universidade federal do rio grande do sul
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO Curso de Especialização em Negociação Coletiva Modalidade a Distância PPGA/EA/UFRGS e SRH - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão Disciplina de Estado, Governo e Sociedade APRESENTAÇÃO Nesta apostila você encontra os três textos básicos e utilizados na disciplina Estado, Governo & Sociedade: o primeiro produzido pelo prof. André Marenco, o segundo escrito pelo prof. Ivan Pinheiro e, finalmente o terceiro, de autoria do prof. Luís Roque Klering, todos da UFRGS, tendo ainda contado com a contribuição de colaboradores, bem como de uma equipe de tutores. O nome da disciplina é uma homenagem e foi tomado de empréstimo do livro homônimo de Norberto Bobbio, editado pela Paz e Terra, Rio de Janeiro. Todavia, a opção pela fidelidade ao título, frente aos conteúdos programáticos, levou a alterar a seqüência em que foram divididos e apresentados os textos, embora nem sempre, no mundo real, sejam claras as fronteiras entre os conteúdos. Assim, embora sendo uma disciplina (e você perceberá as conexões e a complementaridade entre os textos), os conteúdos foram divididos em três partes: a primeira, cuja abertura inicia com uma citação de James Madison, é a de caráter mais abrangente no sentido de que o assunto que aborda é comum a várias sociedades, Estados e governos, Brasil incluso. A partir da discussão sobre bens públicos, avança e questiona: até que ponto a cooperação entre os homens é algo natural? Não o sendo, deveria ser estimulada em razão dos custos e prejuízos que o comportamento individual e egoísta pode trazer à sociedade? Neste caso, que instituições poderiam mediar esses conflitos? Além das instituições sócio-culturais, a exemplo da cooperação, do hábito de negociar, da prestação espontânea das contas públicas, seriam necessárias outras instituições, as organizações criadas especificamente para monitorar e assegurar o bom curso da história e da vida em sociedade? O debate sobre essas, entre outras questões, você encontrará nesta primeira parte; na seqüência, o foco é dirigido à realidade brasileira, ou melhor, para o processo de sua formação histórica, de onde foram selecionados alguns eventos considerados relevantes para conformação de uma cultura nacional de negociação. A partir de um breve inventário da herança recebida dos colonizadores portugueses, o texto discorre sobre o processo de formação econômica e social do Brasil, sublinhando os principais momentos históricos (a chegada da Família Real, a Proclamação da Independência e, a da República) para, finalmente, deter-se nos eventos do séc. XX e na realidade contemporânea pós-Constituição Federal de 1988. O objetivo principal é chamar a atenção para o fato de que Negociação é uma atividade que transcende à mera técnica e aos aspectos legais (explorados nas próximas disciplinas), eis que inserta está em um ambiente sócio, político e econômico, aonde os embates e os conflitos de interesse se revolvem a partir de um espaço de possibilidades definido tanto pela trajetória passada, mas também pelas expectativas acerca do futuro; finalmente, a terceira e última parte apresenta e passa em revista a estrutura e o funcionamento do Estado e do governo brasileiro (a organização política e administrativa, os recursos, os procedimentos, etc.) estabelecendo, assim, o marco de referência no âmbito do qual se darão as negociações – o objeto de estudo das próximas disciplinas. A leitura prévia de todos os textos é condição sine qua non à participação ativa nos chats e para a análise e resolução das questões que, na seqüência, serão propostas para avaliação de conhecimento. Boa leitura e, não esqueça: em dúvida contate o seu tutor! SUMÁRIO APRESENTAÇÃO...................................................................................................................... 2 1 ELEMENTOS DA FORMAÇÃO DO ESTADO E DO GOVERNO – ASPECTOS GERAIS E O CASO BRASILEIRO .................................................................................................................. 5 1.2 INSTITUIÇÕES POLÍTICAS COMO MECANISMO DE REDUÇÃO DA INCERTEZA E DOS CUSTOS DE NEGOCIAÇÃO SOCIAL ........................................................................... 6 1.2 INSTITUIÇÕES PARA MONITORAR AS INSTITUIÇÕES QUE MONITORAM OS CIDADÃOS ........................................................................................................................... 21 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 38 2 ESTADO E GOVERNO DO BRASIL – ELEMENTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS, ECONÔMICOS E ADMINISTRATIVOS DA SUA FORMAÇÃO ............................................... 41 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 41 2.1 HERANÇAS DE PORTUGAL.......................................................................................... 42 2.2 ASPECTOS ECONÔMICOS & SOCIAIS DO BRASIL COLÔNIA.................................... 47 2.3 A CHEGADA DA FAMÍLIA REAL .................................................................................... 49 2.4 DA INDEPENDÊNCIA À PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA .......................................... 55 2.4.1 Dois Parênteses Necessários: os Partidos Políticos na República e a Evolução do Marco Regulatório da Negociação, Mediação e Arbitragem.............................................. 61 2.4.1.1 Os Partidos Políticos na República ...................................................................... 61 2.4.1.2 A Evolução do Marco Regulatório da Negociação, Mediação e Arbitragem ....... 64 2.5 SÉC. XX E A MEDIAÇÃO ESTADO & SOCIEDADE: as novas instituições .................... 65 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 69 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 70 3 ORGANIZAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO: NÍVEIS E INSTÂNCIAS DE GOVERNO, SUAS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS , SEU CARÁTER FEDERALISTA E SEU SISTEMA DE ADMINISTRAÇÃO E FUNCIONAMENTO ............................................................................... 71 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 71 3.1 BRASIL: QUE PAÍS É ESSE?......................................................................................... 72 3.1.1 Estrutura política e administrativa da União, dos Estados e dos Municípios do Brasil .......................................................................................................................................... 72 3.1.2 Estrutura funcional do Estado Brasileiro: os três Poderes ........................................ 83 3.2 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL ATÉ 1994 ........................... 94 3.3 A REFORMA DO ESTADO BRASILEIRO....................................................................... 99 3.3.1 Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado .................................................. 101 3.4 NOVOS CAMINHOS DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ................................................ 107 3.5 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA ..................................................... 108 3.6 A GESTÃO COOPERADA (CONSÓRCIOS, CONVÊNIOS E SUBVENÇÕES) E O ARRANJO FEDERADO: VANTAGENS E DESVANTAGENS ............................................. 111 3.7 FINANÇAS PÚBLICAS DO BRASIL ............................................................................. 114 3.8 OUTROS DADOS GERAIS DOS DIFERENTES NÍVEIS DE GOVERNO DO BRASIL . 130 3.9 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA ....................................... 139 3.9.1 Princípio da legalidade ........................................................................................... 141 3.9.2 Princípio da impessoalidade................................................................................... 142 3.9.3 Princípio da moralidade.......................................................................................... 143 3.9.4 Princípio da publicidade ......................................................................................... 143 3.9.5 Princípio da eficiência ............................................................................................ 145 3.9.6 Princípio licitatório .................................................................................................. 146 3.9.7 Princípio da responsabilidade administrativa.......................................................... 147 3.9.8 Princípio da participação ........................................................................................ 148 3.9.9 Princípio da autonomia gerencial ........................................................................... 148 3.9.10 Livre iniciativa....................................................................................................... 149 3.9.11 Livre concorrência ................................................................................................ 149 3.10 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS ...................... 149 3.11 CAMPO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: ARENA DE TENSÕES E NEGOCIAÇÕES ........................................................................................................................................... 153 3.12 POLÍTICAS E ESTRATÉGIAS PÚBLICAS: ENTENDIMENTOS FUNDAMENTAIS .... 165 3.13 MODELOS DE PLANEJAMENTO NA ESFERA PÚBLICA.......................................... 178 3.14 O SISTEMA BRASILEIRO DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO: O PPA, A LDO E A LOA .................................................................................................................................... 184 3.14.1 Lei do Plano Plurianual......................................................................................... 185 3.14.2 Lei de Diretrizes Orçamentárias ........................................................................... 186 3.14.3 Lei do Orçamento Anual....................................................................................... 186 3.15 PAPEL FUNDAMENTAL DE GOVERNOS: GERAR QUALIDADE DE VIDA............... 188 3.16 CENÁRIO FUTURO: ENFOQUE SISTÊMICO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA........ 190 CONCLUSÃO: O GESTOR PÚBLICO COMO ATOR-NEGOCIADOR ................................ 199 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 200 5 1 ELEMENTOS DA FORMAÇÃO DO ESTADO E DO GOVERNO – ASPECTOS GERAIS E O CASO BRASILEIRO Se os homens fossem anjos, os governos não seriam necessários. Se os anjos governassem os homens, não seriam necessários controles externos nem internos sobre o governo. James Madison, Federalist Papers, 51. A conhecida afirmação de Madison, transcrita acima, ilustra o desafio colocado frente às instituições públicas modernas: de um lado, devem ser capazes de promover negociação social, fixando regras aptas a converter focos potenciais de conflito entre indivíduos e/ou grupos em consensos contingentes, evitando assim, que a violência constitua consequência necessária da multiplicidade de preferências sem um poder regulador que arbitre o dissenso. Este problema foi captado com precisão por Hobbes, ao simular uma hipótetica situação de ausência de Estado: fora do Estado, tem-se o domínio das paixões, a guerra, o medo, pobreza, a incúria, o isolamento, a barbárie, a ignorância, bestialidade. No Estado, tem-se o domínio da razão, a paz, segurança, a riqueza, a decência, a sociabilidade, o refinamento, ciência, a benevolência’. [HOBBES, De Cive]; a a a a O dilema consiste em que as próprias instituições erguidas para a produção da ordem e estabilidade, negociando interesse conflitivos, são formadas por indivíduos, dotados de interesses e preferências (renda, poder, status) e oportunidades para satisfazê-las, como o monopólio da violência, informação assimétrica, poder de agenda. Desta forma, trata-se de neutralizar prováveis perdas de delegação, caracterizadas por usurpação de autoridade e apropriação de rendas, estabelecendo fórmulas de controle, responsabilização e prestação de contas (accountability) dos governantes. 6 1.2 INSTITUIÇÕES POLÍTICAS COMO MECANISMO DE REDUÇÃO DA INCERTEZA E DOS CUSTOS DE NEGOCIAÇÃO SOCIAL Conflitos de interesse constituem a matéria-prima das sociedades modernas: aquisição de bens e serviços, disputas redistributivas por apropriação de renda, definição de prioridades de gasto público, proteção de direitos, garantias de propriedade, deferência e status conferido a indivíduos ou grupos coletivos, defesa de valores culturais e religiosos. A estrutura de oportunidades para a maximização de utilidades esperadas é configurada pelo tipo de bens e serviços perseguidos por agentes individuais. Uma classificação de bens alocados na sociedade deve considerar duas dimensões: excludência e rivalidade. Bens exclusivos implicam que todos aqueles que não tenham contribuído para sua provisão ou pago por seu consumo, podem ser excluídos ou privados da utilização deste bem. Rivalidade corresponde à situação na qual um bem ou utilidade não pode ser usufruído simultaneamente por dois ou mais indivíduos. Inversamente, bens nãorivais implicam que o custo marginal de prover o bem para um consumidor adicional corresponde a zero. A partir desta definição, pode-se isolar uma tipologia de bens sociais, constituída em torno a quatro modelos ideais: Rivalidade Exclusão Sim Não Sim Privados (Big Mac) Impuros (TV a cabo) Não Comuns (recursos naturais) Públicos (iluminação pública) 7 Bens privados podem ser exemplificados pelo hamburguer Mac Donalds, carros, roupas, alimentos, etc. São excluídos da possibilidade de seu consumo todos aqueles que não tenham arcado com o valor monetário correspondente à sua aquisição. Ao mesmo tempo seu consumo apresenta natureza rival, ou seja, o lanche consumido por uma pessoa implica em que outra estará excluída de seu uso. Outros bens apresentam um caráter híbrido ou impuro: excluem de seu usufruto todos aqueles que não tiverem pago para adquiri-los, mas o uso feito por um indivíduo não elimina a possibilidade que mais consumidores também o consumam. É o caso da assinatura de TV a cabo: uma taxa mensal é a condição para obtenção do sinal codificado, mas a compra do serviço por um consumidor não restringe a possibilidade que seu vizinho também o adquira. Ao contrário, quanto mais indivíduos consumirem este bem ou serviço, menor poderá ser o custo para sua provisão e manutenção. Bens comuns são aqueles cujo uso é franco, não podendo ninguém ser dele excluído, tendo ou não determinado indivíduo contribuído para sua provisão. Por outro lado, seu consumo possui natureza rival, ou seja, a utilização por um indivíduo equivale à impossibilidade de consumo daquela mesma fração por qualquer outro consumidor. Recursos naturais correspondem à descrição de bens comuns e dentro destes, a pesca em alto mar talvez seja seu exemplo mais preciso e corrente: qualquer um que tenha alcançado águas internacionais poderá extrair grande quantidade de pesca, sem a necessidade de pagar um valor específico referente à quantidade de peixes obtidos. Contudo, este consumo apresenta caráter rival: um grande cardume de peixes apanhados por uma embarcação implica que o mesmo cardume não poderá ser obtido por outros pescadores. Finalmente, bens públicos não são exclusivos nem, tampouco, rivais. O que significa que ninguém pode ser excluído de seu consumo tendo ou não contribuído para sua provisão, ou mesmo não tendo arcado com o pagamento de seu valor. Ao mesmo tempo o uso deste bem por um consumidor não elimina outros indivíduos de consumirem a mesma utilidade. O sistema de iluminação em vias públicas corresponde de modo aproximado a este tipo de benefício: as luzes públicas não se apagam ou mudam de intensidade, dependendo do cidadão que delas se aproxime, de acordo com o fato de ter pago ou não impostos ou uma taxa de iluminação. A utilidade sob a forma 8 de bem-estar, segurança, integridade física, oferecida pela iluminação ao primeiro indivíduo não será reduzida conforme o número de pessoas que usufruírem o serviço, até o n-ésimo consumidor, mas, ao contrário, quanto mais pessoas o utilizarem, maior será o ganho de cada um. A complexidade resultante de uma multiplicidade não-cumulativa de interesses pode ser percebida quando pensamos em uma combinação constituída pela relação de três indivíduos hipotéticos: Almeida, Natalício e Caio. Almeida mora em uma vila popular, na periferia de um grande centro urbano. Os serviços públicos e infra-estrutura urbana em sua comunidade são precários, com ausência de escola, calçamento e esgoto. Seu salário como vigilante não lhe permite o acesso a bens adquiridos no mercado, como creche para os filhos, saúde e previdência privados, e a tarifa do transporte coletivo consome parte significativa de seu salário. Natalício reside no mesmo bairro, e trabalha como trocador na empresa de ônibus que atende a região. Suas principais preocupações são quanto a manutenção do emprego, a participação no sindicato para conquistar um salário melhor e à segurança na jornada de trabalho, pois os assaltos são freqüentes. Caio é médico, possui uma renda alta, plano privado de saúde e previdência. Seus filhos estão em escolas privadas, mas ele espera que o futuro, ingressem na universidade pública. Almeida e Natalício possuem interesses comuns, relacionados à melhoria na infra-estrutura e equipamentos de seu bairro. Apóiam propostas que implicam aumento de investimentos públicos (educação, segurança), o que deve desagradar a Caio, que é contra impostos e não necessita de programas sociais, mas apóia prioridades orçamentárias em segurança pública, por exemplo. Enquanto isso, Natalício sabe que o aumento salarial pretendido repercute em aumento da tarifa, que contraria os interesses de Almeida. Almeida e Caio, a despeito das distâncias sociais, são religiosos praticantes, contrários ao aborto, ao homossexualismo. Almeida, Natalício e Caio são agentes racionais, comportam-se maximizando suas utilidades esperadas, ou seja, dado a hierarquia de preferências de cada um, adotam um curso de ação que julgam ser o mais eficaz e menos custoso para a obtenção dos fins pretendidos, da mesma forma que são capazes de assegurar a transitividade de suas preferências, o que significa que dado A>B>C, então A>C (TSEBELIS, 1998; ELSTER, 1994). Ao mesmo tempo, a consecução de seus 9 respectivos interesses não resulta apenas de decisões individuais soberanas, sendo função da interdependência de suas ações: para adquirir bens, conquistar investimentos e serviços públicos, obter aumentos salariais, cada indivíduo depende das ações dos demais e da possibilidade de coordenar ações e estratégias individuais, negociando interesses e ações compartilhadas. Indivíduos agem movidos por cálculo racional, visando maximizar utilidades esperadas. Isto implica comportamento estratégico, uma vez que a obtenção dos fins desejados supõe, na maioria das vezes, a interdependência de ações e escolhas entre n-indivíduos. Obtenção de utilidades passa, assim, por relações entre produtor e consumidor pela aquisição de bens privados, gestão entre produtores que utilizam recursos naturais comuns, interações entre eleitores e partidos, na definição de prioridades de gasto público e investimentos sociais. Contudo, mesmo que a obtenção de utilidades dependa de ações congruentes adotadas pelos demais, isso não corresponde ou equivale a uma estrutura de incentivos para a cooperação social. Ao contrário, agentes atuando de forma estratégica e racional e cooperação social possuem uma relação problemática. Conforme Douglass North (1993: 24), três fatores ampliam os custos de negociação visando à cooperação social entre agentes racionais: (1) N elevado de jogadores; (2) ausência ou precariedade de informação sobre escolhas e curso de ação adotados pelos demais e, (3) interações sociais configuradas sob formato de jogos não repetitivos. Isto significa que em contextos marcados por relações sociais envolvendo elevado número de participantes, quando estes não podem formar juízo seguro acerca da garantia de cumprimento de pactos e acordos pelos demais e, finalmente, quando estas interações não se repetem no tempo, não permitindo punição aos violadores das normas ou acordos constituídos, haveria mais incentivos para a quebra de negociações prévias e custos mais elevados para a cooperação social ou ações compartilhadas. A ilustração mais conhecida sobre os dilemas da cooperação social tem sido representada pela teoria dos jogos, através de um modelo conhecido como “dilema do prisioneiro”. O enredo da trama é o seguinte: Dois suspeitos de um homicídio, A e B, são presos pela polícia. A polícia tem provas insuficientes para os condenar, mas, separando os prisioneiros, oferece a 10 ambos o mesmo acordo: se um dos prisioneiros, confessando, testemunhar contra o outro, e esse outro permanecer em silêncio, o que confessou sai livre, enquanto o cúmplice silencioso cumpre 15 anos de sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a 1 ano de cadeia cada um por porte ilegal de armas. Se ambos traírem o comparsa, cada um leva 10 anos de cadeia. Cada prisioneiro faz a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro. A matriz de prêmios e sanções pode ser observada no quadro abaixo. A B Silencia Confessa Silencia 1,1 15,0 Confessa 0,15 10,10 Qual é o mais provável desfecho para esta situação? Agindo racionalmente na direção da obtenção de seu objetivo (liberdade), o comportamento mais vantajoso para ambos os prisioneiros seria a “cooperação mútua”, ou seja, o silêncio, impedindo a polícia e a justiça de obter as provas necessárias para uma condenação severa. Contudo, tendo de decidir o curso de ação em condições de informação incompleta (cada um não conhece a opção que será adotada pelo outro), movidos pela desconfiança acerca da probabilidade de traição pelo companheiro, e sem a possibilidade de negociar um pacto de ação comum, a ordem de preferências passa a ser a seguinte: T>R>C>P onde T é a tentação para trair (isto é, o que se obtém quando se deserta e o outro jogador coopera); R é a recompensa pela cooperação mútua; C é o castigo pela deserção mútua; e P é o ônus do ingênuo (isto é, o que se obtém quando um jogador coopera e o outro deserta). A moral da história é simples: mesmo quando cooperação 11 constitui a melhor escolha, diante da interdependência das ações e de informação incompleta, indivíduos agindo racionalmente adotam comportamento não-cooperativo ou de defecção face a compromissos sociais, mesmo que o resultado termine sendo o de maiores perdas para todos. Contrariando a teoria tradicional dos grupos de interesse, Mancur Olson demonstrou inexistir uma correspondência necessária entre interesses (comuns) e ação coletiva, ou seja, o fato de um grupo de indivíduos compartilhar preferências semelhantes não os converte, automaticamente, em um conjunto de pessoas engajadas na consecução dos objetivos compartilhados. Isto ocorre, conforme Olson, precisamente pela presença de externalidades positivas associadas à impossibilidade de exclusão no consumo de bens coletivos ou públicos: Um benefício público, coletivo ou comum é aqui definido como qualquer benefício que, se for consumido por qualquer pessoa Xi em um grupo X1,...Xi, ...Xn, não pode viavelmente ser negado a outros membros deste grupo. Em outras palavras, aqueles que não pagam por nenhum dos benefícios públicos ou coletivos de que desfrutam não podem ser excluídos ou impedidos de participar do consumo desses benefícios, como podem quando se trata de benefícios não coletivos. (OLSON, [1965] 1999: 27) Desta forma, na medida em que bens coletivos ou públicos promovem uma não correspondência entre a provisão dos custos necessários para a produção deste bem, e seu consumo por toda a comunidade envolvida, tendem a vir acompanhados por fenômenos sociais do tipo carona. Indivíduos, operando racionalmente a partir de cálculo de custo/benefício relativos às suas preferências, ao perceber que poderão usufruir de bens coletivos, tendo ou não contribuído para sua provisão, tendem a abster-se de participar na partilha dos custos ou esforços comuns. Por que participar de uma greve, se o aumento salarial beneficiará a todos, independente de participar do sindicato, ou do movimento coletivo? Por que participar de esforços para a preservação do meio-ambiente, se os benefícios decorrentes desta ação compartilhada (ar puro, rios despoluídos) poderão ser consumidos por todos, independente da contribuição? Nesta perspectiva, Hardin (1968) e Ostrom (1990) descreveram o drama dos comuns, resultante da utilização intensiva de recursos naturais comuns, gerando sua exaustão. 12 O princípio medieval de utilização comum de terras para pastagens (consumo rival mas não excludente) leva ao desaparecimento do pasto, uma vez que cada criador individual é levado a extrair o máximo dos recursos naturais comuns, sem partilhar os custos de sua preservação. Da mesma forma, cada proprietário individual de terras possui incentivos econômicos para derrubar florestas para extrair madeira ou aumentar a área de plantio, o industrial amplia a emissão de gases sem arcar com os custos decorrentes de tecnologias para seu controle e redução, ou ainda, um consumidor desperdiça água. Cada um espera que os demais arquem com os esforços necessários para a preservação de recursos naturais comuns (terra, ar puro, água potável), embora cada um não abdique de um uso intensivo destes recursos, orientado pela maximização de sua renda. Se indivíduos são movidos por cálculos visando maximizar a utilidade esperada de um determinado benefício, sempre que envolvidos em situações de externalidades – impossibilidade de serem excluídos do consumo de um bem coletivo, tendo ou não contribuído para sua provisão- tenderiam a comportar-se de modo oportunista, agindo como caronas. Disto resultaria, sempre que acompanhados por incerteza e informação incompleta sobre o comportamento dos demais – tal como na situação configurada pelo dilema do prisioneiro – a não probabilidade de cooperação social e ação coletiva, sob a forma de adesão a movimentos sociais, participação eleitoral, obediência a negociações e outras formas de interação social. Efeito colateral se faz presente ainda no incremento dos custos e na ineficiência de decisões coletivas. Nesta perspectiva, o teorema da impossibilidade, de Arrow (1951), projeta como prognóstico o caos nas relações sociais, a partir da impraticabilidade na definição de regras de tomada de decisão entre pelo menos dois integrantes e três opções a serem processadas e aptas a produzir uma conversão da ordem de preferências individuais em uma função de seleção social, sob condições de universalidade, soberania do cidadão, ausência de ditadura, monotonia e independência das alternativas irrelevantes. A precariedade do equilíbrio social e institucional deveria constituir a conseqüência mais saliente desta premissa, gerando inconsistência nas decisões sobre alocação de recursos públicos e instabilidade nos ciclos de maioria, com mudança na composição de coalizões de 13 interesses (RIKER, 1962), seriam alguns dos efeitos observados, previstos a partir deste paradoxo, conforme exemplo abaixo: Preferências 1ª 2ª 3ª Almeida Educação Segurança Redução Impostos Natalício Segurança Redução impostos Educação Redução impostos Educação Segurança Caio Para Olson, ação coletiva voltada para a produção de bens comuns ou públicos somente poderia ser promovida com base em incentivos seletivos exclusivos (um ganho adicional condicionado à cooperação) ou coerção. O tamanho do grupo social seria uma variável relevante para a probabilidade de resolução dos dilemas da ação coletiva: a probabilidade de ação concertada é uma função da medida em que os atos individuais são perceptíveis aos demais membros de um grupo. Assim em grupos maiores, a participação de um membro individual poderá ser imperceptível aos olhos dos demais, ampliando os custos organizativos para a geração da ação. Da mesma forma, o ganho individual representa neste caso apenas uma fração do ganho total, ficando mais distante do ponto ótimo em uma relação custo/benefício da ação coletiva. Por outro lado, o próprio Olson associa a percepção sobre o comportamento dos demais a outras possibilidades decorrentes da estrutura institucional. Desta forma, a existência de interesses comuns não gera automaticamente ação ou cooperação social. O que torna concertação social mais improvável são, precisamente, os custos de negociação (NORTH, 1993:49) inter-individuais, necessários para a resolução de problemas de coordenação da ação de agentes comportando-se estratégicamente. Por custos de negociação, pode-se entender, conforme Douglass North, o investimento de medição dos custos e benefícios decorrentes de qualquer tipo de relação social, associados aos gastos de monitoramento para assegurar o cumprimento de pactos e contratos entre as partes. 14 Em contextos de informação incompleta ou assimétrica, custos de medição referem-se à energia necessária na aquisição de informação relevante para a escolha de utilidades. No caso de bens privados, isto diz respeito à informação sobre, por exemplo, se o posto de gasolina onde determinado indivíduo abastece seu automóvel costuma adulterar combustível, se o alimento comprado em um supermercado está dentro do prazo de validade ou foi acondicionado em condições mínimas de higiene e dentro do peso e quantidade anunciados. Problemas de medição podem surgir, ainda, na mensuração da exequibilidade na oferta de bens públicos por candidatos ou partidos políticos: qual o realismo orçamentário de uma proposta baseada na promessa de redução de impostos e aumento em gastos de infra-estrutura (construção de estradas, p. ex.), e, portanto, em que medida seria racional votar nela? Paralelo, os custos de negociação social envolvem também uma dimensão relativa ao dispêndio de tempo, recursos e energia necessários para assegurar o monitoramento e coerção para o cumprimento dos contratos sociais e econômicos. Como garantir que um consumidor tendo se comprometido a pagar determinado bem em parcelas, cumpra seus pagamentos após tê-lo levado para sua casa? Como assegurar que um comerciante se responsabilize pelo não funcionamento de um eletrodoméstico, no dia seguinte à sua compra? Como assegurar que todos os cidadãos cumpram normas sociais, como a obediência ao código de trânsito, respeito à propriedade e à integridade individual, quando ultrapassar um sinal vermelho em circunstâncias de pressa, usufruir de bens alheios ou agredir interlocutores pareçam representar alternativas de relação custo/benefício mais favoráveis, especialmente sob condições de ausência de punição? Por outro lado, se num cenário marcado pela ausência de prêmios e sanções institucionais, um comportamento carona pode representar o curso mais racional de ação, o que explicaria a ocorrência – freqüente – de movimentos coletivos, obediência às instituições legais, formação de maiorias legislativas, afluência às cabines de votação – a despeito de muitas vezes as palavras dos indivíduos sugerirem o contrário? A resposta deve ser procurada nas condições que produzem uma reversão nas inclinações individuais originais, promovida por estruturas institucionais e negociações sociais. 15 Em contraste com os sombrios augúrios, cooperação social ocorre em freqüência superior à predita (PNUD, 2004), democracias sobrevivem mesmo à ausência de valores cívicos (MARENCO, 2004), coalizões sobredimensionadas mostraram-se estáveis (LIJPHART, 2003) e taxas de participação eleitoral mantêm-se elevadas, mesmo sob a ausência de constrangimentos legais (LE DUC AND NIEMI, 2002). O quebra-cabeças pode ser decifrado com a introdução do efeito produzido por instituições sobre as interações sociais. Para Putnam, sociedades com elevados estoques de capital social possuiriam a solução para interações condicionadas por problemas do tipo dilema do prisioneiro, onde externalidades e escassez de informação incentivam a escolha de ações não cooperativas, gerando resultados trágicos para todos os indivíduos envolvidos: a cooperação voluntária é mais fácil numa comunidade que tenha herdado um bom estoque de capital social sob a forma de regras de reciprocidade e sistemas de participação cívica. Aqui o capital social diz respeito a características da organização social, como confiança, normas e sistemas que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas...capital social facilita a cooperação espontânea (PUTNAM, 1997: 177). Desta forma, capital social incentivaria a cooperação espontânea, cujo exemplo seria encontrado nas cooperativas de crédito rotativo, marcadas, conforme Putnam, pela presença de confiança e normas de reciprocidade compartilhadas, necessárias para reduzir a dúvida quanto a cooperação dos demais e fomentar uma expectativa de ganhos futuros associados a uma ação negociada. Distinguindo reciprocidade específica – troca simultânea de bens de valor equivalente – e generalizada (não correspondência temporal e no valor dos bens permutados), Putnam identifica nesta última, a revelação de um estoque de capital social atuando nos interstícios das interações sociais. Seguindo nesta trilha, Fukuyama adverte que capital social não corresponderia apenas a quaisquer normas e valores compartilhados, uma vez que estes podem ser os errados. Embora reconhecendo que constituam dimensões de difícil mensuração, honestidade e reciprocidade seriam os valores que, de acordo com Fukuyama (2002), traduziriam a presença de um estoque de capital social, necessário para reduzir custos 16 de negociação e assegurar o cumprimento de acordos formais: “as normas que produzem o capital social, precisam incluir, substantivamente, virtudes como falar a verdade, cumprir obrigações e exercer a reciprocidade” (2002: 156) . De forma semelhante, Inglehart também distingue entre tipos diferentes de valores compartilhados e tradições culturais, correspondentes a sobrevivência ou autoexpressão. No primeiro caso sociedades apresentam baixos níveis de Bem-estar subjetivo, relatam saúde relativamente fraca, são deficientes em confiança inter-pessoal, são relativamente intolerantes com grupos de fora, demonstram pouco apoio à igualdade entre os sexos, enfatizam valores materialistas, tem níveis relativamente altos de fé na ciência e na tecnologia, são relativamente fracas em ativismo ambientalista e são relativamente favoráveis a um governo autoritário. As sociedades que enfatizam os valores de auto-expressão tendem a mostrar preferências contrárias em todos estes tópicos (INGLEHART, 2002:138). Confiança interpessoal, tolerância e participação nos processos decisórios seriam atributos de culturas de auto-expressão que as tornariam, segundo Inglehart mas próximas a gerar democracias estáveis. Em comum estas culturas nutrem uma noção de desenvolvimento, orientada na perspectiva de valores racionais, tolerantes, confiantes e pós-modernos. Desenvolvimento econômico para Inglehart costumaria ser seguido pelo declínio dos valores religiosos, do provincianismo e de identidades culturais, contribuindo para desgastar valores tradicionais e promover a geração de uma cultura associada à democracia. Putnam sugere que as diferenças regionais verificadas em um país como a Itália seriam o resultado de estoques desiguais de capital social encontrados no norte e sul daquele país. “A comunidade cívica tem profundas raízes históricas. Esta é uma afirmação deprimente para os que vêem a reforma institucional como estratégia de mudança política” (1996:192). A dinâmica moderna da economia e sociedade, acrescidos do êxito em políticas de descentralização administrativas, observadas nas comunidades do norte italiano seriam explicados, assim, como resultados da tradição de participação cívica, cujas raízes remontariam à colaboração horizontal encontrada na experiência das cidades republicanas da Itália setentrional entre os séculos XI e XIV. Em contraste, a patronagem arraigada na cultura do sul seria herdeira dos padrões autocráticos e feudais não dissolvidos pelas ondas do Renascimento. Semelhante convicção no constrangimento imposto por tradições históricas pode ser encontrado de 17 modo mais forte, na hipótese proposta por Lipset & Lenz, associando intervenção estatal à influência católica e, inversamente, preferência pelo mercado e livre-iniciativa, à uma cultura protestante: Governos católicos tendem também a ser mais intervencionistas, limitando a liberdade econômica, enquanto países protestantes são mais voltados para o mercado, com exceções parciais (por exemplo, a Escandinávia). Como era de esperar, o Índice de Liberdade Econômica está relacionado positivamente com o protestantismo, o que significa que quanto mais alta for a percentagem de protestantes, maior será a liberdade. (LIPSET & LENZ, 2002:184-5) . Contudo, condicionamentos produzidos por padrões culturais de longo-prazo não seriam irreversíveis. Assim, pode-se entender a inquietação de Putnam em relação ao que lhe parece constituir uma tendência ao declínio no estoque de capital social e no engajamento cívico nos Estados Unidos. A metáfora do indivíduo jogando boliche sozinho foi empregada para revelar a perda no vigor cívico e na participação associativa, em curso na sociedade americana, conforme Putnam. Se os indicadores do fenômeno parecem convincentes [queda na participação eleitoral e na filiação a associações voluntárias], mais perturbadoras são as razões, elencadas por Putnam para explicar o declínio cívico. Em primeiro lugar, (1) a entrada das mulheres no mercado de trabalho; paralelo, (2) maior mobilidade territorial teria dissolvido um padrão de propriedade residencial estável, base das relações de vizinhança nas quais estavam fundadas as raízes sociais do engajamento cívico; ainda, (3) a erosão de núcleos familiares, gerada pela redução na freqüência de casamentos, diminuição do número de filhos e incremento na taxa de divórcios tornou mais rarefeitas redes responsáveis pela geração deste capital social; por fim, (4) a televisão teria alterado e individualizado o padrão de acesso à informação para o cidadão americano. North (1990) chamou a atenção para a capacidade de instituições políticas em reduzir a incerteza e os custos de transação presentes nas relações entre os indivíduos, promovendo uma estrutura de incentivos para negociações e a concertação de preferências e esforços. Satz and Ferejohn (1994) propuseram uma interpretação externalista para explicar a racionalidade das preferências individuais, sustentando que menos por seu conteúdo material ou seletivo, a natureza racional do comportamento individual estaria relacionado à capacidade de adaptação aos constrangimentos fixados 18 por estruturas que cercam os agentes individuais. Desta forma, tudo se passaria como se houvesse espécie de seleção darwiniana, responsável por marginalizar agentes incapazes de compreender os parâmetros institucionais e converter seus desejos originais em preferências sub-ótimas, ditadas pela estrutura de oportunidades estabelecida em cada Instituição. Aqui, instituições desempenham um padrão seletivo, eliminando comportamentos discrepantes em relação à sua estrutura de prêmios e sanções, como a generosidade cristã no mercado econômico, o fundamentalismo ideológico na competição eleitoral, a libido sexual no campo religioso, etc. Comportamentos racionais são aqueles capazes de adaptar-se às condições da oferta e demanda promovidas pelas instituições dentro das quais desenrola-se a ação. Instituições são compreendidas aqui como padrões regularizados de interação que são conhecidos, praticados e regularmente aceitos por agentes sociais que esperam continuar interagindo sob regras e normas formalmente ou informalmente expressadas por estes padrões. Algumas vezes instituições se tornam organizações formais: elas se materializam em construções, rituais, estampas e pessoas em que as regras e normas as autorizam a falar pela organização (O’DONNELL: 1994:57) Assim, instituições públicas reduzem a incerteza e fixam uma estrutura de incentivos para modelar as estratégias dos indivíduos. Sem a estrutura de incentivos e sanções conformada pelas regras de trânsito, monitoramento e punição ao desrespeito às estas regras, a circulação de pessoas e automóveis seria totalmente caótica e insegura. Códigos e sistemas de vigilância induzem o controle da velocidade e a observância de mecanismos para ordenar cruzamento de veículos, sem o que a vontade de cada um de chegar mais rápido ao destino provocaria a impossibilidade de circulação e interações sociais. Como afirma North, instituciones reducem la incertitumbre por el hecho de que proporcionam una estrutura a la vida diaria. Constituem una guía para la interacción humana, de modo que cuando deseamos saludar a los amigos, manejar un automóvil, comprar naranjas, pedir dinero prestado, establecer un negocio, enterrar a nuestros muertos, sabemos como realizar estas actividades...las instituciones definen y limitan el conjunto de elecciones de los individuos. 19 As regras formais que constituem as instituições podem ser decompostas em 5 diferentes tipos (OSTROM, 1986): 1. regras de posição: definem posições e prerrogativas dos participantes; 2. regras de limites: estabelecem procedimentos para a ocupação de posições e sob que condições podem ser substituídos; 3. regras de campo: fixam o alcance das decisões tomadas por instituições 4. regras de autoridade: ações e funções de decisão atribuídas a cada posição particular; 5. regras de informação: configuram os canais e linguagem de comunicação entre participantes segundo diferentes posições. Instituições sobrevivem quando são capazes de produzir respostas eficazes para os problemas de geração de ação coletiva. Isto implica redução nos custos de transação social, sobretudo decorrentes das externalidades presentes da produção de bens sociais e da obtenção da informação necessária para a coordenação de comportamentos cooperativos. De outra forma, se o lapso que separa a escolha de cursos alternativos de ação pelos indivíduos, de comportamentos cooperativos, pode ser representado pela confiança quanto à reciprocidade no comportamento dos demais, parece inconvincente supor que a geração espontânea desta confiança social não só anteceda (e independa) de algum quadro institucional propício (por mais rudimentar que este seja), como seja condição para seu surgimento. Confiança recíproca pode constituir um antídoto para curto-circuitos na ação social, representados em modelos do tipo dilema do prisioneiro. Contudo, a constituição de laços de confiança recíproca entre os indivíduos em contextos análogos parece ser sobretudo o resultado de uma estrutura de oportunidades específica. Em primeiro lugar, interações repetidas no tempo são uma condição para que, tendo a possibilidade de medir as conseqüências da escolha, cada agente possa dispor não apenas de mais informação, como sobretudo, interferir sobre as escolhas de seu(s) interlocutor(es). A repetição das decisões interdependentes pode oferecer a solução para o dilema do prisioneiro, à medida que crie condições para o monitoramento do comportamento dos demais, represente ganhos ou perdas de reputação social e permita recursos de 20 punição ao transgressor. Algumas peculiaridades do quadro institucional afetam o grau em que interações repetidas ampliam o estoque de informação, reputação social e potencial de sanção ao comportamento dos jogadores: o tamanho da organização, suas fronteiras, a escala da repetição e a existência de normas prévias (OSTROM, 1990). Em suma, parece haver uma espiral de retroalimentação que faz com que regras e arranjos institucionais, repetidos no tempo, possam gerar normas e valores e estes, por sua vez, cristalizem-se em instituições sedimentadas. Variações diacrônicas neste processo podem explicar os diferentes modelos institucionais descritos por March & Olsen (1989), na forma de instituições integrativas, impregnadas por códigos de conduta mais rigorosos ou instituições agregativas, presididas pelo cálculo das conseqüências associadas às escolhas e ao curso de ação de cada um. A densidade normativa das instituições integrativas pode ser o resultado de repetições convertidas em rotina, transformando, com o tempo, cálculos racionais em códigos de conduta percebidos como obrigatórios por todos os agentes. Equilíbrios sociais podem resultar assim da percepção de riscos de piora na posição relativa com a mudança, custos de transação elevados para o convencimento dos demais atores, ou ainda, da existência de mecanismos de auto-reforço, que tornam a alteração do status quo um processo difícil e de ocorrência pouco provável. Regras que estabelecem quórum elevado para a mudança de dispositivos constitucionais podem constituir, assim, procedimento que contribui para a inércia institucional. Em direção semelhante, o número e posição dos pontos de veto institucionais reduzem a área potencial de inovação, restringindo as probabilidades de mudança no status quo e a instabilidade institucional (TSEBELIS, 2002). O ponto aqui consiste em que a análise não pode deixar de lado um esforço em dissecar a constituição dos agentes políticos: condições, como em jogos iterativos, que tornam mais provável o conhecimento e previsão do comportamento dos demais, alterando a estrutura de prêmios e sanções para a mudança ou continuidade institucional, dependem das condições de ingresso e mobilidade no interior de elites políticas, reduzindo custos de transação, ampliando a informação disponível e favorecendo oportunidade para comittment e cumprimento de acordos, ou, inversamente, tornando mais incertas e imprevisíveis as ações de cada membro, mesmo aos olhos dos demais. Da mesma forma, as curvas de indiferença dos 21 pontos de veto institucionais não são fixadas exogenamente ao processo político, podendo ser reformatadas com base em informação e utilidade representada pela própria instituição para os grupos específicos de atores. 