L`O S S E RVATOR E ROMANO
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L`O S S E RVATOR E ROMANO
y(7HB5G3*QLTKKS( +.!z!$!"!{! Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’OSSERVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Cidade do Vaticano Ano XLVII, número 8 (2.402) Quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016 A conferência de imprensa do Papa Francisco durante o voo de retorno do México Riqueza surpreendente Uma palavra para Nínive GIOVANNI MARIA VIAN As últimas palavras de Francisco no México, a pouca distância da fronteira com os Estados Unidos da América, resumiram conteúdo e significado da sua décima segunda viagem internacional. «Sou homem: duro pouco e é enorme a noite. Mas olhar para cima: as estrelas escrevem. Sem compreender compreendo: também sou escritura e neste mesmo instante alguém me soletra». Estes versos lindíssimos do poeta mexicano Octávio Paz serviram a Bergoglio para saudar o grande país no qual passou cinco dias muito densos, que se concluíram em Ciudad Juárez, uma das cidades mais violentas do mundo, com gestos eloquentes como a homenagem comovida às vítimas das migrações forçadas, chaga do nosso tempo. Contudo, na escuridão da noite o Papa divisou muitas luzes: são as mulheres e os homens que encontrou nestes dias, verdadeiros «profetas do porvir» para os quais implorou a protecção de Nossa Senhora de Guadalupe a fim de que sejam missionários, testemunhas de misericórdia e de reconciliação. Estas são palavras que ecoaram antes de tudo numa prisão, onde Francisco foi para celebrar com os detidos o jubileu e para lhes garantir que é sempre possível «escrever uma nova história». Pois quem «experimentou o inferno» pode, rompendo o círculo da violência e da exclusão», tornar-se um profeta na sociedade na qual impera uma cultura que descarta as pessoas. Depois, com os trabalhadores e empresários, Bergoglio falou da possibilidade e urgência de um futuro diverso. Com uma abordagem que lhe é congenial: hoje não podemos dar-nos ao luxo de eliminar as possibilidades de encontro, debate, confronto e busca, porque o único modo de preparar o porvir é construir «os pilares necessários» para reatar os vínculos sociais. Deste modo, empresários e trabalhadores, estão unidos pela mesma responsabilidade de criar trabalho, único caminho para vencer aquela pobreza que é explorada pelo narcotráfico e pela violência. E ainda, o ensinamento social da Igreja «não é contra ninguém CONTINUA NA PÁGINA 13 O povo mexicano possui «uma riqueza tão grande, é um povo surpreendente». Tem «uma cultura milenar» e «é um povo de grande fé», mesmo «se sofreu perseguições religiosas». É um povo que «não se pode explicar» pela sua riqueza, história, alegria, capacidade de festa, não obstante as tragédias. O Papa sintetizou assim as suas impressões sobre a viagem ao México, respondendo às perguntas dos jornalistas no voo de retorno que na tarde do dia 18 o trouxe de volta para Roma. Na con- ferência de imprensa o Pontífice tratou diversos temas da atualidade. Mas voltou muitas vezes com o pensamento ao acolhimento recebido do povo mexicano, frisando também a sua unidade, que lhe permitiu «não falhar», «não sucumbiu a tantas guerras». Disse que está convicto de que se este «povo tem ainda esta vitalidade», isto «só se explica com Guadalupe: Nossa Senhora está ali. E interpelado sobre o momento de silenciosa oração diante da venerada imagem, realizado na tarde do dia 13, o Papa explicou que invocou a intercessão da Virgem «pelo mundo, pela paz», enfim, por «muitas coisas». Francisco confidenciou também que «pediu perdão» e confiou a Nossa Senhora a esperança de «que a Igreja cresça sadia» e «que os sacerdotes sejam verdadeiros presbíteros, e as religiosas verdadeiras freiras, e os bispos verdadeiros prelados: como o Senhor os quer». PÁGINAS 5 A 13 Jubileu da Cúria romana Suspender as execuções capitais Comunidade de serviço Gesto corajoso No meio dos fiéis, como um simples peregrino, em procissão rumo à porta santa. Assim o Papa participou na celebração do jubileu da Cúria romana, a 22 de fevereiro, festa litúrgica da Cátedra de São Pedro. Os funcionários do Vaticano chegaram às 8h30 à sala Paulo VI onde, na presença do Pontífice, se reuniram para a oração da Hora terceira e para ouvir a meditação sobre o tema «A misericórdia na vida diária», pronunciada pelo jesuíta Marko Ivan Rupnik. No final da meditação, os fiéis deixaram a sala e, seguindo a cruz, dirigiram-se para a basílica, onde o Pontífice celebrou a missa. A Cúria romana, o Governatorato e as instituições ligadas à Santa Sé, disse o Santo Padre na homilia, constituem uma «comunidade de serviço» na qual devem ser conjugadas «fidelidade e misericórdia» e na qual ninguém deveria sentir-se «desamparado nem maltratado». PÁGINA 3 Um «apelo à consciência dos governantes para a abolição da pena de morte» e a proposta «de cumprir um gesto corajoso e exemplar: que nenhuma condenação seja executada neste Ano Santo da Misericórdia»: foram lançados por Francisco no Angelus de 21 de Fevereiro. Francisco mencionou o congresso internacional promovido em Roma pela comunidade de Santo Egídio, auspiciando um «renovado impulso ao compromisso para a abolição da pena capital», porque, comentou, é possível «reprimir eficazmente o crime sem tirar àquele que o cometeu a possibilidade de se redimir» e pedindo «uma justiça penal aberta à esperança da reinserção». Comentando com os numerosos fiéis presentes na praça de São Pedro o Evangelho do domingo, o Pontífice relacionou o seu conteúdo com os dias passados na terra mexicana, definindo-os «uma experiência de transfiguração». Segunda audiência jubilar Levar a carícia de Deus PÁGINA 2 PÁGINA 4 L’OSSERVATORE ROMANO página 2 quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016, número 8 No centro da segunda audiência jubilar o vínculo entre compromisso e misericórdia Levar a carícia de Deus «As pessoas abandonadas, quantos são portadores de deficiência muito grave, os doentes nas piores condições, os moribundos, quantos não são capazes de expressar reconhecimento»: são estas as realidades às quais o cristão está chamado a levar a carícia de Deus. Frisou o Papa Francisco na manhã de sábado, 20 de Fevereiro, falando do vínculo entre compromisso e misericórdia, durante a segunda audiência jubilar na praça de São Pedro. Queridos irmãos e irmãs, bom dia! O Jubileu da Misericórdia é uma verdadeira oportunidade para entrar em profundidade no âmbito do mis- tério da bondade e do amor de Deus. Neste tempo de Quaresma, a Igreja convida-nos a conhecer cada vez mais o Senhor Jesus, e a viver de modo coerente a fé com um estilo de vida que expresse a misericórdia do Pai. É um compromisso que estamos chamados a assumir para oferecer a quantos encontramos o sinal concreto da proximidade de Deus. O meu dia-a-dia, as minhas atitudes, o modo de andar na vida deve ser precisamente um sinal concreto do facto que Deus está próximo de nós. Pequenos gestos de amor, de ternura, de cuidado, que fazem pensar que o Senhor está con- Mensagem vídeo aos jesuítas do país latino-americano Dignidade para o México «O México sofre mas é grande, possui muitas coisas lindas, tem uma riqueza impressionante, uma história original, quase única na América Latina»: recordou o Papa Francisco numa mensagem vídeo aos jesuítas do país, que foi gravada durante o encontro com seis deles na sede da nunciatura apostólica por ocasião da recente viagem. Na tarde de domingo, 14 de Fevereiro, voltando da visita ao hospital da capital, o Pontífice encontrou os irmãos de hábito mexicanos que o esperavam para pedir que gravasse uma mensagem para todos os membros da Companhia de Jesus que trabalham no país. No vídeo, transmitido na sexta-feira 19, no canal YouTube Vocaciones Jesuitas México, Francisco dirige em espanhol «uma saudação como irmão» e exorta a continuar «a trabalhar pela dignidade, a dignidade de Jesus que está em cada mulher e homem do México». Um país, frisou o Papa, que «tem um rosto jovem», portanto é preciso comprometer-se a fim de que esta dignidade não acabe «negociada» na Cruz, para fazer com que depois «vivam melhor os que crucificam». Por fim, Francisco garantiu as suas orações e exortou que seja levada em frente a causa do beato mártir Miguel Agustín Pro, do qual recebeu uma relíquia como dom. O jesuíta de Guadalupe foi assassinado em 1927 na Cidade do México durante as perseguições anticatólicas: fuzilado sem processo devido à sua actividade pastoral, foi beatificado por João Paulo II a 25 de Setembro de 1988. L’OSSERVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt GIOVANNI MARIA VIAN director Giuseppe Fiorentino vice-director Cidade do Vaticano [email protected] www.osservatoreromano.va Redacção via del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano telefone +390669899420 fax +390669883675 nosco, está próximo de nós. E assim abre-se a porta da misericórdia. Hoje gostaria de reflectir brevemente convosco sobre o tema desta palavra que disse: o tema do compromisso. O que é um compromisso? E que significa comprometer-se? Quando me comprometo, significa que assumo uma responsabilidade, uma tarefa em relação a alguém; e significa também o estilo, a atitude de fidelidade e dedicação, de atenção especial com a qual levo por diante esta tarefa. Todos os dias nos é pedido para dedicar atenção ao que fazemos: na oração, no trabalho, no estudo, mas também no desporto, nas actividades livres... Em síntese, comprometer-se significa dedicar a nossa boa vontade e as nossas forças para melhorar a vida. E também Deus se comprometeu connosco. O seu primeiro compromisso foi o de criar o mundo, e não obstante os nossos atentados para o destruir — e são tantos — Ele dedicase a mantê-lo vivo. Mas o seu maior compromisso foi o de nos doar Jesus. Este é um grande compromisso de Deus! Sim, Jesus é precisamente o compromisso extremo que Deus assumiu em relação a nós. Recorda isto também são Paulo quando escreve que Deus «não poupou o próprio Filho, mas o entregou por todos nós» (Rm 8, 32). E, em virtude disto, juntamente com Jesus, o Pai nos proporcionará todas as coisas de que necessitamos. E como se manifestou este compromisso de Deus por nós? É muito simples verificá-lo no Evangelho. Em Jesus, Deus comprometeu-se de maneira total para restituir esperança aos pobres, a quantos estavam privados de dignidade, aos estrangeiros, aos doentes, aos presos e aos pecadores que acolhia com bondade. Em tudo isto, Jesus era expressão viva da misericórdia do Pai. E gostaria de mencionar um aspecto: Jesus acolhia com bondade os pecadores. Se pensássemos de modo humano, o pecador seria um inimigo de Jesus, um inimigo de Deus, mas Ele aproximava-se deles com bondade, amava-os e mudava o seu coração. Todos nós somos pecadores: todos! Diante de Deus todos temos alguma culpa. Mas não devemos desanimar: Ele aproxima-se precisamente para nos dar o conforto, a misericórdia, o perdão. É este o compromisso de Deus e por isso enviou Jesus: para se aproximar de nós, de todos nós e abrir a porta do seu amor, do seu coração, da sua misericórdia. E isto é muito bom. Muito bom! A partir do amor misericordioso com o qual Jesus expressou o compromisso de Deus, também nós podemos e devemos corresponder ao seu amor com o nosso compromisso. TIPO GRAFIA VATICANA EDITRICE L’OSSERVATORE ROMANO don Sergio Pellini S.D.B. director-geral E isto sobretudo nas situações de maior necessidade, onde há mais sede de esperança. Penso — por exemplo — no nosso compromisso com as pessoas abandonadas, com quantos são portadores de deficiência muito graves, com os doentes nas piores condições, com os moribundos, com quantos não são capazes de expressar reconhecimento... A todas estas realidades nós levamos a misericórdia de Deus através de um compromisso de vida, que é testemunho da nossa fé em Cristo. Devemos levar sempre aquela carícia de Deus — porque Deus nos acariciou com a sua misericórdia — levá-la aos demais, aos que têm necessidade, a quantos têm um sofrimento no coração e estão tristes: aproximar-se com aquela carícia de Deus, a mesma que Ele nos deu a nós. Que este Jubileu possa ajudar a nossa mente e o nosso coração a ver concretamente o compromisso de Deus por cada um de nós, e graças a isto transformar a nossa vida num compromisso de misericórdia por todos. No final da audiência o Santo Padre saudou em várias línguas os fiéis presentes, proferindo entre outras as seguintes palavras. Amados peregrinos de língua portuguesa, a minha saudação fraterna para todos vós. Ao realizardes esta peregrinação jubilar, que Deus vos abençoe com uma grande coragem para abraçardes diariamente a vossa cruz e um vivo anseio de santidade para iluminardes com a esperança a cruz dos outros irmãos. Conto com as vossas orações por mim! Bom caminho de Quaresma! Assinaturas: Itália - Vaticano: € 58.00; Europa: € 100.00 - U.S. $ 148.00; América Latina, África, Ásia: € 110.00 - U.S. $ 160.00; América do Norte, Oceânia: 162.00 - U.S. $ 240.00. 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A festa litúrgica da Cátedra de São Pedro vê-nos congregados para celebrar o Jubileu da Misericórdia como comunidade de serviço da Cúria Romana, do Governatorato e das Instituições ligadas à Santa Sé. Atravessando a Porta Santa, viemos até ao túmulo do Apóstolo Pedro para fazer a nossa profissão de fé; e hoje a Palavra de Deus ilumina de modo especial os nossos gestos. Neste momento, a cada um de nós o Senhor Jesus repete a sua pergunta: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» (Mt 16, 15). Uma pergunta clara e directa, diante da qual não é possível fugir nem permanecer neu- À Cúria romana o Papa recordou a necessidade da fidelidade Comunidade de serviço tro, e nem sequer adiar a resposta ou delegá-la a uma outra pessoa. Mas ela não contém nada de inquisitivo, aliás, está cheia de amor! O amor do nosso únco Mestre, que hoje nos chama a renovar a fé nele, reconhecendo-o como Filho de Deus e Senhor da nossa vida. E o primeiro a ser chamado a renovar a sua profissão de fé é o Sucessor de Pedro, que tem a responsabilidade de confirmar os irmãos (cf. Lc 22, 32). Deixemos que a graça volte a plasmar o nosso coração para acreditar, e abra a nossa boca para cumprir a profissão de fé e alcançar a salvação (cf. Rm 10, 10). Portanto, façamos nossas as palavras de Pedro: «Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo!» (Mt 16, 16). O nosso pensamento e o nosso olhar permaneçam fixos em Jesus Cristo, princípio e fim de qualquer obra da Igreja. Ele é o fundamento, e ninguém pode Vida diária e cristianismo na meditação do padre Rupnik Por que não devemos olhar para as uvas «É maravilhoso quando alguém, referindo-se a uma cúria qualquer, diz que encontrou pessoas livres, disponíveis, generosas» e capazes de abertura. Características que delineiam o perfil de quem desempenha a própria missão na Cúria romana, segundo o jesuíta Marko Ivan Rupnik, autor da meditação que, na sala Paulo VI, inaugurou a jornada jubilar. Exactamente com esta atitude de abertura, afirmou o religioso «se inicia a diminuir a distância com o homem contemporâneo que se sente ferido, sofredor e provado como nós». E só na partilha desta condição seremos deveras «misericordiosos», envolvendo «as pessoas num desejo de vida nova». A ponto que, explicou Rupnik, «se hoje, nesta sociedade fragmentada, quisermos seguerir algo às instituições civis do mundo», devemos relançar «um modo de nos estruturar, de governar, dirigir e gerir que é comunhão, abrangente, e é manifestação de uma realidade mais profunda». «Somos chamados — prosseguiu Rupnik — a suscitar vontade e apetite no mundo por uma vida nova». E «a nossa fé é sobretudo acolhimento desta vida nova». Certamente que «por detrás de uma Igreja competente nunca alguém se comprometerá, só aplaudirá». O que atrai realmente é «uma Igreja bonita que dentro de si — com os seus gestos, os seus olhares, as suas palavras — faz emergir o Filho e ainda mais o Pai». Sempre «movidos pelo Espírito Santo que é a vida como comunhão». Só assim, observou, «o homem se torna lugar da vida como comunhão e misericórdia, lugar da Igreja, lugar da eclesialidade». O jubileu da Cúria foi uma ocasião propícia, segundo Rupnik, também para nos prevenir da tentação «tremenda de adquirir um carácter meio paraestatal», acabando por colocar no centro «a função, a estrutura, a instituição, o indivíduo que está em função de algo». Mas «o indivíduo só pode revelar-se a si mesmo». E seria escandaloso «fazer ver ao mundo que vivemos o cristianismo como uma realidade individual». Ao contrário, devemos libertar-nos, exortou Rupnik, da ideia de «perfeição do indivíduo», porque «o cristianismo não pode prometer a uma pessoa a perfeição ideal, mas a vida eterna em comunhão com o corpo de Cristo». Referindo-se também aos estudos de grandes pensadores cristãos, Rupnik recordou que «a perfeição da Igreja consiste na organização, isto é, a Igreja pode levar ao mundo uma transfiguração da sociedade porque faz e organiza a vida como