3 - A TARDE - Salvador e toda Bahia

Transcrição

3 - A TARDE - Salvador e toda Bahia
ELÓI CORRÊA | AG. A TARDE
ESTE CADERNO É PARTE INTEGRANTE DO JORNAL A TARDE. NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE.
>> arte da
A
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ESPECIAL DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA
20.11.2008
QUINTA-FEIRA
SALVADOR | BAHIA | BRASIL
>> Muita gente nem percebe, mas Salvador respira arte de inspiração
africana, uma herança que resiste ao tempo, às dificuldades e tem a
capacidade de se reciclar nas mais variadas linguagens, que vão do
clássico ao moderno para se manter eterna.
3
MESTRES DA
MEMÓRIA
Histórias de artistas que
têm a herança africana
como fonte de inspiração
9
8
4
PATRIMÔNIO
VISUAL
A representação negra na
fotografia e no cinema ao
longo da história
5
PONTE ENTRE
DOIS MUNDOS
Mapa mostra a história,
mas também a atual
configuração da África
6
ESTÉTICA DA
DENÚNCIA
Grafite, poesia e literatura
como armas de protesto e
resistência
7
TALENTO A
SERVIÇO DOS
DEUSES
Artistas colocam a sua
inspiração a serviço da
religião afro-brasileira
NARRATIVA
SOBRE NEGROS
Autores de épocas e estilos
diferentes dão destaque à
questão negra
10
RITMOS QUE
EMBALAM
A LUTA
Do samba ao hip hop é
feita a música de inspiração
negra
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Os cabelos crespos ganham
liberdade para mostrar a
sua beleza
DIVINA
INSPIRAÇÃO
MILITÂNCIA
EM CENA
Mestre Didi, Carybé e
Abdias do Nascimento têm
o sagrado como referência
A discussão étnica chegou
aos palcos dos teatros
brasileiros
AFIRMAÇÃO
NA CABEÇA
Lições para o
futuro
O DESAFIO AGORA É
APLICAR NAS ESCOLAS
DA REDE PÚBLICA
ESTADUAL O ENSINO
DE HISTÓRIA DA
ÁFRICA E CULTURA
AFRO-BRASILEIRA
>> A Lei 10.639 foi sancionada em 2003. Ela determina o
ensino de História da África
e Cultura Afro-brasileira em
todas as escolas do País. É a
ordem para mostrar que a
arte brasileira, em suas variadas linguagens, é um patrimônio construído pela
herança dos povos africanos como mostra este especial. Salvador foi a primeira
capital do País a operacionalizar a aplicação da lei. Já se
tem conquistas, mas também obstáculos como a falta de material didático. Como jornalismo é responsabilidade social aqui tem dicas para auxiliar a sua aplicação em sala de aula elaboradas pelos especialistas em
educação, Antônio Cosme,
Josiane Clímaco e Vanda
Machado, numa partilha de
conhecimentos.
AGENDA
Hoje
da Consciência
15 h | 29ª Caminhada abolição.
Negra – 120 anos sem .
de
Saída do Campo Gran ção Nacional
na
de
or
Co
Organização:
(Conen)
de Entidades Negras
Liberdade.
16 h | 8ª Caminhada da ade.
erd
Saída do Curuzu, Lib
de Entidades
Organização: Fórum
Negras da Bahia
Domingo
la Vida e pela
9 h | 4ª Caminhada pe ída do final
Sa
Liberdade Religiosa.
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Federação
EXPEDIENTE
COORDENAÇÃO | Cleidiana Ramos EDIÇÃO | Cleidiana Ramos e Meire Oliveira PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO | Axel Augusto Hegouet
FOTOS | Elói Corrêa EDIÇÃO DE FOTOGRAFIA | Carlos Casaes e Gildo Lima EDIÇÃO DE INFOGRAFIA | Gil Maciel
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C IA
R E S IS T Ê N
HERANÇA
APROFUNDE SEU
CONHECIMENTO
REFERÊNCIA HISTÓRICA
DICAS
DE COMO
UTILIZAR ESTE
MATERIAL
1888 | A escravidão no Brasil é abolida
por meio da Lei Áurea. Durante três
séculos, povos de diversas regiões da
África foram trazidos para o trabalho
forçado no Brasil.
3
1
2
3
Leitura
Conteúdo
Aplicação
Resgatar artistas negros e
a obra que foi produzida
por eles
Pesquisa sobre artistas que
trabalham nas imediações
da escola
A mão afro-brasileira, de
Emanoel Araújo, é leitura
obrigatória
>> Salvador, às vezes nem percebe,
mas respira arte herdada da África. São
composições vindas diretamente desta fonte – afinal a cidade foi o maior
porto dos povos africanos escravizados no Brasil. Tem também a eternizada no trabalho de artistas que se inspiram nas características próprias desta cultura como cores e formas.
A beleza que pode ser contemplada
em museus, praças ou mercados como
o Modelo é resultado de uma história
de resistência, afinal a referência sobreviveu a partir da memória.
Imagine, por exemplo, alguém que
era arrancado abruptamente do que
lhe dava localização no mundo – língua, família e nacionalidade – para ser
obrigado a trabalhar de forma escrava
em uma terra estranha.
Foram estes povos aqui chamados
de angolas, congos, cabindas, jeje, ijexá, ashantis, nagôs e tantos outros nomes que deixaram reminiscências de
suas culturas. A memória delas foi
mantida por seus descendentes.
Gente como Juarez Paraíso, um dos
mais conhecidos dos artistas plásticos
baianos que ao ser inqüirido sobre as
referências afro-brasileiras na sua
obra, começa a resposta pela história
do seu pai Isaltino Paraíso que saiu de
Arapiranga, parte do município de Rio
das Contas para estudar na Escola Normal na capital da Bahia.
O sonho de Isaltino era virar professor, o que conseguiu. Mas para chegar
lá teve que suportar obstáculos como a
ironia de um professor que o chamava
de “Isaltina”, pois homem e negro na
sala só havia ele. Pois Isaltino voltou
com diploma e mais tarde conquistou o
amor de Eulália Martins Alves Paraíso,
branca e de uma família da elite local.
Dono de um espírito libertário teve
que deixar a direção da escola para não
ser preso. Veio então para Salvador batalhar. “Meus pais foram a representação do que acho que é a arma para se
combater o racismo: a união. No caso
deles, o amor triunfou sobre tudo”.
BATALHA - E assim vai desfiando sua
história um artista de vanguarda, como foram tantos dos afro-brasileiros,
que colocaram em sua arte, de forma
inconsciente ou no sentido da denúncia, dores e aprendizado como o de
compreender e conviver com o outro
que pensa diferente. Lição que Juarez
aprendeu bem em casa, mas o artista
acabou vítima do desrespeito. Parte da
sua obra sucumbiu diante da intolerância religiosa.
Era de Juarez Paraíso os mosaicos
que retratavam o nascimento de Oxumarê, instalados nos antigos cinemas
Arte I e II, que ficavam no Politeama. Os
painéis foram destruídos a marretadas, em 2000, quando a Igreja Renascer em Cristo comprou o espaço. Além
da destruição, picharam por cima dos
destroços “Deus é Fiel”.
O artista perdeu outros painéis em
situações parecidas. Um ficava no Cine
Tupi e foi destruído quando a multinacional CIC comprou o espaço. Um mural de 40 metros quadrados de sua autoria ruiu quando a Igreja Universal
comprou o Cine Bahia, que ficava na
Carlos Gomes. No caso das obras que
estavam nos cines Art I e II, Juarez foi à
Justiça.
“O que mais doeu é que o painel era
desmontável. Era só pedir que eu tirava”, diz Juarez que ganhou uma indenização de 170 salários mínimos, numa busca de reparação simbólica, pois
não há como se reconstruir algo nascido em um determinado contexto da
sensibilidade artística.
“Eles ainda afirmaram durante o
processo como justificativa que o cinema não era o Vaticano nem Juarez Paraíso é Leonardo Da Vinci”, relata. O
seu depoimento dá bem uma mostra
de como a arte de inspiração africana
foi entendida do outro lado do mundo.
Num primeiro momento era “selvagem”, “primitiva”, pois não seguia os
mesmos padrões da européia.
“A produção artística africana era
julgada com os olhos da estética européia que era centrada na representação. Já uma máscara africana, por
exemplo, está mais interessada na expressão e não na semelhança do rosto
humano por exemplo”, explica o mestre em designer e doutorando em história social, Jaime Sodré.
O julgamento depreciativo demorou para acabar. O processo de colonização na África negra começou por
volta do século XVI, mas foi a partir da
obra de Pablo Picasso, já no século XX,
que a arte africana ganhou outro status. Isto porque um dos mais geniais artistas modernos buscou inspiração nas
formas e cores do fazer africano.
Ao beber na cultura da África, Picasso a “legitimou” aos olhos ocidentais.
“Ele vê na arte africana uma outra estética. Ela é uma arte que trabalha com
a geometria e não apenas aquilo que se
vê. É uma arte libertária”, analisa Sodré. E este componente libertário se ra-
SALVADOR
QUINTA-FEIRA
20.11.2008
[internet] Na terça-feira, 25, veja artigo do advogado Samuel Vida sobre direito autoral no Mundo Afro (www.atarde.com.br)
[livros] Mãos negras: antropologia da arte negra, de Celso Prudente
CRIATIVIDADE
Otávio Bahia é
especialista no entalhe
em madeira
“Vi uma máscara
e passei então a
esculpir”
[onde encontrar]
Otávio Bahia
[contatos]
3408-8020
mificou nas mais variadas direções.
No Brasil e na Bahia a mão destes artistas descendentes de africanos produziu do clássico ao que se pode chamar de moderno. Mesmo que em alguns casos, não tenham utilizado claramente esta influência eles estão entre aqueles que construíram o patrimônio artístico brasileiro.
Aleijadinho, Mestre Valentim, Teófilo de Jesus, Leandro Joaquim, dentre
outros vão ser seguidos por mestres da
contemporaneidade como Rubem Valentim, Hélio de Oliveira, Iedamaria,
Emanoel Araújo, Agnaldo Manoel dos
Santos, Mestre Didi, Caribé, Juarez Paraíso além dos que não estão listados
nos livros, mas se espalham pelos vários cantos da Bahia, mantendo viva
uma ligação antiga, mas ao mesmo
tempo renovada.
Mestres da
memória
ARTISTAS COMO
ESMERALDA ALMEIDA
E JUAREZ PARAÍSO
TÊM A TRADIÇÃO
AFRICANA COMO
FONTE DE INSPIRAÇÃO
ARTÍSTICA
CLEIDIANA RAMOS
om
[email protected]
.br
BELEZA - São artistas como Esmeralda
Soares de Almeida, a dona de uma sensibilidade ímpar para manipular cuidadosamente vestes e adereços em miniatura. Assim, bonecas de plásticos
ganham a forma de representação de
orixás do candomblé ketu ou os inquices, as divindades do candomblé angola. Para tanto é necessário um vasto
conhecimento sobre cores, emblemas
e outros detalhes que Esmeralda conhece a fundo, afinal é ekede do Terreiro do Cobre. “As outras idéias vêm
assim por intuição”, conta. Suas bonecas já ganharam outras terras: Rio de
Janeiro e EUA.
Em Fazenda Coutos, Otávio Francisco dos Santos, corpo franzino, voz
tranqüila carrega um talento gigante.
Nas mãos aparentemente frágeis e recolhido num ateliê onde o mofo já tomou as paredes, a madeira ganha forma de máscaras africanas e esculturas.
Olhando à primeira vista, na Galeria
Africana do Mercado Modelo, onde as
suas peças são vendidas, a gente imagina que elas vieram diretamente da
Nigéria, Angola ou de outras partes da
África, mas o traço vem “de cabeça”
como ele diz.
“Eu trabalhava como fabricante de
móveis em Alagoinhas. Fazia de tudo.
Aí vi morar em Salvador. Um dia vi uma
máscara no Mercado Modelo e fui modelando”. Além das máscaras e esculturas, Otávio Bahia, como é conhecido, esculpe cadeiras para terreiros de
candomblé, baús e bandejas para o jogo de Ifá – que é o oráculo do candomblé –. As referências ele vai aprendendo com o povo-de-santo.
As máscaras, em alguns casos, retratam divindades do candomblé. Seu
Otávio não faz pesquisa. Vai moldando
o que seus clientes pedem. “Muitas vezes o pessoal diz que quer uma imagem com a qual sonhou. Aí eu vou desenhando e eles dizem é isso mesmo”,
completa.
