilidade. Note que a mão,
mesmo se constituindo uma parte pequena do corpo, tem uma representação cortical que é praticamente
insuperável. Isto explica a inigualável capacidade da mão para o tato bem como a possibilidade de
realizar movimentos em quantidade e qualidade espantosa.
(http://www.acm.org/sigchi/chi97/proceedings/paper/rb2.htm)
263
Ellis Laura. The American Recital Tours of Jeanne Demessieux. The Diapason, USA, october, 1995.
p.14-18.
264
Jeanne Demessieux impressionava por sua técnica de pedal. À época de sua turnê pelos Estados
Unidos, em 1953, Buhrmann em seu artigo intitulado “Jeanne Demessieux Recital,” na revista American
Organist escreveu que “Miss Demessieux tem pernas e não se envergonha delas. Elas são bem torneadas
e elas dançam na pedaleira sem nunca errar.” [“Miss D has legs and she's not ashamed of them/ they're
shapely, and they dance around the pedalboard with never a miss.”] (Apud Ellis, op. cit, p. 14).
265
Paul V. Beckley, em “Organist Plays 1000 to 2000 works by Heart” matéria publicada no New York
Herald Tribune, em 1 de fevereiro de 1953 por ocasião da série de apresentações que Demessieux fez nos
Estados Unidos em 1953, escreveu que, “Ela aprendeu de memória a toda a literatura escrita para órgão
de Bach, , Franck, Menselssohn, Liszt e Handel, e ainda toda, exceto as duas últimas composições de
Dupré, um total entre 1000 e 2000 obras. Não somente seu repertório era vasto, mas ela confiava tão
plenamente na sua habilidade que deixou todas as suas partituras na França!”. [“She had learned from
memory the entire organ literture of Bach, Franck, Menselssohn, Liszt, Handel, and all but the last two
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
102
técnica de saltos. O sentido da visão nos possibilita não apenas, ver o ponto focado, mas
também seu entorno. Ocorre que na performance do órgão, o organista lida com pelo
menos três patamares físicos distintos. No mais inferior estão a pedaleira, os pedaletes e
os pedais de expressão e de aumentação. Os manuais e os registros se localizam numa
região intermediária, que se emparelha com o tórax do organista. No nível mais alto,
encontra-se a estante, que no órgão tem uma altura bem mais elevada do que a do piano
por causa dos manuais. Por isso, a fixação dos olhos para a leitura da partitura
determina a exclusão da pedaleira do campo visual, por causa da elevação da cabeça.
Por outro lado, ao dispensar a utilização da partitura, o organista está também,
diminuindo de três para dois os patamares que precisa dar conta na performance. A
eliminação do plano da estante permitia a Jeanne Demessieux um posicionamento da
cabeça tal, que tanto manuais quanto pedaleira ficam incluídos em seu campo visual.
Como aluna favorita de Dupré, Demessieux deve ter estabelecido sua técnica
organística de acordo com a tradição Lemmens-Widor e, por isso, é muito provável que
se utilizasse do princípio da manutenção dos joelhos no cálculo das distâncias na
execução dos saltos do pedal. Embora não se constitua como uma prova definitiva, a
figura 45 mostra Jeanne Demessieux sentada ao órgão da igreja La Madeleine,
aparentemente durante a performance de uma obra, guardando a referida postura.
compositions of Dupré, a total of between 1000 and 2000 works. Not only was her repertoire vast, but
she was so confident in her ability that she left all of her scores in France!”].(Beckley Apud Ellis, op. cit,
p. 14).
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
103
Figura 45
Falcinelli, em seu método, Initiation a l’Orgue 266 , considerou que o “antigo
procedimento”267 de calcular as distâncias preconizados por Widor eram insuficientes,
visto que a distância entre os pés e as pernas sofria variações de indivíduo a indivíduo268
Contemporânea de Demessieux, aluna de Marcel Dupré à mesma época, Falcinelli, a
partir de 1955, substituiu o mestre como professora do Conservatório de Paris. Ela
também pensava que:
“A atitude requisitada [joelhos e/ou tornozelos juntos] só se torna possível no centro da
pedaleira; entretanto, deve-se ser capaz de localizar, muito rapidamente, qualquer
nota, seja em qualquer lugar, sobre toda a extensão da pedaleira.”.
