IRAQUE: UM INFERNO SEM FIM PARA O IMPERIALISMO

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IRAQUE: UM INFERNO SEM FIM PARA O IMPERIALISMO
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ATUALIDADE
IRAQUE: UM INFERNO SEM FIM
PARA O IMPERIALISMO
DANIEL SUGASTI
Maio de 2003. Diante de um público de cinco mil fuzileiros navais e a bordo
do porta-aviões Abraham Lincoln, um presunçoso George W. Bush (que para ressaltar
ainda mais a sua imagem de presidente-soldado vestira-se de piloto) anunciava o fim da
“Batalha do Iraque”, num polêmico discurso realizado apenas 40 dias após a invasão do
país do qual ecoaram as palavras “missão cumprida”.
A
mentira, embora contada em tom
solene, rapidamente mostrou
suas “pernas curtas” e a ocupação norte-americana acabou se estendendo por mais sete anos.
Em dezembro de 2011, num hangar na
base militar de Fort Bragg, lotado de soldados e veteranos de guerra, o presidente Barack Obama finalmente anunciou a
retirada dos 144 mil soldados norte-americanos da “Operação Liberdade Iraquiana”, que em seu ponto mais alto contou
com 165 mil homens. Na ocasião, Obama declarou: “Estamos deixando para
trás um Iraque soberano, estável e autossuficiente, com um governo representativo que foi eleito por seu povo”.
Em maio de 2014, o mesmo governante anunciou a retirada gradual até 2016
das suas tropas estacionadas no Afeganistão –atualmente 32 mil soldados–,
dizendo: “É hora de seguir em frente depois de mais de uma década em que a
nossa política externa esteve demasiadmente dominada pelas guerras no Afeganistão e no Iraque”. O hóspede mais
importante da Casa Branca procurava
assim livrarse da pesada herança de
duas guerras inacabadas que seu antecessor havia iniciado.
No entanto, alguma coisa estava errada naquele ambiente e discursos ufanistas. Não houve nem capitulação do
inimigo, nem flores das populações locais aos seus “libertadores”, tampouco
os gloriosos desfiles da vitória. E, na
verdade, não poderiam haver, pois o
fato é que os EUA se retiraram do Iraque
e anunciaram “a volta para casa” de
suas tropas no Afeganistão depois de sofrer uma dura derrota militar e política
nas mãos da heroica resistência desses
povos, que travaram uma guerra de libertação nacional que transformou a
vida dos invasores num inferno.
As duas invasões custaram ao Tesouro
dos EUA cerca de 4,5 trilhões de dólares1
e, até o momento, consumiram 6.820 vidas de militares norte-americanos2.
Só no Iraque, mais de 32 mil pessoas
ficaram feridas, e cerca de 40 mil soldados solicitaram ao governo dos EUA3 o
reconhecimento de invalidez adquirida
em combate. Estima-se que 20% dos
soldados norte-americanos que foram
para o Iraque voltaram afetados pela síndrome de estresse pós-traumático e, somente em 2007, houve 117 suicídios.
De acordo com um estudo da Universidade de Brown, publicado em 2013, as
despesas com os veteranos de guerra por
conta de doenças e invalidez atingiram
134,7 bilhões de dólares em 2013.
Quanto às pensões e outros benefícios
aos veteranos da invasão do Iraque,
o desembolso dos EUA chega à casa
dos 490 bilhões de dólares4.
De acordo com outro relatório publicado por pesquisadores da Univer1
Duas vezes o valor do PIB brasileiro de 2013, supondo o dólar a R$ 2,20.
2
http://icasualties.org/
3
http://iraqsolidaridad.wordpress.com/2011/06/1
7/el-numero-de-soldados-estadounidenses-muertos-en-iraq-excede-al-de-muertos-en-vietnam/
4
http://www.cnnexpansion.com/economia/2013
/03/14/guerra-de-irak-costo-a-eu-mas-de-2-bdd
16
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sidade de Harvard, até 2013 Washington
tinha pago 260 bilhões de dólares em juros sobre empréstimos relacionados com
as invasões do Iraque e do Afeganistão.
Em função disso, o custo total dessas
aventuras poderia chegar, em algumas
décadas, a US$ 6 trilhões5.
De fato, Obama se tornou presidente
como resultado dessas duas derrotas,
prometendo a uma população farta das
aventuras militares de Bush que acabaria
com esse pesadelo. No caso do Iraque, de
acordo com pesquisas, três em cada quatro norte-americanos apoiaram a retirada6. Mas o pesadelo voltou.
Depois de quase quatro anos em que o
Iraque esteve fora dos holofotes internacionais, devido ao curso explosivo da
onda revolucionária que cobre o Oriente
Médio, a antiga Mesopotâmia novamente
ocupa o centro do cenário político. O país
que teoricamente deveria ser o mais “estável”, que foi ocupado pelo exército
mais poderoso da Terra por quase dez
anos, está enfrentando uma crise que o
deixa à beira de uma existência meramente formal. Um novo incêndio político. Exatamente tudo o que Obama não
precisava neste momento.
A ofensiva militar do Estado Islâmico
do Iraque e do Levante (ISIS, na sigla em
inglês), que em poucos dias conseguiu
se apoderar de um terço do Iraque e
unificar os territórios que controlam
nesse país e na Síria para, em seguida,
instaurar um “Califado islâmico”, fato
que se deu diante da fuga apavorada do
débil exército iraquiano – no qual os
EUA investiram a gritante quantia de 25
bilhões de dólares em treinamento e equipamento desde 2003 –, é uma demonstração contundente da derrota do
imperialismo em todos os sentidos, a
prova de seu completo fracasso em sua
intenção de “estabilizar” o Iraque após
a retirada de suas tropas em 2011.
Esta crise questiona todas as medidas
adotadas por Obama nos últimos anos e
se junta à situação revolucionária em
toda a região, a começar pela guerra civil
na Síria.
Devido à posição geopolítica do Iraque,
esta crise transcende suas fronteiras, aumentando a instabilidade política e
econômica internacional: desestabiliza
o preço mundial do petróleo, o que
Marcha do ISIS nos territórios iraquianos.
pode agudizar a crise econômica mundial; abre a possibilidade de uma longa
guerra inter-burguesa que assuma a forma de conflitos confessionais e acabe na
divisão do Iraque, a partir dos interesses
dessas elites ditas “xiitas”, “sunitas” e
curdas; coloca também a possibilidade de
uma eventual intervenção imperialista,
embora limitada pelas dificuldades políticas de enviar tropas terrestres. Toda a
região está em alerta devido à crise no
Iraque: Síria, Irã, Turquia, Líbano, Israel
e as monarquias do Golfo, todos se posicionando e tentando intervir em favor de
seus interesses, nos acontecimentos que
estão mostrando ser a redefinição do
mapa político no Iraque e na Síria.
Existe uma combinação entre as derrotas militares no Iraque e no Afeganistão,
a crise econômica mundial e as revoluções na região, o que faz com que o imperialismo tenha uma margem de
manobra muito pequena para “apagar incêndios” na área.
E para agravar o cenário, soma-se a estes fatos o recrudescimento atual do conflito entre Israel e o povo palestino, com
a invasão sionista da Faixa de Gaza desde
o início de julho7.
