Capitulo Primeiro – Marchando pro Norte

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Capitulo Primeiro – Marchando pro Norte
Capitulo Primeiro – Marchando pro Norte
1A 1. “Hermes Trismegistos escreveu com uma ponta de diamante, em uma lamina de esmeralda” Estavamos todos no Duque, meu corsa sedan preto com nenhum adicional, cantando o disco anCgo e iluminado de Jorge Ben. Parece que naquela época as pessoas se deslumbravam publicamente quando descobriam o esoterismo. Parece que hoje em dia quase ninguém descobre nada anCgo novo, e quando descobrem se sentem especiais e formam alguma espécie de igreja, seita ou ritual envolvendo plantas “medicinais”. Tudo é uma renascença, um revival, uma revisitação, e nada, parece, é algo como sempre foi. Todos se empolgam como se Cvessem achado o santo graal. Santa infanClidade. Jorge Ben me fez lembrar o Donovan nos explicando da lendária “AtlanCs”. Seria como um paralelo em Português, as pessoas descobrindo o oculto nos anos 60. 1A 2. Me chamo Leonidas Maçaneta, sou cidadão de Brasilia e viajante de terras distantes. Nesses tempos específicos, eu e os ConstanCnos, minha banda de Rítmo e Blues clássico, estávamos tentando absorver influências Brasileiras para o nosso primeiro disco que estava para se tornar um grande sucesso nas rádios do país. Até então éramos uma banda de baile tocando em festas de 15 anos, bodas e formaturas com ocasionais soirées em bares e clubes noturnos para alimentar a vaidade. Tocamos mais de 100 shows durante o ano, agora já era dia primeiro de Outubro e queríamos concentrar na criaCvidade. Precisavamos traduzir o Ritmo e Blues da Motown para o Portugues, difundir o mojo nas regiões lusitanas. Tim Maia fez bem com o final dos anos 60, aquela onda Marvin Gaye e seu “What’s Going On,” mas no Brasil ainda falta “Pride and Joy” e “I Heard it Through the Grapevine”. O mais perto foi Roberto Carlos com “Não Há Dinheiro Que Pague” e “Se Você Pensa”. Nesses tempos eu senCa a obrigação de carregar essa tocha.
1A 3. Depois do ensaio eu sempre deixava Romário, nosso ilustre baterista, em casa sozinho, mas dessa vez os outros dois membros da banda, os Irmaos Corleone, estavam juntos também por que vieram de carona ao invés de trazer carro. Silvanete os entregou no ensaio de manhã enquanto ia ao trabalho. Ela era a eterna namorada de Reginaldo Corleone, nosso baixista. No carro ouvíamos as músicas de Jorge Ben e nos inspirávamos para a gravação de nosso primeiro disco. Nesses tempos já era raro nós quatro estarmos juntos fora dos ensaios, achava que Cnha que aproveitar, para harmonizar nossas ondas. Parava o disco a cada 30 segundos para comentar, aproveitar a presença de todos.
1A 4. Os namorados Reginaldo e Silvanete pareciam que viviam em um filme. Era uma graça na época. Eu achava saudável pois sabia que Reginaldo administrava bem os romances, mesmo que demorasse pra cair a ficha. Mas vamos falar de Reginaldo a fundo mais na frente. Por enquanto vamos chamar ele de “CateCnho” que é seu justo apelido entre os mais altos escalões do Rock. Seu irmão Reges Corleone era chamado, entre os Classicos, de “CapreCnho”, por ter a pele mais escura e conCnuar idênCco ao irmão. Os Classicos são meus amigos. Todos os nobres cavalheiros entre Socrates e algum porteiro com quem conversei durante 30 segundos. Todos os gloriosos cienCstas e desapegados charlatões entre Osama Bin Laden e Tony Total. Sim, Tony T-­‐O-­‐T-­‐A-­‐L. Se eu me lembro bem de alguém desses tempos, eu lembro bem de Tony Total, mas eu já falo quem ele foi.
1A 5. Os Clássicos são os perdidos agora nesse mundo de caos pós moderno. Já fomos reis no passado, mas eu não me lembro bem quando. Somos os únicos que tocam o eixo da suprema eternidade do progresso enquanto as ovelhas de Israel choram pela falta de sabedoria de novos pastores ecléCcos e desastrados que gritam pelo nome de nossos irmãos... como se soubessem pronuncia-­‐los. Nós somos Joao BaCsta. Preparamos nossas sementes libertarias para algum futuro que só está presente em reza. Não somos classicistas porque somos clássicos, oras! Ser clássico não é viver no passado, nem ama-­‐lo; ser clássico é se juntar ao eixo, carregar a tocha, saber de tudo e procurar tudo ao mesmo tempo. Levando adiante as perguntas e respostas independente da mudança de tribos, religiões, governos e quaisquer outros caprichos e com isso abraçar o presente e ser deveras profeta.
1A 6. Nossa missão é educar nossos filhos com a piedade de Abraão, a infalibilidade de Platão e a determinação de Che Guevara. Nós somos os óculos de João Lennon, a careca de Mussolini, o bigode de Hitler e de Chaplin, a barba de Fidel, as botas de Stalin, o chapéu de Napoleão, o espaço entre as pernas de Mané Garrincha e o grito de Ray Charles. Nós somos o eco de familiaridade que se ouve no vale do avanço: o elo entre Epiteto e Bob Dylan. Por fim, somos Noé. Toda a arte de homens e mulheres são as nossas arcas e as grandes conquistas de nossos antepassados são nossos animaizinhos acasalados. Passamos pra frente o que está no pra sempre.
1A 7. Tony Total é a estátua que observa Brasilia do topo da torre central do senado, um amigo anCgo meu. Ele é o único móvel da casa que nunca foi vendido ou reordenado; ele é a porta da casa. A casa sofre mil reformas e a porta fica parada, generosamente abrindo e imparcialmente trancando. Móveis são os únicos que são móveis. Para entrar em Brasilia eu Cve que passar pela porta. Eu Cnha que entender Tony Total pra conseguir sair pela janela quando quisesse e curCr o jardim de Brasilia que o Mundo é.
1A 8. Tony dizia que o namoro de CateCnho e Silvanete era lindo, o melhor casal de 2008. Claro que Tony não percebe que não é todo mundo que consegue ouvir as tragédias do mundo e responder com o silencio que nem ele faz. CateCnho respondia às tragédias do mundo como um filho único de 8 anos de uma grande família matriarcal, com o peito estufado e fardos demais para sua idade. Tony aprende com o que observa, rápida e eficazmente, as vezes deixa passar pérolas obvias que não conseguem cortar seu cordão umbilical, mas quem não deixa? Por alguma razão, ainda misteriosa pra mim, até hoje ele protege esse cordão com armas quietas e monumentais. Por isso ele conCnua rei, ele protege o trono e assim como um faraó egipcio, ele não se move. Medo eu sei que não é. Ele não quer perder o bonde da sinistridade. CateCnho e Silvanete estavam por passar por uma grande reconfiguração... o melhor casal de 2008 era outro. Eu namorava eu mesmo e esse romance estava para se consolidar. Estava preparando meus votos para ser fiel e nunca trair o meu amor. 1B 1. Eu deixei Romário, CateCnho e CapreCnho em casa e fui embora pelo Eixao, mesmo sendo a hora do rush. Sempre que eu me senCa livre eu queria senCr o Eixao. A liberdade daqueles tempos era tão pura e esperançosa, o Eixão me mostrava isso como um espelho. Eu estava para gravar meu primeiro disco, minha primeira publicação de qualquer espécie. A esperança era grande. 1B 2. Começou a chover e eu logo senC que era o começo do final do ano; as chuvas voltaram para banhar minha leveza. Eu Cnha um carro com o teto firme, a chuva era bem vinda. A vida parece mais eterna quando se vive as simples estações de Brasília. É um cículo muito claro e óbvio. Eu já havia vivido outras estações em outros lugares do mundo. Outros lugares pareciam outros planetas regidos por outros sois e luas enquanto eu navegava pelo Eixão. A vida certa e determinada dos endereços nas placas matemáCcas de suas margens sempre apagava qualquer memória de outros planetas onde já exisCu vida. O Eixão parecia uma pista de pouso, sempre dava a impressão de que se estava aterrizando, vontade de correr para os braços de quem te espera. Eu só queria chegar na 316 sul, na casa de minha querida mãe. O ensaio havia sido longo, quatro horas, e por isso corro demais.
