3 - A TARDE - Salvador e toda Bahia
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3 - A TARDE - Salvador e toda Bahia
ELÓI CORRÊA | AG. A TARDE ESTE CADERNO É PARTE INTEGRANTE DO JORNAL A TARDE. NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE. >> arte da A I C N Ê T S I S RE ESPECIAL DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA 20.11.2008 QUINTA-FEIRA SALVADOR | BAHIA | BRASIL >> Muita gente nem percebe, mas Salvador respira arte de inspiração africana, uma herança que resiste ao tempo, às dificuldades e tem a capacidade de se reciclar nas mais variadas linguagens, que vão do clássico ao moderno para se manter eterna. 3 MESTRES DA MEMÓRIA Histórias de artistas que têm a herança africana como fonte de inspiração 9 8 4 PATRIMÔNIO VISUAL A representação negra na fotografia e no cinema ao longo da história 5 PONTE ENTRE DOIS MUNDOS Mapa mostra a história, mas também a atual configuração da África 6 ESTÉTICA DA DENÚNCIA Grafite, poesia e literatura como armas de protesto e resistência 7 TALENTO A SERVIÇO DOS DEUSES Artistas colocam a sua inspiração a serviço da religião afro-brasileira NARRATIVA SOBRE NEGROS Autores de épocas e estilos diferentes dão destaque à questão negra 10 RITMOS QUE EMBALAM A LUTA Do samba ao hip hop é feita a música de inspiração negra 12 11 Os cabelos crespos ganham liberdade para mostrar a sua beleza DIVINA INSPIRAÇÃO MILITÂNCIA EM CENA Mestre Didi, Carybé e Abdias do Nascimento têm o sagrado como referência A discussão étnica chegou aos palcos dos teatros brasileiros AFIRMAÇÃO NA CABEÇA Lições para o futuro O DESAFIO AGORA É APLICAR NAS ESCOLAS DA REDE PÚBLICA ESTADUAL O ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA >> A Lei 10.639 foi sancionada em 2003. Ela determina o ensino de História da África e Cultura Afro-brasileira em todas as escolas do País. É a ordem para mostrar que a arte brasileira, em suas variadas linguagens, é um patrimônio construído pela herança dos povos africanos como mostra este especial. Salvador foi a primeira capital do País a operacionalizar a aplicação da lei. Já se tem conquistas, mas também obstáculos como a falta de material didático. Como jornalismo é responsabilidade social aqui tem dicas para auxiliar a sua aplicação em sala de aula elaboradas pelos especialistas em educação, Antônio Cosme, Josiane Clímaco e Vanda Machado, numa partilha de conhecimentos. AGENDA Hoje da Consciência 15 h | 29ª Caminhada abolição. Negra – 120 anos sem . de Saída do Campo Gran ção Nacional na de or Co Organização: (Conen) de Entidades Negras Liberdade. 16 h | 8ª Caminhada da ade. erd Saída do Curuzu, Lib de Entidades Organização: Fórum Negras da Bahia Domingo la Vida e pela 9 h | 4ª Caminhada pe ída do final Sa Liberdade Religiosa. Velho da o nh ge En do ha de Lin Federação EXPEDIENTE COORDENAÇÃO | Cleidiana Ramos EDIÇÃO | Cleidiana Ramos e Meire Oliveira PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO | Axel Augusto Hegouet FOTOS | Elói Corrêa EDIÇÃO DE FOTOGRAFIA | Carlos Casaes e Gildo Lima EDIÇÃO DE INFOGRAFIA | Gil Maciel > > a rt e d a C IA R E S IS T Ê N HERANÇA APROFUNDE SEU CONHECIMENTO REFERÊNCIA HISTÓRICA DICAS DE COMO UTILIZAR ESTE MATERIAL 1888 | A escravidão no Brasil é abolida por meio da Lei Áurea. Durante três séculos, povos de diversas regiões da África foram trazidos para o trabalho forçado no Brasil. 3 1 2 3 Leitura Conteúdo Aplicação Resgatar artistas negros e a obra que foi produzida por eles Pesquisa sobre artistas que trabalham nas imediações da escola A mão afro-brasileira, de Emanoel Araújo, é leitura obrigatória >> Salvador, às vezes nem percebe, mas respira arte herdada da África. São composições vindas diretamente desta fonte – afinal a cidade foi o maior porto dos povos africanos escravizados no Brasil. Tem também a eternizada no trabalho de artistas que se inspiram nas características próprias desta cultura como cores e formas. A beleza que pode ser contemplada em museus, praças ou mercados como o Modelo é resultado de uma história de resistência, afinal a referência sobreviveu a partir da memória. Imagine, por exemplo, alguém que era arrancado abruptamente do que lhe dava localização no mundo – língua, família e nacionalidade – para ser obrigado a trabalhar de forma escrava em uma terra estranha. Foram estes povos aqui chamados de angolas, congos, cabindas, jeje, ijexá, ashantis, nagôs e tantos outros nomes que deixaram reminiscências de suas culturas. A memória delas foi mantida por seus descendentes. Gente como Juarez Paraíso, um dos mais conhecidos dos artistas plásticos baianos que ao ser inqüirido sobre as referências afro-brasileiras na sua obra, começa a resposta pela história do seu pai Isaltino Paraíso que saiu de Arapiranga, parte do município de Rio das Contas para estudar na Escola Normal na capital da Bahia. O sonho de Isaltino era virar professor, o que conseguiu. Mas para chegar lá teve que suportar obstáculos como a ironia de um professor que o chamava de “Isaltina”, pois homem e negro na sala só havia ele. Pois Isaltino voltou com diploma e mais tarde conquistou o amor de Eulália Martins Alves Paraíso, branca e de uma família da elite local. Dono de um espírito libertário teve que deixar a direção da escola para não ser preso. Veio então para Salvador batalhar. “Meus pais foram a representação do que acho que é a arma para se combater o racismo: a união. No caso deles, o amor triunfou sobre tudo”. BATALHA - E assim vai desfiando sua história um artista de vanguarda, como foram tantos dos afro-brasileiros, que colocaram em sua arte, de forma inconsciente ou no sentido da denúncia, dores e aprendizado como o de compreender e conviver com o outro que pensa diferente. Lição que Juarez aprendeu bem em casa, mas o artista acabou vítima do desrespeito. Parte da sua obra sucumbiu diante da intolerância religiosa. Era de Juarez Paraíso os mosaicos que retratavam o nascimento de Oxumarê, instalados nos antigos cinemas Arte I e II, que ficavam no Politeama. Os painéis foram destruídos a marretadas, em 2000, quando a Igreja Renascer em Cristo comprou o espaço. Além da destruição, picharam por cima dos destroços “Deus é Fiel”. O artista perdeu outros painéis em situações parecidas. Um ficava no Cine Tupi e foi destruído quando a multinacional CIC comprou o espaço. Um mural de 40 metros quadrados de sua autoria ruiu quando a Igreja Universal comprou o Cine Bahia, que ficava na Carlos Gomes. No caso das obras que estavam nos cines Art I e II, Juarez foi à Justiça. “O que mais doeu é que o painel era desmontável. Era só pedir que eu tirava”, diz Juarez que ganhou uma indenização de 170 salários mínimos, numa busca de reparação simbólica, pois não há como se reconstruir algo nascido em um determinado contexto da sensibilidade artística. “Eles ainda afirmaram durante o processo como justificativa que o cinema não era o Vaticano nem Juarez Paraíso é Leonardo Da Vinci”, relata. O seu depoimento dá bem uma mostra de como a arte de inspiração africana foi entendida do outro lado do mundo. Num primeiro momento era “selvagem”, “primitiva”, pois não seguia os mesmos padrões da européia. “A produção artística africana era julgada com os olhos da estética européia que era centrada na representação. Já uma máscara africana, por exemplo, está mais interessada na expressão e não na semelhança do rosto humano por exemplo”, explica o mestre em designer e doutorando em história social, Jaime Sodré. O julgamento depreciativo demorou para acabar. O processo de colonização na África negra começou por volta do século XVI, mas foi a partir da obra de Pablo Picasso, já no século XX, que a arte africana ganhou outro status. Isto porque um dos mais geniais artistas modernos buscou inspiração nas formas e cores do fazer africano. Ao beber na cultura da África, Picasso a “legitimou” aos olhos ocidentais. “Ele vê na arte africana uma outra estética. Ela é uma arte que trabalha com a geometria e não apenas aquilo que se vê. É uma arte libertária”, analisa Sodré. E este componente libertário se ra- SALVADOR QUINTA-FEIRA 20.11.2008 [internet] Na terça-feira, 25, veja artigo do advogado Samuel Vida sobre direito autoral no Mundo Afro (www.atarde.com.br) [livros] Mãos negras: antropologia da arte negra, de Celso Prudente CRIATIVIDADE Otávio Bahia é especialista no entalhe em madeira “Vi uma máscara e passei então a esculpir” [onde encontrar] Otávio Bahia [contatos] 3408-8020 mificou nas mais variadas direções. No Brasil e na Bahia a mão destes artistas descendentes de africanos produziu do clássico ao que se pode chamar de moderno. Mesmo que em alguns casos, não tenham utilizado claramente esta influência eles estão entre aqueles que construíram o patrimônio artístico brasileiro. Aleijadinho, Mestre Valentim, Teófilo de Jesus, Leandro Joaquim, dentre outros vão ser seguidos por mestres da contemporaneidade como Rubem Valentim, Hélio de Oliveira, Iedamaria, Emanoel Araújo, Agnaldo Manoel dos Santos, Mestre Didi, Caribé, Juarez Paraíso além dos que não estão listados nos livros, mas se espalham pelos vários cantos da Bahia, mantendo viva uma ligação antiga, mas ao mesmo tempo renovada. Mestres da memória ARTISTAS COMO ESMERALDA ALMEIDA E JUAREZ PARAÍSO TÊM A TRADIÇÃO AFRICANA COMO FONTE DE INSPIRAÇÃO ARTÍSTICA CLEIDIANA RAMOS om [email protected] .br BELEZA - São artistas como Esmeralda Soares de Almeida, a dona de uma sensibilidade ímpar para manipular cuidadosamente vestes e adereços em miniatura. Assim, bonecas de plásticos ganham a forma de representação de orixás do candomblé ketu ou os inquices, as divindades do candomblé angola. Para tanto é necessário um vasto conhecimento sobre cores, emblemas e outros detalhes que Esmeralda conhece a fundo, afinal é ekede do Terreiro do Cobre. “As outras idéias vêm assim por intuição”, conta. Suas bonecas já ganharam outras terras: Rio de Janeiro e EUA. Em Fazenda Coutos, Otávio Francisco dos Santos, corpo franzino, voz tranqüila carrega um talento gigante. Nas mãos aparentemente frágeis e recolhido num ateliê onde o mofo já tomou as paredes, a madeira ganha forma de máscaras africanas e esculturas. Olhando à primeira vista, na Galeria Africana do Mercado Modelo, onde as suas peças são vendidas, a gente imagina que elas vieram diretamente da Nigéria, Angola ou de outras partes da África, mas o traço vem “de cabeça” como ele diz. “Eu trabalhava como fabricante de móveis em Alagoinhas. Fazia de tudo. Aí vi morar em Salvador. Um dia vi uma máscara no Mercado Modelo e fui modelando”. Além das máscaras e esculturas, Otávio Bahia, como é conhecido, esculpe cadeiras para terreiros de candomblé, baús e bandejas para o jogo de Ifá – que é o oráculo do candomblé –. As referências ele vai aprendendo com o povo-de-santo. As máscaras, em alguns casos, retratam divindades do candomblé. Seu Otávio não faz pesquisa. Vai moldando o que seus clientes pedem. “Muitas vezes o pessoal diz que quer uma imagem com a qual sonhou. Aí eu vou desenhando e eles dizem é isso mesmo”, completa. A arte de Otávio Bahia já ganhou o mundo como conta Arthur Silva Filho, dono há 50 anos, da Galeria Africana, localizada no Mercado Modelo. “Já compraram aqui pessoas dos EUA, Itália, Espanha”, diz. A galeria de Silva Filho começou a funcionar