O Pré-sal e as Mudanças no Marco Regulatório do Petróleo

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O Pré-sal e as Mudanças no Marco Regulatório do Petróleo
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O pré-sal e as mudanças no marco regulatório
do petróleo
Talita Miranda Ribeiro
Mestre em Economia e
técnica da Fundap
Apresentação
Importantes mudanças ocorreram no setor petrolífero brasileiro em 2010. Nesse ano foi promulgado um conjunto de leis que alteraram grande parte do marco regulatório e institucional que rege
o setor. As alterações envolveram a modificação do regime contratual de exploração das reservas, a
criação de uma estatal para gerir os novos contratos e o estabelecimento de um fundo a partir dos
recursos provenientes das atividades de exploração, produção e comercialização de petróleo. Ademais, o papel da Petrobras também sofreu alterações, que resultaram no aumento da participação da
estatal nas atividades de exploração de petróleo.
O texto busca fazer um breve balanço das medidas aprovadas e está dividido em outras quatro
seções. A próxima seção faz um panorama geral da oferta e demanda do petróleo no mundo e do
impacto das reservas do pré-sal recém-descobertas no Brasil. Em seguida, faz-se uma descrição do
marco regulatório vigente anteriormente, enfatizando as características do modelo contratual de concessão na atividade de exploração do petróleo. A seção seguinte apresenta as principais mudanças
a partir das leis aprovadas em 2010. Finalmente, a última seção faz considerações finais e identifica
questões que ainda se encontram em aberto.
Panorama mundial de oferta e demanda de petróleo e os impactos das novas
descobertas
É importante traçar um panorama da demanda e oferta mundiais de petróleo para que se
possa apreender o impacto das descobertas na camada pré-sal no Brasil, ocorridas a partir de 2007.
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Segundo dados da IEA (International Energy Agency), a produção de petróleo, em 2010, atingiu
87,4 milhões de barris/dia, enquanto o consumo chegou a 87,9 milhões de barris/dia. De acordo com
as projeções da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), esse déficit só tende a aumentar. Levando em consideração a oferta de óleo cru, a organização estima um déficit de 6,3 bilhões
de barris/dia em 2015, chegando a 9,3 bilhões de barris/ dia em 2030 (Gráfico 1).
Gráfico 1. Projeções para Oferta e Demanda de Petróleo (Em milhões de barris/dia)
120
100
80
60
40
20
0
2010
2015
2020
Demanda
2025
2030
Oferta
Fonte: OPEP , World Oil Outlook, 2010. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.
O crescimento esperado da demanda nos próximos anos será bem superior ao da oferta,
puxado principalmente pelo maior consumo dos países emergentes. Segundo as estimativas, entre
2009 e 2030 a demanda de petróleo nos países avançados deverá registrar um recuo de 5,3%,
enquanto a demanda dos emergentes deverá avançar 60%, sendo que a demanda chinesa aumentará em 101,2% nesse mesmo período (OPEP, 2010). Do lado da oferta, o suprimento depende da
produção principalmente dos países membros da Opep, que detêm em torno de 68,4% das reservas
existentes.
Neste contexto, o Brasil se encontra em posição privilegiada. Atualmente, as reservas brasileiras confirmadas (sem a inclusão das reservas do pré-sal) colocam o país como a 17ª maior reserva
do mundo (com um volume em torno de 14,0 bilhões de barris) e como o nono maior produtor de petróleo (U.S. Energy Information Administration). Com a incorporação da área das novas descobertas,
especialmente na Bacia de Santos e Espírito Santo, estima-se que as reservas nacionais dobrariam
(Gráfico 2).
A área de ocorrência dos blocos descobertos pela Petrobras tem 800km de comprimento por
200km de largura, perfazendo uma extensão que vai do Estado de Santa Catarina a Espírito Santo
(Figura 1). Com essa nova área, as reservas brasileiras poderiam chegar a 100,0 bilhões de barris,
segundo as estimativas mais otimistas. No caso do gás natural, somente com o campo Tupi (rebatizado de campo Lula), a produção nacional de gás natural poderá dobrar, o que deverá ser mais que
suficiente para suprir o mercado interno.