A arte de Otávio Bahia já ganhou o
mundo como conta Arthur Silva Filho,
dono há 50 anos, da Galeria Africana,
localizada no Mercado Modelo. “Já
compraram aqui pessoas dos EUA, Itália, Espanha”, diz. A galeria de Silva Filho começou a funcionar ainda no antigo prédio do Mercado Modelo, que
pegou fogo em agosto de 1969.
Ele vai reunindo fotos dos clientes. É
uma forma de manter a memória de
peças feitas por artistas como Otávio
Bahia. “Ele tem um traço fantástico e
tem a virtude de fazer peças exclusivas.
Não é produção em série”, conta.
Realmente, as máscaras e esculturas de Otávio Bahia não se repetem. Daí
a sua tristeza quando um cliente promete e não manda uma foto para que
ele guarde em sua coleção. Exposição é
algo raro na sua história.
“Uma vez eu fui fazer uma exposição em São Paulo, fui roubado e perdi
um monte de peças”, relata. A saída é
ir montando um novo acervo se bem
que ele demora pouco tempo por lá,
pois a maioria das peças é feita por encomenda. A trajetória do nascimento
de uma peça começa pelo registro em
papel manteiga. Daí é começar a fazer
o entalhe cuidadosamente. A arte de
Otávio Bahia tem continuação. Dois
dos seus filhos já estão seguindo seus
passos. A arte de inspiração africana
agradece.
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C IA
R E S IS T Ê N
AL
AUDIOVISU
APROFUNDE SEU
CONHECIMENTO
REFERÊNCIA HISTÓRICA
1961 | É lançado Barravento, um dos
filmes mais emblemáticos do cineasta
baiano Glauber Rocha. Rodado em
Salvador, retrata um tema bem próximo
da vida da cidade: o misticismo.
DICAS
DE COMO
UTILIZAR ESTE
MATERIAL
Patrimônio
visual da saga
de um povo
FOTÓGRAFOS COMO
ADENOR GONDIM
TRADUZEM AS
REFERÊNCIAS DO
MUNDO AFRO
BRASILEIRO PARA O
CAMPO DA IMAGEM
CLEIDIANA RAMOS
om.br
[email protected]
>> A presença negra no Brasil sempre foi
um tema recorrente para os profissionais
da imagem, desde ilustradores, como
Rugendas, até o advento da fotografia.
“Num primeiro momento esta representação se dá no plano do outro, no caso o
negro, como exótico”, diz o doutor em
antropologia e professor da Ufba, Cláudio Luiz Pereira.
A chegada da fotografia e o seu “status” de realismo reforçou o seu uso na
etnologia e na antropologia ainda com
este caráter de mostrar aquele que é “diferente”. Mas aos poucos a representação foi ganhando outras nuances.
Um nome que se tornaria uma referência, principalmente no Brasil e especialmente na Bahia, faz parte do que se
pode chamar de divisor de águas na representação do negro na imagem: Pierre
Verger.
Com suas fotos, tanto no Brasil como
na África, ele conseguiu mostrar um negro real, humano, longe da concepção
do “bom selvagem”. São homens e mulheres com seus valores culturais: culinária, religião, trabalho. Nesta linha outros
fotógrafos se destacam como Anísio de
Carvalho, Bauer Sá, Januário Garcia,
Adenor Gondim, dentre tantos outros.
Eles fizeram e fazem das suas câmeras
um registro de realidades que mostram a
fundo a diversidade brasileira.
“É uma pena que não houve uma atitude sistemática de reunir acervos que
fossem específicos para contar a história
da fotografia que tem o negro como tema”, lamenta Pereira.
Uma tentativa neste sentido está em
andamento no Centro de Estudos Afros
Orientais da Ufba, sob a direção do doutor em antropologia, Lívio Sansone. Ele é
também coordenador do programa de
extensão Fábrica de Idéias, que funciona
na instituição e promove um intercâmbio entre pesquisadores da África e países da Diáspora.
Trata-se da criação do arquivo dos estudos afro-baianos, um embrião para o
museu digital da memória negra e africana no Brasil. O projeto ainda está em
construção, mas já conseguiu repatriar
digitalmente fotos feitas na Bahia no período que vai de 1928 a 1960 por pesquisadores como Ruth Landes, Lorenzo
SALVADOR
QUINTA-FEIRA
20.11.2008
[ internet ] Confira no Mundo Afro (www.atarde.com.br) artigo de Luna Nery sobre Cinema Africano, na quinta, 27
[ livros ] Antologia da fotografia africana e do Oceano Índico; A fotografia e o negro na Cidade do Salvador: 1840-1914, Sofia Olszewski Filha
Turner, Franklin Frazier, Melville Herskovits, Roger Bastide e Alfred Métraux.
“Acrescentamos a isto centenas de
documentos sobre o Projeto Unesco na
Bahia digtitalizados nos arquivos da
Unesco em Paris. Esperamos atrair muitos outros. Também temos conseguido
cópia e direitos autorais de gravação da
voz de importantes personalidades do
candomblé, realizadas por Lorenzo Tuner em 1940 e 1941, como Martiniano
do Bomfim, Mãe Menininha, Joãozinho
da Goméia”, enumera Sansone.
A idéia é disponibilizar material para
pesquisadores nos mais variados segmentos. De acordo com ele, o acervo não
terá “donos”. A idéia é manter uma gerência com estrutura coletiva. “Ela será
composta por um coletivo de pesquisadores e representantes de centro de documentação na Bahia, outros estados e
exterior. Certamente nosso projeto funcionará em estreito diálogo com o Museu Afro-Brasileiro do Ceao, mas também, e de outra forma, com outras instituições do Brasil e do exterior”, acrescenta Sansone.
OLHAR DIFERENCIADO - Uma batalha
para guardar memória também vem
sendo travada pelo fotógrafo Adenor
Gondim, conhecido pelos registros da
religiosidade popular e das religiões
afro-brasileiras. Criado em família batista da cidade de Ruy Barbosa, na Chapada
Diamantina, Adenor transformou em arte pura a curiosidade reprimida na infância de acompanhar as romarias para Bom
Jesus da Lapa ou as festas pelo 13 de
maio organizadas pelo povo-de-santo
da sua cidade.
Pelas lentes de Adenor, o registro da
Irmandade da Boa Morte de Cachoeira,
do catolicismo popular da Bahia, do
Bembé de Santo Amaro e outras manifestações do tipo revelam suas várias
nuances. Uma coleção de registros que,
principalmente, no caso da Irmandade
da Boa Morte ele tenta ver preservado
em memorial. “O governador Jaques
Wagner assinou um compromisso que
espero ver concretizado, que é da criação do memorial. Eu não me contento
em fazer o registro. Busco ajudar de uma
forma mais ampla”, diz.
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1
2
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Conteúdo
Ação
Aplicação
Fazer com os educandos a
reeleitura de fotógrafos
que retratam o negro
Alunos devem fotografar
negros em seus bairros
para exposição e debate
A partir de vídeos no
Centro Histórico, comparar
a arquitetura e moradores
❛
“Eu não me
contento apenas
em fazer o
registro, mas
quero auxiliar as
pessoas que
retrato de alguma
forma”
“Eu cresci em Ruy
Barbosa e ficava
curioso para
conhecer aspectos
da religiosidade
popular como as
romarias que
partiam para Bom
Jesus da Lapa”
“É fundamental
não só ter relação
com este universo,
mas contribuir
para que ele seja
preservado”
Adenor Gondim, fotógrafo ❚
FOLHAS
SAGRADAS
O filme retrata o impacto
entre uma religião
centrada na tradição, o
candomblé, e as
situações próprias da
modernidade
Universo negro
na mira do
cinema
BUSCAR UM TÍTULO
PARA A PRODUÇÃO
QUE FALA SOBRE
QUESTÕES AFRO
AINDA É UM DESAFIO
PARA PESQUISADORES
DO AUDIOVISUAL
TÁSSIA CORREIA
arde.com.br
tassia.correia@grupoat
>> Ele tem 51 anos de carreira. Esteve ao
lado de Glauber Rocha durante as gravações de seus principais filmes e, este
mês, lançou A Paixão e o Capadócio, filme
em que participa da fotografia e edição e
que conta a história do mestre de capoeira Pelé "Gogó de Ouro".
Ela, tem 32 anos, teve um filme indicado ao prêmio universitário do Festival
de Cinema de Gramado e em 2005 produziu e lançou: "Makota Valdina – um
jeito negro de ser e viver“. Uma mistura
de documentário e ficção que aborda
história e cultura afro-brasileira, a partir
de relatos da sacerdotisa do Terreiro Tanuri Junsara.
Ele é Roque Araújo, 71 anos, organizador de um dos maiores acervos de
equipamentos de audiovisual da Bahia:
história viva do cinema. Ela, Joice Rodrigues, co-fundadora do Cineclube Cinemafro e promessa de boas produções.
Dois personagens que se encontram
quando o tema é “o negro no cinema da
Bahia“.
Batizar uma produção de Cinema Negro, assim com letra maiúscula, ainda é
um desafio aos poucos pesquisadores
que estudam o tema. A simples presença
de personagens negros em tramas e documentários, por exemplo, ainda gera
muitas críticas e não garante o título. “Os
negros não são representados como personagens individualizados e profundos,
mas apenas como arquétipos, estereótipos ou caricaturas’, dispara João Carlos
Rodrigues, autor do livro O negro brasi-
leiro e o cinema, quando analisa a maioria dos filmes brasileiros.
Há dez anos, quando começou a produção de seu longa Jardim das Folhas Sagradas, Pola Ribeiro, tinha pouca intimidade com religiões de matriz africana.
Para não se afastar da identidade real do
tema, fez do roteiro uma produção coletiva. ”Tem que pedir licença o tempo
todo e as pessoas têm que ir concordando com o que você está fazendo”, diz o
cineasta que é o atual diretor do Instituto
de Radiodifusão Educativa da Bahia (Irdeb), Pola Ribeiro.
Entre os roteiros de vida desses cineastas, há um personagem em comum:
o cineclubista Luiz Orlando, que, este
ano, dá nome à Mostra de Cinema Negro
da Biblioteca Pública do Estado. Roque
Araújo relembra das andanças do colega
com fitas e projetores à tiracolo, exibindo
filmes para comunidades de Salvador e
interior do Brasil. Grande incentivador
do cineclubismo baiano, Luís Orlando
participou, ao lado de Joice, da fundação
do Cinemafro. Em 2005, uma de suas últimas atividades públicas foi registrada
nas gravações do filme de Pola.
É através de iniciativas como essas,
que o cinema negro apresenta seus personagens e garantido espaço nas listas
de clássicos da filmografia nacional. Barravento (1961), de Glauber Rocha, Alma
no Olho (1973), de Zózimo Bubul Quilombos da Bahia (2004), de Antônio Olavo, e Filhas do Vento(2005), de Joel Zito
Araújo são exemplos.
DIVULGAÇÃO
“As pessoas têmndo
que ir concorda
com o que você
está fazendo”
[ onde encontrar ]
O filme tem um site oficial
www.jardimdasfolhassagradas.com
Pola Ribeiro dirige o longa que aborda a religiosidade afro-brasileira
> > a rt e d a
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SALVADOR
QUINTA-FEIRA
20.11.2008
[ internet ] Segunda-feira veja no blog Mundo Afro (www.atarde.com.br) como foi feito em tecido o mapa que ilustra esta página
[ livros ] Atlas National Geographic, que pode ser encontrado em bancas de revista ou no site http://atlasng.abril.com.br/
REFERÊNCIA HISTÓRICA
1903 | Neste ano, surgiu o
pan-africanismo, um movimento liderado
por negros norte-americanos e
antilhanos. Ele foi importante para a
causa das independências africanas.