1B 3. Mas na época a idéia da 316 sul começou a me incomodar. Mesmo que tenha nascido lá e fosse grato por ter um hábitat natural, estava passando por transformações internas e entendendo meu papel como homem na minha tribo. Um dia se me chamassem teria que ser cacique, ou curandeiro; eu Cnha que me preparar. Comecei a ficar preocupado em aprender a caçar, cuidar da minha mãe, conquistar uma matriarca que cuidaria de meus filhos da maneira correta. A biologia começou a bater na porta da minha adolescência vencida. Eu Cnha que movimentar, exisCam vulcões de inevitabilidade em erupção dentro de mim. Eu não sabia ainda pra onde Cnha que ir, só sabia que minha tribo se extendia em minha alma no começo da Asa Sul até as fronteiras de um Universo eternamente em expansão, em algum lugar no Lago Norte.
1B 4. Abrir a gigantesca porta do apartamento cuidadosamente decorado de minha mãe era sempre um aviso. Poderes maiores que eu estavam por além da ante-­‐sala do elevador. A porta de um império se abria lentamente. Um império que não era meu, e um império onde Deus me colocou como príncipe sem me consultar. Os moveis eram arranjados segundo a sábia fantasia de uma mulher sem freios que chamava a masculinidade pra porrada. A inexplicabilidade da origem das intenções do arranjo da sala de estar era castradora por si só. As minhas iniciações naturais de macho eram negligenciadas por quadros quase cubistas e uma cozinha limpa demais. 1B 5. Isso me trazia de volta às minhas tendências Sidharta, o príncipe de um império vizinho ao meu. O Império dele, assim como o meu, foi desenhado para lhe trazer felicidades sem consciencia. As mulheres por saberem de todas as verdades do universo intuiCvamente tentam poupar seus filhos do sofrimento. Seus filhos nunca as escutam, e na maioria das instancias acabam batalhando suas mães pelo resto da vida. A vida, inclusive, é a nossa grande mãe generosa, sábia e cruel. Eu estava disposto a cessar fogo, mas eu Cnha que achar um meio termo entre a noite calada das mulheres e o dia em chamas de ambições sem fundamento. 1B 6. Meu pai, minha histórica referencia do yang, morava no Lago Norte que do final da Asa Sul parecia outro mundo, um distante reino de fadas e cervejas escuras. Eu entendia que a vida e seus apegos e frustrações eram minha grande mãe. Agora queria encontrar o meu grande pai, que era personificado por um homem doce, genCl, educado em colégios internos da Suiça, porém Evangelico. Talvez ele poderia me dar alguma dica sobre o pai maior que ele. Ele me dizia para “crer em Deus” e para “seguir o caminho do Senhor”. Pronto, e agora?
1B 7. Como eu já fui muitos Siddhartas muitas vezes, como de costume sazonal, eu queria perambular pelo reinado só com as posses que eu mesmo conquistei, minha percepção e minha audácia perante as advertências de um mundo medroso. Já Cnha saído da casa de minha mãe várias vezes e voltado. A diferença é que dessa vez eu queria voltar com um Cgre dente-­‐de-­‐sabre nas costas, derrubando a porta.
1B 8. Entrei no império e fui até o meu quarto no final obscuro da ala dos dormitórios. Eu coloquei minha bolsa de couro marrom clássica em cima da cama. Olhando para ela eu lembrei de todas as camas onde já havia botado aquela bolsa com comparCmentos objeCvos e generosidade para laptops da Apple. Era coro fino, sobreviveu todo Cpo de temperatura e fenomeno natural. Já Cnha uns seis anos essa bolsa. Eu sempre Cnha que estar com ela pois corria o risco de ter que escrever algo novo, pesquisar algum ‘fato’ histórico ou ouvir uma música. Se tem uma coisa que eu faço desde cedo é escrever. Minha bolsa, meu escudeiro, carregava minha máquina de escrever portáCl e meu centro de pesquisas. Seja para escrever sonetos ou baladas country & western, eu sabia onde procurar: do meu lado esquerdo. Minha companheira de viagens e eterna servente deitava ao meu lado em minha cama enquanto descansava de um longo dia de férias.
1B 9. Os únicos arquivos que sempre fazia back-­‐up no laptop eram ‘meus documentos’: minhas cartas para amigos imaginários do século 19, minhas peças inacabadas sobre ditadores solitários do século 20, meus eternos sonetos que sempre polia com mente sóbria no dia seguinte, e mais recentemente, minhas canções. As vezes, quando achava que a parada tava completa mesmo, eu imprimia. Era uma especie de publicação. Tudo que escrevia que foi impresso foi porque me impressionou de alguma forma. Eu era uma casa de publicação ambulante nessa época. Tava sempre criando, sempre explorando novos esClos de criação.
1B 10. Eu sempre escrevi em Inglês por temer a obscuridade em um mundo globalizado. Eu me treinei em Inglês assiduamente. Minha mãe sempre dizia “Eu coloquei meus filhos na Escola Americana para que eles fizessem parte do mundo globalizado, para que no final das contas, se não conseguirem fazer mais nada, poderão pelo menos dar aula de inglês”. Eu nunca quis decepcionar a minha mãe e nem o mundo. Por isso eu escrevia no laCm do nosso império Romano. Isso me fez deixar o Português um pouco pra trás, mas talvez valeu a pena.
1B 11. Enquanto deitava na cama, tentando cochilar, eu pensava como já Cnha decepcionado minha mãe no passado, ou melhor, como ela se senCu decepcionada, pois eu não me responsabilizo pelos senCmentos alheios. Ela não gostou que certa época eu tenha me sustentado sendo precisamente seu proféCco denominador comum, professor de inglês. Ela não gostava que eu bebia quase todos os dias e voltava exalando alcool dos poros. Ela não gostava de nada que feria as fronteiras de dogmas enraizados em seu superego fragil (pelo meu id incontrolável). Mas agora eu era líder de uma banda determinada a crescer além de qualquer previsão. Eu queria, nessa época, ver minha mãe se orgulhando de mim e estava disposto a me esforçar. Será que iria trazer alguma nova perspecCva do cosmos? Será que romper a corrente da instaCsfação materna me levaria pra fase bônus? 1B 12. As preocupações sobre saCsfazer minha mãe que até então interrompiam meu cochilo foram dominadas por preocupações sobre minha banda, pois ela me levaria a gloriosa saCsfação de minha mãe e ainda além. O problema era que ninguém precisava de uma banda como a nossa cantando em Inglês, se não teria sido bem mais fácil pra mim. Haviam milhares de rapazinhos boniCnhos de terninho cantando em inglês, tava saturado, infelizmente. Mas no Brasil, em Português, nunca houve uma consciência expressada com essas arCmanhas megalomaníacas que explorávamos, não como eu e os ConstanCnos estávamos prontos para mostrar pro Brasil. Eu sabia que teria muito chão pela frente para conseguir escrever frases monumentais em Português, mas mesmo passando toda a minha vida aperfeiçoando o inglês de Shakespeare ou invés do Português de Camões, eu tava tranquilo. Eu sabia que enquanto isso toquei naquele eixo poéCco que não se limita a línguas e isso seria uma óCma arma na minha procura por hits Brasileiros de Ritmo & Blues. Mesmo assim eu virei de lado e tentei entrar no mundo do sono, no mundo real. Sabia que essas preocupações era só parte da minha diversão nesse sonho.
