1 Meu Grande Modo Grego de Pensar

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1 Meu Grande Modo Grego de Pensar
Meu Grande Modo Grego de Pensar
Parte 1
Tim Hegg • TorahResource
© 2006 Todos os direitos reservados
Traduzido por Rayssa Natasha B. Mafra
------------------------------------------------------Uma noite, um capitão de um navio de guerra da Marinha Americana viu uma luz vindo
direto em sua direção. Ele avisou adiante: “Mude o curso em 20 graus”. Então veio a resposta:
“Aviso que mude o seu curso em 20 graus.” O capitão não aceitou a resposta e enviou a
mensagem: “Eu sou um capitão. Mude o curso em 20 graus.” A resposta veio de volta: “Eu sou
um marinheiro de segunda classe, mude o curso em 20 graus.” Nesse momento o capitão estava
furioso. “Eu sou um navio de batalha!”, ele disse, “Mude o curso em 20 graus!” Para o qual veio
a resposta: “Eu sou um farol!”1 Claramente, nossas pressuposições governam como nós
enxergamos a realidade e as decisões que tomamos a vida.
Todos nós temos um conjunto de pressuposições ou o que nós podemos chamar de “visão
de mundo”. Mais frequentemente do que não, nós temos essa visão de mundo desde os nossos
primeiros dias, instalada em nós pela nossa sociedade e cultura. Nós passamos pela vida
frequentemente despercebidos de que estamos a ver tudo através das lentes coloridas das nossas
pressuposições. Apenas quando a verdade revelada de Deus ilumina nossos corações e mentes
nós somos capazes de ver as coisas da perspectiva de Deus – para ver as coisas como elas
realmente são.
Na nossa cultura ocidental, as “lentes” da visão de mundo que usamos derivam
primariamente da filosofia grega dos tempos antigos. Mesmo que não saibamos nada sobre os
pensadores gregos como Platão e Aristóteles, suas pressuposições filosóficas esculpiram e
moldaram a maneira como interpretamos a realidade e particularmente como nós pensamos
sabre Deus e Sua atividade no âmbito da história da humanidade. Quando nós lemos a Bíblia
com uma mentalidade grega, nós, inevitavelmente, a interpretamos mal, porque os autores
humanos das Escrituras eram hebreus e não gregos. A eterna e inspirada Palavra do TodoPoderoso estão cobertas com a cosmovisão semítica, e não com as vestimentas dos filósofos
gregos. É verdade que há áreas em comum entre os dois, mas também há contrastes marcantes.
Em muitos casos, as duas cosmovisões são completamente diferentes.
O Mundo Material vs. O Mundo das Ideias
Platão, que nasceu em 428 AC (cerca de 60 anos depois da história de Ester), viveu em
Atenas onde fundou uma Academia. Lá ele ensinou os fundamentos da sua filosofia idealística,
o que cativou, em grande escala, as mentes do seu mundo e do nosso. Platão acreditava que a
realidade existia no domínio das ideias, não no mundo material. Para ilustrar essa doutrina
principal de sua filosofia, ele ofereceu a analogia da caverna. Considere uma caverna, escavada
fundo dentro de um dos lados de uma montanha. Conforme o buraco da caverna avança, ele se
abre em um largo espaço onde escravos, sentados no chão, estão emprisionados com cadeias.
Acima deles, em uma reentrância, estão manipuladores de marionetes se esquentando ao fogo.
Conforme a luz do fogo brilha, ela leva sombras das marionetes na última parede da caverna. Os
que estão emprisionados veem as sombras na parede e acreditam que essas são reais. Mas,
obviamente, elas não são. São apenas sombras. Apenas ao se libertarem de suas cadeias, se
virando e escalando de volta de dentro da caverna para fora, as pessoas são capazes de ver a luz
e perceber que o que eles primeiro acharam que era realidade, em fato são apenas sombras.
Na parábola de Platão, a caverna representa o mundo físico. Aqueles emprisionados na
caverna escura são as deseducadas massas da humanidade. Os manipuladores de marionetes
representam o mundo das ideias, conceitos e formas, enquanto que a luz do fogo é o conceito de
Platão de uma força impessoal (o Demiurgo) que projeta as ideias, conceitos e formas sobre o
mundo criado.
