SIDA NET

Transcrição

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©SIDAnet, Associação Lusófona
CAPA
ETAVARES
com desenhos de crianças internadas no Serviço de Pediatria do Hospital de S. Maria
PRODUÇÃO e PAGINAÇÃO
Metatexto, produção de conteúdos multimédia, Lda. - Santarém
IMPRESSÃO
Normagrafe, Lda. - Santarém
ISBN: 978-972-95977-6-3
Depósito Legal: 259097/07
Maio de 2007
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SIDAnet - ASSOCIAÇÃO LUSÓFONA
Direcção
Victor Manuel Pereira Bezerra - Presidente
Nuno Eduardo Moura dos Santos da Costa Taveira - Vice-Presidente
Rita de Cássia Vieira de Meireles Corte-Real - Tesoureira
Maria de Fátima Ramos Lampreia da Dores - Secretária
Maria José Manata - Vogal
Eugénio Teófilo - Vogal
Filomena Frazão Aguiar - Vogal
Conselho Fiscal
Pedro Nuno Ramos Roque - Presidente
Maria Teresa Carretero Camilo Branco
Fernando Rosas Vieira - Vogal
Assembleia Geral
Joaquim António Machado Caetano - Presidente
Maria Emília Monteiro - Vice-Presidente
Sofia de Azeredo Gaspar Pereira - Secretária
Conselho Científico
Alfredo Ribeiro-da-Silva - Dept. Pharmacology & Therapeutics - McGill Univ. - Montreal-Canadá
Amilcar Soares - ONG - Positivo
Ana Horta - Infecciologia - H. Joaquim Urbano
Ana Paula Fonseca - Medicina Interna - H. de Faro
Ana Sousa Passos - Enfermagem - H. Cascais
António Dinis - Pneumologia - H. Pulido Valente
Barros Veloso - Medicina Interna - H. Capuchos
Carlos Araújo - Medicina Interna, Infecciologia - H. Egas Moniz
Carlos Vasconcelos - Medicina Interna - H. S. António
Cristina Guerreiro - Ginecologia e Obstetrícia - M. Alfredo da Costa
Domitília Faria - Medicina Interna - H. do Barlavento Algarvio
Eulália Galhano - Ginecologia e Obstetrícia - M. Bissaia Barreto
Fátima Pinto - Medicina Interna - H. de Horta
Fernando Araújo - Biologia Molecular - Imunohemoterapia - H. S. João
Fernando Borges - Medicina Interna - Hospital Egas Moniz
Fernando Rosas Vieira - Medicina Interna - C.H. Vila Nova de Gaia
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Fernando Ventura - Pneumologia, Infecciologia - H. Egas Moniz e F. Ciên. Méd. de Lisboa
Francisca Avillez - Biologia - Instituto Ricardo Jorge
Francisco Antunes - Infecciologia - Faculdade de Medicina de Lisboa
Germano do Carmo - Serviço de Doenças Infecciosas - Hospital de S. Maria
Graça Rocha - Pediatria - H. Pediátrico de Coimbra
Helena Valle - Virologia - Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge
Helena Ângelo - Parasitologia - Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge
Isabel Loureiro - Saúde Pública - CCPES - Ministério da Educação
Jaime Nina - Medicina Interna - H. Egas Moniz
João Brandão - Micologia - Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge
Jorge Cardoso - Dermatologia - H. Curry Cabral
Jorge Nóbrega Araújo - Medicina Interna - C. H. do Funchal
Jorge Pereira - Patologia Clínica - L. Virologia - Instituto Português do Sangue
Jorge Torgal - Epidemiologia e Saúde Pública - Instituto de Higiene e Medicina Tropical
José Calheiros - Saúde Comunitária - Inst. de Ciências Bioméd. Abel Salazar Univ. do Porto
José Carvalho Teixeira - Psiquiatria, Psicologia - Instituto Superior de Psicologia Aplicada
José Poças - Infecciologia - H. Setúbal
José Vera - Medicina Interna - H. de Cascais
Kamal Mansinho - Infecciologia - H. Egas Moniz
Laura Brum - Bacteriologia - Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge
Laura Rosado - Micologia - Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge
Leon Bernardo - Infecciologia- H. Prisional S. João de Deus
Lígia Pinto - Virologia - N.I.H. - USA
Lino Rosado - Pediatria - H. D. Estefânia
Luís Rodrigues - Patologia Clínica - H.S. Francisco Xavier
Luísa Rodrigues - Imunologia - Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge
Machado Caetano - Imunologia - F. de Ciências Médicas - Lisboa
Manuel João Gomes - Medicina Interna - H. de Santarém
Manuel Pinheiro - Infecciologia Pediátrica - H. S. Maria
Manuela Bonmarchand - Infecciologia - H. Pitiè Salpêtrière - Paris
Manuela Mafra - Anatomia Patológica - H. S. José
Maria Helena Lourenço - Virologia - Faculdade de Farmácia de Lisboa
Maria João Faria - Infecciologia - Hospital dos Covões - Coimbra
Maria Jorge Arroz - Patologia Clínica - H. Egas Moniz
Maria José Campos - Medicina Interna - Abraço
Maria José Manata - Infecciologia - H. de Almada
Meliço Silvestre - Infecciologia - H. Universidade de Coimbra
Miguel Castanho - Química Física Molecular - Faculdade de Ciências da U Lisboa
Mota Miranda - Infecciologia - H. S. João e F. Medicina de Porto
Nélio Santos - Patologia Clínica - H.D. de Faro
Nuno Santos - Bioquímica - Faculdade de Medicina de Lisboa
Nuno Taveira - Virologia - Instituto Superior de Ciências da Saúde - Sul
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Odete Ferreira - Virologia - Faculdade de Farmácia de Lisboa
Paula Brum - Psiquiatria - Centro das Taipas - Lisboa
Paula Lobato de Faria - Direito - CNLCS e Escola Nacional de Saúde Pública
Paulo Rodrigues - Medicina Interna - H. Curry Cabral
Ricardo Camacho - Imunohemoterapia - H. Egas Moniz
Rui Sarmento - Medicina Interna - H. Joaquim Urbano
Saraiva da Cunha -Infecciologia - H. Universidade de Coimbra
Teresa Paixão - Epidemiologia - Instituto Ricardo Jorge
Victor Bezerra - Medicina Interna - H. de Santarém
Vítor Duque - Virologia - H. Universidade de Coimbra
Administrador do Registo
Victor Bezerra
Conselho Técnico
Pedro Ferreira
Eduardo Tavares
Victor Bezerra
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INTRODUÇÃO AO VII CONGRESSO
VIRTUAL DA SIDANET
13/10/2006 a 1/12/2006
“A INFECÇÃO VIH NA CRIANÇA”
O VII Congresso Virtual HIV/AIDS, a realizar entre 15 de Outubro e 1 de Dezembro
de 2006, apresenta-se com duas novidades temáticas que permitirão, por certo, alargar o
entendimento da infecção por VIH no nosso país: a Criança e o Idoso. Ao fazê-lo contribuirá
naturalmente para que esta questão seja enquadrada e enfrentada de forma global e
concertada. E só assim podemos esperar melhorar o panorama epidemiológico desta infecção
e, não menos importante, melhorar também os cuidados prestados aos doentes infectados e
a sua qualidade de vida.
Coube-me o papel de coordenar a parte da Criança, o que se deve à minha qualidade
de membro da comissão coordenadora do Grupo de Trabalho sobre a Infecção por VIH na
Criança (GTVIHC), que integra pediatras de 36 hospitais nacionais. O Grupo foi criado em
1998 com os seguintes objectivos: conhecer a realidade nacional sobre a infecção VIH na
criança; promover encontros regulares entre pediatras que trabalham nesta área; elaborar
recomendações no âmbito da infecção VIH na criança; promover e coordenar estudos
multicêntricos.
Uma das principais áreas de actuação do Grupo foi a da prevenção da transmissão
vertical. A infecção VIH na criança no nosso País ocorre quase exclusivamente por
transmissão mãe-filho, tornando possível sonhar com uma redução drástica do número de
crianças infectadas nos próximos anos. De facto, o cumprimento das regras de profilaxia
da transmissão vertical do vírus pode reduzir a taxa de transmissão a menos de 2%. E este
foi o objectivo traçado pela Comissão Nacional de Luta Contra a SIDA para o ano de 2006.
Os dados coligidos pelo GTIVIHC em 2004, envolvendo 43 maternidades e um total
de 85 135 partos, mostram uma prevalência de grávidas infectadas de 3,6 por mil e uma
taxa de transmissão vertical de 3,6%. Mas sabemos também que em Portugal, nos últimos
dois anos, não ficou infectada nenhuma criança cujas medidas preventivas tenham sido
correctamente cumpridas. O problema surge assim quando o diagnóstico só é efectuado
intra ou pós parto, a grávida não cumpre a terapêutica, o tempo de tratamento é curto, há
falência terapêutica, ou na presença de outros factores de risco de transmissão.
Estes dados devem ser analisados em conjunto com os fornecidos pela Comissão de
Vigilância Epidemiológica de Doenças Transmissíveis, referentes à situação conhecida em
Junho de 2005. E que mostram que dos 27.013 casos notificados, 12.355 (45,7%) foram
diagnosticados como portadores assintomáticos; que destes, 25,7% eram mulheres em idade
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fértil; e que a categoria de transmissão heterossexual se tem tornado predominante sendo
responsável por 57% das infecções em 2004.
Estamos pois perante uma epidemia ainda não controlada, que afecta progressivamente
mais mulheres, muitas das quais sem sintomas quando pensam em engravidar.
O tema primordial e essencial da vertente pediátrica deste Congresso tem assim que ser
o da prevenção da transmissão vertical. E que deve envolver os seguintes aspectos:
1. Promoção do rastreio universal das mulheres pré gravidez ou durante a gravidez.
2. Assegurar a existência, em todas as Maternidades, de teste rápido de diagnóstico
e dos fármacos utilizados em quimioprofilaxia.
3. Garantia do aleitamento artificial do RN e da administração da quimioprofilaxia
ao RN, se necessário sob observação directa.
4. Revisão das medidas profilácticas a adoptar na grávida e no recém-nascido
quando o esquema ideal de profilaxia não foi cumprido. Ocorrendo a transmissão
vertical predominantemente no período periparto, no qual pode ocorrer uma
transfusão de 3 a 5 ml de sangue materno para o RN, torna-se razoável que em
circunstância de maior risco de transmissão se adopte uma profilaxia semelhante
à da pós-exposição acidental, utilizando dois ou três fármacos antiretrovirais
(ARVs).
Outra questão premente é a da terapêutica antiretroviral (TARV). A terapêutica
altamente eficaz (HAART) reduziu drasticamente a mortalidade associada à infecção por
VIH também nas crianças. Contudo, confrontamo-nos agora com um número crescente de
crianças com falências virológicas, imunológicas e/ou clínicas.
Numa avaliação efectuada em 2004, de 166 crianças com infecção por VIH1 20,5%
não estavam medicadas. Mas do grupo etário entre os 6 e 9 anos, 12 em 58 (20,7%)
estavam medicados com 3 classes de ARVs ou em esquemas com pelo menos quatro ARVs.
A TARV na criança requer uma abordagem diferente das mesmas questões que se põem
ao adulto, como sejam, quando e como a iniciar e como assegurar a aderência à terapêutica.
Com algumas dificuldades acrescidas: a menor disponibilidade de fármacos; o menor
conhecimento da sua farmacocinética; a carga viral inicial muito superior; a maior
dificuldade em suprimir a replicação viral; e a menor previsibilidade no lactente dos valores
da carga viral e da contagem de CD4 na evolução para SIDA.
Temos pois temas suficientes, actuais e com tradução para a prática clínica para iniciar
este congresso.
Naturalmente que a discussão não tem que, nem deve, restringir-se a estas questões.
Serão bem vindos todos os que queiram debater quaisquer dos diversos aspectos que se
relacionam com a infecção por VIH na criança.
Dr. José Gonçalo Marques
Hospital de S. Maria
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INTRODUÇÃO AO VII CONGRESSO
VIRTUAL DA SIDANET
13/10/2006 a 1/12/2006
“A INFECÇÃO VIH NOS IDOSOS”
Ao longo do curso desta pandemia têm-se verificado frequentes alterações
epidemiológicas.
Inicialmente era uma infecção de grupos de risco - toxicodependentes, homossexuais e
profissionais do sexo, com franco predomínio dos toxicodependentes, progressivamente os
heterossexuais passaram a destacar-se e são actualmente os principais responsáveis pelos
os novos casos de infecção VIH.
Na 1ª e 2ª década de infecção o grupo etário mais atingido era o escalão entre os 15 e
os 49 anos, nos últimos anos tem-se verificado um número crescente de novos casos entre
os idosos ou seja com idade superior a 60 anos.
Em Portugal, e até Junho de 2005, foram notificados 27.013 casos de infecção VIH,
dos quais 581 apresentavam mais de 60 anos, ou seja, representando 4,7% do total. Destes
581 casos, 274 foram diagnosticados antes do ano 2000 (1983 -1999) e 307 entre o ano
2000 e Junho de 2005.
Podemos assim constatar um franco crescimento de Infecção VIH entre os idosos.
A infecção VIH nos pacientes idosos apresenta particularidades inerentes ao
envelhecimento do organismo, ou seja, apresenta um curso clínico mais rápido, com
manifestações mais precoces e severas, com um desenvolvimento precoce e número mais
elevado de infecções e/ou neoplasias oportunistas, provavelmente relacionadas com as comorbilidades e declínio fisiológico das competências imunológicas (imunosenescência).
Em relação à terapêutica ARV instituída, verifica-se uma resposta virológica sobreponível
aos mais jovens, mas quanto à resposta imunológica esta é mais atenuada tendo em conta
o envelhecimento imunológico já referido previamente.
Uma maior incidência de efeitos laterais, muito provavelmente relacionados com um
enfraquecimento da função renal e hepática, níveis mais baixos de albumina, logo níveis
séricos de fármacos mais elevados.
Para além destes problemas de índole clínico e fisiológicos, outros problemas se levantam,
de importância sobreponível ou até superior: informar a família, sua reacções, a debilidade
física progressiva, os lares de 3ª idade que excluem estes pacientes, a falta de profissionais
nas nossas instituições para dar apoio psicológico ao doente e sua família.
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As campanhas de sensibilização e de informação da Infecção VIH estão direccionadas
aos grupos etários mais jovens e aos toxicodependentes, esquecendo-se da população mais
idosa.
É urgente esclarecer e desmistificar esta população sobre esta infecção, bem como
estimulá-los a efectuar o teste de rastreio.
Os próprios profissionais de saúde ainda não estão familiarizados para este problema,
é frequente que o teste para a Infecção VIH seja pedido após uma "bateria" prévia de
exames auxiliares de diagnóstico, alguns dos quais invasivos.
É urgente tomar medidas efectivas e imediatas de modo a evitar esta tendência crescente
da incidência da Infecção VIH entre a nossa população idosa.
É também importante realizar estudos multicêntricos, visando um melhor conhecimento
da curso natural, factores de risco, inter-acção com as co-morbilidades, patogénese, resposta
aos tratamentos e condicionantes destas respostas, de modo a efectuar uma abordagem
individualizada, de forma a obter um aumento da sobrevida dos nossos pacientes, mas e
sobretudo com qualidade de vida.
Esperemos estimular, através deste Congresso virtual, todos os interessados, a participar
activamente e principalmente iniciar a actividade no terreno.
Drª Margarida Mota
Centro Hospitalar de Gaia
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AUTORES
Alcolea E E G
Alvarez E R
Alves E R P
Alves H
Alves L
Amaral A C G
Amorim A
Araújo L F
Azevedo R L W
Barroso H
Bártolo I
Cabral S
Caldas J M P
Canavarro M C
Casas C
Cavaco Silva P
Cordeiro I D
Coutinho M P L
Cunha J G
Dias I
Diniz R F
Duque V
Figueiredo M A
Floriano A P
Fontes K S
Freitas G
Galvão M T
Gama A
Havana - Cuba
Havana - Cuba
João Pessoa - Brasil
Coimbra - Portugal
Felgueiras - Portugal
João Pessoa - Brasil
Lisboa - Portugal
João Pessoa - Brasil
João Pessoa - Brasil
Lisboa - Portugal
Lisboa - Portugal
Coimbra - Portugal
Barcelona - Espanha
Lisboa - Portugal
Coimbra - Portugal
Lisboa - Portugal
Brasília - Brasil
João Pessoa - Brasil
Coimbra - Portugal
Gaia - Porto
João Pessoa - Brasil
Coimbra - Portugal
Ribeirão Preto - Brasil
Lisboa - Portugal
João Pessoa - Brasil
Lisboa - Portugal
Fortaleza - Brasil
Lisboa - Portugal
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Gessolo K M
Gomes R
González I
Lavandeira T A
Lisboa M E S
Lopes M M
Marcelino J
Margalho R
Meliço-Silvestre A A
Monteiro M J
Mota M
Mota M
Nascimento T M S
Pádua E
Paiva M S
Paiva S S
Pereira M
Pinto I
Provinciali R M
Rocha C
Rocha G
Rocha G
Rosado L
Ruiz A P
Saldanha A A W
Serra J E
Silva A C O
Sotero J G
Sousa V C
Taveira N
Taveira N
Vieira R
Xará S
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Barcelona - Espanha
Coimbra - Portugal
Coimbra - Portugal
Felgueiras - Portugal
Porto Alegre - Brasil
Lisboa - Portugal
Lisboa - Portugal
Coimbra - Portugal
Coimbra - Portugal
Vila Real - Portugal
Gaia - Porto
Gaia - Porto
Lisboa - Portugal
Lisboa - Portugal
Salvador - Brasil
Fortaleza - Brasil
Coimbra - Portugal
Coimbra - Portugal
Ribeirão Preto - Brasil
Lisboa - Portugal
Coimbra - Portugal
Coimbra - Portugal
Lisboa - Portugal
Havana - Cuba
João Pessoa - Brasil
Coimbra - Portugal
João Pessoa - Brasil
Havana - Cuba
João Pessoa - Brasil
Lisboa - Portugal
Lisboa - Portugal
Gaia - Porto
Gaia - Porto
Indíce
CIÊNCIA SOCIAL E COMPORTAMENTAL
HIV/AIDS EM PESSOAS IDOSAS. VULNERABILIDADE, CONVÍVIO E ENFRENTAMENTO
Figueiredo M A, Provinciali R M
21
GRAVIDEZ EM ADOLESCENTE COM INFECÇÃO PELO HIV/AIDS: UM ESTUDO DE CASO
Paiva S, Galvão M T
27
VIVER COM AIDS NA TERCEIRA IDADE
Sousa V C, Saldanha A A W, Araújo L F
35
FREQÜÊNCIA DO USO DO PRESERVATIVO E PERCEPÇÃO DE VULNERABILIDADE
PARA O HIV ENTRE ADOLESCENTES
Azevedo R L W, Coutinho M P L, Saldanha A A W
45
A VULNERABILIDADE À AIDS ASSOCIADA AO USO DE ÁLCOOL POR ADOLESCENTES
Amaral A C G, Saldanha A A W
53
A AUSÊNCIA DA FAMÍLIA NO CUIDADO AO IDOSO SOROPOSITIVO PARA O HIV
Diniz R F, Saldanha A A W, Araújo L F
61
REPRESENTAÇÕES DO HIV NA TERCEIRA IDADE E A VULNERABILIDADE NO IDOSO
Fontes K S, Saldanha A A W, Araújo L F
73
VULNERABIDADE AO HIV/AIDS ENTRE HOMENS E MULHERES COM MAIS DE 50 ANOS
Silva L S, Paiva M S
85
EPIDEMIOLOGIA, PREVENÇÃO E SAÚDE PÚBLICA
A INVISIBILIDADE DA POPULAÇÃO ACIMA DE 50 ANOS NO CONTEXTO
DA EPIDEMIA HIV/AIDS
Lisboa M E S
107
AS CRIANÇAS E O VIH/SIDA NA ÁFRICA SUB-SAHARIANA - O CASO DE MOÇAMBIQUE
Floriano A P
113
AIDS DEPOIS DOS 50: UM NOVO DESAFIO PARA AS POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA
Caldas J M P, Gessolo K M
127
TRANSMISSÃO MÃE-FILHO DO VIH-1 E VIH-2: ANÁLISE DE CASOS RECEBIDOS
NO LABORATÓRIO DE REFERÊNCIA DA SIDA ENTRE 1999 E 2005
Pádua E
133
A PATOLOGIA ORAL EM DOENTES HIV
Alves L, Lavandeira T A, Mota M, Vieira R
143
ENTRE O SABER E O AGIR
Monteiro M J
151
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CLÍNICA E TRATAMENTO
TRATAMIENTO DE LA RETINITIS POR CITOMEGALOVIRUS EN PACIENTES CON VIH-SIDA
Alvarez E R, Sotero J G, Alcolea E E G, Ruiz A P
159
ESPAÇO EDUCATIVO BRINQUEDOTECA HORTÊNSIA DE HOLLANDA:
O LÚDICO NA MEDIAÇÃO DO TRATAMENTO DA AIDS PEDIÁTRICA
Cordeiro I D
169
A AIDS NA TERCEIRA IDADE NA PERSPECTIVA DOS IDOSOS, CUIDADORES
E PROFISSIONAIS DE SAÚDE
Saldanha A A W, Araújo L F
179
A SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA (SIDA) COM BASE NA NORTH AMERICAN
NURSING DIAGNOSIS ASSOCIATION (NANDA) E DIAGNÓSTICOS EM ENFERMAGEM:
UM ESTUDO DE CASO
Alves E R P, Silva A C O
NUTRIÇÃO E VIH: PARTICULARIDADES NO IDOSO
Xará S, Dias I, Mota M
189
205
COLONIZAÇÃO ORAL FÚNGICA NOS INDIVÍDUOS VIH/SIDA SUBMETIDOS
A TERAPÊUTICA ANTI-RETROVIRAL
Nascimento T M S, Lopes M M, Amorim A, Freitas G
211
UM CASO DE TRANSMISSÃO VERTICAL DO VIH - O PROBLEMA DA RESISTÊNCIA
AOS ANTI-RETROVÍRICOS
González I, Rocha G, Duque V
219
A PROPÓSITO DE UM CASO DE ADAPTAÇÃO DA MÃE E DO BEBÉ AO CONTEXTO VIH
Casas C, Rocha G, Pinto I, Gomes R
223
MULHERES INFECTADAS PELO VIH/SIDA:
ADAPTAÇÃO AO NASCIMENTO DE UMA CRIANÇA?
Pereira M, Canavarro M C
227
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA COM ESTUDO DAS CAPACIDADES NEUROCOGNITIVAS
NUM DOENTE COM INFECÇÃO PELO HIV
Margalho R, Cabral S, Alves H, Serra J E, Cunha J G, Meliço-Silvestre A A
239
CIÊNCIA BÁSICA
DIAGNÓSTICO E PREVENÇÃO DA TRANSMISSÃO VERTICAL DO HIV-1 EM ÁFRICA
Taveira N, Cavaco Silva P, Gama A
EVOLUÇÃO MOLECULAR DO GENE ENV DO HIV-2 E COLAPSO DO SISTEMA IMUNITÁRIO
EM DOENTES INFECTADOS POR VIA VERTICAL
Rocha C, Barroso H, Bártolo I, Marcelino J, Rosado L, Taveira N
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CIÊNCIA SOCIAL E
COMPORTAMENTAL
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HIV/AIDS EM PESSOAS IDOSAS.
VULNERABILIDADE, CONVÍVIO E
ENFRENTAMENTO
Figueiredo M A, Provinciali R M - Ribeirão Preto - Brasil
1. INTRODUÇÃO
1.1. Envelhecimento e Terceira Idade
Atualmente, o crescimento da população de idosos, em números absolutos e relativos,
é um fenômeno mundial e está ocorrendo a um nível sem precedentes. Em 1950, eram
cerca de 204 milhões de idosos no mundo e, já em 1998, este contingente alcançava 579
milhões de pessoas, um crescimento de quase 8 milhões de pessoas idosas por ano. As
projeções indicam que, em 2050, a população idosa será de 1900 milhões de pessoas. No
Brasil, segundo o censo de 2000, a população de 60 anos ou mais de idade configurava um
contingente de quase 15 milhões de pessoas, correspondendo a 8,6% da população total
(IBGE, 2000; MINAYO, COIMBRA JR, 2002; UCHÔA, 2003).
Estudos realizados sobre a terceira idade revelam que o aumento do número de
idosos se deve a vários fatores: (1) tendência crescente da expectativa de vida, estando
hoje o nível de esperança de vida ao nascer em torno de 71,3 anos; (2) melhoria geral das
condições de saúde e mudança dos padrões de doença e saúde; (3) redução dos índices de
mortalidade e (4) diminuição da taxa de natalidade (SILVA, 1996; MOTTA, 2003). As
pessoas estão vivendo cada vez mais tempo, despertando questionamentos sobre o modo
como se percebe o processo de envelhecer e trazendo transformações nos valores éticos,
estéticos e sociais.
1.2. A Aids entre as pessoas idosas
A sexualidade na terceira idade é um tema pouco conhecido e menos entendido pela
sociedade, pelos próprios idosos e pelos profissionais da saúde (STEINKE, 1997). A crença
de que o avançar da idade e o declinar da atividade sexual estão inexoravelmente ligados,
tem sido responsável pela pouca atenção dada a uma das atividades mais fortemente
associadas à qualidade de vida, como é a sexualidade (BALLONE, 2001; ZAMLUTTI,
1996).
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Muitas vezes, devido ao desconhecimento e à pressão cultural, pessoas de terceira
idade, nas quais ainda é intenso o desejo sexual, experimentam um sentimento de culpa e
de vergonha, podendo levar a uma inibição de todos os aspectos referentes a qualquer
expressão sexual (BALLONE, 2001; CAPODIECE, 2000). Considerar a sexualidade em
idosos como algo saudável e natural está longe de ser compreendida e aceita pela sociedade.
O preconceito, aliado à falta de informação, reforça o estereótipo da velhice assexuada,
determinando atitudes e propensões comportamentais que exacerbam a vulnerabilidade
do idoso para as Doenças Sexualmente Transmissíveis e, entre elas, a aids. Apesar dos
recursos imensos que já foram mobilizados para controlar a epidemia, a questão do estigma
continua no centro de toda a luta contra a pandemia global de aids. O conjunto de reações
sociais, culturais, individuais e políticas que a Aids despertou no mundo foi considerado
preocupante, e ainda hoje representa um dos maiores desafios na luta contra a doença.
Tais respostas revelaram uma epidemia de medo e discriminação, inclusive no mundo
científico (FIGUEIREDO, 1994; 2000). Apesar da aids ser considerada uma enfermidade
que pode acometer indivíduos de uma sociedade como um todo, segundo LIEBERMANN
(2000) um grupo específico da população vem sendo negligenciado, tanto em termos de
acesso a informação quanto suporte social e serviços de referência especializados no trato
de HIV/Aids – os idosos.
Segundo Linsk (1994), os avanços tecnológicos no campo da medicina ajudaram a
estender a longevidade, acarretando um aumento da expectativa de vida e da sub população
de pessoas com idades acima de 60 anos . De acordo com as estatísticas da Organização
Mundial de Saúde (OMS) e, no Brasil, pelos índices do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) e segundo análise pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
(SEADE), “a população idosa está crescendo a uma taxa oito vezes maior que a jovem. O
que se espera é um número crescente de idosos, comparado às camadas mais jovens da
população brasileira” (SEADE, 1990, p1). Segundo Leiberman (2000), a possibilidade
de uma pessoa idosa ser infectada pelo HIV parece invisível aos olhos da sociedade. Seu
estudo sobre atitudes sociais sobre aids na velhice reflete uma prevalência de concepções
errôneas sobre como o idoso se comporta:
- As pessoas idosas não estão mais interessadas em sexo;
- Se acaso estiverem interessadas, ninguém está interessado nelas;
- Fazem sexo num contexto de um relacionamento heterossexual e monogâmico;
- Não são usuárias de drogas;
Até o diagnóstico da doença é um tanto complexo entre os idosos. Primeiramente pelo
fato de que muitos profissionais raramente consideram doenças sexualmente transmissíveis
- HIV/Aids – na velhice, seja por julgamentos próprios, ou por concepções errôneas, em
função de crenças sobre a sexualidade e a vulnerabilidade ao HIV nesta faixa etária
(WOOTEN-BIELSKI, 1999; ROSSIM et al, 2001).
2. OBJETIVO
Este trabalho teve como objetivo estudar crenças e representações de pessoas idosas
sobre seu convívio com HIV/aids, visando compreender seus próprios sentidos e significados.
Com base nestes resultados, espera-se poder subsidiar programas de atendimento
psicossocial à terceira idade, e em especial às pessoas idosas que convivem com HIV/aids,
visando contemplar as necessidades desta subpopulação.
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3. MÉTODO
3.1. Trabalho de campo
A pesquisa foi desenvolvida junto a duas instituições públicas que prestam assistência
a pessoas com HIV/aids, nas cidades de Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, Brasil
3.2. Participantes
Foram estudadas 7 pessoas soropositivas para o HIV, com idade igual ou superior a
60 anos, de ambos os sexos, estabelecendo-se os seguintes critérios de inclusão no estudo:
a) ter conhecimento sobre sua condição sorológica; b) estar em tratamento médico para
HIV/aids; c) apresentar condições físicas e psíquicas que viabilizem as entrevistas; d) aceitar
o convite de forma expressa para participar, após assinatura de um termo de consentimento
informado. Esta amostra foi composta por 5 homens e 2 mulheres, com idades entre 61 e
71 anos de idade, com nível de escolaridade de ensino fundamental, via de contaminação
sexual.
3.3. Coleta de dados
A. Anamnese:Foi elaborado um roteiro sobre informações pessoais, permitindo uma
caracterização adequada da amostra, complementando o trabalho de análise e discussão
dos resultados. Nesta entrevista foram abordados, além de dados demográficos sobre a
pessoa, sua identificação, tempo de contágio e a forma presumida de contaminação por
HIV.
B. Entrevista temática: Visando a avaliação de crenças sobre estar na terceira idade e
ser soropositivo para o HIV, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, compreendendo
três níveis de procedimento: evocação, enunciação e averiguação.
C. Histórias de vida: Foram realizadas entrevistas abertas sobre vicissitudes, ao longo
da vida, antes e após o diagnóstico de soropositividade para o HIV, para investigar questões
relevantes sobre as perspectivas do sujeito frente à própria vida, relacionadasàs vicissitudes
da aids e ao convívio na terceira idade.
3.4. Análise dos dados
Foram feitas análises de conteúdo sobre as transcrições das entrevistas, baseadas em
categorias determinadas ex post facto, partindo de diversos temas suscitados nas entrevistas
e processadas segundo procedimentos de análise qualitativa segundo Figueiredo et al (1993).
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados obtidos nos permitiram oferecer uma visão geral da vida de cada um
dos participantes, vistas como uma construção da identidade, na qual eles nos contam
quem são e como têm vivido as suas vidas, especialmente no que se refere às suas experiências
após o conhecimento da soropositividade para o HIV. Seus depoimentos refletem as emoções,
os sentimentos, os pensamentos em relação aos acontecimentos e fatos da vida, além da
forma como cada um a reconstrói enquanto contam suas histórias. Estas pessoas não se
mostraram como simples depositários de suas experiências, mas como indivíduos ativos,
presentes e envolvidos, que articulam os diferentes eventos da vida numa história coerente.
Da análise exaustiva das entrevistas transcritas, entrevistas temáticas e histórias de vida,
derivaram algumas categorias que constituem a base dos significados que fundamentam
esta pesquisa:
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Pela análise dos dados observou-se que conversar sobre a velhice e o envelhecimento
com os idosos foi estabelecer uma distinção entre os velhos em geral e a experiência pessoal
de cada uma das pessoas. Discorrer sobre velhos em geral é reproduzir estereótipos com os
quais a velhice é identificada. Já, falar da experiência pessoal é, pelo contrário, enumerar
uma série de atitudes e ações que tornam os indivíduos radicalmente distintos dos outros
velhos, mesmo quando consideram sua idade avançada. Assim, os depoimentos referentes
à categoria terceira idade apresentaram-se em duas vertentes: uma, que faz referência ao
conceito de terceira idade/velhice, ou seja, a visão que cada um deles tem sobre o que é
estar na terceira idade/ser velho; e outra, sobre o modo como cada um se sente em relação
a esta etapa da vida.
Considerando o convívio com o HIV/aids no cotidiano da pessoa idosa, foi retratado ao
longo de um processo que envolve uma série de etapas e que teve sua origem no momento
em que o diagnóstico soropositivo foi revelado.
A descoberta de ser soropositivo para o HIV ocorreu quase sempre em função do
surgimento de alguns sintomas ou adoecimento, e a decisão de submeter-se ao teste para
HIV partiu de uma solicitação do médico, não se constituindo como iniciativa da própria
pessoa.
Pelos depoimentos dos participantes deste estudo, pudemos observar que não houve,
para a maioria deles, uma percepção de risco de contaminação pelo HIV: os entrevistados
relataram que, ao receber o diagnóstico, ficaram ressentidos, desorientados, desesperados,
amargurados.
A culpa foi outro sentimento que surgiu com grande destaque e de forma maciça, no
discurso dos entrevistados, vivenciada sobre diferentes vertentes, intimamente associadas
às histórias de vida, especialmente no que diz respeito às relações de gênero, forma de
contágio e de reconhecimento da própria soropositividade. Esta convivência com o sentimento
de culpa aparece como um tormento, uma perturbação que incomoda e contamina os
pensamentos, acarretando grande desconforto Surge como uma condenação que não pode
ser dividida com ninguém e reconhecer-se responsável pela própria condição de portador
do HIV parece agravar os sentimentos de impotência, ou seja, a sensação de que nada pode
ser feito para dissipar tais sentimentos, tornando o convívio com a soropositividade difícil
e doloroso.
Neste primeiro momento, o enfrentamento se dá pela manutenção do resultado em
sigilo, tendo quase que exclusivamente como único confidente a família nuclear, esposa e
filhos. Contudo, o silêncio é mantido, envolvendo a questão, existindo uma desconfiança de
que outras pessoas possam também ser informadas sobre a sua condição da soropositividade.
Assim, a doença torna-se um caso particular, inerente ao indivíduo com aids e vivido pelos
familiares. Não a socializam por temerem, por parte da sociedade, atitudes preconceituosas
e discriminatórias, muitas vezes apresentada de forma velada ou declarada. A necessidade
de silenciar-sobre o contágio por HIV se apresenta no intuito de afastar a discriminação.
Para as pessoas entrevistadas a aids trouxe à tona, de maneira nova e assustadora, os
fantasmas construídos no imaginário social sobre a sexualidade e a morte, o desfiguramento
e o enfraquecimento físico, a vulnerabilidade e o risco visto na cara do outro. Assim, o
estigma, a dor da própria enfermidade e a dor dos olhos dos outros, o medo da rejeição,
principalmente no ambiente de trabalho, e o sofrimento causado pelo preconceito e pela
possibilidade de ser discriminado passam a afetar, de forma contundente, as pessoas
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entrevistadas. Sentimentos de ansiedade, perseguição e dúvida podem vir a constituir fontes
estressoras no seu cotidiano.
Após o impacto sofrido pelo diagnóstico de HIV segue a necessidade de reestruturação
e manutenção da vida em seus vários papéis. Quando focalizamos nas pessoas entrevistadas
os seus respectivos discursos, percebemos que a aids foi incorporada à vida de formas
distintas, afetando-as, contudo, em profundidade.
Para alguns, parece não ter havido mudanças drásticas no estilo de vida. A condição
de soropositivo é incorporada como mais um aspecto a ser vivenciado, não interferindo no
modo de vida anterior ao diagnóstico. Para outros, a aids desperta sentimentos vividos
intensamente, acarretando grandes alterações, principalmente a nível emocional/psicológico,
tornando-se um incômodo constante.
Sentimentos ambivalentes de tristeza,
desorientação e desânimo, por um lado e tranqüilidade, por outro, surgem como
características do modo de encarar o dia a dia. E, neste sentido, conviver com a
soropositividade passa a requerer muito esforço.
Alguns depoimentos deixaram transparecer que o convívio com HIV/aids torna-se mais
complexo quando não se pode mais negar a doença, pois os primeiros sintomas começam a
aparecer e a pessoa torna-se mais debilitada, mais magra e com a saúde mais frágil. Os
momentos angustiantes e depressivos são mais intensos do que os vividos no período
assintomático da aids. Apesar de tudo, o desejo de viver e de aproveitar a vida prevalece,
em alguns momentos, onde ainda são preservados, originando sentimentos de esperança.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de envelhecimento vem ganhando destaque nos debates sobre políticas
públicas, na ciência e na mídia, enfatizando o sentido das mudanças que esse grupo social,
crescente em número, em vigor e em organização, provoca na reorganização do poder, do
trabalho, da economia e da cultura, atribuindo novo sentido ao espaço tradicionalmente
percebido como o da decadência física e da inatividade. A tendência atual é de rever os
estereótipos associados à envelhecimento, substituindo a idéia de perdas pela consideração
de que os estágios mais avançados da vida são momentos propícios para novas conquistas.
O que se percebe nos depoimentos, de forma clara, é que idade cronológica não é um
marcador importante na vida; outros elementos, relacionados à histórias de vida,
experiências e outros acontecimentos de ordem geral se sobrepõem, evidenciando-os não
só como um segmento da sociedade, mas como indivíduos com vontade de viver.
O envelhecer conjugado ao convívio com HIV/aids é marcado pela subestimação de
risco, em virtude de crenças e mitos sobre sexualidade e falta de informação. O silêncio,
em relação à soropositividade, além de sentimentos disruptivos, torna o cotidiano
comprometido pela instabilidade emocional e a grande sensibilidade às vicissitudes deste
convívio.
Este trabalho procurou, além da promoção de recursos para fazer frente à exclusão e
vulnerabilidade deste seguimento da sociedade, uma ascenção dos idosos a um patamar de
destaque e evidência, resgatando-os do limbo onde muitas vezes são relegados, especialmente
no cenário da sexualidade e da aids.
Mais do que definições conclusivas, como acontece com a maioria dos trabalhos
científicos, este estudo buscou um contato com uma diversidade de idéias por parte de
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pessoas fantásticas e suas ricas e emocionantes histórias, que demonstram, acima de tudo,
superação, vontade de viver e necessidade de falar sobre si.
Neste sentido, a realização de programas voltados para o atendimento de pessoas de
terceira idade portadoras do HIV/aids, deveria estar atento às questões de sexualidade,
comprometimento conjugal, relações de gênero e estigma, além de promover a inclusão do
idoso como alguém que possui desejos e planos de vida.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GRAVIDEZ EM ADOLESCENTE COM INFECÇÃO PELO
HIV/AIDS: UM ESTUDO DE CASO
Paiva S 1, Galvão M T 2 - Fortaleza - Brasil
INTRODUÇÃO
No breve percurso histórico, a infecção pelo HIV progrediu a proporções alarmantes e,
apesar dos avanços técnico-científicos no campo da infectologia, particularmente no que diz
respeito ao HIV/aids. A terapêutica disponível atualmente ainda não é de caráter curativo,
embora tenha aumentado a sobrevida e a qualidade de vida do portador do vírus.
Dados demonstram a inserção cada vez mais freqüente de mulheres em idade fértil entre os
infectados pelo HIV. Dos 42 milhões de adultos portadores do vírus, aproximadamente metade
correspondem a mulheres em idade fértil(1). No Brasil foram identificadas 17.198 grávidas
portadoras do vírus em 2001(2).
Estudos revelam uma série de determinantes facilitadores da vulnerabilidade feminina ao
HIV, dentre os quais citam-se as desigualdades sociais e de gênero, a dependência financeira e
afetiva, a antiga concepção de “grupos de risco”, além da vulnerabilidade biológica(3-5). Observase ainda a difusão crescente da infecção entre os jovens, embora o percentual de adolescente
infectados pelo HIV ainda seja considerada pequena(6). Entretanto, estima-se que pelo menos
metade das novas infecções ocorram em pessoas com menos de 25 anos de idade(7).
Outro aspecto que considera-se importante é que os jovens tornam-se mais susceptíveis à
infecção em decorrência de uma série de fatores, dentre os quais destacam-se as características
típicas do período que vivenciam. O jovem rompe com sua situação de dependência, despertando
para novos relacionamentos e experiências, inclusive sexual, o que vem ocorrendo de maneira
cada vez mais precoce, julgando que nada poderá lhe ocorrer e ao não estabelecendo conexões
entre seus atos e possíveis conseqüências futuras(8), justificando-se em parte a não adoção de
métodos preventivos.
Paralelamente a infecção ao HIV, os adolescentes se expõe à outro risco potencial, ligado
às suas práticas sexuais, a gravidez. Na maioria dos países a taxa de fecundidade tenha
decrescido nos últimos anos, o mesmo não tem acontecido com o grupo etário de 15 a 19
anos(9).
Enfermeira. Mestranda do Curso de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Ceará
Enfermeira, Profª Drª do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará, e-mail:
[email protected]
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Ao associarmos o novo perfil epidemiológico do HIV e a gravidez precoce percebemos
a dimensão dos problemas atuais que interferem na saúde do adolescente e materno-infantil.
Nesse caso, a gestação torna-se duplamente de risco. A transmissão do vírus à criança
pela mãe tem sido responsável pelo crescimento do número de casos da infecção em menores
de 13 anos. O esquema medicamentoso de AZT (Zidovudina®) como terapêutica preventiva
tem sido eficaz no decréscimo dessa forma de transmissão do vírus à criança.
Nesta perspectiva, este estudo teve por objetivo descrever e analisar um caso de
adolescente portadora de HIV vivenciando a gestação.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Desenvolveu-se um estudo de caso informal de caráter qualitativo com uma adolescente
grávida e com diagnóstico de infecção pelo HIV.
Utilizou-se o método de estudo de caso, pois tal metodologia permite a descrição
aprofundada das dimensões e processo essenciais de um fenômeno contemporâneo,
funcionando assim como método eficaz no planejamento do cuidado em enfermagem(10) . A
sua elaboração baseou-se no roteiro instrucional proposto por Galdeano et all(11), cujas
fases consideradas para o desenvolvimento do presente estudo foram: o resumo do problema
e a fundamentação teórica. As demais fases sugeridas não foram implementadas pelo fato
de o estudo tratar-se de um recorte de pesquisa mais ampla que investigava os sentimentos
de gestantes e puérperas portadoras de HIV em relação a não amamentação(12),
inviabilizando, portanto todas as fases do modelo para sua apresentação nessa investigação.
O interesse das autoras para apresentação do caso se deu em virtude de observar uma
“mulher” vivenciando a fase da adolescência, portando o vírus da imunodeficiência humana
(HIV) e grávida da terceira gestação, a qual em um só indivíduo observa-se três
problemáticas relacionadas à saúde da mulher- gravidez precoce, multiparidade, doença
transmissível sem possibilidade terapêutica que conduza a cura até o presente momento,
implicando em um atendimento e entendimento especializado.
O cenário do estudo se deu em ambulatório de um hospital que na sua complexidade
presta atendimento aos portadores de HIV/Aids em Fortaleza-CE, durante dezembro de
2003. A apresentação do caso foi realizada a partir de entrevista e de dados documental,
obtidos pelo prontuário hospitalar.
Apresentar-se-á o caso em duas partes. A primeira descreve o caso em três seções:
contexto individual e sócio-econômico; história da doença atual e história obstétrica,
oferecendo alguns elementos que a adolescente se insere. A segunda parte apresenta o
resumo dos problemas e a fundamentação teórica e encontram-se descritos em uma seção,
categorizada como: vivências da maternidade.
Seguiram-se as instruções da Resolução nº 196 de 10 de outubro de 1996, do Comitê
Nacional de Pesquisa, que trata de estudos que envolvem os seres Humanos(13). Para manter
o anonimato da paciente foi atribuído um pseudônimo, designado um nome de flor: “Rosa”.
APRESENTAÇÃO DO CASO
Descrição do Caso
- Contexto individual e sócio-econômico
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Rosa, 16 anos, mora com dois filhos (um de três anos e outro de nove meses) e com o
parceiro que vive a três anos na periferia de Fortaleza-CE. Dona de casa, evangélica,
abandonou o quinto ano do ensino fundamental, informa renda per capita de quinze reais
(Salário mínimo vigente na época: R$ 240,00). Grávida de cinco meses procurou na primeira
quinzena do mês de dezembro de 2003 o ambulatório especializado em HIV/Aids onde faz
acompanhamento (irregular) da evolução da doença com a finalidade de comunicar seu
novo estado gravídico (3ª gravidez).
Seu primeiro filho tem diagnóstico definitivo, que revela não ter a presença do HIV no
organismo (soronegativo ao HIV) e o segundo filho faz acompanhamento e, até o momento
não tem diagnóstico definitivo quanto a presença do vírus.
Paciente informa ter mãe, irmã de sete anos e seu padrasto, igualmente portadores do
HIV.
- História da doença atual
Rosa informa que descobriu a infecção pelo HIV em meados de 2001, aos treze anos de
idade, durante acompanhamento pré-natal da primeira gravidez em serviço básico de saúde.
Foi encaminhada para hospital de referência para seguimento da infecção. No entanto, fez
apenas uma consulta recebeu a medicação para um mês e não mais retornou ao serviço.
Informa que no serviço solicitaram a apresentação de documentos (Carteira de identidade/
RG) para seu cadastramento oficial na unidade, e como a mesma não os possuíam,
acrescentando que também estava mudando de domicílio (na mesma cidade), não retornou
ao serviço para acompanhamento. Apenas, voltou ao serviço de saúde no início de 2003,
aos quinze anos de idade, entretanto, de posse de documentos solicitados e informando sua
segunda gestação (6º mês de gravidez). Dados de história pregressa da doença informa:
nega hemotransfusão, refere parceria sexual única, exclusiva e fixa desde o início da
atividade sexual. Parceiro não apresenta a infecção até o momento. Informa vida sexual
ativa e nega uso de preservativos.
- História obstétrica
Rosa, em dezembro de 2003, já com 16 anos, na sua terceira gestação, informa ter dois
filhos vivos, nascidos de parto cirúrgico. Relata história de tentativa de aborto da gestação
atual devido, ao fato de ter tido um filho recentemente (nove meses). Nega intercorrências
pré-natais. Quanto aos procedimentos para prevenção da transmissão vertical informa:
Primeira gestação: fez uso de um mês de AZT oral (não sabe precisar o período gestacional)
e informa ter recebido medicação antes e durante o trabalho de parto com AZT endovenoso.
Administrou para o recém-nascido AZT suspensão por seis semanas e não ofereceu
aleitamento materno. Segunda gestação: Iniciou a terapêutica profilática a partir do sexto
mês de gestação, e recebeu AZT endovenoso antes e durante o parto. A criança recebeu
medicação indicada por tempo adequado. Informa tê-lo amamentado uma única vez em
decorrência de dificuldades financeiras para conseguir o alimento da criança. Na atual
gestação (Terceira), fazendo uso do esquema terapêutico para redução na transmissão
vertical, iniciado no quinto mês da gravidez.
Ainda, Rosa relatou ter apresentado intercorrências mamária no período puerperal dos
dois filhos, desconhecendo o uso do inibidor do processo de lactação, além de desconhecer
a indicação do uso da técnica de enfaixamento, conforme se sugere a puérperas com HIV/
aids.
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Vivências da maternidade: delineamento da problemática e a fundamentação teórica.
No decorrer da entrevista observou-se elementos primordiais que corroboraram na
descrição e compreensão dos aspectos pertinentes ao caso adolescente gestante com HIV,
sendo pontuados à seguir:
Os resultados de estudos referentes às conseqüências da gravidez em idade precoce
apresentam-se contraditórios. Pesquisas advertem sobre maiores riscos de complicações
obstétricas quando a gravidez ocorre na segunda década de vida da mulher(14). Outros
estudos apontam as precárias condições sócio-econômicas e culturais como fatores mais
determinantes de complicações em uma gravidez do que o fato da gestante ser jovem(9).
Embora não haja um consenso entre as diversas pesquisas sobre os tema gravidez na
adolescência, o caso em foco encontra-se inserida nos dois contextos predisponentes as
complicações. Ressalta-se também que uma jovem que engravida uma primeira vez tendem
a gestar pela segunda vez ainda durante a adolescência(15), como ocorreu com a paciente
entrevistada em um intervalo curto de tempo.
No que diz respeito a gravidez no contexto do HIV, os profissionais de saúde parece não
se acharem preparados a lidar com o desejo de muitos casais com HIV que almejam filhos.
Há relatos de casos em que a mulher portadora de HIV sente-se culpada pelo desejo de ser
mãe e decide engravidar de maneira clandestina e não planejada(16). A decisão de mulheres
com HIV em manter uma gestação ou interrompê-la pode ser influenciada pelo curto
intervalo de tempo entre a gravidez anterior e a atual(17) e por fatores independentes de sua
condição sorológica(18).
Em centros especializados, encontram-se profissionais que espelham valores e
significados para o sexo e para a aids, em geral conservadores, estigmatizadores, tratando
o paciente como culpado pelo fato de não usar o preservativo como se fazer sexo seguro
dependesse sempre da vontade e da razão informada, acusando os que não absorvem
adequadamente os “guias” para a proteção sexual(19). No caso Rosa referiu o receio de
falar da gravidez devido o julgamento do profissional que a acompanhava, podendo ser
este um dos motivos que levaram a jovem a procurar o serviço de saúde em fase mais
avançada de gestação e com uma indução fracassada de aborto.
Neste sentido, o período da adolescência, o contexto social e familiar envolvidos na
vida da paciente pode ser considerado como um complexo emaranhado de fatores que se
interligam indicativos pelas inúmeras gestações de Rosa em idade tão tenra, enquanto a
história relatada da tentativa de aborto provavelmente como alternativa para romper com
as questões de sofrimentos das questões relacionadas a infecção e a gravidez precoce,
inclusive as referentes à adoção de estratégias preventivas e de autocuidado. A multiparidade
é indicativo do não planejamento familiar e do descrédito da possibilidade do contágio ao
parceiro sorodiscordante, provavelmente foram poucos os momentos de discussão sobre
sexualidade no serviço. As discussões que envolvem sexualidade se dá no aconselhamento
pós-teste, entretanto o foco deste aconselhamento tem sido falar da necessidade de usar o
preservativo como uma receita sem considerar outras dimensões da sexualidade do portador
ou sequer pensar sobre suas intenções reprodutivas(19).
Outra questão constatada no caso foi a dificuldade da adesão inicial do tratamento
profilático da transmissão vertical (TV). A administração de AZT deve ser iniciada a partir
da 14º semana de gestação, fato que não impede sua utilização em momentos posteriores
ao preconizado, uma vez que ainda há a diminuição do risco de TV. Rosa, aponta as
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circunstâncias que dificultaram seu acompanhamento logo após o diagnóstico, foi a solicitação
de documento e a mudança de endereço na mesma cidade, estes fatos não seriam os únicos
motivos que a levariam a procurar novamente o serviço especializado em HIV/aids somente
após dois anos, podendo ter sido um meio de negação da infeção e do medo da possibilidade
de contaminação do filho. Estudo com gestantes portadoras do HIV refere ao questiona-las
sobre a situação do feto quando a mãe é soropositiva, deram respostas evasivas, provavelmente
pela difícil realidade de aceitar o percentual de possibilidade da probabilidade de contaminação
da criança, acabando por negar o cuidado(20).
Os efeitos colaterais que o tratamento anti-retroviral (ARV) acarreta podem ser fatores
que também dificultam a sua adesão. Já, o indivíduo por ser jovem se encontra em estado de
transição de seu mundo interno para o mundo externo(8), sentindo-se frustrado em seus
empreendimentos de aceitação social quando inserido no contexto de uma doença
estigmatizada, que muda o cotidiano do portador, particularmente da adolescente mulher,
uma vez que os efeitos colaterais dos medicamentos são mais severos na população feminina(21),
sentindo sua sorologia descoberta em decorrência dessas alterações. Rosa não recebeu a
profilaxia completa para a redução da transmissão vertical em nenhum dos filhos, uma vez
que na primeira gravidez houve a desistência da mãe em prosseguir com o tratamento, embora
tenha relatado uso do AZT durante o parto e posteriormente pela criança durante seis semanas
e nas duas últimas gestações procurou o serviço de saúde somente com idade gestacional
superior a 14 semanas. Pesquisa realizada no mesmo município do presente estudo indica
que apenas 47,5% das gestantes com HIV fizeram uso do AZT como preconizado(22). Estudos
futuros devem esclarecer o que de fato está relacionado a estas cifras.
A adesão ao tratamento faz parte de um processo politizado, não deve ser imposta, a
adesão aos anti-retrovirais é uma co-construção entre profissional e pacientes(19). A adesão é
um processo de aprendizado individual e coletivo de como lidar com as dificuldades materiais,
sociais e individuais de ingerir a medicação e com a condição de pessoa infectada(19). Assim,
o indivíduo deve entender que a medicação quando necessária se deve ao fato de manter um
padrão mínimo de saúde. Quando trata-se de gravidez na vigência da infecção pelo HIV
indica-se a terapêutica para impedir a transmissão vertical do vírus. Entretanto, os aspectos
subjetivos envolvidos na dinâmica do indivíduo com aids são mais complexos e tornam-se
difíceis de serem entendidos, julgados e com isso as intervenções mais eficientes são alcançadas
com longos investimentos assistenciais.
Com relação a recomendação da exclusão ao aleitamento natural, muitas mães com HIV
encontram dificuldades na aquisição do leite artificial, devido a baixa renda familiar. Embora
haja programa específico para a nutrição de filhos dessa população, a distribuição do leite
artificial, ainda é limitada(12). No presente estudo a informação de Rosa sobre a ocorrência de
um episódio de oferecimento da amamentação ao recém-nascido, expõe que dispunha do
auxílio governamental, mas a séria dificuldade financeira para conseguir qualquer alimento
para a família, é seu percalço do dia-a-dia. Sendo que a fórmula infantil destinada àquela
criança era partilhada com a família.
Outro problema informado por Rosa tratou-se de sua vivencia na maternidade no contexto
da aids é o relato de intercorrência mamária durante o puerpério. Hoje se dispõe de técnicas
e medicações que impedem a lactação ou minimizam seus efeitos na mulher que está
impossibilitada de amamentar. Recomenda-se a compressão das mamas com atadura,
imediatamente após o parto, sem causar desconforto na mãe, entretanto, essa prática foi
negligenciada nos períodos do puerpério.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O caso retrata uma adolescente vivenciando um ambiente familiar marcado pela aids,
num contexto o qual agrupa os fatores estruturais facilitares da disseminação do vírus, os
quais envolvem principalmente o subdesenvolvimento econômico e a pobreza.
Frente ao caso sugere-se estabelecer um exercício constante de escuta ativa, apoio
emocional e respostas úteis e contextualizadas para construir junto com a adolescente um
momento de crescimento, estimulando sua participação no atendimento evitando-se
julgamentos e valores.
Dos achados nos leva a crer que o caso retrata uma realidade que tende a crescer em
nosso país, uma vez que a o jovem apresenta um risco maior tanto para adquirir a infecção
pelo HIV quanto de experimentar uma gestação na segunda década da vida, decorrentes,
por um lado, da própria fase que vivencia e por outro pelo fato de ser mulher. Ademais,
ressalta-se que historicamente estamos em pleno início da terceira década da epidemia e
que crianças ora contaminadas em anos anteriores, quando não se dispunha de terapêutica,
e que sobreviveram hoje, são adolescentes.
No que considera-se o aconselhamento limitado muitas vezes devido à pedagogia
verticalizada, pouco adequada ao adolescente, dificulta o entendimento e a aceitação do
HIV pelo jovem que vive uma fase marcada por mudanças internas e externas, geradora,
portanto, de crise, particularmente quando vivida em um contexto de grande complexidade,
que exige responsabilidades e impõe restrições. A deficiência na busca ativa de gestantes
com o vírus, a burocratização da assistência, os efeitos colaterais dos ARV, mais intensos
na mulher, e a negação da contaminação de uma doença socialmente estigmatizada podem
ser considerados motivos para postergar o acompanhamento clínico da infecção.
A reação negativa, já esperada pelas clientes, pelos dos profissionais diante da gravidez
demonstra o quanto de valores pessoal impõe-se sobre as mulheres.
Finalmente, as autoras destacam que apesar de estratégias preventivas educacionais os
órgãos governamentais hão de considerar as adversidades que se encontram as famílias
com HIV e auxilia-los de outras maneiras, além da distribuição da fórmula láctea, apenas
nos primeiros meses de vida, mas considerar as diferentes esferas envolvidas no contexto
da aids em nosso país.
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21. Liss em o HIV
22. Artigo da Socorro
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VIVER COM AIDS NA TERCEIRA IDADE
Sousa V C 1, Saldanha A A W 2, Araújo L F 3- João Pessoa - Brasil
I- INTRODUÇÃO
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (2005), o Brasil será o sexto país do
mundo em número de idosos até 2025, o que corresponderá a 15% da população brasileira,
ou seja, aproximadamente 30 milhões de pessoas.
O aumento da expectativa de vida, trouxe uma melhoria na qualidade de vida das
pessoas idosas, o que juntamente com as descobertas científicas para aumentarem a atividade
sexual (Butin, 2002), associado à resistência ao uso do preservativo (Silva, Paiva &
Santiago, 2005), tornaram os indivíduos mais velhos mais vulneráveis ao HIV/Aids.
Acrescenta-se ainda que a ascensão das taxas de infecção pelo HIV entre gerações velhas
pode ser um sinal de uma lacuna nos esforços de prevenção com este grupo de idade (Unaids,
2005).
No Brasil, de 1980 a junho de 2005, foram registrados 31356 casos de Aids em
pessoas com idade igual ou superior a 50 anos de idade , observando-se um incremento
proporcional para as pessoas com maior idade: de 1993 a 2003 houve um aumento de
130% entre os homens e de 396% entre as mulheres dessa faixa etária (Ministério da
Saúde, 2005).
O diagnóstico do vírus HIV em idosos é, freqüentemente, adiado em mais de 10 meses,
já que certos sintomas da infecção, tais como o cansaço, a perda de peso e problemas na
memória, não são específicos dessa infecção, podendo acontecer em outras doenças que
são comuns nos idosos (The Merck Manual of Geriatrics, 2005). Além disso, os médicos
raramente consideram que seus pacientes mais velhos possam ser contaminados pelo vírus
HIV, pois, muitos, os vêem como assexuados, e, com isso, dificilmente perguntam sobre a
vida sexual deles e discutem os fatores que reduzem os riscos de ter HIV (Inelmen, Gasparini
& Enzi, 2005). Com isso, o teste HIV que deveria ser feito também nos idosos, dificilmente
acontece, adiando ainda mais a descoberta do HIV nessa faixa etária.
Partindo destes pressupostos, este estudo teve como objetivo identificar as representações
que emergem em face da infecção pelo HIV em pessoas idosas, explorando questões
enfrentamento e suporte social, cercando as complexidades física, social, espiritual e
emocional, as quais constituem barreiras para o auto-cuidado adequado e adesão ao
tratamento.
UFPB - Universidade Federal da Paraíba, e-mail para contato: [email protected]
Universidade Federal da Paraíba - Pós-Graduação em Psicologia
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Universidade Federal da Paraíba - Pós-Graduação em Psicologia
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Vale salientar que, neste trabalho, resolveu-se operacionalizar como idoso a pessoa
com idade igual ou superior a 50 anos, a fim de abarcar tanto os indivíduos que se
contaminam com o vírus HIV após os 60 anos de idade, como aqueles com idade entre 50
e 60 anos, pois estes indivíduos tornar-se-ão idosos com Aids.
II – MÉTODO
Amostra:
Trata-se de amostra não-probabilística, intencional e acidental, sendo composta
por 21 pessoas soropositivas, metade dela residindo na Capital do Estado e a outra metade
no interior deste, com as seguintes características: 76% têm de 50 a 59 anos de idade e
24% possuem 60 anos ou mais; o sexo masculino é predominante (71%); 67% são separados,
viúvos ou solteiros; 62% têm escolaridade até a 4ª serie do ensino fundamental (62%). E,
embora a maioria dos sujeitos tenha renda (aposentadoria) de até 1 salário mínimo (61%),
81% dos idosos entrevistados são os provedores da família.
Em relação aos aspectos clínicos da convivência com o HIV/Aids, o tempo de
diagnóstico variou de 01 á 12 anos, predominando a categoria heterossexual como via de
contaminação (81%), embora, 9% tenham contraído o Hiv em relação homossexual, 5%
em transfusão sanguínea e 5% não sabiam como se contaminaram.
Observa-se, portanto, que os dados acerca dos idosos soropositivos compactuam
com a tendência atual da epidemia, principalmente no referente à interiorização,
pauperização e heterossexualização (Brito, Castilho & Szwarcwald, 2001; Butin, 2002).
Instrumentos:
A) Questionário Sócio-Demográfico: contendo questões referentes a sexo, idade, situação
conjugal e funcional, escolaridade, renda, principal provedor da família, se mora na capital
do estado ou no interior, e dados clínicos (tempo de infecção diagnosticada e de tratamento,
via de contágio), visando à caracterização da amostra.
B) Entrevistas Individuais : semi-estruturadas com o objetivo de saber dados acerca da
convivência com a Aids na velhice.
Procedimento para coleta de dados:
Após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde
da UFPB, foi feito contato com uma Organização Não-Governamental (ONG) e com o
Hospital de referência no Tratamento da Aids, ambos na cidade de João Pessoa (PB),
especializados no atendimento de pessoas soropositivas, para apresentação do projeto.
Desta forma, com as devidas autorizações e dados os esclarecimentos aos participantes
acerca dos objetivos e procedimentos da pesquisa, bem como dos princípios do anonimato
e do sigilo das informações, além da autorização para gravação, com consentimento assinado,
iniciou-se a coleta dos dados.
A aplicação dos instrumentos foi executada individualmente, porém, administrado
e preenchidos pelo pesquisador, devido ao baixo nível de escolaridade dos participantes, na
seguinte ordem: Questionário sócio-demográfico e clínico e Entrevistas Individuais.
Para delimitação do número de entrevistados utilizou-se o critério de saturação de
Sá (1998), o qual afirma: “quando os temas e/ou argumentos começam a se repetir isto
significaria que entrevistar uma maior quantidade de outros sujeitos pouco acrescentaria
de significativo ao conteúdo da representação; pode-se então realizar mais umas poucas
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entrevistas e parar” (p. 92). Realizaram-se, então, 21 entrevistas individuais, as quais
foram gravadas e transcritas.
Análise dos Dados
A análise dos conteúdos das entrevistas foi realizada com base em Categorias
Temáticas, determinadas a partir dos temas suscitados nas entrevistas, e processada em
uma série de etapas, de acordo com a proposta de Figueiredo (1993).
III – DESCRIÇAO DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os discursos dos idosos soropositivos, obtidos através de entrevistas, possibilitaram,
através da análise de discurso, a formação da classe temática “Cotidiano com Aids”, a
qual traz a emergência de especificidades da convivência com o HIV em idade mais avançada,
sendo formada pelas seguintes categorias: “Aids na Velhice”, “Rede de Apoio”,
“Enfrentamento”, “Preconceito”, “Sexualidade” e “Ganhos Secundários”.
A) Categoria “Aids na Velhice”
Nesta categoria emergiram conteúdos referentes às Sub-categorias Constrangimento,
Sofrimento, Restriçõe e Conformaçãos.
Em relação à sub-categoria “Constrangimento”, ao serem questionados sobre a vivência
da Aids na velhice, o embaraço dos idosos soropositivos é evidente e, a primeira resposta,
em sua maioria, é a de que não sabem falar. E, mesmo para aqueles que a respondem,
observa-se constrangimento associado aos estereótipos criados para os velhos que buscam
a vida sexual ativa ou para a própria doença, associada à imoralidade.
“Eu acho, eu sei lá: a gente fica até sem jeito de falar” (Suj. 1). “Rapaz, é meio chato
estar com Aids. Porque diz que o véi é sem vergonha demais..Diz que o caba é sem-vergonha,
véi inchirido.” (Suj6).
A Aids na velhice também é associada ao sofrimento (Subcategoria: “Sofrimento”)
causado pela incerteza da sobrevivência, medo e desprezo.
“É uma vida sacrificada, né! .....Eu fiquei assim medrosa...e pensei em fazer alguma
coisa com a minha cabeça...” (Suj8).“Eu me sinto mais enrolado, mais desprezado” (Suj
21). “Essa doença pra matar é ligeiro: é de repente. ... eu estou esperando qualquer hora
porque eu sei que é ligeiro. Eu não acredito que eu vou viver muito tempo não porque eu
vejo o resultado.” (Suj 21).
Entretanto, reconhecem que a vida na situação de soropositividade na velhice pode
impor restrições (Subcategoria “Restrições”), como as físicas, que os impossibilitam de
trabalhar.
“Não é normal como as outras pessoas que não tem esse problema. Quem não tem
sintoma de Aids, levanta cedo, chega tarde,, brinca, se cansa, mas não tem o corpo
esmorecido. Se for pra trabalhar, você não tem mais aquele ânimo de lutar, de trabalhar
como antes: não tem.” (Suj. 16).
E, apesar do trabalho ter assumido diversas concepções ao longo dos tempos, desde
castigo até virtude, hoje em dia, aprende-se que ele dignifica o homem (Colossi, Cosentino
& Giacomassa, 1997). Desta forma, o desemprego causa um sofrimento psíquico (Wickert,
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1999) e este é associado a um sentimento de invalidez e de não-potenciamento social
(Castell, 1998), além de levar à segregação e exclusão (Peres, Silva & Carvalho, 2003).
Outra restrição sentida pelos participantes é em relação aos relacionamentos afetivosexuais, decorrentes do medo da descoberta do diagnóstico ou da contaminação do outro,
o que os leva à solidão e, muitas vezes, à depresssão.
“Pra me chegar perto dela e ela vir falar comigo e eu não poder falar ou ela me dar o
fora,sei lá, de eu ter AIDS. Eu falar eu tenho isso e a pessoa não querer aceitar: então, fica
difícil .... Tando (estando) com esse problema, eu não quero mais. Pode ser um namoro
assim, mas não sério” (Suj 11).
Estudos anteriores com soropositivos comprovam a dificuldade em encontrar um
parceiro, devido ao medo de revelar o diagnóstico e também devido à rejeição do
companheiro (Paiva, Latorre, Gravato, Lacerda & Initiative–Brazil, 2002), além do
medo de se transmitir o vírus (Santos & cols, 2002).
B) Categoria “Rede de Apoio”
O apoio social (percepção de que outras pessoas são sensíveis e receptivas às nossas
necessidades) é uma estratégia de enfrentamento importante (Aronson, Wilson & Akert,
2002), pois um suporte social ou familiar limitado é um dos fatores que contribuem para
a não-aderência ao tratamento (Garcia, Schooley & Badaró, 2003).
Nesta categoria, então, formaram-se duas subcategorias: “Restrita” e “Extensa”. A
subcategoria “Restrita” é formada pelos discursos dos soropositivos idosos que possuem
uma rede de apoio limitada, geralmente restrita a um familiar, a um amigo mais íntimo ou
até mesmo a um ex-companheiro, decorrente da dificuldade em revelar o diagnóstico e ao
medo de ser discriminado, conforme pode ser observado nos discursos seguintes:
“.. Mas, meus meninos nenhum sabe: nenhum sabe disso. Não, ninguém sabe: só quem
sabe é minha menina...(não diz) com medo do meu menino, do rapaz que eu tenho porque
ele disse a mim que se ele souber que eu tenho isso, ele morre enforcado ou envenenado.
Nem ele (marido) sabe também” (Suj 8).. Eu não falo nada que eu tenho. Só quem sabe é
eu e o pai da menina” (Suj 14) “Só tem dois vizinhos meus que sabem....” (Suj. 1).
