Arrastão e outros poemas

Transcrição

Arrastão e outros poemas
Arrastão e
outros poemas
Marlon de Almeida
1ª edição
Paraty
2014
PARA A MAGALI,
MEU NORTE
Arrastão e outros poemas
no mar
na rua
outros poemas
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Ao pesquisar literatura de cordel, em um tempo que
me permitiu conviver com autores como Raimundo Santa
Helena e Mestre Azulão, aprendi que um bom poema não
se acaba jamais, ele permanece ecoando, como o barulho do
mar, entre as gentes: um bom poema não se despede.
Ao mexer em textos antigos de minha autoria, percebi
algo entre o já dito e o ainda a dizer, entre a poesia mínima
e a crônica poética, a noite de andanças e o dia de retiro, o
dia de semana e o domingo, entre a terra e o mar.
Assim, saiu algo de novo (de novo: pela primeira e mais
uma vez), que misturo a alguns inéditos: estes dialogando
com aqueles; e aqueles com antes, em fio que às vezes
refaz alguma palavra, em outras um verso, uma estrofe,
modificando um detalhe da roupa, mantendo, porém, a
alma na mesma.
Da poética que construo desde 1994, com Histórias
de um domingo qualquer, insisto com algumas personas:
noctívagos, mulheres da noite (aqui representadas pela
figura de Ana), jogadores circenses, marinheiros e outras
solidões misturam-se nesta viagem que passa também por
Domingo desde a esquina (1997), Domingo de chuva (2000),
Malabares (2003) e Prosa do mar (2008).
O presente livro estrutura-se em dois arrastões: no mar e
na rua, acrescidos a outros poemas de tonalidade mais clara,
como um gole de água no escuro.
Boa leitura.
Marlon de Almeida
no mar
Eh, tem jangada no mar,
eh, hoje tem arrastão,
eh, todo mundo pescar
chega de sombra, João
Edu Lobo / Vinicius de Moraes
Joguei as cinzas do pai sobre o mar,
o vento as levou para a terra.
E assim como a ave que leva
a palha ao ninho sem nada
ando a buscar o que já não há,
o corpo do pai na memória do pó.
Marlon de Almeida
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Lembra, pai, quando eu caía?
Entraste
e as horas saíram.
Tu sopravas, e a ferida,
como um barco a vela,
Mas foste embora
impulsionado pela ventania,
desfolhando-me.
era um ponto indefinido
no oceano do teu colo.
E agora, árvore seca,
o que me resta
E a dor se ia.
apenas às formigas
interessa.
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Arrastão e outros poemas
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Há um lugar na praia azul o qual conheces.
Jogou a rede para pegar peixe pegou o luar.
A água estava limpa, o mar estava de alma quieta, e
Jogou a rede para pegar o luar pegou peixe.
nossa filha era mais nossa: não fora dividida entre a
memória de quem vive e a vida de quem ora.
Pensou:
por que nada vem no tempo que a gente quer mais?
Há um lugar na praia azul, do qual recordas, cuja
água, cor de jade,
Recolheu a rede, os peixes,
era demasiado morna para nossos corpos breves,
e ao largo da lua se foi, com sua fé,
como breve é a vida e a felicidade.
devagar:
Ainda está lá aquele mar, com suas gaivotas ao final
a pressa é inimiga do mar.
da tarde.
Mas aquela praia, aquele mar, estão agora frios (ou
com outro trio) que não somos nós, nem seremos
mais.
Há um lugar na praia azul que desconheces.
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Na luta esgotamos o ferro da âncora:
Vivo do mar que me ensina
bicho deste tamanho se vence com penso
o medo que todos os dias me anima.
e perseverança.
O peixe está finalmente em paz
enquanto estou morto.
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Morre mais um peixe no caniço
mas que fazer se vivo disso?
No mar
não há beleza que não meta medo
nem há medo que não seja belo.
Morre mais um peixe no caniço
e apesar de morto permanece digno
No mar
somente há duas certezas:
como um filho em sacrifício,
como Deus em seu ofício
é o vento que mantém a vela
de manter-me vivo:
a morte, quando serve aos homens,
e o medo que assegura a vida.
cumpre seu eterno e inevitável ciclo.