Para Platão, então, o domínio da realidade e verdade existem na forma ou ideia da coisa em
vez de na própria coisa. Para ele, o que nós experimentamos através dos nossos sentidos no
mundo físico são apenas sombras da realidade. Portanto, verdade é obtida através do exercício
1
intelectual da filosofia pelo qual ideias adicionais e conceitos são descobertos. Dessa forma, o
mundo da nossa existência é dualístico. O mundo material não tem sentido essencial em e de si
mesmo. Apenas a forma ou ideia dão sentido. Se a pessoa quer ter verdadeiro conhecimento,
então, ele tem que encontra-lo em sua mente, não no mundo no qual ela vive.
Tal dualismo Platônico entrou na teologia da Igreja Cristã emergente de várias maneiras.
Primeiro, como a Igreja Cristã se separou da sinagoga, ela naturalmente procurou por líderes
entre os homens educados, a maioria dos quais haviam sido educados nas academias gregas. Os
Pais gregos da Igreja primitiva trouxeram com eles a cosmovisão grega não qual eles foram
treinados. Talvez isto é visto na maioria da hermenêutica alegórica com o qual a maioria deles
leem as Escrituras. Além do mais, o aumento do Gnosticismo na primitiva Igreja Cristã é
diretamente ligado a cosmovisão Platônica. Segundo, Agostinho (345 – 430 DC), que se tornou
um dos teólogos mais proeminentes da Igreja Cristã do quarto século, era um estudante e
reconhecido proponente da filosofia de Platão antes de se converter. Após sua conversão ao
Cristianismo, ele procurou mostrar como a filosofia Platônica era essencialmente correta, e
como ela compreendia a essência da verdade bíblica. Dizendo em como o pai de Ambrósio tinha
afirmado isso no início de sua carreira teológica, Agostinho escreveu:
... ele me congratulou porque eu não ido com os escritos de outros filósofos, cheios de erros e enganos de
acordo com os elementos desse mundo, mas sim nos trabalhos dos plantonistas Deus e Seu mundo são
introduzidos em todas as maneiras.2
Agostinho é considerado um dos principais pilares do pensamento cristão, “ficando entre Paulo
e Lutero”3. Como tal, sua influência sobre o pensamento cristão e particularmente suas
interpretações das epístolas de Paulo através da peneira da filosofia platônica permaneceu bem
estabelecida no cristianismo hoje.
Em contraste à cosmovisão grega, a perspectiva hebreia era unifica em vez de dualística. O
universo criado, que consiste de ambos domínios: visível e invisível, são um todo unificado.
Realidade existe em ambos os domínios, e uma não é melhor do que a outra. Quando Deus criou
o mundo no qual vivemos, Ele declarou que era bom, e assim o mundo físico não é
primariamente mal ou, de alguma forma, inferior ao mundo imaterial. Idéias ou ideais não tem
valor ao menos que, na verdade, eles venham a ser reais no mundo físico. Enquanto o
pensamento platônico ensina que “é a intenção que conta”, Deus nos diz que “é o mitzvah que
conta”. Certamente, a motivação correta é importante na obediência à Deus, mas boas intenções
não são o suficiente.
Não é difícil ver como a cosmovisão dualística grega se tornou a norma em muito do
cristianismo ocidental. Um dos aspectos mais importantes é a noção de que a fé verdadeira
existe no domínio das ideais – em concordar intelectualmente com uma lista de doutrinas ou um
credo da Igreja. Fé é vista como um assunto privado que toma o lugar no coração ou mente de
alguém e, portanto, não pode ser julgada. Muitos podem argumentar que Paulo afirma tal
definição de fé quando ele escreve:
Se, com tua boca confessares Yeshua como Senhor e, em seu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os
mortos, serás salvo. (Romanos 10:9)
Mas Paulo não está escrevendo de uma perspectiva dualística, como se a confissão e crença de
alguém pudesse ser divorciada de suas ações. Confessar Yeshua como Senhor significa que a
pessoa está pronta e determinada a obedecê-lO como Senhor. Além disso, o verso dez explica
que tal confissão e crença resulta em justiça, o que, no contexto, certamente significa viver
piedosamente assim como ser justo diante na corte de justiça de Deus. Uma pessoa pensar que
ele ou ela pode obedecer a Deus “em meu coração” sem demonstrar uma vida em conformidade
aos mandamentos de Deus é perder completamente o que Paulo quer dizer. Na verdade, os
capítulos 6 e 7 de Romanos tratam principalmente de como a fé genuína resulta em uma
mudança radical nas ações de uma pessoa. E Paulo escreve anteriormente em Romanos:
Porque os simples ouvidores da Torá não são justos diante de Deus, mas os que praticam a Torá hão de ser
justificados. (Romanos 2:13)
2
Por esse texto, Paulo não está sugerindo que alguém pode alcançar a justificação diante de
Deus através de boas obras. O que ele está ensinando é que aqueles que são justificados (justos)
aos olhos de Deus irão, inevitavelmente, demonstrar essa justiça na maneira em que obedecem a
Deus. Paulo claramente concorda com Tiago: “fé sem obras é morta” (Tiago 2:26). De fato, “fé
morta” não é fé de maneira alguma.
