Leia aqui - Contos de Terror

Transcrição

Leia aqui - Contos de Terror
Papêra Uirandê Especial
#
Outubro de 2015
9
Editado por Roberto de Sousa Causo
Vagner Vargas
Timothy Zahn
George Roux
Miguel Carqueija
Marcello Simão Branco
Luiz Bras
Henrique Alvim Corrêa
Cesar Silva
Roberto de Sousa Causo
Ahvid Engholm
Edgar Indalécio Smaniotto
Ilustração de Henrique Alvim Corrêa para
A Guerra dos Mundos de H. G. Wells (1906)
TUPINIPUNK NO SÉCULO XXI
Editorial: pelo prazer de ser fanzine
N
a manhã de 12 de novembro de 2014, recebi
um telefonema de Mário Sérgio Cruz, funcionário do jornalista político Bob Fernandes, o criador do Terra Magazine, uma espécie de
revista eletrônica do Portal Terra, e onde eu mantinha o blog “Ficção Especulativa”. Cruz me informou que o Terra Magazine não existia mais – aparentemente cancelado enquanto eu postava o obituário do escritor de ficção científica André Carneiro (1922-2014), com 13 apreciações feitas por
personalidades do mundo da FC brasileira que haviam convido com esse autor. A razão do encerramento do Terra Magazine ainda não ficou clara
para mim, mas parece que se deveu a um afastamento dos objetivos do Portal Terra, que mantinha
essa iniciativa de Bob Fernandes.
O telefonema também visava me convidar para
um novo projeto – semelhante, eu imagino, que
Bob vai conduzir na Internet. A previsão para a
coisa entrar online era fevereiro de 2015, diante
disso me pareceu mais interessante – e até apropriado, considerando a ligação de André Carneiro
com o Clube de Leitores de Ficção Científica –
aceitar a sugestão de Eduardo Torres na Lista do
CLFC e redirecionar o obituário e as apreciações
escritas para o editor do Somnium, a publicação
oficial do CLFC, que vai ter uma edição especial
dedicada ao escritor.
Como eu tinha muito material para o blog, decidi não esperar, e retirar meu fanzine crítico Papêra Uirandê Especial, da sua cova no proverbial
“Cemitério do Dr. Ruby Felisbino Medeiros”, um
importante fã, criador do fanzine Notícias... Do
Fim do Nada, também ele já falecido, e que registrava no seu fanzine uma profusão de publicações
brasileiras, de vida curta, dedicadas à ficção científica e fantasia. Assim, posso publicar o material
inédito no blog e parte dos últimos textos que apareceram lá, agora que os links estão inativos.
Eu reputo Papêra Uirandê (sem o Especial), na
sua primeira encarnação em fins da década de
1980 (estreou em 1988), como tendo alguma importância na incerta história da FC brasileira, já que
ele concentrou discussões sobre o Movimento Antropofágico da Ficção Científica Brasileira, lançado por Ivan Carlos Regina no fanzine Somnium
também em 1988, e que, não me canso de lembrar,
foi o primeiro movimento conceitual da história da
FC
do Brasil. Em sua segunda encarnação, já como
Papêra Uirandê Especial, lançou logo no seu primeiro número (1996) o conceito do tupinipunk,
forma tupiniquim de cyberpunk hoje discutida no
ambiente acadêmico nacional e internacional (o
tupinipunk não deixa, a propósito, de ter uma ligação com o teor do movimento lançado por Ivan
Regina).
Eu também devo dizer que estou curioso para
saber que lugar tem um fanzine crítico no fandom
atual, dominado por blogs, redes sociais e listas de
discussão.
E confesso que a idéia de ressuscitar esta minha criatura vem de algum tempo. Nada me dava
mais prazer como fã de ficção científica, do que
editar fanzines – apesar de tarefa inglória de pouca
difusão e prestígio. Quando editava este e outros
fanzines, eu me sentia mais conectado com as cabeças pensantes da FC brasileira do que hoje, na
era da Internet... Talvez seja apenas como a minha
cabeça foi formatada, lá nos longínquos anos 80 e
sua onda de fanzines e intensa troca de snail mail...
Para mim, de qualquer modo, o fanzine é um gesto
de carinho e devoção a uma literatura, e a seus praticantes e amantes, maior do que qualquer outra
forma, digital ou palpável. Em 25 de julho, num
encontro fortuito durante o lançamento em São
Paulo de Homem Não Entende Nada!, livro de
Saulo Adami sobre a franquia Planeta dos Macacos, o fã e fanzineiro Renato Rosatti me lembrou
da nova onda de fanzines impressos, me animando
a retomar este aqui.
Papêra Uirandê sempre foi de periodicidade
irregular. O seu primeiro ciclo foi de sete edições,
e o segundo, já como Papêra Uirandê Especial, de
oito. Mantive a seqüência de numeração.
Para os eventuais colaboradores (tão insanos
quanto eu?), nesta primeira fase do retorno estou
interessado em resenhas, ensaios e textos opinativos sobre o estado atual da FC no Brasil e no mundo. Os objetos da crítica podem ser literatura (preferencialmente), cinema, quadrinhos, jogos. Também gostaria muito de publicar ilustrações originais, ou recuperadas de livros antigos ou revistas
de ficção científica brasileira.
--Roberto de Sousa Causo
Ensaio
FICÇÃO CIENTÍFICA SEM CULPA
Ramiro Giroldo
“
GUILTY PLEASURE” (“PRAZER culposo” ou
“prazer com culpa”) é uma expressão bastante
disseminada da língua inglesa e remete a algo
que simultâneamente provocaria o prazer e a culpa
por senti-lo. A escapadela de expectativas dadas no
âmbito da cultura (entendida aqui em seu sentido
amplo, equivalente ao kultur freudiano) é o que
pode provocar a sensação: comer um doce quando
se está de dieta; masturbar-se sob preceitos religiosos rígidos; fofocar sobre a vida do vizinho; consumir a arte que não é encarada como tal.
São, portanto, pecadilhos incapazes de desestabilizar a organização social, em muito diferentes,
por exemplo, do roubo e do assassinato. Não se enquadram nas grandes privações que o homem se
impõe para viver em sociedade. Tema de O MalEstar na Cultura (1930), de Sigmund Freud, tais
privações provocam um recalque que, por sua vez,
será responsável pelo constitutivo mal-estar que o
homem sente quando imerso em um coletivo organizado. Porém, por trás da noção de guilty pleasure
também habita um recalque.
O mal-estar advindo das grandes privações que
o homem impõe aos seus instintos é necessário, é
constitutivo da kultur: sem ele a vida social não se
manteria coesa e a barbárie imperaria em todas as
esferas. O pequeno mal-estar que um guilty pleasure provoca, contudo, é necessário? É sequer justificável cognitivamente? Cumpre algum papel constitutivo na cultura?
Como o assunto aqui é a ficção científica, cabe
perguntar o que faz alguns leitores do gênero segurarem seus livros com apenas a contracapa à mostra, impossibilitando assim a leitura do título. Ou,
pior, o que os faz esconderem o livro de FC sob
um livro endossado pelo “bom gosto” (um Machado ou um Shakespeare, por exemplo)?
A resposta não pode ser outra senão o status
que cada obra ou autor culturalmente possui. O
que faz determinado status ser atingido é fruto de
diversos fatores que seria impossível abordar extensivamente neste texto. Um deles, contudo, nos
interessa de pronto. É interessante observar que a
produção literária continuamente tomada como inferior é a que lida de forma mais plana com as privações instintuais necessárias para a manutenção
da vida social: a aventura, o terror, o erotismo, a FC
de space opera. Ou seja, gêneros que abordam com
imediatismo os prazeres sensuais e a violência ou a
reação a ela – e experimentar o que tais textos oferecem, assim, não parece socialmente aceitável.
Os gêneros elencados no parágrafo anterior não
são intrinsecamente menos dignos de atenção ou
menos passíveis de produzir grandes obras, talvez
até pelo contrário: de certa forma, o visceral pode
ser justamente aquilo que aparenta maior objetividade e crueza, aquilo que satisfaz o primário de
forma mais plena.
A atual crítica literária se debruça sobre o caráter branco, masculino e cristão do cânone literário,
que se vê criticado e denunciado. Resta, porém,
cuidar do caráter hipócrita e pedante do cânone.
Hipócrita porque esconde toda uma produção que
é lida (não raro pelos próprios críticos a condenála), que deixa suas marcas na tradição e que, portanto, atua sócio-culturalmente. Pedante porque
nega espaço ao que não usa um verniz “sofisticado” ou “erudito” na abordagem das paixões humanas.
O resultado é uma historiografia literária que
não corresponde sequer à própria cultura que lhe
dá origem. Uma historiografia que nasce da culpa,
marcada por um tipo de guilty pleasure. Se não a
culpa de consumir determinado tipo de literatura,
ao menos a culpa e a vergonha de fazer parte de
um momento histórico que produz a dita “paraliteratura” – e todos os momentos produziram.
Tendo culpa, finge que o pecado não foi cometido.
Contemporaneamente, há uma tentativa de corrigir o problema. A presença da ficção científica
em estudos acadêmicos é inegavelmente superior
hoje, e talvez o cânone que estamos a fundar venha
a ser mais sincero. Colaboram nesse sentido a produção e a postura de autores como Umberto Eco,
que é claramente um leitor sem culpa: “Eu poderia
ler a Bíblia, Homero ou Dylan Dog por vários dias
sem me sentir enfastiado”, já disse.
Contudo, ainda é preciso atentar para uma revisão da historiografia literária brasileira que de fato
se mostre livre da culpa. Embora os estudos sobre
FC tenham aumentado expressivamente, a produção nacional ainda é pouco estudada. Não parece
ser o interesse acrescentar algumas páginas no passado da nossa literatura para incluir, por exemplo,
os autores da Geração GRD. A FC parece ser atraente enquanto estrangeira, e a novidade que é discutir
o gênero no ambiente acadêmico acaba se equiparando à novidade de estudar o que é de fora. Não
há combate; há adequação.
Uma historiografia literária nacional despida de
culpa, disposta a assumir adequadamente as facetas que se propõe a descrever, necessita que mesmo os estudos acerca da produção contemporânea
se revistam de uma perspectiva histórica. O esforço de reavaliar autores de FC esquecidos não é
anacrônico, mas assenta as bases para compreender o momento atual.
Sem a culpa de ler o que lê, de escrever o que
escreve e de ser o que é. O abandono do guilty
pleasure é uma prerrogativa para a discussão da FC
e para que a historiografia do gênero cimente suas
bases. Essa discussão precisa ser plena, sem o resquício de culpa próprio da condenação da space
opera por parte dos autores e críticos de FC “sé-
rios”. Para que de fato leiamos sem culpa o que
realmente queremos ler, e não o que é pretensamente correto ler.
Ramiro Giroldo é Doutor em Literatura Brasileira pela
USP, hoje pesquisador DCR UNDECT/Universidade Federal
do Mato Grosso do Sul, e autor de Ditadura do Prazer:
Sobre Ficção Científica e Utopia (2013).
Ensaio internacional
Sobre Sam Moskowitz, Sam J. Lundwall
e as Revistas de Ficção Científica
Ahvid Engholm
D
epois da LonCon 3, em 2014, Andy Sawyer
me enviou um pacote de Foundation, a revista acadêmica da Science Fiction Foundation,
para substituir algumas edições que eu perdi, e ao
folheá-las encontrei um artigo interessante na
Foundation N.º 36 (verão, 1986), que eu gostaria
de comentar. É um texto de Sam Moskowitz,
“Setting the Record Straight: A Response to Lundwall’s‘Adventures in the Pulp Jungle’”.Esse Lundwall é Sam J. Lundwall, que escreveu o referido
artigo na Foundation N.º 35. Moskowitz também
comenta os livros anteriores de Lundwall, Science
Fiction: What’s It All About (1971) e Science Fiction: An Illustrated History (1977).
Capa de Hans Arnold
O debate entre Moskowitz e é em grande parte
a respeito de duas coisas: 1) o que é uma revista de
FC e qual foi a mais antiga?; e 2) qual foi a natureza, a extensão e a importância da ficção científica
antiga anglo-americana, em relação ao resto do
mundo? (A isto eu somarei um par de coisas não
relacionadas ao debate, do artigo de Moskowitz na
Foundation que achei interessantes.) Em Science
Fiction: What’s It All About Lundwall promove a
Hugin (1916-1920) de Otto Witt como a primeira
revista de FC. Em Science Fiction: An Illustrated
History ele, ao invés, muda para uma publicação,
suplemento de uma outra revista, chamada Stella,
que diz ter sido publicada em quatro edições, de
1886 a 1888.
Muitos que conheceram Moskowitz podem
considerá-lo antiquado em suas visões acerca da
literatura e um pouco árido (quando ele entra em
detalhes, há um bocado de detalhes! – mas eu gostei do artigo dele, apesar). Ele sempre foi um pesquisador cuidado, porém. Quanto à Hugin, relata
no seu artigo em Foundation, ele pegou uma edição que emprestou a Hans Stefan Santesson, que
sabia sueco, e deixou-o relatar a respeito do comteúdo. E ele relatou de volta que ela tinha dois artigos sobre telescópios, dois sobre astronomia, um
sobre máquinas de moto perpétuo, um sobre metalurgia, etc.
“Não havia absolutamente nenhuma ficção”,
Sam Moskowitz observa, por isso ela não podia ser
uma revista de FC, conclui. Eu li um pouco mais da
Hugin. Enquanto outras edições apresentariam ficção, Moskowitz está basicamente correto. Hugin
foi uma revista de ciência popular para meninos. O
conteúdo de ficção era às vezes muito estranho.
Witt escreveu histórias nela para ensinar aos jovens ciência e tecnologia, onde ele, por exemplo,
deixava elementos como o carbono e o hidrogênio
aparecerem como personagens vivos falando um
com o outro para revelar as suas propriedades químicas... Num sentido formal, é ficção, talvez até
ficção científica, mas um tanto estranha, e o propósito era ensinar ciência. Outros textos eram FC
mesmo, mas como eu me lembro, tal material era
uma pequena minoria no conteúdo. (Muitos dos romances de Witt eram mesmo de FC, porém. Ele
sem dúvida era interessado n esse tipo de literatura.)
Quanto a Stella, Sam Moskowitz argumenta
que o tipo de revista que é um suplemento irregular de outra revista (neste caso, Svenska FamiljJournalen Svea, “Jornal Sueco Svea da Família”)
não pode ser considerado como uma revista ou revista de FC de fato. Mas o problema aqui é que, antes de tudo, essa Stella provavelmente nunca
existiu!
Desde que Sam J. Lundwall começou a escrever sobre Stella, fãs locais de FC a têm procurado
extensivamente – sem encontrar nada. A Biblioteca Real, bibliotecas universitárias, catálogos de diferentes tipos, não se acha nada sobre Stella. Um
Hans Persson (da Sociedade de FC Linköping) provavelmente fez a maior parte dessa busca extensa e
ele apresentou a sua falta de resultados neste artigo
de 2007 em http://vetsaga.se/?p=29. Infelizmente
está em sueco, exceto pelas citações em inglês.
Qualquer interessado pode tentar algum serviço de
tradução baseado na rede. O título do texto é
“Stella – sf-magasin eller bluff?” (“Stella – revista
de FC ou um blefe?”), o que já diz tudo.
Sam J. Lundwall mencionou Stella várias vezes, e também reproduziu capas (Jules Verne Magasinet N.ºs 487 e 489) em tamanho pequeno, o
que poderia muito bem ter sido produzido por
qualquer programa gráfico ou até com um processador de texto, já que não tinha ilustrações e apenas texto tipográfico. Já no final do seu artigo,
Sam Moskowitz escreve: “Lundwall descreve o
seu “relacionamento de amor e ódio’ com a ficção
científica. Não sou psiquiatra, nem conheço o assunto bem o bastante para diagnosticar as raízes
básicas das atitudes dele.” Isso nos leva ao segundo tópico principal do debate Sam Moskowitz/Sam
Lundwall: a FC Anglo-Saxã vs. o Resto do Mundo.
Essa não é uma questão de psiquiatria, mas de
visão de mundo e de política. (Deixe-me primeiro
mencionar apenas que Moskowitz, a respeito dos
EUA/GB vs. os Outros, argumenta por exemplo, que
Gernsback, que também falava francês e alemão,
publicou um bocado de FC estrangeira em Amazing Stories e que ele também calculava que até a
altura em que escreveu seu artigo em Foundation
que mais de 450 romances de FC não escritos em
inglês foram publicados nos Estados Unidos e GrãBretanha.) Eis a questão: Lundwall formou a sua
visão de mundo na época da “revolta da juventude”, a geração 1968, Woodstock, protestos antiguerra e tudo aquilo; i.e., uma forte corrente de esquerda que envolvia a sociedade. Isso também significava ser contra a maior parte das coisas vindas
dos Estados Unidos e tudo o mais que fosse “comercial”. Muito da ficção científica é e era vinda
dos EUA, e por assim dizer, muito dela também é,
claro, comercial.
Sam J. Lundwall agora está aposentado e não
tem mais nada a ver com o gênero. Mas se você
por exemplo acompanhar a sua revista Jules Verne
Magasinet, que foi encerrada há poucos anos, poderia ver como ele falava constantemente sobre
como a FC Americana – a inglesa era tratada com
mais misericórdia – não passava de lixo comercial,
e que a FC do resto do mundo era muito melhor,
subvalorizada demais e muito mais importante do
que esse lixo vindo do outro lado do Atlântico
Norte. Ele com freqüência apresentava material
histórico do gênero proveniente do resto do mundo, para fortalecer a sua tese de que a FC americana
nunca foi de importância no campo da FC e que
muitos de nós foram fracos de cabeça, por termos
acreditado que tinha.
Estranhamente, a JulesVerne Magasinet também publicou um bocado de FC americana, bem
mais do que a de qualquer outro país... E isso ano
após ano, década após década. O pequeno boletim
estencilado de FC que eu co-editei (VÄ, mais tarde
Fanytt, agora transmutado como conta de notícias
no Twitter, SFJournalen) conduziu uma longa entrevista com Lundwall em 1979, quando a visão de
mundo dele já estava pesadamente estabelecida.
Aprendemos, por exemplo, que a América era iletrada porque “havia apenas três livrarias em Nova
York”, a maior revista de FC do mundo vinha da
União Soviética (a verdade: a liga da juventude
comunista uma vez fez uma edição especial sobre
o futuro na sua revista regular), o fandom de FC era
muito maior na Polônia do que na América, o Prêmio Hugo era uma piada porque havia uma conspiração secreta para leiloar o resultado pelo lance
maior, etc., etc. Mas não há razão para se reclamar
demais. As pessoas, é claro, têm o direito às suas
próprias opiniões.