266
1971.
“Vieux procédé” (Falcinelli, Rolande. Initiation a l’orgue. França, Paris: Editions Bornemann, 1971.
1971, p. 15)
268
É verdade as diferenças físicas individuais fazem com que essas distâncias entre as pontas dos pés e as
pernas variem de pessoa a pessoa. Porém, não se pode negar, conforme já foi abordado na página XXXX,
que o procedimento tem valor, na medida em que proporciona para o próprio organista, uma medida sua,
particular e permanente, independente do órgão que esteja utilizando.
267
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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[“L’attitude requise nést possible que dans le milieu du pédalier; or, on doit être capable
de repérer, très vite, n’importe quelle note, quelle que soit as place, sur toute l’étendue
du pédalier.”]269
Pelo menos à época da publicação dos Six Études 270 , Marcel Dupré teria
discordado destas idéias, pois, segundo ele, no prefácio, a respeito de Notes Répétées,
“Um pequeno balanceamento do corpo permitirá às pernas, juntas, alcançarem as
extremidades do pedal.”
[“Un très léger balancement du corps permettra aux jambes, jointes, dàtteindre sans
difficulté les extrémités du pédalier.”]271
Contrapondo à desaprovação que declara aos ensinamentos widorianos 272 ,
Falcinelli faz uma proposição com vistas a resolver a questão. Diz ela:
“É importante se habituar, desde o início, a não olhar para a pedaleira. O único modo válido para
servir de guia consiste de utilizar os intervalos compreendidos entre todos os grupos de notas
pretas.”
[“Il est important de s’habituer, dès les débuts, à ne pas regarder le pédalier. Le seul moyen
valable pour se repérer consiste à se servir des intervalles compris entre chaque groupe de
touches noires”.]273
De fato, o procedimento proposto praticamente anula a interferência que as
diferenças de configuração entre as pedaleiras podem causar sobre a performance.
Embora não encontremos, em Initiation a l’Orgue, qualquer registro sobre a origem
destas idéias, devemos considerar que para este se torne um procedimento viável, é
indispensável que o acionamento da pedaleira ocorra o mais próximo possível das notas
negras, recomendação que aliás, já fazia parte das exortações de Widor274.
269
Falcinelli, op. cit, p. 15.
Lembramos que os Six Études foram publicados em 1946, enquanto que o método de Falcinelli foi
publicado em 1977, quando Demessieux já havia morrido há quase 10 anos.
271
Dupré, apud, Demessieux, 1946, Préface.
272
Devemos lembrar que uma distância de praticamente 30 anos separa a publicação destas idéias dos Six
Études.
273
Falcinelli, op. cit, p. 15.
274
Widor dizia que “Comece por colocar seu banco de forma que a ponta de seus pés toque a borda
extrema das duas teclas negras no meio da pedaleira. Seus joelhos formarão um ângulo reto com suas
270
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
105
A localização do pé perto das notas negras vem a atenuar de forma contundente
os problemas advindos da existência da diversidade de apresentações da pedaleira. Com
efeito, ao observarmos a figura 18, veremos que a distância entre duas determinadas
notas da pedaleira, (digamos o primeiro dó e o terceiro dó) não varia, tenha sido ela
aferida o mais próximo ou o mais afastado possível das notas negras. Contudo, o
mesmo já não pode ser dito com relação aos outros dois modelos (figura 17 e 19),
porque quanto mais afastados estiverem os pés das teclas negras na performance,
menores serão as distâncias, considerando-se os mesmos intervalos. Se agora, tomarmos
o mesmo intervalo acima citado como parâmetro, verificaremos um organista em cuja
performance do pedal mantém seus pés afastados das teclas negras terá muito maiores
problemas alcançar com o cálculo das distâncias na pedaleira. Em outras palavras,
quanto mais próximo das teclas negras, menores serão as diferenças intervalares entre as
pedaleiras.
