serra da piedade - Justiça Nos Trilhos

Transcrição

serra da piedade - Justiça Nos Trilhos
SERRA DA PIEDADE
Berço da Padroeira de Minas Gerais, Brasil
Patrimônio Histórico, Religioso, Geológico e Ambiental
“Beleza, religiosidade, proteção e ameaças”
Alice Okawara
Gustavo Gazinelli
Isabela Lopes Cançado
Maria Teresa Corujo
Wanderlei José Pinheiro
Serra da Piedade vista da estrada Sabará-Caeté
Minas Gerais - Brasil
Março - 2009
1
OLHOS FERVOROSOS
Wanderlei Pinheiro
O que se constrói
pela fé,
O que se constrói com
fé.
Com mãos,
Mente,
Coração,
Pedra a pedra,
Sobre a montanha
sagrada,
No ponto mais alto,
Ergueu-se a Branca
E singela capela.
Um homem a fez,
Muitos homens,
mulheres
E gerações
O seguiram,
Percorreram caminhos,
Subiram a Serra
Fizeram obras
De cal e cimento,
Fizeram boas obras
Com amor e
sentimento.
Devoção,
Devoção,
Como a da menina
E a visão da Senhora
Entre os penhascos.
Como luz na bela
montanha
Ela brilha,
Acolhe em seus braços
O seu Filho amado
E os filhos do mundo
Sussurram entre
lábios,
Piedade,
Piedade.
2
1. Localização
A Serra da Piedade está localizada em Minas Gerais, Brasil, nos municípios de Caeté e
Sabará, que integram a Forania de Nossa Senhora de Bom Sucesso, parte da região episcopal
Nossa Senhora da Piedade da Arquidiocese de Belo Horizonte.
Localização da Arquidiocese de Belo Horizonte
Esta é composta por um total de 28 municípios. Nestes, existem 259 paróquias onde
vivem aproximadamente 3.162.539 católicos, que correspondem a 75 % da população nesta
região, denominada região metropolitana de Belo Horizonte.
3
Localização da Forania de Nossa Senhora de Bonsucesso e do Santuário de Nossa Senhora da Piedade.
Distante 56 quilômetros de Belo Horizonte (coordenadas geográficas 43°40’33”W;
19°49’20”S; UTM E 638.669, N 7.807.634), o ponto mais alto da Serra da Piedade apresenta
1.746m de altitude, sendo um dos pontos mais elevados da cordilheira do Espinhaço, com
extensão aproximada de 100 km e orientação geral NE-SW.
O acesso ao Santuário de Nossa Senhora da Piedade, a partir de Belo Horizonte, é
realizado pela BR-381, no sentido Vitória, até o trevo de Caeté, de onde se segue cerca de 6
km, pela MG-435, até o Cruzeiro e mais 5 km até o topo da serra.
4
5
Foto de satélite com a localização da Arquidiocese de Belo Horizonte e dos Santuários de Nossa Senhora da Piedade e de Nossa Senhora Mãe dos Homens
2. Patrimônio Histórico e Religioso
A história da Serra da Piedade remonta ao início da ocupação do território mineiro em
fins do século XVII e início do século XVIII. Claramente visível no horizonte, ela foi
percebida como um desafio pelos primeiros bandeirantes que desbravaram o sertão de Minas
Gerais e, mais tarde, pelos viajantes europeus que passaram pela região no século XIX e
relataram ou desenharam o que viram.
Os primeiros apontamentos sobre a Serra da Piedade datam por volta de 1673,
quando Fernão Dias Paes Leme buscava encontrar prata na então chamada Serra
de Sabarabuçu. O nome primitivo, dado pelas indígenas, era Itaberaba-assu, que
significava montanha resplandecente e alta. [...] Acreditava-se que havia, nessa
serra, imensa quantidade de pedras e minerais preciosos. [...] A descoberta de ouro
nas margens do Rio das Velhas ocasionou a identificação desse lugar com a
lendária Serra, o que originou o nome do primeiro povoado: Sabará. A partir de 1700,
com a repartição das lavras de ouro pelas autoridades, o sopé da Serra da Piedade
foi ocupado por inúmeras outras povoações. [...] 1
Durante o século XIX, devido à sua importância, a Serra da Piedade recebeu a visita
de vários viajantes estrangeiros, destacando-se, dentre eles, Johann Baptist von Spix, Karl
Friedrich Philip von Martius, George Gardner, o Barão Wilhelm Ludwig von Eschwege,
Auguste de Saint-Hilaire e Sir Richard Burton, que deixaram suas impressões sobre o local.
O viajante francês, Auguste de Saint-Hilaire, em 1818, escreveu:
Pouco tempo após haver passado por Penha, entrei em matas, e, subindo sempre, cheguei
enfim a uma fazenda situada ao pé da Serra da Piedade, (...) A parada que fiz em casa desse
velho permitiu-me percorrer a Serra da Piedade, estudar sua vegetação e observar o que essa
montanha apresenta de interessante. Ela tem cerca de 5.400 pés de altura (acima do nível do
mar), e acha-se situada a 4 léguas da cidade de Sabará. (...) Logo que se sai das matas de que
venho a falar, começa-se a subir uma encosta firme; o terreno é todo ferro; (...) A montanha
1
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL - CAO-MA . RELATÓRIO CULTURAL SERRA DA PIEDADE. Belo
Horizonte: CAO-MA, 2003. p. 18.
6
termina por uma pequena plataforma de onde se descobre o mais extenso panorama que me
foi dado apreciar depois que me acho na Província de Minas[...]
2
Em 1824, Johann Motitz Rugendas, desenhista documentarista da Alemanha,
integrando desde 1821 a Expedição Langsdorff, que viajou por Minas Gerais, registrou a
Serra da Piedade em um de seus trabalhos:
Transporte de diamantes passando por Caeté (Fonte: ww.cliohistoria.hpg.ig.com.br)
A vocação mística da Serra da Piedade começou por volta de 1760, quando duas
meninas teriam visto, no alto dela, Nossa Senhora com Jesus em seus braços. Uma delas,
muda de nascença, começou a falar, contando o ocorrido. Depois da divulgação desse fato
muitas pessoas passaram a dirigir-se à Serra.
A partir da aparição da imagem de Nossa Senhora da Piedade, a história da região foi sendo
formada por fatos, lendas e pessoas marcadas por uma cultura de fé e devoção; A Serra
possui uma forte tradição oral, onde sua história é mantida e repassada por romeiros que
procuram o lugar há mais de dois séculos. 3
2
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Segunda Viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e São Paulo: USP, 1974., p.