Eu encontrei outras coisas de interesse no artigo de Moskowitz em Foundation. Ele mencionou
que a revista The Overland Monthly em 1890 teve
“uma edição inteira inspirada pelo romance de
Edward Bellamy, Daqui a Cem Anos: Revendo o
Futuro”. E: “Durante os anos vinte e começo dos
trinta, revistas russas republicaram um número
substancial de histórias das revistas de Gernsback”
– o que foi uma novidade total para mim. Isso deve
ter sido antes do stalinismo ter estrangulado definitivamente a sociedade russa, quando houve um período de mais liberdade artística. Alguém deveria
pesquisar mais isso. Como as revistas de Gernsback chegaram na URSS? O próprio Hugo Gernsback tinha contatos com editores russos? Etc.
E isto também foi novidade para mim: “[...] o
editor da sueca Häpna parou no meu escritório um
dia para negociar os direitos de reimpressão de
Science-Fiction Plus [da qual Moskowitz era o
managing editor] e quando sugeri a ele que já que
ele estava pagando um bom preço justo, poderia
escolher qualquer uma das quase trinta outras revistas existentes, ele afirmou com franqueza que
queria a nossa porque nas nossas primeiras edições
as histórias menos sofisticadas seriam mais facilmente compreendidas.”
O editor em questão não seria nem KG nem
Kurt Kindberg, e a coisa interessante é que isso foi
antes de Häpna ter começado. Claramente, isso
aconteceu enquanto Science-Fiction Plus existia,
tendo ela durado só sete edições em 1953, e Häpna
N.º 1 saiu em março de 1954. Eu não sabia que os
irmãos Kindberg fizeram tais contatos antes de
lançarem sua revista e que chegaram a visitar Moskowitz no seu escritório, embora deva ter sido em
conexão com uma viagem de negócios visando
suas outras atividades.
Uma nota final sobre as primeiras revistas de
FC: eu mesmo escrevi em Foundation (N.º 72,
primavera de 1998) sobre o que eu chamaria de
uma revista de “proto FC”, Relationes Curiosae –
de 1682! Uma revista alemã de ciência popular,
com muitas histórias sobre “coisas fantásticas”
escritas num estilo ficcionalizado, que no mesmo
ano foi traduzida para o sueco e publicada em uma
edição sueca, de vida curta. Especulações sobre
pessoas vivendo na Lua, dragões, gente verde
surgindo dos subterrâneos, máquinas fantásticas,
etc. E essa revista existe. Está preservada, a edição
sueca pelo menos, num volume encadernado na
Biblioteca Real em Estocolmo.
Ahvid Engholm é um fã e fanzineiro sueco ativo desde
1976. Jornalista free-lancer, é contista e pesquisador da
história da FC. Publicou a coletânea Mord på månen
(“Assassinato na Lua”; Zen Zat, 2006). Teve como colega no fandom sueco o famoso romancista Stieg Larsson.
Ensaio
Dilemas Atuais da Ficção Científica Brasileira
Roberto de Sousa Causo
A
RECENTE MORTE de André Carneiro (em 4
de novembro de 2014), aos 92 anos, me
fez pensar na velha questão da persistência
dos escritores brasileiros de ficção científica. Carneiro, que também foi poeta e fotógrafo, artista
plástico e cineasta, tinha seis décadas de prática no
campo da FC. Isso é muito incomum. Mesmo assim, ele produziu apenas seis livros: quatro coletâneas e dois romances curtos, tendo sido atrapalhado ao longo do percurso pela perseguição do regime militar, pelo glaucoma que o deixou com apenas 10% da visão, e pela dedicação às várias artes
que praticou. Mas foi certamente mais atrapalhado
pela falta de um mercado sólido para o gênero no
Brasil.
Os sucessos das séries Harry Potter e O Senhor
dos Anéis mudaram o cenário da publicação de ficção especulativa no Brasil, enchendo as livrarias
de volumes de fantasia, horror e ficção científica, a
maioria dirigida ao leitor jovem, reorientando a política editorial de médias e grandes editoras – e fazendo surgir uma dúzia de pequenas editoras voltadas para esses gêneros. Mas dessa serra pelada de
interesse pela fantasia e FC, as grandes e médias ficaram com os veios principais, geralmente compostos de sucessos vindos do exterior – e as pequenas ficaram com as igualmente minúsculas
pepitas, reveladas pela enxurrada de autores brasileiros em busca de publicação e de público.
Ao se olhar para o sucesso de vendas sem precedentes de nomes como André Vianco, Eduardo
Spohr e Raphael Draccon, é impossível não deixar
de enxergar um vigor que apenas debilmente alcança a ficção científica. Esse gênero está na lanterna das vendas e do interesse dos leitores, quando comparado com a fantasia e o horror. É vítima
do duplo e arraigado preconceito de que ficção
científica não vende, e de que brasileiro não sabe
escrever FC – coisa de sociedades baseadas na inovação e na técnica. A caminho de se tornar uma
grande editora voltada primariamente para a publicação de ficção científica, a Aleph, de São Paulo,
ainda não investiu em autores locais. É um paradoxo que apenas a academia olha mais para a ficção
científica, provavelmente refletindo um interesse
internacional estabelecido lá fora há mais tempo –
aqui também com uma revolução de anos recentes:
uma “troca de guarda” na universidade brasileira
abriu espaço para pesquisadores focados no gênero.
Ainda assim, nunca se publicou tanta ficção
científica brasileira.
Mas enquanto Carneiro atravessou diversos períodos da evolução do gênero aqui – a Primeira
Onda da Ficção Científica Brasileira (1957-1972),
a Onda de Utopias e Distopias (1972-1982), a Segunda (1982-2015) e a Terceira Ondas (2004 ao
presente) –, é difícil dizer o que será dos autores
em atividade hoje. Eles estão em pequenas editoras
que pouco conseguem promovê-los, ou na Internet,
suposta panaceia para se contornar todos os intermediários: o editor, o distribuidor, o publicitário e
o vendedor. O recente encerramento da Tarja Editorial (novembro de 2013), é revelador das dificuldades enfrentadas pelas pequenas editoras voltadas
à FC brasileira.
Não obstante, são as pequenas – Draco, Estronho, Giz, Gutenberg, Ornitorrinco – que se dedicam a atualizar a FC brasileira em relação aos últimos movimentos e tendências da FC anglo-americana: o New Weird, o steampunk, a ficção científica queer, e ainda o cyberpunk. Isso é algo que está
além das grandes editoras, em geral voltadas só ao
potencial de vendas; ou do jornalismo cultural, que
coloca toda ficção de gênero no mesmo saco. Mas
paradoxalmente, tal distribuição de esforços editoriais em tendências e o entusiasmo dos autores em
persegui-las parece sintoma de certa falta de rumo
da FC brasileira, fazendo-a parecer uma tropa estropiada arrastando-se atrás da vanguarda de uma
legião estrangeira.
O exemplo de André Carneiro também nos
lembra da importância da reputação literária, que
ele perseguiu a vida toda. Gênero marginal, parte a
uma fringe publishing, a ficção científica no Brasil
pouca recompensa oferece aos seus praticantes.
Daí nomes promissores como Cristina Lasaitis te-
Ilustração
Arte em grafite de Vagner Vargas ilustrando o conto de
Leonardo Nahoum, “Controlador”, publicado na revista
Quark (MB Editora) de Marcelo Baldini, na edição
N.º 10, de outubro de 2001. Esse foi o último número
da revista criada por Baldini e editada por Aldo Novak.
O conto de Nahoum foi mais tarde incluído na antologia
Os Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica:
Fronteiras (Devir, 2010).
O ilustrador brasileiro de FC mais experiente em
atividade, Vargas começou a trabalhar com ilustração
em 1990, e com arte de ficção científica logo a seguir,
pintando capas para Editora Aleph, de São Paulo. Já
fez capas para as editoras Arte & Ciência, Devir e
Estronho, entre outras, e ilustrou obras importantes da
FC brasileira e internacional, como a Trilogia Padrões
de Contato, de Jorge Luiz Calife, A Cidade e as
Estrelas, de Arthur C. Clarke, e O Jogo do Exterminador
e Orador dos Mortos, de Orson Scott Card. Em 2015,
teve perfil publicado na revista francesa Galaxies
N.º 34, que também trouxe uma de suas artes na capa.
site: http://www.vagnervargas.com.br/
e-mail: [email protected]
rem, aparentemente, se desanimado e abandonado
a marcha. Pior, a Internet favorece mais a formação de consensos fabricados em torno de um ou
outro nome ou tendência, dependendo do grupo,
do que a formação de reputações sólida. E a crítica
na era dos blogs pouco avançou, de modo que
mesmo surgindo autores de qualidade e originalidade, talvez ninguém os perceba. Ainda assim,
pode-se apostar em alguns nomes que têm estado
na boca dos fãs ou dos observadores mais abalizados: Luiz Bras (pseudônimo de Nelson de Oliveira), Cirilo S. Lemos, Flávio Medeiros Jr., o internacional Jacques Barcia, Simone Saueressig, e o
persistente Tibor Moricz.
Dificilmente as grandes editoras irão pescar
desse contexto autores de FC a promover, como
costumam fazer com escritores mainstream, muitos
surgidos de pequenas casas regionais. Mas mesmo
restrito às pequenas, seria possível a cada autor explorar aquilo que realmente falta à ficção científica
nacional: escrever a partir do seu tempo e lugar,
olhando para o mundo a partir da experiência brasileira. Oferecendo, neste momento do “Brasil país
emergente”, letra inicial dos BRICS e com maior
papel econômico e político no mundo, algo também em termos da literatura da mudança e da especulação do futuro.
--Roberto de Sousa Causo
Miguel Carqueija Resenha Cinema Clássico
Vinte Mil Léguas Submarinas (20.000 Leagues
under the Sea). EUA, 1954. Direção de Richard
Fleischer. Produção de Walt Disney. Roteiro de
Earl Felton, com base no romance de Júlio Verne. Efeitos especiais de Elmo Williams. Com
James Mason, Kirk Douglas, Peter Lorre, Paul
Lukas.
Em criança, com minha família, assisti pela primeira vez, no cinema, ao filme Vinte Mil Léguas
Submarinas (20.000 Leagues under the Sea), de
Walt Disney, produzido em 1954. Depois pude reassisti-lo diversas vezes e de diversas maneiras.
Ele marcou a minha vida, despertou em mim o
amor pela ficção científica e pela fantasia.
Até hoje eu vejo esta extraordinária película
como uma cabal demonstração do gênio de Walt
Disney, talvez o maior cineasta de todos os tempos
e aquele que realizou o maior número de filmes de
arte, vale dizer, de obras-primas.
Trata-se aqui da adaptação de um romance de
outro gênio, Júlio Verne (Vingt mille lieus sons le
mers, no original francês), lançado em 1870. Verne
é considerado o pai da ficção científica, que ele
“emendou” com o romance de aventuras e viagens.
É bem verdade que, antes de Verne (1828-1905) já
existia ficção cientifica – por exemplo, na obra de
Edgar Allan Poe (1809-1849), mas não tão copiosa. O romance de Verne, volumoso e cansativo,
porém notável, antecipa a invenção do submarino
marítimo de longo alcance, pois há notícia de modelos toscos utilizados em rios, na Guerra de Secessão dos norte-americanos.
Walt Disney produziu Vinte Mil Léguas Submarinas com grande requinte. O roteiro de Earl
Felton enxugou o romance, propiciando um espetáculo grandioso e sublime, desde a parte técnica
(fotografia, cenário, efeitos especiais) à parte moral, passando pela emocional (é eletrizante) e pelas
interpretações exemplares do reduzido elenco.
De fato, importantes na trama são quatro personagens: o
Professor Aronnax, oceanógrafo (Paul Lukas), seu assistente
Conseil (Peter Lorre), ambos
franceses, o arpoador canadense Ned Land (Kirk Douglas) e
finalmente o majestoso, sinistro e misterioso comandante
do Nautilus, o Capitão Nemo

(James Mason). Este foi, provavelmente, o maior
papel da carreira de Mason, que está soberbo na
interpretação do herói trágico e meio louco, de origem desconhecida – não revelada no filme e no livro, mas sabemos tratar-se de um hindu.
Nemo é um grande cientista e navegador, com
um trágico passado que o torna obcecado por vingança. Preso e torturado pelos colonizadores ingleses, recusou revelar os seus segredos: a energia
atômica, que depois moveria o Nautilus. Ao fugir
com um grupo de seguidores fiéis, Nemo deixou
para trás a família morta (esposa e filho) e tratou
de construir o submarino atômico, que usaria para
atacar os navios britânicos de guerra ou transportadores de armas, tornando-se assim um terrível “anjo da vingança”.
Sobre isso a película mostra uma cena antológica quando Nemo, com um olhar ensandecido,
comanda a carga do Nautilus contra um navio, até
a colisão.
Aronnax, embora fascinado pelo imenso mundo submarino posto à disposição da sua curiosidade cientifica, não pode concordar com tais procedimentos, e fará o possível para convencer o capitão
a disponibilizar os seus conhecimentos para a humanidade, e cessar a sua “jihad”.
Outra cena antológica – dessas que a gente grava para o resto da vida – é a luta da tripulação do
submarino com a lula gigante, o terror dos oceanos. Por ela se vê que na década de 1950 já havia
boas trucagens no cinema. Aliás, Walt Disney e
sua equipe sempre foram bons em trucagens.
Ned Land (Kirk Douglas) faz o contraponto
humorístico do austero e sombrio Capitão Nemo.
Ned faz amizade com a foca de bordo e acidentalmente engole um peixinho em conserva. É também
o rebelde da história, que não se conforma com o
cativeiro e luta pela liberdade, bem mais que Aronnax e Conseil.
Vinte Mil Léguas Submarinas é um épico grandioso que se sustenta na fatídica figura do Capitão
Nemo. E em seu final trágico, quando Nemo agoniza ao ser mortalmente baleado, resta uma
profecia de esperança: de que
aqueles segredos cientí-ficos,
que se perdem com Nemo, serão
um dia descobertos pela
humanidade, “quando a Deus
aprouver”.
--Miguel Carqueija
POESIA:
CAPITÃO NEMO
Miguel Carqueija
No tempo em que ele viveu
foi o maior gênio do mundo,
mas um dia se escondeu
no seio do mar profundo.
Perseguido e torturado,
seu desígnio é extremo:
e agora, transtornado,
tornou-se o Capitão Nemo.
Em seu Nautilus alcança
todos os mares da Terra;
ele é o Anjo da Vingança,
guerreando a Inglaterra.
Mas o ódio não constrói,
tenebrece o coração:
Nemo agora só destrói,
é um herói ou é um vilão?
Seu destino está marcado,
até o trágico fim:
com o Nautilus sepultado,
tornou-se a lenda enfim.
Oh Deus, recebe em teu seio
quem tanto bem planejou,
que a Ciência fosse o esteio
do mundo que ele sonhou.
Que o mar abastecesse a terra,
que a paz fosse universal;
mas pela paz fez a guerra,
misturou o bem e o mal.
Que Deus lhe dê o perdão
e o repouso merecido;
Nemo em nosso coração
jamais será esquecido.
NOTA:
O Capitão Nemo é o herói fatídico do
romance Vinte Mil Léguas Submarinas, de
Júlio Verne, escrito na década de 1860. A
imagem é do filme de Walt Disney (1954),
com Nemo magistralmente interpretado por
James Mason.
O Capitão Nemo em ilustração de George Roux
.. ..
Seção Especial...... . ... ..
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O Estado da Arte: Ficção Científica Tupinipunk
. ...Roberto de Sousa Causo.... .. ..... .. .... . ..... .. .... . . ... ..... ... ..... . . ..... . .....
.....
I
(cyberpunk tupiniquim) foi um fenômeno característico das décadas de 1980 e 90.1 Basta conferir a parte inicial do corpus existente: Silicone XXI (1985), romance de Alfredo Sirkis; contos de Braulio Tavares como “Stuntmind” e “Jogo Rápido” (1989);
novelas como Santa Clara Poltergeist (1991), de
Fausto Fawcett, e Piritas Siderais: Romance Cyberbarroco (1994), de Guilherme Kujawski; os
contos e noveletas de Fawcett no seu segundo livro, Básico Instinto (1992); e os contos “Ananda, o
Homem que Purpurava” e “O Caipira Caipora”
(1993), de Ivan Carlos Regina – além do seu importante “Manifesto Antropofágico da Ficção
Científica Brasileira” (1988). E finalmente, “O
Altar dos nossos Corações” (1993), excepcional
noveleta de Ivanir Calado.
É de causar certa surpresa, dado o relativo anonimato dessa forma literária descaradamente brasileira – que não é rótulo comercial e é rejeitada por
vários setores do fandom –, passe por um ressurgimento neste começo de século XXI. Inspirada no
Modernismo e no Tropicalismo, repleta de referências antropofágicas e de jocosidade e iconoclastia
marcadamente brasileiras, tem apresentado histórias curtas que vem pipocando aqui e ali, como a
elogiada noveleta “Questão de Sobrevivência”
(2005), de Carlos Orsi, recentemente analisada
pela brasilianista M. Elizabeth “Libby” Ginway
(que muito tem feito para difundir o conceito),2
além de “Instinto Materno”, de Pedro Vieira – o
único conto tupinipunk contrabandeado para dentro da pioneiríssima antologia Cyberpunk: Histórias de um Futuro Extraordinário (Tarja Editorial;
2010); e a notável noveleta “A Lua É uma Flor
sem Pétalas” (2012), de Cirilo S. Lemos. Eu mesmo investi em histórias como “Vale-Tudo” (2010)
e “Para Viver na Barriga do Monstro” (2012), que
tentam seguir a trilha aberta por Sirkis, Braulio e
Ivanir – com textos que, para além da linguagem
“cubista” do nosso Modernismo e de um espírito
NICIALMENTE O TUPINIPUNK
O conceito foi lançado no meu artigo “Tupinipunk – Cyberpunk Brasileiro” no Papêra Uirandê Especial # 1: Tupinipunk,
em 1996.
2
Veja o livro de Ginway, Ficção Científica Brasileira: Mitos
Culturais e Nacionalidade no País do Futuro (Devir; 2005).
1
satírico que marca o tupinipunk de Fawcett, Kujawski e Regina, tentam abordar questões sóciopolíticas e tecnológicas.
O próprio Fausto Fawcett pelo jeito nunca
abandonou o subgênero – como sugere o seu conto
“Visita Veneno”, de 2005. Ele também publicou
em 2012 um novo romance tupinipunk, Favelost
(The Book), mencionado e resenhado na imprensa
cultural. E Fawcett, o praticante de tupinipunk
mais fiel ao subgênero, retorna em 2014 com novas edições de Santa Clara Poltergeist e Básico
Instinto (com novas histórias), pela editora curitibana Encrenca – Literatura de Invenção, com ilustrações de Theo Szczepanski e projeto gráfico de
Fred Marés Tizzot.
