Séc. XXI: Liderança e Democracia novos paradigmas

Transcrição

Séc. XXI: Liderança e Democracia novos paradigmas
Séc. XXI:
Liderança e Democracia
novos paradigmas
Grupo:
conjunto de diferentes
com poder criativo.
Nelson Trindade
2012
Ponto de Partida
Na natureza a igualdade não existe: não há 2 árvores iguais, 2 animais iguais , 2
pessoas iguais. A diferença é a regra.
Igualdade é uma abstracção cientifica para facilitar a compreensão das
diferenças: os micróbios são iguais, nessa igualdade as bactérias são diferentes
dos vírus, e nestes os vírus A são diferentes dos B, etc.
Há igualdades parciais, na totalidade da unidade tudo é diferente de tudo.
Democracia é a gestão de um grupo com certas igualdades parciais (local
nascimento, descendência familiar, património comum, etc.) e cheio de
diferenças individuais.
"Agarrando" algumas igualdades de opinião, PARTEM-SE do conjunto e formam
um PARTIDO.
Porém, levam consigo o "vírus" da diferença individual e mais tarde tornam-se a
partir, ou mudam, ou o partido esmaga a diferença com "disciplina partidária".
A Democracia actual é uma técnica de liderança dentro do paradigma da
igualdade na superfície, esquecendo a diferença na base. Na complexidade
social actual já surgem os "bugs" desta violência.
A Democracia (já em "nascença") propõe o jogo dentro da diferença real dos
cidadãos, esquecendo o mito da sua igualdade total.
As regras vão mudar.
Em vez da pressão à igualdade, a técnica é a rentabilização das diferenças que
a vida constrói. Temos que deixar de andar "partidos".
Ou melhor, deixar de ser "esquizofrénicos políticos".
Ponto de chegada
Ao longo dos tempos, as técnicas de Liderança foram evoluindo em função das
características das sociedades e das análises dos factores de funcionamento.
Todavia, o seu objectivo e paradigma manteve-se o mesmo: gerir o esforço
colectivo e basear-se no grupo como conjunto de iguais.
Hoje, o objectivo mantém-se, mas o paradigma mudou.
A característica fundamental dos grupos é a sua diferença intrínseca. As
técnicas de liderança estão adquirindo um novo modus faciendi, e com isso as
sociedades e a sua Democracia também vão alterar as suas características.
Uma nova “vaga” de mudança está em curso.
Ao longo dos séculos, a cultura portuguesa sempre foi boa a navegar em vagas
de mudança, só nos resta ser Portugueses na Europa e não Europeus em
Portugal.
A “pequena diferença” é fundamental.
2
Introdução: Liderança e Democracia
O conceito de Liderança refere-se à técnica social utilizada para obtenção de
esforços conjuntos.
Quando esta Liderança se aplica politicamente a grandes grupos possuidores de um
património comum existem três modelos mais divulgados: monarquia, democracia e
ditadura.
Na História Humana a Liderança sempre existiu, pois sempre existiram esforços
conjuntos, todavia o conceito só se corporiza nos finais do século XIX através da
ideia de “leader”, ou seja, aquele que conseguia ter o controlo dos grupos (to lead)1.
Na verdade, mesmo na Pré-História, quando mãe e bebé se têm que adaptar
corporalmente para o mamar ser possível, pode surgir uma mãe-líder a quem o filholiderado se acomoda para conseguir comer ou um filho-líder ao qual mãe-liderada se
submete para o alimentar2.
O mais vulgar numa relação mãe-bebé é a sua eficaz cooperação, ou seja, os dois
trocam e sincronizam constantemente papéis socais de “acção-coacção” para uma
maior eficácia na integração de esforços: não há líder-liderado instituído, há apenas
liderança com papéis volúveis.
Hoje, o conceito liderança contem 3 factores inter-actuantes: um par indissociável
“líder e liderado” 3 e a “situação” que une e condiciona ambos.
Pensar o líder como algo independente e autónomo em função dos seus genes é tão
primitivo como imaginar o planeta Terra movendo-se autonomamente no espaço. É
um raciocínio mágico-religioso.
Regressando ao exemplo da mãe a dar de mamar ao filho, os dois modelos citados,
“um manda e o outro obedece” ou “ambos se sincronizam”, oscilaram continuamente
entre si nas diferentes culturas da História Humana, significando sempre métodos de
obtenção de esforços conjuntos.
Desde a cooperação à escravatura, da imposição à decisão em conselho, de
prisioneiros de guerra à sua integração na comunidade4. Ao longo da História, na
gestão das comunidades, os sistemas e suas variantes foram diversos.
1
- ver Anexo: Evolução da Liderança.
2
- Só por observar como uma mãe dá de mamar ao bebé, pode reconhecer-se o modelo relacional de liderança
utilizada.
3
- Mantém-se os nomes tradicionais, apesar de já existirem outras denominações com significado diferente, por
exemplo, follower que só apareceu em 1967 com Ryan Lanino, “Followership the rising power beyond the
leadership”; B. Kellerman (Harvard) (2008) com “Followership: how followers are creating change and
changing leaders” e recentemente (2012) “The end of leadership”.
4
- Caso dos judeus e D. Afonso Henriques que não só os integrou como lhes deu autonomia com representante
politico. Por exemplo, nomeou o rabino Yahia Ben Yahia responsável pela colecta de impostos do reino.
Ver “Judeus e Árabes na Peninsula Ibérica”, de vários autores, esgotado.
3
Qualquer estudo histórico, sociológico, cultural, antropológico ou económico,
expressa sempre vantagens e inconvenientes dos diferentes modelos descritos, e da
sua maior ou menor eficácia na adaptação ou desadaptação conseguida aos
contextos em vigoravam. Na prática, expresso ou não, os autores acabam sempre
por considerar os três factores em jogo na sua inter-dependência: líder-lideradosituação.
Assim, como ponto de partida, considera-se que ser partidário do modelo ideal de
liderança é um fanatismo inglório, argumentar que esse modelo no passado foi bom
é um autismo cultural, ver a liderança como característica pessoal, esquecendo que
é sempre relação com outro, é uma cegueira psicótica.
Liderança existe, mas ela só aparece através dos modelos que a expressam.
Discuti-la é apenas discutir esses modelos. Neles, a par das diferenças, o objectivo
é sempre uma semelhança: obtenção de esforço conjunto.
Esforço conjunto
Na evolução das civilizações, pode considerar-se que o esforço conjunto teve duas
grandes épocas, a sua fronteira encontra-se no século XX. Primeiro, o foco foi no
esforço físico, depois centrou-se no esforço mental9.
Esta mudança arrastou consigo diferenças nos paradigmas que sustentavam as
diferenças técnicas de integração de esforços e, principalmente, no próprio conceito
de grupo em que os paradigmas se baseavam.
Na época centrada no esforço físico5 o grupo ideal era visto como um conjunto de
iguais, onde a diferença era um “mal” a compensar com a sua redução através de
doutrinação, disciplina, exclusão6, etc.
Na época do esforço mental esta perspectiva ainda continuou viva, todavia
“nuanceada” com técnicas complementares que rentabilizassem o trabalho mental,
por exemplo, criar dois grupos, um de “iguais a fazer” e outro de “iguais a pensar”7.
A integração era obtida por REGRAS, em que uns pensavam e definiam o que fazer
e como fazer e os outros obedeciam e não pensavam, a disciplina era o cimento.
Tecnicamente, o modelo chamou-se BUROCRACIA8.
O modelo Burocracia criou uma fase intermédia, fins séc. XIX - início séc. XX, como
uma primeira integração dos dois paradigmas. Surgiu o esforço organizacional,
conhecido por massificação.9
5
6
7
- mas não só.
- vide as organizações partidárias, politicas, religiosas, etc
-“não estás cá para pensar, estás para fazer”- frase típica da época, respondida “assertivamente” com YES SIR
8
- Origem francesa, de “bureau” (mesa, secretária, escritório), aparece no século XVIII ( Vincent de Gournay),
mas é Max Weber (1864-1920) que lhe dá um grande impulso.
9
- vide anexo “Evolução da liderança”.
4
É nesta época que surge o conceito Liderança, complementando mas distinto do
conceito de líder, referindo-se não à pessoa mas à técnica utilizada para criar
esforço conjunto.
Como consequência, e para manter a operacionalidade e dominância do conceito de
líder, a liderança é “vendida” como característica genética do líder.