A outra subcategoria, denominada de “Extensa”, diz respeito aos sujeitos que
possuem uma rede de apoio mais ampla, já que não escondem sua soropositividade. No
entanto, este comportamento é referente a uma minoria junto à amostra de idosos
soropositivos estudada.
“Todo mundo sabe que eu não escondo não.(...) Se ninguém quiser me receber na sua
casa, não me receba. Mas, eu não vou esconder que eu estou doente... eu nunca escondi
não. Toda vida eu disse...” (Suj6). “Eu conto” (para todo mundo que é soropositiva)” (Suj
7).
C) Categoria “Enfrentamento”
Diz respeito às estratégias de enfrentamento utilizadas pelos idosos soropositivos, sendo
subdivididas nestas subcategorias: “Espiritualidade”, “Recursos Internos”,
“Naturalização”, “Conformismo” e “Família”.
Na subcategoria “Espiritualidade”, estão os discursos dos soropositivos que utilizam o
enfrentamento apoiado em Deus.
Estudos afirmam que a espiritualidade, além de melhorar a saúde e a qualidade de
vida dos idosos, é um importante apoio no enfrentamento de frustrações, sofrimentos e
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desafios, como também no prolongamento da vida (Negreiros, 2003), sendo ainda importante
em soropositivos porque os ajudam a compreenderem e elaborarem suas perdas (Souza &
Shimma, 2004).
“... eu sem Deus não sou nada. Tudo com Deus na frente: Deus me ajuda, eu tenho fé em
Deus. Primeiro Deus, segundo as amizades que eu tenho dos meus amigos e amigas” (Suj.2).
“Encontrei Deus, por isso que eu sou feliz” (Suj 3). “Mas, se a gente tem fé e cria num Deus
vivo, nada derruba a gente. A gente vence o mundo, vence tudo” (Suj5).
A importância dada à religião também foi encontrada no estudo de Santos e cols (2002)
com mulheres soropositivas: 88% destas declararam ser a religião algo importante em suas
vidas.
Os discursos emergentes na subcategoria “Recursos Internos” indicam que formas de
enfrentamento à doença são também preditos por fatores de diferenças individuais e
experiências de vida. A utilização de recursos internos, enquanto estratégias de enfrentamento
diante das dificuldades, impulsiona a manutenção e a reestruturação do bem-estar
psicológico.
“a cura também vai muito da sua cabeça: você vai levando o tempo, né, o dia-a-dia,
desde que não ponha problema um em cima do outro: deixar se debater por certas
coisas...energia forte: nada de coisa negativa....”(Suj 17).“Eu tenho certeza que eu não
baixei muito a cabeça... aqui morreram muitos na época que eu me internei aqui porque
baixavam logo a cabeça” (Suj 10).
Estudos realizados por Aronson e cols (2002) com pessoas portadoras de doenças graves,
dentre as quais a Aids, mostraram que quando as pessoas acreditavam que podiam controlar
as conseqüências da doença, mais ajustados esses indivíduos eram. Desta forma, acreditar
e confiar na capacidade e eficácia para enfrentar o meio ambiente com efetividade e êxito
(auto-eficácia), torna as pessoas menos ansiosas e deprimidas, como também mais saudáveis
(Myers, 2000).
A naturalização da doença (subcategoria “Naturalização”) é outro tipo de enfrentamento
utilizado pelos participantes, ou seja, tornar as coisas as mais normais possíveis, sem procurar
informações ou situações que tornem a soropositividade presente no seu cotidiano. Suas
energias são despendidas em fatores de resolução imediata do seu dia a dia, e estes ocupam
todos os seus pensamentos, relegando a soropositividade para segundo plano.
“eu comecei a ler, a estudar. Eu digo: a vida é mais pra frente: a gente tem que
procurar as coisas. Tenho visto muito colega meu: morreram cinco ou foi seis de câncer, de
batida. Eu não to me vangloriando, mas dá pra ir pra frente” (Suj. 13). “Faço (as coisas
que fazia antes)... em casa normalmente: lavo, faço comida, faço tudo” (Suj 4). “Eu não
me envolvo em relação a questão da Aids...Eu acho que quanto mais eu me aproximar desse
problema, ele me machuca...” (Suj 20). “Aids pra mim é uma doença como outra qualquer...
é como uma gripe” (Suj3).
A quarta subcategoria emergente foi “Conformação” advinda do sentimento de já
terem vivido o suficiente e que, de qualquer maneira, restar-lhes-iam poucos anos de vida,
como também, por já terem deixado os filhos grandes. Consideram ainda que a Aids em
jovens é muito pior, tanto pela própria personalidade revoltada, reportada aos jovens,
como pelo não-aproveitamento da vida por estes. Os participantes acreditam ainda que os
idosos têm mais responsabilidade, aderindo melhor ao tratamento e as prescrições médicas
e, ainda, que a única solução é conformar-se, pois não podem mudar a condição de
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soropositividade.
“Eu ia sofrer mais se eu tivesse deixado (os filhos) tudo pequenininho. Se Deus me deu
com ... já passando do quarenta e poucos anos, eu muito agradeço, também eu já vivi. (...).
“A gente, como já passou de meio século, já tem experiência devido ali, morre com 60, 70
anos: pouco tempo, não perdeu tanto.... É mais difícil pra juventude porque tá começando
uma vida: não desfrutou de nada, não teve experiência de vida...” (Suj 17).” Já tem
mesmo, não tem mais jeito. Chorar pelo leite derramado não vale mais nada: já derramou
mesmo” (Suj1)
D) Categoria “Preconceito”
A Aids, desde o começo, foi apresentada como uma doença incurável e fatal, sem
esperança e sem destino a não ser a morte. De acordo com Herbert de Souza, o Betinho
(Souza, 1992), essa visão fatalista foi responsável pela disseminação de condutas
discriminatórias, desumanas e terroristas em relação às vítimas da doença. Muita gente
tomou carona na tragédia para expressar todos os seus preconceitos e culpar as vítimas e
suas condutas, ao invés de atacar a causa real da doença: o vírus.
Esses fatores passados, ainda estão presentes, gerando associações simbólicas com a
doença que atingem profundamente os indivíduos infectados, influenciando-os na percepção
de sua doença, como também no comportamento de outras pessoas frente a eles, resultando
em sentimentos de ansiedade, motivados pelo medo da rejeição social (Saldanha, 2003).
Para os participantes desta pesquisa, o preconceito emerge em duas subcategorias:
“Social” e “Auto-Preconceito”.
As significações culturais ligadas á noção de contágio, associadas à ocorrência da
doença ao sentido do tato (contato) e olfato (pelo ar), permanecem nas representações que
os indivíduos fazem do adoecimento (Saldanha, 2003). Estas representações carregam a
soropositividade de estigmas, atualizando vivências de medo, exasperação, negação e
rejeição ao outro, e que estão presentes no discurso destes idosos, configurando a
subcategoria “Social”:
“...a gente foi para uma novena e quando eu cheguei lá numa casa bem pertinho, me
deu sede.... eu pedi água. Aí o dono da casa não me falou nada. Foi depois que eu soube que
ele tinha quebrado o copo” (Suj 6). “Preconceito, é direto, direto mesmo, é triste a coisa
lá. Ninguém entra na minha casa. Moro sozinho” (Suj 10). “...porque muita gente não
aceita, né, acha que pega assim fácil: num abraço, num aperto de mão, até mesmo assim...
no ar.” (Suj 19).
O preconceito existente em torno da doença faz com que os portadores se tornem
carregados de medo, o que os leva a um mundo de meias verdades, evitamentos e disfarces.
E, na tentativa de proteger-se e proteger aos que preza, eles têm comportamentos que
acham que irão impedir a contaminação do outro. Isso deu origem à subcategoria “AutoPreconceito”:
“...o preconceito é comigo mesmo e de lá para cá tudo que era bom, assim, pra mim
acabou, morreu. Eu era uma pessoa muito alegre, feliz, só que hoje eu me escondo dentro
de mim mesmo” (Suj4). Eu digo meu caneco é esse, eu não posso mais pegar minha
netinha, eu não posso mais jogar bola, não posso mais beijar. Isso eu digo a ela. Só que
minhas filhas e meu filho não perceberam nada com relação a minha inibição... eu tenho
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que me conscientizar porque vai que eu estou com uma infecção e às vezes, eu faço a barba
e me corto” (Suj 17). “O meu (talher) eu não deixo ninguém usar” (Suj 18).
E) Categoria “Sexualidade”
Segundo o discurso dos idosos soropositivos, a sexualidade pode ser classificada em
ativa ou inativa, conformando, assim, duas subcategorias. Menciona-se que, de todos os
entrevistados, 57% possuem vida sexual inativa e, daqueles com vida sexual ativa, a maioria
referiu possuir medos e/ou problemas referentes à sexualidade.
A subcategoria “Ativa” traz os discursos daqueles sujeitos que, apesar da doença,
continuam tendo uma vida sexual. O uso do preservativo depois do diagnóstico tornou-se
presente na vida deles, os quais relatam a necessidade de usá-lo devido à indicação do
médico, ressaltando a importância do discurso médico na construção das representações
dessas pessoas.
“Tenho (relação sexual), mas com camisinha...”(Suj.2). “Uso (preservativo) que foi
recomendado aqui pelo hospital, então, tem que usar” (Suj 6). “Hoje se eu vou ter um caso
com um homem, eu já me previno. Antes, eu não me prevenia, né!” (Suj. 14).
Entretanto, ainda que ativa, a atividade sexual no contexto da soropositividade, para
alguns idosos, é acompanhada pela frustração de não executar a relação sexual devido ao
temor da transmissão, pois alguns parceiros negam-se a usar preservativo, ou ainda pela
ausência do prazer despreocupado devido à possibilidade de reinfecção, como também
diminuição da capacidade sexual, do prazer e do apetite sexual:
“Às vezes, a gente se sente até mal em ter relação porque a gente pensa que vai prejudicar
mais a gente: mais a saúde da gente. A gente faz, mais é sempre nervoso” (Suj 6). “...a
gente encontra é que não tem mais prazer como antes.. .Hoje acabou 50%.(vida sexual).
Eu acho que o problema mais é na cabeça... A gente bota na cabeça pra não passar pra
ninguém, né!” (Suj. 15).“Na Aids a potencia nunca é como era antes: é cansativo” (Suj.
16).
Há também casos em que os idosos fizeram ou fazem ainda sexo sem dizer ao parceiro
da sua soropositividade:
“Nem ele sabe também (o marido)... Eu só tive relação com ele: duas, três vezes (desde
o diagnóstico e foram sem preservativo), e cadê que ele pegou (o vírus) mulher?!” (Suj.
12). “Às vezes eu ainda saio, ainda saio (com outras mulheres), mas só com camisinha. (O
senhor conta pra pessoa?) Não” (Suj. 13).
Contudo, para outros, o diagnóstico soropositivo significou o fim da atividade sexual
(Subcategoria “Inativa”).
“... fazer sexo, com ninguém. Com medo de transmitir” (Suj3). “Num rola mais nada
com sexo, meu negócio agora é só lazer. Eu acho que aquela máquina de sexo, sabe, uma
célula de sexo que tinha dentro de mim, eu acho que ela morreu” (Suj.4). “Tô sem vida
sexual” (Suj 19).
O desejo da atividade sexual, no entanto, fica evidente, através deste discurso:
“pra relacionamento, pra sexo, eu tenho dificuldade. Mas eu faço tratamento psicológico,
mas ainda não encontrei o certo pra mim: ter uma relação normal. Eu não faço sexo depois
do dia que eu to doente. Eu me masturbo mesmo” (Suj. 3).
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Além do medo e do ressentimento, outros fatores são preponderantes na decisão de
não ter mais vida sexual ativa, como o uso do medicamento, a dificuldade em usar
preservativo, a religião e o próprio desgaste do relacionamento. A esse respeito, estudos de
Le Gall, Mullet e Shafighi (2002) apontaram que mulheres mais velhas religiosas têm
menores escores em relação a comportamentos sexuais. Ainda, fatores psicológicos, como
conflitos conjugais, relacionamentos desequilibrados, problemas de comunicação, perda
da confiança, são fontes de queixas freqüentes de insatisfações sexuais em todas as idades
e, em pessoas mais velhas, esses fatores podem ser amplificados devido a raivas e
ressentimentos que podem ter sido construídos por anos (Meston, 1997):
“É uma coisa pra mim que nem existe. Não, não foi por causa do exame, não, porque
eu já não vinha mais: não dá certo mais” (Suj 14). “Não, eu não quero. Não é porque eu
tenho Aids: é porque eu não quero mesmo mais. Não porque quem segue um Deus de
verdade não pode viver no mundo da prostituição, no mundo da infidelidade...... Sofri
muito, foi o suficiente. Sofri muito com o meu ex-marido, foi o suficiente pra mim. Não dá
mais” (Suj5).
F) Categoria “Ganhos Secundários”
Se por um lado a Aids é fonte de angústia, medo e dificuldades, os entrevistados
deste estudo relatam um outro lado, aqui denominado de “ganhos secundários”. Estes
ganhos, para eles, referem-se à presença mais próxima da família:
“De bom pra mim foi amor, foi afeto, foi o carinho da minha família, do pai da minha
filha” (Suj 14) . “De bom, que eu vivo hoje mais pra minha família. Antes eu brincava
demais e hoje eu vivo só pra minha família” (Suj. 15).
IV - CONSIDERAÇOES FINAIS
Viver com Aids na terceira Idade é associado pelos idosos soropositivos principalmente
a aspectos negativos, como tristeza, sofrimento, preconceito. Contudo, esses idosos utilizam o
enfrentamento focado na emoção para lidarem com as adversidades da soropositividade, como
a espiritualidade, a naturalização da doença e o conformismo. Conformar-se que a Aids na
velhice é melhor do que na juventude, é uma maneira de ajudá-los a superar a doença.
Tornar a sexualidade um assunto do dia-a-dia, tanto de idosos soropositivos como nos
soronegativos, é fundamental para se acabar com o mito de que o idoso é assexuado. Isso deve
ser feito principalmente pelos profissionais de saúde que, começando a abordar assuntos desse
tipo, irão estimularem os idosos a também discorrerem sobre eles, sendo importante ainda o
encaminhamento desses pacientes a outros profissionais, a fim de se trabalhar questões que vão
além do tratamento medicamentoso.
O atendimento psicossocial faz-se necessário, pois apenas o atendimento médico e a
prescrição de medicamentos não são suficientes para uma pessoa aderir ao tratamento, já que
percepções negativas são responsáveis por uma suspensão voluntária do tratamento ou por uma
ingestão do coquetel em doses insuficientes ou descontroladas (Ortiz & cols, 2000 em Remor,
2002).
Trabalhar os temores desses indivíduos, tais como o medo em se transmitir o HIV, como
o pavor da descoberta pelos outros da soropositividade deles, é fundamental, pois esses receios
propiciam uma vida triste e repleta de temores e limitações a esses indivíduos.
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Ainda, conforme é afirmado pela Unaids (2005), a ampliação da Aids entre os
idosos pode estar acontecendo devido a uma falha nos esforços de prevenção com este
grupo de idade. Desta forma, objetivar campanhas para a faixa etária idosa é fundamental.
Contudo, como afirma a Unesco (2006), somente o conhecimento não é suficiente para
mudar o comportamento, de maneira que o indivíduo seja capaz de adotar práticas seguras,
a fim de evitar a infecção, mas é necessário enfocar aspectos sócio-culturais para se
reduzirem os riscos e as vulnerabilidades.
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FREQÜÊNCIA DO USO DO PRESERVATIVO E
PERCEPÇÃO DE VULNERABILIDADE PARA O HIV
ENTRE ADOLESCENTES*
Azevedo R L W 1, Coutinho M P L 2, Saldanha A A W 3 - João Pessoa - Brasil
Uso de preservativo na adolescência.
Vive-se numa época de excessos de estímulos sexual em que a mídia promove um certo
incentivo para o ato sexual sem dar a mínima noção de segurança. Com o advento da
internet, a globalização e a pouca censura nos meios de comunicação de massa, surge um
apelo sexual freqüente e precoce, levando os jovens a experiências ainda incompreendidas
por eles. Os adolescentes desejam ser adultos, falando como adultos e querendo se comportar
como tal e ter os privilégios da maturidade. Contudo, para o significado real do envolvimento
sexual, falta-lhes a experiência e a responsabilidade, e a AIDS passa a ser uma das
conseqüências desastrosas desta situação atual.
Segundo o Ministério da Saúde, no mundo todo, 1 entre 20 adolescentes contrai algum
tipo de doença sexualmente transmissível (DST) a cada ano. Diariamente, mais de 7 mil
jovens são infectados pelo HIV, num total de 2,6 milhões por ano, o que representa a
metade de todos os casos registrados. Estima-se que 10 milhões de adolescentes vivem hoje
com o HIV ou estão propensos a desenvolver a AIDS no decorrer dos próximos 15 anos.
Aproximadamente 80% das transmissões do HIV no mundo decorrem de práticas sexuais
sem proteção. Vale ressaltar que, na presença de uma DST, o risco de transmissão do HIV
é de 3 a 5 vezes maior. (Thiengo, Oliveira e Rodrigues, 2000).
Tomando também como referência os números do Boletim Epidemiológico AIDS/DST
com os dados recebidos do Setor de Produção do DATASUS do Ministério da Saúde do
Brasil, transferidos das secretarias estaduais de saúde até 30 de junho de 2005, verifica-se
que houve 4.573 casos notificados de soropositividade em adolescentes do gênero masculino,
e 3.502 casos do gênero feminino nesta mesma fase de desenvolvimento. Observa-se um
aumento no índice de contaminação entre as adolescentes do gênero feminino, demonstrando
que estas meninas estão sendo alvo de crescente vulnerabilidade.
Este quadro de contaminação nos adolescentes, público alvo deste estudo, justifica o
Universidade Federal da Paraíba, Psicóloga Clínica, Mestranda em Psicologia Social.
Universidade Federal da Paraíba, Pós-Doutorada em Psicologia pela Universidade Aberta de Lisboa-Portugal
3
Universidade Federal da Paraíba, Doutorada em Psicologia pela Universidade de São Paulo
*Artigo elaborado a partir do desenvolvimento da dissertação de mestrado de AZEVEDO, R. L. W., intitulada
Representações Sociais da sexualidade na adolescência, associadas à vulnerabilidade ao HIV/Aids. Órgão
financiador: CAPES
1
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impacto social causado pela AIDS; impacto este demonstrado por inúmeras pesquisas
realizadas na área, como é o caso do estudo de Taquette e colaboradores (2004), com
jovens residentes no Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro, trazendo como resultado
aspectos considerados na literatura como resultado de alto grau de vulnerabilidade ao
HIV/AIDS como: a iniciação sexual precoce, a multiplicidade de parceiros e o não uso de
preservativo nas relações sexuais, sendo também influenciados por um sistema de gênero
que se pauta na dominação masculina, mostrando que os rapazes têm maior número de
parceiros e iniciam a atividade sexual mais cedo. Este resultado corrobora com uma pesquisa
realizada pela UNESCO (2004), também no Brasil, demonstrando a idade média da
primeira relação sexual, que acontece em média aos 14,5 entre os meninos e 15,5 anos
entre as meninas, considerando também a multiplicidade de parceiros e a ausência do uso
de preservativo, como fator preponderante na vulnerabilidade dos adolescentes ao HIV/
AIDS
Dito de outra forma, verifica-se que a adolescência, por ser essa fase de transição e
conflitos, na qual o comportamento sexual e os padrões reprodutivos estão altamente
susceptíveis a influências da sociedade, torna-se um período mais vulnerável a contrair
DST´s. A sexualidade, neste sentido, ganha ampla conotação dentro do contexto
sociocultural e biológico no qual está inserido, sendo demonstrado que esta diminuição da
idade de início das práticas sexuais, a multiplicidade de parceiros e a ausência do uso de
preservativos, aliados a hábitos socioculturais e crenças, apresentam-se como fatores
relevantes pela vulnerabilidade, o que dificulta a quebra da cadeia de transmissão da
AIDS. (Castro, Abramovay e Silva, 2004).
Estes pressupostos, segundo Seffner (1998), evidencia que esta vulnerabilidade da
população a um determinado agravo é determinada por uma série de circunstâncias, que
podem ser ordenadas em fatores que envolvem não apenas planos individuais, mas também
sociais. Nos planos sociais, a vulnerabilidade vem sendo avaliada através das formas de
comunicação e difusão em que a Aids está sempre como conteúdo principal.
Apesar da evidente melhoria na abertura do diálogo dos adolescentes com a sua
família e amigos, com os quais eles falam com mais liberdade sobre sexualidade, e apesar
das informações acessíveis na mídia, muitos jovens não se sentem vulneráveis a estes
riscos, principalmente em se tratando dos jovens masculinos. Fato comprovado em pesquisa
realizada por Guerriero, Ayres e Hearst (2002) acerca da masculinidade e vulnerabilidade
ao HIV, cujo resultado mostrou a representação que os homens têm de sentirem-se fortes,
imunes a doenças, serem impetuosos, correrem riscos, serem incapazes de recusar uma
mulher, e considerarem que têm mais necessidade de sexo do que a mulher e que seu desejo
sexual é incontrolável.
Considerando também o gênero feminino, a vulnerabilidade neste público está em
ascensão, dado encontrado em inúmeras pesquisas, dentre elas uma realizada na cidade
de Pelotas – RS por Silveira e colaboradores (2002) acerca da autopercepção de
vulnerabilidade as DST’s/AIDS nas mulheres, tendo como resultado que 64% das mulheres
achavam impossível ou quase impossível adquirir este tipo de doença. Os principais
comportamentos de risco encontrados na pesquisa foram o não uso de preservativo na
ultima relação sexual; início das relações com menos de 18 anos de idade; uso de álcool ou
drogas pelo parceiro ou pela mulher antes da relação sexual; dois a três parceiros nos
últimos três meses e sexo anal na ultima relação sexual.
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A crescente participação dessa forma de exposição na epidemia HIV/AIDS traz
alguns desafios importantes, destacando-se esta questão de gênero. Portanto, a decisão
pela adoção de medidas preventivas contra o HIV passa pela maneira como os adolescentes
estão social e culturalmente estruturados nas suas relações com os jovens adolescentes do
sexo oposto, bem como pela forma que a masculinidade ou feminilidade é concebida e
afirmada.
Assim, é atribuído à adolescência o seu despreparo inicial para compreender e desfrutar
da sua sexualidade; o seu sentimento ilusório de proteção e poder sobre a vida, minimizando
os seus riscos e a sua eventual baixa auto-estima, manifestação de conflitos emocionais,
relacionamentos instáveis com a família, amigos e namorados, justamente no momento de
cobrança e definição do seu papel a ser assumido na vida em sociedade. Ademais, existe
uma série de dificuldades a ser enfrentada para tomar decisões, definir a própria identidade,
afirmar-se diante do seu grupo e contemporizar a satisfação do desejo com a sua permissão
social. Todos esses fatores influenciam diretamente na adoção ou não de hábitos saudáveis
para a prevenção das DST, em especial da Aids. É primordial, portanto, promover e fortalecer
a participação ativa da juventude no processo de sua educação, incluindo aqui principalmente
estimulação ao uso do preservativo.
Neste contexto, o objetivo deste estudo foi fazer um levantamento da freqüência do
uso do preservativo na prática sexual dos adolescentes residentes na cidade de João Pessoa/
PB, Brasil, bem como verificar a percepção de vulnerabilidade ao HIV que estes jovens
possuem.
Método
Participantes
Participaram do estudo 395 adolescentes de ambos os sexos e com idades entre 12 e
19 anos, sendo considerados apenas aqueles que já haviam iniciado sua vida sexual, ou
seja, 165 adolescentes. Estes jovens foram abordados em meio as suas atividades no contexto
escolar onde estavam inseridos. Para coleta de dados foi utilizado um questionário com
questões acerca da prática sexual, da importância da utilização do preservativo e percepção
de vulnerabilidade. Os dados foram processados através do software SPSS versão 13.0 e
analisados através de estatística descritiva.
Instrumento
Utilizou-se um questionário auto-aplicado em sala de aula (de forma coletiva).
Considerou-se, além de questões de caracterização e sócio-demográficas, uma questão
acerca se o jovem já teve ou não sua primeira experiência sexual e com que idade aconteceu;
uma segunda pergunta sobre o uso do preservativo considerando todas as relações sexuais
e por fim, foi questionado se estes jovens se consideram ou não vulneráveis as DST’s/Aids.
É importante ressaltar que nesta última questão foram consideradas as respostas da amostra
total, e não apenas daqueles sexualmente ativos.
Procedimento
Inicialmente, o projeto foi enviado ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
do CCS (Centro de Ciências da Saúde) da Universidade federal da Paraíba, Brasil, com o
intuito de averiguar os parâmetros éticos, tendo como base a Resolução n° 196/96 e
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recebendo parecer de aprovação para realização da pesquisa, uma vez que sua
operacionalização, de acordo com os pareceristas, não traria nenhum dano à saúde física
e/ou psíquica dos participantes. Posteriormente, solicitou-se a autorização das diretorias
das escolas, objetivando a realização da pesquisa. É válido mencionar que não foi verificada
nenhuma recusa por parte dos adolescentes em participar da presente pesquisa.
Análise dos dados
A análise dos dados obtidos através do questionário foi realizada através de uma
descrição estatística (freqüência e média) e estatística correlacional (teste Qui-quadrado).
Para isto foi utilizado o programa informático Statistical Package for Social Sciences SPSS 13.0
A análise da questão sobre o motivo do jovem se perceber vulnerável ou não a
contrair a Aids, foi realizada através do levantamento de todas as respostas passando, em
seguida pelo processo de categorização realizada por 5 (cinco) juízes, demonstrando
explicitamente a confiabilidade e validade das respostas.
Resultados e Discussão
Dos 395 estudantes que participaram da pesquisa 51 % era do sexo feminino e 49 % do
masculino. A média de idade foi de 15 anos e 4 meses com desvio padrão de 2 anos e 2
meses.
Destes adolescentes que participaram da pesquisa, foi questionado a respeito da sua
prática sexual. A primeira questão foi se o adolescente já havia tido sua primeira experiência
sexual, tendo como resultado que 122 adolescentes do gênero masculino (31,3%) e 44 do
gênero feminino (11,3%) disseram já ter vivido a prática sexual. Enquanto que 72 homens
(18,4%) e 152 mulheres (39%) declararam ainda não ter vivenciado esta experiência.
Este dado demonstra que a prática sexual nesta população está mais prevalente entre
aqueles do gênero masculino, conforme demonstrado na tabela 1.
Com o intuito de verificar esta prática sexual, bem como a importância que estes jovens
direcionam ao uso do preservativo, foi averiguado acerca da faixa etária da primeira
relação sexual, sendo constatado que a média de idade da primeira relação sexual dos
adolescentes masculinos é 13,7 anos (desvio padrão = 2), em comparação com as
adolescentes do gênero feminino, com média de idade de 15,1 anos (desvio padrão =
2,33). A partir da tabela 2, pode ser observada esta prática tomando como referência a
faixa etária, demonstrando que para 31 meninos (7,9%) que tiveram sua primeira
experiência sexual na faixa do 9 a 12 anos, houve apenas 4 meninas (1%). Este número
aumenta significativamente nas idades de 13 a 15 anos, quando 82 jovens masculinos
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(20,8%) e 25 femininos (6,3%) relataram ter sido nesta faixa etária sua primeira relação
sexual. Verificou-se ainda, que a primeira relação sexual no período dos 17 a 19 anos
aconteceu com apenas 5 adolescentes masculinos (1,3%) e com 14 adolescentes femininas
(3,6%). (tabela 2)
Através dos resultados, foi possível observar que a tendência de antecipação da idade
da primeira relação sexual das jovens, foi estatisticamente significativa em comparação
com a idade do início da vida sexual dos adolescentes do gênero masculino.
Neste sentido, pode-se afirmar que, no que diz respeito a idade da primeira relação
sexual dos adolescentes, diferente de outros estudos realizados no Sudeste do Brasil onde a
média de idade da primeira experiência é semelhante entre os gêneros, os adolescentes do
gênero masculino da cidade de João Pessoa, Paraíba, Brasil, iniciam-se sexualmente mais
cedo que as adolescentes do gênero feminino, dado igualmente encontrado nas pesquisas de
Pirota (2002), Almeida (2003) e Aquini (2003). Supõe-se que esta diferença seja devido a
questões culturais construídas, uma vez que o comportamento sexual e os padrões
reprodutivos são altamente susceptíveis a influências socialmente sancionadas. Além disso,
é importante ressaltar que a primeira relação sexual destes jovens pode variar nas diferentes
regiões devido a fatores tais como o grau de escolaridade que gera impactos diretamente
proporcionais a idade em que ocorre a iniciação sexual (Contreras, Hakkert, 2001).
Este estudo também corrobora com uma pesquisa realizada pela UNESCO (2002),
acerca deste mesmo tema, considerando adolescentes de vários Estados brasileiros, quando
foi verificado que os jovens do gênero masculino iniciaram-se sexualmente na faixa entre
10 a 14 anos e as jovens, em sua maioria, têm sua primeira relação sexual entre os 15 e 19
anos.
Para aprofundar a busca da vulnerabilidade as DST’s, foi questionado quanto a freqüência
do uso de preservativo nas relações sexuais destes jovens, tendo como respostas dos jovens
masculinos: 28% sempre utilizou, 39,6% utilizou algumas vezes e 6,1% nunca fez uso do
preservativo. As jovens femininas demonstraram o mesmo teor de vulnerabilidade em relação
ao uso do preservativo: 14% disseram que sempre utilizaram o preservativo, 11% algumas
vezes e 1,2% nunca utilizaram. Percebe-se, portanto, que apenas 42% dos adolescentes
que mantém prática sexual utilizam o preservativo em todas as suas experiências. Este
dado expõe que o adolescente de João Pessoa, Paraíba, Brasil, é um jovem que está
negligenciando a prevenção.
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Pode-se constatar através dos resultados, que esta prática não é consistente quando se
referem à todas relações sexuais, deixando explícito a alta prevalência do uso inconsistente
do preservativo, sendo assim, considerado um fator de vulnerabilidade.
O estudo realizado na Bahia, Brasil, por Almeida, Aquino, Gaffikin e Magnani (2003)
pode ser citado no que diz respeito ao uso ou não de preservativo entre os adolescentes.
Neste estudo foi avaliada as relações sexuais dos últimos seis meses de 5.512 adolescentes,
sendo verificado que a utilização do preservativo foi declarado por 41% dos rapazes e
56,1% nas moças, sendo que a imprevisibilidade das relações foi para ambos os sexos o
motivo citado mais freqüente para não usá-lo.
De acordo com a UNESCO (2002), a confiança no parceiro, principalmente por parte
das mulheres, é destacada como uma das razoes mais comuns para que se deixe de lado o
comportamento preventivo.
Mesmo não fazendo uso regular do preservativo nas suas práticas sexuais, foi verificado
que estes jovens não se percebem como vulneráveis a contrair Aids, quando foi questionada
qual a sua chance de pegar Aids e 79,1% responderam ser impossível ou quase impossível
disto acontecer. Em contraposição, 20,9% disseram ser bastante possível ou possível de
contrair a doença. (tabela 3).
Este dado demonstra a característica marcante desta fase da vida em que o jovem não
tem o medo e a preocupação dos riscos que está exposto se percebendo como imune aos
perigos e as doenças como um todo.
Considerações Finais
No presente estudo o comportamento sexual e a vulnerabilidade ao HIV/Aids dos
adolescentes são analisados desde a iniciação sexual, ou seja, a média de idade da primeira
relação sexual; a freqüência do uso do preservativos nas demais relações sexuais, bem
como a percepção de vulnerabilidade para o HIV.
No contexto da Aids entre os adolescentes, verifica-se que nos últimos anos o Brasil
tem demonstrado um significativo aumento de adolescentes soropositivos, expressando a
necessidade do desenvolvimento de novas estratégias de intervenção dirigidas especialmente
aos adolescentes em condições desfavoráveis de vida, os quais constituem o segmento
populacional de maior vulnerabilidade às DST’s/Aids.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (2005), é na adolescência e na fase
adulta jovem que se concentra metade das infecções por HIV em todo o mundo. Estes
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dados nos permitem identificar uma situação preocupante, colocando os jovens em primeiro
lugar no ranking do debate público sobre as políticas em resposta à epidemia pelo HIV/
Aids, no Brasil e no mundo.
Por meio da análise dos dados do presente estudo, verificou-se que os jovens de João
Pessoa, Paraíba, Brasil estão iniciando sua vida sexual bastante cedo, que não estão se
prevenindo nas suas práticas e que mesmo assim não se vêem vulneráveis a qualquer tipo
de doenças. Estes dados demonstram a necessidade da elaboração de um planejamento
mais cuidadoso e detalhado, para que programas de prevenção sejam bem-sucedidos, no
qual sejam consideradas as necessidades e características dos adolescentes.
Considerando-se a diversidade cultural, social e econômica destes jovens, é importante
haver uma regionalização das campanhas preventivas que visem a minimizar a incidência
das DST’s, em especial a Aids. São necessários ainda direcionamentos específicos para as
diversidades encontradas dentro de uma mesma região. Neste enfoque, deve-se considerar
que os resultados aqui apresentados podem ser utilizados para grupos de adolescentes com
características socioculturais semelhantes aos sujeitos deste estudo.
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A VULNERABILIDADE À AIDS ASSOCIADA AO USO
DE ÁLCOOL POR ADOLESCENTES
Amaral A C G, Saldanha A A W - João Pessoa - Brasil
Introdução:
Na maioria dos países, vem crescendo nas últimas décadas estudos que visam contemplar
vários aspectos da adolescência, fase que tem sido vista desde a Antiguidade pela ótica da
impulsividade e excitabilidade. Aristóteles (300 a.C.) os definia enquanto apaixonados
irascíveis e inclinados a se deixarem levar por seus impulsos (Newcombe, 1999) e Platão
advertia quanto ao uso de bebida alcoólica antes dos 18, ao alegar que não se pode colocar
fogo no fogo (Newcombe, 1999).
A adolescência é uma fase caracterizada por mudanças, tanto na esfera sexual quanto
nos aspectos cognitivos e emocionais. No âmbito psíquico, a adolescência é o momento de
definição da identidade caracterizada pela experimentação e influência do grupo, onde o
pensamento abstrato e a impulsividade fazem com que se sintam invulneráveis, se expondo
a riscos sem prever suas conseqüências. Na esfera social, os baixos níveis escolar e
socioeconômico podem ser associados as DST, assim como uso de álcool e drogas, já
comprovados por diversos estudos (Taquette, Andrade, Vilhena, et al 2005).
Na adolescência as modificações sociais, acompanhadas de grande expectativa e
ansiedade, caracterizam essa fase peculiar de desenvolvimento, na qual uma imensa gama
de comportamentos e atitudes é experimentada pelo indivíduo. Segundo Bukstein (1995)
alguns dos comportamentos oriundos do desenvolvimento típico dessa fase e das tarefas
“esperadas” de um adolescente normal podem promover o uso de substâncias, como o
álcool e o cigarro. Este autor denomina essas atividades de Tarefas de desenvolvimento da
adolescência, que são:
• estabelecimento de independência e uma identidade separada dos pais;
• experimentação de atitudes, estilos de vida e comportamentos alternativos;
• aumento nas atitudes e nos comportamentos voltados para seus pares;
• desejo por status adulto e por comportamentos percebidos como adultos.
Os adolescentes constituem um grupo singular, cuja especificidade está vinculada ao
fato de que eles expressam, mais que outros grupos, a natureza transitória de seu status.
Eles estão em busca de sua identidade e têm de incorporar tanto os valores de seus pais de
sua cultura de origem, quanto acomodar, ao mesmo tempo, os valores com que se deparam
em seu ambiente imediato. Sendo assim, estudos transculturais devem, levar em conta não
só a origem étnica e cultural dos sujeitos, mas também suas histórias individuais e familiares.
Nas sociedades ocidentais, mesmo quando contempladas sob diferentes aspectos
(diferenças regionais, religiosas, de classe social e de grupos), existem características comuns
a esta etapa da vida: maior autonomia; transitoriedade e, conseqüentemente, ambigüidade
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(nem criança, nem adulto); conflitos com o mundo adulto e construção de uma nova
identidade sexual. De acordo com Paulilo e Jeolás (2005), as modificações biológicas e
fisiológicas levam o sujeito a se defrontar com um novo corpo, e este tem de integrar esses
novos elementos a fim de construir uma nova imagem de si mesmo. Momento intermediário,
de mudança, portanto, quando a ansiedade em relação ao risco está presente de maneira
profunda.
Ainda de acordo com os autores, as características comuns de ser jovem nos tempos
atuais, onde o risco, mesmo que de forma ambivalente, é valorizado, seja nos esportes
radicais, nos negócios, na paixão, na velocidade e na adrenalina de viver intensamente o
momento presente trazem certamente conseqüências para a percepção do risco da Aids
(Síndrome da Imunodeficiência Adquirida). Para os jovens de baixa renda e pouca
escolaridade (a maioria em nosso país) expostos à violência diária, à falta de perspectivas
de um futuro melhor, o risco do HIV/Aids será avaliado e hierarquizado de forma comparativa
aos outros riscos presentes em sua vida.
Recentes estudos mostram uma elevada prevalência de comportamentos de alto risco
entre jovens, tanto sexuais quanto relacionados ao uso de drogas, e consequentemente ao
HIV/Aids, devido, principalmente, a falta de percepção de vulnerabilidade, o que torna
difícil à inserção de medidas preventivas. De acordo com a Organização Mundial de Saúde
(1998), as DST específicas por faixas etárias são maiores nos grupos de 15 a 29 anos, o
que, associado aos dados epidemiológicos em pacientes com Aids sugerem, que em muitos
casos, a infecção pelo HIV foi contraída durante a adolescência. (Torres, Davim e Almeida,
1999).
Atualmente, 1,7 bilhões de pessoas (mais do que a quarta parte dos habitantes do
planeta) encontram-se na faixa etária de 10 a 24 anos, sendo que 86,0% dos indivíduos
deste grupo etário habitam em países em desenvolvimento. Esta geração atual de jovens é
a mais educada e a mais urbana da história, todavia, ao mesmo tempo em que a urbanização
tem aumentado o acesso à educação e aos serviços de saúde, os adolescentes são mais
expostos aos riscos do uso de drogas lícitas e ilícitas, à violência e às infecções de transmissão
sexual, incluindo o HIV/Aids (Miranda, Gadelha e Szwarcwald, 2005).
Sendo assim, os jovens têm sido apontados, no mundo todo, como população-alvo para
a prevenção da Aids, a partir da idéia de ser esta faixa etária mais suscetível a
comportamentos de risco, de um modo geral. Ao pensar em adolescência, ignora-se o fato
que esta é uma categoria sócio-histórica, expressando, portanto, diversidades na sua forma
de existir, o que a coloca em diferentes graus de vulnerabilidade em relação a Aids, às
outras DSTs, ou às drogas.
O Brasil é um dos países em que o número de casos de Aids é dos mais elevados do
mundo, principalmente quando se tem em conta o número de casos notificados, resultado
que, parcialmente, se deve à dimensão de sua população (Parker et al., 1994) e a fatores
socioeconômicos identificados como estruturantes da vulnerabilidade à infecção pelo HIV,
tanto pelo grau de heterogeneidade que exibem, quanto pela desigualdade vigente entre as
regiões brasileiras (Parker e Camargo Jr., 2000). Por outro lado, a dinâmica da epidemia
da Aids no Brasil não evolui nem se distribui de forma homogênea entre as regiões brasileiras,
tanto no que diz respeito ao perfil da transmissão, quanto à sua evolução nos espaços
sociais e geográficos (Szwarcwald et al., 2000).
Na região Sul, a epidemia está assumindo um perfil diverso do verificado no restante
do país, caracterizado por um percentual alto de usuários de drogas injetáveis e a
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predominância do subtipo C do vírus - comum na África do Sul e na Ásia, mas raro no
Brasil - que tornam a epidemia do sul atípica. Até dezembro de 2004, foram registrados
63.519 casos de Aids, sendo 29.970 no Rio Grande do Sul, predominando nos municípios
de Porto Alegre, Rio Grande e Santa Maria (Brasil, 2005).
Dessa forma, a abordagem teórica da vulnerabilidade, que neste trabalho é entendida
enquanto uma análise da dimensão cultural do risco nas sociedades atuais foi proposta no
contexto da epidemia da Aids por pesquisadores atuantes na área de confluência da saúde
pública e das ciências humanas, preocupados com as múltiplas dimensões da epidemia,
suas conseqüências e impacto social. Pode-se entender então que o conceito de
vulnerabilidade foi formulado a partir de novas formas de pensar acerca do contágio da
aids.
A introdução da idéia de vulnerabilidade à epidemia, desenvolvida por Mann e
colaboradores (Mann, 1992), tem expressado melhor a complexidade da doença que, embora
possa afetar biologicamente qualquer pessoa, faz com que a chance de contrair o vírus não
seja igual para todos os países, regiões, grupos ou indivíduos. A vulnerabilidade à aids está
sendo pensada sob três planos: o social (condições socio-econômicas, acesso à informação,
escolarização, garantia de acesso aos serviços de saúde, garantia de respeito aos direitos
humanos, situação socio-política e cultural da mulher, etc.); o individual (comportamentos
que possibilitam a infecção pelo HIV ou a nossa capacidade de adotar comportamentos
seguros); e o programático ou institucional (programas e atividades voltadas para combater
a epidemia). Desta forma, a maior ou menor vulnerabilidade dos jovens ao HIV/Aids decorre
do conjunto dos elementos destes três planos (Paulilo e Jeloás, 2005).
Da mesma forma pode se pensar acerca da vulnerabilidade dos adolescentes para o uso
do álcool. Os fatores de risco para o uso indevido de álcool são características ou atributos
de um indivíduo, grupo ou ambiente de convívio social, que contribuem para aumentar a
probabilidade da ocorrência deste uso. É importante ressaltar que os fatores de risco, bem
como os de proteção podem ser identificados em todos os domínios da vida adolescente: nos
próprios indivíduos, em suas famílias, em seus pares, em suas escolas e nas comunidades,
e em qualquer outro nível de convivência sócio-ambiental. Tais fatores não ocorrem de
forma estanque, havendo entre eles considerável transversalidade e conseqüente
variabilidade de influência.
Atualmente, a maior parte dos pesquisadores (Soldera, Dalgalarrondo, Corrêa Filho e
Silva, 2004) considera que o uso de drogas por estudantes não é causado por um único
fator, mas por uma combinação de vários deles, tais como os genéticos, psicológicos,
familiares, socioeconômicos e culturais. Assim, entende-se que o uso e a dependência de
drogas são fenômenos bastante complexos que não podem ser reduzidos a uma faceta da
dimensão biológica, psicológica ou social.
De acordo com Pechansky, Szobot e Scivoletto (2004), o uso de bebidas alcoólicas faz
com que o adolescente envolva-se mais em atividades sexuais sem proteção, com maior
exposição às doenças sexualmente transmissíveis, como ao vírus HIV, e maior exposição à
gravidez. Essa relação entre sexo desprotegido e uso de álcool parece ser afetada pela
quantidade de álcool consumida, interferindo na elaboração do juízo crítico. Além disso,
os autores apontam para uma associação entre uso de álcool, maconha e comportamentos
sexuais de risco – como início precoce de atividade sexual, não uso de preservativos,
pagamento por sexo e prostituição.
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Dessa forma, acredita-se que a ação de drogas como o álcool, capaz de causar desinibição
e aumento do desejo sexual, deixe os indivíduos (em especial os adolescentes) mais propensos
a práticas sexuais de risco. A noção de vulnerabilidade busca fornecer elementos para
avaliar objetivamente as diferentes chances que todo e qualquer indivíduo tem de se
contaminar, dado o conjunto formado por certas características individuais e sociais de seu
cotidiano, julgadas relevantes para a sua maior exposição ao HIV ou sua menor chance de
proteção (Ayres, 1996).
Nas ciências sociais, tem-se acompanhado uma série de situações qualificadas como
problemas sociais contemporâneos, como os decorrentes da presença da Aids, do uso de
drogas ilícitas, da violência especialmente urbana, mas tem-se dado menor peso ao uso
definido como problemático de bebidas alcoólicas. O interesse da pesquisa sobre a ingestão
de bebidas alcoólicas tem sido mais concentrado sobre a embriaguez do que o beber e o
beber, mais como desvio individual do que comportamento social. O beber é um ato social
inserido no contexto de valores, atitudes, normas e concepções de realidade, cujas funções
e significados são consoantes ao contexto cultural em que ocorre (Neves, 2004).
Nesse sentido, entende-se que, discutir o uso de bebidas alcoólicas não é necessariamente
discutir a doença alcoolismo (Dependência de Álcool ou Transtorno de Comportamento
decorrente do Uso de Álcool). Nesse estudo foi utilizado a Classificação Internacional de
Doenças (CID-10) que define “uso” como qualquer consumo, independente da freqüência;
“abuso”, um consumo associado a conseqüências adversas recorrentes, porém não
caracterizando “dependência”. Esta última manifesta-se quando o uso de uma substância
passa a caracterizar um estado disfuncional.
Segundo estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS, 1999), o Brasil está situado
no 63º lugar do uso per capita de álcool na faixa etária de 15 anos, entre 153 países, um
consumo razoavelmente discreto. Porém, quando a OMS compara a evolução do consumo
per capita entre as décadas de 1970 e 1990, em 137 países, o Brasil apresenta um
crescimento de 74,5% no consumo de bebidas alcoólicas.
Em estudo de Soldera, Dalgalarrondo, Corrêa Filho e Silva (2004), foi identificado
que o uso pesado de drogas esteve relacionado com fatores sociodemográficos, culturais e
psicopatológicos, que podem ser agrupados em “protetores” e “facilitadores”. Como fator
protetor foi identificada a educação marcadamente religiosa na infância, o que talvez
indique um meio familiar mais controlador ou estruturado. Como fatores facilitadores do
uso pesado de drogas lícitas e ilícitas, foram identificados a maior disponibilidade financeira
(nível socioeconômico e trabalho), padrões de socialização “adulto mórficos” (trabalho e
ensino noturno) e um possível pior ambiente familiar (sentir-se menos apoiado e
compreendido pela família).
As peculiaridades de cada história de consumo de álcool trazem, paralelamente, um
conjunto de crenças e expectativas de efeitos que refletem esta história. Inicialmente, as
relações entre o uso do álcool e suas conseqüências são aprendidas vicariamente, existindo
antes da experiência direta com bebidas alcoólicas. Estas expectativas de conseqüências
influenciam a decisão de beber. Expectativas de confiança e bem-estar podem ser
confirmadas pela experiência com o álcool e fortalecer as expectativas previamente
existentes, especificando-as.(Araújo e Gomes, 1998).
Partindo dessas premissas, o objetivo deste estudo foi estimar perfis de vulnerabilidade
à Aids associado ao uso de álcool por adolescentes.
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Método
Amostra:
A amostra foi composta por 260 adolescentes de ambos os sexos, na faixa etária dos 14
aos 19 anos, estudantes do Ensino Médio, residentes em cidades do interior do Rio Grande
do Sul. Os resultados obtidos estão representados no gráfico 1, o qual oferece uma leitura
que representa as variações semânticas na organização do campo espacial, revelando
aproximações e oposições das modalidades. Sua análise foi realizada a partir da leitura
das palavras evocadas ou representações distribuídas de maneira oposta sobre estes eixos
ou fatores.
O fator 1 (F1), na linha horizontal do gráfico e representado pela cor vermelha, concerne
ao fator de maior poder explicativo com 35,4% da variância total das respostas. No que
tange ao fator 2 (F2), na linha vertical e representado pela cor azul, possui 32,3% da
variância total das respostas (em anexo). Na totalidade, os dois fatores têm poder explicativo
de 65,7% de significância, possuindo assim, parâmetros estatísticos com consistência interna
e fidedignidade.
Coleta dos Dados:
Os dados foram coletados através da Técnica de Associação Livre de Palavras, utilizando
como estímulos indutores: Eu mesmo (auto-conceito); Beber (associação com a bebida
alcoólica) e Aids, nesta ordem. Os dados foram processados através do software Tri-DeuxMots, utilizando a análise fatorial de correspondência.
Resultados e Discussão dos Resultados
Os dados coletados por meio da técnica de associação livre de palavras, enquanto
instrumento de apreensão de significados do conhecimento prático, possibilitaram,
juntamente com as variáveis fixas (idade, gênero, prática sexual e uso de álcool na vida),
a emersão de campos semânticos sobre o autoconceito dos adolescentes (eu mesmo), da
prática de beber (beber) e Aids, conforme pode ser observado no plano fatorial (gráfico I),
através dos dois fatores contemplados (F1 e F2). Emergiram 1.818 palavras principais
com similaridade semântica. Palavras com o mesmo significado foram agrupadas em
categorias, como por exemplo, “alegria”, “feliz”, “alegre” foram agrupadas na mesma
terminologia “alegre”.
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GRÁFICO1: Análise Fatorial de correspondência das representações dos adolescentes
acerca de si mesmo, beber e AIDS.
O primeiro fator (F1), revela à esquerda o campo semântico das representações sociais da
auto-imagem, eu mesmo (estímulo indutor 1) elaborados por adolescentes do sexo masculino
usuários de álcool e à direita por adolescentes do sexo feminino. Para o primeiro grupo o estímulo
1 fez emergir representações como inteligente, familiar, bonito, preocupado com o futuro e em
alguns momentos, chato. As adolescentes do sexo feminino se representam como leais, extrovertidas
e emotivas.
O ato de beber (estímulo indutor 2) é representado pelos adolescentes do sexo masculino na
cerveja, na imagem da mulher, dando ênfase às festas. As adolescentes femininas por sua vez
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representam o beber como um erro, que pode causar acidentes. Além disso, enfatizam o eu não,
no sentido de não fazerem uso da bebida que representaram também como algo idiota e que gera
violência.
Ainda no fator 1, verifica-se através dos adolescentes do sexo masculino, que estes enfatizam
a Aids (estímulo indutor 3) enquanto algo distante de sua realidade – eu não, na camisinha indicando uma resposta estereotipada dos programas de prevenção à Aids veiculados e em certos
aspectos como algo pejorativo, ao usarem a palavra idiota. Em oposição, as meninas representam
a Aids denotando a questão da morte, enquanto algo que gera sofrimento, fruto da desinformação.
No fator 2, na parte superior em azul, encontram-se as representações dos adolescentes de
ambos os sexos, com idades entre 14 e 15 anos e que não tiveram relação sexual. Tomando como
referência o estímulo 1 (eu mesmo), este grupo se representa fazendo emergir questões referentes
ao culto do corpo, ou seja, na aparência, também se representando como estudante e amigo.
Considerando o fator 2, na parte inferior, os adolescentes de ambos os sexos, mas com faixa etária
de 16 a 17 anos, que já tiveram relações sexuais têm como representação de si mesmo, as festas,
a preocupação com o futuro, salientando também, aspectos da personalidade como o individualismo
e a timidez.
O uso do álcool é visto pelos adolescentes com menor idade (14-15 anos), em bebidas como
a vodka e o wisque, fazendo referência também à morte (enquanto algo nocivo para a saúde) e à
figura do bêbado. Destaca-se aqui, o tom depreciativo com que esses adolescentes representam o
ato de beber, inferido através do conhecimento da cultura local que atribui ao adjetivo bêbado os
aspectos negativos do abuso do álcool. Considerando a pouca idade deste grupo, a representação
do beber através de bebidas fortes e a figura do bêbado, pode-se inferir então, tal representação,
provavelmente, refere-se ao beber por figuras de proximidade desses adolescentes, como pais, ou
demais figuras de autoridade. Em contrapartida, os adolescentes mais velhos (16-17 anos),
representaram o ato de beber na sensação de prazer, compartilhada com a turma, no porre,
referindo-se ao abuso (embriagar-se) e na loucura que esse fato proporciona.
A Aids entre os adolescentes de 14 e 15 anos, é objetivada no vírus, na sua forma de transmissão
- o sexo e na vulnerabilidade, trazendo como principal conseqüência à morte. Considerando o fato
de que esses adolescentes pertencem à faixa de menor idade da amostra e que ainda não tiveram
relações sexuais, as representações por eles elaboradas têm estreita ligação com as informações
veiculadas pela mídia nas campanhas de prevenção à Aids. Já os adolescentes da faixa etária ente
16 e 17 anos representam a Aids como um acidente, ou seja, algo que não pode ser evitado e,
desta forma, indicam o quanto estão vulneráveis à doença, representando também na
desinformação.
Conclusão
Embora a prática do uso do álcool tenha sido representada por alguns adolescentes dessa
amostra, de forma negativa, onde ressaltaram conseqüências do uso dessa substância, não foi
observada a associação do tipo causa-efeito do álcool com a vulnerabilidade ao HIV. Os adolescentes
citaram violência e acidentes, enquanto conseqüências do uso de álcool. Além disso, verificou-se
que as meninas representam o álcool de uma forma mais negativa que os meninos, enquanto
representam na questão da irresponsabilidade. Entretanto, embora esses adolescentes demonstrem
muita clareza com relação às informações sobre os efeitos e conseqüências do uso do álcool e da
Aids, observou-se que o uso do álcool para os adolescentes que relacionam a festas e a loucura,
pode representar uma maior vulnerabilidade ao HIV, no sentido de que, ao estarem
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alcoolizados, os adolescentes apresentam uma baixa percepção das conseqüências decorrentes
a essa prática, tornando-se, assim, mais vulneráveis.
Observou-se, portanto, dentre outros fatores, que a associação entre a bebida alcoólica e a
busca pelo prazer se acentua a partir da experiência com a bebida e atividade sexual, ao mesmo
tempo em que cai a percepção de vulnerabilidade à Aids: se o grupo de usuários masculinos se
coloca à parte do risco de contaminação, o grupo que tem a sexualidade ativa e maior idade
representa a Aids como um acidente e, portanto, um acaso difícil de prevenir.
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A AUSÊNCIA DA FAMÍLIA NO CUIDADO AO IDOSO
SOROPOSITIVO PARA O HIV
Diniz R F 1, Saldanha A A W 2, Araújo L F 3 - João Pessoa - Brasil
INTRODUÇÃO
A Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) se constitui em uma doença que
se estende para além do corpo do indivíduo que a adquiriu, atingindo também os familiares,
amigos e a toda a sociedade. É conceituada por Seffner (1998), como uma síndrome, ou
seja, um conjunto de doenças derivadas da infecção e manifestações do vírus HIV as células
do sistema imunológico, mas também enquanto um fenômeno social de amplas proporções
englobando aspectos tais como: morais, religiosos e éticos. A Aids suscita questões polêmicas
nos mais diversos grupos sociais, pois aborda a sexualidade, uso de drogas injetáveis, as
questões de ética nas investigações científicas, lutas de direitos a medicamento, contra a
discriminação e muitas outras questões.
Sendo assim, a Aids surge como categoria de acusação, à medida que produz os culpados
e vítimas da doença. As mulheres de relacionamentos estáveis, hemofílicos e crianças são
aos símbolos da injustiça de um vírus devastador transmitidos por indivíduos promíscuos e
irresponsáveis, os culpados (Seffner, 2002). Aos últimos, uniram-se os homossexuais,
bissexuais e profissionais do sexo, vistos e denominados como agentes da Aids, revelando
todo seu caráter de discriminação, estigmatização e exclusão social dos contaminados pelo
vírus HIV (Saldanha, 2002).
No Brasil, as pesquisas recentes têm demonstrado que o processo de envelhecimento da
população tem crescido. De acordo com a OMS - Organização Mundial da Saúde (2005)
aponta que no ano de 2025 o país se tornará o sexto do mundo a conviver com a população
numerosa de idosos. Neste contexto, surge a Aids como uma das dificuldades eminente do
crescimento humano, doença que atinge cada vez mais os idosos, evidenciando-se, segundo
Silva (2005) uma das tendências atuais de incidência da Aids, no processo de envelhecimento.
Neste sentido, a preocupação com a saúde do idoso torna-se um desafio ao confrontarse a Aids e a terceira idade tanto para as instâncias político-administrativas quanto para a
sociedade em geral. A OMS (Organização Mundial de Saúde) propõe uma política de
envelhecimento ativo a fim de possibilitar o favorecimento da qualidade de vida das pessoas
na terceira idade a partir de seis aspectos determinantes: econômicos, sociais, ambiente
físico, pessoal, comportamentais, serviços sociais e de saúde. Abarca ainda, a idéia do
idoso como possível portador do vírus HIV ou como cuidador de familiares portadores do
vírus. Além disso, assinala a necessidade do desenvolvimento de pesquisas em Aids
direcionadas para esta população (OMS, 2005).
Universidade Federal da Paraíba, e-mail para contato: [email protected]
Universidade Federal da Paraíba - Pós-Graduação em Psicologia
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Universidade Federal da Paraíba - Pós-Graduação em Psicologia
1
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A gama de estereótipos e preconceitos frente à velhice torna o idoso vulnerável ao HIV.
E dentre todos, a percepção do idoso como assexuado, ou seja, que não tem vida sexual
ativa torna-se o mais importante (Barbosa, 2002). A partir dos avanços tecnológicos, com
os recursos farmacológicos produzindo drogas de estimulação sexual favorecendo a atividade
sexual aos idosos em dificuldade erétil, o tratamento de reposição hormonal para as mulheres
permitindo a manutenção do desejo sexual, houve um prolongamento da possibilidade da
atividade sexual na velhice.
Por outro lado, a resistência em utilizar preservativo (Silva, 2005), aliado a ausência
de uma possível gravidez devido à menopausa (Lieberman, 2000), a descrença, pela sociedade
em geral, do uso de drogas injetáveis pelos idosos (Feitosa, Souza & Araújo, 2004) e a
representação em torno da falta de sexualidade do idoso, concorrem para a vulnerabilidade
do idoso à Aids, corroborando os índices epidemiológicos que apontam a transmissão sexual
com principal via de contaminação nesta faixa etária (Wooten-Bielski, 1999).
Tendo em vista o apoio de familiares como essencial no processo de envelhecimento,
quando a diminuição das capacidades do organismo torna-se evidente, ocorrendo aumento
da dependência física e a necessidade de ajuda de terceiros (Sommerhalder, 2001), Néri e
colaboradores (2002) destacam a figura do cuidador, ou seja, a pessoa – familiar ou não que presta ajuda, formal ou informal ao individuo incapacitado de exercer todas as suas
funções independentes de auxilio. A necessidade de um cuidador para o idoso é determinada
pela sua incapacidade funcional (Costa; Firmo; Giacomin & Uchoa, 2005).
O cuidado ao individuo que necessita pode ser de natureza formal e/ou informal. A rede
de apoio formal é remunerada e realizada por hospitais, ambulatórios e consultórios médicos
e outra especialidade da área medica. O apoio informal ao idoso não é remunerado e se
configura por princípios de solidariedade quando oferecido por pessoas de mesma geração:
cônjuge, e parentes e amigos de idade próxima; e reciprocidade entre gerações quando se
procede do cuidado dos filhos para com os pais ou parentes de geração precedência (Néri;
Perracini; Pinto; Sommerhalder & Yuaso, 2002). Ainda nos estudos destes autores, destacase que o ato de cuidar de idosos, no contexto brasileiro, se dá no vinculo informal, onde a
família é a fonte primaria de assistência, sendo que esta ajuda perpassada por uma troca
intergeracional com prevalência de filhos cuidando de pais, na presença de troca mutua
entre quem cuida e quem é cuidado.
Ao descobrir-se soropositivo para o HIV, imagina-se que a figura do cuidador tem um
papel essencial, visto que toda a rede de relacionamento e suporte se desfaz e precisa ser
reconstruída para ajudá-lo no enfrentamento da doença. Colombine, Figueiredo e Paiva,
(2001) destacam a dificuldade de aceitação da família no cuidado de um portador, devido
ao medo do contagio, dificuldade financeiras, falta de informação da doença e as alusões
moralistas em relação à identidade sexual e sexualidade e uso de drogas.
A Aids desencadeia um efeito desagregador em toda a estrutura familiar e o sofrimento
não atinge somente o paciente, mas também seus familiares, amigos e parceiros sexuais
que irão enfrentar com ele as dificuldades, preconceito e estigma, ocasionando alto nível de
stress (Plowright, 1996 em Silveira, 2004).
COMO É REPRESENTADA A AIDS PELOS CUIDADORES?
Este questionamento encontra-se no cerne do estudo a ser aqui apresentado em vista
da importância que a família tem para a sobrevida do individuo soropositivo e as possíveis
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dificuldades no atendimento. Tratou-se de um estudo de campo de cunho quantitativo e
qualitativo, tendo como referencial teórico a Teoria das Representações Sociais. A idéia
inicial consistia em ter como participantes do estudo os familiares/cuidadores de pessoas
idosas soropositivas para o HIV/Aids. Foi utilizada a entrevista individual semi estruturada.
O fato é que nos deparamos com uma realidade diferente da esperada: a dificuldade
no acesso aos familiares/cuidadores de pessoas idosas soropositivas para o HIV/Aids. Esta
dificuldade deve-se a alguns fatores como: o impedimento da coleta em algumas instituições
cujas justificativas alegavam a grande quantidade de estudos já realizados com os pacientes
ou ainda através da imposição de barreiras burocráticas. Quando nos foi possível chegar
até o paciente, que serviria como ponte para chegar ao cuidador, constatou-se que: o idoso
portador mora sozinho; a família não está ciente de sua condição de soropositividade e se
está não aceita; ou ainda o paciente opta por contar à uma pessoa próxima.
Neste sentido, coube a nós discutir este fato inesperado e para atingir tal intento
lançar mão da literatura escassa que aborda questionamentos e indicações acerca deste
fenômeno.
A REDE DE APOIO SOCIAL
Na presença do suporte social é esperado que as pessoas idosas sintam-se amadas e
seguras diante de problemas de saúde e apresentem alta auto-estima (Cicirelli, 1990; apud
Ramos, 2002). As redes sociais formadas por amigos e familiares atenuam os efeitos do
estresse na saúde do idoso ao fornecer suporte na forma de amor, afeição, preocupação e
assistência. A ausência deste suporte potencializa maior dificuldade no trato com situações
de estresse. De acordo com Orth-Gomer e Johnson (1987, apud Ramos, 2002) a ausência
de parentes próximos, tais como cônjuges ou os filhos, está associada à doença e mortalidade
entre pessoas idosas.
De acordo com Camarano e El Ghaouri (2002) uma das tendências esperadas do
envelhecimento populacional é o crescimento das famílias unipessoais, ou seja, de idosos
morando só. Pesquisas recentes mostram que a universalização da Seguridade Social, as
melhorias nas condições de saúde e outros avanços tecnológicos, tais como nos meios de
comunicação, elevadores, automóveis, entre outros, podem apontar para a uma alternativa
ao padecer do descaso e abandono (Debert, 1999; apud Camarano & El Ghaouri, 2002).
Porém as sucessivas mudanças estruturais observadas nas famílias, no sentido de torná-las
cada vez mais nucleares também dificultam a participação da família na assistência ao
idoso, podendo contribuir para uma carência assistencial do mesmo (Duarte, Lebrão &
Lima, 2005; apud Camarano & El Ghaouri, 2002 ).
Assim como os resultados do estudo aqui apresentado, parte da literatura que aborda
esta temática revela que no contexto da soropositividade para o HIV/Aids, mais do que
uma opção, morar sozinho se torna inevitável diante do movimento de afastamento por
parte da família e amigos. Situações de preconceito e descriminação têm suscitado o
interesse pelo suporte social. Tais situações potencializam reações sociais que podem levar
ao isolamento, restrição dos relacionamentos interpessoais e a dificuldades no campo afetivosexual, com impacto negativo na rede social de apoio de pessoas que vivem com HIV/Aids
(Green, 1993; apud Seidl, Zannon & Trüccoli, 2005).
Em um estudo realizado por Lopes e Fraga (1998) quase metade da amostra relata
auto-isolamento e opção por não revelar sua condição de soropositividade. Concluem que o
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relacionamento com os amigos é tão valorizado pelos soropositivos que são levados ora a
esconder o próprio diagnóstico para não sofrer com o possível afastamento deles, ora tomam
a iniciativa de evitar o convívio pela mesma razão. Sendo assim o medo de perder o contato
com os amigos revela-se como um fator estressor na sobrevida do paciente.
Os significados que a cultura atribui à doença podem influenciar as reações da
família em relação ao indivíduo soropositivo para o HIV/Aids, passando inclusive a
discriminá-lo e excluí-lo do grupo familiar. Neste contexto de doença, Sousa, Kantorski e
Bielemann (2004) afirmam que cada família possui uma movimentação singular,
interpretando a situação de acordo com sua cultura, código e regras o que traz implicações
pro seu comportamento e comunicação entre os membros. Em seu estudo as autoras revelam
que a movimentação de afastamento dos próprios familiares e de outras pessoas do convívio
social do doente e dos filhos, assim como do ciclo de amizades sobressaem nos discursos.
O estudo realizado por Stefanelli, Gualda e Ferraz (1999) foi orientado na
busca do que estaria levando as famílias a abandonarem seu familiar doente com Aids e
fazendo com que o próprio paciente esconda que é portador da síndrome. Os discursos
resultantes mostram que diante do impacto do diagnóstico surgem sentimentos de depressão,
solidão e desesperança, oriundos da dúvida sobre contar ou não para amigos, familiares ou
um familiar específico. Esta dúvida afeta também os processos de comunicação e
relacionamento com as pessoas, o que pode levar o paciente a enfrentar, sozinho, sua nova
condição. Porém a importância do suporte familiar no processo de adaptação à nova
realidade do paciente é também evidenciada.
Após passar por um momento de querer manter para si o diagnóstico, alguns pacientes
procuram amigos, grupos e, alguns, só em fase mais avançada procuram a família. Antes
avaliam a repercussão possível decorrente desta revelação Stefanelli, Gualda e Ferraz
(1999).
Quando o paciente decide revelar à família sua condição o silêncio passa, em alguns
casos, a ser usado na tentativa de manter afastada uma realidade que não se quer aceitar.
Sousa, Kantorski e Bielemann (2004) afirmam que este silêncio é uma forma pela qual a
família pode criar um ambiente supostamente tranqüilo e seguro. Segundo as autoras as
metáforas nas quais o silêncio se traduz possibilitam a compreensão de que há entre os
sujeitos um contrato social explícito que se revela em palavras não-ditas e ações que indicam
uma relação familiar não-dialogal.
Até aqui é possível então observar que uma limitada literatura contempla ainda à
nível exploratório a realidade das relações paciente e rede de apoio social informal.
COM A VOZ: OS CUIDADORES
Embora tenhamos nos deparado com a dificuldade de encontrar a amostra, contamos
com a participação de quatro familiares/cuidadores cujas entrevistas favoreceram indícios
interessantes no tocante à vivência do cuidador de um idoso soropositivo. A amostra
caracteriza a forma de apoio proposta por Néri (2002) como informal, pois não é remunerado
e é oferecido por cônjuges e um amigo de idade próxima.
Em relação às esposas, uma delas teve conhecimento recentemente e a outra era separada
do marido há 10 anos, retornando ao convívio por não ter quem mais cuidasse dele, conforme
pode ser observado no discurso abaixo:
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“...eu mesma assim pessoalmente num era pra ta cuidando dele não, porque ele é exmarido meu. Nós somos separado há dez anos, mas ninguém quis cuidar, só eu mesmo
assim...” (Sujeito 1).
De acordo com Colombrine, Figueiredo e Paiva, (2001) existem dificuldades de
aceitação da família no cuidado de um portador, consequentemente a decisão de cuidar ou
não de uma pessoa soropositiva ao HIV está atrelada ao grau de parentesco, relação com
indivíduo e gênero da pessoa que convive com HIV/Aids. A AIDS afeta tanto a vida das
pessoas quanto a qualidade de suas relações humanas fazendo-se necessário a revisão de
valores, crenças e ainda a mudança no estilo de vida envolvendo aspectos sociais, econômicos,
psicológicos, culturais entre outros (Stefanelli; Gualda & Ferraz, 1999).