Outra novidade foram obras fora da página literária, como o filme animado Uma História de
Amor e Fúria (2013), dirigido por Luiz Bolognesi
e ganhador de cinco prêmios internacionais em
festivais de cinema; e o livro de quadrinhos do estilista Martielo Toledo, Sci-Fi Punk Projects (Devir; 2013). Sem falar do interesse pelo conceito
despertado junto aos pesquisadores universitários:
além de Ginway, Suzane Lima Costa, da Universidade da Bahia, trabalhou com o tupinipunk, assim
como Ed King, de Cambridge, no livro Science
Fiction and Digital Technologies in Argentine and
Brazilian Cultures (Palgrave; 2013). Recentemen-
te, os mestrandos Charles Dall’Agnol e Eduardo
Cabeda o discutiram em evento da PUC do Rio
Grande do Sul em 15 de agosto de 2014.
E agora, além das novidades “recentes” (surgidas a partir de 2010), o importante pseudônimo/heteronômio de Nelson de Oliveira, “Luiz
Bras”, apresentou em 2014 uma “guindada para o
tupinipunk” com alguns dos minicontos de Pequena Coleção de Grandes Horrores (2013) e no romance rapsódico Distrito Federal (2014).
Nesta seção especial, leia uma entrevista com
Luiz Bras, dois de seus minicontos tupinipunks (do
livro Pequena Coleção de Grandes Horrores.
--Roberto de Sousa Causo
ENTREVISTA COM LUIZ BRAS SOBRE SEUS
TRABALHOS TUPINIPUNKS
O que o levou a buscar uma exploração ficcional e
visual do tupinipunk, com Distrito Federal?
Foi o desejo de trazer pra minha literatura a demonologia brasuca: o curupira, o saci, o boitatá e outras criaturas fascinantes. Fazia tempo que eu queria escrever sobre os demônios de nossa cultura
popular, mas num contexto urbano e adulto. Reunir folclore, mitologia indígena e africana, xamanismo e candomblé, realidade virtual e possessão
demoníaca, biotecnologia e revolução pós-humana
foi um desafio maravilhoso. Descobri novas possibilidades ficcionais e existenciais. Desconfio que
a literatura sempre foi, pra mim, um exercício de
autoconhecimento. Por isso meus livros são tão diferentes uns dos outros. Paraíso líquido e Máquina
Macunaíma assemelham-se, mas são muito distintos de Sozinho no Deserto Extremo (2012) e Pequena Coleção de Grandes Horrores (2013). Mudam a forma e o gênero. Distrito Federal, por sua
vez, apesar de ser uma ampliação da poética fragmentária e maldita da Pequena Coleção, concentrase em questões mais filosóficas. O humor e o nonsense ainda estão presentes, mas num grau mais
moderado. Distrito Federal acompanha a convergência homem-máquina e a extinção da raça humana. A narrativa é e não é um romance, é e não é
uma rapsódia. E as gravuras de Teo Adorno, cheias
de seres estilizados e eviscerados, são uma espécie
de pintura rupestre da era digital.
Em alguns dos minicontos de Pequena Coleção de
Grandes Horrores já se percebia essa inclinação.
Os dois projetos foram desenvolvidos ao mesmo
tempo?
É verdade. Distrito Federal dialoga com uma parte
dos minicontos da Pequena Coleção. Os dois projetos foram desenvolvidos ao mesmo tempo. A intertextualidade aproxima os dois livros. Há também o folclore tupiniquim e a antropofagia… Certas passagens da Pequena coleção ecoam no Distrito Federal. E a protagonista do conto Distrito Federal, incluído na Máquina Macunaíma, reaparece
na rapsódia. Gosto dessa reverberação entre livros.
Ela realça o parentesco latente.
Por que a escolha do formato rapsódia, para Distrito Federal?
A sugestão veio da releitura de Macunaíma, obra
máxima de Mário de Andrade. Enquanto um romance pede uma estrutura rígida, coerente com o
encadeamento dos fatos, a rapsódia é mais livre,
permitindo a justaposição de capítulos soltos, de
estilos diferentes. A prosa vira poema, que vira
prosa; parágrafos viram versos, que voltam a ser
parágrafos. O discurso indireto livre impera. O foco narrativo é mais ambíguo. Em Distrito federal
há uma quantidade grande de personagens secundários: pessoas, deuses, demônios e máquinas. E
essa avalanche de coadjuvantes quase chega a encobrir a jornada tortuosa dos poucos protagonistas.
Quais são suas influências tupinipunks nesse livro?
Senti algo de Ivan Carlos Regina na premissa...
O célebre “Manifesto Antropofágico da Ficção
Científica Brasileira” teve uma participação importante, mais inconsciente do que consciente, na matriz ideológica de minha rapsódia. Mas creio que a
maior influência foi a obra de Fausto Fawcett, ficcionista que admiro incondicionalmente. Apesar de
pouco visível na superfície do texto, também vejo,
nas profundezas, na liberdade narrativa, a presença
forte do Mário de Andrade do Macunaíma. E do
Oswald de Andrade do Manifesto antropófago, que
por sua vez influenciou o Manifesto do Ivan. Mas
posso estar enganado. O autor raramente é um leitor privilegiado do que escreve. É comum a autoilusão. Na história da literatura, foram poucas as
vezes em que a intenção de um autor se realizou
plenamente, sem desvios ou derrapadas, numa obra
literária.
Distrito Federal e alguns dos contos tupinipunks
em Pequena Coleção de Grandes Horrores parecem sugerir que Luiz Bras está em uma fase “pósMensalão do PT” de grande desilusão e indignação
com os rumos do país. Como o atual contexto brasileiro te motiva?
Os principais casos recentes de corrupção na política brasileira são citados na rapsódia. Meu herói
demoníaco é um serial killer que ataca apenas políticos e empresários corruptos, em Brasília. Pena
que o livro já estava na gráfica quando veio à luz o
escândalo da Petrobras. Meu curupira homicida teria adorado pôr as mãos em vários protagonistas
desse caso tão abjeto, de proporções impensáveis.
São monstruosas a ambição e a ganância dessa
gente.
O tupinipunk está no cerne de algumas disputas de
política literária em setores do fandom. Você tem
uma posição?
Diferente de Oswald de Andrade, eu perco a piada
− e a discussão − pra não perder o amigo. Minha
natureza é avessa a disputas e polêmicas. Nunca
fiz questão de impor minhas ideias, isso sempre
fez de mim um alvo fácil para os militantes mais
radicais. As teorias são interessantes, mas prefiro
ler as obras, livre de qualquer influência classificadora. Prefiro não ser assimilado, escolho não pertencer inteiramente a qualquer grupo ou elite. Assim minhas opções de leitura não ficam restritas.
Posso experimentar o cardápio inteiro. Fiquei emocionado, certa vez, ao encontrar uma referência ao
Finnegans Wake num romance de Philip K. Dick,
intitulado A Invasão Divina. Eu amo Finnegans
Wake, que no Brasil virou Finnicius revém, nas
mãos do tradutor Donaldo Schüler. E ao descobrir
que Dick também amava, senti uma felicidade
imensa. Mas também amo obras muito diferentes,
romances de fantasia e ficção científica, que, por
preconceito, sempre estiveram fora do horizonte de
possibilidades da maioria dos cursos de Letras.
Entre isso ou aquilo, prefiro ficar com isso e
aquilo.
Luiz Bras/Nelson de Oliveira tem contribuído
substancialmente para o estreitamento das relações
entre ficção científica e o mainstream literário
brasileiro. Como você avalia tal atuação neste
ponto?
Os dois volumes da coletânea Hiperconexões: Realidade Expandida, de poemas sobre o pós-humano,
surgiram exatamente pra isso: estreitar a FC e o
mainstream, aproximar a FC da poesia. Mas Einstein estava certo: é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito. Eu gostaria de ser mais
otimista. Gostaria de enxergar um cenário mais
equilibrado. Porém ainda vejo a ficção científica
tupiniquim muito longe de vencer os dois desafios
que o momento lhe impõe. Número um: conquistar
a crítica especializada, de viés acadêmico. Número
dois: conquistar mais leitores brasileiros. São poucos os cursos de Letras que respeitam e estudam a
FC brasileira. São poucos os leitores brasileiros que
apreciam e incentivam os autores brasileiros. Por
enquanto.
CABEÇAS TROCADAS
NO FUNDO DO MATO-VIRGEM nasceu Macunaíma,
herói de nossa gente — Era preto retinto e filho do
medo da noite — Araras, papagaios e curicas
fizeram algazarra — Viraram gente: cunhantãs —
O recém-nascido chorou, expulsando do céu a lua,
chamando o sol — As cunhantãs prepararam
chicha — Macunaíma bebeu até cair bêbado — As
cunhantãs também trouxeram milho torrado
quentinho na cestinha de tucumã — Toda a maloca
comemorou — Macunaíma, já crescido,
agradeceu, irradiando pequenos arco-íris — Só o
velho pajé não estava feliz — Ele era irmão dos
tamanduás e tinha inveja de Macunaíma — No
verão, toda a maloca entrava no mato, à noite, pra
pegar saúva pra comer — Uma noite o pajé
segurou Macunaíma e cortou seu braço esquerdo,
saiu correndo com o braço do herói — Macunaíma
riu e fez aparecer um braço novo, biônico, mais
forte e mais rápido do que o braço original — As
cunhantãs gostaram do novo braço, ficaram
assanhadas, com vontade de brincar —
Macunaíma brincou durante horas, em muitas
redes — Outra noite o pajé roubou a perna
esquerda do herói — Macunaíma riu e fez aparecer
uma perna nova, biônica, mais forte e mais rápida
do que a perna original — As cunhantãs gostaram
da nova perna, ficaram assanhadas, com vontade
de brincar — Macunaíma brincou durante horas,
em muitas redes — O pajé conseguiu roubar quase
todas as partes do herói, menos a cabeça — O pajé
estava construindo um escravo com as partes de
Macunaíma — Faltava só a cabeça — Então o pajé
desmontou seu laptop e seu celular e construiu
uma cabeça artificial — Macunaíma vinha
distraído, mastigando uma folha de macaxeira,
quando deu de cara com o escravo do pajé —
Macunaíma era inteiro máquina com cabeça de
gente, o escravo do pajé era inteiro gente com
cabeça de máquina — Os dois trocaram as cabeças
e tudo ficou bem — Toda a maloca comemorou —
Menos o pajé, que ficou furioso com a troca —
Uma noite o pajé segurou novamente Macunaíma
e cortou mais uma vez seu braço esquerdo — A
confusão se repetiu — O pajé cortava, Macunaíma
ria e fazia aparecer, o pajé cortava, Macunaíma ria
e fazia aparecer — Foram tantas idas e vindas que
em pouco tempo não havia mais espaço —
Milhares de escravos-máquinas habitavam a
maloca
THE WALKING DEAD
VOCÊ PRECISARÁ DE MUITA coragem pra fazer o
que pretende fazer, ela diz.
Bebo uma superdose de uísque. Ela mordisca o
lóbulo de minha orelha. Eu recebo o baseado de
sua mão pequena e morena e dou uma boa tragada.
Então toda a coragem de que precisarei me invade
com os fios de fumaça.
Ela começa a chorar, me abraça, pede que eu
não cometa mais essa loucura. Eu choro com ela.
Preciso ir, eu digo.
Visto cuidadosamente o traje de metamaterial.
Fico invisível e muito mais leve.
(Tudo isso seria ridículo se fosse apenas literatura. Acreditem em mim, aconteceu de verdade.)
Guiada apenas pelo instinto de sobrevivência,
entro no plenário e identifico, entre os monstros da
corrupção ativa e passiva, o homem de meus sonhos. O único deputado íntegro e honrado é também o sujeito mais solitário do edifício.
O congresso nacional inteiro foi tomado pelos
zumbis. Patas pegajosas e línguas fedorentas adulteram licitações, contaminam-se mutuamente. Os
congressistas estão tão mortos que mal sabem que
estão mortos. Sua saliva é vinagre, sua pele é mofo. A partir do distrito federal, a podridão já começa a corroer todo o reino de Pindorama.
Seguro a mão do único deputado íntegro e
honrado. Com paciência e devoção eu o conduzo
pra longe do pandemônio. Uma tribo de tupinambás cercou o congresso nacional. Cantam alto.
Batucam com vontade. Mas não tenho certeza se
conseguirão abafar a ziquizira zumbi com seu ritual ancestral.
O único deputado íntegro e honrado agora parece em transe. O batuque está afetando sua percepção de um jeito sombrio. Ele ainda não consegue me enxergar, mas suas mãos apalpam o vazio
até encontrarem meus ombros. Ele diz, você precisa sair daqui. Eu respondo, não sem você. Ele
aperta meus ossos, você precisa sair daqui AGORA.
Sobre o distrito federal reúnem-se nuvens obstinadas e vingativas.
Nuvens sólidas feito montanhas de ferro.
Nuvens-orixás.
Começa a avalanche de violência. Xangô e
Oxum e Oxumarê e Oxóssi e os outros deslizam
pra baixo e cobrem os zumbis de porrada. Mas eu
sei que nem mesmo esses justiceiros conseguirão
deter a necrose que já começa a escurecer todo o
reino de Pindorama. O único deputado íntegro e
honrado, ainda em transe, aperta meus ombros e
grita, vai embora, some daqui, desaparece.
(Acreditem em mim, aconteceu de verdade.
JURO. Tudo isso seria MUITO ridículo se fosse
apenas literatura.)
Fazendo uso de suas habilidades de xamã, o
único deputado íntegro e honrado abre um portal
atrás de mim. Odeio essas trapaças improvisadas.
Metade da esplanada dos ministérios afunda, em
chamas. Eu sou sugada pelo portal, que me arremessa pra fora do jogo.
Acordar em meu quarto de pensão, banhada em
suor, é a pior coisa que podia me acontecer. Pior
até do que a morte cerebral. Tento voltar ao jogo
mas a conexão fraqueja e falha. Maldito deputado
íntegro e honrado. Minha prótese neural queimou.
Fui exilada definitivamente.
Duas semanas depois a cidade continua quieta.
O vento reúne e leva pra longe, em redemoinhos, a
fedentina das casas e dos apartamentos. A popula-
ção morreu jogando, combatendo os zumbis, só eu
sobrevivi. Dois meses mais tarde o país continua
em silêncio. Se ainda existe vida inteligente além
de mim, ela está longe, muito longe, noutra realidade.
Dois anos depois o mundo continua quieto.
Tudo me assombra, vejo espíritos nas janelas, embaixo de viadutos. Apenas miragens. Ainda há
energia elétrica, mas em poucos lugares. A comida
industrializada sadia também está acabando. Em
breve terei que cultivar uma horta, criar umas galinhas, uma vaca. Caminho pelas avenidas tomadas
pelo mato. Alguém segue meus passos. Quem está
aí? Apareça! É apenas a solidão e o eco criando
novos mitos.
Após a queda de um raio, numa esquina mal
iluminada eu finalmente me encontro comigo mesma. Pareço mais velha, menos ingênua. Conversamos.
As noites estão cada vez mais longas e frias,
ela diz.
De quem você sente mais saudade, eu pergunto.
Essa palavra não faz sentido algum neste lugar,
ela responde.
Espero nunca precisar de um médico, eu comento.
Se você ainda pensa no ciberespaço, em voltar
pra lá, esqueça, não existe mais, ela me avisa.
Os zumbis destruíram tudo, eu pergunto.
Não há mais zumbis, não há mais orixás, não
há mais nada, ela diz.
Eu sei, eu já desconfiava, mas não destrua minha última esperança, por favor, eu preciso muito
acreditar que um dia voltarei pra lá, eu explico.
Estou procurando um bom maço de Gudang
Garam, ela suspira.
A melhor tabacaria da região fica a seis quadras, eu indico com o queixo.
Você sabe que uma das duas, você ou eu, não
existe realmente, não sabe, ela me avisa muito
séria.
Isso não tem importância neste lugar, tem, eu
pergunto.
Começa a garoar. Os ratos e os buracos na avenida estão cada vez maiores. De mãos dadas comigo mesma, eu caminho sozinha até a tabacaria.
(Vinte anos mais tarde já não sei se tudo isso
não foi apenas literatura. Já não tenho certeza se
aconteceu de verdade.)
Luiz Bras é autor de Paraíso Líquido (2010), e Sozinho
no Deserto Extremo. Mais recentemente, publicou o satírico Citizen Who: Peripécias do Famigerado Escritor
Que Não Tem Boas Ideias (2015). É o titular da coluna
“Ruído Branco” no Rascunho: O Jornal de Literatura
do Brasil. Vive em São Paulo.
ROBERTO CAUSO RESENHA FICÇÃO CIENTÍFICA INTERNACIONAL
Ancillary Justice, Ann Leckie. Nova York: Orbit,
1.ª edição, 2013, 410 páginas. Capa de John Harris.
The Cage of Zeus (Zeusu no ori), Sayuri Ueda. San
Francisco: Haikasoru, 2011 [2004], 284 páginas. Capa de Tatsuyuki Tanaka. Tradução de Takami Nieda.
The Quantum Thief, Hannu Rajaniemi. Nova York:
Tor Books, 1.ª edição, maio de 2012 [2010], 332 páginas. Capa de Kekai Kotami.
The City & The City, China Miéville. Nova York:
Del Rey, 2009, 304 páginas. A Cidade & a Cidade.
São Paulo: Boitempo Editorial, 2014, 292 páginas.
Capa de Fábio Cobiaco. Tradução de Fábio Fernandes.
Raymond Chandler, o criador do detetive Philip
Marlowe, era um grande missivista. Seus biógrafos
dizem que para compensar a relativa solidão em
que Chandler e sua esposa Cissy viviam, na Califórnia. De qualquer modo, ele escreveu muitas cartas, que, ao lado de seus poucos ensaios e compiladas em diversos livros, formam uma rica e original
reflexão literária, especialmente por ter sido desenvolvida a partir do ponto de vista de um convicto
escritor de ficção popular.
Em uma de suas cartas, ele escreveu a um amigo, informando que lia um romance de Graham
Greene. “Tem tudo o que faz a literatura”, afirmou,
“exceto verve, espírito, gusto, música e mágica...”
O que é o mesmo que dizer que tinha tudo o que
faz a literatura, exceto tudo o que faz a literatura...
Chandler dava muito valor à vitalidade como
qualidade literária: “Há uma certa qualidade indispensável à escrita, do meu ponto de vista, que eu
chamo de mágica, mas que poderia ser chamada
por outro nome. É um tipo de força vital. Por isso
eu odeio a escrita estudada, o tipo de coisa que fica
afastada para poder se admirar.” Mas quanto ao romance de Greene, Chandler ao terminá-lo escreveu: “O final do livro de Greene foi ótimo. Ele redime aquela carência que eu senti antes.”
Algo semelhante pode ser dito de Ancillary
Justice , o multipremiado romance de Ann Leckie,
que embolsou o Prêmio Hugo – depois de ter recebido o Nebula, o Arthur C. Clarke Award, e o Prêmio da British Science Fiction Association, além
do Locus de melhor romance de estréia. Uma das
obras mais premiadas dos últimos anos, no mundo
da ficção científica em língua inglesa, comparável
apenas a The Windup Girl (2009), de Paolo Bacigalupi, e a Neuromancer (1984), de William Gibson – para citar só romances de estréia como
o dela.