66.
3
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL - CAO-MA . RELATÓRIO CULTURAL SERRA DA PIEDADE. Belo
Horizonte: CAO-MA, 2003. p. 56.
7
A lenda da aparição da virgem foi o motivo que levou o fidalgo português Antônio da
Silva Bracarena, rico oficial de cantaria, a decidir construir uma capela em homenagem a
Nossa Senhora no alto da Serra da Piedade. Em 30 de setembro de 1767, a Cúria Eclesiástica
de Mariana concedeu, a ele e ao Dr. Manuel Coelho Santiago, licença para erigirem a capela,
com a invocação de Nossa Senhora da Piedade. Bracarena iniciou a construção da ermida,
com todas as dificuldades por causa do difícil acesso e transporte dos materiais até o topo da
serra. Precisou desfazer-se de seus próprios bens para arcar com as despesas e o término da
obra data de 1778, sendo que um dos sinos data de 1770.
Frente da Ermida antes do reboco (Fonte: Vigília na Serra da Piedade)
Rapidamente a Serra da Piedade transformou-se em centro de romeiros e devotos e
tornou-se palco de inúmeros relatos de milagres e lendas. Com o passar do tempo, a legenda
da Piedade aumentou muito porque cada romeiro voltava com um fato novo para contar.
Após a morte de Bracarena, em 1784, o Santuário foi habitado por ermitões, que
viviam a rezar e esmolar para as obra da capela. Assim relata Auguste de Saint-Hilaire, em
1818:
No alto da Serra da Piedade foi construída uma capela muito grande, contra a qual
apoiaram, à direita e à esquerda, edifícios onde residem eremitas da montanha e os
8
peregrinos que a devoção leva a esse lugar. Todas essas construções são de pedra e datam de
40 anos atrás. Em frente à capela veem-se rochedos, no meio dos quais foram colocadas
cruzes destinadas aos “passos” que se celebram na semana santa. [...] 4
Padre Gonçalves Pereira, vigário de Roças Novas, no início do século XIX, assumiu a
tarefa de cuidar da ermida e, junto com escravos, e a permissão de seus senhores, subia a
Serra da Piedade para meditar. A devoção do padre e estes rituais se mantiveram pelos muitos
anos em que permaneceu à frente do Santuário e passaram a atrair multidões de devotos.
O Bispo D. Frei da Santíssima Trindade testemunhou em 1824 o carisma do Padre
Gonçalves:
[...] no arraial desta capela assiste o padre José Gonçalves Pereira, que noutros tempos foi
capelão da capela de Nossa Senhora da Piedade, colocada na eminência de uma serra
distante da de Madre de Deus légua e meia, cuja capela é muito devota; a ela corriam muitas
pessoas de romaria e outras a fazer suas confissões gerais com aquele padre (...) que é
instruído em matérias morais, não é menos nos conhecimentos de teologia mística e exemplar
nos seus costumes e na obediência a seus superiores; toda a sua aplicação é na direção
d’almas (exercício e emprego que tanta falta se sente neste bispado). 5
Antes de falecer em 1856, Padre Gonçalves encontrou um sucessor para cuidar da
capela construída por Bracarena, o capuchinho italiano frei Luiz de Ravena. Ele e seu irmão
capuchinho frei Francisco Coriolando, trabalharam na restauração e ampliação das
construções que estavam em péssimo estado de conservação. A tarefa foi muito difícil e cheia
de reveses como fôra para os que os precederam, principalmente pelo fato da condução dos
materiais para o alto da serra ser muito dispendiosa.
A falta de água era um dos principais problemas para quem ali se dispusesse a viver e,
assim, frei Luiz de Ravena empenhou-se na construção de uma cisterna. Até aquele momento,
as únicas e totalmente insuficientes fontes de água eram os chamados “milagres”, saliências
4
IEPHA/MG. PARECER: SERRA DA PIEDADE – PERIMETRO DE TOMBAMENTO. Belo Horizonte: IEPHA/MG,
2005, p.2.
5
IEPHA/MG. PARECER: SERRA DA PIEDADE – PERIMETRO DE TOMBAMENTO. Belo Horizonte: IEPHA/MG,
2005, p.2.
9
de itabirito que, graças à característica disposição de suas camadas, absorvem a umidade,
acumulam água e depois a deixam cair aos pingos.
Frei Luiz de Ravena conferia ao ambiente religioso da Serra da Piedade um sentido
extremamente positivo na difusão dos ideais cristãos. A freqüência era grande e diversificada.
Pessoas das mais variadas localidades encaminhavam-se espiritualmente. Entretanto, o que
mais impressionava o capuchinho era a influência que recebiam mesmo aqueles que não iam
à Serra da Piedade com intenções religiosas, mas apenas pelo passeio ou por mera
curiosidade. O silêncio, a distância do “tumulto do século” e a imagem presente na capela
comoviam os espíritos céticos, flexibilizando -os e sensibilizando-os para os apelos religiosos.
Como mais um herdeiro de Bracarena, frei Luiz de Ravena permanece na Serra da Piedade
até 1871, quando falece.
6
Com o falecimento de frei Luiz de Ravena e a falta de um responsável pela ermida e
pelas atividades religiosas no local, o juiz de capela de Caeté tentou encampar os bens da
Serra da Piedade.
Para evitar que isso acontecesse, o Padre Domingos Evangelista Pinheiro, que assumiu
em 1875 a Paróquia de Caeté, decidiu organizar uma confraria, ocupando as construções
iniciadas pelos freis capuchinhos, e fundou em 1878 a Irmandade leiga de Nossa Senhora da
Piedade, visando proteger e gerenciar o Santuário, além de construir um asilo de órfãs
chamado São Luiz da Piedade no sopé da serra.
Através de concessão do Papa Pio IX, em fevereiro de 1876, o Padre Domingos conseguiu
licença para criar um jubileu anual, no mês de agosto, e obter a graça de privilégio para o
altar-mor da Capela em favor das almas do purgatório. [...]
7
A partir desta época, o período de 15 a 22 agosto passou a ter grande destaque pela
realização do jubileu, quando Padre Domingos celebrava missas especiais e convidava
oradores consagrados para pregar aos romeiros.