a sinergia trinitária, a manifestação da divino-humanidade de Cristo, preparando a nova vinda de Cristo, libertando o homem na Igreja de uma dinâmica pecado-redenção, que é necessária mas deve ser superada». A «segunda etapa — acrescentou — é a do Espírito Santo da criatividade: liberta uma humanidade que se torna teofânica, revela o amor de Deus com o seu modo de ser abrangente e envolvente». Depois, Rupnik advertiu sobre a tentação de se comprometer para obter algo em troca. Fazendo assim «inteiras realidades da Igreja murcharam, caindo no mero compromisso de práticas religiosas», disse. Por isso, a atitude correcta é o acolhimento e não «a institucionalização religiosa da fé e da Igreja». Nas Salas de Rafael, afirmou, o afresco de Laureti recorda que «o cristianismo não é a substituição da religião pagã». De resto, «a tarefa da Igreja é fazer com que o mundo veja o que Deus faz de nós quando escorre através da humanidade». Na sua reflexão sobre a «misericórdia na vida diária», rica de referências bíblicas e patrísticas, Rupnik afirmou também «que a vida é um tecido relacional, escorre através das relações e nas relações o homem revela o seu conteúdo». E a misericórdia provém da «comunhão com Deus». A ponto que «o homem se torna lugar da revelação da misericórdia porque começa a viver segundo a vida de Deus, isto é, incluindo o outro». A existência de Deus, como diziam os antigos padres gregos, consiste «no seu modo de ser: o Pai existe já incluindo o outro». Depois, ao repropor a figura do jovem rico e observante mas temeroso da morte — narrada no capítulo 10 do Evangelho de Marcos — CONTINUA NA PÁGINA 4 página 3 pôr outro diferente (cf. 1 Cor 3, 11). Ele é a «pedra» sobre a qual devemos edificar. Recorda-o santo Agostinho com palavras expressivas, quando escreve que a Igreja, não obstante agitada e abalada pelas vicissitudes da história, «não desaba, porque está fundamentada sobre a pedra, da qual deriva o nome Pedro. Não é a pedra que haure o seu nome de Pedro, mas é Pedro que o recebe da pedra; assim como não é o nome Cristo que deriva de cristão, mas o nome cristão que provém de Cristo. [...] A pedra é Cristo, sobre cujo fundamento também Pedro foi edificado» (In Joh. 124, 5: PL 35, 1972). Desta profissão de fé deriva para cada um de nós a tarefa correspondente ao chamamento de Deus. Em primeiro lugar, aos Pastores é pedido que tenham como modelo o próprio Deus que cuida do seu rebanho. O profeta Ezequiel descreveu o modo como Deus age: Ele vai à procura da ovelha tresmalhada, reconduz ao aprisco a perdida, cura aquela que se feriu e restabelece a que está doente (cf. 34, 16). Um comportamento que é sinal do amor sem fim. É uma dedicação fiel, constante e incondicional, para que a sua misericórdia possa chegar a todos aqueles que são os mais frágeis. E, todavia, não devemos esquecer que a profecia de Ezequiel nasce da constatação das faltas dos pastores de Israel. Portanto farnos-á bem, também a nós, chamados a ser Pastores na Igreja, deixar que a Face do Deus Bom Pastor nos ilumine, nos purifique, nos transforme e nos restitua plenamente renovados à nossa missão. Que também nos nossos ambientes de trabalho possamos sentir, cultivar e praticar um forte sentido pastoral, antes de tudo em relação às pessoas que encontramos todos os dias. Que ninguém se sinta ignorado nem maltratado, mas cada um possa experimentar, antes de tudo aqui, a atenção carinhosa do Bom Pastor. Somos chamados a ser os colaboradores de Deus numa empresa tão fundamental e única como a de testemunhar com a nossa existência a força da graça que transforma e o poder do Espírito que renova. Deixemos que o Senhor nos liberte de toda a tentação que afasta do essencial da nossa missão, e voltemos a descobrir a beleza de professar a fé no Senhor Jesus. A fidelidade ao ministério conjuga-se oportunamente com a misericórdia, que desejamos experimentar. Além disso, na Sagrada Escritura fidelidade e misericórdia constituem um binómio inseparável. Onde se encontra uma, lá está também a outra, e é precisamente na sua reciprocidade e complementaridade que podemos ver a presença do próprio Bom Pastor. A fidelidade que se exige de nós consiste em agir segundo o Coração de Cristo. Como ouvimos das palavras do apóstolo Pedro, devemos apascentar a grei com um «espírito generoso», tornando-nos um «modelo» para todos. Deste modo, «quando aparecer o supremo Pastor» poderemos receber a «a coroa de glória imarcescível» (1 Pd 5, 14). L’OSSERVATORE ROMANO página 4 quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016, número 8 No Angelus Francisco falou da viagem ao México e pediu a suspensão das execuções capitais Experiência de transfiguração «A viagem apostólica ao México foi uma experiência de transfiguração»: disse o Papa no Angelus recitado na praça de São Pedro na manhã de 21 de Fevereiro, relacionando as leituras do Evangelho dominical com a recente experiência vivida no grande país latino-americano. Eis a sua meditação, durante a qual Francisco recordou também o encontro em Havana com o Patriarca Cirilo. Amados irmãos e irmãs, bom dia! O segundo domingo de Quaresma apresenta-nos o Evangelho da Transfiguração. A viagem apostólica que realizei nos dias passados ao México foi uma experiência de transfiguração. Porquê? Porque o Senhor nos mostrou a luz da sua glória através do corpo da sua Igreja, do seu Povo tantas vezes oprimido, desesperado, violado na sua dignidade. Com efeito, os diversos encontros vividos no México foram cheios de luz: a luz da fé que transfigura os rostos e ilumina o caminho. O «centro de gravidade» espiritual da minha peregrinação foi o Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe. Permanecer em silêncio diante da imagem da Mãe era o que antes de tudo me propunha. E dou graças a Deus porque mo concedeu. Contemplei, e deixei-me olhar por aquela que tem impressos nos seus olhos os olhares de todos os seus filhos, e recolhe os sofrimentos devidos à violência, aos raptos, aos assassínios, aos abusos com dano para tanta pobre gente, tantas mulheres. Guadalupe é o Santuário mariano mais frequentado no mundo. De toda a América vão rezar ali onde a Virgen Morenita se mostrou ao índio são Juan Diego, dando início à evangelização do continente e à sua nova civilização, fruto do encontro entre as diversas culturas. Foi precisamente esta a herança entregue pelo Senhor ao México: preservar a riqueza da diversidade e, ao mesmo tempo, manifestar a harmonia da fé comum, uma fé genuína e robusta, acompanhada por uma grande carga de vitalidade e de humanidade. Tal como os meus Predecessores, também eu fui para confirmar a fé do povo mexicano, mas contemporaneamente para ser confirmado; recolhi de mãos-cheias este dom para que seja em benefício da Igreja universal. Um exemplo luminoso do que estou a dizer é dado pelas famílias: as famílias mexicanas acolheram-me com alegria como mensageiro de Cristo, Pastor da Igreja; mas por sua vez deram-me testemunhos límpidos e fortes, testemunhos de fé vivida, de fé que transfigura a vida, e isto para a edificação de todas as famílias cristãs do mundo. E o mesmo se pode dizer para os jovens, para os consagrados, para os sacerdotes, para os trabalhadores e para os presos. Por isso dou graças ao Senhor e à Virgem de Guadalupe pelo dom desta peregrinação. Além disso, agradeço ao Presidente do México e às demais Autoridades civis pelo caloroso acolhimento: agradeço vivamente aos meus irmãos no Episcopado, e a todas as pessoas que colaboraram de tantas maneiras. Elevemos um louvor especial à Santíssima Trindade por ter querido que, nesta ocasião, se realizasse em Cuba o encontro entre o Papa e o Patriarca de Moscovo e de toda a Rússia, o querido irmão Cirilo; um encontro tão desejado inclusive pelos meus Predecessores. Também este evento é uma luz profética de Ressurreição, da qual hoje o mundo precisa como nunca. A Santa Mãe de Deus continue a guiar-nos no caminho da unidade. Rezemos a Nossa Senhora de Kazan’, da qual o Patriarca Cirilo me ofereceu um ícone. No final da oração mariana o Pontífice lançou um apelo contra a pena de morte e saudou os grupos de fiéis presentes, aos quais foi oferecida uma caixinha com um rosário e a imagem de Jesus misericordioso. Amados irmãos e irmãs! Amanhã terá lugar em Roma um congresso internacional com o título: «Para um mundo sem a pena de morte», promovido pela Comunidade de Santo Egídio. Faço votos por que o simpósio possa dar renovado impulso ao compromisso pela abolição da pena capital. Um sinal de esperança é constituído pelo surgimento, na opinião pública, de uma contrariedade à pena de morte cada Vida diária e cristianismo na meditação do padre Rupnik CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 3 Rupnik explicou que Cristo veio salvar-nos precisamente de «uma religião vista como um conjunto de práticas, doutrinas, preceitos, mandamentos e exercícios que o homem deve fazer para atrair sobre si a benevolência de Deus e para conquistar um prémio». Jesus veio libertar-nos «de um modo de viver a religião que se torna difícil». Também o episódio das bodas de Caná, narrado por João no capítulo 2, é «uma ajuda» neste sentido. As seis jarras de pedra, vazias, são imagens da «lei que caiu no legalismo, numa religião moralista que se esvaziou e já não serve para a purificação porque não há nada dentro». E o vinho que as enche, como recordam as Escrituras, representa «o sentido da vida». Isto é: «Por que se casam, se não existe amor?». Porque «uma religião que acaba em moralismo legalista vazio já não serve». Depois, Rupnik sugeriu uma ulterior chave de leitura na imagem de Deus como vinhateiro que sabe podar a fim de que se produzam frutos, como se lê no capítulo 15 do Evangelho de João. Só «o Pai sabe qual é o fruto verdadeiro que deve trazer uma pessoa» e nunca se esquece que o objectivo final não é o cacho de uva mas, justamente, o vinho. Por isso «não nos devemos apaixonar pela uva, mas olhar sempre para o vinho». Desta forma podem ser cortados ramos inclusive com cachos, contanto que se obtenha o produto melhor, que só o Pai conhece. Por conseguinte, prosseguiu, «não nos podemos deter na primeira etapa da vida, quando criamos, propomos. A passagem pelo lagar é necessária para o mosto que se torna vinho». E também a videira, disse, com a sua unicidade recorda-nos que «se a humanidade não for atravessada pela vida filial da vida divina acabará tragicamente, assim como cada ser da criação». De facto, «o homem só é tal ser for divino-humano, se for de Cristo, se for a divinohumanidade de Cristo». Mas «se através da nossa natureza humana não escorrer um princípio distintivo, pessoal, filial, com uma vida que brota no Pai, podemos elevarnos em muitas obras, mas o túmulo e os vermes serão a última estação». Enfim, concluiu, só «se esta vida de Deus passar através de nós, o homem será capaz de produzir o fruto que permanece, de envolver o seu trabalho no amor que permanece eternamente porque volta ao Pai: o que o homem pode revelar é a sua divino-humanidade em Cristo». E o Pai é «o único que pode preencher a lacuna que separa o homem perdido, pecador, morto, do Deus vivo. O homem, sozinho, não o pode fazer: tal capacidade de Deus de nos alcançar é a própria identidade de Deus para connosco e para com a criação, isto é, a misericórdia». vez mais difundida, até como instrumento de legítima defesa social. Com efeito, as sociedades modernas têm a possibilidade de reprimir eficazmente o crime sem privar de modo definitivo aquele que o cometeu da possibilidade de se redimir. O problema deve ser visto na óptica de uma justiça penal que seja cada vez mais conforme com a dignidade do homem e com o desígnio de Deus sobre o homem e sobre a sociedade e também com uma justiça penal aberta à esperança da reinserção na sociedade. O mandamento «não matarás» tem valor absoluto e diz respeito quer ao inocente quer ao culpado. O Jubileu extraordinário da Misericórdia é uma ocasião propícia para promover no mundo formas cada vez mais maduras de respeito da vida e da dignidade de cada pessoa. Também o criminoso mantém o direito inviolável à vida, dom de Deus. Faço apelo à consciência dos governantes, para que se alcance um consenso internacional para a abolição da pena de morte. E proponho a quantos deles são católicos que façam um gesto corajoso e exemplar: que nenhuma condenação seja executada neste Ano Santo da Misericórdia. Todos os cristãos e homens de boa vontade estão chamados hoje não só a comprometer-se pela abolição da pena de morte, mas também a melhorar as condições carcerárias, no respeito pela dignidade humana das pessoas privadas da liberdade. Dirijo uma cordial saudação às famílias, aos grupos paroquiais, às associações e a todos os peregrinos de Roma, da Itália e de diversos países. A Quaresma é um tempo propício para percorrer um caminho de conversão que tem como centro a misericórdia. Por isso, hoje, pensei em oferecer a vós que estais aqui na praça um «remédio espiritual» chamado Misericordina. Já o fizemos uma vez, mas esta é de qualidade superior: é a Misericordina plus. Uma caixinha que contém a coroa do Rosário e a imagem de Jesus Misericordioso. Agora será distribuída pelos voluntários, entre os quais há pobres, desabrigados, prófugos e também religiosos. Aceitai esta oferta como uma ajuda espiritual para difundir, sobretudo neste Ano da Misericórdia, o amor, o perdão e a fraternidade. A todos desejo bom domingo. Por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Bom almoço e até à próxima! número 8, quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016 L’OSSERVATORE ROMANO página 5 Aos jovens do México o Papa pediu que não se resignem a viver sem esperança Tende a audácia de sonhar No estádio de Morélia o Papa Francisco encontrou-se com a juventude do México no final do dia 16 de Fevereiro. A seguir, a tradução do discurso em grande parte improvisado. Boa tarde para vós, jovens do México que estais aqui, que nos estais a ver pela televisão, que nos estais a ouvir; e quero enviar uma saudação e uma bênção também aos milhares de jovens que, na arquidiocese de Guadalajara, estão reunidos na Praça São João Paulo II a acompanhar o que se passa aqui e, como eles, muitos outros; mas fizeram-me saber que lá estavam reunidos vários milhares a acompanhar-nos. Assim somos dois estádios: a Praça João Paulo de Guadalajara e nós aqui; e, depois, muitos outros por toda a parte. Eu tinha conhecimento das vossas questões, porque me fizeram chegar o rascunho daquilo que mais ou menos íeis dizer. É verdade; porque mentir-vos? Mas, à medida que íeis falando, fui também anotando algumas coisas que me pareciam importantes para agora as retomar... Digo-vos que, quando cheguei a esta terra, fui recebido com boasvindas calorosas e pude assim constatar algo que sabia há tempos: a vitalidade, a alegria, o espírito festoso do povo mexicano. Agora mesmo, depois de vos ouvir e sobretudo depois de vos ver, constato de novo outra certeza, algo que disse ao Presidente da nação, na minha primeira saudação: um dos maiores tesouros desta terra mexicana tem um rosto jovem, são os seus jovens. Sim, sois vós a riqueza desta terra. Atenção! Eu não disse a esperança desta terra, mas «a sua riqueza». A montanha pode ter minerais ricos que servirão para o progresso da humanidade, é a sua riqueza. Mas esta riqueza deve ser transformada em esperança com o trabalho, como fazem os mineiros quando extraem aqueles minerais. Vós sois a riqueza; é preciso transformá-la em esperança. E Daniela, no final, lançou um desafio, mas também nos deu a pista para a esperança. Mas todos aqueles que falaram, quando assinalavam as dificuldades, as coisas que aconteciam, afirmavam uma grande verdade: «todos podemos viver, mas não podemos viver sem esperança». Pressentir o amanhã! Uma pessoa não pode pressentir o amanhã, se antes não consegue estimar-se, se não consegue sentir que a sua vida, as suas mãos, a sua história têm valor. Sentir aquilo que o Alberto dizia: «com as minhas mãos, com o meu coração e com a minha mente, posso construir esperança». Se eu não sinto isto, a esperança não poderá entrar no meu coração. A esperança nasce, quando se pode experimentar que nem tudo está perdido, mas para isso é necessário exercitarse começando «por casa», começando por si mesmo. Nem tudo está perdido. Não estou perdido, eu valho, eu valho muito. Peço-vos agora um momento de silêncio, para que cada um se questione no próprio coração: É verdade que nem tudo está perdido? Eu estou perdido, ou: eu estou perdida? Eu valho? Valho pouco, valho muito? A principal ameaça à esperança são os discursos que te desvalorizam: vão-te sugando o valor e acabas por terra, não é verdade? Acabas meditabundo, com o coração triste. Discursos que te fazem sentir um ser de segunda classe, se não mesmo de quarta. A principal ameaça à esperança é quando sentes que ninguém se importa contigo, ou que te puseram de lado. Esta é a grande dificuldade para a esperança: quando numa família ou na sociedade, numa escola ou no grupo de