A partir da análise de discurso das entrevistas transcritas, emergiram três categorias:
Concepções da Aids; Aids na Velhice; Ser Cuidador.
Em relação a primeira Categoria – Concepções da Aids – Sousa, Kantorski e
Bielemann (2004) acreditam que da percepção sobre a doença decorrem as reações da
família e que seu modo de agir será influenciado por diversos significados estigmarizantes
na qual a doença está envolta, podendo interferir nas relações dentro ou fora do grupo
familiar.
Através da análise dos discursos aqui apresentados observa-se que a doença é
naturalizada como outra doença qualquer, conforme a fala da esposa e de um amigo que
assumiu o papel de cuidador, também ele soropositivos para o HIV.
“É como outra qualquer doença, vê que não tem cura...” (Suj.1)
“...os médicos diz que isso é uma doença que já tem outras coisa pior do que essa tal de
Aids, e como se diz, e eu num levo a gosto, eu tenho ela mas eu nem penso nem que tenho,
num boto na cabeça que tenho. Eu tenho ela mas faço que nem tenho. Eu penso assim no
meu organismo, na minha cabeça tudinho mas eu penso assim na minha cabeça que eu não
tenho.” (Suj 3)
No estudo realizado por Seidl (2005) a normalização da doença, entendida como viver
independentemente do HIV, assumindo papeis sociais e a construção de projetos de vida,
caracteriza uma estratégia de enfrentamento.
No entanto, predomina uma confusão, decorrente de uma falta de explicação.
“...to meio confusa ainda, ainda não to entendendo bem. Eu gostaria muito que alguém
me explicasse... Eu tenho muita vontade de assim conversar com um médico, com uma
pessoa que entenda, uma pessoa que explique o que é. Porque dizem que tem o vírus né?
Que tem a Aids e que tem o vírus. Então eu gostaria muito de que alguém me explicasse a
diferença.” (Suj 2)
A falta de informação sobre a doença também compõe para Colombrine, Figueiredo e
Paiva, (2001) um fator que dificulta a aceitação da família no cuidado ao portador. Nesse
sentido torna-se necessária a busca de suporte oferecido pelo serviço de saúde, cuja finalidade
é ajudar o familiar a permanecer ao lado do cliente (Bossa; Figueiredo, 2001).
Para a voluntária de uma ONG, trabalhando há dez anos com pacientes soropositivos,
a Aids é explicada pela vulnerabilidade, ou seja, pelo quantitativo do número de casos.
“Aids pra mim é uma epidemia que há uns tempos atrás a gente... eu pensava que
estava assim, estacionada num canto né? Que a gente só ia ver e cuidar daqueles portadores
que a gente já sabia que era... aquelas pessoas que já sabiam que era portadoras. Mas de
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seis meses pra cá a gente ta vendo que a Aids está cada dia se alastrando mais. (...)E assim
minha filha, Aids pra mim é como uma sarna como o povo chama, que começa a coçar e
num termina mais não.” (Suj 4)
Em um estudo realizado por Figueiredo e Fioroni (1996) com voluntários de ONGs
que atuam diretamente em programas de atendimento e prevenção à Aids, quando
consideram conteúdos relacionados à doença em si, emergem pensamentos de cunho social
que envolvem morte, vergonha dentro da família e o silêncio das pessoas decorrente do
medo de contrair o HIV. Surgiram ainda respostas teológicas relacionadas ao surgimento
da doença devido a hábitos censurados pela sociedade.
Quando questionados acerca da Aids na terceira idade – segunda categoria emergente
-, as respostas mostraram-se diversificadas, com concepções negativas, associadas ao cuidado
e às dificuldades inerentes da velhice como agravantes. Emergem como decorrentes do tipo
de laço que os coloca no papel de cuidador. Sendo assim, para o sujeito 1, a esposa que
depois de 10 anos de separada, tem sob sua responsabilidade o ex-marido, a Aids na velhice
é uma indicação de morte, embora seu argumento apresenta alguma inconsistência.
“Tem que morrer logo. Eu acho que sim... Acho que depois de “véi” se pegar essa
doença é pra morrer, porque existe muitos problemas, doença, né? Ninguém morre de
Aids. De Aids num morre não... morre de outros problemas que vai surgindo na pessoa,
uma gripe, é... uma diarréia tudo isso é que traz na pessoa. Morre daquilo. Mas de Aids
mesmo eles num morre não!” (Suj. 1)
Quando apenas a negatividade do processo de adoecer é percebida conduz então a
um olhar bitolado, já que não são mapeadas as mudanças que decorrem desse processo.
Deste modo é apenas salientado o lado triste e sombrio da doença não focando a possibilidade
de fortalecimento familiar ocasionada nesta trajetória (Bielemann, 2002).
Para a esposa que convive com o marido, a Aids na velhice é conceituada através dos
cuidados, dando amostras do papel de gênero atribuído às mulheres, mãe-esposa, exercendo
o papel de cuidadora, vigilante do comportamento do outro. De acordo com Floriani (2004)
a família costuma ser a principal origem do cuidador e as mulheres adultas e idosas
preponderam nestes cuidados e alguns aspectos norteiam esta escolha: proximidade parental
(esposas e filhas), proximidade física, proximidade afetiva e o fato de ser mulher.
“Olhe o que eu penso assim, porque o pessoal diz assim que se a pessoa se cuidar né? Se
cuidando quando aparece algum sintoma é mais fácil de lidar com a doença. Já no caso
dele (marido) demorou muito pra se cuidar, não sei como vai ser...(...) O que eu penso é que
tem que se alimentar bem né? Evitar alguns tipos de comida... Evitar bebida né? O médico
disse que não pode fumar. Nem beber, nem fumar, nem comer alguns tipos de comida...”
(Suj. 2)
De acordo com Neri (2002) sendo as mulheres mais longevas que os homens, e em
geral mais novas que o marido, a cuidadora familiar preferencial é a esposa. Na ausência
da esposa, e em segundo lugar na hierarquia vêm os descendentes da segunda geração, e
neste caso, o papel de cuidador é direcionado à filha mais velha. Em seguida na hierarquia
vem a filha viúva, depois a solteira.
A convivência com o portador ultrapassa as fronteiras físicas que a doença apresenta.
Para o amigo, também soropositivo, a Aids na velhice é associado ao cuidado integral, indo
além de uma boa-alimentação, atingindo o psicossocial. Sousa, Kantorski e Bielemann
(2004) afirmam que o cuidado com o portador vai além das fronteiras físicas decorrentes
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da doença, mas abarca todo um arsenal de interpretações e representações a cerca da
mesma. Existindo este cuidado o participante cuidador também soropositivo, afirma não
haver diferença em relação á faixa-etária mais nova.
“Eu penso que é a mesma coisa de hoje, porque se a pessoa ficar estressado né e
pensando, botando certas coisa na cabeça, eu penso que a mesma coisa de hoje. Se a
pessoa tiver aborrecimento, tiver estressado tudinho, sem comer bem, num dormir bem, aí
a pessoa cada vez mais vai ficando pior.” (Suj. 3)
As implicações para o manejo do tratamento de idosos com HIV/Aids não são
diferentes daquelas para o tratamento de pessoas mais jovens. Observar o progresso da
doença através de exames regulares da taxa de imunidade é fundamental para fazer escolhas
apropriadas por tratamentos efetivos (Wooten-Bielski, 1999).
No entanto o participante acima, ressalta que, caso a pessoa não tenha os cuidados
necessários, os aspectos inerentes à velhice se tornam um agravante.
“Eu penso isso comigo, que é a mesma coisa. Agora se a pessoa tiver bebendo cachaça,
passando fome, não comendo bem, aí na velhice as coisa fica mais pior. E a pessoa num se
conservar já quando a pessoa tiver poucas idade depois... Olhe a pessoa quando ta velho
tudo chega. A pessoa, como se diz, que não tem, que num sente uma dor de cabeça, num
sente uma dor na unha nem nada quando ta mais novo... mas quando a pessoa chega em
certas idade tudo chega... é dor nos pés, é dor nas pernas, é dor na cabeça, é dor nas
costas, é dor de coluna, é tudo no mundo... né isso?” (Suj 3)
Para a voluntária da ONG, a Aids na velhice é mais complicada devido à todas as
especificidades decorrente da velhice, ressaltando ainda as questões do feminino. Destaca
ainda a ausência de conhecimento decorrente da falta de instrução como entrave para a
adesão aos cuidados e tratamento.
“Eu creio que muito... É pior do que abaixo de cinqüenta. Porque uma pessoa com
cinqüenta anos, sessenta anos, mulher ou homem não tem mais estrutura de uma pessoa
com vinte, trinta né, num tem mais... quarenta, até quarenta, num tem mais né...
Principalmente quando é mulher, porque chega a fase da menopausa, começa a ter a
história da osteoporose, a osteo-artrite... e ainda mais quando é em pessoas sem instrução,
sem conhecimento, e tem até pessoas que num sabem nem o que é a doença, num sabe nem
como pegou a doença aí nessa faixa etária é mais difícil, mais complicado, até pra gente
que trabalha com Aids lidar com essas pessoas. Porque tem gente que não quer... tem
gente que nem sabe que ta com ela, chega aqui a gente num pode nem contar, nem comentar
sobre Aids, que ele num sabe nem que ta, e se sabe num sabe nem o que é. Aí são geralmente
são pessoas semi-analfabetas ou totalmente analfabetas. A Aids nessa faixa etária é muito
mais perigosa do que nas pessoas mais novas, eu acho muito pior”. (Suj. 4)
A terceira categoria – Ser Cuidador – refere-se ao papel desempenhado que para os
participantes deste estudo foram decorrentes tanto da falta de quem cuidasse, como inerente
ao próprio papel de esposa, ou ainda, do voluntariado.
“Num tem que aceitar e cuidar? Tem que aceitar né?” (Suj.1)
“É porque assim a família dele fica muito distante. E ele nem tem contato com outras
pessoas porque tem gente que não gosta de fazer favor pra ninguém, só gosta de fazer
favor por dinheiro, né isso? Enfim, a gente se dá muito bem...” (Suj. 3).
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Neste sentido Sousa, Kantorski e Bielemann (2004) colocam que dentro do contexto
da Aids diversos mecanismos de enfrentamento são adotados tanto pelos familiares como
pelo portador do HIV/Aids. Dentre eles os autores destacam a negação e a sublimação e
acreditam que tais mecanismos são formas de reação por parte da família às ameaças
reais ou imaginadas, que originam ansiedade, medo e sentimentos difíceis de serem
controlados.
Quando questionado acerca de como era feito o cuidado, o Sujeito 1 trouxe um discurso
voltado ao auto-cuidado, falando da ausência de riscos. Trata-se de um discurso contraditório
onde fala das medidas preventivas ao mesmo tempo em que deixa evidente um afastamento
do risco, beirando o descaso.
“Eu cuido normalmente... Eu cuido normalmente porque ele não vai transmitir pra
mim, só pega no sexo ou com transfusão de sangue... só isso né e nada mais. Assim elas
explicam aqui né? Eu já fiz pergunta sobre a saliva e ela disse que num foi constatado
ainda né? Eu acho assim se a saliva tiver sangramento... Porque essas pessoas que tem
essa doença, fica com a boca ferida, então é mei perigoso, mei arriscado né? Ninguém
deve... Não! A pessoa assim com suas luvas... Toda prevenida, num tem nadas a ver né?
(...) É! Não tem problema... Em casa mesmo eu cuido dele sem nada, porque eu não
tenho nada pra me prevenir. Mas aqui no hospital não as meninas dá as luvas, aquela...
máscara, roupas, tudinho, aí num tem problema de a gente pegar, tocar nele, no paciente
né? Essa semana mesmo teve um aí correndo com uma seringa e o sangue espirrou em
mim, só fiz lavar e pronto. Num tenho medo de nada não.” (Suj. 1)
Novamente surgem aspectos relativos às questões de gênero no discurso da esposa (suj.
2), que coloca disponibilidade integral ao cuidado, que é vigilante, visando a manutenção
do um comportamento prescrito pelos médicos, embora ressalte uma parcela de
responsabilidade ao marido.
“Eu da minha parte posso fazer tudo assim pra ajudar ele, agora vai depender dele
também né? Ele gostava de beber, e ta sem beber, num ta “farrando” mais. Ele tem que ter
o máximo de respeito agora né?...” (Suj. 2)
Para o amigo, o desempenho do cuidado está ancorado no companheirismo, nos
aspectos afetivos, principalmente por compartilharem a vivência com o vírus da Aids. No
estudo realizado por Stefanelli, Gualda e Ferraz (1999) alguns temas emergiram como
mais relevantes na convivência familiar dos portadores de HIV/Aids sendo eles: “sentimentos
de solidão e isolamento”, e “relevância do suporte familiar” no processo de adaptação a
uma nova condição de vida.
“Sabe por que, porque se ele diz uma coisa - eu to sentindo isso, to sentindo aquilo... Eu
disse – olha não bota isso na cabeça não, tu esquece, tu vai fazer outra coisa! Ou se não eu
ligo o rádio, a gente fica escutando música e... – se você botar isso na cabeça, cada vez
mais, cada minuto que passa você vai se esquecendo mais, você num vê a doutora dizendo
que a gente num pode ter aborrecimento, não pode ter agonia, num pode ter nada que aí
cada vez mais o (índice) abaixa, vai pra baixo e agente fica sem o apoio de nada...” (Suj.
3)
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Para a voluntária da Ong, o discurso tem um embasamento técnico, abordando a
importância e da satisfação trazida pelo trabalho, ao mesmo tempo em que fala do desgaste
de trabalhar com esta população de maior idade, trazendo alguns estereótipos associados
à velhice.
“Pra mim é uma... é um trabalho muito importante, muito importante mesmo. É um
pouco cansativo, até porque você tem que trabalhar com essas pessoas de várias maneiras,
trabalhar a adesão à medicação, trabalhar a prevenção, o uso do preservativo, trabalhar a
alimentação e trabalhar o “aceitar”, é muito... é um trabalhinho cansativo sabe... é gostoso,
eu gosto, eu adoro, adoro esse cuidar de um soropositivo, mas nessa faixa etária é mais
cansativo e mais trabalhoso pra pessoa que vai cuidar porque tem esse horror de agravantes.
São pessoas que não aceitam nada em suas opiniões, que já tem opinião própria já há
muito tempo e pelo fato de não saber ler, escrever, não querem tomar o remédio, por mais
que você trabalhe a adesão à medicação eles não querem, não aceitam, é ruim, é ridículo,
é horrível.” (Suj 4)
Segundo Figueiredo e Fioroni (1996) o tratamento do paciente com AIDS traz
seqüelas que podem se tornar irreversíveis na vida da pessoa que presta serviço nesse
contexto. As exigências conflitantes que envolvem simultaneamente responsabilidade e
auto-preservação, o indivíduo se encontra diante de situações ambivalentes que necessitam
ser esclarecidas. Os resultados apresentados pelos autores apontam para uma clara percepção
destas dificuldades por parte dos entrevistados.
CONCLUSÃO
Perseguimos a idéia de que a família e os amigos desempenham um papel fundamental
na sobrevida de idosos portadores do HIV/Aids. Inicialmente acreditou-se que onde houvesse
um idoso soropositivo ao seu lado estaria um parente, um amigo, um companheiro. Mas
nos deparamos com pessoas que não contavam com uma rede de apoio informal.
O apoio buscado é encontrado em muitos casos nas ONGs destinadas à este público
e que favorecem aos portadores a oportunidade de exercer sua cidadania, seu convívio
social e formar laços de afeto com pessoas que carregam o mesmo peso.
Encontramos o medo da solidão, do abandono, do preconceito, selados com o silêncio.
A negação e o afastamento por parte das pessoas mais queridas. Porém vimos também
força e coragem. Encontramos ainda a fé e a religião como uma alternativa para a ausência
do apoio emocional, em muitos casos, erroneamente creditado à família e amigos. A busca
pela prática religiosa torna-se a base para seguir à diante.
Finalmente, buscamos algo e encontramos algo bem maior. E com isso esperamos
que sejam ampliados os estudos acerca desta temática ainda pouco abordada pela literatura
para desta forma levar à intervenções e práticas que melhorem a situação dos pacientes.
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REPRESENTAÇÕES DO HIV NA TERCEIRA IDADE E A
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Fontes K S 1, Saldanha A A W 2, Araújo L F 3 - João Pessoa - Brasil
1. INTRODUÇÃO
A AIDS não é apenas uma doença, mas um fenômeno social de grandes proporções
que causam impacto nos princípios morais, religiosos e éticos, procedimentos de saúde
pública e de comportamento privado, nas questões relativas a sexualidade, ao uso de drogas
e a moralidade conjugal (Seffner, 2005).
É uma doença que dinamiza a forma com que a sociedade lida com ela, e até o próprio
vírus transmissor possui um caráter mutante. Um dos aspectos mais atuais da epidemia é o
surgimento de uma nova população vulnerável, os idosos. O numero de casos tem aumentado
na faixa etária acima dos 50 anos, com um crescimento proporcionalmente maior, de 1993
a 2003 do que em qualquer outra idade, 130% para os homens e de 396%, entre as mulheres
(Iwasso, 2005). Segundo dados do Ministério da Saúde, no Brasil se contabiliza 2.245
homens e 1.261 mulheres casos de infecção pela Aids em maiores de 50 anos. Números
aparentemente pequenos, mas que há uns 15 anos apareciam como traço nas estatísticas e
hoje representam 2,5% do total de casos confirmados no Brasil.
São várias as causas responsáveis por esse aumento, como por exemplo: (1) as notificações
tardias; (2) o número de pesquisas insuficientes na área; (3) dificuldades no diagnóstico e
(4) resistência para aderir ao tratamento (Lieberman, 2000). A possibilidade de uma pessoa
idosa ser infectada pelo HIV parece ser invisível aos olhos da sociedade e dos próprios
idosos, visto que a sexualidade nesta faixa etária ainda é tratada como tabu, tanto pelos
idosos como pela sociedade em geral (Vieira, 2004). Além disso, o aumento da expectativa
de vida, das oportunidades sociais e da disponibilização de medicamentos para disfunção
erétil (Pimenta, 2005), tem impulsionado a vida sexual do idoso.
Ressalta-se também algumas questões culturais que ainda permanecem, como a
infidelidade e a multiplicidade de parceiras aceitas socialmente na trajetória da vida dos
homens que hoje têm mais de 60 anos, e que não praticam sexo seguro porque isso nunca
fez parte da vida deles e que expõem suas esposas, resultantes da construção social de
gênero (Saldanha, 2003).
É relevante observar ainda que, com o surgimento dos medicamentos antiretrovirais, a
partir de 1996, A Aids passa para o grupo das doenças crônicas (Ribeiro et al., 2005),
contribuindo para o envelhecimento das pessoas soropositivas que contraíram o vírus na
fase adulta, e passam, dessa forma, a fazer parte do quadro epidemiológico da AIDS na
Universidade Federal da Paraíba, e-mail para contato: [email protected]
Universidade Federal da Paraíba - Pós-Graduação em Psicologia
3
Universidade Federal da Paraíba - Pós-Graduação em Psicologia
1
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velhice. Quanto à prevenção, a falta de campanhas direcionadas a Aids na velhice faz com
que esta população esteja geralmente menos informada sobre o HIV e menos consciente da
vulnerabilidade (Prilip, 2005).
Sendo saudável ou não, a pessoa idosa, já é passível de discriminação no Brasil, o que
dirá se considerarmos um idoso doente, ainda mais sendo decorrente de relações sexuais
ou do uso de drogas. O quadro da soropositividade na velhice é bastante polêmico, onde os
preceitos da ética, moralidade, religiosidade e dos padrões de bons costumes deveriam vir
à tona para serem discutidos. Fato que provoca o afastamento do idoso do meio social e até
mesmo familiar, postura que muitas vezes é adotada e escolhida pelo próprio paciente, que
busca se resguardar frente a estas adversidades (Gorinchteyn, 2005).
A partir destes aspectos, emerge a representação do idoso acerca da Aids como doença
do outro, levando-o a acreditar na impossibilidade seu sua contaminação, fato que é
contrastante diante do aumento da expectativa de vida e do desenvolvimento de recursos
científicos, sociais e outros, que resultam na melhoria da saúde dos idosos, ampliando a
capacidade de atuação.
Partindo destas premissas que observa-se a necessidade da intervenção psicossocial
buscando amenizar as questões relacionadas ao preconceito frente ao portador do vírus
HIV, derivados do medo e do desconhecimento com relação a AIDS, ou ainda advindos de
razões religiosas ou morais. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi estudar os fatores de
risco ou de proteção relacionados a vulnerabilidade à Aids, em pessoas na faixa etária
acima de 50 anos.
2. MÉTODO
2.1- AMOSTRA
Trata-se de um estudo de campo de cunho quantitativo e qualitativo em uma
abordagem multimétodos, tendo como referencial a Teoria das Representações Sociais.
Participaram desta pesquisa 35 idosos, de ambos os sexos, dos quais 5 pertencentes ao
sexo masculino e 30 ao sexo feminino, suas idades variavam de 52 a 87 anos. A coleta foi
feita nos Grupos de Convivência da Terceira Idade localizados na cidade de João Pessoa/
PB. A maioria indicou ser viúva (40%), com escolaridade equivalente ao Ensino Superior
ou Pós-Graduação (48,5%), a renda familiar correspondia de onze a trinta salários mínimos
para 54,3% da amostra, em que a maioria dos participantes afirmava ser o principal
provedor da família (57,3%).
2.2 - INSTRUMENTOS
2.2.1- Questionário sócio-demográfico
Foi utilizado um questionário sócio-demográfico com itens relacionados a
identificação dos participantes quanto ao sexo, idade, data de nascimento, situação conjugal
e funcional, nível de escolaridade, renda familiar, número de pessoas que vivem desta
renda e qual o principal provedor da família.
2.2.2- Técnica de Associação Livre de Palavras
A Técnica de Associação Livre de Palavras foi desenvolvida por Jung (Rapaport et
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al., 1965 citado por Coutinho et al, 2003) na clínica, e visa diagnosticar psicologicamente a
estrutura da personalidade dos indivíduos. É uma técnica orientada pela hipótese de que é possível
captar características da estrutura psicológica do sujeito por meio das condutas de reações,
evocações, escolhas e criação. Tal técnica atua trazendo esta estrutura a tona por meio das seguintes
condições de um teste projetivo: estimular, tornar observável, registrar e obter a comunicação
verbal (Nóbrega e Coutinho, 2003). É um tipo de investigação estruturada na evocação de repostas
frente ao lançamento de um ou mais estímulo(s) indutores(s) (Coutinho, Gontiès, Araújo e Sá,
2003). Nesta pesquisa os estímulos foram as palavras: AIDS na velhice (primeiro estímulo);
Prevenção (segundo estímulo) e Risco de contrair (terceiro estímulo). Consta de um instrumento
anteriormente validado em pesquisas que envolvem a teoria da Representações Sociais (De Rosa,
1988 citado por Coutinho et al, 2003). A pesquisa foi aprovada pela Comissão Comitê de Ética
Médica-CCS/ da UFPB, com o intuito de confirmar os padrões reconhecidos de competência e
responsabilidade para as pesquisas científicas envolvendo seres humanos.
2.2.3- QSG 12 (Questionário de Saúde Geral)
O Questionário de Saúde Geral (QSG) é constituído por 12 itens que são perguntas do tipo:
aqueles que negam a saúde mental (por exemplo: Suas preocupações lhe têm feito perder muito
sono?; Tem se sentido pouco feliz e deprimido? as alternativas de resposta variam de 1
(Absolutamente, não) a 4 (Muito mais que de costume); e para os itens afirmativos (por exemplo:
Tem se sentido capaz de tomar decisões?;Tem podido concentrar-se bem no que faz?), as respostas
foram de 1 (Mais que de costume) a 4 (Muito menos que de costume). A resposta é dada de acordo
com o quanto a pessoa tem experimentado os sintomas descritos, escala de quatro pontos. Os itens
negativos foram invertidos, de modo que a maior pontuação total nesta medida indica melhor nível
de saúde mental. É uma versão que é bastante utilizada para medir o bem-estar psicológico,
principalmente em estudos ocupacionais (Borges & Argolo, 2002; González-Romá & Espejo,
1993).
2.2.4- Entrevista Semi-estruturada.
A entrevista semi-estruturada constou de quatro questões norteadoras: 1. O que o/a senhor(a)
entende por depressão? 2. Qual o risco que uma pessoa idosa tem de contrair o vírus HIV? 3. O/a
senhor(a) conhece ou conheceu alguém que contraiu HIV? 4. Qual a idéia que o/a senhor(a) tem de
uma pessoa idosa que contraiu HIV? Tais entrevistas foram aplicadas de forma individual e o
conteúdo apreendido pelas questões acima citadas foram analisadas através da técnica de Análise
de Conteúdo.
2.3- PROCEDIMENTOS
Inicialmente foi esclarecido aos idosos de que se tratava a pesquisa, em seguida foi aplicado
o questionário sócio-demográfico nos indivíduos que aceitaram participar. Depois foi usada a
TALP (Técnica de Associação Livre de Palavras) em 100% da amostra, em seguida foi aplicado o
QSG-12 em 32 participantes, e por fim, foi feita a entrevista semi-estruturada compostas de
quatro perguntas norteadoras em 20 dos participantes.
Os dados extraídos das entrevistas transcritas foram analisados pela Análise de Conteúdo
de Bardin (2002), que é uma técnica que permite obter através de um conjunto de procedimentos
(o qual se dividem em etapas operacionais) a compreensão crítica do conteúdo das verbalizações,
seja ele latente ou manifesto e das significações. Foi feita a análise quantitativa com o somatório
das freqüências e percentuais das classes, categorias e subcategorias que emergiram. Para
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a TALP (Técnica da Associação Livre de Palavras), o material coletado por meio desta foram
processados através do software Tri-Deux-Mots (Cibois, 1990) e sua interpretação foi realizada
por meio da análise fatorial de correspondência (AFC), o qual o tem como princípio básico os
eixos que explicam as modalidades de respostas, mostrando estruturas constituídas de elementos
do campo das representações. Os dados conseguidos com o QSG-12 foram analisados pelo Pacote
Estatístico para as Ciências Sociais (SPSS – Statistical Package for the Social Sciences) para
Windows.
3. RESULTADOS E DISCUSSSÃO
3.1 - TÉCNICA DE ASSOCIAÇÃO LIVRE DE PALAVRAS:
Os dados coletados pelo Teste de Associação Livre de Palavras, envolvendo as Representações
Sociais da AIDS na velhice, da Prevenção e do Risco de Contrair, baseados nestas palavras como
estímulos indutores, nesta ordem respectivamente.
Mostram as variações semânticas na organização do campo espacial, revelando
aproximações e distanciamentos das modalidades dos fatores, representados como fator 1 (F1) e
fator 2 (F2). O F1 na linha horizontal apresentou-se como detentor de maior poder explicativo
com 38,6% da variância total das respostas, enquanto o F2, na linha vertical, apresentou 22% da
variância total das respostas. Portanto, os dois fatores têm poder explicativo de 58,6% de
significância, dados que de acordo com Coutinho (2001) demonstram possuir parâmetros estatísticos
de consistência interna e fidedignidade, levando em consideração que esta pesquisa está sendo
realizada no âmbito das Representações Sociais.
Emergiram no gráfico, universos semânticos associados as categorias: escolaridade, sexo
e idade.
Gráfico 1. Plano fatorial de correspondência das representações sociais da AIDS na Velhice,
Prevenção e Risco de Contrair pelos idosos.
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Observa-se que o gráfico 1 destaca, com clareza. No eixo à direita o fator 1, em vermelho,
na parte horizontal encontram-se aglomeradas as representações que caracterizam os idosos
do sexo masculino cujo grau de escolaridade era o ensino fundamental, os quais referem a
AIDS na velhice como um cuidado necessário para com o sexo por causa da infidelidade
que existe e acaba gerando desconfiança. É interessante notar esta representação proveniente
do sexo masculino, quando se percebe que historicamente a aceitação social da multiplicidade
de parceiras é uma especificidade da cultura machista, ou seja, a infidelidade é um aspecto
visto como normal para os homens, mas para as mulheres não.
A Prevenção para
este grupo denota informação, contrariando o que foi encontrado na pesquisas de Camargo
(2000), para este autor, tanto os homens quanto as mulheres compartilham da noção de
AIDS ligada à promiscuidade, as mulheres atribuíram à desinformação o fato das pessoas
contraírem o vírus, já para os homens a infecção era devido a um descuido da pessoa que se
infectava.
Já o termo Risco de contrair (estímulo 3), por sua vez, é objetivada pelos elementos
associados ao contato corpóreo, ou afetivo, refletindo um tipo de metáfora que está aderido
a AIDS. A idéia da “peste”, como cita Saldanha, Figueiredo & Coutinho (2004), de algo
que pode haver de pior em termos de calamidade e males coletivos, é uma espécie de
doença que transforma o corpo em algo repulsivo. Daí a necessidade manter distância,
evitar o contato, para não correr o risco de contrair o vírus.
Os idosos do ensino médio representam a AIDS na velhice como uma doença cujo
contágio causa morte posteriormente. Corroborando Seffner (2005) ao mencionar em suas
pesquisas que o anúncio da soropositividade pode funcionar como um anúncio de morte,
devido ao binômio semântico AIDS = MORTE tem completa força no imaginário social
quando há referência da doença, já que a AIDS é uma enfermidade incurável até os dias de
hoje, apesar de ter grandes possibilidades de tratamento e melhorado significativamente a
qualidade de vida dos soropositivos para o HIV. A morte acaba sendo uma representação
social vinculada a uma doença que se apresenta como um evento social. Com relação Risco
de contrair (estímulo 3), encontra-se uma associação com o sexo, associação devida a
forma de contrair a doença, mesmo o idoso sendo visto como um ser assexuado. Algo
interessante de se observar, visto que segundo Lieberman (2000), a possibilidade de uma
pessoa idosa ser infectada pelo HIV parece ser invisível aos olhos da sociedade e dos próprios
idosos. Pois a sexualidade nesta faixa etária ainda é tratada como tabu, tanto pelos idosos
como pela sociedade em geral (Vieira, 2004).
Com relação ao grupo de idosos pertencentes a faixa etária de 50 – 62 anos, a AIDS
na Velhice (estímulo 1) representa, promiscuidade, corroborando Butin (2002), quando
afirma que: “... o portador ainda é socialmente visto como “diferente”... ele é o “outro”, é
aquele que é promíscuo, que morre e vive fora das “normas” (escolha sexual diferente)”.
Assim como nas entrevistas, essa relação apareceu na associação livre de palavras.
A Prevenção pode ser feita através do uso de camisinha dado também encontrado
nas entrevistas o que se apresenta como um dado surpreendente, pois de acordo com Saldanha
(2003) algumas questões socioculturais para as pessoas idosas ainda permanecem, como a
prática do sexo desprotegido pelos homens, simplesmente porque o uso de preservativo
nunca fez parte da vida sexual deles, e essa falta de hábito no uso de camisinha acaba
expondo as mulheres idosas sexualmente ativas ao vírus, devido à situação de submissão ao
parceiro que muitas vezes contraem o HIV pela infidelidade e multiplicidade de parceiras,
tudo isso conseqüente de uma educação conservadora e machista. O que permite concluir
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que a representação sobre a prevenção da AIDS ainda se configura em elementos resultantes
das propagandas na mídia, mas que na prática são contraditórias. Para esta faixa etária
ainda, a Prevenção é representada como forma de evitar que se contraia o vírus, para que
não se necessite de tratamento. Observa-se que, apesar de a possibilidade e acessibilidade
ao tratamento poder produzir um “relaxamento” da população em relação à prevenção,
Herbert de Sousa (1994), contraria esta afirmação quando assegura que “não é a perspectiva
de morte que dá sentido as nossas existências, mas a perspectiva de vida mesmo”, ou seja,
a melhoria na prevenção é impulsionada pela possibilidade do tratamento.
Por outro lado o Risco de contrair (estímulo 3) está na grande capacidade do HIV
em ser transmissível, principalmente em uma população tão vulnerável, por diversos motivos
já citados na introdução, o que corrobora os dados do Ministério da Saúde, das organizações
não-governamentais e dos médicos infectologistas que alertam que homens e mulheres na
terceira idade estão fazendo sexo sem prevenção e se contaminando com o vírus da Aids
(Gazeta do Povo/PR, 2005).
Já o grupo compreendido na faixa etária de 76 - 88 anos, ligado ao fator 2 (em azul),
refere a AIDS na velhice (estímulo 1) como uma doença, o que na verdade é uma síndrome,
que reduz a imunidade e após a exposição a algum tipo de doença dificulta e impede o
corpo do soropositivo de resistir a várias doenças, as chamadas “oportunistas” (Seffner,
1998).
3.2-ENTREVISTAS:
As representações sociais elaboradas acerca da AIDS estão intensamente ligadas
aos processos sócio-cognitivos, comportamentais, afetivos e normativos, que são produtores
de orientações de condutas, atitudes e comunicações, que conduzem a um maior
conhecimento da dinâmica sobre a mesma.
O conhecimento elaborado sobre a representação social da AIDS pelos idosos, dividiuse em seis Classes: concepção/descrição (34%), preconceito (10%), vulnerabilidade (23%),
proximidade da AIDS (6,3%), prevenção (15%) e vida na soropositividade (12%).
As representações na classe concepção/descrição ancoraram a AIDS na velhice como:
doença, ruim, perigosa, terrível, triste, muito preocupante, que causa medo, mágoa,
arrependimento e sofrimento. A partir destes discursos, pode-se perceber que existe uma
idéia de peso emocional que a AIDS ocasiona nas pessoas. A visão da AIDS como um
flagelo, uma vergonha, mostra o lado estigmatizante da doença, que causa discriminação
e afastamento das pessoas que contraíram de seus amigos, namorados, familiares, trabalho
etc.
A conceituação da AIDS para os participantes confirmou a fala de Joffe (1998a)
quando ela se refere que há uma importante influência emocional diante da AIDS.
Observa-se que a AIDS por ser uma doença incurável, e profundamente ligada a
comportamentos considerados promíscuos, a mesma está envolvida e revestida de estigmas,
estereótipos negativos e preconceitos. As idéias pré-concebidas parecem se atenuar quando
os casos são por transfusão sangüínea, os estigmas que sobrecaem neste tipo de portador
passam a colocá-lo na condição de “vítima”. E justamente dos estigmas, estereótipos, e
preconceitos surgem às práticas de discriminação e a falta de integração social junto a
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percas afetivas, sociais, profissionais e de saúde que simbolizam uma morte em vida para
estes soropositivos.
Entende-se que contrair o vírus HIV pressupõe uma transgressão que fortalece a
estereotipia de acusações e culpa. Uma culpa individualizada, cujos comportamentos
implicam em ameaças à sociedade por serem portadores de uma doença tão temida. Estas
condutas seriam a conseqüência de um comportamento julgado negativamente por certos
grupos da sociedade, como forma de punição moral pelo pecado (Martin, 1995).
Já para a classe Preconceito corrobora o fato das propagandas ressaltarem apenas
jovens, porque subentende-se que estes possuem uma vida sexualmente ativa fazem com
que os idosos continuem a se sentir à margem dos riscos de contaminação (Silva, Paiva &
Santiago, 2005), resultando em continuadas exposições desprotegidas nas relações sexuais.
Além disso, a sociedade entende que o idoso é assexuado, não possui uma vida sexualmente
ativa. Nas entrevistas o idoso representa a AIDS como uma doença distante de si mesmo e
inserida no contexto psicossocial dos jovens.
No que tange a Vulnerabilidade, há mais uma vez o reforço de que a prevalece a
questão do idoso ser assexuado. No entanto, dados do Ministério da Saúde sobre a
sexualidade do brasileiro, afirmam que 67% da população entre 50 e 59 anos se diz
sexualmente ativa. E na população acima de 60 anos, o índice também é expressivo: 39%.
A média de relações na parcela acima de 50 anos é de 6,3 ao mês (Anvisa, 2005).T a l
fato provavelmente deve-se ao desenvolvimento de medicamentos para a disfunção erétil,
assim como o aumento da longevidade sexual, que de certa forma aumenta também a
possibilidade de contágio de Doenças Sexualmente Transmissíveis, sobre as quais deve-se
intensificar a prevenção em saúde. E entre os idosos que se descobrem portadores do vírus,
há dois perfis clássicos: o homem casado que se contamina com uma parceira mais jovem
e o das viúvas que redescobrem o sexo. Um fato merece destaque é que são muitos os
obstáculos ao uso da camisinha: os homens temem perder a ereção e ainda acham que o
cuidado só é necessário nas relações com as profissionais do sexo. Já as mulheres não
sentem necessidade de exigir o preservativo porque já perdem a capacidade de engravidar,
considerando que não necessitam mais de prevenção. Fato que complica mais ainda, pois
fazer sexo sem camisinha é particularmente arriscado depois da menopausa, devido ao
ressecamento das paredes vaginais, as quais se tornam mais finas, e isto favorece o
surgimento de ferimentos que abrem caminho para o HIV (Kitner, Melo & Figueiredo,
2006).
Concernente ao gênero os dados que trazem 71% de infectados na categoria de
homo/bissexuais masculinos, enquanto que em 1999/2000, as notificações caíram para
16%, devido às campanhas de prevenção direcionadas para esta categoria. Enquanto isso,
o número de heterossexuais tem aumentado (Dhalia, Barreira & Castilho, 2000; citado por
Butin 2002), principalmente entre crianças, mulheres e idosos.
No caso da feminização da doença, a desigualdade que há no exercício da sexualidade,
como também fatores ligados à pobreza e menos instrução, que quanto mais presentes na
mulher, mas as tornam vulneráveis. Ainda mais as idosas mulheres, que são excluídas
duplamente, pois a maioria não possui uma vida sexual e quando a tem, são podadas de
exercerem sua sexualidade de forma segura (Butin, 2002).
Quanto às mulheres casadas, a dependência econômica, violência doméstica, baixa
auto-estima ou falta de conhecimento sobre o assunto dificultam a negociação do uso de
preservativos com os parceiros (Lopes, 2005). Deve-se levar em consideração que a fidelidade,
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muitas vezes é provada no tocante ao uso do preservativo, o qual historicamente esteve atrelado
às doenças sexualmente transmissíveis, e à desconfiança na relação psicoafetiva. De modo
que dificulta o diálogo acerca da necessidade do uso do preservativo, como se este só devesse
ser usado apenas por quem se desconhece e desconfia.
Uma outra classe que surgiu foi à Prevenção (15%) mostra o quanto é significativo a
presença tanto de uma conscientização dos idosos no uso de preservativos como método de
evitar o contágio, assim como o cuidado ao escolher o parceiro e em não ter contato com o
vírus.
A maior parte dos idosos reconhece a camisinha como um meio de prevenção, apesar
de que para os mesmos o uso não deve ser freqüente quando se trata de sexo numa relação
estável com um(a) parceiro(a), de modo que corrobora a premissa do sexo com preservativo
apenas nas relações extraconjugais e com pessoas não conhecidas (Silva, Paiva & Santiago,
2005).
A respeito da classe Proximidade da AIDS com apenas 6,3%, tais dados sinalizam
devido ao fato dos idosos terem mencionado que não possuíam nenhum contato com
soropositivos, os mesmos se consideram distante da possibilidade de contrair o vírus, a chamada
Síndrome da Onipotência, ou seja, “sempre vai acontecer com o outro e não comigo”. Esta
representação provavelmente foi ancorada na sócio-gênese da AIDS que por muito tempo foi
associada a “grupos de risco”, termo posteriormente modificado para “vulnerabilidade”
(Lopes, 2005).
Esta abordagem de grupos de risco permanecem no imaginário popular, deixando
subentendido que as pessoas que não fazem parte dos homo/bissexuais masculinos, assim
como profissionais do sexo, travestis, não precisam se preocupar com prevenção, fato que
contribui para a disseminação da epidemia e mudança no perfil epidemiológico. No entanto,
devido às pesquisas talvez esta concepção tenha sido modificada no âmbito das políticas
públicas.
A sexta classe corresponde à vida na soropositividade relativo a (12%). Os idosos
ressaltaram a questão da tristeza que traz a condição da soropositividade, assim como a
necessidade do portador do HIV ter cuidados em não transmitir o vírus a outras pessoas, a
questão da imunidade baixa e o incômodo de tomar constantemente os medicamentos do
coquetel anti-retroviral.
Utilizar-se dos medicamentos antiretrovirais significa dar início a uma “nova” vida,
muitos pacientes através desta demanda conseguem abster-se de uma vida desequilibrada de
álcool e/ou drogas (Cardoso & Arruda, 2005), priorizando a própria qualidade de vida.
Pode-se perceber também nas representações dos idosos paraibanos que o fenômeno
da depressão como sintoma presente na vida dos soropositivos, corroborando os estudo de
Malbergier e Schöffel (2001), que afirmam haver maior índice em pacientes HIV positivos, a
depressão está associada a vários fatores como: (1) descoberta da infecção, início dos sintomas
físicos, progressão da doença e das limitações por ela impostas além das complexas questões
psicossociais envolvidas; (2) invasão do sistema nervoso central pelo HIV, por infecções
oportunistas ou por tumores intracranianos; (3) desencadeamento de episódio depressivo em
populações vulneráveis. Mas o diagnóstico de depressão em pacientes infectados pode ser
difícil porque alguns dos indicadores de depressão (anorexia, fadiga, fraqueza e perda de
peso) são de pouca valia como critério diagnóstico em algumas fases da doença (especialmente
na fase avançada), já que os sintomas físicos debilitantes podem mimetizar tais indicadores.
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Esses resultados expressam que as representações da AIDS nos idosos estruturamse na interface da pluralidade e complexidade do funcionamento de elementos afetivos,
sociais, comportamentais e ambientais. Em síntese, os resultados apreendidos pela TALP
reforçam e complementam os resultados adquiridos pelas as entrevistas de que a AIDS
para os idosos significa Promiscuidade e Morte.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observou-se que o objetivo geral de estudar os fatores de risco ou de proteção relacionados
com a qualidade de vida e vulnerabilidade à AIDS, relativos às dimensões físicas, psicológicas
e socioculturais em pessoas idosas, foram aspectos explorados tanto pela Técnica de
Associação Livre de Palavras quanto pelas entrevistas. Além disso, os estímulos estudados
nesta pesquisa: AIDS na Velhice, Prevenção e Risco de Contrair são elementos interligados,
ou seja, as representações sociais elaboradas acerca destes três fatores estão bem próximas
no âmbito semântico ou campo representacional.
Na TALP e entrevistas verificou-se que os participantes ancoraram suas representações
da AIDS como uma doença transmitida por vias sexuais que resulta da promiscuidade, por
isso se deve ter o cuidado e desconfiança para evitar o contágio. Assim como na TALP, as
entrevistas trouxeram AIDS ancorada pelos idosos enquanto uma doença incurável, triste,
proveniente do pecado, da promiscuidade, da vida sexual libertina da juventude, que pode
ser transmitida por meio dos comportamentos de risco, inclusive de homens casados que
trazem a doença para suas esposas. A AIDS exige cuidados e métodos de evitar o contágio,
no entanto não são usados de maneira disciplinada pelas pessoas. E dentro deste universo
de pessoas que não se previnem adequadamente se encontram os idosos por não se
considerarem próximos à doença.
Denotou-se que a vida na soropositividade foi representada pelos idosos como uma
rotina que se necessita de cuidados para não contaminar a família. Pode causar depressão,
diminuir a qualidade de vida, juntamente com a capacidade de realizar tarefas, exigindo
aceitação das restrições, pois inclui um tratamento medicamentoso regrado.
O Questionário de Saúde Geral mostrou que os idosos participantes apresentavam
uma boa condição de saúde geral, sem alterações anormais para os fatores depressão,
ansiedade nem auto-eficácia.
É válido salientar que os idosos acima de 50 anos em geral, não se percebem vulneráveis
a doença, subestimando a sua possibilidade de contrair, o que pode facilitar o contágio,
dado este que se constitui em uma barreira para a prevenção, assim como a ausência de
campanhas efetivas direcionadas para esta faixa etária.
Enfim, pretende-se com este estudo contribuir para uma melhor compreensão dos fatores
de risco ou de proteção relacionados com a qualidade de vida e vulnerabilidade à AIDS,
referentes às dimensões físicas, psicológicas e socioculturais em idosos integrantes de grupos
de convivência localizados na cidade de João Pessoa, e, desta maneira alertar para uma
tomada de direcionamento quanto a propagação de informações preventivas frente às
infecções de HIV que têm aumentado de forma alarmante.
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VULNERABIDADE AO HIV/AIDS ENTRE HOMENS E
MULHERES COM MAIS DE 50 ANOS
Silva L S 1, Paiva M S 2 - Salvador - Brasil
1. INTRODUÇÃO
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (aids) tem sido um dos mais sérios agravos
já enfrentados pela humanidade. Estima-se que 38,6 milhões de pessoas no mundo vivem
com o vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) ou com aids (UNAIDS, 2006), sendo que
destas, 370.333 são brasileiras (BRASIL, 2005). Diante dessas cifras, muitos(as)
pesquisadores(as) se dedicam a conhecer as diversas dimensões que norteiam a
vulnerabilidade de indivíduos à contaminação pelo HIV.
Durante a primeira década da epidemia de aids (1980 – 1990), a probabilidade de um
indivíduo ou grupo se contaminar pelo HIV foi analisada sob uma perspectiva epidemiológica,
na qual o risco de contaminação estava associado aos comportamentos individuais,
resultantes de escolhas ou decisões autônomas, guardando íntima relação com a idéia de
grupos de risco (PAIVA, 2004).
Contudo, as chances que indivíduos ou grupos tinham de adquirir a soropositividade
não foram totalmente explicadas pela epidemiologia, em decorrência da complexidade de
fatores que permeavam as facilidades e dificuldades de contaminação pelo HIV, emergindo
assim, o conceito de vulnerabilidade.
Esta perspectiva considera não apenas o comportamento individual, mas também o
contexto social e político quando se pretende avaliar as chances que um indivíduo tem de se
contaminar. Dessa forma são relevantes, dentre outras coisas, as condições sociais, o acesso
aos serviços de saúde e a existência de políticas públicas.
Na segunda década (1990-2000), a epidemia passou a apresentar outro padrão
epidemiológico em muitos países, inclusive no Brasil. Avançou entre os heterossexuais,
intensificou a feminização e a transmissão vertical e, a atual tendência, aponta para um
crescimento acentuado na população jovem e entre as pessoas com mais de 50 anos.
A contaminação entre os indivíduos com mais de 50 anos cresce no Brasil como em
nenhum outro grupo etário. Contudo, evidencia-se que as pessoas com idade entre 50 a 59
anos correspondem a 74,5% deste total, tendo sido constatado – de 2000 a 2004 – um
Mestra em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia (EEUFBA). Integrante
do grupo de Estudos sobre Saúde da Mulher - GEM. End: Av. Manoel Dias da Silva, nº. 1227, aptº 602, Bairro
Pituba, Salvador. E-mail: [email protected]
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Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem Comunitária da Escola de
Enfermagem da UFBA. Pesquisadora do GEM. E-mail: [email protected]
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incremento nos casos confirmados de 50,1% entre os homens e de 65,5% entre as mulheres.
Muitas são as causas atribuídas ao aumento nos índices de contaminação pelo HIV em
pessoas com idade igual ou superior a 50 anos. As mudanças sócio-culturais, sobretudo na
sexualidade, representam papel de destaque para justificar tal assertiva. Lemos (2003, p.
69) assinala que: “transitamos numa época de mudanças, sendo que a visão de sexualidade
tem-se alterado rapidamente nas últimas décadas”. Para a autora, os meios de comunicação,
sobretudo a televisão, têm contribuído para acelerar a transformação de valores que
antigamente mudavam devagar.
Destacam-se ainda, as mudanças demográficas que apontam para um envelhecimento
populacional dos(as) brasileiros(as) e as inovações na área da saúde que, por sua vez, têm
contribuído para o aumento da expectativa de vida da população, incluindo a dos
soropositivos, a partir do acesso à terapia antiretroviral (SANTOS et al, 1997).
As inovações na área medicamentosa levaram ao uso de drogas que melhoram o
desempenho sexual, a exemplo do citrato de sildenafil (principio ativo do Viagra) e da
reposição hormonal, favorecendo ao aumento da freqüência e à qualidade das relações
sexuais. Acredita-se que tais inovações têm contribuído para que esse grupo etário se sinta
mais seguro nas conquistas amorosas, embora não devam ser consideradas diretamente
responsáveis pelo aumento da infecção pelo HIV nessa população.
Dados do Ministério da Saúde, relativos a uma pesquisa envolvendo o comportamento
da população brasileira sexualmente ativa, comprovaram que 17,3% dos(as)
entrevistados(as) com mais de 50 anos relataram ter tido cerca de 6,3 relações sexuais por
mês, nos últimos 06 (seis) meses, aproximando, assim, da média de 9,2 da população de
40 a 49 anos (BRASIL, 2003).
Contudo, a possibilidade de aumentar a freqüência e melhorar o desempenho das relações
sexuais não tem sido acompanhada por incentivos à prática do sexo seguro, o que requer
maiores investimentos na educação dessa população. Embora o Ministério da Saúde
reconheça, desde 2001, a necessidade de incluir as pessoas com mais de 50 anos nas
campanhas de prevenção à aids (BRASIL, 2001), o que se observa atualmente é que os
trabalhos educativos – em sua maioria – continuam sendo direcionados ao público jovem,
à gestante, ao usuário de droga, aos homossexuais e às profissionais do sexo. Dessa forma,
esta população que viveu uma juventude sem o apelo à utilização de preservativos, não
incorpora a necessidade de fazer seu uso.
A resistência por parte dessa população em utilizar o preservativo também tem
contribuído para o aumento nos índices de contaminação pelo HIV (BRASIL, 2001;
CÔRTES, 2001). São vários os obstáculos ao uso da camisinha, pois, muitos homens temem
perder a ereção e/ou não possuem habilidades para colocar o preservativo, e acreditam
que o cuidado só é necessário nas relações extraconjugais ou com profissionais do sexo.
Por outro lado, a cultura machista enaltece o homem por ter a capacidade de gerar filhos
em qualquer idade, assim sendo, o uso do condom os priva dessa possibilidade.
Já entre as mulheres com mais de 50 anos, a possibilidade de já terem família constituída,
de estarem laqueadas ou de não poderem engravidar, pode levá-las a falsa impressão da
inutilidade do preservativo em sua vida sexual. Entretanto, fazer sexo sem camisinha é
particularmente arriscado no climatério e depois da menopausa, quando as paredes vaginais
se tornam mais finas e ressecadas, favorecendo ao surgimento de ferimentos que abrem
caminho para as infecções sexualmente transmissíveis (IST).
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Por essas razões, esses indivíduos se expõem, cada vez mais, a situações de
vulnerabilidade, que além de estarem relacionadas às atitudes pessoais, se estendem à
dificuldade em diagnosticar precocemente o vírus HIV nessa faixa etária. Isto porque,
nem sempre sua vida sexual é questionada nas consultas, predominando o mito de que são
monogâmicos(as), têm um ritmo sexual diminuído ou já não fazem sexo.
Por outro lado, Azambuja (2000) considera um desafio diagnosticar pacientes
soropositivos nessa faixa etária, por se tratar de mais um diagnóstico diferencial para um
grupo já exposto a múltiplas patologias, o que leva à possibilidade de sub-notificação de
casos, ou se reflete em diagnósticos tardios e em terapêuticas incorretas, acelerando a
instalação de infecções oportunistas e de complicações.
Além disso, esta é uma população que pode estar utilizando medicamentos para o
combate a agravos crônicos que ao interagirem com o coquetel produzem reações
indesejáveis. Certamente, a intensidade dessas reações sofre a influência da idade, da(s)
patologia(s) pregressa(s) e do tipo de medicamento, podendo apresentar variações
expressivas entre os indivíduos com mais de 50 anos. Tais variações vão desde os discretos
desconfortos até complicações severas que poderão resultar em morte.
Estes motivos têm contribuído para que a morte por aids se evidencie em menor tempo
para essa população, quando comparada com outras faixas etárias. Os raros estudos
internacionais sobre a infecção nesse grupo etário indicam que até 37% dos pacientes
acima de 50 anos morrem no mesmo mês em que descobrem a doença, enquanto que para
os que estão entre 13 a 49 anos é de 10% (SEGATTO, 2003).
Diante deste contexto, este estudo pretende responder à seguinte questão: quais as
situações de vulnerabilidade ao HIV/aids que homens e mulheres de 50 a 59 anos,
soropositivos e soronegativos, se submeteram ou estão submetidos? Dessa forma, este
trabalho objetiva identificar situações de vulnerabilidade em relação ao HIV/aids entre
homens e mulheres de 50 a 59 anos, soropositivos(as) e soronegativos(as).
2. VULNERABILIDADE DOS INDIVÍDUOS COM MAIS DE 50 ANOS AO HIV/AIDS.
O conceito de vulnerabilidade foi desenvolvido por Mann e cols, em 1992, ao
estabelecerem padrões de referência para avaliar a vulnerabilidade à infecção pelo HIV.
Foram definidos três planos interdependentes para mensurar a vulnerabilidade:
vulnerabilidade individual (cognitiva e comportamento pessoal), vulnerabilidade social
(contexto social) e vulnerabilidade programática - anteriormente designada como
“Programa Nacional de Combate à AIDS” (AYRES, 2003).
Inicialmente esses três planos eram avaliados por meio de escores e modelos quantitativos
que reafirmavam que a possibilidade de um indivíduo ou grupo se contaminar pelo HIV,
estaria vinculada a índices de baixa, média e alta vulnerabilidade (SOUZA, 2001). Contudo,
alguns anos depois - 1996 - Mann e cols retomam de modo mais amplo a questão da
vulnerabilidade ao HIV/aids, substituindo o extenso espaço ocupado pelos indicadores sócioeconômicos por uma ênfase nos direitos humanos.
Fundamentados nos ideais de Mann, Ayres (1999) proporciona uma visibilidade subjetiva
e condensada à vulnerabilidade individual, social e programática. Com este enfoque menos
positivista, “os comportamentos individuais de maior ou menor exposição ao risco são
considerados em relação a um conjunto mais amplo de determinantes, que devem ser
contemplados no planejamento das intervenções preventivas” (SANCHES, 1999, p.110).
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A seguir destacamos de modo específico e separadamente a influência da vulnerabilidade
individual, social e programática na contaminação de indivíduos com mais de 50 anos de
idade pelo HIV/aids. É válido salientar que a interação desses fatores de âmbitos e
magnitudes distintas, amplia ou reduz a possibilidade de uma pessoa se infectar pelo HIV,
além de subsidiarem o diagnóstico da vulnerabilidade em indivíduos e/ou coletividades.
2.1Vulnerabilidade Individual
A vulnerabilidade individual envolve tanto a dimensão cognitiva quanto a
comportamental, estando dessa forma, associada às informações sobre a doença, percepção
de risco, valores e crenças que determinarão as formas de prevenir a contaminação e a
possibilidade de execução de práticas seguras (AYRES et al, 2003; SANCHES, 1999).
Entretanto, para além de uma análise subjetiva, a vulnerabilidade individual também
se estende às características biológicas. Dessa forma, as mulheres se mostram mais
suscetíveis à contaminação pelo HIV do que os homens, pois além do sêmen apresentar
maior concentração de HIV, a superfície vaginal é relativamente extensa (SILVEIRA et al,
2002).
Um dos motivos que aumentam a vulnerabilidade dos indivíduos é o modelo ideológico
relacionado à aids que a representa como sendo uma “doença do outro”, que possivelmente,
está vinculado a um “grupo de risco” (SANCHES, 1999; PAULILO e JEOLÁS, 2005).
Este modo de pensar faz com que muitas pessoas se sintam invulneráveis à contaminação
pelo HIV não aderindo a práticas de sexo seguro. Guerriero, Ayres e Hearst (2002, p. 09)
enfatizam: “o fato de ser entendida como uma doença ‘dos outros’ serve como justificativa
para não se sentir vulnerável, nem ter interesse em receber informações”. Silveira et al
(2002, p. 03) acrescentam que: “indivíduos que não se sentem vulneráveis a uma doença
não costumam aceitar as medidas preventivas recomendadas”.
Lima (2003) sinaliza que a dificuldade em perceber-se vulnerável à infecção pelo HIV
geralmente advém da confiança no(a) parceiro(a), na paixão e no amor. Tomados por estes
sentimentos muitos indivíduos, ainda que informados sobre os meios de transmissão e
prevenção da aids, dispensam o uso do preservativo e se expõem ao risco de contrair o HIV.
Uma pesquisa envolvendo pessoas idosas concluiu que estas, mesmo possuindo um bom
nível de conhecimento sobre os meios de transmissão e prevenção da aids, não utilizam o
preservativo (MALTA, 2000; SILVA, L., 2002). Esse resultado comprova que o nível de
informação, analisado isoladamente, não determina uma maior ou menor vulnerabilidade,
reforçando a importância de considerar os aspectos subjetivos concomitantemente.
A confiança é citada em estudo de Costa e Lima (1998) como responsável pela percepção
de invulnerabilidade à aids, sendo esta, decorrente de um processo de intimidade entre os
parceiros. Lima (2003, p.230 e 231) acrescenta: “quanto maior a confiança no parceiro,
menor a percepção de vulnerabilidade à SIDA”. Em relação ao amor e a paixão, a autora
enfatiza: “... a paixão, produzindo uma avaliação particularmente favorável da pessoa
amada, induz também a uma percepção dela como segura relativamente à SIDA, mais
segura até do que o próprio sujeito”.
É relevante considerar que os valores e as crenças também influenciam significativamente
na adoção de práticas de sexo seguro, especialmente na utilização de preservativos. Nesse
sentido, a religiosidade torna-se um fator importante, já que algumas religiões condenam
o uso do preservativo e o divórcio, incentivando, muitas vezes, mulheres – e homens – a
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permanecerem casadas(os) mesmo diante da vivência de relações extraconjugais pelo(a)
parceiro(a).
Embora a vulnerabilidade de indivíduos e coletividades esteja atrelada a características
pessoais de magnitudes distintas, não se pode perder de vista a influência dos fatores
sociais na determinação de uma maior ou menor probabilidade de infecção pelo vírus HIV.
Partindo dessa premissa, uma abordagem mais detalhada sobre a vulnerabilidade social se
faz necessária.
2.2 Vulnerabilidade Social
A vulnerabilidade social tem uma forte influência tanto na vulnerabilidade individual
quanto na programática, pois valoriza o impacto socioeconômico provocado pela aids e as
construções sociais que interferem na vulnerabilidade dos indivíduos. Dessa forma, são
relevantes a situação sócio-econômica, as relações de gênero e geracionais, os valores
culturais, e outros que possibilitem o acesso do indivíduo às condições capazes de reduzir
sua vulnerabilidade (SANCHES, 1999).
No Brasil grande contingente de pessoas com mais de 50 anos têm um rendimento
nominal mensal de até 05 salários mínimos, sendo que destes, a maior parte possui
rendimento de até 01 salário (IBGE, 2003). Deste modo, torna-se evidente a situação de
pobreza a qual se insere grande parcela dos indivíduos nesta faixa etária. Esta situação de
vulnerabilidade social implica em dificuldades de acesso aos meios de informação, saúde e
outros indicadores importantes.
É válido salientar que o analfabetismo também apresenta números elevados entre as
pessoas com mais de 50 anos no Brasil, o que além de dificultar o acesso às informações
essenciais sobre a aids - como formas de transmissão e prevenção – aumentam, ainda
mais, a vulnerabilidade dessa camada social menos favorecida.
Contudo, a vulnerabilidade social não se restringe apenas ao aspecto negativo dos
indicadores sócio-econômicos, as relações de gênero também são relevantes nesta temática
por serem consideradas construções sociais e por repercutirem na saúde. Para Joan Scoth
(1989, p. 14) a definição de gênero baseia-se na conexão integral entre duas proposições:
“[1] gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas
entre os sexos, e [2] o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder”.
Estudos têm demonstrado que a cultura sexual que rege o comportamento de homens e
mulheres é um dos fatores que dificultam conter a epidemia de aids. Afinal, no momento
em que são definidos os roteiros “próprio do homem” e “próprio da mulher”, ambos se
tornam mais vulneráveis (PAIVA et al, 1998).
A cultura machista e latina contribuem negativamente na vulnerabilidade dos homens,
principalmente por dois motivos: (1) reforça o caráter impulsivo e necessário que o sexo
deve se apresentar para que os homens possam provar sua masculinidade e virilidade e (2)
concorda com a não utilização do preservativo para não “atrapalhar o prazer” e não por
em risco sua reputação sexual (PAIVA et al, 1998). Além disso, eles têm dificuldade de
verbalizar suas necessidades de saúde, pois – em seu imaginário – pode significar
demonstração de fraqueza e feminilidade (FIGUEIREDO, 2005).
Culturalmente espera-se que o homem satisfaça sexualmente uma(s) mulher(es), jamais
recuse insinuações de uma parceira, e que consiga ereções imediatas e bem sucedidas.
Guerriero, Ayres e Hearst (2002, p. 11) sinalizam que “nessa situação, a mulher é
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considerada poderosa e exigente, a quem é preciso satisfazer a custa de manter sua honra
masculina. Assim, a mulher tem o poder de legitimar se um homem é macho ou ‘viado’”.
Paiva et al (1998, p. 02) considera que as normas de gênero, também, estimulam a
repressão dos homens que têm desejos homoeróticos, obrigando-os a vivenciarem suas
experiências na clandestinidade, dificultando, dessa forma, a adesão ao sexo seguro ou a
proteção das mulheres com quem têm relações sexuais.
No que diz respeito às mulheres, as relações desiguais de poder e a dependência
econômica, principalmente nos países em desenvolvimento, limitam o acesso a informações
adequadas e atualizadas (SILVEIRA, et al, 2002). Soma-se a isso, o fato de não se
perceberem vulneráveis principalmente quando cumprem o papel que socialmente se espera
delas: monogamia e dedicação ao trabalho doméstico. Na maioria das vezes, priorizam o
cuidado à família antes de cuidar de si e não conseguem negociar sexo seguro com o
parceiro (PAIVA et al, 1998).
Por outro lado, é relevante enfatizar que muitas mulheres se recusam a exigir o uso do
preservativo por questões religiosas ou simplesmente para não por em discussão a confiança
conjugal, pois como assinala Silva, C. (2002, p.03) “o uso do preservativo masculino nas
relações estáveis leva a uma situação de desconfiança entre o casal por funcionar como um
elemento questionador da fidelidade, sentimento importante, definidor e idealizado do
casamento”.
Além dos entraves na prevenção ocasionados pelas construções de gênero, deve-se
considerar que as relações geracionais também afetam diretamente a vulnerabilidade ao
HIV de homens e mulheres com idade superior a 50 anos. Para Britto da Motta (1999, p.
207): “gênero e idade/geração são dimensões fundantes de análise da vida social. Expressam
relações básicas, por onde se (entre)tecem subjetividades, identidades e se traçam
trajetórias”. Em relação à aids, o preconceito geracional constitui-se em uma barreira
para a prevenção, já que alguns indivíduos mais jovens consideram que o sexo é uma
atividade exclusiva da juventude ou que o avançar da idade encerra as atividades sexuais.
Além das implicações das relações sociais e situação sócio-econômica na vulnerabilidade
de pessoas com mais de 50 anos ao HIV, o desenvolvimento de ações institucionais voltadas
a essa epidemia, também determinam uma maior ou menor probabilidade de adoecimento
ou morte pelo HIV/aids, influenciando na vulnerabilidade programática.
2.3 Vulnerabilidade Programática
A vulnerabilidade programática diz respeito às contribuições dos programas de HIV/
aids na redução da vulnerabilidade pessoal e social. Para Ayres (2005) ela se estende ao
acesso aos serviços de saúde, qualidade da atenção, e implantação e implementação de
programas de combate à aids e outros desta natureza, que propiciam a existência de
contextos sociais favorecedores à adoção de medidas de proteção.
Atualmente a Coordenação Nacional de IST/ aids mantém em vigor o seu terceiro
projeto voltado para ações nesta área – AIDS III. Este projeto conta com financiamento
do Banco Mundial e deverá ser executado até 2006 (2003-2006). Um dos objetivos do
AIDS III diz respeito à implantação e implementação de ações de enfrentamento e redução
de perdas em face das características da nova dinâmica da epidemia da aids no Brasil:
interiorização, heterossexualização, feminização e pauperização. O que chama atenção
neste objetivo é a omissão do fenômeno do envelhecimento da epidemia, já que antes da
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elaboração do AIDS III esta tendência já era reconhecida no Brasil pelos órgãos
competentes.
Em 2001, a revista Súmula - vinculada à Fiocruz - registrou que o aumento nos casos
de contaminação pelo HIV entre as pessoas com mais de 50 anos motivou o Ministério da
Saúde em incluir esta população nos programas de prevenção das IST/aids, além de traçar
estratégias de distribuição de preservativos femininos e masculinos para este público
(BRASIL, 2001). Desde então, estudiosos e pesquisadores que se dedicam ao
aprofundamento do fenômeno do envelhecimento da epidemia de HIV/aids no Brasil,
aguardam por uma iniciativa do governo para tentar conter a crescente contaminação
entre as pessoas desta faixa etária.
Em 01 de maio de 2005, jornais brasileiros - a exemplo da Gazeta do Povo
(AUMENTAM..., 2005) e O Estado de São Paulo (IWASSO, 2005) - publicaram que o
Programa Nacional de IST/aids e a Coordenação de Saúde do Idoso, ambos vinculados ao
Ministério da Saúde, firmaram uma parceria e elaboraram um documento que será enviado
como referência aos programas estaduais e municipais de combate à aids. O objetivo é
incluir pessoas com mais de 50 anos entre os grupos que precisam de atenção especial
quanto à prevenção.
Essa parceria prevê a elaboração de folhetos explicativos, cartilhas, cartazes e
campanhas publicitárias, que deverão ser veiculadas na televisão e no rádio a partir do
segundo semestre. Além disso, pretende distribuir preservativos masculinos e femininos
em programas voltados para a terceira idade e incluir a sorologia para o HIV nos
procedimentos feitos nesta faixa etária (IWASSO, 2005). Até então (outubro de 2006), o
programa não foi totalmente implementado.
Apesar do reconhecimento dos órgãos governamentais frente à situação de
vulnerabilidade dos indivíduos com mais de 50 anos ao HIV/aids, certamente, a redução
no impacto da epidemia e a prevenção de novas infecções não podem ser totalmente
contempladas apenas com a existência de políticas públicas de combate à aids. É preciso
que os programas sejam devidamente implementados por todas as instâncias, sobretudo,
pelas unidades de saúde que oferecem serviços voltados à atenção primária.
No Brasil, tendo em vista as dificuldades sócio-econômicas enfrentadas por grande
parcela da população, o Sistema Único de Saúde (SUS) responde pela maioria dos
atendimentos no setor – 57,2%. No entanto, embora se constitua em um serviço de extrema
importância, o acesso às unidades de saúde nem sempre é facilitado. Entre as pessoas que
buscam atendimento e não conseguem, os principais motivos indicados são: indisponibilidade
de senha ou de vaga (48,9%) e falta de médicos - 25,5% (IBGE, 2003), o que remete à
dificuldade desses serviços em atender à demanda, seja pela ineficácia ou por escassez de
profissionais de saúde.
Por outro lado, os 5,01 milhões de pessoas que sentiram necessidades de saúde, mas
não procuraram às unidades vinculadas ao SUS, alegaram que não o fizeram por falta de
dinheiro, 23,8% (1,19 milhão); por julgarem o atendimento muito demorado, 18,1%; pela
distância ou dificuldade de acesso, 12,7% e por incompatibilidade de horário, 12,7%
(IBGE, 2003). Estes resultados confirmam, mais uma vez, a influência que as condições
econômicas representam para a saúde e a dificuldade de acesso aos serviços oferecidos
pelo SUS.