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Gráfico 2. Reservas Brasileiras de Petróleo e Projeções com Inclusão de Áreas do Pré-sal
(em bilhões de barris)
28,0
Descobertas de reservas do Pré-sal :
Tupi: 5 a 8 bilhões de barris;
Iara: 3 a 4 bilhões de barris;
Parque das Baleias: 1,5 a 2 bilhões de barris
+14,0
bilhões de
barris do
pré-sal
14,1
9,6
3,3
1,1
1970
1985
2000
2008
Projeção
Fonte: Ministério de Minas e Energia. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.
Figura 1 – Área de ocorrência do pré-sal
Poços Perfurados
Reservatórios do Pré-sal
Campos de Produção
Blocos de Exploração
Poços Recém-descobertos
Fonte: Ministério de Minas e Energia.
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GRUPO DE ECONOMIA / FUNDAP 1. O movimento ascendente foi
interrompido somente por um
breve período nos meses de
auge da crise financeira internacional entre 2008 e 2009. Para
uma análise do ciclo de preços
das commodities ver Prates
(2011).
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O ganho de importância do setor para o Brasil está associado não apenas ao volume estimado
das reservas recém descobertas, mas também à trajetória crescente do preço do petróleo nos últimos
anos1. Dessa forma, a questão do petróleo tornou-se prioritária na agenda política nacional, fomentando intensa discussão sobre o desenho do marco regulatório do setor, seja com relação à gestão
das reservas, seja no que diz respeito à renda proveniente da atividade, seja, ainda, com referência
à extensão e à forma de participação dos setores público e privado nas atividades de exploração,
produção e comercialização.
O marco regulatório vigente até 2010
2. O monopólio legal da União
sobre as atividades ligadas ao
petróleo foi instituído pela Lei
n. 2.004 de 3/10/1953, que
também criou a Petrobras. A
promulgação da lei correspondeu ao desfecho de um intenso
debate sobre como o país deveria organizar a atividade petrolífera, que incluía desde posições
que advogavam a total estatização até os que defendiam a
permissão da exploração por
empresas estrangeiras.
3. A ANP – órgão regulador da
indústria do petróleo, gás natural e seus derivados – é responsável por contratar empresas
para atuarem na produção e
exploração por meio dos contratos de concessão. Já o CNPE é o
órgão encarregado de definir a
política energética do país.
4. Países com baixos volumes
de reservas e altos custos de
exploração tendem a optar pelo
modelo de concessão (como,
por exemplo, Estados Unidos e
Canadá), enquanto países com
maiores reservas e custos médios normalmente optam pelos
contratos de partilha (casos da
Nigéria e da China). Existe ainda
um terceiro sistema de contratos, chamado de contratos de
risco, em países com baixo custo de exploração e produção e
reservas. Países como a Rússia,
por exemplo, adotam regimes
mistos, onde existe mais de uma
forma contratual (ANP, 2007).
5. Valor pago pelo contratado na
fase de exploração ou produção
por quilômetro quadrado em razão dos direitos oferecidos pelo
contrato de concessão.
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O marco regulatório vigente até 2010 foi desenhado no início dos anos 1990, em um processo mais amplo de redução do papel do Estado na economia. Até 1997, a União, que possui o
monopólio na exploração, produção, refino e transporte do petróleo, o delegava exclusivamente à
Petrobras2.
A Emenda Constitucional n. 9, de 9/11/1995, foi o primeiro passo para a eliminação das barreiras legais à entrada de outras empresas na atividade petrolífera. A emenda alterou o artigo 177
da Constituição, incluindo a possibilidade de a União contratar empresas estatais e privadas para a
execução das atividades de pesquisa, refino, comercialização e transporte de petróleo. A abertura
do mercado à concorrência ocorreu especialmente na exploração, produção e comercialização, dado
que foram mantidas elevadas barreiras à entrada de empresas para o transporte e a distribuição, que
ficaram, portanto, a cargo da estatal.
Em seguida, foi promulgada a Lei n. 9.478 de 1997, conhecida como a “Lei do Petróleo”, dispondo sobre a política energética do país. Essa lei reiterou a liberalização das atividades petrolíferas,
ao permitir seu exercício por empresas com sede e administração no país. Além disso, criou a Agência
Nacional do Petróleo (ANP) e o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), reforçando seu papel
como regulador e fiscalizador3.