1.2 INSTITUIÇÕES PARA MONITORAR AS INSTITUIÇÕES QUE MONITORAM OS CIDADÃOS Se instituições políticas constituem o preço a pagar para reduzir a incerteza e os custos de negociação presentes nas interações sociais, promovendo cooperação e equilíbrio social, o problema, neste ponto, consiste em definir o tipo de instituição apta a desempenhar esta tarefa. Em outras palavras, a extensão da delegação conferida pelos indivíduos às instituições para que estas garantam pactos, contratos e negociações, e os graus de liberdade das autoridades públicas no exercício de suas prerrogativas. Em um extremo, podemos encontrar modelos para a produção de soberania e ordem política configurados em torno à solução hobbesiana. O ponto de partida adotado por Hobbes consiste em que os homens são potencialmente iguais em capacidades e força, movidos pela competição, desconfiança e busca de glória e reputação. Diante da desproporção entre paixões e interesses individuais e os meios para satisfazê-los e, ainda, na impossibilidade de recorrer a convenções hierárquicas para reclamar privilégios, ou na ausência de um poder coator soberano, o resultado seria a guerra de todos contra todos. O convívio social, para Hobbes apresentaria apenas um caráter artificial e não-natural. A alternativa para neutralizar a violência iminente seria reduzir as vontades, por pluralidade de votos, a uma só, conformando um poder soberano por instituição, ou seja, baseado em um contrato voluntário no qual cada um transfere o direito a autogovernar-se, com a condição de que todos os demais também o façam. Para assegurar a paz civil, seria necessário a conformação de um árbitro soberano, e para isto, os cidadãos devem autorizar todos os atos deste soberano, como se fossem seus. O resultado é a impossibilidade de resistência ou punição ao Poder Soberano, fonte e juiz das leis. O Estado se enfraquece, conforme Hobbes, quando abdica de sua soberania, aceitando limites às suas prerrogativas ou partilhando decisões. O estado de natureza tem, ainda, oportunidade para resseurgir 22 sob a influência de doutrinas sediciosas, como aquelas que sustentam que cada indivíduo seria o juiz de boas ou más ações, a sujeição do Soberano à leis civis ou o princípio da Soberania dividida. Em suma, para Hobbes, se o desiderato consiste na produção de ordem e enquadramento de disputas e divisões que possam levar à violência, então a única forma de obtê-lo seria através da concentração de poderes em um único indivíduo, autorizado a arbitrar sem contestação qualquer fonte de conflito social. O paradoxo contido na solução proposta por Hobbes consiste na ausência de resposta para o seguinte dilema: quais as garantias contra a probabilidade que o Poder Soberano, encarnado por um indivíduo em carne e osso, dotado de interesses e preferências próprios e dispondo de uma condição de monopólio dos meios materiais para satisfazê-los (administração da violência e da justiça, informação assimétrica), não represente ameaça à vida e segurança dos cidadãos? O pensamento político moderno produziu duas respostas ao problema de como garantir que o exercício do poder se faça dentro de limites que não representem ameaça à liberdade daqueles que estão submetidos a este poder: uma é a apresentada por Rousseau, para quem a virtude cívica dos homens públicos seria a condição para a realização do bem comum. O problema, aqui, consiste em que inúmeros exemplos mostram que muitas vezes a ética pregressa não é garantia de retidão futura; a outra resposta pode ser encontrada em Madison, um dos pais da Constituição americana, para quem não se deve esperar pela ética dos governantes, mas produzir instituições capazes de dividir o poder, fazendo com que mesmo quando impulsionados pelo desejo de domínio, riqueza e status, autoridades sejam submetidas a controles externos que as obriguem a adotar comportamentos republicanos. Para Madison, uma ordem política bem estruturada deveria ser capaz de neutralizar o espírito de facção existente na sociedade. Facções são compreendidas como grupos de cidadãos que atuam movidos por paixão comum ou interesses antagônicos. Para controlar a presença de facções, Madison identifica duas alternativas: suprimir suas causas ou neutralizar seus efeitos. Eliminar as raízes responsáveis pela geração de divisões políticas implicaria ou no risco de destruir a liberdade de expressão, gerando um resultado pior do que o mal original a que se 23 pretende combater; ou, pressuporia uma unanimidade de interesses, o que para Madison parecia impraticável, tendo em vista a propensão ao conflito social, inscrita na desigual distribuição de propriedade, combinada à escassez ou ineficiência em freios morais ou religiosos para conter a busca pela maximização de utilidades. Se parece pouco convincente tentar suprimir as causas responsáveis pela constituição de facções políticas, Madison sugere, então conter seus efeitos, contrapondo ambição contra ambição. Weingast (1997) simula um modelo de jogo cujo resultado depende das estratégias dos jogadores e da interdependência de suas decisões, para projetar diferentes possibilidades na relação entre soberano (S) e dois grupos de cidadãos (A e B) com desdobramentos nos limites estabelecidos às prerrogativas das autoridades governamentais. No modelo de Weingast, o soberano (S) possui duas alternativas: respeitar ou violar direitos dos cidadãos. Por direitos, pode-se entender direitos individuais, liberdades civis, de pensamento, opinião e expressão, prática religiosa, direito de propriedade, consentimento à criação de impostos. O Soberano dispõe de recursos materiais como monopólio da violência legítima, estrutura administrativa e informação assimétrica e tem de escolher entre transgredir contra todos (A e B), contra um (A ou B) ou nenhum. O resultado do jogo depende das respostas produzidas por cada grupo de cidadãos (A e B), submetendo-se ou desafiando os atos do Soberano. Weingast explora três cenários alternativos. No primeiro, o Soberano transgride contra A e B simultaneamente. Se ambos grupos aceitam a transgressão do Soberano, este obtém ganhos elevados pelo êxito de sua iniciativa, combinado à ausência de resistência. Se apenas um dos grupos desafia o Soberano, este ainda é bem sucedido por poder isolar a resistência, enquanto o desafiante tem de arcar com os custos de sua ação, expondo-se à repressão estatal. Se A e B conseguem negociar uma ação comum, desafiando o Soberano, podem impor-lhe uma derrota, gerando, ao mesmo tempo, condições para fixar limites para ações e prerrogativas futuras do Soberano. 24 25 Uma segunda hipótese ocorre quando o Soberano decide violar direitos de apenas um dos grupos (A ou B). O resultado dependerá da decisão estratégica tomada pelo grupo não afetado pela ação do Soberano. Este possui fortes incentivos para decidir pela omissão, contando com o enfraquecimento do grupo rival, simultâneo à possibilidade de desfrutar dos benefícios de aliado do Soberano. Esta defecção e o isolamento do grupo afetado aumenta as probabilidades de sucesso do Soberano. Em contraste, se o grupo não afetado incorpora à seu cálculo estratégico, um fator temporal, considerando que no futuro a ação de um Soberano fortalecido poderá voltar-se contra ele, e decide negociar sua ação com o grupo mais atingido, o resultado deverá ser uma contenção do Soberano, com redução ou limitação em suas margens de prerrogativas e autoridade. Finalmente, um Soberano enfraquecido pode optar por não transgredir contra nenhum grupo social. Neste caso ambos ganham, havendo incentivos para uma estratégia de desafio, pois este jogador poderá obter ganhos adicionais sob estas coordenadas. Neste ponto, o problema analítico consiste em discernir que contexto oferece incentivos para [i] menor concentração de recursos de poder nas mãos do Soberano e [ii] a resolução de problemas de coordenação que torne mais provável uma negociação visando a ação conjunta de A e B contra o Soberano. Para as teorias da modernização (Lipset, 1967[1959]), desenvolvimento econômico provoca mudanças sociais (bem-estar material, escolaridade) que reduzem a intensidade dos conflitos sociais e a importância de identidades religiosas, ampliam a tolerância e reforçam uma dinâmica centrípeta nas interações sociais. Teorias baseadas na cultura cívica (Almond & Verba, 1962) e capital social (Putnam, 1996) sugerem que a presença de um estoque de valores culturais fundados em confiança recíproca favorecem a conversão de interações sociais do tipo “dilema do prisioneiro” em jogos cooperativos, ampliando a probabilidade dos cidadãos em fixar limites às prerrogativas das autoridades estatais. Mais recentemente, Dahl (1971[1997]) sugeriu que poliarquias institucionalizadas como resposta ao problema de compatibilizar liberdade com estabilidade política podem ser alcançadas em contextos nos quais os custos da exclusão excedem os da 26 tolerância política. Isto significa que recursos de violência física e meios de poder político não apresentam distribuição cumulativa, nem constituem monopólio de um único grupo político, convertendo o uso de repressão sistemática um processo de alto custo social e político. Instituições capazes de proteger a liberdade seriam, ainda, resultado de sua escolha em condições do tipo “véu da ignorância”, gerando incentivos para estratégias maximin (ou maximun minimorum), conforme conhecida proposição de Rawls (1971[2007]). Isto significa que tendo de promover escolhas institucionais sobre regras do jogo político, em condições de informação incompleta, grupos e indivíduos seriam levados a eleger alternativas cujo pior resultado seja superior aos piores resultados das demais. Seu significado pode ser compreendido no exemplo fornecido por Rawls (2007:187): Circunstâncias Decisões c1 c2 c3 d1 -7 8 12 d2 -8 7 14 d3 5 6 8 Um indivíduo defronta-se com três possíveis decisões: A segunda é aquela que lhe oferece o maior ganho possível, mas também o risco das maiores perdas. De acordo com o princípio maximin a decisão a ser tomada neste contexto seria a terceira, uma vez que seu pior resultado possível corresponderia a valor superior aos piores das demais alternativas. Transpondo este modelo para decisões de natureza constitucional, pode-se cogitar qual a configuração institucional seria mais vantajosa para determinado grupo ou partido político: aquela que concentra poderes no governante, ampliando suas prerrogativas, limitando o poder de veto de oposições e minorias e reforçando recursos 27 fiscais, orçamentários e administrativos, ou um desenho institucional consociativo (LIJPHART, 2003), baseado na partilha e separação de poderes, limites constitucionais estritos aos poderes governamentais e mecanismos de incentivo à negociação política? Sob condições de informação completa e baixa incerteza, podendo prever sua permanência em postos de governo por largo prazo, governantes são tentados a promover reformas que reforcem seus próprios poderes e esterilizam a influência de oposições, excluindo-a do jogo político. Contudo, envoltos sob o “véu da ignorância” de uma competição política e eleitoral com alto grau de incerteza, não podendo prever sua posição no futuro (governo ou oposição), grupos e partidos deverão promover escolhas institucionais que reduzam a probabilidade de –estando na oposição- ser tiranizados por governos autocráticos e corruptos. Direitos civis, liberdade de expressão, eleições limpas e competitivas, prestação de contas e responsabilização governamental (accountability) coordenadas. são alguns mecanismos institucionais produzidos sob estas 28 Accountability horizontal e vertical Accountability vertical corresponde ao controle e monitoramento exercido pelos cidadãos sobre as autoridades públicas. Seu mecanismo mais usual de exercício é representado pelo voto, quando eleitores julgam o desempenho de seus representantes, premiando ou punindo-os. Accountability horizontal compreende o controle e monitoramento exercido por agências públicas encarregadas de fiscalizar o exercício da atividade governamental. Equivale à noção de freios e contrapesos e separação de poderes consagrada na Constituição americana e incorporada às regras constitucionais de democracias contemporâneas. 29 Instituições políticas eficientes devem ser capazes de equacionar adequadamente a relação entre custos decisórios e riscos externos que configuram processos decisórios públicos. Riscos correspondem à probabilidade que uma decisão pública seja considerada como não legítima pelos cidadãos, ou, ainda, percebida como imposição de preferências por uma maioria, desprezando ou violando direitos de minorias. A minimização dos riscos externos pode ser alcançada à medida que se inclui maior número de participantes nas decisões, de forma a reduzir a possibilidade que indivíduos ou grupos impugnem seu conteúdo em razão de exclusão prévia. Por outro lado, por custos decisórios podem-se entender as dificuldades para a tomada de decisão, que constituem uma função do número de participantes no processo. Maior número de participantes, maiores custos de negociação para a produção de uma maioria consistente e estável para suportar decisões. A definição de um ponto ótimo entre custos decisórios/riscos externos constitui um dos desafios centrais das instituições políticas poliárquicas, podendo ser identificado na tensão permanente entre governar/representar presente em seu interior. Considerando diferentes graus de concentração ou dispersão de poderes, e a preferência conferida aos objetivos de governar ou representar, as democracias contemporâneas podem ser classificadas em majoritárias ou consociativas (LIJPHART, 2003). 30 DIMENSÃO ESTRUTURA CONSOCIATIVA Concentração Poder Executivo Maiorias unipartidárias Dispersão poder Governos de coalizão multipartidária Executivo dominante Equilíbrio Executivo/Legislativo SISTEMA PARTIDÁRIO Bipartidário Multipartidário SISTEMA ELEITORAL Majoritário uninominal Proporcional GRUPOS INTERESSE Pluralistas Corporativismo Unitária e centralizada Descentralizada Unicameral Bicameral congruente e assimétrico Bicameral incongruente e simétrico Flexível, pode ser alterada por maioria Rígida, somente alterada por maioria qualificada GOVERNO EXECUTIVO X LEGISLATIVO EXECUTIVO MAJORITÁRIA X PARTIDOS ADMINISTRAÇÃO SUB-NACIONAL LEGISLATIVO FEDERAL x CONSTITUIÇÃO UNITÁRIA DEFINIÇÃO CONSTITUCIONALIDADE BANCO CENTRAL Leis submetidas à possibilidade de revisão Legislatura com palavra final constitucionalidade por Corte suprema ou constitucional Subordinado Independente Um pouco de história Como ilustração para compreenderem-se diferentes padrões de interação entre autoridades e cidadãos, pode-se recorrer ao relato oferecido por Tilly (1985; 1996) para a formação dos modernos estados nacionais. Embora a produção de ordem social tenha constituído um de seus efeitos não-antecipados, estruturas estatais européias 31 foram, como mostra Tilly, resultado de estratégias maximizadoras de monarcas, visando expandir seus territórios. Para isto, recorreram à guerra e à busca dos meios materiais para executá-las. Armas e exércitos requeriam recursos financeiros, obtidos através da organização de aparatos fiscais e extrativos como fiscais e coletores de impostos, estatística e censo, burocracia fazendária, e polícia para inibir os recalcitrantes. A redução dos custos de transação referentes ao pagamento de impostos levou alguns destes monarcas ao oferecimento de contra-partidas, sob a forma de ordem e proteção social, garantidas pela expansão de arcabouço legal e cortes jurídicas. Negociação e cooperação social promovida por instituições políticas foi, assim, resultado não necessário da justaposição de fatores como o declínio de ordens patrimoniais (WEBER, 1984), estratégias, recursos políticos e utilidades perseguidas por elites estatais e a capacidade de solução, pelos cidadãos, de seus problemas de coordenação (WEINGAST, 1997). Na Inglaterra, este processo não chega a produzir um estado forte e centralizado. Ao contrário, o centro político encontra pouca ocasião e espaço para se firmar, as instituições são fracamente diferenciadas da sociedade e a insipiente e tardia profissionalização administrativa legou uma reduzida burocracia. O absolutismo dos Tudors foi curto e excepcional, não sendo capaz de inaugurar uma sólida tradição centralizadora. As lealdades ao centro político se produzem tardiamente e não chegam a substituir inteiramente solidariedades regionais e religiosas. Ao mesmo tempo,a antiga tradição inglesa de representação política e vida parlamentar configurou a possibilidade inversa, de controle do centro político por elites aristocráticas. Estas – os grandes do reino segundo Maquiavel – logram manter sua coesão, tornando excepcionais as dissensões irruptivas internas e impondo uma conciliação, com o compromisso entre Rei, barões, Igreja e burguesia nascente. Desprovido de meios de gestão e exercício da autoridade política, o Estado tem de aliar-se com poderes privados locais em espécie de administração litúrgica (WEBER, 1984) com a unção da pequena nobreza a agentes administrativos e ao exercício da justiça real nos condados. Por outro lado, a Inglaterra conheceu uma resolução prematura e definitiva do problema camponês com os Bills for Enclousures que normatizou a transferência de bens comunais para grandes proprietários e a conversão das terras de cultivo em 32 pastagens (MOORE, 1983). A relativa facilidade com que ocorre a transição da economia rural para um desenvolvimento acelerado do mercado capitalista, inibiu o desenvolvimento do Estado. Na Inglaterra, diferente da Prússia ou da França, inexistiu uma política mercantilista significativa. A ausência de problemas de fronteiras permanentes em virtude de sua insularidade associada à exigência de aprovação parlamentar, retardou a constituição de um exército permanente, não subordinado à nobreza. Da mesma forma, a reduzida influência exercida pelo direito romano, impediu a substituição da Common Law, código jurisprudencial constituído pelos pactos produzidos na própria sociedade civil, limitou a distinção entre direito público e privado, inibindo prerrogativas especiais à soberania estatal. Não menos importante para a produção de uma cultura de contenção aos poderes do novo soberano, foi a presença da cultura puritana. Em contraste com o proselitismo protestante de inspiração Luterana, desenvolvido num contexto germânico de um forte poder temporal, em que o apelo ao aceitar o mundo tal como este é, expressão da vontade divina, com o Estado descrito como mal necessário, carrasco encarregado de purgar os pecados do homem, constituiu a fórmula de compromisso com o príncipe, o calvinismo foi movido pela busca da reconciliação entre o espiritual e o temporal. Para Calvino, o fiel era portador de um dever cristão, o de construir a cidade de Deus sobre a terra. O exemplo de sua ascese, do espírito empreendedor do selfmade man, constituiria a missão do crente no mundo (WEBER, 1987). De sua desconfiança com a burocracia eclesiástica como gestora da graça e sacramentos, somada ao individualismo que não comportava mediações na relação com Deus, resultou a aversão a uma dimensão dissociada das leis religiosas, governando em nome de valores profanos. A revolução gloriosa foi também uma guerra santa pela restauração de códigos confessionais abandonados pelo poder temporal. Na França, ao contrário da Inglaterra, o Estado foi capaz de sobrepor-se e dominar a sociedade. A emergência do poder absolutista traduziu-se em política de reforço do poder real, através de alianças e conquistas que limitaram, pouco a pouco o poder de senhores e poderes locais. Para garantir este intento, o Rei estimula o nascimento de uma burocracia central e múltiplos conselhos. Dinâmica centrípeta 33 facilitada pela oposição entre potentados, para o que concorreu o passado feudal francês. Ao mesmo tempo, a influência exercida pelo direito romano estimulou a modernização jurídica e a redescoberta da jus publicum, permitindo maior dissociação e supremacia do direito público sobre o privado, a afirmação do Estado sobre a sociedade e a supremacia de tutelas tradicionais. Em seu rastro alimenta-se uma ampla camada de legistas e magistrados, encarregados de codificar normas públicas (WEBER, 1984). A ocorrência crônica de guerras de fronteiras e o caráter explosivo do problema camponês estimulam o surgimento, na França, do primeiro exército permanente e profissional, sustentado e subordinado ao poder central. Para garantir sua política militar, a coroa reforça seus mecanismos de arrecadação fiscal, canalizando volume financeiro cerca de quatro vezes superior ao registrado na Inglaterra. Da mesma forma, a política intervencionista colbertiana, o estado cria manufaturas, oferece subvenções e privilégios para orientar a produção, regulamenta o comércio interno e externo. Forjada sob longa tradição centralizadora e tripulado pôr densa rede burocrática, que logrou êxito em conservar importantes prerrogativas de autoridade política, a experiência francesa de construção estatal é um marco de supremacia do centro sobre a periferia territorial. Também no Brasil, o Estado constituiu o eixo gravitacional em torno ao qual erigiu a unidade nacional. Na primeira metade do século XIX eram evidentes as forças centrífugas presentes nos interstícios da sociedade brasileira: grande extensão territorial, transportes e comunicações precários, economia desarticulada e heterogênea, rebeliões separatistas, e o exemplo de fragmentação e conflito na América espanhola. A despeito disto, o papel desempenhado naquele contexto, por uma elite política dotada de acentuada homogeneidade e coesão – resultado de uma formação coimbrã, em ambiente infenso ao iluminismo que sacudia a Europa, e do treinamento nas tarefas administrativas decorrente de longas carreiras burocráticas – impôs, como registrou José Murilo de Carvalho (1979), uma dinâmica centrípeta às interações políticas. Especialmente no período de formação e consolidação do Estado nacional (1822-40), a elite imperial apresenta uma composição com forte predomínio de 34 quadros formados em estudos jurídicos na Universidade de Coimbra e ocupações profissionais realizadas dentro do Estado, como magistrados, militares, funcionários públicos, diplomatas e parlamentares: Composição elite imperial: formação educacional ministros 100 28,2 33,4 55 100 50 71,8 66,6 100 45 0 1840-53 1853-71 0 1822-31 1831-40 Coimbra 1871-89 outros Composição elite imperial: ocupação ministros 0 100 80 60 40 20 0 6,7 93,3 0 14,3 82,9 4,3 2 26,1 40 69,6 58 12,1 65,1 22,7 1822-31 1831-40 Governo 1840-53 Profissões liberais 1853-71 1871-89 Proprietários Eleita a unidade político-administrativa como objetivo prioritário, o Poder Moderador converte-se na engrenagem principal da arquitetura institucional do Império. No vértice, o Imperador encarrega-se da alternância política, papel que o simulacro de competição entre liberais e conservadores não podia preencher e na maior parte da Europa, os Parlamentos já desempenhavam. Com a erosão do Império sucedem-se período de indefinição sobre o eixo gravitacional das instituições republicanas. Coube a Campos Sales a astúcia de preencher o vazio deixado pelo Poder Moderador. Não podendo contar com seu partido, o PRF, para assegurar base política Sales rotiniza um novo mecanismo 35 institucional fundado no reconhecimento de uma divisão natural de poder, que tem nos chefes políticos estaduais seus depositários. A política dos governadores foi a fórmula que permitiu a convivência de soberanos regionais tão díspares, como positivistas comtianos gaúchos e oligarcas liberais paulistas, sob a guarda de um complexo desenho institucional, formado por intervenções, Comissão de Verificação de Poderes,prerrogativas fiscais dos estados. A última estação no calvário da república foi percorrida com o federalismo assimétrico -projetado a partir do Estado Novo, mantido em suas linhas mestras no interregno democrático de 1945-64, exacerbado no período autoritário- caracterizado por uma concentração de recursos políticos e financeiros na União, supremacia do Executivo sobre o Legislativo, insulamento burocrático de decisões estratégicas e precariedade dos vínculos de identidade intra-partidários (CARVALHO, 1993) . O elo comum a estas situações consiste na viabilização do processo de construção nacional a partir da ação desempenhada em cada contexto por elites políticas no sentido de produzir pactos e arranjos que, obedecendo a dinâmicas singulares, redefiniu as relações entre centro e periferia. A Constituição de 1988 estabeleceu as bases de instituições poliárquicas estáveis com extensão de direitos civis, políticos e sociais. Por outro lado, o intervalo temporal e o procedimento institucional responsável pela substituição do regime autoritário por um governo civil podem fornecer pistas sobre a dinâmica da transição e suas conseqüências institucionais futuras. Não é fortuito que enquanto no Brasil, o tempo despendido entre as primeiras ações liberalizantes do regime e a passagem para um governo pós-autoritário tenha alcançado 11 anos, na Argentina, Uruguai e Chile, apenas um ano separe estes dois eventos. Seria previsível que em um caso como o argentino, o colapso representado pela derrota militar nas Malvinas e o desempenho negativo da economia nos anos anteriores reduzisse a margem de negociação dos militares e terminasse por acelerar a convocação de eleições e a retirada do governo. Por outro lado, no Chile, a despeito do capital político representado pelo crescimento econômico a taxas anuais acima de 5% desde 1984, e os 44% de apoio obtidos por Pinochet para a prorrogação de seu mandato presidencial no plebiscito de 1988, os 36 militares tiveram de abreviar sua permanência governamental, convocando eleições para o ano seguinte. Não apenas o intervalo entre o início da liberalização e a passagem para um governo pós-autoritário foi curto, como também nos casos argentino, chileno e uruguaio ocorreu uma simultaneidade entre “governo civil”, “eleição presidencial direta” e, como resultado, “presidente de oposição ao regime”. Em contraste, no Brasil, “governo civil” antecede em 4 anos a realização de eleições competitivas para a Presidência da República, e somente 11 anos após a passagem para um governo pós-autoritário e 5 após as primeiras eleições diretas, o resultado irá favorecer um “presidente de oposição ao regime”. Paralelo ao ciclo temporal, as regras institucionais responsáveis pela transição do status quo autoritário para um governo democrático constituem uma disjuntiva para prever os desdobramentos futuros deste processo. Aqui, ganha saliência o contraste entre as eleições presidenciais competitivas realizadas na Argentina (1983), Uruguai (1984) e Chile (1989) e vencidas por partidos ou coalizões anti-autoritários, e o Colégio Eleitoral , imposto com êxito pelos generais brasileiros como procedimento sucessório até o final do regime. Os 63,4% de votos conquistados pelos partidos oposicionistas nas eleições legislativas de 1982 como medida potencial de seu eleitorado em eventual competição eleitoral pela sucessão do Presidente João Figueiredo, indicam que em uma eventual eleição direta à Presidência, em 1985, a oposição disporia dos votos suficientes para obter maioria, dispensando a exigência de conquistar votos entre os apoiadores do regime. A derrota da Emenda Constitucional que estabelecia eleições diretas para a Presidência e a manutenção do Colégio Eleitoral como regra sucessória induziu a oposição moderada não apenas à transação -entendida como reconhecimento dos vetos estabelecidos pela hierarquia militar- como à necessidade de forjar uma coalizão “eleitoral” e de governo com os dissidentes do regime, condição para compensar sua minoria no interior deste corpo eletivo. Em suma, enquanto uma sucessão presidencial através de eleições competitivas corresponderia a maior distância entre o eleitor mediano e o status quo, com implicações para as coalizões, configuração institucional e policies futuras, a fixação da disputa no Colégio Eleitoral 37 produziu um deslocamento do centro gravitacional para posição mais próxima ao status quo. Diferente das democracias consociativas (LIJPHART, 2003) em que a representação partidária foi decisiva para integrar clivagens regionais, étnicas ou culturais, a relevância dos quadros parlamentares na gestão do Estado brasileiro - ao menos quando se compara com o papel desempenhado por elites administrativas e militares- foi mais modesta. A presença de partidos no Império e na República, e um calendário eleitoral parcialmente preservado, inclusive no autoritarismo militar, sugere que a atividade parlamentar constituiu, seja nos momentos de competição pluralista, seja em contexto autoritário, mecanismo de integração de elites regionais no estado nacional e alocação compensatória de recursos federais. Por isto mesmo, ofereceu a possibilidade de amortecer tensões entre Executivo e Legislativo. As conseqüências deste modelo, que a despeito de tudo, mostrou-se longevo, foram o insulamento do Executivo na geração de políticas estratégicas e a corrosão de identidades partidárias, 38 subsumidas por lealdades verticais, com resultados sob a forma da ausência de uma estrutura de incentivos para a negociação social. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMOND, Gabriel and VERBA, Sidney. Civic Culture, Princeton University Press, 1963 ARROW, Kenneth. Social choice and individual values.. New Haven, Yale University, 1951. CARVALHO, José Murilo. A construção da ordem: a elite política imperial, Rio de Janeiro, Editora Campus, 1980. DAHL, Robert. Poliarquia. São Paulo: Ed. USP, 1997. ELSTER, Jon. Peças e engrenagens das ciências sociais. Rio de Janeiro, RelumeDumará, 1994. FUKUYAMA Francis. Capital Social. In: Harrison, Lawrence E. & Huntington, Samuel. "A Cultura Importa. Os valores que definem o progresso humano". Rio de Janeiro: Record, 2002. HAMILTON, Hamilton; MADISON, George; JAY ,J. 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Justifica este breve resgate histórico o pressuposto de que a atividade e o resultado de uma negociação não dependem, e tampouco se esgotam, na utilização da boa técnica, sendo aqueles, senão condicionados, em parte dependentes das dimensões culturais, e estas, por sua vez, formadas ao longo de um processo histórico. Embora recente se confrontada com a do Velho Mundo, a História do Brasil é rica em episódios relevantes, o quê, necessariamente, implica na seleção de alguns eventos que, a juízo do autor e vis-à-vis o tema-foco (negociação) adquirem relevância. Assim, cabe um alerta: a seleção dos eventos de modo algum exclui a importância de outros episódios, pois, por evidente, que as dimensões continentais do país, assim como as suas diversidades, não permitem a leitura única sobre a historicidade de qualquer aspecto que venha a ser considerado. Além do próprio “descobrimento” (há evidências documentadas de que outros navegantes aportaram ao Brasil antes da chegada da esquadra cabralina), no plano das instituições políticas mais abrangentes, são três os divisores d`água identificados na formação histórica brasileira: a chegada da Família Real, em 1.808, a Proclamação da Independência, em 1.822 e, a Proclamação da República, em 1.889; portanto, não caberiam ficar fora dessa apreciação. Ademais, antes do primeiro, entre eles, e após o último, conforme se procurará demonstrar, outros episódios deixaram a sua marca no processo de formação cultural que resultou no hábito, hoje disseminado, do debate e da negociação (direta ou mediada) com vistas à busca de alternativas ou como recurso para solucionar conflitos e impasses. O autor, para facilitar a identificação e a associação dos aspectos históricos ao tema-foco, adota a seguinte estratégia: quando relata aspectos históricos recorre a grafia tipo times new 42 roman 12 (ou 10 nos casos de citação longa) e, quando estabelece os vínculos e as associações, a grafia tipo arial 12. Resulta um texto na forma de ensaio e aberto à discussão e complementação. 2.1 HERANÇAS DE PORTUGAL Descoberto e colonizado a partir de 1.500, somente em 1.822 o Brasil alcançará a sua independência, constituindo essa data um marco para a análise dos eventos e instituições relevantes para este estudo. Assim, no período de 1.500-1.822 a história das instituições brasileiras está vinculada e dependente do que se passava na metrópole, na península ibérica e, até mesmo, do processo histórico verificado em outras regiões do Velho Mundo. A colônia era, pois, uma extensão jurídico-institucional da metrópole que, à distância, através de regimentos, alvarás, cartas e outros documentos (autorizativos ou normativos), administrava a primeira. O Brasil é, pois, um Estado derivado, portanto, que não experimentou na sua origem, grosso modo, um processo de reflexões, análises, debates e negociações sobre alternativas à construção das suas instituições político-administrativas. A rigor, Portugal também é um Estado derivado, desmembramento que é de Espanha, de quem herdou as instituições romanas e godas, posteriormente combinadas às do cristianismo e, em menor grau de influência, às do islã. A origem do Estado português remonta ao Condado Portucalense, em 1.080, sob o domínio de dom Henrique de Borgonha. Embora desde 1.143 (Avellar refere como sendo 1.140), pelo tratado de Zamora, dom Afonso VII (imperador de Leão) tenha reconhecido perante dom Afonso Henriques (1.128-1.185) (duque de Portugal) a independência do condado, doravante reino, é somente após muitas guerras contra os reinos de Leão e Castela, que em 1.385, após a vitória militar em Aljubarrota, que a independência portuguesa é claramente definida (SALGADO, 1.985). Entretanto, se considerada toda península, a plena independência só seria alcançada após séculos (de 711 a 1.492) de batalhas que levaram a expulsão, pelos cristãos, dos árabes ocupantes da península ibérica – momento histórico conhecido como Reconquista. Portanto, desde os seus primórdios, o caráter religioso cristão permeia todas as dimensões da vida lusitana; vale dizer que não se trata de aspectos e valores meramente espirituais, pois a igreja, à época, constituía uma potência que rivalizava com os Estados, então nascentes. Aliados quando conveniente, a nobreza (laica e eclesiástica) e o poder régio não perdiam oportunidades para aproveitar as fraquezas recíprocas ampliando, assim, as áreas de influência. Resultados militares, 43 questões sucessórias, alianças, a escolha de um novo papa, entre outros, constituíam eventos que poderiam afetar as relações estabelecidas de poder. Desse modo, a concentração e a alternância de poder (entre a nobreza e o rei) se assemelham aos movimentos de sístole e diástole. A Lei Mental, baixada por dom Duarte, em 1.434, estabelecia que os bens doados pela Coroa à nobreza “só poderiam ser herdados pelo filho varão legítimo e mais velho” (SALGADO, 1.985, p.27), fato determinante para que muitos bens retornassem à Coroa, fortalecendo-a e preparando-a para a expansão ultramarina. Assim, aos poucos, se observa o aumento do poder régio, reforçado em 1.551, quando a Coroa portuguesa incorpora a administração das três ordens militares (de Cristo, de Santiago da Espadada e, a de São Pedro de Avis). Observa-se, pois, que à época do descobrimento, Portugal experimentava a instituição do governo e Estado Absolutista, condição que, à exceção dos mais próximos do restrito círculo do poder, sem dúvida desencorajava qualquer empreendimento baseado na negociação. Todavia, ainda distinto, conforme ressalta Avellar (1.970, p.24), do chamado “modelo francês”, pois havia limitações ao poder régio: “[...] ético-religiosas, decorrentes da confissão cristã dos soberanos; políticas, pelas ordens ou classes sociais representadas nas Côrtes; e estritamente jurídicas, pela Cúria, tribunal de apelação de origem germânica e que Portugal herdou de Leão”. Feita a ressalva, importa também registrar os diferentes momentos, que correspondem a níveis distintos de participação da população na vida política do país, tendo havido: 1) o período inicial da monarquia, quando as Côrtes limitavam o poder régio; 2) o da monarquia centralizada (poder pessoal), que atingiu o auge com D. João V e seu filho, D. José I (1.750-1.777) - o despotismo esclarecido do gabinete do Marquês de Pombal; e, 3) o da monarquia constitucional inaugurada pela Revolução Liberal de 1.820 que pôs fim, então, à monarquia absoluta de D. João VI. Indubitavelmente o absolutismo português teve efeitos especulares nas relações recém iniciadas com a colônia. Após o período inicial, no qual prevaleceu o direito costumeiro (consuetudinário, mas também denominado de foraleiro) dos condados (herança goda), portanto descentralizado, sucede a concentração de poder através da legislação escrita, as chamadas codificações. Aos poucos, a legislação do reino se impõe às das municipalidades (os antigos conselhos ou, também grafado em alguns textos como concelhos). As leis são, portanto e também, instrumentos administrativos de coordenação (porque padronizam procedimentos), de direção (porque definem competências e estruturas hierárquicas) e, sobretudo, de controle. Se esta era a trajetória na metrópole, diferente 44 não poderia ser em relação às terras de ultramar, Brasil incluso; somente episódios de origem externa viriam a modificar esse quadro. A importância das leis escritas, em substituição às dos costumes, cresce sobremodo a partir do séc. XV com a introdução e o desenvolvimento da imprensa no mundo ocidental. Finalmente, assim como o de Portugal, o nosso direito emerge de três fontes: “[...] a romana, consagrando o poder do Estado, onde o interesse da coisa pública (res publica) superava todos os demais, a germânica, com o reconhecimento legal das prerrogativas dos indivíduos, e a canônica” (AVELLAR, 1.970, p. 30). Se, como foi assinalado, há vantagens no direito legislado, há também, segundo alguns, desvantagens frente ao direito dos costumes: o primeiro padroniza, remete a um terceiro o arbítrio dos litígios, revela-se mais lento frente à necessária atualização em razão do dinamismo da sociedade, já o segundo estimula a negociação direta entre as partes e tende a ser mais ágil tanto no encaminhamento dos conflitos quanto na atualização, renovando as jurisprudências. Deste modo, as tradições e fonte do direito também trazem a sua contribuição à cultura da negociação: o direito legislado remete a solução dos conflitos a uma hierarquia estatal, burocrática, enquanto o dos costumes estimula as partes na busca de uma solução negociada que, em razão das diferenças regionais, tende a levar a soluções-resultados também diferentes. Que não reste dúvida que, aqui, está se referir aos tipos ideais, não mais havendo, nos Estados Modernos, o direito consuetudinário na sua forma pura. Destarte, inicialmente foram editadas as Ordenações Afonsinas (1.446), seguidas das Ordenações Manuelinas (1.521) que, segundo Avellar (1.970, p. 31): “[...] obedeceram precipuamente aos interesses da realeza, relegados a plano secundário os das demais instituições. Nelas ressalta a preocupação de revigorar o poder régio”. Embora as Ordenações, no que tange à organicidade, não se assemelhem aos Códigos atuais, representaram, à época, um avanço. Foi sob as diretrizes das Ordenações Manuelinas, no reinado de D. João III, que Martim Afonso de Souza funda, em 1.532, o primeiro município brasileiro, o de São Vicente. A união das coroas ibéricas, em 1.580, motivou a edição de novos textos normativos (necessários à nova configuração da administração estatal) que, consolidados 1.603, foram instituídos com a denominação de Ordenações Filipinas (1.603). O processo de colonização curso na América (espanhola e portuguesa, bem como em outras regiões, de África, por exemplo), com realidade muito distinta da matriz, foi determinante para que as Ordenações fossem acrescidas da 45 legislação extravagante, também denominada de direito de circunstância - mais apropriadas às comunidades descobertas e em processo de colonização. Para além das questões políticas, jurídicas e institucionais, vale lembrar que o momento histórico caracteriza-se por grandes tensões, onde, em meio ao Renascimento, em diferentes áreas e campos do conhecimento teórico e aplicado se verificam mudanças paradigmáticas. Exemplo contundente é que, ao lado do crescente comércio de escravos, sobretudo de África para o Novo Mundo, cresce, no Velho Mundo, o espírito Humanista. Importa aqui fazer um registro essencial ao argumento ora defendido. É do exercício na vida comunitária que surgem as necessidades que levam, quando não exigem, ao debate sobre os assuntos de interesse comum e os problemas, surgindo da análise das alternativas as decisões que a todos cometerão. São nesses ambientes e momentos em que são desenvolvidas as artes da argumentação, da demonstração, do convencimento, da oratória, em resumo: da negociação. É nesse ambiente que de forma natural, a partir de discussões sobre temas pontuais e ocasionais, surjam reflexões sobre a conveniência da norma prévia como instrumento padronizado que evita e até mesmo antecipa a solução a futuros problemas e conflitos; a norma exerce, pois, um papel em busca da eficiência, bem como pode ser um instrumento de realização da justiça. Resumidamente, esta é a trajetória do processo de elaboração legislativa em ambiente democrático e participativo, tal como verificado na antiga Grécia. Conforme foi dado a perceber, a descoberta e a colonização do Brasil por Portugal se, de um lado, fez do primeiro o herdeiro de todo um sistema já elaborado, pode-se mesmo dizer que pronto, de outro, foi determinante para que determinadas etapas históricas fossem suprimidas. Se alguns ganhos podem ser contabilizados, a exemplo do tempo e de não repetição de erros cometidos algures, há também de serem contabilizadas as perdas, sobretudo, a falta de experienciação que conduz ao amadurecimento dos indivíduos e das instituições, bem como, não menos importante, ao reconhecimento gradual da necessária legitimidade para efeitos de enforcement. É sob este aspecto que pode ser dito que, na sua primeira etapa, o processo de formação histórica do Brasil pouco contribuiu para que no seio das comunidades e do próprio Estado se desenvolvesse a cultura da negociação. À guisa de ilustração, enquanto a questão da justiça (o que é 46 justo, como promover, a quem cabe a sua promoção, etc.) é um dos temas que mais demandam reflexões e discussões pela comunidade afetada, já cabia, por direito régio, aos donatários, no Brasil, “distribuir justiça” tal como emanada da Coroa. A título de contraponto merece ser lembrada a epopéia dos puritanos que, no séc. XVII ocuparam a América do Norte e que, desde o início, manifestaram o desejo de se organizar em um corpo político civil calcado na liberdade (de escolha dos grupos) e na autonomia das congregações religiosas. Data deste período um dos documentos – Mayflower Compact - sempre lembrados para acentuar as diferenças que fundaram as duas ocupações coloniais, a da América do Norte e, a da América do Sul: Em nome de Deus, amém. Nós, cujos nomes se seguem, leais súditos de nosso soberano senhor Jaime, pela graça de Deus, rei da Grã-Bretanha, da França e da Irlanda, defensor da fé, tendo realizado, para a glória de Deus, a difusão da fé cristã e a honra de nosso rei e de nosso país, uma viagem para estabelecer a primeira colônia na parte norte da Virgínia, pelos presentes, realizamos solene e mutuamente, diante de Deus e de cada um de nós, uma aliança (covenant) e a constituição de um corpo político civil para nos garantir uma ordem e uma proteção maiores, e a busca dos objetivos precedentemente citados; em virtude dos quais, decretar, redigir e conceber, quando se fizer necessário, justas e igualitárias leis, autorizações, atos, constituições e ofícios, segundo o que parecer melhor responder ao interesse geral da colônia, à qual prometemos toda a submissão e obediência que lhe são devidas. Dando fé a esse documento, escrevemos abaixo nossos nomes. Em Cap Cod, 11 de novembro do ano do reino de nosso soberano senhor Jaime, décimo oitavo rei da Inglaterra, da França e da Irlanda, e quinqüagésimo quarto rei da Escócia. Anno Domini 1620. Parece claro, pois, que o espírito inicial e a motivação foram distintas, enquanto ao norte das Américas predominava o estímulo à participação nas decisões que envolviam o coletivo e o interesse geral, circunstância que decerto contribuiu para forjar o espírito das gerações futuras, ao sul a realidade institucional, ao contrário, ao invés de ser construída, foi herdada e imposta; como já dito: por aqui, o Estado se fez antes da Nação, por isso tendente a ser maior do que esta, destinada a servir ao primeiro. Por oportuno, cabe lembrar, também, outra diferença já mencionada: enquanto os norteamericanos herdaram uma tradição de direitos dos costumes, os latinos tiveram como herança um sistema já codificado. Combinados, adiante esses vetores terão como resultante duas estruturas estatais igualmente distintas e que, por óbvio, exercerão 47 impactos sob todos os aspectos diferentes no processo de formação cultural, sobretudo, no que tange ao tema ora tratado: o estado federado x estado unitário. Ademais, o aparelho estatal burocrático, bastante desenvolvido e prestigiado a partir dos resultados colhidos com a expansão ultramarina, também é um legado lusitano à nossa cultura estatal. Vale lembrar a importância crescente desses empreendimentos a partir das dificuldades enfrentadas por Portugal no comércio com as Índias Orientais. Assim, aos poucos a economia agrária cede espaço à economia mercantil e as atenções se voltam para as Índias Ocidentais - a América. 2.2 ASPECTOS ECONÔMICOS & SOCIAIS DO BRASIL COLÔNIA Assim, sob a égide das Ordenações Manuelinas se verifica a ocupação inicial do território brasileiro mediante o arrendamento a particulares autorizados a explorar o comércio do paubrasil. Em que pese o contrabando e o descaminho, o pau-brasil foi explorado em regime de monopólio (com exceções ou compartilhado com os donatários) durante mais de três séculos, tendo sido encerrado somente em 1.859, portanto, já quando independente e o império era a forma de governo. Entre tantas, uma das mais freqüentes classificações e caracterizações da história do Brasil no período colonial é a que segue: • Primeira fase: 1.530-1.548 – ênfase na ocupação do litoral, sobretudo, com o intuito de posse e defesa, mediante a concessão de capitanias hereditárias a particulares; • Segunda fase: 1.548-1.580 – instituição de governos gerais, sistema administrativo com o nítido propósito de aumentar o controle; • Terceira fase: 1.580-1.640 – união das coroas ibéricas; • Quarta fase: 1.640-1.750 – retorno ao controle exclusivo da coroa lusa. A perda dos mercados orientais é determinante para que Portugal intensifique a exploração mineradora na colônia; e, • Quinta fase: 1.750-1.808 – a crise econômica e política na metrópole acentuam a atenção e o controle sobre o Brasil. 48 Do ponto de vista econômico, a atividade exploratória permitiu acúmulo de capitais não só para a colônia, mas, sobretudo, para Portugal e para a União da Coroas (1.580-1.640), tendo sido, ainda, objeto de atenção especial no período manuelino. Ademais, é sabido que a economia no período do Brasil colonial ora teve a marca da atividade exploratória-extrativista, ora a da monocultura (plantation); embora algumas atividades fossem concomitantes, determinados momentos foram distinguidos pelas ênfases: pau-brasil, cana-de-açúcar, mineração, café e, posteriormente, a borracha, registrando-se ainda alguns focos econômicos locais, a exemplo da cultura do algodão (Maranhão e Sergipe), do gado e couro, no sul e, do cacau, na Bahia. De outro lado, nada melhor para representar um segundo aspecto deste momento do que a conhecida frase: “os escravos foram as mãos e os pés do senhor de engenho” (ANTONIL, apud AVELLAR, 1970, p. 40), ou seja, a solução para a questão da necessidade de mão-de-obra em uma economia calcada na plantação extensiva (modelo plantation, que requer abundância de mão-de-obra, adotado inicialmente na América espanhola), em particular, a da cana de açúcar. As primeiras iniciativas envolveram os nativos (silvícolas), logo substituídos pelos escravos provenientes de África. É unanimidade entre os autores que essas características estão na base e constituem uma das causas primárias do subdesenvolvimento do país, bem como das desigualdades sociais subseqüentes dando origem a uma sociedade fortemente assimétrica. Todavia, o traço sempre enfatizado é que o atraso deve-se ao fluxo de riquezas que, direta ou indiretamente (via comércio) fluía no sentido colônia-metrópole. De outro lado, parece-nos claro que, ainda que com a sua complexidade, a sociedade formada, em termos de organização social e de instituições, era de grau mais simples do que as sociedades, comerciais, manufatureiras e empreendedoras emergentes em outros países. O desenvolvimento das atividades comerciais e manufatureiras, frente à monocultura (mineral ou vegetal), oportuniza o surgimento de um número muito maior de situações relacionais que demandam entendimentos mediados pela negociação, a começar pelo estabelecimento e o acordo sobre os preços e as demais condições de uma quantidade cada vez mais diversificada de produtos e serviços. As cadeias de suprimento tornam-se, nesse momento, mais complexas, com o aumento do número de 49 agentes intermediários (atacadistas, varejistas), o surgimento de novas especialidades e atividades complementares (financistas, transportadores), bem como através do aperfeiçoamento das instituições que têm por missão solucionar os litígios – embriões de um futuro corpo jurídico. À sua época, porque estratificada, a ordem social, mantida a ferro e a fogo, não favorecia a mobilidade dos locais, e tampouco as demandas por direitos se faziam ouvir, tendo somente aos poucos e mais tarde, surgido. Em resumo, havia, relativamente, pouco espaço para o exercício do livre debate e da negociação, ambos restritos à elite de dirigentes ou confinados nos círculos de intelectuais. 