E não obstante, para mim foi uma das leituras
recentes mais difíceis de terminar.
Não que o romance seja particularmente complexo na estrutura. Narrado em primeira pessoa por
uma certa Breq, abre com a protagonista encontrando alguém caído na sarjeta de um planeta gelado, na fronteira do Império Radch. Breq reconhece
na pessoa uma antiga companheira de armas, Seivarden, que prontamente recolhe, embora isso possa vir a atrapalhar sua missão. O segundo capítulo
tem a seguinte sentença como início: “Dezenove
anos, três meses e uma semana antes de encontrar
Seivarden na neve, eu era um transporte de tropas
orbitando o planeta Shis’urna.”
Isso acontece porque no Império Radch a maior
arma de conquista e controle são naves comandadas por inteligências artificiais que, por sua vez,
comandam à distância extensões humanas. Breq é
uma dessas extensões, ou “acessórios”, da nave
Justice of Toren, que é uma das traduções de “ancillary”. Como as naves são chamadas de “justice”
– “justiça” ou “juiz” em inglês –, já tem-se uma
possível tradução do título: “Justiça Acessória”,
que tem embutido um toque de ironia, e por isso
funciona um pouco melhor para mim.
Os tais acessórios das naves parecem ser “holográficos”, quer dizer, cada um deles se comporta
como sendo efetivamente aquela inteligência artificial, e seus corpos são como zumbis de aluguel,
gente capturada e induzida a esse serviço, com
suas identidades apagadas. Até certo ponto, mas
muito além disso, são como os escravos do Império Romano, a partir do qual Leckie admite ter modelado (algo feito de modo ainda mais explícito na
série de space opera militar Tour of the Merrimack
da autora R. M. Meluch) o seu Império Radch.
O romance avança alternando o tempo presente
nos capítulos ímpares, com a narrativa passada de
Breq em Shis’urna, um planeta recém-ocupado,
nos pares. O truque de ter uma protagonista-narraadora que é uma entidade múltipla presente em
diversos lugares da superfície e na órbita é um recurso engenhoso de se readmitir um narrador onisciente, embora limitado, à narrativa contemporânea. Em Shis’urna, ela inadvertidamente toma contato com segredos envolvendo uma intriga enraízada no coração dirigente do império – composto,
também ele de uma entidade múltipla. Essa descoberta sela o destino da nave, com Braq sendo a
única sobrevivente, agora uma desgarrada disposta
a tudo para realizar sua vingança.
O outro aspecto muito elogiado desse romance
é um truque que Leckie pode ter sacado do clássico de Ursula K. Le Guin, A Mão Esquerda da Escuridão (1969),3 ambientado em um planeta no
3
Disponível em edição recente pela Editora Aleph.
qual os humanos locais são hermafroditas. Lá pelas
tantas, no excerto de um relatório do Investigador
Ong Tot Oppong, o livro de Le Guin filosofa sobre como chamar pessoas que possuem ambos os
sexos: não dá para usar o pronome neutro do inglês, “it”, porque eles não são castrados. “São potenciais, ou integrais.” Ele opta portanto por usar
o “ele”, “pelas mesmas razões que usamos o pronome masculino em referência a um deus transcendente: ele é menos definido, menos específico, do
que o neutro ou o feminino. Mas o próprio uso do
pronome em meus pensamentos me leva continuamente a esquecer que o karhider com quem estou
não é um homem, mas um homemmulher.” Mais
tarde, a também autora de FC Joan D. Vinge ironizou: “o ‘it ’ não serve para seres humanos... e nem,
evidentemente, o ‘ela’.” Ann Leckie, porém, foi lá
e fez um império galáctico usar pronomes femininos para todos os seus súditos.
O recurso intriga num primeiro momento, mas
o leitor (ou este leitor, ao menos) logo se habitua a
suspender a definição fisionômica e sexual dos
per-sonagens – embora nunca totalmente, pois alguns se impõem como um ou outro. Em entrevista,
Leckie afirmou que o gênero sexual dos “personagens não importa”. Mas é justamente a falta de definição, a ausência de detalhes específicos, que torna esse romance tão insosso para mim. O gênero
sexual é só um de muitos detalhes específicos ausentes. O planeta Shis’urna, por exemplo, é definido em termos de “juncos nos brejos” e “chá de
gosto estranho”. Chandler novamente: “Para escrever sobre um lugar você tem que amá-lo ou odiá-lo
ou fazer os dois alternando... Mas um senso de vacuidade e chatice – isso é fatal.”
Não sabemos o sexo dos personagens, e também nada de sua fisionomia. E pouco ou nada sobre a tecnologia do seu futuro de milhares de anos
adiante. O império é truculento, implacável, centralizado, mas igualmente sem textura. A aristocracia grudada nele parece mais baseada na posse da
terra do que na de uma hipertecnologia. As religiões têm ídolos, mas seus princípios e práticas são
vagos e descoloridos. Mas essa indefinição afeta os
personagens mais do que outros aspectos da composição do romance – são pouco mais que diálogos pendurados no ar. Ou como Nina Allan escreveu em sua resenha do livro: “Não há personagens
em Ancillary Justice, com isso eu quero dizer que
os personagens embrionários, qualquer um dos
quais poderia ter se provado interessante se a autora tivesse devotado atenção suficiente em dar-lhes
vida própria, não têm vitalidade para além de seu
propósito no enredo.”
Mesmo a Tenente Awn (nomes neutros assim
também não ajudam), que deveria ser o centro
emocional do romance, já que é o seu abuso pela
autoridade que motiva a rebeldia de Breq, vive o
dilema moral de ser a executora de um massacre
em Shis’urna, e sua personalidade claramente deixou forte marca em Breq. Não obstante, também
ela não tem cor, nem viço nem mágica, como diria
Chandler.
Shis’urna é ocupado pelas legiões de Radch –
assim como o Iraque foi ocupado pelos Esta-
dos Unidos e sua “Coalizão dos Dispostos”, ou a
Palestina é ocupada por Israel – e de maneira francamente tirânica. Mas mesmo aí Leckie não abandona o seu distanciamento emocional e intelectual,
deixando de nos fornecer qualquer pista de qual
metáfora ela poderia estar construindo. Desse modo, uma voz átona e uma composição estéril dominam o romance em vários níveis.
As coisas só se animam um pouco, e os detalhes específicos passam a comparecer, quando as
duas linhas temporais da narrativa se fundem e o
leitor compreende quem é Braq e qual é sua missão e com quais motivações. Nesse ponto, a intriga
palaciana e a ação dos personagens também se tornam mais vivazes e significativos – mas aí o leitor
descobre que este é o primeiro livro de uma trilogia, com tudo terminando no gancho para a continuação. Receio que o denouement e o fecho não
sejam o suficiente para tornar junto a mim Ancillary Justice o romance marcante de que todos falam
e os prêmios corroboram.
Não é a primeira vez, aliás, que nomes de peso
me desapontam. Autores como Jay Lake e Kelly
Link têm uma prosa tão sem relevo, que mal sustentam o meu olhar, e a do também premiado John
Scalzi me parece esquálida apesar de todo o seu
humor e espirituosidade. Isso não é monopólio da
ficção científica e sua suposta superficialidade de
ficção de gênero, eu já adianto: obras como A
Summons to Menphis (1986), de Peter Taylor, um
romance ganhador do Pulitzer de 1987, tem personagens complexos mas é um perfeito soporífero,
enquanto o celebrado Dois Irmãos (2000), de Milton Hatoum, padece de um narrador que é quase
um eunuco emocional.
É claro que toda unanimidade é burra, mas não
obstante o crítico que se sente isolado em sua opinião apela para outros que também foram desapontados pela mesma obra. Nina Allan é essa outra
crítica que não entendeu bem o fuzuê, mas a conclusão da sua resenha é impertinente – Ancillary
Justice não desaponta por ser, no fim das contas,
segundo ela, uma space opera convencional e simplória, mas justamente por ter negado as lições de
intensidade e vivacidade narrativas que a ficção de
gênero construiu desde a sua fase pulp.
Algo que se pode dizer do romance da japonesa
Sayuri Ueda, The Cage of Zeus (Zeusu no ori), é
que ele não tem os mesmos pruridos do livro de
Ann Leckie. Ueda mergulha na questão das diferenças sexuais, e seu romance é mais vívido e pleno de detalhes específicos, embora mais superficial
na forma e dependente demais de diálogos expositivos.
A história abre com um oficial antiterrorista baseado em Marte, Shirosaki, sendo transferido para
uma estação espacial na órbita de Júpiter. Suspeitase que um grupo conservador chamado Vessel of
Life (“receptáculo da vida”) planeja fazer um ataque lá. O seu alvo é um distrito especial dentro da
estação Jupiter-I onde vivem os “rounds”, seres humanos engendrados geneticamente para possuírem
os dois sexos ao mesmo tempo. No caminho, Shirosaki recebe ordens para exterminar qualquer terrorista que consiga pôr as mãos – sem prisioneiros.
Aos meus ouvidos ingênuos, soa como uma ordem extrema, e ordens extremas exigem preparações extermas. Mas ao chegar a Jupiter-I, com semanas à sua disposição, Shirosaki não investiga os
recursos e deficiências do lugar, nem conduz entrevistas para sentir as vulnerabilidades psicológicas ou emocionais do pessoal, ou se entre eles há
infiltrados da Vessel of Life – nem negocia acordos de assistência com estações orbitais vizinhas.
Ele apenas senta lá e espera a merda bater no ventilador – o que é exatamente a sensação que o leitor tem do que vai acontecer –, enquanto se mete
em intermináveis conversas sobre os rounds com a
médica/médico Tei (uma round) e a administradora
Kline, e mede a constante tensão entre o chefe de
segurança que encontra no lugar, o estereotipado
machão Harding.
Aqui também pode-se enxergar a sombra de
Ursula K. Le Guin e o seu A Mão Esquerda da Escuridão: os hermafroditas do seu planeta Gethen
teriam sido um antigo experimento científico clandestino. The Cage of Zeus nos dá a oportunidade
de investigar o que um experimento como aquele
desejaria alcançar. Neste caso, criar um ser humano mais equilibrado – daí “round”, “redondo” –
para enfrentar o desafio da exploração interestelar.
Há, porém, um propósito sociológico subjacente e
implícito: “Resolver as questões surgidas das diferenças de gênero sexual. Nossa sociedade não
conseguiu superar a discriminação de gênero só
com nossas leis e éticas.” Daí o projeto de dispensar “os problemas que podem ser resolvidos pela
reinvenção do corpo. Uma sociedade onde somos
iguais, onde apenas diferenças individuais existem.” (Pág. 59)
Existe aí também aquilo que chamo de “fetiche
da evolução”, tão típico da ficção científica américana – fetiche porque a evolução é um processo
lentíssimo de adaptação a dinâmicas específicas do
meio ambiente e de outras espécies. Não há por
que acreditar, por exemplo, que a emulação da “lei
da selva” em ambientes corporativos, culturais,
científicos ou políticos de algum modo promoveria
a evolução ou a melhoria da espécie humana, ou
honraria a “Lei Natural”. Ou como a personagem
Kline afirma (citando algum discurso trans-humanista?): “A humanidade tem de mudar – não, a humanidade deve buscar ativamente a mudança, di-
zem eles. Pela questão da diversidade sexual, chegaram à conclusão de que o corpo humano deve e
deveria ser reinventado.” (57) Nisso, o livro de
Ueda expressa a transição, considerada por muitos
como própria do pós-modernismo, do desejo utópico depositado nos grande sistemas econômicos e
sociais, para o campo das identidades.
Como o leitor já antecipa, a ameaça já está instalada em Jupiter-I, na figura da terrorista de carreira Karina Majella, que, incógnita no lugar, envenena os rounds com um composto desconhecido.
Para obter informações que salvem suas vida, ela é
torturada por Harding – mas não antes dela mesma
abusar sexualmente de um round, embora não tivesse interesse na questão desses humanos engendrados – chantageada pela Vessel of Life, está
agindo para proteger os organismos dos mares de
Europa, a lua de Júpiter, de uma contaminação fatal. Este leitor sentiu que Ueda forçou a mão (se
perdoam o trocadilho, já que o estupro foi cometido com a mão) na questão sexual como um todo.
Para o romance funcionar plenamente, é preciso
crer, por exemplo, que os rounds exercem uma
atração irresistível junto aos tipos machões, como
Harding, ou “masculinizados”, como a mortal Karina (assim como muitos militantes gays afirmam
que a homofobia de alguns não passa de rejeição
da própria homossexualidade?). Quando Ueda parece tentar relativizar um pouco o papel dos rounds
– com o personagem secundário Barry Wolfren, o
outro terrorista infiltrado – ela parece mesmo aí
embutir uma condenação, talvez de fundo biológico, do masculino: Wolfren é um round que deseja
ter uma identidade apenas masculina, mas não pode deixar a estação, voltando-se contra os companheiros.
Mesmo na adoção dos “pronomes de Spivak”
pela tradução americana para indicar a ambiguidade dos rounds, pode haver um toque de “chauvinismo trans”, se dá para chamar assim: nesse emprego, usa-se “em” para a terceira pessoa do singular, em vez de he ou she. Mas no inglês isso soa
exatamente como a contração de them (eles), embutindo aí uma sugestão de superioridade de um
ser que seria mais do que um.
Mas o romance funciona bastante bem como
thriller, especialmente depois que Karina escapa
dos seus torturadores e tenta fugir da Jupiter-I,
deixando um rastro de mortos e feridos. Essa personagem acaba emergindo como a mais trágica e
complexa do romance, até por levantar questões
que fogem do assunto dominante, a sexualidade.
Não sei se é isso o que Ueda pretendia, mas ao
meu ver, essa caracterização da “vilã” tem o efeito
de minar o momento final do romance, com os
ineptos Shirosaki e Harding flutuando sozinhos no
espaço.
A editora Haikasoru tem prestado um grande
serviço ao traduzir obras importantes da ficção
científica japonesa para o inglês, franqueando boa
parte da FC japonesa em literatura para o público
leitor ocidental. Apesar da autora soar muitas vezes como uma estudante de pós-graduação exagerando no jargão teórico para agradar à sua orientadora ou orientador, The Cage of Zeus está entre
elas e merece ser lida, até por nos fazer refletir sobre o seu polêmico assunto – um dos papéis centrais da ficção científica, a propósito.
O finlandês Hannu Rajaniemi (hoje radicado na
Escócia) causou certo alvoroço ao publicar em inglês este romance de estréia, The Quantum Thief,
o primeiro de uma trilogia. Assim como o clássico
Estrelas meu Destino (Stars my Destination;1956),
de Alfred Bester, é um uma space opera circunscrita ao Sistema Solar. E assim como Fearsum Endjinn (1994), de Ian Banks, descreve uma sociedade num futuro distante, posterior ao colapso da civilização humana, e no qual grande parte da existência das pessoas é virtual – sob forma de identidades “subidas” em sistemas computacionais, truque que já é um staple da ficção científica póscyberpunk – e das empresas de alta-tecnologia –
embora o matemático inglês Roger Penrose declare
que isso é matematicamente impossível.4
Com doutorado em física da teoria das cordas,
o que Rajaniemi faz é atualizar esse tipo de recurso
com todo um jargão quântico e com um tipo de espírito brincalhão que é ao mesmo tempo pós-moderno e pós-cyberpunk: Bruce Sterling deve ter sido o primeiro a brincar com a aura revolucionária
da Europa circa Revolução Francesa – no seu inventivo Schismatrix (1985), que, por sua vez, deve
ter inspirado Singularity Sky, do escocês Charles
Stross, um dos mentores de Rajaniemi na Escócia.
Primeiro publicado na Inglaterra em 2010 e depois nos EUA, The Quantum Thief abre com Jean
le Flambeur, o protagonista e ocasional narrador (o
livro alterna primeira e terceira pessoas) sendo resgatado de uma prisão virtual de segurança máxima
por uma garota durona e sem senso de humor chamada Mieli, a serviço de revolucionários estabelecidos na nossa “nuvem de Oort”, região do Sistema Solar composta de planetas-anões e corpos cometários, e, no romance, colonizada por finlandeses. O objetivo de Mieli é obrigá-lo a roubar algo
de importância para a sua mentora, tratada como
uma deusa. Isso acontece porque le Flambeur tem
fama de ser o melhor do ramo.
Os dois partem na nave/inteligência artificial
Perhonen com destino a Marte, onde terão como
principal antagonista o jovem detetive amador Isidore Beautrelet, contratado pela aristocracia local
par antecipar as ações de le Flambeur. É no cenário
marciano que as coisas se desenrolam, numa sociedade de cores aristocráticas, apesar de toda a hipertecnologia. O enredo do romance é tão complicado e a prosa tão carregada de informação, que
muitos críticos no exterior recomendaram que o
leitor não tentasse entender tudo o que se passa,
concentrando-se na fruição do estilo pós-cyberpunk de Rajaniemi. Basta dizer que muitos dos antagonistas e auxiliares que le Flambeur encontra
pelo caminho, são identidades digitais dele mesmo,
em uma complicada trama política.
Recentemente, o multipremiado editor e crítico
Gardner Dozois disse sobre Rajaniemi, comparando-o a Sterling:
Com justiça se poderia dizer que Rajaniemi seria
um cyberpunk de segunda geração, tipo de Bruce Sterling 2.0, com uma taxa de bits ainda mais rápida,
maior densidade de informação e mais do que o próprio Sterling uma vez se referiu como sendo “chutes
nos zóios” [...] mas o grosso das [suas] melhores histórias são acelerados textos pós-cyberpunk hardcore,
ambientado em futuros pós-humanos tão diferentes do
hoje que alguns leitores podem ter problemas para descobrirem o que diabos está acontecendo.5
Sendo que a segunda parte da afirmativa soa
quase anti-Sterling, pois esse é um autor que cultiva um forte pendor futurista e que, mesmo quando
ele aborda o futuro distante e transformações radicais no ser humano, como em Schismatrix, ancora
suas especulações e voos de fantasia na história, na
cultura e na ciência & tecnologia de uma maneira
mais consistente do que Rajaniemi, que parece
mais ancorado em literatura e folclore (boa parte
dele, finlandês). Daí, inclusive, soar mais pós-moderno. Outro índice da diferença dos dois escritores – e do quanto Rajaniemi abraçou o espírito
brincalhão pós-modernista –, está na atribuição do
advento do seu mundo futuro de existência digital
a partir de um hipertrofiado RPG de Internet.
The Quantum Thief , é seguido de The Fractal
Prince e The Causal Angel.
Gardner Dozois. “Short Fiction: Gardner Dozois”. Locus—
The Magazine of the Science Fiction & Fantasy Field Vol. 74,
N.º 6, edição 653 (junho de 2015), p. 56.
5
4
En Shadows of the Mind: A Search for the Missing Science of
Consciousness (Oxford; 1994).