amigos te fazem sentir que não se importam contigo. E isto custa, isto dói. Mas isto acontece, sim ou não? [respondem: «Sim»] Sim, acontece! E isto mata, isto aniquila-nos e é porta de entrada para tanta amargura. Porém há outra ameaça, igualmente importante, à esperança — a esperança de que esta riqueza que sois vós cresça e dê fruto — e é fazer-te crer que começas a valer qualquer coisa, quando te mascaras com roupas de marca, do último grito da moda, ou que ganhas prestígio, te tornas importante por teres dinheiro, mas, no fundo do teu coração, não crês ser digno de carinho, digno de amor (e isso o teu coração o intui!). A esperança fica amordaçada pelo que te fazem crer, não ta deixam despontar. A principal ameaça é quando uma pessoa sente que tudo aquilo de que precisa é ter dinheiro para comprar tudo, inclusive o carinho dos outros. A principal ameaça é crer que, pelo facto de teres um grande carro, és feliz. Será verdade isto? Por teres um grande carro, és feliz? [respondem: «Não»]. Vós sois a riqueza do México, vós sois a riqueza da Igreja. Permiti-me que vos diga uma frase da minha terra: «No les estoy sobando el lomo», não vos estou a acariciar o pêlo, a lisonjear. Compreendo que muitas vezes se torna difícil sentir tal riqueza, quando nos vemos continuamente sujeitos à perda de amigos ou familiares nas mãos do narcotráfico, das drogas, de organizações criminosas que semeiam o terror. É difícil sentir a riqueza de uma nação, quando não se tem oportunidades de trabalho digno (disseste-o claramente, Alberto), possibilidades de estudo e for- mação, quando não se sentem reconhecidos os direitos levando-vos depois a situações extremas. É difícil sentir a riqueza de um lugar, quando, por serdes jovens, vos usam para fins mesquinhos, seduzindo-vos com promessas que, no fim, não são reais, são bolas de sabão. Assim é difícil sentir-se rico. Tendes dentro de vós a riqueza e a esperança, mas não é fácil, por causa de tudo aquilo que vos disse e vós repetistes: faltam oportunidades de trabalhar, de estudo (assim o disseram Roberto e Alberto). Mas, apesar de tudo isto, não me cansarei de dizer: vós sois a riqueza do México. Roberto, disseste uma frase que provavelmente me escapou quando li o teu resumo, mas quero sublinhála. Disseste que perdeste alguma coisa, mas não disseste: «perdi o telemóvel, perdi a carteira com o dinheiro, perdi o comboio porque cheguei atrasado». Disseste: «Perdemos o encanto de apreciar o encontro». Perdemos o encanto de caminhar juntos, perdemos o encanto de sonhar juntos; ora, para que esta riqueza, movida pela esperança, possa crescer, é preciso caminhar juntos, é preciso encontrar-se, é preciso sonhar. Não percais o encanto de sonhar! Tende a ousadia de sonhar! Sonhar não é o mesmo que ser dorminhoco, isso não! E não penseis que vos digo isto — que vós sois a riqueza do México e que esta riqueza, com a esperança, cresce — porque sou bom ou porque já vejo tudo claro! Não, queridos amigos, não é por isso. Digo-vos isto, e digo-o convencido, sabeis porquê? Porque, como vós, creio em Jesus Cristo — e creio que Daniela foi muito forte, quando nos falou disto — eu creio em Jesus Cristo e por isso vos digo isto. E é Ele que renova continuamente em mim a esperança, é Ele que renova continuamente o meu olhar. É ele que desperta em mim, isto é, em cada um de nós o encanto de apreciar, o encanto de sonhar, o encanto de trabalhar em conjunto. É Ele que me convida continuamente a converter o coração. Sim, meus amigos! Digo-vos isto, porque, em Jesus, eu encontrei Aquele que é capaz de estimular o melhor de mim mesmo. E é graças a Ele que podemos abrir caminho; é graças a Ele que sempre podemos recomeçar; é graças a Ele que podemos dizer: é mentira que a única forma possível de viver, de poder ser jovem é deixar a vida nas mãos do narcotráfico ou de todos aqueles cuja única coisa que fazem é semear destruição e morte. Isto é mentira, e dizemo-lo por graça de Jesus. É graças a Jesus, a Jesus Cristo Senhor, que podemos dizer que é mentira que a única forma que os jovens têm de viver aqui é na pobreza e na marginalização: marginalização de oportunidades, marginalização de espaços, marginalização da formação e educação, marginalização da esperança. Jesus Cristo é Aquele que desmente todas as tentativas de vos tornar inúteis, ou meros mercenários de ambições alheias. São as ambições alheias que vos marginalizam, para vos usarem em todas aquelas coisas que vos disse e que — como sabeis — acabam por vos destruir. E o único que me pode segurar fortemente pela mão é Jesus Cristo; Ele faz com que esta riqueza se transforme em esperança. Pedistes-me uma palavra de esperança... A que tenho para vos dizer e que está na base de tudo, chama-se Jesus Cristo. Quando tudo vos parecer pesado, quando parecer que o mundo vos cai em cima, abraçai-vos à sua cruz, abraçai-vos a Ele e, por favor, nunca largueis a sua mão, ainda que vos leve para diante a rasto; e, se alguma vez cairdes, deixai-vos levantar por Ele. Os alpinistas têm uma canção muito bonita, que me apraz repetir aos jovens; enquanto sobem, vão cantando: «Na arte de subir, o triunfo não está em não cair, mas em não ficar caído». Esta é a arte de subir; e quem é o único que pode agarrar-te pela mão, para não ficares caído? Só Jesus Cristo. Ele, às vezes, envia-te um irmão para falar contigo e ajudar-te. Não escondas a tua mão, quando estás caído; não lhe digas: «Não me olhes que estou cheio, ou cheia, de lama. Não me olhes, que já não há remédio». Não é verdade! Basta que deixes agarrar a tua mão e tu agarra-te àquela mão, e a riqueza que tens dentro — suja, enlameada, dada como perdida — começará, através da esperança, a dar o seu fruto. Mas sempre agarrado à mão de Jesus Cristo. Este é o caminho; não vos esqueçais: «Na arte de subir, o triunfo não está em não cair, mas em não ficar caído». Não vos deixeis ficar caídos. Nunca! Está bem? E, se virdes um amigo ou uma amiga que teve uma escorregadela na vida e caiu, vai e dá-lhe a mão, mas dá-lha com dignidade. Colocai-vos ao lado dele, CONTINUA NA PÁGINA 10 L’OSSERVATORE ROMANO página 6 quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016, número 8 Na capela da penitenciária de Ciudad Juárez Salvos pela fragilidade Na manhã de quarta-feira 17 de Fevereiro, último dia da visita no México, o Papa despediu-se da nunciatura na capital e deslocou-se de avião para Ciudad Juárez, nas margens do Rio Grande, que marca o confim com os Estados Unidos da América. Como primeira etapa foi ao Centro de readaptación social estatal n. 3 para se encontrar com os presos. Na capela da prisão improvisou a seguinte saudação. Bom dia! Obrigado pela vossa presença aqui! Obrigado por todo o bem que aqui fazeis! Mil maneiras de fazer bem, que não se vêem. E cruzais-vos com muitas fragilidades. Por isso, quis trazer esta ima- gem feita com o que há de mais frágil. O cristal é o material mais frágil, quebra imediatamente. E Cristo na Cruz é a maior fragilidade da humanidade e, no entanto, é com esta fragilidade que nos salva, ajuda, faz ir para diante, abre as portas da esperança. Desejo que cada um de vós, com a bênção da Virgem e contemplando a fragilidade em Cristo — que Se fez pecado, Se fez morte para nos salvar —, saibais semear sementes de esperança e de ressurreição. Ave Maria... Depois da bênção, o Pontífice acrescentou estas palavras. E não vos esqueçais de rezar por mim. Aos detidos o Papa recordou que segurança e ordem não se obtêm só encarcerando Esta é a tradução do discurso pronunciado pelo Pontífice durante o encontro público realizado no pátio da prisão onde estavam reunidos setecentos detidos. Queridos irmãos e irmãs! Estou a concluir a minha visita ao México. Não queria ir embora sem vos saudar, sem celebrar o Jubileu da Misericórdia convosco. De coração agradeço as palavras de saudação que me dirigistes, nelas manifestando tanta esperança e tantas aspirações, mas também tantas amarguras, medos e dúvidas. Durante a viagem à África, na cidade de Bangui, pude abrir a primeira Porta da Misericórdia para o mundo inteiro (deste Jubileu, quero dizer; porque a primeira porta da Misericórdia abriu-a Deus nosso Pai ao enviar-nos o seu Filho Jesus). Hoje, no vosso meio e convosco, quero reafirmar uma vez mais a confiança a que Jesus nos impele: a misericórdia que abraça a todos, em todos os cantos da terra. Não há lugar onde a sua misericórdia não possa chegar, não há espaço nem pessoa que ela não possa tocar. Celebrar o Jubileu da Misericórdia convosco é lembrar o caminho que devemos urgentemente empreender para romper o ciclo vicioso da violência e da delinquência. Já se perderam várias décadas pensando e crendo que tudo se resolve isolando, separando, encarcerando, livrandonos dos problemas, acreditando que estas medidas resolvem verdadeiramente os problemas. Esquecemo-nos de concentrar-nos naquilo que realmente deve ser a nossa verdadeira preocupação: a vida das pessoas; as suas vidas, as das suas famílias, as daqueles que também sofreram por causa deste ciclo vicioso da violência. A misericórdia divina lembra-nos que as prisões são um sintoma de como estamos na sociedade; em muitos casos são um sintoma de silêncios e de omissões provocadas pela cultura do descarte. São sintoma de uma cultura que deixou de apostar na vida, de uma sociedade que, Uma sociedade inclusiva Quem experimentou o inferno pode tornar-se um profeta pouco a pouco, foi abandonando os seus filhos. A misericórdia lembra-nos que a reinserção não começa aqui dentro destes muros; começa antes, começa lá fora nas ruas da cidade. A reinserção ou reabilitação começa criando um sistema que poderíamos chamar de saúde social, isto é, uma sociedade que procure não adoecer contaminando as relações no bairro, nas escolas, nas praças, nas ruas, nos lares, em todo o espectro social. Um sistema de saúde social que vise gerar uma cultura que seja eficaz procurando prevenir aquelas situações, aqueles caminhos que acabam por ferir e deteriorar o tecido social. Às vezes parece que as prisões se proponham mais impedir as pessoas de continuar a cometer delitos do que promover processos de reinserção que permitam enfrentar os problemas sociais, psicológicos e familiares que levaram uma pessoa a determinada atitude. O problema da segurança não se resolve apenas encarcerando, mas é um apelo a inter- vir para enfrentar as causas estruturais e culturais da insegurança que afectam todo o tecido social. A preocupação de Jesus pelos famintos, os sedentos, os sem-abrigo ou os presos (Mt 25, 34-40) pretendia expressar as entranhas de misericórdia do Pai, que se tornam um imperativo moral para toda a sociedade que deseje possuir as condições necessárias para uma convivência melhor. Na capacidade que uma sociedade tem de integrar os seus pobres, os seus doentes ou os seus presos, reside a possibilidade de estes curarem as suas feridas e serem construtores de uma boa convivência. A reinserção social começa com a frequência da escola por todos os nossos filhos e com um emprego digno para as suas famílias, com a criação de espaços públicos para os tempos livres e a recreação, com a habilitação das instâncias de participação cívica, os serviços de saúde, o acesso aos serviços básicos… para citar apenas algumas medidas. Aí começa todo o processo de reinserção. Celebrar o Jubileu da Misericórdia convosco é aprender a não ficar prisioneiros do passado, de ontem; é aprender a abrir a porta para o futuro, para o amanhã; é acreditar que as coisas podem tomar outro rumo. Celebrar o Jubileu da Misericórdia convosco é convidar-vos a levantar a cabeça e empenhar-vos para obter o tão ansiado espaço de liberdade. Celebrar o Jubileu da Misericórdia convosco é repetir esta frase que ouvimos há pouco, dita justamente e com muita força: «Quando pronunciaram a minha sentença, alguém me disse: “Não te perguntes por que estás aqui, mas para quê”». E que este «para quê» nos leve para diante, que este «para quê» nos faça saltar os precipícios deste engano social que pensa que a segurança e a ordem só se conseguem encarcerando. Sabemos que não se pode voltar atrás, sabemos que o que foi feito, feito está; mas eu quis celebrar convosco o Jubileu da Misericórdia para que fique claro que isso não significa que não haja a possibilidade de escrever uma página nova daqui para a frente: «para quê». Vós sofreis a angústia da queda (oxalá todos nós sentíssemos a mesma angústia pelas quedas escondidas e dissimuladas!), sentis o arrependimento pelos vossos actos e sei que em muitos casos, entre grandes limitações, a partir da vossa solidão procurais refazer essa vida. Conhecestes a força do sofrimento e do pecado; não vos esqueçais, porém, que tendes ao vosso alcance também a força da ressurreição, a força da misericórdia divina que faz novas todas as coisas. Agora é possível que vos toque a parte mais dura, mais difícil, mas talvez seja a que produz mais fruto; a partir daqui de dentro, lutai para inverter as situações que geram mais exclusão. Falai com os vossos queridos, contai-lhes a vossa experiência, ajudai a travar o ciclo vicioso da violência e da exclusão. Quem sofreu o máximo da amargura a ponto de poder afirmar que «experimentou o inferno», pode tornar-se um profeta na sociedade. Trabalhai para que esta sociedade que usa e joga fora as pessoas não continue a fazer mais vítimas. E, ao dizer-vos estas coisas, recordo as palavras de Jesus: «Quem de vós estiver sem pecado atire a primeira pedra», e teria de me ir embora. Ao dizer-vos estas coisas, não o faço como quem fala do alto da cátedra, com o dedo apontado; faço-o a partir da experiência das minhas próprias feridas, erros e pecados, de que o Senhor me quis perdoar e reeducar. Faço-o com a consciência de que, sem a sua graça e a minha vigilância, poderia voltar a repeti-los. Irmãos, ao entrar numa prisão, sempre me pergunto: «Porquê eles e não CONTINUA NA PÁGINA 7 número 8, quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016 L’OSSERVATORE ROMANO página 7 Aos trabalhadores e empresários o convite a criar emprego Ao meio-dia de quarta-feira 17 de Fevereiro, o Papa Francisco encontrouse no palácio do desporto de Ciudad Juárez com os trabalhadores e empresários mexicanos, aos quais pediu que criem oportunidades de instrução e emprego. Eis as suas palavras. Queridos irmãos e irmãs! Quis encontrar-me convosco nesta terra de Juárez, devido à relação especial que esta cidade tem com o mundo do trabalho. Agradeço-vos não só a saudação de boas-vindas e os vossos testemunhos que revelaram as ânsias, as alegrias e as esperanças que sentis na vossa vida, mas gostaria também de vos agradecer esta oportunidade de intercâmbio e reflexão. Tudo o que pudermos fazer para dialogar, para nos encontrar, para procurar melhores alternativas e oportunidades já é uma conquista que merece apreço e destaque. E há duas palavras que quero sublinhar: diálogo e encontro. Não vos canseis de dialogar. A gestação das guerras dá-se pouco a pouco por causa da mudez e dos desencontros. Obviamente não é suficiente dialogar e encontrar-se, mas hoje não podemos permitir-nos o luxo de cortar qualquer possibilidade de encontro, qualquer instância de discussão, confronto, pesquisa. Esta é a única maneira que temos de poder construir o amanhã: ir tecendo relações duradouras, capazes de gerar a estrutura necessária para, pouco a pouco, se reconstruir os vínculos sociais consumidos pela falta do mínimo de respeito requerido para uma sadia convivência. Obrigado e que esta instância sirva para construir futuro, seja uma oportunidade boa para forjar o México que o seu povo e os seus filhos merecem. Quereria debruçar-me sobre este último aspecto. Hoje encontram-se aqui várias organizações de trabalhadores e representantes de câmaras e associações empresariais. À primeira vista, poderiam considerar-se antagonistas, mas une-os a responsabilidade comum: procurar criar oportunidades de trabalho digno e verda- O melhor investimento Deus pedirá contas aos escravagistas de hoje deiramente útil para a sociedade e sobretudo para os jovens desta terra. Um dos maiores flagelos a que estão expostos os jovens é a falta de oportunidades de instrução e trabalho sustentável e rentável, que lhes permitam lançar-se na vida; isso gera em muitos casos – tantos casos – situações de pobreza e marginalização. E esta pobreza e marginalização tornam-se o terreno favorável para cair na espiral do narcotráfico e da violência. Um luxo que hoje não nos podemos conceder é deixar só e abandonado o presente e o futuro do México e, para isso, são precisos diálogo, confrontação, fontes de trabalho que vão criando esta senda construtiva. Infelizmente, o tempo em que vivemos impôs o paradigma da utili- investimento é criar oportunidades. A mentalidade dominante coloca o fluxo de pessoas ao serviço do fluxo de capitais, provocando em muitos casos a exploração dos trabalhadores, como se fossem objectos para usar e jogar fora e descartar (cf. Enc. Laudato si’, 123). Deus pedirá contas aos esclavagistas dos nossos dias, e