DICAS
DE COMO
UTILIZAR ESTE
MATERIAL
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1
2
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Leitura
Conteúdo
Aplicação
Fluxo e refluxo na Bahia,
de Pierre Verger, trata dos
ciclos da escravidão
Pesquisa sobre hábitos
africanos que resistem na
Bahia
Comparar mapas antigos
da África com os mais
atuais
PONTE ENTRE DOIS MUNDOS
Veja de onde foram trazidos os povos africanos que atravessaram o
Oceano Atlântico até chegar à Bahia, durante os quatro grandes
ciclos negreiros
República de
Cabo Verde
Senegal
Togo
Benin
Nigéria
GuinéBissau
Gana
República
Democrata
do Congo
Congo
Angola
Moçambique
OS CICLOS
FONTE Fluxo e Refluxo na Bahia, de Pierre Verger
DA GUINÉ
Segunda metade do século XVI
DE ANGOLA E CONGO
Século XVII
DA COSTA DA MINA
Século XVIII
DA BAÍA DO BENIN
Final do séc. XVIII até metade do séc. XIX
Cabo Verde
Senegal
Guiné-Bissau
Gana
Cabo Verde
Senegal
Gana
Togo
Nigéria
Angola
Congo
Moçambique
Nigéria
Angola
Congo
Togo
Benin
Nigéria
Benin
Nigéria
Angola
Congo
FOTO Margarida Neide
Benin
Moçambique
INFOGRÁFICO Gil Maciel/Reinaldo Gonzaga/Flávia Marinho/Filipe Cartaxo
NOVO MUNDO ❚ A África é um continente diversificado em relação a povos, costumes e línguas. As lutas por independência continuam ainda hoje como herança do longo período em que a África foi vítima de processos colonizadores
dos países europeus. Daí que o seu mapa é freqüentemente atualizado. Dos 11 países de onde saíram povos em direção ao Brasil durante o período de escravidão, Angola, Nigéria e República do Benin destacam-se na manutenção
das relações econômicas e culturais com o nosso País. Na Nigéria e no Benin, inclusive, há comunidades descendentes de escravos e libertos que retornaram do Brasil para lá: os agudás. Três tradições do candomblé baiano estão ligadas
a cultos originados de onde hoje se encontram estes três países: a angola, a jeje e a ketu. Angola, cuja capital é Luanda tem uma população estimada em mais de 16 milhões de habitantes. O português é a língua oficial e a sua economia
é baseada na agricultura e na extração de petróleo, que representa 90% das suas exportações. A Nigéria tem 134,4 milhões de habitantes. A capital é Abuja. O país tem uma produção econômica que vai da agricultura e pecuária
à extração mineral de petróleo, gás natural, dentre outras riquezas. A língua oficial é o inglês, mas há uma variedade de línguas regionais, inclusive o iorubá que é bem conhecido na Bahia por conta do seu uso na liturgia do candomblé
de tradição ketu. A República do Benin ocupa a área do antigo Daomé. O país, com 8,7 milhões de habitantes, tem duas capitais Cotonou (administrativa) e Porto Novo (constitucional). O francês é a língua oficial, mas há também
o briba, o fulani, o fon e o iorubá. Agricultura, pecuária e recursos como petróleo e diamantes formam a sua economia.
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PROTESTO
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CONHECIMENTO
SALVADOR
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20.11.2008
[ internet ] www.quilombhoje.com.br, www.spraycabuloso.blogspot.com
[ livros ] Cadernos Negros, livros de Wole Soynka e Pepetela
REFERÊNCIA HISTÓRICA
1978 | Neste ano, surgiu a publicação
Cadernos Negros, que se mantém há
três décadas. Ela é um espaço precioso
para escritores que têm a identidade
étnica como tema.
DICAS
DE COMO
UTILIZAR ESTE
MATERIAL
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2
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Conteúdo
Relação
Ação
Fazer pequisa e fazer
leitura de textos de
escritores militantes.
Comparar a produção do
passado e a atual, listando
novos autores.
Promover um festival de
hip hop e poesia sobre a
temática negra.
Estética de denúncia
POR MEIO DO GRAFITE
OU DA LITERATURA,
CONSTRUÇÃO DE
IDENTIDADE E
COMBATE À
DESIGUALDADE VÃO
SENDO MOLDADOS
MEIRE OLIVEIRA
Clássicos
As obras de autores como Luiz
Silva Cuti, Paulo Colim, Míriam
Alves, Conceição Evaristo e o
Cadernos Negros são exemplos
de algumas das referências
clássicas da chamada literatura
negra.
Renovação
Angola
Engajamento
Alan da Rosa, Luiz Carlos
Oliveira, os angolanos João
Melo e Manuel Rui, Ondjaki,
Boaventura Cardoso e Noêmia
de Souza, de Moçambique, são
alguns nomes da nova geração
de escritores.
A Gloriosa Família é um dos livros
de Pepetela mais conhecidos no
Brasil. Nascido em Angola, ele é
um dos escritores de países da
África que começam a ter a sua
literatura mais conhecida em
terras brasileiras.
O poeta e escritor nigeriano
Wole Soynka foi o primeiro
africano a ganhar o Prêmio Nobel
de Literatura, em 1986. A sua
carreira é fortemente marcada
pela crítica social a práticas como
a corrupção e a tirania.
e.com.br
mroliveira@grupoatard
>> Quando se pergunta a Marcos Costa,
25 anos, se o grafite é uma arte de resistência, ele não hesita. “A minha é. Tem
raiz“. Aos 7 anos, a pedido do pai, ele pegou pela primeira vez em uma lata de
spray e começou a fazer o que iria se tornar sua profissão. Logo na entrada da casa do artista, a sala é decorada com perfis
de rostos negros, chamados de afrografite. “Procuro sempre levar o aprendizado que tenho na minha religião de matriz
africana de equilíbrio entre o homem e a
natureza, valorização da herança africana, bons costumes, determinação e fé.
Com essas referências, construí minha
identidade“.
Com linguagem e postura próprias,
um dos suportes do movimento Hip Hop,
o grafite também vem reivindicando reconhecimento. Um muro, um viaduto,
um poste. Tudo pode ser transformado
em espaço de uma intervenção para
olhos que vêem o mundo como uma tela
em branco pronta para virar vitrine da
mensagem. Na vida de Marcos, o grafite
ganhou mais sentido quando passou a
ser vinculado à educação.
No entanto, ainda hoje o preconceito
permanece. “Muitas pessoas não entendem que damos um presente com uma
intervenção. Damos ao muro, ou qualquer outro suporte, mais uma função. É
um documento visual que fala do povo,
da época. É preciso estar antenado com a
realidade, ter raciocínio lógico e rápido
para as criações livres“.
Isso sem contar a habilidade com cores, noção de espaço. Mas parte da visão
negativa se dá pela associação com a pichação. “A pichação não expressa conteúdos poéticos e não tem elaboração
estética“, explica o diretor da Escola de
Belas Artes da Universidade Federal da
Bahia (Ufba), Roaleno Costa, autor da
dissertação Grafite no contexto histórico
social, como obra aberta e uma manifestação de comunicação urbana.
No Brasil, a visão sobre a arte começou a mudar na década de 80. “O reconhecimento como manifestação artística veio quando grandes museus e galerias do mundo começaram a expor essas
intervenções e, na década de 80, a Bienal
de São Paulo também se rendeu“.
O grafite começou na década de
1970, em Nova Iorque, nos EUA, usado
por jovens do bairro do Bronx. Em São
Paulo, chegou no final da década. Se no
Sudeste brasileiro, inicialmente, os autores da arte eram jovens de classe média
alta, na Bahia, esse perfil mudou para jovens negros da periferia. Como arte de
rua, em qualquer parte do mundo, os te-
mas das intervenções costumam ser elementos da cultura urbana. Já, na Bahia,
como não podia deixar de ser, se rendeu
aos referenciais africanos.
A liberdade de expressão é o que mais
atrai. “
Não podemos deixar de mencionar a
capacidade de comunicação do grafite.
Ele é feito em espaços de grande visibilidade. Através dele, pode-se falar o que
quiser sem precisar de permissão. É
transgressora, sem censura ou seleção
de mensagem”, diz Roaleno Costa.
LETRAS - Assumindo o leme do barco,
escritores negros assumiram a postura
de narrar a própria história. A habilidade
com as letras foi e é utilizada como mais
um instrumento de protesto e reivindicação por uma sociedade mais justa. Cada
um na sua época, talento atrelado à experiência, enriqueceu a discussão sobre
a questão racial, dando mais vida e verdade a poesias, romances e contos.
De acordo com a doutora em Literatura Africana, Florentina Souza, a literatura negra brasileira já nasceu comprometida. Nesse contexto merecem destaque Maria Firmino dos Reis (Úrsula- romance abolicionista da década de 1880)
e Luiz Gama (Trovas Burlescas- década
de 1850). ”Eles foram os primeiros a se
declararem como negros, fomentando o
compromisso de luta pela abolição no
Brasil”, conta Florentina Souza.
Depois, seguiram na mesma seara de
contestação José do Patrocínio, Lima
Barreto e Cruz e Sousa. Nos dois últimos
eram recorrentes os relatos sobre a falta
de reconhecimento de suas obras. ”Em
outro contexto, encontramos Machado
de Assis, que atendia aos padrões de tradição ocidental. Ele se definia como mulato, mas não queria discutir a causa étnica”, analisa a especialista.
PROTESTO - ”Aquele negro que mata
alguém que deseja mantê-lo escravo, seja em qualquer circunstância, mata em
legítima defesa”. O texto é de Luís Gama, abolicionista, advogado e poeta
baiano. Aos 10 anos, foi vendido a um
traficante pelo próprio pai, que queria
pagar uma dívida de jogo. Numa trajetória de obstáculos impostos pela cor da
pele, escolheu o direito como arma a favor dos menos favorecidos e libertou
grande quantidade de escravos.
Sua produção está inserida na segunda geração do Romantismo no Brasil. A
primeira obra, Primeiras Trovas Burlescas
do Getulino, reuniu sátiras contra a aristocracia e os poderosos da época, onde o
DISCURSO
NA PAREDE
Marcos Costa tem 25
anos e é autor de uma
técnica que chama de
afrografite. Sua temática
tem elementos de
inspiração africana
“É preciso ter co e
raciocínio lógi
rápido para as
criações livres”
[ onde encontrar ]
A arte de Marcos se espalha pela
cidade, como na Rodoviária
[ contatos ]
8828-8061
texto mais famoso é Quem sou eu?, conhecido como Bodarrada. O escritor acabou morrendo, em 24 de agosto de
1882, sem ver a abolição se concretizar.
Assim como Luís Gama, utilizar a literatura como militância é uma relação indissociável para o poeta, músico, compositor e educador, Landê Onawale. ”O escritor negro é aquele que não silenciou
diante das demandas de existência, histórica e política. É aquele que conseguiu ter
coragem mínima para permitir que o sentimento fosse para a folha de papel. Sinto
necessidade existencial de expressão. E para isso é preciso sentir, vivenciar”, reforça.
Essa é também a postura do múltiplo
Abdias do Nascimento que, em várias
vertentes, denunciou o racismo e exaltou valores ligados ao negro e à luta negra no Brasil, na África e na Diáspora. Sua
arma foi também a poesia como mostra
Axés do sangue e da esperança (orikis)
seu único livro de poemas, lançado em
1983. “A maioria do livro foi produzida
no período do exílio, quando ele foi para
os EUA em 1968. A peculiaridade é a pre-
sença de elementos afro-religiosos, em
especial, os orixás Oxum, Exu e Ogum.
A falta de representatividade em todos os níveis da sociedade estimula a reação via literatura. ”Somos 65% da população, mas não estamos representados na mesma proporção. Era preciso
mostrar que também escrevemos, sabemos nos representar, fazer crítica”, explica Florentina Souza.
E se este relato é feito com recursos
expressivos como figuras de linguagem,
musicalidade, a reação aumenta. ”Aí
tentam arranjar defeitos para diminuir o
autor e sua obra”, diz a pesquisadora ao
lembrar que no início do século XX os
textos de Lima Barreto nem sequer eram
publicados.
POLÍTICA - A literatura foi usada em todo o processo de independência das diversas nações africanas. Em Angola e
Moçambique, a escrita foi meio de divulgação dos ideais de independência e
criação da identidade nacional. Nesse
contexto, cada país tem seu grupo de escritores marcantes. Cada um com sua
história, mas que entram em diálogo e se
relacionam pela temática.
”É mais difícil a intelectualidade brasileira encarar a literatura negra brasileira. É mais fácil aceitar a literatura africana. A denúncia aqui é mais forte e evidente”, ressalta Landê. Segundo ele, o
escritor negro que decide não escamotear sua realidade paga um preço e acaba
sendo malvisto.
”Todo o jogo de figuras de linguagem
não será validado nem lembrado como
universal. Parece que a potencialidade é
limitada ao seu mundo, como se fôssemos condenados por isso. Nós, escritores negros, não estamos condenados a
falar de nós e para nós. Todos terão que
ouvir o que temos para falar sobre qualquer assunto. Isso não é menos universal. Sabemos fazer crítica social, falar de
amor e mais um leque de questões, além
de abordar a questão racial. Todo mundo
tem um lugar de enunciação e nós só
aparecíamos quando era conveniente”.
