Carpe Diem 2007 1500 kb

Transcrição

Carpe Diem 2007 1500 kb
ISSN 1518-5184
Faculdade de Ciências
Ciências,, Cultura e Extensão do RN
Coordenação de PPesquisa
esquisa e Extensão
CARPE DIEM
Revista Científica da FACEX
CARPE DIEM
Natal Ano 2/3 n. 2/3 p. 1-354 2002/2003
CARPE DIEM
REVISTA CULTURAL E CIENTÍFICA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS CULTURA E EXTENSÃO DO RN.
ANO 2/3 NÚMERO 2/3 NATAL/RN 2002/2003 ISSN 1518-5184
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
COORDENADORIA DE PESQUISA E EXTENSÃO
A/C Prof. Francisco de Assis Maia de Lima
RUA ORLANDO SILVA, 2884 - CAPIM MACIO - CEP 59080-020
NATAL - RN
FONE: (84) 217-8348
E-MAIL: [email protected]
2
ENDEREÇO PARA PERMUTA
BIBLIOTECA SENADOR JESSÉ PINTO FREIRE
A/C Maria da Saudade G. Araújo de Souza - Bibliotecária
RUA ORLANDO SILVA, 2884 - CAPIM MACIO - CEP 59080-020
NATAL - RN
FONE: (84) 217-8348
E-MAIL: [email protected]
FICHA CATALOGRÁFICA.
BIBLIOTECA SENADOR JESSÉ PINTO FREIRE / FACEX
[email protected]
CARPE DIEM - Revista Cultural e Científica da Faculdade de
Ciências, Cultura e Extensão do RN – Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
- FACEX. Natal: FACEX - Coordenadoria de Pesquisa e Extensão,
2001.
Anual
Faculdade de Ciências, Cultura e Extensão do Rio Grande
do Norte
ISSN 1518-5184
1. Educação Superior Brasileira– Periódico 2. Ciências
Humanas – Periódico 3. Ciências Sociais e Aplicadas –
Periódico 4. Ciências Exatas –Periódico 5. Ciências Biológicas
- Periódico 6. I. Título
RN/BJPF/2004-2
CDU 379.85 (81)
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Faculdade de Ciências, Cultura e Extensão do RN - FACEX
Autorizada pelo Decreto nº 85.977 de 5/5/1981, publicado no D.O.U. de 6/5/1981
Mantida pelo Centro Integrado para Formação de Executivos – CIFE
CARPE DIEM
Publicação da Coordenadoria de Pesquisa e Extensão – CPE
Diretor Presidente
José Maria Barreto de Figueiredo
Diretora Administrativa
Candysse Medeiros de Figueiredo Lira
Diretor Financeiro
Oswaldo Guedes de Figueiredo Neto
Diretor Acadêmico
Prof. Raymundo Gomes Vieira
Secretário Geral
Ronald Fábio de Paiva Campos
Coordenador de Pesquisa e Extensão
Prof. Francisco de Assis Maia de Lima
Conselho Editorial
Prof. Adalberto Trindade
Prof. Aiene Rebouças Alves
Prof. Aldemir Gomes Freire
Profª Ana Claudia Salles de Albuquerque
Prof. Flávio José de Lima
Prof. Francisco de Assis Maia de Lima
Prof. John Alex Xavier de Sousa
Profª Lílian de Oliveira Rodrigues
Profª Maria Carmozi de Souza Gomes
Profª Rosilda Alves Bezerra
Coordenação Editorial
Prof. Francisco de Assis Maia de Lima
Coordenação Técnica
Profª Daise Lílian Fonseca Dias
Capa
Eliphas Levi Bulhões
Catalogação Bibliográfica
Maria da Saudade G. Araújo de Souza
Projeto Gráfico/Diagramação
Terceirize Editora Ltda - 211.5075
Impressão
KMP Gráfica e Editora Ltda.
(84) 234-3939
Tiragem
1.000 exemplares
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
3
A Revista Carpe Diem é uma publicação anual da Faculdade de Ciências, Cultura e Extensão do RN – FACEX, do Centro Integrado para Formação
de Executivos (CIFE) que tem como finalidade contribuir para o desenvolvimento e divulgação de conhecimentos nas áreas de Ciências Humanas,
Sociais Aplicadas, Exatas e Biológicas.
Destina-se, portanto, à divulgação de trabalhos relativos a estudos de natureza teórica e experimental no campo da pesquisa, resumos e teses ou
dissertações, monografias, trabalhos de conclusão de cursos, comunicações e artigos de revisão produzidos pelo corpo docente e discente desta e
de outras instituições públicas ou privadas.
Os interessados no envio de artigos para publicação (ver Normas para
apresentação de trabalhos) ou no recebimento regular da Carpe Diem devem entrar em contato com a Coordenação Editorial da mesma, junto à Coordenação de Pesquisa e Extensão, no endereço abaixo.
4
Endereço para Correspondência
Faculdade de Ciências, Cultura e Extensão do RN – FACEX
Coordenadoria de Pesquisa e Extensão
A/C Prof. Francisco de Assis Maia de Lima1
Rua Orlando Silva, 2897 – Capim Macio 59.080-020 – Natal, RN
Tel.: (084) 217-8348 – E-mail: [email protected]
Aceita-se permuta
We ask for exchange
Piedese canje
On demande l’échange
Si richiede lo scambio
1
Editor da Revista. Mestre (UFRGS) e Doutor (USP) em Genética. Coordenador de Pesquisa e
Extensão (FACEX). Coordenador do Curso de Ciências Biológicas (FACEX). Professor Voluntário do
Programa de Pós-graduação em Genética e Biologia Molecular (UFRN).
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
SUMÁRIO
Apresentação
A direção acadêmica da Faculdade de Ciências, Cultura e Extensão do
Rio Grande do Norte renova a sua alegria ao poder apresentar a toda a
comunidade acadêmica o segundo número de Carpe Diem, a nossa revista
de pesquisa. Nela encontram-se textos trabalhados por professores e por
alunos de nossa Instituição, na mostra do esforço incansável da busca do
conhecimento através da descoberta de experiências e saberes.
É inegável o auge deste êxtase pedagógico ao constatar que conseguimos dar continuidade a um trabalho, às vezes, penoso e heróico mas sempre compensador.
Regozijamo-nos ainda mais ao ver nossos alunos agregando-se espontaneamente às diversas áreas de pesquisa e publicando o resultado de suas
investigações.
Aplaudimos a todos com o entusiasmo de sempre. A Instituição se
orgulha por contar com um grupo tão seleto que certamente haverá de
crescer, como a boa semente plantada em solo fértil.
Parabéns! Este é o caminho.
Prof. Raymundo Gomes Vieira
Diretor Acadêmico da FACEX
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
5
6
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
APRESENTAÇÃO
A PRESENTAÇÃO ............................................. 5
ADMINISTRAÇÃO
Q UALIDADE DOS SERVIÇOS OFERECIDOS AOS
CLIENTES : U MA ANÁLISE CONCEITUAL ........ 9
Francisca Janete da Silva
Rubens Eugênio Barreto Ramos
Aldemir Gomes Freire
Maryssol de Moraes E Silva
A SP
ECTOS BIOECOLÓGICOS DA RELAÇÃO
SPECTOS
PESO / COMPRIMENTO E FATOR DE CONDIÇÃO
DO L UTJANUS C HRYSURUS B LOCH , 1791
(O STEICHTHYES: L UTJANIDAE), DO C ANTO
83
DO M ANGUE, N ATAL , RN. .........................
.........................83
U M ESTUDO SOBRE AS REDEFINIÇÕES DOS
CONCEITOS DE INTELIGÊNCIA .................... 19
Aldemir Gomes Freire
Carlos Eduardo Costa Campos
Francisca Janete da Silva
Ana Célia Cavalcanti Fernandes Campos
C ONSIDERAÇÕES SOBRE SIMULÍDEOS
( DIPTERA – SIMULIIDAE ) E FILARIOSES
( ONCOCERCOSE E MANSONELOSE ) .............. 91
A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS
31
EMPRESAS .................................................
.................................................31
Pio Marinheiro de Souza Neto
Carlison do C. Barbosa
Luciney Macedo D. Pereira
Maria Célia T. Amorim Dantas
A ATIVIDADE EXPORTADORA COMO UMA
ALTERNATIVA PARA O DESENVOLVIMENTO
51
EMPRESA .....................................................
.....................................................51
Elisângela Cabral de Meireles
BIOLOGIA
I CTIOFAUNA DOS GRANDES RESERVATÓRIOS
DO SEMI - ÁRIDO DO R IO G RANDE DO N ORTE
(B ACIA DO P IRANHAS – A ÇU), N ORDESTE
67
DO B RASIL .................................................
.................................................67
Aldemir Gomes Freire
Jansen Fernandes Medeiros
Herbet Tadeu de Almeida Andrade
Felipe Arley Costa Pessoa
Victor Py-Daniel
EDUCAÇÃO
M UDANÇAS TECNOLÓGICAS E A
REFORMA EDUCACIONAL DA
DÉCADA DE NOVENTA . ............................ 109
Alda Maria Duarte
Araújo Castro
C ONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO :
A LGUMAS INTERPRETAÇÕES . ................... 127
Jacyene Melo de Oliveira Araújo
N OVAS FORMAS DE GESTÃO PÚBLICA
E A POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR
I MPACTOS ECOLÓGICOS NA ÁGUA DA B AR RAGEM M ARECHAL D UTRA (A CARI -RN),
REGIÃO SEMI - ÁRIDA NORDESTINA .............. 75
NO BRASIL ...................................................... 137
Marise Delia Carvalho Teixeira
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
7
D ESAFIO PEDAGÓGICO DA ORIENTAÇÃO
SEXUAL NA ESCOLA ................................. 153
R ELAÇÕES DE GÊNERO EM AS VINHAS DA
IRA DE STEINBECK .................................. 265
Ana Tania Lopes Sampaio
Daise Lilian Fonseca Dias
A RTE , CONSTRUTORA DE COSMOLOGIAS . 169
H ISTÓRIAS NO CANTO ............................. 275
Sanzia Pinheiro Barbosa
Lílian de Oliveira Rodrigues
A RELAÇÃO DA CRIANÇA COM O MUNDO
DOS CONTOS DE FADAS .......................... 189
A UGUST
UGUSTOO DOS ANJOS : A POÉTICA
ALEGÓRICA DAS RUÍNAS .......................... 283
Maria Aparecida Matias Freire Franco
de Lima
Rosilda Alves Bezerra
HISTÓRIA
E NTRE B RASIL E E UROPA , O SENTIDO PEJORATIVO QUE A IDÉIA DE B ARROCO
HERDOU ................................................... 201
8
John Alex Xavier de Sousa
MATEMÁTICA E INFORMÁTICA
U MA PROPOSTA DE LÓGICA EQUACIONAL
LOCAL P ARA VERIFICAÇÃO DE EQUAÇÕES
ALGÉBRICAS LOCAIS . ............................... 213
José Medeiros dos Santos
Regivan Hugo Nunes Santiago
LITERATURA
O RIO E O CURSO DA MEMÓRIA
EM PEDRO NAVA ..................................... 245
Carlos Alberto de Negreiro
W UTHERING HEIGHTS :
T HE CONFLICTS OF THE SOUL .............. 257
Daise Lilian Fonseca Dias
D A CRÔNICA À POESIA : U MA LEITURA
DAS CRÔNICAS DE MYRIAM COELI .......... 297
Diva Sueli S. Tavares
QUÍMICA
D EGRADAÇÃO DO POLIETILENO .............. 309
Glauber José Turolla Fernandes
SERVIÇO SOCIAL
É TICA E P OLÍTICA : U M BREVE
PERCURSO FILOSÓFICO ............................ 321
Aione Maria da Costa Sousa
P ODER LOCAL : U MA CATEGORIA
331
A SER REPENSADA . ..................................
..................................331
Deyse Silvana dos Santos Sena
Gildeci Batista Alves Pinheiro
TURISMO
O PROFISSIONAL DE TURISMO E SUA
ABSORÇÃO ............................................... 345
Mabel Simone Guardia
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Administração
Qualidade
dos serviços
oferecidos
aos clientes:
Uma análise
conceitual
9
Francisca Janete da Silva1
Rubens Eugênio Barreto Ramos2
¹ Professora e Coordenadora do curso de
Secretariado Executivo da FACEX e Mestre em
Engenharia de Produção/UFRN. E-mail:
[email protected]
2
Professor e Coordenador do Programa de
Engenharia de Produção da UFRN. E-mail:
[email protected]
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Qualidade dos serviços oferecidos
aos clientes: Uma análise conceitual
Quality of services offered to
customers: A conceptual analysis
10
RESUMO
O presente trabalho discute o conceito
de satisfação do cliente, de acordo com a
visão de Albrecht (1999), Normann (1993),
Nóbrega (1996) e Carlzon (1992), entre
outros, enfatizando sobre a necessidade de
encantar o cliente na excelência do serviço.
A metodologia utilizada foi a de uma
pesquisa bibliográfica, do tipo exploratório.
No estudo realizado, percebeu-se a quebra
do paradigma cuja meta da qualidade estava
voltada apenas para atender os clientes
externos. Ao longo do texto, é apresentada
a importância do bem estar do cliente interno
que implica no real comprometimento do
sucesso organizacional.
ABSTRACT
The present work discusses on the
concept of the customer’s satisfaction,
according to Albrecht (1999), Normann
(1993), Nóbrega (1996) and Carlzon
(1992), among others. It will be emphasized
the need of enchanting the customer with
an excellent service. The methodology used
was basically through bibliographical
research. In the study, it was noticed the
paradigm break of the goal of quality being
just gone back to assist the external
customer. Along the text, the importance of
the well-being of the internal customer.
implicates in the real engagement of the
organizational success.
PALAVRAS-CHAVE
Qualidade de serviços; satisfação
do cliente
KEY-WORDS
Quality of services; customers’
satisfaction.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Francisca Janete da Silva
Rubens Eugênio Barreto Ramos
1 INTRODUÇÃO
A abertura da economia no início dos anos 90 lançou as empresas
brasileiras em um mercado regido
pela globalização econômica na qual
a qualidade e a produtividade tornaram-se os pilares de sustentação
na busca de novos modelos
organizacionais. Com esta visão, as
empresas viram a necessidade de se
adaptarem às novas condições mundiais de produtividade tornando-se
mais ágeis, investindo em novas
tecnologias, capacitando o seu pessoal, reestruturando seus níveis hierárquicos, e se preocupando com o
envolvimento do seu quadro de
funcionários com os novos fatores
de competitividade. Muitas empresas responderam rapidamente aos
novos desafios diante da estabilidade econômica, em um mercado
consumidor cada vez mais exigente
dentro e fora do país.
O objetivo deste trabalho foi discutir conceito de satisfação do cliente, de acordo com a visão de
Albrecht (1999), Normann (1993),
Nóbrega, (1996) e Carlzon (1992),
entre outros, enfatizando a necessidade de encantar o cliente na excelência do serviço.
2 A EV
OLUÇÃO DO
EVOLUÇÃO
CONCEIT
ADE
QUALIDADE
CONCEITOO DE QUALID
A partir deste processo, os avanços da qualidade em serviços de-
correram, fundamentalmente, de
três referências internacionais principais nesse campo: Normann
(1993), Albrecht (1992, 1993) e
Carlzon (1992). Este último é uma
referência como um dos primeiros
praticantes de uma gestão da qualidade em serviços. Carlzon, então
Presidente da SAS (empresa aérea
sueca) introduziu, na prática, o conceito de Momento da Verdade proposto por Normann e exercitou a
idéia de transferir poder para a linha de
frente. Sua experiência estimulou
Albrecht a desenvolver conceitos
como Ciclo de Serviço e Pacote de Valor, conceitos estes que podem ser
considerados como sendo incrementos originais desenvolvidos, especificamente, para serviços que
ampliam o enfoque de qualidade,
no caso definido para a indústria na
trajetória japonesa. A qualidade em
serviços parte dos princípios e focos do paradigma da qualidade total e os estende e aplica com
conceitos próprios para serviços.
A gestão da qualidade em serviços é ainda uma área nova quando
comparada à gestão da qualidade
na indústria. Se a gestão da qualidade na indústria, que resultou na gestão da qualidade total, já chega a seus
mais de 55 anos desde o inicio com
Shewhart nos anos 20/30, o conceito Momento de Verdade foi idealizado no final da década de 70 e
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
11
Qualidade dos serviços oferecidos
aos clientes: Uma análise conceitual
12
aplicado na primeira metade da década de 80. A gestão da qualidade
em serviços teve um grande crescimento e desenvolvimento mais significativo na década de 90.
A empresa focada no cliente
deve tornar-se realmente orientada
para a pessoa, não esquecendo o público interno, valorizando-o para que
este reflita a satisfação e orgulho por
fazer parte integrante e fundamental da empresa, que refletirá positivamente no tratamento dispensado
ao público externo. Os envolvidos
devem participar dos processos de
mudanças, com espaço para expressarem seus pensamentos de forma
progressiva, bem como acesso à informações, tornando-os mais preparados e desenvolvendo sua análise
crítica. As empresas devem possuir
um sistema de constante aprendizado, estimulando um vínculo de
confiança, repassada ao seu pessoal
e a seus clientes. É necessário desenvolver uma cultura organizacional
onde haja a disposição real de cada
pessoa da organização em atender
bem, satisfazer ao cliente e estabelecer um relacionamento, visando
analisar sistematicamente as melhores organizações, para aprender,
comparando com as melhores práticas. É importante desenvolver e
implementar um sistema de identificação permanente das necessidades do cliente, que podem ser
atendidas pela organização, seja pelo
que é feito atualmente, seja pelo que
está no escopo da Missão da Organização.
3 VISÕES DDAA GESTÃO
DA QUALIDADE
3.1 Liderança da Administração
O enfoque de qualidade dos serviços parte de um nível básico, procura construir uma cultura da
excelência do serviço prestado ao
cliente com uma missão reconhecida para todos os membros da organização, inclusive para os
administradores. Começa com a responsabilidade da alta administração
quanto à definição da missão da
empresa e à especificação da estratégia necessária para fazer da qualidade do serviço a chave do
funcionamento da empresa.
(Albrecht, 1995).
O ponto forte desta abordagem,
se dá devido à importância da missão do comprometimento de todos os membros da organização
em servir bem o cliente, a começar
da presidência da empresa na construção de uma cultura onde os clientes internos sintam-se seguros
com relação aos serviços que estão
prestando aos clientes externos.
As empresas devem possuir um
sistema de constante aprendizado,
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Francisca Janete da Silva
Rubens Eugênio Barreto Ramos
estimulando um vínculo de confiança, repassada aos seus clientes internos com o intuito de liderar sua
equipe ao invés de somente administrar.
3.2 Cliente
O modelo de administração de
serviços vê os seus funcionários
como seu primeiro mercado, ou
seja, é preciso convencê-los primeiro da idéia de serviço para esperar
vendê-la aos clientes externos.
(Albrecht, 1995).
Reconhecer os funcionários
como sendo parte integrante do
processo de desenvolvimento da
organização e depositar neles a confiança para que possam expressar
pontos de vista e censo crítico para
identificar possíveis obstáculos no
processo e solucioná-los. O cliente
interno satisfeito faz o papel de fornecedor de opiniões para os demais.
Sua satisfação aparecerá como diferencial competitivo, porque ele é
quem participa ativamente dos
momentos de verdade com os clientes externos.
As empresas de melhor desempenho têm habilidades para comunicar a mensagem do valor para o
cliente a todos os membros das suas
organizações. Elas compreendem e
aceitam a magnitude do investimento necessário para se desenvolver e
manter coletivamente os conheci-
mentos, a capacidade e o compromisso humanos necessários à entrega de valor notável para o cliente.
Elas sabem como criar e manter culturas saudáveis de informação, isto
é, o know-how coletivo que vem
através de valores e crenças comuns
e fatos e desempenho comunicados.
Elas aprenderam como conquistar
e manter o compromisso dos funcionários com o espírito de serviços e com os valores que o tornam
real. (Albrecht, 1995).
Nesta afirmativa, o autor enfoca
a importância da organização saber
como conduzir o processo de
integração, fidelidade, comprometimento e envolvimento de todos
os funcionários para com a qualidade do serviço oferecido aos clientes. Quando os funcionários
compreendem o objetivo e a necessidade de atingir as metas
traçadas pela organização, se sentem
parte integrante do processo e acreditam na possibilidade de atingir
sucesso no que estão fazendo, e esta
confiança é transferida quase que
automaticamente ao cliente.
3.3 PPessoas
essoas
As pessoas gostam de se sentirem parte da organização, gostam
que suas idéias sejam ouvidas com
respeito e consideradas como importantes, pois só assim se sentem
seguras a vestir a camisa da organi-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
13
Qualidade dos serviços oferecidos
aos clientes: Uma análise conceitual
14
zação com entusiasmo, com isso, sabem que o sucesso é fruto do esforço coletivo. A iniciativa de
desenvolver um trabalho utilizando
sua própria criatividade sem existir
por trás um mandante, desenvolve
no funcionário a alta estima e amor
pelo o que faz. Segundo (Albrecht,
1995), para se conquistar os corações, mentes e mãos das pessoas
na organização não se deve dizer a
elas o que fazer, mas sim libertá-las
das cadeias do modo de pensar tradicional nas organizações. “A mensagem da liderança deve ser: vemos
vocês como ativos, como pessoas
e como participantes, cujas opiniões e idéias são valiosas para o sucesso da organização.”
3.4 Informação
Segundo Carlzon (1992), a maioria dos departamentos de treinamentos não despertam para seus
objetivos, geralmente consideram
um setor inofensivo e amigável. Os
funcionários, quando participantes
de algum treinamento consideram
o trabalho como uma “sessão de
treinamento”, ou simplesmente
como um momento de recreação,
não levando em conta a real importância do treinamento. Geralmente tais departamentos são
vistos como:
Q
A “escolha da empresa”, um lugar que você vai quando seu che-
Q
Q
Q
Q
Q
fe decide que você necessita fazer um curso.
Escondidos em um canto, não
se envolvendo nos problemas
da empresa.
Um item arbitrário no orçamento, com fundos pequenos, um
dos pioneiros itens a serem economizados quando a empresa
precisa economizar.
“Nunca parecem ter um programa direcionado às necessidades
do seu departamento”.
“Caso peça algo que não esteja
no seu catálogo me dizem para
fazê-lo eu mesmo”.
“Seus programas são todos muito genéricos, eles não fazem os
problemas e necessidades desta
empresa”.
Geralmente, os envolvidos no
processo sentem-se passivos, procurando não se envolver com os
problemas da empresa, aguardando que sejam chamados, ou depreciados e não reconhecidos pela
contribuição que podem dar, geralmente são orientados para o processo e não para o resultado.
Carlzon (1992) enfoca que a
grande necessidade das informações
serem largamente divulgadas entre
todos os envolvidos no processo, é
uma alternativa para a comunicação
fluir melhor. Infelizmente isso não
reflete a realidade da maioria das
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Francisca Janete da Silva
Rubens Eugênio Barreto Ramos
empresas, geralmente administradas por pessoas consideradas
monopolizadoras de informações
em causa própria, contrárias a treinamento e educação, com visão
focada em paradigmas que consideram como normas soberanas,
enquanto que a concorrência, aos
poucos vai abrindo seu espaço.
Para que exista qualidade na
prestação do serviço é necessário
que a informação chegue de forma mais rápida e atualizada possível até todos os envolvidos no
processo, para só assim manter
uma cultura de prestação de serviço com qualidade.
3.5 Estratégia
Albrecht (1995) utiliza como
estratégia o “Triângulo de Serviços”, onde o cliente ficaria no centro do triângulo, circulados pelas
estratégias, sistemas e pessoas, totalmente voltadas no atendimento das satisfações e anseios do
cliente. A estratégia auxiliaria as
pessoas ao referencial a que devem seguir, o entendimento do
conceito de valor para o cliente e
saber como a organização deve
fornecê-lo. As pessoas formam
um espírito de união e harmonia
voltados para o serviço, utilizando conhecimentos e qualificações
necessárias à criação e repasse das
experiências voltadas para o cli-
ente. Os sistemas devem apoiar os
funcionários em seus esforços para
criar e entregar valor, necessitam ser
favoráveis ao cliente, projetados no
apoio a valorizar o cliente.
O cliente tem que ser visto com
o real valor que lhe é atribuído, porque sem eles não há organização. Na
nossa sociedade um dos pontos que
muito contribuiu para que este sistema fosse largamente trabalhado
foi a abertura econômica que obrigou as nossas empresas utilizarem
maior qualidade, agilidade e eficiência nos serviços prestados. As
nossas empresas estão começando
a perceber que para concorrer com
os países mais desenvolvidos se faz
necessário conhecer e valorizar os
clientes, em todos os níveis, fator
fundamental para a sobrevivência
das instituições.
3.6 Resultados do negócio
Na gestão de qualidade em serviços, o “lucro”, passa a ser observado não de forma imediata, nem
tão pouco de condições única de
sobrevivência da organização, obtido de uma forma qualquer, mas,
da visão de que o consumidor é o
centro do negócio e a garantia da
sua sobrevivência.
3.7 Melhoria contínua
A alta administração deve colocar a responsabilidade pela
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
15
Qualidade dos serviços oferecidos
aos clientes: Uma análise conceitual
16
melhoria do serviço claramente nas
mãos dos administradores de nível médio e esperar que eles a cumpram. A força-tarefa pode cuidar
das questões que afetam a organização como um todo, mas cabe a
cada administrador dar vida ao
programa de serviço em sua unidade e mantê-lo em andamento
com a força de sua liderança.
(Albrecht,1995).
É necessário dar autonomia aos
funcionários de linha de frente para
que possam usar a criatividade no
intuito de deixar o cliente satisfeito
mesmo em situações difíceis, é claro que para isto é necessário treinar
os funcionários.
E, para que os administradores de nível médio possam trabalhar na melhoria do serviço, o
autor sugere a adoção de técnicas
de avaliação como laboratório de
aplicação. Trata-se de um processo que gera seu próprio reforço à
medida em que diversas unidades
o utilizam para identificar e resolver problemas que bloqueiam a
qualidade do serviço. Círculos de
serviços, formado por um grupo
de funcionários, geralmente numa
única unidade de trabalho, trabalhando com seus supervisores, que
se reúne regularmente para identificar e resolver problemas de serviço ou inventar maneiras de
aprimorá-los.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tomada de decisão, ou seja, as
ações a serem executadas baseadas
nas informações retiradas da medição de Desempenho de cada Indicador da Qualidade, dependerá
basicamente da capacidade de cada
responsável pelo indicador, em gerar as melhorias nos processos, na
participação do mercado, na satisfação e retenção dos clientes, no desempenho financeiro, dos
funcionários e dos fornecedores e
da capacidade física e financeira da
empresa para implementar com
êxito estas melhorias para a sobrevivência, competitividade e evolução constante da empresa.
Considerando o cenário altamente competitivo dos dias atuais, onde a flexibilidade, a rapidez
de resposta e a inovação, são os
alicerces de sustentação da vantagem competitiva, torna-se imprescindível para as empresas que
pretendem permanecer no negócio, possuir ferramentas de apoio
à tomada de decisão e acompanhamento dos progressos obtidos
com a introdução de melhorias
nos processos.
Revolucionar serviços, é dar qualidade aos mesmos, possibilitando
aos clientes sua satisfação, dandolhe confiança para o estabelecimento de uma parceria leal, sincera e
duradoura. É tornar seus funcioná-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Francisca Janete da Silva
Rubens Eugênio Barreto Ramos
rios realmente parte “integrante” da
organização, delegando-lhes autoridade, responsabilidade, poder de
decisão nas “horas da verdade”, isto,
graças ao total esclarecimento quanto a cultura do serviço, as condições de qualidade de vida no
trabalho, e um sistema dinâmico de
“feedback”.
O sucesso das organizações hoje,
no Brasil, depende cada vez mais
da capacidade de mudar em seus
talentos humanos, a mentalidade de
“empregado” para a mentalidade de
“pessoa de negócio”. Isto requer
uma transformação cultural cujo alcance exige um forte e contínuo
processo de ensino e aprendizagem.
17
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Qualidade dos serviços oferecidos
aos clientes: Uma análise conceitual
5 REFERÊNCIAS
ALBRECHT, K. A Única Coisa que Importa. 5. ed. São Paulo: Pioneira, 1997.
________. A Revolução nos Serviços. 5. ed. São Paulo: Pioneira, 1998.
NÓBREGA, C. Em busca da empresa quântica: analogias entre o mundo da ciência e
o mundo dos negócios. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996.
NORMANN, R. Administração de serviços: estratégia e liderança na empresa de serviços.
São Paulo: Atlas, 1993.
SENGE, P. M. A Quinta Disciplina: arte, teoria e prática da organização de aprendizagem. São Paulo: Nova Cultura, 1995.
WOOD JUNIOR., T., URDAN, F. T. Gerenciamento da qualidade total: Uma revisão crítica.
Revista de Administração de Empresas, v. 34, n. 6, p. 46-59, 1994.
18
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Administração
Um estudo sobre
as redefinições
dos conceitos
de inteligência
19
Francisca Janete da Silva1
Ana Célia Cavalcanti Fernandes
Campos2
¹ Professora e Coordenadora do curso de
Secretariado Executivo da FACEX e Mestre em
Engenharia de Produção/UFRN. E-mail:
[email protected]
2
Professora do Mestrado em Ciências em
Engenharia de Produção da UFRN.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Um estudo sobre as redefinições
dos conceitos de inteligência
A study about the
redefinitions of the
concepts of intelligence
20
RESUMO
O objetivo deste trabalho é enfatizar a
importância da inteligência emocional no
ambiente organizacional, tendo como base
o estudo do modelo atual de gestão de
pessoas e a valorização dos aspectos
interpessoais e intrapessoas no processo
motivacional. A metodologia utilizada foi a de
uma pesquisa bibliográfica, do tipo
exploratório. No estudo realizado,
percebeu-se a ênfase dada ao conceito de
inteligência emocional a partir de 1995. Ao
longo do texto, é apresentada a importância
da inteligência emocional no processo
educacional e no ambiente organizacional.
ABSTRACT
The objective of this work is to
emphasize the importance of the emotional
intelligence in the organization atmosphere.
It is based on the study of the current model
of people’s administration and the
valorization of the interpersonal and
intrapersonal aspects in the motivation
process. The methodology followed the
exploratory type. In the accomplished study,
it was noticed the emphasis given to the
concept of emotional intelligence started in
1995. Along the text, the importance of the
emotional intelligence is presented in the
education process and in the organization
atmosphere
PALAVRAS-CHAVE
Inteligência emocional, educação
emocional.
KEY-WORDS
Emotional intelligence; emotional
education.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Francisca Janete da Silva
Ana Célia Ca
valcante FFer
er
nandes Campos
Cavalcante
ernandes
1 INTRODUÇÃO
A curiosidade de tentar compreender os conceitos de inteligência
emocional nasceu de evidências presenciadas pela autora nos últimos
cinco anos de exercício profissional, em organização pública e privada e também em função dos
assuntos afins explorados na disciplina gestão da mudança estuda no
mestrado. A vivência profissional no
período informado permitiu observar inúmeras pessoas com manifestações comportamentais
indesejáveis ao trabalho produtivo,
tais como: falta de entendimento da
representação social do trabalho,
ausência de compromisso com as
atividades, presença do corpo e a
ausência do espírito. Estas manifestações pareciam refletir falta de
motivação e entusiasmo.
O conceito de inteligência emocional discutido por Daniel
Goleman (1995), tem nos mostrado a necessidade de fazer uma reflexão mais cuidadosa sobre os
vários aspectos comportamentais
demonstrados pelas pessoas em
seus ambientes de trabalho. O autor revela que a nossa visão sobre
este assunto ainda é muita estreita,
ao contrário do saber científico que
dominou o mundo ocidental nos
últimos séculos.
Estudos desenvolvidos por
Marías (1989), Myers (1993), Lykken
(1999), concluíram que o homem
tem a felicidade como uma ocorrência natural e ela provêm de uma
série de eventos favoráveis e sucessivos, em vez de representar uma
manifestação oriunda de um fato
agradável de elevada intensidade.
Entretanto, o objetivo deste artigo
é enfatizar a importância da inteligência emocional no ambiente
organizacional, tendo como base o
estudo do modelo atual de gestão
de pessoas e a valorização dos aspectos interpessoais e intrapessoas
no processo motivacional.
Utilizando inovadoras pesquisas
cerebrais e comportamentais,
Goleman (1995), na Universidade
de Harvard, mostra porque as pessoas de Quociente Intelectual alto
fracassam e outras, cujo quociente
é mais modesto, apresentam uma
trajetória de vida de sucesso. O autor derruba o mito de que a inteligência seria determinada pela
genética. Revela ainda que a inteligência está ligada à forma como
negociamos as nossas emoções. O
conceito de inteligência emocional
adotado pelo o autor seria a capacidade de autoconsciência, controle
de impulsos, persistência, empatia e
habilidade social que cada pessoa
possui.
No decorrer do trabalho discutiremos a tese de Goleman (1995),
que está baseada numa síntese ori-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
21
Um estudo sobre as redefinições
dos conceitos de inteligência
ginal, feita a partir de pesquisas e
recentes descobertas sobre o funcionamento do cérebro humano. O
autor mostra como a inteligência
emocional pode ser alimentada e
fortalecida em todos nós, principalmente na infância, período no qual
toda a estrutura neurológica encontra-se em formação.
2 A VALORIZAÇÃO DOS
ASPECT
OS EMOCIONAIS
ASPECTOS
DA INTELIGÊNCIA
22
Segundo Goleman (1995), a
nossa vida emocional tem sido sistematicamente ignorada por nossa
cultura. Nossa educação, baseada
em princípios cartesianos, coloca
ênfase nos processos intelectuais e
cognitivos. No entanto, a felicidade
e bem-estar, tão almejado por todos, depende muito mais de nossos processos emocionais que dos
intelectuais. É curioso notarmos que
as pessoas mais desprovidas de conhecimentos intelectuais parecem
ser mais abertas a felicidade.
Quase todos nós sentimos que
a vida pode ser muito mais intensa,
possui algo mais a ser explorado.
Estamos sempre muito ocupados
para perceber estas particularidades
e então passamos quase toda a nossa vida em busca de maneiras indiretas, artificiais ou dissimuladas de
experimentar emoções. As drogas,
as paixões por pessoas instáveis, os
filmes românticos, de terror ou
aventura, novelas, essas atividades
que nos proporcionam um gostinho
daquilo que desejamos sem o risco
da participação real. Obviamente, há
uma necessidade premente de romper com o ciclo da violência e do
entorpecimento emocional. Uma
maneira de fazer isto consiste no
aprendizado da consciência emocional, despertando aspectos adormecidos de nossas mentes,
desenvolvendo os fatores emocionais de nossa inteligência.
(Goleman, 1995).
3 FORMAÇÃO EMOCIONAL
Há pouco tempo atrás, a questão da formação emocional era vista
como uma função dos pais e da
família. As dificuldades emocionais
das pessoas eram consideradas problemas privados, que cada um devia resolver individualmente. Desta
forma, a ênfase nos processos básicos de formação educacional (Escola) e nos treinamentos avançados
de preparação para o trabalho (Cursos Profissionalizantes, Universidades) tem sido colocada na
capacitação intelectual dos indivíduos. Os recentes avanços das ciências
da mente e comportamento (psiquiatria, psicologia, neurofisiologia) têm
demonstrado a importância das
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Francisca Janete da Silva
Ana Célia Ca
valcante FFer
er
nandes Campos
Cavalcante
ernandes
emoções nos processos decisórios
e no desempenho profissional dos
indivíduos ou grupos. No entanto,
a falta de aptidão emocional dos
indivíduos pode gerar uma série de
dificuldades pessoais, familiares, escolares, de interação social e no trabalho. (Weisinger, 1997).
Hoje é um pouco mais visível a
percepção das pessoas quanto a
consciência da importância de suas
aptidões emocionais para o seu bom
desempenho pessoal e profissional.
Inclusive as escolas passaram a se
voltar também para a formação
emocional de seus alunos, para a
capacitação de seus professores para
trabalharem com estes aspectos, assim como as empresas estão adotando programas de Treinamento
& Desenvolvimento Emocional
para seus gerentes e funcionários.Tem
se observado que o treinamento
voltado para os aspectos emocionais melhora as relações
interpessoais, na família, no trabalho e, consequentemente, leva a uma
maior satisfação na vida pessoal,
familiar e profissional.
4 O QUE É EDUCAÇÃO
EMOCIONAL ?
Segundo Goleman (1995), a
educação emocional é a aplicação
sistematizada de um conjunto de
técnicas psico-pedagógicas que vi-
sam desenvolver as cinco aptidões
emocionais básicas:
Capacidade de reconhecer os próprios sentimentos: Se não for capaz de avaliar a qualidade e
intensidade dos próprios sentimentos o indivíduo não poderá definir
até que ponto estes sentimentos o
estão influenciando e às pessoas
que o cercam.
Capacidade de empatia: Empatia
é a capacidade de sentir como o
outro, de perceber as emoções do
outro como se estivéssemos no lugar dele. Ter esta capacidade é fundamental para estabelecermos
relacionamentos bem sucedidos,
seja na família ou no trabalho.
Capacidade de controlar as próprias emoções: Ter controle sobre
as próprias emoções significa ser
capaz de expressar adequadamente
o que se está sentindo, evitando expressões emocionais ofensivas e
improdutivas, além de ser capaz de
adiar a expressão das mesmas até
um momento propício. Isto é diferente de conter e simplesmente reprimir, suprimir ou engolir as
emoções.
Capacidade de remediar danos
emocionais (reparação): Desenvolver a capacidade de reconhecer
os próprios erros em relação aos
outros e de reparar os danos que
isto possa ter causado, ou seja, saber desculpar-se efetivamente.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
23
Um estudo sobre as redefinições
dos conceitos de inteligência
24
Capacidade de integração
emocional e interatividade: É a
habilidade de estar consciente do
próprio estado emocional, ao mesmo tempo em que se está em
sintonia com o estado emocional
daqueles que o cercam, e ser capaz
de interagir eficazmente com eles.
4. Reconhecimento de emoções em
outras pessoas;
5. Habilidade em relacionamentos
inter-pessoais.
As três primeiras referem-se
a Inteligência Intra-Pessoal e as
duas últimas, a Inteligência InterPessoal, conforme relacionado
abaixo:
5 O QUE É INTELIGÊNCIA
EMOCIONAL?
a) A Inteligência Inter-Pessoal é a
habilidade de entender outras pessoas: o que as motiva, como trabalham,
como
trabalhar
cooperativamente com elas.
A Inteligência Emocional está
relacionada a habilidades tais como
motivar a si mesmo e persistir mediante frustrações; controlar impulsos, canalizando emoções para
situações apropriadas; praticar gratificação prorrogada; motivar pessoas, ajudando-as a liberarem seus
melhores talentos, e conseguir seu
engajamento a objetivos de interesses comuns. (Weisinger, 1997).
Goleman, (1995), mapeia a Inteligência Emocional em cinco áreas de habilidades:
1. Auto-Conhecimento Emocional
- reconhecer um sentimento enquanto ele ocorre;
2. Controle Emocional - habilidade de lidar com seus próprios
sentimentos, adequando-os para
a situação;
3. Auto-Motivação - dirigir emoções a serviço de um objetivo é
essencial para manter-se caminhando sempre em busca;
Q
Q
Q
Q
A Organização de Grupos é a habilidade essencial da liderança,
que envolve iniciativa e coordenação de esforços de um grupo, habilidade de obter do
grupo o reconhecimento da
liderança, a cooperação espontânea.
A Negociação de Soluções desenvolve o papel do mediador, prevenindo e resolvendo conflitos.
A Empatia ou Sintonia Pessoal é a
capacidade de, identificando e
entendendo os desejos e sentimentos das pessoas, responder
(reagir) de forma apropriada de
forma a canalizá-los ao interesse comum.
A Sensibilidade Social é a capacidade de detectar e identificar sentimentos e motivos das pessoas.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Francisca Janete da Silva
Ana Célia Ca
valcante FFer
er
nandes Campos
Cavalcante
ernandes
b) A Inteligência Intra-Pessoal é a
mesma habilidade, só que voltada
para si mesmo. É a capacidade de
formar um modelo verdadeiro e
preciso de si mesmo e usá-lo de forma efetiva e construtiva.
6 TIPOS DE INTELIGÊNCIA
O psicólogo Howard Gardner
(1997), da Universidade de
Harvard, nos Estados Unidos, propõe “uma visão pluralista da mente” ampliando o conceito de
inteligência única para o de um feixe de capacidades. Para ele, inteligência é a capacidade de resolver
problemas ou elaborar produtos
valorizados em um ambiente cultural ou comunitário. Assim, ele propõe uma nova visão da inteligência,
dividindo-a em sete diferentes competências que se interpenetram, pois
sempre envolvemos mais de uma
habilidade na solução de problemas.
Embora existam predominâncias, as
inteligências se integram:
Q
Q
Inteligência Verbal ou Lingüística: habilidade para lidar criativamente com as palavras.
Inteligência Lógico-Matemática:
capacidade para solucionar problemas envolvendo números e
demais elementos matemáticos; habilidades para raciocínio
dedutivo.
Inteligência Cinestésica Corporal:
capacidade de usar o próprio
corpo de maneiras diferentes e
hábeis.
Inteligência Espacial: noção de
espaço e direção.
· Inteligência Musical: capacidade
de organizar sons de maneira
criativa.
Inteligência Interpessoal: habilidade de compreender os outros; a maneira de como aceitar
e conviver com o outro.
Inteligência Intrapessoal: capacidade de relacionamento consigo mesmo, autoconhecimento.
Habilidade de administrar seus
sentimentos e emoções a favor
de seus projetos. É a inteligência
da auto-estima.
Q
Q
Q
Q
Segundo Gardner (1997), todos
nascem com o potencial das várias
inteligências. A partir das relações
com o ambiente, aspectos culturais,
algumas são mais desenvolvidos ao
passo que deixamos de aprimorar
outras. Nos anos 90, Daniel
Goleman, também psicólogo da
Universidade de Harward, afirmou
que ninguém tem menos que nove
inteligências. Além das sete citadas
por Gardner (1997), Goleman
(1999), acrescenta mais duas:
Inteligência Pictográfica: habilidade
que a pessoa tem de transmitir uma
mensagem pelo desenho que faz.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
25
Um estudo sobre as redefinições
dos conceitos de inteligência
Inteligência Naturalista: capacidade de uma pessoa em sentir-se um
componente natural.
7 A IMPOR
TÂNCIA
IMPORTÂNCIA
DAS EMOÇÕES
Q
As emoções são importantes,
uma vez que nos auxiliam na nossa
sobrevivência, nos ajudam a tomar
decisões, ajustam nossos limites, ajudam na nossa comunicação e nossa
união.
Q
26
Q
Sobrevivência: Nossas emoções foram desenvolvidas naturalmente através de milhões de
anos de evolução. Como resultado, nossas emoções possuem
o potencial de nos servir como
um sofisticado e delicado sistema interno de orientação. Nossas emoções nos alertam quando
as necessidades humanas naturais
não são encontradas. Por exemplo, quando nos sentimos sós,
nossa necessidade é encontrar
outras pessoas. Quando nos sentimos receosos, nossa necessidade é por segurança. Quando nos
sentimos rejeitados, nossa necessidade é por aceitação.
Tomadas de Decisão: Nossas
emoções são uma fonte valiosa
da informação. Nossas emoções nos ajudam a tomar decisões. Os estudos mostram que
quando as conexões emocionais
Q
Q
de uma pessoa estão danificadas
no cérebro, ela não pode tomar
nem mesmo as decisões simples.
Por que? Porque não sentirá nada
sobre suas escolhas.
Ajuste de limites: Quando nos
sentimos incomodados com o
comportamento de uma pessoa,
nossas emoções nos alertam. Se
nós aprendermos a confiar em
nossas emoções e sensações isto
nos ajudará a ajustar nossos limites que são necessários para
proteger nossa saúde física e
mental.
Comunicação: Nossas emoções ajudam-nos a comunicar
com os outros. Nossas expressões faciais, por exemplo, podem demonstrar uma grande
quantidade de emoções. Com o
olhar, podemos sinalizar que
precisamos de ajuda. Se formos
também verbalmente hábeis, juntamente com nossas expressões
teremos uma possibilidade maior de melhor expressar nossas
emoções. Também é necessário
que nós sejamos eficazes para
escutar e entender os problemas
dos outros.
União: Nossas emoções são, talvez, a maior fonte potencial capaz de unir todos os membros
da espécie humana. Claramente,
as diferenças religiosas, culturais
e políticas não permitem isto,
apesar das emoções serem “universais”.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Francisca Janete da Silva
Ana Célia Ca
valcante FFer
er
nandes Campos
Cavalcante
ernandes
8 COMO MELHORAR O QE?
Observando o comportamento das pessoas dentro do ambiente
organizacional percebemos que um
simples sorriso pode quebrar muitas barreiras nas negociações entre
chefes x subordinados e clientes x
fornecedores. Isto nos leva a crer
que ter inteligência emocional é saber perceber os sentimentos das
pessoas e ser capaz de compreendêlos, tranqüiliza-los e orienta-los
quando preciso.
Gottman (1995), em seu livro
Inteligência Emocional e a Arte
de Educar Nossos Filhos, diz que
os pais devem ser os preparadores
emocionais dos filhos, o que muitas vezes não tem ocorrido devido
ao stress e a correria do cotidiano.
É fácil observar que a infância
modificou-se muito nos último
anos, devido principalmente a necessidade das mães em trabalhar
fora de casa. Isto possivelmente tem
ocasionado um certo desequilíbrio
ao aprendizado afetivo das crianças. Segundo Gottman (1995), os
pais precisam ser afetivamente
preparadores emocionais, devem
ensinar aos filhos estratégias para lidar com os altos e baixos da vida.
Devem aproveitar o estados de
emoções da criança, para ensiná-la
como lidar com eles e ensiná-la
como tornar-se uma pessoa humana mais equilibrada para uma vida
adulta mais saudável.
Gottman (1995), propõe cinco
passos para os pais que ainda não
são preparadores emocionais no
intuito de facilitar a relação na busca de um equilíbrio emocional com
os filhos:
1. Percebam as emoções das crianças e as suas próprias;
2. Reconheçam a emoção como
uma oportunidade de intimidade e orientação;
3. Ouçam com empatia e legitimar
os sentimentos da criança;
4. Ajudam as crianças a verbalizar
as emoções;
5. Imponham limites para ajudar
a criança a encontrar soluções
para seus problemas.
Embora os pais tenham papel
fundamental na educação emocional dos filhos, algumas iniciativas em
escolas têm se mostrado positivas.
Hoje, assistimos ao fortalecimento
do indivíduo enquanto pessoa, fazendo com que as instituições, para
obter sucesso, adequem-se aos indivíduos, treinando professores
para tal missão.
Segundo Goleman (1995),
estamos assistindo a passagem de
uma sociedade de sobrevivência
para uma de realização pessoal,
onde o indivíduo ganha importância
enquanto valor e responsabilidade.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
27
Um estudo sobre as redefinições
dos conceitos de inteligência
9 CONCLUSÃO
28
Vimos que de acordo com a
ótica dos autores pesquisados é fundamental a importância dos pais na
educação emocional de seus filhos,
ou seja, prepará-los para enfrentar
os desafios impostos pela vida com
inteligência. É necessário orientá-los
como reagir nas diversas ocorrências que podem vir a acontecer.
O significado de inteligência
emocional
no
ambiente
organizacional pode ser manifestado por múltiplas percepções. Para
aqueles que participam de organizações que privilegiam a
racionalidade técnica e econômica,
suas compreensões acerca desse estado, certamente, serão diferentes
dos entendimentos daqueles que integram instituições que enaltecem a
postura criativa, a qual possibilita
mobilidade social e valoriza os princípios éticos na produção. Ambas
pretendem conquistar evidência no
mercado onde atuam, mas adotam
posturas diretivas antagônicas que
orientam a percepção de inteligência emocional de modo distinto, em
função das relações interpessoais.
As percepções de equilíbrio
emocional dentro do ambiente
organizacional decorrem de inúmeras situações. É importante avaliar
que normalmente o funcionário,
quando chega à organização, traz
consigo história pessoal única, e terá
que ser vislumbrado como um organismo vivo diferente de uma
nova máquina introduzida nesse
ambiente. O trabalhador reage às
influências internas e externas do
ambiente organizacional e deve ser
entendido por suas características
individuais, as quais se diferenciam
dos outros que compartilham o espaço produtivo.
Com tudo, é importante desenvolver a inteligência emocional nos
funcionários, pois em sendo estimulados, eles podem se desenvolver
mais harmonicamente, prevenindo
desordem no clima organizacional
e evitando bloqueios de capacidades de relacionamento interpessoal.
O princípio da educação emocional é simples. Devemos ensinar
ao indivíduo o senso de respeito, importância e de responsabilidade. Não
apenas falando ou impondo situações,
mas compartilhando com ele.
Este estudo permitiu concluir
que o equilíbrio entre a racionalidade
instrumental e os sentimentos humanos devem ser postulados e observados nas organizações que
pretendem conquistar posição competitiva no mercado, com amparo
na capacidade intelectual e emocional dos colaboradores. Estes componentes requerem, dos responsáveis
pela organização, uma sintonia contínua durante as diversas etapas dentro do processo de realização das
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Francisca Janete da Silva
Ana Célia Ca
valcante FFer
er
nandes Campos
Cavalcante
ernandes
atribuições de cada um, visando
adequá-las à gestão do negócio e a
satisfação pessoal dos colaboradores. Esta realidade não se esgota,
porque é renovada a cada instante.
Por isto, deve ser gerenciada cotidianamente. E isto se torna fácil quando se consegue atividades em
equipes, onde todos trabalham igualmente com a visão da responsabili-
dade de manter a equipe viva.
A aprendizagem emocional,
portanto, pode trazer inúmeros
benefícios, tanto para os dirigentes das organizações, quanto
para os funcionários ou colaboradores, que poderão dispor de
um ambiente mais propício à
interação e participação de forma mais criativa.
29
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Um estudo sobre as redefinições
dos conceitos de inteligência
10. REFERÊNCIAS
CARVALHO, M. do S. M. V., TONET, H. C. Qualidade na administração pública. Revista
de Administração Pública. Rio de Janeiro: FGV, [s.n.t.], p. 137-152, abr./jun. 1994.
COOPER, Robert e Sawaf, Ayman. Inteligência Emocional na Empresa. 7. ed.
Campus, 1997.
________. NEWSTROM, J. W. Comportamento humano no trabalho. São Paulo:
Pioneira, 1989.
DAMÁSIO, Antônio. O Erro de Descartes. 2ª reimp. São Paulo: Companhia das Letras,
1996.
GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.
________. Do que é feito um líder. Revista HSM Management. Rio de Janeiro. maio/
jun. 1999. p. 68-78.
TTMAN, John, DECLAIRE, Joan. Inteligência Emocional. - A Arte de Educar Nossos
Filhos. 17. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.
30
LYKKEN, David. Felicidade. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999. 371 p.
MARÍAS, Julián. A Felicidade humana. São Paulo: Duas Cidades, 1989. 414 p.
WEISINGER, H. Inteligência Emocional no Trabalho. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.
________. Inteligência Emocional. 2. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Administração
A
responsabilidade
social das empresas
31
Pio Marinheiro de Souza Neto1
Carlison do C. Barbosa
Luciney Macedo D. Pereira
Maria Célia T. Amorim Dantas
1
Alunos do 2º período do curso de Administração
com habilitação em Gestão de Sistemas de
Informação da FACEX.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
A responsabilidade social
das empresas
The companies
social responsibility
32
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo
discutir sobre a importância da
responsabilidade social nas organizações
da atualidade, mostrando como se dá esta
responsabilidade, os argumentos das
correntes contra e a favor da mesma, as
suas áreas de atuação, as abordagens e
estratégias da sua implantação e por fim
examinamos alguns exemplos de
organizações socialmente responsáveis.
ABSTRACT
The present work has the objective of
discussing the importance of social
responsibility in the organizations of the
present time, showing the way it occurs, the
arguments of those who are for or against
it, its areas of performance, the approaches
and strategies of its implantation. It will also
be shown some examples of socially
responsible organizations.
PALAVRAS-CHAVE
Responsabilidade social; qualidade
de vida.
KEY-WORDS
Social responsibility; quality of life.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Pio Marinheiro de Souza Neto, Carlison do C. Barbosa
ereira e Maria Célia T. Amorim Dantas
Lucineyy Macedo D. PPereira
Lucine
1 INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas a sociedade foi levada a reconhecer as conseqüências indesejáveis da
industrialização e o comportamento socialmente irresponsável de certas organizações ou ramos de
negócio. Estas idéias ganharam força
principalmente quando a destruição
dos ecossistemas, provocada pela
sede de lucros de algumas empresas, estimulou o debate sobre os benefícios e malefícios da sociedade
industrial.
Devido às pressões exercidas
pelos movimentos civis organizados, a idéia da responsabilidade social das empresas, que embora não
seja nova, ganhou força e alguns
países estabeleceram legislações sobre a questão. O estabelecimento
dessa legislação específica é um dos
principais fatores levados em consideração pelas empresas ao tomar
decisões que envolvem valores de
ordem ética.
A metodologia empregada para
a realização deste trabalho de cunho teórico consiste de pesquisa bibliográfica, sendo a coleta de
informações realizada, principalmente, através de dados secundários, a saber: livros, teses, revistas,
jornais, pesquisas de instituições e
sites na internet. Parte deste material foi coletado em bibliotecas, parte pela internet e parte em
periódicos (revistas e jornais).
Este trabalho tem como objetivo discutir sobre a importância da
responsabilidade social nas organizações da atualidade, mostrando o
que é esta responsabilidade, os argumentos das correntes contra e
favor da mesma, as suas áreas de
atuação, as abordagens e estratégias
da sua implantação e por fim alguns
exemplos de organizações socialmente responsáveis.
2 O QUE É RESPONSABILIDADE
SOCIAL
Responsabilidade social, segundo Chiavenato (1999) é o grau de
obrigações que uma organização assume
através de ações que protejam o bem-estar
da sociedade à medida que procura atingir
seus próprios interesses Deste modo,
uma organização responsável socialmente é aquela que incorpora
objetivos sociais aos seus processos
de planejamento com o objetivo de
passar uma imagem de organização
preocupada com a sociedade onde
está atuando.
Existem alguns procedimentos
comuns nas organizações que desejam ser reconhecidas como socialmente responsáveis. Tais como:
Q
Q
Incorpora objetivos sociais em
seus processos de planejamento;
Realiza comparações com os
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
33
A responsabilidade social
das empresas
Q
Q
Q
34
programas sociais de outras organizações;
Apresenta relatórios aos membros da organização e aos parceiros sobre os processos de
responsabilidade social e seus
resultados;
Utiliza-se de diferentes abordagens para medir o seu desempenho social;
Procura acompanhar os custos
dos programas sociais e o retorno dos investimentos em programas sociais.
3 ABORD
AGEM HISTÓRICA DDAA
ABORDAGEM
RESPONSABILIDADE SOCIAL
3.1 No mundo - As primeiras manifestações desta idéia foram
divulgadas no início do século, em
trabalhos de Charles Eliot (1906),
Artur Hakley (1907) e John Clark
(1916), mas tais idéias não tiveram
uma maior aceitação nos meios acadêmicos e empresariais. Em 1923,
o inglês Oliver Sheldon defendeu a
inclusão de outros objetivos, entre
as preocupações das empresas, além
do lucro dos acionistas. Vinte anos
depois, 1942, a idéia reapareceu em
um manifesto subscrito por 120
industrias inglesas. Mas foi somente
em 1953 que surgiu nos Estados
Unidos o primeiro livro analisando
com profundidade o tema, tratavase do livro Social Responsabilities of the
Basinessman, de Howard Bowen, tendo a obra alcançado grande repercussão nos meios acadêmicos e
empresariais, sendo logo traduzido
para vários idiomas, inclusive o
português.
No início dos anos 60, começa
a popularização do tema com uma
série de programas de televisão, levados ao ar pela Pacific Northwest,
e desta série resulta o lançamento,
em 1963, do livro Business and Society.
A idéia da responsabilidade social das empresas ganha terreno. Inúmeros artigos aparecem nos jornais
e revistas especializados; é lançada
publicação periódica específica e
ganha espaço em grandes magazines como Fortune e Business Week.
Por outro lado, no meio acadêmico, desenvolvem-se métodos e
técnicas específicas de avaliação de
desempenho, multiplicando-se sob
o patrocínio de renomadas organizações, continuando, nos dias atuais, o grande interesse pelo tema. No
campo teórico, com ênfase nos estudos relacionados com a ética e
com a qualidade de vida no trabalho. No campo prático, continua o
esforço para o aperfeiçoamento e
criação de modelos de avaliação do
desempenho da empresa no campo social.
3.2 No Brasil - No Brasil, a responsabilidade social começa a ser dis-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Pio Marinheiro de Souza Neto, Carlison do C. Barbosa
ereira e Maria Célia T. Amorim Dantas
Lucineyy Macedo D. PPereira
Lucine
cutida ainda nos anos 60 com a criação da Associação dos Dirigentes
Cristãos de Empresas (ADCE), que
se baseia na aceitação por seus
membros de que a empresa, além
de produzir bens e serviços, possui
a função social que se realiza em
nome dos trabalhadores e do bemestar da comunidade.
Embora a idéia já motivasse discussões, apenas em 1977 mereceu
destaque a ponto de ser tema central do 2º Encontro Nacional de
Dirigentes de Empresas. Somente
em 1984, ocorre a publicação do
primeiro balanço social de uma
empresa brasileira – a Nitrofértil, no
estado da Bahia.
O movimento de valorização da
responsabilidade social empresarial
ganhou forte impulso na década de
90, através da ação de entidades não
governamentais, institutos de pesquisa e empresas sensibilizadas para
a questão. O trabalho do Instituto
Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), na promoção do
balanço social é um exemplo desta
atuação e tem logrado progressiva
repercussão. Muitas vezes a história
do IBASE se confunde com a trajetória pessoal do sociólogo Herbert
de Souza, o Betinho, um de seus
fundadores e principal articulador.
Em 1992, o Banco do Estado
de São Paulo (BANESPA) publica
um relatório completo divulgando
todas as suas ações sociais; e a partir de 1993, várias empresas de diferentes setores passam a divulgar
anualmente o balanço social.
No ano de 1993, Betinho e o
IBASE lançam a Campanha Nacional da Ação da Cidadania contra
a Fome, a Miséria e pela Vida, com
o apoio do Pensamento Nacional
das Bases Empresarias (PNBE).
Este é o grande marco da aproximação dos empresários com as
ações sociais.
No ano de 1995, foi criado o
GIFE, a primeira entidade que genuinamente se preocupou com o
tema da filantropia, cidadania e responsabilidade empresarial, adotando, por assim dizer, o termo
cidadania empresarial às atividades
que as corporações realizassem com
vistas à melhoria e transformação
da sociedade.
No ano de 1997, Betinho lança
uma campanha nacional a favor da
divulgação do balanço social e com
o apoio da Comissão de Valores
Mobiliários (CVM), do jornal Gazeta Mercantil, de empresas (Banco do
Brasil, Usiminas, etc.); e de suas instituições representativas (Firjan,
Abrasca, Abamec, Febraban, etc.), a
campanha decolou e resultou numa
série de debates através da mídia e
em seminários, encontros e simpósios.
Em novembro de 1997, novamente em parceria com a Gazeta
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
35
A responsabilidade social
das empresas
36
Mercantil, o IBASE lança o Selo do
Balanço Social para estimular a participação das companhias. O selo,
num primeiro momento, é oferecido a todas as empresas que divulgarem o balanço social no modelo
proposto pelo IBASE.
Em 1998, é fundado o Instituto
Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. O Instituto serve
como ponte entre os empresários e
as causas sociais, tendo como objetivo disseminar a prática social através de publicações, experiências
vivenciadas, programas e eventos
para seus associados e para os interessados em geral, contribuindo para
um desenvolvimento social, econômico e ambientalmente sustentável,
incentivando a formação de uma
nova cultura empresarial baseada na
ética, princípios e valores, e já no
ano de 1999, a adesão ao movimento social se refletiu com 68 empresas publicando seu balanço social
no Brasil.
Entre os anos de 1999 e 2001, o
Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA)2 realizou a Pesquisa Ação Social das Empresas nas cinco
regiões do Brasil, visando conhecer
as ações sociais do setor empresarial nacional.
No ano de 2000, para fortalecer o movimento pela responsabilidade social no Brasil, o Instituto
Ethos concebeu os Indicadores
Ethos como um sistema de avaliação do estágio em que se encontram as práticas de responsabilidade social nas empresas. Além
disso, o Ethos vem promovendo,
anualmente, a realização da Conferência Nacional de Empresas e Responsabilidade Social no mês de junho em
São Paulo. A primeira, realizada em
2000, foi prestigiada por mais de
400 pessoas. Na Conferência de
2001, estiveram presentes 628 pessoas, representando empresas, fundações, ONGs, instituições governamentais, centros de pesquisas e universidades.
4 ARGUMENT
OS CONTRA A
ARGUMENTOS
RESPONSABILIDADE SOCIAL
Segundo Milton Friedman 3
(1931- ), a responsabilidade das
empresas é apenas gerar lucros para
os seus acionistas ou proprietários,
não devendo a empresa assumir
responsabilidades diretas, ficando
no cumprimento da responsabilidade social imposta pela legislação, já
que tal responsabilidade pertence ao
governo.
Friedman argumenta que ao se
preocupar com esta responsabilidade, as empresas estariam fugindo do seu principal objetivo que é
gerar lucro aos acionistas, já que os
programas sociais têm um custo
para se incorporar ao preço final
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Pio Marinheiro de Souza Neto, Carlison do C. Barbosa
ereira e Maria Célia T. Amorim Dantas
Lucineyy Macedo D. PPereira
Lucine
do produto, e desta forma tal procedimento é ineficaz para as empresas. Também defende que os
empresários e gerentes não têm
habilidades de cunho social e que
tal tarefa deve ser executada pelas
autoridades públicas que também
já encontram dificuldades para
estabelecer tais metas.
Portanto, para os defensores do
não engajamento das organizações
na solução de problemas sociais,
não há razão para se exigir responsabilidades das empresas, além das
determinadas em lei, pois ao alcançar o seu objetivo principal, o lucro, seria repassado à sociedade
através dos seus empregados na
forma de melhores salários.
5 ARGUMENT
OS A FFAAVOR DDAA
ARGUMENTOS
RESPONSABILIDADE SOCIAL
A referência na defesa da responsabilidade social é Keith Davis4
(1918- ), pois argumenta que as
empresas são as organizações mais
poderosas da atualidade, poder este
dado pela própria sociedade. Davis
também reconhece que tais programas de responsabilidade geram custos, que por sua vez, seriam
repassados ao preço final dos produtos, mais que de toda forma as
organizações devem se envolver
mesmo nos problemas que não a
atingem diretamente, pois a melho-
ra da comunidade na qual estão localizadas implicam em benefícios à
empresa; os programas de responsabilidade sociais ajudam a impedir
a intervenção do governo nas empresas, e por último o mesmo argumenta que ser socialmente
responsável é a coisa certa eticamente correta.
Outro importante economista
partidário da responsabilidade social é Paul Samuelson, ao defender
que as organizações devem estar ligadas ao bem-estar, e não apenas
na procura do lucro. Lista como
argumento a favor o seguinte: lucros a longo prazo para o negócio,
melhor imagem junto ao público,
menor regulamentação dos negócios, melhor ambiente para todos e
atendimento dos desejos do público.
É verdade que hoje a sociedade
valoriza muito mais as empresas “do
Bem”, ou seja, aquelas que conseguem produzir lucros e dividendos,
preocupando-se com os valores éticos e ações socialmente responsáveis.
6 GRAU DE ENV
OLVIMENT
ENVOLVIMENT
OLVIMENTOO
Existem várias formas de classificar o grau de envolvimento das
empresas com a responsabilidade
social. Segundo Montana e Charnov
(1999), baseados na sua sensibilidade social, elas teriam as seguintes
abordagens:
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
37
A responsabilidade social
das empresas
38
6.1 Abordagem da obrigação
social – As empresas devem
satisfazer apenas as obrigações
sociais mínimas impostas pela lei,
já que os seus principais
objetivos são de natureza econômica, principalmente a
otimização dos lucros e o
aumento do patrimônio dos acionistas.
6.2 Abordagem da responsabilidade social – Reconhece
que mesmo com o objetivo de
garantir lucro e dividendos, a
empresa tem responsabilidades
econômicas e sociais. As
empresas procuram solucionar
os problemas sociais existentes,
mas somente quando o bemestar econômico não corra o
risco de ser afetado negativamente, utilizando-se de
adaptação reativa, ou seja, reação aos problemas. Como exemplo Montana e Charnov (1999)
nos coloca o seguinte:
Um exemplo de uma organização que
assumiu responsabilidade social foi visto em San Diego quando a Universidade da Califórnia decidiu estabelecer
um outro campus. A universidade descobriu que havia grupos raciais e religiosos envolvidos em um empreendimento
imobiliário caro e exclusivo por perto.
Já que muitos dos professores do
campus estariam sujeitos a humilha-
ção e a rejeição em sua procura por
uma casa, a administração da universidade decidiu tomar uma atitude mesmo não havendo nenhuma exigência
legal para tanto. Os bancos locais foram contatados e informados de que
nenhum departamento da universidade faria negócios com qualquer instituição financeira que recusasse o
financiamento de casa aos funcionários
da universidade baseado em discriminação. A universidade foi além e informou ao governo local que construiria a
filial em outra parte do estado se não
tivesse alguma segurança de que o empreendimento imobiliário estaria aberto a todos os candidatos financeiramente
qualificados, independente de raça e
religião. O governo local deu-lhe essa
segurança, e o novo campus se tornou
uma instituição fora de série.
6.3ABORDAGEM DA SENSIBILIDADE SOCIAL – Supõe que as empresas não têm
apenas objetivos econômicos e
sociais, mas precisa também se
antecipar aos problemas sociais
do futuro, numa adaptação
proativa. Uma empresa com
sensibilidade social procura o
efetivo envolvimento com a comunidade e encoraja seus funcionários a fazerem o mesmo.
Além de cumprir as leis vigentes, também apoiará ativamente
a adoção de nova legislação que
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Pio Marinheiro de Souza Neto, Carlison do C. Barbosa
ereira e Maria Célia T. Amorim Dantas
Lucineyy Macedo D. PPereira
Lucine
satisfaça as necessidades sociais.
Dos três métodos descritos, esse
é o que mais exige das empresas, pois propõe que se antecipe
aos problemas do futuro e responda agora a esses problemas,
antes que se tornem evidentes.
Deste modo, a empresa pode
precisar fazer uso de recursos
organizacionais, levando a um
impacto negativo nos lucros.
Vejamos outro exemplo de
Montana e Charnov (1999) :
Uma das principais ferrovias do sudeste dos Estados Unidos exemplificou
a abordagem da sensibilidade social no
final doa anos 70, quando empregou
um cientista que estuda movimentos,
para analisar os movimentos encontrados em cada atividade na ferrovia. A
empresa queria uma classificação em
termos de movimentos musculares para
que pudesse colocar indivíduos com deficiências físicas em cargos onde pudessem trabalhar e fazer uma contribuição
à ferrovia como funcionários produtivos. O sistema de classificação permitiu à empresa encontrar empregos
específicos para pessoas deficientes. Isso
não era exigido por lei, mas sim pelo
desejo da empresa de beneficiar a todos: à empresa por adquirir funcionários valiosos e dedicados, ao indivíduo
por conseguir emprego; e à comunidade
pela adição de trabalhadores produtivos e pagadores de impostos.
Abordagem da Obrigação Social
Abordagem da Reação
Abordagem da Sensibilidade
Figura 1. As três abordagens da responsabilidade
social
Fontes: Baseado em Montana e Charnov, 1998.
p. 36; Donnelly et al., 2000. p. 86-89.
Já na visão de Chiavenato(1999
a, b) as empresas têm quatro tipos
de envolvimento com a
responsabilidade social, denominando-os de:
6.3.1 Estratégia obstrutiva
– A empresa só tem responsabilidade econômicas, portanto, rejeita as demandas sociais.
6.3.2 Estratégia defensiva
– A empresa só deve assumir as
responsabilidades legais, ou seja, assumir as responsabilidades econômicas o mínimo legalmente exigido.
6.3.3 Estratégia acomodativa
– A empresa deve fazer o mínimo exigido eticamente e dessa forma assume responsabilidades
econômicas, legais e éticas.
6.3.4 Estratégia proativa
– A empresa toma liderança nas
iniciativas sociais e assume voluntariamente responsabilidades econômicas, legais, éticas e espontâneas.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
39
A responsabilidade social
das empresas
Estratégia
Proativa
Estratégia
Acomodativa
Responsabilidades espontâneas e voluntárias:
Assume responsabilidades econômicas e legais e
éticas e espontâneas.
Toma liderança nas iniciativas sociais.
Responsabilidades éticas:
Assume responsabilidades econômicas e legais e éticas.
Faz o mínimo eticamente.
Estratégia
Defensiva
Responsabilidades legais:
Assume responsabilidades
Estratégia
Obstrutiva
Responsabilidades econômicas:
Assume responsabilidades econômicas
apenas.
Exigência
Legal
Fig. 2 - Comprometimento da empresa quanto à responsabilidade social
40
7 O PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DE AÇÕES SOCIAIS
O processo pelo qual uma organização administra suas ações sociais, independentemente do
método adotado, tem duas fases
distintas: a fase de ação e a fase de
avaliação.
7.1 A fase de ação
7.1.1 Análise da situação e o
estabelecimento de padrões - O
primeiro passo em qualquer
projeto de ação social, consiste
em realizar uma análise
situacional, onde comparamos o
“o que é” e “o que deveria ser”.
Uma vez identificada a necessi-
dade social, devemos definir o
padrão de desempenho, pelos
quais identificaremos quando o
problema foi solucionado. Muitas vezes isto não é possível, pois
os padrões de desempenho não
se prestam a uma definição
quantitativa, e suas soluções propostas serão afirmadas em termos vagos.
7.1.2 Geração e seleção de
alternativas – Somente a fase
anterior é que gera caminhos alternativos de ação. As soluções
podem vir de funcionários da
empresa, da comunidade, de
membros do governo e até de
especialistas contratados como
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Pio Marinheiro de Souza Neto, Carlison do C. Barbosa
ereira e Maria Célia T. Amorim Dantas
Lucineyy Macedo D. PPereira
Lucine
consultores. Após criada uma lista de alternativas, as mesmas
devem ser avaliadas com base
em três perguntas básicas.
1. Esta opção resolve o problema?
2. A empresa tem recursos para
esse caminho de ação?
3. Quais as conseqüências dessa
ação?
Se a resposta for negativa para
qualquer dessas perguntas, a opção
será rejeitada. A questão de custos
deixa claro que pode não haver
opção aceitável para a empresa, pois
alguns problemas sociais vão além
das possibilidades da empresa. Para
responder a terceira pergunta podemos ativar um teste piloto onde
se preciso o programa poderá ser
revisado e melhorado.
7.1.3 Implementação e avaliação
– Esta última etapa consiste na
implementação por completo
do programa proposto e, no
momento oportuno realizar
uma avaliação.
7.2 FFase
ase de aavaliação
valiação
A avaliação das atividades
sociais de uma empresa é denominada de auditoria social, onde é examinado o total das ações
organizacionais que dizem respeito
à sensibilidade social e faz uma avaliação formal da eficácia e da eficiência na satisfação das metas dos
programas sociais. É óbvio que algumas empresas, tendo um compromisso maior com os problemas
sociais, farão maiores esforços e
estarão mais envolvidos na solução
dos referidos problemas.
7.2.1 Abordagem do inventário –
Neste caso a administração
fornece ao público uma listagem
de suas ações durante um
período específico – no mínimo
um ano, visando dar à empresa
uma boa reputação junto a
comunidade, ou simplesmente
um parágrafo no relatório anual
aos acionistas. Trata-se do
método mínimo para a auditoria social.
7.2.2 Abordagem do centro de custos
– É um método onde não existe
somente um resumo dos
programas sociais conduzidos
pela empresa, mas também
uma completa prestação de
contas dos custos de cada programa.
7.2.3 Abordagem da administração
de programas – Neste caso adiciona uma avaliação do sucesso
em satisfazer as metas de respon-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
41
A responsabilidade social
das empresas
sabilidade social. Esse programa
leva os gerentes a avaliarem níveis
de sucesso, mas tem recebido
críticas, onde seus críticos
afirmam que muitas vezes as
metas não podem ser formuladas ou medidas com facilidade,
sendo a avaliação uma tarefa extremamente difícil.
42
7.2.4 Análise do custo - benefício –
Este é o procedimento de auditoria social mais abrangente. Ela
procura avaliar os programas
por seus custos e pelos benefícios derivados, tornando-se um
processo difícil de avaliação, já
que supõe que seja possível
definir as metas em termos
mensuráveis, quantificando tanto os custos quanto os benefícios, e fazendo uma comparação
entre os dois.
8 ÁREAS DE ATUAÇÃO DDAA
RESPONSABILIDADE SOCIAL
Existem algumas áreas de atuação da responsabilidade social, onde
muitas organizações se engajam em
programas sociais dependendo de
seus objetivos organizacionais. Para
a maioria das empresas fazerem
investimentos em algumas das
áreas, a seguir.
8.1 Área funcional econômica –
Atuação em atividades como
produção de bens e serviços
necessários às pessoas, criação de
empregos, pagamento de bons
salários e segurança no trabalho.
Estas atividades indicam uma
contribuição na organização da
sociedade.
8.2 Área de qualidade de vida –
Atuação em atividades relacionadas com a qualidade de vida
na sociedade ou redução da destruição ambiental. Produção de
bens de alta qualidade, relações
em empregados e clientes e esforço para preservar o meio
ambiente faz indicadores de que
a empresa está empenhada na
qualidade geral de vida da
sociedade.
8.3 Área de investimentos sociais
– Atuação da empresa em
investimentos de recursos
humanos e financeiros para solucionar problemas sociais da
comunidade, através de instituições que tratem da educação,
caridade, artes etc.
8.4 Área de solução de problemas
– Atuação lidando com solução
de problemas sociais da
comunidade. A participação no
planejamento em longo prazo
da comunidade e na condução
de estudos para identificar
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Pio Marinheiro de Souza Neto, Carlison do C. Barbosa
ereira e Maria Célia T. Amorim Dantas
Lucineyy Macedo D. PPereira
Lucine
problemas sociais e suas
soluções são consideradas como
medidas de responsabilidade
social.
9 AÇÕES DE
RESPONSABILIDADE SOCIAL
As empresas realizam ações de
cunho social das mais variadas
formas. Procuraremos mostrar algumas destas formas, agrupandoas de acordo com os seus parceiros
ou área de atuação.
9.1 Público interno - As empresas que assumem apenas as obrigações ou compromissos legais,
tais como, vale transporte, vale
refeição, etc, não podem ser
classificadas de adeptas da responsabilidade social, mas que
cumpre com as obrigações legais
determinadas em lei. Veja o que
diz o Instituto Ethos sobre este
tipo de empresa:
... A empresa socialmente responsável
não se limita a respeitar os direitos dos
trabalhadores, consolidados na legislação
trabalhista e nos padrões da OIT (Organização Internacional do Trabalho), ainda que esse seja um pressuposto
indispensável. Mas a empresa deve ir além
e investir no desenvolvimento pessoal e profissional de seus empregados, bem como na
melhoria das condições de trabalho...
Como exemplo de uma ação
desta categoria podemos mostrar o
seguinte: A João Fortes Engenharia
destina 10% de seus lucros ao Fundo de Integração Empregado Empresa que, além dos benefícios
tradicionais, possibilita a participação dos empregados na composição acionaria do capital. Parte dos
lucros do exercício é destinada a
uma gratificação aos empregados,
que são incentivados a converter
metade dela em ações da empresa.
Entretanto, se assim preferir, o empregado pode recebê-la integralmente, em dinheiro.
9.2 Fornecedores – A escolha dos
fornecedores deve ser rigorosa,
pois a sua participação e comprometimento implicam no cumprimento de prazos, na escolha de
matéria prima ou serviços de qualidade, cuidado com o meio ambiente e mais recentemente a
preocupação com a erradicação do
trabalho infantil.
Segundo o Instituto Ethos a
empresa deve ter a seguinte conduta: A empresa que tem compromisso com
a responsabilidade social envolve-se com seus
fornecedores e parceiros, cumprindo os contratos estabelecidos e trabalhando pelo aprimoramento de suas relações de parceria.
Cabe à empresa transmitir os valores de
seu código de conduta a todos os participantes de usa cadeia de fornecedores,
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
43
A responsabilidade social
das empresas
tomando-o como orientador em casos de conflitos de interesse...
Como exemplo desta atuação
social podemos, citar as grandes
montadoras de automóveis, como
Fiat, Ford, Chevrolet e Wolkswagen
que exigem dos seus fornecedores
certificados de qualidade da série
ISO, onde é permanente a preocupação com o meio ambiente e as
condições de trabalho.
44
9.3 Comunidade – Trata-se da
contribuição da empresa, através de
ações sociais que proporcionam
uma melhoria da qualidade de vida
na comunidade e a conservação dos
seus recursos naturais, pois a comunidade em que a empresa está inserida fornece-lhe infra-estrutura e o capital social
representado por seus empregados e parceiros, contribuindo decisivamente para a
viabilização de seus negócios. (ETHOS)
Nesta área temos grandes contribuições das empresas com suas
comunidades, mas como exemplos
podemos citar a Fundação Roberto
Marinho, com seu projeto de recuperação de monumentos e proteção do Patrimônio Histórico,
Artístico e Cultural, a iniciativa da
Xerox de distribuir livros gratuitamente a estabelecimentos de ensino
e bibliotecas públicas no nosso país
e finalmente temos a Petrobras, que
mantém uma parceria com o Governo do Estado do Rio Grande
do Norte e ajuda na manutenção
do nosso Parque Estadual das Dunas, em Natal.
10 TRABALHO VOLUNTÁRIO
– O trabalho voluntário, através do estímulo dos meios de comunicação vem recebendo atenção
especial, e atualmente passou a ser
um novo requisito na lista das exigências na seleção de pessoal das
empresas que possuem responsabilidade social.
Também existem aquelas empresas que estimulam a participação
de seus empregados nos trabalhos
voluntários, pois compreendem o
mesmo como um fator de motivação e satisfação das pessoas no seu
ambiente de trabalho. A empresa
pode efetivar este apoio com a liberação de seus empregados em
parte de seu horário de expediente
para ajudar organizações da comunidade ou dando incentivos àqueles
que participam de projetos de caráter social.
11 GOVERNO E SOCIEDADE
– A empresa responsável socialmente deve procurar manter a
transparência política e ética nas suas
relações com os órgãos governamentais e outras organizações da
sociedade, através de um compro-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Pio Marinheiro de Souza Neto, Carlison do C. Barbosa
ereira e Maria Célia T. Amorim Dantas
Lucineyy Macedo D. PPereira
Lucine
misso formal no combate à
corrupção e à propina, seja no recebimento ou na oferta.
Com relação às contribuições
para campanhas políticas, a transparência nos critérios e nas doações
para candidatos ou partidos políticos, é um importante fator de preservação do caráter ético da atuação
da empresa. Ela também pode ser
um espaço de desenvolvimento
da cidadania, viabilizando a realização de debates democráticos
que atendam aos interesses de seus
funcionários.
12 O BALANÇO SOCIAL
Para a empresa ter seus princípios éticos de forma clara e pública,
podendo lhe trazer confiabilidade e
credibilidade no mercado, o balanço social é um bom instrumento
para expor de fato as ações da organização à comunidade, como
exemplo os custos e investimentos
realizados na área social e, assim o
grau de importância da empresa
com seu papel social. Segundo
Hebert de Souza, no seu artigo
“Empresa Pública e Cidadã”, publicado na Folha de São Paulo, em
1997, “o balanço social vem recebendo
bastante evidência, por favorecer a empresa na hora da tomada de decisão pelos
seus acionistas, fornecedores, consumidores e investidores”.
13 OS CONSUMIDORES E A
RESPONSABILIDADE SOCIAL
A pesquisa Responsabilidade Social
das Empresas - Percepção do consumidor
brasileiro mostrou o quanto o consumidor brasileiro é influenciado
pelas práticas das empresas. Para
cada entrevistado foi perguntado
sobre qual atitude de uma empresa
faria com que ele comprasse mais
os produtos da empresa e recomendaria a mesma aos seus amigos.
Os resultados estão nos quadros 1
e 2 a seguir :
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
45
A responsabilidade social
das empresas
Quadro 1 - Brasil: atitudes valorizadas pelo consumidor
Qual das seguintes atitudes de uma empresa estimularia você a comprar mais os seus
produtos e recomendar aos seus amigos?
Contrata deficiente físicos
Colabora com escolas, postos de saúde e entidades sociais da comunidade.
Mantém programas de alfabetização para funcionários e familiares
Adota práticas efetivas de combate à poluição
Mantém um excelente Serviço de Atendimento ao Consumidor
Cuida para que suas campanhas publicitárias não coloquem
em situações constrangedoras, preconceituosas ou abusivas.
Apóia campanhas para erradicação do trabalho infantil
Mantém programas de aprendizagem para jovens na faixa de 14 a 16 anos
Realiza campanhas educacionais na comunidade
Contrata ex-detentos
Participa de projetos de conservação ambiental de áreas públicas
Libera seus funcionários no expediente comercial para ajudar em ações sociais
Promove eventos culturais
46
46%
43%
32%
27%
24%
23%
22%
20%
16%
15%
9%
8%
6%
Fonte: Pesquisa Ethos, Valor Econômico e Indicator Opinião Pública (2000)
Quadro 2 - Brasil: atitudes desvalorizadas pelo consumidor
Qual destas atitudes da empresa fariam com que você não voltasse jamais a comprar seus
produtos ou usar seus serviços?
Propaganda enganosa
Causou danos físicos ou morais aos seus trabalhadores
Colaborou com políticos corruptos
Vendeu produtos nocivos à saúde dos consumidores
Coloca mulheres, crianças e idosos em situações
constrangedoras em suas propagandas
Usa mão-de-obra infantil
Polui o ambiente
Sonega impostos
Provoca fechamento de pequenos empresários regionais/locais
Subornou agentes públicos
Fonte: Pesquisa Ethos, Valor Econômico e Indicator Opinião Pública (2000)
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
49%
43%
42%
32%
32%
28%
27%
22%
13%
11%
Pio Marinheiro de Souza Neto, Carlison do C. Barbosa
ereira e Maria Célia T. Amorim Dantas
Lucineyy Macedo D. PPereira
Lucine
Isso comprova que o consumidor brasileiro está passando a valorizar a empresa pelos seus
investimentos sociais e em cima deste fato, está passando a privilegiar
nas suas compras as empresas que
tenham uma postura de responsabilidade social e volumes de investimentos sociais significativos,
gerando mais vendas e lucros para
essas empresas.
Portanto, uma empresa com boa
imagem perante a sociedade tornase mais conhecida e ao tornar-se
mais conhecida, pode vender mais,
ao vender mais aumenta seu valor
patrimonial e sua competitividade
no mercado.
14 OS GUARDIÕES DA ÉTICA
Um cargo que tem aparecido
cada vez mais nos organogramas
das empresas da Europa: o
deontologista. O deontologista é o
executivo que tem a função de
guardião da ética da empresa, formalizando regras de boa conduta e
instituindo regulamentos para os
empregados. Ele está sempre atento às ações na Justiça por parte dos
consumidores, defensores dos direitos humanos ou do meio ambiente. Também é preocupado com
as interrogações dos acionistas sobre o futuro moral das organizações nas quais investem seu dinheiro.
Dois fatores devem provocar a
proliferação do novo cargo nas organizações pelo mundo. Primeiro,
o aumento da concorrência num
mundo cada vez mais globalizado
e no qual a ética seria um diferencial; segundo, a eclosão de escândalos, como o protagonizado pela
sétima maior corporação americana, a Enron, que foi à falência do
dia para a noite, deixando um rastro de destruição. As empresas agora
fazem a seguinte aritmética: Lucro
+ Responsabilidade Social = Lucro
Justificado.
15 CONCLUSÕES
Percebeu-se neste trabalho, que
nos demais paises do mundo, os
conceitos de responsabilidade social empresarial já são discutidos há
mais tempo do que no Brasil, onde
o movimento de valorização deste
tema passou a ganhar forte impulso
na década de 90.
Mostrou-se que embora a primeira obrigação das empresas seja
a obtenção de lucros, estas podem,
ao mesmo tempo, contribuir para
o cumprimento de objetivos sociais
e ambientais mediante a integração
da responsabilidade social.