2.3 A CHEGADA DA FAMÍLIA REAL A celebração dos 200 anos da Família Real no Brasil, comemorada em 2.008, também enseja a lembrança de alguns elementos formadores da nossa sociedade que, em certa medida, moldaram os contornos da nossa cultura da negociação, entre outros traços ainda hoje presentes no relacionamento entre o setor público e a sociedade em geral. À época, dois terços da população estava constituída por negros, mestiços e mulatos: traficantes de escravos, tropeiros, negociantes de ouro e diamantes, mercadores em geral. A cidade - o Rio de Janeiro - teria 4,5 mil residências, cerca de 60 mil habitantes, desses, 45 mil escravos. Muitas crianças. Problemas: excesso de umidade, sujeira (a limpeza estava confiada aos urubus; infestada de ratos) e os modos do povo – preguiçosos, indolentes (de acordo com os cronistas, na visão dos portugueses recém chegados). Saúde: dezenas de moléstias endêmicas na cidade. Devido à pouca profundidade do lençol freático era proibida a construção de fossas sanitárias. Problema de segurança pública: roubos, crimes, gangues de rua, pirataria nos portos, as pessoas tinham que andar armadas. Nomeado, por D. João, um intendente-geral da polícia – o advogado, desembargador e ouvidor da corte, Paulo Fernandes Viana, cujas atribuições, além da segurança (a cargo, entre outros, o famoso major Vidigal), incluíam: aterro de pântanos, abastecimento de água e comida, coleta de lixo e esgoto, calçar e iluminar as ruas (lampiões com óleo de baleia), construir estradas, pontes, fontes, aquedutos, passeios e praças. 50 O Príncipe Regente recebeu de presente um casarão no bairro de S. Cristóvão – Palácio; Carlota Joaquina, de quem vivia separado, preferiu uma chácara na praia de Botafogo. Para abrigar os demais integrantes da Corte, foi adotado o sistema (feudal) conhecido como “Aposentadorias” (que determinava que um homem devia deixar sua casa para acomodar um outro), assim, as casas de particulares brasileiros, por ordem do Conde dos Arcos, gravadas com Príncipe Regente = Propriedade Real = PR (“Ponha-se na Rua”, Prédio Roubado) foram confiscadas e destinadas ao séquito real. O regime (ou direito) de Aposentadorias (de “aposentos”) que deveriam ser dignos do Rei e da sua Corte fora, na Inglaterra, abolido desde a Magna Carta de 1.215, durava dois anos e o locatário não poderia usar para outro fim que não o de residência a serviço do rei, não podia sublocar nem estabelecer comércio no local sob pena de perder o direito de requerer a renovação. Ademais, à época (desde as Revoluções Liberais: inglesa, norte-americana e francesa, concomitantes ao processo também conhecido como Revolução Industrial) já era aceito, como direito do cidadão e dever do Estado, a proteção pública à propriedade privada. O único jornal da época – Correio Braziliense – de Hipólito José da Costa (desde os 17 anos vivia fora do Brasil) - era editado em Londres (1.808-22). Tendo adquirido cidadania inglesa, Hipólito possui imunidade para criticar a Corte e a Igreja de Portugal, de quem sofria perseguição devido ao seu vínculo com a maçonaria e as idéias liberais desenvolvidas quando dos estudos na América no Norte. A imprensa régia, órgão oficial, foi instalada em 13.05.1808; a Gazeta do Rio de Janeiro, primeiro jornal (semi-oficial) publicado em território nacional só começou a circular em 10.09.1808. Até então a imprensa era proibida no país, sendo fácil imaginar as conseqüências desse fato: prejuízo à circulação de idéias, ao desenvolvimento do pensamento crítico, à busca de alternativas ao status quo, acompanhamento e fiscalização dos atos públicos, mobilização popular, etc. E lembre-se que idéias, à época, não faltavam: a revolução no pensamento e na própria condição humana promovida por Copérnico (1.473-1.543), Kepler (1.571-1.630), e Newton (1.642-1.727), elevando os debates e embates entre a ciência e a religião, os saldos da Revolução Francesa (1.789), os ideais Iluministas, a experiência de um novo sistema de governo – a república e, sobretudo, a federação norte-americana (1.776), as revoltas na América espanhola e que levariam à independência (séc. XVIII-XIX) entre tantas outras. 51 A abertura dos portos às nações amigas, uma sugestão de José da Silva Lisboa (o futuro Visconde de Cairu) – arauto do câmbio livre e discípulo de Adam Smith - ocorreu já durante a estada em Salvador, em 28.01.1808. A medida favoreceu a Inglaterra, que sofria o bloqueio continental e que a partir dessa data passou a contar com uma taxa alfandegária privilegiada: enquanto os produtos das demais nações pagavam 24% para entrar no país, os de Portugal eram taxados em 16 e os ingleses em apenas 15%. Outros tratados conferiram novos benefícios e privilégios aos ingleses, entre eles o princípio da extraterritorialidade – direito de os cidadãos ingleses serem julgados (no Brasil) serem julgados pelas leis britânicas. Logo após a independência, para ter o apoio britânico, as vantagens comerciais foram renovadas por mais 15 anos. Do que foi visto, cabe aqui ressaltar a permanência dos interesses e eventos externos como fatores determinantes dos elementos formadores da nossa cultura. Não pode ser dito, por exemplo, que as condições oferecidas à Inglaterra (antes e a após a independência) tenham sido livremente negociadas em termos de extrair e compartilhar benefícios, tendo antes, se convertido uma situação de direito a partir de uma circunstância fática. A chegada da Família Real ao Rio de Janeiro trouxe, também, a liberdade para o comércio e a indústria manufatureira no Brasil: 01.04.1808, revogando um alvará de 1.785 – combinadas, as medidas representavam, praticamente, o fim da era colonial. Até então o Brasil era uma fazenda extrativista de Portugal, sem identidade nacional. A revogação do Alvará permitiu a instalação de fábricas de pólvora e o início da siderurgia no país. Grosso modo, dos mais otimistas ouvia-se que “Portugal tornara-se colônia e o Brasil metrópole”. De outro lado, a abertura dos portos deu origem a uma estrutura monopolista (combinada com aspectos sindicais) que só a lei de modernização dos portos, em 1.993, veio a alterar, incluindo, por exemplo, a participação privada nessa atividade. Se monopólio e privilégio para uns, para outros (os produtores, a sociedade,...), custos que comprometem a produtividade e a competitividade dos produtos e serviços, interna e externamente. Herdado de Portugal, o corporativismo e o poder (e prestígio junto à sociedade) do estamento estatal também exercerão forte influência e direcionamento sobre a nossa cultura de negociação. Conforme é de amplo conhecimento, a Corte também promoveu outras iniciativas que vieram a resultar: 52 • na Faculdade de Medicina – primeira unidade de ensino superior no país. Diferentemente da América Espanhola - onde as ordens religiosas e a monarquia da Espanha decidem implantar, desde o século XVI, universidades em todo o continente - no Brasil a coroa portuguesa, estrategicamente, impede qualquer iniciativa nessa direção. A política da Corte obriga as elites nativas a se submeterem ao monopólio da educação superior exercido por Coimbra. Somente com a chegada da Família Real portuguesa para o exílio no Rio de Janeiro, em 1.808, é que são criadas as primeiras instituições de ensino superior. Mas a concepção vigente é de cunho estritamente profissionalizante: surgem escolas de Medicina na Bahia (fevereiro de 1.808) e no Rio de Janeiro (novembro de 1.808) e, também no Rio, a de Engenharia (1.810); • em 1.751, foi criada a Relação do Rio de Janeiro, com jurisdição sobre as capitanias do sul e do oeste. Com a chegada da Corte portuguesa, ela foi elevada, em 10 de maio de 1.808, à condição de Casa da Suplicação. Em conformidade com o modelo da Metrópole foram criados ainda o Desembargo do Paço e o Conselho Supremo Militar de Justiça. A partir desse momento, desenhou-se uma independência territorial da Justiça em funcionamento no Brasil, pois nunca mais os recursos das decisões tomadas no Novo Mundo voltariam a seguir para Lisboa. Em 1.812, criou-se também a Relação do Maranhão, e, em 1.821, a Relação de Pernambuco, cujos recursos seguiam sempre para o Rio de Janeiro; • na Academia Imperial de Belas Artes, criada em 1.816 pela Missão Artística Francesa chefiada pelo pintor Joaquim Lebreton, que havia sido chefe de todos os museus e bibliotecas francesas, conforme o modelo da Escola de Beaux-Arts de Paris. Com a Missão Francesa (1.816) vieram para o Brasil grandes artistas franceses, como: João Batista Debret, Nicolau e Augusto Taunay, Zeferino e Marcos Ferrez e o joalheiro Ratier, além de grande quantidade de profissionais especializados. Esta missão fundou no Rio de Janeiro a primeira escola profissionalizante do Brasil - a Real Escola de Artes e Ofícios; • no Banco do Brasil (1.808). Criado, como banco emissor, tinha por objetivo principal financiar os gastos públicos decorrentes da chegada da Família Real. Contudo, o financiamento do esforço de guerra e o retorno dos nobres e da Família Real para Lisboa (que trocou cédulas por ouro, assim como levou o seu lastro – diamantes e jóias em geral), levou o banco à bancarrota, sendo liquidado em 1.829. O BB renasceu em 1.853, 53 resultado da fusão de dois bancos particulares: o Banco Comercial do Rio de Janeiro e o Banco do Brasil, criado pelo Barão de Mauá. O novo BB, restaurado pelo Visconde de Itaboraí, o então Ministro da Fazenda e Presidente do Ministério, tinha características de instituição pública, mas não havia interferência do governo na condução das operações comerciais; • no Horto Real, o futuro Jardim Botânico (1.811) – também uma instituição de estudos e pesquisas; • na Biblioteca Real, posteriormente, denominada de Nacional (1.810); • na Casa da Moeda – há controvérsias, havendo textos que reportam a existência de casas que cunhavam moeda desde o séc. XVII; • no Museu Real, posteriormente, Nacional (1.818) - também uma instituição de estudos e pesquisas; • as Unidades Territoriais deixam de ser denominadas de capitanias para serem consideradas províncias (1.821). De 1.621 a 1.774 havia, de um lado, o Estado do Brasil, de outro, o Estado do Maranhão (ou Grão Pará e Maranhão). Em 1.774 foi extinto o Grão-Pará e, 1.808 foi consolidada a unidade administrativa no Brasil; e, conforme já citado, • a Imprensa Régia (1.808). Portanto, não sem motivos, foi comemorado, em 2.008, o bi-centenário da chegada da Família Real ao Brasil. Todas essas iniciativas podem ser resumidas, politicamente, no fato de, entre 1.808 e 1.815 o Brasil ser sido considerado parte do Reino de Portugal e dos Algarves, e entre 1.815 e abril de 1.821, ter sido a capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, após ter sido elevado à parte integrante do Reino. Instituições relevantes para a formação do pensamento crítico foram então criadas, assim como a sociedade e relacionamentos, naquele momento iniciados, tornam-se, desde então, mais complexos, sem dúvida, um avanço para a formação de uma cultura que focaliza na negociação, uma prática para o equacionamento e solução dos conflitos. Ademais, um ponto sempre destacado como positivo, é de que a presença da Corte (D. João) na colônia contribuiu, sobremodo, para a manutenção da unidade do país (integridade 54 territorial) enquanto a América espanhola se desfazia em movimentos separatistas e de independência. De 1.808 a 1.821 (quando a Corte retorna a Lisboa), a área urbana triplicou, a população dobrou, o número de escravos triplicou. Foi necessário numerar as casas das ruas e organizar o trânsito: mão e contramão. A transferência da capital portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1.808, como visto, alterou profundamente a aparência urbana daquela cidade. Foram construídos palácios, uma biblioteca, um jardim botânico; abriram-se novas avenidas, praças e foram urbanizados os logradouros. O Rio de Janeiro, sob o impacto da chegada da Corte portuguesa, despertava de certa letargia colonial, para ganhar ares de metrópole européia. O Estado português e a burocracia imperial, definitivamente, foram estabelecidos na cidade tropical. De outro lado, D. João trouxe para o Brasil um sistema de administração tido como caótico, absolutista e protegido pela rígida censura; vale lembrar que na península ibérica os Tribunais do Santo Ofício (inquisição) só foram abolidos na Espanha em 1820 e, em Portugal, em 1821. Das contas públicas não era permitido o exame. Os cronistas reportam a seguinte a marchinha popular: “Furta Azevedo (barão) no paço/Tagini (barão) rouba no erário/E o povo aflito carrega/Pesada cruz ao calvário”. Mas o fato mais escandaloso que marcou a partida do rei (vide citação anterior) seria comentado pelo Semanário Cívico da Bahia: o rei tinha levado consigo, em seu navio, todos os dinheiros públicos e particulares – todas as riquezas retiradas do Banco do Brasil. No meio popular corria a quadrinha: “Olho aberto/Pé ligeiro/Vamos à nau/Buscar o dinheiro”. Por oportuno, há um aspecto nem sempre percebido, mas merecedor de análises mais profundas. Não estaria nesse momento e nas realizações concretizadas a partir da chegada da Família Real, a origem de uma cultura ainda presente na sociedade brasileira: a da dependência dos governos e a crença de que “tudo, ou quase” é dever do governo? Se aí não teve início, sem dúvida foi um marco na trajetória que levou a assunção, por muitos, de que cabe ao Estado e aos governos exercer o papel de agente provedor. Ter inscrito na sua certidão de nascimento, uma vez que a chegada da família representou o surgimento do Estado brasileiro (até então ou Reino Unido), o recebimento de todas as benfeitorias citadas, pode ter contribuído para que no imaginário da sociedade se formasse e alimentasse uma expectativa passiva frente ao Estado – sem discutir e tampouco negociar prioridades. 55 Em agosto de 1.820 tem início, na cidade do Porto, uma revolução de caráter constitucionalista – são instaladas as Cortes (Assembléias) Constituintes que “exigem” a volta da Família Real. Em fevereiro de 1.821 D. João adere às teses das Cortes e, em abril do mesmo ano D. João e esposa retornam para Portugal e deixam D. Pedro (1.798-1.834) como regente sob a tutela de José Bonifácio. Quando assumiu a regência, no final de abril de 1821, aos 23 anos, D. Pedro I constatou a situação de miséria a que ficara reduzido o tesouro brasileiro. Orientado por J. Bonifácio D. Pedro imprimiu austeridade às contas públicas. Em Viena, Áustria, no Palácio de Schünbrunn, em 02.01.1797, nascia a Arquiduquesa Carolina Josefa Leopoldina Francisca Fernanda Beatriz de Habsburg-Lorena, sexta filha do segundo casamento de Francisco I, Imperador da Áustria, e II da Alemanha (1.768-1.835) com Maria Teresa de Bourbon-Sicília (1772-1807). Desembarcou no Brasil em 1.817, aos 19 anos, onde viveu até 1.826, ano de sua morte. Consolidava-se assim, a união das coroas Bragança e Habsburg. Sua irmã, Maria Luisa, foi esposa de Napoleão. Fco. II escolheu D. Pedro para desposar sua filha em razão da identidade monárquica com a Corte portuguesa. Leopoldina, quando veio para o Brasil tinha a expectativa de que, tão logo terminasse a guerra contra Napoleão, voltaria e, mais cedo ou mais tarde seria rainha. Com D. Pedro I teve dois filhos e quatro filhas; embora não fosse o primogênito, D. Pedro de Alcântara (futuro D. Pedro II), nascido em 1.825, foi o sobrevivente homem. A ação política de Leopoldina, na Corte do Brasil, sempre foi no sentido da defesa de legitimidade dinástica absolutista. À época, a separação (independência) do Brasil, das Cortes Constituintes de Lisboa significava, também, a manutenção da velha ordem (absolutista) no país, daí o apoio de Leopoldina à independência. 2.4 DA INDEPENDÊNCIA À PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA Antes ainda da Independência, um momento relevante em nossa história é o Dia do Fico (09.01.1822), dia em que D. Pedro, então príncipe-regente do Brasil, à época um Reino Unido a Portugal e Algarves, teria afirmado “se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que fico", em resposta ao chamado das Cortes de Lisboa que, 56 preocupadas com as medidas administrativas e a crescente emancipação do Brasil, desejavam o retorno do regente para Portugal. Proclamação da Independência (07.09.1822). Ao ser coroado imperador (dezembro de 1.822) jurou defender a (futura) Constituição, mas condicionou: “se for digna do Brasil e de mim”, advertência repetida no dia de abertura dos trabalhos da Assembléia Constituinte (maio de 1.823). Para assegurar a independência, bem como resistir aos revoltosos (Bahia), o imperador solicitou o apoio de (450 militares) ingleses incorporados na marinha brasileira sob o comando do Almirante Thomas Cochrane. Nesse período, se, de um lado, foram registrados avanços institucionais, sobretudo na vida política (Assembléia, Partidos, eleições, propostas, alternativas, debates, etc.), de outro, a corrupção foi o câncer que se instalou definitivamente no cerne do governo. Todavia, não se pode perder de vista que se a participação da sociedade nas questões públicas era crescente, era também limitada aos “homens bons ou de qualidade”. Em 1.822, a independência do Brasil Colônia, da Coroa Portuguesa, foi o desfecho de uma luta travada pela burguesia brasileira em favor da manutenção do sistema tradicional de produção baseado no trabalho escravo e na grande propriedade e contra as tentativas de recolonização da Metrópole. “O povo atuou sempre como “bucha de canhão”, isto é, não lhe cabia conduzir ou discutir o processo de independência, mas somente lutar” (ALENCAR, RAMALHO e RIBEIRO, 1985, p. 99). Podemos retratar esse fato através da punição sofrida, em 1.823, por populares que teriam excedido os “limites” impostos pela aristocracia agrária à participação no processo de independência, ao invadirem o palácio do governador da Província do Grão-Pará que, como outros, se negavam a acatar a decisão proclamada. A queda de Bonifácio (em julho de 1.823 – porque defendia a monarquia constitucional frente aos conservadores que desejavam a manutenção do absolutismo) e, por conseguinte a sua influência sobre o imperador (Bonifácio, o Patriarca da Independência, foi ministro do Reino e Negócios Estrangeiros no Brasil), assim como a influência da austera Leopoldina, conhecida como “da Áustria” (que perdia influência frente à Marquesa dos Santos) seguida da dissolução da Assembléia Constituinte tiveram como conseqüência o relaxamento dos controles e aumento da corrupção. A História registra que neste ambiente transitava com desenvoltura a Marquesa dos Santos – Domitila de Castro, de quem se dizia, cobrava comissão de quem quisesse nomeação para cargo público. Ainda: documentos comprovam que, pessoalmente, o imperador, com 57 favores, quebrava as resistências dos opositores. Nos anos imediatamente subseqüentes à Independência D. Pedro cometeu grandes desatinos de gestão econômica e financeira, em parte, cedendo a interesses privados. Neste momento discutia-se, na Assembléia, a reforma à Constituição. Na noite de 11.11.1823 D. Pedro manda cercar e dissolver a Constituinte (a Noite da Agonia) e, na seqüência, designa um Conselho para elaborar a nova Carta. Criado em 1.823, logo após a Independência, o Conselho de Estado foi extinto em 1.834 na reforma constitucional. Recriado em 1.841, após a declaração da maioridade de D. Pedro II em julho, que acontecera em 1.840, atuou de 1.842 até as vésperas da proclamação da República em 1.899, quando foi extinto. Participantes: elite econômica e política, cuja função era assessorar o imperador e ministros, mas, legislavam, sobretudo, em causa própria, aí inclusos os interesses setoriais e regionais. Institui-se, assim, a sociedade estamental, não tão rígida como a de castas, mas tampouco dotada do sentido da res publica a ser administrada através da sucessiva ampliação da participação democrática. O Estado antecedente à Nação e a organização estamental estão na raiz dos muitos dos problemas hoje enfrentados pela sociedade brasileira: patrimonialismo, corrupção, desigualdades, entre outros. Em resumo, se houveram avanços e a avaliação, se positiva ou negativa, depende da perspectiva, é fato incontestável que havia divisões no centro do governo: forças absolutistas, favoráveis à restauração x constitucionalistas, o que veio a resultar em uma Constituição outorgada; assim, de certo modo se justifica quem afirma que já na sua certidão de nascimento político o país traz a marca da mordaça e da falta de liberdade. Ademais, a corrupção, porque realizada às escondidas e na defesa de interesses restritos, é força que se opõe aos avanços democráticos necessários ao fomento da negociação em todos os níveis, em particular, na política, ambiente em que se discute o quê a todos importa e releva: o quê fazer, quem fazer, como financiar, etc. Por fim, registre-se a transferência e reprodução (com os ônus e bônus) da modalidade de relacionamento, desde há muito contratada entre Portugal e Inglaterra. A primeira Constituição do Brasil, outorgada em 1.824, atribuía ao monarca o poder (Moderador) de dissolver o Parlamento e destituir o ministério para a “salvação do Estado”. Trazia ainda as mais drásticas penas contra a corrupção: 1) reclusão de 5 a 20 anos sem direito a sursis, confisco geral dos bens, inabilitação perpétua para o serviço público, vedação a 58 empréstimos bancários após o cumprimento da pena e obrigação de residir a mais de 60 léguas (360 km) da Capital. Instituiu ainda: os Conselhos Gerais de Província (cujos membros eram escolhidos pelo imperador), Senadores vitalícios, Câmara de Deputados (eleitos através do voto indireto). Os eleitores das províncias (homens livres e de certas posses – voto censitário) elegiam um Colégio Eleitoral e este escolhia os representantes com assento na Câmara Federal. Assim, se de um lado o inculpam, de outro, o imperador buscou promover a correção dos vícios na administração pública. Embora incipiente e seletivo, é flagrante o movimento e a tendência à descentralização político-administrativa, o que importa na ampliação do conjunto de participantes na vida política, alavancando, assim, a cultura da negociação. Em que pese os avanços no ambiente institucional, diversos episódios levaram a um novo período de concentração de poder no governo central, cuja ação não se fez sem arbitrariedades e desvios de toda ordem. A instabilidade no ambiente político e as revoltas regionais, que exigiram intervenção militar, foram as marcas do governo imperial, em toda a literatura referido como muito conturbado. No âmbito político, cabe lembrar os seguintes episódios: • em 13.10.1831 é aprovado o primeiro projeto da nova Constituição para o país; • em 1.833 José Bonifácio é novamente defenestrado do poder sob a acusação de ser um reacionário – trabalhar pelo retorno à monarquia. Logo após a abdicação tem início o governo das regências: a trina e, depois (da reforma constitucional de 1.834), a una. Na ausência do imperador (menor) os regentes assumiam, bem como pediam demissão à Câmara dos Deputados; • em 12.08.1834 é promulgada a lei que reforma da Constituição de 1.824 – é denominada de Ato Adicional. A reforma constitucional em 1.834: extinguiu o Conselho de Estado e instituiu as Assembléias Provinciais – 36 deputados para as cinco maiores províncias, 28 para as outras seis e 20 para as restantes (cerca de 17 províncias); e, • as Assembléias Provinciais poderiam: legislar sobre execução de obras locais, a administração de instituições educacionais, criar impostos e empregos provinciais, contudo, as medidas aprovadas pelas Assembléias Provinciais não poderiam ir de encontro às medidas do Parlamento imperial. No advento da Independência os partidos políticos brasileiros surgem sob a influência dos princípios liberais e constitucionalistas, vindos da Europa no século XIX, em especial da 59 Inglaterra. Durante o Primeiro Império as questões políticas giram em torno da admissão, ou não, do regime monárquico constitucional. Em 1.831 surge o Partido liberal e, em 1.837 o Partido Conservador que, operando no regime parlamentarista se alternam no poder, sobretudo, no reinado de Pedro II. Em 1.870, com o manifesto de Itu, é fundado o Partido Republicano. Neste período a política exercida pelos dois partidos, o Conservador e o Liberal, refletem a sociedade patrimonialista e escravocrata. A reforma deu nova face ao império: simultaneamente, de um lado, com centralismo preservou a unidade nacional, mas de outro, aumentou o poder das províncias, tendo extirpado da primeira Constituição os 24 artigos admitidos como não liberais; assim, até a coroação de D. Pedro II, em 1.840, o Brasil poderia ser considerado um império em que se notavam algumas características típicas de um sistema republicano e liberal. Sem dúvida, mais do que um marco, um estímulo ao amplo debate e ao desenvolvimento das instituições democráticas que, aos poucos, numa trajetória nem sempre linear, vão se constituindo e amadurecendo. De acordo com Avellar (1.970, p. 227), o segundo reinado (1.840-1.889), em razão do parlamentarismo instituído pelo imperador, identifica-se como uma “democracia coroada” e, neste quadro, conservadores e liberais se alternaram no poder tendo constituído inúmeros Gabinetes. Todavia, neste ínterim, diversos movimentos no campo militar fizeram a balança pender para o outro lado, a exemplo do rígido controle e a censura à imprensa. De outro lado, desde então, a ação governamental já não se fazia sem a reação correspondente: é o tempo histórico das grandes revoltas que, fazendo eco às novas (mas nem tanto) idéias liberais vindas do Velho Mundo e impulsionadas pela nova Constituição, procuravam mais autonomia frente ao poder central: instituir seus impostos sem ter que transferilos para a capital, definir as aplicações desses recursos, escolher (mediante eleições, ou não) os governantes ou representantes, bem como os dirigentes dos respectivos aparelhos estatais (locais), entre outras foram as motivações e as reivindicações dos sediciosos. No plano interno, durante o primeiro reinado (1.822-1.831), mas estendo-se sobre o segundo (1.840-1.889), foram registradas as seguintes revoltas: a da Confederação do Equador que, em 1824, reuniu quatro províncias contra o império, os atuais estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba; a Guerra dos Farrapos (1.835-1.845); a Cabanagem 60 (1.835-1.840); a Sabinada (1.837-1.838); e, a Balaiada (1.838-1.841). Externamente o país esteve envolvido na chamada Questão Cisplatina (1.825-1.828), na Guerra do Prata (contra Oribe e Rosas, no período de 1.851-2), contra Aguirre (1.864) e, finalmente, em guerra contra o Paraguai (1.864-70). Portanto, um período de grandes conturbações e que levaram às medidas de exceção com prejuízo às instituições democráticas essenciais à cultura da negociação. Ademais, ao longo século XIX, seja de forma espontânea, porque fugindo dos problemas sociais originários do desemprego, por motivos políticos, a exemplo das perseguições aos anarcosindicalistas, simplesmente em busca de novas oportunidades (riqueza), ou atraídos pelos incentivos governamentais (pois foi, também, uma política pública), uma grande leva de imigrantes, de todos os cantos, aporta ao Brasil. Em maior número, italianos, mas também alemães, espanhóis, árabes, eslavos e, no início do séc. XX, de orientais: japoneses, coreanos e chineses. Aos poucos, mas de forma crescente e acelerada, o tecido social, assim como o ambiente e as condições de trabalho, se tornam mais e mais complexos. É inquestionável a contribuição dos imigrantes ao delineamento de um novo perfil da mão-de-obra no país e, por extensão, nas relações sociais e jurídicas locais que adquirem novas configurações. Inicialmente concentrados em determinadas regiões, sobretudo na sul-sudeste, e em determinadas atividades, predominantemente nas áreas de culturas agrícolas, em menos de um século já se encontravam distribuídos e ocupando postos de trabalho nas maiores cidades. O movimento de imigração, ao lado da campanha abolicionista - sucessivas iniciativas que finalmente, em 13.05.1888, culminaram com a libertação total -, inaugurou um novo período nas instituições, estruturas e relações na sociedade brasileira. Finalmente, a imprensa, livre, controlada ou clandestina, a vida política (agremiações, campanhas, eleições, etc.), ao lado do processo de urbanização crescente das cidades, da complexificação do aparelho produtivo, entre outros aspectos favoreceram o desenvolvimento, no Brasil, dos ideais republicanos e federalistas que levaram à proclamação da república em 15.11.1889. É de se notar que em curto período de tempo, da chegada da Família Real à Proclamação da República, portanto em menos de um séc., o nível da profundidade e da amplitude das mudanças observadas na sociedade brasileira. Do ponto de vista do tema-foco deste texto – cultura da negociação -, é o início de uma nova era, com bônus, mas também com ônus, é flagrante que desde então, grosso modo, nada mais será outorgado, mas antes muito discutido e, por fim, quiçá, conquistado. Decerto que a 61 trajetória dos povos, no curto e no médio prazo não se revela linear, sendo registrados avanços e recuos, a exemplo das 8 (oito) Constituições brasileiras (há, entre os autores, divergências quanto a este número): enquanto algumas foram promulgadas, como as de 1.891, 1.934, 1.946 (fim do Estado Novo) e, finalmente, a de 1.988 – marco inicial da Nova República., outras foram outorgadas em períodos de exceção ao Estado democrático e de direito: como visto, a de 1.824, mas também as de 1.937 (início do Estado Novo), 1.967 e 1.969. 2.4.1 Dois Parênteses Necessários: os Partidos Políticos na República e a Evolução do Marco Regulatório da Negociação, Mediação e Arbitragem 2.4.1.1 Os Partidos Políticos na República Na fase pré-republicana houve um relativo retrocesso em termos de mentalidade e ação partidária. Os grupos políticos se restringiam aos interesses regionais, limitados com o envolvimento das oligarquias locais; até mesmo o federalismo, bandeira por alguns levantada, pode ser visto como fator impeditivo da solidificação de agremiações partidárias nacionais. Todos os esforços eram no sentido de levar às antigas províncias a descentralização do poder, estratégia que, levada a cabo pelas oligarquias estaduais, simultaneamente as reforçava. Na República o sentimento partidário era não só regional como antinacional, já que se constituía em ferramenta das oligarquias que governaram o país por quase meio século de República Velha. Registra o domínio regional, neste período, a existência de dois partidos: o Partido Republicano Paulista (PRP), criado em 18.04.1873, e, o Partido Republicano Mineiro (PRM), criado em 04.06.1888. Com o passar dos anos, a evolução no sentido de maior democratização do poder, a participação da população cada vez maior e o alargamento da ação partidária, fizeram com que ocorresse o enfraquecimento da política vista apenas como manifestação dos interesses provinciais. Assim, em 25.03.1922, é fundado o Partido Comunista Brasileiro, ideologicamente baseado em K. Marx e F. Engels; seus fundadores pertenciam a diversas classes, como barbeiros, jornalistas, alfaiates e sapateiros. Em 1.926, com a crise que se abateu sobre o governo de Arthur 62 Bernardes (1.922-1.926), ocorreu uma divisão entre os cafeicultores paulistas e, os dissidentes (do PRP) fundaram no mesmo ano o Partido Democrático, este já tendo como um dos princípios, a organização em termos de partido nacional. Diversos movimentos de opinião a princípio desordenados e a importante intervenção de massas políticas no processo eleitoral deram início a partidos políticos de âmbito nacional, predizendo o fim do ciclo republicano apartidário que dominou a República até a revolução de 1.930. No que tange tema em debate, após a revolução de 1.930 a primeira manifestação importante para a criação dos partidos políticos ocorre com o Código Eleitoral, de 24.02.1932, quando foi instituída a Justiça Eleitoral, a representação proporcional e, o voto secreto. A Constituição de 1.934, apesar de aperfeiçoar o sistema democrático é muito singela quanto à formação de partidos políticos, mencionando-os apenas uma vez, no § 9º do Art. 170. Ademais, apenas refere-se às organizações partidárias como correntes de opinião (Art. 26) dispondo que o Regimento Interno da Câmara assegure tanto quanto possível a representação proporcional nas Comissões Permanentes. Entre as constituições de 1.934 e 1.946, assim como ocorreu na fase da proclamação da República, nossa história sofre novo retrocesso quanto à formação de partidos políticos. Mais do que isso; temos um verdadeiro hiato já que o Decreto-Lei nº 37, de 02.12.1937, extinguiu os partidos registrados e os que haviam solicitado registro na Justiça Eleitoral. Vargas tentava criar, tal qual na Alemanha nazista e na Itália fascista, um partido único a partir da Legião Cívica Brasileira. Contudo, nem este se sustentou uma vez que as Forças Armadas se opuseram por se sentirem ameaçadas em sua autonomia. Com o fim da segunda guerra mundial, vencidos os regimes totalitários mencionados, Vargas, sob pressão da classe média, decreta em 28.05.1945, a Lei nº 7.568, criando o novo Código Eleitoral. Neste encontravam-se presentes o partido de âmbito nacional, a obrigatoriedade da candidatura partidária, a representação proporcional e a definição, para efeito de registro, dos partidos políticos de caráter nacional, pondo fim aos partidos estaduais. A Constituição de 1.964 conservou as conquistas realizadas pelo segundo código. Fundados ainda por Vargas surgem, em 15.05.1945, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que contava com o operariado urbano e a liderança dos dirigentes sindicais e, em 17.07.1945, o Partido Social Democrático (PSD), que possuía em seus quadros os interventores 63 dos Estados e beneficiados pelo regime. Mesmo com dificuldades, os que eram oposição à ditadura conseguiram criar, em 07.04.1945, a União Democrática Nacional (UDN). Entre 1.945 e 1.964 o Tribunal Superior Eleitoral concedeu registro a 32 partidos, sendo que metade destes tiveram os seus registros cassados em 1.947, incluindo o Partido Comunista Brasileiro. Neste mesmo período, o UDN, o PSB (criado em 1.947) e o PTB possuíam mais de 80% das cadeiras da Câmara e Senado. Dissidentes do Partido Comunista Brasileiro, em 1.962, fundaram o Partido Comunista do Brasil. Quando da sua fundação, a ideologia do partido era diretamente ligada à teoria marxista e maoísta. Em 1.976, com a morte de Mao Zedong, o PCdoB rompeu com o maoísmo. Em 27.10.1965, o Ato Institucional nº 2 extinguiu os partidos políticos existentes e instituiu a reforma do sistema político. Para obter registro, o partido político deveria contar com o mínimo de 20 senadores e 120 deputados. As eleições presidenciais tornaram-se indiretas. Surgiram ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB) que se caracterizou como oposição formal à Aliança Nacional Renovadora (ARENA), aliada do o governo militar, com objetivo de conferir ao sistema um aspecto democrático, ainda que de fachada. Conforme pode ser verificado, em menos de um século o país experimentou grandes transformações nos ambientes sócio, político, econômico e institucional. Da primeira à quinta República (1.889-1.985) a criação dos partidos políticos acentua um novo marco rumo à cultura do debate, do embate de idéias, da análise e discussão de alternativas e, por fim, a da negociação. Durante este período o Brasil vive a alternância: a) entre regimes democráticos - de 1.889 à 1.937 e, de 1.946 à 1.964 e, b) ditaduras – de 1.937 à 1.945 e, de 1.964 à 1.985. Nesse espaço de tempo da História do País prevalece o regime presidencialista, inspirado no modelo americano (1.889 à 1.961), com uma breve experiência parlamentarista republicana (1.961 à 1.963). Com a sexta República (1.985 até os dias atuais), é eleita a Assembléia Constituinte, em 1.986, que termina os seus trabalhos em 1.988, com a promulgação da atual Constituição Federal. É restaurado o pluripartidarismo, com o surgimento de inúmeros partidos, entre os quais se destacam o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o Partido da Frente Liberal (PFL), o Partido Democrático Trabalhista (PDT), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Verde (PV) e, se tornam legais o PCB e a antiga 64 dissidência deste, o PC do B. Surge também, em 1988, uma cisão congressual do PMDB da qual se origina o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) e, mais recentemente o PFL passou a se denominar Democratas (DEM). Cabe destacar a peculiaridade da origem do PT, nascido das lutas sindicais dos anos 70 e 80 do século passado, influenciado pelos movimentos, progressistas de base da Igreja Católica e das várias dissidências comunistas. Pode-se considerar que o PT é o primeiro partido de massas, formado “de baixo para cima”, de forma similar ao Partido Trabalhista Inglês em 1.906 (BOBBIO, 2.001); os demais partidos apresentam características congressuais e de quadros políticos. 2.4.1.2 A Evolução do Marco Regulatório da Negociação, Mediação e Arbitragem Assim como as trajetórias históricas moldam as culturas e valores de uma sociedade, contribuem, também, para as normas de direito que nesta vigem, seja aquele consuetudinário ou legislado. Mas de outro lado, as normas de direito também contribuem para criar ou acentuar práticas que caracterizam a cultura e os valores, havendo, pois, uma efetiva circularidade – uma causação recíproca. Desde modo, importa discorrer, ainda que brevemente (o aprofundamento ocorrerá em futuras disciplinas) sobre o marco regulatório da mediação e da arbitragem, recursos e processos que têm origem quando a negociação entre as partes não chega a bom termo; para tal, o texto de Egger (2005, p. 2), sem adendos, se revela suficiente: [...] no Brasil, a arbitragem viu-se regulamentada desde as Ordenações. Com a Independência permaneceu vigindo as Ordenações Filipinas que contemplavam em seu texto o Juízo arbitral, cuja aplicação fez-se presente, pelo legislador pátrio, desde a Constituição imperial de 1824 e, pela legislação infraconstitucional desde o Decreto nº 737, de 1850 (disciplinou a arbitragem, tornando-a obrigatória em determinados casos, para a solução de litígios entre comerciantes); o Código Comercial de 1850 (instituído pela Lei nº 556, de 1850, estabeleceu o juízo arbitral necessário nas questões oriundas de contrato mercantil - art. 245 -, e nas questões sociais entre os sócios - art. 244 - e outros arts. 302 § 5º, 348, 736, 739, 750 e 846); a Lei nº 1.350, de 1866 (revogou a obrigatoriedade porque repugnava à própria natureza do instituto); o Código Civil de 1916 (reformulou o instituto em seus arts.1.037 a 1.048, mas em nada o inovou); o CPC de 1939 (em seus arts.163 e ss.); com o CPC de 1973 (atualizou-se as regras procedimentais - art.1072 e ss. - mais restou intacto em sua substância); hoje, porém, com a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, crê-se tenha ocorrido um grande avanço legislativo, mormente, com a adoção 65 da cláusula compromissória (arts. 3º e ss.) que prescinde do ato subsequente do compromisso arbitral, e por si só, é apta a instituir o juízo arbitral. Ratificando as dificuldades de os conflitos virem a ser solucionados através da via judicial, devido aos custos e prazos que desde há muito demandam, os legisladores criaram estímulos (alguns de caráter obrigatório) à negociação entre as partes e, se estas não chegassem a solução de mútuo agrado, restaria ainda, antes, a via extrajudicial, na qual ainda há espaço para a argumentação e a negociação. 2.5 SÉC. XX E A MEDIAÇÃO ESTADO & SOCIEDADE: as novas instituições No Velho Mundo, que também passara por grandes transformações nos séc. XVIII e XIX, como subproduto da Revolução Industrial, como um efetivo efeito perverso, emerge a chamada questão social, que tem por origem o desemprego, no campo e nas cidades. Como relatam Heller e Fehér (1.998), bem como Bobbio (2.004), aos poucos a sociedade, mediada pelo Estado, mas não sem grandes resistências, assume, na forma de direitos sociais incorporados às Constituições nacionais, as suas responsabilidades nesse processo histórico. Sucedem, pois, inúmeros direitos, organizados, segundo Streck e Morais (2.000), em gerações: o direito à liberdade corresponderia à primeira geração, datando da origem do Estado Democrático e de Direito, os mais contemporâneos, já na quinta geração, estão relacionados ao desenvolvimento tecnológico (cibernética, clonagem, etc.). Exemplo vivo dessa realidade é a atual Constituição brasileira (a de 1.988) que, entre outros motivos, mas também pelos inúmeros direitos, individuais e sociais, que encerra, ganhou a denominação de Constituição Cidadã - uma leitura crítica deste “excesso” de direitos pode ser vista em Prado (1.994). O debate sobre a questão social, que de início estava relativamente restrito ao âmbito dos partidos políticos, aos poucos e na medida em que os trabalhadores se organizam em associações e sindicatos, passa a ser liderado e controlado por esses. Na seqüência, essas entidades darão origem aos partidos políticos modernos, identificados e representantes, junto ao parlamento, de interesses exclusivos (BOBBIO, 2.001), nos quais a questão social corresponde à cláusula estatutária, portanto, objetivo político. As distâncias entre o Velho e o Novo Mundo aos poucos foram reduzidas (modernos navios e aviões, telefonia, rádio, etc.) e, as experiências e avanços institucionais lá havidos, quase 66 de imediato são para cá transpostas, entre essas, a emergência e a relevância do Terceiro Setor como ator social, não só como interlocutor, mas, sobretudo, como agente operador no ambiente social. Conforme já observado, dois fenômenos da Era Moderna, a urbanização acelerada e as novas possibilidades (e quantidades) de produção tornadas possíveis pela Revolução Científica, Tecnológica e Industrial, trouxeram como subproduto indesejável, a chamada questão social, cuja raiz pode ser localizada no desemprego (muito acima do nível fricativo) que, desde então, tem sido a regra ao invés de a exceção. Problemas até então circunscritos à esfera privada (saúde, educação, habitação, entre outros), adquirem, a partir de então, dimensão pública, requerendo, para o seu encaminhamento, a intervenção de terceiros. Do auxílio individual, espontâneo, esporádico e ad hoc, aos empreendimentos organizados, foi um passo. Assim, a instituição de Fundos Mútuos ou a organização na forma de Cooperativas figuram entre as primeiras soluções encontradas para enfrentar a questão social, tendo em vista, senão eliminar, mitigar os seus efeitos. Surgem, assim, conforme o ordenamento jurídico de cada Estado nacional, as novas entidades filantrópicas (que no Brasil correspondem às Fundações e às Associações) que, ao lado das ações individuais, terão como preocupação central reduzir o sofrimento, nas suas mais diversas acepções, de um número crescente de pessoas; um conjunto que, se por um lado é difuso, por outro, em comum entre os seus elementos, pode ser encontrado o traço, senão de exclusão, de distanciamento do pleno exercício da cidadania. O Terceiro Setor (TS) corresponde, pois, às pessoas jurídicas que, apesar de constituídas na forma de direito privado, atuam em áreas de nítido interesse público, daí a sua contratação (em parceria) pelo Estado quando este pretende implementar determinadas políticas públicas. O TS opera tanto nas lacunas deixadas pelo Estado, quanto nas fendas do mercado e, grosso modo, as suas unidades básicas de análise são as denominadas Organizações Não-Governamentais (ONGs), entidades que atuam nas mais diversas áreas: desenvolvimento econômico local, proteção ao meio-ambiente, defesa dos direitos civis, entre outras, algumas de caráter laico, outras religiosas, havendo também, ao lado das que levantam bandeiras políticas, as apolíticas. Por vezes impelidas por razões humanitárias, por expiação de culpa, ou até mesmo por uma visão pragmática e estratégica que sinaliza a necessidade de um mercado crescente e sustentável, as novas entidades, o Terceiro Setor, se multiplicarão à grande velocidade. 67 Embora existam registros anteriores, foi somente no início do século XX, com a Crise da Bolsa, em 1.929, que o Primeiro Setor (o Estado) será chamado para solucionar os problemas gerados pela atuação do Segundo Setor - o Mercado, responsável pela atividade empresarial. Ora em razão da dimensão dos problemas, ora devido às especificidades dos problemas, o Estado, desde então, terá no Terceiro Setor um interlocutor de singular importância, quando não, um aliado. No Brasil, o surgimento e a expansão organizada do Terceiro Setor possuem as características do seu tempo - a forte coloração política -, dado que contemporâneos dos movimentos de contestação aos governos militares após 1.964. No dizer de Fischer e Falconer (1.998, p. 14), “para o bem e para o mal, seguindo múltiplas tendências ideológicas, ele [o Terceiro Setor] já nasceu com um componente de politização que, praticamente, substitui o componente filantrópico do setor nos Estados Unidos”. Não que anteriormente a esse período não se tenham registrado iniciativas filantrópicas; elas ocorriam com dimensão mais reduzida, pois, relativamente ao Primeiro e ao Segundo, o Terceiro Setor era de pouca expressão por motivos históricos que adiante serão apreciados. No que importa ao tema ora debatido, o surgimento e o crescimento do Terceiro Setor representará a entrada em cena de um importante interlocutor nos debates e negociações sobre os mais variados assuntos da vida em coletividade, ora colaborando, ora exigindo e, até mesmo, atritando com o Estado. Ademais, no Brasil pós-88, novos atores emergem para desempenhar um papel de extrema relevância no desenvolvimento e no fomento à cultura da negociação entre os agentes privados e entre estes e setor público, a exemplo do Ministério Público (MP), instituição que, de acordo com o Art. 127 da Constituição Federal é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Desde então, a interlocução do MP, através de Ações Civis Públicas ou Termos de Ajuste de Conduta, tem sido cada vez mais freqüente, ampliando a necessidade, por parte de todos os agentes, de novas competências relacionais, sobretudo, a habilidade negocial. No ambiente privado, sobretudo no plano corporativo, mas também para solucionar conflitos entre pessoas físicas, a Lei Federal n0 9.307, de 23.09.1996, que 68 trata da mediação e da arbitragem, finalmente veio a conferir o marco legal necessário ao entendimento e à solução de conflitos entre os litigantes sem o recurso ao Judiciário - cabe observar que a valorização e o reconhecimento, para todos os fins, da prévia negociação entre as partes, é prática já antiga observada, sobretudo, em países de tradição consuetudinária. Nesse quadro surgem as Juntas e Comissões de Mediação, Conciliação e Arbitragem. Audiências e consultas públicas, mediadas pelas novas tecnologias de comunicação e informação (que possibilitam um grande número de participantes), introduzidas nos marcos regulatórios criados no curso da política de desestatização, também são elementos relevantes desse novo momento. No Poder Judiciário os chamados Juizados Especiais (Civil e Criminal), instituídos pela União e pelos estados membros, espaços em que os litigantes, se for causa avaliada em pequeno valor (daí porque também denominados de Juizados de Pequenas Causas) ou crime de menor gravidade, procuram o entendimento via a negociação mediada por um facilitador, especialista ou não, são iniciativas que representam uma nova era. No mesmo alinhamento, se aprumam os primeiros passos (no Brasil) da chamada Justiça Restaurativa. Por fim, os sucessivos direitos adquiridos pelos cidadãos contra o Estado (para maiores informações consulte sobre o welfare state, sobretudo o europeu) promoveram o crescimento deste, aferido a partir de um contingente crescente de funcionários e instituições, o que implicou em maior necessidade de recursos – mediante arrecadação de impostos ou contratação de dívidas. Todavia, as restrições impostas aos orçamentos públicos, cujos recursos também são disputados por outras necessidades governamentais (investimentos, políticas de estabilização, políticas para fazer frente às crises de origem externas, redução das desigualdades regionais, manutenção da segurança nacional, etc.) impõem um limite às demandas de toda ordem (submetendo os direitos à chamada reserva do possível), circunstância que veio a ser acentuada nos tempos mais recentes – a da era da globalização. O Estado e os governos, colocados em xeque, doravante serão severamente criticados e até mesmo questionados na sua representatividade e razão de ser; assim, nunca antes, tantos debates e negociações, 69 envolvendo interesses conflitantes e complexos, se fizeram presentes e necessários à manutenção da ordem e da paz para o desenvolvimento sustentável. CONSIDERAÇÕES FINAIS Assim, nessa breve retrospectiva histórica, se procurou destacar alguns eventos que, em diferentes graus, se afirmaram como relevantes ao processo de formação de uma cultura aberta ao debate, à discussão de idéias e propostas que, confrontadas com as restrições de toda a ordem, conduzem à inevitável negociação, tema que nas próximas disciplinas será devidamente explorado nos seus aspectos técnicos e gerenciais. Decerto que os eventos destacados não pretenderam esgotar o assunto, mas antes despertar a curiosidade e aguçar o leitor para leituras complementares a partir de uma nova ótica, a que estabelece os vínculos entre a nossa História e o tema que os acompanhará ao longo do curso – Negociação. Contudo, foi possível observar que, dos cinco séculos de História, nos primeiros trezentos anos muito pouco pode ser registrado como avanço no sentido da formação de uma cultura de negociação. Somente após a proclamação da independência, e sobremodo a da república, é que a cultura da negociação será estabelecida no país, quando, no seio do Estado e no ambiente corporativo, novas instituições adquirirão forma e se desenvolverão. Portanto, historicamente é recente, não mais do que três gerações, a aprendizagem e a expertise desenvolvida no domínio da negociação. As dimensões continentais do país, bem como a sua complexidade estrutural contribuem para que as competências relativas à habilidade de negociação se apresentem assimetricamente distribuídas quaisquer que sejam as categorias de análise e parâmetros considerados. Os limites do Estado, sobre o qual foram depositadas excessivas demandas e responsabilidades, têm promovido o retorno, à sociedade, o equacionamento e a arbitragem dos conflitos, o quê só se realiza em um ambiente aberto à negociação. Tais características, se, de um lado evidenciam um enorme espaço para o desenvolvimento de competências, de outro, sinaliza que, se as mesmas não forem 70 desenvolvidas, o sistema tende a ser perverso e a reproduzir (senão ampliar) as suas próprias desigualdades. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALENCAR, F.; RAMALHO, L. C.; RIBEIRO, M. V. T. História da Sociedade Brasileira. 2ª edição. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1985. AVELLAR, H. de A. História Administrativa e Econômica do Brasil. 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Dentro desse quadro, torna-se relevante entender também a forma de organização, de funcionamento e de administração do Estado brasileiro, inclusive o processo de planejamento e a tomada de decisão. Essas questões são fundamentais para capacitar os servidores públicos nos processos de democratização das relações de trabalho na administração pública federal. Para tanto, essa terceira parte da disciplina é constituída por 16 itens, além dessa introdução e da conclusão. Primeiramente, introduz-se a questão “que país é esse?”, de acordo com a Constituição vigente, especialmente sua estrutura política e administrativa em três níveis e três poderes distintos. No item 3.2, enfoca-se a evolução do modelo de administração pública do Brasil até os anos de 1994, sendo que o item 3.3 aborda mais especificamente as fortes mudanças introduzidas pela Reforma do Estado Brasileiro, implementada a partir de 1995. O item 3.4 aponta novos caminhos, mais recentes, na gestão pública brasileira, especialmente sua característica mais societal e sistêmica. No quinto item caracterizam-se os órgãos da administração pública como sendo de administração direta ou de administração indireta. Posteriormente, são destacadas as novas modalidades e arranjos de atuação do Estado, reforçadas especialmente após 1 Autores principais: Luis Roque Klering (coordenador) e Melody de Campos Soares Porsse. Colaboradores: Eugênio Lagemann, Luis Alberto Guadagnin, Mary da Rocha Biancamano, Sandro Trescastro Bergue e Christine da Silva Schroeder. 72 a Reforma do Estado Brasileiro, que permitem operar políticas públicas em um contexto de sensíveis restrições orçamentárias, combinado com um estágio de desenvolvimento da sociedade em que as demandas mostram-se crescentes em termos de qualidade e quantidade. No item 3.7 são apresentadas as finanças públicas dos poderes e de órgãos de governo do Brasil, porque é dentro deste contexto que as negociações são feitas. Esse item é complementado pelo item 3.8, que apresenta dados sobre Produto Interno Bruto (PIB), Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e Índice de Responsabilidade Fiscal e Social (IRFS), mostrando indicadores da situação econômica das diferentes divisões de governo, da sua qualidade de vida e de gestão pública. O item 3.9 reflete sobre os Princípios da Administração Pública brasileira. E o item seguinte destaca as características essenciais da prática da administração pública. No item 3.11, são discutidas as tensões e negociações envolvidas na administração pública. O item 3.12 aborda conceitos de políticas e estratégias públicas; e o item 3.13, modelos de planejamento na esfera pública. O item 3.14 apresenta o sistema brasileiro de planejamento e orçamento. O item 3.15 faz uma reflexão sobre o papel fundamental dos governos, qual seja: gerar qualidade de vida. Por fim, no item 3.16 discute-se a respeito do cenário futuro na administração pública brasileira, enfatizando como o Estado reage aos desafios contemporâneos. A conclusão destaca o importante papel do gestor público como um constante ator-negociador no contexto em que atua, contribuindo assim para a ocorrência de uma administração pública mais ativa, viva, disputada e, paradoxalmente, por isso mesmo mais justa e cidadã. 3.1 BRASIL: QUE PAÍS É ESSE? 3.1.1 Estrutura política e administrativa da União, dos Estados e dos Municípios do Brasil Esta seção visa a esclarecer questões sobre a estrutura do poder e da administração do Estado brasileiro, tais como: Como o poder está distribuído por diferentes níveis (verticalmente) na estrutura do Estado? (“Quem manda mais?”) 73 Quantos Estados, Territórios e Municípios possui o Brasil? Quais são as competências de cada nível de governo? De acordo com a Constituição Federal (Título III, Cap. I, Art.18), a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal (Brasília), sendo todos estes elementos autônomos. Os Territórios Federais, que anteriormente existiam, foram transformados em Estados ou incorporados ao seu Estado de origem a partir de 1990. Também foi nesta Constituição que surgiu no Brasil, o Estado de Tocantins. Então, atualmente, são 26 Estados, contemplando, ao todo, 5.563 municípios em todo o território nacional. A República Federativa do Brasil tem por objetivos a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais; e a promoção do bem comum, sem preconceitos de origem, raça, gênero, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Na democracia, o poder pertence ao povo, não se concentrando em uma única pessoa, diferentemente do que ocorre nos regimes absolutistas. O Chefe de Governo exerce um mandato, outorgado pela via democrática da vitória eleitoral, com prazo de duração predeterminado. O Chefe de Governo necessita ser politicamente responsável, podendo ser, em caso contrário, sujeito passivo do crime de responsabilidade, sujeito a processo de impeachment. Neste contexto, todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos do que prevê a Constituição Federal. Esta República Federativa constitui-se em um Estado Democrático de Direito. De Direito, por estar juridicamente organizado e obediente às suas próprias leis; Democrático, pelo fato de estas leis serem emanadas da vontade popular. Como fundamentos deste Estado Democrático e de Direito, tem-se: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e, ainda, o pluralismo político. A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal recebem a denominação de pessoas políticas, entes políticos, entidades políticas, pessoas federativas, entes federativos ou entidades federativas. Possuem Governos próprios e são dotados de 74 autonomia política, financeira e administrativa, nos limites disciplinados pela Constituição. No que diz respeito à União, dentre as suas principais atribuições estão: • manter relações com Estados estrangeiros; • assegurar a defesa nacional; • decretar o estado de sítio, o estado de defesa e a intervenção federal; • autorizar a emissão de moedas e a fabricação e comercialização de material bélico; • administrar as reservas cambiais do País; • conceder anistia; • elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; • explorar, diretamente ou mediante concessão, os serviços de telecomunicações em geral; • explorar, diretamente ou mediante autorização, os serviços de radiodifusão em geral, de energia elétrica e de navegação aérea; • explorar os serviços de transporte ferroviário e aquaviário (bem como os portos marítimos, fluviais e lacustres) dentro dos limites nacionais, além do transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; • organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Distrito Federal; e • organizar e manter a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Ferroviária Federal, bem como a Polícia Civil, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal. Ainda compete exclusivamente à União legislar sobre Direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; desapropriações; águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão; requisições de civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra; serviço postal; sistema monetário e de medidas; políticas de crédito; comércio exterior e interestadual; política nacional de transportes; recursos minerais e atividades nucleares; nacionalidade, cidadania e naturalização, emigração e imigração; população indígena; 75 sistemas estatístico e cartográfico nacionais; organização judiciária e administrativa dos órgãos da justiça ligados ao Distrito Federal e Territórios; sistemas de poupança; seguridade nacional; diretrizes e bases da educação nacional; registros públicos; normas gerais de licitação e contratação para a Administração Pública direta e indireta; defesa territorial, marítima, aeroespacial e civil; e propaganda comercial. Os Estados, por sua vez, poderão ser autorizados a legislar acerca de questões específicas envolvendo esses temas, caso isto seja previsto por lei complementar. A esfera federal é organizada administrativamente através da Presidência da República; dos Conselhos; dos Ministérios; das Agências; do Sistema Financeiro; das Empresas; das Instituições de Ensino; das Embaixadas, consulados, delegações, missões e escritórios; das Fundações; dos Institutos2. O Presidente da República, chefe do Poder Executivo Federal, é auxiliado pelos Ministros de Estado. Na estrutura da Presidência, os órgãos estão classificados como: essenciais; de assessoramento imediato ao Presidente; consultivos e integrantes. Entre os órgãos de assessoramento imediato estão o Conselho de Governo, a AdvocaciaGeral da União (AGU) e a Secretaria de Imprensa e Divulgação. Os Conselhos da República e de Defesa Nacional são órgãos de consulta. Vinculada ao Presidente da República, a Comissão de Ética Pública tem como competência a revisão das normas sobre conduta ética na Administração Pública Federal, assim como a elaboração e proposta da instituição do Código de Conduta das Autoridades. Os Conselhos, no atual governo, são espaços de co-gestão para as decisões (concretas e diretrizes) de políticas públicas. Existe uma variedade de conselhos dentro do Governo, desde órgãos de consulta por parte do Presidente da República, como o Conselho da República, até os de assessoramento, como os Conselhos de Governo e de Desenvolvimento Econômico e Social. Há, ainda, conselhos de políticas e gestores de programas, territoriais, globais e setoriais, definidos em boa parte em leis federais, que buscam concretizar direitos como saúde, educação, assistência social, entre outros. 2 Os diversos órgãos que compõem a estrutura administrativa do Governo Federal do Brasil estão elencados no site: http://www.brasil.gov.br/governo_federal/estrutura/. 76 Os Ministérios têm a função de auxiliar o Presidente da República no exercício do Poder Executivo. Também elaboram normas, acompanham e avaliam os programas federais, formulam e implementam as políticas para os setores que representam. São encarregados, ainda, de estabelecer estratégias, diretrizes e prioridades na aplicação dos recursos públicos. As Agências são órgãos da administração pública indireta, responsáveis pela prestação de serviços essenciais à população. Além das agências reguladoras, fazem parte da estrutura do Governo Federal as de desenvolvimento regionais e de pesquisa. As agências reguladoras foram criadas para fiscalizar a prestação de serviços públicos praticados pela iniciativa privada (energia elétrica, telefonia, combustível, assistência à saúde). Além de controlar a qualidade na prestação do serviço, estabelecem regras estáveis para o setor, dando segurança aos investidores. O Sistema Financeiro Nacional é integrado por doze instituições bancárias, vinculadas ao Governo Federal. O Banco do Brasil é a instituição mais antiga, já que foi fundada, em 1808, por D. João VI, para viabilizar a vinda da corte portuguesa para o Brasil. Por isso, inicialmente o banco tinha a função de emitir moeda. Até a criação do Banco Central do Brasil, em 1964, o papel de autoridade monetária era desempenhado pelo Banco do Brasil, pela Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc) e pelo Tesouro Nacional. As empresas públicas são agentes do Governo Federal, administradas indiretamente, e, em sua maioria, vinculadas aos Ministérios. Embora consideradas de natureza jurídica de direito privado, seus empregados cumprem as regras constitucionais do serviço público. Além dessas empresas, o Governo Federal atua, indiretamente, na produção industrial de determinados setores, por meio de empresas públicas ou sociedades de economia mista. As Companhias também prestam serviços essenciais, como agentes do Governo Federal, de forma descentralizada. As Instituições de Ensino abrangem as Escolas de Administração Pública, como a Escola de Administração Fazendária (Esaf) e a Escola Nacional de Administração Pública (Enap); a Educação tecnológica, constituída pelos Centros Federais de 77 Educação Tecnológica (Cefets), localizados em vários Estados3; as Escolas federais, nas quais estão as escolas agrotécnicas4; as Escolas Militares5; as Faculdades6; as Universidades Públicas7. Ainda com referência às Instituições de Ensino, a Esaf e a Enap, ambas sob a gestão do Governo Federal, têm como objetivos a capacitação e a formação profissional dos servidores públicos federais. A Esaf é subordinada ao Ministério da Fazenda e responsável pelos cursos de aperfeiçoamento de pessoal nas áreas de finanças públicas, recrutamento e seleção, administração e gerência, tecnologia da informação e comércio exterior. A Enap atua para aumentar a capacidade de governo na gestão de políticas públicas. Busca ser um centro de referência em políticas públicas, capaz de inovar e irradiar boas práticas de gestão pública. No que diz respeito às Embaixadas, o Brasil vem intensificando os laços com os demais países de língua portuguesa e enfatizando o processo de integração regional com o Mercosul e outros organismos regionais e financeiros. Na formulação e execução dessa política externa, o Presidente da República é auxiliado pelo Ministério das Relações Exteriores. São 92 Embaixadas8 no exterior, sete Missões/Delegações junto a organismos internacionais, 31 Consulados-Gerais, seis Consulados9, 13 ViceConsulados e serviços como os de promoção comercial, assistência consular, apoio às comunidades brasileiras fora do País, comunicação e difusão da cultura e idioma do País. As Embaixadas e os Consulados têm a função de assistência, solução de emergências e proteção ao cidadão brasileiro fora do País (dispondo de plantão consular 24 horas), já que desde a década de 1980 houve crescimento mais expressivo 3 Uma relação completa pode ser obtida no site http://www.brasil.gov.br/governo_federal/estrutura/inst_ensino/tecno/. 4 Relação no site http://www.brasil.gov.br/governo_federal/estrutura/inst_ensino/escolas/. 5 Uma relação completa das Escolas Militares pode ser encontrada no site http://www.brasil.gov.br/governo_federal/estrutura/inst_ensino/militar/. 6 Relação no site: http://www.brasil.gov.br/governo_federal/estrutura/inst_ensino/faculdades/. 7 A ampla relação das instituições criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público Federal encontra-se no site http://www.brasil.gov.br/governo_federal/estrutura/inst_ensino/universidades/. 8 As Embaixadas estão relacionadas no endereço http://www.brasil.gov.br/governo_federal/estrutura/emb_consul/. 9 Os Consulados estão relacionados no endereço: http://www.brasil.gov.br/governo_federal/estrutura/emb_consul/consulados/. 78 da emigração. Hoje, mais de 1,5 milhão de brasileiros residem no exterior, somando-se a esses outros 3,5 milhões que viajam anualmente para vários países. As Fundações executam as políticas setoriais, sendo vinculadas aos Ministérios. Os Institutos também são órgãos executores da administração pública federal, vinculados aos Ministérios, atuando em diversas áreas. Figuram, ainda, como órgãos ligados ao Governo Federal: as Comissões, os Departamentos, os Fundos, os Hospitais Federais, as Secretarias e as Superintendências Federais. Com relação aos Estados Federados, os mesmos organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, desde que observados os princípios da Constituição Federal10, sendo, então, reservadas aos Estados as competências que não forem vedadas pela Constituição. No que tange ao planejamento urbano, os Estados poderão, por meio de lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, formadas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum. Ainda, cabe aos Estados a exploração direta, ou mediante concessão à empresa estatal, com exclusividade de distribuição, os serviços locais de gás canalizado. Quem legisla no Estado são os Deputados Estaduais, cuja quantidade na Assembléia Legislativa deve corresponder ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados, e, atingido o número de 36, será acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de 12. Com referência aos Municípios, cada um deles é regido por lei orgânica, votada em dois turnos, com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal de Vereadores, que promulgará esta Lei, desde que atendidos os princípios da Constituição Federal, da Constituição do respectivo Estado e desde que: • Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores tenham sido eleitos, via pleito direto e simultâneo aos dos demais Municípios do País, para um mandato de quatro 10 As Constituições do Brasil e dos estados brasileiros estão disponíveis no link: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/principal.htm. 79 anos, com eleição do Prefeito e do Vice até noventa dias antes do término do mandato dos que devam suceder, e tendo sido realizado segundo turno (em que, até 20 dias após a eleição, concorrem apenas os dois candidatos mais votados) no caso de municípios com mais de 200 mil eleitores; • O número de Vereadores seja proporcional à população do Município, nas seguintes proporções: 9 Vereadores para municípios com até 47.619 habitantes; de 10 a 21, variando de acordo com a população nos Municípios entre 47.620 e 1 milhão de habitantes; de 33 a 41, nos de mais de 1 milhão e menos de 5 milhões de habitantes; e de 42 a 55 nos Municípios de mais de 5 milhões de habitantes. Com relação à quantidade de vereadores, ressalta-se que está em tramitação na Câmara dos Deputados a proposta de emenda à Constituição (PEC 336/09)11 que amplia o número de vereadores no país dos atuais 51.748 para 59.791, criando também 24 faixas para a composição das câmaras municipais, que dependem do tamanho da população, sendo maior o número de vereadores nos municípios com mais habitantes. Nessa proposta, que já foi aprovada pelo Senado em dezembro de 2008, o número mínimo será de 9 vereadores para municípios com até 15 mil habitantes e o máximo será de 55 vereadores para municípios com mais de 8 milhões de habitantes. São competências dos Municípios: • legislar acerca de assuntos de interesse local; • suplementar a legislação federal e estadual no que lhe couber; • instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade da prestação de contas e da publicação de balancetes; • criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; • organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluindo o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; 11 A íntegra da PEC 336/09 está disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/637443.pdf. 80 • manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e ensino fundamental; • prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; • promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; e • promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. A fiscalização do Município, na forma de controle externo, está a cargo do Poder Legislativo Municipal; e o controle interno, via sistemas de controle interno, do Poder Executivo Municipal, na forma da lei. O controle externo exercido pela Câmara de Vereadores é auxiliado pelos Tribunais de Contas dos Estados ou pelos Tribunais de Contas do Município (caso dos municípios de São Paulo e do Rio de Janeiro) ou ainda pelos Tribunais de Contas dos Municípios (como é o caso dos Tribunais de Contas dos Municípios do Ceará, da Bahia, de Goiás e do Pará). No caso do controle externo exercido sobre a autoridade máxima do Poder Executivo, o Tribunal de Contas emite um parecer prévio, que será encaminhado ao Poder Legislativo para fins de julgamento. Quanto às demais autoridades, especialmente aquelas responsáveis pelo Poder Legislativo e entidades da administração indireta municipal, o Tribunal de Contas realiza o julgamento das contas. É vedada ao Município, no entanto, desde a Constituição Federal de 1988, a criação de novos Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais. Deve ser lembrado, ainda, de que as contas dos Municípios ficarão, por um período de sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, podendo ser questionada a legitimidade dos dados apresentados, nos termos da lei. Também o Estado pode intervir no Município nos casos em que não forem prestadas as contas devidas. No que se refere ao Distrito Federal, tal como os Municípios, é regido por lei orgânica, votada em dois turnos, com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por 81 dois terços dos membros da Câmara Legislativa, que promulgará esta Lei, desde que atendidos os princípios da Constituição Federal. Ressalte-se que é vedada a divisão do Distrito Federal em Municípios. Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas tanto aos Estados quanto aos Municípios. Neste sentido, o Distrito Federal não é governado por um Prefeito e um Vice, mas, sim, por um Governador e um Vice. Também não são eleitos Vereadores, mas sim, Deputados Distritais. Ao Governador, Vice-Governador e aos Deputados Distritais são aplicadas as mesmas regras dirigidas aos Governadores, Vice-Governadores e Deputados Estaduais. No caso do Distrito Federal, as Polícias Civil e Militar e o Corpo de Bombeiros Militar têm sua utilização, por parte do Governo do Distrito Federal, regulamentada por lei federal. O Distrito Federal12 é composto por Regiões Administrativas (RA), incluindo a capital Brasília. Inaugurada em abril de 1960, Brasília conta hoje com 221.157 habitantes (excluídos Lagos Norte e Sul). As RAs ao redor da RA de Brasília são popularmente conhecidas como “cidades-satélites”. Em termos populacionais, a RA de Brasília foi superada pela RA de Ceilândia, que possui um total de 379.048 habitantes; e pela RA de Taguatinga, com 240.041 habitantes. Atualmente a população do Distrito Federal é de aproximadamente 2.043.000 habitantes13. O Núcleo Bandeirante, formado em 1956 com o nome de Cidade Livre, era destinado somente a abrigar os primeiros Candangos para a construção de Brasília e deixaria de existir após a sua inauguração. No entanto, tal núcleo se consolidou e se tornou uma cidade-satélite (RA). Além dessas RA citadas, o Distrito Federal é composto também pelas seguintes RAs: Samambaia, Gama, Recanto das Emas, Sobradinho, Planaltina, Brazlândia, Paranoá, São Sebastião, Candangolândia, Cruzeiro, Lago Sul, Lago Norte, Guará, Santa Maria e Riacho Fundo. É interessante destacar que Planaltina e Brazlândia, apesar de existirem bem antes da construção da nova Capital, fundadas, respectivamente, em 1859 e 1932, tornaram-se cidades-satélites do Distrito Federal. Oficialmente, Taguatinga é a cidadesatélite mais antiga criada como tal, implantada em 05 de junho de 1958, seguida por 12 A relação dos órgãos do Governo do Distrito Federal encontra-se no endereço: http://www.df.gov.br/001/00101001.asp?ttCD_CHAVE=53&btOperacao. 13 Fonte dos dados: http://www.df.gov.br/001/00101001.asp?ttCD_CHAVE=53&btOperacao=. 82 Sobradinho, em 13/05/60; Gama, em 12/10/60; Guará, em 21/04/69 e Ceilândia, em 27/03/71, cujo nome deriva da sigla CEI (Campanha de Erradicação de Invasões). É importante ressaltar também que os Territórios Federais, antes considerados como integrantes da União, foram transformados em Estados ou incorporados ao seu Estado de origem pelo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988. Assim, em 1990, os Territórios Federais de Roraima e do Amapá foram transformados em Estados Federados, mantidos seus atuais limites geográficos. O Território Federal de Fernando de Noronha foi extinto e sua área foi reincorporada ao Estado de Pernambuco, passando a ser distrito desse Estado desde 1988. Além disso, o Art. 13 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias desmembrou o Estado de Goiás em dois, mantendo ao sul um Estado com o mesmo nome, e ao norte o novo Estado de Tocantins, que passou a integrar a Região Norte do Brasil. A União, os Estados e o Distrito Federal legislam concorrentemente sobre: Direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; orçamento; juntas comerciais; custas dos serviços forenses; produção e consumo; florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; responsabilidade por dano ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; educação, cultura, ensino e desporto; criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas; procedimentos em matéria processual; previdência social, proteção e defesa da saúde; assistência jurídica e defensoria pública; proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência; proteção à infância e à juventude; organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis. Ainda, no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limita-se ao estabelecimento de normas gerais, o que não exclui a competência suplementar dos Estados. Também, se inexistirem leis federais sobre normas gerais, os Estados, então, exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. A superveniência da lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. 83 Finalmente, são competências comuns da União, dos Estados, do Distrito Federal e, também, dos Municípios: zelar pela guarda da Constituição, das leis e instituições democráticas; zelar pelo patrimônio público; cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; proteger o patrimônio histórico, artístico e cultural, nas suas diferentes expressões; proporcionar acesso à cultura, à educação e à cidadania; proteger o meio-ambiente e combater a poluição; combater a pobreza e a marginalização, promovendo a integração social; registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios; estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito. Com relação a estes pontos, leis complementares podem fixar normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, objetivando o equilíbrio do desenvolvimento e do bemestar em âmbito nacional. 3.1.2 Estrutura funcional do Estado Brasileiro: os três Poderes Este item objetiva responder as seguintes questões: em que esfera da estrutura político-administrativa os conflitos podem ser resolvidos? Como está organizado o poder horizontalmente (por funções) em cada nível de governo (“quem manda em que”)? Como funciona o sistema de poderes (a “engrenagem”) da administração pública brasileira? A República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático e de Direito, e, dessa forma, em sua estrutura, o exercício do Poder é atribuído a três sistemas de órgãos distintos e independentes, cada qual com uma função, prevendo-se ainda um sistema de controle entre eles, de modo que nenhum possa agir em desacordo com as leis e a Constituição. São poderes da União, independentes e harmônicos entre si: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Como atribuição típica, o Poder Legislativo elabora leis; o Poder Executivo administra, ou seja, realiza os fins do Estado, adotando concretamente as políticas para este fim; e o Poder Judiciário soluciona conflitos entre cidadãos, entidades e o Estado. 84 O Poder Legislativo Federal é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, representando a população e as unidades da Federação, respectivamente. A Câmara dos Deputados é composta por representantes do povo, eleitos, em cada Estado (e Território, se existir) e no Distrito Federal, pelo sistema proporcional. O número total de Deputados é estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população. Consta da Constituição de 1988 que, para os Estados e o Distrito Federal, o número deve estar entre o mínimo de 8 e o máximo de 70 Deputados Federais. Os Estados e o Distrito Federal são representados por três Senadores eleitos segundo o princípio majoritário, ou seja, o maior número de votos. No Senado Federal, o mandato parlamentar é de oito anos, mas a representação é renovada, alternadamente, de quatro em quatro anos. A união das duas Casas resulta na base do Congresso Nacional, tendo o presidente do Senado à frente da mesa diretora. Cada ano de atividade parlamentar é chamado de sessão legislativa, com reuniões de 15 de fevereiro a 30 de junho e de 1º de agosto a 15 de dezembro. Cabe ao Congresso Nacional dispor sobre todas as matérias de competência da União, com a sanção do Presidente da República. No entanto, há competências exclusivas do Congresso que independem da sanção presidencial, descritas no Título IV, Cap. I, Seção II, Art. 49 da Constituição Federal. Também independem da sanção presidencial as atribuições privativas da Câmara e do Senado, descritas nos artigos 51 e 52 da mesma seção. São competências privativas da Câmara dos Deputados, entre outras, eleger os membros do Conselho da República e autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado. São competências privativas do Senado Federal a aprovação prévia, por voto secreto, de magistrados; Ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo Presidente da República; chefes de missão diplomática de caráter permanente; governador de Território; presidente e diretores do Banco Central; e procurador-geral da República. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades de Administração Pública direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de 85 controle interno de cada Poder. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, que tem sede no Distrito Federal, integrado por 9 Ministros, tendo quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional. O Poder Legislativo Estadual é exercido pelas Assembléias Legislativas, em 26 Estados, e pela Câmara Legislativa, no Distrito Federal. Os representantes são eleitos para mandatos de quatro anos, sendo permitida a reeleição. Nessas Casas, se produzem leis e são apreciadas anualmente a prestação de contas dos Governadores para avaliar o cumprimento das metas previstas no Plano Plurianual e a execução dos programas e orçamentos. A avaliação é feita com base em parecer técnico prévio emitido pelos Tribunais de Contas Estaduais, que auxiliam o trabalho Legislativo. O Poder Legislativo nos Municípios é exercido pela Câmara Municipal, que também fiscaliza os atos do Poder Executivo, inclusive os das empresas administradas indiretamente pelas Prefeituras. Anualmente, seus integrantes analisam a prestação de contas dos prefeitos, auxiliados (quando existirem) pelo respectivo Tribunal de Contas do Município (que somente ocorre nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro). A Câmara Municipal é integrada por Vereadores, eleitos dentre os cidadãos maiores de 18 anos e no exercício dos direitos políticos. Suas decisões são públicas e as sessões, salvo casos excepcionais, abertas. Os Vereadores tratam de matérias de interesse local e se pronunciam, entre outros temas, sobre orçamento anual; abertura e operações de crédito; dívida pública municipal; e planos e programas municipais de desenvolvimento, especialmente em relação a definições dos seus planos diretores. A Câmara pode, também, exercer a função julgadora, quando julga os próprios Vereadores, o Prefeito e o Vice-Prefeito, por infrações político-administrativas. É importante ressaltar que o Tribunal de Contas da União (TCU), assim como os dos Estados (TCEs) e de Municípios (TCMs), não integra a estrutura do Poder Judiciário. Os Tribunais de Contas são órgãos auxiliares e de orientação do Poder Legislativo e sua função é auxiliá-lo no exercício da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos órgãos e entes da União, dos Estados e dos Municípios (nos casos existentes). Existem, ao todo, 34 Tribunais de Contas no Brasil, assim distribuídos: o Tribunal de Contas da União, o Tribunal de Contas do 86 Distrito Federal, 26 Tribunais de Contas dos Estados, 4 Tribunais de Contas dos Municípios (Bahia, Ceará, Goiás e Pará), e 2 Tribunais de Contas Municipais – Rio de Janeiro e São Paulo – (BERGUE, 2007a). Como órgão auxiliar do Congresso Nacional, no controle externo, o TCU aprecia as contas anuais do Presidente da República e julga as contas dos administradores e responsáveis por bens e valores públicos. Analisa, também, a legalidade dos atos de admissão de pessoal e de concessões de aposentadorias, reformas e pensões civis e militares. Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para denunciar irregularidades aos TCs, em quaisquer das instâncias (Federal, Estadual e Municipal). O Poder Executivo Federal adota as diretrizes das opções políticas mais amplas do Estado, definidas a partir de eleições realizadas em cada período para a escolha de uma plataforma política eleita democraticamente. Com função administrativa, o poder executivo federal atua direta ou indiretamente na execução de programas e na prestação de serviços públicos de abrangência nacional. É formado por órgãos da Administração direta, como os Ministérios; e indireta, como as empresas públicas. Como atribuição atípica, o Executivo exerce o controle do Judiciário, nomeando os Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e dos demais Tribunais Superiores; o controle do Legislativo, via participação na elaboração das leis e por meio de sanção ou veto aos projetos; e, também, da escolha dos Ministros do Tribunal de Contas da União (TCU). O chefe máximo do Poder Executivo Federal é o Presidente da República, que, também, é o chefe de Estado e de Governo (tendo em vista o regime político do país ser presidencialista), além de exercer o comando supremo das Forças Armadas. A eleição do Presidente da República e de seu Vice realiza-se simultaneamente à eleição dos Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e nos mesmos termos, para um mandato de quatro anos. Algumas das competências privativas do Presidente, constantes do Título IV, Cap.II, Seção II, Art. 84 da Constituição Federal, são: nomear e exonerar Ministros de Estado; exercer, com auxílio dos Ministros, a direção superior da Administração Federal; iniciar o processo legislativo, na forma prevista pela Constituição; sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, além de expedir decretos para sua fiel execução; 87 vetar projetos de lei, total ou parcialmente; dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Federal, na forma da lei; manter relações com Estados estrangeiros; decretar o estado de defesa e o estado de sítio; decretar e executar a intervenção federal. As atribuições dos Ministros de Estado constam do Título IV, Cap.II, Seção IV, Art. 87 da Constituição Federal. Também figuram o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional como órgãos de consulta do Presidente da República; o primeiro, como órgão superior de consulta; o segundo, como órgão de consulta nos assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa do Estado Democrático. A composição destes Conselhos e suas atribuições estão no Título IV, Cap.II, Seção V, Subseções I e II, Arts. 89, 90 e 91. O Poder Executivo Estadual é exercido pelo Governador e integra, de forma indissolúvel, a República Federativa do Brasil. Tem por princípios e objetivos: o respeito à unidade da Federação, às Constituições Federal e Estadual, à inviolabilidade dos direitos e garantias fundamentais, entre outros. Por isso, o Estado exerce em seu território toda a competência que não lhe seja vedada pela Constituição Federal. A organização político-administrativa compreende os Municípios, regidos por leis orgânicas próprias. O Poder Executivo Municipal tem atribuições políticas e administrativas que se consolidam em atos de governo e se expressam no desenvolvimento das atividades, obras e serviços municipais, sendo o Prefeito o chefe do Executivo municipal. O Poder Judiciário é constituído pelos Tribunais Federais (Superiores) e Estaduais. São órgãos do Poder Judiciário: o Supremo Tribunal Federal (STF); o Conselho Nacional da Magistratura; o Superior Tribunal de Justiça (STJ); os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais (TRFs); os Tribunais (Superior - TST e Regionais - TRTs) e Juízes do Trabalho; os Tribunais (Superior - TSE e Regionais - TREs) e Juízes Eleitorais; os Tribunais (Superior e os demais que forem instituídos) e Juízes Militares; e os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. O Supremo Tribunal Federal (STF), criado no período do Império, com nome de Casa da Suplicação do Brasil, é considerado o guardião da Constituição. Por isso, julga, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última 88 instância, quando a decisão contrariar dispositivo constitucional, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal e julgar válida lei ou ato de governo contestado perante a Constituição. Ao STF compete processar e julgar, originariamente, as causas e os conflitos entre a União, entidades da administração indireta, os Estados e o Distrito Federal. Também se posiciona sobre pedidos de extradição solicitados por Estado estrangeiro e ADINs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) de lei ou ato normativo federal ou estadual e ADECONs (Ações Declaratórias de Constitucionalidade) de lei ou ato normativo federal. O STF é composto por onze ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 anos e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. A sede do Tribunal fica na Capital Federal, com jurisdição em todo território nacional. Junto ao STF, funciona o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao qual compete controlar a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, dentre outras atribuições conferidas pelo Estatuto da Magistratura: zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, zelar pela observância do art. 37 no âmbito do Poder Judiciário, receber e conhecer reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, representar ao Ministério Público no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade, rever os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais recentes, e elaborar relatórios estatísticos de atividades do Poder Judiciário. O Conselho Nacional da Magistratura, com sede em Brasília e jurisdição em todo o território nacional, compõe-se de sete Ministros do STF, por este escolhidos, mediante votação nominal para um período de dois anos, inadmitida a recusa do encargo. Cabe ao Conselho Nacional da Magistratura conhecer de reclamações contra membros de Tribunais, podendo avocar processos disciplinares contra Juízes de primeira instância e, em qualquer caso, determinar a disponibilidade ou a aposentadoria de uns e outros, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi criado pela Constituição de 1988 (e instalado no dia 07/04/1989), para ser um órgão de convergência da Justiça comum, 89 apreciando causas oriundas de todo território nacional. É a corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil, seguindo a garantia e defesa do Estado de direito e os princípios constitucionais. Tem a seu mister inúmeras competências, como o julgamento de governadores, desembargadores e ministros de Estado, conflitos de competência entre juízes, tribunais e autoridades administrativas, recursos especiais, agravos de instrumento, recursos ordinários em mandados de segurança e hábeas corpus, julgamento de causas internacionais e outros. É a última instância da Justiça brasileira para as causas infraconstitucionais que não se relacionam diretamente à Constituição. Compõe-se de, no mínimo, 33 ministros, escolhidos entre brasileiros com mais de 35 anos e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, originários de todas as classes de profissionais do Direito ligados à administração da Justiça (oriundos dos Tribunais de Justiça, Tribunais Federais, Ministério Público e Advocacia, contemplando, assim, todos os ramos dos operadores do Direito). Funciona, junto ao STJ, o Conselho da Justiça Federal, destinado a exercer a supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, com atuação em todo o território nacional. É integrado pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça, pelo Vice-Presidente e mais três ministros eleitos, também do Tribunal, dos quais o mais antigo é o Coordenador-Geral da Justiça Federal, e pelos presidentes dos Tribunais Regionais Federais. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acompanha a aplicação da legislação eleitoral, tarefa também dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), juízes e Juntas eleitorais. O TSE, cuja sede fica na capital federal, tem atribuições para expedir todas as instruções necessárias à execução da lei que regulamenta o processo eleitoral. São normas destinadas a assegurar a organização e o exercício de direitos políticos como os de votar e ser votado. O TSE é composto por, no mínimo, sete membros. Cinco deles são escolhidos mediante eleição, pelo voto secreto, sendo três juízes dentre os ministros do Supremo Tribunal Federal; dois juízes dentre os ministros do Superior Tribunal de Justiça. Dois membros, juízes de notável saber jurídico e idoneidade moral, são nomeados pelo 90 Presidente da República. De acordo com a Constituição Federal, na capital de cada Estado funciona um Tribunal Regional Eleitoral. A legislação trabalhista e a Justiça do Trabalho surgiram no Brasil como resultado do processo de luta e de reivindicações operárias que se desenrolavam no exterior e no País. A Justiça do Trabalho foi prevista pela Constituição de 1934. Entretanto, foi a Constituição de 1946 que a transformou em órgão do Poder Judiciário, e a de 1988 estabeleceu que em cada unidade da Federação haveria “pelo menos um” Tribunal Regional do Trabalho (TRT). Atualmente, estão em funcionamento 24 TRTs. À Justiça do Trabalho compete tudo o que se relacionar a conflitos entre trabalhadores e empregadores, no plano individual e coletivo, resultante da relação de emprego. No entanto, os serviços públicos não são da competência da Justiça do Trabalho. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem sede em Brasília e jurisdição em todo o território nacional, sendo sua principal função uniformizar a jurisprudência trabalhista. Compõe-se de 17 ministros, togados e vitalícios, nomeados pelo Presidente da República. O (TST) julga recursos de revista, recursos ordinários e agravos de instrumento contra decisões de TRTs e dissídios coletivos de categorias organizadas em nível nacional, além de mandados de segurança, embargos opostos a suas decisões e ações rescisórias. O Superior Tribunal Militar (STM) é a mais antiga corte superior do País. Foi criado em 1808, pelo Príncipe-Regente D. João, com a denominação de Conselho Supremo Militar e de Justiça. Desde sua fundação, à Justiça Militar da União cabe funções judiciais e administrativas, embora o Poder Judiciário lhe tenha sido, efetivamente, atribuído pela Constituição de 1934. A Justiça Militar da União é especializada em processar e julgar os crimes previstos em lei que envolvam militares da Marinha, Exército e Aeronáutica. Na composição do STM, estão 15 ministros vitalícios, nomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal. São três ministros escolhidos dentre oficiais-generais da Marinha, quatro dentre oficiais-generais do Exército, três dentre oficiais-generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da carreira. Outros cinco ministros são civis, também 91 nomeados pelo Presidente da República e escolhidos dentre brasileiros maiores de 35 anos. Destes cinco, três são escolhidos dentre advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional. Outros dois são escolhidos dentre juízes-auditores e membros do Ministério Público da Justiça Militar. A Constituição Federal de 1988 reorganizou a estrutura do Poder Judiciário, visando à descentralização e conseqüente agilização do processo legal. Extinto o Tribunal Federal de Recursos, em seu lugar foram criados cinco Tribunais Regionais Federais (TRF), com sede nas cinco regiões político-administrativas do País: Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Recife. Dentre as matérias de interesse coletivo que tramitam nesta Corte, destacam-se as de natureza previdenciária e tributária. Os TRF são compostos de, no mínimo, sete juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região e nomeados pelo presidente da República dentre brasileiros com mais de 30 anos e menos de 65 anos de idade. Um quinto dos juízes escolhidos está dentre advogados com mais de 10 anos de efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público Federal com mais de 10 anos de carreira. Os demais, mediante promoção de juízes federais com mais de cinco anos de exercício, por antiguidade e merecimento, alternadamente. Compete aos TRF processar e julgar, originariamente, os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e dos membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. Ainda em relação ao sistema de Poderes do Estado Brasileiro, pode-se destacar o Ministério Público (MP), que não constitui um 4o Poder da República, mas atua de forma paralela aos demais poderes, como instituição permanente e de grande relevância social, sendo essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais que estejam indisponíveis, zelando pelo cumprimento da lei. Atua também em defesa do patrimônio nacional, público, social e cultural, do meio ambiente, dos direitos e interesses da coletividade, especialmente das comunidades indígenas, da família, da criança, do adolescente e do idoso. Exerce ainda controle externo da atividade policial. 92 Está dividido em Ministério Público da União (MPU) e os Ministérios Públicos dos Estados (MPEs). O MPU compreende o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Trabalho (MPT), o Ministério Público Militar (MPM) e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Ao MPU é assegurada autonomia funcional, administrativa e financeira. O Ministério tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de 35 anos de idade, após a aprovação pelo Senado, para mandato de dois anos, sendo permitida a recondução. Além de representação na União, nos Estados, no Distrito Federal e Territórios (se existirem), atua, também, nas áreas Militar e do Trabalho. O Ministério Público, entretanto, é um órgão vinculado ao Poder Executivo, embora em situação peculiar, devido à sua independência em relação a este e aos demais Poderes do Estado. Além do Ministério Público, o Poder Executivo ainda tem dois outros órgãos que desempenham suas funções perante o Judiciário: a Advocacia Pública e a Defensoria Pública. A Advocacia-Geral da União (AGU) é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispõe sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. Já a Defensoria Pública constitui uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, tendo na figura do advogado um personagem indispensável à administração da justiça, sendo este inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. O Ministério Público Federal (MPF) é fruto do desenvolvimento do Estado brasileiro e da democracia, atuando com autonomia funcional e administrativa. Compete ao MPF zelar pelo efetivo cumprimento dos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia. Seus integrantes atuam junto à Justiça Federal e o chefe do MPF é o Procurador-Geral da República. Nos Estados, os membros do MPF trabalham nas Procuradorias da República. 