A nova legislação estabeleceu ainda que os direitos de exploração e produção de petróleo e gás
natural permaneceriam como propriedade da União, cabendo à ANP a administração das áreas exploradas por meio do sistema de concessão, mediante licitação em leilões abertos a empresas públicas
e privadas. A propriedade das reservas manteve-se junto à União, mas, uma vez extraídos, os recursos
tornam-se de propriedade da empresa concessionária.
A escolha do regime contratual de concessão levou em consideração as características das
reservas brasileiras descobertas até então, as quais apresentavam baixo volume e custos de exploração e produção muito altos4. O modelo, entretanto, sofreu diversas críticas, dado que a propriedade
do petróleo por parte do concessionário reduziria o controle da União sobre os recursos energéticos e
a política comercial (GOMES, 2009).
Pelo regime aprovado, os contratos de concessão passaram a ser previamente aprovados pela
ANP, devendo especificar a duração e o cronograma de execução. Os prazos de vigência englobam um
período de exploração e outro de produção, em que as concessionárias têm exclusividade em relação
às atividades e devem realizar todos os investimentos por sua conta e risco. Durante a concessão,
sujeitam-se aos encargos governamentais (o chamado government take), que envolvem o pagamento
(sob a forma de remuneração financeira e não em produto) pela retenção das áreas5, o bônus de
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baseada no volume de petróleo produzido e não no valor do barril, o que impede o governo de se
apropriar de benefícios associados ao aumento do preço do petróleo.
Uma das especificidades dos contratos de concessão no Brasil é a exigência de conteúdo local
mínimo, que é o compromisso em adquirir bens e serviços de fornecedores nacionais. O contrato
padrão exige 37% de conteúdo nacional mínimo, porém os percentuais têm sido estabelecidos de
acordo com cada bloco leiloado, sua localização (águas profundas, águas rasas ou terra) e fase do
contrato (exploração ou desenvolvimento), chegando a 85% em alguns casos.
Para o julgamento das ofertas dos leilões, a ANP estabeleceu peso de 20% para a proposta
de conteúdo local, 40% para o Programa Exploratório Mínimo9 e 40% para o bônus de assinatura.
Entre 1999 e 2005, a ANP realizou sete rodadas de licitação. Após uma problemática oitava rodada, que foi cancelada por medida judicial, a nona rodada foi realizada em novembro de 2007, com
arrecadação recorde de bônus de assinatura (R$ 2,1 bilhões). Contudo, às vésperas do leilão, 41
blocos da região denominada pré-sal foram retirados do edital, devido a descobertas de reservas na
Bacia de Santos. A descoberta dessas novas áreas de exploração, com grande potencial produtivo
e petróleo de qualidade superior, levou a uma série de discussões no governo a respeito da permanência do modelo de concessão, culminando na adoção do modelo de partilha para os blocos
situados no pré-sal.
As mudanças do marco regulatório
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6. Montante ofertado pela empresa contratada no momento
do leilão, não podendo ser inferior ao valor inicialmente previsto no edital da ANP. Deve ser
pago no ato da assinatura do
contrato de concessão.
7. Compensação financeira devida pelo concessionário à União,
que varia de 5% a 10% da receita
bruta do campo explorado. São
recolhidos mensalmente pela
Secretaria do Tesouro Nacional
e repassados aos estados, municípios, Comando da Marinha, Ministério da Ciência e Tecnologia
e fundo especial administrado
pelo Ministério da Fazenda.
8. A participação especial é uma
compensação financeira cobrada sobre volumes de produção
de petróleo e gás especialmente
elevados. Incide trimestralmente
sobre a receita líquida do campo, deduzidos os royalties, investimentos de exploração, custos
operacionais, depreciação e tributos, e varia entre 10% e 40%.
9. O Programa Exploratório Mínimo refere-se ao período em
que as empresas devem adquirir dados, realizar estudos
geológicos e avaliar se existem
recursos comercializáveis no
bloco leiloado.
O sistema de partilha para a exploração e produção de petróleo, adotado por meio da Lei n.
12.351 de 2010, foi estabelecido em um contexto de preços internacionais elevados e a partir da
constatação de que as reservas do pré-sal apresentavam condições distintas das até então descobertas em termos de volume e rentabilidade. O modelo escolhido teve como objetivo assegurar maior
parcela dos recursos para a União e maior controle sobre a atividade petrolífera e os recursos energéticos estratégicos.