Este é o momento em que a conhecida
“síndrome do Iraque”, ou seja, a rejeição da população dos EUA – e de outros
países aliados, como Reino Unido e França – a novas intervenções militares dificulta enormemente que o imperialismo
possa de novo enviar tropas ao Iraque,
uma opção que seria “normal” mas que
Obama teve que descartar desde o princípio.
A “síndrome do Iraque” – assim denominada em referência à “síndrome do
Vietnã”, isto é, a situação de crise política e de rejeição da opinião pública norte-americana às intervenções militares
depois da estrepitosa derrota dos EUA no
Vietnã8 – é um fato progressivo de
enorme magnitude, que desde o início
das revoluções árabes está mostrando
toda a sua importância.
O imperialismo só pôde “superar” a
“síndrome do Vietnã” depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, impulsionando o projeto belicista do “Novo
Século Americano”. Mas esta política foi
novamente derrotada pelas resistências
iraquiana e afegã no início do século XXI.
Isso impôs uma tremenda limitação
política à principal potência militar do
mundo, que, diante de processos como
a revolução síria, a revolução ucraniana
e a crise aberta no Iraque, não pode simplesmente invadir esses países com seus
soldados, como provavelmente ocorreria
se o projeto belicista de Bush houvesse
triunfado.
Isso não significa, é claro, que o imperialismo não possa intervir militarmente
em nenhum caso, por exemplo, usando
drones (aviões não tripulados) ou até
mesmo bombardeando o Iraque pelo ar,
como fez na Líbia. Mas isso, do ponto de
vista militar, é qualitativamente diferente de poder dominar o país com
suas próprias tropas.
Este elemento é fundamental. Sem entender a profundidade da derrota militar
e política do imperialismo no seu projeto
belicista do início deste século, não se
5
http://noticiasdeabajo.wordpress.com/2013/03/31/guerras-de-irak-y-afganistan-un-coste-de-4-a-6-billones-de-dolares/
http://www.semana.com/mundo/articulo/obama-anuncia-fin-guerra-irak-nueve-anos-despues-invasion/250821-3
7
Ver o dossiê sobre o tema nesta revista.
8
Após quase 40 anos da retirada das tropas norte-americanas do Vietnã, os EUA continuam pagando aos veteranos e suas famílias mais de 22 bilhões
de dólares por ano por demandas relacionadas à guerra. E esse número está aumentando como resultado do envelhecimento da população que tem
direito a esses “benefícios”.
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Al Maliki, candidato xiita ao terceiro mandato para primeiro ministro do país,
a pesar da oposição dos Estados Unidos, que deseja um “governo de
unidade nacional” sem a sua participação.
pode compreender sua política para as
revoluções no Oriente Médio e outros
conflitos, como o ucraniano. Tampouco
suas medidas e opções no Iraque, onde
se vê obrigado a fazer uma série de malabarismos diplomáticos nos quais nem
mesmo a sorte tem estado ao seu lado.
Um país dividido em três
Impossibilitado de controlar a situação com tropas terrestres, o imperialismo aposta suas fichas no terreno
diplomático, começando pela busca de
um “governo de unidade nacional” que
integre e combine os interesses dos árabes xiitas (60% da população), sunitas
(20%) e curdos (15%), de preferência
sem a participação do atual primeiro-ministro, o xiita Nuri Al Maliki, que agora
disputa um terceiro mandato depois de
ter sido o mais votado nas últimas eleições gerais, em abril.
De acordo com o atual mecanismo político no Iraque, até agora, a presidência
do parlamento corresponde a um sunita,
o cargo de primeiro-ministro a um xiita
e a presidência do país a um curdo.
Em primeiro lugar, deve-se dizer que
esta forma de dividir o poder com critérios étnicos e confessionais tem a ver
com a política implementada pelo imperialismo para dividir o povo iraquiano,
que foi usada a fundo para enfrentar a
resistência militar contra a ocupação
norte-americana. Note-se que, antes da
invasão dos EUA, as lutas sectárias e
confessionais não tinham nem de longe
18
a mesma dimensão que têm atualmente.
E isto é responsabilidade direta do imperialismo e de seus agentes locais.
Mesmo assim, a questão do “governo
de unidade nacional” está se mostrando
extremamente difícil, uma vez que a
ofensiva do ISIS concretizou a divisão
“de fato” do Iraque em três regiões: a
“sunita”, que abrange o norte e centro
do país e está sob controle direto das milícias fundamentalistas; a “xiita”, controlada pelo governo e protegida por
uma extensa rede de milícias xiitas que
responderam ao apelo do aiatolá Al Sistani para fazer a “guerra santa” contra
os “sunitas” do ISIS; e a zona curda, no
nordeste do país, que desde 1991 tem
um governo com muita autonomia.
Nesse contexto, o parlamento iraquiano elegeu como presidente o sunita Salim al-Jaburi e como presidente nacional
o curdo Fuad Masum. Porém, até o momento da conclusão deste artigo, faltava
ainda a parte mais difícil: a nomeação
de um novo primeiro-ministro, cargo no
qual Maliki se escuda, embora cada vez
mais setores exijam a sua saída, começando com o próprio imperialismo.
A questão é que o governo de Maliki
é produto de um acordo tácito entre os
EUA e o Irã, estabelecido em 2006, no
contexto de uma situação já muito delicada para o imperialismo, que na época
estava cada vez mais encurralado pela
resistência iraquiana. Maliki aparecia
então como o homem que melhor poderia garantir alguma “estabilidade” e po-
deria limitar de algum modo a resistência iraquiana, majoritariamente “sunita”,
algo que na época interessava muito,
tanto aos EUA quanto ao Irã.
No entanto, com o tempo Maliki foi
demonstrando iniciativas próprias na
hora de defender a sua “fatia” nos negócios do petróleo, como a exacerbação
das políticas sectárias contra sunitas e
curdos, afastando as elites desses setores
dos altos cargos e reprimindo duramente
suas manifestações populares, como os
protestos econômicos e democráticos
dos sunitas em 2013.
A forma despótica e “sectária” com
que Maliki vinha governando, juntamente com uma série de grosseiros escândalos de corrupção, ao invés de atenuar,
agravavam a instabilidade, que acabou
dando um salto com a retirada das tropas
de ocupação em 2011.
Este não era o plano original dos norte-americanos quando Maliki chegou ao
poder, que, no contexto de uma situação
defensiva que caminhava para a derrota,
apostavam num governo de “unidade”
de xiitas, sunitas e curdos. Foi dessa política que Maliki foi se “diferenciando”.
Para piorar a situação do imperialismo,
Maliki foi se aproximando do Irã, que o
sustentou esse tempo todo. Obviamente,
as relações com o Irã e a margem de manobra que Maliki tinha, ora se aproximando do Irã, ora dos EUA, não o torna
menos submisso ao imperialismo, como
ficou demonstrado em seus clamores desesperados a Obama para que bombardeasse seu próprio país assim que se viu
ameaçado pelo ISIS.
No entanto, o fato é que, como expressão da derrota no terreno militar, Maliki
não terminou sendo o “vice-rei” que
Bush esperava no início. E isso custa
muito caro na crise atual, em que o primeiro-ministro iraquiano é mais parte do
problema do que da solução, a partir da
perspectiva imperialista.