Diante dessa situação, as pessoas que se encontram com mais de 50 anos de idade, se
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tornam ainda mais vulneráveis à infecção pelo HIV e às complicações decorrentes da aids.
Afinal, os serviços públicos de saúde - principalmente os que estão voltados à atenção
primária - são os principais responsáveis pela implementação das medidas de prevenção à
aids.
É relevante considerar que nem sempre o acesso às unidades de saúde implica em
facilidades na aquisição de preservativos. Apesar dos esforços do Ministério da Saúde, o
acesso gratuito da população aos preservativos masculino e feminino é restrito. Nos Centros
de Referência em IST/aids, os indivíduos, ainda que cadastrados, geralmente recebem uma
quantidade insuficiente quando comparada à freqüência sexual mensal dos brasileiros que
é de 10,2 relações por mês (BRASIL, 2003).
Outra questão importante a ser sinalizada é o alto custo da camisinha masculina e
principalmente da feminina. Esta, por sua vez, ainda é desconhecida por grande parte dos
brasileiros (GUERRIERO, AYRES e HEARST, 2002). Tais situações contribuem na
vulnerabilidade à infecção pelo HIV por grande parte da população.
Além da carência de preservativos, muitas unidades mantêm profissionais despreparados
para lidar com a prevenção da aids entre os indivíduos com mais de 50 anos (SANTOS et
al, 1997). Não tão raro, estão imbuídos de preconceito geracional e nem sempre questionam
as pessoas de 50 a 59 anos quanto às suas atividades sexuais. Para muitos, o risco de
infecção pelo HIV ainda é restrito aos jovens, negligenciando muitas vezes uma investigação
mais apurada.
Em relação aos indivíduos soropositivos, Paiva (2003) ressalta que os profissionais da
saúde raramente discutem com esses pacientes sobre a possibilidade de reconstruírem-se
para uma nova vida, protegendo aos outros e a si mesmos da re-infecção. Camargo Junior
(2003, p. 73) é taxativo ao afirmar que “a qualidade da atenção às pessoas com HIV/aids
tem limites na qualidade geral da atenção à saúde na esfera pública”. O autor enfatiza,
ainda, que a integralidade da atenção ao portador do vírus HIV é um desafio no Brasil.
3. CAMINHO METODOLÓGICO
3.1 EIXO TEÓRICO
Desde o seu surgimento, a aids tem despertado o interesse de pesquisadores(as) em todo
o mundo que buscam compreender, sobretudo, questões que norteiam aspectos científicos e
sociais relacionados à doença. Para tanto, é importante considerar que a construção científica
e social desta epidemia se faz paralelamente, desde que a aids surpreendeu a comunidade
científica e a sociedade civil caracterizada como uma “peste gay”, até então desconhecida.
No Brasil, a aids começou a ser difundida pela mídia antes mesmo de serem identificados
os primeiros casos no país, o que a fez ser classificada – no início da década de 80 – como
um “mal de folhetim”. As agências norte-americanas eram as principais fontes de
informação da mídia no Brasil, exercendo grande influência no noticiário nacional e,
conseqüentemente, no “imaginário social” a ela relacionada (GALVÃO, 2000).
Surpreendidas com a epidemia de HIV/aids, muitas pessoas foram motivadas a
experimentar mudanças de atitudes, crenças e valores, que se alteravam constantemente,
à medida que eram divulgadas as descobertas científicas. Moscovici (2003, p. 95) enfatiza
que “o senso comum está continuamente sendo criado e re-criado em nossas sociedades,
especialmente onde o conhecimento científico e tecnológico está popularizado”.
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Considerando que a percepção dos indivíduos frente à vulnerabilidade ao HIV, advém
do senso comum, a Teoria das Representações Sociais (TRS) foi adotada como referencial
teórico deste estudo, pois para a aids, ela representa o modo como indivíduos e grupos
agem diante da doença e da sua prevenção.
A Teoria das Representações Sociais estuda a maneira pela qual os indivíduos buscam
compreender o mundo que os cercam, afinal, os seres humanos não apenas manipulam
informações ou agem sem explicações, eles – sobretudo – pensam. Moscovici (2003) define
as representações sociais como uma forma de conhecimento do senso comum, que coexiste,
inclusive, com o conhecimento científico.
Pereira (2001) destaca que as representações sociais têm um caráter dinâmico (podem
ser o reflexo de determinações históricas ou atuais) e que são elaboradas a partir de
referências individuais, fundamentadas em seus valores culturais e nas normas sociais.
Dentre as suas funções, considero que a mais relevante para este estudo, diz respeito à
possibilidade de orientar a comunicação intergrupal, propiciando, inclusive, a distinção de
grupos e conseqüentemente a definição da identidade social do individuo. Isto ocorre na
medida em há uma construção da realidade que é comum para determinado grupo de
pertença (CARDOSO e ARRUDA, 2004).
Ao definir como sujeitos do estudo, homens e mulheres com mais de 50 anos,
soropositivos(as) e soronegativos(as) para o HIV, além de ter a contribuição de uma análise
sob a perspectiva do conceito de vulnerabilidade, gênero e geração, vou ao encontro do que
propõe Moscovici (2003, p.79) quando afirma que a Teoria das Representações Sociais
“toma como ponto de partida a diversidade dos indivíduos, atitudes e fenômenos, em toda
sua estranheza e previsibilidade”.
Considerando que as representações sociais se revelam em palavras e condutas, e que
devem ser analisadas a partir da compreensão das estruturas e dos comportamentos sociais,
estamos certas de a contribuição dos conceitos de gênero, idade/geração e vulnerabilidade
na análise deste estudo, possibilitam o enriquecimento do mesmo, e o alcance do objetivo.
3.2 TIPO DE ESTUDO
Esta pesquisa consiste em um estudo do tipo descritivo e exploratório, de abordagem
multimétodos (qualitativo e quantitativo), já que para a Teoria das Representações Sociais
a associação do método quantitativo com o qualitativo garante uma interpretação mais
fidedigna das representações sociais apreendidas e uma complementaridade das descobertas.
O procedimento quantitativo utilizado neste estudo restringiu-se ao tratamento estatístico
realizado com os dados obtidos através de um dos instrumentos de coleta de dados (teste
de associação livre de palavras), os quais foram processados através de um programa
informático (Tri-Deux-Mots) e interpretados por meio da análise fatorial de correspondência
(AFC), é importante destacar que seus resultados são analisados qualitativamente.
3.3 CENÁRIOS DO ESTUDO
A pesquisa foi desenvolvida na cidade de Salvador, capital da Bahia (Brasil), onde
residem 2.631.831 habitantes (estimativa para 2004), sendo que destes, 163.064 (números
de 2001) estão entre 50 a 59 anos de idade (IBGE, 2003).
O cenário da pesquisa foi o Centro de Referência Estadual em IST e aids, administrado
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pela Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB), com atendimento exclusivo pelo
Sistema Único de Saúde (SUS).
3.4 SUJEITOS DO ESTUDO
Os sujeitos deste estudo foram 85 homens e mulheres com mais de 50 anos de idade,
sendo que destes, 36 eram soropositivos para o HIV e freqüentaram o CREAIDS no período
da coleta de dados. Também foram investigados 49 indivíduos soronegativos para o HIV –
na mesma faixa etária – que compareceram ao CTA/COAS e ao Centro de Referência
Estadual de Doenças Sexualmente Transmissíveis. Dos 85 sujeitos que responderam ao
instrumento de coleta de dados quantitativo (TALP), 43 (50,6%) participaram na composição
do banco de dados qualitativo.
A opção por escolher indivíduos soronegativos que comparecessem a estas instituições
se justificou por considerar que a motivação que os impulsiona a procurar essas Unidades
de Saúde, por vezes, decorre da vivência de alguma situação que julguem ser arriscada
para a contaminação por IST, inclusive a aids. Por outro lado, partiu-se da hipótese de que
a palavra vulnerabilidade poderia fazer parte do repertório desses sujeitos, ou, simplesmente,
ser de mais fácil compreensão. Em relação aos sujeitos soropositivos, optou-se pelos usuários
deste Centro de Referência, pelo fato de estarem em um ambiente ambulatorial que atende
um número elevado de pacientes das mais diversas faixas etárias.
Considerando que as representações sociais são formas de conhecimento elaboradas
coletivamente por um grupo social, a população deste estudo foi constituída por sujeitos
que pertenciam ao grupo de usuários(as) de serviços de saúde que assistem pessoas com
IST/aids.
3.5 TÉCNICA DE COLETA DE DADOS
A coleta de dados foi realizada entre os dias 19/12/2005 e 05/04/2006. Foram utilizados
o teste de associação livre de palavras e a entrevista semi-estruturada, no intuito de assegurar
a apreensão de dados que posteriormente se complementaram e garantiram uma análise
fidedigna dos resultados.
A inserção da técnica de associação livre de palavras às pesquisas que adotam a teoria
das representações sociais objetiva identificar as representações latentes através da
associação dos conteúdos evocados em relação a cada estímulo indutor (NÓBREGA e
COUTINHO, 2003). A técnica consiste em solicitar aos participantes que digam o que
pensam após terem sido estimulados por um termo que caracteriza o objeto da representação
em estudo (SÁ, 1996). Nesta pesquisa foi utilizado o estímulo indutor: vulnerabilidade ao
HIV/aids.
A entrevista semi-estruturada, também, foi utilizada como técnica para coleta de dados,
pois esta, segundo Gil (1994, p. 146) “ao mesmo tempo em que valoriza a presença do
investigador, oferece todas as perspectivas possíveis para que o informante alcance a
espontaneidade necessária, enriquecendo a investigação”.
Os primeiros 57 sujeitos que aceitaram participar do estudo foram solicitados a evocar
palavras ao estímulo indutor, e, logo em seguida, convidados a responder aos questionamentos
contidos no roteiro de entrevista semi-estruturada. Desses sujeitos, 43 concordaram em
serem entrevistados. Os(as) que se recusaram, alegaram ter pressa, dificuldade para falar
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sobre a soropositividade ou, simplesmente, tinham receio de serem identificados(as). A
partir da 58a entrevista, procedeu-se apenas o teste de associação livre de palavras.
3.6 TÉCNICA DE ANÁLISE DOS DADOS
Para a análise dos dados obtidos no teste de associação livre de palavras foi realizada
a análise fatorial de correspondência (AFC), obtida através do software Tri-Deux-Mots
(anexos A e B). A AFC permite a apreensão das representações sociais a partir da freqüência
de evocação das palavras. Todavia, o resultado é analisado qualitativamente, buscando-se
o significado e o conteúdo semântico das palavras evocadas.
Os dados extraídos por meio da entrevista semi-estruturada foram analisados com base
na técnica de análise de conteúdo temática (BARDIN, 1977), que propõe as seguintes
etapas para categorização dos dados: pré-análise; leitura flutuante das entrevistas;
constituição do corpus; seleção das unidades de contexto e de registro; recorte; codificação
e classificação; categorização e definições das categorias simbólicas.
3.7 ASPECTOS ÉTICOS
Foram contemplados todos os aspectos éticos e legais que envolvem as pesquisas com
seres humanos, propostos pela resolução n. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL,
1996).
4.0 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
4.1 CARACTERIZAÇÃO SÓCIO-DEMOGRÁFICA DOS SUJEITOS
Participaram do teste de associação livre de palavras 85 sujeitos, 49 homens (23
soropositivos para o HIV e 26 soronegativos) e 36 mulheres – 13 soropositivas para o HIV
e 23 soronegativas, com a média de idade de 53,7 anos e renda mensal variando de R$
50,00 a R$ 8.000,00 (de zero a 26,7 salários mínimos)?. 82,4% dos sujeitos se consideraram
heterossexuais, 12,9% bissexuais e 4,7% declararam ser homossexuais. Todos os
homossexuais e bissexuais eram homens. A religião católica foi predominante entre os
sujeitos (61,2%), bem como a heterossexualidade (82,4%) e a procedência da capital Salvador. Em relação à escolaridade, a maioria dos sujeitos referiu ter cursado o 1º grau,
57,6%.
Entre os participantes, 43,6% afirmaram ser casados(as) ou vivenciavam uma união
estável. A maioria das mulheres confessou não ter parceiro(s) sexual(is), 55,6%, enquanto
que 61,2% dos homens tinham parceiras(os) eventuais. 53% dos participantes com sorologia
negativa para o HIV referiu ter tido ou estar acometido por alguma IST. 57,6% dos sujeitos
referiram ter usado ou usar algum tipo de droga. Dentre esses, 71,4% declaram ter feito
(ou fazem) uso de drogas lícitas (álcool e/ou tabaco e/ou antidepressivos), enquanto que
28,6% confessou usar (ou ter usado) drogas ilícitas, sendo a maconha a mais utilizada.
No que diz respeito à entrevista semi-estruturada foram entrevistados 24 homens
(55,8%) – 12 soropositivos e 12 soronegativos – e 19 mulheres (44,2%) – 06 soropositivas
e 13 soronegativas. As variáveis sócio-demográficas, relacionadas a esses sujeitos, condiz
com os dados referentes ao perfil daqueles que participaram apenas da TALP.
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4.2 ANÁLISE FATORIAL DE CORRESPONDENCIA
Os resultados obtidos através da técnica de associação livre de palavras, resultantes da
evocação ao estímulo indutor vulnerabilidade ao HIV/aids foram agrupados de acordo com
o significado semântico. Estes, após serem submetidos a uma análise fatorial de
correspondência (AFC) - obtida pelo processamento no software Tri-Deux-Mots - permitiram
apreender as representações sociais dos sujeitos do estudo.
Na composição do banco de dados processado pelo Tri-Deux-Mots, foram utilizadas as
seguintes variáveis fixas: idade, sexo, condição sorológica, religião, opção sexual e
escolaridade. Contudo, a análise fatorial de correspondência revelada no jogo de oposições
demonstrou que apenas as variáveis sexo e opção sexual tiveram significância diante do
percentual total de respostas. Deste modo, verificou-se que houveram oposições de respostas
entre indivíduos de sexo opostos (homem X mulher) e opções sexuais distintas (heterossexuais
X homossexuais e bissexuais).
4.3 HOMENS E MULHERES: implicações das representações sociais na vulnerabilidade
ao HIV/aids.
Para o estímulo vulnerabilidade ao HIV/aids, a AFC revelou que para os homens o
vocábulo “cuidado” foi significante, denotando a importância de realizar sexo seguro.
Todavia, não se afastam da perspectiva do “cuidado com”, quando o representam como o
cuidado com a prevenção da aids e o cuidado consigo. As mulheres não tiveram nenhuma
evocação significativa para este estímulo.
Nos discursos dos homens soronegativos para o HIV, a percepção de cuidado em relação
à vulnerabilidade ao HIV/aids, está vinculada à execução de práticas sexuais seguras,
representadas pela utilização do preservativo e pela restrição das atividades sexuais com
pessoas as quais se tem confiança. Resultado semelhante foi constatado em pesquisa
realizada em um Centro de Referência de Infecções Sexualmente Transmissíveis de Fortaleza
com homens acometidos por IST (ANDRADE e NÓBREGA-THERRIEN, 2005). Um outro
estudo envolvendo 597 homens de 21 a 50 anos registrou que o sexo seguro foi entendido
por 65% da amostra, como sendo, o sexo com preservativo e por 55%, como sendo, sexo
com uma parceira conhecida (VIEIRA et al, 2000).
O sexo seguro é se proteger com a camisinha! (E37, 50 anos, homem, acometido por
IST, soronegativo para o HIV).
Tem que evitar ter relação sem camisinha e ter relação sempre com uma pessoa de
garantia (E54, 57 anos, homem, acometido por IST, soronegativo para o HIV).
Tem que usar [a camisinha], tem que usar não tem jeito! Porque se eu estou vendo que
sem ela eu vou pegar doença então eu vou pegar logo o meu preservativo, entendeu? (E15,
51 anos, homem, acometido por IST, soronegativo para o HIV)
Os homens soropositivos para o HIV representaram o cuidado como forma de diminuir
a vulnerabilidade a aids, enfatizando a importância em cuidar da própria saúde (como
forma de prevenir infecções oportunistas), e em preservar outras pessoas da contaminação
pelo HIV.
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Eu agora respeito a aids e não faço sexo com ninguém sem camisinha para evitar de
contaminar alguém que não tem e me proteger... (E43, 51 anos, homem, soropositivo para
o HIV)
... sabendo que a doença existe tem que usar a camisinha ou ter um parceiro certo. E se
por acaso ele for um desassuntado igual a mim que não teve sorte de não ter a doença... é
não ter a possibilidade da cabeça dele ser burra e espalhar a doença pra todo mundo como
muita gente está fazendo (E51, 55 anos, homem, soropositivo para o HIV).
Tenho cuidado agora! Evito perder noite, evito tomar sereno, uso muita vitamina C
para não contrair gripe... (E42, 53 anos, homem, soropositivo para o HIV).
Em relação às mulheres, é importante ressaltar que esse foi o estímulo que apresentou
menor número de evocações, na qual comumente recebi como resposta: “não sei” ou “nunca
ouvi esta palavra”. Ressalta-se, ainda, que por se perceberem invulneráveis à contaminação
pelo HIV, o termo “vulnerabilidade ao HIV/aids” não faz parte do universo semântico e do
imaginário dessas mulheres.
Durante as entrevistas, a maioria das mulheres soronegativas para o HIV – ainda que
contaminadas por alguma IST – responderam negativamente ao serem questionadas sobre
a possibilidade de se contaminar pelo vírus da aids. Através dos discursos notou-se que
algumas mulheres não se percebiam vulneráveis. Este mesmo resultado foi constatado por
Silveira et al (2002) ao avaliar a autopercepção de vulnerabilidade às IST entre 1.543
mulheres adultas. Os trechos abaixo confirmam:
Eu? Não, jamais! Principalmente porque eu já tenho casa [estar casada] então... não
tenho chance de pegar de jeito nenhum (E34, 59 anos, mulher, não acometida por IST).
Eu acho que não tenho chance porque meu pensamento é conviver com meu esposo até
o final da vida (E40, 58 anos, mulher, não acometida por IST).
Poderia! Em função do que eu disse antes, por conta de muita confiança. Mas, o momento
que eu estou passando agora de estar sendo investigada [para sífilis] em função do meu
marido...[...] daqui pra frente já não confio como eu confiava antes (E52, 53 anos, mulher,
soronegativa para o HIV).
Não vou pegar não, com certeza! Eu tenho certeza (E49, 56 anos, mulher, casada,
acometida por IST, soronegativa para o HIV).
As entrevistadas no 34 e no 40 deixaram transparecer em seus discursos que o fato de
estarem casadas parece induzi-las à crença de não serem vulneráveis. Na fala da E40,
presume-se, ainda, que ela identifica o risco de infecção pelo HIV a partir do seu próprio
comportamento, não considerando o risco de contaminação através do comportamento do
marido. Desta forma, a pretensão de conviver para sempre com o esposo, propicia a percepção
de invulnerabilidade ao HIV. Para a depoente no 52, a confiança no parceiro (ainda, que
parcialmente) pareceu dificultar a autopercepção de risco ao vírus da aids. Nota-se ainda
que, mesmo diante da possibilidade de estar infectada por uma IST, não é o uso do
preservativo que é citado como forma de prevenção, mas sim, a mudança no grau de confiança
no parceiro.
A entrevistada no 49, mesmo sendo questionada sobre os motivos que a fazia crer na
certeza de que não seria contaminada, insistia em responder vagamente: “por que eu tenho
certeza!”. A não percepção do risco pode ser explicada por um otimismo realista, que pode
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propiciar a sensação de invulnerabilidade, o que não é diferente para a infecção pelo HIV.
Costa e Lima (1998) chamam atenção que:
a estimativa de probabilidades de o próprio [individuo] viver um acontecimento negativo
é sempre inferior comparativamente com a média dos indivíduos em geral e, inversamente,
verifica-se uma sobreavaliação das probabilidades relativas do próprio [individuo] de vivência
de acontecimentos positivos. Esta tendência otimista constitui uma distorção perceptiva
inerente ao julgamento produzido, refletindo uma percepção de invulnerabilidade.
A maior parte dos homens soronegativos para o HIV também descartou a possibilidade
de algum dia se infectar pelo vírus da aids. O mesmo resultado foi detectado por Vieira et
al (2000) ao investigar 597 homens de 21 a 50 anos em São Paulo.
Alguns discursos demonstraram que a vivência da infecção por alguma IST e/ou as
implicações de idade/geração, influenciaram as respostas à este questionamento e
reafirmaram a importância do cuidado para diminuir a vulnerabilidade ao HIV/aids:
Não, eu acho que não! Porque eu tenho certeza que a partir de hoje em diante, eu vou
ter muito mais cuidado de que eu tinha antes; com certeza, pode ter certeza disso! (E37,
50 anos, homem, acometido por IST, soronegativo para o HIV).
Olha se não botaram em mim até agora, daqui para frente eu acho que é difícil, não há
quem fale. Porque ao menos eu já vivi 55, 56 anos, então eu já vivi uma vida que quase
ninguém teve o privilegio de chegar onde eu estou, quer dizer vivendo e, também, com
saúde. A única coisa que eu tenho, e não estou caindo das pernas, é um problemazinho
desse (sífilis) [...] Então eu não vou procurar fazer nada para chegar um problema desse
[aids], eu já passei por risco, eu já passei, agora... (E16, 55 anos, homem, acometido por
IST, soronegativo para o HIV).
Eu acho que hoje mais não. Se eu não fui [contaminado pelo HIV] até agora, agora eu
não vou mais não! Porque agora eu estou ficando velho... (E01, 54 anos, homem, não
acometido por IST).
A idade cronológica foi utilizada pelos depoentes como um demarcador social, já que a
condição de “estar ficando mais velho” determinou para os sujeitos mudanças de
comportamento, em relação ao exercício da sexualidade. Gomes (2005) afirma que a
experiência individual de tempo é construída a partir de interações sociais que, mesmo
baseada nas vivências pessoais, são categorizadas socialmente.
Embora a maioria dos homens e mulheres tenha afirmado não se sentir vulnerável à
infecção pelo HIV, os homens identificaram que, de modo geral, o homem tem mais chance
de se contaminar do que a mulher. As mulheres, por sua vez, asseguraram que a mulher é
mais vulnerável do que o homem. Nesse caso, a representação da aids associada à “doença
do outro” parece ser reafirmada.
As justificativas para a vulnerabilidade, apresentadas pelas mulheres, apontaram
aspectos biológicos e relacionados ao comportamento de homens e mulheres:
A mulher, porque o homem é mais fácil colocar [o vírus] na mulher, do que a mulher no
homem (E23, 53 anos, mulher, soropositiva para o HIV).
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A mulher tem mais chance por que se contamina do homem, porque é o homem que
traz todas as doenças para a mulher, principalmente aquela mulher zelada, que é casada
(E02, 55 anos, mulher, acometida por IST, soronegativa para o HIV).
A mulher. Porque uma mulher não sai com qualquer homem, ela fica escolhendo! E o
homem sai com tudo quanto é mulher (E17, 57 anos, mulher, soropositiva para o HIV).
A observação feita pela E23 é pertinente, pois considerando que a superfície vaginal
exposta ao sêmem é bastante extensa, e que este apresenta maior concentração de HIV do
que a secreção vaginal, a mulher biologicamente torna-se mais vulnerável (SILVEIRA et
al, 2002).
Em relação ao discurso da E02, fazemos um questionamento: por que para ela as
mulheres zeladas (que são casadas) são mais vulneráveis que as outras? Acreditamos que
uma das réplicas para esta questão seja a dificuldade das mulheres casadas em negociar
práticas sexuais seguras.
Entretanto, Guimarães (1996, p. 110) destaca que essa dificuldade não se resume à
discussão sobre sexo seguro, sendo “necessário o confronto com questões mais complexas,
relacionadas a uma gama de representações sociais que permeiam o exercício das diferentes
sexualidades e que se encontram marcadamente presentes nas inter-relações de gênero”.
Essas construções sociais provavelmente estão presentes no discurso da entrevistada no
17, quando aponta as diferenças no comportamento de homens e mulheres.
Os condicionantes de gênero, também, estiveram incutidos nos discursos dos homens,
quando afirmaram que o homem era mais vulnerável do que a mulher, em decorrência do
comportamento masculino. Sabe-se que a construção simbólica da masculinidade determina
certas características que propiciam ao homem liberdade sexual, seja na escolha de suas
parceiras, na opção em utilizar o preservativo, na adoção de práticas sexuais, ou mesmo,
na sua relação com o mundo. Os trechos abaixo demonstram algumas destas características:
O homem, porque ele pega todo tipo de mulher, gosta de farra... (E39, 57 anos, homem,
acometido por IST, soronegativo para o HIV).
Eu sou homem, mas penso que é o homem, porque o homem é muito gaiato, vou falar
a verdade. Eu tiro por mim [...] O homem é mais safado do que a mulher (E15, 51 anos,
homem, acometido por IST, soronegativo para o HIV).
Acho que são os homens, porque a mulher às vezes nem ligam de pedir para usar a
camisinha, mas às vezes elas se preocupam em colocar... e o homem não. Têm muitos que
nem ligam! (E44, 50 anos, homem, soropositivo para o HIV).
Do conteúdo apresentado nesta subcategoria, apreendeu-se que apesar da importância
de se ter cuidado – expressa pelos homens – a vulnerabilidade ao HIV/aids é evidenciada
nos discursos como algo distante do imaginário dos sujeitos soronegativos, prevalecendo
entre eles(as) uma auto-percepção de invulnerabilidade.
Na próxima categoria estão descritos e discutidos os resultados referentes à oposição
entre os indivíduos heterossexuais e, os homossexuais e bissexuais.
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4.4 IMPLICAÇÕES DA OPÇÃO SEXUAL DE HOMENS E MULHERES NA
VULNERABILIDADE AO HIV/AIDS.
Neste estudo, a maioria dos sujeitos heterossexuais evocou para o estímulo em questão
“sexo desprotegido”. O que denota que ele(as) reconhecem que esta prática pode aumentar
a vulnerabilidade ao HIV/aids. Supomos que essa evocação pode ter sido induzida pelo fato
de que 67,1% dos(as) heterossexuais estavam acometidos(as) por alguma IST ou aids,
tendo como principal causa de contaminação o não uso do preservativo. Essa suposição
pôde ser comprovada na maioria das respostas desses sujeitos ao serem questionados a
respeito dos motivos que julgavam favorecer a um homem ou a uma mulher se contaminar
pelo vírus da aids, como destacam os trechos abaixo:
O não uso do preservativo, para quem usa droga é a seringa contaminada... é a não
prevenção, mesmo (E18, 50 anos, mulher, heterossexual, soropositiva para o HIV).
Não proteger, não usar a camisinha, aí pega... (E53, 50 anos, mulher, heterossexual,
soropositiva para o HIV).
Fazer o sexo sem camisinha, principalmente, o sexo oral, vaginal ... (E37, 50 anos,
homem, heterossexual, acometido por IST, soronegativo para o HIV).
O que facilita é o desespero de ter relação e não botar a camisinha, não se prevenir.
Para dar a garantia tem que botar a camisinha, não tem jeito!(E54, 57 anos, homem,
heterossexual, acometido por IST, soronegativo para o HIV).
O sexo desprotegido foi, ainda, citado como resposta ao questionamento feito,
exclusivamente aos heterossexuais soropositivos, sobre a possibilidade da sua contaminação
pelo HIV ter decorrido de alguma situação de vulnerabilidade que eles tenham vivenciado
no passado. Os discursos elucidam:
Essa doença [aids] deve ter sido transmitida de alguma mulher que eu fiquei por ai, foi
falta de uso da camisinha (E47, 55 anos, homem, heterossexual, soropositivo para o HIV).
Eu suspeito de duas pessoas que eu tive relação sem camisinha no passado...(E43, 51
anos, homem, heterossexual, soropositivo para o HIV).
As evocações para esse estímulo, feitas pelos homossexuais e bissexuais, não foram
significativas na AFC. No entanto, as entrevistas demonstraram um resultado importante
em relação a esses indivíduos. Enquanto os homens soropositivos heterossexuais apontaram
que o sexo com “mulheres de rua” ou a ida a prostíbulos pode ter ocasionado a sua
contaminação pelo vírus da aids, os homossexuais e bissexuais destacaram que as festas de
“sexo livre” (“orgias” realizadas em espaços formais ou em casas de amigos), freqüentadas
por homens que fazem sexo com homens, contribuem para uma maior vulnerabilidade ao
HIV/aids. Alguns desses depoentes sugerem que a sua contaminação pode ter ocorrido em
uma dessas festas:
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... eu viajei há uns dois anos atrás, fiz uma viagem para as Ilhas Canárias na Espanha,
e confesso que realmente eu fui assim na noite, eu fui em alguns lugares onde rolava um
sexo assim... muita loucura realmente! Não vou dizer a você que eu não me envolvi, me
envolvi! Pois era uma coisa bastante diferente para mim, então eu acredito que foi daí que
a coisa aconteceu. Tinha muita gente, muitos estrangeiros, muita gente... apesar de eu ter
tomado bastante cuidado, ter usado camisinha e tudo, mas eu acho que começou ai. Eu
usei [camisinha], mas os outros não usaram, era assim um lugar muito... era uma
promiscuidade muito grande, mas por um momento eu fui feliz, não vou dizer que paguei
caro (E42, 53 anos, homem, homossexual, soropositivo para o HIV).
Eu acredito que eu peguei o HIV com bebida, às vezes com a droga que foi usada ou
dormindo em casa de alguma pessoa contaminada que sem saber aconteceu algum problema
à noite e não estava usando [o preservativo]. Porque eu mesmo, já dormi em casa de
homossexual, dormi vestido e acordei nú. O que aconteceu à noite eu não sei, a bebida é
demais! (E36, 51 anos, homem, bissexual, soropositivo para o HIV).
Nesses “encontros” entre os homossexuais é comum um homem ser penetrado por vários
outros, seguidamente. Rios (2003, p. 04), enfatiza que “neste tipo de interação erótica, é
bastante comum o compartilhamento de camisinhas: sem trocar o preservativo, um mesmo
sujeito penetrar vários homens”. O autor ressalta, ainda, que o uso da camisinha (quando
utilizada) se restringe ao sexo anal, sendo raramente utilizada no sexo oral.
Desse modo, ressalta-se a necessidade de ser enfatizado nas atividades educativas, que
em relação à vulnerabilidade ao HIV/aids, o compartilhamento de preservativos é tão
arriscado quanto o de seringas e agulhas. Reafirma-se, então, que conhecer as representações
sociais dos diversos grupos de pertença, é de suma importância para um efetivo
direcionamento dos conteúdos das campanhas de prevenção.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo demonstrou que as representações sociais sobre vulnerabilidade ao HIV/
aids se constituem em uma ferramenta útil para conhecer a vulnerabilidade de homens e
mulheres com mais de 50 anos. Os depoimentos revelaram que as construções de gênero e
a representação social da aids associada à “doença do outro” – o(a) jovem que tem
comportamentos de risco – são fatores determinantes para a percepção de invulnerabilidade
ao HIV/aids entre pessoas deste grupo etário.
Considerando que a maioria dos sujeitos do estudo estava acometida por alguma IST, e
que são assistidos por um Centro de Referência especializado, a percepção de
invulnerabilidade ao HIV citada dos depoentes, sugere a necessidade de rever a abordagem
utilizada pelos profissionais da saúde. Acredito que conhecer e compreender os motivos
que os(as) fazem sentir a contaminação pelo HIV como uma realidade distante é um caminho
viável para reverter tal situação.
Das falas das mulheres, observou-se que a crença de que ser mulher, heterossexual, ter
se casado virgem e ser monogâmica é entendida como fator de proteção para a contaminação
pelo HIV. Os homens atribuíram esta proteção à heterossexualidade e à idade.
As principais situações de vulnerabilidade ao HIV identificadas pelos sujeitos foram o
uso de drogas, o excesso de confiança no(a) parceiro(a), a dificuldade de inserir o preservativo
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nas relações estáveis, relações sexuais desprotegidas com a “mulher da rua” e/ou com a
“mulher de rua” e a participação em orgias.
Mesmo não se percebendo vulnerável à infecção pelo HIV, as mulheres identificaram
que “as outras” mulheres são mais vulneráveis que os homens, em decorrência da maior
quantidade de vírus contido no sêmen e da dificuldade de mulheres casadas negociarem
práticas sexuais seguras. Os homens, também, afirmaram que “os outros homens” eram
mais vulneráveis por não conseguirem resistir a uma mulher, por usarem droga, serem
homossexuais, ou por não utilizar o preservativo.
De modo geral, os sujeitos reconheceram o risco do “sexo desprotegido” na
vulnerabilidade ao HIV/aids, e afirmaram que é preciso ter “cuidado”. Mas, os discursos
demonstraram que esta população não costuma usar o preservativo. Dentre os entraves
para o seu uso estão o incômodo provocado no homem e na mulher, o amor, a paixão, a
crença de que a relação sexual com a esposa não é tida como perigosa e que quando se tem
parceiro(a) fixo(a), a responsabilidade de se proteger é do “outro”.
Diante dos achados, reafirma-se a importância das implicações das representações
sociais na vulnerabilidade dos indivíduos que se encontram com idade entre 50 a 59 anos
e, dessa forma, subsidiar atividades educativas direcionadas a esta faixa etária.
Os resultados são relevantes por sua possibilidade de subsidiar, além de trabalhos
educativos com a população em foco, políticas públicas que dediquem um olhar diferenciado
a esse grupo etário em suas necessidades de saúde, sobretudo em relação à prevenção e
controle do HIV/aids.
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EPIDEMIOLOGIA, PREVENÇÃO E
SAÚDE PÚBLICA
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A INVISIBILIDADE DA POPULAÇÃO ACIMA DE 50
ANOS NO CONTEXTO DA EPIDEMIA HIV/AIDS
Lisboa M E S 1 - Porto Alegre - Brasil
Os dados em nível mundial sobre a epidemia HIV/AIDS apontam tendência de
aumento de novos casos, por exposição sexual, na faixa populacional situada acima dos 50
anos (UNAIDS, 2006).
Expressar e exercer atividade sexual certamente não é prerrogativa exclusiva dos jovens.
A população acima dos 50 anos conquista progressivamente sua própria liberdade neste
sentido. Explicações para este fenômeno passam necessariamente pela melhoria da qualidade
de vida da sociedade como um todo no mundo contemporâneo, qualidade essa entendida
aqui como acesso a serviços de saúde, remédios, melhor alimentação, lazer e condições de
bem estar geral. O advento de medicações como o popular Viagra, mas não apenas,
viabilizaram maior atividade e desempenho sexual dos homens maduros. A popularização,
ou talvez se deva dizer banalização do uso de tais substâncias, trouxe-lhes todo um novo
leque de possibilidades. Não falaremos aqui dos riscos e perigos da auto-medicação, nem
do uso abusivo e indiscriminado que são freqüentemente relatados.
Por outro lado, mulheres dessa faixa etária, que há alguns anos eram consideradas
velhas senhoras, sem que se cogitasse que tivessem alguma vida sexual – solteiras, casadas,
viúvas ou separadas - exercem mais ativa e desembaraçadamente tal sexualidade,
aumentando consideravelmente as chances de exposição a doenças de transmissão sexual,
como HIV/AIDS.
Em outras palavras, a qualidade e expectativa média de vida da população em geral
aumentou significativamente nas últimas décadas, mas não parece ter sido acompanha por
discussões e planejamentos voltados ao como lidar com a questão do exercício da sexualidade
por parte dos adultos com mais de 50 anos no atual contexto da epidemia de AIDS.
Práticas de auto-cuidado são construções históricas, ou seja, ao longo da vida se
vão constituindo como uma forma de cada pessoa expressar sua auto-estima e por
conseqüência o cuidado com o outro. Os números da epidemia comprovam que as pessoas
acima dos 50 anos não estão exercendo tais práticas de auto-cuidado no que diz respeito às
doenças sexualmente transmissíveis, como a AIDS. Por que isto acontece? Novamente as
causas são múltiplas, mas tem a ver primeiramente com o fato de que nem sempre essas
pessoas têm acesso às informações sobre formas de contaminação por HIV/AIDS. Até
podem acreditar que estejam a praticar de modo eficaz o auto-cuidado.
Ouve-se com freqüência das pessoas com mais de 50 anos: no meu tempo a AIDS não
existia, e ainda não acredito totalmente que seja verdade. Ou então: eu apenas me relaciono
Psicóloga Clínica, Coord. do Programa DST/AIDS de São Lourenço do Sul - RS - Brasil.
Email: [email protected]
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com pessoas sérias, que já conheço há anos. Não há perigos. Ou ainda: tenho uma higiene
pessoal muito meticulosa, não há chances de pegar AIDS ou outra doença pelo sexo. Todas
as citadas, são falas correntes na boca das pessoas com mais de 50 anos. Sinalizando para
o fato de que tais pessoas não se percebem em situação de risco para contraírem alguma
doença de transmissão sexual, nomeadamente HIV/AIDS. Acreditam piamente que suas
práticas de prevenção ou cuidado são os que bastam, portanto, agem de acordo com os
conhecimentos e informações de que dispõem, que muitas vezes são incorretos ou
insuficientes.
Por outro lado, a despeito do envelhecimento da população e da necessidade de
serviços próprios que se faz então sentir, de modo geral não há programas e ações de
educação ou prevenção voltados especificamente a esta faixa etária.
As campanhas e ações de promoção de saúde e prevenção em HIV/AIDS, dedicam-se
quase exclusivamente aos jovens. Qual foi a ocasião em que avistamos um outdoor ou
cartaz de divulgação numa Unidade de Saúde representando um homem ou mulher que
aparentasse mais de 60 anos, segurando um preservativo ou sinalizando alguma intenção
ou atitude de prevenção?
Há uma capa de invisibilidade sobre tal população no que concerne a enxergá-los como
sujeitos desejantes e sexualmente ativos. Instituições Sociais por excelência, os Programas
de Terceira Idade são basicamente voltados à socialização, promoção de passeios, festas,
bailes. Notoriamente são eventos que facilitam o encontro e convívio de pessoas que –
eventualmente - vão progressivamente sentindo-se a vontade em exercer relacionamentos
que podem ser de cunho sexual. Entretanto, tal facilitação, ou mesmo estimulação, não
costuma vir acompanhada da necessária orientação em direção ao auto-cuidado.
Aqui podemos talvez assinalar as dificuldades singulares das pessoas que atuam em
tais programas voltados à Terceira Idade. Dificuldade em admitirem em voz alta que os
idosos efetivamente mantenham vida sexual ativa, possivelmente com múltiplos parceiros.
Falamos, portanto, em outro aspecto da invisibilidade da sexualidade dos maiores de 50
anos: é constrangedor admitir ou conversar sobre isto. Implica discutir abertamente a
possibilidade de que nossa avó aos 70 anos mantenha relacionamento sexual com múltiplos
parceiros, e que devemos ajudá-la a manter-se informada e atualizada sobre formas de
prevenir-se contra as doenças de transmissão sexual, do modo como fazemos com a nossa
filha de 17 anos.
Pior do que estigmatizar, discriminar ou lidar com preconceito em relação a sexualidade
– e seus riscos - após os 50 anos, é torná-la invisível. Pode-se sempre lutar contra o estigma,
contra o preconceito. Gritar contra a discriminação. Mas o que não é visível, para todos os
efeitos sociais e de ações em saúde, não existe, e, portanto, não pode ser combatido,
questionado ou confrontado. É uma não questão, não existe. É silêncio.
Como foi dito, tais programas voltados a Terceira Idade, em suas variadas formas e
apresentações, tem em comum o fato de que as atividades planejadas para esta população
acima de 50 anos, objetivam, de modo geral, criar oportunidades de lazer, atividades
culturais, desportivas. Normalmente acompanhados por profissionais ligados às instituições sejam elas oficiais ou não - que promovem tais atividades. Ou seja, há uma permanente
tutela ou supervisão que retira um bocado da autonomia dos usuários. Organizados sob
diferentes e variados moldes, os centros de convivência ou grupos de idosos, têm como
objetivo comum a valorização das pessoas com mais de 50 anos que os frequentam,
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buscando reverter, em parte, a tradicional posição de ´relegado´ que o idoso – um termo
já considerado pejorativo - costuma assumir no contexto da sociedade contemporânea, que
privilegia a juventude e a produtividade.
Entretanto, parece haver uma distância entre trabalhar a valorização e resgate das
condições de autonomia das pessoas com mais de 50 anos e admitir que elas têm, portanto,
direito a livre expressão e exercício da sexualidade. Daí decorre que as ações de promoção
e prevenção às DST/HIV/AIDS junto a esta população simplesmente não aconteçam.
Não entram na programação, aumentando as chances dessas pessoas não se perceberem
efetivamente em situação de risco para contaminação por doença de transmissão sexual.
Assim, podemos dizer que de um lado, os programas de saúde direcionam as
ações de promoção em saúde e prevenção às DST/HIV/AIDS essencialmente para a
população em idade reprodutiva, priorizando adolescentes e adultos jovens, reconhecendo
oficialmente a invisibilidade ou inexistência da atividade sexual de quem já ultrapassou
essas fases. Os números da epidemia da AIDS entretanto, dizem outra coisa: que há sim
atividade sexual acima dos 50 anos, e tem sido a causa principal da contaminação por
HIV nesta faixa etária.
É importante que esses números sejam reconhecidos e tornados visíveis, forçando a que
sejam dadas voz e vez a cidadãs e cidadãos que já ultrapassaram a idade juvenil, para que
falem de suas demandas, curiosidades, necessidades próprias de seu momento de vida. Se
dizemos que as práticas de auto-cuidado são construídas historicamente, estamos dizendo
que acontecem como um processo que se retroalimenta, que necessita de espaço para ser
discutido e tornado visível. Assim poderão surgir idéias para ações que tragam informação
sobre prevenção e que, em algum momento, resultem na adoção de práticas de autocuidado mais efetivas e adequadas por parte dessas pessoas, diminuindo com isto o
surgimento de novos casos de AIDS, e não apenas, é evidente. Não esqueçamos que os
números da Hepatite B e C, bem como de outras doenças de transmissão sexual são
igualmente expressivos.
O que têm a dizer os invisibilizados com mais de 50 anos…
Em Julho de 2006, no município de São Lourenço do Sul – RS - Brasil, a Secretaria
Municipal de Saúde, através do Programa DST/AIDS e em parceria com a Coordenação
de Assistência Social, realizou ação pontual, informativa e de sensibilização, acerca das
DST/HIV/AIDS junto aos usuários do Projeto Conviver, que visa atenção à chamada Terceira
Idade. No âmbito de tal intervenção, foi oferecida testagem gratuita de sangue para
investigação de HIV, hepatite B e sífilis, bem como hemograma. De um total de cerca de
250 pessoas inscritas no Projeto, aproximadamente 120 compareceram à reunião de
sensibilização, ocasião em que foi oferecida a testagem. A expectativa inicial de que houvesse
adesão de 10 a 15 % desta população ao convite, foi largamente ultrapassada quando
85 pessoas buscaram realizar os testes. Homens e mulheres entre 55 e 86 anos dispuseramse a realizar testes de HIV, hepatite B e sífilis. Houve, portanto, adesão em torno de 70
% das pessoas que compareceram à reunião de sensibilização. Cada uma com as próprias
razões e propósitos em realizar a investigação.
Quando da devolução individual dos resultados a cada uma das pessoas que efetivamente
realizaram a testagem, foi possível colher depoimentos interessantes, e ainda que informais,
bastante ilustrativos.
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Alguns casais com mais de 50 anos de casamento compareceram porque tinham interesse
no hemograma..e não nos testes para doenças de transmissão sexual, e porque queriam
ajudar o pessoal que foi lá conversar com eles e que se mostraram tão dedicados, eles
sentiram-se na obrigação de retribuir, mostrando interesse e realizando então os testes
oferecidos.
Outras pessoas, viúvas ou separadas, relataram atividade sexual sem proteção, com
múltiplos parceiros ao longo do ano. Mostrando-se surpresas em saber que o HIV também
pega em velhos. Desejavam então investigar essa possibilidade, e compreender o que era
afinal o período de janela imunológica e a diferença entre ser portador de HIV e desenvolver
efetivamente AIDS.
Uma mulher de 65 anos disse que até então, havia entendido que se não podia mais
engravidar, não pegaria o HIV. É curiosa tal associação entre gravidez e contaminação por
HIV, mas não chega a surpreender, uma vez que a maioria das campanhas de prevenção é
voltada justamente à população em idade reprodutiva. Com reforço extra à idéia da prevenção
da gravidez precoce, na adolescência, associando-a à contaminação por HIV, ou outra
doença de transmissão sexual. Tal associação não é inválida, ao contrário, é pertinente em
ações e projetos que trabalham com população jovem. Entretanto, corre-se o risco de gerar
distorções no entendimento das pessoas quanto ao seu próprio risco para o HIV quando
não é oferecida informação adequada e que contemple o mais amplamente possível a
população como um todo.
Um outro casal, de 69 e 71 anos, casados há alguns meses pela terceira vez cada um
deles, resolveu fazer os testes porque não sabiam que o HIV podia ficar tanto tempo no
organismo sem se manifestar, ou seja, compreenderam que sendo ambos viúvos por duas
vezes em menos de sete anos, e sendo um dos falecidos cônjuges reconhecidamente descuidado
e promíscuo sexualmente, desejavam certificar-se que estavam mesmo livres do HIV e das
outras doenças de transmissão sexual.
Uma senhora de 70 anos, viúva há muitos anos, disse que tinha ido fazer o teste para o
HIV para dar o exemplo à neta que namorou algum tempo um rapaz usuário de droga
injetável e agora, terminada a relação, recusava-se a investigar possível contaminação por
HIV ou hepatite, mesmo tendo a notícia que o ex-namorado adoecera em outra cidade.
Essa senhora queria ao mesmo tempo buscar mais informações sobre que tipos de doenças
acometem os usuários de drogas injetáveis, a que possíveis riscos sua neta havia sido exposta
e o que fazer. A maneira que encontrou para resolver o impasse foi entrando ela mesma
numa situação de testagem com possibilidade de aconselhamento por profissional da saúde,
como uma forma indireta de ajudar a própria neta.
A resposta à questão : O que tem a dizer os invisibilizados com mais de 50 anos? é, em
realidade, muito simples: têm muito a perguntar, questionar, compartilhar e multiplicar,
quando lhes é dada oportunidade de se tornarem visíveis e possibilidades de interlocução.
Se entendemos que as práticas de cuidados de si e dos outros são construídas nas relações
– sociais, afetivas, de aprendizagem, de poder …- que se estabelecem entre as pessoas,
instituições, serviços de saúde e assistência; não podemos aceitar ou ser coniventes com
essa invisibilidade que silencia e gera um vazio. Onde não há discussão, não acontecem
trocas e as chances de crescimento mútuo ficam reduzidas. As estatísticas atuais mostram
claramente o avanço da epidemia de AIDS na população com mais de 50 anos, e parece
razoável que essas pessoas declarem suas demandas, curiosidades, enfim, deixem de ser
invisíveis .
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AS CRIANÇAS E O VIH/SIDA NA ÁFRICA SUBSAHARIANA - O CASO DE MOÇAMBIQUE
Floriano A P 1 - Lisboa - Portugal
1.1O VIH/SIDA na África Sub-Sahariana
De acordo com os dados da UNAIDS publicados no Relatório sobre a Epidemia Global
de SIDA 2006, referem que um número estimado de 38,6 milhões de pessoas em todo o
mundo vive com VIH em 2005. Cerca de 4,1 milhões foram novas infecções e 2,8 milhões
morreram devido ao SIDA.
A África Sub-Sahariana continua a ser a região do mundo mais afectada pela epidemia.
Em 2005 havia cerca de 24,5 milhões de pessoas vivendo com VIH, globalmente 64% de
todas as pessoas no mundo vivendo com VIH encontram-se nesta região. Do total de
adultos infectados, cerca de 59% são mulheres.
As crianças são especialmente afectadas pela epidemia, cerca de 2 milhões de crianças
com menos de 15 anos estão infectadas e cerca de 12 milhões de crianças com menos de
17 anos perderam pelo menos um dos pais para o SIDA.
Em 2005, de todas as regiões da África, a África Austral é a mais afectada com os
mais elevados níveis de prevalência. Nos países de taxas de prevalência mais elevadas
incluem-se: o Botswana, com 24,1% da população infectada com VIH, a Namíbia, com
19,6% e a Suazilândia, com 33,4%.
No que se refere aos PALOP´s, Moçambique é um dos mais afectados. Em 2005, o
nível de prevalência em adultos é estimada em 16,1% e cerca de 1,8 milhões de pessoas
vivem com VIH. A epidemia está a crescer rapidamente nas províncias fronteiriças com o
Malawi, África do Sul e Zimbabwe.
1.2A epidemia em Moçambique: o caso dos órfãos e crianças vulneráveis
De acordo os dados reunidos no Relatório sobre a Revisão dos Dados de Vigilância
Epidemiológica do VIH - Ronda 2004, a província de Maputo têm 2ª maior a taxa de
prevalência do VIH/SIDA entre adultos (15-49 anos), cerca de 20,7 %, apenas ultrapassada
pela província de Sofala. Das rondas epidemiológicas de 2001, 2002 e 2004, verifica-se
uma tendência crescente das taxas ponderadas de prevalência do VIH, nomeadamente
nas regiões Sul e Norte.
Em Moçambique, o conceito de órfão inclui crianças entre os 0-18 anos, que tenhas
perdido um ou os dois pais. A distinção entre órfão de VIH/SIDA e outros não é realizada,
mas a maior parte é afectada pela doença. Nas crianças afectadas pelo VIH/SIDA incluem
Mestre em Desenvolvimento e Cooperação Internacional
Dept de Projectos Internacionais Médicos do Mundo
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as que cuidam dos pais/encarregados de educação doentes, as crianças rejeitadas devido ao
estigma, as crianças chefes de famílias, as crianças vivendo com o VIH/SIDA, as crianças
vivendo em famílias chefiadas por idosos, as crianças vivendo em comunidades com elevados
índices de seroprevalência e as que são órfãos de um ou ambos os país.
Segundo as estatísticas do INE Moçambique estima-se que, em 2005, cerca de 1,6
milhões de crianças [0-17] sejam órfãs, sendo 733.137 devido ao SIDA. Projecta-se que
em 2005, o número de órfãos paternos devido ao VIH/SIDA seja de 257.420 e o de órfãos
maternos de 272.051. Pensa-se ainda que o número de crianças duplamente órfãs,
igualmente devido ao SIDA é actualmente de 203.666 no mesmo período.
O número de órfãos maternos devido ao V IH/SIDA irá continuar a aumentar
substancialmente, alcançando 520 mil até ao ano 2010, ou seja, 50% de todos os órfãos
maternos projectados para esse ano. Dos 357.911 órfãos de ambos os pais em 2005, estimase que mais de metade, ou cerca de 203.666, sejam devidos ao VIH/SIDA. Em 2010, crêse que o número destes órfãos chegará a 75% de todos os órfãos de pai e mãe projectados
para esse ano.
2. Impacto da epidemia em Moçambique
As crianças são o grupo populacional mais afectado directa e indirectamente pela
epidemia, o que contribui para a redução das suas hipóteses de sobrevivência e oportunidades
de futuro. O impacto da epidemia faz-se sentir a diversos níveis, destacando-se neste âmbito
o nível individual, familiar e comunitário.
2.1.1
Impacto da desestruturação familiar e na capacidade da rede social de apoio
O impacto do VIH/SIDA na família depende do tamanho do agregado familiar, da idade
dos dependentes e do número de pessoas sofrendo com SIDA. A morte que resulta do SIDA
ou outra doença desintegra a estrutura familiar e isso poderá ter profundas implicações na
distribuição dos recursos, rendimentos, consumo, poupança, assim como no bem-estar dos
sobreviventes.
Este fenómeno agrava o nível de pobreza da família e a pressão sobre as crianças do
agregado. A rede social de apoio, ao nível familiar e comunitária, nomeadamente avós e
familiares próximos, tem agora capacidade limitada para absorver estes órfãos. As crianças
são obrigadas a assumir responsabilidade muito cedo: responsabilidades pelos cuidados
dos seus pais doentes, no sustento do agregado familiar ou mesmo tornarem-se chefes da
família com a morte de ambos os pais. A menor capacidade de protecção do agregado
implica o incremento da vulnerabilidade, da exploração e dos abusos.
2.1.2
Impacto ao nível do empobrecimento do agregado familiar
Os agregados familiares pobres tendem a ter mais membros e dependentes, e em
particular crianças; isto significa que estes agregados têm um número reduzido de adultos,
que devem trabalhar para sustentar um número elevado de dependentes, levando a que os
níveis de consumo per capita sejam baixos, e consequentemente a maiores índices de pobreza.
Por outro lado, as crianças exigem cuidados especiais, que requerem disponibilidade temporal
significativa, reduzindo assim o tempo disponível, particularmente das mulheres, para as
actividades produtivas.
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O aumento das despesas médicas, a diminuição do rendimento resultante do absentismo
e desemprego, as despesas fúnebres no caso de falecimento, reduzem os rendimentos
disponíveis e a capacidade de poupança.
Dado que a deterioração do estado de saúde devido ao SIDA é bastante lenta, muitas
famílias esgotam todas as suas poupanças antes de o doente morrer. Pior ainda, as famílias
perdem rendimentos, não apenas devido aos custos da assistência médica à pessoa infectada,
mas também porque os membros da família não podem ir trabalhar para ficarem a cuidar
do doente. Esta perda é ainda maior em famílias que têm mais do que uma pessoa doente.
Finalmente, além da redução do rendimento do agregado familiar, os sobreviventes,
tratando-se da mulher e filhos, poderão perder o acesso às suas terras, casa, machambas e
outros bens, devido à expropriação pela família do marido falecido. Isto irá agravar a sua
condição de sobrevivência, e poderá resultar no agravamento da vulnerabilidade da mulher
e das crianças.
2.2Impacto da Epidemia na Comunidade
O impacto na comunidade tem sido sentido de diferentes formas, tais como: perda de
emprego; perda de pessoal qualificado, incluindo trabalhadores de saúde e professores,
com o consequente impacto na qualidade de serviços prestados nas áreas respectivas; aumento
da pobreza; aumento das necessidades, em termos de cuidados de saúde, e outros serviços
sociais, incluindo escolas; aumento do número de óbitos; ultrapassadas as capacidades de
mobilizar recursos para ajuda mútua.
2.3Impacto da Epidemia nos órfãos e crianças vulneráveis (COV)
2.3.1
No acesso à educação
As crianças afectadas e infectadas deixam muitas vezes de estudar, para cuidar dos
irmãos mais novos, ou serem envolvidas noutras actividades produtivas. Os órfãos de ambos
os pais têm ainda menos probabilidade de aceder a educação. No caso de Moçambique, os
órfãos de pai e mãe têm metade das hipótese de ir a escola do que as crianças com pais
(UNICEF, 2003). O facto de os órfãos viverem com parentes afastadas também contribuiu
para diminuir as preocupações com a sua educação.
O próprio sistema de ensino tem sido fortemente afectado pela epidemia, contribuindo
para a perda de capital intelectual, diminuindo o número de professores disponíveis e
aumentado a dimensão médias das turmas com as consequentes perdas de qualidade de
ensino.
2.3.2
Na nutrição e saúde:
Os órfãos são também mais vulneráveis a alimentação deficiente e mal nutrição, do que
outras crianças, facto comprovado por vários estudos. A taxa de mal nutrição crónica
registada entre este grupo foi 50% mais elevada do que no restante da população nos
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distritos. (PNA COV 2005, p. 6). O risco destas crianças nunca atingirem o pleno
desenvolvimento da sua capacidade física e intelectual é muito mais elevado (UNICEF,
2003).
No caso dos órfãos infectados a situação de saúde é ainda mais preocupante. O acesso
ao tratamento Anti-Retroviral é ainda reduzido, mesmo para prevenir a transmissão vertical
mãe-filho. Para as crianças vivendo com VIH/SIDA há um maior desafio da falta de
formulação pediátrica (RAAAP, 2004).
2.3.3
Impacto Psicológico:
As crianças órfãs sofrem diversos processos com consequências traumáticas. No caso
de órfão do VIH/SIDA a situação é mais grave, pois tem que assistir a doença e morte dos
pais, de ficarem sem laços familiares e sem bens materiais ou habitação.
As crianças que perderam os seus pais para o VIH/SIDA ou que têm os pais doentes são
alvo de estigma e discriminação. Podem ser rejeitados pelos seus amigos e familiares e até
pelos Centros de Saúde. As fontes de stress podem ser múltiplas e tem um papel determinante
no comportamento e futuro das crianças.
2.3.4
Nas perspectivas de futuro
O nível de registos de nascimento entre as crianças mais vulneráveis é relativamente
reduzido. Sem eles não é possível a emissão de certidão de pobreza, que isenta as crianças
do pagamento de propinas e dão-lhe acesso aos serviços essenciais. A burocracia e as
longas distâncias são outro impedimento a sua emissão. O acesso aos apoios sociais é mais
um factor que restringe o acesso dos COV a educação e saúde.
A África Sub-Sahariana é uma das regiões do mundo com maior taxa de trabalho
infantil do mundo. Embora nem sempre exista evidência clara de diferente entre órfãos e
não-orfãos em termos de trabalho infantil, um levantamento da OIT na Tanzânia demonstrou
que as crianças órfãos têm maior probabilidade de trabalhar na agricultura, serviços
domésticos, sexo comercial e vendedores de rua (UNICEF, 2003).
2.3.5
Meninos da/na rua
Neste grupo particularmente as meninas, são vulneráveis à infecção, pelo facto de não
terem nenhuma fonte de rendimento para o seu sustento e acabam se envolvendo na
prostituição infantil. As raparigas são violadas sexualmente por homens adultos ou por
outros meninos da/na rua quando acabam de fazer parte no grupo, num processo que eles
denominam de “baptismo”. O número de crianças vivendo na rua também aumentou. Em
Moçambique, embora não existam dados exactos, estima-se que em 2004 na Cidade Maputo
hajam cerca de 350 de rua.
2.3.6
As determinantes de género no impacto da epidemia
As mulheres e as raparigas tem maior probabilidade de serem mais pobres e terem
menos educação que os homens, e de serem financeira e socialmente dependentes deles.
Este desequilíbrio entre géneros diminui as possibilidades negociais das mulheres e raparigas
SIDA
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116
em termos de sexo e sexo seguro (UNICEF, 2004a). Paralelamente, a pobreza impede as
mulheres de receberem cuidados de saúde e educação adequados – dois elementos essenciais
para a prevenção do VIH/SIDA.
As raparigas são mais afectadas, sendo que este fenómeno tem contribuído fortemente
para o agravamento das desigualdades de género. A pressão para contribuir para o
rendimento familiar afasta primeiro as raparigas da escola; obriga-as a restringirem-se as
tarefas domésticas e ao cuidado dos doentes; ao trabalho infantil ou de subsistência; ao
casamento precoce, na expectativa do dote (lobolo). Paralelamente, facilita as situações
de exploração, nomeadamente o abuso, tráfico e exploração sexual.
Em suma, a alimentação, o vestuário e a habitação, estigma, discriminação, falta de
apoio psicossocial, ausência de pessoas modelo, abuso nas famílias adoptivas e vizinhos,
recusa ao acesso aos serviços básicos apesar das boas políticas e leis tais como a admissão
à escola, registo de nascimentos, serviços de saúde são algumas das principais áreas de
preocupação (PNA COV, p. 7). Estas requerem uma intervenção directa por parte das
instituições governamentais e seus parceiros com vista a reforçarem a capacidade das
famílias e comunidades com vista a cuidar e proteger as crianças vulneráveis e órfãs
afectadas pelo VIH/SIDA.
3. A resposta Nacional: principais desafios
A resposta do Governo ao fenómeno das órfãs e crianças vulneráveis tem privilegiado
o apoio aos esforços da comunidade e encorajar a reintegração familiar, ao invés da
institucionalização.
Ao nível comunitário, como acima referido, a capacidade é limitado. O acesso aos
serviços básicos não está uniformemente disponível para todas as COV em todas as
províncias. Apesar das medidas tomadas pelo governo, as Organizações não governamentais
(ONG) e Organizações de Base Comunitária (OCB) tem informação insuficiente sobre os
mecanismos legais existentes e não foram criados mecanismos de coordenação nos níveis
provincial e distrital, apesar da existência de redes comunitárias. (RAAAP, 2004, p.7)
A institucionalização depende, em grande medida, da comunidade e dos organizações
da sociedade civil, desempenhando o Ministério da Mulher e Acção Social (MMAS) um
papel essencialmente de coordenação, supervisão e formação dos educadore/as. As
instituições que acolhem COV são os designados Centros de Acolhimento, com as seguintes
tipologias:
1) Centros Abertos: Nestes centros as crianças acedem a actividades lúdicas e
educativas, e nalguns dos centros apoio alimentar e material. Problema: não existem critérios
rígidos de ingresso e saída do centro, crianças misturadas não permite atendimento dirigido
as diferentes categorias de crianças;
2) Centros Fechados: Nestes as crianças ficam internadas, recebendo actividades de
reabilitação e educação. Apoio alimentar, material e moral. Problema: ausência de um
regulamento interno escrito na maioria deles, capaz e reger o quotidiano das crianças;
3) Centros Fechados-Abertos: As crianças podem residir ou não nestes centros,
SIDA
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117
beneficiar ou não de actividades lúdicas/educativas, às vezes têm direito a uma refeição e
os não residentes regressam a sua casa para dormir.
4) Centro de Dia ou Atendimento Baseado na Comunidade: as instituições de tutela
apoiam as crianças em situação difícil directamente no seu meio social, mediante apoio
financeiro às famílias com crianças em condições de vulnerabilidade, apoio em alimentos/
material escolar, reabilitação nutricional e transmissão de técnicas apropriadas de
preparação de alimentos para crianças com problemas nutricionais.
A resposta nacional tem como orientação estratégica os compromissos e metas
internacionais subscritas pelo Governo de Moçambique, e pauta-se também pelas prioridades
definidas a nível nacional pelo Plano Estratégico Nacional de Combate ao VIH/SIDA, pelo
Programa do Governo (2005-2009) e estratégias sectoriais correspondentes das quais a
Política Nacional da Acção Social. (PNA COV, p. 7) Mais concretamente:
· Plano Estratégico Nacional (PEN) de combate ao VIH/SIDA 2004-2009
Identifica como área prioritária de intervenção a expansão de programas de apoio
social a Crianças Órfãs e Vulneráveis.
· Programa quinquenal do Governo 2005-2009
Na área da acção social, entre as acções prioritárias, destaca-se a adopção do Plano
Nacional para a Criança, bem como a integração familiar das crianças órfãs e vivendo
com o VIH/SIDA.
· Política Nacional da Acção Social
Esta política, aprovada em Abril 1998, tem como objectivo a “promoção da integração
dos grupos sociais situados à margem do processo normal de desenvolvimento de modo a
contribuir para uma plena igualdade de oportunidades entre os cidadãos, assim como para
a estabilidade social.”
· Núcleo de Coordenação Multi-Sectorial para as Crianças Órfãs e Vulneráveis
Criado em 2001, para a coordenação da resposta na área das COV e VIH/SIDA,
facilitando a implementação de actividades pelos diversos parceiros e partilhando boas
praticas.
· Plano Nacional para a Criança
Este plano em fase de aprovação pelo MMAS em 2005, tinha como objectivo traçar em
primeiro lugar, as linhas orientadoras da acção governamental e de criar mecanismos
institucionais que facilitem a coordenação de actividades em prol das crianças.
Mais recentemente, em consequência do Fórum Global de Parceiros de COV, realizado
em Genebra, Outubro de 2003, que definiu um reforço da colaboração para a aceleração
da resposta de COV nos países da África Sub-Sahariana, foi realizado um Processo de
Avaliação Rápida, Análise e Plano de Acção (RAAAP), cujas recomendações permitiram
definir o:
· Plano para as Crianças Órfãs e Vulneráveis
Elaborado em 2005, como um conjunto de acções urgentes para acelerar a resposta às
COV, tanto ao nível nacional como comunitário. Destinado a atingir crianças, que se
encontrem abaixo do nível da pobreza, numa das seguintes categorias: Órfãos (maternos,
paternos e de ambos os pais); Crianças infectadas e afectadas pelo VIH/SIDA, incluindo:
SIDA
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118
Crianças que vivem em agregados familiares chefiados por crianças, mulheres ou idosos;
Crianças que vivem em agregados familiares onde um adulto se encontra cronicamente
doente.
As áreas estratégicas de intervenção deste plano articulam-se em torno de quatro
objectivos chave:
(i) Criar um ambiente de protecção e conducente à redução do impacto do VIH/SIDA
sobre crianças órfãs e vulneráveis;
(ii) Reforçar a capacidade institucional do MMAS, MISAU, MEC e outros parceiros
principais a todos os níveis;
(iii)
Reforçar as capacidades das famílias e comunidades de procurar soluções
locais para proteger e cuidar as crianças órfãs e outras crianças tornadas vulneráveis pelo
VIH/SIDA;
(iv)Estabelecer e reforçar os sistemas de recolha, análise e monitoria e avaliação de
dados. (PNA COV, 2005, p. 10)
A maior parte do apoio que o governo recebeu foi através de financiamento dos doadores
externos e apoio das agências de cooperação bilateral e multilateral, Banco Mundial e
Fundo Global. O Plano de Acção para as COV tem um orçamento estimado de total para 2
anos de 24.450.000,00 dólares, sendo a maior parte destinada a promoção do primeiro
objectivo.
O número de ONG e OCB que desenvolvem projecto na área dos COV tem sofrido um
incremento ao longo dos anos. Contudo, as actividades direccionadas para este grupo são
muitas vezes pontuais, integradas em projectos de maior dimensão ou demasiado micro e
sem impacto duradouro. Em qualquer dos casos, a maior parte deles encontram-se no sul
e centro do país. Por seu turno, as Organizações Baseadas na Fé têm reagido ao problema
dos COV principalmente como respostas a situações de guerra e de desastres naturais, não
fazendo distinção entre crianças órfãs e outras crianças vulneráveis.
Portanto, embora haja um aumento da resposta à situação de crianças órfãs e vulneráveis,
ela tem sido fraca e não tem sido bem coordenada. Isto deve-se à escassez de recursos
financeiros e humanos no governo e nas ONG. (RAAAP, 2004, p. 7/8)
3.1 Análise da capacidade de resposta nacional às necessidades em termos de mudança
de comportamento
A definição da resposta nacional ao crescente problema dos COV deve ser,
necessariamente, conduzida e orientada pelos organismos políticos nacionais, enquanto
parte da sua estratégia de desenvolvimento e redução do impacto da epidemia. O papel dos
restantes actores institucionais e da sociedade civil deve ser enquadrado e direccionado
por essa estratégia.
Contudo, da análise da política proposta depreende-se que esta responde, em primeira
instância, às necessidades de reforço da capacidade institucional, da coordenação e monitoria
das instituições que a promovem; em segunda instância, as necessidades de acção imediata
na mitigação das consequências e satisfação das necessidades básicas das crianças afectadas;
SIDA
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119
e, em menor escala ou pelo menos de forma menos assumida, a necessidade de prevenir a
reprodução dos comportamentos de risco para a infecção, numa população com níveis de
vulnerabilidade muito mais significativos.
Efectivamente, na estratégia de Criação de um Ambiente de protecção e conducente à
redução do impacto do VIH/SIDA nos COV, aparentemente apenas dois pontos podem ser
directamente relacionados com esta preocupação, nomeadamente:
12.Em parceria com o MISAU, estabelecer mais centros de saúde direccionados aos
jovens para Testagem Voluntária e Acompanhamento, DST;
13.Apoiar a implementação de programas que promovam as Habilidades para a Vida
entre os jovens; (RAAAP, 2004, p. 32)
O primeiro estará relacionado com o reforço ou redefinição de um programa financiado
pelo FNUAP, designado como Serviço Amigo do Adolescente e Jovem (SAAJ), serviço de
aconselhamento e testagem voluntária e planeamento familiar direccionado para
adolescentes e jovens, e cujos resultados efectivos ainda são difíceis de avaliar. NA verdade,
no terreno este programa para pouco mais contribuiu do que para a construção de infraestrutura.