De acordo com o modelo de partilha, não apenas a propriedade das reservas de petróleo e gás
natural é exclusiva da União, mas também todo o produto extraído, diferentemente do contrato de
concessão. Da mesma forma que no sistema de concessão, o contratante arca com todos os riscos e
custos de exploração e desenvolvimento, sem direito a indenizações caso não haja recursos comercializáveis no bloco licitado.
À empresa contratada faz jus a dois tipos de remuneração, o custo óleo e parte do excedente
em óleo. O custo óleo refere-se à parcela da produção (in natura) a que a empresa tem direito para
cobrir custos e investimentos realizados na exploração e desenvolvimento das atividades e é estabelecido no edital de licitação. A diferença entre o volume total da produção e o custo óleo deve ser
repartida entre a empresa contratada e a União, após deduzidos os royalties. Ao Estado cabe, além
de parte do excedente em óleo (in natura), o bônus de assinatura e os royalties (ambos em forma de
remuneração financeira).
Ao estabelecer o pagamento devido à União como produto in natura e não sob a forma de remuneração financeira, o Estado brasileiro também assume um papel mais ativo com relação ao setor
petrolífero, visto que garante para si decisões em relação à comercialização do produto.
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Para o propósito de coordenar a comercialização da parcela do petróleo de propriedade da
União, criou-se a estatal Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), por meio da Lei n. 12.304, de agosto de 2010.
A PPSA tem, entretanto, outras atribuições igualmente importantes. Além de ser responsável por gerir
todos os contratos de partilha celebrados entre a União e as empresas contratadas, deverá participar
de todos os consórcios vencedores (como representante dos direitos da União) e terá como função
monitorar e auditar a execução dos projetos de exploração e os custos e investimentos relacionados
aos contratos de partilha. A empresa também deverá participar ativamente de todas as decisões do
setor, pois, de acordo com o novo marco regulatório, todas as deliberações deverão passar por comitês operacionais, dos quais a PPSA indica metade dos integrantes, inclusive o presidente, que possui
poder de veto.
Dentre as vantagens do modelo de partilha está o fato de que o Estado passa a deter maior
controle de todas as etapas do processo, da exploração ao desenvolvimento e à comercialização. O
Quadro 1 relaciona algumas das principais diferenças entre os dois regimes contratuais. É importante
lembrar que a adoção do modelo de partilha se dará na licitação dos blocos do pré-sal. Os contratos
já assinados em regime de concessão não sofrerão alterações e as licitações das outras áreas que
não a do pré-sal poderão ser feitas sob esse regime.
Quadro 1. Comparativo entre o Sistema de Concessão e Partilha
Sistemas Contratuais
Concessão
Partilha
Propriedade do Petróleo e
Gás Natural
O petróleo e gás natural extraídos
são de propriedade da empresa
concessionária
O petróleo e o gás natural extraídos
são de propriedade da União
Parcela do Governo
Bônus de assinatura, royalties,
participação especial, pagamento
por ocupação da área
Profit Oil - Parcela da Empresa (em
produto) + Bônus de Assinatura +
Royalties
Parcela da Empresa
Receita bruta - Parcela do governo
Cost Oil + Profit Oil - Parcela do
Governo
Propriedade das Instalações Empresa
União
Fonte: ANP, 2007.
10. Instituído pela Lei n. 12.351,
de 22/12/2010.
11. Para uma discussão mais
detalhada da literatura a respeito desses fundos, ver Cagnin e
Cintra (2008).
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Outra importante alteração do marco regulatório foi a criação do Fundo Social10, constituído
a partir dos recursos provenientes das atividades relacionadas ao petróleo. Vários países possuem
fundos de riqueza soberanos criados com base nas rendas associadas à exploração de recursos naturais11. Tais fundos possuem diversos objetivos, dentre eles evitar os efeitos adversos da flutuação
dos preços internacionais dos recursos naturais sobre a economia doméstica e garantir a chamada
“equidade intergeracional”, ou seja, assegurar que as gerações futuras possam usufruir da renda
proveniente de sua exploração mesmo após seu esgotamento.
A exemplo dos fundos existentes em outros países, o Fundo Social tem múltiplos objetivos.
O primeiro é ser fonte de recursos para o desenvolvimento social e regional, tendo sido eleitas as
áreas de educação, cultura, esporte, saúde pública, ciência e tecnologia, meio ambiente e mitigação das mudanças climáticas. O segundo é constituir poupança pública de longo prazo, de forma
a contemplar o objetivo de equidade intergeracional. Finalmente, permitir que o governo brasileiro
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do petróleo.