O inglês China Miéville é o mais premiado escritor
de ficção científica e fantasia em atividade. Famoso pelo romance Perdido Street Station (2000),
Miéville se tornou o principal nome da corrente
New Weird da FC e fantasia. No Brasil, chegou em
2010 com a publicação do seu livro de estréia, o
romance de horror Rei Rato (King Rat; 1998),
pela pequena editora paulistana Tarja Editoral (que
já não existe mais). Em fins de 2014, Miéville retornou ao Brasil com muito mais pompa e circunstância, com A Cidade & a Cidade, este pela Boitempo Editorial, livro que chamou muito a atenção
da imprensa mainstream.
O romance parte da noção de que duas cidades
de culturas e regimes políticos diferentes, Besźel e
Ul Qoma, habitam o mesmo espaço, sem que suas
populações se toquem. Premissas semelhantes já
foram vistas na ficção científica e fantasia, mais
notadamente na trilogia Dayworld (1985-1990), de
Philip José Farmer, em que um mundo superpovoado confere a um sétimo da população um dia
por semana, enquanto os outros seis sétimos ficam
em animação suspensa, e assim alternadamente. O
protagonista, que vive ilegalmente mais de um dia
na semana, é espião a serviço de um grupo anti-governo.
O clima de paranóia talvez inerente a esse tipo
de premissa é uma das realizações centrais de A
Cidade & a Cidade. Adequadamente, essa atmosfera está aplicada a uma trama de ficção de crime:
Mahalia Geary, jovem estudante americana de pósgraduação em arqueologia é encontrada morta em
Besźel, e as investigações do protagonista do romance, o Inspetor Tyador Borlú, apontam para
uma violação da ordem existente entre as duas cidades, naquilo que é chamado de “breach” – a passagem não autorizada de uma cidade para outra, ou
até mesmo a percepção de ocorrências e eventos da
outra cidade. Outra sacada genial é essa sugestão
de que a alteridade invasora não está lá – o que por
si só representa uma crítica ao modo como o mundo moderno se comporta em relação a grupos,
classes sociais ou opções de vida consideradas indesejáveis. Os habitantes de Besźel e Ul Qoma são
meio que treinados desde cedo a controlarem sua
cognição de modo a tornar invisível o entrecruzar
eventual entre as duas cidades. Quando alguém
distraído é surpreendido por alguma ocorrência, é
de bom-tom seguir como se ela não tivesse acontecido. As violações são punidas por uma todo-poderosa polícia secreta, temida pelos dois lados e que
aparentemente surge do nada e dispensa justiça de
imediato.
Habilmente, Miéville não perde tempo descrevendo nem esmiuçando os mecanismos para essa
estranha cognição seletiva, nem como opera a polícia anti-breach. Basta que experimentemos essas
coisas pelas reações de Borlú e outros personagens. As complicações do romance envolvem Borlú sendo enviado para Ul Qoma, onde ele se liga à
equipe do detetive Qussim Dhatt, investigando e
enfrentando um grupo de nacionalistas ou unionistas radicais (estes, um grupo que propõe a união
das duas cidades, uma fantasma da outra). As investigações apontam para um sítio arqueológico e
uma teoria apócrifa de que haveria uma terceira cidade, esta sim efetiva em sua invisibilidade, tratada por “Orsiny” – o que lembra as histórias do livro de Ursula K. Le Guin, Orsinian Tales (1976),
ambientadas em um país imaginário situado na Europa Central ou do Leste, assim como as cidadessiamesas de Miéville. Entre as muitas lendas em
torno de Orsiny ou do lugar primordial de onde
teriam surgido as duas – ou três – cidades, há a de
que existiriam objetos capazes de manipular poderosas energias – algo que chama a atenção de industriais e financistas estrangeiros.
Infelizmente, a complexa sugestão de camadas
de paranoia, conspirações e enigmas, assim como a
rica e noturna caracterização das duas cidades, não
têm paralelo na caracterização dos personagens
nem na riqueza do enredo. Borlú, mesmo que disposto a enfrentar os poderes em jogo para chegar
ao fim do mistério, é um herói tedioso e limitado,
assim como o mais bonachão e violento Dhatt.
Há um problema quase tão grave quanto, mas
relacionado ao estilo. Numa nota à edição brasileira, o tradutor Fábio Fernandes explica a intenção de Miéville de escrever propositalmente num
inglês ruim, caracterizando personagens que teriam
pouca familiaridade com essa língua. Eu sou muito
a favor desse tipo de recurso, especialmente se ele
expressa a variedade sociolinguística e cultural que
compõe una realidade que vai além do falar – ou
escrever – corretamente. Isso, porém, impõe, na
escala em que Miéville emprega o recurso, uma
prosa titubeante que, por reflexo ou não, é enfatizada por diálogos gagejantes e excesso de reticências.
Franz Kafka é uma influência clara entre os autores da New Weird, com sua propensão à deformidade corporal e ao clima de paranoia, daí não se
estranhar que nos agradecimentos Miéville registre
o seu débito ao autor tcheco, também imensamente
influente na ficção pós-modernista brasileira dos
últimos 35 anos. Eu certamente não vou disputar a
evidente marca kafkiana no livro. Outros nomes
mencionados nos agradecimentos são os do escritor e pintor simbolista austríaco Alfred Kubin (talvez com Die andere Seite, de 1909, ambientado
em um país imaginário ) e do escritor e arquiteto
judeu polonês Bruno Schultz (que fornece a epígrafe do romance de Miéville), além da historiadora e romancista galesa Jan Morris (provavelmente
com o romance Last Letters from Hav, de 1985,
também sobre um país imaginário).
As coisas se complicam quando ele incluiu o
americano Raymond Chandler na lista. Conhecido
por colocar a vivacidade da prosa e a imprevisibilidade do enredo à frente de tudo o mais, Chandler
certamente teria problemas com a prosa e o enredo
de Miéville. É a imprudência de se pronunciar a
genealogia literária de uma obra, antes mesmo de
ela começar: os críticos vão logo comparar e apontar as deficiências e limitações, em relação a essa
paternidade. No meu caso, fica apenas a impressão
de que um discípulo hábil de Chandler como Martin Cruz Smith, autor de excelente qualidade e que
já se meteu na Europa do Leste com a série de romances do Inspetor Arkady Renko, teria nos dado
uma inesquecível obra-prima, a partir da premissa de Miéville, com mais proximidade emocional
e maior agudeza de espírito. (O próprio Chandler,
que uma vez ambicionou escrever fantasia, também teria feito um ótimo trabalho, eu imagino.)
A ficção de crime é um gênero rico e de sólida
tradição, não dá para apenas pegá-lo da prateleira e
tentar encaixá-lo numa proposição kafkiana e surreal como A Cidade & a Cidade, sem uma intimidade maior com ele. Aqui, além da ausência do
frescor e da ironia, não temos um herói contra o
qual se chocam as sujas ondas da hipocrisia social
e da dependência política ou econômica. O final
previsível, tanto para a fonte maior das tramoias,
quanto para o destino pessoal de Borlú, também
não ajuda e mal escapam de serem staples muito
repetidos desde a década de 1980 – da vilania das
grandes corporações e a incapacidade do indivíduo
de fazer frente ao sistema.
E o que fazer de Besźel e Ul Qoma como metáfora? Muito se disse na imprensa brasileira sobre o
socialismo praticante de Miéville, já evocando a
divisão de Berlim em Oriental e Ocidental, durante
a guerra fria. Mas não seria meio que restringir o
socialismo do autor a um saudosismo de um tempo
em que as linhas ideológicas eram mais claras? A
interpretação de uma cognição treinada pelo sistema para tornar invisíveis e indizíveis as estruturas
subjacentes à vida humana nos grandes centros, me
parece mais atual e válida.
--Roberto de Sousa Causo
MERCADO EDITORIAL BRASILEIRO: O QUE VEM POR AÍ
Fonte: Locus–The Magazine of the Science Fiction and Fantasy Field, edições de novembro de 2014 e
abril, junho e agosto de 2015.
*A Bertrand, do Rio de Janeiro, adquiriu os direitos de The Bone Labirynth, de James Rollins.
*A Vergara & Ribs adquiriu os direitos de The Fever Code, de James
Dashner.
*A Editora Aleph, de São Paulo, adquiriu os direitos de Cat’s Cadre,
The Sirens of Titan e de Galapagos,
todos de Kurt Vonnegut.
*A Intrínseca adquiriu os direitos de
The Water Knife, de Paolo Bacigalupi.
*A Marsupial adquiriu os direitos de
In Real Life, de Cory Doctorow –
autor antes publicado na Galera Record.
*A Universo dos Livros Editora adquiriu os direitos de The Shadows,
de J. R. Ward.
*A Companhia das Letras, de São
Paulo, adquiriu os direitos de The
Selection Journal, de Kiera Cass.
*A Editora Record, do Rio de Janeiro, adquiriu os direitos de Judgement Day, de Andrew Neiderman.
* A DarkSide adquiriu os direitos de
The Girl Next Door, de Jack
Ketchum.
* A Saraiva adquiriu os direitos de
A Fest of Ice and Fire, de Chelse
Monroe-Cassel – esse é um livro de
culinária inspirado pelas Crônicas
de Gelo e Fogo, de George R. R.
Martin.
ROBERTO CAUSO RESENHA FICÇÃO CIENTÍFICA BRASILEIRA
A Rainha do Ignoto, Emília Freitas. Florianópolis,
SC/Santa
Cruz do Sul: Editora Mulheres/EDUNISC,
2003 [1899], 430 páginas.
O Rei do Mundo Perdido, Hamilcar de Garcia. Porto Alegre: Livraria do Globo, Coleção Aventura
N.º 9, 1944, 192 páginas. Capa e ilustrações de
João Mottini.
Asilo nas Torres, Ruth Bueno. São Paulo: Círculo do
Livro, s.d. [1979], 178 páginas. Capa de Sílvio José
Vitorino.
O Alienado, Cirilo S. Lemos. São Paulo: Editora
Draco, 1.ª edição, 2012, 240 páginas. Capa de Erick
Sama.
Primeiro publicado em 1899, A Rainha do Ignoto,
da escritora cearense Emília Freitas (1855-1908),
possui duas edições críticas, a primeira de 1980,6 e
a segunda (que eu resenho aqui) de 2003. É às vezes apontado como o primeiro romance fantástico
brasileiro, algo que vale discutir brevemente: existem, é sabido, romances de ficção científica (O
Doutor Benignus, de 1875, por Augusto Emílio
Zaluar), de fantasia contemporânea humorística
(A Luneta Mágica, de 1869, por Joaquim Manoel
de Macedo) e sátira política futurista (Páginas da
História do Brasil, Escritas no Ano 2000, publicado em seriado entre 1868 e 1872, por Joaquim Felício dos Santos), vistos antes e que certamente não
são obras realistas. Portanto, só é possível aceitar a
reivindicação a respeito de A Rainha do Ignoto
pelas qualidades oníricas e talvez pelo ilogicismo
ocasional, que esse trabalho possui – aproximando-o de uma definição do “romance fantástico”
não a partir da ficção de gênero, mas do fantástico
como parte do mainstream literário. Não obstante,
ele pode ser lido como ficção científica, como veremos, e igualmente como romance de aventura.
Por sua vez, a autora chamou-o de “romance
psicológico”, menos na acepção costumeira, imagino, e mais em conexão com o espiritismo kardecista – junto ao qual o fenômeno mediúnico é às
vezes referido como “psicológico”. O espiritismo
tem papel no romance, assim como a maçonaria e
a hipnose, esta vista por Freitas como ciência ou
tecnologia – algo também presente em contos de
Edgar Allan Poe como “Os Fatos no Caso do Sr.
Valdemar” (1845), e muito mais tarde, nos de André Carneiro, como “O Homem que Hipnotizava”
(1966).
A história abre com o jovem Dr. Edmundo, na
localidade cearense de Passagem das Pedras, interessando-se por uma misteriosa mulher do lugar,
“a Funesta”, uma das muitas alcunhas da poderosa
aventureira e líder de uma sociedade secreta (tema
da literatura de capa-e-espada e, mais tarde, do
steampunk) de mulheres, as “Paladinas do Nevoeiro”. Protagonista do romance, a mulher também é conhecida como “Diana, a Filha do Caçador
de Onças”, “Cônsul Geral do Infortúnio” e, finalmente, “Rainha do Ignoto”, sendo vista acompanhada, às vezes, de um orangotango amestrado
(antropóides como o gorila assassino de Poe, os
macacos alados de O Mágico de Oz, e chegando ao
King Kong,7 foram comuns na ficção de aventura
do século XIX até meados do XX).
Edmundo acaba caindo no raio de influência do
mesquinho Probo, um homem tão conservador e
tacanha quanto a rainha parece ser progressista e
visionária. Contrário à postura republicana, abolicionista e espírita da líder feminina, Probo convence Edmundo a se disfarçar como Odete, mulher
emudecida pelo mal de amor (o noivo se interessara mais por sua mãe do que por ela). Assim disfarçado, o jovem médico pode assistir às cerimônias e
testemunhar as façanhas das paladinas. O leitmotif
do homem que se disfarça de mulher ou da mulher
que se disfarça de homem é constante no livro e
bate com as convenções literárias da capa-e-espada
e romances de cavalaria de momentos anteriores
da literatura, certamente introduzindo um frisson
junto aos leitores, este também chegando até meados do século xx, nas histórias de Dashiell Hammett, por exemplo, em que esse índice de ambigüidade sexual costumava figurar. Como o assunto de
A Rainha do Ignoto é a condição feminina, os
constantes disfarces masculinos da heroína – muitas vezes ampliados pela hipnose – são meio de
ilustrar os estritos limites dos papéis sexuais da
época.
O assunto do livro também significa um grande
peso dado à observação social ou aos “costumes”,
como se dizia. De fato, uma tensão central no romance é aquela entre a literatura de costumes e a
de aventura, tensão central também de boa parte da
ficção científica e fantasia nacionais ao longo do
século XX. O que dá a esta obra de Emília Freitas a
qualidade de prenunciar isso que pode muito bem
ser uma questão literária característica da nossa
ficção popular – dilema a ser superado ou fusão de
tendências quase opostas, a ser criativamente explorada. Louva-se, de qualquer modo, o olhar de
Freitas sobre a situação feminina, se por um lado
mediada constantemente pelos estilemas do Romantismo, por outro visitada por um olhar cálido
que empresta charme e introspecção à narrativa e
compõe uma panorâmica que parece transcender as
situações regionais e de classe social.
O ponto pivotal do romance é a descrição de
longas cerimônias em que a rainha passa em re-
6
Quando foi redescoberto pelo Prof. Otacílio Colares, da Universidade Federal do Ceará.
7
O orangotango de Diana também se chama King.
vista as muitas atividades culturais e militares das
paladinas, culminando em uma sessão mediúnica
na qual uma vidente prevê uma série de situações
nas quais as paladinas deverão intervir. A profecia
dá uma nova orientação ao romance, até então dominando pelos costumes. As paladinas embarcam
no navio Tufão e partem para uma seqüência de
aventuras humanitárias que inclui libertar mulheres
do jugo masculino, resgatar náufragos e noivos injustiçados, e soltar escravos de um engenho no sertão – espécie de ápice das façanhas das raparigas,
em torno de um episódio de hipnose coletiva. Elas
viajam do litoral cearense até a Amazônia (Freitas
foi professora e m Manaus) e, empregando uma
tecnologia superior (o porto de onde se chega à
Ilha do Nevoeiro, base das moças, é acessado por
uma ferrovia secreta) e a técnica da hipnose, são
descritas como capazes, intrépidas e determinadas.
Sua rainha, porém, também sofre do mal de amor e
tem um destino trágico, fiel, também ele, às convenções do Romantismo que balizam integralmente a narrativa.
Um dos grandes problemas do livro está no fato de que a aventura de Edmundo no universo feminino não lhe traz nenhuma transformação pessoal, ao mesmo tempo em que o destino final da
heroína é determinado por fatores vagos e preexistentes.
A edição da Editora Mulheres e da Universidade de Santa Cruz se esforça para honrar o pioneirismo de Emília Freitas, mas é amadora e coalhada
de problemas, de hifenização a uma marcação acidentada dos diálogos. A introdução de Constância
Lima Duarte e as muitas notas explicativas compensam, porém.
A grande questão, na verdade, é o que fazer da
leitura de A Rainha do Ignoto. Duarte se diz “fascinada pela leitura dessa (quase) ficção científica”.
No século XIX, a ficção científica já possuía uma
latitude tal que seria possível deletar esse “quase”
e colocá-lo no rol dos raros romances brasileiros
de FC desse período. É mais difícil, porém, enxergar a sua mistura de literatura de costumes e literatura de aventuras como coesa e produtiva. Fica
um romance pioneiro e singular, registro dos apelos dos estilemas românticos sobre uma sensibilidade feminina – a de Emília Freitas – que, por baixo de tudo isso, ainda parece se firmar.
romance que em momento algum pede desculpas
por abraçar a aventura, nem tenta disfarçá-la com
observação social. Na década de 1930, Garcia fez
traduções para a “revista de emoção”8 A Novela,
editada Erico Verissimo, e parece ter assimilado
algo de positivo, pelo contato com o material estrangeiro. Nisso, produziu quase que o oposto exato d’A Rainha do Ignoto.
Abre com o narrador ouvindo lorotas em um
bar de cais, o Papagaio de Ouro. Ele ouve Martinho, um marinheiro de perna-de-pau – e também
com uma estranha orelha de madeira – contar, em
“História de uma Perna de Pau”, como perdeu a
perna para um marujo apavorado com tubarões,
durante um naufrágio em viagem de volta de Calcutá. Uma história puxa outra e estamos diante do
que é provavelmente um dos primeiros exemplos
de um romance fix-up (narrativas que podem ser
independentes, mas costuradas como um feixe de
histórias conectadas) brasileiro.
Na história (ou capítulo) seguinte, “Seis Cavaleiros de Verde”, Martinho está na Índia fugindo
dos acólitos de uma seita que querem sua cabeça
por ter matado uma naja – numa história em que
entram elementos sobrenaturais, com direito a iogues, gurus, e uma providencial intervenção do
deus Ganesha, para salvar o desventuroso marinheiro com o auxílio de um elefante.
Já “Entre os Braços Vermelhos” é uma nova
aventura nos mares, na qual o estranho desaparecimento da tripulação de um barco leva Martinho
ao confronto com um monstro marinho, imaginativa mistura de lula-gigante com enguia elétrica.
Alguém conhece outra história de monstro, dessa
época, escrita no Brasil?
Em “A Cova das Surpresas”, o herói está em
terra novamente, trabalhando como foguista na locomotiva de uma composição atacada por bandidos munidos de gases paralisantes e armas automáticas, que atacam em um túnel ferroviário. Um
exemplo de ficção crime, para expandir o espectro
da aventura que governa o livro, e que na época
era um grande campo de múltiplos gêneros, assim
como o é a ficção especulativa atualmente.