ainda no antigo prédio do Mercado Modelo, que pegou fogo em agosto de 1969. Ele vai reunindo fotos dos clientes. É uma forma de manter a memória de peças feitas por artistas como Otávio Bahia. “Ele tem um traço fantástico e tem a virtude de fazer peças exclusivas. Não é produção em série”, conta. Realmente, as máscaras e esculturas de Otávio Bahia não se repetem. Daí a sua tristeza quando um cliente promete e não manda uma foto para que ele guarde em sua coleção. Exposição é algo raro na sua história. “Uma vez eu fui fazer uma exposição em São Paulo, fui roubado e perdi um monte de peças”, relata. A saída é ir montando um novo acervo se bem que ele demora pouco tempo por lá, pois a maioria das peças é feita por encomenda. A trajetória do nascimento de uma peça começa pelo registro em papel manteiga. Daí é começar a fazer o entalhe cuidadosamente. A arte de Otávio Bahia tem continuação. Dois dos seus filhos já estão seguindo seus passos. A arte de inspiração africana agradece. > > a rt e d a C IA R E S IS T Ê N AL AUDIOVISU APROFUNDE SEU CONHECIMENTO REFERÊNCIA HISTÓRICA 1961 | É lançado Barravento, um dos filmes mais emblemáticos do cineasta baiano Glauber Rocha. Rodado em Salvador, retrata um tema bem próximo da vida da cidade: o misticismo. DICAS DE COMO UTILIZAR ESTE MATERIAL Patrimônio visual da saga de um povo FOTÓGRAFOS COMO ADENOR GONDIM TRADUZEM AS REFERÊNCIAS DO MUNDO AFRO BRASILEIRO PARA O CAMPO DA IMAGEM CLEIDIANA RAMOS om.br [email protected] >> A presença negra no Brasil sempre foi um tema recorrente para os profissionais da imagem, desde ilustradores, como Rugendas, até o advento da fotografia. “Num primeiro momento esta representação se dá no plano do outro, no caso o negro, como exótico”, diz o doutor em antropologia e professor da Ufba, Cláudio Luiz Pereira. A chegada da fotografia e o seu “status” de realismo reforçou o seu uso na etnologia e na antropologia ainda com este caráter de mostrar aquele que é “diferente”. Mas aos poucos a representação foi ganhando outras nuances. Um nome que se tornaria uma referência, principalmente no Brasil e especialmente na Bahia, faz parte do que se pode chamar de divisor de águas na representação do negro na imagem: Pierre Verger. Com suas fotos, tanto no Brasil como na África, ele conseguiu mostrar um negro real, humano, longe da concepção do “bom selvagem”. São homens e mulheres com seus valores culturais: culinária, religião, trabalho. Nesta linha outros fotógrafos se destacam como Anísio de Carvalho, Bauer Sá, Januário Garcia, Adenor Gondim, dentre tantos outros. Eles fizeram e fazem das suas câmeras um registro de realidades que mostram a fundo a diversidade brasileira. “É uma pena que não houve uma atitude sistemática de reunir acervos que fossem específicos para contar a história da fotografia que tem o negro como tema”, lamenta Pereira. Uma tentativa neste sentido está em andamento no Centro de Estudos Afros Orientais da Ufba, sob a direção do doutor em antropologia, Lívio Sansone. Ele é também coordenador do programa de extensão Fábrica de Idéias, que funciona na instituição e promove um intercâmbio entre pesquisadores da África e países da Diáspora. Trata-se da criação do arquivo dos estudos afro-baianos, um embrião para o museu digital da memória negra e africana no Brasil. O projeto ainda está em construção, mas já conseguiu repatriar digitalmente fotos feitas na Bahia no período que vai de 1928 a 1960 por pesquisadores como Ruth Landes, Lorenzo SALVADOR QUINTA-FEIRA 20.11.2008 [ internet ] Confira no Mundo Afro (www.atarde.com.br) artigo de Luna Nery sobre Cinema Africano, na quinta, 27 [ livros ] Antologia da fotografia africana e do Oceano Índico; A fotografia e o negro na Cidade do Salvador: 1840-1914, Sofia Olszewski Filha Turner, Franklin Frazier, Melville Herskovits, Roger Bastide e Alfred Métraux. “Acrescentamos a isto centenas de documentos sobre o Projeto Unesco na Bahia digtitalizados nos arquivos da Unesco em Paris. Esperamos atrair muitos outros. Também temos conseguido cópia e direitos autorais de gravação da voz de importantes personalidades do candomblé, realizadas por Lorenzo Tuner em 1940 e 1941, como Martiniano do Bomfim, Mãe Menininha, Joãozinho da Goméia”, enumera Sansone. A idéia é disponibilizar material para pesquisadores nos mais variados segmentos. De acordo com ele, o acervo não terá “donos”. A idéia é manter uma gerência com estrutura coletiva. “Ela será composta por um coletivo de pesquisadores e representantes de centro de documentação na Bahia, outros estados e exterior. Certamente nosso projeto funcionará em estreito diálogo com o Museu Afro-Brasileiro do Ceao, mas também, e de outra forma, com outras instituições do Brasil e do exterior”, acrescenta Sansone. OLHAR DIFERENCIADO - Uma batalha para guardar memória também vem sendo travada pelo fotógrafo Adenor Gondim, conhecido pelos registros da religiosidade popular e das religiões afro-brasileiras. Criado em família batista da cidade de Ruy Barbosa, na Chapada Diamantina, Adenor transformou em arte pura a curiosidade reprimida na infância de acompanhar as romarias para Bom Jesus da Lapa ou as festas pelo 13 de maio organizadas pelo povo-de-santo da sua cidade. Pelas lentes de Adenor, o registro da Irmandade da Boa Morte de Cachoeira, do catolicismo popular da Bahia, do Bembé de Santo Amaro e outras manifestações do tipo revelam suas várias nuances. Uma coleção de registros que, principalmente, no caso da Irmandade da Boa Morte ele tenta ver preservado em memorial. “O governador Jaques Wagner assinou um compromisso que espero ver concretizado, que é da criação do memorial. Eu não me contento em fazer o registro. Busco ajudar de uma forma mais ampla”, diz. 4 1 2 3 Conteúdo Ação Aplicação Fazer com os educandos a reeleitura de fotógrafos que retratam o negro Alunos devem fotografar negros em seus bairros para exposição e debate A partir de vídeos no Centro Histórico, comparar a arquitetura e moradores ❛ “Eu não me contento apenas em fazer o registro, mas quero auxiliar as pessoas que retrato de alguma forma” “Eu cresci em Ruy Barbosa e ficava curioso para conhecer aspectos da religiosidade popular como as romarias que partiam para Bom Jesus da Lapa” “É fundamental não só ter relação com este universo, mas contribuir para que ele seja preservado” Adenor Gondim, fotógrafo ❚ FOLHAS SAGRADAS O filme retrata o impacto entre uma religião centrada na tradição, o candomblé, e as situações próprias da modernidade Universo negro na mira do cinema BUSCAR UM TÍTULO PARA A PRODUÇÃO QUE FALA SOBRE QUESTÕES AFRO AINDA É UM DESAFIO PARA PESQUISADORES DO AUDIOVISUAL TÁSSIA CORREIA arde.com.br tassia.correia@grupoat >> Ele tem 51 anos de carreira. Esteve ao lado de Glauber Rocha durante as gravações de seus principais filmes e, este mês, lançou A Paixão e o Capadócio, filme em que participa da fotografia e edição e que conta a história do mestre de capoeira Pelé "Gogó de Ouro". Ela, tem 32 anos, teve um filme indicado ao prêmio universitário do Festival de Cinema de Gramado e em 2005 produziu e lançou: "Makota Valdina – um jeito negro de ser e viver“. Uma mistura de documentário e ficção que aborda história e cultura afro-brasileira, a partir de relatos da sacerdotisa do Terreiro Tanuri Junsara. Ele é Roque Araújo, 71 anos, organizador de um dos maiores acervos de equipamentos de audiovisual da Bahia: história viva do cinema. Ela, Joice Rodrigues, co-fundadora do Cineclube Cinemafro e promessa de boas produções. Dois personagens que se encontram quando o tema é “o negro no cinema da Bahia“. Batizar uma produção de Cinema Negro, assim com letra maiúscula, ainda é um desafio aos poucos pesquisadores que estudam o tema. A simples presença de personagens negros em tramas e documentários, por exemplo, ainda gera muitas críticas e não garante o título. “Os negros não são representados como personagens individualizados e profundos, mas apenas como arquétipos, estereótipos ou caricaturas’, dispara João Carlos Rodrigues, autor do livro O negro brasi- leiro e o cinema, quando analisa a maioria dos filmes brasileiros. Há dez anos, quando começou a produção de seu longa Jardim das Folhas Sagradas, Pola Ribeiro, tinha pouca intimidade com religiões de matriz africana. Para não se afastar da identidade real do tema, fez do roteiro uma produção coletiva. ”Tem que pedir licença o tempo todo e as pessoas têm que ir concordando com o que você está fazendo”, diz o cineasta que é o atual diretor do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (Irdeb), Pola Ribeiro. Entre os roteiros de vida desses cineastas, há um personagem em comum: o cineclubista Luiz Orlando, que, este ano, dá nome à Mostra de Cinema Negro da Biblioteca Pública do Estado. Roque Araújo relembra das andanças do colega com fitas e projetores à tiracolo, exibindo filmes para comunidades de Salvador e interior do Brasil. Grande incentivador do cineclubismo baiano, Luís Orlando participou, ao lado de Joice, da fundação do Cinemafro. Em 2005, uma de suas últimas atividades públicas foi registrada nas gravações do filme de Pola. É através de iniciativas como essas, que o cinema negro apresenta seus personagens e garantido espaço nas listas de clássicos da filmografia nacional. Barravento (1961), de Glauber Rocha, Alma no Olho (1973), de Zózimo Bubul Quilombos da Bahia (2004), de Antônio Olavo, e Filhas do Vento(2005), de Joel Zito Araújo são exemplos. DIVULGAÇÃO “As pessoas têmndo que ir concorda com o que você está fazendo” [ onde encontrar ] O filme tem um site oficial www.jardimdasfolhassagradas.com Pola Ribeiro dirige o longa que aborda a religiosidade afro-brasileira > > a rt e d a C IA R E S IS T Ê N ÁFRICA APROFUNDE SEU CONHECIMENTO SALVADOR QUINTA-FEIRA 20.11.2008 [ internet ] Segunda-feira veja no blog Mundo Afro (www.atarde.com.br) como foi feito em tecido o mapa que ilustra esta página [ livros ] Atlas National Geographic, que pode ser encontrado em bancas de revista ou no site http://atlasng.abril.com.br/ REFERÊNCIA HISTÓRICA 1903 | Neste ano, surgiu o pan-africanismo, um movimento liderado por negros norte-americanos e antilhanos. Ele foi importante para a causa das independências africanas. DICAS DE COMO UTILIZAR ESTE MATERIAL 5 1 2 3 Leitura Conteúdo Aplicação Fluxo e refluxo na Bahia, de Pierre Verger, trata dos ciclos da escravidão Pesquisa sobre hábitos africanos que resistem na Bahia Comparar mapas antigos da África com os mais atuais PONTE ENTRE DOIS MUNDOS Veja de onde foram trazidos os povos africanos que atravessaram o Oceano Atlântico até chegar à Bahia, durante os quatro grandes ciclos negreiros República de Cabo Verde Senegal Togo Benin Nigéria GuinéBissau Gana República Democrata do Congo Congo Angola Moçambique OS CICLOS FONTE Fluxo e Refluxo na Bahia, de Pierre Verger DA GUINÉ Segunda metade do século XVI DE ANGOLA E CONGO Século XVII DA COSTA DA MINA Século XVIII DA BAÍA DO BENIN Final do séc. XVIII até metade do séc. XIX Cabo Verde Senegal Guiné-Bissau Gana Cabo Verde Senegal Gana Togo Nigéria Angola Congo Moçambique Nigéria Angola Congo Togo Benin Nigéria Benin Nigéria Angola Congo FOTO Margarida Neide Benin Moçambique INFOGRÁFICO Gil Maciel/Reinaldo Gonzaga/Flávia Marinho/Filipe Cartaxo NOVO MUNDO ❚ A África é um