Neste contexto, os esforços dos EUA e
da UE para obter um “governo de unidade nacional” até agora estão fracassando. Isso demonstra quão frágil é o
“controle” que os EUA possuem sobre
um país que ocupou por quase uma década, e a profundidade das disputas inter-burguesas no Iraque.
O fator petróleo
A imprensa internacional insiste em
apresentar o conflito como uma luta religiosa entre “xiitas e sunitas”, mas esta
não é a verdade. A questão religiosa é
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apenas a embalagem, a aparência dessa
crise. Além disso, esta visão é simplista,
porque esconde toda a complexidade da
ampla trama de interesses existentes,
mostrando xiitas, sunitas e curdos como
blocos monolíticos ou “campos” uniformes, quando, na verdade, as alianças são
mais heterogêneas e mutáveis.
A questão de fundo, o motor dos conflitos, reside nas disputas entre as diferentes facções burguesas do país pelo
controle da produção e das receitas do
petróleo, sempre no marco de figurarem
como sócias menores do imperialismo.
Maliki representa setores burgueses
que atualmente controlam o aparato de
Estado e estão interessados em manter
essa posição privilegiada para continuar
fazendo negócios com as companhias
petrolíferas multinacionais. É um setor
que geralmente recebe o apoio do Irã e
tem influência no território xiita, ao sul
de Bagdá, que, aliás, abriga os principais
campos de petróleo, como Basra. Maliki
se aferra ao poder e dificulta uma “saída
negociada”, pois prefere continuar governando de maneira despótica, atacando os setores identificados como
“sunitas” e curdos, atiçando as diferenças religiosas, o que favorece os seus objetivos de acumulação capitalista.
Nesse sentido, sempre entre os “xiitas”, conta também a influência do já
mencionado aiatolá Ali alSistani, principal clérigo xiita do Iraque, que anunciou
uma fatwa (decreto) em que convoca
seus fiéis a pegar em armas contra os
“sunitas” do ISIS. Milhares de pessoas
atenderam a seu chamado, formando
milícias que também cometem abusos e
violência sectária contra a população do
noroeste, como a execução sumária, até
o momento, de 255 prisioneiros de confissão sunita9. Essas milícias são incentivadas pelo governo, pelas principais
referências religiosas xiitas e apoiadas
pelo Irã, potência regional que já enviou
assessores militares e armamento para
ajudar Maliki10.
O setor burguês associado com a confissão “sunita”, que tinha as rédeas do
poder nos tempos de Saddam Hussein,
viu a redução de sua parte dos lucros
após a queda do regime do ex-ditador, e
estão dispostos a retomar aquela posição, mantendo uma base social a partir
da incitação das diferenças sectárias,
acrescentadas pelas perseguições reais
que vêm do governo de Maliki. É por
isso que muitas organizações tribais do
noroeste e do centro do Iraque, além de
ex-generais do derrotado partido Baas,
muitos deles “convertidos” à doutrina
sunita, somaram forças com as milícias
do ISIS.
Por outro lado, há os líderes curdos.
Eles estavam relutantes, em princípio, a
um “governo de unidade nacional”, pela
simples razão de que flertavam com a
ideia de aproveitar uma rara oportunidade de reivindicar seu próprio Estado,
embora limitado ao que hoje é conhecido como o “Curdistão iraquiano”. Ou
seja, abandonando a bandeira histórica
de um Estado nacional soberano que englobe também os curdos da Turquia, da
Síria e do Irã. Nesse sentido, chegaram
inclusive a levantar a possibilidade de
convocar um plebiscito independentista:
“Chegou a hora de o povo do Curdistão
determinar o seu futuro”, disse Masud
Barzani na época, o presidente do Curdistão iraquiano11.
Os dirigentes curdos ganharam expressiva margem de negociação a partir de
seu poder militar efetivo. Desde que o
exército iraquiano fugiu diante do avanço do ISIS, são eles que controlam as reservas de petróleo de Kirkuk, as
segundas mais importantes do país, por
meio de suas tropas, os peshmergas12
que, com mais de 50 mil combatentes
bem disciplinados, são a força mais poderosa no terreno e a única que está impedindo que o ISIS adquira controle
total sobre o nordeste do país.
Proclamando sua independência, a
elite curda poderia exportar petróleo diretamente para a Turquia, sem compartilhar os dividendos com o “Estado
federal” controlado por Bagdá. E não é
pouco “ouro negro”. De acordo com a
Agência Internacional de Energia, nas
zonas curdas há 4 bilhões de barris.
Com a captura de Kirkuk, somam-se outros 9 bilhões de barris13. Esta seria uma
base econômica e militar suficiente para
sustentar o possível novo Estado curdo,
mas não se deve descartar que, mesmo
nas atuais condições extremamente favoráveis, a burguesia curda, submissa
ao imperialismo, acabe aceitando as
condições de Obama e abandone inclusive a luta limitada por um Estado curdo
no atual território do Iraque.
A ofensiva militar do ISIS
e a instauração do “Califado islâmico”
Em 29 de junho de 2014, o Estado Islâmico do Iraque e do Levante anunciou
a criação de um “califado islâmico” nos
territórios que atualmente compreendem a Síria e o Iraque, especificamente
na porção situada “entre Aleppo e Diyala”. Na época, Abu Bakr al-Baghdadi, o
máximo líder do ISIS, se autoproclamou
“Ibrahim, imam e califa de todos os muçulmanos”.
Fonte: Instituto para o Estudo da Guerra. Informes não oficiais.
TURQUIA
IRÃ
Mosul
Kirkuk
Raqqa
Deir al-Zur
Tikrit
Suleiman Beg
SÍRIA
Ramadi
Bagdad
ATIVIDADE DO ISIS
Faluya
Presença operacional
Cidade/aldeia sob controle total
IRAQ
Cidade/aldeia em disputa
Sob controle do governo do Curdistão
100 km
50 milhas
9
http://internacional.elpais.com/internacional/2014/07/12/actualidad/1405196430_916618.html
http://www.elmundo.es/internacional/2014/06/25/53ab058022601db5658b45a1.html?rel=rosEP
11
http://www.rtve.es/noticias/20140625/kurdos-irak-acarician-oportunidad-historica-independencia/960820.shtml
12
Literalmente, “aqueles que enfrentam a morte”.
13
http://www.rtve.es/noticias/20140625/kurdos-irak-acarician-oportunidad-historica-independencia/960820.shtml
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A partir de então, o ISIS retirou as referências ao Iraque e ao Levante (Síria)
de seu nome para passar a ser chamado
de “Estado islâmico” (EI), nada mais.
A instauração do Califado coincidiu
com o auge de uma “guerra relâmpago”
que o agora Estado Islâmico deflagrou no
início de junho, movendo-se a partir dos
territórios que controla na Síria em direção ao noroeste do Iraque e rumo a Bagdá.
Em menos de duas semanas, o EI tomou posse de uma extensão do território
do Iraque equivalente a cinco vezes o tamanho do Líbano, que abrange cinco
províncias, incluindo a segunda maior cidade do país, Mosul. Em 11 de junho
também ocuparam Tikrit, emblemática
por ser o local de nascimento do ex-ditador Hussein.
As tropas do EI estão disputando o
controle da principal refinaria do país,
em Baiji, que fornece um terço do combustível refinado do Iraque. Os combates
chegaram a Baquba, a 60km de Bagdá.