Os recursos do fundo serão constituídos pela parcela da União relativa ao bônus de assinatura, pelos royalties dos contratos de partilha de produção, pelos royalties e participação especial dos
contratos de concessão, pela receita advinda da comercialização de parcela do excedente óleo e pelo
resultado de aplicações financeiras do próprio fundo. Tais aplicações deverão ser feitas preferencialmente em ativos no exterior, a fim de evitar a volatilidade de renda e preços, bem como o fenômeno
da “doença holandesa” ou “maldição dos recursos naturais”12. Os recursos destinados às áreas prioritárias deverão ser aplicados a partir do retorno sobre o capital investido.
O novo papel da Petrobras
A ampliação da influência da Petrobras no setor petrolífero foi outra importante alteração ocorrida após a nova legislação. Conforme mencionado, a União passou a poder contratar diretamente a
estatal, sem necessidade de licitação prévia. Ademais, à Petrobras caberá o papel de operadora única
dos blocos, o que significa que a empresa será o ente responsável pelas atividades de exploração, desenvolvimento e produção das áreas em sistema de partilha. Tais atividades poderão ser executadas
em conjunto com outras empresas, que, para tanto, deverão se consorciar com a Petrobras e a PréSal S.A. A formação desses consórcios, nos quais a legislação assegura à Petrobras uma participação
mínima de 30%, resultará de leilões nos quais sairão vencedoras as propostas que oferecerem os
maiores excedentes em óleo para a União.
Em consonância com esse novo papel que se desenhou para a Petrobras, foi realizada uma operação de capitalização da empresa que permitiu, simultaneamente, o levantamento de recursos para a realização de novos investimentos na área do pré-sal e um aumento considerável da participação da União no
seu capital. A capitalização totalizou R$ 120,25 bilhões e contou com a massiva participação do governo,
que entrou com R$ 79,8 bilhões entre aquisições do Tesouro Nacional, do BNDES e do Fundo Soberano13.
Em paralelo à capitalização, a União transferiu à Petrobras direitos de exploração de até 5,0
bilhões de barris de petróleo da região do pré-sal, sob a forma de cessão onerosa (aprovada pela Lei
n. 12.276, de junho de 2010). Por tais direitos, a Petrobras pagou R$ 74,8 bilhões à União, referentes
ao montante de petróleo cedido, cotado a US$ 8,51 o barril (na média dos blocos sob cessão).
Na prática, portanto, considerando-se simultaneamente o aporte de recursos da União à Petrobras pela compra das ações e o pagamento realizado pela empresa à União pelos direitos de exploração de petróleo que lhe foram cedidos, houve um aporte líquido de recursos da União à Petrobras de
apenas R$ 5,0 bilhões. No entanto, a contrapartida em termos de aumento da participação da União
na empresa foi proporcional ao aporte de R$ 79,8 bilhões (Figura 2).
Com a operação, a participação do governo federal no capital social total da Petrobras (ações
preferenciais + ordinárias) saltou de 39,8% para 48,3% (31,1% da União, 13,3% do BNDES e 3,9% do
Fundo Soberano)14. Além disso, a Previ (Fundo de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil)
passou a deter 2,9% do capital social total da empresa e a Petros (Fundo de Previdência dos funcionários da Petrobras), 0,8%. Mais importante, porém, é o fato de a operação ter permitido que a União
passasse a responder por 64,0% das ações ordinárias da empresa, que dão direito a voto, ante os
57,5% detidos anteriormente.
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12. A definição de “doença holandesa” está associada aos
fenômenos de apreciação da
taxa de câmbio real e de desindustrialização, geralmente
mensurado com base na redução da participação da indústria
de transformação no Produto Interno Bruto.
13. O Fundo Soberano foi criado em dezembro de 2008 pela
Lei n. 11.887 e regulamentado
pelo Decreto n. 7.055. Conforme explicitado no sítio do Tesouro Nacional na internet, é composto por recursos oriundos de
superávits primários do governo
federal e seu objetivo é formar
poupança pública para aplicar
em projetos de investimento e
ações que atenuem o efeito dos
ciclos econômicos.