O segundo remete para um conceito importante, as habilidades para a vida, não definindo
concretamente como estas habilidades serão promovidas e, sobretudo, se serão adequadas
às necessidades concretas e ao contexto da adolescência e juventude moçambicana.
Deste modo, podemos considerar que as políticas têm encarado de forma pouco concreta
o desafio da promoção da mudança de comportamento neste grupo particularmente
vulnerável.
O impacto da epidemia das crianças e órfãos, como acima referido, requer especial
atenção para as medidas de prevenção e de promoção de comportamento adequados, que
devem ser induzidos desde cedo, aproveitando sobretudo o período designado como “janela
de esperança” (10-15 anos), sendo que deverá assumir como componente importante a
definição de uma estratégia de prevenção adaptada a este grupo extremamente vulnerável
que é os COV.
Para definição de políticas e medidas concretas, importa perceber as razões
determinantes dos comportamentos, atitudes e práticas, sobretudo nesta camada
populacional. É isso que procuraremos fazer no ponto seguinte.
4. A reprodução do problema: Conhecimentos, atitudes e práticas dos adolescentes e
jovens em relação ao VIH/SIDA
A consequência imediata do impacto do VIH/SIDA nas COV é o aumento da
vulnerabilidade das futuras gerações, contribuindo assim para a reprodução ou agravamento
da epidemia.
Para projectar qualquer cenário negativo ou positivo, e determinar a orientação das
políticas e projectos, é essencial conhecer os comportamentos e compreender as causas que
os determinam.
SIDA
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120
4.1 Tendências nos comportamentos e práticas sobre VIH/SIDA entre adolescentes e
jovens
Os dados disponíveis acerca dos conhecimentos, atitudes e práticas dos adolescentes e
jovens em Moçambique são ainda reduzidos e pouco actualizados. NO entanto, a produção
de estudos a nível nacional e local têm sofrido um incremento nos últimos anos.
Entre os estudos de referência a nível nacional destaca-se o Inquérito Demográfico e de
Saúde 2003 (IDS) e o Inquérito Nacional sobre Saúde Reprodutiva e Comportamento dos
Jovens e Adolescentes 2001 (INJAD).
De acordo com o IDS, a idade mediana na primeira relação sexual nas mulheres é de 16,1
anos, e nos homens é de 17,7 anos. De realçar nos dados apresentados que a escolaridade
desempenha um papel no adiamento do inicio das relações sexuais nas mulheres, mas não nos
homens. A nível nacional, são as províncias mais isoladas que demonstram um início mais
precoce da actividade sexual, como também se denota com a ruralidade especialmente no
caso das mulheres (15,8 no caso de meio rural contra 16,6 em meio urbano).
No que se refere a conhecimentos sobre os acerca do VIH/SIDA, verifica-se que existe um
conhecimento generalizado acerca do termo “VIH/SIDA”, mas quando se procura perceber
qual o grau de conhecimento, denota que as zonas rurais estão menos informação (55,4% em
meio rural contra 78,4% em meio urbano). As mulheres têm menos informação que os homens
(63,8% no caso das mulheres contra 77,1% no caso dos homens), e a medida que aumenta o
nível de escolaridade aumentam os conhecimentos acerca dos métodos de prevenção.
A educação sexual e reprodutiva, e a atitude da comunidade e dos jovens em relação ao
início da actividade sexual, são determinantes para a redução das taxas de prevalência. O
INJAD aponta que a grande maioria dos jovens é favorável a educação sexual (65,4% das
raparigas e 70,8% dos rapazes). As raparigas consideram mais importante receber a educação
sexual em casa (33,6%), e os rapazes na escola (39,8%). O nível de escolaridade indicado
por ambos os sexos como ideal para ministrar a educação sexual seria o Ensino Primário
(EP1 e EP2).
O preservativo é um meio de prevenção da gravidez e das ITS amplamente conhecido
entre os entrevistados, considerado por cerca de 90% dos jovens de ambos os sexos. Contudo,
quando chega ao momento de decidir o uso de um método contraceptivo, 31,1% das raparigas
e 50,8% dos rapazes consideram que a decisão cabe ao homem. Se atendermos a taxa de
utilização do preservativo na primeira relação sexual verificamos que é generalizadamente
baixa. Mais de 90% dos rapazes e das raparigas referem que não usaram.
O argumento mais utilizado para justificar este comportamento é o desconhecimento,
mas é importante analisar as respostas de cada um dos sexos. Enquanto no feminino, cerca
de 45% das respostas remete para esse facto, logo seguido pelo facto de “não se preocupou”,
no caso masculino, o segundo factor mais frequente está associado ao facto de não esperar
ter relações.
No que respeita a idade ideal para iniciar a actividade sexual, as raparigas consideram
que, no caso delas será entre os 15-17 ou com mais de 18 anos. A opinião que deveria ser
depois do casamento apenas mobiliza 19,5% das raparigas inquiridas.
Efectivamente, o conhecimento acerca do vírus, formas de transmissão e prevenção não
é generalizado e, sobretudo, não é efectivo. Isto denota-se facilmente quando analisamos os
comportamentos e atitudes. Embora uma grande maioria dos jovens reconheça o preservativo
como forma de prevenção, não o estão a utilizar efectivamente.
SIDA
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121
Como verificamos pelo nível de utilização na primeira relação, os jovens enumeram o
mecanismo mas não estão suficientemente familiarizados para o utilizar e não o encarado
sequer como necessário. Isto é particularmente grave no caso das raparigas que tem
frequentemente a primeira relação com rapazes mais velhos e que já tiveram experiências
sexuais anteriores e que mantêm relações com várias parceiras.
Recentemente o relatório preliminar do Estudo CAP realizado por uma ONG portuguesa
em Moçambique, na província de Maputo, avança dados complementares para perceber a
relação paradoxal entre conhecimento e comportamento. O estudo debruça-se sobre 3
grupos etários distintos: adolescente (12-14 anos), jovens (15-24) e adultos (> 25 anos),
destacando-se para a presente análise o inquérito junto dos adolescentes.
Um resultado particularmente importante é o que se refere à percepção do risco de
contrair o VIH/SIDA. Numa escala de risco, que incluía como percepções correctas: Pouco,
Moderado e Alto, a maioria dos adolescentes responderam Nenhum/Nunca pensou (56%)
ou Não Sabe (16%). Comparando esta resposta com a dos adultos, país e encarregados de
educação, os resultados são semelhante, com cerca de a responder Nenhum/Não sabe
(31,8%) e Pouco (54,7%).
A percepção do risco poderá ser o factor determinante para explicar a discrepância
entre conhecimento e atitude. A noção do risco, como aponta o mesmo relatório, é menor
no caso do sexo feminino do que no masculino.
Neste contexto é importante repensar as estratégias utilizadas para a prevenção do
VIH/SIDA junto dos adolescentes e jovens. A interpretação dos comportamentos, de acordo
com o contexto social, cultural e económico é determinante nesse processo. A reavaliação
dos factores que induzem a mudança de comportamento, particularmente no contexto dos
COV, sujeitos a factores de vulnerabilidade individuais e sociais elevados, é fundamental
para a definição de uma política que evitem a reprodução dos comportamentos de risco.
5. A mudança de comportamento em população vulneráveis como os COV
5.1As principais teorias da mudança de comportamento
As teorias de procuram explicar a mudança de comportamento são diversificadas e
têm sido aplicadas em diversas disciplinas. Nesta se incluem a teoria da mudança de
comportamento por fases [Prochaska e DiClemente (1986); Prochaska et al. (1992); Sallis
e Nader (1988); Rogers (1983); Owen e Lee (1984), entre outros]; as teorias socialcognitivas [Bandura (1986), Oldenburg (1999), entre outros] e um conjunto alargado de
teorias alternativas.
As teorias que têm sido maioritariamente utilizadas para fundamentar os programas
de prevenção do VIH/SIDA incluem o Health Belief Model, o Modelo de Redução de Risco
de SIDA (AIDS Risk Reduction Model), As Teorias de Mudança de Comportamento por
Fases e a Teoria da Acção Racional (Theory of Reasoned Action). Para além destas, cresce
significativamente a abordagem do Marketing Social, como instrumento de apoio e
enquadramento da mudança de comportamento.
Todas as teorias apresentadas têm elementos em comum e, em 1991, foi desenvolvido
um workshop de teóricos para os identificar. Foram definidos 8 elementos chave que
determinam o comportamento e para a sua mudança:
SIDA
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122
a.
b.
c.
d.
e.
f.
g.
h.
A intenção de comportamento do individuo;
Influência externa de factores sociais;
Competências e habilidades;
Atitude ou a antecipação dos resultados de um determinado comportamento;
Normas e valores;
Padrões individuais;
Reacções emocionais;
Self-Efficacy.
Os primeiros 3 factores são considerados como necessários e suficientes para o
comportamento. Os restantes factores são considerados como os que podem influenciar
activamente a direcção e intensidade da intenção de comportamento, ou seja, os que
influenciam a mudança de comportamento.
Um dos factores determinantes do comportamento são as competências e habilidades,
factor cuja promoção foi incluída nas prioridades politicas acima apontadas. As habilidades
para a vida são consideradas como destrezas psicossociais para enfrentar as desafios e
exigências da vida, e a sua promoção deve agir sobre os seguintes habilidades: comunicação
efectiva, relações interpessoais, tomada de decisões, soluções para problemas e conflitos;
pensamento criativo, pensamento crítico, lidar com sentimentos, lidar com tensões.
5.2 Influência do contexto na mudança de comportamento
Desde modo está definido o enquadramento conceptual utilizado na formulação das
políticas, programas e projectos de prevenção do VIH/SIDA. Neste ponto é essencial analisar
até que ponto é que os modelos podem ser utilizados, ou seja, no contexto de elevado
vulnerabilidade dos COV moçambicanas qual a possibilidade de atingir uma mudança de
comportamento efectiva.
Para qualquer uma das teorias é essencial ponderar o contexto. As condições socioeconómicas de Moçambique são extremamente deficiente, onerada penosamente pelo
impacto do VIH/SIDA acima referido. As COV dificilmente terão acesso a suficiente
alimentação, habitação, educação, saúde e apoio emocional. O pilar fundamental da sua
garantia, a família e a comunidade, estão empobrecidas e desmoralizadas.
A criação de habilidades para a vida, neste contexto, é uma tarefa ainda mais complexa
concorrendo com a formação inata de habilidades de sobrevivência, que impelem as crianças
para situações de exploração laboral ou sexual, furto e vida de rua. A situação agrava-se
na medida em que a manutenção da ordem e segurança públicas transforma Às crianças
em marginais, reforçando o ciclo vicioso de exclusão e vulnerabilidade.
Consideramos agora os factores que, no contexto actual, dificilmente poderão induzir a
mudança de comportamento. Em primeiro lugar: a pessoa tem de acreditar que existem
mais vantagens do que desvantagens num determinado comportamento (ponto d.).
Numa lógica de sobrevivência, o balanço positivo entre investimentos no presente e
SIDA
NET
123
benéficos futuros raramente se aplica. No caso da prevenção do VIH/SIDA é um factor
determinante. A particularidade da doença, cujos efeitos negativos só serão sentidos anos
depois da infecção diminui os argumentos para justificar a abstenção de comportamentos
presentes em prol de benefícios futuros.
Em segundo lugar, a pressão social (moral e valores) para determinado comportamento
é maior do que para outro (ponto e.). Este facto é essencial para compreender o relativo
insucesso dos programas de prevenção em Moçambique. Efectivamente não se verificou
nenhuma mudança significativamente profunda ao nível normativo na sociedade para
pressionar essa mudança de comportamento. As práticas e costumes ancestrais, os mitos e
rituais continuam inalterados e imunes a sua responsabilidade na disseminação da epidemia.
Os rituais de iniciação, os rituais curativos tradicionais, o casamento precoce das
raparigas, associado ao “lobolo”, as relações extraconjugais e inclusive a poligamia, a
“sexta-feira do homem” e outras práticas sociais antigas ou recentes pesam para a
perpetuação dos comportamentos. O seu contributo para a multiplicação dos parceiros
sexuais é agravado pela relação de poder e subjugação da mulher ao homem.
Por outro lado, é ainda comum a criação de estereotipas do “infectado”, associando o
VIH/SIDA a determinados comportamentos moralmente reprováveis ou camada
populacional (prostituição, falta de escolaridade, pobreza, etc.) pode ser um factor
determinante para a formação da concepção de risco de infecção, que como verificamos
em cima é geralmente considerada baixa, e indirectamente conduzindo a adopção de menores
níveis de prevenção.
Estes dois pontos estão também intimamente relacionados com o terceiro factor, o
facto da pessoa considerar que determinado comportamento é mais consistente com a sua
auto-imagem/representação ou que não viole os seus padrões pessoais (ponto f.). Isso
dificilmente acontecerá se não houver uma pressão social e uma mudança de padrões de
comportamento socialmente aceites.
O marketing social é um mecanismo cada vez mais utilizado para induzir a mudança de
comportamento. No contexto moçambicano a sua utilização tem crescido impulsionado
pela acção de ONG internacionais. Deste esforço, destaca-se a bem conhecida marca de
preservativos “Jeito”. Os estudos revelam que existe um conhecimento generalizado de
como utilizar e onde adquirir entre os adolescentes e jovens.
No entanto, é necessário analisar este esforço a luz do contexto socio-económico
moçambicano e, principalmente, para o caso dos COV. Os indivíduos e as famílias tem
elevadas restrições orçamentais e, em grande parte do país, dificuldades para garantir a
sobrevivência diária. Assim sendo, dificilmente poderão reservar dinheiro para adquiri
preservativos, que não constituem um bem de primeira necessidade.
Paralelamente, não existe ainda uma rede de distribuição e comercialização suficiente
abrangente e significativa para garantir as necessidades da população, tarefa dificultada
pelo isolamento e pela deficiente rede de vias de comunicação.
5. Conclusões
O impacto do VIH/SIDA é transversal a toda a sociedade moçambicana e, em
especialmente grave no caso dos órfãos e crianças vulneráveis. Neste grupo contribui
efectivamente para o agravamento da vulnerabilidade e redução das oportunidades desta
nova geração de cidadãos.
SIDA
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124
Os conhecimentos e comportamentos individuais e sociais são determinantes para a
propagação da epidemia e, consequentemente, para a sua prevenção e subversão da actual
tendência de agravamento.
Contudo, a resposta nacional aos COV, quer institucional quer da sociedade civil e das
organizações internacionais, parece não reconhecer a importância significativa da prevenção
neste grupo, para a mobilização dos recursos disponíveis. Este facto pode conduzir a um
processo de reprodução e, inclusive, agravamento dos comportamentos de risco, num
contexto de elevada vulnerabilidade.
Recomenda-se uma acção mais energética e a inclusão de programas fortemente
direccionada para a prevenção nos planos nacionais de apoio aos COV. Neste contexto, as
teorias de mudança de comportamento e os exemplos de políticas semelhante poderão ter
um papel útil no redireccionamento da actual política.
O processo de mudança deve ser facilitado e os actores institucionais têm um papel
determinante em ajudar as pessoas a fazerem a escolha correcta e tornando-a na escolha
mais fácil. Para ajudar as pessoas a fazerem escolhas responsáveis é necessário proporcionarlhes educação, capacidades e informação de forma consistente.
O processo de mudança deve ser encorajado e, em alguns casos, promovida activamente,
através de medidas e políticas estruturais.
O processo de mudança deve envolver as pessoas, atendendo a uma abordagem bottomup. A motivação para as pessoas se envolverem pode partir do reforço do marketing social,
mas sobretudo com medida de desenvolvimento integrado. As iniciativas das diversas
entidades devem ser mais integradas, assim como reforçado a coordenação efectiva entre
organismo públicos. Devem ser privilegiadas iniciativas de longo prazo, que envolvam
todos os interlocutores e que se traduzam em acção concretas e sustentadas.
O processo de mudança deve ser liderado pelo governo e organismo públicos. O governo
é o organismo com a capacidade de congregar e mobilizar todos os sectores de influência
da sociedade para tomarem a liderança do processo de mudança. O papel da comunidade
não deve ser desprezado mais dadas as condições actuais as suas hipóteses de actuação
não devem ser sobreavaliadas.
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SIDA
NET
126
AIDS DEPOIS DOS 50: UM NOVO DESAFIO PARA AS
POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA
Caldas J M P 1, Gessolo K M 2 - Barcelona - Espanha
Introdução
Desde o início da epidemia, nos anos 80, a Aids exige dos governos competência para
levar a mensagem do sexo seguro ao grupo aparentemente mais vulnerável. Foi assim com
gays, prostitutas, usuários de drogas injetáveis, jovens heterossexuais e, mais recentemente,
com mulheres casadas. Agora a doença avança sobre uma parcela da população fisicamente
fragilizada e de abordagem mais complexa: os idosos. O número de casos confirmados de
Aids com idade acima de 50 anos cresce no Brasil como em nenhuma outra faixa etária.
Entre os homens, a expansão foi de 98% na última década. Sobre a parcela feminina idosa,
a epidemia avança como um rolo compressor: houve um crescimento de 567% entre 1991
e 2001.
Quadro I
1
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Universidad de Barcelona, [email protected]
Kleber Mauricio Gessolo, Psicólogo especialista da Prefeitura Municipal de Matão - SP
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Gráfico I
Enquanto isso, as campanhas de prevenção são estreladas por celebridades quase
adolescentes.
A concepção arraigada na sociedade de que sexo é prerrogativa da juventude contribui
para manter desassistida essa parcela da população. Um levantamento realizado pelo
Ministério da Saúde, em janeiro, sobre o comportamento sexual dos brasileiros mostrou
que 67% da população entre 50 e 59 anos se diz sexualmente ativa. No grupo acima de 60
anos, o índice também é expressivo: 39%. A média de relações na parcela acima de 50
anos é de 6,3 ao mês. A responsabilidade por isso se deve, em parte, à difusão dos fármacos
para a disfunção erétil. A longevidade sexual da população está aumentando e a prevenção
às Doenças Sexualmente Transmissíveis precisa ser intensificada.
Do total de casos confirmados de Aids no Brasil, 6% eram verificados em pessoas
acima de 50 anos em 1991. Dez anos depois (última data com dados completos disponíveis),
o índice havia subido para 11%. Nos Estados Unidos, o cenário é o mesmo. Os casos de
Aids na população acima de 50 anos quintuplicaram na última década. As autoridades
tentam amenizar os fatos, mas o problema é concreto e alarmante. É preciso desmistificar
a idéia de que só jovem se contamina com o HIV.
Métodos
Neste estudo optamos por utilizar uma dupla abordagem metodológica: qualitativa e
quantitativa.
A pesquisa foi realizada qualitativamente com 12 individuos de ambos os sexos que
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frequentavam o ambulatório do Instituto de Infectologia Emilío Ribas. Nesta primera
fase do estudo qualitativo, optou-se por desenvolver-lo em duas etapas: entrevistas
individuais e oficinas de sexo seguro e DST/AIDS. Foram realizadas 12 entrevistas
individuais, semi-estruturadas, cujo roteiro incluía: nível de escolaridade, situação conjugal,
renda, religião, uso de preservativo, percepção da própria vulnerabilidade ao HIV, opinião
sobre o casamento, fidelidade, sexualidade e conhecimento sobre DST e AIDS. Os critérios
de elegibilidade para as entrevistas foram: individuos de ambos os sexos (5ria vulnerabilidade
ao HIV, opinião sobre o casamento, fidelidade, sexualidade e conhecimento sobre DST e
AIDS. Os critérios de elegibilidade para as entrevistas foram: individuos de ambos os
sexos (5de AIDS, com idade igual ao superior aos 50 anos. Todos os entrevistados eram
casados e tinham filhos. Todos os entrevistados assinaram consentimento pós-informado,
tendo sido resguardados sua confidenciabilidade e anonimato. Além disso, durante o período
de realização destas entrevistas foram distribuídos preservativos e folhetos educativos
sobre DST/AIDS. As entrevistas foram interpretadas utilizando-se a análise de conteúdo.
E cuantitativamente a amostra foi constituída por 76 individuos de ambos os sexos (40
@& e 36 B&) portadores de HIV que frequentavam o Centro de Referência e Tratamento
de Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS (CRT DST/AIDS - Secretaria de Estado
da Saúde, SP). Os dados foram colhidos por meio de questionários com preguntas fechadas
e abertas. Todos/as tinham idades igual ou superior aos 50 anos, de classe social variada,
mas com um ponto em comum: a infeção do HIV foi por vía sexual. As variáveis investigadas
foram: dados demográficos, estrutura familiar, conhecimentos sobre aids, percepção de
risco, mudanças ocorridas na vida após o diagnóstico, sexualidade, parceiro atual, uso de
preservativo, impacto do resultado em suas vidas depois de saberem ser portadores do
vírus, expectativas para o futuro, consumo de alcohol e uso de fármacos para a disfunção
erétil. Para análise dos dados, utilizou-se o SPSS – Statistical Package for Social Sciences
– versão Windows 8.0.
Discussão
Como demonstram os resultados a maioria adquiriu o vírus depois dos 50 anos, em
relações heterossexuais. A maioría dos individuos desta faixa etária que se deparam com
a doença tendem ao isolamento. Enquanto podem, escondem o diagnóstico da família, dos
vizinhos e dos amigos. Ainda não estão articulados em grupos de auto-ajuda nem dispõem
de ambulatórios especializados em lidar com a complexa experiência de envelhecer com
Aids. Raramente têm com quem dividir inseguranças e abominam ser alvo de discriminação.
O preconceito, em muitos casos, brota de dentro para fora e os impede de falar a verdade.
Aos 58 anos, a paulista Eliana Santos vai contra a corrente e não esconde que convive
com o vírus. ‘Sou pobre, preta, mulher. Vou ter medo de mais algum preconceito?’ Eliana
descobriu o HIV há cinco anos, quando já estava separada do marido e havia tido vários
parceiros. Não sabe quem a infectou, mas tem certeza de que pegou Aids por fazer sexo
sem preservativo. ‘Minha filha, então com 18 anos, ficou revoltada e me censurou’, conta.
A empregada doméstica soube se impor e procurar tratamento. Sobrevivente de um derrame
cerebral e em luta contra a hipertensão, Eliana coordena um grupo de apoio a soropositivos
na cidade de Sao Paulo. ‘Mulher da minha geração vê preservativo como anticoncepcional.
Quando entra na menopausa, acha que não precisa mais. Acaba infectada.’
Desde 1998, o lançamento de remédios que melhoram o desempenho sexual aumentou
a qualidade e a freqüência das relações. Os idosos vivem mais e melhor e se sentem seguros
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nas investidas amorosas. O problema é que a mensagem do sexo sem limitações não veio
acompanhada de educação para o uso do preservativo. ‘Vemos o Pelé divulgando o Viagra,
mas nenhum idoso aparece na TV falando de Aids’, diz Manuel arquitecto de 61 anos e
soropositivo. Numa tentativa de mudar este panorama o governo do estado de Sao Paulo a
través da sua Secretaria de Estado da Saúde em colaboração com o Programa Nacional de
DST/AIDS, está levando acabo parcerias com instituições como Sesc e Sesi para levar
noções de sexo seguro aos grupos de Terceira Idade. ‘Não descartamos a idéia de criar
campanhas de TV para idosos. Precisamos mobilizar essa população’ diz a responsável do
programa do estado Maria Clara Gianna diretora do Centro de Referência e Treinamento
de AIDS.
As drogas contra impotência não podem ser diretamente responsabilizadas pelo avanço
da epidemia na maturidade. O remédio mais antigo foi lançado há apenas cinco anos e os
dados epidemiológicos referem-se a infeções que provavelmente ocorreram há mais tempo.
Afinal, os sintomas da doença podem levar até oito anos para aparecer nos idosos. Mas
sem dúvida o Viagra e seus sucedâneos induziram mudanças de comportamento que abrem
espaço para o sexo desprotegido. Entre os idosos que se descobrem portadores do vírus, há
dois perfis clássicos: o do homem casado que se contamina com uma parceira mais jovem
e o das viúvas que redescobrem o sexo. Em qualquer dos casos, o preconceito é enorme.
São muitos os obstáculos ao uso do preservativo: os homens temem perder a ereção e ainda
acham que o cuidado só é necessário nas relações com prostitutas. As mulheres não sentem
necessidade de exigir o preservativo. Fazer sexo sem preservativo é particularmente arriscado
depois da menopausa, quando as paredes vaginais se tornam mais finas e ressecadas,
favorecendo o surgimento de ferimentos que abrem caminho para o HIV. Os raros estudos
internacionais sobre a infeção em idosos indicam que até 37% dos pacientes acima de 50
anos morrem no mesmo mês em que descobrem a doença. Entre 13 e 49 anos, esse índice
é de 10%.
O diagnóstico tardio é uma das principais razões de morte precoce. Os médicos costumam
associar os sintomas a outras doenças (Alzheimer, câncer, tuberculose) e passam meses em
investigações infrutíferas até desconfiar de Aids. É importante que ao receber um idoso no
consultório ou no posto de saúde, mesmo que seja apenas para medir a pressão arterial, o
profissional o alerte sobre a importância da prevenção, da mesma forma que se fala ao
adolescente, pois que, ainda existe o tabú de se falar sobre a sexualidade na terceira idade.
As interações do coquetel com outros medicamentos já utilizados pelos idosos também
produzem reações indesejáveis. Com a imunidade enfraquecida, eles morrem por qualquer
resfriado banal. Envergonhados, isolados e censurados pela familia “Tenho vergonha de
mim mesmo” desabafa Thomaz, 59 anos comerciante, casado, pai de 3 filhos e avó de 2
netos.
Conclusões
A prevenção às DST/AIDS entre os maiores de 50 anos é algo muito complexo como
vimos e representa um desafio para as atuais políticas de saúde pública que concentra sua
atenção na população jovem (entre os 20 e os 34 anos). A concepção arraigada na sociedade
de que sexo é prerrogativa da juventude contribui para manter desassistida essa parcela da
população com idade acima de 50 anos. Primeiro porque os idosos não são assexuados,
como muitos pensam. Depois, os profissionais que lidam com este público têm muita
dificuldade em abordar a sexualidade. E por último, o preservativo não faz parte da realidade
deles e as campanhas realizadas são voltadas aos jovens.
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Os programas de prevenção do HIV devem considerar também aspectos psicológicos,
socioecómicos e culturais que interferem na vulnerabilidade deste grupo etário, antes e
depois da infeção. Para haver maior alcance de suas ações, os programas devem desenvolverse nos locais frequentados por estes (centros de dia, centros recreativos, salas de baile,
bingos, etc.) e utilizar uma linguagem específica para este grupo.
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TRANSMISSÃO MÃE-FILHO DO VIH-1 E VIH-2:
ANÁLISE DE CASOS RECEBIDOS NO LABORATÓRIO
DE REFERÊNCIA DA SIDA ENTRE 1999 E 2005
Pádua E 1 - Lisboa - Portugal
INTRODUÇÃO
Um ano após a notificação do primeiro caso de SIDA num homem adulto em 1981,
foram notificados ao CDC os primeiros casos de SIDA em mulheres e crianças. Em menos
de uma década, a SIDA tornou-se a maior causa de morte em mulheres com menos de 45
anos de idade e em crianças, entre o primeiro e o quinto ano de vida. A transmissão mãefilho é a principal via de infecção VIH em crianças e jovens com menos de 15 anos de
idade. Dos 5 milhões de crianças infectadas, cerca de 90% nasceram no continente africano.
A transmissão pode ocorrer no útero, principalmente no último trimestre de gestação,
durante o desenvolvimento do trabalho de parto e na fase de expulsão, ou inclusivamente
após o nascimento, por ingestão de leite materno. Na ausência de qualquer intervenção
preventiva, o risco de transmissão da infecção VIH-1 a uma criança nascida de mãe infectada,
pode variar entre 15% a 25% nos países industrializados e de 25% a 35% nos países
considerados em vias de desenvolvimento. Estas diferenças podem ser explicadas pela
frequência e duração do período de amamentação.
Contudo, nos últimos anos, o espectro da infecção/doença pediátrica por VIH foi
visivelmente melhorado. Um dos maiores avanços no combate à infecção foi a prevenção
da transmissão mãe-filho do VIH através da implementação de medidas, clínicas e
terapêuticas específicas, na grávida infectada e no recém-nascido, no sentido de evitar a
transmissão do vírus1. Em países onde existe acesso a fármacos anti-retrovíricos, a
administração de regimes terapêuticos que provaram ser eficientes, tem permitido reduzir
as percentagens de transmissão para valores inferiores a 2%. A prática introduzida do
rastreio de anticorpos anti-VIH em grávidas, conduziu também ao declínio na transmissão
da infecção VIH, possibilitando nestas mulheres um tratamento precoce e cuidados especiais
de saúde. Porém, apesar do aparecimento de diferentes opções terapêuticas na última
década e das várias medidas preventivas adoptadas, a transmissão mãe-filho do VIH continua
a ocorrer em países desenvolvidos.
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Investigadora Auxiliar, Laboratório de Referência da SIDA, Instituto Nacional de Saúde Dr Ricardo Jorge
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Um diagnóstico precoce da infecção VIH num recém-nascido é considerado essencial, pois
permite a implementação adequada e em tempo oportuno, de uma estratégia clínica para reduzir
a probabilidade de aparecimento de sintomas e imunodeficiência nos primeiros anos de vida
destas crianças. Recomendações do CDC salientam a necessidade de detectar a presença de VIH
em recém-nascidos de mães infectadas através da utilização de técnicas de cultura ou de pesquisa
de ácidos nucleicos2,3. Apesar da cultura ter sido inicialmente recomendada, foi rapidamente
substituída na prática, pela técnica de PCR (polymerase chain reaction) para detecção do DNA
proviral do VIH (vírus integrado no genoma celular), sendo este um ensaio válido e adequado, de
maior sensibilidade e de resposta mais rápida para o diagnóstico precoce da infecção4,5. Esta
técnica é actualmente considerada gold standard para o diagnóstico da transmissão mãe-filho do
VIH.
Desde 1992 que o Laboratório de Referência da SIDA utiliza, neste âmbito ensaios para
pesquisa de DNA proviral do VIH-1 e VIH-2, como metodologias de eleição. Com base no
conhecimento sobre a elevada diversidade de vírus em circulação na população do País6, o algoritmo
experimental foi alterado e implementado após 1998, pela inclusão do estudo prévio de uma
amostra materna, no sentido de confirmar se os primers utilizados na reacção de amplificação são
potencialmente capazes de detectar o vírus ao qual a criança foi exposta. Este procedimento
laboratorial, recomendado cinco anos depois nas guidelines publicadas na Communicable Disease
and Public Health7, pode reduzir o risco de resultados falsos negativos, quer pela ocorrência de
primer-template mismatches8,9 devida à diversidade genética dos vírus, quer pela profilaxia pósexposição que atrasa o aparecimento de marcadores da infecção VIH7.
Entre 1999 a 2005, e no âmbito da aplicação de técnicas de PCR DNA para o diagnóstico da
transmissão mãe-filho do VIH-1 e VIH-2, foram recebidas no Laboratório de Referência da
SIDA, cerca de 5800 amostras de sangue, provenientes de diferentes Instituições de Saúde
Nacionais. Estas amostras correspondem ao estudo de 1450 crianças em risco de infecção VIH
(em média 207 crianças/ano) e respectivas mães.
OBJECTIVO
Determinar a evolução das taxas de transmissão do VIH-1 e VIH-2 durante um período
de sete anos (1999 to 2005), de forma a avaliar a situação epidemiológica após a
implementação nacional das medidas terapêuticas e clínicas de prevenção da transmissão
mãe-filho do Vírus da Imunodeficiência Humana.
MATERIAL E MÉTODOS
Caracterização da população em estudo:
Entre Janeiro de 1999 a Dezembro de 2005 e, em acordo com o algoritmo para
diagnóstico da Transmissão mãe-filho seguido no laboratório, foram recebidas 5800
amostras, correspondentes a 1450 recém-nascidos e respectivas mães infectadas pelo VIH,
provenientes de 28 Instituições de Saúde (Maternidades e Hospitais) das regiões Centro e
Sul de Portugal (Tabela 1). Foram analisados os dados demográficos e clínicos
disponibilizados, incluindo a informação sobre o cumprimento das estratégias de prevenção
(sim/não) da transmissão mãe-filho. A taxa anual de transmissão do VIH foi determinada
atendendo ao ano de nascimento das crianças em estudo.
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Tabela 1 – Proveniência das amostras no período de estudo.
Periodicidade das colheitas, algoritmo laboratorial e critérios de interpretação:
a) Na maioria dos recém-nascidos, a primeira amostra de sangue foi colhida 48 horas
após nascimento e recebida no laboratório simultaneamente com amostra de sangue
materno. A cronologia das colheitas subsequentes, dependente da planificação e aderência
às consultas, foi para a maioria dos casos a seguinte: a 2ª amostra colhida entre o 1º e 2º
mês de vida, a 3ª amostra entre o 2º e 4º mês de vida e a 4ª amostra próximo do 6º mês de
vida da criança.
b) O DNA foi extraído a partir de células do sangue periférico por colunas QIAamp
DNA blood Midi kit (Qiagen) usando o procedimento recomendado pelo fabricante.
c) A detecção de DNA proviral do VIH-1 e/ou VIH-2 foi efectuada utilizando uma
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reacção in-house de nested-PCR com primers específicos para a região pol e/ou LTR do genoma do
VIH-1 e VIH-2. Os primers e as condições de amplificação utilizados foram os referidos na
literatura10,11,12. Controlos negativos e positivos foram incluídos em todas as séries de PCR efectuadas,
tendo sido seguidas as linhas de orientação e os procedimentos práticos no sentido de evitar contaminações.
d) Os produtos foram visualizados em gel de agarose a 1,6% contrastado em brometo de etídio
(0,5mg/ml).
e) O diagnóstico de infecção na criança foi confirmado através de resultados positivos em duas
amostras consecutivas. Resultados consistentemente negativos, até aos seis meses de vida da criança
em estudo, indicaram não ter ocorrido transmissão do vírus.
RESULTADOS
Do total de 1450 crianças seguidas laboratorialmente, 1312 estavam em risco de infecção
por VIH-1, 132 por VIH-2 e 6 por ambos os vírus. A transmissão vertical foi confirmada
em 47 casos para o VIH-1 e em 2 casos para o VIH-2 (Figura 1). A taxa global de transmissão
mãe-filho do VIH encontrada foi de 3,4% (Tabela 2).
Figura 1 – Número de casos de transmissão
mãe-filho do VIH
Tabela 2- Total de crianças em
risco para VIH-1 e/ou VIH-2.
* - Criança infectada por VIH-1.
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· Durante o período em estudo foi observado um decréscimo significativo das proporções
de transmissão mãe-filho do VIH, alcançando no ano de 2005 um valor mínimo de 0,4%
(Figura 2) ao qual foi associado uma percentagem máxima de cumprimento das estratégias
de prevenção que atingiu 83,1% (Figura 3).
Figura 2 – Proporção anual de casos
de Transmissão Vertical do VIH
Figura 3 – Distribuição percentual de mães
VIH-1 atendendo à prevenção
· A maioria das crianças verticalmente infectadas (77,6%, n=38) nasceram de mães
que não cumpriram medidas de prevenção durante a gravidez (Figura 4). A transmissão
mãe-filho do VIH ocorreu em 10,6% dos casos em que não foram seguidas medidas de
prevenção e em apenas 0,8% dos casos em que essas medidas foram cumpridas. Uma
associação estatisticamente significativa foi observada entre as taxas de transmissão do
VIH e a falta de prevenção (T. exacto de Fisher, p<0.0001) (Figura 5).
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Figura 4 – Distribuição das crianças
infectadas com VIH
Figura 5 – Distribuição do total dos casos
estudados atendendo à prevenção
· Um diagnóstico feito antes do 7º dia de vida da criança foi conseguido em 22 (64,7%)
dos 34 recém-nascidos cuja primeira amostra foi colhida no período recomendado. No
entanto, independentemente da altura da primeira colheita, o diagnóstico da infecção VIH
foi realizado numa primeira amostra em 36 (73,5%) do total das 49 crianças infectadas.
· Não foi observada associação entre a transmissão do VIH e o género das crianças
infectadas (Figura 6).
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Figura 6 – Distribuição de crianças
infectadas com VIH por género
· Relativamente à prevenção da transmissão mãe-filho do VIH-2, os resultados
revelaram uma elevada percentagem de mães que não cumpriram qualquer medida de
prevenção (Figura 7).
Figura 7 – Distribuição percentual dos casos
de mães VIH-2 atendendo à prevenção
CONCLUSÃO
O algoritmo utilizado no laboratório, baseado em técnicas de PCR para pesquisa de
DNA proviral mostrou ser eficiente para um diagnóstico precoce da transmissão mãe-filho
do VIH -1 e VIH-2 (inferior aos 2 meses de vida). Apenas em 3 casos (6,1%), o diagnóstico
da infecção foi efectuado entre os 2 e os 4 meses de vida, correspondendo à terceira amostra
da criança em estudo. Em apenas um caso, ocorreu um diagnóstico tardio, aos 15 meses de
vida da criança, tendo esta sido seguida em protocolo até aos 4 meses de vida. Contudo, em
análise retrospectiva das 3 amostras enviadas ao laboratório (4 dias, 2 e 4 meses de vida),
não foi detectado nesse período um pico de antigénio a que pudesse corresponder uma
infecção e todas as determinações de RNA do VIH-1 foram indetectáveis nessas amostras.
Por outro lado, foi observada uma elevada sensibilidade da técnica, sendo a proporção de
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insucesso na amplificação de amostras maternas dentro dos limites esperados (inferior a
5%) e correspondendo na maioria a casos em terapia anti-retrovírica, com duas ou mais
drogas, valores indetectáveis de vírus em circulação plasmática e com valores de CD4
superiores a 500 cél/mL
Durante o período de estudo, foi observada uma irregular e baixa intervenção preventiva
da transmissão mãe-filho do VIH-2, comparativamente com a infecção VIH-1, indicando a
necessidade de definir estratégias nacionais de prevenção, específicas para este tipo de
vírus em circulação na população. Contudo, ocorreram apenas dois casos de Transmissão
Vertical do VIH-2, confirmando que neste contexto a transmissão deste tipo de vírus é um
acontecimento raro.
A globalidade dos resultados revelou um decréscimo de transmissão do VIH associado
a um aumento do cumprimento das medidas de prevenção ao longo dos anos. Porém,
continuam a existir casos de mulheres grávidas cujo status serológico para o VIH é
desconhecido até à data do parto. Por isso sugere-se, um reforço na implementação nacional
do rastreio da infecção VIH, antes e durante a gravidez, seguindo a directiva da DirecçãoGeral da Saúde (circular normativa Nº1/DSMIA) que será um caminho importante para
uma intervenção eficaz na redução da transmissão mãe-filho do VIH no país.
APÊNDICE
Profissionais de Saúde e Instituições que colaboraram no protocolo laboratorial para o
estudo da transmissão mãe-filho do Vírus da Imunodeficiência Humana:
J. Castela, A. Birne, J. Nona (Maternidade Alfredo da Costa); C. Neves (Hospital Dr
Fernando da Fonseca); M. Pinheiro, A. Mouzinho, A. F. Prata (Hospital de Santa Maria);
E. Reis, M. Tuna (Hospital São Francisco Xavier); I. Soares, G. Caldas (Hospital Garcia de
Orta); M. Fialho, A. M. Martins (Hospital Conde Castro Guimarães); H. Loreto (Hospital
Distrital de Torres Vedras) [LISBOA]. L. Caturra (Hospital São Bernardo); T. Ferreira, L.
Cabrita (Hospital Nossa Senhora do Rosário); [SETÚBAL]. V. Cardoso, A. Silva Coelho
(Maternidade Bissaya Barreto); M. Branco, V. Martins (Maternidade Daniel de Matos);
M. G. Rocha (Hospital Pediátrico de Coimbra); L. Martins (Hospital Distrital da Figueira
da Foz); [COIMBRA]. M. J. Virtuoso, T. Campos (Hospital Distrital de Faro); [FARO]. E.
Oliveira (Hospital Distrital de Santarém); M. A. Ferreira (Hospital Doutor Manoel
Constâncio); P. F. Silva (Hospital Rainha Santa Isabel); P. Moreira (Hospital Distrital de
Tomar) [SANTARÉM]. M. M. Flores (Hospital de Aveiro); [AVEIRO]. V. Inês (Hospital
Doutor José Maria Grande) [PORTALEGRE]. J. Agro (Hospital Santo André); J. P. Luis,
F. Rebelo (Hospital das Caldas da Rainha) [LEIRIA]. A. João (Centro Hospitalar de Vila
Nova de Gaia); [PORTO]. F. Ferreira (Hospital José Joaquim Fernandes) [BEJA]. F. Dinis
(Hospital Espírito Santo) [ÉVORA].
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BIBLIOGRAFIA
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A PATOLOGIA ORAL EM DOENTES HIV
Alves L a, Lavandeira T A b, Mota M c, Vieira R d - Felgueiras - Portugal
INTRODUÇÃO
O Médico Dentista desempenha um papel importante no diagnóstico e tratamento dos
pacientes portadores de HIV, tendo em vista que na sua maioria, a primeira manifestação
é na cavidade oral, o que pode valorizar o prognóstico da doença
Ao fazer parte de equipas multidisciplinares, o Médico Dentista, tem entre outras
atribuições, promover e adequar a saúde oral destes pacientes permitindo-lhes melhorar a
sua qualidade de vida. A principal característica da infecção pelo HIV é a diminuição
progressiva da imunidade celular e o consequente aparecimento de infecções oportunistas
e neoplasias malignas.
A cavidade oral encontra-se entre os diversos órgãos e sistemas que podem ser afectados,
apresentando uma ampla variedade de manifestações, como a candidíase, ulcerações da
mucosa, eritema gengival linear, periodontite necrosante aguda, sarcoma de Kaposi e linfoma
não-Hodgkin, entre outras.
Os factores que predispõe as lesões orais são a existência de células CD4+ <200 células/
mm3, a xerostomia, a fraca higiene oral e hábitos tabágicos.
MATERIAIS E MÉTODOS
O estudo pretendia avaliar a existência de patologia oral e manifestações orais associadas
ao HIV. No estudo participaram 46 pacientes portadores do vírus HIV, de ambos os sexos.
O estudo realizou-se na Unidade de Doenças Infecto-contagiosas do Centro Hospitalar de
Vila Nova de Gaia. Foi avaliada a existência de lesões orais (ex.: candidíase, HSV-1,
sarcoma de Kaposi, linfoma de não-Hodgkin, HPV, CMV) mais frequentemente associadas
La Salete Alves, Médica Dentista, [email protected]
Teresa Alexandra Lavandeira, Médica Dentista
c)
Margarida Mota
Assistente Hospitalar de Medicina Interna - C. H. Gaia
d)
Rosas Vieira, Chefe de Serviço de Medicina Interna - Director do Serviço de Medicina Interna do C. H. Gaia
a)
b)
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ao HIV e foi determinado: o índice CPO, a existência de patologias periodontais/gengivais
( Classification System for Periodontal Diseases and Conditions de Gary C. e Armitage), a
frequência de escovagem e a presença de reabilitação protética (fixa/removível). A avaliação
foi determinada através de um inquérito e pela observação clínica dos doentes.
RESULTADOS
Nestes 46 pacientes a leitura dos dados que obtivemos pareceu-nos de melhor
compreensão se apresentada em gráficos e tabelas que iremos comentando à medida que
forem sendo apresentados.
Na amostra estudada, 12 dos pacientes (26%) eram do sexo feminino e 34 (74%) do
sexo masculino.
Estavam medicados com terapêutica antiretroviral (tab.1), 22 pacientes do sexo
masculino e 11 do sexo feminino.
Tab. 1 – Terapêutica antiretroviral.
No Gráfico 1 – Vias de Transmissão. Pelos dados verificamos que a amostra estudada,
apresentava mais infectados na via da toxicodependência, porque 28 dos 46 pacientes de ambos
os sexos foram assim infectados. Destes 28 pacientes, 25 (54,3%) são homens, enquanto 3 (6,5%)
são mulheres.
Olhando a gráfico 1, poderemos ver que é igual o número de infectados pela via sexual em
ambos os sexos mas, ao inserirmos os dados, o peso que cada um dos sexos representa na amostra,
vemos então uma outra verdade. Nas 12 mulheres pesquisadas no total existem 9 infectadas por
esta via, o que significa uma grande percentagem de 75% dos pacientes do sexo feminino, enquanto
que nos 34 pacientes do sexo masculino os tais 9 infectados só representam 26,1% do seu todo.
Nestes 9-a-9, afinal mostra-se que os infectados masculinos pela via sexual são quase três
vezes menos que os do sexo feminino. Falso empate.
Gráf. 1 – Vias de Transmissão.
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144
No Gráfico 2 podemos ver a representação das patologias e manifestações orais que, na
mesma amostra, nos apareceram ligadas ao HIV. Metade do circulo representa os pacientes
com Xerostomia, 17% dele os pacientes com Queilite Angular, 11% aqueles que
apresentavam Eritema Gengival Linear e com uma igual percentagem de 7% vemos no
mesmo circulo os pacientes com GUNA (Gengivite Ulcerativa Necrosante Aguda) e PUNA
(Periodontite Ulcerativa Necrosante Aguda). Finalmente a ocuparem cada uma com 2%
aparecem-nos a Candidíase Oral e o Sarcoma de Kaposi.
O Linfoma Não-Hodgking, a Tricoleuplasia, a Estomatite Aftosa e o Herpes Vírus não
foram por nós encontrados em nenhum paciente desta amostra.
Gráf. 2 – Patologias e manifestações orais associadas ao HIV.
No Gráfico 3 apontamos “Outras Infecções Associadas” que existiam nos pacientes do
nosso estudo, e pela mesma prática de forma circular pode-se ver que a maior parte dos
infectados com HIV têm outras infecções associadas, já que só 38% dos pacientes da
amostra não apresentam infecções associadas. Já 38% tinham Hepatite C, 14% Tuberculose,
e com a percentagem de 4% aparecem-nos as Pneumonia e Toxoplasmose Cerebral.
Finalmente com 2%, a Hepatite B.
Gráf. 3 – Outras infecções associadas ao HIV.
Relacionando a Xerostomia com as patologias e manifestações orais na amostra, podemos
afirmar que: todos os pacientes com GUNA, PUNA, EGL, Candidíase Oral e Sarcoma de
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Kaposi tinham Xerostomia. Por outro lado, alguns pacientes com Xerostomia não tinham
GUNA, PUNA, EGL.
Constatou-se que 7 dos 9 pacientes infectados com Queilite Angular tinham Xerostomia.
No Gráfico 4 verifica-se que 24 (70,5%) homens dos pacientes da amostra fumavam e
que 2 (16,6%) mulheres o faziam.
Gráf. 4 – Pacientes fumadores com HIV.
Em relação aos hábitos tabágicos podemos afirmar que a maioria dos pacientes com
Xerostomia eram fumadores (18). Todos os pacientes com GUNA , PUNA, Candidíase Oral
e Sarcoma de Kaposi eram fumadores. Já 50% dos pacientes com EGL eram fumadores e
77,7% dos pacientes com Queilite Angular eram fumadores.
Relativamente à Higiene Oral (gráfico 5), verificamos que 52% não escovavam os dentes,
13% escovavam os dentes uma vez por dia, 28% escovavam os dentes duas vezes por dia e
7% escovavam os dentes três vezes por dia.
Gráf. 5 – Hábitos de Higiene Oral em portadores de HIV.
No Gráfico 6 relacionamos os hábitos de escovagem com as patologias encontradas.
Verificou-se que 75% dos infectados com GUNA e PUNA não escovavam os seus dentes,
25% com GUNA escovavam-nos uma vez por dia, 83% dos infectados com EGL não
escovavam os dentes, 17% com EGL escovavam-nos uma vez por dia, 100% dos infectados
com Candidíase Oral não escovavam os dentes, 100% dos infectados com Sarcoma de
Kaposi não escovavam os dentes, 55% dos infectados com Queilite Angular não escovavam
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os dentes, 22,2% escovavam-nos uma vez por dia e 22,2% escovavam-nos duas vezes por
dia.
Gráf. 6 – Hábitos de Higiene Oral e patologias associadas em portadores de HIV.
No Gráfico 7, relativa ao uso de uma Solução de Bochecho, 11,1% dos infectados com
Queilite Angular fizeram bochechos. Nas restantes patologias não houve quem fizesse
bochechos.
Gráf. 7 – Hábitos de Bochechos e patologias associadas em portadores de HIV.
Nenhum dos pacientes da amostra utilizava fio dentário.
No Gráfico 8, relativamente à Reabilitação Protética, verificamos que os infectados do
sexo masculino que usam prótese são seis vezes mais do que os do sexo feminino. É muito
pequeno o número de infectados que usam prótese (15,6%) e todas estas são acrílicas.
Gráf. 8 – Reabilitação Protética em portadores de HIV.
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Relativamente ao Índice CPO (tab. 2), que consiste na soma dos dentes definitivos cariados
(C) perdidos (P) e obturados (O), a média do Índice CPO observada na amostra foi de 15,8.
Tab.2 – Códigos propostos pela OMS (1997) para obtenção do Índice CPO-D e seus
respectivos significados clínicos.
O valor médio das células CD4+ observado na população portadora de HIV foi de 317.
DISCUSSÃO
As infecções associadas ao HIV mais comuns são a Tuberculose e logo a seguir a Hepatite C.
Apenas 36,9% dos portadores de HIV estudados não apresentavam outras patologias.
A via de transmissão mais frequente foi a associada à toxicodependência (endovenosa).
As lesões orais mais usuais são a queilite angular e o EGL (eritema gengival linear).
A xerostomia surgiu na maioria dos portadores (58,7%).
O elevado Índice CPO obtido está relacionado com os hábitos irregulares de higiene oral (na
sua maioria ausentes – 52,17%) e com o número de lesões orais.
Os que têm hábitos tabágicos apresentam na sua maioria xerostomia e lesões orais.
Todos os pacientes necessitam de tratamentos dentários e um grande número deles inclusivamente
da reabilitação protética.
O valor médio das células CD4+ encontrado traduz uma imunossupressão moderada, e talvez
por isso, não foram diagnosticadas com maior frequência as lesões orais mais frequentes (ex.
candidíase oral).
Independentemente do grau de imunossupressão, o tratamento periodontal dos pacientes HIV+,
deve ser guiado pelos mesmos parâmetros que para os pacientes HIV-.
Os tratamentos médico-dentários são essenciais aos portadores do vírus HIV, e deveriam estar
totalmente integrados com os outros cuidados de saúde, livres de barreiras culturais, estruturais e
financeiras.
REVISÃO TEÓRICA
Nos portadores HIV são muito frequentes as manifestações de candidíase oral nos seus 4 tipos:
pseudomembranosa, eritematosa, hiperplásica e queilite angular, estando estas associadas a um
elevado grau de imunossupressão (Nielsen et al, 1994).
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148
A queilite angular pode resultar da perda da dimensão vertical, de deficiências vitamínicas
(tiamina e riboflavina) sendo uma reacção secundária à estomatite protética e geralmente como
resultado de uma infecção por Candida albicans.
A família dos herpesvírus é a que produz o maior número de infecções orais, além do EBV,
podem ser encontradas lesões causadas por citomegalovírus (CMV), pelo herpes simplex tipo I e
pelo vírus Varicela Zoster. O herpes simplex e o herpes zóster, apesar de serem relativamente mais
comuns, apresentam um quadro clínico mais severo que o usual, com lesões extensas e prolongadas
(Pindborg, 1992).
No EGL há um envolvimento da gengiva marginal, sem perda óssea, com possível evolução
para a GUNA e PUNA. Formam-se depósitos de placa bacteriana mínimos, e surge hemorragia
espontânea. Está associado à Candida albicans e tem uma resposta fraca ao tratamento
convencional.
A PUNA afecta as estruturas ósseas do periodonto. Clinicamente apresenta eritema gengival
e edema, com hemorragia espontânea, perda das papilas interdentárias (necrose) e formação de
crateras, dor (severa, profunda e localizada nas crateras), rápida destruição periodontal. Em
alguns casos, pode resultar em perdas ósseas de 90% à volta dos dentes, num período de 12
semanas. Se não for tratada pode conduzir à exposição do osso alveolar.
Na Microflora Periodontal nos pacientes HIV+, é difícil identificar quais são os agentes
patogénicos específicos para a destruição do periodonto, visto existirem mais de 300 a 400
espécies encontradas na placa bacteriana. As patologias periodontais observadas não são resultado
de uma única bactéria, mas sim de uma associação bacteriana complexa
Nos casos de gengivite, a flora supragengival é muito abundante. No curso das periodontites,
as taxas elevadas de certas espécies fazem com que elas sejam consideradas como patogénios
potenciais.
Os agentes microbianos Actinobacillus actinomycetemcomitans (A.A.), Porphyromonas
gingivalis, Prevotella intermédia e Fusobacterium nucleatum são os mais frequentes no EGL e na
PUNA.
O Actinobacillus actinomycetemcomitans pode ter uma particularidade de bactéria
“clandestina” por ter habilidade em invadir os tecidos periodontais. A leucotoxina, principal
factor de virulência, eliminada pelo Actinobacillus actinomycetemcomitans, leva à morte os
leucócitos polimorfonucleares.
Não existe grande diferença na microflora periodontal em comparação com pacientes HIV-.
A xerostomia basicamente quer dizer “secura da boca”. Deriva da disfunção das glândulas
salivares, pelas mais variadas razões. A xerostomia crónica ou prolongada no tempo predispõe à
cárie dentária pois a saliva ajuda a combater as bactérias responsáveis pela cárie e a problemas
periodontais que inevitavelmente levam a perda de peças dentárias.
Relativamente à Terapêutica Antiretroviral em pacientes HIV, há redução das infecções orais
em 37,5 – 47,6% (Patton et al, 2000); há redução dos casos de Leucoplasia pilosa, PUNA e
Sarcoma de Kaposi e aumento do número de casos de HPV (Preenspan, 2002).
Num estudo que mostrou a frequência das manifestações orais da infecção pelo HIV em países
da Europa (Porter et al., 1989; Schulten et al., 1989; Moniaci et al., 1990; Laskaris et al., 1992;
Ceballos-Salobreña et al., 1996), os autores concluíram que a candidíase e a doença periodontal
são as mais frequentes manifestações orais nos portadores do vírus HIV.
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149
BIBLIOGRAFIA
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ENTRE O SABER E O AGIR
Monteiro M J - Vila Real - Portugal
A dispersão mundial da SIDA bem como o conhecimento de que o controlo da epidemia
depende do comportamento das pessoas, obriga a uma reorientação da investigação relativa
aos factores de risco comportamentais, incluindo todos os processos que lhe estão
intimamente ligados, tais como crenças, expectativas, cognições, entre outros. Aliás,
conforme é sublinhado pela OMS, os estudos sobre conhecimentos, atitudes, crenças e
práticas (KABP) são úteis para alcançar uma avaliação prévia da situação e para apoiar a
formulação de políticas de prevenção (WHO, 1990, referido por Lucas, 1993). O autor,
citando os resultados obtidos por cientistas sociais, advoga que “os indivíduos só procurarão
modificar comportamentos desde que possuam os níveis mínimos de conhecimento e
motivação de saúde relevante, que se vejam a si próprios como potencialmente vulneráveis,
que vejam a doença como ameaçadora ou grave, que estejam convencidos sobre a eficácia
da medida ou comportamento preventivo e que sintam ou experimentem poucas dificuldades
para executar a acção recomendada” (p.104).
Uma vez que é clara a relação causal entre comportamentos imunogénicos e saúde e
comportamentos patogénicos e doença, Ogden (1999) sublinha que os comportamentos
que adoptamos são uma consequência dos nossos pontos de vista mutáveis sobre as normas
sociais relevantes para qualquer comportamento e das nossas próprias atitudes em relação
a esse comportamento. Assim, “o comportamento não saudável é muitas vezes mantido
por processos culturais e sociais e que quaisquer tentativas para influenciar o comportamento
de saúde que ignorem estes processos serão em boa parte mal sucedidas” (Ribeiro, 1998,
164).
Neste sentido propomo-nos, contextualizar os conhecimentos e atitudes face ao
preservativo, como componentes preditivos importantes do comportamento de adesão ao
seu uso, considerando-se, este, como o resultado de um processo formal de tomada de
decisão. A relação atitude-comportamento e a relação mudança atitudinal-modificação
comportamental são particularmente importantes para a resolução de problemas reais,
como a resistência ao envolvimento em comportamentos de saúde ou a persistência de
hábitos prejudiciais à mesma.
Uma explicação breve do que são atitudes, constitui uma tarefa árdua na medida em
que nos apercebemos da revisão da literatura da multiplicidade de formulações. De entre
as definições consideradas mais englobantes temos a de Allport, que define atitude como
“uma organização duradoura de crenças e cognições em geral dotada de carga afectiva
pró ou contra um objecto social definido, que predispõe a uma acção coerente com as
cognições e afectos relativos a este objecto”, ou como “a tendência para avaliar um «objecto
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151
de atitude» particular de forma mais ou menos favorável ou desfavorável” (Stroebe &
Stroebe, 1995). Trata-se, portanto, de predisposições estáveis para avaliar, ordenar e
determinar a relação do Homem com o meio ambiente e para agir em conformidade,
dando um sentido unitário e singular à sua actividade. Neste sentido um dos principais
problemas que tem afectado o domínio da prevenção, que quase exclusivamente recorre à
disseminação da informação, diz respeito à ambiguidade que caracteriza a relação teórica
entre conhecimentos e a mudança atitudinal e comportamental e foi neste contexto que
estabelecemos os seguintes objectivos: I) Conhecer o comportamento sexual dos jovens; II)
Enquadrar os conhecimentos e atitudes face ao preservativo no âmbito da infecção pelo
VIH; III) Contribuir para o aperfeiçoamento e eficácia das estratégias promoção/educação
para a saúde.
Caminho metodológico
A população do estudo foi constituída por 5.890 estudantes que frequentavam o 10º,
11º e 12º ano de escolaridade de dezoito escolas do distrito de Vila Real. A distribuição
percentual dos jovens por ano de escolaridade decresce de forma significativa sendo de
43.4% no 10º ano, 28.3% no 11º ano e 28.1%. no 12º ano. Em relação ao número de
alunos por sexo, diziam respeito ao sexo feminino 3.318 (56.3%) e ao sexo masculino
2.572 (43.7%), com uma diminuição significativa dos estudantes do sexo masculino nos
diferentes anos de escolaridade. A técnica de amostragem a que recorremos foi de tipo
probabilística, estratificada, e proporcional, tendo em conta as diferenças numéricas
verificadas na população de estudantes, quanto ao sexo e ano de escolaridade. Assim,
constituíram a amostra 1.152 estudantes, dos quais 672 do sexo feminino (58.3%) e 480
do sexo masculino (41.7%), com idades compreendidas entre os 14 e os 20 anos, sendo a
média de 16.42 anos, cuja distribuição por ano de escolaridade e sexo se apresenta
seguidamente.
Com o objectivo de proceder à avaliação dos conhecimentos e atitudes face ao
preservativo, foi solicitado aos jovens a sua expressão através de uma escala com três
respostas alternativas, qualitativamente diferentes e mutuamente exclusivas (concordo,
sem opinião e discordo) face a um conjunto de oito afirmações, das quais três diziam
respeito aos conhecimentos sobre este método de prevenção e as outras cinco afirmações
estavam relacionadas com as atitudes face ao mesmo.
Apresentação e discussão dos resultados
Os programas de educação para a saúde, no seu início enfatizavam a monogamia ou,
pelo menos, a redução do número de parceiros sexuais. Mais recentemente, a adopção do
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152
preservativo tem sido a medida comportamental que mais se destaca, numa tentativa de
desenvolver campanhas de promoção da saúde bem sucedidas. Os conhecimentos e atitudes
que os sujeitos têm relativamente a este método de prevenção, apresentam-se como
componentes preditivos importantes para o comportamento de adesão à sua utilização,
cujos resultados passamos a apresentar:
Podemos constatar, da distribuição das respostas dos inquiridos pelas diferentes opções
(concordo, sem opinião e discordo), que relativamente ao domínio dos conhecimentos sobre
o preservativo, a maioria afectou o seu posicionamento à opção correcta. Assim, no que se
refere às diferentes afirmações:
- 91.7% dos inquiridos considera que o preservativo quando usado correctamente
constitui um método eficaz para evitar uma gravidez;
- 48.7% refere que, a utilização do preservativo é mais adequada quando se tem
relações sexuais com parceiros ocasionais, merecendo uma apreciação pertinente o número
de respostas assinaladas para as outras duas opções;
- 94.3% considera que, e tratando-se de uma questão fundamental para a avaliação
de conhecimentos sobre o preservativo, a sua utilização é uma barreira imprescindível à
transmissão de doenças sexuais. No entanto, sendo um conhecimento básico, não deixa de
ser preocupante o número de respondentes que não emitiram opinião (2.3%) e que afirmaram
discordar com a afirmação (3.4%).
Apesar dos resultados obtidos evidenciarem um bom nível de conhecimentos, constatouse, no entanto, que foram os elementos do sexo masculino, os jovens que já iniciaram
actividade sexual, bem como aqueles que não utilizaram método de protecção, que
demonstraram possuir em média mais conhecimentos. Em relação a este aspecto, parecenos oportuno pôr em causa a lógica linear dos modelos cognitivos, que aceitam o pressuposto
geral segundo o qual as mudanças comportamentais decorrem do débito e do processamento
racional da informação, e que tem dado sustentabilidade a muitas das campanhas de
educação para a saúde (Ogden, 1999).
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153
No que se refere às afirmações relativas às atitudes quanto ao preservativo, os resultados
obtidos foram os seguintes:
- “A utilização do preservativo torna as relações sexuais menos satisfatórias”:
tratando-se de uma questão que se enquadra, não exclusivamente no domínio dos
conhecimentos, mas fundamentalmente das crenças pessoais, a distribuição das respostas
não podia ser mais elucidativa, com uma dispersão pelas diferentes opções: “concordo”
(22.5%), “discordo” (21.2%), tomando a dianteira o item “sem opinião” (56.3%);
- 39.3% dos inquiridos mencionaram que é fácil usar o preservativo durante as relações
sexuais, no entanto, é importante sublinhar que 54.1% não têm opinião;
- 82.9% expressaram uma posição de discordância quanto à não utilização de
preservativos por motivos religiosos, 73.2% discordam quanto à afirmação de que a
utilização de preservativos é ofensiva para os namorados e 41.8% considera que o preço
dos preservativos é demasiado elevado para que possam ser usados regularmente.
As atitudes face ao preservativo foram em média superiores no sexo feminino, nos
sujeitos que ainda não tiveram relações sexuais e nos que referiram utilização de método
de protecção. Ao confrontar com os resultados sumariados noutros estudos, comprovámos
alguns aspectos: Morrison et al. (1994), numa amostra de adolescentes com idades
compreendidas entre os 14-19 anos, com um conjunto de factores de risco associados ao
comportamento sexual, apresentavam um bom nível de conhecimentos sobre o preservativo
e DST’s, ao que, no entanto, não correspondia atitudes positivas quanto ao uso ou intenção
de usar o preservativo, quer com o parceiro habitual ou casuais. Sublinham os autores que,
apesar da eficácia dos programas preventivos no domínio cognitivo, o mesmo não se verificou
nas mudanças de atitudes e nas percepções negativas face a este método de protecção;
Mathai et al. (1997), numa amostra considerável de adolescentes, constataram um bom
nível de conhecimentos sobre o preservativo, e em geral superiores no sexo masculino,
como também Sunmola, Dipeolu, Babalola e Adebayo (2003) verificaram, quer um bom
nível de conhecimentos sobre o preservativo, em que a eficácia deste método foi mais
salientada pelo sexo masculino, quer o seu uso frequente. De igual modo, muitos autores
têm sublinhado que a mudança de comportamentos entre estudantes adolescentes e jovens
adultos é muito pouco perceptível se não mesmo inexistente (DiClemente et al.1990; Fischer
& Misovich, 1990).
Dos resultados obtidos salientamos que o conhecimento de algum método de prevenção
foi mencionado por 73.8% do sexo masculino para 86.1% do sexo feminino, merecendo
particular análise, na medida em que o comportamento futuro de utilização de método de
prevenção pode estar condicionado pela falta de um conhecimento partilhado por ambos os
sexos. As atitudes face ao preservativo foram em média superiores no sexo feminino, nos
sujeitos que ainda não tiveram relações sexuais e nos que referiram utilização de método
de protecção e que sugerem uma reflexão mais aprofundada em torno das barreiras que se
têm colocado às mudanças de comportamentos. Se por um lado, a aquisição de
conhecimentos acerca do preservativo se mostrou particularmente consistente, as mudanças
de atitudes e comportamentos não foram tão substanciais. Com efeito, o conhecimento
adquirido teve um impacto moderado na expressão de atitudes promotoras de
comportamentos de sexo seguro, como se pode constatar quando 22.5% dos jovens
consideraram que a utilização do preservativo torna as relações sexuais menos satisfatórias
e somente 39.3% referiram que é fácil a sua utilização. Não pode, também, deixar de ser
considerado a importância do aspecto económico (41.8% consideraram o seu preço elevado),
SIDA
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154
e que pode ter um carácter restritivo ao uso consistente do preservativo. Por outro lado, as
diferenças entre os sexos, os rapazes possuindo mais conhecimentos e as raparigas atitudes
mais favoráveis, parecem esboçar os contornos de mudança na esfera da sexualidade, que
têm vindo gradualmente a verificar-se no sexo feminino, tornando-o mais plástico e aberto
às mensagens estereotipadas ou preconceituosas do contexto social e que definem os papéis
associados ao masculino e ao feminino. No entanto, e como a prática de sexo seguro apela
a uma relação de paridade e parceria, seria desejável que houvesse unicidade entre os sexos
quanto ás duas dimensões mais predictoras para o uso do preservativo.
Na medida em que os conhecimentos e atitudes face ao preservativo são elementos
fundamentais na determinação, consecução e eficácia das estratégias preventivas, parecenos oportuno, a formulação de diferentes abordagens educativas, de entre as quais, a
diferenciação por sexos e até mesmo por diferentes processos experienciais, tais como
actividade sexual e experimentação de métodos de protecção (aspectos que merece alguma
sensibilidade e precaução), e que poderá ser uma alternativa a processos educativos
fortemente marcados pela massificação amorfa da informação. Assim, é importante
considerar e compreender as perspectivas dos jovens ao nível da formação das atitudes, o
papel desempenhado pelos processos de influência social (normas e pressões do grupo de
pares) na regulação dos comportamentos do adolescente, através da informação que
transmitem e das atitudes face à sexualidade, e que determinam a expressão da sexualidade,
bem como equacionar a eficácia que as fontes de (in)formação, sobretudo dos “media”,
têm desempenhado na difusão do conhecimento e na promoção de uma imagem social do
preservativo que reafirme a sua eficácia no contexto da prevenção e neutralize as ideias de
prazer e poder, aspectos que alguns autores reconhecem como fundamentais (Cruz, 1999;
Fernandes, Coutinho & Matida, 1992; Dias, Matos & Gonçalves, 2002; Lopes, 2003). Por
outro lado, e de grande valor estratégico seria a conjugação de duas vertentes educacionais,
os programas de educação sexual na escola e a promoção da comunicação entre pais e
filhos acerca das questões ligadas à sexualidade e à prevenção do VIH/SIDA. Aliás no que
respeita aos pais, e na medida em que a escassez de diálogo dificulta a obtenção de
conhecimentos precisos e, se incumbe à escola a pesada tarefa da preparação dos jovens
para a sexualidade, (Anastácio, Vasconcelos-Raposo & Carvalho, 2001), seria importante
reafirmar a posição dos pais na influência sobre a sexualidade dos filhos, aliada à vontade
que estes têm em dialogar com os pais sobre estes assuntos (Vasquez, 1999). Por exemplo,
os estudos Vasconcelos-Raposo e Anastácio (2000) sugerem que quando existe diálogo
entre pais e filhos sobre questões relativas à sexualidade, os filhos tendem a ser menos
experimentadores e a demonstrarem mais conhecimentos sobre os riscos e também mais
utilizadores de métodos contraceptivos quando têm relações sexuais.
