[sp - 1] estado/primeira/páginas 12/04/15

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O ESTADO DE S. PAULO
DOMINGO, 12 DE ABRIL DE 2015
Metrópole A23
Impactos de incêndio vão durar 5 anos
Especialista aponta contaminação nos arredores dos tanques em Santos; poluentes podem causar chuva ácida e afetar a Serra do Mar
FOTOS: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO
Diego Zanchetta
Fábio de Castro
Os impactos ambientais do
incêndio que atingiu seis tanques de uma empresa de Santos, na semana passada, poderão durar pelo menos cinco
anos, contaminando plantas
e animais. Além disso, com a
emissão de poluentes na atmosfera, existe a possibilidade de ocorrência de chuvas
ácidas, o que comprometeria
a vegetação da Serra do Mar.
O alerta é do zoólogo Marcelo Pinheiro, do Campus Litoral Paulista da Unesp.
Oincêndio noterminal daUltracargo – o maior já registrado
no Estado de São Paulo – só foi
declarado extinto pelo Corpo
deBombeirosnasexta-feira,nove dias após ter começado.
Segundo a Companhia Ambiental do Estado (Cetesb), até
agora todos os esforços haviam
sido concentrados no controle
doincêndioeaavaliaçãodos danos ambientais terá início só
após o rescaldo. Mas, segundo
Pinheiro,é provável quea situação da área de estuário e dos
manguezais, que já era crítica,
fique ainda pior: bilhões de litros de água que foram usados
no resfriamento dos tanques
voltaram para o ecossistema
aquático com resíduos do combustível e dos produtos químicosquecompõemaespumausada para debelar o fogo.
“Não podemos ainda prever
com precisão quanto vai durar
oimpacto. Mas,dependendo da
composição química da espuma e da quantidade utilizada,
vai levar de cinco a dez anos para que a natureza se recupere e
volte à situação original. Na
água, esse produto poderá reagir com outros resíduos químicos, formando compostos mais
tóxicos. A contaminação pode
repercutir por toda a cadeia alimentar”, disse Pinheiro. “Além
Rio Casqueiro e palafitas. Vidas dependentes do mangue
Dia perdido. Moradores de colônia na região vivem exclusivamente da pesca da tainha
disso, os poluentes lançados na
atmosferapodem formar a chuva ácida, que queima o tecido
dasfolhaseimpedeafotossíntese, matando a vegetação.”
Segundo o gerente da Agência Ambiental de Santos na
Cetesb, Carlos Eduardo Padovan Valente, ainda não foram
detectadas alterações consideráveis na qualidade do ar. Mas a
● Nova explosão
Na noite de ontem, um forte estrondo foi ouvido na região da
Alemoa. Segundo os bombeiros,
o barulho surgiu após ignição
espontânea do gás acumulado
no local. O fogo foi controlado.
quantidadedeoxigêniodisponívelnaáguafoireduzidadramaticamente e a temperatura subiu
7˚C acima do tolerável para os
peixes, o que causou a morte de
oitotoneladasdeles.“Desdedomingo passado não temos mortes de peixes.”
As consequências imediatas,
porém, são visíveis na região do
incêndio. Na Favela Chico de
Paula, no mangue ao lado do
Porto de Santos, o cheiro lembra o de posto de combustível.
Nos carros, moradores apontam marcas de pingos pretos e a
fuligem vinda do pátio da Ultracargo, a menos de 500 metros
de palafitas e barracos, onde
moram cerca de 30 mil pessoas.
A fumaça preta que cobriu a
comunidade também agravou a
situação de moradores que sofrem de doenças respiratórias.
“Estou com uma dor de cabeça
que não passa. Quando bate um
vento e a fumaça vem com mais
força, a gente tem até de fechar
a janela”, disse a dona de casa
Ana Paula Palhas, de 38 anos.
Ana Paula pretendia ir embora do bairro até que as explosões na área do incêndio parassem. “Não consigo dormir de
medo. Quando dá um estouro,
todo mundo sai na rua.”
Na comunidade vizinha, o
Jardim São Manoel, os relatos
de problemas respiratórios,
principalmente entre idosos,
se repetem. “Não consigo comer, nada para no estômago. O
Crianças no cais. Mais de 8 toneladas de peixes morreram
cheiro vem e já dá aquela ânsia.
Parece que estou tomando gasolina”, disse o mecânico José
Marques, de 78 anos.
Mas problema pior enfrenta
quemjá tembronquiteouasma.
Comolhosvermelhosetosseseca, a diarista Joselina Barbosa
Souza, de 54 anos, afirmou ter
feito inalação todos os dias desde o início do incêndio.
Pesca comprometida. É do
mangueque recebe as águas poluídas do Rio Casqueiro que José Antonio dos Santos, de 49
anos,retiratainhasparaalimentar as três filhas. Com o incêndio, a pesca foi proibida.
“Já proibiram a gente de pegar o caranguejo-uçá, dizendo
que ele está em extinção. Agora
vão proibir a tainha, o que vamos comer?”, indagava Santina
Barros, de 64 anos, presidente
da Colônia de Pescadores. Segundo ela, 120 moradores do
bairro vivem exclusivamente
da pesca da tainha.
NA WEB
Portal. Veja fotos
da comunidade
no mangue
estadao.com.br/e/santosmangue
Vídeo. Incêndio em tanques traz
medo a moradores da cidade
estadao.com.br/e/santosvideo
TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO
Alerta. Chalela Júnior (à dir.) monitora os arredores
Fogo chegou próximo
de material tóxico
Perto dos tanques que
guardavam a substância
altamente explosiva
moram cerca de 30 mil
pessoas em favelas
Durante o incêndio na Ultracargo, 30 mil moradores de favelas
da região conviveram com o riscodeum acidentededimensões
ainda mais dramáticas. A menos
de 300 metros dos tanques de
combustíveis que queimaram
em labaredas de até 20 metros,
homens do Exército e da Defesa
Civil Estadual tentavam manter
resfriados cinco tanques com
acrilatodebutila,compostoquímico tóxico usado na produção
de tintas e resinas.
A preocupação era que a temperatura alta no pátio da Ultracargo solidificasse o acrilato,
produzindo uma grande explosão que poderia espalhar o incêndio para outros tanques.
DeacordocomoquímicoReinaldo Bazito, do Instituto de
Química da Universidade de
SãoPaulo(USP),oacrilatolíquidoétóxicoealtamenteinflamável. “O aquecimento no tanque
poderia resultar em uma reação
bastante violenta, que produzi-
ria compostos venenosos, como o monóxido de carbono. Se
isso fosse combinado com o fogo, haveria uma explosão.”
Mesmo com esse risco e com
o Rio Casqueiro contaminado
pela gasolina que vazava dos
tanques, pescadores seguiram
trabalhando no mangue ao lado
da região portuária. “Nossa
preocupação é com os possíveis
vazamentosnotanquedoacrilato.Estamosmonitorando24horaspordiaumaregiãode5quilômetros quadrados ao redor do
incêndio”, afirmou o general
JoãoChalelaJúnior,quecomandava peritos do 1.º Batalhão de
DefesaQuímica,BiológicaeNuclear do Exército, na tentativa
dedetectaralgumpossívelvazamento de acrilato.
O grupo usou um aparelho de
alta tecnologia chamado Sigis,
programado para encontrar a
substância. Homens da Marinha também foram ao local para avaliar a possibilidade de
transbordo do acrilato.
Segundo a Ultracargo, os tanquesquearmazenavamoproduto não ficam em área contígua à
que foi afetada pelo fogo. Como
cuidado adicional, a substância
foi remanejada para um local
mais afastado no terminal.