Patologia de rebocos antigos Failures of ancient renders
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Patologia de rebocos antigos Failures of ancient renders
MAGALHÃES, A. Cristian – Patologia de rebocos antigos. LNEC, Cadernos de Edifícios, nº 2, Outubro de 2002. Patologia de rebocos antigos(1) Ana Cristian Magalhães Laboratório Nacional de Engenharia Civil [email protected] Resumo Os revestimentos desempenham relevante papel na durabilidade das alvenarias dos edifícios, já que constituem a “pele” que assegura a protecção dos mesmos contra as acções agressivas de natureza física, mecânica, química ou biológica. Isto justifica a importância que tem o conhecimento das anomalias mais correntes nas argamassas de reboco já que por estarem expostas, são elementos muito susceptíveis de degradação requerendo, portanto, frequentes intervenções de conservação. O desconhecimento das principais anomalias, de suas formas de manifestação e das possíveis causas que actuam em sua origem, tem levado, por vezes, a diagnósticos incorrectos e, portanto, à adopção de medidas inadequadas de intervenção e reparação. Neste trabalho procurou-se descrever de uma forma geral as anomalias mais frequentes observadas nos rebocos de edifícios antigos de Portugal, além de proceder a uma sistematização dessas anomalias buscando relacioná-las com as suas causas mais prováveis. Failures of ancient renders(1) Abstract The renders play an excellent role in the durability of building masonry since they constitute the "skin" that assures the protection against the aggressive physical, mechanical, biological or chemical forces. This justifies the importance of having the knowledge of the most current failures in plaster mortars as they are susceptible elements of degradation requiring, therefore, frequent intervention and conservation. (1) Esta pesquisa integra-se num trabalho que vem sendo realizado no LNEC, no âmbito do projecto “Metodologias para a Mitigação do Risco Associado à Degradação das Construções”, co-financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). This research is a part of a work that is being carried out at LNEC, in the scope of the project "Metodologias para a Mitigação do Risco Associado à Degradação das Construções", with co-financement of “Fundação para a Ciência e Tecnologia” (FCT). 1 The unfamiliarity of the main anomalies, of its manifested forms and of the possible causes that originate them has often led to incorrect diagnosis and, therefore, to the adoption of inadequate measures of intervention and repair. This work aims to describe the most frequent observed failures in renders of old Portuguese buildings, and proceed to a systematisation of these defects searching to relate them with their more probable causes. 1. INTRODUÇÃO Do grego phátos (doença) + logos (tratado, estudo), o termo Patologia refere-se à parte da Medicina que estuda as doenças, seus sintomas e a natureza das modificações que elas provocam no organismo. De uma forma análoga, as edificações em geral também podem apresentar modificações ou alterações (sintomas) em seus componentes devido a defeitos (ou doenças); por extensão, o uso o termo Patologia pode ser utilizado para o estudo sistemático das anomalias, dos seus sintomas e da natureza das modificações que estas provocam no edifício. No exterior dos edifícios antigos, é comum observarem-se diversas manifestações de anomalias já que a superfície dos materiais que revestem as fachadas, por estarem em contacto com o meio ambiente, se acham expostos à acção directa e continuada dos agentes físicos, mecânicos, químicos e biológicos. Os revestimentos de paredes, como a maioria dos materiais de construção, constituem uma estrutura de porosidade aberta que permite a introdução de elementos ou substâncias de natureza diversa no seu interior, através dos poros. Esta porosidade, associada à propriedade de higroscopicidade, faz com que determinado revestimento seja mais ou menos susceptível à acção de diversos agentes de degradação, tais como o ambiente, o clima e diversos agentes químicos, físicos ou biológicos. Convém, portanto, que sejam realizados estudos para um melhor conhecimento das causas e das formas de manifestação das anomalias, que constituem dados imprescindíveis à elaboração de um diagnóstico correcto. Com esse objectivo, serão abordados a seguir os principais tipos de anomalias e suas causas mais prováveis, relacionando-as com os principais sintomas manifestados nos revestimentos de paredes de edifícios antigos. As designações e definições utilizadas basearam-se em publicações internacionais e nacionais, procurando-se assim contribuir também para estabelecer uma terminologia coerente nesta área [1, 2,4,7,8,9]. 