No entanto, os antecedentes mais recentes dessa ofensiva do Estado Islâmico
são de janeiro, quando tomaram as cidades de Fallujah e Ramadi – a 60 e 100km
de distância da capital, respectivamente – e instalaram seu primeiro “Estado Islâmico”. No final de junho, o Iraque já
havia perdido para os “jihadistas” o controle dos postos de fronteira para a Síria
(Al Qaim) e Jordânia (Traibil).
Em todos esses territórios, o EI proclamou que “a legalidade de todos os emirados, grupos, Estados e organizações
torna-se nula após a expansão da autoridade do califa e a chegada de suas tropas”14.
De acordo com o Observatório Sírio de
Direitos Humanos (OSDH), depois de
seus mais recentes avanços nas províncias de Homs e Deir al Zur, o EI controla
35% do território sírio. Após tais conquistas, dominam quase toda a Deir al
Zur, uma das zonas mais ricas em petróleo na Síria.
O avanço militar do EI
é completamente reacionário
A ofensiva do EI não é um processo de
luta popular que estaria sendo comandado por uma direção burguesa e contrarrevolucionária, mas sim o avanço de um
“partido-exército” que pretende tomar
posse dos territórios e recursos naturais
da Síria e do Iraque, aplicando para
isso métodos fascistas, no marco de um
programa teocrático e ditatorial.
Portanto, o papel atual do EI não pode
ser comparado, por exemplo, com a resistência iraquiana da década passada,
que, apesar de ter direções burguesas e
teocráticas, cumpriu um papel progressivo, de luta pela libertação nacional, ao
enfrentar as tropas de ocupação imperialistas.
O Estado Islâmico é uma organização
burguesa com um programa ultra-reacionário, ditatorial e teocrático. A ofensiva militar atual tomou a forma de uma
frente que reúne vários setores, incluindo
ex-militares do Baas como os “Homens
do Exército da Ordem Naqshbandi”, o
braço armado do partido Baas (recentemente proibido)15, chefes tribais sunitas16
e outras forças “jihadistas”17, mas o núcleo duro do EI vem de uma ruptura
dissidente da Al Qaeda.
Essas forças surgiram no Iraque no
contexto da ocupação norte-americana.
Em 2004, eram conhecidos como a “Al
Qaeda do Iraque”, e dois anos mais tarde
passaram a se chamar “Estado Islâmico
do Iraque”. Em 2010, a organização recebeu um duro golpe quando as tropas dos
EUA eliminaram o chefe da Al Qaeda no
Iraque, Ayyub Al Masri, e o líder do Estado Islâmico do Iraque, al-Rashid alBaghdadi. Neste contexto, no mesmo
ano, Abu Bakr al-Baghdadi assumiu a liderança da organização.
Em abril de 2013, começaram a operar
na guerra civil síria e acrescentaram ao
seu nome a expressão “e do Levante” (Síria), dando início a um conflito com a cúpula da Al Qaeda, que exigia do então
ISIS que se limitasse ao Iraque, reconhecendo como sua única extensão na Síria
a Frente Al-Nusra. Esta “desobediência”
terminou em ruptura e a crise derivou
em confrontos armados entre a Al-Nusra
e o ISIS dentro da Síria, que recrudesceram desde janeiro de 2014 e nos quais já
morreram mais de 7.000 soldados de ambos os lados.
A razão da discórdia entre as duas cúpulas está na disputa pelo controle de
cidades como Raqqa e Deir al Zur, ricas
em petróleo e de enorme importância
política.
A movimentação militar do EI corresponde à sua estratégia política de estender o domínio do novo “Califado” a
territórios que incluem também a Jordânia, a Palestina histórica, Líbano,
Kuwait, Turquia e Chipre18, sendo sua
capital declarada a cidade síria de Raqqa19.
Por trás de todo o invólucro religioso e
da simbologia do “Califado”, é claro que
o objetivo do EI é o controle direto, pela
via militar, das ricas reservas de petróleo de toda a região, impondo ditaduras
ferozes baseadas em uma interpretação
literal da lei islâmica (Sharia), ainda
mais brutal que as ditaduras de seus
progenitores da Al Qaeda.
14
http://www.foxnews.com/world/2014/06/30/sunni-militants-declare-islamic-state-in-iraq-and-syria/
http://www.abc.es/internacional/20140625/abci-leales-saddam-toman-armas-201406241847.html?utm_source=abc&utm_medium=rss&utm_content=uh-rss&utm_campaign=traffic-rss&rel=rosEP
16
Entre os grupos sunís que apoiam o EI encontram-se o islamista curdo Ansar Al Islam, o grupo tribal Yaish Al Islam e outros clães de uma região
que inclue partes de Bagdad, e as localidades de Ramadi, Tikrit, Faluya e Samarra (RTVE).
17
http://www.lemonde.fr/proche-orient/article/2014/06/20/ces-alliances-heteroclites-qui-renforcent-l-eiil-en-irak_4441067_3218.html.
18
http://piensachile.com/2014/06/hacia-donde-va-el-estado-islamico-de-irak-y-siria-isis/
19
http://www.dailymail.co.uk/news/article-2676347/ISIS-leader-calls-Muslim-territory-group-seized-build-Islamic-state.html
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Isto inclui execuções sumárias e múltiplas, além de vários tipos de atrocidades como decapitações e crucificações
públicas, destruição de mesquitas xiitas
e igrejas cristãs, tudo com o objetivo de
impor o mais completo terror sobre a
população civil.
Em Mosul e outras cidades da província de Nínive, por exemplo, o EI deixou
sem água, eletricidade ou gasolina todos os cidadãos “infiéis” que não juraram fidelidade ao “Califa Ibrahim”,
especialmente os cristãos e xiitas dos
distritos de al Hamdaniya, Bashika e
Bartala, localizados ao sul de Mosul. O
caso mais dramático é o do distrito de
Talkif, ao norte de Mosul, onde as tropas do EI cortaram definitivamente o
acesso à água potável a mais de 30 mil
cristãos20.
Também cresce a perseguição aos
cristãos em Mosul. Todas as casas dos
cristãos naquela cidade estão sendo
marcadas com um “N”, inicial da palavra Nazarat, cristão em árabe. As casas
vazias foram confiscadas. As famílias
cristãs que permaneceram estão sendo
intimadas a se retirar, a converterem-se
ao islamismo ou a pagar os impostos de
proteção, a jizia, um “imposto” especial
para os não-muçulmanos21, algo em torno de 100 dólares mensais22. O EI também ordenou a funcionários públicos de
Mosul suspender qualquer ajuda em
gás ou alimentos para os cristãos, xiitas
e curdos, sob pena de serem “punidos
de acordo com a Sharia”23.
Na cidade síria de Raqqa, onde geralmente há água e eletricidade apenas por
algumas horas do dia, o EI estabeleceu
um “imposto” de 10 dólares para cada
um desses serviços, argumentando que
“a água e a eletricidade são prazeres
deste mundo” e que o que realmente
importa é “a obediência e a lealdade ao
califa Abu Bakr al-Baghdadi”24.
Em Homs, milicianos do EI executaram 11 empregados civis no campo de
gás de Al Shaer no dia 18 de julho. O
OSDH divulgou um vídeo em que um
dos soldados do EI aparece batendo na
20
cabeça de um cadáver com a sola do sapato, como mostra de desprezo.