O escritor Lande Onawale lembra que
sua vontade de assumir o compromisso
de luta em prol da causa étnica foi estimulada quando entrou no Movimento
Negro Unificado (MNU), em 1988. A partir daí, a consciência negra funciona como um eixo norteador de sua obra. ”Até
aquela época a política era um tabu. Fiquei independente quando construí um
discurso a partir do desenvolvimento de
minha consciência. Aí a literatura foi sendo influenciada”.
De acordo com o autor, não há negro
que não tenha consciência negra, que
não perceba em algum nível que será tratado de forma diferente. Não é à toa que
o escritor teve seu primeiro poema publicado em um 20 de novembro.
MUDANÇA - O cenário em relação à literatura negra começou a mudar após a
década de 70. ”O contexto político e social da pós-modernidade com os movimentos sociais propicia uma nova postura e aceitação. Os escritores negros começam a ser estudados e legitimados”,
conta Florentina Souza . Na Bahia, na década de 80, um grupo de escritores negros de Salvador tem função importante
no que se refere à produção da literatura
negra. Dentre eles, Jônatas Conceição e
Aline França.
Foi muita luta até o início do reconhecimento, pois a garantia de espaço em
uma sociedade desigual não se dá de forma tranqüila. ”Não adianta o desfavorecido chegar até o dominante e pedir o favor de ceder parte do espaço ocupado só
por ele”, destaca Florentina.
Contudo ainda não se chegou ao
ideal. Ainda hoje há uma política editorial excludente, as publicações de autores negros, em grande parte, estão limitadas a editoras especializadas.
Contornando a exclusão, em 1978,
um grupo de escritores de São Paulo resolveu bancar uma publicação de poemas e contos. Surge o Cadernos Negros,
que acaba de completar 30 anos de publicação ininterrupta.
O Cadernos Negros revolucionou a
história da produção literária dos negros
brasileiros. A partir de uma seleção
anual, realizada no anonimato, artistas
de várias regiões são contemplados e
têm seus textos publicados.
”São textos que identificam e reforçam a valorização da produção negra”,
analisa Florentina Souza. O Cadernos
Negros foi o tema da sua tese de doutorado defendida em 2005.
A integração entre escritores e a academia só veio ocorrer na década de 90.
"Em meados da década de 70 não se falava sobre isso no meio acadêmico. Mas
chega uma hora que o reconhecimento,
independente da opinião dominante, é
inevitável”, diz Florentina.
”Pela insistência e perseverança chega a hora que fica impossível ignorar”,
brinca Landê. No Instituto de Letras da
Ufba, desde 2007, o grupo ”EtniCidades: Escritores/as e intelectuais negros e
negras no Brasil” atua fomentando a
produção intelectual negra.
> > a rt e d a
C IA
R E S IS T Ê N
ARTES
PLÁSTICAS
APROFUNDE SEU
CONHECIMENTO
SALVADOR
QUINTA-FEIRA
20.11.2008
[ internet ] http://www.ceao.ufba.br/mafro/,http://www.mam.ba.gov.br/
[ livros ] A influência da religião afro-brasileira na obra escultórica do Mestre Didi (Jaime Sodré - Edufba)
REFERÊNCIA HISTÓRICA
2000 | Dois painéis de Juarez Paraíso
sobre o nascimento de Oxumarê ( 4ª foto
abaixo) nos cines Art I e II foram
destruídos quando a Igreja Renascer em
Cristo comprou os espaços.
DICAS
DE COMO
UTILIZAR ESTE
MATERIAL
7
1
2
3
Passeio
Conteúdo
Aplicação
Promover visita dos alunos
nos museus citados na
matéria
Convidar um especialista
para desmitificar discursos
que reforçam a intolerância
Propor releitura das obras
vistas em pintura ou outro
suporte como mosaico
Divina inspiração
REFERENCIAIS
AFRICANOS SÃO
UTILIZADOS POR
ARTISTAS NA SUA
PRODUÇÃO
CARREGADA DA
HERANÇA NEGRA
MEIRE OLIVEIRA
e.com.br
mroliveira@grupoatard
>> Por conhecimento das referências de
origem africana ou por preparação espiritual específica, as artes plásticas são
mais uma vertente que artistas encontraram para retratar e preservar o amplo
universo que compõe a temática étnica.
Peças como máscaras, esculturas, pinturas, xilogravuras, entre outras, chamam
a atenção para a beleza, se vista por leigos. Para os religiosos, é um universo inteligível por meio de códigos exclusivos
que revelam o potencial histórico ou espiritual de cada obra. Assim, a interpretação se restringe à capacidade de decodificação do iniciado e à sensibilidade
dos leigos. O que não impede, no caso
desses últimos, o deslumbramento.
Numa tentativa de explicar como isso
se dá, na prática, é necessário estabelecer parâmetros que identificam cada tipo de produção. De acordo com as divisões estabelecidas pelo artista plástico e
historiador Jaime Sodré, podemos destacar quatro delas que abarcam boa parte dos artistas e definem o perfil da obra
e autor, levando em consideração o que
chamamos de arte afro-brasileira.
“Compreender essa arte é evocar a África, a religião tradicional, o candomblé e a
odisséia do povo negro em busca da afirmação de sua identidade, respeito à sua
arte como expressão legítima, inclusive
enquanto arte sacra ou de inspiração religiosa, sem preconceitos", explica Sodré. Preconceito esse que acaba classificando a arte com inspiração africana como anônima e primitiva, sem olhar a produção com conotação artística.
Reina absoluto, na denominação artista-sacerdote, Deoscóredes Maximiliano dos Santos – Mestre Didi. Além de
produzir peças ligadas à liturgia, ele também é autor de obras que podem ser usadas e vistas em espaços públicos – “escultura de inspiração sacra afro-brasileira“ ou “recriações“, de acordo com Sodré, que é autor do livro A influência da
religião afro-brasileira na obra escultórica do Mestre Didi. O artista preserva o
conteúdo que não pode sair do território
sagrado do terreiro fazendo uma reinterpretação baseada na estética oriunda do
continente africano e do candomblé.
Através dos traços expostos dessa referência, em cada produção é permitido
descobrir a procedência, a temática, o
mito, os valores estéticos e associá-los ao
sagrado sem perder o parâmetro entre a
peça sacra e a profana. “É o novo que revela o velho, o tradicional em linguagem
moderna. Mestre Didi foi formado para
os atos litúrgicos que não podem ser exibidos fora do contexto religioso”, explica o historiador.
Sua iniciação religiosa foi feita por
Mãe Aninha, do Ilê Axé Opô Afonjá,
quando ela tinha 8 anos. Dentre seus títulos sacerdotais, Mestre Didi é Ojé Korikowê Olukotun no culto dos ancestrais
Egun. Em 1975, recebeu o cargo de Alapini – posto elevado da hierarquia desse
culto. É Asogbá – supremo sacerdote do
culto de Obaluaê e foi alçado a Baba
Mogbá Oni Xangô em 1983, conferido
pelo Alaketu, no Palácio de Ketu, República do Benin – África Ocidental.
Em sua atuação institucional fundou
e preside o Ilê Asipá, sociedade de culto
aos ancestrais. Mestre Didi criou, em
1974, a Sociedade de Estudos da Cultura
Negra no Brasil (Secneb) e também coordena o Instituto Nacional da Tradição e
Cultura Afro-Brasileira (Intecab), fundado em 1987.
No livro de sua autoria sobre a obra de
Mestre Didi, Sodré afirma que o artista é
considerado o “máximo dos valores estéticos da expressão desse culto, um
eterno lutador da afirmação dos valores
afro-brasileiros, não só do ponto de vista
religioso, como da preservação da língua
sacra, do yorùbá arcaico, das lendas do
pensamento africano“. Na qualidade de
Asogbá, não é preciso mais nenhuma
preparação específica extra no momento da confecção de cada obra, seja sacra
ou não. Bastam apenas nervuras e palmas de palmeira, palha da costa, contas
vegetais, búzios, couro, facas amoladas,
linhas, agulhas, tesouras e fibra. “Na ela-
Casa de Angola
Acervo etnográfico com 250
peças do poder político
tradicional, da religiosidade, dos
rituais de cura e do cotidiano,
além de biblioteca.
End: Praça dos Veteranos nº 7,
Horário: 9 às 12h;14 às 18h.
Entrada gratuita
Casa do Benin
Esculturas, brinquedos,
instrumentos musicais e peças
rituais fazem parte do acervo
com 250 peças.
End: Rua Padre Agostinho
Gomes, 17, Pelourinho
Horário: 12 às 18h.
Entrada gratuita
Museu
Afro-brasileiro
End: Terreiro de Jesus /Antiga
Faculdade de Medicina.
Horário: 9 às 18h (seg a sex):
10 às 17h (sáb e dom)
Entrada: R$ 5 (adulto): gratuito
(até 5 anos): R$ 2,50 (6 a 12
anos)
Solar do Ferrão
Peças de cerca de 20 sociedades
africanas. Doadas, em 2004,
pelo italiano Claudio Masella (a
partir de 10/12)
Horário: 10 às 18h (ter a sex);
13 às 17h (sáb e dom).
End: Rua Gregório de Mattos,
45, Pelourinho. Gratuita
MESTRE DIDI
O artista-sacerdote Mestre
Didi, além de confeccionar
peças para rituais, usa
elementos da religião na sua
produção artística
Emanoel
Araújo
Rubem
Valentim
Juarez
Paraíso
Carybé
FERNANDO VIVAS | AG. A TARDE
boração das peças sagradas, os orixás é
que ditam a forma e o material a ser utilizado“, pondera Sodré.
Voltando a aos parâmetros que agregam os artistas com mesmo perfil, há
também os que trabalham, exclusivamente, para atender às demandas do
candomblé. Estes são incumbidos de
confeccionar as ferramentas e adereços
utilizados pelos orixás nos rituais. São artistas como Gilmar Tavares, Azul Proença, Nivalda de Deus Sales, Saraí Santos,
dentre outros. “Dependendo do profissional, só era preciso dizer o nome do terreiro para que o artista soubesse, como a
peça deveria ser feita“.
Artistas como Hector Julio Paride Bernabó (Carybé), Abdias do Nascimento,
Tati Moreno, Bel Borba, Francisco Santos, Edsoleda Santos e Juarez Paraíso se
inserem no contexto de conhecedores
de alguns aspectos, até podem fazer parte da religião, mas se limitam ao trabalho
artístico. Um dos mais ricos referenciais
de inspiração da produção de artistas
brasileiros ou estrangeiros é a manifestação religiosa afro-brasileira: o candomblé. De acordo com Sodré, eles não
são preparados liturgicamente e não fazem peças rituais. “É uma arte mais voltada à exposição pública”.
As cenas do candomblé são temas de
boa parte da obra do artista que criou desenhos para os livros de Jorge Amado. A
produção de Carybé, entre esboços, esculturas, pinturas e desenhos, está estimada em cerca de cinco mil obras. “Em
dois dos seus trabalhos ele registrou importantes elementos iconográficos do
culto afro-brasileiro: As Sete Portas da
Bahia e Iconografia dos deuses africanos
no candomblé da Bahia. No primeiro,
além de representar os elementos sagrados do candomblé, elabora uma descrição das peças e comenta sobre as cores
votivas dos orixás. O segundo trabalho
ganha uma versão muito mais elaborada, com uma belíssima apresentação de
estampas produzidas pela técnica da
aquarela“, detalha Sodré.
Mas nem sempre as referências da
tradição africana aparecem de forma tão
óbvia como nas produções do escultor e
pintor Rubem Valentim – que tem seu
maior acervo no Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM) –, Marcondes Dourado, que trabalha com arte eletrônica,
Ayrson Heráclito e Emanoel Araújo.
“Nas obras de recorte contemporâneo
não se consegue identificar a reprodução do candomblé, mas não há como negar que a inspiração daquela arte é a matriz africana“, disse a diretora do Museu
de Arte Moderna da Bahia, Solange Farkas.
MESTRE ABDIAS - Como em todas as
frentes que atuou, Abdias do Nascimento, também deu seu recado em defesa e
valorização da herança oriunda da cultura africana. Na pintura, reelaborando um
universo com elementos que vão desde o
Egito antigo, referências do candomblé,
ideogramas da África ocidental, dentre
outras informações. Em 1968, funda o
Museu de Arte Negra. A idéia surgiu durante a realização do 1º Congresso do
Negro Brasileiro, realizado pelo Teatro
Experimental do Negro, em 1950.