2. ANOMALIAS MAIS CORRENTES EM REBOCOS 2.1 – Tipificação das anomalias Podem considerar-se as seguintes anomalias mais correntes em rebocos: 2 Humidade Biodeterioração Erosão Fendilhação e Fissuração Perda de aderência Sujidade Eflorescências e Criptoflorescências Perda de Coesão ou Desagregação 2.2 – Humidade A água vem sendo identificada como o agente de deterioração que mais afecta os materiais de alvenaria. A sua presença no interior do poro da estrutura do revestimento, ou da parede, pode resultar em destruição, se o material estiver submetido a ciclos de molhagem/secagem ou gelo/degelo. Talvez de maior importância ainda seja o facto de a presença de humidade ser condição necessária para a acção de outros agentes deteriorantes, pois por exemplo: os gases poluentes são prejudiciais quando dissolvidos na água; os fenómenos de eflorescências dependem da migração de sais dissolvidos na água; o crescimento biológico dos organismos requer a presença de humidade e muitos outros exemplos de fenómenos de degradação estão associados à humidade. Assim, a água é a causa primária de muitas anomalias e causa secundária de muitas outras. A existência de humidade é inevitável nos momentos de chuva ou de humidade relativa do ambiente alta, e ainda que não possa ser visivelmente percebida, sempre está presente em algum grau nos materiais de construção. Naturalmente, até determinados níveis, a humidade é perfeitamente aceitável. Entende-se por fenómeno patológico humidade o aparecimento de um teor de água superior ao desejado num revestimento, seja na sua superfície (acabamento), seja na sua própria massa (reboco), manifestando-se sob a forma de manchas. Portanto, são anomalias de humidade todas aquelas manchas, mais ou menos permanentes, provocadas pela água contida na massa do revestimento ou no seu acabamento, bem como a água em forma de “gotas” sobre as superfícies dos revestimentos. Descrevem-se a seguir as fontes mais comuns de humidade excessiva nos edifícios. • Humidade de obra (ou de construção) A humidade de obra, ou de construção, tem origem na água empregada para a execução e aplicação do revestimento e começa a causar danos a partir do momento em que não lhe é permitida uma perfeita evaporação através da superfície do material, a fim de que seja alcançado seu equilíbrio higrotérmico com o ambiente. Dum modo geral, a humidade de obra como anomalia, ou seja, como origem de outras anomalias, costuma aparecer já nas etapas finais da construção, designadamente quando são aplicados os acabamentos sem que antes tenha sido assegurada a secagem adequada dos suportes sobre os quais foram aplicados. 3 • Humidade do terreno A humidade em excesso pode surgir nas alvenarias e revestimentos em consequência da ascensão de água por capilaridade, através da estrutura porosa do material, devido à existência de zonas de paredes em contacto com a água do solo, à existência de materiais de elevada capilaridade nas paredes ou à inexistência, ou deficiente posicionamento, de barreiras estanques nas paredes.[6] • Humidade de precipitação A chuva, principalmente quando associada à actuação do vento, pode dar origem à penetração de água do exterior para o interior das paredes, gerando anomalias que se manifestam através do aparecimento de manchas de humidade nos paramentos. Portanto, os revestimentos que apresentam elevada permeabilidade à água, permitindo a passagem da água da chuva através dos poros, de fendas, ou de remates deficientes, provavelmente serão a origem de um processo patológico. • Humidade de condensação As condensações surgem devido ao vapor de água gerado no interior dos edifícios. Com efeito, quando existe na atmosfera uma quantidade de vapor de água próxima da máxima que o ar pode conter à temperatura a que se encontra e, por outro lado, a capacidade de ventilação não é suficiente para o remover, este condensa em contacto com as zonas mais frias dos paramentos, ou mesmo no interior dos revestimentos. • Humidade devida a fenómenos de higroscopicidade Quando os revestimentos contendo sais solúveis em água entram em contacto com água líquida ou com elevados teores de vapor de água., estes sais que são, em geral, absorventes