No final de junho, o EI havia crucificado nove pessoas, oito delas por serem
rebeldes “moderados” do Exército Livre
da Síria (ELS) ou da Frente Islâmica
(FI). Os condenados à cruz demoraram
três dias para morrer, na praça principal
de Deir Hafer, em Aleppo, de acordo
com o OSDH25.
Segundo relatórios da ONU, morreram
no Iraque 5.576 civis em decorrência de
atentados e múltiplos casos de violência
sectária desde o início de 2014, dos
quais 2.400 morreram em junho durante
a ofensiva do Estado Islâmico. A estes
números somam-se mais de 1,2 milhão
de pessoas que fugiram de suas casas
em 2014, metade delas depois das ações
do EI26.
Essas medidas tirânicas minam qualquer possibilidade de apoio popular
mais sólido. É provável que, num primeiro momento, alguns setores sunitas
tenham simpatizado com o EI, como
parte de sua rejeição ao governo sectário
de Maliki, mas com o terror implementado pelos fundamentalistas é muito difícil que este apoio se mantenha.
As milícias do EI não têm nada a ver
com organizações como, por exemplo,
o Hamas em Gaza ou o Hezbollah no Líbano, que, apesar das diferenças programáticas que temos com elas, temos de
reconhecer que surgiram a partir de
suas comunidades e no contexto de lutas progressivas. O Estado Islâmico não
tem esse enraizamento popular, e o controle das populações nas áreas que ocupa se baseia necessariamente na
violência, em métodos brutais.
Al Qaeda em crise
Segundo seus próprios informes, o EI
afirma possuir 15 mil combatentes ativos, a maioria recrutada nos últimos
três anos. Apesar de ter sua origem no
Iraque, a organização conta com milhares de estrangeiros: marroquinos, argelinos, afegãos, tunisianos, egípcios e
inclusive cerca de três mil europeus, que
http://www.lavanguardia.com/internacional/20140720/54412057263/los-yihadistas-dejan-sinagua-a-los-infieles-de-mosul.html#ixzz3835z9Gs4
21
http://internacional.elpais.com/internacional/2014/07/19/actualidad/1405780949_754142.html
22
http://www.clarin.com/mundo/prospero-califato-siglo-XXI_0_1182481781.html
23
http://www.lavanguardia.com/internacional/20140720/54412057263/los-yihadistas-dejan-sinagua-a-los-infieles-de-mosul.html#ixzz3835z9Gs4
24
Idem.
25
http://www.lavanguardia.com/internacional/20140718/54411249312/estado-islamico-controlatercio-siria.html#ixzz383X8Qjz2
26
http://www.dw.de/m%C3%A1s-de-5500-civiles-han-muerto-este-a%C3%B1o-en-irak-dice-laonu/a-17795264
AGOSTO DE 2014
COMO O ESTADO ISLÂMICO
SE FINANCIA?
O
EI é a expressão de setores burgueses que, em meio ao caos da
guerra e da instabilidade no Iraque,
buscam sua própria fonte de negócios. De acordo com seus próprios relatórios, financiam suas atividades
militares a partir de extorsões, roubos
e sequestros1. Tais recursos somamse ao financiamento que recebem –
embora aparentemente não de fontes
diretamente governamentais, e sim
de outros importantes setores burgueses sunitas – dos países da Península Arábica, como a Arábia Saudita,
Qatar e Kuwait. São milionários desses países que estão dispostos a “investir” no projeto do “Califado”.
No entanto, oficialmente, o apoio
não é declarado em países como a
Arábia Saudita, que em março incluiu o EI em sua lista de grupos terroristas e anunciou penas de até 20
anos de prisão para os indivíduos que
“pertençam, apoiem e financiem grupos terroristas”. Mas esse tipo de resolução agora tem pouco impacto na
estrutura do EI, pois, sem deixar de
receber doações de particulares, aparentemente conseguiu se autofinanciar com o controle direto de
territórios e reservas de petróleo na
Síria e no Iraque.
Em Mosul, além disso, tomaram
posse num só golpe de mais de 500
milhões de dólares que estavam depositados na agência do Banco Central naquela cidade2. Segundo o
general Mahdi Gharaui, ex-chefe de
polícia de Mosul, o EI recebe pelo
menos oito milhões de dólares em
todo tipo de “impostos revolucionários”, entre eles as taxas cobradas dos
cristãos e xiitas pelo “transporte seguro” através das estradas que controlam no Iraque e na Síria3.
1
http://internacional.elpais.com/internacional/2014/06/19/actualidad/1403210110
_042938.html
2
http://internacional.elpais.com/internacional/2014/06/16/actualidad/140294677
6_690141.html
3
http://www.elmundo.es/internacional/20
14/06/24/53a99799e2704e13298b4584.ht
ml?cid=MNOT23801&s_kw=los_bolsillos_que_financian_el_terror_del_isis
21
* 16-27 Irak-CI 12 (P)_Maquetación 1 10/08/14 22:52 Página 22
ATUALIDADE
A ditadura do Estado Islâmico e os direitos das mulheres
O
regime de barbárie instaurado pelo EI
pode ser compreendido em toda a sua
magnitude no que diz respeito aos direitos
das mulheres. Em Raqqa, após a oração
muçulmana da tarde do dia 17 de julho, o
EI ordenou o apedrejamento público de
uma mulher no mercado popular do distrito de Al Tabaqa, acusando-a de “adultério”, na primeira condenação deste tipo
emitida pelos fundamentalistas no país.
Em Al Bab, no leste da província síria de
Aleppo (norte), o EI abriu uma “agência matrimonial” para mulheres solteiras e
viúvas, para que encontrem maridos combatentes do grupo fundamentalista, de
acordo com o Observatório Sírio de Direitos Humanos1.
Depois de tomar Mosul, Al Baghdadi ordenou a ablação (mutilação genital feminina) de todas as mulheres – entre o início da adolescência até os 49 anos – residentes no novo “Califado”, a fim de “evitar ‘a expansão da libertinagem e
imoralidade’ entre as mulheres”2. Segundo a ONU, esta medida poderia afetar quatro milhões de meninas e mulheres adultas.
Também impôs o uso obrigatório do véu integral para as mulheres, ameaçandoas de receber uma “punição severa” caso não cumprissem esta ordem. Tampouco
é permitido usar perfumes ou roupas largas “que permitam intuir a forma do corpo”. A justificativa: “As condições impostas sobre as roupas e o ato de arrumar-se
destinam-se simplesmente a acabar com o pretexto da libertinagem resultante de
que as mulheres se enfeitam demais”3. Nem os manequins das lojas de Mosul escaparam dessa medida medieval, uma vez que o EI insistiu para que todos fossem
cobertos com um véu negro.
De acordo com a Federação dos Conselhos de Trabalhadores e Sindicatos do Iraque, em Mosul muitas mulheres cometeram suicídio diante da cruel situação que
se abriu com a ditadura teocrática imposta pelo EI. A ONU também apresentou
dados nesse sentido, relatando que quatro mulheres tiraram suas próprias vidas
depois de serem estupradas ou forçadas a se casar com soldados do EI. O relatório
também descreve casos de homens que cometeram suicídio depois de serem forçados a testemunhar o estupro de suas esposas e filhas4.