Neste nascer de diferentes concepções10, aparecem modelos adaptados a várias
situações e épocas históricas. Esses modelos, em suas multi-nuances, podem ser
agrupadas em 2 grande grupos:
-
focalizados na “justaposição” de esforços;
por ex, arrastar um objecto pesado ou a organização de combate em
formatura.11
-
os que se focalizam na “integração” de esforços;
por ex, equipas de futebol ou a organização de combate em guerrilha11.
O primeiro grupo preocupa-se em fomentar “ordem e direcção” nas acções,
procurando aglomerar e unir as acções individuais e impedir as disrupções. A cada
elemento base do conjunto é apenas exigido “esforço intenso” e “cumprimento de
orientações”.
Funciona bem em situações simplificadas, estáticas, previsíveis e sem necessidade
de decisões em tempo real.12
O segundo grupo preocupa-se em fomentar “organização e adaptação”, pelo que
procura aumentar inter-relações, potenciar cooperação e colaboração em tempo real
e intensificar adaptação à situação.
Funciona bem em situações complexas, mutantes, dinâmicas em imprevisibilidade e
incerteza, e com necessidade de decisões em tempo real. 12
A crucial diferença entre os dois grupos é que no segundo é exigido a cada
elemento actuante que esteja “mentalmente activo”. O “zombismo”13 é a sua
doença mortal.
O principal problema trazido com este modelo é que, estar “mentalmente activo e
tomar decisões” por parte de cada elemento, significa que este fica com uma parte
do controlo, por outras palavras, também lidera.14
O segundo problema é que em grupos complexos (a sociedade actual) esta
liderança partilhada (Democracia) não pode ter técnicas primárias13. Na teoria dos
sistemas o sistema de controlo tem sempre que ser mais complexo que o sistema
controlado.
10
- Existe uma extensa lista de variabilidade de teorias e modelos sobre os conceitos de líder e liderança.
Actualmente há cerca de "1.500 definições de líder" e "40 teorias de liderança", segundo Deborah Rhode e
Amanda Packel, em Leadership Law, Policy and Management, 2011, pag 6
11
- As diferenças e suas várias contaminações são melhor evidenciadas na História militar.
12
13
14
- vide pag 28, Batalha de Trafalgar, no Anexo “Evolução da Liderança”.
- vide pag. 22 no Anexo “Evolução da Liderança”.
- vide anexo: Evolução da Liderança
5
O conceito de grupo como conjunto de iguais tem que mudar, o novo paradigma tem
que ser grupo “como conjunto de diferentes”.
Este novo paradigma arrasta mudanças no conceito de partido, de participação
democrática, de controlos e poder politico e, basicamente, no modo como se vive
Democracia, intra e inter-Países.15
Se se reparar nos conflitos pontuais, soluções surgidas, posições parciais já
tomadas em vários países e problemas, os sintomas são claros da orientação e da
expansão (ainda não, da intensidade) da mudança para o novo paradigma.
Grupo e conjunto de diferentes
O que está em causa no conceito de grupo é a dinâmica de “dependência e
autonomia” individual que, na prática, são contraditórias.
O conceito de autonomia pode ser definido como a “capacitação de pensar/actuar
sem necessitar de dependência” e também “autodeterminação, possibilidade de
estabelecer as suas próprias normas”16.
Por sua vez, dependência expressa-se como “subordinação”, e também “em função
de...”, e “estar com...(parelha)”16.
Por fim, apesar de variantes na definição de grupo, todas começam como “um
conjunto de indivíduos que se relacionam entre si…..”
Em conclusão, o grupo pressupõe inter-relação pessoal, mas inter-relação pessoal
pressupõe condicionamento à relação, logo não autonomia. A contradição nasceu.
O paradoxo está criado: a essência do grupo é dependência do todo, a essência do
individuo é autonomia.
O paradoxo da Democracia como grupo alargado é inerente: a essência da
Democracia é dependência do todo, a essência do cidadão é autonomia.
Como extremos, o anarquismo empurra para a debilidade da dependência, a
ditadura empurra para a debilidade da autonomia. A actual Democracia empurra
para o reforço da esquizofrenia: “ora é, ora não é...depende ...”17
A recusa deste paradoxo tem várias tentativas teóricas feitas. Surgiram conceitos de
co-dependência, inter-dependência, intra-dependência18. A Democracia como
15
16
17
18
- Caso União Europeia.
- in Dicionário de Língua Portuguesa.
- [...és autónomo: vem para o partido !!! Vens para o partido: obedece !!!]
- co-dependência: esqueço-me de mim e dependo de ti inter-dependência, dependo de ti e tu de mim;
intra-dependência no plano grupal, isto é, co-estabeleço a regra e dependo dela.
6
esquizofrenia utiliza esta última, é o seu sustentáculo e ideal mítico perseguido.
Na intra-dependência, todos são autónomos, por isso estabelecem a regra a seguir,
depois a seguir todos são dependentes dela, logo perdem a autonomia.
No caso da Democracia esta é a sua base teórica, pois todos são cidadãos iguais
com a mesma autonomia no dia das eleições e, depois durante 1.825 dias (4 anos),
todos são cidadãos iguais na dependência ao que foi (e será) estabelecido19.
Simplesmente este processo tem um “bug” pois, após a eleição, os “iguais na
dependência” dividem-se em 2 grupos:
1 – o maior grupo, aqueles que ficam sem autonomia nenhuma (o cidadão normal);
2 – um pequeno grupo, aqueles que ficam com alguma autonomia, isto é, os eleitos
que depois fazem as regras de dependência (por ex.,leis gerais, impostos, etc) e
também os nomeados e os eleitos que as aplicam.
Em resumo, o grande grupo fica só dependente, mas um pequeno grupo fica com a
autonomia de definir a sua própria dependência.
Por exemplo, no caso de Hitler, ele foi eleito democraticamente mas, depois de
eleito, ele próprio com as leis que fez, definiu a sua própria dependência como
“autonomia”, instituindo democraticamente a ditadura20.
Em séculos passados, pelas características sociais de poucas e lentas mudanças
em simultâneo com grande estratificação social e pouca diferenciação, o conceito de
grupo aproximava-se muito de um “conjunto de cópias iguais”, formatadas por
“adaptação” pressionada em recrutas e estágios, por ex., militares, em ordens e
seitas laicas e/ou religiosas e/ou politicas.
Na 1ª metade do séc. XX, esta tendência de “fabricar grupos por cópias iguais” teve
expressão acabada e intensificada nos processos de “massificação”21.
Este movimento de massificação foi bem nítido e invasor de todos os níveis da
sociedade, desde sistemas políticos com seus partidos e organizações (de direita e
esquerda, democracias e ditaduras) até estratégias militares e pedagogias
educativas, passando por arquitecturas de bairros uniformes.
O mote a seguir era: “o diferente está errado” 22.
A 2ª guerra mundial apesar de ter raízes na massificação, já contem vírus da
diferenciação...na arte, na moda, nos movimentos de libertação (USA, 28 Fev. 1909,
1º dia nacional da mulher), etc.
Nos finais do século XX, com o impulso do pós-guerra, a diferenciação começa a
criar cidadania. O diferente começa a fazer parte das metodologias.
19
-
No caso da monarquia este dia de autonomia não existe, pois o rei é automaticamente legalizado pela
legitimidade da relação sexual que lhe deu origem. O bastardo está fora desta legitimidade.
20
- Na História há várias situações destas, todavia é mais vulgar a nível da “ditadura doce”, onde o suborno
e/ou o diplomaticamente chamado “abuso da autoridade” fazem parte. Ver M. Duverger.
21
- Vídeo anexo “Evolução da liderança.”
22
- Ou no ditado popular “prego que sobressai é para levar martelada”.
7
Com o romper do novo século a noção de grupo altera-se, incorpora o diferente. Em
vez de querer reduzir o paradoxo, que foi a técnica utilizada até então, a solução
surgida é o oposto, isto é, aproveitá-lo e potenciá-lo.
A Democracia pode desenvolver-se, tem novos paradigmas onde se sustentar.
Neste novo paradigma, grupo é um paradoxo vivo.
Entende-se por paradoxo “uma contradição23 em circulo vicioso de auto referência”.
Quando o paradoxo desaparece o grupo morre.24
Explicitando:
A essência de um grupo é participação.
Participar é pôr a sua diferença ao serviço dos outros e simultaneamente manter e
aumentar a unidade do conjunto: “se não tenho diferença não sou preciso, se não
faço unidade não sou aceite”. O paradoxo está instalado, pois
quanto maior é a unidade menor é a diferença,
quanto maior é a diferença menor é a unidade.
As diferenças instaladas são a riqueza do grupo mas são também a base do conflito.