A utilização dos espaços compreendidos entre as teclas negras como guia para a
localização das notas no pedal, dá aos pés uma capacidade que lhe é praticamente
inexistente, o tato. A ausência do ressalto das notas pretas, determina ao organista com
absoluta exatidão onde estão localizados seus pés. “Ao colocar a ponta do pé (direito ou
esquerdo) contra o ré #, então o mi natural está sob o pé, e portanto, o ré natural é
vizinho.”[“Placer la pointe du pied contre le ré ainsi le mi naturel est sous le pied, donc
le ré naturel est voisin”]275.
coxas. (...) Mantenha o pé em constante contato com a borda das duas teclas negras, nunca tocando as
notas brancas perto da parte de trás do pedal, exceto nas mudanças de pés ou cruzamentos. (...)” (o
grifo é nosso). ["Begin by placing your bench so that when the tips of your toes touch the extreme edge of
the two black key in the middle of the pedalboard your knees will form a right angle with your thighs. (...)
Keep the feet in constant contact with the edge of the two black keys, never playing the white notes near
the back of the pedal except in changing feet or crossing” ] (Widor apud Vierne, op. cit 1938 p. 11)
275
Falcinelli, op. cit, p. 5.
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
106
Por fim, pensamos que a semelhança de Mazzepa com Octaves não se restringe
ao emprego maciço de oitavas, mas também se estende aos domínios da divisão rítmica.
Encontramos no sexto estudo de Demessieux, que a escrita leva a impressões auditivas
que poderiam ser consideradas como mudanças de acentuação. É o que acontece quando
ouvimos os primeiros 13 compassos, que devido às características da escrita, perdem o
caráter de ternário simples, transformando-se em binário composto. (figura 46)
Neste trecho, Demessieux escreveu as escalas de 6 notas cada são repetidas 26
vezes, distribuídas ora pelos teclados e pedal, ora somente no pedal, de forma que a
tônica da escala vem cobrar seu acento, o que provoca esta sensação auditiva.
Comparemos então, a escrita original de Demessieux (figura 46), com duas situações.
A primeira delas, representada pela figura 47, que corresponde ao que se ‘deveria’
ouvir, dado que o estudo se encontra sob a égide do compasso ternário simples. No
outro caso, que pode ser observado na figura 48, encontra-se o que ‘de fato’ouve-se na
performance destes compassos – uma ambigüidade rítmica.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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Logo, quando a peça alcança o compasso 14, a situação muda e aí sim, a
acentuação corresponde ao que propõe o compasso ¾ (figura 49).
Os trechos citados se constituem apenas em um exemplo de mudança de
acentuação em Octaves, pois durante toda a peça diversas vezes a divisão rítmica longe
da partitura pode fornecer impressões ao ouvinte bastante diversas.
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
108
Fenômeno semelhante, porém menos radical ocorre em Mazeppa, onde Liszt vai
propondo modificações na subdivisão do tempo, muito embora o tema garanta a divisão
binária do compasso (figura 50).
Ao término deste capítulo, apenas mais uma consideração, que, julgamos,
imprescindível. Em benefício da clareza de nossas idéias, fomos forçados a tratar cada
estudo demessiano isoladamente. Para isso, tivemos que subscrever nossas apreciações
ora a um, ora a outro estudo conforme o caso. A fim de realizar esta tarefa com um
mínimo de prejuízo, não tivemos a menor pretensão de articular todas as possibilidades
comparativas de cada estudo, mas antes deles extrair aquilo que nos pareceu mais
evidente caso a caso. Claro, portanto está, que as observações feitas a cada estudo
aplicam-se muitas vezes e, ousaríamos dizer, quase na maioria das vezes, às demais
obras do conjunto.
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Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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6. Conclusão
“O estudo de órgão sem a aquisição de uma suficiente técnica de piano parece
um empreendimento impossível.”[“Il semble impossible d’entreprendre l’étude de
l’orgue sans posséder une technique pianistique suffisante”]276. Por que a performance
do órgão poderia, ou melhor, deveria depender da técnica de um instrumento tão
diferente?