6
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL - CAO-MA. RELATÓRIO CULTURAL SERRA DA PIEDADE. Belo
Horizonte: CAO-MA, 2003. p. 62.
7
IEPHA/MG. PARECER: SERRA DA PIEDADE – PERIMETRO DE TOMBAMENTO. Belo Horizonte: IEPHA/MG,
2005, p.3.
10
O asilo recebe grande apoio do Bispo de Mariana que, em circulares datadas de janeiro de
889, louvava a fundação da irmandade e do asilo. A Diocese de Mariana recomendava aos
fiéis que contribuíssem para as atividades na Serra. [,,,] Na mesma sede do Asilo de São Luiz
da Piedade, Monsenhor Pinheiro fundou a Congregação Religiosa das Irmãs Auxiliares de
Nossa Senhora da Piedade, primeira no gênero criada no Brasil; [...]
8
Após a morte de Monsenhor Domingos, em março de 1924, seguiu-se um longo
período em que o Santuário de Nossa Senhora da Piedade ficou sem responsável que ali
habitasse.
Em 1952, a Paróquia e Reitoria foram concedidas aos Dominicanos e o frei Rosário
Joffily, que lá residia desde 1949, passou a ser o seu reitor.
Frei Rosário (Fonte:CEMIG).
Em 20 de novembro de 1958, o Santo Padre João XXIII, atendendo às suplicas do
Episcopado Mineiro e do Exmo. Governador do Estado, dignou-se, pelas Letras Apostólicas
“Haeret animis” dar à SS. Virgem, invocada sob o título de Nossa Senhora da Piedade, as
prerrogativas litúrgicas de Padroeira do Estado de Minas Gerais.
A 31 de julho de 1960, na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, diante de 40 Bispos
do Estado, do então Governador de Minas Gerais, Sr. Bias Fortes, autoridades civis e
militares, seminaristas, religiosos, inúmeras organizações da Arquidiocese e de cidades
vizinhas e imensa multidão de povo aconteceu a solenidade de consagração do Estado de
Minas Gerais a Nossa Senhora da Piedade, oficializando o culto existente desde o século
XVIII.
8
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL - CAO-MA. RELATÓRIO CULTURAL SERRA DA PIEDADE. Belo
Horizonte: CAO-MA, 2003. p. 63.
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Altar-Mor com a imagem de Nossa Senhora da Piedade
O Cardeal D. Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta, em sua homília disse:
[...] Eis porque, ao terminar, eu me animo a sugerir ao benemérito Governo e ao católico
povo deste glorioso Estado de Minas Gerais se dignem prestar, urgentemente, o mais
generoso e eficaz auxílio às novas obras, aprovadas pela Autoridade Eclesiástica, visando à
restauração e ao desenvolvimento do histórico Santuário da Serra da Piedade, onde poderá
se realizar uma prestantíssima organização de peregrinações e retiros espirituais. E
lembraria, ainda, a urgência de defender o patrimônio de belezas naturais da serra, que está
sendo arruinado pela bárbara escavação de minério de ferro na raiz da montanha [...]
9
Frei Rosário Joffily teve larga formação humanística e fez da Serra da Piedade um
local de encontro da arquitetura e culturas barrocas com a modernidade. Foi este o espírito de
preservação da Ermida e da construção da igreja nova. Foi também com este espírito que Frei
Rosário iniciou e propôs a organização de biblioteca mais voltada para a temática mística e
recebeu o Observatório Astronômico da Universidade Federal de Minas Gerais, hoje
Observatório Astronômico Frei Rosário – um dos principais centros de divulgação científica
em Minas Gerais.
9
CONSAGRAÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS A NOSSA SENHORA. Belo Horizonte: Imprensa Oficial.
1961.
12
Em 50 anos como reitor, sem perder seu compromisso com a ortodoxia católica, Frei
Rosário trabalhou incessantemente pela proteção da Serra da Piedade, pela adequação da
infra-estrutura do Santuário da Padroeira do Estado de Minas Gerais e fez do mesmo um local
de peregrinação de intelectuais e políticos de diferentes vertentes e credos, ideologias e
nacionalidades.
Em 24 de agosto de 1999, o Cardeal D. Serafim Fernandes de Araújo, então Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, concedeu o título de “Santuário” à Capela de Nossa
Senhora da Piedade.
Frei Rosário Jofilly faleceu em 25/8/2000, tendo cumprido fielmente seu papel de
herdeiro dos ideais de Bracarena e de todos que o sucederam na devoção e dedicação a este
Santuário de Nossa Senhora – Monumento Natural e Cultural de Minas Gerais.
3. Conjunto Arquitetônico do Santuário de Nossa Senhora da Piedade
Visão aérea do Santuário de Nossa Senhora da Piedade
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As edificações do Santuário de Nossa Senhora da Piedade estão em um platô no alto
da Serra da Piedade e este Conjunto Arquitetônico compreende a Igreja de Nossa Senhora da
Piedade, com o convento acoplado à fachada dos fundos, a Casa dos Romeiros, um
restaurante e a Igreja-Auditório.
Também se localizam neste platô o Observatório Astronômico Frei Rosário, da
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, e as antenas e instalações do Centro
Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo – CINDACTA – que fazem parte das
atividades de proteção ao vôo militar e comercial na região sudeste do Brasil.
Observatório Astronômico Frei Rosário e antenas do CINDACTA
A chegada até o topo se faz através de um percurso de aproximadamente 12 km,
iniciado na BR 381, onde um cruzeiro marca a entrada do Santuário. Ao longo deste caminho
encontra-se representação da Via Sacra em painéis de azulejos. A estrada asfaltada,
conquistada pelo Frei Rosário, facilita o acesso dos milhares de romeiros e visitantes que cada
vez mais procuram a paz da Serra da Piedade.
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Trevo de entrada para o Santuário de Nossa Senhora da Piedade
Trevo de entrada para o Santuário de Nossa Senhora da Piedade
A igreja antiga, a ermida singela e majestosa da Serra da Piedade que ali está desde o
século XVIII, continua a ser seu lugar mais sagrado.
Igreja de Nossa Senhora da Piedade
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Igreja de Nossa Senhora da Piedade enluarada
A igreja apresenta planta simples, com nave única, capela-mor, corredores laterais e
duas sacristias.