continente diversificado em relação a povos, costumes e línguas. As lutas por independência continuam ainda hoje como herança do longo período em que a África foi vítima de processos colonizadores dos países europeus. Daí que o seu mapa é freqüentemente atualizado. Dos 11 países de onde saíram povos em direção ao Brasil durante o período de escravidão, Angola, Nigéria e República do Benin destacam-se na manutenção das relações econômicas e culturais com o nosso País. Na Nigéria e no Benin, inclusive, há comunidades descendentes de escravos e libertos que retornaram do Brasil para lá: os agudás. Três tradições do candomblé baiano estão ligadas a cultos originados de onde hoje se encontram estes três países: a angola, a jeje e a ketu. Angola, cuja capital é Luanda tem uma população estimada em mais de 16 milhões de habitantes. O português é a língua oficial e a sua economia é baseada na agricultura e na extração de petróleo, que representa 90% das suas exportações. A Nigéria tem 134,4 milhões de habitantes. A capital é Abuja. O país tem uma produção econômica que vai da agricultura e pecuária à extração mineral de petróleo, gás natural, dentre outras riquezas. A língua oficial é o inglês, mas há uma variedade de línguas regionais, inclusive o iorubá que é bem conhecido na Bahia por conta do seu uso na liturgia do candomblé de tradição ketu. A República do Benin ocupa a área do antigo Daomé. O país, com 8,7 milhões de habitantes, tem duas capitais Cotonou (administrativa) e Porto Novo (constitucional). O francês é a língua oficial, mas há também o briba, o fulani, o fon e o iorubá. Agricultura, pecuária e recursos como petróleo e diamantes formam a sua economia. > > a rt e d a C IA R E S IS T Ê N PROTESTO APROFUNDE SEU CONHECIMENTO SALVADOR QUINTA-FEIRA 20.11.2008 [ internet ] www.quilombhoje.com.br, www.spraycabuloso.blogspot.com [ livros ] Cadernos Negros, livros de Wole Soynka e Pepetela REFERÊNCIA HISTÓRICA 1978 | Neste ano, surgiu a publicação Cadernos Negros, que se mantém há três décadas. Ela é um espaço precioso para escritores que têm a identidade étnica como tema. DICAS DE COMO UTILIZAR ESTE MATERIAL 6 1 2 3 Conteúdo Relação Ação Fazer pequisa e fazer leitura de textos de escritores militantes. Comparar a produção do passado e a atual, listando novos autores. Promover um festival de hip hop e poesia sobre a temática negra. Estética de denúncia POR MEIO DO GRAFITE OU DA LITERATURA, CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE E COMBATE À DESIGUALDADE VÃO SENDO MOLDADOS MEIRE OLIVEIRA Clássicos As obras de autores como Luiz Silva Cuti, Paulo Colim, Míriam Alves, Conceição Evaristo e o Cadernos Negros são exemplos de algumas das referências clássicas da chamada literatura negra. Renovação Angola Engajamento Alan da Rosa, Luiz Carlos Oliveira, os angolanos João Melo e Manuel Rui, Ondjaki, Boaventura Cardoso e Noêmia de Souza, de Moçambique, são alguns nomes da nova geração de escritores. A Gloriosa Família é um dos livros de Pepetela mais conhecidos no Brasil. Nascido em Angola, ele é um dos escritores de países da África que começam a ter a sua literatura mais conhecida em terras brasileiras. O poeta e escritor nigeriano Wole Soynka foi o primeiro africano a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, em 1986. A sua carreira é fortemente marcada pela crítica social a práticas como a corrupção e a tirania. e.com.br mroliveira@grupoatard >> Quando se pergunta a Marcos Costa, 25 anos, se o grafite é uma arte de resistência, ele não hesita. “A minha é. Tem raiz“. Aos 7 anos, a pedido do pai, ele pegou pela primeira vez em uma lata de spray e começou a fazer o que iria se tornar sua profissão. Logo na entrada da casa do artista, a sala é decorada com perfis de rostos negros, chamados de afrografite. “Procuro sempre levar o aprendizado que tenho na minha religião de matriz africana de equilíbrio entre o homem e a natureza, valorização da herança africana, bons costumes, determinação e fé. Com essas referências, construí minha identidade“. Com linguagem e postura próprias, um dos suportes do movimento Hip Hop, o grafite também vem reivindicando reconhecimento. Um muro, um viaduto, um poste. Tudo pode ser transformado em espaço de uma intervenção para olhos que vêem o mundo como uma tela em branco pronta para virar vitrine da mensagem. Na vida de Marcos, o grafite ganhou mais sentido quando passou a ser vinculado à educação. No entanto, ainda hoje o preconceito permanece. “Muitas pessoas não entendem que damos um presente com uma intervenção. Damos ao muro, ou qualquer outro suporte, mais uma função. É um documento visual que fala do povo, da época. É preciso estar antenado com a realidade, ter raciocínio lógico e rápido para as criações livres“. Isso sem contar a habilidade com cores, noção de espaço. Mas parte da visão negativa se dá pela associação com a pichação. “A pichação não expressa conteúdos poéticos e não tem elaboração estética“, explica o diretor da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Roaleno Costa, autor da dissertação Grafite no contexto histórico social, como obra aberta e uma manifestação de comunicação urbana. No Brasil, a visão sobre a arte começou a mudar na década de 80. “O reconhecimento como manifestação artística veio quando grandes museus e galerias do mundo começaram a expor essas intervenções e, na década de 80, a Bienal de São Paulo também se rendeu“. O grafite começou na década de 1970, em Nova Iorque, nos EUA, usado por jovens do bairro do Bronx. Em São Paulo, chegou no final da década. Se no Sudeste brasileiro, inicialmente, os autores da arte eram jovens de classe média alta, na Bahia, esse perfil mudou para jovens negros da periferia. Como arte de rua, em qualquer parte do mundo, os te- mas das intervenções costumam ser elementos da cultura urbana. Já, na Bahia, como não podia deixar de ser, se rendeu aos referenciais africanos. A liberdade de expressão é o que mais atrai. “ Não podemos deixar de mencionar a capacidade de comunicação do grafite. Ele é feito em espaços de grande visibilidade. Através dele, pode-se falar o que quiser sem precisar de permissão. É transgressora, sem censura ou seleção de mensagem”, diz Roaleno Costa. LETRAS - Assumindo o leme do barco, escritores negros assumiram a postura de narrar a própria história. A habilidade com as letras foi e é utilizada como mais um instrumento de protesto e reivindicação por uma sociedade mais justa. Cada um na sua época, talento atrelado à experiência, enriqueceu a discussão sobre a questão racial, dando mais vida e verdade a poesias, romances e contos. De acordo com a doutora em Literatura Africana, Florentina Souza, a literatura negra brasileira já nasceu comprometida. Nesse contexto merecem destaque Maria Firmino dos Reis (Úrsula- romance abolicionista da década de 1880) e Luiz Gama (Trovas Burlescas- década de 1850). ”Eles foram os primeiros a se declararem como negros, fomentando o compromisso de luta pela abolição no Brasil”, conta Florentina Souza. Depois, seguiram na mesma seara de contestação José do Patrocínio, Lima Barreto e Cruz e Sousa. Nos dois últimos eram recorrentes os relatos sobre a falta de reconhecimento de suas obras. ”Em outro contexto, encontramos Machado de Assis, que atendia aos padrões de tradição ocidental. Ele se definia como mulato, mas não queria discutir a causa étnica”, analisa a especialista. PROTESTO - ”Aquele negro que mata alguém que deseja mantê-lo escravo, seja em qualquer circunstância, mata em legítima defesa”. O texto é de Luís Gama, abolicionista, advogado e poeta baiano. Aos 10 anos, foi vendido a um traficante pelo próprio pai, que queria pagar uma dívida de jogo. Numa trajetória de obstáculos impostos pela cor da pele, escolheu o direito como arma a favor dos menos favorecidos e libertou grande quantidade de escravos. Sua produção está inserida na segunda geração do Romantismo no Brasil. A primeira obra, Primeiras Trovas Burlescas do Getulino, reuniu sátiras contra a aristocracia e os poderosos da época, onde o DISCURSO NA PAREDE Marcos Costa tem 25 anos e é autor de uma técnica que chama de afrografite. Sua temática tem elementos de inspiração africana “É preciso ter co e raciocínio lógi rápido para as criações livres” [ onde encontrar ] A arte de Marcos se espalha pela cidade, como na Rodoviária [ contatos ] 8828-8061 texto mais famoso é Quem sou eu?, conhecido como Bodarrada. O escritor acabou morrendo, em 24 de agosto de 1882, sem ver a abolição se concretizar. Assim como Luís Gama, utilizar a literatura como militância é uma relação indissociável para o poeta, músico, compositor e educador, Landê Onawale. ”O escritor negro é aquele que não silenciou diante das demandas de existência, histórica e política. É aquele que conseguiu ter coragem mínima para permitir que o sentimento fosse para a folha de papel. Sinto necessidade existencial de expressão. E para isso é preciso sentir, vivenciar”, reforça. Essa é também a postura do múltiplo Abdias do Nascimento que, em várias vertentes, denunciou o racismo e exaltou valores ligados ao negro e à luta negra no Brasil, na África e na Diáspora. Sua arma foi também a poesia como mostra Axés do sangue e da esperança (orikis) seu único livro de poemas, lançado em 1983. “A maioria do livro foi produzida no período do exílio, quando ele foi para os EUA em 1968. A peculiaridade é a pre- sença de elementos afro-religiosos, em especial, os orixás Oxum, Exu e Ogum. A falta de representatividade em todos os níveis da sociedade estimula a reação via literatura. ”Somos 65% da população, mas não estamos representados na mesma proporção. Era preciso mostrar que também escrevemos, sabemos nos representar, fazer crítica”, explica Florentina Souza. E se este relato é feito com recursos expressivos como figuras de linguagem, musicalidade, a reação aumenta. ”Aí tentam arranjar defeitos para diminuir o autor e sua obra”, diz a pesquisadora ao lembrar que no início do século XX os textos de Lima Barreto nem sequer eram publicados. POLÍTICA - A literatura foi usada em todo o processo de independência das diversas nações africanas. Em Angola e Moçambique, a escrita foi meio de divulgação dos ideais de independência e criação da identidade nacional. Nesse contexto, cada país tem seu grupo de escritores marcantes. Cada um com sua história, mas que entram em diálogo e se relacionam pela temática. ”É mais difícil a intelectualidade brasileira encarar a literatura negra brasileira. É mais fácil aceitar a literatura africana. A denúncia aqui é mais forte e evidente”, ressalta Landê. Segundo ele, o escritor negro que decide não escamotear sua realidade paga um preço e acaba sendo malvisto. ”Todo o jogo de figuras de linguagem não será validado nem lembrado como universal. Parece que a potencialidade é limitada ao seu mundo, como se fôssemos condenados por isso. Nós, escritores negros, não estamos condenados a falar de nós e para nós. Todos terão que ouvir o que temos para falar sobre qualquer assunto. Isso não é menos universal. Sabemos fazer crítica social, falar de amor e mais um leque de questões, além de abordar a questão racial. Todo mundo tem um lugar de enunciação e nós só aparecíamos quando era conveniente”. O escritor Lande Onawale