A unidade é o fim do conflito, mas é também a pobreza do poder criativo do grupo.
Reduzindo as diferenças aumenta a unidade dos grupos, mas reduz a sua potência
(criatividade)25 e o seu poder. Aumentando as diferenças reduz a unidade, mas
aumenta a sua potência (criatividade) e o seu poder. O ciclo vicioso está criado: forte
e estático ou flexível e dinâmico.
Numa alegoria, pode dizer-se que um grupo é um paradoxo que vive na “lâmina de
uma navalha,...se cai para um dos lados morre, se fica quieto é cortado ao meio. A
única solução é não parar, progredir constantemente em flexibilidade e movimento”.
O “quietismo” leva à apatia e ao desfazer do grupo, as multidões só existem se
forem constantemente estimuladas, pelo que muitas vezes o ataque “primário” para
a enfraquecer origina o seu fortalecimento26.
A análise de grupos no contexto actual (partidos, famílias, sociedade, empresas,...)
mostra claramente uma má gestão das diferenças na sua relação com a saúde
grupal. Ainda usam o “esmagamento”: a diferença resolve-se transformando-a em
igualdade, a isso chama-se consenso.
Deste modo a integração não é conseguida, o grupo definha e morre...ou parte-se
em “partidos” (facções).
23
- Contradição quando se afirma e se nega simultaneamente algo sobre a mesma coisa. Duas proposições
contraditórias não podem ser ambas falsas ou ambas verdadeiras ao mesmo tempo.
Ver Mao Tse Tung, “A propos de la contradiction”, Paris
24
- Vidé Kenwyn Smith e David Berg, “The life of groups”
25
- Maquiavel, “Príncipe” (...a multidão e a potência), Spinoza (potência e espontaneidade), A. Negri (poder é a
potência em ação).
São 2 variáveis distintas, ex.: [...é uma mota de grande potência mas com pouco poder, é muito pesada.]
26
- C.Borsch, 2012, “The Politics of Crowds”: Erro vulgar no confronto policia-multidão. Ver o filme “Battle in
Seattle” sobre conflitos de 1999 na conferência WTO-World Trade Organization e estudos posteriores sobre os
confrontos de “Maio 68, Paris”.
8
Por erros conceptuais vindos do passado, implementam-se “soluções que são contra
solução”. Quer isto dizer que a um erro se junta outro originando um “ponto sem
retorno”, ou seja, não só não resolve como, a partir de agora, cria uma situação em
que qualquer outra tentativa de solução é difícil ou impossível.
Nos sistemas sociais, esta alternativa é uma espécie de suicídio camuflado
“...depois do navio afundado não há solução para navegar” 27.
A nível do grupo, este paradoxo intrínseco manifesta-se nas acções, emoções, e
pensamentos contraditórios que o atravessam, originando tensões, bloqueios,
fracções, conflitos.
Por ex., o medo da perda de individualidade “cola-se à sua contradição” o conforto
da segurança na unidade, a alegria da inclusão junta-se à angústia de exclusão, a
decisão individual “casa-se” com a obediência ao grupo.
Mas também paradoxalmente sem essas contradições vivas o grupo desaparece.
A única solução é “...viver com o paradoxo e através dele...caminhando na lâmina da
navalha..”, construindo desenvolvimento individual e potenciando redes grupais, num
equilíbrio constante de “co-acção e coacção”, isto é, permanentemente “coagido
pelo outro e coagindo o outro”, ou seja, a 4ª alternativa: a inter-independência.
Esta inter-independência devia ser o futuro da União Europeia e não... dependência,
independência, co-dependência, inter-dependência, nem mesmo intra-dependência,
através de um Parlamento Europeu.
As metodologias de intervenção social (as chamadas lideranças) têm que mudar, os
raciocínios bipolares têm que deixar de existir, nunca há uma escolha entre duas
diferenças, há sempre centenas de diferenças onde escolher.
A igualdade na natureza é uma abstracção cientifica em que se considera apenas
uma parte igual, abstraem-se restantes diferenças e... conclui-se que são iguais.
A diferença é a realidade básica da natureza e da vida, só há igualdade quando se
abstraem as diferenças sempre existentes. A diferença é a regra, a igualdade nem
sequer é excepção...não existe na Natureza. 28
Em conclusão e em resumo, são as metodologias de inter-independência e de
inteligência colectiva que, numa dinâmica de pessoa-rede, jogando com factores
de pertença, cumplicidade e decisão, vão permitir operacionalizar o novo paradigma.
Este caminho iniciou-se agora, muito há ainda a re-iniciar, mudar e caminhar. Mas o
inicio já existe.
27
28
- Eventualmente pode haver solução para des-afundar e depois para navegar.
- Um jogo que já fiz várias vezes com grupos de crianças e adultos, é vendar-lhes os olhos, levá-los para o
meio de uma mata, aproximar cada um de uma árvore que examinam sem tirar a venda durante 15m pelo
tacto e cheiro (tipo de tronco e casca, grossura, ramos, forma, etc). Depois continuando de olhos vendados
saem da mata, tiram a venda e vão descobrir a sua árvore. Até hoje todos descobriram.
A primeira vez que vi este jogo (que também fiz) foi na Alemanha com crianças de 10 anos, para
aprendizagem do valor da diferença. Segundo os professores pretendia-se combater a cultura racista sem se
falar nisso, pois a base cultural racista é apenas desprezo por uma ou mais diferenças.
9
Democracia e novo paradigma29
“A Democracia é o direito de falar !”,
“O 25 Abril deu-nos o direito de falar !”
Num bando de patos, todos têm o direito de se expressar
quando querem, e até o fazem todos ao mesmo tempo.
São uma Democracia ??
Nenhuma Ditadura proíbe o direito de falar desde que seja a seu favor, o que proíbe
é o direito de ser criticada. E também nenhum Ditador se sente com o dever de
considerar as críticas feitas.
Numa Democracia o que existe é o DIREITO de criticar e o DEVER de ouvir as
críticas e pensar sobre elas30. Críticas e sua análise é a força da Democracia,
não o simples falar.
Um debate em que todos falam ao mesmo tempo, e não se ouvem, não é
Democracia é apenas uma espécie de “... bando de patos no recreio”.
Por outro lado, criticar é expressar uma opinião, portanto, a critica é também objecto
de critica, não é impune. Quando este processo é mal gerido é uma bola de neve de
palavreados. A solução mais primária é “abafar” a critica com a primitiva técnica de
falar/gritar mais alto, ou seja, uma espécie de luta de “pregões”31.
Se Democracia é participar na gestão da comunidade, é fundamental a existência de
metodologias para resolver o impasse atrás citado, principalmente se considerarmos
o novo paradigma do “grupo como um conjunto de diferentes” em que a criatividade
é a sua essência.
29
- Kevin Kelly, “Out of control”; Diversos “Organization of the future”; Davis Osborn “Laboratories of
Democracy”; Dee Hock, ”Birth of the Chaordic Age”; K. Smith, D. Berg, “Group Life”.
30
- É evidente que para isto acontecer o falar, escrever, etc, não podem ser proibidos. Mas convém não
confundir recursos com resultados do seu uso.
31
- No sentido original português de ”anúncio”,[...na Idade Média o pregoeiro anunciava as horas: São dez da
noite e tudo em paz!], no Brasil adquiriu mais e principalmente o significado de “Leilão (transação)”.
10
Na verdade, desde o grupo-namoro ao grupo-sociedade, passando pela família,
amigos, vizinhança, etc, tudo são grupos, uns pequenos outros alargados, mas em
que todos vivemos neles e com eles. Os métodos de integrar esforços individuais
são essenciais e chama-se liderança.
Assim, monarquia, ditadura, democracia são apenas métodos diferentes de
liderança de grupos alargados com igualdades de superfície (local nascença,
descendência, património comum, etc) e diferenças de base.
Como é evidente, estes métodos dependem de se considerar os grupos como
“conjuntos de iguais” ou como “conjuntos de diferentes”, ou seja, priorizando um dos
termos e/ou esquecendo ou destruindo o outro.
Qualquer que seja a opção cultural, o facto de um grupo por essência ser um
paradoxo vivo não se altera32. Apenas a compreensão dos eventos da vida grupal e
as decisões para eles adoptadas serão diferentes. Na alternativa de conjuntos de
iguais, as soluções em vez de reduzir podem aumentar os problemas, pois apenas
se considera uma parte da situação, a síndrome da “cegueira à diferença”.33
Até agora, o conceito dominante nestes métodos foi considerar o “grupo como
conjunto de iguais”, donde resultaram as técnicas actuais de liderança monárquica,
ditatorial ou democrática.