e higroscópicos, fixam água em quantidade superior aos materiais de revestimento, constituindo uma espécie de depósitos de água, que vão originar mais anomalias, permitindo, nomeadamente, a solução de mais sais, e gerando, assim, um fenómeno em cadeia. • Humidade devida a causas fortuitas A humidade pode ter origens acidentais diversas: rotura de canalizações; entupimento de caleiras, algerozes ou tubos de queda; corrosão das canalizações metálicas, deficiências de remates da cobertura, etc. Manifesta-se pelo aparecimento de focos pontuais de humidade próximos à origem. Os defeitos de projecto, bem como uma inadequada manutenção ou a sua falta, podem também acelerar os problemas gerados pela humidade. [6] 4 2.3 – Fendilhação e fissuração Compreende-se por fendilhação qualquer abertura longitudinal que atravessa toda a espessura do reboco, chegando a rompê-lo, tornando possível, portanto, distinguir bem as duas partes do elemento construtivo. A fissuração é definida como toda a abertura longitudinal curta, fina e com desenvolvimento discreto, que afecta somente a parte superficial do reboco ou o seu acabamento (pintura). Diferentemente das fendas, as fissuras possuem abertura mais estreita e nunca atingem os limites dos corpos considerados. [3] Este tipo de anomalias pode ter diferentes causas, das quais se analisam a seguir as mais significativas. Causas atribuíveis à constituição do reboco: • Retracção do reboco Quando o suporte, ou camada precedente, por ser mais rígido, restringe a retracção do reboco, instalam-se no plano de aderência entre reboco e suporte ou entre uma camada de reboco e a camada precedente, tensões de tracção elevadas, podendo dar origem ao aparecimento de fendas. Estas ocorrem na espessura total da camada de reboco e, nos casos mais graves, são acompanhadas de perda de aderência ao suporte ou à camada precedente, na zona próxima das fendas. • Dilatações e contracções higrotérmicas A origem dos diversos tipos de fendas e fissuras pode, por vezes, estar associada ao facto de haver uma falta de continuidade construtiva entre o reboco e o suporte sobre o qual está aplicado. Este fenómeno explica-se não só por deficiência inicial de aderência do reboco ao suporte, mas também pelos diferentes tipos de materiais utilizados, com diferentes coeficientes de dilatação térmica e higrométrica, que podem ocasionar uma deficiente adaptação entre os mesmos. De facto, ao haver dilatações e contracções higrotérmicas diferenciais entre os distintos elementos constituintes do revestimento (reboco, pintura) e o suporte, pode dar-se ruptura pelo elemento mais fraco, originando assim o aparecimento das referidas fendas ou fissuras. • Gelo A transformação em gelo da água absorvida pelo reboco, com o consequente aumento de volume no interior dos poros do reboco, gera tensões na argamassa, podendo dar origem a fendilhação. Este fenómeno, quando surge, é muito destrutivo. Em Portugal é raro, embora possa ser apreciado ocasionalmente em algumas regiões onde, em certos períodos do ano, se verificam temperaturas inferiores a 0º C pouco depois da ocorrência de chuvadas. • Deficiente dosagem na execução da argamassa 5 Para resistirem bem às fontes de tensões de tracção a que estão sujeitas, as argamassas de reboco devem ter retracção moderada, módulo de elasticidade reduzido e elevada relaxação. As argamassas ricas em cimento, com elevados teores de finos, ou com água de amassadura em excesso, têm elevada susceptibilidade à fendilhação, quer devido à retracção elevada, quer devido à grande rigidez, que as torna sensíveis aos movimentos diferenciais dos vários materiais com os quais estão em contacto [10]. Por outro lado, as argamassas muito porosas, por absorverem mais água, são mais susceptíveis à fendilhação devido ao gelo, ou aos sais. Assim, ao formular as argamassas de reboco, é necessário conseguir um equilíbrio entre o excesso de ligante e de finos e a porosidade demasiado elevada, tendo em conta a exposição aos agentes climáticos a que o revestimento vai estar sujeito. O número e espessura das camadas e a aplicação cuidada podem ajudar a resolver estes requisitos aparentemente contraditórios. • Espessura inadequada do revestimento A espessura do revestimento também pode ter considerável repercussão no aparecimento de fendas ou fissuras. Por definição, a tensão de tracção (que provoca a ruptura dos materiais) é inversamente proporcional à secção transversal da camada. Assim, quanto