Durante o decorrer deste trabalho tivemos que nos defrontar continuamente com
estas questões. Como ponto de partida tínhamos alguns conceitos enunciados por
Marcel Dupré. Conceitos que falavam sobre suas concepções sobre as diferenças entre o
órgão e piano:
“Embora seu alvo fosse utilizar o piano meramente como forma de dominar o órgão
Marcel aprendeu a amar a beleza particular do piano: sua união peculiar do som
percussivo e cantabile, suas variedades de sons prolongados controlados pelos
abafadores, sua possibilidade comunicar emoção de uma forma tão íntima. O idioma do
piano, ele descobriu, não é mais expressivo que o do órgão - os dois não podem ser
comparados - mas mais intrincado em seus matizes, mais sutis em suas nuances.
‘Quando você toca um órgão enorme em uma vasta catedral,’ele dizia, ‘são as grandes
linhas que contam na obra’: os grandes ataques, as curvas arquitetônicas, abóbadas, e
contrafortes’. No órgão, até mesmo as sutilezas são grandiosas. No piano, o espaço
emocional pode ser pintado em detalhes minuciosos.”
[“Though his aim was to master the organ, using the piano merely as a means to that
mastery, Marcel learned to love the piano’s particular beauty: its peculiar union of
percussive with singing tone, its varieties of sustained sounds controlled by the
dampers, its ability to convey emotion of an intimate kind. The piano’s idiom, he
discovered, is not more expressive than the organ’s – the two cannot be compared – but
276
Langlais, Jean; Langlais, Marie-Louise. Méthode d’orgue. France, Paris: Éditions M. Combre, 1984.
50 p.1
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
110
more intricate in its shadings, more subtle in its nuances. ‘When you play a huge organ
in a vast cathedral,’ he was to remark, ‘it is the grandes lignes that count in a work’: the
broad strokes, the architectural curves, vaultings, and buttresses. At the organ, even
subtleties are grandiose. At the piano, the emotional canvas can be painted in minuscule
detail”]
No entanto, mesmo considerando as inúmeras diferenças entre os dois
instrumentos, Marcel Dupré ainda assim julgava imprescindível a aquisição da técnica
avançada do piano para o estudo do órgão.
“O perigo de transportar o pianismo para as áreas da performance organística que são
exclusivas do órgão, é superado pelas vantagens, ele sentia, pois o treinamento ao piano
era essencialmente o treinamento do movimento; O movimento dos músculos da mão,
pulso e braço eram mais facilmente aprendidos no piano e o legato, na sua aplicação
específica do órgão, poderia sempre ser dominado mais tarde.”
[“The danger of carryin pianism into those áreas of organ playing which are unique to
the organ was far outweigthed by the advantaes, he felt, for training at the piano was
essentially training of motion; The movements of hand, wrist, and arm muscles were
most easily learned at the piano, and the legato, in is specific application to the organ,
could always be mastered later on”].277
Estas frases de Dupré, durante certo tempo se constituíram fontes de embaraço
em nossa pesquisa, porque delas emergiam algumas questões. Quais seriam esses
movimentos? Quais os movimentos úteis no órgão, dado que muitos deles eram
determinados pela várias possibilidades de ataque que o piano admitia? Exaltando o
estudo de piano na formação do organista, Dupré certa vez afirmou que
“(...) o organista toma o caminho errado se não se dedica passional e intensamente, por vários
anos, ao estudo de piano. É ingênuo, além disso, o organista que evita praticar oitavas para
desenvolver seu pulso, sob o pretexto que o uso de oitavas destacadas é raro no órgão (...)”
[“(...) the organist takes a wrong path if he does not consecrate himself passionately and
intensely, for several years, to piano study. It is naive, furthermore, for the organist to shun
277
Murray, op. cit, 1974, p. 37
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
111
practicing octaves to develop his wrist, under the pretext that the use of detached octaves is rare
at the organ (…)”]278
Por que se confere tanta importância às oitavas destacadas na técnica
organística, se a própria literatura não legitima tal procedimento nas obras para órgão?