A cosmovisão grega que dominou o cristianismo primitivo e continua bem fundamentado
na Igreja hoje é também responsável pelo método alegórico de interpretação da Bíblia. Um dos
assuntos mais batidos na Igreja grega primitiva era a maneira em que a Torá parecia sempre
lidar com os aspectos “mundanos” da vida terrena. “Certamente”, eles raciocinaram, “Deus não
poderia estar tão preocupado com comida, roupas, doenças de pele, a maneira como os animais
são tratados, latrinas e coisas como essas!” Desde que, para eles, o domínio das ideias era o que
realmente contava, eles raciocinaram que as leis e instruções da Torá lidando com assuntos
físicos do dia-a-dia deveria ter um mais sentido mais profundo, “espiritual”. E como, para eles,
o “espiritual” significava “não-físico”, eles procuraram interpretar a Torá e outras Escrituras
alegoricamente para descobrir o “verdadeiro sentido espiritual” para a alma. Portanto, as leis
alimentares foram relacionadas com a companhia que a pessoa mantém, as roupas tinham a ver
com ser “vestido com a justiça de Cristo”, as leis sobre as doenças de pele tinham o seu sentido
verdadeiro em combater o pecado, as leis sobre os animais realmente significavam sobre como
devemos tratar uns aos outros, e cavar uma latrina fora do acampamento foi dado para ensinar
que nós deveríamos nos separar do mundo e suas sujeiras. Dessa forma, eles poderiam se sentir
confiante de que estavam obedecendo a Deus enquanto ao mesmo tempo desprezando o sentido
“literal” do texto. Afinal de contas, o real significado do texto era o sentido profundo
“espiritual”, que tinha relevância para o seu próprio interior, não o físico dessa pessoa, sua
existência mundana.
Da mesma forma é fácil de entender, uma vez que nós percebemos a cosmovisão da qual
essa teologia e hermenêutica vieram, como a Igreja frequentemente apontava um dedo acusador
para a comunidade judaica, dizendo que eles estavam encadeados à sua obediência inferior à
letra da Torá. Lendo Paulo com uma mente grega, “a letra mata, mas o espírito vivifica”
(2Coríntios 3:6) reforçou sua visão platônica. À Igreja, no que lhe dizia a respeito, os judeus
eram como os prisioneiros encadeados na caverna de Platão, pensando que eles viam a realidade
enquanto de fato o que eles viam eram apenas sombras na parede.
Essa hermenêutica alegórica deu lugar a uma outra significativa e devastadora teologia na
Igreja Cristã. Raciocinando que Deus não poderia estar assim tão preocupado com uma nação
física como Israel, a Igreja ensinou a substituição de Israel com um reino espiritual de crentes.
Deus lidando com os descendentes físicos de Jacó era, portanto, considerado como apenas um
precursor da realidade mais importante – Sua aliança eterna com um povo “espiritual”, a Igreja.
Em seu centro, a Teologia da Substituição ou Supersessionismo é construída sobre uma
cosmovisão grega que deprecia o mundo físico ao elevar o domínio não-físico das ideias.
Maturidade teológica é marcada por deixar o mundo mundano dos eventos do dia-a-dia para o
mundo celestial de truísmos teológicos. Tal perspectiva deu lugar a crença de que o profetas de
Israel não prometeram o reino milenar do Messias em um Templo restaurado em Jerusalém.