1
http://www.abc.es/internacional/20140728/abci-yihadistas-agencia-matrimonial-201407281726.html
http://www.lavanguardia.com/vida/20140723/54412397830/el-lider-del-estado-islamico-ordena-practicar-la-ablacion-a-las-mujeres.html
3
http://internacional.elpais.com/internacional/2014/07/25/actualidad/1406283699_085249. html
4
http://www.infobae.com/2014/07/02/1577566-la-onu-esta-escandalizada-los-abusos-los-terroristas-contra-mujeres-iraquies
2
são recrutados em centros especiais na
França, Reino Unido, Holanda, Bélgica e
Espanha.
Aparentemente, é um número pequeno, mas são soldados muito disciplinados, com muita experiência em combate
e, acima de tudo, com um programa político claro.
O impacto causado pela ocupação de
Mosul e o estabelecimento unilateral do
Califado pelos mujahideen (combatentes) do EI e sua aproximação de Bagdá
criou uma força de atração que impacta
uma ampla gama de grupos “jihadistas”
que operam no Magreb.
Autoridades da Europa, por exemplo,
não escondem sua preocupação com os
milhares de combatentes do continente
nas fileiras do EI e com os indícios de
preparativos dessa organização para entrar na Líbia, país em que atuam vários
grupos fundamentalistas e que está a
menos de 300km da ilha italiana de
Lampedusa.
Estima-se que, desde o início da guerra na Síria, 15 mil europeus se uniram à
“frente jihadista”, sendo o EI o principal
receptor de combatentes europeus27. Em
outros países do Magreb, como Marrocos, local de origem de muitos membros
do alto comando do EI e de cerca de
1.500 soldados dessa organização, foi
declarado alerta máximo em todo o território.
Na Líbia e na Tunísia, grupos como o
Ansar Sharia (Partidários da Lei Islâmica) já expressaram sua admiração e
apoio às ações militares espetaculares
dos seguidores de Al Baghdadi na Síria
e no Iraque, e pedem a reconciliação entre o EI e a Frente Al Nusra. Também receberam o apoio de Ansar Bayt al
Maqdis no Egito ou Abu Sayyaf nas Filipinas.
Os êxitos militares do Estado Islâmico
estão provocando até mesmo rupturas
internas em outras organizações “jihadistas” ainda associadas à “rede” da Al
Qaeda28, incluindo uma série de batalhões da própria Frente Al Nusra na Síria.
Por exemplo, a Al Qaeda nas terras do
Magreb Islâmico (AQMI), que atua na
Tunísia, na Líbia e até mesmo no Mali,
emitiu declarações exaltando o EI, dizendo que este “avançava pelo caminho justo que não é o do compromisso”29.
27
http://www.abc.es/espana/20140714/abci-magreb-convierte-cantera-yihadistas-201407140540.html
http://elpais.com/elpais/2014/07/06/opinion/1404661521_458839.html
29
http://www.elmundo.es/internacional/2014/07/13/53c2a181ca4741147c8b4584.html
28
22
CORREIO INTERNACIONAL
* 16-27 Irak-CI 12 (P)_Maquetación 1 10/08/14 22:52 Página 23
ATUALIDADE
Há sérios elementos que indicam
que existe uma crise no seio da Al Qaeda, reforçada após a morte de Bin Laden, na qual o novo Estado Islâmico
estaria substituindo-a como uma referência internacional desse tipo de fundamentalismo.
No contexto dessa disputa, a ressonância da “vitória” do EI ao estabelecer o
Califado exerce muita influência, especialmente quando é contrastada com a
“inércia” e “estagnação” da Al Qaeda
nos últimos anos.
E essa crise atingiu seu ápice ao se traduzir em confrontos armados entre as
duas cúpulas na Síria, onde está em curso uma luta feroz entre o EI e a Frente Al
Nusra pelo controle das cidades que haviam tomado anteriormente das forças
rebeldes.
Tudo começou quando os seguidores
de Al Baghdadi passaram a disputar a direção da Al Nusra, a filial reconhecida da
Al Qaeda na Síria. Em resposta, o líder
da Al Qaeda, Ayman al Zawahiri, ordenou ao então ISIS que retornasse ao Iraque, reafirmando a autoridade da Al
Nusra. O ISIS respondeu anunciando a
ruptura: “sobre vossa súplica para que
nos retiremos da Síria, isso não vai acontecer e repetimos que é impossível”, es-
Al Bagdadi, líder do ISIS, agora “Ibrahim,
imam y califa de todos os muçulmanos”.
clarecendo ainda que “não deviam obediência” ao líder da Al Qaeda30.
A partir daí ocorreram sucessivos confrontos armados, com um saldo de milhares de mortos. A maior parte dessas
batalhas aconteceram em Deir al Zur, a
região mais rica em petróleo e centro das
principais empresas do ramo. O motivo
é claro: controlar esse negócio como
meio de financiamento para suas atividades. O outro centro de combates é
Raqqa, que é de grande importância por
ser a capital da província. Antes de cair
nas mãos do EI, Raqqa estava dominada
pela Al Nusra, que já a havia tomado dos
rebeldes laicos.
No âmbito dessa disputa, a Frente Al
Nusra também chegou a declarar outro
“Califado” na Síria, o que só intensificou
a luta entre este ramo da Al Qaeda e osrebeldes sírios31.
Segundo informes do OSDH, os combates entre esses dois setores ocorrem
também em Aleppo, Idlib e no norte de
Homs32. Mais de 60 mil civis foram obrigados a abandonar suas casas nessas regiões orientais da Síria33.
O fato é que está aberta a disputa para
definir a nova referência mundial do chamado “jihadismo”, o que indica uma decadência da Al Qaeda, que foi agravada
após a morte de seu fundador e líder,
Osama Bin Laden. O desenlace não é
previsível, pois pode se dar a partir de
confrontos militares ou de uma série de
mutações entre a Al Qaeda e o setor de
Al Bagdadei, mas é evidente que, sobre
o terreno, o novo EI leva vantagem em
função da “concretização” do almejado
projeto de um “Califado islâmico”.
Combatentes da Al Qaeda, organização
que aprofundou sua crise a partir
da ruptura do ISIS.
30
http://www.eluniversal.com/internacional/140513/lucha-entre-grupos-yihadistas-en-siria-deja-mas-de-4700-muertos
http://octavodia.mx/articulo/53035/insurgentes-anuncian-un-segundo-quotestado-islamicoquot-en-siria.
32
http://www.abc.es/internacional/20140514/abci-siria-qaida-201405131803.html
33
http://internacional.elpais.com/internacional/2014/05/05/actualidad/1399294660_557507.html
31
AGOSTO DE 2014
23
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ATUALIDADE
O papel do Estado
Na Síria, como explicamos em outras ocasiões, o EI
cumpre um papel contrarrevolucionário, concretamente
de “quinta coluna” de al-Assad. Isso acontece porque,
desde o seu aparecimento no seio da guerra civil em
2013, em vez de lutar contra a ditadura, tem se enfrentado
com os rebeldes sírios, tanto do ELS quanto da Frente
Islâmica, a fim de parasitar as conquistas que essas
forças haviam obtido contra o regime de Damasco.
Tanques e humvees capturados no Iraque são parte do arsenal pesado com o que
o Exército Islâmico (EI) ataca na Síria.
