RELATO DE INFECÇÃO NATURAL POR Raillietina tetragona EM
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RELATO DE INFECÇÃO NATURAL POR Raillietina tetragona EM
Relato de Caso RELATO DE INFECÇÃO NATURAL POR Raillietina tetragona EM PICA-PAU-DO-CAMPO (Colaptes campestris) PROVENIENTES DO MUNICÍPIO DE AFONSO CLÁUDIO, ESPÍRITO SANTO-BRASIL Gester Breda AGUIAR¹, Anderson Silva DIAS2*,3, Roberto Ramos SOBREIRA1, Victor Dalmazo MELOTTI1, Juliene Maria DEBÓRTOLLI1 RESUMO O pica-pau-do-campo (Colaptes campestris), pertencente à família Picidae, é considerado uma espécie ameaçada de extinção apesar de ser encontrada em grande parte do território brasileiro. É uma espécie terrestre, que se alimenta de vários insetos como formigas e cupins, desempenhando suas funções na cadeia alimentar. Existem poucos relatos na literatura brasileira que descrevam os helmintos presentes nessas aves e, para tanto, neste trabalho objetivou-se relatar a ocorrência de cestóides presentes em Colaptes campestris. Foi promovida a retirada de helmintos presentes em amostras fecais colhidas mecanicamente, a partir da cloaca dos animais, que foram enviados ao laboratório para estudo morfológico e de identificação. Os helmintos foram identificados como pertencentes às espécies Raillietina tetragona e R. frontina, encontrados geralmente no intestino delgado de aves que são, frequentemente, considerados apatogênicos e inquiridos como competidores do alimento. Esse registro apresenta-se como relato inédito de parasitos dessa espécie, no município de Afonso Cláudio, Estado do Espírito Santo, Brasil. Termos para indexação: cestóides, Daivanidae, passeriformes, silvestres. REPORT OF NATURAL INFECTION IN THE FIELD WOODPECKER (Colaptes campestris) BY Raillietina tetragona IN THE MUNICIPALITY OF AFONSO CLÁUDIO, ESPÍRITO SANTO STATE, BRAZIL ABSTRACT The Colaptes campestris (field woodpecker) belongs to the Picidae family, is considered an endangered species, and is found in great part of the Brazilian territory. It is a terrestrial species, which feeds on various insects such as ants and termites. There are few reports in the Brazilian literature describing the helminthes present in these birds. This paper aims to report the occurrence of cestodes present in the colaptes campestris. The withdrawal of the helminthes present in samples taken from the cloaca of the animals proceeded, mechanically and sent to the laboratory for morphometric study and identification. Helminthes were identified as belonging to the Raillietina tetragona and R. frontina species. These parasites are generally found in small intestine of poultry, and are most often considered apathogenic, and are inquired as competitors to the food. This record is the first published for this species in the municipality of Afonso Cláudio, state of Espírito Santo, Brazil. Key-words: cestodes, Daivanidae, birdshaped, wild. ¹ Discente, Curso Medicina Veterinária, Facastelo, Castelo, ES. Av Nicanor Marques, 245, Bairro Centro, Castelo, ES. CEP: 29360-000. ²*Médico Veterinário CRMV-MG 7788, CRMV-ES 1038, docente, Facastelo, Castelo, ES. Av Nicanor Marques, 245, Bairro Centro, Castelo, ES. CEP: 29360-000. E-mail: [email protected] *Autor para correspondência. 3 Doutorando do curso de pós-graduação de Medicina Veterinária UFV. Ciênc. vet. tróp., Recife-PE, v. 14, no 1/2/3, p. 49 - 53 - janeiro/dezembro, 2011 50 G.B. AGUIAR et al. INTRODUÇÃO O estudo da helmintofauna de animais silvestres tem-se tornado importante, uma vez que alguns desses animais podem disseminar o agente parasitário e contribuir para a extinção da espécie, pois, quando criados em cativeiro, passam a expressar sinais de parasitismo (CARVALHO e ARAÚJO, 2004). O pica-pau-do-campo (Colaptes campestris) é um piciforme, pertencente à família Picidae, com média de 32 cm de comprimento, de peso entre 100 e 300 g, terrícola, inconfundível pela sua coloração. Ocorre desde o nordeste do Brasil até o Uruguai, podendo ser avistado também no Paraguai, na Bolívia, na Argentina e no baixo Amazonas, e também no Suriname (MATSUI et al., 2007). Existem duas subespécies que se distinguem pela cor da garganta: o C. campestris de cor branca e o C. campestris campestris de cor negra, cuja ocorrência é registrada no estado de São Paulo (CAMARGO et al., 1993; MATSUI et al., 2007). Eles apresentam o peito, os lados da cabeça, e do pescoço amarelados. O alto da cabeça, a nuca, o bico e o tarso são negros. Manto e barriga barrados e o baixo dorso apresenta-se visivelmente branco, quando o animal está em vôo. Vivem aos pares ou em pequenos bandos, com o macho apresentando em ambos os lados da cabeça, duas