lembra que sua vontade de assumir o compromisso de luta em prol da causa étnica foi estimulada quando entrou no Movimento Negro Unificado (MNU), em 1988. A partir daí, a consciência negra funciona como um eixo norteador de sua obra. ”Até aquela época a política era um tabu. Fiquei independente quando construí um discurso a partir do desenvolvimento de minha consciência. Aí a literatura foi sendo influenciada”. De acordo com o autor, não há negro que não tenha consciência negra, que não perceba em algum nível que será tratado de forma diferente. Não é à toa que o escritor teve seu primeiro poema publicado em um 20 de novembro. MUDANÇA - O cenário em relação à literatura negra começou a mudar após a década de 70. ”O contexto político e social da pós-modernidade com os movimentos sociais propicia uma nova postura e aceitação. Os escritores negros começam a ser estudados e legitimados”, conta Florentina Souza . Na Bahia, na década de 80, um grupo de escritores negros de Salvador tem função importante no que se refere à produção da literatura negra. Dentre eles, Jônatas Conceição e Aline França. Foi muita luta até o início do reconhecimento, pois a garantia de espaço em uma sociedade desigual não se dá de forma tranqüila. ”Não adianta o desfavorecido chegar até o dominante e pedir o favor de ceder parte do espaço ocupado só por ele”, destaca Florentina. Contudo ainda não se chegou ao ideal. Ainda hoje há uma política editorial excludente, as publicações de autores negros, em grande parte, estão limitadas a editoras especializadas. Contornando a exclusão, em 1978, um grupo de escritores de São Paulo resolveu bancar uma publicação de poemas e contos. Surge o Cadernos Negros, que acaba de completar 30 anos de publicação ininterrupta. O Cadernos Negros revolucionou a história da produção literária dos negros brasileiros. A partir de uma seleção anual, realizada no anonimato, artistas de várias regiões são contemplados e têm seus textos publicados. ”São textos que identificam e reforçam a valorização da produção negra”, analisa Florentina Souza. O Cadernos Negros foi o tema da sua tese de doutorado defendida em 2005. A integração entre escritores e a academia só veio ocorrer na década de 90. "Em meados da década de 70 não se falava sobre isso no meio acadêmico. Mas chega uma hora que o reconhecimento, independente da opinião dominante, é inevitável”, diz Florentina. ”Pela insistência e perseverança chega a hora que fica impossível ignorar”, brinca Landê. No Instituto de Letras da Ufba, desde 2007, o grupo ”EtniCidades: Escritores/as e intelectuais negros e negras no Brasil” atua fomentando a produção intelectual negra. > > a rt e d a C IA R E S IS T Ê N ARTES PLÁSTICAS APROFUNDE SEU CONHECIMENTO SALVADOR QUINTA-FEIRA 20.11.2008 [ internet ] http://www.ceao.ufba.br/mafro/,http://www.mam.ba.gov.br/ [ livros ] A influência da religião afro-brasileira na obra escultórica do Mestre Didi (Jaime Sodré - Edufba) REFERÊNCIA HISTÓRICA 2000 | Dois painéis de Juarez Paraíso sobre o nascimento de Oxumarê ( 4ª foto abaixo) nos cines Art I e II foram destruídos quando a Igreja Renascer em Cristo comprou os espaços. DICAS DE COMO UTILIZAR ESTE MATERIAL 7 1 2 3 Passeio Conteúdo Aplicação Promover visita dos alunos nos museus citados na matéria Convidar um especialista para desmitificar discursos que reforçam a intolerância Propor releitura das obras vistas em pintura ou outro suporte como mosaico Divina inspiração REFERENCIAIS AFRICANOS SÃO UTILIZADOS POR ARTISTAS NA SUA PRODUÇÃO CARREGADA DA HERANÇA NEGRA MEIRE OLIVEIRA e.com.br mroliveira@grupoatard >> Por conhecimento das referências de origem africana ou por preparação espiritual específica, as artes plásticas são mais uma vertente que artistas encontraram para retratar e preservar o amplo universo que compõe a temática étnica. Peças como máscaras, esculturas, pinturas, xilogravuras, entre outras, chamam a atenção para a beleza, se vista por leigos. Para os religiosos, é um universo inteligível por meio de códigos exclusivos que revelam o potencial histórico ou espiritual de cada obra. Assim, a interpretação se restringe à capacidade de decodificação do iniciado e à sensibilidade dos leigos. O que não impede, no caso desses últimos, o deslumbramento. Numa tentativa de explicar como isso se dá, na prática, é necessário estabelecer parâmetros que identificam cada tipo de produção. De acordo com as divisões estabelecidas pelo artista plástico e historiador Jaime Sodré, podemos destacar quatro delas que abarcam boa parte dos artistas e definem o perfil da obra e autor, levando em consideração o que chamamos de arte afro-brasileira. “Compreender essa arte é evocar a África, a religião tradicional, o candomblé e a odisséia do povo negro em busca da afirmação de sua identidade, respeito à sua arte como expressão legítima, inclusive enquanto arte sacra ou de inspiração religiosa, sem preconceitos", explica Sodré. Preconceito esse que acaba classificando a arte com inspiração africana como anônima e primitiva, sem olhar a produção com conotação artística. Reina absoluto, na denominação artista-sacerdote, Deoscóredes Maximiliano dos Santos – Mestre Didi. Além de produzir peças ligadas à liturgia, ele também é autor de obras que podem ser usadas e vistas em espaços públicos – “escultura de inspiração sacra afro-brasileira“ ou “recriações“, de acordo com Sodré, que é autor do livro A influência da religião afro-brasileira na obra escultórica do Mestre Didi. O artista preserva o conteúdo que não pode sair do território sagrado do terreiro fazendo uma reinterpretação baseada na estética oriunda do continente africano e do candomblé. Através dos traços expostos dessa referência, em cada produção é permitido descobrir a procedência, a temática, o mito, os valores estéticos e associá-los ao sagrado sem perder o parâmetro entre a peça sacra e a profana. “É o novo que revela o velho, o tradicional em linguagem moderna. Mestre Didi foi formado para os atos litúrgicos que não podem ser exibidos fora do contexto religioso”, explica o historiador. Sua iniciação religiosa foi feita por Mãe Aninha, do Ilê Axé Opô Afonjá, quando ela tinha 8 anos. Dentre seus títulos sacerdotais, Mestre Didi é Ojé Korikowê Olukotun no culto dos ancestrais Egun. Em 1975, recebeu o cargo de Alapini – posto elevado da hierarquia desse culto. É Asogbá – supremo sacerdote do culto de Obaluaê e foi alçado a Baba Mogbá Oni Xangô em 1983, conferido pelo Alaketu, no Palácio de Ketu, República do Benin – África Ocidental. Em sua atuação institucional fundou e preside o Ilê Asipá, sociedade de culto aos ancestrais. Mestre Didi criou, em 1974, a Sociedade de Estudos da Cultura Negra no Brasil (Secneb) e também coordena o Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileira (Intecab), fundado em 1987. No livro de sua autoria sobre a obra de Mestre Didi, Sodré afirma que o artista é considerado o “máximo dos valores estéticos da expressão desse culto, um eterno lutador da afirmação dos valores afro-brasileiros, não só do ponto de vista religioso, como da preservação da língua sacra, do yorùbá arcaico, das lendas do pensamento africano“. Na qualidade de Asogbá, não é preciso mais nenhuma preparação específica extra no momento da confecção de cada obra, seja sacra ou não. Bastam apenas nervuras e palmas de palmeira, palha da costa, contas vegetais, búzios, couro, facas amoladas, linhas, agulhas, tesouras e fibra. “Na ela- Casa de Angola Acervo etnográfico com 250 peças do poder político tradicional, da religiosidade, dos rituais de cura e do cotidiano, além de biblioteca. End: Praça dos Veteranos nº 7, Horário: 9 às 12h;14 às 18h. Entrada gratuita Casa do Benin Esculturas, brinquedos, instrumentos musicais e peças rituais fazem parte do acervo com 250 peças. End: Rua Padre Agostinho Gomes, 17, Pelourinho Horário: 12 às 18h. Entrada gratuita Museu Afro-brasileiro End: Terreiro de Jesus /Antiga Faculdade de Medicina. Horário: 9 às 18h (seg a sex): 10 às 17h (sáb e dom) Entrada: R$ 5 (adulto): gratuito (até 5 anos): R$ 2,50 (6 a 12 anos) Solar do Ferrão Peças de cerca de 20 sociedades africanas. Doadas, em 2004, pelo italiano Claudio Masella (a partir de 10/12) Horário: 10 às 18h (ter a sex); 13 às 17h (sáb e dom). End: Rua Gregório de Mattos, 45, Pelourinho. Gratuita MESTRE DIDI O artista-sacerdote Mestre Didi, além de confeccionar peças para rituais, usa elementos da religião na sua produção artística Emanoel Araújo Rubem Valentim Juarez Paraíso Carybé FERNANDO VIVAS | AG. A TARDE boração das peças sagradas, os orixás é que ditam a forma e o material a ser utilizado“, pondera Sodré. Voltando a aos parâmetros que agregam os artistas com mesmo perfil, há também os que trabalham, exclusivamente, para atender às demandas do candomblé. Estes são incumbidos de confeccionar as ferramentas e adereços utilizados pelos orixás nos rituais. São artistas como Gilmar Tavares, Azul Proença, Nivalda de Deus Sales, Saraí Santos, dentre outros. “Dependendo do profissional, só era preciso dizer o nome do terreiro para que o artista soubesse, como a peça deveria ser feita“. Artistas como Hector Julio Paride Bernabó (Carybé), Abdias do Nascimento, Tati Moreno, Bel Borba, Francisco Santos, Edsoleda Santos e Juarez Paraíso se inserem no contexto de conhecedores de alguns aspectos, até podem fazer parte da religião, mas se limitam ao trabalho artístico. Um dos mais ricos referenciais de inspiração da produção de artistas brasileiros ou estrangeiros é a manifestação religiosa afro-brasileira: o candomblé. De acordo com Sodré, eles não são preparados liturgicamente e não fazem peças rituais. “É uma arte mais voltada à exposição pública”. As cenas do candomblé são temas de boa parte da obra do artista que criou desenhos para os livros de Jorge Amado. A produção de Carybé, entre esboços, esculturas, pinturas e desenhos, está estimada em cerca de cinco mil obras. “Em dois dos seus trabalhos ele registrou importantes elementos iconográficos do culto afro-brasileiro: As Sete Portas da Bahia e Iconografia dos deuses africanos no candomblé da Bahia. No primeiro, além de representar os elementos sagrados do candomblé, elabora uma descrição das peças e comenta sobre as cores votivas dos orixás. O segundo trabalho ganha uma versão muito mais elaborada, com uma belíssima apresentação de estampas produzidas pela técnica da aquarela“, detalha Sodré. Mas nem sempre as referências da tradição africana aparecem de forma tão óbvia como nas produções do escultor e pintor Rubem Valentim – que tem seu maior acervo no Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM) –, Marcondes Dourado, que trabalha com arte eletrônica, Ayrson Heráclito e Emanoel Araújo. “Nas obras de recorte contemporâneo não se consegue identificar a reprodução do candomblé, mas não há como negar que a inspiração daquela arte é a matriz africana“, disse a diretora do Museu de Arte Moderna da Bahia, Solange Farkas. MESTRE ABDIAS - Como em todas as frentes que atuou, Abdias do Nascimento, também deu seu recado em defesa e valorização da herança oriunda da cultura africana. Na pintura, reelaborando um universo com elementos que vão desde o Egito antigo, referências do candomblé, ideogramas da África ocidental, dentre outras