Compreendendo alegoricamente os profetas, o Templo futuro é interpretado como sendo a
Igreja com o Messias reinando do céu. Até mesmo hoje, Amilenarismo é um ensino bem
estabelecido em muitas denominações Cristãs principais.
A cosmovisão hebreia, contudo, nunca considerou o mundo físico como inferior ao
domínio não-físico, nem eleva as ideias sobre as ações. O mundo físico foi dotado com as
bênçãos de Deus na criação, e tais bênçãos permanecem mesmo que com a entrada do pecado, a
criação geme por redenção (Romanos 8:22). Desfrutar do que Deus criou é, portanto, um
empreendimento espiritual, e deveria ser feito com um coração de gratidão e bênçãos à Ele. Ele
nos deu todas as coisas boas para contentamento (1 Timóteo 6:17), por isso é que, de uma
perspectiva rabínica, existe uma benção para todas as coisas. “Em tudo dê graças” (1
Tessalonicenses 5:18). Além disso, não existe nada “neutro” no nosso mundo, uma parte como
que “secular” em nossas vidas que não é nem sagrada ou profana. Em vez disso, tudo em nosso
mundo é ou boa (e portanto pode santificar a Deus) ou má: “Detestai o mal, apegando-vos ao
3
bem” (Romanos 12:9). Dessa forma, nosso trabalho, nossa recreação, nossos hobbies, assim
como nosso tempo de oração em conjunto e individual e adoração – todos aspectos de nossas
vidas são para serem santificados à Deus como o meio pelo qual nós O glorificamos (1
Coríntios 10:31). Como a Torá nos ensina: “guardareis os seus mandamentos, ouvireis a sua
voz, a ele servireis e a ele voa achegareis.” (Deuteronômio 13:4).
Lógica Linear vs. Lógica de Blocos
Na filosofia platônica da Grécia antiga, verdade existiam como fatos brutos, o que
significa que fatos eram considerados com existência própria, independentes de qualquer fonte.
Em contraste com as Escrituras que claramente define Deus como a fonte de toda a verdade, e o
temor ao Senhor como o princípio da sabedoria do homem e conhecimento (Provérbios 1:7,
9:10), para os gregos, conhecimento e verdade eram disponíveis para qualquer um que os
perseguissem intelectualmente. Além disso, uma vez que a verdade era considerada com
existência própria, ela era vista como um corpo de fatos coerentes perfeitamente amarrados
juntos em uma sequência lógica.
Tal integração lógica de toda a verdade produziam uma “Lógica Linear”. Ela pode ser
ilustrada pelo que chamamos de efeito dominó. Considere um círculo de dominós colocados em
pé de forma que quando um deles é derrubado todos do círculo caem. Na lógica grega, todos os
fatos estão conectados. Portanto, se alguém chega ao fato A, esse o leva inevitavelmente ao fato
B, que leva ao fato C, e assim por diante. O sistema todo falha, contudo, se o que parece com
um fato oferece uma clara contradição a outros fatos. Em tal caso, ou o fato fora-de-lugar é
considerado como irreal ou não-verdadeiro, ou o fato fora-de-lugar demonstra que o próprio
sistema é falho.
Deixe-me ilustrar com vários exemplos teológicos. As Escrituras ensinam que Deus tem
ordenado todas as coisas (Romanos 8:28; 11:36; etc.). As Escrituras também ensinam que a
oração pode mudar as coisas (Mateus 7:7; Tiago 4:2). Na lógica linear grega, esses dois fatos
aparentemente contraditórios não podem existir em um sistema unificado de verdade. Um deles
tem que ser falso. É nesse tipo de lógica linear que dá lugar a sistemas teológicos competidores,
um no qual as pessoas acreditam que Deus ordena todas as coisas e no qual, portanto, procura
diminuir a eficácia da oração, e a outra, onde a ordenação soberana dos eventos por Deus é
negada e a oração é enfatizada como o meio para mudar o nosso mundo.
Um outro exemplo pode ser visto na revelação de Deus ao homem. As Escrituras ensinam
que Deus é um espírito invisível e que ninguém pode vê-lO (João 1:18; 4:24; 1 Tomóteo 1:17).