E
sse papel foi ficando claro com o
passar dos meses, a tal ponto que
hoje as principais forças anti-ditatoriais na Síria afirmam que o Estado islâmico mantém acordos com Al Assad,
que não bombardeia suas posições, e
que chega a comprar combustível das refinarias que esse setor controla em Raqqa e Deir al Zur34.
Esta situação obrigou os revolucionários sírios, que travam uma luta desigual
contra a ditadura síria, a abrir uma “segunda frente” para combater o EI e a
Frente Al Nusra. Em janeiro deste ano,
teve início uma série de violentos confrontos entre uma coalizão composta
pela Frente Islâmica, o Exército dos Mujahideen (guerreiros santos) e o ELS, de
um lado, e, de outro, o atual Estado Islâmico e as forças da Al Qaeda. Os choques armados ocorreram em Homs,
Hama, Aleppo, Raqqa, Idlib e Deir al
Zur, deixando mais de 1.700 mortos somente no primeiro mês de combates35.
Em 19 de maio de 2014, houve uma
greve geral em Manbej (Aleppo) contra
o controle da cidade pelo então ISIS. De
acordo com ativistas da cidade, a greve
teve adesão de 80% entre os trabalhadores e comerciantes locais e resistiu apesar da dura repressão do EI, segundo o
Comitê de Coordenação Local de Manbej36.
Essas ações ocorreram em uma ofensiva chamada “Terremoto do Norte”, que
os rebeldes de Aleppo lançaram para expulsar o ISIS das zonas do norte da província37.
Em outra iniciativa contra o atual EI,
rebeldes de cinco grupos islâmicos –
Frente Islâmica, Brigada al Furqan, o
Exército dos Mujahideen, a Legião do Levante e a União Islâmica dos Soldados
do Levante – declararam, em 17 de maio,
o ISIS como “alvo militar da revolução”,
junto com o regime sírio e seus aliados
em outros países. Em um documento denominado “Contrato diante de Alá”, esses grupos justificaram sua medida a
partir da necessidade de “unificar esforços e fileiras em um marco comum que
sirva aos intereses do povo sírio”, pois o
ISIS “cometeu agressões contra o povo
[sírio]”38.
34
https://tahriricn.wordpress.com/2014/06/26/iraq-and-syria-the-struggle-against-the-multi-sided-counterrevolution/
http://www.rpp.com.pe/2014-02-03-siria-suben-a-mas-de-1-700-los-muertos-en-choques-entre-rebeldes-noticia_666654.html
36
http://www.dailystar.com.lb/News/Middle-East/2014/May-19/256939-general-strike-challenges-isis-in-aleppo-town.ashx#ixzz32COGn43G
37
Idem.
38
http://noticias.terra.com/internacional/asia/rebeldes-islamistas-sirios-declaran-a-grupo-yihadista-como-objetivo-militar, 8c37d96a02106410
VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html
35
24
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ATUALIDADE
Islâmico na Síria
Tais organizações, embora sejam islâmicas, destacaram que devem permanecer “longe do fundamentalismo e do
radicalismo”: “A revolução síria é baseada em valores que visam alcançar a liberdade, a justiça e a segurança de toda a
sociedade síria e de seu diversificado tecido multiétnico, multirreligioso e social”,
acrescenta o comunicado39.
No entanto, o preço de lutar contra o
regime e contra o EI é muito alto para os
rebeldes anti-ditatoriais. Alguns grupos
rebeldes que lutam contra o EI estimam
que até metade das suas forças foram
desviadas para esta segunda frente40.
Por se tratar de inimigos da revolução,
o confronto contra o atual EI e setores do
EI e Al Nusra é progressivo, e os revolucionários devem lutar para expulsá-los
das zonas libertadas da Síria e em defesa
dos Comitês Locais e Conselhos Populares que foram criados em diferentes cidades arrancadas do controle do regime.
Por tais razões, o avanço do Estado Islâmico no Iraque só pode favorecer a
contrarrevolução na Síria. De fato, na
segunda quinzena de julho, o EI lançou
uma nova ofensiva na Síria, na qual ostentou o novo arsenal capturado no Iraque, a maioria proveniente dos EUA,
incluindo cerca de 1.500 Humvees (veículos militares), alguns armados com
mísseis TOW, vários obuses e armas de
precisão. Com essa artilharia pesada,
atacou regiões curdas na Síria, onde agora milhares de combatentes das Unidades de Proteção do Povo (UPP) lutam
contra o EI41.
A presença do EI na Síria, além de ser
uma força militar a mais contra os rebeldes, serve muito ao ditador sírio para fortalecer seu discurso em que se apresenta
como o único “salvador” do país diante
do “avanço do terrorismo”. Al Assad usa
esta carta diante do imperialismo, mostrando-se como imprescindível para der-
As forças rebeldes sírias combatem também contra o EI.
rotar o EI, procurando ser visto pelo Ocidente como um “mal menor” .
Seu objetivo é mostrar-se como um
“aliado confiável” para o imperialismo,
já que, depois do avanço do EI no Iraque, Al Assad chegou inclusive a bombardear algumas cidades dominadas
pelo EI, embora cuidando para não des-
GIVARA. Professora de inglês, combatente em Aleppo.
truir suas sedes ou alcançar objetivos militares importantes.
Em 14 de julho, o vice-ministro sírio de
Relações Exteriores e Expatriados, Faisal
al-Mekdad, assegurou que Al Assad está
determinado a “eliminar” o Estado Islâmico e conclamou os países ocidentais a
se unir à “luta contra o terrorismo”. A
este respeito, o vice-ministro argumentou
que a única maneira de resolver a ameaça de grupos extremistas islâmicos é trabalhar em conjunto com o governo
sírio42.
Em outras palavras, todas as ações do
EI na Síria e no Iraque são contrarrevolucionárias: na Síria porque lutam diretamente contra os rebeldes anti-ditatoriais
e, no Iraque, porque desviam o foco da
guerra civil síria e servem de justificativa
para que a ditadura de Al Assad possa
aparecer como um fator de “estabilidade”. É por isso que o Estado Islâmico é
parte da ampla frente contrarrevolucionária que se abate sobre todo o Oriente
Médio.
38
http://noticias.terra.com/internacional/asia/rebeldes-islamistas-sirios-declaran-a-grupo-yihadista-como-objetivomilitar,8c37d96a02106410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html
39
http://noticias.terra.com/internacional/asia/rebeldes-islamistas-sirios-declaran-a-grupo-yihadista-como-objetivomilitar,8c37d96a02106410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html
40
http://www.economist.com/news/middle-east-and-africa/21603470-rivalry-between-insurgents-helping-him-nowbut-may-eventually-underminehim#
41
http://www.latercera.com/noticia/mundo/2014/07/678-587708-9-bbc-mientras-irak-arde-isis-ataca-en-siria.shtml
42
http://www.prensalatina.cu/index.php?option=com_content&task=view&idioma=1&id=2881151&Itemid=1
AGOSTO DE 2014
25
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ATUALIDADE
Em defesa da autodeterminação de toda a nação curda
E
m meio a essas disputas, surgiu com toda a força a questão do direito à autodeterminação (criação de um Estado independente) da nação curda que vive dentro das fronteiras do Iraque. Nós, revolucionários, apoiamos não só o direito deste povo de decidir
sobre o assunto, mas também o de formarem o seu próprio Estado nacional soberano, a
partir da independência e unificação de toda a nação curda num único ente estatal.
