AS SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS E A GRIPE A (H1N1)

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AS SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS E A GRIPE A (H1N1)
AS SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS E A GRIPE A (H1N1)
Vanderiza R. Lucas (Wanda-Prof. de Química)
Primeiro é importante saber: todos os vírus influenza apresentam duas glicoproteínas de superfície: a
hemaglutinina (serve para fazer contato com a célula) e a neuraminidase (ela quebra os açúcares onde a hemaglutinina se
liga para liberar os vírus recém formados).
Glicoproteínas são polímeros lineares,
não ramificados, formados por unidades
dissacarídicas que não se repetem,
ligadas covalentemente à estrutura
peptídica da mesma, sendo os açúcares
o componente de natureza não proteíca
dessa proteína conjugada, que é essencial para a atividade biológica dessas
proteínas, que podem ser observáveis na
estrutura ao lado, marcadas em amarelo
e vermelho.
Influenza virus cutout. Credit: wikimedia commons.
Como a hemaglutinina e a neuraminidase ficam para fora do vírus, são as proteínas mais reconhecidas por anticorpos
e usadas nos testes de diagnóstico. Por isso as linhagens de influenza são nomeadas pelas letras HN, como H1N1, H3N2, de
acordo com o tipo de cada uma. A variação destas moléculas ao longo do tempo permite ao vírus escapar à resposta
imunológica humana e é por este motivo que todos os anos é preciso formular uma nova vacina anti-gripe. O motivo para não
sermos imunes ao influenza A depois de uma gripe é que o vírus muta muito. Dois fenômenos são importantes, o drift, onde o
vírus acumula pequenas mutações nos genes H e N, suficientes para no ano seguinte nosso sistema imune não reconhecer o
vírus. Mais importante (e mais frequente do que se imaginava) é o shift. O shift acontece quando dois influenza diferentes
entram na mesma célula e ao saírem misturam seus cromossomos, e dos oito pedaços que levam, alguns são do vírus x e
outros do y. Quando isso acontece, o vírus muda abruptamente e nosso sistema imune fica completamente despreparado. É o
que faz com que vacinas falhem. Na verdade, existe um atraso entre coletar o vírus e produzir a vacina, de maneira que todo
ano temos que estudar o vírus e tentar prever qual vai ser a forma mais importante na epidemia.
Microscopia eletrônica do vírus influenza
Mecanismo de ação
Os vírus vivem ao nosso redor todo o tempo, apenas esperando pela chegada de uma célula hospedeira. Eles
podem entrar pelo nariz, boca ou ferimentos na pele. Uma vez lá dentro, eles acham uma célula hospedeira para infectar. O
vírus da gripe ataca as células que revestem as regiões respiratórias. Independente do tipo da célula hospedeira, todos os
vírus seguem as mesmas etapas básicas, conhecidas como ciclo lítico (veja a figura a seguir):
No ciclo lítico, o vírus se reproduz usando o mecanismo químico da célula hospedeira. As linhas
em espiral vermelhas no desenho indicam o material genético do vírus. A parte cor-de-laranja é a
cápsula externa que o protege.
Fonte: http://saude.hsw.uol.com.br/virus-animal.htm
1.
2.
3.
4.
5.
6.
uma partícula de vírus prende-se a uma célula hospedeira;
a partícula libera suas instruções genéticas dentro da célula hospedeira;
o material genético injetado recruta as enzimas da célula hospedeira;
as enzimas fazem as partes de novas partículas de vírus;
as novas partículas juntam-se formando novos vírus;
os novos vírus rompem a célula hospedeira e libertam-se.
Todos os vírus têm algum tipo de proteína na cobertura externa ou invólucro que "sente" ou "reconhece" a(s)
célula(s) hospedeira(s) apropriada(s). Essa proteína prende o vírus à membrana da célula hospedeira. Alguns vírus com
invólucro podem passar pela membrana celular da célula hospedeira dissolvendo-a porque tanto o invólucro do vírus quanto
a membrana celular são feitos de lipídios.
Os vírus que não entram na célula precisam injetar seus conteúdos (instruções genéticas, enzimas) dentro da
célula hospedeira. E aqueles que dissolvem a membrana simplesmente liberam o conteúdo depois de estarem dentro da
hospedeira. Em qualquer um dos casos, os resultados são os mesmos.