1B 13. Finalmente desisC e resolvi matar demônios para um dia poder dormir. Levantei da cama. Tirei meu laptop de dentro da bolsa para escrever, quando fui aCngido por uma viagem análoga, um deja vú. Eu já Cnha visto essa cena antes. Claro, já Cnha levantado da cama antes, já Cnha desisCdo de dormir por invasão de pensamentos indesejáveis, mas dessa vez me lembrei de uma ocasião especifica. Eu viajei que estava em Paris em 2003, quando Cnha 18 anos. O edredom da minha cama em Paris era branco também, e lá eu passava muito tempo lutando contra meus pensamentos. O branco de lá simbolizava a pureza, um quadro que ainda não havia pintado. Lá eu era muito jovem. Não Cnha visto nada do mundo ainda mas, mesmo assim, não fazia nada por pressão. Agora, esse branco da casa de minha mãe era o branco do poder, o branco do traje do papa, todas as cores do espectro reunidas para me enjaular. 1B 14. Eu e CateCnho, que era só nosso baixista agora mas já foi bem mais, havíamos alugado um apartamento totalmente fora de nossa realidade ao lado da BasClha, que é um monumento para jaulas que não existem mais. Fomos juntos morar em Paris a procura de não sei o que. Eu passava noites bebendo absinto por recomendação lendária e experimentando novos Cpos de álcool e bohemia, tentando imitar Rimbaud ou Jack Kerouac. As manhãs e tardes passava de ressaca escrevendo poesias que ainda não entendo direito, voltando de metro da casa de alguma Sueca que conheci na naite ou comendo crepe de rua sentado ao meio fio. Fale comigo que eu te passo esses poemas anCgos. O branco de Paris me vinha nesse sonho ao levantar da cama, me vinha e me banhava de orgulho.
1B 15. Foi lá em Paris que conheci Rufus Wainwright que bebeu água gelada no nosso apartamento pois havia celebridademente acabado de sair de um centro de reabilitação por uso excessivo de cristal meth e não aceitou vinho. Ele cantou canções de seu disco ainda não gravado na época, o Want Two e eu cantei “You’ve Got to Hide Your Love Away” dos Beatles pra ele. Ele falou que minha voz parecia a do Nick Cave, eu fiquei envergonhado de não saber quem é, mas agredeci falando que era fã. Rufus e eu marcamos de tomar extasy em Amsterdam e fazer festas memoráveis em quartos de hotéis cinco estrelas. Teria sido maneirissimo fazer essas loucuras com Rufus, mas na época eu tava em outra vibe, ou melhor, estava nesta mesma vibe mas não queria celebrar nada que eu ainda não entendia. A experiencia de Rufus me inCmidava. Eu queria ser o anfitrião de minhas próprias festas, expulsando os convidados quando EU quisesse e aprendendo a controlar as doses de diversão e sofrimento. Eu estava uma década atrasado em relação a Rufus, não podia só pular no bonde assim, de graça. Rufus Cnha acabado de completar 30 anos e eu 18. Tudo bem que os dois entravam em mundos novos da iniciação clássica atemporal, mas até nisso falavamos linguas diferentes. Na noite em que nos conhecemos conversamos até de madrugada. Ele dormiu no sofá-­‐cama de nosso apartamento, acordou cedo e foi embora para uma entrevista na radio local. Trocamos telefones e e-­‐mails, mas não fizemos nada do que planejamos que fariamos juntos, sabiamos que era forçação de barra. Em Paris conhecer alguem como Rufus Wainwright era parte do quoCdiano.
1B 16. Conhecer Rufus, que era um dos únicos arCstas que eu achava que entendia a eternidade da musica na época, que era tão influenciado por Cole Porter quanto por Leonard Cohen ou Puccini, foi pra mim um marco. Eu entendi que ele via em mim a promessa de um futuro que ele não Cnha visão apurada o suficiente pra ver. Eu entendi, por ele, que a evolução da conciencia humana é linear de uma maneira impossível de se mapear. Rufus estava numa lombra de humildade e eu também. Nos reconhecemos de cara um no outro. Eu vi nele uma espécie de irmão mais velho viado. Ele me ensinou que ser um astro é uma questão de disposição, e ele se contentava em ter o nome do pai dele e um apartamento de um milhão de dólares em Manha|an. 1B 17. Eu estava descontente com tudo e quesConava qualquer coisa. Uma semana antes de conhecer Rufus eu fiz uma apresentação no Pop In, uma especie de pub em Paris, na rue Charrone, que hospedava noites ‘open mic’ onde ECenne e uma outra estrela da cena Parisiense julgava os amadores deixando ou não eles tocarem mais de uma musica (como de praxe em ‘open mics’). Na semana anterior ao meu encontro com Rufus eu havia sido convidado a sair do palco de tão ruim. No dia seguinte depois de conhecer Rufus, era Domingo de novo, e com a nova perspecCva que ganhei de Rufus, no final do meu set de 3 músicas, ECenne me puxou no canto e falou “Engraçado você ter nos enganado que você era ruim Domingo passado.”. Ser astro é uma questão de escolha.
1B 18. Eu sinto as vezes que a transformação só vem assim, da noite pro dia, quando bate a onda, quando vem o click, como diz minha mãe, que quem diz que precisa semear e aguar as mutações durante anos, na verdade, só não da boas vindas a transformação, teme mudanças, teme a novidade da nudez do novo Eu. Se você quer ser isso ou aquilo você tem que pegar e ser e foda-­‐se. Supostamente Spielberg virou diretor colocando um terno e entrando nos Estúdios Universais com sua pasta, fingindo ser importante. Diz que ele pregou uma placa escrito “Spielberg Director” em um escritório abandonado e começou a dar pitaco pelos estúdios e logo o chamaram para dirigir um blockbuster. Mas talvez é como Tony Total diz, que a vida verdadeira é para poucos, que “se tu não joga nada tem que fazer o feijão com arroz e só” (ele disse isso enquanto assis}amos a um jogo do Flamengo, sobre a habilidade do Kleberson, “...herói de 2002”, eu sempre leio entrelinhas proféCcas nas palavras de Tony. Talvez fazer o feijão com arroz é semear, aguar e ver crescer. Talvez poucos fazem gourmet.