Os curdos, como se sabe, representam uma das maiores nações oprimidas sem Estado
próprio, com uma população de cerca de 40 milhões de pessoas espalhadas por territórios
de quatro países (Turquia, Irã, Iraque e Síria), dos quais 30% estão no Iraque e na Síria.
Apesar de terem historicamente vivido nessas terras (a antiga Mesopotâmia), mantendo sua língua e cultura, sempre foram
oprimidos, perseguidos e sujeitos a todos os tipos de segregação e “limpeza étnica”.
O avanço do EI mostrou que a única força sobre o campo de batalha capaz de pôr algum limite à sua ofensiva são o Peshmerga, forças armadas do Curdistão iraquiano. Assim, a burguesia curda se sentiu mais forte para negociar novas condições
sobre o comércio de petróleo diante do férreo controle que Bagdá exerce sobre ele.
No caso do petróleo extraído dos poços curdos, o Estado “unitário” lhes dá em troca 17% da receita, embora as autoridades
curdas afirmem que não recebem mais do que 10%. Uma possível “independência” poderia dar-lhes a oportunidade de exportar sem a permissão estatal através do porto turco de Ceyhan, algo que já começaram a fazer. Em junho, o Curdistão dobrou sua produção chegando a 360 mil barris por dia (sobre um total de 2,6 milhões produzidos pelo Iraque). No entanto,
existem setores curdos dispostos a abandonar inclusive a luta por um Estado independente no território do atual Curdistão
iraquiano – e mais ainda a luta por um Estado que inclua toda a nação curda espalhada em outros países fronteiriços – para
negociar a permanência dentro do Estado iraquiano em troca de 25% ou mais do bolo1.
A luta dos curdos contra Maliki e o EI é uma luta justa e progressiva, apesar de sua direção burguesa, mas a classe trabalhadora curda não pode confiar nessa direção nem por um segundo.
Defendemos incondicionalmente não só o direito da nação curda de decidir o seu destino, mas também a independência
e a formação de um Estado livre e soberano, unificando tanto a população curda do Iraque como também a da Turquia, do
Irã e da Síria. Esta tarefa, que implica uma ruptura com a política histórica do imperialismo e um confronto aberto com a
burguesia local, não será levada adiante pela atual liderança curda no Iraque. É uma tarefa democrática, de libertação nacional, que cabe à classe operária curda, unida aos povos da região.
1
http://internacional.elpais.com/internacional/2014/06/14/actualidad/1402765801_115263.html#sumario_2
Peshmerga nas montanhas iraquianas.
26
CORREIO INTERNACIONAL
* 16-27 Irak-CI 12 (P)_Maquetación 1 10/08/14 22:53 Página 27
ATUALIDADE
Estamos ao lado da luta independente do povo iraquiano, contra Maliki e contra o Estado Islâmico,
na perspectiva de um governo operário, camponês e popular
Em nossa opinião, a solução para a
crise começa por manter uma posição
de independência de classe. Como
dissemos no início do conflito, na declaração da LIT-QI:
“A classe trabalhadora e o povo
iraquiano não têm nada a ganhar
diante da exacerbação de uma guerra civil inter-burguesa, apresentada
como um confronto entre as confissões sunita e xiita. Esta é uma luta entre capitalistas pelo controle dos
negócios do petróleo, agravada pelo
caos político causado pela guerra e
pela ocupação imperialista. No confronto entre o ISIS e as tropas de Maliki, a classe trabalhadora e o povo
iraquiano não podem se alinhar política e militarmente com nenhum
deles”43.
Vai no mesmo sentido a posição da
Federação dos Conselhos de Trabalhadores e Sindicatos do Iraque (FWCUI),
que publicou uma declaração expressando uma postura de classe e na qual
se refere ao avanço militar do EI:
“(...) os iraquianos em geral rejeitam o ISIS, tanto nas regiões do centro e do sul do Iraque quanto nas
partes do país que já não estão sob o
controle do governo: as áreas chamadas “sunitas” ou o “triângulo sunita”
(...) A queda de várias cidades iraquianas nas mãos de grupos armados não representa as aspirações das
pessoas que vivem nelas. Suas exigências para se livrar do sectarismo
são claras e diretas. Foram expressas
por meio de mobilizações e protestos
não violentos”44.
Sobre o governo de Maliki, afirmam:
“Ao mesmo tempo, os iraquianos
em geral também rechaçam o atual
regime de Nuri al-Maliki e suas políticas, construídas sobre uma base
etno-sectária. É o que vem acontecendo principalmente nas zonas urbanas, onde se concentra a maior
discriminação sectária, e onde o governo trata as pessoas comuns como
inimigos políticos”45.
Também manifestamos nosso total
repúdio a qualquer tipo de intervenção imperialista e de outras potências
regionais, como o Irã ou as monarquias reacionárias do Golfo. Compartilhamos, também neste caso, da
posição da FWCUI:
“Enquanto isso, o governo dos
EUA – a principal causa de todos esses problemas – se prepara para intervir quando for conveniente. Quando
Obama falou sobre os últimos acontecimentos, expressou duas vezes sobre
sua preocupação com o petróleo iraquiano. Mas [não] expressou nenhuma consideração ou preocupação com
o destino de dois milhões de pessoas
que estão agora sob o controle do
ISIS, nem com as mulheres, que começaram a se suicidar em Mosul
como resultado das ações das quadrilhas do ISIS (...)”
“Repudiamos a intervenção dos
EUA e protestamos contra o discurso
impróprio de Obama, no qual expressou sua preocupação com o petróleo e não com o povo. Além disso,
estamos firmemente contra a interferência descarada do Irã”46.
A única saída progressiva nesta
crise virá da ação independente da
heroica classe operária e do povo
iraquiano, que devem se unificar
tanto na luta contra o governo sectário, corrupto e despótico de Maliki
quanto na luta contra as forças reacionárias e teocráticas do EI, na
perspectiva de libertar o país do imperialismo, retomando o controle
dos recursos naturais a serviço do
povo.
Esta é uma tarefa urgente, pois, tal
como a FWCUI afirma:
“A classe trabalhadora no Iraque é
a força comum que existe em todo o
país, desde o norte do Curdistão até
os pontos mais longínquos do sul. É
a força cuja existência e sobrevivência dependem da erradicação
da discriminação sectária e da unificação do povo iraquiano. É a única força que pode pôr fim à
fragmentação e à divisão”47.
Em nossa opinião, isso só será
possível construindo um partido revolucionário e internacionalista, indispensável
para
lutar
pela
instauração de um governo operário, camponês e popular, que sirva
de ponta de lança para apoiar todas
as revoluções no Oriente Médio, a
começar pela revolução síria e a causa do povo palestino, e continuando
pela expulsão do imperialismo da região e a construção do socialismo
em nível internacional.
43
http://www.litci.org/declaraciones/740-declaracion-litci-europa/4454-sobre-la-situacion-en-irak
http://www.litci.org/inicio/newspaises/asia/irak/4479-declaracion-de-la-federacion-de-consejos-de-trabajadores-y-sindicatos-fwcui
45
Idem.
46
Idem.
47
Idem.
44
AGOSTO DE 2014
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