> > a rt e d a
C IA
R E S IS T Ê N
RELIGIÃO
APROFUNDE SEU
CONHECIMENTO
REFERÊNCIA HISTÓRICA
1976 | O governador da Bahia, Roberto
Santos, inicia o combate à intolerância
religiosa ao assinar um decreto pondo
fim à necessidade de autorização policial
para os ritos de candomblé.
DICAS
DE COMO
UTILIZAR ESTE
MATERIAL
2
3
Debate
Conteúdo
Vivência
Convidar um artista para
falar sobre seu trabalho e
influências na sua obra
Propor pesquisa sobre o
trabalho de artistas que
são referência na área
Encontro de pais e alunos
para confecção de arte
com inspiração africana
dos deuses
JURACY DOS ANJOS
[email protected]
m .br
>> O trabalho não é fácil, exige dedicação, técnica, delicadeza e, acima de tudo, talento. Tudo começa pelas vestes
feitas em tecidos leves, volumosos e, dependendo da divindade, com brilho, mas
não muito. Afinal de contas, os deuses
do candomblé não gostam de exageros.
Bordados, de estilos variados, também
compõem a indumentária do povo-de-santo, feita toda à mão.
Os adereços, confeccionados em metais variados, como cobre (vermelho), alpaca (branco) e bronze (dourado) – a
simbologia também está nas cores que
estes metais representam –, dão o toque
extra à composição. Oxum, por exemplo, gosta de metais dourados e brilhantes, elementos que ressaltam sua beleza.
Ogum, de metais brancos, com preferência para o ferro.
No entanto, as peças não são objetos
de mero enfeite, como tudo na mágica
religião do candomblé. Elas representam
a forma física dos orixás, como explica
Gilmar Tavares, um dos artistas de arte
religiosa da Bahia. Ele já expôs seu trabalho em locais como os EUA.
Para ele, que faz peças para terreiros –
o artista estima que atenda a cerca de
80% das casas de candomblé de Salvador –, é fundamental aos que se lançam
na atividade ter conhecimento sobre as
divindades, que carregam em si aspectos
específicos. Não se pode, por exemplo,
na concepção de Gilmar, construir um
abebê (espelho) com pé sem saber que a
ferramenta representa um assentamento para determinado orixá, diferente do
abebê de mão, usado em festa por Iemanjá e Oxum.
Nação
Designação que identifica a
origem da tradição do culto.
Na Bahia, as mais conhecidas
são a angola, que usa como
idioma ritual a família
lingüística banto; a jeje, com
o idioma fon-ewé e a ketu,
que usa o iorubá.
“Não precisa ser iniciado na religião,
mas é necessário saber o significado das
ferramentas para não cometer erros graves, desagradando aos orixás, que não
aceitam qualquer coisa“, revela ele, que
começou a fazer os adereços aos 13
anos. Na época, os tecidos da sua avó
eram utilizados como matéria-prima.
Gilmar foi consagrado a Oxalá aos 14
anos, no Terreiro Tingongo Muende, no
bairro de Cajazeiras 11.
O que diferencia o trabalho do artista
de outros do segmento, como ele destaca, é o projeto gráfico exclusivo seja
um bracelete ou um adjá – sino de duas
pontas que é usado em rituais litúrgicos
por sacerdotes para invocar os deuses.
“Minha peça é singular porque a faço valorizando os detalhes. Fujo do padrão,
do comum. Tento criar um novo design,
mas isso não significa que não respeite o
objeto sagrado, profanando-o“, pontua
Gilmar, que usa a mesma técnica trazida
para o Brasil por um negro escravo. “O
nome dele é Martin Afonso de Sousa,
fundador da Casa Branca”, revela.
No ateliê do filho de Oxalá, logo na
entrada, o visitante-cliente se depara
com a imagem de um opaxorô, ferramenta da divindade que o consagrou.
Caracteriza-se por longa haste vertical,
pratos em três tamanhos e pendentes
(folhas, moedas, peixes, formas geométricas, dentre outros). Sob os pratos, que
representam o futuro o presente; e o passado, um globo, travessas, coroas e um
pássaro que leva uma sineta em metal
branco.
Azul Proença, como é conhecido Idelfonso Aquino de Jesus Filho, herdou o ta-
8
1
Talento a serviço
COM ESMERO,
CUIDADO E DEVOÇÃO,
ARTISTAS SE DEDICAM
À FEITURA DE PEÇAS E
ROUPAS QUE
COMPÕEM VESTUÁRIO
DAS DIVINDADES
SALVADOR
QUINTA-FEIRA
20.11.2008
[ internet ] http://www.xireatelier.com
[ livro ] Formação do candomblé – Luis Nicolau Parés; O candomblé da Barroquinha – Renato da Silveira
Denominação
Hierarquia
Inquice é o nome das
divindades no candomblé
de nação angola. Orixá é o
termo utilizado no
candomblé de nação ketu.
Vodun é nome das
divindades no candomblé
de nação jeje.
Ialorixá ou babalorixá é o
grau máximo do sacerdócio
na nação ketu. Mameto ou
nengua de inquice e tata de
inquice é o equivalente no
ritual angola. Na nação jeje,
o termo para o cargo é dado
pelo vodun ao qual o
sacerdote é consagrado.
*
A primeira venda de coleção de
ferramentas confeccionadas por
Gilmar Tavares foi feita ao Museu
de Antropologia de Frankfurt,
Alemanha, onde ilustrou a capa
do catálogo de 1997. Seguiram-se
outras vendas, para diversos
países, inclusive os EUA, onde
podem ser vistas suas obras no Du
Sabre Museum (Chicago) e no Ilê
Ymenee (Boston).
O despertar para a profissão
ocorreu enquanto examinava
uma das ferramentas da avó.
Pouco depois, em casa, deixou
cair, de forma acidental, uma
pedra sobre placa de metal, que
ficou marcada, e descobriu a
técnica. A partir daí, começou a
fabricar seus instrumentos de
trabalho com sucatas como
pregos e pedaços de ferro ou de
aço. Como não sabia desenhar,
seu pai-pequeno (espécie de
padrinho no candomblé) fazia os
detalhes a serem impressos nas
ferramentas utilizadas pelas
divindades.
lento para construir as ferramentas dos
orixás do avô, Mário Proença, um dos
símbolos na arte de fazer adereços para
divindades masculinas. “Não sou iniciado como meu avô, mas sei o significado
do que faço, sua importância e o respeito
que devo ter“, diz.
PADRÃO - Azul tem um trabalho diferente do desenvolvido por Gilmar, pois
opta por seguir um padrão. “Tenho um
modelo para cada ferramenta, que pode
sofrer pequenas alterações, porque privilegio os elementos que tenham a ver
com os orixás“, pontua o artista.
Um desenho criado pelo avô de Azul,
o abebê lyra, é até hoje reproduzido pelo
neto. A técnica usada é o cinzelamento,
onde o profissional esculpe o metal com
um objeto pontiagudo, dando formas e
desenhos à ferramenta. Gilmar usa,
além da cinzelagem, a técnica de ourivesaria (trabalho artístico com ouro). O
tempo médio para a criação de todo o
traje metálico usado pelos orixás é de sete dias. Mas Azul alerta: “O tempo depende do orixá. Com dedicação exclusiva leva uma semana“.
VESTUÁRIO - “Não me considero uma
artista, mas sim uma serva dos orixás.
Adoro fazer os trajes usados por eles,
não gosto de costurar para pessoas”. A
fala de Nivalda de Deus Sales, 70 anos,
dos quais 38 dedicados à arte de vestir as
divindades, sintetiza a vocação para a
obrigação religiosa, que se mistura com
o trabalho artístico.
Mas se engana quem acha que o trabalho, de extrema dedicação e delicade-
GILMAR TAVARES
O artista atende cerca de
80% dos terreiros de
candomblé de Salvador,
elaborando peças
exclusivas de uso dos
orixás com metais
variados, como cobre,
alpaca e bronze
“Tento criar novo
design, sem
desrespeitar o
sagrado”
[onde encontrar]
Rua Vitório Meireles, nº 31
– Garcia
[contatos]
8146-5475 | 3267-0552
za, é feito em série. Cada peça do traje
dos orixás, e olha que são muitos, é confeccionada com exclusividade, respeitando a vontade e o desejo deles. “Além
das roupas, também faço os colares de
contas usados nas festas”. Dona Nilvada, nengua de inquice do Terreiro Pena
Branca, que fica no Bonocô, apesar de
costurar para outras casas, acredita que
cada terreiro deveria fazer suas próprias
roupas e adereços. “Porque ganha mais
força”, revela ela.
Próximo ao sofá de casa, fotos da sacerdotisa com a veste de Oxóssi, a quem
é consagrada. Como não poderia deixar
de ser, o traje traz elementos da entidade
dona de sua cabeça. “A saia foi feita por
tecido que reproduz a pele da onça, porque meu orixá é da mata”, comenta Nivalda, dizendo que utiliza pano-da-costa
– usado para colocar na cintura – para fazer as vestes, dentre outros tecidos, com
os quais confecciona batas, camisas de
crioula e panos de cabeça (torços). Ela
também é especialista em bordados:
“Sei fazer em vários estilos”.
Saraí Santos trabalha há 10 anos com
veste de orixás fazendo as roupas, muitas vezes, nos próprios terreiros que a
contrata. Ela também é filha de Oxóssi.
Segundo Saraí, o primeiro passo na hora
de fazer as roupas dos orixás é avaliar os
tecidos. “Tem orixá que gosta de determinado tipo de pano e não aceita outro.
Iemanjá e Iansã gostam de tecidos com
brilho, mais trabalhados. Já Oxalá gosta
de panos mais crus”. Antes de encomendar as roupas, que tem o tempo de feitura variado, os pais e mães-de-santo pedem permissão aos deuses.
> > a rt e d a
C IA
R E S IS T Ê N
LITERATUR
A
APROFUNDE SEU
CONHECIMENTO
SALVADOR
QUINTA-FEIRA
20.11.2008
[internet] http://www.academia.org.br/,http://www.machadodeassis.org.br/
[livros] Machado de Assis afrodescendente: escritos de caramujo (Eduardo de Assis Duarte – Pallas/Crisálida 2007)
REFERÊNCIA HISTÓRICA
1935 | Lançamento da obra do escritor
Jorge Amado Jubiabá. Quarta publicação
da bibliografia do autor que teve obras
traduzidas em 48 idiomas e alcançou
destaque no mercado internacional.
DICAS
DE COMO
UTILIZAR ESTE
MATERIAL
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Pesquisa
Conteúdo
Avaliação
Os alunos devem ler
alguma produção dos
autores citados na matéria
Para cada texto deve ser
feita uma síntese para
estimular a postura crítica
Uma caravana literária será
feita pelo bairro onde a
escola está localizada
RETRATO
BRASILEIRO
Publicado em 1890, O
cortiço, de Aluísio de
Azevedo, é um clássico
da literatura. Retrata
parte da realidade
brasileira através da
descrição da vida em um
cortiço do Rio de Janeiro.
A discriminação racial é
uma das denúncias
presentes na obra
“...e o cortiço
acordava,
abrindo, não osa
olhos, mas a su
infinidade de o do
portas” (trech
livro O cortiço)
U
CA
Z
ME
GO
A TEMÁTICA ÉTNICA
FOI TRATADA DE
FORMA
DIFERENCIADA, POR
CADA AUTOR, NA
LITERATURA
BRASILEIRA
ALANA FRAGA
Narrativa sobre negros
br
tarde.com.
alana.menezes@grupoa
>> Boa parte da história do Brasil foi
transcrita por suas mãos, em verso e prosa. Assim, fizeram parte dela, de suas lutas e conquistas. Os grandes autores da
literatura brasileira, brancos, negros ou
mulatos, construíram maneiras diferenciadas de tratar sobre as questões raciais
em suas obras.
Lima Barreto, Machado de Assis e
Aluísio de Azevedo integram a lista de
grandes nomes que usaram a arte literária como instrumento de retratação de
suas visões e experiências em relação à
situação vivida pelo negro no Brasil. "Se
Lima Barreto condenou o preconceito,
por motivos fortemente pessoais e familiares, Machado de Assis anotou-o como
deformação, apesar do cerne de seu ficcionismo estar centrado nas ambiguidades do ser humano e Aluísio Azevedo denunciou-o com a frieza de um dissecador", resume o jornalista e crítico literário Hélio Pólvora.