O interior da igreja é simples, segundo o IEPHA é “simplificado de ornamentação e
equipamentos, fato comum em igrejas de peregrinação”. 10
Interior da Igreja de Nossa Senhora da Piedade
10
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL - CAO-MA. RELATÓRIO CULTURAL SERRA DA PIEDADE. Belo
Horizonte: CAO-MA, 2003. p. 43.
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No altar-mor, em estilo rococó, está a imagem de Nossa Senhora da Piedade,
restaurada e atribuída ao Mestre Antônio Francisco Lisboa – Aleijadinho. É a padroeira de
Minas Gerais e este fato por si diz muito – elegemos o perdão e a compaixão, como um signo
em uma serra, a pontuar nossa imanência.
Altar-Mor da Igreja de Nossa Senhora da Piedade
Nos cômodos laterais estão painéis em azulejo, de Maria Helena Andrés, uma das
principais pintoras mineiras do século XX, e Gianfranco Cerri, famoso muralista e ceramista
italiano, que nasceu em Pisa na Itália em 1918 e se radicou no Brasil em 1951.
Painel de azulejo da Ermida
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Na fachada dos fundos da Igreja está acoplado o convento composto de um claustro
circundado por alas de corredores onde estão as antigas celas e uma biblioteca que conta hoje
com aproximadamente 15.000 livros. Frei Rosário iniciou assim o seu plano de organizar
ampla biblioteca, especializada em obras sobre assuntos místicos das mais variadas tendências
religiosas.
Concorrendo com a beleza e a importância da imagem de madeira […], uma nova imagem
de bronze de Nossa Senhora da Piedade, de autoria de Alfredo Ceschiatti, permanecerá na
Serra.
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Escultura de Ceschiatti
Defronte da Igreja se estende um adro de pedras com uma rampa que leva ao Cruzeiro
com a cena do calvário.
Adro defronte a Igreja de Nossa Senhora da Piedade
11
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL - CAO-MA. RELATÓRIO CULTURAL SERRA DA PIEDADE. Belo
Horizonte: CAO-MA, 2003. p. 65.
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Cruzeiro com as figuras de Maria e São João Evangelista
Nesta área concentram-se os romeiros durante o jubileu ou de outras datas de grandes
romarias e peregrinações religiosas ao Santuário de Nossa Senhora da Piedade.
Peregrinos (Fonte: CEMIG)
Peregrinos durante o jubileu
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Nesta praça também se interligam os diversos espaços de contemplação
da paisagem num ângulo de 360º.
360º da paisagem vista do alto da Serra da Piedade
Visão da Serra de Água Limpa
Visão da Serra do Cipó, ao fundo
Visão da cidade de Caeté
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Visão de Belo Horizonte
Visão da Serra do Caraça
Visão de Lagoa Santa
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O arquiteto Alcides da Rocha Miranda projetou em 1975 a nova igreja, que ocupa uma
área de 2.118 m2, com uma “estrutura composta de lajes nervuradas apoiadas em grandes
vigas engastadas em um pilar central, que deixa livre a periferia da obra”
12
. A estrutura de
concreto foi terminada em 1978.
Telhado da Igreja Nova
A concepção e construção de uma Igreja Auditório teve como objetivo principal
transformar a peregrinação sazonal e de complexa administração no período anual das
romarias, em algo mais rotineiro, que desse conta de melhor distribuição anual dessa procura.
A Igreja Nova, como costuma ser chamada, foi concebida para receber grande número de
fiéis, algo equivalente a 3.000 pessoas. Uma nave lateral, oposta à do batistério, está dotada
de uma grande lareira, de modo a permitir que eventuais grupos de peregrinos possam nela se
acomodar, aquecidos nas noites frias normalmente frias para os padrões brasileiros,
especialmente no inverno.
Enquanto a antiga se mostra pequena, fechada, introvertida, a Igreja-auditório se apresenta
com grandes proporções, aberta à paisagem circundante. (...) a ermida em seu início
atendia aos ofícios religiosos e às romarias, adquirindo também com o transcorrer do
tempo, valor histórico e simbólico. Já a igreja nova foi concebida com pluralidade de
funções, inclusive para atender, além do culto religioso, a funções culturais, destacando-se
apresentações musicais, favorecidas pela excelente acústica do monumento [...]
13
12
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL - CAO-MA. RELATÓRIO CULTURAL SERRA DA PIEDADE. Belo Horizonte: CAO-MA,
2003. p. 53.
13
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL - CAO-MA. RELATÓRIO CULTURAL SERRA DA PIEDADE. Belo
Horizonte: CAO-MA, 2003. p. 54.
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Painéis com várias passagens bíblicas, especialmente de São Lucas, cobrem as paredes
da Igreja Nova.
Aspectos do interior da Igreja Nova
A Casa dos Romeiros foi construída para hospedar grupos de peregrinos, que
demandem a Serra da Piedade vindos de lugares distantes, ou reunidos em retiros ou
encontros para discutirem os problemas comuns e dividirem as angústias e esperanças do
tempo presente.
Insere-se à direita do adro, em depressão de terreno e foi projetada pelo Professor arquiteto
Ivo Porto de Menezes, grande colaborador de Frei Rosário. O projeto visou evitar
interferências visuais no conjunto tombado. Possui capacidade para 200 pessoas. (...)
destaca-se pelo seu audacioso projeto arquitetônico, em uma perfeita harmonia com a
paisagem natural.
14
Neste conjunto também se encontram o Espaço Pe. Virgílio Resi e a Cripta de São
José.
14
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL - CAO-MA. RELATÓRIO CULTURAL SERRA DA PIEDADE. Belo
Horizonte: CAO-MA, 2003. p. 43.
23
O Espaço Pe. Virgílio Resi é um espaço para cultura, lazer, encontros e convenções.
Espaço Pe. Virgílio Resi
A Cripta de São José é uma construção singela, interligada à Casa dos Romeiros, onde
estão os restos mortais dos antigos ermitões, inclusive Bracarena e Frei Luiz de Ravena, de
Frei Rosário Joffily e Pe. Virgilio Resi, os dois últimos, depositados na cripta em 11 de
outubro de 2007.
Cripta de São José
O restaurante, com grandes painéis de vidro dos quais se vislumbra a paisagem
deslumbrante, foi projetado para atender aos romeiros e visitantes e integra-se à paisagem
natural por sua construção entre as formações rochosas.