Uma das implicações destes resultados poderia situar-se no campo dos programas de
prevenção, nomeadamente nas actividades de educação para a saúde, com a incorporação
desta mudança atitudinal face ao preservativo por parte do sexo feminino, passar a ser
uma mais valia para o reforço dos comportamentos preventivos. Deste modo a abordagem
clássica que tem perdurado na educação para a saúde em meio escolar, baseada na
transmissão da informação, com vista à tomada de consciência dos efeitos nefastos de
determinado comportamento não tem sido eficaz nos processos conducentes a uma tomada
de decisão protectora. Torna-se, então necessário assegurar a aquisição de habilidades
sócio-cognitivas e emocionais (habilidades para a vida, tais como, comunicação, negociação,
assertividade, tomada de decisão/resolução de problemas) que promovam os factores
protectores e a adopção de comportamentos preventivos.
SIDA
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155
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CLÍNICA E TRATAMENTO
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TRATAMIENTO DE LA RETINITIS POR
CITOMEGALOVIRUS EN PACIENTES
CON VIH-SIDA
Alvarez E R, Sotero J G, Alcolea E E G, Ruiz A P - Havana - Cuba
INTRODUCCIÓN.
La supervivencia de los pacientes infectados por el virus de la inmunodeficiencia humana
(VIH) ha mejorado respecto a la década pasada debido al uso de más y mejores fármacos
antirretrovirales, así como al progreso en el diagnóstico y tratamiento de las diversas infecciones
oportunistas asociadas al síndrome de inmunodeficiencia adquirida (SIDA). Algunas de las
infecciones oportunistas han declinado en su incidencia gracias al uso de una quimioprofilaxis
eficaz, como es el caso de la neumonía por Pneumocystis carinii (1). Sin embargo, puesto que
los pacientes viven ahora más tiempo con recuentos de linfocitos CD4+ muy bajos, no es
sorprendente que la incidencia de otras infecciones oportunistas pueda verse incrementada.
En los pacientes infectados por el VIH con profunda inmunodepresión, el Citomegalovirus
presenta una especial tendencia a causar enfermedad retiniana (2). También puede causar
enfermedad pulmonar, afectación gastrointestinal o trastornos del sistema nervioso central
y/o periférico, además de muchas otras manifestaciones. Sin embargo, la enfermedad de la
retina es la manifestación clínica más frecuente en los pacientes infectados por el VIH,
complicación mucho más rara en otros pacientes inmunodeprimidos como los receptores de
un trasplante de médula ósea o de un órgano sólido.
La retinitis por CMV supone el 85% de todas las enfermedades causadas por este virus en
los pacientes con SIDA (3). Sin tratamiento, la enfermedad se disemina progresivamente por
toda la retina, causando su destrucción completa, pérdida visual y finalmente ceguera.
Durante la primera década de esta epidemia, las opciones para poder intervenir terapéutica
o profilácticamente en la enfermedad causada por CMV eran deprimentemente limitadas. La
llegada del ganciclovir, aprobado en EE.UU. en 1989, supuso un hecho muy importante en
las posibilidades de cambiar la historia natural de la infección por CMV en los pacientes
infectados por el VIH (4). Más tarde se demostró el valor del foscarnet, tanto como fármaco
alternativo como de primera elección, en el tratamiento de las infecciones por CMV (5). Sus
diferentes perfiles de toxicidad les permiten ofrecer evidentes ventajas, al poder disponer de
alternativas recíprocas en los casos en que uno u otro fármaco estén completamente
contraindicados.
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159
Hasta hace poco tiempo sólo se disponía de estos dos fármacos para el tratamiento de la
retinitis por CMV. El ganciclovir estuvo disponible primero por vía intravenosa y ahora
también por vía oral, mientras que el foscarnet sólo es utilizable por vía parenteral. Con
ambos se alcanzan respuestas en aproximadamente el 80% a 100% de los casos, aunque es
necesario continuar con un tratamiento de mantenimiento con el fin de reducir la eventualidad
de posibles recidivas (6). En los últimos años se han venido estudiando varias nuevas opciones
de tratamiento y algunos resultados alentadores en cuanto a mejora de la eficacia antiCMV, seguridad y facilidad de administración parecen desprenderse de estos ensayos, con
la posibilidad de ser utilizados en la práctica diaria en breve plazo de tiempo.
Por otro lado, su tratamiento implica, hasta ahora, cambios en la calidad y el estilo de
vida de los pacientes, al ser incómodo, intenso, causar efectos secundarios e interacciones
con otros fármacos, obligar a una monitorización sistematizada y también por su elevado
costo (7).
En esta revisión señalaremos en qué situación nos encontramos actualmente con fármacos
casi “tradicionales” (ganciclovir y foscarnet) y cuáles son las nuevas proyecciones
terapéuticas.
MÉTODO:
Se realizó un estudio exploratorio acerca del tratamiento farmacológico utilizado en
pacientes con SIDA que presentan retinitis por citomegelovirus y sobre las nuevas
proyecciones terapéuticas en este sentido, teniendo en cuenta tanto la literatura impresa
como la de soporte digital. Este se efectuó en el período comprendido entre el 1ro de Marzo
al 1ro de Mayo del 2006. La información fue representada en Microsoft Word.
ANÁLISIS
1) TRATAMIENTO SISTÉMICO POR VÍA PARENTERAL
a) Ganciclovir
Es un homólogo del aciclovir del que difiere únicamente en un grupo carboxilo. Fue el
primer fármaco antiviral eficaz en el tratamiento de la enfermedad por CMV y el primero en
ser aprobado como tratamiento para la retinitis (7). Inhibe no sólo a todo el grupo de
herpesvirus, sino también la transformación de los linfocitos normales por el virus de EpsteinBarr. Es activo frente al CMV inhibiendo la DNA-polimerasa viral.
La cronicidad de la enfermedad por CMV en el paciente con SIDA y su comportamiento
lentamente progresivo favorecen una fortuita resistencia al ganciclovir. La selección de mutantes
virales incapaces de fosforilarlo es el principal mecanismo de resistencia. También puede
darse un fenómeno de resistencia cruzada con otros fármacos que actúen directamente sobre
la DNA-polimerasa viral (8, 23).
La dosis de inducción recomendada en adultos es de 5 mg/kg de peso/12 horas por vía
intravenosa durante 14 a 21 días, hasta que la retinitis pasa a ser quiescente, seguida de
mantenimiento con dosis de 5 mg/kg de peso/24 horas/ 7 días a la semana o 6 mg/kg de peso/
24 horas/5 días a la semana, como tratamiento de por vida o bien hasta que la retinitis
progrese. Las dosis inferiores o administradas a días alternos se han relacionado con porcentajes
demasiado elevados de recaídas y no deberían emplearse, si bien en estudios preliminares han
mostrado cierto éxito pautas de 10 mg/kg de peso/24 horas tres veces por semana (7, 11, 12).
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160
Como es un fármaco virustático, al existir una grave inmunodepresión de base secundaria
a la infección por el VIH, la infección progresará al interrumpir la administración del
ganciclovir. Si a las dos semanas del tratamiento de inducción se aprecia que la retinitis
continúa presentando signos de actividad, se recomienda prolongarlo hasta completar 3-4
semanas (7, 9).
Los pacientes con respuesta inicial al ganciclovir presentan una supervivencia media de
10 meses; en cambio, aquellos que no responden a la terapia de inducción sobreviven 2 a 3
meses de vida media (10, 12).
Uno de los problemas más importantes del ganciclovir es la limitación de su uso a causa
de los efectos secundarios, los cuales aparecen hasta en un 60% de los pacientes y obligan
a suspender el fármaco en un 30% de los tratados. Los principales son hematológicos:
neutropenia (40%) y trombocitopenia (14%) (11, 22).
Pueden establecerse interacciones con zidovudina, cotrimoxazol, pentamidina y
anfotericina B, fármacos que en administración concomitante pueden favorecer su efecto
mielotóxico (7, 9).
b) Foscarnet
Análogo del pirofosfato y aprobado en 1991 en EE.UU. para el tratamiento de la
enfermedad por CMV, inhibe selectivamente la DNA-polimerasa de toda la familia de
herpesvirus a concentraciones plasmáticas fácilmente alcanzables tras su administración
por vía intravenosa. No exige un metabolismo intracelular previo para llevar a cabo su
efecto antiviral, es decir, no requiere ser fosforilado, a diferencia del aciclovir y ganciclovir.
Clínicamente este detalle es de gran valor por cuanto el foscarnet mantendrá íntegra su
actividad cuando el ganciclovir sufra una disminución en su eficacia frente al CMV (3, 10,
14). Otra de las posibles ventajas que ofrece el foscarnet sobre el ganciclovir es su actividad
frente al VIH, inhibiendo tanto in vitro como in vivo su replicación (13, 14). Por otra parte,
entre sus inconvenientes destacarían la toxicidad y un costo más elevado (14, 19).
Se administra por vía intravenosa puesto que no se absorbe por vía oral, siendo la dosis
de inducción de 60 mg/kg de peso/8 horas durante 14 a 21 días, procurando que el tiempo
de infusión del fármaco no sea menor de 2 horas y realizando previamente una prehidratación
del paciente con 500-1500 cc de suero fisiológico y suplementos de potasio. También puede
emplearse a dosis de 90-100 mg/kg de peso/12 horas sin que se observe por ello una
disminución de su eficacia o un aumento de los efectos secundarios (9, 14, 15). La dosis de
mantenimiento es de 90-120 mg/kg de peso/24 horas/7 días a la semana, espaciándose el
intervalo cada 48 horas en caso de afectación renal. Es conveniente suministrar suplementos
de calcio (2 g/día) y practicar monitorización de la función renal y de los electrólitos de
forma seriada. El tratamiento con foscarnet se prolonga de por vida o hasta que los efectos
secundarios o la progresión de la retinitis lo impidan (19).
El foscarnet es el tratamiento de elección en la retinitis por CMV resistente al ganciclovir
con deterioro clínico o cuando este produce efectos secundarios que lo desaconsejan. El
tiempo en que el foscarnet disminuye la viremia es de una semana (y el de la viruria de 2
semanas), alcanzándose al final del ciclo de inducción en el 76% de los pacientes y
disminuyendo de forma significativa en un 19%; sólo un 5% mantiene el mismo grado de
viremia que al principio (9, 16, 17, 18). La resistencia que exista o pueda desarrollar el
CMV frente al foscarnet es un tema debatido, excepcional para algunos expertos y, en
definitiva, con una importancia clínica aún por establecer (16, 17, 19).
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Los efectos secundarios más trascendentes son la alteración de la función renal y la
hipocalcemia . Otros trastornos hidroelectrolíticos que se han referido son: hipomagnesemia,
hipopotasemia, hiperfosfatemia y diabetes insípida de origen nefrogénico. La presencia de
úlceras cutaneomucosas en los genitales (y en el esófago) es otro efecto adverso (11, 41,
42).
El tiempo de progresión de la retinitis durante la terapia de mantenimiento se modifica
dependiendo de las dosis empleadas, oscilando entre 95 y 123 días con dosis de 90 y 120
mg/kg/día, respectivamente (18, 15, 16).
c) Comparación entre ganciclovir, foscarnet y combinación de ambos
Los dos, por vía intravenosa, son igualmente capaces de limitar la progresión de la
retinitis por CMV en las personas infectadas por el VIH (9, 20, 21). Muchos equipos
asistenciales de pacientes infectados por el VIH prefieren seguir utilizando ganciclovir
como tratamiento de primera elección y reservar el foscarnet para los casos de toxicidad o
de fracaso del primero.
El uso combinado de ganciclovir y foscarnet ha sido activamente investigado (21, 22).
Afortunadamente, los perfiles de toxicidad de ambos fármacos son muy diferentes. Su uso
combinado, cuando el CMV es resistente a alguno de ellos y por tanto ineficaz para controlar
las recidivas, no se ha traducido en una mayor toxicidad con respecto al uso separado de
cada fármaco. El tratamiento combinado ha demostrado una mejor tasa de respuestas que
el uso secuencial de cada fármaco por separado. Sin embargo, otros trabajos describen
algunos pacientes que tuvieron que abandonar el tratamiento combinado por incomodidad
en la administración de ambas infusiones (11, 22). Se ha demostrado un efecto sinérgico in
vitro de la combinación de ganciclovir y foscarnet, al igual que la eficacia clínica de la
asociación (22, 23). El régimen combinado de mantenimiento se asoció con una menor
pérdida de campo visual que la monoterapia en función del tiempo transcurrido. Pese a los
datos favorables y las potenciales ventajas de la combinación de ganciclovir y foscarnet,
como el retraso o la reducción en la aparición de resistencias, su uso queda reservado a los
casos de fracaso previo con una u otra monoterapia, dada la toxicidad y el mayor costo del
tratamiento (9, 21, 22).
d) Cidofovir
Fármaco aprobado en EE.UU., análogo nucleótido de la citosina que no requiere
fosforilación inicial (24, 25). El cidofovir suprime la replicación del CMV mediante una
inhibición selectiva de la síntesis del DNA viral, bloqueando la DNA-polimerasa e
incorporándose también a la cadena de DNA viral con la consiguiente interrupción de su
síntesis. La resistencia al cidofovir se presenta a partir de cambios en la DNA-polimerasa
viral, y se han seleccionado in vitro cepas de CMV con disminución en su sensibilidad en
presencia de concentraciones elevadas de cidofovir. Las cepas de CMV resistentes al cidofovir
pueden presentar resistencia cruzada con foscarnet (25, 28).
Dosis de 5 mg/kg/día mostraron mayor eficacia que de 3 mg/kg/día cada dos semanas
como terapia de mantenimiento para prevenir las recaídas (24, 26, 27).
El principal efecto adverso del cidofovir es su nefrotoxicidad dependiente de la dosis y
estriba en la lesión de las células del túbulo proximal con la consecuente proteinuria y
glucosuria, disminución plasmática de fosfato, bicarbonato y ácido úrico, y la elevación de
creatinina con o sin insuficiencia renal aguda, que puede llegar a requerir diálisis. La
acidosis metabólica puede dar lugar a un síndrome de Fanconi. Con el fin de evitar la
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nefrotoxicidad se aconseja acompañar la administración intravenosa de cidofovir con
hidratación salina durante la perfusión, además de probenecid por vía oral (2 g en las tres
horas previas a la infusión y 1 g a las dos y ocho horas después de la misma), que bloquearía
la secreción activa de cidofovir en el túbulo renal (24, 28).
A principios de 1997, se publicaron dos estudios sobre el tratamiento de la retinitis por
CMV con cidofovir parenteral en pacientes con SIDA (29, 30). Sus resultados fueron bastante
alentadores en cuanto a comodidad de tratamiento y mejora del cumplimiento por parte
del paciente, disminuyendo ingresos y visitas hospitalarias y, por tanto, reduciendo costos
al poder administrarse fácilmente en los hospitales de día, queda por determinar aún su
verdadera posición en el tratamiento y la profilaxis de la retinitis por CMV, y son necesarios
estudios con periodos de seguimiento a más largo plazo (29).
2) TRATAMIENTO SISTÉMICO POR VÍA ORAL
El ganciclovir oral se utiliza sólo en aquellos pacientes en que el riesgo y el beneficio
asociados se compensan con eximir del tratamiento intravenoso. Puede ser ventajoso, aunque
muchos pacientes tengan dificultades en acatar un régimen de 12 tabletas o comprimidos
al día y existe el riesgo de desarrollo de resistencia viral más rápidamente al fármaco oral
que a la preparación intravenosa, dadas las concentraciones séricas más bajas alcanzadas
(9, 13, 20).
La biodisponibilidad es baja, del 2,5% al 7%, y del 6% al 9% si se administra con
alimentos. Los estudios farmacocinéticos han demostrado que el ganciclovir oral
administrado a intervalos de 8 horas mantiene concentraciones plasmáticas detectables
durante las 24 horas del día. Si bien los valores pico conseguidos en plasma son 10 veces
menores que los alcanzados con la administración intravenosa, Es por ello que se prefiere
utilizar para conservar inactiva una lesión tras el tratamiento de inducción por vía parenteral
(31).
Puede aceptarse que el ganciclovir oral constituye una aceptable alternativa en la terapia
de mantenimiento de los pacientes con retinitis por CMV, pese a su aparente menor eficacia en
la prevención de las recaídas frente al ganciclovir intravenoso. Esas mínimas diferencias en
cuanto a actividad pueden verse compensadas por las patentes ventajas sobre la calidad de vida
y los efectos secundarios. El principal inconveniente de la formulación oral es su administración
(31, 13).
Se han iniciado otros estudios para determinar la eficacia del ganciclovir oral combinado
tanto con pautas de ganciclovir intravenoso, a dosis altas y a intervalos fijos, como con dispositivos
intraoculares (29).
3) TERAPIA LOCAL INTRAVÍTREA
Consiste en la instilación directa del fármaco en el globo ocular. Podría utilizarse en casos
seleccionados como alternativa terapéutica cuando la vía intravenosa u oral esté desaconsejada,
contraindicada o sea rechazada por parte del paciente (31). Las ventajas e inconvenientes
principales de esta vía de administración se muestran a continuación:
Ventajas: Mínima o nula toxicidad sistémica en comparación con la administración parenteral;
menor riesgo de complicaciones asociadas a la manipulación de dispositivos intravasculares o
subcutáneos para la administración de fármacos durante largos periodos; mejora el cumplimiento
del tratamiento; disminuye significativamente el costo económico del tratamiento. Inconvenientes:
no ofrece protección frente a la enfermedad extrarretiniana por CMV; no protege al ojo
contralateral; obliga a un seguimiento clínico más estrecho y frecuente de los pacientes.
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Las principales complicaciones son la lesión retiniana: desgarro, desprendimiento de
retina (7% a 11%) y hemorragia vítrea (30).
4) INYECCIONES LOCALES
El fármaco más ampliamente utilizado mediante inyecciones intraoculares ha sido el
ganciclovir, aunque mucha de la experiencia procede de series con un reducido número de
pacientes. Habitualmente se administra una dosis de 200 µg en un volumen de 0,1 ml por
sesión, después de una antisepsia adecuada y de aplicar anestesia local en la zona. Las
inyecciones se realizan dos o tres veces por semana, durante dos o tres semanas, y luego se
pasa a un esquema de mantenimiento de una vez por semana. Otra pauta consistiría en
cuatro inyecciones intravítreas durante las dos primeras semanas como fase de inducción,
para luego continuar con una inyección semanal de 200-400 µg de forma indefinida (29).
El foscarnet también se ha administrado intravítreo, aunque pocos pacientes han sido
tratados con este método. Se han aplicado inyecciones individuales de 2400 µg dos veces
por semana durante 3 semanas como tratamiento de inducción, con resultados muy parecidos
a los conseguidos con ganciclovir. Se está investigando el supuesto beneficio de la combinación
de foscarnet y ganciclovir por vía intravítrea en modelos experimentales con animales (32).
El cidofovir también se ha administrado por vía intravítrea, pero los datos de que
disponemos son limitados. La conveniencia, el costo, la tasa de respuesta y las reacciones
adversas del cidofovir intravítreo deben ser comparados con otros fármacos o pautas
terapéuticas con el fin de conocer su verdadero valor en el tratamiento de la retinitis por
CMV (31).
5) DISPOSITIVOS INTRAOCULARES
Una técnica de más reciente desarrollo han sido los dispositivos o implantes oculares de
liberación sostenida o retardada de fármacos, especialmente ganciclovir. El implante queda
suspendido en la región periférica anterior de la cavidad vítrea, exactamente por detrás del
cristalino. Su contenido prefijado es liberado al espacio vítreo a través de una membrana
de alcohol polivinílico en una cantidad fija del fármaco por unidad de tiempo. Con estos
dispositivos han sido tratadas retinitis por CMV tanto en fase aguda como crónica (34).
Endoftalmitis y desprendimiento de retina son las principales complicaciones encontradas
(35).
Pese a todo, el dispositivo de liberación retardada de ganciclovir tiene otras ventajas,
detiene la progresión de la enfermedad, realizando los cambios oportunos del dispositivo
cada plazo de tiempo predeterminado. (aproximadamente cada 4-8 meses) (19).
El dispositivo también ahorraría a los pacientes los inconvenientes y riesgos derivados
de los catéteres intravasculares permanentes y de la toxicidad asociada al ganciclovir y al
foscarnet por vía parenteral. A su vez, estas ventajas podrían permitir una monitorización
clínica y de laboratorio menos frecuente y más cómoda, que se traduciría en unos cuidados
a medio plazo más eficientes y rentables (34).
Deben conocerse algunas de las posibles desventajas. Se produce una pequeña reducción
de la agudeza visual en la mayoría de los pacientes pese a la sencillez de la implantación
del dispositivo, que suele retornar casi a su estado inicial al mes del procedimiento (23).
Los estudios que combinen el implante con ganciclovir oral podrán aportar alguna
información acerca de la calidad de vida y la supervivencia de estos pacientes (34).
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6) TRATAMIENTOS COMPLEMENTARIOS Y NUEVAS MOLÉCUL AS
ANTICITOMEGALOVIRUS
a) Gammaglobulinas: Se ha constatado que no añaden ventaja alguna en el tratamiento
de la retinitis como terapia adyuvante y tampoco en su prevención. Los autores concluyen
subrayando que los anticuerpos pueden modular la progresión de la enfermedad por CMV y
sugieren un posible papel protector para la administración exógena de anticuerpos
neutralizantes en los pacientes con retinitis por CMV. Los diversos estudios realizados en
modelos animales, y también en humanos, de infección viral han mostrado que una vez la
enfermedad invasora se desarrolla, los anticuerpos antivirales desempeñan un papel muy
secundario en la resolución de la infección activa si la inmunidad celular no se encuentra
intacta (36).
b) Lobucavir: Es un análogo de nucleósido con muy amplia actividad in vitro frente a un
gran número de virus: CMV, virus varicela-zoster (VVZ), VIH y virus de la hepatitis B
(VHB). Su biodisponibilidad oral (aproximadamente 40%) podría ser mejor que la del
ganciclovir, además de que se toleran dosis superiores a los 800 mg/día. Un reciente estudio
a doble ciego y controlado con placebo ha evaluado la seguridad y la farmacocinética del
lobucavir a dosis de 70 mg/12 h, 200 mg/12 h, 200 mg/6 h y 400 mg/6 h administradas a
pacientes infectados por el VIH durante 28 días. No se observaron reacciones adversas
clínicas ni de laboratorio relacionadas con la dosis (35).
c) Benzimidazoles: El punto de intervención de este grupo de fármacos se localiza en el
gen UL89, el elemento de lectura libre mejor conservado en el virus herpes y estructura
esencial para su replicación. De ellos se han iniciado estudios de fase I con el derivado
1263W94 (37). Este fármaco es el inhibidor selectivo y potente de la replicación in vitro
del CMV. Aunque es un derivado del benzimidazol presenta una mayor actividad antiviral,
así como un mejor perfil farmacocinético (buena biodisponibilidad oral) y de toxicidad in
vivo que aquel. Los datos preliminares sugieren que el 1263W94 podría ser más potente
que el ganciclovir, el cidofovir, el lobucavir y el foscarnet para inhibir la replicación de
aislamientos clínicos de CMV. Carece de actividad frente a otros virus herpes (simple y
VVZ), VHB y VIH (38). Los efectos secundarios más frecuentes son: sabor amargo o metálico,
cefalea, mareos y vértigos (12).
d) Protovir (MSL-109): Es un anticuerpo monoclonal anti-CMV humano neutralizante,
no ligado al complemento, que interacciona con la glucoproteína gH del CMV. En estudios
experimentales se comprobó que poseía un efecto sinérgico tanto con ganciclovir como con
foscarnet en la inhibición de la replicación del CMV. Los estudios realizados no han sido
totalmente convincentes, por lo que se continúa su estudio (36).
e) RS-79070: Es un profármaco del ganciclovir y los primeros estudios farmacocinéticos
han mostrado una biodisponibilidad absoluta de ganciclovir del 61% a partir de una solución
del RS-79070 administrada en periodo de ayuno. Posteriores trabajos han intentado
demostrar la potencial capacidad y eficacia de su administración oral en el tratamiento de
inducción y de mantenimiento de la retinitis por CMV (33) .
f) GEM 132: Se ha iniciado un estudio de fase I con GEM 132, otro fármaco antisentido
de aplicación en seres humanos. Se trata de una molécula “híbrida” formada por una
cadena de DNA sintético con un casquete protector de RNA modificado en cada extremo.
Este nuevo diseño molecular está dirigido a proteger el fármaco de la degradación por
enzimas naturales del organismo, mejorando su estabilidad metabólica y consiguiendo así
una menor frecuencia de dosificación.
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En pruebas con cultivos celulares ha demostrado actividad antiviral con una potencia
aproximadamente 1000 veces superior a la del ganciclovir. También ha exhibido una
significativa actividad antiviral in vitro frente a aislamientos clínicos humanos de CMV y
de cepas resistentes a ganciclovir y foscarnet. Se está estudiando además una formulación
del GEM 132 para administración intravítrea (36, 39).
CONCLUSIONES.
1- Los individuos que reciben un manejo adecuado con medicamentos como foscarnet,
ganciclovir y cidofovir, invariablemente sufren recaídas a pesar de un esquema terapéutico
juicioso.
2- Los antivirales endovenosos por un lapso indefinido de tiempo resultan
particularmente molestos para los pacientes, pues requieren controles frecuentes y la
aplicación del fármaco varias veces por semana, además de la toxicidad propia de tales
agentes cuando se utiliza dicha vía de administración.
3- El tratamiento sistémico por vía oral necesita de elevadas dosis lo que trae consigo
reacciones secundarias a estos fármacos. En la mayoría de los casos el tratamiento por
esta vía es complementado con otros tipos de tratamiento, antes, durante o después del
mismo.
4- En los últimos años han surgido otras alternativas, tales como los implantes
intraoculares de liberación prolongada con ganciclovir. Son más eficaces, a largo plazo,
que los métodos de administración sistémica utilizados hasta el momento, pues gracias a
este nuevo sistema de liberación del fármaco, es posible retardar la progresión de la
enfermedad.
5- Los tratamientos complementarios y las nuevas moléculas anticitomegalovirus, una
vez que la enfermedad invasora se desarrolla, desempeñan un papel muy secundario en la
resolución de la infección activa si la inmunidad celular no se encuentra intacta.
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ESPAÇO EDUCATIVO BRINQUEDOTECA HORTÊNSIA
DE HOLLANDA: O LÚDICO NA MEDIAÇÃO DO
TRATAMENTO DA AIDS PEDIÁTRICA
Cordeiro I D * - Brasília - Brasil
Justificativa e apresentação do trabalho
Vários teóricos já mostraram a importância do lúdico no desenvolvimento infantil e
mais recentemente com a elaboração de uma política de humanização na área da saúde
este recurso passou a ser usado com maior freqüência pelos profissionais e no contexto
hospitalar.
Jogar/brincar é uma das formas mais comuns de comportamento durante a infância,
tornando-se uma área de grande atração e interesse para os investigadores no domínio do
desenvolvimento humano, educação, saúde e intervenção social. Neste sentido, o estudo do
jogo na perspectiva do desenvolvimento da criança e do adolescente pode ser considerado
no âmbito da investigação científica como área exclusiva de abordagem (Neto 1997).
O brincar é uma condição inerente à infância, possuindo uma dimensão simbólica e
funcional. Pensar o brincar nos remete às mais diversas abordagens, tais como a cultural,
educacional e a psicológica. A importância do lúdico no desenvolvimento é consenso entre
diversos estudiosos da psicologia infantil. Freud foi o primeiro autor a descrever o mecanismo
psicológico do brincar e a estudar a vinculação entre a brincadeira e a constituição do
sujeito. Sua obra introduz a visão da função simbólica do brincar. Ele apontava que brincando
as crianças situam-se na dimensão do sonho, se desenvolvem e se constituem. Na perspectiva
da psicologia sócio-histórica de Vygotsky (1989), o jogo aparece como facilitador do
desenvolvimento, imaginação e criatividade. Brincando, a criança aprende através de seus
processos interativos, recriando a realidade. Imagina situações diversas, representa papéis
do cotidiano, as regras e seus conteúdos.
No brinquedo, a criança adquire capacidades para no futuro desenvolver seu nível de
ação real e moralidade. Vygostky ainda considera que o brincar deve ser entendido em
função das mudanças nos desejos e necessidades da criança e que conduzem a ação.
Brincando, o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e descobrir seu self (eu).
Psicóloga, Mestre em medicina/Saúde da criança e do adolescente/UFM/MG/Brasil, Consultora técnica do
Programa Brasileiro e DSTs/Aids, [email protected]
*
SIDA
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169
A brincadeira permite da assimilação e reestruturação emocional à ressignificação de conteúdos
vividos. O lúdico é universal e constituidor da possibilidade de um desenvolvimento saudável,
facilitando o crescimento e permitindo um entrosamento social, podendo funcionar como
intermediário entre a realidade externa e a interna. (Piaget, 1975). Por meio do jogo espontâneo
e do faz-de-conta a criança imagina, cria e elabora. Brincando, externaliza situações ruins e
persecutórias aliviando-se de suas ansiedades. (Klein, 1997)
O espaço lúdico está situado entre o real e a fantasia. É uma condição intrínseca na vida do
sujeito e elemento essencial para a manutenção da saúde, fornecendo subsídios que podem contribuir
para um bom desenvolvimento do processo saúde/doença, principalmente quando a doença é
crônica e pode levar a desajustes emocionais, comportamentais e sociais. (Santa Roza, 1993)
Aspectos da intervenção no ambiente hospitalar são discutidos por Zannon (1991) , o qual
defende a criação de mecanismos promotores de um ambiente saudável e vê o brincar como uma
possível estratégia no enfrentamento de condições estressantes e como recurso que pode ser
utilizado tanto pela criança, como pelos profissionais, para lidarem com as adversidades do
processo de adoecimento.
A AIDS é uma das doenças crônicas que exige tratamento e intervenções continuas. No caso
da população soropositiva-infanto juvenil, torna-se necessário a implementação de ações que
possam trazer ao tratamento um novo significado, visando a uma intervenção efetiva para a
promoção de uma adesão adequada. Uma das funções pretendidas com a implantação da
brinquedoteca incluía esta orientação e o presente texto descreve o resumo do alcance desta
iniciativa.
A Aids e a soropositividade na infância e adolescência
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids) foi relatada pela primeira vez em 1981.
Após o registro e descrição dos primeiros casos, ninguém poderia antecipar a proporção da
pandemia duas décadas depois. Em 1982, foi publicado o primeiro caso de transmissão vertical
e, em 1983, houve o primeiro relato sobre criança infectada no Brasil. (Marins et al. 2003) A
síndrome já matou mais de 25 milhões de pessoas desde que foi identificada e isto a coloca como
uma das epidemias mais destrutivas nos anais da história. (UNAIDS 2005)
Segundo dados do relatório do Programa Global de Aids das Nações Unidas (UNAIDS), em
2005 foram registradas mais de cinco milhões de novas infecções. O número de pessoas vivendo
com HIV alcançou o maior nível desde o início da epidemia na década de 80. Atualmente são
cerca de 40,3 milhões de pessoas, em 2003 eram aproximadamente 37,5 milhões. Neste ano
mais de três milhões de pessoas morreram de doenças relacionadas ao HIV; dessas, mais de 500
mil eram crianças. (UNAIDS, 2005).
As principais tendências da epidemia são a heterossexualização, feminização, juvenização,
interiorização e pauperização do paciente, aproximando-se cada vez mais do perfil socioeconômico
do brasileiro médio. (Brito, 2001).
O aumento progressivo dos casos de Aids em mulheres é preocupante, pois a exposição perinatal
é a principal via de aquisição do HIV em crianças. O curso da epidemia em mulheres em idade
reprodutiva influencia decisivamente o aumento do número de crianças infectadas. No mundo,
cerca de 17,5 milhões de mulheres vivem com o HIV, um milhão a mais que em 2003. Na
América Latina, em 2005, este número aproxima-se de 580.000. Este aumento reflete no número
de crianças e adolescentes menores de 15 anos que chega a um total aproximado de 2,3 milhões,
com 700.000 novas infecções só em 2005. (UNAIDS, 2005).
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170
Em Minas Gerais já foram notificados, desde o início da epidemia, 21.663 casos de
Aids, 69% são do sexo masculino e 31% do sexo feminino e já podem ser encontrados casos
em 602 dos 853 municípios mineiros. Belo Horizonte apresenta o maior número de casos
num total de 6.601, destes, 1.698 são mulheres e 4.903 homens. Já existem 663 casos
notificados em crianças menores de 13 anos e 478 em adolescentes de 13 a 19 anos. O
comportamento da epidemia segue padrões observados em outros municípios e estados do
Brasil, tais como: juvenização, interiorização e pauperização da epidemia e o aumento da
importância da categoria de transmissão heterossexual com conseqüente aumento de
crianças nascidas de mães infectadas.(Programa de DST/Aids de Minas Gerais/2005)
O ambulatório CTR-DIP, onde foi realizada a pesquisa, acompanha 314 crianças (0-18
anos) infectadas pelo HIV. Destas, 255 estão em terapia anti-retroviral. Os pacientes maiores
de 10 anos são 115, sendo que 97 estão em uso de terapia.
As crianças e adolescentes são consideradas as vítimas mais vulneráveis da epidemia.
Segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a infância (UNICEF), 1.400 crianças
com menos de 15 anos morrem por dia por motivos relacionados à Aids e mais de seis mil
adolescentes e jovens com idade entre 15 e 24 anos são infectados com o HIV. Mais de 15
milhões de crianças já perderam o pai, a mãe ou ambos por causa da Aids. (UNICEF,
2005)
O impacto da Aids na população pediátrica se faz sentir não apenas sobre as crianças
infectadas. Os problemas socioeconômicos, físicos e psicológicos oriundos da doença dos
pais afetam diretamente o bem-estar da criança, independentemente da sua situação
sorológica.
É necessário um esforço conjunto de pesquisadores, profissionais de saúde, pacientes e
suas famílias, para que se consiga controlar esta epidemia. (UNAIDS 2005)
Uma pesquisa realizada em diferentes países da América Latina e Caribe pelo UNICEF
revela que em cada 10 adolescentes, 4 dizem estar bem informados sobre o HIV/Aids. O
acesso à informação é fundamental, mas pelos dados da epidemia podemos perceber que
não é o suficiente para mudar o comportamento e as atitudes de prevenção frente ao HIV/
Aids. Torna-se extremamente importante potencializar as habilidades destes adolescentes
para enfrentar a vida, protegendo sua saúde e bem estar. (UNICEF,2005)
Algumas iniciativas têm procurado atender a recomendação do UNICEF, não apenas
para ampliar informações e desenvolver habilidades mas para mediar o tratamento e
estimular o empoderamento dos soropositivos. É nesta direção que o presente trabalho
desenvolvido junto às crianças e adolescentes soropositivos e seus familiares, usou o lúdico
como instrumento na mediação do tratamento do HIV/AIDS, levando a uma melhoria na
auto-estima e auto-cuidado
A magia do brincar: a Brinquedoteca
Uma brinquedoteca é reconhecida como espaço preparado para estimular a criança a
brincar, permitindo o acesso a uma grande variedade de brinquedos, dentro de um ambiente
especialmente lúdico.
A Brinquedoteca teve o seu surgimento nos Estados Unidos, na cidade de Los Angeles,
no ano de 1934 quando era feito o empréstimo de brinquedos ficando conhecida como Toy
Loam. Mas foi na Suécia, em 1963, que a idéia de emprestar brinquedos desenvolveu-se
mais enfaticamente e se expandiu, quando duas professoras, mães de crianças excepcionais,
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171
fundaram a primeira ludoteca, em Estocolmo tendo aí o nome de Lekotec. O objetivo era
emprestar brinquedos e dar orientação às famílias de excepcionais sobre como poderiam
brincar com seus filhos para melhor estimulá-los. Em 1987, no Congresso Internacional de
Toy Libraries em Toronto, Canadá, foi questionada a adequação do nome Toy Libraries e
logo após, no Canadá, muitas delas tornaram-se Centro de recursos para a família. (Friedman
,1998; Santos,2001)
No Brasil, a exemplo das Lekoteks da Suécia, em 1971, por inauguração do Centro de
Habilitação da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais -APAE- de São Paulo, foi
realizada uma grande exposição de brinquedos pedagógicos. Em 1973, este setor implantou
o sistema de rodízio de brinquedos e materiais pedagógicos, a Ludoteca. Todos os brinquedos
foram então centralizados e passaram a ser utilizados nos moldes de uma biblioteca. (Cunha,
1997)
Em 1960, a UNESCO implantou a idéia internacionalmente, a partir desse momento
diferentes iniciativas foram surgindo. Aparecem, assim, diversas experiências de utilização
deste espaço, com diversas formas e características: hospitais, escolas, creches, clubes,
centros comunitários, universidades, etc.
Segundo Cunha (1997), a Brinquedoteca pode ser vista como um mundo de fantasia,
de magia, de alegria, de imaginação, o mundo das brincadeiras. Um espaço para a liberdade,
para a alegria e para o resgate do brincar. É um local criado com o intuito de proporcionar
à criança um espaço rico em estímulos, onde ela possa brincar livremente e sem cobranças,
onde acontece a valorização da atividade lúdica e o respeito às suas necessidades afetivas.
É também um espaço preparado para estimular a criança a brincar, dando a ela oportunidade
de acesso a uma variedade de brinquedos , dentro de um “seting” lúdico. É um lugar onde
tudo convida ao prazer de sentir, explorar e experimentar e tem como objetivos: - favorecer
o equilíbrio emocional; dar oportunidades à expansão da criatividade; proporcionar um
espaço onde a criança possa brincar sem cobranças e sem sentir que está perdendo tempo;
estimular a operatividade das crianças; estimular o desenvolvimento de uma vida interior
rica e da capacidade de concentrar a atenção; incentivar o uso do brinquedo como forma
de gerar desenvolvimento intelectual, emocional e social e valorizar os sentimentos afetivos
e cultivar a sensibilidade.
A brinquedoteca no contexto hospitalar pode permitir a criança, ao adolescente e aos
familiares esta construção de conhecimento e “re” criação da doença. O lúdico no resgate da
saúde, foi tema da II Jornada sobre Brinquedoteca Hospitalar -realizada em São Paulo/
maio/2005. Na abertura do evento a diretora do Departamento Social da Associação Paulista
de Medicina, Mara Gândara, apresentou um depoimento que expressa claramente o seu
papel. “Devemos implantar ações que quebrem o branco silencioso dos hospitais, onde o
simples ato de brincar crie uma situação de saudável interatividade, atuando como poderosa
medicação invisível”.
Estudo da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo mostra que brinquedos reduzem
o estresse. O trabalho mediu o nível de cortisol sérico - substância que indica o nervosismono sangue de um grupo de 58 crianças entre quatro e 14 anos. As 34 que iam à brinquedoteca
tinham 22,5% a menos da substância do que as 24 que não tiveram acesso ao espaço. (Folha
de São Paulo, 29/09/05)
A instalação de brinquedotecas em ambientes hospitalares ganhou ainda mais importância
depois que o Congresso Nacional aprovou no dia 21 de março de 2005 a Lei nº 11.104, que
dispõe sobre a obrigatoriedade de instalação de brinquedotecas nas unidades de saúde que
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ofereçam atendimento pediátrico em regime de internação. Além de garantir um atendimento
médico humanizado e de qualidade às crianças hospitalizadas, a brinquedoteca tem se mostrado
bastante eficiente, reduzindo o tempo de internação e acelerando o processo de recuperação.
Descrição da Brinquedoteca Hortênsia de Hollanda
A Brinquedoteca Hortência de
Hollanda, foi inaugurada no dia 18
de Setembro de 2002 e foi um projeto
financiado pelo programa Nacional
de DST/Aids do Ministério da Saúde
do Brasil.
Funciona no Centro de
Treinamento e Referência em Doenças
Infecto-Parasitárias Orestes Diniz
(CTR – DIP), instituição vinculada à
Faculdade de Medicina da
Universidade Federal Minas Gerais
(FM/UFMG) e à Prefeitura de Belo
Horizonte (PBH). O CTR é a
instituição de referência para tratamento de crianças infectadas pelo HIV na região
metropolitana de Belo Horizonte e para outras cidades do Estado de Minas Gerais. O
ambulatório possui uma equipe multidisciplinar composta por médicos (clínicos, pediatras,
ginecologistas e dermatologistas), enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e dentistas,
que prestam assistência aos pacientes e suas famílias. A Unidade Pediátrica do CTR-DIP
já atendeu, desde a sua implantação em 1989, mais de 1.700 crianças e adolescentes com
história de exposição vertical ao HIV. Em janeiro de 2004, 623 crianças estavam em
seguimento clínico ambulatorial, entre expostos verticalmente (327 pacientes) e com infecção
comprovada (296 pacientes). (Ferreira, 2004)
A brinquedoteca em dias de maior atendimento a pacientes soropositivos e já foram
beneficiadas num período de 3 anos de funcionamento, aproximadamente 900 crianças e
adolescentes entre 1 e 19 anos portadores do Vírus HIV e outras doenças infecto parasitárias.
A prática baseia-se no apoio ao tratamento da criança, adolescente e seus familiares,
trabalhando a adesão e adaptação ao tratamento de uma forma lúdica. É um espaço
agradável e colorido, a tenda é azul, vermelha e branca. Os móveis são em tamanhos
variados, para favorecer a adaptação da clientela de idades diversificadas.
Os brinquedos foram escolhidos de acordo com as faixas etárias do grupo e com
modalidades de brincadeiras, previamente pesquisadas e definidas pela equipe de acordo
com sua funcionalidade.
Durante as atividades na Brinquedoteca é possível trabalhar o intercâmbio entre as
crianças, entre as famílias, favorecendo uma troca de experiências, conhecimentos e
angústias que surgem diante das doenças e do tratamento.Dando voz ao paciente, estamos
permitindo que consigam vivenciar suas expectativas, seus desejos, seus medos de uma
maneira menos culpabilizada e em um espaço lúdico e de saúde.
O espaço atende a famílias provenientes de todo o Estado de Minas Gerais e da região
metropolitana de Belo Horizonte. São famílias dos mais baixos extratos sócio-econômicos
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e culturais. São na sua maioria, portadores de HIV/AIDS e outras doenças
infectoparasitárias. Freqüentam o ambulatório repetidas vezes durante o ano, devido à
complexidade do tratamento.
O atendimento dos familiares e crianças portadoras de HIV/AIDS no CTR/DIP/PBH/
UFMG, assim como na maioria dos ambulatórios brasileiros desta natureza estava centrado
no tratamento médico, focalizando principalmente o controle medicamentoso do paciente,
com alguns suportes para casos mais específicos, que incluem atendimento psicoterápico e
assistência social às famílias. Um certo número destas crianças freqüentam o Centro com
certa regularidade e durante a sua permanência, à espera do horário da consulta não
tinham atividades programadas. Trata-se de um tempo por vezes prolongado, podendo
chegar a algumas horas, quando torna-se importante potencializar esse momento para a
ampliação do atendimento, visando uma melhor qualidade do seu tratamento e melhores
relações com o ambiente ambulatorial. Baseado nestas concepções, o projeto veio de encontro
às necessidades que a população apresentava.
É possível perceber durante o funcionamento da brinquedoteca a alegria e o prazer das
crianças de estarem no ambulatório e sobretudo na “casinha de brincar”, nome dado por
algumas crianças ao espaço. Ao brincar de desenhar, pintar, colorir, jogar, brincar de casinha,
de pai, de mãe, de médico, as crianças desenvolvem suas potencialidades, aprimoram suas
qualidades, expressam seus desejos, seus medos. Falar da doença em um espaço de saúde,
faz com que elas abordem a questão de uma forma mais aceitável e dentro de suas limitações.
Alguns benefícios podem ser percebidos nas observações participantes e em alguns
relatos:
-Maior interação entre os familiares com trocas de experiências sobre formas de condução
do tratamento, diagnóstico, enfrentamento da doença, melhoria na auto-estima, maior
facilidade de comunicação entre os pares;
-Possibilidade de aprendizado e pesquisa para estudantes de áreas diversas, como
biologia, pediatria, psicologia, etc; maior interação e entrosamento entre os adolescentes e
as crianças, tornando diferenciado o ambiente do ambulatório. Antes da implantação do
espaço era possível perceber a falta de entrosamento entre os pacientes, sem um elo que os
unisse e sem um local para expressão dos sentimentos diversos relativos ao processo do
adoecimento e tratamento; possibilidade de valorização e reforço da auto-estima dos
adolescentes no espaço. É realizado com estes adolescentes um trabalho possibilitandolhes participar como monitores das atividades da brinquedoteca, ajudando na condução da
abordagem com as crianças menores. Este trabalho vem apresentando excelente resultado
para estes adolescentes, que passam a conduzir o tratamento de outra forma.
Estes adolescentes passaram por situações diversas e podem ajudar outras crianças que
passam por situações semelhantes e isto provavelmente acarretará uma melhoria na autoestima e adesão. “Aqui eu vivo muita coisa boa, o que a gente já passou não podemos
deixar as outras crianças passarem, principalmente as coisas ruins. Eu tive muita recaída,
eu acho que eles não precisam ter recaídas e a brinquedoteca pode ajudar. È uma coisa
muito importante.Gosto muito de ajudar as outras crianças. Eu tenho melhorado muito,
tomado os remédios, vir sempre aqui no hospital, fazer o tratamento certo, fiquei mais
responsável.” (Feminino, 19)
Com este trabalho podemos refletir a respeito do papel do profissional de saúde
interessado no atendimento de crianças. Mesmo que haja um objetivo claro ao se atender
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uma determinada criança, é necessário que ela se sinta amparada e compreendida no que
se refere ao seu universo e às suas demandas, o que significa poder brincar naquela situação
na qual se percebe envolvida que pode ser, muitas vezes, extremamente ameaçadora. Quando
a criança chega a uma consulta na área de saúde, ela provavelmente já imagina que há
algo de errado no seu estado geral, até mesmo porque este também é, geralmente, o
pensamento de seus pais ou responsáveis. Dessa forma, permitir-lhe brincar com o material
e com a demanda que ali se apresenta, significa ajudá-la a se apropriar daquela situação e,
assim, poder elaborar seus conflitos e medos. As atividades lúdicas como técnicas terapêuticas
nos parece a maneira mais adequada e, por que não dizer, eficiente de se trabalhar com a
criança, uma vez que, como dito anteriormente, ela passa a ser o sujeito da ação e não
apenas seu mero receptor ou objeto.
Estudos como o de Motta e Enumo ( 2004), Martins(2001), Mitre (2004) dentre outros
mostram o brincar como alternativa para aliviar o sofrimento das rotinas hospitalares,
podendo criar oportunidades para que os pacientes falem e elaborem o que para eles seja
necessário em cada momento deste processo.
Para Mitre a doença afasta a criança e o adolescente de sua vida cotidiana, do ambiente
familiar e promove um confronto com a dor, a limitação física e a passividade. Esta situação
pode trazer sentimentos diversos, como: culpa, punição e medo da morte. Para dar conta
de elaborar essa experiência torna-se necessário que a criança possa dispor de instrumentos
de seu domínio e conhecimento. “O brincar pode contribuir para que se (re) signifique o
modelo tradicional de intervenção e cuidado de crianças hospitalizadas.” (Mitre, 2004)
A Brinquedoteca Hortênsia de Hollanda trouxe um novo significado ao ambulatório e
uma forma diferenciada de trabalho junto às crianças e adolescentes soropositivos.
Considerações finais
A proposta do nosso estudo foi investigar a implantação de um espaço lúdico educativo
em um ambulatório de Aids pediátrica e o significado atribuído pelos usuários e pela equipe
a este espaço. A análise exploratória dos dados nos possibilitou confirmar a importância
da ludicidade como técnica de abordagem das questões relativas a doença e como facilitador
da adesão ao tratamento de crianças e adolescentes soropositivos. Nossos resultados vão
de encontro aos dados da literatura que nos trazem relatos de experiências de intervenção
em que a oportunidade do brincar no contexto hospitalar tem efeitos positivos e favorece a
comunicação e a expressão dos sentimentos das crianças e adolescentes.
Com base nas teorias que embasam o estudo sobre o lúdico buscamos conhecer os
aspectos mais importantes da relevância do brincar no desenvolvimento e no contexto de
hospitalização. Os dados da literatura guiaram nossas entrevistas com 57 sujeitos e nos
permitiram conhecer o significado atribuído pelos usuários e pela equipe ao espaço e a
iniciativa de implantação da brinquedoteca.
Os resultados obtidos e a vinculação destes com a literatura nos levam a concluir que no
contexto hospitalar que atende pacientes com doenças crônicas, como a Aids, um lugar
onde seja possível utilizar-se de recursos lúdicos e educativos tem grande importância tanto
para os usuários, como para a equipe médica e pode ser utilizado como uma das estratégias
de enfrentamento das intercorrências destas doenças e colaborar na adesão ao tratamento.Os
dados mostraram que a ludicidade constitui-se de fato em um recurso viável e adequado
para o enfrentamento das doenças crônicas e pode ser mais utilizado quando a criança
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encontra apoio nas ações institucionais que viabilizam e disponibilizam recursos humanos
e materiais para este fim.
Dando voz aos sujeitos participantes deste estudo percebemos que além do brincar agir
como um elo entre a realidade da doença e a imaginação foi também um facilitador do
contato entre mães e pais e seus filhos e entre avós e netos. A presença das avós tem sido
uma realidade muito observada na área da Aids, estas mulheres com a vida já “estabelecida”
se veem de frente com uma doença a princípio culturalmente assustadora que traz dolorosas
perdas, passam a ser novamente “mães”, assumindo a difícil responsabilidade de cuidar de
uma criança com HIV/Aids. Foi possível perceber também nas observações participantes
que mães que inicialmente resistiam em brincar com seus filhos foram com o passar dos
dias se aproximando da brinquedoteca e usando o lúdico como suporte na aproximação
com suas crianças. Hoje no espaço é sempre possível encontrar familiares participando
ativamente das atividades e brincando junto com as crianças. Estes familiares se inseriram
no espaço e fizeram dele um local de troca de experiências e acolhimento. Sempre trazem
suas dúvidas, seus sentimentos em relação ao dia-a-dia da doença, suas preocupações com
o futuro de seus filhos, seus sonhos e desejos e lá sempre encontram alguém que escute suas
“dores” . Este fato traz um enorme ganho na abordagem destes pacientes, pois a Aids
como uma doença complexa e que interfere em toda a família deve ser abordada levando
em conta esta dinâmica. O espaço favoreceu a criação de alianças e de vivências entre
pares, colaborando para um “alívio” da solidão imposta pela Aids e por todo o preconceito
que a envolve.
Para as crianças e adolescentes a implantação da brinquedoteca trouxe ao ambulatório
um contexto onde não impera a doença, no qual ela não é tratada como um doente e sim
como um “brincante” saudável e repleto de possibilidades e desejos. A linguagem utilizada,
o lúdico, é uma forma de comunicação familiar e libertadora que pode trazer a eles a
possibilidade de dividir com os outros, sensações e sentimento muitas vezes ameaçadores e
dolorosos.
A brinquedoteca também é usada como espaço científico e permitiu aos estagiários que
passaram pelo espaço, uma aplicação pratica de seus estudos sobre o desenvolvimento
infantil, um refinamento e melhoria na escuta dos pacientes, uma vivência do trabalho
multidisciplinar e oportunidade para sua formação científica.
Outra possibilidade revelada com sucesso pela pesquisa foi a valorização e autonomia
junto aos adolescentes monitores que passaram a compartilhar com as outras crianças suas
vivências, fizeram deste trabalho uma forma de tomar mais consciência da importância de
uma boa adesão ao tratamento, apresentaram uma grande melhoria na sua auto-estima e
mudanças na postura frente à doença.
Durante o nosso trabalho nos deparamos com alguns limites como:
_ Pouco tempo de funcionamento durante a semana;
_ Insuficiência de pessoal fixo na coordenação das atividades do espaço;
_ Não institucionalização da brinquedoteca pelo serviço;
_ Falta de recursos financeiros que viabilizem a manutenção física e estrutural da
brinquedoteca;
É necessário que uma autonomia seja conquistada, o que possibilitará uma maior
elaboração das intervenções e implementação de novas atividades e pesquisas.
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O trabalho mostrou resultados satisfatórios e apresenta perspectivas interessantes no
que se refere a adesão e melhoria na auto-estima dos usuários.
Baseado nos dados deste estudo e de outros da equipe de Aids pediátrica da UFMG,
elaboramos um projeto que dará continuidade ao trabalho com os adolescentes.Temos também
como perspectiva a ampliação dos dias de funcionamento do espaço, o que permitirá um
trabalho mais elaborado onde mais usuários e estagiários poderão beneficiar-se dele. Com
esta ampliação haverá a possibilidade de oferecermos um projeto de extensão à universidade
onde projetos de pesquisa de diversas áreas poderão ser elaborados.
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A AIDS NA TERCEIRA IDADE NA PERSPECTIVA DOS
IDOSOS, CUIDADORES E PROFISSIONAIS DE SAÚDE
Saldanha A A W 1, Araújo L F 2 - João Pessoa - Brasil
Introdução
Apesar de a velhice ser um fenômeno biológico, a forma como cada pessoa envelhece está
determinada por questões subjetivas, condicionadas às questões da hereditariedade, do social
e do cultural, incluindo-se aí a sua história de vida (Santos, 2003). Assim, a sociedade destina
um lugar e um papel ao indivíduo que envelhece, diferindo de acordo com o contexto social
em que está inserido. Desta forma, não existe uma velhice, mas velhices que diferem de
acordo com o gênero, classe social e intelectual, fato que torna fundamental uma visão
singularizada para cada idoso.
No Brasil existem pesquisas que mostram como os próprios idosos simplificam o
envelhecimento humano, a partir das perdas, representando o processo com predisposições
desfavoráveis, estereótipos negativos e preconceitos. Em estudo desenvolvido por Santos (1990)
acerca da influência da aposentadoria sobre a identidade do sujeito, foi observado que nas
sociedades modernas a ênfase continua sendo dada à juventude e à capacidade de produção,
ou seja, “ser velho representa um afastamento do mundo social” (p.22). Em contrapartida,
Debert (1999) aponta para a abertura de espaços para que diversas experiências de
envelhecimento bem sucedidas possam ser vividas coletivamente, como, por exemplo, os grupos
de convivência de idosos e as universidades da terceira idade, entre outros.
Na realidade, segundo Motta (2004), coexistem as duas imagens da velhice: a tradicional,
naturalizada, do velho inativo, mas “respeitável”; e a nova imagem, mais dinâmica e
participante em determinadas situações sociais. Neste sentido, de acordo com Néri (1993), é
o desconhecimento do que significa ser velho que induz a práticas com foco ideológico, que
contribuem para a manutenção e propagação de mitos, estereótipos negativos e preconceitos
acerca da velhice. A concepção da velhice enquanto perdas e limitações ou a incapacidade de
procriação, a morte do cônjuge, a inatividade sexual e abdicação compromete o entendimento
de outras possibilidades de trajetórias, pautadas no reconhecimento do envelhecimento como
experiência diversificada e sujeita à influência de diferentes contextos sociais, levando a
velhice a um processo de fragilização e vulnerabilidade frente às vicissitudes de algumas
doenças.
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Universidade Federal da Paraíba - Pós-Graduação em Psicologia
Universidade Federal da Paraíba - Pós-Graduação em Psicologia
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A expectativa de vida, atualmente ultrapassa os 80 anos, proporcionando ganhos não
apenas quantitativos, mas atribuindo novo significado e novas possibilidades à velhice, tais
como: o casamento, a partir de 60 anos, a volta à produtividade, visando ao sucesso
profissional, a volta aos estudos, em especial, a matrícula em uma universidade, a
oportunidade, enfim, de aproveitar com plenitude a aposentadoria, antes considerada uma
sentença de morte lenta (Cruz, 2005).
Esta mudança do perfil demográfico poderá ter impacto sobre o sistema de saúde
brasileiro, exigindo uma adequação às condições de vida das pessoas com idade acima de
60 anos. A saúde e a qualidade de vida dos idosos, mais do que em outros grupos etários,
sofrem a influência de múltiplos fatores físicos, psicológicos, sociais e culturais, de tal
forma que avaliar e promover a saúde do idoso significa considerar variáveis de distintos
campos do saber, numa atuação interdisciplinar e multidimensional.
Neste contexto emerge a questão da Aids na velhice. Mais do que uma doença, a Aids
configura-se hoje como um fenômeno social de amplas proporções, impactando princípios
morais, religiosos e éticos, procedimentos de saúde pública e de comportamento privado,
questões relativas à sexualidade, ao uso de drogas e à moralidade conjugal, isto para ficar
nas problemáticas mais evidentes.
O novo perfil no curso da epidemia da Aids aponta para crescente o número de casos na
faixa etária acima de 50 anos. As estatísticas nacionais apontam um total de 30.827 casos
de Aids em maiores de 50 anos no Brasil, dos quais 8.339 em pessoas com idade de 60 anos
ou mais (Brasil, 2005). Considerando que a subnotificação de casos no Brasil varia de 24
a 65%, pode-se concluir que este número pode ser bem maior (Oliveira e Cabral, 2004).
Feitoza, Souza e Araújo (2004) ressaltam que a doença nesta população específica apresenta
grande relevância epidemiológica, não pelos números absolutos, mas pelas taxas de
incidência (7,6 casos p/1000.000), prevalência (224,9 p/ 1000.000 hab. no sexo masculino),
letalidade (43,9%) e anos potenciais de vida perdidos (em até 15 anos). Entre as causas
apontadas estão as notificações tardias, poucas pesquisas na área, confusões no diagnóstico
e resistência ao tratamento. Entretanto, segundo Lieberman (2000), a possibilidade de
uma pessoa idosa ser infectada pelo HIV parece ser invisível aos olhos da sociedade e aos
dos próprios idosos.
Discutir a relação de um indivíduo com a Aids implica falar de situação social e cultural,
de status econômico, de crenças e valores, de auto-estima, projeto de vida, situação legal e
jurídica do país em que vive este indivíduo, condições de acesso aos serviços de saúde, e
muitos outros fatores, ou seja, é tentar compreender qual o grau de vulnerabilidade desse
indivíduo à epidemia.
Em recente estudo (Prilip, 2004), foram identificados dois grupos dentro da faixa etária
idosa contaminada pelo HIV/Aids: a) aqueles que estão envelhecendo com Aids contraída
há mais tempo, devido à eficácia das terapias antiretrovirais que prolongam a sobrevida
dos pacientes soropositivos; e b) aqueles que contraíram o vírus já com mais de 60 anos.
Entretanto, independente do tempo de contágio, lidar com a Aids na idade avançada traz
consigo contradições e desafios a serem enfrentados, tornando visível o invisível, como, por
exemplo, a sexualidade ou o uso de drogas na velhice, temas carregados de preconceitos e
tabus sociais. Segundo Figueiredo (2004), falar em Aids neste contexto significa referir-se
a uma doença contagiosa e fatal, que ainda se associa às minorias, em que prevalece a
crença de que as pessoas contaminadas são responsáveis pela própria enfermidade.
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A Aids vem se confirmando como uma ameaça à saúde pública e a tendência sugere
que, em pouco tempo, o número de idosos contaminados pelo HIV será ampliado
significativamente, principalmente devido a vulnerabilidade física e psicológica, pouco acesso
a serviços de saúde, além da invisibilidade com que é tratada sua exposição ao risco, seja
por via sexual ou uso de drogas ilícitas (IBGE/NPDA, 2005; Lieberman, 2000). Além
disso, a falta de campanhas destinadas aos idosos faz com que esta população esteja
geralmente menos informada sobre o HIV e menos consciente de como se proteger (Feitoza,
Souza e Araújo, 2004). Estes fatores, associados a similaridade dos sintomas da Aids com
a sintomatologia inerente à velhice, levam a que os profissionais de saúde não solicitem o
teste HIV nos exames de rotina, ocasionando diagnóstico tardio, atrasando o tratamento
com antiretrovirais e diminuindo a sobrevida dessas pessoas (Vieira, 2004).
Neste sentido, não bastam apenas as descobertas a nível dos aspectos profiláticos,
etiológicos e terapêuticos, se faz necessário também uma perspectiva psicossocial. Sendo
assim, este estudo tem como base a necessidade de ampliação de estrutura de suporte
psicológico para portadores do HIV e pacientes com AIDS se justifica pela complexidade
do atendimento, onde a contrapartida psicossocial da doença exige uma estrutura integrada
e ampliada que possa complementar a abordagem multidisciplinar atualmente dispensada
ao paciente (Figueiredo, 2001, 2004; Saldanha 2003, 2004).
Sendo assim, o objetivo deste estudo foi identificar os fatores de risco ou de proteção
relacionados à vulnerabilidade à AIDS, em pessoas na faixa etária acima de 50 anos
Método
Este projeto faz parte de um conjunto de pesquisas realizada pelo Programa de Pesquisa
e Atendimento Psicossocial à Aids, financiadas pelo CNPq, inserido no Núcleo de Pesquisa
Aspectos Psicossociais da Prevenção e Saúde Coletiva, junto ao Programa de Pós-Graduação
em Psicologia Social da UFPB, e representa uma tentativa para complementar o universo
da temática, inserindo a questão da Aids na terceira idade, visando criar subsídios para a
avaliação do desempenho profissional no atendimento ao portador do HIV e ao paciente
com Aids.
Trata-se de um estudo de campo de cunho quantitativo e qualitativo em uma abordagem
de multimétodos, tendo como aporte a Teoria das Representações Sociais.
Participantes
Os participantes da pesquisa foram agrupados da seguinte forma, cada um constituindo
pesquisa independente, paralela e complementar:
A – 35 idosos, de ambos os sexos, pertencentes a Grupos de Convivência da Terceira
Idade, com idade variando de 50 a 87 anos.
B – 21 Pacientes Soropositivos para o HIV/Aids, com idade superior à 50 anos, de
ambos os sexos, usuários dos serviços de saúde, com tempo de diagnóstico variando de 01
a 12 anos e como via de contaminação, em sua maioria, sexual (81% heterossexual e 9%
homossexual).
C – Acompanhantes: 04 familiares-cuidadores de pessoas idosas soropositivas para o
HIV/Aids.
D – 36 Profissionais de saúde de várias especialidades que atendem à pacientes da
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terceira idade, com idade variando de 24 a 65 anos, e tempo de profissão de 5 meses a 31
anos.
E – 20 Coordenadores de Grupos de Convivência da Terceira Idade do Programa de
Atenção ao Idoso da Prefeitura Municipal de João Pessoa - PB, com idade variando de 38
a 72 anos.
Procedimento
A coleta dos dados foi realizada com base em dois procedimentos:
Técnica de Associação Livre de Palavras: (De Rosa, 1988) é um tipo de investigação
aberta que se estrutura na evocação de respostas dadas a partir de um estímulo indutor
(neste estudo, Aids e Prevenção – contextualizados na terceira idade), o que permite colocar
em evidência universos semânticos de palavras que agrupam determinadas populações.
Entrevistas Individuais: foram utilizados procedimentos semi-estruturados. Em uma
primeira parte com questões relativas à dados sócio-demográficas para a obtenção de um
perfil da amostra e a segunda parte constou de uma questão norteadora acerca do significado
da Aids, adaptada para cada grupo estudado.
Analise dos Dados
Os conteúdos apreendidos por meio da Técnica de Associação Livre de Palavras foram
processados pelo software Tri-deux-Mots (Cibois,1990) e analisados por meio da análise
fatorial de correspondência (AFC).
Considerando o material transcrito das gravações das entrevistas, a análise de conteúdos
foi processada com base em Categorias Temáticas emergentes de acordo com a proposta de
Figueiredo et al (1993).
Aspectos éticos
Este estudo foi realizado considerando os aspectos éticos pertinentes a pesquisas
envolvendo seres humanos (Resolução no 196/96 Sobre Pesquisa Envolvendo Seres Humanos,
Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde, 1996), após ter sido submetido à
avaliação e aprovação pela Comissão de Ética Médica da UFPB.
Resultados
Os resultados da primeira etapa deste projeto destacam:
Para os Idosos da população em geral, as representações acerca da Aids na terceira idade são:
- Ancoradas em aspectos fisiológicos e psico-afetivos (externos)
- Prevenção é concebida como informação aos grupos de risco
- Risco de Contrair é associado à libertinagem, coragem de ter contato sexual sem prevenção
e uso de drogas.
Doença de jovem: a pessoa jovem tem a jovialidade (1) falta de cuidado, sobretudo a juventude
(1) o adulto é mais aventureiro (5) a moçada quando encontra o rapaz primeira coisa que faz é se
entregar a ele (1) é muito preocupante pra os adolescentes (10) o jovem é mais cheio de muitas
fantasias (2) essa libertinagem que eles tem (1) é preciso alertar os jovens sobre o sexo (5)
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Impossibilidade: que as pessoas idosas que saem aos encontros com outras pessoas acho
que aquela pessoa é tão... tem tanta coragem (1) o idoso é mais precavido (2) O idoso por
si já é um homem retraído (1) é muito difícil a gente achar na terceira idade (13) é tão
difícil uma pessoa idosa ter relações sexuais completas (1) idoso não tem ligação com
aidético, convivência, não tem sexo, nessa idade eu não quero nem saber (2)
Observa-se, portanto, uma subestimação do potencial da infecção nas pessoas idosas e,
11consequentemente, uma vulnerabilidade não percebida, o que constitui em um desafio
para uma mudança de concepção da doença para os idosos, que enxergam a contaminação
como algo de grande dimensão, mas distante da sua faixa etária por ser o sexo a maior
causa de transmissão.
Para os Idosos Soropositivos a Aids é representada:
- A Aids é vivenciada com constrangimento e associada com a promiscuidade.
-O enfrentamento é dado pela religião.
- Risco é associado ao sangue, beijo e usuários de droga, prostituição
- A Aids é concebida como uma doença contagiosa e fatal, ainda associada às minorias,
prevalecendo a crença de que as pessoas são responsáveis pela própria enfermidade.
“Eu me senti até abestalhado. Aí eu falei: “como é que diabos eu fui buscar essa
doença, onde? mas que diabo foi que eu fiz pra merecer isso?!”... Já fazia 12 ou 13 anos
que eu tive relação com mulher de fora, sabe. Eu estava com essa doença sem saber.
Cheguei aqui e foi descoberto essa doença... Sabia nada, sabia nada que diabo era isso
não” (Suj6);“Eu disse: não, eu não acredito. Eu não acredito porque eu não saio com
ninguém.”
“Ave maria, é muito difícil. Porque o povo rejeita,né. Rejeita porque fala assim: um
homem daquela idade com Aids.” (Suj 13)
Na convivência com a Aids destacam-se os seguintes conteúdos: estigma e outras
dificuldades decorrentes do contágio, referindo às questões de ordem particular e manifesto
de desagrado frente às dificuldades materiais, sociais ou afetivas do dia-a-dia; incapacidade
para o trabalho devido aos sintomas e seqüelas de doenças atribuídas à Aids; dificuldades
de reintegração social, na comunidade em geral e nos círculos mais íntimos e na família em
particular; baixa auto-estima e a culpabilidade; conformismo diante da doença e da morte,
decorrente da idade avançada, de crenças religiosas e da transferência do foco da
preocupação com a morte para as questões mais concretas da sobrevivência.