maior a espessura da camada, maior será a resistência à fissuração do revestimento. No entanto, o aumento indefinido da espessura do revestimento pode gerar um outro tipo de anomalia, nomeadamente o descolamento do revestimento pela acção do seu próprio peso e da maior retracção diferencial , quando superado o limite de aderência ao suporte. Portanto, por problemas de aderência, o valor máximo da espessura do revestimento deve ser limitado, enquanto que por problemas de resistência, deve ser limitado o seu valor mínimo [10]. Causas atribuíveis ao suporte: • Deslocamentos do suporte Os deslocamentos sofridos pela estrutura do edifício assentamentos diferenciais das fundações, flechas de vigas e lajes, dilatações térmicas da própria estrutura ou ainda as deformações da estrutura vertical - podem originar o aparecimento de fendilhação no reboco, que nos casos mais graves surge como seguimento da fendilhação do próprio suporte. • Reacções com sais existentes no suporte Por vezes, os sais contidos no suporte sobre o qual está aplicado o reboco podem ser transportados para o mesmo através da água que percola em seu interior e assim reagir com os componentes deste. Ao reagirem, os sais cristalizam e os cristais formados, expandindo-se, provocam a fendillhação do reboco. • Absorção excessiva do suporte 6 A base sobre a qual está aplicado o reboco pode ser muito absorvente e pode acabar por retirar rapidamente a água deste no momento de sua aplicação, produzindo desta forma fissuras internas, as quais ocasionalmente podem chegar a manifestar-se na superfície, tornando-se fendas. Deve-se, portanto, proceder a uma conveniente preparação da base através de um prévio humedecimento, a fim de evitar uma sucção excessiva da água do reboco pelo suporte, embora alguma sucção seja necessária a fim de permitir a aderência, que se processa por penetração dos elementos mais finos do reboco nos poros do suporte. Outras causas: • Concentração de tensões junto a aberturas As fendas também podem surgir nas esquinas dos vãos ou partindo de outras aberturas devido à concentração de tensões existentes nestes pontos. Ocorrem com maior frequência quando há movimentos diferenciais mais significativos entre o revestimento e o suporte. [10] • Corrosão de elementos metálicos: ligadores, canos, redes metálicas A corrosão de elementos metálicos inseridos no suporte, ou no reboco, dá origem à formação de sais expansivos, que originam a fendilhação do elemento em que estão envolvidos. 2.4 – Eflorescências e criptoflorescências Dum modo geral, este tipo de patologia caracteriza-se pela formação de uma substância de aparência cristalina ou filamentosa, geralmente de cor esbranquiçada, e que aflora à superfície alterando o aspecto visual do revestimento. Por vezes, as formas geométricas dos cristais lembram flores, daí a utilização da palavra “florescência” para designar qualquer tipo de cristalização de sais. Nos casos em que os sais cristalizam na superfície exterior do revestimento, o fenômeno denomina-se por eflorescência e nos casos em que a cristalização dos sais ocorre antes destes chegarem à superfície, em alguma cavidade do próprio material, o fenômeno é denominado criptoflorescência. Para que se produza o fenômeno da eflorescência é necessária a existência simultânea de três factores: a presença de humidade; a existência de sais solúveis nos materiais constituintes do revestimento ou do suporte (tijolos, cal, água de amassadura, agregados, produtos de poluição, etc); por fim, é necessária a pressão hidrostática para propiciar a migração da solução para a superfície. O depósito de sais sobre a superfície depende do grau de solubilidade de cada composto e também da maior ou menor quantidade de água existente para o dissolver. Por outro lado, a variação da temperatura, a evaporação da água e a diminuição da humidade relativa do ambiente 7 são factores que podem conduzir a um aumento na concentração da solução e consequentemente favorecer a cristalização dos sais. Para o desencadeamento do processo patológico importa ainda a porosidade do material, bem como seu coeficiente de absorção, já que estas características facilitam, para mais ou para menos, a quantidade de água que atravessa o material, que faz com que se acelere ou atrase o aparecimento da anomalia. Em geral, este tipo de patologia modifica a estética e afecta o aspecto superficial da parede, mas ainda sim as eflorescências não são consideradas