14. Ver Souza (2011).
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Figura 2.– Esquema das Operações de Capitalização da Petrobras e Cessão Onerosa
Capitalização
Cessão onerosa
Tesouro
(R$ 42,9 bi)
R$ 79,8
bilhões
BNDES
(R$ 24,8 bi)
Fundo
Soberano
(R$ 12,1 bi)
Mercado
(R$ 42,0 bi)
Direitos de Exploração
de até 5,0 bilhões de
barris de petróleo
Moeda ou Títulos
Públicos
R$ 120,25 bilhões
União
Petrobras
Ações
R$ 74,8 bilhões
Aporte líquido da União
(Tesouro, BNDES e Fundo Soberano)
à Petrobras: R$ 5,0 bilhões
Fonte: Fundo Soberano (2011), Souza (2011) e BNDES (2010). Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.
Um dos maiores objetos de crítica desse processo foi o valor atribuído aos barris de petróleo,
cujos direitos de exploração foram cedidos à Petrobras (conforme mencionado, US$ 8,51 em média).
De um lado, o governo pressionou pela definição de um valor mais elevado (US$ 10,0/barril), de modo
a auferir maior renda na operação. De outro, os demais acionistas da estatal e agentes do mercado
financeiro pressionaram por um valor inferior, de US$ 5,0 a US$ 6,0 o barril, pois temiam justamente
o aumento do controle da União na empresa e a consequente diluição dos acionistas minoritários.
Com a capitalização, a Petrobras tornou-se a terceira maior empresa do setor energético no
mundo, com um valor de mercado de US$ 228,9 bilhões, atrás somente da ExxonMobil, com valor de
mercado equivalente a US$ 368,7 bilhões, e da PetroChina, cujo valor de mercado é de US$ 303,3
bilhões (PFC Energy 50, 2010).
Com o aumento de capital, a Petrobras planeja elevar seus investimentos, que devem chegar
a US$ 224,0 bilhões entre 2011 e 2014, segundo seu Plano de Investimento, sendo US$ 118,8
bilhões (53,0%) em exploração e produção. Espera-se, com isso, que a produção de petróleo e gás
natural, que hoje é de 2,7 bilhões barris/dia, atinja 3,9 bilhões de barris diários em 2014 e dobre
até 2020.
Considerações finais
As recentes mudanças no marco regulatório da atividade petrolífera no Brasil – especialmente
a escolha do modelo contratual de partilha –, juntamente com a operação de capitalização da Petrobras, mostram a clara intenção do governo de aumentar o controle estatal sobre o setor, em um
contexto de descoberta de reservas abundantes de um recurso energético essencial, que tem implicações sobre diferentes dimensões da economia do país.
Entretanto, pelo menos duas questões permanecem em aberto. A primeira é referente à divisão dos royalties. Segundo a legislação em vigor, a maior parte da renda dos royalties é destinada a
estados e municípios produtores e limítrofes dos campos de produção. Dado o volume de recursos
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esperado e o fato de a riqueza pertencer a toda a nação, tem sido objeto de crítica a manutenção
dessa regra.
Outro tema em aberto é a política de aplicação de recursos do Fundo Social. Apesar de terem
sido escolhidas áreas prioritárias, não foi definida a porcentagem dos recursos direcionada a cada
uma e tampouco foi detalhado o tipo de ação que poderá ser financiada. No projeto de lei inicialmente
aprovado pela Câmara dos Deputados e Senado Federal, 50,0% dos recursos ficaram garantidos para
a educação, o que acabou sendo vetado pelo então presidente Lula, sob a consideração de que não
era adequado fixar previamente os percentuais destinados a cada área, visto que o volume de recursos ainda é desconhecido.
Ao lado da definição dessas questões, os próximos anos deverão mostrar os impactos que o
novo marco regulatório irá trazer para o setor, para a economia e para a sociedade brasileira.
REFERÊNCIAS
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alguns países selecionados. Dezembro de 2007.
BICALHO, Ronaldo. O pré-sal e o controle do Estado. Blog infopetro. Disponível em http://infopetro.
wordpress.com/2010/11/22/o-pre-sal-e-o-controle-do-estado/
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Brasileiro S.A. – PETROBRAS o exercício das atividades de pesquisa e lavra de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília,
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_______. Lei nº. 12.351, de 22 de dezembro de 2010. Dispõe sobre a exploração e a produção de
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CAGNIN, R. F.; CINTRA, M. A. C. Experiências Internacionais na Gestão de Recursos Provenientes da
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