nós devemos fazer todo o possível para que estas situações não ocorram mais. O fluxo do capital não pode determinar o fluxo e a vida das pessoas. Por isso, me comprazo com o anseio expresso de diálogo, de confrontação. Sucede, não raramente, que a Doutrina Social da Igreja veja as suas propostas colocadas em questão com estas palavras: «Estes pretendem que sejamos organizações de dade económica como princípio das relações pessoais. A mentalidade dominante, por todo o lado, pretende a maior quantidade possível de lucro, a todo o custo e imediatamente. Não só provoca a perda da dimensão ética das empresas, mas esquece também que o melhor investimento que se pode fazer é investir no povo, nas pessoas, nas famílias. O melhor beneficência ou que transformemos as nossas empresas em instituições filantrópicas». Temos ouvido esta crítica. Mas a única pretensão que tem a Doutrina Social da Igreja é velar pela integridade das pessoas e das estruturas sociais. Sempre que esta integridade, por várias razões, é ameaçada ou reduzida a bem de consumo, a Doutrina Social da Igreja há-de ser uma voz profética que nos ajudará a todos a não nos perdermos no mar sedutor da ambição. Sempre que a integridade de uma pessoa é violada, de certa forma a sociedade inteira começa a deteriorar-se. E isto que diz a Doutrina Social da Igreja não é contra ninguém, mas a favor de todos. Cada sector tem a obrigação de preocupar-se pelo bem de todos; estamos todos no mesmo barco. Todos devemos lutar para que o trabalho seja uma instância de humanização e de futuro; seja um espaço para construir sociedade e cidadania. Esta atitude não só cria uma melhoria imediata, mas, a longo prazo, tornar-se-á uma cultura capaz de promover espaços dignos para todos. Esta cultura, nascida muitas vezes de tensões, vai gerando um novo estilo de relações, um novo tipo de nação. Que mundo queremos deixar aos nossos filhos? Nisto, julgo que a grande maioria está de acordo. Eles são precisamente o nosso horizonte, são a nossa meta: por eles, hoje, devemos unir-nos e trabalhar. Se é sempre bom pensar no que gostaria de deixar aos meus filhos, também é uma boa medida pensar nos filhos dos outros. Que quer o México dei- Uma sociedade inclusiva CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 6 eu?» E é um mistério da misericórdia divina; mas é precisamente esta misericórdia divina que todos estamos a celebrar hoje com os olhos fixos no amanhã, na esperança. Quereria também encorajar o pessoal que trabalha neste Centro ou noutros semelhantes: os directores, os agentes da Polícia penitenciária, todos os que realizam qualquer tipo de assistência neste Centro. E agradeço o esforço dos capelães, das pessoas consagradas, dos leigos, que se dedicam a manter viva a esperança do Evangelho da Misericórdia na prisão, os pastores, todos aqueles que vêm até junto de vós para vos dar a Palavra de Deus. Todos vós — não vos esqueçais! — podeis ser sinal das entranhas de misericórdia do Pai. Precisamos uns dos outros; há pouco dizia-nos a nossa irmã, recordando a Carta aos Hebreus: Sintam-se presos com eles. Antes de vos dar a bênção, gostaria que rezássemos em silêncio, todos juntos; cada qual sabe o que há-de dizer ao Senhor, cada qual sabe de que pedir perdão. Mas peço-vos também que, nesta oração de silêncio, alarguemos o coração para poder perdoar à sociedade que não soube ajudar-nos e muitas vezes nos arrastou para os erros. Cada um, na intimidade do seu coração, peça a Deus que nos ajude a acreditar na sua misericórdia. Rezemos em silêncio… E abramos o nosso coração para receber a bênção do Senhor. Que o Senhor vos abençoe e proteja, faça brilhar o seu rosto sobre vós e vos dê a sua graça, vos mostre o seu rosto e conceda a paz. Amém. E peço que não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado! xar aos seus filhos? Quer deixar-lhes uma recordação de exploração, de salários insuficientes, de pressão laboral ou de tráfico de trabalho escravo? Ou deixar-lhes na memória a cultura de um trabalho digno, um tecto decente e terra para trabalhar? Os três «tês»: trabalho, tecto e terra. Em qual cultura queremos ver nascer aqueles que virão depois de nós? Que atmosfera vão respirar? Um ar contaminado pela corrupção, a violência, a insegurança e desconfiança ou, pelo contrário, um ar capaz de gerar — é uma palavra-chave — gerar alternativas, gerar renovação ou mudança? Gerar é ser co-criadores com Deus. Claro, isto custa. Sei que aquilo que proponho não é fácil, mas sei também que é pior deixar o futuro nas mãos da corrupção, da brutalidade e da falta de equidade. Sei que muitas vezes, numa negociação, não é fácil harmonizar todas as partes, mas sei também que é pior e acaba por fazer um dano maior a falta de negociação e a falta de avaliação. Um dirigente operário já de idade — honesto como mais ninguém, viveu até à morte com o seu salário, nunca se aproveitou — disse-me uma vez: «Sempre que nos tínhamos de sentar a uma mesa de negociação, eu sabia que tinha que perder alguma coisa para ganharmos todos». Linda a filosofia deste homem de trabalho! Quando se vai negociar, sempre se perde algo, mas ganham todos. Sei que não é fácil viver de acordo num mundo cada vez mais competitivo, mas é pior deixar que o mundo competitivo acabe por determinar o destino dos povos... escravos. O lucro e o capital não são um bem superior ao homem, mas estão ao serviço do bem comum. E, quando o bem comum é forçado a estar ao serviço do lucro e o único a ganhar é o capital, isto tem um nome, chama-se exclusão. E, assim, se vai consolidando a cultura do descarte: Descartado! Excluído! Comecei por vos agradecer a oportunidade de estar juntos. Ontem, um dos jovens que testemunhou no Estádio de Morelia disse que este mundo tira a capacidade de sonhar, e é verdade! Às vezes tiranos a capacidade de sonhar, a capacidade da gratuidade. Quando um menino ou uma menina vê o pai e/ou a mãe apenas ao fim de semana, porque vão para o trabalho antes que ele/a acorde e regressam quando já está a dormir, esta é a cultura do descarte. Quero convidá-los a sonhar, a sonhar com um México, onde o pai possa ter tempo para brincar com o seu filho, onde a mãe possa ter tempo para brincar com os seus filhos. E isto podeis obtê-lo dialogando, confrontando, negociando, perdendo para ganhem todos. Convido-vos a sonhar o México que os vossos filhos merecem; um México, onde não haja pessoas de primeira, segunda ou quarta classe, mas um México que saiba reconhecer no outro a dignidade de filho de Deus. A Guadalupana, que Se manifestou a São Juan Diego demonstrando como os que aparentemente não contam sejam as suas testemunhas privilegiadas, vos ajude a todos, independentemente da profissão ou do trabalho que tiverdes, a todos, nesta terra de diálogo, confrontação e encontro. Obrigado! L’OSSERVATORE ROMANO número 8, quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016 página 8/9 Em Ciudad Juárez na última missa o Papa denunciou a tragédia humanitária dos migrantes Nunca mais morte nem exploração Na área da Feira de Ciudad Juárez, na fronteira com os Estados Unidos da América, o Papa celebrou na quarta-feira 17 de Fevereiro, a última missa em terra mexicana. A seguir, a tradução da homilia. A glória de Deus é a vida do homem: dizia Santo Ireneu, no século II; uma afirmação, que continua a ressoar no coração da Igreja. A glória do Pai é a vida dos seus filhos. Não há maior glória para um pai do que ver a realização dos seus; não há maior satisfação do que vê-los avançar, vê-los crescer e desenvolver-se. Assim o atesta a primeira Leitura que escutámos e nos falava de Nínive, uma grande cidade que se estava autodestruindo em consequência da opressão e degradação, da violência e injustiça. A grande capital tinha os dias contados, pois não era mais tolerável a violência nela gerada. Então aparece o Senhor movendo o coração de Jonas; aparece o Pai convidando e enviando o seu mensageiro. Jonas é chamado para receber uma missão: Vai lá! Porque, «dentro de quarenta dias, Nínive será destruída» (Jn 3, 4). Vai! Ajuda-os a compreender que, com esta forma de comportar-se, regular-se, organizar-se, a única coisa que estão a gerar é morte e destruição, sofrimento e opressão. Fazlhes ver que não há vida para ninguém, nem para o rei nem para o súbdito, nem para os campos nem para o gado. Vai e anuncia que eles se habituaram de tal maneira à degradação, que perderam a sensibilidade perante o sofrimento. Vai e diz-lhes que a injustiça se apoderou do seu olhar. Por isso, Jonas parte; Deus envia-o para pôr em evidência o que estava a acontecer; envia- GAETANO VALLINI Entre os muitos fotogramas desta intensa viagem ao México, talvez um permaneça na memória como o mais sugestivo e rico de significados. No dia 17 de Fevereiro, ao terminar a volta entre os fiéis que o aguardavam para a missa, Francisco desceu do papamóvel perto do Rio Grande e da rede metálica que delimita a fronteira entre o México e os Estados Unidos da América. Foi até à grande cruz posta ali para recordar a sua visita, as vítimas do tráfico de seres humanos e a violência criminosa. Ali — desde então esse lugar será chamado El punto — depositou um ramalhete e rezou em silêncio. Depois benzeu três cruzes menores (destinadas às dioceses de La Cruz, no Novo México, El Paso, no Texas, e Ciudad Juárez) e abençoou os fiéis do outro lado da rede. Um muro que mede setecentas milhas, contra o qual todos os anos se despedaçam as esperanças de um número incalculável de migrantes provenientes de diversos países da América Latina que esperam poder realizar o sonho americano, frequentemente de maneira clandestina, confiando-se a bandos criminosos. Uma fronteira através da qual também transitam enormes quantidades de droga, com a sua consequência de violência e morte. Nos últimos quinze anos ali foram encontrados os cadáveres de mais de cinquenta mil desesperados. Por isso, a presença do Papa em Ciudad Juárez — a Lampedusa da América, como foi definida, uma das cidades mais perigosas do mundo, par- Fronteira alguma pode impedir-nos de compartilhar o amor misericordioso de Deus o para despertar um povo inebriado de si mesmo. Neste texto, encontramo-nos perante o mistério da misericórdia divina. A misericórdia sempre rejeita o mal, tomando muito a sério o ser humano; sempre faz apelo à bondade de cada pessoa, mesmo que esteja adormecida, anestesiada. Longe de aniquilar, como muitas vezes pretendemos ou queremos fazêlo, a misericórdia aproxima-se de cada situação para a transformar a partir de dentro. Isto é precisamente o mistério da misericórdia divina: aproxima-se e convida à conversão, convida ao arrependimento; convida a ver o dano que está a ser causado a todos os níveis. A misericórdia sempre entra no mal para o transformar. É o mistério de Deus nosso Pai: envia o seu Filho que penetrou no mal, fez-se pecado para transformar o mal. Esta é a sua misericórdia. O rei ouviu, os habitantes da cidade reagiram e foi decretado o arrependimento. A misericórdia de Deus entrou no coração, revelando e manifestando algo que é a nossa certeza e a nossa esperança: há sempre a possibilidade de mudar, estamos a tempo de reagir e transformar, modificar e alterar, converter aquilo que nos está a destruir como povo, o que nos está a degradar como humanidade. A misericórdia anima-nos a olhar o presente e confiar naquilo que, de são e bom, está escondido em cada coração. A misericórdia de Deus é o nosso escudo e a nossa fortaleza. Jonas ajudou a ver, a tomar consciência. Que se passa depois? O seu apelo encontra homens e mulheres capazes de se arrepender, capazes de chorar: deplorar a injustiça, deplorar a degradação, deplorar a opressão. São as lágrimas que podem abrir o caminho à transformação; são as lágrimas que podem abrandar o coração, são as lágri- Aos pés da grande cruz ticularmente marcada pela violência contra as mulheres — assumiu um valor imenso. Uma etapa — a última da viagem mexicana — esperada, desejada e perseguida com tenacidade, porque deste lugar símbolo devia ser lançada uma mensagem firme. E assim foi. Na homilia, pronunciada do palco construído a oitenta metros daquela rede, depois de ter denunciado com palavras fortes e inequívocas as injustiças e os abusos ligados ao fenómeno migratório, as violências provocadas pela criminalidade e pelo narcotráfico que marcam tragicamente uma população oprimida, lançou o seu apelo: «Nunca mais morte nem exploração! Há sempre tempo para mudar, há sempre uma saída e há sempre uma oportunidade, há sempre tempo para implorar a misericórdia do Pai». O gesto do Papa foi precedido no passado mês de Dezembro por um evento definido histórico pela imprensa local: os bispos de Ciudad Juárez e de El Paso, cidade que se encontra do outro lado, encontraram-se juntamente com os cônsules-gerais do México e Estados Unidos exactamente na linha de fronteira, a «Ponte internacional Santa Fé». Celebraram juntos las posadas, uma oração seguida por um momento de festa para as crianças, típica da tradição latino-americana no período natalício, a fim de fazer crescer a comunhão na região de fronteira. Na parte da tarde, o Pontífice chegou à região da cidade onde se encontra o estádio Benito Juárez, no qual foi montado o grande palco, distante apenas oitenta metros da rede que delimita o confim. Uma estrutura elevada a fim de que a missa pudesse incluir também o lado americano. Saudado por um entusiasmo colorido e alvoroçado de uma multidão festiva, o mesmo que caracterizou estes dias mexicanos, Francisco deu uma grande volta entre os numerosíssimos fiéis reunidos na esplanada e dentro do estádio. Depois, vestiu os paramentos e, em procissão, chegou ao altar, feito com três grandes blocos de uma pedra local, a rosa do deserto, também utilizada para o ambão em forma de cruz, que depois serão colocados em quatro paróquias situadas em correspondência aos quatro pontos cardeais da diocese. Celebraram com o Pontífice, além dos eclesiásticos do séquito, o ordinário mas que podem purificar o olhar e ajudar a ver a espiral de pecado em que muitas vezes se está enredado. São as lágrimas que conseguem sensibilizar o olhar e a atitude endurecida, e sobretudo adormecida, perante o sofrimento alheio. São as lágrimas que podem gerar uma ruptura capaz de nos abrir à conversão. Foi assim com Pedro, depois de ter renegado Jesus; chorou e as lágrimas abriram-lhe o coração. Hoje esta palavra ressoa vigorosamente no meio de nós; esta palavra é a voz que clama no deserto e nos convida à conversão. Neste Ano da Misericórdia, quero implorar convosco neste lugar a misericórdia divina, quero pedir convosco o dom das lágrimas, o dom da conversão. Aqui em Ciudad Juárez, como noutras áreas fronteiriças, concentram-se milhares de migrantes da América Central e de outros países, sem esquecer (@Pontifex_pt) tantos mexicanos que procuram também passar para «o outro lado». Uma passagem, um caminho carregado de injustiças terríveis: escravizados, sequestrados, objectos de extorsão, muitos irmãos nossos acabam vítimas do tráfico humano. Não podemos negar a crise humanitária que, nos últimos anos, levou à migração de milhares de pessoas, quer por via ferroviária ou rodoviária quer mesmo a pé atravessando centenas de quilómetros de montanhas, desertos, caminhos inóspitos. Hoje, esta tragédia humana que é a migração forçada, tornou-se um fenómeno global. Esta crise da diocese, D. José Guadalupe Torres Campos, numeroso bispos mexicanos e significativamente alguns provenientes de outros países latino-americanos — de onde chegam muitos dos imigrantes que transitam através do México rumo ao norte — e alguns pastores americanos, entre os quais os cardeais Sean Patrick O’Malley, arcebispo de Boston, e Daniel DiNardo, arcebispo de Galveston-Houston, D. Daniel E. Flores, bispo de Browsville, Texas, D. Oscar Cantú, bispo de Las Cruces, Novo México, estes últimos expressamente designados pela Conferência episcopal. Do outro lado da fronteira estava presente também D. Mark Joseph Seitz, bispo de El Paso, que organizou uma manifestação chamada Two nations, one faith (Duas nações, uma fé) no Sun Bowl Stadium, no campus da University of Texas, com a transmissão ao vivo da missa pela televisão. O Papa saudou-os no final da homilia, frisando que «com a ajuda da tecnologia — disse — podemos rezar, cantar e celebrar juntos este amor misericordioso que o Senhor nos dá e que nenhuma fronteira nos pode impedir de partilhar. Uma só família, uma mesma comunidade cristã». Ecrãs gigantes foram instalados também em Las Cruces, outra cidade de fronteira no Novo México. Desta forma, centenas de milhares de pessoas puderam participar na missa tanto na vertente mexicana como na parte americana. Entre eles, grupos de familiares de vítimas da violência criminosa. No final do rito, o bispo Torres Campos agradeceu ao Papa a visita, que foi preparada e vivida como um momento de esperança, uma oportuni- dade de mudança. Testemunharam-no os grandes cartazes que enchiam as ruas com a frase Ciudad Juárez es amor. Antes da viagem aos