informações. Em 1968, funda o Museu de Arte Negra. A idéia surgiu durante a realização do 1º Congresso do Negro Brasileiro, realizado pelo Teatro Experimental do Negro, em 1950. > > a rt e d a C IA R E S IS T Ê N RELIGIÃO APROFUNDE SEU CONHECIMENTO REFERÊNCIA HISTÓRICA 1976 | O governador da Bahia, Roberto Santos, inicia o combate à intolerância religiosa ao assinar um decreto pondo fim à necessidade de autorização policial para os ritos de candomblé. DICAS DE COMO UTILIZAR ESTE MATERIAL 2 3 Debate Conteúdo Vivência Convidar um artista para falar sobre seu trabalho e influências na sua obra Propor pesquisa sobre o trabalho de artistas que são referência na área Encontro de pais e alunos para confecção de arte com inspiração africana dos deuses JURACY DOS ANJOS [email protected] m .br >> O trabalho não é fácil, exige dedicação, técnica, delicadeza e, acima de tudo, talento. Tudo começa pelas vestes feitas em tecidos leves, volumosos e, dependendo da divindade, com brilho, mas não muito. Afinal de contas, os deuses do candomblé não gostam de exageros. Bordados, de estilos variados, também compõem a indumentária do povo-de-santo, feita toda à mão. Os adereços, confeccionados em metais variados, como cobre (vermelho), alpaca (branco) e bronze (dourado) – a simbologia também está nas cores que estes metais representam –, dão o toque extra à composição. Oxum, por exemplo, gosta de metais dourados e brilhantes, elementos que ressaltam sua beleza. Ogum, de metais brancos, com preferência para o ferro. No entanto, as peças não são objetos de mero enfeite, como tudo na mágica religião do candomblé. Elas representam a forma física dos orixás, como explica Gilmar Tavares, um dos artistas de arte religiosa da Bahia. Ele já expôs seu trabalho em locais como os EUA. Para ele, que faz peças para terreiros – o artista estima que atenda a cerca de 80% das casas de candomblé de Salvador –, é fundamental aos que se lançam na atividade ter conhecimento sobre as divindades, que carregam em si aspectos específicos. Não se pode, por exemplo, na concepção de Gilmar, construir um abebê (espelho) com pé sem saber que a ferramenta representa um assentamento para determinado orixá, diferente do abebê de mão, usado em festa por Iemanjá e Oxum. Nação Designação que identifica a origem da tradição do culto. Na Bahia, as mais conhecidas são a angola, que usa como idioma ritual a família lingüística banto; a jeje, com o idioma fon-ewé e a ketu, que usa o iorubá. “Não precisa ser iniciado na religião, mas é necessário saber o significado das ferramentas para não cometer erros graves, desagradando aos orixás, que não aceitam qualquer coisa“, revela ele, que começou a fazer os adereços aos 13 anos. Na época, os tecidos da sua avó eram utilizados como matéria-prima. Gilmar foi consagrado a Oxalá aos 14 anos, no Terreiro Tingongo Muende, no bairro de Cajazeiras 11. O que diferencia o trabalho do artista de outros do segmento, como ele destaca, é o projeto gráfico exclusivo seja um bracelete ou um adjá – sino de duas pontas que é usado em rituais litúrgicos por sacerdotes para invocar os deuses. “Minha peça é singular porque a faço valorizando os detalhes. Fujo do padrão, do comum. Tento criar um novo design, mas isso não significa que não respeite o objeto sagrado, profanando-o“, pontua Gilmar, que usa a mesma técnica trazida para o Brasil por um negro escravo. “O nome dele é Martin Afonso de Sousa, fundador da Casa Branca”, revela. No ateliê do filho de Oxalá, logo na entrada, o visitante-cliente se depara com a imagem de um opaxorô, ferramenta da divindade que o consagrou. Caracteriza-se por longa haste vertical, pratos em três tamanhos e pendentes (folhas, moedas, peixes, formas geométricas, dentre outros). Sob os pratos, que representam o futuro o presente; e o passado, um globo, travessas, coroas e um pássaro que leva uma sineta em metal branco. Azul Proença, como é conhecido Idelfonso Aquino de Jesus Filho, herdou o ta- 8 1 Talento a serviço COM ESMERO, CUIDADO E DEVOÇÃO, ARTISTAS SE DEDICAM À FEITURA DE PEÇAS E ROUPAS QUE COMPÕEM VESTUÁRIO DAS DIVINDADES SALVADOR QUINTA-FEIRA 20.11.2008 [ internet ] http://www.xireatelier.com [ livro ] Formação do candomblé – Luis Nicolau Parés; O candomblé da Barroquinha – Renato da Silveira Denominação Hierarquia Inquice é o nome das divindades no candomblé de nação angola. Orixá é o termo utilizado no candomblé de nação ketu. Vodun é nome das divindades no candomblé de nação jeje. Ialorixá ou babalorixá é o grau máximo do sacerdócio na nação ketu. Mameto ou nengua de inquice e tata de inquice é o equivalente no ritual angola. Na nação jeje, o termo para o cargo é dado pelo vodun ao qual o sacerdote é consagrado. * A primeira venda de coleção de ferramentas confeccionadas por Gilmar Tavares foi feita ao Museu de Antropologia de Frankfurt, Alemanha, onde ilustrou a capa do catálogo de 1997. Seguiram-se outras vendas, para diversos países, inclusive os EUA, onde podem ser vistas suas obras no Du Sabre Museum (Chicago) e no Ilê Ymenee (Boston). O despertar para a profissão ocorreu enquanto examinava uma das ferramentas da avó. Pouco depois, em casa, deixou cair, de forma acidental, uma pedra sobre placa de metal, que ficou marcada, e descobriu a técnica. A partir daí, começou a fabricar seus instrumentos de trabalho com sucatas como pregos e pedaços de ferro ou de aço. Como não sabia desenhar, seu pai-pequeno (espécie de padrinho no candomblé) fazia os detalhes a serem impressos nas ferramentas utilizadas pelas divindades. lento para construir as ferramentas dos orixás do avô, Mário Proença, um dos símbolos na arte de fazer adereços para divindades masculinas. “Não sou iniciado como meu avô, mas sei o significado do que faço, sua importância e o respeito que devo ter“, diz. PADRÃO - Azul tem um trabalho diferente do desenvolvido por Gilmar, pois opta por seguir um padrão. “Tenho um modelo para cada ferramenta, que pode sofrer pequenas alterações, porque privilegio os elementos que tenham a ver com os orixás“, pontua o artista. Um desenho criado pelo avô de Azul, o abebê lyra, é até hoje reproduzido pelo neto. A técnica usada é o cinzelamento, onde o profissional esculpe o metal com um objeto pontiagudo, dando formas e desenhos à ferramenta. Gilmar usa, além da cinzelagem, a técnica de ourivesaria (trabalho artístico com ouro). O tempo médio para a criação de todo o traje metálico usado pelos orixás é de sete dias. Mas Azul alerta: “O tempo depende do orixá. Com dedicação exclusiva leva uma semana“. VESTUÁRIO - “Não me considero uma artista, mas sim uma serva dos orixás. Adoro fazer os trajes usados por eles, não gosto de costurar para pessoas”. A fala de Nivalda de Deus Sales, 70 anos, dos quais 38 dedicados à arte de vestir as divindades, sintetiza a vocação para a obrigação religiosa, que se mistura com o trabalho artístico. Mas se engana quem acha que o trabalho, de extrema dedicação e delicade- GILMAR TAVARES O artista atende cerca de 80% dos terreiros de candomblé de Salvador, elaborando peças exclusivas de uso dos orixás com metais variados, como cobre, alpaca e bronze “Tento criar novo design, sem desrespeitar o sagrado” [onde encontrar] Rua Vitório Meireles, nº 31 – Garcia [contatos] 8146-5475 | 3267-0552 za, é feito em série. Cada peça do traje dos orixás, e olha que são muitos, é confeccionada com exclusividade, respeitando a vontade e o desejo deles. “Além das roupas, também faço os colares de contas usados nas festas”. Dona Nilvada, nengua de inquice do Terreiro Pena Branca, que fica no Bonocô, apesar de costurar para outras casas, acredita que cada terreiro deveria fazer suas próprias roupas e adereços. “Porque ganha mais força”, revela ela. Próximo ao sofá de casa, fotos da sacerdotisa com a veste de Oxóssi, a quem é consagrada. Como não poderia deixar de ser, o traje traz elementos da entidade dona de sua cabeça. “A saia foi feita por tecido que reproduz a pele da onça, porque meu orixá é da mata”, comenta Nivalda, dizendo que utiliza pano-da-costa – usado para colocar na cintura – para fazer as vestes, dentre outros tecidos, com os quais confecciona batas, camisas de crioula e panos de cabeça (torços). Ela também é especialista em bordados: “Sei fazer em vários estilos”. Saraí Santos trabalha há 10 anos com veste de orixás fazendo as roupas, muitas vezes, nos próprios terreiros que a contrata. Ela também é filha de Oxóssi. Segundo Saraí, o primeiro passo na hora de fazer as roupas dos orixás é avaliar os tecidos. “Tem orixá que gosta de determinado tipo de pano e não aceita outro. Iemanjá e Iansã gostam de tecidos com brilho, mais trabalhados. Já Oxalá gosta de panos mais crus”. Antes de encomendar as roupas, que tem o tempo de feitura variado, os pais e mães-de-santo pedem permissão aos deuses. > > a rt e d a C IA R E S IS T Ê N LITERATUR A APROFUNDE SEU CONHECIMENTO SALVADOR QUINTA-FEIRA 20.11.2008 [internet] http://www.academia.org.br/,http://www.machadodeassis.org.br/ [livros] Machado de Assis afrodescendente: escritos de caramujo (Eduardo de Assis Duarte – Pallas/Crisálida 2007) REFERÊNCIA HISTÓRICA 1935 | Lançamento da obra do escritor Jorge Amado Jubiabá. Quarta publicação da bibliografia do autor que teve obras traduzidas em 48 idiomas e alcançou destaque no mercado internacional. DICAS DE COMO UTILIZAR ESTE MATERIAL 9 1 2 3 Pesquisa Conteúdo Avaliação Os alunos devem ler alguma produção dos autores citados na matéria Para cada texto deve ser feita uma síntese para estimular a postura crítica Uma caravana literária será feita pelo bairro onde a escola está localizada RETRATO BRASILEIRO Publicado em 1890, O cortiço, de Aluísio de Azevedo, é um clássico da literatura. Retrata parte da realidade brasileira através da descrição da vida em um cortiço do Rio de Janeiro. A discriminação racial é uma das denúncias presentes na obra “...e o cortiço acordava, abrindo, não osa olhos, mas a su infinidade de o do portas” (trech livro O cortiço) U CA Z ME GO A TEMÁTICA ÉTNICA FOI TRATADA DE FORMA DIFERENCIADA, POR CADA AUTOR, NA LITERATURA BRASILEIRA ALANA FRAGA Narrativa sobre negros br tarde.com. alana.menezes@grupoa >> Boa parte da história do Brasil foi transcrita por suas mãos, em verso e prosa. Assim, fizeram parte dela, de suas lutas e conquistas. Os grandes autores da literatura brasileira, brancos, negros ou mulatos, construíram maneiras diferenciadas de tratar sobre as questões raciais em suas obras. Lima Barreto, Machado de Assis e Aluísio de Azevedo integram a lista de grandes nomes que usaram a arte literária como instrumento de retratação de suas visões e experiências em relação à situação vivida pelo negro no Brasil. "Se Lima Barreto condenou o preconceito, por motivos fortemente pessoais e familiares, Machado de Assis anotou-o como deformação, apesar do cerne de seu ficcionismo estar centrado nas ambiguidades do ser humano e Aluísio Azevedo denunciou-o com a frieza de um dissecador", resume o jornalista e crítico literário Hélio Pólvora. Segundo Pólvora, os personagens fictícios de Lima Barreto, por exemplo, são reflexos do escritor. “Pode-se dizer que Barreto tinha a consciência aguda do que significava ser negro e pobre numa sociedade branca e burguesa. Mas não se resignou. Usou a pena para