No lado de dentro
Uma vez dentro da célula, as enzimas virais tomam posse das enzimas da célula hospedeira e começam a fazer
cópias das instruções genéticas virais e das novas proteínas usando as instruções genéticas do vírus e o mecanismo
enzimático da célula. As novas cópias das instruções genéticas virais são envolvidas nas novas coberturas de proteína para
fazer novos vírus.
Uma vez que os novos vírus estão prontos, eles deixam a célula hospedeira de dois modos:
 eles rompem a célula hospedeira (lise) e a destroem;
 eles tomam um pedaço da membrana celular e desse modo se "encampam" com ela. É assim que os vírus com
invólucro deixam a célula e, desse modo, ela não é destruída e os novos vírus podem atacar outras células.
A seqüência de eventos que ocorre quando você fica gripado é uma boa demonstração de como um vírus funciona:
1.
2.
3.
4.
uma pessoa infectada espirra perto de você;
você inala a partícula do vírus, e ela se prende às células que revestem as cavidades nasais;
o vírus ataca as células que revestem as cavidades e rapidamente gera novos vírus;
a célula hospedeira se rompe, e novos vírus se espalham em sua circulação sanguínea e também em seus
pulmões.Como você perdeu células de revestimento das cavidades, fluidos podem escorrer por suas passagens
nasais, fazendo com que seu nariz escorra;
5. os vírus que caem em sua garganta atacam as células que revestem-na e deixam você com dor de garganta;
6. os vírus em sua circulação sanguínea podem atacar as células dos músculos causando dores musculares.
Seu sistema imunológico reage à infecção, e, no processo de combate, que fazem com que sua temperatura
corporal aumente. Essa febre o ajuda a combater a infecção diminuindo a velocidade da reprodução viral. Essa resposta
imune continua até que os vírus sejam eliminados do corpo, contudo, se você espirrar, pode espalhar milhares de novos
vírus no ambiente, prontos para atacar outra célula hospedeira.
Mecanismo químico
Num primeiro passo, o vírus se fixa a superfície de uma célula receptora do sistema respiratório através de
espículas protéicas (hemaglutinina) do vírus com receptores específicos da membrana plasmática (o receptor é um tipo de
açúcar da membrana de nossas células, o ácido siálico - ácido N-acetilneuramínico), para conseguir se ligar nelas e entrar.
Este ácido siálico pode variar entre duas formas de acordo com a posição de ligação:
Fonte: Zambon, Maria. "Lessons from the 1918 influenza." Nat Biotech 25, no. 4 (Abril 2007): 433-434.
Ácido Siálico (a extremidade
da membrana plasmática)
A ligação ocorreu no grupo -OH
(hidroxila) do mesmo carbono
que apresenta o grupo –COOH
(carboxila).
Quando um vírus entra no nosso organismo, as células do sistema imunológico o comem para evitar que cause algum
dano à nossa saúde. Para comer o vírus, as células de defesa o englobam numa estrutura chamada lisossomo ou vacúolo
digestivo. Só que, ao tentar digeri-lo, acabam por permitir que seu material genético alcance o interior celular e, uma vez que
isto tenha acontecido, a célula passa a ser comandada pelo vírus, funcionando como uma fábrica de novas unidades. A
hemaglutinina permite a entrada do vírus na célula-alvo; enquanto que a neuraminidase atua como enzima, hidrolisando o
ácido siálico que libera o vírus para chegar às células hospedeiras, sendo também importante quando novos vírus produzidos
no interior da célula estão prontos para sair; ficando aderidos aos receptores do ácido siálico da membrana plasmática, graças
a esta hidrólise são liberados. Normalmente, nosso sistema imune responde ao influenza produzindo anticorpos na medida em
que o vírus se replica. Por isso o ácido siálico é a molécula-alvo dos inibidores da neuraminidase.
Atualmente, os inibidores da neuraminidase representam a nova classe de agentes anti-víricos para o tratamento da
gripe, atuando no final do processo. Uma vez que a célula tenha se transformado numa pequena fábrica de vírus, eles
impedem que ela libere as novas unidades, ou seja, os inibidores de neuraminidase impedem que o vírus se espalhe pelo nosso
organismo.