Restaurante do Santuário de Nossa Senhora da Piedade
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4. Patrimônio Geológico e Ambiental
Localizada no Quadrilátero Ferrífero, centro leste de Minas Gerais, a Serra da Piedade
constitui um importante geossítio, não somente de interesse científico (geológico e botânico),
mas também pedagógico, turístico, paisagístico e cultural, pois apresenta uma paisagem
geológico-cultural única e sua proteção deve ser não só de interesse de Minas Gerais como de
todo o Brasil.
Ela destaca-se exuberante em meio à paisagem, oferecendo do seu alto, de fácil
o
acesso, uma vista panorâmica de 360 desde a Serra do Espinhaço e da bacia do Rio das
Velhas (Lagoa Santa) ao norte, Belo Horizonte ao poente e boa parte do Quadrilátero
Ferrífero ao sul, incluindo a Serra do Caraça.
Na Serra da Piedade afloram rochas do Supergrupo Minas, a saber: itabiritos
(formações ferríferas) da Formação Cauê (Grupo Itabira) e filitos da Formação Cercadinho
(Grupo Piracicaba). Os afloramentos de itabirito da Formação Cauê atingem na serra grande
espessura, bem expressiva em termos didáticos e científicos. Os itabiritos se encontram em
grande extensão recobertos por uma superfície de canga que ajuda a sustentar o relevo. O
termo canga refere-se às coberturas superficiais formadas a partir de detritos provenientes do
intemperismo do itabirito cimentados por hidróxidos de ferro. Este processo de intemperismo
e formação de superfícies de canga se desenvolveram no início do Terciário.
Formações rochosas
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Vertente sul da Serra da Piedade
A Serra da Piedade é uma importante zona de recarga de aqüíferos, mantendo o
equilíbrio hídrico de diversos mananciais. Afloram em suas encostas mais de 60 nascentes de
água que alimentam o sistema hidrográfico do Rio das Velhas, principal afluente do Rio São
Francisco.
A região é considerada, de extrema importância biológica com espécies da flora
ameaçadas de extinção. As características físicas da Serra proporcionam o desenvolvimento
de vários tipos de vegetação que ainda estão bem preservadas. Á medida que se sobe, a
vegetação diminui de porte. No sopé, tem-se a mata fechada de encosta, remanescente da
floresta tropical; a partir desse nível, a vegetação torna-se mais aberta e de menor porte. No
topo as áreas cobertas pela canga suportam uma cobertura de campo rupestre que se
desenvolve tipicamente sobre as formações ferríferas do Quadrilátero Ferrífero. As plantas
crescem sobre um solo composto de fragmentos muito duros (canga nodular) ou sobre rochas
com fendas onde as raízes podem penetrar.
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Vegetação da Serra da Piedade
Espécies da flora da Serra da Piedade
Além disso, o santuário natural é considerado de importância biológica extrema em
relação à fauna, devido ao endemismo de anfíbios, distribuição restrita de aves e pela alta
riqueza de vertebrados. Botânicos da Universidade Federal de Minas Gerais a apelidaram de
“Berçário da Mãe Natureza” por apresentar uma flora riquíssima em espécies que têm sido
coletadas e estudadas desde o início do século XIX, e por assim funcionar como um
laboratório natural para a evolução dos anuros no Sudoeste do Brasil.
Este importante sítio geológico, devido ao alto grau de ferro, tornou-se alvo dos
interesses minerários. Em alguns locais na encosta da serra, o itabirito foi lavrado, deixando
considerável passivo ambiental e causando conflitos entre as empresas de mineração e a
comunidade, majoritariamente favorável à preservação deste patrimônio natural. O impacto
que a atividade de mineração gera ao meio se dá de maneira irreversível, pois o mesmo não
retorna a sua forma original.
27
5. Proteção do Patrimônio de Minas Gerais e do Brasil
Frei Rosário Joffily, em junho de 1955, preocupado com a Serra da Piedade, solicitou ao
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional:
[...] A Serra da Piedade ela própria (Itaberabassú dos bandeirantes) é um monumento singular.
Eleva-se a mais de 1800 metros, com seus enormes blocos singulares. Esta serra que ajudou a
fazer nossa história, pois o seu perfil muito característico era ponto de referência seguro para os
descobridores, é hoje mestra dessa mesma história, pois agrada a todos e principalmente aos
colegiais ter debaixo dos olhos, juntamente com as antigas cidades de Minas, os diversos sítios
por onde passou Borba Gato, onde começou e findou a guerra dos emboabas, etc. etc. [...]
Grandes brasileiros de ontem e de hoje – é de conhecimento do Exmo. Diretor do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, - tiveram e teem na maior estima a igreja e a Serra da Piedade, e
nela discerniram um elemento muito característico de nossa terra, assim dizer um traço mais
sensível na fisionomia das nossas montanhas. De modo que esta Serra é alguma cousa que tem o
poder de ir fixando a tradição e deve ser amparada pelo órgão encarregado de velar por ela. Por
estes motivos, como responsável pela administração deste patrimônio – territorialmente bem
definido, com marcos cravados na rocha - convicto de que se trata de um bem religioso e cultural
no sentido mais amplo do termo, queremos vê-la ao abrigo de qualquer destruição ou
deformação e aceitamos para este fim e nos termos da lei a tutela do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional.
15
Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores poetas brasileiros, era Chefe da Seção de
História daquele órgão, atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),
e escreveu, ao emitir parecer em junho de 1955:
O Reitor do Santuário de N. Sª da Piedade, com sede no município de Caeté, Minas Gerais,
solicita o tombamento do conjunto arquitetônico e paisagístico formado pelas edificações dessa
entidade e pela elevação onde se acham erigidas. O pedido está plenamente justificado por Fr.
Rosário Joffily, O.P. Trata-se de defender, contra os riscos da mineração e do desflorestamento,
uma paisagem de montanha, de rara importância e significação na história social e religiosa de
Minas Gerais. Em torno do cume onde se erige a capela, os caminhos coloniais de penetração e
15
EPHA/MG. PARECER: SERRA DA PIEDADE – PERIMETRO DE TOMBAMENTO. Belo Horizonte: IEPHA/MG,
2005, p.4.
28
exploração econômica, enquanto a ermida se constituía num centro de convergência de inúmeros
devotos e peregrinos. Este sítio tradicional, que se destaca a longa distância por sua eminência,
merece, a nosso ver, integrar-se no patrimônio histórico nacional. [...]