praticar uma prosa militante, ainda que críticos maldizentes o acusem de ter contornado a questão do negro em sua obra”, analisa o crítico. No caminho inverso, Pólvora descreve Machado de Assis como um “analista das almas”, empenhado em desvendar os mistérios da personalidade humana, independente da origem e da cor da pele. Essa posição leva alguns críticos a recriminá-lo por desprezar suas próprias origens, sendo o escritor mulato. Para o crítico, acusar Machado de alienação com relação à abordagem de temas relacionados à questão negra é tolice, levando-se em conta que ele constatou a existência do preconceito racial e, a seu modo, censurou a escravidão, avalia. O responsável por inaugurar o romance naturalista no Brasil, Aluísio de Azevedo, apesar da pele branca e filho de português, usou o gênero realista, de forma crua e direta, para escrever a posição social do negro, segundo Pólvora. Prova disso está no clássico romance O Mulato, em que o protagonista Raimundo, rico e culto, é condenado pela socie- dade quando sua verdadeira origem é revelada: filho bastardo de pai branco com uma escrava. “O autor nada faz em benefício do herói. Ao contrário, deixa-o entregue às conspirações”, afirma. Na concepção da vice-diretora do Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceao) da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Florentina Souza, a literatura brasileira do século XIX pode ser dividida em duas vertentes: uma que tende a classificar os negros nos esteriótipos da época e outra, encampada majoritariamente por escritores negros, que apresentam a cultura afro-brasileira fora dos padrões etnocêntricos vigentes. "A representação que predomina na literatura é a fixação de comparar depreciativamente os negros com animais ou os tratam como seres inferiores, desprovidos de capacidade intelectual e apresentados apenas objetos sexuais e de trabalho“. Aos autores que descreveram fielmente a cultura negra, cabe o quase esquecimento. Dos nomes mais significativos que englobam a segunda vertente, merecem destaque Luís Gama e Cruz e Sousa. CASTRO ALVES – Foi através de seus poemas, como Navio Negreiro, que o baiano Castro Alves também combateu a escravidão no século XIX e, assim como os demais, é visto com críticas. Isso por causa do fato de que, embora devoto à causa, na maioria de suas produções, o negro aparece como sujeito digno de pena, e não como personagem atuante e pensante, de acordo com Florentina. Uma exceção destacada pela pesquisadora é o poema sobre a luta dos quilombos, onde autor trata, positivamente, a questão negra. “Por outro lado, não enfoca o resgate e a construção das tradições africanas, nem coloca o negro e o branco em posição de igualdade”. POESIA CONTEMPORÂNEA – Ainda que utilizada como arte de resistência há longas datas, a literatura contemporânea focada nas questões negras prossegue em desenvolvimento. A avaliação é do poeta e escritor mineiro, radicado na Bahia, Luís Carlos de Oliveira. Seus trabalhos são publicados no grupo Cadernos Negros, de São Paulo, criado em 1978 com o objetivo de usar a literatura como forma de combate ao racismo. ❛ “A representação que predomina na literatura é a fixação de comparar depreciativamente os negros com animais ou os trata como seres inferiores, desprovidos de capacidade intelectual e apresentados apenas como objetos sexuais e de trabalho. Por isso espaços que têm o intuito de dar visibilidade às produções são, fundamentalmente, importantes para os poetas de hoje demonstrarem trabalhos que fujam do estereótipo fixado pelos antigos escritores. É importante que eles sejam conhecidos, pois contam a história com um olhar de quem vivencia a situação” Florentina Souza, doutora em literatura africana e professora da Ufba ❚ Jorge Amado: mestiçagem como solução contra o racismo "Branco puro na Bahia, quem? Negro na Bahia, onde? Somos todos mulatos, felizmente". Frase clássica do escritor baiano Jorge Amado, ela resume sua teoria em relação aos grupos étnicos, segundo a presidente da Fundação Casa de Jorge Amado, Myriam Fraga. Mestiçagem era a solução que o autor propunha para a questão do racismo. Myriam conta que, enquanto o movimento negro acusava Amado de defender o "clareamento" da população, o baiano acreditava que a mestiçagem era a fórmula para alcançar o humanismo e, enfim, a democracia racial que era discurso vigente na época em todo o País. A partir de Jubiabá, de 1935, o quarto romance do autor, torna-se mais potente a presença da cultura negra na literatura de Jorge Amado. A obra mostra a luta de classes como produto do contexto histórico e social da década de 30. O protagonista, Antônio Balduíno, fruto de uma sociedade injusta, após um período de alienação, assume a luta contra as injustiças sociais de seu tempo. “Ele mesmo acreditava que a obra era seu ponto de partida no tema. Nas anteriores, Amado focava nas discussões relacionadas às lutas de classe, mas não descartava o racismo como uma delas”, afirma Myriam. Considerado por muitos um escritor polêmico por suas declarações e posturas na literatura, Jorge Amado dividiu opiniões entre os apreciadores e os de posição intransigente. Grande parte das críticas sobre ele era protagonizada, especialmente, pelo movimento negro organizado na Bahia alegando que a narração da produção do autor morto em 2001 em questão menosprezava o negro. "É preciso esclarecer que ele nunca foi racista porque não há nenhum registro escrito que deprecie o negro. A literatura de Jorge Amado é algo muito complexo, e parte do movimento negro faz uma interpretação branca, judaico-cristã de seu trabalho. O que é um grande equívoco e uma contradição", afirma o professor de literatura da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Gildeci Leite. Segundo ele, como escritor neo-realista, Amado utilizava a literatura como ferramenta de denúncia da opressão e do contexto de inferioridade social em que os negros viviam, inseridos numa sociedade racista e baseada nos conceitos do cristianismo. Quanto aos aspectos mais recriminados pelo movimento nas obras de Jorge Amado, como a liberdade sexual e as personagens prostitutas negras, Leite esclarece o equívoco cometido. "Nenhuma das personagens de Amado era prostituta porque desejava ser, mas porque eram impostas, pela sociedade racista, a exercerem o comércio sexual. Isso é denúncia, e não cerceamento", explica o professor. Com vivência no universo do candomblé, Jorge Amado, demonstra na sua literatura, vasto conhecimento e admiração pela cultura negra e, em especial, pela religião. De acordo com Leite, outro ponto bastante discutido é a interpretação de que as personagens femininas de Amado viviam em situação de subserviência no ambiente da cozinha, como Dona Flor (Dona Flor e seus Dois Maridos). Outra questão que merece ser esclarecida. “A cozinha é tida como um lugar sagrado, de supremacia e poder na cultura do candomblé, onde pode-se matar ou encantar alguém”, explica. Para melhor entender um dos maiores escritores baianos da contemporaneidade, o professor frisa a necessidade de se enxergar Jorge Amado sem classificá-lo por cor de pele e interpretar sua obra sem preconceito. “Ele foi aquele que se diferenciou dos esteriótipos de que apenas negros podem falar, de forma tão sensível e profunda, sobre negros”. MÚSICA SALVADOR QUINTA-FEIRA 20.11.2008 [ internet ] www.acbantu.org.br [ livros ] Falares africanos na Bahia (Yeda Pessoa de Castro - Editora: TopBooks) REFERÊNCIA HISTÓRICA DICAS DE COMO UTILIZAR ESTE MATERIAL 1917 | Oficialmente, o primeiro samba foi gravado neste ano. A música “Pelo telefone” é de autoria do compositor Ernesto Joaquim Maria dos Santos, o Donga, e Mauro de Almeida. REGGAE - O caminho percorrido pelo reggae da Jamaica à Bahia o levou a Cachoeira, onde o ritmo de Bob Marley influenciou – e continua influenciando – uma geração de músicos como Edson Gomes, Nengo Vieira, Tintim Gomes e Eddie Brown, responsáveis pela divulgação do gênero há 20 anos. De acordo com a antropóloga e pesquisadora, Bárbara Falcón, além de ferramenta de combate à opressão branca, o reggae foi o elemento de reconhecimento entre as culturas jamaicana e brasileira. "A juventude baiana se identificou com a estética e ritmo por causa do discurso de fortalecimento da afirmação do negro", facilitada com a influência das inquietações da juventude americana e européia na década de 70. "A produção cultural da época e a tecnologia constituíram um meio de tradução e intercâmbio entre mundos, linguagens e estéticas que aponta para a ’reinvenção da África’ de forma poderosa, com destaque para a música". HIP HOP - DJ, Break (dança), grafite e RAP (sigla de "ritmo e poesia", em inglês). A união desses quatro elementos dá origem ao Hip hop, "saltar movimentando os quadris", em português. Criado por grupos organizados, como o Posse Ori, o ritmo surgiu na Jamaica e passou por adaptações nos guetos americanos, num contexto de protesto contra a opressão sofrida pelos negros na diáspora, chegando ao Brasil nos anos 70. "Hoje, o hip hop é o movimento que transmite a história do nosso povo", destaca o rapper Heider Gonzaga, integrante do grupo Rapaziada da Baixa Fria (RBF). Levar informação às escolas, universidades, presídios, comunidades, terreiros e igrejas para sociabilizar o ritmo através da auto-estima pessoal é a função do RBF. "Pelas letras trabalhamos com a questão dos direitos humanos", frisa. Curiosidade: a origem da dança enfatiza o protesto do movimento em relação às guerras em gestos que imitam os soldados que voltavam mutilados. ILÊ AIYÊ - Ainda na década de 70 com o lançamento do primeiro disco de Bob Marley e a formação do movimento negro brasileiro surge o primeiro bloco afro da Brasil, o Ilê Aiyê. Comemorando 35 anos de fundação, é a referência da musicalidade baiana e valorização da cultura negra. O músico e coordenador do projeto de extensão pedagógica do Ilê, Sandro Teles, explica que o ritmo do bloco, classificado como ijexá ou samba afro, é resultado da mistura dos toques de candomblé com o samba. "O Ilê revolucionou o Carnaval e foi base para o axé music ", avalia. Malê Debalê, Muzenza, Araketu e Olodum, que inaugurou o estilo musical samba-reggae e completará 30 anos em 2009, seguiram a linha de difundir a cultura africana. KUDURO - Originário da Angola, surgiu em meio aos momentos de descontração dos garimpeiros. “Quadril duro” é a tradução em português, indicando a necessidade de equilíbrio na parte central do corpo para saber dançar. A pluralidade é uma forte característica da dança, que insere movimentos de imitações de animais, mímicas, break, capoeira, RAP, contorcionismo e expressões faciais. Em Angola, colaborou no movimento jovem contra a alteração da bandeira do país pelo governo, na década de 60. Na Bahia, os "kuduristas" buscam o reconhecimento do ritmo que contagia pessoas de todas as idades. Os instrumentos que compõem a “etnorquestra”, como o sopapo – espécie de atabaque do Benin –, os tambores, o xequerê e as tamanquinhas, utilizadas em rodas de samba, são alguns dos instrumentos que compõem a "etnorquestra". 