como um verdadeiro problema enquanto são soluções ou cristais que atravessam uma camada de pintura porosa, e se apresentam só como um fenômeno superficial, não prejudicando a durabilidade do material. Os danos consideráveis são causados quando os cristais são formados nos poros e nos vasos capilares dos materiais, ou seja, quando são formadas as criptoflorescências. Estas sim, têm um certo poder destruidor e podem afectar, em alguns casos, a vida útil do material, já que a cristalização se dá, em geral, com dilatação, implicando um impulso sobre a camada de material que cobre a cavidade, que tende, assim, a desagregar-se. Além disso, a presença das criptoflorescências pode originar uma mudança do equilíbrio de humidade em todo paramento. Em função do tipo de sal que cristaliza, podem tipificar-se as eflorescências: as que são compostas por carbonatos (cálcio, magnésio), por sulfatos (cálcio, magnésio, potássio, sódio), por cloretos (cálcio, magnésio, potássio) e por nitratos (potássio, sódio, amónio). A dissolução e cristalização da cal não-carbonatada existente nos revestimentos ou nos materiais de suporte, constitui um caso particular muito frequente de eflorescência. Se a humidade presente no reboco se apresenta elevada, isto favorece o enchimento dos poros do material com água e, em consequência, a cal carbonata-se de forma lenta no seu interior, ou nem chega a carbonatar, devido à dificuldade de penetração de dióxido de carbono nos referidos poros. Por outro lado, a água aí existente dissolve a cal livre presente nos rebocos e após um período de secagem, esta tende a sair para a superfície, onde entra em contacto com o dióxido de carbono e sofre a carbonatação, formando o carbonato de cálcio. Os depósitos de carbonato de cálcio na superfície do reboco apresentam-se como manchas esbranquiçadas. Assim, as causas mais prováveis das eflorescências são: • Presença prolongada de humidade • Sais solúveis presentes no reboco, no suporte ou na água infiltrada • Cal não carbonatada 8 2.5 – Biodeterioração (algas, musgos, líquenes, fungos, plantas diversas e animais de porte) Estão reunidos neste tipo de anomalia todos aqueles organismos ou microorganismos vivos, animais ou vegetais, que de alguma forma deterioram as superfícies dos revestimentos, bem por sua simples presença, bem pelo ataque dos mesmos ou dos produtos químicos que expelem. Em geral, todos os microorganismos e organismos são capazes de atacar e degradar os materiais. Às vezes, apenas a presença física de células microbianas é suficiente para causar danos, mas em geral a deterioração é causada pela excreção de produtos do metabolismo. Com origem variada, provenientes do solo ou do ar e transportados por meio da acção do vento, insectos, aves, etc., os microorganismos depositam-se nas superfícies dos revestimentos, bem como nas fendas, fissuras e vazios aí existentes, e multiplicam-se conforme seu metabolismo, conforme a disponibilidade dos nutrientes e ainda em função das condições climáticas da zona do edifício. Para que a adesão dos microorganismos seja favorecida, é necessário que se verifiquem algumas condicionantes físico-químicas e ambientais as quais se destacam: pH do suporte, humidade, temperatura, iluminação, oxigênio, etc. Como consequência da actividade humana, industrial e urbana (tráfego), é liberada na atmosfera diariamente uma grande quantidade de poluentes como por exemplo, o óxido de enxofre, de nitrogénio, derivados do petróleo, etc. Estes poluentes, quando em presença de humidade, podem favorecer o crescimento e a proliferação de diversos microorganismos sobre as superfícies dos revestimentos de fachadas dos edifícios, contribuindo significativamente para sua deterioração. Assim, as causas que favorecem a ocorrência deste tipo de anomalia são: • Presença prolongada de humidade • Falta de ventilação • Iluminação • Acumulação de pó, terra e sujidade na superfície do revestimento • Acumulação de poluentes resultantes da actividade industrial • Porosidade elevada do revestimento 9 2.6 – Perda de aderência (descolamento, abaulamento, destacamento) A perda de aderência entre o reboco e o suporte ao qual foi aplicado ou entre as camadas de reboco pode manifestar-se em três fases distintas: descolamento, abaulamento, ou destacamento da camada de reboco. O descolamento caracteriza-se pelo afastamento do reboco ao seu suporte, e pode ser identificado pelo som cavo que se ouve, quando submetido à percussão. Se