A narrativa seguinte é a última, e cobre metade
ou pouco mais, do livro: “O Rei do Mundo Perdido” traz no título o tipo de subgênero a que pertence, muito popular, a partir de As Minas do Rei Salomão (1885), de H. Rider Haggard, de fins do século XIX até meados do século XX. O gigantismo
do território brasileiro forneceu inspiração para um
bom número de romances de mundo perdido entre
nós, a começar muito provavelmente de A Amazônia Misteriosa (1925), de Gastão Cruls – e também
provavelmente inspirados por O Mundo Perdido
(1912), de Sir Arthur Conan Doyle e seu platô
amazônico com dinossauros e hominídeos. Esse
subgênero rendeu alguns dos melhores trabalhos
da FC brasileira, entre eles o livro de Cruls e A Re8
Rainha e Rei fazem par, e, no caso de O Rei do
Mundo Perdido, de Hamilcar de Garcia, temos um
Termo brasileiro para designar as revistas pulp, cunhado por
Athos Eichler Cardoso a partir de certos usos populares no período aproximado de 1930 a 1950. Veja o seu ensaio “As Revistas de Emoção no Brasil (1934-1949): O Último Lance da
Invasão Cultural Americana” (2009), disponível em www.
intercom.org.br /papers/nacionais/2009/resumos/R4-1833-2.pdf
pública 3000 ou A Filha do Inca (1930), de Me-
notti Del Picchia, e a novela “O Rei do Mundo
Perdido” se coloca muito bem dentro dessa ilustre
companhia (quem sabe eu ainda não terei a chance
de incluí-la num segundo volume d’As Melhores
Novelas Brasileiras de Ficção Científica).
O exame de “revistas de emoção” como a já
mencionada A Novela (1936-1938?) mas também
Contos Magazine (1937-1945), informa que um
modo muito comum de se chegar ao mundo perdido era por via marítima, especialmente nos Mares
do Sul, rota explorada nas histórias do subgênero
escritas pelo prolífico H. Bedford-Jones, autor pulp
inglês e muito reproduzido em Contos Magazine,
ou pelo americano A. Merritt, famoso por suas histórias de mundo perdido como The Moon Pool
(1918). Sendo Martinho, o herói de Hamilcar de
Garcia, um marinheiro, nutri o breve suspense de
que a novela seria uma rara história brasileira de
mundo perdido ambientada em uma ilha e não na
floresta amazônica. Mas não – nela, Martinho está
aposentado dos mares e cansado das aventuras, vivendo no Rio de Janeiro, e se dá ao luxo de uma
paixão secreta: voar de balão. Adivinhem: uma
tempestade tropical o sopra por milhares de quilômetros da costa para o coração selvagem do Brasil
da década de 1940. Ao cair, o balão está sobre uma
cidade de pedra enfiada na selva. Ao passar por
uma caverna com ossos de “mamutes” (o elefantídeo que viveu no Brasil foi o mastodonte), o aventureiro conclui que o lugar é muito antigo – talvez
uma civilização anterior à chegada dos portugueses
ao continente...
Martinho é prisioneiro de suas muralhas, e tem
que lutar contra a fome, a sede e o desespero. Explora – e a narrativa com ele – as minúcias do lugar, encontrando entrada para os subterrâneos da
cidade, onde trava contato com seus habitantes.
São homens baixos, barbudos e barrigudos que
portam lanças e são comandados por um homem
alto, descrito como “curioso tipo entre índio e europeu; as feições eram por certo indiáticas, mas a
barba negra e a tez esbranquiçada desorientavam a
quem desejasse descobrir-lhe a raça” (pág. 170).
Puluk, o líder do lugar, insiste em transformar
Martinho no seu rei de antão, Tomovak, e para
ajustar a aparência do marinheiro, corta-lhe a orelha esquerda e coloca nele a estranha prótese de
madeira: o aventureiro apalpou a sua nova orelha e
não percebeu indício de emenda: “era como se ainda tivesse a orelha com a qual nascera, parecendolhe que esta apenas ficara dura como a madeira.”
(Pág 175.)
Além desse elemento fantástico ou quase, há
um estranho violino (que figura em outros pontos
do livro), num estojo de granito depositado na cela
onde o herói é feito prisioneiro. Ao finalmente arriscar tocá-lo, Martinho é levado a um transe que
revela tudo o que há para saber sobre a civilização
perdida:
Caíra entre muralhas construídas há milhares de
anos. Uma longa dinastia reinara sobre aquela terra.
Uma grande civilização florescera ali onde a floresta
se estendia interminavelmente. Aqueles homens pelu-
dos, disformes, eram os descendentes de uma raça
forte, de guerreiros audazes e robustos trabalhadores.
E “chegava a época do rei Tomovak, que morrera havia dois ou três séculos ...” sem deixar descendentes, sendo eternizado na consciência dos
seus súditos, como uma ausência, passando de “rei
a deus, de deus a demônio”... (Págs. 181-82)
O final do livro é obviamente previsível – Martinho precisa escapar para contar a história. Aprotando-se do transe dos nativos diante das notas do
violino, ele tenta fugir, lutando como Puluk e encontrando uma passagem secreta para fora.
O que encanta nesta narrativa de mundo perdido é o tom sombrio e o passo narrativo desapressado, que permitem que todo o estranhamento do
lugar penetrem com naturalidade a consciência do
leitor. Essa qualidade de prosa é, mesmo na ausência de complicações de enredo e de grandes recursos simbólicos, superior a de outros esforços brasileiros dentro do subgênero – como os de Jerônymo
Monteiro com O Irmão do Diabo (1938) e A Cidade Perdida (1948), e de Menotti Del Picchia em A
Filha do Inca (1930) e Kalum (1936).
Publicado na Coleção Aventura da Livraria do
Globo, de Porto Alegre (em edições capa-dura,
ilustradas e com capa com relevo), em que apareceu outro clássico brasileiro, 3 Meses no Século 81
(1947), de Monteiro, O Rei do Mundo Perdido
traz ótimas ilustrações de João Mottini, algumas
coloridas e outras num traço econômico e preciso.9
Abraçando sem pudores a aventura, e buscando
a técnica narrativa efetiva, Hamilcar de Garcia produziu um dos melhores livros brasileiros de FC da
primeira metade do século XX.
Durante a década de 1970, com a ditadura militar
bem estabelecida e com o A.I.5 em pleno vigor, os
escritores brasileiros buscaram na ficção científica
recursos para uma literatura crítica do regime, da
tecnocracia e do aparato repressivo que o acompanhavam, da censura, da arregimentação da sociedade para um projeto de desenvolvimento e crescimento a qualquer custo, da ingerência sobre a sexualidade, e do enfraquecimento dos valores humanistas. Tais recursos vieram mais comumente
das tradições da distopia, da ecocatástrofe e da fábula política, muitas vezes de modo francamente
alegórico, enigmático e obscuro (até para fugir da
odiosa censura). É claro, findo o regime militar e
com a redemocratização, esse flerte em particular
entre o mainstream literário a FC terminou ou tornou-se apenas residual.10
Asilo nas Torres, de Ruth Bueno, é um caso
exemplar. Romance curto ou novela ambientada
num planeta Saturno que tem sabiás e flores tropicais, nada exibe das convenções literárias usuais da
ficção científica – nada sobre a terraformização
de Saturno, vôos interplanetários ou da história da
colonização do planeta gigante gasoso, nem mes9
Mottini também ilustrou 3 Meses no Século 81, num estilo
completamente diferente.
10
Uma obra distópica particularmente interessante é tardia dentro dessa tendência, a novela de Paulo de Sousa Ramos, O Outro Lado do Protocolo (1985).
mo uma civilização particularmente high-tech... É
obra típica do Ciclo de Utopias e Distopias (19721982) do período ditatorial brasileiro, combinando
crítica política, social e ambiental, num formato de
anti-romance – sem divisão em capítulos, sem trama ou enredo, e com personagens sem caracterização psicológica.
O texto se desenvolve como fragmentos ou situações encapsuladas, às vezes umas entrelaçadas
nas outras. Um reforço dessa estrutura fragmentada está na finalização de certo segmentos, com
uma sentença de cunho aforístico e em itálico. Já o
vício das sentenças entrecortadas por vírgulas parece mais um problema estilístico mesmo. Os fragmentos são em sua maior parte observações sobre
a corrupção no trabalho e na repartição pública, o
machismo, a burocracia, a prevaricação do poderoso, o envelhecimento e a promiscuidade sexual,
a falta de valores – o componente de costumes,
presente no livro. Observações de cunho feminista,
como esta, eclodem dentro desse componente:
São machos e fêmeas, mais machos que fêmeas, os
machos comandam, as fêmeas cumprem. Poucas, pouquíssimas mandam, e mesmo mandando pouco, cumprem. Fêmeas que servem, trazem os pratos e os copos
nas mãos. Machos que não dão vez. Fêmeas que não
querem ter vez. Poucas fêmeas falam; a maioria espreita. Uma ou duas pensam alto, mas foram notadas,
e agora estão marcadas, porque disseram o que pensavam. Machos tantos, o peito ufano, a glória pouca, o
mando, muito. Misturados, machos e fêmeas formam
juntos a multidão.
– As fêmeas, no comando, não.
Mala na mão, não. Sorvete na mão, não. Pacotes
na mão, não. Palito na mão, não. Copo na mão, não.
Flor na mão, não.
– E o pênis na mão? (Pág. 25.)
Salomé, a figura maligna do livro, “tinha muitos maridos, submissos, mansos”, que ela controlava pelo terror, assumindo o arquétipo da bruxa.
Como Libby Ginway apontou em Ficção Científi-
ca Brasileira: Mitos Culturais e Nacionalidade no
País do Futuro, no livro todo apenas duas persona-
tiam escravos, desejavam, apenas, recobrar a liberdade
perdida. Zumbi zumbindo em seus ouvidos, enquanto
a esperança dorme envolvida em casulo de seda. (Pág.
24.)
A denúncia do consensualismo político brasileiro presente em Ruth Bueno talvez seja típica,
pois também está presente na excepcional novela
utópica de Paulo de Sousa Ramos, O Outro Lado
do Protocolo (1985):
Para fazer passar qualquer ordem nas torres não se
podia ter contra nem um voto sequer. Direito de minoria. Láaa, aaaqui, aaali, dentro, fora, perto e longe, hoje e amanhã, a ninguém é lícito desrespeitar o direito
das minorias. (Pág. 29)
A morte ou burocratização da poesia é outra
característica da distopia, presente no livro de Ramos, mas também em Admirável Mundo Novo
(1938). Em Asilo nas Torres: “O requerimento foi
redigido sob forma poética, pois tal pedido requeria essa roupagem, não admitindo fórmulas comuns, usadas nas petições endereçadas ao Senhor
Rei.” (Pág. 30.) A burocratização e o controle da
sexualidade, também – presente em passagens
como esta: “Calcularam a energia gasta nos orgasmos (com a dedução natural da média dos fracassos) e chegaram a estranhas conclusões.” (Pág.
47.)
Asilo nas Torres pode ter envelhecido mal,
como ocorre com muito da literatura pop brasileira
da década de 1970, por seu emprego de recursos já
originalmente tênues. Mas ao lado de outras obras
do período que flertam com a ficção científica,
como Miss Ferrovia 1999 (1982), de Dolabella
Chagas,11 dá testemunho de que as circunstâncias
do Brasil pós-Mensalão já estavam configuradas
há algum tempo, com as hostes de prevaricadores,
empreiteiros corruptores e políticos vendidos então
alinhadas com a ditadura militar – o inimigo ideológico dos donos do poder de hoje. “[A]qui vale a
fala do rei e a dos amigos do rei, o resto é conversa
fiada.” (Pág. 75.)
gens possuem nome: Assunta (de “ascendida”),
representação simbólica de um princípio feminino
positivo e promessa de renascimento da sociedade;
e Salomé, a encarquilhada rainha das harpias e representação simbólica de um princípio feminino
negativo, aderida ao regime monárquico sem face
e representando a degradação que o regime impõe
à sociedade.
Sempre misteriosas, as duas figuras orbitam-se
mas não se tocam, já que a autora evita os recursos
do conflito e dramaticidade, de modo que elas nunca abandonam a sua dimensão de símbolo. Assim,
o próprio fantástico pouco se caracteriza, com o
romance valorizando apenas o seu formato incomum e os tópicos enfocado por uma crítica política
menos a partir das estruturas do que dos costumes.
Ainda assim, têm-se em Asilo nas Torres a figura
central da distopia: os dissidentes.
Os asilados sentiam-se presos; as torres lhes pareciam o espectro de um colosso que os esmagava; as
chefias lhes eram francamente hostis, e porque se sem-
11
O livro de Chagas saiu na Coleção Jogral, coordenada por
Nelly Novaes Coelho e que chegou a publicar dois livros de
Murilo Rubião, e o romance de FC pré-histórica O Homem do
Sambaqui: Uma História da Pré-História(1974), de Stella Carr.
Cirilo S. Lemos é um jovem escritor da Terceira
Onda da Ficção Científica Brasileira (2004 ao
presente) que tem se desgarrado do rebanho. Seu
primeiro trabalho a chamar a minha atenção foi a
noveleta tupinipunk “A Lua É uma Flor sem Pétalas”, na antologia Geração Sub-Zero: 20 Autores
Congelados pela Crítica mas Adorados pelos Leitores (2012), editada por Felipe Pena.
Seu primeiro romance, O Alienado é uma fic-
ção científica sobre realidades sintéticas, que faz
um bom uso das lições do pai da matéria, o autor
americano Philip K. Dick. Particularmente no clima de paranóia, de opressão, e de inconstância do
real, além do fundo filosófico das suas especulações. Esse romance pelo jeito fez muito para sedimentar a reputação de Lemos como uma das revelações genuínas da Terceira Onda, especialmente,
no meu entender, depois de uma resenha elogiosa
de Cesar Silva no Anuário Brasileiro de Literatura
Fantástica 2012.
No livro, o protagonista Cosmo Kant, operário
e romancista frustrado, perde o emprego e passa
por uma crise de angústia que o faz sair de casa e
entrar num labirinto de situações que envolvem
sua internação em estranha instituição na qual ele é
tratado por “AM013”, e o contato com uma sociedade secreta de “metafilósofos”, um software de
psicanálise, e a revelação de uma personalidade
cindida por um acidente de carro e um trauma familiar envolvendo uma paixão homossexual feminina.
O romance, porém, abre com o primeiro de
uma seqüência de flashbacks em que o protagonista vive situações na infância, com seu amigo imaginativo e inquieto Virgílio, um aspirante a desenhista de histórias em quadrinhos. As histórias curtas de Lemos já dão conta da importância das relações familiares e da infância na sua obra, e em O
Alienado esses flashbacks também expressam a
importância da figura paterna no passado do personagem. As páginas do livro cedem espaço a uma
HQ (Lemos também milita nessa área) que narra
um acidente com um Chevrolet Opala vermelho,
uma das muitas imagens recorrentes no livro. Também contribuindo para a abordagem pós-modernista do texto com recursos de montagem compondo
uma estética do fragmento, têm-se além dos flashbacks, a HQ e o fio central da narrativa, trechos do
romance inacabado que vinha sendo escrito por
Cosmo Kant – narrando uma investigação e os percalços sentimentais do violento Inspetor Carvalho.
Essas diversas linhas e recursos não marcham em
separado, mas se entretecem e se completam em
torno de momentos-chave e por uma figura feminina recorrente, tudo bem marcado ao longo do
texto.
Em O Alienado, os temas de Dick encontram
os contextos kafkianos da burocracia brasileira e
são transformados por um ethos menos californiano e mais característico da realidade suburbana
fluminense, sem dúvida um bem-vindo tempero, e
numa prosa às vezes dotada de uma aspereza e
sensacionalismo pulps. A ambientação é freqüentemente obscura e indistintas – os flashbacks da
infância parecem ocorrer em época bem mais antiga do que a linha narrativa no presente daria a entender, as cenas no sanatório são coloridas pelo delírio e pelo exagero sensorial, enquanto a trama investigativa remete ao período da ditadura. Note-se
que a atmosfera sombria foi habilmente reforçada
pela diagramação de Erick Sama (que também enfatiza o aspecto retrô com truques gráficos de impressora matricial).
O romance teria se beneficiado de uma edição
que atenuasse algo dos seus excessos expressivos
e tornasse o texto mais agudo e seus efeitos um
pouco menos diluídos. Complexo e intrincado, O
Alienado é não obstante leitura tensa que também
funciona no plano narrativo. Sem dúvida, um dos
melhores romances da ficção científica brasileira
dos últimos anos, torna Cirilo S. Lemos um autor
a se observar, e a Editora Draco faz bem em invéstir no seu trabalho com uma atenção especial.
--Roberto de Sousa Causo
Edgar Smaniotto Resenha Ficção Científica Francesa
Encontro com o Destino (Rendez-vous avec le
destinée). Jean-Pierre Laigle. São Paulo: Devir
Livraria, 2012, 128 páginas. Tradução de Humberto Moura Neto & Martha Argel. Capa de Vagner Vargas.
O livro Encontro com o Destino, do francês JeanPierre Laigle, traz na capa a seguinte mensagem: “A
guerra nas estrelas será entre dois ramos da humanidade separados pela engenharia genética.” Logo na
primeira página temos uma citação, retirada da História de Humânia do ano de 1107 da fundação de
Humânia, referindo-se a um confronto secular, ou
melhor, milenar entre dois impérios galácticos: os humanianos e os modificados. Encontro com o Destino é o relato do
início deste conflito.
Arca 01 é o nome de uma nave geracional que leva um grupo de 120 mil humanos para colonizar um planeta no sistema de Cōr Serpentis. À semelhança da
SOL, a espaçonave de gerações utilizada
por Perry Rhodan, uma civilização de desenvolve na nave, já que gerações inteiras
de crianças nascem e morrem, tendo nela
seu único lar. Assim como na SOL, em que seus habitantes passam não mais a referirem-se uns aos outros como “terranos”, mas “solanenses”, os habitantes da Arca 01 se autodenominam “arqueanos”.
A missão transcorria normalmente até que os arqueanos recebem uma mensagem da nave Macbarath vinda da Terra. Na mensagem consta que o
ecossistema terrestre foi completamente destruído, e
que, a mando do novo poder político e econômico da
Terra, o Monopólio Corporativista, se espera que a
Arca 01 volte à Terra para utilizar sua carga (espécies vegetais e animais) constituída para terraformar
um novo mundo, ou seja, que agora seja utilizada
para recuperar a Terra. Caberá então aos arqueanos
decidir se continuam sua viajem, faltando apenas
vinte anos para chegar ao novo planeta, ou retrocedem cento e oitenta anos de viagem para retornar à
Terra. Além da carga material, em espécimes, a Arca
01 também leva todo o conhecimento científico e
cultural da humanidade.
Daí a trama segue em duas direções principais, o
confronto entre a Arca 01 e a Macbarath (uma guerra fria no espaço), e a disputa pelo poder político a
bordo da Arca 01, que tem por sistema de governo
um triunvirato formado pelos três principais senadores: Jüraté Nauronaité Kalonaityté, Garuda Sumargono Antonioni e Torshamr Johansni Declercq; ao
qual se somam a Memória Prima, inteligência artificial consciente e com poder de decisão nas questões
que envolvem a segurança da missão de colonização
planetária. Mesmo sendo uma nave de colonização,
a Arca 01 conta com armamentos e quatro naves de
escolta ligeiras bem armadas – um fator importante na disputa que se segue.