93 O MPF exerce as suas funções nas causas de competência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e dos Juízes Federais, e dos Tribunais e Juízes Eleitorais e nas causas de competência de quaisquer juízes e tribunais, para defesa de direitos e interesses dos índios e das populações indígenas, do meio ambiente, de bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e paisagístico, integrantes do patrimônio nacional. Além disso, o MPF será parte legítima para interpor recurso extraordinário das decisões da Justiça dos Estados nas representações de inconstitucionalidade. O Ministério Público do Trabalho (MPT) atua junto à Justiça do Trabalho. Os integrantes do MPT intervêm nas leis trabalhistas, fiscalizando a relação capital-trabalho e agem para regularizar situações ilegais que envolvem interesses coletivos e difusos (trabalho infantil, trabalho escravo, trabalho de incapazes, trabalho de índios). Também são atribuições do MPT propor ações necessárias à defesa dos direitos e interesses dos menores, incapazes e índios, decorrentes das relações de trabalho; coordenar interesses como mediador; se manifestar em qualquer fase do processo trabalhista; e propor ações cabíveis para declaração de nulidade de cláusula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores. O Ministério Público Militar (MPM) atua junto aos órgãos da Justiça Militar. Foi criado em 1920, com o Código de Organização Judiciária e Processo Militar. O chefe do MPM é o Procurador-Geral da Justiça Militar. A carreira do MPM é constituída pelos cargos de Promotor da Justiça Militar, Procurador da Justiça Militar e Subprocurador-Geral da Justiça Militar, cujos ofícios são as Procuradorias da Justiça Militar, nos Estados e no Distrito Federal; e a ProcuradoriaGeral da Justiça Militar, em Brasília. Os Ministérios Públicos Estaduais (MPEs) defendem a ordem jurídica, os interesses sociais e individuais indisponíveis e o próprio regime democrático. A instituição tem como chefe o Procurador-Geral de Justiça nos Estados e goza dos mesmos direitos e garantias atribuídos na Constituição aos magistrados. O chefe é nomeado pelo Governador do Estado dentre integrantes da carreira, indicados em lista 94 tríplice, mediante eleição para mandato de dois anos, permitida uma recondução por igual período, na forma de lei complementar. A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público dispõe sobre normas gerais para organização nos Estados, adotando como princípios institucionais a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. Cabe ao Poder Legislativo, mediante controle externo e pelo sistema de controle interno, a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Ministério Público, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de dotações e recursos próprios e renúncia de receitas. A Procuradoria-Geral de Justiça é o órgão de administração do Ministério Público Estadual, sendo que a administração Superior é formada também pelos Órgãos Colegiados (Colégio de Procuradores de Justiça e Conselho Superior do Ministério Público) e pela Corregedoria-Geral do Ministério Público. Enquanto Instituição, o Ministério Público tem autonomia orçamentária, administrativa e funcional, gerindo os recursos que lhe são destinados pelo orçamento, dirigindo suas Procuradorias e Promotorias e atuando, na atividade de execução, com independência funcional, sem qualquer subordinação, exceto à Constituição e legislação vigentes. No plano funcional, o Ministério Público é integrado por membros, servidores e estagiários, sendo que, dentre os primeiros estão os Procuradores e Promotores de Justiça e os demais constituem os serviços auxiliares. A carreira dos membros do Ministério Público é composta por Promotores e Procuradores de Justiça, que atuam nas funções de execução, em atividades judiciais (perante o Poder Judiciário) e extrajudiciais, nas áreas criminal, cível e especializadas (cidadania, meio ambiente, cível e defesa do patrimônio público, infância e juventude, consumidor, ordem urbanística). 3.2 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL ATÉ 1994 Neste item serão discutidas as seguintes questões: Como evoluiu o modelo de administração pública do Brasil, desde a época imperial, até o período da 95 redemocratização e da promulgação da nova Constituição? Que pressões ocorreram e continuam ocorrendo, internas e externas? Dentro de uma perspectiva histórica, a administração pública brasileira evoluiu através de três modelos básicos: o patrimonialista, o burocrático e o gerencial. Mais recentemente, caminha-se para um novo modelo, ainda não claramente delineado (administração pública societal ou sistêmica). Os três estágios históricos de administração pública se sucedem no tempo, sem que, contudo, qualquer um destes paradigmas tenha sido completamente abandonado. A disposição para “reformar administrativamente” o Estado brasileiro é antiga, estando presente desde a década de 30 do século passado, mas assumindo maior relevância em meados da década de 90, via institucionalização da Lei da Reforma do Estado Brasileiro, com a finalidade de atualizar a administração pública brasileira para os novos tempos. No modelo mais antigo, da administração pública patrimonialista, vivido pelo Brasil especialmente até o ano de 1889, o Aparelho do Estado funciona como uma extensão do poder do soberano, e os seus auxiliares (servidores) possuem status de nobreza real. Caracteriza-se pela indefinição entre o que é público e privado, entre o político e o administrador público (como cargo profissional). Conseqüentemente, a corrupção e o nepotismo são inerentes a esse tipo de administração. A administração pública burocrática traz, em seu cerne, as idéias de profissionalização, de carreira, de hierarquia funcional, impessoalidade e formalismo, caracterizando assim um poder racional-legal. Parte-se de uma desconfiança prévia nos administradores públicos e nos cidadãos que a eles dirigem demandas. Por este motivo, são sempre necessários controles rígidos dos processos. Em contrapartida, surgem disfunções; o controle – a garantia do poder do Estado – transforma-se na própria razão de ser do funcionário. Em conseqüência, o Estado corre o risco de voltar-se para si mesmo, perdendo a noção de sua missão básica, que é servir à sociedade. A qualidade fundamental da administração pública burocrática é a efetividade no controle dos abusos; seu defeito, por outro lado, está na ineficiência, na auto-referência, na incapacidade de voltar-se para o serviço aos seus cidadãos. Esse defeito, entretanto, não se revelou determinante na época do surgimento da administração pública burocrática, porque os serviços do Estado eram menores. Nesse 96 modelo de administração pública, o Estado concentra esforços para manter a ordem e administrar a justiça, e garantir os contratos e a propriedade. No Brasil, o modelo de administração burocrática emerge principalmente a partir dos anos 30, como contraponto ao conservador, mas fragmentado poder das oligarquias rurais exportadoras. Surge no quadro da aceleração da industrialização brasileira, em que o Estado assume um papel central mais decisivo, intervindo maciçamente no setor produtivo de bens e serviços. A partir da reforma empreendida no governo Vargas por Maurício Nabuco e Luiz Simões Lopes, a Administração Pública sofre um processo de racionalização que se traduziu no surgimento das primeiras carreiras burocráticas e na tentativa de adoção do concurso como forma de acesso ao serviço público. A implantação da administração pública burocrática é uma conseqüência clara da emergência de um capitalismo moderno no país. Com vistas à modernização da Administração Pública, é criado, em 1936, o Departamento Administrativo do Serviço Público – DASP, abrindo, assim, uma nova e clara distinção entre administração e política. Neste estágio, ainda, a Administração Pública sofre a influência da Teoria da Administração Científica de Taylor, buscando o ideal da racionalização via aplicação dos princípios da simplificação, padronização e aquisição racional de materiais, revisão de estruturas e aplicação de métodos na definição de procedimentos. Tendo em vista as inadequações do modelo burocrático, a administração pública burocrática que vigorava desde a década de 30 sofreu sucessivas tentativas de reforma. Não obstante, as experiências se caracterizaram, em alguns casos, pela ênfase na extinção e criação de órgãos, e, em outros, pela constituição de estruturas paralelas visando a alterar a rigidez burocrática. Assim, no Governo JK, foi feita uma tentativa de reforma administrativa com a criação da Comissão de Estudos e Projetos Administrativos, objetivando a realização de estudos para simplificação dos processos administrativos e reformas ministeriais; bem como a Comissão de Simplificação Burocrática, que visava à elaboração de projetos direcionados para reformas globais e descentralização de serviços. A reforma operada em 1967 pelo Decreto-Lei nº 200, entretanto, constitui um marco na tentativa de superação da rigidez burocrática, podendo ser considerada como 97 um primeiro momento da administração gerencial no Brasil. Mediante o referido decreto-lei, realizou-se a transferência de atividades para autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, a fim de obter-se maior dinamismo operacional por meio da descentralização funcional. Instituíram-se, como princípios de racionalidade administrativa, o planejamento e o orçamento, o descongestionamento das chefias executivas superiores (visando a desconcentrar e descentralizar, a tentativa de reunir competência e informação no processo decisório, a sistematização, a coordenação e o controle. O paradigma gerencial da época, compatível com o monopólio estatal na área produtiva de bens e serviços, orientou a expansão da Administração indireta, numa tentativa de "flexibilizar a administração" com o objetivo de atribuir maior operacionalidade às atividades econômicas do Estado. Entretanto, as reformas operadas pelo Decreto-Lei nº 200/67 não desencadearam mudanças no âmbito da Administração burocrática central, permitindo a coexistência de núcleos de eficiência e competência na Administração indireta e formas arcaicas e ineficientes no plano da Administração direta ou central. O núcleo burocrático foi, na verdade, enfraquecido indevidamente através de uma estratégia do regime militar, que não desenvolveu carreiras de administradores públicos de alto nível, preferindo, ao invés, contratar os escalões superiores da Administração direta através de empresas estatais. Em meados dos anos 70, uma nova iniciativa modernizadora da Administração pública teve início com a criação da SEMOR - Secretaria da Modernização. Reuniu-se em torno dela um grupo de jovens administradores públicos, muitos deles com formação em nível de pós-graduação no exterior, que buscou implantar novas técnicas de gestão, e particularmente de administração de recursos humanos, na Administração pública federal. Já no início dos anos 80, registrou-se uma nova tentativa de reformar a burocracia e orientá-la na direção da Administração pública gerencial, com a criação do Ministério da Desburocratização e do Programa Nacional de Desburocratização - PrND, cujos objetivos eram a revitalização e a agilização das organizações do Estado, a descentralização da autoridade, a melhoria e simplificação dos processos 98 administrativos e a promoção da eficiência. As ações do PrND voltaram-se inicialmente para o combate à burocratização dos procedimentos. Posteriormente, foram dirigidas para o desenvolvimento do Programa Nacional de Desestatização, num esforço para conter os excessos da expansão da Administração descentralizada, estimulada pelo Decreto-Lei nº 200/67. O período da transição democrática (1985-1990) caracterizou-se por um afrouxamento dos esforços de modernização administrativa no setor público, em função de vários fatores, principalmente pela falta de apoio político para esse objetivo, bem como pela implementação do Plano Cruzado, e ainda pela espera por definições mais claras por parte da nova Constituição (de 1988), que estava sendo engendrada pela Assembléia Nacional Constituinte, instalada em 1986. Um fato importante ocorrido em 1986 foi a criação da Fundação Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), com o objetivo de formar, aperfeiçoar e profissionalizar o servidor público de nível superior, visando à modernização do setor público. A nova Constituição de 1988 visou a racionalizar o ingresso e a fixação de servidores no serviço público. Todavia, acabou promovendo um surpreendente engessamento do aparelho estatal, ao estender para os serviços do Estado e para as próprias empresas estatais praticamente as mesmas regras burocráticas rígidas adotadas no núcleo estratégico do Estado. A nova Constituição determinou a perda da autonomia do Poder Executivo para tratar da estruturação dos órgãos públicos, instituiu a obrigatoriedade de regime jurídico único para os servidores civis da União, dos Estados-membros e dos Municípios, e retirou da Administração indireta a sua flexibilidade operacional, ao atribuir às fundações e autarquias públicas normas de funcionamento idênticas às que regem a Administração direta. O período imediatamente seguinte, do governo Collor (1990-1992), passa a priorizar o ajuste fiscal, via incentivos à liberação comercial e a privatização. Assim, promoveu uma reforma administrativa do Aparelho do Estado com o intuito de resgatar a eficiência e a dignidade do serviço público, bem como de adequar as estruturas da máquina estatal às funções típicas da administração pública, resultando daí a demissão e aposentadoria de expressivo número de servidores. 99 O curto governo de Itamar Franco (1992-1994) preocupou-se essencialmente com a estabilização da economia, via Plano Real, conduzido pelo ministro Fernando Henrique Cardoso, que foi eleito para presidir o governo seguinte. No novo contexto, a administração pública gerencial surge como resposta ao modelo anterior de administração pública, diante dos novos desafios impostos pela expansão das funções econômicas e sociais do Estado e pelo aumento do desenvolvimento tecnológico e pela globalização da economia mundial. A diferença fundamental do novo modelo de administração pública está na forma de controle, que deixa de basear-se nos processos para concentrar-se nos resultados. Outrossim, são definidas metas para cada órgão, outorga-se maior autonomia na gestão de recursos, e passa-se a instituir, a posteriori, o controle de resultados alcançados. São valorizados, também, aspectos de transparência e participação dos cidadãos. A eficiência da Administração Pública – a necessidade de reduzir custos e aumentar a qualidade dos serviços, tendo o cidadão como beneficiário – torna-se, então, primordial. A Reforma do Aparelho do Estado passa a ser orientada predominantemente pelos valores da eficiência e qualidade na prestação de serviços públicos e pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações. 3.3 A REFORMA DO ESTADO BRASILEIRO Este item procura responder a questões como: Que mudanças de governo fundamentais foram instituídas com a Reforma do Estado Brasileiro? Que mudanças fundamentais no modelo de administração pública foram arquitetadas e continuam sendo aprofundadas? Que pressões ocorrem e são “colocadas nas mesas de negociações”? A Reforma do Estado, implementada a partir de 1995, deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento. No plano econômico, o Estado é, essencialmente, um instrumento de transferências de renda. Para realizar essa função redistribuidora ou realocadora, o 100 Estado coleta impostos e os destina aos objetivos clássicos de garantia da ordem interna e da segurança externa, aos objetivos sociais de maior justiça ou igualdade e aos objetivos econômicos de estabilização e desenvolvimento. Para realizar esses dois últimos objetivos, que se tornaram centrais neste século, o Estado tendeu a assumir funções diretas de execução. As distorções e ineficiências que daí resultaram deixaram claro que reformar o Estado significa transferir para o segundo setor (privado) e terceiro setor (social) as atividades passíveis de serem realizadas pelos mesmos. Assim, de um lado, o Estado repassa à iniciativa privada o que esta pode executar sob o controle do Estado. De outro, também descentraliza para o setor público nãoestatal a execução de serviços que não envolvem o exercício do poder de Estado, mas que devem ser subsidiados pelo Estado, como é o caso dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica. Este processo é a chamada “publicização”. A Reforma do Aparelho do Estado surge num contexto de tecnologização e globalização do mundo, em que são atribuídas crescentes competências ao poder público, que por isso precisa buscar condições para tanto, bem como obter efetividade no processo, via busca de novas soluções, medidas inovadoras, bem como novos colaboradores e parceiros. Objetivando maior eficiência e qualidade nos serviços prestados aos cidadãos, o cenário da Reforma empreendida no Brasil prevê diferentes estratégias e formas de descentralização dos serviços públicos: via instituição de mecanismos de privatização, visando a reduzir o tamanho do aparelhamento administrativo do Estado, bem como a dinamizar e flexibilizar sua atuação; a quebra de monopólios, para tornar competitivas as atividades exercidas com exclusividade pelo poder público; o recurso a autorizações, permissões e concessões de serviços públicos, delegando-se estes serviços ao Terceiro Setor e à iniciativa privada; o estabelecimento de parcerias com entidades públicas ou privadas para a gestão associada de serviços públicos, ou serviços de utilidade pública, por meio de convênios, consórcios e contratos de gestão; a terceirização como forma de se buscar o suporte de entidades privadas ao desempenho de atividades-meios da administração pública. Vários modelos de atuação, inspirados no contexto americano ou anglo-saxônico, podem ser considerados inadequados, uma vez que não têm a devida sustentação 101 constitucional e legal. Como exemplo de inadequação, pode ser mencionado o caso dos contratos de gestão, utilizados desde 1991, mas que somente em anos mais recentes estão previstos por Emenda Constitucional (19/98, art. 37, § 8º). 3.3.1 Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado No Direito brasileiro, são considerados normalmente três tipos de atividades a cargo do Estado: os serviços administrativos, necessários para o Estado alcançar seus fins; os serviços comerciais e industriais, prestados como serviços públicos (de forma direta ou via concessão/permissão, cf. art. 75 da Constituição) ou como atividade econômica (própria da iniciativa privada, cf. arts. 177 e 173 da Constituição); e os serviços sociais do Estado, que atendem a necessidades coletivas em áreas em que a atuação do Estado é essencial, mas que convivem com a iniciativa privada, como ocorre nas áreas da saúde, educação, previdência, cultura, meio-ambiente e outras. Entretanto, no Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, implementado durante o primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995 – 1999), sob a coordenação do então Ministro da Administração Federal e da Reforma do Estado Luiz Carlos Bresser Pereira14, figuram quatro setores de atuação: (a) núcleo estratégico, que corresponde aos órgãos de governo, em sentido lato, que definem as leis e as políticas públicas, e que cobram seu cumprimento; compreende os poderes Legislativo, Judiciário, Ministério Público e, no Poder Executivo: o presidente da República, os Ministros e seus auxiliares e assessores, diretamente responsáveis pelo planejamento e pela formulação das políticas públicas; (b) atividades exclusivas, que correspondem aos setores que prestam serviços que somente o Estado pode prestar, englobando os poderes de regulação, fiscalização e fomento; dentre tais, podem ser mencionados os serviços de cobrança e fiscalização dos impostos, de polícia, de previdência social básica, de combate ao desemprego, de fiscalização do cumprimento de normas sanitárias, de trânsito, de compra de serviços de saúde pelo Estado, de controle do meio-ambiente, de subsídio à educação básica, de emissão de passaportes; (c) serviços não-exclusivos, que correspondem ao setor onde o Estado 14 Para mais detalhes sobre a Reforma de 1995 acessar: http://www.bresserpereira.org.br/RGP.asp. 102 atua simultaneamente com outras organizações privadas ou públicas não estatais; abrangem os serviços sociais do Estado, como os serviços das Universidades federais, hospitais federais, centros de pesquisa federais, museus federais; (d) produção de bens e serviços para o mercado, que corresponde à área de atuação das empresas, abrangendo atividades econômicas voltadas para o lucro. No primeiro setor, a efetividade das decisões é mais importante que a eficiência, podendo ocorrer um misto de administração burocrática com gerencial. Nos demais setores, a eficiência é mais importante, devendo prevalecer a administração pública gerencial. Na Figura 1 sintetizam-se as formas de propriedade: estatal, pública-não estatal e privada e as formas de administração: burocrática e gerencial. Figura 1 – Matriz: atividades estatais X formas de propriedade e administração Fonte: Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado – MARE, 1995. Para a consecução desses fins, o Plano Diretor colocou, como objetivos globais da Reforma Administrativa, os seguintes: aumentar a governança do Estado, ou seja, sua capacidade administrativa de governar com efetividade e eficiência, voltando a ação dos serviços do Estado para o atendimento dos cidadãos; limitar a ação do 103 Estado às funções que lhe são próprias, reservando, a princípio, os serviços nãoexclusivos para a propriedade pública não-estatal, e a produção de bens e serviços para o mercado/iniciativa privada; transferir da União para os Estados e municípios as ações de caráter local: somente em casos de emergência cabe a ação direta da União; transferir parcialmente da União para os Estados as ações de caráter regional, de forma a permitir uma maior parceria entre os Estados e a União. Na fixação desses objetivos globais, nota-se uma preocupação com a eficiência e com a aplicação do princípio da subsidiariedade (distribuição de competências), no sentido vertical (da União para os Estados e municípios) e no sentido horizontal (do poder público para a iniciativa privada e entidades públicas não-estatais). Em função disso, novas normas jurídicas alteraram o agir estatal e disciplinaram novas formas de interação entre o setor público estatal, o setor privado e o terceiro setor (Figura 2). Figura 2 - Normas legais disciplinando novas formas de relação público-privado Lei Objeto Lei 8.987, de 13.02.1995 Concessão e permissão de serviço público Lei 9.637, de 15.05.1998 Contrato de gestão com organizações sociais Lei 9.649, de 27.05.1998 Contrato de gestão com agências executivas Lei 9.790, de 23.03.1999 Lei 10.973, de 02.12.2004 Termo de parceria com organizações da sociedade civil de interesse público – OSCIPs Termo de cooperação para a inovação tecnológica Lei 11.079, de 30.12.2004 Parcerias Público-Privadas Lei 11.107, de 06.04.2005 Contratação de consórcios públicos Lei 11.284, de 02.03.2006 Gestão de florestas públicas Fonte: Elaborada por Luis Alberto Guadagnin. A legislação acima é de caráter geral, podendo os Estados e municípios legislarem de forma complementar, conforme competências específicas que possuem. A Figura 3 sintetiza o significado dos termos-chave com que se denominam os institutos disciplinados pelas normas legais acima referidas, regulamentadoras de novas formas de parceria público-público e público-privado. 104 Figura 3 - Novas formas de parceria do Setor Público brasileiro Fonte: Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado – MARE, 1995. O Plano Diretor também definiu objetivos específicos para os quatro setores de atuação do governo: (a) para o núcleo estratégico: modernização da Administração, especialmente mediante política de profissionalização do serviço público (de carreiras, de concursos públicos, de programas de educação 105 continuada, de administração salarial) e introdução de uma cultura gerencial baseada na avaliação de desempenho; (b) para o setor de atividades exclusivas: aumentar a participação popular na fixação de políticas públicas, viabilizando seu controle social; instituição do controle de resultados; transformação das autarquias e fundações que possuem poder de Estado em agências autônomas, administradas por contratos de gestão; (c) para o setor de serviços não-exclusivos: instituir um programa de publicização, transformando as atuais fundações públicas em organizações sociais (entidades públicas não-estatais) que, mediante contratos de gestão, podem receber dotações orçamentárias; (d) para o setor de produção para o mercado: continuar o programa de privatização, reorganizar e fortalecer os órgãos de regulação dos monopólios naturais privados, e implantar contratos de gestão com as empresas que não puderem ser privatizadas. Com a reeleição de FHC, em 1999, o governo passou a direcionar seu foco para a pobreza e para o atingimento das metas internacionais de desenvolvimento, reafirmando o Plano Real como estratégia para a estabilidade econômica. Outrossim, o novo governo propõe, como novidade, a estruturação das atividades de administração pública federal em 380 programas, com o objetivo de assegurar transparência e responsabilização gerencial. Desta forma, perde força o apelo da “Reforma do Estado” frente ao novo desenho da administração pública, calcado na gestão de programas, flexionando desta forma, de maneira mais intensa, os esforços de dentro da administração pública para o atendimento concreto e comum dos cidadãos. Com relação ao governo Lula (mandatos 2003-2006 e 2007-2010), Fadul e Silva (2008) consideram que as iniciativas atuais de reforma propostas nesse governo seguem as políticas e ações empreendidas na reforma de 1995, sendo desdobramentos e dando continuidade as reformas iniciadas no governo passado. As reformas propostas pelo governo Lula agregam um conjunto de ações voltadas para um Estado promotor da inclusão social, as quais envolvem três categorias que 106 guardam semelhanças com a reforma dos anos 90, na qual foram implantadas reformas estruturais (Reforma do Estado e do seu aparelho) e reformas administrativas (da administração pública), sendo essas últimas voltadas para a retomada da performance e da qualidade dos serviços públicos. A primeira categoria envolve uma reforma do modelo de gestão pública, através de ações como a integração de programas governamentais e avaliação do desempenho administrativo. A segunda categoria se preocupa com a melhoria da performance dos serviços públicos através da inovação gerencial, tal como na reforma anterior. A última categoria abrange reformas na estruturação do executivo federal, tais como realização de concursos públicos, valorização do servidor, qualidade de vida no trabalho, novas concepções institucionais, integração entre planejamento e orçamento, accountability, questões similares ao gerencialismo, como na reforma passada (FADUL; SOUZA, 2005). Nesse contexto, os projetos da Reforma do Estado de 95 continuam sendo enfatizados no governo Lula, mas com uma maior ênfase a programas sociais, em que o governo federal busca acentuar seu papel de planejador, tendo como intermediadores os Estados, e realizadores locais os municípios. De fato, pode-se observar que os objetivos de reforma gerencial não foram atingidos com a Reforma de 1995, mas serviu (especialmente como prática discursiva) para institucionalizar uma série de mudanças nos governos de todos os níveis e esferas. Como heranças principais, podem ser elencadas: a) a introdução da noção de “agencificação” na administração pública, pela qual se atribui ao gestor público maior autonomia, junto com uma maior autoridade e correspondente responsabilidade administrativa; b) a intensificação da descentralização administrativa, via diferentes arranjos administrativos; c) a introdução de mecanismos de regulação, especialmente via implementação de agências reguladoras dos serviços públicos; d) da introdução de múltiplos atores que de forma direta ou indireta participam em diferentes fases do processo de políticas públicas, ampliando-se assim o leque 107 de grupos de interesse e pressão, como também as dificuldades de conciliação desses variados e diferentes interesses. Nesse novo contexto, o papel do Estado está sendo crescentemente demandado. Não pode mais ser visto como um empecilho ou problema, mas como uma solução para problemas advenientes do próprio mercado. Por isso, precisa sim ampliar e profissionalizar sua esfera de atuação, como indutor, articulador, catalisador e orquestrador principal do desenvolvimento, com a forte participação da sociedade e das suas estruturas de governo, sem clientelismo, mas com transparência e responsabilidades consensuadas e compartilhadas. 3.4 NOVOS CAMINHOS DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Que novos papéis estão sendo atribuídos ao Estado? Que caminhos recentes de administração pública são sinalizados? Que pressões ocorrem em relação a um novo modelo de gestão pública contemporânea? Mais recentemente, começa a se consolidar uma nova perspectiva de administração pública, que Paes de Paula (2003, 2005) nomeia de “vertente alternativa” ou de “vertente societal”, sendo baseada em uma nova relação Estado-sociedade, em que há um maior envolvimento da população na definição da agenda política, e, conseqüentemente, um maior controle social sobre as ações estatais e a legitimação da sociedade como participante do processo de formulação e implementação de políticas públicas (FLEURY, 2001; PAES DE PAULA, 2003). Esse modelo contrapõe-se à gestão estratégica tradicional na medida em que tenta substituir a gestão tecnoburocrática e monológica (de um ator único) por um gerenciamento mais participativo, dialógico, no qual o processo decisório é exercido por meio de diferentes sujeitos ou atores sociais (de atores compostos, sem a presunção da existência de um pensamento único). Nesse conceito, a gestão é entendida como sendo uma ação político-deliberativa, na qual o indivíduo participa decidindo seu destino como cidadão, eleitor, trabalhador, ou consumidor; sua autodeterminação se dá pela lógica da democracia e não pela lógica do mercado. 108 Assim, emerge uma concepção de democracia que transcende à instrumentalidade e tenta abranger a dimensão sociopolítica da gestão pública15. Seu êxito depende da criação de condições sociais e de arranjos institucionais que estimulem o diálogo livre e aberto entre cidadãos, capazes de formular juízos informados e racionais em torno das formas de resolver problemas. A emergência de novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) pode contribuir fortemente para potencializar a participação dos cidadãos na sociedade. Dentre experiências participativas, podem ser citadas: os fóruns temáticos, conselhos gestores de políticas públicas, conselhos de órgãos e de administrações públicas, planejamento via orçamento participativo, e outras formas mais. Tais experiências se diferenciam de outras, uma vez que colocam em questão a tradicional prerrogativa do executivo em monopolizar a formulação e o controle das políticas públicas. Oportunizam, assim, novos meios de interlocução e negociação entre as estruturas de administração pública e a sociedade. 3.5 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA Nesta seção, focaliza-se a forma como a administração pública é exercida: via direta ou indireta. Ou seja: quem realiza e como realiza a administração pública? Como cada órgão está inserido no sistema de governo (ou no Aparelho do Estado)? Pertencendo mais ou menos ao centro do sistema de governo, que implicações isso acarreta em termos de responsabilidade e de poder de governo (e de negociações)? Assim, cabe caracterizar, brevemente, os órgãos da Administração Pública, se são de Administração direta ou de Administração indireta, bem como mencionar e caracterizar as entidades paraestatais. 15 Três dimensões são consideradas fundamentais para a construção de uma gestão pública democrática: (a) econômico-financeira, envolvendo questões de natureza fiscal, tributária e monetária; (b) institucional-administrativa, envolvendo aspectos de organização da estrutura, assim como aspectos de planejamento, direção e controle; (c) sociopolítica, envolvendo as relações do Estado com a sociedade, especialmente os direitos dos cidadãos e sua participação na gestão pública. 109 A Administração direta é a área da Administração Pública cuja atuação é diretamente vinculada ao Estado, das suas 3 esferas ou poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), e dos 3 níveis de governo (Federal, Estadual ou Municipal). Pertencem a essa categoria, no plano federal, a Presidência da República, os Ministérios, o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal, Supremo Tribunal de Justiça; e todos os órgãos a eles vinculados diretamente. No plano estadual, por exemplo, estão o Governo Estadual e as Secretarias de Estado; bem como os Tribunais de Justiça, as Assembléias Legislativas; e os órgãos vinculados a eles. No plano municipal, o Governo Municipal e a Câmara Municipal, as Secretarias Municipais, e todos os órgãos vinculados. Já a Administração indireta compreende serviços instituídos para limitar a expansão da Administração direta ou aperfeiçoar sua ação executiva no desempenho de atividades de interesse público, de cunho econômico ou social. No âmbito federal, a Administração indireta abrange as entidades que, vinculadas a um Ministério, prestam serviços públicos ou de interesse público; no âmbito estadual e municipal, abrange as entidades vinculadas a uma Secretaria. Os órgãos da Administração indireta, todavia, são autônomos financeira e administrativamente (Arts. 46, II, e § 1º, e 5º, I a III, do Decreto-Lei 200/67 e 29 da Lei 8.490/92). Pertencem a essa categoria instituições como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e a Petrobrás. A Administração indireta é integrada por pessoas jurídicas de Direito público ou privado, criadas ou instituídas a partir de lei específica: autarquias (Direito público), agências, fundações (Direito público), empresas públicas e suas subsidiárias (Direito privado) e sociedades de economia mista (também Direito privado). Podem ser também consideradas, como parte da Administração indireta, as entidades concessionárias e permissionárias de serviços públicos (Ver Decreto-Lei 200/67, Art.56). Bem como os Serviços Sociais Autônomos. As pessoas jurídicas instituídas pela vontade do Poder Público, e por este motivo integrantes da Administração indireta, possuem características diferenciadas com relação às pessoas jurídicas criadas por particulares: as entidades da Administração indireta só podem ser criadas através de lei (Constituição Federal, Art.37, XIX); não se extinguem por vontade própria, mas apenas por força de lei; sujeitam-se sempre a 110 controle interno pela própria entidade (da Administração direta) a que se vinculam e estão também sob controle externo exercido pelo Legislativo, com apoio do Tribunal de Contas, e pelo Judiciário, além da fiscalização desempenhada pelo Ministério Público; permanecem restritas à finalidade para a qual foram instituídas. Por fim, os Serviços Sociais Autônomos, são instituídos por lei, com personalidade de Direito privado, para prestar assistência ou ministrar ensino a determinadas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, sendo mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais. São também chamados “entes de cooperação” ou “Sistema S”, tendo-se como exemplos o SESI (Serviço Social da Indústria), o SENAI (Serviço Nacional da Indústria), o SESC (Serviço Social do Comércio) e o SENAC (Serviço Nacional do Comércio). Destacam-se na Figura 4 os atributos dos diferentes entes que integram a Administração Pública. 111 Figura 4 - Entidades que integram a Administração Pública Fonte: www.professoramorim.com.br/amorim/dados/anexos/253_3.doc 3.6 A GESTÃO COOPERADA (CONSÓRCIOS, CONVÊNIOS E SUBVENÇÕES) E O ARRANJO FEDERADO: VANTAGENS E DESVANTAGENS 112 Como podem os diferentes governos atuarem de forma mais cooperada e sinérgica? Que arranjos podem constituir e construir entre si? Quais são as implicações destas novas configurações de governo, de poder e de negociações? Dentre os instrumentos contemporâneos de atuação do Estado em parceria com outros entes de governo e com o setor privado, desenvolvidos diante da necessidade de obter maior eficiência na prestação dos serviços públicos, bem como em razão da ausência de recursos do Estado para cumprir as crescentes competências atribuídas aos poder público pela Constituição Federal de 1988, destacam-se os convênios e os consórcios16. Os convênios são instrumentos de relacionamento do poder público com outras entidades públicas, de natureza diversa, ou com entidades privadas, visando a consecução de objetivos de interesse comum (DI PIETRO, 2007). Este instrumento tem em comum com os consórcios o fato de constituírem um acordo de vontades17. As subvenções são transferências destinadas à manutenção de outras entidades de direito público ou privado. São uma forma de remuneração de serviços prestados à entidade governamental, concedidas especialmente às entidades sem fins lucrativos por meio de convênio ou lei (REIS, 2008). Podem ser consideradas como uma modalidade de fomento para tornar possível o convênio entre o setor público e uma entidade privada, consistindo em uma espécie de incentivo à iniciativa privada de interesse público. Dessa forma, o Estado incentiva a entidade privada que quer desempenhar determinada atividade (comercial, industrial, financeira, social), ao invés de fazer ele mesmo ou através de suas empresas. Por exemplo, a prestação de serviços de saúde pode ser realizada pelo Estado ou por particular. Se prestada pelo particular, o Estado pode fomentá-lo via subvenções, formalizadas mediante convênio (SASSO, 2002). Os consórcios são estruturas organizacionais decorrentes da cooperação entre entes públicos de mesmo status institucional (como, por exemplo, entre Estados ou 16 Outros instrumentos de cooperação no âmbito da Administração Pública estão detalhados em SASSO, 2002. 17 Ver em particular o caput do art. 116 da Lei Federal nº 8.666/93, que refere aplicar-se aos convênios, no que couber os dispositivos ali instituídos. 113 entre municípios) com vistas a atingir objetivos comuns18. Nesse particular, a Constituição da República, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/1998, em seu artigo 241, assim dispõe: A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos. No que tange à personalidade dos consórcios públicos, permanecem algumas controvérsias19. De fato, os consórcios, como acordos de vontade que são, não são constituídos como pessoas jurídicas. São constituídas, sim, como sociedades civis, com o propósito de gerenciá-los (Figura 5). Nesse aspecto concordam ilustres doutrinadores do direito administrativo20. Conforme dispõe o texto constitucional, a lei autorizadora da criação do consórcio público disciplinará a forma e condições de transferência de recursos governamentais com vistas a que o consórcio cumpra seu mister, entre esses, os recursos humanos. 18 Consórcios diferem de convênios fundamentalmente pelo fato destes poderem ser firmados entre entidades públicas de naturezas diversas; e ambos, convênios e consórcios diferem de contratos pelo fato deste envolver interesses antagônicos. Ver também http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=457. 19 Para aprofundamento da discussão acerca da diferenciação entre essas figuras jurídicas, ver DI PIETRO, 1999. 20 Cita-se Hely Lopes Meirelles, Maria Sylvia Z. Di Pietro e Diógenes Gasparini. 114 Figura 5 - Modelo Estrutural de Consórcios Públicos Fonte: Bergue, 2007b. Como vantagens das parcerias na esfera administrativa, podem ser citadas as seguintes: (...) surge como um importante mecanismo de desenvolvimento sócioeconômico, que permite ao Estado oferecer melhores serviços aos cidadãos, mediante delegações ou fomento aos particulares. (SASSO, 2002, p. 2) (...) a parceria serve ao objetivo de diminuição do tamanho do aparelho do Estado, na medida em que delega ao setor privado algumas atividades que hoje são desempenhadas pela Administração, com conseqüente extinção ou diminuição de órgãos públicos e entidades da administração indireta, e diminuição do quadro de servidores; serve também ao objetivo de fomento à iniciativa privada, quando seja deficiente, de modo a ajudá-la no desempenho de atividades de interesse público, e serve ao objetivo de eficiência, porque introduz, ao lado da forma tradicional, de atuação da Administração Pública burocrática, outros procedimentos que, pelo menos teoricamente (segundo os idealizadores da Reforma), seriam mais adequados a esse fim de eficiência. (DI PIETRO, 1999, p. 32) 3.7 FINANÇAS PÚBLICAS DO BRASIL Esta seção visa a esclarecer a forma de financiamento e de gastos dos governos, dos diferentes níveis e esferas. Pretende-se dar condições para que cada um possa 115 responder a questões como: que receitas e despesas cada governo tem? Como são definidas as receitas e os gastos? Que limites existem? Qual o espaço possível de negociação? As ações de qualquer administração pública são concretizadas via gestão de recursos financeiros. As finanças públicas espelham, na prática, as políticas públicas. Pelas receitas e pelas despesas, podemos reconhecer as políticas de financiamento do Estado, bem como as políticas de alocação das receitas, em diferentes funções de despesas. De forma sintética, as receitas definem quem paga as despesas dos governos; e as despesas definem o que é pago (quais despesas) e para quem. As finanças públicas têm como objeto a atividade financeira do Estado que se define como a atividade de obter receita pública, despender, gerir (orçamento público) e criar (crédito). A política fiscal é uma das atividades do Estado, que pode realizar outras políticas, como a monetária (regulando a oferta de moeda), a cambial (definindo as regras de conversão da moeda nacional em moedas estrangeiras), e a de rendas (entre as quais a política relativa ao salário mínimo, por exemplo). Para a análise das finanças públicas é necessário conhecer a forma de apresentação das contas, destacando as de maior significado. A seguir serão apresentadas sinteticamente as contas de receitas e de despesas. As receitas e despesas podem ser classificadas de diversas formas. No caso das receitas, os orçamentos brasileiros consagraram dois critérios: (a) categorias econômicas; (b) fontes. No caso das despesas, o número é um pouco maior: São elas: (a) categorias econômicas; (b) por elementos; (c) funcional; (d) institucional; (e) por natureza. Como a Lei 4320/64 foi editada num contexto de associação do planejamento ao orçamento, em que se coloca como questão básica o papel do Estado na economia e se indaga a respeito da expansão dos bens de capital, via gastos, a categoria econômica é o critério utilizado para classificar tanto as despesas como as receitas (Figura 6). A Figura 7 (simplificada) apresenta o conjunto de contas previsto pela Lei nº 4.320/1964, com as alterações posteriores especialmente assinaladas. 116 Figura 6 - Classificação legal das receitas e despesas por categorias econômicas Fonte: Elaborada por Eugênio Lagemann, com base na Lei 4.320/1964. Pelo lado das despesas, a despesa pública é o conjunto de dispêndios do Estado, ou de outra pessoa de direito público, para o funcionamento dos serviços públicos. Como as despesas são classificadas de formas diversas, apresentamos, resumidamente, as seguintes associações de cada uma das classificações: (a) Classificação da Despesa por Natureza (Econômica) – responde à indagação “O Que” será adquirido e “Qual” o efeito econômico da realização da despesa; (b) Classificação Funcional - responde à indagação “Em que área” de ação governamental a despesa será realizada. Ou “que papel o governo está cumprindo”? 117 Figura 7 - Categorias econômicas da Receita Fonte: Elaborada por Eugênio Lagemann, com base na Lei 4.320/1964. A Figura 8 mostra a forma de apresentação das despesas a partir do exercício financeiro de 2002, em que se segue o critério de classificação segundo a natureza da despesa, conforme determina a Portaria Interministerial nº 163/2001, seguindo filosofia presente na LC 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal). Conforme pode ser visto, uma “natureza da despesa” agrega despesas com a mesma característica quanto ao objeto de gasto. O grupo “modalidades de aplicação (transferências ou diretas)” é uma informação gerencial que complementa a natureza da despesa, com a finalidade de indicar se os recursos são aplicados pelo próprio ente da Federação ou por outro. Nas 118 modalidades de aplicação, se contrapõem as transferências às aplicações diretas (= no âmbito da mesma esfera de governo)21. Os “elementos de despesa” (Figura 8), em número próximo de 100, estão listados na Portaria Interministerial nº 163/200122. Atualmente, portanto, as demonstrações da despesa seguem a Figura 8, relativa à classificação pela natureza. Na forma atual de registro das despesas, continua em primeiro plano a classificação por categoria econômica. Figura 8 - Classificação das despesas quanto a sua natureza Fonte: Elaborada por Eugênio Lagemann, com base na Portaria Interministerial nº 163/2001. Outra forma importante de demonstração das despesas baseia-se na classificação dos gastos segundo a função (Figura 9). A classificação funcional-programática das despesas tem a finalidade de mostrar as realizações do governo por áreas de atuação. Ela é o fruto da associação do planejamento com o orçamento. Antes, o orçamento tinha apenas o objetivo de controle das contas públicas. Agora, interessam também os efeitos econômicos e sociais do gasto público. A apresentação das despesas por 21 Como exemplos de modalidades de aplicação podem ser citados (a lista completa pode ser consultada no Anexo da portaria supracitada): 20 Transferências à União; 30 Transferências a Estados e ao Distrito Federal; 40 Transferências a Municípios; 50 Transferências a entidades; privadas sem fins lucrativos; 60 Transferências a entidades privadas com fins lucrativos; 70 Transferências a instituições multigovernamentais nacionais; 80 Transferências ao exterior; 90 Aplicações diretas; 99 A definir. 22 Alguns exemplos, com sua respectiva numeração (a lista completa no Anexo da portaria supracitada), podem ser citados: 01 Aposentadorias e reformas; 03 Pensões; 09 Salário-família; 14 Diárias – civil; 15 Diárias – militar; 30 Material de consumo; 51 Obras e instalações; 91 Sentenças judiciais; 99 A classificar. 119 “elementos” (Figura 8) ou por “funções” permite ler e identificar de forma mais clara e transparente como um governo realiza seus gastos (ou onde aloca seus recursos), que por sua vez gera melhores condições para que outros poderes, órgãos, instituições, interessados e a própria sociedade possam discutir melhor as políticas e opções de governo efetivamente planejadas e praticadas. Figura 9 - Listagem das funções e subfunções Fonte: Elaborada por Eugênio Lagemann, com base na Portaria nº 42, de 14 de abril de 1999 do Ministério do Orçamento e Gestão. Conceitos definidos na Portaria nº 42, de 14 de abril de 1999 do Ministério do Orçamento e Gestão: (a) Função: é o maior nível de agregação das diversas áreas de despesa que competem ao setor publico; (b) Subfunção: representa uma partição da função, visando a agregar determinado subconjunto de despesa do setor público. Na Portaria nº 42, de 14 de abril de 1999, com aplicação para a União, os Estados e o Distrito Federal no exercício financeiro de 2000 e com aplicação para os Municípios a partir do exercício financeiro de 2002, são definidas 28 funções, significando, basicamente, um desdobramento das funções atuais. Listamos algumas delas na Figura 923. As funções indicam os “produtos” oferecidos pelo setor público, sejam eles novos ou de manutenção dos serviços públicos. Os encargos especiais se referem a gastos sem produto direto, sendo eles transferências a entes de governo (transferências intergovernamentais) ou a pessoas ou entidades (caso do pagamento do serviço da dívida, constituído por juros e amortizações). 