1B 19. Aquela bolsa eu havia levado para Paris, Londres, Atenas, Lisboa, CuriCba, São Paulo, Buenos Aires, Venado Tuerto e outros lugares onde passei menos tempo. Pra mim morar em algum lugar é passar pelo menos três meses lá. Minha bolsa era uma espécie de símbolo de milhares de fácies e aprendizados impossíveis que conquistara, ela lembrava bem melhor do que eu o que eu era. Eu só sabia as vezes, só as vezes eu estava alerto como sonhava; só as vezes eu era Heracles e sabia de meus trabalhos. Mas a bolsa sorria inanimadamente para mim em cima de mais um edredom. Esse branco me lembrava mais uma vez do império impossivel de minha mãe pois embaixo dele havia um finíssimo lençol de seda persa que eu não conseguiria pagar pra ter tão cedo. Em volta dele tudo era organizado como num sonho. Eram imagens meCculosamente aperfeiçoadas para me manter anestesiado. Era tudo um véu de Maia. O nome da mãe de Sidharta era o mesmo da minha, que coisa. 1B 20 Esses demônios estavam já me enlouquecendo. Eu puxei o edredom da cama com raiva espontanea e joguei ele no chão, não aguentava mais ver o branco inCmidante. Ia arrancar tambem o luxuoso lençol, mas quando encostei nele me deliciei na maciez persa me hipinoCzando à calma. O inimigo não era material. Eu puxei o laptop da bolsa, liguei o wi-­‐fi e entrei no site de imóveis. Tinha que mudar de perspecCva, mais uma vez Cnha que sair da casa de minha mãe. 1B 21. Em Dezembro eu e Os ConstanCnos planejavamos fazer uma turnê em cruzeiros transatlanCcos na costa Brasilieira, haviamos feito o mesmo em Dezembro do ano passado e queriamos repeCr a experiencia, claro, ganhando mais dessa vez. Até lá, eu podia estar morando sozinho, relaxando, escrevendo, me preparando para passar três meses em alto mar. Se era só até Dezembro, era só dois meses, teria que achar um apartamento que alugasse por temporada, um flat ou apart-­‐hotel.
1B 22. Um amigo meu trabalhava como vendedor para esse site de imóveis, w-­‐
imóveis. Eu rapidamente me perguntei o que foi feito dele, o Roger. Das anCgas ele freqüentava nossa casa, quando eu, CateCnho e CapreCnho morávamos juntos num corCço ilegal perto da terceira ponte. A gente fumava muito tchoise e visitava a dimensão D no apartamento que era chamado de ‘A Cova dos Cínicos’. Roger Cnha um sonho de ser alguém. Eu o admirava por isso. Apesar de suas vulgares noções de o que era alguém, ele estava estudando e se preparando para estar errado, e era até mais novo do que eu.
1B 23. Eu pesquisei e achei um ideal. Um quarto no Garvey Park Hotel pagando somente 1.300 reais por mês, sem nenhum outro ‘perhaps,’ com direito a uso de piscina e camareiras, no bom senCdo, ou pelo menos no senCdo úCl. Eu Cnha um dinheiro guardado de salários da banda, mas queria fazer a coisa com comodidade, pois havia desisCdo de me sacrificar para provar pra mim mesmo que conseguia viver com pão, água e chão. Eu recorri ao Senado do Império que era regido pelo cônsul do humor de minha mãe. A primeira questão dela foi “Pra que morar sozinho de novo se você tem tudo aqui?” era uma óCma pergunta, por que eu ia queria sair de um lugar onde tudo é servido, cheiroso e bem arrumado, para ser viCma de meu desastrado senso de auto-­‐administração? 1B 24. AnCgamente eu Cnha a desculpa de que queria fugir da fúria descontrolada do mau-­‐humor constante de minha mãe, mas hoje em dia todas as partes internas de mim sabiam que havia virado masoquista e entendia que só pararia de sofrer com isso depois que me tornasse enrigidecido por trabalhar os competentes músculos da minha tolerância, compaixão e paciência. Hoje eu Cnha que olhar para dentro de mim para achar minha insaCsfação. Havia muito o que queria aprender sobre mim mesmo, sobre o meu papel. 1B 25. Eu falei que era uma questão práCca, que estava no auge da aCvidade da minha vida sexual e que só como um exemplo não podia aflorar minhas necessidades masculinas no apartamento de minha mãe por me senCr desconfortável (apesar de que minha mãe morava em outra ala do imenso apartamento). Falei também que queria escrever um livro e lá não me senCa criaCvo por conta da vida fácil. Falei ainda que precisava aperfeiçoar a arte de cuidar de mim mesmo e queria explorar novas formas de ganhar dinheiro como empreendedor e que lá não me senCa ambicioso por ter tudo dado. A verdade é que queria férias do quesConamento diário, da pressão por ser o que não sou e nem quero ser. Eu queria fumar maconha se precisasse, ou um Marlboro Vermelho para entender a lombra dos viciados em nicoCna, sem que pedissem para parar por estar ofendendo as crenças quadradas de meus co-­‐habitantes. Eu queria andar pelado só para me senCr excêntrico e entender aqueles que acreditam nos impulsos do imperfeito amor. Queria passar o dia inteiro vomitando de ressaca, sem senCr um frio na barriga por estar decepcionando minha mãe que odiava álcool. Eu queria um monte de milhares de coisas que todas se encaixariam e se realizariam ao levar meu laptop e minha guitarra para cima de outro edredom. 1B 26 Minha mãe não entendeu nada e percebeu que falava coisas retoricamente bem construídas mas não exatamente profundas para conseguir o que queria. Mas ela detecta pela minha voz quando eu entendo alguma coisa mesmo sem falar, quando eu preciso de uma coisa que ela ainda não entende. Ela reclama até a cova mas me apóia por acreditar em alguma coisa que eu tenho e ela não. No final das contas ela acredita em minha felicidade, e mesmo que raramente, as vezes tambem acredita que eu sei o que minha felicidade é até mais do que ela.
1B 27. Recentemente, eu e minha mãe havíamos conversado sobre a superioridade organizacional dos Judeus em comparação aos GenCs. Então eu propus que um contrato fosse desenvolvido onde ela pudesse esperar coisas especificamente detalhadas de mim e em troca ela me ajudasse a conseguir um lugar pra morar fora de lá. Curto, objeCvo e sem drama, pois iria estar escrito. Resolvemos então redigir o contrato. O que ela pedia pra eu fazer diariamente eu faria sem ela pedir e como recompensa, a vida mansa. 1B 28. Eu comecei a achar bom demais para ser verdade, e ela chegou com a bomba pra cortar minha onda, “Aah, e não pode ser nesse Garvey não porque lá só tem prosCtuta, escolha outro lugar.” Como que ela não percebia que o fato de haver prosCtutas faziam meus olhos brilhar, não por necessidade sexual desesperada, mas pelo ambiente de completo caos secular que elas criam. Como que ela não percebeu na época que o Garvey cheio de prosCtutas era perfeito para escrever meu primeiro livro?
1B 29. Eu acabei recorrendo ao Verona, um flat onde já havia morado em outra época da vida, no Lago Norte. Lá Cnha piscina, academia e camareiras diárias. Não era nem perto do Garvey mas conCnuava tendo camareiras, e era do lado do Landscape. O Landscape é a salvação de Brasília, um lugar construído por filhos legíCmos da falta do que fazer, um refugio celesCal para noites sem altas demandas. Muitas histórias adviriam de lá. Mal podia esperar! Verona me lembrava Romeu & Julieta e isso trazia um ar inconsciente interessante para a minha imaginação de noites românCcas no meu novo flat. Eu me imaginava construindo um santuário do amor onde seduziria ingênuas beldades da aristocracia Italiana de Milão no século 16. Eu poderia ser o que quisesse me mudando. Já havia criado milhares de Leonidas Maçanetas pelo mundo. Dessa vez seria o bom e velho Leo Maça, mas com mais poder, independência e confiança. Eu ainda não sabia como, mas eu ia me revolucionar, deixar todos os resquícios da minha adolescência para trás. Eu Cnha 23 anos e muito o que aprender, mas estava me senCndo mais próximo de Rufus Wainwright em 2003 e Tony Total em 2008. Eu via novas portas se abrindo e escutava o final da nona sinfonia de Beethoven na trilha sonora.