Morre mais um peixe no caniço
e eu não sinto pena
porque sinto fome.
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Sentada na areia,
diante do mar,
Helena espera:
à casa paterna o bom filho tornará.
À força do nordeste abrindo a vela,
aos olhos de Deus perdendo a batalha
segue veloz destemida jangada
contra os perigos terríveis que a cercam.
No meio do mar, distante da terra,
qual é o tamanho da tua jornada,
vil jangadeiro, entre as águas passadas
e as que estás a enfrentar na procela?
Sentada na areia,
diante do mar,
Helena reza:
a palavra é a recompensa de quem ora.
Sentada na areia,
diante do mar,
Helena chora:
ele não partiu porque de mim nunca se foi.
O mesmo mar que o pão te dá em vida
dará também mortalha e sepultura?
Súbita vem a resposta pedida:
ruge a vaga terrível e branca,
e ele na mão do Supremo segura
mantendo-se firme em luta e esperança.
Sentada na areia,
diante do mar,
Helena sabe:
grávida de véspera, amanhã não tardará.
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No tempo de ontem pescador matava tainha
Mestre José bebe cachaça no bar
apenas com braço, linha e tarrafa.
o olho parado de estrelas no mar.
No tempo de não hoje barco de arrasto acabou
Na casa não tem mais Maria
com pesca de linha e tarrafa.
no mar já não há pescaria:
O braço ficou pra passear com turista
a vida que Deus nos empresta
ou beber cachaça no bar.
não presta.
Nunca mais vou amar
nunca mais vou a mar.
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Pra matar atum no mar
És um peixe fora d’água
era fácil, tinha muito,
na calçada a se arrastar
tinha peixe a dar com pau,
porque o mar não tem atum
tinha peixe a toda gente.
ao miúdo pescador.
Pra matar atum no mar,
Pra matar atum no mar
veio rede, veio barco,
era fácil, tinha muito.
de outros pagos e lugares,
praticar pesca de arrasto,
e não nos deixou nenhum.
E agora, pescador,
que tu fazes, entre o rum
e a marvada da cachaça?
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Barco de arrasto
Mínimo peixe
nada de peixe
máxima fome
nada de pássaros.
há quem aceite:
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beatas e freiras
A fome, porém,
a ira de Deus
não passa com prece
é passageira.
se peixe não vem.
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Palavra da missa
Oração pra fartura
o corpo de Cristo
onde está Deus
não enche barriga.
que não me escuta?
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Disse-me a Virgem:
Disse-me ela:
Deus toma banho
para o rebanho
no mar do Caribe.
Deus toca piano
e bate sempre
na mesma tecla.
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O mar não é mais para quem quer
Mesmo na água
o mar é para quem pode mais.
não há como ser
menos árido.
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Desterrado da terra
A vida é boa
desaguado do mar
para quem está morto.
a vida já era.
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O ócio
As lágrimas desciam sem pressa nos olhos de Dona Dorinha,
da morte
que pressa teria se a dor é eterna?
nos olhos.
A noite descia sem pressa na casa de Dona Dorinha,
e agora que a vida não presta que pressa haveria?
A prece corria sem pressa na casa de Dona Dorinha,
que reza resolveria se a morte não ouve e nos leva
na hora que quer e a quem gostaria?
A vela acabava sem pressa na casa de Dona Dorinha
e agora que a luz já não resta o que um poeta veria?
Na casa de Dona Dorinha a cortina se fecha.
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Todos os dias de chuva
Estão aqui as minhas pobres cartas
varal estendido na rua
puídas pelas traças e lembranças
foram passando os anos
de antigas namoradas.
roupa estendida encolhendo
Estão aqui as minhas pobres cartas
todos os dias e panos
para o escuro da gaveta condenadas
foram ficando pequenos.
entre outras pobres cartas, linhas esquecidas
e flores ressecadas.
Estão aqui os meus amores gastos
não só pela fadiga da memória,
amarelada pelo tédio, mas de velhos
pela tinta um dia sã das horas idas
sem remédio.