16
No dia 26/9/1956, o Instituto Histórico e Artístico Nacional – IPHAN efetuou o
tombamento do "Conjunto Arquitetônico e Paisagístico do Santuário de Nossa Senhora da
Piedade” através do Processo de nº 526-T-55, inscrição nº 316, na folha 53 do Livro de
Tombo Histórico e inscrição nº 16, da folha 4, do Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico
e Paisagístico.
A Constituição da República do Brasil de 1988 diz em seu artigo 216 que “Constituem
patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: (...) V - os
conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico”.
Segundo o Dr. Celso Penna Fernandes Júnior, Promotor da Comarca de Caeté em 2002:
[...] Não há qualquer dúvida de que a Serra da Piedade se enquadra nesta definição, pois é
pública e notória sua importância na história e na formação do espírito religioso do povo
mineiro, tendo por isso no interior da capela situada no seu cume, a imagem de Nossa Senhora
da Piedade, Padroeira do Estado de Minas Gerais por ato do Papa João XXIII.[...]
17
A Serra da Piedade é patrimônio cultural de Minas Gerais, objeto de especial proteção
pela Constituição Estadual de 1989, conforme disposto no artigo 208 e no artigo 84 do Ato
das Disposições Transitórias Constitucionais, que efetuou o seu tombamento para o fim de
conservação e a declarou “Monumento Natural” ao lado das serras do Caraça, do Ibitipoca e
do Cabral e dos Picos do Itabira, do Ibituruna e do Itambé.
Em 2001 o município de Caeté, através do artigo 202 da Lei Orgânica, efetuou o
tombamento do Conjunto cultural, arquitetônico, paisagístico e natural da Serra da Piedade
16
IEPHA/MG. PARECER: SERRA DA PIEDADE – PERIMETRO DE TOMBAMENTO. Belo Horizonte:
IEPHA/MG, 2005, p.4.
17
SOS SERRA DA PIEDADE. ARQUIVO. Caeté: SOS SERRA DA PIEDADE, 2002, doc. 160.
29
a partir da cota de 1200 metros até o cume, dentro dos limites do município. Criou também,
em 2003, a Área de Proteção Ambiental “Águas Serra da Piedade”, através da Lei nº 2.335,
com o objetivo de proteger os mananciais de água da Serra da Piedade.
Em 16/6/2004, o Governador de Minas Gerais, Aécio Neves, sancionou a Lei nº
15.178/04, que definiu os limites da área de conservação da Serra da Piedade, em
cumprimento ao disposto no parágrafo 1º do artigo 84 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias da Constituição do Estado. Lei esta oriunda de um projeto de lei do Deputado
Gustavo Valadares, que tramitou pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais e foi aprovado
em dois turnos por unanimidade.
Em 27/6/2005 o Conselho Curador do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e
Artístico de Minas Gerais deliberou e aprovou o parecer técnico daquele Instituto que
concluiu “que a delimitação estabelecida pela Lei nº 15.178/04 pode ser considerada como o
perímetro do tombamento estadual do Conjunto Paisagístico e Arquitetônico da Serra da
Piedade”. Conforme disse a Presidente do Conselho, Secretária de Estrado da Cultura Maria
Eleonora Barroso Santa Rosa, “hoje estamos ratificando o perímetro da Lei nº 15.178/04”.
30
Em 20/9/2005 a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura –
UNESCO – entregou oficialmente o título de “Reserva da Biosfera” ao trecho mineiro do
maciço da Serra do Espinhaço, do qual faz parte a Serra da Piedade.
Em 26/9/2005 o Conselho Curador do IEPHA deliberou e aprovou por unanimidade a
área de entorno do Monumento Natural e as diretrizes de proteção para Intervenções no
Conjunto Paisagístico da Serra da Piedade.
Santuário de Nª Sra. da Piedade
Unidades de Proteção à Serra da Piedade
Tombamento federal em 1956
Tombamento Estadual em 2004
Tombamento municipal (Caeté) em 2001
Entorno do Tombamento Estadual em 2005
APA Águas Serra da Piedade (caeté) em 2003
Em novembro de 2005 o IPHAN, o Ministério Público Estadual e o Ministério Público
Federal moveram uma ação civil pública contra a Brumafer Mineração Ltda., a Fundação
Estadual de Meio Ambiente e o Estado de Minas Gerais pela degradação causada à Serra da
Piedade, com pedido de liminar para a imediata cessação da exploração minerária na Serra da
31
Piedade e para que não fosse praticado qualquer ato administrativo tendente à renovação de
licenças e à concessão de licenças prévias na área protegida da Serra da Piedade
Em dezembro a Justiça Federal deferiu a liminar e, a partir de meados de janeiro de
2006, as atividades de exploração da Brumafer Mineração Ltda. cessaram. Após muitos anos,
uma das encostas da Serra da Piedade não era mais dinamitada diariamente.
Em 21/3/2006 o Conselho Curador do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e
Artístico de Minas Gerais deliberou e, por unanimidade, não acatou os seis pedidos de
impugnação de proprietários no perímetro tombado prevalecendo assim o tombamento da
Serra da Piedade. Foi aprovada mais uma vez a redação original do item das diretrizes que
estipulam ser incompatível a atividade de extração mineral na área tombada.
Em 19/5/2006 o Governador Aécio Neves homologou o Tombamento do Conjunto
Paisagístico da Serra da Piedade, nos municípios de Caeté e Sabará.
O tombamento estadual veio adequar o tombamento da Serra da Piedade à premissa
contemporânea de valorizar-se o conjunto configurado do bem objeto da proteção, em relação
ao tratamento isolado de parte dele, insuficiente para salvaguardar a unidade, no caso,
topográfica, paisagística, geológica, biológica e cultural – quer quanto ao valor religioso,
como em relação à própria presença do maciço em relação ao território em que se insere.
O registro do tombamento do Conjunto Paisagístico da Serra da Piedade, situado no
município de Caeté e Sabará, conforme decisão unânime do Conselho Curador do Instituto
Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – IEPHA/MG, foi inscrito no
Livro I do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, no Livro II do Tombo de Belas
Artes e no Livro III do Tombo Histórico.
32
6. Ameaça ao Patrimônio de Minas Gerais e do Brasil
Em 1997, o Conselho de Política Ambiental de Minas Gerais concedeu à Brumafer
Mineração Ltda. licenças de operação para dois processos com decretos de lavra, emitidos em
1976 e 1977, pela Presidência da República, para “local denominado Mina do Brumado”, sem
considerar que eram na Serra da Piedade e no entorno imediato do tombamento federal feito
em 1956, área esta a ser também resguardada de vários tipos de interferências.