1B 30. Dois dias depois de conversar com minha mãe já peguei uma malinha de mão, um cheque calção assinado pelo Senado e um trocado para comer e fui pro distante reino do Lago Norte me instalar em um apartamento novo. Cheguei lá de noite, já Cnha deixado avisado na recepção. A moça me deu a chave e eu sobi já com sono e meio bebado. Não Cnha nem água pra beber, mas eu estava feliz e dormi pelado. Acordei de ressaca pela falta de água, mas foi uma aquelas ressacas óCmas que te faz pensar em melhores planos para o futuro, ao invés do clássico “nunca mais vou beber”. Eu pensei em tudo que Cnha que fazer, o que ia comprar no mercado ao lado, que ia fazer amizade com os porteiros por puro interesse poéCco pela profissão. Pensei em fazer uma roCna que incluiria o Projeto Marlon Brando (começar a malhar), romances proibidos e ajeitar Os ConstanCnos de uma vez por todas; tudo era possivel e iria se materializar. 1B 31. Liguei para Joãozinho Dylan que morava ali perto no Lago Norte e avisei “to indo te buscar pra gente ir comprar coisa pra minha nova casa.” Nessa época ainda estava conhecendo Joãozinho, mas estavamos confiando cada vez mais um no outro. Ele era sozinho que nem eu e juntos respeitavamos a solidão da vida. Tinhamos ambições parecidas, mas ele Cnha cabelos encaracolados. Fomos para o Pão de Açúcar e Cramos uma foto clássica do Joãozinho segurando uma garrafa de cachaça de 40 reais, e no carrinho de compras, bons vinhos, cervejas internacionais, um pacote de suco de laranja, uma caixa de hambúrgueres da sadia e um fandangos. Nós esquecemos até de comprar água na agonia para abrir as cervejas na nova casa, ia ser mais um dia seguinte de ressaca.
1B 32. Saímos do Pão de Açúcar muito tarde então resolvemos só deixar as compras e ir direto pro Landscape, afinal era Sábado. Essa noite eu ia fazer minha estréia como DJ solo, pois antes CateCnho e eu formávamos a famosa dupla, Papel & Giênico para fornecer o rock clássico pro Brasil. Eu não preparei nada pra essa noite, não esperava abalar a pista. Tava preocupado demais com a mudança pro apartamento novo. Peguei uns CDs emprestados de um amigo que também é DJ (todo mundo é DJ em Brasília) e fui pra lá torcendo pra pelo menos não dar vexame. No Landscape estavam presentes estrelas da nova geração, CapreCnho, Plínio Doce e Joãozinho, que viera comigo. A velha guarda não foi, provavelmente nem ficaram sabendo. A noite foi eletrizante, não pelo meu set, que foi confuso, sem foco e bêbado, mas pelo guaraná em cápsulas que todos tomamos naquela noite. Não havíamos tomado Guaraná desde a época do La Torre e A Cova dos Cinicos, nosso corCço comunista do lado da ponte. Dançamos e cortejamos damas; fizemos a coreografia de agradecimento pela propagação eterna da vida.
1B 33. Todos festejaram sem escrúpulos. Eu só lembro de ter seduzido uma menina bem jovenzinha e deslumbrado-­‐a com o velho truque de falar inglês britânico perfeitamente. Ela me espantou ao ameaçar que eu Craria dela algo que ninguém nunca Crou. Devia ter imaginado que eu queria comê-­‐la. Ela Cnha cabelos pretos, olhos lindos, usava um daqueles vesCdos indianos ocidentais que caia bem nos médios seios dela. Mas ela Cnha uma voz irritante, eu fiquei com medo e fui embora; tava numa fase de experiências claras e objeCvas, queria a carne amaciada, não me rebaixar a garimpar por migalhas de ouro. A gente só pega pra criar quando tem estrutura. Eu Cnha acabado de me mudar e queria explorar as minhas abundantes possibilidades. Todo mundo acabou pegando alguém menos eu. Eu não estava interessado em pegar alguém, estava curCndo ser o solitário mestre de meu próprio palácio. Eu fui embora comer sozinho no Pão de Açúcar ao final da festa. Voltei pra frente do Landscape depois de comer oferecendo salame para os que estavam saindo quando o sol raiou. Esse foi o clássico da noite pra mim. Mas comer salame sozinho de madrugada e sonhar com o azeite que esqueci de comprar era só o começo. Eu descobriria vários outros talentos dentro de mim nos próximos dois meses. Sozinho, mas de boa.
1C 1. Eu Cnha que organizar minha fortaleza. Nada podia me faltar. Se algum visitante (ou mais provavelmente visitanta) desconhecido passasse pelo meu aconchego ele teria que desfrutar de bons tempos. Eu já Cnha o vinho e o queijo, faltava... bem... água, pra começar. Mas eu não Cnha trazido meus livros ainda, nem meu violão. O violão é uma arma quase infalível com as moças. Eu já vi muito pião, no mal senCdo, mal lavado e sem gingado, seduzir pobre donzelas com gritos e baCdas de acordes. É claro que as vezes algumas mulheres só esperam alguma desculpa para se desreprimir e agarrar alguém. As mulheres são taradas, não te contei não? Eu uso o violão como lubrificante só... se uso, é só pra ajudar a deslizar melhor na noite. Normalmente eu nem ‘uso’, só gosto de treinar mesmo. Acredito que a gente sempre tem que tocar pra alguém. Não adianta nada só você gostar da sua voz. Eu erro, canto fora do tom, com violão desafinado, mas toco, e toco em público, sempre toquei. 1C 2. Meu primeiro show foi quando Cnha 17 anos, após no máximo seis meses aprendendo violão na internet. Juntei uns rapazes e formei uma banda força-­‐
barra que se chamava Os Démodés, CateCnho tava nela, mas como baterista. Naquele show eu não só gritei o show inteiro fora do tom, como pela maioria do show minha guitarra não estava plugada. No começo do show caiu o plug e eu nem percebi. Mas eu toquei ao vivo, me diverC e não achei nada demais as outras bandas. Demorou uns 15 shows pra eu receber meu primeiro elogio, mas por alguma razão eu perdurei mesmo sem. Aos poucos os elogios vão tomando conta dos desafios. Não sei como eu já sabia disso naquela época sem experiência. A intuição da missão interna é sinistra!
1C 3. O flat para onde me mudei era simples e ajeitadinho. Tinha um pequeno balcão com um microondas, uma pia e uma geladeira do lado que eu chamava de cozinha, Cnha um sofá cama na frente de uma televisão de umas 20 polegadas e um divisor fino com uma porta de deslizar dividindo o resto do apartamento do pequeno quarto onde ficava minha cama de casal. Depois Cnha umas praCleiras combinando com o resto do apartamento; bege e branco era o tema regente. Era uma foto da simplicidade, da praCcidade ‘americana’. Parecia que saíra de um catálogo de revista de preguiçoso. 1C 4. É uma descrição sem criaCvidade de um apartamento completamente pleno. Eu teria que transformá-­‐lo. Já imaginei ele todo cheio de velas, com as paredes forradas por veludo vermelho, taças douradas que compraria em algum leilão medieval para servir vinho de uma jarra de aço, uma cama de rei árabe, fina e sensual, plumas pra cá, edredon de pele de onça pra lá, carpete grosso que parece grama onde dá pra cair e dormir, ou deitar e fazer amor, de cor escura, talvez marrom. Afinal, eu podia fazer qualquer coisa, por que estava sozinho, e quem esta sozinho não deve nada pra ninguém se não não esta sozinho, pombas!
1C 5. Eu acordei de ressaca da noite anterior, mas estava empolgado e determinado a começar minha vida nova direito. Eu sempre pensava ao me mudar: “desta vez eu entro no eixo.”. Sempre achava que um dia ia começar a viver minha roCna eterna, a vida do bom homem, éCca, limpa e equilibrada. Hoje em dia, é claro, entendo outras coisas sobre o bom homem. Mas mesmo então eu já não me levava a sério a ponto de tentar me forçar a ter uma roCna. RoCna é para os fracos, inclusive a roCna de não ter roCna.