É interessante analisar a palavra/conceito partido que é muito significativa, dada a
sua importância actual nestas técnicas.
Significa apenas que é um conjunto de iguais que se partiu doutro conjunto de iguais
porque dele era diferente. Esquecem apenas que qualquer elemento do “igual” trás
consigo o vírus do diferente, que mais tarde ou mais cedo vai actuar.
Também é interessante verificar a penetração do conceito de independente
(significando sem partido) na actual cultura politica da chamada “sociedade civil”. De
certo modo, e de forma natural, significa o crescimento da recusa de igualdades
forçadas, esmagando as diferenças essenciais do cidadão.
O termo “sociedade civil” também é relevante, principalmente por estar a ser usado
naturalmente pelos políticos profissionais.
Antigamente os conceitos dominantes eram “sociedade civil-sociedade militar”. Hoje,
quando se diz “sociedade-civil” ninguém pensa em militares, mas sim todos pensam
no oposto a ”sociedade-política”. Mas sociedade-política somos todos por definição
de democracia.
Então, qual a diferença entre sociedade civil e sociedade politica ?? O que é que uns
têm e os outros não têm?? O que é que está escondido/recalcado neste novo
conceito ??? Na sabedoria comum é uma espécie de “gato escondido com o rabo de
fora”.
32
- A opção de se considerar a Terra “como móvel ou imóvel no espaço” não altera o facto de ela se mover:
“...e, no entanto, ela move-se...!!!”, Galileu (séc. XVII) após ser condenado por afirmar que ela se movia.
33
- Na violência doméstica, a “diferente” agressividade para mulher (ou marido) ou filhos não é percepcionada
como tal, mas sim vista como “vulgar e normal”.
11
Todos estes sintomas mostram como o desenvolvimento e a complexidade das
sociedades actuais não permitem que as técnicas simplificadas da liderança
democrática por conjuntos de iguais funcionem.
Como ex., apenas no plano quantitativo, no início do séc. XX, o jogo democrático
dos partidos, em média, passava-se apenas em 4% a 10% da população34.
Antigamente, analfabetos, mulheres, jovens não votavam e os restantes eram
enquadrados por caciques de opinião local: patrões, professores, médicos, padres e
“altifalantes” (barbeiros, donos de lojas, poder familiar, etc.).
Hoje, os grupos politicamente actuantes passaram de alguns milhares para milhões.
No plano qualitativo, também tudo se complexificou. A variância expandiu-se e as
diferenças multiplicaram-se.
Não se pode mais fingir que o grupo são conjuntos de iguais, as regras e os
métodos têm que considerar “conjuntos de diferentes”, paradoxais vivos e activos.
Nesta, perspectiva, a democracia tem que caminhar para:
•
•
•
•
o grupo ser um conjunto de diferentes;
o poder criativo ser a sua característica principal;
a crítica ser a sua força;
a integração de diferenças ser o seu poder.
A liderança democrática tem como função desenvolver e potenciar estes quatro
factores.
Tradicionalmente, a solução do paradoxo inerente aos grupos foi destruí-lo ou
definhá-lo. O resultado foi sempre aparecer a apatia, instalarem-se fracturas e
conflitos . A esta “doença” chama-se “normalidade e saúde” democrática, é um mal
necessário e um “preço a pagar” por ter uma democracia35.
A liderança de grupos36 por destruição do paradoxo, pressionando o conjunto de
iguais, tem 3 soluções habituais:
•
Estabelecer compromissos
Tentar encontrar um ponto médio entre eles, que não seja nem de um nem de
outro, deste modo as contradições desaparecem, pois reduz-se a intensidade
das oposições.
A vitalidade também desaparece pois o esforço de ficar na “média”, não tem
qualquer significado para cada um. Tira a energia de explorar as possibilidades
abertas pelas diferenças e o grupo, “pendurado no vazio”, abandona ou fica em
standby para reabrir em contrapoder. 37
34
- Valores para Espanha, na época eram 4%.
35
- Daqui os “saudosistas” da ditadura, nestes casos diplomaticamente chamada “com lideres fortes” e/ou “com
maiorias democráticas ... disciplinadas”. Caso Hitler em 1933.
36
- Namoros, casamentos, famílias, amigos, clubes, sociedades, países, União Europeia, etc
37
- Vulgarmente, as negociações resolvidas por compromisso são apenas abandonar a questão concreta e
concordar com uma generalidade que as engloba, ou seja, o problema é atirado para o futuro.
12
Exemplo: Numa escola o grupo dos pais não se entende acerca da qualidade dos
professores: para uns são maus para outros são bons, mas todos se
recusam a concretizar “quem”.
Solução: Todos concordam em que os professores, em média, são
razoáveis.
As reuniões de pais acerca dos professores deixam de ter
quórum, e mais tarde deixam de comparecer qualquer que seja
o assunto.
•
Eliminar contradições
Fazer as oposições enfrentarem-se, verificar qual a mais forte e optar por ela.
A técnica mais usada é o voto.
Contudo, o facto de ser a mais votada (com mais concordâncias grupais) não
significa a melhor (com mais consequências positivas) ou a menos má (menos
consequências negativas) ou a mais correcta (com mais validade técnica, ou
ética ou moral): “...pelo facto de uma família votar, unanimemente, transformar o
património em acções, essa “vitória” não transforma a decisão em correcta,
apenas faz ser grupalmente correcta.”
Às vezes, uma estratégia seguida para obter vitória nos votos é controlar o
quórum, ou seja, impedir a presença de votantes da oposição ou possuir
“decisões em ausência” a seu favor. Como é evidente, a contradição desaparece
mas o grupo fica com o futuro fragmentado em partidos38.
Exemplo: Numa escola o grupo dos pais não se entende acerca da qualidade dos
professores: para uns são maus para outros são bons, mas todos se
recusam a concretizar “quem”.
Solução: Votam, e quer ganhem os de opinião “bons” quer os de opinião
”maus”, todos sabem que isso não corresponde à verdade.
As reuniões de pais sobre os professores deixam de ter quórum,
e deixam de comparecer qualquer que seja o assunto.
•
Usar o tempo para separar contradições
Não se eliminam contradições, apenas se separam no tempo.
É a técnica do “...depois, se resolve!”. A contradição é ignorada, agem apenas
nos aspectos não-contraditórios.
Aparentemente abandonam as oposições em favor da cooperação, todavia, na
realidade apenas as empurram para o futuro, onde surgem “escondidas” nos
próximos conflitos, trazendo consigo fracturas grupais.
A técnica é desfocar-se do aspecto contraditório e focar-se num (real ou fictício)
que posicione o grupo em consenso. A contradição não é resolvida, pois apenas
é feito um afastamento temporal que a “esconde”39 no presente, para ela
reaparecer no futuro.
38
39
- Assim, nascem “partidos” que ficam inteiros até se partirem outra vez ou se juntarem a outro “partido”.
- No grupo “casamento em divórcio”, o divórcio é esquecido até os filhos serem “mais crescidos”, nesta altura
ele reaparece complementado com as feridas criadas no intervalo.
13
Exemplo: Numa escola o grupo dos pais não se entende acerca da qualidade dos
professores: para uns são maus para outros são bons, mas todos se
recusam a concretizar “quem”.
Solução: Em substituição, propõe-se analisar o clima afectivo das aulas,
isto é, a existência ou não de recusas e/ou medos.
Há consenso que o clima é bom, e a questão fica resolvida.
Todos sabem que o problema continua e que irá reaparecer nas
reuniões futuras, contaminando outros aspectos mesmo inócuos.
O grupo de pais vai definhar ou desaparecer.
Em conclusão, estas formas de liderança, aparentemente garantem o grupo, na
realidade desfazem o grupo. A alternativa não é procurar reduzir o paradoxo, mas
pelo contrário, utilizá-lo40.
Para andar é preciso desequilibrar,
depois, equilibrar avançando um pé,
tornar a desequilibrar e pôr outro pé,
...e assim sucessivamente.
Sempre em equilíbrio é ficar parado.
No plano social é preciso distinguir entre acção e movimento. Um grupo vivendo
acção sem movimento morre; mergulhado em acção com movimento potencia-se.
Acção sem movimento existe quando energia é aplicada, mas o resultado é em
círculo vicioso, isto é, nada é modificado.
Por ex., correr no mesmo sitio, pensar com padrões repetitivos, usar a mesma
resposta para estímulos diferentes, aplicar as mesmas “cassetes mentais” a várias
situações, ter perspectivas rígidas imutáveis, etc. É uma espécie de “mula à nora”
pois por muito que corra não há movimento fora do local da nora.