1 2 3 Aprofundamento Dinâmica Lúdico Dividir a sala em grupos para estudo sobre cada ritmo que será abordado Festival de dança com apresentação das equipes sobre o tema estudado As letras da discografia de blocos afros é fonte para aulas de história da África Ritmos que embalam a luta A MISTURA E RECRIAÇÕES DA HERANÇA AFRICANA FORMARAM UM LEQUE DE RITMOS ESPALHADOS PELO MUNDO ALANA FRAGA alana.menezes@grupoa Samba reggae tarde.com.br Lambada Pagode Samba exaltação Sambão Miudinho Samba de partido alto Cortaa-jaca Samba enredo Samba de breque Samba canção Samba corrido Samba Sambade-roda Lundu INFOGRÁFICO Flávia Marinho >> No contexto musical, a cultura baiana guarda fortes raízes africanas, que reinterpretadas e emaranhadas, resultaram na pluralidade rítmica que embala a "Terra de Todos os Santos". Não é à toa que o Estado, cuja capital é sede da maior festa popular do planeta, proporcione tal diversidade. Foi aqui que aportaram os primeiros escravos vindos da África. Adaptando sua cultura, conseguiram preservar aquilo que, diferente da liberdade, o colonizador não conseguiu lhe tomar. A música é uma resposta lúdica à opressão, para o historiador, Jaime Sodré. Tudo aquilo que possui viés africano, é naturalmente absorvido na Bahia. E com a música não podia ser diferente, tendo o semba como forte aliado na legitimação e afirmação da cultura afro. Supostamente, veio de raízes do samba, típico de Angola que significa "dança da umbigada". "No Brasil, os ritmos africanos receberam novas interpretações e conjunturas. Samba é uma palavra brasileira", destaca Sodré. Oficialmente, o primeiro samba gravado foi "Pelo telefone", em 1917, de Ernesto Joaquim Maria dos Santos, o Donga e Mauro de Almeida. Como há discussões em torno desse fato, é comum questionar o nascimento do ritmo. "A construção do samba é um processo histórico e cultural, subjetivo, que não aconteceu com dia e hora marcados. Temos de concreto que a Baía de Todos os Santos, com todos os municípios ao redor, foi o berço", conclui o antropólogo Antônio Godi. Para ele, o Recôncavo baiano é um referencial histórico, pois a transição de uma cultura de plantação, onde havia muitos escravos, numa posição mais cosmopolita repercute na dança e no ritmo do local. A transformação rítmica, se deve, às novas tecnologias da época, proporcionando a difusão no mundo. Nesse contexto, não se pode deixar de mencionar uma personagem referencial: Hilária Batista de Almeida, a baiana conhecida como tia Ciata. Chegou ao Rio de Janeiro em 1876 e se tornou uma das responsáveis pela sedimentação do samba carioca. Era na casa da exímia cozinheira, alimentados por quitutes baianos, que nomes como Pixinguinha, Donga, João da Baiana e Heitor dos Prazeres se reuniam para traçar o rico futuro musical do País. Além de levar as raízes do samba baiano e abrir suas portas aos sambistas, tia Ciata falava sobre a cultura africana aos que lhe recorriam, contribuindo na proliferação desses conhecimentos. 10 Assim eram chamadas as construções sonoras que os povos africanos trouxeram para o País. Aqui elas se ramificaram em diversos ritmos FONTE Pesquisa histórica feita pelo jornalista Paulo Oliveira e pelo doutor em música e professor da Ufba Paulo da Costa Lima > > a rt e d a C IA R E S IS T Ê N APROFUNDE SEU CONHECIMENTO SAMBA Dança de roda, inicialmente o mesmo que batuque. Provém do semba, umbigada. Contexto: Séc XVII. LUNDU Originário de onde hoje estão Angola e o congoa. Séc XVIII. SAMBA-DE-RODA Variante mais primitiva do samba, originário da Bahia. Séc XIX. SAMBA CORRIDO Quando não há refrão. CORTA-A-JACA Um dos três passos fundamentais do samba da Bahia. MIUDINHO Coreografia dançada pelas mulheres. SAMBA DE BREQUE Sincopado e com paradas súbitas chamadas breques, dando tempo ao cantor para encaixar comentários. Séc. XX. SAMBA CANÇÃO Ênfase musical na melodia, geralmente romântica e sentimental. Séc. XX. SAMBA ENREDO Criação de compositores de escolas de samba do Rio de Janeiro. Séc XX. SAMBA EXALTAÇÃO Melodia extensa e letra de tema patriótico. Séc. XX. SAMBA DE PARTIDO ALTO Concilia formas antigas (samba baiano) e modernas. Séc. XX. SAMBÃO Nome cunhado e difundido referindo-se ao material mais comercial. Década de 70 do Séc. XX. PAGODE Pontuado pelo banjo e percussão do tantan. Surgiu no Rio de Janeiro. Década de 80 do Séc. XX. SAMBA REGGAE Surge em Salvador e se instaura a partir de padrão rítmico (com influência de batidas do candomblé). Renova o cenário instituindo marca identitária de ancestralidade baiana. Década de 70 do Séc XX. GRUPO KÜDÜRO BAIANO D’ANGOLA A academia foi fundada em 2000 pelo gaúcho Álvaro de Amaro (Dj Panafricano) [ onde encontrar ] Aos domingos (manhã) – Espaço Cultural Alagados. Sextas (noite) - Espaço R2 Curuzu [ contatos ] 3314.7670 | 8871.4665 > > a rt e d a C IA R E S IS T Ê N TEATRO APROFUNDE SEU CONHECIMENTO SALVADOR QUINTA-FEIRA 20.11.2008 [ internet ] http://www.teatrovilavelha.com.br, http://www.abdias.com.br, http://www.comuns.com.br [ livros ] Drama para negros e prólogo para brancos (Antologia de teatro negro - Rio: TEN, 1957), Abdias do Nascimento REFERÊNCIA HISTÓRICA 1 2 3 Aprofundamento Dinâmica Aplicação Dividir a turma em dois grupos para oficina sobre arte cênica Produção de uma esquete utilizando a linguagem dos grupos pesquisados Pesquisa ampla sobre as experiências do TEN e do Bando de Teatro Olodum MÁRCIO LIMA | DIVULGAÇÃO 1944 | Abdias do Nascimento cria o Teatro Experimental do Negro (TEN). O grupo será um marco da discussão sobre a questão racial brasileira no campo das artes, especialmente o teatro. DICAS DE COMO UTILIZAR ESTE MATERIAL 11 Militância em cena e.com.br mroliveira@grupoatard >> Um ato de atrevimento e ousadia em busca de liberdade. Foi assim que dentro do clima de pós-guerra, em 1944, surgiu o Teatro Experimental do Negro (TEN) com o intuito de combater o racismo. Era preciso mostrar que havia atores negros competentes. A iniciativa do dramaturgo, artista plástico, escritor, poeta e economista Abdias do Nascimento levantou e denunciou a questão da desigualdade racial no Brasil. O estopim foi quando, em uma viagem pela América do Sul, Abdias assistiu em Lima, no Peru, à peça O Imperador Jones, de Eugene O’Neill, protagonizada pelo ator branco Hugo D’Evieri, pintado de preto. Abdias decidiu fazer algo. Para ele, estava ali um símbolo da discriminação racial nas artes cênicas e apenas a criação de um teatro negro seria capaz de denunciar e lutar contra o racismo e valorizar a cultura de origem africana. "Abdias lançou a chama e estimulou o pensamento sobre a temática. A partir daí, as pessoas e as coisas começam a acontecer", diz o doutor em antropologia e professor da Ufba Jeferson Bacelar. O discurso do TEN era que o negro tinha consciência para perceber e reinterpretar o mundo, enriquecendo-o com sua vivência. No ano seguinte, o Teatro Municipal recebia o Imperador Jones, mas com o ator negro Aguinaldo Camargo no papel principal. A expressão máxima do grupo seria a elaboração de Sortilégio, peça de 1951 que propõe uma "valorização do enegrecimento" e a tomada de consciência a partir da incorporação e da manipulação de elementos culturais. A atuação do TEN não se esgotava em cena. Havia a oferta de cursos de alfabetização e cultura geral, organização de eventos, como o 1° Congresso do Negro Brasileiro e a criação do Comitê Democrático Afro-Brasileiro. No TEN, o negro estava incluído em todo o processo de elaboração de um espetáculo, da autoria do texto à direção. No campo político, a iniciativa negava o mito da "democracia racial" em voga na época que foi a da construção da identidade brasileira. BAHIA - Em 1956 surge a primeira Escola de Teatro do Brasil, na Ufba. Na segunda turma do curso aparece quem iria Começa no teatro no ano do AI-5, 1968, em uma montagem de O Auto da Compadecida, Ariano Suassuna. No primeiro longa, sem data de estréia, Jardim das Folhas Sagradas, faz o personagem Bonfim. se tornar a referência negra e precursor do caminho a ser percorrido, Mário Gusmão, vindo de Cachoeira. Autodidata em inglês, ele veio para Salvador e trabalhou como office-boy. A inserção no mundo do teatro aconteceu quando ele já tinha 30 anos. O amigo Lobão foi quem o conduziu à universidade. “Ele se deslumbra com o teatro e começa a se destacar. Depois entra para o Teatro dos Novos, grupo da elite artística e social liderado por João Augusto que cria o Teatro Vila Velha em 1964”, conta Bacelar, autor de um livro intitulado Mário Gusmão – Um Príncipe Negro na Terra dos Dragões da Maldade. Até a década de 70, Mário ganhou vários prêmios. Além do teatro, fez participações na televisão e no cinema – com destaque para a projeção internacional do filme de Glauber Rocha O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969). No auge da carreira, o uso de drogas fez o ator abandonar tudo. "Mas ele continuou aparecendo. Se envolveu nas manifestações como o Ilê, o Olodum. Chegou a participar de Zumbi, montagem do Bando de Teatro Olodum, mas nunca mais foi o mesmo" , conta Jeferson Bacelar. Essa situação se manteve até sua morte, aos 68 anos em 1996, em um 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra e aniversário da morte de Zumbi dos Palmares. ENGAJAMENTO - Na Bahia, a reverberação da tentativa de construção de uma dramaturgia negra ocorreu em 1977, quando, ao lado de Cau Santos, Lia Espósito e Ana Sacramento, o ensaísta, pesquisador da cultura negra, artista plástico, ator, diretor e produtor de espetáculos de teatro, dança e música Antônio Godi fundou o grupo Palmares Inãron. Eram quatro jovens, vindos da Escola de Teatro da Ufba. "Era um período de efervescência, formação do movimento negro. A intenção era fazer um teatro diferenciado e mostrar a questão negra, falar da realidade. Fazíamos militância nos bairros A gente fazia tudo: o cartaz, o cenário, o figurino, o texto e todo o resto". Tudo começou a acontecer sob a influência da turbulência provocada com o Movimento Negro nos Estados Unidos. "A vontade era fazer um teatro brasileiro, mostrar a cultura da Bahia. Queríamos montar uma Companhia de Teatro Negra e descobrir uma nova forma de fazer teatro", conta Chica Carelli, diretora teatral do Bando de Teatro Olodum. O Bando, criado em 1990, é mais uma das lições de resistência negra. Elenco de atores negros em colaboração com o Grupo Cultural Olodum, tendo à frente os diretores Marcio Meirelles e Chica Carelli, traz uma linguagem própria e contemporânea. Hoje são 27 espetáculos Mário Gusmão Referência para atores negros, interpretou Zumbi e o mais velho Ganga Zumba, em 1995 numa montagem da peça Zumbi está vivo, realizada pelo grupo Bando de Teatro Olodum nas ruas de Salvador. ARQUIVO | AG. A TARDE MEIRE OLIVEIRA Antônio Godi XANDO P. | AG. A TARDE | 2.4.2006 PARA SUPRIR A AUSÊNCIA DE ATORES NEGROS NOS PALCOS, GRUPOS SE FORMAM COM INTUITO DE CRIAR DRAMATURGIA PRÓPRIA produzidos, como o polêmico Cabaré da RRRRRaça (1997), além de atuações no cinema e na TV como a série Ó Pai Ó, homônimo da peça, gravada em Salvador. A companhia já nasceu com o propósito de ter a cara da cidade. As inscrições eram abertas para todos. A seleção ocorreu de forma natural. "Com o tempo, o intuito de criar um grupo com atores e conteúdo negros foi ficando cada vez mais forte e evidente. Muitas pessoas entravam e depois desistiam". REFERÊNCIA - A notícia da formação do grupo veio se somar ao desejo de jovens que já