1C 6. Eu liguei para Joãozinho, que era um grande desocupado e adorava sair de casa por alguma razão ainda oculta e o convidei para me ajudar a buscar o meu material coCdiano na casa de minha mãe. Eu tomei um banho e coloquei a mesma roupa de novo, pois não Cnha trazido nada ainda pra lá. Peguei o duque e fui pra casa de Joãozinho e quando entrei no conjunto, ou na rua dele, ele já estava caminhando em minha direção, ou pra facilitar minha vida ou pra fugir mais rápido da casa dele. Sabe, Joãozinho era novo e ingênuo, mas inteligente e misterioso; ficava claro que ele Cnha futuro e que seria uma estrela. Ele entrou no carro devagar, virou a cara de bravo suspeito e abriu um sorriso carismáCco de surpresa. Os sorrisos inesperados são os mais eficazes.
1C 7. Eu tava com fome, não Cnha comido nada o dia inteiro pois no novo apartamento não Cnha nada ainda. Eu sugeri que parássemos para jantar. Tinha tanto na cabeça planejando meus próximos dois meses que não conseguia concentrar em escolher o restaurante perfeito. Como eu não gosto de ser viCma do habito eu não fui nos que eu sempre ia. Mas queria comer rápido. Joãozinho queria parar pra beber. Eu tava de ressaca, sem chances! Falei que ia parar no primeiro restaurante que visse e foda-­‐se. Aí eu fui viCma de uma sacanagem divina; o primeiro restaurante que vi foi uma das pizzarias mais caras de Brasília. Como sou um homem de palavra, parei mesmo assim. Comi uma pizza que nem gostei, e já que já ia gastar uns 60,00 reais numa pizza, aproveitei pra gastar mais 15,00, que era relaCvamente pouco no momento, para tomar uma taça de vinho, fazer a experiência ficar coerente.
1C 8. Conversei um pouco com Joãozinho no restaurante. Estávamos virando amigos. Ele estava baixando a guarda. Eu mesmo sempre acreditei que todo mundo pode ser amigo dependendo das circunstâncias. É aquela história do Israelita e PalesCno que sobrevivem um acidente numa ilha deserta. Ou por outro lado não tem nem o pre-­‐preconceito. Alguns já tem histórias parecidas de graça e trocam figurinhas para melhor viver, esse era o nosso caso. Joãozinho me lembrava de mim na idade dele; eu me levava a sério demais e odiava isso, era suspeito que os outros estavam sendo falsos e não queria parCcipar. Hoje, to pouco me fudendo se estão sendo falsos, pois não deposito nada nos outros que posso perder. Quem não tem nada a perder, não tem nada a temer, né não? Mas lá estavamos fazendo a dança da amizade, aos poucos, cautelosos para não entregar o ouro logo de cara.
1C 9. Joãozinho falou que não queria comer nada, que já Cnha comido. É o orgulho da classe trabalhadora. Quando não consegui comer minha pizza inteira ele devorou o resto sem pudor. Paguei a conta, entramos no carro e fomos pra casa de minha mãe. Lá pegamos todas as coisas que conseguimos, computadores, orgão (precisava treinar para as gravações do novo disco), meu travesseiro preferido, etc.. Enchemos o carro de coisa, e fizemos umas três viagens de elevador. Minha mãe tava com uma cara melancólica quando passei pelo quarto dela. Ela estava tentando esconder a tristeza que minha parCda trazia pra ela. Ela não sabe que ela não precisa esconder? Ela não sabe que eu nunca abandonaria ela?
1C 10. Na volta de carro, Joãozinho falou que Cnha que acordar cedo e pediu pra ser deixado em casa. Claro que mais cedo ele queria beber, agora que eu precisava de ajuda pra levar um monte de coisas pra cima ele Cnha que acordar cedo. Achei palha por que Cnha que levar tudo sozinho, mas eu admiro pessoas que não devem nada a ninguém. Ele tava tentando se convencer que ele não era obrigado a agradar, e eu ia apoiar isso. Eu só sorri e deixei ele em casa. Depois levei tudo lá pra cima em umas seis viagens; foi terapeuCcamente zen. Eu silenciosamente agradeci Joãozinho pelo seu presente sacana. 1C 11. Amanheceu minha primeira Segunda-­‐feira no novo apartamento. Eu acordei bem por que dormi bem. Percebi uns barulhos vindo do lado de fora e abri a corCna para encontrar uma construção explodindo as furadeiras e martelões (?
sledgehammer?) do lado da minha janela. Eu não Cnha percebido por que Cnha acordado cedo, mas logo bateu um medo no intesCno. Eu pretendia acordar bem tarde nos próximos dias, e essa construção ia infernizar meu sono! Que Cpo de sinal poderia ser este? Será que os Espíritos não queriam que eu acordasse tarde? Mas eu nunca julgo nem um sinal como um impedimento, no máximo um teste. Quem julga sinais como impedimentos só estavam esperando uma desculpa para deitar na desistência. Então, se eu fosse acordar tarde teria que valer a pena, por que não ia dormir direito! Eu teria que transformar minhas noites em subsCtuições do sono. E existe coisa melhor do que uma boa dormida? Ia ser di€cil. Agradeci os Espíritos pela construção ao lado da minha janela e fui tomar meu banho. 1C 12. Passei o dia na minha, escrevendo, tocando violão, tentando compor um hit pros ConstanCnos. Os maltratados mal sindicalizados solitários construtores do Brasil me fizeram lembrar de um velho amigo que havia sido assassinado. Assim como os construtores esse meu amigo foi aCngindo por diversas tragédias advindas de todas as direções mas não necessariamente era infeliz por isso. O nome dele era Marvin, Marvin dos Santos. 1C 13. Na época da Cova dos Cinicos, por volta de 2006, eu costumava ir ali na praçinha entre o 2º clichê e o Armazém do Brás na 107 norte tocar violão e beber gim com Tonica com uns amigos. Começou só indo eu e mais uns dois ou três amigos ou amigas. A gente comprava bebida no pão de açúcar e levava pra praçinha pública pra fazer nosso próprio bar, o terceiro bar de lá, o bar do povo, onde não tem 10%. Aos poucos o lugar começou a encher e acabou virando point da cena alternaCva. O bar entre os dois bares foi cunhado a “Mesa Maça” por Tony Total, por causa do meu nome Leonidas Maçaneta. Eram bons tempos, livres, audaciosos e jovens. Marvin era um guardador de carro da quadra. Daqueles que todos conhecem, chamam de “neguinho,” sorriem, brincam, mas tomam cuidado pra não dar muita liberdade. Marvin era feliz do jeito dele, lavava os carros dos doutores pela gorjeta e as vezes até engraxava os sapatos da classe média irreverente. De noite ele cheirava cola ou ficava bêbado de catuaba ou qualquer bebida de 3 reais pela garrafa para esquecer o passado recente. Ele era um filho da 107 norte. Você não conhece Brasília? Cada quadra é um mundo separado, com suas leis e seus xerifes. O pessoal que trabalhava por ali sabia que Marvin era inofensivo, isto é, que ele não era assaltante em horas vagas. Mas nunca se sabe. Ninguém jamais cumprimentava ele mais do que um aperto de mão e uma piada. Marvin sempre passava pela nossa mesa, dava pra ver que ele era carente. A gente, como todo mundo, sempre jogava uma piada em sua direção, ele ria, e ficávamos saCsfeitos; não }nhamos dinheiro pra ajudar mais que uma risada.