Acção com movimento é quando a energia aplicada se traduz em alterações da
situação presente. Na analogia da mula, é ela estar a correr no campo.
No plano mental, traduz-se em flexibilidade, renovação e validação dos padrões
mentais e perspectivas, na continua criação de possibilidades e probabilidades na
aceitação de incertezas.
O ideal num grupo como conjunto de iguais são técnicas de acção sem movimento.
Utilizam-se grandes discussões desde que poucos falem41 e muitos ouçam, passem
muito tempo estáticos, física e mentalmente. Assim, criar movimento é difícil, e a
passagem de activos a espectadores42 é fácil.
40
- Ver Rudolfo Scarfalloto “The alchemy of opposites”; John Kay “ Obliquity”.
41
- Se possível sempre os mesmos e de difícil entender, pois se não podem tomar posição a favor, também
principalmente não tomam posição contra. Ficam quietos sem movimento.
42
- Vide a vulgar disposição das salas nos congressos políticos. É uma disposição de enquadramento mental
com o modelo das antigas salas de aula, propondo quietismo perante o professor: “não olha para trás, não
olha para o lado, olha para mim”.
14
O ideal num grupo como conjunto de diferentes são as técnicas de acção com
movimento. Quer isto dizer que a manutenção do grupo como paradoxo vivo é
fundamental.
As oposições/contradições não são escamoteadas mas sim “abertas”, isto é, a
liderança procura transformar o grupo [...num fórum que as expresse, desenvolva e
construa a integração do dissensus.].
Em resumo, que use técnicas de inteligência colectiva.
Uma analogia para estas técnicas é o andar, com seus ciclos de 3 etapas:
- desequilibrar o corpo para a frente,
- depois equilibrar avançando um pé,
- tornar a desequilibrar e avançar o outro pé
...e assim sucessivamente.
Na vida grupal são os mesmos ciclos de 3 etapas:
-desequilibrar expressando as oposições,
- depois equilibrar pormenorizando o que foi expresso,
- desses pormenores agrupar as não-oposições e as oposições,
...e retomar o ciclo apenas com estas últimas”.
Deste modo, o movimento aparece e com ele expressa sempre a ligação dos pólos
centrais das oposições em jogo. Esse factor vai ser a charneira da integração do
dissensus.
A base teórica deste método está em que analisar uma situação tem sempre dois
níveis:
•
O QUE SE analisa, isto é, os elementos que constituem a situação, o seu
contexto, as suas relações, os factores pró e contra, etc.
É a charneira da construção do consensos, base das técnicas de liderança
no paradigma grupos como conjunto de iguais.
Este esmagamento implícito e “discreto” das diferenças cria acção sem
movimento, provoca fracturas grupais e/ou apatia e/ou conflitos recalcados,
fragilizando-o e/ou destruindo-o.
•
COMO SE analisa, isto é, as perspectivas, os paradigmas, os métodos, etc,
que enquadram e condicionam a análise.
É a charneira da integração do dissensus, base das técnicas de liderança
no paradigma grupos como conjunto de diferentes.
Esta potenciação implícita e “discreta” das diferenças cria acção com
movimento, provoca desenvolvimento grupal, abre perspectivas e
possibilidades, fomenta criatividade e energia. O grupo cimenta-se,
fortalece-se e mantém-se.
O problema é resolvido e inicia-se nova contradição activa e novo paradoxo
a resolver, é como caminhar oscilando entre desequilíbrio e equilíbrio.
15
Os debates democráticos tradicionais apenas incidem em “o que se debate”, pois o
aspecto da perspectiva está à priori resolvido. Todos são iguais (¿¿) e quem não o
for é um estranho, será retirado ao grupo.
Quando se considera o grupo como um conjunto de diferentes, o aspecto
fundamental é o nível do “como se debate”, pois a integração dos dissensus
baseia-se na perspectiva em que o problema é analisado.
Hoje, existem várias técnicas de “inteligência colectiva”, mas o princípio base é o
mesmo, primeiro foca-se o “como se discute” (how) e, só depois de redefinido,
então foca-se “o que se discute” (what).
Como ex., apresenta-se uma técnica inspirada num método da Universidade de Delft
(Netherlands), uma espécie de SWOT43, em que se segue esse princípio.
Na prática, a vulgar luta oral de “argumento versus argumento” e o comum bloqueio
do choque de contrários é substituído por sucessivos desequilíbrios-equilíbrios, que
clarificam a situação:
A – Desequilíbrio da rigidez das duas posições:
1. cada grupo em oposição escreve 5 razões pró-sua-posição e 5 razões próposição-contrária. Obtêm-se assim os aspectos positivos de cada oposição vistos
pelas duas perspectivas.
2. cada grupo em oposição escreve 5 razões contra-sua-posição e 5 razões contraposição-contrária. Obtêm-se assim os aspectos negativos de cada oposição vistos
pelas duas perspectivas.
B – Equilíbrio das duas posições:
3. cada grupo analisa todas as listas de razões pró e razões contra e selecciona as 3
mais importantes em cada bloco pró e contra.
4. depois, procura-se nos conjuntos de 3, a(s) razão(s) que têm o seu oposto no outro
bloco. O(s) par(es) encontrados serão eventuais núcleo(s) duro(s) do paradoxo
grupal, isto é, o dissensus a integrar.
C – Desequilíbrio das duas posições:
5. cada grupo analisa os pares encontrados e procura identificar o ponto de vista ou a
perspectiva que o constrói.
6. cada grupo constrói para as perspectivas encontradas 3 razões a favor e 3 razões
contra.
D – Equilíbrio das duas posições:
7. com base nos pontos fortes e fracos das perspectivas encontradas, os grupos
procuram para elas alternativas viáveis e diferentes das existentes.
8. faz-se uma análise da possibilidade, probabilidade e validade das alternativas
encontradas.
9. a perspectiva optada será o “como diferente” para volta a analisar a contradição.
43
- S.W.O.T. -- Strengths, Weaknesses/Limitations, Opportunities, and Threats
16
Observação:
Nesta última fase, normalmente, a rigidez de posições iniciais já não existe e
os grupos movimentaram-se para possibilidades diferentes, integrando
autonomia, criatividade e pertença. O sucesso cria cumplicidade no esforço
conjunto.
Dependendo dos grupos, da sua História, tamanho, relações e complexidade
do problema, uma média de 3 horas nesta metodologia permite alcançar,
resultados concretos.
Conclusão:
Nas sociedades complexas actuais a democracia e suas lideranças não podem ser
mais pensadas com base em “grupos como conjuntos de iguais”, pressionando
consensos. Em alternativa, surge o paradigma “grupos como conjuntos de
diferentes”, potenciando integração de dissensus.
O novo paradigma expressa melhor a realidade que sempre foi existente,
simplesmente a antiga forma simplificada não levantava problemas em situações
que também estavam simplificadas.
Todavia, na actual complexidade social tal não pode continuar a acontecer, de
acordo com a Teoria dos Sistemas em que o sistema de controlo tem sempre que
ser mais complexo que o sistema controlado.
A Democracia de sociedades complexas tem que mudar as suas regras e o seu
sistema de ser liderada, tem que passar da simplicidade de mitos primários para a
complexidade da realidade existente...
...a Física de Newton não possibilita os resultados obtidos
com a Física de Einstein.
Porém a realidade não mudou desde a pré-História até
hoje, o que mudou foi o paradigma com é compreendida.
17
Anexo
Evolução da Liderança
(que subentende a
Evolução da Democracia)
18
O século XIX foi o século da industrialização. As cidades industriais foram
“invadidas” por “ghettos operários” onde a vida era bem diferente dos bairros
burgueses ricos, médios ou pobres.
Estas aglomerações operárias, quer fábricas quer bairros, de cultura não burguesa
precisavam ser mantidas sob controlo (lead), afim de evitar convulsões sociais. Na
cultura da época, controlo significava “controlador”, ou seja, era preciso o “homem
da lead: leader” (patrão, encarregado, polícia, ou etc) que garantisse ordem.
O conceito de leader, “o dono da trela”, focado na dicotomia “mando-obediência”
tinha nascido:
Venda de “lead” (trela)
na Internet em Out 2012
http://www.drsfostersmith.com/product/prod_
display.cfm?c=3307+20819+871&pcatid=871
O princípio do séc. XX com o aparecimento do fascismo44 é o apogeu dos “donos
das trelas”, cuja denominação leader se manteve (FR, IT, etc) ou se traduziu (ex.