23 A lista completa consta do Anexo da portaria supracitada. 120 Com relação à estrutura financeira e tributária24 da União, nas duas últimas décadas, conforme se observa na Figura 10, a receita tributária deixou de ser a principal fonte de receita da União. Seu lugar foi ocupado pela receita de contribuições (sociais e econômicas). Desde o início da década de 1980 se observa um movimento ascendente das receitas de contribuições em comparação à receita tributária. Nesse momento tratava-se de reforçar as receitas da União. Com a Constituição de 1988, em que as receitas tributárias passaram a ser partilhadas com maior intensidade com os Estados e Municípios, a União se voltou à criação da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF) e ampliação (elevação da alíquota de 2% para 3%) da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), que não eram partilhadas com os outros níveis de governo. Esse movimento tem um ponto de inflexão com a criação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico para os combustíveis – CIDE, que passou a ter a participação dos estados e municípios (29% no total da receita). Figura 10 - Receita tributária e receita de contribuições – 1980 a 2005 Fonte: 24 Elaborada por Eugênio Lagemann, http://www.stn.fazenda.gov.br. com base em dados brutos acessados em: Usaremos os dados até o ano de 2005. Sugere-se que, como exercício, os valores mais atualizados sejam pesquisados no site da Secretaria do Tesouro Nacional assinalado abaixo das figuras a seguir. 121 Na Figura 11 fica claro que, individualmente, a União tem no Imposto sobre a Renda, composto pelo Imposto sobre a Renda Pessoa Física (IRRF) e o Imposto sobre a Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), sua principal fonte de receita. Em segundo lugar está a Contribuição Previdenciária (INSS). A seguir a COFINS. A CPMF, extinta a partir de 2008, estava ultrapassando o IPI, cujo desempenho tem sido decrescente nos últimos 15 anos. Já ocupa um lugar de destaque o PIS/PASEP, ainda mais depois da recente alteração de tributo em cascata para tributo sobre valor adicionado do PIS (em 2004). Ainda a registrar que no Brasil registra-se o FGTS, cujos valores também são significativos, como uma receita tributária e de contribuição, portanto integra a carga tributária, normalmente divulgada na imprensa. Figura 11 - Participação das principais arrecadações no conjunto das receitas tributárias e de contribuições da União – 1999 a 2005 Principais receitas da União 100% 80% Demais CPMF 60% FGTS Cofins 40% CPrev 20% IR 0% 1.999 2000 2.001 2002 2.003 2004 2.005 Fonte: Elaborada por Eugênio Lagemann, com base em dados brutos acessados em: http://www.stn.fazenda.gov.br. Nas despesas, a União tem se envolvido nas últimas décadas primordialmente na gestão da dívida do Estado brasileiro, principalmente depois da assunção, em 1998, das dívidas estaduais e municipais. Assim, os “encargos especiais” demandam praticamente metade dos recursos federais. Num quadro que destacasse o papel exercido pela União na economia brasileira, se incluídos os valores relativos aos “encargos especiais”, ficariam as demais funções sem grande destaque. Por essa razão 122 a Figura 12 omite esses gastos e mantém a indagação a respeito do papel exercido pelo governo federal. Nesse caso, observa-se que a União direciona seus esforços fundamentalmente para previdência e a assistência. Em segundo lugar está a saúde. Depois vêm a educação e a defesa nacional, essa de responsabilidade exclusiva da União. O envolvimento da União na correção dos efeitos do desemprego no mercado de trabalho vem crescendo. Há que se registrar, finalmente que o estímulo à agricultura, embora com pequeno peso na administração pública federal, é papel primordialmente atribuído à União, rubrica em que estados e municípios participam com um volume bem menor de recursos. Figura 12 - Despesas da União por funções, excluídas às relativas aos “encargos especiais” – 1999 a 2005 Fonte: Elaborada por Eugênio Lagemann, http://www.stn.fazenda.gov.br. com base em dados brutos acessados em: A Figura 13 mostra o comportamento dos principais grupos de despesa da União no período de 1980 a 2005. O comportamento dos investimentos é de participação decrescente, caindo abaixo de 2% em 2005, quando em 1982 respondia por 16% da despesa total. O pessoal e os encargos sociais sempre se mantiveram como a principal despesa, o que é de se esperar numa atividade pública, preponderantemente dedicada à prestação de serviços, cuja realização depende de mão-de-obra. O que sinaliza para 123 o desequilíbrio das contas públicas é o comportamento da conta de juros e encargos da dívida, cujos valores se aproximam cada vez mais, depois do “choque de Collor” em 1991, aos valores despendidos com pessoal. Quanto à estrutura da receita dos estados brasileiros, a Figura 14 indica que eles se financiam basicamente com receitas correntes (RC) e, dentro delas, ocupam a primazia as receitas tributárias. O ICMS, por sua vez, é a principal receita tributária. Mas as transferências provenientes do governo federal também são importantes e constituem para vários estados (notadamente do Norte e Nordeste) a principal fonte de receita. Observe-se que as operações de crédito (Op) são de reduzido valor, o que se explica pelo cerceamento dessas operações desde a Emenda Constitucional nº 3, de 1993, que limitou o endividamento mediante lançamento de títulos, e recentemente mediante os limites para o endividamento renovados pelas resoluções do Senado, reforçados pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Figura 13 - Participação na despesa total da União de despesas com pessoal e encargos sociais, juros e encargos e investimentos – 1980 a 2005 Fonte: Elaborada por Eugênio Lagemann, http://www.stn.fazenda.gov.br. com base em dados brutos acessados em: 124 Figura 14 - Estrutura da receita dos estados brasileiros – 2005 Fonte: Elaborada por Eugênio Lagemann, com base em dados brutos acessados em: http://www.stn.fazenda.gov.br. Conforme fica evidenciado na Figura 15, os estados brasileiros direcionam preponderantemente suas despesas para os “encargos especiais” em que se incluem as transferências do ICMS e IPVA e outras para os municípios e o serviço da dívida composto de juros e amortizações. Em termos de prestação de serviços, sua principal função é a educação, com destaque para o ensino médio, dividindo com os municípios a educação fundamental e com o governo federal o ensino superior. Em segundo lugar está a prestação de serviços de saúde. No campo previdenciário, a ação dos estados se resume às pensões e aposentadorias de seus servidores. Cabe registrar que os estados se responsabilizam pelos serviços de segurança interna e contribuem na prestação de serviços judiciários, também prestados pela União. 125 Figura 15 - Estrutura da despesa por funções dos estados brasileiros - 2005 Fonte: Elaborada por Eugênio Lagemann, com base em dados brutos acessados em: http://www.stn.fazenda.gov.br. Como ente tipicamente prestador de serviços justifica-se o predomínio de despesas de pessoal na estrutura de gastos dos estados da Figura 16. Seus investimentos, entretanto, situam-se abaixo da soma de juros e amortização, sinalizando uma situação preocupante no que concerne ao equilíbrio das finanças e, principalmente, da ação dos governos estaduais sobre a infra-estrutura econômica e, conseqüentemente, sobre o desenvolvimento da economia. Como se trata de uma média infere-se que alguns estados estão em melhores e outros em piores condições. Já, a estrutura da receita dos municípios brasileiros, conforme a Figura 17 indica a supremacia das receitas correntes e, dentro delas, das transferências, sejam federais e estaduais. A sua receita tributária também ocupa um papel de destaque, sendo que as contribuições (principalmente as de natureza social, voltadas a financiar os planos de previdência de seus servidores) começam a crescer de importância. 126 Figura 16 - Estrutura da despesa por grupos de natureza dos Estados brasileiros – 2005 Fonte: Elaborada por Eugênio Lagemann, com base em dados brutos acessados em: http://www.stn.fazenda.gov.br. Figura 17 - Estrutura da receita dos municípios do Brasil – 2005 Fonte: Elaborada por Eugênio Lagemann, com base em dados brutos acessados em: http://www.stn.fazenda.gov.br. Sobre as despesas por funções dos municípios brasileiros, os “encargos especiais” apresentam menor peso, conforme pode ser observado na Figura 18, por não existirem transferências intergovernamentais, limitando-se os mesmos basicamente 127 ao serviço da dívida. A função primordial dos municípios é a prestação de serviços em educação, principalmente o ensino fundamental, e a saúde, compartilhada com os estados e a União. Uma atividade característica dos municípios constitui a despesa com urbanismo, função quase exclusiva desse nível de governo. Realizam despesas com previdência, na medida em que vários municípios estão decidindo por criar organismos de previdência própria para seus servidores, ao invés de contribuírem para o sistema geral de previdência gerido pela União. Não se registram despesas com o poder judiciário pelo fato de este não operar ao nível municipal. Figura 18 - Estrutura da despesa por funções dos municípios brasileiros– 2005 Fonte: Elaborada por Eugênio Lagemann, com base em dados brutos acessados em: http://www.stn.fazenda.gov.br. Sob a ótica da despesa por grupos de natureza, conforme a Figura 19, assim como na União e nos estados, as despesas com pessoal ocupam nos municípios brasileiros o primeiro lugar, seguidas pelas “outras despesas correntes”. Visto pelo seu agregado, os investimentos ainda superam o serviço da dívida constituído pelas despesas de juros e amortizações, o que evidencia que nesse nível de governo as contas públicas tendem a estarem mais equilibradas, embora também existam casos 128 com dificuldades financeiras. A aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal, sem dúvida, tem sido um freio para gestores municipais propensos a gerarem déficits. No Brasil, a implantação da Lei de Responsabilidade Fiscal, LRF (ou Lei Complementar nº. 101, de maio de 200025), instituiu uma série de normas de finanças públicas, voltadas a aumentar a responsabilidade na gestão fiscal de todos os governos e seus órgãos. A LRF fixa limites para despesas com pessoal e em relação à dívida pública, bem como metas para controlar receitas e despesas. Estabelece que nenhum governante pode criar uma nova despesa continuada (por mais de dois anos) sem indicar sua fonte de receita ou sem reduzir outras despesas já existentes. Também define mecanismos adicionais de controle das finanças públicas em anos de eleição. Assim, por ser instituída como Lei Federal, possui um expressivo poder de disciplina, de imposição de padrões de gestão pública, e também de limitação da liberdade de discussão e negociação entre os diferentes órgãos de governo, e mesmo com a sociedade civil. Ao mesmo tempo que constitui uma garantia de funcionamento, também impõe freios e engessamentos nas negociações de interesses. 25 A íntegra da LRF pode ser encontrada no endereço: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/lcp101.htm. Outras dicas a respeito da lei podem ser encontradas em endereços como: http://74.125.47.132/search?q=cache:VAq_AL849aoJ:www.cg.ufal.br/arquivos/dicas_lrf.htm+lrf+limites&c d=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. 129 Figura 19 - Estrutura da despesa por grupos de natureza dos municípios brasileiros – 2005 Fonte: Elaborada por Eugênio Lagemann, com base em dados brutos acessados em: http://www.stn.fazenda.gov.br. De acordo com a LRF, há limites de gastos com pessoal, em relação às receitas, para os 3 poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, assim distribuídos: Para a União (limite máximo: 50% da Receita Corrente Líquida): • 2,5% para o Poder Legislativo, incluindo o Tribunal de Contas; • 6% para o Judiciário; • 0,6% para o Ministério Público da União; • 3% para custeio de despesas do Distrito Federal e de ex-Territórios; • 37,9% para o Poder Executivo. Para os Estados (limite máximo: 60% da Receita Corrente Líquida): • 3% para o Poder Legislativo, incluindo o Tribunal de Contas; • 6% para o Poder Judiciário; • 2% para o Ministério Público; • 49% para as demais despesas de pessoal do Executivo. Para os Municípios (limite máximo: 60% da Receita Corrente Líquida): • 6% para o Legislativo, incluindo o Tribunal de Contas (quando existir); 130 • 54% para o Executivo. Se um governante verificar que ultrapassou os limites de despesa de pessoal, deverá tomar providências para se enquadrar, no prazo de oito meses. Se, depois disso, continuarem a existir excessos, ele sofrerá penalidades. No endereço eletrônico do Tesouro Nacional26, é possível encontrar um completo acervo de dados sobre as finanças públicas das diferentes esferas dos três níveis de governo do Brasil, especialmente em relação aos Haveres da União, à Dívida Pública, à Programação Financeira da União, à Contabilidade Governamental (da União), ao acompanhamento das Finanças de todos os Estados e Municípios do Brasil, ao SIAFI (Sistema de Administração Financeira), aos Projetos de Investimento Público, a estatísticas sobre diferentes dados das Finanças Públicas, à Legislação e ao CADIN (Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal). 3.8 OUTROS DADOS GERAIS DOS DIFERENTES NÍVEIS DE GOVERNO DO BRASIL Esta seção realiza uma rápida “viagem” por diferentes níveis de governo do Brasil, para conhecer e ilustrar um pouco melhor esse imenso, variado e rico país. A seção visa a responder a uma questão que pode ser apresentada assim: “de que país estamos falando”? As finanças de um governo (União, Estados e Municípios) refletem um de vários itens da situação do mesmo. A situação real de um governo depende de vários aspectos ao mesmo tempo. Para tanto, pode-se recorrer a diferentes dados e indicadores de dados, sendo bastante comuns dados como o PIB (Produto Interno Bruto), IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e outros. Como indicador principal da pujança ou expressão econômica de um território, tal como um país, um Estado, um município ou mesmo uma localidade, é utilizado o PIB (Produto Interno Bruto). O PIB indica o total, em reais/ano, dos bens e serviços produzidos num território, descontadas as despesas com os insumos utilizados no processo de produção durante 26 http://www.tesouro.fazenda.gov.br/. 131 o ano. É a medida do total do valor adicionado bruto gerado por todas as atividades econômicas. Além do PIB, anualmente é calculado, também, o PIB per capita (quantia em reais que cada habitante receberia caso o PIB fosse dividido igualmente entre toda a população, para o qual a fonte utilizada é o IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Alguns destes dados são sintetizados a seguir. Conforme a Figura 20, o maior PIB é o da Região Sudeste; o menor, o da Região Norte do Brasil. Com relação aos Estados (Figura 21), o maior PIB é o do Estado de São Paulo e o menor o do Estado de Roraima. A Figura 22 apresenta informações sobre a posição ocupada pelos 10 maiores municípios brasileiros em relação ao PIB a preços correntes e sua participação relativa e acumulada no PIB nacional (2006)27. Figura 20 - PIB a preços correntes, população e PIB per capita, segundo as grandes regiões do Brasil – 2006 Regiões PIB População PIB per capita (1.000 R$) (R$) Norte 120 013 924 15.022.060 7 989 Nordeste 311 174 975 51.609.027 6 029 Sudeste 1 345 509 830 79.561.095 16 912 Sul 386 736 960 27.308.863 14 162 Centro-oeste 206 360 858 13.269.517 15 552 Fonte: Elaborada por Luis Roque Klering e Melody Porsse, a partir de dados do IBGE, 2008a, 2008b. 27 Mais informações sobre a posição ocupada pelos 100 maiores municípios brasileiros em relação ao PIB a preços correntes e ao PIB per capita (2006) podem ser obtidas no seguinte endereço: http://www.ibge.gov.br. 132 Figura 21 - PIB a preços correntes, População e PIB per capita, segundo as Unidades da Federação – 2006 Unidades da Federação PIB População PIB per capita (R$ bilhões) (R$) Rondônia 13,1 1.562.417 8.391 Acre 4,8 686.652 7.041 Amazonas 39,1 3.311.026 11.829 Roraima 3,6 403.344 9.075 Pará 44,3 7.110.465 6.241 Amapá 5,2 615.715 8.543 Tocantins 9,6 1.332.441 7.210 Maranhão 28,6 6.184.538 4.628 Piauí 12,7 3.036.290 4.213 Ceará 46,3 8.217.085 5.636 Rio Grande do Norte 20,5 3.043.760 6.754 Paraíba 19,9 3.623.215 5.507 Pernambuco 55,5 8.502.603 6.528 Alagoas 15,7 3.050.652 5.164 Sergipe 15,1 2.000.738 7.560 Bahia 96,5 13.950.146 6.922 Minas Gerais 214,8 19.479.356 11.028 Espírito Santo 52,7 3.464.285 15.236 Rio de Janeiro 275,3 15.561.720 17.695 São Paulo 802,5 39.827.690 19.548 Paraná 136,6 10.387.378 13.158 Santa Catarina 93,1 5.958.266 15.638 Rio Grande do Sul 156,8 10.963.219 14.310 Mato Grosso do Sul 24,3 2.297.981 10.599 Mato Grosso 35,2 2.856.999 12.350 Goiás 57,0 5.730.753 9.962 Distrito Federal 89,6 2.383.784 37.600 Fonte: Elaborada por Luis Roque Klering e Melody Porsse, a partir de dados do IBGE, 2008a, 2008b. 133 Figura 22 - Posição ocupada pelos 10 maiores municípios em relação ao Produto Interno Bruto a preços correntes e participações percentuais relativa e acumulada no PIB nacional – 2006 Municípios e respectivas Unidades da Federação Posição ocupada pelos 10 maiores municípios Produto Interno Bruto a preços correntes (1 000 R$) Participação percentual (%) Relativa Acumulada São Paulo/SP 1º 282 852 338 11,94 11,94 Rio de Janeiro/RJ 2º 127 956 075 5,40 17,34 Brasília/DF 3º 89 630 109 3,78 21,12 Belo Horizonte/MG 4º 32 725 361 1,38 22,50 Curitiba/PR 5º 32 153 307 1,36 23,86 Manaus/AM 6º 31 916 257 1,35 25,20 Porto Alegre/RS 7º 30 116 002 1,27 26,47 Guarulhos/SP 8º 25 663 706 1,08 27,56 Barueri/SP 9º 25 483 663 1,08 28,63 Salvador/BA 10º 24 072 400 1,02 29,65 Fonte: Elaborada por Luis Roque Klering e Melody Porsse, a partir de dados do IBGE, 2008a, 2008b. Para avaliar um governo, como um Estado ou município, outros importantes indicadores podem ser considerados, contemplando outras perspectivas que não somente a econômica, como, por exemplo, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Nesse sentido, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), buscando chegar mais próximo de uma medida que retratasse o desenvolvimento social dos países28, tem empregado em seus estudos desde 1990 o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – calculado para mais de 170 países. Ele parte do pressuposto de que para aferir o avanço de uma população não se deve considerar apenas a dimensão econômica, mas também outras características sociais, culturais e políticas que influenciam a qualidade da vida humana. O objetivo da elaboração do IDH é oferecer um contraponto a outro indicador muito utilizado, o PIB per capita, que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento. Criado por Mahbub ul Haq, com a colaboração do economista indiano Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1998, o IDH pretende ser uma medida geral, sintética, do desenvolvimento humano. Mesmo assim, não abrange todos os aspectos de desenvolvimento e não é uma representação da "felicidade" das pessoas, nem indica "o melhor lugar no mundo para se viver". 28 Sobre a concepção moderna de desenvolvimento econômico e social acessar: http://portal.cnm.org.br/sites/5700/5770/Estudos/atlz_15_05/desenvolvimentohumano.pdf. 134 O IDH combina três componentes básicos do desenvolvimento humano: (1) a longevidade, que reflete as condições de saúde da população, sendo medida pela esperança de vida ao nascer; (2) a educação, mensurada através de uma combinação da taxa de alfabetização de adultos e da taxa combinada de matrícula nos níveis de ensino fundamental, médio e superior; (3) a renda, medida pelo poder de compra da população, através do PIB per capita ajustado ao custo de vida local para torná-lo comparável entre países e regiões. Essas três dimensões são transformadas em índices de longevidade, educação e renda, que variam entre 0 (pior) e 1 (melhor), os quais são combinados em um indicador síntese. Um indicador próximo de 1 indica um maior nível de desenvolvimento humano do país ou região. Um IDH maior que 0,8 representa um nível alto de desenvolvimento, um IDH entre 0,5 e 0,8 representa médio desenvolvimento e um IDH abaixo de 0,5 representa baixo desenvolvimento. Em 2005, o Brasil atingiu IDH de 0,802; e em 2006, de 0,807, o que mantém o país entre as nações de alto desenvolvimento humano29. Em relação aos seus municípios, o Brasil possui IDHs com grandes diferenças, desde municípios bastante desenvolvidos, até outros muito pouco desenvolvidos. Considerando os dados de 2000, os 10 melhores municípios segundo o IDH são listados na Figura 23. A Figura 24 apresenta os IDHs dos Estados brasileiros. 29 Para maiores informações acessar: http://www.pnud.org.br. 135 Figura 23 – Os 10 Melhores Municípios segundo 30 o IDH – PNUD/2000 Municípios IDH São Caetano do Sul (SP) 0.955 Niterói (RJ) 0.953 Águas de São Pedro (SP) 0.886 Florianópolis (SC) 0.875 Santos (SP) 0.871 Bento Gonçalves (RS) 0.870 Balneário Camboriú (SC) 0.867 Joaçaba (SC) 0.866 Porto Alegre (RS) 0.865 Fernando de Noronha (PE) 0.862 Fonte: Elaborada por Melody Porsse, a partir de dados acessados no site http://www.pnud.org.br. 30 A lista completa com os IDHs de todos os Municípios brasileiros (dados de 1991 e 2000) está disponível no endereço: http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/IDHM%2091%2000%20Ranking%20decrescente%20(pelos%20dados%20de%202000).htm. 136 Figura 24 – IDHs dos Estados Brasileiros Fonte: SEPLAN-GO/SEPIN/Gerência de Estatística Socioeconômica, 2005. Com respeito ao perfil dos municípios brasileiros, recentemente o IBGE divulgou em extenso relatório os resultados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais, realizada em 2005 junto às prefeituras dos 5.563 Municípios brasileiros, relativamente ao tema Gestão Pública. Os dados apresentados estão agregados por classes de tamanho da população dos Municípios, Grandes Regiões e Unidades da Federação, e abrangem os principais eixos temáticos da pesquisa, organizados em sete capítulos. No relatório encontram-se tabelas contendo dados relativos aos mais diferentes aspectos, como: pessoal ocupado na Administração direta, por vínculo empregatício e escolaridade; pessoal ocupado na Administração indireta, por vínculo empregatício e escolaridade; Municípios que implementaram a Gestão Orçamentária participativa; Municípios que utilizam instrumentos de política urbana previstos no Estatuto da Cidade, que possuem e estão revendo o Plano Diretor; Municípios com cadastro imobiliário, com cobrança de IPTU e Planta Genérica de Valores; e muitos outros. 137 O conjunto dessas informações reflete as diferentes realidades do País e possibilita identificar as carências existentes nos Municípios brasileiros, contribuindo, assim, para a democratização da Gestão Pública, através da formulação e do aprimoramento de políticas diferenciadas para questões específicas de suas populações31. Outro importante indicador para avaliação da gestão municipal é o Índice de Responsabilidade Fiscal e Social (IRFS). Este indicador avalia as administrações municipais em três áreas ou esferas distintas: fiscal, de gestão interna e social. Cada uma delas tem um índice particular (ou sub-índice, em relação ao índice geral), que vai de 0 (que indica a pior situação entre os casos avaliados) e 1 (que indica a melhor situação): o IRFS-F (fiscal), o IRFS-G (de gestão interna) e o IRFS-S (social). Cada sub-índice é obtido pela composição (ou média) de alguns índices específicos, obtidos, por sua vez, a partir de indicadores específicos extraídos da base de dados do FINBRA32 e, no caso da área social, de mais alguns outros bancos de dados públicos, como o DATASUS33 e o INEP34. Quanto mais próximos de 1, melhores são os índices. A Figura 25 apresenta os resultados dos Índices Geral e por áreas dos municípios dos 26 Estados da federação, excluindo-se o Distrito Federal, para o ano de 2006. 31 O amplo relatório pode ser acessado diretamente no endereço http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmunic/2005/munic2005.pdf. Os últimos dados são referentes ao ano de 2005. 32 FINBRA é o relatório das informações sobre despesas e receitas de cada município brasileiro, divulgadas pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), disponível no endereço http://www.stn.fazenda.gov.br. 33 Banco de Dados do Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil, disponível no endereço http://www.datasus.gov.br. 34 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Nacionais, disponível no endereço http://www.inep.gov.br. 138 Figura 25 – Médias por Estados dos Índices dos Municípios da Amostra Fonte: Klering; Stranz; Gobetti, 2007, p. 204. Conforme pode ser observado na Figura 25, os municípios do Estado de São Paulo apresentam a melhor média no Índice Geral de 2006 (0,538), principalmente pela elevada performance no Índice Social, em que também alcançam a melhor média do Brasil (0,607). São seguidos pelos municípios de Santa Catarina, que apresentam a segunda maior média no Índice Geral (0,533) e também a segunda maior média no Índice Social (0,594). Os municípios gaúchos estão com a terceira melhor média geral (IRFS de 0,530), mas continuam tendo a melhor média no item fiscal (0,547), como já acontecia em anos anteriores. Já no quesito Gestão Interna, a melhor média geral é do Amazonas (0,544), que também aparece bem posicionado no ranking geral, na oitava 139 posição entre os Estados, com uma média de (0,501). O conjunto de informações sobre a gestão dos municípios brasileiros traz, assim, uma radiografia da realidade dos governos municipais em relação às suas principais ênfases, capacidade e qualidade de gestão, que implica em produzir diferentes estratégias e políticas de enfrentamento de carências no mapa do país. 3.9 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA Este item objetiva estimular a reflexão sobre os Princípios da Administração Pública brasileira. Ou seja: quais são os guias fundamentais da Administração Pública? Para tanto, formulam-se questionamentos, apresentam-se subsídios jurídicoadministrativos e procura-se contribuir para articular o embasamento teórico com a atuação efetiva dos servidores públicos e agentes políticos. Para melhor evidenciar a importância do tema, permita-nos perguntar: ― Você é uma pessoa de princípios? Certamente a sua resposta a esta primeira indagação será afirmativa! Afinal, você é servidor respeitado em seu meio, que pressupõe coerência nas ações, e fidelidade a princípios. Ao expressarem regularidades desejadas, os princípios pautam as condutas e subsidiam as análises sobre a adequação das ações e dos posicionamentos dos administradores públicos. Os Princípios da Administração Pública compreendem um conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, seus administradores, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar de forma concreta, direta e imediatamente os fins do Estado. O Direito Administrativo é o ramo do Direito Público que disciplina o exercício da função governamental, prescrevendo as normas de atividade da Administração Pública. No Direito Público há predomínio do interesse público sobre o privado e pelo menos um dos pólos da relação jurídica é titulado por sujeito detentor de prerrogativas de autoridade. O Direito, ciência normativa que opera no plano abstrato do dever-ser, é composto pelo conjunto de leis, normas de conduta humana impostas coativamente pelo Estado. As Leis, abstrações construídas sobre a realidade dos fatos 140 sociais, são elaboradas e devem ser interpretadas e aplicadas em consonância com os princípios jurídicos. A Constituição Federal, promulgada em 05.10.1988, também conhecida como a “Constituição-Cidadã”, anuncia, em seu preâmbulo: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Os princípios fundamentais que regem a República Federativa do Brasil estão enunciados nos primeiros quatro artigos da Carta Magna: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; 141 IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não-intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político. Parágrafo único. “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.” O artigo 37 da “Constituição-Cidadã” restringiu a discricionariedade do Gestor Público e ampliou o espaço para o controle social, ao constitucionalizar as normas da Administração Pública, fixando, no “caput”, os Princípios da Administração Pública: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência35 ...” Examinam-se, a seguir, cada um dos princípios constitucionalizados pela Carta Magna, bem como outros de igual relevância para o gestor público. 3.9.1 Princípio da legalidade 35 O princípio da eficiência somente foi incluído em 1988, pela EC 19. 142 Consagrado no artigo 1º, caput, da Constituição, como expressão máxima do Estado de Direito, irradia-se sobre todo o ordenamento jurídico e, particularmente, sobre toda a atividade administrativa do Estado (art. 37, caput). Delimita a ação do Estado, condicionando o conteúdo das ações que a Administração Pública está autorizada a praticar e a forma dos atos administrativos ao previsto em lei. O gestor público só pode atuar nos termos estabelecidos pela lei. O uso do poder é prerrogativa da autoridade, mas o poder há que ser usado normalmente, sem abuso; usar normalmente do poder é empregá-lo segundo a lei, a moral, a finalidade do ato e as exigências do interesse público; o poder é confiado ao administrador público para ser usado em benefício da coletividade, nos limites que o bem-estar social exigir. O excesso de poder ocorre quando a autoridade, embora competente para praticar o ato, vai além do permitido pela lei e exorbita no uso de suas faculdades administrativas; o excesso de poder torna o ato arbitrário, ilícito e nulo. A autoridade age claramente além de sua competência ou contorna dissimuladamente as limitações da lei, para arrogar-se poderes que não lhe são atribuídos legalmente. 3.9.2 Princípio da impessoalidade Previsto no artigo 37, caput, da Constituição, proscreve o favoritismo e o tratamento privilegiado. Os serviços de interesse público diferem dos serviços de interesse particular. Aproxima-se do princípio fundamental da isonomia, não cabendo à Administração Pública discriminar, nem para favorecer nem para prejudicar, senão respaldada pela lei. Impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal; e o fim legal é unicamente aquele que a norma de Direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal. Desde que o princípio da finalidade exige que o ato seja praticado sempre com finalidade pública, o administrador fica impedido de buscar outro objetivo ou de praticá-lo no interesse próprio ou de terceiros. A impessoalidade deve ser observada em consonância com o Princípio da isonomia, expressão da igualdade dos seres humanos, vedadas distinções de qualquer 143 natureza, salvo as previstas em lei. A todos que se encontrem em igual situação devese conferir igual tratamento. A igualdade de todos perante a sociedade, a lei e o Estado está consagrada nos artigos 1º, inciso III, e 5º, caput, da Constituição. Configura desvio de finalidade, com violação do Princípio da impessoalidade, a prática de ato por motivos ou fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público. Assim ocorre na violação ideológica da lei, colimando o administrador público fins não pretendidos pelo legislador, e com o emprego de motivos e meios imorais para a prática de um ato administrativo aparentemente legal. 3.9.3 Princípio da moralidade Extraído do dever de construir uma sociedade justa, expresso no artigo 3º, inciso I, da Constituição, inspira e baliza os princípios da legalidade e da legitimidade. Pressupõe o respeito aos valores da convivência social, como a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III), sua liberdade e seus bens (artigo 5º, caput). Representa a plenitude ética da ordem jurídica, indispensável para ensejar a consolidação do Estado de Justiça. Informa diretamente o Princípio da impessoalidade. Igualmente expresso no caput do artigo 37 da Constituição, volta-se ao comportamento dos entes da Administração Pública e de seus agentes. Quaisquer desvios das regras, dispostas para produzir efeitos/benefícios em favor de toda a sociedade, ao afrontarem os padrões éticos e morais preponderantes na sociedade para a gestão dos bens e interesses públicos, caracterizam a imoralidade administrativa. 3.9.4 Princípio da publicidade Além de dever do Estado, de propiciar a todos os cidadãos a possibilidade de tomar conhecimento dos atos administrativos, a publicidade (artigo 37, caput, da Constituição) é um poder reservado pela sociedade, imprescindível para assegurar a visibilidade sobre o atuar estatal. 144 “Todo poder emana do povo", conforme o art. 1.º, parágrafo único, da Constituição, e deve ser exercido com pleno conhecimento por parte do povo. É obrigatória a divulgação dos atos da Administração Pública, para permitir seu conhecimento e controle pelos órgãos estatais competentes e pela sociedade. Trata-se de requisito de eficácia e moralidade. Assim, os atos irregulares não se convalidam com a publicação, nem os regulares a dispensam para sua exeqüibilidade, quando a lei ou o regulamento a exigir. Constituem desdobramentos do Princípio da publicidade o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral (art. 5.º, XXXIII, da CF), o direito à obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal (art. 5.º, XXXIV, da Constituição), e, naturalmente, o direito de acesso dos usuários a registros administrativos e atos de governo (art. 37, § 3.º, II). Violados esses direitos pelo Poder Público, poderão os prejudicados valerem-se do habeas data (art. 5.º, LXXII, da Constituição), do mandado de segurança (art. 5.º, LXX, da Constituição), ou mesmo das vias ordinárias. Cabe referir a distinção entre a publicidade dos atos administrativos, condição para sua validade jurídica, e "publicidade" como propaganda dos atos de gestão administrativa e governamental. Esta é mera faculdade da Administração Pública, a ser exercida apenas nos casos previstos na Constituição e dentro das expressas limitações constitucionais existentes. Estabelece o § 1.º do art. 37: a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. A divulgação dos atos de gestão pelos meios de comunicação de massa fica condicionada ao caráter educativo, informativo ou de orientação social, vedada a inserção de nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção de agentes públicos, sob pena de responsabilização do gestor. 145 Outra decorrência é o dever de prestar contas: o exercício da administração como encargo de gestão de bens e interesses alheios importa no dever de prestar contas; no caso do administrador público, a gestão se refere aos bens e interesses da coletividade e assume o caráter de múnus público, isto é, de um encargo para com a comunidade. 3.9.5 Princípio da eficiência Eficiência não é um conceito jurídico, mas econômico. Não qualifica normas, qualifica atividades. Eficiência significa fazer acontecer com racionalidade, o que implica medir os custos que a satisfação das necessidades públicas representa em relação ao grau de utilidade alcançado. O Princípio da eficiência orienta a atividade administrativa no sentido de conseguir os melhores resultados com os meios escassos de que se dispõe e ao menor custo. Há que se buscar o maior benefício social com o menor custo possível. A mera adoção do procedimento legal é insuficiente: há que se alcançar resultados concretos, positivos, para a sociedade. Poder-dever de agir. Cumpre destacar que o poder tem para o agente público o significado de dever para com a comunidade e para com os indivíduos, no sentido de que quem o detém está sempre na obrigação de exercitá-lo; esse poder é insuscetível de renúncia pelo seu titular. Se para o particular o poder de agir é uma faculdade, para o administrador público é uma obrigação de atuar, desde que se apresente o ensejo de exercitá-lo em benefício da comunidade. A omissão na Administração Pública é conduta que, quando ofende o direito individual ou coletivo dos administrados, se sujeita à correção judicial e à reparação decorrente da inércia. A inércia da Administração, retardando ato ou fato que deva ser praticado, é abuso de poder que enseja correção judicial e indenização ao prejudicado. 146 3.9.6 Princípio licitatório A ampliação da gama de necessidades coletivas públicas a serem satisfeitas pelo Estado, em decorrência da universalização dos direitos à saúde, previdência, educação, alimentação, segurança e lazer, e de maiores investimentos em desenvolvimento científico e tecnológico, por exemplo, provoca a necessidade de maior oferta de bens e serviços públicos. Caracterizados pelo uso simultâneo e não excludente, e por apresentarem custo zero para o usuário e demanda crescente, tendente ao infinito, os bens e serviços públicos são propiciados pelo Estado através da conjugação do emprego de mão-de-obra própria (funcionalismo público) e de bens e serviços adquiridos de terceiros. A aquisição de bens e serviços, bem como a concessão ou permissão para prestar serviços públicos devem ocorrer mediante procedimento licitatório, conforme previsto no artigo 37, inciso XXI, e no artigo 175, da Constituição Federal: "Art. 37, inciso XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações." "Art. 175 - Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos." A licitação é obrigatória para todas as entidades da Administração Pública: órgãos da administração direta, fundos especiais, autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta e indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios (parágrafo único, art. 1°, da Lei federal 8.666/93). A Constituição Federal de 1988 e a Lei nº 8.666/93 exigem procedimento licitatório para as contratações de obras, serviços (inclusive publicidade), compras, alienações, concessões, permissões e locações. A licitação é um procedimento administrativo 147 composto de uma série de atos seqüenciais que levam ao objetivo final e esperado, qual seja o de escolher um fornecedor de bens ou serviços de que o Estado necessita. É também uma seleção, onde a Administração Pública escolhe a proposta mais vantajosa, aquela que melhor atenda ao interesse público. Logo que se pensa em proposta mais vantajosa vem à mente o menor preço, mas nem sempre este fator é fundamental, apesar de o administrador público ter como objetivo preservar os recursos que têm à sua disposição, tendo em vista que ao Estado, mais do que a qualquer outro setor, deve buscar a máxima economia, tendo em conta que os recursos são limitados e as necessidades coletivas públicas são ilimitadas. Mesmo assim, às vezes, interessam outros itens no julgamento das propostas, por isso existem os diversos tipos de licitação: além da de menor preço, a de técnica e preço, a de melhor técnica e a de maior lance ou oferta, esta última para os casos de alienação de bens ou concessão de direito real de uso. 3.9.7 Princípio da responsabilidade administrativa O art. 37, § 6.º, da Constituição Federal, determina: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadores de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. A responsabilidade civil do Estado é objetiva, independe da existência de dolo, negligência, imperícia ou imprudência de quem causar o dano ao agir no exercício de função pública, em nome de uma pessoa de direito público ou de direito privado prestadora de serviços públicos. Enquanto a responsabilidade civil do Estado para com os administrados é objetiva, a responsabilidade dos agentes públicos perante a Administração Pública é subjetiva, conferindo ao Estado nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição, direito de regresso que pode ser exercido contra aquele que causou o dano, "nos casos de dolo ou culpa". 148 3.9.8 Princípio da participação O princípio da participação do usuário na Administração Pública foi introduzido pela Emenda Constitucional nº 19/98, que deu nova redação ao parágrafo § 3º do art. 37: “Art. 37, § 3º. A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I. – as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; II – o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observando o disposto no art. 5.º, X (respeito à privacidade) e XXXIII (direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse ou de interesse coletivo em geral); III – a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.” 3.9.9 Princípio da autonomia gerencial O princípio da autonomia gerencial é regido pelo § 8.º do art. 37, da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional nº 19/98: Art. 37, § 8.º. A Autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: I – o prazo de duração do contrato; II – os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes; III – a remuneração do pessoal. 149 3.9.10 Livre iniciativa O artigo 1º, inciso IV, da Constituição, assegura a cada indivíduo e a todas as associações de indivíduos, a liberdade para atuarem em todos os campos de atividade humana, respeitados os limites postos pela própria Constituição. Estende-se à manifestação do pensamento (artigo 5º, inciso IV), ao exercício de cultos religiosos (artigo 5º, inciso VI), à expressão intelectual, artística, científica e de comunicação (artigo 5º, inciso IX), ao exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (artigo 5º, inciso XIII), à reunião pacífica (artigo 5º, inciso XVI) e a associação de qualquer natureza (artigo 5º, inciso XVII). Consiste na afirmação da soberania popular, uma evolução dos conceitos limitativos de soberania estatal e de soberania nacional. 3.9.11 Livre concorrência A competição econômica, destinada a assegurar à sociedade a redução dos preços e a melhoria da qualidade dos bens e serviços que lhe são ofertados, é prevista no artigo 170, inciso IV, da Constituição. O princípio da livre concorrência é temperado pelo poder de regulação, deferido ao Estado para estabelecer padrões mínimos, e pelo poder de sanção, a fim de coibir práticas que subvertam o livre mercado. 3.10 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS Nesta seção, procura-se responder a questões como: quais são as características da Administração Pública? Quais os poderes da Administração Pública? Que padrões precisam ser cumpridos? Que disciplina precisa ser seguida? Que margem de liberdade de atuação (e de negociação) é permitida? A Administração Pública é todo o aparelhamento do Estado para a prestação dos serviços públicos, para a gestão dos bens públicos e dos interesses da comunidade. É o instrumento de que dispõe o Estado para pôr em prática as opções políticas de governo; é atividade neutra, normalmente vinculada à lei ou à norma técnica, com conduta hierarquizada, executando ações com responsabilidade técnica e legal pela 150 execução. A Administração Pública desempenha de modo perene e sistemático, legal e técnico, os serviços próprios do Estado ou por ele assumidos, em benefício da coletividade. É composta pelo conjunto de órgãos instituídos para realização dos objetivos do Governo, destinando-se a atender de modo direto e imediato, as necessidades concretas da coletividade. Nas Figuras 26 e 27 podem ser visualizados, respectivamente, as características e os poderes da Administração Pública. Figura 26 – Características da Administração Pública (1) Praticar atos tão somente de execução ou seja, atos administrativos; quem os pratica são os órgãos e seus agentes, que são sempre públicos; (2) Exercer atividade politicamente neutra a atividade administrativa é vinculada à Lei, e não à política; (3) Ter estrutura hierarquizada há dever de obediência e subordinação dos funcionários aos superiores hierárquicos; (4) Praticar atos com responsabilidade técnica e legal devendo buscar a excelência na execução dos atos administrativos, que devem ser tecnicamente perfeitos, e terem atendidos os preceitos legais; (5) Ter caráter instrumental a Administração Pública é um instrumento para o Estado conseguir seus objetivos; deve servir ao Estado, e não vice-versa; (6) Ter competência limitada o poder de decisão e de comando de cada área da Administração Pública é delimitado pela área de atuação de cada órgão. Fonte: Elaborada por Mary da Rocha Biancamano e Sandro Trescastro Bergue. 151 Figura 27 - Poderes da Administração Pública Poder Descrição (1) Vinculado é o poder circunscrito para a prática de um ato, cujos requisitos e elementos necessários à validade estão prescritos em Lei; (2) Discricionário é o poder para a prática de ato com algum grau de liberdade de escolha da conveniência e oportunidade; (3) Normativo é o poder para expedir regulamentos e outros atos normativos infralegais, de caráter geral e de efeitos internos e externos; (4) Hierárquico é o poder para distribuir e escalonar as funções dos órgãos públicos, e estabelecer a relação de subordinação entre seus agentes; (5) Disciplinar é o poder para apurar infrações e aplicar penalidades funcionais a seus agentes e demais pessoas sujeitas à disciplina administrativa; (6) Poder de Polícia é o poder para limitar ou disciplinar direitos, interesses ou liberdades individuais, e regular a prática do ato ou abstenção de fato, em razão do interesse público. É aplicado aos particulares. Fonte: Elaborada por Mary da Rocha Biancamano e Sandro Trescastro Bergue. Cabe efetuar breve distinção entre o poder vinculado e o poder discricionário. Poder vinculado é aquele em que a lei estabelece um único comportamento possível a ser tomado pelo administrador diante de casos concretos, sem nenhuma liberdade para juízo de conveniência e oportunidade. O ato que deixar de atender ao motivo e aos demais requisitos expressos na lei será nulo. Diversamente, no exercício de poder discricionário, o administrador, embora também subordinado à lei, tem liberdade para atuar de acordo com um juízo de conveniência e oportunidade, de tal forma que, existindo várias alternativas, o administrador pode optar pela que, no seu entendimento, melhor preserve o interesse público. Outra distinção oportuna: discricionariedade e arbitrariedade. Discricionariedade é a liberdade para atuar, para agir dentro dos limites da lei; e arbitrariedade é a atuação do administrador além (fora) dos limites da lei. O ato arbitrário é sempre ilegítimo e inválido. O poder de polícia consiste no poder de limitar ou disciplinar direitos, interesses ou liberdades individuais, regulando a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão do interesse público. O artigo 78 do Código Tributário Nacional, instituído pela Lei nº 152 5.172, de 25 de outubro de 1966, conceitua poder de polícia; o parágrafo único do dispositivo legal referido o limita, conforme a seguir transcrito: Art. 78 - Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Parágrafo único - Considera-se regular o exercício do poder de polícia, quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. Tanto o poder de polícia administrativa, incidente sobre bens, direitos e atividades e inerente a toda Administração Pública, quanto o poder de polícia judiciária, voltado à manutenção da ordem pública e exercido por determinados órgãos, como as polícias civil e militar, devem atender a vários requisitos (ver Figura 28): Figura 28 - Requisitos para o exercício do poder de polícia Descrição Requisito (1) Necessidade deve ser adotado somente para evitar ameaças reais ou prováveis de perturbações ao interesse público; (2) Proporcionalidade deve existir uma relação coerente entre a limitação ao direito individual e o prejuízo a ser evitado; (3) Eficácia deve ser adequado em sua medida, para impedir o dano ao interesse público. Fonte: Elaborada por Mary da Rocha Biancamano e Sandro Trescastro Bergue. O poder de polícia é exercido mediante a expedição de atos normativos, atos administrativos e operações materiais, estas compreendendo medidas preventivas (fiscalização, vistoria, ordem, notificação, autorização, licença) e medidas repressivas (dissolução de reunião, interdição de atividade, apreensão de mercadorias, internação de pessoa com doença contagiosa). 