Em julho de 2001, em audiências públicas solicitadas pela comunidade e realizadas
em Caeté e Sabará, a empresa apresentou sua pretensão de ampliar as atividades de
exploração minerária na Serra da Piedade.
Unidades de conservação e polígonos da empresa
SERRA DA PIEDADE CORTADA
Material para visualização do impacto
33
A comunidade reagiu e foi criado o movimento SOS Serra da Piedade que articulou
uma série de ações de mobilização e de intervenção junto a diversos órgãos.
Cenas da mobilização por parte da comunidade
Em 23/10/2002 foi realizada vistoria na Serra da Piedade por uma força tarefa
organizada pelo Ministério Público Estadual, a partir de denúncia feita pelo Promotor da
Comarca Dr. Celso Penna, baseada em laudo do Centro de Apoio Operacional do Ministério
Público.
Vistoria na Serra da Piedade
Em 8/7/2003, o Ministério Público liberou o primeiro laudo, no qual constou que as
operações de lavra estavam sendo executadas fora da área autorizada pelo Departamento
Nacional de Produção Mineral, que as evidencias demonstravam que houve invasão da área
de alvará de pesquisa, ficando configurado “lavra clandestina”, e que não foram localizados
em campo os marcos geodésicos.
34
Em 8/9/2003, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, por meio da
Coordenadoria das Promotorias Ambientais das Bacias dos Rios das Velhas e Paraopeba,
firmou um TAC - Termo Preliminar de Compromisso Ajustamento de Conduta - com a
Brumafer Mineração Ltda., com treze cláusulas.
Em agosto de 2004, aconteceu primeira tentativa de descaracterizar a proteção
Estadual à Serra da Piedade, tentativa esta coordenada pelo Instituto Estadual de Florestas
(IEF). O órgão realizou audiências públicas em Caeté e Sabará para apresentar sua proposta
para a unidade de conservação “Monumento Natural da Serra da Piedade”. A proposta não foi
aceita pela comunidade presente, por não contemplar a delimitação legal definida pela Lei
15.178/2004. Deixava de fora precisamente toda a área de interesse da Brumafer Mineração
Ltda. e da Valourec & Mannesmann Mineração Ltda.
Mapa com a proposta do IEF
Em 1/9/2005, aconteceu a segunda tentativa de comprometer a proteção estadual à
Serra da Piedade, mais uma vez capitaneada pelo IEF, em reunião com o Secretário de Estado
de Meio Ambiente José Carlos de Carvalho.
35
O Reitor do Santuário, Pe. Marcos Antonio Gomes, compareceu à reunião
acompanhado da Dra. Márcia Capanema do Ministério Público Federal, do Dr. Marcos Paulo
do Ministério Público Estadual, do Deputado Gustavo Valadares, de Hilda Bicalho
representando o Conselho de Meio Ambiente, CODEMA, de Caeté e de Jair José Dias
representando o SOS Serra da Piedade. Foram recebidos pelo Secretário de Estado,
acompanhado dos senhores Otávio Elízio Alves de Brito, então Presidente do IEPHA, Célio
Vale e Francisco Mourão, do IEF. Nesta reunião, ficou patente a surpresa dos representantes
governamentais, com a presença de convidados de Pe. Marcos.
O objetivo da reunião era apresentar a proposta de um decreto com área para o
Monumento Natural Serra da Piedade, denominada por eles de área “ampliada”. Mas, na
realidade, a proposta não contemplava os limites definidos pela Lei nº 15.178/04. Era a
mesma, tentativa de manobra, apresentada pelo IEF às comunidades de Caeté e Sabará em
agosto de 2004, que deixava de fora do monumento precisamente as áreas de interesse da
Brumafer Mineração Ltda. e da V&M Mineração Ltda. Os representantes dos Ministérios
Públicos foram muito firmes, ao se posicionar no sentido de que qualquer unidade de
conservação terá que obrigatoriamente contemplar os limites, já definidos por lei e ratificados
pelo Conselho Curador do IEPHA. No dia seguinte os Ministérios Públicos Estadual e Federal
encaminharam uma recomendação, assinada em conjunto, à FEAM, à SEMAD e ao IEF que
se assegurasse o perímetro definido pela Lei nº 15.178/04.
Em novembro de 2005, o IPHAN, o Ministério Público Estadual e o Ministério
Público Federal moveram uma ação civil pública contra a Brumafer Mineração Ltda., a
FEAM e o Estado de Minas Gerais pela degradação causada à Serra da Piedade, com pedido
de liminar para a imediata cessação da exploração mineraria na Serra da Piedade e para que
não fosse praticado qualquer ato administrativo tendente à renovação de licenças e à
concessão de licenças prévias na área protegida da Serra da Piedade. Em dezembro, a Justiça
Federal deferiu a liminar e, em meados de janeiro de 2006, foram interrompidas as atividades
de exploração da Brumafer Mineração Ltda., e com isto, as explosões diárias que a punham
abaixo.
36
Em maio de 2006, aconteceu a terceira tentativa, manobra para mutilar a proteção
estadual à Serra da Piedade, desta vez partindo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais. A
um projeto de lei que tratava da doação de imóvel do Estado ao Centro Federal TecnológicoCEFET, do município de Lima Duarte, o autor, Deputado Luiz Fernando Faria, inseriu, ao
longo do processo de apreciação do projeto, um artigo novo e inusitado. Neste, eram alteradas
as coordenadas do perímetro de tombamento estabelecidas pela Lei 15.178/04. O Governador
Aécio Neves sancionou o projeto, com a inadvertida alteração, como a Lei nº 16.133 no dia
26 de maio de 2006.
Tombamento Federal em 1956
Tombamento Estadual - Lei 15.178/2004
Alteração dos limites – Lei 16.133/2006
Mapa com a Lei 15.178/04 e a Lei 16.133/06
No início de julho de 2006, o Santuário de Nossa Senhora da Piedade, as Associações
Comunitárias dos Cedros e de Quintas da Serra, o Movimento Artístico, Cultural e Ambiental
de Caeté- MACACA e três membros do SOS Serra da Piedade, entregaram ao Ministério
Público Estadual uma representação.
Este moveu, em agosto desse ano, uma Ação Civil Pública pela nulidade da Lei
16.133/2006 em razão dos vícios de objeto, finalidade, legalidade e forma.