Qualquer resposta a estes impasses requer a consideração que a importância da
intimidade com a performance pianística não implica necessariamente na utilização
literal da técnica pianística no órgão, mas de sua assimilação e conseguinte ampliação
para o universo organístico.
Encontramos nas palavras de Ritchie e Stauffer algumas pistas para esclarecer
estas questões.
“No órgão, a expressividade é produzida principalmente através do controle do ritmo e
articulação, e não através da força do toque. Uma acurada performance requer
movimentos pequenos e econômicos e um controle tátil refinado. Ao contrário da
performance do piano, a performance organística normalmente não demanda grande
resistência na parte das mãos ou pés. A flexibilidade é mais importante do que a
força. Com as mãos, o movimento necessário na performance é feito primariamente
pela descida dos dedos. Nos pés, o movimento é feito primariamente desde o tornozelo
abaixo. A tarefa é realizar todos estes pequenos movimentos de forma relaxada’” (grifo
nosso).
[“On the organ, expressiveness is produced chiefly through control of rhythm and
articulation, not through strength of touch. Good playing requires small, economical
movements and refined tactile control. Unlike piano playing, organ playing normally
does not demand great endurance on the part of the hands or the feet. Suppleness is
more important than strength. With the hands, the playing motion is made primarily
from the finger joints down. With the feet, the playing motion is made primarily from
the ankle down. The task is to bring these small movements under relaxed control.”]279
278
279
Murray, op. cit 1985, p. 36.
Ritchie e Stauffer op. cit,2000, p. 5.
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
112
Essa tão exaltada flexibilidade, de fato, tem muito mais probabilidades de ser
alcançada através do domínio da técnica pianística. Isto porque somente o piano,
instrumento que admite uma admirável diversidade de ataques, e onde cada mínimo
movimento interfere diretamente na realização sonora, pode desenvolver um repertório
tão vasto de respostas motoras altamente complexas. Realmente, dizemos agora com
Dupré, “o treinamento ao piano é essencialmente, o treinamento do movimento”, um
movimento cuja utilidade no órgão não pode, nem deve estar limitado ao desempenho
puramente digital.
Sendo assim, poder-se-ia afirmar que a técnica organística é devedora da técnica
do piano? E quanto ao estudo de piano, seria ele em algo dependente da técnica
organística? O objetivo da performance precisa ser levado em conta, para que possamos
refletir sobre a existência de uma vinculação de técnicas. Só para citar um exemplo, o
contraponto bachiano no piano oferece possilidades de execução que exige reflexões
sobre o universo musical de Bach. Não seria o estudo do órgão uma forma razoável de
compreensão deste universo?
Durante este trabalho, vimos que o piano assumiu um papel de destaque na
pedagogia da Escola Francesa de Órgão, que sua técnica e escrita transfiguraram-se
dentro da técnica e da literatura organísticas. Podemos agora afirmar, categoricamente,
que o domínio do piano é, de fato imprescindível se quisermos tocar a música cuja
composição foi influenciada por esta concepção. Trata-se do que o já citado Chiantore
afirma sobre a procura da técnica original, através da pesquisa do texto e do som
original, para que se possa compreender sem dogmatismo “que tipo de execução se
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
113
esconde por trás da escrita de cada compositor” [“qué tipo de ejecución se esconde
detrás de la escritura d cada compositor”]280.
Em “A geração Romântica”, Rosen afirmou que “para se conhecer que espécie
de compositor era Liszt, deve-se começar com os dois conjuntos de Estudos” 281 .