PT: líder, DE: leider, SE: ledare, NO: leder, etc ), apesar de evoluções e mutações.
No século XX, a evolução industrial, política e cultural em direcção à massificação
favoreceu a expansão da técnica “mando-obediência” para rentabilizar o esforço
colectivo.
44
- fascismo – supremacia do Estado, tem 3 pilares: ditadura, racismo (diferença valorizante), militar (poder
físico). Ver Andrea Devoto, A Tirania psicológica, Ed Arcádia, Lisboa; W.Reich, Psicologia de massas do
fascismo, Ed. Publicações Escorpião.
19
O processo primitivo de obter esforço conjunto de esforços individuais era uma
técnica de liderança baseada na justaposição e sincronização.
Neste sentido, o antecedente da “trela” foi o “chicote”, quer real quer simbólico (voz,
gritos, ameaça, castigos, etc.). Foi o modelo de liderança de uma época que
nalgumas culturas durou vários séculos:
Porém, mais tarde este método primário de liderança foi enriquecido com dois outros
factores mais sofisticados, organização e carisma.
Como seus “símbolos” e, na prática, principais inovadores na aplicação, surgem
Frederico Taylor na organização e Adolfo Hitler no carisma.
Frederico Taylor fez uma inovação técnica na liderança tradicional: descentrou-se do
esforço individual e focalizou-se no resultado do esforço. Criou uma nova forma de
liderar, conhecida por “Organização Científica do Trabalho”
Na prática, libertou o controlador (leader ou dono da lead) do domínio do esforço
(que entregava a outros) e centrava-o apenas no domínio da integração das “coisas”
produzidas (objectos ou ideias em papel).
Isto permitia que os tímidos, ou pouco impositivos, ou não assertivos, etc,
mantivessem e usassem o poder, ou seja, controlassem (liderassem) à distância.
Criou-se assim uma nova personalidade de líderes45.
A solução foi simples e inteligente. Em vez de agrupar os esforços individuais, fez
um movimento contrário, dividiu-os o mais possível, separou-os e isolou-os.
45
- Como tantos “capitães de indústria” (Howard Hughes e outros... e o próprio Hitler).
20
Agora, o factor crítico do líder passou a ser a capacidade de “juntar as migalhas
produzidas”. Numa palavra, o líder deixou de ser quem domina os indivíduos e
passou a ser quem domina a organização, isto é, quem domina a integração dos
resultados parciais num resultado único.
O esforço individual tornou-se desprezável46, pois valia pouco. O grande valor era
algo intangível – a organização –, expresso num símbolo, imagem ou logótipo:
Líder expressava o símbolo,
o Símbolo expressava o líder47.
Esta subtil diferença permitiu o aparecimento de outro conceito, a capacidade de
liderança da raça de líderes (discretamente endeusados). A mitificação é construída
distanciando a liderança de uma técnica e inserindo-a em genes “de nascença”48.
Na verdade, a ligação mítica-afectiva tem duas alternativas:
•
PRIMEIRO coloca-se em líder, DEPOIS, por isso, justifica-se ter genes de líder.
Esta lógica é perigosa para o endeusamento dos lideres porque qualquer um
pode ser tornado líder, é uma questão de acesso, os genes aparecem depois.49
ou, pelo contrário,
•
PRIMEIRO tem genes de líder, por isso, DEPOIS é colocado em líder.
Esta lógica permite o endeusamento (sangue azul, escolha do Dalai Lama,
marketing político, etc) porque é “prova” de mérito pré-destinado por nascença,
pelo que existem condições “naturais” para “direito ao acesso”50.
Na prática, é apenas uma técnica de enraizar culturalmente o que é causa e o que é
efeito.51 Esta definição na culturização de endeusamento é um trabalho de
propaganda a ser feito para inserir a perspectiva genética da capacidade do líder.
46
47
48
- Fácil porque simples, logo substituível e abundante.
- Ainda hoje esta dinâmica tem muita “energia”, quer no marketing, quer nos partidos, quer nos fanatismos.
- Conceito já existente na cultura ocidental com o mito do “sangue azul” atribuído aos reis.
49
- O filme “Being there” com Petter Sellers, Shirley MacLaine, de Hal Ashby (1979) expressa bem esta posição.
Em português “Mr. Chance”.
50
- A monarquia vive desta lógica que não abrange os bastardos (filhos fora do casal).
51
- É a velha análise sobre o Darwin: é o mais apto que sobrevive, ou por ter sobrevivido considera-se o mais
apto? É a chamada “lógica redonda”: O mais pequeno sobreviveu? Então, era o mais apto! O maior
sobreviveu? Então, era o mais apto!. Isto é, a consequência justifica a causa.
21
Em resumo, o que está em causa nesta opção é o conceito de liderança como
técnica ou como capacidade genética.
No plano Histórico, neste momento, a situação estava pronta para dar origem a uma
nova forma de liderar. O caminho para a massificação estava aberto e com ela o
carisma tinha terreno propício para crescer, só faltava operacionalizar.
Adolfo Hitler tomou a iniciativa, pois a par de controlo físico, acrescentou três outros
factores: massificar, organizar, mitificar.
Uma nova técnica de liderança surge.
À semelhança de F. Taylor também Hitler fez uma “reviravolta” no processo
tradicional, pois apesar de potenciar o polo “mandar” (que entregava a outros) o seu
objectivo era gerir a obediência.
Criou o Ministério da Propaganda para fazer o que mais tarde com as guerrilhas se
chamaria acção psicossocial ou, hoje, mais discretamente chamado, marketing
social ou marketing político.
A solução foi simples: enfraquecer a decisão e produzir “zombies”52.
A única diferença dos vários modelos deste tipo de liderança, desde a ditadura à
democracia governada e democracia governante53, está na intensidade e nos
métodos54 com que é feita.
Esta inovação do “zombismo”55, complementando o autoritarismo, foi a grande
novidade da técnica de liderança de Hitler.
Pretendia obter o controlo mental por definhamento e por enquadramento físicopsico-cultural. O centro do “zombismo” está na gradual destruição da capacidade de
decisão, originando condições extremas de apatia e/ou activismo cego.
Assim, Hitler introduziu na técnica de liderança os factores de:
•
•
•
•
•
simbolismo
mitificação
massificação
enquadramento físico no quotidiano
enquadramento psicológico no quotidiano
O uso maciço de símbolos foi novidade56. O uso de símbolos sempre foi utilizado ao
longo da História, porém aqui eles foram massificados, impostos e afectivamente
energizados.
52
- Onde os campos de concentração tiveram um papel predominante (vide Viktor Frankl, “Um psicólogo no
campo de concentração”).
53
- Vide Duverger.
54
55
- Sucintamente, métodos físicos, psicológicos, sociológicos ou químicos.
- H.Marchand: “Zombie: sem direção e sem energia, rotinas vazias de pensar e interesse, inércia e apatia”.
Pode ser causado por causas psicológicas ou químicas (ex. plantas Datura, figueira-do-inferno, alcaloides
drogas catatónicas, escapolamina, etc). As psicológicas são mais usadas em processos de luta (política, militar
ou outros) e as químicas em “escravatura” sexual, trabalho (Haiti), seitas religiosas (vide filme “the serpent
and the rainbow”). As sociológicas preocupam-se com o efeito grupo/multidão, que na época foi a inovação
de Hitler (vide Tchakhotine)
22
À semelhança das religiões, existiam símbolos comportamentais e iconográficos que
só por serem exibidos arrastavam efeitos psicológicos de poder e obediência,
misturados com pertença e racismo.
Os símbolos iconográficos mais inseridos e divulgados foram:
Suástica
Tropas SS
O símbolo comportamental mais usado e muito inserido/imposto, e que ritualizava a
pertença, foi a saudação nazi:
Este símbolo contém uma contradição de duplo significado, daqui a sua riqueza
afectiva, pois por um lado é expressão de força “eu mando, eu tenho poder” e,
simultaneamente, expressão de disponibilidade57 “eu obedeço, eu faço”, em função
da situação e de quem e para quem o faz.
Simplesmente Hitler não obedece, ele é endeusado, ele manda e “abençoa” os que
obedecem, portanto a sua saudação é diferente58, “perto” da bênção:
56
- O uso de símbolos é antigo, novidade foi o marketing nele baseado. O Rei D.Manuel I com o uso da esfera
armilar nos pelourinhos da época já fez “marketing político”.
57
- Quando num grupo se pergunta quem pode fazer algo, a resposta comum é levantarem o braço com este
formato, apenas menos rígido. O seu significado é “estou disponível”.