Nature Reviews Drug Discovery 6, 967-974 (December 2007)
Os dois únicos fármacos recomendados pela OMS para atenuar a infecção pelo A (H1N1) são o oseltamivir
(TamifluR) e o zanamivir (RelenzaR). O primeiro é administrado oralmente e o segundo por inalação, que devem ser
administrados estritamente sob orientação e supervisão médica.
O zanamivir e o oseltamivir, ao mimetizar (imitar) o substrato natural da neuraminidase (que é o ácido siálico), vão
bloquear o local ativo desta enzima. Com este bloqueio, eles diminuem a propagação por inibição da libertação de novos
vírus produzidos no interior da célula infectada.
Uma vez que a replicação do vírus influenza atinge o seu pico máximo 24 a 72 horas depois do despoletar da
doença, fármacos, como os inibidores da neuraminidase, que atuam na fase de replicação viral devem ser administrados o
mais cedo possível.
A- células infectadas por influenza A, na ausência
de zanamivir.
B- agregados de viriões à superfície de células
infectadas por influenza A, tratadas com zanamivir.
Observem, abaixo, as moléculas de zanamivir e oseltamivir. Elas têm certa semelhança tridimensional com a
molécula do ácido siálico, portanto interagem eficientemente com a neuraminidase, ligando-se a ela, inibe a sua ação
enzimática, comprometendo o ciclo viral, dando condições ao organismo de se defender e combater o vírus.
Ácido Siálico
Oseltamivir
Zanamivir
Outros medicamentos usados, também observados na figura, mas que já encontram vírus resistentes a sua ação:
ribarivin e amantadine:
Ribavirin
Interfere na duplicação do virus, atua no RNA.
Amantadine
Envolve a proteína viral, interferindo na endocitose.
Observem na figura abaixo:
A. Ação do oseltamivir e do zanamivir, ligando-se a neuramidase, bloqueiam o local ativo dessa enzima.
B. Não ocorre a ligação com o oseltamivir, temos resistência ao medicamento, logo a enzima vai continuar ativa.
C. Para ocorrer a ligação com o oseltamivir, há necessidadede de rotação da estrutura representada por Glu276,
extremidades apolares (- CH3); já com o zanamivir não requer esta rotação para a ligação, porque sua estrutura
é mais similar com o substrato natural, as extremidades são polares (-OH).
The mechanism of the development of resistance to oseltamivir is illustrated in the diagram.2
Binding of oseltamivir, but not zanamivir, to the neuraminidase active site requires a shape change that creates a
pocket (Panel A), and mutations that prevent formation of this pocket may prevent binding of oseltamivir but permit binding
of zanamivir (Panel B). Crystal structure analysis shows that binding of oseltamivir requires a rotation of the Glu276 residue
away from the hydrophobic pentyloxy group of oseltamivir, which then makes hydrophobic contact with a methylene group
on Glu276 (Panel C).2 However, binding of either sialic acid (the natural substrate) or zanamivir does not require a change
in the position of Glu276. The His274Tyr substitution in the neuraminidase active site pushes the Glu276 farther into the
binding site and disrupts the hydrophobic pocket that is required only for oseltamivir binding. For oseltamivir to fit into the
neuraminidase active site, the amino acids must undergo a conformational change to accommodate oseltamivir's
hydrophobic side chain; mutations that prevent this rearrangement may lead to resistance. Since zanamivir is more
structurally similar to the natural substrate of neuraminidase and fits directly into the active site, the mutations that prevent
the rearrangement do not bring about resistance to zanamivir.
Fonte: The New England Journal of Medicine – 05/03/2009
Bibliografia:
www.nature.com/nrd/journal/v6/n12/full/nrd2400.html (Nature Reviews Drug Discovery 6, 967-974 -qDecember 2007)
www.analesdemedicina.com/inmunoInfecto/noticia.php?noticia=81143
www.ff.up.pt/toxicologia/monografias/ano0506/zanamivir/mecanismo.htm (Universidade do Porto-Portugal)
http://contanatura.weblog.com.pt/arquivo/2005/10/there_comes_the.html
www.gripesuina.net.br
http://content.nejm.org/cgi/content/full/360/10/953#F1 (The New England Journal of Medicine -05/03/2009)
http://scienceblog.com.br/rainha/2009/04/o_que_torna_um_virus_letal.php
www.invivo.fiocruz.br
http://saude.hsw.uol.com.br
http://bytesizebio.net/index.php/category/science

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