Vale lembrar, que as atuações
sociais são atitudes louváveis e devem ser usadas para a valorização
da empresa no mercado. No entan-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
47
A responsabilidade social
das empresas
to, essa valorização deve associar os
valores e objetivos da empresa à
ética, gerando resultados que irá, ao
mesmo tempo, colaborar para a
melhoria das condições sociais da
comunidade onde ela está inserida,
pois deste modo serão mais valorizadas pelos consumidores e investidores.
Esta idéia de responsabilidade deve
ser disseminada em toda parte, principalmente junto aos administradores e
gerentes do futuro, pois a sociedade
brasileira espera que as empresas cumpram um novo papel no processo de
desenvolvimento: sejam agentes de
uma nova cultura e, sejam também
construtores de uma sociedade melhor.
NO
NOTT AS
2
Pesquisa Ação Social das Empresas, IPEA:
http://www.ipea.gov.br/asocial/
3
Economista e Prêmio Nobel de Economia
4
Professor da Universidade Estadual do Arizona
48
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Pio Marinheiro de Souza Neto, Carlison do C. Barbosa
ereira e Maria Célia T. Amorim Dantas
Lucineyy Macedo D. PPereira
Lucine
16 REFERÊNCIAS
CANUTO, Otaviano. O valor da responsabilidade social das empresas. Jornal Valor. São
Paulo, 28 ago. 2001.
CHIAVENATO, Idalberto. Administração nos novos tempos. 2. ed. Rio de Janeiro:
Campus, 1999a.
_________. Introdução à teoria geral da administração. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus,
1999b.
EICHENBEG, Fernando. Os guardiões da ética. Revista Exame. São Paulo, n. 91,
maio, 2002
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Pesquisa ação social das
empresas. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/asocial/>. Acessos entre: maio/jun. 2002.
INSTITUTO ETHOS DE EMPRESAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL, <http://
www.ethos.org.br>. Acessos entre: fev./jun. 2002.
MAXIMIANO, Antônio César Amaru. Teoria Geral da Administração – Da escola científica à competitividade na economia globalizada. São Paulo: Atlas, 1999.
MONTANA, Patrick J.; CHARNOV, Bruce H. Administração. São Paulo: Saraiva, 1999.
SOUZA, Herbert de. Empresa Pública e Cidadã. Folha de São Paulo, São Paulo,
[s.d.],1997.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
49
50
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Administração
A atividade
exportadora como
uma alternativa
para o
desenvolvimento
empresarial
51
Elisângela Cabral de Meireles1
1
Mestre em Administração na área de Gestão e
Políticas Publicas (UFRN). Especialista em
Comércio Exterior e Globalização (UFRN).
Especialista em Globalização e Economia
Regional (UFRN/UNICAMP). Professora do curso
de Administração (Sistema de Informação),
Administração (Comercio Exterior), Turismo e
Serviço Social da FACEX. Professora do Centro
Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande
do Norte, nos cursos superiores de Comércio
Exterior, Automação Industrial e Tecnologia
Industrial. E-mail: [email protected]
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
A atividade exportadora como uma
alternativa para o desenvolvimento empresarial
Exportation as an alternative for
the company development
52
RESUMO
Este artigo tem por objetivo enfocar a
atividade exportadora como uma possível
alternativa para o desenvolvimento das
empresas. Ressalta que no atual mundo global
há uma tendência para a busca de novos
mercados, além dos mercados domésticos, e
que essa necessidade de inserção em novos
mercados enquadra-se perfeitamente ao
acirramento da competitividade internacional.
Sendo assim, são destacados os seguintes
aspectos na discussão: a atividade exportadora
observada como uma atividade viável para as
empresas, a influência da política industrial nas
ações estratégicas empresariais para o
comércio exterior e a interação entre políticas
industriais e políticas públicas de incentivo ao
comércio exterior. Traz à tona elementos
relevantes à questão abordada, tornando
evidente que o comércio mundial mostra-se cada
vez mais alinhado ao fenômeno da globalização,
que, por sua vez, não se manifesta somente na
esfera das relações comerciais, mas, também
nas relações financeiras, produtivas,
econômicas e institucionais, exigindo políticas e
mecanismos capazes de fomentar essas
relações que se interligam e que agem,
efetivamente, sobre o comportamento estratégico
empresarial no mercado.
ABSTRACT
This article has the objective of
highlighting exportation as a possible
alternative for the development of companies.
It also shows that in the current globalized
world there is a tendency to search for new
markets, besides the domestic ones. This
need of getting into new markets fits perfectly
to incitement of international competition. The
following aspects were detected: the
observed activity of exportation as
something viable for the company, and the
influence of industrial policy in the company
strategic actions for international trade. These
observations bring out relevant elements to
the question, highlighting that the world trade
shows itself as fit for the phenomenon of
globalization, which does not appear only in
the commercial relations sphere, but also
financial, productive, economic and
institutional ones. So it needs capable policies
and mechanisms to foment these relations
which are linked, and that act effectively over
the company strategic behavior in the market.
PALAVRAS-CHAVE
Desenvolvimento; competitividade;
exportação; comércio internacional.
KEY-WORDS
Development; competitiveness;
exportation; international trade.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Elisângela Cabral de Meireles
1 INTRODUÇAO
A atividade exportadora, em
foco central neste artigo, apresentase na atualidade como a vertente
mais destacada das relações de comércio internacional, sendo objeto
de diversas discussões, pesquisas e
propostas de ações, quer seja de
governos ou de empresas que vislumbram nas exportações possibilidades de desenvolvimento. O
interesse no trato dessa questão data
de longo tempo, desde a Teoria das
Vantagens Absolutas de Adam
Smith e da Teoria das Vantagens
Comparativas de David Ricardo2
(Maia 2000, p. 229-230).
Contudo, a realidade atual é outra, diversa da apresentada por autores como Smith e Ricardo. Essa
nova realidade passa a ser norteada
pela internacionalização do capital,
do investimento e das relações produtivas, que permitem a livre mobilidade dos fatores de produção
no âmbito mundial, fazendo com
que a atividade exportadora aconteça de forma reconfigurada, dos
pontos de vista tecnológico, político, social, econômico e até mesmo
cultural.Essa reconfiguração, certamente, relaciona-se à aproximação
comercial entre os países por meio
dos blocos econômicos e dos
acordos por eles constituídos,
podendo ser observada sob dois
prismas: países que se unem em
torno de condições comerciais
estabelecidas em comum acordo; e
empresas que não mais estão
restritas a ocuparem espaços nos
seus países de origem, mas deslocam-se
para
produzir
e
comercializar em outros locais que
apresentem condições favoráveis na
unidade do tempo em que estejam
vigentes essas vantagens.
Em concomitância a essas mudanças no mundo atual, alteram-se
os modelos de competição e as formas de inserção em novos mercados. As novas estratégias de acesso
aos mercados (inclusive ao mercado exportador), e as vantagens
competitivas passam a ser cada vez
menos duradouras, tendo em vista
essas alterações. Assim, pode-se até
mesmo considerar que a relação
entre competitividade e sobrevivência no cenário do comércio internacional assume quase que o mesmo
sentido, onde governos e empresas
caracterizam-se como os principais
atores. Ambos reconhecem a existência de diversas possibilidades
competitivas. Para alcançá-las, procuram articular-se em ações, as quais
sofrem influência de diversas formas de desigualdades, quer sejam
provocadas pelas relações entre países, regiões, pela capacidade de produção e de inserção das empresas,
ou ainda, pela atuação nas ações desenvolvidas pelo setor público para
fomento da atividade de comércio
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
53
A atividade exportadora como uma
alternativa para o desenvolvimento empresarial
54
internacional.
Ao que parece, o setor público
dos diferentes países, independentemente das características de fortalecimento ou mesmo de
fragilidade das suas políticas
macroeconômicas tem empreendido políticas voltadas ao incremento do comércio internacional,
visando o aumento das exportações. No caso do setor público brasileiro, em especial, essas políticas se
manifestam pelos vários programas
federais de incentivo à exportação,
bem como por mecanismos auxiliares capazes de colaborar na sua
implementação. Tanto os programas
federais como os mecanismos a que
se faz alusão têm a finalidade de pôr
à disposição das empresas uma série de serviços, incluindo informações sobre as legislações brasileira e
internacional, sobre transferência de
tecnologia, possibilidades de parcerias, formação de consórcios, oportunidades de negócios, linhas de
financiamento, seguros de crédito,
incentivos fiscais, calendário de eventos (feiras, exposições no Brasil e no
exterior), estudos de prospecção de
produtos selecionados para mercados definidos; cadastro de entidades de classe e câmaras de comércio,
entre outros.
Todavia, mesmo diante de toda
essa possibilidade de incentivo e de
acesso ao comércio internacional
visando o incremento das exportações brasileiras, percebe-se dificuldades na condução e aplicabilidade
dessas políticas, e ao que parece,
essas dificuldades são de várias ordens, a exemplo da coexistência de
vários mecanismos com a mesma
finalidade, ou ainda, uma dificuldade que se mostra evidente - a existência de desigualdades regionais,
portanto diferenciadoras, quanto ao
acesso às diferentes linhas de
ação.Uma mostra bastante clara
quanto a essas diversidades está na
implementação desigual dos Programas de Incentivo às Exportações
visto que não são disponibilizados
em todas as Unidades da Federação. Em relação a essa diferenciação de alcance em torno de ações
de fomento destaca-se a proposição de Kon (1998), quando ressalta que uma vez existindo
fatores regionais diferenciadores,
dos pontos de vista político e
econômico, esses terminam por
acentuar as dificuldades de acesso
a alguns mecanismos de desenvolvimento; já, Rosa (1996) destaca ser
o País um sistema integrado, onde
cada região faz parte desse
sistema e interage, influenciando
e sendo influenciada por cada
subsistema, embora algumas sejam mais dinâmicas que outras e
tenham maior poder de determinação das características do
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Elisângela Cabral de Meireles
sistema, como um todo.
Ressaltados esses obstáculos
que surgem a partir da diferenciação regional dessas políticas de incentivo ao comércio exterior,
torna-se imprescindível destacar o
posicionamento que as empresas
precisam adotar no cenário competitivo, independentemente de serem oriundas de regiões com
maior ou menor desenvolvimento econômico.
De forma geral, as empresas
precisam se reposicionar e adotar
condutas e estratégias sob uma perspectiva global, apoiadas no acesso
aos mercados financeiros e de capital, nas tecnologias de ponta,
desconsiderando até mesmo onde
estejam situados seus postos de comando. Benjamin (1998, p. 29) destaca essa questão quando enfatiza
que o atual mundo globalizado conduz a uma nova tendência onde
grandes empresas, capitais e mercadorias dispõem de liberdade para
se movimentarem. Nessa nova tendência, as empresas passam então a
valorizar o contato direto, como
uma forma de agilizar os processos de aprendizagem, de identificação de novos negócios e
oportunidades, passam a delinear
novas estratégias (estratégias essas
cada vez mais voláteis). Importante
destacar que, nesse novo cenário, há
nítidas tendências à formação de
zonas mais densas de comércio em
torno dos três pólos da Tríade (Estados Unidos, Japão e Europa),
portanto levando à polarização do
intercâmbio mundial, com o crescimento da marginalização dos países que não compõem esse Grupo.
Observa-se também o elevado nível alcançado pelo comércio mundial diretamente relacionado aos
IED’s - (investimentos diretos externos), assim como uma distinção
cada vez menor entre o que é “doméstico” e o que é “estrangeiro”,
com a concorrência entre companhias com poder de força, tanto nos
mercados internos como externos,
isso em decorrência dos investimentos estrangeiros e da liberalização
negociada do comércio exterior. Há
que se considerar, portanto: a vigente
substituição do paradigma de vantagens comparativas pelo de
concorrência ou competição
internacional,
onde
a
competitividade de cada um designa quem são os perdedores ou
ganhadores dos processos
produtivos e econômico.
Portanto, ao que parece, a
competição passa a se configurar em
escala global, onde as empresas estão,
permanentemente, reestruturando
geograficamente suas atividades e
mensurando suas ações e ganhos
pelo nível de competitividade presente nas outras empresas.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
55
A atividade exportadora como uma
alternativa para o desenvolvimento empresarial
Dessa discussão que envolve a
participação das empresas nesse cenário competitivo dos blocos e
acordos econômicos regionais,
composto por paises, cujos
interesses são das empresas públicas
e privadas, interesses esses,
manifestados através das suas
estratégias, vale acrescentar a formulação de Chesnais (1996, p. 232),
enfatizando que:
A palavra–chave desse regime de economia internacional é ‘competitividade’(...).
56
Sendo assim, mostra-se preponderante dar atenção ao conjunto de
políticas macroeconômica e industrial que permitem ao Estado meios para interfirir e auxiliar na direção
e rítmo em que as estratégias empresariais reagem e se ajustam a um
dado quadro de competitividade
global.
Todas essas formulações apresentadas cumprem, portanto, a finalidade de evidenciar que as relações
político-institucionais e econômicofinanceiras globais influenciam,
significativamente, e de forma desigual
na adoção de políticas e estratégias de
atuação nacional e regional, repercutindo para as empresas, principalmente
quanto à sua capacidade de inserção
em novos mercados externos.
2 A ATIVID
ADE EXPOR
TIVIDADE
EXPORTTADORA
TIV
COMO ALTERNA
ALTERNATIV
TIVAA VIÁVEL
Ao que parece, de uma forma
geral a atividade exportadora está
relacionada a uma permanente adequação a novos procedimentos e até
mesmo a uma mudança de mentalidade, pois, como bem exposto
por Kotler (1974), a tendência mais
comum entre o empresariado é a
de preferir o mercado nacional por
ser mais simples e seguro.
Portanto, qualquer mudança na
mentalidade do empresariado, vista
de uma forma geral, quanto à
decisão de exportar, só ocorrerá se
esse obtiver conhecimento sobre os
procedimentos necessários e as vantagens em exportar. O mesmo autor destaca que, quando uma
empresa opta pelo mercado externo, faz-se necessário considerar dois
aspectos; se as oportunidades do
mercado externo são boas o suficiente, mesmo frente aos riscos e aos
custos de produção e de inserção
em um novo mercado; e, se a empresa possui recursos e condições
para responder às exigências do
mercado externo.
Ao que parece, são inúmeras as
vantagens em exportar: abertura de
novos mercados, acesso a novas
tecnologias, aumento de vendas,
diversificação dos canais de distribuição, entre outras. Suzuki (1992),
aponta para uma vantagem, em es-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Elisângela Cabral de Meireles
pecífico; a de que a atividade exportadora torna a produção perene quando realizada continuamente,
passando a independer das
sazonalidades e instabilidades do
mercado interno, o que permite ao
empresário exportador um planejamento de longo prazo. Com esse
pensamento, voltado para o comércio exterior, parece concordar
Jaccottet (apud Lacerda, 2000, p.
30): o empresário tem que entrar para
ficar. Ele vai ser mais competitivo no mercado interno, sendo forte no mercado
externo. Sendo assim, essa autora evidencia a relação entre produtividade e aquecimento da produção
interna e externa, o que traz à superfície questões tais como a consolidação de espaços no mercado
interno como evidenciado por
Barney (apud Wolff e Pett, 2000, p.
37) de deter capacidade e conhecimentos tecnológicos suficientemente desenvolvidos, possuir volume
de recursos e capacidade de
produção.
Há, portanto, a evidência de um
aspecto bastante comum entre as
empresas que exportam: uma consolidação nas vendas dos seus produtos para o mercado interno,
anterior à iniciativa de exportar seus
produtos, o que faz lembrar
Johanson & Vahlne (apud Wolff e
Pett, 2000, p. 35), quando enfatizam
que o sucesso alcançado no merca-
do doméstico habilita e incentiva a
empresa a buscar competitividade
em mercados internacionais que
possam parecer similares ao mercado doméstico e portanto continuar a aquecê-lo.
Para quem quer exportar, parece ser o passo inicial o conhecimento do que é exportação e as
diferenças que existem entre realizar uma venda dentro do mercado
interno e uma venda para um outro país, isto porque, embora que a
inserção em ambos os mercados
represente uma ação de cunho comercial, apresentam características
diversas, portanto, exigindo
posicionamentos e escolhas diversas. Segundo Galante (apud Sena,
1999, p. 8):
o empresário que nunca
exportou antes, costuma se
assustar com qualquer problema. Ele não sabe como
treinar a equipe da empresa
para essa nova atividade, desconhece os caminhos para a
mercadoria chegar ao país
interessado na compra e, em
alguns casos, não tem nem os
conhecimentos necessários
para elaborar as perguntaschave para o parceiro comercial.( ) No exterior, ele
precisa conhecer a legislação
do outro para despachar a
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
57
A atividade exportadora como uma
alternativa para o desenvolvimento empresarial
mercadoria, além dos problemas operacionais, como
contratar transportes e armazéns além de adequar o
produto para ser vendido lá
fora.(...) O empresário precisa aprender como se fosse
abrir um negócio novo.
Por sua vez, NOVOS...
(1999, p. 7), afirma que:
58
o novo exportador precisa estar consciente de que o mercado externo não é solução para problemas
imediatos. A penetração no mercado internacional requer um esforço de promoção comercial e o
desenho de uma estratégia de
marketing, que não podem ser
perdidos pela falta do produto
ou por problemas burocráticos
da empresa.
Faz-se importante frisar no
âmbito dessa discussão que, em
geral, as empresas exportadoras
apresentam perfis distintos, que
variam diretamente às diferenciações regional e nacional. O que
significa dizer que as diferenças de
atuação e poder de inserção em
novos mercados podem ser vistos sob a ótica de empresas nacionais, situadas nas varias regiões
do país. No tocante à realidade
brasileira, essa afirmação parece
pertinente uma vez que existem
visíveis diferenças regionais quanto à participação das empresas no
cenário exportador.
Contudo, mesmo que diante das
desigualdades de atuação das empresas exportadoras brasileiras, alguns aspectos são comuns a todas
elas, destacando nesse contexto os
aspectos burocráticos (como anteriormente citados). Contudo não se
faz desnecessário relembrar que
para a empresa brasileira que deseja
exportar, a atividade exportadora
exige o atendimento de algumas
exigências operacionais básicas, que
devem vir imediatamente atreladas
à decisão de exportar. Sem o cumprimento dessas exigências, a atividade exportadora torna-se inviável.
Tais exigências constituem-se na alteração do seu contrato social na
Junta Comercial, na providência dos
registros de exportadores e importadores da Secretaria de Comércio
Exterior - (Secex), no conhecimento da legislação básica sobre o assunto. Esses são apenas alguns dos
requisitos básicos, portanto imprescindíveis, mas a atividade de exportação está relacionada a muitos
outros aspectos não menos importantes para a consolidação do processo Como exemplos, pode-se
destacar: o conhecimento básico da
realidade sócio-econômica, política
e cultural do país para onde se pretende exportar, a disposição de ca-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Elisângela Cabral de Meireles
pacidade financeira e creditícia para
viabilizar os negócios de exportação,
o desenvolvimento de estrutura
logística para encaminhamento dos
produtos, entre outros. Para o desenvolvimento dessas ações, o ponto de partida, certamente está
bastante relacionado às ações desenvolvidas pelo setor público, embora, ao empresariado, não caiba
esperar pelo Estado para incentivos
e desenvolvimento da atividade exportadora, como destacado por
Ilha (2000, p. 9):
Há questões cuja solução não
pode prescindir somente da participação dos empresários. Temos de
estar mobilizados e presentes quando forem discutidas as condições de
acesso à tecnologia, equipamentos e
financiamentos.
Contudo, ao que se observa,
parecem haver algumas dificuldades
de articulação entre as partes envolvidas - Estado e empresa. Isso fica
bastante evidente na afirmação de
Werneck (2000), de que, no caso brasileiro, a principal dificuldade enfrentada para a execução de projetos está
centrada na desconfiança dos empresários em relação ao Governo, às
associações de classe e à existência de
mais de um programa de apoio às
exportações. Essa afirmação deixa
transparecer a existência de um con-
flito interburocrático em um ambiente onde existem várias instituições
e diversos mecanismos de apoio às
exportações que podem não estar
em consonância aos interesses do
empresariado no tocante ao desenvolvimento dessa atividade na
empresa.
3 A POLÍTICA INDUSTRIAL E A
SUA RELEVÂNCIA SOBRE AS
ESTRATÉGIAS EMPRESARIAIS DE
COMÉRCIO EXTERIOR.
Uma das diretrizes da política
industrial deve ser a promoção da
competitividade, segundo formulação de Piza (2000, p. 124). Na tentativa de discutir a competitividade
e a relação desta com a existência
de uma política industrial, a autora
inclui um novo elemento na discussão – a concorrência. Sendo assim,
afirma que concorrência passa a ser
então a interação das unidades econômicas em busca do lucro e
competitividade, esta última um atributo da concorrência. Continua, a
partir dessa lógica, evidenciando que
cabe às empresas desenvolverem
seu potencial competitivo pelas inovações, sobretudo as que acontecem do ponto de vista tecnológico.
Para isso, é necessário que exista um
ambiente competitivo favorável às
empresas para desenvolverem seu
potencial, além do conhecimento
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
59
A atividade exportadora como uma
alternativa para o desenvolvimento empresarial
60
das condições específicas da indústria considerada e do ambiente econômico em sentido amplo. Para a
autora, competitividade não se
constrói buscando destruir suas estruturas, mas explorando ao máximo seu potencial inovador.
Outra proposição bastante pertinente, em relação à política industrial, competitividade e ações
empresariais, embora que apresentada em sentido mais amplo no que
tange a essa questão foi formulada
por Dunning e Narula (apud Piza,
2000, p. 122).Esses autores
enfatizam que políticas industriais
que funcionaram em um país não
irão necessariamente funcionar em
outro, dado que eles denominam
path-dependence3. Utilizam, ainda, outros argumentos para justificar a
possibilidade de realmente existir
essa capacidade desigual de atuação, entre eles: a natureza
idiossincrática de cada país, bem
como de suas firmas, e a linha divergente de políticas, inclusive políticas industriais, que cada país
segue individualmente.
Importante frisar que qualquer que
seja a política industrial, essa deve estar de acordo com as estratégias das
empresas, dependendo sua eficácia da
capacidade de influenciar suas
decisões (Piza, 2000, p. 125).
Com essa discussão parece con-
cordar Ferraz, Kupfer e Haguenauer
(1995, p. 333) quando destacam que:
Redefinem-se os fatores
determinantes da competitividade,
fazendo emergir novas empresas de
sucesso e tornando obsoletas aquelas incapazes de evoluir e adaptar-se ao novo ambiente.
Tal afirmação, se deslocada para
o âmbito da relação entre esses elementos (entre os quais a influência
da política industrial) e o comércio
exterior, parece proceder, se confrontada à formulação de Chesnais
(1996, p. 234), quando esse autor
enfatiza que competir internacionalmente não implica somente desenvolver políticas de exportação, mas
sim adotar medidas dentro do próprio país para que essas, então, possam acontecer.
Até então, foram apresentados elementos tais como a influência de políticas industriais. Mas, como entender
políticas industriais atreladas à atividade
empresarial, se não forem observadas como um subsistema no âmbito
das políticas públicas?
Para responder a tal questionamento, toma-se por referência, a
formulação de Abranches (1998, p.
217-218) que alerta para o fato de
que está sendo gerado um novo
padrão de articulação, onde o Es-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Elisângela Cabral de Meireles
tado, que anteriormente se dedicava a suprir todos os pontos do processo de articulação, atualmente o
faz utilizando-se de arranjos onde a
presença estatal está cada vez mais
regulatória do que interventiva.
O mesmo autor apresenta uma
definição pertinente, onde afirma:
Políticas públicas são aplicações
mais ou menos bem-feitas dos
paradigmas aplicados à economia
e à sociedade. São vistas como soluções públicas para problemas coletivos ou privados.
Para Lafer (1999, p. 227), políticas
de comércio exterior e políticas industriais ambientadas em uma economia
aberta constituem-se como políticas que
possuem as mesmas características. Isto
porque em uma economia aberta dois
aspectos devem ser considerados: o
mercado interno como forte estímulo
à realização de investimentos e o cenário mundial que desestimula a diferenciação entre o que seja mercado interno
e mercado externo. Nas palavras do
autor (idem, p. 229):
A nova modalidade de política industrial e de comércio tem como
princípio diretivo a competitividade;
em outras palavras, a conformação de estruturas produtivas que
respondam a padrões internacionais de preço e qualidade. Os pro-
gramas nos quais essa política se
materializa trabalham assim na
dupla dimensão de adensamento e
internacionalização das cadeias
produtivas, ou seja, buscam fomentar a um só tempo a substituição
competitiva de importações, seletivamente, e a expansão/diversificação das exportações.
No tocante, às políticas de comércio exterior que parecem apresentar as mesmas características das
políticas industriais, parece oportuna a formulação de Coutinho e
Ferraz (1994, p. 90), quando destacam que a política de comércio exterior mais compatível com os
condicionantes internacionais deve
estar centrada na promoção das
exportações, com condições
sistêmicas, alinhadas com a
operacionalização de mecanismos
modernos para deter práticas desleais de comércio e falhas de mercado. Assim, destacam:
As medidas destinadas a suprir
falhas de mercado e a compensar a
atuação de governos estrangeiros
sobre suas exportações constituem
a política de promoção de exportações strictu senso. São elas: i)
aperfeiçoamento e efetivação de um
sistema de financiamento de exportações, incluindo a provisão de seguros e garantias, compensando
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
61
A atividade exportadora como uma
alternativa para o desenvolvimento empresarial
falhas de mercados financeiros e de
seguros internacionais, mundialmente reconhecidas, bem como a
atuação de governos estrangeiros
nessa área; ii) reestruturação e valorização do aparato institucional
público de gestão do comércio exterior brasileiro; iii) desenvolvimento
de um sistema de difusão de informações e de marketing dos produtos nacionais.
62
Lafer (1999, p. 227) destaca: Na
execução dessa política, o desafio está em
compensar as ‘falhas de mercado’, sem incorrer nas ‘falhas de governo’. Quanto a
essas últimas, a preocupação está em
se desenvolver políticas industriais
e de comércio exterior onde a presença do Governo seja mais ativa.
Em relação a essa afirmação,
parece oportuno incluir alguns objetivos, considerados essenciais por
Frichtak e Pessoa (1999, p. 306) para
o desenvolvimento das exportações.
São eles: o crescimento do volume
de produção direcionado ao
mercado externo, o aumento do
valor unitário da atual pauta, por
meio da diferenciação e agregação
de valor aos produtos exportados
e a mudança de sua composição,
pela introdução de novos produtos
a partir de plataformas de exportação em setores tecnologicamente
avançados4.
Parece ficar evidente em todas essas
formulações, a importância que o Estado desempenha na condução das
políticas de estímulo ao comércio internacional, sobretudo no que tange à eliminação de entraves que possam
dificultar tal objetivo, assim como fica
evidente também a relação entre política industrial e política de comércio exterior, essenciais para que o
empresariado atue, formulando,
implementando e avaliando estratégias viáveis ao seu negócio.
4 CONSIDERAÇOES FINAIS
Tendo em vista as formulações
expostas pode-se elencar algumas
considerações de caráter primordial.
A primeira, dentre elas, referese à verticalização por parte das influências do cenário externo,
configurado sob uma perspectiva
global e que repercutem intensivamente sobre as estratégias formuladas pelas empresas (públicas e
privadas), e, sobretudo, em relação
às empresas privadas repercutem
nas suas atividades de comércio,
principalmente no que tange aos
negócios realizados no âmbito do
comércio internacional.
Outra consideração, bastante
interessante, e que, de certa forma,
se confronta à primeira é a de que,
no âmbito empresarial observa-se a
crescente formação horizontal entre
as empresas, uma vez que todas elas
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Elisângela Cabral de Meireles
têm, mesmo que em graus diferentes, acesso às novas tecnologias, informação, capacitação entre outras
variáveis que influenciam significativamente na competitividade das
empresas.
Surge, portanto, uma afirmação
conclusiva em relação a essas duas
primeiras considerações; se por um
lado as empresas podem ser
favorecidas no âmbito competitivo
pela maior facilidade de acesso à
modernidade, por outro, a
conjuntura global, que gera ao
mesmo tempo acesso e exclusão,
obriga as empresas a buscarem um
diferencial, quer seja no âmbito do
que é produzido, ou mesmo no
âmbito do comércio, a exemplo de
buscar vantagens acessando
mercados externos.
Outra questão a ser relembrada:
do ponto de vista global, a busca de
vantagens acontece tanto no seguimento publico como no seguimento privado, pois Estado e empresas
procuram posicionar-se frente às
mudanças aceleradas que demarcam
as posições competitivas a serem
ocupadas. Essa questão nos remete
à outra: a proporção direta entre a
interação desses dois seguimentos e
a eficácia das estratégias escolhidas,
uma vez que o setor privado alcançará maior inserção se obtiver o
apoio do setor público por meio de
políticas e mecanismos de fomento.
Em se tratando de eficácia nas
estratégias empresariais associadas à
atividade exportadora, há, portanto,
uma sensível relação entre o fomento de políticas industriais e políticas
de comércio exterior (que assumem
o mesmo significado) e o aumento
da competitividade das empresas..
Essa eficácia, se alcançada por parte
das empresas e do Estado por meio
das suas estratégias e ações, repercute na melhoria do posicionamento
macroeconômico do país.
NO
NOTTAS
2
A Teoria das Vantagens Absolutas de Adam
Smith (1776) defende a idéia de que cada país
deve comercializar internacionalmente produtos
nos quais possuam vantagens absolutas na produção. A Teoria das Vantagens Comparativas
de David Ricardo (1817) surge, de certa forma,
como tentativa de preencher a lacuna deixada
pela Teoria de Adam Smith, sobretudo em relação à possibilidade de um país não possuir nenhum produto com vantagem absoluta, do ponto
de vista da comercialização internacional. Assim, o autor sugere como alternativa deslocar
os recursos para a produção de um dado produto, em detrimento de outro, para assim, tornan-
do-se competitivo nesse produto, o outro do qual
a capacidade produtiva foi deslocada, possa ser
adquirido do exterior a preços mais baixos.
3
Segundo os autores, essa expressão significa
o mesmo que dependência da trajetória, o que
em outras palavras quer dizer que o passado
determina as estratégias presentes, bem como
as estratégias presentes determinam as ações
futuras.
4
Esses autores (1999, p. 313) entendem por
“plataforma de exportação” a identificação de
setores e segmentos específicos com capacidade de projeção global e respectivas empresas
importantes na cadeia de valor.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
63
A atividade exportadora como uma
alternativa para o desenvolvimento empresarial
6 REFERÊNCIAS
ABRANCHES, Sérgio. Ruptura e adaptação: o novo paradigma produtivo e a formulação
de políticas públicas para a economia. In: VELLOSO, João Paulo dos Reis (Coord.) et al.
O Brasil e o mundo no limiar do novo século. Rio de Janeiro: José Olímpio,
1999, p. 208-237.
BENJAMIN, César. A opção brasileira. Rio de Janeiro: Contraponto, 1998.
CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.
COUTINHO, Luciano G. A. A fragilidade do Brasil em face da globalização. In: BAUMANN,
Renato (Org.). O Brasil e a economia global. Rio de Janeiro. Campus: Sobeet, 1996, p.
219-237.
COUTINHO, Luciano G. A.; FERRAZ, João Carlos. Estudo da competitividade da
indústria brasileira. Campinas: Papirus, 1994.
FERRAZ, João Carlos; KUPFER, David; HAGUENAUER, Lia. Made in BRAZIL: desafios competitivos para a indústria. Rio de Janeiro: Campus, 1995.
64
FRISCHTAK, Cláudio Roberto; PESSOA, Cristina Machado Salazar. Política industrial e
expansão das exportações: uma nova política. In: VELLOSO, João Paulo dos Reis (Coord.)
et al. O Brasil e o mundo no limiar do novo século. Rio de Janeiro: José Olympio,
1999. p. 291-316.
HAGUENAUER, Lia; FERRAZ, João Carlos; KUPFER, David. Competição e
internacionalização na indústria brasileira. In: BAUMANN, Renato (Org). O Brasil e a
economia global. Rio de Janeiro: Campus: Sobeet, 1996, p. 196-217.
ILHA, Flávio.Os empresários não devem esperar pelo governo.Exportar e gerência: a
revista da pequena empresa exportadora. Brasília, n. 21, jun. 2000. p. 8-9.
KON, Anita. Diferenças regionais na produtividade setorial no Brasil. In: Encontro
Nacional da Anpec, XXVII, 1998, Vitória/ES. Anais...., RJ, [s.n.], 1998, 1 CD-ROM.
KOTLER, Philip. Administração de marketing: análise, planejamento e controle. São
Paulo: Atlas, 1974.
LAFER, Celso. A política de comércio exterior. In: VELLOSO, João Paulo dos Reis (Coord.)
et al. O Brasil e o mundo no limiar do novo século. Rio de Janeiro: José Olímpio,
1999. p. 225-236.
LACERDA, Denise. Caça talentos. Exportar e gerência: a revista da pequena empresa
exportadora. Brasília, n. 20, maio 2000. p. 30-32.
MAIA, Jaime de Mariz. Economia internacional e comércio exterior. 6. ed. São
Paulo: Atlas, 2000.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Elisângela Cabral de Meireles
NOVOS mercados para crescer. Exportar e gerência: a revista da pequena empresa
exportadora. Brasília, n. 7, abr. 1999. p. 6-7.
PIZA, Elaine Cristina de. Política industrial e globalização: atração de IED como estratégia
de crescimento. Caderno de Administração, Maringá, v. 8, n. 2, jul./dez., 2000. p. 115-130.
ROSA, Antônio Lisboa Teles da. Produtividade, competitividade e estrutura da indústria
nordestina a partir de 1980. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 27, n. 3, jul./
set., 1996. p. 277-295.
ROSA, Antônio Lisboa Teles da; NOGUEIRA, Cláudio André Gondim. Abertura econômica
e competitividade da indústria brasileira: uma análise regional (1985-1997). In: Encontro
Nacional da Anpec, XXVII., [s.n.], 1998, Vitória/ES, Anais..., RJ. 1998, 1CD-ROM.
SENA, Carla. SBCE – Exportação garantida ou o dinheiro de volta. Exportar e gerência:
a revista da pequena empresa exportadora, Brasília, n. 13, out. 1999. p. 11-13.
SUZUKI, Lúcia. et al. Exportar e importar : acredite nesta idéia: as práticas de comércio
exterior ao alcance do pequeno médio. São Paulo: Maltese, 1992. (Série Desenvolvimento Gerencial).
WERNECK, Dorothea. As empresas de pequeno porte e as exportações em 2000.
Disponível em:<http://www1.bancodobrasil.com.br/por/notícias/comex/rev27/opinião.asp>.
Acesso em:15/09/00.
WOLFF, James A.; PETT, Timothy L. Internacionalization of small firms: examination of
export competitive patterns, firm size, and export performance. Journal of Small Business
Management, v. 38, n. 2, apr. 2000. p. 34-47.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
65
66
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Biologia
Ictiofauna
dos grandes
reservatórios do
semi-árido do Rio
Grande do Norte
(Bacia do
Piranhas - Açu),
Nordeste
do Brasil
67
Aldemir Gomes Freire1
1
Biólogo. Doutor em Ciências Ambientais.
Professor Adjunto IV dos Cursos de Graduação
em Ciências Biológicas e Aqüicultura e do
Programa de Pós-Graduação em Bioecologia
Aquática da UFRN. Praia de Mãe Luiza S/N.
CEP: 59014-100, Natal, RN. Membro do Conselho
Editorial da Revista Carpe Diem. e-mail:
[email protected].
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Ictiofauna dos grandes reservatórios do semi-arido
do Rio Grande do Nor
Norte
te (Bacia do Piranhas - Açu) Nordeste do Brasil
Ichthyofauna from major tanks in
semi-arid region of Rio Grande do
Norte (Piranhas, Açu), Northeast of
Brazil.
68
RESUMO
Neste trabalho são apresentados os
dados de produção pesqueira dos grandes
açudes administrados pelo DNOCS na
região do semi-árido norte-riograndense,
assim como seus dois grandes grupos que
compõem sua comunidade ictiofaunística, de
espécies nativas: Prochilodus cearensis
(curimatã), Leporinus sp (piau),
Serrasalmus sp (pirambeba), Triportheus
angulatus (sardinha), Hoplias malabaricus
(traíra), Hypostomus sp (cascudo),
Curimata ciliata (branquinha) e de espécies
introduzidas Astronotus ocellatus (apaiari),
Plagioscion squamosissimus (pescada),
Oreochromis niloticus (tilápia), Cichla
monoculus (tucunaré), levando-se em
consideração seus hábitos alimentares,
também subdivididos em dois grandes
grupos de espécies, denominadas,
forrageiras e carnívoras, compondo dessa
maneira a comunidade ictiológica desta
região.
ABSTRACT
Presented in this study are data on fish
production of large dams in the semi-arid
region of the State of Rio Grande do Norte
under the administration of DNOCS. The
ichthyofauna of these ecosystems consists
of indigenous species composed of
Prochilodus cearencis.(curimatã),
Leporinus sp (piau), Serrasalmus sp
(pirambeba), Triportheus angulatus
(sardinha), Hoplias malabaricus
(traíra),Hypostomus sp (cascudo),
Curimata ciliata (branquinha) as well as the
species introduced such as Astronotus
ocellatus (apaiari), Plagioscion
squamosissimus (pescada), Oreochromis
niloticus (tilápia), Cichla monoculus
(tucunaré). Also included in the study are
feeding habits of all the species of
ichthyofauna which are either foragers or
carnivores.
PALAVRAS-CHAVE
Ictiofauna; semi-árido; reservatório
KEY-WORDS
Ichthyofauna; semi-arid; reservoir
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Aldemir Gomes Freire
1 INTRODUÇÃO
O processo da barragem dos
sistemas fluviais realizados pelo
DNOCS (Departamento Nacional
de Obras Contra as Secas), provocou importantes modificações nas
condições físico-química das águas
e do substrato, bem como na estrutura e abundância das espécies
nativas com reflexos diretos sobre
a capacidade de auto renovação das
populações aquáticas (Macêdo,
1991).
A produção pesqueira nos açudes do Rio Grande do Norte realiza-se sob a administração do
DNOCS, visando: a) o povoamento das águas interiores com peixes
de boa qualidade; b) proteger a
ictiofauna contra seus inimigos naturais e, c) organizar a pesca e divulgar os processos de conservação
do pescado (Silva, 1987). Toda a
produção do pescado realiza-se
através do repovoamento de
alevinos produzidos pelas suas estações de piscicultura, cuja prática é
considerada indispensável para
compensar a rápida depleção dos
estoques, decorrentes das
explotações e de uma eventual ausência de desova das espécies nativas, tipicamente lóticas, que por
características climáticas da região,
podem comprometer a reprodução das espécies devido a longos
períodos de seca.
Dessa maneira o presente trabalho evidencia a produção pesqueira
por espécie, quer seja considerada
nativa ou introduzida, levando-se
em consideração seu hábito alimentar, forrageira e carnívora.
2 MA
TERIAL E MÉT
ODOS
MATERIAL
MÉTODOS
Este trabalho foi desenvolvido
com os dados sobre a produção do
pescado, obtidos das fichas de “Esforço de Pesca por Amostragem”
da Divisão de Pesca e Piscicultura
do DNOCS/RN, dos grandes açudes, aqui representados por:
“Engenheiro Armando Ribeiro
Gonçalves” e Mendubin, ambos situados no município de Açu; Marechal Dutra, em Acari; Itans, em
Caicó; Boqueirão de Parelhas, em
Parelhas; Sabugi, em São João do
Sabugi, cuja capacidade de armazenagem d’água excede de
40.000.000 m3.
Para caracterização da comunidade ictiofaunística dos açudes levou-se em consideração o trabalho
de Almeida et al. (1993), considerando-se espécies nativas, a
curimatã (Prochilodus cearensis), piau
(Leporinus
sp),
pirambeba
(Serrasalmus sp), sardinha (Triportheus
angulata), traíra (Hoplias malabaricus),
cascudo (Hypostomus sp), branquinha
(Curimata ciliata) e as introduzidas,
apaiari (Astronotus ocellatus), pescada
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
69
Ictiofauna dos grandes reservatórios do semi-arido
do Rio Grande do Nor
Norte
te (Bacia do Piranhas - Açu) Nordeste do Brasil
(Plagioscion squamosissimus), tilápia
(Oreochromis niloticus) e o tucunaré
(Cichla monoculus). As espécies foram
classificadas de acordo com o seu
hábito alimentar em forrageiras e
carnívoras, caracterizando-se a
denominação de herbívoros, que,
geralmente são denominados de
forrageiros (Zavala-Camin, 1996), as
espécies que servem potencialmente de alimentos para as carnívoras
(predadoras), e carnívoras, aquelas
que utilizam além de peixes, crustáceos e insetos como suas presas preferenciais na sua dieta alimentar.
70
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
De acordo com os resultados
observados verificou-se que os
grandes açudes do semi-árido do
Rio Grande do Norte, o que apresenta maior capacidade de armazenagem d’água é o Armando Ribeiro
Gonçalves (Tabela 1). Quanto às
espécies que compõem a ictiofauna
dos diversos açudes estudados, observa-se a presença de 11 espécies,
sendo 7 nativas (Tabela 2) e 4
introduzidas (Tabela 3). No açude
Armando Ribeiro Gonçalves des-
taca-se o tucunaré com maior produtividade e em seguida a pescada
(Tabela 3) peixes introduzidos, carnívoros (Tabela 5), porém com elevada plasticidade alimentar, como
indica seu consumo de macroinvertebrados em algumas regiões
do país (Hahn, 1991). Entre as espécies nativas, destaca-se o curimatã
na maioria dos açudes (Tabela 2).
No registro das espécies nos diversos açudes observa-se a predominância dos Cichlidae (Tabela 4)
representados na sua maioria pelas
tilápias, principalmente no açude
Marechal Dutra (Acari), cujas espécies pelo seu caráter adaptativo, seu
comprimento máximo pequeno,
período de vida curto com taxa
de crescimento elevada, ou seja,
um r-estrategista, que em ambientes instáveis e não previsíveis
como os açudes, aloca o máximo de seus recursos na reprodução e produzir o maior
número possível de descendentes (seleção r) (Vazzoler, 1996).
A tilápia, (Cichlidae) (Tabela 4)
entre as espécies forrageiras destaca-se na produção pesqueira
dos grandes açudes (Tabela 6).
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Aldemir Gomes Freire
Tabela 1 – Grandes açudes da bacia hidrográfica do sistema Piranhas/Açu, no
Rio Grande do Norte, com seus respectivos nomes, rio barrado, capacidade de
armazenagem d’água e município de localização.
Açudes
rio barrado
Capacidade
Município
armazenada (103m3)
Eng. Armando
Ribeiro Gonçalves
Mendubim
Marechal Dutra
Itans
Sabugi
Açu
Paraú
2.400.000
76.349
Açu
Açu
Acauã
Barra nova
40.000
81.750
Acari
Caicó
Sabugi
65.335
S. João do Sabugi
Tabela 2 – Abundância absoluta e relativa da produção pesqueira das espécies
nativas nos grandes açudes da região do semi-árido do Rio Grande do Norte,
no período de 1987 a 1997.
Espécies/Açudes Armando Ribeiro
Mendubim
Marechal Dutra
N
%
N
Curimatã
290.684
36,7
81.777
46,0 120.343
Piau
125.875
15,9
31.698
18,7
800
0,1
-
-
-
-
-
-
Traíra
126.572
16,0
64.507
Cascudo
246.611
31,2
-
-
-
Pirambeba
Sardinha
Branquinha
Total
790.502
%
100 177.982
N
Itans
Sabugi
%
N
%
N
%
73,4
123.397
16,1
286.809
30,8
-
-
36.439
4,7
336.809
36,0
-
-
123
0,1
-
-
-
-
384.389
50,2
4.840
0,5
36,2
41.513
25,3
219.903
28,7
303.744
32,6
-
-
-
-
-
-
-
-
1.995
1,2
1.500
0,2
-
-
100 163.851
100
765.751
100
931.485
100
Tabela 3 – Abundância absoluta e relativa da produção pesqueira das espécies
introduzidas nos grandes açudes do semi-árido do Rio Grande do Norte, no período de 1987 a 1997.
Espécies/Açudes Armando Ribeiro
N
Apaiari
266.250
%
Mendubim
N
Marechal Dutra
%
4,4
68.852
8,6
Pescada
1.747.774 29,1
618.601
Tilápia
1.489.694 25,0
14.688
Tucunaré
2.489.694 41,5
Total
5.997.401
100
N
%
Itans
N
Sabugi
%
N
%
144.716
12,1
31.055
1,0
65.952
1,6
76,7
698.482
21,6
3.297.994
75.8
457.742
38,3
1,9
2.314.996
71,3
415.226
9.6
309.844
26,0
104.703
13,0
199.017
6,2
571.762
13.1
282.187
24,0
806.844
100
3.243.550
100
4.350.934
100
1.194.489
100
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
71
Ictiofauna dos grandes reservatórios do semi-arido
do Rio Grande do Nor
Norte
te (Bacia do Piranhas - Açu) Nordeste do Brasil
Tabela 4 – Abundância relativa (%) das espécies carnívoras dos grandes açudes
do semi-árido do Rio Grande do Norte. (ARG = Armando Ribeiro Gonçalves; ME
= Mendubim; MD = Marechal Dutra; IT = Itans e SA = Sabugi).
Espécies /Açudes
ARG
ME
MD
IT
squamosissimus
Serrasalmus sp
40
0,2
78,5
-
74,4
-
80,6
0,3
43,8
-
SAP
Hoplias malabaricus
Cichla monoculus
2,9
57
8,2
13,3
4,4
21,2
5,3
14
29,1
27,0
Tabela 5 – Abundância relativa (%) das espécies forrageiras dos grandes açudes
do semi-árido do Rio Grande do Norte. (ARG = Armando Ribeiro Gonçalves; ME
= Mendubim; MD = Marechal Dutra; IT = Itans e SA = Sabugi).
72
Espécies/Açudes
Asrtonotus ocellatus
ARG
11,0
ME
35,0
MD
1,2
IT
6,4
SA
13,4
Prochilodus cearensis
Leporinus sp
12,0
5,2
41,5
16,0
4,8
-
12,0
3,6
26,5
31,0
Triportheus angulata
Oreochromis niloticus
61,6
7,4
94,0
37,4
40,4
0,4
28,7
Hypostomus sp
Curimata ciliata
10,2
-
-
0,08
0,1
-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Aldemir Gomes Freire
4 REFERÊNCIAS
ALMEIDA, G. R., SOARES, L. H., EUFRÁSIO, M. M. Lagoa do Piató: Peixes e Pesca.
Natal: CCHLA, 1993. 84 p.(Coleção Humanas Letras).
HAHN, N. S. 1991. Alimentação e dinâmica da nutrição da curvina Plagioscion
squamosissimus (Heckel, 1840) (Pisces, Perciforme) e aspectos da estrutura trófica
da ictiofauna acompanhante no rio Paraná. UNESP. Tese de Doutorado em Ciências.
Instituto de Biociências/UNESP. Rio Claro, 1991.287 p.
MACÊDO, M. V. A .1991. Características físicas e técnicas dos açudes públicos do
Estado do Ceará. Fortaleza: DNOCS,1991. 140 p.
SILVA, J. W. B.1987. A aquicultura nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. In: Anais do 5o
Congresso Brasileiro de Engenharia de Pesca. Fortaleza, 1987. p. 24-29.
VAZZOLER, M. E. A. Biologia da reprodução de peixes teleósteos: teoria e prática.
Maringá: EDUEM: São Paulo: SBI, 1996. 169 p.
ZAVALA-CAMIN, L. A Introdução aos estudos sobre alimentação natural em peixes.
Maringá: EDUEM, 1996. 129 p.
73
AGRADECIMENT
OS
AGRADECIMENTOS
Nossos agradecimentos à Coordenadoria do DNOCS/RN, pelo apoio
logístico e acesso aos dados das fichas de amostragem do controle de
desembarque do pescado, nos diversos açudes, objeto desse estudo.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
74
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Biologia
Impactos ecológicos
na água da
Barragem
Marechal Dutra
(Acari-RN), região
semi-árida
nordestina
75
Aldemir Gomes Freire1
Maryssol de Moraes e Silva2
1
Biólogo. Doutor em Ciências Ambientais.
Docente dos curso de Ciências Biológicas,
Aqüicultura, Zootecnia e do Programa de Pósgraduação em Bioecologia Aquática da UFRN.
Membro do Conselho Editorial da Revista Carpe
Diem. E-mail: [email protected]
2
Mestre em Bioecologia Aquática pela UFRN
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Impactos ecológicos na água da Barragem
Marechal Dutra (Acari-RN), região semi-árida nordestina
Ecological impacts on the waters of
Marechal Dutra dam (Acari - RN),
semi-arid northeast region
76
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo
avaliar e reunir informações acerca da
qualidade da água da Barragem “Marechal
Dutra”, situada no município de Acari, no
Estado do Rio Grande do Norte, com
relação aos aspectos ecológicos
responsáveis pelo afloramento demasiado
de algas e a influência deste fenômeno sobre
a mortandade dos organismos existentes.
Os resultados indicaram que o ambiente em
estudo já demonstra um processo de
eutrofização sendo necessário o
monitoramento, ou seja, um estudo mais
detalhado do mesmo.
ABSTRACT
The present work had as main objective
to evaluate and reunite information about
the water quality of the Marechal Dutra dam,
located in the county of Acari, in the state of
Rio Grande do Norte, with ecological
aspects responsible for blooms of the alges
that influenced this phenomenon upon
mortality of the existing organisms. The
results showed that the environment (dam),
demonstrates a process of eutrophycation,
that influenced water quality for the
population from the riverside, so that it will
be necessary a deeper monitoring of the
dam.
PALAVRAS-CHAVE
Mortandade de peixes; eutrofização;
barragem.
KEY WORDS
Mortality of the fishes; eutrophycation;
dam.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Aldemir Gomes Freire
Maryssol de Moraes e Silva
1 INTRODUÇÃO
A água é um importante recurso natural disponível no nosso planeta, porém em pouca quantidade,
apenas 2,5% representa água doce
no qual menos de 1% é acessível ao
consumo humano, representando
um sério problema para a população de um modo geral. Em cada
país existe registro de inúmeros problemas em função da falta de água,
inclusive o Nordeste brasileiro que
possui regiões extremamente secas.
A área total que mostra tais peculiaridades é conhecida como
“Polígono das Secas”, que atinge
parcialmente os estados do Piauí,
Ceará, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Pernambuco, Alagoas,
Sergipe e Minas Gerais. Nessa região
há uma imensa escassez e
irregularidade pluviométrica ao
longo dos anos provocados pela
inconstância anual e plurianual das
chuvas, bem como a alta evaporação, promovendo a perda da maior parte da água superficial e pela
interrupção momentânea de grande parte da rede hidrográfica criando um obstáculo não só para a
captação,
como
para
o
armazenamento deste recurso. Por
tal razão, inúmeras barragens foram
construídas visando principalmente
o acúmulo de água, já que a mesma
é considerada um fator limitante de
sobrevivência e desenvolvimento
além de minimizar os efeitos da seca
e melhorar o padrão de vida do
homem nordestino.
De acordo com Tundisi (1999b)
as barragens podem ser definidas
como sendo ecossistemas artificiais
entre rios e lagos, estando sujeitos à
ação de forças climatológicas tais
como: ventos, precipitação e radiação solar. Sua intervenção nos rios
em que são construídos alteram o
fluxo, os sistemas terrestres e aquáticos intensamente. No entanto, vários são os benefícios que a mesma
proporciona, tais como, o
armazenamento de água para abastecimento urbano, com o propósito de suprir suas necessidades
básicas, como por exemplo, para a
irrigação, a agricultura de vazante,
lazer, pesca e piscicultura intensiva.
Porém, como as chuvas na região
apresentam-se de maneira irregular
na sua intensidade e distribuição,
contribuirá para o aumento do tempo de residência da água na barragem que por sua vez irá
comprometer a qualidade da mesma, além do surgimento de outros
problemas ecológicos, como a sucessão de comunidades em sistemas
que apresentam rápidas mudanças,
perda de áreas alagadas, perda da
biodiversidade dos rios, barreira
para a migração de peixes, mortandade de peixes, perda de espécies
nativas, eutrofização e efeitos de
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
77
Impactos ecológicos na água da Barragem
Marechal Dutra (Acari-RN), região semi-árida nordestina
78
pulsos ecológicos.
Nos ecossistemas aquáticos, o
fenômeno da eutrofização surge em
função das atividades antropogênicas
que logo causará modificações nas
estruturas das comunidades
fitoplanctônicas (Hutchinson, 1973).
A partir dos anos 50, o surgimento
da eutrofização tem se tornado corriqueiro em conseqüência da expansão demográfica e industrial que
contribui para a entrada de nutrientes principalmente o nitrogênio e
fosfato derivado de atividades industriais, agrícolas e os esgotos domésticos que se ampliam não
possibilitando o reequilíbrio por
fo r ç a s h o m e o s t á t i c a s d o s
ecossistemas (Wetzel, 1983). A
eutrofização de barragens é um
processo que resulta no aumento de nutrientes essenciais para
o fitoplâncton e plantas aquáticas superiores, principalmente
nitrogênio, fósforo, potássio,
carbono e ferro, caracterizando
um estado de tensão. A eutrofia
e a oligotrofia só podem ser definidas por referência a um contexto regional. Desta maneira,
este trabalho teve por objetivo
avaliar e reunir infor mações
acerca da qualidade da água da
Barragem Marechal Dutra,
Acarí/RN, com relação aos aspectos ecológicos e a influência
da sua degradação sobre os organismos existentes.
2 MA
TERIAL E MÉT
ODOS
MATERIAL
MÉTODOS
2.1 Área de Estudo
O presente trabalho foi desenvolvido na Barragem Marechal
Dutra, localizada no Município de
Acari, Estado do Rio Grande do
Norte, construída entre as coordenadas de 6°26’11’’ de latitude sul e
36°36’17’’ de longitude oeste, situada a 4 km da cidade de Acari e 30
km de currais Novos/RN com capacidade total de 40.000.000 m³.
Área drenada de 2.400.000 km²,
Bacia hidráulica de 780 ha, com profundidade estimada em 21m e profundidade média em 5,2m. O
mesmo encontra-se a 300m de altitude, localizado entre os contrafortes da parte Setentrional da Chapada
da Borborema, com altitude em
torno de 500m a 600m, em terreno
de embasamento cristalino, abrangendo rochas do grupo Caicó do
Pré-Cambriano inferior a médio.
Bacia hidrográfica de 2136,9 km²,
sua construção foi concluída em 27
de abril de 1959 pelo barramento
do rio Acauã, tributário da bacia
hidrográfica Piranhas-Açu.
A área de formação do reservatório desta barragem pode ser
identificada como típica do sertão
nordestino pertencente ao chamado polígono das secas e se encontra
na microrregião do Seridó oriental,
zona homogênea de Currais Novos
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Aldemir Gomes Freire
Maryssol de Moraes e Silva
de clima semi-árido, vegetação de
caatinga, a precipitação pluvio-métrica anual média é de 49,6 mm,
máxima de 1137,6 mm, mínima de
18,0mm, é considerado um dos climas mais quentes do nordeste brasileiro, com temperatura média de
27,5°C. A utilização dessa barragem
consiste no abastecimento com água
potável das cidades de Acari e Currais Novos, incluindo as colônias de
pescadores de Bulhões e Acari, que
se localizam em suas profundidades, beneficiando uma população
em torno de 40 mil habitantes. Em
épocas de seca procura abastecer
através de carro pipa, a população
que residem na zona rural do município, e cidades vizinhas até mesmo na Paraíba. Realiza-se ainda a
atividade pesqueira, cultivos em
gaiolas sem sucesso, irrigação, a
agricultura de vazante e atração
turística e lazer.
2.2 Metodologia
A fonte principal de dados para
esta pesquisa constituiu-se dos relatos obtidos junto aos técnicos do
Departamento Nacional de Obras
Contra a Seca - DNOCS, pescadores, moradores e publicações
preliminares de pesquisadores da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que forneceram informações sobre a ocorrência de
mortandade dos peixes presentes
na Barragem Marechal Dutra no
período de dezembro de 1999. A
partir destes resultados foi feita uma
análise, bem como uma descrição
detalhada do fenômeno causador
de tais mortandades, buscando
possíveis explicações para a ocorrência do mesmo com o intuito de
avaliar as condições e ecológicas
ambientais em que se encontra a
referida barragem.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Um dos primeiros relatos efetuado com respeito à ocorrência de
Blooms de algas foi registrado por
Okuda et al. (1963), que efetuaram
um estudo para avaliar as condições
hidrográficas na Barragem Marechal
Dutra, em função do registro de um
fenômeno ocorrido no meses de
agosto a setembro, resultando numa
reprodução em massa do
fitoplâncton, causando a mortandade de uma considerável quantidade
de peixes.
Os resultados apontaram uma
estratificação da água bem desenvolvida, indicando mistura vertical
inativa, uma alta concentração de
nutrientes na coluna d’água. Tais fatos podem ter se originado em função das condições topográficas e
meteorológicas, como por exemplo, um estreitamento da área neste
local, uma elevada demanda
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
79
Impactos ecológicos na água da Barragem
Marechal Dutra (Acari-RN), região semi-árida nordestina
80
evaporativa, uma intensa radiação
solar e a direção dos ventos no sentido do reservatório tenham contribuído para a reprodução do
fitoplâncton, com o seu eventual
florescimento.
Costa e Chellappa (1999) realizando uma pesquisa na referida barragem, observaram uma elevada
mortandade de peixes, durante o
mês de dezembro, com a duração
de três dias, e na ocasião avaliaram
a estrutura da comunidade
fitoplanctônica, analisando os
parâmetros físicos, químicos e
biológicos, constatando que na estação seca, houve uma baixa transparência da água ao longo da coluna
d’água, que poderia ser devido à
concentração de organismos
fitoplanctônicos. O aumento da
temperatura do ar, comum nesta
região favorece o aquecimento da
massa de água superficial, que por
sua vez contribuirá para o
surgimento de blooms de Microcystis
sp. O pH variando em média 7,7 –
8,5 acarretou o surgimento de
táxons Chlorococcales. Segundo
Dussart (1966), o oxigênio dissolvido na água pode se apresentar
como um fator limitante para a sobrevivência de alguns organismos.
Neste estudo foi registrada a mortandade de peixes, em área localizada de cultivo em gaiolas,
atribuídas a anoxia na coluna d’água,
condição resultante da alta demanda de oxigênio causado pela respiração dos organismos aquáticos à
noite, inclusive do próprio Bloom
fitoplanctônico.
Tundisi (1999a) menciona o efeito de pulsos, ou seja, qualquer tipo
de alteração rápida natural ou
induzida pela intervenção humana
que modifica as variáveis físicas,
químicas e biológicas dos reservatórios. Esse fenômeno ocorre quando há uma entrada de material no
reservatório, como por exemplo, a
água de precipitação pluviométrica,
ventos e também pela ação
antrópica com a poluição orgânica
pela entrada de tributários. O tempo que esses pulsos naturais surgem
podem ser freqüentes e estacionais
ou ainda ocasionais com magnitudes diversas e efeitos diretos ou
indiretos.
Os pulsos artificiais abrangem
aberturas de comportas de barragens, flutuações no nível da água,
movimentação de embarcações enquanto que os pulsos estacionais resultam em diferentes mecanismos
de circulação com a entrada de correntes advectiva no sistema e modificações na composição química
da água. O surgimento dos pulsos
ocasionais se dá com a quebra da
termoclina, por ação do vento e
redistribuição de organismos
planctônicos na coluna de água.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Aldemir Gomes Freire
Maryssol de Moraes e Silva
Quando há pulsos rápidos de liberação de água de comportas pode
ocorrer uma supersaturação de oxigênio o que causará a mortandade
em massa de peixes a jusante.
Uma das principais causas da
eutrofização das barragens no nordeste é a vegetação remanescente
pelo não desmatamento da sua área
inundada, aliada ao tempo de residência. A maior diferença entre as
barragens do nordeste e outras regiões é que as primeiras são
construídas em rios de cursos intermitente, cuja finalidade principal é a
reserva hídrica. Por este motivo os
reservatórios são construídos de
maneira a atravessar longos períodos de estiagem aumentando, assim,
o tempo de residência da água e
favorecendo a eutrofização. Outra
influência é devido às características
climáticas regionais que provocam
o desfolhamento da vegetação no
período de estiagem e seu
carreamento para a represa por ocasião das chuvas. Este processo é repetido durante todos os ciclos de
chuvas, provocando impacto de
nutrientes no início das cheias justamente quando o reservatório encontra-se em seu nível mais baixo
e, portanto, os nutrientes se diluirão
em menor volume de água. Outra
diferença regional é que em períodos de estiagem prolongada o volume do reservatório fica reduzido,
concentrando a biomassa e expondo as regiões de aluvião, mais férteis, à luz solar, e, consequentemente,
promovendo
uma
maior
eutrofização que por sua vez irá
contribuir para interferir na comunidade fitoplanctônica.
4 CONCLUSÃO
Podemos concluir que o estudo
dos pulsos ecológicos ocorrentes
em uma barragem, adquire suma
importância, em função das alterações ambientais ocorrentes, com
modificações na comunidade
fitoplanctônica, a qual ocupa a base
da cadeia alimentar, de forma que
modificações no seu desenvolvimento afetarão toda a biota aquática. Deve-se considerar também os
efeitos sociais que os pulsos ecológicos ocasionam, como a mortandade de peixes, mortalidade de
animais domésticos e o surgimento
de doenças em detrimento da perda da qualidade da água, que afetam o desenvolvimento das
populações que dependem da
água da barragem para a sua sobrevivência.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
81
Impactos ecológicos na água da Barragem
Marechal Dutra (Acari-RN), região semi-árida nordestina
5 REFERÊNCIAS
COSTA.M. A. M. & CHELLAPPA, N. T. Comunidade fitoplanctônica da Barragem de
Gargalheira/Acari/RN na região semi-árida nordestina. Anais do II Simpósio Brasileiro Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Semi-Árido. ago.
2000, p. 241-250.
DUSSART, B. Limnologie. L’ étude des eaux continentales. Gauthier-Villard: Paris,
1966. 677 p.
HUTCHINSON, G. E. Eutrophycation: The scientific background of a contemporary practical
problem. American Scientist, v. 61, p. 269-279, 1973.
OKUDA, T; PEREIRA, V. X.; TEIXEIRA, H. Nota sobre as condições Hidrográficas no
açude Acari – Rio Grande do Norte – Brasil. Trabalhos do Instituto Oceanográfico,
Recife, UFPE, v. 3, n. 1, p. 33-38, 1963.
TUNDISI, J. G.; In: HENRY, R. (Ed.). Ecologia de reservatório: Estrutura, função e
aspectos sociais. São Paulo: FAPESP, 1999a. p. 23-38.
82
TUNDISI, J. G. Limnologia no século XXI: Perspectiva e desafios. Conferência de
Abertura do VII Congresso Brasileiro de Limnologia, 1999b. 24 p.
WETZEL, R. G. Limnology. 2nd. ed. Philadelphia: Saunders College, 1983, 767 p.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Biologia
Aspectos
bioecológicos da
relação peso/
comprimento e fator
de condição do
Lutjanus chrysurus
Bloch, 1791
(Osteichthyes:
Lutjanidae),
do Canto do
Mangue,
Natal, RN
83
Aldemir Gomes Freire1
Carlos Eduardo Costa Campos2
1
Biólogo. Doutor em Ciências Ambientais.
Docente dos Cursos de Ciências Biológicas,
Aqüicultura, Zootecnia e do Programa de PósGraduação em Bioecologia Aquática da UFRN.
Membro do conselho editorial da revista Carpe
Diem. E-mail: [email protected].
2
Mestre em Bioecologia Aquática pela UFRN.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Aspectos bioecológicos da relação peso/comprimento e fator de condição do Lutjanus
chrysurus Bloch, 1791 (Osteichthyes: Lutjanidae), do Canto do Mangue, Natal, RN
Biological aspects of the lenght/
weight relation and condition
factor of the Lutjanus chrysurus
bloch, 1791 (Osteichthyes;
Lutjanidae), from “Canto do
Mangue”, Natal, RN.
84
RESUMO
O presente trabalho temo como objetivo
determinar a relação peso/comprimento e
fator de condição do Lutjanus chrysurus
Bloch, 1791 obtidos das capturas comerciais
do entreposto de pesca do “Canto do
Mangue”. Foram coletados 1211 indivíduos
durante o período outubro/1997 a setembro
de 1998. Os comprimentos zoológicos (cm)
e pesos totais (g) foram medidos e pesados
respectivamente, visando o cálculo da
relação peso/comprimento, adotando-se o
método de Santos (1978) através da
b
seguinte equação: Wt = aLz e o fator de
condição calculado mensalmente. Os valores
do fator de condição variaram de 81,40 em
abril a 158,90 em fevereiro e a relação peso/
comprimento determinada para espécie
apresentou a seguinte equação: W = 0,0992
2,457
Lz .
ABSTRACT
The objective of this study is to
determine the condition factor, lenght/
weight and relationship of Lutjanus
chrysurus Bloch 1791, obtained from the
commercial catches at the landing centers
of “Canto do Mangue”. A total of 1211
specimens were examined during the
period between October/1997 and
September/1998. Furcal length and total
weight were taken at the landing center.
The metodology used here was Santos
(1978) using the following equation:
b
W = aLz , which represents lenght/weight
relation, and the condition factor or degree
of fatness that was calculated monthly. The
values of condition factor ranged from 81,40
in April to 158,90 in February, and the
relation lenght/weight determined for specie
2,457
was as it follows: Wt = 0,0992 Lz .
PALAVRAS-CHAVE
Lutjanus chrysurus; fator de condição;
relação peso/comprimento.
KEY WORDS
Lutjanus chrysurus; condition factor;
relationship lenght/weight
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Aldemir Gomes Freire
Carlos Eduardo Costa Campos
1 INTRODUÇÃO
Os pargos (Lutjanidae) são peixes comestíveis importantes ao longo dos trópicos, especialmente
associados a recifes e fundos rochosos ou coralinos. A família tem cerca de 17 gêneros, um dos quais,
Lutjanus (cerca de 70 espécies), ocorre em todos os mares tropicais e
compreende espécies comercialmente importantes, sendo exploradas pela frota artesanal, utilizando
linha de fundo em áreas de bancos
oceânicos, operando a uma profundidade entre 20 a 150 metros (Mendonça, 1998). A espécie Lutjanus
chrysurus, denominada vulgarmente
de guaiúba, participa de maneira significativa na pesca do Estado do
Rio Grande do Norte e devido a
inexistência de informações sobre
seus aspectos biológicos, este trabalho tem como objetivo fornecer
subsídios no que diz respeito a relação peso/comprimento e o fator
de condição (K) da referida espécie.
2 MA
TERIAL E MÉT
ODOS
MATERIAL
MÉTODOS
Para este trabalho foram
amostrados 1211 exemplares de
Lutjanus chr ysurus Bloch, 1791,
coletados no entreposto de pesca
do Canto do Mangue, Natal/RN,
no período de outubro de 1997 a
setembro de 1998. Os exemplares
foram mensurados através de um
ictiômetro, graduado em cm (comprimento zoológico - Lz) e pesados em balança com precisão de
décimo de grama (peso total - Wt).
Os dados relativos ao Lz foram
agrupados em classes de 2 cm e relacionados com seus respectivos
pesos médios, visando a análise de
verificação da relação entre Wt/Lz
para sexos agrupados (Tabela 1). Os
dados Wt e Lz foram lançados em
gráficos de dispersão, considerando o Lz como variável independente e o Wt como variável
dependente. O Wt e Lz foram ajustados através do método dos mínimos quadrados, expressão do tipo
Wt = aLz b, após transformação
logarítmica dos parâmetros (Santos,
1978), o qual também utilizando a
expressão K = Wt/Lzb foi calculado o fator de condição (K).
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
85
Aspectos bioecológicos da relação peso/comprimento e fator de condição do Lutjanus
chrysurus Bloch, 1791 (Osteichthyes: Lutjanidae), do Canto do Mangue, Natal, RN
Tabela 1 – Distribuição de indivíduos coletados no entreposto de pesca Canto
do Mangue, Natal/RN, no período de outubro de 1997 a setembro de 1998, por
classe de comprimento (cm), comprimento zoológico médio (cm) e peso médio
(g) de Lutjanus chrysurus Bloch, 1791, considerando os sexos agrupados.
Classes de
Comprimento (cm)
86
Lz (cm)
Wt (g)
Nº de indivíduos
coletados
18 - 20
20 - 22
19,00
20,50
102,50
189,80
02
27
22 -24
24 - 26
22,53
24,60
227,35
284,81
17
26
26 - 28
28 - 30
26,61
27,64
323,27
395,57
26
44
30 - 32
32 - 34
30,50
32,50
434,20
456,60
61
79
34 - 36
36 - 38
34,60
35,80
580,70
652,65
11 4
151
38 - 40
40 - 42
38,50
40,20
781,30
894,70
100
93
42 - 44
44 - 46
42,56
44,55
984,86
11 0 5 , 1 6
70
95
46 - 48
48 - 50
46,45
48,50
1218,85
1383,90
87
68
50 - 52
52 - 54
50,30
52,40
1531,50
1684,00
45
52
54 - 56
56 - 58
54,97
56,50
1787,00
1950,00
27
20
58 - 60
60 - 62
58,30
60,00
2058,30
2500,00
06
01
To t a l
1 2 11
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Aldemir Gomes Freire
Carlos Eduardo Costa Campos
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
De acordo com os resultados
obtidos, a equação que representa a
relação peso/comprimento da
guaiúba é: Wt = 0,0992 Lz 2,457 com
valor de r de Pearson 0,99 (Figura 1).
A relação peso/comprimento tem
sido usada como um recurso a mais
na identificação de diferenças em
pequenas unidades taxonômicas,
estabelecimento de diferenças sexuais, estimativas do peso e comprimento e ainda como meio de indicar
eventos do ciclo biológico dos peixes, além de maturidade. Esta relação também é usada em estudos de
crescimento objetivando estimar o
peso do indivíduo através do conhecimento do comprimento e ainda como forma de indicar a
condição geral do peixe (RossiWongtschowski, 1977). Outra razão
da determinação da relação peso/
comprimento em estudos de dinâmica de populações de peixes é verificar o tipo de crescimento que a
espécie em estudo apresenta, ou
seja, se o crescimento é isométrico
ou alométrico. Com esta finalidade
determina-se o coeficiente angular
de regressão b para sexos separados. Lagler et al. (1962) evidencia
que o valor de b apresenta variações
dentro de uma faixa que varia de
2,5 a 4,0, sendo particular para cada
espécie. No entanto, existe um consenso de que quando o valor de b é
próximo de 3,0 o crescimento da
população é isométrico, sendo
alométrico quando diferente. Mendonça (1998), estudando Lutjanus
griseus no estuário do rio Galinhos,
Rio Grande do Norte, obteve o
valor do parâmetro b em torno de
3,0 (3,0269 para fêmeas e 3,0237
para machos), caracterizando um
incremento em peso isométrico. Tais
resultados diferem dos encontrados
para Lutjanus chrysurus, cujo valor de
b foi de 2,4, caracterizando um crescimento do tipo alométrico.
O fator de condição mensal variou de 81,40 no mês de abril a
158,90 no mês de fevereiro (Figura
2 e Tabela 2). O fator de condição
(K) é um índice muito utilizado em
estudos de biologia pesqueira, pois
indica o grau de bem-estar do peixe
frente ao meio em que vive. É um
bom indicador do período de
desova, podendo indicar também
alterações na densidade populacional
e nas condições alimentares (Braga,
1986). O estado fisiológico dos
peixes no período de maturação e
desova, que em muitas vezes
podem ser expresso pelo fator
de condição, é de fundamental
importância, pois as condições
de adversidade ambiental, podem inibir o processo de desenvolvimento gonadal, ou
mesmo
atenuação
dos
h o r m ô n i o s i n d u t o r e s. D e
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
87
Aspectos bioecológicos da relação peso/comprimento e fator de condição do Lutjanus
chrysurus Bloch, 1791 (Osteichthyes: Lutjanidae), do Canto do Mangue, Natal, RN
acordo com Rossi-Wongtschowski
(1977), as variações em peso e teor
de gordura estão relacionadas entre
si e dependem da interação de processos metabólicos (transformação
de alimento, reprodução, dentre
outros), fatores ambientais com disponibilidade alimentar e fatores
abióticos, como, correntes, temperatura e salinidade.
88
Figura 1 – Relação peso total (g)/comprimento zoológico (cm) para Lutjanus chrysurus,
considerando os sexos agrupados
Figura 2 – Valores médios mensais do fator de condição de Lutjanus chrysurus considerando os
sexos agrupados
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Aldemir Gomes Freire
Carlos Eduardo Costa Campos
Tabela 2 – Valores do fator de condição de Lutjanus chrysurus Bloch, 1791 do
entreposto de pesca do Canto do Mangue, Natal/RN no período de outubro de
1997 a setembro de 1998.
Meses
Outubro
Fator de Condição (K)
99,20
Novembro
Dezembro
89,90
105,70
Janeiro
Fevereiro
84,90
158,90
Março
Abril
90,80
81,40
Maio
Junho
106,90
120,90
Julho
Agosto
107,60
120,30
Setembro
99,40
4 CONCLUSÃO
Os resultados obtidos indicaram
que a relação peso/comprimento da
guaiúba, Lutjanus chrysurus Bloch,
1791 é: Wt = 0,0992 Lz 2,457 com
valor de r de Pearson 0,99. O fator
de condição mensal variou de 81,40
no mês de abril a 158,90 no mês de
fevereiro.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
89
Aspectos bioecológicos da relação peso/comprimento e fator de condição do Lutjanus
chrysurus Bloch, 1791 (Osteichthyes: Lutjanidae), do Canto do Mangue, Natal, RN
5 REFERÊNCIAS
BRAGA, F. M. S. Estudo entre o fator de condição e relação peso/comprimento para alguns
peixes marinhos. Revista Brasileira de Biologia, v. 46, n. 2, p. 339-346. 1986.
LAGLER, K. F., BARDARH, J. E., MILLER, R. R. & PASSINO, D. R. M. Ichthyology.
New York: Wiley, 1962. 506 p.
MENDONÇA, M. C. F. B. Aspectos biológicos do Lutjanus griseus Linnaeus, 1758
(Osteichthyes: Lutjanidae) no estuário do Rio Galinhos, Galinhos – RN. Dissertação de Mestrado. Natal: UFRN, 1998. 105 p.
ROSSI-WONGTSCHOWSKY, C. L. D. B. Estudo das variações da relação peso total/
comprimento total em função do ciclo reprodutivo e comportamento de Sardinella brasiliensis
(Steindachner, 1879) da costa do Brasil entre 23ºS e 28º. S. Bol. Inst. Ocean., v. 26, p.
131-180. 1977.
SANTOS, E. P. Dinâmica de populações aplicada à pesca e piscicultura. São Paulo:
HUCITEC, 1978. 129 p.
90
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Biologia
Considerações
sobre simulídeos
(Diptera Simuliidae)
e filarioses
(Oncocercose e
Mansonelose)
Herbet Tadeu de Almeida Andrade1
Jansen Fernandes Medeiros2
Felipe Arley Costa Pessoa2
Victor Py-Daniel2
1
Biólogo. Doutor em Ecologia. Professor do Curso
de Ciências Biológicas da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, Centro de Biociências,
Departamento de Microbiologia e Parasitologia,
Natal, RN. CEP 59072-970. e-mail:
[email protected]
2
Biólogos. Doutores do Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia (INPA), Coordenação
de P e s q u i s a s e m C i ê n c i a s d a S a ú d e
(CPCS), CP 478, CEP 69011-970 - Manaus,
AM. E-mail: [email protected].
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
91
Considerações sobre simulídeos (Diptera - Simuliidae)
e filarioses (Oncocercose e Mansonelose)
Considerations about black flies
(Diptera – Simuliidae) and filariasis
(Onchocerciasis and Mansonelliasis)
92
RESUMO
Este trabalho aborda aspectos relativos
ao desenvolvimento de simulídeos, como
também, aspectos bioecológiços e as
principais filarioses (Oncocercose e
Mansonelose) transmitidas por esses
insetos. Também são mencionados alguns
métodos de controle e busca do
desenvolvimento de vacinas, que podem
minimizar os danos causados pelos
simulídeos.
ABSTRACT
This review is about relative aspects
of simuliid black flies development, and
new information about bionomics and
ecological aspects and the main filariasis
(Onchocerciasis and Mansonelliasis)
transmitted of those insects. It also deals
with some aspects of controling methods,
new targets and development of vaccines
which could minimize the health problems
caused by black flies.
PALAVRAS-CHAVE
Simuliidae; Filarioses; Oncocercose;
Mansonelose.
KEY WORDS
Simuliidae; Filariasis; Onchocerciasis;
Mansonelliasis.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Herbet TTadeu
adeu de Almeida Andrade
er
nandes Medeiros
Andrade,, Jansen FFer
ernandes
Felipe Ar
le
essoa e Victor Py-Daniel
Arle
leyy Costa PPessoa
1 INTRODUÇÃO
Os simulídeos (Diptera:
Culicomorpha) são insetos de corpo robusto e pequeno (maioria
com menos de 5 mm). Estes insetos apresentam ampla distribuição,
não sendo encontrados somente em
locais desprovidos de água corrente (onde se desenvolvem as formas
imaturas). Trata-se de um grupo
recente, onde o primeiro registro
fóssil data de rochas do período
Jurássico Médio, há 160 milhões de
anos (Crosskey, 1990). As fêmeas de
muitas espécies são hematófagas e
necessitam de sangue de vertebrados para o desenvolvimento dos
óvulos, e é durante o repasto de
sangue que ocorre a transmissão de
agentes etiológicos. Aproximadamente 10% das espécies conhecidas,
picam o homem e animais domésticos, e menos de 50 espécies são
pragas ou vetores de várias filarias,
protozoários, bactérias e vírus
(Crosskey, 1990).
2 CLASSIFICAÇÃO
A família Simuliidae pertence à
or d e m D i p t e r a , s u b o r d e m
Nematocera,
infraordem
Culicomorpha, superfamília
Chironomoidea. Está dividida em
duas subfamílias, Gymnopaidinae
na América do Norte, e a Simuliinae
que é cosmopolita (Py-Daniel e
Moreira Sampaio, 1994). Em todo
o globo terrestre estão descritas em
torno de 1.660 espécies, das quais,
aproximadamente 350 estão assinaladas para a região neotropical
(Crosskey e Howard, 1997). Para o
Brasil, são assinaladas 77 espécies de
simulídeos, em 13 gêneros (PyDaniel e Moreira Sampaio, 1995).
3 ASPECT
OS MORFOLÓGICOS
ASPECTOS
E BIOLÓGICOS
3.1 Ovos: Medem em torno de 0,10
– 0,46 mm. Apresentam no geral
uma forma ovóide. A duração dessa fase é de dois dias, porém
podem alcançar mais de um ano em
períodos de secas.
3.2 Lar
va: Larva madura mede enLarva:
tre 5,00 –15,00 mm, apresenta forma cilíndrica, mas com o abdome
alargado em relação ao corpo. As
estruturas externas da cabeça compreendem a cápsula cefálica, apêndices e órgãos sensoriais (peças
bucais, antenas e olhos (estemas). As
larvas de Simuliinae apresentam um
par de leques cefálicos bem desenvolvidos, são grandes estruturas localizadas na parte anterior dorsal,
acima das mandíbulas e em frente
às antenas, utilizados para capturar
partículas na água. As larvas de
Gymnopaidinae não possuem esta
estrutura, sendo raspadoras do
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
93
Considerações sobre simulídeos (Diptera - Simuliidae)
e filarioses (Oncocercose e Mansonelose)
substrato para alimentação. Utilizam
os pseudópodos do tórax e abdome como órgãos de locomoção e
fixação nas superfícies. A duração
do estágio larval é variável, no mínimo de quatro dias ou em torno
de uma a três semanas nos trópicos, e no máximo de vários meses
no frio do inverno. As larvas utilizam como alimento, matéria orgânica, desde algas ou bactérias e
elementos inorgânicos.
3.3 Pupas
upas:: As pupas são coniformes
94
e possuem um casulo de seda que as
envolve e um conjunto de órgãos
respiratórios. A cabeça está flexionada
na parte anteroventral, curvada para
o tórax. O tórax é grande, arqueado
dorsalmente, e possui de dois a cinco tricomas dorsais e de um a dois
tricomas laterais. O casulo de muitas
espécies tem um formato característico e é importante taxonomicamente. Esse estágio dura de três a
quatro dias, e no máximo de duas a
três semanas. Logo após a morfogênese do adulto, o imago escapa do
ambiente aquático, saindo primeiro
o tórax, em seguida o restante do
corpo. Ao contrário da maioria dos
outros insetos aquáticos, o simulídeo
é capaz de voar imediatamente após
a emergência.
3.4 Adultos: Possuem o corpo robusto, de tamanho que varia de 1,2
até 5,5 mm de comprimento, são
geralmente de coloração escura a
vermelho amarronzado, cinza, laranja ou amarelado. Possuem antenas com 11 segmentos, uma
probóscide curta e um aparelho
bucal adaptado para hábito
hematófago (fêmeas). O tórax é
arqueado, e asas se fecham sobre
o corpo.
O corpo do adulto é subdividido através do típico tagmata
hexápoda (cabeça, tórax e abdome)
com algumas modificações
morfológicas e sensoriais associados
a uma vida parasitária. O labro, é
armado com um dente pré-estomal
que ajuda a fêmea a se fixar no ato
da alimentação. As lacínias das maxilas são denteadas e pareadas que
se localizam na parte lateral posterior das mandíbulas. A hipofaringe
que direciona o fluxo da saliva até a
ferida durante a sondagem e alimentação e se posiciona na porção posterior-mediana das outras peças
bucais. No terceiro segmento dos
palpos maxilares, localiza-se o órgão de Lutz, que detecta CO2 e
outros odores. Os olhos dos adultos são sexualmente dimórficos, os
machos são holópticos e as fêmeas
dicópticas. O tórax pode possuir
ornamentos em forma de cunha,
com coloração variável, de importância taxonômica. As asas são curtas e largas. As estruturas das
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Herbet TTadeu
adeu de Almeida Andrade
er
nandes Medeiros
Andrade,, Jansen FFer
ernandes
Felipe Ar
le
essoa e Victor Py-Daniel
Arle
leyy Costa PPessoa
patas dos simulídeos tem sido utilizados com propósitos taxonômicos, o tarsômero mediano possui
um entalhe distinto (pedisulco). As
garras tarsais são curtas e simples ou
possuem um dente basal ou subbasal. A duração desse estágio é de
uma semana até três meses nas fêmeas e poucos dias no macho. As
fêmeas são fecundadas apenas uma
vez, e fertilizam todos os seus ovos.
O primeiro repasto sanguíneo pode
ocorrer logo após a cópula. A
ovoposição ocorre de três a cinco
dias após a alimentação, e é feita em
vários tipos de substratos (galhos,
folhas, raízes rochas e outros) na água,
em posturas de até centenas de ovos.
Os criadouros das fases imaturas são
encontrados em águas correntes com
diferentes variações de velocidade,
turbidez, temperatura, pH, teores de
oxigênio e alimento (Cerqueira e
Mello; 1964).
4 IMPORTÂNCIA MÉDICA
A maior importância dos
simulídeos concentra-se na transmissão de filárias. Segundo Crosskey
(1990) são conhecidas as seguintes
espécies de filárias transmitidas por
simulídeos: Dirofilaria ursi, encontrada em ursos (Ursus americanus);
Wherdiksmansia cervipedis e Onchocerca
tarsicola em veado (Odocoileus
hemionus); O. dukei, O. lienalis e O.
ochengi em gado (Bos taurus);
Splendidofilaria fallisensis em patos
(Anas rubripes); Mansonella perstans,
Microfilaria bolivarensis, Mansonella
ozzardi e Onchocerca volvulus em homens (Homo sapiens).
Outras doenças tais como:
pênfigo foliáceo ou fogo selvagem,
doença essa autoimune (aparecimento de bolhas flácidas, que quando rompem deixam amplas áreas
erosadas e descamativas) e reações
alérgicas chamadas de síndrome
hemorrágica de Altamira (Pará), são
causadas pelas picadas de simulídeos
(Pinheiro et al., 1974). Além da importância epidemiológica, muitas
espécies picam o homem causando
reações alérgicas (devido a saliva).
No Brasil, Souza (1984) relata e descreve os atendimentos médicos em
razão das picadas de simulídeos, no
Rio Grande do Sul.
4.1 Oncocercose
A oncocercose humana também
conhecida por “cegueira dos rios”
é uma doença causada pelo parasita Onchocerca volvulus (Nematoda:
Filarioidea) que é transmitida somente pelos simulídeos. O homem
é o hospedeiro definitivo onde o
parasito se multiplica, e o ciclo de
transmissão do parasito ocorre somente entre humanos, não existindo reservatórios animais definitivos.