58
- Em certas situações, Hitler usa saudação formal: [..eu também “obedeço”].
Pelo contrário, Himmler às vezes, quando é o representante máximo na situação, usa “oficialmente” a
variante de Hitler “eu não obedeço” eu “dou a benção”.
23
Todavia, o ritual e a obrigatoriedade desta saudação em aglomerações públicas faz
cada indivíduo participar e pertencer ao conjunto, ser igual no meio de iguais, fazer
sincronismo com os outros, não decidir e apenas obedecer, se “os outros fazem eu
também faço59”:
Numa palavra, criando comportamentos de partilha em multidão “apertadas”60, com
rituais de simbolismo bem definido, validação (positiva ou negativa) imediata dos
pares, a massificação é obtida:
Este processo de massificação mitificante é tão eficaz que o próprio partido alemão
que se opõe ao nazismo fez cartazes contra ele mas que, na prática, divulgavam e
inseriam o que combatiam: a necessária submissão afectiva ao nazismo.
Inconscientemente faziam o que Tchakhotine chama “intimidação às avessas”67.
Exemplo:
59
60
- efeito mimético da multidão, intensificado com o “ombro-a-ombro” (segundo alguns estudos)
- Multidão: Grupo em dinâmica “ombro-a-ombro”, vide Elias Canetti, “Crowds and Power”, em Ed. Penguim;
Scipio Sighele, “La foule criminelle”, em Ed. Les classiques des Science Sociales.
24
Cartaz contra o nazismo mas que, na prática,
“vendia” a sua força e o seu poder de
esmagamento.
Na verdade é um cartaz pró-imagem nazi. A
oposição fez inconscientemente um cartaz
anti-oposição, injectando quietismo ...
Mensagem “inconsciente”:
... nós somos fracos, eles são fortes, não
enfrentem.
A massificação funcionava.
Entretanto, acompanhando este processo e consolidando-o, o conceito de liderança
instala-se como uma qualidade inerente ao líder e não como uma técnica social de
controlar e obter esforços conjuntos, funcionando assim como outra alavanca de
massificação a nível cultural-mental61.
A mitificação do possuidor do poder invadiu todas as esferas da vida social: da
política à económica, passando pela artística, educação, afectiva, etc.
Ao mesmo tempo dá-se uma canibalização (deturpação) do conceito de líder que é
utilizado nos mais diversas acepções62, desde significando uma avaliação boa
“...estava tão bem vestida, é uma líder da moda...”63, até titular uma mera
quantificação “...foi o que vendeu mais, é líder do mercado...”64, passando por
contaminação de análises “...tomou uma boa decisão, é um bom líder...”65.
Na prática, esta mitificação colou-se rapidamente ao conceito de endeusamento, já
utilizado na Roma antiga pelos imperadores, mas agora melhor utilizado com
técnicas novas como foi feito pelo nazismo com seus símbolos, som66 e multidões67.
Todavia hoje, o conceito de liderança autonomizou-se e significa técnicas de gerir
esforços conjuntos, apesar de ser “vendido” como característica genética e assim
utilizado para marketing de adesão.
61
- Ainda hoje, com os fanáticos dum “querido líder” qualquer que ele seja: politico, religioso, empresarial,
desportivo, até familiar e amoroso (por ex. na violência doméstica).
62
- Vide o massmedia.
63
64
- Apesar de ninguém a imitar, isto é, não tem seguidores.
- Apesar de estar em monopólio ou ter apenas 2 clientes grandes, ou seja, não tem seguidores.
65
- Decisor com visão não significa gerir bem esforços conjuntos. Boas decisões de compras de mercearia não
significa um bom líder familiar, apenas um bom decisor económico... de mercearias.
66
- Sem altifalantes os discursos para multidões não era possível.
67
- vide Serge Tchakhotine, “Le viol des foules par la propagande politique”, Ed. Gallimard; W.Sprott, K.Young,
“La muchedumbre y el auditório”, Ed Paidós, Buenos Aires.
25
Por exemplo, hoje as lideranças politicas são analisadas tecnicamente e não
geneticamente. O quadro a seguir68 mostra uma análise dos discursos políticos de
Dewey e Truman nas eleições presidenciais (USA) de 1948 (sublinhado nosso):
As principais diferenças foram (em %):
Truman Dewey
- generalidades: partido,
campanha ................................. 22
4
- trabalho .................................... 14
6
- unidade povo americano ............ 3
26
- preservação recursos naturais .... 5
14
Truman ganhou as eleições.
Se considerarmos que os americanos tinham acabado de sair de uma guerra e na
posição de vencedores, Truman com as suas “generalidades e trabalho” respondia
ao estado de espírito existente.
Pelo contrário, Dewey com discursos sobre a “unidade do povo americano e
preocupações com recursos naturais” estava fora do contexto.
Não era um problema de eleger o que tinha mais genes de líder, mas sim um
problema de eleger o que dava a resposta adaptada ao querer dos eleitores.
Dewey não obedeceu ao que queriam por isso não foi escolhido. O líder eleito foi o
que obedeceu mais “sintonicamente”: Truman.
Este exemplo permite apresentar o novo factor que veio clarificar o fenómeno da
liderança: a Situação.69
Na verdade a relação líder-liderado não se processa no vazio, ela existe e é
condicionada pelo contexto que, os envolvendo, os condiciona.
Apenas como exemplo, uma liderança política em guerra (Churchill) tem
características diferentes de uma liderança política em paz (Chamberlain). Do
mesmo modo, em culturas tribais é vulgar o chefe de caça que não ser o mesmo
que o chefe de acampamento70.
Historicamente, na politica a gestão da situação sempre foi usada nas teias da
Diplomacia, com seus “heróis”: Richelieu, Mazzarino e o mais conhecido Maquiavel.
Simplesmente, agora a situação torna-se não só um factor da liderança, como o seu
“factor charneira”. Chama-se “liderança estratégica”: constrói-se a situação e o seu
próprio “desenrolar” origina o controlo e os resultados desejados.
68
69
70
- M.Charlot, La persuation politique, Ed. Armand Colin, pg 49.
- Ver M. Parker Follet.
- É vulgar nas famílias a liderança em férias e fora de férias não pertencer à mesma pessoa.
26
Esta técnica invade como factor nuclear todas as áreas, desde a política à
económica, passando pela social e, evidentemente, pela militar, mas agora como
uma “arte complexa e eficaz”.
Como exemplo, apresenta-se uma análise da situação da guerra do Afeganistão,
feita pelos USA, e publicada pelo The New York Times, em 27 Abril 2010:
As técnicas de liderança afastam-se cada vez mais do simples “gritar e dar ordens”.
Um principio fundamental da “Teoria dos Sistemas” é que o sistema que controla
tem SEMPRE que ser mais complexo que o sistema controlado.
Numa sociedade cada vez mais complexa as lideranças não podem continuar a ser
técnicas primárias nas “mãos de um líder” mais ou menos iluminado. O colectivo em
toda a sua complexidade tem que fazer parte integrante do acto de liderar.
As “tímidas” tentativas da participação pública (eleitos mas eleitores afastados,
orçamentos participativos em parcialidades, partidos democráticos de disciplina
draconiana, etc) tem que evoluir e evoluir rapidamente.
O novo factor que expressa esta urgência está no novo paradigma do conceito de
grupo.
Na prática, a liderança é uma técnica de gestão de grupos. Mas o que é um grupo?
Numa visão tradicional, um grupo é um conjunto de iguais. Um grupo forma-se e
reforça-se pressionando a igualdade e fragilizando a diferença: “...um diferente é um
prego para levar uma martelada...”.
Desta perspectiva nascem os uni-formes, os padrões obrigatórios, e com eles a
“caça” ao desviante, a disciplina dacroniana de igualitarização, os mitos “anti” e os
mitos “pró”, etc. Por exemplo, a organização partidária baseia-se nesta perspectiva.
27
Porém, um grupo pode ser visto como um conjunto integrado de diferentes, onde a
igualdade é para ser compensada com a potenciação das diferenças que sempre
existem71: “...um igual é uma duplicação desnecessária...”.
Por exemplo, uma selecção nacional de futebol é feita procurando os diferentes e
treinando potenciar essa diferença.
Esta duas perspectivas não são novas, delas encontram-se vários exemplos na
História.
Por exemplo, na Batalha Naval de Trafalgar (1805) o 1º modelo foi usado pelo
Almirante Villeneuve da Armada Espanhola e o 2º pelo Almirante Horácio Nelson, da
Frota Inglesa.