Contudo, em Êxodo 24:9-10 o texto claramente afirma que Moisés, Arão, Nadabe, Abiú e 70
anciões de Israel “viram o deus de Israel”. Ainda mais, Gênesis 18:1 diz que Adonai apareceu a
Abraão. E Yeshua ensinou, “Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus”
(Mateus 5:8). Novamente, com a mentalidade grega, tais fatos dispersantes precisam ser
reconciliados – eles não podem coexistir no unificado sistema de teologia. Portanto, várias
explanações têm sido oferecidas para explicar um lado ou o outro.
Muitos outros exemplos como esse podem ser oferecidos. Mas o fato mais óbvio a observar
é que apesar dos autores bíblicos, com certeza, deveriam estar a par de tais aparentes
contradições, eles nunca ofereceram uma explicação que poderia reconciliar tais diferenças.
Certamente João sabia a Torá e conhecia a história de Deus aparecendo a Abraão (Gênesis
18:1). Ele dever ter lido Êxodo 24:9-10 muitas vezes, e ainda assim ele escreve que “nenhum
homem jamais viu a Deus” (João 1:18) e não dá nenhuma explicação posterior para como as
suas palavras podem ser reconciliadas com aquelas da Torá. A razão que os autores bíblicos não
dão explicação alguma para o que nos parece como contradições é porque eles não sentiram
necessidade de fazer tais explicações. Eles não estavam operando com a mentalidade grega da
lógica linear. Em vez disso, começando com a premissa que toda a verdade é revelada por Deus,
eles prontamente aceitaram o fato de que na mente de Deus, toda verdade era coerente e
unificada, ainda que, no entendimento finito do homem, verdade inevitavelmente conteria
mistérios além do nosso entendimento. Moisés escreveu:
4
As coisas encobertas pertencem ao SENHOR, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos
filhos, para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta Torá. (Deuteronômio 29:29)
De mesma forma, Salomão nos ensina:
Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também pôs a eternidade no coração do homem, sem que este
possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até o fim. (Eclesiastes 3:11)
Isso quer dizer que o homem, criado à imagem de Deus, tem o inato senso de eternidade, que
tudo, de alguma forma, se “encaixa”. Contudo, tentando juntar todas as peças, ele,
inevitavelmente, vem ao seu próprio fim sem ser capaz de completar todo o quebra-cabeça.
Sendo esse o caso, apenas duas opções válidas se apresentam: resignação ao desespero de sua
própria incapacidade, ou fé no Deus de Israel que, somente Ele, sabe todas as coisas. Salomão
claramente opta pela última opção, porque ele termina Eclesiastes admoestando todos a “temer a
Deus e guardar os Seus mandamentos” (Eclesiastes 12:13). Ele afirma o reinado de Deus apesar
de muitas aparentes contradições sobre os quais ele escreve. Nós entendemos, então, o que ele
quer dizer com “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria” (Provérbios 1:7). A procura do
conhecimento será fútil se a pessoa não está pronta, desde o princípio, a reconhecer suas
próprias limitações e uma prontidão a confiar em Deus para o que ele não pode explicar.
A epistemologia hebreia, então, começa por admitir que o conhecimento do homem irá
sempre falhar em produzir um sistema de verdade inteiramente coerente. Em vez de forçar todos
os fatos em uma sequência linear de lógica, os escritores bíblicos afirmam a tensão de viver com
verdade que parecem ser contraditórias. Marvin Wilson o chama de “lógica em blocos”, com o
qual ele quer dizer que conceitos eram expressos em unidades contentoras próprias ou blocos de
pensamento.4 Ao invés de uma lógica linear na qual deve prosseguir em uma única linha desde
as premissas até a conclusão (a ilustração do dominó), os hebreus reconheciam que a realidade
entendida do ponto de vista de Deus (e revelada nas Escrituras) pode aparecer como
contraditória a essa mesma realidade vista pela perspectiva limitada da mente humana. Todos os
fatos em um dado bloco são coerentes, mas um bloco de fatos pode apresentar paradoxos e
aparente contradições com outro bloco. Em fato, reconhecer e afirmar a sabedoria infinita de
Deus (Romanos 11:33; Isaías 40:13) pressupões e afirma o conhecimento finito do homem.