A filária O. volvulus parasita o tecido
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
95
Considerações sobre simulídeos (Diptera - Simuliidae)
e filarioses (Oncocercose e Mansonelose)
96
subcutâneo, formando nódulos fibrosos (oncocercomas). Os nódulos subcutâneos possuem localização
e tamanho variável (WHO, 1991).
Nas pessoas com oncocercose, no
México e Guatemala, os nódulos
são encontrados nas partes superiores do corpo, principalmente no
couro cabeludo; na Venezuela e Colômbia são encontrados com maior frequência no tronco, nádegas e
cotovelos. As microfilárias são responsáveis
por
lesões
e
despigmentação da pele e pela invasão do globo ocular.
Essa doença causa morbidades
nas comunidades atingidas com elevados índices de infecção, causando sofrimento aos indivíduos
infectados. As principais manifestações da doença são reações alérgicas, despigmentação da pele,
tornando-a grossa e enrugada, que
consistem em uma dermatite, que
evolui por um período de vários
anos, e a gravidade das lesões é geralmente proporcional à carga parasitária. A mais séria manifestação
da oncocecose é a presença de lesões no globo ocular, com alterações que podem levar a cegueira.
As lesões oculares ocorrem em regiões de alta endemicidade e em
pessoas com parasitismo elevado. A
princípio,
apenas
pontos
esbranquiçados indicam o acometimento do globo ocular devido a
presença das microfilárias, e com a
invasão de novas microfilárias, as
lesões se expandem (Chaves, 1994).
Recentemente, foi mostrado que a
O. volvulus e diversas outras filárias
possuem uma bactéria obrigatória
endosimbionte, do gênero
Wolbachia. André et al. (2002) em
experimentos com murinos
infectados, demonstrou que filarias
tratadas com antibióticos não causaram lesões na córnea destes animais, enquanto que animais
infectados com filarias sem tratamento, causaram lesões ópticas esperadas. Isto sugere que a resposta
imunológicas contra o componente Wolbachia de O. volvulus deve ser
responsável pela doença ocular na
oncocercose.
A oncocercose é encontrada na
África, Ásia e América Latina. No
continente africano, está presente na
parte central até o norte. Na América Latina a oncocercose é encontrada no México, Guatemala,
Colômbia, Equador, Venezuela e
Brasil. Os focos do México e da
Guatemala são áreas montanhosas,
entre 600 a 1.500 metros de altitude, e suas populações vivem em
culturas de café, e as migrações entre os focos estão relacionadas a essa
atividade. Na Colômbia existe um
foco, localizado na costa do oceano Pacífico. O Foco do Equador
está situado na província de Esme-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Herbet TTadeu
adeu de Almeida Andrade
er
nandes Medeiros
Andrade,, Jansen FFer
ernandes
Felipe Ar
le
essoa e Victor Py-Daniel
Arle
leyy Costa PPessoa
ralda (Arzube, 1985). Na Venezuela
existem dois focos, um ao norte,
em locais de baixa altitude e um
outro ao sul, na região do rio
Orinoco, fronteira com o Brasil. O
foco brasileiro situa-se nas montanhas no extremo norte do país,
onde a doença acomete principalmente os índios Yanomami e
Ye’kuana, nos Estados de Roraima
e Amazonas.
O primeiro caso de oncocercose
no Brasil foi relatado por Beazorti
et al. (1967), em uma criança de três
anos de idade, procedente do Estado de Roraima, filha de missionários que tinham convivido entre
os índios Yanomami. A partir de
1970, estudos na área Yanomami
realizados por Moraes et al. (1973),
Moraes & Chaves (1974) demonstraram que a endemicidade estava
confinada aos índios Yanomami e
famílias de missionários. Gerais e
Ribeiro (1986) relataram um caso
autóctone de oncocercose no município de Minaçu (GO), região
Centro-Oeste do Brasil. Py-Daniel
(1989) relata a possível introdução
da oncocercose no médio rio Amazonas (Tefé) por um missionário
proveniente da África; Py-Daniel
(1994) relata três casos de
oncocercose em funcionários da
Fundação Nacional do Índio
(FUNAI), e Py-Daniel (1997) com
base em dados de um extenso in-
quérito na área Yanomami e
Ye’kuana relata casos assinalados nos
indígenas Yanomami e Ye’kuana,
Makuxi e Wapichana, e também, em
funcionários da FUNAI, FUNASA
e de organizações não governamentais.
4.1.1 Ciclo de transmissão
Os vermes adultos vivem em
nódulos com até três casais. As fêmeas medem entre 30 a 80 cm e os
machos entre 3 e 5 cm. As fêmeas
adultas produzem até um milhão de
microfilárias por ano de tamanho
entre 250 a 300 ìm de comprimento, e podem permanecer na pele do
hospedeiro definitivo por um período de 6 à 24 meses. As fêmeas de
O. volvulus são vivíparas, e possuem
uma longevidade de aproximadamente 12 anos (Buck, 1974).
As microfilárias são engorgitadas pelo inseto durante uma alimentação de sangue, migram até
o estômago do vetor, e posteriormente atingem os músculos
torácicos, onde passa do primeiro
(L1) até o terceiro estágio larval
(L3) (forma infectante), essa migra
para a hemocele, atingindo a cabeça, e é transmitida para o homem
em um novo repasto de sangue
realizado pelo vetor. No homem,
a forma infectante L3 de O. volvulus
desenvolve-se até L4 entre 3 a 7
dias, e de L4 até estágio juvenil-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
97
Considerações sobre simulídeos (Diptera - Simuliidae)
e filarioses (Oncocercose e Mansonelose)
98
adulto em torno de 4 a 6 semanas (WHO, 1991).
1999; Andreazze e Py-Daniel, 1999;
Py-Daniel et al., 2000).
4.1.2 Vetores
4.1.3 Diagnóstico
Na África, o vetor é o Edwardsellum damnosum, havendo outras espécies apontadas como vetores
secundários, conforme os diferentes
focos, zonas bioclimáticas e distribuição geográfica (Davis et al., 1994).
Na América Latina, os vetores
são diferentes conforme a localização dos focos: no México e
Guatemala o vetor primário é
Ectemnaspis ochracea, (Garms e
Ochoa, 1979; Porter & Collins,
1988). Na Colômbia e Equador o
vetor é Notolepria exiguua e E.
quadrivitata (Tidwell et al., 1980;
Shelley e Arzube, 1985). Na
Venezuela, M. metallicum é o vetor
nos focos costeiros (Ramirez-Perez
et al., 1977) e na região do Orinoco,
na área Yanomami os vetores são
Thyrsopelma guianense, Psaroniocopmsa
incrustata, Cerqueirellum oyapockense
(Rassi et al., 1978; Grillet et al.
2002). No foco brasileiro, localizado na área Yanomami/
Ye’kuana, foram assinaladas 26 espécies, das quais, 12 espécies possuem hábitos antropofílicos
(Py-Daniel, 1997) e quatro (T.
guianense, P. incrustata, C. oyapockense
e N. exiguua) já foram assinaladas
como transmissoras da filária O.
volvulus (Medeiros e Py-Daniel,
Para a oncocercose, a biópsia é
o método para o diagnóstico
parasitológico de microfilárias. As
biópsias cutâneas são praticadas
com “punch”, instrumento mais indicado, tirando-se de 3 mm de pele,
possibilita a obtenção de amostras
uniformes. O fragmento obtido é
imediatamente colocado em gota de
água destilada ou solução fisiológica, em lâmina. Após 10 minutos,
observa-se em microscópio as
microfilárias desprendidas da pele.
Quando o líquido seca, retira-se o
fragmento de pele, fixa-se e corase pelo Giemsa, para posterior
identificação. A biópsia de nódulos
é feita cirurgicamente.
4.1.4 Tratamento
O tratamento de pessoas
parasitadas tem sido feito com
Ivermectina, cujo seu princípio ativo é apenas contra as microfilárias,
e a posologia indica um ou dois
comprimidos por ano. Outras drogas utilizadas são a Dietilcarbamazina, muito usada no passado,
e que causava efeitos colaterais igual
a Suramina (WHO, 1991). A nodulectomia - extirpação cirúrgica dos
nódulos- é usada muito freqüentemente na Guatemala e no México,
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Herbet TTadeu
adeu de Almeida Andrade
er
nandes Medeiros
Andrade,, Jansen FFer
ernandes
Felipe Ar
le
essoa e Victor Py-Daniel
Arle
leyy Costa PPessoa
objetivando a redução na carga parasitária. Viney (2002), sugere o tratamento da doença, também com
antibióticos, para eliminar a bactéria Wolbachia sp. causadora de reações imunológicas danosas no
globo ocular, além de causar a redução da reprodução dos vermes,
já que a bactéria induz a reprodução partogenética das fêmeas.
4.1.5 Profilaxia
Os meios profiláticos contra a
oncocercose visam à eliminação das
microfilárias utilizando os
microfilaricidas. É um tratamento
longo, considerando que os vermes
adultos têm uma vida média de 12
anos. A eliminação das microfilárias
também pode ser feita pela
desnodulização, que visa eliminar as
fêmeas adultas.
O controle de vetores está relacionado a alguns aspectos da sua biologia, como por exemplo, controle
de imaturos utilizando inseticidas e
medidas de controle biológico. Em
áreas endêmicas, são importantes as
medidas de conscientização, no sentido de modificar o hábito da população, orientada a se proteger dos
simulídeos, utilizando roupas adequadas e repelentes, além de se tratar às
pessoas parasitadas.
Abraham et al. (2002), vem conseguindo respostas de imunização
em gado e em ratos com estratégi-
as de vacinas de subunidades
protéicas de Onchocerca, dando perspectivas futuras de vacina. Existe
atualmente um projeto de “genoma
da cegueira dos rios” (Williams et
al. 2002), que tem focado estudos
em genes específicos de expressão
protéica, com objetivo final de confecção da vacina. Nutman (2002)
propõe também o uso de componentes da saliva de simulídeos como
agente imunizante, para bloqueio de
infecção no momento da picada do
vetor com o reservatório.
4.2 Mansonelose
M. ozzardi é a filária causadoura
da mansonelose. Esta doença é causada pelo acúmulo de microfilárias
nos vasos sanguíneos periféricos do
homem. As pessoas portadoras de
alta microfilaremia apresentam febre
moderada, frieza nas pernas, dores
articulares, adenite, tonturas e dor de
cabeça (Batista et al. 1960). Explicase a origem dos sintomas da
mansonelose devido à irritação local
provocada pelas filárias, vivas ou
mortas, e por reações tóxicas e alérgicas, decorrentes da sensibilização
vascular produzida pelos vermes
mortos. Mais recentemente foi atribuída uma sintomatologia a esta
filariose, a presença de lesões na
córnea, com círculos brancos na
córnea que podem levar a cegueira
(Branco et al., 1998).
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
99
Considerações sobre simulídeos (Diptera - Simuliidae)
e filarioses (Oncocercose e Mansonelose)
100
As microfilárias de M. ozzardi
são encontradas no sangue periférico, porém alguns autores têm relatado que estas também são
encontradas na pele (Moraes, 1976).
As fêmeas apresentam-se transparentes - esbranquiçadas, com cutícula
lisa, medindo de 32-61 mm de comprimento por 0,15 mm de diâmetro. Os machos medem cerca de 24
- 28 mm de comprimento por 0,07
mm de diâmetro (Tavares e Fraiha
Neto, 1997).
As microfilárias caracterizam-se
por ausência de bainha, primeiros
núcleos somáticos tipicamente dispostos em fila única, cauda fina, terminando em forma de gancho ou
foice (Tavares, 1981). As
microfilárias medem aproximadamente 162 x 4 µm, e apresentam
uma sobrevida de 32 meses. O ciclo biológico desse parasita nos
simulídeos desenvolve-se em um
período de aproximadamente nove
dias (Cerqueira, 1959).
Esta filariose possui uma distribuição geográfica limitada ao continente americano, sendo encontrada
do México até a Argentina, e alguns
países do Caribe; excetuando Chile, Uruguai e Paraguai, em todos os
demais países das Américas ocorreram registros dessa filária (Tavares
& Fraiha Neto, 1997). No Brasil, o
descobrimento da filária M. ozzardi
foi realizado por Deane (1949), em
levantamento realizado no município de Manaus, Amazonas, Brasil.
4.2.1 Vetores
A transmissão de M. ozzardi é
realizada por dípteros de duas famílias, Ceratopogonidae e
Simuliidae (Culicomorpha). Os primeiros estudos realizados por
Buckley (1934) incriminaram
Culicoides furens (Ceratopogonidae)
como vetor da filária M. ozzardi na
ilha de San Vicent, Caribe. Posteriormente C. furens e C. phlebotomus
foram incriminados como vetores
em Trinidad e no Haiti (Lowrie e
Raccurt, 1981). Biagi et al. (1958)
incriminaram C. furens como transmissor de M. ozzardi no México. A
transmissão de M. ozzardi por
culicóides na América do Sul foi
primeiramente relatada por Romaña
e Wygodzinsky (1950) no norte da
Argentina, que identificaram C.
paraensis como provável vetor, a
partir de observações onde verificaram
o desenvolvimento de microfilárias de
M. ozzardi até o segundo estágio larval.
Na Colômbia, Tidwell e Tidwell (1982),
atribuíram a C. sanguineum, C. amazonicum,
C. argentiscutum (Simuliidae) e Culicoides
insiniatus, como prováveis responsáveis pela transmissão d e M .
ozzardi.
No sul do Panamá S .
sanguineum [= C. sanguineum] foi
incriminado como transmissor de
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Herbet TTadeu
adeu de Almeida Andrade
er
nandes Medeiros
Andrade,, Jansen FFer
ernandes
Felipe Ar
le
essoa e Victor Py-Daniel
Arle
leyy Costa PPessoa
M. ozzardi (Peterson et al., 1984).
Na Guiana, Psaroniocompsa
incrustata
(Simuliidae)
é
incriminado como vetor (Nathan
et al. 1982). Yarzábal et al. (1985)
incriminaram C. oyapockense como
vetores de mansonelose na
Venezuela. Cerqueira (1959) foi o
primeiro a mencionar os simulídeos como vetores, apontando
C. amazonicum como vetor de M.
ozzardi no Brasil. Shelley e Shelley
(1976) confirmaram as conclusões
de Cerqueira (1959). Shelley et al.
(1980) demonstraram que existem
duas espécies, C. amazonicum e C.
argentiscutum, envolvidas na transmissão da mansonelose. Moraes et
al. (1985), indicaram C. oyapockense
como vetor no Estado de
Roraima. Trabalho a longo prazo
com vetor de M. ozzardi no Brasil
foi desenvolvido por Medeiros
(2002) quando estudou aspectos
relativos a transmissão dessa filária
e alguns fatores relacionados com
a biologia de C. argentiscutum.
4.2.2 Diagnóstico
Os métodos empregados são
gota espessa (técnica usada para
pesquisa de plasmódio); método de
enriquecimento, como o método de
Knott e o filtro de membrana,
em que os parasitas são corados
pelo Giemsa.
4.2.3 Tratamento
O tratamento é feito com
Ivermectina, 0,2 mg/kg (dose única), capaz de eliminar microfilárias
do sangue periférico em 24 horas,
persistindo a negativação da
microfilaremia, pelo menos por 30
dias. Drogas conhecidas como
macro ou microfilaricidas, como
dietilcarbamazina e suramina sódica,
não apresentam nenhuma atividade
sobre as microfilárias de Mansonella
ozzardi na região amazônica.
5 IMPOR
TÂNCIA VETERINÁRIA
IMPORTÂNCIA
DOS SIMULÍDEOS
Sob o aspecto veterinário, algumas espécies de simulídeos estão
envolvidas na transmissão de
leucocitozoonoses (malária de aves),
uma doença que pode ser mortal
em aves de corte, causada por
protozoários parasitas do sangue
(Crosskey, 1990). Estes insetos também são transmissores de
oncocercose para o gado bovino,
infecção geralmente não patogênica,
causada por várias espécies de
Onchocerca. Muitas espécies zoófilas
de simulídeos causam reações alérgicas devido a hematofagia em rebanhos de animais de criação,
provocando uma redução na produção de leite do gado, e no ganho
de peso e na postura de ovos em
aves de granjas (Crosskey, 1990).
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
101
Considerações sobre simulídeos (Diptera - Simuliidae)
e filarioses (Oncocercose e Mansonelose)
6 IMPORTÂNCIA SÓCIO-ECONÔMICA
DOS SIMULÍDEOS
102
A importância sócio-econômica desses insetos, está relacionada aos
ataques de simulídeos aos seres humanos causando prejuízos na saúde e no conforto das comunidades.
Embora não determinado, é notório os prejuízos que representam
para empresas madeireiras, de construção, de mineração, agricultura e
turismo. Os ataques ao gado causam perdas econômicas por danos
causados pelo estresse provocado
nos animais, além de perdas diretas
devidos a mortes, doenças e redução na produção de leite do gado
(Crosskey, 1990).
Na Região Neotropical, os danos causados pela oncocercose são
relativamente menores, bem como
o impacto sócio-econômico se
comparado com a África. A
oncocercose é um sério problema
nas áreas de cultivo de café no México e na Guatemala. Existem preocupações de que as áreas
endêmicas nas Américas estejam se
expandindo pela abertura de áreas
florestais, podendo ocasionar expansão da doença (Anônimo, 1993).
De acordo com Souza (1984), estes insetos em algumas áreas do
Brasil, têm causado sérios problemas, afetando comunidades rurais,
diminuindo a produtividade na
agricultura.
No litoral do Estado de São
Paulo, a indústria turística é afetada
por simulídeos, principalmente
Chirostilbia pertinax devido a sua alta
densidade e alta antropofilia (Araújo-Coutinho et al., 1988).
7 CONTROLE
O controle de simulídeos tem
sido feito por diferentes métodos:
biológicos, químicos e mecânicos.
Tem-se observado várias maneiras
de controle natural desses insetos.
Várias espécies de peixes foram
indicadas como predadores de
simulídeos. Py-Daniel e Py-Daniel
(1984) no Estado de Goiás, Strieder
(1985) e Mardini (1988) no Rio
Grande do Sul, Sato (1986) em Santa Catarina, Dellome Filho (1992)
no Paraná e Py-Daniel e Jégu (1996)
no Amapá. Em se tratando da região Nordeste do Brasil as informações sobre a predação de
simulídeos são poucas, existindo
somente os trabalhos de Menezes
(1968), no Estado do Ceará e de
Almeida e Py-Daniel (1999) e
Andrade et al. (2000), no Rio Grande do Norte.
Alguns insetos já foram indicados
como predadores naturais de
simulídeos. Coleoptera Elmidae,
Dytiscidae e Sthaphylinidae menos
importantes (Gorayeb e Mok, 1982).
Larvas de dípteros, como larvas de
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Herbet TTadeu
adeu de Almeida Andrade
er
nandes Medeiros
Andrade,, Jansen FFer
ernandes
Felipe Ar
le
essoa e Victor Py-Daniel
Arle
leyy Costa PPessoa
Chironomidae, adultos e larvas de
Empididae e larvas de Muscidae são
predadores (Crosskey, 1990). As
ninfas de Odonata, já foram
registradas predando larvas de
simulídeos. As famílias Hydropsychidae e Rhyacophilidae (Trichoptera) e Perlidae (Plecoptera) são
encontradas em águas correntes, indicados como importantes predadores das formas imaturas (Gorayeb
e Pinger, 1978). Outros insetos que
foram encontrados predando ou já
encontrados restos de simulídeos no
seu conteúdo estomacal são:
Lepidoptera (Pyralidae), Megaloptera e Hymenoptera (Gorayeb
e Pinger, 1978).
O controle com produtos químicos é utilizado em grande escala no
continente africano. Os organoclorados
e organofosforado Temephos (Abate) foram os mais usados, e com o
tempo as populações tornaram-se resistente a esses produtos (AraújoCoutinho, 1995). No controle com o
uso de substâncias, a utilização da
exotoxina do Bacillus thuringiensis var.
israelensis (Bti) é um dos elementos empregados no controle de simulídeos,
para substituir os larvicidas fosforados.
No Brasil tem sido usado em programas regionais como no Paraná, Santa
Catarina, São Paulo e Rio Grande do
Sul.
O controle mecânico é feito
principalmente em pequenos rios, e
consiste em remover galhos, folhas,
pedras e outro material que possa
servir como substrato para imaturos de simulídeos. Para substratos
maiores, no caso de barragens, escovam-se as paredes e outros
substratos artificiais pelos quais a
água passe, para a eliminação das
formas imaturas. As medidas de
controle cultural estão fundamentadas no sentido da modificação do
comportamento da população humana conscientizando-a de que não
deve jogar lixo nos rios, mantendoos limpos, auxiliando no controle.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
103
Considerações sobre simulídeos (Diptera - Simuliidae)
e filarioses (Oncocercose e Mansonelose)
8 REFERÊNCIAS
ABRAHAM D.; LUCIUS, R; TREES, A. Immunity to Onchocerca spp. in animal hosts.
Trends in Parasitology, 18 (4):164-171, 2002.
ANDRADE, H. T. .A.; NASCIMENTO, R. S .S.; GURGEL, H. C. B.; MEDEIROS, J. F.
Simuliidae (Diptera) Integrantes da Dieta de Poecilia vivipara Bloch & Schneider, 1801
(Atheriniformes; Poeciliidae) no Rio Ceará-Mirim, Estado do Rio Grande do Norte, Brasil.
Entomologia y Vectores, 7 (1): 119-122, 2000.
ALMEIDA, H.T.; PY-DANIEL, V. Simuliidae (Diptera; Culicomorpha) no Nordeste Brasileiro. Entomologia y Vectores, 6 (4): 323-337, 1999.
ANDRÉ, A. V. S.; BLACKWELL, N. M.; HALL, L. R. et al. The Role of Endosymbiotic
Wolbachia bactéria in the Pathogenesis of River Blindness. Science, 295: 1892-1895, 2002.
ANDREAZZE, R.; PY-DANIEL, V. Atividade Hematofágica Mensal e Infecção Natural de
Psaroniocompsa incrustata (Lutz, 1910) (Diptera, Culicomorpha, Simuliidae) Vetor de
Onchocerca volvulus (Leuckart, 1983) em Xitei/Xidea, Área Indígena Yanomami, Roraima,
Brasil. Entomolologia y Vectores, 6 (4): 416-440, 1999.
104
ANÔNIMO. Onchocerciasis on Blindness. A Technical Review for Health Professional
and Scientist. External Affairs Office, Boston, U.S.A., 1993. 16p.
ARAÚJO-COUTINHO, C. J. P. C.; MAIA-HERZOG, M.; SOUZA, B. C. Levantamento das
Espécies do Gênero Simulium Latreille (Diptera, Simuliidae) no Litoral Norte do Estado de
São Paulo. Revista Brasileira de Entomologia, 32 (1): 11-17, 1988.
ARAÚJO-COUTINHO, C. J. P. C. Biological Control Program Against Simuliids in the State
São Paulo, Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, 90 (1): 131-133, 1995.
ARZUBE, M. Epidemiologia de la Oncocercosis en el Equador, Provincia de Esmeralda en
la Oncorcercosis en Americas, In: YARZÁBAL, L.; BOTTO, C.; ALLON, R.(Eds.).
Publicación Científica. Caracas. n. 3, p. 27-31, 1985.
BATISTA, D; OLIVEIRA, W. R.; RABELLO, V. D. Estudo da Patogenicidade da Mansonella
ozzardi e da Sintomatologia da Mansonelose. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, 2 (5) :281-289, 1960.
BEARZOTI, P.; LANE, E.; MENEZES, Jr. Relato de um Caso de Oncocercose Adquirida
no Brasil. Revista Paulista de Medicina, 70: 102, 1967.
BIAGI F.; TAY, J.; BIAGE, A. M. Observaciones sobre Mansonelosis en la Peninsula de
Yucatán. V. Culicoides furens como transmisor. Medicina, 38: 377-379, 1958.
BRANCO, B. C.; CHAMON, W.; BELFORT, R. N. et al. Achados Oculares entre Habitantes
do Município de Pauiní e Possível Associação entre Lesões Corneanas e Mansonelose na
Amazônia. Arquivo Brasileiro de Oftalmologia, 61 (6): 675-681, 1998.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Herbet TTadeu
adeu de Almeida Andrade
er
nandes Medeiros
Andrade,, Jansen FFer
ernandes
Felipe Ar
le
essoa e Victor Py-Daniel
Arle
leyy Costa PPessoa
BUCK, A. A. Onchocerciasis, Symptomatology, Pathology, Diagnosis. World Health
Organization. Monograph. Geneva. 1974.
BUCKLEY, J. J. C. On the Development, in Culicoides furens Poey, of Filaria (=Mansonella)
ozzardi Manson, 1897. Journal Helminthol., 12: 99-118, 1934.
CERQUEIRA, N. L. Sobre a Transmissão da Mansonella ozzardi 1a e 2a Notas (Trabalho
do INPA). Jornal Brasileiro de Medicina, 1 (7): 885-914, 1959.
CERQUEIRA, N. L.; NUNES DE MELLO, J. A. Sobre o Simulium amazonicum Goeldi,
1905 (Diptera Simuliidae). Revista Brasileira de Entomologia, 15 (5): 98-115, 1964.
CHAVES, C. C. 1994. Oncocercose Ocular na Amazônia Brasileira. Ribeirão Preto,
1994. 101 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP.
COSCARÓN, S. Los Estudios Ecológicos en Simúlidos Neotropicales (Diptera: Insecta). In:
Seminários Sobre Insetos e Ácaros. Anais da Sociedade Entomológica do Brasil.
Campinas. p. 69-98, 1989.
CROSSKEY, R. W. The Natural History of Blackflies. New York: Wiley, 1990. 711p.
CROSSKEY, R. W.; HOWARD, T. M. A New Taxonomic and Geogarphical Inventary
of Wordl Blackflies (Diptera: Simuliidae). Entomol. Depart. Nat. Hist. London. 1997. 144p.
DAVIS, J. R.; WASSERMAN, S. S.; TRIPS, M. Diurnal Biting Activity and Transmission of
Onchocerca volvulus (Filariata, Onchocercidae) by Simulium yahense (Diptera: Simuliidae)
in Liberia. Journal of Medical Entomology, 31 (2): 217-224, 1994.
DEANE, M. P. Sobre a Incidência de Filárias Humanas em Manaus Estado do Amazonas.
Revista do SESP, 2 (3): 849-858, 1949.
DELLOME-FILHO, J. Simulidofauna do rio Marumbi, Morrentes, Paraná, Brasil. II. Substratos
naturais e artificiais dos imaturos e fauna associada (Diptera, Simuliidae). Acta Biológica
Par., 21: (1-4): 77-88, 1992.
GARMS, R.; OCHOA, A. J. O. Further Studies on the Importance of Guatemalan Blackfly
Species as vectors of Onchocerca volvulus. Tropenmed. Parasit., 30: 120-128, 1979.
GERAIS, B. B.; Ribeiro, T. C. Oncocercose Primeiro Caso Autócteno da Região CentroOeste do Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 19: 105-107, 1986.
GORAYEB, I. D.; PINGER, R. R. Detecção de Predadores Naturais das Larvas de Simulium
fulvinotum Cerq. e Mello, 1968 (Diptera: Nematocera). Acta Amazonica, 8 (4): 629-637, 1978.
GORAYEB, I. D.; MOK, W. Y. Comparison of Capillary tube and Immunodiffusion Precipitin
Tests in the Detection of Simulium fulvinotum Larval Predators. Ciência e Cultura, 34:
1662-1668, 1982.
GRILLET M. E, VIVAS-MARTÍNEZ S.; VILLAMIZAR N.et al. Spatial and seasonal variation
of biting and parity rates of blackfly vectors in Amazonian onchocerciasis focus. British
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
105
Considerações sobre simulídeos (Diptera - Simuliidae)
e filarioses (Oncocercose e Mansonelose)
Simuliid Group Bulletin, 18: 19-21, 2002.
LOWRIE, R. C. Jr.; RACCURT, C. Mansonella ozzardi in Haiti II. Arthropod Vector Studies.
American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, 70: 16-17, 1981.
LOWRIE Jr., R. C.; ORIHEL, T. C.; EBERHARD, M. L. Culicoides variipennis, a Laboratory
Vector for the Amazon Form of Mansonella ozzardi. American Journal of Tropical Medicine
and Hygiene, 31: 166-167, 1982.
MARDINI, L. B. L. F. Ocorrência de Larvas de Simulídeos e outros Insetos no
Conteúdo Estomacal das Espécies de Peixes Capturados em uma Área da Região
Piloto do Programa Estadual de Controle de Simulídeos. Museu Ciência. Nat.,
Fund. Zoob. do Rio Grande do Sul, 1988. p. 71.
MEDEIROS, J. F.; PY-DANIEl, V. Atividade Hematófagica e Infecção Natural de Três
Espécies de Simuliidae (Diptera: Culicomorpha) em Xitei/Xidea, Área Indígena Yanomami,
Roraima, Brasil. Entomologia y Vectores, 6 (3): 210-226, 1999.
106
MEDEIROS, J. F. Atividade hematofágica e infecção Natural de Cequeirellum
argentiscutum (Shelley & Luna Dias, 1980) (Diptera: Simuliidae) por Mansonella
ozzardi (Manson, 1897) (Nematoda: Onchocercidae) na localidade Porto do Japão, Município de Manacapuru, Amazonas, Brasil. Manaus, 2002. 147 f. Tese (Doutorado) – INPA, Universidade Federal do Amazonas.
MENEZES, M. F. Alimentação de Jovens da Ubarana Elos saurus Linnaeus, no Estado do
Ceará. Arquivo Est. Biol. Mar. Univ. Fed. 8 (2): 221-223, 1996.
MORAES, M. A. P.; FRAIHA, H. I.; CHAVES, G. M. Onchocerciasis in Brazil. Pan American
Health Organization Bulletin, 7 (4): 50-56, 1973.
MORAES, M. A. P.; CHAVES, G. M. Onchocerciasis in Brazil. New Findings among the
Yanomami Indians. Paho Bulletin, 3 (2): 95-99, 1974.
MORAES, M. A. P. Mansonella ozzardi Microfilariae in Skin Snips. Transactions of the
Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene, 70 (1): 16, 1976.
MORAES, M. A. P.; SHELLEY, A. J.; LUNA DIAS, A.P. A. Mansonella ozzardi no Território
Federal de Roraima. Distribuição e Achado de um Novo Vetor na Área do Rio Surumu.
Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, 80: 395-400, 1985.
NATHAN, M. B.; TIKASINGH, E.S .; MUNROE, P. Filariasis in Amerindians of Western
Guyana with Observations on Transmission of Mansonella ozzardi by a Simulium species
of the amazonicum group. Tropnemedizin Parasitologie, 33: 219-222, 1982.
NUTMAN, T. Future Directions for Vaccine-Related Onchocerciasis. Trends in
Parasitology, 18 (6): 237, 2002.
PETERSON, J. L.; BAWDEN, M. P.; WIGNELL, F. S.; LATORRE, C. R.; JOHNSON, C. M.;
MIRANDA, C. Mansonella ozzardi en el Darien (Panama). Rev. Méd. Panama, 9: 236Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Herbet TTadeu
adeu de Almeida Andrade
er
nandes Medeiros
Andrade,, Jansen FFer
ernandes
Felipe Ar
le
essoa e Victor Py-Daniel
Arle
leyy Costa PPessoa
246, 1984.
PINHEIRO, F. P.; BENSABATH, G.; COSTA, D.; MAROJA, O. M.; LINS, Z. C.; ANDRADE,
A. H. Hemorrhagic Sydrome of Altamira. The Lancet, 13: 639-642, 1974.
PORTER, H. C.; COLLINS, R. C. Seasonality of Adult Black Flies and Onchorcerca volvulus
Transmission in Guatemala. Am. J. Trop. Med. Hyg., 38 (1):153-167, 1988.
PY-DANIEL, V. Oncocercose em Expansão no Brasil. Revista de Saúde Pública, 28 (2):
173-174, 1994.
PY-DANIEL, V.; MOREIRA-SAMPAIO, R. T. Jalacimgomyia Gen. (Culicomorpha); A Ressurreição de Gymnopaidinae; a Eliminação do Nível Tribal, Apresentação de Novos
Caracteres e a Redescrição dos Estágios Larval e Pupal de Simulium colombaschense
(Fabricius, 1787) (Diptera, Simuliidae). Memorias del Caicet, 4 (1,2): 101-148, 1994.
PY-DANIEL, L. H. R.; PY-DANIEL, V. Observações sobre Spatuloricaria evansi (Boulenger,
1982) (Osteichthyes: Loricariidae) e a sua predação em Simuliidae (Diptera: Culicomorpha).
Bol. Museu Paraense Emílio Goeldi, Ser. Zool., 1 (2): 207-218, 1984.
PY-DANIEL, V.; JÉGU, M. Peixes (Serrasalmidae) predadores dos imaturos de Thyrsopelma
guianense (Wise, 1911) (Diptera, Culicomorpha, Simuliidae), vetor da filária Onchocerca
volvulus (Leuckart, 1893). Entomologia y Vectores, 3 (1): 27-30, 1996.
PY-DANIEL, V.; MOREIRA-SAMPAIO, R. T. Gêneros e Espécies de Simuliidae (Diptera:
Culicomorpha) Assinaladas para o Brasil até 1995. Entomologia y Vectores, 2 (5): 117121, 1995.
PY-DANIEL, V. Oncocercose no Solimões. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 23,
p. 260, 1989.
PY-DANIEL, V. Oncocercose, uma Endemia Focal no Hemisfério Norte da Amazônia In:
Barbosa, R. I.; Ferreira, E. J.; Castellón, E. G. (Eds.), Homem, Ambiente e Ecologia no
Estado de Roraima. INPA, Manaus, XVI + 613p. p. 11-155, 1997.
PY-DANIEL, V.; ANDREAZZE, R.; MEDEIROS, J. F. Projeto Piloto Xitei/Xidea, (Roraima).
I – Índices Epidemiológicos da Transmissão de Onchocerca volvulus (Leuckart, 1893) para
os Anos de 1995-1996. Entomologia Y Vectores, 7 (4): 389-444, 2000.
RAMÍREZ PEREZ, J.; RASSI, E.; CONVIT, J. RAMÍREZ, A. Indice de Infecccion Natural
de Simulium metallicum (Diptera: Simuliidae) por formas Evolutivas de Onchocerca volvulus
en Venezuela. Boletin de la Oficina Sanitaria Panamericana, 82: 322-326, 1997.
RASSI, E.; MONZÓN, H.; CASTILLO, M.; HERNÁNDEZ; RAMÍREZ PÉREZ, J.; CONVIT,
J. Descubrimiento de un Nuevo Foco de Oncocercosis en Venezuela. Boletin de la
Oficina Sanitaria Panamericana, 84 (5): 391-415, 1978.
ROMAÑA, C.; WYGODZINSKY, P. Acerca de la Transmisssion de Mansonella ozzardi
(Manson) (Filaria tucumana Biglieri Araoz). Anales del Instituto de Medicina RegioCarpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
107
Considerações sobre simulídeos (Diptera - Simuliidae)
e filarioses (Oncocercose e Mansonelose)
nal, 3: 29-34, 1950.
SATO, G. Levantamento de Peixes Predadores de Larvas de Simulídeos da Região
de Joinvile (SC). Resumo do XIII Congresso Brasileiro de Zoologia, Cuiabá-MT, 1986.
SHELLEY, A. J.; SHELLEY, A. Further evidence for the transmission of Mansonella ozzardi
by Simulium amazonicum in Brazil. Annals Tropical Med. Parasit., 70: 213-217, 1976.
SHELLEY, A. J.; LUNA DIAS, A. P. A.; MORAES, M. A. P. Simulium species of the amazonicum
Group as Vectors de Mansonella ozzardi in the Brazilian Amazon. Transactions of the
Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene, 74: 784-788, 1980.
SHELLEY, A.J.; ARZUBE, M. Studies on the Biology of Simuliidae (Diptera) at the Santiago
Onchocerciasis Focus of Ecuador, with Special reference to the Vectors and Disease
Transmission. Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene,
79:328-338,1985.
SOUZA, B. C. Atendimento Médico por Picadas de Simulídeos. B. Saúde,
11 (2): 8-11, 1984.
108
STRIEDER, M.N. Comunicação sobre a ocorrência de Simuliidae na alimentação de
peixes no Arroio Feitoria, Picada Verão, Sapiranga, RS. Resumos... XII Congresso Brasileiro de Zoologia, S. Paulo-SP, 1985. p. 12.
TAVARES, A.M. Estudo da infecção por Mansonella ozzardi. Dissertação (Mestrado)
Universidade de Brasília, 1981. 122p.
TAVARES, A.M; FRAIHA NETO, H. Mansonelose. In: Doenças Infecciosas e Parasitárias, Enfoque Amazônico. Manaus, 1997. 737p.
TIDWELL, M.A.; TIDWELL, M.A. Development of Mansonella ozzardi in Simulium
amazonicum, S. argentiscutum and Culicoides insinuatus from Amazonas, Colombia.
American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, 3 (6):1137-1141, 1982.
TIDWELL, M.A.; TIDWELL, M.H.P.; CORREDOR, A.; BARRETO, P. Vectores de
Onchocerca volvulus y Mansonella ozzardi en Colombia. Colombia Medica, 11:1191271, 1980.
VINEY, M. Wolbachia and river blindness. Trends in Parasitology, 18 (6): 244, 2002.
WHO (World Health Organization). Vector Control Series Simulium Training And Information
Guide, Division of Control of Tropical Diseases, 1991.
WILLIAMS, S.A.; LANEY, S.J.; LIZOTTE-WANIEWSKI, M.; BIERWERT, L.A.. 2002. The
river blindness genome project. Trends in Parasitology, 18 (2): 86-90, 2002.
YAZARBAL, L.; BASAÑES, M.G.; RAMÍREZ-PÉREZ, J.; RAMÍREZ, A.; BOTTO, C.;
YAZARBAL, A. Experimental and Natural Infection of Simulium sanchezi by Mansonella
ozzardi in the Middle Orinoco Region of Venezuela. Transactions Royal Society of
Tropical Medecine and Hygiene, 79:29-33, 1985.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Educação
Mudanças
tecnológicas
e a reforma
educacional
da década
de noventa
109
Alda Maria Duarte Araújo Castro2
1
Este artigo foi elaborado tomando como
referência uma discussão mais ampla
desenvolvida na Tese de Doutorado defendida no
Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
em dezembro de 2001.
2
Doutora em Educação pela UFRN, professora
das Disciplinas: Organização da Educação
Brasileira na Universidade Federal do Rio Grande
do Norte - UFRN e de Metodologia do Trabalho
Científico da Faculdade de Ciências, Cultura e
Extensão do RN – FACEX. [email protected]
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Mudanças tecnológicas e a reforma
educacional da década de noventa
Technological changes and the
educational reformation in the 90’s
110
RESUMO
Este artigo aborda as modificações ocorridas
na sociedade contemporânea nas últimas
décadas, ocasionadas pela evolução das
tecnologias da comunicação e da informação.
Analisa também, como essas transformações
ocasionaram mudanças significativas na esfera
da economia, das instituições sociais, culturais
e políticas, definindo novas formas de organização
e de funcionamento do Estado, visando torná-lo
mais ágil, mais flexível no gerenciamento das
políticas públicas. A Reforma do Estado,
fundamentada em paradigmas neoliberais, traz
como princípios básicos a redução do papel do
Estado e como conseqüência a redução do
investimento em programas sociais. Utiliza como
estratégias a descentralização, a privatização, a
desregulamentação e a focalização de programas
em todos os seus campos de atuação. Orientada
por esse referencial, a reforma educacional da
década de noventa do século XX, caracteriza-se
por trazer um novo modelo de gestão da educação
pública, tanto do sistema quanto das suas
instituições. As suas diretrizes estão explicitadas
nos planos, programas e legislação elaborados
para a área e visam cada vez mais adequar o
sistema educacional às exigências do capital
mundial e da globalização.
ABSTRACT
This paper discusses the changes in
the modern society in the last decades which
are linked to technological evolution in the
communication and information areas. It
shows that these changes modified the
economic and social institutions, defining
new forms of organization and the new role
of the State, based in liberal paradigms that
have, as main principle, investment
reduction for social programs including
educational area, with the following
strategies: decentralization, privatization,
deregulation and focused programs, looking
for agility and flexibility in managing public
politics. Educational reformation, in the
st
nineties and in the beginning at the 21
Century, guided by interests of neoliberalism
is characterized by modelling a “new
management” of public education whose
rules are explicit in Brazilian legislation and
government plans in order to adapt to
modern capitalism and globalization.
PALAVRAS-CHAVE
Reforma do estado; neoliberalismo;
reforma educacional.
KEY-WORDS
State reformation; neoliberalism;
educational reformation.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Alda Maria Duar
te Araújo Castro
Duarte
1 MUD
ANÇAS TECNOLÓGICAS E A
MUDANÇAS
REFORMA EDUCACIONAL DA
DÉCADA DE NOVENTA
Vivemos atualmente em um
mundo em constante evolução, com
mudanças significativas na esfera da
economia, das instituições sociais,
culturais e políticas. Essas mudanças se inscrevem em um processo
crescente de mundialização da economia, da reestruturação da divisão
internacional do trabalho, da perda
da autonomia dos Estados Nacionais, da desregulamentação dos
mercados e de modificações dos
parâmetros de representações políticas. Para alguns autores, entre eles,
Rifkin (1995), Off (1989), essas
mudanças caracterizam a emergência de um novo mundo baseado em
novos paradigmas, uma ruptura
com modelos antigos. Essas manifestações tiveram início em
primeiro lugar nas artes e na
arquitetura e se consolidaram como
fortes tendências, passando a
moldar esquemas de pensamentos
e relações sociais.
Para outros, como Har vey
(1992), Castells (1999) e Jameson
(2001), essas mudanças seriam, apenas, parte de uma transformação
cultural que acompanha a luta do
capitalismo para sobreviver, não se
apresentando, portanto, como uma
mudança global de paradigmas nas
ordens cultural, econômica ou po-
lítica, que corresponda a uma “nova
sociedade” “pós-industrial”. Inúmeras têm sido as transformações da
produção da vida material e subjetiva nessa fase particular do capitalismo, que, na tentativa de superar
sua atual crise, estabelece, como estratégias principais, o neoliberalismo,
a globalização e a reestruturação
produtiva.
As divergências de opinião entre essas correntes dificultam o
posicionamento diante dos diversos
fenômenos que vêm acontecendo
nas sociedades modernas. Reconhecemos que, em todas as etapas da
história da humanidade, a tecnologia
sempre teve uma contribuição importante nas transformações ocorridas em todos os campos das
atividades humanas. No século XX,
o desenvolvimento acelerado da
eletrônica, da tecnologia digital e dos
microprocessadores propiciou
avanços em quase todas as áreas do
conhecimento, nos processos de
produção, nos métodos de comunicação, entre outros.
Essa nova etapa de desenvolvimento do capitalismo tem provocado uma exclusão social que se dá
em escala planetária atingindo de
maneira diferenciada as regiões e
países. É inquestionável a repercussão que essas transformações trazem para a economia mundial com
conseqüências nem sempre positi-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
111
Mudanças tecnológicas e a reforma
educacional da década de noventa
112
vas para a vida da sociedade em
geral. No entender de Tedesco
(1998), são tantas as mudanças ocorridas, tornando-se difícil elencar todas elas. O autor seleciona três áreas
que, no seu entendimento, seriam
suficientes para explicar melhor os
processos de profunda transformação ocorridas na sociedade: o modo
de produção, as tecnologias da
comunicação e a democracia política (p.17-0).
As mudanças no modo de produção foram ocasionadas pelas profundas transformações tecnológicas
- a globalização e a competição exacerbada pela conquista de mercados.
Esses acontecimentos promoveram
a passagem de um sistema de produção de consumo de massa para
um sistema de produção de consumo diversificado. As novas
tecnologias baseadas na informática
permitem a produção de pequenas
quantidades de artigos cada vez mais
adaptados aos diferentes clientes –
caráter flexível de produção.
No que se refere às tecnologias
de comunicação e informação,
elas podem ser consideradas
como um dos elementos propulsores das mudanças na sociedade,
tendo um impacto significativo,
não só na produção de bens e serviço, mas também no conjunto das
relações sociais. A acumulação da
informação, a velocidade na trans-
missão, a superação das limitações
espaciais, a utilização simultânea
dos multimeios, estão aí para
mostrar o grande potencial dessas tecnologias.
O impacto dessas transformações sobre a vida política se dá na
medida em que as identidades políticas tradicionais, baseadas fundamentalmente na situação de cada
ator no processo produtivo, perdem solidez. As fronteiras nacionais
e os espaços nos quais se exercem a
cidadania tendem a se ampliar para
uma cidadania sem fronteiras ou
reduzir-se ao âmbito local. Segundo Tedesco (1998), uma vez que
sobre esse aspecto nada ainda é definitivo ou está muito claro, resta
apenas perguntar: o que é a democracia ou qual será a fórmula política por meio da qual se expressará
essa nova realidade social e econômica ?
Segundo Schaff (1995), estamos
vivendo a segunda revolução técnicocientífico, caracterizada por uma tríade
revolucionária: a microeletrônica, a
microbiologia e a energia nuclear. A
primeira revolução técnico-científica
teve o mérito de substituir na produção a força física do homem pela energia das máquinas, utilizando primeiro
o vapor e depois a eletricidade. Na segunda revolução, as capacidades intelectuais do homem são ampliadas e
inclusive substituídas por autômatos,
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Alda Maria Duar
te Araújo Castro
Duarte
que eliminam com êxito crescente o
trabalho humano na produção e nos
serviços modificando, substancialmente
os mesmos. Isso provoca mudanças
nas relações sociais, na formação econômica e política das sociedades.
Nesse contexto de mudanças as
transformações ocorridas no cenário mundial se complexificam a partir do reconhecimento que existe
uma crise na economia mundial que
assinala o esgotamento do modelo
de crescimento adotado no pósguerra e encerra assim um ciclo ascendente da economia capitalista,
caracterizado pelo pleno emprego,
pela aplicação sistemática da organização científica do trabalho e pela
intensificação do uso de recursos
naturais.
É consenso entre os estudiosos
da temática que a microeletrônica
modificou radicalmente as práticas
produtivas, substituiu a mão-deobra
por
equipamentos
automatizados como robôs e controle numérico, aumentou o conteúdo tecnológico dos produtos e
introduziu uma trajetória inovadora. Essa nova trajetória é intensiva
de conhecimento e requer o desenvolvimento de uma estrutura de
natureza diferente da anterior. Enquanto o taylorismo/fordista gerava empregos diretos produzindo
efeito multiplicador em uma ampla
cadeia produtiva, o paradigma
microeletrônico exige o desenvolvimento de uma estrutura de comunicação considerada crítica para a
difusão do novo paradigma, envolve a instalação de fibras óticas, satélites espaciais, redes de comunicação
em que não é relevante a quantidade de materiais, mas sim de
tecnologia.
A geração de empregos é reduzida e restrita a profissionais altamente qualificados. Segundo Tigre
(1993, p. 31)
O novo paradigma se difunde
assimetricamente, trazendo
distorções ainda maiores nos padrões mundiais de distribuição de
riqueza. Os países mais beneficiados são aqueles com melhores condições infra-estruturais para
incorporar novas tecnologias, aumentar a produtividade e desenvolver novos produtos e serviços. Isso
inclui o sistema educacional, tanto
básico, quanto superior, laboratórios e centros de pesquisas, redes
eficientes de telecomunicações de
dados, som e imagens e a capacidade de absorver novas formas de
organização da produção.
Isso nos remete à centralidade do
conhecimento, que passa a se constituir
a variável mais importante na explicação das novas formas de organização
social e econômica. As novas práticas
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
113
Mudanças tecnológicas e a reforma
educacional da década de noventa
114
produtivas têm enfatizado a maior participação dos trabalhadores nas tomadas de decisão, no controle da qualidade
e a separação entre trabalho manual e o
intelectual vem sendo sistematicamente
substituída por formas mais cooperativas, flexíveis e participativas de produção. Assim, o novo profissional deve
ter habilidades conceituais, lógicas e instrumentais que o conduzam ao aprendizado contínuo. Nessa lógica, o
trabalhador precisa “aprender a aprender” para acompanhar o intensivo avanço tecnológico que tem tornado
obsoleto o treinamento em técnicas
especializadas.
Essas novas exigências do mundo do trabalho, caracterizadas pelas alterações na base técnica do
processo produtivo são ideologicamente influenciadas pelas políticas
neoliberais que trazem, em seus
pressupostos, a diminuição do papel do Estado. Este, no entender de
Friedman (1998), deve ter uma
função limitada: proteger a
liberdade das pessoas contra os
inimigos internos e externos,
preservar a lei e a ordem, reforçar
os conteúdos privados e promover
os mercados competitivos.
Outro ponto defendido pelos
precursores do neoliberalismo é o
papel do capitalismo competitivo,
ou seja, a organização da atividade
econômica por meio da empresa
privada operando em um merca-
do livre. Friedmam (1998), discorrendo sobre o assunto, afirma:
A existência de um mercado livre
não elimina, evidentemente a necessidade de um governo. Ao contrário, um governo é essencial para
a determinação das “regras do
jogo” e um árbitro para interpretar e pôr em vigor as regras
estabelecidas. O que o mercado faz
é reduzir sensivelmente o número
de questões que devem ser decididas por meios políticos – e, por
isso, minimizar a extensão em que
o governo tem que participar diretamente do jogo (...) ( p.23).
Harvey (1992, p. 160) chama a
atenção para o fato de que esse Estado é mínimo apenas para o social, pois, na verdade, o Estado é
máximo para o capital, uma vez que
é chamado a regular as atividades do capital corporativo no interesse da nação e é
forçado, ao mesmo tempo, também no interesse nacional, a criar “um bom clima” de
negócios, para atrair o capital financeiro
transnacional e global e conter (por meios
distintos dos controles de câmbio) a fuga
do capital para pastagens mais verdes e
mais lucrativas.
Ainda, no entender do autor,
apesar da capacidade de intervenção estatal sofrer uma grande mudança a partir de 1972 em todo o
mundo capitalista, isso não significa
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Alda Maria Duar
te Araújo Castro
Duarte
que o intervencionismo estatal tenha diminuído de modo geral, principalmente n o t o c a n t e a o
controle do trabalho, onde essa
inter venção alcança um g rau
bem mais fundamentado.
No entanto, no campo social, o
neoliberalismo defende a tese de
que a função do Estado deve ser
restrita à área de caridade pública –
auxílio à pobreza – e de preferência em caráter complementar à caridade privada. Draibe (1988, p. 4),
analisando o pensamento de
Friedman, coloca que, para o autor: Os programas sociais – isto é a provisão de renda, bens e serviços pelo Estado
– constituem uma ameaça aos interesses e
liberdades individuais, inibem a atividade
e a concorrência privadas, geram indesejáveis extensões dos controles da burocracia.
Para Dourado (1999), o
neoliberalismo atribui todas as mazelas do mundo contemporâneo ao
papel intervencionista do Estado, e
apresenta-se como uma única saída
para a retomada do desenvolvimento econômico implementando reformas estruturais na sociedade,
através do redirecionamento das
atribuições do Estado como regulador da economia, cujas implicações mais severas estão na redução
ou no desmonte das políticas de
proteção social.
A hegemonia do pensamento
neoliberal não se espalhou por to-
dos os países de dia para noite e
nem de maneira semelhante em todos os países2. A primeira investida
de peso na adoção desse ideário,
pode ser encontrado na Inglaterra,
com a eleição de Tatcher (1979), o
primeiro país de capitalismo avançado a fazer uso das políticas
neoliberais para combater os problemas da crise do bem-estar. Um
ano depois nos Estados Unidos,
Reagan chegou à presidência. Em
1982, a Alemanha também elegia
Khol. A partir daí as idéias foram
se disseminando pelo mundo, e, segundo Anderson (1995), já assumindo não só um cunho econômico,
mas também político.
O fato é que o neoliberalismo
se transformou no pensamento
hegemônico das últimas décadas,
do século XX. Essa hegemonia é
explicada por Anderson (1995, p.
15) da seguinte forma:
No início somente os governos
explicitamente de direita radical se
atreveram a pôr em prática políticas neoliberais; depois, qualquer
governo, inclusive os que se
autoproclamavam e se acreditavam
de esquerda, podia rivalizar com
eles em zelo neoliberal. (...) No final dos anos 80, a Suécia e a
Áustria ainda resistiam à onda
neoliberal da Europa. E fora do
continente europeu, o Japão,
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
115
Mudanças tecnológicas e a reforma
educacional da década de noventa
também continuava isento de qualquer pressão ou tentação neoliberal.
Mas, nos demais países da
OCDE, as idéias da Sociedade
de Mont Pèlerim haviam triunfado plenamente.
116
O debate sobre o papel do Estado se configurou e foi acompanhado pela formulação de
propostas de Reforma do Estado,
tanto no que se refere a sua relação
com a economia e a intervenção nas
áreas sociais, como no que diz respeito ao próprio funcionamento da
máquina estatal. Isso levou a uma
verdadeira inversão das concepções
sobre o papel do Estado, passando
de Estado intervencionista - considerado até os anos setenta como
necessário ao desenvolvimento, controlando os ciclos econômicos, combinando políticas fiscais e
monetárias, garantindo dessa forma,
os direitos sociais e o pleno emprego - para um Estado mais forte,
porém com ações reduzidas e controlado pela economia de mercado.
Na apreciação de Farah (1995, p.
22):
Consolidou-se, assim, tanto nos
países avançados como nos países
em desenvolvimento a imagem do
Estado como problema, estabelecendo uma polarização Estadomercado, em que, em contraposição
ao mercado, tido como eficiente, ágil
e capaz de oferecer produtos e serviços de qualidade, o Estado passou a ser visto como ineficiente,
ineficaz e provedor de serviços de
baixa qualidade. A crise econômica – e a crise do Estado – resultam, segundo esta perspectiva,
do próprio Estado (...).
Para enfrentar os desafios impostos por essa nova ordem econômica internacional, é necessário
redimensionar o papel do Estado,
é preciso mudar as políticas
centralizadoras e intervencionistas,
próprias do modelo Keynesiano que
imperaram até a década de setenta.
Nesse sentido, o Estado, enquanto
instituição responsável pelo controle
e pela regulamentação das políticas
públicas, deverá assumir um novo
perfil, ou seja, tornar-se uma instituição mais ágil, mais enxuta e flexível no gerenciamento das políticas
públicas, voltada essencialmente,
para promover o desenvolvimento
econômico, utilizando, para isso,
mais o controle do mercado do que
os administrativos.
É nesse contexto que o Governo Fernando Henrique Cardoso
propõe uma reforma do Estado
brasileiro. Esta reforma está
inserida no reordenamento do desenvolvimento capitalista, tendo
como principal responsável, as exi-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Alda Maria Duar
te Araújo Castro
Duarte
gências do capital mundial, patrocinado pelo capital financeiro e por
organismos internacionais como o
Fundo Monetário Internacional e
o Banco Mundial. Uma das primeiras estratégias apresentadas foi
a criação de um Ministério – O
Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE)3 – que
apresentou o Plano Diretor da Reforma, estabelecendo, como diretriz, a redefinição do papel do
Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento
econômico e social para fortalecerse na função de promotor e regulador desse desenvolvimento. O
documento ainda defende que reformar o Estado significa transferir para o setor privado as atividades
que podem ser controladas pelo
mercado. (MARE, 1995).
1.1 As diretrizes da reforma
educacional brasileira da
década de noventa
As reformas que se processam,
na década de noventa, no âmbito
educacional, estão predefinidas
como estratégia do denominado
ajuste estrutural que direcionou as
reformas do Estado no plano político institucional e no plano econômico-administrativo. Encontram-se
inseridas em uma perspectiva de
mudanças significativas que vêm
acontecendo no atual estágio do de-
senvolvimento capitalista. Portanto
devem ser pensadas e analisadas
dentro do contexto das políticas que
a sociedade estabelece como projeto e que se implementam por meio
da ação do Estado.
Orientadas por esse referencial
ideológico, as políticas educacionais
passam a produzir novos paradigmas
e enfoques que estão associados ao
paradigma econômico centrado no
novo sistema tecnológico e que vão
determinar um novo tipo de organização sócio-produtiva que, de acordo com a ideologia neoliberal,
permitirá que as nações e as empresas cresçam competitivamente na
“sociedade global”.
O conhecimento, como eixo central
da atividade produtiva faz com que a
educação apareça em cena como uma
das condições indispensáveis para que os
países possam atingir a competitividade
que os levará a inserir-se na economia
mundial. Essa é a tese defendida pelos
organismos internacionais. No entendimento de Fonseca (1995, p. 17):
(...) a política educacional, vista na
ótica neoliberal, está inserida no
âmbito das políticas de desenvolvimento produtivo em apoio à
competitividade internacional com
base no enfoque integrado que
abrange políticas de desenvolvimento tecnológico, capacitação de mãode-obra e aperfeiçoamento de
mercados de capital a longo prazo.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
117
Mudanças tecnológicas e a reforma
educacional da década de noventa
118
Para Carnoy (1995), a mudança
na economia mundial provocou três
tipos de reformas no setor educacional: reformas para adaptar o setor às demandas de qualificação
tanto do mercado de trabalho nacional quanto do mercado mundial
(impulsionadas por motivos de
competitividade); reformas para
atender aos cortes no orçamento do
setor público e o ingresso do setor
privado (impulsionadas por motivos financeiros) e reformas para
melhorar o papel político que a educação desempenha como fonte de
mobilidade e igualdade social (impulsionadas por critério de
equidade)4.
Ainda para o autor, os países
têm feito uso dos três tipos de reformas para os seus ajustes estruturais. Os países desenvolvidos têm
colocado a ênfase nas reformas
impulsionadas por competitividade,
diferente da ênfase que é dada pelos países da América Latina e África, que por estarem muito
endividados, são obrigados a privilegiar quase que exclusivamente as
reformas impulsionadas por motivos financeiros. Esse fato tem levado à diminuição dos gastos do
Estado principalmente em programas sociais e ao aumento da exclusão da população de determinados
tipos de serviços, agravando a po-
breza e a marginalidade.
Esse fato pode ser constatado nas
reformas educacionais empreendidas
no Brasil na década de noventa. No
ajuste estrutural realizado pelo governo, destacam-se aspectos importantes dos variados tipos de reformas,
com predomínio para as reformas
financeiras. Apesar de serem
justificadas por razões de
competitividade e eqüidade, a preocupação maior é com a redução dos
investimentos na área educacional em
especial com o pessoal docente, trazendo redução de salários e uma
formação aligeirada, muitas vezes
realizada através de programas de
educação à distância. Assim, essas
reformas provocam efeitos econômicos e educativos que, na maioria
das vezes, não se traduzem na
melhoria da qualidade e nem da eqüidade, pelo contrário, em muitos casos essa situação é agravada pelos
cortes dos investimentos.
Nesse contexto, o governo
Fernando Henrique Cardoso vem
implantando uma reforma geral do
Estado, incluindo reforma fiscal tributária, previdenciária, educacional,
administrativa, as privatizações e a
desregulamentação da economia e
do mercado de trabalho. Os eixos
centrais da Reforma do Estado influenciam diretamente a política
educacional e repercutem nos planos elaborados para a área educa-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Alda Maria Duar
te Araújo Castro
Duarte
cional da década de noventa.
Essas ações de reformas educacionais desenvolvidas pelo MEC iniciaramse no quadro dos compromissos
assumidos pelo governo e pelos organismos internacionais na Conferência
Mundial sobre Educação para Todos,
realizada em Jomtien, 1990, e estão configurados principalmente no Plano
Decenal de Educação para Todos (19932003), no Planejamento Político Estratégico
(1995) e no atual Plano Nacional de Educação (2001), visando prioritariamente, à
modernização da educação. As políticas educacionais acabaram sendo fortemente direcionadas, tanto na definição
de suas prioridades quanto de suas estratégias, pelas orientações dos organismos internacionais financiadores,
principalmente do Banco Mundial.
A reforma educacional dos anos
noventa caracteriza-se por trazer um
novo modelo de organização e gestão
da educação pública, tanto do sistema
como das suas instituições. Os princípios que norteiam essa reforma estão
baseados na focalização de programas,
na descentralização, na privatização e na
desregulamentação.
Obedecendo a esses princípios,
a reforma educacional que vem sendo gestada no país a partir da década de noventa, a exemplo do que
está ocorrendo na América Latina,
se encontra alinhada as novas exigências que o mundo do capital requer para a for mação dos
trabalhadores e visa superar os graves problemas da educação básica
brasileira, entre eles: baixas taxas de
conclusão do ensino fundamental,
ineficiência na administração e gestão escolar; carência de livros didáticos, equipamentos e materiais
educativos, baixa qualidade e pouca eficiência da educação pública.
Observa-se, no caso específico
do princípio da focalização, a ênfase nos programas educacionais para
o ensino básico, com destaque para
o ensino fundamental de crianças e
adolescentes em detrimento dos
outros níveis de ensino. No entendimento de Moraes (2000, p. 38)
a focalização substitui o acesso
universal (direitos sociais, bens públicos, etc) por acesso seletivo ( que
permita discriminar o receptor e o
provedor de benefícios) redução das
políticas sociais a programas de socorro à pobreza absoluta. (...) As
políticas sociais do neoliberalismo,
por sua vez, aproximam-se cada
vez mais do perfil de políticas compensatórias, isto é, de políticas que
supõem, como ambiente prévio e
“dado”, um projeto de sociedade
definido em outra seara que não o
da deliberação planificadora: definido pelo universo das trocas, pela
mão invisível do mercado.
Existe uma contradição nes-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
119
Mudanças tecnológicas e a reforma
educacional da década de noventa
120
sa opção, pois, se o objetivo é
colocar o país em condições de
modernidade e competitividade,
a ênfase das políticas educacionais deveria recair sobre todos
os níveis educacionais, principalmente sobre os campos científicos e tecnológicos requeridos
pelo atual estágio de desenvolvimento capitalista. Investindo,
apenas, em educação básica o
Estado se omite de setores importantes do campo educacional, deixando espaço para a
iniciativa privada que passa a
ampliar seu raio de ação.
No que se refere ao princípio da descentralização, esta é a
estratégia de gestão usada, segundo o discurso oficial para
propiciar a democratização do
Estado e a busca de maior justiça social. Apesar das propostas de descentralização não
serem novidades na administração pública, no contexto atual
ela é indicada como uma das alternativas de solução para o
impasse em que se encontra o
sistema educacional. Na ótica de
Lobo (1990, p. 6),
tal impasse se verifica pela incapacidade do Estado em responder às
mais prementes e agudas demandas
de boa parte da população,
mormente no que se refere ao aten-
dimento de necessidades sociais básicas. E já não se aceita mais a
desgastada tese que justifica a não
resposta do Estado exclusivamente
pela escassez de recursos financeiros,
ou pela priorização dada ao crescimento econômico frente às políticas
sociais.
Ainda segundo Lobo (1990), a
descentralização assume várias vertentes possíveis de serem realizadas:
da administração direta para a indireta, entre níveis de governo e do
Estado para a sociedade civil5. A esse
respeito Carnoy (1997), também se
posiciona colocando que a
descentralização pode assumir formas variadas, dependendo da situação de desenvolvimento do país que
a está utilizando. Por exemplo, países
da Comunidade Européia, quando
utilizam
a
estratégia
da
descentralização, insistem fortemente em questões de controle administrativo e não tanto na questão da
redução dos gastos públicos que é o
principal objetivo da descentralização
nos países em desenvolvimento.
No que se refere à vertente de
descentralização implantada nos
programas educacionais brasileiros,
Cabral Neto (2000, p. 2) assinala que:
A descentralização concebida
como estratégia de afastamento do
Estado em relação às suas obriga-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Alda Maria Duar
te Araújo Castro
Duarte
ções sociais e acompanhada de novas formas de controle, conforme
vem se configurando na gestão dos
gastos públicos no Brasil, não pressupõe necessariamente a participação do cidadão na formulação e
realização das políticas públicas,
não garante a eficácia e eficiência
dos serviços oferecidos e não se constitui em uma estratégia obrigatória para a consolidação da
democracia, conforme expresso no
discurso oficial.
O governo federal, com essas
reformas, vem se desobrigando do
financiamento das políticas educacionais, pois tem que racionalizar
recursos, ao mesmo tempo em que
objetiva centralizar as diretrizes, principalmente mediante os parâmetros
curriculares nacionais e avaliação das
instituições de ensino. Ou seja, definir o que vai ser ensinado em todas
as escolas do País e ter o controle,
por meio da avaliação institucional.
Estes aspectos são estratégicos neste atual momento da reforma do
capitalismo. Nesse sentido, a educação a distância realizada através
dos meios de comunicação e informação vai ter um papel bastante significativo.
O princípio da privatização é
entendido no seu sentido mais amplo como a transferência das responsabilidades públicas para
organizações ou entidades privadas.
Torres (1995) considera a
privatização como uma estratégia
importante nas reformas orientadas
para impulsionar o mercado, constituindo-se, assim, uma preferência
da política neoliberal. O autor apresenta alguns argumentos para esclarecer sua posição:
Mediante a privatização de empresas do setor público, reduz-se a pressão sobre o gasto fiscal. Por outro
lado, a privatização constitui um
instrumento muito apropriado para
despolitizar as práticas regulatórias
do estado nas áreas de formação de
políticas públicas. Ou seja, a
privatização exerce um papel central nos modelos neoconservadores e
neoliberais porque a compra de serviços contratados previamente é um
mecanismo administrativo para solucionar questões específicas da legitimidade social do estado vinculado
à produção de serviços sociais e também uma maneira de tomar emprestado do ethos empresarial da
empresa privada, os sistemas de custo-benefício e a administração por
objetivos (p.125) (grifos do autor).
Utilizada em grande escala no campo econômico, a privatização passa a
ser incorporada no campo social, em
especial, na saúde e na educação como
parte de um processo mais amplo de
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
121
Mudanças tecnológicas e a reforma
educacional da década de noventa
122
reestruturação das sociedades capitalistas contemporâneas. Atualmente, a
privatização é um processo em curso
nos atuais programas de ajuste e reforma educacional, e, na visão de Brum
(2000), tem, entre outros, os seguintes
objetivos: arrecadar recursos com a
venda de patrimônio; reduzir o tamanho do Estado, retirando-o da atividade produtiva direta ou diminuindo
a sua presença nela e em setores da
infra-estrutura econômica; diminuir a
dúvida pública interna e reduzir o déficit público.
Vários argumentos são apresentados para a privatização da educação, entre eles, a superioridade da
atividade privada sobre a atividade
pública e os melhores resultados na
qualidade da educação que os estabelecimentos privados oferecem
em relação aos públicos.
O princípio da desregulamentação
se realiza pelo ajuste da legislação e
dos métodos de gestão das instituições educacionais às novas diretrizes e através de instrumentos que
assegurem ao governo central o
controle do sistema educacional. Ou
ainda, segundo Moraes (2000), a
desregulamentação deve criar novas
regulamentações, um novo quadro
legal que diminua a interferência dos
poderes públicos sobre os empreendimentos educacionais privados.
Esses princípios estão presentes nas
diretrizes dos documentos da Comis-
são Econômica para a América Latina
- CEPAL, no Relatório da Educação
para o Século XXI, da Organização das
Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO, e nos documentos do Banco Mundial, criando,
assim, um consenso sobre os rumos que
as reformas educacionais nos países da
América Latina devem tomar. Tomando como parâmetro essas diretrizes, o
governo brasileiro vem reestruturando
a educação básica, lançando mão de
estratégias que no seu entender são as
mais adequadas para a melhoria da qualidade, da eficiência e eqüidade da educação básica brasileira.
Nesse sentido a política educacional brasileira, institucionalizada através
dos planos, programas e legislação,
elaborada e implementada na década
de noventa, entre eles o Plano Decenal
de Educação (1993-2003) e o Planejamento Político Estratégico ( 19951998), Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, nº 9394/96 e o
Plano Nacional de Educação, trazem
em suas diretrizes a sedimentação de
uma política teoricamente voltada para
a melhoria da qualidade da educação
básica, no entanto o que se verifica na
prática é a implantação de uma política neoliberal, de redução de investimentos na área educacional, que
prioriza a relação custo-benefício e tem
como objetivo um maior aumento
da eficiência e da produtividade do
sistema educacional, sob a nova ótica
do mercado.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Alda Maria Duar
te Araújo Castro
Duarte
2
NO
NOTTAS
A América Latina foi palco da primeira experiência neoliberal sistematizada, segundo Anderson
(1995), o Chile pode ser considerado o verdadeiro pioneiro do ciclo neoliberal da história contemporânea (p.19).
3
Para maiores detalhes sobre a natureza da
Reforma do Estado veja por exemplo: Peroni
(2000); Pereira (1998).
4
Para Carnoy (1995), as reformas impulsionadas por motivo de competitividade são aquelas
que privilegiam o investimento no fator humano
como responsável pelo aumento da produtividade das empresas. De maneira geral essa filosofia
se baseia nas reformas que as instituições
educativas têm levados em frente para a melhoria
da qualidade de ensino. São classificadas em
quatro categorias: descentralização, centralização, melhoria da gestão dos recursos educativos
e melhoria na contratação do professor. As reformas impulsionadas por motivos financeiros têm
no Banco Mundial o seu principal defensor e na
última década as políticas seguiram a tendência a
centrar-se em três tipos de reformas: transferência dos gastos públicos destinados ao ensino
superior para o ensino básico; a privatização do
ensino secundário e superior para ampliar esses
níveis e a redução do custo por aluno em todos
os níveis. Nas reformas impulsionadas por critério de equidade se considera que a educação é
um instrumento de mobilidade social e tem como
objetivo oferecer aos grupos menos favorecidos
um ensino básico de qualidade, em especial para
a grande massa de jovens e adultos que não têm
acesso aos conhecimentos básicos e recomendam programas especiais de educação a distância e programas de educação não formal. A
reforma por competitividade visa beneficiar determinados grupos, como as mulheres e as populações rurais.
5
Para Lobo (1990), a descentralização da administração direta para a indireta propiciou a proliferação de empresas públicas, sociedades de
economia mista, autarquias, que hoje compõem
um corpo poderoso à margem do controle central. A segunda vertente refere-se ao sistema de
relações intergovernamentais, fruto da tendência
histórica à centralização, esse sistema encontrase hoje desequilibrado, com um elevado grau de
complexidade. Na verdade nos últimos anos,
Estados e Municípios perderam sua capacidade
de atuar como reais agentes de governo e defendem a descentralização como alternativa. A
descentralização nessa vertente desdobra-se em
duas dimensões: a financeira - via redistribuição
das receitas públicas, e o político-institucional
– através de novos arranjos no sistema de
competências governamentais. No terceiro
caso, refere-se à transferência de funções,
hoje executadas pelo setor público, que podem ser executadas exclusivamente ou em
cooperação com o setor privado (instituições
econômicas, organizações civis).
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
123
Mudanças tecnológicas e a reforma
educacional da década de noventa
2 REFERÊNCIAS
ALVES, Edgar. Modernização produtiva & relações de trabalho: perspectivas de
políticas públicas. Petrópolis: Vozes, 1997.
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo.(Orgs.).
Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1995.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Plano Decenal de Educação para
Todos. Brasília. 1993.
______. Ministério da Educação e do Desporto. Planejamento Político Estratégico
1995-1998. Brasília, maio, 1997.
BORÓN, Atílio. A sociedade civil depois do dilúvio neoliberal. In: SADER, Emir. GENTILI
Pablo. (Orgs.). Pós- neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 63-118.
BRUM, Argemiro J. O desenvolvimento econômico brasileiro. Ijuí: Unijuí, 1999.
124
CABRAL NETO, Antônio. Política Educacional Brasileira: novas formas de gestão.
YAMAMOTO, Oswaldo H.; CABRAL NETO, A. (Org.). O Psicólogo e a Escola. Natal:
EDUFRN, 2000.
CARNOY, Martin. El ajuste estructural y la evolución del mundo de la enseñanza. Revista
Internacional del Trabajo. (Genebra, OIT), v. 114, n. 6. 1995.
CARNOY, Martin. CASTRO, Claúdio de Moura. (Orgs.). Como anda a reforma da
educação na América Latina? Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997.
CASALI, Alípio (Org.). Empregabilidade e Educação: novos caminhos no mundo do
trabalho. São Paulo: EDUC, 1997.
CASASSUS, Juan. Descentralización de la gestión a las escuelas y calidad de la educación:
¿mitos o realidades? In: COSTA, Vera Lúcia Cabral. Descentralização da Educação:
novas formas de coordenação e financiamento. São Paulo: Cortez, 1999.
______. Descentralização e desconcentração educacional na América Latina: fundamentos e críticas. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n. 74, ago. p. 11-19. 1990.
CASTELLS, Manuel. A era da Informação. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
CEPAL.UNESCO.OREALC - Educação e Conhecimento: eixo da transformação produtiva com equidade. Brasília: IPEA/INEP, 1995.
CORAGGIO, José Luis. Propostas do Banco Mundial para a educação; sentido oculto ou
problemas de concepção. In: TOMMASI, Lívia; WARDE, Jorge Mirian; HADDAD, Sérgio.
(Orgs). O Banco Mundial e as políticas Educacionais. São Paulo: Cortez, 1998.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Alda Maria Duar
te Araújo Castro
Duarte
DOURADO. Luiz Fernandes. O público e o privado na agenda educacional brasileira. In:
FERREIRA, Naura Síria Carapeto; AGUIAR, Márcia Ângela da S. (Orgs.). Gestão da
educação: impasses, perspectiva e compromissos. São Paulo: Cortez, 2000.
DRAIBE, Sônia Mirian; PEREZ, José Roberto Rus. O programa TV Escola: desafios à introdução de novas tecnologias. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n. 106, mar., p. 27-50. 1999.
ESPING-ANDERSEN, Gosta. O futuro do Welfare State na nova ordem mundial. Lua
Nova. São Paulo, n. 35. 1995.
FARAH, Marta Ferreira Santos. Reconstruindo o Estado: Gestão do Setor Público e
Reforma da Educação. EASP/FGV/NPP, n. 2. 1995. ( Núcleo de Pesquisas e Publicações).
FIORI, José Luís. O Consenso de Washington. ( Palestra realizada para a Federação
Brasileira de Associações de Engenheiros). Rio de Janeiro, 1996.
FONSECA, Marília. O Banco Mundial e a Gestão da Educação Brasileira. In: OLIVEIRA,
Dalila Andrade (Org.). Gestão Democrática da Educação. 2. ed. Petrópolis: Vozes,
1998. (Desafios Contemporâneos).
FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade. 3. ed. Tradução de Luciana Carli. São
Paulo: Nova Cultural, 1988.
GENTILI, Pablo. A falsificação do Consenso: simulacro e imposição na reforma educacional do neoliberalismo. Petrópolis: Vozes, 1998.
HARVEY, David. A Condição Pós-moderna. São Paulo. Loyola, 1993. HOBSBAWM,
Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.
JAMESON, Fredric. A cultura do dinheiro: ensaios sobre a globalização. Tradução de
Maria Elisa Cevasco e Marcos César de Paula Soares. Rio de Janeiro: Vozes, 2001.
LEÃO, Geraldo M. Pereira. “Novas” estratégias da gestão privada da educação pública. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade; DUARTE, Marisa R. T. (Orgs.). Política e trabalho na escola: administração dos sistemas públicos de educação básica. Belo Horizonte:
Autêntica, 1999.
LOBO, Thereza. Descentralização: conceitos, princípios, prática governamental. São Paulo: Cadernos de Pesquisa. n. 4, ago., p. 5-10. 1990.
MORAES, Maria Cândida. Novas tendências para o Uso das Tecnologias da Informação na Educação. <http://www.edutecnet.com.br/Textos/Alia/MISC/edmcand2.htm>
Acesso em: set. 2000.
NETTO, José Paulo. FHC e a política social: um desastre para as massas trabalhadoras.
In: LESBAUPIN, Ivo (Org.). O desmonte da nação: balanço do governo de FHC.
Petrópolis: Vozes, 1999.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
125
Mudanças tecnológicas e a reforma
educacional da década de noventa
OFF, C. Trabalho como categoria sociológica fundamental? Trabalho e Sociedade. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, v. 1, 1989.
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do estado dos anos 90: lógica e mecanismos
de controle. São Paulo: Lua Nova, n. 45, 1998.
PERONI, Vera Maria Vidal. O Estado Brasileiro e a política educacional dos anos
90. São Paulo: ANPED, 2000. 1 CD.
RIFIKIN, Jeremy. O Fim dos Empregos: O declínio inevitável dos Empregos e a Redução
da força global de trabalho. São Paulo: Makron Books, 1995.
SCHAFF, Adam. A Sociedade Informática: as conseqüências sociais da Segunda Revolução Industrial. 4. ed. Trad. de Carlos Eduardo Jordão Machado e Luis Arturo Obojes.
São Paulo: Brasiliense, 1995.
SINGER, Paul. Poder, política e educação. Revista Brasileira de Educação, São Paulo:
ANPED, n. 1, jan./abr. 1996.
STEIN, Rosa Helena. Descentralização e Assistência Social. Cadernos ABONG, out.
1997.
126
TADDEI, Emílio H. “Empregabilidade” e formação profissional: a “nova” face da política
social na Europa. In: SILVA, Luiz Heron da (Org.). A escola cidadã no contexto da
globalização. Petrópolis: Vozes, 1999.
TEDESCO, Juan Carlos. O novo pacto educativo: educação, competitividade e cidadania na sociedade moderna. São Paulo: Ática, 1998.
TIGRE, Paulo Bastos. Informática como base técnica do novo paradigma. São Paulo em
Perspectiva. São Paulo, v. 7, n. 4, out./dez., p. 26-33. 1993.
TORRES, Carlos Alberto. Estado, privatização e política educacional. In: GENTILI, Pablo.
(Org.). Pedagogia da Exclusão: crítica ao neoliberalismo em educação. Petrópolis:
Vozes, 1995.
VIEIRA, Sofia Lerche. Escola – função social gestão e política educacional. In: FERREIRA,
Naura Síria Carapeto; AGUIAR, Márcia Ângela da S. (Orgs.). Gestão da educação:
Impasses, perspectiva e compromissos. São Paulo: Cortez, 2000.
______. Neoliberalismo, privatização e educação no Brasil. In: OLIVEIRA, Romualdo
Portela de (Org.). Política Educacional: impasses e alternativas. São Paulo: Cortez,
1998.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Educação
Concepções de
alfabetização:
Algumas
interpretações
127
Jacyene Melo de Oliveira Araújo1
1
Mestre em Educação/UFRN. Doutoranda em
Educação/UFRN, Professora de História da
Educação, Psicologia da Educação I e II, Didática
da Alfabetização I e II da Faculdade de Ciências,
Cultura e Extensão do RN (FACEX). Pesquisadora
vinculada à base de pesquisa “Práticas
Pedagógicas: O que se ensina e o que se aprende
na escola” e na linha “Práticas de leitura e de
escrita” da FACEX. Tel/Fax: (84) 231-5899.
E-mail: [email protected]
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Concepções de alfabetização:
Algumas interpretações
Conceptions on alphabetization:
Some interpretation.
128
RESUMO
As bases teórico-práticas das concepções
de alfabetização originam-se da Pedagogia, da
Psicologia e da Lingüística. Essas concepções,
para efeito didático, foram agrupadas em duas
abordagens fundamentais: as que enfatizam a
alfabetização de forma mecanicista e as que
concebem a alfabetização como processo de
construção e apropriação do conhecimento.
Neste artigo pretende –se discutir a primeira
delas – a abordagem mecanicista de
alfabetização. A abordagem mecanicista tem
seus fundamentos assentados no
estruturalismo, no funcionalismo e no
behaviorismo, modelos que tratam o
comportamento humano dando ênfase à
funções psicológicas periféricas da atividade
mental como percepção, sensação, memória,
discriminação visual, sem considerar o papel
fundamental das funções psicológicas
superiores. A alfabetização é vista como
aprendizagem do código escrito, dando ênfase
na leitura como decodificação da escrita.
Partindo de uma crítica contundente à
abordagem mecanicista, Ferreiro (1985)
apresenta a dinâmica do processo de alfabetização,
redimensionando seu significado, na linha
construtivista - interacionista, que associa a
aquisição da leitura e escrita ao processo de
desenvolvimento conceitual da criança.
ABSTRACT
Theoretical and practical bases of the
conceptions on alphabetization have their origin
on Pedagogy, Psychology and Linguistics.
These conceptions, for didactic effects, have
been disposed in two fundamental approaches:
the one, which emphasizes the alphabetization
in a mechanicist way, and the one which
understands alphabetization as a process of
construction and appropriation of knowledge.
In this article, the objective is to discuss the first
one - the mechanicist approach of
alphabetization. This approach has its bases
settled on structuralism, functionalism and on
behaviorism, patterns that treat the human
behavior by giving emphasis to the psychological
and peripheral functions of the mental activity,
such as perception, sensation, memory and
visual discrimination, without considering the
fundamental role of the superior psychological
functions. The alphabetization is seen as the
learning of a written code, and the emphasis is
given to the reading as decoding the writing. A
contusing critic of the mechanicist approach,
Ferreiro (1985) presents the dynamic
alphabetization process by changing its
meaning, on a constructivist-interaccionist issue,
which associates the reading and writing
acquisition to the conceptual process of
development of the child.
PALAVRAS-CHAVE
Educação; concepção de alfabetização;
abordagem mecanicista; abordagem
construtivista
KEY WORDS
Education; conceptions on alphabetization; mechanistic and constructivist
approaches.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Jacy
ene Melo de Oliveira Araújo
Jacyene
O ser humano apreende a realidade modificando-a, ou seja,
influindo ou atuando sobre ela.
Pois, a prática continua sendo a base
e o critério decisivo para a exatidão
do pensamento (Rubinsthein, 1979, p.
132). O pensamento teórico continua
dependendo, em conjunto, da prática.
Sendo assim, O conteúdo conceptual
do pensamento surge no desenvolvimento histórico do conhecimento específico
que assiste no desenvolvimento da prática social. A sua evolução é um processo histórico, que está submetido a
leis históricas. (id, 1979, p. 132)
As bases teórico-práticas das
concepções de alfabetização originam-se da pedagogia, da psicologia e da lingüística. Essas
concepções, para efeito didático,
foram agrupadas em duas abordagens fundamentais: as que enfatizam
a alfabetização de forma mecanicista
e as que concebem a alfabetização
como processo de construção e
apropriação do conhecimento. Neste artigo pretende –se discutir a primeira delas – a abordagem
mecanicista de alfabetização.
A abordagem mecanicista tem
seus fundamentos assentados no
estruturalismo, no funcionalismo
e no behaviorismo, modelos que
tratam o comportamento humano dando ênfase a funções psicológicas periféricas da atividade
mental como percepção, sensa-
ção, memória, discriminação visual, sem considerar o papel fundamental
das
funções
psicológicas superiores. Desta
forma, reduz-se a linguagem e a
aquisição do conhecimento ao
nível sensório-motor, ou seja, ao
fisicamente observável. Nessa
abordagem, a alfabetização é vista como aprendizagem do códig o escrito, dando ênfase na
leitura como decodificação da
escrita.
De acordo com Araújo (1968),
nos métodos de leitura utilizados no
processo de alfabetização, na visão
mecanicista, são considerados dois
pontos de importância: a natureza
dos elementos lingüísticos usados na
iniciação do processo de ler (letras,
sílabas, palavras, orações, contos), e
os processos mentais envolvidos
nesse primeiro estágio.
Partindo desses dois pontos existem dois “grandes métodos” (grifo nosso): o sintético e o analítico.
A esse respeito a autora afirma:
Ao passo que o primeiro parte dos
menores elementos - letras, sílabas ou
sons - para depois chegar à leitura, o
analítico inversamente, parte das
unidades maiores - palavras, orações e
conto - procedendo a decomposição deles em elementos cada vez menores, para
depois reuni-los em novas
palavras.(Araújo, 1968, p. 15-16)
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
129
Concepções de alfabetização:
Algumas interpretações
130
Como métodos que dão ênfase
ao ensino das partes ou elementos
que compõem a palavra, durante o
processo de ensino da leitura e da
escrita, pode-se considerar o alfabético, o fônico e o silábico.
No método alfabético, inicia-se
a leitura através da familiaridade de
formas das letras, que ajuda ao aluno, através da combinação e da repetição de sons reconhecidos nas
letras, a soletrar palavras, mesmo
sem identificar o seu significado.
O método fônico, por sua vez,
de acordo com Soares (1989) passou a ser adotado em lugar do alfabético na tentativa de superar a
grande dificuldade na aprendizagem
em função de não haver relação
biunívoca entre o som e a letra.
Baseado no som das letras, o fônico
procura estabelecer a relação entre
sons e letras correspondentes.
O método silábico, diferente dos
sintéticos anteriores (alfabético e
fônico) tem na sílaba a unidade fonética estabelecida como ponto de
partida para o ensino da leitura.