Em relação aos Cuidadores Domésticos foi observado:
- Pouca participação da família na sobrevida do idoso soropositivo
- Curta rede de apoio social
- O medo do preconceito por parte dos entes queridos
- A religião assume o papel confortador, que, diferentemente do esperado, não é atribuído
à família.
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“...eu mesma assim pessoalmente num era pra ta cuidando dele não, porque ele é exmarido meu. Nós somos separado há dez anos, mas ninguém quis cuidar, só eu mesmo
assim...” (Sujeito 1).
Acho que depois de “véi” se pegar essa doença é pra morrer, porque existe muitos
problemas, doença, né? (Suj. 4)
“É porque assim a família dele fica muito distante. E ele nem tem contato com outras
pessoas porque tem gente que não gosta de fazer favor pra ninguém, só gosta de fazer favor
por dinheiro, né isso? Enfim, a gente se dá muito bem...” (Suj. 3).
A difícil tarefa de encontrar a amostra revela um indício da pouca participação da
família na sobrevida do idoso soropositivo corroborado pelos discursos dos próprios pacientes
que acabam por levantar questões como a curta rede de apoio social, visto que muitos
optam por não contar à família seu estado de soropositividade; o enfrentamento dos pacientes
através da religião, sendo a “fé” e “Deus” termos freqüentes nos discursos analisados; e
finalmente o medo do preconceito por parte dos entes queridos. Tais resultados sugerem
que a religião assume o papel confortador, que, diferentemente do
esperado, não é atribuído à família.
No discurso dos Profissionais de Saúde destacou-se:
- Associação a temáticas negativas, como decepção, preconceito e dificuldades
- Via de infecção: procedimentos médicos, tais como transfusões de sangue, e práticas
sexuais promíscuas.
- Solicitação do teste anti-HIV é solicitado somente mediante sintomatologia
característica da doença
Aids: “Se os dias deles já estariam contados, imagina tendo AIDS” (Odontóloga 1, 24
anos). “Eu vejo como um terror (...) é uma decepção” (Médica, geriatra, 55 anos). “Eu
vejo muito complicado” (Enfermeira 1, 65 anos).
Risco:“...promiscuidade, de mudança de parceiro, de infidelidade” (Médica, geriatra,
55 anos). “...através de alguma relação ilícita” (Odontóloga 4, 58 anos). “...procura na
rua o que não tem dentro de casa” (Odontóloga 2, 51 anos). “(...) drogas é um negócio tão
distante deles” (Fisioterapeuta 6, gerontólogo, 29 anos). “A maior probabilidade de o
idoso se contaminar com a aids, seria meio de internamentos em hospitais, através de
transfusões, porque ele não corre tanto risco como os jovens, que está exposto as drogas, a
toda variedade de sexualidade que ele pratica, só isso mesmo” (Odontólogo 5, 57 anos).
Solicitação Exame: “Eu não solicito porque, não sei. Eu nunca solicitei. A não ser
algumas vezes que ela desconfia de alguma coisa do companheiro e me pede para eu solicitar.
Porque eu sou muito assim a favor do que o Ministério da Saúde preconiza né. Então ele
nunca me orientou a solicitar na rotina” (Médica, geriatra, 55 anos).
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Evidenciam-se nestes discursos, concepções associadas a estigmas e preconceitos,
igualando o conhecimento científico ao senso comum, podendo interferir em suas práticas
de atendimento.
Entre as representações dos Coordenadores dos Grupos de Convivência destacam-se:
- Aids:as mais jovens associam a Aids à necessidade de cuidado,enquanto as mais velhas
ao sofrimento e grupo de risco.
- A prevenção é colocada como responsabilidade da Saúde Pública.
“...muitos idosos que estão agora indo em busca de amores...o número em homens é
maior...” (Assistente Social, 53 anos) “o idoso que gosta de sair, procurar pra sair e satisfazer
seus desejos não usam uma prevenção, não conhece a parceira e traz essa doença pra sua
própria esposa”... (Psicóloga, 48 anos) “a maior vulnerabilidade é com relação ao
parceiro...se confia plenamente, acredita que ele jamais vai pular a cerca...de repente pega
e transmite para sua companheiro”... (Professora, 38 anos)
“Eu não tenho bem assim aquele conhecimento como é que você pode, eu acho que o
risco é no beijo, no assento, no toalete, no exame”... (Educadora física, 47 anos;“a falta de
informação, o pior é isso”... (Professora aposentada, 67 anos). “é por transfusão de
sangue...(Assistente social, 53 anos), “eu acho que é na intervenção cirúrgica e na transfusão
de sangue”... (Professora aposentada, 72 anos),(“é através de alguma injeção
sabe”...(Psicóloga, 49 anos)
Se por um lado, há satisfação no desenvolvimento de sua atividade, por outro lado,
observam-se um distanciamento em relação à Aids, dificuldade de lidar com o assunto
junto aos idosos e também no âmbito pessoal, chegando a negação da doença junto à
população da terceira idade.
Estes resultados demonstram que os idosos que se deparam com a doença tendem ao
isolamento, escondendo o diagnóstico da família, dos vizinhos, no ambiente de trabalho.
Não dispõem de grupos de auto-ajuda ou ambulatórios especializados em lidar com a
complexa situação de envelhecer com Aids. O medo da discriminação é tão grande que,
muitas vezes, o preconceito brota de dentro para fora e os impede de dividir suas angústias.
O diagnóstico tardio é uma das principais razões de morte precoce e as interações do
coquetel com outros medicamentos já utilizados pelos idosos produzem reações indesejáveis.
Com a imunidade enfraquecida, podem morrer em decorrência de qualquer resfriado banal.
- Conclusão
Desde seu surgimento, a Aids vem assumindo um paradigma de doença orgânica que
requer uma abordagem biopsicossocial, determinando uma crise multidimensional que afeta
não apenas as pessoas contaminadas, mas também seus parceiros sexuais, familiares,
cuidadores, profissionais de saúde, comunidades.
A família/cuidador irá enfrentar muitos fatores que influenciarão suas reações durante
o desenvolvimento da doença de seu ente, que a colocará num contínuo entre a colaboração/
solidariedade e conflitos/discriminação. Esses fatores podem ser exemplificados pela
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instabilidade emocional provocada pelo curso variável da doença, expectativa de vida curta
para o paciente e tratamentos complexos. O familiar passa, ainda, por fases da vivência da
doença grave e preparo para a morte, que se sincronizam com aquelas fases vivenciadas
pelo doente. Isso gera sofrimento e remete à necessidade da busca de suporte, o qual pode
ser fornecido pelo serviço de saúde, cuja finalidade é ajudar o familiar a permanecer ao
lado do paciente.
Neste sentido, a parceria entre os profissionais de saúde e cuidadores deverá possibilitar
a sistematização de tarefas, evitando hospitalizações, asilamento e outras formas de
segregação, que são traumatizantes para o idoso, que, além de conviver com aspectos
inerentes à velhice, enfrenta as vicissitudes de ser portador do HIV/Aids (Figueiredo, 2004).
No plano da assistência aos soropositivos para o HIV, os serviços de saúde passam a
lidar com uma população específica, com demandas diferenciadas que exigem um manejo
de características peculiares. O fato de a sexualidade e uso de drogas nesta faixa etária
serem tratados como tabus, tanto pelos idosos como pela sociedade em geral, contribui
para que a Aids não se configure como ameaça, levando os profissionais de saúde a não
solicitarem o teste HIV nos exames de rotina, também em decorrência da associação dos
sintomas a outras doenças (Alzheimer, câncer etc), ocasionando diagnóstico tardio, uma
das principais razões de morte precoce. Entretanto é o apoio emocional ao paciente,
ajudando-o a lidar com as questões de ordem afetiva, fundamentais para a adoção de
práticas voltadas para o auto-cuidado, que ainda sofre conseqüências do despreparo que
envolve o trato psicossocial da doença.
Os estigmas que acompanham aspectos relacionados à Aids constituem, ainda hoje, um
bloqueio ao atendimento e assistência ao portador do HIV (Malbenguier, 2000). Além
disso, a complexidade deste trabalho tem um duplo efeito sobre o profissional: além de
acarretar um enorme desgaste psicológico, dificulta a identificação dos principais fatores
deste desequilíbrio, multideterminado pelo medo, falta de informação, crenças individuais
e principalmente pela forma fragmentada com que a doença é encarada nos meios
especializados. A isso adiciona-se o risco de contaminação implícito nas relações do
profissional de saúde com o paciente, através de exposição acidental a material biológico
potencialmente contaminado, no transcurso do seu trabalho. Os próprios profissionais
têm reconhecido, num primeiro momento, o estigma e o medo, seguidos de sentimentos de
desconforto e perplexidade, que representam fortes barreiras à realização de vínculos
significantes com o paciente soropositivo (Figueiredo, 2001; Saldanha, 2003).
A percepção de risco é um tema complexo que abarca não somente os comportamentos,
mas também os sentidos e significados e sua interação com os fatores da vida cotidiana
(modo de vida, situação socioeconômica, situação familiar, conjugal, dentre outros) e os
determinantes sócio-históricos que embasam o pensamento sobre a Aids e a saúde de uma
maneira geral (Saldanha, 2004). Surgem, portanto, como desdobramentos deste estudo:
Grupos de Convivência: enquanto lócus privilegiado para o desenvolvimento de programas
interventivos propiciando um espaço de reflexão que possibilita rever de forma
compartilhada, seus papeis e expectativas.
Universidade da Terceira Idade: onde, a partir do seu papel de orientação e formação
pode direcionar conteúdos de promoção da saúde e formação de multiplicadores voltados
para a prevenção do HIV/Aids.
Agentes Comunitários de Saúde (ACS): que, por vivenciar os problemas e morar na
SIDA
NET
186
comunidade em que desempenha a sua prática de trabalho, o ACS figura como importante
elo de interlocução entre a equipe e o usuário, na produção do cuidado.
Espera-se com este estudo, ter obtido elementos necessários para realizar a síntese
entre as duas perspectivas que devem prevalecer no atendimento a pessoas com Aids: a
visão compreensiva do profissional sobre a perspectiva do paciente e o envolvimento do
próprio paciente com as condições técnicas do atendimento.
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A SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA
(SIDA) COM BASE NA NORTH AMERICAN NURSING
DIAGNOSIS ASSOCIATION (NANDA) E DIAGNÓSTICOS
EM ENFERMAGEM: UM ESTUDO DE CASO
Alves E R P, Silva A C O - João Pessoa - Brasil
1 INTRODUÇÃO
A infecção pelo vírus HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) e a Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida (AIDS) tem-se constituído em um dos mais sérios agravos já
enfrentado pela humanidade e se tornado uma enfermidade pandêmica. Até março de
2002, no Brasil, existia um total de 257.780 casos (CAETANO, PAGLIUCA, 2006).
Conforme o relatório anual do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS,
existe no mundo aproximadamente 40 milhões de pessoas vivendo com a doença (AZEVEDO,
2002; BRASIL, 2005).
No Estado da Paraíba é grande o número de pessoas infectadas pelo HIV e a cada ano
esse número aumenta cada vez mais. Entre julho de 1985 e abril de 2004, cerca de 2.243
casos foram notificados no Estado; dos quais 1.643 são do sexo masculino, 600 do sexo
feminino e 58 casos de gestantes e crianças expostas ao vírus (BEZERRA, 2005).
A enfermagem através da sua atividade exclusiva (consulta de enfermagem) e fazendo
uso da sua autonomia profissional é responsável pelo desenvolvimento de um modelo
assistencial para atender às necessidades de saúde do indivíduo/comunidade. Logo, tem
compromisso com a assistência ao portador do vírus HIV/AIDS com o objetivo de melhorar
a sua qualidade de vida e preparar o doente para o auto cuidado (CAETANO, PAGLIUCA,
2006).
A sigla AIDS, como é mais conhecida, significa, em inglês, Acquired Immunodeficiency
Syndrome. Em português quer dizer Síndrome da Imunodeficiência Adquirida e a sigla é
conhecida como SIDA. A Síndrome é um conjunto de sinais e sintomas que caracterizam a
doença e que atinge o sistema imunológico que passa a não funcionar corretamente. A
doença é adquirida porque a infecção ocorre através da penetração do vírus no corpo do
hospedeiro (AZEVEDO, 2002).
Segundo o mesmo autor, no Brasil, a grafia em inglês (AIDS) é a mais utilizada. A
semelhança que a sigla SIDA tem com o apelido comum que é dado a quem tem o nome
próprio de Maria Aparecida, nome esse bastante comum em nosso país, e por essas duas
palavras se confundirem foneticamente, convencionou-se aqui no Brasil a sigla inglesa
SIDA
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189
(AIDS) para não gerar preconceitos. Em outros países como Portugal e os demais da
língua portuguesa, a sigla SIDA é mais utilizada.
Veronesi e Focaccia (2004) referem que, a AIDS foi reconhecida em meados de 1981
nos Estados Unidos (EUA) a partir da identificação de um número elevado de pacientes do
sexo masculino, homossexuais, que apresentavam sarcoma de kaposi (um tipo de câncer
que geralmente infecta idosos), pneumonia por Pneumocystis carinii e comprometimento
imune. Logo após a identificação do vírus HIV, os médicos começaram a pesquisar como
ele poderia ser transmitido, tendo como resposta a infecção pelo sangue ou troca de fluídos
corporais.
Embora não se conheça a origem do vírus HIV, sabe-se que existe semelhança com a
família de retrovírus relacionada a primatas não-humanos (macacos verdes africanos),
que vivem na África sub saariana, chamada de Vírus da Imunodeficiência Símia (SIV).
Acredita-se que em rituais religiosos o homem sacrificava o animal, ingerindo seu sangue;
assim o vírus SIV pode ter sido transmitido ao homem, sofrido mutação e passado a infectar
a espécie humana (VERONESI; FOCACCIA, 2004).
Em 1983, o vírus responsável pela AIDS foi isolado pelos pesquisadores Robert Gallo
nos EUA e Luc Montagnier, na França. Em 1985 o método “Elisa” (Enzima Link
Immunosorbent Assay), que em português significa Enzima Imunoensaio, foi capaz de
detectar os anticorpos do vírus HIV no sangue. No ano de 1986 um comitê internacional
reconheceu o HIV, como capaz de infectar seres humanos (AZEVEDO, 2002).
A AIDS é definida como a forma mais grave de um espectro de doenças associadas à
infecção pelo vírus HIV. As manifestações da infecção variam desde anormalidades brandas
na resposta imune, sem sinais e sintomas francos, até a imunossupressão profunda associada
a várias infecções com risco de vida e malignidades (SMELTZER; BARE, 2002).
Para Azevedo (2002, p. 24) HIV “é o agente causador da destruição do sistema
imunológico, que defende o organismo das infecções” e AIDS “é um conjunto de doenças
que atacam o organismo quando ele se encontra enfraquecido pelo vírus HIV [...]”. As
doenças que atacam o organismo infectado são chamadas de doenças “oportunistas” devido
à oportunidade que elas encontram de se manifestar no organismo com o sistema imune
enfraquecido.
Considerando a AIDS um problema de saúde pública e sabendo da gravidade de um
indivíduo em fase avançada da doença e na necessidade de recuperá-lo prevenindo
complicações, resolvemos desenvolver o estudo aplicando o processo de enfermagem,
norteado pela linha da Sistematização da Assistência de Enfermagem, utilizando a
Taxonomia II da Norte American Nursing Diagnosis Association (NANDA) e Diagnósticos
em Enfermagem.
1.1 OBJETIVO
Sistematizar a assistência de enfermagem a um cliente acometido por HIV/AIDS,
segundo o Modelo Conceitual de Horta, utilizando a Taxonomia II dos diagnósticos de
enfermagem às necessidades do cliente.
Verificar através da avaliação se a sistematização da assistência proposta ao cliente a
partir do plano pré-estabelecido contribuiu para sua reabilitação.
SIDA
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190
2 REVISÃO DA LITERATURA
2.1 ASPECTOS GERAIS DA AIDS
Segundo Colombrini et al (2004), o HIV atua sobre os linfócitos (glóbulos brancos) que se
encontram presentes nos tecidos linfóides como o timo, o baço, linfonodos, apêndice e no
sangue circulante, bem como nos vasos linfócitos. Os linfócitos T são células responsáveis em
parte pela defesa imunológica do nosso organismo e comanda toda a atividade de ataque do
sistema de defesa, são elas em especial que são atacadas pelo vírus devendo assim ao
aparecimento das doenças oportunistas e/ou neoplasias associadas a uma imunodeficiência.
De acordo com Azevedo (2002) o organismo infectado pode levar de 7 a 10 anos para
apresentar manifestações clínicas mas, esse prazo vem se alterando ao longo dos últimos
anos com a descoberta de drogas altamente potentes que são capazes de prolongar a vida dos
indivíduos infectados pelo vírus HIV.
2.2 TRANSMISSÃO
Para que ocorra a transmissão, basicamente deve haver troca de fluidos corporais entre
uma pessoa contaminada e outra não contaminada. Esses fluidos são o sangue, o sêmen e as
secreções vaginais. Para ocorrer a penetração do vírus no organismo sadio, é necessário
haver uma porta de entrada, sendo as principais: mucosas, lesões e ferimentos abertos
(AZEVEDO, 2002).
De acordo com Colombrini et al (2004, p. 96), o vírus foi isolado:
No sangue, plasma, soro, sêmen, secreções vaginais e cervicais, saliva, lágrima, liquor e
leite materno e a transmissão ocorre pela transmissão sexual (homossexual, bissexual e/ou
heterossexual), transmissão por sangue ou derivados, transmissão vertical (mãe-filho durante
a gestação, parto e amamentação) e por transmissão através de mecanismo não definido
(acidente de trabalho).
2.3 DIAGNÓSTICO
A avaliação diagnóstica é realizada por meio da sorologia, que são: o teste Elisa,
imunofluorescência e Western blot, sendo os dois últimos de caráter comprobatório. Também
é realizada a contagem dos linfócitos CD4 e CD8 e da carga viral para chegar ao diagnóstico
final e caracterizar a instalação da doença (COLOMBRINI et al, 2004).
Azevedo (2002) refere que na fase inicial da doença os testes podem não identificar a
presença de anticorpos para HIV, devido à janela imunológica que é o tempo decorrente entre
a possível exposição ao vírus e o desenvolvimento de anticorpos no organismo.
2.4 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
As manifestações clínicas da AIDS são amplas e podem afetar quase todos os sistemas
orgânicos. As doenças associadas a AIDS resultam de infecções ou do efeito direto do HIV
sobre os tecidos corporais (SMELTZER; BARE, 2002).
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191
A infecção pelo HIV manifesta-se clinicamente em três fases:
1. Infecção aguda;
2. Fase assintomática, de duração variável;
3. Fase crônica, geralmente com progressão para doença mais grave (VERONESI;
FOCACCIA, 2004, p. 84).
Ainda sobre as manifestações clínicas os mesmos autores referem que em 40 a 70% dos
indivíduos infectados os sintomas da fase aguda surgem aproximadamente duas ou três
semanas após o contágio. Os sintomas típicos incluem febre, adenomegalia, faringite,
exantema transitório e meningite asséptica.
A infecção aguda também é conhecida como síndrome da infecção retroviral aguda ou
infecção primária. Nessa fase observa-se um aumento no número absoluto de linfócitos T
CD8+ circulante e acontece uma inversão da relação CD4+/CD8+, que se torna menor
que um. Esse aumento de células T CD8+ reflete uma resposta T citotóxica potente que é
detectada antes do aparecimento dos anticorpos neutralizantes (BRASIL, 2005).
As doenças oportunistas devem-se à localização e disseminação viral nos tecidos linfóides
a partir da ligação do vírus HIV aos receptores CD4 de linfócitos T auxiliares e outras
células mononucleares (VERONESI; FOCACCIA, 2004).
Para os mesmos autores a fase assintomática (latência) pode durar anos. Nesta fase as
culturas plasmáticas podem não demonstrar o vírus circulante. Porém comprovou-se que
ocorre replicação viral persistente. A replicação viral e conseqüentemente destruição das
células T progride e aumenta a deficiência imunitária o que resulta no reaparecimento dos
sintomas.
A terceira fase inicia-se com os sinais e sintomas característicos da deficiência
imunológica, são elas: fadiga, perda de peso, febre intermitente, sudorese noturna, diarréia
(manifestação muito freqüente desde a sua fase inicial), candidíase oral (infecção fúngica)
e leucoplasia pilosa, ocasionado provavelmente pelo vírus Epstein-Barr, gengivite, úlceras
aftosas, sinusopatias, herpes simples recorrente e herpes zoster. Esses sintomas são
comumente encontrados em pacientes com contagem de linfócitos T CD4+ entre 200 e
500/mm3, não muito abaixo do valor da normalidade (VERONESI; FOCACCIA, 2004;
BRASIL, 2005).
A Síndrome da desnutrição faz parte da definição de caso para a AIDS. Os critérios
diagnosticados incluem a perda de peso involuntária e profunda, superando 10% do peso
corporal basal, e diarréia crônica por mais de 30 dias ou fraqueza contínua e febre constante
ou intermitente documentada na ausência de qualquer doença concomitante que possa
explicar esses achados. Existe também uma incidência maior de câncer, possivelmente
relacionado à estimulação do desenvolvimento de células cancerosas ou a deficiência do
sistema imune, permitindo que substâncias geradoras de câncer como vírus, transformem
as células suscetíveis em células malignas (SMELTZER; BARE, 2002).
As infecções oportunistas são causadas por vários microorganismos, dentre eles: os
vírus (citomegalovirose, herpes simples, leucoencefalopatia multifocal progressiva), as
bactérias (tuberculose, pneumonia e salmonelose), os fungos (pneumocistose, candidíase,
criptococose e histoplasmose) e os protozoários (toxoplasmose, criptosporidiose, isosporíase).
As neoplasias (sarcoma de Kaposi, linfomas, neoplasias intra-epiteliais anal e cervical)
também é bastante comum nesses indivíduos. É de suma importância citar que o câncer de
SIDA
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192
colo de útero faz parte desse elenco de doenças que definem o caso de AIDS nas mulheres
(BRASIL, 2005).
2.5 TRATAMENTO
Colombrini et al (2004) referem que o tratamento específico compreende na combinação
de inibidores da transcriptase reversa nucleosídicos por via oral e inibidores de proteases,
também por via oral ou inibidores da transcriptase reversa não-nucleosídicos. No tratamento
das doenças secundárias, são utilizados antifúngicos, antivirais, antibióticos e se necessário
antiineoplásicos.
2.6 PROCESSO DE ENFERMAGEM
O processo de enfermagem pode ser encontrado em todas as fases da história da
enfermagem. Quando ainda não havia ciência, era o espírito de serviço que realizava aquilo
que ainda hoje constitui alguns dos objetivos da enfermagem: proporcionar conforto ao
cliente, afastá-lo do perigo e ajudá-lo a alcançar a cura.
Foi a partir de Florence Nightingale, na metade do século dezenove, que a enfermagem
demonstrou os primeiros indícios de organização. Na década de 50 surgiu nos EUA os
primeiros ensaios sobre as teorias de enfermagem. A preocupação e necessidade em criar
um referencial próprio de enfermagem surgiram a partir das Necessidades Humanas Básicas
de Horta (MARQUES, 2004).
Referindo-se à Teoria das Necessidades Humanas Básicas, Horta (1979, p. 27) declara
“acreditar ser a enfermagem uma ciência aplicada, saindo hoje da fase empírica para a
científica, desenvolvendo suas teorias, sistematizando seus conhecimentos, pesquisando e
tornando-se dia a dia uma ciência independente”.
O método empregado pela Enfermagem para organização das suas ações é o processo
de enfermagem, para o qual a bibliografia da área oferece muitas possibilidades de definição:
“a dinâmica das ações sistematizadas e inter-relacionadas visando à assistência ao ser
humano”, que se caracteriza pelo inter-relacionamento e dinamismo de suas fases ou passos
(HORTA, 1979, p.35); “é uma abordagem de solução de problemas para satisfazer as
necessidades de enfermagem e de cuidado de saúde de uma pessoa” (SMELTZER; BARE,
2002, P. 27).
Para Alfaro-Lefreve (2000), o processo de enfermagem é um método que sistematiza a
assistência de forma mais humanizada, porque se realiza seguindo etapas seqüênciais e
interligadas, visando a eficiência e o alcance de resultados benéficos para o cliente,
considerando os seus interesses, expectativas e desejos.
O processo de enfermagem foi inicialmente descrito por Hall em 1955, depois Johnson
(1959), Orlando (1961) e Wedenbach (1963) desenvolveram, cada uma, um processo
diferente, constituído de três fases. Em 1967, Yura e Walsh foram as autoras do primeiro
texto que descrevia a um processo de quatro fases: levantamento de dados, planejamento,
implementação e avaliação. Na década de 70, Bloch (1974), Roy (1975), Mundínger e
Jauron (1975) e Aspinall (1976) acrescentaram a fase de diagnóstico de enfermagem, o
que resultou num processo constituído de cinco fases (MARQUES, 2004).
SIDA
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193
Embora as etapas do processo de enfermagem tenham sido afirmadas de várias formas
por diferentes escritores, os componentes comuns citados são:
1. Histórico: primeira fase, consiste em coletar sistematicamente os dados do cliente
para determinar o estado de saúde e identificar problemas reais ou potenciais;
2. Diagnóstico: identificação das necessidades humanas básicas e de problemas
colaborativos;
3. Planejamento: estabelecimento de metas e de um plano de cuidado para ajudar o
cliente, família ou comunidade;
4. Implementação: execução do plano de cuidado através das intervenções de
enfermagem;
5. Avaliação: análise dos resultados às intervenções, podendo estender-se a reinvestigação
(POTTER; PERRY, 1998; NANDA, 2002; SMELTZER, BARE, 2002; MARQUES, 2004).
O conceito diagnóstico é definido como o principal elemento, ou a parte essencial e
fundamental, a raiz, da declaração diagnóstica. O conceito diagnóstico pode consistir em
um ou mais substantivos. Quando for usado mais de um substantivo, cada um contribui
para um significado único, como se os dois fossem um só nome; o significado é diferente do
significado dos substantivos citados separadamente (NANDA, 2002).
Segundo Carpenito (2000), apud Marques (2004, p.3), “os Diagnósticos de Enfermagem
devem ser vistos como uma estrutura e um processo”. A estrutura do diagnóstico tem
quatro componentes: Título, Definição, Características Definidoras e Fatores Relacionados
ou Fatores de Risco.
O título - fornece um nome para o diagnóstico, tais como alteração déficit, entre outros;
a definição - proporciona uma descrição clara e precisa do diagnóstico de enfermagem,
delineando seu significado e diferenciando-o de todos os outros diagnósticos; as
características definidoras - são indicadores clínicos (sinais e/ou sintomas) que se agrupam
como manifestações dos diagnósticos de enfermagem e os fatores relacionados - são condições
ou circunstâncias que podem causar ou contribuir para o desenvolvimento do diagnóstico.
È importante enfatizar que, nos diagnósticos de risco os fatores relacionados são os mesmos
fatores de risco, os quais substituem as características definidoras. Conforme Carpenito
(2000), apud Marques (2004, p. 3).
Para Carpenito (2000) apud Marques (2004), existem cinco tipos de diagnósticos
identificáveis:
• Diagnóstico de enfermagem atual: descreve as respostas humanas às condições de
saúde apresentadas pelo indivíduo, família ou comunidade embasadas nas características
definidoras (sinais e sintomas) ou nas características definidoras;
• Diagnóstico de enfermagem de risco: descreve as respostas humanas às condições de
saúde, que podem ser desenvolvidos no indivíduo, família ou comunidade vulneráveis. Os
fatores de risco são a base para este diagnóstico;
• Diagnóstico de enfermagem possível: descreve problemas que podem estar presentes
mas que exigem dados adicionais para serem confirmados ou não.
Carpenito (2000) apud Marques (2004, p.3) destaca 3 direções após a coleta dos dados
em relação ao diagnóstico de enfermagem possível:
SIDA
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194
a) confirmar a presença de sinais e sintomas maiores, denominando, assim, um
diagnóstico real; b) confirmar a presença de fatores de risco potenciais, um diagnóstico
(vigente ou de risco) no momento e c) excluir a presença de um diagnóstico de enfermagem.
• Diagnóstico de enfermagem de bem estar: julgamento clínico de um indivíduo, família
ou comunidade em processo de transição de bem-estar para um nível mais elevado. Para
determinar este diagnóstico, devem estar presentes: a) o desejo de um nível mais elevado de
bem-estar e b) estado ou função presente.
• Diagnóstico de enfermagem de síndrome: conjunto de diagnóstico de enfermagem
real, onde a sua presença é prevista devido a algum evento ou situação. Diagnósticos de
síndromes não podem ser classificados como de risco.
Vale salientar que este método não pode ser usado para diagnósticos possíveis ou de
risco, porque os sinais e sintomas não estão presentes nestes casos.
3 MATERIAL E MÉTODO
Este é um estudo descritivo com abordagem qualitativa, do tipo estudo de caso, que
Triviños (1987, p. 133) aponta como “[...] um dos mais relevantes” estudo nesse tipo de
pesquisa. Objetivando a elaboração do plano de cuidados a um cliente com HIV/AIDS,
utilizando-se para isto, a uniformização da linguagem dos Diagnósticos de Enfermagem da
Taxonomia II da NANDA e o processo de enfermagem.
O estudo foi desenvolvido no hospital de doenças infecto-contagiosa na cidade de João
Pessoa. A escolha da instituição deveu-se ao fato de se tratar de uma instituição de referência
do Estado da Paraíba para o tratamento do HIV/AIDS e por apresentar o principal campo
de prática de alunos da graduação em enfermagem da disciplina clínica II ao qual uma das
pesquisadoras desenvolvia atividades curriculares.
Fez parte da amostra, o Sr. J. A. O., 41 anos, escolhido entre os internos de forma
aleatória da enfermaria masculina da referida instituição. Para levantamento de dados,
utilizou-se o exame físico, anamnese, através de um roteiro de entrevista (ANEXO A). A
coleta procedeu-se na enfermaria do cliente por um dos autores do trabalho após
esclarecimento ao mesmo quanto a finalidade da pesquisa e obtenção da sua anuência.
Foram coletados dados a partir da entrevista/anamnese, da observação e do exame físico e
consultas ao prontuário do cliente. Para a operacionalização do processo de enfermagem
foram realizadas visitas diárias ao cliente a partir da data de elaboração do pano de cuidados
e servindo de subsídio para a assistência, o processo de enfermagem foi desenvolvido nas
seguintes etapas:
1ª etapa: levantamento de dados através da entrevista;
2ª etapa: planejamento das ações de enfermagem através do sistema de apoio-educação;
3ª etapa: implementação e avaliação da assistência prestada no sistema escolhido.
Após concluída a fase de coleta de dados, foi iniciado o trabalho de análise das
informações coletadas. Para chegar aos diagnósticos de enfermagem, teve-se como base,
as características definidoras e os fatores relacionados determinados pela classificação da
NANDA, bem como o conhecimento dos autores na sistematização da assistência de
enfermagem.
SIDA
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195
Previamente à coleta, foi solicitada a assinatura de um termo de consentimento livre e
esclarecido ao cliente, documento este e explicado os objetivos da pesquisa, garantindo
total e absoluto sigilo dos dados fornecidos; bem como o anonimato e o direito, inclusive, de
não concluir a entrevista, se assim o desejasse.
3.1 HISTÓRIA CLÍNICA
Cliente J. A. O., pedreiro, casado, 41 anos, e comunicativo, emotivo e choroso,
alfabetizado, procedente de sua residência no município de João Pessoa-Pb.
No dia 20/08/06 às 16:20hs foi admitido no hospital de referência de doenças infectocontagiosas, tendo como queixas: anorexia, dor abdominal intensa na região epigástrica,
diarréia. O Sr. J. A. O. sabe que é HIV (+) e diabético. Diagnóstico médico: Diabetes
Mellitus descompensada, BCP + SIDA fase avançada. Exames solicitados: Hemograma,
leucograma, bioquímica, glicemia, imunologia, RX de tórax, USG abdominal, USG
prostática, sumário de urina e parasitológico de fezes.
Encontrando o cliente no dia 21/08/06 às 08:30h, ao exame físico – SN: cliente
consciente, orientado no tempo e espaço, cooperativo, calmo, baixa auto estima, cabeça
normocefálica, visão, audição e olfação preservados; Pele e mucosas: hipocorado, pele
ressecada, turgor e elasticidade diminuídos, apresentando descamações em couro cabeludo
e região do mento, anictérico, acianótico; higiene corporal e oral prejudicados, aceitou
metade da dieta e refere não gostar da alimentação do hospital, durante a entrevista o
paciente demonstrou baixa auto-estima fazendo repreensão e avaliação de si mesmo; SR:
eupnéico, respiração toraco-abdominal com predominância abdominal, expansibilidade
torácica bilateral e diminuída, murmúrios vesiculares (+) em ambos hemitórax com ruídos
adventícios do tipo crepitante em hemitórax esquerdo; SCV: normoesfigmico, afebril, pulso
radial fraco, regular e palpável; SD: emagrecido, abdome plano e tenso, ruídos hidroaéreos
(+) nos quatro quadrantes, indolor à palpação superficial, eliminações vesicais presentes
de cor, odor e características normais, eliminações intestinais presentes com características
pastosas e/ou amolecidas; SME: edema de membro inferior esquerdo (+3/+4) com lesão
necrosada na falange distal do hálux esquerdo. Verificado os sinais vitais: Tax: 35,4°C; P:
79 bpm; R: 20 irpm; PA: 90x50 mmHg; FC: 79bpm; CA: 73cm.
Resultados dos exames laboratoriais: Hemograma: anemia; Leucograma: dentro dos
valores de referência; Bioquímica: sem alterações; Glicemia: dentro do valor de referência;
Imunologia: não reativo; Sumário de urina: bilirrubina (+); Parasitológico de fezes: negativo;
RX de tórax – finas condensações disseminadas no parênquima de ambos os pulmões; USG
abdominal: normal; USG prostática: normal.
O cliente encontra-se em uso de antibacteriano, antiespasmódico, ansiolítico, adsorvente
e antifisético, analgésico e antitérmico, anti-retrovirais, diurético, insulina regular,
anticoagulante, antiemético, vitaminas e dieta para diabético.
4 RESULTADOS
Diante da elaboração da história clínica e a partir dos dados coletados obtivemos subsídios
para a identificação dos diagnósticos de enfermagem com base na Taxonomia II da NANDA
de acordo com a priorização dos problemas apresentados pelo cliente descritos a seguir no
quadro 1.
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QUADRO 1 – Plano de Enfermagem baseado na North American Nursing Diagnosis
Association (NANDA). João Pessoa/Pb – 2006.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A vulnerabilidade dos indivíduos infectados pelo vírus HIV a contrair doenças
oportunistas é uma realidade e para tanto é preciso que os profissionais estejam preparados
para enfrentar tais situações. Neste estudo, observamos e constatamos que de acordo com
os diagnósticos de enfermagem determinados, todo o empenho da equipe de enfermagem
será desconsiderado se não houver atuação da equipe multidisciplinar.
Sendo o cliente o centro da assistência de enfermagem, o estudo realizado nos mostrou
a importância do processo de enfermagem aplicado a um cliente hospitalizado com HIV/
AIDS no atendimento das suas necessidades humanas básicas afetadas. Nossa finalidade
foi concretizada promovendo a recuperação do cliente e prevenindo complicações.
Ficou registrado que a experiência profissional da prática de enfermagem deve ser
planejada, implementada e avaliada diariamente. É através da compreensão e aprendizado
sobre as necessidades humanas básicas afetadas, que podemos adquirir importantes
conhecimentos que contribuem com o nosso preparo para o enfrentamento das situações no
exercício da nossa profissão, bem como a ampliação dos conhecimentos científicos para a
enfermagem, servindo de base para estudos posteriores e para o amadurecimento de idéias
com a vantagem de pô-las em prática.
Pôde-se perceber também que além do conhecimento científico é necessário desenvolver
uma sensibilidade, no sentido de entender as necessidades individuais e oferecer uma
assistência de enfermagem humanizada, eficaz e atenciosa, ou seja, ver o cliente como um
indivíduo pleno e um ser holístico.
Diante dos resultados obtidos no estudo de caso, os diagnósticos de enfermagem
encontrados foram: Nutrição desequilibrada: menos do que as necessidades corporais,
Integridade da pele prejudicada, Baixo auto estima situacional e Risco para infecção.
Concluímos que a recuperação do cliente estava condicionada diretamente ao seu estado
emocional traduzido através do diagnóstico de Baixo auto estima situacional. Sendo a
AIDS uma doença caracterizada pelo não funcionamento correto do sistema imunológico,
essa condição favorece o agravamento do quadro clínico do cliente, uma vez que estados
psicológicos alterados poderão favorecer a baixa da imunidade.
Em suma, o processo de enfermagem quando aplicado traz resultados positivos para
ambos, tanto ganha o cliente quanto à enfermagem.
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199
ANEXO
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200
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201
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204
NUTRIÇÃO E VIH: PARTICULARIDADES NO IDOSO
Xará S 1, Dias I 2, Mota M 3 - Gaia - Portugal
Infecção pelo VIH/SIDA em Idosos: Situação em Portugal
Actualmente há um número crescente de idosos que vivem com infecção pelo VIH/
SIDA(1-3). Em Portugal, entre 1 de Janeiro de 2006 e 30 de Junho de 2006 foram recebidas
no Centro de Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmissíveis, notificações de 1173
casos de infecção pelo VIH. Encontram-se notificados 29461 casos de infecção VIH/SIDA
nos diferentes estadios de infecção. No período compreendido entre 1 Janeiro 1983 e 30 de
Junho de 2006, os indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos representam 5,0%
(660 doentes, 537 do sexo masculino) do total de doentes (4).
Diagnóstico de Infecção pelo VIH/SIDA em Idosos
O diagnóstico de infecção pelo VIH/SIDA em idosos é feito geralmente quando referem
sintomatologia ou quando são hospitalizados, encontrando-se normalmente já num estadio
avançado da doença. Um diagnóstico precoce é fundamental pois apesar de se encontrarem
num estadio avançado, o uso da Terapia Anti-Retrovirica (TARV) nestes indivíduos contribui
para a diminuição da morbilidade e mortalidade(5-9). Existem diversas explicações para
esta tendência de em indivíduos mais velhos o diagnóstico da doença ser efectuado num
estado mais avançado da própria como, por exemplo a falta de reconhecimento dos idosos
como indivíduos sexualmente activos e consequentemente em risco; a errada associação de
sintomas relacionados com a infecção pelo VIH/SIDA (ex: fadiga, perda de peso, perda de
memória) ao normal envelhecimento ou a outras doenças frequentes nesta faixa etária(9).
Infelizmente, um diagnóstico tardio pode privar o indivíduo infectado do momento ideal
para o início do tratamento e para a adopção de comportamentos que protejam os outros
de contágio(9). Torna-se então premente a implementação de campanhas educacionais
especificamente destinadas a esta população e ter em consideração, mais frequentemente,
a possibilidade do diagnóstico de infecção pelo VIH/SIDA neste grupo etário, através de
rastreio e aconselhamento(3,8).
Uma diminuição da sobrevida nos idosos com infecção pelo VIH/SIDA, pode ser atribuída
ao declínio natural do sistema imunitário, ao uso diminuído da TARV, ao aumento da
intolerância farmacológica e ao diagnóstico tardio da infecção pelo VIH/SIDA(10). Os idosos
com infecção pelo VIH/SIDA encontram-se em risco aumentado de morbilidade e
mortalidade devendo a sua situação clínica ser rigorosamente monitorizada(3,10).
1
2
3
- Unidade de Nutrição - Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia ([email protected])
- Unidade de Nutrição - Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia
- Serviço de Medicina Interna - Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia
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205
Desnutrição e Wasting
A desnutrição é uma das complicações major da infecção pelo VIH/SIDA. A perda de
peso é uma das manifestações clínicas mais precoces da doença, constituindo uma das
principais causas de morbilidade, independentemente da deficiência imunitária, contribuindo
também para uma diminuição da qualidade e da esperança de vida. A patogénese da
desnutrição é multifactorial e encontra-se relacionada com complicações específicas que
levam a alterações na ingestão alimentar, na absorção de nutrientes, e/ou no gasto energético,
promovendo um balanço energético negativo(11,12).
O Wasting é um síndrome característico da infecção pelo VIH/SIDA, precocemente
identificado e originalmente denominado por slim disease. Em indivíduos infectados pelo
VIH/SIDA, e segundo o Center of Diseases Control and Prevention, o wasting define-se
como a perda involuntária de peso superior ou igual a 10% do peso habitual, num período
de 6 meses, concomitante com diarreia crónica, fraqueza crónica ou febre sem causa
definida(13). Pode conduzir a uma diminuição da capacidade funcional e aceleração da
progressão da doença, caracterizando-se pela perda de tecido muscular, tecido nobre e de
extrema importância no organismo. Este começa a perder as suas funções major à medida
que há progressão de danos no sistema imunitário e perda de peso(12,14). No entanto, existe
alguma controvérsia se a definição anterior se encontra ou não apropriada ao contexto da
SIDA. Advoga-se se não deveria ser considerada uma perda de peso involuntária superior
a 5%, em detrimento dos 10%, e se alterações na composição corporal, e não apenas no
peso, não constituiriam uma mais valia na definição deste síndrome(15). A ingestão inadequada
associada ao aumento do gasto energético, às desordens relativas a má-absorção, às
alterações metabólicas, ao hipogonadismo e à produção excessiva de citocinas são factores
que contribuem para o wasting(12). Tem havido progresso no sentido de desenvolver
tratamentos eficazes. Aconselhamento e suporte nutricional, estimuladores de apetite,
exercício físico progressivo e hormonas anabólicas podem reverter a perda de peso e aumentar
a massa magra em indivíduos infectados(12). Existem recomendações terapêuticas para o
controlo da perda de peso e wasting nestes indivíduos, visto haver cada vez mais referência
à intervenção nutricional na prevenção de wasting, e na promoção da recuperação do peso
e de massa magra(16,17).
Composição corporal
O estudo da composição corporal assume uma importância extrema na avaliação de
indivíduos idosos infectados pelo VIH/SIDA visto a esperança de vida relacionar-se com a
magnitude da depleção da massa celular corporal. A debilidade do sistema imunológico e
as sucessivas infecções a que está sujeito acarretam um efeito negativo na composição
corporal, mesmo quando em termos ponderais e sintomatológicos existe uma recuperação(11).
Encontram-se disponíveis diversos métodos de determinação da composição corporal como:
os parâmetros antropométricos, a Impedância Bioeléctrica e a Absorciometria de raio-X
de dupla energia, importantes na avaliação da deplecção da massa celular corporal e na
definição e seguimento do síndrome de redistribuição da gordura nestes indivíduos(18-21).
Alimentação nos Idosos
A ingestão alimentar está frequentemente comprometida em idosos, estando estes
indivíduos com um risco de desnutrição aumentado. A desnutrição é, assim, muito frequente
SIDA
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206
e largamente subdiagnosticada neste grupo etário. Um aumento da idade está
independentemente associado a um pior estado nutricional, o que pode parcialmente explicar
o pior resultado clínico de diversas situações em idosos(22). Diversas variáveis sociais,
psicológicas e fisiológicas, características do envelhecimento, podem predispor à
desnutrição(22,23). Um dos factores sociais que mais contribui para a diminuição da ingestão
alimentar nos idosos é a sua situação financeira limitada, que dificulta a aquisição de
alimentos de maior qualidade nutricional(23). O isolamento social, a “solidão” e consequente
depressão associada podem também conduzir à diminuição do apetite e da ingestão, uma
vez que os idosos tendem a consumir maior quantidade de alimentos numa refeição quando
a fazem na companhia de amigos e familiares do que quando a fazem sozinhos(22,23). Factores
físicos, como a dificuldade de mastigação e a diminuição progressiva do paladar e do
olfacto podem condicionar também a escolha alimentar e limitar o consumo de alimentos.
Várias condições clínicas, comuns no envelhecimento, causam, por outro lado,
frequentemente, anorexia, deficiência de micronutrientes e aumento das necessidades
energéticas. Nesta faixa etária, a maioria dos indivíduos necessita de vários tipos de
medicação, possivelmente responsáveis pela má-absorção de nutrientes, sintomas
gastrointestinais e perda de apetite que, indirectamente, leva à diminuição de peso. Existe
também o risco aumentado de interacções farmacológicas, podendo causar anorexia. O
envelhecimento está, assim, associado a uma dieta mais monótona e menos variada, que
poderá conduzir a deficiências nutricionais, comprometendo desta forma o estado nutricional
do idoso e a sua função imunitária(22,23).
Uma ingestão alimentar diminuída (refeições mais pequenas, eliminação das refeições
intermédias) pode conduzir a uma ingestão insuficiente de macro e micronutrientes e as
deficiências nutricionais sub-clínicas(22,23). Uma das causas desta diminuição das necessidades
energéticas é provavelmente resposta à diminuição do gasto energético que ocorre
naturalmente durante o envelhecimento(23). Em muitos indivíduos a diminuição da ingestão
energética é superior à diminuição do gasto energético resultando numa perda de peso
(essencialmente massa magra). A perda de massa magra tem efeitos adversos estando
associada ao comprometimento metabólico, fisiológico e funcional(23).
Particularidades dos indivíduos com infecção pelo VIH/SIDA
Os indivíduos infectados pelo VIH/SIDA caracterizam-se por um hipermetabolismo
catabólico, que acarreta aumento das necessidades energéticas e nutricionais. A nutrição
assume então um papel essencial na qualidade de vida destes doentes, nomeadamente nos
idosos, devendo a intervenção nutricional ser iniciada logo após o diagnóstico. A infecção
pelo VIH/SIDA influencia o estado nutricional através do aumento do gasto energético em
repouso, diminuição da ingestão alimentar, má-absorção de nutrientes, e alterações
metabólicas complexas, culminando na perda de peso e no wasting(24,25).
A melhoria do estado nutricional pode fortalecer o sistema imunitário, reduzir a incidência
de infecções e prevenir a perda de peso, principalmente de massa magra, influenciando
positivamente o prognóstico(24,25).
Algumas deficiências nutricionais podem ser revertidas com terapia nutricional
apropriada. A ingestão adequada de macro e micronutrientes é indispensável para a
manutenção e restauração da disfunção imunitária(16,25). Diversos sintomas, frequentemente
associados ao envelhecimento e à infecção pelo VIH/SIDA, podem ter um impacto negativo
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207
e significativo na ingestão alimentar e, consequentemente, no estado nutricional e na
aderência à TARV, como por exemplo: náuseas, vómitos, diarreia, anorexia, dor, dificuldades
de mastigação/deglutição, alterações de paladar, etc.(16,23,25). Estratégias alimentares deverão
ser providenciadas de modo a ultrapassar tais obstáculos e a preservar um bom estado
nutricional. Todos os indivíduos infectados pelo VIH/SIDA deveriam ter acesso a um
acompanhamento médico e nutricional incluído num plano de saúde multidisciplinar. O
Nutricionista deve avaliar o estado nutricional do indivíduo (avaliação antropométrica,
composição corporal, dados analíticos) e a ingestão alimentar (recordação das 24h
precedentes, registos alimentares) de modo a elaborar um plano de intervenção nutricional,
tendo em conta as preferências e tolerâncias do doente. Pode ser necessário recorrer a
suplementação oral e/ou nutrição artificial(20,25,26). A Nutrição Entérica oferece a
possibilidade de aumentar ou assegurar um correcto aporte nutricional, em caso de
insuficiente ingestão alimentar oral, estando recomendada logo que o risco nutricional seja
aparente, de modo a melhorar o seu estado nutricional e a sua qualidade de vida e a
diminuir a morbilidade e mortalidade(26). Um bom estado nutricional pode contribuir
significativamente para a saúde e bem estar de idosos com infecção pelo VIH/SIDA. Uma
melhor compreensão dos factores que contribuem para o agravamento do estado nutricional
destes indivíduos pode proporcionar o desenvolvimento de estratégias apropriadas para o
tratamento e prevenção da desnutrição e consequentemente melhorar a sua qualidade de
vida(23).
Conclusão
A infecção pelo VIH/SIDA é, actualmente, uma patologia cada vez mais frequente em
idosos. Um acompanhamento multidisciplinar individualizado e adequado constitui uma
“arma” segura e benéfica nestes indivíduos, permitindo assim melhorar a qualidade e
esperança de vida.
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209
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210
COLONIZAÇÃO ORAL FÚNGICA NOS INDIVÍDUOS VIH/
SIDA SUBMETIDOS A TERAPÊUTICA ANTIRETROVIRAL
Nascimento T M S a b, Lopes M M a, Amorim A b, Freitas G a - Lisboa - Portugal
Introdução
Os fungos são organismos ubiquitários na natureza, sendo o homem continuamente exposto
a múltiplos géneros de fungos por várias vias, nomeadamente pela ingestão de alimentos,
permintindo assim a colonização do tracto gastrintestinal. No organismo humano, a colonização
por espécies do género Candida, particularmente Candida albicans (C. albicans), poderá ser
transitória, permanente, ou ainda, dar origem a infecção, dependendo da interacção entre os
seus factores de virulência e os mecanismos de defesa do hospedeiro. Assim, estes organismos
podem transitar de comensais para patogénicos, sendo por isso considerados patogénicos
oportunistas3. E sendo as candidoses quase tão velhas quanto a humanidade, porquê falar de
candidoses na actualidade?
Na última década tem-se verificado um aumento da incidência das infecções fúngicas,
sendo o principal factor contribuinte para este fenómeno, o número crescente de indivíduos
imunodeprimidos, onde se incluem os indivíduos infectados pelo vírus da imunodeficiência humana
(VIH/SIDA). Nestes, o equílibrio da interacção agente-hospedeiro desloca-se muitas vezes no
sentido de uma expressão patogénica do fungo, que se traduz em várias infecções da mucosa
oro-faríngea4,15.
Com efeito, é um dado adquirido que cerca de 90% dos indivíduos VIH/SIDA sofrem de
candidose orofaríngea (COF), pelo menos uma vez, no decurso da doença. Esta infecção é um
marco no estabelecimento do estadio em que o doente se encontra, tendo sido incluida como
marcador clínico na classificação da doença18. A disponibilidade de agentes antifúngicos eficazes
para a profilaxia e tratamento da COF foi sempre limitada e resume-se essencialmente à utilização
de dois triazóis: fluconazol e itraconazol20,21, sendo que, a sua utilização prolongada pode
levar à emergência de isolados de Candida spp. resistentes aos azóis. A introdução da terapêutica
anti-retroviral (TARV) de alta eficácia (HAART) reduziu a prevalência das IO, incluindo a
COF1,4,14, permitindo também um decréscimo da resistência ao fluconazol. No entanto, não é
Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa
Instituto Superior Ciências da Saúde Egas Moniz
Correpondência: [email protected]
a
b
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muito claro o efeito da HAART sobre a colonização oral fúngica, nem a sua consequência sobre
as leveduras colonizadoras, inclusivamente no que respeita ao seu comportamento frente às
principais moléculas antifúngicas disponíveis e utilizadas no tratamento.
O presente estudo propôs-se conhecer a colonização oral fúngica num grupo definido da
população VIH/SIDA Portuguesa e relacioná-la com os parâmetros clínicos (carga viral (CV) e
linfócitos TCD4+), TARV e higiene oral dos indivíduos VIH/SIDA. Propôs-se ainda avaliar os
padrões de susceptibilidade in vitro às moléculas antifúngicas sistémicas disponíveis para
tratamento das infecções fúngicas orais naqueles indivíduos.
Material e Métodos
Amostra
Efectuou-se um estudo prospectivo em 64 indivíduos VIH/SIDA observados em consulta
na clínica dentária do Instituto Superior Ciências da Saúde Egas Moniz (ISCSEM), Portugal,
no período compreendido entre Janeiro e Outubro de 2004. Os critérios de inclusão no
estudo foram os seguintes: ausência de sinais clínicos de COF e ausência de tratamento
antifúngico e antibiótico nos 6 meses precedentes. A informação clínica foi obtida por
preenchimento de um formulário- Protocolo de acompanhamento de colonização fúngica
da cavidade oral em indivídduos VIH/SIDA- contendo informação sobre a idade, sexo,
raça, toxicodependência, últimos resultados dos parâmetros clinicos (linfócitos TCD4+ e
carga viral), TARV instituída e duração do tratamento. A informação sobre a higiene oral
foi obtida a partir do médico dentista assistente e classificada em adequada e inadequada.
Os indivíduos VIH/SIDA submetidos a TARV (78%) mantêm o regime terapêutico proposto
nos três meses precedentes ao estudo com uma adesão superior a 95%. Foram também
incluídos no estudo, um grupo de 50 indivíduos saudáveis, cujos critérios de inclusão foram
os mesmos utilizados para o grupo VIH/SIDA (Quadro 1).
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212
Procedimentos microbiológicos
A todos os indivíduos foi efectuada a recolha de um lavado oral, que após concentração
foi inoculado simultâneamente em Gelose Sabouraud e CHROMagar Candida. Ambos os
meios foram incubados durante 48 horas a 35ºC. A identificação dos isolados foi feita até
ao nível de espécie e baseou-se na côr das colónias em meio cromogénico, sendo
posteriormente confirmada por critérios padrão de morfologia e fisiologia bioquímicos.
Adicionalmente, todos os isolados identificados como C. albicans foram reavaliados pela
prova de crescimento a 45ºC, clamidosporulação em gelose tabaco e cariotipificação
electroforética, para a eventualidade de se poderem tratar de C. dubliniensis, dado que
estas duas espécies partilham propriedades fenotípicas5,917,.
Para todos os isolados dos grupos estudados foram determinadas as concentrações
inibitórias mínimas (CIMs) pelo método de microdiluição em meio líquido de acordo com
as normas do Clinical and Laboratory Standard Institute (CLSI), anteriormente denominado
por National Committee for Clinical Laboratory Standards (NCCLS), frente aos seguintes
antifúngicos: fluconazol, itraconazol, voriconazol e caspofungina13.
Análise estatística
Devido ao pequeno tamanho da amostra, as tendências descritivas obtidas pelo estudo
estatístico foram enfatizadas. Para a análise estatística foi utilizado o programa Graphpad
Prism versão 4.0. Para determinar as associações univariantes foi utilizado o teste estatístico
qui-quadrado (χ2) ou o teste exacto de Fisher quando apropriado. Um valor de P <0.05 foi
considerado estatisticamente significativo.
Resultados
Dos 64 indivíduos VIH/SIDA, obtiveram-se 58 isolados em 40 indivíduos VIH/SIDA e 18
isolados em 50 indivíduos saudáveis, num total de 76 isolados. Destes, 90% (68/76) foram
identificados como C. albicans, 5% (4/76) como C. parapsilosis, 3% (2/76) como C. krusei e
1% (1/76) como C. tropicalis e C. dubliniensis. A diversidade das espécies leveduriformes é
sensivelmente a mesma entre o grupo de VIH/SIDA e o grupo saudável, sendo as percentagens
de colonização por C. albicans e Candida spp. semelhantes entre os dois grupos, 85 e 89%,
respectivamente. Sendo que, no grupo saudável, das espécies não-albicans referidas, apenas
C. parapsilosis foi isolada. Os resultados do nosso estudo que tanto quanto sabemos foi o
primeiro realizado em Portugal, evidenciam um maior número de indivíduos VIH/SIDA
colonizados (62%), comparativamente ao grupo de indivíduos saudáveis (36%) (P = 0.005)
(Quadro 2). Também o grau de colonização é significativamente superior no grupo VIH/
SIDA, quando comparado com o grupo saudável, dado que 40% das amostras apresentam
uma densidade >100.000 UFC/ml, contrariamente ao grupo saudável que apresenta apenas
11% com o mesmo grau de colonização (P = 0.001) (Quadro 2). Quando estratificamos os
indivíduos VIH/SIDA pela CV e pelas contagens de linfócitos TCD4+, verifica-se que uma
maior colonização oral não está associada com um maior número de cópias/ml (P = 0.337),
nem com contagens de linfócitos TCD4+ mais baixas (P = 0.096). No entanto, uma maior
densidade de colonização está associada a um nº de cópias/ml mais elevado (P = 0.012),
sendo que, para os linfócitos TCD4+, parece não haver correlação entre um maior grau de
colonização e um decréscimo de linfócitos TCD4+ (P = 0.051).
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213
Quando comparamos a colonização dos indivíduos VIH/SIDA submetidos e não a TARV,
verifica-se que esta terapêutica independentemente do regime terapêutico instituído, não
influencia a colonização (P = 0.120) e o grau de colonização (P = 0.080), e mesmo
quando os inibidores da protease são incluídos no regime terapêutico não se observa influência
sobre a colonização oral (P = 1.000). O único factor predisponente encontrado neste estudo
para uma maior colonização oral por Candida spp. foi a presença de hábitos de higiene oral
inadequados (P < 0.001).
Quanto ao padrão de susceptibilidade in vitro aos antifúngicos, este trabalho permitenos afirmar que os isolados da amostra de população VIH/SIDA não apresentaram diferenças
de CIMs consideráveis em relação aos isolados do grupo de indivíduos saudáveis, sendo
todos os isolados susceptíveis aos azóis mais antigos (fluconazol e itraconazol), com excepção
de C. krusei, cuja variação de concentrações para o fluconazol foi de 64 - 128 mg/l. Também
para as moléculas recentemente aprovadas, caspofungina e voriconazol, os valores de CIMs
obtidos ficaram muito aquém dos valores referidos por outros autores como breakpoints
para estas moléculas6,7,20 (Figura 1).
Discussão e Conclusão
O presente estudo analisou a prevalência e diversidade de espécies de Candida num pequeno grupo
definido de indivíduos VIH/SIDA, em Portugal. Os nossos resultados observaram uma colonização oral
fúngica nos indivíduos VIH/SIDA significativamente elevada, mesmo para baixas contagens de CV e
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elevado número de linfócitos TCD4+. Estes valores (62%) são mais elevados em relação a outros
estudos efectuados nos Estados Unidos (37%)10, mas muito mais baixos do que os valores de colonização
apontados por estudos efectuados no Brasil (89.5%)11. A prevalência de Candida spp. no nosso estudo
compara-se favoravelmente aos resultados determinados por estudos efectuados na Bélgica (62.3%)16,
Itália (61.9 - 67%)1,2, e Índia (65.3%)8. Fazendo a avaliação da colonização oral por Candida em
função dos marcadores clínicos, os resultados por nós encontrados são concordantes com os de outros
autores que não observaram qualquer associação entre os parâmetros clínicos (CV e linfócitos TCD4+)
e a colonização oral fúngica1,2,19. No entanto, o nosso estudo sugere uma relação entre a CV e o
número de UFC/ml de Candida, sendo sugestivo do efeito da CV, independentemente da contagem de
linfócitos TCD4+. No que se refere à TARV, também não observámos correlação entre a TARV e a
redução da colonização oral. Com efeito, e contrariamente ao que seria esperado, os resultados encontrados
apontam para taxas de colonização, mesmo nos doentes com inclusão de IP, não muito diferentes dos
valores observados por estudos efectuados antes do início da TARV12, concluindo que o regime terapêutico
proposto não influencia o estado de portador assintomático de Candida spp. .Contudo, podemos concluir
que a HAART protege os indivíduos VIH/SIDA do desenvolvimento de COF. Após 10 meses do início do
estudo nos indivíduos VIH/SIDA submetidos a HAART, nenhum desenvolveu COF, apesar dos níveis
elevados de colonização oral fúngica observados. A análise da relação entre os marcadores de infecção
VIH e a colonização por Candida spp. entre os indivíduos VIH/SIDA por comparação com o grupo de
indivíduos saudáveis, permite-nos concluir que a causa da elevada colonização oral por Candida spp.
seja multifactorial, sendo pouco provável que esteja relacionada apenas com os isolados fúngicos, sejam
eles comensais da cavidade oral ou responsáveis por doença. Os nossos resultados enfatizam o facto de
que a colonização e resultante infecção são consequências de interacções entre o hospedeiro, o vírus e
o fungo, todas elas com influência sobre a patogénese destes síndromas. Assim, apesar da COF ter sido
sempre significativamente associada com a imunodeficiência e elevados valores de cargas virais,
representando assim a lesão mais comum e fortemente associada com a infecção por VIH, a colonização
oral por Candida e a sua densidade relativa, parecem estar relacionadas apenas com a higiene oral.
Outro objectivo deste estudo relacionou-se com o conhecimento do efeito da TARV sobre a diversidade
de espécies de Candida nos indivíduos VIH/SIDA e consequente identificação de espécies menos
susceptíveis às moléculas antifúngicas, como C. krusei, C. glabrata e C. lusitaniae, cujo conhecimento
da sua prevalência poderá contribuir na selecção de agentes antifúngicos efectivos na utilização empírica.
De acordo com os resultados encontrados no nosso estudo, podemos concluir que a distribuição das
diferentes espécies fúngicas orais aponta para uma colonização maioritária por C. albicans no grupo
VIH/SIDA submetido a TARV (88%), assim como no grupo VIH/SIDA sem TARV (80%), o que nos
permite concluir que a flora leveduriforme oral é sensivelmente a mesma antes e após a introdução da
TARV. No entanto, C. krusei apenas foi isolada no grupo VIH/SIDA com TARV. De facto, desconheciase se as CIMs das estirpes colonizadoras seriam ou não susceptíveis às principais moléculas antifúngicas
utilizadas num tratamento profiláctico ou sintomático no decorrer da infecção VIH/SIDA, assim como
para as moléculas antifúngicas recentemente introduzidas no mercado (voriconazol e caspofungina)21.
A partir dos resultados obtidos no nosso estudo, podemos afirmar que nos indivíduos VIH/SIDA estudados,
apesar de fortemente colonizados, os seus isolados revelam susceptibilidade às moléculas antifúngicas
testadas. Perspectiva-se também para indivíduos VIH/SIDA submetidos a TARV que venham a
desenvolver COF, que não seja necessário recorrer às novas moléculas antifúngicas, continuando o
fluconazol a ser o fármaco de eleição. Porém, seria adequado efectuar atempadamente, nos diferentes
grupos VIH/SIDA, a determinação das CIMs das estirpes colonizadoras, por forma a, num futuro
provavelmente próximo, efectuar terapêuticas empíricas que permitam melhores resultados clínicos.
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UM CASO DE TRANSMISSÃO VERTICAL DO VIH
- O PROBLEMA DA RESISTÊNCIA
AOS ANTI-RETROVÍRICOS
González I 1, Rocha G 1, Duque V 2 - Coimbra - Portugal
O vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) transmite-se à criança principalmente por transmissão
vertical, durante a gravidez, durante o parto e através do leite materno. A taxa de transmissão
vertical que com a utilização do protocolo ACTG 076 (AZT na grávida, intra-parto e ao recémnascido) foi de 8% tem vindo a descer para taxas de 1-2% com a utilização de tratamento de alta
eficácia à mãe e com a cesariana electiva.
Apresenta-se o caso clínico de uma criança nascida em 2002 e infectada por transmissão vertical
com o VIH-1. A mãe de 40 anos tinha conhecimento do seu estado de infecção desde há 10 anos.
Estava assintomática. Inicia na gravidez AZT + 3TC + IDV que cumpre irregularmente. A carga
vírica mantem-se entre 2000 e 5200 cópias/ml e os CD4 28% antes do parto. O parto foi por
cesareana às 38 S por sofrimento fetal agudo, com rotura de membranas inferior a 4 horas. Fez AZT
endovenoso intra-parto e o recém-nascido AZT profiláctico durante 6 semanas. A PCR-DNA para o
VIH foi negativa às 48H e ao mês de idade, mas foi positiva aos 3 meses de idade. A criança não fez
aleitamento materno. O vírus transmitido tem um padrão de resistência para os fármacos utilizados
na mãe. Este padrão é semelhante ao padrão do vírus materno (resultado conhecido posteriormente).
Este caso pretende alertar para a necessidade do estudo do padrão de resistência dos vírus
maternos para adequação da terapêutica na grávida. A resistência ao AZT imporá a administração
de outra/s medicação intra-parto e ao recém-nascido.
Só com uma terapêutica adequada se poderá reduzir a transmissão vertical do VIH.
CASO CLINICO: Transmissão vertical do VIH. O problema da resistência aos antiretrovíricos
Isabel González, Graça Rocha: Consulta de Doenças Infecciosas do Hospital Pediátrico
de Coimbra
Vítor Duque: Laboratório de Virologia. Departamento de Doenças Infecciosas. Hospitais
da Universidade de Coimbra
1
2
- Consulta de Doenças Infecciosas do Hospital Pediátrico de Coimbra
- Laboratório de Virologia. Departamento de Doenças Infecciosas. Hospitais da Universidade de Coimbra
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Identificação
Criança de raça caucasiana, nascida no ano 2002, actualmente com 4 anos de idade.
Antecedentes Familiares
.
Mãe: 40 anos. Infecção VIH-1 por transmissão sexual diagnosticada 10 anos
antes desta gravidez. Em 1990 realizou uma Interrupção voluntária da Gravidez.
.
Pai: Toxicodependente
Antecedentes Prénatais e Perinatais
A mãe na gravidez apresentou uma clínica de: Infecções do Tracto Urinário de repetição;
leucorreia (C. albicans e Trichomonas) e trombocitopenia.
Fez irregularmente tratamento anti-retrovirico (TARV): Zidovudina (AZT) + Lamivudina
(3TC) + Indinavir (IDV).
A Carga Vírica oscilou entre 2000 e 5200 cópias/ml e CD4 28% antes do parto
Serologias: Ac HBs positivo; Ag HBs negativo; Anti-VHC negativo; VDRL não
reactiva;Toxoplasmose não imune e Rubéola imune
Antecedentes Perinatais e neonatais:
Nasce por cesariana electiva às 38 semanas de Idade Gestacional, mas houve registo de
alterações na variabilidade nas horas prévias ao parto (Sofrimento Fetal Agudo). Com
uma rotura de membranas inferior a 4 horas. Foi administrado zidovudina intraparto.
Nasce com APGAR 9/10/10 sem necessidade de reanimação. Peso-3140g (P25);
Comprimento- 48cm (P25)e Perímetro Cefálico- 34cm (P10-25).
Realizou AZT profiláctico neonatal durante 6 semanas e aleitamento artificial.
Diagnóstico da Infecção na criança:
O teste virológico PCR-DNA (Polymerase Chain Reaction) do VIH resultou:
. Negativo nas primeiras 48horas
. Negativo ao 1 Mês de vida; com uma Carga Viral < 200 cópias/ml
. Positivo aos 3 meses de idade; com Carga Viral 11.749 cópias/ml
Teste de Resistências do VIH1 transmitido:
.
.
.
.
.
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AZT possível Resistência
3TC Resistência
SQV Resistência
IDV possível Resistência
NFV Resistência
Avaliação realizada na criança aos 5 meses de idade. Em sublinhado estão os fármacos
administrados na mãe durante a gravidez.
Teste de Resistências do VIH1 materno:
.
.
.
.
.
AZT possível Resistência
3TC Resistência
SQV Resistência
IDV possível Resistência
NFV Resistência
Depois de ter conhecimento do padrão multirresistente do vírus transmitido verticalmente,
foi realizado o teste de resistências na amostra de sangue materno que tinha sido reservado
nas 48 horas pré-parto.
COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES:
. A PCR-DNA do VIH foi negativa às 48 Horas e ao 1 mês de idade. Houve uma
transmissão, provávelmente peri-parto, de um vírus VIH 1 multiresistente.
. O padrão de resistência do Vírus da mãe é similar ao do filho
Este caso documenta que:
. È necessário o estudo do padrão de resistência dos vírus maternos para adequação
da terapêutica na grávida.
. A resistência ao AZT imporá a administração de outra/s medicação intra-parto e ao
recém-nascido.