faixas avermelhadas (DEVELEY e ENDRIGO, 2004). Costumam capturar insetos no solo, mas ao se sentirem ameaçados, procuram as copas das árvores, estacas ou pedras para se protegerem. Seu canto, bem variado e forte, serve para a marcação territorial, e como meio de comunicação entre o macho e a fêmea, assim como o tamborilar, que pode substituir o canto, estando os dois ligados à atividade reprodutiva e, portanto, sendo executados apenas periodicamente. Alimenta-se de insetos, principalmente formigas e cupins e a secreção de sua glândula mandibular é comparável a uma cola, permitindo que a língua funcione como uma vara de fisgar, para a captura de insetos (MATSUI et al., 2007). Os ninhos são feitos em troncos ocos, cupinzeiros e buracos, preferindo, entretanto, faze-los na face de barrancos, que se inclinam para o solo, facilitando sua proteção quanto à chuva e possibilitando a defesa da entrada. Bastante elaborados, são construídos a cada período reprodutivo e, geralmente, dispõem de mais de uma cavidade, sendo a entrada correspondente ao tamanho do corpo desta espécie, não permitindo que outras aves e/ou predadores tenham acesso (SICK, 1997). A postura gira em torno de quatro a cinco ovos brancos, límpidos e brilhantes. Os machos e as fêmeas dessa espécie fazem a incubação por aproximadamente 13 dias, quando os filhotes nascem nus e cegos e são alimentados com bolas conglomeradas de insetos e larvas de cupins, regurgitadas pelos pais, permanecendo no ninho por aproximadamente 5 semanas (MATSUI et al., 2007). Infecções em C. Campestris foram descritas por Freitas et al. (1970) com Nicanoria ibanezi ou Paronchocerca ibanezi, e por Pinto e Noronha (1972) com Raillietina frontina. Os cestódeos Raillietina tetragona e Raillietina frontina, parasitas do intestino delgado de aves, têm como hospedeiros intermediários lesmas, formigas, baratas, moscas e pulgas (CARDOZO e YAMAMURA, 2004; PINTO et al., 1996). O ciclo inicia-se com as proglotes grávidas sendo liberadas nas fezes e os hospedeiros intermediários tornando-se infectados, ao ingerir os ovos dispersos no ambiente. No hospedeiro intermediário ocorre o desenvolvimento da forma larvar cisticercóide, que infecta os hospedeiros definitivos ao ingeri-los. No tubo digestivo do hospedeiro definitivo, as formas larvares desenvolvem- Ciênc. vet. tróp., Recife-PE, v. 14, no 1/2/3, p. 49 - 53 - janeiro/dezembro, 2011 Relato de infecção natural... -se e se fixam no intestino como adultos, onde terminam o desenvolvimento do seu ciclo biológico (HANSEN e PERMIN, 1998). Freitas (1980) relatou que, em cerca de 3 a 4 semanas, as primeiras proglotes grávidas começam a aparecer em fezes de aves parasitadas. Ainda, segundo o autor, as condições de temperatura exercem influência sobre o desenvolvimento das larvas nos hospedeiros intermediários. Segundo Cardozo e Yamamura (2004), algumas vezes a formação de nódulos pode ser observada e confundida com os de origem tuberculosa nos hospedeiros definitivos, devido à penetração profunda na mucosa e submucosa intestinal. Pode ser observado, ainda, o desenvolvimento de infecções bacterianas secundárias, e a redução do crescimento e do ganho de peso nas aves, devido à competição alimentar exercida pelo parasita. No presente estudo, objetivou-se relatar a ocorrência dos parasitos Raillietina tetragona e Raillietina frontina em Colaptes campestris (pica-pau-do-campo) no município de Afonso Cláudio, Espírito Santo. RELATO DO CASO Foram avaliados seis filhotes de pica-pau-do-campo (Colaptes campestris), de aproximadamente 4 semanas de idade, observados em dois ninhos, localizados na zona rural do município de Afonso Cláudio, estado do Espírito Santo, nas coordenadas latitude 20° 9’3.89”S e longitude 41° 2’30,00”, no qual procedeu-se a retirada dos parasitos liberados por remoção mecânica da cloaca dos animais, praticada de forma cuidadosa, com o intuito de não provocar danos ao material colhido ou ao animal. Os helmintos foram conservados em formol acético a 2,5% e enviados ao Laboratório de Parasitologia Veterinária da Faculdade de Castelo, onde foram identificados e posteriormente classificados, de acordo com a chave classificatória de 51 Yamaguti (1959). Para isso, realizou-se um estudo morfométrico dos parasitos, que foram também observados ao microscópio óptico com aumento de 100x, procedendo-se a contagem do número de parasitos por animal e classificando-se a espécie de parasito encontrada. DISCUSSÃO DO CASO Nesse trabalho foi possível avaliar e classificar os helmintos presentes no trato gastrintestinal de C. campestris. Foram encontrados dois cestóides diferentes nas