Baseia-se no princípio lingüístico da
fonética de que uma consoante só
pode ser emitida apoiada na vogal,
portanto só a sílaba, e não as letras,
funciona como unidade lingüística
para o ensino da leitura.
Conforme Araújo (1968, p. 1617) esse método: Partindo das sílabas,
intencionalmente escolhidas preconizava e
ainda preconiza o estudo dessas unidades,
unindo-as logo, na formação de novas palavras.
Por outro lado, como os métodos de alfabetização que dão ênfase à compreensão da leitura desde
sua fase inicial (analíticos), apresenta-se a palavração, a sentenciação e
o método historiado (histórias, contos, etc). Nessa visão de alfabetização a ênfase está no aprendizado da
leitura em si mesmo e não na produção de textos pela criança.
A palavração consistia no estudo das palavras, sem que haja, contudo, sua imediata decomposição
em sílabas. Quando as crianças já
conhecem várias palavras, formamse orações e pequenos textos.
Sendo um estágio mais avançado
do método analítico, a sentenciação
enfatiza a habilidade da leitura com
compreensão (inteligente).
Para Araújo (1968, p. 20), neste
caso, ormam-se as orações, de acordo com
os interesses dominantes da classe. Lançase uma oração no quadro e procede-se a
decomposição em palavras. Depois que a
criança já conhece algumas delas, por configuração visual, estudam-se as sílabas dessa
mesma palavra”.
O método historiado (conto,
histórias) visa levar a criança à idéia
de que ler é um meio de descobrir
sentido na página impressa.
Consistia na apresentação de historietas que, decoradas a princípio,
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Jacy
ene Melo de Oliveira Araújo
Jacyene
eram depois divididas em elementos cada vez menores: orações, expressões, palavras e sílabas. No
convívio com esse material, a criança deveria reconhecer as palavras
individualmente.
Apesar das divergências entre os
defensores do método sintético, o
acordo sobre esse ponto de vista é
total. Inicialmente, a aprendizagem
da leitura e da escrita é uma questão
mecânica; trata-se de adquirir a técnica para o decifrado do texto. O
aprendizado da leitura é visto, simplesmente, como uma associação
entre respostas sonoras e estímulos
gráficos.
Segundo Ferreiro e Teberosky
(1985, p. 20): Este modelo, que é o mais
coerente com a teoria associacionista, reproduz, a nível da aprendizagem da escrita, o modelo proposto para interpretar a
aquisição da linguagem oral.
Ferreiro e Teberosky (1985) colocaram que, para os defensores do
método analítico, a leitura é um ato
“global” e “individual”. Enfatiza-se
o reconhecimento global das palavras ou orações; a análise dos componentes é uma tarefa posterior. A
leitura é vista como uma tarefa fundamentalmente visual.
São muitos aspectos que diferem entre ambos os métodos, porém os desacordos referem-se
sobretudo ao tipo de estratégia
perceptiva em jogo: auditiva para
uns, visual para outros.
A ênfase dada nesses métodos
às habilidades perceptivas para reconhecer signos escritos deixa de
considerar aspectos fundamentais: a
competência lingüística da criança e
suas capacidades cognoscitivas.
Segundo Braggio (1992), estes
métodos acima explicitados, de base
empirista - behaviorista, reduzem a
linguagem à aquisição do conhecimento no nível sensório e fisicamente
observável, mensurável.
De acordo com essa autora, nesta perspectiva:
(...) a aquisição da linguagem é
vista como um processo mecânico, no qual a criança enuncia e
repete sons vocais somente quando há um estímulo do ambiente.
(...) vêem a linguagem como um
sistema que pode ser “quebrado”
em constituintes interligados são
usados em comunicações orais.
Não se dá nenhuma atenção no
significado, aos usos e funções da
linguagem, ao contexto onde é
produzida. (Braggio, 1992, p. 9)
Nesse sentido, há uma perda total do significado no processo
de aprendizagem, devido à preocupação com a decodificação mecânica da linguagem escrita. A forma
precede a função, quando se aprende a ler e escrever.
Em síntese:
(...) a aprendizagem, ou a aquisição da linguagem escrita é vista,
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
131
Concepções de alfabetização:
Algumas interpretações
pois, como um processo repetitivo,
mecânico, onde a técnica de ler e
escrever prevalece sobre a compreensão, o significado. O conhecimento anterior da criança sobre a
linguagem é ignorado no processo,
bem como o contexto de onde ela
vem. Sua criatividade é cerceada.
A leitura e a escrita são vista como
um meio para um fim em si mesma, sem nenhum caráter funcional. (Braggio, 1992, p. 15)
132
Sendo assim, pode-se dizer que
essa concepção está calcada nesses
pressupostos, que influenciam a
natureza e a didática da ação pedagógica.
Segundo Collelo (1995, p. 7576), em relação à prática alfabetizadora mecanicista: (...) a escola
sistematiza o processo, distribui as dificuldades inerentes à escrita de acordo com uma
seqüência lógica do ponto de vista do adulto, criando, com isso, uma língua artificial
que, para a criança, falha enquanto meio
de expressão.
Partindo de uma crítica contundente à abordagem mecanicista, Ferreiro (1985) apresenta a dinâmica do
processo de alfabetização em bases
novas e ampliadas, redimencionando
seu significado, principalmente nos
países da América Latina.
A alfabetização é abordada por
Ferreiro na linha construtivista interacionista, que associa a aquisi-
ção da leitura e escrita ao processo
de desenvolvimento conceitual da
criança.
Ferreiro utilizou como fundamentação teórica nas suas investigações
conhecimentos de psicolingüística contemporânea e da Psicologia Genética, cujos maiores expoentes são,
respectivamente, Chomsky e Piaget.
A autora abstraiu do lastro teórico piagetiano dois constructos essenciais - construção e interação - enquanto
suporte para o desenvolvimento do
pensamento e, consequentemente, para
a produção do conhecimento.
Segundo Guimarães (1991, p. 52):
(...) A adesão da autora a esse
referencial permitiu-lhe a sistematização
dos
princípios
psicopedagógicos norteadores do
processo de alfabetização de crianças, canalizando seus estudos
para as especificidades do aprendizado da língua escrita, e trazendo
para a abordagem epistemológica
piagetiana a possibilidade de estudar o processo individual da construção das representações sociais.
Ferreiro entende alfabetização
como um processo ativo de construção da língua escrita, visto pela
autora como um objeto cultural de
representações simbólicas.
Nesse sentido Ferreiro e
Teberosky (1985, p. 22) afirmam:
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Jacy
ene Melo de Oliveira Araújo
Jacyene
(...) no lugar de uma criança
que espera passivamente o reforço externo de uma resposta
produzida pouco menos que ao
acaso, aparece uma criança que
procura ativamente compreender a natureza da linguagem
que se fala à sua volta, e que,
tratando de compreendê-la, formula hipóteses, busca regularidades coloca à prova suas
antecipações e cria sua própria
gramática (...) no lugar de uma
criança que recebe pouco a
pouco uma linguagem inteiramente fabricada por outros,
aparece uma criança que reconstrói por si mesma a linguagem, tomando seletivamente a
informação que provê o meio.
Para Ferreiro (1985), a abordagem
associacionista não vê a escrita como
um sistema de representação de linguagem, mas como a simples transcrição gráfica de unidades sonoras.
Sendo assim, reduz a leitura ao mero
decifrado e a escrita à mera cópia de
modelos preestabelecidos pelo adulto, não considerando as concepções
da criança sobre o sistema de escrita.
A autora acredita ainda que os erros
na escrita indicam etapas do processo de construção do conhecimento
desse objeto, servindo de pistas para
a intervenção do professor.
Para Ferreiro (1991, p. 66-67; 102):
(...) a aprendizagem da leitura e
escrita é muito mais que aprender
a conduzir-se de modo apropriado
com este tipo de objeto cultural (inclusive, quando se define culturalmente o termo “apropriado”, ou
seja, quando o relativizamos). É
muito mais do que isto, exatamente
porque envolve a construção de um
novo objeto de conhecimento que,
como tal, não pode ser diretamente
observado de fora. (...) É necessário entender que a aprendizagem
da linguagem escrita é muito mais
que aprendizagem de um código de
transcrição: é a construção de um
sistema de representação.
Apreende-se dessa colocação
que, para se trabalhar a alfabetização numa perspectiva de construção, é necessário compreender o
sujeito e o objeto a ser conhecido, a
língua escrita.
Para se compreender o sujeito é
preciso saber que concepções da língua escrita o sujeito possui, a partir
do momento em que começa a
interagir com a língua escrita. O processo de construção da escrita se inicia quando a criança é capaz de
estabelecer a diferença entre as marcas gráficas figurativas (desenho) e as
marcas gráficas não-figurativas (a escrita). A concepção construtivista de
alfabetização põe em relevo que as
primeiras conceitualizações da crian-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
133
Concepções de alfabetização:
Algumas interpretações
134
ça sobre a natureza escrita começam
muito antes da intervenção do ensino sistemático. Pela interação com
jornais, revistas, letreiros, rótulos de
alimentos, etc, a criança constrói hipóteses a respeito desse sistema de
escrita, e gradativamente, passa por
diferentes concepções sobre o mesmo até assimilá-lo totalmente.
Para o professor compreender o
objeto, a língua escrita, torna-se indispensável conhecê-la e não ser somente um usuário dela. Segundo
Ferreiro (1987), se definirmos a escrita como uma forma particular de
representação gráfica, levando em
conta suas origens psicogenéticas, vêse que a maioria das crianças pré-escolares já escreve e que, entre as
concepções iniciais e a alfabética há
um longo processo de evolução, que
muitas crianças atingem na pré-escola,
enquanto outras chegam à escola ainda nos níveis iniciais do processo.
Se a construção do conhecimento se caracteriza como um processo de invenção e descoberta, cabe
ao professor criar situações
problematizadoras que permitam
avanços conceituais na aquisição da
leitura e da escrita. Seu papel é de
mediador entre o sujeito e o objeto.
A maior contribuição que o
construtivismo deu à alfabetização
foi permitir aos alfabetizadores a
compreensão de como se aprende
a ler e a escrever, entendendo as
produções das crianças como construções indicadoras de avanços
conceituais e não de erros ou incapacidades de aprendizagem.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Jacy
ene Melo de Oliveira Araújo
Jacyene
REFERÊNCIAS
ARAÜJO, Maria Ivonne. O ensino da leitura através dos tempos. In: Iniciação à leitura.
Belo Horizonte: Vigília, 1968. p.15-24.
BRÁGGIO, Sílvia L. B. Leitura e Alfabetização: da concepção mecanicista a sóciopsicolingüística. São Paulo: Artes Médicas, 1992.
BRASLAVSKY, Berta. Escola e alfabetização: uma perspectiva didática. São Paulo:
UNESP, 1993.
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Linguística. 5. ed. São Paulo: Scipione, 1992.
COLELLO, Sílvia Gasparian. Escrita e Pedagogia da alfabetização. In: Alfabetização em
Questão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 75–92.
FERREIRO, E., TEBEROSKY, A. Métodos tradicionais de ensino da leitura. In: Psicogênese
da Língua Escrita. São Paulo: Artes Médicas, 1985. p. 18-25.
FERREIRO, Emília. Os processos construtivos da apropriação da escrita. In: FERREIRO,
E., PALÁCIO, M. G. Os processos de leitura e escrita. Porto Alegre: Artes Médicas,
1987. p. 102-123.
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre a alfabetização.18. ed. São Paulo: Cortez:, 1991.
FREITAS, Helena C. L. de. O dia-a-dia da alfabetização: elementos metodológicos para um
projeto de trabalho. In: Cadernos CEDES 14: Recuperando a alegria de ler e escrever.
São Paulo: Cortez, 1985.
GROSSI, Esther Pillar. Didática da Alfabetização. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1990. v.1-3.
GUIMARÃES, Iolanda Brito. Construtivismo: uma veia aberta para a América Latina ?.
Um exame de concepção de alfabetização formulada por Ferreiro. Natal, 1991 Dissertação
(Mestrado em Educação) - UFRN.
RIZZO, Gilda. Os diversos métodos de ensino da leitura e da escrita. 5. ed. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1989.
RUBINSTHEIN, S. L. Princípio de Psicologia Geral. Lisboa: Estampa, 1979. cap. 10, p.
127-248: O pensamento.
SILVIA, T. R. N., ESPOSITO, Yara Lúcia. Algumas reflexões sobre o conceito de alfabetização. In: Analfabetismo e subescolarização: ainda um desafio. São Paulo: Cortez,
1990. p. 63-71.
SOARES, Magda B. As muitas facetas da alfabetização. In: Cadernos de Pesquisa, n. 52,
fev. 1985. p. 19-24.
TEBEROSKY, Ana; TOLCHINSKY, Liliana. Além da Alfabetização: a aprendizagem
fonológica, ortográfica, textual e matemática. 2. ed. São Paulo: Ática, 1997.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
135
136
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Educação
Novas formas de
gestão pública e a
política de ensino
superior no Brasil
137
Marise Delia Carvalho Teixeira1
1
Mestre em Administração pela UFRN.
Professora do Curso de Administração – Comércio
Exterior da FACEX. Professora dos cursos de
Administração e Marketing da Faculdade “Câmara
Cascudo”; Assistente em Ciência e Tecnologia
do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais –
INPE. Instrutora da Área de Recursos Humanos
do SEBRAE. Rua Érico Monteiro, 1980 – Capim
Macio; CEP 59082-170 – Natal-RN; Tel.: (0xx84)
30825177 – 99741146;
e-mail: [email protected].
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Novas formas de gestão pública e
a política de ensino superior no Brasil
New ways on public administration
and the brazilian college education
policy
138
RESUMO
O presente ensaio pretende
compreender este momento difícil que as
universidades brasileiras atravessam, onde
estão perdendo privilégios, bens, recursos
e respeitabilidade, por intermédio de um
estudo feito em sua história pautado em
legislações, desde sua criação até os dias
atuais, enfatizando seus objetivos, produtos
e reformas administrativas.
ABSTRACT
This paper means to understand the
problems that Brazilian universities are
having at current time: losing privileges,
assets, resources and respectability. So, we
consider the universities history based on
the Brazilian legislation since their
foundation until the present day,
emphasizing their goals, products and
administrative reformations.
PALAVRAS-CHAVE
Ensino superior; universidades;
instituições de ensino superior.
KEY-WORDS
Higher education; universities;
education.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Marise Delia Car
valho TTeix
eix
eira
Carvalho
eixeira
1 INTRODUÇÃO
O setor de serviços, especificamente o segmento da educação,
vem recebendo crescente atenção
em virtude das atuais transformações, sendo motivo de preocupação de governos, professores,
pesquisadores, alunos e servidores. A nível mundial, Drucker
(1996, p. 173) aponta como necessidade para a transformação
social e política do século XXI a
definição da educação – sua finalidade,
valores e conteúdo. Teremos que aprender
a definir a sua qualidade e
produtividade, para poder medí-las e
gerenciá-las. Enfatizando a necessidade de trabalhar de for ma
sistemática na qualidade do conhecimento e na sua produtividade,
até agora não definidas. Porém,
como se percebe na citação a seguir, retirada do próprio Ministério da Educação, a nível nacional
dentre as mudanças que o Brasil
está vivenciando, com a estabilização da economia, será possível
às instituições de ensino voltaremse mais para o planejamento da
qualidade e então atuar de forma
pró-ativa em tudo aquilo que estiverem dispostas a realizar.
Em países como o Brasil, a existência de um sistema de instituições de alta qualidade, de âmbito
nacional, é absolutamente necessá-
rio por diferentes razões: estabelecer padrões de qualidade para o
conjunto do sistema, constituindose como referência para o setor privado, prover o pessoal altamente
qualificado necessário ao desenvolvimento do próprio ensino superior, tanto público como privado,
abrigar a pesquisa, especialmente
aquela de auto custo que não oferece retorno social imediato, compensar as desigualdades regionais,
garantido a oferta de ensino de alta
qualidade e a institucionalização
de capacidade de pesquisa em todas as regiões do país. Dado o custo
deste sistema, a responsabilidade de
mantê-lo deve caber ao Governo
Federal. Foi o reconhecimento destas necessidades que promoveu e
justificou a criação da rede federal
de instituições de ensino superior.
(MEC, 1996, p. 49-50).
Neste contexto, interroga-se, será
que as nossas universidades federais
foram criadas e estão mesmo atingindo a este objetivo, ou como nos
fala Salama (1994), sobre os desvios dos serviços públicos, que não
beneficiam, ou muito pouco, aqueles para
quem supostamente em prioridade haviam
sido criados, já que as pessoas das camadas mais pobres mal conseguem
mandar seus filhos para as escolas
primárias e secundárias, que sofrem
com a baixa qualidade do ensino,
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
139
Novas formas de gestão pública e
a política de ensino superior no Brasil
não conseguindo assim o terceiro
grau, ficando então as universidades federais restritas as camadas
mais abastardas. E quanto às pesquisas, estarão mesmo atingindo
seus objetivos?
2 BREVE HISTÓRICO
140
A história da educação no Brasil
começa em 1549 com a chegada dos
primeiros padres jesuítas, inaugurando uma fase que haveria de deixar
marcas profundas na cultura e civilização do país. Movidos pelo intenso
sentimento religioso de propagação
da fé cristã, durante mais de 200 anos,
os jesuítas foram praticamente os únicos educadores do Brasil. Embora
tivessem fundado inúmeras escolas de
ler, contar e escrever, a prioridade dos
jesuítas foi sempre a escola secundária, grau do ensino onde eles organizaram uma rede de colégios de
reconhecida qualidade, alguns dos
quais chegaram mesmo a oferecer
modalidades de estudos equivalentes
ao nível superior.
Porém, com a mudança da
sede do Reino de Portugal e a vinda da família Real para o BrasilColônia, em 1808, a educação e a
cultura tomaram um novo impulso, com o surgimento de instituições
culturais e científicas, de ensino técnico e dos primeiros cursos superiores (como os de medicina nos
estados do Rio de Janeiro e da
Bahia). Todavia, a obra educacional
de D. João VI, meritória em muitos aspectos, voltou-se para as necessidades imediatas da corte
portuguesa no Brasil. As aulas e cursos criados, em diversos setores, tiveram o objetivo de preencher
demandas de formação profissional. Essa característica teve enorme
influência na evolução da educação
superior brasileira, pois seu perfil de
atividades acadêmicas foi eminentemente profissional o que acarretou ver a universidade, quando
criada, com a ótica da escola profissional, dificultando a formação de
uma cultura universitária.
No entanto, com a independência do país, conquistada em
1822, algumas mudanças no panorama sócio-político e econômico
pareciam traçar-se, inclusive em termos de política educacional, pois na
Constituinte de 1823, pela primeira
vez se associa sufrágio universal e
educação popular – uma como
base do outro. Debatendo-se, também a criação de universidades no
Brasil, com várias propostas apresentadas. Como resultado desse
movimento de idéias, surge o compromisso do Império, na Constituição de 1824, em assegurar
“instrução primária e gratuita a todos os cidadãos”2 Teria sido a “Lei
Áurea” da educação básica, caso ti-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Marise Delia Car
valho TTeix
eix
eira
Carvalho
eixeira
vesse sido implementada. Da mesma forma, a idéia de fundação de
universidade não prosperou, surgindo em seu lugar os cursos jurídicos
em São Paulo e Olinda, em 1827,
fortalecendo o sentido profissional
e utilitário da política iniciada por
D. João VI.
Na década de 1920, devido
mesmo ao panorama econômicocultural e político que se delineou
após a Primeira Grande Guerra, o
Brasil começa a se repensar. O setor educacional participa do movimento de renovação. É neste
período que surge a primeira grande geração de educadores como
Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço filho, Almeida
Júnior, entre outros, que lidera o
movimento, tentando implantar no
Brasil os ideais da Escola Nova e
divulga o Manifesto dos Pioneiros3 .
Também neste período, surgem as
primeiras universidades brasileiras,
do Rio de Janeiro (1920), Minas
Gerais (1927), Porto Alegre (1934)
e Universidade de São Paulo (1934).
Esta última constitui o primeiro projeto consistente de universidade no
Brasil, daria início a uma trajetória
cultural e científica sem precedentes.
A Constituição de 1934 consigna avanços significativos na área
educacional. No entanto, em 1937,
instaura-se o Estado Novo outorgando ao país uma Constituição
autoritária, registrando-se em decorrência um grande retrocesso.
Porém, após a queda do Estado
Novo, em 1945, muito dos ideais
são retomados e consubstanciados
no Projeto de Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional.4 De
1945 até a Revolução de 1964, quando se inaugura um novo período
autoritário, o sistema educacional
brasileiro passou por mudanças significativas, destacando-se na década de 40 a criação das Universidades
do Rio Grande do Sul, da Bahia,
de Pernambuco, do Paraná, de Minas Gerais e uma universidade rural, a do Rio de Janeiro. Na década
seguinte são criadas as universidades do Ceará, do Espírito Santo, do
Pará, a Rural de Pernambuco e a
Escola Paulista de Medicina5 . No
entanto, a maior expansão do sistema ocorre na década de 60. Quando no período de 60/62 são criadas
as universidades de Santa Catarina,
Rio Grande do Norte, Paraíba, Juiz
de Fora, Fluminense, Santa Maria,
Goiás, Amazonas, Alagoas e, nova
experiência, a Universidade de
Brasília.
Outra grande contribuição para
o sistema educacional brasileiro foi
o surgimento, em 1951, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –
CNPq e da atual Coordenação do
Aperfeiçoamento do Pessoal do
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
141
Novas formas de gestão pública e
a política de ensino superior no Brasil
142
Ensino Superior (CAPES), com o
objetivo de fomentar o desenvolvimento da ciência e da tecnologia
por meio da concessão de bolsas
de estudos e auxílios à pesquisa e a
instalação do Conselho Federal de
Educação, em 1961. Na fase que
precedeu a aprovação da LDB/61,
ocorreu um admirável movimento em defesa da escola pública,
universal e gratúita, sendo interrompido pelo movimento de 1964. No
entanto, em 1968 é aprovada a Lei
5.540/68, introduzindo mudanças
significativas na estrutura do ensino superior. Esta Lei é substituída
somente em 96 e 97 através da Lei
nº 9.394/96 e Decretos nºs 2.207/
97 e 2.306/97 que estar em vigor
até hoje.
Assim, o sistema de universidades públicas federais, com suas
marcas históricas, suas conquistas,
seus desvios, seus percalços e seus
dilemas, não foi pensado ou
construído afirmativamente, por
um projeto institucional ou por deliberação governamental de investir em ciência, em cultura e em
educação, para servir ao conjunto
da sociedade brasileira. O sistema
de universidades públicas federais
se formou reativamente, como
bem expressam os movimentos e
as ações que se generalizam pelo
país em defesa da universidade
pública federal.
3 LEGISLAÇÃO DO ENSINO
SUPERIOR
Nº Documento/Descrição
Decreto nº 19.851/1931 - a
União impôs à universidade brasileira, um modelo de organização e
de estruturação universitária.
Lei nº 4.024/1961 - Lei de Diretrizes e bases – impõe-se uma reforma na estruturação e organização
da universidade, tentando resolver
os problemas que a afetavam.
Decreto-Lei nº 53/1966 - Fixa
princípios e normas de organização
para as universidades federais e dá
outras providências.
Decreto-Lei nº 252/1967 - Estabelece normas complementares ao
Decreto-Lei n. 53, de 18.11.1996, e
dá outras providências.
Lei nº 5.540/1968 - Fixa normas
de organização e funcionamento do
ensino superior e sua articulação
com a escola média, e dá outras
providências.
Decreto-Lei nº 464/1969 - Estabelece normas complementares à
Lei n. 5.540, de 28.11.1968, e dá outras providências.
Resolução/CFE nº 29/1974 O Presidente do CFE, no uso de
atribuição legal, altera o artigo 7º da
Lei 5.540 que versa sobre a criação
das universidades.
Lei nº 6.420/1977 - Altera o Artigo 16º da Lei 5.540 que versa sobre o processo de nomeação de
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Marise Delia Car
valho TTeix
eix
eira
Carvalho
eixeira
dirigentes universitários.
Lei nº 7.177/1983 - Altera o Artigo 16º da Lei n. 5.540, que regulamenta o processo de escolha dos
dirigentes universitários.
Lei nº 9.131/1995 - Altera dispositivos da Lei n° 4.024, de 20 de
dezembro de 1961, e dá outras providências.
Lei nº 9.192/1995 - Altera dispositivo da Lei n. 5.540, que regulamentam o processo de escolha
dos dirigentes universitários.
Lei nº 9.394/1996 - Estabelece
as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional.
Decreto 2.207/1997 - Regulamenta o Sistema Federal de Ensino.
Decreto nº 2.306/1997 - Regulamentação das instituições de ensino superior.
Portaria nº 302/1998 - O Ministro de Estado da Educação e do
Desporto, altera o Art. 1º inciso II,
do Decreto 2.026/96, versando sobre a avaliação do desempenho individual das instituições de ensino
superior, que será realizada pela SESu
no âmbito do PAIUB.
Fonte: Coleção de Leis, v. 1, p. 393.
Através destes dispositivos legais
o governo brasileiro tenta impor
modelos as universidades, no sentido de estruturar, organizar e resolver os seus problemas, estas, por sua
vez lutam para por em práticas o
que a lei estabelece.
No entanto, de acordo com
Moro (1978, p. 20):
A lei prevê unidade de funções de
ensino, pesquisa e extensão, veta a
duplicação de meios para fins idênticos, prevê racionalidade de organização, com plena utilização de
recursos materiais e humanos, prevê
universalidade de campo, pelo cultivo das áreas fundamentais do conhecimento humano e flexibilidade
de métodos e critérios, com vistas
às diferenças individuais dos alunos, às peculiaridades regionais e
ao desenvolvimento de programas
de pesquisas em todas as áreas.
Em contrapartida, universidades
debatem-se ante a falta de uma administração uniforme e coordenada para o seu conjunto, ante a
necessidade de um planejamento
global de seu desenvolvimento e do
estabelecimento de uma política universitária, ante o cerceamento que
a própria lei impõe à estruturação
e organização da universidade.
Existe, todavia uma constante discrepância entre a teoria e a prática,
entre a lei e a realidade. Discrepâncias
estas que podem ser superadas, segundo tão bem nos relata Sander
(1977, p. 27), ao dizer:
Na realidade, todas as leis, planos e reformas educacionais observam aspectos de idealismo e
realismo, do velho molde e da nova
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
143
Novas formas de gestão pública e
a política de ensino superior no Brasil
moda. A transformação educacional, como a mudança social em
geral, é um processo lento, uma luta
dialética entre contrários – entre o
passado e o presente, o ideal e o
real em que as regras do jogo favorecem ao mais forte. Portanto, a
estratégia para alcançar uma verdadeira transformação da educação é o fortalecimento de um sistema
realista que, pela sua legitimidade
cultural, seu apoio na realidade
infra-estrutural do País e sua funcionalidade política, pouco a pouco
vá superando o modelo idealista do
passado nacional.
144
Portanto, esta divergência entre o
previsto e o realizado, não é um perfil
anormal das sociedades em desenvolvimento, pois toda sociedade em fase
de mudança idealiza um futuro desenvolvido, enquanto se encontra presa a
um passado subdesenvolvido.
4 OBJETIVOS E EVOLUÇÃO DAS
INSTITUIÇÕES DE ENSINO
SUPERIOR
A educação superior é ministrada
em instituições de ensino superior, pública ou privada, com variados graus
de abrangências ou especialização,
como nos mostra o Decreto nº 2.207/
97, que regulamenta algumas das disposições fixadas na nova LDB, que
classificou as instituições de ensino su-
perior em universidades (com o objetivo de promover além da formação superior, a pesquisa básica e
aplicada, bem como prestam serviços
à comunidade sob forma de cursos e
outras atividades de extensão universitária. Somente as universidades oficiais
têm competência para expedir seus
próprios diplomas, dando direito ao
exercício das profissões. As demais instituições de ensino superior devem
submeter seus diplomas para registro
nas universidades oficiais, a fim de garantir o direito de exercício profissional), centros universitários (ficam
isentos de desenvolver pesquisas e gozam da mesma autonomia das universidades para a criação de novos cursos,
o que não ocorre com as faculdades),
faculdades integradas, faculdades
institutos superiores ou escolas superiores (voltados basicamente para
a formação de nível superior, para uma
ou mais profissões), tem como objetivo o aperfeiçoamento da formação
cultural do jovem, capacitando-o para
o exercício da profissão, para o exercício da reflexão crítica e a participação na produção e sistematização do
saber.
Paralelamente as suas tarefas de
ensino, o ensino superior promove
a pesquisa científica e desenvolve
programa de extensão, seja na forma de cursos, seja na forma de serviços prestados diretamente à
comunidade. Contudo, as ativida-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Marise Delia Car
valho TTeix
eix
eira
Carvalho
eixeira
des de pesquisas estão mais concentradas nas instituições públicas.
O país conta atualmente com
1.180 instituições de ensino superior (IES)6, das quais 176 são públicas e 1.004 são privadas. Destas
instituições 156 são universidades,
sendo 71 públicas e 85 privadas; 50
são centros universitários, assim distribuídos 49 privados e um público; 90 são faculdades integradas,
duas públicas e 88 privadas; 865 são
faculdades, escolas e institutos, nos
quais 83 estão no setor público e
782 no setor privado e 19 centros
de educação tecnológica, todos públicos. O setor privado compreende entidades confessionais, grupos
privados e instituições não-governamentais de natureza diversa. Estas instituições estão organizadas em
cursos de graduação, programas de
mestrado e doutorado e cursos de
especialização, aperfeiçoamento e
atualização, cursos seqüenciais e cursos e programas de extensão.
4.1 Produto da Atividade
Acadêmica
O sistema demonstra, por intermédio dos dados obtidos pela Comissão e Verificação o MEC/SESU,
ANDIFES e INEP, um crescimento
dos indicadores acadêmicos mais importantes. Entre 1997 e 2000 o número de alunos matriculados na
graduação cresceu de 397.902 para
2.694.245, sendo 887.026 em instituições públicas e 1.807.219 em instituições privadas. O número de ingressos
de 101.411 para 829.706, nos quais
227.157 estão nas instituições públicas
e 602.549 nas instituições privadas. Os
alunos diplomados passaram de
50.684 em 97 para 324.734 em 2000,
assim distribuídos 112.469 nas instituições públicas e 212.283 nas instituições
privadas. Quanto à pós-graduação, de
acordo com dados fornecidos pela
CAPES, o número de alunos creceu
de 46.816 em 97 para 99.496 em 2000,
enquanto o número de dissertações de
mestrado e teses de doutorado aumentou de 7.432 em 97 para 125.000 em
2000. Um fato importante, é que estes
dados não se distribuem igualmente nas
regiões. Particularmente, no caso da
pós-graduação, as dissertações e teses
concentram-se nas regiões Sudeste e
Sul. Estas regiões concentram atualmente 1.172 programas de mestrados, 750
de doutorados e 53 profissionalizantes,
enquanto as regiões Norte, Nordeste
e Centro-Oeste possuem, apenas, 350
programas de mestrados, 134 de doutorados e 18 profissionalizantes.
Esses dados têm uma alta correlação com a história da formação do sistema de universidades
públicas e federais e com a distribuição relativa do PIB nacional.
Portanto, um esforço para
modificar esse quadro é fundamental como princípio de uma
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
145
Novas formas de gestão pública e
a política de ensino superior no Brasil
política para o sistema de universidades públicas federais, para a
superação dos desequilíbrios tantos regionais como sociais, e para
o desenvolvimento do país em
relação à educação, à ciência, à
tecnologia e à cultura.
5 ELABORAÇÃO DAS
REFORMAS EDUCACIONAIS
146
De acordo com Fagnani (1997)
no que diz respeito a educação superior no Brasil, a principal medida concebida entre 1964 e 1967 e
institucionalizada entre 1968 e
1973 foi a REFORMA UNIVERSITÁRIA, que em sua gestação foi
objeto de inúmeras comissões,
destacando-se a Comissão Meira
Mattos e o Grupo de Trabalho da
Reforma Universitária (GTRU).
Outro importante acontecimento
foi a grande influência dos convênios firmados entre o Ministério de Educação e Cultura (MEC)
e a Agency for International
Development (AID), do Governo dos Estados Unidos, para modernizar o ensino superior
brasileiro.
Para Cunha (apud Fagnani,
1997, p. 70):
a influência do modelo americano
na modernização do ensino superior no Brasil teve início na déca-
da dos 40. O ‘primeiro passo’ dessa ‘longa caminhada’ foi o Instituto Tecnológico da Aeronáutica –
ITA, criado em 1947. Nos anos
50, destacam-se o papel do Conselho Nacional de Pesquisa –
CNPq (1951) e a ‘experiência
inovadora’ representada pela criação da Faculdade de Medicina da
USP em Ribeiro Preto-SP. Mas
o movimento iniciado pelo ITA,
de ‘indução’da modernização das
universidades, ‘teve seu momento
mais forte’ na criação da Universidade de Brasília, em 1961.
Destacam-se ainda no pré-64, as
repercussões que a criação da Universidade de Brasília teve na modernização iniciada na Universidade
do Brasil 7 e na Universidade do
Ceará. A modernização na Universidade Federal de Minas Gerais –
UFMG, tornando-se uma “conexão mineira” na difusão do modelo da Universidade de Brasília para
outras universidades e para a própria elaboração da legislação federal.
Outra grande contribuição na
defesa de “um novo modo de organizar o ensino superior no País”
veio da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência – SBPC
(1950). Como nos relata Cunha
(apud Fagnani, 1997, p. 70), a discussão de temas com a introdução da organização departamental de ensino e a extinção
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Marise Delia Car
valho TTeix
eix
eira
Carvalho
eixeira
da cátedra vitalícia marcou igualmente ‘um
dos grandes momentos do CFE, enquanto
formulador de orientação doutrinária. A
União Nacional dos Estudantes
desde sua criação em 1989 levantou a bandeira da reforma universitária.
No período pós-64 as instituições educacionais sofreram uma
série de atos coercitivos como: repressão às lideranças dos movimentos de educação e cultura popular,
invasões militares às universidades
públicas, designação de reitoresinterventores ‘pró-tempores’ nas
universidades federais, diversos ciclos repressivos empreendidos na
USP, culminando, em abril de 1969,
na aposentadoria compulsória de
professores de grande projeção intelectual no País e no exterior, e a
repressão ao movimento estudantil, destacando-se a Lei Suplicy, que
restringia a representação estudantil.
Também, como parte de um retrocesso na área educacional brasileira, ocorreu a privatização em todos
os níveis de ensino, incluindo o superior. Pois incentivando a expansão das universidades privadas,
limitava o aporte de investimentos
para ampliação de vagas e manutenção dos estabelecimentos. Segundo
Martins (apud Fagnani 1997, p. 68)
Da mesma perspectiva, coloca-se a
diretriz de transformar as universidades públicas em instituições
‘modernas’, capazes de buscar sua
‘autonomia financeira’ pela racionalização administrativa, com vistas à redução de custos, e pela
cobrança de anuidades e vendas da
sua produção (pesquisas, livros,
serviços, etc.) no mercado.
Entretanto, com a aprovação da
Lei 5.540/68 e reformulação pela
Lei 9.394/96 foram introduzidas
mudanças significativas na estrutura
do ensino superior, cujos diplomas
estão basicamente em vigor até os
dias atuais.
Está tramitando no Congresso
Nacional um Projeto de Lei que dispõe
sobre a autonomia das universidades
federais, este propõe contratos renovados periodicamente entre as universidades (organizações sociais) e o ministério,
baseados em metas concretas a serem
atingidas. A partir desta perspectiva, a
universidade torna-se um organismo
com capacidade de se adaptar diretamente às exigências do mercado. Tendo a produtividade como pressuposto,
ensino, pesquisa e serviços deixam de
ter como referência à valorização do
ser humano e a ação civilizatória que
caracterizam a universidade autônoma.
É também louvável a implantação paulatina da proposta, com incentivos para
que as universidades, numa primeira fase,
se inscrevam voluntariamente no programa de autonomia.
Subsidiando este projeto e de
acordo com o modelo sugerido
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
147
Novas formas de gestão pública e
a política de ensino superior no Brasil
por Marx (apud Grau, 1999, p. 41)
A autonomia da sociedade não se
baseia na propriedade privada,
mas na própria recuperação da
esfera pública que, através da absorção do Estado pela sociedade,
deixa de mediar entre uma sociedade de proprietários privados e o
Estado, para passar a garantir o
público autônomo para si.
148
E, é neste sentido que o país procura hoje novas formas de gestão
pública, tentando a descentralização.
Por que tentando? Porque de acordo com Lobo (1988, p. 15), na história do Brasil nascemos centralizados,
aprofundamos e aperfeiçoamos a centralização e tentamos encontrar alguma saída,
qual seja, a descentralização.
Portanto, no Brasil esta tendência à descentralização da administração pública baseia-se numa
perspectiva contemporânea de
maior democratização das sociedades e das formas de gestão. Segundo nos salienta Tinoco (1995)
A medida em que as economias nacionais se globalizam, a gestão pública se
caracteriza pelo fortalecimento do poder
local e de formas participativas de cogestão, como forma de promover maior
eficiência e menor desperdício na alocação
de recursos. Para compreendermos
melhor esta descentralização nos
apoiamos no conceito formulado
por Borja (1986, p. 48) citado em
Tinoco (1995, p. 237).
La descentralización es un processo de carater global que supone por
una parte el reconhocimiento de la
existencia de un sujeito...una
societad o coletictividad de base
territorial-capaz de assumir la
gestion de intereses colectivos y dotado a la vez de personalidad sociocultural y politico-administrtiva y,
por otra parte, la transferência a
este sujeito de un conjunto de
competencias y recursos (financeiro, humanos, materiales) que ahora
no tiene y que podrá gestionar autonomamente en el marco de la
legalidad vigente.
Consequentemente, para se chegar através da descentralização a
uma gestão pública satisfatória, fazse necessárias algumas mudanças
nas formas de atuação e gerenciamento, capacitando o pessoal
existente nas universidades para que
exerçam uma administração eficiente, pautada em formulação de planejamento, acompanhamento e
avaliação destes. Visto que o momento é de transformações e, dentre as mudanças por que passa o
ensino superior no Brasil vale ressaltar o dinamismo da Lei 9.131/
95 que criou o Exame Nacional de
Cursos e o Decreto nº 2.026/96 que
regulamentou o Sistema Nacional
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Marise Delia Car
valho TTeix
eix
eira
Carvalho
eixeira
de Avaliação do Ensino Superior
tem feito em prol da melhoria da
qualidade do ensino ofertado nos
cursos de graduações brasileiros.
6 CONCLUSÃO
O presente estudo mostra que
desde sua criação as universidades
brasileiras sofrem discrepâncias entre a teoria e a prática, entre a lei e a
realidade. Então, diante do que foi
exposto, deve a Universidade adaptar-se à sociedade ou a sociedade a
ela? Existe, no entanto, uma
complementaridade e antagonismo
entre as duas missões, ou seja, adaptar-se á sociedade, ou adaptá-la a si
própria. Não se trata apenas de modernizar a cultura, mas de culturalizar
a modernidade.
O século XX lançou vários desafios a essa dupla missão, como
mostra Morim (1999, p. 11):
Há, sem sombra de dúvida, uma
forte pressão sobreadaptativa que
pretende conformar o ensino e a
pesquisa às demandas econômicas,
técnicas e administrativas do momento, aos últimos métodos, às últimas receitas do mercado, assim
como reduzir o ensino geral a marginalizar a cultura humanista.
No ambiente em que se encontram as instituições públicas de ensino, elas precisam urgentemente
reconhecer as mudanças em curso
e adaptar-se às novas condições, na
velocidade em que elas se transformam, para não comprometer sua
capacidade de sobreviver e expandir-se. Nesse contexto, a palavra
Qualidade passa a fazer parte do
cotidiano e está presente nas atividades, nos produtos e serviços consumidos, passando a ser um dos
mecanismos fundamentais para ajudar as instituições de ensino a garantirem a sobrevivência e a
formação profissional condizente
com o novo paradigma.
Portanto a grande missão da
universidade de hoje é superar-se
para se encontrar. Desse modo,
inscrever-se-á de modo mais profundo em sua missão transecular
que, assumindo o passado cultural, se adiantará para um novo
milênio com o intuito de civilizálo, e principalmente de transformar a universidade de hoje, que é
vista como uma escola profissional em uma universidade com cultura universitária.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
149
Novas formas de gestão pública e
a política de ensino superior no Brasil
NO
NOTTAS
2
Lei de 15 de outubro de 1827 - determinou a
criação de escolas de primeiras letras em todas
as cidades, vilas e vilarejos, envolvendo as três
instâncias do Poder Público.
3
1932 - Documento histórico que sintetiza os pontos
centrais desse movimento de idéias, redefinindo
o papel do Estado em matéria educacional.
4
LDB - Enviado ao Congresso Nacional em 1948
que, após difícil trajetória, foi finalmente aprovado
em 1968 (Lei n° 4.024).
5
Atual UNIFESP
6
Dados retirados do MEC/INEP - Estatísticas
Educacionais - Número da Educação no Brasil
em 2000.
7
Ex-Universidade do Rio de Janeiro.
150
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Marise Delia Car
valho TTeix
eix
eira
Carvalho
eixeira
7 REFERÊNCIAS
DRUCKER, Peter Ferdinand. Sociedade Pós Capitalista. 5. ed. São Paulo: Pioneira, 1996.
FAGNANI, Eduardo. Política social e pactos conservadores no Brasil: 1964-92.
Cadernos Fundap, n. 21, 1997.
FELICÍSSIMO, José Roberto. Os impasses da descentralização Político-Administrativa na
Democratização do Brasil. Revista de Administração de Empresas. São Paulo, v. 32, n.
1 [199?]. p. 6-15.
GRAU, Nuria Cunill. Repensando o público através da sociedade: novas formas de
gestão pública e representação social. Brasília: ENAP, 1999.
INEP. Sinopse estatística da educação superior – 2000. Brasília: O Instituto, 2001.
LOBO, Tereza. Descentralização, uma Alternativa de Mudança. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, jan./mar., 1988. p. 14-24.
MEC. Uma nova política para o ensino superior brasileiro – Subsídios para discussão. Brasília: Secretaria de Política Educacional, dez. 1996.
MORIM, Edgar. Complexidade e transdiciplinaridade: a reforma da universidade e do
ensino fundamental. Natal: EDUFRN, 1999.
MORO, Vicente. Análise dos aspectos formais e reais da universidade de Passo
Fundo. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre, 1978.
SALAMA e VALLIER. Pobrezas e desigualdades no 3º Mundo. A Via Liberal de Combate à Pobreza. São Paulo, 1994.
SANDER, Benno. Educação brasileira: valores formais e valores reais. São Paulo:
Pioneira, 1977.
TINÔCO, Dinah dos S. Os aparatos institucionais administrativos municipais no Rio Grande
do Norte: Principais dificuldades para o Processo de Descentralização. Revista Brasileira
de Administração Contemporânea, Anais do 19º ENANPAD, v. 1, n. 8, [199?]. p.
235-252.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
151
152
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Educação
Desafio pedagógico
da orientação
sexual na escola
153
Ana Tania Lopes Sampaio1
1
Enfermeira obstetriz. Especialista em Saúde
Pública (ENSP) e Educação para Saúde
(UNAERP). Professora do curso de Pedagogia
da FACEX. Coordenadora de IEC da Secretaria
da Saúde Pública do Estado do Rio Grande do
Norte (SESAP). Av. Junqueira Aires, 488 - Centro.
Tel.: (0xx84) 232-2578. E-mail: [email protected]
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Desafio pedagógico da
orientação sexual da escola
Pedagogical challenge of sexual
education at School.
154
RESUMO
O presente texto foi o resultado de
uma preocupação enquanto docente do
curso de Pedagogia, no que se refere
às dificuldades sentidas pelos futuros
pedagogos em como inserir a orientação
sexual nas Escolas, como vencer seus
próprios bloqueios, qual a postura
pedagógica do educador e qual a forma
pedagógica de inserir o educando no
processo de construção do seu próprio
conhecimento, objetivando o autocuidado, a auto-estima, a autonomia, o
melhoramento das relações interpessoais, enfim, uma sexualidade mais
responsável e saudável. Neste sentido,
sob nossa coordenação, os discentes do
IV período do curso de pedagogia da
Faculdade de Ciências Cultura e
Extensão do RN (FACEX), utilizaram o
colégio da FACEX como laboratório de
pesquisa, aplicando um questionário
as
as
para 285 adolescentes das 7 e 8
séries, que serviu de diagnóstico para o
re-direcionamento de novas práticas
pedagógicas. Foram adaptadas algumas
dessas técnicas para o curso de
pedagogia e aplicadas em sala de aula
com excelentes resultados.
ABSTRACT
The present text is a result of a concern
from the point of view of a teacher/facilitator
of the Course of Pedagogy, related to the
difficulties felt by the futures facilitators. The
main concern is to find a way to insert sexual
orientation in schools programs, as well as
how to make the teachers win their own
blockades, and what should be the best
teacher’s pedagogical posture. Finally, what
pedagogical form of inserting the students
into the process of building their own
knowledge, being the objective self-care,
self-steem, autonomy, improvement of
interpersonal relations, focusing on a
healthier and more responsible sexual active
life. Under our orientation, the students of
the fourth period of Pedagogy at FACEX,
had FACEX high school as a laboratory for
the research, where they applied a
th
questionnaire to 285 teenagers from 7 and
th
8 level of elementary school, so that it
made possible to have a more accurate
information about how to redefine the new
pedagogical practices for the course of
Pedagogy and also for those applied in
classrooms with excellent techniques results
were adapted for the course pedagogy and
applied in classroom with excellent results.
PALAVRAS-CHAVE
Orientação sexual; técnicas
pedagógicas; escola.
KEY-WORDS
Sexual orientation; pedagogic
techniques; school.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Ana TTania
ania Lopes Sampaio
1 INTRODUÇÃO
A recente experiência como docente da disciplina de “Seminário I Educação para Saúde e Orientação
Sexual na Escola” - do curso de Pedagogia, nos fez deparar com várias
reflexões de como tem sido proposto o ensino da Educação Sexual na
Escola. As interrogações, relacionadas
a este ensino, foram: Permanece o
enfoque biologista desconsiderando
os aspectos bio-psico-social do adolescente? O que nós, como educadores estamos fazendo para reverter este
enfoque? Com que didática abordamos a sexualidade e a afetividade do
adolescente? Como a escola pode estimular a comunicação familiar? Educação Sexual é o mesmo que
Educação para Sexualidade? E quem
capacita o educador? Neste artigo pretendemos contribuir com professores e pais que, como nós, buscam
alternativas de atuação mais comprometidas com o desenvolvimento
psico-afetivo do adolescente no processo de autonomia. No conteúdo
serão apresentados alguns resultados
da pesquisa feita com adolescentes do
colégio FACEX, algumas estratégias
que já foram aplicadas no processo
pedagógico e que poderão servir de
inspiração para inovar a atuação de
outros profissionais, não no sentido
de receita, mas de instrumento a ser
adaptado à realidade das circunstâncias particulares de cada caso. O
enfoque deste texto foi subsidiado por
referenciais teóricos que compartilham anseios, dúvidas, desejos e sonhos de uma juventude que busca
solidariedade, compreensão e ética
como alternativa de sobrevivência e
transcendência.
1.1 Nossas buscas teóricas
Pesquisando identidades ideológicas que reforcem nosso pensamento frente às posturas pedagógicas,
destacamos
FREIRE (1980),
em forma de lúcido saber sóciopedagógico, com sua apaixonante
experiência de educador, defendendo uma vocação humanista que cria
técnicas pedagógicas baseadas na
“Educação dialógica”.
Não há diálogo, porém se não há
um profundo amor ao mundo e aos
homens, não é possível a pronúncia
do mundo, que é um ato de criação
e recriação , se não há amor que a
infunda. Por isto, o diálogo é uma
exigência existencial. E se é o
encontro em que se solidarizam o
refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode
reduzir-se a um ato de depositar
idéias de um sujeito no outro, nem
tampouco se torna simples troca de
idéias a serem consumidas pelos
permutantes.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
155
Desafio pedagógico da
orientação sexual da escola
156
A afirmativa de Paulo Freire se
legitima quando analisamos a necessidade de conquista da confiança do
adolescente no processo de ensinoaprendizagem da educação para
sexualidade. Na verdade, essa formalidade pedagógica muda quando percebemos que este processo
não deve ser tão técnico, uma vez
que necessita de conquista, de confiança, de diálogo e que envolve sentimentos, atitudes, prazer, tabus,
mitos, valores culturais entre outros
fatores relacionados à família e a
sociedade. Desta forma, “depositar idéias, informar ou até mesmo trocar idéias” não é o suficiente
para despertar no adolescente o senso de responsabilidade com seu
corpo e com sua sexualidade no lidar com suas emoções e atitudes.
Vitiello (1997), pós-graduado em
Educação Sexual, especialista no
atendimento ao adolescente e
coordenador dos cursos de pósgraduação lato sensu em Educação
Sexual, comenta:
O processo de educação é bastante
amplo, abrangente e complexo,
compreendendo uma série de fases.
Dentro dessa amplitude, que
obrigatoriamente envolve o assumir
uma série de atitudes, faz-se necessário que o educando também assuma comportamentos ligados à
esfera da sexualidade, desempe-
nhando um papel sexual. Educação Sexual seria dentro desse amplo conceito, a parte do processo
educativo especificamente voltado
para a formação de atitudes referentes a maneira de viver a
sexualidade.
Com base nesta assertiva, podemos reforçar que existe uma grande confusão entre os conceitos de
INFORMAÇÃO, EDUCAÇÃO
E COMUNICAÇÃO e isto se
transfere à prática do educador, da
família e da sociedade. O Governo
utiliza estratégias de INFORMAÇÃO e diz que está educando; a
televisão, o rádio e os jornais desenvolvem técnicas de COMUNICAÇÃO e afir mam que estão
educando. A escola “biologisa” a
sexualidade e assegura que está educando; os pais transferem seus valores aos filhos e garantem estar
educando... É necessário refletir sobre os conceitos de: informação,
educação, comunicação.
O desafio de se abordar a sexualidade na escola já fora vencido desde os anos 70, no entanto a questão
agora é como lidar com ela. Tiba
(1994) assinala que:
... A maioria das escolas deixa o
assunto nas mãos dos professores e
não tem nenhum controle sobre o
que falam em classe. O conteúdo
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Ana TTania
ania Lopes Sampaio
da educação sexual ainda está nas
mãos do professor. Isso faz com que
a linha pedagógica dependa muito
da própria formação pessoal do
educador, que pode transmitir seus
próprios conceitos ou preconceitos
aos alunos...
É importante abordar as questões referentes a “Educação Sexual” e “Educação para Sexualidade”
nos seus eixos conceituais:
Educação Sexual - conceito
estático: transmissão de valores,
crenças e costumes, que representa
o processo de ensinar, desde que o
conhecimento é de fora para dentro e a figura do educador não é
fundamental. Aborda fundamentalmente temas como: anatomia e fisiologia dos órgãos genitais,
prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, planejamento familiar, gravidez e outros.
Educação para Sexualidade - conceito dinâmico: conscientização e
mudanças na maneira de pensar, sentir e agir, que representa o processo
de educar, desde que o conhecimento é de dentro para fora e a figura do
educador é fundamental.
Necessário se faz esclarecer estas diferenças: no conceito estático, os conteúdos são apenas
transmitidos (de fora para dentro),
ou seja, repassados dos conceitos externos para a assimilação interna, e
isto torna a figura do educador não
muito importante; no conceito dinâmico, os conhecimentos são
construídos através das experiências pessoais, dos sentimentos, das
angústias, das percepções dos alunos (de dentro para fora). Assim
sendo, a figura do educador é de
fundamental importância, pois depende dele a condução do processo, criatividade, as técnicas utilizadas
para despertar o interesse e a participação do grupo na construção do
conhecimento.
Suplicy (1999), coordenadora de
um projeto de Orientação Sexual
nas escolas, afirma:
... Os jovens de hoje são mais bem
informados, no entanto não
conseguem utilizar estas informações em benefício próprio. Está faltando esta contrapartida por parte
dos programas de governo em escolas que mostrem outro jeito de
lidar com a sexualidade que não
sejam os impulsos...
Considerando tudo isto, conclui-se que não se pode tratar a
sexualidade do adolescente meramente como aulas de “sexo”,
pois esta questão também envolve afetividade, fazendo-se necessário, inicialmente, repensar o
perfil do educador que jamais
poderá ser um professor mera-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
157
Desafio pedagógico da
orientação sexual da escola
158
mente voltado para o ensino de
disciplinas (ciências, biologia). Ele
necessita ser um orientador sexual
que previamente tenha trabalhado a sua própria sexualidade,
seus conflitos, seus bloqueios, sua
auto-estima e que faça da sua vida
cotidiana uma rotina comum de
auto-cuidado. Vencido estes aspectos ele deverá ser uma pessoa
criativa, um ser sensível de caráter confiável e personalidade forte, receptiva a novas propostas
pedagógicas. Estas características
são fundamentais, em vez de uma
pilha de formalidades burocráticas disciplinares, pois o que o adolescente necessita é de alguém que
lhe transmita confiança, que lhe
proporcione bem estar e segurança, que promova dinâmicas,
vivências, que lide com suas emoções e frustrações, que entenda
suas angústias, que socialize o conhecimento num saber “construído” e
não expelido.
2 A PESQUISA
2.1 Metodologia
A pesquisa foi desenvolvida no
Colégio FACEX, Natal-RN, tendo
sido utilizada uma amostra não
probabilística, intencional, tomandose adolescentes das 7a e 8a séries, dos
turnos matutino e vespertino, que voluntariamente se propuseram a responder os questionários. Aplicou-se
uma entrevista semi-estruturada com
questionamentos objetivos e subjetivos. Os grupos foram diversificados
quanto a idade, série escolar e sexo.
O estudo investigou percepções, preferências e comportamentos referente à sexualidade dos adolescentes.
Foram entrevistados 285 adolescentes, sendo 125 da 7a série e 160
da 8 a série; desses 138 (48,42%) eram
adolescentes do sexo feminino e 147
(51,58%) do sexo masculino. Suas
idades variavam de 12 a 17 anos,
sendo que 75% destes estavam na
faixa de 13 e 14 anos (Tabelas 1 e 2).
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Ana TTania
ania Lopes Sampaio
Tabela 1 - Distribuição dos alunos entrevistados por idade
IDADE
12 ANOS
FREQUÊNCIA
10
%
3,51
13 ANOS
14 ANOS
89
125
31,23
43,86
15 ANOS
16 ANOS
49
10
17,19
3,51
17 ANOS
TOTAL
2
285
0,70
100
Tabela 2 - Distribuição dos alunos entrevistados por sexo
SÉRIE
MASCULINO
FEMININO
FREQUÊNCIA
138
147
285
TOTAL
Quando indagados quanto ao
local onde aprendiam sobre sua sexualidade, 27,94% responderam na
família, 26,84% informaram aprender através de livros e revistas, 23,90%
afirmaram ser a televisão sua fonte
de aprendizagem, 18,93% referendaram a escola como espaço de aprendizagem (Tabela 3). Estas informações afirmam a preocupação
com o papel da família no processo
de afirmação do adolescente quanto a sua sexualidade, como estará a
comunicação familiar? Será que os
pais estão correspondendo às expectativas dos adolescentes? É interessante observar que os livros, revistas
e a televisão aparecem como espaços de aprendizagem mais importantes que a escola, para a maioria
%
48,42
51,58
100
dos alunos. Que leituras serão estas ?
qual a qualidade dessas informações?
O que a televisão está repassando
para os adolescentes?
O estudo investigou sobre a escolha dos adolescentes quanto a
opção de diálogo sobre a sexualidade; a maioria dos entrevistados
(52,14%) afirmaram ser seus amigos as pessoas com quem conversam, expressam suas angústias ,
ansiedades e confidenciam suas experiências satisfatórias ou frustrantes, 32,53% indicam seus pais como
opção de diálogo sobre sua sexualidade, os professores aparecem
com apenas 3,23% das escolhas dos
alunos como figura de confiança
para conversar sobre sua sexualidade (Tabela 4).
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
159
Desafio pedagógico da
orientação sexual da escola
Tabela 3 - Distribuição dos alunos entrevistados de acordo com o local de sua
aprendizagem sobre sexualidade
LOCAL ONDE APRENDE
NÃO RESPONDEU
IGREJAS
FREQUÊNCIA
2
11
152
FAMÍLIA
ESCOLA
LIVROS OU REVISTAS
TELEVISÃO
TOTAL
103
146
130
544
%
0.37
2.02
27.94
18.93
26.84
23.90
100
Tabela 4 - Distribuição dos alunos entrevistados de acordo com quem conversar
sobre sexualidade
160
LOCAL ONDE APRENDE
NÃO RESPONDEU
AMIGOS
PROFESSOR
FREQUÊNCIA
4
194
12
121
PAIS
OUTROS
41
372
TOTAL
Quando perguntados sobre que
método pedagógico gostariam que
fossem utilizados pelos educadores
no processo pedagógico da educação para sexualidade na escola,
42,05% afirmaram ser as técnicas de
dinâmica de grupo a melhor forma
de discutir estas questões, 39,77%
ainda vêem a aula expositiva como
a melhor forma de aprender e
17,05% optaram por outras formas
de trabalhar estas questões (Tabela 5).
Quanto ao entendimento sobre
o conceito de sexualidade, obser-
%
1.08
52,14
3,23
32,53
11,02
100
vamos que 54,09% percebem a sexualidade como uma expressão de
afetos, sentimentos e desejos,
21,64% entendem a sexualidade
como estudo do sexo, 14,62%
apontam a relação sexual como a
expressão da sexualidade e 7,60%
respondem que sua sexualidade é
expressa meramente pelo sexo (Tabela 6). Percebemos, então, que há
uma necessidade de oportunizar
estes momentos de trocas de experiências, vivências e discussões sobre tais questões.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Ana TTania
ania Lopes Sampaio
Tabela 5 - Distribuição dos alunos entrevistados de acordo com o método
pedagógico utilizado pelo professor
MÉTODO PEDAGÓGICO
AULA EXPOSITIVA
CONVERSA INDIVIDUAL
DINÂMICA DE GRUPO
OUTROS
TOTAL
FREQUÊNCIA
35
%
39,77
1
37
1,14
42,05
15
88
17,05
100
Tabela 6 - Distribuição dos alunos entrevistados de acordo com o significado de
sexualidade
SEXUALIDADE
NÃO RESPONDEU
FREQUÊNCIA
7
50
RELAÇÃO SEXUAL
SEXO
ESTUDO DO SEXO
AFETOS, SENTIMENTOS E DESEJOS
TOTAL
Cada adolescente foi solicitado
expor seu entendimento sobre em
que momento a sexualidade se expressa nas suas vidas; 64,48% dos
adolescentes entendem como componente presencial durante toda sua
vida, 19,4% percebem apenas na
adolescência o momento de
vivência destes aspectos, 14,33%
afirmam ser na fase adulta que a
sexualidade se expressa (Tabela 7).
26
74
185
342
%
2,05
14,62
7,60
21,64
54,09
100
No que se refere aos principais
conflitos vivenciados pelos alunos
pesquisados, 42,61% afirmam ser a
impulsividade a principal dificuldade
a ser superada, 22,16% informam ser
o relacionamento com seus pais o
maior obstáculo a ser vencido, 9,94%
apontam para as dificuldades de convivência em grupo, 8,24% tem na relação com o sexo oposto o maior
conflito a ser vencido (Tabela 8).
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
161
Desafio pedagógico da
orientação sexual da escola
Tabela 7 - Distribuição dos alunos entrevistados de acordo com a presença da
sexualidade
SEXUALIDADE ESTA PRESENTE
NÃO RESPONDEU
FREQUÊNCIA
6
NA ADOLESCÊNCIA
NA VIDA ADULTA
65
48
NA INFÂNCIA
DURANTE TODA VIDA
0
216
TOTAL
335
%
1,79
19,4
14,33
0
64,48
100
Tabela 8 - Distribuição dos alunos entrevistados de acordo com suas maiores
dificuldades pessoais
MAIORES DIFICULDADES
NÃO RESPONDEU
162
FREQUÊNCIA
REL. AFETIVO COM O SEXO OPOSTO
26
29
REL. COM SEUS PAIS
IMPULSIVIDADE
78
34
INIBIÇÃO
RELACIONAMENTO EM GRUPO
150
35
TOTAL
352
Os resultados mais uma vez
mostram a importância da família
e da escola no processo de preparação para o usufruto de uma sexualidade saudável. Alguns outros
dados da pesquisa mostram aspectos fundamentais para o conhecimento da realidade vivenciada por
estes adolescentes.
Quanto aos projetos de vida
desses alunos, verificamos que
52,85% tem na formatura o seu
objetivo para o futuro, 27,33% percebem o casamento como seu projeto de vida, 10,71% tem planos de
%
7,39
8,24
22,16
9,66
42,61
9,94
100
morar sozinhos (Tabela 9).
É marcante na vida dos adolescentes alguém como referencial de
vida e isto foi abordado neste estudo; destacam-se de forma isolada
na opinião dos adolescentes os pais
como exemplo de vida, representando 75,08% do universo
pesquisado (Tabela 10).
Este resultado comprova a grande responsabilidade dos pais enquanto modelo a serem seguidos
pelos filhos; cabe no entanto uma
preocupação: será que estes pais estão conscientes desta realidade?
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Ana TTania
ania Lopes Sampaio
Tabela 9 - Distribuição dos alunos de acordo com seus projetos de futuro
MAIORES DIFICULDADES
CASAR
FREQUÊNCIA
120
SE FORMAR
MORAR SOZINHO
232
47
OUTROS
TOTAL
40
439
%
27,33
52,85
10,71
9,11
100
Tabela 10 - Distribuição dos alunos entrevistados de acordo com sua admiração
como exemplo
ADMIRA COMO EXEMPLO
NÃO RESPONDEU
PROFESSOR
FREQUÊNCIA
19
%
6,07
JOGADOR
PAIS
POLÍTICO
18
23
5,75
7,35
235
10
75,08
3,19
RELIGIOSO
TOTAL
8
313
2,56
100
Estas informações levaram uma
discussão junto aos alunos do curso de pedagogia. Alguns conceitos
foram discutidos: INFORMAR
como o simples ato de transmitir
alguma informação (trocas simbólicas), COMUNICAR como processo que desperta o interesse sobre
a informação (processo de produção de sentidos a partir das trocas
simbólicas realizadas entre indivíduos e grupos), EDUCAR enquanto
processo que desenvolve no indivíduo a mudança de atitudes e comportamentos (processo de
construção do conhecimento e de-
senvolvimento da capacidade crítica e de intervenção na realidade
para sua transformação).
Para conseguir resultados positivos no processo de Educação para
sexualidade, enquanto componente
da Orientação Sexual nos PCNs, se
faz necessário trabalhar a
CORPOREIDADE do adolescente, seus tabus, suas emoções, seus
conflitos, tudo isto com uma prática pedagógica AFETIVA do
orientador, que na maioria das vezes servirá apenas de instrumento
de trabalho, uma vez que os protagonistas deverão ser os adolescentes.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
163
Desafio pedagógico da
orientação sexual da escola
164
Algumas experiências interessantes estão sendo desenvolvidas no
sentido de proposta da arte do diálogo, utilizando ferramentas criativas com metodologias de
comunicação interpessoal. Todas as
técnicas são baseadas no princípio
de que ninguém mudará a não ser a
partir de uma profunda compreensão de si mesmo, da vida, do mundo e das coisas.
As mudanças acontecem como
resultado de transformações internas, um desabrochar, um despertar... Este novo enfoque passou a
ser uma tese do nosso interesse
quando tivemos a oportunidade de
participar do Projeto SUR - Salud
Sexual y Reproductiva (México,
1998 e Colômbia, 2001) - e da fantástica consultoria do Dr . Rodrigo
Veras Godoy, (Asesor del Fundo de
Población para América Latina y el
Caribe - FAO) em estratégias de
Informação, Educação e Comunicação (IEC). Este mestre incansável, abnegado da causa educativa
dos adolescentes, prestou assessoria ao governo do Brasil através do
FNUAP.
Aproveitando este novo pensar
pedagógico, e consciente da necessidade de novas posturas técnicas
que promovem o auto-cuidado,
estimulem a auto estima, discutam
as questões de gênero, socializem os
“Direitos Sexuais e Reprodutivos”,
enfim, que abordem a Sexualidade
e a Afetividade, identificamos
metodologias vivenciadas por Dr.
Rodrigo e na experiência do México e Colômbia, adequamos a nossa
realidade docente, obtendo excelentes resultados junto aos nossos alunos do curso de pedagogia.
3 ALGUMAS TÉCNICAS
3.1 Círculos Interativos
Esta técnica foi adaptada baseando-nos nas “Rodas de Conversas” - técnica infor mal de
conversação e aprendizagem em serviços de saúde, tendo acrescentado
alguns passos técnicos para sala de
aula e transformado este processo
em etapas pedagógicas:
1. Divida a turma em grupos;
2. Coloque temas diversos de interesse dos alunos para escolha
pelos grupos;
3. Determine um prazo de uma semana para que conversem, leiam ou pesquisem sobre o
assunto escolhido pelo grupo;
4. O grupo deverá trazer todas as
experiências vivenciadas para o
círculo interativo no dia marcado;
5. Os temas serão abordados de
forma que cada grupo possa
expor seus pontos de vistas, os
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Ana TTania
ania Lopes Sampaio
resultados das conversas sobre
aquele tema naquela semana, as
leituras feitas; enfim, deverão ser
socializados as diversas posturas
dos membros do grupo e do
círculo interativo;
6. Ao final, cada grupo troca os
conteúdos pesquisados de forma que todos tenham acesso ao
conjunto de temas e posturas
abordadas no circulo.
3.2 Corporeidade e Expressão
PPedagógica
edagógica - CEP
1. Os alunos são divididos em três
formas de participação: os
roteiristas, os atores e os
telespectadores;
2. Os roteiristas vão construir o
roteiro sobre o tema abordado,
seguindo suas percepções a respeito do conteúdo e expressando com as palavras seus pontos
de vistas e a realidade social em
que está problematizada a situação.
3. Os atores vão expressar com o
corpo (acompanhados por um
fundo musical) o conteúdo
construído pelos roteiristas, trabalhando a corporeidade aliada
às emoções identificadas;
4. Os telespectadores vão assistir a
apresentação, anotar o que entendeu pela expressão corporal
dos atores a que tema se relacionou, o que percebeu enquanto
mensagem construtivista, que
emoções se relacionaram à linguagem corporal e poderá ainda fazer sua análise crítica do
conteúdo expresso.
5. Ao final, os alunos são estimulados a se congratularem com gestos afetivos, acompanhados por
músicas e deverão repetir em
alto som, palavras de auto estima expressada pelo Orientador
Sexual.
3.3 Viagem do
auto-conhecimento
1. Cada aluno deverá ter uma agenda diária para registrar suas emoções, seu comportamento
afetivo, sua auto-imagem, enfim
seu processo de auto-conhecimento e sua relação consigo
mesmo e com os outros.
2. Os temas relativos à sexualidade
e afetividade são escolhidos e os
alunos são estimulados a se colocarem em posição confortável (deitado), relaxados, e
concentrados formando um círculo.
3. O orientador estimula o aluno a
pensar (viagem para dentro de si
mesmo) sobre o tema, citando
fatos que se referem ao assunto e
solicitando que cada um reflita
consigo mesmo sobre o problema. Somente o orientador fala e
circula calmamente ao redor do
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
165
Desafio pedagógico da
orientação sexual da escola
166
grupo que deverá estar deitado
de olhos fechados e concentrados ao som de alguma música
instrumentalizada.
4. Ao final, o orientador pede que
escrevam na agenda como se
sentiram, quais sentimentos identificados, como o corpo reagiu
às emoções, que mudança despertou em seu cotidiano.
5. É aberto o espaço para os que
quiserem falar poderem expressar para todo o grupo alguma emoção ou reação,
alguma experiência pessoal
vivenciada, frente aos sentimentos despertados pela técnica,
proporcionando assim um
processo de crescimento individual e coletivo. Os que não
se sentirem à vontade para falar deverão escrever tudo na
agenda para se auto trabalharem durante as outras seções e
possivelmente, vencer bloqueios e melhorar as suas relações com a família, escola e
sociedade.
4 CONCLUSÕES
A Escola, portanto, pode “dar
lições” de sexualidade e afetividade
através da educação para sexualidade cotidianamente, muito além
das possíveis aulas de “sexo” ou
“educação sexual” dentro das dis-
ciplinas de Ciências ou Biologia,
previstas no currículo. Caminhar
nesta via é um desafio que implica na discussão sobre a verdadeira sexualidade na Escola e
fora dela.
Isto significa respeitar os saberes dos/das adolescentes, discutir
as questões de gênero, os direitos
sexuais e reprodutivos, trabalhar
suas emoções e frustrações, romper com o biologismo da “Educação Sexual“ e promover práticas
que envolvam os pais dos alunos,
a reflexão sobre a família, enfim,
oferecer aos pais, alunos e professores, a oportunidade de uma evolução nas suas concepções
cristalizadas e essencialistas na mudança de postura no que se refere
as suas relações pessoais e sociais e
na promoção do auto-cuidado, da
auto-estima, do empoderamento e
de uma sexualidade mais segura e
saudável.
Necessário se faz envolver a família na discussão junto a escola. Temas como educação para
afetividade, comunicação familiar e
auto-estima são essenciais no planejamento pedagógico, a oficina de
orientação sexual para educadores
deverá ser prioridade no projeto
político pedagógico da Escola.
Enfim, esperamos que este estudo tenha servido de reflexão para
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Ana TTania
ania Lopes Sampaio
mudanças de paradigmas com relação à família a escola e ao adolescente e que possa contribuir para
uma nova postura da escola e da
família no que se refere à sexualidade do adolescente.
167
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Desafio pedagógico da
orientação sexual da escola
5 REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987
MEYER, Dagmar. Saúde e Sexualidade na Escola. Porto Alegre: Meditação, 1998.
SUPLICY, Marta. Sexo se aprende na escola. São Paulo: [s.n.], 1999.
TIBA, Içamí. Adolescência: o despertar do sexo. São Paulo: Gente,1999.
VITIELLO, Nelson. Sexualidade: quem educa o educador. São Paulo: Iglu,1997.
168
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Educação
Arte,
construtora
de cosmologias
169
Sanzia Pinheiro Barbosa1
1
Mestre em Ciências Sociais. Professora da
Faculdade de Ciências, Cultura e Extensão do
RN (FACEX). Pesquisadora do GRECOM/UFRN.
e-mail: [email protected]
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Arte, construtora de cosmologias
Art: builder of cosmologies
170
RESUMO
O relógio como metáfora da ciência do
século XVII nos legou uma natureza
submissa, um mundo estupidamente
monótono e mecânico, relações sociais
extremamente hierarquizadas, um
conhecimento fragmentado que expressa
a desarmonia do nosso espírito com o
cosmos. Para o “poeta da termodinâmica”,
Ilya Prigogine a metáfora da ciência do
século XX é a arte. Para pensar essa
sugestão, exponho alguns movimentos da
arte moderna, traço ligações entre arte e
ciência.Sugiro que a nova metáfora da
ciência exige uma nova linguagem que se
manifesta na relação de liberdade do artista
com a obra no processo de criação.
ABSTRACT
The watch as a metaphor of the XVII
century science has left upon people a
submissive nature, a monotonous and
mechanical world, extremely hierarchical
social relations, fragmented knowledge which
expresses the disharmony of our spirit with
the cosmos. For a “poet of thermodynamic”,
Ilya Prigogine, the metaphor of the XVII
century science is art. In order to think of this
suggestion, it will be discussed some
movements of the modern art, and
connections between art and science. It will
be suggested that the metaphor of science
needs a new language that takes place in a
relation of the artist’s freedom with the work
in the creating process.
PALAVRAS-CHAVE
Arte; ciência; metáfora; processo.
KEY-WORDS
Art; science; metaphor; process.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Sanzia Pinheiro Barbosa
A TELA RENASCENTIST
RENASCENTISTAA E A MÚSICA
TÍFICES DO RELÓGIO.
POLIFÔNICA: AR
ARTÍFICES
O modelo mecanicista do mundo-relógio do século XVII nos legou uma natureza submissa, um
mundo estupidamente monótono,
relações sociais extremamente
hierarquizadas, um conhecimento
fragmentado que expressa a desarmonia do nosso espírito com o
cosmos.
Ilyia Prigogine, conhecido como
poeta da termodinâmica, físicoquimíco, ganhador do prêmio
Nobel de 1977, e inventor da teoria das Estruturas Dissipativas, diz
ser a arte a metáfora da ciência do
século XX. O que nos diz a arte
como metáfora da ciência do século XX? Qual o legado dessa metáfora?
Compreender a sugestão de
Prigogine nos possibilitará navegar
em mares mais abertos. Pois a obra
de arte não é o campo da decifração. É o campo do diálogo, da
mobilização do sujeito, da liberdade da criatividade humana, de uma
vontade fundamental de ser na incerteza e na imprevisibilidade.
Para Géza Szamosi, professor de
física da Universidade de Windsor,
em Ontário-Canadá, as obras de
arte de uma civilização são criadas
por um processo mental, no qual o
autor reconstrói o mundo percebi-
do num espaço simbólico, refletindo percepção de mundo, dando
ênfase e significado as diversas propriedades visuais e táteis. Isso porque, para Zsamosi, a arte e a ciência
são linguagens estruturadas e
estruturantes de espaço e tempo simbólicos.
Esse autor me sugere que a arte
como metáfora da ciência do século
XX, não é qualquer arte. Mas a arte
que nasce com o espírito moderno.
A arte moderna nasce da destruição
da civilização, do mundo transformado e interpretado por Freud,
Marx e Darwin, do capitalismo que
aliado à ciência cartesiana e a tradição judaica-cristã estilhaçou o espírito humano e o planeta.Os artistas do
final do século XIX e início do século XX estão em um mundo, que ao
mesmo tempo em que maravilha
estilhaça. O movimento revolucionário nas artes anuncia o colapso do
mundo, antes que este se fizesse em
pedaços.
Szamosi (1994) em sua obra,
Espaço e Tempo - As dimensões Gêmeas,
realiza um esforço em dizer do
modo como o espaço e o tempo
foram “inventados”, nas percepções
da formas primitivas de vida e evoluíram para o espaço e o tempo da
civilização atual. Para ele, a evolução da linguagem ampliou e tornou
ilimitado o nosso mundo mental de
espaço e tempo. Construímos ao
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
171
Arte, construtora de cosmologias
172
longo de nossa história no planeta
Terra, muitas formas de espaços e
tempos simbólicos, entre outros a
arte e a ciência.
Na sua tentativa de traçar paralelos e ligações entre as percepções
cientificas e artísticas e as idéias de
espaço e tempo, Zsamosi expõe a
idéia de que a música polifônica do
século XI desenvolveu o conceito
de tempo métrico, criado por Santo Agostinho no século V, realizando notações matemáticas e
executando-as com sucesso. Esse
feito na arte inspirou a ciência experimental. E as regras numéricas
sofisticadas para a visão, criadas
pelos pintores renascentistas, inspiram o conceito de espaço
newtoniano.
Pedra fundamental da civilização
ocidental, o tempo métrico aparece pela primeira vez no século XIII.
O desenvolvimento da música ocidental foi essencial para o
surgimento desse símbolo que engendraria a ciência, a tecnologia e a
indústria. Foi na teoria e na forma
de uma música unicamente ocidental que o tempo métrico foi inventado, estudado e utilizado pela
primeira vez na história.
A nossa sociedade vive no tempo medido e estruturado pelos números de nossos relógios. Mesmo
quando vivemos uma experiência
subjetiva em que o tempo se apre-
senta diferente do tempo métrico
simbólico, costumamos dizer que o
tempo de nossas próprias sensações
é ilusório. Dissociamos o tempo
métrico dos eventos ambientais a tal
ponto que afirmamos com naturalidade que o sol nasce a tal hora e
não ao contrário. O fluxo de tempo mensurável é uma invenção humana ocidental, afastada e até
contrária a toda experiência humana, externa e interna.
Os calendários e relógios inventados nas civilizações antigas tinham
um propósito diferente da invenção do tempo métrico, pois o que
se queria era acompanhar o curso
do tempo, adaptar-se as fases de um
ambiente mutável. Esses símbolos
eram usados de maneira semelhante ao funcionamento dos relógios
biológicos dos organismos vivos.
Foi Santo Agostinho, bispo de
Hipona, que imaginou o tempo independente do movimento e do
espaço, um tempo mensurável.
Para ele a idéia de tempo cíclico
era incompatível com a bíblia, pois
a criação do mundo e sua salvação
por Jesus Cristo eram acontecimentos únicos na história. Agostinho pensava que o tempo teve
início com o começo do universo.
O tempo é na concepção desse
pensador tão “absoluto” quanto o
tempo newtoniano, é autônomo,
não derivado de movimentos de
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Sanzia Pinheiro Barbosa
corpos celeste ou terrestre. A forma que encontrou para medir o
tempo foi recitando métricas poéticas clássicas, quantitativamente
definidas. Só ouvindo podemos
perceber regularidades temporais
sem as confundir com atributos
espaciais “, escreveu ele.
As idéias de Agostinho foram
ignoradas durante toda a Idade
Média, pois o pensamento racional
nessa época não surtia efeito. O pensamento do filósofo desafiava intuições biológicas e socialmente
determinadas.
Quando Galileu resolve o problema da queda livre, introduzindo,
o tempo como quantidade independente e mensurável, essa noção
de tempo já era comum aos europeus instruídos. Apesar de se oporem a quase tudo que Galileu dissera,
esse conceito foi aceito sem murmúrio. Pois cada pessoa instruída na
Europa estava familiarizada com a
teoria e a prática da música
polifônica e suas notações medidas,
o currículo dos estudantes que não
se destinavam ao sacerdócio era o
quadrivium, um complexo composto por música, astronomia, geometria, e aritmética.
Esse modelo sensorial foi imposto à experiência do fluxo do
tempo, há nele uma estrutura numérica bem definida, exatamente
mensurável e exatamente medida.
Gerou uma transformação na percepção, “foi em sua prática que uma
civilização emergente se educou
para perceber o fluxo do tempo
como um processo que não era
derivado do sol ou da lua ou do
movimento de corpo ou de qualquer outra coisa primaria, e que
podia ser tratado da mesma forma que uma dimensão espacial”.
(Szamosi, 1994, p. 113).
Se é na música polifônica que a
ciência experimental se inspira, pois
tal arte demonstrava a possibilidade de uma notação matemática ser
executada com sucesso. Os pintores da renascença respondiam, com
suas obras, questões importantes
para a época, embora não expressas: “Que é que vemos quando vemos? Como aprendemos quando
vemos? Que é que a visão pode dizer sobre o mundo e sobre a função do homem nele? Quais são os
aspectos visuais dos sentimentos,
preocupações e valores humanos
importantes, e como podem ser
expressos ?” (Szamosi, 1994, p.
124). Essas questões retomam a
busca dos filósofos gregos e são elas
que vão conduzir a uma retomada
do humano, da racionalidade. Levaram a formulações das leis da
perspectiva que haviam sido descoberta por Euclides em sua ótica.
A perspectiva linear ultrapassa a
arte, pois o papel central das artes
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
173
Arte, construtora de cosmologias
174
visuais na vida mental dos séculos
XV e XVI foi uma reavaliação da
função da visão na cosmologia humana. A arte renascentista refutava
as idéias de Parmênides e Platão da
imperfeição dos sentidos. “As artes
estavam dando provas visíveis de
que, assim como abrangendo uma
infinita variedade de sensações visuais, muitas vezes acidentais, organizando-as em padrões úteis, o olho
humano também obedece a visões
simples, mas exatas”.(Szamosi,
1994, p. 125).
A racionalidade encontrada para
a construção de obras de arte, invade
a vida chegando à percepção sensorial. “O espaço emergente da arte
renascentista abriu um novo mundo
simbólico que podia ser manipulado
e investigado, no qual novos, fiéis e
extremamente ricos modelos da realidade podiam ser construídos e estudados”. (Szamosi, 1994, p.128).
O que conhecemos como arte
tem sua origem no final do século
XIX, e é elemento reagente do tumultuado e inusitado século XX. Ela
faz sintonia com a nova aliança que
o homem quer fazer com a natureza. Essa intenção se expressa em um
dizer da artista Ligia Clark (1980, p.
13) “Demolir o plano como suporte da expressão e tomar consciência da unidade como um todo
orgânico. Nós somos um todo, e
agora chegou o momento de reu-
nir todos os fragmentos do caleidoscópio onde a idéia de homem
estava partida em pedaços”.
Essas palavras de Clark expressam o processo de destruição do
próprio objeto de arte que o século XX foi testemunha. Talvez possa afirmar aqui que o Dadaísmo, o
mais radical dos movimentos de
arte, foi a primeira formulação, no
século XX, da cosmologia que a ciência do processo necessita. “Dada,
não permite concluir, fechar, interpretar unidirecionalmente. Qualquer afirmação conclusiva deverá
considerar seu oposto, deverá estar pronta para ser destruída, porque o que interessa não é a
conclusão, vale dizer, o espaço vazio da não conclusão, o campo da
possibilidade, ou ainda, nas palavras de Hausmann, a indiferença
criativa’”. (Baitello Júnior, 1994, p.
13). O processo radical por que
passou a arte do século XX, se
expressa nos movimentos de arte
que muitas vezes conviviam. Acredito ser necessário expor alguns
desses movimentos para uma melhor compreensão da arte como
metáfora da ciência do século XX.
Não pretendo expor os movimentos de arte que surgem no
século XX. Interessa-me, entretanto realizar uma breve exposição do
processo da arte no seu caminho
para uma autonomia na qual a obra
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Sanzia Pinheiro Barbosa
diz por si mesma, ela se basta nas
construções das formas que realiza,
expressando um modo de ser do
espírito humano moderno. Esse
desenvolvimento é o resultado da
ruptura com o espaço renascentista,
que ocorre simultaneamente na arte
e na ciência.
MO
VIMENT
OS E BIFURCAÇÕES NA
MOVIMENT
VIMENTOS
ARTE DO SÉCULO XX.
Pode-se dizer que a aparente
evolução tranqüila da arte foi rompida no início do século XX. O
novo invadia as ruas, as casas e as
atividades dos humanos: Em 1902,
é publicado o primeiro livro de
Freud sobre a interpretação dos
sonhos e o primeiro filme de ficção científica vai as telas. Em 1905,
Einstein formula a teoria da relatividade, e com a fotografia impressa no jornal as pessoas passam a
apreender visualmente o que está
acontecendo em remotas regiões.
No ano seguinte, o telefone converte-se em aparelho de uso doméstico. O primeiro vôo sobre o
Atlântico e o primeiro carro de uso
familiar, o Ford modelo T, não tardaria a tornar-se realidade. A percepção de espaço, tempo e
movimento das pessoas estavam
mudando. O ritmo do cotidiano ganhara uma velocidade jamais vista.
Nikos Stangos, organizador do
livro Conceito de arte Moderna, publicado pela primeira vez em 1974,
esclarece no prefácio, que a arte
moderna explode e continua a dissipasse. “A arte minimalista se esgotou e foi sucedida por forma de
artes que negaram até o pressuposto mais básico do que era arte – a
obra de arte. (...) Ao minimalismo
segui-se a arte conceitual, que se
desdobrou em várias formas
correlatas como arte performática, body
art, earth land art, etc.” (Stangos,
1991, p. 9).
Os movimentos que surgem na
primeira metade do século XX convivem entre si a ponto de um mesmo artista fazer parte de vários
movimentos. Vale a pena registrar
aqui o caso Marcel Duchamp que
ao construir o Nu Descendo a Escada,
não só parece fundir o cubismo
com as proposições futuristas, como
cria a primeira obra multimídia.Esse
artista participou de vários movimentos e não pertenceu a nenhum.
O espanto que o nascimento do
mundo moderno provoca na alma
humana é expressa na técnica do
papier collé, utilizada pelos cubistas.
Segundo Picasso, sua intenção era
dá à idéia de que várias texturas
podem participar de uma composição para obter-se na tela a realidade da pintura. Materiais colados na
tela participam de um universo para
o qual não foram feitos, provocan-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
175
Arte, construtora de cosmologias
176
do assim uma certa estranheza. “E
foi justamente sobre essa estranheza que quiz fazer com que as pessoas pensassem, pois tínha perfeita
consciência de que o nosso mundo
estava ficando muito estranho e não
tranqüilizador.” (Picasso apud
Stangos, 1991, p. 47).
Se a teoria da relatividade de
Einstein coloca em cheque a noção
de espaço e tempo formulada por
Isaac Newton, o cubismo anuncia a
morte do espaço renascentista e demonstra que a representação do mundo exterior estava esgotada. Neste
sentido o espaço é colocado em questão e quem melhor o faz é Braque.