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A PROPÓSITO DE UM CASO DE ADAPTAÇÃO DA MÃE
E DO BEBÉ AO CONTEXTO VIH
Casas C, Rocha G, Pinto I, Gomes R - Coimbra - Portugal
Caso 1
A relação de interacção e de vinculação mãe-bebé, tem sido referida em diversos estudos
e reconhecida como um dos factores de grande impacto no desenvolvimento psicomotor da
criança, nomeadamente no desenvolvimento e construção de relacionamentos futuros,
saudáveis ao longo do percurso de vida.
Quando factores como adolescência, gravidez, doença crónica sem cura e falta de apoio
familiar, entre outros factores se conjugam mais relevante se torna a necessidade de intervir
o mais precocemente possivel evitando maiores riscos e diminuindo impactos.
Este estudo pretende ser representativo de uma situação que designamos por caso1,
dada a sua particular especificidade em relação a outros casos da consulta, nomeadamente
quanto á importãncia atribuidas aos aspectos sociais, culturais e desenvolvimentais.
Métodos: os síntomas psicológicos maternos de reactividade emocional foram obtidos
utilizando a versão portuguesa dos questionários: Brief Symptom Inventory (Derogatis,
1983, versão portuguesa: M.C. Canavarro, 1995); a percepção materna relativa ao cuidar
do bebé foi obtida através do Questionário Português de Adaptação Mãe-bebé durante o
primeiro ano de vida Q.M.A.C. (Figueiredo, B., 1997). O desenvolvimento psicomotor infantil,
foi obtido através da escala Schedule of the Growing Skills II (Bellman, Lingman & Aucket,
1996). Estes dados foram recolhidos em vários momentos diferentes: ao 1 mês de pósparto, aos 3 mêses, 12 e 18 mêses.
Dádos Maternos: Mãe solteira, de 19 anos de idade, caucasiana, e o 9ºano de
escolaridade. Orfã aos 6 anos, institucionalizada aos 14 anos, aos 18 anos a viver com
companheiro toxicodependente, inicia comportamentos de prostituição. Diagnosticada às
20 semanas de gestação, por rotina pré-natal com infecção VIH1, apresentava-se
assintomática e não cumpriu terapêutica de profilaxia de transmissão vertical, faltando a
99% das consultas de rotina pré-natal, sendo registada uma unica consulta presencial. Às
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41 semanas de gestação tem um parto por cesariana, após > 4horas de ruptura de
membranas, altura em que procura os serviços hospitalares.
De acordo com os antecedentes maternos, mãe e filho são institucionalizados com
programa de apoio.
Após inicio de atendimento pela equipa multidesciplinar de pediatria, e tendo preenchido
os questionários B.S.I. (Behaviour Sintome Inventory, L.R. Derogatis, 1993, versão: M.C.
Canavarro, 1995) e Q.M.A.C. (Questionário de Avaliação da Adaptação Mãe-Bebé Durante
o Primeiro Ano de Vida , Figueiredo,B., 1997) a mãe foi encaminhada para apoio psiquiátrico
por suspeita de depressão pós-parto, diagnóstico confirmado posteriormente, bem como
personalidade de tipo histriónico.
Após 15meses de institucionalização abandona o filho para adopção.
Dados Pediátricos: Bebé de 1 mês e 21 dias de vida, sexo masculino, primeira gesta
materna. História clinica com reanimação superficial à nascença, após parto por cesariana,
apresentáva Apgar 8 ao 5º minuto de vida, P=3000gr (PC 25); Est=51cm (PC50); Pc34,
8 (PC25-50). Faz aleitamento artificial. Inicia profilaxia com Cotrimoxazole. Os valores
da monitorização pediátrica foram efectuados na consulta de doenças infecciosas, no decurso
do primeiro ano de vida, com valores negativos não apresentando infecção, Quadro1.
Monitorização Pediátrica
Teste PCR DNA (PROVIRAL DNA VIH)
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Registam-se ainda valores estato-ponderais durante os primeiros 18 meses de vida
descritos no Quadro 2.
Resultados da Informação Estato-Ponderal
Durante este espaço de tempo são efectuadas observações do seu desenvolvimento,
através da aplicação da escala Schedule of The Growing Skills II, encontrando-se os seguintes
valores:
Competências Desenvolvimentais
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Encontram-se assinaladas a cinza as àreas do desenvolvimento psicomotor que
apresentam desvio em relação ao esperado para a idade, e interpretadas na escala como
sinais de alarme, no caso do desvio padrão (DP), ser inferior à idade esperada, neste caso
para as areas de Audição e Linguagem e Expressão da Linguagem, area da Cognição e
Comportamento.
Aos 15 meses é institucionalizado, como medida provisoria e aguardando adopção, pássa
a vir aconpanhado à consulta por diferentes cuidadores, apresentando comportamentos de
alguma agitação motora, referidos já em momentos de observação anteriores, sendo visiveis
evitação visual penalizando estes aspectos a sua capacidade de aprendizagem e exploração
apropriado do ambiente e objectos, não apresentando qualquer padrão de agressividade, não
apresenta também vínculo a nenhum dos cuidadores que o acompanharam às consultas.
Conclusões: Neste caso especifico, as questões de ordem multifactorial encontraram relevo
significativo não pesando apenas o factor infecção materna. A história materna passada, o
estado de infecção na gestação e pós-parto, gravidez na adolescência, depressão pós-parto,
disturbio de personalidade, a falta de apoio familiar à mãe e isolamento, institucionalização,
a confrontação com o novo papel materno e adaptação à novas exigências do mesmo, são
apenas alguns dos factores encontrados contribuintes para o desenvolvimento de stress vivêncial
e consequente abandono. Por outro lado a experiência vivêncial materna conduziu à não
aceitação de sugestão de mudança para uma vida saudável e regrada, aspecto sempre referido
como “saturação” por parte da mãe quando abordada em relação ao cumprimento de horários
e obrigações quer prestando cuidados ao filho, quer no desempenho de tarefas na instituição
de acolhimento regeitando uma nova experiência de vida.
Quanto aos dados relativos ao desenvolvimento infantile foram encontrados no 1º mês de
vida uma area com 1Desvio Padrão abaixo da idade esperada, sendo relativo à àrea de
Audição e Linguagem, concluindo-se que seria por falta de estimulação. Quanto à observação
efectuada ao 15º mês de idade, coincidente com o abandono materno, são registados no bebé
a dificuldade em interagir e em efectuar transacções com o ambiente, e com os diferentes
cuidadores, quer em ambiente de jogo, quer em situação de acção/tarefas. É ainda de referir
no Perfil de Desenvolvimento obtido através da Escala S.G.S.II, nomeadamente nas àreas
que apresentam 1 Desvio Padrão em relação à idade esperada, que não sendo considerado
atraso do desenvolvimento representam contudo sinais de alarme requerendo novas avaliações
de vigilância e intervenção nas mesmas, nomeadamente nas àreas da cognição, Linguagem Compreensão e Linguagem - Expressão, tal como na àrea de Interacção Social, todas estas
areas são preditoras de desenvolvimentos futuros. Este aspecto é representativo da sua
dificuldade em estabelecer padrões de autonomia e autoconfiança necessárias ao efectivo e
adequado desenvolvimento da criança, habitualmente descritos em estudos com amostras
semelhantes em idade e condições ambientais semelhantes com diferentes cuidadores. São
também referidos modelos parentais depremidos, pouco reactivos aos sinais dos filhos, e
abandono (Bowlby, Ainsworth, 1969, George & Solomon, 1999, Canavarro, 2002).
Continuamos a sentir a necessidade de desenvolvimento de estudos dirigidos à
multifactorialidade do contexto VIH e ao impacto no desenvolvimento infantil, para melhor
se poderem tecer programas de empowerment materno e familiar, de forma a criar estruturas
vivênciais passiveis de sobrevivencia à situação total e individual nomeadamente dirigidos a
cada caso per si.
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MULHERES INFECTADAS PELO VIH/SIDA:
ADAPTAÇÃO AO NASCIMENTO DE UMA CRIANÇA?*
Pereira M 1, Canavarro M C 2 - Coimbra - Portugal
Questões em torno do Género, VIH/SIDA, Gravidez e Maternidade
A problemática do Síndroma de Imunodeficiência Adquirida (SIDA) no feminino é
multíplice e multidisciplinar, pela constante interacção de factores que pressupõe. Por
outro lado, compreendemos que devido a vulnerabilidades específicas, o risco das mulheres
serem contaminadas pelo VIH tem aumentado, progressivamente, em todas as partes do
mundo. No grupo feminino, podemos identificar grupos e situações de maior vulnerabilidade:
em primeiro lugar as mulheres provenientes dos meios mais desfavorecidos; dentro destes,
as mulheres adolescentes (tanto pela imaturidade do aparelho reprodutor como pela
deficiente educação sexual); e as prostitutas, entre outras. De acordo com Caldas e Gessolo
(2003) muitas mulheres estão integradas nas várias categorias e, ao mesmo tempo, em
estritamente nenhuma, sem que isso, contudo, diminua a sua vulnerabilidade. Por outras
palavras, muitos dos factores de risco implicados na vulnerabilidade das mulheres coocorrem e interagem.
A transmissão materna do vírus da imunodeficiência humana, como sabemos, é a forma
mais importante de infecção pelo VIH, em crianças (Sokal-Gutierrez et al., 1993), podendo
ocorrer durante a gravidez, parto ou após o nascimento através do aleitamento materno
(pré-natal, perinatal e pós-natal) (Anderson, 1996; Campbell, 1999; de Ruiter &
Brocklehurst, 1998; Kourtis, Bulterys, Nesheim & Lee, 2001; Luzuriaga & Sullivan, 1998;
Miotti et al., 1999; Penn & Ahmed, 2000, 2003; Ramos, Gregol, Germany, Silva, Almeida,
Sander et al., 2002; Rouzioux, Chaix, Burgard & Mandelbrot, 2002; Stein, Handelsman &
O presente estudo empírico insere-se no âmbito do projecto de investigação Gravidez e Maternidade: Um
Estudo Longitudinal sobre Mulheres Infectadas pelo VIH, financiado pela extinta Comissão Nacional de Luta
Contra a SIDA (actual Coordenação Nacional para a Infecção VIH/SIDA) – Proc. 11-7.3/2004.
1
Bolseiro de Doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (SFRH/BD/19126/2004). Consulta de
Acompanhamento Psicológico do Departamento de Medicina Materno-Fetal, Genética e Reprodução Humana
– Maternidade Dr. Daniel de Matos – Hospitais da Universidade de Coimbra.
2
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. Consulta de Acompanhamento
Psicológico do Departamento de Medicina Materno-Fetal, Genética e Reprodução Humana – Maternidade Dr.
Daniel de Matos – Hospitais da Universidade de Coimbra.
*
SIDA
NET
227
Matthews, 2000; Stevens, 2002; WHO, 2001). Efectivamente, a possibilidade de transmissão
vertical do VIH (para uma revisão dos estudos cf. Sherr, 1993) é reconhecida, sendo
responsável pela grande maioria da SIDA pediátrica no mundo (Carvalho et al., 2002;
Lindegren, Byers, Thomas, Davis, Caldwell, Rogers et al., 1999; Luzuriaga & Sullivan,
1998; Yeung & Gibb, 2001), sendo vários os factores que a influenciam (Newell, 2006;
Penn & Ahmed, 2000, 2003; UNAIDS, 1998).
A epidemiologia global da infecção pediátrica reflecte a epidemiologia da infecção pelo
VIH na mulher. Porque a grande maioria das infecções pediátricas são adquiridas através
das mães, a prevenção eficaz da transmissão vertical do VIH passa necessariamente pela
prevenção da infecção na mulher (De Cock, Fowler, Mercier, Vicenzi et al., 2000).
Primeiramente, porque a maior parte das mulheres infectadas está em idade fértil (CVEDT,
2005; UNAIDS, 2002); em segundo lugar, no conjunto da casuística global, nos últimos
anos temos verificado um aumento significado das taxas de transmissão por via heterossexual
(CVEDT, 2003); e finalmente, porque a mulher enquanto parceiro receptor, infecta-se mais
facilmente que o homem. Por conseguinte, a prevenção de novas infecções, em mulheres
em idade reprodutiva, revela-se um componente insubstituível na prevenção da infecção na
criança.
Na gravidez, a infecção VIH/SIDA foi pela primeira vez descrita em 1983 (Wetli,
Roldan & Fojaco, 1983). Actualmente, em todo o mundo, aproximadamente 2,5 milhões
das mulheres que engravidam em cada ano estão infectadas pelo VIH (de Bruyn, 2003). A
junção das situações: infecção pelo VIH/SIDA, gravidez e maternidade tem, assim vindo a
ser cada vez mais frequente (Cohen, 1997; Sherr, 1997). Embora, nos dias de hoje, e
função da própria evolução da epidemia, a convergência destas duas situações se revista de
uma configuração especial (mas uma mesma preocupação), desde da década de 80 que a
infecção pelo VIH se posiciona como uma forte ameaça à saúde reprodutiva feminina
(Landesman, Minkoff & Willoughby, 1989; Minkoff, 1987). Na perspectiva da UNAIDS
(1998) a infecção pelo VIH na gravidez tornou-se na complicação obstétrica mais comum
em alguns países em vias de desenvolvimento.
Em Portugal, com um aumento do número de mulheres infectadas pelo VIH, cerca de
80% das quais em idade fértil, e uma preocupação crescente acerca da transmissão vertical,
a gravidez no contexto da infecção pelo VIH tem-se tornado num foco de grande atenção e
de investigação.
Em Portugal, um grande número de mulheres é confrontado com a notícia da sua
contaminação no decurso dos exames de rotina pré-natal. Estas mulheres que não têm
conhecimento do seu estado se saúde relativamente à infecção e engravidam vêm-se
confrontadas com uma tomada de decisão premente que as coloca perante uma de duas
opções: continuação versus interrupção da gravidez; outras, conhecendo a sua situação
clínica, de contaminação pelo VIH/SIDA, optam por engravidar. Temos assim grávidas
que, embora com situações diferentes à partida, têm em comum ter de responder aos desafios
e exigências que a gravidez encerra e, simultaneamente aos implicados no processo de
adaptação à doença. Em ambos os casos, o cruzamento do seu estado de contaminação
com o confronto com o risco de um filho seropositivo pode originar grande sofrimento
psicológico e acarretar dificuldades de adaptação. Quando o diagnóstico de infecção pelo
VIH é efectuado durante a gravidez, a mulher deve ter em consideração não só a
imprevisibilidade característica desta doença e a estigmatização social dela decorrente,
mas também os substantivos desafios da gravidez e da transição para a maternidade. O
SIDA
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228
conhecimento de que a infecção pode ser transmitida ao feto acrescenta as exigências da
incerteza.
Como sublinha Araújo (2003) o projecto de gravidez e maternidade num contexto de
infecção pelo VIH tem implicações a vários níveis, sem paralelo com qualquer outra doença
crónica; com efeito, as mulheres têm de se confrontar com a sua doença, com a eventualidade
de ter filhos doentes, destes ficarem órfãos ou morrerem num curto período de tempo.
Do ponto de vista psicológico, Gravidez e Maternidade constituem processos dinâmicos
de construção e desenvolvimento, são períodos de desequilíbrio e adaptação, mas são
também, períodos por excelência de reorganização, crescimento e enriquecimento pessoais
(Canavarro, 2001). O estudo psicológico da gravidez abrange uma vasta constelação de
aspectos desde a contracepção aos factores psicológicos relacionados com o nascimento,
passando igualmente pela auto-definição e transição para a maternidade (Ruble, BrooksGunn, Fleming, Fitzmaurice, Stangor & Deustch, 1990) ou à adaptação durante gravidezes
médicas definidas como de alto risco (Levy-Shiff, Lerman, Har-Even & Hod, 2002).
O nascimento de um filho é considerado um dos principais momentos de transição do
indivíduo ao longo da vida, responsável por mudanças a nível individual, conjugal, familiar
e social. Se nos quisermos centrar no tempo que imediatamente antecede o nascimento de
um filho, o processo conducente a esse nascimento – a gravidez – é igualmente uma transição
importante na trajectória desenvolvimental de uma mulher, de um casal ou de uma família,
que exige adaptações diversas. A vivência de uma gravidez e a transição para a maternidade/
parentalidade surge assim como uma oportunidade para o crescimento e mudança individual
(Goldberg, 1988). Constitui uma oportunidade, mas igualmente um risco, na medida em
que implica sempre a adaptação a uma nova situação e, subsequentemente, um conjunto de
reorganizações nos níveis individual, familiar e social.
O nascimento de um filho está, portanto, associado a mudanças de variadas naturezas
e, como mudança que representa, implica stress (Canavarro, 2001; Vaz Serra, 1999) e,
em igual medida, implica também mudanças na adaptação intrapsíquica e interpessoal
(Ruble et al., 1990). Este processo compreende um vasto espectro de mudanças biológicas,
psicológicas e interpessoais e representa um desafio à capacidade de adaptação de uma
mulher/casal, constituindo muitas vezes vulnerabilidades acrescidas. A facilidade ou
dificuldade no processo de adaptação dependerá do equilíbrio percebido entre as exigências
associadas à transição e os recursos pessoais. Como referem Lazarus e Folkman (1984), e
em relação ao tipo de transição, a adaptação é um processo dependente do contexto anterior
e posterior à transição, e da percepção de competência, bem-estar e saúde individual.
Tipicamente, as mulheres expressam preocupações predominantemente em relação à
saúde e desenvolvimento do bebé, mas igualmente em relação ao parto e à própria imagem
corporal. Este conceito assume contornos especiais no contexto em que o nosso trabalho se
insere. Com efeito, a existência de infecção pelo VIH e a concomitância de gravidez fomentam
uma preocupação específica relativa à possibilidade de transmissão do vírus ao bebé. Esta
preocupação é persistente, embora pareça atenuar-se com o decurso da gravidez, face às
intervenções actualmente disponíveis e à existência de um acompanhamento clínico regular.
Com efeito, se uma gravidez que decorra de acordo com os parâmetros habituais implica
sempre mudança e necessidade de adaptação, ou como mencionam Colman e Colman (1994,
p. 31) o processo pode ser suave ou violento, fonte de confiança ou assustador, mas é
seguramente mudança, as gravidezes que ocorrem em contextos de doença ou nos casos em
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229
que o diagnóstico da doença (e.g., infecção pelo VIH) ocorre após a ocorrência de gravidez,
implicam maior stress e, por conseguinte, na generalidade dos casos maiores exigências de
adaptação.
1. Método
1.1. Objectivos do estudo
Este estudo teve como objectivo avaliar a adaptação pessoal ao nascimento de um filho
das mulheres infectadas, considerando os seguintes indicadores de adaptação: (1) a percepção
de stress; (2) a sintomatologia psicopatológica; e (3) a reactividade emocional. A avaliação
foi efectuada 2 a 4 dias após o parto. Foi também objectivo do presente estudo conhecer os
determinantes sócio-demográficos e clínicos da adaptação apresentada.
1.2. Participantes
Os estudos empíricos que integram o presente trabalho baseiam-se nas respostas de 31
mulheres grávidas infectadas com o VIH, acompanhadas nos serviços da Maternidade
Doutor Daniel de Matos (MDM) - Departamento de Medicina Materno-Fetal, Genética e
Reprodução Humana dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC).
A recolha da amostra decorreu entre Abril de 2003 e Fevereiro de 2006 e foi recolhida
na MDM. Para a recolha de dados foi feito previamente um pedido de colaboração voluntária
no estudo; explicado à grávida a natureza e os objectivos do estudo; garantida a
confidencialidade e anonimato; pedido consentimento para a realização e gravação da
entrevista; e assinado o consentimento informado, previamente aprovado pela Comissão de
Ética do Conselho de Administração dos HUC.
A amostra é constituída por 31 mulheres grávidas infectadas pelo VIH com uma média
de idade de 29,00 anos (idade mínima:16; idade máxma:39) e desvio padrão 6,19 anos. A
maioria das mulheres é casada ou vive em união de facto. Têm habilitações literárias entre
o 2º e 3º ciclos do Ensino Básico e o Ensino Secundário. Cerca de 81% das mulheres
pertencem ao nível sócio-económico Baixo (de acordo com a classificação de Simões, 1994).
Em termos de Etnia, 58,2% das mulheres são de raça caucasiana.
A gravidez constituiu o principal motivo associado à realização do teste de VIH: 54,8%
das mulheres teve conhecimento da sua infecção, na actual gravidez; 12,9% das mulheres
teve conhecimento do seu estado serológico numa gravidez anterior; 9,7% realizou o teste
por iniciativa própria; 16,1% conheceu a sua seropositividade por rotina médica; e 6,5%
das mulheres refere outra causa.
As relações heterossexuais foram a principal causa de infecção para a maioria das
mulheres (61,3%); 19,4% contraiu a infecção devido a comportamentos associados à
toxicodependência; 3,2% por transfusão e 16,1% refere desconhecer a origem da infecção.
SIDA
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230
1.3. Instrumentos
1.3.1 Entrevista sobre as dimensões psicológicas da gravidez
No primeiro momento de avaliação foi utilizada uma entrevista sobre as dimensões
psicológicas da gravidez (Canavarro & Araújo, 2002). Esta entrevista é constituída por 58
questões resposta aberta e fechada e divide-se em duas partes. A Parte I, com 49 questões,
encontra-se organizada em 7 partes temáticas, designadamente, dados sócio-demográficos,
contexto familiar, história médica e psicopatológica, estilo de vida, história médica e estilo
de vida do marido/companheiro, relacionamento actual (no caso de manter uma relação) e
história familiar. A Parte II divide-se, por sua vez, em duas partes distintas, uma primeira
relativa aos dados psicológicos sobre a infecção e uma última sobre a história pessoal/
vivência psicológica e emocional da gravidez actual.
1.3.2. Perceived Stress Scale (PSS)
A escala PSS – Perceived Stress Scale – foi elaborada por Cohen, Kamarck e
Mermelstein, em 1983. A versão portuguesa é da autoria do Instituto de Prevenção do
Stress e Saúde Ocupacional (IPSSO; Mota-Cardoso, Araújo, Ramos, Gonçalves & Ramos,
2002). Trata-se de um instrumento de auto-resposta destinado a medir o grau em que as
situações de vida da pessoa são percepcionadas como indutoras de stress ou, por outras
palavras, destinado a quantificar o nível de stress que cada indivíduo experimenta
subjectivamente, num determinado momento. Esta escala tem três versões: uma com 14
itens, outra abreviada com 10 itens e ainda uma versão indicada para entrevistas telefónicas
breves, constituída por apenas 4 itens. Cada pergunta tem cinco possibilidades de resposta,
variando entre 0 “Nunca” e 4 “Com muita frequência”. A versão utilizada foi a de 10
itens.
1.3.3. Brief Symptom Inventory (BSI)
O BSI é um inventário de auto-resposta constituído por 53 itens, desenvolvido como
uma versão abreviada do SCL-90-R, onde o indivíduo deverá classificar o grau em que
cada problema o afectou durante a última semana, numa escala de tipo Likert, cotado
desde “Nunca” (0) a “Muitíssimas Vezes” (4). Este inventário avalia sintomatologia
psicopatológica em termos de nove dimensões básicas de psico-sintomatologia e três Índices
Globais, sendo, estes últimos, avaliações sumárias de perturbação emocional. As nove
dimensões descritas por Derogatis (1982, in Canavarro, 1999, no prelo) são: somatização;
obsessões-compulsões; sensibilidade interpessoal; depressão; ansiedade; hostilidade;
ansiedade fóbica; ideação paranóide e psicoticismo.
1.3.4. Emotional Assessment Scale (EAS)
A Escala de Avaliação de Emoções (versão original de Carlson, Collins, Stewart,
Porzellius, Nitz & Lind, 1989; Versão Portuguesa: Moura Ramos, Canavarro & Araújo
Pedrosa, 2004; Moura Ramos, 2006) tem como principal objectivo medir a reactividade
emocional, e é constituída por 24 itens, que correspondem a descrições de emoções
consideradas fundamentais (Medo, Felicidade, Ansiedade, Culpa, Cólera, Surpresa e
Tristeza), especialmente útil na medida de níveis momentâneos e de mudança de emoções.
SIDA
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231
1.3.5. Grelhas de Informação Obstétricas, Pediátricas e relativas à História Médica da
Infecção
A grelha relativa à História Médica da Gravidez e da Infecção, compreende dados
relativos aos antecedentes obstétricos e à actual gravidez. Esta grelha comporta ainda
informações médicas sobre a infecção, nomeadamente, a ausência/existência de
manifestações clínicas da doença e dados sobre o tratamento anti-retrovírico.
A grelha de informação relativa à História Médica da Infecção – Dados relativos ao
VIH, compreende dados sobre a contaminação, nomeadamente: a duração da infecção;
tempo de conhecimento da infecção; o contexto de realização do teste de VIH; a forma
como julga ter adquirido a infecção; a condição serológica do companheiro; e, no caso de
ter filhos anteriores à actual gravidez, comporta dados sobre o conhecimento da infecção
no momento em que engravidou e a situação médica actual (estado de infecção) do(s)
filho(s).
1.4. Tratamento estatístico dos resultados
Em primeiro lugar, para a caracterização da amostra recorremos sobretudo à estatística
descritiva (frequências relativas, médias, desvios-padrão). Para outras análises, e com o
objectivo de averiguar a existência de diferenças entre os dois grupos, recorremos à estatística
inferencial, aceitando como variáveis estatisticamente significativas todas as diferenças às
quais aparecesse um nível de significação inferior a 0.05. Neste sentido, e em função das
variáveis consideradas, foram realizados: teste de Mann-Whitney (equivalente não
paramétrico do teste T de Student); e análises de regressão linear e múltipla.
Para o tratamento estatístico e análise dos dados utilizámos a versão 12.0 do programa
estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences).
2. Resultados
2.1. Caracterização da adaptação pessoal ao nascimento de um filho
2.1.1. Percepção de stress (PSS)
Procurámos igualmente analisar a adaptação materna ao nascimento de um filho. Nesse
sentido, considerámos importante saber se existiam diferenças entre a Percepção de Stress
neste segundo momento de avaliação na amostra de mulheres VIH e o valor médio da
população geral indicado no estudo de adaptação da PSS à população portuguesa (MotaCardoso et al., 2002). Embora as mães infectadas tenham registado um valor superior
(Média=19.43; DP=5.33) de percepção de stress em relação à população geral
(Média=17.91; DP=7.68), essa diferença não se revelou estatisticamente significativa.
2.1.2. Sintomatologia psicopatológica (BSI)
No sentido de estudar a adaptação materna no pós-parto, realizámos a comparação
com os resultados obtidos por Canavarro (1999) referentes à população geral. Os resultados
descritivos das dimensões e índices encontram-se no quadro seguinte.
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232
Quadro 1 – Comparação das dimensões de sintomatologia e índices globais do BSI
entre o grupo de grávidas infectadas, 2 a 4 dias após o parto, e a população geral
Os resultados do quadro seguinte mostram que as mães apresentam valores inferiores
em todas as dimensões do BSI, com excepção da Somatização, sem que esta diferença seja
estatisticamente significativa. Observou-se uma significação estatística diferencial entre a
amostra de grávidas infectadas pelo VIH e a população geral em três dimensões
psicopatológicas, nomeadamente, nas Obsessões-Compulsões, na Ansiedade e na Ansiedade
Fóbica.
2.1.3. Reactividade emocional (EAS)
Para uma melhor compreensão destes resultados, procedemos mais uma vez à
comparação dos resultados obtidos com os resultados da amostra da população geral (Moura
Ramos, 2006). Os resultados são apresentados no quadro seguinte.
Quadro 2 – Comparação da reactividade emocional entre o grupo de grávidas infectadas,
2 a 4 dias após o parto, e a população geral
Quando comparados os resultados de uma amostra da população geral, e de acordo com
o exposto no Quadro 2, podemos observar que as mães da nossa amostra, na altura do pósparto apresentam resultados superiores em todas as dimensões da EAS. Encontraram-se
diferenças estatisticamente significativas nas emoções Felicidade, Surpresa e Cólera. Na
emoção Tristeza o nível de significação foi limítrofe (p=.065).
SIDA
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233
2.2. Modelos Preditores da Adaptação ao Nascimento de um Filho
Para o estudo dos modelos preditores de adaptação pessoal, incluímos como variáveis
independentes: as variáveis sócio-demográficas (idade; habilitações literárias; raça/etnia;
estado civil; e situação profissional); variáveis associadas à infecção pelo VIH (categoria
de transmissão e momento do diagnóstico); variáveis associadas com a gravidez e
maternidade (experiência prévia de gravidez; planeamento da gravidez; aceitação da
gravidez); e variáveis associadas com o recém-nascido (género).
Em primeiro lugar, procedemos à análise das correlações entre as variáveis independentes
consideradas e variável critério, de forma a conhecer a associação entre essas variáveis, de
forma a incluir no modelo apenas as variáveis em que se verificasse uma associação
significativa.
Assim, em primeiro lugar, procurámos averiguar o grau de associação entre as variáveis
preditoras e os dois indicadores do BSI. No que se prende com o IGS verificou-se a existência
de uma associação significativa entre este índice e o estado civil (r=-.60; p=.031). A
análise da regressão linear permitiu constatar que o estado civil explica 29,7% da
variabilidade total do IGS (Cf. Quadro 3).
Quadro 3 – Análise da regressão linear simples tendo como variável critério o IGS
Relativamente à Depressão (BSI), observou-se apenas uma associação estatisticamente
significativa com o planeamento da gravidez (r=.69; p=.007). Os resultados permitem
concluir que cerca de 42,6% da variância da sintomatologia depressiva verificada 2 a 4
dias após o parto é explicada pela variável planeamento da gravidez (cf. Quadro 4).
Quadro 4 – Análise da regressão linear simples tendo como variável critério a Depressão
Em seguida, procedemos às mesmas análises relativamente às três emoções da EAS. A
emoção Surpresa correlaciona-se de forma estatisticamente significativa com o estado
civil (r=-.79; p=.001) e com a categoria de transmissão (r=-.65; p=.032). A regressão
múltipla permitiu obter os resultados expressos no quadro seguinte. Como se pode observar,
o estado civil, neste momento de avaliação, explica 62,5% da variabilidade total da Surpresa.
SIDA
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234
Quadro 5 – Análise da regressão múltipla hierárquica tendo como variável critério a
Surpresa
No que concerne à Tristeza, verificaram-se associações com significação estatística
com o estado civil (r=-.66; p=.013) e com o planeamento da gravidez (r=.63; p=.017).
Os resultados encontram-se descritos no Quadro 6.
Quadro 6 – Análise da regressão múltipla hierárquica tendo como variável critério a
Tristeza
Pela leitura do quadro anterior podemos observar que a emoção Tristeza nos momentos
subsequentes ao nascimento de uma criança é prevista em 49,5% pelo planeamento da
gravidez. Chamamos a atenção para a consistência deste resultado, nomeadamente pela
semelhança registada entre a capacidade preditiva da variável planeamento da gravidez,
quer em relação à Depressão (cf. Quadro 4) quer em relação à emoção Tristeza avaliada
pela EAS.
Discussão e Conclusões
Os modelos teóricos actuais consideram a gravidez e o nascimento de um filho como um
marco desenvolvimental importante no percurso de um indivíduo ou família, implicando
mudanças e reorganizações diversas e a vários níveis, e comportando exigências acrescidas
de adaptação. Dada a variabilidade inerente à forma como os indivíduos se adaptam,
torna-se importante conhecer os factores que subjazem a uma adaptação adequada a este
momento do ciclo de vida.
A ambivalência que caracteriza a convergência de gravidez e infecção pelo VIH
complexifica a compreensão do processo de adaptação, assim como a possibilidade de a
testar empiricamente. De forma mais específica, não podemos deixar de ter em consideração
o duplo desafio que as mulheres enfrentam: simultaneamente, ter de lidar com as
consequências médicas e sociais da infecção pelo VIH e com as questões complexas
associadas à gravidez e maternidade.
Podemos verificar que o momento do pós-parto se caracteriza por um nível mais elevado
de percepção de stress, embora não estatisticamente significativo, e uma reactividade
emocional negativa, quando comparado com os valores da população geral. Inversamente,
neste momento, e em comparação com a mesma população, a reactividade emocional positiva
é significativamente maior entre as mulheres infectadas pelo VIH.
SIDA
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235
Embora as gravidezes que ocorrem em contextos de risco ou nos casos em que o
diagnóstico da doença (e.g., infecção pelo VIH) ocorre após a ocorrência de gravidez,
possam implicar maior maiores exigências de adaptação, a interpretação destes resultados
levam-nos a considerar algumas hipóteses, nomeadamente, da gravidez e do nascimento de
um bebé como contexto protector face à expressão de psicopatologia ou de emocionalidade
mais negativa. Efectivamente, a gravidez parece exercer um efeito protector face ao
confronto com a infecção pelo VIH entre as mulheres com diagnóstico recente e,
extensivamente, um efeito facilitador de adaptação da mulher neste período da sua vida.
A gravidez não é uma vivência estacionária, mas uma experiência plena de
crescimento, mudança, enriquecimento e desafio. A gravidez e a infecção pelo VIH não é
apenas uma questão de saúde. É um contexto que toca todas as esferas da vida de uma
mulher. Da sexualidade à política. Da família à comunidade. Da maternidade à moralidade
(Bedimo, Bessinger & Kissinger, 1998, p. 177). Perante a trilogia, gravidez, VIH e futuro
bebé, tudo se agudiza e se torna mais complexo. Como refere Gouveia-Andrade (2003, p.
442), a forma veloz como o VIH se instala no sistema imunitário do hospedeiro não permite
compassos de espera, contemplações ou hesitações. A decisão reprodutiva deverá implicar
informação e ponderação. O acompanhamento médico, psicológico e social impõe articulação
e precocidade.
Apesar do contributo do nosso estudo, consideramos importante, a opção de
investigações futuras com inclusão de população sem risco médico associado, procurando
comparar as trajectórias das mulheres e casais durante este período, perceber o que
representa o nascimento de uma criança para estas mulheres, e que respondam a algumas
perguntas para as quais não conseguimos resposta.
Para finalizar, sabemos que as decisões sobre fertilidade futura são muitas vezes
orientadas pelo impacto que um novo filho pode ter na vida de uma mulher ou casal. A
reprodução é uma escolha complexa para muitas mulheres. A decisão de uma mulher
engravidar ou prosseguir com a gravidez envolve uma diversidade de preocupações que a
infecção pelo VIH pode intensificar. Tudo isto, toma lugar numa era em que se verifica uma
atenção crescente em torno da liberdade reprodutiva (Campbell, 1999). E finalizaríamos
provocando: Certeza de uma morte anunciada: (in)certeza de uma maternidade proibida?
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238
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA COM ESTUDO
DAS CAPACIDADES NEUROCOGNITIVAS
NUM DOENTE COM INFECÇÃO PELO HIV
Margalho R, Cabral S, Alves H, Serra J E, Cunha J G, Meliço-Silvestre A A - Coimbra - Portugal
Introdução
A infecção pelo VIH deixou de ser uma doença característica de determinados grupos
para se tornar numa realidade que atinge a população geral. Em particular, a população
heterossexual e com idade mais avançada passa a ser foco de interesse com necessidade de
estudo e intervenção multidisciplinar.
A dimensão neuropsicológica associada ao VIH pode estar associado a uma
perturbação cognitivo-motora que implica uma avaliação rigorosa. A proposta do Instituto
Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos considera uma bateria de testes que visam
avaliar a inteligência pré-morbida, velocidade do processamento de informação, atenção,
linguagem, abstracção, memória, capacidades práxicas, capacidades visuo-espaciais,
funções motoras e pesquisa de informação psicopatológica (Clemente-Millana & Portellano,
2000; Sacton, Wong, Nakassujja, Skolakey, Selnes, Musini, Roberston, McArthur, Rolland
& Katabine, 2005).
A perturbação depressiva major é um quadro clínico frequente em doentes infectados
por HIV e pode conduzir a um enviesamento do diagnóstico, na medida em que
sintomatologia como apatia, letargia e isolamento social se torna proeminente. As
manifestações clínicas coincidentes com a demência são o declínio das funções pertencentes
ao domínio cognitivo (atenção, concentração, competência visuo-espacial, discurso /
linguagem e memória), bem como o desenvolvimento das manifestações adicionais do
quadro demencial, manifestações cognitivas ou comportamentais que incluem a depressão,
insónia, alucinações, alterações do peso, distúrbios sexuais, entre outras (Goodkin et al.,
2001; Treisman e Angelino, 2004). Alguns doentes podem desenvolver episódios de agitação
psicomotora, insónia, irritabilidade e por vezes quadros psicóticos (Treisman e Angelino,
2004).
De acordo com a Academia Americana de Neurologia existem sub-tipos de demências
que se definem pela presença de alterações motoras, comportamentais ou mistas. Dentro
de cada sub-tipo são ainda diferenciadas em diferentes graus: ligeiro, moderado ou severo,
dependendo da gravidade do empobrecimento cognitivo-motor (Goodkin et al., 2001).
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239
Segundo o DSM-IV, os critérios de diagnóstico para a demência por VIH incluem o
empobrecimento significativo em pelo menos dois dos seguintes domínios cognitivos: atenção,
concentração, velocidade no processamento de informação, competências ao nível da
abstracção, capacidades visuo-espaciais, memória, discurso, entre outros, com duração
mínima de um mês. Também implica um enfraquecimento moderado a severo nas tarefas
do quotidiano devido a uma deterioração cognitivo-motora. Não deve existir outra dimensão
etiológica para as diminuições dos domínios cognitivo-motores. No que concerne às
manifestações comportamentais, estas incluem frequentemente apatia e inibição social
que podem ocasionalmente acompanhar-se de delirium, actividade delirante ou alucinações
(DSM-IV, 1996).
A perturbação cognitivo-motora minor assume uma prevalência mais significativa em
doentes seropositivos, sendo mais comum que a demência. As características são um
enfraquecimento cognitivo-motor associado a alguma dificuldade na realização das tarefas
diárias. No que concerne ao diagnóstico diferencial, dois dos seguintes sintomas têm que
ser observados, sendo eles empobrecimento ao nível da atenção e concentração, lentificação
mental, enfraquecimento da memória, lentificação motora, irritabilidade, labilidade
emocional, alteração ao nível da personalidade e falta de coordenação motora (Santana,
2003; Casanova-Sotolongo, Casanova-Carrillo, 2002).
Caso clínico
Identificação: doente do sexo masculino, com 63 anos de idade, viúvo. Escolaridade: 4ª
classe. Profissão: padeiro, estando actualmente reformado. Reside na Lousã.
Motivo de Avaliação: a avaliação psicológica com estudo das capacidades neurocognitvas
foi solicitada, em contexto de internamento, devido a irritabilidade, humor depressivo e
alteração no padrão de sono e alimentação.
Recolha de informação clínico-biográfica: é o quarto elemento de uma fratria de seis.
No período da infância não existem registos de perturbação do desenvolvimento psicomotor,
linguístico nem de eliminação. Descreve as relações intra-familiares como sendo ajustadas
e afectivas. No período da adolescência emigra para África do Sul, devido a condições
económicas. O processo de adaptação foi pautado por dificuldades ao nível da aprendizagem
da língua e relações inter-pessoais conflituosas.
Não cumpriu Serviço Militar. Aos 21 anos de idade casa, descrevendo a relação conjugal
como sendo ajustada. Sem registos de perturbação ao nível da sexualidade.
Aos 45 anos de idade refere a perda da esposa devido a patologia neoplásica, evidenciando
um processo de resolução de luto pautado por sintomatologia depressiva arrastada. Após
este acontecimento de vida descreve início imoderado de bebidas alcoólicas e comportamentos
de risco ao nível sexual.
Diagnóstico de VIH em Fevereiro de 2006, tendo sido internado devido a Pneumonia
por pneumocystis carinii. A via de infecção foi sexual, desconhecendo a fonte de contágio.
As atribuições em relação à doença (VIH) são pobres, com pouco conhecimento.
Observações comportamentais: no decorrer da entrevista clínica o doente esteve
colaborante, calmo e contacto reservado. Idade aparente coincidente com a real. Orientado
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240
auto, alopsiquicamente e no tempo. Dificuldades na orientação espacial. Comportamento
motor caracterizado por ligeiro tremor dos membros superiores. Discurso com ideias
organizadas mas pouco produtivo, com lentificação do pensamento. Evidenciou dificuldades
na capacidade de concentração e atenção. Humor depressivo e reactividade emocional
pautada por choro fácil. Não foram apuradas alterações senso-perceptivas nem actividade
delirante.
Avaliação: procedemos á investigação diagnostica das capacidades neurocognitivas
através da entrevista clínica e instrumentos psicométricos, Escala geriátrica de depressão
(GDS -Yesavage et al,), Avaliação breve do estado mental (MMS - Folstein, Folstein,
McHugh), sub-testes da Escala de Inteligência de Wechsler para adultos, dígitos,
semelhanças e chave de números (WAIS), teste do relógio e teste de fluência verbal
semântica.
Dos parâmetros neurocognitivos avaliados observamos uma deterioração multidomínios,
pautada predominantemente por perturbação da memória recente e imediata, com
incapacidade no pensamento abstracto e alguns défices na realização práxica. Apresentou
dificuldades ao nível da resolução de problemas. Está ainda implicado, no sentido da
diminuição de competências, a velocidade de processamento de informação e decrescimento
da flexibilidade mental. Ao nível da linguagem o doente apresentou uma fluência verbal
pobre. As actividades de auto-cuidados estão conservadas, existindo no entanto um padrão
emocional depressivo que condiciona actividades ocupacionais e de interesse para o doente.
Conclusão: A comunidade científica tem tentado perceber a relação entre a infecção
pelo VIH e o funcionamento neurocognitivo. Na realidade, existem inúmeros determinantes
que contribuem para o desempenho cognitivo, nomeadamente habilitações literárias, o
estado imunitário, antecedentes psiquiátricos e neurológicos, bem como existência de
comportamentos de risco entre outros factores. Relativamente à associação entre infecção
pelo VIH e deterioração do funcionamento neurocognitivo não existe um consenso.
Efectivamente é importante analisar as variáveis que contribuem para o processo de
diminuição destas capacidades, tendo em consideração interpretações clínicas e psicossociais
que cooperam para a intelegibilidade deste fenómeno.
Assim, o estabelecimento dum diagnóstico definitivo desta entidade nosológica, num
idoso com síndrome demencial infectado VIH, estará dificultado, como facilmente se
depreende, pela multiplicidade potencial de factores favorecedores.
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CIÊNCIA BÁSICA
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DIAGNÓSTICO E PREVENÇÃO DA TRANSMISSÃO
VERTICAL DO HIV-1 EM ÁFRICA
Taveira N 1 2, Cavaco Silva P 2, Gama A 5 - Lisboa - Portugal
1. Profilaxia terapêutica da transmissão vertical do HIV-1 em África
Dos cerca de 39 milhões de pessoas infectadas por HIV em todo o mundo no final de
2005, cerca de 24,5 milhões residem na África sub-Sariana (UNAIDS, 2006). Destes, 2
milhões são crianças com menos de 15 anos, infectadas sobretudo por via vertical.
A maneira mais eficiente de diminuir o número de crianças infectadas pelo HIV na
África sub-Sariana é prevenir a transmissão perinatal do HIV da mãe infectada para o
filho através do uso profilático de antiretrovirais (Dabis & Ekpini, 2002). Na ausência de
terapêutica antiretroviral a taxa de transmissão vertical do HIV-1 na África sub-Sariana é
de 35-40%. Para a prevenção da transmissão vertical do HIV-1 em países em vias de
desenvolvimento, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o uso de regimes
terapêuticos profiláticos constituídos por nevirapina em dose unitária (NVP-DU), com ou
sem zidovudina (ZDV), administrada durante períodos curtos (WHO, 2005).
No mais recente ensaio clínico efectuado na Costa do Marfim, a administração de ZDV
(300 mg/2x/dia) às grávidas a partir das 36 semanas de gestação e ZDV (600 mg) + NVPDU (200 mg) no início parto, e de ZDV (2 mg/kg/7 dias) + NVP-DU (2mg/kg) aos recémnascidos às 48h de idade originou uma taxa de transmissão vertical de apenas 6.5%,
mesmo quando as mães amamentaram os filhos (Dabis, 2005). Esta taxa pode reduzir-se a
4.7 % com a incorporação de lamivudina (3TC) no regime terapêutico das mães (150 mg/
2x /dia a partir das 32 semanas; 300 mg no início parto; 150mg/ 2x /dia, durante 3 dias
após o parto). Um dos problemas desta estratégia de prevenção em África é que uma
porporção relativamente elevada (cerca de 40%) da transmissão mãe-filho ocorre através
da amamentação, numa região do mundo onde não há alternativas seguras disponíveis
para alimentar os lactentes (Coutsoudis, 2004). Os resultados do Estudo Mashi – um estudo
que decorreu no Botswana com o objectivo de avaliar intervenções perinatais e pós-natais
para reduzir a taxa de transmissão do HIV, foram publicados recentemente. Pela primeira
Unidade dos Retrovírus e Infecções Associadas, Centro de Patogénese Molecular, Faculdade de Farmácia de
Lisboa, Portugal.
2
Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz, Portugal.
3
Cabinda Gulf Oil, Cabinda, Angola.
1
SIDA
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245
vez foi utilizada profilaxia pediátrica com zidovudina em conjunto com a amamentação
durante 6 meses; no entanto os resultados não foram encorajadores, tendo-se encontrado
uma taxa de infecção de 9%, enquanto que no grupo alimentado a leite artificial se encontrou
uma taxa de apenas 5,6% (Thior, 2006). O desenvolvimento de uma vacina pediátrica
preventiva segura e efectiva para o HIV teria um impacto muito importante no controlo da
infecção HIV na criança, pois poderia actuar ao nível da transmissão através da
amamentação e constituir a base para uma imunidade para toda a vida (Luzuriaga, 2006).
2. Desenvolvimento de resistência à NVP e suas consequências
Um dos inconvenientes da profilaxia terapêutica com NVP-DU é a rápida selecção de
vírus resistentes à NVP nas mulheres e crianças infectadas. Isto deve-se ao facto de que
uma única mutação na transcriptase reversa (por exemplo, K103N, Y181C ou G190A),
confere um alto nível de resistência à NVP. Nas mulheres, a frequência de vírus resistentes
à NVP pode ir de 15% a 69% (Eshleman, 2001; Cunningham, 2002; Lallemant, 2004;
Johnson, 2005; Eshleman, 2005a;). Nas crianças, a frequência de vírus resistentes à NVP
pode atingir os 46% (Eshleman, 2001). Num estudo recente, a adição de 3TC ao regime
profilático originou apenas 1,1% de vírus resistentes à NVP nas mães (Chaix, 2006).
Os vírus resistentes à NVP podem persistir por mais de um ano nas mães e nas crianças
(Flys, 2005). Consequentemente, a terapêutica de alta eficácia com NVP, muito frequente
nos regimes terapêuticos de primeira linha nos países em vias de desenvolvimento, pode
ficar comprometida nesta população (Jourdain, 2004). A presença de vírus resistentes
poderá também comprometer a eficácia de tratamento profilático com NVP no caso de
uma segunda gravidez.
O desenvolvimento de resistência à NVP foi associado a alta carga viral na mãe antes
do parto, baixo número de linfócitos CD4+ e elevadas concentrações de NVP no momento
do parto (Musoke, 1999; Eshleman, 2001; Eshleman, 2005a).
O desenvolvimento de resistências à NVP também depende do subtipo viral. Estudos
efectuados no Uganda e Malawi em mulheres tratadas com NVP-DU detectaram maior
frequência de mutações de resistência à NVP em vírus do subtipo C (69%) seguido do D
(36%) e do A (19%) (Eshleman, 2004; Eshleman, 2005b).
Poderá também haver uma associação dos diferentes subtipos com a frequência e modo
(perinatal ou post-natal) de transmissão vertical do HIV-1. Num estudo feito no Quénia, o
subtipo D apresentou maior taxa de transmissão vertical comparada com o A (32% vs
16%) (Yang, 2003). Outros estudos, efectuados na Tanzânia e no Quénia, não detectaram
qualquer associação entre a frequência e modo de transmissão vertical e os subtipos A, C e
D de HIV-1 (Murray, 2000; Tapia, 2003). Claramente, são necessários mais estudos para
determinar se existe associação entre o subtipo de HIV-1 e a taxa de transmissão vertical.
3. Diagnóstico da infecção perinatal
Os modelos mostram que, mesmo com uma cobertura maior das unidades de prestação
de cuidados de saúde, a realização de testes antenatais e o aumento da profilaxia
antiretroviral, não vai ser atingido o objectivo da Sessão Especial da Assembleia Geral das
Nações Unidas: reduzir até 2010 a infecção HIV pediátrica para metade (United Nations,
2001). Nos países em vias de desenvolvimento, muito poucas crianças infectadas por HIV
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246
fazem actualmente terapêutica antiretroviral (WHO, 2005). Um dos problemas que limita
o acesso das crianças seropositivas à terapêutica antiretroviral e/ou a iniciação da terapêutica
em tempo adequado é a inexistência de testes simples e baratos para efectuar o diagnóstico
precoce da infecção perinatal.
O diagnóstico da infecção por HIV-1 em crianças até aos 18 meses de idade não pode
ser feito através dos testes serológicos devido à transferência passiva de anticorpos IgG
maternos. Assim, até esta idade, o diagnóstico da infecção por HIV deve basear-se na
detecção directa do vírus ou dos seus componentes (WHO, 2005). Entre os métodos validados
para o diagnóstico directo da infecção por HIV no recém-nascido, os mais aplicáveis em
países com recursos limitados são os que detectam, de forma qualitativa ou quantitativa, o
ADN proviral nos linfócitos e o ARN do HIV no plasma. Estes testes devem ser efectuados
durante a primeira visita pós-natal, que ocorre normalmente 6-8 semanas após o nascimento
(WHO, 2005).
A amplificação por PCR de ADN proviral do HIV-1 a partir de células mononucleadas
do sangue periférico (PBMC) da criança permite detectar cerca de 50% das infecções
verticais à nascença e 98-100 % das infecções às 4- 6 semanas de idade em crianças não
amamentadas, mesmo quando as mães e os filhos fizeram terapia preventiva com
antiretrovirais (Sherman, 2005a; Dunn, 1995).
O único teste comercial existente para a detecção qualitativa do ADN proviral do HIV1 é o Amplicor HIV-1 DNA assay, versão 1.5 (Roche Molecular Systems). Este teste detecta
adequadamente o ADN dos vírus dos subtipos A, B e C em sangue colhido em papéis de
filtro, mas revela baixa sensibilidade para detectar os restantes subtipos (Fischer, 2004;
Sherman, 2005a; Sherman, 2005b; Uttayamakul, 2005), o que pode levar a diagnósticos
falsos negativos em muitos países Africanos, incluindo Angola, em que circulam múltiplos
subtipos de HIV-1 (Abecasis, 2005; Bártolo, 2005).
A quantificação do ARN do HIV-1 presente no plasma às 4 - 8 semanas de idade
permite também diagnosticar eficazmente todas as infecções nas crianças sem terapia.
(Nesheim, 2003; Rouet, 2005; Sherman, 2005a). Em crianças a fazer terapia preventiva,
um teste de carga viral negativo deverá repetir-se quatro semanas após a conclusão da
terapia (WHO, 2005).
4. Conclusões
Em conclusão, para uma prevenção eficaz da transmissão mãe-filho do HIV-1 em África
são essenciais: regimes antiretrovirais profilácticos, simples e efectivos que não induzam
um nível de resistência elevado e, um diagnóstico precoce da infecção HIV-1 acessível e de
baixo custo tanto nas grávidas, como nos filhos nascidos das mulheres infectadas.
SIDA
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SIDA
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250
EVOLUÇÃO MOLECULAR DO GENE ENV DO HIV-2 E
COLAPSO DO SISTEMA IMUNITÁRIO EM DOENTES
INFECTADOS POR VIA VERTICAL
Rocha C 1, Barroso H 1 2, Bártolo I 1 2, Marcelino J 3, Rosado L 4, Taveira N 1 2
1. Introdução
O HIV-2, um dos agentes etiológicos da SIDA, é responsável por epidemias localizadas
em alguns países da África Ocidental, nomeadamente na Guiné-Bissau, Senegal, Gambia,
Burkina Faso, Ghana, Costa do Marfim, Nigéria e Cabo Verde. A nível mundial estima-se
que cerca de 420000 indivíduos estejam infectados com HIV-2. A prevalência de infecções
pelo HIV-2 é relativamente elevada em Portugal (cerca de 3% dos casos de SIDA), devido
às ligações históricas e socio-económicas com a Guiné-Bissau e Cabo Verde, mas é muito
reduzida na maior parte dos outros países com casos conhecidos de infecção pelo HIV-2.
Incluem-se aqui França, Holanda, Alemanha, Suécia, Espanha e Índia (Peeters et al, 2003;
van der Loeff & Aaby, 1999).
O HIV-2 exibe uma elevada diversidade genética, superior inclusive à do HIV-1. Esta
diversidade traduz-se na existência de oito grupos filogenéticos, classificados de A a H,
sendo o grupo A o mais prevalente em todo o mundo (Damond et al, 2004; van der Loeff &
Aaby, 1999). O HIV-2 transmite-se essencialmente por via heterossexual. Contudo, a taxa
de transmissão do HIV-2 por esta via é cerca de 5 a 9 vezes inferior à do HIV-1 (O’Donovan
et al, 2000, Reeves & Dooms, 2002). Da mesma forma, a taxa de transmissão vertical do
HIV-2 é cerca de 10 a 20 vezes inferior à do HIV-1. As manifestações clínicas da infecção
pelo HIV-2 são semelhantes às da infecção pelo HIV-1, mas o HIV-2 é geralmente menos
patogénico (Berry et al, 2002; Brun-Vezinet et al, 1987; Clavel et al, 1987; O’Donovan et
al, 2000; Reeves & Doms, 2002). As razões para a reduzida taxa de transmissão e menor
patogenicidade do HIV-2 ainda não são conhecidas, mas parecem dever-se a características
particulares do próprio vírus e à sua relação com o hospedeiro. Por exemplo, a fraca
capacidade replicativa do HIV-2 in vivo, leva a que nunca se atinjam cargas virais
plasmáticas elevadas durante a infecção, o que compromete a transmissão do vírus e a
progressão da infecção (Berry et al, 2002; Blaak et al, 2006; O’Donovan et al, 2000). Por
outro lado, durante a fase crónica da infecção HIV-2, existe uma forte resposta humoral
Unidade dos Retrovírus e Infecções Associadas, Centro de Patogénese Molecular, Faculdade de Farmácia de Lisboa, Portugal.
Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz.
3
UTPAM, Departamento de Biotecnologia, Instituto Nacional de Engenharia Tecnologia e Inovação, Lisboa.
4
Unidade de Imunohematologia, Hospital de Dona Estefânia, Lisboa.
1
2
SIDA
NET
251
neutralizante por parte do hospedeiro, o que poderá controlar a carga viral plasmática e,
consequentemente, limitar a transmissão do vírus e progressão da doença (Anderson et al,
2004; Berry et al, 2002; Lizeng et al, 2004; Popper et al, 1999).
A evolução molecular do HIV in vivo reflecte a sua dinâmica replicativa e a natureza da
sua interacção com o sistema imunitário. Não admira por isso que não haja concordância
absoluta sobre o perfil e a natureza da evolução do HIV-1 ao longo da infecção (evolução
intra-hospedeiro). Alguns estudos sugerem que a diminuição da diversidade viral ao longo
da infecção está relacionada com uma diminuição do número de células CD4+/ml e com
uma progressão rápida para a doença (Ganeshan et al, 1997; Lukashov et al, 1995;
Shankarappa et al, 1999; Wolinsky et al, 1996). Em conformidade, os vírus detectados em
doentes que progridem lentamente para SIDA (progressores lentos) exibem uma maior
diversidade e divergência (em relação ao vírus inicial) genéticas quando comparados com
as populações virais de progressores rápidos (Bagnarelli et al, 1999; Halapi et al, 1997;
Zhang et al, 2006). Em contraste, outros estudos sugerem que a diversidade e divergência
genéticas aumentam ao longo da infecção, e que divergências genéticas elevadas estão
correlacionadas com a diminuição do número de células CD4+/ml, com o aumento da
replicação viral e com progressão rápida para SIDA (Castiglione et al, 2004; Joos et al,
2005; Markham et al, 1998; McNearney et al, 1992; Strunnikova et al, 1995; Sullivan et
al, 2005; Troyer et al, 2005). Em relação à infecção pelo HIV-2, um estudo longitudinal
sugere que a progressão mais rápida para SIDA está associada a uma maior diversidade
genética da região V3 do env (Sankalé et al, 1995). Por outro lado, num estudo mais
recente de natureza transversal detectou-se uma associação directa entre número de anos
de infecção e diversidade genética do HIV-2, de tal modo que os vírus dos doentes infectados
há maior número de anos exibiam maior diversidade genética no env (região C2V3C3) do
que os vírus de doentes infectados recentemente (Barroso & Taveira, 2005).
O gene env do HIV-1 evolui, em geral, por selecção natural (Choisy et al, 2004; Mikhail
et al, 2005; Nielsen & Yang, 1998; Wolinsky et al, 1996; Yang et al, 2003). Isto significa
que a maioria das substituições que ocorrem ao longo do tempo no env são não sinónimas,
ou seja, dão origem a aminoácidos diferentes. Estas mutações estão em geral concentradas
nos epitopos neutralizantes e nos locais de glicosilação, que se encontram sobre elevada
pressão selectiva imposta pelos anticorpos neutralizantes (Choisy et al, 2004; Lemey et al,
2006; Mikhail et al, 2005; Yamaguchi & Gojobori, 1997; Zhang et al, 2006). O aumento
do número de aminoácidos nas regiões V1 e V2 da glicoproteína de superfície foi associado
a progressão mais lenta para doença, na infecção pelo HIV-1 e pelo HIV-2 (Masciotra et
al, 2002; Shi et al, 2005). Pelo contrário, a compactação da região V1-V4 na gp120 do
HIV-1 foi associada a maior sensibilidade viral à neutralização (Botarelli et al, 1991;
Derdeyn et al, 2004; Isaka et al, 1999; Pollakis et al, 2001; Polzer et al, 2002).
A dinâmica populacional e a natureza da evolução do HIV-2 durante a infecção aguda
e crónica são praticamente desconhecidas. Este estudo teve por objectivo caracterizar a
natureza da evolução molecular do gene env do HIV-2 em duas crianças infectadas por via
vertical em que ocorreu progressão rápida da doença. O interesse deste estudo prendeu-se
com o facto destes doentes constituírem um modelo de evolução rápida da infecção pelo
HIV-2, quando habitualmente os doentes infectados por este vírus progridem lentamente
para SIDA. Adicionalmente, nestes doentes sabe-se exactamente a data de transmissão o
que permitiu investigar, pela primeira vez, a evolução molecular do env desde o início da
infecção.
SIDA
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252
2. Material e Métodos
Foram colhidas amostras de sangue de duas crianças infectadas por via vertical, a cada
dois anos, ao longo de uma média de sete anos de infecção. A criança SC foi infectada em
1993 e faleceu em 2001 (Tabela 1). A criança CT foi infectada em 1998 e a sua situação
clínica e imunológica tem vindo a agravar-se.
A partir de cada amostra, o gene env foi amplificado por PCR e clonado. Foram
sequenciados oito clones de cada amostra. A análise filogenética foi realizada no programa
Treefinder pelo método de máxima verosimilhança utilizando o modelo GTR de substituição
nucleotídica com distribuição gama. Calculou-se a distância nucleotídica entre as populações
virais recorrendo ao modelo de evolução de Kimura a dois parâmetros com o programa
MEGA. A frequência média de substituições sinónimas (dS) e não sinónimas (dN) foi
determinada pelo método de Nei-Gojobori modificado segundo o modelo de evolução de
Jukes-Cantor. Analisou-se a similaridade entre as sequências dos vírus fundadores e os
vírus dos anos subsequentes com o programa Simplot. Os codões sujeitos a pressão positiva
durante a infecção foram identificados com o modelo de evolução GTR no programa HyPhy.
Identificaram-se os locais de glicosilação (NXT/S) das proteínas Env com o programa NGlycosite.
Tabela 1 – Dados clínicos e imunológicos dos doentes CT e SC.
3. Resultados e Discussão
A análise filogenética das sequências dos vírus dos doentes SC e CT revelou que estes
eram do grupo A e que as sequências dos vírus de cada doente formavam subgrupos
monofiléticos correspondentes a cada ano de infecção (Figura 1). A análise filogenética e a
análise das distâncias evolutivas revelaram ainda que as populações virais dos primeiros
anos de infecção (1993 e 1998) eram geneticamente homogéneas nos dois doentes (Figuras
1 e 2).
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253
Figura 1 – Árvore filogenética, obtida com sequências de referência do env de diferentes
grupos de HIV-2, juntamente com as sequências obtidas neste estudo (CT98, CT00, CT03,
SC93 e SC01). Os valores apresentados em cada nodo representam o bootstrap que suporta
cada um dos ramos internos que determinam um subtipo. A escala representa a distância
evolutiva (número de substituições por site).
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254
Figura 2 – Diversidade genética do env dos vírus dos doentes CT e SC.
Estes resultados sugerem que em ambos os casos houve transmissão selectiva de um variante
viral particular das mães para os filhos.
Tal como na infecção por HIV-1, a diversidade populacional e a divergência genética entre
as populações virais que estabeleceram as infecções e as encontradas nos anos subsequentes
aumentaram substancialmente ao longo do tempo (Figura 2 e 3) (Castiglione et al, 2004;
Joos et al, 2005; Troyer et al, 2005). Estes aumentos ocorreram paralelamente a um
agravamento das situações clínica e imunológica em ambos os casos (Tabela 1).
Figura 3 – Evolução da divergência genética média do gene env dos vírus dos doentes CT
(linha) e SC (tracejado) em nucleótidos (A) e aminoácidos (B), em função do número de
anos de infecção.
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255
A taxa de substituição nucleotídica no gene env dos isolados virais das duas crianças
foi cerca de 1%, valor semelhante ao descrito para HIV-1 e SIV em infecções agudas e
progressivas (Bernardin et al, 2005; Blay et al, 2006; Shankarappa et al, 1999) e o dobro
do valor descrito para infecções crónicas por HIV-2 e por HIV-1 (infecções em progressores
lentos) (Lemey et al, 2006b). Estes resultados indicam que o HIV-2 evolui com a mesma
rapidez que o HIV-1 durante as fases iniciais da infecção. Contudo, a maior parte das
substituições nucleotídicas observadas nestes doentes HIV-2 foram de natureza sinónima
(razão dN/dS <1), ou seja, não conduziram a alterações na sequência de aminoácidos da
proteína Env (Tabelas 2 e 3). Estes resultados demonstram que, na globalidade, a evolução
do env do HIV-2 é neutra ou negativa, e sugerem que há constrangimentos funcionais
importantes que limitam a evolução molecular da proteína Env do HIV-2 durante a infecção
(Barroso & Taveira, 2005; Choisy et al, 2004; Wolinsky et al, 1996).
Tabela 2 – Frequência média de substituições sinónimas (dS) e não sinónimas (dN) e da
sua razão w (dN/dS) entre amostras colhidas em cada ano
Tabela 3 – Frequência média de substituições sinónimas (dS) e não sinónimas (dN) e da
sua razão w (dN/dS) entre amostras colhidas em anos sucessivos.
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256
A análise por regiões do env demonstrou que as regiões variáveis V1 e V2 da gp125 são
as que apresentaram maior variabilidade genética, maior variação no número de aminoácidos
ao longo da infecção e na localização e número de locais de glicosilação (Figura 4). Estas
regiões também possuem maior número de codões sujeitos a pressão selectiva em ambos os
doentes (Figuras 5 e 6). Na glicoproteína transmembranar gp36, a região mais variável e
com maior número de codões sujeitos a pressão selectiva localiza-se entre os aminoácidos
608 e 668 e engloba o domínio HR2 (Figuras 4, 5 e 6).
Figura 4 – Análise da similaridade genética entre o vírus fundador e os vírus dos anos
subsequentes dos doentes CT (A) e SC (B).
Figura 5 – Análise longitudinal dos codões sobre pressão positiva no gene env dos vírus
do doente CT. As regiões variáveis encontram-se assinaladas a azul. Os codões sobre pressão
positiva com significado estatístico encontram-se assinalados a vermelho (distribuição
binomial com P < 0,05).
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257
Figura 6 – Análise longitudinal da locais sobre pressão positiva no gene env dos vírus do
doente SC. As regiões variáveis encontram-se assinaladas a azul. Os codões sobre pressão
positiva com significado estatístico encontram-se assinalados a vermelho (distribuição
binomial com P < 0,05).
Estes resultados sugerem que no HIV-2, à semelhança do HIV-1, as regiões V1, V2 e
HR2 possuem epitopos neutralizantes, e que a evolução molecular destas regiões é função
da selecção natural exercida pelos anticorpos neutralizantes (Choisy et al, 2004; Gorny &
Zolla-Pazner, 2003; Masciotra et al, 2002; Shi et al, 2005).
Concomitante com o aumento da replicação viral, diminuição do número de linfócitos
CD4+ e progressão clínica da infecção, nos dois doentes ocorreu um aumento do número
relativo de mutações sinónimas e uma diminuição progressiva do número de codões sujeitos
a pressão selectiva (Tabelas 2 e 3 e Figuras 5 e 6). Estes resultados sugerem que a pressão
selectiva imposta pelos anticorpos neutralizantes diminui progressivamente ao longo da
infecção.
4. Conclusões
Tal como na infecção vertical por HIV-1, a infecção vertical por HIV-2 leva a um rápida
progressão clínica, imunológica e virológica. Ao longo da infecção observa-se um aumento
progressivo da complexidade genética das populações virais. Contudo, em contraste com o
HIV-1, a evolução molecular do invólucro do HIV-2 é relativamente limitada, o que poderá
reflectir constrangimentos funcionais e estruturais desconhecidos no Env do HIV-1. A
identificação e caracterização destes constrangimentos evolutivos poderão ter impacto no desenho
de vacinas e de fármacos inibidores de entrada que actuem eficazmente no HIV-1 e HIV-2.
Os nossos resultados sugerem que a quantificação do número de codões sujeitos a selecção
positiva no Env pode constituir um bom parâmetro de monitorização da progressão da infecção
HIV-2. É importante continuar a analisar a utilidade deste parâmetro biológico como marcador
da infecção HIV-2 uma vez que há muito poucos marcadores laboratoriais disponíveis para
monitorizar a infecção por HIV-2.
SIDA
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258
A grande variabilidade e rápida evolução molecular das regiões V1,V2 e HR2 durante
a infecção pelo HIV-2 sugerem que estas regiões escapam com facilidade à acção dos
anticorpos neutralizantes. Consequentemente, para o desenho de vacinas anti-HIV-2 deverá
optar-se por outras regiões do Env que sejam imunogénicas e exibam menor variabilidade
ao longo da infecção. Neste contexto, as regiões C2-V3-C3 poderão ser promissoras
(Marcelino e tal., 2006).
Agradecimentos
Este trabalho foi financiado pelo projecto POCTI/ESP/48045/2002 da Fundação para
a Ciência e Tecnologia e pela Associação Portuguesa para o Estudo Clínico da SIDA através
de uma bolsa de investigação da GlaxoSmithKline atribuída a Cheila Rocha.
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Publicações Anteriores:
I HIV/AIDS Virtual Congress
Portugal 2000: À Descoberta de Desafios Partilhados na Luta Contra a SIDA
Dez. 2000
II HIV/AIDS Virtual Congress
Ontem, Hoje e Amanhã
Dez. 2001
III HIV/AIDS Virtual Congress
O HIV no Mundo Lusófono
Jan. 2003
IV HIV/AIDS Virtual Congress
A Mulher e a Infecção pelo HIV/SIDA
Mar. 2004
V HIV/AIDS Virtual Congress
A importância das Co-infecções no VIH/SIDA
Mai. 2005
VI HIV/AIDS Virtual Congress
Prevenção da Sida - Um desfio que não pode ser perdido
Mai. 2006
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NOTAS
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