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Os anos se foram no espelho
Meu medo mais certo
formigas
não é o de morrer muito cedo
sob o soalho em silêncio.
mas de ser para sempre
discreto.
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Casa vazia
E olhamos o mar em frenesi
voz da vizinha
sabendo que ali
visita única.
no mínimo tempo de um piscar
já não estariam
Casa vazia
nem o pensamento
apenas o eco do vento
nem a ventania.
no copo perdura.
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na rua
Eu vou por um caminho de asas
onde a tristeza mesma é só asa.
Saint-John Perse
ALGODÃO-DOCE ALGUÉM QUER ALGODÃO-DOCE?
NA MANHÃ AMARELADA DENTADURA
UM VENDEDOR DE ALGODÃO-DOCE
NO DOMINGO SEM DOÇURA
CORRE O PARQUE COM SUA TROUXA
COR-DE-ROSA DE ILUSÃO.
Marlon de Almeida
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Talhar a carne como se o verso
Em cada alma
no espeto de ferro.
habita um lobo
e um pastor.
Girá-la conforme a palavra
se dobre.
Em cada casa
habita o riso
Cozer não de súbita cava
e a dor.
mas calma
Em cada corpo
até que se forje na brasa
habita o dobro:
não mais do que uma
vítima e algoz,
palavracarne.
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alma e corpo.
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Quem domina quem
O menino aponta o dedo pro vidro
se o medo me aflige
do teu automóvel.
e o que tenho é muito pouco
O menino aponta o cano da arma
neste breve picadeiro?
e dispara o gatilho:
Quem domina quem
o brinquedo apaga inteiro
se as grades deste medo
teu meio sorriso.
são mais fortes que as de aço
onde guardo este selvagem?
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Por baixo da blusa tomara que caia
A moça de saia passa
vermelha da moça
entre as pernas do sábado.
dois peitos apontam pra mim.
E nessa confusão entre o poema que acolho
E como gatilhos
e o corpo que olho
disparam a minha libido,
o leve roçar do tecido,
perdem-se ambos: os meus versos
e a moça.
esta lã tão exata das horas,
a gota entre a tez e o tesão,
a roupa e a mão.
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Toda noite alguém me abre,
Você
como um cesto, até saciar-se.
na frente do espelho
demora pra quê?
E mais tarde, no silêncio do banheiro,
os cupins, entretecendo a sua farra no armário de madeira,
Cadê
me relembram:
além dessa borra
você?
a vida também gasta,
e o fim não tem remendo.
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Toda rua que passo
Todos os gatos à noite são pardos
é feita de pernas
mas eu preciso de um tigre
e passos em falso.
que à luz da lua cintile
e devore de mim este bardo.
A todo homem que cruzo
dou fingimento
e visto de uso.
Toda tristeza que meço
acaba em verso.
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Nesta esquina faço ponto
Armar-se de bolsa, batom
mas me cabe interrogar:
e goma de mascar
vai um programa aí,
para que o movimento da boca
moço?
pareça o de amar.
Mas cuide-se e chupe, não morda,
pênis não é goma,
boca não é arma.
Repita-se:
uma coisa é uma coisa,
outra coisa é sempre
a mesma coisa.
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I
Esqueci a escova e o pente na penteadeira do apartamento
e os meus cabelos estão, aqui nesta porra de esquina,
andando de vento,
Lembre-se:
como se fossem crianças contentes diante de um velho
a rotina é a delícia
brinquedo.
de quem quer novamente.
É cedo ainda mas você parte
Não troque a noite pelo dia:
deixando-me a seco e com pouco dinheiro.
a claridade é inimiga
de quem vive no escuro.
II
Você pode ao menos pagar um sorvete
antes que as velhas beatas pesem seus passos
de missa das seis?
III
Pague, padre, por seus pecados, obedeça,
antes que o pano do sábado desça e o domingo desabe
sobre a sua cabeça.
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O domingo atravessa a cortina,
Alguém levou a minha grana, os meus brincos
Ana levanta aos pedaços.
e os pardais no fio de luz.