amostras obtidas. Para cada amostra, foi observada uma quantidade razoável de helmintos. Após estudos morfométricos e avaliações microscópicas, foram classificadas como pertencentes às espécies Raillietina tetragona e R. frontina. A ocorrência de R. frontina foi anteriormente registrada para o Colaptes campestris (PINTO e NORONHA, 1972) em populações de hospedeiros do município de Alfenas, Minas Gerais. A R. tetragona é geralmente encontrada no intestino delgado de galináceos. Esta espécie pode atingir até 25 centímetros de comprimento, por 1 a 4 mm de largura. Suas proglotes apresentam largura maior do que o comprimento, e o escólex é tetrágono e provido de um rostro com dupla coroa de acúleos. As ventosas são elípticas e com acúleos. O colo é curto e os orifícios genitais são unilaterais. O estróbilo é formado por mais de 15 proglotes, sendo as primeiras curtas e trapezoidais, e as do terço posterior, mais longas que largas. O rostelo apresenta cerca de 100 acúleos dispostos em duas fileiras. As ventosas são ovais, com oito a dez fileiras concêntricas de acúleos, muito pequenos. Apresentam de 20 a 30 testículos e cápsulas ovígeras contendo de seis a oito ovos (HANSEN e PERMIN, 1998; FREITAS, 1980). Na literatura foram descritas infecções por R. tetragona em, Gallus gallus domes- Ciênc. vet. tróp., Recife-PE, v. 14, no 1/2/3, p. 49 - 53 - janeiro/dezembro, 2011 52 G.B. AGUIAR et al. ticus (GRISI, 1974; VIERO, 1984; COSTA et al. 1986); Coturnix japonica (PINTO et al. 2005); Meleagridis gallopavo (PINTO et al., 2008), porém, não foram encontrados relatos sobre o parasitismo deste cestódeo em Colaptes campestris, alvo desse estudo. A espécie R. frontina caracteriza-se por apresentar menores dimensões, com cerca de 200 proglotes, cuja largura máxima das proglotes mede cerca de 0,93 mm. O escólex é bem delimitado do resto do corpo. As ventosas são ovais, providas de minúsculos espinhos. O rostelo apresenta-se armado de ganchos de dimensões muito reduzidas. Os poros genitais são unilaterais e se abrem na região mediana da linha lateral dos segmentos. Apresentam de 16 a 18 testículos esferóides, localizados lateral e posteriormente ao ovário (PINTO e NORONHA, 1972). Nesse estudo, de seis aves analisadas, quatro apresentaram parasitismo por pelo menos uma espécie de Raillietina sp (frequência de 66%). A R. frontina esteve presente em três das quatro amostras positivas (frequência de 75%) e apresentou intensidade média parasitária de sete parasitos. Para R. tetragona, observou-se frequência de 50 % das amostras positivas, com média de infecção de cinco parasitos. Possivelmente, a infestação desses animais deu-se por ingestão de insetos que habitam ambiente no qual coabitavam aves domésticas e silvestres, justificado pelo fato de que o R. tetragona caracterizar-se por parasitar aves domésticas e o R. frontina, picídeos silvestres. Nesse trabalho foi possível constatar a coexistência parasitária de duas espécies de cestóides do mesmo gênero, que apresentam o hábito de parasitar animais de espécies diferentes em uma única espécie animal. Poderia haver uma competição entre essas duas espécies e levar à uma predominância de um dos dois tipos. O fato de um parasito de ave doméstica ter sido encontrado parasitando aves silvestres poderia, possivelmente, indicar que essas espécies poderiam estar competindo pelo mesmo meio. CONSIDERAÇÕES FINAIS O parasitismo espoliativo pode causar sérias consequências ao organismo parasitado. Cada indivíduo desempenha seu papel e contribui para o nível energético na cadeia alimentar. Entretanto, a necessidade de sobrevivência pode levar indivíduos a um tipo de competição danosa, podendo, inclusive, levar à extinção da espécie parasitada. Ao desenvolver esse trabalho, ressaltou-se a importância do conhecimento dos aspectos biológicos e sanitários na conservação e preservação da vida. Pelo fato de a espécie estudada estar na iminência de ser extinta, o estudo dos aspectos abordados pode vir a contribuir na tomada de decisões objetivando a tomada de decisão no sentido de preservar a vida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARVALHO, A.L.G.; ARAÚJO, A.F.B. Ecologia dos lagartos da Ilha da Marambaia, RJ. Revista Universidade Rural: Seropédica Ciência da Vida. Seropédica, EDUR, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 159-165, 2004. CARDOZO, S.P.; YAMAMURA, M.H. Parasitas em produção de frangos no sistema de criação tipo colonial/caipira no Brasil, Semina: Ciências Agrárias, Londrina, v. 25, n. 1, p. 63-74, 2004. CAMARGO, H.F.A.; HÖFLING, E.; LENCIONINETO, F. 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