1C 14. Um dia, por curiosidade, eu chamei Marvin pra sentar com a gente. Eu queria entrevistá-­‐lo, saber mais sobre o outro lado dos trilhos. Ele respondeu o de sempre, “perdi a mãe...” com tantos anos, “venho de uma cidadezinha...” que esqueci o nome, etc.. Logo saímos do constrangimento da entrevista e passamos a ser dois viajantes Brasileiros sentados bebendo e brindando por ainda estar nessa estrada. Ele foi educado e saiu da mesa para não se intrometer. Eu estava bêbado e nem percebi. Daí em diante sempre que ele passava ele sentava um pouco e a gente conversava. Percebi que ele era muito mais consciente do que a maioria dos outros jovens que eu encontrava por aí, que estavam ocupadíssimos tentando saCsfazer uma pressão ou outra de seus pais que nem burgueses direito eram. Os que se enganavam que eram livres viravam cineastas frustrados, os que aceitavam a jaula viravam denCstas estagiários. Marvin não era nada e nem queria ser. Ele era quase livre e eu queria aprender com ele. Marvin me dizia que eu o entendia, mas eu não senCa que era assim tão fácil. 1C 15. Uma noite dessas fomos convidados para uma festa de uma daquelas moças filhas de diplomata que um dia seria uma grande denCsta... ou era cineasta? Tanto faz... Fomos convidados pra uma festa de apartamento, eu e meus compatriotas de banda, e me disseram “convida a galera!”. Festas de apartamento eram um delírio. Todo mundo ficava perCnho um do outro, eram de graça, e os vizinhos sempre reclamavam lá pelas 2-­‐3 da manhã. Os coadjuvantes tratavam o apartamento como se fosse o Landscape, apagando cigarro no chão, deixando latas por toda a casa, alem dos vômitos e outros líquidos corporais que deixavam pra trás. Coitados dos pais que chegariam de viagem. Pior que altos nem percebiam. Mas que lindo! Haveria mais uma festa de apartamento que nos daria mais histórias para rir e aprender.
1C 16. Antes da festa passei lá no bar do povo pra abastecer o €gado. Marvin passou por lá e eu Cve uma epifania. Claro! Marvin era muito mais parecido comigo que os coadjuvantes! Ele Cnha que ir comigo pra festa, ele Cnha que parCcipar das estórias que passavam pela minha memória. Marvin adorou a idéia, os olhos dele brilharam, como os de um soldado medroso voltando da guerra e vendo a família que ele achou que nunca mais veria. Mas ele ficou com receio, perguntou se iam deixar ele entrar. Ele estava sujo, de bermuda, camisa cavada e havaiana quebrada. Passamos lá em casa, na Cova dos Cínicos, onde morava eu, CateCnho e CapreCnho. Marvin tomou um banho e vesCu um de nossos ternos e ficou parecendo um daqueles mafiosos do Brooklyn nos anos 40. Assim ele não se senCria fora do lugar, a roupa o tornava um de nós. Se não fosse o preconceito de classes, altas gatas teriam dado mole pra ele. Tava gato!Nós parCmos pra essa tal festa da alta classe media. Resultado: tomamos 5 cápsulas de pó de guaraná cada, duas garrafas de absinto e todos tomaram outros variados individualmente. Nos diverCmos pacas, foi uma das melhores noites da minha vida. No final eu fiquei com alguma gata e levei ela pra casa, não lembro quem de jeito maneira. Dei a chave de casa pra Marvin e falei que hoje ele não Cnha que dormir na rua. 1C 17. Na noite seguinte, quando acordei, meu telefone não parava, vários coadjuvantes me ligando dizendo “você deixou um mendigo na festa e foi embora, se você leva você que é responsável.” Depois fiquei conhecido como o cruel abandonador de mendigos. Imagina só, um cara que virou meu amigo, eu chamei para uma festa para se diverCr comigo. Foi exatamente como aconteceu, a diversão foi executada. Eu tratei ele como um amigo estrangeiro que estava ficando lá em casa, dei comodidade e liberdade, ele não era nada pior do que eu, inclusive eu estava numa jornada de aprendizado com ele. Sabia se cuidar bem melhor que aqueles... E no dia seguinte me ligaram pra cobrar uma postura solidária com a classe media: “imagine se todos decidissem trazer seus mendigos!”! Sim, eu imagino, eu imaginava pelo menos, que assim não exisCriam mendigos! Marvin acordou com os toques do telefone, ele estava lá do meu lado, de ressaca, com a camisa que emprestei suja de vomito. Eu desliguei meu celular e sorri, ele perguntou “quem ligou?,” eu disse “ninguém”.
1C 18. Eu estava pensando sobre Marvin no novo apartamento no que parecia dez anos depois, mesmo sendo só dois. Pensei nele por que esse novo apartamento havia silencio por dentro e o ataque do barulho de máquinas por fora. Me deu saudade de Marvin acordando cedo e colocando o DVD do Michael Jackson pra ouvir e dançar, quebrando sempre o silencio. Chamávamos ele de Marvin Gaye pela maneira que trocava os pés e rebolava com soul. Marvin passou três semanas morando no nosso apartamento, quando um dia passamos no trabalho dele na 107 Norte e o dono do Armazém do Brás falou que ele havia sido assassinado. Eu nunca vi um corpo, mas não dúvido, era bem }pico dele esse comportamento, inesperado e livre. Ele morreu com 22 anos, minha idade na época. Eu me despedi dele silenciosamente na cabeça. Era o primeiro amigo que morrera no meu vigio. Depois da morte de Marvin tudo desmoronou, a Cova dos Cínicos acabou, todos arrumaram namoradas e trocamos até de baterista; foi aí que Romário entrou.
1C 19 Resolvi escrever uma musica em homenagem ao Marvin que conheci por um curto momento em minha vida. Imaginei todos rindo dele, fazendo piadas e nunca convidando-­‐o para jantar, ou curCr uma festa sem compromisso, sem tratá-­‐lo como um debilitado. Ele era jovem e forte e sabia bem o que era felicidade e as vezes desfrutava dessa sorte. Todos olhavam pra ele e pensavam “pelo menos não estou como ele ali ó”. Mas ele só não pensava o contrario de volta porque nunca pensava em pelos menos. Eu queria que a musica fosse um Blues simples e objeCvo, como ele. Eu me inspirei naquela “Work Song” na versão ao vivo dos The Animals. A letra veio como um relâmpago celeste, nem Cve que pensar, só imaginei o sorriso de Marvin e as rimas foram presenteadas pelos Espíritos. O nome era irônico. Tinha que ser, para os coadjuvantes acharem que estavam certos por um instante. Só quem sabe que está errado merece estar certo.
1C 20. Infeliz
Eu que construí a sua casa
Eu que montei sua mesa e sua cama
Eu que fico sujo de brasas
De cimento de graxa e de lama
Eu passo a flanelinha no seu vidro
Pra vê se vê um pouco pior
Mas na dureza que lido
Não preciso de dó!
Eu que troco o óleo do seu carro,
Eu que dou uma vigiada depois
Moro longe na estrada de barro
Pelas bandas que você nunca foi!
O meu salario é a comida que sobra
Do seu prato que é cheio demais
Só tenho mesmo uma sombra,
De quem sabe o que faz!
(refrão)
Vou vivendo
Com as coisas que você que tem
Vou aprendendo
A viver sem!
Não adianta olhar arrebitando o nariz
Como se eu que fosse infeliz
Eu que ando descalço no mato
Só eu que tenho pés que aguentam
Eu que cresci num pobre orfanato
E mesmo assim são voces que lamentam
Essa vida que nos dá tanto espaço
Independente da escolha de renda
E não importa o que faço
Ao invés da remenda!