Cega de tanta ressaca,
Alguém levou a minha infância, as minhas plantas
tateia no escuro a privada:
e a paciência de esperar alguma chuva.
o sumo da noite
Alguém levou minhas palavras
pela descarga,
mas é bom que eu fique muda
antes de alguém jogar-me à rua
cujo moinho revela
(uma das mãos atrás outra na frente):
uma cara cansada de sábados.
uma puta que cala não sente.
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Nas últimas sombras da tarde de domingo
Ana fecha o programa se entrega
Ana bebe seu vinho.
como se outra e não ela
como se roupa na lavanderia.
Não compreende que as formas, uma a uma,
deixarão o dia, o corpo, para que a noite
E a cada metida, por hábito e pressa,
enfim se faça como a faca
já pensa na próxima, como se a vida guardasse
espera o talho, a carne, o sangue.
a mesma surpresa de sempre, dia após dia,
na mesma medida.
Estar só no apartamento de tempos redivivos,
estar só no trago que se vai do copo
por onde os olhos de Ana
percorrem o vazio enquanto o vazio
percorre seus olhos e a noite.
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Nos lábios
Ana é atravessada pelos homens
o pouco batom para quê,
como a água em tua garganta
se já não há mais assunto?
como o gosto da segunda-feira
na tua janta.
No pulso
a pulseira vermelha
Ana é atravessada pelos homens,
pequeno absurdo.
como um poeta pelas contas,
como um dia após o outro,
Na régua de Deus
como um cão é atravessado pelo trânsito,
as rodas do ônibus.
e não alcança.
Na rua
Ana é atravessada pelos anos,
Jaque jaz sem doer.
como a parede sem reboco de tua casa,
e cansa.
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Sobre a pele branca dos lençóis
Amo as desventuras:
a moça dança e pede mais.
um pé arruinado evita o caminho do corpo,
Sob a pele branca dos lençóis
restitui-me a criança que no escuro do quarto
ela se despe
enxergava mais claro os adultos da casa.
em breves ais
em breves óis.
Eu adoecia o corpo para a cura da alma;
hoje não posso:
Sobre a pele branca dos lençóis
a moça veste-se
o corpo é meu ganho de vida,
e sai.
e a vida não tem outro meio
de cobrar seu imposto.
Um pé arruinado era o domingo da alma
mas hoje não tenho domingo
nem alma.
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Nada mais de ti:
Havia de recomeçar sem rotina.
da voz que se perdeu de rouca
e assim ela o fez
do amor que virou essa coisa pouca
do pijama que já não está no meu guarda-roupa
despindo toda a roupa
restou apenas esse gosto em si
que tinha.
de manhã chuvosa pelo céu da boca.
Disse:
A roupa é a pele que posso trocar.
Saiu de alma lavada
mais moça que um dia já fora.
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Perde no amor
Perdi-me em tantos caminhos
quem sabe jogar.
que não mais distingui
entre o passo e o passado.
Mas como o futuro exigisse
um outro pisado
hoje costuro meus novos sapatos
de andar
sobre a mesmice do pátio.
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Como, missionário, dar a Deus a voz
Havia na mesa feijão, arroz e panquecas.
se não há ninguém além de nós
Para de noite, a sobra.
no confessionário?
Patroa quer e é bem dela.
Que dizer a este devotado
se és também um pobre-diabo?
A mim, coube a sobra da sobra
e uma caneca de água.
Quem de fato liga
para os meus pecados?
Como em silêncio na copa.
É foda.
Padre,
Deus está esgotado
e não vem à missa.
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Espio os sapatos da tua vitrina.
O sol bate a pino em minha cara sem rosto,
e o cartaz que tenho sobre o meu corpo anuncia:
Me serviriam os pares de amarelo cadarço?
compramos ouro, qualquer porcaria de ouro que sirva
Os meus estão largos de tanto cansá-los
para matar minha fome e enriquecer o patrão.
na esquina.
O colar no pescoço anuncia:
Nas noites de março
ouro. Pagamos o dobro para que o mínimo logro
sou bicho que fica e é pegado
não seja de outro, para que ínfimo forro
e se foge é comida.
esteja em meu bolso.