para além do afastamento do reboco se torna perceptível a formação de convexidades na superfície duma ou de outra área do reboco, identificamos neste caso a anomalia como sendo um abaulamento do reboco. Por último, o destacamento traduz-se na separação definitiva do reboco ao seu suporte, quando perfeitamente visível a sua falta no conjunto de uma fachada. Particularmente, o abaulamento tem como principal causa a presença prolongada de água no suporte, que pode ter como consequência a cristalização de sais expansivos existentes no reboco. Os sais infiltrados e alojados nos micro-espaços intermediários entre o suporte e o revestimento, ao cristalizar, dilatam-se. Esta dilatação produz um impulso perpendicular ao plano de interface entre camadas, que pode superar a capacidade de aderência e provocar o seu descolamento. Os movimentos diferenciais entre o suporte e o revestimento, nomeadamente as deformações numa mesma direcção, porém em sentidos opostos, podem terminar por provocar a rotura por corte da ligação entre os mesmos e, portanto, o descolamento do reboco. Os defeitos de execução dos revestimentos - excesso de água de amassadura; falta de humedecimento conveniente do suporte; falta de limpeza da superfície a ser revestida; falta de rugosidade do suporte; espessura excessiva do revestimento; composição pouco adequada da argamassa - podem levar à perda da aderência já que, quando se executa um reboco incorrectamente, deixam-se de criar condições para a penetração deste no suporte. A aplicação de um novo revestimento sobre outro já existente não suficientemente limpo de pó, gordura, pintura ou outras sujidades, também não permite que sejam criadas condições de aderência. De facto, estas sujidades actuando como barreiras, dificultam a penetração do material na rugosidade do suporte. Assim, as causas mais prováveis para este tipo de anomalia são: • Presença de humidade • Presença de sais • Dilatações e contracções térmicas (variações dimensionais do reboco) • Movimentos do suporte • Erros de execução do revestimento 10 • Elevada impermeabilidade à água do suporte • Insuficiente permeabilidade ao vapor de água do revestimento 2.7 – Perda de Coesão ou Desagregação Este fenómeno consiste na desunião dos componentes do reboco seguida por uma considerável perda das partículas que o compõem, convertendo-o em um material frágil e susceptível à degradação. As causas mais prováveis para este tipo de anomalia são: • Humidade seguida de cristalização de sais Item abordado anteriormente quando se tratou das criptoflorescências (ver 2.4). • Reboco fraco, sem dureza superficial As características dos próprios materiais que constituem o revestimento também podem originar este tipo de anomalia. Um reboco fraco, sem dureza superficial e de pouca união entre suas partículas constituintes torna-se ainda menos resistente quando sofre a lavagem do ligante, ou ainda nos casos em que tem a sua superfície revestida por pintura pouco permeável ao vapor de água. • Acção de microorganismos e organismos Como já foi referido antes (ver 2.5), os organismos e microorganismos podem atacar quimicamente os materiais de revestimento através da sua simples deposição sobre os mesmos, ou pelas substâncias que expelem. Com efeito, a presença dos microorganismos pode ter consequências danosas quando estes originam ácidos que desagregam o material sobre o qual assentam, ou ainda, quando conservam a humidade na superfície destes materiais permitindo uma posterior destruição do reboco. • Reacção química entre os materiais que constituem os revestimentos e os compostos naturais ou artificiais (poluição) contidos na atmosfera A reacção química entre os materiais constituintes do reboco e os compostos naturais ou artificiais contidos na atmosfera tem como resultado a transformação molecular do material, e consequentemente a variação no aspecto do reboco; por vezes é possível notar também uma perda de material como consequência da maior debilidade das novas estruturas moleculares formadas durante as reacções. 