(repete o refrão na cabeça, por favor)
1C 21. Eu sempre me sinto bemzaço depois de escrever uma musica que gostei. O resto do dia fica fácil e leve. É Cpo uma mulher que pariu... missão biólogica cumprida! A sociedade ainda não aprendeu a venerar seus poetas de novo. Acho que em algum lugar na anCguidade davam valor para aqueles Sophocleses ou Eurípideses que um dia ainda não Cnha ganhado nenhum torneio de peças mitológicas em odeons que lembravam Times Square. Então hoje em dia todos esperam que eu seja um denCsta também. Mas eu só trato isso como eu trato os sinais dos Espíritos. Quem cai nessa onda de ser alguém não merece ser.... Eu não Cnha duvidas nessa época, era invencível. Ia levar minha banda pra tocar no Royal Albert Hall ali na esquina do Eixo Monumental com a 7th Avenue. Eu quase sempre consigo ignorar os familiares que tentam me jogar no caminho do denCsmo, quando não consigo, eu acabo sendo injusto e exagerando na profundidade da psicologia do assunto. Na verdade o fato é que eles não concebem da idéia de que eu não tenho escolha a não ser fazer as escolhas que faço. Então eles não tem escolha, e provavelmente eu reclamaria do mesmo jeito na posição deles. Estamos fadados a reclamar uns dos outros pra sempre... massa...
1C 22. O telefone tocou, quebrando o silêncio de meus pensamentos sobre Marvin. Era Maria Zinha querendo fazer alguma coisa. Eu Cnha conhecido Maria Zinha num show dos ConstanCnos. Ela foi ver a gente tocar no porão do Rayhuella, um café elegante no lado errado de Paris, Brasília. Eu já conheci muitas mulheres por conta do palco, mas não tanto quanto alguns jovens fantasiam que conheço. A maioria é por destreza ou tributo dos Espíritos. Mesmo assim sempre que chego com uma nova história emocionante Tony diz “Claro, tu tem banda!”. Eu não planejava beber esta noite, pois havia alugado 300 filmes na Loc Vídeo -­‐ Eu meio que não pagava na Loc por que minha mãe era uma das melhores clientes e o dono era tranqüilo demais para se importar com minhas multas e atrasos -­‐ Eu falei “ué, se tu quiser chegar mais, Maria, a gente assiste um filme”. Eu não me importava de ter companhia enquanto assisCa um filme. Adorava comentar sobre os diferentes símbolos que achava que era o único no mundo que percebia. Era meio pseudo-­‐
intelectual, mas era genuíno. Eu ficava empolgado por descobrir as coisas cobertas.
1C 23. Maria chegou e eu a ofereci um vinho. Tomamos o vinho e discuCmos políCca anCga. Maria era uma jovem moça descobrindo o mundo. A minha função era mostrar a minha parte do mundo. Eu era Virgilio e o Landscape era o Inferno. Conversando com Maria e a mostrando coisas novas, eu imaginei Carolina, Carolina Coralina, minha amante da época do Marvin e da Cova dos Cínicos. Por alguma razão aquela época agora roubava todos os meus pensamentos. Tudo de agora Cnha um paralelo na Cova dos Cínicos. Maria agora era como Carolina na época que a conheci. A diferença é que eu não era como eu era. Por isso, talvez, não namorava Maria Zinha de jeito nenhum, pois no Universo não existe repeCção. Por isso talvez a Cova dos Cínicos deve de acabar. 1C 24. Carolina havia me visto crescer, passar por fases diferentes, abandonar a adolescência. Eu sempre pensava em Carolina e no que ela podia estar fazendo, como ela Cnha mudado suas verdades absolutas. Com Maria Zinha eu só conversava e mostrava, Cnha acabado de a conhecer. Tomava cuidado para não passar da linha do casual, eu não Cnha nada pra dar pra ela, e não queria que ela entendesse o contrario. Sabia também que Maria Zinha não era madura o suficiente pra ser minha amiga, a passagem dela pela minha vida seria curta... não importa, eu faria o que podia enquanto isso. Inclusive, se você quiser chegar aqui em casa, eu sempre te oferecerei um vinho em troca de seus ideais e frustrações.
1C 25 Carolina, minha amada imortal, entrou na conversa logo que percebi alguma desculpa pra falar dela. Maria perguntou por que eu não estava com ela. Eu me perguntei o mesmo. A vida havia nos atropelado e separado, como funcionários de uma empresa que faliu. Carolina era linda e compreensiva, mas não era de ferro. Ela precisava viver seu trailer de comédia românCca. E era isso que ela estava fazendo agora, vivendo uma comédia românCca, namorando. Mas eu sabia que na maneira dela ela estava secretamente fazendo uma turnê do desconhecido, assim como eu fazia da minha maneira. Eu não gostava de ficar muito tempo sem no}cias dela, mas agora tava em temporada dela me desprezar. As mulheres não podem gostar de namorar e de mim ao mesmo tempo. Eu teria que chamar a atenção dela com algo melhor do que “oi, e aí, o que tem feito?” para poder conversar com ela e saber dela. Falando dela com Maria Zinha eu me empolguei lá mesmo, falei “Maria, bora nessa, eu Cve uma idéia”. Eu queria saber o que Carolina estava fazendo e nada ia me parar.
1C 25. “Pra onde a gente vai?” ela perguntou curiosa e inocentemente.
“Você sabe onde compra flores por aqui?” Ainda não sabia nada da vizinhança.
“Acho que no Pão de Açúcar tem umas...?” Ela disse tentando esconder a insegurança.
“Flor de pão de açúcar? Ta, vamo nessa! chegue, nega!”
1C 26. Passei no Supermercado Pão de Açúcar e comprei um buquê de flores grande mas amigável, orquídeas. Não queria escrever um recado, pois minha comunicação com Carolina era intuiCva. Passei em casa de novo pra pegar um livro que um dia ela me pediu emprestado quando estávamos juntos, e eu não emprestei por ainda estar lendo. Chegando de baixo do prédio de Carolina, botei o livro entre as flores e pedi Maria Zinha que deixasse o conjunto na portaria do bloco de Carolina pra eu não ser visto. Ao ver o buque de flores amigaveis com aquele livro dentro Carolina saberia imediatamente quem mandou. Esse Cpo de mensagem é... lindo.
1C 27. Depois Eu e Maria Zinha voltamos pra minha casa, e íamos assisCr um filme. Tava começando o tal projeto Marlon Brando, onde ia exagerar no exercício €sico e treinar minhas caras de mal. Achava que Cnha adquirido muitos hábitos afeminados. Apesar de ser um grande feminista, eu ainda era macho. Em homenagem ao projeto Marlon Brando e à educação de Maria Zinha, eu escolhi um filme do Brando. Ela nunca Cnha visto nenhum, e eu só não Cnha visto alguns. Escolhi aquele que ele dirigiu “One Eyed Jacks”, uma raridade. 1C 28. O filme foi bom, ele se deu bem, mas parecia estressado. Deve ser por que dirigiu, é uma trabalhera dirigir um filme. Eu dirigi um longa na época de escola, uma filmagem de uma peça de Shakespeare, Romeu e Julieta. Então sabia bem como era estressante. Sei que dirigir é um estresse gigantesco inevitável e tava escrito na testa de Brando que ele não gostou. Tambem tava escrito na história do Brasil, porque ele nunca mais dirigiu nenhum outro filme. Acabou o filme, discuCmos e dissecamos e Maria Zinha foi embora pro outro lado da cidade, Águas Claras. Por que será que ela faz uma viagem de 40 minutos só pra ver um filme?

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