Herdeiro do Impressionismo, e mais
precisamente de Cézanne que compreendia que uma arte sólida deveria
ser construída fora do esquema
tridimensional da renascença, Braque
não aceitava a visão fenomenológica
do Impressionismo, que reduzia a realidade do mundo a um jogo de reflexos óticos.
Cézanne é o iniciador da criação de um espaço caótico e contraditório, levado a cabo pelo cubismo
que torna assim visível o
multirelacional dos objetos, que os
levariam a planificação dos volumes
e a sua desarticulação em planos
soltos. Os planos se libertam, se
empilham num espaço que nada
mais pede ao mundo exterior.
A pintura deixa de representar
os objetos do mundo, para se tornar uma realidade visual. E é essa a
origem do neoplasticismo, que
aprofunda a problemática da
bidimensionalidade do espaço, e do
dadaísmo, que continuara a experiência da utilização de materiais diversos na tela.
Mas o movimento compõe a
vida. Os futuristas pretendem introduzir o elemento dinâmico na composição cubista. Para estes, os
objetos não se esgotam no contorno aparente, e seus aspectos se
interpenetram continuamente devido à nossa visão que é dinâmica e
vê vários espaços a um só tempo,
ou vários tempos num só espaço.
Esta idéia está expressa no Manifesto técnico Futurista “O bonde
desloca-se entre as casas precipita-se sobre elas que, por sua vez,
caem em cima dele e a ela se
fundem”.(Manifesto Futurista apud
Gullar, 1985, p. 114).
Essa é a visão que possibilita
compreender a obra futurista. O
observador está longe das casas,
dentro do bonde, longe dele, ao seu
lado, a sua frente vislumbrando o
impacto. Em qualquer dos pontos
que esteja, sintetiza os vários pontos num só. Os pintores futuristas
são contrários ao espírito acadêmico italiano, que é fortemente abalado pelas explosões que ocorriam
em Paris, desde o impressionismo.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Sanzia Pinheiro Barbosa
Escrevem no seu manifesto que a
vitalidade da arte residia na sua
integração ao meio. “Se nossos antepassados retiraram da arte a atmosfera religiosa que lhes pesava
[...], cabe a nós buscar a inspiração
no milagre tangível da vida contemporânea. Na metálica rede de velocidade que envolve a terra, nos
cabos submarinos, nas belonaves,
nas esquadrilhas maravilhosas que
sulcam o céu, na obscura bravura
dos navegadores submarinos, na
dura luta pela conquista do desconhecido[...] interpretar e glorificar a
vida de hoje, incessante e tumultuosamente transformada pelas vitórias da ciência.” (Manifesto Dos
Pintores Futuristas apud Gullar,
1985, p. 88).
Os futuristas são vaiados em
Moscou por Larionov e seus discípulos em 1911. A irreverência, a invenção e a força do espírito russo
se contrapunham a um espírito europeu impedido por uma tradição
estética e cultural excessivamente
presente. Estamos na Rússia prérevolucionária e esse espírito favorece a revolução nas artes. “De
todas as correntes de vanguarda,
animadas por propósitos revolucionários, a que se desenvolve na
Rússia nos primeiros trinta anos do
século com o Raismo 2 , o
Suprematismo e o Construtivismo
são as únicas a se inserir numa ten-
são, e seguir, numa realidade revolucionária concreta, e a colocar explicitamente a função social da arte
como uma questão política”.
(Argan, 1988, p. 324).
Os movimentos russos resumem
idéias e processos que pertencem
tanto ao futurismo como ao cubismo.
A exposição “Estética Livre” em
1909 em Moscou, que durou apenas
um dia, teve força suficiente para dar
início a uma grande ebulição cultural.
Desta fonte jorrou Malevitch com o
suprematismo, Tatlin com o
construtivismo, Rodchenko com o
não objetivismo, Pevsner e Gabo
com o realismo.
O suprematismo reduz o vocabulário da pintura a triângulos, círculos, retângulos e a cruzes. Malevitch
estuda um ethos popular, na busca do
significado primal com tanto rigor
como estudara o cubismo e Cézanne.
As formas geométricas, arquétipos da
natureza, seriam os elementos que restariam de uma redução radical de sua
aparência. São signos intuitivos que livres de qualquer alusão à natureza tornam-se uma nova estrutura simbólica
da realidade. Malevitch funda o mito
da arte como expressão metafísica,
ao formular uma nova linguagem
simbólica da sensibilidade, que permite apreender uma dimensão recôndita da nossa experiência.
Em 1913, no mesmo ano da exposição da obra Quadrado Preto Sobre
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
177
Arte, construtora de cosmologias
178
Fundo Branco, Vlademir Tatlin, autor do
projeto Monumento à Terceira Internacional, lança o construtivismo opondose à metafísica do suprematismo. Essa
tendência nascia de um fascínio pela
mecânica.
Construía contra-relevos e objetos em metal, plástico, madeira ou
vidro. Para Tatlin, que foi discípulo de Larionov, e fez pintura
cubista, os contra-relevos ficavam
entre a pintura e a escultura. Nessa
obra há um intuito de exaltação da
máquina e uma necessidade
destrutiva, foge a estabilidade do
pedestal na escultura e da parede
na pintura, ficando suspenso por
fios de ferros estendidos de diversas maneiras no encontro de duas
paredes. Os contra-relevos ultrapassam os limites do quadro, é uma
construção no espaço mesmo. Essa
intenção está presente em todo
movimento russo.
Os contra-relevos de Tatlin, para
Gullar, é um novo objeto na arte,
liberto da massa e da base, não é relevo, pois lhe falta uma superfície
primeira, determinada, sobre a qual
as formas se desenhassem em relevo. Não parte de uma massa dada a
ser esculpida e não possui base, portanto não é escultura. Foge da superfície bidimensional e da
representação. É uma continuação da
pintura, dizia Tatlin.
Nenhum movimento do início
do século foi tão radical quanto o
Dadaísmo, pois este nega toda arte
do passado, a religião, a moral, a
política e a si mesmo “Ser Dada e
ser antidada”. Essa negação não é
de um grupo ou de um movimento,
mas, de uma geração que para
Hobsbawm vive a era da catástrofe,
o historiador considera o Dadaísmo
ao lado do Construtivismo russo as
únicas inovações de vanguarda depois de 1914. Surge quase que simultaneamente nos Estados Unidos
e Zurique, o movimento se alastra
com rapidez, a arte já não é uma
operação técnica e lingüística. Repudia qualquer lógica, fazendo-se segundo as leis do acaso. Os materiais
vêm de qualquer parte, um bom
exemplo é a obra Merzbau, de Kurt
Schwitters, construída no decorrer
de dez anos, com elementos que o
artista trazia da rua: pedaços de espelhos, peças de alguma máquina,
restos de coisas que achava nos lugares por onde andava.
Os dadaístas queriam escandalizar a burguesia, substituir a obra
de arte pelo puro ato estético. “As
grandes obras dadaístas foram feitas de forma a conterem em si sua
própria inviabilidade, pela sua
hipertrofia, pelo seu gigantismo, pela
sua irrealidade ou pelo seu exagero” (Baitello Júnior, 1994, p. 90).
Negavam aquilo em que a arte havia
se transformado; em mercadoria,
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Sanzia Pinheiro Barbosa
transação comercial. Para eles os
artistas eram “mercenários em
espíritos e os poetas banqueiros da
linguagem” chega ao limite de negar
sua própria atividade. É um grito
de alerta diante de uma
racionalidade falida que naquele
momento destruía milhares de vida.
Os dadaístas negavam a ordem da
ciência que antes da guerra era confiante nas inevitáveis descobertas das
leis da natureza. Negavam a técnica
como operação programada e
objetivada que garantia o progresso.
Percebem a falência do mundo
geometrizado, e propõem um espírito fáustico à cosmologia
mamífera. Quando Marcel
Duchamp atribui, um valor estético a um objeto qualquer (ready
made), altera valores, conceitos, visões de mundo, cosmologias, reorganiza os objetos no mundo, criando
assim um mundo diferente.
André Breton, também compreendia o dadaísmo como um estado de espírito. Dada é livre
pensamento artístico (Breton apud
Stangos, 1988, p. 89). Porém sua
tendência a teorizar se choca com
niilismo dadaísta:
O que é Dada?
Uma arte? Uma filosofia? Uma
política?
Um seguro contra fogo?
Ou: religião estatal?
Dada é energia verdadeira?
ou é coisa nenhuma , i. e.., tudo?
(Hausmann apud Baitello, 1994)
Vocês são todos acusados, levantem-se...
O que estão fazendo aqui, amontoados como ostras sérias...
Dada não sente nada, não é nada,
nada, nada..
É como as vossas esperanças, nada.
Como o vosso paraíso, nada.
Como os vossos artistas, nada.
Como a vossa religião, nada.
( Picabia, 2001, p. 8)
A tendência a teorizar do poeta
André Breton se choca com o espírito Dada, que nega qualquer princípio ou teoria. Breton retira-se do
dadaísmo e constrói o surrealismo,
que como movimento termina com
sua morte, em 1966. Porém o
Surrealismo e o Dadaísmo têm
muito em comum: Assumem uma
postura de rebeldia em relação à
arte e à vida. São radicalmente contra
a ordem, proclamam a liberdade.
O Surrealismo não possui um
estatuto. André Breton, como estudante de medicina, se familiariza
com o trabalho de Freud que passa
aplicar em seus pacientes de guerra
e em seguida em si mesmo.
No diálogo do Surrealismo com
a psicanálise freudiana não há um
sobrepujar de um ao outro, pois os
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
179
Arte, construtora de cosmologias
180
surrealistas não usam a técnica
freudiana com a mesma intenção do
cientista. Se Freud queria reintegrar
o indivíduo à normalidade burguesa, para “o surrealismo o sonho e a
imaginação eram para os artistas
uma expressão pura do ‘maravilhoso’, seu estado primitivo. Queriam
libertar a sociedade e o indivíduo
da repressão da razão, para
devolvê-lo a autenticidade dos instintos, a capacidade de viver em
comunhão mítico-mágica com o
mundo”.(Argan, 1993, p. 458).
Esse pensamento é materializado nas obras de Juan Miró que, para
Breton, era um dos mais autênticos
surrealistas. Sua pintura era livre de
qualquer censura. Não atribui significado simbólico as imagens que
constrói, não quer justificá-las, pois,
para ele, justificar já é censurar. “A
psicanálise freudiana mergulha e
explora, o surrealismo sobe e aflora,
resolve a profundidade do inconsciente na superfície da imagem
visual”.(Argan, 1993, p. 360).
Se o Dadaísmo e o Surrealismo
negavam a ordem, o neoplasticismo
quer instaurá-la. Os pintores Piet
Mondrian e Theo Van Doesburg e
o arquiteto Gerrit Rietveld com suas
obras caracterizam o movimento,
que nasceu do diálogo de dois modos de pensamentos afins, a filosofia neoplatônica, do matemático Dr.
Schoenmaekers e dos conceitos
arquiteturais, de Hendrik Petrus
Berlage e Frank Lloyd Wright.
Era preciso despojar a arte de
todo individualismo e encontrar
uma linguagem universal capaz de
integrar em seu seio a expressão do
pintor, do escultor e do arquiteto.
Destruir a forma e criar um ritmo
livre. Para Modrian era necessário
destruir o plano e a linha, afastando-se do perigo de uma arte decorativa ou meramente geométrica.
Compreendia que a obra de arte
deveria ter uma essência teórica rigorosa, mas nunca escreveu uma
teoria da arte, pois acreditava que
uma teoria da arte se constrói fazendo arte.
Mondrian é um leitor de
Spinoza, para quem conhecer é conhecer pela causa. Significa descobrir o modo pelo qual é
produzido.Um círculo, por exemplo, é definido quando se diz que
ele é produto da rotação de um segmento em torno de um eixo ou de
um ponto extremo central. Fazer
isso é conhecer o círculo geneticamente, isto é, através da causa que
o produz.
A De Stijl, consegui propagar
seus conceitos e até certo ponto cristalizá-los. Van Doesburg que rompe com o princípio da vertical e da
horizontal, introduz o plano inclinado e a construção em diagonal.
Publica na De Stijl um artigo mani-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Sanzia Pinheiro Barbosa
festo lançando o elementarismo.
Doesburg considerava as idéias do
neoplasticismo dogmáticas, lança
esse manifesto como uma reação,
pretendendo ser uma retificação
severa das idéias neoplásticas.
Se Mondrian buscava a fusão
vida e arte para um momento posterior, Doesburg queria-o para o
agora. Sensível a todos as manifestações estéticas interessou-se pela
poesia, pelo teatro, pintura, arquitetura, pelas artes gráficas e pela crítica de arte. Em todos esses campos
analisou, teorizou, criou.
George Vantongerloo fazia parte do grupo que estava sob a liderança de Doesburg. Artista plástico
de formação matemática e científica, compreendia que a universalidade da expressão artística coincidia
com a descoberta de leis precisas
que determinem as relações entre os
elementos visuais. Realizou estudos,
em que decompunha obras do passado em seus elementos geométricos simples, fazendo esses mesmos
estudos com suas esculturas figurativas. Fez estudos com a cor, a procura de coeficientes capazes de ditar
a cor exata para determinada forma, em determinado campo. Aqui
a ciência inspira e controla a criação artística.
Vantongerloo transfere o problema da precisão intuitiva e
fenomenológica da arte, para a pre-
cisão objetiva e verificável da ciência. Essas idéias ganham força de
dogma. E depois da Segunda Guerra Mundial, volta-se a falar em número cromático.
A concepção matemática de arte
toma corpo de movimento com a
criação da Escola Superior da Forma de Ulm, depois de 1951. Na
escola de Ulm, a instrução se funda
tanto no estudo de problemas concretos e práticos como no de estudos e conhecimentos indispensáveis.
Seu fundador e diretor Max Bill, exaluno da Bauhaus de Dessau, era
pintor, arquiteto, designer, gráfico e
educador.
Continuidade (1947) Construção (1948) Unidade Tripartida
(1947-48) são obras de Bill que têm
grande significação no cenário das
artes plásticas. A obra Unidade
Tripartida diz de um problema matemático ilustrado pelo conhecido
exemplo da Fita de Moebius, experiência que revela a continuidade
de uma superfície e anula o conceito euclidiano de espaço. Bill não
possuía a consciência desses problemas matemáticos o que queria, segundo ele, era realizar uma idéia que
acalentava a muito: “configurar o
espaço infinito em seu movimento
infinito. “Em 1935, realizei uma escultura mais elementar que expressava uma idéia semelhante: Fita Sem
Fim. Mais tarde reconheci que esta
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
181
Arte, construtora de cosmologias
182
escultura representava um problema matemático: a Fita de Moebius,
mas de forma equilibrada interpretada de maneira artística. Depois
dessa descoberta, estudei os problemas implicados nela e que pareciam sumamente interessantes”. (Max
Bill apud Gullar, 1985, p. 217).
Atraído pelo fascínio do mundo matemático Bill, deriva para soluções menos felizes em que a
preocupação científica sobrepõe-se
a invenção estética. Suas obras resultam de um permanente diálogo
de formas, que vai desde o simples
experimento perceptivo, do exame
das leis que governam o campo visual à busca de uma significação
poética e universal: Esse diálogo inclui desde os objetos de uso cotidiano mais simples até o edifício e
a cidade.
A arte concreta se esboça inicialmente no pensamento do grupo
De stijl e, mais completamente na
Escola Superior da Forma de Ulm.
Foi uma atitude que se insere numa
visão geral dos problemas artísticos
modernos, é uma espécie de filosofia da arte. Uma atitude que implica na vontade de uma expressão
estética objetiva e crítica, e numa
compreensão da atividade artística
como intimamente ligada aos novos meios de produção, às novas
técnicas e às noções científicas.
A decadência da arte concreta se
manifesta quando se passa a buscar
uma aproximação maior entre arte
e ciência, o que fatalmente resultaria, como resultou, do predomínio
dos princípios da ciência sobre a
arte. Essa manifestação é mais evidente na pintura que na escultura.
O tratamento objetivo dos elementos visuais - e a sua redução a fatos
preceptivos sem transcendência conduziu a uma atitude analítica que
deveria ser levada às últimas conseqüências sob pena de se deter à experiência na mera utilização de
efeitos óticos.
Ora, no campo da expressão
individual, como é o caso da pintura, as formas e as cores têm que trazer consigo uma significação que
transcenda o nível perceptivo. A
simples “produção de campos de
energia, com ajuda da cor”, que para
Bill constituía uma das características da pintura concreta, limita o campo de expressão do artista, que
estaria executando obras com um
mesmo problema produzindo assim, versões diferentes de um mesmo fenômeno físico.
Max Bill é o grande vencedor
da bienal de São Paulo, em 1951,
com Unidade Tripartida. As obras e
idéias de Bill iriam exercer grande
influência no curso da arte brasileira. Coisa que não ocorreu com a
arte norte americana representada
por Calder, inventor do “móbile”
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Sanzia Pinheiro Barbosa
e Jackson Pollock entre outros. O
júri, não só concede o prêmio da
sessão internacional a Bill, como a
Ivan Serpa um dos prêmios da sessão brasileira, e Abrão Palatinik uma
referência especial pelo seu aparelho cinecromático. Essa obra foi exposta, com uma concessão especial,
pois a comissão organizadora não
sabia em que categoria a obra se enquadrava, uma vez que não era desenho, nem pintura, nem escultura.
Para Walter Zanini, critico e historiador “a penetração no Brasil do
ideário plástico que se enraíza no
construtivismo russo,
no
Neoplasticismo holandês e nos princípios propostos pela Bauhaus revisto
pelo conceito de visão harmônica de
Marx Bill” Zanini (1983, p. 653) estava relacionado a novos fatores
socioeconômicos uma vivência democrática, o otimismo econômico
do novo surto industrial de São Paulo, e a construção de Brasília.
Essa influência ecoa no Brasil de
duas maneiras diferentes: Um eco é
do grupo Rupturas liderado por
Waldemar Cordeiro “ dotado de
conhecimento teórico da arte e de
uma experiência artística em Roma,
conjugados a um forte temperamento polêmico, constituir-se-ia ele no
principal líder que o concretismo revelou no Brasil.” (Zanini, 1983, p.
653). Os artistas paulistas pertenciam
à classe média, tinham profissões téc-
nicas e eram autodidatas, possuíam
uma rigorosa disciplina de grupo.
Inclinam-se a uma especialização nas
áreas do desenho industrial, da comunicação visual, da publicidade, do
paisagismo, o que permite interferir
no processo de desenvolvimento
urbano. Chamavam aquilo que praticavam de “barroco da bidimensionalidade”, devido o interesse com
que exploravam a vibração ótica
como uma espécie de aspiração ao
movimento. Preocupavam–se com
a dinâmica visual, com a exploração
dos efeitos da construção seriada. O
que podemos ver na suavidade do
movimento ótico na obra de Lothar
Charoux.
O segundo eco vem do Rio de
Janeiro onde, na opinião de Zanini
a preocupação central era o
estético.Com uma liberalidade de
princípios formais que o diferenciava do grupo paulista. O Grupo
Frente se apresenta pela primeira vez
em 1956, em exposição coletiva no
Instituto Brasil - Estados Unidos. Na
segunda exposição do grupo realizada no Museu de Arte Moderna
do Rio de Janeiro, participam: Pintores- Eric Baruch, Aloísio Carvão,
Lígia Clark, João José da Silva Costa, Hélio Oiticica, Abrãao Palatinik,
Ivan Serpa e Décio Vieira; Gravador- Lígia Pape; Escultor- Franz
Weissmann. Mário Pedrosa escreveu
no catálogo da exposição que os
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
183
Arte, construtora de cosmologias
184
artistas não obedeciam a nenhum
código estético rígido. A linguagem
geométrica era um campo aberto à
experiência e a indagação e não um
ponto de chegada.
O aparelho cinecromático de
Palatinik é um diálogo que o artista
sempre manteve com a física mecânica e a arte. A obra é uma espécie de caixa que abriga uma série de
mecanismos, coberta com uma tela
transparente, onde se vê pequenas
constelações de formas geométricas em constante movimento num
fazer e desfazer infinito. Esses movimentos são obtidos segundo cálculos de acelerações diversas e
lâmpadas de voltagens diferentes.
Essa obra torna Palatinik, um pioneiro da arte cinética no mundo.
Uma criação instigadora da contemplação a qual tive oportunidade de
ver em sua casa, quando do congresso de complexidade no Rio de
Janeiro, em setembro de1998. “A
dimensão deste artista coloca-se
numa exemplar atitude de aproximação arte/tecnologia, que soube
desenvolver relacionando em sua
obra a base teórica e a qualidade
da percepção sensível”.(Zanini,
1983, p. 658).
Hélio Oiticica e Ligia Clark são
dois grandes expoentes das artes
plásticas no Brasil e no mundo. O
primeiro tornou-se um dos pioneiros, da arte ambiental, a segunda
realiza uma série de proposições na
Universidade de Sobonne.
Esses dois artistas ao morrerem
deixam as suas buscas, em um momento em que o observador/ leitor se transforma num fluidor.
“Com o ready-made, o homem ainda tem necessidade de um suporte
para revelar sua expressividade interior. Mas isso hoje não é mais necessário, pois a poesia se exprime
diretamente no ato de fazer. (...) O
ato engendra a poesia”.(Clark, 1980,
p. 27).
A artista desintegra o quadro tradicional no plano, para negá-lo logo
em seguida na construção de contra-relevos que ao caírem no chão,
segundo Ligia Clark se transformam nos Bichos. “É um organismo vivo, uma obra essencialmente
ativa. (...) É impossível entre nós e
o Bicho uma atitude de passividade
(...) Trata-se de um diálogo em que
o Bicho reagiu-graças a um circuito
próprio e definido de movimento
- às estimulações do espectador”.
(Clark, 1980, p. 17). Dos Bichos,
Ligia Clark partiu para experimentações, em que o seu existenciar, o
seu viver se transmutam nas suas
proposições como Caminhando, Nostalgia do corpo, O corpo é a casa, Luvas
sensoriais, Máscaras sensoriais, O eu e o
tu, Cesariana, Máscara Abismo, Camisa
de Força, Baba Antropofágica, Rede de
Elástico, Cabeça, Flor: relaxação, Túnel,
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Sanzia Pinheiro Barbosa
Ovo-Mortalha.
Segundo Hélio Oiticica, o processo por que passou Ligia Clark
aparece na obra de outros artistas
cada vez mais rápido e eclosivo.
Oiticica considera a sua experiência
mais imediata. “Houve como que a
necessidade da descoberta das estruturas primordiais do que chamo
‘obra’, que se começam a revelar
com a transformação do quadro
para uma estrutura ambiental (..) O
que se poderia chamar de
‘objeto’”.(Oiticica, 1985, p. 69). Esse
momento da arte brasileira é de
liberdade. Os artistas experimentam
livremente, nas palavras de Oiticica
procuram um modo de dar ao
individuo a possibilidade de experimentar, deixar de ser espectador
para ser participador.
Para Gilles Deleuze, a arte é aquilo que resiste. E essa tem sido uma
característica que persiste nessa atividade humana, ao longo da história.
As proposições de Hélio Oiticica e
Ligia Clark, do dadaísmo e do
surrealismo eram resistências a uma
mentalidade cientificista que invadia
não só a arte, mas todo o espírito
humano. Resistência à simplificação
da linguagem, aos materiais convencionais, aos regimes políticos, a mecanização do gesto, resistência do
próprio corpo do artista.
Essa breve incursão na trajetória histórica da relação entre arte e
ciência, tomando a vereda da arte,
permitiu-me compreender que toda
obra de arte possui uma lógica, uma
percepção, uma opção de mundo
e de vida.
Volto agora a questão posta no
início desse texto: O que nos diz a
arte como metáfora da ciência do
século XX? A nova metáfora da ciência exige uma nova linguagem que
se manifesta na relação de liberdade do artista com a obra no processo de criação. O modo de ser
do artista se inscreve em suas obras.
E na relação que tem com elas: fluem e deixam fluir, numa dança harmoniosa que mais se assemelha a
dança de Shiva, numa construção e
destruição.
Os artistas a maneira dos chineses, tentam compreender nas
coisas, sua tendência, seu desejo de
expressar-se. O ponto de partida
é a contingência, não o modelo.
Arriscam, navegam em mar incerto e por isso criam, inventam, pois
são com o mundo, com os resíduos, com o movimento, com o
ritmo da Terra.O artista se abre
ao movimento, as possibilidades
da vida na criação de novas linguagens. A física do processo “não
é uma nova visão de mundo, [...]
é invenção de linguagens novas,
abertura de novas possibilidades
de pensar e de dizer o que vivemos” (Prigogine, 1992, p. 195).
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
185
Arte, construtora de cosmologias
Abraçar a proposição da teoria do
vir-a-ser do poeta da termodinâmica
Ilya Prigogine é compreender que
agora é a vez do diálogo e não do
domínio, da solidariedade e não da
separação, da cooperação e não do
controle, da autonomia e não do
governo.
NO
NOTTAS
2
A denominação desse movimento é encontrada
em outros autores como raionismo Liderado por
Michel Larionov( 1881-1964) e Natalia Goncharov
(1881-1962) buscavam construir um espaço sem
objeto,absoluto constituído apenas por movimento
e luz.
186
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Sanzia Pinheiro Barbosa
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Maria da Conceição; CARVALHO, Edgard de Assis; COELHO, Nelly Novaes.
Ëtica, Solidariedade e Complexidade. São Paulo. Palas Atenas,1998.
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1993
CLARK, Lígia. Coleção arte brasileira contemporânea. Rio de Janeiro:
FUNARTE, 1980.
FERRARA, Nelson Fiedler; MORIN, Edgar. Ética solidariedade e complexidade. São
Paulo: Falas Atena, 1998.
FREIRE, Cristina. Poéticas do processo: a arte conceitual no museu. São Paulo:
Iluminuras, 1999.
LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. São Paulo: Papirus, 1989.
MORIN, Edgar. O paradigma perdido: a natureza humana. Portugal: Publicações Europa- América, 1973.
PRIGOGINE, Ilya. Ciência razão e paixão. Edgard de Assis Carvalho e Maria da Conceição
Almeida (Org.). Belém: EDUEPA, 2001.
PRIGOGINE, Ilya; STANGERS, Isabelle. A nova aliança: metamorfose da ciência. Brasília:
EdUNB, 1991.
PRIGOGINE, Ilya et al. (Org.). A sociedade em busca de valores: para fugir à alternativa entre o cepticismo e o dogmatismo. Lisboa: Instituto Piaget, 1996.
PRIGOGINE, Ilya. Entre o tempo e a eternidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
SZAMOSI, Géza. Tempo e Espaço: as dimensões gêmeas. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1994.
OSTROWER, Fayga. A sensibilidade do intelecto: visões paralelas de espaço e tempo
na arte e na ciência. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
OTÁVIO, Paz. Marcel Duchamp ou o castelo da pureza. São Paulo: Perspectiva, 1977.
STANGOS, Nikos.(Org.). Conceito de arte moderna. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1999.
TUCKER, William. A linguagem da escultura. São Paulo: Cosac & Naify, 1999.
WEBER, Renée. Diálogos com cientistas e sábios: a busca da unidade. São Paulo:
Cultrix, 1986.
ZANINI, Walter. História da arte geral no Brasil. São Paulo: Instituto Walter Moreira
Sales, 1883. v. 2
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
187
188
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Educação
A relação da
criança com
o mundo dos
contos de fadas
189
Maria Aparecida Matias Freire Franco de Lima1
1
Aluna do 8º Período do Curso de Pedagogia da
FACEX. Trabalho desenvolvido como atividade
final da disciplina Literatura Infantil, ministrada pela
Profª Lílian Rodrigues, 2001.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
A relação da criança com
o mundo dos contos de fadas
Children relations with the fairy
tale world
190
RESUMO
Este artigo tem como objetivo verificar a
relação que a criança estabelece entre a
realidade e a ficção, através da literatura,
analisando o grau de discernimento
manifestado na relação literatura/leitor. Para
analisar esta questão, utilizou-se como base
teórica os estudos de Amarilha (2000), sobre
a relação do leitor com o ficcional; Bettelheim
(1980), que trata da importância dos contos
de fadas para o desenvolvimento cognitivo
da criança e Held (1980), que também discute
a relação entre o real e o ficcional. Esse estudo
foi realizado em uma Escola Pública da Rede
Estadual, na cidade do Natal, RN. A amostra
estudada constituiu-se de uma turma de 1ª
série (1º ano do ciclo de alfabetização) com
vinte e seis alunos, sendo quinze do sexo
masculino e onze do sexo feminino, com faixa
etária variando entre seis e sete anos. Os
resultados indicaram que é através da leitura
principalmente dos contos de fadas, que a
criança amplia seus horizontes, permitindolhe fazer múltiplas relações, entre o que ler e
o que vive. Verificou-se, ainda, que a leitura
como instrumento didático, não tem o mesmo
significado quando desenvolvido como
práticas prazerosas.
ABSTRACT
The objective of this article is to verify
the relations that children make between
reality and fiction through literature, by
analysing the criterion in the relation
between literature and the reader. Through
the analysis of this question, it was made
use of theoretical base of Amarilha (2000)
about the relation of the reader with
fiction.Also Bettelheim’s study about the
importance of fairy tales to children cognitive
development, and Held’s studies (1980),
which discusses about the relations between
reality and fiction. This study has been put
into practice in a public school in the capital
of the State of Rio Grande do Norte, Natal.
The sample constituted of twenty-six
students from the first grade; fifteen boys
and eleven girls, all between six and seven
years old. The results indicate relations
about what is fiction and reality. It was verified
that reading as a didatic tool does not have
the same meaning when it is developed as
pleasant activities.
PALAVRAS-CHAVE
Crianças; literatura; leitor.
KEY-WORDS
Children; literature; readers.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Maria Aparecida Matias FFreire
reire FFranco
ranco de Lima
1 INTRODUÇÃO
Várias pesquisas já discutiram
sobre a importância que a literatura
exerce sobre o indivíduo. Este estudo, teve como finalidade investigar que contribuições esta traz para
o leitor, no momento em que a criança lida com o texto literário, com
vistas a entender as relações que se
estabelecem entre o real e o ficcional.
Objetivou-se, então, verificar a
relação que a criança estabelece entre a realidade e a ficção, através da
literatura, analisando o grau de
discernimento manifestado na relação literatura e leitor.
Para analisar essa questão, utilizou-se como base teórica os estudos de Amarilha (2000) que trata a
relação do leitor com o ficcional;
Bettelheim (1980), no qual trata da
importância dos contos de fadas
para o desenvolvimento cognitivo
da criança; Held (1980) também discute a relação entre o real e o
ficcional, entre outros estudos.
Esse estudo foi realizado, numa
escola pública da rede estadual, no
município de Natal - RN. A amostra estudada constitui-se de uma turma de primeira série (1º ano do ciclo
de alfabetização) com vinte e seis
alunos, sendo quinze do sexo masculino e onze do sexo feminino. A
faixa etária variou entre seis e sete
anos. Constatou-se, ainda, que o nível de escolaridade da maioria dos
pais dessas crianças não passa do
primeiro grau completo.
A grande maioria dessas crianças afirmou, na entrevista, não ter
um acompanhamento escolar por
parte de seus pais. Mas, isso por si
só, não significa que estas não tenham contato com a literatura, através das histórias orais. Esses dados
foram considerados importantes,
por entender-se que a aprendizagem e a constituição de sujeito leitor dependerá das interações sociais
que ele vivencia, pois “sabemos que
a situação socio-cultural e as condições econômicas em que vivem as
crianças, além do sexo e da própria
experiência de vida, exercem uma
forte influência sobre elas e os conhecimentos que constroem”
(Kramer, 2000, p. 39).
Como estratégia metodológica,
este estudo foi dividido em dois
momentos: a contação de história
e, em seguida uma entrevista semiestruturada com as crianças, visando perceber que percepção estas
tiveram com a história narrada.
No primeiro momento, optouse em fazer uma dinâmica de
interação com as crianças que se
encontravam muito agitadas. Após
o relaxamento, com a turma toda
em círculo, foram apresentados os
livros que pré-selecionados, todos
pertencentes à categoria conto de
fadas, para que eles pudessem
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
191
A relação da criança com
o mundo dos contos de fadas
192
manuseá-los. A ausência desse contato contínuo com o livro se manifestou à medida que eles tocavam
nos livros, como um objeto de prazer e que queriam individualmente,
deles tomarem posse.
Depois pediu-se que levantassem as mãos para escolher um dos
livros para que fosse feita a narração. A maioria da turma escolheu o
conto “Os três músicos”. A leitura foi
iniciada sem mostrar as gravuras,
utilizando-se a voz como único instrumento. As crianças demonstraram atenção no momento da
narração do texto, sendo que apenas dois alunos mostraram-se
dispersivos durante a leitura.
No segundo momento, foram
convidados, aleatoriamente, alguns
alunos da turma para realização da
entrevista. Após essa seleção, os alunos retornaram à sala de aula, dando continuidade as suas atividades.
Enquanto isso permanecemos na
escola aguardando o término da
aula para fazer a entrevista com os
alunos selecionados. Este espaço de
tempo serviu, também, para que se
tivesse oportunidade de manter uma
conversa informal com alguns deles. Por outro lado, este tempo foi
oportuno para que se tentasse captar o envolvimento e o significado
que a história lida representou para
eles. Isto possibilitou que fosse vislumbrada a compreensão de que ha-
via se estabelecido um discernimento
entre o real e o imaginário.
Adotou-se o tipo de entrevista,
com o questionário aberto, de forma que possibilitasse respostas espontâneas, optado-se por ser
realizada individualmente pelo fato
de se poder ficar mais atentos a
cada sujeito e de forma que não
houvesse indução das respostas de
uns sobre os outros. Viu-se também
que cada um, em particular, tornaria um contato mais informal, de
modo que se ficasse mais à vontade durante esse processo.
2 O DESENV
OLVIMENT
DESENVOLVIMENT
OLVIMENTOO
DA PESQUISA
Objetivando investigar a relação
que a criança estabelece entre o real
e o ficcional, a pesquisa teve como
pressuposto inicial que a literatura
desempenha um papel muito importante no desencadeamento dos
elementos internos (cognitivos) e
exteriores ao indivíduo (meio social).
Para desenvolvê-la, procurou-se
um ambiente escolar em que não
tivesse sala de leituras, de modo que
se pudesse perceber até que ponto
essas crianças com pouco acesso a
leitura de contos de fadas em sala
de aula, conseguiriam estabelecer
uma ponte entre a história narrada
e suas experiências cotidiana enquanto ser social.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Maria Aparecida Matias FFreire
reire FFranco
ranco de Lima
Resolvida essa questão, contatouse com uma das professoras da escola, tendo sido informada sobre
os interesses da pesquisa. Combinou-se com a mesma sobre o momento em que seriam desenvolvidos
a contação de história.
3 DISCUSSÃO DOS DADOS
Os dados em discussão dizem
respeito ao trabalho de campo, envolvendo Contos de Fadas. Caracterizando o conto enquanto um tipo
de narrativa, há três acepções da
palavra conto, Cortázar (apud
Gotlib, 1999, p. 11): “1. relato de
um acontecimento; 2. narração oral
ou escrita de um acontecimento
falso; 3. fábula que se conta às
crianças para divertí-las”. Essas
acepções mostram um ponto em
comum que são “os modos de
contar alguma coisa”, ou seja, são
narrativas. Este estudo está inserido
nessa terceira categoria, dado o seu
caráter
de
retratar
um
acontecimento, tendo como suporte
o maravilhoso, como afirma Gotlib
(op. cit. 18): Daí o conto ter como
característica justamente esta possibilidade
de ser fluído, móvel, de ser entendido por
todos, de se renovar nas suas transmissões,
sem se desmanchar: caracterizam-no, pois,
a ‘mobilidade’, a ‘generalidade’, a
‘pluralidade’.
É nesta perspectiva que, mesmo
neste novo milênio, “a literatura, a
fala escrita, a leitura (...) vêm sendo
resgatada como ‘a forma’ (ou o
meio) ‘mais eficaz’ para a nova ‘leitura de mundo’ que se faz urgente
para a formação das crianças (...)
(Coelho, 2000, p. 14).
É importante considerar que,
nessa perspectiva os contos de fadas continuam atuais, por isso, Coelho (op cit. p. 127) adverte: Não
esqueçamos que o ‘poder mágico’ da mente
será o elemento chave para a exploração
dinâmica (e não mecânica) do poder da
tecnologia que comandará as relações eumundo nesse terceiro milênio.
Compreende-se, também, que é
esta a maior contribuição que a literatura pode oferecer às crianças, um
espaço de prazer que tanto se busca, oportunizando, ainda, neste mesmo espaço, a construção do
conhecimento. Esse é o desafio
maior: aliar o prazer ao conhecer,
oferecendo, assim, o espaço de formar e transformar, através do uso
da linguagem. Desafiar as crianças
a usar a fantasia, a imaginação, atraindo esses principiantes leitores para
o processo de descoberta do mundo, entendida, aqui, como o prolongamento da vida em toda sua
dimensão é devolvê-las o direito de
pensar, de ser gente. .
A partir dessa compreensão e
partindo da análise dos dois momentos distintos da nossa pesquisa,
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
193
A relação da criança com
o mundo dos contos de fadas
194
constatou-se que realidade e ficção
são sistemas que interagem constantemente mantendo entre si uma diferença de grau. Tendo em vista
essas reflexões de caráter geral, parece interessante investigar como as
próprias crianças no momento em
que lhes possibilita acesso ao mundo do fantástico, através da narração de um conto de fadas em que é
introduzido seres reais e irreais.
Sabe-se que é na faixa etária entre seis e sete anos, que normalmente
as crianças transitam entre o mundo real e o fantástico, desde que se
considere o fato de que não haja por
parte do seu meio social, desrespeito, censura, e reprovação que as leve
a um bloqueio. Dentro dessa normalidade, a criança vai além dos sete
anos alimentando o poder criativo
(Held, 1980). Neste sentido, a vida
da criança é constituída com mais
significado, uma vez que não lhe é
tirado o direito de imaginar, criar,
construir e reconstruir seus mundos.
Na intenção de se encaminhar
essa reflexão, a elaboração das perguntas, para a entrevista, foi organizada em três categorias de:
a) localização espacial, do tipo: Você
sabe onde fica o castelo do anão
mudo ?
b) identificação, do tipo: Qual das
personagens você gostou mais ?
c) convivência, do tipo: Você gostaria
de passar um fim de semana com
o flautista e a princesa ? onde?
No entendimento de Amarilha
(1997), “essas (...) categorias (...) abordam aspectos desafiadores da realidade e
ficção, colocando o sujeito a confrontar sua
percepção, sem induzi-lo a falsear”.
Os alunos demonstraram grande interesse pela história, independentemente dos sexos, oferecendo
indícios de que tinham contato com
livros, histórias e contos, embora os
pais não possuam condições financeiras que permitam um maior acesso de seus filhos à leitura e
formação que os levem a acreditar
que a literatura contribui para o desenvolvimento do indivíduo.
Informações obtidas assinalam
que a escola desenvolveu um trabalho com literatura, realizado por
estagiários do curso de magistério,
permitindo, assim, o contato dessas crianças com a Literatura Infantil. Apesar de não ter sido um
trabalho contínuo, permitiu que estes se envolvessem com a ficção,
demonstrando, assim, um
envolvimento maior com o
ficcional.
Optou-se por trabalhar contos
de fadas por se acreditar que este
contribui para re-elaboração mental
do indivíduo, de modo que age sobre os problemas que partem do
interior do ser humano, interferindo
nas emoções e contribuindo para a
criança no sentido de ajudá-la a com-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Maria Aparecida Matias FFreire
reire FFranco
ranco de Lima
preender o mundo, desconcertante
e complexo, que aparentemente lhe
apresentam. É através dos contos de
fadas que a criança se sente desafiada ao enfrentar obstáculos e a lutar
por seus ideais (Bettelheim, 1980).
Ao perguntar às crianças se gostariam de passar um final de semana com o flautista e a princesa, elas
crianças demonstraram-se interessadas, apenas duas delas disseram não
saber e apenas uma demonstrou-seu
desinteresse pelo assunto. Isto mostra o envolvimento delas com o
imaginário, com o ficcional.
Sobre a questão primeira – localização espacial -, durante a entrevista, observou-se que uma das
crianças sempre fazia referência à
cidade de São Paulo. Procurou-se
questionar o por quê do seu interesse pela cidade: “Porque eu gostaria de conhecer a cidade ?”.
Interrogado, respondeu: “Porque
São Paulo é a cidade mais grande
do Brasil”. Nesta resposta, observou-se que a cidade de São Paulo
era uma construção imaginária que
a criança fazia, uma vez que só a
conhecia por interferência da linguagem dos meios de comunicação e
principalmente por meio da televisão, dos telejornais e das novelas. Por
outro lado, é também um dado real,
visto que São Paulo é de fato uma
das maiores cidades do país.
Em relação a segunda questão
– sobre a identificação com os
personagens – torna-se perceptível esse processo na medida em que
as crianças fazem relação, daquele
momento, com as atitudes dos personagens no sentido de aprová-las
ou não. A aceitação dessas atitudes
estão intimamente relacionadas aos
seus valores, suas crenças, e seus sentimentos. Assim os contos de fada
auxiliam a criança para a descoberta de sua identidade e comunicação
e sugerem experiências que muito
contribuem para a formação do seu
caráter.
No que se refere a terceira questão – da convivência - o estudo
mostrou que os alunos fizeram uma
ponte entre o conto narrado e os
seus “conhecimentos de mundo”
(Smith, 1994), pois, quando uma
das crianças foi questionada se gostaria de passar um final de semana
com o flautista e a princesa ela respondeu que gostaria; porém, quando perguntada onde ela gostaria de
passar o fim de semana, sorriu e
disse: “Mas eles não existem, quer
dizer, princesa existe, a da estória é
que não é de verdade, ela só vive na
estória”. Neste exemplo a ficção
serve de ponto de partida para a
criança construir algumas reflexões
e descobertas de sua consciência de
mundo real sem perder de vista o
imaginário. Neste sentido, a literatura permite a criança a vivência de
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
195
A relação da criança com
o mundo dos contos de fadas
196
um lúdico pessoal e criativo, estimulando a enfrentar os possíveis obstáculos na vida real.
Dessa forma, os contos permitem a criança vivenciá-los como
maravilhas, porque ela se sente entendida e apreciada bem no fundo
dos seus sentimentos, das suas dificuldades, esperanças e ansiedade,
sem que tudo isso tenha que ser puxado e investigado sob a austeridade de uma racionalidade que ainda
está aquém dela. (Bettelheim, 1980)
Durante o desenvolvimento
do trabalho surgiram algumas reflexões que levaram a alguns
questionamentos. A primeira, reside no fato de que são grandes
as dificuldades de acesso aos contos de fadas. Apesar da grande
quantidade de contos, apenas um
pequeno número deles tornam-se
conhecidos, dando acesso às crianças a uma variedade de livros
que poderiam enriquecer suas vidas de significados, permitindo
confrontar seus valores pessoais
com o mundo que as cercam, uma
vez que lendo e ouvindo as histórias, a criança vive diferentes problemas, um de cada vez e assim
vão resolvendo seus conflitos que
muitas vezes se aproximam de alguns dos personagens.
A outra questão é porque a escola não tem como prática trabalhar a literatura, uma vez que não há
por parte dos professores e demais
segmentos da escola, uma valorização da leitura como prática
prazerosa, pois quando acontece
leitura na escola é apenas com objetivos didáticos, o que limita o texto, perdendo sua essência literária,
transformando-os em instrumentos
de imposição para interpretar pequenos trechos e avaliar se o aluno
realmente leu. São nesses momentos que a leitura se torna enfadonha, desestimulando o leitor em
buscar novas tentativas de ler por
prazer.
A impressão que se teve, em alguns momentos da pesquisa, é que
o professor não está, de fato, convencido da contribuição da literatura, especialmente dos contos de
fadas na formação de seus alunos,
principalmente nesta fase de alfabetização, como afirma Zilberman
(1991, p. 84) ao mostrar a importância da literatura infantil na fase
também, de alfabetização, quando
afirma que esta: (...) pode ser motivadora
da aprendizagem das crianças, conduzidas
ao contato com os livros em casa, entre os
pais e os amigos, ou na sala de aula (...).
Porém, é igualmente beneficiária dos efeitos
alcançados: a criança convertida em leitora, consome novos textos, propiciando demanda continuada (...).
Neste sentido a importância da
repetição da narrativa e da leitura
faz com que a criança reinvente as
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Maria Aparecida Matias FFreire
reire FFranco
ranco de Lima
experiências já vividas. O contar
outra vez é a forma com a qual a
criança se utiliza para aos poucos ir
se apropriando da linguagem, associando o dinamismo da vida real à
riqueza do imaginário.
Portanto, acredita-se que quem
conta, reconta, e ao recontar o que
estava disperso vai aos poucos se
organizando. Se a criança pede para
contar de novo é porque aquela história tem significado e faz sentido
para ela ouvir novamente, fornecendo subsídios para a construção de
sua competência narrativa. Neste
aspecto, observou-se a riqueza do
pensamento infantil nas formas de
compreensão da história dos fatos,
nas explicações simbólicas e a sua
possibilidade de enfrentar e resolver seus conflitos. Muitas vezes uma
história recontada permite que a
criança faça interferências, corrigindo o narrado quando não foi assim
contada na primeira vez. Na verdade, a história recontada nunca é a
mesma, pois cada ato da fala é único na medida que acontece a narrativa, a tonalidade de voz e as
emoções são diferentes a cada história. (Garcia, 2000).
A importância de se colocar que
mesmo vivenciando o ficcional, a
criança possui consciência de mundo real e transita entre um e outro,
conseguindo o prazer de criar e de
reorganizar a cada momento os
conhecimentos que já possui com
os que vai descobrindo, relacionando sua vida com, mundo da
literatura.
Assim, contar ou recontar um
conto vai além da contação de história; a voz que narra não só vai informar o momento da expectativa,
é como se o interlocutor fosse contar um segredo. É o momento da
magia; o momento exato que o
ouvinte tem o poder de decidir o
destino, enquanto se desvela os fatos como acontece com Sherazade
no filme Mil e uma noites, que para
escapar da morte, conta intermináveis estórias para o sultão, e como
estratégia para escapar da tão terrível sina, ela se utiliza da narração,
do momento ideal da magia, do
encantamento da estória, onde o
ouvinte esta preso e quer saber o
que acontecerá e qual o desfecho do
drama. Contudo, “Quando a criança
lê ou ouve um conto, ela percebe a ficção
proposta pela leitura ou vive estas experiências, transitando nos dois mundos, real e
fictício, e se diverte com essas possibilidades, tornando-se mais lúcida e mais flexível em sua própria manipulação do real e
do imaginário” (Held,1980).
Também para Bettelhein (1980)
os contos de fadas deveriam ser
contados em vez de lidos. Este defende que para atingir integralmente suas propensões consoladoras,
seus significados interpessoais, o
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
197
A relação da criança com
o mundo dos contos de fadas
198
conto deve ser lido com um
envolvimento emocional na estória
e na criança, com empatia pelo que
a estória pode significar para ela.
Enfatiza que contar é preferível a
ler porque permite uma maior flexibilidade (p. 185-186).
Nesta perspectiva, o conto constitui alimento para a imaginação infantil. Quando proposto pelo adulto
poderá em certos casos lhe servir
de ponto de partida para auxiliá-lo
a descobrir o humor de uma texto,
em vez de tomá-lo como verdade
absoluta, conseqüentemente preparando, enfim, esse pequeno leitor no
que se refere a fazer uma leitura nas
“entrelinhas”.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É através da leitura que a criança amplia seus horizontes permitindo-lhe fazer múltiplas relações,
entre o que ler e o que vive. Verificou-se neste estudo que a leitura
como instrumento didático, não tem
o mesmo significado quando desenvolvido como prática prazerosa.
Fica prejudicado porque não se
constrói leitores que não tenham algum tipo de relação com aquilo que
lê.
Nesta pesquisa ficou evidencida
que a criança quando em contato
com a leitura mantêm um elo entre
o real e o imaginário, contribuindo
para incentivar o seu universo criativo. Nesta perspectiva, as reflexões
deste estudo, serviram para que fossem identificados elementos significativos para a prática pedagógica.
No que se refere à interpretação e a
organização das perguntas, partiuse do princípio de que estas categorias se apresentaram de forma
interligadas. Tratando a princípio da
questão de localização, observou-se
que a criança faz uma construção
imaginária a partir de elementos reais. Na identificação percebeu-se que
esta permite que a criança estabeleça sua própria aceitação ou não, a
partir dos personagens, tendo como
referência o que ela considera bom
ou ruim. Quanto à convivência, verificou-se que a criança possui
discernimento do mundo real e
imaginário e ao viver essas experiências, diverte-se com elas. Dessa
forma, no que se refere à literatura
pode-se afirmar que é através dela
que o mundo fantástico tem significado e faz sentido. E esta, talvez,
seja uma das maiores contribuições
para o ensino de literatura.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Maria Aparecida Matias FFreire
reire FFranco
ranco de Lima
5 REFERÊNCIAS
AMARILHA, Marly. Estão mortas as fadas? Literatura infantil e prática pedagógica. São Paulo: Vozes/EDUFRN, 2000.
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. São Paulo: Paz e
Terra, 1980
COELHO, Nely Novaes. Literatura: arte, conhecimento e vida. São Paulo: Vozes,
2000
GOTLIB, Nádia Battella. Teoria do conto. São Paulo: Brasiliense, 1999.
HELD, Jaqueline. O imaginário no poder. São Paulo: Summus, 1980
KRAMER, Sonia. Com a pré-escola nas mãos: uma alternativa curricular para a educação infantil. São Paulo: Ática, 2000
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 1987.
____________. A leitura e o ensino da literatura. São Paulo: Contexto, 1991.
____________. Literatura infantil brasileira. São Paulo: Ática, 1991.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
199
200
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
História
Entre Brasil e
Europa, o sentido
pejorativo que a
idéia de barroco
herdou
201
John Alex Xavier de Sousa1
1
Professor. Mestre em Ciências Sociais (UFRN);
Professor dos cursos de Administração,
Contabilidade e Pedagogia da FACEX;
Coordenador do NEPAC (Núcleo de Extensão e
Pesquisa sobre Arte e Cultura – FACEX). Av.
Petra Kelly, 1500, Bl. J, Ap. 301, CEP. 59000-150
Nova Parnamirim – Parnamirim; Tel.: (0xx84)
608-0484; e-mail: [email protected]
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Entre Brasil e Europa, o sentido pejorativo
que a idéia de barroco herdou
The despisable sense inherited by
the idea of the Barroque between
Brazil and Europe
202
RESUMO
O barroco, entre as outras expressões
de arte, foi tratado de maneira torpe.
Historicamente foi adquirindo essa forma de
ser concebido por fatores como a própria
etimologia e, antes mesmo desse, o aspecto
de vir de encontro ao modelo clássico. Tal
percepção tem inviabilizado, muitas vezes,
a compreensão do barroco, mas também,
por outro lado, precisamos dessa tomada
de consciência para não vilipendiar ainda
mais a originalidade dele.
ABSTRACT
Baroque, among other art expressions,
has been despicably treated. Historically it
has been getting this conception due to
factors such as its etymology, and even before
that, the fact of being considered a reaction
against a classical example. Such perception
has many times made impracticable,
understanding it. But, at the same time, it
makes us aware of this in order not to, strongly
despise its own originality.
PALAVRAS-CHAVE
Barroco; teoria da arte; arte.
KEY-WORDS
Baroque; art theory; art.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
John Ale
vier de Sousa
Alexx Xa
Xavier
De início, apenas para reportar
a contemporaneidade do tema,
mesmo após três séculos passados
no caso do Brasil, e quatro, no caso
europeu, gostaria de citar uma querela recente, em termos históricos,
ocorrida através da revista Bravo! de
maio e junho de 1998. Daniel Piza,
redator da revista citada, ao se referir à exposição O Universo Mágico do
Barroco Brasileiro (FIESP), apresentou juízos de valor a respeito do
Barroco, principalmente do caso
brasileiro, que fere qualquer interpretação mais profunda no que diz respeito a teoria do barroco. Diz o
redator “que o barroco brasileiro é
um braço do barroco português, o
qual por sua vez, é consensualmente
inferior ao espanhol e ao italiano que
o influenciaram.” Tal pensamento
está envolto de um nevoeiro que se
chama lógica racional cartesiana,
lembra mesmo o racionalismo que
perdurou durante o século XIX, em
que se acreditava existir estágios de
evolução cultural pelos quais a humanidade haveria necessariamente
que passar – selvageria, barbárie, e
enfim, a civilização2 – para o seu
aperfeiçoamento. Mas, graças a
racionalidade, primordial ao homem, a Antropologia superou essa
visão preconceituosa, que muitos
ainda teimam em tentar reafirmar.
Nessas circunstâncias, deveria o nosso barroco passar por alguns níveis,
deixando características artesanais e
folclóricas para chegar ao patamar
europeu? Acredito terminantemente
que não. Partindo de uma percepção sócio-antropológica sui generis,
mais adequada a realidade dos fatos, pode-se haver uma maior aproximação do objeto artístico, indo de
encontro a visão do século XIX,
impregnada ainda na idéia de Daniel
Piza. Através dessa nova visão, que
proponho, menos racionalista e mais
racional, que aquela correntemente
usada, a visão que apresento é esta,
exposta neste artigo, na qual a arte
se torna produto-produtora do
meio que a produz e é gerado por
ela, descartando-se a lógica conservadora de níveis a se trilhar, impulsionará, com certeza, a uma melhor
compreensão do objeto artístico.
Esta última unida a um olhar
polifônico sobre o objeto, que não
se venha torná-lo um simples produto, mas algo multifacetado, metafórico, enfim, aberto. Esta nova
forma de conceber o objeto de arte
poderá contribuir para mostrar a
incapacidade do estilo de conter o
objeto. Característica muito comum no mundo da história e
compreensão geral da Arte. Ao
nos debruçarmos sobre o mundo barroco devemos, antes de
tudo, partirmos dele mesmo, da
sua lógica, da sua dinâmica, do seu
modo próprio de ser.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
203
Entre Brasil e Europa, o sentido pejorativo
que a idéia de barroco herdou
204
Para a voz de Daniel Piza, no
número posterior da referida revista, Emanuel Araújo, curador da exposição da FIESP, traça uma visão
que tenta romper com o senso
evolucionista e até o maniqueísmo
da anterior. Mas, ao se digladiarem,
deixam transparecer o quão presente é a problemática, que em termo
de literatura à respeito do barroco
a situação não parece resolvida. Ao
contrário, ecoa pedindo uma resposta de teor demasiado complexo. O sentido pejorativo que a idéia
de barroco herdou, trata-se de uma
construção histórico-cultural, faz-se
até complicado dissociá-lo dessa
característica, pois já é parte integrante do objeto. No entanto, a compreensão desse processo contribuirá
para um entendimento substancial
de um gosto, de um modo de ser,
que sempre terminou em muita
polêmica, na maioria das vezes, com
dano para essa expressão de arte.
No Brasil vimos recentemente o
conflito entre os citados personagens da Bravo! Ilustra uma situação
que ainda não foi resolvida na teoria. Na própria Europa, um dos
primeiros nomes a se deter na
revalorização do barroco é Heinrich
Wölfflin, no entanto ao criar uma
relação dicotômica entre clássico e
barroco, como observamos em
suas obras Renascença e Barroco (1888)
e Conceitos Fundamentais da História da
Arte (1915), une o mundo clássico
ao barroco. Apesar de afirmar que
o barroco é um estilo próprio, atrela
o mesmo ao clássico inviabilizando
a possibilidade de compreendê-lo
sem se reportar ao outro estilo que
o antecede. A revalorização do Barroco coincide na Europa com a
transição do século XIX para o XX,
talvez pela eclosão de movimentos
artísticos que irão terminantemente
romper com os padrões clássicos.
Que o barroco é o anti-clássico,
parece ser idéia firmada anteriormente a Wölfflin, por Riegl. Porém, no início do século XX tal idéia
já aparece nitidamente cristalizada na
compreensão da arte. Se o barroco
é o anticlássico na visão anterior, assim sendo, a carga valorativa da cultura greco-romana e renascentista de
exímia importância na imagética do
europeu, e abrangendo mais, o ocidental, o barroco se reveste de uma
armadura do que nega a base clássica que é a razão e o equilíbrio.
Mesmo que tais características clássicas neguem a natureza biológica
humana, pois o próprio papel do
homem enquanto social é artificial
a sua natureza primeira. Por exemplo, o equilíbrio trazido pela composição da perspectiva clássica é,
em sua natureza, artificial. Geometricamente estruturado, como organizado artificialmente. Daí, o todo
resultado pela visão clássica ames-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
John Ale
vier de Sousa
Alexx Xa
Xavier
tra a visão humana, enquanto a obra
barroca interage com o seu observador, ela se completa no homem.
Sem negar proposições de ordem social, preso a sua visão
formalista, Wölfflin pretendia uma
história da arte autônoma, interesse
que o prejudicou em captar a anima
do barroco. Porém, em qualquer
estudo que diga respeito ao universo do barroco, mais ainda, da arte,
sempre o teremos como referência. Henri Focillon, outro estudioso,
em A vida das Formas, também na
busca de uma autonomia para a
arte, privilegia a forma mais que
outros aspectos do objeto para
compreensão da produção artística. Nele o clássico é símbolo do
apogeu e maturidade enquanto o
barroco corresponde a decadência.
Toda arte passaria por um estado
primitivo, clássico e barroco. Tal
pensamento corresponde a uma
idéia que aos poucos irá se solidificando, chegando ao ponto de
Benedetto Croce condenar o barroco explicitamente, através da sua
visão racionalista, objetivista e, conseqüentemente, redutora. Desse
modo, percebemos que, sempre que
tomado como modelo o clássico,
o barroco fica adulterado. Reafirma-se então a necessidade de se
compreender o barroco em si e não
como contraponto do clássico. O
grande impasse teórico é que o
modelo clássico tem sido um
referencial, que tem ofuscado os
outros modelos e com o barroco a
coisa não tem sido muito diferente,
parece mesmo ser mais exacerbado quando se trata do barroco.
Através da etimologia do termo
barroco podemos esclarecer um
elemento fundamental para compreensão do estilo, o mesmo nasce
como aberração, extravagância,
desequilíbrio, entre outras denominações, que nada são além de
desmerecimento, já que se toma o
ideal de beleza clássico como princípio, não se levando em consideração o barroco como estilo com
suas características próprias, dessa
maneira possuindo peculiaridades
em si mesmo, inclusive sua própria
percepção de belo. A origem do
vocábulo é bastante vaga, porém os
vários pensamentos ao seu respeito, muitas vezes até sem conexão um
com o outro, podem ser sintetizados numa idéia que os norteia – o
sentido pejorativo. Talvez o significado mais corrente para o termo
seja: uma pérola de superfície irregular.
Nesse sentido teria se vulgarizado
na Península Ibérica, partindo dos
ourives que apelidavam um tipo de
pérola deformada. Assim, cabe
uma comparação entre o Barroco
e o estilo clássico que o precedeu no Renascimento. O Clássico seria
a pérola de superfície esférica
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
205
Entre Brasil e Europa, o sentido pejorativo
que a idéia de barroco herdou
206
perfeita, enquanto que o Barroco
seria a aberração, na medida em que
divergia do padrão de beleza adotado pelo estudo acadêmico. Na Itália, segundo Flavio Conti, o nome
barroco dizia respeito a uma conversa de pouco valor argumentativo.
Mais um sentido torpe para o estilo. Uma terceira proposição ao termo caberia a Wöfflin, por dizer
respeito ao pintor Barrocci que se
destacou no Maneirismo. Antes de
ser considerado a transição do clássico para o Barroco, o Maneirismo
sortia um efeito negativo na percepção da crítica da arte, caracterizado
pelo reducionismo da cópia. Um
quarto sentido poderia repousar
sobre os termos buraco e barroca, que
estão ligados a irregularidade de uma
determinada superfície. Este último
se aproxima muito do primeiro significado, não precisando justificar a
aproximação do sentido pejorativo
A teoria européia a respeito do
Barroco esteve, pelo menos em um
primeiro momento, imbuída de um
preconceito norteado pelos padrões
acadêmicos. No caso do Brasil, não
menos, pois nomes como Porto
Alegre e Gonzaga Duque, que estão na relevância dos primeiros a se
interessar pelo tema, inclusive o primeiro, responsável por haver dado
nome ao estilo brasileiro. Porém é
latente uma conceituação do objeto, partindo não dele mesmo, mas
de aspectos exteriores a ele, como
acontece com as percepções dos estilos Românico, Gótico, Renascimento, entre outros. Tal imagem
construída dificultou a possibilidade de compreender o Barroco na
íntegra. Não apenas no caso brasileiro, como também, europeu, falase de um Barroco dos Jesuítas, de
um Barroco ligado a construção de
edifícios civis, de um outro que representou a Igreja pós Concílio de
Trento, entre outros. Dessa forma
esquecendo-se de falar de uma civilização barroca, na qual havia uma
interligação nesse esboço de construção societária, que estava unida
pela fina malha intransponível do
Barroco. Comia-se, vestia-se, respirava-se, enfim, vivia-se desse clima
barroco. Uma segunda geração, se
assim podemos chamar de estudiosos do tema, Mário de
Andrade e Manuel Bandeira, preocupavam-se estilisticamente, já que
a anterior havia esquecido tal aspecto, talvez por buscarem originalidade para dar respaldo a arte
brasileira, se bem que, Manuel Bandeira, em relatos enaltece o barroco mineiro em detrimento do
nordestino, inclusive com argumentos que mais parecem, se estudados
na ótica de características do estilo,
tornar o do nordeste, barroco, e o
do sudeste, mais próximo do
rococó. No Brasil, geralmente per-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
John Ale
vier de Sousa
Alexx Xa
Xavier
cebemos uma hierarquia, dada pelos estudiosos, na literatura a respeito
do tema desse artigo, semelhante
aquela apresentada por Daniel Piza,
no início do texto. Primeiro citam
o Sudeste, depois o Nordeste e restante do país. Esquecem de observar culturalmente a produção de
cada localidade.
Uma outra vertente da situação,
trabalhada nesse artigo, é a existência de uma forte ligação do Barroco com a Igreja Católica, por um
lado, e com o Absolutismo, de outro, intensificando a problemática
rumo ao reducionismo. A origem
histórica do Barroco está em Roma,
na transição do século XVI para o
século XVII. Da Itália se difunde
por toda Europa e depois por intermédio da Espanha e de Portugal, pela América Latina. Nos locais
onde o clima da Reforma Católica
era intenso, o barroco foi acolhido
substancialmente. Por sinal, o espírito da Igreja Católica em
reformulação, que estava voltada
para o interesse de convencer o fiel,
de tentar conseguir o retorno da
ovelha perdida para a Reforma Protestante, e ainda, de conquistar novos adeptos, está intimamente
ligado ao estilo em pauta, sendo
praticamente impossível a
dissociação entre ambos – pelo
menos em algumas regiões mundiais. Com certeza essa proposição se
embasa em Werner Weisbach, na
obra El barroco: arte de la
contrarreforma. Dessa maneira, o
Barroco, muitas vezes, é taxado de
mera propagandística de uma Igreja abalada. No pensamento anterior, a Companhia de Jesus, com
Santo Inácio de Loiola; São Francisco Xavier, um dos principais
membros da Companhia no Oriente; São Filipi Neri, que funda a
Congregação do Oratório; Santa
Teresa, a reformadora da Ordem
do Carmelo; serão, entre outros,
grandes responsáveis pela empreitada da Igreja. Nesse momento ainda, a Igreja se encontra sob a égide
do Concílio de Trento, que se dizia
responsável pelos estudos dos problemas da fé: confirmou o princípio de salvação da alma pela fé e
boas obras, o culto a Virgem Maria
e aos santos, afirma a existência do
Purgatório, a infalibilidade do poder do papa, o celibato do clero, a
manutenção da hierarquia eclesiástica, a indissolubilidade do casamento, entre outros. Em 1555 ocorre a
restauração do Tribunal do Santo
Ofício na tentativa de combater os
hereges através da força. Tais tribunais haviam sido estabelecidos numa
primeira vez em 1217, mas haviam
sido esquecidos durante o período
da Renascença européia. O índex,
lista de livros proibidos pela Igreja
Católica, que dificultava o progres-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
207
Entre Brasil e Europa, o sentido pejorativo
que a idéia de barroco herdou
208
so científico e cultural no mundo
moderno permanecia. Livros
luteranos e calvinistas, e mais uma
série de obras científicas de autores
como Maquiavel, Copérnico,
Galileu e Newton, estavam vetadas
ao cristão apostólico romano.
Quanto à instituição do poder absoluto do rei, também, está intimamente ligada ao Barroco. A Reforma
Protestante contribuiu sobremaneira para centralização monárquica,
pois provocou a divisão do rebanho cristão e com isso acelerou a
diminuição do poder do papado
sobre os Estados Nacionais Modernos. Nesse ínterim, fica explícita a
aliança entre reis e burgueses, numa
sociedade estratificada em três estados praticamente imóveis. Ao fazer citação do Absolutismo e Igreja,
seria justo ressaltar o quanto a retórica do Barroco teria sido responsável pela propagandística destes.
Porém, faz-se necessário perceber
a complexidade de cada uma das
instituições, que não se limitam apenas à cúpula, mas a uma hierarquia
constituída por membros de categorias sociais diversas. O discurso a
respeito do tema, muitas vezes, dá
um patamar às instituições, citadas
anteriormente, como se essas fossem entidades, sendo o próprio
Barroco sujeito apenas ao pensamento que as norteia, daí o povo
que está intimamente ligado à pro-
dução dessa arte, ficar em último
plano e as conotações artesanais serem observadas com desprezo.
Assim, atrelar o barroco tanto ao
absolutismo como às malhas eclesiásticas poderá invalidar uma
conceituação, pelo menos mais
abrangente. No Brasil, a participação de mestiços na execução das
obras barrocas é de fundamental
importância. Esse abraço com o
povo precisa ser ressaltado, mas ele é
deveras inviabilizado pela relação que
há entre o barroco e Igreja/Estado.
Precisamos iminentemente perceber os fatores que corroboraram para
manifestação barroca, mas não a partir de determinantes. Observando as
especificidades locais de cada região
e ligando aos aspectos genéricos, já
será um exímio começo de compor
essa teia de relações que se chama arte.
Mas tem se negado essa visão. Aqui
no Brasil, como já foi exemplo no
início do texto, somos tidos, muitas
vezes como o inferior do inferior, por
sermos um braço do barroco português. Claro que não se pode contestar a origem européia no Barroco
brasileiro, a ligação entre ele e a Igreja
Católica, no clima de reforma, e muito menos, sua originalidade, numa
colônia nos trópicos. Sabe-se que
mesmo pela Europa, cada local acolheu esse estilo da maneira que lhe
achasse conveniente; na França ligado
às cortes absolutistas, parece mais só-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
John Ale
vier de Sousa
Alexx Xa
Xavier
brio que na Roma dos papas; na Alemanha, com menor influência da
Igreja Católica que na Espanha, torna-se, também, sóbrio; na Espanha
atinge carga de exagero, marca da
opulência da religiosidade católica. No
próprio Brasil percebe-se claramente
diferenças entre a produção artística
da região Nordeste, dominada, em
grande parte, pela economia canavieira
e a do Sudeste, pelo ciclo do ouro,
bem como das outras produções
nessas imensas terras. Talvez, pelo fato
da região do ouro não receber influência direta das ordens religiosas, já
que Portugal temia o contrabando do
metal precioso, por possuir uma economia mais dinâmica, geradora de
núcleos citadinos e também por se
encontrar mais distante do litoral, faça,
muitas vezes, afirmar-se que a produção artística nessas terras tenha sido
mais original. Tal pensamento pode
acarretar erro profundo quanto a
compreensão do Barroco brasileiro,
com prejuízo para o nordestino que
é reduzido a cópia do europeu, à
característica de carga de peso exacerbada, por estar preso a uma sociedade altamente hierarquizada, como
era o nordeste açucareiro. Aí, de um
lado é conservador por manter o
padrão de além-mar e de outro por
estar de acordo com o todo social.
Percebemos nesse ponto uma certa
contradição, pois se o Barroco nordestino é conservador por executar
moldes de uma sociedade hierática,
ele já se torna original em relação ao
europeu por estar de acordo com o
nosso modelo de sociedade – composta por elementos étnicos diversos
– e meio geográfico – região tropical, como vegetação e animais, e uma
série de outros aspectos, inclusive
materiais de construção das obras
arquitetônicas, diferentes dos europeus. Com certeza as ordens interferiram na execução das igrejas do
Nordeste em maior intensidade, sem
que para isso deixassem se surgir um
elemento indígena, outro africano e
mais um outro da fauna e flora tropical. Com certeza, ainda, os contatos
nordestinos, diga-se de passagem, litorâneos, eram maiores com a metrópole portuguesa, mas não
ofuscaram o brilho dos retábulos,
nem diminuíram as representações
alheias ao estilo europeu. Representações que falavam outras linguagens,
cultos que mesmo a força da
Inquisição não conseguiu apagar, ao
contrário, estes foram abrindo aos
poucos suas malhas e deixando sua
marca registrada dentro do mundo
que se dizia cristão. Quanto as duas
produções culturais, possuem suas diferenças, o que não nos cabe averiguar nesse momento, mas ambas
foram originais a sua maneira, quando a Igreja vacilava, os artistas falavam por si, de maneira que quando
se lança um olhar atento, percebe-se
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
209
Entre Brasil e Europa, o sentido pejorativo
que a idéia de barroco herdou
o quanto tal resultado foi satisfatório
em termos de se envolver em seus
próprios padrões estéticos. Saber
quem foi mais original não leva a lugar algum a não ser ao maniqueísmo
pedante que ofusca a compreensão
mais profunda de cada produção
Faz-se necessário afirmar que
apesar da literatura sobre o barroco ser vasta, o preconceito ainda
palmilha aqui e ali: na forma de se
tratar o tema; na própria etimologia
do termo; nesse abraço mal resol-
vido entre o Absolutismo e a Igreja; na ligação demasiadamente popular, que conturba os mais eruditos;
enfim no todo que compõe essa
pérola irregular, que apelidaram de
Barroco.
Dessa
maneira,
absorvendo por cada canto uma
pitada de ironia, o barroco vai sobrevivendo na busca de estudos
capazes não apenas de circundar a
esfera que o aprisiona, mas que eles
sejam capazes de romper o núcleo
duro que o contém. Mas de leve
para não macular sua alma.
NO
NOTTAS
2
210
Lewes Henry Morgan, por exemplo acreditava
que a cultura humana passaria por uma série de
estágios, tais como selvageria inferior, selvage-
ria média, selvageria superior, barbárie inferior,
barbárie média, barbárie superior civilização.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
John Ale
vier de Sousa
Alexx Xa
Xavier
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Emanoel. As idéias fora de lugar ou a originalidade de cópia. Bravo! v. 9,
1998. p. 106-7.
CANEVACCI, Massimo. Sincretismos: uma exploração das hibridações culturais. São
Paulo: Studio Nobel, 1996.
BAZIN, Germain. Barroco e rococó. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
CONTI, Flavio. Como reconhecer a arte barroca. Lisboa: Edições 70, 1986.
D’ORS, Eugenio. O Barroco. Lisboa: VEGA, [s.n.t.].
FOCILLON, Henri. A vida das formas. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.
GOMBRICH, E. H. A história da arte. 15. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 1993.
HAUSER, Arnold. História social da literatura e da arte. 4. ed. São Paulo: Mestre
Jou, 1982. v. 1.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Olhar escutar ler. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
MACHADO, Lourival Gomes. Barroco mineiro. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1991.
MAINSTONE, Madeleine, MAINSTONE, Rowland. O Barroco e século XVII. São
Paulo: Círculo do Livro, 1990.
PIZA, Daniel. Barroco brasileiro: uma bela exposição, uma tese discutível. Bravo! v. 8,
p. 50-1, 1998.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. 2. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
RIBEIRO, Fléxa. História crítica da arte. São Paulo: Fundo Universal de Cultura,
1963. v. 3.
SOCIEDADE E ESTADO. Brasília, jan.-dez. 1993.
SOUZA, Eliana Maria de Melo. Cultura brasileira – Figuras da Alteridade. São Paulo:
Hucitec, 1996.
TAPIÉ, Victor L. Barroco e classicismo. 2. ed. Lisboa: Editorial Presença, 1988. v.1-2.
WEISBACH, Werner. El barroco: a arte de la contrarreforma. Madrid: EspasaCalpe, 1942.
WÖFFLIN, Heinrich. Renascença e Barroco. São Paulo: Perspectiva, 1989.
_______. Conceitos fundamentais de história da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
211
212
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Matemá t ica
Uma proposta
de lógica equacional
local para
verificação de
equações algébricas
locais
213
José Medeiros dos Santos
Regivan Hugo Nunes Santiago2
1
1
Graduado em Matemática pela UFRN, Mestre
em Sistemas e Computação pela UFRN,
Professor de Matemática (Elementar, Financeira
e Cálculo) da Faculdade de Ciências, Cultura e
Extensão do RN – FACEX.
E-mail: [email protected].
2
Doutor em Ciência de Computação pela UFPE,
Professor do Curso de Graduação em Ciência da
Computação e de Pós-Graduação em Sistemas
e Computação da UFRN.
E-mail: [email protected].
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Uma proposta de lógica equacional local
para verificação de equações algébricas locais
A proposal of local equacional logic
for verification of local algebraic
equations.
214
RESUMO
ABSTRACT
A aritmética intervalar não possui as mesmas
propriedades dos números reais, e por este
motivo, defronta-se com um problema de
natureza operatória, quando se deseja resolver
algumas equações intervalares como extensão
de equações reais através da igualdade usual
e da aritmética intervalar, por esta não possuir o
inverso aditivo, como também, a propriedade
da distributividade da multiplicação pela soma
não ser válida para qualquer terno de intervalos.
A falta dessas propriedades impossibilita a
utilização da lógica equacional, tanto para a
resolução de uma equação intervalar usando a
mesma, como para uma representação de uma
equação real, e ainda, para a verificação
algébrica de propriedades de um sistema
computacional, cujos dados sejam números reais
representados através de intervalos. Entretanto,
com a noção de ordem de informação e de
aproximação sobre intervalos, introduzida por
Acióly (1991), surge a idéia de uma equação
intervalar representar satisfatoriamente uma
equação real, pelo fato dos termos da equação
intervalar carregarem a informação da solução
de sua extensão real. Baseado na noção de
igualdade simples (Santiago, 1999) e igualdade
local sobre intervalos (Santiago e Acióly, 2000),
Santos (2001) estendeu a noção de conjuntos
locais para álgebras locais, propondo assim,
um sistema dedutivo para equações algébricas
e uma lógica equacional local.
The intervalar arithmetic does not
possess the same properties of the real
numbers, and for this reason, it is confronted
with a problem of operative nature, when it is
wanted to solve some intervalar equations as
extension of real equations by the usual
equality and of the intervalar arithmetic. So it
does not possess the inverse addictive, as
well as the property of the distributivity of the
multiplication for the sum is not valid for any
triplet of intervals. The lack of those properties
disables the use of equational logic, either for
the resolution of an intervalar equation using
the same, or for the representation of a real
equation, and yet, for the algebraic verification
of properties of a computational system,
whose data are real numbers represented
by intervals. However, with the notion of order
of information and of approach on intervals,
introduced by Acióly (1991), the idea of an
intervalar equation appears to represent a
real equation satisfactorily, specially because
of the fact of the terms of the intervalar
equation carry the information of the solution
of its real extension. Based on the notion of
simple equality (Santiago, 1999), and local
equality on intervals (Santiago e Acióly, 2000)
and Santos (2001), it extended the notion of
local local algebras, proposing a deductive
system for algebraic equations and a local
equacional logic.
PALAVRAS-CHAVE
Σ-álgebras; sistemas dedutivos; lógica
equacional local.
KEY-WORDS
Σ-algebras; deductive systems; local
equational logic.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
José Medeiros dos Santos
Regivan Hugo Nunes Santiago
1 DEFINIÇÕES
Apresenta-se a seguir, algumas definições básicas sobre Σ-álgebras, classes
equacionais e lógica equacional, como encaminhamento teórico e
preliminar, para construção de uma teoria algébrica sobre equações locais.
1.1 Álgebras
1.1.1 Assinatura
Uma assinatura é um conjunto (finito ou infinito) de símbolos de funções,
denotado por Σ, onde cada símbolo de função tem associado uma aridade
(número de argumentos).
1.1.2 Σ-Álgebra
Uma Σ-álgebra é um par 〈A, ΣA〉, significando que uma assinatura Σ é
interpretada através de operações sobre A. Assim:
1) A é um conjunto base chamado “carrier” ou “sort”;
2) ΣA é um conjunto de funções atuando sobre A, i.e.,
ΣA = {fA : An → A / f ∈ Σ} e a aridade de f é N.
Dessa maneira, uma Σ-álgebra interpreta a assinatura Σ, onde o sort A possui
uma estrutura imposta pelas funções de ΣA, no sentido de que os elementos de
A só podem ser manipulados ou acessados usando essas funções. Uma dada
assinatura pode ter diferentes interpretações, até mesmo para o mesmo sort.
{fA : An → A / f ∈ Σ} e a aridade de f é N.
Exemplo:
Seja Σ = {Zero, Succ, Pred, Plus} uma assinatura cujas aridades são
indicadas abaixo. Então 〈N, ΣN〉 é uma Σ-álgebra, onde:
1) N é o conjunto dos números naturais;
2) ΣN pode ser dada por:
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
215
Uma proposta de lógica equacional local
para verificação de equações algébricas locais
Outra possível interpretação para os números naturais, seria atribuir 1 para
a função ZeroN ou associar a multiplicação ao símbolo PlusN no lugar da
adição.
1.1.3 Sintaxe
A sintaxe de uma linguagem corresponde a uma álgebra de símbolos, chamada
álgebra dos termos. Esses termos representam os elementos das Σ-álgebras que
interpretam a assinatura.
1.1.4 Semântica
A semântica de uma linguagem está relacionada ao significado dos termos,
os quais são elementos de uma Σ-álgebra A.
1.1.5 Σ-Homomorfismos
216
Seja 〈A, ΣA〉, 〈B, ΣB〉 duas Σ-álgebras e h uma função de A em B. Então, h
é um Σ-homomorfismo se, para todo f ∈ Σ de aridade k, h(fA(a1, ..., ak)) =
fB(h(a1), ..., h(ak)).
A figura abaixo ilustra um Σ-homomorfismo, onde duas Σ-álgebras
preservam a interpretação de um símbolo de função f ∈ Σ.
Observa-se que h( fA(a1, ..., ak)) = fB(b1, ..., b2) = fB(h(a1), ..., h(ak)). Caso h seja
uma função bijetora, diz-se que h é um Σ-isomorfismo.
1.1.6 Σ-Álgebra Inicial numa Classe
Seja C uma classe de Σ-álgebras. Então uma Σ-álgebra I em C é inicial se
para toda Σ-álgebra J em C existe um único Σ-homomorfismo de I para J.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
José Medeiros dos Santos
Regivan Hugo Nunes Santiago
1.1.7 Σ-Álgebra dos Termos (T Σ)
Para toda assinatura Σ, existe uma Σ-álgebra relevante, denominada
“Σ-Álgebra dos Termos, denotada por TΣ”. Essas Σ-álgebras são puramente
objetos formais. O sort é formado a partir de seqüências de símbolos ou
strings, construídas através dos símbolos de funções de Σ.
1.1.7.1 Definição:
TΣ é o conjunto dos termos sobre Σ, definido da seguinte maneira:
(i) se f ∈ Σ e tem aridade 0, então f ∈ TΣ;
(ii) se f ∈ Σ e tem aridade k > 0, então f(t1, ..., tk) ∈ TΣ, sempre que t1, ..., tk ∈TΣ.
Assim, os elementos de TΣ são strings formadas por parênteses, vírgulas e
termos, juntamente com os símbolos de Σ, que podem ser construídos
usando as regras (i) e (ii) acima. As funções sobre esse conjunto têm como
objetivo, construir novos termos a partir de termos já construídos.
1.1.7.2 Definição:
(Operações sobre TΣ ). Seja f ∈ Σ de aridade k. Então f TΣ : TΣk → TΣ é
uma função que mapeia uma tupla de termos 〈t1, ..., tk〉 no termo f(t1, ...,
tk). Caso f tenha arid = zero, significa que f TΣ é uma constante em TΣ,
consistindo da string “ f ” . Diz-se que f TΣ é uma operação k-ária sobre
TΣ.
Exemplo:
Seja a assinatura Σ = {Zero, Succ, Pred, Plus} tal que arid (Zero) = 0,
arid(Succ) = 1 e arid(Pred) = 1 e arid(Plus) = 2. Então TΣ contém a sucessão de termos:
a) Zero, Succ(Zero), Succ (Succ (Zero)), Succ (Succ (Succ (Zero))), ...
b) Pred (Zero), Pred (Pred (Zero)), Pred (Pred (Pred (Zero))), ...
c) Succ (Pred (Zero)), Pred (Succ (Zero)), ...
d) Plus (Zero, Zero), Plus (Pred (Zero), Zero), ...
A Σ-álgebra dos termos 〈TΣ, ΣΤΣ 〉 é de natureza sintática. Ela representa a
função da sintaxe de uma linguagem. Na verdade, muitas linguagens de
programação ou linguagens formais, em geral, podem ser especificadas
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
217
Uma proposta de lógica equacional local
para verificação de equações algébricas locais
de tal modo que suas sintaxes são vistas como Σ-álgebra dos termos de
alguma assinatura Σ particular e cuja semântica é dada por outras Σ-álgebras através dos Σ-homomorfismos. Os Σ-homomorfismos, por sua vez,
interpretam/traduzem uma Σ-álgebra noutra.
Os Σ-homomorfismos são meras funções entre conjuntos que preservam a
estrutura algébrica das Σ-álgebras e portanto, possuem todas as características
de funções. Por exemplo: se f: A → B e g: B → C são Σ-homomorfismos, sua
composição f: A → C também é um Σ-homomorfismo. Além disso, a função identidade sobre A, “iA”, é também um Σ-homomorfismo sobre alguma
Σ-álgebra 〈A, ΣA〉. A propriedade mais importante da Σ-álgebra dos termos
é expressa em termos de homomorfismos.
1.1.7.3 Teorema:
Inicialidade (Hennessy, 1988, p. 25). Para toda Σ-álgebra 〈A, ΣA〉 existe
um único Σ-homomorfismo iA: TΣ → A.
218
1.1.7.4 Corolário:
TΣ é inicial na classe C de todas as Σ-álgebras (Hennessy, 1988, p. 27).
A definição do sort da Σ-álgebra dos termos “TΣ” acima, é indutiva, ou
seja, a indução estrutural é o método mais natural para se provar que
todos os elementos de TΣ possui uma determinada propriedade. Assim,
para provar que todos os termos possuem uma determinada propriedade P, é suficiente mostrar que:
(i) todos os símbolos de constantes em Σ possuem a propriedade P;
(ii) assumindo que os termos t1, ..., tk possuem a propriedade P, mostrar
que os termos f(t1, ..., tk) possuem a propriedade P para todo f ∈ Σ, com
aridade k > 0.
Também, pode-se usar uma “indução estrutural” para definir relações ou
funções sobre TΣ. Por exemplo, para definir uma função g sobre TΣ é
suficiente:
(i) definir o resultado da aplicação de g ao símbolo de função constante;
(ii) definir o resultado da aplicação de g para f(t1, ..., tk ) em termos de
g(t1), ..., g(tk ) , para todo f ∈ Σ, com aridade k > 0.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
José Medeiros dos Santos
Regivan Hugo Nunes Santiago
Assim, TΣ pode ser visto como a sintaxe de uma linguagem, enquanto que
uma Σ-álgebra 〈A, ΣA〉 como um domínio semântico ou uma interpretação da
mesma. Pelo teorema 1.1.7.3, pode-se afirmar que toda expressão ou termo na linguagem tem um único significado em 〈A, ΣA〉, ou seja, há uma
única maneira de interpretar a linguagem em um domínio semântico.
Quando existe um Σ-isomorfismo f: A → B, diz-se que A e B são
isomorfos como Σ-álgebras, e nesse caso, eles são vistos como idênticos, a menos da for ma como seus elementos/ter mos estão
estruturados.
1.1.7.5 Proposição:
(Hennessy, 1988, p. 27). A e B são isomorfos como Σ-álgebras, se e somente se, existe dois Σ-homomorfismos: h: A → B e g: B → A tal que:
a) hog = idB
b) goh = idA.
219
1.1.7.6 Corolário:
Se I1 e I2 são iniciais numa classe C de Σ-álgebras, então eles são isomorfos
(Hennessy, 1988, p. 28).