A liderança na Armada Espanhola foi um controlo de todas as decisões pelo navio
almirante, mediante pré-decisões planeadas ou sob forma de mensagens por sinais
de bandeiras. A uniformidade e conformidade ao comando era a regra. A liderança
criou subordinação de acção.
Pelo contrário, na Armada Inglesa foram feitas reuniões prévias com os
comandantes dos navios, explicado o plano, e na situação critica que se ia provocar,
com o ataque surpresa ao centro da Armada Espanhola, a situação era imprevisível
pelo que cada um decidiria por si e “reforçaria os outros”. A liderança criou liberdade
de acção.
A base da estratégia foi alterar o esperado método “normal” de luta72 e isolar,
atacando, o navio de Villeneuve. No imprevisto causado, a Armada Espanhola ficou
à espera de ordens do navio almirante, que nunca chegaram pois estava sob
ataque. O esforço conjunto não foi obtido.
Pelo lado inglês o esforço colectivo era claro “...todos tinham a visão de conjunto e
depois cada um decidia e aproveitava ao máximo cada oportunidade surgida.”.
A Armada Espanhola (Villeneuve) com os seus 40 navios, num total de 3.169
canhões, foram derrotados pelos 33 navios, num total de 2.312 canhões, da Armada
Inglesa (Horácio Nelson).
Nos finais do séc XX, a problemática dos diferentes arrastou uma inovação na
liderança: aproveitar a diferença para gerir incertezas e possibilidades, procurando
eficácia e eficiência na inovação acelerada.
O follower ganha visibilidade operacional. Liderar deixa de ser controlar os
“desviantes ou desviados”73, passa a ser potenciar as diferenças e rentabilizá-las.
71
- A característica essencial do ser humano é que não há dois iguais, pois a vida (herdada e construída) de
cada um origina sempre formatações diferentes.
72
- Em vez de apresentar os flancos para poder disparar, aproou (avançou de frente) para o centro da Armada
inimiga em direcção ao navio almirante, expondo-se ao fogo inimigo sem poder disparar até lá chegar.
73
- Desviante quando é visto como positivo, caso Picasso hoje. Desviado quando é visto como negativo: caso
Picasso no inicio. Esta inversão é vulgar: desviado antes do êxito, desviante depois do êxito.
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Algumas empresas iniciaram com êxito económico e social este tipo de liderança:
SEMCO74 no Brasil com Ricardo Semler, CEMEX75 no México e PIXAR76 nos EUA,
etc. As bases são simples:
• O poder da descentralização
“Ninguém é tão esperto quanto todos”77 diz Larry Keeley do Doblin Group, e
todos temos ”autoridade para tomar decisões” afirma-se na Cemex78 e, na
Pixar79, existem reuniões diárias de apresentação de projectos inacabados para
criticas (“diagnósticos gratuitos”) a todos os que queiram assistir.
A inteligência colectiva torna-se uma alavanca importante do sucesso. Todavia,
ela não funciona apenas por aglomeração de recursos pensantes (pessoas em
comum), nem por simples troca informativa sobre a questão80, precisa também
de liderança, ou seja, controlo do como se faz.
O interessante é que a definição do como se faz pode ser por controlo colectivo
ou por orientação individual mas, em qualquer dos casos, é sempre um controlo
da forma (how) e não do conteúdo/resultado (what).
• Auto reforço do sucesso: é importante injectar êxitos
Segundo o economista Brian Arthur “retornos crescentes são a tendência para o
que está à frente ir mais para a frente; e o que perde vantagem perder mais
vantagem”.
Numa maneira mais simples, querer ir para a frente com métodos de andar para
trás, o resultado é ir mais para trás. A inteligência colectiva também pode
funcionar negativamente81. É fundamental satisfação crescente82.
• As possibilidades crescem com as possibilidades
Por outras palavras, quanto mais possibilidades se criam mais se aumentam as
condições de possibilidades, é o efeito de “auto-enchimento”. Potenciar83 no
grupo as diferenças activas é aumentar as alternativas e com elas as
possibilidades e probabilidades de êxito e crescimento da energia grupal.
É fundamental as técnicas de liderança possibilitarem oportunidades para
todos79_84 e evitarem “posses privadas” de resultados colectivos.
74
- Ricardo Semler, “Maverick”
75
- Kevin Kelly, “New rules for the new economy”
76
77
78
79
80
81
-Bill Capodagli e Lynn Jackson, “Pixar way”
- “No one is as smart as everyone”
- “[...everybody with the authority to act on it.]”
- Ed Catmull: [...the entire team shares its unfinished work, each day, with any Pixarian who wants to attend.]
- do tipo telejornais sucessivos, como são muitas das reuniões de “debate”.
- Resolver uma crise económica só com austeridade criará este efeito de “andar para trás” ?
82
- Pixar, Ed Catmull: [...To set people up for success by giving them all the information they need to do the job
right without telling them how to do it.]
83
-... e não fazer definhar.
84
- Normalmente, numa conferência de 100 pessoas com debate de 30m, participam apenas 6%. Se cada uma
usar 5m apenas 6 podem participar: 94% ficam impedidas de contribuir.
29
•
Des-isolar, criar rede
A principal característica da rede “...é que não tem centro nem extremos85”, tudo
está equidistante de tudo. Líder e liderado como posição não tem sentido, são
apenas dois pólos em interacção com papeis distintos, numa mútua co-acção e
coacção86, ou seja, complementam-se e condicionam-se.
A distinção EU-ELES deixa de ter sentido, agora o que tem grande significado é
estar dentro ou fora da rede.
O papel da liderança passa a ser expandir e “alimentar” a rede, pois estar na
rede é participar, é obter inter-acção sem limites quantitativos. A saúde da rede
é a saúde do grupo e vice versa.
Nas actuais organizações e sociedades as redes nascem e crescem
espontaneamente, a inércia grupal torna-se difícil na dinâmica da rede, uma
liderança que vá contra essa vaga procurando “amoldar” grupos, está a criar
contra-tensões, a perder eficácia e eficiência, a construir insucessos.87
•
...e por fim, a procura do desequilíbrio sustentável88
A ambição da nova liderança de grupos como conjunto de diferentes, é alcançar
o desequilíbrio sustentável, o caminhar contínuo duma comunidade em direcção
ao desenvolvimento.
Na verdade, o desenvolvimento social e económico é sempre um aumento da
complexidade existente, mas nunca se pode instalar a complexidade, o
crescimento não é instalável, como a própria palavra diz é “crescer” ou seja, é
sempre “um fluxo de dentro para fora”89.
Os governos, as lideranças não fazem/instalam recuperações por plano, não
fazem crescer economias, pois não é um problema de equilíbrio e harmonia. É
um problema de desequilíbrio e movimento, assim podem criar condições para o
crescimento fluir dentro dos países. A liderança cria condições, os grupos de
diferentes fazem.
O desequilíbrio sustentável não é a solução de problemas ou o colmatar de
faltas existentes, isso poderá e deverá ser feito, mas a sua força e a sua
essência está em “caçar” novas oportunidades e realizá-las.
Andar bem não é preocupar-se onde pôs os pés, ou
tirá-los de onde os tem, mas sim onde os vai pôr.
Quando isto é bem feito, o presente e o passado
são consequência.
85
86
87
88
89
- Kevin Kelly
-[...cada um tem o subordinado que merece e o chefe que merece.] O perfil de um líder é bem expresso pelos
subordinados que atrai...e vice versa. Acerca dos gangs em Londres e UK, (pub em 2011): ”Twenty First
Century Gang Culture, Jayvant Raval; “Fighting Chance: Tackling Britain's Gang Culture”, Patrick Regan.
- vide revoltas prisionais com base em redes
- Ver os economistas da nova economia: Brian Arthur e Paul Romer.
- instalar é sempre algo de fora para dentro.
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Conclusão:
Ao longo dos tempos, as técnicas de Liderança foram evoluindo em função das
características das sociedades e das análises dos factores de funcionamento.
Todavia, o seu objectivo e paradigma manteve-se o mesmo: gerir o esforço colectivo
e basear-se no grupo como conjunto de iguais.
Hoje, o objectivo mantém-se o mesmo, mas o paradigma mudou.
A característica fundamental dos grupos é a sua diferença intrínseca. As técnicas de
liderança estão adquirindo um novo modus faciendi e com isso as sociedades vão
também alterar as suas características.
Uma nova “vaga” de mudança está em curso.
Ao longo dos séculos, a cultura portuguesa sempre foi boa a navegar em vagas de
mudança, com essa herança, felizmente, só nos resta ser Portugueses na Europa e
não Europeus em Portugal.
A “pequena diferença” é fundamental.
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