Estados Unidos, o Pontífice confidenciara que tinha pensado em fazer etapa no México, entrando no território americano exactamente dali. Mas o projecto teria exigido mais dias do que os que Francisco tinha à disposição. Desta vez, não atravessou a fronteira, mas chegou perto. Olhou para além da rede. E foi o seu último encontro antes da despedida no aeroporto da cidade. Por isso, antes de deixar o palco Francisco dirigiu a última saudação aos mexicanos. E depois de ter citado uma poesia de Octávio Paz, acrescentou que viu neste povo «muitas luzes que anunciam a esperança»: homens e mulheres que com o seu esforço diário «são profetas do amanhã, sinal de uma aurora nova». Sucessivamente, o Papa partiu para o aeroporto e durante o percurso recolheu mais um testemunho do afecto da multidão que ainda apinhava as margens das ruas. Uma cena já vista nos quatrocentos quilómetros — um recorde — percorridos em automóvel nos seis dias de permanência no país. No final, com o mesmo entusiasmo com o qual se saúda um familiar que parte para uma longa viagem depois de uma visita tão esperada, os mexicanos despediram-se de Francisco no aeroporto, onde estava presente o presidente Enrique Peña Nieto com a esposa Angelica Rivera. Um até logo, mais do que um adeus, espera-se, que teve a voz de cinquenta mil jovens, os quais com os seus cantos serviram de moldura para a cerimónia. Obrigado ao México e a todos os mexicanos Que o Senhor e a Virgem de Guadalupe nos acompanhe sempre que se pode medir em números, queremos medi-la por nomes, por histórias, por famílias. São irmãos e irmãs que partem, forçados pela pobreza e a violência, pelo narcotráfico e o crime organizado. No meio de tantas lacunas legais, estende-se uma rede que apanha e destrói sempre os mais pobres. À po- breza que já sofrem, vem juntar-se o sofrimento de todas estas formas de violência. Uma injustiça que se radicaliza ainda mais contra os jovens: como «carne de canhão», eles vêem-se perseguidos e ameaçados quando tentam sair da espiral de violência e do inferno das drogas. E que dizer de tantas mulheres a quem arrebataram injustamente a vida? Peçamos ao nosso Deus, o dom da conversão, o dom das lágrimas. Peçamos-lhe a graça de ter o coração aberto, como os Ninivitas, ao seu apelo no rosto sofredor de tantos homens e mulheres. Não mais morte nem exploração! Há sempre tempo para mudar, há sempre uma saída e sempre há uma oportunidade, é sempre tempo para implorar a misericórdia do Pai. Hoje, como sucedeu no tempo de Jonas, também apostamos na conversão; há sinais que se tornam luz no caminho e anúncio de salvação. Conheço o trabalho de muitas organizações da sociedade civil em favor dos direitos dos migrantes. Estou a par também do trabalho generoso de muitas irmãs reli- giosas, de religiosos e sacerdotes, de leigos votados ao acompanhamento e à defesa da vida. Prestam ajuda na vanguarda, muitas vezes arriscando a própria vida. Com a sua vida, são profetas de misericórdia, são o coração compreensivo e os pés da Igreja que acompanha, que abre os seus braços e apoia. É tempo de conversão, é tempo de salvação, é tempo de misericórdia. Por isso, juntamente com o sofrimento de tantos rostos, digamos: «Pela vossa imensa compaixão e misericórdia, Senhor, tende piedade de nós (...), purificai-nos dos nossos pecados e criai em nós um coração puro, um espírito novo» (cf. Sl 51 [50], 3.4.12). E daqui, neste momento, desejo saudar também os nossos queridos irmãos e irmãs que nos acompanham em simultâneo do outro lado da fronteira, especialmente aqueles que estão congregados no Estádio da Universidade de El Paso (conhecido como o Sun Bowl) sob a guia do seu bispo, D. Mark Seitz. Com a ajuda da tecnologia, podemos rezar, cantar e celebrar, juntos, este amor misericordioso que o Senhor nos dá e que nenhuma fronteira nos pode impedir de partilhar. Obrigado, irmãos e irmãs de El Paso, por nos fazerdes sentir uma só família e a mesma comunidade cristã. No final da celebração Francisco agradeceu aos fiéis o acolhimento Surpresa mexicana No final da celebração, o Papa Francisco despediu-se dos presentes com as palavras que publicamos a seguir. Senhor Bispo de Ciudad Juárez José Guadalupe Torres Campos Queridos irmãos no Episcopado Ilustres Autoridades Senhoras e Senhores Queridos Amigos! Muito obrigado, Senhor Bispo, pelas suas sentidas palavras. É o momento de dar graças a Nosso Senhor por me ter permitido esta visita ao México, que sempre nos surpreende. México, tu és uma surpresa! Não quero partir sem agradecer o esforço de quantos tornaram possível esta peregrinação. Agradeço a todas as autoridades federais e locais o interesse e a solícita ajuda com que contribuíram para o bom andamento dos eventos destes dias. Ao mesmo tempo, gostaria de agradecer, cordialmente, àqueles que colaboraram, de várias maneiras, para esta visita pastoral. A tantos servidores anónimos, que, no silêncio, deram o seu melhor para que estes dias fossem uma festa de família, obrigado! Senti-me acolhido, recebido pelo carinho, a festa, a esperança desta grande família mexicana: obrigado por me terdes aberto as portas da vossa vida, da vossa nação. No seu poema Irmandade, assim se expressa o vosso escritor Octávio Paz: «Sou homem: duro pouco e é enorme a noite. Mas olho para o alto: as estrelas escrevem. Sem entender, compreendo: também sou escritura e, neste mesmo instante, alguém me está decifrando» («Un sol más vivo»: Antología poética, México 2014, 268). Valendo-me destas estupendas palavras, ouso sugerir que aquele que nos decifra e traça o caminho é a presença misteriosa mas real de Deus na carne concreta de todas as pessoas, especialmente dos mais pobres e necessitados do México. A noite pode parecer-nos enorme e muito escura, mas, nestes dias, pude constatar que, no povo mexicano, há tantas luzes que anunciam esperança; pude ver, em muitos dos seus testemunhos, nos seus rostos, a presença de Deus que continua a caminhar nesta terra guiando-os e sustentando a esperança; muitos homens e mulheres, com o seu esforço de cada dia, tornam possível que esta sociedade mexicana não fique às escuras. Quando passava, muitos homens e mulheres ao longo das estradas levantavam os seus filhos, mostravam-mos: são o futuro do México; cuidemos deles, amemo-los. Estas crianças são profetas do amanhã, são sinal dé um novo amanhecer. E asseguro-vos que algum momento houve em que me emocionei ao ver tanta esperança num povo tão atribulado. Que Maria, a Mãe de Guadalupe, continue a visitar-vos, continue a caminhar por estas terras — sem Ela, não se entende o México — ajudando-vos a ser missionários e testemunhas de misericórdia e reconciliação. Mais uma vez, muito obrigado por esta hospitalidade mexicana tão calorosa! L’OSSERVATORE ROMANO página 10 quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016, número 8 Depois da visita do Papa ao México Compromisso a longo prazo ALBERTO SUÁREZ INDA* deveras difícil expressar o que vivemos a 16 de Fevereiro em Morelia com a presença entre nós do Papa Francisco. Dom Mauricio Rueda Beltz, novo coordenador das viagens do Papa, confidencioume que ficou sem palavras. Também eu fiquei atónito, mas ao mesmo tempo contente e grato a Deus. Ciente de que a graça recebida empenha todos nós, e a mim primeiro, na resposta ao Senhor fonte de qualquer bênção. Antes de tudo gostaria de frisar o enorme esforço e a generosidade do Papa, o seu dedicar-se totalmente e o testemunho, a palavra clara e directa, a sua alegria e simplicidade, a paciência quase ilimitada, a sua hu- É manidade que se manifesta também na corajosa denúncia diante dos comportamentos que impedem o projecto de Deus. Ao Papa Deus concedeu um carisma e grande capacidade de trabalho, intuição para captar a realidade e, além disso, sentido do humorismo. Depois, admirei-me com a resposta do povo. Multidões nas ruas e nas praças. Milhares de pessoas provenientes de todas as partes do México e dos Estados Unidos. Em toda a parte se respirava ar de festa e de harmonia: crianças no colo dos pais, jovens rumorosos, doentes e idosos que pediam uma bênção. Com pessoas apinhadas nas varandas das casas, lojas e escritórios, nos terraços e até em cima das árvores. Felizes, depois de muitas horas de espera, por ter visto mesmo só por um instante, passar o Papa. Milhares de homens e mulheres prestaram serviço, suportando o frio e o calor, animando e acalmando a multidão, e permitindo assim que o Papa percorresse mais de vinte quilómetros saudando sorridente e abençoando à direita e à esquerda. Foi grande a colaboração das forças da ordem, respeitadoras e eficientes. Foram magníficos os três encontros. A missa no estádio Venustiano Carranza foi celebrada, com fervor e devoção, na presença de cerca de vinte e cinco mil pessoas. A maioria eram sacerdotes, religiosas, religiosos e seminaristas. Animou a celebração um coro de trezentas vozes, acompanhado pela orquestra sinfónica do Michoacán. O encontro na catedral com centenas de crianças foi comovedor, em particular a saudação do Papa à menina milagrosamente curada por intercessão do beato José Sánchez del Río. Comovedora foi também a breve catequese oferecida às crianças deficientes. E dois coros, dentro e à entrada da igreja, dedicaram ao Papa cânticos jubilosos com as suas vozes límpidas. Mas sem dúvida o ápice do dia atingiu-se durante o encontro com os jovens que encheram o estádio José María Morelos, chegando a ocupar também o estacionamento adjacente: Depois de ter ouvido os testemunhos francos e apaixonados de dois jovens e de duas moças, o Papa pronunciou uma maravilhosa catequese, elogiando a riqueza, a esperança e a dignidade que a juventude do nosso país representa. Antes das críticas devo frisar a atitude corajosa das autoridades civis que saudaram o Papa com respeito e veneração, sem comprometer o carácter laico do Estado mexicano, que respeita e valoriza a liberdade religiosa de todos os cidadãos, crentes e não crentes. É preciso reler as mensagens do Papa. Tão incisivas, claras e estimulantes que merecem ser assimiladas e aplicadas à vida de todos os dias. A visita do sucessor de Pedro deixanos um compromisso e uma tarefa a longo prazo. Com a ajuda de Deus, a sementeira promete abundantes frutos. Bendigamos ao Senhor por nos ter concedido acolher o missionário da paz. *Cardeal, arcebispo de Morelia Aos jovens mexicanos o pedido a não se resignarem a viver sem esperança CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 5 ao lado dela, escutai-o; não lhe digas: «Trago-te a receita». Isto não; mas, como amigo, lentamente, dálhe força com as tuas palavras, dálhe força com a escuta (eis uma medicina que está a ser esquecida: a «escutoterapia»). Deixa-o falar, deixa que desabafe e então, pouco a pouco, estender-te-á a sua mão e tu ajudá-lo-ás em nome de Jesus Cristo. Mas, se entras à valentona, e começas a fazer-lhe um sermão e a censurá-lo, censurá-lo, assim, coitado dele, ficará pior do que estava. É claro? [respondem: «Sim»]. Nunca largueis a mão de Jesus Cristo, nunca vos afasteis d’Ele; e se acontecer afastar-vos, levantai-vos e continuai para diante. Ele compreende como são estas coisas. Com efeito, juntamente com Ele é possível viver plenamente, juntamente com Ele é possível crer que a vida vale a pena, que vale a pena dar o melhor de vós mesmos, ser fermento, ser sal e luz no meio dos amigos, no meio do bairro, no meio da comunidade, no meio da família (depois, Rosário, falarei um pouco daquilo que tu disseste sobre a família). Por isso, queridos amigos, em nome de Jesus peço que não vos deixeis excluir, não vos deixeis desvalorizar, não vos deixeis tratar como mercadoria. Jesus deu-nos um conselho para isto, para não nos deixarmos excluir, para não nos deixarmos desvalorizar, para não nos deixarmos tratar como mercadoria: «Sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas». As duas virtudes juntas. Aos jovens, não falta vivacidade; falta-lhes às vezes a prudência para não serem ingénuos. As duas coisas: prudentes, mas simples, amáveis. É certo que, por este caminho, talvez não tenhais à porta o último modelo de carro, que não tenhais a carteira cheia de dinheiro, mas tereis algo que ninguém vos poderá jamais roubar: a experiência de vos sentirdes amados, abraçados e acompanhados. É o encanto de apreciar o encontro, o encanto de sonhar com o encontro de todos. É a experiência de vos sentirdes família, de vos sentirdes comunidade. E é a experiência de olhar o mundo, olhos nos olhos e de testa erguida, sem o carro, sem o dinheiro, mas de testa erguida: a dignidade. Três palavras que vos peço para repetir: Riqueza, porque nos foi dada; Esperança, porque queremos abrir-nos à esperança; Dignidade. Repetimos: riqueza, esperança e dignidade. A riqueza que Deus vos deu; vós sois a riqueza do México. A esperança que vos dá Jesus Cristo e a dignidade que vem de não vos deixardes lisonjear e ser mercadoria para a carteira dos outros. Hoje o Senhor continua a chamar-vos, continua a convocar-vos como fez com o índio Juan Diego. Convida-vos a construir um santuário; um santuário que não é um lu- gar físico, mas uma comunidade: um santuário chamado paróquia, um santuário chamado nação. A comunidade, a família, o sentir-vos cidadãos são alguns dos principais antídotos contra tudo o que nos ameaça, porque nos faz sentir parte desta grande família de Deus. E não para nos refugiarmos, não para nos fecharmos a fim de escapar às ameaças ou aos desafios da vida; antes, pelo contrário, para sairmos a convidar outros, para sairmos a anunciar a outros que ser jovem no México é a maior riqueza e, por conseguinte, não pode ser sacrificada. E porque tal riqueza é capaz de ter esperança e de nos dar dignidade. Digamos outra vez as três palavras: riqueza, esperança e dignidade. Mas riqueza, riqueza, ou seja, aquela que Deus nos deu e que temos de fazer crescer. Jesus, que nos dá a esperança, nunca nos convidaria a ser sicários, mas chama-nos discípulos, chamanos amigos. Jesus nunca nos mandaria à morte, mas tudo n’Ele é convite à vida: uma vida em família, uma vida em comunidade; uma família e uma comunidade a favor da sociedade. E aqui, Rosário, retomo, o que tu disseste, uma coisa muito bela: «Na família, aprende-se proximidade». Aprende-se solidariedade, aprende-se a partilhar, a discernir, a resolver os problemas uns dos outros, a pegar-se e corrigir-se, a discutir e a abraçar-se e beijar-se. A famí- lia é a primeira escola da nação, e na família está a riqueza que vós tendes. A família é como a guardiã dessa riqueza, na família ides encontrar esperança, porque nela está Jesus, e na família ides ter dignidade. Nunca, nunca ponhais de lado a família; a família é a pedra fundamental da construção de uma grande nação. Vós sois riqueza, tendes esperança e sonhais (a Rosário também falou de sonhar). Vós sonhais ter uma família? [«sim»]. Queridos irmãos, vós sois a riqueza deste país e, quando tiverdes dúvidas sobre isto, olhai para Jesus Cristo, que é a esperança, aquele que desmente todas as tentativas de vos tornar inúteis ou meros mercenários de ambições alheias. Agradeço-vos este encontro e peço que rezeis por mim. Obrigado! No final do encontro com os jovens, o Papa convidou a rezar à Virgem. Convido-vos a rezar juntos a Nossa Senhora de Guadalupe, pedindoLhe que nos torne conscientes da riqueza que Deus nos deu, que faça crescer em nós, nos nossos corações, a esperança em Jesus Cristo e que avancemos pela vida fora com a dignidade de cristãos. [Recitação da Ave-Maria e a Bênção Apostólica]. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado! número 8, quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016 L’OSSERVATORE ROMANO página 11 Conferência de imprensa do Pontífice durante o voo de regresso do México Riqueza surpreendente Durante o voo que de Ciudad Juárez o trouxe de volta para Roma no final da sua viagem à América Latina, na noite de quarta-feira 17 de Fevereiro, o Papa Francisco encontrouse com os jornalistas a bordo do avião numa conferência introduzida pelo director da Sala de imprensa da Santa Sé, padre Federico Lombardi. Publicamos uma síntese das perguntas e a transcrição das respostas do Pontífice. Maria Eugenia Jiménez Cáliz, do jornal mexicano «Milenio», recordou os desaparecidos do seu país e em particular o caso emblemático dos 43 estudantes de Ayotzinapa, perguntando ao Papa por que não se tinha encontrado com os seus familiares e pedindo também uma mensagem para as famílias dos milhares de desaparecidos. Na realidade, se a senhora ler as intervenções feitas, encontra referências contínuas aos assassinatos, às mortes, à vida arrancada por todos estes gangues do narcotráfico, dos traficantes de seres humanos. Ou seja, verá que falei destes problemas como uma das chagas que faz sofrer o México. Houve qualquer tentativa de receber pessoas; mas eram muitos grupos, até mesmo opostos entre eles, com lutas internas. Então preferi dizer que, na Missa, os veria a todos: na Missa de Juárez, se preferissem, ou noutra; eu estava aberto a esta possibilidade. Praticamente era impossível receber todos os grupos, que aliás se contrapunham uns aos outros. É uma situação difícil de compreender, para mim — claro — que sou estrangeiro. Mas penso que até mesmo a sociedade mexicana seja vítima de tudo isto: os crimes, o desaparecimento das pessoas, o descarte das pessoas. Nos discursos em que pude, falei disto e a senhora pode constatá-lo. É uma amargura muito grande que trago comigo, porque este povo não merece um drama assim. Javier Solorzano, do «Canal 11», tratou o tema da pedofilia, que no México tem raízes muito dolorosas. O caso do padre Maciel deixou marcas fortes, sobretudo nas vítimas. Estas continuam a sentir-se não protegidas pela Igreja; muitas delas continuam a ser pessoas de fé, e algumas até seguiram o sacerdócio. O jornalista perguntou ao Pontífice se pensou num encontro com as vítimas e como considera a prática de se limitar a mudar de paróquia os sacerdotes que cometem abusos. Bem, começo pelo segundo ponto. Um bispo que muda de paróquia um sacerdote quando se verifica um caso de pedofilia, é um inconsciente, e a melhor coisa que pode fazer é apresentar a renúncia. Está claro? Em segundo lugar, recuando na pergunta: o caso Maciel. Aqui gostaria de prestar homenagem a um homem que lutou, num momento em que não tinha força para se impor, até conseguir impor-se: Ratzinger. O Cardeal Ratzinger — uma salva de palmas para ele! — é um homem que teve na mão toda a documentação. Quando era Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé teve tudo nas suas mãos, fez as investigações e avançou sem se deter... mas não pôde ir mais longe na execução. Contudo, se vos lembrais, dez dias antes da morte de São João Paulo II, naquela Via-Sacra de Sexta-Feira Santa, ele disse a toda a Igreja que era necessário limpar as «imundícies» da Igreja. E, na Missa Pro eligendo Pontifice — não era ingénuo, ele sabia que era um candidato — não se importou com mascarar a sua posição, mas disse exactamente a mesma coisa. Por outras palavras, foi o homem corajoso que ajudou muitos a abrirem esta porta. Por isso quero lembrá-lo, porque às vezes esquecemonos daqueles trabalhos escondidos que foram os que prepararam as bases para se destapar a panela. Em terceiro lugar, já se fez bastante trabalho. Falei com o Cardeal Secretário de Estado e também com o grupo dos novos Cardeais conselheiros e, depois de os ter ouvido, decidi nomear um terceiro Secretário adjunto da Congregação para a Doutrina da Fé que se ocupe apenas destes casos, porque a Congregação não consegue dar conta de tudo aquilo que tem para fazer; ou seja, um que saiba gerir isto. Além disso, foi constituído o Tribunal de Apelação, presidido por D. Scicluna, que se ocupa dos casos de segunda instância, quando se recorre da sentença; de facto, quem examina a primeira instância é a «feria quarta» — assim designada porque se reúne à quartafeira — da Congregação para a Doutrina da Fé. Quando havia recurso, tornava-se à primeira instância. Isto não estava certo, pelo que se criou o Tribunal de Apelação, já com perfil judicial, com o advogado de defesa. Entretanto é preciso apurar o motivo do considerável atraso que se verifica no tratamento dos casos, porque casos há. Em terceiro lugar, outra realidade que está a trabalhar muito bem é a Comissão para a Tutela dos Menores; não reservada estritamente para os casos de pedofilia, mas para a tutela dos menores. Nesta sede, encontrei-me uma manhã inteira com seis deles — dois alemães, dois irlandeses e dois ingleses — homens e mulheres, abusados, vítimas. E encontrei-me com as vítimas também em Filadélfia: lá, uma manhã, tive um encontro com as vítimas. Em suma, estáse a trabalhar. Entretanto agradeço a Deus que se tenha destapado a panela, mas é preciso continuar a destapá-la e tomar consciência. E, finalmente, quero dizer que é uma monstruosidade, pois um sacerdote é consagrado para conduzir uma criança até Deus, mas assim «come-a» num sacri- fício diabólico, destrói-a. Quanto a Maciel — voltando à Congregação — fez-se uma ampla intervenção e hoje a Congregação, o governo da Congregação é semicomissariado, ou seja, o Superior-Geral é eleito pelo Conselho, pelo Capítulo Geral, mas quem elege o Vigário é o Papa. Dois conselheiros-gerais são eleitos pelo Capítulo Geral e o Papa elege outros dois, para ajudá-los na revisão de contas antigas. Quem não percebeu, peça a um espanhol que lhe explique o que eu disse. Phil Pulella, da agência «Reuters», fez referência às declarações de um dos candidatos à Casa Branca, o republicano Donald Trump, que numa entrevista disse que o Pontífice é um homem político, declarando que, se for eleito, quer construir 2.500 km de muro ao longo da fronteira entre os Estados Unidos e o México e deportar 11 milhões de imigrantes ilegais, separando assim as famílias. Então, perguntoulhe, o que pensava de tais declarações e se um católico norte-americano pode votar para tal pessoa. Bem, graças a Deus, que disse que sou político, porque Aristóteles define a pessoa humana como «animal politicus». Pelo menos sou uma pessoa humana! Quanto a ser um peão, bem, talvez seja melhor nem comentar... deixo isso ao vosso juízo, ao juízo das pessoas. E, depois, uma pessoa que só pensa em fazer muros, onde quer que seja, e não em fazer pontes, não é cristã. Isto não está no Evangelho. Quanto àquilo que me perguntava sobre o conselho que daria de votar ou não votar: não me intrometo. Digo apenas: se diz estas coisas, este homem não é cristão. É preciso ver se ele disse estas coisas; por isso lhe dou o benefício da dúvida. Jean-Louis de la Vaissière, da «France Presse» falou sobre o encontro com o Patriarca russo Kirill, a Declaração Conjunta e o facto de que na Ucrânia os greco-católicos se sentem traídos. Depois, perguntou ao Papa se foi convidado pelo Patriarca a visitar Moscovo ou se pensa em ir a Creta para o Concílio Pan-Ortodoxo. Começo pelo fim. Estarei lá presente espiritualmente e com uma mensagem. Gostaria de ir saudá-los ao Concílio Pan-Ortodoxo: são irmãos; mas devo respeitar. Entretanto sei que eles querem convidar observadores católicos, e isto é uma bela ponte; por detrás dos observadores católicos, estarei eu, rezando e formulando os melhores votos para que os ortodoxos continuem sempre para diante, pois são irmãos e os seus bispos são bispos como nós. Quanto a Kirill, o meu irmão: beijámo-nos, abraçámo-nos e seguiu-se um colóquio de uma hora... Padre Lombardi observou: «duas horas!»... ...Duas horas! Duas horas, durante as quais falámos como irmãos, sinceramente, e ninguém sabe as coisas que abordámos; apenas o que dissemos no fim, publicamente, a propósito do que sentimos durante o colóquio. Terceiro: aquele artigo, aquelas declarações na Ucrânia. Quando li aquilo, fiquei um pouco preocupado ao ver que teria sido precisamente Sviatoslav Shevchuk quem disse que o povo ucraniano, ou alguns ucranianos, ou muitos ucranianos se sentem profundamente decepcionados e traídos. Antes de mais nada, conheço bem Sviatoslav: trabalhámos juntos em Buenos Aires, durante quatro anos. Quando foi eleito Arcebispo-Mor — tinha 42 anos, um homem bom! — voltou a Buenos Aires para levar as suas coisas. Veio ter comigo e ofereceu-me um ícone — pequeno assim — de Nossa Senhora da Ternura e disseme: «Este ícone acompanhou-me a vida inteira: quero deixá-lo a ti que me acompanhaste durante estes quaCONTINUA NA PÁGINA 12 página 12 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016, número 8 Riqueza surpreendente CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 11 tro anos». É uma das poucas coisas que trouxe de Buenos Aires e tenhoo na minha mesa. É um homem por quem tenho respeito e também familiaridade — tratamo-nos por «tu» — e, por isso, pareceu-me um pouco estranho. E lembrei-me de algo que já vos disse: para compreender uma notícia, uma declaração, é preciso procurar a hermenêutica do conjunto. Quando disse isso? Foi dito numa declaração do passado dia 14 de Fevereiro, domingo, domingo passado. Uma entrevista que deu, registada pelo padre... não me lembro, um sacerdote ucraniano; registada e publicada na Ucrânia. A notícia — numa entrevista de pouco mais de duas páginas — aquela notícia aparece no antepenúltimo parágrafo, pequeno assim! Li a entrevista e posso dizer isto: Shevchuk declara-se — e é a parte dogmática — filho da Igreja, em comunhão com o Bispo de Roma, com a Igreja; fala do Papa, da solidariedade do Papa, e dele, da sua fé, e também da fé do povo ortodoxo. Na parte dogmática, nenhuma dificuldade: é ortodoxa no bom sentido da palavra, isto é, doutrina católica. Depois, como em todas as entrevistas — nesta, por exemplo — cada um tem o direito de dizer as suas coisas, mas isto não o fez em relação ao Encontro pois a propósito deste afirma: «É uma coisa boa e devemos avançar». Neste segundo capítulo, aparecem as ideias pessoais que uma pessoa tem. Por exemplo, uma coisa é aquilo que eu disse sobre os bispos que mudam de paróquia os padres pedófilos — o melhor que podem fazer é demitir-se — não é uma coisa dogmática, mas aquilo que eu penso. E, de igual modo, ele tem as suas ideias pessoais, sobre as quais se pode dialogar, e tem direito a tê-las. Tudo o que ele diz sobre o documento: aqui estaria o problema. Sobre o facto do encontro, diz: «Isto vem do Senhor, do Espírito que caminha, o abraço...»: está tudo bem. E o Documento? É um documento discutível. E há outra coisa a acrescentar: a Ucrânia está num período de guerra, de sofrimento, com muitas interpretações. Eu nomeei muitas vezes o povo ucraniano, pedindo orações e solidariedade, tanto no «Angelus» como nas Audiências de quarta-feira. Mas, sobre o facto histórico de uma guerra, cada um tem a sua ideia: Como é esta guerra? Quem começou? Como se faz? Como não se faz? É claro que se trata de um problema histórico, mas também um problema existencial daquele país, e fala do sofrimento. E, neste contexto, eu insiro este parágrafo, compreende-se aquilo que dizem os fiéis... Porque Sviatoslav diz: «Muitos crentes telefonaram-me, ou escreveram, dizendo que se sentem profundamente decepcionados e traídos por Roma». Compreende-se que um povo naquela situação sinta isto. O Documento é opinável sobre esta questão da Ucrânia, mas nele pedese que cesse a guerra e tudo se resolva por acordos. Eu mesmo almejei pessoalmente que os Acordos de Minsk valham, e não se apague com o cotovelo aquilo que foi escrito à mão. A Igreja de Roma, o Papa sempre disse: «Procurai a paz». Recebi ambos os Presidentes. E por is- so, quando ele diz que ouviu isto do seu povo, eu compreendo, compreendo-o. Mas isto não é «a» notícia. A notícia é tudo. Se lerdes toda a entrevista, vereis que há coisas dogmáticas sérias, que permanecem; há um desejo de unidade, de avançar, ecuménico: ele é um homem ecuménico. E há algumas opiniões. Ele escreveu-me, quando se soube da viagem, do encontro, mas como um irmão, dando as suas opiniões de irmão. A mim não me desagrada o Documento, assim como está; não me desagrada no sentido de que devemos respeitar as coisas que cada um tem a liberdade de pensar e... naquela situação tão difícil. E da parte de Roma? Agora o Núncio está na fronteira onde se combate, ajudando os soldados, os feridos; a Igreja de Roma enviou muita ajuda, tanta ajuda para lá. E sempre anima a buscar a paz, os acordos. Seja respeitado o Acordo de Minsk. Isto é o conjunto; não é preciso assustar-se com aquela frase. Esta é uma lição: uma notícia deve ser interpretada com a hermenêutica do conjunto, e não de uma parte só. O jornalista francês perguntou de novo se recebeu o convite do Patriarca Cirilo para ir a Moscovo. O Patriarca Kirill... Eu preferiria não falar, porque, se digo uma coisa, terei de dizer outra, outra e outra. Preferiria que aquilo de que falamos a sós seja apenas o que dissemos em público. O que dissemos em público é um dado. Mas, se digo uma coisa, deveria dizer outra e não! Aquilo que eu disse em público, aquilo que ele disse em público, isso é o que se pode dizer do colóquio privado. Caso contrário, não seria privado. Mas posso dizer-lhe: eu saí de lá feliz. E ele também. Carlo Marroni, do «Sole 24 Ore» mencionou o debate no Parlamento italiano da lei sobre as uniões civis, que se refere também ao tema das adopções e direitos das crianças e dos filhos. Antes de mais nada, não sei como estão as coisas no Parlamento italiano. O Papa não se intromete na política italiana. Na primeira reunião que tive com os Bispos [italianos], em Maio de 2013, uma das três coisas que disse foi: «Com o governo italiano, entendei-vos vós!» Porque o Papa é para todos, e não pode entrar na política concreta, interna de um país: o papel do Papa não é este. E aquilo que penso eu é o que pensa a Igreja; e já o disse em tantas ocasiões. Porque este não é o primeiro país que faz esta experiência: são muitos. Penso aquilo que a Igreja sempre disse. A espanhola Paloma García Ovejero, de «Cope», expressou preocupações pelo vírus «Zika» que provoca riscos sobretudo às mulheres grávidas, ao ponto que algumas autoridades propuseram o aborto. E perguntou ao Pontífice se a Igreja pode considerar o conceito de «mal menor». O aborto não é um «mal menor». É um crime. É eliminar uma pessoa para salvar outra. É aquilo que faz a máfia. É um crime, é um mal absoluto. Quanto à aplicação do «mal menor» ao evitar a gravidez: falamos em termos de conflito entre o quinto e o sexto mandamento. Paulo VI — o grande! — numa situação difícil, na África, permitiu às Irmãs usar contraceptivos para os casos de violência. É preciso não confundir o mal de apenas evitar a gravidez com o mal do aborto. O aborto não é um problema teológico: é um problema humano, é um problema médico. Mata-se uma pessoa para salvar outra — na melhor das hipóteses! — ou para a nossa comodidade. É contra o Juramento de Hipócrates, que os médicos devem fazer. É mal em si mesmo, não um mal religioso — na raiz, não; é um mal humano. E, obviamente, uma vez que é um mal humano — como cada assassinato — é condenável. Caso diferente é evitar a gravidez, que não é um mal absoluto, e em certos casos — como aquele que mencionei do Beato Papa Paulo VI — era claro. Dito isto, gostaria de animar os médicos para que façam o máximo possível por encontrar as vacinas contra estas duas melgas portadoras deste mal: nisto, há que trabalhar. Obrigado! O alemão Ludwig Ring-Eifel, da Katholische-Nachrichten-Agentur mencionou o facto de que daqui a poucas semanas Francisco receberá o Prémio Carlos Magno, um dos mais prestigiosos da Comunidade europeia — como o seu predecessor João Paulo II — num momento em que a União Europeia dá a impressão de estar a desabar, primeiro com a crise do euro e agora com a dos refugiados. Em primeiro lugar, o Prémio Carlos Magno. Eu tinha o hábito de não aceitar honorificências nem doutorados; sempre fui assim, não por humildade, mas porque não gosto destas coisas. Um pouco de estultícia é bom tê-la, e disso não gosto! Mas neste caso fui, não digo «forçado», mas «convencido» com a santa e teológica obstinação do Cardeal Kasper, que foi escolhido por Aachen para me convencer. E eu disse: «Sim, mas no Vaticano». Disse isso; e ofereço-o pela Europa: seja uma condecoração, um prémio para que a Europa possa fazer aquilo que lhe almejei em Estrasburgo: possa ser, não a «avó Europa», mas a «mãe Europa». Em segundo lugar, a crise. No outro dia, ao ler as notícias sobre estas crises — leio pouco, limitome a folhear um jornal (não digo o nome, para não despertar ciúmes, mas é sabido), olho-o quinze minutos e, depois, recebo a informação da Secretaria de Estado — vi uma expressão de que gostei (não sei quem a aprova e quem não, mas gostei): «a refundação da União Europeia». E pensei nos grandes Pais dela... Mas onde há, hoje, um Schuman, um Adenauer? Estes grandes, que no pós-guerra fundaram a União Europeia. Gosto desta ideia de refundação: talvez se possa fazer! Com efeito, eu não quero dizer que a Europa seja única, mas tem uma força, uma cultura, uma história que não se pode desperdiçar, e temos de fazer todo o possível para que a União Europeia tenha a força e também a inspiração para nos fazer avançar. Não sei; isto é o que penso. Anne Thompson, de «Nbc News» perguntou como pode uma Igreja, que afirma ser «misericordiosa», perdoar mais facilmente um assassino do que quem divorcia e volta a casar. Gosto da pergunta! Sobre a família, falaram dois Sínodos e o Papa falou todo o ano nas Catequeses da quarta-feira. E a pergunta é verdadeira; gosto dela, porque a senhora a apresentou plasticamente bem. No documento pós-sinodal que sairá talvez antes da Páscoa, num dos capítulos — porque tem bastantes — retoma-se tudo aquilo que disse o Sínodo sobre os conflitos ou sobre as famílias feridas, e a pastoral das famílias feridas. É uma das preocupações. Outra é a preparação para o matrimónio. A senhora pense que, para se tornar sacerdote, há oito anos de estudo, de preparação, e em seguida, depois de algum tempo, se não o consegues ser, pedes a dispensa e sais; e está tudo resolvido. Ao passo que, para