Segundo Pólvora, os personagens fictícios de Lima Barreto, por exemplo, são
reflexos do escritor. “Pode-se dizer que
Barreto tinha a consciência aguda do
que significava ser negro e pobre numa
sociedade branca e burguesa. Mas não
se resignou. Usou a pena para praticar
uma prosa militante, ainda que críticos
maldizentes o acusem de ter contornado
a questão do negro em sua obra”, analisa o crítico.
No caminho inverso, Pólvora descreve Machado de Assis como um “analista
das almas”, empenhado em desvendar
os mistérios da personalidade humana,
independente da origem e da cor da pele. Essa posição leva alguns críticos a recriminá-lo por desprezar suas próprias
origens, sendo o escritor mulato. Para o
crítico, acusar Machado de alienação
com relação à abordagem de temas relacionados à questão negra é tolice, levando-se em conta que ele constatou a
existência do preconceito racial e, a seu
modo, censurou a escravidão, avalia.
O responsável por inaugurar o romance naturalista no Brasil, Aluísio de
Azevedo, apesar da pele branca e filho
de português, usou o gênero realista, de
forma crua e direta, para escrever a posição social do negro, segundo Pólvora.
Prova disso está no clássico romance O
Mulato, em que o protagonista Raimundo, rico e culto, é condenado pela socie-
dade quando sua verdadeira origem é revelada: filho bastardo de pai branco com
uma escrava. “O autor nada faz em benefício do herói. Ao contrário, deixa-o
entregue às conspirações”, afirma.
Na concepção da vice-diretora do
Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceao)
da Universidade Federal da Bahia (Ufba),
Florentina Souza, a literatura brasileira
do século XIX pode ser dividida em duas
vertentes: uma que tende a classificar os
negros nos esteriótipos da época e outra,
encampada majoritariamente por escritores negros, que apresentam a cultura
afro-brasileira fora dos padrões etnocêntricos vigentes. "A representação
que predomina na literatura é a fixação
de comparar depreciativamente os negros com animais ou os tratam como seres inferiores, desprovidos de capacidade intelectual e apresentados apenas objetos sexuais e de trabalho“. Aos autores
que descreveram fielmente a cultura negra, cabe o quase esquecimento. Dos
nomes mais significativos que englobam
a segunda vertente, merecem destaque
Luís Gama e Cruz e Sousa.
CASTRO ALVES – Foi através de seus
poemas, como Navio Negreiro, que o
baiano Castro Alves também combateu
a escravidão no século XIX e, assim como
os demais, é visto com críticas. Isso por
causa do fato de que, embora devoto à
causa, na maioria de suas produções, o
negro aparece como sujeito digno de pena, e não como personagem atuante e
pensante, de acordo com Florentina.
Uma exceção destacada pela pesquisadora é o poema sobre a luta dos quilombos, onde autor trata, positivamente, a
questão negra. “Por outro lado, não enfoca o resgate e a construção das tradições africanas, nem coloca o negro e o
branco em posição de igualdade”.
POESIA CONTEMPORÂNEA – Ainda
que utilizada como arte de resistência há
longas datas, a literatura contemporânea focada nas questões negras prossegue em desenvolvimento. A avaliação é
do poeta e escritor mineiro, radicado na
Bahia, Luís Carlos de Oliveira. Seus trabalhos são publicados no grupo Cadernos Negros, de São Paulo, criado em
1978 com o objetivo de usar a literatura
como forma de combate ao racismo.
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“A representação
que predomina na
literatura é a fixação
de comparar
depreciativamente os
negros com animais ou
os trata como seres
inferiores, desprovidos
de capacidade
intelectual e
apresentados apenas
como objetos sexuais e
de trabalho. Por isso
espaços que têm o
intuito de dar
visibilidade às
produções são,
fundamentalmente,
importantes para os
poetas de hoje
demonstrarem
trabalhos que fujam do
estereótipo fixado
pelos antigos
escritores. É
importante que eles
sejam conhecidos, pois
contam a história com
um olhar de quem
vivencia a situação”
Florentina Souza, doutora em
literatura africana e professora
da Ufba ❚
Jorge Amado: mestiçagem
como solução contra o racismo
"Branco puro na Bahia, quem? Negro
na Bahia, onde? Somos todos mulatos, felizmente". Frase clássica do escritor baiano Jorge Amado, ela resume sua teoria em relação aos grupos
étnicos, segundo a presidente da Fundação Casa de Jorge Amado, Myriam
Fraga. Mestiçagem era a solução que
o autor propunha para a questão do
racismo. Myriam conta que, enquanto o movimento negro acusava Amado de defender o "clareamento" da
população, o baiano acreditava que a
mestiçagem era a fórmula para alcançar o humanismo e, enfim, a democracia racial que era discurso vigente
na época em todo o País.
A partir de Jubiabá, de 1935, o quarto romance do autor, torna-se mais
potente a presença da cultura negra
na literatura de Jorge Amado. A obra
mostra a luta de classes como produto
do contexto histórico e social da década de 30. O protagonista, Antônio
Balduíno, fruto de uma sociedade injusta, após um período de alienação,
assume a luta contra as injustiças sociais de seu tempo. “Ele mesmo acreditava que a obra era seu ponto de
partida no tema. Nas anteriores,
Amado focava nas discussões relacionadas às lutas de classe, mas não descartava o racismo como uma delas”,
afirma Myriam.
Considerado por muitos um escritor polêmico por suas declarações e
posturas na literatura, Jorge Amado
dividiu opiniões entre os apreciadores e os de posição intransigente.
Grande parte das críticas sobre ele era
protagonizada, especialmente, pelo
movimento negro organizado na Bahia alegando que a narração da produção do autor morto em 2001 em
questão menosprezava o negro.
"É preciso esclarecer que ele nunca
foi racista porque não há nenhum registro escrito que deprecie o negro. A
literatura de Jorge Amado é algo muito complexo, e parte do movimento
negro faz uma interpretação branca,
judaico-cristã de seu trabalho. O que
é um grande equívoco e uma contradição", afirma o professor de literatura da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Gildeci Leite.
Segundo ele, como escritor
neo-realista, Amado utilizava a literatura como ferramenta de denúncia da
opressão e do contexto de inferioridade social em que os negros viviam, inseridos numa sociedade racista e baseada nos conceitos do cristianismo.
Quanto aos aspectos mais recriminados pelo movimento nas obras de Jorge Amado, como a liberdade sexual e
as personagens prostitutas negras,
Leite esclarece o equívoco cometido.
"Nenhuma das personagens de Amado era prostituta porque desejava ser,
mas porque eram impostas, pela sociedade racista, a exercerem o comércio sexual. Isso é denúncia, e não cerceamento", explica o professor.
Com vivência no universo do candomblé, Jorge Amado, demonstra na
sua literatura, vasto conhecimento e
admiração pela cultura negra e, em
especial, pela religião. De acordo com
Leite, outro ponto bastante discutido
é a interpretação de que as personagens femininas de Amado viviam em
situação de subserviência no ambiente da cozinha, como Dona Flor
(Dona Flor e seus Dois Maridos). Outra
questão que merece ser esclarecida.
“A cozinha é tida como um lugar sagrado, de supremacia e poder na cultura do candomblé, onde pode-se
matar ou encantar alguém”, explica.
Para melhor entender um dos
maiores escritores baianos da contemporaneidade, o professor frisa a
necessidade de se enxergar Jorge
Amado sem classificá-lo por cor de
pele e interpretar sua obra sem preconceito. “Ele foi aquele que se diferenciou dos esteriótipos de que apenas negros podem falar, de forma tão
sensível e profunda, sobre negros”.
MÚSICA
SALVADOR
QUINTA-FEIRA
20.11.2008
[ internet ] www.acbantu.org.br
[ livros ] Falares africanos na Bahia (Yeda Pessoa de Castro - Editora: TopBooks)
REFERÊNCIA HISTÓRICA
DICAS
DE COMO
UTILIZAR ESTE
MATERIAL
1917 | Oficialmente, o primeiro samba
foi gravado neste ano. A música “Pelo
telefone” é de autoria do compositor
Ernesto Joaquim Maria dos Santos, o
Donga, e Mauro de Almeida.
REGGAE - O caminho percorrido pelo reggae da
Jamaica à Bahia o levou a Cachoeira, onde o ritmo
de Bob Marley influenciou – e continua influenciando – uma geração de músicos como Edson Gomes, Nengo Vieira, Tintim Gomes e Eddie Brown,
responsáveis pela divulgação do gênero há 20
anos. De acordo com a antropóloga e pesquisadora, Bárbara Falcón, além de ferramenta de combate à opressão branca, o reggae foi o elemento de
reconhecimento entre as culturas jamaicana e
brasileira. "A juventude baiana se identificou com
a estética e ritmo por causa do discurso de fortalecimento da afirmação do negro", facilitada com
a influência das inquietações da juventude americana e européia na década de 70. "A produção
cultural da época e a tecnologia constituíram um
meio de tradução e intercâmbio entre mundos,
linguagens e estéticas que aponta para a ’reinvenção da África’ de forma poderosa, com destaque
para a música".
HIP HOP - DJ, Break (dança), grafite e RAP (sigla de
"ritmo e poesia", em inglês). A união desses quatro
elementos dá origem ao Hip hop, "saltar movimentando os quadris", em português. Criado por
grupos organizados, como o Posse Ori, o ritmo surgiu na Jamaica e passou por adaptações nos guetos
americanos, num contexto de protesto contra a
opressão sofrida pelos negros na diáspora, chegando ao Brasil nos anos 70.
"Hoje, o hip hop é o movimento que transmite a
história do nosso povo", destaca o rapper Heider
Gonzaga, integrante do grupo Rapaziada da Baixa
Fria (RBF). Levar informação às escolas, universidades, presídios, comunidades, terreiros e igrejas
para sociabilizar o ritmo através da auto-estima
pessoal é a função do RBF. "Pelas letras trabalhamos com a questão dos direitos humanos", frisa.
Curiosidade: a origem da dança enfatiza o protesto
do movimento em relação às guerras em gestos
que imitam os soldados que voltavam mutilados.
ILÊ AIYÊ - Ainda na década de 70 com o lançamento do primeiro disco de Bob Marley e a formação do
movimento negro brasileiro surge o primeiro bloco afro da Brasil, o Ilê Aiyê. Comemorando 35 anos
de fundação, é a referência da musicalidade baiana e valorização da cultura negra. O músico e coordenador do projeto de extensão pedagógica do
Ilê, Sandro Teles, explica que o ritmo do bloco, classificado como ijexá ou samba afro, é resultado da
mistura dos toques de candomblé com o samba.
"O Ilê revolucionou o Carnaval e foi base para o axé
music ", avalia. Malê Debalê, Muzenza, Araketu e
Olodum, que inaugurou o estilo musical samba-reggae e completará 30 anos em 2009, seguiram
a linha de difundir a cultura africana.
KUDURO - Originário da Angola, surgiu em meio
aos momentos de descontração dos garimpeiros.
“Quadril duro” é a tradução em português, indicando a necessidade de equilíbrio na parte central
do corpo para saber dançar. A pluralidade é uma
forte característica da dança, que insere movimentos de imitações de animais, mímicas, break, capoeira, RAP, contorcionismo e expressões faciais.
Em Angola, colaborou no movimento jovem contra a alteração da bandeira do país pelo governo, na
década de 60.
Na Bahia, os "kuduristas" buscam o reconhecimento do ritmo que contagia pessoas de todas as
idades. Os instrumentos que compõem a “etnorquestra”, como o sopapo – espécie de atabaque do
Benin –, os tambores, o xequerê e as tamanquinhas, utilizadas em rodas de samba, são alguns dos
instrumentos que compõem a "etnorquestra".
1
2
3
Aprofundamento
Dinâmica
Lúdico
Dividir a sala em grupos
para estudo sobre cada
ritmo que será abordado
Festival de dança com
apresentação das equipes
sobre o tema estudado
As letras da discografia de
blocos afros é fonte para
aulas de história da África
Ritmos que
embalam a luta
A MISTURA E
RECRIAÇÕES DA
HERANÇA AFRICANA
FORMARAM UM
LEQUE DE RITMOS
ESPALHADOS PELO
MUNDO
ALANA FRAGA
alana.menezes@grupoa
Samba
reggae
tarde.com.br
Lambada
Pagode
Samba
exaltação
Sambão
Miudinho
Samba de
partido alto
Cortaa-jaca
Samba
enredo
Samba
de
breque
Samba
canção
Samba
corrido
Samba
Sambade-roda
Lundu
INFOGRÁFICO Flávia Marinho
>> No contexto musical, a cultura baiana guarda
fortes raízes africanas, que reinterpretadas e emaranhadas, resultaram na pluralidade rítmica que
embala a "Terra de Todos os Santos". Não é à toa
que o Estado, cuja capital é sede da maior festa popular do planeta, proporcione tal diversidade. Foi
aqui que aportaram os primeiros escravos vindos
da África. Adaptando sua cultura, conseguiram
preservar aquilo que, diferente da liberdade, o colonizador não conseguiu lhe tomar.