Logo de início, a primeira senadora, Jüraté Nauronaité Kalonaityté, obtém maior poder junto à Memória Prima, passando a ser a personagem central da
narrativa. No decorrer do texto acompanhamos a senadora tentando assegurar seu poder majoritário a
bordo da Arca 01, ao mesmo tempo em que mantém
um tenso contato diplomático com a Macbarath.
A Arca 01 havia sido lançada por um consórcio
formado pela União Paneuropeia, União do Pacífico
Sul e a Confederação Lunar. Os idiomas principais
são o lituano, o nordsprak (fusão entre dinamarquês,
sueco e norueguês) e o bahasa (fusão de malaio com indonésio).
Apesar de comentários sobre a existência
de diversos povos e línguas a bordo da nave,
fica claro pelos principais idiomas e também
pelas entidades políticas que enviaram a
nave que os colonizadores são descendentes
dos europeus do norte (União Pan-européia?); malásios e indonésios (União do Pacífico Sul) e Confederação Lunar (talvez já
um empreendimento entre estas duas comunidades). Mas, é claro, são conjecturas
nossas.
Já o planeta Terra está quase toda sobre o controle
do Monopólio Corporativista, uma entidade políticoeconômica ultracapitalista. É bom lembrar que a bordo da Arca 01 reina uma economia de cunho quase
socialista, outro elemento a se somar na disputa entre
arqueanos e os tripulantes da Macbarath.
Um terceiro elemento de disputa é a utilização da
engenharia genética, como já referido no comentário
da capa anteriormente citado: “dois ramos da humanidade separados pela engenharia genética.” Os arqueanos são eugenistas e os tripulantes da Macbarath,
trans-humanos.
Trans-humanismo é uma filosofia que defende a
hibridização entre homem e máquina, ou a transgenia
entre homem e outras espécies; neste caso, o homem
passa a ser agente de sua própria evolução, uma tese
atualmente defendida por cientistas como Raymond
Kurzweil. A eugenia, diferentemente do trans-humanismo, é uma filosofia social que prega a defesa de
que um determinado grupo étnico humano seria superior biologicamente aos demais. Essa filosofia foi
criada pelo estatístico inglês Francis Galton no final
do século XIX e inspirou o nazismo.
Em um debate entre a primeira senadora e Makthor Antonov, comandante da Macbarath e embaixador do Monopólio Corporativista fica claro as posições de ambos com relação às questões genéticas.
Segundo a primeira senadora “os habitantes da Arca
01 foram selecionados a partir de linhagens sem ma-
nipulação genética, para garantir que a colonização se
dê nas melhores condições” (p. 34), e “a menor anomalia justifica um aborto preventivo, e com isso as
perdas eram significativas. Portanto, a prática eugênica decorria sobretudo da fobia de mutações.” (P. 35)
Já os próprios tripulantes da Macbarath são transgênicos, no caso uma associação entre genes humanos e ursos, o que possibilitou a estes a capacidade de
entrar em hibernação, assim como os ursos, fator importante na colonização espacial. Está é, sem duvida,
uma das melhores ideias apresentadas no livro. O escritor norte-americano de ficção científica James
Blish deu o nome de pantropia a este tipo de adaptação dos seres humanos para a colonização do espaço.
Como afirma Makthor Antonov na novela de Laigle:
“Somos produtos de uma combinação de genes de
ursos e de humanos.” Nossa espécie está a serviço do
Monopólio Corporativista para fazer a prospecção e a
exploração de planetas extrassolares, e manter a ordem neles. Somos geneticamente criados para sobreviver às longas viagens interestelares. Agora substituímos os humanos-padrão em todas as missões, e
outras espécies foram criadas para se adaptar a diversos planetas” (p. 34).
Vemos aqui dois conceitos distintos de colonização espacial em antagonismo, de um lado a terraformação, ou seja, modificar um ambiente planetário
para este se adaptar o homem; e a pangenia, adaptar o
homem a ambientes planetários diversos. No meu
entender, se vamos colonizar o espaço, provávelmente será através de uma associação entre estas duas
PAPÊRA UIRANDÊ ESPECIAL
vertentes. Outra ideia interessante discutida no texto é
a mudança cultural e a formação de novas culturas no
espaço.
Temos então uma disputa entre uma espécie de
híbridos transgênicos representando um monopólio
corporativo ultracapitalista que acabou com o ecossistema da Terra em busca de lucro e pensa a Galáxia
como um mercado natural; e um grupo de humanos
com propensões eugenistas e caminhando para uma
ditadura fascista. Vale lembrar que a primeira senadora não tem nenhum apreço pela democracia e vai
fazer de tudo para destruí-la: “aqui como na Terra,
não praticamos a democracia” (p. 81).
Ficou difícil escolher por qual lado torcer? Certamente! Mas é justamente nesta ambiguidade ética,
onde ninguém está inteiramente errado ou certo em
seus propósitos é que torna esta uma ótima ficção
científica, por explorar tanto o lado tecnológico da
ficção científica (hard) como o social (soft). A guerra
fria entre a Arca 01 e a Macbarath tenderá a ficar
quente, com direito a espionagem, conspirações e batalhas espaciais, em uma trama que equilibra uma boa
narrativa e especulação científica e social.
Edgar Indalecio Smaniotto é filósofo, mestre e doutor em
Ciências Sociais. Professor Universitário, desenvolve pesquisas relacionadas a ficção científica, trans-humanismo,
ética e história social da ciência. Já escreveu para a revista
Macrocosmo.com (revista de astronomia), e livros e capítulos de livros relacionados à ficção científica.
PROCURA COLABORAÇÕES
Nas próximas edições: o fanzine pretende publicar resenhas de ficção científica, fantasia e horror, nacionais e estrangeiras. Também buscamos ensaios avaliativos do campo dessas literaturas,
e entrevistas com escritores, editores e artistas – além de contos, inicialmente apenas de ficção
científica. Ilustrações originais também são bem-vindas. As próximas duas edições terão como
tema a Terceira Onda da Ficção Científica (com um ensaio de Marcello Simão Branco; uma emtrevista com Erick Sama, editor da Editora Draco; e uma seção especial sobre a ficção steampunk); e space opera (procuramos quem resenhe as quatro antologias de space opera publicadas
recentemente no Brasil, pela Editora Draco e pela Argonautas Editora). A edição 10 vai contar
também com um relato de viagens de Marcello Branco, e uma entrevista do escritor Jorge Luiz
Calife dada a Jean-Pierre Laigle. Envie suas colaborações ou perguntas para rscauso@yahoo.
com.br, ou para Roberto Causo, Rua André Dreifus, 109/163 – bloco 2, São Paulo-SP, CEP
01252-901.
Expediente: Papêra Uirandê Especial 9: Tupinipunk no Século XXI. Editor: Roberto de Sousa Causo.
Edição concluída em 9 de outubro de 2015, em São Paulo-SP. Colaboradores desta edição: Ahvid Engholm, Cesar Silva, Edgar Indalécio Smaniotto, Luiz Bras, Marcello Simão Branco, Miguel Carqueija, Ramiro Giroldo, Vagner Vargas e Timothy Zahn. Endereços para correspondência: Rua André Dreifus,
109/163 – bloco 2, São Paulo-SP, CEP 01252-901; [email protected]. Este fanzine não segue o no-
vo acordo ortográfico.
Papêra Uirandê Especial pode ser copiado livremente, contanto que de maneira integral (todas as páginas,
na ordem original) e preservando os créditos de cada colaborador. Se em cópia de papel, recomenda-se
que o preço cobrado corresponda apenas aos custos de impressão e envio.
Agradecimento: a Renato Rosatti, pela conversa que inspirou o retorno deste fanzine.
Entrevista
TIMOTHY ZAHN
O
escritor americano Timothy Zahn, famoso pela Trilogia
Thrawn iniciada com o romance Herdeiro do Império (1991),
esteve em São Paulo para o relançamento desse livro pela
Editora Aleph com nova tradução de Fábio Fernandes e ilustração de
Capa de Marc Simonetti
capa do artista francês Marc Simonetti (das capas nacionais das Crônicas de Gelo e Fogo de George R. R. Martin). A principal atividade de Zahn no Brasil foram
longas sessões de autógrafos na ComicCon Experience, em dezembro de 2014. Nascido em
setembro de 1951, Zahn é conhecido por suas colaborações na revista Analog Science Fiction
and Fact, que recentemente chegou à sua milésima edição.
Conversei com Zahn muito rapidamente na loja Geek.Etc.Br, no Conjunto Nacional, marco
da Av. Paulista em São Paulo. Estavam lá, além dele, sua esposa Anna e o jovem Lucas Alves,
da assessoria de imprensa da Aleph. Levei alguns livros para Zahn autografar, e vários números
de Analog com histórias dele. A revista foi um dos assuntos da conversa, e Zahn informou que
sua série Star Song, originalmente vista em Analog, estava programada para aparecer como
eBook. Outros assuntos da conversa incluíram, é claro, os caminhos de Star Wars nas mãos da
Disney, e a importância dos romances de Star Wars de Zahn, na evolução da franquia. Seu
comentário sobre a situação do mercado americano para a FC de aventura nos ajuda a entender a
atual situação do gênero em língua inglesa.
--Roberto de Sousa Causo
Roberto de Sousa Causo É a sua primeira vez no
Brasil?
Timothy Zahn Sim. Primeira visita ao Brasil, e
primeira visita a qualquer lugar da América do Sul.
RSC Quais são as suas impressões do país?
TZ Não vi muito do país, mas os fãs e as pessoas
são extremamente bacanas, muito calorosas, muito
amigáveis. É um prazer me sentar em uma mesa de
autógrafos e saber que ficarei lá pelas próximas
duas horas fazendo as pessoas felizes, assinando livros e tirando fotos. Todo mundo estava tão satisfeito e feliz, e tem sido simplesmente maravilhoso.
RSC Suponho que você seja um veterano de convenções de mídia como esta Comic Con Experience em São Paulo. Como ela se compara?
TZ Se compara muito bem. Não sei qual foi a
contagem final de frequentadores, ainda não ouvi a
respeito disso, mas parecia ser muito bem frequentada, todo mundo parecia estar se divertindo. Tinha
um bocado de boas cabines e fornecedores, e no
geral uma boa representação de todas as coisas
geeks – tudo de pequenos imãs a camisetas a livros a sabres de luz e a tudo o mais. Ela parecia,
até onde eu possa dizer, muito bem organizada.
Não tivemos qualquer crise na cabine da Aleph, de
que eu saiba. Quando fui a seminários e às palestras eles tinham tudo organizado, tinham bons intérpretes para mim, tinham o sistema de microfone
funcionando, tinham gente para nos guiar, na ida e
na vinda. Foi simplesmente muito, muito eficiente,
muito bem organizado, especialmente para o primeiro ano de uma convenção. Fiquei muito bem
impressionado. Muitas vezes em estreias de convenções, especialmente uma grande assim, tem-se
todo tipo de problemas. Esta pareceu ser conduzida
de modo bem suave.
RSC E quanto ao público?
TZ O público foi maravilhoso. Eles… Foi muito
como se as multidões de pessoas que chegavam à
convenção fossem bem parecidas com o trânsito
brasileiro. Sabe, é muito aglomerado, mas as pessoas sabem como entrar e sair sem baterem parachoques ou outras coisas… Não vi ninguém ficar
bravo, não vi ninguém arrumar encrenca. Havia
filas compridas, e todo mundo muito paciente
nelas. Um público muito bom, muito entusiasmado. Espero que esta convenção se torne anual, por
muitos e muitos anos ainda.
RSC Você começou na revista Analog e continuou com ela por um bom tempo. O que significa
ser um escritor da Analog?
TZ Os escritores da Analog, eu acho, têm de ser
um pouco mais centrados nas ciências exatas. Isso
começou com John Campbell, continuou com Ben
Bova e então com Stanley Schmidt – a maioria das
minhas histórias na Analog foram publicadas com
ele como o editor. Mas havia mais de uma textura… talvez um componente científico, que algo
como uma revista como a Fantasy and Science
Fiction… não seria tão importante para as suas histórias. Mas Stan e os outros editores sempre tentaram manter a ciência acurada, um pouco mais… a
ciência um pouco mais no coração da história.
Sempre achei uma honra ser considerado um escritor da Analog.
RSC Num certo ponto da sua carreira você tomou
a decisão de escrever ficção científica de aventura.
Eu suponho que isso tenha um lado positivo, mas
também um lado negativo. Pode comentar?
TZ Você quer dizer, como oposto a um tipo de
ficção científica de idéias, esta mais de aventura?...
O problema é, meu agente argumentou… Eu tinha
o outline de uma história que tinha um interessante
tema de ficção científica, um tipo incomum de propulsão estelar, e ele escreveu de volta e disse: “Este é o tipo de livro que foi realmente popular vinte
anos atrás. O problema é que livros com ideias
grandes não vendem mais tão bem quanto costumavam. Agora é muito mais centrado em histórias
de aventura, militar, e nas de fantasia.” Então não é
uma questão de eu não querer escrever mais histórias de ideias, é só que não há mais tantos mercados para elas. E estou fazendo isso para ganhar a
vida, então tenho que escrever o que as pessoas
gostam de ler – e também gosto de escrever histórias de aventura. Mas tento manter um pouco de
ciência nelas, e tento colocar algumas boas ideias
também, mas isso é uma questão do que o mercado
é – ou pelo menos de como os editores enxergam
como o mercado é. O que pode não ser a mesma
coisa.
RSC Você é um escritor em tempo integral desde
quando?
TZ Comecei a escrever em tempo integral em
1980. Comecei a ganhar a vida com isso em 1984.
RSC Parabéns!
TZ Obrigado. Mas isso não é um sucesso do dia
para a noite, para a maioria de nós. De fato, a
maioria dos escritores nunca consegue escrever em
tempo integral. Eles têm que ter outros trabalhos
ou fazer outras coisas para suplementar sua renda.
Tenho tido muita, muita sorte em ter a oportunidade de fazer o que eu amo, que é escrever, e ganhar
a vida com isso.
RSC O que escrever os romances originais de Star
Wars representou para a sua carreira?
TZ Foi obviamente um grande impulso. Meus dez
livros de Star Wars são é claro aqueles pelos quais
sou mais conhecido. Isso me permitiu realizar
outros projetos que eu queria fazer. Eu acho que
isso me deu uma certa credencial entre… não apenas leitores de ficção científica. Por exemplo, há
um cavalheiro na Califórnia, chamado Ryan Schifrin, que está escrevendo uma série de romances
gráficos sobre uma dupla de espertalhões chamados Basil & Moebius (http://whoisthecollector.
com), e ele me pediu para escrever contos conectados com isso. E a razão dele me conhecer foram
os livros de Star Wars. Então, isso me deu alguma
entrada em outras áreas.
Muitas vezes você houve falar de escritores ou
compositores cujo trabalho mais famoso está vinte
anos no passado e eles são ranzinzas com respeito
a isso. Eu não sou. Adoro escrever Star Wars.
Sempre faço cada livro o melhor livro que eu conseguiria escrever. E então tenho muita satisfação
com os livros de Star Wars. Se for isso pelo que eu
sou mais lembrado, está bem, eu adoro escrevê-los,
eles demonstram minhas habilidades como escritor, e se menos gente conhece o que escrevi há três
anos, do que o que escrevi há vinte anos, está tudo
bem. O ego não está envolvido. Eu apenas fico feliz que as pessoas estejam lendo algo que e escrevi,
e gostando.
RSC Há um fato interessante sobre os seus romances. Star Wars foi muito importante para o mercado de space opera nos Estados Unidos, e então os
seus livros trouxeram algo para Star Wars. Há uma
bela circularidade nisso.
TZ Sim, pude fazer algumas coisas que você simplesmente não pode fazer num filme. Pude entrar
nas cabeças dos personagens e ver o que eles pensavam naquela hora. Pude visitar planetas e fazer
coisas que seriam terrivelmente caras de se fazer
com efeitos especiais. Pude acrescentar mais ciência e política e pano-de-fundo aos livros, porque
simplesmente não havia tempo para essas coisas
num filme. Então eu pude não só expandir para
dentro de uma nova era, pude acrescentar alguma
profundida ao universo de Star Wars que não existia lá entes apenas porque não havia tempo para
colocá-las nos filmes. Então consegui fazer algumas coisas realmente boas com o universo de Star
Wars, e equilibrar a space opera com alguma ficção científica, com aspectos militares e políticos, e
tudo isso.
RSC Você sente que abriu o campo para novos
romances originais de Star Wars?
TZ Bem, certamente há duzentos ou mais deles
por aí agora, então acho que a resposta par isso teria de ser sim. Acho que a Trilogia Thrawn de
muitas maneiras mostrou à LucasFilm que ainda
havia um público para Star Wars lá fora. E isso levou a mais livros, levou aos jogos, levou aos programas de TV, possivelmente levou aos novos filmes, ou pelo menos eles sabiam que havia um público para os novos filmes. E agora isso levou a
ainda mais filmes, outro programa de TV [a
animação Rebels], e quem sabe o que mais, mais
adiante.
A coisa a respeito da Disney é que eles têm
muito dinheiro, o que significa que se querem fazer mais filmes de Star Wars, ou se querem fazer
um programa de TV live-action, eles têm os recursos para isso, e, ao contrário de muitas empresas
de produção, acho que eles já mostraram que entendem, com a Marvel e com a Pixar, que podem
comprar a empresa, mas que então deviam recuar e
deixar as pessoas criativas criarem, porque essas
são as pessoas que entendem da coisa. Acho que
outras empresas de produção poderiam entrar e
tentar refazer tudo do jeito deles. A Disney parece
ser mais esperta do que isso, e a Pixar e a Marvel
têm se dado muito bem sob a bandeira da Disney.
Acho que Star Wars também vai.
RSC O que acha do trabalho editorial feito agora
pela Aleph com o seu romance Herdeiro do Império?
TZ Tem uma bela capa, não posso falar pela tradução porque não leio em português, mas pessoas
que leram tanto a versão da Aleph quanto a anterior me disseram, de muitos anos, que a tradução
da Aleph é muito melhor. Então vou me apoiar
Anna Zahn, Lucas Alves e Timothy Zahn
nessas pessoas que leram as duas, na opinião delas.
Mas tudo o que posso dizer é que tem uma bela,
bela capa, e que eles tratam os autores extremamente bem. Têm sido muito gentis, muito, muito
bons conosco por todo o tempo que estivemos
aqui.
RSC Você assinou para fazer a trilogia e mais
livros, ou só a trilogia por ora?
TZ Eles ainda estão escolhendo. Precisam fazer
dezenove livros em dois anos, só de livros de Star
Wars. Sei que estão comprometido em fazer outros
livros além da Trilogia Thrawn. Estão olhando outros livros de Star Wars e decidindo quais eles vão
fazer. Dependendo do quão populares estes sejam,
podem pegar outros dos meus. Não sei quais são os
planos deles. Acho que neste momento se fizerem
a Trilogia Thrawn, vão olhar para o futuro depois
disso.