faziam a arte em suas comunidades e tinham Mário Gusmão e Rai Alves como referências. Foi assim com o ator Jorge Washington, 45 anos, que está no grupo desde a sua fundação e era do Grupo de Teatro do Calabar. "Lá o teatro era utilizado para fazer as reivindicações da comunidade e as apresentações eram feitas nesses espaços. Daí fui me impregnando, entrei no Negões e já não me identificava quando via as peças em cartaz pela cidade que não falava sobre a minha realidade". Moradora de Canabrava, Telma Souza, que até os 20 anos nunca havia entrado em um teatro, conta ter descoberto muito sobre ela mesma ao entrar no Bando. "Não sei o que seria de mim. Aqui me assumi como mulher negra, aprendi a que a “O teatro é a arm e nossa qu ra pa gente tem rbere” mensagem se reve GRUPO COM A CARA DA CIDADE O Bando de Teatro Olodum tem 18 anos de atuação e muita história para contar. O grupo consegue levar para o palco a linguagem em que Salvador se reconhece [onde encontrar] Teatro Vila Velha – Av. Sete de Setembro, s/n, Passeio Público, Campo Grande [contatos] 3083-4600 a brigar pelo direito de existir como sou". Com 18 anos de experiência, o grupo já tem um perfil definido. "Conseguimos criar uma dramaturgia negra. O conteúdo já era claro e sempre usamos música negra, percussão e dança africana. Tivemos que criar nossos próprios textos. Levamos para o palco a essência do público que vem nos assistir". A provocação, a ousadia e a resistência continuam marcando a trajetória do grupo que passou e ainda passa apertos para colocar sua produção em pauta. "Somos instigados desde o início da produção de uma peça e isso é passado para o público. O teatro é a arma que a gente tem para que nossa mensagem se reverbere", completa Jorge Washington. Na mesma linha de atuação e com premiações na área como o Bando, nasceu, em 2002, o Coletivo de Atores Negros Abdias do Nascimento (CAN), sob a responsabilidade do ator, diretor e dramaturgo Ângelo Flávio. Da vida acadêmica, lutando pelas cotas na Ufba, à criação do CAN, ele acredita na arte como meio de transformação social. O grupo formado por estudantes negros da Escola de Teatro da Ufba também discute a representatividade do negro nos palcos, a incipiência de estudos da dramaturgia referente, a inserção na grade curricular da academia e o debate sobre o eurocentrismo na instituição. No entanto, a dificuldade persiste. "É tímido o interesse de empresas brasileiras em patrocinar grupos étnicos e o governo não cumpre o papel de viabilizar o trabalho nessa área. Não sei como essa cultura sobrevive", afirma o ator baiano José Hilton Santos Almeida, 52 anos, conhecido como Cobrinha. Segundo ele, no Brasil há pelo menos 120 grupos de dança e teatro negros. Desses conhecidos apenas quatro contam com patrocínio este ano (Bando de Teatro Olodum, Companhia Étnica de Dança e Teatro, Anônimos e a Comuns). Utilizando a dificuldade como combustível e mais uma vez lançando mão da arte, Cobrinha realizou em 2005 o I Fórum de Performance Negra. Com sede em Salvador, o evento, que reúne grupos de todo o País, tem o propósito de discutir estética, política, cultura e melhoria para os grupos. Tudo isso regado a intervenções e oficinas. > > a rt e d a C IA R E S IS T Ê N ESTÉTICA AFRO APROFUNDE SEU CONHECIMENTO SALVADOR QUINTA-FEIRA 20.11.2008 [ internet ] www.ileaiye.org.br, http://olodum.uol.com.br [ livros ] Pele negra, máscaras brancas (Frantz Fanon) REFERÊNCIA HISTÓRICA 1974 | O bloco afro Ilê Aiyê surge com um discurso que revoluciona não só o Carnaval, mas também a estética. Com o mote “negro é lindo”, o Ilê mostra as várias nuances da beleza afro. DICAS DE COMO UTILIZAR ESTE MATERIAL 12 1 2 3 Introdução Exposição Aplicação Pesquisar e recortar diversas imagens de trançados e penteados Elaborar painel com o material enfocando também o vestuário Convidar trançadeiras e produzir um desfile onde os alunos serão as estrelas Afirmação na cabeça CABELOS TAMBÉM FUNCIONARAM COMO ARMA DE CONSTRUÇÃO, RESGATE E AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE NEGRA MEIRE OLIVEIRA e.co mroliveira@grupoatard m.br >> Mecha por mecha, com sobreposições de fios negros e fortes, vai sendo tecida mais uma nuance na história da afirmação da negritude. No comando, mãos negras esculpem a vitrine para mostrar a beleza dos cabelos crespos. Trança nagô, coco, mescla com fibra colorida, esteira, mandala, passadeira, rede, trança de dois. A trança não é novidade, mas sim a sua simbologia de afirmação de identidade via estética. No imaginário de várias mulheres, é forte a imagem de sentar em um banco, ou no batente da porta, para trançar o cabelo com a mãe, avó ou irmã mais velha. De tempo em tempo, surgem novas denominações, adereços e formatos na arte das trançadeiras, ofício cada vez mais valorizado. Segundo a doutora em sociologia e professora do Programa de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos da Ufba (Pós Afro) Ângela Figueiredo, em 1984, quando fez a pesquisa Beleza Pura: Símbolos e Economia ao Redor do Cabelo de Negros, foi difícil até encontrar pessoas que viviam de fazer trançados. Hoje já é mais fácil conhecer o trabalho de trançadeiras como Dete Lima, também estilista e fundadora do Ilê Aiyê, Olívia Fragoso e Negra Jhô, que estão na linha de frente dessa luta que mescla arte, resistência e afirmação. Hoje as diversas variações de penteado estão na cabeça de negros e não-negros. Mas nem sempre foi assim. É marcante na Bahia o afloramento da identidade negra nos cabelos com o surgimento do Ilê Aiyê em 1974. Nessa década, os movimentos políticos e culturais reforçaram a idéia de Black Power Sabe aquele cabelo cheio, quase ao natural, mas com muito estilo? Este é o modelo chamado de Black Power, que está cada vez mais na moda. A estética dos anos 70 voltou para ficar e fazer a cabeça da moçada atual. Fibra Tiara Geometria De várias cores, as fibras dão um charme especial a alguns penteados afros. Podem ser utilizadas em meio ao cabelo natural ou compor totalmente o penteado. A criatividade das trançadeiras não tem limites na utilização das fibras. Para que usar tiaras de plástico, um artifício para esconder os cabelos que não estão no comprimento dos outros fios? Você pode construir uma bela tiara em forma de trança com os seus próprios cabelos. É superlegal. Os homens também podem dar um charme todo especial ao seu cabelo afro. Além do black, dos dreads ou rasta, os que preferem baixar a cabeleira têm à disposição os desenhos que são feitos à máquina. O visual fica diferente e extremamente charmoso. no interior ainda é comum termos como cabelo duro, carapinha, ticum, pinxaim e cabelo de bombril“. Quando retornou à Bahia do exílio, na década de 70, a militante e doutora em Antropologia do Negro, Maria de Lourdes Siqueira teve que alisar os cabelos para conseguir o primeiro emprego. ”Havia desrespeito a outro padrão de beleza. Diferença é riqueza e não inferioridade. O discurso dizia que a gente ia melhorar se tentasse ficar igual Hoje não é politicamente correto ser racista, mais ainda há muito sentimento guardado. Depois desse episódio, ”cabelo liso só na carteira antiga de identidade“, conta. Cabelo, música, dança vestuário e outros elementos foram desconstruindo estereótipos sobre o negro. Tabus foram quebrados, como a idéia de que a pele negra não combinava com cores fortes tipo o vermelho. A praticidade e a liberdade também contaram para a adesão à nova proposta. "As mulheres que alisavam o cabelo ficavam limitadas. Tinham que escolher entre a praia e o cinema, pois se perdia o alisamento no primeiro passeio. Isso limitava a participação no mundo. Com a trança, o cabelo estava arrumado para as duas opções", explica Ângela. Na época em que o termo ”boa aparência” não correspondia à imagem de cabelos trançados ou com penteados afros, Maria Olívia Fragoso, 41 anos, aprendeu a lição em casa. "Aqui ninguém nunca alisou o cabelo. Enquanto minha mãe trabalhava de lavadeira, eu tinha que trançar o cabelo da minha irmã". Com o tempo, as amigas de escola de Leonor, irmã de Olívia, a procuravam para fazer os penteados que embelezavam a garota. Atualmente, Leonor Fragoso, 39 anos, tem o mesmo ofício da irmã mais velha. ”Alguém tem que fazer meu cabelo“, brinca Olívia. que era bonito ser negro. BLACK POWER - A influência vinha do movimento cultural norte-americano, Black Power (Poder Negro). Organizado pelos Panteras Negras, jovens que tinham no discurso a promoção da auto-estima, o movimento mostrava que o processo de consciência racial passava pela naturalização dos cabelos, apostando nos cortes, trançados e penteados afros. A forma de usar o cabelo era interpretada como afirmação ou negação da identidade. Com o discurso que ia de encontro ao padrão de beleza estabelecido na época, o Ilê impõe um novo conceito de beleza. "É quase consensual que Salvador serve de espelho para o resto do Brasil nesse âmbito. A partir dessa iniciativa é visível a mudança de comportamento, aliada a uma atribuição de significado a essa postura como símbolo afirmativo de identidade", analisa Ângela Figueiredo. A versão da ideologia do "Black is Beautiful" não teve o radicalismo dos EUA. "Os movimentos sociais e culturais têm influência direta no que se usa na cabeça, pois a estética negra é resultado da construção histórica", explica a jornalista Fábia Calazans, autora das pesquisas Cabelo e Cabeça de mulheres negras e Semeando a identidade de negra do fio a raiz. Em trabalho realizado atualmente no município de Novo Triunfo, localizado a 360 km de Salvador, a pesquisadora afirma que, ainda hoje, o preconceito persiste. "Na capital, o trançado adquiriu status e está menos marginalizado, mas OLÍVIA FRAGOSO Com 22 anos de profissão, cada cliente inspira Olívia a uma criação diferente. Das tiaras simples aos penteados mais elaborados, ela garante satisfação ao cliente “O que sou vem e da herança quss os no s do recebi ” os ad ss pa te an [ onde encontrar ] Avenida Cardeal da Silva, rua Pedra da Marca, nº 39. [ contatos ] 3332.0237 AFIRMAÇÃO - Fazendo um balanço da trajetória, que começou sem o intuito de se tornar profissão, a trançadeira reconhece que as alterações estéticas que faz em seus clientes têm significado tão profundo quanto a carga histórica que a fez especialista no ramo. "As pessoas não saem da mesma forma que entram aqui. Tenho consciência de que tudo que sou é resultado da herança que recebi dos nossos antepassados. Nada é à toa", explica Olívia. Na carreira de 22 anos, Olívia tem na lista 20 clientes fixos e é responsável pelos penteados dos atores do Bando de Teatro Olodum no espetáculo Cabaré da RRRRRaça desde a segunda montagem. "Tinha gente que colocava fibra para domar o cabelo e ser aceita na sociedade. Com a fibra, o cabelo crespo ficava com aspecto do liso, grudado na cabeça. O cabelo não aparecia". No caso de Olívia, o trabalho só começa depois de uma análise detalhada do perfil do cliente. "Vejo o formato do rosto, o tipo de vida da pessoa e o que ela deseja”, diz. Além da beleza, a trançadeira lista outro benefício da sua arte. Um cabelo castigado pela química se regenera em um ano. "O cabelo trançado pode ser hidratado e cuidado como qualquer outro. É só querer", explica ela sobre a arte que realça o belo natural.