A música é uma resposta lúdica à opressão, para
o historiador, Jaime Sodré. Tudo aquilo que possui
viés africano, é naturalmente absorvido na Bahia.
E com a música não podia ser diferente, tendo o
semba como forte aliado na legitimação e afirmação da cultura afro. Supostamente, veio de raízes
do samba, típico de Angola que significa "dança da
umbigada". "No Brasil, os ritmos africanos receberam novas interpretações e conjunturas. Samba
é uma palavra brasileira", destaca Sodré.
Oficialmente, o primeiro samba gravado foi
"Pelo telefone", em 1917, de Ernesto Joaquim Maria dos Santos, o Donga e Mauro de Almeida. Como
há discussões em torno desse fato, é comum questionar o nascimento do ritmo. "A construção do
samba é um processo histórico e cultural, subjetivo, que não aconteceu com dia e hora marcados.
Temos de concreto que a Baía de Todos os Santos,
com todos os municípios ao redor, foi o berço",
conclui o antropólogo Antônio Godi. Para ele, o Recôncavo baiano é um referencial histórico, pois a
transição de uma cultura de plantação, onde havia
muitos escravos, numa posição mais cosmopolita
repercute na dança e no ritmo do local. A transformação rítmica, se deve, às novas tecnologias da
época, proporcionando a difusão no mundo.
Nesse contexto, não se pode deixar de mencionar uma personagem referencial: Hilária Batista
de Almeida, a baiana conhecida como tia Ciata.
Chegou ao Rio de Janeiro em 1876 e se tornou uma
das responsáveis pela sedimentação do samba carioca. Era na casa da exímia cozinheira, alimentados por quitutes baianos, que nomes como Pixinguinha, Donga, João da Baiana e Heitor dos Prazeres se reuniam para traçar o rico futuro musical
do País. Além de levar as raízes do samba baiano e
abrir suas portas aos sambistas, tia Ciata falava sobre a cultura africana aos que lhe recorriam, contribuindo na proliferação desses conhecimentos.
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Assim eram chamadas as construções sonoras que os povos africanos
trouxeram para o País. Aqui elas se ramificaram em diversos ritmos
FONTE Pesquisa histórica feita pelo jornalista Paulo Oliveira e pelo doutor em música e professor da Ufba Paulo da Costa Lima
> > a rt e d a
C IA
R E S IS T Ê N
APROFUNDE SEU
CONHECIMENTO
SAMBA Dança de roda, inicialmente o mesmo que batuque. Provém do semba, umbigada. Contexto: Séc XVII. LUNDU Originário de onde hoje estão Angola e o congoa. Séc XVIII.
SAMBA-DE-RODA Variante mais primitiva do samba, originário da Bahia. Séc XIX. SAMBA CORRIDO Quando não há refrão. CORTA-A-JACA Um dos três passos fundamentais
do samba da Bahia. MIUDINHO Coreografia dançada pelas mulheres. SAMBA DE BREQUE Sincopado e com paradas súbitas chamadas breques, dando tempo ao cantor para
encaixar comentários. Séc. XX. SAMBA CANÇÃO Ênfase musical na melodia, geralmente romântica e sentimental. Séc. XX. SAMBA ENREDO Criação de compositores de escolas
de samba do Rio de Janeiro. Séc XX. SAMBA EXALTAÇÃO Melodia extensa e letra de tema patriótico. Séc. XX. SAMBA DE PARTIDO ALTO Concilia formas antigas (samba
baiano) e modernas. Séc. XX. SAMBÃO Nome cunhado e difundido referindo-se ao material mais comercial. Década de 70 do Séc. XX. PAGODE Pontuado pelo banjo e percussão
do tantan. Surgiu no Rio de Janeiro. Década de 80 do Séc. XX. SAMBA REGGAE Surge em Salvador e se instaura a partir de padrão rítmico (com influência de batidas do candomblé). Renova o cenário instituindo marca identitária de ancestralidade baiana. Década de 70 do Séc XX.
GRUPO KÜDÜRO BAIANO
D’ANGOLA
A academia foi fundada em 2000 pelo
gaúcho Álvaro de Amaro (Dj Panafricano)
[ onde encontrar ]
Aos domingos (manhã) – Espaço Cultural Alagados. Sextas
(noite) - Espaço R2 Curuzu
[ contatos ]
3314.7670 | 8871.4665
> > a rt e d a
C IA
R E S IS T Ê N
TEATRO
APROFUNDE SEU
CONHECIMENTO
SALVADOR
QUINTA-FEIRA
20.11.2008
[ internet ] http://www.teatrovilavelha.com.br, http://www.abdias.com.br, http://www.comuns.com.br
[ livros ] Drama para negros e prólogo para brancos (Antologia de teatro negro - Rio: TEN, 1957), Abdias do Nascimento
REFERÊNCIA HISTÓRICA
1
2
3
Aprofundamento
Dinâmica
Aplicação
Dividir a turma em dois
grupos para oficina sobre
arte cênica
Produção de uma esquete
utilizando a linguagem dos
grupos pesquisados
Pesquisa ampla sobre as
experiências do TEN e do
Bando de Teatro Olodum
MÁRCIO LIMA | DIVULGAÇÃO
1944 | Abdias do Nascimento cria o
Teatro Experimental do Negro (TEN). O
grupo será um marco da discussão sobre
a questão racial brasileira no campo das
artes, especialmente o teatro.
DICAS
DE COMO
UTILIZAR ESTE
MATERIAL
11
Militância em cena
e.com.br
mroliveira@grupoatard
>> Um ato de atrevimento e ousadia em
busca de liberdade. Foi assim que dentro
do clima de pós-guerra, em 1944, surgiu
o Teatro Experimental do Negro (TEN)
com o intuito de combater o racismo. Era
preciso mostrar que havia atores negros
competentes. A iniciativa do dramaturgo, artista plástico, escritor, poeta e economista Abdias do Nascimento levantou
e denunciou a questão da desigualdade
racial no Brasil.
O estopim foi quando, em uma viagem pela América do Sul, Abdias assistiu
em Lima, no Peru, à peça O Imperador
Jones, de Eugene O’Neill, protagonizada
pelo ator branco Hugo D’Evieri, pintado
de preto. Abdias decidiu fazer algo. Para
ele, estava ali um símbolo da discriminação racial nas artes cênicas e apenas a
criação de um teatro negro seria capaz
de denunciar e lutar contra o racismo e
valorizar a cultura de origem africana.
"Abdias lançou a chama e estimulou
o pensamento sobre a temática. A partir
daí, as pessoas e as coisas começam a
acontecer", diz o doutor em antropologia e professor da Ufba Jeferson Bacelar.
O discurso do TEN era que o negro tinha
consciência para perceber e reinterpretar o mundo, enriquecendo-o com sua
vivência. No ano seguinte, o Teatro Municipal recebia o Imperador Jones, mas
com o ator negro Aguinaldo Camargo
no papel principal.
A expressão máxima do grupo seria a
elaboração de Sortilégio, peça de 1951
que propõe uma "valorização do enegrecimento" e a tomada de consciência
a partir da incorporação e da manipulação de elementos culturais. A atuação do
TEN não se esgotava em cena. Havia a
oferta de cursos de alfabetização e cultura geral, organização de eventos, como o 1° Congresso do Negro Brasileiro e
a criação do Comitê Democrático
Afro-Brasileiro.
No TEN, o negro estava incluído em
todo o processo de elaboração de um espetáculo, da autoria do texto à direção.
No campo político, a iniciativa negava o
mito da "democracia racial" em voga na
época que foi a da construção da identidade brasileira.
BAHIA - Em 1956 surge a primeira Escola de Teatro do Brasil, na Ufba. Na segunda turma do curso aparece quem iria
Começa no teatro no ano do
AI-5, 1968, em uma
montagem de O Auto da
Compadecida, Ariano
Suassuna. No primeiro longa,
sem data de estréia, Jardim
das Folhas Sagradas, faz o
personagem Bonfim.
se tornar a referência negra e precursor
do caminho a ser percorrido, Mário Gusmão, vindo de Cachoeira. Autodidata
em inglês, ele veio para Salvador e trabalhou como office-boy. A inserção no
mundo do teatro aconteceu quando ele
já tinha 30 anos. O amigo Lobão foi
quem o conduziu à universidade.
“Ele se deslumbra com o teatro e começa a se destacar. Depois entra para o
Teatro dos Novos, grupo da elite artística
e social liderado por João Augusto que
cria o Teatro Vila Velha em 1964”, conta
Bacelar, autor de um livro intitulado Mário Gusmão – Um Príncipe Negro na Terra
dos Dragões da Maldade.
Até a década de 70, Mário ganhou vários prêmios. Além do teatro, fez participações na televisão e no cinema – com
destaque para a projeção internacional
do filme de Glauber Rocha O Dragão da
Maldade contra o Santo Guerreiro
(1969). No auge da carreira, o uso de drogas fez o ator abandonar tudo.
"Mas ele continuou aparecendo. Se
envolveu nas manifestações como o Ilê,
o Olodum. Chegou a participar de Zumbi, montagem do Bando de Teatro Olodum, mas nunca mais foi o mesmo" ,
conta Jeferson Bacelar. Essa situação se
manteve até sua morte, aos 68 anos em
1996, em um 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra e aniversário da morte de Zumbi dos Palmares.
ENGAJAMENTO - Na Bahia, a reverberação da tentativa de construção de uma
dramaturgia negra ocorreu em 1977,
quando, ao lado de Cau Santos, Lia Espósito e Ana Sacramento, o ensaísta,
pesquisador da cultura negra, artista
plástico, ator, diretor e produtor de espetáculos de teatro, dança e música Antônio Godi fundou o grupo Palmares Inãron. Eram quatro jovens, vindos da Escola de Teatro da Ufba.
"Era um período de efervescência,
formação do movimento negro. A intenção era fazer um teatro diferenciado e
mostrar a questão negra, falar da realidade. Fazíamos militância nos bairros A
gente fazia tudo: o cartaz, o cenário, o
figurino, o texto e todo o resto". Tudo começou a acontecer sob a influência da
turbulência provocada com o Movimento Negro nos Estados Unidos.
"A vontade era fazer um teatro brasileiro, mostrar a cultura da Bahia. Queríamos montar uma Companhia de Teatro Negra e descobrir uma nova forma de
fazer teatro", conta Chica Carelli, diretora teatral do Bando de Teatro Olodum.
O Bando, criado em 1990, é mais uma
das lições de resistência negra. Elenco de
atores negros em colaboração com o
Grupo Cultural Olodum, tendo à frente
os diretores Marcio Meirelles e Chica Carelli, traz uma linguagem própria e contemporânea. Hoje são 27 espetáculos
Mário Gusmão
Referência para atores
negros, interpretou Zumbi e
o mais velho Ganga Zumba,
em 1995 numa montagem
da peça Zumbi está vivo,
realizada pelo grupo Bando
de Teatro Olodum nas ruas
de Salvador.
ARQUIVO | AG. A TARDE
MEIRE OLIVEIRA
Antônio Godi
XANDO P. | AG. A TARDE | 2.4.2006
PARA SUPRIR A
AUSÊNCIA DE ATORES
NEGROS NOS PALCOS,
GRUPOS SE FORMAM
COM INTUITO DE
CRIAR DRAMATURGIA
PRÓPRIA
produzidos, como o polêmico Cabaré da
RRRRRaça (1997), além de atuações no
cinema e na TV como a série Ó Pai Ó, homônimo da peça, gravada em Salvador.
A companhia já nasceu com o propósito de ter a cara da cidade. As inscrições
eram abertas para todos. A seleção ocorreu de forma natural. "Com o tempo, o
intuito de criar um grupo com atores e
conteúdo negros foi ficando cada vez
mais forte e evidente. Muitas pessoas entravam e depois desistiam".