fazer um Sacramento que é para toda a vida, temos três ou quatro conferências... A preparação para o matrimónio é muito, muito importante, porque penso que se trata de algo que a Igreja, na pastoral comum — pelo menos no meu país, na América do Sul — não valorizou muito. Por exemplo, no meu país — agora nem tanto, mas há alguns anos — estávamos habituados ao chamado «casamiento de apuro»: casarem-se à pressa, porque chegava um filho; e para cobrir socialmente a honra da família... Em tais condi- número 8, quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016 L’OSSERVATORE ROMANO estrada da integração. E aqueles dois eram felizes! Usaram uma frase muito bela: «Não comungamos Jesus eucarístico, mas comungamos Jesus na visita ao hospital, neste e naquele serviço». A sua integração ficou por ali. Se há algo mais, o Senhor dilo-á a eles, mas... é um caminho, uma estrada... ções, não eram livres, e muitas vezes estes matrimónios são nulos. E eu, como bispo, proibi aos sacerdotes de o fazerem, quando se tratava disso... Deixai que venha a criança, que continuem como namorados e, quando sentirem vontade de se casar para toda a vida, que o façam. Mas há uma carência na [preparação] para o matrimónio. Aparece, depois, outro capítulo muito interessante: a educação dos filhos. As vítimas dos problemas das famílias são os filhos. Mas são vítimas também de problemas da família que nem o marido nem a esposa querem: por exemplo, a necessidade de trabalhar. Quando o pai não tem tempo livre para conversar com os filhos, quando a mãe não tem tempo livre para conversar com os filhos. Quando confesso um casal que tem filhos, pergunto ao cônjuge: «Quantos filhos tens?». Alguns ficam assustados, imaginando: «O padre perguntar-me-á por que não tenho mais». Mas eu digo: «Far-lhe-ei uma segunda pergunta: brinca com os seus filhos?» E a maioria — quase todos — dizem: «Padre, não tenho tempo; trabalho o dia inteiro». E os filhos são vítimas de um problema social que fere a família. É um problema! Gosto da sua pergunta. E uma terceira coisa interessante! No encontro com as famílias, em Tuxtla, havia um par de recasados em segunda união, integrados na pastoral da Igreja. Aqui está a palavra-chave que usou o Sínodo e que eu retomarei: «integrar» na vida da Igreja as famílias feridas, as famílias de recasados e tudo isso. Mas — não esqueçais! — no centro, estão as crianças! São as primeiras vítimas, quer das feridas, quer das condições de pobreza, de trabalho, de tudo isso. Anne Thompson interveio, perguntando se isto significa que poderão fazer a comunhão. Isso é outra coisa... é o ponto de chegada. Integrar na Igreja não significa «receber a Comunhão»; pois conheço católicos recasados que vão à igreja, uma ou duas vezes por ano. E dizem: «Mas, eu quero receber a Comunhão!», como se a Comunhão fosse uma honorificência. É um trabalho de integração... todas as portas estão abertas. Mas não se pode dizer: daqui para diante «podem receber a Comunhão». Isto seria uma ferida também para os cônjuges, o casal: não lhes fazer percorrer esta Antoine-Marie Izoard, de «Imedia», referindo-se à resposta precedente, disse que já não tem tempo para brincar com os filhos. Referindo-se ao clamor a propósito da correspondência entre João Paulo II e a filósofa americana Anna Tymieniecka, perguntou se um Papa pode ter uma relação tão íntima com uma mulher. Eu já sabia da relação de amizade entre São João Paulo II e esta filósofa, quando estava em Buenos Aires: era uma coisa sabida, inclusive os livros dela são conhecidos, e João Paulo II era um homem inquieto... A propósito, eu diria que um homem que não sabe ter uma boa relação de amizade com uma mulher — não falo de misóginos! Estes são doentes — é um homem a quem falta algo. E eu, inclusive por experiência pessoal, quando peço um conselho, dirijo-me a um colaborador, a um amigo, um homem, mas gosto também de ouvir o parecer de uma mulher. Elas dãote tanta riqueza! Vêem as coisas de maneira diferente. Gosto de dizer que a mulher é aquela que constrói a vida no ventre, e tem este carisma — mas esta é uma comparação que faço — de dar-te coisas para construir. Uma amizade com uma mulher não é pecado. Falo de uma amizade; uma relação amorosa com uma mulher que não seja tua esposa, é pecado. O Papa é um homem; o Papa precisa também do pensamento das mulheres. E o Papa também tem um coração, que pode ter uma amizade sã, santa com uma mulher. Há Santos amigos: Francisco e Clara, Teresa e João da Cruz... Mas as mulheres ainda são um pouco... não bem consideradas, não inteiramente... Não compreendemos o bem que uma mulher pode fazer à vida do padre e da Igreja, na linha de aconselhamento, de ajuda, de uma sã amizade. Obrigado. Franca Giansoldati, de «Il Messaggero», voltou a falar do debate político na Itália sobre as uniões civis, recordando o documento da Congregação para a Doutrina da Fé de 2003, que diz expressamente que os os parlamentares católicos não devem votar estas leis. E perguntou se este documento ainda tem valor. Em seguida, comentou outro degelo que se vislumbra no horizonte depois de Moscovo: isto é, o encontro que o Pontífice gostaria de ter com o Grão-Imã de Al-Azhar, ou seja, com o islão sunita. A propósito, na semana passada, monsenhor Ayuso foi ao Cairo encontrar o Vice do Grão-Imã e saudar também o Imã. Monsenhor Ayuso é Secretário do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso, pre- sidido pelo Cardeal Tauran. Desejo encontrar o Imã, sei que ele também gostaria, e estamos a procurar o modo, sempre através do Cardeal Tauran, porque esta é a estrada. Mas havemos de o conseguir... Quanto ao primeiro ponto: não me lembro bem daquele documento de 2003 da Congregação para a Doutrina da Fé. Mas um parlamentar católico deve votar segundo a sua consciência bem formada. Eu diria apenas isto; acho que é suficiente. E digo «bem formada», porque não é a consciência «daquilo que me parece». Quando foi votado o matrimónio das pessoas do mesmo sexo em Buenos Aires, lembro-me que havia um empate de votos; no fim, um disse para o outro: «Mas isto é claro para ti?» — «Não!» — «Nem para mim!» — «Saímos» — «Se sairmos, não atingimos o quórum». E o outro disse: «Mas, se atingimos o quórum, damos o voto a Kirchner!» E o outro: «Prefiro dá-lo a Kirchner que a Bergoglio!»... e continuaram. Esta não é consciência bem formada! E sobre as pessoas do mesmo sexo, repito o que disse na viagem de regresso do Rio de Janeiro e que está no Catecismo da Igreja Católica. Javier Martínez Brocal, de «Rome Reports», perguntou ao Papa quando irá à Argentina, quando voltará à América Latina ou quando irá à China. A China... ir lá. Gostaria imenso! Quero dizer uma coisa, uma coisa justa, sobre o povo mexicano. É um povo de uma riqueza, de uma riqueza tão grande que surpreende. Tem uma cultura milenária... Sabeis que hoje, no México, se falam 65 línguas, contando as indígenas? 65! É um povo de uma grande fé, também sofreu perseguições religiosas, existem mártires: irei canonizar dois ou três. É um povo... que não se pode explicar. E um povo não se pode explicar, simplesmente porque o termo «povo» não é uma categoria lógica; é uma categoria mística. E o povo mexicano não se pode explicar: esta riqueza, esta história, esta alegria, esta capacidade festiva, e também estas tragédias sobre as quais me interrogastes. Eu não sei que dizer! Como conseguiu esta unidade, como conseguiu este povo não falir, não acabar com tantas guerras? E as coisas que sucedem agora... Lá, em Ciudad Juárez, havia um pacto de 12 horas de paz para a minha visita; depois continuarão a lutar entre eles, os traficantes... Um povo que ainda tem esta vitalidade só se explica por Guadalupe. E convido-vos a estudar seriamente o fenómeno de Guadalupe. Nossa Senhora está lá. Eu não encontro outra explicação. Seria bom se vós, como jornalistas... Há alguns livros bons que explicam; explicam também o quadro, como é, que significa... E deste modo poderse-á compreender um pouco deste povo tão grande, tão maravilhoso. Caroline Pigozzi, de «Paris Match», perguntou ao Papa o que pediu à Virgem de Guadalupe, e se sonha em italiano ou em espanhol? Diria que sonho em esperanto... Verdadeiramente não sei como responder a isto. Às vezes sim, lembro- página 13 me de qualquer sonho noutra língua; mas sonhar em línguas, não; com figuras, sim. A minha psicologia é assim. Com palavras sonho pouco. E a primeira pergunta, qual era? Caroline Pigozzi disse: sobre Nossa Senhora... Pedi pelo mundo, pela paz... Tantas coisas. Coitada d’Ela! Acabou com a cabeça cheia assim. Pedi perdão, pedi que a Igreja cresça saudável, pedi pelo povo mexicano. E uma coisa que pedi muito é que os padres sejam verdadeiros padres, as irmãs verdadeiras irmãs e os bispos verdadeiros bispos como o Senhor quer. Isto pedi-lho tanto! Mas as coisas que um filho diz à mãe são secretas. Obrigado, Carolina. No final o padre Lombardi quis festejar Alberto Gasbarri na sua última viagem. E o Papa interveio com algumas expressões durante a entrega de alguns dons. Uma palavra apenas! Também eu repito o que disse no princípio: muito obrigado! E deu-me bons conselhos. Só tem um defeito: não sabe calcular bem os quilómetros! Depois do bolo o Papa concluiu com estas palavras. Boa viagem. Muito obrigado pelo vosso trabalho e rezai por mim. Sabeis que estou ao vosso dispor. E brincai com os vossos filhos! Uma palavra para Nínive CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 1 mas a favor de todos», para que «todos estejam no mesmo barco», explicou Francisco com simplicidade. Último encontro do Pontífice na viagem mexicana foi a grande missa na fronteira com os Estados Unidos. Num dos lugares símbolo daquela «tragédia humana» representada pelo fenómeno mundial das migrações forçadas, que causa milhares de vítimas e deve ser medido pensando nos nomes, nas histórias, nas famílias: de «irmãos e irmãs que partem constrangidos pela pobreza e violência, pelo narcotráfico e crime organizado», frisou mais uma vez o Papa. A glória de Deus é a vida do homem, afirmava Ireneu num trecho querido a Paulo VI e que hoje o seu sucessor repetiu comentando a história de Jonas. O profeta foi enviado por Deus a Nínive, a «grande cidade que estava a autodestruir-se, fruto da opressão e da degradação, da violência e da injustiça». Assim Jonas foi «despertar um povo inebriado de si mesmo» com a palavra da misericórdia, para afirmar que «há sempre a possibilidade de mudar». Nínive converteu-se, como pediu Francisco de novo, implorando o dom das lágrimas e da conversão. L’OSSERVATORE ROMANO página 14 quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016, número 8 Missa em Santa Marta Entre o fazer e o dizer De nada serve autoproclamar-se cristãos, porque «Deus é real» e é pelo «fazer», não certamente pela «religião do dizer». Foi uma evocação à essencialidade da vida cristã a que o Papa propôs — com o convite a um exame de consciência sobre as bemaventuranças e em particular sobre o próprio testemunho em família — na missa celebrada a 23 de fevereiro, na capela de Santa Marta. «A liturgia da palavra hoje introduz-nos na dialética evangélica entre o fazer e o dizer» observou imediatamente Francisco, referindo-se ao trecho do livro do profeta Isaías (1, 10.16-20). «O Senhor chama o seu povo a fazer: Vinde, tratemos». Falemos e «deixai de praticar o mal, aprendei a praticar o bem, procurai a justiça, socorrei o oprimido, fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva». Resumindo «fazei, praticai obras», porque «Deus é real». De resto, o próprio Jesus afirmou: «Não aqueles que me dizem: “Senhor, Senhor” entrarão no reino dos céus mas aqueles que fizerem obras!». Portanto «não os que dizem» e chega, mas os que «fizerem a vontade do Pai». Assim o Papa recordou que «o Senhor nos ensina o caminho do fazer». E, acrescentou, «quantas vezes encontramos pessoas — inclusive nós mesmos — na Igreja» que proclamam: «Sou muito católico!». Mas, temos vontade de perguntar, «o que fazes?». Por exemplo, observou Francisco, «quantos pais se dizem católicos mas nunca têm tempo para falar com os seus filhos, para brincar com eles, para os ouvir». Ou ainda, prosseguiu, «os seus pais estão numa casa de repouso, mas eles estão sempre ocupados e não podem ir visitá-los, deixandoos abandonados». Contudo repetem: «Sou muito católico! Pertenço à associação tal...». Esta atitude, afirmou o Papa, é típica da «religião do falar: digo que sou assim, mas pratico a mundanidade. Como os clérigos sobre os quais falava Jesus». Eles «gostavam de se mostrar, da vaidade, mas não da justiça; gostavam de ser chamados mestres, gostavam do dizer e não do fazer». Uma realidade evocada também pelo trecho evangélico da liturgia, tirado do capítulo 23 de Mateus (112). «Pensemos — disse o Papa — naquelas dez jovens que eram felizes, porque naquela noite deviam esperar o esposo. Estavam felizes! Mas cinco delas fizeram o que deviam para esperar o esposo; as outras cinco estavam nas nuvens». E assim, prosseguiu, quando «chegou o esposo faltava-lhes o óleo: eram insensatas». «Dizer e não fazer é um engano» advertiu o Pontífice. É «um engano que nos leva exatamente à hipocrisia». Precisamente «como Jesus diz daqueles clérigos». Mas «o Senhor vai além: que diz àqueles que se aproximam dele para fazer?». As suas palavras são: «Coragem, vinde e falemos! Mesmo se os vossos pecados fossem vermelhos como escarlate, tornar-se-iam brancos como a neve. Se fossem como púrpura, tornarse-iam como lã». Por isso, explicou Francisco, «a misericórdia do Senhor consiste em fazer». Assim «àqueles que batem à porta e dizem: “Mas, Senhor, recordas, eu disse...”», ele responde: «Não te conheço!». Ao contrário, a quantos «fazem» diz: «És pecador como o escarlate, tornar-te-ás branco como a neve». Deste modo «a misericórdia do Senhor vai ao encontro de quantos têm a coragem de se confrontar com ele, mas confrontarse sobre a verdade, sobre as coisas que faço ou não faço, para me corrigir». «Este é o grande amor do Senhor, nesta dialética entre o dizer e o fazer». Eis que, relançou o Papa, «ser cristão significa fazer: fazer a vontade de Deus». «No último dia — porque todos nós teremos um — o que nos perguntará o Senhor? Dir-nos-á: “O que dissestes sobre mim?”. Não! Quererá saber quais as obras que fizemos». Resumindo, nos interpelará sobre «as coisas concretas: “Tive fome e destes-me de comer; tive sede e destes-me de beber; estava doente e viestes ter comigo; estava preso e viestes visitar-me”». Porque «esta é a vida cristã». Ao contrário, «só fa- Phoebe Anna Traquair, «A parábola das dez virgens»(1901) lar leva-nos à vaidade, àquele fazer de conta que somos cristãos. Mas, assim não somos cristãos!». No centro do tempo que nos aproxima da Páscoa «neste caminho de conversão quaresmal», Francisco propôs um exame de consciência, sugerindo que nos façamos algumas perguntas: «Sou daqueles que falam muito e nada fazem ou faço algo? Procuro fazer mais?». O objetivo, afirmou, é «fazer a vontade do Senhor para praticar o bem aos meus irmãos, àqueles que estão próximos de mim». Na conclusão, antes de retomar a celebração eucarística, o Papa convidou a rezar a fim de que «o Senhor nos dê esta sabedoria de compreender bem onde está a diferença entre o dizer e o fazer e nos ensine o caminho do fazer ajudando-nos a segui-lo, porque a via do dizer nos leva ao lugar onde estão os doutores da lei, os clérigos que gostavam de se vestir e parecer como reizinhos». Mas «esta não é a realidade do Evangelho!». Eis então a oração a fim de que «o Senhor nos ensine este caminho». Diálogo com o director internacional da Rede mundial de oração do Papa Conectados com o mundo NICOLA GORI O mundo mudou nas últimas décadas e assim também o Apostolado da oração se adequa aos tempos. Começando pelo nome, que a fim de frisar melhor o vínculo directo com o Pontífice se tornou «Rede mundial de oração do Papa». Além disso, procura-se utilizar cada vez mais as social networks e as novas tecnologias que os meios de comunicação social põem à disposição: em breve será lançado um aplicativo, enquanto desde Janeiro as mensagens em vídeo de Francisco já estão na rede. Novidade também para as intenções mensais: a partir de 2017 àquela publicada se acrescentará de cada vez uma segunda decidida pelo Pontífice sobre argumentos de estreita actualidade. Sobre tudo isto falou o director internacional, o jesuíta Frédéric Fornos, nesta entrevista concedida ao nosso jornal. Por que se sentiu a necessidade de mudar nome? O objectivo da Rede mundial de oração do Papa (Apostolado da oração) é rezar pela missão da Igreja e despertar a dimensão missionária dos católicos através de uma relação pessoal e profunda com Jesus, com o seu coração. É uma oração conectada com o mundo, que põe o movimento ao serviço deste mundo. Iniciámos um processo de «recriação» há cinco anos para um melhor serviço universal da missão confiada pelo Papa à Companhia de Jesus porque consideramos esta rede de oração mundial, presente em 89 países, necessária como nunca à