11 2.8 – Erosão Compreende de uma forma geral a destruição, ou o desgaste do reboco, implicando perda de material, ou unicamente a alteração da superfície do reboco, sem necessariamente haver desaparecimento de parte do material mas apenas uma modificação do seu aspecto ou textura exterior. Estes fenómenos resultam da acção erosiva de agentes mecânicos, físicos ou químicos. As causas mais prováveis para este tipo de anomalia são: • Humidade A água, de origem variada, quando infiltrada no interior dos poros superficiais do reboco, pode provocar a dissolução de algumas das suas partículas, em função da composição mineralógica dos materiais que o compõem, originando posteriormente a sua erosão. Por outro lado, a água infiltrada nos poros superficiais do reboco também favorece o entumecimento das suas camadas mais superficiais que, após sofrerem aumento de volume diferencial em relação às camadas mais internas, conduzem ao aparecimento de microfissurações no seu interior e posteriormente à desintegração da camada superficial do reboco. [5] • Esforços mecânicos de natureza diversa A erosão mecânica dá-se pelo atrito ou através de golpes de pessoas, animais, máquinas ou objectos sobre o material superficial. • Acções físicas dos agentes atmosféricos A acção isolada ou conjunta dos agentes atmosféricos (vento, chuva, variações de temperatura) tem tanto maior incidência sobre a superfície do reboco quanto maior for sua exposição e mais débil for a sua estrutura porosa. • Perda de coesão A deficiente coesão do reboco favorece, naturalmente, a sua erosão. 2.9 – Sujidade A sujidade é uma anomalia muito comum, caracterizada pelo recobrimento dos revestimentos com poeiras, fuligem e outras partículas poluentes existentes em suspensão na atmosfera. As causas mais prováveis deste tipo de anomalia podem ser: • Escorrimento da água da chuva A água de chuva pode, por vezes, actuar de forma benéfica como um agente limpador, arrastando o pó depositado na superfície dos revestimentos. No entanto, desta mesma forma, 12 pode originar acumulações visíveis de sujidades em algumas zonas da fachada quando arrasta ao longo da superfície do revestimento as partículas que aí estão depositadas, formando caminhos preferenciais de escorrimento, de aspecto muito desagradável. A textura do revestimento, os elementos protectores da fachada existentes ou a falta deles, a orientação da fachada em relação aos principais agentes climáticos (vento, sol), são aspectos que condicionam a gravidade deste tipo de anomalia. • Acção do vento O vento arrasta as partículas de sujidade pela superfície do revestimento e, quando associado à presença de chuva, pode actuar como agente transportador de partículas poluentes existentes na atmosfera. • Textura superficial do reboco (rugosidade) A textura superficial do reboco também influencia a maior ou menor disponibilidade para retenção de partículas de sujidade na sua superfície. De facto, uma superfície de reboco mais compacta e menos rugosa facilita o escorrimento da sujidade pela actuação da água, mas torna também mais visíveis eventuais caminhos preferenciais de escorrimento. Por outro lado, uma superfície mais porosa e mais rugosa, além de favorecer uma maior superfície específica para o depósito de poeiras e outras sujidades, dificulta e inibe as acções de limpeza por simples lavagem ou pela acção da água de chuva, embora, em contrapartida, contribua para a diversificação dos caminhos de escorrimento e para a dissimulação da sujidade. 3. CONCLUSÕES O que se propõe neste trabalho é dar um breve contributo para o conhecimento e sistematização das anomalias que mais afectam os rebocos dos edifícios antigos de Portugal, relacionando-as com as suas causas mais prováveis. Diante do que foi sucintamente abordado, pela simples existência de uma diversidade de causas que actuam conjuntamente para originar uma única anomalia nos rebocos de paredes, se torna necessária uma compreensão mais aprofundada dos mecanismos e das causas das anomalias, para possibilitar a elaboração de um correcto diagnóstico, com o qual se pretende conhecer a origem do problema e definir medidas para atacar o mal desde o princípio, pondo um fim ao processo patológico. Na tabela seguinte faz-se uma síntese dos tipos de anomalias e respectivas causas mais prováveis. 