RSC Gostaria de saber mais dos seus planos para a
sua própria ficção científica, nesse ponto da sua
carreira.
TZ Eu terminei a minha série Cobra [de space
opera militar], estou trabalhando no nono livro.
Estou fazendo uma série de space opera militar de
aventura com o autor David Weber no universo
[Honor] Harrington, e tenho dois ou três outros
projetos que estou desenvolvendo para decolar e
oferecer ao meu agente. E é claro, se eles voltarem
a me chamar para fazer mais livros de Star Wars,
eu certamente estou pronto e disposto a ver o que
posso fazer aí.
Zahn autografa
Entrevista
Marcello Simão Branco & Cesar Silva
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Entrevistamos Cesar Silva & Marcello Simão Branco, os editores
do Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica, que em 2014
completou dez anos de atividade com uma bojuda edição especial publicada no selo Enciclopédia Galáctica da Devir Brasil.
Infelizmente, será a última aparição dessa importantíssima fonte
de análise e informação sobre o campo da ficção científica,
fantasia e horror no Brasil, seu mercado, evolução, história e
destaques. Mas a dupla não está pronta para encerrar a sua
parceria, e anuncia planos para o futuro.
Capa de Teo Adorno
Como está esta edição especial do Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica, que deverá ser a última?
Cesar Silva A edição está pronta, aguardamos apenas a produção gráfica que deve entregar a tiragem
em alguns dias. Trata-se de uma edição ampliada,
com mais de 400 páginas que, além da avaliação
do desempenho da FC&F no Brasil no ano 2013,
está também dedicada a avaliar os últimos dez
anos de publicação de FC&F no país, exatamente o
período que foi acompanhado pelo Anuário. Revistamos resenhas dos melhores livros publicados na
década, promovemos um debate entre personalidades de destaque no gênero e integralizamos a relação de efemérides da nossa FC&F, em literatura,
cinema, quadrinhos e eventos, ao longo de mais de
um século de atividades, com direito a todas as resenhas de títulos clássicos publicados no Anuário
ao longo de sua existência. Ou seja, este é o
“Anuário dos Anuários”, o mais perto que já chegamos de uma enciclopédia da ficção fantástica
brasileira. Mas dizer que este é o último Anuário é
apenas uma meia verdade. Na verdade, a publicação passará por uma reformulação um pouco mais
profunda do que aquelas pelas quais passou ao longo dos anos. Em primeiro lugar, a publicação passará a se chamar “Almanaque Brasileiro de Literatura Fantástica”, desvinculando-se da obrigatoriedade de estar ligado a um ano oficial, superando
assim vários problemas de caráter autoral, organizacional e editorial que enfrentamos no Anuário.
Também construiremos um blog que publicará,
online, boa parte do conteúdo do Anuário e do futuro Almanaque, especialmente as resenhas, que
ficarão disponíveis continuamente para pesquisa.
Marcello Simão Branco É uma edição realmente
diferente das demais, pois além de cobrir a produção literária do ano de 2013, realiza uma análise
crítica dos últimos dez anos, quando o Anuário
passou a ser publicado. Desta forma, traz um longo
artigo sobre os gêneros fantásticos no país, do ponto de vista do fandom, literário e do mercado editorial. Selecionamos as resenhas dos melhores livros
publicados na última década e as republicamos. Ao
invés de entrevistarmos uma personalidade de destaque no ano, perguntamos a dezenas de pessoas
que se destacaram neste período como vêem a
FC&F no país, seus problemas, virtudes e perspectivas. E na parte histórica, tradicional no Anuário,
consolidamos as listagens de eventos e publicações
de todas as edições, cobrindo 168 anos de atividades de FC&F no Brasil, do início do século XIX até
meados dos anos 1990.
O núcleo desta edição parece ser um conjunto de
entrevistas com diversas personalidades, sobre o
estado da literatura especulativa no Brasil. Qual é
o quadro que as respostas pintam?
MSB Não há um quadro mais definido, pois as respostas são muito heterogêneas em termos de conhecimentos, opiniões e interesses de cada um.
Isso porque o grupo de entrevistados se divide
entre os mais antigos (da Segunda Onda, mais
voltados para uma compreensão mais social e histórica dos gêneros), e aqueles surgidos nos anos
2000 (com outras referências sobre os gêneros,
mais ligados à Internet e tendências recentes em
termos internacionais). Em todo caso, constata-se
que o mercado cresceu mas prossegue segmentado,
com a FC&F sendo efetivamente valorizada nos
grupos específicos a ela ligadas e editoras pequenas e médias, com alcance restrito de divulgação e
distribuição. Que falta mais profissionalismo àqueles que escrevem, o que também sugere a ausência
de ambientes mais institucionalizados de competição e seleção de trabalhos, além de um feedback
mais concreto por parte dos leitores. Os gêneros no
país cresceram no atacado, mas estão frágeis no
varejo, isto é, na forma como são publicados, vendidos e analisados, tanto por aqueles que os produzem como por aqueles “de fora”, do ambiente
do mainstream e do jornalismo cultural e universidade que, com algumas exceções, continuam desinformados e desinteressados. Para uma produção
de mais qualidade é preciso capacitar melhor autores e editoras, além de um ambiente mais claro de
incentivo à leitura e valorização dos livros e demais publicações. Esta tarefa cabe àqueles que se
importam com os gêneros, e menos daqueles que o
vêm apenas do ponto de vista econômico, como
uma oportunidade de ganho rápido, descartável ao
sabor do contexto de interesse e vendas para leitores mais voláteis. Ao contrário dos anos 1980 e
1990 existe um mercado bom, razoável em termos
quantitativos, mas a comunidade literária da FC&F
precisa continuar lutando para abrir seus espaços e
institucionalizá-los, e um bom ponto de partida
para isso é a melhora contínua da qualidade literária do que produzimos, além da presença direta em
editoras, no trabalho de edição e supervisão editorial.
CS A maior parte dos entrevistados preferiu não se
envolver com uma discussão mais conceitual e
preferiu tratar apenas de sua própria carreira e projetos. Ainda assim, é possível perceber um grande
otimismo de todos quanto à estabilidade e crescimento do mercado para o autor brasileiro. A entrada das grandes editoras no mercado de FC&F,
criando selos exclusivos, parece ter afastado definitivamente o temor de que
esti-véssemos vivendo uma
bolha co-mercial, e os autores
já pensam para além de projetos
imediatos, que era a prática do
final do sécu-lo, e realmente
projetar suas car-reiras no futuro.
Mas ainda há um certo cuidado
quanto ao tamanho real desse
mercado, se ele dará su-porte
profissional aos autores e
editores.
O Anuário teve diversas encarnações, como fanzine, depois como
publicação semiprofissional em
duas editoras diferentes. Como
vocês dois sentem essa trajetória?
ção amadora. Quando passamos do formato amador para o profissional, pela extinta editora Tarja,
sentimos bastante com a perda de autonomia, que
foi recuperada em parte na Devir, que sempre nos
deu bastante liberdade no processo de edição e publicação. A experiência ajudou-nos a afinar o
Anuário como projeto, e a compilação final de
toda a lista de efemérides cumpre um dos primeiros objetivos que tínhamos para ele desde a sua
primeira edição, em 2005. Aprendemos muito com
a experiência nas editoras e pretendemos seguir na
Devir com o Almanaque e com outros projetos que
estão em nossa pauta, se for possível.
MSB Como um processo de desenvolvimento de
nossas atividades editoriais, seja como editores de
fanzine, como mantenedores de blogs, autores e
organizadores de antologias. Na verdade nunca
enfrentamos barreiras para termos o Anuário aceito
como um livro, e nossa opção inicial de o editarmos nos três primeiros anos de forma mais amadora talvez tenha contribuído com isso. Ou seja,
depois que as pessoas viram do que se tratava a
publicação e gostaram do resultado, tivemos alguns contatos com editoras, até sermos publicados
por duas edições pela Tarja Editorial e cinco edições pela Devir Livraria. Infelizmente, contudo, a
repercussão não acompanha esta boa aceitação das
editoras, pois quase não temos retorno (nem que
seja negativo!) do trabalho extenuante que realizamos. Ninguém comenta as resenhas (nem mesmo o
autor resenhado), as entrevistas, os artigos (nossos
ou de convidados). São sempre a mesma meia-dúzia que nos valorizam e, claro, agradecemos muito
por isso, até porque são pessoas de destaque dentro
dos gêneros no país. Em tese esperaria que uma
edição que faz um balanço da década – como a
deste ano – pudesse ser objeto de interesse dos
mais diferentes segmentos (afinal quando foi feito
algo semelhante na FC&F brasileira?), mas não
creio nisso, e acho que passare-mos
“em brancas nuvens”, como nas
edições anteriores. Certamente este
desinteresse incomoda, mas nem é
só com o Anuário, é fato,
lançamentos de livros de autores
importantes também são pouco
comentados, o que mostra que os
canais de interlocução no interior
do fandom estão muito desarticulados e fragmentados. (Sem fanzines, revistas – sim existe a Bang!,
mas ainda é uma experiência recente e de resultado incerto –, e
encontros regulares). Além disso a
enorme quantidade de livros, em
especial de autores estrangeiros,
também direciona o interesse, difi-
Capa de Silvio Ribeiro
CS O Anuário teve uma evolução
cultando um acompanhamento
gradual nestes dez anos; um pouco
mais próximo de esta ou aquela
disso foi por nossa própria culpa, que sempre vipublicação. Enfim, como já parei de me importar
mos o Anuário como uma continuidade dos nossos
com esta questão, a real dificulda-de que nos faz
fanzines pessoais. Gostamos de ter total autoridade
interromper o Anuário é muito mais a incompatisobre ele, não apenas como autores, mas também
bilidade entre a quantidade de trabalho e tempo
como editores. O meu formato ideal seria publicar
que temos para nos dedicarmos. Como o Anuário
com qualidade profissional e a autonomia da edireflete o tamanho do mercado editorial, a sua
grande expansão também nos impactou numa
quantidade crescente de trabalho, muitas vezes
maior do que as primeiras edições, por exemplo.
Qual é o legado, neste dez anos de atividade do
Anuário e da incrível pesquisa que vocês fizeram
para ele, que vocês deixam – ou que gostariam de
deixar?
MSB Gostaria que este trabalho fosse continuado.
Não necessariamente da forma como realizamos,
mas que a importância da pesquisa, do registro
histórico, da análise crítica fosse mais valorizado,
aperfeiçoado. De certa forma, estes anos ficaram
contextualizados, com um grau de informação e
crítica jamais visto. Seria triste que houvesse uma
descontinuidade. Porque, se pensarmos, os anos
1980 e 1990 puderam fazer um acompanhamento
semelhante por meio dos fanzines. Depois deles, o
que veio depois? Várias iniciativas, sem dúvida,
mas a mais regular e voltada à informação, balanço
histórico e análise crítica coube ao Anuário. Que
novas cabeças possam pensar em novos projetos
que contemplem um perfil informativo e crítico
semelhante. Gente capacitada para isso existe, embora reconheça que o trabalho é árduo, precisa
realmente gostar muito, se envolver demais para
que o resultado seja minimamente interessante.
Certamente o passar dos anos poderá valorizar o
Anuário, servir como uma baliza a orientar futuros
trabalhos.
CS Acredito que cada leitor terá uma percepção
particular do alcance do trabalho realizado pelo
Anuário, pois o que fizemos não teve um foco definido e cada proposta desdobrou-se em outras
tantas que, nesta altura, já nem sei mais até onde
realmente chegamos com ele. De minha parte, prefiro acreditar que o Anuário contribuiu de forma
importante para o entendimento do papel da FC&F
no contexto brasileiro, principalmente do ponto de
vista histórico, que desmontou a crença corrente
antes dele, de que não existia FC&F brasileira fora
do fandom. Não só existe neste momento, como
sempre existiu no passado, até mesmo antes dos
gêneros terem sido esquematizados na pulp age, e
esse material tem muito a dizer aos atuais autores e
produtores culturais como um caminho legítimo a
ser experimentado em direção a uma FC&F autenticamente brasileira, caso isso seja desejado, é
claro.
A sua parceria é antiga. Imagino que começou na
época da II Convenção Brasileira de Ficção Científica, que vocês organizaram, depois teve expres-
são profissional com a revista HorrorShow. Que
planos vocês têm para o futuro?
CS Nossa parceria tem sido produtiva e desejamos
que ela siga frutificando. O Almanaque será o próximo passo desse trabalho, mas há outros projetos
em gestação, como a montagem de antologias e
coletâneas, e um levantamento histórico dos fanzines de FC&F brasileiros, entre outros. Pessoalmente, tenho interesse em voltar a escrever ficção, coisa que não faço há algum tempo, além de sustentar
o trabalho nos meus blogs. Creio que é o bastante
para colorir os meus dias futuros.
MSB De fato, este é uma das parcerias mais antigas dentro do fandom de FC&F brasileiro. Já organizamos convenções, prêmios, editamos fanzines,
revistas e o Anuário. E, sim, pretendemos seguir
em frente, seja com projetos individuais, seja com
a manutenção da parceria. Dentro deste contexto,
na verdade, o Anuário não vai desaparecer por
completo. Apenas não queremos mais ficar presos
ao calendário anual. Está nos planos um site que
consolide o conteúdo do Anuário e receba atualizações, como os lançamentos de livros e as resenhas.
Depois de um certo tempo poderíamos lançar um
edição com o conteúdo novo. Certamente o nome
não será mais Anuário, mas isso é o de menos.
Uma idéia também é que façamos uma espécie de
almanaque, aprofundando mais a parte histórica da
FC&F, com resenhas, artigos e listagens de obras e
eventos. Também estamos planejando montar uma
antologia de histórias de horror por autores nacionais, um pouco na linha desenvolvida no projeto
Os Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica. O ano de 2014, provavelmente, será de muita
leitura e pesquisa para viabilizarmos uma seleção
caprichada que poderá resultar numa antologia
formadora do que de melhor a literatura brasileira
produziu em termos de horror. Felizmente temos
muitas ideias, o que só nos dá certeza de que esta
parceria continuará rendendo frutos.
Já está online o blogue
Almanaque de Arte Fantástica Brasileira,
de Cesar Silva & Marcello Simão Branco,
com vários colaboradores.
Veja em
www.almanaqueafb.blogspot.com.br
Correspondência
Que choque! Obrigada por nos oferecer a explicação sobre o Portal
Terra. Eu sempre tive prazer em ler a
sua coluna, e pensava que fosse permanente. Tomara que o novo projeto
continue a sua presença na Internet.
Fiquei contente com a sua re-iniciação de Papêra Uirandê. Sempre achei
um projeto valioso e válido.
--Libby Ginway, Gainesville, FL,
EUA, por e-mail.
[Eu] o felicito vivamente por trazer
de volta o Papêra!
--Marcello Simão Branco, São Paulo, SP, por e-mail.
Desejo-lhe grande sucesso com a
volta do fanzine, a FC&F nacional
certamente precisa dele.
--Cesar Silva, São Bernardo do
Campo, SP, por e-mail.
Publicações Recebidas
Citizen Who:
Peripécias do
Famigerado Escritor Que Não
Tem Boas Ideias, de Nelson de
Oliveira & Teo
Adorno. São
Paulo: Terracota
Editora, 2015,
64 páginas. Capa e ilustrações internas de Teo
Adorno. Nelson de Oliveira escreve
ficção científica como “Luiz Bras”, e
neste opúsculo metaficcional ataca
as redes sociais como formadores de
opinião literária e a frequente incapacidade dos observadores literários
atuais de entenderem o jogo intertextual e a ironia, apoiando-se apenas
nos conceitos superficiais das “boas
idéias” ou “idéias originais”. Ótimas
ilustrações de Adorno. Site: www.
terracotaediotora.com.br.
Boca do Inferno: Fanzine de Horror
Ano 3, N.º 10, agosto de 2015, 4
págs. Editado por Marcelo Milici &
Renato Rosatti. Esta edição traz um
apanhado da filmografia de George
Romero sobre zumbis, e resenha do
filme da Hammer, O Monstro do Himalaia (1957). Site: www.bocadoinferno.com.br
Locus–The Magazine of the Science
Fiction & Fantasy Field Issue 655,
Vol. 75, N.º 2, agosto de 2015, 62
págs. A principal trade magazine do
campo da FC e fantasia. Nesta edição, entrevistas com Neil Stephenson e Wesley Chu, cobertura do Locus Award Weekend na ReaderCon
26, reportagem sobre a FC na Índia,
e homenagem a James Gunn. Site:
www.locusmag.com.
The Wellsian:
The Journal of
the H.G. Wells
Society N.º 37,
2013, 68 págs.
Editado por
Simon J. James. Revista
acadêmica de
uma sociedade
dedicada aos estudos da obra de
Wells, um dos pais da ficção científica. Esta edição traz o ensaio “The
Mysterious Amazonia: Moreau’s Legacy in Brazil”, do pesquisador brasileiro Vitor da Matta Vívolo, tratando primeiramente do romance pioneiro de raça perdida, A Amazônia
Misteriosa (1925), de Gastão Cruls.
E-mail do editor: [email protected].
ÍNDICE
Editorial: Pelo Prazer de Ser Fanzine
Ensaio: Ficção Científica sem Culpa
3
4
Ensaio Internacional: Sobre Sam Moskowitz, Sam J. Lundwall e as Revistas de Ficção Científica
5
Ensaio: Dilemas Atuais da Ficção Científica Brasileira
7
Ilustração: Vagner Vargas
Miguel Carqueija Resenha: Cinema Clássico
8
9
Ramiro Giroldo
Ahvid Engholm
Roberto de Sousa Causo
Miguel Carqueija
Poema: Capitão Nemo
10
SEÇÃO ESPECIAL: O ESTADO DA ARTE: FICÇÃO CIENTÍFICA TUPINIPUNK
Apresentação
11
11
Entrevista com Luiz Bras
12
Contos de Luiz Bras
13
Roberto Causo Resenha Ficção Científica Internacional
15
Roberto Causo Resenha Ficção Científica Nacional
21
Edgar Smaniotto Resenha Ficção Científica Francesa
25
Entrevista: Timothy Zahn
28
Entrevista: Cesar Silva & Marcello Simão Branco
31
Mercado Editorial Brasileiro: O Que Vem por Aí
Correspondência
Publicações Recebidas
20
33
34
Miguel Carqueija
Roberto de Sousa Causo
Luiz Bras & Roberto de Sousa Causo
Roberto de Sousa Causo
Roberto de Sousa Causo
Edgar Smaniotto
Timothy Zahn & Roberto de Sousa Causo
Cesar Silva, Marcello Simão Branco & Roberto de Sousa Causo
—
Ilustrações: Henrique Alvim Corrêa (1876-1910) capa; 3; 7; 25); George Roux (10); Vagner Vargas (8).
Fotos: R. S. Causo (30).