Isso não significa que deixamos de tentar oferecer uma explanação lógica às aparentes
contradições que podem aparecer na Bíblia, nem que nós evitamos o trabalho duro dos
estudiosos por simplesmente rotular todas as dificuldades como mistérios inexplicáveis. Do
contrário, nós deveríamos fazer tudo em nosso poder para mostrar como a verdade revelada de
Deus se encaixa harmoniosamente, e também reconhecendo que em alguns casos nenhuma
explicação satisfatória será encontrada e que a nossa habilidade para receber o que as Escrituras
dizem vem da nossa fé, não das nossas habilidades intelectuais para derivar uma lógica
coerente.5
Isso não é mais aparente em nenhum outro do que no mistério da encarnação. Incapaz de
descansar no inexplicável mistério do Emanuel (Deus conosco), os gregos e latinos pais da
Igreja formularam um sistema de lógica linear para explicar a encarnação enquanto os seus
oponentes utilizaram o mesmo tipo de lógica para prova-los em erro. A mesma batalha teológica
sobre a encarnação continua hoje, e frequentemente ambos os lados do debate recorrem à lógica
linear para provar suas posições. Em contraste, João afirma a encarnação sem a necessidade de
providenciar um sistema coerente de lógica para provar. Ele simplesmente diz que “a Palavra
era Deus” e que “a Palavra se tornou carne e habitou entre nós” (João 1:1, 14). E claramente,
para João, “a Palavra” é Yeshua. Ele afirma a verdade absoluta do “Deus conosco” mas deixa
isso como um mistério explicável apenas na mente de Deus. E Paulo concorda:
Evidentemente, grande é o mistério da piedade: Aquele que foi manifestado na carne foi justificado em espírito,
contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória. (1 Timóteo 3:16)
O Que Isso Significa Para Nós
5
Despir-nos da mentalidade grega que caracteriza nossa cultura ocidental é uma tarefa difícil
mas necessária se nós esperamos compreender as Escrituras em seus próprios termos. Como
Wilson observa:
É particularmente difícil para ocidentais – aqueles cujos padrões de ensino foram influenciados mais pelos
gregos e romanos que pelos hebreus – de apanhar a lógica em blocos das Escrituras. Quando nós abrimos a
Bíblia, portanto, uma vez que não somos orientais, nós somos convidados, como Robert Martin-Achard diz, à
“nos submeter a um tipo de conversão intelectual” ao mundo hebreu do oriente.6
Certamente, se nós falhamos em ler as Escrituras de sua perspectiva hebreia na qual foi escrita,
nós vamos inevitavelmente mal interpretá-la pela importação do dualismo grego e contornando
o texto sagrado dentro de um sistema de lógica linear. Nossas teologias sistemáticas,
caprichosamente empacotado na lógica linear, predetermina como nós interpretamos as
Escrituras quando o contrário é o que deveria acontecer: o texto sagrado deveria determinar a
nossa teologia. É fácil de ver, então, que enquanto desejamos retornar à perspectiva da Torá, é
necessário que nós abandonemos nossa cosmovisão grega e procuremos ler e entender a Bíblia a
partir da mentalidade hebreia na qual ela foi escrita.
Na parte dois desse artigo, nós vamos explorar como a cosmovisão grega afetou o
entendimento da Igreja do Evangelho, o processo de santificação, e o mundo por vir.
________________________________
1
2
3
4
5
6
Citado da Christian Overman, Assumptions that Affect Our Lives (Ablaze Pu., 1989), p. 15.
Confissões, 8.2.
B. B. Warfield, The Works of Benjamin B. Warfield. vol. 10.: Studies in Turtullian and Augustine (Oxford, 1932
[reimpresso por Hendrickson Pub, 2003]), 4.265.
Marvin Wilson, Our Father Abraham (Eerdmans, 1989), p. 150.
Isso não está a sugerir que nossa fé é carente de intelecto, mas está a sugerir que confiar que as Escrituras são a
verdadeira revelação de Deus é ima epistemologia superior que o empirismo ou o racionalismo. Hebreus 11:1
ensina que fé compreende realidade (hupostasis) e apresenta evidência (elegxos) para o que não se vê. Aceitar
como verdadeiro os mistérios de Deus no qual nem o empirismo ou o racionalismo podem explicar não é um
salto no escuro sem inteligência. É repousar sobre a verdade revelada que apenas a fé pode compreender.
Marvin Wilson, Our Father Abraham, p. 150.
6

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