153 Há, ainda, algumas especificidades do Direito Administrativo que contribuem para clarificar a atuação da Administração Pública: da supremacia do interesse público, da indisponibilidade do interesse público, da presunção de legitimidade dos atos da Administração e da necessidade eventual de uso de poderes discricionários para a Administração Pública atender ao interesse público. O Direito Privado repousa sobre a igualdade das partes na relação jurídica; o Direito Público assenta em princípio inverso, o da supremacia do Poder Público sobre os cidadãos, dada a prevalência dos interesses coletivos sobre os individuais. Sempre que entrarem em conflito o direito do indivíduo e o interesse da comunidade, há de prevalecer este, uma vez que o objetivo primordial da Administração Pública é o bem comum. A indisponibilidade do interesse público limita a supremacia: o interesse público não pode ser livremente disposto pelo administrador que, necessariamente, deve atuar nos limites da lei. A presunção de legitimidade acompanha toda a atividade pública, dispensando a Administração Pública da prova de legitimidade de seus atos. Cabe ao particular provar que a Administração Pública agiu fora ou além do permitido em lei, isto é, com ilegalidade flagrante ou dissimulada sob a forma de abuso ou desvio de poder. Por fim, a Administração Pública necessita e utiliza poderes discricionários na prática de suas atividades. Esses poderes devem ser interpretados restritivamente quando colidem com os direitos individuais dos administrados. Cumpre ao intérprete e aplicador da lei delimitar o que é do interesse público, ou seja: a finalidade pública, o bem comum e o interesse da comunidade, que demarcam o poder discricionário da Administração Pública. 3.11 CAMPO DA NEGOCIAÇÕES ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: ARENA DE TENSÕES E Existe alguma ação ou intenção totalmente neutra e desinteressada? Todas as pessoas pensam da mesma forma e tem os mesmos objetivos e interesses? Existe algum avanço ou conquista sem conflito? Pode existir alguma administração ou negociação “apolítica”? Ou, vice-versa, alguma política sem “negociação”? 154 Morgan (1996) destaca a importância da manifestação de interesses por parte dos integrantes das organizações, sejam elas públicas ou privadas. Segundo o autor, da diversidade de pensamento e de vontades entre os indivíduos, do conjunto complexo de “predisposições que envolvem objetivos, valores, desejos, expectativas” surgem tensões que devem ser resolvidas por meios políticos (MORGAN, 1996, p. 153). Na vida diária, o interesse do indivíduo se manifesta espacialmente, preservando e/ou ampliando áreas ou protegendo posições já atingidas. Assim, pode-se dizer que, ao se analisar o seu interesse em relação ao sucesso da atividade desempenhada, às aspirações e visões de futuro dentro de uma organização e ao comprometimento com o mundo, obtém-se um cenário que traduz o relacionamento e a tensão ali existente. É possível constatar conjuntos de interesses, bem como definir áreas de aproximação (interação) e de afastamento entre as mesmas. O equilíbrio entre esses conjuntos é incerto e muda freqüentemente, resultando nas tensões, que são o centro da atividade política. Ao analisar as organizações, Morgan (1996, p. 158) sugere que sejam vistas como “redes de pessoas independentes com interesses divergentes que se juntam em função da oportunidade (...) compostas por coalizões”. A instituição pública também apresenta esse quadro de relações entre seus integrantes, em sua vida organizacional. Surgem coalizões, quando grupos cooperam em relação a assuntos específicos, eventos ou decisões, possuindo diferentes interesses e múltiplos objetivos. Surgem facções, divisões funcionais e interesses fragmentados em relação a objetivos específicos, quando os interesses de grupos se fixam como diferentes e distintos em relação aos demais. Mesmo assim, como meio importante para atingir os fins desejados, os grupos de interesses podem constituir artimanhas e mesmo coalizões, visando a aumentar e consolidar o poder, às vezes mesmo via atores menos poderosos. Os partidários da teoria pluralista afirmam que os interesses das pessoas são aquilo que elas expressam, e de que a natureza desses interesses pode ser inferida via observação da ação, ou mesmo da não-ação. Para Ham e Hill (1993), essa concepção traz duas dificuldades: a primeira, porque as pessoas podem agir – ou não agir – de modo contrário aos seus interesses; a segunda, porque pode existir um falso consenso, quando uma elite dominante pode influenciar idéias, atitudes e opiniões ao ponto de existir uma espécie 155 de “falso consenso”, uma aderência manipulada (e até auto-imposta) de setores da comunidade às normas e metas de uma elite. Quando se fala em administração pública, tem-se imediatamente em mente alguns conceitos, e dentre eles estão os de PODER e AUTORIDADE. As relações de PODER36 nem sempre são resultantes de consensos. Outrossim, são idéias muito presentes no quotidiano do serviço público, na mente dos servidores e dos seus usuários, e foram objeto de estudos de variados estudiosos do assunto. Segundo Weber (1944), PODER é “a probabilidade que um ator tem, dentro de uma relação social, de realizar a sua própria vontade, apesar da resistência e a despeito da base em que se fundamente essa probabilidade”; LEGITIMIDADE designa a aceitação do exercício do PODER, porque corresponde aos valores subordinados; e AUTORIDADE é a combinação dos dois, isto é, o PODER que é considerado LEGÍTIMO. Qualquer que seja a autoridade existente numa organização – tradicional, burocrática ou (carismática)37 [segundo Weber 1944)38] - o exercício do poder, da capacidade de provocar a aceitação de ordens, perpassa pelo conhecimento da tarefa e pela capacidade de executá-la. Weber considerava o conhecimento e preparo como raiz da autoridade na burocracia, sendo a legitimidade dada pelo domínio da capacidade técnica e do conhecimento. Para Weber (1944), quanto mais alta a posição de um funcionário na Administração, maior tende a ser o seu preparo, educação, mérito e experiência. A divisão sistemática do trabalho, a atribuição de autoridade a quem 36 Ver LEITÃO, 1996. “Carisma” é um termo que era usado com sentido religioso, significando o dom gratuito de Deus, estado de graça, etc. Weber e outros usaram com o sentido de qualidade extraordinária de uma pessoa (dotes sobrenaturais, heroísmo, poder intelectual, ou de oratória) e aplicaram a líderes políticos como Hitler, Kennedy, Matarazzo, Ford, etc. Aqueles que reconhecem essa qualidade/dom reconhecem o dever de seguir o chefe “carismático”, a quem obedecem segundo as regras que dita, em virtude da própria credibilidade do carisma. 38 Comentário: Max Weber (1864 – 1920), sociólogo alemão, criador da sociologia da burocracia. Definiu três tipos de autoridade: 1. Tradicional – com as características de não ser racional, o poder é herdado ou delegado, baseada no “senhor”. A legitimação está na tradição, nos hábitos, usos e costumes. O aparato administrativo tem a forma patrimonial e feudal. 2. Carismático – com as características de não ser racional, nem herdada ou delegada, baseada no “carisma”. A legitimação está nas características pessoais carismáticas do líder (heroísmo, magia, poder mental). O aparato administrativo é inconstante e instável, escolhido conforme a lealdade e devoção ao líder, e não por qualificação técnica. 3. racionallegal ou burocrático – As características são: legal, racional, impessoal, formal, meritocrática. Sua legitimação está na lei, por promulgação e regulamentação de normas legais previamente definidas. Seu aparato administrativo é a burocracia. 37 156 desempenha uma função, a organização em cargos dentro do princípio da hierarquia fundamentam uma organização racional. Entretanto, dentro da Administração Pública, alguém com menos conhecimento ocupando cargo elevado, ao dar uma ordem, é obedecido por seu PODER de impô-la, e não pela sua LEGITIMIDADE. Ao analisar esse termo, Weber (1944) abre uma perspectiva totalmente nova para o estudo da satisfação humana proveniente da participação do trabalhador na administração. Assim, ele procura compreender a reciprocidade que existe entre o PODER de controle sobre os participantes da administração e a capacidade de LEGITIMAR esse controle, a fim de levá-los ao máximo de sua eficiência e competência e de reduzir ao mínimo a infelicidade causada por esse controle. O modelo de gestão adotado em inúmeras áreas da administração pública brasileira sofre influência do modelo burocrático de organização de Weber, em que as atividades são consideradas obrigações inerentes ao cargo, os papéis são designados segundo qualificações técnicas, a autoridade em sua estrutura tem a forma hierárquica, e existem regras gerais claramente definidas regulando a organização. Para Weber (1944), dos 3 tipos de poder social derivam as respectivas dominações. A dominação, segundo ele, deve ser entendida como um estado em que os dominados parecem adotar como seu o conteúdo da vontade manifesta do dominante. É uma forma de poder; não é idêntica ao poder. Poder é a possibilidade que alguém tem de realizar sua vontade, inclusive que pode contrariar a vontade dos demais agentes. Dentro do Estado, a manifestação da dominação acontece sob a forma de governo. A estabilidade dos funcionários favorece a dominação, porque assim eles se estruturam (organizam). Dali decorre a vantagem de poderem estabelecer acordos mais rápidos, e desenvolverem uma ação mais racional. O relacionamento entre o chefe e seu aparato administrativo é chamado por Weber de estrutura de uma forma de dominação: tradicional, carismática e racional-legal. Esta última conforma o que chamou de burocracia. Tratou a burocracia como um tipo ideal, isto é, como um conceito fundado em elementos empíricos que se agrupam logicamente em uma forma precisa, mas que nunca se encontram na realidade. O formalismo, a impessoalidade e 157 o profissionalismo burocrático traduzem-se numa administração em que a autoridade flui de cima para baixo, com forma piramidal, de caráter monocrático, obedecendo ao princípio da unidade de comando. Através da História, incontestavelmente, a burocracia modificou-se, mas não perdeu suas características essenciais: sempre é “um sistema de dominação ou de poder autoritário, hierárquico, que reivindica para si o monopólio da racionalidade e do conhecimento administrativo” (MOTTA; PEREIRA, 1986, p. 9). A burocracia é uma forma de organização que dá àqueles que a controlam uma imensa parcela de poder. Enquanto no passado a família, o clã, a tribo, o feudo, a pequena empresa familiar, de caráter agrário, artesanal ou comercial eram o sistema social dominante, hoje, embora bastante modificada, somente a família conserva importância, sendo que os outros tipos de sistemas foram substituídos por organizações, aí estando incluídas as empresas e o Estado moderno. Pode-se, então, afirmar que a sociedade contemporânea se caracteriza pelas organizações, que tiveram seu crescimento e hegemonia assegurados por meio de estruturas burocráticas, com critérios racionais e hierárquicos. Existem algumas mais flexíveis, outras mais rígidas, mais ou menos autoritárias, mas de modo geral todas burocráticas no sentido do processo decisório ser “top-down” e com regras claramente instituídas, formalizadas. Desse modo, a hierarquia é bem definida, estando cada cargo inferior sob controle de um superior com submissão verificada e reforçada. Esse cargo é regulado por normas ou regras, em que o fundamento da legitimidade está baseada em aspectos como a capacitação e o conhecimento. A propósito, mais do que nunca, a informação é a chave do PODER no mundo. Sendo assim, o administrador busca o seu controle como forma de manutenção do seu status quo, não permitindo que a informação seja disseminada pela administração. Assim, um chefe do departamento pode estar inclinado a não divulgar os resultados de uma reunião a um colega de trabalho como forma de manter o seu status de PODER e dar a impressão de ser o mais capaz, o mais competente e indispensável. Daí a inferência de que o “chefe” precisa de sala individualizada, carro especial, de que é tão especial, que tem uma relação “sagrada” com o trabalho, que legitima sua posição hierárquica e o qualifica para ocupá-la. Como 158 salientado, o poder influencia quem consegue o quê, quando e como, resolvendo-se os conflitos de interesse na base de arenas de barganhas. Sempre que houver colisão de interesses haverá conflito, e a reação natural a sua análise é considerá-lo uma disfunção. O conflito pode ser explícito ou implícito, mas, qualquer que seja a sua expressão, sua origem estará na divergência de interesses percebidos ou reais, sendo pessoais, interpessoais ou entre grupos e coalisões. A solução dos conflitos de interesses está na utilização do instrumento “poder”, como habilidade para conseguir que alguém faça alguma coisa que, de outra forma, não seria feita. Pode-se dizer que, da mesma forma como as fontes de poder (ver Figura 29) modelam a dinâmica organizacional, a formulação de políticas reflete essa rede de influências. 159 Figura 29 - Fontes de poder atuantes nos processos decisórios das organizações FONTE DE PODER 1. Autoridade formal 2. Controle sobre recursos escassos 3. Uso da estrutura organizacional, regras e regulamentos 4. Controle do processo decisório 5. Controle do conhecimento e da informação 6. Controle das fronteiras 7. Habilidade de lidar com incertezas 8. Controle da tecnologia 9. Alianças interpessoais, redes e controle de organizações informais 10. Controle de contra-organizações 11. Simbolismo e administração do sentido 12. Sexo e administração das suas relações 13. Fatores estruturais que definem o estágio de ação EXERCÍCIO Reconhecimento da autoridade; legitimação do poder, tradicional, carismático ou legal Habilidade para controlar recursos, como dinheiro, materiais, dados e informações, tecnologia, pessoal, apoio de consumidores, dos fornecedores e da comunidade em geral. Uso da estrutura, de regras, regulamentos e procedimentos para controle político da organização. Influência sobre processos de decisão, especialmente via intenções ocultas, sobre os objetivos e resultados de decisões. Uso do conhecimento, de dados e de informações para influenciar as decisões, especialmente em relação ao uso desses recursos no âmbito de uma organização. Capacidade de interpretação e de influenciação sobre o que acontece entre divisões internas, ou entre a organização e seu mundo exterior. Habilidade para lidar com incertezas que afetam uma organização. Controle sobre métodos, processos, equipamentos, recursos de produção. Capacidade para formar coalizões, de obter apoios e patrocinadores, de formar alianças e redes informais, e de controlar grupos informais, para bons ou maus propósitos Capacidade para amenizar e mesmo controlar a influência de organizações que atuam contra os interesses da organização, geralmente de forma compensatória Habilidade para persuadir outros a idealizarem realidades que sejam mais interessantes de serem perseguidos. Capacidade para usar a favor, ou para contornar, práticas arraigadas numa organização, que favorecem ou discriminam as atuações de pessoas de diferentes gêneros O poder das pessoas está embutido em estruturas mais amplas de uma organização, e não de forma pontual, onde ocorre uma ação Fonte: elaborado por Luis Roque Klering, a partir de Morgan, 1996. Concluindo, Morgan (1996, p. 191) considera que se está distante de uma definição única de poder, uma vez que “o poder deveria ser compreendido como um fenômeno de comportamento interpessoal ou como uma manifestação de fatores estruturais profundamente instalados”. Entretanto, existe um rol importante de perfis que podem decodificar os jogos de poder e a dinâmica da formulação de políticas públicas. 160 Mintzberg (2000, p. 174), quando discorre sobre a sua Escola de Poder das organizações, contextualiza bastante bem o exercício do poder e da política na formulação de estratégias organizacionais, que pode ser perfeitamente transposto para a administração pública, em que ocorre “um processo aberto de influência, enfatizando o uso de poder e política para negociar estratégias favoráveis a determinados interesses”, tanto no seu aspecto micro (internamente à administração), quanto macro (externamente, em relação a outras esferas de Poder, à sociedade, etc.). Nessa ótica, as mudanças propostas via formulações de novas políticas públicas podem acarretar conflitos quando agentes estabelecidos, que pretendem manter o status quo, são confrontados. Galbraith (1984) salienta a existência de três instrumentos de exercício do poder. São eles: poder condigno, poder compensatório e poder condicionado. O primeiro instrumento, do poder condigno, obtém submissão pela capacidade de impor a um indivíduo ou grupo uma alternativa menos desagradável ou dolorosa que outra, para levá-lo a abandonar suas preferências. Ao contrário, o poder compensatório oferece uma recompensa positiva, proporcionando ao indivíduo que se submete algo que julga de valor. Assim, tem-se que a repreensão pública é uma forma de poder condigno; e o elogio, de poder compensatório. Nos dois casos, entretanto, o indivíduo está ciente de sua submissão. O último instrumento – do poder condicionado – é exercido mediante a mudança de uma crença ou convicção. “A persuasão, a educação ou o compromisso social com o que parece natural, apropriado ou correto leva o indivíduo a se submeter à vontade alheia” (GALBRAITH, 1984, p. 6). Para Galbraith (1984), esses instrumentos de exercício de poder têm atrás de si três fontes de poder (de propriedade, de personalidade e de organização) que podem ser comparadas aos três tipos de autoridade de Weber (tradicional, carismática e legal). Dessa forma, o Estado abrange dentro de sua estrutura também essas fontes de poder (de propriedade, de personalidade política e de organização). Evidentemente, o Estado é quase o único detentor do poder condigno, tem um enorme poder compensatório e desfruta de amplos ganhos proporcionados pelo poder condicionado. 161 Como exemplo desses instrumentos de poder, pode-se ilustrar a recorrência ao poder condicionado pelos instrumentos dos discursos, de anúncios e publicidade em jornais, rádios e canais de televisão, podendo os mesmos granjear importância fundamental no convencimento da sociedade (ou parte dela) no mundo moderno. Outrossim, examinando a figura do chefe do executivo, pode-se observar que ele é uma fonte de poder, sendo que o cargo reflete o exercício desse poder. Outras fontes de poder são os recursos que ele tem sob seu comando – de propriedade – e de organização, representada por todo o staff ao seu redor. Em relação aos instrumentos de poder de que dispõe, verifica-se que o uso do poder condigno é bastante limitado, não havendo muito espaço para seu livre exercício. Em compensação, o exercício do poder compensatório é grande, porque – direta ou indiretamente – pode ser utilizado amplo espectro de recursos, oferecendo ou recusando doses dos mesmos, podendo-se obter assim alto grau de submissão. A utilização do poder condicionado no Estado contemporâneo assume papel muito importante, até decisivo, sendo assunto de alta prioridade em muitos governos. Assim, recorrem-se a constantes reuniões com a imprensa, realizam-se discursos e aparições em púbico, tece-se toda sorte de ligações com os meios de comunicação de massa, trabalhando de forma minuciosa e persistente a conquista da submissão da sociedade. Na perspectiva de Max Weber (1944), o poder deriva tanto do conhecimento dos meios de produção, quanto de sua propriedade, desembocando em três tipos puros de dominação (patrimonialista, carismática, legal-racional). Para o autor, uma organização com características de sistema racional-legal (burocracia) apresenta: sistema social formal, impessoal, e dirigido por administrador profissional que tende a controlá-lo cada vez mais. Sua administração é formalmente planejada, organizada e sua execução realiza-se por meio de documentos escritos. Na burocracia de Weber (1944), a autoridade deriva de normas racionais-legais, legitimadas não pela tradição ou pelo carisma, mas porque levam aos fins visados. As normas são legais e conferem à pessoa investida de autoridade o poder de coação sobre os subordinados, colocando a sua disposição os meios coercitivos de impor disciplina. Essas normas são escritas e exaustivas, descrevendo todas as relações de autoridade, dentro do sistema, de forma racional e precisa. Deve-se ainda salientar o 162 caráter hierárquico da burocracia, que constitui “um sistema firmemente organizado de mando e subordinação mútua das autoridades, mediante supervisão dos inferiores pelos superiores, sistema esse que oferece ao subordinado a possibilidade de apelar da decisão de uma autoridade inferior a uma autoridade superior” (WEBER apud MOTTA; PEREIRA, 1986, p. 31). Assim, numa burocracia desenvolvida, existe apenas um chefe para cada subordinado, estando tudo definido e formalizado, gerando (idealmente) uma administração mais rápida, e sem variações de opiniões. Segundo Weber (apud ETZIONI, 1973), a qualidade da burocracia está na sua segurança e efetividade. Assim, o cumprimento das regras e normas é recompensado, e o não-cumprimento é punido. O exercício do poder é legitimado, pelos que estão submetidos a ele, quando os padrões de comportamento estabelecidos se ajustam aos valores respeitados pelos subordinados. Ao estudar a burocracia, Weber (1944) percebeu o seu alcance, tendo em vista o perigo que ocorre, quando se perde o foco central da dominação burocrática, em que uma sociedade amorfa se transforma em racional, orientada por interesses de quem tem poder de mando e subordinação. Segundo Simon (apud MOTTA; PEREIRA, 1986), a estrutura organizacional é função da localização das decisões, que por sua vez constituem atribuições de pessoas investidas de autoridade para decidir. A distribuição dessas atribuições na hierarquia é que definirá o grau de centralização-descentralização de uma organização. A centralização concentra as decisões na cúpula, e por isso tende a concentrar maior poder; e quanto mais poder, maior a capacidade de controle. A multiplicação de tarefas especializadas, cargos e departamentos cria crescente poder difuso no interior das burocracias, consoante ao enfatizado por Selznick (apud Motta, 1979): quanto mais cargos, melhores são as condições de aumento do poder burocrático, isto é, quanto mais organizações burocráticas, mais felizes os burocratas. Morgan (1996, p. 146) analisa a política e o jogo político no interior das organizações como algo não necessariamente disfuncional, lembrando que a noção de política nasce da idéia de que, quando os interesses são divergentes, a sociedade deverá oferecer meios de permitir aos indivíduos reconciliarem as suas diferenças através da consulta e negociação (...) Aristóteles defendia a política como meio de reconciliar 163 a necessidade de unidade da polis grega (cidade-estado), com o fato de que esta polis era um agregado de muitos membros. Ao se analisar a tomada de decisões como um processo integrante do quotidiano do administrador público, deve-se considerar que a política e os interesses constituem partes e meios de construção de uma ordem social. Na obra Administrative Behaviour, publicada em 1945, Simon refere que as organizações são complexos sistemas de decisões, em que todas as pessoas, em todos os níveis hierárquicos e em todas as atividades, estão continuamente tomando decisões relacionadas ou não com seu trabalho. Acrescenta que esse sistema de decisões deve ser racional, para a seleção das melhores alternativas, visando à realização de metas organizacionais. Assim, o tomador de decisões escolhe a alternativa mais apta para atingir o resultado desejado, sendo o processo de seleção resultado de uma análise compreensiva das alternativas possíveis e das suas conseqüências. A primeira dificuldade trazida por Simon está relacionada com a definição: de quem são os valores e objetivos a serem considerados num processo de tomada de decisão conjunta, ou seja, numa negociação? Refere que uma decisão é organizacionalmente racional se estiver orientada para as metas de uma organização; e que é pessoalmente racional, se estiver orientada para as metas de um indivíduo. Ou seja, ocorre a possibilidade da discricionariedade por parte de indivíduos ou de grupos, na medida em que existe a interpretação de uns e outros na escolha das alternativas. Ao mesmo tempo, já explicitado por Simon (1945), é quase impossível considerar todas as alternativas durante o processo de decisão; o conhecimento das conseqüências possíveis é incompleto e sua avaliação acarreta incertezas consideráveis. Salienta, ainda, a grande dificuldade existente para separar os fatos dos valores, e os meios dos fins, no processo de tomada de decisão entre alternativas. No modelo ideal, há a especificação prévia dos fins e a identificação dos meios necessários para atingí-los. Todavia, a realidade prática não espelha exatamente modelos ideais presumidos. Como forma de inibir a influência dos valores, Simon (1945) propõe que, no processo de decisão, envolvam-se três etapas: listagem de todas as alternativas; 164 determinação de todas as conseqüências decorrentes de cada alternativa; avaliação comparativa desse conjunto de conseqüências. Em contraponto a esse modelo ideal, Simon (1957) descreveu alguns anos mais tarde um modelo de “racionalidade restrita”, que implica na tomada de decisão escolhendo-se não necessariamente a melhor alternativa, mas a que seja satisfatória ou suficientemente boa e traga em si um conjunto mais realista de critérios. Esse modelo gerou ecos no trabalho de Charles Lindblom (1959), que abordou o tema das decisões realizadas por “comparações sucessivas limitadas”, em que o gestor parte de situações existentes e modifica incrementalmente suas decisões. Essa abordagem reduz o número de alternativas passíveis de consideração, qualificando apenas aquelas que pouco diferem das políticas existentes e ignorando as conseqüências de outras possíveis. O que se faz é escolher entre valores e entre políticas ao mesmo tempo, ao invés de especificar objetivos e então avaliar as políticas que atingiriam esses objetivos. Para Lindblom (1959), uma boa política é aquela que assegura a concordância dos interesses envolvidos, e não aquela que maximiza os valores do tomador de decisão. Assim, a elaboração de políticas se desenvolve mediante uma série de aproximações. Uma determinada política é direcionada a um problema específico; sua implementação é tentada, depois alterada, e tentada novamente em sua forma alterada; é alterada mais uma vez, e assim sucessivamente, ajustando-se os objetivos aos meios disponíveis. De modo geral, a literatura concorda em que esse incrementalismo descrito seja o modelo pelo qual as decisões são tomadas de fato nas organizações. Entretanto, é consenso também que o modelo racional-compreensivo é importante para continuar a influenciar tentativas de melhoria da máquina estatal em vários países. No estudo da elaboração de políticas em organizações públicas, segundo alguns autores, encontram-se fartos exemplos de falhas no modelo racional, e da ampla aplicação do modelo incremental. Na prática, percebe-se que o último encontra terreno fértil no conservadorismo das estruturas públicas, como reforço ao comportamento de inércia e de anti-inovação. 165 Outros autores referem que mudanças significativas podem ser obtidas tanto mediante pequenos passos, quanto passos largos e freqüentes. Assim, Etzioni (1967) sugere um modelo de tomada de decisões fundado no meio-termo entre a racionalidade e o incrementalismo, em que existem decisões fundamentais e decisões discretas. As primeiras definem as direções, os rumos (de longo prazo) e definem o contexto para as decisões incrementais (de curto prazo), sendo que cada uma delas ajuda a reduzir os efeitos das falhas da outra. É certo que, apesar da dificuldade em distinguir decisão fundamental de decisão incremental, em qualquer sociedade desenvolve-se uma forte tendência de conhecimento de quais mudanças são importantes ou não. O processo de políticas públicas de determinada esfera de governo necessita definir as correspondentes estratégias, antes ou depois. Fala-se muito em "estratégia da administração", "estratégia do partido", "estratégia econômica" e tantas outras, mas se questionarmos as pessoas sobre o que entendem por "estratégia" seremos surpreendidos com definições que não correspondem à realidade da atuação delas mesmas dentro das organizações. Assim, apesar de definíla como um guia de ações para o futuro, verifica-se que a estratégia seguida realmente pela maioria das administrações dos órgãos públicos ou das empresas privadas difere daquela pretendida ou projetada. 3.12 POLÍTICAS E ESTRATÉGIAS PÚBLICAS: ENTENDIMENTOS FUNDAMENTAIS Mas, afinal, o que é ESTRATÉGIA? Que futuro uma organização pública pode discutir, definir e almejar? Aonde quer chegar via negociações? Segundo Mintzberg et al (2000), encontramos cinco definições (todas iniciando com a letra “P” em inglês) para o termo “ESTRATÉGIA”: (a) Plano - plano de ação para atingir objetivos determinados; direção, curso de ação para o futuro; (b) Padrão - um comportamento permanente ao longo do tempo; (c) Posição - localização de determinado serviço/produto em determinada área; (d) Perspectiva - maneira fundamental de executar o serviço, de fazer as coisas; (e) Truque - manobra para enganar o oponente/concorrente. 166 Como explicitado anteriormente, facilmente nos apercebemos que essa palavra muito freqüentemente é definida de um modo, mas utilizada de outro. Podemos enfatizar que são planos para o futuro, porém verificamos que nem tudo que se pretende realizar é efetivamente realizado, ficando na esfera do pretendido. Ao mesmo tempo, constatamos que pode existir a emergência de fatores novos que modificam a situação, trazendo padrões do passado e forçando a mudança dos planos, para a realização da estratégia pretendida, sem contudo provocar o seu afastamento completo das intenções prévias. Percebemos, então, que existem planos para o futuro e padrões do passado que se manifestam no futuro. Isso quer dizer que se PRETENDE seguir um curso, mas que se REALIZA um percurso. Cabe aqui indagar se tudo o que é PRETENDIDO conseguese REALIZAR, ou se tudo o que foi REALIZADO também foi PRETENDIDO. Na vida real, poucas "estratégias são puramente deliberadas, assim como poucas são totalmente emergentes”. As primeiras significam aprendizado zero, as últimas significam controle zero. “Todas as estratégias precisam misturar as duas de alguma forma: exercer controle fomentando o aprendizado" (MINTZBERG et al, 2000, p. 18). A realização completa do que se pretende implica na sua previsão perfeita e nãoadaptação ao inesperado; todavia, a não-realização do inesperado implica em negligência por parte dos gestores públicos, donde surge a necessidade de compatibilizar as duas coisas: estar atento às mudanças no cenário e cumprir os planos estabelecidos (Figura 30). 167 Figura 30 – Estratégias deliberadas e emergentes Fonte: Mintzberg et al, 2000. A estratégia também pode ser a posição detida por um órgão em executar um conjunto de atividades inovadoras que o mantém na liderança do conjunto da administração pública, obtendo resultados satisfatórios na comunidade. Também pode ser uma perspectiva, quando desenvolve uma maneira própria de fazer as coisas, que lhe dá reconhecimento no ambiente da comunidade. E também pode constituir um truque, quando é manobra para ludibriar um oponente ou concorrente, fazendo com que ele pense equivocadamente sobre as intenções reais da administração. De qualquer forma, é responsabilidade da alta administração olhar para o futuro, prever, modificar o produto/serviço e manter o órgão trabalhando, com o objetivo de atingir a sua missão e a sua visão. No processo de formulação de estratégias, denota-se que, em determinadas organizações, alguns aspectos são importantes, ao passo que em outras os mesmos aspectos são secundários e não implicam em sucesso ou fracasso da estratégia. Esse processo é bem explorado em Mintzberg et al (2000), quando introduz a idéia de visão sistêmica e de entendimento das partes que compõem um todo. Na obra citada, a necessidade de o administrador público preocupar-se com a estratégia adotada por sua gestão e como ela se delineia no ambiente público é tipificada pela famosa fábula “Os cegos e o elefante”, de John Godfrey Saxe (1816-1887): 168 “Eram cinco homens do Hindustão Inclinados para aprender muito, Que foram ver o Elefante (Embora todos fossem cegos) Que cada um, por observação, poderia satisfazer sua mente. “O Primeiro aproximou-se do Elefante, E aconteceu de chocar-se Contra seu amplo e forte lado Imediatamente começou a gritar: ‘Deus me abençoe, mas o Elefante É semelhante a um muro’. “O Segundo, pegando uma presa, Gritou: ‘Oh! O que temos aqui Tão redondo, liso e pontiagudo? Para mim isto é muito claro Esta maravilha de elefante É muito semelhante a uma lança’. “O Terceiro aproximou-se do animal E aconteceu de pegar A sinuosa tromba com suas mãos. Assim, falou em voz alta: ‘Vejo’, disse ele, ‘o Elefante É muito parecido com uma cobra!’ “O Quarto esticou a mão, ansioso E apalpou em torno do joelho. ‘Com o que este maravilhoso animal Se parece é muito fácil’, disse ele: ‘Está bem claro que o Elefante É muito semelhante a uma árvore!’ “O Quinto, por acaso, tocou a orelha, E disse: ‘Até um cego Pode dizer com o que ele se parece: Negue quem puder, Esta maravilha de Elefante É muito parecido com um leque!’ “O Sexto, mal havia começado A apalpar o animal, Pegou na cauda que balançava E veio ao seu alcance. ‘Vejo’, disse ele, ‘o Elefante é muito semelhante a uma corda!’ “E assim esses homens do Hindustão Discutiram por muito tempo, Cada um com sua opinião, Excessivamente rígida e forte, Embora cada um estivesse, em parte, certo, Todos estavam errados! Moral 169 Com freqüência em guerras teológicas, Os disputantes, eu suponho, Prosseguem em total ignorância Daquilo que cada um dos outros quer dizer, E discutem sobre um Elefante Que nenhum deles viu!” Como narrado na fábula, o órgão pode focalizar somente uma das suas capacidades - as internas; ou suas possibilidades externas; ou o planejamento formal de sua estratégia; ou a intuição, o julgamento, a sabedoria e experiência do maior executivo; ou ainda outras, quando, na realidade, a estratégia estabelecida deve levar em consideração todas essas possibilidades, porque o órgão ou a organização É TUDO ISSO! Assim, qualquer que seja a ênfase ou o foco escolhido por um gestor, a questão de a estratégia ser mais ou menos genérica não fica resolvida. A resposta para isso não está nos extremos, mas em como as contradições entre os diferentes enfoques se reconciliam na prática. E qual é a vantagem de haver uma estratégia definida na administração pública? Essa discussão pode ser interminável, levando à conclusão de que existem dois pólos opostos consistentes: para uma vantagem apontada surge imediatamente uma desvantagem clara e irrefutável. Assim, se a estratégia resolve os grandes problemas deixando para as pessoas os detalhes quotidianos, se ao chefe do órgão cabe perceber as mudanças no ambiente e as oportunidades que surgem, necessário é ter em conta a exata dimensão do seu papel na administração, porque ela mesma (a definição da estratégia) pode levar tanto ao sucesso, quanto à obsolescência e falência de uma organização, quando baliza excessivamente seus rumos, não incentivando a inovação e a criatividade. Ao fixar demasiadamente uma determinada direção, dentro de um ambiente específico, uma administração pode impedir de se olhar mais livremente à direita, à esquerda e para trás, não propiciando formas de se efetivar essa pesquisa e de perscrutar o ambiente em mudança. Outrossim, o esforço demasiadamente focado de uma estratégia pode impedir que as pessoas busquem diferentes visões, não oportunizando a abertura a novas possibilidades. 170 Dizemos também que a Estratégia dá consistência e ordem, reduzindo a ambigüidade da organização e formulando uma estrutura para simplificar e explicar o mundo e facilitar a ação da administração. Em contraposição, temos que toda Estratégia - como toda teoria - é uma representação da realidade na mente das pessoas: não é palpável, não é visível, donde a facilidade de sua distorção. O certo, porém, é que a Estratégia é VITAL para a administração, tanto por sua ausência quanto por sua presença. Conclui-se que é preciso combinar os vários aspectos de diferentes abordagens da administração. É preciso considerar aspectos sociais e mentais, ater-se às demandas ambientais, observar a energia da liderança e as forças da organização, fazer concessões entre o incremental e o revolucionário, na geração de estratégias na administração pública. Para definir as estratégias (e as políticas) de uma organização é preciso, essencialmente, negociar diferentes visões de mundo, assim como interesses mais ou menos amplos. Na análise das diferentes administrações com que nos deparamos no dia-a-dia, constatamos peculiaridades que as diferenciam e individualizam, configurando o que Mintzberg et al (2000) consideraram como sendo “animais representativos de diferentes tipos de formulação de estratégias”. Existem administrações que formulam suas estratégias como, por exemplo, a aranha - que cuidadosamente elabora sua estratégia explorando capacidades internas e possibilidades externas; a formiga - que reúne e organiza recursos na preparação do tempo frio; o búfalo - que é senhor de si, muito bem instalado em sua posição; o lobo - que se questiona sobre as possibilidades de arriscar ou competir; a coruja - que estuda tudo; o macaco - que brinca e se adapta, interagindo com todos; o leão – que negocia cada ação proposta; o pavão - que só olha para si, ignorando tudo à sua volta; o avestruz - que ignora tudo e não quer olhar, inclusive não olha para si próprio; ou o camaleão - que muda muito, mas não é diferente em seu interior. Assim, existem várias alternativas, ou caminhos, ou “Escolas” para a definição de estratégias. Pode constituir um ato individual e isolado, de forma semelhante como faz um arquiteto ao definir o “seu projeto” arquitetônico. Mas também pode ser um processo bastante discutido, visando a obter um “planejamento estratégico”. Pode ser resultado 171 de um processo de análise. Decorrente da intuição de gestor-inovador-empreendedor. Ou resultado do processo de aculturação em determinado contexto. Ou de um processo de aprendizado. Ou resultado de um processo de negociação política. Ou de uma composição de várias forças de acomodação. Em seu estudo, Mintzberg et al (2000) reuniram da literatura revisada diferentes reflexões sobre a formulação de estratégias, resultando num conjunto de escolas com perspectivas limitadas, porém interessantes, uma vez que cada uma ressalta um diferente aspecto da organização. Neste estudo, utilizar-se-á o trabalho desses autores e, dentre as dez escolas elencadas pelos autores, destacam-se aquelas da Figura 31. Figura 31 - Escolas de pensamento sobre formulação de estratégias Fonte: Mintzberg et al, 2000. Assim, analisando cada uma das Escolas propostas, pode-se formular algumas conclusões. A primeira delas é a de que todo processo de estratégia não é limitado, ele combina vários aspectos das diferentes escolas. Não é possível pensar em organização sem vir à mente aspectos sociais e mentais, demanda ambiental, lideranças e forças internas, concessão entre incremental e revolucionário, sem ter-se consciência da possibilidade de aprender e da necessidade de controlar. Cada uma das escolas é o todo e a parte, simultaneamente, e esta é a compreensão necessária ao administrador no século 21. Aqueles que têm a responsabilidade final pela administração precisam trabalhar com “todo o elefante”, com a formulação da estratégia por inteiro. Todo processo de estratégia precisa combinar 172 vários aspectos das diferentes escolas; esse é o mundo real e não há um paradigma dominante. O que existe é a necessidade de uma boa prática, em que a complexidade das ligações na rede que une as partes da organização é uma perspectiva real. Da formulação de estratégias na administração pública, derivam as políticas públicas. A primeira atividade pode ser entendida como um processo de “descortinar e definir as ações no horizonte”. Envolve negociações. O segundo, como as regras a serem seguidas para atingir aqueles objetivos macro-balizadores. Igualmente, envolve acomodação de diferentes visões e de interesses, ou seja, de muitas negociações. Esse processo de elaboração das políticas públicas sofre influência da atuação direta de funcionários do alto escalão ao lado de políticos, paralelamente à posição que toda a classe de funcionários ocupa na estrutura do poder. Para muitos analistas, a organização burocrática é complexa, lenta e disfuncional, em que a rigidez pode ser conseqüência tanto da limitação de um contexto que excessivamente regra a personalidade do indivíduo, quanto da sua tendência em recrutar personalidades inflexíveis. No modelo burocrático de organização de Weber, as atividades são consideradas obrigações inerentes ao cargo, os papéis são designados segundo qualificações técnicas, a autoridade desce de cima para baixo (de forma hierárquica), as regras são gerais e abstratas, regulando tudo que ocorre dentro da organização, e o poder legal se reveste de legitimidade a partir de normas ou regras racionalmente definidas e descritas. Outrossim, nas organizações públicas, a burocracia tende a ser reforçada por outra corrente ou teoria de administração: a clássica ou fayolista (cujo mentor principal foi Henry Fayol, 1949). A burocracia enfatiza a racionalidade e a formalidade (via regras escritas). A segunda, enfatiza a primazia da estrutura e da ordem. Para Fayol (1949), as funções numa organização são exercidas com o objetivo de prever, organizar, dirigir, coordenar e controlar ações, de forma constante, em todos os níveis da hierarquia. De forma sucinta, o autor refere que tais ações devam ser exercidas obedecendo a um conjunto de princípios, todos coerentes e consistentes entre si, gerando o ideário clássico de administração (verificar Figura 32). 173 Figura 32 – Princípios Gerais de Administração do Fayolismo 1 – divisão do trabalho: especialização das funções e separação dos poderes; 2 – autoridade e responsabilidade: devem ser equitativos entre si; 3 – disciplina: respeito às convenções sociais; 4 – unidade de comando: ordens de somente um chefe; 5 – unidade de direção: um só programa para cada objetivo; 6 – subordinação do interesse particular ao geral: prevalência dos interesses gerais 7 – remuneração justa: eqüitativa e correta, para gerar satisfação a todos; 8 – centralização: em grau adequado; sempre para um chefe; 9 – hierarquia: caminho do superior ao inferior; controle dos superiores; 10 – ordem: um lugar para cada coisa e cada coisa em seu lugar; 11 – equidade: combinação da benevolência com a justiça no trato das pessoas; 12 – estabilidade do pessoal: confiança demanda tempo de maturação; 13 – iniciativa: dentro dos limites de todos (principalmente do chefe); 14 – união do pessoal: porque harmonia e união constituem vitalidade de uma empresa. Fonte: Elaborada por Luis Roque Klering a partir de Fayol (1981). No contexto das organizações públicas, normalmente prevalecem as características dos enfoques clássico e burocrático, gerando as respectivas “personalidades”. Inovar é normalmente romper com tais modelos ou paradigmas de atuação. A personalidade burocrática se expressa pelo funcionário público cuja vida se torna dominada pelas regras complexas que devem ser seguidas no seu trato com o público. Assim, a posição daqueles investidos de autoridade é bastante simplificada, se os subordinados são submissos e acríticos. Os burocratas têm normalmente uma simpatia particular por regras que os protegem do sistema interno de relações sociais, aumentando o seu status, uma vez que essas regras permitem revestir seus status próprios com os da organização, protegendo-os de conflitos com o usuário, por meio da impessoalidade. Desta forma, regras são transformadas em absolutas, levando à distorção de metas políticas, em que os meios passam a ser tratados como fins em si mesmos. Isso tudo é particularmente verdadeiro em relação à administração pública no Brasil, uma vez que os funcionários públicos freqüentemente são colocados em 174 posições difíceis em relação aos usuários dos serviços públicos. Podem estar executando decisões políticas com as quais não concordam; enfrentando um público que, embora tendo satisfeitas suas exigências, não tem outra opção de lugar para ir, porque ali – naquela Secretaria, Departamento, etc. – é a única possibilidade; e a correção de seus atos é aberta à análise do público, dos tribunais. Existe uma pressão especial sobre os atos do administrador, do funcionário público, porque a ele somente é permitido o que está previsto em lei, isto é, o princípio da legalidade dos atos administrativos. Ao lado de todas essas questões, é importante ainda ressaltar a situação funcional na administração pública. As carreiras – de modo geral – são organizadas com base no modelo weberiano, e por isso mesmo estimulam o status quo vigente, a inércia e a nãomudança. No contexto da administração pública, formular, acompanhar e avaliar políticas públicas requer não somente a compreensão do caráter sistêmico das políticas (sua integração entre diferentes níveis e esferas de governo), mas também a apreensão dos seus vários elementos conceituais básicos.39 Existem muitas definições para os conceitos de políticas e estratégias públicas, e conceitos relacionados. Por isso, sintetiza-se a seguir os aspectos mais fundamentais desses conceitos obtidos da literatura: 1. política: é o conjunto de orientações, normas e diretrizes que orientam (de forma imperativa) as decisões e ações de administração de uma organização ou território (tal como um município); assim, pode-se ter uma política de saúde, de educação, de meio-ambiente, de capacitação de recursos humanos, de desenvolvimento regional, de desenvolvimento de microbacias, de desenvolvimento da fronteira, e muitas outras; 2. estratégia: constitui um mapeamento (inteligente) de ações, visando a alcançar um futuro almejado (objetivo ou missão); também pode ser vista como o caminho definido (conjunto de “passos”) para alcançar um objetivo; como exemplos, podem ser citados: estratégia de desenvolvimento, de aumento da receita, de formalização da atividade comercial; 39 Para ampliar esse tema: CAULLIRAUX; YUKI, 2004. 175 3. planejamento: constitui uma parte do processo de gestão, que tem por objetivo definir e alcançar um conjunto de ações, visando a alcançar um futuro almejado. A estratégia, portanto, estará, em parte, expressa no planejamento. Como exemplos de planejamentos, podem ser citados: planejamento do orçamento, da educação, do meio-ambiente. Quando o planejamento enfoca um caráter mais amplo de uma organização ou território, tal como um município, tem-se então um planejamento estratégico; outrossim, existem disponíveis diferentes técnicas e métodos de planejamento, que normalmente são reconhecidas por siglas, tais como: APO (Administração por Objetivos), PES (Planejamento Estratégico Situacional), (Strenghts-forças, Weaknesses-fraquezas, Opportunities-oportunidades, SWOT Threads- ameaças), ZOOP (Planejamento de Projetos orientado por Objetivos), BSC (Business Scorecard). No âmbito municipal, também são correntes as técnicas de Consulta Popular, Orçamento Participativo, assim como as próprias sessões legislativas, em que se realizam as discussões políticas de definição das leis, orientando o futuro de um território; 4. planejamento estratégico: é o processo de definição das ações de orientação geral de uma organização segundo a estratégia. Contempla uma visão de longo prazo, orientada para grandes objetivos e que alcança a administração e a sociedade como um todo; 40 5. plano: constitui a materialização do planejamento, num conjunto de ações interdependentes. Note-se que o planejamento é um processo cíclico e virtuoso, ao passo que o plano é a sua formalização em um documento, constituindo um referencial explícito a ser seguido; no âmbito municipal, o orçamento definido pelo PPA (Plano Plurianual), pela LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e pela LOA (Lei Orçamentária) constituem a materialização do planejamento, ordenado segundo as políticas e estratégias de um município41. 