Parafraseando o autor, acreditamos que podemos, ao término deste trabalho, afirmar que
o exame dos Six Études se constituem como uma excelente maneira de se aprofundar a
respeito da técnica organística de Jeanne Demessieux. E, da mesma forma que dizemos
que Liszt apreendeu em seus Études aprés Paganini o universo violinístico, também nos
é possível dizer que o mesmo fez Jeanne Demessieux quando transpôs o universo do
piano ao do órgão. Devemos ter em mente que, com bastante probabilidade, as
motivações fossem em um e outro caso bastante diversas. Liszt não era violinista, mas
ficou fascinado pelo que o ‘violinista dos infernos’ era capaz de fazer com e a partir de
seu instrumento. Demessieux, por sua vez, dominava o piano e o órgão. Não sabemos se
seus estudos já haviam sido planejados anteriormente como em um projeto secreto,
entretanto sabemos que a demanda deste empreendimento partiu do editor Bonermann e
foi dirigida a Marcel Dupré, que posteriormente declinou da tarefa re-encaminhando-a a
sua aluna predileta. Bornemann, à época da publicação dos Six Études, chegou a
lamentar que até então ainda não existissem grandes estudos escritos para órgão282. Foi,
pois, debaixo da demanda urgente de Dupré, que Demessieux iniciou a composição dos
Six Études.
Torna-se inevitável a essa altura, refletir a respeito da condição de Demessieux
frente à tarefa de compor estudos para órgão, principalmente quando verificamos o
montante de suas composições para órgão. Como compositora Jeanne Demessieux não
280
Op. cit, p. 14
2000, op. cit p. 655
282
Trieu-Colleney, op. cit.
281
por: Domitila Ballesteros
Consequências da utilização de elementos pianísticos na composição dos Six Etudes de Jeanne Demessieux para a técnica organística
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teve uma atividade das mais profícuas. Considerando as obras que foram compostas e
publicadas entre 1944 e 1969283, estão os Douze Chorals-Préludes, e Répons pour lê
temps de Pâques, Te Deum, Sept Méditations sur lê Saint-Esprit, que exploram temas
religiosos; dentre aquelas que não possuem uma ênfase sacra estão Poème pour orgue et
orchestre, Triptyque, Prélude et fugue dans la mode lydien, além, evidentemente, dos
Six Études. Aparentemente, apenas os Douze Chorals-Préludes tinham função
pedagógica, tendo sido correlacionados aos Chorals publicados por Dupré em 1931284.
Verificamos da comparação destas obras a existência de uma discrepância abismal entre
a obra para órgão de Demessieux e Liszt tanto no que se refere à extensão, quanto no
que tange à natureza das dificulades técnicas. O grau da dificuldade técnica encontrada
nos estudos demessianos não se verifica mais em qualquer outra de suas obras.
Justamente o contrário poderíamos dizer a respeito das composições de Liszt, pois ele
amava os desafios que advinham da performance acrobática.
Um elemento comum aos estudos românticos de piano foi justamente essa
tendência ao que Rosen chamou de exercício atlético: “Praticar um estudo de Chopin ou
Liszt é m exercício atlético: alarga as mãos, desenvolve os músculos, aumenta a
flexibilidade, amplia a capacidade física” 285 . A execução dos estudos chopinianos e
lisztinianos aponta dessa forma para um desenvolvimento muscular que se concentra,
basicamente nas mãos. De fato, muito da dificuldade técnica dos estudos surgidos a
partir do início do século XIX, nos estudos não apenas para piano, mas para outros
instrumentos, decorre desta tendência ao virtuosismo atlético. E este é justamente o
enfoque que Jeanne Demessieux transfere a seus estudos. O conceito de virtuosismo
atlético, porém, uma vez aplicado ao órgão, se amplia em um instrumento cuja
283
Cavanagh, s/d.
Sabatier, 1991, p. 319.
285
2000, p. 495.
284
por: Domitila Ballesteros
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performance por si só já requer um esforço físico maior. “O órgão é, talvez o mais
‘atlético’dos instrumentos” [“The organ is perhaps the most ‘athletic’of instruments”]
286
. Os estudos de Demessieux não são estudos de pedal, como o são os estudos de
Langlais.
A performance dos Six Études vem cobrar do organista uma total sintonia
com o instrumento. Sintonia de onde pode nascer a verdadeira técnica, capaz de retirar
do instrumento com economia e qualidade, a melhor performance.
286
Ritchie, 2000, op. cit p. 4
por: Domitila Ballesteros
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