37
Em 10/1/2007 foi deferida a liminar pleiteada nos autos dessa ação civil pública, nos
seguintes termos:
[...] Pelo exposto, ante os argumentos outrora expendidos, hei por bem, a partir do
reconhecimento difuso de inconstitucionalidade e ilegalidade da Lei 16133/2006, impor aos
réus [Estado de Minas Gerais, Instituto Estadual de Florestas e Brumafer], em sede liminar, a
obrigação de não fazer consistente, em absterem-se de aplicar tal norma para a prática de
qualquer ato administrativo, mormente aqueles tendentes à expedição de licenças ou
autorizações ambientais, prevalecendo incólume a área de preservação definida pela Lei
15.178/2004 até final julgamento. [...]
18
Em outubro de 2007, Alice Okawara, cidadã caeteense preocupada com a degradação
da Serra da Piedade, fez um sobrevôo de uma hora e trinta minutos à Serra da Piedade, para
fotografar e conseguir imagens aéreas da descaracterização causada pela mineração neste
patrimônio de Minas Gerais e do Brasil.
Visão aérea da vertente minerada da Serra da Piedade
18
SOS SERRA DA PIEDADE. ARQUIVO. Caeté: SOS SERRA DA PIEDADE, 2005, doc. 571.
38
Visão aérea da vertente minerada da Serra da Piedade
Apesar de todos os mecanismos de proteção, já consolidados em nível municipal,
estadual e federal, a situação atual é de enorme pressão.
A Mineração Serra Azul Ltda, do Grupo AVG, que adquiriu a Brumafer Mineração
Ltda., para encerrar a ação na justiça federal, viabilizar os licenciamentos pretendidos e
retomar as atividades na área, apresentou, no início de 2008, uma proposta para recuperação
do passivo ambiental deixado pela antecessora, com três cenários de extração de minério de
ferro: 15,20 ou 25 anos de atividade.
Desde essa época, diversas iniciativas têm sido desenvolvidas pela empresa que quer
dar continuidade à mineração da Serra da Piedade, e seu grupo de pressão, junto à Assembléia
Legislativa de Minas Gerais, Governo do Estado, Arquidiocese de Belo Horizonte, IEPHA,
IPHAN, Ordem dos Advogados do Brasil, Prefeituras e Câmaras Municipais de Caeté e
Sabará, para conseguir apoio político e institucional às suas pretensões, único caminho para
retroceder na proteção jurídica já existente nos diversos mecanismos de proteção.
39
Esses fatos são muito graves no Estado de Minas Gerais, onde a atividade de
mineração tem trânsito facilitado junto à governança, em seus diversos âmbitos, pela
permanente tentativa de alterar os limites de proteção legal através de recorrentes manobras
jurídicas e políticas em diversos segmentos públicos, configurando uma ameaça constante à
Serra da Piedade e ao Santuário de Nossa Senhora da Piedade.
Colocam em risco mais de 200 anos de história e cultura, o referencial religioso e
paisagístico do povo mineiro.
Não respeitam os anseios da comunidade católica e dos visitantes, de todos os lugares
de Minas Gerais, Brasil e do mundo, que desejam a Serra da Piedade preservada e o
manifestam sempre que solicitados, como durante o jubileu de 2007, onde mais de 20.000
pessoas assinaram manifesto pela preservação da Serra da Piedade.
Jogam por terra a dedicação e empenho pessoal de personagens como Bracarena,
Padre Gonçalves Pereira, Frei Luiz de Ravena, Frei Francisco Coriolando, Padre Domingos
Evangelista Pinheiro e Frei Rosário Jofilly, que dedicaram a esta Serra, alta e resplandecente,
de Nossa Senhora da Piedade, e ao Santuário, suas vidas e fé cristãs.
Mancham os atos das autoridades católicas, como os Papas Pio IX e João XXIII, a
Cúria Eclesiástica de Mariana no final do século XVIII e o episcopado mineiro ao longo de
mais de 200 anos.
Descaracterizam o lugar sagrado, Santuário de Nossa Senhora, imprescindível para a
comunhão com Deus daqueles que ali vão para rezar e buscar a paz, desde épocas mais
remotas.
O Cardeal Motta, em sua oração durante a Consagração do Estado de Minas Gerais a
Nossa Senhora da Piedade, no dia 31 de julho de 1960, disse:
[...] O profeta Isaias anunciou que, em tempos mais futuros, haveria um monte transformado
em casa do Senhor e culminante sobre o vértice dos outros montes: ET ERIT IN NOVISSIMIS
40
DIEBUS PRAEPARATUS MONS DOMUS DOMINI IN VERTICE MONTIUM. E para nós,
mineiros, está realizada a profecia: - o monte é a Serra da Piedade: - a casa do Senhor é a
alva igrejinha do alto da Serra, em cujo sacrário eucarístico se verifica a presença real de
Cristo Nosso Senhor; e, em cujo altar mora a Mãe do Senhor, figurada na sua antiga e
artística Imagem da Piedade. [...] 19
Todos os que amam este lugar, especialmente a comunidade católica que ali tem o
Santuário de sua Padroeira, Nossa Senhora da Piedade, não desejam que o seu destino seja
semelhante ao do Pico de Itabirito, também declarado Monumento Natural de Minas Gerais,
com suas vertentes dilaceradas após 50 anos de atividade de mineração.
Pico de Itabirito - 1950
Pico de Itabirito – 2001
Após 50 anos de atividade de mineração
19
CONSAGRAÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS A NOSSA SENHORA. Belo Horizonte: Imprensa Oficial.
1961.
41
Referências Bibliográficas
COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS – Universidade Federal de Minas
Gerais. Serra da Piedade. – 2ª Edição - Belo Horizonte: Cemig, 2004
CONSAGRAÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS A NOSSA SENHORA. Belo
Horizonte: Imprensa Oficial, 1961.
IEPHA/MG. PROCESSO DE TOMBAMENTO. Conjunto Paisagístico da Serra da Piedade.
Belo Horizonte: IEPHA/MG, 2005. Circulação Interna.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Relatório Cultural Serra da
Piedade. CAO-MA/MP MG, 2003. Circulação Interna.
SOS SERRA DA PIEDADE. Documentos diversos.
TORRES, J. C. O. Vigília na Serra da Piedade. Belo Horizonte: Editora Vigília Ltda., 1962.
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