6. ação: constitui uma providência visando a alcançar um produto (bem ou serviço), ou conjunto de produtos, que, por sua vez, concorrem para a realização de um 40 Para aprofundar este tema, ver: PAGNONCELLI; AUMOND, 2004; REZENDE; CASTOR, 2005; REZENDE, 2004; NEPAD, 2008. 41 O PPA, a LDO e a LOA são aprofundados no item 13: orçamento: o PPA, a LDO e a LOA. O sistema brasileiro de planejamento e 176 objetivo; pode ter um caráter mais restrito (como ação administrativa) ou mais amplo (como ação governamental); neste caso, como ação governamental, pode englobar um projeto, um programa, uma atividade, ou mesmo uma simples operação especial; 7. projeto: constitui um conjunto organizado de ações (às vezes, reunindo pessoas e recursos de diferentes órgãos) que visam à obtenção de um produto ou objetivo com escopo específico, de natureza temporária e com estipulação de custos; como exemplos de projetos, podem ser citados: instalação de uma praça, construção de uma rua, iluminação de uma avenida, acesso à luz a uma comunidade, revitalização do centro de uma cidade, construção de telecentros; 8. programa: constitui uma seqüência de ações estruturadas e sistêmicas no tempo (reunindo os esforços de diferentes pessoas, órgãos, entidades, entes de governo), de caráter orientador, coordenador, executor e avaliador, e que viabilizam o alcance de objetivos (finalísticos ou de apoio administrativo). O Programa de Saúde da Família – PSF é um bom exemplo de programa; assim como o Bolsa-Família, FUNDAT (Fundo de Desenvolvimento Agropecuário de Tupandi-RS), e tantos outros; 9. atividade: é uma operação realizada de forma contínua e permanente, visando a atingir um objetivo; como exemplos de atividades, podem ser citadas: limpeza urbana, combate à poluição, combate ao comércio informal, manutenção de praças, segurança nas escolas; 10. operação especial: constitui uma ação de realização de despesa via transferência de recurso (obrigatória, voluntária ou outra), em favor de outros entes da Federação (na forma de transferência de receita) ou de pessoas jurídicas e físicas (na forma de subsídio, subvenção, auxílio, contribuição, doação, indenização, ressarcimento, provento de inatividade, pagamento de sentença, etc.). A execução de projetos, programas e atividades pode ser realizada segundo as seguintes modalidades de execução42: • direta: quando as ações são geradas e executadas diretamente pelos próprios governos (locais); 42 Para aprofundar esse tema ver: MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. Manual de elaboração do PPA. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/planejamento_investimento/conteudo/plano_gestao.htm. 177 • descentralizada: quando as ações ocorrem via atuação integrada com outros níveis de governo (Estados e Municípios) ou via parcerias com outras instituições e organizações, principalmente do Terceiro Setor; a descentralização constitui fator importante de desenvolvimento, o que vem sendo intensificado desde a Reforma do Estado Brasileiro (de 1995) e, mais recentemente, pela crescente atuação sistêmica dos governos, enfatizando um caminho inaugurado com as experiências iniciais de integração de ações na área da saúde, como do Sistema Único de Saúde-SUS (Lei nº 8.080/90), do PAB (Piso de Atenção Básico, criado pela Portaria nº 1.882/GM 12/97), assim como via diversos outros Programas (principalmente na área social) que foram sendo propostos na década de 90 em diante. Criou-se, assim, um ambiente e consciência de que os governos dos diferentes níveis devem articular suas ações (projetos, programas e atividades) com enfoque mais sistêmico, integrando diferentes ações (enfocando diferentes temas) por diferentes níveis de governo, entidades e a sociedade civil, como já acontece com a REDESAN (Rede de Equipamentos Sociais Públicos de Segurança Alimentar e Nutricional, do Ministério do Desenvolvimento Social), o programa Territórios da Cidadania (da Casa Civil do governo federal), do Programa Luz para Todos (do Ministério das Minas e Energia do governo federal) e outros. Dentre outras, a função de um gestor público compreende o acompanhamento e controle de ações, especialmente com vistas à sugestão de correções de curso em relação a projetos, programas e atividades de governo. Para isso, é importante a avaliação da eficiência, da eficácia e da efetividade dos mesmos. A Emenda Constitucional nº 19/1998 introduziu, no caput do Artigo 37 da Constituição Federal, dentre os princípios de gestão pública, o princípio da eficiência. Mas, o que significa exatamente eficiência? Esse princípio por si só é suficiente para orientar as ações de governo? Essa importante discussão exige o prévio conhecimento dos seguintes conceitos relacionados: 1. eficiência: atualmente alçada à condição de princípio constitucional de gestão pública, expressa uma relação entre recursos usados e resultados gerados. Apresenta um senso de transformação de entradas (insumos utilizados) em saídas 178 (resultados). Inerente ao conceito de eficiência, encontra-se a denominada “relação de custo-benefício”, que antecede qualquer tipo de análise acerca da viabilidade de um projeto, programa ou atividade. Um exemplo de eficiência (senso de utilização dos recursos) na gestão pública está, por exemplo, em se utilizar plenamente os recursos orçamentários, ou no cumprimento da carga horária dos servidores. Um servidor que cumpre exatamente a sua carga horária de 40 horas semanais, por exemplo, representará o uso eficiente desse recurso humano; 2. eficácia: expressa a capacidade de obtenção de resultados almejados. Eficaz, portanto, é a ação governamental que alcança os resultados a que se propõe. Note-se que é possível ser eficaz sem ser eficiente. Para ser eficaz, é necessário atingir os resultados, ainda que sobre uma relação de custo-benefício deteriorada; 3. efetividade: este conceito, de outra parte, apresenta um conteúdo bem mais complexo e de difícil mensuração. Apesar disso, é o conceito mais interessante e importante sob o ponto de vista do interesse público, pois expressa a capacidade de impacto de ações na transformação de uma realidade. Desta maneira, num contexto de administração pública, interessa especialmente que ela seja eficiente, eficaz e efetiva. 3.13 MODELOS DE PLANEJAMENTO NA ESFERA PÚBLICA O contexto de atuação do Estado contemporâneo é caracterizado por imprevisibilidade, transformações permanentes, um conjunto de atores que representam interesses diversos e um conjunto de variáveis econômicas, políticas, sociais e tecnológicas, dentre outras. Para governar nessas circunstâncias complexas torna-se necessário negociar entendimentos comuns dentre diferentes visões de mundo e de interesses, e delinear futuros. O planejamento estratégico público constitui um processo que estabelece um direcionamento a ser seguido por uma administração pública, com o objetivo de otimizar a relação entre a mesma e o seu ambiente, buscando-se, dessa maneira, a ampliação da capacidade de condução do governo, um melhor aproveitamento do seu potencial e 179 de reação aos desafios e contingências do contexto governamental (DE TONI, 2004; MARINI, MARTINS, 2004). Podem ser destacadas duas principais concepções de planejamento: (a) perspectiva tradicional (Planejamento Normativo e Planejamento Estratégico Empresarial); (b) nova perspectiva (Planejamento Estratégico Situacional – PES). Dois outros métodos de planejamento podem ser vistos como componentes do PES: o ZOOP (sigla alemã Zielorientierte Projecktplanung) e o MAPP (Método Altadir de Planejamento Popular)43. Os métodos tradicionais de planejamento baseiam-se no cálculo de predição, no qual tudo é previsto ou tratado como constante, caracterizando-se por um determinismo para explicar o futuro e um reducionismo da realidade. Com exceção da ação do ator que planeja, as reações dos demais agentes econômicos são previsíveis, seguindo leis e prognósticos de teorias sociais. O ator que planeja não controla todas as variáveis; no entanto, as variáveis que não podem ser controladas não são consideradas relevantes ou são controladas por outros atores. As incertezas também são previsíveis, não havendo possibilidades de surpresas. Nesse sentido, o planejamento econômico normativo pressupõe um “sujeito” que planeja (o Estado) e um “objeto” (realidade econômica e social), que é controlado pelo primeiro. Dessa forma, o planejador tradicional reduz a realidade complexa a um modelo simples, no qual não existem oponentes ao plano produzido, nem outros atores que planejam e que a construção do futuro tem um lado técnico separado do lado político – viabilidade econômica do plano separada da viabilidade política (DE TONI, 2004; LIMA, 2004). Além disso, a visão tradicional trabalha com uma lógica linear, organizando o planejamento governamental em etapas (planejamento, implementação e avaliação), que ocorrem cada uma a seu devido tempo, consistindo em um documento 43 Os métodos ZOOP e MAPP utilizam categorias, conceitos e concepções equivalentes ao PES, distinguindo-se apenas na complexidade. O PES é um planejamento para macro-regiões, podendo ser utilizado pelas prefeituras de grande porte, estados, grandes empresas. O ZOOP é aplicado em níveis intermediários de organizações (Secretarias de Estado, por exemplo) para projetos orientados por objetivos. O MAPP é estruturado para o planejamento em bases populares (associações, setores governamentais comunitários, partidos políticos) e para efetivar a democratização e participação da sociedade na sua implementação. 180 excessivamente estático para acompanhar a dinâmica do jogo social. Segundo Marini e Martins (2004, p. 9), (...) era como se o mundo fosse congelado num determinado instante do tempo e, sobre esta base, um grupo de iluminados construía um documento denominado plano-livro que continha diagnósticos setoriais e regionais e definições de objetivos globais desdobrados em programas, projetos e atividades com respectivos indicadores, metas e orçamentos. Depois de algum tempo, religavam o mundo (que, naturalmente, não era mais o mesmo) e submetiam a esta outra realidade um plano construído em circunstâncias bastante diversas. O excesso de fragmentação chegou ao ponto de estabelecer barreiras funcionais entre as equipes: algumas pagas para pensar outras para fazer. Na concepção moderna (PES)44, o planejamento não se propõe a predizer e adivinhar o futuro, mas é um cálculo que precede e preside o agir para se criar o futuro, a partir da interação dos atores, sendo, portanto, indeterminado. Para Matus (1996a, 1996b), “o planejamento é um processo técnico-político que resulta da interação conflitiva e cooperativa entre vários atores sociais, os quais também fazem planos, desenvolvem suas próprias estratégias e têm sua visão particular da realidade e dos problemas, fazendo com que a eficácia do meu plano seja dependente da eficácia das estratégias dos meus aliados e oponentes. Assim, não existem mais comportamentos sociais previsíveis e nem relações causa-efeito, mas sim relações iniciativa-resposta de agentes criativos”. Como resultado dessa interação, surge o componente da incerteza, o qual exige intensa negociação entre diferentes visões de mundo e interesses objetivos e difusos, proposição de alternativas, formulação de estratégias e um rigoroso sistema de gestão, ao contrário do “plano-livro” estático do modelo tradicional de planejamento. O PES constitui-se, dessa maneira, em um processo aberto, no qual os atores exercitam sua liberdade e disputam (negociam) suas estratégias e objetivos. A realidade é acompanhada permanentemente (como um processo de aprendizagem-correçãoaprendizagem), sendo que o foco é o jogo dos atores sociais (um contexto conjuntural) 44 O PES foi sistematizado pelo economista chileno Carlos Matus através de sua experiência como Ministro do governo Allende (1973) e de estudos críticos da abordagem tradicional de planejamento econômico governamental. Matus criou a Fundação Altadir, com sede na Venezuela, para difundir o método e capacitar dirigentes. 181 que representa uma passagem entre o conflito, a negociação e o consenso, onde tudo será decidido (ADUM; COELHO, 2007). Essa dinâmica do novo planejamento introduz o conceito de estratégia emergente, pressupondo que as estratégias são deliberadas e também emergem do contexto situacional. Com isso, abre-se espaço para o aprendizado estratégico, reconhecendose a capacidade da organização para experimentar e para criar um ambiente que favoreça a intuição e a criatividade (MARINI; MARTINS, 2004). O caminho, portanto, é construído ao longo da própria trajetória, o que evita o ambicioso desejo da antecipação de todas as possibilidades. Em oposição ao modelo tradicional, o ator que planeja está inserido no processo social e político, sendo ao mesmo tempo sujeito e objeto do planejamento. Somando-se a isso, não existe disfunção entre planejamento e ação. Quem governa também planeja, e planeja quem governa. O responsável em conduzir as políticas públicas, que tem capacidade de decisão, deve necessariamente envolver-se no planejamento, sendo a atividade de coordenação indissociável do planejamento. O novo planejamento não é monopólio do Estado, sendo relevantes também os papéis do mercado, da sociedade e do terceiro setor, como articuladores e promotores do desenvolvimento. Qualquer ator tem capacidade de planejamento, envolvendo-se tanto na sua formulação quanto na sua implementação. Seu cumprimento não depende apenas de variáveis econômicas, mas de múltiplas dimensões da realidade (política, ambiental, social, entre outras). Ressalta-se que o PES é uma atividade de cunho nitidamente político, sendo centrais as relações de poder – compartilhado nesse modelo – entre os atores sociais (variável política, refletida nos diferentes pontos de vista dos atores sociais), fazendo parte da elaboração da viabilidade e vulnerabilidade do plano. No lado político do planejamento, o líder político (executivo principal) propõe uma visão e passa a negociála, buscando aliados e parceiros estratégicos na sua direção. Dessa forma, as ações envolvem decisões políticas e não apenas critérios técnicos pré-concebidos. Considerando que nas organizações públicas as relações de poder são indissociáveis da produção de políticas públicas e das negociações entre staff político-dirigente e funcionários, a utilização de tal método torna-se essencial. 182 Por fim, destaca-se que o PES é estruturado através de quatro momentos: momento explicativo (foi, é, tende a ser); momento normativo (deve ser); momento estratégico (pode ser do, deve ser); momento tático-operacional (fazer e recalcular). De acordo com Lima (2004, p. 27-28), os momentos apresentam as seguintes características: • não seguem uma sequência linear estabelecida; • formam uma cadeia contínua, sem começo nem fim definidos; • cada momento, quando dominante, contém todos os outros momentos, nos quais apóia seu cálculo; • eles se repetem constantemente, mas com distintos conteúdos, propósitos, datas, ênfases e contextos situacionais; • numa data concreta do processo de planejamento, os problemas e oportunidades enfrentados pelo plano encontram-se em diferentes momentos dominantes; • para cada momento existem instrumentos metodológicos que lhe são mais pertinentes, embora nenhum instrumento destine-se ao uso exclusivo de um momento específico. No momento explicativo, o PES trabalha com o conceito de problemas (atuais e potenciais), os quais são identificados, selecionados e explicados (explicação situacional)45, destacando-se suas causas, sintomas e conseqüências. O momento normativo é a ocasião para se definir o conteúdo propositivo do plano. Nesse momento, são desenhadas as ações que irão compor o programa para a mudança da situação problema, de modo a atacar as causas fundamentais dos problemas. Para cada operação devem ser discutidos os recursos necessários, os produtos esperados e os resultados previstos. No momento estratégico, são analisados os atores sociais envolvidos, identificando seus interesses, motivações, pressões e poder em relação às ações planejadas, bem como os possíveis cenários capazes de influenciar de forma positiva ou negativa a execução das ações planejadas, objetivando a definição das melhores estratégias para garantir a viabilidade do plano, realizando-o com a máxima eficácia. O momento tático-operacional é o momento da execução do planejamento estratégico. É 45 Realizada a partir de informações sobre a realidade, subsidiada por um diagnóstico. O ator social processa tais informações conforme suas crenças, valores, tradições, ideologias e interesses, construindo, assim, sua apreciação da situação. Note-se que o problema, visto como incoerente com o desejado por um ator social, também é situacional, uma vez que modifica de acordo com cada ator. 183 o momento mais importante do plano sob a perspectiva do seu impacto. Nesse momento também se realiza o monitoramento das ações propostas e dos problemas originais, a reavaliação e a correção46. As principais características do planejamento tradicional e do PES podem ser visualizadas na Figura 33. Figura 33 – Características do velho e do novo planejamento O VELHO PLANEJAMENTO Segregação entre planejamento e execução: quem pensa não executa, quem executa não pensa. O órgão de planejamento pensa, as demais unidades executam. Sequência planejamento-implementação: primeiro se planeja, depois se executa e se avalia. Enfoque racional-formal: previsibilidade e durabilidade e rigidez dos objetivos. Endógeno: avaliações internas sobre o contexto e seus atores. Baseado em planos: planejar é fazer planos que devem ser seguidos. A Lei regula e estabelece os planos. A estratégia é o resultado do plano. Isolacionista e segregatório: focado nos interesses de alguns e negligência de outros públicos interessados. O desempenho baseado em ações: bom desempenho é cumprir os planos. Ocasional: realizado em intervalos regulares ou motivados por crises. Reprodutivo: reproduz a ordem atual, reforça o status quo. Fonte: Marini; Martins, 2004, p. 21. O NOVO PLANEJAMENTO Integração planejamento-implementação: todos pensam e executam em diferentes proporções. Todas as unidades planejam e executam. Planefazendo: monitoramento, formulação, ação e avaliação estratégicas são momentos lógicos concomitantes, não sequenciais. Enfoque oportunista-incremental: imprevisibilidade e volatilidade dos objetivos. Flexibilidade e abertura à improvisação. Exógeno: visões e avaliações de atores internos e externos. Baseado em pensamento estratégico: as pessoas devem pensar estrategicamente. A liderança proporciona uma visão. A estratégia emerge da “luta estratégica”, lidando com as estratégias emergentes. Pluralista e transacional: visão abrangente e comunicação permanente com múltiplos públicos de interesse. O desempenho baseado em resultados: alcance de padrões desejáveis de eficiência, eficácia e efetividade das políticas públicas. Contínuo: motivado pela construção de um futuro desejável. Generativo: promove inovação, construção de futuros desejáveis/possíveis em bases inovadoras. Diante do exposto, cabe perguntar: Para você, que tipo de planejamento prevalece nas organizações públicas brasileiras? Em que governos pode ser observada a prática do PES? 46 Para maiores detalhes a respeito dos momentos ver: LIMA, 2004. 184 3.14 O SISTEMA BRASILEIRO DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO: O PPA, A LDO E A LOA O bem-estar do povo é o fim jurídico e político do Estado, sendo papel da Administração Pública: promover coletivamente a prosperidade dos cidadãos, propiciando-lhes a segurança, ou bem-estar jurídico; a dignidade e o livre desenvolvimento, ou bem-estar moral; os direitos econômicos e sociais, ou bem-estar material; e os direitos culturais, ou bem-estar cultural. Para transformar a abstração dos conceitos de bem-estar em efetiva satisfação das necessidades coletivas, é imprescindível vontade política, determinação e planejamento. Em uma sociedade dinâmica, influenciada pelas transformações tecnológicas, sociais e econômicas que ocorrem no mundo, não basta a simples repetição das estruturas passadas ou a mera repetição dos quadros anteriores. É necessária a adoção de um processo racional de planejamento para definir objetivos e determinar os meios necessários para alcançá-los, efetuando-se: (a) diagnóstico da situação existente; (b) identificação das necessidades de bens e serviços; (c) definição clara dos objetivos; (d) discriminação e quantificação das metas e dos recursos necessários; (e) avaliação dos resultados obtidos; (f) trabalho integrado, com reavaliação continuada. O processo de planejamento tem como objetivo a seleção racional das alternativas para a ação da Administração Pública, compatibilizando-as com os meios disponíveis. Programar consiste em selecionar objetivos a serem alcançados, assim como determinar as ações que permitam atingir tais fins e calcular e consignar os recursos humanos, materiais e financeiros, para a efetivação dessas ações. No Brasil, as decisões políticas resultante deste processo de identificação de necessidades, recursos e resultados a atingir nos diferentes níveis de governo (União, Estados e municípios) são sintetizadas na Lei do Plano Plurianual (PPA), na Lei das Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei do Orçamento Anual (LOA). Conforme representado na Figura 34, o PPA deve ser elaborado no primeiro ano do mandato do governante federal, estadual ou municipal e terá vigência nos quatro anos subseqüentes. Em cada ano elabora-se no primeiro semestre a LDO, que orientará a confecção, em regra no segundo semestre de cada ano, da LOA, que 185 conterá por sua vez a previsão de receita e a autorização de despesa para o ano seguinte. Figura 34 – Leis do Plano Plurianual, das Diretrizes Orçamentárias e do Orçamento Anual PPA 2010/2 2013 2012 2011 LDO 2010 2013 2012 2011 LOA 2010 Fonte: Elaborada por Luis Alberto Guadagnin. 3.14.1 Lei do Plano Plurianual A Carta Magna que vigora desde 1988 classifica como “orçamentos” o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais: Título VI DA TRIBUTAÇÃO E DO ORÇAMENTO Capítulo II DAS FINANÇAS PÚBLICAS Seção II DOS ORÇAMENTOS Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I - o plano plurianual; II - as diretrizes orçamentárias; III - os orçamentos anuais. 186 § 1º - A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada. § 2º - A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento. O Plano Plurianual (PPA) estabelece os projetos e os programas de longa duração do governo, definindo objetivos e metas da ação pública para um período de quatro anos. Tem conotação estratégica e política. Mais do que uma formalidade o PPA pode ser utilizado como instrumento de melhoria da Gestão Pública. O plano deve estabelecer metas, diretrizes, estratégias, objetivos e programas da ação governamental além dos indicadores de desempenho necessários para auferir os resultados. No que tange às metas, o plano deve estar voltado à sua quantificação física e à obtenção de resultados em nível de agregação compatíveis com a dinâmica do processo de planejamento. 3.14.2 Lei de Diretrizes Orçamentárias A importância atribuída à Lei de Diretrizes Orçamentárias pode ser deduzida pelo fato de que o artigo 57, parágrafo 2º, da Constituição Federal veda a interrupção da sessão legislativa sem a aprovação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias. Em seu artigo, 165, parágrafo 2º, dispõe a Constituição Federal: § 2º - A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento. 3.14.3 Lei do Orçamento Anual Ao projetar as receitas públicas e, democraticamente, eleger os gastos públicos a serem realizados para satisfazer necessidades coletivas, o Orçamento constitui o principal instrumento de mediação entre o Estado e a Sociedade, no que concerne à 187 atividade financeira de busca de recursos junto aos particulares para prover o funcionamento da Administração Pública. Deodato (1984, p. 6) sintetiza: a atividade financeira do Estado “é a procura de meios para satisfazer às necessidades públicas”. Discorre o autor: Essas necessidades são infinitas. De terras, de casas, de estradas, de ruas, de pontes, de navios, de defesa interna e externa, de justiça, de funcionários e trabalhadores. Um mundo enfim, de bens e serviços. Mundo que cresce, dia a dia, com o intervencionismo do Estado, em busca do bem-estar social. As suas funções não são mais, apenas, as de assegurar a ordem e a justiça, mas as de previdência e assistência. O zelo pela velhice e pela doença. Pela existência digna. Pela família. Tudo isso custa dinheiro. E é a aquisição de dinheiro que constitui, precipuamente, a atividade financeira do Estado, que é, em síntese, um ente que arrecada e que paga. É o maior criador e consumidor de riquezas. Diante da impossibilidade de satisfazer todas as necessidades coletivas simultaneamente, diante da escassez de recursos, é por meio da atividade política (da negociação) que ocorre a determinação dos objetivos a serem perseguidos prioritariamente. Ao confrontar receitas com despesas e forçar a tomada de decisão sobre as metas a serem atingidas com os gastos públicos, o orçamento consiste também na atividade econômica de avaliação dos itens que o compõem enquanto expressão de uma finalidade voltada à geração do máximo de bem-estar da coletividade, com o menor dispêndio possível. Ao condicionar a realização de gastos públicos à prévia autorização legislativa, por meio da LOA, a atividade jurídica do orçamento delimita a ação do Poder Executivo e reforça o seu papel político (de negociação), enquanto poderoso instrumento de controle do Poder Executivo pelo Poder Legislativo. A LOA constitui, assim, um plano de realização de receitas e despesas, que é definido e aprovado pelo Legislativo, para ser seguido rigorosamente pelo Executivo. Ao sintetizar o fluxo monetário de entradas de receita e de saídas da despesa, o orçamento denota uma atividade financeira que deve gerar receitas para atender às necessidades coletivas (despesas) e distribuir de forma eqüitativa o ônus de custear o funcionamento do Estado. 188 Figura 35 - Importância do Orçamento ASPECTO Político Econômico Jurídico Financeiro CARACTERÍSTICAS Prioriza as necessidades coletivas a serem satisfeitas Subsidia o eleitor no exame da coerência da prática administrativa com a plataforma eleitoral que levou o governante ao poder Maximiza os resultados da ação pública, com a melhor combinação dos recursos disponíveis, ao menor dispêndio Estabelece limites para a ação do Governo e condiciona a realização de despesas à prévia autorização orçamentária Fortalece o poder de fiscalização do Executivo pelo Legislativo Projeta as receitas necessárias para atender às necessidades coletivas Distribui o ônus tributário entre a população de forma eqüitativa Fonte: Elaborada por Luis Alberto Guadagnin. 3.15 PAPEL FUNDAMENTAL DE GOVERNOS: GERAR QUALIDADE DE VIDA O papel central de um governo é de proporcionar, em consonância com os outros níveis de governo, maior qualidade de vida para os cidadãos de um território (País, Estado ou Município), via atuação de forma direta (pela hierarquia de seu aparelho administrativo) ou descentralizada, podendo esta ser via administração indireta de entidades relacionadas, ou via ações governamentais (projetos, programas e atividades), organizadas em forma matricial ou de rede. A expressão “qualidade de vida?” pode ser definida como sendo: • capacitação47 para viver uma vida com bem-estar, em que capacitações tem o sentido de capacidade (ou habilidades com liberdade) para se alcançar funcionamentos; • funcionamentos, por sua vez, podem ser descritos como se referindo “àquilo que se gostaria de fazer e ter na vida”. Esses funcionamentos devem ser ativados pelas estruturas de administração direta e descentralizada, visando a proporcionar condições sociais para que os cidadãos possam usufruir vidas com melhor qualidade, em aspectos como: 47 Ver PORSSE, 2006. renda (suficiente); 189 educação (de qualidade); saúde (de qualidade); saneamento (em nível adequado); água (de qualidade); habitação (adequada); opções de cultura, esportes e lazer; opções de convivência; ambiente saudável (sem poluição); opções de transporte; segurança (garantia de); opções de acesso a notícias e informações; opções políticas; opções de associação; opções de crença; opções de profissão; opções de expressão; opções de formas de vida. Adiante, segue uma lista de “capacitações” (ou de “capacidades”) com diferentes itens de qualidade de vida a serem atendidos, tendo em vista as noções de desenvolvimento propostas por Amartya Sen (2000), que podem ser assumidos como constituindo um conjunto de itens de referência a serem alcançados pelas pessoas, com apoio das ações dos poderes públicos, de todos os níveis de governo: • capacidade para viver uma vida longa e tranqüila; • capacidade de saúde física: de estar bem nutrido, de ter abrigo, de ter filhos; • capacidade de integridade física, podendo ir e vir com confiança e livremente, estando livre da violência sexual, da violência doméstica e do abuso infantil; ter oportunidade de satisfação sexual; • capacidade de pensar, imaginar, sentir e de emocionar-se; • capacidade de afiliação, de reunir-se em grupos formais ou informais; de viver em sociedade; • capacidade de auto-respeito e não-humilhação; 190 • capacidade de viver em convívio com a natureza (em convívio com animais, plantas e o meio-ambiente); • capacidade de rir e de divertir-se; • capacidade de participar ativamente de escolhas políticas; • capacidade de ter direitos de propriedade. Os governos tem o importante papel de “orquestrar” sua variada estrutura administrativa direta e descentralizada, visando a promover uma crescente qualidade de vida dos cidadãos sob sua abrangência e responsabilidade. 3.16 CENÁRIO FUTURO: ENFOQUE SISTÊMICO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA O desenvolvimento de novas tecnologias de informação e comunicação e a globalização da economia, assistidos no final do século XX, constituíram um cenário de negócios turbulento, de mudanças rápidas e contínuas, no qual a competitividade, flexibilidade e a busca de eficiência e da eficácia tornam-se essenciais (PIMENTA, 1998). Como uma alternativa de sobrevivência nesse ambiente dinâmico e com elevado nível de incerteza, são estabelecidas novas estruturas organizacionais privadas e, sobretudo, públicas, sendo as redes o elemento fundamental que as caracteriza. Dessa maneira, as organizações conseguem acessar novos recursos e conhecimentos, superar limitações individuais, obter maior flexibilidade e melhores condições de atuação e de superação de problemas (PECI, 1999). Especificamente em relação ao Estado, uma nova forma institucional surge para se adequar aos desafios contemporâneos e aos novos problemas da administração e gestão pública, qual seja, a construção de uma rede interna ao Estado – entre os diferentes níveis e esferas de governo – com ênfase na descentralização, redistribuindo recursos, competências e poder para as esferas subnacionais, e tornando possível a proximidade do cidadão com a figura do poder público. As distintas instâncias governamentais se convertem em elos de uma rede e passam a tomar decisões coordenadas, o que torna as intervenções mais eficazes (CASTELLS, 1999). Ademais, as ações do governo e de seus diferentes níveis passam a ser integradas também com as diferentes entidades e a sociedade civil. 191 O Estado substitui então o modelo de provedor exclusivo e de executor por um modelo de coordenador e fiscalizador de serviços, sendo as responsabilidades executadas de modo descentralizado, incluindo também parcerias e alianças com empresas privadas e com a sociedade civil. Dessa forma, as instâncias de governo se tornam sócias na promoção do desenvolvimento econômico e social, apresentando uma organização mais flexível, ágil, eficiente, efetiva e com a sua ação descentralizada. De acordo com Castells (1998), a evolução para uma gestão pública flexível e conectada (Estado em rede) pode ser alcançada através de oito princípios de funcionamento administrativo, quais sejam: a descentralização, a flexibilidade na organização e na atuação administrativa, a coordenação, a participação cidadã, a transparência administrativa, a modernização tecnológica da administração, a profissionalização e a retroação. O primeiro princípio pode ser conceituado de três formas distintas, ou seja, a descentralização das competências e responsabilidades, a descentralização de poder e recursos e a descentralização do Estado para a sociedade e para o setor privado. Nesse sentido, a alocação das funções ou a definição de responsabilidades deve ser realizada em cada unidade governamental conforme a área inerente aos serviços providos pelo setor público, buscando a proximidade da esfera prestadora da despesa com a população consumidora. Somando a isso, deve ocorrer também uma delegação de poder e recursos aos níveis mais inferiores de governo, nos quais a proximidade com os cidadãos e com os seus problemas torna a gestão mais eficaz. Em última instância, o Estado deve ser substituído pela sociedade e empresa privada em tudo aquilo que o primeiro não for necessário, através da terceirização, privatização ou de entidades sem fins lucrativos. No que diz respeito ao segundo princípio, o Estado tem que transformar-se em negociador e interventor, deixando de ser autoritário e controlador, bem como assumir uma estrutura flexível e uma geometria variável na sua atuação. Para tal flexibilidade e descentralização comentada acima, a coordenação e a cooperação entre as administrações locais, regionais e nacionais devem estar presentes na rede que opera o Estado, incluso algumas formas de hierarquia, mantendo regras de subordinação, porém, estabelecidas democraticamente. 192 Quanto ao princípio da participação cidadã, o mesmo permite a articulação da população com o Estado, impedindo que a democracia perca o seu conteúdo. Com os recursos dos meios de comunicação, a comunidade pode manter-se melhor informada e assumir debates acerca de seus problemas. Como resultado, uma administração flexível, descentralizada, participativa e ágil, para que possa funcionar de forma complexa, requer uma modernização do sistema tecnológico. Dessa forma, são imprescindíveis os investimentos em equipamentos, capacitação de recursos humanos e um desenho apropriado para a operação em rede. Também, como fator decorrente, é relevante a profissionalização dos funcionários públicos, pois uma administração pública atualizada deve possuir recursos humanos qualificados. Por fim, ainda que se mantenha uma hierarquia administrativa, são necessárias regras mais flexíveis e autonomia para se mudar as próprias regras, dados os resultados e sua evolução, podendo ser assegurados os efeitos da aprendizagem e a correção dos erros. No Brasil, o novo desenho estatal começa a ser definido no final dos anos setenta num cenário marcado por uma profunda crise econômica e fiscal e por mudanças na economia capitalista mundial. A alternativa encontrada para o enfrentamento das crises interna e externa foi a reestruturação das instituições governamentais, possibilitada inicialmente pela promulgação da Constituição Federal de 1988, e posteriormente pela Reforma do Aparelho do Estado em 1995, e complementadas em momento seguinte pela Lei de Responsabilidade Fiscal. O elemento central da redefinição da esfera pública brasileira foi a descentralização, isto é, o deslocamento das decisões para as esferas subnacionais de governo (estados e municípios), estabelecendo-se vínculos de parcerias verticais e horizontais. No primeiro caso, os programas de iniciativa municipal ou estadual são articulados com esferas mais abrangentes de governo. Ademais, as alianças verticais também podem ser formadas a partir de diretrizes federais, mas com a formulação e implementação de programas em nível local, podendo ser citado o Programa “Médico da Família” do Ministério da Saúde, adotado em prefeituras brasileiras. Com relação às parcerias entre governos de mesmo nível, são representativas as alianças realizadas 193 entre governos de vários municípios, caracterizando-se como os consórcios intermunicipais. No entanto, essa nova arquitetura institucional somente se torna efetiva com a construção de diferentes arranjos entre o Estado, a sociedade civil e as empresas privadas. Assim, quando o enfrentamento dos problemas ultrapassa a capacidade de ação individual do setor público, formam-se também redes entre as entidades governamentais e outros atores. Portanto, o esforço de reforma administrativa do Estado em um sentido mais amplo, enfatizado na descentralização, consistiu na reestruturação das intervenções estatais, constituindo-se na busca de uma maior inserção na comunidade internacional, maior participação da população no processo de tomada de decisões governamentais, maior competitividade, alteração das relações entre governo e os agentes sociais, maior eficiência administrativa, melhor distribuição de recursos e de poder entre as três esferas do governo e, principalmente, o estabelecimento de uma nova arquitetura de ação administrativa, envolvendo os esforços integrados de diferentes níveis e esferas de governo ao mesmo tempo, na solução de demandas sociais. Algumas experiências no Brasil, propostas a partir da década de 90, que empregam esse enfoque sistêmico, integrando diferentes ações com diferentes níveis de governo, entidades e sociedade civil, podem ser destacadas: o Sistema Único de Saúde – SUS (Lei n. 8.080/90); REDESAN (Rede Integrada de Equipamentos Públicos de Segurança Alimentar e Nutricional, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome); Territórios da Cidadania (do governo federal). O SUS foi criado em 1988 pela Constituição Federal Brasileira, transformando o Brasil no país de maior atendimento gratuito de saúde no mundo. Trata-se de um sistema ímpar, uma vez que garante acesso integral, universal e igualitário para toda a população brasileira, desde o simples atendimento ambulatorial até o transplante de órgãos. Além de oferecer consultas, exames e internações, o sistema também promove campanhas de vacinação e ações de prevenção e de vigilância sanitária. Ademais, o sistema constitui um projeto social único que se materializa através de ações de promoção, prevenção e assistência à saúde dos brasileiros, constituindo-se em uma política de Estado de grande magnitude, com particularidades em seu 194 funcionamento e responsabilidades inerentes a cada ator dentro do sistema. Nesse sentido, o sistema coloca possibilidades e desafios, os quais devem ser assumidos de forma solidária pelos três níveis de governo48. Em primeiro lugar, com a Constituição de 1988, a gestão do sistema de saúde foi descentralizada para os municípios com a conseqüente transferência de recursos financeiros e da cooperação técnica da União. O município passou a ser o principal responsável pela saúde pública e, em decorrência, pela gestão das ações e serviços de saúde oferecidos em seu território. Quando o município não pode oferecer procedimentos de complexidade, ele estabelece parcerias com outros municípios da região, negociando também com o gestor estadual, para garantir o atendimento pleno da sua população. Os municípios possuem secretarias específicas para a gestão de saúde, coordenando e planejando o SUS em nível municipal, de acordo com a normatização federal e o planejamento estadual. Essa esfera de governo formula suas próprias políticas de saúde e aplica em parceria as políticas estaduais e nacionais de saúde. O gestor municipal aplica recursos próprios e os repassados pelo estado e pela União. Nesse sistema, a gestão federal da saúde é realizada pelo Ministério da Saúde, sendo a União o principal financiador da saúde pública no país, realizando metade dos gastos. Ainda, é de responsabilidade da União a formulação de políticas nacionais de saúde, cuja implementação é feita pelos seus parceiros (estados, municípios, ONGs, fundações, iniciativa privada). A União também tem a função de planejar, criar normas, avaliar e utilizar instrumentos para controle do SUS. Ao governo estadual compete a implementação das políticas nacionais e estaduais de saúde e também a organização do atendimento à saúde em seu território49. Os estados possuem secretarias específicas para a gestão de saúde, coordenando e planejando o SUS no âmbito estadual em conformidade com a normatização federal. Na área da saúde, os estados aplicam recursos próprios, inclusive nos municípios, bem como os repassados pela União. 48 49 Mais informações em Brasil. Ministério da Saúde, 2009. Para mais informações ver: Ministério da Saúde, 2006. 195 No entanto, nesse sistema, não existe hierarquia na relação entre a União, estados e municípios, mas competências para cada um dos gestores do SUS . O que ocorre é a chamada “pactuação intergestores”, na qual os entes federados negociam e entram em acordo sobre serviços, ações, organização dos atendimentos e demais questões referentes ao sistema público de saúde. A pactuação se dá, em nível municipal, por intermédio do Conselho Municipal de Saúde (CMS), onde as políticas são aprovadas; em nível estadual, através da Comissão Intergestores Bipartite (CIB)50, onde as políticas são negociadas e pactuadas, assim como do Conselho Estadual de Saúde (CES)51, no qual as políticas são deliberadas; em nível federal, por meio da Comissão Intergestores Tripartite (CIT)52, onde as políticas são negociadas e pactuadas. Dessa forma, observa-se que o SUS constitui um sistema integrado de gestão, uma vez que o governo federal formula as políticas nacionais de saúde, coordena, controla e avalia o SUS, mas não realiza as ações, sendo que a realização dos projetos depende dos parceiros (estados, municípios, ONGs, fundações, iniciativa privada). No que tange à REDESAN, a mesma constitui-se em uma rede virtual constituída pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS (contando também com o apoio tecnológico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, e o apoio técnico e administrativo da Fundação de Apoio da UFRGS – FAURGS), que objetiva a formação de gestores e monitoramento dos processos de implementação dos Equipamentos Públicos de Alimentação e Nutrição da Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional do MDS: Restaurantes Populares, Cozinhas Comunitárias e Bancos de Alimentos. Via REDESAN, os diferentes programas são desenvolvidos de forma conjunta e integrada, obtendo-se desta forma uma ação administrativa e prática com maior sinergia. Por fim, o Programa Territórios da Cidadania é uma iniciativa do governo federal, lançada em 2008, que tem a finalidade de melhorar a qualidade de vida dos brasileiros que vivem em regiões com maiores demandas, notadamente do meio rural. Além disso, 50 A CIB é composta por representantes da secretaria estadual e das secretarias municipais de saúde. A CES é composta por segmentos da sociedade: usuários, entidades de classe, profissionais, gestores, dentre outros. 52 A CIT é composta por representantes das secretarias municipais e estaduais de saúde e pelo Ministério da Saúde. 51 196 o “Territórios da Cidadania” objetiva superar a pobreza e gerar trabalho e renda no meio rural, promover o desenvolvimento econômico e universalizar programas básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável. Também fazem parte dos objetivos do Programa a inclusão produtiva das populações pobres dos territórios, a ampliação da participação popular e o planejamento e a integração de políticas públicas. O enfoque sistêmico desse programa está no fato de que a estratégia é construída com base na participação social e na integração de diferentes ações (e Programas) entre o Governo Federal, estados e municípios. Outras características sistêmicas podem ser destacadas: (a) mobiliza 19 Ministérios (15 com ações) e outros órgãos do governo federal; (b) envolve 135 ações, organizadas em 3 eixos estruturantes e sete temas (conferir Figura 36); ao longo de 2009, este conjunto de ações será realizado pelo governo federal nos 120 territórios rurais; (c) as ações são lançadas no portal Territórios da Cidadania53, podendo ser consultada por totais nacionais e por territórios; (d) a gestão é estruturada segundo a Figura 37, sendo que fazem parte do Comitê Gestor Nacional, os Secretários Executivos ou Secretários Nacionais de todos os Ministérios/Secretarias que compõem o Programa; do Comitê de Articulação Estadual, órgãos federais e estaduais, representantes das prefeituras dos territórios; do Colegiado Territorial, representantes das três esferas de governo e da sociedade em cada território. 53 http://www.territoriosdacidadania.gov.br 197 Figura 36 – Organização das ações do Programa Territórios da Cidadania Fonte: www.territoriosdacidadania.gov.br. Figura 37 – Estrutura da gestão do Programa Territórios da Cidadania Fonte: www.territoriosdacidadania.gov.br. 198 199 CONCLUSÃO: O GESTOR PÚBLICO COMO ATOR-NEGOCIADOR A atuação efetiva dos servidores públicos federais nos processos de negociação coletiva no setor público passa pelo entendimento das características e da organização do Estado brasileiro, notadamente seus níveis, seus poderes, suas competências, suas instituições, seus órgãos, seu sistema de administração e funcionamento, suas finanças, seus sistemas de planejamento e orçamento, uma vez que é nesse contexto e estrutura que as negociações são realizadas. Essas foram preocupações desenvolvidas nessa parte da disciplina “Estado, Governo e Sociedade”. Tal estrutura do Estado, em termos de aparelho administrativo, entidades e ações, torna-se eficaz somente se a mesma “serve” ao amplo significado de qualidade de vida dos seus cidadãos. Assim, os diferentes órgãos de governo da administração direta, as diferentes entidades da administração indireta e as diferentes ações de governo devem ser organizados de forma a atender de maneira efetiva a gama de demandas e expectativas da sociedade. Além disso, foram evidenciados os principais caminhos seguidos pelo Estado brasileiro para se adaptar à era da informação e da globalização, bem como às crescentes competências atribuídas ao poder público sem a devida correspondência de condições. Nesse sentido, são reformadas as estruturas do Estado, adotadas novas práticas de gestão, novas soluções, medidas inovadoras, buscando-se novos colaboradores e parceiros, podendo-se citar os consórcios, os convênios, o Estado em rede – entre os três níveis de governo, entre esferas de um mesmo nível e entre o governo, entidades e sociedade civil. Também se destacou a evolução do Estado contemporâneo no que se refere às novas possibilidades de consolidação democrática, através de um modelo de gestão baseado em uma nova relação Estado-sociedade, no qual há um maior envolvimento da população nos processos decisórios. Dessa forma, o Estado passa por um processo de readequação, competindo-lhe não somente a busca da eficiência e eficácia, mas, sobretudo, da equidade social. Cabe a todos os atores, agindo pautados pelos Princípios da Administração Pública, promover a melhoria contínua do funcionamento do Estado no interesse da sociedade. 200 REFERÊNCIAS ADUM, J. J.; COELHO, G. L. O Planejamento Estratégico Situacional – PES, na gestão pública: o caso da prefeitura da cidade de Juiz de Fora. Revista Eletrônica de Economia, n. 9, set. 2007. Disponível em: <http://www.viannajr.edu.be/revista/eco/doc/artigo_9001.pdf>. Acesso em: 27 mar. 2009. ANDERSON, J. E. Public policy making. London: Thomas Nelson and Sons, 1975. ARAÚJO, E. N. de. 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