13 ANOMALIAS PREDOMINANTES NOS REBOCOS ANTIGOS Tipo Causas mais prováveis 1) Aplicação do reboco antes da secagem adequada do suporte; 2) Existência de zonas de paredes em contacto com a água do solo; existência de materiais 1) De obra ou construção de elevada capilaridade nas paredes; inexistência ou deficiente posicionamento de 2) De terreno barreiras estanques nas paredes; 3) De precipitação 3) Revestimentos com elevada permeabilidade à água; 4) Condensação do vapor de água que está em contacto com o revestimento ou no seu 4) De condensação interior; 5) Devida a fenómenos de 5) Existência de sais higroscópicos no interior dos revestimentos que fixam água em higroscopicidade grandes quantidades, constituindo uma espécie de depósito de água; 6) Devida a causas fortuitas 6) Roturas de canalizações, entupimento de caleiras, algerozes, tubos de queda, corrosão das canalizações metálicas, deficiências de remates da cobertura, etc; Causas atribuíveis à constituição do reboco • Retracção do reboco; • Dilatações e contracções higrotérmicas; • Gelo; • Deficiente dosagem na execução da argamassa; Fendilhação • Espessura inadequada do revestimento; e Causas atribuíveis ao suporte Fissuração • Deslocamentos do suporte; • Reacções com sais existentes no suporte; • Absorção excessiva do suporte; Outras causas • Concentração de tensões junto a aberturas; • Corrosão de elementos metálicos: ligadores, canos, redes metálicas; Eflorescências • Presença prolongada de humidade; e • Sais solúveis presentes no reboco, no suporte ou na água infiltrada; Criptoflorescências • Cal não carbonatada. • Presença prolongada de humidade; • Falta de ventilação; Biodeterioração • Iluminação (algas, musgos, liquens, fungos, plantas • Acumulação de pó, terra e sujidade na superfície do revestimento; diversas e animais de porte) • Acumulação de poluentes resultantes da actividade industrial (óxido de nitrogênio, óxido de enxofre, derivados do petróleo, etc); • Porosidade elevada do revestimento. • Presença de humidade • Presença de sais • Dilatações e contracções térmicas (variações nas dimensionais do reboco); • Movimentos do suporte; Perda de aderência • Erros de execução do revestimento: excesso de água na amassadura, falta de (descolamento, abaulamento, humedecimento conveniente do suporte, falta de limpeza da superfície a ser revestida, destacamento) falta de rugosidade suficiente do suporte, composição pouco adequada da argamassa; • Elevada impermeabilidade à água do suporte; • Insuficiente permeabilidade ao vapor de água do revestimento; • Humidade seguida de cristalização de sais; • Reboco fraco, sem dureza superficial; Perda de Coesão • Acção de microrganismos e organismos; ou Desagregação • Reacção química entre os materiais que constituem os revestimentos e os compostos naturais ou artificiais (poluição) contidos na atmosfera; • Humidade; • Esforços mecânicos de natureza diversa (atritos, golpes etc.); Erosão • Acções físicas dos agentes atmosféricos (vento, chuva, variação de temperatura); • Perda de coesão. • Escorrimento da água de chuva; • Acção do vento; Sujidade • Textura superficial do reboco (rugosidade). Humidade 14 4. REFERÊNCIAS 1 – AGUIAR, José; CABRITA A.M. Reis; APPLETON, João A.S. – Guião de apoio à reabilitação de edifícios habitacionais. Lisboa, LNEC, 1997. 2 – APPLETON, João A.S. – Edifícios Antigos – Contribuição para o estudo do seu comportamento e das acções de reabilitação a empreender – Programa de investigação apresentado a concurso para provimento na categoria de investigador – coordenador. Lisboa, LNEC,1991. 3 – BARROS, Luis Aires – As rochas dos monumentos portugueses: tipologias e patologias. IPPAR, Lisboa, 2001. (vol. I e vol. II) 4 – CANEVA, Giulia; NUGARI, Maria Pia; SALVADORI, Ornela – Biology in the conservation of works of art – Rome, 1991. 5 – CARRIO, Juan Monjo – Patología de cerramientos y acabados arquitectónicos – Departamento de Construcción y Tecnología Arquitectónica – UPM. Ed. Munilla–Lería. Madrid, 2000. 6 – HENRIQUES, Fernando M. A. – Humidade em paredes. Lisboa, LNEC, 2001 (2ª edição). 7 – Instituto Centrale per il Restauro (ICR) – Raccomandazioni NORMAL – 1/88. Roma, 1988. 8 – ORDAZ, J.; ESBERT, R.M. – Glosario de términos relacionados con el deterioro de las piedras de construcción – Departamento de Geología, Universidad de Oviedo. España, 1988. 9 – SMITH, BAIRD M. – Moisture problems in historic masonry walls. Diagnosis and treatment. Washington, U.S. Department of Interior, 1986. 10 – VEIGA, M. Rosário – Comportamento de argamassas de revestimento de paredes. Contribuição para o estudo da sua resistência à fendilhação. Dissertação para obtenção do grau de Doutor em Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Lisboa, LNEC, Maio de 1997. 11 – VILLANUEVA, Luis Domínguez. – Patología de guarnecidos y revocos, in: Patología y técnicas de intervención. Fachadas y cubiertas, Tomo 4; Departamento de Construcción y Tecnología arquitectónicas - Metodología de la restauración y de la rehabilitación. Madrid, 1998. 15