1.2 Classes Equacionais
Uma equação é determinada por termos que contêm variáveis. A
avaliação de tais termos numa Σ-álgebra é com respeito à atribuição de valores a essas variáveis. Assim, uma Σ-álgebra satisfaz uma
equação se a avaliação dos dois termos coincide para toda possível atribuição de
valores para essas variáveis. Por exemplo, a Σ-álgebra 〈Z, Σ Z 〉 satisfaz
as seguintes equações:
Pred(Succ(x)) = x; Succ(Pred(x)) = x; e Pred(Succ(x)) = Succ(Pred(x)).
1.2.1 Definição:
Seja 〈A, ΣA〉 uma Σ-álgebra. A relação R sobre A é uma Σ-congruência se:
(i) R é uma relação de equivalência;
(ii) Para todo f ∈ Σ, se 〈a, a’〉 ∈ R, então 〈fA(a), fA(a’)〉 ∈ R, onde a =
(a1, ..., an) e a’ = (a’1, ..., a’n).
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Uma proposta de lógica equacional local
para verificação de equações algébricas locais
Seja A/R o conjunto das classes de equivalência, i.e., A/R = {[a]R: a ∈ R},
onde [a]R = {b ∈ A/ a R b}. Para cada f ∈ Σ, pode-se definir sobre A/R a
seguinte relação:
fA/R([a1]R, ..., [ak]R) = [fA(a1, ..., ak)]R.
1.2.2 Lema: (Hennessy, 1988, p. 30)
(i) 〈A/R, ΣA/R〉 é uma Σ-álgebra;
(ii) a função injetora in: A → A/R, definida por in(a) = [a]R, é um
Σ-homomorfismo.
1.2.3 Definição:
Seja =R uma Σ-congruência sobre TΣ. Diz-se que A satisfaz =R se iA(t) =
iA(t’) sempre que 〈t, t’ 〉 ∈ =R.
1.2.4 Teorema:
220
Inicialidade para congruências (Hennessy, 1988, p. 31).
Seja C(=A) a classe de todas as Σ-álgebras que satisfazem =A. A Σ-álgebra
TΣ/=A é inicial na classe C(=A).
Segundo Hennessy (1988, p. 31), este teorema é interessante para um tipo
particular de Σ-congruência, a qual é gerada por um conjunto de equações. Para definir, formalmente, como equações geram Σ-congruências,
precisa-se de conceitos novos, como a introdução de variáveis numa assinatura, além das noções de atribuição e substituição.
1.2.5 Definição:
Seja X um conjunto de variáveis. Usa-se x, x1, x2, x3, ..., para representar
essas variáveis de X. Pode-se estender qualquer assinatura Σ para uma nova
assinatura Σ(X), a qual tenha todos os símbolos de Σ e mais cada x ∈ X,
onde as variáveis agora são vistas como constantes na assinatura Σ(X).
Esta notação não padrão de Σ(X) serve apenas para enfatizar o papel
especial da nova constante. Usa-se a notação TΣ(X) para denotar a álgebra dos termos para uma assinatura Σ(X). Os termos TΣ, obviamente,
serão também elementos de TΣ(X). A notação Σ-termos, é uma referência aos elementos de TΣ, o qual quando não possui variáveis é chamado
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
José Medeiros dos Santos
Regivan Hugo Nunes Santiago
“termo fechado”, e quando as contém, é dito “termos abertos”.
1.2.6 Definição:
Seja A alguma Σ-álgebra. Uma A-atribuição para X é um mapeamento ρA: X
→ A. Assim, ρA associa a toda variável x ∈ X, um elemento ρA(x) ∈ A.
1.2.7 Teorema:
Freeness (Hennessy, 1988, p. 32). Se A é uma Σ-álgebra e ρA é uma Aatribuição para X, então existe um único Σ-homomorfismo hA de TΣ(X)
para A tal que hA(x) = ρA(x) para todo x ∈ X.
Nota-se que o teorema Freeness pode ser visto como uma generalização do
teorema da Inicialidade, e pode ser obtido tomando X como um conjunto
vazio. O que importa nesse teorema é que todo Σ-termo com variáveis pode ser
interpretado ou avaliado unicamente numa Σ-álgebra A, contando que as variáveis tenham sido ligadas aos elementos de A por ρA.
Pela notação de A-atribuição é possível definir uma substituição dos termos de maneira natural.
1.2.8 Definição:
Uma substituição é um TΣ(X)-atribuição, i.e., ela associa a cada variável de
X, um termo de TΣ(X).
A aplicação de uma substituição ρ para o termo t denotado por tρ é chamada
“instanciação de t”. Na verdade, a substituição ρ deveria ser denotado por ρTΣ(x),
mas por conveniência omite-se o subscrito. Além disso, para enfatizar a natureza
sintática da substituição, escreve-se tρ no lugar de ρ(t). Mas, a notação mais usual
de substituição é t[t’/x], onde x é uma seqüência finita de variáveis que ocorre
em t e, ti’ é ρ(xi) para todo xi da seqüência x. Se todo ρ(xi) é um termo fechado,
i.e., ρ(xi) ∈ TΣ, então ρ é chamada “substituição fechada” e tρ “instanciação fechada de
t”. Nota-se que “instanciações fechadas são sempre termos fechados”, i.e., eles estão em TΣ.
As condições de substituição do lema seguinte, comportam-se como em geral
se esperaria com respeito as atribuições em geral. Se ρA é uma A-atribuição e ρ
uma substituição, então ρAoρ pode também ser visto como uma A-atribuição:
“ele associa a cada x, o resultado da avaliação do termo ρ(x) de acordo com a A-atribuição
ρA, como no teorema 1.2.7”. Na expressão ρAoρ , interpreta-se ρA como um
Σ(X)-homomorfismo, no lugar de uma simples A-atribuição.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
221
Uma proposta de lógica equacional local
para verificação de equações algébricas locais
1.2.9 Lema:
Lema da substituição (Hennessy, 1988, p. 33). Para toda A-atribuição ρA
e toda substituição ρ, a única extensão da A-atribuição ρAoρ à TΣ(X) é
dada pela função h(t) = ρA(tρ).
Este lema permite fazer atribuição e substituição de duas maneiras:
faz-se uma substituição em t e em seguida avalia-se o termo resultante em A, ou,
avalia-se em A o termo a ser substituído em t e depois avalia-se t usando essa
atribuição modificada. Uma instância particular deste lema é quando a
A-atribuição é outra substituição. Tem-se então que t( ρoρ ’) = (t ρ’) ρ.
Define-se a seguir, o que o lema da substituição significa para uma álgebra
que satisfaz um conjunto de equações.
1.2.10 Definição:
222
(Hennessy, 1988, p. 33). Para t, t’ ∈ TΣ(X), t =A t’ se para toda A-atribuição ρA, ρA(t) = ρA(t’).
Quando aplicado a elementos de TΣ (termos fechados), estes coincidem
com a relação de congruência sobre TΣ, c.f. a definição 1.2.3.
1.2.11 Definição:
(Σ-Equação). Uma Σ-equação é um par de termos 〈t, t’〉 ∈ TΣ(X) x
TΣ(X), e são, freqüentemente, escritos na forma: t = t’. Uma relação R
sobre TΣ(X) satisfaz um conjunto das equações E, se R ⊇ E, e uma Σálgebra A satisfaz um conjunto de equações E, se =A ⊇ E, i.e., para toda
Σ-equação 〈t, t’〉 ∈ E e toda A-atribuição ρA, ρA(t) = ρA(t’).
1.2.12 Teorema:
Inicialidade para Equações (Hennessy, 1988, p. 34). Seja C(E) a classe
das Σ-álgebras que satisfazem um conjunto de equações E, então C(E)
tem uma Σ-álgebra inicial.
A prova desse teorema é, essencialmente, uma aplicação sobre congruências;
e a álgebra inicial de C(E) pode ser exibida na forma TΣ/C para alguma
congruência particular C.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
José Medeiros dos Santos
Regivan Hugo Nunes Santiago
Mas, para que um conjunto de equações E, possa conter derivações da
forma t = t’, com t, t’ ∈ TΣ(X), faz-se necessário que essas fórmulas
tenham uma dedução lógica. A seguir, será apresentado primeiro, sistemas
dedutivos e em seguida, uma lógica equacional.
1.3 Sistemas Dedutivos - SDed
Sistemas dedutivos são compostos por esquemas de axiomas e regras de inferência que atuam na comprovação lógica de uma assertiva.
Além disso, sistemas de fecho algébricos estão intimamente relacionados com sistemas dedutivos. Informalmente, tal relação pode ser
ilustrada através de um exemplo do cálculo proposicional.
Exemplo:
Seja a assinatura Σ = {¬, →} e X = {p, q, r, ...}, onde X é um conjunto de
variáveis e Σ(X) = Σ ∪ X. Dessa maneira, os elementos de TΣ(X) são
chamados “sentenças proposicionais”, e as deduções são baseadas na
“regra de inferência”:
(Modus Ponens).
Um sistema de provas formais para o cálculo proposicional é dado
pelos três esquemas de axiomas abaixo, mais a regra de inferência “Modus
Ponens – MP”.
A1) α→ (β→α)
A2) (α → (β → δ)) → ((α → β) → (α → δ))
A3) (¬α → ¬β) → (β → α)
MP)
Uma prova formal é uma seqüência de instâncias dos axiomas (A1-A3)
e da aplicação da regra de inferência MP (Modus Ponens). Por exemplo, uma prova formal para a dedução de “p → p”, é dada pela seqüência “p1, p2, p3, p4, p5” abaixo.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
223
Uma proposta de lógica equacional local
para verificação de equações algébricas locais
p1)
p2)
p3)
p4)
p5)
p → ((p → p) → p)
Instância de A1;
(p → ((p → p) → p)) → ((p → (p → p)) → (p → p)) Instância de A2;
(p → (p → p)) → (p → p) MP de p1/p2;
p → (p → p)
Instância de A1;
p→p
MP de p4/p3.
Então, uma prova de uma assertiva p, é uma seqüência finita “p1, ..., pn”,
onde pn = p e pi (i = 1, .., n) é uma instância de um esquema de axiomas ou
a conclusão de alguma regra de inferência.
1.3.1 Definição:
Um conjunto SP de “sentenças proposicionais” é dito fechado com respeito às
provas formais, se p ∈ SP sempre que p é derivado a partir de SP, usando
os axiomas A1-A3 e MP.
1.3.2 Definição:
224
Seja S um conjunto de sentenças. Uma regra de inferência R, sobre S, é
um conjunto R, tal que R ⊆ Sn × S, com n ∈ N.
p, p→q
Notação:
(MP). Significando: “premissas sobre Sn e conclusão
q
sobre S”.
Caso R seja uma regra de inferência nulária p , R é chamado “axioma”.
Um esquema de axiomas é uma abstração da forma de um conjunto de
sentenças concretas que são tidas como verdadeiras. Por exemplo, p → (q
→ p) é uma abstração de todas as sentenças que possuem esta forma,
onde p, q ∈ TΣ(X). Num certo ponto de vista, um esquema de axiomas é
um ente matemático “perfeito”, enquanto que os termos em TΣ(X) que
possuem esta forma, são as realizações desse ente matemático.
As definições abaixo mostram com mais precisão como as regras de inferência
se relacionam com a noção de sistema de fecho dedutivo (Santiago, 1995, p. 28).
1.3.3 Definição:
Seja R uma família de regras de inferência sobre S (conjunto de sentenças).
Dado um conjunto A (sentenças), tal que A ⊆ S e p ∈ S, diz-se que “p é
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
José Medeiros dos Santos
Regivan Hugo Nunes Santiago
inferido de A usando R”, se existe uma seqüência finita p1, ..., pn de elementos
de S, tal que pn = p e para cada pi (i = 1 ... k), ou pi ∈ A ou existe uma regra
de inferência n-ária R’ ∈ R e j1 ... jn < i tal que
∈ R’.
1.3.4 Definição:
A seqüência “p1, ..., pn” é chamada “prova formal de p, a partir de A”.
Notação 1: A 4 R p (p é derivável de A usando uma família de regras de
inferência R).
Notação 2: 4 R p (usa-se essa notação quando A é um conjunto vazio).
1.3.5 Definição:
Seja S um conjunto de sentenças e R uma família de regras de inferência sobre
S. Um “sistema formal de provas” é a tripla 〈S, R, 4 R〉.
1.3.6 Definição:
Um subconjunto 7 ⊆ S, diz-se dedutivamente fechado, se para cada p ∈ S,
7 4 p implica que p ∈ 7 .
1.3.7 Proposição:
(p j1 ,..., p jn , p i )
A família de todos os conjuntos dedutivamente fechados com respeito a um sistema de provas formais diz-se um sistema de fecho.
(Santiago, 1995, p. 28).
1.3.8 Definição:
Um sistema de fecho S diz-se sistema de fecho dedutivo, se existe um
sistema formal tal que S consiste em todos os conjuntos dedutivamente
fechados.
1.3.9 Definição:
Um sistema de fecho S diz-se algébrico, se existe uma álgebra A tal que S
é o sistema de todas as sub-álgebras de A.
1.3.10 Teorema:
Um sistema de fecho é dedutivo se, e se somente se, é um sistema de
fecho algébrico. (Santiago, 1995, p. 29).
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
225
Uma proposta de lógica equacional local
para verificação de equações algébricas locais
Devido à ligação entre sistemas algébricos e sistemas dedutivos, no que segue,
será definido uma Σ-congruência sobre TΣ(X) utilizando um sistema dedutivo. Segundo Hennessy (1988, p. 34), um sistema dedutivo-SDed(E) para um
conjunto de equações E, é formulizado a partir dos seguintes princípios intuitivos: tudo é igual a se próprio; coisas que se igualam à mesma coisa são iguais uma a outra;
iguais podem ser substituídos por iguais e as equações em E geram igualdades.
1.4 Lógica Equacional
1.4.1 Definição:
O sistema dedutivo para equações-SDed(E) é formado pelas seguintes
propriedades:
226
Neste sistema formal, uma prova de que t = t’, é uma sequência da forma
t1 = t 1' , t2 = t 2' , ..., tk = t k' , tal que t1 = t 1' é uma assertiva oriunda das
regras i) ou vi), e ti = t i' , com i = 2 ... n, são assertivas derivadas da
aplicação das demais regras. Se existe uma prova para assertiva t = t’ cujas
premissas sejam vazias, denota-se este fato por 4 E t = t’ e diz-se que t =
t’ é um teorema do sistema dedutivo de equações - SDed(E).
1.4.2 Definição:
Seja =E a seguinte relação sobre TΣ(X): para t, t’ ∈ TΣ(X), t =E t’ ⇔ 4E t = t’.
Pelas regras (i)-(iii), =E é uma relação de equivalência sobre TΣ(X) e pela regra
(iv), =E é uma relação de Σ-congruência sobre TΣ(X).
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
José Medeiros dos Santos
Regivan Hugo Nunes Santiago
1.4.3 Lema:
Para t, t´∈ TΣ(X), se 4 E t = t’ e A satisfaz E, então t =A t’; onde t =A t’ se,
e somente se, ρ A (t) = ρ A (t’), para toda A-atribuição ρ A .
(Hennessy, 1988, p. 35).
Este lema pode ser declarado mais sucintamente como: E ⊆ =A
implica =E ⊆ =A.
Por indução estrutural, para todo teorema 4 E t = t’, derivado em SDed(E),
e toda A-atribuição ρA, se t =E t’ então ρA(t) = ρA(t’).
O lema 1.4.3 estabelece que se uma Σ-álgebra satisfaz um conjunto de equações E, então ela satisfaz a Σ-congruência =E e, por conseguinte, C(E) ⊆
C(=E).
1.4.4 Teorema:
Inicialidade em C(E) (Santiago, 1995, p.31). Para todo conjunto de equações E, C(E) possui uma álgebra inicial.
1.4.5 Corolário:
Inicialidade em C(E) (Santiago, 1995, p. 31). TS/=E é inicial em C(E).
1.4.6 Definição:
(Segurança). Dada uma relação binária R sobre TΣ(X), um sistema dedutivo-SDed(E) é seguro com respeito a R, se 〈t, t’〉 ∈ R, sempre que 4 E t = t’.
1.4.7 Definição:
(Completude). Um sistema dedutivo-SDed(E) é dito completo com respeito a uma relação R, se 4 E t = t’, sempre que. 〈t, t’〉 ∈ R.
Essas definições de “segurança e completude”, respectivamente, querem dizer, em outras palavras, que um sistema dedutivo-SDed(E) é seguro se não há
derivação de assertivas da forma t = t’ sem que 〈t, t’ 〉∈ R, e um sistema de
prova é completo se não há 〈t, t’〉 ∈ R sem uma derivação de t = t’.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
227
Uma proposta de lógica equacional local
para verificação de equações algébricas locais
1.4.8 Teorema:
Teorema da Lógica Equacional (Santiago, 95, p. 32). Seja IE uma álgebra isomorfa a TS/=E, então:
a) SDed(E) é seguro com respeito a =E sobre TΣ(X);
b) SDed(E) é completo com respeito a =E restrito a TΣ.
Todo o processo de resolução de equações, ou verificação de propriedades algébricas (no caso das linguagens de especificações algébricas), lança
mão da lógica equacional. No que segue, tanto a lógica equacional, como
a noção de Σ-homomorfismo, serão adaptadas para a noção de igualdade local proposta por Santiago (1999). Com isso, pretende-se fornecer
uma lógica não só para a resolução de equações locais, como também
para a verificação de propriedades expressas, numa linguagem de
especificação, em termos de igualdade local.
228
2. ÁLGEBRA LOCAL
Um dos conceitos mais importantes dentro da teoria da informação de
Scott é o de consistência onde dois elementos consistentes são vistos como
informações de um mesmo objeto. Abstraindo as suas diferenças, elementos consistentes podem ser pensados como sendo equivalentes, e assim como é feito com a noção usual de equivalência poderiam ser
substituídos um pelo outro; desconsiderando é claro, o fato de uma informação ser melhor ou pior que a outra, quando essas forem comparáveis.
Entretanto, quando se formaliza essa noção como uma relação usual de
equivalência, a lei da transitividade não é satisfeita em certos modelos, mais
ainda, como a consistência é expressa em termos da operação de supremo que é total apenas no caso dos sup-reticulados, tem-se então uma
“equivalência” definida em termos de uma operação parcial para o caso
dos demais domínios semânticos.
Baseado nisso, em 2001, Santiago introduziu a teoria de igualdade local,
que é apresentada a seguir. Essa seção apresentará um modelo para essa
teoria, chamada conjunto local. Além disso, estenderá a noção de Σ-álgebra para Σ-álgebra local, e proporá uma lógica equacional local, a fim de
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
José Medeiros dos Santos
Regivan Hugo Nunes Santiago
fornecer meios para a resolução de equações locais ou a verificação de
propriedades expressa em termos dessa igualdade.
2.1 TTeoria
eoria da igualdade local
2.1.1 Definição:
Axiomas para a Igualdade Local (Santiago, 2001). Assumindo a linguagem de primeira ordem com o símbolo de predicado unário de existência
“E” (Scott, 1977) e uma função binária 9 , os axiomas para a igualdade
local são:
(i) a 2 a ↔ Ea
DRefl.
(ii) a 2 b → b 2 a
DSimetria
(iii) E (a 9 c) → (a 2 b ∧ b 2 c → a 2 c) DTransitividade local.
Para se definir conjuntos locais, necessita-se da estrutura da álgebra de
Heyting completa - cHa, que será definida a seguir.
229
2.1.2 Definição:
Um reticulado L é completo se todo subconjunto de L tem supremo e
ínfimo. (Bedregal, 1996, p. 14).
2.1.3 Definição:
(Cruz, 2000, p. 50). Uma álgebra de Heyting completa (cHa), é um
reticulado distributividade completo, Ω, se:
p 9 i∈Iqi = 9 i ∈I (p qi )
(2.1.a)
A
A
2.1.4 Definição:
Ω-set ou conjunto local é um Ω-set 〈A,
(Conjuntos Locais). Um sup-Ω
〉 equipado com uma operação binária parcial 9 : AxA → A dita
• =•
supremo, que satisfaz:
(i) a 9 a ≡ a
D Idempotência
(ii) a 9 b ≡ b 9 a
D Comutatividade
0
1
(iii) a 9 (b 9 c) ≡ (a 9 b) 9 c
D Associatividade
e uma relação • 2 • :AxA → Ω chamada igualdade local que satisfaz a seguinte equação:
(iv) a 2 b
E (a 9 b).
0
0
1=
1
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Uma proposta de lógica equacional local
para verificação de equações algébricas locais
2.1.5 Proposição:
Um conjunto local é modelo da teoria da igualdade local.
Demonstração:
1) a 2 a = E (a 9 a) = E a, c.f. (i) da definição 2.1.1;
2) a 2 b = E(a 9 b) =E(b 9 a) = b 2 a , c.f. (ii) da definição 2.1.1;
3) Segundo Rasiowa (1974), a transitividade local E(a 9 c) ≤ ( a 2 b ∧
b 2 c → a 2 c ) é equivalente a E(a 9 c) → ( a 2 b ∧ b 2 c →
a 2 c ) = B, em qualquer cHa. Como E(a 9 c) = a 2 c pela (iv) da
definição 2.1.4, então a implicação E(a 9 c) → ( a 2 b ∧ b 2 c → a 2 c )
tem a forma α→(β→α) que é, portanto, igual a B.
0
0
0
0
1
1
1 0
1
0
1
1
0 1
1 0 1
0 1
1 0 1 0 1
0
0
2.1.6 Definição:
(Operações). Dado um conjunto local A, uma função f : A n → A, diz-se
uma operação local n-ária sobre A, se
a12 b1 ≠ ⊥, ... , an2 bn ≠ ⊥, então f(a1, ..., an) 2 f(b1, ..., bn) ≠ ⊥ (2.1.b)
onde ⊥ é o menor elemento da álgebra de Heyting completa (cHa).
0
1
0
1
0
1
230
2.1.7 Definição:
(Relações). Uma relação n-ária R sobre um conjunto local A é uma função R: An → Ω tal que, se:
a12 b1 ≠ 5 , ... , an2 bn ≠ ⊥ e R(a1, ..., an) ≠ 5 , então R(b1, ..., bn) ≠ ⊥ (2.1.c)
0
1
0
1
2.1.8 Definição:
(Σ-Álgebra Local). Uma Σ-álgebra local é uma estrutura 〈A, ΣA〉, onde
A é um conjunto local e ΣA é um conjunto de operações locais n-árias,
sobre A.
No que segue, será desenvolvida uma teoria algébrica local que é uma
versão da teoria das Σ-álgebras. Assim como naquela teoria, a sintaxe
terá o mesmo sentido que na Σ-álgebra clássica. Analogamente, a semântica dessa sintaxe estará ligada ao significado dos termos, que serão interpretados em Σ-álgebras locais.
Assim como em Σ-álgebras tem-se a noção de conjunto dos termos, em
Σ-álgebra local a noção de conjunto local dos termos TΣ terá o mesmo
significado. Dessa maneira, define-se o conjunto local dos termos a partir
de um conjunto de termos TΣ.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
José Medeiros dos Santos
Regivan Hugo Nunes Santiago
2.1.9 Definição:
Seja Σ uma assinatura qualquer e um TΣ como na definição 1.1.7.1, i.e:
(i) se f ∈ Σ e tem aridade 0, então f ∈ ΤΣ;
(ii) se f ∈ Σ tem aridade k > 0, então para todo termo t1, ..., tk ∈ ΤΣ, f(t1,
..., tk) ∈ ΤΣ;
(iii) ΤΣ é o menor conjunto de termos que contém os elementos da forma
(i) ou (ii).
Como anteriormente, os elementos de TΣ são strings formados por parênteses, vírgulas e termos, juntamente com os símbolos de Σ, que podem ser construídos usando as regras (i) e (ii). Sobre TΣ, define-se a seguinte
operação binária parcial.
2.1.10 Definição:
(Conjunto Local dos Termos). Seja a função parcial 9 T : TΣ x TΣ → TΣ
Σ
, onde 8 t, t’ ∈ TΣ, 9 (t, t ’ ) = t caso t = t ’ , e indefinido caso contrário. A
estrutura 〈TΣ , 9 T 〉 é denominada conjunto local dos termos.
Σ
Trivialmente, as propriedades (i)–(iii) da definição 2.1.4 se verificam em
〈TΣ , 9 T 〉 já que o conjunto dos termos é o próprio TΣ acrescido da opeΣ
ração parcial 9 T . Esta operação modela a noção de supremo entre os
Σ
termos de TΣ . Assim, o supremo entre dois termos só tem sentido se eles
forem os mesmos, refletindo o fato de que em TΣ ainda não há uma ordem
parcial diferente da ordem parcial trivial (a igualdade), sobre a qual se estabelece uma outra noção de supremo, ou seja, t 9 T t ’ = t, se t = t ’ , significanΣ
do que dois termos são considerados consistentes se, e somente se, eles
forem os mesmos. No que segue, TΣ será omitido de 9 T sempre que
Σ
possível.
2.1.11 Proposição:
A estrutura 〈TΣ, .2 . , 9 T 〉 é um conjunto local, onde a relação de
Σ
igualdade local .2 . é a identidade entre termos.
0 1
0 1
Demonstração: Direto da identidade.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
231
Uma proposta de lógica equacional local
para verificação de equações algébricas locais
2.1.12 Corolário:
0.2 .1
coincide com a igualdade usual em TΣ.
Demonstração:
0t 2 t’ 1
=
2.1.13 Corolário:
Dado 〈TΣ, = 〉, obtém-se o conjunto 〈TΣ, =, 9 〉, simplesmente, acrescentandose a operação de supremo (9 ), segundo a definição 2.1.10.
2.1.14 Definição:
(Álgebra Local dos Termos). Dado um conjunto local dos termos 〈TΣ ,
9 〉 de uma assinatura Σ, para f ∈ Σ de aridade k, seja f TΣ : TkΣ → TΣ uma
função que mapeia uma tupla de termos 〈t1, ..., tk〉 no termo f(t1, ..., tk). Se
f tem arid = zero, então isso significa que TΣ é simplesmente uma constante
em TΣ , consistindo da string “ f ” .
232
2.1.15 Proposição:
Para todo f ∈ Σ, f
TΣ
é uma operação local sobre TΣ.
Demonstração: Como a igualdade local
0t
1
2 t2
1 coincide com a usual
0t = t 1 (pelo corolário 2.1.12), e f são funções bem definidas, então se
0t 2 t´ 1 = 1, ..., e 0t 2 t´ 1 = 1, então 0 f (t , ..., t ) 2 f (t´ , ...,t´ ) 1 =
1
2
1
1
1.
TΣ
k
k
T
Σ
1
k
T
Σ
1
k
2.1.16 Definição:
(Σ-Homomorfismos Locais). Dada duas Σ-álgebras locais 〈A, ΣA〉 e 〈B,
ΣB〉, um Σ-homomorfismo local h:A → B, é uma função de A em B, tal
que, se a1, ..., an ∈ A, fA ∈ ΣA e fB ∈ ΣB, então
h(fA(a1, ..., an)) ≡B fB(h (a1), ..., h(an))
(2.1.d)
Observa-se que a noção de Σ-homomorfismo local enfraquece aquela
de Σ-homomorfismo por utilizar a relação de equivalência “≡” de Scott
em vez da “identidade”, isso porque pode acontecer que termos da lin-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
José Medeiros dos Santos
Regivan Hugo Nunes Santiago
guagem não possuam denotação numa Σ-álgebra local A. Por exemplo,
um termo “1/a” não tem interpretação em N, para iN(1) = 1 e iN(a) ≠ 1,
onde “/” é interpretado como “÷”, pois ÷(h(1), h(a)) = iN(1) ÷ iN(a) ∉ N.
Ou seja, em ambos os casos ¬Eh(1/a) ∧ ¬E÷(h(1), h(a)), o que de acordo com a definição formal de equivalência (Santos, 2001, p. 112), h(1/a)
≡ ÷(h(1), h(a)). Dessa maneira, a noção de Σ-homomorfismo é enfraquecida
de uma função total para função parcial. Isso permite que uma operação
total em A, fA, possa ser traduzida numa parcial em B, fB. Mas, note que
não se exigiu que h(a 9 b) ≡ h(a) 9 h(b), isso porque caso o fosse, faria
com que, caso a noção de consistência em A fosse a trivial, fosse levada
da álgebra A para a álgebra B, impondo que a noção lá adotada fosse
também a trivial, o que não é interessante, ao contrário, deve-se permitir o
oposto, i.e., que uma noção não trivial de consistência seja trazida da semântica para a linguagem através de uma segunda operação de supremo
sobre TΣ.
2.1.17 Proposição:
Seja Alg-Loc a estrutura 〈Objalg-loc, HomAlg-loc〉 onde Objalg-loc é a classe de
todas as álgebras locais e HomAlg-loc é a classe de todos os Σ-homomorfismos
locais. Assim, Alg-Loc é uma categoria.
Demonstração:
1) A definição de ObjAlg-loc e HomAlg-loc pode ser verificada pela definição de categorias em (Santos, 2001, p. 115);
2) Para toda Σ-álgebra local 〈A, ΣA〉, a função identidade idA: A → A, tal
que idA(x) = x, é um Σ-homomorfismo local, pois idA(fA(a1, ..., an)) ≡ fA(a1, ..., an)
≡ fA(idA(a1), ..., idA(an)).
3) Para toda Σ-álgebra local 〈 A, Σ A〉 , 〈 B, Σ B 〉 e 〈 C, Σ C〉 , e os Σhomomorfismos locais i: A → B e h: B → C, tal que i(fA(a1, ..., an)) ≡B
fB(i(a1), ..., i(an)) e h(fB(b1, ..., bn)) ≡C fC(h(b1), ..., h(bn)), a composição hº i: A →
C é um Σ-homomorfismo local, pois
hoi(fA(a1, ..., an)) ≡ h(i(fA(a1, ..., an)))
≡ h(fB(i(a1), ..., i(an)))
≡ fC(h(i(a1)), ..., h(i(an)))
= fC(hoi(a1), ..., hoi(an)).
4) As demais propriedades de categoria advém do fato dos
Σ-homomorfismos locais serem funções.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
233
Uma proposta de lógica equacional local
para verificação de equações algébricas locais
2.1.18 Definição:
(Σ-Álgebra Local Inicial numa Classe). Seja C a categoria das Σ-álgebras locais. Então uma Σ-álgebra local I em C é inicial se para toda Σálgebra local J em C, existe um único Σ-homomorfismo local I para J.
2.1.19 Teorema:
Para toda Σ-álgebra local 〈A, ΣA〉 existe um único Σ-homomorfismo
local iA: TΣ → A.
234
Demonstração: A prova desse teorema é análoga a do teorema 4.1.7.4
(Santos, 2001, p. 127-128).
1) Primeiro define-se iA por indução estrutural sobre os termos, e todo
termo em TΣ é da forma f(t1, ..., tk) para algum f ∈ Σ de arid = k.
Assumindo por indução que iA(t1), ..., iA(tk) ∈ A, então faz-se iA(f(t1, ..., tk))
≡ fA(iA(t1), ..., iA(tk))3. Dessa maneira, por indução estrutural, tem-se definido
iA para todo elemento em TΣ. É fácil provar que iA é um Σ-homomorfismo local.
Seja f ∈ Σ de arid = k, então:
iA(fT (t1, ..., tk)) ≡ iA(f(t1, ..., tk))
D pela definição de fT
A
E
≡ fA(iA(t1), ..., iA(tk))
D pela definição de iA.
2) Para mostrar que iA é único, deve-se provar que ele coincide com todo
Σ-homomorfismo de TΣ para A. Seja h: TΣ → A um Σ- homomorfismo
local. Prova-se por indução estrutural que iA(t) ≡ h(t) para todo t ∈ TΣ.
Então:
iA(f(t1, ..., tk)) ≡ fA(iA(t1), ..., iA(tk)) D pela definição de iA
≡ fA(h(t1), ..., h(tk)) D por hipótese
≡ h(fT (t1, ..., tk))
D h é um homomorfismo local
E
≡ h(f(t1, ..., tk))
D pela definição de fT .
E
Como todo elemento de TΣ é da forma f(t1, ..., tk) para algum símbolo de
função f, segue por indução estrutural que iA e h coincidem.
Dessa maneira, TΣ é visto como a sintaxe de uma linguagem, e uma Σ-álgebra
local 〈A, ΣA〉 como um domínio semântico ou uma interpretação. Pelo teorema
acima, pode-se afirmar que toda expressão ou termo na linguagem tem
um único significado em 〈A, ΣA〉, ou seja, há uma única maneira de interpretar a linguagem num domínio semântico.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
José Medeiros dos Santos
Regivan Hugo Nunes Santiago
2.2 Classes equacionais locais
Assim como foi feito anteriormente, essa seção generalizará mais um item
da teoria das Σ-álgebras; a saber, a noção de Σ-congruência. Segundo a
noção usual, uma Σ-congruência R é uma relação de equivalência tal
que para todo f ∈ Σ, se 〈a, a’〉 ∈ R, então R(fA(a), fA(a’)) ∈ R. Uma Σcongruência pode ser vista como uma função Booleana R:A×A → {0, 1}
que satisfaz a reflexividade, simetria e transitividade e R(a, a’) = 1 ⇒ R(fA(a)
R fA(a’)) = 1. Portanto, dado um conjunto 〈A, = 〉, uma relação de
congruência nada mais é do que uma outra relação de equivalência (além
da igualdade) sobre A, dando origem à estrutura 〈A, =, R〉 e tal que a
implicação acima acontece. No que segue, generalizar-se-á a noção de Σcongruência para Σ-congruência local.
2.2.1 Definição:
Dado uma Σ-álgebra local 〈A, Σ, 9, 2〉 e uma operação de supremo4 9
sobre A, uma Σ-congruência local é uma relação de igualdade local R
sobre A, definida em termos de 9, i.e., R(a, b) = E(a 9 b), tal que para
todo f ∈ Σ de aridade k, se R(a1, b1) ≠ ⊥, ..., e R(ak, bk) ≠ ⊥, então R(fA(a1,
..., ak), fA(b1, ..., bk)) ≠ ⊥.
2.2.2 Definição:
Seja R uma Σ-congruência local sobre TΣ. Diz-se que uma Σ-álgebra local
〈A, 2 〉 satisfaz R se, e somente se, iA(t1) 2 iA(t2) ≠ ⊥ sempre que R(t1, t2) ≠ ⊥.
0
1
2.2.3 Teorema:
(Inicialidade para Σ-congruências locais). Seja C(R) a classe de todas
as Σ-álgebras locais que satisfazem uma Σ-congruência local R. Então 〈TΣ,
R, 9 〉 é inicial em C(R), onde 9 é a operação de supremo sobre a qual
está definido R.
Demonstração:
1) 〈TΣ, R, 9 〉 está na categoria. Como R é uma Σ-congruência local, então
TΣR= 〈TΣ, R〉 é uma Σ-álgebra local, e portanto, se R(t1, t2) ≠ ⊥, então
iTΣ (t1) 2 iTΣ (t2) = R(t1, t2) ≠ ⊥;
0
R
R
1
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
235
Uma proposta de lógica equacional local
para verificação de equações algébricas locais
2) Seja A ⊂ C(R), fazendo h:TΣR → A por h(t) ≡ iA(t), tem-se imediatamente do teorema 2.1.19 que iA é um Σ-homomorfismo local único de
TΣR em A.
A noção de Σ(X) e TΣ(X) estende-se naturalmente para Σ-álgebra local
dos termos, de maneira análoga a definição 1.2.5.
2.2.4 Teorema:
(Freeness). Seja A uma Σ-álgebra local e ρA uma A-atribuição para X,
então existe um único Σ-homomorfismo local de TΣ(X) para A tal que
hA(x) = ρA(x) para todo x ∈ X.
236
Demonstração:
1) Define-se hA por indução estrutural em termos de TΣ(X).
a) Se t é uma variável em X, faça hA(t) = ρA(t);
b) Caso contrário, t tem a forma f(t) para algum f ∈ Σ. Assumindo hA(t)
∈ A, então faça hA(f(t)) ≡ fA(hA(t)). Dessa maneira, por indução estrutural,
hA está definido para todo elemento de TΣ(X). É fácil provar que iA é um
homomorfismo local. Seja f ∈ Σ de arid = k, então
iA(fTΣ(t1, ..., tk)) = iA(f(t1, ..., tk)), pela definição de fTΣ
≡ fA(iA(t1), ..., iA(tk)), pela definição de iA.
2) Seja h’: TΣ(X) → A outro Σ-homomorfismo local que coincide com
ρA em X. Deve-se mostrar por indução estrutural que h(t) ≡ h’(t) para
todo t ∈ TΣ(X).
a) Caso t ∈ X então h(t) = ρA(t) = h’(t);
b) Caso contrário, t tem a forma f(t) para algum f ∈ Σ. Assim supondo
hA(t) ≡ (t), hA(f(t)) ≡ fA(hA(t)), por definição de hA
≡ fA (h’A(t)), por hipótese
≡ h’A(f(t)), pois h’ é um Σ-homomorfismo local.
Assim como o teorema 1.2.7 (Freeness) é uma versão do teorema 1.1.7.3
(Inicialidade), o teorema acima é uma versão para Σ-álgebras locais do
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
José Medeiros dos Santos
Regivan Hugo Nunes Santiago
teorema 1.2.7. No que segue, as noções de A-atribuição e instanciação
são mantidas, entretanto, o lema da substituição é adaptado para o caso
dos Σ-homomorfismos locais.
2.2.5 Lema:
(Lema da substituição). Para toda A-atribuição ρA e toda substituição
ρ, a única extensão de A-atribuição ρAoρ a TΣ(X) é dada pela função h(t)
≡ hA(tρ), onde hA é a única extensão de ρA.
Demonstração: A função h é obviamente um Σ-homomorfismo local
que coincide com a A-atribuição ρAoρ nas variáveis. De acordo com o
teorema Freeness, h é único.
2.2.6 Definição:
(Σ -Equação Local). Uma Σ-equação local é um par 〈t, t’〉 ∈ TΣ×TΣ,
freqüentemente escrito como t 2 t’. Um conjunto de equações locais é,
portanto, uma relação binária finita sobre TΣ(X). Diz-se que uma relação
binária R sobre TΣ(X) satisfaz um conjunto de equações E se, e somente se, R ⊇
E. Uma Σ-álgebra local satisfaz um conjunto de equações locais E, se, e somente se,
para toda Σ-equação local 〈t, t’〉 ∈ E e toda A-atribuição ρA, hA(t) 2
hA(t’) ≠ ⊥.
0
1
Assim como no caso das Σ-álgebras, no que segue, será introduzido um
sistema dedutivo “equacional”, a fim de que propriedades de uma Σálgebra local sejam verificadas finitamente.
2.3 Sistema dedutivo de equações locais: lógica equacional local
2.3.1 Definição:
Assumindo o axioma da equivalência (eq) de Scott, seja SDedLoc(E) um
sistema dedutivo para equações locais que formaliza a noção de álgebra
local, dado pelas seguintes regras. Cada regra é representada na forma:
e ∨ (com ∨ = 9) é uma operação de supremo.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
237
Uma proposta de lógica equacional local
para verificação de equações algébricas locais
238
Na regra (i), o conjunto de premissas ϕ(t, t’) estabelece a condição para se
concluir a existência do supremo entre t e t’. Por exemplo:
a) No caso da igualdade local trivial em TΣ, ϕ(t, t’) seria t = t’ , ou seja,
, onde t = t’ é a igualdade simples de Scott6 (uma Wff);
b) No caso de uma igualdade local sobre intervalos, ϕ([a1, b1], [a2, b2])
seria algo semelhante à [a1, b1] ∩ [a2, b2] ≠ ∅, ou seja, teria-se:
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
José Medeiros dos Santos
Regivan Hugo Nunes Santiago
As regras (ii), (iii) e (iv) estabelecem as propriedades algébricas do supremo; (v), (vi), (vii) e (viii) as propriedades da igualdade local; (ix) a propriedade de congruência; (x) as instanciações; e (xi) o conjunto das Σ-equações
locais da teoria em questão.
A derivação de uma igualdade local t 2 t’ usada nesse sistema será denotado por 4 E t 2 t’ e caracterizado pelo teorema abaixo.
2.3.2 Teorema:
Para t, t’ ∈ TΣ(X), tal que 4 E t 2 t’ e A satisfaz E, então para toda Aatribuição ρA, hA(t) 2 hA(t’) ≠ ⊥, sempre que hA(t), hA(t’) ∈ A.
0
1
Demonstração: Sejam t, t’ ∈ TΣ(X). Suponha que A satisfaz E e hA(t),
hA(t’) ∈ A. Então:
1) Se 4 E t 2 t’ é uma instância da regra (xi), então (t, t’) ∈ E. Como A
satisfaz E, então hA(t) 2 hA(t’) ≠ ⊥, para toda A-atribuição ρA;
0
1
2) Caso 4 E t 2 t’ seja uma instância da regra (vii), então existe uma prova
da premissa t 2 t’ cujo tamanho máximo é k. Por hipótese, hA(t) 2 hA(t’)
≠ ⊥, e pela simetria da igualdade local, hA(t’) 2 hA(t) ≠ ⊥ para toda Aatribuição ρA;
0
1
0
1
3) Se 4 E t 2 t’ é uma instância da regra (viii), então existe uma prova das
premissas 4 E(t ∨ t” ) , 4 t 2 t’ e 4 t’ 2 t”, cujo caminho máximo é k.
Como 4 E(t ∨ t”) é derivado no sistema apenas das condições de existência do supremo {ϕ(t, t”), t, t” ∈ TΣ(X) e ϕ é wff}, então ϕ(t, t” ) ≠ ⊥
se, e somente se, ∃y.y = t ∨ t” = E(t ∨ t”) ≠ ⊥. Como A é um
conjunto local, então E(t ∨ t”) = t 2 t” ≠ ⊥;
0
0
1 0
1 0
1
0
1
1
4) Se 4 E t 2 t’ é uma instância da regra (ix), então t, t’ possuem a forma
f (t1, ..., tk ) e f (t´1, ..., t´k ). Além disso, existe uma prova de cada premissa
“ ti 2 t´i”, cujo tamanho máximo é k. Por hipótese, hA(ti ) 2 hA(t´i ) ≠ ⊥
e hA( f (t1, ..., tk )), hA( f (t´1, ...,t´k )) ∈ A. Como hA é um Σ-homomorfismo
local, então hA( f (t1, ..., tk )) = fA(hA(t1),..., hA(tk)) e hA( f (t’1, ...,t’k )) =
fA(hA(t’1), ..., hA(t´k)). Como fA é uma operação local, então fA(hA(t1), ...,
hA(tk )) 2 fA(hA(t´1), ..., hA(t´k)) = hA(f(t1, ..., tk)) 2 hA( f (t’1, ...,t’k )) ≠ 5 ;
0
1 0
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
1
0
1
239
Uma proposta de lógica equacional local
para verificação de equações algébricas locais
5) Se 4 E t 2 t’ é uma instância da regra (x), então t, t’ possuem a forma
tρ e t’ρ, para toda substituição ρ. Além disso, existe uma prova da premissa t 2 t’, cujo tamanho máximo é k. Considere a A-atribuição ρAoρ,
por hipótese hA(t) 2 hA(t’) ≠ 5 , onde hA é a única extensão de ρAoρ.
Como hA(tρ), hA(t’ρ) ∈ A, então pelo lema da substituição hA(t) = hA(tρ)
e hA(t’) = hA(t’ρ), e portanto, hA(tρ) 2 hA(t’ρ) ≠ 5 .
0
1
0
1
O teorema acima garante que ao deduzir uma Σ-equação local 4 E t 2 t’ no
sistema SDedLoc(E), as interpretações de t e t’ serão localmente iguais na
Σ-álgebra local que satisfaz o conjunto de equações E, sempre que t e t’ tiverem
significado em A. A diferença desse teorema para o lema 2.2.5 (Lema da substituição), reside na diferença entre a igualdade local e a igualdade usual, mas no
fato das regras de substituição e instanciação da lógica equacional, não garantirem que as conclusões possuam significado.
240
2.4 Considerações finais
Esse artigo propõe uma teoria algébrica baseada na noção de igualdade
local, levando em consideração não somente a noção de objetos localmente iguais, mas também o caso de teorias algébricas que envolvam
objetos parcialmente definidos; daí a versão Σ-homomorfismo local.
Através da formulação do sistema dedutivo anterior, percebeu-se que a
parcialidade em certos termos, pode surgir de termos não parciais, apenas com a aplicação usual das regras de congruência e instanciação, isto
é, são essas regras que podem introduzir a não existência a partir de
termos existentes. Portanto, é necessário que tais regras sejam
reformuladas a fim de remover a premissa “sempre que hA(t), hA(t’) ∈
A” do teorema 2.3.2.
Com a introdução da noção de Σ-álgebras locais, deu-se um passo no
sentido de uma semântica denotacional, alternativa às “institutions” de
Goguen e Burstall, para linguagens de especificações algébricas, de
maneira que não se leva em consideração apenas elementos idênticos,
mas generaliza-se essa idéia para elementos consistentes, permitindo a
especificação algébrica de sistemas cujos elementos são meras informações/aproximações dos elementos a serem computados, permitindo assim que, em alguns casos, as propriedades algébricas dos
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
José Medeiros dos Santos
Regivan Hugo Nunes Santiago
elementos a serem computados sejam simuladas por propriedades da
álgebra local (das informações utilizadas), fazendo com que propriedades nesse sistema possam ser verificadas, utilizando apenas a informação dos objetos a serem computados.
241
NO
NOTTAS
3
4
5
Note que pode acontecer que iA(t1), ..., iA(tk) ∈ A, mas iA(f(t1, ..., tk)), fA(iA(t1), ..., iA(tk)) ∉ A. Por
exemplo, iA(1), iA(0) ∈ N e iA(1/0), ÷(i(1), i(0)) ∉ N, mas iA(1/0) ≡ ÷(i(1), i(0)).
c.f. (Bedregal, 1996, p. 10).
Well formed formula.
6
Note que uma maneira mais elegante de se definir a existência do supremo a partir da igualdade
usual é, simplesmente, tornar o conjunto de premissas vazio, significando que todo termo é
supremo de si próprio, ou seja,
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Uma proposta de lógica equacional local
para verificação de equações algébricas locais
3 REFERÊNCIAS
ACIÓLY, B. M. Fundamentação computacional da matemática intervalar. 1991. 263p.
Tese (Doutorado em Ciência da Computação) - Instituto de Informática, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
ALLISON, L. A pratical introduction to denotational semantics. Cambridge: [s.n.], p.
37, 1986. (Computer Science Texts, 23).
BEDREGAL, B. R. C. Continuous information systems: a logical and computational
approach to interval mathematic. 1996. Tese (Doutorado em Ciência da Computação) Departamento de Informática, Pós-Graduação em Ciência da Computação, Universidade
Federal de Pernambuco, Recife.
BEESON, M. J. Foundations of construtive mathematics. Berlin: SpringerVerlag, 1985.
CRUZ, M. M. C. Uma relação de equivalência entre funções intervalares baseada
na noção de consistência. 2000. 80p. Dissertação (Mestrado em Ciência da Computação) – Departamento de Informática e Matemática Aplicada, Mestrado em Sistema e Computação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.
242
GOGUEN, J. A.; BURSTALL, R. Institutions: abstract model theory for specifications
and programming. Disponível em: http://www.csc.vcsd.edu/users/goguen/ps/ins.ps.gzñ.
Acesso em julho de 2001.
HENNESSY, M. Algebraic theory of processes. Cambridge: MIT Press, 1988.
MACLANE, S. Categorias for the working mathematician. Berlin: Springer-Verlag,
1971.
MOORE, R. E. Interval Analysis. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1966. 145p.
MOORE, R. E. Methods and applications for interval analysis. Philadelphia: SIAM,
1979. 190p.
RASIOWA, H. An algebraic approach to non-classical logics. Amsterdan: NorthHolland, 1974.
SANTIAGO, R. H. N. No sentido de uma lógica construtiva para a análise real. 1995.
147 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Computação) - Departamento de Informática,
Pós-Graduação em Ciência da Computação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.
SANTIAGO, R. H. N. Teoria das equações intervalares locais. 1999. 125p. Tese
(Doutorado em Ciência da Computação) - Departamento de Informática, Pós-Graduação
em Ciência da Computação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.
SANTIAGO, R. H. N.; ACIOLY, B. M. Interval local equality. In: SCAN 2000/INTERVAL’
2000, Germany. Book of Abstract . Germany: [s.n.], 2000. p.172.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
José Medeiros dos Santos
Regivan Hugo Nunes Santiago
SANTIAGO, R. H. N.; ACIOLY, B. M. Identity and consistency. In: CNMAC, 23, 2000,
Santos/SP. Proceedings. Santos: [s.n.], 2000. p. 338.
SANTIAGO, R. H. N. Interval local equality: toward a model for real type. In: WORKSHOP
ON FORMAL METHODS-WMF, 4, 2001, Rio de Janeiro. Proceedings. Rio de Janeiro:
IME, 2001. p. 1-6.
SANTOS, José Medeiros dos. Em direção a uma representação para equações algébricas: uma lógica equacional local. 2001. 161p. Dissertação (Mestrado em Sistemas
e Computação) - Departamento de Informática e Matemática Aplicada. Mestrado em Sistemas e Computação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.
SCOTT, D. S. Identify and existence in intuitionistic logic. In: LECTURE NOTES IN
MATHEMATICS: APPLICATIONS OF SHEAVES: proceedurs of the research systems on
applications of sheaf theory to logic, algebra and analysis, 753, 1977, Berlin. Proceedings,
Berlin: Springer-Verlag, 1977. p. 660-696.
SUNAGA, T. Theory of na interval algebra and its applications to numerical analysis. RAAG
Memoirs, v. 2, p. 29-46, 1958.
243
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
244
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Literatura
O rio e o curso
da memória em
Pedro Nava
245
Carlos Alberto de Negreiro1
1
Graduado em Letras (UFRN). Mestre em Letras/
Estudos da Linguagem (PPgEL – UFRN).
Pesquisador da Base de Pesquisa Literatura
Cultura da Faculdade de Ciências, Cultura e
Extensão do RN (FACEX).
E-mail: [email protected]
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
O rio e o curso da
memória em PPedro
edro Na
va
Nava
The river and the course of memory
in the work of PedroNava
246
RESUMO
Este artigo apresenta uma leitura da
representação de “memória” na obra do
escritor mineiro Pedro Nava. Esse escritor é
um dos mais célebres autores do gênero do
memorialismo do Brasil. Sua obra reproduz,
sob o fio-condutor literário, a reconstituição
de aspectos biográficos de sua família,
traçando ao mesmo tempo, um painel histórico
cultural do país. Para isso a preocupação do
autor não é só “contar” a história de sua
família, e dele por derivação, mas sim
escrevê-la de modo tal que o texto fosse
laboriado pelo filtro do manejo de linguagem
que só o literário permite fazer. Os seis
volumes que compõem sua obra, a partir do
primeiro, “Baú de Ossos”, mostram com toda
a grandeza, que lhe é peculiar, como um
“amante da palavra – lida e escrita” erige um
construto desafiador para todos os leitores
que obtiveram como legado essa obra.
ABSTRACT
This paper presents a reading of
memory of representation in the work of
the writer from Minas gerais, Pedro Nava.
He is one of the most celebrated authors
of this kind of text: memorialism. His work
reproduces under a literary’s conductor
thread, a reconstitution of biographical
aspects of his family, delineating at the
same time, a cultural historical panel of
Brazil.The author’s preoccupation is not
only to fabulate his family’s history, but
writes it under a literary filter. The six books
that compose his work, the first is “Bau de
Ossos”, presents himself in greatnes as a
“word’s lover” – read and written – his
words build a provocative work for all the
readers that accept his work as a legacy.
PALAVRAS-CHAVE
Pedro Nava; memória; memorialismo
KEY-WORDS
Pedro Nava; memory; memorialism
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Car
los Alber
to de Ne
greiro
Carlos
Alberto
Negreiro
1 INTRODUÇÃO
Oubliette, oubliette,
morada deminha memória
Alessandre de Lia - In:
Tigrescritura.
A Afonso Fávero
As memórias de Pedro Nava
constituem a obra de maior porte em
termos de romance brasileiro que se
constrói sob o gênero memorialístico.
O autor foi capaz de transformar sua
biografia em um registro da crônica
da vida brasileira que cobre várias
décadas da história do país. Seu mérito não vem precisamente do tamanho da obra, mas sim como soube
amalgamar memória, biografia e uma
extensa e dedicada elaboração literária. O registro memorialístico de sua
obra, inacabada e em seis volumes sucessivos, de 1972 a 1983: Baú dos Ossos(1), Balão Cativo(2), Chão de Ferro(3),
Beira-Mar(4), Galo das Trevas(5) e O Círio
Perfeito(6), dá conta tanto do plano da
vida familiar quanto da vida pública,
sabendo juntá-los com mestria numa
leve e profunda prosa.
Nava se dizia um menino moreno tímido olhando e vendo tudo,
guardando tudo em seu “arquivo”
da memória: “O que escrevo é resultado de elaboração e de notas, é
um trabalho cavucado, meditado.”2
O impacto causado pela publi-
cação de suas memórias, a partir do
primeiro volume Baú de Ossos, fez
despertar um grande interesse nos
leitores, pela peculiaridade da obra
– de um “gênero” marginal que é o
memorialístico, e em ensaístas e críticos literários como, Davi Arrigucci
Jr3 . e Antonio Candido4 .
1.1 Nava - o homem-leitor
de si-mesmo
Mais uma vez prova-se que “a
vida é maior que a teoria”, como
disse Bakhtin, pois só depois de
publicada uma obra como a de Pedro
Nava é que se desperta um ‘rebuliço’ em estudiosos. Principalmente em
se tratando de um autor brasileiro, já
que “memórias” sempre caíram no
gosto de leitores contumazes, independentes do que críticos falaram.
O próprio Nava era um desses
leitores, notabilizou-se pela medicina e por ser um homem de letras,
só passou a escrever aos 65 anos,
mostrando sua reflexão de um “velho Tirésias”, que não professava o
futuro e sim o passado. Pretérito
como um veio de um rio
‘corredeiro’ formador de sua vida
biográfica.
Em Baú de Ossos(1978), volume
que traça um painel de seu tempo
de infância e de seus antepassados,
na parte inicial, notamos logo de
entrada, menção a obras literárias,
na passagem em que fala de seu pri-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
247
O rio e o curso da
memória em PPedro
edro Na
va
Nava
248
mo Mário Alves da Cunha Horta:
“Era de arrepiar, ouvir o Mário
descrever as cerimônias iniciáticas
daquele Oriente... Nada, absolutamente nada se comparava aos horrores por que ele tinha passado. Pura
brincadeira o que Tolstói descrevia
na Guerra e Paz. Pilhéria, água com
açúcar, o que Alexandre Dumas traçava no José Bálsamo.” (1978, p.
16)
Ler sempre foi um pedra de
toque para Nava, ele confessa no
mesmo Baú de Ossos, quando descreve o quarto de umas tias, Marout
e Bibi: “Mas o mais importante desse quarto de minhas tias é que nele,
além dessa marca médica, eu tive
outra. Ali se me desabrochou o
amor que nunca me deixou. O
amor dos livros, o amor da leitura”
(1978). Nesse mesmo volume,
relata o primeiro contato com os
livros:
Os livros que eu conheci, quando
menino e que restavam em nossa
casa de Juiz de Fora, eram o Dicionário de Faria, em cujas vielas
eu e meu primo Meton de Franca
Alencar Neto passeamos, buscando palavras de má companhia;
uma edição de luxo de La
Gerusalemme Liberata de
Torquato Tasso, hoje posse dos
herdeiros de minha tia Berta
Paletta; e os dois volumes, à tranches
dorées, do romance de Eugène Sue,
Mathilde; atualmente em minhas
mãos. (1978, p. 136)
É Benjamim quem reitera esse
amor pelos livros quando dizia o seguinte, que o prazer que sentia quando
se via rodeado por livros e dicionários, fora do âmbito do seus deveres
escolares: descontextualizados, os livros
se libertariam da obrigação de serem
úteis, e podiam converter-se em puro
objetos de Eros5 .
6
2 CONSIDERAÇÕES SOBRE MEMÓRIA
Quando indagado a respeito da
preferência por memórias, e não
por romances, Pedro Nava em entrevista, a última antes de sua morte, concedida à estudiosa Edina
Regina Pugas Panichi7 , nos diz:
Quando senti que estava entrando
nesse caminho de ficar só, analisando bem, pensei: o que é que vou
fazer quando ficar velho, se estiver com a cabeça funcionando direito? Pensei em coisas de que gosto:
ser mercador de livros raros e velhos. Que colecionei durante muito
tempo de minha vida; ser mercador de gravuras, também tenho
milhares delas. Pensei em tudo isso,
mas depois resolvi, retomar a minha tradição de mocidade. Eu tinha cultivado, a literatura quando
moço. E resolvi fazer uma literatura de velho, que não tinha idéia
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Car
los Alber
to de Ne
greiro
Carlos
Alberto
Negreiro
de expandir. Escrevia como distração, para meus irmãos, coisas
que eles não sabiam, mas eu sabia,
sobre minha família. Escrevi meu
primeiro livro e resolvi mostrar os
originais a algumas pessoas que
viviam insistindo comigo para escrever memórias, por causa de um
artigo que fiz sobre Belo Horizonte, por ocasião do cinqüentenário
de Carlos Drummond de
Andrade. (Panichi, 2000, p. 46)
Se observarmos como é vasta e
ampla a abordagem do conceito de
memória, veremos que ele será pautado por diversas áreas do conhecimento humano, desde a biologia,
passando pela psicologia e psiquiatria
até as ciências sociais. No entanto, o
que nos interessa é a representação literária da memória, ou seja, aquilo que
é confiado a Lete8 , o rio homônimo
com seu curso caudaloso.
A memória, consideremos aqui,
como um rio, tal qual a imagem célebre de Heráclito “No mesmo rio
entramos e não entramos, somos e
não somos”(fragmento 49a). A memória é um cúmulo de fatos passados em que nunca se entra duas vezes
nesse mesmo rio. A corredeira seria
caudalosa na maioria das vezes.
Essa lembrança de fatos passados adicionada à própria visão de
mundo que o sujeito/autor, no caso
aqui o Pedro Nava, tem do meio
em que viveu e de todas as experiências que foram possíveis ser resgatadas.
Esse
movimento
retrospectivo, da volta ao passado
através das lembranças se erigirá a
por meio da construção da narrativa que constitui suas Memórias.
Mas, vejamos como Le Goff
observa a memória e sua importância para o sujeito/homem,
A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar
identidade, individual ou coletiva,
cuja busca é uma das atividades
fundamentais dos indivíduos e das
sociedades de hoje, na febre e na
angústia. Mas a memória coletiva
é não somente uma conquista, é
também um instrumento e um objeto de poder. (Le Goff, 1996,
p. 476)
Com isso não podemos inferir
que o conjunto que se cerca de lembranças, de uma determinada existência vá se constituir num cadinho
com o máximo grau de pureza, e
por ventura, sendo assim absolutamente creditadas como verdade. As
memórias serão constituídas a partir das relações intersubjetivas, em
que serão permeadas de valores e
preconceitos, formando assim determinadas ideologias: “A memória coletiva, assim, longe da
espontaneidade que muitos lhe atri-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
249
O rio e o curso da
memória em PPedro
edro Na
va
Nava
250
buem, seria mediatizada por ideologias, linguagens, senso comum e
instituições, ou seja: seria uma
memória dividida.” (Ferreira, p.
XIX, 1998).
Em contraponto, temos o próprio Nava dizendo, em seu Baú de
Ossos: “um fato deixa entrever uma
vida: uma palavra, um caráter. Mas
que constância prodigiosa é preciso para semelhante recriação. E
que experiência...” (1978, p. 41).
As memórias de Nava não são
mero produto social, mas sim um
longo arquivo de experiências
coletadas pelas reminiscências e interpretadas pelo Nava-escritor;
“No mais, há que ter confiança no
instinto profundo de minha alma,
de minha carne, do meu coração
– que rejeitam como coisa estranha o que sentem que não é verdade ou que não pode ser
verdade...” (1978, p.41).
Até aqui o que temos são pontos de vista em torno do conceito de memória provindo das
ciências sociais. O que nos interessa apenas é balizar um conceito que fale da relação social, para
que daqui possamos prosseguir
com a representação da memória dentro do contexto da criação literária, que é o que Pedro
Nava faz, ele não se interessa em
construir memórias sob um prisma da memória social e sim das
impressões em forma de lingua-
gem marcadamente poética de
fatos e histórias que formaram
sua família, e que compõem o seu
arquivo9 como sujeito.
Com a mão paciente vamos compondo o puzzle de uma paisagem
que é impossível completar porque
as peças que faltam deixam buracos nos céus, hiatos nas águas rombos nos sorrisos, furos nas silhuetas
interrompidas e nos peitos que se
abrem no vácuo – como vitrais fraturados (onde no burel de uma
santo vemos – lá fora! – céus profundos, árvores ramalhando ao
vento, aviões, nuvens e aves fugindo), como aqueles recortes que suprimem os limites do real e do
irreal nas telas oníricas de Salvador Dali. (1978, p. 41)
Podemos notar que o autor se
mostra consciente de seu trabalho de
reconstrução e elaboração para
laborear as lembranças que fizeram a
sua experiência de vida, é como se o
sujeito fosse seu próprio (re)construtor,
aquele que padece do “mal do arquivo”. Ou seja, aquele que é possuído
pelo mal do arquivo, tem a paixão e a
nostalgia da origem, o desejo infinito
da memória e do esquecimento, existindo para tanto um conjunto operatório de resgate textual e existencial com
direção ao futuro, como diz Eneida
Maria de Souza (1998, p. 81)10 .
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Car
los Alber
to de Ne
greiro
Carlos
Alberto
Negreiro
3 O RIO E RUÍNA DA MEMÓRIA
Sou um homem do interior
Do interior de mim mesmo.
Alessandre de Lia – in:
Tigrescritura
Em Baú de Ossos, Nava inicia esse
volume com a seguinte epígrafe;
“Eu sou um pobre homem da Póvoa de Varzim...”, de Eça de
Queiroz. Para logo em seguida, no
primeiro parágrafo parodiá-la; “Eu
sou um pobre homem do Caminho Novo das Minas Gerais.” (p.
13). Um começo que ilustra sobre
o que o autor se apóia – o respaldo
do trato literário a representar fatos
da vida. E essa memória é como
um rio, caudaloso, de longo curso,
sem um fim preciso, pois é
característica marcante das
memórias, o inacabamento.
A memória é vizinha do esquecimento. Como podemos ver na
mitologia, Lete representa o esquecimento. Assim, os poetas o mencionavam como sendo ir mã da
Morte e do Sono. Num mesmo lugar podemos ter a busca das recordações na fonte Mnemósina, e do
lado a fonte Lete, para nos dar o
esquecimento, o apagamento da
memória.
Nava, então, com o Baú de Ossos,
o termo baú – signo que remete ao
objeto que guarda lembranças, e
acrescido de “Ossos”, reitera a idéia
da necessidade de resgate dos antepassados. Poderíamos dizer que
Nava parece ter o “mal do arquivo”; Derrida define, “Le trouble
de l’archive tien à un mal d’archive.
À écouter l‘idiome français, et en
lui l’attribut ‘en mal de’, être en mal
d’achive peut signifier autre chose que
souffrir d’un mal, d’trouble ou de ce
que lê nom ‘mal’ pourrait
nommer.”11 (Derrida, 1995).
O autor se debruça em construir suas “memórias” em relatar
fatos reais e biográficos com a
liberdade própria da criação literária, ou seja, mais preocupado
em representá-los sob um significativo trabalho de elaboração e
manipulação da linguagem, do
que com o compromisso de ser
apenas fidedigno aos fatos do
passado. Embora, sabemos que
no trabalho de elaboração contou com uma forte aparato documental e de relatos de outras
pessoas. Ele sabia que “é impossível restaurar o passado em estado de pureza. Basta que ele
tenha existido para que a memória o corrompa com lembranças
sobrepostas” 12 .
A respeito do processo de construção do texto, Nava confessa:
Eu sempre faço uma súmula do
que vou escrever. Tomo nota, seguidamente, quando me ocorre uma
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
251
O rio e o curso da
memória em PPedro
edro Na
va
Nava
lembrança interessante, um fato
curioso ou quando vejo uma combinação de duas palavras em jornais ou livros. As páginas do meu
caderno de anotações acabam virando uma fichinha que vou guardando, cada uma com um número.
(...) O que escrevo é resultado de
elaboração e de notas, é um trabalho cavucado, meditado. (Panichi,
2000, p. 49)
252
No mesmo Baú, quando fala a
respeito do trabalho de reconstrução das lembranças para construir
as “memórias”, a experiência em
procurar registrar através de um
longo trabalho literário, temos: “a
mesma do arqueólogo que da curva de um pedaço de jarro conclui
de sua forma restante, de sua altura, de suas asas, que ele vai reconstruir em gesso para nele encastoar
o pedaço de louça que o completa
e nele se completa.” (1978, p. 41).
Não é registro literal de lembranças, mas a reconstituição das
memórias do passado a partir do
presente, um filtro que conta muito
com experiência de leitor autor.
A feitura das memórias exige do
construtor delas uma íntima relação
entre autor/narrador, já que não se
trata de um registro de compromisso de retratação hiper-realista dos
eventos narrados/lembrados:
Na verdade, o objeto profundo da
autobiografia é o nome próprio, o
trabalho sobre ele e sobre a assinatura, fundamento do que
Philippe Leujene chama de “pacto
autobiográfico”, isto é, afirmação
da identidade autor-narrador-personagem, remetendo em última instância ao nome do autor na capa
do livro. A pessoa que enuncia o
discurso deve, no caso, permitir sua
identificação no interior mesmo
desse discurso deve, e é no nome
próprio que pessoa e discurso se
articulam, antes de se articularem
na
primeira
pessoa.”
(Miranda,1992, p. 29)
É o que diz o estudioso Wander
Melo Miranda, em seu trabalho sobre Graciliano Ramos e Silviano
Santiago13 , quando reforça a questão da autobiografia, proposta por
Leujene, não se apresenta como
uma relação estreita estabelecida
entre os eventos extratextuais e sua
transcrição “verídica”. A autobiografia é sempre uma auto-interpretação daquele que escreve, e o que
intermedia a relação entre o que se
escreve e o seu passado é clivado
pelo estilo, este será o índice do que
está sendo escrito e a vazão ou
pulsão daquilo que é confessado,
aspecto que faz deslizar para a livre
invenção e a licença poética, ou seja,
para um trabalho de elaboração
ficcional.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Car
los Alber
to de Ne
greiro
Carlos
Alberto
Negreiro
Para Bergson, a memória é uma
atividade unificadora para a relação
entre as ações descontínuas do eu
superficial e a dinâmica de perpétua
mudança do eu profundo, ele chega
a dizer que “a duração interior é a
vida contínua de uma memória que
prolonga o passado no presente”14 .
Não preciso recriar o sobrado de
Joaquim Feijó de Melo porque este
eu conheci. Basta recordar. Nele
entrei pela primeira vez, em 1905,
com pouco mais de dois anos, quando fui ao Ceará para me batizar.
Não tenho dessa viagem senão a
vaga recordação da forma de uma
escotilha – redonda e duramente
luminosa, feito lâmpada cialítica –
e, do lado de fora, alguma coisa
oscilando como ponteiro dum
metrônomo, ponta de madeira e
pano, decerto mastro de falua encostada em navio atracado. (Nava,
1978, p. 43).
Bergson esclarece ainda que há
dois tipos de memória15 , a memória-hábito e a memória-recordação.
A primeira seria aquela que repete e
torna presente o efeito prático de
experiências passadas. A segunda, a
mémoire souvenir, reproduz o passado enquanto passado, revivendo-o
tal qual aconteceu.
O primeiro tipo “registra, sob
forma de imagens-lembranças, to-
dos os acontecimentos de nossa vida
cotidiana, à medida que eles se desenrolam”, sem deixar que algum
detalhe escape, fazendo “a cada fato,
a cada gesto, seu lugar e sua data”16 .
Para Bergson, essa seria a memória verdadeira, pois recupera o
passado sem intenção utilitária, no
entanto, ele adverte que para evocar o passado através dessa memória, sob a forma de imagens, é
necessário se abstrair do presente,
“é preciso atribuir valor ao inútil, é
preciso querer sonhar”17 .
Sendo assim, Nava consegue
criar um universo ficcional e onírico
para um “arquivo” de memórias
que foram (re)construídas por sua
escrita, tornando possível ao leitor
uma filiação a um certo acordo, o
de que não duvide ou acredite piamente no que está lendo por mais
paradoxal que seja. O trabalho de
linguagem de Nava é literário, no
entanto seu manancial de memórias se baseia em um forte aparato
documental e resgate de fontes e de
seu próprio trabalho de colher informações a respeito de história sua
e de sua família.
A escrita naveana remete a um
construto impressionista pintado
por um tom onírico, um universo
criado a partir da íntima relação
entre a pena, o papel e as reminiscências passadas das vidas
(re)criadas por essa consciência de
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
253
O rio e o curso da
memória em PPedro
edro Na
va
Nava
escritor/autor. Permitindo que o
sujeito-a-ser-biografado, não se
deixe levar pelo melindre da representação da figuração heróica do
passado. É o passado (re)cons-
NO
NOTTAS
2
254
Cf. Entrevista Pedro Nava: O resgate da memória. Por Edina Regina Panichi. In: LEITURA:
publicação cultural da Impressa Oficial do Estado São Paulo. Ano 18, n. 1, jan. 2000. p. 45-50.
3
ARRIGUCCI, David. Móbile da memória. In:
______. Enigma e comentário: ensaios sobre literatura e experiência. São Paulo: Companhia
das Letras, 1987.
4
CANDIDO, Antonio. Poesia e ficção na autobiografia. In: ______. Educação pela noite e outros
ensaios. São Paulo: Ática, 1987.
5
Apud: Rouanet, Sérgio P. Édipo e o anjo: itinerários freudianos em Walter Benjamim. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990. p. 30. (Biblioteca
Tempo Universitário; 63)
6
Para essas considerações consultamos o trabalho Por Trás Do Tempo Perdido: A Teia De Sociabilidade Da Comunidade De Mangabeira-RN e
a Mudança Cultural. Natal/RN: UFRN, 2000.
(inédito – mimeo), do prof. John Alex Xavier de
Sousa (FACEX – RN), que aqui agradecemos
pela gentileza por nos ter cedido esse material.
7
Cf. Revista LEITURA: publicação cultural da
Imprenssa Oficial do Estado de São Paulo, ano
18, n.1, jan. 2000. p. 45-50.
8
Lete, o esquecimento, era filha de Éris, a Discórdia e, segundo uma tradição, mãe de Cárites.
Presidia a fonte do Esquecimento, isto é, o Rio
Letes, situado nos Infernos, onde iam os mortos
beber para obter o esquecimento das coisas do
mundo. Perto do oráculo de Trofônio, na Beócia,
havia duas fontes de que os fiéis bebiam; Lete, a
fonte do Esquecimento, e Mnemósina, a fonte da
truído pela e para a escrita, com
todas as concessões possíveis para
a licença poética, a confissão, e a
descrição de um passado histórico
caro à História do país.
memória.
9
Arquivo aqui considerado como um reservatório
e baú de textos, tesouros pessoais e culturais
que o tempo transforma em bonecos, em cadáveres, personagens, casas vazias e lugares
vicários. Cf. SOUZA, Eneida Maria de. Males do
arquivo.
In:
MARQUES,
Reinaldo;
BITTENCOURT, Gilda Neves (Orgs.). Limiares
críticos: ensaios de literatura comparada. Belo
Horizonte: Autêntica, 1998. p. 81.
10
Idem; op. cit, p. 81.
11
Cf. DERRIDA, Jacques. Mal d’archive. Paris:
Galilée, 1995. Apud SOUZA, Eneida Maria de.
Males do arquivo. In: MARQUES, Reinaldo;
BITTENCOURT, Gilda Neves (Orgs.). Limiares
críticos: ensaios de literatura comparada. Belo
Horizonte: Autêntica, 1998. p. 81
12
Apud DEL RIOS, Jefferson. O baú perfeito da
memória. In: Revista BRAVO!. Ano 2, n. 20, maio
1999. p. 81.
13
Cf. MIRANDA,Wander Melo. Corpos escritos:
Graciliano Ramos e Silviano Santiago. São Paulo:
EdUSP; Belo Horizonte: EdUFMG, 1992. p. 2930.
14
Cf. BERGSON, H. Os pensadores. Tradução
Franklim Leopoldo e Silva. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p XII.
15
Cf. BERGSON, H. Os pensadores. Tradução
Franklim Leopoldo e Silva.São Paulo: Abril Cultural, 1979. p XII.
16
Idem; Op.cit; 1979. p.XIII.
17
Ibidem. p. XIII.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Car
los Alber
to de Ne
greiro
Carlos
Alberto
Negreiro
REFERÊNCIAS
ARRIGUCCI. Móbile da memória. In: ______. Enigma e comentário: ensaios sobre
literatura e experiência. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
BENJAMIM, Walter. Rua de mão única: obras escolhidas II. Tradução de Rubens
Rodrigues Torres Filho et al. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1993.
BERGSON, Henri. Cartas, conferências e outros escritos. Seleção e tradução de
Franklin Leopoldo e Silva. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Coleção Os Pensadores)
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos.7.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
CANDIDO. Poesia e ficção na autobiografia. In: ______. Educação pela noite e outros
ensaios. São Paulo: Ática, 1987.
DEL RIOS, Jefferson. O baú da memória. In: Revista BRAVO!, n. 20, maio 1999. p. 81.
FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. Usos e abusos da história oral. 2.
ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998.
GUIMARÃES, Ruth. Dicionário de mitologia grega. São Paulo: Cultrix, 1995.
LE GOFF, Jacques. História e memória. 4. ed. Campinas: UNICAMP, 1996.
LEVINE, Donald N. Visões da tradição sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
MIRANDA, Wander Melo. Corpos escritos: Graciliano Ramos e Silviano Santiago. São
Paulo: EdUSP; Belo Horizonte: EDUFMG, 1992.
NAVA, Pedro. Baú dos ossos: memórias 1. Nota de Carlos Drummond de Andrade. 5.
ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978.
_____________. Balão cativo: memórias 2. Poesias de Carlos Drummond de Andrade.
3. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977.
_____________. Chão de ferro: memórias 3. Poesias de Alphonsus Guimaraens Filho.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1976.
_____________. Beira-mar: memórias 4. Poesias de Alphonsus Guimaraens Filho. 2. ed.
revista. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979.
_____________. Galo-das-trevas: as doze velas imperfeitas: memórias 5. Poesias de
Gastão Castro Neto. 3. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981.
_____________. O círio perfeito: memórias 6. Poesias de Gastão Castro Neto. 3. ed.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1983.
PANICHI, Edina Regina. O resgate da memória. Entrevista com Pedro Nava. In: LEITUCarpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
255
O rio e o curso da
memória em PPedro
edro Na
va
Nava
RA: publicação cultural da Imprenssa Oficial do Estado São Paulo. São Paulo, ano 18, n. 1,
jan. 2000. p. 45-50.
ROUANET. Sérgio Paulo. Édipo e o anjo: itinerários em Walter Benjamim. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990. (Biblioteca Tempo Brasileiro; 63)
SAVIETTO, Maria do Carmo. Nava e Proust: do leitor ao escritor. In: LEITURA:
publicação cultural da Imprenssa Oficial do Estado São Paulo. São Paulo, ano 18, n. 1,
jan. 2000. p. 27-31.
SOUZA, Eneida Maria de. Males do arquivo. In: MARQUES, Reinaldo; BITTENCOURT,
Gilda Neves (Org.). Limiares críticos: ensaios de literatura comparada. Belo Horizonte:
Autêntica, 1998. p. 81.
SOUZA, José Cavalcante de (consultoria). Os pré-socráticos: fragmentos, doxografia e
comentários. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Coleção Os Pensadores)
256
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Literatura
Wuthering
heights: the
conflicts of
the soul
257
Daise Lilian Fonseca Dias1
1
Mestre em Literatura Anglo-Americana pela
UFPB. Professora de inglês e literatura AngloAmericana da FACEX. Orientadora das Bases de
Pesquisa de Teatro e Literatura e Cultura da
FACEX. Coordenadora do CCAB Idiomas.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Wuthering heights:
The conflicts of the soul
O morro dos ventos uivantes: Os
conflitos da alma
ABSTRACT
One major aspect in Emily Brontë’s
Wuthering Heights (1847) is the exchange
of identity between Catherine and Heathcliff.
The novel presents the overcoming of
otherness as a relationship between the two
main characters whose personalities are
extremely matched. The novel may be seen
as about the dissolution and transference of
identity. Death is the last way of dissolution,
for both characters who see it as the only
way to their physical merging.
RESUMO
Um importante aspecto do romance O
Morro dos Ventos Uivantes (1847) de Emily
Bronte é a relação de identidade entre
Catherine e Heathcliff. O romance pode
ser visto como a dissolução e a
transferência de identidade. A morte é a
última saída para a dissolução para ambos
os personagens que vêem nela a única
possibilidade de uma fusão física. O Morro
dos Ventos Uivantes também apresenta a
superação do sentimento de exclusão
através da união dos dois personagens,cujas personalidades são
extremamente similares.
KEY-WORDS
Wuthering Heights; identity; death.
PALAVRAS-CHAVE
O Morro dos Ventos Uivantes;
identidade; morte.
258
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Daise Lilian FFonseca
onseca Dias
Wuthering Heights (1847), the only
novel by Emily Bronte is told from
the point of view of Lockwood, a
gentleman visiting the moors of
Yorkshire where the novel is set, and
by Nelly Dean, one of the
employees of the Earnshaw family.
The Earnshaws are surprised by a
foundling boy, Heathcliff, who is
brought to Wuthering Heights – the
farm where the family lives - by the
patriarch to live as one of of his
children, Catherine and Hindley.
Heathcliff later on falls in love by
Catherine, who returns the affection,
but marries her neighbor Edgar
Linton, the embodiement of a
luxurious life that she would never
have with her beloved, the misfit
Heathcliff. Later, Heathcliff hastens
Catherine’s death because of his
incessant accusations of betrayal;
weakened also by her pregnancy, she
dies giving birth to a girl.
The novel is divided in four parts.
The first one is marked by the arrival
of Heathcliff and it ends with both
Catherine and Heathcliff ’s visit to
Thrushcross Grange, the Linton’s
neighboring farm. This part reveals
the stablishing of the strong
relationship between the two
children, and also their common
rebelion against Catherine’s older
brother, Hindley, and his way of
ruling Wuthering Heigths after the
death of their father.
The second part tells of
Catherine’s betrayal of Heathcliff, by
marrying Edgar Linton, her rich
neighbor from Thruscross Grange,
and Catherine’s death. The third part
is about Heathcliff ’s revenge against
the Linton and Earshaw families,
and the last part shows the change
that comes over Heathcliff and his
death.
Both Catherine and Heathcliff
are born again when they become
friends as children, and their
identification is so strong that
creates a new origin that replaces
parental origins. As Kettle (1970)
states, they rebel against degradation,
...and in their revolt they discover
their deep and passionate need of
each other. He the outcast slummy,
turns to the lively, spirited, fearless
girl who alone offers him human
understanding and comradeship.
And she, born into the world of
Wuthering Heights, senses that to
achieve a full humanity, to be true
to herself as a human being, she
must associate herself totally with
him in his rebellion against the
tyranny of the Earshaws and all
that tyranny involves (p. 205-6).
When Catherine, a teenager
meets the Lintons, a social conflict
starts. Thrushcross Grange, the
Linton’s farm, embodies everything
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
259
Wuthering heights:
The conflicts of the soul
260
that is pretty, confortable, bourgeois
and this universe constrasting with
the decadence of her family seduces
her. She starts to despise Heathcliff ’s
lack of culture, the fact that he has
no interesting conversation, besides
not brushing his hair and being dirty,
whereas Edgar Linton is handsome
and rich.
In one of her conversations with
Nelly Dean, Catherine says that
Edgar Linton asked her to marry
him. After giving vague excuses for
having accepted it, she explains that
the only obstacle for her complete
happiness is that she cannot marry
the man that she really loves, as it is
stated in the novel:
It would degrade me to marry
Heathcliff now; so he shaw never
know how I love him: and that
not because he is handsome, Nelly,
but because he’s more myself than
I am. Whatever our souls are made
of, his and mine are the same; and
Linton is different as the moonbean
from lightning, or frost from fire...
Nelly, I am Heathcliff (WH, p.
80-81).
One major aspect in Emily
Brontë’s Wuthering Heights is the
exchange of identity between
Catherine and Heathcliff. The novel
presents the overcoming of
otherness as a relationship between
the two main characters whose
personalities are extremely matched.
The novel may be seen as about the
dissolution and transference of
identity, especially if one consider the
exchange of identity between the
two main characters.
Catherine says “I am Heathcliff,”
and he calls her “my soul’ and “my
life.” Later on, he will cry when she
is dying: “I cannot live without my
life, I cannot live without my soul.”
Their sense of affinity seems to be
deeper than sexual attraction,
something that is not enough to
describe as romantic love. To better
understand this is important to know
that their affinity is forged in
rebellion. When Heathcliff is taken
from the Liverpool slums by
Catherine’s father is treated kindly
by the family, except by Catherine’s
older brother, Hindley, who after his
father’s death reduces Heathcliff to
the status of a serf, and deprived
him of the instructions. Then he
becomes the archetypal of the
outsider, and it is in Catherine that
he finds humanity.
After getting shocked by
Catherine’s words about being
degrading to marry him, Heathcliff
runs away desesperately, but returns
adult and prosperous, and once
again the social conflict is reestablished, for her husband does
not want to receive him – a serf -
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Daise Lilian FFonseca
onseca Dias
in their house. From the moment
of his return on, Catherine’s
attempts to reconcile herself to
Thurshcross Grange are doomed.
One admires and reads the novel
for the great and self-consuming love
of Heathcliff and Catherine. Their
love is “sexless,” in fact intercourse is
not even implied, and could never
happen, because they are one,
eventhough Heathcliff is the
embodiement of primitive sexual
energy. In many scenes involving the
two main characters which dramatizes a dispute of some sort over
entrance through a door or window,
Heathcliff always is associated with
images that suggest a sexual conquest.
He is indeed the opposite of
Edgar Linton, Catherine’s husband,
whose masculinity is always cast
doubts. In the eleventh chapter, for
example, when Edgar Linton is told
that Heathcliff intends to marry his
sister Isabella – not because he
loves her, but to inflict suffering
over the family he hates and to
revenge Catherine for having
married Edgar Linton - Edgar
Linton determines three of his
servants to wait to throw him out
of the house after Heathcliff talks
to Catherine. When he orders
Heathcliff to leave, the latter
answers: “Cathy, this lamb of yours
threatens like a bull!!” (WH, p. 107).
This is a tense moment in the
novel; Catherine closes the door,
asks Edgar Linton to apologize and
throws the key into the fire, which
throughout the novel is associated
with Heathcliff and Catherine, in
opposition to her husband. “Mr.
Edgar was taken with a nervous
trembling” (WH, p. 108). Edgar
Linton seems to grasp that in some
way that is a defeat of his sexual
inferiority to Heathcliff and
Catherine. Catherine makes use of
irony to inflict her husband: “Oh!
Heavens! In old days this would win
you knighthood!... We are vanquished!(WH, p. 108).
Catherine’s reaction to the
event has sexual overtones, the
narrator says that “Mrs. Linton,
very much excited,” (WH, p. 109)
goes upstairs and spends days in
sickness and in a terrible growing
process of depression. When Edgar Linton visits her, she says: “I
don’t want you, Edgar; I’m past
wanting you (WH, p. 118).
According to Moser (1970),
... sexual frustration clearly
contributes to her collapse after
Edgar’s failure...Edgar is useless,
she tells him, and his masculine
attentions are no longer wanted.
Heathcliff must come through
that window to satisfy Cathy”
(p. 187).
Catherine in her dellirium
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
261
Wuthering heights:
The conflicts of the soul
262
thought she was back at Wuthering
Heights with Heathcliff and as a
child, but she wakes up and sees
herself, as Mrs. Linton, “...an exile,
and outcast, thenceforth, from what
had been my world” as it is said in
the novel. She opens the window,
“and bent out, careless of the frosty
air that cut about her shoulders as
keen as a knife” (WH, p. 116). She
seems to intend a suicidal illness.
Two months later, Heathcliff
returns after having married Edgar
Linton’s sister, Isabella. He gets to
know that Catherine is dying, and
manages to see her. They embrace
tumutuously; this is another very
tense moment in the narrative,
specially because Catherine is
pregnant. This is also, one of the
harshest passages in all literature. “I
wish I could hold you,” she
continued bitterly, “till we were both
dead!...I care nothing for your
sufferings” (WH, p. 142). Catherine
associates her reunion with
Heathcliff in death with regression
to childhood, as she says in her
dellirium: “...Heathcliff, if I dare you
now, will you venture? If you do,
I’ll keep you. I’ll not lie there by
myself; they may bury me twelve
feet deep, and throw the church
down over me, but I won’t rest till
you are with me. I never will” (WH,
p. 117). Catherine makes real death
in the present into a return to her
childhood games, and when she
makes death a game, she
metaphorically accomplishes the
return to childhood that she seeks.