REFERÊNCIA - A notícia da formação do
grupo veio se somar ao desejo de jovens
que já faziam a arte em suas comunidades e tinham Mário Gusmão e Rai Alves
como referências. Foi assim com o ator
Jorge Washington, 45 anos, que está no
grupo desde a sua fundação e era do
Grupo de Teatro do Calabar. "Lá o teatro
era utilizado para fazer as reivindicações
da comunidade e as apresentações eram
feitas nesses espaços. Daí fui me impregnando, entrei no Negões e já não me
identificava quando via as peças em cartaz pela cidade que não falava sobre a minha realidade".
Moradora de Canabrava, Telma Souza, que até os 20 anos nunca havia entrado em um teatro, conta ter descoberto muito sobre ela mesma ao entrar no
Bando. "Não sei o que seria de mim. Aqui
me assumi como mulher negra, aprendi
a que a
“O teatro é a arm
e nossa
qu
ra
pa
gente tem
rbere”
mensagem se reve
GRUPO COM A
CARA DA CIDADE
O Bando de Teatro Olodum
tem 18 anos de atuação e
muita história para contar.
O grupo consegue levar para
o palco a linguagem em que
Salvador se reconhece
[onde encontrar]
Teatro Vila Velha – Av. Sete de Setembro, s/n,
Passeio Público, Campo Grande
[contatos]
3083-4600
a brigar pelo direito de existir como sou".
Com 18 anos de experiência, o grupo já
tem um perfil definido. "Conseguimos
criar uma dramaturgia negra. O conteúdo já era claro e sempre usamos música
negra, percussão e dança africana. Tivemos que criar nossos próprios textos. Levamos para o palco a essência do público
que vem nos assistir". A provocação, a
ousadia e a resistência continuam marcando a trajetória do grupo que passou e
ainda passa apertos para colocar sua produção em pauta. "Somos instigados
desde o início da produção de uma peça
e isso é passado para o público. O teatro
é a arma que a gente tem para que nossa
mensagem se reverbere", completa Jorge Washington.
Na mesma linha de atuação e com
premiações na área como o Bando, nasceu, em 2002, o Coletivo de Atores Negros Abdias do Nascimento (CAN), sob a
responsabilidade do ator, diretor e dramaturgo Ângelo Flávio. Da vida acadêmica, lutando pelas cotas na Ufba, à criação do CAN, ele acredita na arte como
meio de transformação social.
O grupo formado por estudantes negros da Escola de Teatro da Ufba também
discute a representatividade do negro
nos palcos, a incipiência de estudos da
dramaturgia referente, a inserção na
grade curricular da academia e o debate
sobre o eurocentrismo na instituição.
No entanto, a dificuldade persiste. "É
tímido o interesse de empresas brasileiras em patrocinar grupos étnicos e o governo não cumpre o papel de viabilizar o
trabalho nessa área. Não sei como essa
cultura sobrevive", afirma o ator baiano
José Hilton Santos Almeida, 52 anos, conhecido como Cobrinha.
Segundo ele, no Brasil há pelo menos
120 grupos de dança e teatro negros.
Desses conhecidos apenas quatro contam com patrocínio este ano (Bando de
Teatro Olodum, Companhia Étnica de
Dança e Teatro, Anônimos e a Comuns).
Utilizando a dificuldade como combustível e mais uma vez lançando mão da arte, Cobrinha realizou em 2005 o I Fórum
de Performance Negra. Com sede em
Salvador, o evento, que reúne grupos de
todo o País, tem o propósito de discutir
estética, política, cultura e melhoria para
os grupos. Tudo isso regado a intervenções e oficinas.
> > a rt e d a
C IA
R E S IS T Ê N
ESTÉTICA
AFRO
APROFUNDE SEU
CONHECIMENTO
SALVADOR
QUINTA-FEIRA
20.11.2008
[ internet ] www.ileaiye.org.br, http://olodum.uol.com.br
[ livros ] Pele negra, máscaras brancas (Frantz Fanon)
REFERÊNCIA HISTÓRICA
1974 | O bloco afro Ilê Aiyê surge com
um discurso que revoluciona não só o
Carnaval, mas também a estética. Com o
mote “negro é lindo”, o Ilê mostra as
várias nuances da beleza afro.
DICAS
DE COMO
UTILIZAR ESTE
MATERIAL
12
1
2
3
Introdução
Exposição
Aplicação
Pesquisar e recortar
diversas imagens de
trançados e penteados
Elaborar painel com o
material enfocando
também o vestuário
Convidar trançadeiras e
produzir um desfile onde
os alunos serão as estrelas
Afirmação na cabeça
CABELOS TAMBÉM
FUNCIONARAM
COMO ARMA DE
CONSTRUÇÃO,
RESGATE E
AFIRMAÇÃO DA
IDENTIDADE NEGRA
MEIRE OLIVEIRA
e.co
mroliveira@grupoatard
m.br
>> Mecha por mecha, com sobreposições de fios negros e fortes, vai sendo tecida mais uma nuance na história da afirmação da negritude. No comando, mãos
negras esculpem a vitrine para mostrar a
beleza dos cabelos crespos. Trança nagô,
coco, mescla com fibra colorida, esteira,
mandala, passadeira, rede, trança de
dois. A trança não é novidade, mas sim a
sua simbologia de afirmação de identidade via estética.
No imaginário de várias mulheres, é
forte a imagem de sentar em um banco,
ou no batente da porta, para trançar o
cabelo com a mãe, avó ou irmã mais velha. De tempo em tempo, surgem novas
denominações, adereços e formatos na
arte das trançadeiras, ofício cada vez
mais valorizado.
Segundo a doutora em sociologia e
professora do Programa de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos da
Ufba (Pós Afro) Ângela Figueiredo, em
1984, quando fez a pesquisa Beleza Pura: Símbolos e Economia ao Redor do Cabelo de Negros, foi difícil até encontrar
pessoas que viviam de fazer trançados.
Hoje já é mais fácil conhecer o trabalho de trançadeiras como Dete Lima,
também estilista e fundadora do Ilê Aiyê,
Olívia Fragoso e Negra Jhô, que estão na
linha de frente dessa luta que mescla arte, resistência e afirmação. Hoje as diversas variações de penteado estão na cabeça de negros e não-negros. Mas nem
sempre foi assim. É marcante na Bahia o
afloramento da identidade negra nos cabelos com o surgimento do Ilê Aiyê em
1974. Nessa década, os movimentos políticos e culturais reforçaram a idéia de
Black Power
Sabe aquele cabelo cheio, quase
ao natural, mas com muito
estilo? Este é o modelo
chamado de Black Power, que
está cada vez mais na moda. A
estética dos anos 70 voltou para
ficar e fazer a cabeça da
moçada atual.
Fibra
Tiara
Geometria
De várias cores, as fibras dão
um charme especial a alguns
penteados afros. Podem ser
utilizadas em meio ao cabelo
natural ou compor totalmente o
penteado. A criatividade das
trançadeiras não tem limites na
utilização das fibras.
Para que usar tiaras de plástico,
um artifício para esconder os
cabelos que não estão no
comprimento dos outros fios?
Você pode construir uma bela
tiara em forma de trança com
os seus próprios cabelos. É
superlegal.
Os homens também podem dar
um charme todo especial ao seu
cabelo afro. Além do black, dos
dreads ou rasta, os que preferem
baixar a cabeleira têm à disposição
os desenhos que são feitos à
máquina. O visual fica diferente e
extremamente charmoso.
no interior ainda é comum termos como
cabelo duro, carapinha, ticum, pinxaim e
cabelo de bombril“.
Quando retornou à Bahia do exílio, na
década de 70, a militante e doutora em
Antropologia do Negro, Maria de Lourdes Siqueira teve que alisar os cabelos
para conseguir o primeiro emprego.
”Havia desrespeito a outro padrão de
beleza. Diferença é riqueza e não inferioridade. O discurso dizia que a gente ia
melhorar se tentasse ficar igual Hoje não
é politicamente correto ser racista, mais
ainda há muito sentimento guardado.
Depois desse episódio, ”cabelo liso só na
carteira antiga de identidade“, conta.
Cabelo, música, dança vestuário e
outros elementos foram desconstruindo
estereótipos sobre o negro. Tabus foram
quebrados, como a idéia de que a pele
negra não combinava com cores fortes
tipo o vermelho. A praticidade e a liberdade também contaram para a adesão à
nova proposta.
"As mulheres que alisavam o cabelo
ficavam limitadas. Tinham que escolher
entre a praia e o cinema, pois se perdia o
alisamento no primeiro passeio. Isso limitava a participação no mundo. Com a
trança, o cabelo estava arrumado para as
duas opções", explica Ângela.
Na época em que o termo ”boa aparência” não correspondia à imagem de
cabelos trançados ou com penteados
afros, Maria Olívia Fragoso, 41 anos,
aprendeu a lição em casa. "Aqui ninguém nunca alisou o cabelo. Enquanto
minha mãe trabalhava de lavadeira, eu
tinha que trançar o cabelo da minha irmã". Com o tempo, as amigas de escola
de Leonor, irmã de Olívia, a procuravam
para fazer os penteados que embelezavam a garota. Atualmente, Leonor Fragoso, 39 anos, tem o mesmo ofício da irmã mais velha. ”Alguém tem que fazer
meu cabelo“, brinca Olívia.
que era bonito ser negro.
BLACK POWER - A influência vinha do
movimento cultural norte-americano,
Black Power (Poder Negro). Organizado
pelos Panteras Negras, jovens que tinham no discurso a promoção da auto-estima, o movimento mostrava que o
processo de consciência racial passava
pela naturalização dos cabelos, apostando nos cortes, trançados e penteados
afros. A forma de usar o cabelo era interpretada como afirmação ou negação
da identidade.
Com o discurso que ia de encontro ao
padrão de beleza estabelecido na época,
o Ilê impõe um novo conceito de beleza.
"É quase consensual que Salvador serve
de espelho para o resto do Brasil nesse
âmbito. A partir dessa iniciativa é visível a
mudança de comportamento, aliada a
uma atribuição de significado a essa postura como símbolo afirmativo de identidade", analisa Ângela Figueiredo. A versão da ideologia do "Black is Beautiful"
não teve o radicalismo dos EUA.
"Os movimentos sociais e culturais
têm influência direta no que se usa na
cabeça, pois a estética negra é resultado
da construção histórica", explica a jornalista Fábia Calazans, autora das pesquisas Cabelo e Cabeça de mulheres negras e Semeando a identidade de negra
do fio a raiz.
Em trabalho realizado atualmente no
município de Novo Triunfo, localizado a
360 km de Salvador, a pesquisadora afirma que, ainda hoje, o preconceito persiste. "Na capital, o trançado adquiriu
status e está menos marginalizado, mas
OLÍVIA FRAGOSO
Com 22 anos de
profissão, cada cliente
inspira Olívia a uma
criação diferente. Das
tiaras simples aos
penteados mais
elaborados, ela garante
satisfação ao cliente
“O que sou vem
e
da herança quss
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no
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do
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”
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[ onde encontrar ]
Avenida Cardeal da Silva, rua Pedra da
Marca, nº 39.
[ contatos ]
3332.0237
AFIRMAÇÃO - Fazendo um balanço da
trajetória, que começou sem o intuito de
se tornar profissão, a trançadeira reconhece que as alterações estéticas que faz
em seus clientes têm significado tão profundo quanto a carga histórica que a fez
especialista no ramo. "As pessoas não
saem da mesma forma que entram aqui.
Tenho consciência de que tudo que sou é
resultado da herança que recebi dos nossos antepassados. Nada é à toa", explica
Olívia.
Na carreira de 22 anos, Olívia tem na
lista 20 clientes fixos e é responsável pelos penteados dos atores do Bando de
Teatro Olodum no espetáculo Cabaré da
RRRRRaça desde a segunda montagem.
"Tinha gente que colocava fibra para domar o cabelo e ser aceita na sociedade.
Com a fibra, o cabelo crespo ficava com
aspecto do liso, grudado na cabeça. O
cabelo não aparecia".
No caso de Olívia, o trabalho só começa depois de uma análise detalhada do
perfil do cliente. "Vejo o formato do rosto, o tipo de vida da pessoa e o que ela
deseja”, diz. Além da beleza, a trançadeira lista outro benefício da sua arte.
Um cabelo castigado pela química se regenera em um ano. "O cabelo trançado
pode ser hidratado e cuidado como qualquer outro. É só querer", explica ela sobre a arte que realça o belo natural.