Nos dias gelados
desejo a textura dos teus calçados
para os meus pés
desparelhados de rima.
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Tocar não a lata primeiro,
mas o vidro do carro com jatos certeiros,
A velhice nos rodeia como um quintal pedregoso
envolvendo a casa
Luís Vassalo
e rápido, com a outra mão, rodar a esponja
com o sabão de potássio.
Deixar a espuma crescer
Quem guardou o meu terno
até que ela seque, pequenos enleios,
de gravata vermelha
de novo outro jato.
e lenço amarelo?
Depois com um pano enxugar
Onde as noites de amores intensos
todas as gotas de água
e dias amenos?
e torcer, enxugar e torcer
Quem me pôs no espelho este velho?
não como louça mas lata,
planura debaixo das mãos
doídas de tanto rodar.
Dar banho ao corpo moído e sem dono.
E então, carro e homem à sombra secando,
faróis cabisbaixos no sábado.
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Mestre Everaldo Santeiro
bandidos e pistoleiros,
carpindo escura madeira,
velhos e moços não há
formão, martelo de feira,
preconceito: que o milagre
na mão de arteiro modelo,
é de voto, não de votar.
sabe a talhada que dar
olhos de santo, certeiro.
E veja, mesmo a pupila,
pedra de áspera lavra,
parece de jeito batida
pelo supremo artesão.
Pronto, inclusive pintado,
ei-lo pra veneração,
encanto e gosto de todos,
sejam beatos, romeiros,
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outros poemas
Não saberia rever o caminho
com os mesmos olhos
de quem vive sozinho.
Tampouco teria por que demitir
antigos fantasmas que jantam comigo
e bebem meu vinho.
Melhor prosseguir:
poesia é dama,
verbo, companhia.
Marlon de Almeida
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Para o músico Marino Jorge
Dona Dorinha capina o capim
e saltam-lhe grilos, formigas, cupins,
O livro da Marina Colasanti, Passageira em trânsito,
cumprindo a rotina de quem faz do inço da vida
o livro do Altair Martins, Enquanto água,
um jardim.
esta chuva que não passa, na praia de Itapeva,
e o som do jazz no sax do Marino
inspiram o poeta a pensar noutro ritmo
marítimo.
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Arrastão e outros poemas
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Quando a gente pesca
A casa da pedra afiada não é de areia
a vida não pesa.
cimento e argamassa.
A casa da pedra afiada não é de vidro.
Para o seu sustento,
é mais do que isso,
areia, vidro, cimento,
não o que tenhas visto nas noites de lua cheia
mas aquilo que agora tu escutas:
o silêncio da flecha do arqueiro zen.
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Apago os meus erros e os refaço
Mar de Paraty
na tentativa do acerto:
e uma certeza
insisto no erro, aprendo ao avesso.
desde a primeira mirada:
Faço o que sei
Deus também escreve poema
mas não sei o que faço.
e sem nenhuma palavra.
Devo, não nego,
e pago o meu preço
quando puder.
Se não puder eu me entrego:
prefiro estar preso
a morrer pelo certo.
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Para a Nicole Désir
A alma é o fantasma da tua pessoa,
coisa ruim nem boa
apenas a tua sombra calma.
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Copyright © 2014 by Marlon de Almeida
Direitos exclusivos de edição desta obra reservados ao Selo Off Flip Editora Ltda.
Preparação e revisão de texto
Ovídio Poli Junior
Capa, projeto gráfico e diagramação
Mariana Poli
Texto fixado segundo o novo acordo ortográfico da Língua Portuguesa.
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
A444a
Almeida, Marlon de
Arrastão e outros poemas / Marlon de Almeida.
1. ed. Paraty, RJ: Selo Off Flip, 2014.
96 p.; 21 cm.
ISBN 978-85-62705-25-0
1. Poesia brasileira. I. Título.
14-11519
CDD: 869.91
CDU: 821.134.3(81)-1
Selo Off Flip Editora Ltda
Caixa Postal 74.901 - 23970-000 - Paraty - RJ
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