In their last meeting, the two
characters do not exchange a word
of hope, but both seem to
perceive that are already dead,
Catherine will soon be literally,
while Heathcliff will live separetly
from his soul, as he says:
Why did you betray your own
heart, Cathy?...You have killed
yourself... You loved me-then what
right had you to leave me?...I have
not broken your heart-you have
broken it, and in breaking it, you
have broken mine... Do I want
to live?...Would you like to live with
your soul in the grave? (WH, p.
144).
Catherine collapses not because
of the power of Heathcliff ’s love,
but from despair at the sound of
her husband’s approaching and
never regains consciousness. She dies
in childbirth. Both Catherine and
Heathcliff seem to believe that a
physical union or reunion between
themselves could be possible only
after death, since they have made
choices that caused their separation
in terms of physical love. The two
characters’ belief gives the idea of
a merging of identity through the
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Daise Lilian FFonseca
onseca Dias
disssolution of the physical body.
As Homman (1980) states:
Death’s project is the reuniting, not
of parts of the self...but of two
individuals. Heathcliff is eager for
death so that he and Cathy may
“be lost in one repose.” Loss of
self, the dispersal of identity, leades
to the merging and reunion of
identities (p. 129)
Death is the last way of
dissolution, specially for Heathcliff
who wants the physical merging of
his corpse with Catherine. His plan is
to be buried so close to her, that
nobody would identify which corpse
belongs to whom if one day their
tomb was opened. What makes
Cahterine and Heathcliff ’s desire for
death so intense is also that this regressive
wish goes back to the second origin,
which is when they are reborn on the
occasion of becoming friends.
After her death, Heathcliff
spends the following decades
devoted to revenge from all the
members of the Linton family, and
also his own son, Linton; Hareton,
son of Catherine’s brother Hindley,
and her daughter Cathy. The
weapons he uses against the two
families are their own weapons of
arranged marriage and money. He
gets power over them by the classic
method of the ruling class:
expropriation and property deals.
In his last days, Heathcliff sees
that Hareton and Cathy had fallen
in love with each other, and his years
devoted to revange had no sense
anymore. A change in his character
had started, however, he is not sure
about its significance. Everything that
he still wants is to die in order to
meet Catherine. The narrator says
that after his death, many people saw
both him and Catherine running
together in the fields. Both seem to
have finally achieved their own goal.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
263
Wuthering heights:
The conflicts of the soul
REFERENCES
BRONTE, Emily. Wuthering Heights. New York: Penguin Popular Classics, 1994.
HOMMAN, Margaret. Women writers and poetic identity: Dorothy Wordsworth, Emily
Bronte, and Emily Dickinson. New Jersey: Princeton University Press, 1980.
KETTLE, Arnold. Emily Bronte: Wuthering Heights (1847). In: WATT, Ian. The victorian
novel: modern essays in criticism. New York: Oxford University Press, 1970.
MOSER, Thomas. What is the matter with Emily Jane? Conflicting impulses in Wuthering
Heights. In: WATT, Ian. The victorian novel: modern essays in criticism. New York: Oxford
University Press, 1970.
264
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Literatura
Relações de
gênero em As
vinhas da ira de
Steinbeck
265
Daise Lilian Fonseca Dias1
1
Mestre em Literatura Anglo-Americana pela
UFPB. Professora de inglês da FACEX e
orientadora das Bases de Pesquisa de Teatro, e
Literatura Anglo-Americana. Coordenadora do
Centro Cultural Anglo-Brasileiro.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Relações de gênero em
As vinhas da ira de Steinbeck
Gender relations in Steinbeck’s The
grapes of wrath
266
RESUMO
O romance As vinhas da ira de
Steinbeck, retrata o período da grande
depressão econômica dos anos trinta nos
Estados Unidos. É nesse universo caótico
que a família Joad terá que rever seus
conceitos patriarcais para dar lugar a
significativas mudanças nas relações de
gênero que estão em mutação, sobretudo
porque a figura paterna perde para a
matriarca o status de líder.
ABSTRACT
Steinbeck’s novel The grapes of wrath
portrays the great depression years of the
Thirties in the United States of America. It
is in this chaotic universe that the Joad family
will rethink their patriarchal concepts in order
to face important changes in gender
relations in mutation, specially because the
father figure looses its status of leadership
to the matriarch.
PALAVRAS-CHAVE
Steinbeck; As vinhas da ira; relações
de gênero.
KEY-WORDS
Steinbeck; The grapes of wrath; gender
relations.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Daise Lilian FFonseca
onseca Dias
Steinbeck (1902-68) é um autor
considerado misógino por vários
motivos, dentre eles o foco masculino da sua ficção, entretanto, ele
criou algumas das mais memoráveis
personagens femininas da literatura
Americana, Ma Joad, a matriarca do
seu romance As vinhas da ira (1939).
É para ela que o autor entrega o
controle da família em um período
onde a depressão econômica afetava o status e a condição da figura
do provedor.
As vinhas da ira retrata um dos
períodos mais chocantes da história dos Estados Unidos: a grande
depressão que teve uma forte influência sobre Steinbeck que estava
preocupado em documentar a vida
diária das pessoas através da sua ficção e carreira. O romance conta a
história da migração da família Joad
de Oklahoma para a Califórnia. É
um êxodo irônico, sobretudo porque as expectativas dos Joads são
frustradas na Califórnia. Eles saem
do lar perdido em Oklahoma para
a vida de sem teto na Califórnia, do
individualismo para a consciência
coletiva, do egoísmo para o amor
para com o próximo, do “eu” para
o “nós”, como está expresso no capítulo quatorze.
Um dos personagens mais importantes do romance não é na realidade membro da família Joad, o
ex-pregador da região, Casy. É ele
quem vai influenciar na educação
social dos Joads, timidamente nas
relações de gênero, e mais efetivamente nas relações com pessoas de
fora da família. Quando os Joads
estão se preparando para sua viagem em direção à California, cada
membro da família tem uma tarefa
específica; Casy se junta a eles e decide ajudar a matriarca da familia,
Ma Joad, a salgar o porco que é o
alimento que eles terão para comer
ao longo da viagem:
Deixe-que eu salgue esta carne falou. - Eu sei fazer isso. E a senhora tem outras ocupações. Ela
lançou um olhar singular ao pregador, como se este tivesse sugerido
algo extraordinário. - Não, isso é
trabalho de mulher – disse, afinal. - É trabalho – replicou o pregador. – temos muito que fazer
para estar fazendo diferença entre
trabalho de homem e de mulher
(VI, p. 110).
Esse diálogo pode não parecer
de grande relevância a principio,
contudo, levando-se em conta ser
este um romance cujo autor é considerado misógino, já seria
impactante um personagem com
uma visão moderna das relações de
gênero ainda no início do século
XX. A própria Ma Joad, parece
chocada com a proposta de Casy.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
267
Relações de gênero em
As vinhas da ira de Steinbeck
268
Isso porque os Joads tem todo um
ritual patriarcal seguido à risca
pela família.
O diálogo de Casy com Ma
Joad expõe o sistema patriarcal que
dita as relações de gênero e que vem
impondo opressão e exploração
sobre as mulheres. A história da submissão das mulheres é baseada no
sistema de sexo/gênero, isto é, um
sistema culturalmente produzido
onde há hierarquia marcada pelo
poder masculino, e Ma Joad se ajustou a ele. De fato, ela era culturalmente obrigada a tal ajuste. Casy é
o único homem no romance que
vê a divisão de trabalho diferente dos
demais, e ele é capaz de quebrar regras assim como ela o fará após
muito esforço para sobreviver.
A atitude de Casy revela o que
a crítica sobre sexo/gênero tenta
descortinar, ou seja, a crença que o
papel da mulher é, sobretudo biológico e limitado a esfera privada,
com atividades tais como cozinhar
e amamentar, em contraste com o
papel masculino. Contudo, Kate
Millet no seu livro Sexual Politics
(1970), já defendia que há distinção entre “sexo” e “gênero” e que
o primeiro é determinado biologicamente, enquanto que o segundo, culturalmente, sendo um
conceito psicológico. Casy, enquanto homem, parece entender isso, ao
contrário da personagem feminina, Ma Joad.
De acordo com Beauvoir no
seu livro O Segundo Sexo lançado em
1949, o papel biológico da mulher
é uma construção cultural, uma vez
que ninguém nasce mulher, mas se
torna mulher. As principais personagens femininas de Steinbeck neste romance, com será visto adiante,
de fato não transcendem essa crença essencialista, mas esboçam uma
reação importante que é a luta pela
liberdade de expressão e a manutenção da família.
Desde as primeiras páginas do
romance, o leitor percebe a importância de Ma Joad; o narrador a
descreve como sendo a cidadela da
família. E é isso que ela se torna ao
longo da jornada. A família é apresentada como sendo governada
pelo patriarca, o velho Tom Joad,
porém o nível de tradição patriarcal era tão grande que o pai dele
detinha o titulo honorário de chefe
por ser o homem mais velho da
família, mesmo estando impossibilitado de governar a si próprio.
Quando os Joads vão decidir se
Casy pode ir ou não com eles para
a Califórnia, os homens se reúnem
em um círculo do qual as mulheres
não podem participar, ficando à
margem dele. O velho patriarca
Tom Joad pergunta a sua esposa se
dá para levar mais um mesmo com
tanta escassez de comida. Ma Joad
aspirou profundamente e disse: “A
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Daise Lilian FFonseca
onseca Dias
questão não é saber se podemos; a
questão é saber se queremos - disse
com firmeza. – Quanto a poder,
acho que não podemos, mas quanto a querer, a gente querendo faz o
que pode” (VI, p. 105).
Após estas palavras, os homens
da família parecem perceber mais
claramente a importância de Ma
Joad. Essa mulher que só fala com
permissão do chefe da família, na
realidade é uma mulher que tem
uma visão extremamente humana
e aglutinadora, em seu papel de
mãe, mas é também uma mulher
acomodada em seu papel de submissa. Esta sua fala instigando seu
marido a levar o ex-pregador seria o primeiro passo para a desconstrução das relações de gênero
iniciada por Casy.
A transformação de Ma Joad de
uma mulher totalmente acomodada aos padrões patriarcais para a líder da família acontece de modo
gradativo. A inversão gradual do
papel de liderança parece ser consolidada quando a família Joad pára
na estrada e conhece um casal chamado Wilson e Sairy. Esses também
são retirantes miseráveis, mas dividem sua tenda com os Joads cuja
avó está à morte.
O caminhão dos Wilsons quebra e o jovem Tom Joad, o filho
mais velho e também o mais querido de Ma Joad, sugere que a fa-
mília prossiga enquanto ele e Casy
ficariam para fazer o conserto. A
idéia é aceita pelo patriarca, entretanto pela primeira vez, Ma Joad
se revolta e expressa seu descontentamento, ela: “Pegou no macaco [do carro] e ficou a brandí-lo
levemente. – Não vou – repetiu.
Só saio daqui arrastada. – E brandiu o macaco” (VI, p. 178). E para
surpresa de todos, ameaça seu
marido que estava indignado com
sua revolta: “Vem pra tu ver... experimenta me bater...vou esperar
até que tu feche os olhos e aí te
racho a cabeça!” (VI, p. 178).
Ma Joad neste momento desafia seu marido e coloca em risco a
si mesma pelo que mais significava
para ela, a manutenção da família.
Neste momento, todos acompanhavam o desenrolar: “Olhavam
Pai, esperando a sua explosão de
cólera. Olhavam-lhe as mãos frouxas, a espera de que elas se erguessem em fúria. E Pai não se
encolerizava...E num instante,o grupo sabia que Mãe tinha vencido
(VI, p. 178). O antigo líder, o velho
Tom Joad torna-se submisso - embora a contra-gosto - aos desejos
de sua esposa que acaba assumindo
o controle da família, uma vez que
o seu lugar de líder se torna vazio
diante da apatia que o assola quando se vê incapaz de preencher seu
papel de provedor.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
269
Relações de gênero em
As vinhas da ira de Steinbeck
A partir deste momento, Ma
Joad passa a decidir inclusive para
que cidade a família deve ir; isso
ocorre não porque ela quer a liderança da família, mas porque seu
marido cai na obscuridade, sendo
incapaz de tomar decisões, tamanho
é o seu estado de choque diante de
sua própria incapacidade. Entretanto, ele se sente humilhado com a
crescente liderança de sua mulher.
O velho Tom Joad realça uma ameaça que é logo contra-atacada por
sua esposa:
270
Parece que as coisas ‘tão mudando
– disse [ele] sarcástico. – Me lembro do tempo que era o homem que
dizia o que se devia fazer. Parece
que agora e a mulher que faz isso.
Acho que ‘tá bem na hora de eu
arrumar um pau. Vai, vai buscar
um pau. – disse [Ma Joad]. No
dia em que a gente tiver um lugar
pra morar, pode ser que tu possa
usar esse pau sem que eu reaja.
Mas agora tu não faz coisa nenhuma, não trabalha e nem sequer
pensa. Quando tu ‘tiver fazendo
tudo isso... Aí tu pode meter o
pau e tua mulher fica fungando...
Mas não agora... Eu também
posso arrumar um pau pra
desancar em você (VI, p. 378).
As palavras de Ma Joad expressam que quando o homem é o pro-
vedor e protetor, ele tem o poder,
mas quando ele se identifica com a
perspectiva da fraqueza e não mostra suas características associadas ao
masculino, por exemplo, ele adquire características atribuídas ao feminino, tais como, fragilidade e
impotência. Quando Ma Joad desafia seu marido, ela diz que ambos
estão no mesmo nível. De certo
modo ela reproduz o discurso patriarcal de que a mulher é inferior
ao homem quando ele tem sucesso
e ela não. Ma Joad afirma que será
submissa quando o homem for de
fato o provedor. Mas em tempos
difíceis como o que estão vivendo,
existe igualdade, e neste momento
uma atitude diferente por parte dela,
enquanto mulher, é necessária.
A grande depressão e a chegada
da industrialização estavam balançado as relações de gênero na família; as antigas regras não serviam
mais, uma vez que não havia mais
lugar para a hierarquia familiar. O
velho Tom Joad reclama, mas faz a
escolha de seguir sua mulher pelo
bem da família. A figura paterna
perde seu poder no momento em
que o velho Tom Joad sucumbe ao
poder feminino. Não lhe resta mais
fonte de força: seu pedaço de terra
se foi, o que restou da família vive
em tendas sujas, não há comida nem
trabalho, e ele perdera seu poder de
liderança.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Daise Lilian FFonseca
onseca Dias
A fonte de poder de Ma Joad,
entretanto, é o seu desejo de manter a família unida e junta. Sua sabedoria refletia não apenas a mudança
que ocorreu em seu interior, mas em
uma sociedade que estava, como
ainda está, em processo de reconhecimento da capacidade da mulher
de desempenhar tarefas antes consideradas próprias para o homem.
Uma outra mulher no romance
a sofrer as implicações das relações
de gênero em mutação nesse novo
universo de ponta cabeça é a filha
mais velha de Ma Joad, Rose of
Sharon, cujo marido a abandona
em plena gravidez, uma vez que,
enquanto grávida, seu “sex-appeal”
se perde gradativamente. Na realidade, o fator mais decisivo que faz
Connie abandonar sua esposa e o
bebê é o fato de Rose of Sharon
ser totalmente dependente dele, ao
contrário de Ma Joad.
Rose of Sharon não imagina a
si própria agindo; seus sonhos são
passivos, ela apenas se vê recebendo. Seu senso de conquista está ligado a figura do seu marido. É
através dele que ela espera superar
suas próprias limitações. Beauvoir
(1980) diz que o homem é uma espécie de elo entre a mulher e o universo, de fato, Connie é este elo para
sua mulher, sobretudo porque ele é
quem deve trabalhar, prover, lutar,
agir e dar a Rose of Sharon o seu
sentido de existência. Mas, Connie
a deixa também por não ser capaz
de dar vida ao mundo idealizado
que ela havia construído para ambos. Em um mundo industrializado, apesar de viver à margem dele,
Connie rejeita uma esposa que não
tem nada material para lhe oferecer, especialmente porque ele representa o ideal de modernidade
negativa no romance. De modo que
para atingir seus objetivos que são
abandonar a agricultura, estudar rádio e conseguir um emprego numa
grande empresa e ter sucesso financeiro, Connie tem que destruir sua
família, rompendo todos os laços
com um passado de atraso e miséria.
Antes de Connie ir embora, Rose
of Sharon parece ser intuitivamente preparada por sua mãe para enfrentar as tragédias da vida. Ma
Joad, em um diálogo tocante, dá o
seu único par de brincos para a filha, apesar de Rose of Sharon não
ter orelhas furadas. Eles funcionam
como um símbolo do papel de mãe
que ela devera assumir um dia, ou
como a entrega de um bastão entre
líderes. Gladstein (1986) diz que Rose
os Sharon deve suportar a dor de
ser furada. Simbolicamente, ela deve
sofrer para provar a si mesma de
que está pronta para assumir algum
dia a responsabilidade e a posição
de sua mãe. Ma Joad ensina a sua
filha sobre o curso da vida, prepa-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
271
Relações de gênero em
As vinhas da ira de Steinbeck
272
rando-a para a alegria, solidão, terror e até para a dor que faz parte
da continuação da vida.
Rose of Sharon muda após essa
espécie de rito de passagem; passa
a se preocupar com o resto da família e consegue um emprego
como coletora de frutas, porém seu
esforço é tão grande que ela perde
o bebê. Neste ponto da narrativa, a
família Joad está em condições mais
miseráveis do que quando iniciou
sua jornada em busca de emprego
na Califórnia. Até seu único bem
material, um velho caminhão, fica
preso na chuva torrencial que cai na
noite em que Rose of Sharon perde o bebê.
Para se proteger, a família vai
para um galpão onde está um homem à beira da morte de tanta fome
e seu filho pequeno. É neste momento que Rose of Sharon decide amamentar o homem, um desconhecido.
“O homem esboçou um movimento negativo com a cabeça...[Rose of
Sharon] desfez-se do cobertor, deixando os seios desnudos. – Tem que
ser – falou, aproximando-se mais
dele, e puxando-lhe a cabeça para si”
(VI, p. 489).
Rose of Sharon parece ter
aprendido a lição que sua mãe ensinou e que pretendia prepará-la para
se tornar capaz de dar continuidade ao papel de mãe. Ela parece fi-
nalmente estar pronta para algum
dia suceder sua mãe como
matriarca, pois se torna a encarnação
da mãe universal que alimenta sua
família universal, não só aqueles com
quem tem laços de sangue.
As vinhas da ira é uma obra aberta, mas Ma Joad e Rose of Sharon
têm sua história completa nessa última cena. Essas mulheres que não
tinham permissão de participar das
reuniões de decisão da família, não
tinham voz ativa, esperavam que os
homens falassem primeiro antes de
expressarem qualquer coisa; além
disso, sendo uma velha e a outra
grávida, não tinham acesso à cabine
do caminhão – lugar considerado
de honra pelos homens – têm seu
valor reconhecido pelos membros
da família.
Em um universo caótico, a relação destas duas mulheres com o
masculino muda e vice-versa, e até
certo ponto, suas relações consigo
mesmas. Em As vinhas da ira, essa
mudança não parece ocorrer apenas pelo fato de que os homens da
família Joad mudaram muito sua
visão em relação ao seu comportamento no tratamento para com as
mulheres de sua família – com exceção de Casy. Homens e mulheres
aceitam as mudanças pelo bem da
família, uma vez que não têm outra saída.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Daise Lilian FFonseca
onseca Dias
REFERÊNCIAS
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: a experiência vivida. Trad. Sérgio Milliet. v. 2.
9. imp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
CAMPOS, Maria Consuelo Cunha. Gênero. In: JOBIM (Org.). Palavras da crítica. Rio de
Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1992.
FRIEDAN, Betty. The feminine mystique. New York: Norton, 1963.
FUNCK, Susana B. (org.) Trocando idéias sobre a mulher e a literatura. Florianópolis:
UFSC, 1994.
GLADSTEIN, Mimi Reisel. Missing women: the inexplicable disparity between women in
Steinbeck’s life and those in his fiction. In: NOBLE, Donald R. (Ed.). The Steinbeck
question: new essays in criticism. New York: The Whitston, 1993. p. 83-97.
_____. From heroin to supporting players: the diminution of Ma Joad. In: DITSKY, John
(Ed.). Critical essays on Steinbeck’s The grapes of wrath. Boston: G. K. Hall, 1989.
_____. From Lady Bret to Ma Joad: a singular scarcity. In: YANO, Shigeharu et al. John
Steinbeck: from Salinas to the world. Tokyo: Gaku Shobo Press, 1986. p. 24-33.
_____. The indestructible woman in Faulkner, Hemingway, and Steinbeck. In: Studies in
modern literature., n. 45. Michigan: UMI Research Press, 1986, p. 75-100.
STEINBECK, John. As vinhas da ira. 3. ed. Rio de Janeiro: Globo, 1956.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
273
274
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Literatura
Histórias
no canto
275
Lílian de Oliveira Rodrigues1
1
Graduada em Letras pela UFRN. Mestre em
Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.
Doutoranda em Letras na Universidade Federal
da Paraíba.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Histórias no canto
Personal history in popular songs
276
RESUMO
Este artigo se propõe a refletir sobre a
relação existente entre a manifestação da
literatura oral, conhecida como romance,
praticada pela cantadora de romances D.
Maria José - São Gonçalo de Amarante/
RN - e o relato pessoal de sua vida.
Interessam-nos os mecanismos pelos quais
a romanceira reinventa literariamente a sua
experiência pessoal e qual a relação
desses com os textos poéticos orais que
ela canta. Os textos orais por ela produzidos
tornam imprecisas as fronteiras entre o que
se pode considerar textos orais “literários”
e os “não-literários”. Pretende-se mostrar
como literatura e a história de vida se
entrelaçam em discursos que marcam uma
identidade cultural.
ABSTRACT
This article aims to discuss the relation
between the oral literature - known as
“romance”, practiced by the singer D. Maria
José from São Gonçalo do Amarante/RN
and the personal reports of her life.The
interesting point is the way the singer
recreates her personal experiences and the
relation with oral texts that the sings. The
oral texts produced by her have made
innacurate the borders between what can
be considered “literary” oral texts and the
“non-literary” ones. This article intendes to
show how literature and personal history
interact in discourse that shape a cultural
identity.
PALAVRAS-CHAVE
Literatura oral; cultura popular; poesia
popular.
KEY WORDS
Oral literature; popular culture; popular
poetry.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Lílian de Oliveira Rodrigues
Minha sorte o mar levou, minha
sina a Lua comeu.
D. Maria José
Militana Salustino do Nascimento é o nome de registro da mais
famosa e conhecida informante da
manifestação de literatura popular
conhecida como romance, do Estado do Rio Grande do Norte.
Nascida no município de São Gonçalo do Amarante, no povoado de
Barreiros, D. Maria José, como prefere ser chamada, vive até hoje no
sítio Oiteiro, razão pela qual é também conhecida como A Romanceira
do Oiteiro.
Por toda a aura criada em torno
de sua figura, chamou-me a atenção o fato de que todas as referências feitas ao destaque da informante
devem-se a ser ela um arquivo vivo,
guardando em sua memória mais
de quarenta romances. Ressalta-se
ainda a abordagem que é feita do
romance enquanto manifestação
cultural, seguindo uma preocupação
de estabelecer as origens, captar
marcas étnicas, segmentos temáticos
e determinar variações na estrutura
verbal do poema que revelam o
grau de fidelidade em relação à
matriz do texto.
Essa perspectiva de estudo da
manifestação cultural e sua representante destacam um enfoque dos estudos de cultura popular que tem
uma preocupação com o resgate de
tradições e as relações entre nossa
cultura do presente e a herança cultural de povos antigos. Nesse
enfoque, a cultura popular é o elemento que modera o processo cultural através do folclore, com seus
instrumentos próprios e necessários para a manutenção da ordem
cultural nacional. Daí é importante
o esforço permanente no sentido
de preservar as tradições nacionais.
O fato folclórico é definido como
antigo, anônimo e persistente
(Cascudo, 1984), desconsi-derando
as relações sociais presentes no
contexto histórico-social no qual os
indivíduos estão inseridos. Podemos
destacar dessa abordagem a maneira
de conceber o popular como
anacronismo, ligado a um passado
rural, anônimo e rude (Ayala, 1987.).
Antonio Gramsci em seu texto
Observações sobre o folclore apresenta a
noção de folclore como expressão
de uma ”concepção do mundo e
da vida” própria de certas camadas sociais determinadas em um
tempo e espaço (Gramsci, 1968).
Por essa definição, a cultura popular pode ser entendida como um
conjunto de significados vivos que
estão em contínuo processo de
modificação existindo como um
elemento indissociável da vida das
pessoas que dela compartilham. Por
essa ótica, D. Maria José não é so-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
277
Histórias no canto
278
mente admirável por sua memória,
e os romances que canta não são
somente dignos de atenção e registro por serem frutos de uma herança distante. Ambos são
expressão de como esse indivíduo
significa e reelabora suas práticas
culturais.
À sombra das mangueiras do
sítio Oiteiro, em São Gonçalo do
Amarante, temos a oportunidade de
comprovar isso. Em visitas realizadas a São Gonçalo, encontramos D.
Maria José. Aos 75 anos, apresenta-se como uma personagem típica
do interior. Fumando seu cachimbo, com o rosário pendurado no
pescoço, revela na sua simplicidade
a mesma beleza dos textos que canta.
Aprendeu os romances com seu
pai, Atanásio Salustino do Nascimento, figura conhecida na comunidade por ser o criador do mais
famoso grupo de fandango do
município, há mais de 60 anos. Ela
era sua companhia no trabalho duro
no roçado e na pesca.
Na lida diária com a lavoura,
com a fome e com o trabalho que
garantia o sustento da família, o canto e os poemas aparecem como um
ingrediente mágico e colorido que
ameniza o ofício. Nesse cenário percebe-se a poesia confundida com
um canto de trabalho que a embalava por dentro e que só muito de-
pois iria brotar, como a semente do
chão. Movimentos sincronizados: o
do barro que era escavado e o acumular de versos que sedimentavam
os longos poemas, sem lápis nem
papel, guardados nos silos da memória, como se armazena feijão,
fava e milho.
D. Maria traduzia o suor na forma de canto, fazendo de seu canto
de trabalho um ofício poético. Segundo Ayala (1989), as histórias
cantadas durante a jornada de trabalho funcionam como atividade
auxiliar nas práticas comunitárias. O
trabalho demorado e cansativo de
plantar possibilitou o aprendizado
de vários cantos. Um canto solitário e silencioso, ritmado pela melodia da enxada a bater no chão de
barro. O Oiteiro é um desses “cantos”. É o tema da despedida das
suas apresentações, quando entoa os
seguintes versos:
Lá em barreiros onde eu nasci,
Em Santo Antônio onde eu me criei
Eu vou mim bora pra meu sítio
Oiteiro
Adeus, terra (Natal), adeus.
O lugar de D. Maria José, para
o qual ela sempre volta, é mais do
que um simples espaço físico. É o
espaço simbólico no qual o indivíduo se percebe como sujeito no seu
tempo e espaço, inserido em de-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Lílian de Oliveira Rodrigues
terminadas dinâmicas sociais. Sua
terra confunde-se com sua voz,
como se esse solo fosse ele próprio
uma polifonia na qual várias vozes
e vários discursos se intercalam. Um
canto comprometido com a terra,
que é roça e semeadura, que é broto e floração. D. Maria concentrada
no que fazia, tendo consciência de
que outra era sua lavoura.
A construção dessa teia
discursiva remete à definição de
folclore por nôs apresentada.
Mikhail Bakhtin nos diz que o que
define o conteúdo da consciência
são fatores sociais, que determinam a vida concreta dos indivíduos nas condições do meio social
(Bakhtin, 1999). O discurso não é
a expressão da consciência. No
entanto a formação desta se dá
pelo conjunto dos discursos
interiorizados ao longo da vida do
indivíduo. O universo de D. Maria José é permeado por vozes que
inter-relacionam bens culturais diversos. Os textos orais por ela
produzidos tornam imprecisas as
fronteiras entre o que se pode
considerar textos orais “literários”
e os “não-literários”.
Dessa forma, literatura e história de vida se entrelaçam em discursos que marcam uma identidade
cultural. Os romances e a vida de
D. Maria José formam um tecido
narrativo no qual pode-se identifi-
car as representações que essa mulher constrói do mundo e como se
formam as relações do grupo social no qual ela está inserida. Uma voz
que se conta enquanto canta.
É possível pensar o canto da
cantadora como uma poesia que
transborda dos poemas para a sua
vida e que se refaz no cotidiano, na
relação com sua terra, sua religiosidade, seus familiares e vizinhos. Suas
palavras confundem-se com seus
versos. Captamos nelas uma maneira
própria de “dizer” o mundo. Para
narrar sua história ela utiliza os recursos da poesia. Ao evento trágico da morte de seus filhos pequenos
refere-se de maneira muito singular: a riqueza que me rendeu a vida foi
família. Tive dezoito filhos, sete eu criei,
onze Deus criou.
A mesma poeticidade que
dedica ao grave fenômeno social
da mortalidade infantil que atinge
as classes subalternas, D. Maria
aplica à análise de sua trajetória
pessoal: Nasci no dia de São José, 19
de março, dia de São José, a maré tava
vazante e a lua tava minguante, tenho
sorte? Minha sorte o mar levou e minha
sina a lua comeu.
No entanto a reflexão, profundamente irônica, não aparece como
um discurso conformista, mas sim
revela o grau de consciência que
tem a romanceira em relação às reduzidas escolhas oferecidas às que,
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
279
Histórias no canto
como ela, têm uma dupla condição de submissão num universo
discursivo predominantemente
masculino e dominado pela classe
social hegemônica.
Maria José tem consciência do
seu “canto”, tanto como lugar social quanto como atividade artística. Quando vai cantar desenha uma
postura altiva. O polegar apoiando
o queixo completa a expressão
introspecta do rosto. Dessa “pose”
canta seus romances de forma solene, deixando fluir a voz gutural.
Criticou-me quando tentei imitar
seus versos. Leva o seu canto a sé-
rio. Não aceita que se cante o bendito e se dance ao mesmo tempo.
Não se mistura santo com brincadeira,
afirma Maria José com firmeza.
É esse universo particular de cantos, lugares e histórias que se percebe na trajetória de D.Maria José. Ela
nos permite olhar a cultura popular
a partir da ótica de quem se representa através dela. Entender as relações sociais presentes na vida e na
comunidade onde está inserida a
cantadora significa construir a narrativa de vida dessa mulher pela dimensão de sua voz.
280
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Lílian de Oliveira Rodrigues
REFERÊNCIAS
AYALA, Marcos; AYALA, Maria Ignez Novais. Cultura popular no Brasil; perspectivas
de análise. São Paulo: Ática, 1987. (Série Princípios).
AYALA, Maria Ignez. O conto popular: um fazer dentro da vida. In: Anais do IV Encontro
Nacional da ANPOLL. São Paulo, jul. 1989.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1999.
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
CASCUDO, Luís da Câmara. Literatura oral no Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São
Paulo: EDUSP, 1984.
CIACCHI, Andrea. A história somos nós: reflexões sobre histórias de vida, autobiografia,
cultura popular, narradores e pesquisadores. Revista Política e Trabalho, João Pessoa,
n. 13, p. 223-235, set. 1977.
GRAMSCI, Antonio. Literatura e vida nacional. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
GURGEL, Deífilo. Espaço e Tempo do Folclore Potiguar. Natal: Prefeitura de Natal
FUNCART (PROFINC): Secretaria do 4º Centenário, 1999.
XIDIEH, Oswaldo Elias. Narrativas populares: estórias de Nosso Senhor Jesus Cristo e
mais São Pedro andando pelo mundo. São Paulo: EDUSP; Belo Horizonte: Itatiaia, 1993.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
281
282
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Literatura
Augusto dos Anjos:
a poética alegórica
das ruínas
283
Rosilda Alves Bezerra1
1
Graduação em Letras (UFRN). Mestre em
Comunicação e Semiótica (PUC/SP). Doutora em
Letras pela Universidade Federal da Paraíba
(UFPB). E-mail: [email protected].
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Augusto dos Anjos:
a poética alegórica das ruínas
Augusto dos anjos: The allegorical
poetics of the ruins
284
RESUMO
Este artigo apresenta uma leitura de
alguns poemas de Augusto dos Anjos, lidos
a partir do aspecto de alegoria das ruínas,
analisado por Benjamin. A alegoria, assim
como a ironia, cria um duplo nível de leitura,
pois, ao mesmo tempo que objetiva impor
um sentido interpretativo de si mesma,
provoca a busca da essência subjacente à
aparência. A “metafísica do horror”, inserida
na poética de Augusto, denuncia, através
da melancolia, a decadência humana. O eu
lírico, ao assumir seu destino de ruínas,
torna-se capaz de distanciar-se da realidade
tal qual se lhe afigura. A sua saída é a
alegoria, e é através dela que ele alcança a
salvação e a transcendência.
ABSTRACT
This article presents a reading of some
poems by Augusto dos Anjos read from the
perspective of the allegory of the ruins,
analysed by Benjamin. Allegory, like irony,
creates a double level of reading, because
from one hand it has the objective of
imposing an interpretative sense of itself, it
provokes a search for the essence which
lies under appearance. The “metaphysical
of horror” in Augusto dos Anjos’ poetics,
denounces through melancholy, human
decadence. When the lyrical self assumes
its history of ruins, becomes able to separate
itself from reality, on the same way it
appears. Its scape gate is allegory, and it is
through allegory that he reaches salvation
and transcendence.
PALAVRAS-CHAVE
Alegoria; ironia; melancolia; Augusto
dos Anjos.
KEY-WORDS
Allegory; irony; melancholy; Augusto
dos Anjos.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Rosilda Alves Bezerra
A palavra alegoria vem do grego allós (outro) agourein (falar) que
significa “outro discurso”. Como
procedimento de ornamentação a
alegoria pode ser analisada na leitura do Livro II de A República, de
Platão2 , sendo que a primeira definição nos é oferecida por Aristóteles
na Poética.3 Mais adiante Cícero e
Quintiliano retomam a discussão do
vocábulo dando à alegoria um novo
significado. Cícero indica no De
oratore, 27,4 que a alegoria é uma
transição do sentido próprio ao sentido figurado. A alegoria teria para
o retórico uma função didática, uma
vez que a fusão dos dois sentidos
constitui um objetivo de clareza.
Quintiliano, em sua Instituição
Oratória III, Livro VIII,4 mostra que
a alegoria, em latim inversio, apresenta
um sentido contrário à significação
comum das palavras, e às vezes até
o oposto de sua significação habitual. Inclui em sua definição de alegoria à ironia como tropo de
oposição, uma vez que a ironia estabelece contraste entre o modo de
enunciar o pensamento e seu conteúdo, isto é, ela afirma para dizer
outra coisa.
A redefinição de alegoria na
modernidade foi elaborada por
Lausberg, ao retomar as definições
anteriores de Cícero e Quintiliano.
Para ele, a alegoria é “a metáfora
continuada como tropo de pensa-
mento, e consiste na substituição do
pensamento em causa por outro, que
está ligado, numa relação de semelhança, a esse mesmo pensamento.”6
João Adolfo Hansen7 apresenta
dois tipos de alegorias: “alegoria dos
poetas” e “alegoria dos teólogos”.
A primeira indica uma técnica metafórica de representar e personificar
abstrações, ou seja, a alegoria neste
caso é entendida como uma representação concreta de uma idéia abstrata. Escrever sobre essa alegoria é
retomar a oposição retórica sentido
próprio/sentido figurado. A alegoria seria mimética, da ordem da representação, funcionando por
semelhança. O segundo tipo de alegoria, a dos teólogos, é definida
como interpretação religiosa de textos sagrados, que engloba na sua caracterização um valor interpretativo
ou hermenêutico.
Usamos, nesse trabalho, a alegoria que funciona como processo
retórico, isto é, remete a outro nível
de significação; diz uma coisa para
significar outra, e é caracterizada
pela transposição contínua do sentido próprio no figurado. Quando
se afirma algo que, na verdade, se
quer negar temos uma antífrase ou
ironia. No caso do uso desse mecanismo lingüístico, o sentido que se
deve entender é o contrário do que
está dito. Com esses mecanismos,
o leitor é levado a atentar melhor
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
285
Augusto dos Anjos:
a poética alegórica das ruínas
286
para o que foi dito e, assim, aceitar
mais facilmente o que foi comunicado. Com eles, o poeta vela significados para desvelá-los, revela
sentidos para escondê-los. Dessa
forma, a alegoria, assim como a ironia, cria um duplo nível de leitura,
pois, ao mesmo tempo que objetiva impor um sentido interpretativo
de si mesma, provoca a busca da
essência subjacente à aparência.
Dessa conceituação genérica da
alegoria, buscamos em nossa investigação a alegoria que foi usada pelo
barroco, como emblema do fragmento e da ruína. Esse procedimento alegórico repete-se em grande
parte na poética de Augusto dos
Anjos. Segundo Sarduy, o barroco
pode ser definido não somente
como um período específico da história da cultura, mas também como
uma atitude generalizada e uma qualidade formal dos objetos que o
exprimem. Nesse sentido, para o
autor, “pode haver barroco em qualquer época da civilização”.8 Assim,
procuramos observar na poesia de
Augusto dos Anjos, a alegoria que
mais se identifica com sua poética,
ou seja, a que traz como emblema
sua construção caótica e de ruína.
Em função disto, procuramos abordar o conceito de alegoria barroca
analisado por Walter Benjamin9 .
Nesse tipo de alegoria, “a visão
de transitoriedade das coisas e a
preocupação em salvá-las para a
eternidade estão entre os temas mais
fortes”. 10 A alegoria se instala de
modo durável onde o efêmero e o
eterno coexistem mais intimamente. A alegoria, tanto a barroca quanto
a do poeta alegorista, descobre a
natureza e a história segundo a ordem do tempo, fazendo da natureza uma história e transformando a
história na natureza.
Ruína e decadência marcam o
caráter saturnino11 do século barroco e da modernidade. O século barroco mostra as ruínas de tudo o que
é “corpóreo, mau, temporal”; o século XIX é o mundo plasmado das
coisas, das mercadorias. Mundo do
homem inteiramente reificado, sem
expressão ou comunicação. Seu emblema é o da ruína, o da decomposição. Para Benjamin, “por ser muda
a natureza decaída é triste. Mas a inversão dessa frase vai mais fundo na
essência da alegoria; é sua tristeza que
a torna muda”.12 O lamento é a mais
impotente expressão da natureza e
da história. O homem, o déspota
arbitrário, não ouve mais. “Em todo
luto”, escreve Benjamin, “existe uma
tendência à mudez, que é infinitamente mais que a incapacidade ou a relutância de comunicar-se”.13 Como a
alegoria é uma figura muda, também
a meditação melancólica é sem som:
respeita o mutismo das coisas e, com
isso, o seu luto.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Rosilda Alves Bezerra
Para Freud 14 , o luto, embora
“normal”, conserva uma relação
perversa com a melancolia; não
obstante a tentativa freudiana de
fazer deles conceitos distintos, ambos, segundo Benjamin, se mesclam. Se o luto se caracteriza pela
capacidade de o sujeito retornar o
seu interesse para o mundo externo
em novos investimentos, desligando-se do objeto perdido, é esse
desprendimento que, na melancolia, fracassa. Se o eu é uma espécie
de “precipitado” de identificações
imaginárias, com a morte do objeto o eu também deverá morrer. Isso
é o que se passa com o luto: para
manter o objeto amado, o sujeito o
imita, finge-se de morto.
Em “Luto e melancolia”, Freud
considera que a dor do luto não é
dor da separação, mas dor de ligação, pois o que dói não é o separarse, mas apegar-se mais do que
nunca ao objeto perdido. O sujeito
fica surpreso ao sentir que sua dor
não é tanto por não ter mais perto
de si o objeto, mas por tê-lo presente, mais presente do que nunca.
Assim, constatamos que a dor não
é imediatamente ligada à perda, mas
ao trabalho de luto; entendemos que
a palavra “luto” significa não “perda”, mas reação à perda.
Freud15 indica que o luto é uma
retirada do investimento afetivo da
representação psíquica do objeto
amado e perdido. O luto é um processo de desamor. É um trabalho
lento, detalhado e doloroso, que
pode durar dias, semanas e até meses. Ou ainda toda uma vida. Entretanto, o trabalho de luto consiste
em que, terminada a elaboração da
perda, o sujeito retorna à vida, porque finalmente pôde se reportar à
morte. Para Freud, o luto é a passagem do mutismo à palavra.
Walter Benjamin,16 na explanação
sobre O luto na origem da alegoria, afirma que a “natureza primeva é muda,
e por isso é triste; ou então é a melancolia que a torna muda, mas não
por uma incapacidade ou ausência
de necessidade de comunicar”.
É nesse âmbito que Benjamin
afirma ser a alegoria a figura característica da tragédia barroca, uma
vez que, para a alegoria, o mundo
das coisas tem como função significar a morte. Para Benjamin, os
objetos ou sujeitos da contemplação alegórica pertencem ao domínio daquilo que é fragilizado,
desprezível, miserável. Não é aleatoriamente que o paradigma mais
próximo da natureza no que ela tem
de mais decomposto é a caveira.
Para Benjamin, do ponto de vista
da morte, a vida é processo de produção do cadáver. Não somente
com a perda dos membros e com
as transformações que se dão no
corpo que envelhece, mas com to-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
287
Augusto dos Anjos:
a poética alegórica das ruínas
288
dos os demais processos de eliminação e purificação, o cadáver vai
se desprendendo do corpo, pedaço por pedaço.17
O barroco se configura como
o reino da desilusão, do fragmento,
e traz a natureza como cenário desse sofrimento do mundo. É nessa
correspondência entre a natureza e
o homem — natureza decaída, homem decaído — que unimos a poética de Augusto dos Anjos. Na
poesia estabelece a união entre dois
mundos de “ruínas” que tentam se
salvar buscando a transcendência
através da alegoria e da ironia. Esta
seria a salvação alegórica. Tal como
a alegoria, a ironia também nutre
esse caráter paradoxal. O homem
decaído é o homem irônico. Essa
“metafísica do horror” denuncia a
decadência humana. O eu lírico, ao
assumir seu destino torna-se capaz
de distanciar-se da realidade tal qual
se lhe afigura. A sua saída é a ironia,
a sua saída é a alegoria; é através
delas que ele alcança a salvação e a
transcendência.
O homem e a natureza se constituem de queda e declínio; o homem “arrasta a natureza em sua
queda”, e assim, o que era representado como um ideal de harmonia e beleza, passa a não mais existir.
Disso resulta a culpa, como afirma
Rouanet, do homem e da natureza.
Para ele, a natureza é culpada, e bus-
ca reabilitar-se através da palavra
pela qual o homem a nomeia, ou
da leitura pela qual o alegórico lhe
atribui significações; o homem é
culpado, e somente nessa leitura, que
proclama a caducidade do mundo
e de si mesmo, pode encontrar perdão. Na alegoria, a mortalidade e a
imortalidade se condensam. 18
Nesse sentido, a alegoria produz o mesmo caráter paradoxal da
ironia; para Rouanet, “a alegoria remete aos sofrimentos e mutilações
da história, mas com isso salva os
vencidos para a vida eterna, e por
outro lado exprime a vitória dos
poderosos, mas ao mesmo tempo
os condena ao abismo.”19 Na versão de alegoria em Benjamin,
Rouanet apresenta o mundo enquanto ruína, um mundo que desmorona, típico da ambivalência
alegórica que “designa o que foi
destruído pelos opressores, ao mesmo tempo que aponta para a desagregação do mundo que eles
construíram com os escombros”. 20
Assim, destacaremos algumas imagens poéticas que, configurando-se
em representações alegóricas com
relances de ironia, vinculam-se à obra
de Augusto dos anjos, permeada
pela “culpa, o excesso e o desejo
de construir uma nova ordem”.21
Das imagens que se apresentam
no Eu e outras poesias, alguns exemplos posteriormente indicados es-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Rosilda Alves Bezerra
tão relacionados com a temática da
alegoria no que se refere ao tema
da morte como reconstrução, ou ao
nascimento de uma nova vida através da morte. No poema Vozes da
morte (234), por exemplo, o eu poético dirige-se ao “Tamarindo” com
intimidade, considerando como
evidente e real a morte de si e da
árvore.
01
02
03
04
Agora, sim! Vamos morrer, reunidos,
Tamarindo de minha desventura,
Tu, com o envelhecimento da nervura,
Eu, com o envelhecimento dos tecidos!
Mas é um fim que terá um recomeço após a deterioração; é a
reconstrução de uma vida futura,
purificada, a partir das ruínas e dos
escombros aos quais serão reduzidos. É o que está presente na estrofe seguinte:
05
06
07
08
Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos!
E a podridão, meu velho! E essa futura
Ultrafatalidade de ossatura,
A que nos acharemos reduzidos!
O verso 08 aponta para uma
posição irônica e alegórica, pois
anuncia o sentido de negatividade e
decadência configurado no termo
“Vencidos“. O verso 1 se compõe
de uma frase exclamativa: “Ah! Esta
noite é a noite dos Vencidos!”. O
uso de uma frase exclamativa, ca-
racterizada pela ironia, acontece da
seguinte forma: o sujeito não diz por
admiração e exaltação, e sim para
enunciar e querer dizer o seu desdém, o escárnio. Além de o termo
“noite” se referir ao que é sombrio
e negativo, faz com que haja ênfase
nesse termo: “Esta noite é a noite
dos Vencidos”, com o tom
exclamativo denote um tom irônico. Quando se relaciona estes versos com os versos seguintes, nota-se
uma indicação de reiteração de palavras que alude ao campo semântico do baixo, do negativo:
“podridão”, “ultrafatalidade”,
“ossatura”, ou seja, essa estrofe
anuncia toda a atmosfera de “noite
de vencidos”. O termo “Vencidos”
é abstrato, não exerce uma simples
função adjetiva, mas assim adquire
um teor alegórico, quando transformada em termo concreto. O eu lírico usa o tom retórico 22 para
conferir uma tonalidade solene a
algo que tende ao declínio.
O eu lírico, de um modo sardônico, zomba da própria desgraça,
uma vez que ele se inclui no discurso. Esse tom irônico é acentuado
pela semântica da locução adjetiva
“noite dos vencidos”. Outros vocábulos que vêm a seguir, como
“podridão” e “ossatura”, denotam
a certeza do que irá ocorrer com o
corpo humano. A “podridão” aparece como o irônico destino do
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
289
Augusto dos Anjos:
a poética alegórica das ruínas
290
homem. A “ossatura”, por
corresponder, no processo da morte, a uma fase última e resistente da
matéria corporal, possui menor
poder de repulsão do que a “podridão”.
Inicialmente apresenta-se a função última do corpo, representada pela “ultrafatalidade de
ossatura” (v. 07). Ou seja, como o
homem evolui para a finitude, o
corpo em decomposição se encaminha para a caveira, traço característico da alegoria. No
entanto, o que significaria um fim
total da existência, passa a ter o
sentido de esperança apresentada
nos dois tercetos:
09
10
11
12
13
14
Não morrerão, porém, tuas sementes!
E assim, para o Futuro, em diferentes
Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,
Na multiplicidade dos teus ramos,
Pelo muito que em vida nos amamos,
Depois da morte, inda teremos filhos!
O eu lírico conclui no último
verso do segundo terceto: “Depois
da morte, inda teremos filhos!” (v.
14). Ele faz da morte a imagem gloriosa de um retorno, pois da árvore morta restarão as sementes, e da
carne que se decompõe restará o
adubo que as nutrirá. O poema
mostra a união entre homem e natureza numa contínua e perpétua
simbiose.
Apesar de os dois (homem/natureza) serem reduzidos a “ossos”,
o corpo que se diluiu na terra nutrirá
as sementes da árvore numa tentativa de reassegurar a continuidade perdida. No sentido da alegoria barroca,
isso representa a construção de uma
nova ordem a partir da
desconstrução da ruína, que se renova com a criação de uma nova vida.
As imagens da caveira como
símbolo paradigmático da alegoria
e, lembrando Rouanet, “o objeto
mais remoto do humano, mais próximo da natureza no que ela tem de
mais decomposto”, também se faz
presente em Os doentes (236). Na última estrofe da Parte IV, o eu lírico,
depois de mostrar as vicissitudes
pelas quais pena o ser humano:
167 Em vez de prisca tribo e indiana
tropa
168 A gente deste século, espantada,
169 Vê somente a caveira abandonada
170 De uma raça esmagada pela Europa!
No mesmo poema, na quarta
estrofe da parte V, ele mostra a caveira de modo alegórico, reafirmando uma ambivalência: a caveira é um
indício de morte e, ao mesmo tempo, transfere-se à interioridade do eu
lírico que é a própria imagem da ruína e do fim. A mesma alegoria da
ruína está presente na parte VIII, na
estrofe 9, do referido poema:
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Rosilda Alves Bezerra
183
184
185
186
Perfurava-me o peito a áspera pua
Do desânimo negro que me prostra,
E quase a todos os momentos mostra
Minha caveira aos bêbedos da rua.
(...)
363 E hirto, a camisa suada, a alma
aos arrancos,
364 Vendo passar com as túnicas obscuras,
365 As escaveiradíssimas figuras
386 Das negras desonradas pelos brancos;
As partes V e VIII revelam alegoricamente a desilusão do homem bar roco. Na visão
benjaminiana a morte é o conteúdo mais geral da alegoria barroca, e é nos versos 186 e 365 onde
encontramos o efeito da alegoria,
a metamorfose do vivo no morto: a “caveira” como significado
do tempo que tudo destrói.
No início do soneto Natureza
íntima (317), a Natureza aparece
introspectiva. Como personificação
ela se olha a si mesma, procurando
respostas para sua existência e, assim como, para a sua real função
no mundo:
01 Cansada de observar-se na corrente
02 Que os acontecimentos refletia,
03 Reconcentrando-se em si mesma, um dia,
04 A Natureza olhou-se interiormente!
(...)
09 E a Natureza disse com desgosto:
10 “Terei somente, porventura, rosto?!
11 “Serei apenas mera crusta espessa?!
Segundo Benjamin, a natureza,
por ser personificada, exala uma
tristeza infinita e representa o “retorno do morto”, é a ideologia do
vencedor. O espaço entre a vida
culpada (tomada pela violência, ruínas, dor e morte), e a vida justa é o
espaço para o que pode voltar: a
morte. Ao mesmo tempo que se fala
da natureza propriamente dita,
abre-se o espaço para sugerir uma
natureza íntima, ou seja, a natureza
interior que existe em cada um de
nós. Os versos denunciam uma
natureza que se auto-reflete e, há
também uma auto-reflexão sobre
o sentido último das coisas:
12 “Pois é possível que Eu, causa do
Mundo,
13 “Quanto mais em mim mesma me
aprofundo,
14 “Menos interiormente me conheça?!”
O objeto mudo representado
pela natureza recebe uma voz. O
sujeito tenta reconciliar-se com o
“Mundo” fazendo a natureza falar.
A Natureza parece estar de luto, envolvida pela “imortal monotonia” (v.
07) em que se revela sua total indiferença ao que acontece em sua volta.
Para Benjamin, “em todo luto existe
uma tendência à mudez, que é infinitamente mais que a incapacidade ou
a relutância de comunicar-se”23. A
natureza é triste porque é muda; nesse
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
291
Augusto dos Anjos:
a poética alegórica das ruínas
292
impulso de se interrogar intimamente, reflete-se o caráter de ruína como
elemento alegórico e se configura em
um paradoxo irônico: “quanto mais
se aprofunda, menos se conhece”.
Nos versos 12, 13 e 14 a interrogação e o espanto deixam em suspenso
uma pergunta que é feita à própria
Natureza.
Outro aspecto relevante na poesia de Augusto dos Anjos é a alegoria que Benjamin atribui a alguns
autores que vêem na cidade a essência de ruína. Quando escreve
que o “drama barroco viu o cadáver de fora, Baudelaire o vê de
dentro”, Benjamin refere-se à natureza do cenário barroco (em ruínas). Ela é aquela onde o poetaalegorista contempla como ruínas
internas. A ruína exterior é sentida
como ruína interior, conforme
demonstra essa estrofe do poema
de Augusto dos Anjos, Noite de um
visionário (275):
57 A cidade exalava um podre bafio:
58 Os anúncios das casas do comércio,
59 Mais tristes que as elégias de Propércio,
60 Pareciam talvez meu epitáfio.
(...)
73 Um necrófilo mau forçava as lousas
74 E eu — coetâneo do horrendo cataclismo
—
75 Era puxado para aquele abismo
76 No redemoinho universal das cousas!
Alguns críticos condenam as elegias de Propércio,24 pelo mau gosto por seus assuntos macabros e por
algumas de suas expressões de degradação humana. A morte de
Cyntia e sua volta ao mundo dos
vivos é tema de várias elegias. O
poeta diz que as almas dos mortos
existem, não é uma fábula; o fantasma dos mortos escapa da pira
(fogueira em que se queimava cadáveres) e aparece entre os vivos.
Para Octavio paz, “Propércio inaugura um gênero que chegará até
Baudelaire e seus descendentes: a
entrevista erótica com os mortos”.25
Nesse sentido, a sensação de morte
que o eu lírico apresenta se assemelha as elegias de Propércio, tristes e
de lamento.
O aspecto de “ruína interior” é
observado poema Tristezas de um
quarto minguante (300), que mostra a
destruição do homem a partir do
que se passa dentro de si mesmo.
Ou seja, a destruição exterior reflete sua ruína interior. As imagens que
projetam a fragmentação no mundo exterior refletem a instabilidade
do mundo, em que o homem está
inserido, são reflexos de uma degradação interior:
107- Ah! Minha ruína é pior do que a de
Tebas!
108- Quisera ser, numa última cobiça,
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Rosilda Alves Bezerra
109- A falta esponjosa de carniça
110- Que os corvos comem sobre as
jurubebas!
Assim, o poeta compara a tragédia de Tebas26 com o infortúnio de suas próprias misérias.
Aludindo à Tebas, o eu lírico ressalta seu caráter de arruinado, pois
Tebas é um topos predestinado a
maldições, que resultam em ruínas, dos homens e do lugar. Após
o terror da presença da Esfinge
em Tebas, uma nova desgraça dizimava o país. Fenece o alimento
provindo das plantações, pois sementes e grãos não mais germinam. Os rebanhos definham no
pasto e as mulheres abortam. A
comunidade de Tebas, frente aos
terríveis males provocados e arquitetados pelos desígnios divinos
do Olimpo, duplica uma só reação de enfrentamento e súplicas.
O povo clama a seus reis como
se fossem deuses, e deles rogam a
salvação quando calamidades o abatem. Mas para as súplicas do povo
tebano não havia solução, pois seu
rei, Édipo, era o causador de tal tra-
gédia, por cometer parricídio e incesto materno. Dessa forma, por
causa da transgressão de Édipo, a
justiça divina arruina o reino e torna
miserável o destino do homem.
Édipo decifrou o enigma da Esfinge, mas não consegue decifrar o
enigma da condição humana.
O eu lírico compara a sua ruína
com a de Tebas. Ele deseja ser “a falta esponjosa da carniça/ Que os corvos comem sobre as jurubebas”. Os
termos “carniça” e “corvos” denotam valores negativos. A transposição
expressa um recurso disfêmico.27
Uma das formas mais elementares do
disfemismo irônico consiste em substituir os termos objetivos por outros
que designam realidades inferiores e
degradantes. Nesse sentido, o desejo
do eu lírico é o resultado de uma associação depreciativa do homem à
categoria do aniquilado, apodrecido.
Assim, esses fragmentos nos mostram
que a valorização dos elementos caóticos como fonte primária da decadência do humano é mais uma
necessidade de revelar o mundo
dionisíaco da poética augustiana.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
293
Augusto dos Anjos:
a poética alegórica das ruínas
NO
NOTTAS
2
294
Também denominada de “alegoria metafísica”,
em que se apresenta uma relação das idéias;
modelo entre o mundo sensível e o mundo idealizado por Platão com a passagem da alegoria da
caverna. Cf. MORIER, Henri. Dictionnare de
Poétique et de rhétorique. Èdition revue et
augmentée. 4. ed. Paris: Press Universitaires de
France, 1989, p. 73.
3
Aristóteles. Poética. Tradução, prefácio e notas de Eudoro de Sousa. Brasília: Imprensa Nacional, Casa da Moeda / Lisboa: Universidade
Nova de Lisboa, 1986.
4
HANSEN. Alegoria. São Paulo: Atual, 1986, p.
01.
5
HANSEN, 1986. p. 01.
6
HANSEN, 1986. p. 01.
7
HANSEN, 1986. p. 01.
8
SARDUY, Severo. Barroco. Lisboa: Vega,
1988. p. 97.
9
BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco
alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984.
10
BENJAMIN. O luto na origem da alegoria. op.,
cit. p. 246.
11
SONTAG, Susan. Sob o signo de Saturno.
Porto Alegre: São Paulo: L&PM, 1986.
12
BENJAMIN. O luto na origem da alegoria. op.,
cit. p. 247.
13
BENJAMIN. Op. cit, 247.
14
FREUD, S. Luto e melancolia. In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. Vol. XIV.
15
FREUD, S. Luto e melancolia. In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. Vol. XIV.
16
BENJAMIN, 1986. p. 247
17
BENJAMIN. O cadáver como emblema, 1986.
op. cit. p . 241.
18
ROUANET, Sérgio Paulo. Itinerários
freudianos em Walter Benjamin. Rio de Janeiro;
Tempo Brasileiro, 1990. p. 19.
19
ROUANET, 1990. p. 28
20
ROUANET, 1990. p. 27
21
VIANA, Chico. A alegoria em Augusto dos
Anjos. In: A sombra e a quimera. João Pessoa:
Idéia, 2000. p. 27.
22
PAIVA, Maria Helena de Novais. “Tom
retórico”. In: Contribuição para uma estilística
da ironia. Lisboa: Gulbenkian, 1961, p. 37.
23
BENJAMIN. O luto na origem da alegoria. op.
cit,. p. 247.
24
Propércio - poeta latino, nascido em Assis;
amigo de Ovídio. O acontecimento principal de
sua vida, seu amor por Cynthia (pseudônimo de
uma senhora da sociedade romana casada), fornece assunto à maioria de suas 92 elegias, que
permitem reconstituir o romance de um amor violento — misto de ciúmes, brigas, acesso de
furor e de ternura, rompimentos e reconciliações
— entre dois parceiros igualmente sensuais. Algumas elegias do IV e último livro versam sobre
a História de Roma. Cf. Maria Helena da Cruz
Silva e Anice Brito L. de Oliveira. Vocabulário
poético do “Eu”. João Pessoa: Academia
Paraibana de Letras, 1986, p. 90.
25
PAZ, Octavio. A dupla chama: amor e erotismo. São Paulo: Sciliano, 1993, p. 61.
26
Em Os sete contra Tebas, de Ésquilo, 745748, diz-se apenas que “por três vezes, em Pito,
seu santuário profético, centro do mundo, Apolo
revelara a Laio que ele deveria morrer sem filhos, se quisesse salvar a cidade (Tebas)”. O
oráculo pítico prevê a morte de Laio e a luta dos
filhos de Édipo pelo reino de Tebas. Em Édipo Rei
há dois oráculos: um em que Jocasta narra ao
filho e esposo como um “falso oráculo” predissera a Laio que ele seria assassinado pelo próprio
filho; e outro em que Édipo diz a Jocasta que o
mesmo Febo Apolo lhe vaticinara que ele desposaria a mãe e mataria o pai. Como se observa, a
distância entre as duas predições da Pítia é de
cerca
de vinte e um anos, porquanto a primeira foi feita
a Laio, após o nascimento do filho, e a segunda
diretamente a Édipo, pouco antes de matar o pai
e casar-se com a mãe, tornando-se rei de Tebas.
Cf. In: BRANDÃO, 1998. Vol III, p. 241 – 242.
27
PAIVA, Maria Helena de Novais. “Do humano
para o infra-humano”. In: Contribuição para
uma estilística da ironia. Lisboa: Gulbenkian,
1961, p. 99.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Rosilda Alves Bezerra
REFERÊNCIAS
ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996.
BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984.
BEZERRA, Rosilda Alves. Augusto dos Anjos: a ironia infausta. João Pessoa, UFPB,
2003. 260 f. (Tese de Doutorado em Literatura Brasileira).
BRANDÃO, Junito. Mitologia Grega. Rio de Janeiro: Vozes, v. 3, 1998.
CRUZ SILVA, Maria Helena da; OLIVEIRA, Anice Brito L. de. Vocabulário poético do
“Eu”. João Pessoa: Academia Paraibana de Letras, 1986.
FREUD, Sigmund. “Luto e melancolia”. In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago,
v. 14, 1976.
HANSEN, João Adolfo. Alegoria. São Paulo: Atual, 1986.
MAN, Paul de. Alegorias da leitura: linguagem figurativa em Rosseau, Nietzsche, Rilke e
Proust. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
PAZ, Octavio. A dupla chama: amor e erotismo. São Paulo: Sciliano, 1993.
PAIVA, Maria Helena de Novais. “Tom retórico”. In: Contribuição para uma estilística
da ironia. Lisboa: Gulbenkian, 1961, p. 37.
ROUANET, Sérgio Paulo. Itinerários freudianos em Walter Benjamin. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1990.
SONTAG, Susan. Sob o signo de Saturno. Porto Alegre: São Paulo: L&PM, 1986.
SARDUY, Severo. Barroco. Lisboa: Vega, 1988. p. 97.
VIANA, Chico. “A alegoria em Augusto dos Anjos”. In: A sombra e a quimera. João
Pessoa: Idéia, 2000. p. 27.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
295
296
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Literatura
Da crônica à poesia:
Uma leitura das
crônicas de Myriam
Coeli
297
Diva Sueli S. Tavares1
1
Graduada em Letras (UFRN). Mestre em
Literatura Comparada (UFRN). Doutoranda em
Educação (UFRN). Professora de língua
portuguesa na FACEX e na Faculdade Câmara
Cascudo. Professora visitante no curso de Letras
e Pedagogia da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte (UERN). Atualmente, integra a
base de pesquisa “Ensino de Literatura”, no Núcleo
de Estudos e Pesquisas em Educação, Linguagem
e Comunicação da UFRN. Rua Olavo
Montenegro, Q18, C14, bl A, conjunto Village dos
Mares, Capim Macio. Natal–RN. 59.078-330.
[email protected]
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Da crônica à poesia: Uma Leitura
das crônicas de Myriam Coeli
From chronicle to poetry: A reading
of Myriam Coeli’s chronicles
298
RESUMO
Myriam Coeli, poetisa e jornalista, além
dos diversos livros que publicou, teve uma
coluna diária nos principais jornais de Natal.
Será com base em suas crônicas jornalísticas
que faremos uma análise do gênero, numa
tentativa de delimitar, ou mesmo de
enquadrar esse gênero tão complexo nos
textos produzidos por esta escritora.
Pretendo, para essa análise, fazer um
recorte dessa produção cronista para, e a
partir dele, refletir acerca dos principais
temas por ela abordados, como também
acerca de seu peculiar estilo que consegue
transformar um texto narrativo e jornalístico,
em prosa poética. Assim sendo, o gênero
crônica, com seus pressupostos teóricos,
seus traços básicos e sua tipologia, será fio
condutor da discussão.
ABSTRACT
Myriam Coeli was a poet and a
journalist. Besides the several number of
books she published, she had daily columns
in the main newspapers of Natal. It will be
based on her journalist chronicles that an
analysis of this genre will be made, as an
attempt to delimitate, or at least to frame
this so complex genre, in her production. It
is intended through this analysis to highlight
her production as a chronicler in order to
expose the main themes dealt by her, and
also her unique style that was able to make
poetry out of a narrative and a journalist
text. Thus, the genre called chronicle and
its theoretical aspects will be a major in this
analysis.
PALAVRAS-CHAVE
Myriam Coeli; crônica; poesia.
KEY WORDS
Myriam Coeli; chronicle; poetry.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Diva Sueli SS.. TTaavares
A crônica parece o gênero mais
fácil, e realmente é, para os que
não ousam ou não merecem tentar
uma existência literária mais duradoura.
(Fernando Sabino)
As redações dos jornais serviram
como lugar de iniciação para vários
escritores, homens e mulheres. E foi,
principalmente, através das crônicas
veiculadas pelos jornais que muitos
escritores e cronistas se lançaram na
vida literária, tornando-se conhecidos e conquistando público próprio.
São muito conhecidas as crônicas de
José de Alencar, publicadas no Correio Mercantil (a seção “ao Correr da
pena”), as de Machado de Assis,
para a revista O Espelho e para o
jornal Gazeta de Notícias, ambos no
Rio de Janeiro. Mais próximo de
nosso tempo temos Fernando
Sabino, Carlos Drummond de
Andrade e Rubem Braga. Este último entra para a história literária exclusivamente, como cronista.
A origem da palavra crônica é
grega vem de Crono (tempo). Na
mitologia clássica, o deus Cronos,
filho de Urano (o céu) e de Gaia (a
terra), destronou o pai e se casou
com a irmã Réia. Urano e Gaia predisseram que ele seria, por sua vez,
destronado por um dos seus filhos.
Para evitar a profecia, Cronos passou a devorar todos os filhos que
nasciam da sua união com Réia.
Grávida, mais uma vez, Réia enganou o marido, dando-lhe uma pedra em vez da criança, e assim, a
profecia se realizou. Zeus, o último
da prole divina, conseguindo sobreviver, deu a Cronos uma droga que
o fez vomitar todos os filhos que
havia devorado. Zeus com seus irmãos liderou uma guerra contra o
pai, derrotando-o. Cronos é a personificação do tempo. Por esse
motivo, uma das características
definidoras da crônica é a
contemporaneidade. A lenda de
Cronos pode ser lida como uma
alegoria: a de que o tempo, em sua
passagem fatal, engole tudo o que é
criado e tudo o que é criatura.
No sentido primeiro, a crônica
era um registro do passado e dos
fatos na ordem em que sucederam,
em uma nova acepção enfoca fatos
apreendidos no dia-a-dia. Nas duas
acepções o termo converge para o
mesmo sentido, registrar o passado
ou flagrar o presente, a crônica estará sempre resgatando o tempo. A
crônica pode assumir diversas
facetas, a depender do tema por ela
desenvolvido. Assim, pode-se falar
da cônica mundana (trata de fatos
ou acontecimentos característicos de
uma sociedade); filosófica (reflexão
a partir de um fato ou evento); humorística (visão irônica ou cômica
dos fatos apresentados); jornalística
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
299
Da crônica à poesia: Uma Leitura
das crônicas de Myriam Coeli
300
(apresentação periódica de aspectos
particulares de notícias ou fatos;
pode também se policial, esportiva
política, etc); e lírica (expressão de
um estado de espírito do cronista).
A crônica nasce do folhetim.
Houve quem dissesse que traçar a
crônica do folhetim poderia ser um
pouco fazer o folhetim da crônica2 ,
pois a crônica surge nos rodapés
dos jornais, local, tradicionalmente,
destinado aos folhetins e variedades.
No século XIX, havia duas espécies
de folhetim: o folhetim-romance se
constituía de textos de ficção escritos
em capítulos e publicados em
jornais. Deste folhetim se originou
grandes romances como O Guarani,
de José de Alencar, Memórias de Um
Sargento de Milícias, de Manuel
Antonio de Almeida, entre outros.
Do folhetim-variedade originou o
que atualmente chamamos de
crônica que, pelo seu estilo diverso,
variável e leve, é de grande aceitação
popular.
Aos poucos, a crônica vai se firmando como gênero literário, principalmente a partir do Romantismo,
quando é considerado gênero “menor”. Ainda que ganhando uma
maior liberdade estética, conceitualmente, a crônica permanece um
gênero bastante híbrido, isto é, ele
se encontra a um meio termo entre
a literatura e o jornalismo. É um
texto jornalístico, visto que se insere
num jornal, é despretensioso e tem
vida curta. É literário na medida em
que se ocupa de assuntos literários,
apresenta linguagem metafórica,
alegorias, repetições, antíteses,
metonímias, eufemismos, ironias,
diminutivos afetivos e aumentativos
depreciativos. E essa indefinição
permanece até hoje. Vários
pesquisadores já apresentaram
propostas para uma tipologia da
crônica, que são sempre postas em
xeque pelo dinamismo vivo dos
textos e dos cronistas.
A crônica, enquanto texto
jornalístico, se caracteriza pela forma leve e pessoal. Trata de fatos do
dia-a-dia ou idéias da atualidade,
contendo teor artístico, político, esportivo, ou ser simplesmente um
texto comentário, relativo à vida
cotidiana. Sendo filha do jornal e
nele inserida, a crônica se caracteriza pela efemeridade, como já foi
citado, é um texto que não tem pretensão de durar. Como o jornal, ela
é lida num dia e, no seguinte, jogada fora, servindo, muitas vezes, de
papel de embrulho.
Entretanto, algumas crônicas ultrapassaram a acusação de ser um
mero desdobramento marginal ou
periférico do fazer poético, voltaram-se para o próprio fazer poético. Assim, a estrutura do gênero
crônica é ambígua, tomando as mais
variadas formas. Pode se asseme-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Diva Sueli SS.. TTaavares
lhar a um conto, a um poema em
prosa, a um pequeno ensaio ou as
três coisas juntas, mostrando que os
gêneros literários não se excluem,
pelo contrário, misturam-se uns aos
outros. Tal procedimento permite
a um jornalista ser poeta, como é o
caso de Myriam Coeli cujos textos
escritos para jornais transcendem o
universo jornalístico e, penetrando
no literário, suas crônicas enveredam
pelos caminhos da poesia, como podemos perceber na crônica, Poesia.
É madrugada. Levanto-me da
mesa de trabalho e olho a rua. Há
em toda parte uma calma e uma
beleza repousantes. Lembro-me de
Bilac.
A poesia, entretanto, não está
apenas nas estrelas. Flui em toda
parte. A própria cidade que contemplo vive seu momento poético, entregue ao sono e ao silêncio.
Penso fazer esta crônica. Falar
no amigo que descreve em carta a
natureza de sua terra, mais bonita
nesta estação quando as tulipas florescem, e vivem em uma luminosa e
aprazível baia equatoriana aproveitando a paisagem e o exílio para
escrever um livro.
Retorno à máquina e tento
mais uma vez esta crônica. Sinto,
porém, que hoje terei apenas essa
angústia de beleza, essa emoção
fortíssima que a poesia, jorrando de
suas fontes misteriosas, me oferece
num momento transitório quando
não me é possível comunicar com os
3
homens.
Myriam Coeli escritora, poetisa
e jornalista foi a primeira mulher no
Rio Grande do Norte a trabalhar
profissionalmente em um jornal.
Tornou-se conhecida pela notoriedade de seus trabalhos, e hoje é consagrada entre os grandes expoentes
de nossa literatura. Seu pioneirismo
não se limita apenas em ser a primeira mulher a trabalhar como jornalista, mas, também por ter sido a
primeira jornalista a dar plantão
noturno na redação, espaço
jornalístico que era até então, reduto masculino. Trabalhou em todos
os jornais da cidade como o Diário
de Natal (1952-1954), Tribuna do
Norte (1955-1956) e A República
(1956-1958).
Predomina nos textos desta escritora/jornalista/poetisa o estilo
poema-crônica em prosa, uma vez que
apresentam o conteúdo lírico, o
extravasamento da alma ante o espetáculo da vida, das paisagens ou
episódios para ela significativos.
Myriam Coeli, ao escrever, não consegue exilar-se de si mesma e desenvolve em seu texto o mais puro
lirismo, de comovida reflexão, através de sutil observação e análises de
vivências e estados da alma.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
301
Da crônica à poesia: Uma Leitura
das crônicas de Myriam Coeli
302
Sinfonia da Manhã caracteriza
bem o gênero circunstancial peculiar da crônica. Neste texto, a jornalista descreve o amanhecer da
cidade. É o início de um dia qualquer. “A voz de um galo quebra os
cristais da madrugada”, a partir daí,
ela começa uma descrição minuciosa da situação que irá configurar a cena apresentada. É o acordar
dos habitantes da cidade: os homens passam para o trabalho, vendedores de munguzá e de tapioca
anunciam seus produtos, verdureiros desfilam cestas coloridas de
tomates, pimentões, alfaces e cenouras; garrafeiros desfilam vidros
coloridos e latas. São os barulhos
do amanhecer. Tal descrição é o
desejo de materializar o movimento dos grupos humanos e seus múltiplos comportamentos. Embora
os elementos descritivos pertençam ao mundo exterior, eles são
profundamente líricos, pois transcendem o puro inventário dos seres e das coisas para residir na emoção,
no sentimento e na meditação das
vozes íntimas da escritora, como se
percebe na crônica que se segue:
A voz de um galo quebra os
cristais da madrugada. O céu se
ruboriza, retalhos de sombra fogem desordenado daqui e dali e,
em breve, a manhã surge na graça
do tempo, banhada de sol tépido.
Em minha rua homens passam para o trabalho. Humildes e
alegres, engrenagens de fábricas, almas de construções, vão se incorporar às sua funções. Seguem-se os
pregões. Em Natal ainda há dessas gostosas vozes enchendo a manhã nascente de uma réscia poesia.
Vendedores de cuscuz, de munguzá,
de tapióca.
Verdureiros desfilam cestos
coloridos onde os tomates se
amontoam entre os verdes pimentões e as laranjas, e as espirituais folhas de alface contrastam
com as robustas cenouras. Os
garrafeiros desfilam um mundo
de vidros coloridos e latas que
brilham incididas pelo sol, tudo
misturado, criando uma nova
melodia entre tilins e tilins e a
voz grossa do pregão servindo de
solista.
O dia vai se enchendo de vozes. Natal se anima com as bênçãos de luz desse verão. E eu penso
que os homens humildes e alegres
que passaram por minha rua, a
estas horas compõem a harmonia
do progresso enquanto em seus corações algum sonho deve sobreviver
para sustentá-los em suas canseiras e afazeres, como um vidro
4
capitoso que alegra e comunica .
Em Novo Rico, a escritora discorre sobre a vida de um determinado
indivíduo, o novo rico. Ela começa
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Diva Sueli SS.. TTaavares
com a constatação “Eis um homem
feliz”, e continua descrevendo os
detalhes que caracteriza o novo rico:
“tem amigos”, “bebe e se diverte”,
“fala de seus amigos, do automóvel, de seus cães, do quanto custou
a ornamentação da casa, das plantas exóticas, dos peixinhos do aquário, o jarro de Sévres e da pintura
de Di Cavalcante.” Para este homem
era preciso mostrar aos amigos o
quanto era importante e tinha bom
gosto. Tudo isso é dito de forma
irônica, como podemos perceber
nas expressões: “Seu nome se empanava entre as personalidades ilustres da terra”; “seu nome brilha nas
colunas sociais”; “Nosso herói vive
nas nuvens protegido pelo anjo
benfazejo da fortuna.” No último
parágrafo, a escritora faz uma reflexão sobre o conflito interior deste
indivíduo, questionando a relação do
homem no espaço público, e privado. Vejamos a crônica:
Eis um homem feliz. Tem seus
amigos. Bebe e se diverte com eles.
Nesse doce convívio pode falar entusiasticamente de seu automóvel,
de seus cães, de seus “hobbies”.
Não esquece quanto lhe custou a
ornamentação da casa, as plantas
exóticas do jardim, os peixinhos
do aquário. E aquele jarro de
Sèvres e aquela pintura de Di Cavalcante? Para que os amigos com-
preendam que é um sujeito de bom
gosto e que não tem pena de gastar
com objetos de valor. Menciona os
preços dessas preciosidades com a
mesma displicência que a de um
balconista no fim do dia de Trabalho.
É um homem feliz. O seu nome
se empanava entre as personalidades ilustre da terra. Em qualquer
festa é solicitado, é adulado. O seu
nome brilha nas crônicas sociais,
que se encarregam de trazer até
nós, pobres mortais, a sua vida em
família, como exemplo de educação e de bom gosto. O nosso herói
vive nas nuvens, protegido pelo anjo
benfazejo da fortuna.
Porém quando está sozinho,
passada a euforia de um dia de
vitória quando teve a oportunidade de gastar com amigos solícitos,
o que restará nesse cérebro que já
não pensa, além de uma apatia que
naturalmente deve trazer uma glória fácil? e o súbito temor de não
5
parecer ridículo aos seus amigos?
Um traço comum aos cronistas
é escrever sobre o exercício da escrita, o que, atualmente, chama se
metalinguagem. Alguns escritores
quando se sentiam sem assunto ou
tema sobre os quais discorrer, falavam da própria crônica, discutindo
suas propostas, finalidades, seus assuntos e até mesmo a falta de as-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
303
Da crônica à poesia: Uma Leitura
das crônicas de Myriam Coeli
sunto. Vinícius de Morais na crônica “O exercício da crônica” discorre sobre esse tema quando afirma:
Escrever prosa é uma arte ingrata. Eu digo prosa fiada, como
fazem os cronistas....Coloque-se porém o leitor, o ingrato leitor, no
papel do cronista. Dias há em que,
positivamente, a crônica “não baixa”. O cronista levanta-se, sentase, levanta-se de novo, chega à
janela, dá uma telefonada a um
amigo, põe um disco na vitrola, relê
crônicas passadas em busca de ins6
piração – e nada.
304
Motivo, de Myriam Coeli, se insere nesta temática. Nesta crônica, a
autora sem assunto sobre o qual
discorrer, utiliza a própria falta de
assunto e desenvolve um texto
mostrando sua dificuldade em encontrar inspiração. A crônica começa assim: “Procuro um motivo entre as
pessoas que se movimentam na sala de redação”. Apesar deste motivo, aparentemente, não existir, ele serve de
pretexto para a discussão sobre o
ato de criar e da necessidade de
todo cronista entregar diariamente
sua crônica. Para o leitor escrever é
fácil, é só passar para o papel o que
se pensa e fala, no entanto, escrever
é arte e depende de talento. O texto
continua e a escritora descreve a jornada da redação, vê os amigos tra-
balhando, as pessoas passando, o
tempo se esgotando e a inspiração
não chega. Então ela finaliza em
busca do motivo.
Procuro um motivo na tarde
entre as pessoas que se movimentam na sala de redação. Ticiano
escreve sua honda e Newton fala
em um barco azul com listras vermelhas. As máquinas de escrever
trabalham apressadas, ajudando
os amigos a coordenar palavras.
O que estarão escrevendo, que inspiração lhes sacode a alma nesse
instante? Têm as suas comunicações com o misterioso mundo das
idéias e é maravilhoso sentirmos o
fenômeno explodindo nas frases, surpreendendo realidades metafísicas.
A emoção domina os amigos nesse
momento. Estão cheios de notícias,
fabulosamente ricas.
O motivo, entretanto não chega. Impaciento-me e procuro na janela. A vida se oferece lá fora,
contagiante. As pessoas caminham
e os passos levam-nos para a grande
afirmação e para a triste realidade da morte. O vento que está soprando é forte e deve inchar as velas
das jangadas no remanso do rio.
A tarde está envelhecendo.
Encontro-me cansada e sem motivo para escrever uma crônica. Sei
que existem alegrias e belezas pelo
mundo e que as pessoas trazem
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Diva Sueli SS.. TTaavares
notícias importantes para o mundo. Em meu cansaço não há sequer uma idéia definitiva que chegue
a comover essa frágil humanidade.
Procuro, entretanto, alguma
coisa para dizer nessa tarde cinzenta. Penso no meu priminho
morto e uma solidão absoluta
me afasta de todos os possíveis
7
motivos.
As crônicas de Myriam Coeli
parecem uma poesia vinda do mais
íntimo do seu ser. Ás vezes romântica, sonhadora; outras vezes tristes
e objetiva, muito sofrida e envolvida em denso mistério. Alguns de
seus textos apresentam uma melancolia, sugerindo um eu sofrido e
marcado por uma profunda
espiritualidade que termina por
transcendê-la como pessoa. Parecenos que esse tema quase que comum nos seus textos serve de
leitmotiv para seus trabalhos. A
melancolia não se apresenta só em
relação a si mesma, mas também,
numa reflexão social em que, a escritora preocupada com os problemas da sociedade, conduz-nos a
uma busca consciente da realidade
absoluta em que vivemos.
A leitura das crônicas de Coeli
nos revela, portanto, o quanto da
poetisa domina a jornalista, pois
mesmo quando a escritora pretende fazer um texto para jornal, –
uma crônica, melhor dizendo –, termina por falar de suas emoções e
impressões do dia-a-dia, tudo isto
dito de forma lírica.
Para concluir, façamos a leitura
da crônica intitulada Brindes Para
exemplificar o que foi dito.
BRINDES
Setembro se apresenta e está
gritando nessa tarde. Em nossa
alma há tristezas de dias escuros,
há murmúrios de noite e o rosto se
submerge silencioso no mistério.
Sentimo-nos perdidos no tempo,
com a nossa humilde inutilidade,
sofridas pela certeza da morte.
Entretanto setembro se oferece
alegremente. Há cantos de pássaros e ventos fortes nessa tarde azul.
Há vozes de crianças e os amigos
nos saúdam eufóricos. Setembro é
uma canção. Dispamos a nossa
tristeza e brindemos o mês dos pomos dourados e das grandes ventanias e mais o entusiasmo desses
adolescentes que desde a manhã
marcham pela cidade ao compasso
dos tambores e das cornetas. Brindemos as flores que se agitam nessa tarde e essas vidas heróicas que
conhecemos, as que desconhecemos,
profundamente e até as que nos
presenteia o rio e o mar, a amarga cidade de nossa rotina. Porém,
apesar de tudo, como suave milagre a “ternura floresce como um
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
305
Da crônica à poesia: Uma Leitura
das crônicas de Myriam Coeli
fruto escuro de um beijo amargo,
quando a tarde quente chamega
sobre vossas torres, abarcando compridos e sinuosos becos.
Brindemos os poetas Newton,
Otoniel, Sanderson e todo os iniciados na beleza que elevam os seus
cânticos acima do silêncio para a
pureza dos anjos e para a definitiva mensagem aos homens.
Saudemos o poeta Rilke. Sim,
o poeta que sentiu profundamente
a fuga do tempo e a triste
incomunicabilidade humana com as
coisas que lhe rodeiam. Saudemos
nessa tarde de desafio azul, especialmente os seus versos:
306
“Sem amor, sem lar.
Sem nenhum lugar para viver.
Todas as coisas a que me entrego
se tornam ricas e me anulam.”
Brindemos esse setembro que nos
adianta para o mistério. Saudemos
contritamente nesse mês a nossa velhice que se aproxima e faz de nosso
rosto uma flor emurchecida....
Brindes. Jornal A República.
Natal, 04 de setembro de 1956.
NO
NOTTAS
2
MEYER, Marlyse. Voláteis e versáteis, de variedades e folhetins se fez a crônica. Boletim bibliográfica. Biblioteca Mário de Andrade, v. 46, n. 1/
4, p. 17–41. 1985.
3
POESIA, Crônica selecionada do Jornal A República. Natal - 17/07/1956.
4
SINFONIA DA MANHÃ. Crônica publicada no
jornal A República - 28/11/1957.
5
NOVO RICO, Crônica publicada no jornal A
República. Natal – 09/08/1957.
6
MORAIS, Vinícius de. Para viver um grande
amor. Rio de Janeiro: Ed. do Autor, 1962. p. 9-11.
7
MOTIVOS. Crônica publicada no Jornal A República. Natal – 06/09/1956.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Diva Sueli SS.. TTaavares
REFERÊNCIAS
BENDER, Flora Christina, LAURITO, Ilka Brunhilde. Crônica: História, teoria e prática.
São Paulo: Scipione, 1993.
CÂNDIDO, Antônio. “A vida ao rés-do-chão”. In: Para gostar de ler crônicas. ANDRADE,
Carlos Drummond et al. (Org.) São Paulo: Ática, 1979. p. 4-13.
COELI Myriam. Crônicas selecionadas do jornal “A República”. A República, Natal, jul./
1956 - nov./1957.
GUIMARÃES, Ruth, Dicionário da mitologia grega. São Paulo: Cultrix, 1995. 116 p.
MARTINS, Luís. “Sobre a Crônica” In: O Estado de São Paulo, São Paulo, 11 jun. 1978.
Suplemento Cultura, p. [ ? ]
MEYER, Marlyse. “Voláteis e versáteis, de variedades e folhetins se fez a crônica”. In:
Boletim bibliográfico. Biblioteca Mário de Andrade, v. 46, n. 1/4, p. 17-41. 1985.
MORAIS, Vinícius de. Para viver um grande amor. Rio de Janeiro: Ed. do Autor,
1962. p. 9-11.