missão da Igreja. Precisamente a fim de que esta rede seja mais conhecida pelas pessoas — muitos não sabem que somos um serviço oficial da Igreja — mudámos o nome. Como nasceu a iniciativa das mensagens mensais em vídeo do Papa Francisco? O mundo mudou. As estruturas e os meios que se usavam no século XIX, no qual se desenvolveu o Apostolado da oração, e que eram necessários devido às distâncias geográficas e ao tempo exigido para a impressão dos boletins e revistas, já não funcionam. Hoje com a globalização da comunicação, num mundo digital sem fronteiras, com a imediação das redes sociais, onde quase em toda parte se pode e se deseja estar em comunhão com o Papa, precisamos de outros meios para continuar esta missão. Por isso, pensamos, com o apoio da agência La Machi, que o vídeo seria uma boa maneira para fazer conhecer estes desafios da humanidade e da missão da Igreja. Os vídeos, mais facilmente, permitem que o Papa Francisco crie uma relação pessoal e que os corações se comovam para mobilizar oração e acção. Que novidades tendes em programa? As intenções de oração do Papa são preparadas quase dois anos antes: é um processo longo de discernimento orante e de selecção, onde se recebem centenas de propostas do mundo inteiro, dos dicastérios e das diversas congregações vaticanas. O director-geral, superior-geral da Companhia de Jesus, um ano antes O Papa Francisco durante a gravação das intenções de oração CONTINUA NA PÁGINA 15 número 8, quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016 L’OSSERVATORE ROMANO INFORMAÇÕES Audiências O Papa Francisco recebeu em audiências particulares: A 19 de Fevereiro O Senhor Cardeal Jean-Louis Tauran, Presidente do Pontifício Conselho para o Diálogo Interreligioso, com o Secretário do mesmo Dicastério, D. Miguel Ángel Ayuso Guixot, M.C.C.J. A 23 de Fevereiro O Senhor Cardeal Reinhard Marx, Arcebispo de München und Freising (Alemanha), Coordenador do Conselho para a Economia. Renúncias O Santo Padre aceitou a renúncia: No dia 18 de Fevereiro De D. Andrea Mugione, ao governo pastoral da Arquidiocese metropolitana de Benevento (Itália), em conformidade com o cânone 401 § 1 do Código de Direito Canónico. Nomeações O Sumo Pontífice nomeou: A 18 de Fevereiro Arcebispo Metropolitano de Benevento (Itália), o Rev.do Pe. Felice Accrocca, do clero da Diocese de Latina-Terracina-Sezze-Priverno, até esta data Pároco, Vigário episcopal para a Pastoral e Professor de História Medieval na Pontifícia Universidade Gregoriana. D. Felice Accrocca nasceu a 2 de Dezembro de 1959, em Cori (Itália). Recebeu a Ordenação sacerdotal no dia 12 de Julho de 1986. A 20 de Fevereiro Bispo de Alaminos (Filipinas), D. Ricardo Lingan Baccay, até à presenta data Auxiliar de Tuguegarao. A 22 de Fevereiro Bispo de Zacapa Y Santo Cristo de Esquipulas (Guatemala), o Rev.do Pe. Ángel Antonio Recinos Lemus, do clero da Diocese de Japala e até esta data Pároco da paróquia de Nossa Senhora de Lourdes em El Progreso Achuapa. D. Ángel Antonio Recinos Lemus nasceu no dia 2 de Agosto de 1963, em Azulco (Guatemala). Recebeu a Ordenação sacerdotal a 3 de Dezembro de 1994. A 24 de Fevereiro Bispo Coadjutor da Prelazia Territorial de Borba (Brasil), o Rev.do Pe. Zenildo Luiz Pereira da Silva, C.SS.R., até esta data Pároco da Catedral de Santana e São Sebastião na Diocese de Coari. D. Zenildo Luiz Pereira da Silva, C.SS.R., nasceu a 6 de Junho página 15 Credenciais de novos embaixadores de 1968, em Linhares, diocese de Colatina (Espírito Santo, Brasil). Aos cinco anos transferiu-se com a família para Cacoal, diocese de JiParaná, no Estado de Rondônia. Emitiu os votos religiosos em 27 de Dezembro de 1997 na Congregação do Santíssimo Redentor (Redentoristas), e foi ordenado Sacerdote a 11 de Agosto de 2001 em Cacoal. Frequentou o seminário dos Redentoristas em Aparecida. Em seguida, cursou Filosofia e Teologia no CENESCH — Centro de Estudos do Comportamento Humano, em Manaus (1994-2000). Frequentou o curso «Gestão de Pessoas», Literatus, em Manaus. Durante o ministério sacerdotal desempenhou os seguintes cargos: Pároco da Paróquia de Nossa Senhora de Nazaré em Manacapuru (2001-2008); Pároco da Paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro em Manaus (2008-2011) e Superior da ViceProvíncia Redentorista da Amazônia (2011-2014). Timor-Leste Na manhã de segundafeira 22 de Fevereiro o Papa Francisco recebeu em audiência Sua Excelência o Senhor Egas da Costa Freitas, embaixador de Timor-Leste, para a apresentação das cartas com as quais é acreditado junto da Santa Sé Sua Excelência o Senhor Egas da Costa Freitas, novo embaixador de TimorLeste junto da Santa Sé, nasceu em Baucau a 24 de Março de 1968. Formou-se em filosofia e teologia (Sekolah Tinggi Filsafat Driyarkara Jakarta Pusat-Rawasari, Indonésia, 1989), e desempenhou as seguintes actividades: quadro médio no grande Movimento de libertação de Timor-Leste e responsável na Resistência nacional para as actividades de agitação e propaganda política nas zonas ocupadas da Indonésia; enviado pelo ministério dos Negócios estrangeiros a fim de participar num curso de orientação para os futuros chefes de missão da República de Timor-Leste na Malásia (2013); actualmente é docente na High School 298 em Vemase e vice-secretário do conselho pastoral da Diocese de Baucau e membro activo da comissão para a catequese. Prelados falecidos Argentina Adormeceram no Senhor: No dia 16 de Fevereiro D. Carlos Quintero Arce, Arcebispo Emérito de Hermosillo (México). O saudoso Prelado nasceu em Etzatlán (México), a 13 de Fevereiro de 1920. Recebeu a Ordenação sacerdotal no dia 8 de Abril de 1944. Foi ordenado Bispo em 14 de Maio de 1961. D. Gregorio Garavito Jiménez, religioso da Companhia de Maria, Bispo Emérito de Villavicencio (Colômbia). O venerando Prelado nasceu no dia 9 de Março de 1919, em Junín (Colômbia). Foi ordenado Sacerdote a 24 de Julho de 1942. Recebeu a Ordenação episcopal em 11 de Fevereiro de 1962. Início de Missão de Núncio Apostólico D. Luciano Suriani, Arcebispo Titular de Amiternum, na Sérvia (5 de Fevereiro). No final da manhã de segunda-feira 22 de Fevereiro o Papa Francisco recebeu em audiência Sua Excelência o Senhor Rogelio Francisco Emilio Pfirter, embaixador da Argentina, para a apresentação das cartas com as quais é acreditado junto da Santa Sé Sua Excelência o Senhor Rogelio Francisco Emilio Pfirter, novo embaixador da República Argentina junto da Santa Sé, nasceu em Santa Fe a 25 de Agosto de 1948. Formou-se em direito na Universidad Nacional del Litoral. Empreendeu a carreira diplomática em 1974, desempenhando os seguintes cargos: diplomata da missão permanente argentina junto da Organização das Nações Unidas em Nova Iorque; diretor para os Assuntos nucleares e para a Segurança junto do ministério dos Negócios estrangeiros; subsecretário para a Política estrangeira (1992-1994 e 2002); presidente da assembleia gera da Organização marítima internacional (1995-1997); embaixador em Londres (1995-2000); representante permanente da República da Argentina na Comissão administradora de Río de la Plata (2000-2002); diretor-geral da Organização para a proibição das armas químicas (2002-2010). É membro do Conselho argentino para as Relações internacionais; é titular da cátedra de direito penal internacional na Universidade Kennedy e de Políticas públicas na Universidad Austral. Rede mundial de oração do Papa CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 14 apresenta as sugestões ao Papa Francisco e depois ele nos envia a versão oficial. Em seguida é preciso traduzir nas línguas principais, enviá-las aos directores nacionais do Apostolado da oração e aos bispos de todo o mundo, publicá-las em diversos folhetos e revistas, fazê-las conhecer a todos os meios de comunicação católicos. É um longo processo. E devemos dizer que estas intenções de oração, correspondentes aos grandes desafios do nosso mundo e portanto sempre actuais, contudo muitas vezes parecem demasiado generalizadas e não suficientemente vincu- ladas à actualidade que preocupa o Papa. Por conseguinte o que propondes? Por isso, a partir de 2017, haverá em cada mês uma ulterior intenção do Papa em relação a um evento de actualidade, que requeira a oração de toda a Igreja. Isto significa que a partir do próximo ano — como resulta do calendário publicado recentemente — teremos uma só intenção de oração por mês preparada em antecipação, enquanto a segunda será decidida pelo Pontífice em conformidade com a estreita actualidade. Isto ajudará a mobilizar-se mais facil- mente pela oração e acção pelo desafio da humanidade. Assim, a intenção de oração mensal do Papa será com mais facilidade uma orientação para as nossas vidas, uma chave para a missão da Igreja. Tendes alguma iniciativa particular para este ano santo? Neste jubileu da misericórdia, no qual a Igreja exorta os peregrinos a rezar pelas intenções do papa, além do vídeo (que é um projecto extra para a evangelização) lançaremos um aplicativo para ajudar os católicos a unirem-se às intenções de oração da Igreja universal. L’OSSERVATORE ROMANO página 16 quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016, número 8 Na audiência geral a admoestação do Papa contra a arrogância e os abusos Jogos de poder Também hoje há quem explora a autoridade para alimentar a corrupção Se perdermos a dimensão do serviço, «o poder transforma-se em arrogância, tornando-se domínio e opressão» para alimentar os «jogos sujos feitos pelos seres humanos», recordou o Papa Francisco durante a catequese da audiência geral de quarta-feira 24 de Fevereiro, na praça de São Pedro. Bom dia, prezados irmãos e irmãs! mensão do serviço, o poder transforma-se em arrogância, tornando-se domínio e opressão. É precisamente isto que acontece no episódio da vinha de Nabot. Sem escrúpulos, a rainha Jezabel decide eliminar Nabot e põe em acção o seu plano. Serve-se das aparências enganadoras de uma legalidade perversa: em nome do rei, envia cartas aos anciãos e aos notáveis da cidade, ordenando que falsas testemunhas acusem publicamente Nabot de ter amaldiçoado a Deus e ao rei, um crime que devia ser punido com a morte. Assim, assassinando Nabot, o rei pode apoderar-se da sua vinha. E não se trata de uma história de outros tempos, mas é uma história também dos nossos dias, dos poderosos que, por terem mais dinheiro, exploram os pobres, exploram o povo. É a história do tráfico de pessoas, do trabalho escravo, dos simples que labutam clandestinamente, com um salário mínimo, para enriquecer os poderosos. É a história dos políticos corruptos, que querem cada vez mais! Por isso eu dizia que seria bom ler este livro de santo Ambrósio, porque se trata de um livro de actualidade. Eis para onde leva o exercício de uma autoridade sem respeito pela vida, sem justiça e sem misericórdia. E eis para onde leva a sede de poder: torna-se ganância que deseja possuir tudo. A este propósito, há um texto do profeta Isaías que é particularmente iluminador. Nele, o Senhor alerta contra a avidez os ricos latifundiários que querem possuir cada vez mais casas e terrenos. E assim diz o profeta Isaías: Prossigamos as catequeses sobre a misericórdia na Sagrada Escritura. Em vários trechos fala-se dos poderosos, dos reis, dos homens que estão «no alto», e também da sua arrogância e dos seus abusos. A riqueza e o poder são realidades que podem ser boas e úteis para o bem comum, se forem postas ao serviço dos pobres e de todos, com justiça e caridade. Mas quando, como muitas vezes acontece, são vividas como privilégio, egoísmo e prepotência, transformam-se em instrumentos de corrupção e morte. Foi o que aconteceu no episódio da vinha de Nabot, descrito no capítulo 21 do primeiro Livro dos Reis, sobre o qual hoje meditaremos. Neste texto narra-se que o rei de Israel, Acab, quer comprar a vinha de um homem chamado Nabot, porque aquela vinha confina com o palácio real. A proposta parece legítima, até generosa, mas em Israel as propriedades rurais eram consideradas quase inalienáveis. Com efeito, o livro do Levítico prescreve: «A terra não se venderá para sempre, porque a terra é minha, e vós estais na minha casa como estrangeiros ou hóspedes» (Lv 25, 23). A terra é sagrada, porque constitui um dom do Senhor que, como tal, deve ser guardado e preservado, pois é sinal da bênção divina que passa de geração em geração, e garantia de dignidade para todos. Compreende-se assim a resposta negativa de Nabot ao rei: «Deus me livre de te ceder a herança dos meus pais!» (1 Rs 21, 3). O rei Acab reage a esta rejeição com amargura e indignação. Sente-se ofendido — ele é o rei, o poderoso — diminuído na sua autoridade de soberano e frustrado na possibilidade de satisfazer o seu desejo de posse. Vendo-o tão abatido, a sua esposa Jezabel, uma rainha pagã que tinha aumentado os cultos idolátricos e mandava matar os profetas do Senhor (cf. 1 Rs 18, 4) — não era feia, mas maldosa! — decide intervir. As palavras com as quais se dirige ao rei são muito significativas. Escutai a maldade que está por detrás dessa mulher: «Não és tu, porventura, o rei de Israel? Vamos! Come, não te incomodes. Eu dar-te-ei a vinha de Nabot Thomas Matthews Rooke, «Elias condena Acab e Jezabel» (séc. XIX) de Jezrael» (v. 7). Ela põe em evidência o prestígio e o poder do rei que, segundo o seu modo de ver, são postos em discussão «Ai de vós, que ajuntais casa a casa / e que pela rejeição de Nabot. Um poder que, ao contrá- acrescentais campo a campo / até que não haja rio, ela considera absoluto e mediante o qual to- mais lugar / e que sejais os únicos / proprietários dos os desejos do rei se tornam uma ordem. O da terra» (Is 5, 8). grande santo Ambrósio escreveu um livrinho soE o profeta Isaías não era comunista! No enbre este episódio. Chama-se «Nabot». Seria bom tanto, Deus é maior do que a malvadez e os jogos lê-lo neste tempo de Quaresma. É muito bonito e sujos feitos pelos seres humanos. Na sua miserideveras concreto. córdia envia o profeta Elias para ajudar Acab a Recordando tudo isto, Jesus diz-nos: «Sabeis converter-se. Agora viremos a página, e como que os chefes das nações as subjugam, e que os continua a história? Deus vê este crime e bate grandes as governam com autoridade. Não seja também à porta do coração de Acab; e o rei, posassim entre vós. Todo aquele que quiser tornar-se to diante do seu pecado, compreende, humilha-se grande entre vós, que se faça vosso servo. E o que e pede perdão. Como seria bom se os poderosos quiser tornar-se o primeiro entre vós, que se faça exploradores de hoje fizessem o mesmo! O Sevosso escravo» (Mt 20, 25-27). Se perdermos a di- nhor aceita o seu arrependimento; no entanto, um inocente foi assassinado, e a culpa cometida terá consequências inevitáveis. Com efeito, o mal praticado deixa os seus vestígios dolorosos, e a história dos homens traz as suas feridas. Também neste caso, a misericórdia indica a via mestra que deve ser percorrida. A misericórdia pode curar as chagas e inclusive mudar a história. Abre o teu coração à misericórdia! A misericórdia divina é mais forte do que o pecado dos homens. É mais forte, este é o exemplo de Acab! Nós conhecemos o seu poder, quando recordamos a vinda do Inocente Filho de Deus que se fez homem para destruir o mal com o seu perdão. Jesus Cristo é o verdadeiro rei, mas o seu poder é completamente diferente. O seu trono é a cruz. Ele não é um rei que mata mas, ao contrário, dá a vida. O seu ir ao encontro de todos, sobretudo dos mais frágeis, derrota a solidão e o destino de morte para o qual leva o pecado. Com a sua proximidade e ternura, Jesus Cristo leva os pecadores ao espaço da graça e do perdão. É nisto que consiste a misericórdia de Deus. No final da audiência geral, o Santo Padre saudou os vários grupos linguísticos presentes na praça. Publicamos em seguida algumas das suas expressões. Saúdo os peregrinos de língua portuguesa, particularmente os fiéis de Leiria-Fátima, Nova Oeiras e Lisboa, bem como os fiéis vindos do Brasil. Faço votos de que a vossa peregrinação quaresmal a Roma fortaleça em todos a fé e consolide, no amor divino, os vínculos de cada um com a sua família, com a comunidade eclesial e com a sociedade. Que Nossa Senhora vos acompanhe e proteja! Dou as cordiais boas-vindas aos peregrinos de língua árabe, em particular aos provenientes do Médio Oriente! Estimados irmãos e irmãs, recordai-vos sempre que a misericórdia divina é mais forte do que o nosso pecado; ela pode curar as nossas feridas e mudar a nossa história. Que o Senhor vos abençoe! Enfim, saúdo os jovens, os enfermos e os recém-casados. A Quaresma é um tempo favorável para intensificar a vida espiritual: estimados jovens, a prática do jejum vos sirva de auxílio, para adquirir um maior domínio sobre vós mesmos; amados doentes, a oração seja para vós o instrumento para confiar a Deus os vossos sofrimentos e para o sentir sempre próximo; e finalmente, queridos recém-casados, que as obras de misericórdia vos ajudem a viver a vossa existência conjugal abrindo-a às necessidades dos irmãos.