307
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
308
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Química
Degradação
do polietileno
309
Glauber José Turolla Fernandes1
1
Químico (UFRN), Mestre em Química Analítica
(USP), Doutorando em Ciência e Engenharia de
Materiais (UFRN). Professor da disciplina Química
Geral e Inorgânica do curso de Ciências Biológicas
da FACEX. E-mail: [email protected]
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Degradação do polietileno
Degradation of polyetylene
310
RESUMO
A degradação de rejeitos de polímeros
sintéticos tem sido o foco de crescente
atenção, devido ao seu uso potencial como
combustível e como fonte de produtos
químicos. O aproveitamento de rejeitos
poliméricos contribui para a solução dos
problemas de poluição. O uso de
catalisadores adequados pode facilitar a
degradação térmica de polímeros sintéticos,
a qual pode ser monitorada por métodos
termoanalíticos. Este trabalho apresenta um
conjunto de atividades envolvendo estudos
de síntese e caracterização de catalisadores
zeolíticos de estrutura faujasítica (zeólita HY
e o silicoaluminofosfato SAPO-37), para
serem utilizados na degradação térmica do
polietileno de alta densidade (HDPE). A fim
de avaliar a atividade catalítica destes
materiais zeolíticos utilizou-se Termogravimetria (TG), análise térmica diferencial
(DTA) e calorimetria exploratória diferencial
(DSC). Os parâmetros cinéticos do processo
de degradação térmica do HDPE sem e
com catalisador foram calculados usandose o método integral a múltiplas razões de
aquecimento de Flynn e Wall bem como o
método de Vyazovkin (Model Free Kinetics).
Promoveu-se também o monitoramento dos
produtos formados na degradação térmica
do polímero com e sem catalisador utilizandose um sistema simultâneo e acoplado TG/
DTA-GC/MS. Os resultados obtidos,
mostraram que os materiais zeolíticos
facilitaram o processo .
ABSTRACT
Degradation of waste synthetic
polymers has been the focus of increased
attention because of its potential use as fuel
or a chemical resources. Besides, recycling
of polymers from wasted products can
contribute to solve pollution problems. The
use of suitable catalysts can enhance the
thermal degradation of synthetic polymers,
which may be monitored by thermo
analytical techniques. In this study, catalysts
with zeolite structure (Zeolite HY and SAPO37 silicoaluminophosphate) were
synthesized and characterized, in order to
be screened up for the thermal degradation
of high density polyethylene (HDPE).
Catalytical activity was evaluated for these
materials using thermo gravimetry (TG),
differential thermal analysis (DTA) and
differential scanning calorimetry (DSC).
Kinetic parameters related to the HDPE
thermal degradation process with and
without catalyst were calculated employing
the multiple heating rate integral method
proposed by Flynn and Wall as well by using
Vyazovkin (Model Free Kinetics). All the
evolved products were analyzed using a TG/
DTA-GC/MS simultaneous and coupled
system. The data showed a positive catalytic
activity for the zeolite structure materials.
PALAVRAS-CHAVE
Polietileno; degradação; análise térmica.
KEY-WORDS
Polyethylene; degradation; thermal
analysis.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Glauber José TTurolla
urolla FFer
er
nandes
ernandes
1 INTRODUÇÃO
Grande parte das embalagens
modernas e dos materiais possíveis de
combustão encontrados em nosso
cotidiano é de natureza polimérica. Por
isso, tem-se verificado nos últimos
anos a criação de leis e normas rigorosas para a destinação dos resíduos
poliméricos, bem como o aumento
significativo em pesquisas sobre novos processos de reciclagem do “lixo
plástico”. O elevado consumo e a
grande aplicabilidade do polietileno
em diferentes campos o tornam um
interessante material de estudo. Entre
suas vantagens, o polietileno pode
combinar baixa flexibilidade sem o
uso de plastificantes, alta tensão de
cisalhamento, elevada resistência à
umidade e a agentes químicos, e baixa tendência à propagação de cortes
(Billmeyer, 1984)
Entre 1945 e 1950, cientistas
começaram a ter interesse na química da degradação polimérica
(Jellinek, 1995; Fettes, 1965). Esse
interesse tem aumentado, continuamente, nos últimos tempos devido
ao melhor conhecimento da estrutura molecular dos polímeros e pela
vasta utilização e aplicação dos materiais sintéticos.
Como todos os materiais orgânicos sintéticos e naturais, o
polietileno se decompõe termicamente (Beltrame et al., 1989), justificando a investigação de seu
processo de degradação catalítica.
Especial atenção tem sido dada
a degradação de resíduos de
polímeros sintéticos devido ao seu
uso potencial como combustível e
em química fina (Kaminski, 1979;
Poller, 1980). Além disso, a
reciclagem do lixo plástico pode
contribuir para solucionar os eventuais problemas de poluição causados por estes materiais, visto que
atualmente os plásticos originários
da indústria petroquímica são
degradáveis apenas a longo prazo.
Nem a luz e os microorganismos
afetam estes materiais, cuja duração
média é da ordem de meio século
(Langley-Daniysz, 1990).
A utilização de catalisadores adequados pode acelerar a degradação
térmica dos polímeros sintéticos
(Lucchesi, 1981; Audiso et al., 1984),
podendo esta ser monitorada via
termogravimetria (Uemichi, 1983;
1984).
A degradação de polímeros em
presença de catalisadores pode levar à formação de dióxido de carbono, reduzindo acentuadamente a
concentração de monóxido de carbono (óxidos metálicos, por exemplo NiO) (Fernandes et al., in press)
e hidrocarbonetos, predominantemente na faixa de C5-C9 (Zeólita sintética HZSM-5) (Araújo et al., in
press). A utilização de catalisadores
específicos na degradação de
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
311
Degradação do polietileno
312
polímeros pode proporcionar a
obtenção de hidrocarbonetos de
interesse industrial e comercial, especificamente na faixa de combustíveis (gases leves, gasolina e óleo
diesel). Zeólitas, após troca iônica,
podem
funcionar
como
adsorventes, catalisadores ou suportes, por exibirem uma apreciável
área superficial e propriedades de
seletividade de forma.
Peneiras moleculares e, em particular, as zeólitas – são materiais que
despertam o interesse tanto para
pesquisa básica como tecnológica
em virtude da sua vasta aplicação
em muitas áreas. As zeólitas podem
ser empregadas como catalisadores
heterogêneos ácidos ou básicos e
apresentam um notável desempenho no craqueamento catalítico e em
conversões de parafinas, de olefinas
e de aromáticos. Além disso, possuem a característica de seletividade
de forma, não encontrada nos
catalisadores amorfos. Esses materiais são também usados como suporte para metais cataliticamente
ativos, gerando os assim chamados
catalisadores bifuncionais, que combinam propriedades ácidas à atividade em reações de hidrogenação
e desidrogenação.
Este trabalho teve como objetivo geral, estudar a degradação térmica do polietileno de alta
densidade na presença de materiais
zeolíticos de estrutura FAU. Para isso
promoveu-se a síntese hidrotérmica
do SAPO-37, a modificação da
zeólita NaY à HY e a subsequente
caracterização destes materiais por
diversos métodos físico-químicos
de análise (difração de raios X,
microscopia eletrônica de varredura, fluorescência de raios X,
espectroscopia de absorção na região do infravermelho e análise térmica). A partir dos dados de TG e
DSC, da degradação do HDPE na
presença dos materiais zeolíticos,
procurou-se avaliar a atuação destes materiais como catalisadores. O
processo de degradação do polímero foi estudado utilizando métodos cinéticos dinâmicos integrais
a múltiplas razões de aquecimento
a fim de comparar os resultados
obtidos por ambos os métodos
(Flynn e Wall, 1969; Vyazovikin e
Goriyachko, 1992). Os voláteis libertados da degradação térmica
foram
identificados
por
termogravimetria/análise térmica
diferencial acopladas à cromatografia a gás/espectrometria de massa (TG/DTA-GC/MS).
2 MET
ODOLOGIA
METODOLOGIA
O material com estrutura FAU
foi sintetizado hidrotermicamente
(Tapp, 1988; Borade e Clearfield,
1994), a partir de fontes inorgânicas
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Glauber José TTurolla
urolla FFer
er
nandes
ernandes
de alumínio (pseudobohemita –
Catapal B), de silício (Sílica gel –
Riedel), e de fósforo (ácido
ortofosfórico 85% - Merck) e de
direcionadores orgânicos (solução
aquosa de hidróxido de
tetrapropilamônio - TPA 20% Aldrich e solução aquosa de
tetrametilamônio - TMA 25% Riedel). A fase SAPO-37 foi obtida
à temperatura de 170-200ºC, sob
pressão autógena, por um período
de 1-3 dias, a partir de um gel com
a composição definida.
A zeólita Y (estrutura FAU), produzida pela Linde Union Carbide,
sob o código LZY-52, na forma
sódica (Na-Y), foi submetida à troca iônica seguida de tratamento térmico para substituição do sódio por
H+, uma vez que a atividade destes
catalisadores, para o processo de
degradação do HDPE, está relacionada com os sítios ácidos presentes em sua superfície.
Neste trabalho a zeólita Y e o
SAPO-37 foram caracterizados
pelos seguintes métodos: Espectroscopia de Absorção na Região do
Infravermelho (FT-IR); Difração de
Raios-X (DRX); Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV); Análise Térmica (TG/DTG, DTA e
DSC) e Fluorescência de Raios-X
(FRX).
O polietileno de alta densidade
(HDPE), foi obtido em forma de
pó, numa granulometria de 50 mesh,
da Balmman do Brasil. As amostras de polietileno com os respectivos catalisadores foram preparadas
na concentração de 25% (m/m) e
codificadas de acordo com o tipo
de catalisador usado: polietileno
com zeólita HY (HDPE/HY),
polietileno com silicoaluminofosfato SAPO-37 (HDPE/S37) e
polietileno puro (HDPE).
A degradação das amostras
poliméricas foi paralelamente
investigada via calorimetria
exploratória diferencial (DSC),
termogravimetria (TG) e análise térmica diferencial (DTA). As curvas
TG/DTA foram obtidas usandose o sistema simultâneo Mettler
TGA/SDTA 851, numa faixa de
temperatura de 30 a 900°C, a múltiplas razões de aquecimento: 2,5;
5,0; 10,0 e 20,0°C/min, empregando-se atmosfera dinâmica de nitrogênio (N2), a 60 mL/min. A massa
de amostra adotada para cada ensaio foi cerca de 10 mg. As curvas
DSC foram obtidas a partir da célula DSC 50 (marca Shimadzu), na
faixa de temperatura de 25 a 600°C,
empregando razão de aquecimento de 10°C/min, atmosfera dinâmica de nitrogênio (50mL/min),
cápsula de alumínio parcialmente
fechada e massas de amostras de
aproximadamente 2,0 mg. A célula
DSC foi calibrada utilizando In°
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
313
Degradação do polietileno
314
(99,99% de pureza) que apresenta
temperatura de fusão de 156,6ºC e
DH de fusão = 28,4 J/g.
O processo de degradação de
polímeros é bastante complexo,
pois à medida que este ocorre, a
degradação passa a ser não só do
polímero, mas também dos produtos formados.
Para avaliação dos parâmetros
cinéticos, do processo de degradação térmica das amostras de
HDPE, HDPE/HY e HDPE/S37,
foram adotados dois tratamentos a
partir dos dados TG. O primeiro,
segundo o método de Flynn (Flynn
e Wall, 1969) e o segundo, de acordo com o método cinético (Model
Free Kinetics) de Vyazovkin
(Vyazovkin e Goriyachko, 1992).
O sistema empregado na
detecção e análise dos voláteis liberados na degradação térmica do
polímero, corresponde ao
acoplamento
das
técnicas
termoanalíticas simultâneas TG/
DTA (modelo DTG-50H) com a
cromatografia
gasosa
e
espectrometria de massa (GC/MS
modelo GC14B e QP-5000), marca Shimadzu. Este sistema permite
que a análise seja realizada pelos
modos DTG-MS ou DTG-GC/
MS. No primeiro modo os voláteis
liberados são carreados diretamente para o detector de massa, enquanto que no segundo os voláteis vão
para um “trap” de condensação
antes de serem separados por uma
coluna cromatográfica e detectados
pelo espectrômetro de massa.
No presente estudo, estabeleceuse o modo DTG-GC/MS, tendo
em vista que o processo de degradação térmica libera uma mistura
de voláteis relativamente complexa,
sendo necessária uma separação
prévia na coluna cromatográfica.
Para a determinação, neste modo,
as amostras de polímero sem
catalisador e com os respectivos
catalisadores, com massa inicial em
torno de 0,8 mg, foram submetidas a um processo de degradação
térmica separadamente, no sistema
DTG-50 sob atmosfera inerte de
He com alto grau de pureza
(99,999%). Os voláteis liberados
foram conduzidos por uma
interface, mantida a 250ºC, e retidos em um “trap”, contendo como
adsorvente o Tenax TA (60/80
mesh), envolvido por uma unidade
de resfriamento contendo gelo seco
para condensação dos voláteis. Ao
término do processo de degradação térmica, a unidade de
resfriamento foi substituída por
uma de aquecimento, mantida a
300ºC, o que ocasiona o deslocamento dos voláteis retidos no “trap”
para a coluna cromatográfica, por
um gás de arraste de vazão contínua (He, 50 mL/min). A coluna uti-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Glauber José TTurolla
urolla FFer
er
nandes
ernandes
lizada é do tipo empacotada, contendo também como adsorvente o
Tenax TA (60/80 mesh), onde os
compostos são separados por ordem crescente de polaridade. O
cromatógrafo foi programado
para que o sistema fosse mantido
inicialmente a 80ºC por 2 minutos
e em seguida aquecido a 20ºC/min
até 300ºC e mantido nesta temperatura por 4 minutos. Após separação na coluna cromatográfica, os
voláteis são conduzidos para uma
fonte de impacto de elétrons de alta
energia (70 eV) produzindo íons
positivos e negativos. Os íons formados passam por um filtro
quadrupolar e em seguida chegam
ao analisador de massa, obtendose como resultado os respectivos
espectros de massa.
HY respectivamente.
Os valores de Energia de ativação (Ea) calculados pelo método de
Flynn e Wall, levando em conta a
taxa de degradação na temperatura
em que a massa é perdida mais rapidamente (Tmáx), são apresentados
na Tabela 1.
315
Figura 1 - Micrografia eletrônica de varredura do
SAPO-37 (aglomerado de cristais).
3 RESULTADOS
A morfologia dos cristais sintetizados foi avaliada por microscopia
eletrônica de varredura (MEV),
comprovando uma simetria e estrutura cristalina típica da faujasita,
apresentando cristais de geometria
bipiramidal de base quadrada. As
figuras 1 e 2 apresentam as
micrografias eletrônicas de varredura para o SAPO-37 e para a zeólita
Figura 2 - Micrografia eletrônica de varredura da
zeólita Hy (aglomerado de cristais).
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Degradação do polietileno
Tabela 1 - Valores de Ea e Tmáx em função da razão de aquecimento para as
amostras analisadas.
Amostra
Razão de aquecimento (ºC/min)
2,5
T(máx)
476
5,0
10,0
487
498
20,0
2,5
510
469
HDPE
+ HY
5,0
10,0
479
492
20,0
2,5
502
453
HDPE +
SAPO-37
5,0
10,0
468
479
20,0
494
HDPE
Ea (kJ/mol)
286
278
223
316
Tabela 2 - Percentuais de intensidade relativa na obtenção dos prováveis voláteis
liberados na degradação térmica das amostras de HDPE, HDPE/HY e HDPE/S37, com
destaque para os principais valores em função do número de átomos de carbono.
Voláteis prováveis
(Cn)
C1
HDPE
(% Cn liberado)
6,07
HDPE/HY
(% Cn liberado)
10,45
HDPE/S37
(% Cn liberado)
8,00
C2
C3
18,41
12,16
11,65
18,40
C4
C5
1,95
14,73
18,22
12,82
C6
C7
2,35
21,86
2,53
19,28
19,64
3,62
C8
C9
1,94
9,93
20,21
11,48
9,17
C 10
C 11
7,20
11,53
5,51
2,40
7,39
C 12
4,03
-
18,26
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Glauber José TTurolla
urolla FFer
er
nandes
ernandes
4 DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
Foram obtidos os materiais
zeolíticos: a peneira molecular
SAPO-37 via método hidrotérmico
e a zeólita Y modificada via troca
iônica para obtenção da forma HY.
Os materiais foram caracterizados
por métodos físico-químicos de
análise, com o intuito de avaliar a
morfologia dos cristais, a composição, a cristalinidade da estrutura e
as propriedades ácidas.
Os dados analíticos permitiram comprovar a obtenção dos
materiais com estrutura FAU e
com propriedades necessárias
para a utilização dos mesmos,
como catalisadores para o processo de degradação térmica do
HDPE. A utilização destes materiais nesse processo, foi avaliada via análise térmica; para isso
foram promovidos ensaios envolvendo TG, DTA, DSC e TG/
DTA-GC/MS.
A partir das técnicas
termoanalíticas foi possível caracterizar as amostras de HDPE,
HDPE/HY e HDPE/S37, comprovando que se tratava do
polietileno de alta densidade, e promover um estudo cinético da degradação térmica utilizando dois
métodos cinéticos integrais a múltiplas razões de aquecimento (Flynn
e Wall, 1969; Vyazovikin e
Goriyacko, 1992).
Os resultados permitiram confrontar os dados relativos às amostras sem e com cada um dos
catalisadores. Verificou-se que a
termogravimetria mostrou-se uma
eficiente ferramenta de investigação
no processo de degradação térmica do HDPE. Permitiu avaliar o
comportamento do polímero frente
aos catalisadores, que por sua vez
contribuíram para a redução da
energia de ativação do processo.
Os métodos cinéticos mostraram-se coerentes quanto aos valores de energia de ativação obtidos,
tendo o método de Vyazovikin
mostrado-se mais versátil para a
análise da degradação de polímeros,
pois aplica-se a reações de qualquer
ordem, independente do grau de
conversão. Pode-se concluir que os
materiais zeolíticos empregados,
atuaram como catalisadores para o
processo de degradação térmica do
HDPE, tendo o SAPO-37 promovido maiores diminuições na energia de ativação. Trata-se de um
estudo relativo e indicativo, visto a
complexidade do processo de degradação polimérica.
Procurou-se identificar os voláteis liberados na degradação térmica do HDPE, a fim de avaliar
a atividade catalítica dos materiais
zeolíticos, quanto a obtenção de
prováveis produtos de interesse
comercial e industrial. Observou-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
317
Degradação do polietileno
se de forma qualitativa que para
cada amostra, contendo ou não
catalisador, os prováveis voláteis
foram obtidos em diferentes
percentuais de intensidade relativa, quanto ao número de átomos
de carbono. Constatou-se que independente da amostra, houve um
predomínio de frações com um
baixo número de carbonos. Em
vista disso observou-se que estu-
dos posteriores necessitam ser realizados, com maior refinamento,
objetivando a precisa caracterização
dos voláteis oriundos da decomposição térmica do HDPE com e sem
catalisadores, e com base nesses resultados avaliar se o processo é realmente viável para obtenção de
espécies de interesse, com uso potencial como combustível.
318
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Glauber José TTurolla
urolla FFer
er
nandes
ernandes
5 REFERÊNCIAS
ARAÚJO, A. S.; FERNANDES Jr., V. J.; FERNANDES, G. J. T.; Degradation of High
Density Polyetylene by HZSM-5 Zeolite. Study In Surface Science And
Catalyst, in press.
AUDISIO, G.; SILVANI, A.; BELTRAME, P. L. et al. [s.t.] J. Anal. Appl. Pyrol., 7: 83, 1984.
BELTRAME, P. L. et al. [s.t.]. Polym. Deg. And Stab., 26: 209, 1989.
BILLMEYER Jr., F. W. Textbook of Polymer Science. 3rd. ed. New York: Wiley,
1984. p. 361.
BORADE, R. B. & CLEARFIELD, [s.t.] Journal Molecular Catalyst, 88: 249, 1994.
FERNANDES Jr., V. J.; ARAÚJO, A. S.; FERNANDES, G. J. T.; et al. Degradação Térmica
Oxidativa de Polietileno de Alta Densidade Catalisada por Óxido de Níquel. Anais da ABQ,
44 (4), 1-5, 1995.
FETTES, E. M. Chemical Reactions of Polymers. vol. 19. New York: Interscience,
1965. (High Polymers Series).
FLYNN, J. H.; WALL, W. A. [s.t.]. Polymer. Letters, 4: 323, 1969.
GRASSIE, N. Chemistry of High Polymer Degradation Processes. London:
Butterworths Scientific, 1956.
JELLINEK, H. H. G. Degradation of Vinyl Polymers. New York: Academic Press, 1995.
KAMINSKI, W.; JANNING,J.; SINN, H., [s.t.]. Eur. Rubber j., 15: 161, 1979.
LANGLEY–DANYSZ, P. Régénérer les plastiques usagés. Revue de 1’Industrie AgroAlimentaire, 453 (45): 47-48, nov./dez. 1990.
LUCCHESI, A.; MASCHIO, G.; GIUSTI, P. [s.t.]. Poliplasti, 228: 73, 1981.
MADORSKY, S. L. Thermal Degradation of Organic Polymers. New York: Interscience
Publishers, 1964.
POLLER, R. C., J. [s.t.]. [s.t.]. Chem. Tech. Biotechnol., 30: 152, 1980.
TAPP, N. J.; MILESTONE, N. B.; BIBBY, D.M. Synthesis of AlPO4-1l. Zeolites, 8:
183, 1988.
THERMAL Degradation of Polymers. Soc. Chem. Ind. (London). Monograph 13, 1961.
UEMICHI, Y.; KASHIOWAYA, Y.; AYAME, A.; et al. [s.t.]. Chemistry Letters., 1: 41, 1984.
UEMICHI, Y.; KASHIOWAYA, Y.; TSUKIDATE, M.; et al. [s.t.]. Bull. Chemical Soc. Jpn.
55: 2768, 1983.
VYAZOVKIN, S. , GORIYACHKO, V., [s.t.]. Thermochimica Acta, 194: 221, 1992.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
319
Degradação do polietileno
320
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Serviço Social
Ética e política:
um breve
percurso
filosófico
321
Aione Maria da Costa Sousa1
1
Assistente Social. Mestre em Serviço Social
(UFPE). Professora do Curso de Serviço Social
da FACEX. E-mail: [email protected].
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Ética e política: um breve
percurso filosófico
Ethics and politics: A brief
philosophycal way
322
RESUMO
Nas ultimas décadas, discussões que
ressaltam o tema “Ética” tem sido alvo de
debates não só nos meios intelectuais,
tomando uma dimensão maior, fazendo parte
de discursos políticos, onde se busca
recuperar um pouco a credibilidade da
população em relação a determinados
partidos e/ou representantes que ocupam
de cargos públicos, em face aos vários
momentos em que vem à tona atos de
corrupção. Neste contexto, torna-se
fundamental a retomada de uma velha
discussão, que esteve presente desde a
antigüidade, nas reflexões filosóficas dos
gregos, que é a relação entre Ética e Política.
ABSTRACT
In the last decades, discussions have
highlighted the theme “ethics” which has
been a target of debates not only in the
intellectual circles; these discussions have
taken a further dimension. They are present
in political speeches, where the politics try
to regain a little of their lost credibility
specially in relation to a certain numbers of
Parties and their representatives who have
public jobs. That task has been extremely
hard, mainly because of the number of
corrupted acts spread through the media.
In this context, it is important to bring back
the old Greek philosophical discussion about
ethics and politics.
PALAVRAS-CHAVE
Ética; política.
KEY-WORDS
Ethics; politics.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Aione Maria da Costa Sousa
A indicação de uma relação entre ética e política tem sido alvo de
discussões, ao longo da história,
passando
por
processos
fracionários, em virtude das várias
etapas em que se sucedem transformações tanto no pensamento intelectual, como nas for mas de
organização das sociedades.
O Estado e a Sociedade como
partes de um mesmo processo, ou
seja, da história da humanidade, da
organização do ser humano genérico e social, não podem ser percebidos como dimensões separadas, mas
como espaços coletivos onde se
constrói, na prática, essa organização social.
Neste sentido, a ética se define
dentro de uma realidade social onde
os homens, convertidos em cidadãos,
possam ter acesso aos bens produzidos socialmente, como também tomar parte nas decisões sobre todas as
questões que se fazem presentes nesse processo de construção social.
As reflexões que tomam como
objeto a relação Ética e Política, já
estavam presentes nas análises filosóficas da Grécia Antiga. Pela complexidade e profundidade do tema,
não temos aqui a pretensão de
aprofundar essa discussão filosófica.
Na realidade, pretendemos abordar
algumas definições da ética e sua relação com a moral e com a política.
Na concepção de Vergenières
(1998, p. 5), Aristóteles foi o primeiro filósofo a apresentar um conceito integral do ethos, dando lugar a
um estudo específico da virtude ética, isto é, da virtude do caráter, designando-a como uma disposição
adquirida pelo hábito. Essa preocupação de Aristóteles se manifesta
em suas obras sobre a Ética e a
Política.2
A Ética aristotélica está fundamentada em uma compreensão de
que as ações do sujeito que determinam a natureza de suas disposições morais, cuja finalidade é o bem
supremo. A concepção de política
têm sua base na Pólis grega, estando definida no livro “A Política”
(1998), pela pluralidade dos cidadãos e pela participação destes na
vida da Pólis.
Sendo o homem um animal social e político, a principal finalidade
de suas ações é algo comum a todos, e a cada um em particular o
que mostra que o homem foi feito
para a sociedade civil.
O fim da sociedade civil é, portanto, viver bem; todas as suas instituições não são senão meios para
isso. (...) Não existe Estado feliz
por si mesmo senão o que se constitui sobre as bases da honestidade.(...) Sua felicidade não deixará
de estar garantida, desde que ele
use de civilidade e de leis virtuosas.
(Vergenières, 1998: 61)
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
323
Ética e política: um breve
percurso filosófico
324
Mustafá (1991, p. 1) ressalta a
importância da concepção
aristotélica na relação entre ética e
política, fundamentando que tal
concepção baseia-se na noção de
ciência prática, onde o fim está na
ação do sujeito, o que a configura
como uma ética de 1ª pessoa. Neste
sentido, segundo a autora, se a ética
se ocupa do agir humano e a
política se interessa pela capacidade
do homem em agir consciente e livremente para atingir um determinado fim, não se pode
considerá-las isoladamente.
Na realidade, a importância que
a autora estabelece a esta concepção é baseada na idéia de uma
racionalidade existente na concepção da ética aristotélica, que, concebendo o homem como sujeito da
ação, aponta para essa racionalidade,
onde o homem é visto como sujeito político, sendo introduzido em
uma noção de práxis humana, mesmo que no sentido restrito à dimensão de ação prática.
Neste sentido, compreendemos
que a importância da tese aristotélica
está na relação que estabelece entre
ética e política. Pois, é pela ética que
se verificam os fundamentos das
ações humanas concretas e pela
política que se afirma a capacidade
do homem em agir consciente e livremente com perspectiva a uma
finalidade que é o bem coletivo.
Partindo de algumas noções básicas da ética aristotélica, São Tomás
de Aquino, vai defini-la com um
sentido de ética cristã. Assim, a filosofia tomista defende que o ideal é
o bem comum, na busca da justiça
e da igualdade, tendo como fim último: a elevação ao reino de Deus.
Na filosofia cristã, o homem é uma
concepção divina, cuja essência encontra-se em Deus. No século
XVIII, a tendência da filosofia
iluminista foi a de desvincular essa
referência absoluta do homem a
Deus, permanecendo, contudo a
abstração idealista de uma natureza humana desvinculada da história . (Silva, p. 8)
As grandes transformações que
dão origem ao Estado Moderno,
modificam não só a estrutura econômica e as formas de organização
política da sociedade, mas, conduzem a um processo de mudanças
nas concepções éticas e filosóficas,
voltando-se para a individualização,
o que ocasiona um processo de cisão na relação entre Ética e Política.
Na realidade, a convivência humana em sociedade é estabelecida
de forma consensual, se houver um
sistema ético-político, onde se concretize o reconhecimento do indivíduo em si e dos outros como
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Aione Maria da Costa Sousa
sujeitos históricos e sociais.
Na visão de Rios, homem é um
ser no mundo, o qual também é
parte do seu ser. Mas, este mundo
só existe para o homem na medida
em que este o conhece e o transforma. Porque o mundo se apresenta
ao homem numa dupla dimensão:
1) Através da natureza, que não
depende do homem para existir, mas pode ser transformada
pela sua ação.
2) Na sua dimensão cultural, onde
é transformado pelo homem a
partir de necessidades criadas
por ele mesmo.3
Então, ética e moral são relações
criadas pelo homem e determinadas historicamente, através desse
movimento de transformação social, que se verifica em seus aspectos econômico, social, político e
cultural das sociedades humano genéricas.
Quando os homens interferem
na natureza usam razão e
criatividade, que resultam no trabalho, ou seja, na intervenção intencional e consciente dos homens na
natureza e na realidade social, que
são parte de sua própria essência.
A idéia de trabalho não se separa
da idéia de sociedade, pois na medida em que os homens trabalham e
criam a cultura conjuntamente, através de um processo histórico de
transformação social e concreta da
realidade, constróem essa sociedade.
Neste sentido, a ação dos homens em sociedade tem um caráter
político, na medida em que representa uma maneira decisiva de constituição da organização da produção,
de integração da coletividade, de
realização da consciência do ser social, de definições de poderes e de
decisões, mediante as quais se apresentam várias alternativas de escolha, de possibilidades de ação.
A atividade dos homens em sociedade tem sempre um caráter político, na medida em que a
organização da vida material de
uma maneira peculiar determina,
ao mesmo tempo, uma maneira peculiar de organização das idéias e
das relações de poder. (...) Ser político é tomar partido. (Idem, p.
41)
Desta forma, concordamos que
através do trabalho os homens intervêm na realidade, transformando-a e, pelo mesmo processo
transformam si mesmos, onde, através das relações sociais, definem seus
papéis sociais, construindo o espaço de realização da práxis social.
A não compreensão dessa realidade pode conduzir a um processo de alienação 4 , onde a falta de
clareza desta questão leva a uma
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
325
Ética e política: um breve
percurso filosófico
326
descaracterização da ação pelo próprio indivíduo, que não se reconhecem como sujeitos de sua prática.
Portanto, o entendimento da dimensão ético-político da ação dos
sujeitos, está na compreensão das
contradições da realidade social e
capacidade dos homens agirem de
forma ativa e consciente no processo de transformação dessa realidade e de construção da história.
Então, como podemos contribuir para que não se abstraia a ética
do seu conteúdo político ?. No nosso entendimento, essa dimensão
pode ser preservada se compreendermos que existe uma dimensão
de subjetividade presente em cada
ser. Nem todos pensam de forma
coesa, mas estes podem entrar em
consenso em determinadas questões
que se refiram à coletividade, preservando-se a individualidade. É na
vida em sociedade que se adquire
essa individualidade, nas relações que
se estabelecem com o conjunto da
coletividade, e no seu reconhecimento como parte dessa coletividade.
Refletindo sobre a questão do
Indivíduo, Ética e Práxis, Rios define a ética como uma reflexão crítica sobre os valores que sustentam
os princípios e ações dos indivíduos e grupos nas sociedades. Afirma,
então, a estreita relação entre ética e
política, que, na sua opinião está situada no horizonte do bem coletivo ou público da cidadania
democrática.
Neste sentido, a concretização
dos direitos civis, políticos e sociais
se faz necessário na realização de
um projeto de construção de uma
sociedade mais justa e igualitária.
Partindo dessa compreensão, Rios
(1998, p. 30) aponta para a necessidade de uma recuperação do sentido
de uma vida digna, verdadeiramente
humana, na qual haja um reconhecimento do ser para além de sua
dimensão biológica, onde a satisfação
dos desejos esteja integrada pelo
respeito mútuo, pelo diálogo, pela
justiça, pela solidariedade. Enfim, por
uma vida humana que tenha em vista
a realização dos indivíduos enquanto
sujeitos de sua história.
Desta forma, o processo de reconhecimento e concretização da
cidadania, é colocado como meio
para que se possa ter uma vida verdadeiramente humana. Para isso é
preciso enfrentar os desafios presentes no mundo atual: da
globalização, da fragmentariedade,
acreditando e criando as possibilidades de superação desses desafios
em todos os espaços em que ocupamos na sociedade: no cotidiano,
no trabalho, na escola, entre outros.
De acordo com Rios (1999, p.
9), a dicotomia entre Ética e Política
pode ser evitada, e superada se tomarmos consciência de que há uma
dimensão ética articulada à dimensão política e à dimensão técnica.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Aione Maria da Costa Sousa
É partindo da discussão em torno da competência profissional que
a autora discute a questão, colocando que há uma preocupação com
o dever ser do desempenho, do saber fazer bem que remete ao valor
da responsabilidade do dever, ao
qual se agregam o saber, o querer e
o poder, que articulam o domínio
de conteúdos e técnicas a um determinado contexto social. Assim,
uma vontade política determina a
intencionalidade da ação e o seu sentido real de práxis e de trabalho.
(Rios 1998, p. 53)
As interpretações de Heller e
Barroco, dentro de uma fundamentação ontológica de base lukasciana,
adotam uma compreensão da moral como atitude prática dos indivíduos na sua singularidade, e a ética
como uma reflexão teórica e uma
ação voltada para a realização humano-genérica.
Nesta compreensão, o indivíduo
é um Ser ético quando, conscientemente, se reconhece como indivíduo singular, e ao mesmo tempo, e
pelo mesmo processo se reconhece como Ser humano genérico.
Assim, enquanto a moral situa-se
no espaço cotidiano, se objetivando
por meio dos valores e da relação dos
indivíduos em face de seu entendimento, a ética reflete sobre o significado e
importância desses valores para a dimensão coletiva do Ser social.
É nessa reflexão que o indivíduo
toma consciência do “nós”, se afirmando como Ser humano genérico. Ou seja, reconhece a sua
singularidade e genericidade e, portanto, a sua universalidade.
Se o indivíduo alcança a consciência da universalidade, se reconhecendo como ser humano genérico,
assume uma atitude de reconhecimento face às questões que se referem à coletividade, e, portanto se
compromete com projetos coletivos. Esse compromisso se concretiza pela tomada de posição, pela
escolha face à determinada situação
social concreta. Essa tomada de
posição, consciente, caracteriza a
relação da ética com a política.
A adesão consciente à norma supõe
a autonomia diante das escolhas
morais; o sujeito ético é capaz de
deliberar diante do possível historicamente, de forma responsável e livre. Mas a consciência, o
conhecimento crítico não são suficientes para garantir a ampliação
dessa autonomia; sua realização objetiva supõe a unidade entre a ética
e a política, pois esta se faz no campo dos conflitos, da oposição entre
projetos sociais, caracterizando-se,
pois, pela organização coletiva na
luta entre idéias e projetos que contém valores e uma direção ética.
(Barroco, 1999, p. 127)
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
327
Ética e política: um breve
percurso filosófico
328
Por essa práxis social os indivíduos se elevam à sua universalidade, mas sem perder sua
singularidade. Mas, nesse processo enfrentam contradições que
dificultam que esse processo
ocorra de forma consciente. Tais
contradições tornam-se mais visíveis quando verificamos o conflito de interesses particulares de
indivíduos com relação aos interesses coletivos.
Nas sociedades capitalistas essas
contradições são mais intensas e
complexas, em virtude da fragmentação da moral que é tomada de
forma diferente em várias esferas
da sociedade.
A ideologia dominante possibilita o
ocultamento das contradições entre a
existência objetiva de valores humanogenéricos (expressos pelas normas
abstratas) e sua forma de
concretização (seus significados históricos particulares), entre os valores
humano genéricos e sua não realização prática. (Barroco, 1996, p.
86)
Na compreensão de Barroco, a
ideologia está vinculada à práxis
política tanto como expressão da
alienação, como possibilidade de
conquista da liberdade. Portanto, é
na práxis política que os sujeitos
podem responder aos conflitos
morais de forma concreta.
A atividade política supõe a projeção ideal do que se pretende transformar, em qual direção, com quais
estratégias; por isso, implica em
projetos vinculados a idéias e valores de uma classes, de um estrato
social ou de um grupo. A ideologia, tomada enquanto uma forma
de enfrentamento dos conflitos sociais, é parte da práxis política.
(Idem, p. 89)
Então compreendemos que formas de apreensão do significado da
ética que se vinculam a pontos de vista
diferenciados: Um que limita à sua
compreensão como prática moral,
definida no cotidiano pela obediência à normas e deveres, desvinculada
de sua relação com a política e do
seu sentido genérico social . O outro
ponto de vista, a moral é uma relação social e a ética uma ação e reflexão teórica. Onde o individual e o
coletivo são duas partes de um mesmo processo que se complementam.
O ser é entendido em sua totalidade, na compreensão da sua universalidade, como ser humano genérico.
É a partir dessas fundamentações teóricas e filosóficas que vai se
constituir a ética das profissões,
onde se definem princípios, normas, orientações gerais e específicas para a inserção de uma
determinada profissão no contexto da prática social.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Aione Maria da Costa Sousa
NO
NOTTAS
2
Tal discussão pode ser encontrada nas obras
de Aristóteles: A Política. Tradução de Roberto
Leal Ferreira, 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1998. e Ética a Nicômacos. Trad. Mário da Gama
Kury, 3. ed. Brasília: UNB, 1999.
3
Cf. Rios, Terezinha A. Ética e Competência, 7.
ed. São Paulo: Cortez,1999.
4
A alienação é um conceito amplo, de um modo
geral se refere a “não apropriação, por parte dos
indivíduos, da riqueza material e espiritual produzida socialmente”. Neste sentido, “os indivíduos
não reconhecem na realidade social, a sua ação,
não se reconhecem como sujeitos históricos.”
(Barroco,1999, p. 128)
329
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Ética e política: um breve
percurso filosófico
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. A Política. Tradução de Roberto Leal Ferreira, 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Tradução de Mário da Gama Kury. 3. ed. Brasília:
UNB, 1999.
BARROCO, Maria Lúcia S. O Novo Código de Ética Profissional do Assistente Social, In:
Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez, 1993. n. 41, p. [?]
BARROCO, M. L. Silva. Ontologia Social e Reflexão Ética. 1996. [?] f. Tese de
Doutoramento. Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.
BARROCO, M. L. Silva, Os fundamentos sócio-históricos da ética, In: Capacitação em
Serviço Social e Política Social: Módulo 2: Crise contemporânea, Questão Social e
Serviço Social. Brasília: CEAD, 1999.
HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1985.
________. A Herança da Ética Marxiana, In: HOBSBAWN. Eric J. (Org.) História do
Marxismo: o marxismo hoje. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. v. 12, parte 2.
330
________. Sociologia de la vida cotidiana. 4. ed. Barcelona: Ediciones Península,
1994.
LIMA. Maria Helena Almeida. Ética e Política no Serviço Social: um tema e um problema. In:
Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez, [ ? ]. n. 45.
MUSTAFÁ, Alexandra Monteiro. A Ética como fundamento da política na filosofia
prática. Recife, 1999. (Mimeografado).
RIOS. Terezinha Azeredo. Indivíduo, Ética e Práxis. In: Revista Inscrita, n. 3. Rio de
Janeiro: Grafline: CFESS, 1998.
________. Ética e Competência. 7. ed. São Paulo: Cortez, 1999.
ROSENFIELD, Dênis. A Ética na Política: venturas e desventuras brasileiras. São Paulo: Brasiliense, 1992.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Serviço Social
Poder local: uma
categoria a ser
repensada
331
Deyse Silvana dos Santos Sena
Gildeci Batista Alves Pinheiro2
1
1
Graduada em Ciências Sociais(UFRN). Aluna do
mestrado de Serviço Social da UFRN. Integrante da
base de pesquisa Relações de Gênero e Sociabilidade (UFRN). E-mail: [email protected]
2
Graduada em Serviço Social(UFRN). Especialista
em política social(UFRN)..Professora do curso de
Serviço Social da FACEX e Aluna do mestrado de
Serviço Social da UFRN.
E-mail: [email protected]
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Poder local: uma cate
goria
categoria
a ser repensada
The local power: A category to be
rethought.
332
RESUMO
O presente trabalho aborda o novo papel
designado ao poder local no contexto
contemporâneo ,sem contudo supervalorizar
em demasia o local, mas ressaltar o local
como um âmbito propício às iniciativas
inovadoras e criativas de gestão, com vistas
à construção de uma cultura política cidadã,
onde a participação se perceba como um
mecanismo de aprofundamento de temáticas
sociais emergentes, favorecendo a formação
de espaços públicos novos capaz de resistir,
denunciar, desobedecer a cultura política
tradicional, conservadora e excludente .
ABSTRACT
The present work explains the new role
designated to the local power in the
contemporary context, without however, to
value it in surplus, but to point out the local
power as a favorable ambit to the innovative
and creative administration. The local power
seems to be looking for the construction of
a political culture focused on the citizens
where the participation is noticed as
mechanism to accomplish deep study of
emergent social thematic, favoring the
formation of new public spaces capable to
resist, to denounce and to disobey the
traditional political culture which is
conservative and excluding.
PALAVRAS-CHAVE
Poder local; globalização; Estado
Nacional; participação cidadã.
KEY-WORDS
The local power; the global world;
National State; citizen participation.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Deyse Silvana dos Santos Sena
Gildeci Batista Alves Pinheiro
A sociedade moderna foi desenvolvida pelo impacto da ciência e da
racionalidade que emergiu na Europa nos séculos XVII e XVIII. E os
escritos dos intelectuais modernos se
opunham à influência da religião e
do dogma, desejando substitui-los
por uma vertente respaldada em
princípios: mensuráveis e racionais.
Os iluministas acreditavam que
a ciência moderna, quanto mais capaz de compreender racionalmente o mundo e a humanidade, mais
chances teriam de moldar o curso
da história para nossos próprios
propósitos.
A construção do Estado Moderno nos conduziu ao “esvaziamento” dos poderes locais,
libertando os indivíduos das dominações tradicionais, e submetendoos ao poder público com a
supremacia do Estado Nacional2.
Acreditou-se que com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, o
mundo seria estável e ordenado. Porém, o mundo em que vivemos hoje,
em vez de estar sob nosso comando,
parece estar um mundo em descontrole, termo utilizado por Giddens3.
Segundo Bava (1996, p. 55), tal
descontrole decorre:
(...) na busca de maior produtividade e competitividade internacionais, aprofunda a dualização de
nossa sociedade, a concentração da
riqueza e a disseminação da pobreza, o desemprego estrutural, a exclusão social, a degradação
ambiental, a perda das identidades
culturais da população, entre tantas outras nefastas conseqüências.
Atualmente, acredita-se que
estamos atravessando um período
marcante de transição histórica. A
partir do final da década de 60, assiste-se um estilhaçamento das identidades sociais, com a globalização
de hábitos culturais e de consumo.
A vida tornou-se imprevista, insegura e incerta. Os denominados novos
riscos (armamento nuclear, poluição
crescente, stress, nova configuração
da questão social) afetam a todos,
onde quer que vivamos e quão privilegiados ou carentes sejamos.
O termo global é discutido em
toda parte do mundo. A
globalização é política, tecnológica,
cultural e econômica.
Globalização tornou-se um conceito em moda no mundo acadêmico e
político, hoje referência obrigatória
nas análises econômicas, sociais, políticas e culturais. A palavra
globalização já estar devidamente
incorporada à mídia e, mesmo, ao
linguajar corriqueiro do dia-a-dia
e parece ter algo de mágico que provoca encantamento ou pânico.
(Carvalho, 1998, p.7)
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
333
Poder local: uma cate
goria
categoria
a ser repensada
334
As grandes empresas operam no
mundo inteiro controlando usualmente os capitais voláteis e fazendo
investimentos especulativos nas bolsas de valores de todo o mundo,
movimentando-se rapidamente e
comandando a economia mundial
sobre seus interesses.
Nessa dinâmica do capitalismo
contemporâneo, voltado para o capital especulativo de curtíssimo prazo, verificam-se contradições
econômicas e políticas que agravam
os geradores de desigualdades e
exclusões sociais.
A globalização é conduzida pelo
Ocidente, mas afeta a todos os países indistintamente. É um conjunto
complexo de processos que opera
de maneira contraditória e que está
reestruturando profundamente o
modo de vida.
O processo de globalização afeta
os grandes sistemas sociais, bem
como os aspectos íntimos e pessoais de nossas vidas. Ele é a razão do
ressurgimento de identidades culturais locais. Os nacionalismos locais
emergem com uma resposta às tendências globalizantes.
A noção de globalização acompanha o declínio do grau de liberdade das políticas macroeconômicas
nacionais. Quando o mundo moderno se globaliza, há o retorno do
local, da comunidade.
Com isso se aponta para o for-
talecimento dos municípios, como
condição para resgatar a cidadania,
uma vez que na esfera local a participação popular é mais viável, visto
que a administração municipal trata
dos assuntos mais ligados ao cotidiano das comunidades, haja vista
que apresenta um “universo novo”.
(...) Em pouco mais de um século
nos tornamos sociedades urbanas,
freqüentemente jogados em
megalópoles de dezenas de milhões
de habitantes, acotovelados em espaços de densidade impressionante, encavalados em transportes
coletivos com pessoas que nunca vimos, surpresos de ver o rosto de
um vizinho que nos era desconhecido, enfrentando a difícil convivência do luxo e da miséria.Esta
mistura de anonimato, de distâncias sociais e de proximidade física
gera um universo novo que ainda
não aprendemos a administrar.
(Dowbor, 1995, p. 369)
Verifica-se, uma mudança na
imagem do local, a partir da
solidificação do processo de
mundialização. Há uma crescente
descrença na amplitude de respostas políticas e econômicas globais
partindo dos Estados Nacionais.
Até então, os estudos influenciados pela vertente marxista pensavam
o local a partir das determinações
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Deyse Silvana dos Santos Sena
Gildeci Batista Alves Pinheiro
gerais do Estado capitalista, identificando-o como forma particular da
reprodução da sociedade capitalista.
Até os anos 80, a imagem do
local vincula-se a idéias negativas,
como: lugar de captura da esfera
pública pela privada; espaço onde
predominava elementos inerentes à
lealdade pessoal, favor, relação familiar. Pensava-se, ainda, o local
como entrave ao desenvolvimento
político e econômico.
No decorrer dos anos 80, com
a transição do regime autoritário
para a democracia política, impulsionada pelos novos atores sociais
e políticos, o local passa a ter uma
imagem respaldada num estatuto de
positividade.
As novas demandas, a
fomentação da participação popular e as experiências de gestões
democráticas a nível local, constituem-se num novo patamar para a
reflexão sobre o poder local.
A Constituição de 1988 deve ser
vista como parte de um processo
mais amplo de mudanças sociais e
políticas, contribuindo para a
descentralização e autonomia dos
municípios.
Concomitantemente, verifica-se
o tratamento positivo dos meios de
comunicação frente ao poder local.
Compreendendo-o como espaço
democrático, participativo e de desenvolvimento.
Aumenta-se, também, a descrença na capacidade do Estado de
responder as novas e velhas questões sociais. Essa descrença é produto do discurso neoliberal, que
propõe um Estado minimizado.
Configura-se, assim, uma
liberalização do mercado alicerçado
num programa de “estabilização”
de uma política de abertura comercial intensa, onde a intervenção do
Estado na economia e na sociedade é compreendida como algo a ser
evitado. Na verdade o neoliberalismo é uma super-estrutura
ideológica e política que, acompanha uma transformação histórica do
capitalismo moderno.
A federação nos anos 80 estabelece uma ligação entre a luta pela
democracia e o fortalecimento dos
entes federados, em especial os
municípios.
Ao local, confere-se então, um
novo papel, em que os municípios podem e devem superar a ótica do desenvolvimento com o
enfoque meramente econômico e
tecnológico.
Os municípios passam a ter um
quadro social complexo e dinâmico, com vários problemas sociais
derivados de uma estrutura social
contraditória e perversa.
Face ao processo de globalização dominado pela progressiva
deterioração da qualidade de vida
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
335
Poder local: uma cate
goria
categoria
a ser repensada
336
que afeta os cidadãos, tanto nos
países centrais do capitalismo quanto
no hemisfério sul, impõe-se uma
problemática, com vistas a garantir
uma qualidade de vida que assegure formas solidárias de sociabilidade e de dignidade a todos os
cidadãos.
Há indicadores sobre a deterioração da qualidade de vida nas cidades, como: a violência urbana,
congestionamento do trânsito, desemprego, subemprego, desintegração social, perda de identidade
cultural, etc.
A relação do município com o
desenvolvimento social é bastante
complexa, não podendo pensá-la
sem considerar as situações macros
e os contrastes sociais, o progresso
com a ameaça de destruição, a riqueza com a proliferação da exclusão.
O impacto das transformações
de ordem internacional, combinado com a violação de direitos sociais, faz produzir uma situação que
coloca o Brasil entre os países mais
injusto e desigual do globo.
Na visão tradicional, mais capacidade de governo implicava mais
poder no topo da pirâmide, porém,
na sociedade atual mais capacidade
de governo implica maior capacidade de gestão e de decisão política na base da sociedade.
Há fortes razões para acreditar
que estamos atravessando um pro-
cesso de transição de uma administração ultracentralizada e extremamente excludente para novas
formas de gerenciamento do poder público local.
No entanto, percebe-se um deslocamento generalizado dos problemas para a esfera local, mas as
estruturas político-administrativas
continuam centralizadas dificultando o gerenciamento dos problemas
pelo poder local.
Novas “bandeiras contestatórias” vêm gerando transformações inerentes a ação municipal:
melhoria da qualidade de vida, democratização do poder , defesa do
meio ambiente,etc.
As iniciativas locais estão ultrapassando as atribuições atreladas aos
serviços de “maquiagem” urbana,
assumindo questões de maior complexidade, indicando a ampliação
de ações que estão contribuindo
para o desenvolvimento local/regional.
A agricultura, o comércio, as atividades turísticas passam a ser vistas como “vocações” viáveis ao
desenvolvimento local.
O acesso ao emprego e a distribuição de renda são elementos cada
vez mais considerados, numa vertente
de melhoria da qualidade de vida. A
preservação do meio ambiente é um
outro enfoque para ser tratado como
fator necessário ao desenvolvimento.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Deyse Silvana dos Santos Sena
Gildeci Batista Alves Pinheiro
Faz-se mister a elaboração de
um “diagnóstico social” para a obtenção de parcerias nos mais diversos níveis, com vista a uma maior
equidade social.
A parceria pressupõe a existência de benefícios para os envolvidos. Assim, o setor público deverá
ser capaz de gerar credibilidade,
objetivando atrair a iniciativa privada como forma de captar recursos
e transformá-los em serviços.
A transferência de responsabilidade para o poder local deve ser
acompanhada de um suporte financeiro e de uma capacidade de gestão.
Na verdade, os projetos de desenvolvimento que existiam até então submeteram a ação estatal aos
interesses privados e os governos
locais foram e continuaram sendo,
em sua maioria, instrumentos de
apropriação privada do espaço público e de manutenção das oligarquias regionais e municipais.
Colocar o Estado a serviço do interesse público requer , ao mesmo
tempo, uma reforma no aparelho
estatal e um processo de educação
política de toda a população, ambos apoiados em mudanças estruturais... (Gondim, 1994, p. 17).
Um projeto de desenvolvimento local precisa se apoiar nas iniciativas da sociedade civil, e,
simultaneamente precisa do estimulo
e da articulação dos governos locais para se viabilizar.
A geração de uma sociedade
bem informada pode assegurar a
possibilidade de decisão flexível ,
sem perder de vista os interesses
sociais do conjunto social.
A sociedade deve dotar-se de
mecanismos reguladores mais amplos, envolvendo as macroestruturas
econômicas e políticas.
Na verdade, avolumam-se os
problemas na sociedade, produto
de uma ocupação espacial gerida
por um processo selvagem da especulação, da corrupção e da violência, em que o uso predatório dos
recursos naturais liquida a cobertura vegetal, produzindo um caos climático. Os rios inundados de
substâncias químicas colocam em
perigo o nosso planeta.
Diante deste quadro social, coloca-se a necessidade da construção
de capacidade do governo local,
tendo em vista melhorar seu nível
de organização política, econômica
e cultural.
Enfatiza-se a questão do orçamento participativo e se introduz os
conceitos de parceria, de desenvolvimento econômico local como elementos fundamentais para uma
administração bem-sucedida. A organização das parcerias sociais na gestão
do nosso desenvolvimento implica justamente
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
337
Poder local: uma cate
goria
categoria
a ser repensada
338
que todos os atores sociais busquem na gestão compartilhada, e desde o início das ações,
o objetivo humano maior (Dowbor,
1995, p. 382)
De acordo com Soares e
Gondim (1998), a necessidade de
uma visão estratégica cidade em seu
conjunto se tornou inadiável para o
enfrentamento da crise social. Reconhece-se, ainda, a relevância da
promoção de uma imagem positiva
da cidade.
A solução da questão urbana não
deve se restringir à ampliação de acesso aos bens de consumo coletivo, pois
extrapola esta esfera. Requerendo o
fortalecimento das cidades como espaços de produção, de serviços.
O novo papel colocado para o
poder local, não implica na extinção
das tarefas de conservar e embelezar
a cidade. Tais ações, constituem-se
alto valor simbólico para a preservação histórica e cultural da imagem
da cidade. O poder local aparece
como novo modelo de regulação
entre Estado, mercado e sociedade.
(...) o que está em jogo é uma nova
lógica institucional que toma corpo no processo de crise do EstadoNação, no desenvolvimento das
instituições supranacionais e na
transferência de competências e iniciativas mais amplas para os governos locais ou regionais.(Soares
e Gondim, [199-?], p. 91).
Apesar da persistência de traços
conservadores que buscam reproduzir o favoritismo nas relações do
poder no Brasil, há também significativas mudanças respaldadas na
construção de uma nova consciência de direitos.
Os entraves para o desenvolvimento da cultura participativa no
Brasil, remetem as seguintes questões: o processo tardio de urbanização do país e a organização da
sociedade civil que sempre foi fortemente reprimida, perseguida e
canalizada, dificultando, assim, a
construção de uma estrutura democrática no Brasil.
Estudos revelam que as idéias de
descentralização, democratização e
participação vêm sendo disseminadas, passando a se constituírem em
discursos políticos de candidatos
dos mais diversificados matizes ideológicos.
Em muitas administrações, tais
elementos aparecem no processo
decisório, de forma limitada ou não
ultrapassam o nível do discurso.
Evidencia-se que a crise estatal,
o desprestígio do sistema partidário, o aguçamento dos conflitos sociais e a crescente conscientização de
vários
segmentos
sociais,
oportunizaram o surgimento de
novas temáticas para serem discutidas, com vistas à criação e efetivação
de direitos e a valorização da ação
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Deyse Silvana dos Santos Sena
Gildeci Batista Alves Pinheiro
coletiva. A combinação de vários tipos
de mediação e a criação de espaços múltiplos de interlocução entre os diversos atores
levam-nos à redefinição da participação
como exercício da cidadania ativa.
(Teixeira, 1996, p. 30).
A participação se insere num
contexto histórico específico que
permite avanços e recuos.
A participação cidadã é o processo social em construção hoje, com
demandas especificas de grupos sociais, expressas e debatidas nos espaços públicos e não reivindicadas
nos gabinetes do poder, articulando-se com reivindicações coletivas e
gerais, combinando o uso de mecanismos institucionais com sociais,
inventadas no cotidiano das lutas,
e superando a já clássica dicotomia
entre representação e participação.
(Teixeira, 1996, p. 31).
Concebe-se, então, o conceito de
cidadania como um processo histórico em permanente construção
que elastece suas demandas a partir
do patamar de conquistas sociais já
consolidadas.
De acordo com Teixeira (1996),
participação cidadã se diferencia da
denominada participação social e
comunitária. Pois, a participação cidadã não busca a mera prestação
de serviços à comunidade ou a sua
organização. Não se trata de uma
simples participação em grupos ou
associações, para a defesa de interesses específicos ou expressões de
identidades.Esses elementos podem
fazer parte do processo, mas seus
objetivos são mais abrangentes.
Verifica-se a dimensão expressivo-simbólica na prática políticoadministrativa, sobretudo, no
capitalismo contemporâneo, onde
as trocas simbólicas exercem papel
relevante no mercado de bens e serviços, bem como tudo o que indica
status, prestígio , desejo e prazer.
A dimensão simbólica da participação indica que :
Seus mecanismos e instrumentos
são específicos e diversificados, muitos resultantes da criatividade e da
não-submissão aos padrões estabelecidos, indo das formas leves e
lúdicas, como o abraço de milhares
de pessoas a um sítio que se quer
preservar, às mais agressivas, como
o fechamento de uma rua, uma
greve de fome, protestos, etc.
(Teixeira,1996, p. 40).
Conforme Teixeira (1996), a
sociedade civil institucionaliza três
complexos de direitos fundamentais: reprodução cultural, socialização e direitos relacionados com a
economia. Os direitos são assegurados por leis e muitos deles têm
sido reconhecidos no decorrer de
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
339
Poder local: uma cate
goria
categoria
a ser repensada
340
lutas históricas. Tais leis não são suficientes para evitar a exclusão, mas
podem constituir-se em instrumento de luta contra a dominação, à
medida que os excluídos tenham
acesso aos espaços públicos e possam discutir temáticas e ações coletivas que representem seus interesses.
Teixeira (1996) coloca, ainda, a
necessidade de haver uma cautela
sobre a ênfase demasiada no local,
inclusive, constituindo-se em suporte para políticas neoliberais de
desoneração do Estado central, expressando-se num processo perverso de descentralização, de
privatização, podendo significar, ainda, uma estratégia de elites tradicionais que controlam o poder local,
reproduzindo o favoritismo, o
clientelismo.
Apresenta-se assim o problema de
como responder aos interesses gerais em face do particularismo e
do corporativismo dos atores, exigindo-se condições objetivas e subjetivas e espaços públicos onde
possam ocorrer negociações e compromissos para que as argumentações, livremente expostas,
permitam chegar-se a um consenso
traduzível em decisões no sistema
político. (Teixeira, 1996, p. 27).
No entanto, as reações criativas
locais vêm provocando a intensifi-
cação de estudos de diferentes modelos de governos locais e seus
rebatimentos sobre a sociedade
como um todo.
As experiências de iniciativas inovadoras e criativas de gestão vêm
estimulando à formação de uma
cultura política cidadã que supere a
tradicional e conservadora cultura
política vigente no Brasil.
A nova concepção de cidadania
deve consistir na construção de novos direitos que se realizem nos espaços públicos e se consolidem na
esfera pública estatal.
A construção de novos espaços
públicos, implica na resistência e
denuncia de ações excludentes e
autoritárias através de atores sociais
ativos.
A participação cidadã é processo contraditório que envolve várias
dimensões, papéis e desafios. A base
social para o exercício da participação cidadã é a sociedade civil, através de sua mediação com o Estado,
o mercado e a própria sociedade.
Porém, a sociedade civil não
pode tomar para si, responsabilidades que são do Estado, mas poderá exercer uma função política sobre
o Estado no intuito de possibilitar
e assegurar o atendimento das necessidades da sociedade como um
todo.
Para Teixeira (1996, p. 27): (...) a
participação significa fazer parte, ser par-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Deyse Silvana dos Santos Sena
Gildeci Batista Alves Pinheiro
te de um ato ou processo, de uma atividade
pública, de ações coletivas.
Segundo Dowbor (1995), a
descentralização é uma condição
necessária, mas não suficiente para
o funcionamento integrado das iniciativas da reprodução social; já o
espaço local é um espaço fundamental de organização social, porém, não é o único.
Dowbor (1995) considera, ainda, como necessária a gestão estatal e um deslocamento de um
segmento dominante de atividades reguladoras diretamente para
a sociedade civil, objetivando processos mais amplos de re-equilíbrio social. Isto é, uma mudança
paradigmática da passagem de
uma visão de pirâmides verticais
de autoridade à de redes
interativas horizontais (...) a grande
questão não é mais a opção entre
privatizar e estatizar, e sim a reconstrução, ou estruturação, da relação entre a sociedade civil e as diversas
macro-organizações, estatais e privadas,
que de fato nos dirigem. (Dowbor,
1995, p. 358)
O próprio Dowbor (1995),
aponta que o novo estilo de governar passa pela criação de instr umentos de comunicação,
participação, flexibilização de mecanismos financeiros, controle direto de comitês e conselhos da
comunidade. Passa, ainda, pela
ampliação do espaço de interesse municipal, para ultrapassar as
preocupações com a cosmética
urbana e algumas áreas sociais,
para se tornar o catalisador das
forças econômicas e sociais da
região.
Na visão de Bava (1996, p. 58),
o que se destaca num projeto de
desenvolvimento local é:
a possibilidade, por um lado, de
articular, a partir de iniciativas dos governos locais, um conjunto heterogêneo de forças
sociais locais em torno de um
projeto comum e, por outro , de
direcionar essa energia para o
aproveitamento das oportunidades locais, viabilizando a produção de specialities, eliminando
atravessadores, estimulando
micro e pequenas empresas, formas cooperadas de produção e
comercialização de produtos e
serviços, enfim, articulando e estimulando uma série de iniciativas que abram novas
oportunidades de trabalho, distribuição de renda, mercado.
Para tanto, é necessário ao desenvolvimento local, buscar contribuir
para a melhoria dos mecanismos democráticos, visualizando os problemas
sob o enfoque do desenvolvimento
social e humano, ao mesmo tempo
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
341
Poder local: uma cate
goria
categoria
a ser repensada
em que o econômico, com vista a
desenvolver formas solidárias de sociabilidade e de dignidade a todos
os cidadãos.
Enfim, o repensar do poder local é
uma categoria em construção, hoje, que
remete a um processo histórico, caracterizado por elementos divergentes e
não lineares, implicando pois, um desafio a ser discutido e operacionalizado, a
partir das peculiaridades e demandas
dos cenários locais.
NO
NOTTAS
2
Forma de Estado que se estruturou na Europa a
partir do final da Idade Média e que definiu a
fisionomia territorial e política das modernas nações européias. Corresponde ao período de consolidação do absolutismo monárquico, quando os
reis, apoiados pela burguesia, conseguiram firmar
seu poder perante o papado e os senhores feudais.A
política econômica dos Estados nacionais foi o
mercantilismo, que favoreceu a acumulação primitiva de capitais, posteriormente aplicados na Revolução Industrial. In: SANDRONI, Paulo.
Novíssimo dicionário de economia.São Paulo,
Best Seller, 1999, p. 221.
3
GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole:
o que a globalização está fazendo com nós. Rio de
Janeiro. Record, 2000.
342
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Deyse Silvana dos Santos Sena
Gildeci Batista Alves Pinheiro
REFERÊNCIAS
CARVALHO, Alba Pinho de. A questão social e as transformações nas políticas
sociais: as respostas do Estado e da sociedade civil. Fortaleza: Oficina Regional da
ABESS, 1998.
CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo:
Paz e Terra, 1999.
COSTA, João Bosco Araújo da. A ressignificação do local: o imaginário político brasileiro
pós 80. In: Revista São Paulo em Perspectiva. São Paulo: Fundação SEADE,v. 10, n.
3, jun./set. 1996.
BAVA, Silvio Caccia. Desenvolvimento local: uma alternativa para a crise social ?.
Recife, 1996. p. 53-59.
DANIEL, Celso. A gestão local no limiar do novo milênio. In: MAGALHÃES, Inês; BARRETO,
Luiz; TREVAS, Vicente. (Org.). Governo e cidadania: balanço e reflexões sobre o modo
petista de governar. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999.
DOWBOR, Ladislau. Da globalização ao poder local: a nova hierarquia dos espaços. In: Revista São Paulo em Perspectiva. São Paulo: Fundação SEADE, v. 9, n.
3, jul./set. 1995.
FURTADO, Celso. O capitalismo global. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
GENTILI, Pablo. (Org.). Globalização excludente: desigualdade, exclusão e democracia na nova ordem mundial. Rio de Janeiro: Vozes, 1999.
GENRO, Tarso. Reforma do Estado e democratização do poder local. In: VILLAS-BOAS,
Renata; TELLES, Vera. (Org.). Poder local, participação popular, construção da
cidadania. Fórum Nacional de Participação Popular nas Administrações Democráticas.
São Paulo: BASE, 1995.
GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole: o que a globalização está fazendo com
nós. São Paulo: Record, 2000.
GONDIM, Linda M. A moral e a política dos outros: algumas reflexões sobre a cidadania e corrupção no Brasil. Fortaleza: UFC/NESP, 1994
SOARES, José Arlindo; GONDIM, Linda. Novos modelos de gestão: lições que vem do
poder local. [S.l.: s.n.], [199-?], p. 61-93.
SINGER, Paul. Globalização e desemprego: diagnóstico e alternativas. São Paulo:
Contexto, 1999.
TEIXEIRA, Elenaldo. O local e o global. [S.l.: s.n.], 1996, p. 25-51.
TEIXEIRA, Francisco J. S.; OLIVEIRA, M. Neoliberalismo e reestruturação produtiva: as novas determinações do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 1996.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
343
344
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Turismo
O profissional de
turismo e sua
absorção
345
Mabel Simone Guardia1
1
Turismóloga. Especialização em Qualidade Total
(UFRN). Professora da FACEX. Rua Ind. João
Motta, 1541 - Bloco F - Apt. 301, Capim Macio.
CEP 59.080-000 Natal, RN
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
O profissional de turismo
e sua absorção
The professional of tourism and the
workmarket
346
RESUMO
Este trabalho apresenta os resultados
de uma pesquisa empírica sobre a absorção
do turismólogo no mercado de trabalho,
especialmente, nos ramos de hotelaria,
agências de viagens e instituições de ensino.
Para tanto, utilizou-se como suporte teórico
um levantamento bibliográfico, em que
enfatiza a necessidade deste profissional
adequar-se as perspectivaas da indústria
do turismo, no mundo globalizado. A
exigência do profissional qualificado e de
nível superior, como é o caso do turismólogo,
prevista nas discussões de estudos
acadêmicos se confirma dentro da realidade
de Natal - RN, que serviu de área de estudo
da presente investigação.
ABSTRACT
This work presents the results of an
empiricist research about the workmarket
for a professional of tourism, specially in
relation to hotel jobs, travel agencies and
schools. For the theoretical support, books
that highligth the need for qualification of
the professional in a globalized world were
selected. In Natal there is a great need of
qualified professionals with college
education, and this is the area of research
of this work.
PALAVRAS-CHAVE
Turismo; mercado de trabalho;
profissionais.
KEY- WORDS
Tourism; workmarket; professionals.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Mabel Simone Guardia
1 INTRODUÇÃO
Escrever sobre a necessidade do
mercado e sua exigência quanto a
qualidade do profissional é bem curioso, pois sabe-se que a formação
existe partindo do pressuposto de
sua necessidade. A idéia de escrever
sobre a absorção do turismólogo,
surgiu da curiosidade de saber
como o mercado estava se comportando diante da colocação desse profissional especializado, visto
que se há uma profissionalização, é
esperada sua colocação, pois há uma
demanda. Definiu-se uma breve investigação junto aos hotéis filiados
à ABIH, agências de viagens vinculadas à ABAV e unidades de ensino
superior na cidade do Natal (RN),
onde se avaliou a inserção do profissional de turismo.
1.1 O que é o turismo?
É uma atividade social, pois lida
diretamente com pessoas, e tem se
desenvolvido com velocidade, ao
mesmo tempo em que se busca qualidade nos serviços.
Segundo Barreto (1997), turismo
é o movimento de pessoas, é um fenômeno
que envolve, antes de mais nada, gente. É
um ramo das ciências sociais e não das ciências econômicas...
No entanto alguns escritores colocam sua importância econômica,
pois é uma atividade que movimenta 45 bilhões de dólares ao ano no
mercado nacional e emprega cerca
de um em cada onze trabalhadores.
1.2 Qual a importância do
profissional de turismo?
É de fundamental importância
a sua existência, pois é a única forma de garantir qualidade a quem
procurar utilizar o serviço turístico.
Após um longo ano de trabalho é
normal que as pessoas queiram sair
de férias e contem com que tudo
dará certo, sem imprevistos, após o
pagamento de um serviço complexo e intangível.
2 O SURGIMENT
SURGIMENTOO DDAA INDÚSTRIA
DO TURISMO
Este fenômeno social teve origem espontânea, decorrente da inerente vontade das pessoas
conhecerem culturas e lugares diferentes, pelos mais variados interesses, como por exemplo, explorar
novos mercados.
O turismo tem crescido, pelo
número de pessoas que emprega,
pela sua contribuição na economia,
geração de receitas e impostos. Trata-se de uma indústria de múltiplos
componentes. Outrora, usufruir
desse serviço era luxo; hoje, está classificado como necessidade e contando com mais essa necessidade na
vida das pessoas é que o turismólogo
deve buscar seu espaço.
De acordo com o artigo 180 da
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
347
O profissional de turismo
e sua absorção
Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988: A União, os Estados,
o Distrito Federal e os Municípios promoverão e incentivarão o turismo. Isso mostra que a promoção da atividade está
prevista, o que encurta o caminho
para a luta pelo reconhecimento e
obrigatoriedade de profissionais
qualificados para administrar a Indústria do Turismo
3 DESEMPREGO
348
Desemprego,
qualidade,
capacitação, qualificação e absorção
de profissionais são preocupações
hoje no mundo todo. Essa preocupação estimulou pessoas como
Cifuentes a pesquisar sobre o grande número de pessoas desocupadas
ou ainda ocupadas com os trabalhos
informais. Segundo Cifuentes (1995,
p. 28)2, ninguna nación inventou hasta hoy
sueldos perfectos e ocupación total.
A importância da qualidade do trabalho veio com o paradoxo de sua
quantidade; com a globalização o
mundo tornou-se mais exigente, no
entanto de acordo ainda com
Cifuentes (1995, p. 113)3 : Puede afirmarse
que es la baja calidad que genera el desempleo .
Levando em consideração toda
a preocupação com o desemprego,
formar bons profissionais que sejam
capazes de entender a totalidade do
processo e intervir nele criativamente é uma questão que pode vir a ser
resolvida para que o número de pessoas desocupadas seja menor, porém
parte desta responsabilidade depende
muito do candidato ao mercado de
trabalho, em alguns casos mais do
que das instituições de ensino ou
empregadoras.
4 A CAP
ACIT
AÇÃO PROFISSIONAL
CAPACIT
ACITAÇÃO
Pode-se afirmar que a necessidade de qualificar a mão-de-obra veio
a partir de todas a mudanças na força de trabalho; conforme Barreto
(1997, p. 144), precisa-se hoje de um trabalhador com visão global e responsabilidade, capaz de ‘gerenciar o aleatório’, de
solucionar rápido e eficazmente uma contingência que não foi prevista pela máquina.
A tecnologia de informação e a
integração entre os povos fizeram
com que atualmente o nível de instrução, seja melhor que antes. De acordo com Barreto, uma capacidade de abstração
mais acurada só pode ser dada por intermédio da escolaridade. Segundo Leite (apud
Barreto 1997, p. 144), há uma tendência
na indústria mundial (apesar de um pouco
mais lento no Terceiro Mundo) há exigência
de novos requisitos de qualificação relacionados, (...) à capacidade, confiabilidade e confiança de tarefas variadas.
5 A ABSOR
ÇÃO DO TURISMÓLOGO
ABSORÇÃO
PELO MERCADO DE TRABALHO
Devido a insuficiência de mate-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Mabel Simone Guardia
rial didático sobre a absorção de
profissionais de turismo no mercado de trabalho local, foi feita uma
pesquisa de campo, nos hotéis, agências de viagem e instituições de ensino superior, a fim de verificar a
admissão destes profissionais durante o ano de 1997.
A metodologia aplicada na realização deste estudo contemplou
técnicas de observação, leitura bibliográfica e a aplicação de um questionário, dirigido ao gerente geral ou
representante dos estabelecimentos
investigados. Com relação ao questionário, este tinha como principal
objetivo detectar se o estabelecimento pesquisado possuía ou não bacharel em turismo no seu quadro
de funcionários.
A leitura bibliográfica propiciou
a ampliação de conhecimentos sobre o mercado de trabalho de forma geral no atual estágio em que se
encontra a sociedade, os desafios,
as perspectivas e as tendências deste mercado.
O resultado da pesquisa foi o
seguinte:
Hotelaria – Atividade que
compreende vários setores oferecendo serviços agrupados ou não,
como por exemplo, hospedagem,
lazer, alimentação e eventos.
Utilizou-se como universo de
pesquisa nesse setor, hotéis associados à Associação Brasileira da In-
dústria de Hotéis (ABIH). De uma
amostra de 8 hotéis, (equivalente a
33% do total de 24 credenciados),
apenas 1 (13%) possui bacharel em
turismo no quadro de funcionários.
Agências de viagens – Empresas ou sociedades comerciais que
exercem, privativamente, o trabalho
de repasse de locação de carros,
passagens, passeio e pacotes.
Para verificar a inserção do bacharel em turismo nessa atividade
utilizou-se uma amostra de 12 agências (equivalente a 32% de um total
de 38 agências associadas à Associação Brasileira de Agentes de Viagens - ABAV), das quais apenas 5
delas possuem profissionais formados em seus quadros de funcionários (42%).
Instituições de ensino superior - Juntamente com a expansão
do turismo veio a necessidade de
um profissional para a área. Criouse escolas específicas, sendo que a
primeira surgiu em São Paulo, a
Faculdade Anhembi Morumbi, instituição que tem como objetivo capacitar profissionais para as diversas
atividades dentre elas para o turismo local, regional ou internacional.
Em Natal existem três instituições de ensino superior que possuem cursos de Turismo. Foram
investigadas duas dessas instituições
(66%), tendo sido constatado que
as mesmas tem absorvido bacharéis em turismo.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
349
O profissional de turismo
e sua absorção
6 CONCLUSÃO
350
A ascensão da atividade turística
é um fato; no entanto, dos 6 milhões de pessoas envolvidas no setor, apenas 0,3% são turismólogos4.
Esse número é pequeno e torna-se
mais significativo quando se considera o fato de que para algumas
empresas ou instituições não existe
diferença do técnico para o graduado em turismo.
É acreditando em um crescimento real da atividade, que tem havido
uma procura pelo curso de turismo
nos últimos vestibulares. No ano de
1996, segundo o Ministério da Educação o curso não estava entre os
NO
NOTTAS
2
Tradução do autor: Nenhuma Nação inventou
até hoje salários perfeitos e ocupação total.
3
Tradução do autor: Pode afirmar-se que é a
baixa qualidade que gera o desemprego.
mais procurados5; no entanto em
1997, de acordo com a FUVEST, o
curso de turismo foi o mais procurado para o vestibular 98.
Os resultados da pesquisa desenvolvida com relação a utilização
deste profissional no mercado de
trabalho, tem demonstrado, que
apesar da atividade ser emergente e
estar em expansão, não tem absorvido de for ma satisfatória o
turismólogo.
Espera-se que a categoria una-se
e lute pelo seu reconhecimento, mas
vale ressaltar que o mais importante
é qualificar-se com idiomas e cursos
técnicos para um melhor entendimento do todo, criando-se assim um diferencial do mero técnico.
4
5
Revista VEJA. 20 de agosto de 1997 - p. 66
Revista Época. 03 agosto de 1998 - p. 41
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
Mabel Simone Guardia
7 REFERÊNCIAS
BARRETTO, Margarita. Manual de iniciação ao estudo do turismo. Campinas:
Papirus, 1997.
CASTELLI, Geraldo. Administração hoteleira. Caxias do Sul: EDUCS, 1992.
CIFUENTES, Carlos Llano. La creación del empleo. San Rafael: Panorama, 1996.
DUNNINGHAM, Andréa; FRAGA, Érica. Procura-se empregado qualificado. Rio de Janeiro: O Globo, 10 jan., 1998. Caderno de Economia, p. [?]
FERRAZ, Joandre. Regime jurídico do turismo. São Paulo: Papirus, 1995. p. 13-49.
GALERO, Alvaro Lopez. El impacto de la globalizacion sobre el turismo. In: LEMOS,
Amalia Inês de. In: Turismo: Impactos socio-ambientais. São Paulo: HUCITEC,
1996. p. 273-295.
MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer: formação e atuação profissional. Campinas:
Papirus, 1995.
PAIVA, Maria das Graças M. V. Globalização e segmentação: reflexões sobre o mercado
de trabalho em turismo no Nordeste. In: LEMOS, Amalia Inês de. Turismo: Impactos socioambientais. São Paulo: Hucitec, 1996. p. 273-295.
PAIXÃO, Roberta. Da burocracia total à andrenalina máxima. Revista Veja, São Paulo,
ano 30, n. 33, p. 66, 20 ago. 1998.
RAMALHO, Cristina. O curso da moda. Revista Veja. São Paulo, n. 44, p. 67. nov., 1998.
ROCHA, Mirani; ALEXANDRE, Marcos. Profissões em perigo. Revista RN Econômico
360º, Natal, n. 511, p. 6-12, ago. 1998.
VELLOSO, Beatriz; BARROS, Andrea. À espera da primeira chance. Revista Época.
São Paulo, n. 11 , p. 40-43, ago. 1998.
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
351
Norm
as para apresentação de trabalhos
Normas
A revista Carpe Diem destina-se à divulgação de trabalhos inéditos relativos a estudos de
natureza teórica e experimental no campo da pesquisa, resumos de teses ou dissertações, monografias,
trabalhos de conclusão de cursos, comunicações e artigos de revisão produzidos pelo corpo docente
e discente desta e de outras instituições.
Os trabalhos encaminhados para publicação deverão obedecer as seguintes normas:
352
1. Os originais devem ser submetidos ao Conselho Editorial em português, inglês ou espanhol, de
preferência em disquete HD de 3 ½, com a indicação
do(s) autor(es) e do arquivo, gravado no “Word for
Windows ou uma versão mais nova, acompanhado de 02 (duas) cópias impressas em papel A4 (210
x 297 mm) e com os seguintes atributos:
1.1 espaço simples entre linhas e espaço duplo
entre parágrafos;
1.2 espaço duplo entre partes e entre texto e exemplos, tabelas, figuras ou ilustrações (gráficos, fotos, gravuras, esquemas) e citações;
1.3 letra “Times New Roman”, de tamanho 18
para títulos, 14 para subtítulos, 12 para nome(s)
do(s) autor(es), texto e ilustrações (tabelas, figuras etc), 10 para epígrafes e citações, 9 para
notas de rodapé;
1.4 margens (superior e esquerda) de 3 cm e
(inferior e direita) de 2 cm;
1.5 tabulação padrão de 1,27 cm (1/2 polegada);
1.6 alinhamento justificado.
2. O trabalho deve conter no máximo 20 (vinte)
páginas com o seguinte formato:
2.1 Título
O título, em português, (inglês ou espanhol, quando
for o caso), deve ser digitado em letras maiúsculas,
em negrito e centralizado no alto da primeira folha;
2.2 Nome(s) do(s) autor(es)
O(s) nome(s) do(s) autor(es), em negrito, deve(m)
ser mencionado(s) por extenso, centrado(s) em
letra minúscula, duas linhas abaixo do título e
numerado, (exemplo.: José Francisco de Oliveira1), separados por ponto e vírgula (;), no caso de
mais de um autor.
Ainda na primeira página, em nota de rodapé,
deve(m) ser mencionado(s) dados relativos a
qualificação do(s) autor(es), instituição, endereço, telefone, fax e e-mail, (quando for o caso).
Ex.: Economista. Especialista em Administração de Empresas (UFRN). Professor do Curso de Administração da FACEX. Av. 21 de
Outubro, 25 – Centro; CEP 59.075-840 – Natal, RN; Tel.: (0xx84)225-2222; e-mail:
[email protected].
2.3 Resumo
A palavra Resumo, em negrito, seguida de dois
pontos (:) deve estar duas linhas abaixo do(s) nome(s)
do(s) autor(es), sem adentramento e, na mesma
linha, o início do texto digitado em português, não
podendo exceder o limite de 200 palavras;
2.4 Palavras-chave
A expressão “Palavras-chave”, em negrito, deve
estar duas linhas abaixo do final do Resumo,
sem adentramento, devendo conter, no máximo,
5 palavras;
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
2.5 Abstract
O Abstract, em negrito, deve estar duas linhas
abaixo do final das Palavras-chave, sem
adentramento, podendo ser a versão para o inglês do Resumo;
2.6 Key-words
A expressão “Key-words”, em negrito, deve estar
duas linhas abaixo do final do Abstract, podendo
ser a versão para o inglês das Palavras-chave;
2.7 Texto do trabalho
Os subtítulos do texto, sem adentramento, devem estar em negrito e em letras minúsculas,
sendo apenas a primeira letra de cada subtítulo
em maiúscula. O texto do trabalho deve obedecer ao sistema de numeração progressiva de
acordo com a ABNT. Quando o artigo for descrição de trabalho de pesquisa experimental, deve
conter os seguintes subtítulos:
a) Introdução
A introdução deve apresentar o(s) objetivo(s) do
trabalho, a sua relação com outros da mesma
área de pesquisa e as razões que levaram o(s)
autor(es) realizar(em) o trabalho.
b) Metodologia
A metodologia ou material e métodos deve conter
informações disponíveis na revisão de literatura
que permitam o desenvolvimento do trabalho.
c) Resultados
Os resultados devem ser apresentados de forma clara e sucinta, podendo ser utilizadas TABELAS (numeradas em números romanos –
Ex.: TAB. I) ou ilustrações (gráficos, fotos,
gravuras, esquemas) denominadas FIGURAS, numeradas no texto com algarismos arábicos, de forma abreviada, entre parênteses
ou não, de acordo com a seguinte redação:
(FIG. 1), FIG. 2, que permitam uma melhor
compreensão dos dados obtidos. As tabelas e
as figuras devem trazer abaixo um título ou
legenda digitada, com indicação da fonte, se
for o caso.
d) Discussão e conclusão
A discussão deve analisar os resultados, tentando relacioná-los com dados existentes na literatura, devendo ser encerrada com as principais
conclusões do trabalho.
e) Referências bibliográficas
A expressão “Referências bibliográficas”, sem
adentramento, deve ser colocada duas linhas antes dos autores, relacionados em ordem alfabética,
sem numeração, sem espaço entre as referências
e de acordo com as normas da ABNT (NBR6023/2002)
Para LIVROS:
a) autor; b) título da obra em negrito; c) número
da edição (se não for a primeira); d) local da
publicação; e) nome da editora; f) data de publicação.
Ex.: GIL, Antonio Carlos. Metodologia
do Ensino Superior. São Paulo: Atlas, 1990.
Para ARTIGOS:
a) autor; b) título do artigo; c) título do periódico
em negrito; d) local da publicação; e) número do
volume; f) número do fascículo; g) página inicial e
final; h) mês e ano.
Ex.: ANDRADE, Ana Maria Cardoso de. Novas possibilidades em informação popular. Revista da Escola de Biblioteconomia da UFMG,
Belo Horizonte, v. 20, n. 1, p. 23-41, jan./jun.
1991.
f) Notas de rodapé
As notas (não bibliográficas) devem ser resumidas ao máximo e colocadas ao pé das páginas,
ordenadas por números arábicos que no texto se-
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
353
354
rão colocados logo após a frase a que diz respeito
e elevadas.
g) Citações
Citações de até três linhas deverão vir entre
aspas, ao longo do texto. Citações com quatro ou mais linhas deverão com recuo de 2,5
cm da margem esquerda e ter espaçamento
simples. Citações, paráfrases e dados devem incluir a indicação da fonte ( sobrenome do autor, ano e página). Ex.: [(Lima,
1994, p. 45)]
3. O trabalho deve ser inédito e não ter sido
enviado para quaisquer outros órgãos editoriais
ou anais de congresso para publicação.
4. O trabalho deve ser redigido em português, inglês ou espanhol e estar sob a forma
de artigo (máximo de 20 páginas), comunicação (máximo de 10 páginas), resenha ou
ensaio científico (máximo de 10 páginas),
resumo de tese ou dissertação (máximo de
2 páginas).
5. Os artigos e outras publicações deverão ser
avaliados pelo Conselho Editorial ou por con-
sultores ad hoc.
6. O Conselho Editorial não se responsabiliza pelos conceitos ou afirmações expressos nos trabalhos assinados, que são de
inteira responsabilidade do(s) autor(es).
7. Os originais do trabalho, inclusive o disquete,
não serão devolvidos ao(s) autor(es).
8. O(s) autor(es) terão o direito a 02 (dois) exemplares, por artigo, da Revista FACEX.
9. O trabalho deve ser enviado à Coordenação
de Pesquisa e Extensão da FACEX, aos cuidados do Prof. Francisco de Assis Maia de Lima,
no seguinte endereço:
Faculdade de Ciências, Cultura e
Extensão do RN – FACEX
Coordenadoria de Pesquisa e Extensão – CPE
A/C Prof. Francisco de Assis Maia de Lima
Rua Orlando Silva, 2897 – Capim Macio
CEP 59.080-020 – Natal, RN Tel.: (0xx84)217-8348
E-mail: [email protected]
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003
355
Carpe Diem, Natal, Ano 2/3, n. 2/3, 2002/2003

Documentos relacionados